Voz, Partitura da Ação

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AGAYOTIO

ISBN 8 -323·0 12·8

Dados Internacionai s de Ca talogação na Publi cação (CIP) (Câ mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gayotto, Lucia Helena Voz, partitura da ação / Lucia Helena Gayotto. lo : Summus, 1997.

São Pau-

Bibliografi a. 85-323-06 12-8

ISBN

I .Part itu ras 2. Voz I. Título . CDD-792.028

97-3245

Índices para ca tálogo sistemático: I. Voz: Representação teatral

792 .028

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VOZ. PARTITURA DA AÇÃO Copyright © 1997 by Lucia Helena Gayotto

Capa: Raghy Desenho da capa : Maria Eugenia

Proibida a repr odução total ou parcial deste livro, por qu alquer meio e sistema, sem o prévio con sentimento da Editora.

Direitos desta edição reserva dos por SUMMUS EDITORIAL LTDA. Rua Cardo so de Almeida, 1287 05013-001 - São Paulo , SP Caixa Postal 62.505 - CEP 01214-970 Telefon e (0 11) 3872-3322 http ://www.summus.com.br e-mail:editor@ summus.com.br

SUMÁRIO

Apresentação de Lui; Augusto de Paula Souza (Tuto) 7 Prefácio de Fernando J. Carvalhaes Duarte 11 Abertura 15 I Ação Vocal 19 Uma escuta da voz no palco 19 Ação na voz .................................................. ................................ 20 A voz dentro e fora de cena 21 A preparação da voz na cria ção...... ......... .............................. 22 O movimento da voz em movimento 24 As características cênicas na ação vocaL .................. ............ 28 Falar é agir....... ...................... .................. ............................. . 34 II Partitura Vocal.... ................ ......... 37 Recursos vocais na partitura 41 As pala vras e sua natureza no texto e na voz .. 48 Como compor a partitura 52 III "H am-Iet". ......................................................................... ......... 62 Passagem pelo Teat(r)o Oficina 62 Análises das partituras 66 Ophélia 68 Polônio ;....................... 85 Hamlet 102 IV Voz Cênica: Domínio Técnico, Dimensão Criativa 110 Posfácio de José Celso Martinez Correa 118 Bibliografi a

Impresso no Brasil

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COLABORADORES

APRESENTAÇÃO

SUELY MASTER

PASCOAL DA CONCEIÇÃO

AGRADECIMENTOS

Adriana da Cunha, Alleyona Cavalli, Bia Gayotto, Fabiane M. Stefani, Mura Su zana Berlau, Marc elo Drumrnond, Maria Leonor da Cunha Gay otto, L éslie Piccolotto Ferreira, Luis Augusto de Paula Souza (Tuto), Luis Carlos da Costa Gayotto, Sandra Madureira, Silvia Pinho, Teatro Oficina, Vera Lucia Ferreira Mend es , Zé Celso Martinez Correa, aos meus alunos de voz, a todos os ateres que deliberadamente buscam ação vocal.

É com alegria que apresento este livro de Lucia Helena Gayotto. Acompanhei de perto sua elaboração, assim como tenho estado próximo da trajetória profissional da autora. Conheço a aguda inteligência, sensibilidade e inquietação da Lucia, e as vejo intensamente investidas aqui, seja no trato com as técnicas e os conceitos de que lançou mão, seja na narrativa e na análise das experiências que, como fonoaudióloga/preparadora vocal , desembocaram neste livro . Apresso-me em dizer que o leitor encontrará neste trabalho uma combinação de vigor e sutileza na exposição das concepções de voz e de preparação vocal com as quai s a autora opera. Combinação que permite pensar e preparar - de maneira con sistente e inovadora - a voz para seus usos profissionais, mais especificamente para interpretação teatral , mas podendo ser útil também no canto, na locução, na docência etc . São três as razões de ser do livro; as razões que se articulam e se completam. A primeira é a afirmação de que voz é ação, sobretudo se proferida desde os afectos, da capacidade humana de afetar e ser afetado pelo Outro (nossa alteridade). Quando é assim, a autora nos mostra que a voz age (n)o mundo que engendra, tanto em quem a emite quanto em quem a ouve. A segunda razão diz respeito ao fato de que a voz é sempre outra, isto é, uma emissão vocal - articulada ou não - pode ser repetida. mas nunca de modo idêntico; ao contrário, ela traz marcas - mesmo que sutis da singularidade de cada situação ou experiência. É que uma voz com ação, para a autora, é aquela que arrasta, em seu movimento, as sensações e os estados subjetivos inéditos, fazendo com que ganhem existência sonora e transitem até incidirem e ressoarem no seu destino. 7

A terceira razão é da ordem de uma escuta, de um desejo e de uma invenção: construir é sistematizar uma forma de apreender a ação na voz. tornando comunicável sua percepção e potencializando seu uso. A autora desenvolve, na posteridade de Stanislavski , um operador - a partitura vocal- que permite traçar cartografias de emissões vocais, para que se possa perceber e pensar o quanto, o como e o porquê da ação numa voz em um dado momento, bem como suas relações com a fala, com o corpo e com os contextos onde é produzida e efetuada . Isto já seria o suficiente para atestar a fecundidade do livro, mas , no entanto, ainda não é tudo. O modo e as condições que incitaram sua escrita são também fundamentais. A gestação do livro veio de um encontro, não de um, mas de vários. Encontro com o trabalho de fonoaudióloga e preparadora vocal de elencos teatrais no qual Lucia vai desdobrando sua inquietação em relação às concepções de trabalho vocal que isolam as técnicas de preparação e de cuidado vocal dos usos afectivos e de cria ção de sentido pela voz. Encontro radicalmente importante com o Teat(r)o Oficina (Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona) e, por meio deste, com Shakespeare; o que parece ter funcionado como catalisador das transformações que já germinavam, culminando, até aqui, no livro e no amadurecimento de uma posição e de uma prática que põem o conhecimento técnico-científico da fonoaudiologia a serviço da sensibilidade, particularmente na criação teatral, mas também em qualquer outro campo onde o uso das potencialidades da voz faça diferença. O Teat(r)o Oficina acolheu a procura e a experimentação de Lucia, permitindo que ela mergulhasse na montagem que fazia de "Ham-let". Uma dupla articulação : de um lado, com uma companhia de teatro aberta à dimensão trágica da criação teatral, do desejo e das hibridações; de outro lado, e não por acaso, com um texto visceral de Shakespeare. no qual o caráter problemático da existência humana é levado às últimas conseqüências, e onde o par texto/voz tem papel decisivo, como aliás é comum na dramaturgia shakespeariana. Território mais do que propício para que a autora espreitasse a ação vocal, em seus múltiplos agenciamentos com o texto, com a montagem , com a direção da peça, com os atares e com o público. É a partir daí que Lucia desenvolve sua investigação, dialogando também com outros estudiosos da voz e do teatro, entre os quais: Cecily Berry, Grotowski, Eugênio Barba e, sobretudo, Stanislavski. Nesta trajetória, ela vai tomando explícito e operativo seu conceito de ação vocal e compondo as partituras vocais: cartografias e emoções das cenas particularizadas em "Ham-let", por meio dos modos pelos quais os recursos vocais foram utilizados pelos atores. O livro corre por fluxos rápidos e insinuantes, numa narrativa densa e apaixonada. Em última análise, o texto é arrebatador porque, através da 8

ação vocal, toca o in acto ou a vida como processualidade, como algo sempre se fazendo, como um devir permanente. Desta ação a cada vez renovada, ele instila a necessidade e o desejo de expressão e de escuta no encontro com o Outro; o que implica ir além do senso comum e do bom senso, entrando em contato com aquilo que a autora chamou de "forças vitais" . Diferentes sons, silêncios e sentidos nos esperam. Quando nos permitimos escutá-los, eles contagiam pela música, pelos ruídos e pelos ecos de uma voz que não é apenas suporte para estruturas lingüísticas convencionais e utilitárias, antes um sopro/linguagem afectivo que, quando entra em ação, tem o poder de engravidar (engendrar vida) também a língua e a fala. Lui; Augusto de Paula Souza (Tuto) SP/outono/1997

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PREFÁCIO

Em Voz, Partitura da Ação assistimos a um ritual de contato: uma fonoaudióloga, consciente de seu ofício (a emissão da voz) mergulha no teatro de Zé Celso Martinez Correa. Um ritual em que o domínio do fisiológico, do trabalho com os "recursos vocais" é ultrapassado, ou melhor, expandido. Acompanhamos no texto todo o percurso que Lucia Helena atravessa, ao entregar-se à experiência teatral, na busca de sua atuação profissional como preparadora vocal de atores. Os capítulos abrem-se como fases deste ritual : ante s da emissão da voz (para a qual Lucia Helena retorna apenas no final) , é preciso escutar... E aqui ela segue à risca o preceito do próprio Zé Celso (para seu teatro de Relação): o texto todo reveste-se desta entrega a uma escuta ingênua, "não envenenada". Uma escuta, digamos, não muito fácil: a produção da voz neste teatro é sempre mutante, é sempre parte de ações "instauradoras e disruptoras"... Teatro de presentificação, no qual a constante mutação é essencial. Fato para o qual Lucia Helena sempre retoma, em todos os instantes do texto, e toma inclusive como tema de sua conclusão: a ênfase dada à transitoriedade da voz (nunca em demasia) alerta para um paradoxo inexorável que existe entre a variação do fluxo vocal e a tentativa de fixá-la . Depois da escuta, a ação. No texto há sempre um espelhamento: a vivência pessoal é sempre intercalada com a progressiva conceituação de "a ção vocal " e "partitura vocal", um conceito central e de sua aplicação prática. A delimitação se dá em um percurso no qual Lucia Helena se vale de outras experiências teatrais. Neste contraponto com outros preparadores vocais, diretores, atores, são traçadas analogias e semelhanças com sua vivência no Oficina, e, a partir delas, a busca vai tomando corpo. O objeti-

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vo "científico", digamos, é se fazer valer desta experiência singular e caminhar para uma generalização do trabalho do preparador vocal no teatro . Neste contraponto a "aç ão vocal" aparece primeiro como registro do trabalho pessoal de Lucia Helena com os atores do Teatro Oficina e é depois generalizada (o termo em si conjuga Stanislavski e Eugenio Barba: "ação física", "ação sonora"). Intervenção na dinâmica cênica, confluência de "recursos vocais" e "forças vitais" do ator, resultante de sua interação e contracenação, a "ação vocal" é depois utilizada como um conceito para que melhor se entenda /escute a voz do ator, no que ela tem de específico. A partir dele uma interface é proposta, para o qual converge a atividade da fonoaudióloga, da preparadora vocal: a "partitura vocal" . Traços sonoros presentes em uma "ação vocal" são detectados e transcrito s. As diversas modulações vocais tornam-se elementos de uma "géstica" vocal (na medida em que o corpo, em seus gestos, se deixa transcrever...). A "partitura vocal" surge a partir do ator (como resultado final de várias fases de transcrições : "partitura do papel", "partitura interior"...), e volta para ele. Misto de registro e elaboração, ela se define como uma ferramenta de trabalho, tanto para o preparador vocal quanto para o ator: "o desejo da ação vocal leva à elaboração da partitura vocal e vice-versa". A linearidade da notação (um mapeamento de gestos, univocamente transcrito) é apenas aparente: a "partitura vocal" é o instantâneo de uma possibilidade... Voz. Partitura da Ação é uma contribuição tanto para os profissionais da voz, em especial para atores, quanto para fonoaudiólogos e/ou preparadores vocais. Não há, no Brasil, uma tradição do trabalho "técnico" da voz do ator. Esta ausência é talvez responsável pela constante crítica à emissão vocal dos atores brasileiros: há uma rejeição tanto ao modelo de ressonância historicamente proposto (confundindo nece ssidades acústicas da "voz de palco" com a dicção encasacada da "ernposta ção" ) quanto ao trabalho fisiológico com os recursos vocais, visando uma "ortofonia"... Neste ritual de aproximação entre o ofício do fonoaudiólogo à interpretação teatral , Lucia Helena vai paulatinamente chegando às sedutoras descrições de três "ações vocais" individuais . Falas cênicas de "Ham-let", uma montagem do Teat(r)o Oficina, uma ação teatral vivenciada como ponto de partida e de chegada do texto. Acompanhamos as cenas, e os instantâneos sonoros as tornam presentes: "Ophelia", Polônio e Hamlet. Ações, partituras e ... a voz do ponto de vista fisiológico. Chega-se no último capítulo à descrição das vozes de Alleyona Cavalli, Pascoal da Conceição e Marcelo Drummond, atores que "presentificaram" os papéis, e às intervenções da preparadora vocal. O percurso de Voz. Partitura da Ação, do teatro à terapêutica vocal, reflete o percurso inverso daquele vivido pela autora. No final, o texto 12

verte-se sobre o indivíduo, sobre a totalidade que é refletida pela voz que é verdadeiramente singular (fazendo uso aqui de idéias de Edson da Cunha Swain, o "dentista-filósofo", como quer José Miguel Wisnik). Saindo do ortodoxo e caminhando para o paradoxo, acompanhamos a passagem de uma "ortofonia" em direção a uma "para-fonia". Esta sim realmente humana e universal. A in-vocação por último , e antes da leitura: Eureka! Evoé!

Fernando J. Carvalhaes Duarte

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ABERTURA

A voz interfere nas situações da vida quando realizada como ação. Esta pode ser uma busca deliberada para o falante e, especialmente, também um objetivo para o profissional da voz: atar, cantor, locutor, executivo, político, professor e advogado, entre outros. Uma voz que com ação escancare os desejos,' conquiste as intenções no texto, e se dirija aos propósitos de cada profissional, se realizando como movimento vivo e transformador. Foi nesta óptica que comecei a perceber a voz, mais especificamente a do ator. Como fonoaudióloga, era habitual , em terapias e/ou treinamentos, o enfoque nas necessidades vocais básicas para se estar no palco: aspectos como articulação e projeção; e na saúde vocal do atar. Mas, participando de montagens de espetáculo s teatrais, como preparadora vocal de elencos, acompanhando todo o processo criativo desde as primeiras leitura s e ensaios até a estréia do espetáculo, ficou claro que, além de cuidar da voz dos atores e dar conta das suas necessidades, deveria intervir na construção vocal de seus personagens, acrescentando este trabalho àquele habitualmente realizado. Assistindo a espetáculos, notei que algumas vezes a voz estava sintonizada com as características do personagem, mas a maneira de usá-la podia ser prejudicial ao ator ; em outras , ela cumpria as necessidades básicas para o palco, mas estava distante das situações vivida s pelo personagem, muitas vezes incomodando o espectador que não via em cena uma persona; e ainda, casos em que o ator poupava sua voz na tentativa de preservar a saúde, não se permitindo experimentar novas possibilidades de emi ssão. Por todos estes ângulos de escuta havia uma falta que me inquietava, conduzindo-me às questões: Como trabalhar a voz colocan15

do-a não apenas a serviço do ator mas também do personagem? Como concretizar as ações vocais no texto falado? E muitas outras. Observando vozes bem trabalhadas cenicamente, notei que a emissão se afinava com a situação da cena e com as ações do personagem; eram vozes criadas a partir das exigências da peça, atuando decisivamente na trajetória do espetáculo. O desejo de que os treinamentos de voz fossem engendrados pelo processo criativo foi, aos poucos, clareando o que era ação vocal: a voz como "arma" de primeira necessidade para o ator, devendo interagir com as situações cênicas sugeridas pelo texto, pela encenação e na relação com o público. O primeiro capítulo deste livro, ''Ação Vocal" traz a semente desta dimensão a partir de uma certa escuta da voz no palco. Neste contexto, os enfoques do trabalho de voz - necessidades básicas para o palco, saúde dos atores e a construção dos personagens fundem-se, sendo viabilizados e priorizados pela noção de que a voz é uma ação que faz diferença àquilo que está sendo encenado. O preparador vocal participa como um facilitador na procura de caminhos para se alcançar e exercitar ação vocal. Na busca de mapear e praticar ação vocal, absorvi, durante ensaios de peças, o trabalho de interpretação. Observando as anotações que os atores fazem no seu texto, elaborei, a partir daí, um registro da voz cênica, o qual nomeei Partitura Vocal. O capítulo II desenvolve este registro/mapa da ação vocal, de maneira associada às anotações da "partitura do papel", feita pelos atores no texto teatral, que é uma referência importante de trabalho interpretativo no texto. Este capítulo apresenta ainda os recursos vocais escolhidos para análise das partituras e como trabalhá-los em qualquer fala, texto, discurso. Esta partitura da voz falada é mais uma contribuição a um tema que tem sido objeto de interesse de autores nacionais e internacionais. Definir ação vocal e mostrar como ela se dá na voz dos atores, por meio da análise de partituras, abre um campo de intervenção e de compreensão da voz, trazendo subsídios ao trabalho de preparação vocal, assim como instrumentaliza o ator na criação de seus personagens. A prática da ação vocal e a utilização da partitura não se limitam ao ator e ao texto teatral, podendo ser aplicadas a qualquer profissional, em sua criação expressiva, ampliando também o campo de atuação do preparador vocal, seja ele fonoaudiólogo, diretor, ator, professor de oratória ou cantor. O terceiro capítulo, "Ham-let", é iniciado por minha trajetória no Teat(r)o Oficina, pois a concepção de partitura vocal foi retrabalhada quando fazia preparação vocal com o elenco da Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona. Aqui, partituras vocais de três personagens - Ophélia, 16

Polônio e Hamlet - são expostas e analisadas, a partir da emissão de atores desta Companhia, na montagem da peça "Ham-let", dirigida por Zé Celso Martinez Correa. As análises são referenciais importantes para a elaboração de partituras, por profissionais da voz e preparadores vocais, pois como são feitas à luz da concepção de ação vocal, estabelecem ligações entre as características da voz e de suas situações cênicas na interpretação. O capítulo "Voz cênica: domínio técnico, dimensão criativa" encerra o livro. Nele, a preparação vocal e a interpretação do ator são (re)visitados, fazendo da técnica e da criação vocal cúmplices para a concretização do trabalho da arte teatral.

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I

AÇÃOVOCAL

UMA ESCUTA DA VOZ NO PALCO

Ouvi muitas vozes em cena. Absorvi, atenta, as substâncias da voz, seus movimentos e diversidades. Fui percebendo que ouvir os recursos vocais isoladamente não dava conta daquilo que atravessou meus sentidos, que era, com certeza, misto destes recursos com outros elementos da interpretação e das sensações que estes provocavam. Esta escuta permitiu um refinamento no qual a audição reconhece, ao mesmo tempo, as características da voz e sua relação no plano das afecções. Neste estado de escuta, o tom e a intenção, as pausas e o subtexto, o volume e a situação, convergem num fluxo necessário de ação na voz. Sinto que nos momentos em que ouço uma emissão vocal de qualidade, sou arrebatada por uma espécie de "esquecimento" de mim, como se fosse envolvida por uma trama invisível, e só depois é que me dou conta de aquela ter sido uma boa interpretação vocal. Importa não haver "ruídos" interferindo nesta situação. Esses instantes têm algo de pleno em si. Estamos, na verdade, mergulhando no universo da criação artística, onde a consciência entrega-se complacentemente a um prazer estético e se religa a algo vital. Esta voz faz parte do personagem interpretado, acolhe meus sentidos, me abre para devires em cena. Sua tensão, seu "silêncio", seu desejo são apropriados pelo ator e por quem o ouve já como criação, como algo que está nascendo. Uma voz em movimento que não é igual ao que foi ontem; está presente há pouco, agora, e cria o novo a cada minuto; já é um depois. É do "eco" desta situação que brota a elaboração do meu trabalho de preparação vocal. 19

A voz que comecei a ouvir, reparo, é a voz que me afeta, me transporta, me transform a. Age sobre mim. Eu j á sabia disso, mas quanto mais assistia, com esta esc uta aberta para a dimensão criadora, mais sentia, por assim dizer, todo meu corpo escutar. Minh a gargalhada, minh a lágrima, minha revolta, meu desejo , minha indig nação, minha surpresa, eram vibrações produzida s tamb ém por um cantata físico invisíve l, que ocorria quando havia ação na fala do atar.

expressam as intenções e/ou os sentidos vocais na emi ssão. Forças vitais, expressã o empregada por Nietzsche, são aquelas por meio das quai s se opera a relação sensível com o mundo, fundamentalmente no que permite a expansão da vida em seus vários plano s. Dizem respeito, por exemplo, ao que rer, ao imagin ar. ao conceber, ao atentar, ao percebe r... No caso da voz, tais forças sustentam e fazem com que esta venha à tona instigada pelas sensações, afetos, vontades, desejo s.

A çÃO NA VOZ

A voz DENTRO E FORA DE CENA

o f ato de não ha ver sintonia entre pala vras, atas e sentimentos. torna o hom em não só "escravo das palavras ", mas também escravo das convençõ es que as criam, e, p or isso mesmo, "es cravo do sentir injusto ", mio conseg uindo exp ressar seus p róp rios sentimentos. Rosa Maria Dias ' No trabalho de preparação vocal pode haver abertura para o ata r inventar existências na construção da voz do personagem, quando (re)pensa/ (re)vive pela voz a sua nature za. Porém , nem sempre a voz do ata r se atualiza, no sentido de ocorrer renovada a cada momento , em cada novo espetáculo. Algumas vezes é somente a reprodu ção de uma padronização ou estereotipia de voz, uma voz anestesiada pela rotina ou reific ada numa couraça, e não uma voz "viva" , isto é, (re)criada diariamente nas suas relações cênicas. Trata-se, então, de interferir nesse padrão de voz, que tantas vezes é somente a reprodução mecânica de um mesmo tipo voca l para personagens e situações diferentes, e possibilitar a elaboração de novos modos de emissão no trabalho de preparação vocal. Ao atar cabe manter o fresco r de sua criação nos ensaios e nos espetáculos, que podem ocorrer dezenas, ce ntenas de vezes. Ouvir a dimensão criadora da voz do ator é um deixar-se afetar por uma ação vocal que se co nstitui, a um só tempo, de recursos vocais e de forças vitais. Recursos vocais , entendido como tudo o que se dispõe para falar, compreendem: os recursos p rimários da voz - respiração, intensidade , freqüência, ressonância, articula ção; os recursos resultantes, que são dinâm icas da voz - projeção, vo lume , ritmo, velocidade, cadê nci a, entonação, fluência, duração, pausa e ênfase. Estes recursos co mbinados 1. Dias. R.M. Nietzsc he e a música. Rio de Jane iro: Imago. 1994.

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Me lembro do eco como uma das primeiras coisas da minha memória mágica. Como era possível aquela voz que retomava e que se parecia com a minha ? Ficava pensando num interlocutor distante que me sacaneava repetindo tudo que eu fa lava e passava horas divertida s me reouvindo. Hoje, quando vejo ecoar no outro aquilo que fal o. não deixo de pensar no quanto mágico isto é. Acho quefoi daí que veio essa minha vontade de ser ato r. O desejo de que o eco f osse uma companhia. A troca do que se f ala com o que se ouve. O atorfala e ouve o que o público ouviu. Pascoal da Conceição

A voz do atar ganha em cena aj ustes que estão ligados a mudan ças no uso dos recursos vocais integrados às situações do personagem , em sua trajetória no espetáculo. Como, então, compree nder e treinar os recursos vocais em cena? É comum tais questões surgirem durante a prep aração vocal no teatro, na elaboração junto ao ator de uma ou várias vozes cênicas. Na construção vocal do personagem muitas vozes são possíveis, até as consideradas esteticamente desagradáveis ou mesmo com carac terísticas semelhantes à voz disfônica. ' O atar, por sua vez, precisa estar disponível durante seu processo criati vo, desde as primeiras leituras da peça até a estréia, a investigar várias maneiras de expressar vocalmente o personagem na montage m do texto teatral. Na busca da voz do personagem seria desej ável que nenhuma restrição fosse imposta, possibilitand o o máximo de experime ntações pelo atar. 2. "Qualquer dificuld ade na em issão vocal que impeça a produ ção natur al da voz conti gura uma disfonia. Essa dificuld ade pode ser expressa através de uma série ampla de alterações. como esforço à emissão. diticuldade em manter a voz. cansaço ao falar. variações no tom habitual. rouquidão. falta de projc ção adequad a. etc." Behlau, M. ; Pont es. PA. L. Avuliução global da voz. São Paulo: Paulista Publicações Médicas. 1992. p.17.

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Teoricamente, pode-se até idealizar estados propícios à manifestação vocal, porém na prática o que se vê é que os recursos vocais apropriados para o palco, os possíveis distúrbios vocais decorrentes do seu ofício e a construção vocal do personagem estão mesclados, num momento ou noutro, na preparação vocal - nos treinamentos com elencos teatrais ou em fonoterapia. Neste trab alho é nece ssária a procura de "entradas" que permitam conj ugar a intervenção na voz do ator e na do person agem , percebendo suas especifi cid ades e penetrando na zona que funde os recursos fisiológicos com as f orças vitais na produção vocal. Este encontro, evidentem ente, pode se dar, sob ce rtas circ unstâncias , na voz de qu alquer pessoa e, por isso mesmo, ocorre tant o na voz cênica quanto na voz não-cênica do ata r. A diferença na produção de voz no teatro é que neste há a busca deliberada, intensificada e sistemática de promover, o mai s pos sível, este encontro na construç ão dos person agen s. Quando na emi ssão da voz cên ica se fundem as forças vitais e os recursos vocais, tem- se o que será chamado de ação vocal : a voz interferindo decisivamente na situação cênic a e, conseqüentemente, afetando os rumo s do espetáculo e atando o esp ectador.

