Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança [1 ed.] 85-203-2631-5

Adotando postura polêmica e precisão técnica, o autor desenvolve um texto fluente e muito bem ilustrado com casos prátic

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Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança [1 ed.]
 85-203-2631-5

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Paulo Jorge Scartezzini Guimarães

Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança Cumprimento Imperfeito do Contrato

Paulo Jorge Scartezzini Guimarães O autor é mestre em Direitos Difusos pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo — USP. É juiz de Direito em São Paulo, professor da Universidade Mackenzie e diretor do Instituto de Política e Direito do Consumidor - Brasilcon.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO POR QUALIDADE, QUANTIDADE E INSEGURANÇA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Guimarães, Paulo Jorge Scartezzini Vícios do produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança : cumprimento imperfeito do contrato / Paulo Jorge Scartezzini Guimarães. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2004. ISBN 85-203-2631-5 1. Contratos - Cumprimento imperfeito 2. Vícios do produto e do serviço I. Título.

04-6981

CDU-347.442.2

Índices para catálogo sistemático: 1. Contratos : Cumprimento imperfeito : Direito das obrigações : Direito civil 347.442.2 2. Vícios do produto e do serviço por qualidade, quan­ tidade e insegurança : Direito das obrigações : Direito civil 347.442.2

PAULO JORGE SCARTEZZINI GUIMARÃES

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO POR QUALIDADE, QUANTIDADE E INSEGURANÇA Cumprimento imperfeito do contrato

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO POR QUALIDADE, QUANTIDADE E INSEGURANÇA Cumprimento imperfeito do contrato Paulo Jorge Scartezzini Guimarães

© desta edição: 2004

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Impresso no Brasil ( 10 - 2004 ) ISBN 85-203-2631-5

Dedico este livro às minhas queridas filhas CECÍLIA e BEATRIZ, pelo amor que demonstram à vida e pela alegria que transmitem a todos aqueles que estão a seus lados.

AGRADECIMENTOS

Algumas pessoas foram fundamentais para a realização des­ se trabalho e por isso, sob pena de completa ingratidão, gostaria de agradecer aos professores da Universidade de Camerino - Itá­ lia, em especial a professora Maria Cristina De Cicco, aos pro­ fessores Antonio Flamini, Guido Biscontini e Vito Rizzo, que tão bem acolheram a mim e a minha família no primeiro semestre de 2002, permitindo o aprimoramento de meus conhecimentos ju­ rídicos. Também foram de fundamental importância, com suas críticas e observações, os professores Antonio Junqueira de Aze­ vedo, Judith Martins Costa, Nelson Nery, Newton de Lucca e Rui Geraldo de Camargo Viana. Por último, meu agradecimento es­ pecial a minha orientadora, professora Teresa Ancona Lopez, por seus inestimáveis ensinamentos e completa dedicação aos seus alunos.

PREFÁCIO

Conheci Paulo Jorge Scartezzini Guimarães quando, há poucos anos, se candidatava a uma vaga no Doutorado que pre­ tendia fazer na Faculdade de Direito da USP (Largo de São Fran­ cisco) e para o qual seria eu sua Orientadora. Naquele momento, estava por terminar seu Mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC sobre tema, que logo que tomei conhecimento, percebi quão ousado, inovador e polêmico era o, então, candidato. Tal dissertação hoje é o volume 16 da excelente Biblioteca do Consumidor da Editora Revista dos Tribunais, tendo sido publicada em 2001 com o título “A Publicidade Ilícita e a Res­ ponsabilidade Civil das Celebridades que Dela Participam”. Sem a menor dúvida, foi um impacto, pois o Autor, conhecido estu­ dioso do Direito do Consumidor, mostrou o perigo da influência das chamadas celebridades (artistas, jogadores de futebol etc.) quando participam de publicidades enganosas, ou até mesmo abusivas, podendo veicular, por meio de sua imagem, mensagens mentirosas que, algumas vezes, fazem de fornecedores inescrupulosos verdadeiros milionários. Dessa forma, colocar a celebridade como co-responsável por tais atos fraudulentos foi de grande audácia e verdadeiramente inovador, de tal modo que muitos astros têm pensado melhor antes de aceitar cachês tentadores e que têm como finalidade enganar seu próprio público.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Porém, o polêmico civilista não parou por aí, pois acaba de publicar seu Vícios do produto e do serviço - Cumprimento im­ perfeito do contrato, que, tenho a certeza, também vai contribuir, e muito, para uma nova visão da matéria do cumprimento imper­ feito dos contratos que, apesar de ser um fato do dia-a-dia negocial, quase sempre culminando em longas contendas jurídicas, não tinha até agora no Brasil obra específica e rica em soluções. Sua pesquisa é primorosa, principalmente quando se trata do Direito estrangeiro, que é onde se apóia por falta de obras nacionais. Por outro lado, os conceitos e as idéias fluem em texto minuciosa­ mente pensado e repensado, dentro do espírito sempre criativo do Autor. Sem dúvida, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães gosta de desafios. É o que, mais uma vez, comprovamos na leitura da obra que ora se publica. Por outro lado, apesar da postura polêmica e precisão técni­ ca, não estamos diante do que se costuma chamar de trabalho acadêmico, em sentido estrito, como aqueles que ficam nas es­ tantes para raras consultas de outros tantos acadêmicos. Seu modo de expor cria texto fluente e também prático que, tenho a certeza, vai ser muito útil para advogados e juizes, porquanto vem bem ilustrado com casos práticos e hipóteses de cumprimento imper­ feito dos contratos, como, por exemplo, o problema dos vícios nas coisas usadas ou de “ponta de estoque”, tão comuns no mun­ do contemporâneo; ou, então, o dos vícios que existem sobre os acessórios e componentes da coisa principal, como também, o corriqueiro cumprimento imperfeito nos atualíssimos contratos eletrônicos, o que só tende a ampliar-se. Para tanto, faz uso, de forma oportuna, da jurisprudência nacional e estrangeira relati­ vas à matéria. Todavia, sua ousadia chega ao ápice quando lembra que no Direito Brasileiro o instituto milenar da “mora” engloba, além de questão do tempo, a do lugar e da forma de cumprimento dife­ rentes das convencionadas no acordo.

PREFÁCIO

11

Como bem esclarece o Autor, esses tipos, principalmente a mora pela forma, não tiveram destaque em nossos dois códigos civis, pois como não constavam da legislação estrangeira, que sempre influenciou nossos civilistas, acabaram por ter apenas mencionada sua existência. Porém, como afirma Paulo Jorge, cumprir de forma diversa é cumprir de modo imperfeito, inexa­ to, defeituoso. Assim, sustenta que o cumprimento imperfeito, no sentido amplo, englobaria todos os tipos de mora previstos no Código Civil brasileiro. Nessa linha de raciocínio, coloca, então, como espécies de cumprimento imperfeito (em sentido amplo) pela forma os ins­ titutos dos vícios de qualidade e quantidade, que são, na verda­ de, institutos autônomos. Daí surge a grande interrogação do lei­ tor: como conciliar coisas tão diferentes, se para a mora é exigi­ do o requisito da culpa, o que não se dá nos casos dos vícios de qualidade e quantidade? O Autor soluciona esse conflito afirmando que há hipóteses de mora onde não se exige a culpa e havendo antinomia, prevale­ ceriam as regras do vício e só, subsidiariamente, as normas sobre a mora. Em suma, defende a tese de que o cumprimento imperfeito da obrigação não é uma terceira via, entre o inadimplemento to­ tal e a mora, principalmente nos casos do não cumprimento no lugar e forma convencionados. De outro lado, merecem ser lidos com atenção os capítulos que se referem ao problema na common law, como, também, a parte em que discute os prazos de prescrição e decadência à luz do novo Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, sempre dependendo da natureza do vício. Por tudo isso, e principalmente pela originalidade, é que recomendo com ênfase a presente obra a todos aqueles que tra­

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

balham com Direito Privado e que já estão cansados da mesmice no tratamento da ciência jurídica. Finalmente, tenho que dizer que foi um prazer e uma honra ter sido Orientadora desta tese de Doutorado, e já é com sauda­ des que me recordo dos embates com o “briguento”, porém aguer­ rido e obstinado Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, tendo a cer­ teza de que muito ainda contribuirá para o “aggiornamento” do Direito Civil pátrio. São Paulo, outubro de 2004. Teresa Ancona Lopez Professora livre-docente associada da Faculdade de Direito da USP, Departamento de Direito Civil.

SUMÁRIO

PREFÁCIO - Teresa Ancona Lopez .................................................... 9 TÁBUA DE ABREVIATURAS ...................................................... 17 INTRODUÇÃO ............................................................................... 21 1. VISÃO HISTÓRICA .................................................................. 25 1.1 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito babilônico .............................................................................. 25 1.2 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito grego

27

1.3 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito romano

29

1.3.1 Dos éditos edilícios ............................................. 36 1.4 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito medie­ val e no período da pré-codificação ............................... 45 1.4.1 A regra do caveat emptor ..................................... 57 2. DO CUMPRIMENTO IMPERFEITO (VÍCIO) NO DIREI­ TO COMPARADO .................................................................... 60 2.1 Direito francês ................................................................. 60 2.2

Direito austríaco .............................................................. 62

2.3

Direito português ............................................................. 63

2.4

Direito italiano ................................................................. 63

2.5

Direito espanhol .............................................................. 65

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

2.6

Direito alemão ............................................................... 66

2.7 Do cumprimento imperfeito no sistema do common law 67 2.7.1 A questão dentro do direito inglês ...................... 68 2.7.2 A questão dentro do direito americano ............... 79 3. O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ................. 86 4. DO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO E SUAS FORMAS ............................................................................... 106 4.1

Do descumprimento da obrigação ............................... 106

4.2

Do inadimplemento absoluto culpável ........................ 114

4.3

Da mora ....................................................................... 125

5. A NATUREZA JURÍDICA DO VÍCIO REDIBITÓRIO ..

6.

134

5.1

As diversas correntes sobre o assunto ......................... 134

5.2

Teoria da inexecução do contrato ................................ 136

5.3

Teoria do risco ............................................................. 138

5.4

Teoria de Endemann .................................................... 140

5.5

Teoria da parcial impossibilidade de prestação ........... 141

5.6

Teoria da violação positiva do contrato ...................... 142

5.7

Teoria da pressuposição .............................................. 146

5.8

Teoria do erro .............................................................. 153

5.9

Teoria da equidade ...................................................... 172

DO CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO 173 6.1

Introdução .................................................................... 173

6.2

Campo de aplicação ..................................................... 177 6.2.1 Vícios em coisas usadas ou de “ponta de esto­ que” ................................................................... 185

SUMÁRIO

15

6.2.2

Coisas vendidas em conjunto ........................... 188

6.2.3

Coisas específicas e genéricas .......................... 190

6.2.4

Vícios nos acessórios e componentes .............. 191

6.2.5

Vícios no comércio eletrônico ......................... 194

6.3 Vício de qualidade ......................................................... 198 6.4 Vício de solidez e segurança nos contratos de emprei­ tada ................................................................................ 209 6.5 Vícios de quantidade ..................................................... 213 6.6 Vício jurídico ................................................................. 216 6.7 Requisitos dos vícios de qualidade e quantidade ........... 217 6.7.1

Vício oculto e vício aparente ........................... 218

6.7.2

Gravidade do vício ........................................... 227

6.7.3

Anterioridade do vício ...................................... 229

6.8

Dos vícios nos contratos coligados .............................. 231

6.9

Obrigação solidária e o cumprimento imperfeito .......... 236

6.10 Da garantia contratual ................................................... 247 7. MEIOS DE DEFESA E AÇÕES EDILÍCIAS ..................... 257 7.1 Meios de defesa ............................................................ 257 7.2 Ações edilícias ............................................................... 265 7.2.1

Da ação redibitória ........................................... 269

7.2.2

Da ação estimatória .......................................... 283

7.2.3

Observações gerais sobre essas ações .............. 288

7.3 Das ações edilícias no Código de Defesa do Consu­ midor ............................................................................. 299 7.3.1

Da substituição do produto ou reexecução do serviço ............................................................... 304

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

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7.3.2 Da complementação do peso ou medida ........... 307 8. RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................ 309 8.1 Introdução ...................................................................... 309 8.1.1 Comportamento do agente ................................. 312 8.1.2

Dano ................................................................. 313

8.1.2.1 O dano moral no cumprimento im­ perfeito do contrato ........................... 321 8.1.3 Nexo de causalidade .......................................... 338 8.1.4 Culpa .................................................................. 344 8.2 Causas de isenção de responsabilidade ......................... 353 8.2.1 Cláusulas de exclusão e limitação de respon­ sabilidade ......................................................... 353 8.2.2 Cláusula penal ................................................... 355 8.2.3 Comportamento do credor para evitar ou ate­ nuar o dano ........................................................ 359 8.2.4 Caso fortuito e força maior ................................ 362 8.2.5 Vendas feitas em leilões .................................... 363 9. VÍCIO POR INSEGURANÇA .............................................. 367 10. DOS PRAZOS DECADENCIAL E PRESCRICIONAL ... 388 10.1 Do prazo decadencial .................................................. 388 10.1.1 Do prazo decadencial no Código Civil de 2002 392 10.1.2 Do prazo decadencial no Código de Defesa do Consumidor ...................................................... 395 10.2 Do prazo prescricional ................................................. 404 BIBLIOGRAFIA .......................................................................... 415 ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO ........................................ 433

TÁBUA DE ABREVIATURAS

AASP -

Associação dos Advogados de São Paulo

ABGB - Allgemeines Bügerliches Gesetzbuch (Código Civil austríaco) ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas a.C. -

antes de Cristo

ADC - Anuario de Derecho Civil AgIn Ap ApCiv Art. -

Agravo de Instrumento Apelação Apelação Cível Artigo

BGB -

Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão)

Bol Câm. -

Boletim

Cass. CC -

Câmara Cassação Código Civil

CCo -

Código Comercial

CDC CEE -

Código de Defesa do Consumidor Comunidade Econômica Européia

CF Civ. -

Constituição Federal

cit. CPC -

citado

Cível Código de Processo Civil

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

D. -

Digesto

d.C. -

depois de Cristo

DJ -

Diário da Justiça

DJU - Diário de Justiça da União E. - Egrégio ed. - edição Ed. - Editora e.g. - exempli gratia Ejea - Ediciones Jurídicas Europa-América et al. - e outros FMU - Faculdade Metropolitanas Unidas fr. - fragmento g.n. - grifos nossos id est. - isto é j. - julgado JTJ - Jurisprudência do Tribunal de Justiça LICC - Lei de Introdução ao Código Civil Liv. - livro Mercosul Min. n. op. cit. p. RE rel. REsp RF RT RT s.

Mercado Comum do Sul Ministro número(s) obra citada página(s) Recurso Extraordinário relator(a) Recurso Especial

-

Revista Forense Revista dos Tribunais

-

Editora Revista dos Tribunais seção

TÁBUA DE ABREVIATURAS

segs. - seguintes STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça t. - tomo T. - Turma TACivSP - Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Tit. - Título TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal TJMG - Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJPR - Tribunal de Justiça do Paraná TJRO - Tribunal de Justiça de Rondônia TJSP - Tribunal de Justiça de São Paulo Trad. - Tradução UCC - Uniforme Commercial Code v. - vide v.g. - verbi gratia vol. - volume VRG - valor residual de garantia v.u. - votação unânime

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INTRODUÇÃO

A obrigação nasce tendo as partes um objetivo certo, qual seja, o cumprimento das prestações pactuadas; assim, o adimplemento é, ou pelo menos deveria ser, a regra nas relações obrigacionais. Por outro lado, há também o não-cumprimento da obriga­ ção que no sistema romano-germânico pode ser dividido, em li­ nhas gerais, em duas espécies: o incumprimento total, também chamado de absoluto ou definitivo, e o inadimplemento relativo, definido como mora. Alguns juristas, com base nas legislações de seus e de ou­ tros países, criaram uma terceira hipótese de incumprimento da obrigação, que seria o meio-termo entre o inadimplemento e a mora temporal, e que se caracterizaria, principalmente, pelo cum­ primento da obrigação de fazer de forma defeituosa. Essa tercei­ ra via foi chamada por uns de cumprimento defeituoso ou imper­ feito e por outros, de violação positiva do contrato. Buscaremos demonstrar neste trabalho que o nosso legisla­ dor, apesar de ter dado ênfase ao atraso no cumprimento da obri­ gação, prescrevendo, basicamente, normas ligadas à mora tempo­ ral, fez incluir nesse instituto outras figuras, como a mora em rela­ ção ao lugar e a mora em relação à forma (art. 394 do CC brasileiro). Com isso, nosso ordenamento jurídico equiparou o concei­ to de cumprimento imperfeito ao conceito de mora (lato sensu).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Em outras palavras, estamos sustentando que, no direito pátrio, o cumprimento imperfeito não é uma terceira via, um meio-caminho entre o inadimplemento e a mora, mas sim a mora em sen­ tido genérico. Por sua vez, defenderemos que o vício redibitório (vício por qualidade e quantidade) é uma espécie de cumprimento imper­ feito e pode ser incluído na mora pelo não cumprimento na for­ ma devida, aplicando-se, no que não forem com ele incompatí­ veis, as regras do Capítulo II do Título IV, Livro I, da Parte Espe­ cial (do inadimplemento das obrigações) do Código Civil. Iniciaremos nosso estudo com uma abordagem histórica do cumprimento defeituoso (vício); partiremos do direito babilônico, passando pelo direito grego, romano, até a época das pré-codificações. Veremos também o tratamento dado ao instituto nos prin­ cipais Códigos oitocentistas, novecentistas e no sistema do common law. Analisaremos o tema dentro do direito pátrio, desde as Or­ denações até o novo Código Civil, e a aparente antinomia com o Código de Defesa do Consumidor. Levando em consideração as alterações legislativas ocorri­ das nas últimas décadas, como as normas do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil vigente, faremos uma reanálise do controverso tema da natureza jurídica do vício. Teremos em mira também a unificação do vício redibitório em relação às obrigações de dar (vício na coisa) e às obrigações de fazer (vício no serviço), abandonando a visão clássica que sus­ tenta a ocorrência de vício quando há imperfeição na coisa obje­ to do negócio, e cumprimento imperfeito quando relacionada com a obrigação de fazer. Deixaremos ainda de distinguir o vício redibitório do nãocumprimento da obrigação na quantidade combinada (art. 500

INTRODUÇÃO

23

do CC), visto que hoje ambos fazem parte de um só instituto, o cumprimento imperfeito. Tentaremos esclarecer o porquê da distinção criada pelo legislador pátrio entre fato do produto ou serviço e vício do pro­ duto ou do serviço, já que esses termos (vício e defeito) sempre foram utilizados como sinônimos. Aproveitaremos para discor­ rer sobre o vício por insegurança, posto que é uma conseqüência do cumprimento defeituoso da obrigação. Veremos as conseqüências do cumprimento imperfeito e todas as alternativas processuais à disposição do adquirente/usuário, inclusive com a análise da possibilidade ou não de pedido de indenização por dano moral. Abordaremos a questão dos prazos decadenciais e prescricionais, isso nos termos dos arts. 26 e 27 do CDC e dos arts. 206, § 3.°, V, 445, 501 e 618, do novo CC. Gostaríamos de deixar claro que este trabalho não tem a pretensão de ser completo; visa apenas um modesto estudo desse instituto jurídico (cumprimento imperfeito) no decorrer do tem­ po e sua situação atual no nosso ordenamento, com a abordagem de questões práticas enfrentadas no dia-a-dia por todos aqueles que militam nos nossos tribunais.

1 VISÃO HISTÓRICA SUMÁRIO: 1.1 Do cumprimento imperfeito (vício) no direi­ to babilônico - 1.2 Do cumprimento imperfeito (vício) no di­ reito grego - 1.3 Do cumprimento imperfeito (vício) no direi­ to romano: 1.3.1 Dos éditos edilícios - 1.4 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito medieval e no período da pré-codificação: 1.4.1 A regra do caveat emptor.

1.1 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito babilônico No estudo de qualquer tema, principalmente jurídico, é pe­ car pela negligência não iniciar por uma - mesmo que breve análise histórica. Os primeiros traços do cumprimento imperfeito da obriga­ ção podem ser observados no direito sumério, mais especifica­ mente no Código de Hammurabi (por volta de 1694 a.C.),1 que era (l)

Essa data nos é trazida por John Gilissen, porém o autor informa sobre a grande divergência quanto à exata época em que reinou Hammurabi (Introdução histórica do direito. 3. ed. Lisboa: Fun­ dação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 60-61). Amilcare Carletti diz que Hammurabi reinou nos anos de 1955 a 1913 a.C. (Código de Hamurabi, Brocardos jurídicos. São Paulo: Leud, 1979, p.201);

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

uma coletânea das leis da época, com duzentos e oitenta e dois pa­ rágrafos2 que abordavam questões de família, de direito patrimo­ nial, de direito das obrigações, preços, salários e diversas penas. No direito babilônico abordava-se o problema do cumpri­ mento defeituoso em três oportunidades; quando da compra e venda de escravos (§§ 278 e 279), quando da construção de casas (§§ 229 e 233) e quando da construção de navios (§ 235). Na compra e venda de escravos previa o Código que o com­ prador podia resolver o contrato no prazo de mais ou menos um mês (arhum)3 se o escravo fosse acometido de uma doença (epi­ lepsia), e podia pedir indenização se o escravo lhe fosse rei­ vindicado. Exigia o Código que os defeitos fossem ocultos, pois se o adquirente já tivesse conhecimento deles, não teria qualquer direito. Cuidava também dos vícios relativos à prestação de servi­ ços, como nas construções de casas e navios. Em relação à responsabilidade do empreiteiro quanto aos danos pessoais, previam os §§ 229 a 233 do direito sumério a aplicação do ius talionis, ou seja, a morte do empreiteiro se ele tivesse causado a morte do dono da obra; a morte do filho do

outros sustentam que seu reinado ocorreu no período de 1795 a 1750 a.C. , e o Código seria de 1780 a.C. . (2)

(3)

A divisão em parágrafos não é própria do Código, mas sim uma divisão doutrinária criada por E. Bergmann e usada por Vincent Scheil (apud Amilcare Carletti, Código, cit., p. 202). Pedro Romano Martinez, com base em Lara Peinado, afirma que esse espaço temporal equivalia a aproximadamente um mês (Cumprimento defeituoso: em especial na compra e venda e na empreitada. Coimbra: Almedina, 1994, p. 77).

VISÃO HISTÓRICA

27

empreiteiro se este tivesse causado a morte do filho do dono da obra; a entrega de um escravo ao dono da obra, se o empreiteiro tivesse causado a morte de um outro servo. No tocante aos danos materiais, havia a responsabilidade em relação aos prejuízos causados na obra, obrigando-se o emprei­ teiro a refazê-la à suas próprias expensas, e aos danos causados em outros bens do dono da construção. A responsabilidade poderia resumir-se à reconstrução de parte da obra, como no caso de um muro que tivesse ruído (§ 233). Nos vícios ligados à construção de navios, previa o § 235 que se o barqueiro calafetasse um barco para um awilum (homem livre) e não executasse o seu trabalho com seriedade, e, naquele mesmo ano, esse navio se inclinasse ou desse defeito, o barquei­ ro desmontaria esse barco com seus próprios recursos, iria reforçálo e o entregaria ao seu dono.4

1.2 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito grego Os gregos, por dificuldades agrícolas, protegeram instru­ mentos de sua produção, seu comércio e também a própria pro­ dução, evitando a exploração e a privação do povo em relação aos gêneros de primeira necessidade. Nos ensina Otto de Souza Lima que eles puniam rigorosa­ mente a fraude; os preços eram fixados diariamente e não podiam ser alterados pelos mercadores. Estes também não podiam “ga­ bar suas mercadorias, nem jurar sôbre elas”, e a fraude sobre a natureza da mercadoria era punida com o confisco.5

(4)

Amilcare Carletti, Código, cit., p. 268.

(5)

Otto de Souza Lima. Teoria dos vícios redibitórios. São Paulo: RT, 1965, p. 57.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Os primeiros traços da ação redibitória no direito grego são encontrados no Código de Cortina, em Creta (século VI antes da era vulgar), onde se previa a responsabilidade do detentor pelos danos causados pelo escravo se não tivesse o comprador desfeito o negócio no prazo de sessenta dias. Porém em outros textos, principalmente no Tratado das Leis de Platão (XI, 2, p. 912), encontram-se passagens expressivas sobre o vício redibitório.6 A proteção contra os vícios, contudo, limitava-se à venda de escravos que eram importados e vendidos por comerciantes estrangeiros.7 Assim, devia o vendedor apontar qualquer doença ou qualquer defeito no escravo vendido, sob pena de sofrer a ação redibitória. As lides surgidas nos mercados eram julgadas pelos inspe­ tores - ao todo em número de dez -, que recebiam o nome de “agoránomos”. Só era considerada a existência de um defeito no escravo quando apresentava moléstias corporais ou intelectuais longas, de cura difícil, que não eram de conhecimento do comprador e que não poderiam ser facilmente descobertas, causando-lhe um dano. Irrelevante era o desconhecimento do vendedor em rela­ ção ao vício. Preenchidos os requisitos acima relatados, tinha o adquirente o direito de propor a ação redibitória e só esta, já que no sistema

(6)

(7)

Ricardo Fubini. La Bocca, 1906, p. 4-5.

teoria

dei

vizi

redibitorii.

Torino:

Fratelli

Há certa divergência sobre essa questão. Fubini traz a opinião contrária de Caillemer, que discorda da exclusão dos vícios sobre outros bens que não os escravos (La teoria, cit., p. 10). Também Pontes de Miranda parece admitir ter a jurisprudência ampliado o campo de aplicação do vício (Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, 1958, 1962, p. 278).

VISÃO HISTÓRICA

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jurídico grego não se previa uma ação estimatória.8 Pelo Código de Cortina o prazo era de trinta ou sessenta dias e pelas leis de Platão, de seis meses ou um ano, dependendo do tipo de doença.9 Previa ainda o direito grego uma punição ao vendedor caso omitisse dolosamente o homicídio cometido pelo escravo ou a existência dos demais vícios. Na primeira hipótese, seria conde­ nado ao pagamento do triplo e nas demais, ao dobro do valor pago.10 Não agindo com dolo ou culpa, deveria devolver o preço, sem qualquer outra punição.

1.3 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito romano Falando de história do direito, é por sua vez imprescindível a abordagem do direito romano, fonte dos principais sistemas jurídicos modernos (romano-germânico e até do common law11).

(8)

Neste sentido Fubini (La teoria, cit., p. 12) e Otto de Souza Lima (Teoria, cit., p. 68).

(9)

Fubini, com base em outros doutrinadores, diz que no 1.° Código de Cortina o prazo era de sessenta dias (La teoria, cit., p. 12).

(10)

Fubini, La teoria, cit., p. 6 e 11.

(11)

A common law teve pequena influência do direito romano. John Gilissen, entretanto, nos ensina que certa ascendência houve no século XIII, através de Bracton, que utilizou as Instituições e a Summa do jurista romanista italiano Azo para a elaboração de sua obra De legibus et consuetudinibus Angliae, trabalho esse que obteve grande sucesso na Inglaterra. Já a equity, nova jurisdição e novo processo surgida no século XV, tinha suas decisões muitas vezes extraídas do direito romano. Nos anos de 1873 e 1875, por meio da Judicature Acts, ela foi integrada à common law (Intro­ dução, cit., p. 212-213). John Cooke lembra ainda que os Chancellors, até o tempo de Henry VIII, eram membros do clero, pessoas que tinham conhecimento do direito romano e do direito

30

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

O direito romano, segundo alguns estudiosos,12 é dividido em três períodos: o direito antigo ou pré-clássico, que tem ori­ gem com o surgimento da cidade de Roma (754 a.C.),13 até à Lei Aebutia (compreendida aproximadamente entre 149 a 126 a.C.); clássico, que vai da Lei Aebutia até o término do reinado de Dioclesiano, em 305 d.C., e por último o período pós-clássico ou helênico-romano que vai do ano de 305 d.C. até a morte de Justiniano, em 565 d.C.14 Aos últimos trinta e oito anos do período pós-clássico dá-se o nome de período justinianeu. Sobre o primeiro período do direito romano pouco se sabe, pois escassos são os textos da época, acreditando-se que os exis­ tentes estejam interpolados.15

canônico (The common Butterworths, 2000, p. 7).

law

of

obligations.

3.

ed.

London:

(12)

José Carlos Moreira Alves. Direito romano. 6. ed. Rio de Janei­ ro: Forense, 2000, vol. II, p. 2; Sílvio Meira Curso de direito ro­ mano: história e fontes. São Paulo: LTr, 2000, p. 18.

(13)

Não há uniformidade sobre a real data da fundação de Roma. Para uma melhor análise do tema, v. Sílvio Meira, Curso, cit., p. 11.

(14)

Alexandre Correia e Gaetano Sciascia trazem também três fazes, porém baseadas na história do direito privado. Para eles, o pri­ meiro período, chamado de direito quiritário, vai desde a funda­ ção de Roma até a Lei das XII Tábuas. No segundo, chamado de período do ius gentium, há duas subfases, a saber: a primeira des­ de as guerras púnicas até os últimos anos da República; a segun­ da, desta data até Dioclesiano. O terceiro período, chamado de pós-clássico, iria de Dioclesiano até o direito justinianeu (Manual de direito romano. São Paulo: Saraiva, 1949, p. 8-9).

(15)

Segundo nos ensina Alexandre Correia, as várias comissões fi­ zeram largo uso da faculdade que lhes foi dada pelo Imperador, de modificar e alterar os textos dos juristas clássicos. O autor traz

VISÃO HISTÓRICA

31

Nesse período - graças à falta de interesse pela generaliza­ ção e sistematização - não dispunha o direito romano de uma teoria geral dos contratos como existe no direito moderno. O pró­ prio termo “contrato”, em sentido jurídico, como preleciona Schulz, só surgiu com o liber de dotibus, de Servio Supicio (este imperador reinou entre 68 e 69 d.C.).16 Mesmo assim, em face do interesse público, desde a primeira etapa daquela civilização encontram-se aplicações do que agora damos o nome de cumprimento imperfeito da obrigação. Ensinam os romanistas que no ius civile imperava a irres­ ponsabilidade do vendedor por vícios de qualidade da coisa. Com o passar do tempo, entretanto, exceções surgem, e o vendedor passa a ter responsabilidade se ele assume a obrigação de prestar a garantia mediante dicta in mancipio, quando de uma estipulação, de uma declaração expressa não formal no ato da venda dicta et promissa in vendendo ou quando tenha agido com dolo. Nas últimas décadas do direito romano, a responsabilidade do vendedor pelo vício se amplia, incluindo todas as transações. É certo, todavia, que em nenhum momento do direito romano e mesmo dos direitos anteriores, como se viu - reconheceu-se a responsabilidade pelo vício quando ele era conhecido previamen­ te pelo comprador ou quando o vício, por ser aparente, deveria ter sido notado pelo adquirente. A própria garantia expressa pelo vendedor não seria aplicável neste caso.17

em sua obra alguns dos princípios firmados para a investiga­ ção das interpolações, isso na lição de Riccobono (Manual, cit., p. 434). (l6) Fritz Schulz. Classical roman law. Oxford: Clarendon Press, 1951, p. 445, e José Carlos Moreira Alves, Direito, cit., p. 108. (l7) Zulueta. The roman law of sale. Oxford: Clarendon Press, Great Britain. 1945, p. 46; Impallomeni. L’editto degli edili curuli.

32

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

A primeira fonte que se como acabamos de citar, foi aquisição de propriedade e, modo de compra e venda real; da pelos cidadãos romanos ou sem o ius commercii.

referia ao cumprimento imperfeito, a mancipatio;18 era uma forma de primitivamente, representava um era solene e só poderia ser pratica­ por latinos e peregrinos que tives­

Pela mancipatio, o mancipio dans tinha a obrigação de ga­ rantir o mancipio accipiens, não só contra a evicção mas, tam­ bém, em virtude da frase uti lingua nuncupassit, ita ius esto, con­ tida na Lei das XII Tábuas,19 e, em decorrência das manifesta­ ções de vontades feitas, da inexistência de alguns vícios sobre a coisa. Uma dessas declarações referia-se à extensão da proprieda­ de imóvel transferida. Se o imóvel fosse menor do que o declara-

Padova: Cedam, 1955, p. 22-23, e A. Rogerson, Implied warranty against latent defects in roman and english law, Studie in the roman law of sale in memory of Francis Zulueta. Oxford: Clarendon Press, 1959, p. 130. (18)

Moreira Alves, com base em Carlos Longo, sustenta que não ha­ via nesse caso garantia, pois se tratava de delito (Curso, cit., p. 163, nota 38). No mesmo sentido Fubini, La Teoria, cit., p. 20, e Ramon Badenes Gasset. El contrato de compraventa. Madrid: Tecnos, 1969, t. I, p. 692. Zimmerman e Alexandre Correia, por sua vez, a citam como exemplo de garantia no período romano (The law of obligation: roman fondations of the civilian tradition, Cape Town, Juta & Co. 1990, p. 308; Manual, cit., p. 258, res­ pectivamente). Para nós, essa discussão não é importante; neces­ sária é apenas a demonstração da existência, naquela época, da preocupação com o cumprimento imperfeito da obrigação.

(19)

Otto de Souza Lima traz a divergência doutrinária sobre a exis­ tência, na Lei das XII Tábuas, da inclusão de uma espécie de ga­ rantia por vício (Teoria, cit., p. 73 e segs.).

VISÃO HISTÓRICA

33

do, o mancipio accipiens poderia reclamar do mancipio dans, pela actio de modo agri, o dobro do valor da extensão que faltava ao imóvel.20-21 Também, por intermédio da actio auctoritatis tinha o adquirente o direito de receber em dobro o preço pago se o vendedor, agindo com dolo, transferisse os fundos como mancipados uti optimus maximus, descobrindo-se, depois, que estavam grava­ dos de servidões.22 Em seguida e para proteger os demais ocupantes de Roma, surge a stipulatio habere licere, espécie do gênero stipulatio, que era um contrato verbal entre pessoas presentes, meio pelo qual os romanos, através do pronunciamento de palavras predetermi­ nadas, tornavam obrigatória qualquer convenção sobre coisa certa, incerta, fato ou abstenção. Não se sabe, com precisão, quando a stipulatio passou a ser usada como meio de garantia do vício, porém Souza Lima sus­ tenta que ela data de muito antes do fim da República e nos foi testada por Varrão. Com base nas regras de Munilio, Souza Lima diz que a primeira estipulação se referia à venda de carneiros, criando-se depois fórmulas para os porcos, bois, cães, burros, ju­ mentos e até para os escravos.23 A stipulatio evoluiu de forma idêntica à evicção, desapare­ cendo aos poucos a stipulacio habere licere, restando a stipula(20)

(21)

Moreira Alves, Curso, cit., p. 306, e Zimmermann, The law, cit., p. 308. A. Rogerson afirma que essa era a única espécie de proteção do comprador pelos vícios no período pré-clássico (Implied warranty..., Studies..., cit., p. 113).

(22)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 85.

(23)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 75-77.

34

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

tio duplae, que passou a ser comum nas vendas de imóveis e ani­ mais e, posteriormente, para todos os demais negócios.24 Havia ainda, como já mencionamos, a responsabilidade pelo vício em caso de ter o vendedor agido com dolo e no caso de dicta et promissa. Desde a época de Cícero (106 a 43 a.C.), no início das ações fundadas na boa-fé, ficou estabelecido que era comportamento contrário à boa-fé o vendedor não informar ao comprador o de­ feito existente e por ele sabido. Como preleciona Fubini, a ocultação dolosa de um defeito fazia nascer a responsabilidade do alienante,25 porém cabia ao comprador o ônus de provar ó conheci­ mento do vício pelo vendedor, o que criava, na prática, grande dificuldade de vitória judicial.26 Sendo desconhecido o defeito, o vendedor não violava a boafé; entretanto tal princípio seria violado se insistisse o vendedor na manutenção do contrato ou não concordasse com a diminui­ ção do preço caso o comprador, após descoberto o defeito, qui­ sesse desfazer o negócio.27 Também nas hipóteses de dicta et promissa, desde a Lei das XII Tábuas, o vendedor era responsável pelas afirmações feitas. Assim, quando assegurava determinados atributos à coisa, mes­ mo estando de boa-fé, e não tendo a coisa as qualidades afirmadas, tinha, a princípio, uma responsabilidade de ordem penal, passan­ do, em um segundo momento, para uma responsabilidade civil. As declarações do vendedor podiam ser positivas ou negati­ vas, como na promessa de que o vinho estava em boas condições

(24)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 90.

(25)

Ricardo Fubini, La teoria, cit., p. 31.

(26)

Zulueta, The roman law, cit, p. 47-49.

(27)

Neste sentido Zulueta, porém deixando claro que os textos po­ dem estar interpolados (The roman law, cit., p. 49-50).

VISÃO HISTÓRICA

35

ou que não estava estragado. Não havia, porém, qualquer respon­ sabilidade do vendedor se suas afirmações caracterizassem mera exaltação ou elogia de seu produto, como o escravo ser lindo ou o cavalo ser digno de um general.28 Distinguia-se no Digesto (21.1.19.2) entre o que era decla­ rado (dicta) do que era prometido (promissa), já que o dictum era uma enunciação sem forma. Para alguns, essa era uma distinção muito mais formal que substancial, enquanto para outros, ape­ nas a promissa criava responsabilidade ao vendedor.29 Nessas hipóteses o comprador podia pedir indenização30 através de duas ações, dependendo se o comprador tivesse agido de má-fé ou de boa-fé; na primeira hipótese tinha a actio empti e na segunda, a actio ex stipulatu.31 Com o decorrer do tempo as duas situações passaram a ser concentradas na actio empti.32

(28)

A Rogerson, com base no D. h.t. 19 pr. afirma que “a mere commendatory affirmation or ‘puff’ will not involve him in liability” (Implied warranty, cit., p. 112).

(29)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 89.

(30)

Pedro Martinez traz a discussão existente na doutrina sobre a possibilidade ou não de a actio empti ter também como função a redibição do contrato (Cumprimento, cit., p. 91). Com base em Arangio Ruiz, Morales Moreno sustenta que tanto a actio ex empto quanto a actio ex stipulatu tinham por objetivo apenas o ressarci­ mento dos danos (El alcance protector de las acciones edilicias, Anuário de Derecho Civil — ADC, Madrid, 1980, p. 595).

(31)

Zimmermann dá a entender que a actio empti era usada quando o vendedor tinha agido com dolo ou prometido uma qualidade ao produto (fraude). No caso de desconhecimento ou ausência des­ sa promessa o comprador teria somente as ações redibitória e estimatória (The law, cit., p. 320).

(32)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 90, e Schulz, Classical, cit., p. 511-513.

36

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Também não é pacífico entre os doutrinadores o prazo prescricional dessas ações; para Zimmermann, por exemplo, prescreveriam em trinta anos, e para Fubini, seriam impres­ critíveis.33 Ainda Zimmermann - com base no texto de Pomponius (D. 19.1.6.4) que cuidava dos defeitos nas vendas de vasos - fala que, se a venda fosse feita por um vendedor profissional ou fabrican­ te do produto, havia uma garantia implícita e assim, mesmo que não tivessem conhecimento do defeito responderiam não só pela desvalorização da coisa (quanti minoris) mas também pelos da­ nos sofridos pelo comprador, como, por exemplo, pela perda do líquido colocado dentro do recipiente.34 1.3.1

Dos éditos edilícios

Ao lado da garantia limitada estabelecida pelo ius civile, criou-se uma responsabilidade por meio dos aediles curules, que eram policiais municipais com algumas funções de magistrados, dentre as quais o policiamento da cidade e dos mercados, a orga­ nização de jogos públicos e a jurisdição nas vendas de escravos. Eles atuavam concorrentemente com os pretores nos mercados de Roma e faziam parte do ius honorarium.35

(33)

Zimmermann, The law, cit., p. 324, e Fubini, La teoria, cit., p. 65 e segs.

(34)

Zimmermann, The law, op. cit., p. 334-336.

(35)

Grande dúvida há sobre o exato momento do surgimento dos edis curules. Sílvio Meira preleciona que essa função foi criada no ano de 367 a.C. e era uma magistratura patrícia (Curso, cit., p. 43). Pedro Martinez, com base em lição de Teresa Morais, dá o ano de 387 a.C. como a do início dessa atividade (Cumprimento, cit., p. 95).

VISÃO HISTÓRICA

37

Essa proteção só existia quando a compra tivesse ocorrido no mercado de Roma,36 isso porque o comércio de escravos, pro­ duto considerado de primeira necessidade, era feito pelos pere­ grinos, homens pouco confiáveis, hábeis em dissimular os defei­ tos dos bens que vendiam;37 o objetivo dos edis era a proteção do comércio e a repressão à fraude cometida pelos vendedores.38 Como acima vimos, o campo de aplicação dos éditos eram as feiras públicas; se o comprador quisesse se socorrer do pretor, o édito não podia ser mais aplicado. São em número de quatro os éditos conhecidos (de mancipiis vendundis; de iumentis vendundis; de feris; de castratione puerorum), mas, para nós, são importantes apenas os três pri­ meiros. O editto de mancipiis vendundis - que para Impallomeni já existia ao tempo de Catone, o velho, ou mais precisamente ao tempo da Lex Voconia (555 de Roma, 168 a.C.)39-40 - regulava a

(36)

Schulz afirma que nas províncias não havia os aediles, mas nas denominadas províncias senatoriais os quaestores provinciais os substituíam, publicando como seus o edicto edilicio. Nas provín­ cias imperiais não havia nem aediles nem quaestore, e assim não se aplicou essa norma (Classical,cit., p. 512-513).

(37)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 79.

(38)

A. Rogerson põe em dúvida o caráter punitivo dessa norma. Diz o autor que “perhaps the tendency to regard the aedilician remedies as pena - they are actually so referred to in D. 21.I.23.4, even though they are available against heirs - falls between two stools, for they may punish the innocent and yet do too little to punish the guilty” (Implied warrant, cit., p. 127).

(39)

Giambattista Impallomeni, L’editto, cit., p. 91-92. Zimmermann, citando A. de Senarclens, diz que ela foi introduzida no 2.° século antes de Cristo, provavelmente no ano de 199 {The law, cit., p.

38

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

venda de escravos. Nele estava previsto que o vendedor deveria declarar, mediante de um cartaz chamado titulus, além da nacio­ nalidade, os vícios que o escravo possuía no momento da ven­ da.41 Esses vícios podem ser classificados em quatro tipos.42 Os primeiros eram os vícios corporais que estavam ligados aos defeitos físicos do escravo e que lhe diminuíssem o rendi­ mento. Assim, não caracterizavam o vício a febre leve, uma pe­ quena doença passageira, a existência de um olho maior que o outro ou que a escrava já não fosse mais virgem; porém caracte­ rizava defeito uma amidalite que impedisse o escravo de comer, a miopia ou a inexistência de um dedo.43 Em segundo lugar estavam os vícios sobre o comportamento do escravo, como aquele que tinha inclinação para fugir ou escon­ der-se (servus fugitivus), aquele que freqüentemente saísse para

311). A. Rogerson afirma que a provável data do surgimento do édito sobre escravos seria a primeira parte do primeiro século a.C. (Implied warranty, cit., p. 116). Schulz afirma que o édito edilício já existia na época republicana (510 a 27 a.C.), mas pouco se sabe sobre seu conteúdo (Classical, cit., p. 512). Zulueta, por sua vez, diz que o aedilician edict tem origem provável antes da época de Cícero (The roman law, cit., p. 50). Ainda sobre a questão, e de forma ampla, Fubini, La teoria, cit., nota 51, p. 32. (40)

Girard, citado por Otto de Souza Lima, entende que as ações con­ cedidas pelos edis são posteriores à introdução do processo for­ mular e o primeiro testemunho preciso a respeito dos éditos está no De Officiis, de Cícero (Teoria, cit., p. 81).

(41)

Fubini, La teoria, cit., p. 37.

(42)

Impallomeni os dividi em seis (L'editto, cit., p. 6-7).

(43)

Impallomeni, L'editto, cit., p. 8. A. Rogerson, com base no D., 21.I.4.3, diz que problemas mentais não caracterizavam o vício (Implied warrant, cit., p. 121).

VISÃO HISTÓRICA

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passear, mas com o intuito de, mais cedo ou mais tarde, retornar (erro),44 ou, ainda, aquele que já tivesse tentado o suicídio. Em terceiro lugar, a omissão quanto a haver o escravo co­ metido uma ofensa penal, da qual poderia resultar responsabili­ dade para o seu dono, ou ainda se tivesse cometido uma ofensa capital, ou seja, um crime público de que adviesse ao comprador a perda do escravo. Por último, a omissão quanto à informação de ter o escravo, alguma vez, sido levado à arena para lutar contra as feras, isso porque tal fato só ocorria quando o escravo era punido por ilícito de alta gravidade e, assim, considerado péssimo sujeito, com a diminuição de seu valor e até a sua impossibilidade de entrar em Roma. O vendedor poderia eximir-se da responsabilidade pelo ví­ cio no escravo, e para tanto bastava fazê-lo usar um chapéu ou uma coroa. Nesse caso a venda era feita sub corona.45 No édito iumentis vendundis, que incluía os animais de sela e de carga, que se domam pelo dorso - dorso domantur,46 havia a previsão do vendedor de tomar público, no ato da venda, os ví­ cios desses produtos. Essa obrigação estendia-se aos acessórios que estavam com o animal no momento da venda, obrigando o alienante a denun­ ciar os vícios que o acessório possuía (tam integrum praestetur,

(44)

Impallomeni cita a divergência existente entre o vício por erro e por fugitivus. Para Labeone, o erro e o fugitivus possuíam apenas distinções quantitativas; para Ulpiano, entretanto, havia uma dis­ tinção substancial, já que no erro a intenção do escravo não era abandonar definitivamente o patrão (L'editto, cit., p. 12-13).

(45)

Zimmermann, The law, cit., p. 318.

(46)

Posteriormente foram incluídos as ovelhas e os bois.

40

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

quam illud praestari debit, quod principaliter veniit). Também tinha responsabilidade nas hipóteses de universalitas rerum, em que as várias coisas singulares eram consideradas como um todo ideal, e.g., na compra de outro animal conjuntamente para fins de parelha, mesmo que este não apresentasse qualquer defeito, possível seria a sua devolução, juntamente com o outro, porta­ dor do vício.47 Eram considerados com vícios os animais que apresentas­ sem defeitos físicos ou doenças, bem como os animais teimosos, excessivamente desconfiados, que não permitissem ser coloca­ dos em parelha, ou os castrados. No mais, as disposições eram idênticas ao do édito relativo aos escravos. O terceiro édito (de feris), por sua vez, era dividido em duas partes: na primeira se impunha ao detentor do animal perigoso as precauções necessárias para evitar que ele causasse danos às pessoas. Na segunda parte trazia três delitos culposos em caso de descumprimento da obrigação acima mencionada: a) a morte de um homem livre; b) o ferimento de um homem livre; e c) o dano causado a outra coisa.48 Pelo direito edilício e ao contrário do ius civile, a responsa­ bilidade do vendedor pelo vício existia independentemente de seu

(47)

Segundo nos ensina Otto de Souza Lima, isso também se aplica­ va aos escravos da mesma família, já que a devolução de um acar­ retaria sofrimento para os demais (Teoria, cit., p. 116). Sobre o tema, mas envolvendo animais, v. Zimmermann, The law, cit., p. 76-80, 319, Silvio Venosa, Evicção e vício redibitório no direito romano, Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metro­ politanas Unidas - FMU, n. 4, p. 135, e, novamente, Souza Lima, Teoria, cit., p. 116.

(48)

Impallomeni, L'editto, cit., p. 86-87.

VISÃO HISTÓRICA

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conhecimento ou da impossibilidade de conhecê-lo; estava ela implícita nesses contratos. Eram requisitos para a caracterização do vício redibitório: a) que ele prejudicasse totalmente ou parcialmente a utilização da coisa, porém nesta última hipótese o prejuízo deveria ser rele­ vante; assim, se o defeito fosse pequeno e não afetasse a coisa ou o trabalho do escravo, não se poderia falar em vício;49 b) que o defeito fosse oculto, ou seja, que não pudesse ser notado pelo adquirente (bonus pater familias) sem a indicação do vendedor ou que dele não tivesse prévio conhecimento; c) que o vício fos­ se anterior ao contrato, isso porque, se fosse posterior, era consi­ derado caso fortuito, que o comprador devia suportar. Atente-se que havia uma posição no sentido de que o defeito que surgisse nos três dias seguintes ao da compra, devia ser tido como um defeito existente ao tempo da transação;50 d) que a venda não fosse judicial.51 Ocorrendo o vício, tinha o comprador, nos seis meses úteis52 seguintes à venda, o direito de pedir a redibição do contrato e a devolução do preço pago, devendo também devolver a coisa.53

(49)

Otto de Souza Lima traz, com base no Digesto, inúmeras hipóte­ ses nas quais estava ou não caracterizado o vício (Teoria, cit., p. 105-106). Também Zimmermann, The law, cit., p. 313-314.

(50)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 112.

(51)

Neste sentido Pedro Martinez com base no D. 21.1.1.3 (Cumpri­ mento, cit., p. 99).

(52)

“Util” significava que o prazo teria início da descoberta do vício. Nesse sentido Zimmermann, The law, cit., p. 318 e A. Rogerson, Implied, cit., p. 124.

(53)

Impallomeni sustenta que somente após a lex aebutia, que intro­ duziu o procedimento formulário, é que a ação redibitória passou a ter um prazo para a sua propositura (L’editto, cit., p. 94).

42

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Essa ação recebeu o nome de actio redhibitoria,54 e não permitia ao comprador pedir o dobro do preço,55 salvo se o vendedor não o devolvesse prontamente.56 Com a redibição do negócio, as partes deveriam retomar à situação em que se encontravam antes, significando isso que o comprador poderia pleitear do vendedor os danos causados a sua propriedade pelo escravo, como, por exemplo, se ele tivesse fur­ tado algum bem;57 ainda poderia pedir o ressarcimento dos gas­ tos diretos e indiretos com o negócio, tais como juros, tributos, arras, laudêmio etc.58 Por outro lado, não tinha o comprador o direito de pedir a devolução do que gastou com a manutenção do escravo,59 bem como deveria devolver a coisa no mesmo estado em que a rece­ beu - respondendo nesse caso pelos danos a ela causados por culpa sua ou de seus familiares - com todos os acessórios, não só

(54)

Essa ação, segundo Schulz, também era usada nos ius civile, quan­ do o vendedor, por declaração expressa e não formal, fazia um pacto adjeto de responsabilidade (Classical, cit., p. 513).

(55)

Schulz, Classical, cit., p. 513.

(56)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 100, e Sílvio Venosa, Di­ reito civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contra­ tos, São Paulo, Atlas, 2001, p. 479.

(57)

Souza Lima fala da divergência sobre a responsabilidade do ven­ dedor em relação aos danos causados pela coisa. Este autor, jun­ tamente com Glück, é da opinião de que somente o vendedor que tivesse conhecimento do vício e não o informasse ao vendedor ou aquele que garantisse a inexistência do vício, teriam esse dever de indenizar (Teoria, cit., p. 126-127). No mesmo sentido A. Rogerson, Implied warrant, cit., p. 124.

(58)

Souza Lima, Teoria, cit., p. 122.

(59)

Zimmermann, The law., cit., p. 317.

VISÃO HISTÓRICA

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os que a acompanharam, mas também aqueles que depois lhe acresceram.60 Cuidaram ainda os romanos das hipóteses de perda, dete­ rioração ou alienação da coisa e da possibilidade da ação redibitória. Souza Lima, apesar de citar opiniões em contrário, enten­ dia que nas primeiras hipóteses (perda e deterioração) a ação ainda poderia ser proposta, devendo o comprador devolver o preço ou a diferença, isso se a perda ou a deterioração não tives­ sem relação com o vício. Por outro lado, se a perda ou deteriora­ ção tivessem ocorrido por caso fortuito, continuava o vendedor responsável pela devolução do preço, mesmo sem receber de volta a coisa.61 Na última hipótese (alienação), duas situações poderiam ocorrer: se o comprador, conhecendo o vício, preferisse alie­ nar a coisa, significava que havia renunciado ao direito de redibi-la; se a alienasse sem o conhecimento do vício e depois a readquirisse, teria ainda, se dentro do prazo, a possibilidade de propor a ação. Outra ação à disposição do comprador era a quanti minoris, pela qual, no prazo de um ano a contar do negócio, o comprador, em vez de pedir a rescisão do contrato, mantinha a coisa, porém pleiteava a restituição de um valor que representasse a diferença entre o que ela efetivamente valia e o valor pago.

(60)

Souza Lima, com base no § 1.°, fr. 23, e § 19, fr. 31, ambos do Tít. I, Liv. XXI, do Digesto (Teoria, cit., p. 118-121).

(61)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 131-132. Quanto ao direito do comprador de devolver a coisa parcialmente deteriorada, mas com a obrigação de indenizar o vendedor, v. Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 100.

44

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Há também dúvida sobre a data do surgimento desse remé­ dio jurídico, já que não estava previsto no Digesto de Ulpiniano (D. 21.1.1.1). Zimmermann sustenta que ela existia desde o começo do pe­ ríodo clássico,62 e Schulz acredita que só tenha surgido no direi­ to justinianeu, em que os aediles conferiram ao comprador outra ação em alternativa à redibitória, denominada aestimatoria.63 No direito pós-clássico, entretanto, a questão deve ser vista sob dois ângulos distintos, já que, segundo P. Stein, duas situa­ ções podiam ser encontradas: uma no império ocidental e outra no império oriental. Na parte ocidental do império romano a tendência manteve-se em restringir a responsabilidade do vendedor, aplicandose os éditos apenas para as vendas de escravos e animais.64 No oriente, todavia, com o passar do tempo e o desenvolvimento do comércio romano, a regra do caveat emptor65 não mais se justifi­ cou, sendo que os princípios trazidos pelos éditos foram facil­ mente acolhidos pelos juristas bizantinos e pouco a pouco trans­ feridos aos ius civile,66 chegando a existir a garantia pelo vício

(62)

Zimmermann, The law, cit., p. 318.

(63)

Schulz, Classical, cit., p. 514. Entendendo também que no direi­ to clássico não havia ação estimatória, A. Rogerson, Implied warrant, cit., p. 124-125.

(64)

P. Stein. Medieval discussions of the buyer’s action for phisical defects. Studies in the roman law of sale in memory of Francis de Zulueta, p. 102-103.

(65)

O termo latino, como será visto em item próprio, não tem origem no período romano, mas sim na idade média.

(66)

No direito pós-clássico desaparece a figura e a jurisdição dos aediles e quaestores, e as ações acima mencionadas podiam ser propostas em qualquer Tribunal. Zimmerman afirma que, mes-

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independentemente de qualquer manifestação do vendedor, ou seja, como uma cláusula implícita em todo negócio, inclusive de prédios rústicos (D. 21.1.63).67 Para alguns, passou o comprador nesse período a ter o direi­ to de escolher entre a ação redibitória, a estimatória e a actio empti, e o prazo para a propositura delas, anteriormente distintos, pas­ sou a ser igual.68

1.4 Do cumprimento imperfeito (vício) no direito medieval e no período da pré-codificação Na clássica divisão escolar da história humana, encontramos a Idade Média, período que abrange desde a fragmentação po­

mo assim, continuaram a existir, paralelamente, os dois meios processuais para a solução do problema, as actio empti e as ações edilícias, The law, cit., p. 322. (67)

Zulueta, The roman, cit., p. 49. Souza Lima, com base em Glück e sem fazer distinção entre os dois impérios, diz que, por motivos de equidade e na interpretação dos jurisconsultos romanos, os éditos dos edis foram rapidamente estendidos a todos os gêneros de coisas vendáveis, móveis, imóveis ou semoventes (Teoria, cit., p. 90). Também afirmando que no direito justinianeu a responsa­ bilidade pelo vício se aplicava a todas as coisas, v. A. Rogerson, Implied warranty, cit., p. 113.