A PREPARAÇÃO DA VOZ NA CRIAÇÃO É inevitável todo atar passar pelo momento em que ele perde a

voz várias vezes, mas se ele tem conj ugado com isso, todo um trabalho científico e poético, ele novamente aprende a fa lar, a balbuciar de novo... Eu acho que a voz é uma coisa que cada peça inventa, cada peça talvez derrube as vozes que existem, construindo outras, sendo necessário aprender a fala r tudo de novo. Zé Celso Martinez Correa' Na perspectiva fonoaudiológica, o trato com a saúde vocal do ator e com a construção vocal de seu personagem às vezes é realizado separadamente, como se fossem universos distintos: o trabalho restrito ao aprimoramento dos recursos vocais - atuação mais tradicional da fonoaudiolog ia - funciona apenas como um suporte à construção criativa dos personagens - trabalho do diretor e dos atores. Na verdade, pude perceber que não se trata nem de se limitar ao aperfeiçoamento dos recursos vocais e nem de tomá-los exclusivamente como suporte fisiológico à atividade teatral propriamente dita.Trata-se 3. Este trecho faz parte da ent revista que me foi conced ida pelo d iretor teatral Zé Celso Martinez Correa da Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona , em 1994 , durante a temporada da peça " Ham-let ", dirigida por ele.

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de preparar a voz, desde o início, articulando a saúde vocal do ator com a realidade e a necessidade de seus usos cênicos e, mais do que isso, trata-se de trabalhar os recursos vocais implicados na criação. Este caminho vem fazendo com que minha atuação como preparadora vocal situe-se na intersecção de dois campos: o técnico-científico e o teatral, colo cando o primeiro a serviço das exigências éticas e estéticas do teatro, especialmente na criação vocal dos person agen s e na pre servação e promoção da saúde dos atares. Trabalhar a voz cênica envolve, muitas vezes e ao mesmo tempo, o trein amento de atares que fazem abuso ou mau uso vocal, o trab alho com as necessid ade s vocais para o palco e a construção vocal do personagem; e isto pre ssupõe o conhecime nto da voz nas circunstâncias cên icas e nos entrechos emocionais específicos às suas cenas. O conhecimento nece ssário a essa preparação seria similar ao da voz do ser hum ano em diferentes circun stâncias da vida cotidiana fora do palco? Ou seja, este conhecimento seria equivalente ao da voz não-cênica do ator? Há, obviamente, semelhanças entre as du as vozes, mas também diferenças básica s entre a produ ção da voz não-cênica e da voz cênica do ator. As exigências fundamentais de projeção no espaço e articulação na emissão da voz cên ica diferem da não-cênica , na qual , por exemplo, as condições de espaço são outras. E tamb ém , por outro lado, a exibição de uma variação emocional constante exige ajustes vocais cênicos que "tra nsgrid am" a voz habitual, do dia-a-dia, e isto está diretamente ligado à vivência que o ator terá de seu per sonagem . A trajetória da construção vocal do personagem vai se delimitando por intermédio de um estudo aprofundado feito pelo atar. Este estudo se dá em vários níveis, em práticas corporais e vocais e na investigação das emoç ões e intenções do personagem que o ator quer encarnar. Quanto mais instrument alizado o atar estiver para revelá-las por meio da voz, mais potencializado estará para manife stá-las naquele persona gem específico. Há um movim ento do atar buscando expr essar- se vocalmente na pre sentificação de seu personagem , que vem estruturado pela escrit a de um autor; pelo texto atravessado por conjunções de situações diversas; por um per sonagem que realiza um caminho próprio dentro dessa história ; pela direção e pela interpretação do ator em sua épo ca. Desta maneira, cad a som, cada palavra de ste per sonagem é - ou poderia ser - emb ebida por sua singularidade, situada na contracenação com os out ros atore s e com o público ouvinte/atuante. Ao atar não é dado o direito de repetidamente todas as noites "recitar" uma melodia petrifi cada, entoada por uma curva de estereotipia cênica. Em movimento permanente deve manter sua voz "viva" , em harmonia 23

com o espetáculo e com o público. "Ele não ouve apenas a sua voz, mas ouve agora a voz do público."! Nesta perspectiva, vai se definindo uma voz cênica ativa, uma ação vocal plugada no contexto cênico. Ela se constitui com atitude, porque não representa meramente o personagem ou a história da qual faz parte, mas faz (a) história em seu movimento vivo: recria quando interpreta, multiplicando, ao mesmo tempo, as possibilidades vocais quando diariamente revive sua trajetória. O trabalho de treinamento vocal do ator deve ser referenciado por açõe s vocais, nas quais o uso atualizado da voz está mais presente e fala da necessidade de sintonia entre evocação, atos e sentimentos e, portanto, de uma linguagem veraz. Pressupõe um adentrar do ator na voz do personagem, que é, assim, vivenciada por ele e presentificada - aos vivos - e não mera representação de um tipo vocal. É um pensar sobre si, numa constante transmutação vocal. "Neste estado é ele, misteriosamente, idêntico àquela imagem do conto de fadas que pode revirar os olhos e ver a si mesma; é ele agora, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, poeta, ator e espectador."

o MOVIMENTO DA VOZ EM MOVIMENTO É difícil achar uma extravagância na linguagem, uma música que

vá além de seu uso cotidiano, e acho que a saída tem de ser através de uma forma de liberação física: eu não estou falando de movimentos amplos, mas simplesmente da consciência de que as palavras são em si mesmas movimento - e isto é bastante sutil. Parece-me mais apropriado expressar grandes emoções através da dança e do canto, do que por meio das palavras e inflexões que usamos no cotidiano; então, temos que ficar atentos às nossas atitudes no trabalho prático que nos ajudarão a conquistar esta liberdade. Cicely Berry" 4. Chacra, S. Natureza e sentido da improvisacão teatral. São Paulo: Perspectiva, 1983, p.62 5. Nietzsche, apud Dias, op. cit., p.43. 6. Berry C. The actor and the texto Nova York: Aplause Theatre Books, 1992, p.23. "It is difficult to find an extravagance in language, a music wich is perhaps beyond our everyday usage, and I think the answer has always to be through some form of phsysical release: Iam not talking about large movements, but simply an awareness that the words are themselves a movement - and this is quite subtle. It would seem more appropriate to express large emotions through dance and song than through the words and inflections that we use every day, so we must now look at our attitudes to the praticaI work that will help us through to this freedorn," As citações diretas de livros em inglês, usadas neste livro, foram traduzidas livremente por mim.

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O ator fala. Todos nós falamos. Muitas vezes nos repetindo, não nos arriscando em novas possibilidades de movimento vocal. Quando trabalhei, em dança, as dinâmicas de movimento descritas por Laban,? percebi que conhecer e experimentar o movimento de sacudir, flutuar os braços, pontuar partes diferentes do corpo e outras dinâmicas era fundamental para minha dança e, mais do que isto, importante para a relação do meu corpo em seus movimentos, na descoberta de suas potencialidades. Mais tarde, trabalhando a voz dos atores e a minha também, reparei que podia brincar com as dinâmicas e ritmos da voz, o que se afinava ao conhecimento e ao experimento dos recursos vocais. Nesta vivência, elaborando palavras, sons, textos, percebi que a emissão era em si movimento, ou potência de movimento. Mas, em qualquer situação de fala, os movimentos dos recursos vocais não podem ficar fechados em si, ou seja, a mobilidade pela mobilidade; precisam ser objetivados. Então, nos treinamentos vocais com atores, este pressuposto ficou transparente, pois a voz em cena não pode ser simplesmente o mover-se, o virtuosismo vocal. Não é suficiente para o ator ter um "vozeirão". No palco, a voz tem de ter força para fazer a cena, estar em situação. Daí que todo o leque de possibilidades de movimento da voz, no uso de seus recursos, deve ser vivido por quem trabalha a voz profissionalmente e, para além disso, experenciado como ação vocal. Quando o ator fala no palco assume uma outra postura, tomada por uma energia intensificada, diferente da vida cotidiana, passando a um outro "estado". Revela, aí, o que já era a priori visível- seu corpo e sua voz - , mas que pela acentuação de diversas dinâmicas é (re)conhecido em sua nova disposição cênica. Nesta outra postura, a voz deve ser (oo.) tanto na sua componente semântica e lógica quanto na sua componente sonora, uma força material, um verdadeiro ato que põe em movimento, dirige, dá forma, pára. Na verdade, pode-se falar em ações sonoras que provocam uma reação imediata naquele que é atingido. Como uma mão invisível, a voz parte do nosso corpo e age, e todo o nosso corpo vive e participa desta ação. O corpo é a parte visível da voz (oo.) A voz é o corpo invisível que opera no espaço. Não existem dualidades, subdivisões: voz e corpo. Existem apenas ações e reações que envolvem o nosso organismo em sua totalidade."

Por meio de seus ensaios, o diretor teatral Eugênio Barba começou a usar o termo ação sonora e observou a relação entre a dimensão física e as forças vitais: 7. Laban, R. Domínio do movimento. Trad. Anna M.B. de Vecchi, Maria S.M. Netto. 2. ed. São Paulo: Summus, 1978. 8. Barba, E. Além das ilhas flutuantes. Trad. Luis Otávio Burnier. São Paulo/Campinas: Hucitec/Editora da Unicamp, 1991, p.56.

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Aquilo que para nós, anteriorme nte, tinh a sido um postul ado: a voz ·é um processo fisiológico - tomou- se, então, realidade palp ável que engajava o orga nismo inteiro e projetava no espaço. A voz era um prol ongam ento do corpo, qu e através do espaço go lpeava, tocava, ac ariciava, ce rcava, empurrava ou sondava à distância ou a poucos centímet ros".

quando perguntaram a Tommaso Sa lvini co mo é que ele, com sua idade avança da, enc ont rava for ças para gritar com tant o vigor em certo pap el , ele retru cou "Eu não grito, vocês é que gr itam em meu lugar. Eu somente abro a boca. A minha função é levar gradualmen te meu papel até o seu pont o culmi nante e depois disso feito. o público que gr ite, se sen tir que é preciso." "

Isto significa perceber a voz como uma força cêni ca capaz de modificar a situação, os atores e o públi co. Cicel y Berry,' " no seu trabalho de preparação voca l, fala : "Depois que as pala vras são dit as, nada permanece exatamente igu al". E pro ssegu e afirmando que , em tre inamentos com a companhia do diretor Pete r Brook, repentinam ente apercebeu-se de como era importante pen sar sobre as palavras desta maneira, visto que elas se tomam uma força ativa, não somente para o atar, ma s também para os vários personagen s interpretados. O diretor teatral Zé Celso Martinez Correa.!' referindo-se a Stani slavski, diz:

Falar em intensidade fort e no palc o, então, não deve ser somente necessidade do atar, mas prin cipalmente, e ao mesmo tempo, dirigido aos propósitos do per son agem , poi s as pala vras devem vir esposadas pelo s cont extos. Neste sentido, na voz do ator há uma necessidade de aç ão, de uma fala penetrante, na qual os recursos vocais são elaborado s de manei ra abrangente. Ela deve resultar na criação ou modificação da realidade, como gerador de impa cto sobre alguém ou algum a coisa, que toma atitude, faz acontecer. Comunicar-se em cena pressupõe agir sobre o outro por meio de uma linguagem que "além de repr esentacional, comunicativa e expressiva, é co mponente na criaç ão do real , na produção de sentido (.,,)".14 O conceito de ação vocal pretende uma emi ssão em acordo com a ação cênic a e não uma voz apenas dramatizada, distante da realidade do texto . Ela deve ser con struída em harmonia com a cena, para que se efetue como acontecimento expressivo concreto, vivo , que fuja dos clichês vocais vazios de sentido, contendo em si me sma todo s os elementos do personagem : psíquicos, culturais, situacionais, corporais. Quando ocorre de fato , o ouvido do ator, atent o à expressão, se reconhece na voz , em seu desenho melódico . A audição satisfeita reforça o ato da fonação em acordo com o personagem. Mas se, ao contrário, hou ver uma disson ância entre a produção vocal e o personagem, isto leva habitualmente a um padr ão estereo tipado de em issão. Assim , a ima gem do personagem apresenta-se aos olho s do público tecida, também, pelo s recursos vocais que revêem e co mpletam sua natureza. A ação vocal se dá tamb ém num plano invisível, mobilizando sensações, impressões. Desloca-se não apena s fisicamente, através de ondas sonoras, mas pelos sentidos e afetos que provoca no encontro entre os personagen s, e destes com o público. Deve comunicar as nuanças mais impalpáveis do pensamento e do s sentidos. As palavras de um texto possuem ilimitadas possibilidades de mo vimento, assim como o mover-se corporalmente. Um enunciado, um texto

o desejo sa i pelo sopro , o sopro passa pel a co rda e a co rda toca a fala, " phala" inclusive co m ph, a fala fá lica . Stan islavski também falava bonito isso , que era necessário você soprar no sopro a ação, para a açã o acontecer na ação da fala, para a fala agir também, para fala cami nhar, pa ra fala interfer ir, para fala ter vid a, ter tanta vida que ela vai vira ndo ritm o, qu e ela vai vira ndo música. A voz ganha uma qualidade de moviment o, pois age no acontecimento cênico. A fala vem acompanhada pel o percurso do personagem , no qual , por exemplo, o ápice de uma proje ção de voz é tamb ém um momento emotivo culminante do personagem. Norm alm ent e aumenta mos a energia do so m, o volume, se m estar em equi líb rio com a e ne rgia ve rba l do per son agem . Ago ra , a e ne rgia requerid a par a co mpart ilh ar a voz co m um gra nde núm ero de pessoas some nte em part e tem a ver com vo lume , mas tem tud o a ver co m co mo nós pre en ch em os as pal avras de

sentido."

Assim, os recursos vocais podem ganhar uma amplitude que, quando acontece, corporifica o personagem e ata o público. O ator, neste estado, é capaz de perceber plenamente esta atm osfera. Por exemplo, 9. Op. cit., p.62. 10. Berry, op. cit. , p.20. "After words are spoken, nothing is quite the sarne again," 11. Op, cit. 12. Berry, op. cit., p.21. "ln fact we increase the sound energy, the volume, but do not increase lhe verbal energy to balance with it. Now lhe energy requ ired lo share with a large number of people is only partly to do with volume. but it is ali lo do with how we fill the words themse lves."

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13. Stanislavski, C. A construção da personagem . Trad. Pontes de Paula Lima. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986, p.17 1. 14. Souza, L.A .P. "Li nguagem, represe ntação e alteridade". Cadernos de Subje tividade. São Paulo. Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subje tividade, Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP, v.2, n.1 e 2, p.79-86, mar.lago. - set.zfev, p.80.12.

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inteiro , pod em e devem ser elabo rados co mo ação vocal, pois a pal avra destitu ída de situação perde vigo r. Realizar ação vocal amplia o uso dos recursos vocais na cr iação, ou seja , abre as co mbinações e possib ilidades de mo vimento da voz em cena , prática essencial para o ator e para o preparador vocal.

As CARACTERíSTICAS Ct NICAS NA AÇÃO VOCAL (...) é necessário fa lar de ações sonoras exatamente CO IlIO se fa la de ações fisicas. (...) Este tecido das ações sonoras - em conflito mútuo. complementaridade e contraponto - se entrelaça com o tecido das açõesfisicas, das situações (...). Eugenio Barba i; No começo de ste séc ulo, fez muito sucess o em Moscou a montagem do espetácul o "As três irmãs", texto de Tchecov, co m direção de Stanislavski. Sucesso que fez com que a peça se mantivesse em carta z durante muit o tempo. Assim, muitos espectadores viram o espetáculo bem mais de um a vez. Ficou fam osa um a "brincade ira" feita pelo públi co que, a um fim de co nversa, um fim de assunt o, um silêncio, um vazio, alguém interrompia propondo: " Vamos ao teatro ver co mo estão passando as três irmãs?" Como é que isso pode acontecer? Como é possível um espetáculo se renovar de maneira a apresentar-se sempre como sendo a primeira e única vez? Só um espctáculo carregado de algo muito vivo e novo poderia sugerir um interesse assim no público. Stanislavski no teatro é uma referência com quem todos continuam aprendendo muito, seja pelos livros que escreveu, seja por aqueles que de muitas forma" deram continuidade a seu trabalho. Ele não se achava criador de um "método" para atores, por acreditar que a Arte. com A maiúsculo, como ele chamava a arte do teatro, era possuidom de uma amplitude na qual não caberia a couraça de uma concepção, de um modo prático, um exercício, um "manual de como ser ator". Mas, embora reconhecido como um dos grandes teóricos do teatro, Stanislavski foi também um homem da cena, exercendo numerosas funções na produção dos espetáculos, o que lhe deu a oportunidade de escrever pela óptica daqueles que sofrem a" angústia" do fazer teatral. Em qualquer tentativa qu e se faça para co mpree nde r o teat ro. se estará, sempre, tan genciando se u se ntido ma is pro fund o, pois sua natureza abarca mai s mistérios c, ... do qu e possa sonh ar noss a vã filosofi a." Isto não imp ede a refl exão sobre os aspectos que fazem do teatro um ofício práti co 15. Barb a, op. c it., pp.80 e 83 .

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e árduo trabalh o de criação. Nos muitos livros que escreveu so bre a Arte, Stanislavski várias vezes deparou co m esta questão . Ser ão a q ui de sc rit a s a lg u mas d a s expre ssõ e s c u nhadas por Stani slavski , que compõem uma espécie de glossário das características cênicas: açã o física, superobjetivo, objetivos, situação, intenção e subtexto dentre outras. E também a maneira pela qual a manifestação da ação vocal, nessas características, interfer e e co mpleme nta o trabalho de cr iação artí stica do int érprete.

Ação Física Qualquer coisa que ocorra no palco, mais especificamente ligada ao corpo e à voz, deve acontecer com algum propósito. Uma in~ic açã? de movim ent o. co mo and ar, vem objetivada por um co meço e um fim . sair de um lu crar a outro. Andar, efetivando -se co mo ação fís ica, é preenchido de um CO~lO e um por qu e, de uma intenção obje tivada . Porém , a ação física não está es trita me nte ligada ao movimento co mo forma de deslocamento, e pode ser a própria imob ilidade, o estar parado, plen o de ativida~e intencional do atar. Somente quando a ação é obj etivada tendo, con sciente ou inco nsc ienteme nte, uma justifi cação, um motivo par a ser, é que ela se efe tua em aco nteci mento interpretativo: não se trata de representar o andar pelo mo vim ento em si e, sim, andar co mo ação física. O mesmo podese dizer do ato da fala em ce na. A ação físi ca, tal qu al defin ida por Stan islavski , é até hoje amplament e usada por atores e diretores no pro ce sso de co nstrução dos personagen s. O ator se pergunta: O qu e eu faço para sati sfazer minha intenção, os obje tivos do per son agem? Stani sla vski dizia aos ata res : Não perguntem o qu e o personagem se nte, mas o qu e e le faz. (...) " Em cena, vocês têm se mpre de pôr alguma coisa em ação. A ação , o movimento. é a base da arte que o ato r persegue (...) não atue m de um modo ge ra l, pela ação simples me nte, atuem se mpre co m um objetivo," !" A ação física é defin ida, por Stani slavski, tanto em rel ação ao co rpo qu ant o à voz do atar, porém foi de senvolvida mais det alh adamente em rela ção ao corpo. Ape sar de dedicar vários capítulos aos recursos vocais, Stanisla vski não desenvolveu es pecificame nte a ação vocal. Por isso, no presente livro , a descr ição de ação física es tará se referindo ao corp o, mesm o co nsiderando corpo e voz, juntos, em ação. A noção do que é ação física serviu de ba se par a (re)e labo ração do con ceito de ação vocal. Stanislavski diz: "O corpo é co nvocáve l. Os sen16. Sta nislavski , C. A preparação do ator. Trad. Pontes de Pau la Lima. 10. cd . Rio de Jane iro: Civilização Brasileira. 199 1. pp.64 -7.

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timentos são caprichosos. Portanto, se vocês não puderem criar espontaneamente um espírito humano em seus papéis, criem a entidade física do papel ". 17 A necessidade de um trabalho de preparação vocal mais ligado ao processo criativo do ator conduziu-me a este estudo. Na ação física, os objetivos e as intenções do personagem deveriam ficar expostos; da mesma maneira, a vida verbal do personagem deve ganhar materialidade e ser trabalhada em forma de ação. Como afirma Berry," a conexão entre a vida física e a verbal do personagem deve ficar aparente e palp ável , não só para o ator, mas também para o espectador. Deste modo, a açã o física e a ação vocal ocorrem em comunhão fazendo a história acontecer. O texto requer ação, a ação pede o texto para manifestar-se. Assim, a interpretação do ator tem na fala um movimento de atitude que traduz a própria ação cênica.

Esses acontecimentos são conhecidos pelo ator e, de certo modo , até pelo pe~onagem, porém aquilo que se sabe desde o início não o impede, como a Edipo, de ir até o fim na expectativa de que em algum momento seja dada a vitória sobre o imponderável. Cabe ao ator correr esse risco e fazer de cada um desses momentos um salto entusiasmado do trajeto, que arremessa o personagem ao seu superobjetivo, na sua instigante e intrincada trajetória. A fala do ator é também uma ação que se dirige a um superobjetivo, por intermédio de um fio de ten são invisível que liga todas as cenas e cria sentidos a cada recurso de voz que brota na açã o vocal. O texto falado é movimento que não está separado de nenhuma outra ação da peça; depois que é dito mais um degrau terá sido ultrapassado . Será definitivo e modificador de todos os acontecimentos que o antecederam, projetando o personagem ao devir.

o Superobjetivo e oObjetivo

Situação

Quando se tem pela frente um papel a cumprir, tem-se desenhado, a partir do texto, um percurso com começo, meio e fim. Essa trajetória é feita de inúmeros acontecimentos que, como uma escada, vão se fazendo pouco a pouco. Visto assim, cada lance da escada compreenderá, então, um acontecimento coberto de sentidos e dimensões, que deixam ver a humanidade do personagem. Se cada degrau, imaginado um a um como uma seqüência de lances fulminantes, fosse considerado como a conquista de um objetivo, o último lance da escada, o local da chegada, seria o superobjetivo do personagem. Édipo, per sonagem da tragédia de Sófocles, sabe por um oráculo que seu destino será casar-se com a mãe e matar o pai. Foge então daqueles que ele acredita serem seus pai s, na verdade pais adotivos, com o intuito de protegê-los do de stino previsto pelos deuses. Durante sua viagem de fuga , mata um viajante que se põe em seu caminho. Continua em direção a Tebas, cidade que sofre o flagelo do enigma imposto pela esfinge , devoradora de todos que não o dec ifram. Édipo decifra e derrota a esfinge e como prêmio casa-se com a rainha de Tebas, ocupando o trono vago em virtude da morte do rei. Em Tebas um novo desafio: encontrar e punir aquele que matou o anti go rei . Édipo incita toda cidade a procurar o criminoso, para o qual prevê o maior dos castigo s. Ma s o assassino de Laio , rei de Tebas, que se casou com a rainha Jocasta, é Édipo. Ele cumpre, assim , o destino proferido pelo oráculo de Delfos. Desesperado com a de scoberta, arranca os próprios olhos e tem fim esta primeira parte da tragédia.

Na vida estamos sempre em situação. Ontem, há poucas horas , agora, estamos em situação. Em cena é necessário reaprender a estar nos lugares com esta propriedade. O recurso vocal de velocidade rápida, por exemplo, num dado momento, flui e conduz uma cena de urgência. O ator utiliza este recurso quando naturalmente se percebe em situação . Outros recursos obviamente são usado s, mas, neste exemplo, a velocidade rápida é o que mais aproxima o ator da situação do personagem, e, portanto, se sobressai. A prontidão de estar em situação traz uma agilidade, quase pontual, em que o ator parece não "perder" nenhuma fala, está sempre "afiado" com seu texto. Estar em situação é localizar-se geográfica e afetivamente em cena. O personagem está sempre fazendo parte de algo que acontece num lugar, com alguém ou sem alguém, num momento articulado a outros momentos, do s mai s variados modos . Localizar-se geograficamente é atuar com a atenção em tudo que nos cerca quando estamos em cena: pessoas, coi sas, lugares, temperaturas, son s, luzes etc . Da mesma forma, uma " localização afetiva" é a que leva o ator a se orientar no plano das afecções: emoções, memórias, perspectivas, desejos, dores, pressas etc . Há um monólogo de Tchecov chamado "Os malefícios do tabaco" em que Cheirão, o personagem, por obra de sua mulher, se apresenta à platéia para uma conferência sobre os male s que o tabaco traz a saúde. A mulher de Cheirão, que aliás não está presente à conferência, é uma matrona ditatorial, dona de uma escola para moças, onde ele trab alh a como um asno sob os maus-tratos desta criatura. A conferência que ela mesma arranjou para que ele proferisse não é o que ele gostari a de estar fazendo ali, naquele momento, com aqueles que lá estão . Assim, vai contando sua vida, seus sonhos de juventude, sua amargura , seus arrependimentos e seu de sejo

17. St ani s1avski, C. A criação de um pap el. Trad. Pontes de Paul a Lima. 3. ed. Rio de Jane iro: Civi lização Brasileira, 1987 , p.169. 18. Berry , op. cit.

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mais inconfessável que é o de correr, correr, e ficar como um espantalho, olhando as estrelas, no meio do campo. Tudo isso, interrompido abruptamente algumas vezes pela possibilidade iminente da chegada da mulher. Por fim, dado o adiantado da hora, encerra a conferência, sem, no entanto, antes se dirigir suplicante à assistência pedindo a todos que não contem à sua mulher o que aconteceu ali, naquela noite . "Se ela perguntar, digam que foi feita a conferência, como estava combinado." E estando todos de acordo, dá por encerrada a sessão, agradece e sai. O lugar onde está, o público da conferência, o dia de hoje, a hora, suas emoções. É essa situação vivida por Cheirão que trará, tanto para o personagem quanto para o ator, informações das quais seu trabalho tirará proveito para tornar mais clara e sensível sua atuação. A atuação não é uma abstração, uma ausência; ao contrário, ela se determina pela presença, daí a importância de trazer para os sentidos esse reconhecimento geográfico e afetivo que, mesmo se não for aplicado à interpretação, não poderá nunca ser ignorado. Uma interpretação viva entenderá sempre que não é a mesma coisa interpretar em lugares, dias, horas, situações diferentes, e tirará proveito dessas possibilidades. Este será um reconhecimento provocativo para uma disposição prática a mais viva possível. Porque isso é importante: o personagem conduzindo o ator a atuar verdadeiramente frente ao caráter singular da situação em que se encontra. Intenção Em "Esperando Godot", texto de Samuel Beckett, dois mendigos esperam ao pé de uma árvore aquele que é motivo de toda sua caminhada até a cena: o senhor Godot. Haverá um encontro e, como ele disse, seria numa estrada, próximo a uma árvore. Então, sentam e esperam. Pausa. Todas as ações foram cumpridas, localizadas geograficamente, objetivo realizado, tudo agora é esperar o senhor Godot. Pausa. Godot não vem? Será que estamos no lugar certo? Quem é Godot? Por que esperamos Godot? As intenções do ator e do personagem estão vinculadas à vontade, ao desejo, ao pensamento. Elas podem referir desde o conjunto dos motivos do autor ao escrever uma obra até a sua manifestação na voz do ator. Está ligada a um vir a ser que pode se atualizar com a chegada do senhor Godot. As perguntas dos personagens e suas ações no texto de Beckett vão determinar no campo das intenções as mais variadas possibilidades, tanto para quem pergunta quanto para quem ouve a pergunta. O ponto de interrogação, como um anzol, mergulha no desconhecido e sempre traz de lá uma surpresa. O jogo da cena se apropria sobretudo desta aventura, em que a intenção pincela cores e desenhos inimaginados. Recursos vocais, como a entonação, trazem em suas curvas melódicas intenções que, inte-

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gradas à ação geral, criam no ouvinte um corpo imaginário para investigação dos muitos sentidos que compõem uma obra de arte. E esse é o seu movimento, sua tempestade que sacode o campo das idéias preconcebidas sobre os significados das coisas. A intenção, portanto, regida pelo querer, instigada por uma necessidade e conectada ao texto, ao autor e, por conseguinte, ao personagem por meio dele ao ator, ao diretor e ao público - , gera movimentos que se efetuam pela voz e pelo corpo, determinando ação. Subtexto I

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Quando pela primeira vez alguns atares encontram pela frente um texto de Shakespeare, com falas imensas, páginas de monólogos, têm como primeiro impulso o desejo de reduzir todas aquelas falas à metade, senão a um quarto ou menos. A impressão é de que tanto texto é desnecessário e com poucas palavras se poderia transmitir plenamente todo o univer so tocado pelo autor. Mas a leitura aprofundada do texto, o conhecimento mais amplo da situação, dos desejos que ali estão, objetivos, superobjetivos, acabam colocando-nos frente à seguinte conclusão: o texto é pequeno para tudo o que se quer dizer, e mesmo depois de tantas vezes representado fica a sensação de não ter dito tudo, de faltarem palavras para trazer à tona a fúria de um rei Lear, o horror de Macbeth, a questão de Hamlet, o ciúme de Othelo, e um caldo imenso de sentimentos inominados que passam pela obra do grande autor que é William Shakespeare. Por ele é possível comprovar que o texto é uma pele, um tecido a cobrir a carne, os ossos, o sangue , as vísceras de uma humanidade inaudita, oculta, impronunciável, profunda, milenar, que cada palavra exige para ser manifesta. A compreensão dessa dimensão da fala é que faz com que tenhamos a emissão vocal cênica como algo que não pode se dar numa enunciação impensada, como mera tagarelice ou fala decorada. O ator se apropriará daquilo que diz, se dando como terra para as palavras e fará suas as raízes dessas palavras, o que será o seu subtexto. A formação dessas raízes se dará por intermédio da compreensão e elaboração dramática, com o ato r atento a todas as sugestõe s e situações trazidas pela peça. O texto escrito será recriado na encenação sob o qual será escrito um outro texto de desejos, objetivos, intenções: o subtexto. O diretor e os atares produzirão esses fluxos subtextuais a partir das interpretações que fazem , dos elementos que acrescentam e retiram do texto e dos modos como os transformam em realidade cênica. Eles criam uma história singular, uma corrente subtextual, conectada ao enredo do texto teatral. Esta corrente subtextual age como um impulso que impele à emissão. Este subtexto se deixará ver impresso na voz, no corpo do atar e se manifestará por meio. também, de suas intenções.

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A idéia do subtexto, um outro texto não dito mas tecido no seu subsolo, abre para a criação um imenso campo de possibilidades. O subtexto permite ao atar emitir recados, num texto não visível mas que está sendo ouvido de diferentes maneiras, percebido pelos sentidos dos presentes. O autor, ao escrever o texto, deu a ele a dimensão de seu tempo. dentro do contexto e objetivos que ele pretendia atingir. Mas por meio do subtexto é possível criar e até ampliar perspectivas sugeridas pelo autor, que vão dar contemporaneidade ao texto. A interpretação é sempre uma associação livre de idéias, sensações, percepções, com a ambição de tocar o homem nos terrenos mais diferentes e desconhecidos. Quando o intérprete entra em cena, ouve e está sendo ouvido, reage a incontáveis estímulos do espetáculo. Esses estímulos estarão sempre à disposição do ator para invenção de novos sentidos subtextuais ao texto que ele terá de dizer.

FALAR É AGIR

Pode-se dizer que aação vocal começa a realizar-se mais freqüentemente em estádios mais avançados do processo criativo. Nesta fase, a aspiração do atar em executar ações físicas e vocais, como derivação das vontades criadoras, é muito forte, como se não fosse possível conter seu corpo e sua voz. Neste momento as palavras do texto são como "armas para entrar em ação", e é bom que se espere até que estas se tornem de primeira necessidade para a execução de seus objetivos. Vocês logo compreenderão, assim que tenham se identificado com os verdadeiros objetivos de seus papéis, que não há melhor meio de atingi-los senão através das palavras escritas com a genialidade de Shakespeare . Então , vocês se agarrarão a elas com entusiasmo , elas virão ao seu espírito cheias de viço, e não manchad as e gastas por terem sido arrastada s por aí durante todo o rude trabalho de preparação. 10

As ações físicas e vocais são referências concretas que, conectadas

às características céni cas, orientam o trabalho do ator. As palavras do texto são guias aos quais o ator deve se apegar para a con strução vocal. Ele tem nas ações um "start" que o incita ao personagem e a um reviver constante deste. "O espírito não pode deixar de reagir às ações do corpo, desde que, evidentemente, estas sejam autênticas, tenham um propósito e sejam produtivas,'?" Quanto mais conectada estiver a a ção vocal em suas características cénicas e imantada pela criatividade do ator, mais bela, 19. Stani slavski , op. c it., p.ISS. 20. Stani slavski, op. cit. , p.16 2.

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mais elaborada será sua voz. Isto quer dizer que o treinamento vocal do ator fica impregnado, incorporado nele como uma espécie de memória, pronta para realizar-se como ação vocal na interpretação. A ação vocal, então, mobiliza no ator impulsos ligados aos superobjetivos e objetivos, às situações, às ações físicas e ao subtexto . Imbricada nos recursos vocais, ela reflete e recria as intenções do personagem; e se dá não só no plano consciente, pois não se pode controlar todas as matizes de uma expressão conscientemente. Muitas vezes, quando a voz é produzida, o ator a percebe como uma sensação geral sintonizada na situação do personagem. Pode-se dizer que a ação vocal faz o atar rever sua voz e a do personagem, (re)atualizando os recursos vocais em sua manifestação. Por isso, já aconteceu de atores relatarem o medo de trabalhar a voz , com receio de desestabilizar a interpretação conquistada para o personagem. Como se esta conquista fosse estanque e não contínua! Porém, em várias companhias há um trabalho constante de direção e (re)elaboração do texto na boca do atar. Desde as primeiras leituras, e também no momento de decorar o texto, é importante ficar atento para não congelar formas de emissão, investigando partituras, interpretações vocais. Esta voz capaz de metamorfose pode se materializar nas nuanças dos recursos vocais trabalhados para aquele personagem. As palavras na ação vocal são como estratégias para se alcançar um determinado objetivo, uma intenção, para transmitir um subtexto, para estar em situação. Este processo de transmutação é auxiliado, também, pelo pensamento e pela imaginação. que são trabalhados na voz pondo em relevo significados e permitindo aos atores e ao público "ver com o ouvido". O pensamento do ato r no caminho do texto deve seguir o fluxo do pensamento do personagem. Berry" afirma que a fala sendo ativa aclara o pensamento do personagem; ao contrário, é passiva quando o ator, na busca das intenções, acaba pensando muito antes de falar e, portanto, não vive o pensamento quando este ocorre na fala. fazendo desta somente a representação do pensamento e não ele mesmo. Isto se se entender por pensamento não apenas uma faculdade racional/intelectual . mas também disponibilidade ao plano das sensações, percepções e afectos", abertura ao jogo, ao aca so, ao destino. O pensamento, assim concebido. é da ordem da criação de sentidos e expressões, advindas do contato com as forças vitais, sendo a razão um importante meio de que se dispõe para a elaboração

21. Berry, op. cito 22. Optou-se por usar o termo afecto (no sentido de afecção), para diferen ciar do significado corriqueiro do termo afeto , que quer dizer carinho. afeição. Aqui. afecção significa capacidade de afetar e ser afetado pelo outro, o que provoca transform ações irreversíveis na subjet ividade. ou seja, afetamos ou somos afetados todas as vezes que produ zimos um diferen cial em nós e/ou nos outro s.

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formal e repre sentacional do pensamento ." No trabalho de interpretação, o ator pode mobilizar imagen s-sen sações que reavivam suas pal avras e criam um subtexto imaginário. A imaginação excita a atuação. A brin cadeira de imaginar pode também ser a de criar realidades, discutilas, recriá-las e, por fim, interferir nelas. A imaginação é uma das armas da qual se vale a vontade desejosa e provocadora. Imaginamos longe daqui, aqui mesmo e, nesse sentido, a imaginação não é um processo alienatório, mas sim um meio ativo de se contracenar com a realidade. Falando o texto o ator destaca imagens, faz as palavras vibrarem. Estas imagens-sensações deveriam estar a serviço do ator/personagem em seu superobjetivo na peça. O ator não pode expl icar ou comentar seu texto enqu anto fala, como se mostrasse para o públi co a razão dessas palavras; ao contrário, tem de liberá-las, como se estivesse descobrindo-as por meio dos pensament os do personagem e de sua própria imagin ação no momento da emissão. Na ação vocal é preciso que a voz seja fluxo das f orças vitais exprimindo sensações, idéias, emoções, imagens. Ação vocal é fluxo, escoamento e mobilidade, processo dinâmico; pode ser no silêncio, na pausa, pois não é, neste estado, somente ausência de som , é ação. O ator tem de "tocar" o personagem pelo texto, e permitir que este conduza suas próprias experiências, de maneira que o encontro entre eles se torne r~al , catalisador ,das forças que vão sustentar a voz, ampliando sua capacidade de ação . E certo que quant o mais depu rada e eficaz for a voz do ator, mais refinad as as relações com suas intenções; quando a voz é ação, já corporificou o próprio personagem . A ação vocal, em sua abrangência, efetua-se nas várias concepções de atuação teatral, em qualquer teatro. Na qualidade de movimento , a voz em ação não se limita a um tipo específico de interpretação, mas, certamente , se potencializa naquelas que vicejam, que fazem diferença para quem fala e para quem ouve. São as força s vitais emergindo na voz. Da necessidade no teatro de vínculo entre a emissão das palavras , de outros sons e seu contexto vivo, emergiu esta (re)conceituação de açã o vocal e a elaboração/análise das partituras vocais, pois estas permit em captar as características da voz cênica em momentos diversos do processo criativo do ator, em ensaios e espetáculos. Nesta prática de prepa rar a voz, o domín io técnico e o trabalho esté tico de criação vocal podem e devem se esposar, ambo s a serviço do trabalho de criação e reflex ão do ator. Este cruzamento define uma maneira de trabalhar a voz do ator em suas aç ões vocais, registradas nas partituras vocais, como será visto nos capítulos seguintes. 23. Souza. L.A.P. Entre -corpos. .subje tivaç ão e processos urbanos . São Paulo, 1997. Tese de Doutorado em Psicologia Clínica, PUC/SP.

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II

PARTITURA VOCAL

Quando o ator; em sua criatividade, se mostra à altura de um texto notáv el, as palavras de seu papel revelam-se como a melhor, a mais indispensável e a maisfácil dasformas de encarnação verbal com que ele pode manifestar suas próprias emoções criativas por meio de sua partitu ra interior. Então. as palavras de um outro. o autor, tornam -se a melhor partitu ra para o próprio ator. Então as f ormas e ritmos incomuns dos versos (...) se tornarão necessários, mio só para o prazer do ouvido, mas também por causa da acuidade e do acabamento na transmiss ãodas emoções e de tudo que há na partitu ra do ator: Stan islavski I

O texto teatral é uma composição dramática feita para ser encenada. A interpretação dos atores, entre outras coisas, produz variações no texto, e estas podem ser registradas na partitu ra vocal. A passagem do texto escrito pa~a ação cênica reestrutura sua concepção inicial. "Talma afirma que a paixão não caminha como a gramática, não pára sempre nos pontos e nas vírgulas, que ela os desloca ao sabor dos seus arroubos,'? A partitura vocal descreve graficamente a voz cênica do ator em determinado s momentos. Laurence Olivier, ator, referindo-se a outro atar, Edmund Kean, relata: No Museu Britânico há um exe mplar de Ricardo III usado pelo ponto, onde um providencial assistente de dire ção anotou as inflexões do mestre Kean. Assim, pode-

I. Stanis lavski, C. A criação de um pap el. Trad, Pontes de Paula Lima . 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987, 1'.108. 2. Aslan. O. O alar no século xx. Trad. Rachel A.B. Fuser, Fausto Fuser e J. Gui nsburg. São Paulo: Editora Perspectiva, 1994, 1'. 19.

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se ter uma idéia ainda que vaga de co mo ele desempenhava ritmicamente. onde fazia as pausas e, talvez, como deve ter soado aos ouvidos de seus co ntemporâ neos .'

Conta-se também que, no início do século XX , o atar chamado Talma pensou em esconder-se na caixa do ponto para descobrir os segredos da respiração de Mon vel, outro ator da época.' Participando de ensaios em montagens teatrais, minha escuta como preparadora vocal sempre esteve aguçada aos desenhos que a voz do ator fazia. Percebia que, dia após dia, ia se configurando uma composição dada por sua interpretação do texto. O trabalho vocal deveria conjugar as implicações técnicas da voz dos atores e as demandas vocais do texto em suas situações cênicas. Observava, nos ensaios, o tratamento que o ator dava aquele texto e como o diretor o conduzia nos objetivos e intenções de seu personagem. De certa forma, é como se eu ficasse "escondida", ouvindo da caixa do ponto os "segredos" das interpretações vocais. A proximidade com o texto e sua montagem catalisou minha compreen são da voz no teatro. Com isso, em ensaios e leituras de peças, absorvi o trabalho no texto - as decupagens da'> situações dos personagen s, as análises dos seus objetivos, suas pautas de ações - e a concepção teatral específica de cada companhia. Na trajetória de construção dos personagens, o texto escrito vai sendo singularizado, os atores anotam e fazem indicações nele , refletindo o processo de (re)criação do texto na montagem, partindo de suas compreen sõe s e impressõe s, da direç ão da peça, do s treinamentos vocais e corporai s. Na primeira leitura, o texto mostra-se como um universo do autor, a ser descoberto na voz do ator. Está ainda " nu" . Aos poucos, o ator vai se apropriando do texto, mai s especificamente de seu personagem, e "ve stindo-o" com anotações interpretativas que recolhe no s en saios com o au xílio da dire ção . O ator, assim , inventa o seu registro no texto teatral. Por meio de um longo percurso de tre inamentos, leituras e ensaios, adicionávamos referências interpretativas ao texto que, desta maneira, ia se estruturando, passando da escrita a uma fala em cena, deixando marcas de anotações no texto. Em decorrência deste processo, tem-se três desenhos de um mesmo texto, que será desdobrado na construção do personagem , ganhando consistência na voz do ator: o primeiro, o texto teatral que é recebido para a primeira leitura; o segundo, a partitura do papel 5 referências interpretati vas que os atores marcam ou acrescentam ao texto escrito; e o terceiro, a partitura vocal, mapeamento da aç ão vocal do ator. Para melhor entendimento do que nomeei pa rtitura voca l é necessário conhecer os doi s primeiros desenhos referidos. O texto que se segue é do personagem Hamlet, da peça "Ham-let" de William Shakespeare (ato II, cena 2), conforme recebido para primeira leitura: " 3. Olivier, L. Ser ator. Trad . Beth Vieira. 2. ed. Rio de Janeiro: Glob o, 1987, p.33. 4. Brémont, apud Aslan, op. c it., pA . 5. Stani sla vski , op. cito 6. Este texto foi ada ptado por Zé Ce lso Martinez Co rrea, Nelson de Sá e Marcelo Drummond. O título original da peça é Hamlet , sem o hífen no meio da palavra, mas nesta montagem a di visão

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HAMLET

"DI1V\I'e q'l~ p-' ·,trp.I,." '.p)~m tnyu, fJllv I de qu('~ o So 1 ~;~' rr.r.v a , rhlvlde que verdade S~?J~ mentira , Ma I ~ nunci.l duv I de qUP amc I Oh quer Ida OptlE'lld, eu f ICl, duentE" c om pssa d,étr Ir' i< Nao tenho ii arte de contar meus C;USPlrO', Ma ',; eu t. amo, ac i rna

de t u o o , acredita em mi m A(lf~U~.

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(\ M.'Jqutnd. de llamlet fun cl onar', Hamlet" J f,< .o , IfII ntlCi i 1 I tI 1fI1' mCJ ~~ t r ClU por (ltj~lll pn! OlJrlnt.o ao rl~

ascendente (agudizando)

quero

descendente (agravando)

quero

ascendente/descendente

quero

descendente/ascendente

----....

~

-----.....-

quero

monotonal INTENSIDADE

forte fraco ARTICULAÇÃO

força abrandamento DURAÇÃO

alongamento

• quero

VELOCIDADE

rápida lenta CADÊNCIA

silabada 54

Exemplos de marcações

quero

-----

Nas partituras anali sadas neste livro , a con cepção criativa estava avançada e as ações vocais altamente praticada s; ape sar de este momento ser delicado também, poi s as inúmeras repetições poderiam ter "congelado " formas de emissão sem nenhuma ação vocal. O cuidado com a padroni zação da voz no teatro é essencial ! A voz empolada, a repre sentação vocal, traz numerosas vezes uma entonação monótona para o palco , como a repetição de curvas ascendentes e descendentes:



1\ / \ / \ / \ / \ / \ / \ ou ainda outras emissões, com uma curva ascendente cont ínua que nunca pontua:

E, também , outra freqüente padronização que é o vício de ataque vocal intensificado no início de toda emissão, definindo partituras de falas com ênfases sempre nas primeiras palavras e um fluxo monocórdio de fala. Para quebrar esta s fórmulas, um bom co meço é agir voca lmente, de scobrindo novas partituras para a voz cênica. Na s etapas iniciai s do percurso cri ativo, o ator pode montar sua partitura, definindo, além das pau sas e das ênfases, os outros recursos vocais marcados diretam ente nas ênfases, ou ligado s a tod a cena, a algum as falas (um bloco ), seg undo o entendimento que ele cria. Ent ão , ele mar ca estes recurso s de base ao lado destas linhas ou da fala tod a. Aos poucos pode ir esmiuçando outras qualidades e acre scentando recursos vocais. Por exemplo, pegando-se os texto s dos trê s person agens da peç a "Ham-let" - Ophélia, Polônio e Hamlet - , pode-se estabelecer os principais recursos vocais de base usados na interp retação dos atores nas ce nas, segundo sua s partituras analisadas no capítulo III. Na fala de Ophélia (ato II, cena 1), ela descreve, ainda perplexa, para se u pai Polônio, o que acontec eu entre ela e o príncipe Hamlet. Um a cena arrebatadora e amorosa na qu al, segundo a interpretação da atriz, as curvas melódicas, o alongamento e a velocidade lenta delineiam sua criação . No texto, estes recursos de base apareceriam ao lado da fala como a seguir:

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OPHELIA .- - - Mo pegou pelo pulso e me ap~ rtou com forc;ü DepOIS se afastou na distância do bra~o [Inteiro f: o s. dedos Ú.:l S UCi out r a mão pousou na sua [próprIa testa Me('~ulhou nurna leitura tão (jemor ,lda 110 meu [rosto Como se qUises se I1f.'serlt,ar FICOU um tempo [f>norme assim Nu fim, uma ",acudida rur t a ru: mt-~ll trr ac o f três veze~ iazl.'ndo ", l r' ü l com ~,lId cdhpc;a, [d~slm de cIma pra baIXO Soltou um susPiro tão sentido e proflJnrjo. Que parecia que seu corpo se desiazla em [ fJedac;os Ic-: '';Ud Vida morrld



-

( Opt,E' 1 J a

e Ham J et or gasmam) _______

Feito ISSO, me delHou. E, com a cabe~a vlrad~ pra mIm por cima do [ombro, Parecia encontrar seu camInho sem os olhos, POIS atravessou a porta sem sua ajuda, • E até o f1l11 qrudou o o r r Lh o (jeles em mim .

------.-

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A segunda fala, de Polônio (ato I, cena 3), se dá no porto - na despedida de seu filho Laertes que vai para a França. Quando Polônio chega para se despedir, Laertes está atrasado e, assim, o pai lhe dá, apressadamente, antes do embarque, as últimas dicas para viagem. São conselhos bem marcados na fala do ator com força na articulação, intensidade forte e velocidade rápida. Somando-se estes recursos de base da cena às numerosas ênfases e pausas da sua partitura do papel, tem-se o seguinte desenho vocal:

Já d .... o .... ! d .. ",al ...

entra polonlo]

t \

. .;. ~'O em{

1J~t(() 11ttt1t:-

Ha .. aí ... tá ",eu pai chellando. R .... dupla lI .. a .. a •

_ dupla b .. n .. ~o Ai sorle ...la do .... u

l.do r

E, por fim, a fala de Hamlet (ato II, cena 2), quando ele confessa seu amor a Ophélia por meio de um bilhete lido na presença do rei Cláudio, da rainha Gertrudes e de Polônio (este começa lendo-o e depois "dá a deixa" para Hamlet, ele mesmo, falar o conteúdo do bilhete). As opções melódicas do ator, na fala de Hamlet, aliadas à suavidade do discurso, traduzem a declaração de amor dos versos escritos, agora ditos ao vivo, para Ophélia. Então, o ator pode anotar, ao lado das linhas, os recursos de base (curvas melódicas, intensidade fraca e alongamentos) mais atrelados a este momento, à situação:

f't\NOO ~it';;Ll4e...;res

,"

nasila, segunda desped i da I

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P(lLONIO Boa ~~ep espere um pouco. Eu serei

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nc r- e d.I a Em mim. cu"l pt-a .5efllPFe·,~mjr.h~ dam~ mfí~,qUe:ridaplenql.1anlO essa M&qu i n~\ d Haml et TlJnC I onD.r', Hall.1 e t ~.~S50,. minha +"ilha me ic et r ou por obe-di&ncia" •

Guanto ao ~eslo,. soli~itaçoes dele, Como aconlecel~ ,. em tEmpo, lugar ~ modo,. Tudo o mais .a con~jou aos meus ouviclos.