(68)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 106. Preleciona Zimmermann que, depois de algum tempo, segundo vários doutrinadores, a actio empti deixou de existir ou pelo menos se confun­ diu com as ações edilícias, que passaram a ser os únicos meios para solucionar o problema. Até para aqueles que mantinham a distin­ ção, o prazo prescricional da actio empti foi reduzido ao mesmo prazo das ações edilícias, salvo na hipótese de pedido de indenização, quando então o prazo era ainda de trinta anos (The law, cit., p. 324).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

lítica e cultural do império romano até a queda de Constantinopla, no ano de 1453 d.C. Ela é dividida em duas partes: a alta Idade Média (do final do século IV até o século X) e a baixa Idade Média (do século XI ao século XV).69 Com o fim do império romano e até o século X, inicia-se o que costumamos chamar de idade das trevas. Nesse período, for­ mam-se diversas e novas sociedades que tinham como suporte ético as tribos invasoras bárbaras e as populações romanas e romanizadas da cepa itálica, ibérica, celta, lírica e germânica.70 Essas sociedades medievais deram origem a vários reinos independentes, como o dos visigodos (que ocuparam o sul da Gália em 412, fixando-se depois na Espanha), dos vândalos (que se instalaram no norte da África, nos territórios atuais da Tunísia e parte da Argélia, bem como nas ilhas da Sardenha e Corsica), dos burgúndios (que se fixaram no sudoeste da Gália, no que hoje é a Suíça e parte da França) e, sucessivamente, dos hérulos, ostrogodos, lombardos (na Itália), dos francos (que após o século V se expandiram, formando o maior reino bárbaro na Europa), dos jutos, dos anglos e dos saxões (que ocuparam a Inglaterra).71 Substitui-se a sociedade escravista por uma sociedade feu­ dal, com poder descentralizado, sem centros culturais, estando o ensino organizado limitado aos cléricos nas escolas episcopais. Nessa época, grande era o domínio da Igreja cristã, sendo uma das forças espirituais mais importantes; por isso exerceu forte

(69)

Raymundo Campos situa a idade média entre os séculos V e XV (Estudos de história antiga e medieval. São Paulo: Atual, 1990, p. 164). John Gilissen enquadra esse período entre os séculos VI e XII (Introdução, cit., p. 128).

(70)

F. Wieacker. História do direito privado moderno. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1967, p. 20.

(71)

Raymundo Campos, Estudos, cit., p. 169.

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papel e, na ausência de um efetivo poder político, preencheu o vazio que existia, assumindo grande parte das tarefas públicas, sociais e morais do antigo império. Era ela a autoridade, a cultu­ ra, a jurisdição e cuidava das técnicas documentais, processuais e notariais.72 No campo jurídico, o vazio era muito mais extenso, não se encontrando na Europa ocidental da época ou encontrando-se de forma episódica e ocasional, um estudo do direito.73 As comuni­ dades regionais, também pela ausência de um poder político con­ trolador, não deram importância ao estudo jurídico, pelo menos ao direito chamado posteriormente de privado. Todavia, mesmo com a ausência de um estudo científico, o direito esteve presente na regulamentação da vida das socieda­ des e foi construído por meio dos costumes e da estrutura espiri­ tual da época. Estava ligado diretamente ao mundo dos fatos, dele não se podendo desvincular, tanto é que alguns chamaram esse período de “naturalismo jurídico”.74 Nas palavras de Paolo Grossi esse momento foi marcado pela l’officina della prassi, il laboratorio operoso dove si modela il costume giuridico e lo si elabora dalle fondamenta.15

(72)

F. Wieacker, História, cit., p. 17.

(73)

J. Gilissen sustenta que “o ensino era feito em mosteiros e cate­ drais; compreendia dois ciclos: o Trivium (gramática, retórica e dialéctica) e o Quadrivium (aritmética, geometria, música e as­ tronomia). Os elementos de direito eram ensinados no quadro da retórica e da dialéctica, com um fim essencialmente prático, In­ trodução, cit., p. 341.

(74)

Paolo Grossi. L’ordine giuridico medievale. 4. ed. Roma-Bari: Laterza, 1997, p. 65.

(75)

Paolo Grosi, L’ordine, cit., p. 63-64.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Tal primitivismo jurídico gerou certa autonomia do direito em relação ao detentor do poder e por isso foi também conhecido como “direito vulgar” (Vulgarrecht). O instituto do vício redibitório bem demonstra a situação acima narrada; foi mal disciplinado e sofreu um retrocesso. Muito desse recuo pode estar ligado à ausência de uma ati­ vidade comercial. Os feudos criaram uma economia fechada, sem mercados externos; inicialmente produziam-se os bens necessá­ rios para a sua subsistência e só depois, havendo sobra, realiza­ vam-se trocas.76 Lembremos que nesse momento histórico o comércio era condenado pela Igreja; ele era mundano, não divino; o lucro era um pecado; o mercador não poderia ser gentil a Deus.77 Grande dúvida há sobre o destino dos éditos e sobre a utili­ zação das ações edilícias nessa época. No escólio de Otto de Souza Lima, o édito edilício foi aban­ donado e as ações edilícias foram fonte de controvérsias, já que eram utilizadas pelos compradores para, sob o fundamento de um vício muitas vezes provocado, desfazer o negócio.78 Segundo Zimmermann, havia incerteza sobre a possibilidade de utiliza­ ção indistinta das ações quanti minoris e redibitória ou se elas só poderiam ser usadas pelo adquirente em situações prede­ terminadas.79

(76)

P. Stein, Medieval discussion..., Studies..., cit, p. 103; e Henri Pirenne. Historia econômica e social da idade média. São Paulo: Mestre Jou, 1982.

(77)

Walton H. Hamilton. The ancient maxim caveat emptor, Yale Law Journal, vol. XL, p. 1137, 1931.

(78)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 144-149.

(79)

Zimmermann, The law, cit., p. 325-326.

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Dá-nos ainda conhecimento P. Stein sobre a divergência que reinava entre os glosadores quanto à diferença, na alta Idade Média, das ações edilícias e da actio empti e ainda quanto à exis­ tência de uma ou duas ações quanti minoris fundadas nesses di­ reitos. Diz o autor citado que as ações civis e pretorianas estavam à disposição dos adquirentes, todavia a dúvida recaía sobre a dis­ tinção entre elas, ou melhor, quando se aplicava uma ou outra. Tal situação pode, nas palavras de Stein, ser observada com faci­ lidade na Summae.80 No direito visigótico, e após um primeiro momento onde cada povo tinha o seu direito (princípio da personalidade do di­ reito),81 segue-se a unificação jurídica. Nesta se destacaram, su­ cessivamente, três compilações legais: o Código de Eurico (Codex Euricianus), o Breviário de Alarico (Breviarium Alarici ou Breviarium Aniani) e o Código Visigótico (liber judicum, forum judicum, liber judiciorum).82 A primeira leges barbarorum, que data do século V, teve grande influência do direito romano vulgar, mas não se encontra nela nenhuma referência aos vícios da coisa. O Breviário de Alarico, publicado em 506 e também cha­ mado de Lex Romana Visigothorum, limitou-se a reproduzir al­ gumas regras do direito romano. Assim, nas Pauli Sententiarum 1.19.1 e 2.17.3 estabeleceu-se a indenização em dobro na actio de modo agri e na Pauli Sententiarum 2.18.2 previu-se o prazo

(80)

P. Stein, Medieval discussion, cit., p. 106 e segs.

(81)

Sustentando a inexistência do princípio da personalidade jurídi­ ca no reino dos Visigodos, temos Garcia Galo e A. D’Ors, (apud John Gilissen, Introdução, cit., p. 175).

(82)

Marcello Caetano cita também o Codex revisus, que seria uma revisão das leis de Eurico, determinada pelo rei Leovigildo (His­ tória do direito português. 3. ed. Lisboa: Verbo, 1992, p. 103).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

de seis meses para se propor a ação redibitória relativa aos vícios nos escravos.83 O Código Visigótico, publicado em 654, pôs fim à separa­ ção jurídica entre os godos e os hispano-romanos. Desse Código se conhecem três textos diversos: o primeiro do tempo de Recesvinto (654), o segundo do tempo de Ervígio (681), e o ter­ ceiro, denominado vulgata, de data incerta.84-85 Apesar de tratar-se de um dos grandes monumentos jurídi­ cos da Idade Média, resultante do encontro e da influência dos direitos romano, germânico e canônico, principalmente deste úl­ timo, também não previu qualquer regra sobre o vício redibitório.86 Já no direito germânico setentrional não havia por parte do vendedor qualquer responsabilidade pelo vício existente nos animais (os demais objetos ficavam sujeitos à teoria do erro so­ bre a substância da coisa), salvo se o vendedor tivesse ocultado o defeito dolosamente,87 lembrando que não era qualquer vício que

(83)

John Gillisen preleciona que o Breviário de Alarico foi bastante aplicado no Império Franco, mesmo após a derrota dos Visigodos por aqueles, e também na região dos Burgúndios, desde o fim do século VI. Na Espanha, permaneceu em vigor até meados do sé­ culo VII. Diz o autor que o Breviário desempenhou, no ocidente, e em menor escala, o papel atribuído à obra de Justiniano no oriente (Introdução, cit., p. 170).

(84)

Marcello Caetano, História, cit., p. 104. (85)

John Gilissen diz que a Vulgata data do início do século VIII, na época das invasões muçulmanas (Introdução, cit., p. 176).

(86)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 107-108.

(87)

Fubini é da opinião de que a simples omissão culposa não era suficiente para constituir a responsabilidade do vendedor (La teo­ ria, cit., p. 70).

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autorizava a propositura da ação redibitória (e só esta ação), mas tão-somente alguns defeitos previamente fixados. O tempo para a propositura da ação também era muito cur­ to. Fubini nos dá alguns exemplos: no direito gótico, era de três dias o prazo para se alegar o vício em gansos e nos cavalos; tra­ tando-se de vaca leiteira, o prazo era aquele suficiente para ordenhá-la três vezes.88 No direito lombardo, basicamente consuetudinário, a res­ ponsabilidade pelo vício oculto estava ligada à idéia geral de res­ ponsabilidade e por isso dependia do conhecimento do defeito por parte do alienante. Assim, e ao contrário do direito romano pós-clássico, dependia do elemento subjetivo, sendo a culpa do vendedor o ponto principal de sua responsabilidade. Trazia esse direito uma inovação, já que criava uma presun­ ção de culpa lato sensu do vendedor quando ele, conhecendo o vício, deixava de informar o comprador. Essa presunção, toda­ via, era facilmente afastada, bastando um juramento do vende­ dor no sentido de que o desconhecia.89 Do século XI em diante, baixa Idade Média, surge uma nova consciência jurídica e a ciência do direito europeu propriamente dita (ius commune). Em decorrência das novas necessidades sociais (principal­ mente o desenvolvimento comercial e a apetência do saber) reto­ mou-se o estudo dos textos da Antiguidade, visto que tinham eles valor muito grande para os estudiosos da época. Os textos jurídicos romanos “constituíam o direito natu­ ral por força da sua dignidade histórica e autoridade metafísi-

(88)

Fubini, La teoria, cit., p. 70, nota. 3.

(89)

Fubini, La teoria, cit., p. 76.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

ca”,90 e dentre eles gozava de um poder especial o Corpus Iuris de Justiniano que, através dos glosadores e pós-glosadores, re­ cebeu nova interpretação. Dentre os mais célebres pós-glosadores, podemos citar Acúrsio e Bártolo. Para ambos o vício estava fundamentado na stipulatio, sendo que, para o primeiro, era irrelevante o conhecimento do vício pelo vendedor, enquanto para o segundo, o alienante po­ deria ficar isento da responsabilidade se desconhecia o vício e não tivesse assegurado a qualidade. Esses autores colocavam à dis­ posição do adquirente as ações edilícias e a actio empti, ficando a ação redibitória restrita aos defeitos graves e a actio empti ao co­ nhecimento do defeito pelo vendedor ou se este tivesse assegura­ do a existência de uma qualidade ou a inexistência do vício. Entendia ainda Bártolo que o bem seria defeituoso se não tivesse a qualidade normal ou a qualidade previsível, sendo nula qualquer exclusão de responsabilidade se o vendedor tivesse co­ nhecimento do vício e não o informasse ao comprador. Os dois doutrinadores admitiam a responsabilidade do vendedor pelos danos subseqüentes, desde que tivesse agido com dolo ou não pudesse ignorar o vício.91 Por volta de 1200 fez também o direito germânico - apesar de inexistir um diferenciador seguro - uma distinção entre vício essen­ cial e não essencial, distinção que, com o passar do tempo, fez res­ surgir a ação estimatória, utilizada quando o vício não era essencial.92 Em Portugal, como nos ensina Pedro Martinez, o vício redibitório foi tratado de forma oficial pela primeira vez nas Or­ denações Afonsinas, que datam dos anos de 1446 e 1447.

(90)

Wieacker, História, cit., p. 44-45.

(91)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 116-118.

(92)

Também sobre o tema v. Zimmermann, The law, cit., p. 326-327.

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Consta do Livro IV do Título XXII uma lei de D. Duarte (18.03.1485), sob a epígrafe Das Bestas Vendidas em Evora, que se nom possão engeitar depois que a venda foi feita, e a besta entregue ao comprador que previa, ao contrário das demais coisas, que os eqüídeos não poderiam ser enjeitados caso fossem defeituosos.93 Já nas Ordenações Manuelinas inovou-se a questão do in­ cumprimento defeituoso, trazendo, com base no direito consuetudinário, e pela primeira vez, o regime jurídico geral sobre o ví­ cio. Nela se acolhem os ensinamentos dos edis curúis, com a ação redibitória e estimatória a serem exercidas no prazo de um mês a contar da tradição. Nas Ordenações Filipinas retomou-se ainda mais ao direito romano; previu-se a existência do vício sempre que o vendedor fizesse declarações falsas sobre a qualidade da coisa ou a inexis­ tência de um defeito, isso em todos os contratos onerosos, translativos de propriedade.94 Os prazos para as ações redibitórias

(93)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 112 e segs.

(94)

Nesse sentido, previa o § 9.° do Título XVII do Liv. IV que (grafia original): “Quando os que compraõ escravos, ou bestas ou poderáõ engeitar por doença, ou manqueiras - Qualquer pessoa que com­ prar algum escravo doente de tal enfermidade, que lhe tolha ser­ vir-se delle, o poderá engeitar a quem lho vendeo, provando que já era doente em seu poder de tal enfermidade, com tanto que cite ao vendedor dentro de seis mezes do dia que o escravo lhe for entregue. 1 - E sendo a doença de qualidade, ou em parte que fa­ cilmente se deixe conhecer, ou se o vendedor a manifestar ao tempo da venda, e o comprador comprar o escravo sem embargo disso: em taes casos naõ o poderá engeitar, nem pedir o que menos valîa do preço que por elle deu por causa da tal doença. Porém se a doença que o escravo tiver for taõ leve, que lhe naõ impida o ser­ viço, e o vendedor a calar ao tempo da venda, naõ poderá o com­ prador engeitar o escravo, nem pedir o que menos val por causa

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

e quanti minoris eram, respectivamente, de seis meses e um ano a contar da tradição.

da tal doença. 2 - Se o escravo tiver algum vicio do animo, naõ o poderá por isso o comprador engeitar, salvo se for fugitivo, ou se o vendedor ao tempo da venda affirmasse que o escravo naõ tinha vicio algum certo, assi como se dissesse, que naõ era bebado, nem ladraõ, nem jugador, porque achando-se que elle tinha tal vicio ao tempo da venda, o poderá angeitar o comprador. Porém ainda que por o escravo ter qualquer vicio do animo (que naõ seja de fugitivo) e o vendedor o calar, naõ possa o comprador engeitalo; poderá toda via pedir o que menos val por causa do tal vicio, pe­ dindo-o dentro de hum anno, contado no modo acima dito. 3 - Se o escravo tiver commetido algum delicto, pelo qual sendo-lhe provado mereça pena de morte, e ainda naõ for livre por sentença, e o vendedor ao tempo da venda o naõ declarar, poderá o compra­ dor engeitar dentro de seis mezes contados da maneira que acima dissemos. E o mesmo será se o escravo tivesse tentado matar-se por si mesmo com aborrecimento da vida, e sabendo-o o vende­ dor o naõ declarasse. 4 - Se o vendedor affirmar, que o escravo que vende sabe alguma arte, ou tem alguma habilidade boa, assi como pintar, esgrimir, ou que he cozinheiro, e isto naõ somente pelo louvar, mas pelo vender por tal, e depois se achar que naõ sabia a tal arte, ou tenha a tal habilidade meamente. E naõ se re­ quer se comsummado nella. ... 6 - Engeitando o comprador o escravo ao vendedor, tornar-lhe-ha, e o vendedor tornará o preço, e a sisa que o comprador pagou, e assi o que tiver dado ao Corre­ tor, naõ sendo mais que o que por direito, ou Regimento lhe for devido. E assi mais pagará o vendedor ao comprador as despesas que tiver feitas na cura do escravo quando por causa da doença o engeitar. 7 - Se o escravo que o comprador quizer engeitar for de Guiné, que elle houvesse comprado a pessoa que de lá o trouxes­ se, ou ao tratador do dito trato, ou ao mercador que compra os taes escravos para revender, naõ poderá ser engeitado se naõ dentro de hum mez, que lhe correrá do dia que lhe for entregue para dentro delle citar, e demandar ao vendedor, que lhe torne o que por elle

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Não apresentando as Ordenações solução ao caso, dever-seia recorrer ao direito romano justinianeu, norma subsidiária das leis do reino. Muita influência teve também a opinião dos pós-glosadores, principalmente daqueles há pouco mencionados, isso até a Lei da Boa Razão, de 18.08.1769; a partir dessa norma, as glosas, o co­ mentário e a communis opinio não mais poderiam ser alegados em juízo e o direito romano só poderia ser invocado após seleci­ onado pelos jus-racionalistas e de acordo com a “boa razão”. Como se pode notar, apesar da confusão jurídica existente na época, prevalecia a responsabilidade do vendedor pelo vício, permitindo-se ao comprador utilizar as ações edilícias, bem como

lhe deu, provando que ao tempo da entrega já era doente da doen­ ça, ou da manqueira porque o engeita... 8 - E o que dito he nos escavos de Guiné, haverá lugar nas compras, e vendas de todas as bestas, que por quaesquer pessoas forem compradas, que se quizerem engeitar por manqueira, ou doença. E ainda que os es­ cravos se naõ podem angeitar por qualquer vicio, e falta do animo como atrás he declarado, as bestas se podem engeitar por os taes vicios, ou faltas do animo, assi como se sem causa, e naõ lhe sen­ do feito mal algum se espantarem, ou impinarem, ou rebellarem. 9 - E todas as coisas acima ditas se poderão engeitar, naõ fómente quando faõ havidas por titulo de compra, mas ainda se forem havidas por troca ou escambo, ou dadas em pagamento, ou por qualquer outro titulo, em que se traspasse o Senhorio: mas não se poderáõ engeitar, quando forem havidas por titulo de doação. 10 - E as cousas que naõ saõ animandas, quer sejaõ moveis, quer de raiz, se poderáõ engeitar por vicios, ou faltas que tenhaõ, assi como hum livro comprado no qual falta hum caderno, ou folha em parte notavel, ou que stá de maneira que se naõ possa ler, ou hum Pumar, ou Horta que naturalmente sem industria dos homens produzem plantas, ou hervas peçonhentas” (apud John Gilissen, Introdução, cit., p. 746).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

pleitear perdas e danos se o alienante tivesse agido com dolo. Apenas não se podia falar em ações edilícias se o vício fosse co­ nhecido do comprador ou insignificante.95 Paralelamente a esse estudo laico que se desenvolveu no continente europeu, os cléricos, assim como os conciliadores, principalmente após a renovação da Igreja por Cluny e pelo Papa Gregório VII, passaram a estudar a Sagrada Escritura, as deci­ sões dos concílios, dos sínodos, os cânones e as decretais do Papa, acabando por criar o chamado direito canônico e, em 1317, o Corpus Iuris Canonici. Os manuais da Igreja Católica, mesmo nos finais do século XVII, continham regras sobre o comportamento dos cristãos no comércio (lembremos que, em vários momentos da história, cris­ tãos eram quase todos os cidadãos) e lá constava que cometia pecado o vendedor que, conscientemente, vendia um bem com vício de quantidade ou qualidade, salvo se ele fosse aparente. Da mesma forma, o comprador que recebia mais do que aquilo que havia adquirido, deveria recompensar o alienante.96 Para finalizar, podemos dizer que os ordenamentos jurídi­ cos escritos baseavam-se então em resíduos do direito romano imperial, nas leis romanas dos povos bárbaros, nas compilações escritas dos direitos tribais levadas a cabo pelo domínio franco, nos capitulares,97 nos pareceres e no direito canônico, disso re­ sultando o início da moderna dogmática do direito privado.98

(95)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 119-120.

(96)

Walton H. Hamilton, The ancient, Yale Law Journal, cit., p. 1138.

(97)

Por capitulares se entendem os atos normativos dos monarcas franceses, assim denominados por serem habitualmente dividi­ das em capítulos (Paolo Grossi, L’ordine, cit., p. 50, nota 16).

(98)

Wiaecker, História, cit., p. 83.

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1.4.1 A regra do caveat emptor Por volta do século XVI surge uma expressão em latim que passa a caracterizar a influência da economia sobre o direito e que será muito usada até meados do século XIX, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, como pedra de toque de todo o sistema de garantia."99 Em 1534 um compilador de leis inglesas, chamado Anthony Fitzherbert, escreveu uma frase sobre a compra de cavalo. Disse ele que se o animal foi amansado e cavalgado, caveat emptor, ou seja, let the buyer be beware.100 Assim, o comprador assumia total responsabilidade e devia analisar com cuidado o bem a ser adquirido, não recebendo por sua negligência qualquer proteção legal. Prevalecia a desconfiança que o comprador devia ter em re­ lação ao vendedor, acreditando apenas naquilo que pudesse pes­ soalmente constatar. Não havia obrigação de dar informação e, na dúvida, cabia ao comprador pedir uma garantia ao vendedor.101

(99)

Atiyah afirma que o domínio do caveat emptor durou até 1870 (The rise and fall of freedom of contract. Oxford: Clarendon Press, p. 479). John Cooke et al. sustentam que mesmo antes do Sale of Goods Act de 1893 já se encontrava alguma resistência a esse prin­ cípio (The common law, cit., p. 551).

(100)

Apud Ivan L. Preston (The great american blow-up: puffery in advertising and selling. Madison: The University of Wisconsin Press, 1996).

(101)

Nas palavras de Atiyah: “Wherever parties entered into contractual relations, no matter what the nature of the contract, the responsability aly on each party to rely upon his own judgment, and to demand an express warranty where he was uncertain of his judgment” (The rise, cit., p. 467).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Essa regra valia não só para a compra e venda como tam­ bém para os demais contratos, e assim, por exemplo, o homem que consultasse um médico assumia o risco de que ele não fosse tecnicamente qualificado, ou o locatário que locasse terras para o pasto assumia o risco de elas estarem contaminadas com vene­ no que mataria seus semoventes.102 A doutrina do caveat emptor teve prestígio com o caso Chandelor v. Lopus (1603), em que o réu, comerciante de ouro, teria vendido, por 100 libras, ao autor uma pedra, como sendo uma pedra de bezar (pedra encontrada no estômago ou intestino de alguns animais e que, àquele tempo, acreditava-se possuir po­ deres mágicos para curar doenças) e ao verificar que não era, o adquirente ingressou com uma ação para rescindir o contrato. A ação foi julgada improcedente, dizendo o tribunal que o vendedor não havia garantido que era bezar-stone, mas tão-so­ mente que ela tinha aquela origem.103 Ficou claro por essa decisão que o tribunal (dentro do espí­ rito de liberalismo econômico e de individualismo que já se de­ senvolviam) não estava preocupado com a justiça do negócio deixando tal questão para ser solucionada pelas próprias partes , mas sim com a segurança nas relações jurídicas. Essa doutrina, todavia, não foi aceita de forma absoluta; al­ guns a consideravam como imoral e como exceção não a aplica­ vam quando a inspeção pelo comprador tivesse sido impossível,

(l02)

Atiyah, The rise, cit., p. 468, e W. Hamilton, The ancient, cit., p. 1.166.

(l03)

P. S. Atiyah, The rise, cit., p. 179. Segundo cita Preston, “The court declare that the bare affirmation that it was a bezar-stone, without warranting it to be so, is no cause of action” (The great, cit., p. 36).

VISÃO HISTÓRICA

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id est, se a mercadoria estivesse ainda no navio, quando o vende­ dor tivesse agido de forma dolosa para omitir o defeito ou ainda quando o vendedor tivesse dado uma garantia.104 A própria Igreja Católica, em um primeiro momento, con­ denou essa doutrina, tendo São Thomas de Aquino sustentado que o vendedor deveria responder pelos defeitos da coisa, salvo se o defeito fosse óbvio.105 Todavia essa proteção da Igreja deixou de existir quando ela passou a ser beneficiada pelo comércio e dele ativamente participar; como se chegou a pensar naquela época, o comércio servia tanto ao homem quanto a Deus.106

(l04)

Para amenizar essa doutrina, muitas vezes se aceitava uma garantia implícita (Atiyah, The rise, cit., p. 474-475). V. também Friedman. Storia del diritto americano, Milano: Giuffrè, 1995, p. 264).

(l05)

Apud Hamilton, The ancient, cit., p. 1.137 e segs.

(l06)

Ivan Preston, The great, cit., p. 30.

2 DO CUMPRIMENTO IMPERFEITO (VÍCIO) NO DIREITO COMPARADO SUMÁRIO: 2.1 Direito francês - 2.2 Direito austríaco - 2.3 Direito português - 2.4 Direito italiano - 2.5 Direito espanhol - 2.6 Direito alemão - 2.7 Do cumprimento imperfeito no sis­ tema do common law: 2.7.1 A questão dentro do direito in­ glês; 2.7.2 A questão dentro do direito americano.

Os Códigos que entraram em vigor nos séculos XIX e XX vieram marcados pelo espírito liberal e de renovação que conta­ minaram aquela época, porém sempre dentro dos ensinamentos do direito romano. Vejamos o tema em alguns desses diplomas.

2.1 Direito francês O primeiro Código, assim entendido nos termos em que hoje tal palavra é compreendida, foi o francês de 1804. A matéria relativa ao vício redibitório é tratada nos arts. 1.641 a 1.649 e reproduz, de forma mais generalizada, as regras romanísticas.1 (l)

Mazeaud e Mazeaud. Lecciones de derecho civil. Buenos Aires: Ejea, 1962, p. 293.

DIREITO COMPARADO

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Dentro do contrato de compra e venda e como dever do ven­ dedor, prevê inicialmente o art. 1.641 que o alienante é respon­ sável pelos vícios ocultos da coisa vendida que a tornem impró­ pria ao uso ao qual é destinada ou que diminuam de tal modo seu uso que o comprador não o teria adquirido, ou teria pago preço menor, se o conhecesse, isso independentemente de culpa (art. 1.643). Exclui a responsabilidade do vendedor se o vício for apa­ rente (art. 1.642), permitindo às partes a fixação de cláusula con­ tratual com exclusão da garantia. Dá ao comprador as duas ações já previstas no direito roma­ no pós-clássico (art. 1.644) e ainda, se ele tiver agido com dolo, o dever de reparar os danos sofridos pelo adquirente (arts. 1.645 e 1.646). Em apenas um ponto se afastou da lição justinianéia, pois não fixou um prazo legal para a propositura das ações, deixando para o juiz analisar se ela foi proposta dentro de prazo razoável (art. 1.648). Somente mais tarde e em relação a alguns bens, im­ pôs um prazo de garantia (1 ano na compra e venda de máquinas cujos vícios não chegam a colocar em risco os funcionários - art. 66, d, do Livro II do Código do Trabalho - e 9, 15 e 30 dias para os vícios nos animais domésticos).2 Posteriormente (1838 e 1895) foram editadas algumas leis li­ mitando as hipóteses de vícios nos casos de compras de animais, o que foi considerado um retrocesso em relação ao direito romano.3

(2) (3)

Mazeaud e Mazeaud, Lecciones, cit., p. 305. Fubini, La teoria, cit., p. 940. Os irmãos Mazeaud dizem que uma lei de 1884, inserida dentro do código rural, indicava quais eram os vícios ocultos que permitiam as ações edilícias (Lecciones, cit., p. 295-296).

62

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

2.2 Direito austríaco O segundo Código a entrar em vigor foi o austríaco - ABGB, isso em janeiro de 1812. Essa norma, ao contrário da lei france­ sa, é caracterizada pela sua brevidade (1.502 parágrafos) e pela abstração de suas normas, permitindo um grande trabalho interpretativo.4 Nela a questão foi tratada nos §§ 922 a 928 e só é considera­ do vício aquele efetivamente importante, não se incluindo os defeitos ordinários, pois de regra o comprador não pode esperar uma coisa completa e perfeita.5 Deixa claro que o instituto do vício é parte da teoria do inadimplemento,6 e não faz qualquer distinção entre defeito, ausência de qualidade e qualidade prometida. A ação redibitória só é concedida quando o defeito de quali­ dade ou quantidade não for remediável; em contrapartida tem o comprador sempre direito à indenização, independentemente da culpa do vendedor. Os prazos para as ações de garantia são, respectivamente, de seis meses e três anos para as coisas móveis e imóveis.7

(4)

(5)

Apud Carlos Ghisalberti (Unitànazionale in Itália. Bari: Laterza, 2002, p. 209-210).

e

unificazione

giuridica

“§ 922 - Caso alguém transmita a outrem, a título oneroso, uma coisa, presta ele garantia quanto às propriedades desta coisa, ex­ pressamente referidas ou pressupostas pelos usos comuns, assim quanto ao uso e aplicação que ela poderá ter, conforme a natureza do negócio ou a convenção entre as partes” (apud Jorge Cesa, A boa-fé, cit., p. 187).

(6)

Fubini, La teoria, cit., p. 95.

(7)

Fubini, La teoria, cit., p. 96-97.

63

DIREITO COMPARADO

2.3 Direito português Em 1833, é editado em Portugal o Código Comercial, que, nos arts. 484.° a 489.°, tratava das ações edilícias. Dava inicial­ mente a noção de defeito, o qual estava ligado ao uso a que a coi­ sa se destinava, excluindo no art. 485.° a responsabilidade em casos de vícios aparentes ou conhecidos do comprador. Estabe­ lecia no art. 486.° a opção do comprador entre as ações redibitórias e autorizava (art. 487.°), em caso de dolo, o pedido de indeniza­ ção por outros prejuízos. A norma citada encerrava o tema estatuindo que a perda, determinada pelo vício, corria por conta do vendedor e que não se podia falar em redibição nas vendas feitas por autoridade judicial. Essas disposições, segundo alguns doutrinadores portugue­ ses, teriam sido revogadas em 1888, passando o tema a ser regi­ do pelo Código Civil de 1867. 8

O novo diploma legal português, por sua vez, afastou-se dos ensinamentos tradicionais e do direito comparado, pretendendo resolver o problema através do instituto do erro (art. 1.582.°); com isso criou um contra-senso ao autorizar às partes dispor em sen­ tido contrário.9

2.4 Direito italiano O direito italiano recebeu da Idade Média baixa o pluralismo normativo. Foi formado basicamente pelo direito romano, com

(8)

(9)

Nesse sentido e com base em Martinez, Cumprimento, cit., p. 123.

Cunha

Gonçalves,

Romano

Essa crítica já era feita por Fubini com base no antigo código português, visto ser inadmissível que as partes, contratualmente, prevejam a não-anulação do negócio por vício do consentimen­ to, Teoria, cit., p. 98.

64

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

influência do direito bárbaro e longobardo, mas não só. No iní­ cio do século XIX poder-se-ia observar uma diversidade de fon­ tes normativas aparentemente concorrentes, mas basicamente hierarquizadas de acordo com o interesse político e econômico. Além do costume e do direito canônico, havia normas mu­ nicipais, feudais e corporativistas, estas emanadas pelos vários Estados monárquicos ou republicanos.10 Em relação ao vício, cuidava-se essencialmente da respon­ sabilidade pela venda de animais e tinha-se por objetivo sanar dúvidas relativas ao ônus probatório de sua existência e a admis­ sibilidade das ações edilícias. As leis e os costumes previam, em regra, o dever do comprador de denunciar o vício e prazos para a propositura da ação que eram curtíssimos, porém, em contraparti­ da, criavam uma presunção de que o vício, surgido nesse perío­ do, já existia ao tempo da transação.11 Com o domínio francês pelas tropas napoleônicas no reino italiano, e com o início de uma idéia de Estado moderno que já se desenvolvia na Itália, grande parte das regiões peninsulares pas­ sou a utilizar o Código Napoleônico como norma central, dando início assim à unificação jurídica italiana.12 O primeiro Código Civil italiano foi publicado em 1865 e regulava nos arts. 1.462, 1.481, 1.498, 1.499 e 1.501 a matéria do vício redibitório. Essa norma seguiu de perto a orientação do direito romano e as disposições do Código Civil francês. Caracterizava-se, en­ tretanto, por prever um prazo decadencial para a propositura da

(l0)

Carlos Ghisalberti, Unità,cit., p. 3.

(11)

Fubini, La teoria, cit., p. 88.

(12)

O decreto imperial de 16.01.1806 determinou a aplicação do Code na Itália, ab-rogando todas as demais normas até então existentes (apud Carlo Ghisalberti, Unità, cit., p. 147 e segs.).

DIREITO COMPARADO

65

ação edilícia e por exigir o dolo do vendedor para a propositura da ação de indenização. Em 1942 é editado o atual Código Civil italiano, sendo o tema abordado nos arts. 1.490 a 1.497. Esse diploma, em comparação com o revogado, traz apenas algumas alterações, como ser o prazo previsto em lei prescricional, não mais se exigir o dolo do alienante para o dever de ressar­ cir as perdas e danos, distinguindo o vício redibitório da ausên­ cia de qualidade.

2.5 Direito espanhol O direito civil espanhol ou os direitos civis espanhóis/pe­ ninsulares, como prefere dizer Díez-Picazo,13 foi formado, ba­ sicamente, pela união do direito romano e do direito germânico. No entanto, foram as Partidas as fontes inspiradoras da doutrina para a construção da responsabilidade civil do vendedor pelos vícios na coisa.14 As partidas regulavam a proteção do comprador ou do ar­ rendatário em relação a determinadas coisas, como imóveis, es­ cravos e animais, sendo que apenas alguns vícios geravam a res­ ponsabilidade do vendedor. Também não davam nome às ações, prevendo apenas os efeitos práticos a que poderiam conduzir.15 O Código Civil espanhol de 1889, nos arts. 1.484 a 1.499, fez constar, no espírito dos demais Códigos Civis vigentes à épo-

(l3)

Luis Díez-Picazo (Sistema de derecho civil. Madrid: Tecnos, 1975, vol. I, p. 58).

(l4)

Morales Moreno, El alcance, Anuário, cit., p. 599.

(l5)

Morales Moreno, El alcance, Anuário, cit., p. 602.

66

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

ca (francês e italiano16), a responsabilidade do vendedor pelos vícios ocultos. Basicamente, a legislação espanhola divide o capítulo em uma parte geral (que cuida de todos os bens) e uma parte especial (que cuida dos vícios nos animais em geral e especificamente no gado), porém a parte geral que cuida dos vícios nos contratos de compra e venda é aplicada também a outras figuras, por remis­ são dos arts. 1.553 e 1.681.17

2.6 Direito alemão Na Alemanha, o BGB (Código Civil alemão, de 1900) se­ guiu as linhas gerais do direito romano. Fez constar a obrigação do vendedor em entregar ao comprador uma coisa sem anoma­ lias (§§ 433, I, 434). Ocorrendo tal fato e se for o vício anterior ao momento da passagem do risco, o adquirente tem direito à re­ solução do contrato, à redução do preço, a substituição da coisa e à sanação do vício (§§ 459, 462). Prevalece o direito de exigir a substituição do bem, não se exigindo a culpa do vendedor ou que o vício seja grave. Só pode­ rá pedir a rescisão do contrato ou o abatimento do preço, caso haja o adquirente concedido ao alienante a possibilidade de en­ tregar uma nova coisa, isenta de imperfeição.18 Poderá ainda propor ação indenizatória (§§ 463, 480, II) e reembolso dos gas­ tos (§ 437 do BGB).

(16)

Também seguiram a linha do Código Civil italiano os Códigos do Peru, de 1852 e da Romênia, de 1887 (apud Fubini, La teoria, cit., p. 99).

(17)

Morales Moreno, El alcance, Anuário, cit., p. 624, e Badenet Gasset, El contrato, cit., p. 694.

(18)

Já com base na reforma do BGB, ocorrida em 2002.

DIREITO COMPARADO

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Salvo quando o vendedor agiu com dolo, as ações mencio­ nadas prescrevem em seis ou doze meses, dependendo se a coisa, objeto do contrato, é um bem móvel ou imóvel (§ 477) e esses prazos têm início no momento da transferência. Desnecessária, no direito alemão, a análise da culpa do ven­ dedor; o vício é analisado de forma subjetiva (subjectiver Fehlerbegriff).

2.7 Do cumprimento imperfeito no sistema do common law Dá-se o nome de common law ao sistema jurídico criado a partir do final do século XIII na Inglaterra e que tinha por base as decisões das jurisdições reais.19 Esse sistema foi acolhido por quase todos os países que ado­ taram a língua inglesa, como o País de Gales, a Irlanda, os Estados Unidos, a Jamaica, a Nova Zelândia, a Austrália, parte do Canadá etc., porém não analisaremos o cumprimento imperfeito do con­ trato dentro de cada um desses Estados, mas tão-somente e de for­ ma muito panorâmica, dentro do direito inglês20 e do americano. Chamado originariamente na gíria normanda de comune ley, esse sistema representa o direito comum, em oposição aos costu­ mes de cada região, e baseia-se nas decisões dos juizes. Trata-se

(19)

Apesar de já existir um vasto sistema de tribunais locais na Ingla­ terra antes do século XIII, o sistema do common law só é assim considerado com o estabelecimento de tribunais centrais e um procedimento que os fizesse funcionar. John Cooke preleciona que, em 1307, as três cortes centrais, King’s Bench, Common Pleas e Enchequer, já estavam permanentemente estabelecidas em Lon­ dres, The common law, cit., p. 7.

(20)

Muito do que for aqui dito sobre o direito inglês se aplica à Escó­ cia, a Irlanda e ao País de Gales.

68

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

assim de um sistema que, apesar de conter leis (statutes e acts), é basicamente jurisprudencial. Dá-se a ele também o nome de doutrina do stare decisis et quieta non movere, posto que um tribunal deve respeitar e seguir as decisões anteriores por ele proferidas ou proferidas por tribu­ nais superiores sobre a mesma questão. O tema desenvolvido neste trabalho se encontra dentro do Law of contract, mais especificamente dentro do Breach of contract. Por sua vez, dentro do campo da rescisão contratual, encon­ tra-se a questão do descumprimento de cláusulas contratuais (contract terms), que na teoria clássica é dividida nos institutos da warranty e das conditions, sendo que a distinção básica está no fato de o primeiro permitir apenas o pedido de indenização e o segundo, também o direito de rescisão do contrato ou, no nosso caso específico, o direito de rejeitar a coisa ou o serviço (s. 11 (3) do Sale of Goods Act).21 2.7.1 A questão dentro do direito inglês Originariamente, a disciplina do contrato estava ligada de forma direta à idéia de dano, derivante da violação de uma pro­ messa; por conseguinte as noções de responsabilidade e de con­ trato assemelhavam-se.22

(21)

Numa visão mais moderna se inclui um terceiro tipo, chamado inominate ou intermediate terms (Atiyah. The sale of goods. 10.ed. Great Britain: Pearson Education/Longman, 2001, p. 75). A de­ finição da cláusula como uma warranty ou uma condition pode ser dada pelas partes ou pelos statutes (John Cooke, The common, cit., p. 258-259).

(22)

Guido Alpa. Contratto e common law. Padova: Cedam, 1987, p. 12.

DIREITO COMPARADO

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O cumprimento imperfeito no direito inglês, durante muito tempo, seguiu as linhas gerais do direito romano pré-clássico e clássico; o vendedor não tinha qualquer responsabilidade pelos vícios, salvo se tivesse dado expressa garantia sobre uma quali­ dade23 ou tivesse agido com dolo (fraud); nesses casos haveria a quebra do contrato (breach of contract).24 Isso não significava a completa ausência de preocupação quanto à honestidade nas transações, pelo contrário. Havia re­ gras para determinadas atividades, como a dos padeiros, barbei­ ros, tecelões, vendedores de peles e para as indústrias que come­ çavam a surgir. Os produtores foram obrigados, por exemplo, a incluir, nas mercadorias, suas marcas ou nomes, com vista a se­ rem mais facilmente identificados.25 Quanto à atividade comercial, só poderia ocorrer nas feiras e à luz do dia; só se comercializavam produtos que eram previa­ mente apresentados aos funcionários das feiras; os objetos no­ vos deveriam ser expostos em locais distintos dos usados; as rou­ pas de lã eram expostas em lugares diversos das roupas de lona, assim como o vinho do azeite, sempre para evitar confusão por parte do comprador.26 Contudo e apesar de tudo, até o final do século XIX, mais preci­ samente quando entra em vigor a Sale of Goods Act (1893), pre­ valecia a “lei do mercado” e nela a velha regra do caveat emptor.27

(23)

Segundo nos relata W. Hamilton, alguns dos termos que criavam a garantia eram: hoc ex condicione, warrantizavi, primisi e sub tali plevina (The ancient, cit.).

(24)

A. Rogerson, Implied warranty, cit., p. 113.

(25)

W. Hamilton, The ancient, cit., p. 1.148-1.149.

(26)

W. Hamilton, The ancient, cit., p. 1.145-1.147. (27)

Afirma Zimmermam que a common law e o direito romano tem em comum a adoção do princípio da caveat emptor, com a dife-

70

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Com o advento da norma citada, aumentaram-se às possibi­ lidades de rescisão contratual e os tribunais ingleses ampliaram as hipóteses de responsabilidade do vendedor. Esse Act, que segundo A. Rogerson se aplica apenas às ven­ das feitas por profissionais e sobre os bens que eles normalmente comercializam, não se aplicando às vendas de coisas usadas, so­ freu alterações, sobretudo em 1979, e posteriormente foi com­ pletado pela Sale and Supply of Goods Act, de 1994, e por um emendment, de 1995.28-29 A Sale of Goods Act que, segundo Zimmermam, teve ori­ gem na “regra de Pothier” e mais remotamente em Pomponius (D. 19.1.6.4),30 trata dos deveres do vendedor nas seções 13 e

rença de que o direito romano foi, desde os primeiros estágios, lentamente abandonando essa regra, enquanto no direito inglês, até o século XIX, ela foi aplicada pelos Tribunais (The law, cit., p. 306-307). Confirmando a aplicação dessa regra, A. Rogerson cita o caso Parkson v. Lee (1802), em que o tribunal inglês enten­ deu que era culpa do comprador não insistir com o vendedor por uma garantia. Por outro lado, o autor cita também outros julgados anteriores ao Sale of Goods Act nos quais se começava a abando­ nar as velhas regras. Assim, nos casos Gardiner v. Gray e Jones v. Bright (1815 e 1868, respectivamente) (Implied, cit., p. 113-114). (28)

Atiyah, The sale, cit., p. 3. A. Rogerson, Implied, cit., p. 114. Geraint Howells et al. Sustenta que nela se incluem os serviços governamentais (Consumer protection law, Aldershot, Dartmouth, 1995, p. 126).

(29)

O direito inglês é composto de várias outras normas que cuidam de um tema específico, como o Food Safety Act 1990, Weights and Measures Act 1985 e Trade Description 1968; em decorrên­ cia da limitação que somos forçados a adotar, nos restringeremos às normas principais.

(30)

Zimmermann, The law, cit., p. 336.

DIREITO COMPARADO

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14, sendo vedado às partes qualquer disposição em contrário (sec. 6 do L'Unfair Contract Terms Act, de 1977). Essa norma inclui cláusulas em todo o contrato de compra e venda de coisas corpóreas, obrigando o alienante a: a) entregar mercadorias que correspondam à sua descrição; b) entregar mer­ cadorias que sirvam a suas destinações; e c) entregar mercado­ rias que tenham qualidades satisfatórias. As implied terms, como assim são chamadas, incluem-se dentro da categoria das conditions, o que significa que os tribu­ nais não poderão fazer uso das intermediate term, desenvolvidas pelo common law.31 Na primeira obrigação, o produto deve corresponder a sua descrição mesmo que não se trate de bem genérico (s. 13(3)). Todavia, os tribunais ingleses têm interpretado essa regra com restrição. Afirma Lord Diplock, no caso Ashington Piggeries v. Christopher Hill, que “the description by which unascertained goods are sold is (...) confined to those words in the contract which were intended by the parties to identify the kinds of goods suplied”.32 Ainda dentro dessa idéia restritiva, também não é conside­ rado como descrição do produto, portanto não vincula o vende­ dor, o exagero utilizado na publicidade, através das palavras e dos sinais, isso para enfatizar determinadas qualidades do produto ou do serviço (puffs).33

(31)

As implied term podem ser classificadas como: terms implied in fact, terms implied in law e terms implied by custom or out of business practice (Cooke, The common law, cit., p. 145 e segs.; 553).

(32)

1990, 1ALLER737 (apud Geraint Howells, Consumer, cit., p. 125).

(33)

John Cooke, The common law, cit., p. 553, e Atiyah, The sale, cit., p. 267.

72

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Servir a sua destinação significa que o produto deverá ser útil ao seu fim comum, ou a um objetivo específico, desde que tenha o vendedor tomado conhecimento, expresso ou tácito. Diz-se que um produto tem satisfactory quality quando al­ cança um nível que uma pessoa razoável (reasonable person) consideraria como satisfatório, levando em consideração as des­ crições feitas, o preço (quando relevante) e outras circunstâncias (s. 14(2A), Sale of Goods Act). No que toca às descrições feitas, são elas extremamente importantes para a definição da qualidade; assim, quando se compra um produto descrito como second-hand (segunda mão), não se pode esperar dele as mesmas qualidades de um produto novo. Em relação ao preço, e como preleciona Geraint Howells, a princípio, não deve ser levado em consideração na definição de qualidade satisfatória, porque o fato de uma pessoa pagar menos por um produto não significa que ele deva ser de baixa qualida­ de; por outro lado, será relevante se a pessoa pagou um determi­ nado preço esperando uma qualidade superior.34 Não se aplicam as regras retro indicadas se o adquirente teve oportunidade de vistoriar a coisa e nela constatou, ou pelo me­ nos deveria ter constatado, o vício (s. 14(2C)(b)). Não só em relação à qualidade deve o vendedor respeitar o contrato. Nos termos da s. 30, ele deve cumprir sua obrigação na quantidade previamente estabelecida.

(34)

Geraint Howells et al., Consumer, cit., p. 135. No mesmo senti­ do, John Cooke afirma que “if the item sold is a Range Rover costing £ 40.000, then a higher standard of quality will be imposed than in the case of a much cheaper car” (The common law, cit., p. 243).

DIREITO COMPARADO

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Sendo entregue quantidade inferior ao combinado, terá o adquirente direito de rejeitar a coisa, porém, se conscientemente a aceitou, pagará o valor combinado. Os tribunais ingleses costumam interpretar essa norma em confronto com o princípio do minimis non curat, ou seja, nas re­ lações envolvendo particulares ou comerciantes, não se permite a alegação de descumprimento contratual quando a diferença (de quantidade) é mínima.35 Tratando-se de vício nos produtos, a responsabilidade do vendedor é objetiva (strict liability), sendo responsável indepen­ dentemente de sua negligência. A Sale of Goods Act, entretanto, não afastou por completo a regra do caveat emptor, deixando claro na s. 14(1) que, exceto as hipóteses já mencionadas, não há cláusula implícita de garantia de qualidade ou adequação. No escólio de Zulueta, no direito inglês moderno cabia ao comprador analisar bem a coisa ou estipular cláusula expressa de garantia. Dizia que na venda de coisas móveis a garantia nas­ cia dos statutes (Sale of Goods Act), enquanto na venda de bens imóveis dependia da commom law e da equity. Quanto aos bens imóveis (terra), dizia que o defeito só poderia ser alegado quan­ do interferisse no gozo prometido no contrato.36 Ocorrendo uma das situações mencionadas o comprador/ usuário poderá rejeitar a coisa (s. 30), pedir a rescisão do contra­ to ( breach) ou ainda pleitear indenização pelos danos sofridos.37

(35)

Esse princípio veio a ser positivado pela Sale and Suplly of Goods Act de 1994, s 15(a) e 30(2A).

(36)

Zulueta, The roman law, cit., p. 47-48.

(37)

O direito inglês não prevê a ação redibitória, fundindo-a com a ação resolutória (Alpa et al., Inadempimento, rimedi, effeti della

74

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Rejeitando o bem, terá o adquirente direito à devolução de todo o numerário pago, e, tratando-se de arrendamento, será cal­ culado um valor entre o prejuízo sofrido pelo arrendatário e even­ tual utilização da coisa.38 Nos termos da s. 36 do Sale of Goods Act, não tem o adqui­ rente, em caso de não-aceitação do bem, a obrigação de provi­ denciar a devolução da coisa ao vendedor, bastando comunicar ao alienante seu não-interesse em mantê-la. O direito de rejeitar a coisa, entretanto, deixa de existir se o adquirente não o exercer dentro de um período razoável. Novamente não dá a Act o significado de reasonable time e, segundo Atiyah, as cortes não chegaram a uma conclusão no to­ cante a qual seria esse lapso temporal, principalmente quando se trata de uma relação de consumo, visto que poucos desses casos são levados à apreciação do Poder Judiciário local. Em relação à compra e venda de veículos, entendeu-se em Bernstein v Pamson Motors (Golders Green) Ltd., por exem­ plo, que o comprador havia perdido o direito de rejeitar o bem em decorrência de um defeito, pois já estaria com o carro há três semanas. Restou ao consumidor, apenas, o pedido de in­ denização.39

risoluzione nella venditta internazionale di cose mobeli (Convenzione di Vienna, marzo 1980) Il Foro Italiano, 1980, p. 250). Geraint Howells e John Cooke admitem, em princípio, a rescisão ou a rejeição do produto, mesmo que o vício seja de pe­ quena monta; porém o primeiro autor afirma que recentes restri­ ções a esse direito do consumidor vêm sendo impostas (Consumer, cit., p. 123; The common law, cit., p. 259). (38)

Geraint Howells, Consumer, cit., p. 151-152.

(39)

Atiyah, The sale, cit., p. 522.

DIREITO COMPARADO

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A alegação de quebra do contrato de compra e venda entre particulares (incluindo vício de qualidade e quantidade), como já tivemos oportunidade de mencionar, está limitada às hipóte­ ses em que o cumprimento imperfeito é relevante. Nesse senti­ do, John Cooke afirma que “if there is a slight breach of the implied terms of quality or quantity in a sale of goods contract and it would be unreasonable to reject them, the court may regard the breach as only giving rise to a right to damages”. Entretanto, se a relação jurídica envolver uma relação de consumo, qualquer descumprimento contratual, por mais insig­ nificante que seja, dá ensejo à rescisão.40 Sendo pedida indenização, a s. 53(2) do Sale of Goods Act (1979) prevê que o valor será calculado levando em considera­ ção a situação do credor se o contrato tivesse sido devidamente cumprido, o que significa que receberá o valor relativo à diferen­ ça entre o que pagou e aquilo que o bem vale no estado em que se encontra, o que também não será diferente do valor necessário para sanar o vício. Poderá ser pedida ainda indenização por outros danos sofri­ dos, como os danos emergentes e os danos decorrentes de aci­ dente de consumo (fato do produto). Dentro do primeiro tipo de dano e partindo da idéia de que os danos eram previsíveis pelas partes no momento da elabora­ ção do contrato, entendeu-se, por exemplo, que a vendedora de um carro novo era responsável pelos danos causados pela sú­ bita parada do veículo no meio da estrada. Nesse caso, a ré foi condenada a ressarcir as despesas do transporte utilizado para os passageiros voltarem à residência, o gasto com a gasolina

(40)

Atiyah, The sale, cit., p. 85, e John Cooke, The common law, cit., p. 259.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

desperdiçada e as despesas decorrentes do não-uso do carro, en­ quanto estava no conserto (Bernstein v. Pamson Motors (Golders Green) Ltd.).41 O segundo tipo de dano está hoje regulamentado pela pri­ meira parte do Consumer Protection Act de 1987,42 que cria uma responsabilidade do produtor pelos danos causados pelo defeito do produto, sem que haja necessidade de se provar a sua culpa. Não se admite, em regra, indenização pelos aborrecimen­ tos decorrentes do descumprimento contratual. Costuma-se di­ zer que o desapontamento, a angústia e a mágoa são sentimentos normais do ser humano, que fazem parte do dia-a-dia, devendo saber o homem lidar com eles.43 Todavia, em algumas tribunais, principalmente de “primeira instância”, há decisões conceden­ do indenização por dano moral quando ocorre vexame, desapon­ tamento e angústia.44 O pedido de cumprimento forçado (compulsory performance), apesar de teoricamente possível (s. 52), não é, regra geral, utilizado, sendo mais comum o pedido de indenização. Mesmo pedindo a execução específica, os tribunais somente a acolherão quando a indenização se mostrar inadequada para compensar o descumprimento contratual (há grande dúvida so­ bre o conceito de inadequada) ou quando se objetivar dimi­

(41)

Atiyah, The sale, cit., p. 551-552.

(42)

Essa norma também é aplicada na Escócia.

(43)

John Cooke, The common law, cit., p. 174.

(44)

Atiyah cita o caso Jackson v. Chriysler Acceptances Ltd., em que um carro novo foi comprado e logo em seguida usado para uma viagem de férias. O veículo quebrou no meio do caminho e a ré foi condenada a pagar danos morais ao adquirente (The sale, cit., p. 551-552).

DIREITO COMPARADO

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nuir o poder do devedor, cuja indenização por descumprimento o beneficia.45 Nesses termos a Corte de Apelação rejeitou o pedido de cum­ primento forçado referente à entrega de uma máquina, mesmo levando em consideração que era um produto de 220 toneladas, com preço de £ 270.000 e que só poderia ser adquirida no merca­ do com um prazo de espera entre nove e doze meses.46 Todas essas ações devem ser propostas dentro de um prazo determinado (limitation), prazo este definido em leis (aqui o Limitation Act 1980 e a Consumer Protection Act, de 1987). Na omissão, perde-se o direito de propor a ação, e não o direito em si.47 Tratando-se de breach of contract, nos termos da seção 5 do Limitation Act, de 1980, o prazo da ação será de seis anos, a con­ tar do efetivo descumprimento contratual.48 Se o pedido for de indenização por defeito do produto (fato do produto), o prazo será de três anos, nos termos da s. 11A(4)(a). Quando o objeto da prestação for uma obrigação de fazer pura ou em conjunto, porém de forma secundária, com a entrega de algo (com exceção das relações de trabalho), os contratos se­ rão regidos pela Suply of Goods and Services Act, de 1982.

(45)

Hugh Collins. The law of contract. London: Weindenfeld and Nicolson, 1986, p. 180, 192-193 e 197, e John Cooke, The common law, cit., p. 263-271.

(46)

Societe des Industries Metallurgiques SA v. Bronx Engineering Co Ltd (1975) 1 Lloyd’s Rep 465 (apud Atiyah, The sale, cit., p. 560-562).

(47)

O Limitation Act de 1980, não se aplica aos casos de specific performace (s. 36(1)).

(48)

Não se incluem aqui alguns contratos especiais, como os under seal, que têm um prazo de doze anos (John Cooke, The common law, cit., p. 353).

78

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Essa última norma citada também inclui em todos os con­ tratos, praticamente de forma idêntica à norma que regula os contratos de compra e venda, uma implied term em relação à quantidade e à qualidade, o que cria certa uniformidade de tra­ tamento.49 Há, todavia, uma diferença básica e relevante, pois a lei de 1982 obriga o prestador do serviço a agir com atenção e cuidado (s. 13). Significa dizer que nos contratos envolvendo prestação de serviços estaremos diante de uma responsabilidade mediante culpa, e não mais de uma responsabilidade objetiva; o prestador cumprirá sua obrigação se agir com razoável habilidade.50 O que é “razoável habilidade” é questão delicada, que será apreciada em cada caso concreto, porém os tribunais ingleses têm entendido que ela deve ser observada através de um conceito geral (reasonable man) e não específico do prestador de serviço. Nes­ ses termos em Jones v. Bird (1822) 5B & Ald 837, entendeu-se que a inexperiência do prestador de serviço é irrelevante, sendo responsável pelo descumprimento contratual se, apesar de ter agido da melhor forma possível, ainda agiu abaixo da habilidade média existente no mercado.51 Havendo o breach of contract o contratante poderá, em re­ gra, optar entre uma ação fundada na responsabilidade contra­ tual e uma ação fundada na responsabilidade extracontratual, já que elas são em muitos casos concorrentes.52 Em relação aos serviços, como regra, também não se fala em indenização pelo simples cumprimento imperfeito do con­

(49)

Atiyah, The sale, cit., p. 11, 22-28.

(50)

Geraint Howells et al., Consumer, cit., p. 123.

(51)

Apud John Cooke, The common law, cit., p. 575.

(52)

John Cooke, The common law, cit., p. 572.