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Quando a peça está em cartaz, normalmente, a partitura vocal já está feita e, na necessidade de reatualizar o texto, novamente o ator irá mexer nos recursos vocais que usa, alterando os seus desenhos. O que acontece, inúmeras vezes, é que o preparador vocal só é chamado quando a peça já estreou e o ator está com dificuldades, sejam estas na construção vocal de seu personagem, ou com sua saúde vocal - o que muitas vezes, ocorrendo conjuntamente, significam a mesma coisa. Neste caso, será fundamentalo exercício da ação vocal e sua prática por meio da partitura. A partitura vocal não paralisa, nem fixa o texto em seus recortes; ao contrário, espelha a ação da voz, seus recursos vocais em movimento. É essencial que a partitura seja reatualizada pelo ator, que ele "bata" o texto partiturizado adquirindo fluência na fala, e que cada nova conquista vocal seja acrescentada ao texto. Isto funciona como uma espécie de sistematização da criação, para depois poder fluir em cena. Este exercício deve ser 59

feito, também, com o preparador vocal aliado aos vários treinos necessários: ele pode selecionar, por exemplo, os recursos vocais de base que foram percebidos nas falas do personagem e exercitá-los para melhorar a performance do ator. Portanto, a partitura serve, também, como um guia para os treinamentos, no qual o preparador vocal revisita seu trabalho, pode consultar o que foi feito - nas repetições das falas, nos ensaios - e pode projetar novas etapas. Nas análises que são expostas no capítulo seguinte, numerosos recursos estão anotados, especificados em suas relações com as características cênicaso É importante ressaltar que estas partituras foram feitas e analisadas por uma preparadora vocal, já num momento bem avançado das interpretações vocais dos atores. Fica como um registro completo de como se fazer partitura, bom para quem toma contato pela primeira vez com estas conceituações; por intermédio do seu detalhamento pode-se conhecer exatamente os recursos que mais se repetem na cena e os que, em seu conjunto, ressaltaram as ações vocais dos atores. Não se trata de partiturizar todo o texto a ser falado! Normalmente, na prática, somente alguns recursos, os mais fundamentais à ação vocal em relação às características cênicas, serão anotados/analisados pelos atores, pelo diretor e pelo preparador vocal. Eles podem escolher, para partiturizar, uma fala em que o atar encontra maior dificuldade, ou uma cena específica que ajude a conhecer e explicitar a natureza do personagem, por exemplo, em uma situação-chave do texto. O preparador vocal pode selecionar algumas falas que considere nucleares à prática da ação vocal, ou ainda algumas cenas nas quais seja bom pontuar somente os recursos vocais mais freqüentes, os de base. Em outros casos, o ator pode não estar conseguindo falar bem um texto: a partitura o faz exercitar sua voz, descobrir caminhos para expressar melhor o personagem e para agir na situação. Depois que a peça está muito tempo em cartaz se faz necessário, para reatualizar o texto falado, revisitar a partitura; o ator pode querer repensar, retrabalhar sua voz. Num certo sentido, a partitura é efêmera e fugaz como a arte do fazer teatral, os desenhos vocais realizados na interpretação hoje podem ganhar recortes e se modificar amanhã; mesmo assim, a partitura mantém seu substrato, será sempre uma referência, um guia do fluxo das ações vocais em cena. O registro da partitura é gráfico, mas muitos atares tem uma partitura interna, memorizada. Este esboço mental constitui também possibilidades de partituras que não são grafadas. Mesmo não registrada, a partitura dessa forma é como um som "escrito no espaço". Durante um treinamento, um atar afirmou que o registro da partitura vocal "abriu sua cabeça" para falar em cena. Ficou intemalizado, pronto para se realizar como ação vocal. Isto também fez com que ele ampliasse seu leque de recursos vocais para o personagem.

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A realização da partitura pode ser feita durante o processo criativo o

q~e a toma muito mais completa, em suas diversas marcações e na constru-

çao vocal do personagem; feita em treinamentos vocais individuais ou em fonoterapias, ou ainda estruturada a partir da escuta da fala em um momento d? e~pe~áculo, ~m vídeo ou em áudio. Quando ela é feita pela gravação em áudio e essencial que o preparador vocal conheça a peça, o personagem e a cepa para melhor análise em relação à interpretação do ator. E ? desejo de ação vocal que leva à elaboração da partitura e viceversa. E um treino de recortes múltiplos vinculados à criação, às análises do texto, à concepção de cada diretor, às possibilidades e descobertas de r:cursos v~~ais do atar em seu personagem. Por isso, na prática, a execuçao e a análise da partitura são a mesma coisa. A partitura traz a possibilidade de o ator "tatear" os recursos vocais em ação; qu~ndo ele reconhece seu mapa de ação vocal, "remodela" seu personagem, Impregna-se de suas substâncias vocais, transforma-se nelas. Este podAer ~e se met~morfo~ear é intrínseco ao processo do ator. Ampliando esta potencia ele esta se abnndo para o plano das forças vitais. Expor os recursos vocais na partitura só ganha sentido se é realizado no curso da ação vocal. Não é exemplo de como falar num determinado papel! ,A partitura em si fica como um registro vocal de interpretação da nossa epoca, que, mesmo sendo um esboço, dá uma noção de como soou aos nossos ouvidos.

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III

IfHAM-LET'

PASSAGEM PEWTEAT(R)o OFICINA A gente teve uma sorte enorme, que foi a de encontrar pess.oas que vieram trabalhar com um grande carinho, como eu VI no Sesc Pompéia quando Hamlet perdeu a voz. Toda uma outra maneira super silenciosa de trabalhar a voz contrastava com a violência da voz de Hamlet, como ela tinha que existir para conseguirfazer o que queria: a ação de Hamlet. Era necessário escutar coisas muito sutis, detalhar coisas de sotaque, de pequenas partículas. de retrqbalhar tudo, de reinv~?ntar tudo. Zé Celso Martinez Correa' A minha entrada na Companhia Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, dirigida por Zé Celso Martinez Corr~a, deu-se num pronto-socon:? de um atores Marcelo Drummond. Ele ínterpretava Hamlet, na peça Ham-let de William Shakespeare, e estava disfônico no dia do espetáculo. Quando fui chamada, quatro horas antes do espetáculo - que tinha na época sete ~or~s e meia de duração - , era imprescindível avaliar a sua voz em relação as suas próprias necessidades e características. Além disso, era preciso também avaliá-la em função do que era exigido pela voz do personagem. A condição da voz do ator, debilitada e enfraquecida, contrastava

,?OS

1. Este trecho faz parte da entrev ista que me foi concedida pelo diretor teatral Zé Celso Mart inez Correa da Companhia Teat(r)o Oficin a Uzyna Uzona, em 1994. durante a temporada da peça "Ham-let", dirigida por ele.

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naquele momento com a força da paixão que o espírito de seu personagem, Hamlet, torturado e inquieto por estar no "olho do furacão" dos acontecimentos da peça, expunha acentuadamente pela voz . Imediatamente comecei a recuperar o pouco de sonoridade que a voz do ator ainda tinha, pois o premente era que ele tivesse voz para o espetáculo. Passado esse momento emergencial, em que o protagonista reconquistou sua voz, a continuidade do trabalho pressupôs a conjugação da intervenção na voz do ator/personagem. A relação de trabalho foi se estreitando, abrindo os treinamentos para todos os atores, enquanto fui me apropriando da concepção criativa do Teat(r)o Oficina: "Te-ato' - nome com múltiplas significações que vão desde te uno a mim, até... ' te obrigo a unir-se a mirn'".' Compreender esta vivência de te-ato foi essencial para participar desta Companhia. Tão intenso o vínculo que, na absorção deste processo, fui para a cena como atriz e, então, pude perceber fortemente a voz corporificada nas minhas próprias necessidades. Não que isto seja uma regra geral para o preparador vocal que trabalha numa Companhia, mas neste caso foi inevitável. A companhia do Teat(r)o Oficina sempre buscou uma interpretação plugada nas coisas de seu tempo, tanto na sua dimensão coletiva quanto nos desejos de cada um de seus membros. Isto faz com que cada texto montado seja produzido e vivido como um processo singular de criação. Na trama da peça, o pai de Hamlet é assassinado por seu irmão Cláudio, que instila um poderoso veneno no ouvido do rei enquanto ele dorme. Morto o rei, Cláudio ocupa o trono da Dinamarca e casa-se com a rainha Gertrudes, mãe de Hamlet. Numa aparição, o fantasma do pai assassinado conta a Hamlet as circunstâncias de sua morte e confia-lhe sua vingança. Zé Celso chamava a atenção dos atores para o ouvir, para o ouvido envenenado, que já não escuta. Insistia sempre na necessidade de todos estarem atentos não só às suas próprias falas, exigindo a ligação de todos na peça. Havia, na preocupação do diretor, o claro objetivo de valorizar a palavra como provocação para a atuação de um ator com o outro. Era preciso "excitar" a escuta e torná-la fértil na ação dos personagens/atores. Prática que fertilizou também a ação vocal. A montagem de "Ham-let" foi feita nesta perspectiva e, também, marcada por um momento muito especial com a (re)abertura do teatro, na estréia da peça em São Paulo em outubro de 1993 .' 2. Silva , A.S. Oficina : do teatro ao te-ato. São Paulo: Perspe cti va, 19SI. p.203. 3. O Grupo Oficina estabeleceu- se no prédio da rua Jaceguai, 520 , no Bexiga, em 1961. Nesse período o espaço teve três teatros: o primeiro em forma de "sandu íche" (o palco no meio, a platéia de um lado e do outro) , idealiz ado pelo arquiteto Joaquim Guedes . O segundo, por Flávio Império, de 1967, com um palco giratório inaugurado como cenário do cspet áculo "O Rei da Vela", de Oswald de Andrade; e finalmen te seu terceiro teatro, o "Terreiro Eletr ônico", em forma de rua com arquibancadas laterais, pista de terra, jardim, cachoeira, teto móvel etc., dos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito, inaugurado em 1993 com a peça "Ham-let",

63

Na época em que fui chamada, a peça estava sendo encenada no Teatro Sesc Pompéia, que possui uma estrutura "sanduíche" : o palco no centro entre duas arquibancadas, onde fica o público. De acordo com a concepção de encenaç ão de Zé Celso, os atores atuam em todo o teatro palco, platéia e outros pontos do teatro - , o que faz com que a voz tenha de ser direcionada para todos os seus cantos em relaç ão aos diver sos pontos por onde os atores passam . Normalmente no teatro de palco italiano o palco de frente para a platéia - em que os atores representam ~ent~o de uma área limitad a, a relação entre a ocupação sonora e seus direciona mentos é outra: o ator se localiza cenicamente, estando de um lado ou de outro, de costas ou de frente para o público . Já no Teat(r)o Oficina, para onde o espetáculo se transferiu posteriormente, as referências são ma~s numero sas. Na concepç ão arquitetônica, este teatro é uma rua de aproxl: madamente cinqüenta metros, sem coxias, ladeado por arquibancada s. E clara sua perspectiva de estrada, de ligação entre ruas, mundos, tempo s, sentidos, mão-dupla de direção. Os deslocamentos dos personagens amplificam-se devido às características espaciais do Oficina . E um "teatro urbano", invadido e mixado inclu sive com o som da rua, pois em algun s momentos seu teto se abre para o som do mundo, de fora. O atores estão cercados, podendo estar de costas para uma parte do público mas, ao mesmo tempo , de lado e de frente para duas outra s; eles são vistos por cima, por baixo, pelos lados, sempre de passagem. Em cada teatro, de acordo com as dimensões acústicas do espaço e do "feedback" auditivo, a percepç ão da fala pelos atores influi decisivamente na produção de suas vozes cênicas. O ator estabelece direções para projetar sua voz. No Teat(r)o Oficina, o ator está, simultaneamente, ao lado de uma parte do público e muito distante de várias outras. A ocupação sonora deve ser agradável para quem está ao seu lado e também eficaz para o público distante. Em todo teatro, seja ele de palco italiano, de arena, ou "sa nduíche", o ator terá de alcançar um envolvimento sonoro do espaço, e mais, construir seus personagen s naquela geografi a, naquela situação. Quando trabalhada, a ação vocal deverá ser situada em cada contexto teatral, sugerindo uma abordagem de trabalho; sua elaboração integra o ator/personagem e seu corpo no espaço que se desdobra a sua frente . A escrita de Shake speare colaborou para o uso e desdobramentos que faço destes conceitos, pois nela a fala é condutora da ação dramática e, portanto, pede ação na voz. Na estrutura versificad a do texto de Shakespeare nenhuma palavra "sobra", e a ação vocal fica conden sada nos versos; isto induz ritmos e partituras. De acordo com o texto de Shakespeare, a concepção interpretativa dada pelo diretor Zé Celso Martinez Corre a, em "Ham-let", valoriza a "palavra viva", o aqui e agora vocal, contrário à 64

inflexão mecânica, constituindo detalhadamente partituras "a o vivo" e em constante transformação. A direção de Zé Celso encontrou uma parceria em Shakespeare. Zé Celso era particularmente rigoroso na atenção que mantinha, e fazia cada um dos atores manter, nas palavras do texto. Os longos monólogos de Hamlet, por exemplo, de três páginas às vezes, mereceram dele uma obcecada direção, milímetro a milímetro, na busca sem tréguas do que houvesse de revelador em cada frase, cada palavra. E o texto sempre tinha uma riqueza incontável de descobertas, como se respondesse com uma grata alegria a esta busca. Dirigindo a Hamlet, era a todos que Zé Celso dirigia. Creio que um trabalho sobre Shakespeare é a maneira certa de se aprender sobre texto , pelas seguin tes razõe s: porque demanda um completo investimento de nós mesmos nas palavras; porque é tão rico e extraordinário que somos forçados a ser corajosos e até extravagantes e, assim, talvez descobrirmos mais possibilidades na nossa própria voz do que podería mos supor; (oo .) e finalme nte, e isto é particularmente importa nte para o ator moderno, porque a estrutura do pensamento demanda co ragem e disciplin a:

O trabalho no Teat(r)o Oficina, realizando na voz uma atuação em ressonância com a prática de fazer te-ato, conduziu-me a escolher "Ham-let" como solo a partir do qual sistematizaria e objetivaria uma proposta de trabalho vocal, uma vez que foi aí que aflorou, com maior clareza para mim, a concepção de preparação de voz engendrada e modalizada pela ação vocal. Assim como a voz, a linguagem do texto teatral é (re)atualizável na montagem por intermédio da concepção teatral no trabalh o do diretor, dos atores e do preparador vocal. As análises das partituras vocais mostra como a direção realizada por Zé Celso Martinez Correa , bem como o trabalho dos atores da Companhia, com a co laboração da preparação de voz, considera e reflete a penetração das características dos personagens em suas falas/vphall ós" . Além disso. é preciso ressaltar que a obra de Shakespeare se projet a no tempo, porque absorve o que é vital, fazendo acontecer enquanto se fala. O Hamlet de Shakespeare , recriado em "Ham -let", é um bom exemplo do poder de se manter atual. As part ituras dos personagens analisadas por meio de suas aç ões vocais demon stram isso. 4. Berry. C. The actor and the text. Nova York: Aplause Thcatre Books. 1~92. p .~ . '" do believ e that work on Shakespeare is lhe suresl way 01' learning abo ut te xtound for these reasons: beca use it dc mands such a com plete inveslment 01' ourse lves in the word s; bccuusc it is so rich and extraordina ry wc are force d to be bold and even extravagant and so perhaps discover more possibilities withi n our own voice tha n we are awar e 01'; (...) and lastly, and that is partic ularly importan t for the modem actor, lhe structure 01' lhe thought dem ands both courage and discipline."

65

ANALISE DAS PARTITURAS Na investigação sobre a ação vocal, partituras vocais de três atores foram detalhadas e registradas a partir de uma gravação em vídeo de uma apresentação do espetáculo. A princípio, nos treinamentos, tínhamos feito algumas anotações na partitura, que ganhou sua forma atual ao longo do tempo em que o espetáculo ficou em cartaz. Os atores do Teat(r)o Oficina, Alleyona Cavalli, Pascoal da Conceição e Marcelo Drummond, foram escolhidos porque vivenciaram um longo processo de descobertas vocais, em treinamentos, fonoterapias e ensaios. A con stante reelaboração de suas partituras possibilitou um conhecimento mais apurado da concepção de suas características cênicas nas ações vocais. Ao mesmo tempo, ele s interpretavam em "Ham-let" três personagens centrais à estrutura da peça - Ophélia, Polônio e Hamlet. O triângulo vivido por esses três personagens revela, entre outras coisas, o conflito de teatros que não se "bicam" mas , também, não conseguem viver separados. Como num "vaudeville" francês , numa tragédia grega, numa "play" inglesa, num forrobodó brasileiro, eles se amam, se odeiam, brigam, morrem, traem, injuriam, rejeitam e se aceitam. Ophélia: o "phallós" feminino, Oxum, mulher dos fluxos aquosos. A água do espetáculo, reflexo do mergulho no inconsciente das situações gerais da peça. Ophélia é musa que vem do longínquo reino das coisas esquecidas, o passado/futuro presentificado. Dizem os gregos que há uma região que possui as coisas que não existem: uma escura região à qual o ace sso é negado aos não-iniciados. De lá, as musas às vezes nos trazem notícias e aí sentimos a diferença, aquela entrada de uma sensação de criação que arrepia, como se o coração fos se um útero. Bem, es sa semente não se fecundaria sem a presença úmida de Ophélia; se chamarmos sua presença de loucura, então loucura é também o húmus da terra, o esterco, a merda, o petróleo, a vida subterrânea, o outro lado do espelho, os arrepios, e ~ssim por diant~. A todos Ophélia recebe e ama: o pai, o irmão, o rei , a rainha, Hamlet. E a fresca anunciação da nova onda, do que está para chegar. Um teatro de renascente beleza: arrebatadora porque o que está para nascer nasce sem pedir licença, respira o nosso ar sem maior cerimônia , e é tão bonito quanto desesperadamente cruel. Este teatro prenuncia, nos seus delírios, toda a sua tragédia. Sua sonda de emoções percorre caminhos nunca antes navegados: são aquáticos, lamacentos, placentários, uterinos, aguados. Entra sem pedir licença pelos buracos dos nossos sentidos . Se fôssemos julgar pelo modo como se apresenta nos últimos atos, poderíamos dizê-la louca. Mas quantas não foram as mulheres julgadas loucas e até bruxas porque eram incompreensíveis na sua fúria? Em "Ham-let" , Polônio enxerga o drama burguês, seu teatro de basti-

66

II Ires, de coxias, tramas e dramas: o homem de profissão dedicada à carreira publica, à fanu1ia, a seus ideais, sua honestidade e fidelidade aos princípios do Estado . Polônio é o teatro da corte: o teatro policial, cômico, de cortinas (sua morte ocorre atrás de uma cortina), dramático, psicológico, racionalista, embevecido de análises, sacana, ingênuo, duplo de sentidos. Nesta perspectiva. são curtos os parâmetros para definir aquela investida bestial e avassaladora sobre seus cânones, que é a presença de Hamlet na sociedade da corte. Louco é o adjetivo que vê no outro, mas é o espelho de si me smo que ele vê. I ~ sua loucura que está solta e para a qual ele pede a camisa-de-força. Até onde pode - o início do terceiro ato, quando observa, por trás das cortinas, Ilamlet no quarto da mãe, "in loco " - Polônio conduz a trama conforme sua umilise, porém esta sucumbe na ponta da espada de Hamlet. Hamlet é o vértice que costura este triângulo amoroso, é o teatro do .lirctor, porque dá o tom e põe em cena as ações da peça; o teatro do tealo. ao mesmo tempo instaurador e disruptor. A espada de Hamlet, redentora, sangüinária, lutadora, é a lâmina que faz jorrar o sanzue das veias enfartadas da Dinamarca. Provocar Hamlet é pedir ação, movimento; é o mctateatro, que faz acontecer ao vivo. Sua presença é garantia de tragédia . muito além do drama. Alguns dizem que Hamlet é o personagem em crise, entre a não-ação e a ação, o ser ou não ser, o vingar ou não o fanlasma do pai, paralisado porque vê demais. Mas o toque dado em "Ham11'1", no entanto, é ativo. Hamlet é o agente desencadeador do fogo. Sua !lI'l~sença em todas as cenas é sempre transformadora. Ele é a própria Imagem do ambíguo, do intempestivo, que traz em si criação e destruição. I~Ie é o tesão que enlouquece, procria, desestabiliza, o homem tocado pela chama da idéia, da men sagem que lhe veio não se sabe de que região abissal. Vê-lo é mergulhar nas regiões trágicas, as quais o drama já não alcança. Hamlet é o homem-novo-guerreiro, grego-negro, mensageiroinventor, marinheiro com notícias de outros portos. Situar os três personagens na peça "Ham-let" é vital à análise e absorção das partituras a seguir. Todas as análises são feitas tendo-se. na partitura vocal, as anotações de pausas, ênfases e seus recursos vocais resultantes, todos grafados. São expostas também as relações entre os recur,WI.\' vocais e as características c ênicas dos personagens na ação vocal. A análise das partituras é também a análise das sensações da ação vocal . Cada análise (de Ophélia, Polônio e Hamlet) terá uma perspectiva própria, embora as três se complementem. O conjunto delas dá uma idéia geral de como fazer/analisar partituras vocais. Normalmente a partitura vocal deverá ser feita no próprio texto conforme recebido para primeira leitura. Mas, para melhor entendimento das anotações e uma imagem gráfica bem definida, o texto partiturizado foi reescrito neste livro. Ele foi refeito sem os sinais gráficos de pontuação. l

67

Todas as pau sas interpretativas lógic as e psicológicas são representadas pelo término da linha - pelo traço único ou pelo duplo - e as "luftpau ses" (pausa para retomada de ar) marcadas no meio, no começo ou no fim das linhas. Toda s as ênfases são sublinhadas e seu s recursos vocais diferenciados com marca çõe s di versas, como exposto no guia de marcas - capítulo II. Cada fala , corres pondente às linhas, foi enumerada para facilitar a análi se das partituras vocais.

OPHÉLIA

A fala partiturizada e anali sada ocorre quando Ophélia entra correndo em cena, gritando por seu pai Polônio. A ação do s per sonagens Oph élia e Polônio inicia-se um pouco ante s da fala de Oph élia. Transtornada, entra trazendo a expressão de ter vivido um acontecimento forte e inusitado. Polônio e o público ficam então sabendo que Ophélia bordava no quarto, docemente, qu ando sua tranqüilidade foi invadida pela força da imagem de um Hamlet que, como ela diz , parecia ter saído do inferno. Esse preâmbulo de descrição pressupõe tanta coisa que o pai , que havia alertado a filha para o risco da proximidade com Hamlet, pede a ela que , em nome de Deus, fale o que aconteceu, como se ela tives se de jurar, num tribunal e perante a Bíblia, dizer toda a verdade e somente a verdade. Ophélia se sente, a um só tempo, impedida e impelida a contar exatamente tudo o que aconteceu, até para ela mesma tomar consciência do que aquilo significou. Na escrita, o texto teatral da fala de Ophélia (ato II , cena I) apre senta-se da seg uinte form a: Ophélia Me pegou pelo pulso e me apertou com força , Depois se afa stou à distância de um bra ço inteiro, E os dedos de sua outra mão pou sou na própria testa , E mergulhou numa leitura tão demorada e profunda do meu rosto, Como se quisesse de senhar. Ficou um tempo enorme assim, No fim, uma sacudida curta no meu braço, E trê s vez es com a cabeça, pra cima, pra baixo, pra cima, pra baixo, pra cima, pra baixo, S - E soltou um suspiro tão sentido e alivi ado, 9 - Qu e parecia que seu corpo se desfazia, 10 - E sua vid a morria. I234567-

(Ophélia e Hamlet orgasmam )

68

II 12 13 14 15 -

Feito isso, me deixou, E com a cabeça virada pra mim por cima do ombro, Parecia encontrar seu caminho sem os olhos, Pois atra vessou a porta sem a sua ajuda, E até o fim grudou o brilho dele em mim .