DIREITO COMPARADO

79

trato, porém algumas exceções são abertas, permitindo a conces­ são do exemplary damages em casos de descumprimento con­ tratual, por exemplo, de viagem e serviço de fotógrafos para ca­ samentos.53 2.7.2 A questão dentro do direito americano O sistema americano do common law não foi, inicialmente, de utilização ampla, apesar de ser, segundo ficou decidido no Calvin ’s case, o direito aplicável. Depois de muita discussão sobre qual dos sistemas jurídi­ cos (romano-germano ou common law) devia-se adotar, preva­ leceu, no final do século XVIII e começo do século XIX, o se­ gundo, com exceção do Estado da Louisiana, que optou pelo di­ reito francês/espanhol e a codificação. É importante que se diga que essa norma de 1870 no que se refere às vendas, sofreu considerável alteração em 1993 pelo Act 841. Quanto ao vício redibitório, foram reconhecidas as garantias expressas e implícitas, como a de entregar mercadorias que sir­ vam a sua destinação normal, bem como o prazo para propositu­ ra da ação foi alterado. Tratando-se de vendedor que desconhe­ cia o vício, o prazo passou de um para quatro anos, a contar da entrega da coisa, ou de um ano, a contar da descoberta do vício. No mais, ele segue as linhas dos demais códigos baseados no sis­ tema romano-germano. Assim, por exemplo, o art. 2.520 define

(53)

Jarvis v. Swans tours Ltd (1973) QB 233, Jackson v. Horizon Holidays Ltd (1975) IWLR 1468 e Diesen v. Samson (1971) SLT 49 (apud Geraint Howells, Consumer, cit., p. 153). Admitindo a indenização nas hipóteses de serviços ao consumidor e com in­ dicação de outros julgados, v. John Cooke, The common law, cit., p. 175.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

vício e prevê as ações redibitória e estimatória; o art. 2.545 prevê a responsabilidade do vendedor pelos danos do adquirente, bem como a devolução da importância paga, com juros a contar da data do desembolso, se tinha conhecimento do vício e não o informou. No mais, o direito adotado nos Estados Unidos da América, apesar de ter por base o direito inglês, não é idêntico a este. Ensi­ na Lawrence M. Friedman que no período colonial o direito era formado por três elementos. O primeiro consuetudinário (folklaw), assemelhado ao direito inglês da época; o segundo caracte­ rizado por normas e costumes indígenas e o terceiro caracteriza­ do pela adoção de normas de cunho ideológico e religioso.54 Possui características particulares, com maior influência do direito continental europeu.55 Varia de Estado para Estado, já que há entre eles uma considerável autonomia jurídica. O direito americano, em comparação ao inglês, possui uma quantidade superior de statutory law, a ponto de alguns dize­ rem que o direito escrito passou a ser a primeira fonte do direito americano.56 No que tange à proteção do adquirente em relação à aquisi­ ção de um produto ou serviço, podemos dizer que era, inicial­ mente, superficial, prevalecendo a regra do laisses-faire. É verdade que os Estados adotaram algumas medidas que visavam resguardar o comprador, como a proibição de etiquetas com informações falsas e a proibição de venda de produtos adulte­

(54)

Lawrence M. Friedman, Storia, cit., p. 31.

(55)

René David. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 363.

(56)

Guido Calabresi. A common law for the age of statutes. Cambrige: Harvard University Press, 1982, p. 5, apud Rubén S. Stiglitz. Con­ tratos: teoria geral. Buenos Aires: Depalma, 1990, vol. I, p. 52.

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rados;57 todavia, não existiam mecanismos para impor as penas previstas, esperando-se, simplesmente, que as normas fossem respeitadas.58 Conta-nos Friedman que, logo após a criação do Estado da Califórnia, um grupo de advogados fez um pedido à Assembléia Legislativa para que mantivesse o sistema romano-germano, já que trazia maior proteção aos adquirentes. A Comissão, rejeitando o pedido, disse que deveria prevale­ cer para o direito comercial o common law, já que dava aos contra­ tantes maior liberdade de agir, respeitando suas vontades. Disse ainda que a regra da garantia referente aos vícios redibitórios prevista no direito continental - era perigosa e por esse motivo o co­ mércio dos países do civil law era tímido, preguiçoso e morto.59 Dentro desse espírito de proteção ao comércio, o problema da garantia (warranty) era solucionado com os mesmos princí­ pios adotados na Inglaterra, ou seja, aplicava-se a doutrina do caveat emptor. Uma das poucas exceções era a existência de ga­ rantia expressa dada pelo vendedor. Esse fato pode ser constatado pelo leading case Seixas and Seixas v. Woods (N. Y. 1804), em que se negou ao comprador qual­ quer direito em face da venda ter sido realizada sem garantia expressa (formal warranty).60 Também num clássico julgado da Pennsylvania (MacFarland v. Newman - 1839) referente à compra e venda de

(57)

Assim, por exemplo, no Estado de Massachusetts somente o “óleo de baleia pura” podia ser vendido com o nome de óleo de baleia (apud Lawrence Friedman, Storia, cit., p. 180).

(58)

Lawrence Friedman, Storia, cit., p. 180).

(59)

Lawrence Friedman, Storia, cit., p. 263.

(60)

Apud W. Hamilton, The ancient, cit., p. 1179.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

um cavalo com problema de saúde, decidiu o tribunal que aquele que é ingênuo a ponto de contratar, sem um preciso conhecimen­ to do negócio, não é digno de uma tutela jurídica.61 Somente no final do século XIX e começo do século XX, com o advento da produção e do consumo em massa, é que pas­ sam os tribunais americanos - apoiados depois por normas es­ critas - a entender que os produtos vendidos sem inspeção de­ vem ter a qualidade média de seus similares; que as mercadorias compradas para fins específicos, com o conhecimento do vende­ dor, devem servir ao fim desejado e que, nas vendas por amostra, a mercadoria entregue deve ter as mesmas características da mercadoria apresentada. Em outras palavras, admite-se com maior facilidade a idéia de garantia tácita.62 Nesses termos, ao lado das garantias expressas - definidas no Uniform Commercial Code (§ 2-213) como as afirmações de fatos, promessas e descrições feitas pelo vendedor ao compra­ dor, relacionadas com a coisa e que se tornem parte da base negocial63 -, passam a existir as implied warranty, as quais, com seus fundamentos em “leis”, dividem-se em três espécies. A primeira garantia implícita está ligada às qualidades co­ muns ao tipo de objeto negociado. A chamada merchantable quality (§ 2-314 do UCC) impõe ao vendedor o dever de entregar mercadoria com a qualidade normalmente esperada em relação

(61)

Lawrence Friedman, Storia, cit., p. 264.

(62)

Lawrence Friedman, Storia, cit., p. 554-555.

(63)

Não se exige que constem os termos “warranty” ou “guarantee”, mas as afirmações do vendedor sobre o valor da coisa ou sua opi­ nião sobre ela não criam a garantia (Robert Summers e Robert Hillman. Contract and related obligation: theory, doctrine, and practice. Minnesota: West Publiching Co., 1987, p. 172).

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àquele produto. Por exemplo, o fogão vendido deve funcionar corretamente e o salto de um sapato não pode cair após algumas semanas de uso normal.64 Pela implied warranty of fitness for a particular purpose (§ 2-315 do UCC) o vendedor que, no momento da transação, tiver base para saber para que o comprador está adquirindo o bem, agindo de forma a fazê-lo acreditar na sua habilidade ou julga­ mento na indicação do melhor produto, assume a responsabili­ dade pela garantia.65 Assim, um determinado tênis é normalmente usado para caminhadas, porém o vendedor pode ter conhecimento de que o comprador deseja um calçado para escalar montanhas, respon­ dendo nesse caso pela inadequação do produto ao fim visado. Por último, temos a garantia implícita ligada à adequação do bem com as descrições dadas pelo vendedor ou constantes em rótulos, embalagens ou materiais promocionais, bem como a adequação com a amostra apresentada (match the description or sample). Nesses termos, se tiver constando que o sapato é apro­ priado para andar na chuva, ele deve ter essa qualidade.66 Com exceção dos Estados do Alabama, Connecticut, Kansas, Maine, Maryland, Massachusetts, Minnesota, Mississipi, New Hampshire, Vermont, Washington, West Virginia e District of Columbia, costuma-se permitir que as garantias implícitas pos­ sam ser excluídas, desde que isso conste do contrato e o compra­

(64)

No Estado da Virginia, o tema é tratado no Art. 2.° da Seção 714 do Capítulo 46 do West Virginia Code.

(65)

Esta garantia também passou a existir no Estado da Louisiana, através da nova redação do art. 2.524.

(66)

No Estado da Louisiana, esta garantia passou a existir através da nova redação do art. 2.529 do Código Civil.

84

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

dor seja devidamente informado, de forma inconteste, da ausên­ cia de responsabilidade do vendedor ou fabricante.67 Pelo Uniform Commercial Code o adquirente pode rejeitar a coisa, desde que dentro de um prazo razoável após a entrega (§ 2-602), com direito à devolução do valor pago e indenização pelos danos sofridos (§ 2, partes 6 e 7). O prazo para a propositura da ação por quebra da garantia varia de Estado para Estado, porém, em média, é de quatro anos, contados da data da aquisição do produto.68 Com o Federal Trade Commission Improvement Act, mais conhecido pelo nome de seus proponentes Magnuson-Moss Act (1975), amplia-se a proteção do consumidor. Essa norma, apli­ cável somente na venda de produtos novos, sem fins comerciais, possibilita a garantia contratual por escrito, classificando-a em garantia total (full warranties) e em garantia parcial (limited warranties). A primeira, que não pode sofrer limitação, possibilita a re­ paração ou substituição do produto viciado. Deve ser considera­ da como garantia total aquela que preencher, no mínimo, cinco requisitos, a saber: 1. Do not limit the duration of implied warranties. 2. Provide warranty service to anyone who owns the product during the warranty period; that is, do not limit coverage to first purchasers.

(67)

Apud site .

(68)

. Pelo Uniform Commercial Code o prazo também é de quatro anos (§ 2-725).

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3. Provide warranty service free of charge, including such costs as returning the product or removing and reinstalling the product when necessary. 4. Provide, at the consumer’s choice, either a replacement or a full refund if, after a reasonable number of tries, are unable to repair the product. 5. Do not require consumers to perform any duty as a precondition for receiving service, except notifying the seller that service is needed, unless the seller can demonstrate that the duty is reasonable.69 A segunda pode sofrer limitação, desde que sobre o pro­ duto haja informação de que se trata de produto com “garantia parcial”.70

(69)

.

(70)

Apud Guido Alpa, Contratto, cit., p. 118.

3 O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Com a nossa independência em setembro de 1822, mandouse aplicar no Brasil, até que se organizasse um novo Código, as Ordenações, leis e decretos promulgados pelos reis portugueses até 25.04.1821.1 O primeiro Código nacional relativo ao direito privado foi o Código Comercial, publicado em 01.07.1850, e dele constavam, nos arts. 211 a 213, normas sobre o vício redibitório nas compras e vendas.

(l)

Consta da lei de 20.10.1823 que: “as Ordenações, leis, regimen­ tos, alvarás, decretos e resoluções promulgados pelos rêis de Por­ tugal, e pelas quais o Brasil se governava até o dia 25 de abril de 1821, em que S. M. Fidelíssima, atual Rei de Portugal e Algarves se ausentou desta Corte, e todas as que foram promulgadas da­ quela data em diante pelo Sr. D. Pedro de Alcântara como regente do Brasil enquanto Reino, e como Imperador Constitucional dele, que se erigiu em Império, ficam em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas, para por elas se regularem os negó­ cios do interior do Império, enquanto se não organizar um novo código, ou não forem especialmente alteradas” (W. M. Ferreira. História do direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1952, t. II, p. 330).

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Segundo Carvalho de Mendonça, esses dispositivos tiveram como fonte os arts. 370 e 371 do Código Comercial espanhol de 1829, fazendo, porém, uma fusão nas duas situações previstas no direito ibérico, relativas à falta de quantidade e qualidade.2 Antes da publicação do Código Civil, e diante das inúmeras leis já existentes à época, entregou-se a Teixeira de Freitas, em 1855, a tarefa de consolidar as normas civis, concluindo-a o au­ tor em 1858. No ano seguinte deu-se ao mesmo autor a tarefa de elaborar um projeto do Código Civil - projeto este que serviu de modelo para Vélez Sarsfield na elaboração do Código Civil argentino. Nesse trabalho, o vício era tratado nos arts. 3.581 e seguintes. Previa o art. 3.581 que: “São vícios redibitórios em geral (art. 3.504) os defeitos ocultos da coisa, cujo domínio, uso e gôzo, transmitiu-se por título oneroso, existentes ao tempo da aquisi­ ção: 1.° Se a fizerem inútil para o uso e gôzo de seu destino pró­ prio. 2.° Se por tal modo diminuírem êsse uso e gôzo, que o adqui­ rente, se os conhecera, não a teria adquirido, ou por ela teria dado menos” (grafia original).3 Após esse projeto outros foram encomendados, como os de Felício dos Santos, Coelho Rodrigues e Clóvis Beviláqua, mas

(2)

J. X. Carvalho de Mendonça. Tratado de direito comercial bra­ sileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1947, Livro 4, parte II, t. IV, p. 85.

(3)

Consta do art. 2.154 do Código Civil argentino: “Son vicios redhibitorios los defectos ocultos de la cosa, cuho dominio, uso o goce se transmitió por título oneroso, existentes al tiempo de la adquisición, que la hagan impropia para su destino, si de tal modo disminuyen el uso de ella que a habertos conocido el adquirente, no la habría dado menos por ella”.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

apenas o último teve êxito, e após longa tramitação legislativa, converteu-se no nosso primeiro Código Civil. Essa lei, publicada em janeiro de 1916 com um ano de vacatio legis, foi fortemente influenciada pelo direito francês, alemão e italiano, e conseqüentemente, pelo direito romano. Nela (arts. 1.101 a 1.106), o legislador previa que o vício redibitório poderia existir em todos os contratos comutativos, inclusive nas doações com encargo, e se caracterizava pela exis­ tência de defeito oculto, que tomasse a coisa imprópria ao uso ou lhe diminuísse o valor. Deixava claro que a responsabilidade pelo vício independia de culpa do alienante, salvo cláusula em contrário ou para a co­ brança da indenização pelos prejuízos sofridos. Por último, excluía a responsabilidade do vendedor quando a venda tivesse sido realizada em hasta pública. Já dentro do capítulo relativo à compra e venda e para as tran­ sações envolvendo bens imóveis, cujo preço tivesse sido fixado por medida de extensão, permitia a complementação da área, o abatimento do preço ou a rescisão do negócio, se a área não correspondesse às dimensões dadas (art. 1.136). Mais tarde, buscou-se a alteração das regras do vício redibitório por meio do anteprojeto de Código das Obrigações de autoria de Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, porém sem sucesso. Deixando de lado as tentativas legislativas que existiram, podemos afirmar que, em relação aos vícios redibitórios, em duas oportunidades distintas foram as Ordenações revogadas. Pri­ meiramente, no âmbito do direito comercial, com a publicação do Código Comercial em 1850; por sua vez, o art. 1.807 do Có­ digo Civil veio a revogar o tema no âmbito das relações civis.

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Já em 1990 e sob a influência das normas do direito comu­ nitário europeu e do direito americano, outra norma é editada para regular as relações de consumo (Lei 8.078), trazendo o diploma regras mais modernas, em harmonia com a realidade. Muita confusão há sobre a incidência dessa lei, não sendo raro encontrar opiniões doutrinárias e decisões judiciais contra­ ditórias, seja em relação a sua aplicação nas relações puramente civis, seja quanto à possibilidade de aplicação simultânea com as normas do Código Civil, o que, salvo melhor juízo, e como vere­ mos, não pode ocorrer.4 O Código de Defesa do Consumidor retirou dos Códigos Comercial e Civil parte das relações por eles tratadas; essas rela­ ções excluídas dos antigos ordenamentos passaram a ser deno­ minadas relações de consumo. Para que haja relação de consumo é imprescindível à exis­ tência conjunta de três elementos: o consumidor, o fornecedor e, ligando os dois sujeitos indicados, um produto ou um serviço. O legislador, facilitando o trabalho do exegeta, deu o con­ ceito de consumidor, e o fez em quatro oportunidades distintas: primeiro criou um conceito-padrão no art. 2.°, caput, e três ou­ tros conceitos, por equiparação, no parágrafo único do art. 2.° e nos arts. 17 e 29.

(4)

Na ApCiv 777.372-4, o 1.° TACivSP confirmou sentença que havia julgado procedente uma ação redibitória com base, conjun­ tamente, nos arts. 1.103 do CC de 1916 e 18, § 1.°, do CDC. Con­ cordamos com a decisão proferida pela 7.a Câm. de Direito Pri­ vado do TJSP, que entendeu haver relação de consumo na transa­ ção feita para dissolução de sociedade de fato em que um dos sócios recebeu em dação em pagamento cento e três eqüinos do haras que pertencia à sociedade e que comercializava cavalos (ApCiv 13.102-4/0).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Pelo conceito-padrão, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destina­ tário final. Deixou claro o legislador que a pessoa jurídica também pode ser consumidora, não fazendo qualquer restrição ao tipo de ente moral. Assim, discordamos de qualquer posiciona­ mento que limite às pessoas jurídicas sem fins lucrativos esse conceito. Também ousamos discordar daqueles que fundamentam uma interpretação restritiva da norma, deixando de aplicar às pessoas jurídicas a Lei 8.078/90, sob o argumento de que elas não seriam vulneráveis ou hipossuficientes.5 Partem esses estudiosos, com todo respeito, de uma falsa premissa, já que a realidade brasileira é bem diferente da que tal­ vez idealizem ou da que exista em outros países. Ser uma pessoa jurídica não significa ter ampla capacidade técnica ou econômi­ ca; talvez esta situação seja exceção. Segundo reportagem publicada na revista Veja as pequenas empresas compõem 99,3% do total de estabelecimentos comer­ ciais e industriais no Brasil. As pequenas (com até 99 funcioná­ rios) empregam 36% do total de trabalhadores; as médias (com até 499 funcionários) 18%; as grandes (com mais de 500 funcio­ nários), 46%.6

(5)

Dentro da corrente finalista há autores que admitem a aplicação do CDC às pessoas jurídicas, desde que caracterizada sua vulne­ rabilidade (Maria Antonieta Zanardo Donato. Proteção ao con­ sumidor: conceito e extensão. São Paulo: RT, 1994, p. 131-132, e Claudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 200).

(6)

Revista Veja, Abril, n. 1745, p. 89, 03.04.2002.

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Quantas não são as pequenas e médias empresas existentes no nosso território que se esforçam para pagar os salários men­ sais de seus funcionários ou os tributos cobrados pelo Estado? Quantas não são as empresas, até de médio porte, que não pos­ suem corpo técnico capaz de avaliar todos os contratos firmados e os bens e serviços adquiridos ou utilizados? Dentro desse raciocínio, será para nós consumidor toda pes­ soa jurídica que adquirir ou utilizar bem ou serviço sem recolocálos no mercado ou sem destiná-los diretamente ao objeto de sua atividade comercial.7 Sempre com o intuito de facilitar o raciocínio, podemos dar os seguintes exemplos: a montadora de veículos que adquire apa­ relhos de ar condicionado para a sala de seus diretores é consu­ midora nessa relação jurídica, assim como a instituição financeira o é quando contrata serviço de segurança para suas agências ban­ cárias (a segurança não é a atividade direta dela, mas um dever acessório). Por sua vez não será consumidora (pelo menos nos termos do art. 2.°) a montadora de veículos que adquire pneus para equipar os automóveis que vende, nem tampouco a empre­ sa de dedetização que adquire produtos químicos para a realiza­ ção de seus serviços.8

(7)

Também nesse sentido Arruda Alvim et al., Código do Consumi­ dor comentado. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 27-28.

(8)

Em sentido contrário ao por nós defendido, o 2.° TACivSP enten­ deu que, “se a pessoa jurídica adquiriu o veículo para utilizá-lo em sua atividade-fim, passando a integrar o ativo fixo da empre­ sa, inexiste relação de consumo, daí por que inaplicáveis as re­ gras do Código de Defesa do Consumidor, inadmitindo-se, por­ tanto, a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6.°, VIII, da Lei 8.078/90, em ação de rescisão de contrato de compra e venda por vício redibitório” (AgIn 589.594-00/0 - 1.a Câm. - j. 13.09.1999, rel. Juiz Renato Sartorelli, RT 771/288).

92

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Claro também está que consumidor não é só aquele que ad­ quire o produto ou o serviço, mas também aquele que o utiliza. Se uma pessoa recebe um bem ou um serviço de presente, ela será consumidora.9 Irrelevante o fato de não ter sido a pessoa quem firmou o contrato e pagou o valor estabelecido. Nesses termos, se alguém pactuar com um hospital a prestação de serviços para um tercei­ ro e assumir a obrigação do pagamento, esse terceiro também será considerado consumidor, já que é o beneficiário direto do serviço. O ponto crucial e que permitiu grande debate é o requisito da destinação final, previsto no caput do art. 2.° do CDC. A expressão “destinatário final” gera divergência; todavia, analisando a origem etimológica da palavra “consumidor”, veri­ fica-se que ela vem do latim consummato, que significa acabador, o que aperfeiçoa.10 Assim, a expressão “destinatário final” ape­ nas reforça a tese de que o consumidor é o elo final da corrente do processo econômico, ou seja, aquele que com o produto ou ser­ viço dá satisfação às necessidades pessoais, familiares e/ou profissionais. Sobre o tema formaram-se duas correntes doutrinárias: a maximalista e a finalista. Para o segundo grupo necessário uma interpretação restrita do termo, não permitindo que se amplie demasiadamente o con­ ceito de consumidor, abrangendo pessoas que não precisariam da proteção legal. Consumidor então seria aquele que retira do

(9)

(l0)

Em sentido contrário, Eduardo Gabriel Saad. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 58. Nicolau Firmino. Dicionário latino português. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, p. 133.

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mercado o bem ou o serviço não só de forma fática, mas também econômica. Dentro desse rol estariam apenas as pessoas que ad­ quirem ou utilizam algo para si ou sua família, aqueles que não são profissionais. Por outro lado temos a corrente maximalista, que, como o nome deixa claro, amplia o conceito de consumidor, incluindo todos aqueles que são os destinatários fáticos do produto ou ser­ viço, aqueles que utilizam os produtos ou serviços para satisfa­ ção das necessidades da sua profissão e da sua empresa. Os adep­ tos desse pensamento, na lição de Claudia Lima Marques, vêem nas normas do Código de Defesa do Consumidor o novo regula­ mento do mercado de consumo, como um código geral de con­ sumo, um código para a sociedade de consumo.11 Pelo que já expusemos anteriormente, patente está nossa preferência pela primeira corrente doutrinária, a maximalista. O caput do art. 2.° do CDC omitiu a figura do ente despersonalizado, como consta do conceito de fornecedor do art. 3.°. Sur­ ge então a dúvida se tais entes podem ser conceituados como consumidores. A doutrina nos traz exemplos de entes despersonalizados; assim o condomínio, a família, a massa falida, o espólio a socie­ dade de fato etc. Acreditamos que a resposta pode ser obtida pela análise do parágrafo único do mesmo dispositivo, já que nele é consumidor por equiparação toda a coletividade de pessoas determinadas. Tendo em mente todas as idéias que inspiraram a criação de normas como as do CDC e os princípios nelas inseridos, não há como negar a um condomínio vertical, por exemplo, nas relações

(l 0)

Claudia Lima Marques, Contratos, cit., p. 142.

94

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jurídicas em geral, e preenchidos os demais requisitos da Lei 8.078/90, o direito de socorrer-se dessa norma.12 Decidiu o 1.° TACivSP que, “na relação jurídica estabele­ cida entre as partes, de um lado está o Condomínio, que deveria receber como consumidor os serviços de reforma no prédio onde está instalado e como especificados no contrato, e de outro a for­ necedora destes serviços, que os prestaria, caracteriza, portanto, típica relação de consumo, com proteção do CDC” (11.a Câm., ApCiv 821.263-3-SP, rel. Juiz Antonio Marson, j. 24.05.2001, v.u., Bol. AASP 2250/2.131). O terceiro conceito de consumidor é encontrado no art. 17, onde se define consumidor, por equiparação, a todas as vítimas decorrentes de defeitos no produto ou serviço. Deve-se deixar bem claro que tal conceito só se aplica para os casos acima menciona­ dos, ou seja, nos casos de acidente de consumo. Incluem-se aqui as pessoas que não participaram da circu­ lação jurídica do bem, nem do seu uso; os chamados bystander, que numa tradução livre pode ser conceituado como aquele que está perto; por acaso olhando; conseqüentemente aquele que não tem qualquer ligação com o negócio que está sendo transacionado. Aquele presente, mas que não toma parte; olhando, espectador, observador.13

(l2)

Nesse sentido, Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 21, e Eduardo Gabriel Saad, Comentários, cit., p. 59. Em sentido contrário Carlos Alberto Dabus Maluf. O condomínio edilício no novo Código Civil, Revista do Advogado 68/65, 2002.

(l3)

“Bystander - One who stands near; a chance looker-on; hence one who has no concern with the business being transacted. One present but not taking part, looker-on, spectator, beholder, observer.” (Black’s Law Dictionary, Abridged sixth edition, St. Paul: Minn. West Publishing, Co., 1991, p. 139.)

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Temos, por exemplo, o famoso caso do Shopping Center de Osasco (SP) onde, em decorrência de uma explosão por vazamen­ to de gás, ofendeu-se a saúde e a integridade física de várias pes­ soas que se encontravam no local. Concordamos com Sílvio Luis Rocha quando insere nesse caso os revendedores, intermediários e comerciantes do pro­ duto com defeito, que a princípio não se incluiriam no conceitopadrão.14 Podemos ainda acrescer ao rol acima indicado os transpor­ tadores dos produtos que estão a caminho dos comerciantes ou dos próprios consumidores. Na literatura americana encontramos outros exemplos que, dentro do nosso sistema jurídico, também seriam considerados consumidores, com base nesse art. 17. Temos, assim, o caso de uma pessoa que foi atingida pela explosão de uma garrafa de cerveja15 e o caso Elmore v. American Motors Corp, em que um veículo desgovernado, em decorrência de um defeito, chocou-se de frente com outro.16 No art. 29, por último, afirma o legislador que se equiparam aos consumidores todos aqueles que estiverem expostos às práti­ cas comerciais e à proteção contratual.

(14)

(15)

(16)

Silvio Luís Rocha. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1992, p. 68.

Kasey v. Suburban Gas Heat, Inc., 196260 Wn. 2d 468, 374P. 2d 549 (cafe wrecked by explosion of propane gas). Cf. Torpey v. Red Owl Stores, 8 th Cir. 1955, 288 F. 2d 117 (guest opening glass jar) (apud Prosser e Keeton. Torts. 5. ed. St. Paul, Minn.: West Publisching Co., 1984, p. 703). 1969, 70 Cal.2d 578, 75 Cal.Rptr. 652, 451 P.2d 84 (apud Prosser e Keeton, Torts, cit., p. 704).

96

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Nesse dispositivo também criou o legislador um “meio con­ sumidor”, já que é possível a utilização de apenas parte das nor­ mas do Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado o dispositivo permite a inclusão de pessoas que não seriam consideradas normalmente consumidoras, sobre­ tudo porque não adquiriram ou utilizaram o produto ou o serviço como destinatárias finais; se estiverem de qualquer forma liga­ das à oferta e à publicidade de produtos e serviços, às práticas abusivas dos fornecedores, à cobrança de dívidas e aos contra­ tos, em todo ou em parte leoninos, poderão socorrer-se desse microssistema jurídico. Dessa forma, um comerciante que compra determinado pro­ duto para revenda não pode, com base nos arts. 18 e seguintes do CDC, alegar vício na coisa (não é ele consumidor nos termos do art. 2.°); porém, esse mesmo comerciante terá o abrigo do Código de Defesa do Consumidor se o contrato firmado com o fabrican­ te contiver cláusulas abusivas ou se a publicidade anteriormente feita tiver sido enganosa, com informações não verdadeiras. No que toca à oferta, à publicidade ou à apresentação não cumpridas, poderá o comerciante/consumidor, nos termos do art. 35 do CDC, exigir o cumprimento forçado da prestação, a substi­ tuição do produto ou do serviço ou ainda rescindir o contrato, com a devida devolução dos valores desembolsados e perdas e danos. Para essas ações o legislador não estabeleceu um prazo, porém, como será visto mais à frente, trata-se cumprimento im­ perfeito do contrato, aplicando-se os arts. 26 e 27 do CDC (este último apenas em caso de indenização por danos extra rem). O art. 3.° define fornecedor como toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira que exerce uma atividade, trazendo em seguida um elenco exemplificativo de atividades.

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A pedra de toque dessa definição está na expressão “ativi­ dade”, que se diferencia do “ato” pela sua reiteração. Dessa for­ ma, aquela pessoa que exerce um ato isolado e produz, monta, cria, constrói, transforma, importa, exporta ou vende produto ou serviço não pode ser conceituada como fornecedora. Se um particular anuncia em jornais seu veículo visando vendê-lo e se vier a aliená-lo, o contrato firmado não será regido pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, mas sim pelo Código Civil, mesmo se amoldando o adquirente ao conceito de consumidor. A mesma situação se verificará ao se alugar um imóvel.17 No que toca ao último elemento, produto ou serviço, tam­ bém o legislador traçou seus contornos. Produto, nos termos do § 1.° do art. 3.° é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Espancando qualquer dúvida, principalmente aquelas advindas das legislações estrangeiras, incluiu os bens imóveis e os produtos naturais (por exemplo, os agrícolas). Por isso, em qualquer aquisição de apartamentos de construtoras ou incorporadoras aplica-se o CDC. Por tal motivo e com todo respeito, entendemos equivocada a decisão proferida na ApCiv 252.722-1/2 (2.a Câm. de Férias do TJSP), onde se afirmou ser inaplicável a Lei 8.078/90 nas tran­ sações imobiliárias.

(l7)

O STJ já decidiu que: “Os contratos de locação não são abrangi­ dos pela disciplina do CDC, particularmente no que se refere à multa por atraso de pagamento de aluguel. Precedentes citados: REsp 38.274-SP, DJ 22.05.1995, e REsp 131.851-SP, DJ 09.02.1998” (REsp 300.214-MG, rel. Min. Félix Fischer, j. 10.04.2001).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Também “serviço” é qualquer atividade fornecida no mer­ cado de consumo, mediante remuneração. Num rol exemplificativo incluiu os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A única exclusão se refere aos serviços de caráter trabalhista (§ 2.°). Como vimos, o legislador excluiu do conceito de serviço aquele que for prestado sem qualquer remuneração, ou seja, o gratuito. A ausência de remuneração deve ser completa e com isso queremos dizer que não deve existir nem remuneração direta nem indireta. Nesses termos, v.g., se estacionamos um veículo em área de supermercado, sem o pagamento de qualquer valor, ou se viaja­ mos de avião, por meio de um bilhete de “milhagem”, ainda tere­ mos um “serviço”, já que eles são prestados em decorrência de outros, que por sua vez são ou foram remunerados. Levando em consideração a polêmica sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, ne­ cessárias se fazem algumas observações. Com muita propriedade, Waldirio Bulgarelli, ao tratar da forma interpretativa do Código de Defesa do Consumidor, afir­ ma que não teria cabimento uma visão meramente positivista ou normativa, devendo o intérprete voltar-se para a estrutura e a fun­ ção da norma, verificando sua finalidade. Complementa o mes­ tre de direito comercial seu pensamento afirmando que isso im­ plica, “naturalmente, em se buscar na configuração dos aspectos da realidade a explicação da norma, sendo certo que a análise da linguagem empregada estará presa a uma visão compreensiva do mundo real e não meramente nominalista”.18

(18)

Waldirio Bulgarelli. Questões contratuais no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1993, p. 31-32.

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Tendo em vista a nossa realidade fática e partindo dos ensi­ namentos acima expostos, teremos de verificar o verdadeiro fim da norma legal. Como claramente se percebe, visou o diploma em estudo constatando que aquela igualdade entre as pessoas, tanto defen­ dida nos séculos XVIII e XIX, era uma utopia - dar àqueles que se encontravam em situação de desequilíbrio real, um equilíbrio jurídico, para que pudessem, de igual para igual, participar de uma relação negocial. Assim, deixou claro o legislador que o consu­ midor, em regra, é a parte mais fraca da relação e que, normal­ mente, há abuso por parte do fornecedor. Dentro desse quadro, não podemos fugir à realidade e deve­ mos reconhecer que se há abuso de poder por parte dos fornece­ dores e uma vulnerabilidade do consumidor, essa situação é pa­ tente no âmbito dos contratos bancários, em que, sob o manto da legalidade e do princípio contratual do pacta sunt servanda, es­ tipulam-se juros extorsivos e cláusulas leoninas.19 Iniciaremos com o enquadramento das instituições finan­ ceiras dentro do conceito de fornecedor. O rol de pessoas enu­ meradas no art. 3.° é exemplificativo, todavia tal conclusão, mesmo que não fosse correta, em nada alteraria nossa posição, pois entre as atividades enumeradas encontra-se a de comercia­ lização.

(19)

Luiz Rodrigues Wambier em artigo sob o título Os contratos ban­ cários e o Código de Defesa do Consumidor, tratando sobre os abusos praticados contra o consumidor, afirma que: “Nas áreas contratual e de serviços bancários, então, a situação sempre foi de verdadeiro caos: contratos leoninos, ilegíveis, absolutamente impossíveis de serem cumpridos, com custos exagerados, alea­ tória e unilateralmente cobrados mediante débito em conta cor­ rente” (Revista de Direito do Consumidor 18/125).

100

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

A atividade principal dos bancos é coletar recursos finan­ ceiros e em seguida colocá-los novamente no mercado, mas por um “valor” superior ao captado, retirando daí seu lucro. Tão pa­ tente é a atividade comercial dos bancos que o art. 119 do Código Comercial de 1850 considerava “banqueiros os comerciantes que têm por profissão habitual do seu comércio as operações chama­ das de Banco”, sendo que os arts. 247 e 255 do mesmo diploma cuidavam dos juros mercantis. Ainda o § 1.° do art. 2.° da Lei 6.404/76 prevê que “qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio”. O novo Código Civil, por sua vez, definiu no art. 966 em­ presário, dizendo que assim se considera aquele que exerce pro­ fissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Nos contratos de empréstimo, poupança ou depósito, por exemplo,20 o cliente, sem dúvida, também se amolda no conceito de consumidor, seja ele pessoa física, seja pessoa jurídica ou até mesmo um ente despersonalizado (condomínio).

(20)

José Reinaldo de Lima Lopes afirma que “como devedores (nas operações passivas), os bancos se apresentam como depositários, tomadores de empréstimos do público em diversas modalidades: nas contas correntes, nos depósitos a prazo mediante emissão de certificados e recibos, nos depósitos a prazo em poupança (...) como credores (nas operações ativas), muitas são as operações que no fundo revestem o mútuo: descontos, empréstimos em conta corrente, aberturas de crédito, crédito ao consumo mediante emis­ são de letras de câmbio, promissórias, formas especiais de garan­ tia como a alienação fiduciária, para não falar nas operações de garantia, nos serviços de colocação de debêntures, de títulos etc.” (Consumidor e sistema financeiro, Revista de Direito do Consu­ midor 22/87).

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Alguns estudiosos sustentam que os mutuários em geral, ou pelo menos alguns tipos deles, não seriam os destinatários finais do produto (dinheiro ou crédito), uma vez que este seria utiliza­ do para a realização de outro negócio jurídico. Dentro da primeira linha, numa posição de total inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos ban­ cários, temos o professor Arnoldo Wald, que afirma que, “em relação aos produtos, não se aplica a nova regulamentação de defesa do consumidor às instituições financeiras, por não se con­ ceber a possibilidade de ser usado o dinheiro - ou o crédito - por destinatário final, pois os valores monetários se destinam, pela sua própria natureza, à circulação. Conseqüentemente, a nova lei não determina a sua aplicação ao setor bancário, quanto aos pro­ dutos, e não abrange os empréstimos, descontos, avais, abertu­ ras de crédito e demais operações bancárias nas quais há entrega imediata, diferida ou até condicional, de um produto, mas, ao contrário, manda que sejam aplicadas as suas normas exclusiva­ mente aos serviços bancários”.21 Também com o objetivo de excluir da relação de consumo a maioria dos contratos firmados entre os bancos e os clientes, Luiz Gastão Paes de Barros Leães, com base no direito comparado, afirma que não há nesses casos uma relação de consumo, pois o crédito não pode ser considerado produto, nos termos do CDC, sem se incluir também no conceito de serviço. Segundo o mes­ tre, a expressão “qualquer bem”, prevista no art. 3.°, § 1.°, deve ser entendida como sendo o bem resultante de uma atividade empresarial de transformação econômica, produzido em série, sendo que os serviços são somente aqueles vinculados ao forne­ cimento de produtos e prestados no mercado de consumo; por

(21)

Arnoldo Wald. O direito do consumidor e suas repercussões em relação às instituições financeiras, RT 666/7.

102

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essa razão o jurista exclui das relações de consumo os produtos agropecuários e os imóveis.22 Em que pesem os argumentos lançados pelos doutrinadores supra, principalmente no que toca à comparação com o direito alienígena, entendemos que a norma pátria não pode receber a mesma interpretação que lhe é dada em outros países. Primeiro porque possui redação distinta; segundo porque deve, como já afirmado, ser interpretada diante da nossa realidade. Com meridiana clareza fez constar o legislador a expressão “qualquer bem”, demonstrando com isso que seu objetivo não foi restringir a norma aos bens produzidos ou fabricados em mas­ sa, mas ao contrário, considerar todos que ingressem no merca­ do de consumo. No que toca aos serviços, o raciocínio é o mesmo, pois consta do texto legal a expressão “qualquer serviço”, dando em seguida o legislador alguns exemplos. Se essa não fosse a intenção da lei, não teria o legislador o trabalho de excluir do rol exemplificativo as relações trabalhistas. Para uma segunda corrente, sustentada entre outros por José Reinaldo de Lima Lopes, faz-se uma distinção entre o crédito ao consumo e o crédito ao investimento ou à produção. O primeiro es­ taria sob o manto do Código de Defesa do Consumidor; o segundo, tão-somente da legislação ordinária.23 Nessa mesma linha de ra­ ciocínio utiliza-se da distinção feita pela ciência econômica, en­ tre bens de capital, ou de produção, e bens de consumo. Nas pri­ meiras categorias teríamos aqueles que têm por fim a produção de outros bens, mediante sua transformação; na segunda, aque­ les que se destinam à satisfação de uma necessidade imediata.

(22)

(23)

Luiz Gastão Paes de Barros Leães. As relações de consumo e o crédito ao consumidor, Revista de Direito Mercantil 82/13.

José Reinaldo, Consumidor, Revista, cit., p. 95.

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Em que pesem as opiniões em contrário, acreditamos que o cliente (pessoa física ou jurídica) é sim o destinatário final do dinheiro ou do crédito, sendo irrelevante se, posteriormente, utilizará os valores recebidos no mercado de consumo,24 até por­ que, como já afirmou o próprio Arnoldo Wald em seu Curso de direito civil brasileiro, “uma coisa é considerada juridicamente consumível quando se destina ao consumo, mesmo quando con­ tinua a existir depois de usada, como ocorre, por exemplo, com o dinheiro”.25 Acreditamos ter o Código de Defesa do Consumidor adota­ do um conceito amplo de produto, e não se pode restringir onde o legislador não o fez.26 Sustentam ainda os defensores da corrente oposta, dentre os quais o já citado professor Bulgarelli, que não se daria ainda a aplicação do CDC a algumas relações com os bancos, visto que há norma específica sobre o sistema financeiro. Quanto a essa colocação, devemos lembrar a interpretação dada ao § 2.° do art. 2.° da LICC, que prevê: “a lei nova, que es­ tabelece disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. A nosso ver, e com base nas lições de Maria Helena Diniz, podemos dizer que os dois diplomas legais estão em vigor (as leis especiais reguladoras do sistema financeiro e a lei geral de prote­

(24)

No mesmo sentido, Claudia Lima Marques, Os contratos de cré­ dito na legislação brasileira de proteção do consumidor, Revista de Direito do Consumidor 18/53.

(25)

Amoldo Wald. Curso de direito civil: introdução e parte geral. 7. ed. São Paulo: RT, 1992, p. 174.

(26)

Tratando do assunto, dentro da legislação portuguesa, Calvão da Silva tem o mesmo entendimento ao aqui esposado (Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990, p. 605).

104

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ção ao consumidor), ficando apenas derrogadas as normas ou princípios da lei antiga que sejam incompatíveis com a nova.27 Tão clara a nosso ver foi a intenção da lei em incluir os con­ tratos de créditos ou financiamentos bancários no CDC que em seu art. 52 fez constar as informações que deverão ser dadas ao consumidor, sob pena de não serem obrigatórias (art. 46). Abordando o assunto, Newton de Lucca é enfático em afir­ mar que “parece evidente - não obstante a solércia dos que ainda defendem a não-aplicação do CDC às relações de consumo de natureza creditícia e financeira - que esse art. 52 vem reforçar a convicção de que só mesmo os não iniciados em direito do con­ sumidor ou os neuróticos guerreiros de nossa extrema direita podem continuar a insistir na idéia cínica, absurda e candidamente ignara de todos os exemplos de direito comparado de que a disci­ plina jurídica tutelar dos consumidores não se aplica às institui­ ções financeiras”.28 Por último, e mesmo que se chegasse à conclusão de que o mutuário ou beneficiário do crédito não é o destinatário final do dinheiro, seja pela visão dos mais radicais, que o excluem total­ mente do campo de incidência da Lei 8.078/90, seja dos que ado­ tam uma posição intermediária, teríamos ainda a aplicação do CDC se houvesse qualquer questão relacionada à oferta, publi­ cidade, práticas abusivas, ou proteção contratual. Isso porque o art. 29, ampliando o campo de aplicação da norma protetiva, ain­ da com aquela visão da boa-fé e de eqüidade, criou, como já tive­ mos oportunidade de sustentar, um conceito de consumidor por equiparação.

(27)

Maria Helena Diniz. Lei de Introdução ao Código Civil brasilei­ ro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 74-75.

(28)

Newton de Lucca. Direito do consumidor: aspectos práticos perguntas e respostas. São Paulo: RT, 1995, p. 82.

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Assim, para os adeptos da corrente conhecida por maximalista, mesmo quando as pessoas jurídicas recebem cré­ ditos que estão diretamente direcionados com a sua produção, estariam, no que toca às práticas comerciais e à proteção contra­ tual, sob o manto da Lei 8.078/90. Voltando à nossa questão original e em conclusão, nosso sistema jurídico traz normas que se aplicam às relações civis/co­ merciais e às relações de consumo, não se podendo utilizar as normas de uma às situações fáticas ligadas à outra, salvo se hou­ ver omissão daquela e não existir incompatibilidade entre os prin­ cípios, isso com base na regra da subsidiariedade. O novo Código Civil traz diversos dispositivos que se refe­ rem à relação de consumo, como, por exemplo, as normas sobre contrato de transporte e responsabilidade do produtor. Por esse motivo algumas vozes se levantam sustentando que a nova lei, pelo critério temporal, teria derrogado os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor que com ela fossem incom­ patíveis, o que, na prática e em determinados pontos, significa­ ria um retrocesso. Apesar da aparente confusão criada pelo legislador, a essa conclusão não se pode chegar. Deve-se manter a separação do campo de atuação das normas, aplicando-se às relações de con­ sumo a Lei 8.078/90 e subsidiariamente, no que ela for omissa e com ela não for incompatível, as novas regras do Código Civil.

4 DO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO E SUAS FORMAS SUMÁRIO: 4.1 Do descumprimento da obrigação - 4.2 Do inadimplemento absoluto culpável - 4.3 Da mora.

4.1 Do descumprimento da obrigação O cumprimento é a realização integral e voluntária da pres­ tação pelo devedor ao credor.1 Não traz grandes problemas ju­ rídicos, dando o contrato por extinto, ou, na expressão do pro-

(1)

Defende Antunes Varela que, “embora a prestação possa, em prin­ cípio, ser efectuada, não só pelo devedor, mas por terceiro, inte­ ressado ou não no cumprimento, deve reservar-se o termo cumprimento, por uma questão de terminologia, para a realização voluntária da prestação pelo devedor” (Das obrigações em geral. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995, vol. 2, p. 8). Do ponto de vista funcional, entretanto, como bem demonstra Francesco Gazzoni, deve-se entender por adimplemento a prestação cumprida por terceiro e até a execução forçada (Obbligazioni e contratti. Napoli: Scientifiche Italiane, 1993, p. 549). Ruy Rosado também admi­ te, dentro do termo “cumprimento”, a prestação feita por terceiro (Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolu­ ção). Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 90-91).

INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO E SUAS FORMAS

107

fessor Orlando Gomes, sua “morte natural”,2 já que ambos os contratantes conseguiram realizar os interesses previamente de­ sejados. Em oposição à situação retro mencionada, temos o não-cumprimento da obrigação, que nos ordenamentos ligados ao siste­ ma romano-germânico recebe classificações distintas, levando em conta a causa e os efeitos. O descumprimento, quanto à causa, pode ocorrer por fato imputável ao devedor, quando recebe o nome de inexecução culposa ou inexecução em sentido estrito, e por fato a ele estra­ nho, chamada por alguns de inadimplemento fortuito3 e por ou­ tros de impossibilidade de execução.4-5 Na primeira hipótese, que será vista em seguida com mais detalhe, o devedor deixa de cumprir sua obrigação, seja pela abs­ tenção culposa em não prestá-la, seja pela entrega de coisa ou serviço distinto do pactuado ou ainda pela perda ou deterioração do bem por sua culpa. No inadimplemento fortuito, por sua vez, há uma impossi­ bilidade superveniente no cumprimento (se a impossibilidade for

(2)

Orlando Gomes. Contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 188.

(3)

Orlando Gomes. Obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 173.

(4)

Assim, Fernando Pessoa Jorge. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 1999.

(5)

Chiara Nobili sustenta que grande parte da doutrina e da juris­ prudência da Corte de Cassação italiana endossa a tese de que há inadimplemento apenas quando a obrigação não é cumprida por culpa do devedor ( Le obbligazioni. Milano: Giuffrè, 2001, p. 91-92).

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originária, estaremos diante da nulidade do negócio jurídico (impossibilium nulla obligatio est), que tem como causa um fato estranho ao comportamento do devedor. Assim, quando se dá por culpa de terceiro (sem qualquer relação com o devedor),6 por caso fortuito, por alteração das circunstâncias, por força da lei - in­ cluídos todos os atos da administração pública - ou por culpa do próprio credor.7 Para a análise do conceito de impossibilidade por fato su­ perveniente criaram-se duas correntes: uma com base em um conceito lógico, em que se analisa a efetiva e real impossibilida­ de do devedor de cumprir a obrigação; outra, com base num con­ ceito jurídico, no qual se observa a possibilidade de cumprimen­ to em comparação ao sacrifício do devedor. Assim, e por esta, haverá impossibilidade sempre que, em decorrência de um fato superveniente e imprevisível, exija-se do devedor um esforço extraordinário e injustificável.8

(6)

Sobre a existência de fato superveniente por culpa de terceiro v. Pessoa Jorge, Ensaio, cit., p. 134 e segs.

(7)

Também admitindo o incumprimento por culpa do credor, Ernesto Wayar (Obligaciones. Buenos Aires: Depalma, 1990, p. 497). Visintini traz o exemplo do transportador exonerado de pagar os danos sofridos ao passageiro no acidente, por ter sido este o cau­ sador do desastre (L’inadempimento delle obbligazioni. Trattato di diritto privato. Torino: Utet, 1984, vol. 9, t. 1, p. 178, e Trattato breve della responsabilità civile. 2. ed. Padova: Cedam, 1999, p. 173).

(8)

Ensina-nos Pisu que a jurisprudência italiana tende a analisar a impossibilidade superveniente em confronto com o princípio da boa-fé objetiva (Eccessiva onerosità e sopravvenienze contrattuali. Clausole e principi generali nell'argomentazione giurisprudenziale degli anni novanta. Padova: Cedam, 1998, p. 378).

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É sempre bom lembrar que, mesmo para os adeptos da se­ gunda corrente, não se pode confundir a mera dificuldade, ainda que esta cause certa onerosidade no cumprimento da obrigação, com a efetiva impossibilidade de cumprimento. Como bem diz Antunes Varela, a “causa de extinção da obrigação é a impossi­ bilidade (física ou legal) da prestação (a que pleonasticamente se poderia chamar impossibilidade absoluta), não a simples difficultas praestandi, a impossibilidade relativa”.9 Essa impossibilidade, que deve ser provada pelo devedor, tem como conseqüência a extinção da obrigação, sem necessi­ dade de qualquer prestação ou indenização, salvo, no último caso, se a impossibilidade for causada por culpa do credor.10 Tendo o credor cumprido a sua prestação, poderá reavê-la. A impossibilidade recebe da doutrina algumas classifica­ ções: pode ser física, quando provém de acontecimentos natu­ rais; jurídica, se decorre de ordem legal; subjetiva, quando se refere apenas à figura do devedor e objetiva, no caso de existir igualmente para todas as pessoas;11 pode ser definitiva ou tem­

(9)

Antunes Varela, Das obrigações, cit., p. 67. No mesmo sentido, Visintini, com citação de julgados da Corte de Cassação italiana, Trattato, cit., p. 154. (10)

(11)

De forma mais ampla Visintini admite não só a indenização, mas também o direito de pedir a contraprestação, Trattato, cit., p. 153.

Dúvida existe sobre ser ou não a impossibilidade subjetiva causa de extinção da obrigação. Antunes Varela, ao interpretar o art. 791.° do Código Civil português, ensina que haverá a extinção da obrigação sempre que a prestação for não fungível (Das obriga­ ções, cit., p. 71). No direito italiano, Visintini e Pisu, com base em doutrina precedente, dão os exemplos do devedor que morre ou que fica doente. Assim, só haveria impossibilidade se a obri­ gação fosse infungível (L’inadempimento..., Trattato, cit., p. 168).

110

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porária, sendo que esta última somente terá como conseqüência a extinção da obrigação se ela tiver um termo certo e a impossibi­ lidade perdurar até essa data. O nosso antigo Código Civil previa a hipótese de inadim­ plemento não culpável no art. 1.058, quando da ocorrência de caso fortuito ou força maior. Previa o dispositivo que nessas hipóte­ ses e salvo cláusula expressa em sentido contrário, exoneravase o devedor dos prejuízos causados pelo não-cumprimento da obrigação. O novo Código Civil, além de manter a situação supra, acres­ centou, dentro do espírito doutrinário e jurisprudencial que já prevaleciam, a possibilidade de extinção da obrigação, sem qual­ quer responsabilidade do devedor, quando ocorrer uma excessi­ va onerosidade da prestação (arts. 478 a 480).12 Nesse caso, deixa-se de lado a segurança das relações con­ tratuais para dar lugar a um princípio de justiça negocial. Trata-se de antiga teoria que também, com pequenas mu­ danças, recebeu o nome de cláusula rebus sic stantibus, altera­ ção da base negocial e imprevisão. Nos termos do art. 478 do Código de 2002, ela poderá ocor­ rer nos contratos de execução continuada ou diferida se a presta­ ção de uma das partes tomar-se excessivamente onerosa em vir­ tude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.

No direito alemão, o § 275 equipara as duas situações. No direito pátrio e com opinião contrária à de Pontes de Miranda, admite Clovis do Couto e Silva que a impossibilidade pode ser tanto objetiva quanto subjetiva (A obrigação, cit., p. 122, 123). (12)

Artigo semelhante, provavelmente fonte da nossa lei, é o 1.467 do Código Civil italiano.

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Não se pode falar em excessiva onerosidade se o contrato for de execução instantânea, já que nesse caso a obrigação surge e se extingue no mesmo momento, o que toma impossível a in­ terferência de outras circunstâncias supervenientes. O fato gerador da onerosidade deve ser posterior ao contra­ to; do contrário ele seria previsível. Enzo Roppo, abordando a questão dentro do direito italia­ no, preleciona que, “se, na verdade, se tratasse de circunstâncias pré-existentes à conclusão do contrato, já não se poderia falar de um desequilíbrio superveniente, e o contraente prejudicado teria podido, e devido, tê-las em conta aquando da preparação e estipulação do negócio (se não o fez, porque o ignorava, poderá, quando muito, invocar o regime do erro); se se tratasse, ao invés, de circunstâncias surgidas após a execução, elas não atingiriam um negócio que, objectivamente, se esgotou; pode­ riam, porventura, prejudicar os programas subjectivos e as pes­ soais expectativas econômicas de uma ou outra parte, ulteriores em relação à objectiva função da troca, que se terá realizado re­ gularmente...”.13 O pedido pode ser feito por qualquer dos contratantes em relação a sua prestação, desde que esta ainda não tenha sido realizada.14 A nosso ver, e em que pesem as opiniões em contrário,15 o legislador impôs corretamente uma condição para a aplicação do

(13)

Enzo Roppo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 260-261.

(14)

No mesmo sentido Sílvio Venosa, Direito civil: Teoria geral, cit., p. 417, e, quanto à primeira afirmação, Ruy Rosado, Extinção, cit., p. 22, 36 e 153. (15)

Nesse sentido Ruy Rosado, Extinção, cit., p. 152. Já há projeto de lei (n. 6.960/2002) alterando a redação desse dispositivo com

112

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instituto; a excessiva onerosidade de uma prestação deve estar ligada diretamente a um benefício da outra parte. Não basta que o fato dificulte exageradamente o cumprimento da obrigação; deve haver, em contrapartida, um benefício ao co-contratante. Só nessa hipótese é que se pode falar em efetiva quebra do sinalagma.16 Por esse e outros motivos é que, mesmo na vigência do an­ tigo Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, enten­ demos ser inviável o pedido de revisão ou extinção contratual nos famosos casos dos contratos de leasing, com parcelas corrigidas pelo dólar americano, já que o prejuízo seria transferido, injustificadamente, à instituição financeira. O art. 479 da Lei 10.406/2002 deixa claro que a resolução do contrato é uma opção do devedor, pois permite que, ao ser demandado, prefira sua manutenção, oferecendo-se para alterar o pacto. É uma faculdade dada ao réu e, no seu silêncio, não pode o juiz mudar o pedido inicial de resolução, alterando o contrato; prevalece aqui a vontade das partes.17 Para corroborar com esse entendimento nos socorremos do art. 317 do CC, onde a revisão está expressamente vinculada ao pedido da outra parte. Questão que pode levantar dúvida é a da validade de cláusu­ la contratual que impeça uma das partes de invocar essa teoria. Temos para nós que os dispositivos que cuidam dessa matéria,

o objetivo de excluir o requisito do nexo causal entre o prejuízo do devedor e o benefício do credor. (16)

Era essa a opinião de Ripert, seguida no direito pátrio do Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso fortuito teoria da imprevisão. 2. ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1943, p. 204.

(17)

Também nesse sentido, Silvio Venosa. Direito civil: Teoria geral, cit., p. 417-418.

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113

tanto nas relações civis como nas relações de consumo, devem ser classificados como imperativos, de ordem pública e, portan­ to, não podem ser alterados pela vontade das partes. O que pode acontecer é constar uma cláusula impedindo que se invoque a excessiva onerosidade por um fato específico e ob­ jetivo, porém, nesse caso, teremos a exclusão de um dos requisi­ tos, qual seja, a imprevisibilidade. Ao contrário de outros diplomas legais, como o Código Ci­ vil argentino (art. 1198) e o português (art. 438.°), nosso Código Civil não previu expressamente a impossibilidade de utilização desse instituto em caso de mora do devedor. Duas situações podem ocorrer: a) o devedor já está em mora e após ocorre o fato superveniente que dificulta o cumprimento da obrigação; b) a mora decorre do advento do fato supervenien­ te e imprevisível. Na primeira hipótese, até o momento do cumprimento da prestação, o fato superveniente ainda não tinha comprometido a obrigação. Assim, por esse “retardo” culposo, responsabiliza-se o devedor.18 Na segunda situação, entretanto, se o cumprimento imper­ feito (tempo, lugar ou modo) tiver como causa o fato superve­ niente e imprevisível, ainda será possível a aplicação do art. 478 do CC. Nas palavras do Prof. Silvio Venosa “o devedor somente pode beneficiar-se da revisão, se não estiver em mora no que diga res­ peito ao cumprimento das cláusulas contratuais não atingidas pela

(l8)

Nesse sentido Enzo Roppo, O contrato, cit., p. 264, e Ruy Rosado, esse com base no art. 857 do antigo CC (Extinção, cit., p. 156).

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imprevisão, isto porque o inadimplemento poderá ter ocorrido justamente pela incidência do fenômeno”.19 Por último, em relação aos efeitos e levando em considera­ ção o interesse do credor, o não-cumprimento pode ser dividido, basicamente, em duas espécies: o inadimplemento total ou defi­ nitivo do contrato20 e o parcial, chamado de mora.21

4.2 Do inadimplemento absoluto culpável Há inadimplemento absoluto culpável, como já exposto, quando o devedor, por culpa ou dolo, não cumpre a obrigação preestabelecida ou a cumpre de forma totalmente diversa do com­ binado (aliud), ou, ainda, mesmo podendo e querendo cumprila, a prestação não mais interessar ao credor, já que o seu cumpri­ mento está sendo feito a destempo. Ocorrendo o descumprimento voluntário, estará o devedor obrigado a indenizar os prejuízos causados ao credor, sejam eles os danos emergentes, sejam os lucros cessantes (art. 389 do CC). Também deverá indenizar os eventuais danos morais, matéria que será vista mais à frente.

(19)

Sílvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 427.

(20)

O mestre Agostinho Alvim faz uma distinção entre inadimple­ mento absoluto total e parcial, e sustenta que a entrega em quan­ tidade inferior à combinada é inadimplemento absoluto parcial (Da inexecução das obrigações e sua conseqüências. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 7). No mesmo sentido Pessoa Jorge, Ensaio, cit., p. 25.

(21)

Essa divisão é encontrada, dentre outros, nos Códigos Civis da França (art. 1.147), da Itália (arts. 1.218, 1.219 e 1.223), da Ale­ manha (§§ 280 a 286), de Portugal (arts. 801.° e segs. e 804.° e segs.) e do Peru (art. 1.314 e segs.).

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Relevante nesse momento traçar a distinção entre o cumpri­ mento de forma totalmente diversa da combinada (aliud pro alio) do cumprimento inexato. Isso se faz necessário em vista da di­ vergência doutrinária sobre o tema e principalmente pelos refle­ xos práticos existentes. Assim, de suma importância saber qual a ação que deve ser proposta, a redibitória ou a resolutória? Qual o prazo para a propositura da ação, os prazos previstos nas dispo­ sições especiais relativos ao vício ou o prazo ordinário de dez anos, constante do art. 205 do CC? Havendo pedido de indenização, discute-se a culpa?22 Algumas situações são paradigmáticas para demonstrar o problema. Nos tão discutidos casos da venda de quadro falso como original, que deram ensejo na Itália a numerosos artigos doutri­ nários,23 Massimo Garutti e Francesco Galgano, por exemplo, sustentam haver na fatispecie um aliud pro alio; Morales More­ no, por sua vez, aduz que essa é uma hipótese de vício, enquanto Rubino e Messineo afirmam ser caso de ausência de qualidade, isso se o vendedor garantiu que o quadro era original.24

(22)

Rubino, Messineo e Antunes Varela incluem o aliud dentro da ca­ tegoria de inexato adimplemento (respectivamente, La compravendita. Trattato di diritto civile e commerciale. Milano: Giuffrè, 1952, vol. XXII, p. 693; Manuale di diritto civile e commerciale. Milano: Giuffrè, 1954, vol. III, p. 114; Cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda -- exceção do contrato não cumprido, Colectânea de Jurisprudência, ano XII, p. 30, 1987). Sobre o tema e com indicação da jurisprudência italiana v. Amorth ( Errore e inadimplemento nel conttrato. Milano: Giuffrè, 1967, p. 121 e segs.). (23)

Enrico Gabrielli indica dezessete artigos específicos sobre o tema (La consegna di cosa diversa. Napoli: Jovene, 1987, p. 40). (24)

Massimo Garutti. Osservazioni in tema de mancanza di qualità ovvero consegna di aliud pro alio. Rassegna de Diritto Civile.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Aqui, a nosso ver, jamais estaríamos diante de cumprimen­ to imperfeito (vício redibitório, incluída a ausência de qualida­ de); dependendo da situação poderíamos ter inadimplemento ou vício do consentimento. Se adquirimos o quadro “X”, que efeti­ vamente é original, e nos entregam o quadro “Y”, cópia, será caso de aliud, já que nos estão entregando coisa diversa da comprada e não houve qualquer desvio na formação de nossa vontade; to­ davia, se adquirimos o quadro X achando que ele foi pintado por um artista e depois descobrimos que é uma cópia, estaremos diante do erro ou do dolo, dependendo se o vendedor tinha ou não co­ nhecimento do fato. Houve aqui um desvio do querer, um desvio na formação da vontade.25-26

Napoli: Scientifiche Italiane, vol.II, 1980, t. II, p. 1.101, nota 27; Francesco Galgano. Diritto civile e commerciale. Padova: Cedam, 1993, vol. II, p. 10-11; Morales Moreno, El alcance..., Anuario, cit., p. 656; Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 691. Amorth traz a divergência na jurisprudência italiana, ora entendendo que é caso de inadimplemento, ora que é caso de erro, ora que é caso de vício (Errore, cit., p. 145 e segs.). (25)

Nesse sentido Baudry-Lacantinerie. Trattato teorico-pratico di diritto civile: della vendita e della permuta. Milano: Vallardi, 1930, p. 456; Greco e Cottino. Della vendita. Commentario del Codice Civile: obbligazioni. 2. ed. Roma: Foro Italiano, 1981, libro quar­ to, p. 245-246; Arnoldo Wald, Curso, cit., p. 269, e Maria Helena Diniz, Curso, cit., p. 120. Data venia, entendemos incorretas as posições de Pacifici-Mazzoni e Serpa Lopes ao dizerem que a entrega do quadro falso, quando o prometido era o original, é caso de erro (respectivamente, Istituzioni di diritto civile italiano, parte I, 5. ed. Firense: Fratelli Cammelli, 1921, vol. V, p. 299; Curso de direito civil: dos contratos em geral. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954, vol. III, p. 156).

(26)

Na Itália, pela Lei 1.062/71, se o vendedor da obra de arte garantiu a autenticidade do objeto e, posteriormente, se constatou a fal-

INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO E SUAS FORMAS

117

Também na hipótese da venda de um imóvel sem o respectivo habite-se, Galgano afirma ser caso de inadimplemento,27 enquan­ to para nós trata-se de hipótese de vício/incumprimento, já que o bem entregue é efetivamente o querido, só que não possui as qualidades e características intrínsecas aos outros bens simila­ res, dificultando seu uso e diminuindo seu valor.28 Não vemos por que não possa estar, ao lado da inutilidade física, a inutilida­ de jurídica.29

sidade, a venda é considera nula (apud Enrico Gabrielli, La consegna, cit., p. 49). (27)

Francesco Galgano, Diritto civile, cit., p. 10-11. No mesmo sen­ tido parece ser a jurisprudência da Corte de Cassação italiana (apud Enrico Gabrielli, La consegna, cit., p. 33-34).

(28)

Ripert cita julgado francês que definiu como vício a impossibili­ dade de se construir em imóvel comprado para esse fim (Ripert e Boulanger. Tratado de derecho civil: contratos civiles. Buenos Aires: La Ley, t. VIII, 1965).

(29)

Amorth traz as diferentes soluções dadas ao mesmo caso na Itá­ lia, julgado nas três instâncias jurisdicionais. Na primeira, o juiz entendeu haver aliud pro alio; em apelação foi afastada a hipóte­ se de inadimplemento e entendeu-se haver evicção, já que a au­ sência de autorização do Poder Público permitia a demolição do bem; em última instância, a Corte de Cassação entendeu aplicarse ao caso o art. 1.489 (prevê essa norma: “cosa gravata da oneri o da diritti di godimento di terzi. Se la cosa venduta é gravata da oneri o da diritti reali o personali non apparenti Che ne diminuiscono il libero godimento e non sono stati dichiarati nel conttrato, il compratore Che non ne abbia avuto conoscenza puó domandare la risoluzione dei contratto oppure uma diduzione del prezzo secondo la disposizione dell' articolo 1.480” (Errore, cit., p. 150-156). Enrico Gabrielli diz ainda que em tal fattispecie al­ guns entendem haver nulidade por ilicitude do objeto (La consegna, cit., p. 31).

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Analisando a situação onde há a vedação do uso de bem alie­ nado, total ou parcial, pelo Poder Público, bem sustenta Pontes de Miranda que, “se houve proibição estatal de determinado cul­ tivo no terreno que se alienou, sem publicidade, pode a vedação ser vício do objeto (vício redibitório ou para a pretensão quanti minoris)”.30 Também Amoldo Wald considera como vício redibitório “a venda de um imóvel condenado à demolição pelas autorida­ des administrativas, sem comunicação deste fato pelo vendedor ao comprador”.31 Não menos debatida é a questão da venda de veículo com chassi adulterado. Enrico Gabrielli demonstra como a jurispru­ dência italiana é divergente, ora entendendo ser caso de vício redibitório, ora de falta de qualidade, ora de nulidade contratual por impossibilidade jurídica do pedido, ora de anulabilidade por erro, ora de aliud pro alio.32 Essa divergência também é encontrada entre nós, acrescentando-se ao debate eventual caracterização do instituto da evicção.

(30)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 144.

(31)

Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro: introdução, cit., p. 270.

(32)

Enrico Gabrielli, La consegna, cit., p. 50-51. Talvez a jurispru­ dência reflita a dúvida doutrinária, posto que Rubino entende que é caso de vício (La compravendita, Trattato, cit., p. 608-609), enquanto Martorano e Amorth entendem que é caso de aliud (res­ pectivamente, La tutela del compratore per i vizi della cosa. Napoli: Jovene, 1959, p. 9, e Errore, cit., p. 148). Mirabelli sus­ tenta que é caso de aplicação do art. 1.498 do CC (Dei singoli contratti, Commentario del Codice Civile. Torino: Utet, 1968, libro IV, t. III, p. 99).

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119

Nesses termos, o 1.° TACivSP, por exemplo, em acórdão relatado pelo hoje Desembargador Sidnei Beneti, entendeu que a apreensão do veículo pela polícia, vez que constatada adultera­ ção de número de chassi, caracteriza vício redibitório. Consta do v. acórdão que “a existência de adulteração de número de chassi em veículo significa, para a compra e venda que o envolva, vício redibitório, porque não poderá ele ser uti­ lizado, ao menos enquanto não cumpridas longas e custosas providências de esclarecimento de origem e de sanação admi­ nistrativa”.33 No mesmo sentido, a 4.a Câmara de Férias do Tribunal de Justiça paulista afirmou, sem se aprofundar muito no tema, que a adulteração do chassi caracteriza vício redibitório. Consta da ementa: “Veículo - Vício redibitório - Adulteração do chassi Comprovação por laudo da Polícia Técnica - Ação procedente Recurso não provido”.34 Já a 3.a Câm. Cív. do TJSP posicionou-se no sentido de que: “Apreensão de veículo por autoridade policial - Placas e chassis adulterados - Vício redibitório não verificado - Hipótese do art. 177, caput, do CC - Lapso prescricional de vinte anos - Recurso não provido - Não se pode falar em vício redibitório, pois o veí­ culo adquirido, em absoluto possuía qualquer vício oculto que o tornasse inútil ao fim a que se destinava”.35 Por sua vez, o TJMG, em acórdão da lavra do Desembarga­ dor Humberto Theodoro, decidiu que “não há que se falar em vício redibitório quando não se trata de simples defeito, mas de di­

(33)

Ap 590.237-4, 4.a Câm., j. 05.01.1995 (RT 713/146).

(34)

Ap 221.348-1/3, j. 08.02.1995, rel. Cunha Cintra.

(35)

Ap 216.300-1/3, rel. Antonio Mansur, j. 08.11.1994.

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vergência substancial, erro material entre aquilo que se quis ad­ quirir e o que realmente se adquiriu. A entrega de um automóvel diverso do pactuado, adulterado na montagem de peças e chassi trocado, impõe a rescisão por inadimplemento contratual, com a discussão indenizatória em face da impossibilidade de manuten­ ção da posse e utilização do veículo”.36 Como se percebe, a questão é polêmica. Inicialmente discordamos da orientação adotada por aque­ les que posicionam a questão dentro do campo do inadimplemento contratual. Entregando-se o bem adquirido, não se pode, sob pena de violação das regras da lógica, entender que houve inadimple­ mento contratual. Para que isso ocorra, o bem entregue não pode possuir qualquer identidade com aquele que foi objeto do negócio.37 Se o bem dado ao adquirente/usuário for exatamente aquele desejado e que estava previsto no contrato, porém com imperfei­ ções, poder-se-ia falar em descumprimento parcial da obrigação, mas não inadimplemento. Interessante julgado proferido pelo TACivSP nesse sentido se posicionou. Trata-se de ação de rescisão contratual proposta pelo adquirente contra a empresa arrendadora (leasing), sob o argumento de que o bem entregue era distinto do bem adquirido, já que havia comprado bem novo e lhe fora entregue bem usado. Entendeu-se que “no caso de vício redibitório o contrato é cum­ prido de maneira perfeita, pois a coisa tem defeito oculto que a torna imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminui o valor. Já

(36)

Ap 61.929, 4.a Câm, j. 04.08.1983 (RT 580/255).

(37)

RT 657/102.

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no caso de entrega de coisa diversa, o contrato é descumprido, caracterizando inadimplemento, e não defeito oculto”.38 Somos contrários à posição acolhida por alguns estudiosos italianos e brasileiros que adotam a opinião de que, se a coisa entregue (no gênero e na espécie) é efetivamente a coisa pactua­ da, porém ela possui um defeito que a altera substancialmente, a ponto de influir na sua destinação socioeconômica, estaríamos diante do aliud pro alio.39 Para nós o que importa é ser a coisa entregue ou o serviço prestado aquele que, efetivamente, foi objeto do negócio jurídi­ co. A gravidade da imperfeição, a ponto de tomar a coisa inútil, não altera a situação, descaracterizando o vício redibitório. Por esse raciocínio, se adquirimos um veículo e nos entre­ gam o veículo por nós escolhido, mas com problemas de docu­ mentação ou adulteração do número do chassi, não podemos di­ zer que houve inadimplemento absoluto. Contudo, no presente caso, afastamos também a tipificação do vício redibitório e isso pelos mesmos motivos indicados quan­ do abordamos a questão do quadro falsificado, pois as situações se assemelham. Por outro lado, é regra de lei e de razão que quem transfere a propriedade de uma coisa, ou um direito sobre ela, deve garan-

(38)

No mesmo sentido, Valdeci Mendes de Oliveira. Obrigações e responsabilidade civil aplicadas. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2002, p. 518.

(39)

Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 231, e Serpa Lopes, Curso, cit., p. 159. Mesmo no direito italiano, parece con­ cordar com nosso posicionamento Flavio Lapertosa; porém, em relação ao contrato de empreitada, diz não haver aliud, resumindo-se tudo em vício (La garanzia per vizi nella vendita e nell' appalto, Rivista Giustizia Civile, t. II, p. 49-50, 1998).

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tir a existência do domínio ou do direito transferido. Nisso se funda o instituto da evicção, que era conceituado como um defeito de direito, ou ainda como “(...) a perda total ou parcial do domínio, posse ou uso, em relação à coisa ou direito real por sentença que a vem garantir a terceiro, titular de direito real preexistente”.40 Desse conceito devemos excluir o requisito único da perda por decisão judicial, pela redação do art. 457 do CC de 2002, que parece ter acolhido posicionamento jurisprudencial e doutriná­ rio já existente sobre o tema. De qualquer forma, vê-se que um dos requisitos da evicção é a perda, total ou parcial, da coisa, com a eventual entrega ao seu verdadeiro dono. No nosso caso e na prática, duas situações podem ocorrer. Se houver a perda do bem por decisão judicial ou por decisão de autoridade policial, não temos dúvida em afirmar que caracteri­ zada estará a evicção.41 Por outro lado, poderá haver a descober­ ta da divergência no número do chassi, mas sem o desapossamento do veículo, até por falta de identificação do verdadeiro proprietário. A questão então se resume em saber até que ponto a retirada do veículo do comprador é ainda elemento essencial para caracte­ rizar a evicção. O assunto já foi enfrentado pela doutrina e jurisprudência pátria, havendo posição nos dois sentidos. Carvalho Santos, por exemplo, sustentava que para a evicção bastava que o adquirente fosse passível de ação, acerca do objeto adquirido; Washington

(40)

Sadi Cardoso de Gusmão, Da evicção, RF 170/37, ano 54.

(41)

Aliás, é esse o exemplo de evicção trazido por Jorge Franklin e Geraldo Magela, O novo Código Civil anotado. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 96.

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de Barros, Arnaldo Rizzardo e Amoldo Wald, por sua vez, criti­ cam esse entendimento.42 Temos que a melhor posição seja aquela que inclui a efetiva perda do bem como requisito da evicção, não sendo suficiente a diminuição de um direito que o adquirente tem sobre ela. Nem se argumente que na evicção parcial o adquirente man­ tém o bem, pedindo, se considerável a “perda”, um abatimento do preço; nesse caso também há uma efetiva perda, porém de parte da coisa. Irrelevante é, ainda, que nesta situação haja sempre a possi­ bilidade do verdadeiro dono ou da autoridade pública, em retirar o bem do adquirente, fazendo com que paire sobre sua cabeça a chamada “espada de Dâmocles”. Para nós, a situação exposta deve ser solucionada pelo insti­ tuto do vício do consentimento (erro ou dolo), já que houve uma falha na formação da vontade do adquirente; ele acreditava na existência de uma situação que não existia e por isto passa a ter a faculdade de propor uma ação anulatória. Discutiu-se também na doutrina e na jurisprudência se a aqui­ sição de um produto comestível em condições inadequadas para consumo caracterizava vício ou descumprimento contratual.43

(42)

Carvalho Santos. Código Civil interpretado. 13. ed. Rio de Janei­ ro: Freitas Bastos, 1992, vol. XV, p. 380; Arnaldo Rizzardo. Con­ tratos. Rio de Janeiro: Forense, p. 204; e Washington de Barros, Curso, cit., p. 68. Sobre o tema, RT 281/310, 294/199 e 306/282.

(43)

Carlos Terranova traz as duas correntes, com julgados da Corte de Cassação onde se decidiu que a situação se amolda à falta de qualidade e ou ao aliud (La garanzia per vizi della cosa venduta, Rivista di Diritto Procedura Civile, p. 95, 1989). Para Mirabelli essas situações se enquadram dentro do vício ou da falta de quali-

124

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Em parecer de Antão de Moraes a questão da incomestibilidade foi debatida, trazendo o parecerista julgados italianos e opiniões de juristas estrangeiros envolvendo a venda de óleo, doces, queijos, chocolates, pão e vinho. Concluía o desembarga­ dor paulista que não havia nessas situações vício, mas sim aliud pro alio.44 Acreditamos que essa posição, se um dia pôde ser legalmente defendida, hoje, com base no § 6.° do art. 18 da Lei 8.078/90, não mais se sustenta. O dispositivo indicado diz que os produtos são viciados quando impróprios ao consumo a que se destinam, assim consi­ derados, entre outros, os produtos deteriorados. Nesses termos, todos os alimentos ou bebidas que não se­ jam passíveis de consumo por problemas de qualidade são con­ siderados viciados, facultando-se ao consumidor socorrer-se de uma das ações previstas na lei. Mesmo que não tenhamos uma relação de consumo, como na compra de produtos alimentícios por um restaurante, haverá vício, e não aliud, já que o problema existente toma a coisa im­ própria ao seu destino.45

dade (Dei singoli..., Commentario, p. 98). Ainda sobre o tema, com extenso rol de julgados e posições doutrinárias, Enrico Gabrielli (La consegna, cit., p. 27-28). Colin e Capitant trazem a evolução do problema na doutrina e nos tribunais franceses, con­ cluindo pela caracterização do vício (Curso elementar de derecho civil. Madrid: Reus, 1925, t. 4, p. 122). (44)

Antão de Moraes, Compra e venda - vício e diferença de qualida­ de da mercadoria, RF 174/85.

(45)

No mesmo sentido, Rubino, porém incluindo-a, na classificação do direito italiano, na hipótese de ausência de qualidade (La compravendita, Trattato, cit., p. 601).

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125

4.3 Da mora Nosso Código Civil estabelece que a mora ocorre sempre que a obrigação for cumprida fora do tempo, do lugar e do modo convencionado (arts. 394 a 401). Excluindo-se a mora temporal, há, nas demais formas, uma discrepância parcial entre o que foi feito ou entregue e o que deveria ter sido feito ou dado; há uma distinção não completa entre o ser e o dever ser. A doutrina diferencia a mora do inadimplemento absoluto porque naquela persiste a possibilidade do recebimento da pres­ tação, enquanto que no inadimplemento o que existe é a impos­ sibilidade. A análise da possibilidade ou impossibilidade é vista pelo ângulo do interesse do credor, mas não de forma indiscrimi­ nada, e sim de forma criteriosa, em cada caso concreto.46 Como bem lembra Agostinho Alvim, a análise deve ser fei­ ta pelo juiz, até porque “bem pode acontecer que o credor, arre­ pendido do negócio, queira se prevalecer de uma imperfeição relevável, para rejeitar a prestação, o que a lei não permite”.47 Portanto, quando se contrata uma empresa de transporte aéreo para uma viagem de negócio, cuja reunião terá lugar na­ quela tarde, e o vôo é adiado para o dia seguinte, haverá inadim­ plemento e não mora, visto que, apesar de a prestação ainda po­ der ser realizada pelo devedor, não mais interessa ao credor. Ao contrário de outros ordenamentos jurídicos, como, por exemplo, o português (art. 804.° do CC), o chileno (art. 1.551 do

(46)

Precisas as palavras de Ernesto Wayar quando diz que “el cumplimiento tardío se caracteriza por la perdurabilidad del vín­ culo durante todo el tiempo que dure el retraso del obligado” (Obligaciones, cit., p. 507).

(47)

Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 53.

126

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CC), o peruano (arts. 1.333 a 1.340 do CC),48 o argentino, o fran­ cês, o italiano e o espanhol,49 a legislação pátria estabelece como

(48)

Prevê o art. 804.°, 2, do Código Civil português: “o devedor con­ sidera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tem­ po devido”. O art. 1.551 do CC chileno prevê: “El deudor está en mora, 1.° Cuando no ha cumplido la obligación dentro del térmi­ no estipulado, salvo que la ley en casos especiales exija que se requiera al deudor para constituirle en mora; 2.° Cuando la cosa no ha podido ser dada o ejecutada sino dentro de cierto espacio de tiempo, y el deudor lo ha dejado pasar sin darla o ejecutarla; 3.° En los demás casos, cuando el deudor ha sido judicialmente reconvenido por el acreedor”. O art. 1.333 do Código peruano prevê que “incurre en mora el obligado desde que el acreedor le exija, judicialmente, el cumplimiento de su obligación. No es necesaria la intimación para que la mora exista: 1. Cuando la ley o el pacto lo declaren expresamente; 2. Cuando de la naturaleza y circunstancias de la obligación resultare que la designación del tiempo en que había de entregarse el bien, o practicarse el servicio, hubiese sido motivo determinante para contraerla; 3. Cuando el deudor manifieste por escrito su negativa a cumplir la obligación; 4. Cuando la intimación no fuese posible por causa imputable al deudor”.

(49)

No direito francês, italiano, espanhol e argentino não há artigo específico que defina mora, porém a doutrina a conceitua como o retardamento no cumprimento da obrigação. Nesse sentido, no direito francês, Alex Weill. Droit civil: les obligations. Paris: Dalloz, 1971, p. 444, no peninsular, Francesco Gassoni (Obbligazioni, cit., p. 609-610) e no argentino, Guillermo Bor­ da. Tratado de derecho civil: obligaciones. 6. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1989, vol. I, p. 64. Nesse último a questão, en­ tretanto, não é de todo pacífica. José Olegário Machado, comen­ tando o art. 508, preleciona: “qué se entiendi por mora? La falta del cumplimiento exacto de la obligación, pues se juzga con

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mora, além da questão do tempo (arts. 331 a 333), a questão do lugar (arts. 327 a 330) e a do cumprimento da obrigação na for­ ma diversa do convencionado. Os dois últimos tipos de mora, principalmente o último, por não terem sido tratados de forma mais detalhada nos nossos Có­ digos Civis e não constarem das legislações estrangeiras, foram relegados a segundo plano pelos estudiosos, limitando-se a dou­ trina, geralmente, a mencionar a sua existência.50 Normalmente, nossos juristas se atêm à mora temporal. Tanto é assim que conceituam “mora” como o retardamento no cum­ primento da obrigação, chegando Orlando Gomes a dizer que o

relación al tiempo, cosa, cantidad, lugar y persona, en la forma estipulada, y faltando cualquiera de esas circunstancias haría incurrir en mora al deudor. Cualquier ofrecimiento de cantidad menor que la debida, ó en otro lugar del convenido, lo constitui­ ria en mora...” (Exposición y comentario del Código Civil argen­ tino. Buenos Aires: Lajouane, 1898, t. II, p. 163). (50)

Assim, Agostinho Alvim (Da inexecução, cit.), Carvalho Santos (Código Civil, cit., 315), Maria Helena Diniz (Curso, cit., p. 300331), Washington de Barros Monteiro (Curso, cit., vol. 4, p. 266 e segs.), Arnoldo Wald (Curso de direito civil brasileiro: obriga­ ções e contratos. 10. ed. São Paulo: RT, p. 85) e Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, vol. II, p. 216). Sílvio Venosa limita-se a dar o exemplo do pintor que não realiza a pintura a contento (Direito civil: teoria geral, cit., p. 218); Silvio Rodrigues chega a dizer que “a questão oferece menor relevância na prática, pois, em regra, a mora se revela através do retardamento” (Direito civil: parte ge­ ral das obrigações. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, vol. 2, p. 297). Jorge Cesa Ferreira da Silva, apesar de citar todas as formas de mora, acaba por concluir que todas estão diretamente ligadas à questão temporal (A boa-fé, cit., p. 143 e segs.).

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legislador brasileiro errou ao incluir no conceito tradicional de mora as figuras do não-cumprimento no lugar e na forma con­ vencionada, devendo o termo “mora”, segundo o citado autor, ser utilizado somente para designar o atraso.51-52 Todavia, se o legislador errou ou não, isso agora não merece consideração. O que importa é o teor do dispositivo em estudo o que, somado ao princípio de que verba cum effectu, sunt accipienda, toma necessário atribuir aos dois outros tipos de mora seus devidos significados e importância. Ao contrário da mora temporal, em que a obrigação ainda não foi prestada, na mora pelo não-cumprimento na forma ou lugar convencionados, por lógica, pressupõe-se que a obrigação (dar ou fazer)53 foi parcialmente cumprida, porém de maneira di­ versa da pactuada. Haverá assim esse tipo de mora sempre que o comprador ou usuário receber a coisa ou o serviço que não corresponde exata­ mente à descrição previamente estipulada, ou, correspondendo, recebê-la em local diverso. Lembremos que, nas precisas pala­ vras de Agostinho Alvim, a mora é, na verdade, a imperfeição no cumprimento da obrigação.54

(51)

Orlando Gomes, Obrigações, cit., p. 200.

(52)

Teixeira de Freitas, no seu Esboço, só fazia alusão ao tempo. Pre­ via o art. 1.070 que “ficará constituído em mora o devedor que não fizer o pagamento, e o credor que o não quiser receber, no tempo oportuno”.

(53)

Não se inclui aqui a obrigação de não fazer, já que inexiste mora nas obrigações negativas, pelo menos nas obrigações de não fa­ zer instantâneas.

(54)

Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 11 e 52. Ruy Rosado também sustenta que a mora é uma forma de cumprimento im­ perfeito (Extinção, cit., p. 117-118).

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Não nos convence o argumento trazido por Jorge Cesa quan­ do afirma que, ao se admitir uma mora que não esteja ligada ao tempo, estar-se-á admitindo uma mora eterna.55 Primeiro porque, pelo menos em tese, é admissível um mora “eterna”; basta ima­ ginar a obrigação de dar importância certa não cumprida pelo devedor e não cobrada pelo credor. Segundo porque, mesmo em se tratando de mora pelo não cumprimento da obrigação pela for­ ma devida, como na hipótese de um produto com vício, haverá a possibilidade de adimplemento da obrigação, podendo o bem, por exemplo, ser substituído, ou ser o vício sanado. Apenas devemos raciocinar de forma inversa ao que nor­ malmente fazemos na mora temporal. Na mora pela forma e pelo lugar, levando em consideração que algo foi prestado, o silêncio do credor faz desaparecer a mora. Basta que a inércia do credor perdure por determinado espaço de tempo. Esse prazo será, nas hipóteses de vício, aqueles indicados pelo legis­ lador (por exemplo, o prazo de 30 dias previsto no art. 18, § 1.°, do CDC). Também não vemos a incompatibilidade mencionada pelo autor acima citado entre os arts. 867, 956 e segs., todos do anti­ go Código Civil (o texto faz referência ao art. 857); no primeiro, mais específico, permite-se o abatimento de preço da coisa de­ teriorada, mais perdas e danos, e o art. 395 do CC vigente, o ressarcimento dos prejuízos, acrescidos dos juros e correção monetária. Como dissemos, grande parte das legislações estrangei­ ras não deram à mora a amplitude do art. 955 do Código de 1916 e do art. 394 do novo Código, omissão que fez com que a doutrina estrangeira e alguns doutrinadores pátrios crias-

(55)

Jorge Cesa Ferreira da Silva (A boa-fé, cit., p. 146 e segs.).

130

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sem uma terceira via, ao lado do inadimplemento56-57 e da mora, que recebeu diversos nomes, como cumprimento imperfei-

(56)

Apesar de nada falar sobre a mora, Pontes de Miranda fala de cumprimento ruim quando aborda o vício redibitório (Tratado, cit., t. XXXVIII). Colocando o cumprimento imperfeito como um tercium genus Rafael Peteffi da Silva (Teoria do adimplemento e modalidade de inadimplemento, atualizado pelo novo Código Civil. Revista do Advogado. Associação dos Advogados de São Paulo 68/135-153, ano XXII) e Jorge Cesa Ferreira da Silva (A boa-fé e a violação positiva do contrato, Renovar, p. 3).

(57)

Em Portugal, Pedro Romano Martinez (Cumprimento, cit.), Mário Júlio de Almeida Costa (Direito das obrigações. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 730), Vaz Serra (Impossibilidade supervenien­ te e cumprimento imperfeito imputáveis ao devedor, Boletim do Ministério da Justiça, Lisboa 47/65, 1955), Pessoa Jorge (Ensaio, cit., p. 21 e segs.) e Antunes Varela (Das obrigações, cit., p. 64). Carneiro da Frada chega a afirmar que o cumprimento imperfei­ to, juntamente com a impossibilidade e a mora, integram o uni­ verso das “perturbações da prestação” (Contrato e deveres de pro­ teção, Coimbra, Coimbra ed., 1994, p. 35). Menezes Cordeiro diz que o cumprimento imperfeito, juntamente com o incumprimento e a impossibilidade, constituem as formas de violação do di­ reito do credor (Cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda - a compensação entre direito líquidos e ilíquidos - a ex­ ceção do contrato não cumprido, Colectânea de Jurisprudência, ano XII, t. IV, p. 40, 1987). Galvão Telles, apesar de sustentar sua inclusão no conceito de incumprimento, admite a autonomia do instituto em diversas situações (Direito das obrigações. 4. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1982, p. 258-259). No direito argentino, sem criar uma terceira via, Anteo Ramella fala do cumprimento defei­ tuoso como tipo de incumprimento da obrigação, distinguindo-o do vício, por ter este ações próprias. Todavia, parece ser contradi­ tório o autor, já que conceitua esse instituto como a obrigação não levada a cabo no tempo, no lugar e no modo devido, ou seja, dentro

INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO E SUAS FORMAS

131

to,58 cumprimento inexato,59 cumprimento pontual inexato,60 cumprimento defeituoso da obrigação,61 adimplemento ruim,62 má execução,63 mau cumprimento, má prestação,64 inadimple­ mento parcial,65 adimplemento inexato,66 execução defeituosa67 e violação positiva do contrato.

do que para nós, e em parte para eles, estaria incluído na mora (La resolución por incumplimiento. Buenos Aires: Astrea, 1975, p. 6263). Parece mais adequada a posição de Ernesto Wayar quando di­ ferencia o incumprimento total do parcial visto que neste último o devedor entrega uma coisa “disminuída materialmente”, impli­ cando uma deterioração da coisa devida (Obligaciones, cit., p. 505). (58)

Menezes Cordeiro, Cumprimento, Colectânea, cit., p. 40.

(59)

Díez-Picazo (Fundamentos del derecho civil patrimonial: teoria del contrato - las ralaciones bligatorias. Madrid: Tecnos, 1970, p. 686) e Francesco Messineo; porém o autor italiano, assim como nós, a inclui dentro da mora (Manuale, cit., p. 439).

(60)

Albaladejo (Derecho civi II: la obligación y el conttrato en gene­ ral. 2. ed. Barcelona: Bosch, 1975, vol. I, p. 144).

(61)

Ernesto Wayar. Obligaciones, cit., p. 504, González Gonzáles. La resolución como efecto del incumplimiento en las obligaciones bilaterais. Barcelona: Bosch, 1987 p. 72 e segs., e Antunes Varela, Cumprimento, cit., p. 23.

(62)

Expressa usada por Araken de Assis, porém limitando-a à hipóte­ se de descumprimento dos deveres acessórios (Resolução do con­ trato por inadimplemento. São Paulo: RT, 1999, p. 112).

(63)

Expressão usada por Coelho da Rocha (apud Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 130).

(64)

Expressão usada por Larenz (apud Pedro Martinez, Cumprimen­ to, cit., p. 143).

(65)

Chiara Nobili, Le obbligazioni, cit., p. 95.

(66)

Giovanna Visintini, L’inadempimento, Trattato, cit., p. 77-78.

(67)

Galvão Telles, Direito, cit., p. 257, e Pessoa Jorge Ensaio, cit., p. 25.

132

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Para nós mostra-se desnecessária a criação de qualquer ou­ tra teoria ou de uma terceira espécie de inadimplemento, já que, como vimos, o legislador pátrio previu o cumprimento imper­ feito da obrigação, não dentro do instituto do inadimplemento, mas sim por meio das várias espécies de mora.68 Em resumo, o que estamos afirmando é que o cumprimen­ to imperfeito nada mais é do que a mora, principalmente aque­ las relacionadas ao não-cumprimento pelo lugar ou forma com­ binados. Poderíamos dizer que há a mora em sentido amplo, que equi­ vale ao cumprimento imperfeito da obrigação, e há a mora em sentido restrito, esta ligada, simplesmente, à questão temporal do cumprimento da obrigação. Orlando Gomes, chega a dizer que “entendido, porém, como cumprimento defeituoso, no sentido que Zitelmann empresta à locução, serve para qualificar as situações nas quais o devedor não efetua o pagamento no lugar e forma convencionados”.69 O cumprimento imperfeito, por sua vez, na modalidade “for­ ma” abrange outros institutos jurídicos, dentre os quais o vício de qualidade e quantidade, institutos estes, é verdade, que guar­ dam certa autonomia legislativa. Por esse motivo, no que conflitar com as regras gerais da mora, como, por exemplo, a questão da culpa - requisito para muitos doutrinadores básico para a ocorrência da mora do deve-

(68)

Vaz Serra, abordando o tema, chega a dizer que “pode haver um cumprimento defeituoso, que não represente a mora (a prestação é efectuada no tempo), e que, tal como o não-cumprimento puro e simples ou a mora, deve ocasionar a responsabilidade do deve­ dor” (Impossibilidade..., Boletim, cit., p. 66).

(69)

Orlando Gomes, Obrigações, cit., p. 208.

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133

dor (mora solvendi) -,70 prevalecerá suas regras próprias, pela aplicação do princípio da especialidade.

(70)

Lembra Agostinho Alvim que a culpa não é elemento da mora do credor, e mesmo na mora solvendi, há situações em que a culpa é dispensável. Assim e segundo o citado autor, quando há conven­ ção das partes. Ainda, os comentadores do Código das Obriga­ ções suíço entendem incidir nas obrigações de dinheiro e após o vencimento da dívida, os juros moratórios, independentemente de culpa (Da inexecução, cit., p. 11-12, 25-34, 23 e 14). Araken de Assis e Jorge Cesa apresentam uma breve relação dos doutrinadores que exigem e os que não exigem a culpa como elemento da mora (respectivamente, Resolução..., cit., p. 105-107, e A boafé, cit., p. 150).

5 A NATUREZA JURÍDICA DO VÍCIO REDIBITÓRIO SUMÁRIO: 5.1 As diversas correntes sobre o assunto - 5.2 Teoria da inexecução do contrato - 5.3 Teoria do risco - 5.4 Teoria de Endemann - 5.5 Teoria da parcial impossibilidade de prestação - 5.6 Teoria da violação positiva do contrato 5.7 Teoria da pressuposição - 5.8 Teoria do erro - 5.9 Teoria da equidade.

5.1 As diversas correntes sobre o assunto A natureza jurídica do vício e da ação redibitória é questão de grande controvérsia na doutrina e na jurisprudência, e nos úl­ timos séculos surgiram várias teorias apresentando respostas di­ ferentes ao tema. A multiplicidade de estudos, contudo, não so­ lucionou o problema, tornando-o ainda mais nebuloso. Um elenco das correntes mais importantes nos é trazido por Fubini,1 seguido em nossa doutrina por Serpa Lopes e Otto de Souza Lima.2 Para eles, alguns consideram a responsabilidade (1)

Riccardo Fubini, La teoria, cit., p. 106.

(2)

Serpa Lopes, Curso, cit., p. 151, e Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 192.

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135

do vendedor como um consectário necessário da natureza jurídi­ ca do contrato; outros entendem essa responsabilidade como uma exceção ao direito comum, e finalmente há os que procuram, sob uma forma eclética, fazer enquadrar a teoria dos vícios redibitórios na do erro. Washington de Barros Monteiro também as divide em três grandes grupos. Quanto ao primeiro, segue a classificação de Fubini; no segundo grupo, vincula o vício ao estado psicológico do adquirente, e no terceiro, chamado de eclético, tenta uma con­ ciliação das teorias precedentes.3 A teoria que abrange o grupo inicial se subdivide em outras: a que funda a responsabilidade pelo vício na inexecução do con­ trato; a que funda a responsabilidade do alienante na obrigação de suportar os riscos da coisa vendida; a que distingue a anorma­ lidade da coisa quando fixada em lei e a anormalidade em con­ fronto com o prometido, a que se baseia na responsabilidade do alienante pela parcial impossibilidade da prestação, e por último a teoria da violação positiva do contrato. No segundo grupo temos uma subdivisão entre aqueles que enquadram o vício na teoria da pressuposição, aqueles que a colo­ cam na teoria do erro e aqueles que a incluem na teoria da eqüidade. Analisemos as principais dessas doutrinas, deixando para capítulo próprio aquela ligada ao cumprimento imperfeito do contrato, isso porque é a teoria por nós acolhida. Não podemos deixar de citar que há também quem inclua o vício na teoria da culpa in contrahendo, isso sob o argumento de que é na fase de formação do contrato que se encontra a “garan­ tia”; é nessa fase que se deve evitar a violação do dever de contra­ tar coisa funcionalmente idônea à satisfação do outro contratan­

(3)

Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., vol. 5, p. 54-55.

136

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te.4 Ainda a aqueles que sustentam estar o vício ligado a uma for­ ma especial de responsabilidade civil do vendedor.5

5.2 Teoria da inexecução do contrato Constitui uma das teorias mais difundidas, remontando aos ensinamentos dos autores do projeto do Código Civil francês, Domat e Pothier,6 e acolhida por vários doutrinadores.7 A base dessa corrente doutrinária não é uniforme, porém costuma-se dizer que o alienante que entrega uma coisa viciada não entrega apenas uma coisa defeituosa, na verdade não cum-

(4)

Nesse sentido, entre outros, Salvatore Romano (Trattato di diritto civile: vendita - contrato estimatorio. Milano: Vallardi, 1960, vol. 5, fasc. 1, p. 258) e Visintini, apud Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 79.

(5)

Nesse sentido, Morales Moreno, El alcance, Anuário, cit., p. 679-682.

(6)

Morales Moreno põe em dúvida a afirmação, normalmente feita, no sentido de que tenha Pothier sustentando, no caso de vícios, a teoria da inexecução da obrigação (El alcance, Anuario, cit., p. 663).

(7)

Assim, no direito italiano Messineo, Manuale, cit., vol. III, p. 105, e Rubino, La compravendita, in Trattato, cit., p. 593. Um rol ex­ tenso de adeptos dessa corrente é trazido por Gorla (La compra­ vendita e la permuta. Trattato di Diritto Civile Italiano. Torino: Utet, 1937, vol. VII, p. 135). No direito francês parece serem adep­ tos dessa teoria Malinvaud (La responsabilité civile du vendeur à raison dês vices de la chose, Júris Classeuer Périodique - la semanie juridique, n. 2153, 1968), os irmãos Mazeaud, porém admitindo a opção da anulabilidade do ato se houver, paralela­ mente ao vício redibitório, vício do consentimento (Lecciones, cit., p. 292-293) e Larent, Principii di diritto civile. Napoli: Vallardi, 1885, 3.a série, vol. XXIV, p. 210.

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pre aquilo a que se obrigou; só parcialmente executa o contrato, e a execução parcial equivale à inexecução. Prelecionava Cunha Gonçalves que “os vícios redibitórios estão rigorosamente abrangidos no princípio da inexecução do contrato”. Em outra passagem de sua obra afirmava que “o vício oculto, dizendo respeito a uma cousa de qualidade convenciona­ da, que, em regra, é a própria cousa escolhida pelo comprador, mas que, por estar estragada, não tem a utilidade por êste visada, constitui, apenas, uma modalidade de inexecução do contrato, cuja validade não fica atingida”.8 Essa teoria parece ter sido acolhida em nosso direito pátrio por Washington de Barros Monteiro e Sílvio Venosa, que, sem se aprofundar no tema, dizem que a responsabilidade do contratan­ te se funda na teoria do inadimplemento.9 Acreditamos, contudo, que a inclusão do vício dentro dessa teoria, pelo menos no nosso ordenamento jurídico, não é de todo correta, já que no vício há o cumprimento parcial da obrigação e, conseqüentemente, não se pode falar de inadimplemente, mas sim de mora em sentido lato. No mesmo sentido, preleciona Valdeci Mendes de Oliveira que, “(...) quando se alega vício redibitório, a obrigação foi cum­ prida pelo alienante, porém, com a entrega de coisa imperfeita ou defeituosa. Há, pois, na hipótese, cumprimento obrigacional, embora com coisa viciada. O alienante entrega exatamente a coisa

(8)

Cunha Gonçalves. Tratado de direito civil em comentário ao Código Civil português. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1956, vol. XXIV, t. II, p. 738 e 743.

(9)

Washington de Barros, Curso, cit., p. 55; Sílvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 477. Arnoldo Wald e Maria Helena Diniz nada falam sobre o tema (Curso de direito civil brasileiro: obrigações, cit., e Curso, cit., respectivamente).

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que prometeu e era desejada pelo adquirente, porém, o objeto apresenta estragos ou defeitos ocultos e significativos. Já na fi­ gura jurídica do inadimplemento contratual, o que falta é mesmo a prestação ou objeto prometido”.10 Ainda, dentro da mesma linha de pensamento, Paulo Casseb expõe que “na verdade, no caso do vício redibitório o contrato é cumprido, mas de modo imperfeito, enquanto que na inexecução contratual o contrato simplesmente não é cumprido”.11 Lembremos que no vício há a entrega do bem ou a realiza­ ção do serviço pleiteado, possibilitando a manutenção do negó­ cio com a redução do preço, o que afasta a ocorrência de um ime­ diato e completo descumprimento da obrigação. Acrescentemos ainda que, no vício, o fato gerador que dá ensejo à extinção da obrigação, pelo menos quando se fala em coisa, existe em momento anterior a sua entrega, enquanto no incumprimento, seja por culpa do devedor, seja por impossibili­ dade, a causa surge no momento da execução. Por último, lembremos que o prazo para os pedidos de reso­ lução e redibição são distintos, sendo que no inadimplemento o prazo prescricional é o ordinário.

5.3 Teoria do risco Essa teoria, criada por Brinz (Lehrbuch der Pandekten, vol. II), sustenta que a responsabilidade pelo vício não deriva da es­

(10) (11)

Valdeci Mendes de Oliveira, Obrigações, cit., p. 533. Paulo Casseb. Vício redibitório: paralelo entre o Código Civil e o Código do Consumidor, Revista do Instituto de Pesquisas e Es­ tudos 16/152. No mesmo sentido e no direito italiano Michele Giorgianni. L’indempimento. Milano: Giuffrè, 1975, p. 72.

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trita obrigação do vendedor; não se trata de uma responsabilida­ de pela inexecução do contrato, mas sim de um risco ligado ao negócio. Afirma-se que o alienante, no momento de entabular um negócio para entrega de uma coisa ou para prestar um serviço, assume o risco de redibição ou devolução de parte do preço, caso o bem ou o serviço não tenham as qualidades comuns aos seus similares. Os adeptos dessa doutrina partem do princípio de que o nãocumprimento da obrigação está ligado à idéia de culpa, sendo que as ações edilícias não levam em consideração esse elemento. Ade­ mais, em caso de inadimplemento, haveria outra opção (execução forçada) ao lado da redibição do negócio e da redução do preço. Não aceitamos essa corrente: a idéia de culpa na hipótese de incumprimento da obrigação não é de todo correta, já que se pode falar em inadimplemento não culposo, em que o elemento subje­ tivo também é irrelevante. No que tange às ações colocadas à disposição do adquirente, lembremos que vários doutrinadores e novas normas jurídi­ cas ampliaram as alternativas do adquirente/usuário em caso de vício, permitindo o pedido de retirada da imperfeição existente, a substituição do bem ou refazimento do serviço (arts. 18, 19 e 20 da Lei 8.078/90). Podemos acrescentar que a falha dessa doutrina encontrase ainda em outro motivo, cuja constatação foi feita por diversos autores. Precisas são as críticas trazidas por Saleilles12 e por Fubini13 no sentido de que, se alguém assume o risco, é porque

(12)

Apud Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 211.

(13)

Fubini, La teoria, cit., p. 124. No mesmo sentido, no direito pátrio, Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 213.

140

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tem a obrigação de entregar a coisa sem vícios. Assim, essa teo­ ria nada mais é que a própria inexecução do contrato, com as conseqüências dela advindas. Também correta a crítica feita por Carvalho de Mendonça, sob o argumento de que a idéia de risco implica e está indissoluvelmente ligada à de impossibilidade da prestação, por caso for­ tuito ou força maior. Diz que quem prestou a coisa, mesmo com vício, prestou-a sempre, não havendo caso fortuito, força maior ou ausência completa de impossibilidade para justificar a ques­ tão do risco.14

5.4 Teoria de Endemann Essa teoria recebe o nome de seu criador. Endemann (Lehrbuch des bürg) uma distinção entre a venda de coisa com garantia de qualidade, ou mesmo de coisa vendida sem qualquer garantia, mas com omissão do vício pelo alienante, e a venda de coisa sem promessa de qualidade, em que os vícios fossem igno­ rados pelas partes. No primeiro caso só se poderia falar de inadimplemento e, conseqüentemente, de indenização; no segundo haveria o cum­ primento do contrato, porém com responsabilidade pelo vício. Nas palavras de Otto de Souza Lima, essa teoria se resume na assunção da responsabilidade pelo alienante porque ele assim quis, ou seja, ela se fundamenta na vontade das partes.15 A crítica que se faz a essa posição doutrinária está no fato de ela nada esclarecer sobre o fundamento jurídico da responsabi­

(14)

Carvalho de Mendonça. Contratos no direito civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1957, vol. I, p. 381.

(15)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 216.

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lidade pelos vícios redibitórios, impondo uma errônea diferen­ ça entre qualidade e defeito. Como bem nota Fubini, e isso vale para o ordenamento jurídico pátrio, é irrelevante para a lei se o vício tem origem na manifestação de vontade ou na norma jurídica.16 No escólio de Carvalho de Mendonça é ela “uma bela teoria para o direito constituendo, sem dúvida, mas insustentável dian­ te do direito positivo universal. De fato, o vício redibitório opera a rescisão ou a diminuição do preço, qualquer que seja a situação psicológica do vendedor em relação à existência do vício. O in­ teresse do comprador é sempre o que determina os efeitos do ví­ cio redibitório. Nada influi, portanto, que o vendedor tenha co­ nhecido ou ignorado o vício”.17

5.5 Teoria da parcial impossibilidade de prestação Essa teoria parte do pressuposto de que o conteúdo con­ tratual é composto pela designação do objeto e a configura­ ção (vícios e qualidades) que o objeto deve ter de acordo com a opinião comum, sendo que o cumprimento contratual ocor­ rerá quando se entrega o objeto e ele possui as configurações previstas.18

(16)

Fubini, La teoria, cit., p. 127.

(17)

Carvalho de Mendonça, Contratos, cit., vol. I, p. 382.

(18)

Essa teoria foi acolhida por Regelsberger e, quanto à venda de coisas específicas, por Rodrigo Bercovitz (La naturaleza de lãs acciones redhibitoria y estimatoria em la compraventa, Anuário de Derecho Civil - ADC, Madrid, p. 807, 1969). Também foi a teoria acolhida na Itália por Armando Plaia. Vizi del bene promesso in vendita e tutela del promissário acquirente. Padova: Cedam, 2000, p. 10.

142

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Faltando essa segunda parte, ocorreria a impossibilidade na execução, já que a coisa que o vendedor deve entregar não reúne as condições exigíveis. Merece aplauso a crítica exposta por Fubini quanto à impos­ sibilidade de separação da coisa de sua utilidade. Na verdade, como preleciona o autor italiano, o defeito não tira a possibilida­ de da prestação existir e para isso ficar claro, basta imaginarmos o defeito de menor importância, que autoriza o adquirente a plei­ tear a diminuição do preço, mantendo a coisa.19 Ademais, não há impossibilidade na prestação quando pre­ sente o vício e ele pode ser sanado, bastando lembrar que nas relações de consumo e nas relações comerciais é indiscutível a pos­ sibilidade de substituição do bem ou mesmo o afastamento do problema que tornava a coisa ou o serviço impróprio para seu uso. O acolhimento dessa tese tornaria o instituto do vício irrele­ vante e, o que é pior, possibilitaria ao próprio vendedor pleitear a nulidade do ato jurídico.20

5.6 Teoria da violação positiva do contrato A doutrina da violação positiva do contrato (positive Vertragsverletzing) teve origem na Alemanha. Ela foi apontada por Hermann Staub, em decorrência da omissão, no BGB, em relação a ter o incumprimento apenas as formas de impossibili­ dade ou mora. Assim, ela englobaria tudo que não fosse abrangi­ do nessas duas figuras.

(19)

Fubini, La teoria, cit., p. 128-129. (20)

Nesse sentido Wolff, Sachmängel beim Kauf, en Iherings Jahrbücher für die Dogmatik des bürgerlichen Rechts - 1910, p. 69, apud Rodrigo Bercovitz, La naturaleza, Anuario, cit., p. 806.

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Essa teoria não tem na lei alemã um regime expresso e sua integração se dá com recursos à aplicação analógica das regras relativas à mora (para Staub), à impossibilidade (para Himmelschen) ou de ambas (para Stoll).21 Para melhor compreensão do tema, vejamos alguns exem­ plos trazidos por Von Tuhr: a) o vendedor que entrega animais doentes e, em conseqüência, contamina outros animais do com­ prador; b) o empreiteiro que repara mal o telhado de uma casa, de modo que nas primeiras chuvas provoca um grande dano; c) o mandatário que prestando contas de sua gestão prejudica o man­ dante ao dar-lhe fatos falsos.22 A doutrina da violação positiva do contrato não tem uma unidade e é aplicada em situações heterogêneas que os doutrinadores classificam de formas distintas.23

(21)

Menezes Cordeiro, Cumprimento, Colectânia, cit., p. 40-41, e Jorge Cesa, A boa-fé, cit.

(22)

Apud Ernest Wayar, Obligaciones, cit., p. 519.

(23)

Menezes Cordeiro a aplica em duas hipóteses (em caso de mau cumprimento da prestação principal, a que se pode chamar de cumprimento imperfeito e na inobservância de deveres acessóri­ os - ou de deveres laterais - que, por força do princípio da boa-fé, sempre devem acompanhar as diversas obrigações). Enneccerus/ Lehmann dizem ser ela aplicada em quatro casos (violação de deveres acessórios impostos pela boa-fé; o mau cumprimento da própria prestação principal; violação da colaboração ou da con­ fiança, em contratos duradouros; e declaração do devedor de não pretender cumprir a prestação devida). Philipp Heck, por sua vez, fala em dois casos (violação da obrigação de não fazer e mau cum­ primento da obrigação) (apud Menezes Cordeiro, Cumprimen­ to, Colectânea, cit. p. 41) e Jorge Cesa a divide em cinco hipóte­ ses (o descumprimento de obrigações negativas; o negligente cumprimento de deveres de prestação; o mau cumprimento de

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Apenas para facilitar a análise do tema, vejamos o mais amplo quadro de aplicação dessa doutrina: a) Aquando da violação de deveres de omissão, que dentro do nosso ordenamento não teria qualquer utilidade, visto que o Código Civil pátrio prevê, expressamente, a obrigação de não fazer e as conseqüências de sua violação (arts. 250 e 251 do CC). b) Na violação dos deveres de cuidado e proteção que po­ dem causar danos subseqüentes. No exemplo do comerciante, trazido por Staub, que recebe um artigo elétrico sem ser avisado de que contém um componente explosivo e, tendo aquele explo­ dido, causa danos na loja do adquirente.24 Nessa hipótese, entendemos que ela também é irrelevante, já que a questão poderia ser resolvida com base na responsabili­ dade aquiliana, prevista no art. 927 do CC, ou na responsabilida­ de pelo fato do produto ou do serviço, previstos nos arts. 12 e seguintes do CDC e 931 do CC. c) Pela violação de deveres laterais, como o dever de conse­ lho, informação, segredo etc., o que também é por nós incluído dentro do princípio da boa-fé objetiva que exige um comporta­ mento leal e honesto dos contratantes e o da responsabilidade civil subjetiva (CC) e objetiva (CDC).25 d) Quando, num contrato de fornecimento sucessivo, é des­ respeitado um só dever de entrega, como no citado exemplo do fabricante de cerveja que, durante um mês, entrega a um res-

obrigações duradouras; o descumprimento de deveres laterais e a recusa antecipada do devedor de cumprir o devido) (A boa-fé, cit., p. 217-218). (24)

Apud Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 64.

(25)

Para Jorge Cesa, estaria aqui a principal razão da aplicação dessa teoria no direito pátrio (A boa-fé, cit., 29).

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145

taurante cerveja da pior qualidade.26 Nesse caso estaremos dian­ te do cumprimento imperfeito da obrigação, como será visto em seguida. e) Quando o devedor declara que não irá cumprir o contra­ to, porém, nessa hipótese, como bem diz Pedro Martinez, se ocor­ rer o prometido, haverá inadimplemento.27 f) Nos casos de culpa post pactum finitum, em que há a vio­ lação de obrigações após o cumprimento do contrato, como na ausência de assistência técnica de um produto vendido. Aqui, novamente, estaremos diante dos deveres acessórios ligados à boafé, e no nosso ordenamento, infração legal com base no CDC. g) Por último, temos as hipóteses de cumprimento defeituo­ so, o qual é o cerne deste trabalho e será analisado mais à frente. A doutrina da violação positiva do contrato tem utilidade no direito alemão, como vimos, devido a algumas deficiências le­ gislativas, inclusive pela falta de uma cláusula geral do dever de indenizar e de regras do inadimplemento. Dentro do nosso ordenamento, além de constar cláusula geral de indenização, há ainda regras sobre o inadimplemento e sobre a mora, abrangendo esta última, como será visto neste trabalho, outras situações que não a mora temporal.28

(26)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 66, e Vaz Serra, Impossibilidade, Boletim, cit., p. 75.

(27)

A essa situação Araken de Assis dá o nome de inadimplemento antecipado (Resolução..., cit., p. 95).

(28)

Na mesma linha de pensamento Ruy Rosado, Extinção, cit., p. 126. No direito argentino essa teoria, segundo Ernest Wayar, tam­ bém é desnecessária, bastando a aplicação dos arts. 506, 508 e 511, do CC (Obligaciones, cit., p. 518-519). No mesmo sentido Vaz Serra, Impossibilidade, Boletim, cit., p. 77 e segs. Pessoa Jorge

146

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Por esse motivo, não há para nós qualquer razão para pensar que o vício pudesse ser incluído nessa teoria.

5.7 Teoria da pressuposição Já dentro do segundo grupo de teorias, podemos citar a teo­ ria da pressuposição. Essa teoria refere-se à autolimitação da vontade verdadeira ou dos efeitos do negócio jurídico, mas não através dos elemen­ tos acessórios da “condição”, “termo” ou “modus”,29 e sim pela existência de uma cláusula, que apesar de poder ser expressa, em regra está implícita em todo o negócio, possibilitando aos con­ tratantes a sua rescisão. Ela foi criada, e talvez isso pareça uma incoerência, por uns dos expoentes do pandectismo, Bernhard Windscheid, quando em 1847 abordava a “causa das obrigações” (§§ 1.131 a 1.133 do BGB) e, posteriormente (1850), de forma mais sistematizada, com a publicação da obra Die Lehre des römischen Rechts von der Voraussetzung (A teoria da pressuposição no direito romano).30 Windscheid a chamou de pressuposição, porém também a ela se referia como “condição não desenvolvida”.31 Ela poderia defende que “a fórmula é inconveniente, pois engloba e unifica inexecuções que só têm de comum o aspecto acidental de envol­ verem uma actuação do devedor” (Ensaio, cit., p. 19). (29)

Orlando Gomes aborda o tema “pressuposição” dentro do capí­ tulo sobre os “modos” (Introdução ao direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 409).