Sua resposta traz à tona a situação há pouco acontecida entre ela e Haml et, e é ao mesmo tempo dita e revi vida. O texto po ssui um mo vimento que impele uma palavra à outra, uma linha à outra, um pen samento a outro, requerendo ação. Quando finda, Polônio transtornado pelo que ouviu e viu resolve procurar o rei . A fala de Ophélia é ativa, afectando, modificando a cena que agora nece ssita de uma outra ação. Este texto escrito po ssui quinze linhas e diferentes combinações de vogais e con soantes nas palavras, dando diferentes pe sos a cada uma da s linhas. As linhas I, 2 e 3 trazem, na associação entre palavras e sílabas, uma din âmi ca de emi ssão mai s pontuada, com vá rias consoantes plo sivas no início de palavras que definem ação, localização e tempo, como: pegou, pulso, depois, braço, dedos, própria, testa. As linhas 4 e 5, introduzidas pela vogal E, neste caso, de ligação para uma outra qualidade, mais líquida, possuem vogais mai s longas nas sílabas tônicas, como em: mergulhou, profunda, enorme. No vamente, as linh as 6 e 7 tra zem nas suas palavras uma carac terística mai s pontual: curta, três, pra cima, pra baixo. A linha S traz, nas sua s várias consoantes fricativas , soltou, suspiro, sentido, um elemento de continuidade e fluência que segue até a palavra morria, coincidindo com o término da ação, onde a rubrica indica: Ophélia e Hamlet orgasmam. Apó s o suspiro do gozo, num sopro , Ophélia fala na linha 11: feito isso e continua na s linhas de 11 a 15, numa mistura de qualidade e pesos de vogais e con soantes tanto pontuadas quanto contínuas - deixou , cabeça, parecia, porta, grudou , brilho, dele, mai s pontuadas, dir etas, e, feito, isso , virada, cima, seu, sem, ajuda, fim, todas com consoantes fricativas, de características mais fluentes e sinuos as - concordando aí com o término da fala e da ação e, de certa forma, reafirmando para Ophélia o que aconteceu . O texto esc rito e a an áli se de sua estrutura - a linguagem usada, os versos, os ritmos e as combinações de vogais e con soantes - revelam também a natureza do personagem em rel ação à situação e a sua atitude frente a ela. As va riações de tempo estão implícitas nesta estrutura e, de sta maneira, o estudo do andamento da fala de Ophélia deve ser el aborado pela atriz, sintonizado à composição do texto de Shakespeare, para que o máximo de sentido sej a alcança do. A combinação entre ênfases e recursos vocais é ilimitada e determina um tipo de interpretação na fala, como será visto agora na partitura vocal de Oph élia:

69

PARTITURA VOCAL DE OPHÉLIA

---

--

13

com a cabeça /

14

I --:~b. ' --:-' t p~~ CI~~ , pra alxo ' pra CIma

me pegou I

2

3

o pelo pulso /

--

pra

~/ ' e me apertou com força

t~ ,

15

E soltou um suspiro tão sentido e

16

que parecia que seu corpo se

17

e sua vida morria II

18

feito isso /

19

v

4

5

6

7

8

9

se afastou à distância

e os

t /"-... dedos

t

~

de um braço inteIro /

t

.---:~ ~ e mergulhou numa leitura tão demorada e profunda do meu rosto I - ------.-

-

--------.-

me deixou

20 e com

ª•

v

cabeça

v

virada pra mim por cima do ombro I

-

--

21 parecia encontrar seu caminho sem os olhos /

~

10 ficou um tempo enorme assim

12

e três vezes I

--

~

t desfazia I

--:'

-s->:

como se quisesse desenhar I

,t~ ,

t ~• I

' de sua outra mão /

~--/ pou sou na propna testa

11

~b· ~t· pra aixo " pra CIma

uma sacudida

»->

I

~

22 pois .atravessou a porta sem a sua ajüda

no meu

~/

--

23



e até o fim I

24

t grudou o -brilho -dele I

25

+e~/

I

v

Nesta partitura, a fala atua como reali zadora da ação. Não que a ação física represent e a aç ão vocal e vice-versa; o que há é um agenciamento inelutável entre esta s du as dimensões. Na fala da atri z/person agem Alleyona/Ophélia exi ste um a coincidência de tempos de açõe s físicas e vocais; quand o ela narra e demonstra det alh adamente a ação de Hamlet entrando em seu quarto, sua fala adqui re uma veloc idade mai s lent a, entremeada por pausas. M ais adiante, quando chega ao gozo de amor co m Hamlet, acelera a fala e a açã o física até o ápice; depois, cai no chão, cessa o movimento e, ao mesmo tempo, faz pau sa, silêncio. As pau sas que a atri z realizou em sua interpretação definem a divi são do texto (na partitura vocal) em 25 linh as (enq uanto o texto escrito possuía quinze linhas). As linh as de I a 7 aco ntece m cenica mente, estabelecendo integração e sincro nia entre a ação vocal e a ação física. A configuração da par titura vocal vai se formando, impelindo a atriz par a a ação física e, reciprocamente, do movimento físico à ação vocal. Para cada ação física a fala reali za-se como ação vocal: ênfase

melódica ascendente e de scendente, que conclui a ação definindo o lugar onde Hamlet a pega:

--

me pegou /

2

Os recursos vocais percebidos nas ênfases da s palavras nas linhas 3, 4 e 5 for am:

ênfase

3

recursos vocais

-

curv a melódica ascendente na pala vra força na articul ação da sílaba tôni ca

-

alonga mento da síla ba tônica c urva melódica ascendente e descendente na pala vra força na articulação da sílaba tônica

Na cen a, quando Oph élia começa sua fala, o ator que interpreta Hamlet está presente na sua frente (como que no seu imaginário). As duas pala vra s enfática s têm no pri meiro fonema o me smo ponto de articulação, um a co risoante bilabial p , que em sua qualidade articulat ória pontua, define bem seu obstácul o na emi ssão , de lábio com lábio, ao me sm o tempo em que o movimento é preci sament e definido na ação físic a de pegar o pul so: Ophélia pega na sua própri a mão , simulando o que há pouco tinh a ocorrido entre ela e Hamlet. O recurso vocal observado na esc uta da palavra pegou, tem na força articulatória da sílaba tôni ca a marca de um reforço do ca ráter pontual de localização , efetuando a ação vocal em sintonia com a ação física. Na sua curva melódica ascendente há um atributo de duração da a ção, que se prolonga na ênfase seguinte da linha 2, pulso, quando o alonga mento da sílaba tônica traz a intenção de mant er a ca rícia que Oph él ia quer fazer du rar. Soma-se aí uma curva 72

recursos vocais

-

apertou

-

-r-força 4

-

~

pelo pulso /

5

curva melódica ascendente na sílaba tônica da palavra

- curva melódica ascendente e descendente na palavra - força na articulação da sílaba tônica - alongamento da sílaba tônica

---.dep ois

-

alongamento da sílaba tônica curva melódica ascendente na pala vra

de um braço inteiro t~

-

forte curva melódica ascendente e descendente no sintagma alongamento das sílabas tônicas das palavras braço e inteiro

A curva melódica ascendente em apertou coincide com a sílaba tônica que começa com o fonema t, comprimindo a língua atrás do s dentes e destacando a ação de apertar, numa dinâmica de movimento de pre ssionar. A palavra força, enfatizada com alongamento, força na articulação e curva mel ódica que ascende na sílaba tônica, traz a sensação da intensidade dest a força para, a seguir, finali zar a seqüência de ações com curva melódica descendente na sílaba pós-t ônica ça. 3

--

~

' e me apertou com fõrça / 73

No início da linha 3 há uma "luftpause" antes da palavra e, que é um suspiro anterior ao aperto recebido de Hamlet. Olhando para Hamlet, que está em cena, agudiza e along a a sílaba tônica da palavra depois (linha 4) sem sair do lugar, dando um sentido de duração, para em seguida se afastar à distância de um braço inteiro. Direciona seu braço para Hamlet, dando a distância entre os dois; usa na ênfase, de um braço inteiro, os recursos vocais para marcar o grande espaço que os separa (com inten sidade vocal forte em todo o sintagma), tanto na situação há pouco ocorrida quanto agora, nesta cena, onde os dois se encontram afastados.

A linha 8 possui três palavras de ênfase com alongamentos ligados a suas ações e significados: em mergulhou, com alongamento e curva melódica ascendente, o movimento que penetra para baixo; numa leitura que demora e é intensa na palavra tão ; e em profunda, vai ao fundo reforçado pela força articulatória na sílaba tônica, lentamente - com recurso vocal de velocidade lenta.

ênfase

-----;-

8

mergulhou

4

5

se afastou à distância

t

~

de um braço inteiro /

Ophélia, nas linha s 6 e 7, utiliza o outro braço para apoiar os dedo s na própria testa, realizando as ações físic as de Hamlet. A força articulatória na sílaba tônica da palavra dedos (com consoantes plosiva s), pontua a parte do corpo na ação : ~ t dedo s

~ -- - --- ..... profunda

recursos vocais

-

alongamento da sílaba tônica curva melódica ascendente na palavra

-

alongamento curva melódica ascendente e descendente na palavra

-

alongamento da sílaba tônica velocidade lenta curva melódica ascendente e descendente na palavra força na articulação da sílaba tônica

de sua outra mão /

6

e os

7

pousou na ~­ própria testa /

v

8

~

,/.\

e mergulhou numa leitura tão demorada e

~

pro~da ------

Própria e testa têm curvas melódi cas variada s, referenciando a intenção do toque afetivo de Ophélia por Hamlet. A última palavra enfatizada da linha 7, testa, com curva melódica ascendente, prepara a ação seguinte da cena, de envolvimento entre Hamlet e Ophélia, linhas 8, 9 e 10, nas quais a curva melódica é o recurso vocal mais usado em todas as ênfases. Estas linhas são mai s longas, pelo maior número de palavras e também porque são mais lentas. A interpretação da atriz sugere um andamento lento para o trecho inicial desta fala, dividido por várias pausas, na sua narrativa flutuante, somado à introdução, nestas linhas, de combinações de consoantes e vogai s trabalhadas com qualidades mais contínuas e redondas, de torção, integradas à ação física e inten ção de envolvimento e carícias entre Hamlet e Ophéli a. 74

...

do meu rosto /

Estas características se mantêm nas ênfases das linhas 9 e 10 com os seguintes recursos vocais:

75

recursos vocais

ênfase

-----:

...

desenhar

9

--

• enorme

10

---- -

....

-

alongamento da sílaba tóni ca curva melódica ascendente na palavra velocidade lenta

-

alongamento da sílaba tónica curva melódica ascendente na palavra força na articulação da sílaba tónica velocidade lenta

A ação vocal e física se entrelaçam quando Oph éli a, mo vendo-se em círculo, fala da ação de Hamlet e, ao mesmo tempo, traça um desenho próprio pela mo vimentação no espaço. A velocidade das ênfases e do mo vimento é lenta, com alongamentos e também prol ongamento da ação: as curvas melódicas são ascendentes e, concomitantemente, seu braço move-se para cima, ligado ao movimento circular do corpo. Na palavra enorme, há uma força articulatória na sílaba tónica, com prolongamento da sua con soante inicial n , acompanhada por uma mo vimentação corporal lenta e contínua , que denotam juntas atributos de duração (enor m e) . Logo em seguida há uma quebra destas qualidade s com uma rápida "luftpause", uma quebra da ação física e uma ação vocal, que em sua ênfase, no fim, acompanha estas alterações, introduzindo outra combinação de recursos vocais: ênfase

11

v

t no.i-> fim

r ecursos vocais

v

-

forte velocidade rápid a entre pausas para retomada de ar curva melódica ascendente na palavra força na articulação das pala vras

Esta quebra da ação está associada ao significado da fala, no fim, término , e início de uma nova ação . 11

76

--,t no fim

v

~

A no meu braço I uma sacudida curta

--

A ação física de sacudir, em sua din âmica de mo vimento, é favorecida pela composição das consoantes nas ênfases seguintes, curta e braço, com con soantes plo sivas no início das palavras, sílabas com mais de uma consoante e força articulatória nas sílabas tónicas (ambas iniciais), velocidade rápida, e curva melódica ascendente e descendente, recursos vocais que se repetindo em palavras enfatizadas, próximas e dissílabas, intensificam , no cas o, o movimento de sacudir. As dua s ênfases são proferidas com os me smos recurso s vocais na ação de sacudir, definindo o tempo (cu r ta) e o lugar (b r a ço), articulando ações vocais e físicas. Assim, na linha 11, faz- se uma pas sagem para uma nova sensação do personagem nesta situação que , nas linhas 12 e 13, preparam a seqüência de êxtases de amor da linha 14.

..-o;

12

e três veze s I

13

com a cabeça I

..--r

Nestas duas linhas, as sílabas tónicas das ênfases são alongadas e agudizadas, tendo a mesma vogal realçada (e). A quantidade de mo vimentos (tr ês) e o lugar da ação (ca beça) são definidos: ênfase

recursos vocais

- alongamento da sílaba tônica - curva melódica ascendente na sílaba tônica da palavra

- alongamento da sílaba tônica - curva melódica ascendente na sílaba tônica da palavra - força na articulação da sílaba tônica - abrandamento na articulação da sílaba p ós-tônica ça Na ênfase cabeça, os recursos vocais de força articulatória na sílaba tônica e abrandamento articulatório na sílaba p ós-tônica se contrapõem - os recursos reforçam a tonicidade inerente à palavra, mais forte na tônica be e menos na p ós-t ônica ça. Na sílaba tônica reforçando o lugar, cabeça, e na p ós-t ônica, ça, com o início do recurso vocal de abrandamento articulatório com sussurro, que também compõe a primeira ênfase da fala seguinte, linha 14, feita pela repetição de ênfases de sintagmas , que se relacionam com a intenção de êxtases de amor seqüenciais na ação 77

ênfase 14

recursos vocais

-----

v. pra cima v - curva melódica ascendente no sintagma

---------

v

~b· ·

pra alXO

v

-

abrandamento articulatório no sintagma entrepausas para retomada de ar fraco

-

curva melódica ascendente e descendente no sintagma entrepausas para retomada de ar alongamento da sílaba tônica da palavra baixo força na articulação da sílaba tônica da palavra baixo abrandamento na articul ação da sílaba pós tônica xo

-

v

v

--

pra cima

~ pra baixo

-

v

v

-

entrepausas para retomada de ar curva melódica ascendente na palavra cima abrandamento na articulação da palavra cim

-

entrepausas para retomada de ar curva melódica ascendente e descendente no sintagma

.i->

78

---

pra tbaixo

-

v

_

-

entrepausas para retomada de ar curva melódica ascendente no sintagma intensidade forte na palavra cima força na articulação da sílaba tônica da palavra cima entrepausas para retomada de ar intensidade forte na palavra baixo curva melódica ascendente na palavra baixo força na articulação da sílaba tônica da palavra baixo

recursos vocais

ênfase

~

pra ~~_~

pra teima

v

As ações, vocal e física, começam simultaneamente na prime ira ênfase , na qual o abrandamento articulatório, a curva melódica ascendente e a inten sidade fraca são usados em todo o sintagma, acompanhados pela ação física de Ophélia de mover a cabeça para cima suavemente e iniciar a seqüên cia de êxta ses. As pausas para retomada de ar ("luftpause"), no início e no final de todas as ênfases, são na linha 14 um marco da intenção e da situação de relação sexual entre Ophélia e Hamlet, como êxtases com rápidas golfadas de ar entre as palavra s. Neste momento a "luftpause" é marcadamente um reforço interpretativo ligado à situação cênica. O segundo e o quarto sintagm as, ambos pra baixo, apresentam curva melód ica ascendente e descendente, com ação física simultânea da cabeça se movendo para baixo, que refletem uma emissão indo de cima - do agudo , para baixo - ao grave.

-

v

-

v

~

pra baixo

v

-

curva melódica ascendente e descendente no sintagma entrepausas para retomada de ar alongamento da sílaba tônica da palavra baixo abrandamento na articulação da sílaba póstônica xo força na articulação da sílaba tônica da palavra baixo entrepausas para retomada de ar curva melódica ascendente e descendente no sintagma

Na linha 14, há uma concord ância das curvas melódicas com o movimento, na qual as palavras cima têm recurso vocal de curva melódica ascendente. com movimento ascendente de cabeça, e as palavras baixo têm curva melódica ascendente e descendente, movendo a cabeça de cima para baixo (exceto a última palavra baixo, que tem curva melódica ascendente) . O segundo sintagma é acompanhado também, na palavra baixo, de alongamento da sílaba tônica, dando noção de um tempo prolongado da ação de Hamlet: força articulatória na sílaba tônica e abrandamento articulatório na sílaba pós-tônica, marcando o impulso de movimento de Hamlet com força e abrandamento (pulso e subpulso).

79

A terceira ênfase, pra cima, tem novamente curva melódica ascendente e abrandamento, só que desta vez concentrados na palavra cima. A partir da próxima ênfase, pra baixo, há um crescente do movimento circular de Ophélia e de sua voz, quando então as últimas ênfases têm, nas palavras cima e baixo, intensidade forte, reforçadas por curva melódica ascendente e firmeza marcada na força articulatória das sílabas tônicas destas palavras, numa aceleração crescente, introduzido as linhas seguintes:

14

v

1------

--

t pr~ C!~~

pra tbaixo

15

v

~

pra baIXO

v

~ pra ~b· alXO ~t pra cima

pra CIma

v

v

ênfase

----::-

15

---

.

.

desfazia

-

forte alongamento da sílaba tônica velocidade rápida curva melódica ascendente na palavra

-

forte alongamento da sílaba tônica velocidade rápida curva melódica ascendente na palavra

-

forte alongamento da sílaba tônica velocidade rápida curva melódica ascendente na palavra

E soltou um suspiro tão sentido e t aliviado /

t

que parecia que seu corpo se desfazia / •

17

e sua vida

------: t morria II

-

17

.>:

16

Estas linhas foram agrupadas para análise , pois ao longo de suas falas há um recurso vocal de base, que se inicia na linha 14 e culmina na linha 17, de velocidade que vai acelerando e de uma curva melódica ascendente (as cinco últimas ênfases têm, todas, este recurso) , que vai agudizando até o ápice, coincidindo com o gozo de amor e com a palavra morria, numa espécie de alusão a Eros e Tanatos. Nas três linha s 15,.16 e 17, as ênfases aparecem no final das falas. Estas são de velocidade rápida , um recurso de base destas linhas, e têm na última palavra enfatizada um êxtase de amor, em concordância aos recursos vocais nas linhas 15 e 16 e um gozo de amor na 17:

A linha 15 tem várias consoantes fricativas (como em : soltou, suspiro, sentido, aliviado) que, em sua característica ininterrupta, dá à emissão uma fluidez em sua dinâmica flutuante , ascendente. O alongamento da sílaba tônica da palavra desfazia inicia o grito do gozo de amor, que explode no demorado alongamento da sílaba tônica da palavra morria, aliado aos recursos vocais de intensidade forte, velocidade rápida e curva melódica ascendente. É o cume da ação e, após isso, Ophélia cai no chão. Pausa psicológica, silêncio, suspensão de sentidos. Reinicia na linha 18 - feito isso - , pós-gozo, sem ênfase s. A partir daí, continua contando, mas agora olhando para Polônio, como se saísse do sonho, da "embriaguez" e voltasse para (re)conectar seus sentidos , se recompor. É como uma ruptura do que ela acabou de (re)viver para, depois de ter caído no chão, "acordar", dizendo para o pai que foi deixada. Como Hamlet, presente na cena, arruma-se, cansada. Inspira e fala:

19

80

t aliviado

---:-

v

16

v

recursos vocais

~ v

me deixou

v

81

Na linha 19, usa força articulatória na palavra me e na sílaba tônica da palavra deixou: na primeira, me, reafirmando para si própria a ação de ter sido deixada; na segunda, deixou, utilizando também alongamento da sílaba tônica, curva melódica descendente (após ascender), suspirando, com "luftpause", dando o sentido da situação de distanciamento que Hamlet vai tendo dela ao ir embora. Ophélia está ofegante, inspirando no início e no final da fala, voltando a fazer pausas para retomada de ar na linha seguinte:

20

e com

ª

'cabeça' virada pra mim por cima do ombro I

Começa a ação física de deslocar-se, como Hamlet, indo embora, olhando para o pai. Delicadamente alonga o a, mostrando a sua cabeça virada por cima do ombro. Andando na direção oposta a Polônio aproxima-se da porta; a ação física é constante, acompanhada por falas de andamento lento, contínuo e pouco enfatizadas: ~

21

parecia encontrar seu caminho sem os olhos I

22

pois atravessou a porta sem a sua aj~da I

Suas ações vocais têm intenção carinhosa, agudizando e alongando. Mesmo longe, Hamlet distanciava-se com seus olhos em Ophélia, e:

23

24



e até o fim I

-t grudou o brilho dele

25

A ênfase fim é dita afetuosamente. Para tal, a atriz utiliza de alongamento da vogal i e também da consoante fricativa f (em fim), agudizando. Ao mesmo tempo move delicadamente a sua cabeça. É oportuno frisar que as linhas de maior incidência de consoantes fricativas são aquelas nas quais a ação amorosa tem o seu ponto culminante. A atriz utilizase de alongamentos das consoantes em acordo as suas intenções.

--



As duas palavras enfáticas têm os mesmos recursos vocais e intenções:

- curva melódica ascendente na palavra - alongamento - força na articulação da palavra

recursos vocais

21

-

alongamento da sílaba tônica curva melódica ascendente na sílaba tônica da palavra

22

-

curva melódica ascendente na palavra alongamento da sílaba tônica

Em contraponto vem a linha 24, toda em intensidade forte, com grupos consonantais de consoantes mais cortantes, e força articulatória nas sílabas tônicas (menos no artigo o). Estes recursos vocais fortes avivam a intenção da fixação de Hamlet em Ophélia e do desejo dela que esta situação permanecesse: recursos vocais

ênfase

24

82

recursos vocais

ênfase

fim

ênfase

I

--------t grudou o brilho dele

-

forte curva melódica ascendente no sintagma força na articulação das sílabas tônicas das palavras grudou, brilho e dele

83

Depois de falar forte, rapidamente vira-se de costas para Polónio, e em intensidade fraca e curva melódica descendente, finaliza sua fala: ênfase

25

I ---------.,.... t em mIm

recursos vocais

-

fraco curva melódica descendente no sintagma

Novamente a intenção é de afetividade, falada docemente com intensidade vocal fraca, agora com tristeza, por separar-se de Hamlet. Como foi visto, o relato de Ophélia ao pai começa com a presença de Hamlet, que a pega pelo pulso e com um puxão a traz para fora de si mesma. Toma fôlego para contar o que aconteceu (falas de ciclos curtos). Recria então os toques que a levaram ao êxtase, começando pela cabeça. A ação sugere uma união muito mais que carnal, uma união profunda de cumplicidade num território desconhecido por Ophélia, onde ela se deixa entrar, como se sua paixão compreendesse o obscuro universo da febre por que passa Hamlet. Mergulha no terreno aguado das emoções, se aprofunda, e o tempo agora é longo, permitindo observações demoradas, pausadas. Ela gira nesse redemoinho de delírios. O fim, quase uma confissão de saudades pelo que acabou de acontecer, foi precedido de sacudidelas que a levavam para uma transição em forma de gozo, anunciando a morte de uma Ophélia e um Hamlet. Agora é uma Ophélia diferente a que vem à tona, de volta daquilo que ela contou como uma viagem ao território da paixão. O subtexto é o subterrâneo invisível que as ações trazem para fora. O relato de Ophélia é o relato do subtexto de seu encontro com Hamlet. Fugidio como o gozo e concreto como os empurrões, puxões e sacudidelas. Polónio, na fala seguinte, tenta desesperadamente se apropriar do entendimento da cena e traça um diagnóstico: "O que aconteceu aqui foi exatamente um gozo de amor", e na mesma frase completa: "que arrasta o desejo para ações desesperadas e como qualquer paixão, aqui embaixo do céu, atormenta nossa natureza".

84

POLóNIO

A cena começa com o último apito do navio antes de partir. A situação é de urgência do embarque. Quando Polónio chega, encontra seu filho Laertes ainda conversando com Ophélia. O texto é falado numa linguagem acelerada. O recurso de base, de velocidade rápida, está presente em toda a cena, em função da situação e do objetivo de Polónio: dizer muito em tão pouco tempo. Na fala inteira há somente uma quebra da ação contínua, na qual a pausa psicológica, na linha 20 com a ênfase cuidado, gera silêncio e parada do movimento. Polónio alerta seu filho. Daí para a frente a fluência da fala é acelerada, numa constante, até a última palavra enfatizada: Adeus! As ações físicas, como as vocais, são urgentes, rápidas. O mapa das ações físicas é composto de numerosas ações: o pai entra em cena a caminho do cais do porto para se despedir do filho. Sua demora ou displicência tem de ser quebrada, tudo tem de ser colocado em ritmo de partida. Os conselhos têm de ser dados num tempo bem pequeno, o que impõe exatidão - outro recurso de base usado pelo ator é a força articulatória com precisão. A intensidade forte flui como outra característica necessária à situação cênica, na qual os atores encontram-se afastados ou se distanciando. É uma situação de partida, evidentemente difícil e emotiva pois será a última vez que eles se encontrarão. Os conselhos são recomendações de pai para filho. Ao mesmo tempo que eu falava pro meu filho, eu também ouvia dentro de mim a voz de meu pai falando aos meus ouvidos as mesmas palavras, torcia para não esquecer nada, me via jovem ouvindo meu pai e entendia o modo emotivo e descarado daquelas recomendações, assim, na frente de estranhos, porque a despedida é feita no porto e o pai fala publicamente, como aquelas mães que do portão gritam para a gente pegar o guarda-chuva, não tomar gelado etc. etc. Pascoal da Conceição A aceleração vem também da ambigüidade, resultante da forte emoção do momento de Polónio, dividido entre seus deveres de pai e homem público. O destino do filho, do qual ele se separa pela primeira vez, e o destino da Dinamarca para a qual ele tem agora a preocupação de primeiro-ministro. Na partitura do papel, feita pelo ato r Pascoal da Conceição, reproduzida na página 90, as notações interpretativas são referências fundamentais para análise da sua partitura vocal, mostrada a seguir. As notações do ator foram feitas durante as leituras e os ensaios da peça. A partitura vocal, por sua vez, foi elaborada e analisada quando a peça estava há um ano em cartaz. 85

PARTITURA VOCAL DE POLÔNIO

----

t

ainda aí Laerte s I

--;t

2

vai embarcar I

3

 o vento já curva os ombros da tua vela I

4

so estao te t~ esperando I

5

toma

6

~ minha benção I

t

t

12

t ação nenhuma I

13

seja familiar I

14

o que não quer dizer ser

~

-

t~1

16

amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves

v

~ t dentro

do coração I

t~

8

guarda na me~ria estas ~cas dicas I •

9

cuida da +imâgem I

10

não dê

mas não caleja a mão I

18

abrindo a palma à-toa I

19

pra qualquer

~

t língua pro que estiver pens~ndo I

~~ irref1etido I

t • /;,...