(30)

Windscheid. Diritto delle Pandette. Torino: Utet, 1925, vol. I, p. 560 (trad. de Fadda e Bensa).

(31)

Clóvis do Couto e Silva diz ser possível ainda a denominação de “condição subintelecta” (A obrigação como processo. São Pau-

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reportar-se ao direito ou a um fato, passado, presente ou futuro; respeitar uma realidade positiva ou negativa; ligar-se a um acon­ tecimento momentâneo ou a uma relação duradoura.32 Parte essa teoria do entendimento de que uma pessoa, ao rea­ lizar um negócio jurídico, pode estar convencida da existência no passado, no presente ou no futuro - de certo acontecimento ou estado da coisa, de tal maneira que, se tivesse efetivo conheci­ mento da realidade, não teria concluído o negócio.33 Nesses ter­ mos, a eficácia negocial existe enquanto querida: no defeito da vontade, não se pode conceber a subsistência do efeito jurídico.34

lo: Bushatsky, 1976, p. 8). Orlando Gomes a denomina “condi­ ção implícita” (Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: RT, 1967, p. 47). (32)

Orlando Gomes dá como origem dessa teoria as implied condition do direito inglês (Transformações, cit., p. 48), que segundo João Batista Villela teriam surgido com Lord Mansfield, no século XVIII (O plano Collor e a teoria da base negocial, Repertório IOB de Jurisprudência 19/90, p. 383, 1.a quinz. out. 1990). Federico de Castro y Bravo cita os implied terms e frustation (El negocio jurídico. Madrid: Civitas, 1997, p. 324). Segundo consta do Black’s Law Dictionary, “implied condition exist when inferred or presumed by law, from the nature of the transaction or the conduct of the parties, to have been tacitly understood between them as a part of the agreement, though not expressily mentioned” (Abridged Sixth Edition).

(33)

Manuel Domingues de Andrade a define como “a circunstância ou estado de coisas que qualquer dos contraentes, ao realizar dado negócio, teve como certo verificar-se no passado ou no presente ou vir ou continuar a verificar-se no futuro, quando de outro modo não teria contratado” (Teoria geral da relação jurídica. Coim­ bra: Almedina, 1992, vol. II, p. 403).

(34)

Franco Girino. Pressupposizione. Novissimo Torino: Utet, 1957, vol. XIII, p. 775-784.

Digesto

Italiano.

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Nas palavras do insigne romanista que a desenvolveu, “(...) se o estado de coisas pressuposto não existir, ou não se concreti­ zar ou deixar de existir, a relação jurídica constituída através da declaração de vontade não se mantém a não ser sem, ou melhor, contra a vontade do declarante (...) Resulta daí que ele pode re­ pelir aquele, perante o qual esteja obrigado, com uma exceptio (doli), caso este a queira fazer valer ou, sem que este faça valer, exigir-lhe a restituição daquilo que dele tenha”.35 Todavia, ainda para o jurista alemão, o devedor só poderia utilizar-se da pressuposição quando a outra parte pudesse ter in­ ferido (aceitava-se a mera cognoscibilidade), do conteúdo da declaração de vontade, a vinculação à existência de certo acon­ tecimento ou estado da coisa. A teoria da pressuposição foi mais conhecida dentro da Ale­ manha - apesar de ter sido pouco aceita. Limitada à alteração de circunstâncias futuras, foi incluída no primeiro projeto do BGB, no § 742. Constava do texto que: “Aquele que realizar uma pres­ tação sob a pressuposição, expressa ou tacitamente declarada, da verificação ou não verificação de um acontecimento futuro ou de um efeito de direito, pode exigir a restituição ao destinatário, caso a pressuposição não se realize”. Segundo justificado pelos elaboradores daquela norma, além de haver hesitações nessa teo­ ria, o acolhimento completo dela (referente ao passado e ao pre­ sente) traria uma grande insegurança jurídica e conseqüências confusas.36 Na segunda revisão do projeto a teoria foi excluída sob o argumento de que atentava contra a seguridade do tráfico. Toda­ via, para Franco Girino, o legislador tedesco, bem analisado, longe

(35)

Apud Menezes Cordeiro, Da boa-fé, cit., p. 970.

(36)

Idem, ibidem, p. 971 e 972.

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de significar repúdio ao instituto, queria dizer que a questão re­ lativa à “pressuposição” estava agora aberta e que sua solução estava confiada à doutrina e à jurisprudência.37 Também em outros países europeus essa teoria foi debatida na doutrina e aplicada por alguns tribunais. Segundo Franco Girino, na Itália muitos estudiosos, dentre os quais Fubini e Martorano acreditavam tê-la acolhido o Código Civil de 1865 em vários dispositivos. Assim, nos arts. 888 e 1.083 (casos de revo­ gação do testamento e doação com superveniência de filho). Já no Código Civil italiano vigente, muito se discute sobre o aco­ lhimento da teoria da pressuposição pelo art. 1.467. Favoráveis a esse pensamento, além de vários julgados, cita-se os doutrinadores Favara e Nassbaum. Em sentido contrário, sob o argumento de ter tal dispositivo adotado a noção de defeito funcional da causa, encontramos Girino, Rescigno e Pino.38 Em Portugal essa teoria foi introduzida por Guilherme Moreira, em 1907 e Pinto Coe­ lho, que afirmavam derivar ela de vários preceitos do Código.39 Um dos críticos mais ferrenhos de Windscheid foi Otto Lenel, que apontava falhas no plano interno do preceito que pre­ tendia consagrar a pressuposição (§ 742 do projeto) e na própria doutrina em si. Quanto ao primeiro e com base nos motivos trazidos sobre o tema no projeto do Código, dizia não poder ela ser aplicada em

(37)

(38)

(39)

Franco Girino, Pressuposizione, Novíssimo digesto, cit., p. 777. Idem, ibidem, p. 780 e 781; Fubini (Teoria, cit., p. 148 e segs.); Martorano (La tutela, cit., p. 182 e segs.). Sobre o tema v. ainda Giuliana Coppi (Pressuposizione ed errore sui motivi negli orientamenti della dottrina e della giurisprudenza, Giustizia civile, 1998, t. II, p. 14-15). Menezes Cordeiro, Da boa-fé, cit., p. 912.

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parte (apenas à pressuposição futura); ou ela está correta e deve ser aceita no todo, ou gera ainda dúvida e deve ser recusada na íntegra. Em relação à teoria, dizia ser impossível distinguir a pres­ suposição dos meros motivos40 e se um dos contratantes tem dú­ vidas sobre a base do negócio, que inclua no acordo uma condi­ ção, permitindo à outra parte aceitá-la ou não. Para Lenel, a cria­ ção de um instituto intermediário entre os motivos e a condição apenas cria a insegurança jurídica.41-42 Arnoldo Medeiros da Fonseca sustentava que, além das crí­ ticas gerais relativas à fraqueza dogmática, falácia lógica e danosidade prática (já que, atribuindo relevância à vontade in­ terna, minava o contrato, pondo em perigo a segurança e a certe­ za do comércio43), havia a alegação de não decorrer dela nenhum critério geral que servisse de base à determinação precisa do con­ ceito de pressuposição, permitindo distingui-la dos motivos meramente subjetivos.44

(40)

Windscheid chegou a combater essa crítica, afirmando que a pres­ suposição seria um motivo cognoscível do outro contratante, ou seja, seria um motivo exteriorizado (apud Menezes Cordeiro, Da boa-fé, cit., p. 975).

(41)

Apud Menezes Cordeiro, Da boa-fé, cit., p. 973-975.

(42)

Antunes Varela traz como as duas principais críticas de Lenel: a) não constituir figura distinta do erro-nos-motivos da declaração, instituto não acolhido pelo direito; b) o fato da aplicação dessa tese conduzir a soluções injustas e, como tais, inaceitáveis, mesmo no plano do direito constituendo (Das obrigações, cit., p. 92). Essas críticas também foram levantadas por Amorth (Errore, cit., p. 42).

(43)

Franco Girino, Pressupposizione, novíssimo digesto, cit., p. 777. (44)

Arnoldo Medeiros da Fonseca, Caso fortuito e teoria da imprevisão, cit., p. 204. Antônio Junqueira de Azevedo também critica a

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Menezes Cordeiro, apesar de entender ser harmônica a teo­ ria de Windscheid - se levássemos em consideração que o autor foi discípulo de Savigny e assim defensor da “vontade” como dogma supremo também a critica por dois motivos básicos. A primeira funda-se na colocação da vontade humana como repre­ sentação central do sistema; a segunda, na delimitação periféri­ ca pré-operada.45 Manuel A. Domingues de Andrade era mais benevolente com a teoria windscheidiana, aceitando-a em parte. Preconizava que, se a circunstância ou situação se referisse ao passado ou presen­ te, estaríamos diante do erro. Referindo-se ao futuro, necessária seria a análise da certeza ou incerteza da sua não-verificação no momento em que o contrato foi firmado; se a circunstância ou situação se referisse ao futuro, mas fosse certa no presente sua não-verificação, estaríamos, novamente, diante de erro; em caso contrário, da pressuposição.46 Todavia, o mestre luso exigia para a revogação do negócio, mesmo nesta última hipótese, que ela correspondesse ao interes­ se do pressuponente e não envolvesse injusto sacrifício para o outro contratante.47

teoria da pressuposição pelo seu excesso de abstração (Negócio jurídico e declaração negocial: noções gerais e formação da de­ claração negocial, obra inédita, tese para concurso de professor titular, p. 221). (45)

Menezes Cordeiro, Da boa-fé, cit., p. 978.

(46)

Com essa restrição, Manuel de Andrade afirma que ela se asse­ melha à teoria rebus sic stantibus (Teoria, cit., p. 405). Mário Júlio de Almeida Costa também entende ter interesse a teoria da pressuposição quanto à circunstância futura (Direito, cit., p. 256).

(47)

Manuel Domingues de Andrade, Teoria geral, cit., p. 409.

152

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Como exemplos concretos, nos quais se aplicaria essa teo­ ria, costuma-se citar os diversos casos da “Coronation”, em que, para o desfile de coroação de Eduardo VII (Inglaterra) foram alugadas várias casas e embarcações que ficavam no percurso do cortejo, mas os imóveis e os barcos não foram utilizados em de­ corrência do cancelamento do ato por doença do monarca. No Brasil essa teoria foi acolhida por parte da doutrina. Assim, Milton Evaristo dos Santos, Carvalho de Mendonça, Carvalho Santos, Aureliano, Serpa Lopes, entre outros, susten­ taram que a teoria da pressuposição é a que melhor interpretava a questão do “vício redibitório”.48 Também nos tribunais ela foi invocada para fundamentar a teoria do vício. Na Ap 7.396-SP, o relator Paulo Colombo afir­ mou que “a impropriedade da cousa ao uso a que é destinada é o que fundamenta a teoria da pressuposição”.49 A nosso ver, corretas estão as críticas gerais formuladas a essa teoria, já que, em face do excesso de subjetivismo, cria-se uma insegurança jurídica muito grande ao permitir que uma das partes rescinda o negócio por motivos não necessariamente aceitos pelo outro contratante. Quanto ao vício propriamente dito e além da crítica geral, não se pode dizer ser a teoria da pressuposição a base e o funda­ mento desse instituto. No vício, ao contrário da pressuposição, é irrelevante aquilo que o adquirente imaginava (pressupunha) sobre a coisa.

(48)

Milton Evaristo dos Santos, Êrro substancial e vício redibitó­ rio, RF 142/517-519; Carvalho de Mendonça, Contratos, p. 383; Carvalho Santos, Código Civil, cit.; Serpa Lopes, Curso, cit., p. 155.

(49)

RF, maio 1940, p. 362.

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Basta pensarmos na compra de um aparelho eletrônico que possua qualquer imperfeição em seu funcionamento. Irrelevan­ te para a caracterização do vício o elemento psicológico do adquirente. O problema é visto por um ângulo objetivo, mais precisa­ mente por um ângulo econômico da relação jurídica.50 Ademais, nos dias de hoje, de consumo de massa, não se pode esperar - como pretendia Fubini ao defender essa doutrina - que o fornecedor possa ter conhecimento, ou pelo menos cognoscibilidade, sobre a vontade e interesse do adquirente.51

5.8 Teoria do erro52 Essa teoria, de forma genérica, inclui o instituto do vício no erro negocial, porém, dentro dela, existem posições distintas, que oscilam desde a oposição quase total entre os dois institutos à quase completa confusão entre eles,53 passando por aquelas cha­ madas de intermediárias, que, com base legal e filosófica, acre­ ditam que o legislador equiparou, em relação aos efeitos, os dois institutos. Efetivamente, pelas similitudes entre o vício redibitório e, principalmente, sobre uma das espécies de erro, essa teoria é extremamente atrativa, daí ter sido acolhida por vários doutri-

(50)

Na mesma linha de raciocínio, Montessori. Garanzia del venditore pei vizi della cosa e la denuncia dei difetti della mercê nella compravendita commerciale. Milano: Vallardi, 1910, p. 87.

(51)

Fubini, La teoria, cit., p. 155.

(52)

Não será visto o “dolo”, lembrando que este nada mais é do que um erro qualificado pelo comportamento omissivo ou comissivo do co-contratante.

(53)

Giorgi. Teoria delle obbligazioni. Fratelli Cammelli, 1879, vol. IV, p. 83.

154

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

nadores54 e pelo ordenamento jurídico português, seja no antigo Código Civil (art. 1.582.°) que, segundo alguns, tinha sua origem nos arts. 1.110 e 1.641 do Código francês,55 seja pelo atual, que, em matéria de incumprimento do contrato de compra e venda, remete a questão para o erro (art. 905.°). Sob a vigência do antigo Código português (previa o art. 1.582.° que “o contrato de compra e venda não pode ser rescindi­ do com o pretexto de lesão ou de vícios da cousa, denominados redibitórios, salvo se essa lesão ou êsses vícios envolveram êrro que anule o consentimento, nos têrmos declarados nos arts. 656 a 668 e 687 a 710, ou havendo estipulação em contrário”), Manuel de Andrade prelecionava que o vício redibitório, em regra, é uma espécie de vício da vontade e, de modo geral, dei­ xou de ser um vício autônomo, só podendo invalidar um con­ trato quando concorrerem os pressupostos legais da anulação por erro.56

(54)

No direito italiano, entre outros Mirabelli, Dei singol., Commentario, cit., p. 66 e 88. No direito espanhol Rodrigo Bercovitz cita Sánchez Román, De Diego, Mucius Scaevola, Marichlar y Manrique e de Buen (La naturaleza, Anuario, cit., p. 780-781). Afirma Fubini que a legislação prussiana entendia que a teoria do erro era a base da garantia pela qualidade (La teoria, cit., p. 133).

(55)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 220.

(56)

Manuel de Andrade, Teoria, cit., vol. II, p. 231. Também Galvão Telles, quando da exposição de motivos de seu Projeto, dizia que “os vícios da coisa, como os do direito, e à semelhança do legis­ lado no atual Código (art. 1.582) (Código de 1867), não consti­ tuem segundo o projecto fundamento autônomo de anulação. Integram-se no instituto jurídico do erro e do dolo” (apud Baptista Machado, Acordo negocial e erro na venda de coisas defeituosas, Boletim do Ministério da Justiça - BMJ 215/5-6, 1972). Ainda Menezes Cordeiro (Cumprimento, Colectânia, cit.,

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Temos para nós que essa teoria não expõe de forma precisa a natureza jurídica do vício. Como veremos, tanto o erro como o vício redibitório, têm origens, fundamentos e conseqüências ju­ rídicas distintas, cabendo ao intérprete encontrar, apesar das di­ ficuldades, seus diferenciadores. Para melhor estudarmos o tema, necessário se faz uma abor­ dagem, mesmo que superficial, do instituto do “erro”. Sabemos que a vontade é elemento básico para validade dos atos jurídicos e, por conseqüência, para os negócios jurídicos. Ela deve ser manifestada de forma idônea, consciente e livre, pois qualquer alteração involuntária gera um querer defeituoso, crian­ do uma desconformidade entre a vontade hipotética e a vontade real do agente. Por outro lado, para a boa manutenção da ordem social e econômica, as relações jurídicas devem produzir uma confiança e uma segurança nas pessoas que delas participam e até para ter­ ceiros, ou seja, um contrato firmado necessita ser, em princípio, respeitado e cumprido. Por essa razão procura-se encontrar uma harmonia entre o princípio da confiança/segurança com o princípio da manuten­ ção da vontade efetiva do agente. Com o objetivo de manter essa vontade racional - mas sem abandonar o outro interesse - é que o direito possibilitou a anula-

p. 42) e Pedro Martinez, este com um rol de doutrinadores que seguiam esse posicionamento e com a indicação de dois doutri­ nadores que admitiam as ações redibitórias ao lado da ação anulatória por erro (Cumprimento, cit., p. 124 e 291). Há autores portugueses, entretanto, que discordam desse entendimento; as­ sim e com indicação de outros, Baptista Machado (Acordo, Bo­ letim, cit.).

156

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

bilidade dos negócios jurídicos57 que tivessem sido realizados com algum vício nessa vontade, em que o pretendido estivesse em desconformidade com o realizado. Assim o erro ou a ignorân­ cia,58 o dolo, a coação, a lesão e o estado de perigo, uma vez ca­ racterizados, autorizam o autor do ato defeituoso a anulá-lo. O “erro” é a falsa idéia de uma realidade, capaz de conduzir o declarante a se manifestar de forma diversa da pretendida. A doutrina, sobretudo estrangeira, costuma fazer uma dis­ tinção entre o “erro-obstáculo”, também chamado de “erro impróprio” e o “erro-vício”, denominado “erro próprio” ou “erro-motivo”.59-60 Caracteriza-se o erro-obstáculo pelo desacordo entre a vontade e sua manifestação, como na hipótese de uma pessoa acreditar estar adquirindo um bem quando, na verdade, o está alugando. Como exemplo real e, de certa forma atual dessa situação lembremos do contrato de leasing de veículos, em que muitos

(57)

No direito romano não se falava em anulabilidade, mas sim em nulidade (apud Moreira Alves, Direito, cit., p. 174).

(58)

Apesar de o legislador pátrio ter tratado o erro e a ignorância de forma homogênea, a ignorância é o total desconhecimento de um fato, enquanto o erro é a falsa percepção ou noção sobre uma rea­ lidade.

(59)

Na Espanha são conhecidos como: “erro na declaração” e “erro no conteúdo do negócio”. Na Alemanha, como “erro a respeito da declaração” e “erro que determina a vontade”. No direito in­ glês se dividem em in verbis, in consensu e in causa (Castro Bra­ vo, El negocio jurídico, cit., p. 103).

(60)

Dentre os adeptos da denominação errore motivo temos Bianca. Diritto civile: il contratto. Milano: Giuffrè, 1984, p. 606, e Baptista Machado, Acordo, cit., p. 16.

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consumidores acreditam estar comprando o bem por meio de um financiamento e não locando, com posterior opção de compra, até porque essa opção de compra futura geralmente é antecipa­ da, com o pagamento do VRG no curso do contrato. Sobre o tema e em um primeiro momento, pacificou-se no Superior Tribunal de Justiça, pela Súmula 263, o entendimento de que a cobrança antecipada do VRG descaracteriza o contrato de leasing, transformando-o num contrato de compra e venda. Essa súmula, infelizmente, foi recentemente revogada, voltan­ do-se ao entendimento de que a antecipação do VRG não desca­ racteriza o contrato de leasing. Já o “erro-vício” é o desconhecimento ou a falsa noção da realidade; há uma anormalidade no processo de formação da vontade, no motivo determinante do querer, como nas hipóteses de erro sobre a qualidade de uma coisa. Nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo, no “erro na formação da vontade” (inadaequatio intellectus ad rem), o pen­ samento não se conforma às coisas e a pessoa age sob uma idéia falsa da realidade, enquanto no “erro na expressão da vontade” (inadaequatio rei ad intellectum), as coisas não se conformam com o que foi pensado, isto é, a declaração não corresponde ao que foi deliberado.61 Não nos debruçaremos nessas classificações, visto que elas não trazem para nós interesses práticas; nosso legislador, para as duas hipóteses, prevê a nulidade relativa do ato.62-63

(61)

Antônio Junqueira de Azevedo, Negócio jurídico, cit., p. 170.

(62)

No mesmo sentido é a opinião de Bianca, no direito italiano (Diritto civile: il contrato, cit., p. 608).

(63)

Outra classificação trazida é a do error juris e error facti. A pri­ meira, conhecida como “erro de direito” e que se caracteriza pela

< ( 158

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

O primeiro elemento caracterizador do erro de fato é a essencialidade, assim entendida aquela que é relevante, cujo dado que se há de valorar tenha sido de importância decisiva para a reali­ zação do negócio, a ponto de, se o agente tivesse o correto conhe­ cimento do ato, não o teria praticado ou o teria, mas de forma diversa. O legislador pátrio definiu o “erro relevante” chamando-o de substancial. Nos termos dos arts. 138 e 139 do CC é assim considerado o que incidir sobre a natureza do negócio (error in negotio), sobre o objeto principal da declaração, isso compreen­ didas tanto as cláusulas principais da declaração quanto a coisa objeto do negócio (error in corpore), sobre alguma das qualida­ des essenciais do objeto (error in substantia) ou sobre as qualida­ des da pessoa a quem se refira a declaração de vontade (error in persona).64-65

ignorância, falso conhecimento da norma jurídica ou sua falsa interpretação, não será aqui analisada, pois também foge aos fins deste estudo. Pelo nosso novo Código Civil o erro de direito é tra­ tado e admitido no art. 139, III. (64)

O Código Civil italiano prevê no seu art. 1.429 que: “L’errore è essenziale: 1) quando cade sulla natura o sull'oggetto del contratto; 2) quando cade sull’identità dell’oggetto della prestazione ovvero sopra una qualità dello stesso che, secondo il comune apprezzamento o in relazione alle circostanze, deve ritenersi de­ terminante del consenso; 3) quando cade sull’identità o sulle qualità della persona dell'altro contraente, sempre che l'una o le altre siano state determinanti del consenso; 4) quando, trattandosi di errore di diritto, è stata la ragione unica o principale del contratto”.

(65)

No direito romano, nos casos de error in corpore não havia o con­ sentimento e, em conseqüência, contrato. Já nas hipóteses de error in substantia o contrato era considerado nulo, e nos casos de error

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No mesmo sentido, Antônio Junqueira de Azevedo faz uma distinção entre erro essencial e erro substancial. Para o autor, a lei delimitou o âmbito do erro essencial e assim há erro que por definição seria essencial, como o erro sobre o motivo determi­ nante, porém não é considerado pela lei como substancial.66 Não se caracteriza como erro substancial qualquer outro erro que não se inclua nas hipóteses acima mencionadas, isto é, por exemplo, o que recai sobre o preço da coisa, pois este não é ele­ mento essencial relativo à qualidade dela, mas sim um índice de valoração do bem. Por esse motivo, não é possível o pedido de anulabilidade do negócio porque o adquirente descobriu que pagou pelo pro­ duto ou serviço um valor superior ao de mercado. Nesse sentido, Ap 32.254, de 29.05.1994, relator o Desem­ bargador Pinto do Amaral, em que constou que “êrro sôbre o valor da coisa permutada não é considerado causa de nulidade do con­ trato”.67 O mestre italiano Bianca admite a anulação do negócio quan­ do o erro sobre o preço tenha relação direta com a qualidade do bem, porém aqui e com todo respeito ao professor peninsular, acreditamos que o preço continua a ser elemento secundário, visto

in qualitate, pelo menos de acordo com as interpretações de tex­ tos interpolados, o que se entende é que ele não excluía o consen­ timento e assim havia contrato; o que ocorria era a responsabili­ dade do vendedor pelos vícios e defeitos (Schulz, Clássical, cit., p. 506). (66)

Antonio Junqueira de Azevedo, Negócio jurídico, cit., p. 179.

(67)

Na doutrina francesa, v. Ghestin (Conformite et garanties dans la vente (produits mobiliers). Paris : LGDJ, 1983, p. 57-60).

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que o erro do adquirente recai efetivamente sobre as qualidades da coisa ou sobre a própria coisa em si.68 Outro requisito indicado pela doutrina e pelos tribunais, na vigência do antigo Código Civil, era a escusabilidade do ato, ou seja, só haveria erro quando o comportamento do adquirente fosse desculpável, no sentido de que qualquer pessoa em situação se­ melhante agiria da mesma forma. Em brilhante julgado da metade do século passado, o rela­ tor Espínola Filho já sustentava que, “ao sindicar-se da realidade do êrro, como vício do consentimento, não é possível alhear as con­ dições pessoais e sociais do contratante, que dêle quer prevalecerse, pois o que se pode compreender e desculpar no homem rude, na mulher inexperiente, é incompreensível muita vez, e não se tole­ ra em gente ilustrada, com instrução perfeita; o êrro escusável ao leigo quanta vez não pode ser reconhecido de boa fé no técnico!” .69 Além das condições pessoais do agente, como acima visto, analisavam-se outras circunstâncias que envolvessem o fato, como o local onde o produto ou serviço fosse adquirido e até o valor pago, tudo à luz da boa-fé objetiva de ambos os contratantes. Poder-se-ia falar em escusabilidade do erro, por exemplo, se uma pessoa adquirisse em uma joalheria um relógio dourado pensando ser ele de ouro; todavia, se a mesma peça fosse adqui­ rida de um vendedor de rua (camelô), a solução seria, a nosso ver, oposta. Temos para nós que esse elemento não mais pode ser consi­ derado como requisito do erro, uma vez que nosso atual Código

(68)

(69)

Massimo Bianca, Digesto civile, il contrato, cit., p. 609, nota 118. Parece ter a mesma opinião que a por nós defendida Ghestin (Conformite, cit., p. 60-61). RF 110/439.

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Civil, na esteira do Código italiano,70 incluiu no art. 138 um ou­ tro elemento: o reconhecimento ou possibilidade de reconheci­ mento, pela outra parte, do erro do declarante.71 Como podemos facilmente notar, trata-se de mais um reflexo do princípio da boafé objetiva. A recognoscibilidade não se confunde com a escusabilidade; esta recai sobre o emissor da declaração, enquanto aquela recai sobre o receptor, ou melhor, sobre o alienante ou prestador de serviço. Não se pode ainda confundir esse requisito com o dolo por omissão do contratante que deixa de prestar uma informação re­ levante para a formação da vontade do co-contratante. A distinção, apesar de sutil, está no fato de haver no dolo omissivo a intenção inicial de violar a vontade real daquele que pratica o ato jurídico; sua omissão é a razão da formação do que­ rer da outra parte. Na recognoscibilidade, por outro lado, não se verifica a von­ tade inicial de enganar o outro contratante, mas tão-somente um comportamento em desacordo com o dever de lealdade, caracte­ rizado pela possibilidade de constatar o vício do consentimento que recaia sobre o outro agente. Dentro dessa distinção, importante é a afirmação de Massimo Bianca no sentido de que o erro recognoscível é causa de anula­ ção do contrato mesmo que seja inescusável, já que é ele inidôneo a criar a confiança da contraparte na seriedade da declaração contratual.72

(70)

Art. 1.428 do Código Civil italiano.

(71)

Segundo Ghestin, os tribunais franceses também passaram a exi­ gir esse requisito (Conformite, cit., p. 69).

(72)

Massimo Bianca, Diritto civile: il contratto, cit., p. 611.

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Visto o instituto do erro, façamos agora um breve apanhado das subteorias e suas respectivas críticas, bem como, a nosso ver, as devidas distinções entre os dois institutos. Dentro do raciocínio de que o vício se encontra inserido na doutrina do erro e levando em consideração a existência de nor­ mas específicas para cada um dos institutos, alguns estudiosos sustentam, com base na regra da especialidade, que as normas que regulam os vícios ocultos são normas especiais em rela­ ção às normas sobre o erro, motivo pelo qual as primeiras preva­ leceriam. Essa visão teve alguma aceitação na Espanha, na Itália e foi bem acolhida na Alemanha.73 Acreditamos ser desnecessário chegar ao estudo do princí­ pio lex specialis derogat legi generali, visto que só se pode utili­ zar esse critério quando as normas existentes disciplinam direta­ mente o mesmo fato, o que para nós não ocorre. Há um erro de origem, de premissa na teoria formulada, por inexistir conflito entre os dispositivos legais. O erro e o vício não

(73)

Na Espanha Morales Moreno, El alcance, Anuario, cit., p. 675, Badenes Gasset, El contrato, cit., p. 706-707; e Puig Brutau. Fundamentos de derecho civil. Barcelona: Bosch, 1956, vol. II, t. II, p. 129-130. Em sentido contrário são citados Castro y Bra­ vo, Espín Cánovas e LLácer Matacás (apud Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 41). Na Itália Amorth cita Biachi e Luzzatto (Errore, cit., p. 33). Na Alemanha Esser e Weyers, Schldrecht, II1 (1977), p. 68 (apud Morales Moreno, El alcance, Anuario, cit., p. 675), Larenz e Brox (apud Baptista Machado, Acordo, cit., p. 34-35). São ainda citados Bergerfurth/Menard, Blomeyer, Brüggermann, Esser/Weyers, Flume, Köhler, Krame, Larenz, Lehmann, Reinicke e Tiedtke (apud Romano Martinez, Cumpri­ mento, cit., p. 41).

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se confundem, e a distinção básica estaria no fato de o primeiro estar ligado à formação da vontade do sujeito, mais especifica­ mente aos motivos determinantes dessa vontade, que não corres­ ponde ao verdadeiro querer. Esse erro deve ser analisado sob o enfoque do agente que prestou a declaração e por isso se diz que ele é subjetivo. Em outras palavras, o problema versa sobre realidades extrínsecas ao objeto negocial, ou, como prefere Baptista Ma­ chado, “algo necessariamente exterior ao conteúdo do negócio”.74 Por outro lado, no vício-incumprimento, apesar de haver um “erro”, este com aquele não se confunde. Não há qualquer desconformidade com a vontade real, pois o bem entregue ou o ser­ viço prestado são efetivamente os queridos; o que ocorre é que possuem imperfeições que os tornam impróprios para o uso a que se destinam ou lhes diminuem o valor. Como percebemos, o vício aqui é analisado pelo prisma econômico da coisa (bem ou serviço), e assim é objetivo. Como lembra Flume e ao contrário do erro-motivo, há nesse caso um “erro negocial sobre as qualidades (geschäftlicher Eigenschafstirrtum)”.75 Essa distinção foi mostrada por vários autores franceses. Baudry-Lacantinerie, Saignat e De Page, por exemplo, afirma­ ram que, apesar da semelhança, a lei não permite que eles se confundam, pois, embora nos dois casos haja um erro, este não recai sobre o mesmo ponto.76

(74)

Baptista Machado, Acordo, Boletim, cit., p. 28.

(75)

Apud Baptista Machado, Acordo, Boletim, cit., p. 19. (76)

Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 436. De Page, Traité, vol. IV, n. 50 (apud Diego Espín, Concurrencia de la accion de saneamiento por vívio ocultos en la compraventa y de las acciones

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Outra posição, adotada por parte da doutrina e jurisprudên­ cia brasileira, francesa, austríaca e suíça, sustenta haver um con­ curso de ações, dando ao agente a faculdade de escolher as nor­ mas que melhor lhe aprouverem.77 Essa posição foi acolhida no Brasil por Arnaldo Rizzardo e parece tê-lo adotado também Pontes de Miranda, já que afirma­ va que “o exercício da pretensão à responsabilidade por vício do objeto não pré-exclui a propositura da ação de anulação por êrro, salvo se é o mesmo o ponto sôbre o qual resultou coisa julgada material. O exercício da ação de anulação por êrro pode ser pro­ posto depois de precluído o prazo preclusivo sôbre a redibição ou redução”.78 Essa corrente sofre, além das críticas já expostas, o defeito de inutilizar por completo os prazos impostos pela lei para as

generales de nulidade, resolución o daños contratuales, Revista General de Legislación y Jurisprudência - RGLJ 6/916, 1967) e Hamel (apud Ghestin, Conformite, cit., p. 235). (77)

Sobre o debate dessa questão nos três últimos países citados v. Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 44. Rodrigo Bercovitz diz que na Espanha ela foi aceita em parte, citando doutrinadores e julgado da Suprema Corte (La naturaleza..., Anuario, cit., p. 787). Na Itália são citados como adeptos Ferri (apud Amorth, Errore, cit., p. 37), Pietrobon (L'errore nella douttrina del negozio giuridico. Padova: Cedam, 1963, p. 415 e segs.) e Sacco (Il contratto. Torino: Utet, 1975, p. 324). Na França, Ghestin, Conformite, cit., p. 233.

(78)

Arnaldo Rizzardo (Contratos, cit., p. 201) e Pontes de Miranda (Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 308). Dissemos que parece ser essa a posição do mestre Pontes, já que em outra parte de seu trabalho afirma que a entrega da coisa, por si só, gera o adimplemento (idem, 275). Jorge Cesa cita nesse sentido julgado do Tribunal de Alça­ da do Paraná (AC 520/83).

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ações de vício-incumprimento, tomando o instituto da garantia sem muita utilidade prática e criando uma grande insegurança jurídica. Nesse sentido, Lehmann sustenta que “otorgar al compra­ dor una opción entre acciones edilicias y acción de impugnación por error es contrario al fin principal de aquéllas, que nos es, según él, otro que el de servir a la seguridad del tráfico, acortando los prazos normales de prescripcíon”.79 Ainda, como bem lembra Vivante, não pode o juiz, mesmo diante das dificuldades, deixar de separar as duas situações. Não poderá permitir ao comprador que tenha recebido uma coisa com vício e que, pelo decurso do prazo, perdeu seu direito, mudar a natureza da ação, beneficiando-se de um prazo mais extenso. Isso causaria um prejuízo ao vendedor e, mais do que isso, uma inse­ gurança jurídica.80 Contra essa doutrina, Baptista Machado argumenta que as normas relativas ao erro são normas materiais ou de regulamen­ tação direta, que colhem na sua hipótese o dado de fato consis­ tente na divergência entre a intenção e a vontade real do declarante e o sentido juridicamente válido da sua declaração, enquanto as normas sobre o vício são normas de reconhecimento ou remis­ são, normas que remetem para as estipulações ou critérios nor­ mativos fixados pela autonomia privada.81

(79)

H. Lehmann. Derecho de obligaciones. 15. rev., trad. y anotaciones por Blas Péres Gonzales y José Alguer, apud Rodrigo Bercovitz, La naturaleza, cit., p. 787; no mesmo sentido Montessori, Garantia, cit., p. 72.

(80)

Vivante. Trattato di diritto comerciale. 3. ed. Milano: Giuffrè, vol. IV, p. 172, apud Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 298.

(81)

Baptista Machado, Acordo, Boletim, cit., p. 27-28.

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Há ainda aqueles que distinguem as duas hipóteses utilizan­ do como critério o grau do defeito. Assim, se o defeito for grave, ligado às qualidades substanciais ou prometidas, haverá erro, e se for relativamente simples ou ligado às qualidades não substan­ ciais, haverá vício.82 Peca essa idéia pelo seu afastamento do texto legal, visto que o vício, não só no nosso ordenamento jurídico, mas também em outros, é caracterizado pela inutilidade da coisa, o que, obvia­ mente, possibilita que o defeito seja grave.83 Por último há aqueles que, sob a influência do direito roma­ no, fazem uma distinção entre as espécies de erro. Acolhendo essa corrente, Pedro Romano entende que o erro in substantia, ou seja, o que recai sobre a matéria, sobre a substância da coisa, é erro propriamente dito, porém o error in qualitate, uma espécie da­ quele e que se caracteriza pela ausência de qualidade indicada ou existente em bens semelhantes, é um caso de cumprimento de­ feituoso.84

(82)

No direito pátrio tem essa posição Milton Evaristo dos Santos, Erro substancial, cit., p. 519. Rodrigo Bercovitz dizia ter sido essa a doutrina italiana dominante, na vigência do Código de 1865, com adeptos ainda na França e na Espanha (La naturaleza, cit., p. 783). São citados como adeptos dessa corrente, isso sob a luz do Código italiano de 1865, Lomonaco, Chironi e Dusi (apud Amorth, Errore, cit., p. 19). Na França, Gerard-Jérôme Nana cita Jacques Maury (La reparation des dommages causes par les vices d’une chose. Paris: LGDJ, 1982, p. 49).

(83)

Laurent punha em relevo a inoperância dessa distinção quando perguntava se “L’erreur qui a pour résultat que l’acheteur ne peut se servir de la chose (vice) n’est (...) pás la plus substantielle dês erreurs” (apud Nana, La reparation, cit., p. 47).

(84)

Pedro Romano Martinez, com rol de outros doutrinadores (Cum­ primento, cit., p. 55 e nota 2 da p. 48).

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Essa corrente se assemelha à já citada doutrina que distin­ gue o erro do vício pelo grau da imperfeição e por isso recebe as mesmas críticas já feitas. Vejamos agora onde, para nós, estariam as distinções. Dentre todos os tipos de erros, interessa-nos particularmente o erro sobre as qualidades essenciais da coisa (error in substantia), pois este é que, nas situações fáticas, como já mencionamos, se confunde com o vício redibitório. A primeira diferença que poderíamos traçar entre eles está no requisito da essencialidade prevista para a caracterização do erro. Já tivemos a oportunidade de ver que o erro, para ficar de­ monstrado, deve ser substancial, de importância tal que o agen­ te, se tivesse conhecimento do fato, não o teria praticado ou o teria praticado de forma diversa. Muito se disse, é verdade, que o vício também deveria ter esse elemento, já que não seria qualquer imperfeição na coisa que possibilitaria a alegação do vício redibitório, mas somente aque­ le que fosse grave. Dizia Washington de Barros, seguindo a orien­ tação da doutrina clássica, que o “defeito de somenos importân­ cia será insuficiente para acarretar o funcionamento da garantia” (minimis non curat praetor).85 Como veremos mais à frente, não concordamos com esse posicionamento secular, pois, no mundo moderno, de produção e consumo de massa, qualquer imperfeição, qualquer desconformidade com o prometido, desde que não seja insignificante, pode caracterizar o vício.

(85)

Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 57.

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No vício redibitório não há ainda que se indagar sobre escusabilidade ou inescusabilidade no comportamento do adquirente/usuário (mesmo que esta ainda fosse requisito do erro), pois na grande maioria dos negócios firmados no dia-a-dia (relações de consumo), admite-se que o vício seja até aparente.86 Também é irrelevante para a caracterização do vício a ciên­ cia ou a possibilidade de ciência pelo alienante da imperfeição no bem e, posteriormente, de seu desconhecimento pela outra parte (art. 443 do CC e art. 23 do CDC), o que exclui o elemento da cognoscibilidade, que, como vimos, passa a ser um dos requi­ sitos do erro.87 Na tentativa de afastar ainda mais os dois institutos po­ demos dizer que no vício há para o adquirente/usuário uma turbação no equilíbrio do sinalagma, o que pode não ocorrer no erro. Basta imaginar situação em que a pessoa pensa estar com­ prando um bem e na verdade está comprando outro de valor idêntico.88 Outra distinção está no fato de o erro poder ser alegado por qualquer dos contratantes e em todo ato jurídico, enquanto o ví­

(86)

Ghestin sustenta que esse requisito também é encontrado no ví­ cio redibitório, já que na análise do vício oculto se indaga sobre o comportamento do comprador e as circunstâncias que envolve­ ram o fato (Conformite, cit., p. 186-187).

(87)

No mesmo sentido Pedro Martinez, (Cumprimento, cit. p. 37). Dentro de sua linha de raciocínio Mirabelli entende ser requi­ sito do vício a cognoscibilidade (Dei singoli, Commentaio, cit., p. 89).

(88)

No mesmo sentido Amorth, acrescentando que o erro representa uma anomalia constitucional, enquanto o inadimplemento, uma anomalia funcional (Errore, cit., p. 6-7).

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cio é uma garantia do adquirente/usuário e somente pode ser ale­ gado nos contratos comutativos.89 Podemos ainda lembrar que o adquirente de bem imperfei­ to possui, além da redibição do contrato, outros instrumentos legais, como a redução do preço, a substituição da coisa, o refazimento do serviço, o conserto etc., que são incompatíveis com a figura do desfazimento do negócio. Notemos também que no vício-incumprimento, o desfazi­ mento do contrato pode ser parcial (art. 503), o que não acontece nos defeitos do ato jurídico, em que o desfazimento do negócio é sempre total. Poder-se-ia também, quando na vigência do Código Civil de 1916, dar uma outra diferença entre os dois institutos. O erro tinha relevância legal e por isso não admitia qualquer modifica­ ção das partes; já as normas relativas ao vício eram dispositivas, podendo os contratantes excluir a responsabilidade advinda des­ se fato. Tal distinção, todavia, não mais existe. Em consonância com os princípios protetivos do contratante mais fraco, o Código de Defesa do Consumidor afastou por completo a possibilidade de exclusão da responsabilidade, equiparando nesse ponto o vício ao erro. O novo Código Civil não repetiu a regra então prevista no art. 1.102, e essa omissão não foi sem razão. Assim, numa inter­ pretação teleológica e mesmo sistemática, não mais se admite a inclusão de qualquer cláusula de isenção de responsabilidade, tornando o vício, tanto como o erro, um instituto de interesse social.

(89)

Tanto é verdade que se o devedor inadimplente invocar o erro, excluirá seu descumprimento (Amorth, Errore, cit., p. 5).

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Cunha Gonçalves, com base no art. 1.582° do antigo Códi­ go Civil português, fazia outra distinção. Dizia que o erro só pode existir no momento da formação do contrato, ao passo que o ví­ cio surge em momento posterior à formação do negócio, mais precisamente na fase de execução.90 Essa afirmação foi muito criticada por aqueles que afastam a inclusão do vício na teoria do inadimplemento, sob o argumen­ to de que o vício deve existir no momento anterior à formação do contrato e, portanto, não pode ser entendido como uma falha na execução da obrigação.91 Acreditamos que a lição do mestre português, e de tantos outros, possa e deva ser aceita como correta, pelo menos diante de nosso ordenamento jurídico. Para nós, como veremos adiante, o vício-incumprimento deve existir no momento da tradição, e não no momento da formação do contrato, que é anterior àquele. Ora, levando em consideração que a entrega da coisa já se encontra, em regra, na fase de execução da obrigação, não podemos deixar de concluir que o vício se encontra em momento posterior à formação do negócio. Em complementação ao acima exposto e para alguns juris­ tas, a distinção não seria difícil de ser encontrada, visto que só haveria vício redibitório se ultrapassada a fase da verificação

(90)

Luiz da Cunha Gonçalves, Tratado, cit., p. 741. No mesmo sen­ tido Pedro Romano, Cumprimento, cit., p. 38, Amorth, Errore, cit., p. 5, Montessori, Garanzia, cit., p. 85 e Paulo Casseb, este último com base em Milton Evaristo dos Santos (Vício redibitó­ rio, Revista, cit., p. 157). (91)

Para Martorano o vício é uma anomalia ligada à fase da conclu­ são do contrato e não à fase da execução (La tutela, cit., p. 180).

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da validade do contrato, este sob o enfoque correspondente à vontade real do comprador. Assim, sendo válido o negócio, qualquer divergência estaria ligada ao incumprimento do contrato.92 O mestre Washington de Barros afirmava que “o vício redi­ bitório é considerado no momento da tradição, enquanto o erro se aplica ao da declaração da vontade; quem exerce a ação redibitória, admite implicitamente que o contrato de formou de modo válido e eficaz, ao passo que o autor de ação anulatória nega for­ malmente tal validade; neste caso, tem-se em vista o lado subje­ tivo do contrato, enquanto naquele se atém ao seu aspecto eco­ nômico”.93 De grande importância é a distinção entre vício-incumprimento e vício do consentimento por erro, porque, presente este último, terá o agente a faculdade de pedir a anulação do ato jurí­ dico (art. 171, II, do CC) dentro do prazo prescricional de quatro anos (art. 178, II), enquanto havendo vício-incumprimento, terá o agente a faculdade de optar entre diversas soluções, como pe­ dir a redibição do contrato, a diminuição do preço (art. 442 do CC), a substituição da coisa, a complementação em caso de vício de quantidade ou reexecução em caso de serviço (arts. 18, § 1.°, I a III; 19, I a IV, e 20, I a III, do CDC), todos com prazos decadenciais que variam de trinta dias a um ano (arts. 445 do CC e 26 do CDC).

(92)

(93)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 35. No direito pátrio e abordando a distinção entre os termos resolução e invali­ dade, Araken de Assis (Resolução..., cit., p. 84). Para Martorano o erro incide sobre a eficácia e não sobre a validade (La tutela, cit., p. 182). Washington de Barros, Curso, cit., p. 59-60.

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5.9 Teoria da equidade Essa teoria, desenvolvida por Ihering e tendo como base as lições de Ulpiano, contidas no Digesto, Liv. XXI, tit. I, fr. 1.a e § 2.°, funda-se na idéia de que o vendedor deve conhecer os de­ feitos da coisa e se isso não ocorrer não deve realizar o negócio. Jamais os efeitos de sua ignorância podem ser transferidos ao comprador, que deverá ser indenizado dos prejuízos sofridos. Pressupõe um desequilíbrio na relação contratual, estando o comprador em posição de inferioridade, motivo por que a lei o protege dos vícios.94 Ora, quando se fala em eqüidade (termo demasiadamente amplo), fala-se em justiça, e esta deve ser vista de forma ampla, não só para proteger o comprador, mas também para proteger o vendedor, se for este a parte mais fraca. Nessa linha de raciocí­ nio, o acolhimento dessa teoria levaria à conclusão de que tam­ bém o vendedor poderia, v.g., redibir o negócio ou pedir o au­ mento do preço, se descobrisse que o objeto possui virtudes que desconhecia. Levando em conta que essa opção não foi dada ao vendedor, não se pode fundar o instituto do vício numa teoria de eqüidade.

(94)

Nesse sentido e como adepto desta teoria, Montessori (Garanzia, cit., p. 95 e segs.).

6 DO CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO SUMÁRIO: 6.1 Introdução - 6.2 Campo de aplicação: 6.2.1 Vícios em coisas usadas ou de “ponta de estoque”; 6.2.2 Coi­ sas vendidas em conjunto; 6.2.3 Coisas específicas e genéri­ cas; 6.2.4 Vícios nos acessórios e componentes; 6.2.5 Vícios no comércio eletrônico - 6.3 Vício de qualidade - 6.4 Vício de solidez e segurança nos contratos de empreitada - 6.5 Ví­ cios de quantidade - 6.6 Vício jurídico - 6.7 Requisitos dos vícios de qualidade e quantidade: 6.7.1 Vício oculto e vício aparente; 6.7.2 Gravidade do vício; 6.7.3 Anterioridade do vício - 6.8 Dos vícios nos contratos coligados - 6.9 Obriga­ ção solidária e o cumprimento imperfeito - 6.10 Da garantia contratual.

6.1 Introdução Como vimos no início deste trabalho, o cumprimento im­ perfeito nada mais é do que a mora, estando o vício redibitório, uma das espécies do gênero, ligado à mora pelo não-cumprimento no modo devido; nessa etapa, iremos “autonomizá-lo”. O cumprimento imperfeito se refere a toda prestação reali­ zada pelo devedor em que seu comportamento está em desacor­

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do com o previamente estipulado, em que seu agir não corres­ ponde aos pressupostos e às condições que o pagamento exige para produzir os efeitos liberatórios da obrigação. Aqui se incluem tanto a prestação parcialmente cumprida como aquela cumprida integralmente mas com vícios, não se acei­ tando a distinção feita por alguns doutrinadores entre cumprimen­ to parcial e cumprimento imperfeito.1 Já dissemos que também faz parte do cumprimento imper­ feito da obrigação a mora temporal e a mora pelo não-recebimento da prestação no lugar devido, as quais não serão estudadas por nós, já que fogem aos objetivos deste trabalho.2 O cumprimento imperfeito é aqui diferenciado da inexecução contratual, uma vez que nele há o cumprimento de parte da obrigação, ou o cumprimento da obrigação com a entre­ ga da coisa ou do serviço, porém com imperfeições; nessas hipó­ teses, colocam-se à disposição do adquirente/usuário outras al­ ternativas que não sejam a resolução do contrato ou a execução forçada da prestação. Lembremos que as ações hoje fornecidas ao adquirente/usuá­ rio em caso de cumprimento imperfeito se destacam mais pela conservação do contrato que pelo seu desfazimento. Se por um lado entendemos que o vício não caracteriza o inadimplemento, por outro, não compartilhamos com o pensa­

(l)

Utilizando-se da distinção citada e indicando outros autores es­ panhóis, v. González Gonzáles (La resolución, cit., p. 81).

(2)

Para Díez-Picazo o cumprimento imperfeito abrange a inexatitude relativa aos sujeitos do ato de cumprimento, a inexatitude relati­ va ao lugar e ao tempo e a inexatitude relativa ao objeto da presta­ ção (Fundamentos, cit., p. 687).

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mento daqueles que sustentam que a entrega da coisa convencio­ nada já constitui o perfeito e completo cumprimento contratual,3 isso porque a obrigação não é só de entregar a coisa ou prestar o serviço, mas também de entregá-la ou prestá-lo com as qualida­ des e quantidades prometidas ou ínsitas a eles. Como bem preleciona Maria Costanza, o fenômeno da tro­ ca não pode ser considerado exclusivamente em termos mecanicistas. O interesse do adquirente não está completo se o re­ sultado do contrato consiste na transferência da propriedade de um bem diverso do combinado, com um vício ou ausência de qualidade. Somente quando o objeto adquirido esteja de acordo com as expectativas do comprador, o fim do contrato terá sido atingido.4 Para o desenvolvimento dessa teoria partimos do princípio de que, quando o alienante se compromete a entregar um produ­ to ou fornecer um serviço, assume a obrigação de fazê-lo de for­

(3)

No direito pátrio, Otto de Souza Lima (Teoria, cit., p. 204). Na Itália, Montessori (Garanzia, cit., p. 23) e Fubini (Teoria, cit., p. 111); na Espanha, Morales Moreno, com a indicação de outros autores espanhóis (El alcance, Anuario, cit., p. 661). Sustenta Enneccerus que a prestação de garantia por vício da coisa (ou seja, por razão de um vício ou por falta da qualidade assegurada) não é cumprimento do contrato de compra e venda, pois a obrigação contratual do vendedor, em caso de compra e venda de uma coisa individuada, dirige-se somente à prestação da coisa tal qual é ao concluir-se o contrato... (Tratado de derecho civil. 2. ed., trad. esp., v. II, parágrafo 12, p, 72, apud Diego Espín, Concurrencia, Re­ vista cit., p. 921).

(4)

Maria Costanza. Garantia di buon funzionamento e risoluzione del contratto. Giustizia Civile, 1978, vol. I, p. 154-158. Também Amorth, Errore, cit., p. 52.

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ma perfeita, não só cumprindo a obrigação principal, que é a de entregar a coisa (transferência do domínio e da posse) ou reali­ zar o serviço, mas também cumprindo todas as demais presta­ ções paralelas, impedindo que o co-contratante sofra qualquer dano. No escólio de Pontes de Miranda, “ninguém quer a coisa em si, sem a atenção às suas qualidades”.5 Devemos ter sempre em mente que o objeto em perfeito es­ tado, na quantidade predeterminada, e o serviço adequado, sem vícios, são a base do sinalagma. A contraprestação está ligada diretamente a eles; há entre a prestação e o preço (ou qualquer outra contraprestação) uma verdadeira relação de causa e efeito, estabelecendo um perfeito equilíbrio; tanto é assim que a exis­ tência do vício possibilitará a redibição do contrato, o abati­ mento do preço, a substituição da coisa, o refazimento do ser­ viço ou a complementação da parte faltante, restabelecendo o si­ nalagma.6 Preciso nesse ponto foi o Código Civil espanhol, já que fez constar de seu art. 1.157 que “no se entenderá pagada uma deuda sino cuando completamente se hubiese entregado la cosa o hecho la prestación en que la obligación consistía”. No direito pátrio, parece ter seguido essa teoria Silvio Ro­ drigues, ao sustentar que o vício não se confunde com o inadim­ plemento e se caracteriza pelo cumprimento de maneira imper­ feita.7 O cumprimento imperfeito está regulado de forma genérica nas disposições que cuidam da mora e de forma específico nos

(5)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 280.

(6)

Nesse sentido também Diego Espín, (Concurrencia, Revista, cit., p. 918).

(7)

Silvio Rodrigues, Direito civil: dos contratos, cit., vol. III, p. 112.

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arts. 441 a 446, 484, 500, 568, 615, 616, 618 e 737, todos do CC, e nos arts. 12 a 14,8 18, 19 e 20, todos do CDC.9 Dentre as primeiras normas indicadas (relativas ao CC), há uma hierarquia, ou seja, as normas previstas nos arts. 441 a 446 são gerais em confronto com as demais, e assim só serão aplica­ das quando não forem com as outras incompatíveis.

6.2 Campo de aplicação Vejamos agora em que tipo de relação jurídica o instituto pode ser aplicado e quais os requisitos. Ao contrário de outros diplomas legais (por exemplo, o fran­ cês, o italiano,10 o espanhol, o português, o chileno etc.), os ví­ cios redibitórios no direito pátrio foram incluídos na parte geral dos contratos, e por isso podem estar presentes em todos os contra­

(8)

As disposições que cuidam da responsabilidade pelo fato do pro­ duto não caracterizam cumprimento imperfeito, mas sim uma conseqüência dele.

(9)

González González também inclui no cumprimento imperfeito os vícios de quantidade e qualidade (La resolución, cit., p. 40). No direito italiano, também Flavio Lapertosa inclui o vício den­ tro do cumprimento imperfeito (La garanzia, Rivista, cit., p. 47).

(10)

No direito italiano, a doutrina tende a estender a aplicação dos vícios a todos os contratos que transfiram propriedade, uso ou gozo (Armando Plaia, Vizi del bene, cit., p. 56). Precisa a posição de Vittorio Carsana ao defender a aplicação do instituto do vício num contrato de cessão de uso de atleta de um clube a outro, descobrindo-se depois que o desportista estava com problemas no joe­ lho (Proponibilità limitata, congiunta e subordinata delle azioni di garanzia per i vizi della cosa, La Nuova Giurisprudenza Civile Commentata, Parte I, 1999, p. 320).

178

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

tos comutativos, assim entendidos aqueles em que há uma pres­ tação e uma contraprestação, já pré-definidas pelas partes, inclu­ sive nas doações com encargos.11-12 Durante muito tempo seu principal campo de atuação foi o contrato de compra e venda de bens, incluindo-se no conceito de “bem” todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas (como um software, a patente de invenção, a obra literária, a científica ou a artística), fungíveis ou infungíveis, consumíveis ou 13 inconsumíveis, principais ou acessórias. A doutrina e os tribunais, entretanto, sempre se referiram ao vício quando se tratava de coisa, excluindo-o das obrigações de fazer.14

(11)

O TJSP chegou a admitir a discussão do vício em cavalos recebi­ dos em dação em pagamento na dissolução de uma sociedade (ApCiv 013.102-4/0).

(12)

Nos termos dos arts. 2.164 e 2.165 do CC argentino, o vício se aplica a todos os contratos, desde que sejam onerosos. Zavalia traz uma exceção a essa regra, visto que, pelo art. 2.180, na doação se concede a garantia aos mesmos casos em que se responde pela evicção (Fernando Zavalia, Teoría de los contratos, parte geral, Buenos Aires, Ed. Victor P. de Zavalia, 1971, p. 450). Também parece ser esse o entendimento no direito peruano.

(13)

Mirabelli sustenta que o vício só deve ser aplicado aos bens ma­ teriais (Dei singoli, Commentario, cit., p. 99). No direito francês, admitindo a aplicação do instituto aos bens incorpóreos, temos Gerard-Jérôme Nana (La reparation, cit., p. 169). Badenes Gasset cita Manresa, para quem não se aplica a garantia do vício às coi­ sas objeto de propriedade intelectual (El contrato, cit., p. 695).