17

~

t ª um pensamento

~ uma vez adotado

e aprovado '

7

ti

t~ promíscuo I

15

,t -

t- -

t~

~t~0

/i--... fran~te

v

20

t cui/da/do /I

21

+ pra não comprar briga I

-

ou mau elemento que aparecer I

22

mas se comprar segura /

23

de tal modo que o adversário é que passe a temer você /

24



25

26

t

----..

32

~ o dinheiro e o amigo / •

33

pedir emprestado arrisa a confiança' e

34

acima de

35

seja fiel consigo mesmo /

36

e em conseqüência como a nOlte segue o dia /

37

nãovaiser+~/

t

~ --------------alto/do/munido / t ouvidos

I~

t voz a poucos /

t ;;;a as opiniÕes de t cada um /

ri

27

mas guarda para +

28

e que tuas roupas custem

.

o + julgamento /

~,

o

--

t qu~nto você puder pagar

~

'

t

29

t ricas'

~

mas sem ostentação porque a roupa

-------•

-

t

t -----;-

40

frutifique tudo isto em você /

t-

41

---

31

empres~ faz perder' ao t m~smo t~mpo I

t----;

-- -

v

42

t-r:

~

e que a minha bênção /



não empresta ' nem pede emprestado /

----- .,

39

sempre faz o homem /

30

---

t t~do /

38

não inventa moda /

.....

t liquida com a

-------..



d.~or.'

~nlra

deMais.

potonio\l

mi'·

IP

O

VOC &,.

90

,l&e

amigo

Comp arando- se as partituras de Polônio, várias referências interpretativas da partitura do papel estão presente s nas opções de recursos vocais usados pelo ator na partitura vocal. Na partitura do pap el, a notação interpretativa refere que as dica s do pai são como os dez mandamentos dados por Deus a Moisés na Bíblia. São os número s de 1 a 10, anotados ao lado das falas. Por estes mandamentos o filho deveria constituir sua conduta na França. A fala apresenta uma repetição alternada de recursos vocais, mais fortes e mais brandos, coincidentes com as intenções, que em alguns momento s são públic as, abertas (fortes) e, em outros, mais privadas (fracas). A priori, O sentimento da sua vida privada deveria estar submetido a sua vida públic a, por sua ocupação no reino da Dinamarca. Esta fala é um bom exemplo da ambivalência do personagem. A maioria das ênfases vem acompanhada de, por um lado: curva melódica ascendente, intensidade forte, força articulatória nas sílab as ou nas palavras, e velocidade rápida - recurso s vocais de base, neste caso, associados à situação de pressa; a distância que o pai e o filho vão tomand o na cena; ao lugar barulhento (o cais do porto), com os marinheiros chamando para o embarque e o navio apitando; e ao objetivo de marcar firmemente os conselhos ao filho. Por exemplo:

91

ênfase

-------

t aí Laertes

recursos vocais

- forte - curva melódica ascendente no sintagma

Por outro lado, as ênfases com recursos vocais de intensidade fraca, abrandamento articulatório nas sílabas ou nas palavras e curva melódica ascendente e descendente são o contraponto ao homem de Estado, pois ele é também pai e conselheiro e, nesta condição, "em particular", enfatiza palavras com recursos vocais, tais como: ênfase

- forte - força na articulação da sílaba tônica

t tua vela•

-

t estão

-

forte velocidade rápida

-

forte velocidade rápida

- forte - força na articulação da sílaba tônica - curva melódica ascendente na palavra

- forte - curva melódica ascendente na palavra - força na articulação da palavra

t memórI;

92

I~

-

fraco alongamento da sílaba tônica curva melódica ascendente e descendente na palavra - abrandamento na articulação da sílaba tônica da palavra

t Imagem

-

fraco curva melódica ascendente e descendente na palavra - abrandamento na articulação da sílaba tônica da palavra v

I~

t nao esquece

v

-

I~

t voz a poucos

- forte - velocidade rápida - força na articulação da sílaba tônica - curva melódica ascendente na palavra

- forte - força na articulação da sílaba pré-tônica

recursos vocais

+ julgamento

-

fraco curva melódica ascendente e descendente no sintagma entrepausas para retomada de ar abrandamento na articulação da palavra esquece

-

fraco curva melódica ascendente e descendente no sintagma alongamento da palavra voz

-

alongamento fraco

-

fraco abrandamento na articulação da sílaba tônica da palavra

93

A relação entre as ênfases, mais fortes e mais fracas, anteriormente destacadas, dá ao longo do texto pesos vocais diferentes, resultando em combinações de falas, como:

8

9

t

t

seja familiar /

14

- quer diizer ser t---=---/ o que nao promiscuo

guarda na memórl; estas poucas dic: /

I~ cuida da t imagem /

As duas palavras enfatizadas estão no final das falas, e, por terem a mesma curva, formam um desenho melódico similar, com intenção, neste caso, de distinguir que apesar de parecido, ser famili ar não quer dizer ser promí scuo. Esta última ênfase é intensificada pela força articulatóri a em toda a palavra: ~ t promiscuo

A única ênfase nas oito primeiras linhas sem intensidade forte e/ou velocidade rápida (natural na situação) é a palavra bênção (linha 6), proferida em tom afetivo. A linha 9 introduz o primeiro dos dez mandamentos, que é: 9

O terceiro mandamento diz:

cuiida da tI~/ Imagem 15

10

11

não dê



t~ língua pro que estiver pens~ndo /

............... I -----------. ~ o amigo que tiver t conseguido ' uma vez adotado

~

e aprovado

~~ um pensamento irrefletido / 16

12

t~

13

t a~ão nenhuma /

Este mandamento é iniciado com uma ênfase de característica suave, imagem, dirigida em particular ao filho, seguida de ênfases, todas com força articulatória que, por sua precisão, reforça as palavras e marca a intenção de aconselhar, como em: língua, pensando, a, pensamento, irreDetido, ação. O atar usa articulação exagerada, brincando na emissão das palavras, resultando em dinâmicas emissivas variadas, como nas ênfases acima. O mandamento seguinte possui duas ênfases com intensidade forte e mesmo tipo de curva melódica (ascendente e descendente ):

+~ , ------ - -

amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves '

t~ dentro

do coração / Novamente há, na interpretação vocal, a repetiç ão de curva s melódicas similares, como em :

~ adotado

~

aprovad o

94

95

Estas falas têm nas palavras amigo, adotado e aprovado, curva melódica ascendente e descendente, força articulatórianas sílabas tônicas e, nas duas últimas palavras, alongamento das sílabas tônicas. Além do que, estas são intercaladas pelo contraponto das ênfases, conseguido e não esquece, com a mesma curva melódica, intensidade fraca e abrandamento articulatório, que suavizam a emissão, caracterizando o tom mais afetivo dado pelo conteúdo deste mandamento. O mesmo tipo de curva aparece nesta linha (15) e na seguinte (16), que culmina com a palavra dentro, reforçada por intensidade forte, alongamento e força articulatória na sílaba tônica, denotando a profundidade do lugar ocupado pelo amigo: dentro do coração. A repetição de recursos vocais semelhantes numa mesma fala, ou no mesmo mandamento, salienta a relação entre as suas palavras-chave, casadas com a intenção do discurso. Isto ocorre também no quarto mandamento:

~/ • a mão t caleja

17

mas não

18

abrindo a

19

pra qualquer

20

~t~0 palma à-toa / ~

fran~te

v

ou mau elemento que aparecer /

t cui/daldo II

Todas as ênfases contêm ou alongamento, ou intensidade forte, ou curva melódica ascendente e descendente, ou força articulatória, compondo a intenção de Polônio de preservar Laertes do desgosto das más amizades. Na linha 19, depois da "luftpause", a fala segue sem ênfases, como que preparando a ênfase seguinte (cuidado), isolada por duas pausas interpretativas, o único caso em toda a partitura - o fato de uma palavra vir separada por duas pausas dá a ela, comumente, uma qualidade enfática, sendo composta de recursos vocais diversos, dependendo das intenções, objetivos e situações do personagem. Nesta ênfase, cuidado, o reforço vem também pela intensidade forte, pela força articulatória em cada sílaba e pela cadência silabada. Esta ação vocal é ligada a uma ação física forte, quando o ator corre de um lado para o outro do palco e pára fazendo silêncio com pausa psicológica (mais longa).

96

Realiza a intenção de alerta ao filho do possível mau elemento que aparecer, do próprio Hamlet - "prevendo" o duelo que eles teriam - e, pra não comprar briga, introduzindo, após a pausa, o quinto mandamento:

21

~

---

pra não comprar briga /

22

mas se comprar segura /

23

de tal modo que o adver sário é que passe a temer você /

t

Na partitura do papel do ator Pascoal da Conceição há no 3°, no 4°, no 5° e no 7° mandamentos pausas psicológicas representadas pelas duas barras II: uma depois da palavra coração, a segunda ante s da palavra cuidado, a terceira depois da palavra você e a última no final do 7° mandamento, depois da palavra julgamento. Assim, cada um desses conselhos é bem assinalado, tanto na' concepção criativa inici al quanto na emi ssão cênica da partitura vocal, apesar de não terem sido mantidas toda s as pausas psicológicas anotadas na partitura do papel. É interessante observar que na ruptura feita em cuidado, o andamento do discurso se modifica , contaminando a fala que vem depois - pra não comprar briga - dita inteira com ênfase de intensidade fraca, acompanhada por uma intenção de um pequeno suspense (começado na ênfase cuidado), que acarretará em ênfases num crescente de intensidade vocal: briga, se, segura e adversário. O sexto mandamento revela três ênfases com um mesmo recurso vocal de base, a curva melódica ascendente e descendente, e outras específicas a cada intenção, imbricadas nas palavras-chave:

24

25



ouvidos t~

I~ I

---------

altoldolmunldo /

t voz a poucos

97

o tipo de curva melódica, igual em todas as ênfases, cria uma musicalidade parecida, mas que na palavra ouvido é entoada com intensidade forte, alongamento da sílaba tônica e força articulatória em toda a palavra, firmando a intenção e significação de onipresença, de "radar" reforçado pela ação física do ator, com as mãos em concha atrás das orelhas, quase como uma antena parabólica. Esta fala se sobrepõe à ênfase seguinte, a todo mundo, toda silabada - com a voracidade de quem não quer perder nada - e com força articulatória em cada sílaba, dirigida a todos (público e atores). Depois suaviza: a melodia amenizada na ênfase, voz a poucos, emitida com intensidade fraca e dirigida confidencialmente a Laertes, sugere um ouvido apurado que, embora ouça todo mundo, tem de ter o discernimento para ouvir a voz que é cúmplice. Uma das linhas mestras da peça sugere o ouvido como um ponto importante da tragédia do reinado da Dinamarca. "Tem alguma coisa podre no estado da Dinamarca...", como diz o personagem Marcelo (ato I, cenal), e a situação, por cautela, pressupõe mais ouvir do que falar. O rei Hamlet, pai de Hamlet, foi envenenado pelo ouvido. O mesmo contraponto, de uma linha com qualidades mais fortes e a outra com recursos vocais mais fracos, ocorre nas linhas 26 e 27, sétimo mandamento: 26

27

ti

mas guarda para +

e que tuas

~ r~upas c~stem

v

o

--

t qu~nto você puder pagar

v

~ não inventa moda I 29

~, mas sem ostentação porque a roupa

-----

t ricas

v





sempre faz o homem I

Laertes está prestes a embarcar, cada vez mais se distanciando do pai, que com recurso vocal de intensidade forte e agudizando, "fisga" a atenção do filho nas palavras-chave do nono mandamento:

t ---.-

t--

30

não empresta' nem pede emprestado I

31

emprestar faz perder

32

o dinheiro e o amigo I

33

pedir emprestado arr~sa a confiança' e

t~ as opiniÕes de t cada um I o + julgamento I

Novamente, uma fala é dita abertamente, para todos, e a outra em especial para Laertes. Publicamente Laertes tem de ser político, aceitando as opiniões de cada um, mas guardando para si o julgamento. No oitavo mandamento Polônio começa a considerar os últimos instantes da partida, utilizando recurso vocal de velocidade rápida na palavra porque, concluindo o mandamento, na lógica de um raciocínio que se completa com o reconhecimento da melodia do dito popular: a roupa sempre faz o homem - reforçada pelo aparecimento da curva melódica descendente, afirmativa:

98

28

v

ao

t m~smo t~mpo I

~---.

t

t liquida com a poup~nça I

As duas primeiras ênfases, empresta e pede, quebram o andamento das falas do oitavo mandamento, inserindo com maior intensidade (intensidade forte) a questão monetária, introduzida pela fala anterior (linha 29). Usa os mesmos recursos vocais, colocando assim as duas atitudes em igualdade (emprestar e pedir emprestado). As linhas 31 e 32 se compõem de uma dupla de ênfases, emprestar - perder e dinheiro amigo, unidas pela ênfase mesmo tempo, esta última como o ponteiro de uma balança que tem nos pratos em equilíbrio os conceitos: emprestar o dinheiro, de um lado, significando perder o amigo, no outro. Polônio faz do mandamento um senso comum ao propô-lo de modo categórico, como na ênfase amigo, que é pontuada pelos recursos vocais de curva melódica descendente (afirmativa) e velocidade rápida e, ao finalizar, na linha 33, nas ênfases arrasa e liquida, ambas com intensidade forte. 99

o décimo mandamento é dado com Laertes a distância e dentro do navio. Polônio fala então suas últimas palavras carregadas do amor de pai e as entrega à confiança do filho , que agora será senhor das suas atitudes:

-

t t~do I

34

acima de

35

sej a

36

e em conseqüência como a nôite segue o dia I

37

não vai ser +falso com ninguém I

-

t fiel

consigo mesm""""'õ I

-------

~

Este é mais um princípio básico que Lae rtes deve seguir, sendo aci ma de tudo fiel consigo mesmo. Mais uma vez os recursos vocais usa dos pelo ator o fazem concluir, na linha 37, com a curva melódica descendente: mesmo à distância o pai aconselha carinhosamente o filho, com intensidade vocal branda, mantendo o forte contato emotivo. Suas últimas palavras são:

38

t ~I

39

e que a minha t~ bênção I

40

frutifique tudo

41

t~ adeus I

42

t~ adeus I ---

100

trs;

em

t~ você I

Nestas linhas, o ator usa em todas as ênfases intensidade forte (menos na palavra minha), particularmente em isto e você, que encerram o conteúdo da fala , proferidos em especial a Laertes. A expressão é auxiliada pela curva melódica ascendente, intensivamente emotiva. A palavra bênção é perceptivelmente ouvida como um lamento de pai se despedindo do filho - reforçado também por uma quebra de sonoridade na emissão das ênfases das linhas 39 e 40 , ditas com um "nó na garganta". Depois diz, pela primeira vez lentam ente, um alongado ADEUS! Nesta cena, Polônio manda o filho para a França, despede-se dele e faz-lhe, num curto espaço de tempo, recomendações que, a seu ver, lhe serão úteis durante sua estada em Pari s. Portanto usa muita precisão, priorizando recursos vocais tais como: força e abrandamento articulatório em sintagmas, sílabas e palavras, pontuando-as por meio da articulação; cadência silabada, reforçando a intenção em cada sílaba; velocidade rápida, não esquecendo de dizer nada . Polônio tenta ser o mais exato possível na intenção de alertar o filho. Assim, o ator esculpe minuciosamente os recursos de voz nas ações vocais . Fala com firmeza, como um a pessoa (político) que quer transmitir um conhecimento de ca usa, expresso na utilização de bastante intensidade vocal forte e várias curvas melódicas descendentes, afirmativas . Curiosamente, a cena ocorre no mesmo dia em que Polônio ascende a primeiro-ministro da corte da Dinamarca, uma prova do sucesso de sua conduta, na reta de seu superobjetivo: manter a ordem do reino da Dinamarca. Assim, o texto vem dividido com inúmeras pau sas lógicas, também associadas ao político, "lógico" em seu discurso. A fala é ace lerada, mas extremamente dividida com pausas interpretativas e muito enfatizada. O tipo de interpretação realizada no Teat (r)o Oficina reforça a "palavra viva", acarretando muitas ênfases e pau sas. A situação da cena não deixa de carregar no dramalhão do superpaimãe protegendo o filho , refletido vocalmente nas inúmeras variações melódicas, sobrearticulaçõe s e ênfases realizadas na partitura vocal.

.....

101

HAMLET Na cena de Hamlet, estão presentes os três personagens escolhidos para análise das partituras vocais . No texto original a fala é de Polônio, que lê para o rei Claudio e para a rainha Gertrude s o bilhete de amor escrito por Hamlet para Ophélia. Nesta montagem o próprio Hamlet, presente na cena, dá a fala, olhando nos olhos de Ophélia, atravessado por tantos outros olhares. O depoimento que segue é de Pascoal da Concei ção (que interpreta Polônio), quando conversáva mos sobre esta cena, na análise desta partitura vocal. Sua leitura, um olhar de quem viveu a cena por dentro , enriquece muito a análise da ação vocal nesta partitura, que pressupõe uma escuta que brota de dentro da situação cênica :

Era todo um exercício orgânico: de como o diretor me introduziu emocionalmente na situação, a geografia dos atores, o gancho da fala que puxava minha fala, a transformação de minhas emoções daquele momento nas emoções da peça... A cena começava com o rei querendo saber o que Polônio tinha para lhe contar. Ele diz que "desco briu a causa verdadeira do Hamlet lunático". Nos ensaios, o Zé pediu para eu chegar em cena como se tivesse descoberto, como Galileu Galilei, que a Terra girava em tom o do Sol. Uma descoberta imensa. E eu falava olhando para todos, como se dissesse: descobri a mensagem da peça, o que quer dizer esse hífen em Ham-let, porque é o Marcelo Drummond que o faz, porque estamos aqui agora , e por aí afora. E ia com tudo concluir que Hamlet estava biruta , não havia o que entender de Hamlet, o que pensar de Hamlet, tudo se resumia ao fato de que ele estava maluco e a sua maluquice, a "verdadeira maluqui ce", explicava tudo o que estava acontecendo. A mensagem era que não havia mensagem nenhuma, pois Hamlet estava maluco. Então lia o bilhete, a prova, encontrado com Ophélia, cortando o que não interessava a minha análise. O fato de o Zé colocar o Hamlet defe ndendo seu poema em cena mudou muito as coisas, porque se Polônio fala o poema ia esculh amb ar com ele, defendendo seu lado, mas com a presença de Hamlet , ele tem que suportar o fato de que Ophélia deixa transparecer que ainda está apaixonada por aquele homem (a Alleyona/Ophélia ficav a olhando para o Hamlet/Marcelo toda apaixonada e crédula durante o poema). Hamlet/Marcelo falava como Cazuza, empenhado, sem o deboche com que eu começava a cena. 102

Por fim, isso me deixava extremamente furio so e já que por persuasão não conseguia, nem por análise, eu partia para violência, colocando Hamlet numa camisa-de-força. Do seu lado, Hamlet invocava a máqu ina de "Ham-let" para demon strar o amor que ele sentia por Ophélia: 'T e amo acima de tudo... enquanto esta máquina de Ham-Iet funcionar...". O amor era a base de tudo o que era HAMLET, tudo era uma prova de amor : a peça, os atores, a cena. Shakespeare escreveu "Hamlet" por amor, o rei matou, a rainha casou, nós vivemos e morremos, escrevemo s livros, por amor. Podemos, como Hamlet diz a Ophélia , duvidar de tudo , meno s de que o amor está por dentro de toda máquin a da existência hum ana.

Na geografia da cena, os dois extremos do palco são ocupados por Hamlet e Ophél ia, permeados ao centro por Polônio, pelo rei Cláudio (tio de Hamlet ) e pela rainha Gertrudes (mãe de Hamlet). Polônio introduz o assunto, começando a ler a carta. "Dá a deixa" para Hamlet revelar seu amor, que ele começa cantando no seguinte trecho:

I234-

Duvide que as estrelas sejam fogo, Duvide que o Sol se mova, Duvide que verdade seja mentira , Mas não duvide que eu te amo.

o canto é suave, com pausas longas a cada términ o de frase e com pequenas variações de volume, quase numa curva melódica falada. Ele é desenhado como que preparando a fala seguinte, de recursos vocais similares. Apesar da distância - dos extremos - que os separa, a fala é dita como uma declaraç ão de amor ao pé do ouvido:

103

PARTITURA VOCAL DE HAMLET 1

I t Ophélia essa métrica me põe

.

--:-

2

eu não sei cantar /

3

os meus suspiros /

4

mas eu te amo /

5

acima de tu/do /

~

---

doente /

~ /\

----

6

7

8

9

10

acredita em

.....

Das ênfases, ou "palavras vivas", realçadas nesta fala, quase a metade delas (oito de dezoito) têm o alongamento como um dos recursos vocais percebidos. Das treze linhas, apenas cinco não têm em nenhuma ênfase esta qualidade. Em sua repetição, algumas características da situação afloram: o caráter afetivo da fala, que em seu alongamento prolonga o som até onde Ophélia está, como uma carícia a distância, usando vocalmente para isso de qualidades mais brandas. Hamlet, localizado cenicamente distante de Ophélia, terá, para compor a situação, de usar palavras com ênfases "doces", ao mesmo tempo cumprindo a necessidade básica de envolvimento sonoro (ressonância no espaço) dos outros atores presentes na cena, de Ophélia - a destinatária de seus versos - e do público, distribuído ao seu redor. O alongamento foi um traço muito repetido em todas as partituras (quando este traço é usado a sílaba tônica tende a ser a mais alongada da palavra). Em Hamlet, por exemplo, o alongamento da vogal "contamina" as consoantes, que são também reforçadas nas plosivas, de emissão mais direta, e alongadas nas fricativas, mais contínuas, como neste exemplo:

~ mim / 7

teu /

8

pra t sempre /

t~u /

1-;--

I~

pra t sempre /

---

mais querida /

11

enquanto essa máquina de Ham-/let /

12

funcionar /

13

Ham-/let /

No primeiro caso, teu, o alongamento se espalha intencionalmente por toda a ênfase - precisando a consoante t e alongando a vogal e e a semivogal u; Hamlet se "alonga" corporalmente em direção a Ophélia e se levanta com os braços abertos, entregue. Fala: teu - com força articulatória na palavra, que é assim bem marcada e pontuada na letra t - plosiva surda, emitida aqui com um pouco de sopro e uma certa projeção de língua para a frente. A característica de continuidade, inata às consoantes fricativas, é realçada na letra s em sempre que, desdobrada na vogal e, ganha o sentido afirmativo de infinitude - reforçado pela curva melódica descendente. A recorrência de alongamentos e intensidade vocal branda na fala de Hamlet produzem no ambiente uma musicalidade falada. As posturas que o ator vai tomando ao longo da fala, com pequenas variações de dinâmica de movimento flutuante, são leves como a fala, suavemente entoada. Todos escutam, estáticos. A música tocada na cena cria uma base para a fala melodiosa, desde a primeira linha:

105

I t Ophélia

.

essa métrica me põe

~

-

Inicia com ênfase de intensidade fraca, clamando por Ophélia rapidamente e olhando nos seus olhos. A linh a I é inteira suave e rápida , culminando com a palavra doente, que com sílaba tônica alongada e curva melódica ascendente e descendente cria uma inflexão "em espiral", flexível, talvez enjoativa ou doente, quando Hamlet reclama da métrica após cantar com voz rouca os primeiros versos desta fala . Em seguida, abre os braços num movimento brando - Ophélia igualmente de braços abertos no outro extremo do palco - e, com voz do ce, continua nas linhas 2 e 3:

2

3

ênfase

doente I

--:

-

4

força na articulação

-

curva melódica ascendente e descendente na palavra - alongamento na sílaba tônica da palavra

A linha 5 tem ênfase na palavra tudo, silabada e lenta; ela pre cisa a quantidade e o tamanho: é grande, é muito, é acima de tudo. E , acima de tudo••. acredita em mim (Hamlet). Este mim, com inten sidade fraca e abrandamento articulatório, como contraponto ao grande da ênfase anterior, é pequeno, pessoal, moderado e...

eu não sei cantar I

-------..

7



os meus suspiros I

I ---.----

8

Reconhece a falta de potência para ca ntar seu s suspiro s, mas compõe na voz falada, de stas duas linhas, uma curva melódica de subida e de scida, ascendente na ênfas e cantar e de scendente no sintagma meus suspiros, combinada com o alongamento, que corrobora a musicalidade. Decl ara nas linhas seguintes:

A

4

ma s eu te amo I

5

acima de tu/do I

6

acredita em

~ mim I

Eu, dita com exatidão pela força articulatória, ma s em intensidade branda, com afeição. Amo, palavra melodiosa na sua composição - toda sonorizada, tanto na consoante nasal m qu anto nas dua s vogais a e o e na sua emi ssão: alongada e com curva melódica ascendente e de scendente, "contaminando" toda a palavra: 106

recursos vocais

pra t sempre I

Pronuncia à Ophélia:

9

10

--

minha dama I

-----

mais querida I

Todos os elogios têm, nas ênfases, os recursos vocais de : ou força arti cul atória, ou curva melódica ascendente, que aqui estão ligadas à situação de fala amorosa. Hamlet marca as três primeiras ênfases , minha, dama e mais (todas palavras compostas com som nasal m - con soante bilabial sonora, de contato de lábio com lábio - que várias vezes está ligado a palavras de afeto), utilizando: força articulatória na sílaba tônica das palavras minha e dama, coincidindo de ambas serem paroxítonas, seguidas pela ênfase mais, também com força na articulação, resultando em uma fala ritmada. As três últimas ênfases, dama, mais, querida, são todas com curva melódica ascendente, agudizadas sem muita força de voz , quando Hamlet se dirige a Ophélia com intenção amorosa. 107

Esta fala põe em evidência uma tendência de as ênfases aparecerem nos finai s das frases. Em todas as linhas desta partitura de Hamlet a última palavra é enfatizada (nas partituras dos personagens Ophélia e Polônio, muitas são as linhas nas quais isto ocorre). Esta relação se dá pelo fato de a ênfase ser comumente mais intensa e, por isso , gastar mais ar, coincidindo com o final da expiração.

recursos vocais

ênfase

9

10

10

---

dama

-

mais

-----

querida

-

curva melódica ascendente força na articulação da sílaba tônica

-

curva melódica ascendente na palavra força na articulação

-

curva melódica ascendente na palavra

Ainda de braços abertos, volta-se para o público enquanto fala da máquina de "Ham-let"; ela é o próprio grupo do Oficina, seus atores no palco em comunhão com o público, tomando o fazer teatro, historicamente, como reflexão de seu momento . Não é apenas um texto do século XVII chamado "Hamlet", mas este é intensificado pelo diálogo e problematização que faz da nossa atualidade. Em "Ham-let" a força de Shakespeare não foi usurpada: a máquina funciona e é, também, o próprio Hamlet.

11

enquanto essa máquina de Ham-/let /

12

funcionãr /

recursos vocais

ênfase

11

Ham-/let

-

força na articulação da palavra cadência silabada

13

t Ham-/let

-

força na articulação da palavra cadência silabada intensidade forte velocidade rápida

O tônu s é outro quando, na ênfa se funcionar (linha 12), o ator fala , alongando a sílaba tônica e dando força articulatória, acompanhada pelas ações física s: prolonga os braços mais inten samente para cima e, depois, num movimento abrupto, com força, diz rapidamente:

13

t Ham-Ilet I

Depois disso, vira-se de costas para todos, rapidamente, como que tomado por um impulso que precede o que irá acontecer na seqüência: colocarão a camisa-de-força nele por con siderá-lo louco .

A máquina de "Ham-let": seu nome, ele - o personagem e o ator - , o espetáculo , os atores, o Teat(r)o Oficina, tudo enfatizado em Ham-let (linhas II e 13): ênfases com cadência silabada, força articulatória em ambas as sílabas - bem marcadas e articuladas - ; e em Ham-let , linha 13, mais dois outros recursos vocais encerram, também, esta fala: intensidade forte - única palavra desta partitura com este recurso - , e velocidade rápida. Estas duas ênfases são duplamente silabadas: pela cadência silabada e pelo reforço tônico nas sílabas que a divisão das palavras com hífen traz.

108

109

IV VOZCÊNICA: DOMÍNIO TÉCNICO, DIMENSÃO CRIATIVA

Belavoz é a mais importante das musas, porque ela é que acompanha os reis venerandos. A voz é bela não porque seja agradável e requintada, não é bela por características que consideraríamos formais - mas por este poder, compartilhado por reis e poetas, de configurar e assegurar a ordem, por este poder de manutenção da vida e de custódia do ser. (...) - Bela, pelo poder de influir decisivamente nas fontes do ser e da vida, pela sua pertinência às dimensões do mundo e ao sentido e totalidade da vida. Torrano' Em cada análise do capítulo anterior, a incidência maior de alguns recursos vocais mostrou-se afinada com as cenas, com as características da personagem e com a voz do ator em suas interpretações. A partitura da fala de Ophélia, com inúmeros alongamentos e curvas melódicas, deixa transparecer na ação vocal da atriz, por meio dos desenhos realizados por vogais estendidas em subidas e descidas, rápidas pausas para retomar o fôlego, tanto o prazer gozoso do encontro com Hamlet quanto os medos e as angústias dos desencontros da própria peça. . N.a fala de Polônio, as qualidades freqüentes de força articulatória, intensidade forte, velocidade rápida, cadência silabada e algumas frases com ciclos emissivos mais longos, sugerem uma situação de fala acelerada, mas imprescindivelmente pontuada e rigorosa. Numa ênfase com ca1. Torrano, J. Hestodo/Teogonia: origem dos deuses. São Paulo: Massao Ohnol Roswitha Kempf Editores, 1981.

110

dência silabada ou com articulação precisa, a ação vocal do ator deixa ver, com clareza, a importância que o pai Polônio dá a cada um dos mandamentos transmitidos para o filho. No personagem Hamlet o clima amoroso, derramado nos versos escritos para Ophélia, aponta, na partitura, a utilização de recursos de intensidade vocal mais branda - apenas uma palavra com intensidade forte - , vários alongamentos associados a curvas melódicas ascendentes. Estas curvas, em ciclos de fala curtos, dão à voz entonações melodiosas e temas, mas não deixam de objetivar, em seus versos, uma ação vocal que dirige a todos, com recados de Hamlet para a máquina de "Ham-let" e do próprio ator para o personagem. As análises das partituras definem vozes de personagens corporificadas nos atores. Cada ator, na construção de seu personagem, foi ganhando um corpo vocal, fusão das características timbrísticas de sua própria voz e dos recursos que (re)elaborou para o personagem. É como se o ator, com suas dificuldades, capacidades e percebendo/transcendendo seus limites, emprestasse e tomasse emprestado do personagem outras tantas possibilidades, que vão compondo uma voz, fruto da combinação dos recursos vocais do ator e do personagem. A escuta destas partituras vocais e a avaliação da voz dos atores evidenciou recursos dos atores nos personagens e vice-versa. Começando pelas características vocais da atriz Alleyona em seu personagem Ophélia, nos seus recursos vocais primários: 1. voz de freqüência mais grave - em Ophélia, o personagem que traz mais fortemente o feminino da peça, o reforço dos tons agudos foi necessário e inerente às suas situações; 2. articulação precisa, auxiliada também pelo sotaque gaúcho da atriz, que pronuncia bem as palavras - na cena analisada a articulação de Ophélia é clara, com algumas sílabas reforçadas e muitas palavras precisamente enfatizadas no detalhamento de sua narrativa; 3. a atriz realiza, com facilidade, variações de intensidade, mas normalmente se mantém suave no discurso - a diversidade de intensidades, nesta fala de Ophélia, é dada inicialmente por um nível mais fraco em suas primeiras ações, depois, num crescente, alcança o forte e, no final, um nível de intensidade bem suave. Na trajetória do espetáculo sua intensidade e freqüência de voz se elevam, num misto de voz cantada e falada, principalmente em suas últimas cenas, quando é considerada louca. Foi necessário, nos treinamentos vocais, um aprimoramento da percepção auditiva da atriz para discriminação de tons; 4. a ressonância da atriz é alta, de cabeça, às vezes com um pouco de nasalidade - em Ophélia os recursos vocais de curvas melódicas e 111

alongamentos foi muito trabalhado pela atriz, originando quase um canto falado, com uma qualidade brilhante, um timbre cristalino, de "cascata".

o cruzamento dos recursos vocais do ator Pascoal da Conceição e de sua criação de Polônio demonstra que também o ator se apropriou dos recursos que seu personagem sugeriu e vice-versa: 1. voz de freqüência grave - não houve exatamente a escolha do reforço desta qualidade para o personagem, mas certamente em Polônio a voz grave compõe sua natureza; 2. articulação precisa - foi reforçada no personagem, sendo às vezes sobrearticulada (exageradamente emitida), dada a necessidade de emissão clara de Polônio em toda a peça, ao desejo de ser polido. Além disso, a duração maior dada pelos alongamentos é uma característica marcante do ator, muito usada em Polônio; 3. intensidade variável de voz, com tendência para o forte - Polônio é inventado com intensidade forte de voz, principalmente pelo tipo de relação que estabelece com os outros personagens e com o público, na qual a aparente franqueza, a vitalidade do político e sua energia são verbalizadas e intensificadas; 4. ressonância mista (de cabeça, mediana e de peito) - a facilidade do ator em englobar várias ressonâncias, demonstrando sua versatilidade vocal, permitiu que a partitura de Polônio fosse estruturada também com curvas melódicas variadas. A boa colocação de voz do ator, com intensidade forte, ampla ressonância e articulação exagerada, era dirigida para que seu personagem se relacionasse com tudo e com todos. O trabalho de colocação de voz no Teat(r)o Oficina pressupôs também o reforço do treino na articulação e na inten sidade vocal, e isto certamente influiu nas vozes dos personagens. Em Polônio, especialmente estes dois recurso s vocais foram potencializados para o personagem que, sendo um homem público, diz algumas de suas falas intencionalmente dirigidas para os espectadores - que no Oficina ficam espalhados em três níveis na platéia. A "maratona" vocal por que passava o ator Marcelo Drummond em cada espetáculo fazia com que ele tivesse , muitas vezes , de lidar com o cansaço vocal e rouquidão na ação de seu personagem. O espetáculo tinha quatro horas e meia de duração, e o ator, interpretando Hamlet, estava presente em quase todas as cenas, com muitos monólogos e diálogos. Foi um longo processo, entre gritos, rouquidões e descobertas vocai s que viabilizassem a ação vocal do ator em seu personagem Hamlet. A partitura vocal e a análise de sua voz expõem seus recursos vocais, sendo algun s descritos a seguir: 112

1. voz de freqüência habitualmente grave, também em decorrência de sua alteração vocal - em momentos diferentes o personagem tem de variar o tom de voz entre o grave e o agudo , o que levou o ator a exercitar, nos treinamentos, a exten são de sua voz para adaptação ao personagem; 2. articulação imprecisa com distúrbio articulatório. Pronúncia com sotaque carioca do ator - o Hamlet criado por Marcelo incorporava estas particularidades, exibindo na ação vocal os conflitos do personagem e a nece ssidade de articulá-los em sua fala; 3. a intensidade vocal do ator é forte e, várias vezes, a de seu personagem também. Quando disfônico, inicialmente forçava sua voz. O fato de o ator, quando estava disfônico, usar intensidade forte com freqüência grave gerav a maior esforço à fala e, desta maneira, o treino e os cuidados vocais foram fundamentai s. O HamletlMarcelo foi um personagem que teve de conquistar sua voz, muitas vezes em cena, numa espécie de "ter ou não ter a voz", "ser ou não ser" . Como fala Hamlet: "Ophélia, essa métrica me põe doente. Eu não sei cantar os meu s suspiros". Com o treino e a adaptação desta voz para seu personagem, começou a descobrir a suavidade, saudável para si e possível na composição de seu Hamlet. A intensidade vocal pode ser diminuída, mesmo em situações de tensão e agressividade, e a intenção reforçada em outros recursos vocais , por exemplo, como articulação precisa e ênfase nas palavras, com diversificação de outros recursos; 4. predomínio do foco de ressonância na região da laringe e da faringe (laringo-faríngica), misturando- se à ressonância nasal. Com os treino s, o ator passou a usar a voz na máscara: o uso das caixas de ressonância do nariz, da boca, das maxilas e da testa; uma das suas primeiras conqui stas na projeção da voz - na cena analisada, as escolhas de recursos vocais levam a uma fala melodiosa, contaminadas pelo clima da situação e pelos primeiros versos que são cantados por Hamlet, fazendo o uso da ressonância ser variado nas subidas e descidas das curvas entoacionais. Como foi visto, o timbre da voz dos atore s se amolda ao personagem e vice-versa, o que reforça a importância de se trabalhar os recursos vocais do ator também para superar distúrbios e dificuldades. Sendo assim, a cada nova peça é preciso que o ator cuide, treine e renove sua voz. O treinamento da voz no teatro traz a reflex ão sobre as abordagens fundamentais a este trabalho, que sempre será uma mescla das exigências do personagem na peça, do ator em seu personagem e do ator consigo mesmo, sua manutenção e saúde vocal. É preci so reconhecer que (...) certas falhas técnica s podem . eventualmente. adquirir uma indiscutí vel eficácia dramática. Seria absurdo excluir dogmaticamente UM

II ~

falas que se aceleram sob o efeito da emoção, as forças vocais momentaneamente quebradas pela tensão ... A dicção, a priori defeituosa - sincopada, seca, monótona - , de Jouvet tornou-se, como sabemos, uma das características principais de sua personalidade de ator e talvez da modernidade das suas interpretações. E os puristas não deixavam de recriminar Vilar por "despejar" seu texto, isto é, dizê-lo de maneira corrida e inexpressiva, quando ele estava cansado. Acontece que, embora se tratando de um defeito, do ponto de vista acadêmico, o público desprevenido e pouco atento a essas questões de técnica ortodoxa não deixava de perceber a força e a beleza da declamação estilizada que Vilar extraía do seu "defeito". Valeria lembrar que Moliêre, o "patrono" dos atares, sofria de uma "volubilidade da língua que acelerava por demais a sua declamação" (segundo Mlle. Poisson,jilha de um dos atares de sua troupe) e de um "soluço" (ou sibilo) talvez resultante das dificuldades respiratórias provocadas pela tuberculose que iria matá-lo. E que ele soube transformar tais "defeitos" em eminentes virtudes cômicas?

Obviamente não se trata, aqui, de justificar possíveis alterações vocais, mas, sim, de trabalhá-las a favor do ator e da sua interpretação na voz dos personagens. A análise da partitura vocal traz um registro o mais vivo possível, como uma "fotografia" do movimento da cena: como se cada recurso vocal desse uma dica, um detalhe do personagem, do seu momento emotivo, da contracenação e da situação por ele vivida. Penetrando na compreensão da partitura, a ação vocal aflora, é a cena (re)visitada, o que permite uma aproximação em relação às características cénicas, ao estilo e aos sentidos empregados pelo ator no personagem por meio da voz. No trabalho de preparação vocal aqui sugerido, a partitura é elaborada pelos atores, pelo diretor e pelo preparador vocal em etapas, acompanhando o processo criativo e dando contribuições técnicas e interpretativas à voz dos atores. Atua também como uma espécie de direção vocal do espetáculo: trabalha as necessidades vocais básicas para o palco, a construção vocal do personagem e a saúde vocal do ator. O preparador vocal pode fazer predominar uma ou mais de uma dessas dimensões do trabalho, de acordo com o momento e as demandas da montagem e dos atores. Com isso, fica explícito que há atividades de treino vocal mais especificamente técnicas. No entanto, é importante que fique claro também que este trabalho não se dá em separado das exigências da peça, mas que se estabelece numa relação de reciprocidade com os vários planos de trabalho do ator. Nessa óptica, o preparador vocal deve trabalhar os recursos vocais dos atores aplicados ao texto e à montagem teatral, não separando um aspecto do outro, como se fazer a partitura fosse simplesmente a aplica2. Roubine, J.J. A arte do ator. Trad. Yan Michalski e Rosyane Trotta. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987, p.24.

114

ção de um gráfico à voz falada. Ao contrário disso, a descoberta dos recursos na ação vocal e a feitura/análise da partitura são possibilidades de se compreender e liberar forças contidas na peça, no personagem e no ator. Para que a ação vocal se efetue mais plenamente é desejável que a saúde vocal do ator esteja em boas condições. Inclusive a prática da ação vocal pode trazer saúde à voz porque a vitaliza e, com isso, a distende, flexibiliza e fortalece. Estando fortalecida, tem menor propensão a alterações. O treinamento dos recursos vocais aperfeiçoa a ação vocal, ajuda a promover a saúde da voz e toma a voz do ator mais apta para o desempenho no palco. Porém, é imprescindível lembrar que pode existir ação vocal mesmo na disfonia. Foi neste sentido que, percebendo o potencial do ator Marcelo Drummond em realizar ação vocal e, ao mesmo tempo, suas dificuldades, trabalhamos nos treinamentos a conjugação da saúde de sua voz e a necessidade de uma outra possibilidade vocal para a realização de seu personagem. Sobre este processo, o diretor Zé Celso Martinez Correa escreveu: Foi preciso este eclipse da terceira lua cheia de "Ham-let", no dia 29, para eu entender. Neste espetáculo do último domingo, a conjunção desfavorável da voz agonizante do bode Marcelo exigia uma outra voz - ou a condenação à morte, ao não ser. Lucia Helena Gayotto, fonoaudióloga, velou até revelar-se esta nova voz. Ela sabia que a concepção do "Ham-let" inicial de Marcelo, gritando como um bebê para existir contra tudo e contra todos, teria um limite físico nas suas cordas vocais e precisava dar um salto interpretativo de qualidade. Aconteceu esta noite. (...) nesta noite no Oficina, que espelha toda relação social dentro e fora, abriu-se espaço para o "Ham-let" de Marcelo chegar, ser compreendido, e ele veio.'

No processo deste ator, e especialmente neste dia, a ação vocal em Hamlet foi uma busca deliberada, assim como é comum aos atores na criação de seus personagens. Ao ator, conhecer e treinar sua capacidade vocal na ação é permitir, a um só tempo, a prática técnica e interpretativa. Referindo-se a isto o ator Pascoal da Conceição diz: "Se eu pegar minha partitura vocal vou sentir a ginástica vocal da minha emoção num certo momento, vou sentir o ar, o caminho do ar na cena". Então, o "pulo" vocal, a voz que salta com as forças vitais do espetáculo, produz o prazer da técnica implicada na criação. A técnica dá forma às potencialidades da expressão vocal e, em seu exercício, vai impregnando no ator uma espécie de memória, ou seja, o treinamento vocal vai deixando marcas que, voluntária ou involuntariamente, vêm à tona no momento da emissão. O ator Rubens Corrêa aborda este tema contando: 3. Zé Celso Martinez Correa. O bode se coroa com o eclipse. Folha de S. Paulo, São Paulo: Caderno Mais!, 5 de dez. 1993, p.9.

115

No Rio, a gente tem muito uma transação de umbanda que eu sempre gostei muito de assistir. Por deslumbr amento mesmo, porque eu acho uma coisa tão bonita, uma coisa tão brasileira, aquelas músicas são incríveis. E tem a transação do cavalo que é a própria imagem do ator. Quer dizer, o cavalo pra receber o espírito tem que treinar, ele tem que saber que gesto de Iansã é um raio , então ele tem que treinar, então sai assim (imita ). Tem que sair um raio assim. Eles treinam muito tempo . Cada deus tem a sua manifestação física. Então pra mim ator é um pouc o isso.Você tem que estar pronto pra esse tipo de transação que é no teu corpo, na tua voz, nos teus sons. Em tudo, você tem que estar apto pra traduzir este mundo de inconsciente. Eu acho que a técnica é muit o isso. Quanto mais você tiver melhor!

A técnica entranhada na voz do atar deve estar a seu serviço, ela não é exatamente exercitada no espetáculo, mas ele a percebe presente . Marília Pera, atriz de um excelente preparo técnico, diz: Pra você soltar a poesia e a loucura, você tem que ter uma técnica te apoiando, senão não tem interesse a tua poesia e a tua loucura , se você tem péssima dicção , se a tua barri ga está solta, se você não sabe andar, se você não sabe sentar, se você não tem o mínimo. Pra contar a história de um personagem , você tem que preparar o teu instrumento. Você pega um instrumento desafinado, solta lá a poesia e a loucur a, e fica tudo meio desagrad ável de ouv ir. Podem sair notas lindas, mas pode ser desagradável. (...) Então, eu estando em cena, pude mostrar para as pessoa s o que era, por exemplo. a forma, o moviment o, a coreografia, sem perde r a emoção . Pelo contrário, a forma e o moviment o abrem portas para a emoção (...)5

A insegurança causada pela falta de preparo técnico pode truncar a emoção emergente ; não encontrando o corpo do atar preparad o ela pode interromper seu fluxo. Não há portanto dicotomia entre técnica e arte. No caso da voz, a ação vocal favorece a fusão entre este s planos. O atar Pascoal da Conceição, num depoimento visceral, expõe seu processo de atuação. Ele diz:

inspiração não se tran smut a, nem se transmite. Uma dor escancarada e alegre com o a dor do part o. Assim é a criação e a técnica.

A ação vocal ocorre no corpo do atar como se uma única pele alinhasse sua carne (as cavidades, os músculos, as membranas, as cartilagens) e sua interpretação." A voz vai se tomando melodia, em sua voluptuosidade traz algo que vai além do entendimento estritamente intelectual. A absorção da partitura vocal pode facilitar o acesso a "esta coisa" indizível. Não é uma fórmula de interpretação vocal, mas uma ponte que nos permite, ainda que parcialmente, transitar entre a reflexão e a manifestação da voz em cena. Quando o atar atua, a interpretação passa através dele, pelo seu corpo todo, "eroticamente" ; não é simplesmente a expressividade emocional de sua voz que ouvimos ; é, para além disso, um artista que se deixa possuir, que é um canal por meio do qual a arte passa e inunda a quem assiste. É necessário que o atar interfira na ação cênica: ele pode falar horas e ninguém escutar, pode falar um só minuto e fisgar a atenção dos espectadores. Com ação vocal o personagem percorre o curso da peça , e o público vê, ouve, (re)conhece sua existência. Ela vitaliza a palavra emitida e pode ser um trampolim para descobertas cênicas . Há uma cena de "Ham-let", no início do último ato, num cemitério, quando os coveiros discutem e analisam os derradeiro s acontecimentos da peça. É como se ficasse para nós, coveiro s de tudo o que morre, discutirmos se é, se não é, se pode , se não pode. Enquanto discutem fazem a cova, a vala sagrada , como um ventre de onde tudo veio, se transformou, e agora retoma para outro ciclo de transformações. É este diálogo com o provisório, com o que morre - valores, verdades, modos de existir que anuncia e traz a vida que se (re)cria. Talvez seja este diálogo também, em última análise, o motor da ação vocal.

Quando entr o em cena é quand o estou mais frágil. Tud o o qu e preciso fazer reque r sempre uma coragem que está além das minh as forças. Então evoco todo o invisível mundo de forças que me inspiram. Sei que será um tormento eu não me perder, eu não me esqu ecer. Se eu ficar cuid ando de mim tudo será excessivamente rid ícul o. Tenho sempre a cert eza que todo mundo sabe o que estou pensando, então caminho pra ser o mais sincero possível. E me ataca a obsessão de revelar tudo o que está me acontece ndo ... O mito de Prom eteu vem bem a calhar: a exposição às aves que bicam o seu fígado, a dor horrível que é dar as entranhas para alimento, a prisão nas correntes do rochedo e o reconhecimento trágico de que aquela purgação é nece ssár ia pro homem que passa o fogo ao outr o homem. Há um sofrimento, uma dor, um a perda, da qual não dá pra fugir e sem a qual a 4. Apud Meiches, M.; Fernandes, S. Sobre o trabalho do ator. São Paulo: Perspectiva. 1988, p.37.

5. Op. cit., pp.48 e 56.

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6. Banhes, R. The grain of the voice. ln: - Image - Music - Text. Trad. Stephen Heath, Grã-Bretanha: Communications Series, 1979.

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DEDOS E OLHOS ENSAIAVAM PRIMEIROS SINAIS DE UM CONTACTO PARA O QUE IA SER TRANSPLANT~ DE RESTOS AINDA VIVOS PARA A ANATOMIA NOVA NA HISTORIA DE UMA VOZ RECÉM-DESCABAÇADA, MORTA E PRONTA PARA SER RESSUSCITADA.

POSFÁCIO

À ESCUTA INICIAL DOS ÚLTIMOS RECURSOS OS PRIMEIROS DA AÇÃO VOCAL.