(14)

Carvalho Santos, Código civil, cit., p. 334 e segs., Arnoldo Wald, Curso, cit., p. 219 e segs., Paulo Casseb, Vício redibitório, Revista, cit., p. 158; e Olga Maria do Val. Responsabilidade por vícios do produto e do serviço: do Código Civil ao Código de Defesa do

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

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No que se refere ao contrato de locação, desde o direito ro­ mano o tema é debatido. Naquele tempo, o contrato de locação (locatio conductio) era o contrato pelo qual alguém, mediante remuneração, obrigava-se a proporcionar a outrem o uso ou o gozo de alguma coisa (locatio conductio rei), ou a prestar um serviço (locatio conductio operarum) ou a realizar uma obra (locatio conductio operis).15 Só havia a prestação de serviço quando o material era for­ necido pelo contratante; assim, se o material era fornecido pelo próprio contratado, entendia-se ser um contrato de compra e ven­ da, salvo na construção de uma casa.16 Zulueta afirmava que quando se contratava um artesão para fazer alguma coisa e o contratante fornecia a matéria-prima, o contrato não era de compra e venda, mas sim de locação. Por outro lado, quando a matéria era fornecida pelo contratado, havia dúvida

Consumidor. Revista de Direito do Consumidor 13/69. Pontes de Miranda admite de forma genérica o vício nas obrigações de fa­ zer e de não fazer, porém dá como conseqüência a indenização (Tratado, cit. t. XXXVIII, p. 148). Também ApCiv 014.592-400 do TJSP. (l5)

Segundo Schulz essa tricotomia não foi aceita pelos juristas clás­ sicos, que só conheceram a locatio conductio. Para ele “es ésta un producto del escolasticismo jurídico continental que crea dificultades y errores innecesarios, pues alude a diferencias jurídi­ cas en una materia en que realmente éstas no existen” (Classical, cit., p. 519).

(16)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 83. O mesmo autor sustenta, com base em Zimmerman, que o Digesto, 19.2.2, dis­ punha que a empreitada é similar à compra e venda e rege-se pe­ las mesmas regras jurídicas; porém esse dispositivo se referia exclusivamente à celebração do contrato, não se aplicando aos vícios nas prestações de serviços (p. 93).

180

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

no direito clássico romano. Para Cassius, havia dois contratos: um de compra e venda do material e outro de locação do serviço. Todavia, o posicionamento dominante, adotado por Justiniano, era de existência de uma compra e venda. De qualquer forma, para haver uma compra e venda havia necessidade da matériaprima ter sido alterada pelo artesão.17 Também nesse contrato, além das obrigações principais de entrega da coisa ao locatário e entrega do preço ao locador, exis­ tiam outras obrigações. Cabia ao locador reembolsar o locatário pelas despesas ne­ cessárias e úteis feitas com a coisa locada e suportar os encargos públicos que incidiam sobre ela, assim como propiciar ao loca­ tário o uso e gozo do bem enquanto durasse a locação, devendo ainda indenizá-lo em caso de vício oculto (no direito clássico só se tivesse o locador conhecimento do vício, enquanto, no direito justinianeu, responderia mesmo quando o ignorava).18 Schulz e Otto de Souza Lima, esse citando Glück e trazendo a divergência sobre o tema, parecem ter entendimento diverso, já que defendem a idéia de inexistência do direito de garantia (evicção e vícios) nesse contrato. O último autor citado chega a afirma que não era possível aplicar os éditos aos contratos de lo­ cação, em que se transferia apenas o uso.19

(17)

Zulueta, Romam law, cit., p. 15.

(18)

Moreira Alves fala que uma das hipóteses de rescisão do contrato de locação ocorria quando a coisa apresentava defeito que impe­ disse, limitasse ou dificultasse o uso da coisa (Direito, cit., p. 180). Otto de Souza Lima sustenta, com base em um decreto do impe­ rador Zenão, a aplicabilidade da teoria dos vícios à locação (Teo­ ria, cit., p. 328).

(19)

Schulz, Classical, cit., p. 523, e Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 95 e 96.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

181

No direito moderno, apesar da distinção entre locação de coisa e de serviço, não temos dúvida em afirmar que nos dois ne­ gócios jurídicos há essa responsabilidade. Na locação propriamente dita, o locador deve entregar ao locatário uma coisa apta ao uso; daí, se uma pessoa aluga uma casa ou um veículo, esse bem deve servir, segundo suas finalida­ des, aos objetivos do locatário (arts. 568 do CC e 22, IV, da Lei 8.245/91). Assim, por exemplo, a casa não pode conter vazamento e o veículo não pode deixar de funcionar; do contrário haverá o cum­ primento imperfeito do contrato o que permitirá ao locatário uti­ lizar-se de uma das alternativas previstas em lei. Isso significa que terá ele desde as clássicas ações redibitórias - em caso de redibição com a devolução parcial do dinheiro se já tiver utiliza­ do a coisa -, passando pela substituição e conserto do problema, até a indenização. Nas últimas décadas, contudo, os contratos de prestação de serviços passam a ter uma importância ímpar na nossa socieda­ de, e neles também a responsabilidade pelo vício pode ser encon­ trada, já que perfeitamente se incluem nos contratos comutativos. Não há razão para se distinguir entre cumprimento imper­ feito nas obrigações de dar (ou entregar) e nas obrigações de fa­ zer20 (Classical, cit., p. 523). De forma precisa e sem deixar qualquer dúvida a esse res­ peito, a Lei 8.078/90 disse haver vício nas prestações de servi­ ços, seja em relação à qualidade, seja em relação à quantidade (art. 20 do CDC).

(20)

No mesmo sentido e no direito italiano Michele Giorgianni (L’inadempimento, cit., p. 65).

182

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

O próprio Código Civil contém dispositivos que se referem ao cumprimento imperfeito nas obrigações de fazer. Nos contratos de empreitada, o art. 615 confere ao dono da obra, a faculdade de enjeitá-la se o empreiteiro se desviar das instruções recebidas, dos planos dados e das regras técnicas. O artigo seguinte, por sua vez, dá a opção ao dono da obra de aceitála com abatimento. Como se percebe sem muita dificuldade, estamos diante das ações edilícias disciplinadas, de forma genérica, nos arts. 441 e 442 do mesmo diploma. Poderíamos até dizer que aquelas nor­ mas incluídas no Capítulo VIII, do Título IV do Código Civil, seriam desnecessárias. Não pode o cumprimento imperfeito, por sua vez, ser anali­ sado apenas pelo descumprimento parcial da prestação princi­ pal; deve também ser visto pelo incumprimento das obrigações acessórias.21 A própria mora pode estar ligada à prestação acessória, des­ de que ela seja de tal monta que contamine a prestação principal.22 Constava da parte final do art. 955 do Código de 1916 a pa­ lavra “convencionados”, referindo-se à prestação que deveria ser cumprida conforme o pactuado. Todavia o dispositivo não podia ser interpretado somente concernindo às prestações que as par­

(21)

Nesse sentido também Antunes Varela, Das obrigações, cit., p. 128, e Araken de Assis, Resolução, cit., p. 100.

(22)

Ruy Rosado de Aguiar, Extinção, cit., p. 93. Afirma Jorge Cesa que “a mora deve ser vinculada somente aos atos de cumprimen­ to dos deveres que afetem diretamente os interesses de prestação, e não a todos os deveres envolvidos na relação” (A boa-fé, cit., p. 162). No mesmo sentido Anteo Ramella, La resolución, cit., p. 65-66, e Ernesto Wayar, Obligaciones, cit., 502 e 504.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

183

tes expressamente se comprometessem a realizar, mas sim em relação a todas as prestações que envolvessem a obrigação, in­ clusive as prestações acessórias. Para afastar qualquer dúvida sobre a questão, o novo Códi­ go Civil previu, no seu art. 394, que a obrigação deve ser cumpri­ da na forma não só convencionada pelas partes, mas também na forma prevista na lei, incluindo todas as obrigações paralelas li­ gadas ao princípio da boa-fé, que, por sua vez, foi inserido no art. 422 do mesmo Codex. Pelo princípio da boa-fé se desenvolveu a idéia de obriga­ ções acessórias ou laterais, obrigações essas que existem em todo e qualquer negócio jurídico. Assim, não basta que o devedor entregue a coisa ou preste o serviço combinado, é também necessário o preenchimento dos outros deveres anexos a esse, como, por exemplo, o dever de in­ formação e o de cuidado. Imaginemos a instituição de ensino que, apesar de fornecer o serviço combinado, deixa de informar aos alunos que o curso ainda não foi aprovado pelo órgão competente,23 ou a agência de viagem que vende um pacote turístico, sem informar sobre a ne­ cessidade de visto de entrada em um dos países a ser visitado.

(23)

Quanto a essa hipótese específica, tivemos a oportunidade de jul­ gar um caso, onde se deu ganho de causa ao aluno, condenando a instituição de ensino ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais sofridos (20.a Vara Cível do Foro Central da Capital - São Paulo, Proc. 00.533695-3). Os tribunais italianos, a nosso ver corretamente, têm aceitado a existência de vício no imóvel, decorrentes de barulho insuportável causado por imóvel vizinho e não informado previamente (apud Armando Plaia, Vizi del bene, cit., p. 63).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Esse dever de informação é incluído como obrigação legal em alguns dispositivos do nosso Código Civil, tais como os arts. 668 e 723. É bom frisar que a informação deve ser clara, objeti­ va, e consoante o art. 31 do CDC, na língua portuguesa. Nesses termos, se adquirimos um produto e falta seu manual de funcionamento ou ele vem em língua estrangeira, haverá cum­ primento imperfeito da obrigação.24 Já faz parte do nosso passado a clássica idéia, sintetizada Pontes de Miranda, de que “o outorgante não tem o dever de formar. Responde ao que se lhe pergunta e pode mencionar, anúncios, catálogos ou vitrinas, o que pode interessar outorgantes”.25

por in­ em aos

Não é, entretanto, só na informação que se encontra esse dever anexo. Temos também o dever de auxílio e colaboração, que pode ser exemplificado na necessidade de os fornecedores efe­ tuarem a correta instalação do produto (quando necessário) ou de manter no mercado, por tempo razoável, peças para reposição.26 Nesse sentido dispõe o art. 2.°, n. 5, da Diretiva 1999/44/CE que “a falta de conformidade resultante da má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê seja instalado pelo consumi­

(24)

No mesmo sentido a Lei italiana 126, de 10.04.1991. Na doutri­ na, Díez-Picazo, Fundamentos, cit., p. 689-690.

(25)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 150.

(26)

Pedro Romano Martinez traz o interessante exemplo da venda de máquina de café que exige um filtro especial, não encontrado no mercado nem colocado à disposição pelo fornecedor (Cumprimento, cit., p. 257).

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

185

dor, for instalado pelo consumidor, e a má instalação se dever a incorreções existentes nas instruções de montagem”.27 Também entre esses deveres está o de segurança, que, pela sua importância, será visto em capítulo próprio. Apesar da afirmação inicialmente feita de que a mora sobre deveres acessórios deve ser relevante, influenciando a prestação principal, discordamos, como se pôde constatar pelos exemplos dados, da posição adotada por Jorge Cesa Ferreira da Silva quan­ do, dividindo a questão em dois modelos (restrito e alargado), restringe a mora apenas àqueles deveres que poderão impedir a efetiva realização da prestação principal.28 Para nós ela pode re­ cair também sobre o objeto secundário da prestação, devendo ser levado em consideração a efetiva satisfação do credor.

6.2.1 Vícios em coisas usadas ou de “ponta de estoque Questão interessante a ser estudada refere-se aos vícios nos bens usados e nos bens adquiridos nas chamadas “vendas de ocasião”. É grande o comércio de bens seminovos, seja entre particu­ lares, seja na venda ao consumo. Não menos comum nos dias atuais são as vendas de produtos com pequenas imperfeições ou que ficaram em exposição nas lojas e não foram vendidos. No que toca aos bens usados, sabemos que todas as coisas, em decorrência do tempo e do uso, têm uma deterioração nor­

(27)

Apud Luís Leitão, Caveat venditor? A Directiva 1999/44/CE do Conselho e do Parlamento Europeu sobre a venda de bens de con­ sumo e garantias associadas e suas implicações no regime jurídi­ co da compra e venda, Revista de Direito do Consumidor 43/21.

(28)

Jorge Cesa, A boa-fé, cit., p. 163 e segs.

186

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

mal, porém isso não exclui a possibilidade de haver imperfeições além das normalmente previsíveis e, por conseqüência, respon­ sabilidade por vício. Romano Martinez, após trazer a divergência doutrinária sobre a questão, esposa o mesmo entendimento aqui defendido, afirmando que: “o bem usado pressupõe-se com um desgaste normal em função da utilização (por exemplo, no carro o núme­ ro de quilômetros percorridos) ou do tempo (p. ex., número de anos a contar da data de fabrico), mas não tem de ser defeituoso. Para além do desgaste normal, a coisa usada pode ter um vício oculto”.29 Obviamente, não se pode exigir dos bens usados as mesmas características e condições das coisas novas, mas deverão ter as mesmas qualidades de outros bens similares ou as qualidades indicadas pelo alienante.30 Assim, o fato de a casa vendida ter sido construída há dez anos não desobriga o vendedor da responsabi­ lidade pelo vício se ela contiver, por exemplo, cupim. Só ficariam exclusos da garantia os vícios efetivamente pre­ visíveis em decorrência do uso normal da coisa.31 O 2.° Colégio Recursal de São Paulo teve oportunidade de manifestar-se sobre o tema decidindo que: (29)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 235. No mesmo sentido Paulo Casseb, Vício redibitório, Revista, cit., p. 150. Em sentido contrário, Ripert e Boulanger, Tratado, cit., p. 125.

(30)

Malinvaud afirma que “simplement, pour des motifs évidents, l’usure à elle seule ne sera pas un vice d’ume chose d’occasion” (La responsabilité, Júris Classeur Périodique, cit., item 13). No mesmo sentigo Ghestin, Conformite, cit., p. 28.

(31)

Nesse sentido Cornu, Del’ appréciation des vices rédjibitoires dans la vente des objets d’ocassion, Revue Trimestrielle de Droit Ci­ vil, p. 574, 1964.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

187

“Vício redibitório - Contrato de venda e compra de veículo usado - Desgaste de peças do motor e alternador - Pretensão de ressarcimento por reparos - Inadmissibilidade - O desgaste na­ tural de peças de veículo usado, há mais de dez anos em circu­ lação, não pode ser tido por oculto, a fundamentar pedido de indenização”.32 Por sua vez, a l.a Câm. do l.°TACivSP afirmou haver vício em veículo usado, posto que apresentava problemas no ar condi­ cionado, falhas elétricas e mecânicas, contendo peças não origi­ nais (painéis frontal, intermediário e de instrumento, módulo DME, porta retorcida etc.), erros de montagem e com falta de detalhes, desalinhamento no teto, no teto solar, portas e repintura de 100%. Ficou ainda consignado no v. acórdão que era irrele­ vante o fato de constar do recibo que o adquirendo o recebia “no estado”.33 Quanto às vendas de ocasião (“pontas de estoque”), não se poderá falar em vício se o consumidor teve conhecimento de eventual imperfeição na coisa. Em outras palavras, se o adquirente tomou ciência de que determinado produto estava viciado e mesmo assim o comprou, mas descobriu posteriormente à aqui­ sição, outra imperfeição, por esta poderá propor as ações redibitórias, a substituição do bem ou a sanação do vício.34 Parece não ser outra a interpretação feita na Inglaterra em relação à seção 14 (2C)(a) do Sale of Goods Act, de 1979. Abor­

(32)

Rec. 813, em 11.06.1997, rel. Juiz Rodrigues Teixeira apud .

(33)

Ap 777.372, j. 25.05.1998, rel. Juiz Correia Lima.

(34)

No mesmo sentido, Herman Benjamin, Da qualidade de produ­ tos e serviços da prevenção e da reparação dos danos, Comentá­ rios ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 117.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

dando o tema, John Cooke sustenta que se a lei tem como objeti­ vo a defesa do consumidor, deve-se entender o dispositivo como uma obrigação do vendedor em identificar de forma específica a imperfeição existente no produto.35

6.2.2 Coisas vendidas em conjunto Também de grande relevância a discussão sobre os vícios nas coisas vendidas em conjunto, já que o art. 503 do CC prevê que “nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas”. A universalidade de fato corresponde à soma de várias coi­ sas que, unidas, representam um só bem. Assim um rebanho ou uma biblioteca. Importante é a distinção entre coisas singulares e coletivas, já que nas primeiras, embora possam estar reunidas, elas se con­ sideram de per si, independentemente das demais (art. 89 do CC). Na segunda, os bens só têm importância sob o ângulo do todo, do conjunto. A redação do art. 503, assim como a do art. 1.138 do revo­ gado Código, pode trazer dúvida sobre a solução do problema, pois prevê que, nas coisas vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a rejeição de todas. Não se pode, todavia, confundir coisas conjuntas com coi­ sas coletivas, já que nas primeiras os bens podem ser singulares. Assim, esse dispositivo aplica-se apenas às vendas de coi­ sas singulares, em que o vício de uma não afeta as demais. Sendo coletivas, como no exemplo trazido por Carvalho Santos do par

(35)

Cooke, The common law, cit., p. 557.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

189

de botinas ou de luvas, o vício em uma delas prejudica todo o conjunto.36 Também é esse o posicionamento de Umberto Pipia o qual, com base em Ulpiano, sustenta que “comprata una cosa complessa, costituente un tutto organico, un’ universalità di diritto o di fatto, il vizio o difetto di un elemento dell’universalità attribuisce l’azione redibitoria per il tutto”.37 Deve-se estender esse raciocínio às coisas que, apesar de singulares, foram compradas conjuntamente e para um fim co­ mum. Pensemos na compra de várias peças para a construção de um aparelho eletrônico. O vício existente em um dos produtos autoriza a redibição de toda a compra, uma vez que os demais, apesar de perfeitos, perderam a utilidade. Como preleciona Arnaldo Rizzardo “(...) abrangendo um conjunto uniforme, de tal sorte que a falta ou o defeito de uma delas destitua o valor ou a importância das restantes, admite-se o reconhecimento do vício redibitório”.38 Mais precisos foram os legisladores peruano, argentino e chileno, que, de forma clara, fizeram constar dos arts. 1.506, 2.177 e 1.864, respectivamente de seus Códigos Civis que: Art. 1.506 (Código peruano): “Cuando se transfiere dos o más bienes conjuntamente, el vicio de cada uno dará derecho a la acción correspondiente y no se extenderá a los otros, a no ser que el adquirente no hubiese adquirido el otro u otros sin el que adolece del vicio. Se presume este último cuando se adquiere un tiro, yunta, pareja, juego o análogo, aunque se hubiera señalado un valor separado por cada uno de los bienes que lo componen”.

(36)

Carvalho Santos, Código Civil, cit., vol. XVI, p. 166-167.

(37)

Umberto Pipia, Compra-vendita commerciale, Utet, 1902, p. 656.

(38)

Arnaldo Rizzardo, Contratos, cit., p. 196.

190

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Art. 2.177 (Código argentino): “Vendiéndose dos o más cosas, sea en un solo precio o sea señalando precio a cada una de ellas, el vicio redhibitorio de la una, da sólo lugar a su redhibición y no a la de las otras, a no ser que aparezca que el comprador no habría comprado la sana sin la que tuviese el vicio, o si la venta fuese de un rebaño y el vicio fuere contagioso”. Art. 1.864 (Códigochileno): “Vendiéndose dos o más cosas juntamente, sea que se haya ajustado un precio por el conjunto o por cada una de ellas, sólo habrá lugar a la acción redhibitoria por la cosa viciosa y no por el conjunto; a menos que aparezca que no se habría comprado el conjunto sin esa cosa; como cuando se com­ pra un tiro, yunta o pareja de animales, o un juego de muebles”. Por esse motivo, ousamos discordar da 4.a T. do STJ, que entendeu ser inadmissível a restituição de todas as peças (redibição total) que formavam um conjunto de móveis de cana da Índia adquiridos pelo autor, sob o argumento de que apenas um deles estava afetado por parasitas.39

6.2.3 Coisas específicas e genéricas Também não podemos deixar de alinhavar algumas breves palavras sobre as coisas específicas e genéricas. Quando a coisa ou o serviço é previamente individualizado, temos uma obrigação de dar ou fazer específica. Por outro lado, se o bem não está individualizado, mas é determinado pelo gêne­ ro e quantidade, temos uma obrigação genérica (art. 243 do CC). Alguns doutrinadores estrangeiros se utilizam dessa distin­ ção para afirmar que o vício redibitório por falta de qualidade só

(39)

REsp 4.968-PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. em 14.05.1991.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

191

existiria na obrigação específica, sendo que na genérica, estaríamos diante do incumprimento do contrato.40 Esse posicionamento não foi aceito entre nós e em outros ordenamentos, já que inexiste descumprimento parcial de obri­ gação genérica, pois ela se transforma em específica com a “con­ centração”, realizada antes do início da prestação.41 Também na Itália, Umberto Pipia é claro ao admitir a ação redibitória tanto na compra e venda de coisa certa quanto na de coisa indeterminada. Na Espanha, Badenes Gasset afirma que “claro está que si se trata de venta genérica la existencia del vicio no puede ir referida al momento de la conclusión del contrato, sino a partir de la especificación”.42

6.2.4 Vícios nos acessórios e componentes Outra questão interessante que deve ser abordada se refere ao vício no acessório da coisa ou da prestação e as conseqüências daí advindas.

(40)

Com citação de vários autores portugueses e alemães, v. Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 224-225. Também Luis Ma­ nuel Teles de Menezes Leitão, Caveat venditor?, Revista, cit., p. 24-25.

(41)

Nesse sentido também Valdeci de Oliveira, Obrigações, cit., p. 528. Dizia Pontes de Miranda que “a responsabilidade por defei­ tos ou vícios do objeto pode ser concernente a dívida de coisa certa, ou de coisa incerta (noutros têrmos, de bem específico, ou de bem genérico)” (Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 148).

(42)

Umberto Pipia, Compra-vendita, cit., p. 656. Badenes Gasset, El contrato, cit., p. 694. No direito português, Pedro Martinez, Cum­ primento, cit., p. 225-227.

192

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Nos termos do art. 92 do CC acessória é a coisa cuja existên­ cia supõe a da principal, ou, em outras palavras, é aquela que só existe em função de outra. Essa classificação deve ser feita sempre em termos de compa­ ração, pois um mesmo bem, dependendo do seu paradigma, pode­ rá receber definições distintas. Assim, um rádio pode ser acessó­ rio de um veículo, se com ele confrontado, porém pode ser o bem principal, se comparado com o fone de ouvido que o acompanha. A questão aqui se funda em saber se, ocorrendo o vício no acessório, estará viciado também o principal. Imaginemos um problema com o controle remoto de uma televisão, cujo botão do volume não funciona, mas o mesmo bo­ tão no aparelho está funcionando normalmente. Pedro Martinez, abordando o tema, afirma que o vício no acessório não repercute na relação jurídica que tem por base a coisa principal e que o problema na coisa acessória não funda­ menta os pedidos de substituição, de redução do preço ou de re­ solução, com respeito à coisa principal.43 Tal orientação foi seguida pelo Código Civil peruano, haja vista que consta do art. 1.507 que, “cuando se transfierem bienes principales y accesorios, los vicios que afectan a los primeros dan lugar al saneamiento de éstos y de los accesórios, pero no a la inversa”. A nosso ver a questão não pode ser decidida de forma tão simplista; devemos distinguir as situações que envolvam diferen­ tes tipos de bens acessórios.

(43)

Pedro Romano Martines, Cumprimento, cit., p. 230-231. No mes­ mo sentido, Amoldo Wald, (Curso de direito civil brasileiro: obriga­ ções, cit., p. 225). Valdeci de Oliveira também é da opinião de que o vício no acessório não autoriza a redibição (Obrigações, cit., p. 528).

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

193

Nos termos do art. 94 do CC os negócios jurídicos que en­ volvam bem principal, em regra, não incluem as pertenças. Es­ sas são, ao lado das “partes integrantes”, espécies de bens aces­ sórios. Com base no dispositivo acima citado e diante da omissão legislativa quanto a uma norma semelhante àquela prevista no antigo art. 59 da revogada norma substantiva, poderíamos con­ cluir que a regra do acessório seguir a sorte do principal não mais estaria vigente no nosso ordenamento jurídico. Entretanto, não podemos chegar a essa conclusão já que consta do art. 233 do CC que “a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”. O que fica claro então é que alguns tipos de bens acessórios continuam vinculados à sorte dos bens principais (parte integran­ tes), enquanto outros, as pertenças, não mais. Dentro desse raciocínio, discordamos do posicionamento doutrinário e legislativo supra indicados, pois entendemos que em se tratando de acessórios - parte integrante - e dependendo da importância deste em relação à coisa principal, possível será a redibição do contrato. Na pior das hipóteses e tratando-se de aces­ sório secundário ou de menor importância, possível será o pedi­ do de sua substituição ou de abatimento do preço do produto prin­ cipal, isso superada a possibilidade de conserto.44 Como bem sustenta Ruy Rosado, “o descumprimento do acessório pode motivar a resolução quando tomar impossível ou gravemente imperfeita a prestação principal”.45

(44)

Nesse sentido parece ser a opinião de Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 660, e de Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 475.

(45)

Ruy Rosado, Extinção, cit., p. 93 e 124.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Também no direito peninsular esse raciocínio é aceito, ad­ mitindo Pacifici-Mazzoni o uso de qualquer das ações redibitórias se houver vício no acessório.46 Pensemos na compra de um computador que vem com de­ terminado programa. Este é um acessório do hard ware e se não funcionar permite ao adquirente pleitear a solução do problema, inclusive com a troca do produto e, em última hipótese, o abati­ mento do preço. Todavia, tratando-se de pertença, essa entendida nos termos do art. 93 do CC, e levando em consideração sua independência e autonomia, não podemos aceitar que o vício nela existente in­ fluencie no bem principal.47

6.2.5 Vícios no comércio eletrônico O comércio eletrônico faz parte do chamado comércio à dis­ tância e talvez seja hoje, de todas, a forma mais utilizada. Pode­ mos conceituá-lo como as transações que são realizadas pela net, ou seja, pelo sistema interligado de computadores em todo o mundo. Quando falamos em eletronic-commerce (e-commerce) es­ tamos falando, especialmente, em contratos de compra e venda de produtos ou serviços, em que os internautas adquirem algo através de pagamento prévio ou posterior.

(46)

Pacifici-Mazzoni. Codice Civile italiano commentato: Trattato della vendita. Torino: Utet, 1929, vol. XII, p. 491.

(47)

Sobre pertenças, v. Leonardo Brandelli, Relação de pertencialidade no direito brasileiro, Revista de Direito Imobiliário 51/220234, ano 24, e Fábio Siebeneichler de Andrade, As pertenças no direito brasileiro, Revista da Associação dos Juízes do Rio Gran­ de do Sul 60/107-119, ano XXI, mar. 1994.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

195

Costuma-se dividir essas transações em dois tipos: as cha­ madas Busines to busines (B2B) e as Busines to consumer (B2C); para nós, as primeiras são regidas, basicamente, pelo Código Civil, enquanto as segundas, pelo Código de Defesa do Con­ sumidor. Tratando-se de aquisições feitas no território brasileiro, ou melhor, quando o fornecedor está no território pátrio, não há grandes dificuldades no que tange ao cumprimento imper­ feito da obrigação, aplicando-se as normas citadas neste tra­ balho. A questão se torna tormentosa quando a transação é inter­ nacional, realizada com um fornecedor que se encontra em ou­ tro país. Aqui, passamos a lidar com o direito internacional e to­ das as complicações nele existentes. Dentro do continente europeu o problema foi parcialmen­ te resolvido com as Convenções editadas pela Comunidade Econômica Européia (Convenção de Bruxelas e de Lugano) e com a Diretiva 97/7, vinculando todos os países que dela fazem parte. Segundo essas normas, sempre que a transação realizada envolver pessoas que têm domicílio em países diferentes, serão competentes para solucionar a demanda os tribunais do domicí­ lio do réu (art. 2.° da Convenção de Bruxelas). Algumas exceções são abertas: na Inglaterra, por exemplo, em caso de dano, e optando a vítima por socorrer-se das re­ gras de Torts, poderá preferir a jurisdição de seu domicílio, já que nesse caso prevalece a regra do lugar onde o dano ocorreu (art. 5(3)). Em relação ao vício - ainda dentro do sistema inglês - e se for possível a aplicação do Sale of Goods Act, poderá o autor pro­

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

por a ação em seu domicílio, pois se considera o lugar onde a imperfeição foi descoberta.48-49 Passemos à análise do problema dentro de nosso território, levando em consideração que duas são as formas mais comuns de transações pela net. Há determinadas homepages que oferecem aos intemautas vários produtos e serviços, indicando um endereço de correspon­ dência. Nesse caso, é o interessado que envia um e-mail para o fornecedor, demonstrando sua intenção em adquirir o bem. Aplica-se o § 2.° do art. 9.° da LICC, uma vez que é o adquirente que faz o pedido (oferta) ao fornecedor, deixando àquele a possibili­ dade de aceitá-la ou não. Assim, e nos termos da norma citada, “a obrigação resul­ tante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”, aplicando-se as normas do país de seu domicílio. A segunda forma mais comum de transação pela “rede” ca­ racteriza-se pela existência, na própria página do fornecedor, de ícones de confirmação da venda, ou seja, o internauta “clica” (click-agreement) em determinado espaço, demonstrando o in­ teresse na aquisição do produto ou serviço apresentado. Aqui é que surge a dúvida sobre quem é que faz a oferta e, em conseqüência, quem é o proponente. Alguns sustentam que a oferta feita na “rede” não é uma pro­ posta em termos jurídicos, mas somente um convite à transação, uma invitatio ad offerendum, como no caso da publicidade.50

(48)

Para melhor entendimento do Sale of Goods Act, v. p. 68 e segs. (direito inglês).

(49)

Atiyah, The sale, cit., p. 53.

(50)

Segundo Ana Paula Carvalho, é nesse sentido a orientação da maioria dos doutrinadores alemães (Contratos via internet. Belo

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

197

Concordamos com essa orientação, já que a proposta feita pela “rede” é genérica, com diversos produtos, diversas formas de pagamento, de entrega etc. Na verdade, é o internauta/adquirente quem faz a proposta (com base nas informações disponí­ veis no site), indicando o bem, a forma de pagamento, a forma de envio da mercadoria ou da prestação do serviço etc. Esse raciocínio não significa a total irrelevância das in­ formações prestadas pelo fornecedor; há uma vinculação dele pelas ofertas feitas. Isso já era claro pelo art. 30 do CDC e agora pelo art. 429 do CC. Ambos os dispositivos equipararam a oferta ao público à proposta, para o fim de vinculação do anun­ ciante. O contrato, pois, também será considerado firmado no do­ micílio do adquirente, aplicando-se as normas vigentes em nos­ so território (art. 9.°, caput, da LICC).51

Horizonte: Del Rey, 2001, p. 37-38). Claudia Lima Marques es­ posa entendimento contrário, afirmando que esse tipo de oferta representa uma proposta (A proteção do consumidor de produtos e serviços estrangeiros no Brasil - primeiras observações sobre os contratos a distância no comércio eletrônico. Revista de Direi­ to do Consumidor 41/54, 2002). (51)

Em sentido contrário, Rodrigo Benevides de Carvalho, A internet e as relações de consumo, Internet - O direito na era virtual. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, 2001. Também entenden­ do ser aplicável o CDC, porém com base no art. 17 da LICC, Luiz Fernando Castro, O comércio eletrônico e a defesa do consumidor no direito brasileiro e no Mercosul, Internet e di­ reito - reflexões doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001, p. 138-139. Pela não-aplicação do art. 9.° da LICC, mas admitindo a aplicação do CDC, por ser lei de aplicação ime­ diata, Claudia Lima Marques, A proteção, Revista, cit., p. 54-58; 67 e segs.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Por sua vez, o art. 12 da mesma lei (LICC) prevê ser a auto­ ridade judiciária brasileira competente para julgar as ações quan­ do o réu for domiciliado no Brasil ou quando aqui tiver de ser cumprida a obrigação (no mesmo sentido o art. 88, II, do CPC). Para nós é importante a segunda parte do dispositivo (art. 12 da LICC), pois, nos contratos em estudo, a regra será o cumpri­ mento da obrigação no nosso território, com a entrega do produ­ to ou a realização do serviço. Plenamente possível, todavia, ainda mais em se tratando de serviços, que ele seja prestado no exterior. Basta imaginar a re­ serva de um hotel em país estrangeiro. Voltando ao nosso problema inicial (onde a obrigação é cum­ prida no território brasileiro), teremos a seguinte situação: a ação será julgada no Brasil, nos termos do § 3.° do art. 94 e da letra d do inciso IV do art. 100, ambos do CPC, tudo com base na nossa legislação. Tratando-se, entretanto, de ação de indenização, po­ derá o consumidor propor a ação no local de seu domicílio, nos termos do art. 101, I, do CDC. Todo esse raciocínio não significa a ampla e efetiva defesa dos adquirentes/usuários. Basta pensar nas dificuldades e gastos para citar uma pessoa no exterior; pior será a fase de execução da sentença, com todos os seus atos.

6.3 Vício de qualidade O cumprimento imperfeito da obrigação, como já sustenta­ mos inúmeras vezes neste trabalho, pode estar ligado ao vício de qualidade da coisa ou serviço. A qualidade de um produto é fundamental na formação da vontade, o que já percebera o italiano Amorth na década de 1960.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

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Dizia o autor peninsular que não se compra o bem individualiza­ do, mas a soma de suas qualidades.52 O problema do vício de qualidade pode ser analisado sob dois ângulos distintos, um chamado objetivo e outro, subjetivo. Pelo primeiro, haverá vício quando a coisa não apresentar as qualidades normais em comparação à suas similares, como, por exemplo, uma geladeira que não gela ou o elevador compra­ do para o prédio que não permite o seu uso constante e diário.53 Tratando-se de obrigações de fazer, haverá vício sempre que, em comparação aos serviços similares ou idênticos, houver uma discrepância. Basta imaginarmos a contratação do curso de lín­ gua estrangeira em que os professores, em sala de aula, só falam o português ou o serviço de telefonia que não funciona em determi­ nado horário ou que constantemente interrompe (corta) a ligação. Essa análise comparativa é possível em decorrência dos critérios uniformes que se desenvolvem no tráfico do comércio e na vida social, possibilitando a formação e definição de alguns grupos ou classes de bens e serviços. Assim, quando se adquire um bem de “luxo” devem-se ana­ lisar os vícios em confronto com outros da mesma categoria. Portanto, pode-se colocar em dúvida se um ruído, não mui­ to elevado do motor, que se escuta quando o veículo “popular” está em movimento, ou o atraso de um segundo ao mês em um relógio simples, caracterizam vício; porém o mesmo ruído em um veículo de “luxo” ou o atraso em um relógio de precisão são inadmissíveis.

(52)

Amorth, Errore, cit., p. 100.

(53)

Morales Moreno inclui também aqui os vícios assim considera­ dos quando pré-definidos em lei (El alcance, Anuario, cit., p. 643).

200

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

A análise do problema por esse ângulo, como sustenta Pedro Martinez, tem origem no direito romano e persistiu até pouco tempo em países europeus como a Alemanha e a França.54 Em decorrência da visão restritiva acima citada, surge a idéia de vício em sentido subjetivo. Esta, por sua vez, pode ser vista de duas formas: Haverá vício se a coisa não tiver as qualidades que o credor acredita ter, independentemente de qualquer promessa ou indi­ cação do vendedor. Imaginemos a pessoa que, sem mencionar seus objetivos ao alienante, compra uma balança de decoração para utilizar em seu comércio como balança de precisão, ou adquire um veículo com motor de mil cilindradas, pretendendo com ele rebocar um trailer. Vê-se aqui que o bem possui as mesmas qualidades de seus similares, porém, para a destinação pretendida, não é útil. Haverá ainda vício pela ausência de qualidade indicada ou prometida pelo alienante no momento anterior ao da contrata­ ção. Veja-se o exemplo de Larenz, referente a uma pessoa que compra caixa de papelão não confeccionada para carregar livros, porque o vendedor disse que ela serviria para tal fim.55 O direito peruano expressamente acolheu esta última posi­ ção, fazendo constar de seu art. 1.505 do CC que “hay lugar al saneamiento cuando el bien carece de las cualidades prometidas per el transferente que le daban valor o lo hacían apto para la finalidad de la adquisición”.

(54)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 182.

(55)

Apud Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 281.

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A Diretiva 1999/44 do Conselho e do Parlamento Europeu sobre a venda de bens de consumo e garantias associadas prevê no art. 2.°, n. 2, que os bens são conformes com o contrato se: “a) forem conformes com a descrição que deles é feita pelo vende­ dor e possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apre­ sentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) forem ade­ quados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceito; c) forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas so­ bre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publici­ dade ou na rotulagem”.56 Também prevê o art. 35 da Convenção Internacional de Vi­ ena que somente serão consideradas conformes com o contrato as mercadorias entregues que “forem adequadas para qualquer uso especial que tenham expressa ou tacitamente sido levadas ao conhecimento do vendedor no momento da celebração do con­ trato, salvo se resultar das circunstâncias que o comprador não tenha confiado na competência e no julgamento do vendedor, ou que não era razoável que o fizesse”. O direito americano parece ter também adotado essa orien­ tação, já que o Uniform Commercial Code, no art. 2-315, prevê que “sempre que o vendedor, ao tempo da contratação, tiver ra­ zão para conhecer qualquer razão particular pela qual os bens são

(56)

Sobre o tema v. Luiz Leitão, Caveat venditor?..., Revista, cit., p. 34 e segs.

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desejados e o comprador confia na aptidão ou julgamento do vendedor para selecionar ou fornecer bens adequados, há (...), uma garantia implícita de que os bens são adequados para tal fim”.57 Temos que no direito pátrio o vício possa ser analisado pelo critério objetivo e pelo último dos critérios subjetivos, isso por­ que o art. 441, do CC, e os arts. 18, 19 e 20 do CDC são claros ao dizer que se caracteriza o vício quando o bem se toma impróprio para o fim a que se destina, quando lhe diminua o valor ou ainda quando houver disparidade com as indicações do recipiente, embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária. Ao definir o vício pela inutilidade da coisa, pela diminuição do preço ou pela disparidade com as informações dadas está, em um primeiro momento, estabelecendo um critério objetivo de comparação, mas também esta fixando um critério subjetivo pelo fim a que especificamente se destinava o bem ou serviço, seja pelas afirmações feitas pelo alienante, seja pelo seu silêncio perante o claro interesse do adquirente.58 Excluímos a segunda hipótese do critério subjetivo em de­ corrência do excesso de subjetivismo, servindo aqui as críticas feitas à teoria da pressuposição. Além do mais, se nada for dito por ambas as partes, deve-se entender que a coisa foi adquirida não para tais ou quais usos particularmente desejados, mas sim para seu uso normal. Não é outro o pensamento de Puig Brutau. Sobre o assunto o autor é enfático em dizer que “el uso o destinación especial o

(57)

Apud Herman Benjamin,Da qualidade, Comentários, cit., p. 125. (58)

Pontes de Miranda fala da intenção manifestada pelo outorgado, com o

acordo expresso ou tácito do outorgante (Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 284).

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

203

fuera de lo comente que el comprador haya querido dar a la cosa solo puede dar lugar a un derecho del mismo contra el vendedor cuando este, de manera expresa o tácita, haya asegurado ao primero, o le haya permitido creer, que la cosa reunía las condiciones precisas”.59 Pelo raciocínio acima exposto, percebe-se que o conceito de vício engloba a falta de qualidade,60 que, no direito italiano e alemão,61 são postos sem muita utilidade prática em separado (arts. 1.495 e 1.497 do Code e 459 do BGB, respectivamente) e que é vista quando a coisa entregue coincide com aquela vendida mas não possui todos os requisitos que deveria ter, segundo o conteúdo do contrato ou o uso a que era destinada.62-63

(59)

Puig Brutau, Fundamentos, cit., p. 206. No mesmo sentido, no direito francês, Mazeaud e Mazeaud Lecciones, cit., p. 289, Gerard Nana, La reparation, cit., p. 77-78 e 126, e Ghestin, Conformite, cit., p. 17. No direito inglês, v. John Cooke, The common, cit., p. 566-567. No direito italiano, porém entendendo ser irrelevante o fato de o vendedor saber que à coisa será dada uma destinação especial, Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 251).

(60)

(61)

O Código Civil espanhol, assim como o brasileiro, não faz essa distinção (apud Morales Moreno, El alcance, Anuario, cit., p. 651652), porém Badenes Gasset afirma que o vício e a ausência de qualidade são coisas diversas (El contrato, cit., p. 696-698). O Código Civil português e o suíço também não fazem essa distin­ ção (Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 186-187). O direito alemão também prevê as duas categorias, vícios (Fehlern) e qualidades asseguradas (Zugesicherten Eigenschaften), porém em ambas se admite o exercício das ações edilícias (§ 459 do BGB). (62) Massimo Garutti. Osservazione in tema de mancanza di qulità

ovvero consegno di aliud pro alio, Rasegna di Diritto Civile, Ed.

204

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Para demonstrar as críticas trazidas no direito peninsular sobre essa distinção, importante é a lição de Terranova ao dizer que “sostanzialmente priva di rilevanza pratica è invece la riflessione - che pur assorbe gran parte della ricerca giurisprudenziale - sull’identificazione del vizio ex art. 1490 c.c. in raffronto alla mancanza di qualità promesse o essenciali all’uso, per la sostanziale unità della disciplina applicabile, eccezion fatta per la vendita di animali”.64 Falando especificamente sobre as relações de consumo, e como já mencionado, a Lei 8.078/90 caracteriza como vício no produto ou no serviço a disparidade entre o conteúdo e as indica­ ções constantes do recipiente, da embalagem, da rotulagem ou da mensagem publicitária.

Scentifiche Italiane, 1980, vol. II, p. 187. Rubino fala de uma hierarquia entre eles, já que no vício o defeito seria menos grave em comparação com a falta de qualidade (La compravendita, Trattato, cit., p. 596). (63)

A doutrina e a jurisprudência italiana fazem também uma distin­ ção dos institutos acima vistos com o aliud pro alio quando o comprador, no prazo decadencial ordinário, e havendo uma dife­ rença substancial ou estrutural entre a coisa comprada e a recebi­ da, poderá pedir a rescisão do contrato (sobre o tema vd. Massino Garutti, Osservazioni, Rasegna, cit., p. 1.086 e segs.).

(64)

Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 89. No mesmo sentido Rubino, La compravendita, in Trattato, cit., p. 595, Salvatore Romano, Vendita, cit., p. 257; Gino Gorla. Azione redibitória. Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1959, vol. IV, p. 875; Martorano, La tutela, cit., p. 14 e segs. e Greco-Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 130 e 230. Em sentido contrário dando as diferenças entre os dois institutos, v. Cristina Manasse. La garanzia per vizi nella vendita. Nuova giurisprudenza civile. Padova: Cedam, 1987, p. 292.

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205

Isso nada mais é que o corolário de direitos básicos do con­ sumidor, principalmente aqueles ligados ao direito à informa­ ção adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, com­ posição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apre­ sentam (inciso III do art. 6.°); entre outras coisas, visa a nor­ ma proteger o consumidor contra métodos comerciais inade­ quados e, principalmente, contra a publicidade enganosa (in­ ciso IV). O art. 30 do citado diploma, por sua vez, prevê que as infor­ mações dadas devem, efetivamente, existir e fazem parte do con­ trato. Podemos dizer então que haverá vício quando, por exem­ plo, a etiqueta de uma blusa indicar um material que não foi uti­ lizado para a sua fabricação, ou o foi em quantidade inferior. Ain­ da, a título de exemplo, podemos dizer que haverá vício quando um folheto publicitário ou um comercial de televisão apresenta­ rem qualidade ou quantidade que inexistem na coisa ou no servi­ ço adquirido ou utilizado. Sem dúvida a norma em estudo traz um grande avanço no direito pátrio, já que até então não eram consideradas ofertas, e não faziam parte do futuro contrato, as informações genéricas dadas a pessoas indeterminadas com o objetivo de convidá-las ao negócio (invitatio ad offerendum).65 Consta do art. 35 do CDC que, no caso de cumprimento imperfeito pelos motivos acima expostos, poderá o consumidor, à sua escolha, pleitear o cumprimento forçado da obrigação, nos

(65)

Guido Alpa, apesar de dizer que no direito inglês a descrição do produto é relevante e pode ser considerada como uma garantia em relação à qualidade, afirma que a publicidade não é considerada como oferta, mas tão-somente como um convite ao negócio (Contrato, cit., p. 36-37).

206

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

termos da oferta ou da publicidade; aceitar a substituição do pro­ duto ou pedir a rescisão do contrato. O dispositivo é omisso sobre a possibilidade de pedido de diminuição do preço, porém, mediante uma interpretação siste­ mática, entendemos que a omissão foi proposital. Assim, tratando-se de consumidor pelo conceito-padrão ou pelo conceito de equiparação do caput do art. 2.°, possível será a propositura de ação estimatória, isso com base no § 1,° do art. 18 e dos incisos do art. 19, todos do CDC. Por outro lado, tratandose de consumidores equiparados pelo art. 29 e levando em consi­ deração que só se lhes aplicam os dispositivos dos Capítulos V e VI, terão direito somente a um dos pedidos previstos no art. 35, ou seja, não poderão ingressar com a ação quanti minoris. Se estivermos diante de comerciais com informações não verdadeiras ou que omitam dados importantes, caracterizada es­ tará ainda a publicidade enganosa e, por conseqüência, além das sanções civis já expostas, poderá haver também sanções penais (arts. 63, 66, 67 ou 69) e administrativas (arts. 18 a 28 do Dec. 2.181/97). Quanto à impropriedade do produto, consta da lei que ela estará caracterizada se o bem for alienado com o prazo de valida­ de vencido, se estiver deteriorado, alterado, adulterado, avariado, falsificado, corrompido, se for nocivo à vida ou à saúde, perigoso, se estiver em desacordo com as normas regulamentares de fabri­ cação, distribuição ou apresentação ou ainda se, por qualquer motivo, for inadequado ao fim a que se destina (§ 6.° do art. 18).66 Com exceção da última hipótese, a análise do vício é objeti­ va; significa que não há necessidade de discussão sobre o dano

(66)

Além dos problemas advindos em relação ao direito privado, há conseqüências penais, previstas no art. 7.° da Lei 8.137/90.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

207

ou a inutilidade da coisa em relação ao consumidor, bastando a constatação do fato predeterminado.67 Dentro desse raciocínio, se adquirimos num supermercado um litro de leite, e se constatamos pela informação existente na embalagem que o prazo de validade se esgotou, irrelevante a análise de sua consumibilidade, pois o produto estará viciado. Se o consumidor o adquiriu sem o efetivo conhecimento, poderá devolvê-lo ou pedir a substituição. Também haverá vício, segundo o texto legal, se o produto estiver total ou parcialmente quebrado (avariado, danificado), deteriorado, alterado, adulterado (como, por exemplo, a gasoli­ na vendida com adição de outros produtos acima do permitido68), fraudado, corrompido ou falsificado. Quanto à falsificação propriamente dita, acreditamos ter o legislador se equivocado ao incluí-la como impropriedade do bem, já que, como afirmamos neste trabalho, a falsificação ja­ mais poderia caracterizar um vício, podendo ser um erro (vício do consentimento) ou inadimplemento contratual, conforme o caso concreto. Temos que a melhor solução seria excluir desse dispositivo a hipótese da falsidade, ou pelo menos, numa inter­ pretação restritiva, diminuir a extensão de sua aplicação. Nas situações supra indicadas, apesar de haver vício, pode­ rá não existir a responsabilidade do vendedor se o consumidor tiver conhecimento prévio da imperfeição. Raciocínio oposto afrontaria o princípio da boa-fé objetiva, que também deve pau­ tar o comportamento do adquirente.

(67)

Nesse sentido, também Luís Daniel Pereira Cintra. Anotações sobre os vícios, a prescrição e a decadência no Código de Defesa do Consumidor, Justitia 160/14.

(68)

Nos termos do art. 7.°, III, da Lei 8.137/90, tal conduta pode ca­ racterizar crime.

208

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Nesses termos, se o consumidor estiver consciente, por exemplo, da avaria do produto, não poderá, por esse motivo, plei­ tear a rescisão do contrato ou o abatimento do preço. Por outro lado, se a imperfeição não estiver ligada ao vício conhecido, terá ao seu dispor todos as ações vistas neste trabalho. Também no rol do § 6.° do art. 18 encontramos os bens que estão em desacordo com as normas regulamentares baixadas pelos órgãos oficiais internos (Conmetro, ABNT, Inmetro etc.) ou ex­ ternos (CEE, Mercosul). Isso significa que todo produto ou serviço que estiver em desacordo com essas normas, por mais que sejam úteis, serão considerados viciados. Por outro lado e levando em considera­ ção que essas normas trazem padrões mínimos, poderá ocorrer que, estando em conformidade com elas, ainda haja imperfeição.69 Como preleciona Pedro Martinez: “(...) o facto de a coisa se conformar com as regras técnicas não significa que esteja isenta de vício, porquanto a discordância com respeito a estas normas é só um dos aspectos que pode revestir a noção de defeito”.70 Em relação à inadequação, deve ser ela vista por um ângulo subjetivo e, assim, como já tivemos a oportunidade de mencio­ nar, analisada em cada caso concreto. Poderão ser considerados impróprios, mostrando-se inade­ quados aos fins razoavelmente esperados, por exemplo, os servi­ ços de um advogado que perde prazo processual, dando causa à impossibilidade de produção de prova ou à extinção do feito (§2.° do art. 20).71

(69)

No mesmo sentido Herman Benjamin (Comentários, cit., p. 108).

(70)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 200-201.

(71)

Data maxima venia, entendemos equivocada a decisão proferida pelo STJ que exclui das relações de consumo o contrato entre o

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

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Ainda, nos termos do art. 21, podemos dizer que o serviço é viciado quando, para a reparação de produtos, o fornecedor uti­ liza componentes não originais ou fora das especificações técni­ cas dos fabricantes. Em regra, haverá também vício se não forem utilizadas peças novas, salvo se o consumidor tiver autorizado o uso de componentes usados.72

6.4 Vício de solidez e segurança nos contratos de emprei­ tada Assim como o antigo Código Civil, a Lei 10.406/2002 in­ cluiu uma garantia específica nos contratos de empreitada de edifícios ou de construções consideráveis (art. 618). Não temos dúvida em afirmar que esse dispositivo se refere também ao ví­ cio da coisa (ou serviço) e, de forma mais ampla, ao cumprimen­ to imperfeito da obrigação.73 Inicialmente devemos definir o que se entende por contrato de empreitada de edifícios e por construções consideráveis. Aproveitando do conceito de Costa Sena, podemos dizer que empreitada de edifício é o contrato pelo qual uma das partes se encarrega de fazer certo edifício, mediante retribuição fixada, ou

advogado e o cliente, sobre o argumento de que há norma espe­ cial (Lei 8.906/94) e por não ser uma atividade colocada no mer­ cado de consumo (REsp 532377-RJ, Min. Cesar Asfor Rocha, 4.a T., DJ 13.10.2003, p. 373). (72)

Prevê o art. 70 do CDC que é crime “empregar, na reparação de produtos, peças ou componentes de reposição usados, sem auto­ rização do consumidor”.

(73)

Díez-Picazo, com base no art. 1.591 do Código Civil espanhol, também entende que essa hipótese caracteriza cumprimento im­ perfeito (Fundamentos, cit., p. 688-689).

210

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

proporcional ao trabalho executado.74 Por edifício devemos en­ tender toda a construção que sirva para morada de uma pessoa, aceitando-se por “morada” qualquer destinação que o imóvel possa ter. Em relação ao conceito de construções consideráveis, a doutrina não é uniforme. Carvalho Santos entendia que é assim considerada aquela durável;75 Silvio Rodrigues, Sílvio Venosa e Maria Helena Diniz, por sua vez, entendem que consideráveis são as construções vultosas, de grande envergadura.76 Acreditamos ser esta última posição a que melhor se amol­ da ao espírito da lei, pois, numa interpretação teleológica, cons­ tata-se que o objetivo da norma jurídica foi criar uma garantia especial a determinadas construções, aquelas assim considera­ das pela sua relevância. Superada essa etapa de conceituação, devemos deixar cla­ ro, mais uma vez, que o dispositivo em estudo se aplica somente às relações civis e comerciais, deixando para o Código de Defesa do Consumidor todos os contratos de empreitada, firmados en­ tre fornecedor e consumidores finais. Esse raciocínio não causa qualquer prejuízo ao consumidor, pois aplicar-se-á, ao caso, o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 27 do CDC.

(74)

Apud Carvalho Santos, Código Civil, cit., vol. XVII, p. 314.

(75)

Carvalho Santos, Código Civil, cit., vol. XVII, p. 367-347. No direito português, Pedro Martinez preleciona que esse prazo es­ pecial é concedido às obras de longa duração, assim entendidas levando em conta a natureza objetiva da obra (Cumprimento, cit., p. 20).

(76)

Silvio Rodrigues, Direito civil: parte geral, cit., p. 261; Sílvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 219; Maria Helena Diniz, Curso, 18. ed., cit., vol. 3, p. 277.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

211

Como podemos facilmente constatar, o art. 618 do CC cria uma garantia legal que, a nosso ver, não pode ser excluída pela vontade das partes, ficando sem efeito, salvo melhor juízo, as orientações adotadas por Arnoldo Wald e Clóvis Bevilaqua, que apoiados por decisão do STF, entendiam que as partes podiam dispor sobre essa garantia.77 Discutia-se, na vigência do Código Civil revogado, sobre a possibilidade de redução do tempo de garantia por acordo dos contratantes, sendo a doutrina divergen­ te. Hoje, pela nova redação do texto legal, o prazo é irredutível.78 Essa garantia, aplicável tanto às empreitadas de mão-de-obra como às mistas, já que o dispositivo não fala só em empreitada de materiais, mas também nas de execução,79 não se refere aos ví­ cios ordinários, mas sim e tão-somente aos vícios especiais liga­ dos à solidez e a segurança da obra, assim em razão dos materiais utilizados ou do solo. Já constava do art. 1.245 do Código de 1916 que o prazo de garantia era de cinco anos, tendo seu termo inicial no recebimento da obra. O art. 618 do Código vigente criou, em seu parágrafo único, um outro prazo para o dono da obra, também decadencial.

(77)

Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro: obrigações, cit., p. 353; Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1938, vol. IV, p. 446.

(78)

Maria Helena Diniz admite, mesmo diante do novo texto legal, a alteração, para mais ou para menos, do prazo de garantia (Curso, cit., p. 277).

(79)

Nesse sentido Sílvio Venosa, Direito civil, cit., p. 219. Clóvis Beviláqua, Amoldo Wald, Washington de Barros e Orlando Go­ mes entendem aplicável somente às empreitadas de materiais (res­ pectivamente, Código, cit., p. 444, Curso de direito civil brasilei­ ro: obrigações, cit., p. 353, Curso, cit., vol. 5, p. 200, e Contra­ tos, cit., p. 336).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Assim, a ação deverá ser proposta no prazo de cento e oitenta dias a contar do aparecimento do vício. O professor Sílvio Venosa, abordando a questão, sustenta que a ação poderá ser, eventualmente, proposta após os cinco anos, desde que o vício tenha sido descoberto no final do lustro.80 Ousamos discordar do mestre paulista e temos que o prazo de propositura da ação nunca poderá ultrapassar o qüinqüênio. Se o vício, por exemplo, for descoberto após quatro anos de onze meses, o dono da obra terá apenas mais trinta dias para ingressar em juízo. O parágrafo fala ainda que a ação deverá ser proposta con­ tra o empreiteiro, devendo a palavra “empreiteiro” ser interpre­ tada em seu sentido amplo, abrangendo todos aqueles que, pe­ rante o dono da obra, assumiram a obrigação de realizar a cons­ trução (incluindo-se engenheiros e arquitetos). Nesse sentido, concordamos com a decisão proferida pela Câm. de Direito Privado do TJSP, que entendeu: “Nos contra­ tos de incorporação imobiliária, o incorporador que contrata empreiteiro para edificação do empreendimento responde, soli­ dariamente com este, não só pela conclusão da obra, mas tam­ bém por sua solidez e segurança perante os condôminos, confor­ me se depreende da leitura do art. 29 da Lei 4.591/64 e do art. 1.245 do CC”.81 5.a

Pacificou-se na doutrina e na jurisprudência pátria, no últi­ mo caso pela da Súmula 194 do STJ, que o prazo para a proposi­ tura da ação de indenização contra o construtor, por defeito da obra, não era o previsto no art. 1.245, mas sim o prazo ordinário de vinte anos.

(80)

Silvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 220.

(81)

ApCiv 009.750.4/2, rel. Des. Marcus Andrade (RT 787/219).

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

213

Não concordávamos com esse posicionamento, uma vez que, como será ainda abordado neste trabalho, entendemos que o pra­ zo para a ação de indenização por dano circa rem deve ser o mesmo prazo que aquele previsto para a propositura da ação redibitória. O novo Código Civil, por sua vez, inverte a situação então existente, já que estabelece o prazo de três anos para a propositu­ ra das ações de indenização (art. 206, § 3.°, V), ou seja, inferior ao previsto no seu art. 618. Acreditamos, dentro da idéia citada, que todas as ações contra o construtor, em decorrência de vício por solidez e segurança, deverão ter o prazo de cinco anos, não sendo aplicado o prazo geral para as ações de responsabilidade civil. A nosso ver o dispositivo em estudo não cria uma responsa­ bilidade objetiva do empreiteiro, mas sim uma responsabilidade subjetiva com inversão do ônus probatório. Cabe ao construtor, para se isentar da responsabilidade, provar que não teve qualquer culpa na ocorrência do dano.82

6.5 Vícios de quantidade As legislações do século passado, ainda sob a influência do direito romano, distinguiram o vício de quantidade do vício de qualidade. O Código Civil francês, em seu art. 1.616, diz que é obriga­ ção do vendedor entregar a coisa na quantidade pactuada (“Art.

(82)

Amoldo Wald e Maria Helena Diniz parecem entender que a res­ ponsabilidade é objetiva (respectivamente, Curso de direito civil brasileiro: obrigações, cit., p. 353, e Curso, cit., p. 227). No mesmo sentido dos doutrinadores citados AgIn 2000.644.4/1, 1.a Câm. do TJSP, rel. Des. Guimarães e Souza (RT 792/269) e ApCiv 274.957-2, 2.a Câm. de Direito Privado do TJSP, rel. Des. Roberto Bedran (JTJ 194/75).

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1616. Lê vendeur est tenu de délivrer la contenance telle qu ’ elle est portée au contrat, sous lês modifications ci-après exprimées”). Na interpretação desse dispositivo, grande parte da doutri­ na daquele país acabou por entender que esta norma só se aplica­ va quando a quantidade estivesse especificada. Assim, se a ven­ da fosse feita em bloco, sem as especificações de peso, número e tamanho, bastaria a entrega para que o contrato estivesse perfeito.83 Todavia, tratando-se de imóvel, a solução era um pouco di­ versa. Assim, nos arts. 1.617 e seguintes do Code cria-se uma distinção entre a venda feita sob medida (ad mensuram) e a ven­ da feita ad corpus. Seguindo a orientação do direito francês, nossos diplomas legais, tanto o antigo Código, art. 1.136, quanto o atual, art. 500 do CC, fizeram constar que, “se, na venda de um imóvel, se esti­ pular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respecti­ va área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às di­ mensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o comple­ mento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolu­ ção do contrato ou abatimento do preço”. Nesses termos, se o imóvel é determinado e para a fixação do preço foi levado em consideração o tamanho, calculando-se, por exemplo, o valor por metro quadrado ou por hectares, a obri­ gação só se considera cumprida com a efetiva entrega do bem, isso na quantidade previamente fixada. Por outro lado, se o tamanho é mera referência e não foi dado como relevante para a fixação do preço, a inexistência de quanti­ dade pactuada é, aos olhos do direito irrelevante (§ 3.°). Todavia, não se pode entender que o vício de quantidade só está presente na venda de bens imóveis. Na verdade, o vício de (83)

Laurent, Principii, cit., p. 142-143.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

215

quantidade nada mais é do que um vício de qualidade, já que a coisa ou serviço em quantidade inferior à prevista, não tem a qualidade que dela se poderia esperar ou, na pior das hipóteses, tem um valor distinto daquele que o adquirente/usuário teria pago se tivesse conhecimento da deficiência. O STJ, infelizmente, assim não entendeu, pois, afirmando que o vício previsto no art. 1.136 do antigo CC não se confunde com o vício redibitório, fixou o prazo prescricional de vinte anos para a propositura da ação.84 Ousávamos discordar dessa orientação, também seguida por vários doutrinadores,85 porque, como afirmamos, tanto o vício de quantidade quanto o de qualidade são espécies do mesmo gê­ nero, qual seja, o cumprimento imperfeito da obrigação. Nesse sentido, a 4.a Câm. do Tribunal de Apelação enten­ deu que “as diferenças de quantidade ou de qualidade das merca­ dorias estão sujeitas à mesma disciplina dos vícios redibitórios, se não podiam ser verificadas no ato do recebimento”.86 Significa dizer que, na vigência do Código Civil de 1916, o prazo para as ações indicadas no art. 1.136 (chamada pelos ro­

(84)

REsp 83.751-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 19.06.1997, com citação do REsp 22.711-SP, rel. Min. Barros Monteiro. No mesmo sentido, julgado do TJSP, 16.a Câm., rel. Pereira Calças (AgIn 212.011-2/9).

(85)

Dentre outros: Carvalho Santos, Código, cit., vol. XVI, p. 156, Amoldo Wald, Curso, cit., 256, Carvalho de Mendonça, Trata­ do, cit., p. 87, Washington de Barros, Curso, cit., p. 56, Herman Benjamin, porém esse afirmando que nas relações de consumo não haveria mais razão para a distinção entre venda ad corpus e venda ad mensuram (Da qualidade, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit., 32 e 102), e Olga Maria do Val, Res­ ponsabilidade, Revista, cit., p. 69.

(86)

Ap 23966, RT 156/636.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

manos de ex empto) seria de seis meses, nos termos do art. 178, § 5.°, IV, daquele Código. Não víamos razão na distinção trazida por Pontes de Miranda entre vício de quantidade e de qualidade, dando ao primeiro a qualificação de inadimplemento ruim e ao segundo, de vício redibitório.87 Na esteira do que por nós defendido já se posicionava Cló­ vis, afirmando que: “a quantidade garantida considera-se uma qualidade do imóvel, e, se não existe, a situação é a mesma da coisa viciada, que pode ser rejeitada pelo comprador, se não pre­ ferir abatimento do preço”.88 Não é outra a orientação no direito alemão, prevendo o § 468 do BGB que o alienante responde pela quantidade como se fosse uma ausência de qualidade. Acreditamos que o novo Código tenha aclarado o proble­ ma, adotando o posicionamento defendido neste trabalho, pois previu no caput do art. 501 o prazo decadência de um ano para a propositura das ações, ou seja, o mesmo prazo das ações redibitórias, previsto no art. 445 do CC.

6.6 Vício jurídico Questão também importante refere-se ao vício que não é inerente ao bem em si, mas a uma situação juridicamente rele­ vante a ele ligada. Inicialmente, não temos dúvida em afirmar que o vício pode não estar presente na coisa propriamente dita, como no exemplo tirado do direito romano, em que o imóvel era conside­ rado viciado porque o ar local estava pesteado, ou, de forma mais

(87)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 151.

(88)

Clóvis Beviláqua, Codigo, cit., p. 313.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

217

clara, quando o imóvel adquirido se encontrava em local sujeito a inundações.89 Chamamos de vício jurídico quando ele é “externo” e, além disso, está ligado a uma situação de direito que impeça o com­ pleto uso ou diminua o valor da coisa. Preciso o art. 1.509 do CC peruano ao dispor que “hay lugar al saneamiento cuando existan cargas, limitaciones o gravámenes ocultos y de los que no se dio noticias al celebrarse el contrato, si éstos son de tanta importância que disminuyen el valor del bien, lo hacen inútil para la finalidad de su adquisición o reducen sus cualidades para ese efecto”. Não podemos confundir o vício aqui tratado com o vício de direito, ligado ao instituto da evicção, e por esse motivo discor­ damos de Fernando J. Lopes de Zavalia quando utiliza os dois termos como sinônimos; afirma o doutrinador que o vício de di­ reito, chamado vício jurídico, deve ser incluído no instituto da evicção e não no do vício redibitório.90 Estarão dentro do vício jurídico, por exemplo, a falta de entrega de documentos relativos aos bens transacionados, como o certificado de propriedade de veículo, o “habite-se” de um pré­ dio, ou o alvará de licenciamento.

6.7 Requisitos dos vícios de qualidade e quantidade Quanto aos requisitos para a caracterização do vício redibi­ tório, eles são, geralmente, em número de três; vejamos cada um deles.

(89)

Sobre a necessidade de o vício estar na coisa e a questão dos imó­ veis inundados pelas chuvas, v. parecer de Limonge França (A inerência à coisa, no vício redibitório, e a questão dos imóveis invadidos por águas pluviais, RT 292/60).

(90)

Zavalia, Teoria, cit.

218

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

6.7.1 Vício oculto e vício aparente Sempre se impôs como condição para a caracterização do vício que ele fosse oculto. Desde o direito antigo, como tivemos oportunidade de mencionar, dizia-se não ser admissível para o desfazimento do negócio, ou para o abatimento do preço, o vício que pudesse ser facilmente descoberto, aquele passível de veri­ ficação por uma análise superficial da coisa ou ainda aquele que foi informado pelo alienante ao comprador (ad eos enim morbus, vitiaque pertinere Edctum Aedilium probandum est, quae quis igonoravit, vel ignorare potuit - D., XXI, I, 14, § 10o).91 Prevalecia a regra imperitia culpae adnumerature, para tan­ to, dever-se-ia analisar cada caso concreto, inclusive a pessoa do adquirente, a qual se tivesse conhecimento técnico, seria exigível que o vício para ela fosse mais facilmente descoberto. Dizia-se que se o adquirente fosse um expert não necessita­ va o vendedor indicar sequer os defeitos e mesmo assim não po­ deria o comprador socorrer-se da ação redibitória ou quanti minoris, já que tinha sido negligente. Os nossos Códigos Comercial de 1850 e Civil de 1916, fun­ dados nas idéias do século XIX, seguiram essa mesma linha de pensamento, fazendo constar dos arts. 210 e 1.101, respectiva­ mente, como requisito do vício, que fosse oculto. Dentro desse espírito, muitos doutrinadores repetiam os ensinamento da antiga Roma. Otto de Souza Lima sustentava que, “(...) no direito moderno, se o comprador é homem experiente, comerciante prudente, ou pessoa versada no comércio da coisa comprada, reputar-se-á que deveria ou poderia conhecer vícios,

(91)

Era um provérbio francês: “qui n' ouvre pás yeux doit ouvrir la bourse” (apud W. Hamilton, The ancient, Yale Law Journal, cit., p. 1.164).

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que passariam despercebidos a pessoas menos hábeis e alheias ao negócio”.92-93 O Código Civil espanhol e o Código Civil argentino foram expressos ao prever em seus arts. 1.484, parte final e 2.170, res­ pectivamente, que “(...) no será responsable de los defectos giurisprudenziale o que estuvieren a la vista, ni tampoco de los que no lo estén, si el comprador es un perito que, por razón de su oficio o profesión, debía fácilmente conocerlos” e “el enajenante está también libre de la responsabilidad de los vicios redhibitorios, si el adqui­ rente los conocía o debía conocerlos por su profesión u oficio”. O requisito básico da “ocultação” foi parcialmente alterado pela Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor - onde consta (art. 26) que o vício pode ser também aparente. Diante desse possível conflito, torna-se necessário analisar o sentido jurídico do termo “aparente” e as conseqüências daí advindas. Segundo os léxicos, “aparente” é o que aparece, que se vê, que é visível.94 Adotando uma interpretação puramente gramatical, pode­ ríamos chegar à conclusão de que hoje o consumidor teria sem­ pre o direito de propor as ações edilícias mesmo se tivesse prévio conhecimento da desconformidade da coisa ou serviço, o que,

(92)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 306. No mesmo sentido, Síl­ vio Venosa (Direito civil: Teoria geral, cit., p. 480).

(93)

O TJSP entendeu que o comprador de um veículo não tem condi­ ções de analisar transformações que foram feitas no bem e coli­ sões que ele teria sofrido (ApCiv 18.973-4/0, rel. Des. Laerte Nortdi, j. 10.06.1997).

(94)

Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Ja­ neiro: Nova Fronteira.

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sem dúvida, faria cair por terra o instituto em estudo, violando o princípio da boa-fé nas relações contratuais e, em efeitos práti­ cos, equiparando-o ao direito de arrependimento. Não se pode chegar a tão insensata solução. A discussão sobre o significado e as conseqüências de um vício aparente não é nova. Prevê o Código Civil francês a exclusão do vício redibitório quando ele for aparente (art. 1.642), sendo que na lição de BaudryLacantinerie era aparente o vício que pudesse ser descoberto atra­ vés de uma verificação pelo homem sério, pouco importando se a sua descoberta oferecia qualquer dificuldade.95 Mazeaud e Mazeaud, com base em decisões judiciais, di­ ziam que é aparente o vício que se pode observar com diligên­ cia média ou se teria descoberto procedendo a verificações elementares.96 A expressão vizio apparente também foi utilizada pelo le­ gislador italiano, tanto no art. 1.499 do antigo CC de 1865 como no art. 1.511 do atual.

(95)

Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 439. (Lecciones, cit., p. 296). Laurent traz um julgado da Corte de Cassação em que se entendeu que o comprador não poderia propor ação redibitória, já que o cavalo mancava e tal vício era aparente (Principii, cit., p. 214). Adotando uma posição mais benéfica ao adquirente Gerard-Jérôme Nana preleciona que aparente é o vício manifesto (La reparation, cit., p. 81). (96) Mazeaud e Mazeaud, Lecciones, cit., p. 296. Laurent traz um julgado da Corte de Cassação em que se entendeu que o comprador não poderia propor ação redibitória, já que o cavalo mancava e tal vício era aparente (Principii, cit., p. 214). Adotando uma posição mais benéfica ao adquirente Gerard-Jérôme Nana preleciona que aparente é o vício manifesto (La reparation, cit., p. 81).

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Sob a luz desses dispositivos, alguns chegaram a sustentar que vício aparente era aquele passível de ser descoberto ictu oculi, prima facie.91 Mesmo que não fosse do efetivo conhecimento do comprador, a lei criava uma presunção de seu conhecimento. Pacifici-Mazzoni, na vigência do Código italiano de 1865, afirmava que aparente é o vício conhecido, e dava como exem­ plo a massa que já não estava fresca. Messineo dizia que aparen­ te é o vício facilmente reconhecível. Para Rubino, vícios aparentes são aqueles intrínsecos, objetivamente reconhecí­ veis; já vício reconhecível, que do aparente é uma espécie, exis­ te quando, à recognoscibilidade objetiva se acrescenta um ele­ mento subjetiva, qual seja, quando o comprador viu a coisa antes do contrato.98 Outros autores italianos, apoiando-se na jurisprudência, fa­ ziam distinção entre vício aparente e vício reconhecível, acabando por concluir que “aparente” seria a desconformidade que pode ser percebida com um normale sforzo diligente, enquanto “reco­ nhecível” seriam os vícios facilmente descobertos.99 Na Argentina, e diante da redação do art. 2.173 do CC, que veda a redibição quando o vício for aparente, também se discute sobre o conceito deste tipo de vício. Após analisar as três posições que se formaram, Zavalia conclui que o vício oculto e o aparente devem ser vistos levando em consideração a coisa em si e a prática seguida no dia-a-dia

(97)

Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 257. (98)

Pacifici-Mazzoni, Codice, cit., p. 487; Messineo, Manuale, cit., vol. III, p. 107; e Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 620. Neste último sentido, também Salvatore Romano (Trattato, cit., p. 264). (99)

Carlos Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 102.

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nas relações negociais; não se vê, diz o autor, o problema sob o enfoque do adquirente concreto, mas sim do adquirente médio.100 Em que pese o respeito ao mestre argentino, entendemos que sua definição é por demais genérica, não trazendo qualquer ele­ mento preciso para a definição do termo. Há, na tentativa de de­ finição, apenas um jogo de palavras. No direito português e em face da inexistência legal do re­ quisito da ocultação do vício (art. 913.° do CC), alguns autores admitem o defeito aparente como caracterizador do vício, quan­ do o devedor garantiu a sua inexistência ou o encobriu.101 Data maxima venia, parece haver contradição quando se fala em encobrir o vício, já que nessa situação ele já não é mais apa­ rente e sim oculto, prevalecendo a regra geral. Quanto à outra hipótese, é verdade que o vício pode ser apa­ rente e ter o fornecedor alegado sua inexistência, quando então persistirá a garantia, porém, como será visto, não será essa a úni­ ca situação.102 Outros doutrinadores portugueses, com base no Código Civil e na lei de defesa do consumidor, acreditam que há vício quando ele não é de conhecimento do adquirente, mesmo que aparente.103-104

(100)

Fernando Zavalia, Teoria, cit., p. 447-448. (101)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 202. No direito italiano e no mesmo sentido, Mirabelli, Dei singoli, cit., p. 103.

(102)

Também no direito italiano, sustenta Terranova que a expressa declaração do vendedor de que a coisa é isenta de vício gera a garantia permanente, mesmo que o vício seja facilmente desco­ berto, La garanzia, Rivista, cit., p. 103.

(103)

Luiz Leitão, Caveat venditor?, cit., p. 40, e Calvão da Silva, Res­ ponsabilidade, cit., p. 192.

(104)

Também a lei espanhola do consumidor, de 19.07.1984 não exi­ ge que o vício seja oculto.

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A doutrina pátria não fugia da orientação majoritária acima posta. Washington de Barros prelecionava que “o vício deve ser considerado como aparente toda vez que puder ser desvendado por atento exame que o homem sério costuma empregar nos seus negócios”.105 Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, esta­ mos convictos de que o legislador pátrio efetivamente pretendeu inovar ao permitir a alegação do vício quando ele for aparente, e isso pela consciência de uma nova realidade mercadológica. Nos dias atuais, de produção e consumo em massa, de revo­ lução industrial e tecnológica, em que proliferam bens e servi­ ços variados, não mais pode o homem ter conhecimento técnico sobre todos os bens; também já não é possível, até por questão de tempo, que faça o consumidor uma verificação de cada coisa ou serviço adquirido ou utilizado. Lapidar a observação de Sílvio Venosa quando afirma que “a sociedade de consumo é sociedade de massa. Como tal os ser­ viços e produtos oferecidos em grande quantidade não permitem ao consumidor que faça um exame detalhado do que está adqui­ rindo. Quando muito, e se tanto, fará ligar o televisor na loja para saber se está funcionando; inspecionará externamente o veículo novo que adquire em uma concessionária...”.106 Não menos importante é a observação feita por Amorth, já na década de 1960, ao dizer que o comprador é mais atento à pro­ messa do vendedor que ao exame da coisa; seu eventual descui­ do no exame da coisa é reparado pelo direito que lhe atribui a promessa feita.107

(105)

Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., vol. 5, p. 57.

(l06)

Sílvio Venosa. Os vícios ocultos no Código de Defesa do Consu­ midor, Revista da Faculdade de Direito das Faculdades Metro­ politanas Unidas - FMU 6/59.

(l07)

Amorth. Errore, cit., p. 100.

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224

Nesses termos, deve ser entendido como aparente o vício que, apesar de poder ser descoberto mediante uma análise do bem, não foi de conhecimento do adquirente ou usuário, independen­ temente de sua culpa.108 Devemos então fazer distinção entre vício aparente e vício conhecido109 e somente quanto ao último é que estará isento o devedor de qualquer responsabilidade.110 Inclui-se no conceito de vício conhecido aquele que é tão claro, tão óbvio, que passa automaticamente a fazer parte do co­ nhecimento do co-contratante. Nessas situações e com base no princípio da boa-fé, não se pode deixar de lado uma realidade in­ discutível. Basta pensarmos no carro sem rodas, no livro sem capa, na casa sem paredes internas, etc. Concordamos com Willian Santos Ferreira quando dá, como exemplos de vícios aparentes, a lata enferrujada, a televisão sem tela, o carro sem volante, pelo menos no sentido de não permitir nessas hipóteses a redibição do contrato.111

(108)

No mesmo sentido, Herman Benjamin, Comentários, cit., p. 116. Analisando a questão diante do Código Civil de 1916, Darcy Arruda Miranda afirmava que “o vício aparente, evidentemente, não constitui motivo para a anulação do ato, por ser conhecido do comprador” (g.n.) (Anotações ao Código Civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, vol. 3, p. 209).

(109)

Ao contrário do que é por nós defendido, Pedro Romano Martinez entende que, apesar dos dois termos serem teoricamente distin­ tos, tem a mesma conseqüência prática (Cumprimento, cit., p. 203).

(110)

Cita Mirabelli uma decisão da Corte de Cassação Italiana onde consta que “anche di um vizio apparente il compratore può non essere stato in grado di rendersi conto, ed in tal caso la responsabilità permane” (Dei singoli, Commentario, cit., p. 101). (111)

Willian Santos Ferreira. Prescrição e decadência no Código de

Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor 10/83.

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225

Podemos concluir que hoje, nas relações de consumo, cabe ao fornecedor avisar o consumidor dos vícios existentes, e sem­ pre que essa informação inexistir, caracterizada estará a respon­ sabilidade do alienante, mesmo que o consumidor tenha sido ne­ gligente. Nessa linha de pensamento ousamos discordar de Romano Martinez quando sustenta que o comprador negligente não tem direito a garantia alguma, já que estaria ele violando o princípio da boa-fé, por meio de um venire contra factum proprium.112 A posição parece-nos demasiadamente conservadora e des­ ligada do mundo moderno. Ademais, quanto à teoria invocada, uma coisa é o consumidor ter conhecimento do vício, praticar o negócio e depois pretender rescindi-lo, abater o preço ou utilizar qualquer das outras faculdades legais, quando então agiria de máfé e sua conduta se amoldaria na regra do venire. Outra situação é a do consumidor que não atenta ao vício, mesmo que por des­ cuido, e depois invoca um de seus direitos subjetivos. Nesta, não haveria um comportamento contraditório e muito menos confian­ ça despertada no fornecedor. Sobre a questão, precisa é a idéia trazida em decisão do STF alemão em que consta que “nem todo o comportamento contra­ ditório é inconciliável com a boa-fé. Isso só pode acontecer quan­ do uma parte criou uma previsão de confiança na qual a outra se pudesse fiar, e o tenha feito, ou quando o comportamento ante­ rior esteja em contradição insolúvel com o posterior”.113 Não menos importante é a lição trazida por Menezes Cor­ deiro de que “só se considera como venire contra factum proprium

(112)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 205.

(113)

BGH 5-Mai.- 1977, BB 1977, 019-921 (apud Menezes Cordei­ ro, Da boa-fé, p. 752).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor”.114 Para finalizar o raciocínio, imaginemos a compra de um vestido novo ou usado com uma pequena mancha ou defeito na costura, que poderiam ser vistos pelo adquirente se efetuasse uma breve análise do bem. Ora, possível que o consumidor, na corre­ ria do dia-a-dia, não tenha atentado a tal detalhe e não tenha dele sido alertado pelo vendedor. Nesse caso, haverá responsabilida­ de, porque faltou o alienante com o dever de informar. Essa res­ ponsabilidade lhe é imputada ou porque agiu de má-fé ou por­ que, em decorrência de sua atividade, assumiu o risco.115 Há uma inversão sobre o dever de cuidado. Não mais o con­ sumidor deve acautelar-se na aquisição de um produto ou servi­ ço, até porque a regra é, ou deve ser, a inexistência de vício; cabe ao fornecedor o dever de constatar e avisar sobre cada anormali­ dade que a coisa ou serviço possuam (caveat venditor). Não podemos, entretanto, esquecer que muitas vezes o adqui­ rente tem conhecimento do vício (seja aparente, seja até mesmo oculto), isso devido a uma análise da coisa ou até por informação de terceiros. Pensemos no consumidor que ao examinar um veículo usa­ do na concessionária vê e até comenta com um amigo o proble­ ma no automóvel; ou no adquirente que conscientemente e em face do preço reduzido, adquire um produto com quantidade di­ versa da indicada na embalagem ou publicidade. Nessas hipóte­ ses não poderá, posteriormente, pleitear a garantia.116

(114)

Menezes Cordeiro, Da boa-fé, cit., p. 746.

(115)

Discordando da idéia de risco profissional v. Martorano, La tute­ la, cit., p. 161-165.

(116)

Nesse sentido, Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 616.

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227

Poderá aqui surgir dúvida sobre o ônus probatório em rela­ ção à ocorrência desse fato (conhecimento da imperfeição). Le­ vando em conta que a regra é a inexistência de vícios, deve haver uma inversão do ônus probatório, cabendo ao fornecedor a pro­ va do conhecimento do vício pelo adquirente, o que, é verdade, em muitas ocasiões será de grande dificuldade.117 Preciso, por esse motivo, o conselho de Zelmo Denari: “por medida de cautela, a nota fiscal de venda deverá consignar as razões determinantes do abatimento do preço, pois, do contrá­ rio, presumir-se-á a indefectibilidade do produto ofertado e o for­ necedor responderá pelas sanções previstas no § l.°do art. 18”.118 O novo Código Civil, que passa a ditar as relações comer­ ciais, praticamente repete, em seu art. 441, a redação do Código de 1916, mantendo como requisito a ocultação do vício. Poder-se-ia criticar essa posição, que, em face do diploma consumerista, seria conservadora. Contudo e tendo em mente que o Código Civil é aplicado apenas às relações civis e às comer­ ciais, em que, de costume, há a possibilidade de melhor análise da coisa ou do serviço prestado e há maior equilíbrio contratual, a posição adotada não parece de todo imprópria.

6.7.2 Gravidade do vício Pelas regras clássicas do vício redibitório, só eram como tais considerados aqueles graves, ou seja, os que afetassem a utilida­ de da coisa ou lhe diminuíssem consideravelmente o valor.

(l17)

No mesmo sentido prelecionam Mazeaud e Mazeaud, Lecciones, cit., p. 297-298.

(118)

Zelmo Denari. Código brasileiro de Defesa do Consumidor co­ mentado pelos autores do anteprojeto. 5. ed. Rio de Janeiro: Fo­ rense Universitária, 1998, p. 169.

228

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Prelecionava Carvalho de Mendonça que “um deficit de pequena importância (propter minimam causam, res inempta fieri non debet) e o prejuízo resultante do caráter aleatório das vendas comerciais, não se consideram vícios redibitórios”.119 No direito estrangeiro esse requisito pode ser encontrado, entre outros, no art. 1.490 do CC italiano, no art. 1.484 do CC espanhol, no art. 1.498 do CC francês e no § 459 do BGB. O pri­ meiro diz que o vício deve ser apreciável; o segundo e o terceiro, que a diminuição da utilidade dever ser de tal modo que, se tives­ se o comprador dela tomado conhecimento, não teria praticado o ato ou teria pago menos pela coisa; o último, de forma ainda mais clara, diz que a diminuição do valor ou da serventia não pode ser insignificante. Nos nossos dias não se pode fazer uma leitura do art. 411 do CC e os arts. 18 e seguintes do CDC de forma tão rígida.120 A nosso ver, não só os vícios graves caracterizarão o cum­ primento imperfeito, mas também aqueles de menor importân­ cia, desde que não sejam efetivamente insignificantes. A existên­ cia dessa tricotomia (vícios graves, não graves e insignificantes) pode ser extraída do § 3.° do art. 18 do CDC, que possibilita ao adquirente/usuário ingressar diretamente com uma das ações, desde que o vício seja de grande extensão. Por sua vez, o § 1.° do

(119)

Carvalho de Mendonça, Tratado, cit., p. 90. No mesmo senti­ do, entre outros, Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 147.

(120)

Para Paulo Casseb, aqui está um ponto de divergência entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, visto que neste último “é suficiente que o vício cause descontentamento ao con­ sumidor, que tem sua expectativa frustrada, pois o produto rece­ bido não é tão belo e agradável como se supunha” (Vício redibi­ tório, Revista, cit., p. 153).

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229

mesmo dispositivo prevê as demais alternativas extrajudiciais e judiciais quando o vício não for tão grave. Deixando de lado os vícios insignificantes, cuja análise de­ verá ser feita em cada caso concreto, apreciando as circunstân­ cias que envolveram a transação, a importância da distinção en­ tre os outros dois tipos (grave e não grave), como será visto mais à frente, está nas ações a serem propostas. Não se exige, por outro lado, que o vício seja perpétuo; pode ser temporário, e assim solucionável.121 Tanto é que o CDC per­ mite ao consumidor pleitear o afastamento da imperfeição.122

6.7.3 Anterioridade do vício Nesse item devemos fazer a distinção entre obrigação de dar e obrigação de fazer, já que o requisito em estudo só pode ser exigido na primeira delas. Tratando-se de obrigação de fazer, o vício surgirá, em re­ gra, em momento posterior à celebração do contrato. Todavia, nada impede que se informe ao consumidor, mesmo antes da rea­ lização do serviço, da existência de possível vício. Basta imagi­ narmos a compra de um pacote turístico de uma a agência de via­ gem que, alguns dias antes da partida, informa a mudança de ho­ tel ou de programação.

(121)

Admitindo que o vício seja eliminável, Rubino La compravendita, Trattato, cit., p. 612; Mirabelli, Dei singoli, Commentario, cit., p. 97, Grego e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 248, Laurent, Principii, cit., p. 212; e Baudry-Lacantineire, Trattato, cit., p. 438.

(122)

Fernando Zavalia afirma que “no es preciso que el defecto sea irreparable. No deja de ser grave si para reparar la cosa es preciso hacer gastos de cierta importancia” (Teoría, cit., p. 449).

230

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No que toca às obrigações de dar, dúvida há na doutrina, principalmente estrangeira, em relação ao momento em que a imperfeição deve existir para caracterizar o vício, ou seja, se ele deve ser anterior ao contrato ou à tradição da coisa. No direito italiano e no francês entende-se que o vício deve ser analisado no momento do contrato (venda) e não no mo­ mento da entrega, porém devemos ter em mente que, naqueles sistemas, a transferência da propriedade se dá com o contrato e não com a tradição. Assim, no fundo, a regra utilizada é igual a nossa.123 Parece ter o direito espanhol adotado posicionamento con­ trário, já que, apesar de exigir a tradição como requisito para a transferência do domínio, fez constar no art. 1.460 de seu CC que o vício deve existir no momento da celebração do contra­ to. Entretanto, Badenes Gasset afirma que, sendo uma venda de coisa específica, o vício deve existir no momento da conclu­ são do contrato; tratando-se de coisa genérica, no momento da especificação.124 O art. 210 do CCo e o art. 1.104 do antigo CC acolheram a idéia de que o vício deve existir no momento da tradição.

(123)

Gorla, La compravendita, Trattato, cit., p. 158, e PacificiMazzoni, Codice, cit., p. 488. Sobre a divergência doutrinária, principalmente na Itália e França, v. Otto de Souza Lima (Teoria, cit., p. 321 e segs.). Baudry-Lacantinerie e Gerard-Jérôme assim sustentam, porém em relação às vendas de coisas certas e deter­ minadas, excluindo as genéricas, quando o vício se verifica no momento do recebimento (Tratatto, cit., p. 443, e La reparation, cit., p. 83-84, respectivamente).

(124)

Badenes Gasset, El contrato, cit., p. 705. No direito argentino e no mesmo sentido ao aqui exposto, Fernando Zavalia, Teoría, cit., p. 49.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

231

O novo diploma civilista não alterou os antigos textos le­ gais, mantendo aposição já consolidada no direito pátrio.125 Definiu o Código Civil em vigor, no art. 444, como momento da verificação do vício a tradição. Reforçando esse entendimento e para afastar qualquer polêmica no direito pátrio, o art. 492 (anti­ go art. 1.127) prevê, nos contratos de compra e venda, que, até o momento da tradição, os riscos correm por conta do vendedor. Impera, assim, a regra res perit domino, e os vícios devem ser analisados no momento da entrega da coisa, que pode ou não coincidir com o momento da celebração do contrato. De qualquer forma o vício deve, pelo menos em seu germe, ser anterior ao recebimento da coisa, podendo então aparecer ao seu adquirente ou usuário em momento posterior. Por outro lado, o desenvolvimento do vício e seu aparecimento após o recebi­ mento não devem estar ligados a qualquer participação ou culpa do adquirente e deve ter-se desenvolvido sob condições normais.

6.8 Dos vícios nos contratos coligados Chamam-se coligados os contratos em que pelos menos uma das partes é a mesma e nos quais há, apesar de sua autonomia, uma ligação de dependência ou subordinação entre os contratos, porque ambos decorrem do mesmo fato. Há, de certa forma, uma relação de acessoriedade entre eles. Para Ruy Rosado Aguiar, contratos coligados “são os que, embora distintos, estão ligados por uma cláusula acessória, im­ plícita ou explícita”. Almeida Costa, citado pelo mesmo autor, os define como aqueles que “estão ligados por um nexo funcio­

(l25)

Nesse sentido, Pontes de Miranda, Tratado, cit. t. XXXVIII, p. 284, e Sílvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 480.

232

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

nal, podendo essa dependência ser bilateral (vende o automóvel e a gasolina); unilateral (compra o automóvel e arrenda a gara­ gem, ficando o arrendamento subordinado à compra e venda); alternativa (compra a casa na praia ou, se não for para lá transfe­ rido, loca-a para veraneio)”.126 No escólio de Giselda Hironaka, os contratos coligados possuem os seguintes elementos constitutivos fundamentais. São eles: a) a celebração conjunta de dois ou mais contratos; b) a manutenção da autonomia de cada uma das modalidades que integra a modalidade nova; c) a dependência recíproca ou apenas unilateral dos contratos amalgamados; d) a ausência de unicidade entre os contratos jungidos; e) e sua regência jurídi­ ca pelas normas típicas alusivas a cada um dos contratos que se coligam.127 O exemplo típico que podemos dar está no contrato de com­ pra e venda acompanhado de contrato de financiamento (podemse incluir aqui alguns casos de leasing), já que o mútuo só existe em razão da compra e venda. Importante nesses casos é saber as conseqüências para o contrato de mútuo (ou de leasing128), em relação ao cumprimen­

(126)

Ruy Rosado, Extinção, cit., p. 88, nota 170.

(127)

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Contratos: estrutu­ ra milenar de fundação do direito privado, Revista do Advogado - Associação dos Advogados de São Paulo 68/81-82, ano XXII, dez. 2002.

(128)

Falando do leasing Enrico Gabrielle preleciona que “secondo la dottrina prevalente l’utilizzatore può denunciare i vizi del bene, ex art. 1.495, ma, in mancanza di um’esplicito mandato conferitogli dalla società di leasing, non può esperire l’azione di risoluzione del contratto di compravendita ex art. 1492, perchè altrimenti ‘la titolarità dell` azione si troverebbe disgiunta dalla

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233

to imperfeito da obrigação de entregar a coisa ou cumprir o ser­ viço sem vícios. Nos pedidos de eliminação do vício ou substituição da coi­ sa, não vemos maiores problemas, já que esses pedidos não afe­ tam o outro contrato. Apenas em relação à substituição e imagi­ nando a corriqueira existência de alienação fiduciária em garan­ tia, deve a instituição financeira ser notificada para que proceda à alteração da garantia para o novo bem. Tal cautela deve ser observada pelo adquirente/autor, sob pena de, assim não o fazendo, permitir à instituição financeira exigir o pagamento antecipado de toda a dívida, em face da per­ da ou inexistência da garantia (arts. 1.°, § 7.°, e 2.°, § 3.°, do Dec.lei 911/69, c/c o art. 1.425 do CC). No tocante ao pedido de indenização pelos prejuízos sofri­ dos e levando em consideração que estes têm reflexos apenas em relação ao alienante, não se vislumbra qualquer reflexo no con­ trato a ele coligado. Quanto ao pedido de diminuição do preço e tendo por base, novamente, que o bem é, muitas vezes, a garantia da dívida, o

posizione di diritto sostanziale a tutela della quale 1’azione medesima è concessa’, in quanto l’único ed effetivo proprietario del bene é la società locatrice, e quindi l’estensione a favore del conduttore si deve limitae allà garanzia del venditore il quale è tenuto al risarcimento del danno ex art. 1494. Ugualmente egli non potrebbe esperire 1’azione di risoluzione del contratto di locazione finanziaria nell’ipotesi in cui il bene messolgi a disposizione presente vizi tali da renderlo totalmente inidôneo all’uso, como purê non può proporre in via diretta azione di risoluzione del contratto di compravendita, ma 1’eventuale garanzia di buon funzionamento, prestata dal fornitore, è estesa a suo favore” (Enrico Gabrielle, La consegna, cit., p. 84).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

valor devolvido deveria ser encaminhado para a instituição fi­ nanceira, abatendo-se do valor total da dívida. Todavia isso só pode acontecer se houver pedido expresso nesse sentido pelo autor. Se o requerente, além de pedir a dimi­ nuição do preço, solicitar também o abatimento do saldo deve­ dor, em decorrência da soma a ser restituída, deverá incluir no pólo passivo o mutuante, pois estaremos diante de litisconsórcio passivo necessário. Por outro lado, se o autor limitar-se ao pedi­ do de diminuição do valor do bem, receberá a importância fixa­ da na sentença, mas continuará com a obrigação de pagar os va­ lores nos termos originariamente contratados. Mesmo que o pedido se restrinja à diminuição do preço, re­ comendável também aqui que o autor, por qualquer meio, notifi­ que a instituição financeira sobre a demanda proposta, visto que, se julgada procedente, o bem dado em garantia passará a ter um valor inferior ao originariamente previsto, o que poderá causar a ineficácia da garantia e, por conseqüência, como já dissemos, o pedido de cumprimento antecipado do contrato de mútuo. Não menos complicada é a situação do contrato de mútuo quando o pedido é de redibição. Em regra, nesse tipo de contrato, a financeira paga imedia­ tamente ao comerciante o valor do bem, continuando o adquirente com obrigações junto ao mutuante. Se analisarmos a questão sob o prisma de dois contratos dis­ tintos, podemos chegar a situações iníquas, em que o contrato de compra e venda é resolvido devolvendo o comprador o bem e recebendo dinheiro que não lhe pertence, porém mantendo a obri­ gação de pagar o preço em face do terceiro. Por essa razão, não temos dúvida em defender que o pedido de resolução do contrato, diante do cumprimento imperfeito, deve

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235

referir-se a ambos os negócios jurídicos, ou seja, deverá ser feito também em relação à financeira.129 Acolhido o pedido de redibição, o comprador devolverá o bem ao alienante. Paralelamente, deverá ser rescindido o outro contrato; a instituição financeira receberá diretamente do alie­ nante o valor que seria restituído ao comprador, quitará o valor da dívida e, havendo saldo, o devolverá ao mutuário.130 Questão também interessante refere-se à possibilidade de o comprador/devedor, sendo demandado pela instituição financeira por falta de pagamento, alegar em sua defesa a existência de ví­ cio (exceptio). Nessa situação, defendemos que não poderá o devedor tra­ zer como exceção o cumprimento imperfeito do contrato por parte de terceiro. Prevalece aqui, por analogia, a regra de que o princi­ pal não segue a sorte do acessório. Nesse sentido pronunciou-se o 2.° TACivSP, com a seguin­ te ementa: “Alienação fiduciária - Busca e apreensão - Vício ocul­ to - Indenização em face do terceiro contratante - Inadequação da via. Se o bem apresentou vício redibitório (CC, arts. 1.101 e ss.) e, por tal razão, o réu promoveu ação indenizatória em face do terceiro contratante (vendedor), tal fato não produz efeitos nes­ ta relação jurídica ora travada, consubstanciada em contrato de

(l29)

Segundo nos informa Pedro Romano Martinez, na França a Lei 78-23, com a nova redação dada pelas Leis 89-421 e 79-596, es­ tabeleceu uma relação entre os contratos de mútuo e de compra e venda ou de empreitada. Na Alemanha a questão foi resolvida pela Lei sobre o Crédito ao Consumo (apud Cumprimento, cit., p. 466 e 467, notas 1).

(l30)

Havendo pedido em reconvenção, deverá o juiz diminuir o valor a ser devolvido em decorrência do uso da coisa.

236

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mútuo oneroso com pacto acessório de alienação fiduciária em garantia, porque inter alios acta”.131

6.9 Obrigação solidária e o cumprimento imperfeito Ao lado das obrigações conjuntas, que na lição de Antunes Varela são “as obrigações plurais cuja prestação é fixada global­ mente, mas em que a cada um dos sujeitos compete apenas uma parte do débito ou do crédito comum”,132 temos as obrigações solidárias. No primeiro tipo de obrigação há originariamente uma única obrigação, com o fracionamento das prestações, sendo cada devedor responsável por uma delas. Cada vínculo possui vida própria, não se confundindo com os demais, e o que acon­ tecer com um não afeta o outro (assim a cessão, a falência, a novação etc.). Já nas obrigações solidárias temos uma pluralidade de su­ jeitos no pólo passivo ou ativo da obrigação, onde cada um dos credores poderá exigir do devedor comum a totalidade da pres­ tação (solidariedade ativa) ou cada um dos devedores deverá pagar ao credor comum a totalidade da dívida (solidariedade passiva).133 Tratando-se de relações civis e comerciais, salvo disposi­ ção em contrário, a obrigação de cumprir a prestação na forma combinada e a de ressarcir eventuais prejuízos causados ao

(131)

Ap c/ Rev. 620.400-00/6, 3.a Câm., rel. Juiz Riberito Pinto, j. 30.04.2002.

(132)

Antunes Varela, Das obrigações, cit., vol. 1, p. 773-774.

(133)

A doutrina traz ainda uma terceira classificação, que seria a solidariedade mista, em que há uma pluralidade de credores e devedores.

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237

adquirente será do devedor ou, proporcionalmente, de cada de­ vedor em relação ao todo, isso porque o art. 265 do novo CC pre­ vê que a solidariedade não se presume e só existe quando haja disposição legal ou convencional. O Código de Defesa do Consumidor, dentro do espírito de proteção e visando a efetiva garantia dos direitos dos consumi­ dores, estabeleceu, no que toca ao dever de cumprir perfeitamente a obrigação, a solidariedade dos fornecedores. Já no parágrafo único do art. 7.° fez constar que, “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela re­ paração dos danos previstos nas normas de consumo”. Esse dispositivo aplica-se a qualquer tipo de obrigação, lem­ brando, como será visto em seguida, que o Código de Defesa do Consumidor não mantém a distinção entre responsabilidade con­ tratual e extracontratual. Também sobre a responsabilidade civil solidária e para afas­ tar de vez qualquer dúvida sobre o tema, fez constar, no § 1.° do art. 25, que, “havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação...”. Quanto às obrigações de entregar coisas, deixou claro, nos arts. 18 e 19, a responsabilidade solidária dos fornecedores pelos vícios de qualidade e quantidade. Por último, no que tange aos vícios por insegurança, consta no art. 12 a responsabilidade solidária dos fornecedores ali indi­ cados. Patente está que tanto em relação à responsabilidade pelos vícios de qualidade ou quantidade quanto em relação ao vício por insegurança, há uma solidariedade entre todos os fornecedores. Temos que, independentemente do pedido formulado pelo consumidor (redibição do contrato, diminuição do preço, subs­

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238

tituição da coisa, eliminação do vício ou complementação da quantidade faltante), é lhe facultado escolher o réu da ação, que poderá ser o comerciante, o fabricante, o importador, o constru­ tor ou todos conjuntamente. Nessa linha de pensamento, e também por ser irrelevante a culpa no cumprimento imperfeito da obrigação, discordamos totalmente da orientação adotada pela 1 .a Câm. de Direito Priva­ do do E. TJSP, quando entendeu que a solidariedade da empresa concessionária, pelo vício no veículo, só existiria se ela tivesse agido com culpa.134 Por outro lado, consideramos correta a decisão proferida pelo mesmo tribunal ao declarar que a vendedora do imóvel também é responsável pelos vícios redibitórios. Consta do acórdão que “a existência do seguro habitacional não afasta a responsabilida­ de da Nossa Caixa Nosso Banco S.A. em indenizar, exatamente por sua condição de vendedora do imóvel. Sendo o alienante, é o responsável por eventual vício redibitório”.135 Tratando-se de franquia, haverá também responsabilidade solidária do franqueador, já que, por intermédio da imagem ou nome apresentado, dá-se ao consumidor uma garantia de quali­ dade do produto ou serviço. Basta imaginarmos a tão famosa rede de fast food Mac Donalds. Poderá o consumidor, havendo cumprimento imperfeito do contrato, demandar contra o proprietário do estabelecimento em que foi firmado o contrato ou contra o franqueador. Há apenas três exceções a essa solidariedade passiva, e elas se encontram nos incisos do art. 13, no § 5.° do art. 18 e no § 2.° do art. 19. (134)

JTJ 203/161.

(135)

ApCiv 40.206.4/8-00.

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Na primeira hipótese, ligada ao fato do produto, a solidarie­ dade deixa de existir, surgindo uma responsabilidade subsidiá­ ria ou exclusiva do comerciante, isso pelo seu comportamento negligente. Podemos dizer que são duas, basicamente, as situa­ ções aqui previstas: a impossibilidade ou dificuldade de identifi­ cação do fornecedor e a má conservação dos produtos perecíveis. No que toca aos incisos I e II, só haverá obrigação de inde­ nizar por parte do comerciante quando não possam ser identifi­ cadas as pessoas que constam do art. 12. Para que não ocorram situações injustas para o consumidor, deve-se interpretar a ex­ pressão “não puder ser identificado” de forma ampla. Imaginemos que um produto, por defeito intrínseco, cause danos ao consumidor, existindo a identificação do fabricante. Suponhamos que, em sua defesa, o fabricante alegue e prove a não-colocação do produto no mercado (inciso I do § 3.° do art. 12), por serem eles, por exemplo, falsificados. Nessa situação haverá responsabilidade do comerciante, uma vez que o verdadeiro fornecedor não foi identificado, pois não se pode admitir que o consumidor, que não tem qualquer culpa pelo evento, sofra os prejuízos. Outra questão relevante refere-se ao momento em que a iden­ tificação do fornecedor deve existir, já que, em alguns ordena­ mentos jurídicos, o comerciante poderia isentar-se dessa res­ ponsabilidade indicando ao consumidor, posteriormente, o for­ necedor. Acolhido este último posicionamento, outra questão a ser analisada diz com a necessidade ou não de o consumidor solici­ tar ao comerciante, antes da qualquer demanda contra ele, que forneça as informações necessárias sobre o produtor. A Diretiva 374/85 da Comunidade Econômica Européia ado­ tou com clareza essa orientação, obrigando o consumidor, antes

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de demandar o comerciante, intimá-lo para que forneça a quali­ ficação do fornecedor ou de algum fornecedor precedente. As leis alemã, italiana e portuguesa adotaram esse sistema; a primeira concede o prazo de trinta dias ao comerciante e as outras duas, três meses.136 Assim, dando o comerciante, dentro do prazo legal, a infor­ mação solicitada, fica isento de qualquer responsabilidade pelo fato do produto. Segundo Calvão da Silva essa responsabilidade subsidiária criada pelo legislador para o comerciante tem dois objetivos: “evitar que a vítima de produtos anónimos por não conhecer o produtor ou o importador fique sem indemnização, se o seu for­ necedor não tiver agido com culpa. Destarte, ao mesmo tempo em que se protege o consumidor contra produtos anônimos, con­ tribui-se para erradicar ou diminuir a circulação destes no mer­ cado, pois o comerciante passa a ter interesse em vender produ­ tos que tenham apostos sinais distintivos ou, pelo menos, em munir-se da documentação da proveniência da mercadoria que adquire e em não guardar silêncio encobridor de qualquer outro fornecedor precedente ou do próprio produtor”.137 Acreditamos que nesse ponto tenha o legislador brasileiro se afastado do modelo adotado pela Comunidade Econômica Européia. Pela principiologia adotada pelo Código de Defesa do Con­ sumidor, a norma visa proteger o consumidor, da forma mais ampla possível, de todos os danos sofridos, e, ocorrendo estes, terá direito a ser ressarcido. Assim, advindo um dano em decorrên­ (136)

Na lei italiana, art. 4.°, n. 1; no projeto de lei alemã, § 4.°, III (apud Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 564, nota 2).

(137)

Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 561.

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cia de um defeito no produto, não se poderão criar obstáculos ao efetivo ressarcimento. Nesse caso, a nosso ver, é irrelevante o fato de o comercian­ te poder indicar posteriormente o produtor ou fabricante do bem, visando assim a isenção de sua responsabilidade, uma vez que já foi negligente (muitas vezes a situação se assemelha ao dolo even­ tual) ao colocar no mercado produto sem a identificação, ou identi­ ficação incompleta de seu fabricante. Perante o consumidor, ele será responsável pelo dano, e depois poderá, por meio de ação regressiva, cobrar o valor pago do verdadeiro culpado. Esse raciocínio se aplica também quando a informação exis­ tente no produto, sobre o produtor, fabricante ou importador, não for verdadeira. A título de exemplo, imaginemos que a pessoa indicada no produto não existe no mundo jurídico. Também se aplicará à corriqueira situação de “camelôs” que, de forma irregular e com a conivência dos Poderes Públicos, vendem produtos fabricados no estrangeiro sem qualquer con­ trole de qualidade e muitas vezes sem a identificação do fabri­ cante ou importador. Quanto ao último inciso, se o produto causa danos ao con­ sumidor pela sua má conservação, duas situações podem ser obser­ vadas: 1) o produto é defeituoso em decorrência da inadequada conservação, mas as informações sobre o seu acondicionamento constavam dele; 2) o produto é defeituoso em decorrência da inadequada conservação, mas não havia informações ou estas eram deficien­ tes sobre o modo de acondicionamento dele. Analisando o artigo em estudo, entendemos que o inciso III se refere à primeira hipótese, ou seja, o defeito ocorreu por culpa

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única e exclusiva do comerciante, já que havia no produto infor­ mações claras sobre a forma de sua conservação, mas o comer­ ciante não as seguiu. Nesse caso não há que se falar em responsa­ bilidade subsidiária ou solidária do comerciante, mas sim em responsabilidade direta e exclusiva. A segunda hipótese, ausência ou insuficiências de informa­ ções, está enquadrada no art. 12, sendo responsável o fornece­ dor, ou fornecedores, de forma solidária. Aqui, caberá pedido de indenização contra o comerciante apenas se ocorrer também uma das situações previstas nos incisos I e II do art. 13. Devemos observar que a responsabilidade subsidiária e não solidária do comerciante só existe em relação ao fato do produto, já que não consta do art. 14 do CDC, que cuida do fato do servi­ ço, norma semelhante à do art. 13. Isso significa que nos aciden­ tes de consumo por fato do serviço, o comerciante é solidaria­ mente responsável pelos danos causados ao consumidor. Basta imaginarmos um acidente aéreo, onde o transporta­ dor, juntamente com os demais responsáveis (fabricante da ae­ ronave, da peça defeituosa etc.) responderá pelos danos causa­ dos às vítimas. Em relação ao § 5.° do art. 18, que cuida da venda de produ­ tos in natura, o responsável será o comerciante imediato, aquele com quem o consumidor realizou o negócio, salvo se o produtor puder ser facilmente identificado, pois nesse caso voltaremos a ter uma solidariedade passiva. Ousamos discordar do professor Arruda Alvim quando sus­ tenta que, havendo identificação fácil do produtor, deixará o comerciante de ter qualquer responsabilidade.138 Esse raciocínio

(138)

Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 148.

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iria de encontro com o espírito protetivo e lógico do Código, já que criaria soluções distintas para idênticas situações fáticas.139 Ora, se o supermercado, por exemplo, é solidariamente res­ ponsável pela falta de quantidade de um produto industrializa­ do, porque deixaria de sê-lo quando a falta de quantidade existis­ se num produto em natura, como, por exemplo, embalagem de frutas, mesmo com identificação do produtor? A última situação (art. 19, § 2.°) aplica-se aos produtos ven­ didos a granel, aqueles não embalados e que são pesados ou me­ didos no estabelecimento comercial no exato momento da com­ pra. Aqui, somente será responsável o fornecedor imediato (co­ merciante) porque é ele o responsável pelo aferimento, segundo os padrões oficiais, do instrumento utilizado. Em resumo, escolhendo o consumidor um ou alguns entre todos os fornecedores, não poderão os réus alegar a existência de litisconsórcio passivo necessário, impondo o ingresso dos demais responsáveis.140 Sendo proposta a ação contra o comerciante e havendo con­ denação, poderá este, em ação regressiva, cobrar do verdadeiro culpado (produtor, fabricante, construtor etc.) os valores que ti­ ver desembolsado. Dissemos que deverá ser proposta outra ação, visto que o Código de Defesa do Consumidor veda, em seu art. 88, a denunciação à lide, e nessa nova demanda não mais se poderá invocar a

(139)

Herman Benjamin (Da qualidade, Comentários, cit., p. 87). Pa­ rece seguir esse entendimento Claudia Lima Marques, Contra­ tos, cit., p. 586-597.

(140)

No mesmo sentido e citando legislação espanhola, Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 145, nota 4.

244

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

responsabilidade objetiva, cabendo ao comerciante provar a culpa do fornecedor pelo vício.141 Seguindo o raciocínio já exposto, entendemos que o forne­ cedor original, nessa nova demanda, não poderá beneficiar-se de eventual cláusula de isenção de responsabilidade por vício, visto que, mesmo sendo uma relação civil ou comercial, essa cláusula seria nula. O que pode acontecer, como tivemos oportunidade de afirmar, é a existência e a validade de uma cláusula que isente o fornecedor da responsabilidade por um vício informado ao co­ merciante. Em relação à prestação de serviço, o art. 20 do CDC nada diz sobre a solidariedade dos fornecedores, havendo dúvida se a omissão do legislador foi ou não proposital. Parece ter adotado a primeira orientação o professor Arruda Alvim, pois, com apoio no art. 891 do CC de 1916 (art. 259 do atual CC), sustenta que a impossibilidade de identificação do serviço prestado por cada fornecedor gera a responsabilidade solidária. Em contrapartida, se houver a possibilidade de individualização do serviço de cada fornecedor, não há que se falar em obrigação solidária passiva.142 Aplicando a mesma norma, fazemos, entretanto, uma inter­ pretação um pouco diversa do professor Alvim. O artigo citado não se refere à prestação identificada, mas sim à prestação divi­ sível, ou seja, aquela que pode ser destacada de outra, sem perder sua identidade. Se, por exemplo, contratamos, através de um só instrumen­ to, o pintor x e o marceneiro y para, respectivamente, pintar nossa casa e fazer portas novas, não podemos cobrar de um os danos

(141)

No mesmo sentido Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 146-148.

(142)

Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 155.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

245

causados exclusivamente pelo outro; aqui as prestações são di­ visíveis, não havendo, em princípio, qualquer ligação entre elas. Já em relação aos contratos de transporte e turismo, por exemplo, firmados por agências de viagem, a questão da solida­ riedade não é tão simples. Geralmente, se adquire numa agência de viagem serviços de um único fornecedor, com a emissão de voucher de hotéis, bi­ lhetes aéreos, marítimas, rodoviárias etc., ou de uma pluralidade de fornecedores, como pacotes turísticos, envolvendo companhias aéreas, hotéis, restaurantes, empresas de transfers, seguradoras etc. Levando em consideração que é a agência quem comercializa o bem, com quem o consumidor tem contato direto, e não sendo possível a separação de sua atividade - dada a razão determinan­ te do negócio (art. 258 do CC) - com os serviços realizados pelos terceiros, poderá o adquirente/usuário, a seu critério, fazê-la cons­ tar do pólo passivo da ação, seja qual for o pedido (redibição do con­ trato, diminuição do preço, refazimento do serviço, quando pos­ sível, ou indenização); posteriormente, terá ela direito de pleitear, do verdadeiro culpado, o ressarcimento do valor desembolsado.143 Mas não é só a agência a responsável, pois se o vício estiver ligado diretamente ao prestador de serviço, haverá, com base nos arts. 7.°, parágrafo único, e 25, § 1.°, ambos do CDC, solidarie­ dade também deste último. A ação, então, poderá ser proposta contra qualquer um deles, ou contra ambos. Pelos motivos retro, discordamos da decisão da 2.a Câm. do 1.° TASP, que decidiu: “Transporte - Ação de indenização por danos morais. Au­ tores que não conseguem embarcar no avião, conquanto tenham

(143)

No mesmo sentido Claudia Lima Marques, Contratos, cit., p. 176-177.

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

246

se apresentado antes do encerramento do check-in, vindo a ser embarcados outros passageiros em seu lugar. Fato que prejudi­ cou a realização de excursão pela África do Sul. Cabimento de indenização por dano moral ante a decepção, aborrecimento e sentimento de frustração causados aos autores. Responsabilida­ de exclusiva da empresa aérea, não concorrendo para o fato a agên­ cia de turismo. Recurso provido em parte” (Ap 829.982-5-SP, rel. Juiz Cyro Bonilha, j. 22.11.2000, v.u.).144 Por outro lado, estaria em sintonia com nosso pensamento a decisão proferida pelo mesmo l.° TACivSP ao afirmar que: “Con­ trato - Prestação de serviços - Turismo - Pacote turístico não realizado - Excursão que deveria ter sido realizada por operado­ ra contratada por agência de viagem - Hipótese em que a atua­ ção desta última não deve ficar limitada à venda e intermediação do pacote, respondendo referida agência pela idoneidade da ope­ radora, acompanhando, ainda, o cumprimento do contrato Responsabilidade solidária de ambas reconhecida - Recurso dos autores provido, prejudicado o da co-ré” (Ap 0779598-6, 5.a Câm., rel. Sebastião Thiago de Siqueira, j. 25.08.1999). O que não podemos aceitar é a solidariedade de todos os prestadores de serviços indiretos se o vício está ligado exclusiva­ mente a um deles. Aqui prevalece a regra do art. 259 do CC. Uti­ lizando o exemplo supra, na venda de um pacote turístico jamais poderíamos responsabilizar a rede hoteleira pelo não-cumprimento da obrigação de forma perfeita pela companhia aérea, ou da empresa de transfer, pelo serviço incompleto prestado pelo guia local.145

(144)

Apud Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo - AASP 2250/506. (145)

Herman Benjamin dá a entender que, na prestação de serviços, sempre há solidariedade dos fornecedores, não se devendo fazer

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

247

Em relação ainda à solidariedade, devem-se aplicar, subsidiariamente aos artigos acima indicados, no que não forem in­ compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, os arts. 896, 897, 904 a 915, todos do Código Civil. Assim, por exemplo, como bem ensina Arruda Alvim, não se aplica às relações de consumo o art. 912 do antigo CC (atual 282).146

6.10 Da garantia contratual Ao lado da garantia legal, que acabamos de ver, pode existir uma garantia contratual, unilateralmente concedida pelo alienante e circunscrita a um lapso temporal.147 Tal garantia, que normalmente é utilizada como um atrativo na grande disputa pelos consumidores, e é plenamente válida dentro do princípio da livre concorrência, pode abranger bens móveis (corpóreos ou incorpóreos), imóveis ou serviços (como, por exemplo, a garantia oferecida pelos fabricantes de veículos148

distinção entre o prestador direto ou principal do indireto e se­ cundário (Da qualidade, Comentários, cit., p. 105). (146)

Arruda Alvim, Código, cit., p. 145.