UMA VOZ DE UM BODE NOVO, BERROU MILÊNIOS DE MINUTOS NAS POEIRAS EMBAÇADAS DE UM RENASCIMENTO DE TEATRO, ATÉ VIRAR VOZ SEM VOZ, ESTRAÇALHADA, ARREMESSADA EM FIOS DE FIAPOS PRA MORRER NO FUNDO DO PEITO NO TERREIRO INTERIOR ENSA NGÜENTADO DO CORAÇÃO DE UM ATaR. MAS NUM RARO FORA DE CENA, DE UMA PRESENTAÇÃO QUASE MUDA DO PRÍNCIPE DO ESTADO PODRE DA DINAMARCA, UMA AÇÃO DE TEATO COMEÇOU À ATUAR: UM OUVIDO, COLADO AO PEITO DE HAM-LET ENTRAVA EM CONTACTO COM OS CHIADOS QUASE SILÊNCIO DE ÚLTIMOS RESTOS, UMA BOCA SOPRAVA MUITO BAIXO, SILÊNCIOS ... 11 8

O OUVIDO, O SOPRO, AS EXTREMIDADES DOS DEDOS E DOS OLHOS OLHANDO PARA DENTRO DO CORAÇÃO DAS VOZES, AGIAM, AGIAM NA AÇÃO DE "HAM-LET ' TENDO DE BUSCAR OUTRO JEITO PARA VINGAR O ASSASSINATO DO PAI SEM VINGANÇA, SEM MÁGOA OU RESSENTIMENTO, DE OUTRO JEITO COM OUTRA VOZ, COM A DO SILÊNCIO, DE OUTRO JEITO. O OUVIDO OS LÁBIOS SOPRANTES, OS DEDOS, OS OLHOS 'DA FaNO AUDIÓLOGA , OUVIAM , TOCAVAM, AGIAM, AGITAVAM-SE _ COM OUTRO RENASCIMENTO: A DESCOBERTA DO BRASIL NA VOZ ASSASSINADA PELA AÇAO DA MÁQUINA DE DESEJO E~CESSIVO pE SHAKESPEARE, A REVELAÇÃO DA REVULSAO DA AÇAO VOCAL NOVA, QUE VINHA VINDO COMO DE UM POÇO DE PETROLEO , NA POSSIBILIDADE DANÇA LOUCA DAS PALAVRAS E DOS SONS DESDOMINADOS, DO GOZO LOUCO PHALADO CANTADO E CHORINHADO ASPIRADO DE OFÉLYONA CAVALLI, DO DISCURSO APAIXONADO ÁRIA CÍVICO BRIZOLISTA DE POLONIOPASCOAL, E COMO PRÊMIO DA BUSCA, A MEIA VOZ MARINA CANTANDO SEUS SUSPIROS FORA DA MÉTRICA, DE MAR-CELa BALBUCIANDO SUA JURA DE AMOR ETHERNO À MAQUINA DE HAM-LET . 119

LUCIA HELENA OUVIU, VIU, OUVIU, E VIU QUE TINHA QUE ENTRAR DENTRO DAQUELES PEITOS, DAQUELAS CAVIDADES E PROTUBERÂNCIAS, SER AQUELES PULMÕES PARASABER DE ONDE VINHA A MORTE E O RENASCIMENTO DA VOZ QUE ELA JÁ ANTEVIA, SER A VOZ DO CORPO TODO DA VOZ, NA AÇÃO DE TUDO COM TUDO NO TE-ATO, NÃO O QUE "TE UNO A MIM, TE OBRIGO A UNIR-SE A MIM", COMO TRADUZIU ARMANDO SERGIO DA SILVA, NO SEU LIVRO "OFICINA: DO TEATRO AO TEATO", QUE LUCIA CITA, MAS O DE ATO, O OPOSTO DE ATAR, PRENDER: O DE SOLTAR, ATUAR, AGIR... TEÁTO, TE LIGO, POR QUE SOU AÇÃO, SOU ATaR, SOU ATUADO, AGIDO E FAÇO ATUAR. TATEIO. TATO. TEAT(R)O BRAZYLEIRO, "TIATO" BRASILEIRO, ASSIM COMO SE FALA: "VOU NO TIATO". ASSIM SE FALA, ASSIM SE OUVE. E NOSSOS TRABALHOS E O DE LUCIA, QUEREM DIZER MAIS QUE - VOU VER OU VOU OUVIR, COMO QUEM OUVE UM CD, QUEREM MAIS: - VOU VEROUVIRSERVISTO E OUVIDO, E VOU DANÇAR SER, SENDO, "TEATO". A AÇÃO VOCAL SACUDIU LUCIA PRaS ENSAIOS DE BACANTES LUCIA PROCUROU TRAZER O CORO DAS BACAS, PRAS VOZES DOS VAZIOS DAS TRIPAS, INTESTINOS, ÂNUS, PÉS DE DAR PÉ, NA PIERIA, NO SOPRO PRaS BAIXOS, ATÉ TUDO TRANSAR COM TUDO. A AÇÃO DA VOZ DANÇOU NO CORPO TODO, NO ESPAÇO TODO, NO CORPO SEM ÓRGÃO DE TODOS OS PRESENTES E AUSENTES. OS GEMIDOS HISTÉRICOS DE BACANTES GANHARAM, O TERRENO DO CORPO TODO.

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A VOZ SEDIADA SOMENTE NO APARELHO VOCAL QUE FAZIMAGINAR O CORPO DE UMA FaNO AUDIÓLOGA CLÁSSICA COMO UM SER só GARGANTA, GALINHA PAPUDA, DISSOLVEU-SE PELAS NÁDEGAS, PÉS, E PELO AR, E OUVIU-SE O SOM EM AÇÃO DE TUDO. AARTICULAÇÃOTEÇNICAMENTE PREOCUPADACOM A SALIVAÇÃO DANDO A IMPRESSAO DE UM MASTIGAR ETERNO DE CHICLETE, SE ESCORREGOU POR TODOS OS TUBOS DO CORPO INTERNO PENETRADO PELA PARTITURA DA AÇÃO MAIS QUE DO PERSONAGEM DA PEÇA, MAIS QUE DA PEÇA, DO RITUAL ATIVO DE ESTAR VIVO. ESTAS DESCOBER.TAS E OUTRAS QUE DESCONHEÇO, DO MUNDO QUE E UMA ORELHA, VIRARAM UM LIVRO. NELE, OS "RECURSOS VOCAIS", A CIÊNCIA DA CURA DA VOZ TAL QUAL O OCIDENTE ANALISA, ESTUDA, ENSINA E CURA ENCONTRA-SE COM A AÇÃO VOCAL DO TEATRO, DO PERSONAGEM, DO TEATRO, DO TEATO, DA DANÇA, NO RITO TUPY DO ÍNDIO CURANDEIRO DE HAM-LET. NA PEÇA CÂNONE DO OCIDENTE, NO VACILO DO "TO BE on NOT TO BE" HAMLET DEU UMA ESCORREGADELA E CAIU NUMA CIRANDA DE SURUBIM, FELICIANO DA PAIXÃO, UM PICASSO TARAHUMARA DO NORDESTE QUE CANTOU A RESPOSTA QUE OSWALD BUSCAVA PRO "TUPY oa NOT TUPY": O SER "TUPY", só. SIM ,YES, TUPY, THAT IS THE ANSWER. A MESMA RESPOSTA AFIRMATIVA DO EMBAIXADOR BRASILEIRO NU E PINTADO QUE ATaR CABOCLO PASCOAL DA CONCEIÇÃO DEU EM HAM-LET, NA ARTE, NA VIDA E COMO MUSA YOKO aNO DESTE LIVRO. YES, TUPY. 121

TACARAM FOGO NO ÍNDIO PRA DEIXAR A CIDADE LIMPA E A TRIBO DELE DE VINGANÇA SEM RESSENTIMENTO REOCUPOU AS TERRAS E MAIS TERRAS DELES ROUBADAS, COM SAIAS DE PALHA, TUPY, YES, HAM-LET, FAZENDO RODAS, VOZEANDO CANTOS MILENARES. A CULTURA DOS ANTROPÓFAGOS É A DA AÇÃO ALIMENTAR PERMANENTE. RENASCE FORTE AGORA COMO A NEGRA, COMENDO TUDO NA RODA DE ÍNDIO QUE NÃO PÁRA. A PARTITURA DA AÇÃO VIRANDO VOZ, SOM, DANÇA, BRUXARIA, ZUM, ZUM, VOZERIO ATIVO. É SEMPRE REDONDA, MESMO QUE ANTES TENHA QUE PASSAR POR DECLIVES GALGANDO OU DESCENDO CUMES, RETAS, DESVIOS E LABIRINTOS. ELA, A PARTITURA DA AÇÃO É SEMPRE UMA RODA. NESTE LIVRO HÁ O ENCONTRO DE DOIS HEMISFÉRIOS NUM SÓ CORPO: ODELUCIA. A UNIVERSIDADE, A CIÊNCIA OCIDENTAL, A TESE, OS "RECURSOS VOCAIS "NO CORPO DA CIDADÃ FORAM UMA NOITE ATENDER UM CORAÇÃO QUASE SEM VOZ E NA AÇÃO VOCAL ESTE CORPO DE MULHER PENETROU NA GLOSSOLALIA MULATA DA PRÁTICA DO TEATRO, DOTEATO DA BRUXARIA, DA AÇÃO SOPRADA PELO TESÃO DA ORGYA. A CIENTISTA SE ENCONTROU DE NOVO DEPOIS DE SÉCULOS COM A BRUXA. GRAVAÇÕES DE VÍDEO, AUDIÇÕES, GRÁFICOS, CURVAS, SINAIS ESCRITOS, CALIGRAFIAS RUPESTRES, SONS AGIDOS QUE AS LETRAS E OS SINAIS AINDA NÃO CAPTAM QUE ASSIM COMEÇAM A SER IMPRESSOS NA PÁGINA COMO TAPUMES DE PARTITURA, FUTURAS PEMBAS. 122

ARTAUD COMEÇOU A ESCREVER O QUE OU-VIA E FOI SE DANDO CONTA QUE NÃO CONSEGUIA, E AÍ SÓ SE INTERESSAVA CADA VEZ MAIS EXATAMENTE PELO QUE NÃO CONSEGUIA. IA INDO, MUITO MAIS PELAS PONTUAÇÕES, PELAS VÍRGULAS, PONTO E VÍRGULAS; PELOS VAZIOS DAS PÁGINAS DOS DESENHOS, PELO SOPRO DO QUE PELA COISA SOPRADA. APALAVRA COMO UMA FASE DA MATÉRIA, SÓ UM INSTANTE, FRAÇÃO MÍNIMA DE TEMPO DO CORPO TODO MANTRANDO-SE NO PESO DOS NERVOS, DOS SONS DA DANÇAS DO PLENO DOS VAZIOS SENTIDOS DO NÃO DITO. PAULE THÉVENIN OUVIU O CORAÇÃO DE ARTAUD E VIROU A EDITORA DOS FLUXOS DE ELETROS DA AÇÃO ORAL SEM FIM, DO ETERNAMENTE MOMO QUE ARTAUDDEIXOU POR ESCRITO NA RESPIRAÇÃO NÃO ESCRITA COMO UMA PEÇA INTERMINÁVEL DE TEATRO. COM PALAVRAS ESCRITAS COMO SINAISINHOS DE UM FÔLEGO CÓSMICO ETERNO MAIOR SEMPRE VIVO, UM CANAL INTESTINAL INTERNÉTCO CÓSMICO DO VIVO ETERNAMENTE VIVO AGORA E SEMPRE. A MESMA ELUCIDAÇÃO DA SABEDORIA DA IGNORÂNCIA, DA CIÊNCIA E DA ARTE DA LOUCURA MESTRA DE VOZES MESTIÇAS QUE TEMOS DENTRO E POMOS PRA FORA DE NÓS, COMEÇA AGORA NESTA AVENTURA DE ESTUDAR A AÇÃO DO FALAR-OUVIR NO BRASIL. UMA AVENTURA COLETIVA QUE NENHUM DE NÓS PODERÁ FAZER SOZINHO: A DE ILUMINAR A CRIAÇÃO DAS VOZES, DA PHALA CANTO, SOLO E CORAL DO T(H)EAT(R)O BRAZYLEIRO QUE ESTÁ AGORA COMEÇANDO A REVULSAR.

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LUCIA DÁ UM PONTO DE PARTIDA EXATAMENTE NA PEÇA CÂNONE DO OCIDENTE: "HAMLET". OS DENTES DA ANTROPOFAGIA DOS CANIBAIS, DOS CALIBÃS COMEÇAM A COMER AFONO AUDIÓLOGIA OCIDENTAL. STANISLAVSKI COMEÇOU NO INÍCIO DO SÉCULO A SE LEMBRAR DA MEMÓRIA EMOTIVA DO ÍNDIO ESLAVO, DO ANIMISMO RUSSO, FOI ROUBADO PELOS EDIPIANOS DA AMÉRICA DO DRAMA PURITANO, E SUAS PERSONAGENS, PELAS MÁFIAS DAS FAMÍLHAS. MAS ARTAUD NESTE SÉCULO, FEZ A TRAIÇÃO: VEIO PRO MÉXICO, COMUNGOU O PEYOTE E ACELEROU A FUGA DA AÇÃO DA VOZ DO PAPAI, DA MAMÃE E DO PEDERASTA INATO E TROUXE A AÇÃO DA VOZ NO TEATRO DE NOVO PARA A VOZ DO POVO, A VOZ DO TODO MUNDO, A VOZ DO CORPO SEM ÓRGÃO, A VOZ DO RITUAL DO ÍNDIO. O TEATRO OFICINA VEM SE ATIRANDO NESTE CAMINHO. TEM TODA UMA HISTÓRIA VOCAL DE ATORES QUE QUISERAM SER CANTORES MAS QUE ENCONTRAVAM UM APARELHAMENTO TEATRAL OCIDENTAL POUCO CANTÁVEL E DANÇÁVEL FORAM ESTRAÇALHADOS E ESTRAÇALHARAM AQUELA MÁQUINA SEM DESEJO. A MORTE E A RESSURREIÇÃO DA VOZ DE HAM-LET, O TRABALHO DE SUA CURANDEIRA AGORA É UM LIVRO NA "PRAÇA" QUE SAI JUNTO COM MUITOS OUTROS, DE OUTRAS ESPECIALIDADES SOBRE A TRILHA ATUAL DA BUSCA VIVA DO OFICINA UZYNA UZONA , CACILDA, RAJADA, SERTÕES, ELA, SEI LÁ ... ESTE LIVRO SINTONIZA O X DO PROBLEMA: O FALAR, O PHALAR, A VOZ SENTIDA, AGIDA AO VIVO NO PAÍS QUE FALA DENGOSO COMO DORIVAL CAYMMI. 124

NOSSO TIME, OCTILHA, TIAZO, COMPANHIA, TRIBO, AJUNTAMENTO,

SEI LÁ, AINDA NÃO FALA MUITO BEM , OU MENOS MODESTAMENTE, ESTAMOS BALBUCIANDO O QUE QUEREMOS BREVEMENTE PHALAR. PERDEMOS A VOZ COMO HAM-LET. MAS NOSSO DESEJO DE PHALAR CANTATANDO TEM NOS OUVIDOS, DEDOS, OLHOS, SOPROS DE LUCIA A MAJESTADE DE UMA CUMPLICIDADE. ALGUÉM NOS ESCUTOU, ESSES ANOS TODOS, ESCREVEU SOBRE O QUE ESCUTOU, FEZ GRÁFICOS E PUBLICOU. AGORA O DESEJO DE PHALAR, NÃO DIGO BEM, PORQUE O BEM NÃO EXISTE" , MAS PHALAR GOSTOSO, FORTE, HUMIDO, LUCIDO, DE PRODUZIR MATÉRIA SONORA DE NOSSA TREMEDEIRA APAIXONADA, AUMENTA. O TEATRO BRASILEIRO ATUAL FALA AINDA NA SUA MAIORIA, COM A POMPA DO TEATRO INFANTIL. VOZES VIVAS DE VERDADEIRAS PRINCESAS, PRÍNCIPES E REIS SÃO SUBMETIDAS, "SUCUMBADAS" PARA FALAR UMA ESTRANHA LÍNGUA DE ESCRAVOS, "IDÉIAS" DE REALEZA DE TEATRO INFANTIL. A VOZ VIVA DO ATaR ATRIZ, QUE É A VOZ DO SEU CORPO E DO CORPO DO MUNDO, É SUBSTITUÍDA POR UM ESTRANHO CLONE VOCAL GLOBAL, QUE IMPÕE A HUMILHAÇÃO DO NÃO TER VOZ PRÓPRIA, DE SER A VOZ PARA A LINHA GLOBAL DE MONTAGEM QUE O MAJORITÁRIO MERCADO SEM RAZÃO CHAMA: VOZPADRÃO . O XAMAR A ATENÇÃO PARA O LUXO DA AÇÃO VOCAL, O FATO DE ALGUÉM ESTAR ESCREVENDO, OUVINDO A VOZ DE QUEM ESTÁ EM CENA É O SINTOMA DESTE LUXO NOVO. A BRUTALIDADE ECONÓMICA DA ORDEM LIBERAL QUE PREGA A EXCLUSÃO DO TEATRO, OBRIGA UMA PRESSA NA REALIZAÇÃO DOS TRABALHOS , QUE VEM DAS PRESSÕES DE DINHEIRO E DE CENSURA EXPLICITA. 125

PRECARIEDADE RADICAL! ASSIM MESMO CONSEGUIMOS DRIBLAR SER MAIS RÁPIDOS E ÀS VEZES VENCER' FALANDO, E FAZENDO, ' COM O PODE!< DE CAUTERIZAÇÃO DE NOSSA VOZ DAS PODRIDOES DESTAS ATMOSFERAS. MAS O SONHO DE TER UMA FASE DE PAZ DE UMA TRANQÜILIDADE ' QUE PERMITA UM TRABALHO DE QUALIDADE, EM QUE SE POSSA TER O RETORNO DA VOZ QUE SE LANÇA NO ESPAÇO PRA SER REFINADO COMO FAZ JOÃO GILBERTO, OU COMO UMA TRIBO QUANDO NOS RITUAIS MATERIALIZA A VOZ DO SEU ESTAR NO MUNDO É UMA POSSIBILIDADE ' QUE O ESTUDO DE LUCIA GAYOTTO PROFETICAMENTE OUVE DESDE JÁ. ' A ÊNFASE NA AÇÃO, E ~ ESCU'~A NO SOM QUE ELA FAZ, NAO VIRA DE UM "DOMÍNIO" DE UMA TÉCNICA MAS AO CO,NTRÁRIO DE UMA ABOLIÇÃO TOTAL DO DOMÍNIO, DE UMA TECNICA VOCAL DA LIBERTAÇÃO, DE SOLTURA DE TODO O DESCONHECIDO QUE ESTE SÉCULO AINDA NÃO ESTÁ SABENDO FALAR NEM OUVIR. AS VANGUARDAS VOCAIS CC?M SEUS VIRTUOSES E MALABARISMOS CULTUROSOS NAO DIFEREM MUITO DA EMPOLAÇÃO DE CLOWN SÉRIO E DO TEATRO INFANTIL. O CANTO DA MÚSICA BRASILEIRA DA MÚSICA NEGRO-ÍNDIA DOS SUBÚRBIOS DO MUNDO TEM A DELÍCIA DE UMA SONORIDADE QUE O TEATRO AINDA NÃO TORNOU ALIADA TRIUNFAL. FALA-SE AINDA COMO CATECISMO, O DE ANCHIETA, PROS ÍNDIOS. VEM UMA CACILDA, ESTREMECE TUDO, AI ELA MORRE, VOLTA TUDO DE NOVO AO LATIM E À DESCONCENTRAÇÃO. .

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A REVULSÃO ESTÁ VINDO DE UM MOVIMENTO DE TORNAR PÚBLICO, DE PUBLICAÇÃO, DE TORNAR EXPLÍCITA A CRIAÇÃO DESTA LÍNGUA FALADA. SENTIDA QUANDO FALAMOS COM SENTIDOS, OS DA VIDA, DA NOVELA, DO TEATRO DESTE PRA LÁ DE PORTUGUÊS, , DESTE BRAZYLEIRO QUE VEM COMENDO O PORTUGUÊS DESDE GREGÓRIO DE MATOS. VEM PARTITURAS DE AÇÕES NOVAS QUE ENVOLVEM TUDO DE NOVO ALÉM DO NOSSO INDIVÍDUO, AINDA QUE O COROE, MAS QUE ATRAVESSA O PAÍS DA GRAMÁTICA, O DA ANESTESIA, NUMA ATIVIDADE CONSTANTE DE AÇÃO VOCAL DAS VOZES DE TODOS OS BRAZIS, PRINCIPALMENTE OS DAS BELAS AÇÕES FORA DA ORDEM DAS PALAVRAS DE DESORDEM QUE ESTAS AÇÕES BANDIDAS, DROGADAS, ERRADAS, INVENTAM. HÁ, PRA QUEM GOSTA DE SE COMUNICAR, UM COMBATE TEATRAL À TODAS AS LÍNGUAS MORTAS: QUE ELAS SEJAM IMITADAS, MUITO IMITADAS PARA SEREM PERCEBIDAS, PRA PODERMOS ENFIM, OUVIR-FALAR AS VOZES QUE TODAS TEMOS QUANDO AGIMOS NO QUEREMOS PORQUE QUEREMOS, EM ESTADO PURO DE VIVO TESÃO COMO JOANA D' ARC, LOUCA PELA FOGUEIRA, AÍ TRAZEMOS NOSSq"S TES9UROS ARCAICOS À TONA, EM FOGUEIRAS DE SAO JOAO. EM REVULSÃO. TENDO LIDO ESTE LIVRO ME SINTO COMO LUCIA OUVINDO HAM-LET NOS OUVINDO A TODOS NÓS, AINDA NO MEIO DO DISCURSO AINDA NÃO AMESTIÇADO, AINDA ENTRE CIÊNCIA-ARTE E VIDA, AINDA 127

NÃO ESTRAÇALHADO, AINDA NA UNIVERSIDADE. MAS JÁ SENTINDO FIOS, FIAPOS ELÉTRICOS QUE CORREM QUANTO MAIS A PALAVRA VAI NA AÇÃO DO QUE CHAMA-SE PERSONAGEM E MUITO MAIS AINDA QUANDO VAI NA DO QUE CHAMA-SE "HAM-LET", NÃO DA PEÇA PROPRIAMENTE, MAS DESTA MÁQUINA DE DESEJO QUE TODOS OS VIVOS MORTAIS FAZEMOS PARTE NO SEMPRE QUERENDO MAIS E MAIS. LUCIA CIENTIFICA-SE, OUVE, COME, O QUE O MUNDO TEATRAL MUNDIAL FALA, DA AFONIA DO BEBE HAM-LET, GOZA COM OFÉLIA, APAIXONA-SE PELO PODER POLÍTICO VOCAL DE POLÔNIO, RENDE-SE AO CANTO DOCE DA MÁQUINA DE HAM-LET RECANTADO E NOS POSSUI NA MÁGICA DE UM DESEJO DE TUDO EM QUE A VOZ PAQUERA, CANTA, JORRA POR TODOS OS NOSSOS BURACOS AOS DE ALGUM NINGUÉM OU DE ALGUMA COISA.

ALÉM DO ALÉM DE NÓS, AQUI EM NÓS UM CANTO AGE, CANTA E CURA OUÇOTEATO TEOUÇO FALO, CORAÇÃO, FOGUEIRA.

PARAÍSO, 28 DE ABRIL DE 1997 JOSÉ CELSO MARTINEZ CORREA

CIENTISTAS DA FONOAUDIOLOGIA VÃO ENCONTRAR MATERIAL DE PESQUISA VIVA, MAS ELES MESMOS, ATORES, NÃO IMPORTA QUEM LER, VÃO CAIR NA ARMADILHA DA AÇÃO E NA TENTAÇÃO DE OUVIR O SEM FIM DO VOZERIO DA AÇÃO DA VIDA E DA MORTE. DAQUI, DO PÓS-I-'-'ACIO, PÓS-MORTE REVIDA DE UM LIVRO A CENA DOS COVEIROS DE HAM-LET ECOA A VISÃO DESTA CENA QUE LUCIA , GAIATAMENTE ECOA TRANSANDO COM A VIDA E A MORTE, MOSTRANDO BEM QUE "VIVER E MORRER NÃO É AINDA O BASTANTE". POIS TUDO AINDA FALA, SOA E ESTÁ SOANDO AGORA, HÁ CANTO CANTANDO 128

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LUCIA HELENA GAYOTTO

Formada em fonoaudiologia pela PUC-SP em 1985 , com especialização em voz profissional e mestrado em Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP. Fonoaudióloga e supervisora clínica, preparadora vocal de teatro profissional e atriz. Participou de cursos com o prof. Andreas Sippel - preparador vocal de teatro em Munique - e com a fonoaudióloga e atriz russa lrina Promptova, no curso "A voz do ator e a ação cênica" em Lectoure - França. Trabalha em diversas áreas que envolvam preparação vocal, ministra cursos e atende em consultório particular. Foi professora da Faculdade Camilo Castelo Branco, na disciplina "Fono e Arte". Em teatro, foi responsável pela preparação vocal de atores junto aos diretores Francisco Medeiros, Roberto Lage, Gerald Thomas, José Rubens Siqueira, Jo sé Cel so Martinez Correa, Renato Borghi, Cibele Forjaz e Creusa Borges; em televisão, realizou preparação vocal de repórteres da TV Gazeta SP; em rádio, ministrou curso de formação de locutores na "Rádio Oficina" ; em escolas de teatro, ministrou cursos de expressão vocal no Teatro Escola Macunaíma e no Teatro Escola Célia Helena. Como atriz , atuou nos espet áculos "Mistérios Gozozos" de Oswald de Andrade, e "Bacantes" de Eurípedes, ambas sob a direção de Zé Celso Martinez Correa, no teatro Oficina; e em leituras da peça "Cacilda", de José Celso Martinez Correa. Participou da novela "Éramos Seis" do SBT.

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