(147)

Sobre a discussão da possibilidade de garantia sem prazo deter­ minado, no direito italiano v. Luigi de Palma (Sulla garanzia di buon funzionamento, Rassegna di Diritto Civile, vol. II, p. 719, 1984).

(148)

Quanto a essa peculiar situação, não é raro que os fabricantes de veículo dêem ao consumidor uma garantia com termo final du­ plo, como tantos anos de uso ou tantos quilômetros rodados. Não temos dúvida em dizer que nessa situação o fornecedor dá uma alternativa em benefício do consumidor, e não em benefício pró­ prio; assim, a garantia permanecerá, salvo expressa disposição em contrário, até a ocorrência do fato que por último ocorrer.

248

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

ou a garantia dada por empresa de dedetização); refere-se nor­ malmente à qualidade, porém nada impede que se refira à quan­ tidade, não se discutindo a culpa do fornecedor149 mas, tão-so­ mente, a existência de um vício não causado pelo consumidor. Essa garantia é fundada na liberdade contratual e, portanto, pode sofrer limitações e restrições. Pode ser onerosa ou gratuita; total, abrangendo qualquer vício, ou parcial, com a exclusão de alguns; pode sofrer condições, como a instalação do produto pelos técnicos do fornecedor e pode até ser concedida após a alienação do bem. Não se confunde com a garantia legal, o que deixou bem claro o legislador ao prever, no art. 50 da Lei 8.078/90, que a garantia contratual é um complemento daquela (quid pluris). Com base no mesmo dispositivo acima citado (caput, parte final), a garantia contratual só é assim considerada se constar de cláusula expressa, aplicando-se, por analogia e unicidade ao sis­ tema, também às relações civis. Acrescentemos ainda que ela existirá mesmo que só tenha constado de informações ou publicidades feitas antes da transação (art. 30 do CDC).150 Algumas vezes os fornecedores condicionam a validade da garantia contratual ao preenchimento de um formulário e ao seu posterior envio ao fornecedor. Entendemos que essa condição não

(149)

Luigi de Palma também afirma que na garantia contratual a res­ ponsabilidade do vendedor independe de culpa (Sulla garanzia, Rassegna, cit., p. 723). Em sentido contrário, Guido Alpa, Garanzia di buon funzionamento e tutela del compratore. Una diversa lettura dell’ art 1.512 do cód. Civile. Il Foro Italiano, cit., 1979, p. 459.

(150)

No direito italiano e no mesmo sentido, Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 368.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

249

pode ser aceita como válida, não havendo razão lógica para tal vinculação. O parágrafo único do art. 50 da Lei 8.078/90 deixa claro que a garantia deve ser entregue devidamente preenchida pelo forne­ cedor, no ato do fornecimento, acompanhada do manual de ins­ trução e demais documentos informativos ligados ao produto ou serviço. Se isso, por si só, não bastasse, o art. 74 do mesmo diploma legal tipifica como crime a não-entrega ao consumidor da garan­ tia devidamente preenchida, o que deixa claro que toda garantia deve ser completada pelo fornecedor ou pelo vendedor. Cláusu­ la como a supramencionada deve ser considerada nula, já que afronta os arts. 50 e 51, IV e XV, do CDC. Prevê o art. 446 do novo CC que os prazos decadenciais não correrão na constância de cláusula de garantia, e aqui são neces­ sárias duas observações. Poderíamos pensar que o legislador pátrio foi incoerente ao incluir no Código Civil a garantia contratual, já que essa norma é aplicada, normalmente, às relações civis, e esse tipo de garantia não é comum nessas negociações. Todavia, lembremos que o novo Código também se aplica às relações comerciais em que tal prática é mais facilmente en­ contrada e, ainda, e mais importante, que o Código Civil pode ser aplicado subsidiariamente a outras normas, desde que não seja incompatível com os princípios nelas existentes. Significa dizer que o dispositivo em análise se aplica inclusive às relações de consumo. Com meridiana clareza consta do texto legal que a garantia legal tem seu termo inicial após o término do prazo da garan­ tia contratual. Em outras palavras, o adquirente somará os dois prazos.

250

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Escolheu o legislador a posição adotada por parte da doutri­ na e que já havia sido acolhida no art. 329 do anteprojeto do Có­ digo das Obrigações. Esse dispositivo previa que não correriam os prazos do artigo anterior na pendência de cláusula de garantia, mas o adquirente deveria denunciar o defeito ao alienante dentro em quinze dias da descoberta, sob pena de caducidade da cláusula. 151

Não era outra a posição de nossos tribunais. O 2.° TACivSP, pela sua l.a Câm., decidiu que: “Se o veículo automotor, objeto do contrato de compra e venda, possui garantia de dois anos, so­ mente após o término desse lapso é que começará a fluir o prazo de decadência para a interposição de ação de rescisão contratual cumulada com perdas e danos por vício redibitório”.152 Temos para nós que o legislador não andou bem nessa ques­ tão, e se o seu objetivo era afastar a polêmica sobre o problema, escolheu, pelo menos em termos técnicos, o pior caminho. Facilmente se observa que as duas garantias não se confun­ dem e, assim, deveríamos ter dois prazos distintos, correndo pa­ ralelamente. Com a transferência do bem, teria início a garantia legal, cujo prazo para a propositura da ação poderia coincidir com o da garantia contratual ou seria posterior (vício oculto); em re­ gra teria aí também início a garantia contratual. A primeira não poderia sofrer qualquer tipo de limitação, enquanto a segunda dependeria da livre manifestação da vontade das partes. Por ló­ gica, a garantia legal teria seu termo final antes da contratual. Mais precisa era a redação do art. 50 do CDC, e estava a nosso ver correta Claudia Lima Marques quando, interpretando o

(l51)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 342; Amoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro: Obrigações, cit., p. 228.

(l52)

RT 771/288. No mesmo sentido: ApCiv 221.603 da l.a Câm. do 1.° TACSP (JTACSP 39/164).

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

251

dispositivo, afirmava que estaria superada a orientação acolhida pela jurisprudência pátria.153 Entretanto, com a vigência do novo Código e com a redação do art. 446, acreditamos não ser possível admitir um critério de contagem de prazos distinto para as relações de consumo e para as relações civis; primeiro porque haveria uma quebra na unida­ de do sistema; segundo, porque a posição adotada pelo novo Có­ digo, apesar de tecnicamente imprecisa, é mais benéfica aos adquirentes/consumidores. Nos termos então mencionados, os prazos ligados à garan­ tia legal só terão início após o término do prazo de garantia con­ cedido pelo alienante, isso pelo menos como uma regra; como toda regra sofre exceção, aqui também o prazo de garantia legal pode ter início independentemente do transcurso do prazo de garantia contratual. Expliquemos melhor nosso raciocínio: sendo a garantia contratual geral, referente a todo o bem, prevalece a soma dos prazos. Por exemplo: se na compra de uma televisão o fornece­ dor concede um ano de garantia completa, deveremos somar a esse prazo os 90 dias, previstos no art. 26, II, do CDC, o que totalizará uma garantia de 15 meses. Todavia, como vimos, a garantia contratual pode se referir a apenas parte do produto e nesse caso duas situações podem ocorrer: primeiro, o vício se encontra na parte do produto cober­ to pela garantia contratual e nesse caso, como na regra exposta, os prazos se somam; segundo, a imperfeição se encontra em parte do bem não coberto pela garantia contratual (por exemplo, a garantia se refere apenas ao câmbio do veículo e o vício está no motor) e nesse caso, o prazo será unicamente aquele previsto

(153)

Claudia Lima Marques, Contratos, cit., p. 613.

252

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

em lei, tendo início com a tradição do bem ou a descoberto do problema. O mesmo art. 446 do CC impôs ao adquirente, em contra­ partida, o dever de denunciar ao alienante o vício nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento. A exigência de denúncia depende de cada sistema jurídico; em alguns afasta-se este requisito por completo, como no nosso antigo Código Civil e no direito francês; outros o exigem em to­ dos os casos, como no direito italiano e português; outros, por último, exigem-no apenas nas relações comerciais (Alemanha e Espanha - art. 336).154 A Lei 10.406/2002 adotou um posicionamento intermediá­ rio, exigindo a denúncia apenas quando da utilização da garantia contratual (garantia de bom funcionamento). Da mesma forma que no direito italiano (art. 1.512) e no direito português (art. 921.°, n. 3), nosso legislador concedeu o prazo de trinta dias para a denúncia, contado do efetivo conheci­ mento do vício, não sendo suficiente para dar início ao prazo a simples suspeita. Nesses termos também entendeu a Corte de Cassação ita­ liana, afirmando que a descoberta não significa a simples suspei­ ta, mas a certeza objetiva do vício, dispensando a individualização de sua causa.155

(154)

A Convenção de Viena para as vendas internacionais, aplicadas para as vendas comerciais, exige a denúncia no prazo de dois anos (art. 39) (apud Alpa e Bessone, Inadempimento, Il Foro Italiano, cit., p. 235).

(155)

Apud Carlo Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 114, nota 128. No mesmo sentido Galgano, Diritto civile, cit., p. 12, Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 285, e Mirabelli, Dei singoli, Commentario, cit., p. 111.

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

253

Como preleciona Calvão da Silva, a denúncia deve ser fei­ ta dentro do prazo de garantia, o que significa que, “(...) se o co­ nhecimento do defeito de funcionamento ocorrer nos últimos trinta dias do prazo da garantia, o termo de denúncia abreviase, em ordem a fazê-lo coincidir com o termo de duração da ga­ rantia”.156 Trata-se, como se verifica facilmente do texto legal (art. 446), de um prazo decadencial, que não sofre qualquer suspensão ou interrupção. Ao contrário do direito italiano, em que se tende a aceitar a alteração do prazo de denúncia pelas partes, desde que isso não cause excessiva dificuldade ao comprador no exercício da garan­ tia,157 no direito pátrio e levando em consideração que as normas relativas à garantia são agora normas de ordem pública, é vedada qualquer mudança no prazo. Por denúncia deve-se entender a declaração de vontade uni­ lateral não formal, ou seja, pode ser oral158 ou escrita, feita ao vendedor (ou aos seus prepostos e representantes - art. 1.171 do CC), dando-lhe conhecimento do cumprimento imperfeito da obrigação. Sendo caso de expedição do documento que contém a denúncia, ela deve ser feita no prazo concedido em lei, sendo irrelevante a data do recebimento pelo alienante.159 O ônus de

(156)

Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 204.

(157)

Entre outros Carlo Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 114, Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 286; e Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 646.

(158)

Inclusive por telefone (Mirabelli, Dei singoli, Commentario, cit., p. 112.

(l59)

Nesse sentido, Rubino e Greco e Cottino, com citação de outros autores (respectivamente: La compravendita, Trattato, cit., p. 646, e Della vendita, Commentario, cit., p. 286). Em sentido contrá-

254

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

comprovar que ela foi feita no prazo legal, entretanto, cabe ao credor.160 Dela deve constar o problema existente, permitindo ao cocontratante uma análise da situação e de suas conseqüências. Se por um lado ela não pode ser genérica, por outro não se pode exigir do adquirente/usuário, até por ausência de conhecimentos espe­ cíficos, que indique a causa do problema ou detalhes técnicos.161 Entendemos, na mesma linha de pensamento de Pedro Ro­ mano Martinez, que a denúncia de um defeito não se estende aos demais, e, assim, ocorrendo uma sucessão de vícios, deve o adqui­ rente denunciar cada um deles.162 Tendo em vista o silêncio da lei, não é obrigatório constar da denúncia a pretensão do adquirente (eliminação do vício, subs­ tituição etc.),163 porém é recomendável tal comportamento, já que pode facilitar um acordo entre as partes.

rio, Mirabelli, sob o argumento de que se trata de ato em benefí­ cio do devedor (Dei singoli, Commentario, cit., p. 111). (l60)

Nesse sentido, também, Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 115; Montessori, Garanzia, cit., p. 119; Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 289; e Mirabelli, Dei singoli, Com­ mentario, cit., 112.

(161)

No mesmo sentido e com indicação de julgados italianos Mirabelli, Dei singoli, Commentario, cit., p. 111, e Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 288.

(162)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 373. No mesmo sentido, Montessori, Garanzia, cit., p. 108; e Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 287. Em sentido Contrário Alpa, Garanzia, Il Foro Italiano, cit., p. 462.

(163)

No mesmo sentido e no direito italiano, Montessori, Garanzia, cit., p. 107; e Rubino, com indicação de julgados (La compravendita, Trattato, cit., p. 648).

CUMPRIMENTO IMPERFEITO DA OBRIGAÇÃO

255

Discordamos dos autores italianos Rubino, Salvatore Ro­ mano e Montessori164 quando sustentam que a propositura da ação redibitória interrompe o prazo decadencial em estudo, isso por­ que, como veremos, o fornecedor tem direito de tentar solucio­ nar a imperfeição e, assim, não poderá o credor, antes disso, pro­ por qualquer demanda judicial.165 Pelo art. 2.522 do Código Civil do Estado da Louisiana, a denúncia é um dever do adquirente, sob pena de poder sofrer uma diminuição na garantia. Esta diminuição de garantia, entretanto, só ocorre quando o alienante comprova que, com a denúncia, a imperfeição poderia ter sido sanada ou que os custos para solucioná-la seriam menores.166 Não é, por outro lado, requisito para ação de indenização em caso de danos extra rem, isso sob o argumento de que estão sujeitos à disciplina da responsabilidade delitual. Esse posicionamento pode ser acolhido já que nas relações civis o legislador manteve a dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual. Tratando-se de relação de consumo, o CDC traz norma expressa (art. 27) que prevê prazo prescricional, afastando a discussão do tema. Ao contrário do Código Civil português (art. 1.220.°, 2), do italiano (arts. 1.495 e 1.667) e do Estado do Louisiana (art. 2.522),

(164)

Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 648-649, Salvatore Romano, Vendita, Trattato, cit., p. 266, e Montessori, Garanzia, cit., p. 119. Também Greco e Cottino, Della vendita, Commenta­ rio, cit., p. 288.

(165)

No mesmo sentido Luigi di Palma, Sulla garanzia, Rassegna, cit., p. 720.

(l66)

Apud George Bilbe, Redhibition and implied warranties under the 1993 revision of the Louisiana Law of Sales, Louisiana Law Reviem — 54La. Law Review 125, p. 2.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

nosso legislador foi omisso quanto a eventuais situações, em que seria desnecessária a denúncia. Contudo e pelo menos em dois casos, por questão até de ló­ gica, isso ocorrerá. A denúncia visa dar conhecimento ao alie­ nante do vício; se ele, por qualquer meio, já tiver conhecimento dele, inútil mostrar-se-á este ato. Tal conhecimento pode ocorrer por qualquer forma de com­ portamento do devedor, demonstrando ciência do problema, como no exemplo do vendedor que se oferece para consertar o produto viciado. Também será desnecessária a denúncia quando o vendedor tenha agido de má-fé, omitindo o vício. É verdade que a prova do dolo deve ser feita pelo adquirente, o que em muitas situações se mostrará dificílimo, motivo pelo qual é recomendável a de­ núncia.167

(167)

Pedro Romano Martinez cita julgado da CssIt de 21.04.1988 (n. 3094, Giust. Civ. Mass, 1988, p. 748), em que se entendeu que mesmo em caso de dolo do alienante é obrigatória a denúncia.

7 MEIOS DE DEFESA E AÇÕES EDILÍCIAS SUMÁRIO: 7.1 Meios de defesa - 7.2 Ações edilícias: 7.2.1 Da ação redibitória; 7.2.2 Da ação estimatória; 7.2.3 Obser­ vações gerais sobre essas ações - 7.3 Das ações edilícias no Código de Defesa do Consumidor: 7.3.1 Da substituição do produto ou reexecução do serviço; 7.3.2 Da complementação do peso ou medida.

7.1 Meios de defesa Como a todo direito corresponde uma ação, que o assegura (art. 75 do antigo CC), no caso de cumprimento imperfeito, abrese ao credor um leque de opções. Falaremos agora sobre os meios de defesa e as ações concernentes aos vícios por quantidade e qualidade, deixando para capítulo próprio a abordagem da ação indenizatória ligada ao vício por insegurança. Antes de analisarmos as ações disponíveis, devemos deixar claro que o credor possui outras formas de tutelar seus direitos. Pode, se houver possibilidade e prévia constatação do ví­ cio, recusar o recebimento da coisa ou da prestação.1 (1)

Pedro Romano Martinez cita Carneiro da Frada, Freitag, Larenz e Pisko, como doutrinadores que só admitem a recusa no recebi-

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

O art. 441 do novo Código, assim como seu correspondente no Código de 1916 (art. 1.101), é expresso em autorizar o com­ prador a enjeitar a coisa. (Tratando-se de empreitada, há artigo específico (art. 615). Pelo Código Comercial isso era possível pelo art. 201.) A locução “enjeitar a coisa” deve ser entendida não somen­ te como a possibilidade de devolução, mas também como a de não-recebimento. A essa conclusão se pode chegar com arrimo no art. 313 do CC, que prevê não estar o credor obrigado a rece­ ber prestação diversa, ainda que mais valiosa. Já “prestação diversa”, por sua vez, deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo não só coisa diversa da combinada, mas também a coisa ou serviço que não apresente as característi­ cas de seus similares ou as qualidades prometidas. Carvalho de Mendonça dizia que é justa a recusa do compra­ dor em receber o bem quando “as mercadorias não são da quali­ dade ajustada, ou, na falta de ajuste, se não estão de acôrdo com os usos comerciais, principalmente se se trata de mercadorias determinadas sòmente pelo gênero, se elas não contêm a quanti­ dade convencionada, se não conferem com as amostras que ser­ viram de base ao negócio (Cód. Comercial, art. 201), se se acham com vícios e defeitos aparentes, se não têm a marca de origem, quando esta se toma de conveniência não sòmente para garantir a proveniência como para assegurar o seu prêço no mercado, se a embalagem ou os recipientes apropriados não se acham em bom estado, de modo a poderem ser transportadas com apto acondi-

mento da prestação defeituosa em caso de obrigações genéricas (Cumprimento, cit., p. 323). No mesmo sentido, Martorano, La tutela, cit., p. 34. Também Schollmeyer parece não admitir, em qualquer tipo de obrigação, a recusa do credor (apud Rodrigo Bercovitz, La naturaleza, Anuário, cit., p. 817).

MEIOS DE DEFESA E AÇÕES EDILÍCIAS

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cionamento para os armazéns do comprador ou para outro desti­ no, salvo sempre as estipulações em contrário” (grafia original).2 Como a toda regra há sempre uma exceção, na situação aci­ ma indicada e com base no princípio da boa-fé objetiva, não poderá o accipiens recusar a prestação se o vício for insignificante, o que deverá ser constatado em cada caso concreto. São precisas as palavras de Ramella ao sustentar que, “com relación a la facultad de rechazar la prestación debe tenerse pre­ sente que ésta no es absoluta, sino que queda limitada por los Principio de Buena Fe y de la prohibición del abuso del derecho reiteradamente sañalado. El incumplimento que significa el cumplimiento irregular queda sujeto a ala regla general de que no debe ser de escasa importancia”.3 Recusando-se o credor a receber a coisa ou a prestação e entendendo o devedor que a recusa é abusiva, poderá este propor ação consignatória ou uma ação visando o reconhecimento do descumprimento da obrigação pelo credor.4 Preleciona Ruy Rosado que, “nestas circunstâncias, não é exigível fique o devedor indefinidamente à espera do credor, vin­

(2)

Carvalho de Mendonça, Tratado, 1947, cit., p. 105. Também ad­ mite esse comportamento Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 147; no direito português, Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 321; no direito espanhol, Diez-Picazo, Fundamentos, cit., p. 691; no direito francês, Ghestin, Conformite, cit., p. 210. (3)

(4)

Apud González González, La resolución, cit., p. 77. No mesmo sentido Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 321.

Sobre o direito ao cumprimento da obrigação pelo devedor, v. Fernando Augusto Cunha de Sá. Direito ao cumprimento e direi­ to a cumprir. Coimbra: Almedina, 1997. Também Carvalho de Mendonça, Tratado, cit., p. 104-105.

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culado a um contrato em estado de pendência, que acarreta pre­ juízo e influi negativamente na segurança dos negócios”.5 Novamente Anteo Ramella, com base nos arts., 216, 1.430 e 1.644 do CC argentino, preleciona que, “(...) si bien es cierto que el deudor tiene el deber de cumplir, tambiém tiene el derecho a la liberación. No es posible admitir que el deudor deba quedar necesariamente atado a sus obligaciones por la sola voluntad del acreedor”.6 Nessas ações deverá o autor (devedor) provar que a recusa foi injusta, já que o ônus de provar a inexistência do vício ou sua insignificância é seu. Não havendo possibilidade para o credor identificar o vício e recebendo a coisa ou a prestação, passará então a contar com outros instrumentos jurídicos. A primeira alternativa processual que o credor poderá utili­ zar é a exceptio non rite adimpleti contractus, prevista no art. 476 do CC. Na verdade, trata-se de um meio de defesa, e não de uma ação, porém, por intermédio dela, o adquirente/réu, quando de­ mandado, poderá justificar o não-cumprimento de sua prestação (total ou parcial), em face do cumprimento imperfeito da presta­ ção do outro contratante. Muito se discutiu na doutrina, principalmente estrangeira, sob a admissão da exceptio no cumprimento imperfeito das obri­ gações. R. Cassin, analisando às críticas ao exceptio non rite adimpleti contractus, afirmava que, “se os vícios da execução não

(5)

Ruy Rosado, Extinção, cit., p. 61.

(6)

Anteo Ramella, La resolución, cit., p. 67.

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261

forem mais do que fatos pertinentes à inexecução, não se pode ver qual o motivo do contratante vítima dessa forma de inadim­ plência, tendo em mãos tôdas as armas ministradas pelo Direito comum, a ação de execução e a resolutória do contrato, seja des­ tituído precisamente do meio defensivo da recusa do pagamen­ to, que movimenta o direito à execução por via de defesa”.7 O mestre Serpa Lopes, em sua clássica obra sobre o tema, prelecionava que “o nosso Direito positivo, a despeito da ausên­ cia de textos legais a respeito, é perfeitamente compatível com a aplicação dos princípios acima expostos, porque eminentemen­ te equânimes, não contendo a nossa ordem jurídica qualquer outro dispositivo que possa impedir sua aplicação”.8 Os tribunais brasileiros já se posicionaram sobre a ques­ tão. A 17.a Câm. do TJSP, por exemplo, admitiu a exceção, visto que a empresa contratada não havia prestado o serviço completamente.9

(7)

Apud Miguel Maria de Serpa Lopes. Exceções substanciais: ex­ ceção de contrato não cumprido. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 298.

(8)

Serpa Lopes, Exceções, cit., p. 303. Também a admitindo, Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 100; Carvalho de Mendonça, Tratado, cit. p. 99; Menezes Cordeiro, Cumprimento, Colectania, cit., p. 46-47; Vaz Serra, Impossibilidade, Bolectim. cit., p. 29; Giovanni Pérsico. L’eccezione d’inadempimento. Milano: Giuffrè, 1955, p. 105, Flavio Lapertosa, La garanzia, Rivista, cit., p. 47 (somen­ te no contrato de empreitada) e Pedro Romano Martinez, Cum­ primento, cit., p. 324, este último indicando vários outros auto­ res estrangeiros. Não admitindo esta forma de defesa v. Martorano, com indicação de autores alemães (La tutela, cit., p. 37) e Armando Plaia, Vizi del bene, cit., p. 56. (9)

ApCiv 224.555-2/3, rel. Des. José Cardinale, j. 22.03.1994. Ain­ da ApCiv 98.000059-9 do TJRO, rel. Juiz José Antônio Robles;

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Também a 16.a Câm. do mesmo tribunal, apesar de condicioná-la à existência de vício grave e de má-fé do vendedor, ad­ mitiu esse meio de defesa.10 Ocorrendo a exceptio, caberá àquele que a invoca o ônus de provar a existência do vício de qualidade ou quantidade (art. 333, II, do CPC), já que há a presunção de que, ao aceitá-las (coisa ou prestação), recebeu-as como se boas fossem.11 Nesse sentido encontram-se decisões de nossos tribunais. Na ApCiv 30.348-4, por exemplo, além de ter sido admitida a exceptio non rite adimplenti contractus, ficou constando que o ônus da prova era do excipiente (JTJ 206/39).12 Nas relações de consumo, entretanto, e preenchidos os re­ quisitos da hipossuficiência ou da verossimilhança da alegação, deverá o juiz inverter, com base no inciso VIII do art. 6.° do CDC, o ônus da prova, obrigando o fornecedor a demonstrar que a coi­ sa, ou o serviço, não possuem o vício indicado. Obviamente, esse meio de defesa só poderá ser usado quando o adquirente ainda não tiver pago a totalidade do pre­ ço e ainda se o prazo decadencial para a alegação do vício já não tiver transcorrido (Esse raciocínio também se aplica à reconvenção).

ApCiv 5134099 do TJDF, rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 04.10.1999. (10)

RT 718/118. Também exigindo a má-fé do alienante, RT 718/118.

(11)

No mesmo, sentido Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 100; e Maria Helena Diniz. Código Civil anotado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, comentário ao art. 477. No direito italiano, admitin­ do a exceptio e dando ao adquirente o ônus da prova, v. Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 613 e 700.

(12)

Também ApCiv 0.353.605-8, 6.a Câm. do TJMG, j. 09.05.2002.

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A primeira hipótese é clara, não necessitando de maiores esclarecimentos. Nos ensinamento de Pontes de Miranda, “a exceção do vício do objeto sòmente pode ser oposta quanto à contraprestação a ser feita; não contra a contraprestação ou a parte da prestação já feita”.13 Quanto à segunda situação, se assim não entendêssemos, estaríamos dando ao adquirente uma ampliação no prazo decadencial estabelecido por lei, prazo esse fixado no interesse social.14 Não foi esse, todavia, o entendimento da 3.a T. do STJ ao julgar o REsp 61.051-PR. Nesse caso entendeu-se que a discus­ são do vício poderia ser feita em defesa, independentemente do prazo decadencial. Imaginemos a compra de um produto em prestações men­ sais; após seu recebimento, descobre-se o vício, deixando o com­ prador de pagar as demais parcelas vincendas.

(13)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 313.

(14)

Pontes de Miranda admitia a exceção, mesmo quando já preclusas as ações edilícias, se o adquirente, antes de findo o prazo deca­ dencial, tivesse feito qualquer comunicação eficaz contra o ou­ torgado (Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 314). No mesmo sentido por nós defendido, Pacifici-Mazzoni (Istituzione, cit., p. 303, e Codice, cit., p. 509), sendo que na segunda obra citada apresenta decisão da Corte de Firenze na qual se distingue exceção pura e exceção com caráter de ação (exceptio ideo quia actio). Ainda no direito italiano e admitindo a exceção, mesmo após o decurso do prazo, v. Carlos Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 90, Messineo, Manuale, cit., p. 109; e Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 295. Dentro da jurisprudência italiana, Cass, 15.07.1966, n. 1917, Giust.Civ., 1967, p. 93. Lembremos que no direito italiano o prazo é prescricional.

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Se a ação de cobrança, ou outro nome que a ela se queira dar, for proposta dentro do prazo que seria possível para o ingresso das ações edilícias, terá o réu o direito de invocar a exceptio, caso contrário não. Aplica-se aqui o art. 190 do CC que prevê que “a exceção prescreve no mesmo prazo em que a pretensão”. Nessa ação, e provando-se o cumprimento imperfeito, ana­ lisará o juiz o valor correspondente ao vício, condenando o réu ao pagamento de eventual diferença. Se a preço referente ao incumprimento for superior ao que ainda deve o réu, o juiz julgará a ação improcedente e, se houver pedido reconvencional, conde­ nará o reconvindo a devolver parte do preço.15 Alguns doutrinadores sustentam que essa exceção só pode­ rá ser invocada quando o cumprimento estiver relacionado dire­ tamente ao vício do produto ou do serviço, e não quando houver dano extra rem.16 Não é o nosso posicionamento. Acreditamos que esse meio de defesa poderá ser alegado em qualquer das duas hipóteses, não se podendo diferenciá-los porque têm a mesma origem; assim, a exceptio pode ser invocada tanto nos danos circa rem quanto nos extra rem. Suponhamos a contratação de um eletricista para a troca da fiação de um apartamento. Realizado o trabalho, constata-se que o prestador do serviço, apesar de ter cumprido sua obrigação em relação à parte elétrica, sujou todas as paredes que haviam sido recentemente pintadas, e por esse motivo resolve o dono da obra

(l5)

Há autores que só admitem esse meio de defesa quando o cum­ primento da outra parte não for irrelevante. Entre outros, Vaz Ser­ ra, Impossibilidade, Boletim, cit., p. 29.

(l6)

Nesse sentido, Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 329, e Menezes Cordeiro Cumprimento, cit., p. 47.

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não pagar a última parcela prevista no contrato. Proposta a ação de cobrança, poderá o réu alegar em sua defesa a exceptio non rite adimpletis contractus. É essa também a opinião do mestre Antunes Varela, pois em parecer sobre o tema afirma que “não aplicar ao dever de indemnizar correspondente ao cumprimento defeituoso da obri­ gação, quando esta seja uma obrigação sinalagmática, o mesmo regime de reciprocidade, de realização ou oferecimento simul­ tâneo que onerava a prestação inicial ou principal a cargo do faltoso, seria, além de uma ilegalidade (por contrária ao espírito do art. 428.° do Cód. Civil e de outras disposições afins), uma injustiça, na medida em que constituiria um verdadeiro prémio para quem prevaricou”.17 Lembremos que nessa situação (exceptio, com base nos da­ nos extra rem) e em face do prazo prescricional ser superior (cin­ co anos nas relações de consumo e três nas relações civis), esse meio de defesa poderá ser trazido sempre que a ação pelo adqui­ rente proposta estiver também dentro desse prazo.

7.2 Ações edilícias Além dos meios de defesa acima expostos, e pelas normas do direito clássico, duas são as ações específicas para os casos de vício. A ação redibitória, que tem por finalidade a resolu­ ção do contrato, e a ação estimatória ou quanti minoris, que visa à diminuição do preço pago, com a co-respectiva devolução da diferença. Essas duas ações estavam previstas nos arts. 1.101 e 1.105 referentes às coisas - e nos arts. 1.242 e 1.243 - referentes aos

(l7)

Antunes Varela, Cumprimento, cit., p. 33.

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serviços - do nosso Código Civil de 1916, e, segundo uma visão clássica, são colocadas ao adquirente à sua livre escolha, não podendo o vendedor opor-se à opção processual feita. Dizia Umberto Pipia que “il diritto di opzione è assoluto ed illimitato nel compratore, senza che nè il venditore, nè l’ autorità giudiziaria possano in qualunque modo sindacare la scelta”.18 Tratando-se de relação comercial, o Código de 1850 nada falava sobre as ações possíveis, dizendo alguns que o comerciante/ comprador teria apenas direito à reclamação ou à denúncia extra­ judicial.19 Tal posição, em decorrência do art. 213 daquele mesmo Código e do art. 75 do CC de 1916 não prevaleceu, admitindo-se as ações redibitórias e estimatórias também às relações comer­ ciais, com as peculiaridades daquela relação jurídica.20 Hoje essa questão deve ser analisada sob o prisma de apenas duas outras normas jurídicas: o novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. O primeiro, que passa a cuidar das relações civis e comer­ ciais, permite ao adquirente, em seus arts. 442, 500, 615 e 616, tanto a redibição do contrato quanto o pedido de abatimento de preço, mantendo a mesma idéia do Código revogado. O segundo confere ao consumidor, de forma expressa, além dessas ações, outras opções.

(18)

Umberto Pipia, Compra-vendita, cit. p. 674.

(19)

Carvalho de Mendonça, Tratado, cit., p. 86.

(20)

Waldirio Bulgarelli afirma que a posição de Carvalho de Men­ donça não foi acolhida na prática (Contratos mercantis. 13. ed. São Paulo: Atlas, p. 192). Também admitindo as duas ações nas relações comerciais, Waldemar Ferreira. Tratado de direito co­ mercial. São Paulo: Saraiva, 1963, vol. 10, p. 136 e segs.

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No que se refere ao Código Civil, grande é a discussão so­ bre a possibilidade de propositura da ação de exato cumprimen­ to (eliminação do vício ou substituição da coisa). Pedro Romano Martinez nos dá um panorama do problema no direito europeu. Diz que na França, por não estar prevista a eliminação do vício, admite-se o pedido de indenização corres­ pondente ao valor daquele. Na Itália e diante da omissão legisla­ tiva, grande parte da doutrina entende possível a propositura dessa ação, posição não acolhida pela jurisprudência. Na Alemanha, Suíça e Áustria, a posição majoritária é no sentido de vedar esse instrumento legal. Em Portugal, com base nos arts. 907.° e 1.221,°, tal pedido é aceito.21-22

(21) (22)

Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 376 e segs. No direito italiano e com posição favorável Michele Giorgianni (L’inadempimento, cit., p. 63-65), segundo ainda Alpa, não se admite, em regra, esses pedidos, salvo se tiver o vendedor dado uma garantia de bom funcionamento (Alpa et al., Inadempimento, Il Foro Italiano, cit., p. 247-248) ou se tiver agido com culpa e a coisa for genérica (Greco e Cottino, Della vendita, Commenta­ rio, cit., p. 278-280). No que toca à venda, v. Flavio Lapertosa (La garanzia, Rivista, cit., p. 51). Carlo Terranova traz alguns jul­ gados sobre o tema e a posição de alguns doutrinadores (La garanzia, Rivista, cit., p. 111). Também sobre a ação de exato adimplemento v. Cristina Manasse (La garanzia..., Nuova giurisprudenza, cit., p. 295), Amorth (Errore, cit., p. 129 e segs.), Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 642), Armando Plaia (Vizi del bene, cit., p. 87 e segs.) e principalmente Laura Cao (Vendita di cosa viziata e azione di esatto adempimento. Giurisprudenza Italiana, 1981, vol. I.). No direito espanhol, não admite essa via Badenes Gasset (El contrato, cit., p. 719-720). No direito português, Calvão da Silva admite esta via processual, desde que o vendedor tenha agido com culpa ou dado garantia de bom funcionamento (Responsabilidade, cit., p. 200).

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O problema não passou de todo despercebido no Brasil, havendo quem sustentasse a possibilidade de outras ações além daquelas duas já mencionadas. Assim, Arnaldo Rizzardo admi­ tia o pedido de simples reparação do bem.23 A justificativa que se dava para a não-admissão desses pedi­ dos estava no fato de os vendedores particulares não serem, em regra, os fabricantes das coisas alienadas, o que impedia a subs­ tituição do bem, e, pelo mesmo motivo, por não terem capacida­ de técnica para proceder à eliminação do problema.24 É verdade que o vendedor particular não possui, normalmen­ te, outro bem para dar em substituição, e comumente não tem aptidão para sanar o vício; todavia poderá, no que tange à solu­ ção do problema, solicitar a um terceiro que o faça. Isso sem fa­ lar na obrigação de fazer, em que plenamente possível será ao prestador refazer o serviço ou a obra. Imaginemos um contrato de locação de imóvel no qual o locatário alega vício preexistente (por exemplo, aquecimento solar que não funciona). Ora, seria ilógico e antieconômico per­ mitir a rescisão do contrato ou o abatimento do preço sem dar ao locador o direito de tentar resolver o problema, voltando o loca­ tário a utilizar plenamente o bem locado.

(23)

Arnaldo Rizzardo, Contratos, cit., p. 200. Não admitem as ações de exato cumprimento Claudia Lima Marques (Contratos, cit., p. 586) e Jorge Cesa (A boa-fé, cit., p. 180). Luiz Roldão Gomes também não as admite, porém reconhece posição oposta nas re­ lações comerciais, isso através dos usos e costumes (Contratos. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 180).

(24)

Essa mesma justificativa foi dada na Alemanha por Brox/Elsing, Jakobs e em Portugal por Pires da Cruz (apud Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 377-378).

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Em relação ao contrato de locação, a doutrina pátria já de­ fendia esse direito. Silvio Rodrigues o admitia na locação de coisas, fazendo apenas uma restrição aos contratos referentes a locações prediais urbanas, porém por uma circunstância fática existente à época.25 O novo Código Civil, como sabemos, engloba também as relações comerciais, e nestas não há qualquer razão para se proi­ bir o pedido de exato adimplemento. Plenamente possível não só o pedido de substituição do produto, como o de retirada do vício. Tratando-se de vício jurídico, possível será a propositura da ação de exato adimplemento visando a entrega, por exemplo, do documento faltante. Vejamos cada uma dessas ações mencionadas.

7.2.1 Da ação redibitória A primeira hipótese, representada pela ação redibitória, visa ao desfazimento do negócio, retornando as partes ao estado an­ terior. Redibir, palavra que tem origem na expressão latina redhibere, significa reaver, é fazer com que o vendedor tenha de volta o bem, o que significa que o adquirente deverá devolver ao vendedor a coisa, e este, devolver ao comprador o preço. Como se constata do texto legal, a restituição do bem é pres­ suposto da ação redibitória. Tanto é assim que o próprio legisla­

(25)

Negava o autor esse caminho por entender que sobre o locador já recaíam diversos deveres e, em época de alta inflação, deixava ele de obter lucros com esse tipo de contrato (Silvio Rodrigues, Di­ reito civil - Dos contratos, cit., p. 231-232).

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dor previu, como exceção, uma hipótese, a qual vem tratada de forma expressa (art. 444).26 O problema inicial que devemos enfrentar se refere ao ônus da prova em relação à existência do vício, seu conhecimento por parte do adquirente, sua gravidade e anterioridade ao contrato. Pelas regras de processo civil, o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do CPC); assim, caberá ao requerente/adquirente comprovar a exis­ tência do vício e sua gravidade. Por outro lado, caberá ao réu/ alienante comprovar que o adquirente o conhecia (art. 333, II, do mesmo diploma legal).27 (26)

Nesse sentido, Darcy Arruda Miranda, Anotações, cit., p. 211. No direito italiano, Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 632), Gorla (La compravendita, Trattato, cit., p. 156), Greco e Cotino (Della vendita, Commentario, cit., p. 274-275) e Mirabelli (Dei singoli, Commentario, cit., 104-105). Em sentido contrário, Malinvaud e Gerard-Jérôme (La responsabilité, Júris Classeur Périodique, cit., p. 98, e La reparation, cit., p. 211).

(27)

Nesse sentido Sílvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 481. No direito português, Baptista Machado (Acordo, Boletim, cit., p. 86-87), Calvão da Silva (Responsabilidade, cit., p. 192) e Vaz Serra, sendo que este último fala só da existência do vício (Encar­ go da prova em matéria de impossibilidade ou de cumprimento imperfeito e da sua imputabilidade a uma das partes, Boletim do Ministério da Justiça de Lisboa 47/107-108, 1955). No direito italiano, Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 613), Messineo (Manuale, cit., p. 107) e Greco e Gottino, sendo que estes só falam da prova do vício (Della vendita, Commentario, cit., p. 251). Gorla, com base no Código Civil italiano de 1860, afirmava que o adquirente tinha de provar que o vício não era aparente (La compravendita, cit., p. 148). No direito francês, Ghestin (Conformite, cit., p. 21) e Gerard-Jérôme Nana (La reparacion, cit., p. 80).

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Quanto ao dever de provar a anterioridade da imperfeição, acreditamos estar correta a posição adotada por Romano Martinez, e segundo vimos com origem no direito romano, pelo qual a lei estabelece um pequeno prazo para a propositura das ações edilícias, exatamente porque cria uma presunção de que, nesse período, qualquer vício que surgir tem origem em data anterior ao negócio.28 Laurent, apesar de dizer que no direito francês o ônus da prova é do autor da demanda, sustenta que nas legislações que prevêem um prazo para a propositura da ação, há uma presunção de que o vício já existia no momento do contrato. Também Ghestin sustenta que há uma presunção a favor do comprador quando a demanda é proposta logo após a entrega do produto.29 Se assim não fosse, teria feito o legislador, na mesma estei­ ra do que fez o Código argentino, a previsão legal referente ao ônus probatório do adquirente. (Prevê o art. 2.168 do CC argen­ tino que “incumbe al adquirente probar que el vicio existia al tiempo de la adquisición, y no probándolo se juzga que el vicio sobrevino después”.) Cria a lei, entretanto, uma presunção relativa, podendo o alienante provar que o vício surgiu após a transferência, por (28) (29)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 358-359. Larent, Principii, cit., p. 216-217 e Ghestin, Conformite, cit., p. 30. No mesmo sentido, Umberto Pipia, Compra-vendita, cit., p. 684. Mirabelli, com base no art. 2.697 do CC italiano, segue o mesmo entendimento (Dei singoli, Commentario, cit., p. 101). Em sentido contrário, Herman Benjamin (Da qualidade, Comen­ tários, cit., p. 134-135). No direito italiano, Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 615), Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 251) e Pacifici-Mazzoni (Istituzioni, cit., p. 299, e Codice, cit., p. 489), e, no direito espanhol, Badenes Gasset, El contrato, cit., p. 706.

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exemplo, por culpa do próprio adquirente, que não soube usar o bem. Essa orientação foi adotada pela Comunidade Econômica Européia, sendo que o art. 5.°, n. 3, da Diretiva 1999/43, norma não passível de alteração (art. 7.°, n. 1), estabelece a presunção de que as faltas de conformidade que se verifiquem num prazo de seis meses após a entrega do bem já existiam nessa data, salvo quando essa presunção for incompatível com a natureza do bem ou com as características da falta de conformidade.30 Outras questões importantes devem ser ainda analisadas. Algumas vezes a coisa não pode ser devolvida, ou pelo me­ nos não no mesmo estado em que foi recebida, e isso ocorre por diversos motivos. Segundo consta do art. 82 da Convenção de Viena, é regra que o comprador perde o direito de rescindir o contrato se não puder devolver a coisa, ou não puder devolvê-la no mesmo esta­ do em que a recebeu. Abrem a norma algumas exceções; assim, se a impossibilidade de devolução da coisa não deriva de ato ou omissão do comprador; se a coisa se perde, se deteriora, se é ven­ dida, consumida, transformada pelo comprador no curso de seu uso normal, antes que fosse descoberta a imperfeição. Façamos primeiro a distinção entre: a) impossibilidade de devolução pela alienação, pela vinculação do bem a terceiros, pela impossibilidade de devolução em decorrência da perda, total ou parcial da coisa ou serviço e b) pela impossibilidade decorrente da transformação. Dentro da impossibilidade pela alienação, devemos diferen­ ciar duas situações: a) quando o novo contrato é desfeito,

(30)

Apud Luís Leitão, Caveat venditor?..., Revista, cit., p. 42.

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retornando o adquirente original à propriedade e posse do bem; b) quando o novo negócio não é rescindido. Na primeira, e reavendo o antigo adquirente o bem, não há qualquer impedimento na utilização da ação redibitória; não ocor­ rendo a rescisão do novo contrato, por outro lado, e levando em consideração que a devolução da coisa é pressuposto da ação, não há que se falar em redibição. Todavia, algumas observações em relação à segunda hipó­ tese são necessárias. Se a alienação ocorreu antes do conhecimen­ to do vício, poderá o adquirente original pleitear indenização por prejuízos sofridos, como na hipótese de ter o vício prejudicado a sua imagem junto ao novo comprador, causando-lhe danos mo­ rais e patrimoniais. Por outro lado, se a alienação ocorreu após o conhecimento do vício e se tiver vendido o bem por valor infe­ rior ao pago, poderá propor ação estimatória e/ou indenizatória.31 O bem adquirido pode ainda ter sido dado como garantia perante terceiros (penhor ou hipoteca) ou ainda ter sido sobre ele instituída servidão, surgindo dúvida sobre a possibilidade de redibição. Nessa hipótese e independentemente do momento em que o vício foi descoberto, não se poderá falar em ação redibitória.32 (31)

Sem fazer qualquer distinção das situações, Baudry-Lacantinerie, Colin e Capitant e os irmãos Mazeuad afirmam que a alienação do bem, sem rescisão do novo negócio, impede a propositura da ação redibitória (respectivamente, Trattato, cit., p. 465; Curso, cit., p. 123, e Lecciones, cit., p. 289). No mesmo sentido e no di­ reito italiano Gino Gorla (Azione redibitoria, Enciclopédia, cit., p. 881) e Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 271).

(32)

Para Ghestin e Colin e Capitant se a garantia foi concedida após o conhecimento do vício, estará caracterizada a renúncia do adqui­ rente por essa ação (Conformite, cit., p. 193, e Curso, cit., p. 123).

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Discordamos de Baudry-Lacantinerie quando defende, nes­ sa situação, a possibilidade da ação redibitória, sob o argumento de que é uma ação resolutória como outra qualquer, e a sentença proferida tem efeito ex tunc, retroagindo inclusive para declarar inválida a garantia que recai sobre o bem.33 Não há dúvida de que, para nós, a ação redibitória nada mais é do que uma ação resolutória, e por isso, a sentença que reco­ nhece a existência do vício e desfaz o negócio não tem, em regra, efeito ex nunc, quando então só produziria efeitos após a prolação da sentença.34 Todavia e na esteira de Gérard-Jêróme Nana, deve-se con­ cluir que na redibição os efeitos da sentença, apesar de retroagirem, não atingem terceiros.35 A garantia deve prevalecer em benefício do terceiro e ha­ vendo ônus sobre o bem, impedido estará o comprador de res­ cindir o contrato, já que não se pode exigir do alienante original o recebimento de coisa em situação diversa da que entregou.36 Mais precisos foram alguns códigos estrangeiros. O Códi­ go Civil português, por exemplo, em seu art. 435,°, pôs a salvo os direitos dos terceiros, adquiridos anteriormente ao registro da ação resolutória. No mesmo sentido o art. 1.124, quarta parte, do CC

(33)

Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 467-468.

(34)

Também entendendo que o efeito da sentença que dissolve o con­ trato tem efeito ex tunc, Araken de Assis (Resolução, cit., p. 74). Em sentido contrário Amorth, Errore, cit., p. 8.

(35)

Gerard-Jerome Nana, La reparation, cit., p. 97 e 100. Martorano preleciona que a sentença retroage, mas somente para atingir as partes, não prejudicando terceiros (La tutela, cit., p. 145). (36)

No mesmo sentido, Zavalía (Teoría, cit., p. 452), Montessori (Garanzia, cit., p. 83) e Pacifici-Mazzoni (Codice, cit., p. 498).

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espanhol. O art. 1.458 do CC italiano, por sua vez, submete ter­ ceiros à eficácia da resolução, somente a partir da demanda. Quanto à impossibilidade por perda, já no direito romano, se a coisa se tivesse deteriorado por culpa do comprador, ou de pessoas a ele ligadas, deveria ele indenizar o vendedor, salvo quando a perda se tivesse dado por defeito preexistente, como uma doença que o animal já possuía, ou em decorrência de um terre­ moto ou inundação.37 Nosso direito não fugiu das regras romanísticas. Prevê o art. 444 do novo Código, repetindo o art. 1.104 do Código de 1916, que “a responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição”.38 Se, por outro lado, houver a perda ou deterioração por culpa do adquirente, este ficará impossibilitado de pleitear a ação redibitória, restando-lhe a ação estimatória ou indenizatória. Não era outra a posição de Umberto Pipia, que, fundado no art. 1.492, terceira parte, do antigo Codice Civile, afirmava “deteriorata parzialmente, anzichè perita, la cosa per fatto o colpa del compratore, questi conserva egualmente azione contro il venditore pei vizi e difetti occulti, ma deve accontentarsi dell' azione estimatoria, non podendo obbligare il

(37) (38)

Reinhard Zimmermann, The law, cit., p. 331-333. O art. 1.493, segunda parte, do CC italiano prevê que “Il compra­ tore deve restituire la cosa, se questa non è perita in conseguenza dei vizi”. O art. 1.647, primeira parte, do Código francês prevê que: “Si la chose qui avait dês vices a péri par suíte de as mauvaise qualité, l aperte est pour lê vendeur qui sera tenu envers l’ acheteur à la restitution du prix et aux autres dédommagements expliques dans lês deux articles précédents”.

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venditore a riprendersi una coisa danneggiata per colpa di esso compratrore”.39 Em face da omissão do legislador pátrio,40 dúvida há sobre a possibilidade de se propor essa ação quando a coisa se tenha perdido por caso fortuito ou força maior. Pontes de Miranda ado­ tava a posição favorável, porém sem permitir ao adquirente qual­ quer direito a indenização.41 Partindo do princípio de que nesse caso nenhum dos contra­ tantes teve qualquer responsabilidade pela perda do bem, deve prevalecer a regra res perit domino, ou seja, o proprietário da coisa assume os prejuízos; em conseqüência, se já ocorreu a tradição (ou transcrição em caso de bem imóvel), não mais pode o com­ prador ingressar com a ação redibitória.42 Há apenas duas exceções a essa regra. A primeira se refere à venda de bens imóveis mediante com­ promisso de compra e venda, em que o comprador, por culpa sua

(39)

Umberto Pipia, Compra-vendita, cit., p. 687. Para Messineo, com exceção da perda do bem por causa do vício, nas demais hipóte­ ses (perda, alienação, transformação), tem o comprador apenas a ação estimatória (Manuale, cit., p. 108).

(40)

No direito italiano o problema é resolvido pela terceira parte do art. 1.492 do CC; no direito francês, pelo art. 1.647 do CC. No direito peruano, pelo art. 1.518 do CC.

(41)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 300.

(42)

Nesse sentido: Arnoldo Wald (Curso de direito civil brasileiro, Obrigações, cit., p. 224, e Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 271), e Arnaldo Rizzardo, Contratos, cit., p. 198. No direito ita­ liano, Carlos Terranova, La garanzia, Rivista, cit., p. 108. No di­ reito espanhol, Puig Brutau (Fundamentos, cit., p. 208), Badenes Gasset (El contrato, cit., p. 722) e Albaladejo (Derecho civil, cit., p. 30); no direito francês, Mazeaud (Lecciones, cit., p. 290).

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(em geral falta de interesse), não providencia a transferência do bem. Nessa hipótese, levando em consideração a ausência de boafé, o risco deve recair sobre o adquirente, e não sobre o alienante (Juridicamente ainda o proprietário), que muito pouco pode fa­ zer nessa situação. Ainda, se a perda do bem ocorrer quando já proposta a ação e para tanto não tiver colaborado o comprador, não poderá ele ser prejudicado; nesse caso o ônus deve recair sobre o vendedor, pelo fato de não ter, imediatamente, desfeito o negócio.43 Quanto à deterioração parcial, são importantes algumas observações. Muitos produtos e serviços só podem ser testados com seu efetivo consumo, e, assim, o vício só é descoberto com o uso. Imaginemos a compra de uma garrafa de vinho: só se pode ve­ rificar a existência ou não de vício depois de ingerir parte da bebida. Nesses casos, obviamente, possível será a ação redibitória, não se podendo exigir do adquirente a devolução da coisa intacta, já que era essencial o consumo para a verificação de suas quali­ dades.44

(43)

Nesse mesmo sentido, no direito italiano, Vittorio Carsana, ci­ tando ainda decisão da Corte de Cassação (Proponibilità, La nuova, cit., p. 323), Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 633), Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 272) e Mirabelli (Dei singoli, Commentario, cit., p. 106); no direito francês, Baudry-Lacantinerie (Trattato, cit., p. 479) e Laurent (Principii, cit., p. 231-232). Também adotava este posicionamento o texto original do Código Civil do Estado da Louisiana (George Bilbe, Redhibition..., 54 Louisiana Law Review, 125, p. 5).

(44)

Seguindo esse raciocínio Pacifici-Mazzoni (Codice, cit., p. 498) e Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 273).

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Por outro lado, não se poderá permitir o abuso desse direito de testar o bem. Basta imaginar a pessoa que se dirige ao restau­ rante e após degustar quase toda a alimentação ou beber quase todo o vinho, informa ao garçom que a comida ou a bebida não continham os ingredientes ou as qualidades esperadas. As situações, entretanto, deverão ser analisadas pelo juiz em cada caso concreto, principalmente em face do comportamento que se esperaria de cada uma das partes. No caso do vinho propriamente dito, sabemos que nos res­ taurantes, normalmente, se fornece um pouco do produto a um dos fregueses para que ele o prove. Com a concordância desse consumidor, mais tarde nada se poderá alegar, nem mesmo pelos outros clientes da mesa. No escólio de Greco e Cottino só não poderá a parte utilizar a ação redibitória quando seu comportamento demonstrar, de forma indubitável, seu desejo de renunciar a essa ação.45 No mais, a perda parcial, e obviamente relevante, segue as regras já expostas: se por culpa do vendedor, pode ser proposta a ação redibitória; se por culpa do adquirente/usuário, de terceiros a ele ligados ou caso fortuito, apenas as demais ações.46 Pode ocorrer também que o bem adquirido tenha sido trans­ formado. Nessa hipótese, devemos separar duas situações: se a transformação se deu após o conhecimento do vício, não poderá ser proposta a ação redibitória, devendo-se considerar a renún­ cia desta ação pelo adquirente; se a transformação ocorrer antes do conhecimento do vício, poderá ser pedido o desfazimento do

(45)

Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 283. (46)

Não permitindo a resolução do contrato, independentemente de quem tenha sido o culpado, Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 633) e Mirabelli (Dei singoli..., Commentario, cit., p. 105).

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contrato, ficando o alienante obrigado de receber a coisa trans­ formada e ressarcir as despesas relativas à transformação.47 Pensemos na pessoa que compra novelos de lã e sem perce­ ber que a linha está com vício (fraca, sem resistência) a transfor­ ma em uma blusa. Terá direito o comprador à devolução do pre­ ço pago, mais um valor a título de indenização referente ao tem­ po perdido para a confecção, caso a blusa fosse feita sem fins comerciais, ou do valor que ela seria comercializada, se para fins de venda e existisse o dolo do alienante. Com a resolução do contrato as partes retornam ao estado em que se encontravam antes do negócio, significando isso que os dois contratantes devem devolver as prestações que já tenham recebido. O comprador deverá devolver o bem, com todos os acessó­ rios e frutos, colhidos, estantes e pendentes,48 tendo direito, como

(47)

Para Pontes de Miranda, se a transformação, prevista pelo tráfico ou pelo negócio jurídico, apenas revelou o vício do objeto, há pretensão à redibição. Sílvio Venosa e Arnoldo Wald (Direito ci­ vil: teoria geral, cit., p. 481 e Curso de direito civil: Obrigações, cit., p. 227) não fazem essa distinção, sustentando que na trans­ formação só poderá o adquirente pedir o abatimento do preço Ainda na esteira dos dois últimos doutrinadores pátrios citados, temos, no direito italiano, Carlos Terranova (La garanzia, Rivista, cit., p. 108), Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 633), Salvatore Romano (Trattato, cit., p. 267) e Cristina Manasse (La garanzia, Nuova giurisprudenza, cit., p. 294).

(48)

Preleciona Pontes de Miranda que o outorgado tem de restituir proveitos, rendas, dividendos e bonificações que emanaram do bem e pode exigir os gastos necessários que fez (Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 300). Baudry-Lacantinerie também sustenta que o comprador deve devolver a coisa com todos os frutos e acessó­ rios, sem distinguir entre aqueles que já existiam e os que surgiram

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veremos, ao ressarcimento pelas despesas com a manutenção da coisa.

49

O alienante, por sua vez, devolverá o dinheiro recebido, devidamente corrigido desde a data do desembolso (lembremos que a atualização monetária não está ligada a qualquer punição do alienante, sendo mera atualização do dinheiro)50 e com juros legais a contar também deste (art. 395 do CC).51 Irrelevante será a alteração do preço do produto quando da redibição, pois o valor a ser devolvido é aquele efetivamente pago. Pode ocorrer que o adquirente tenha usado a coisa mesmo após a constatação da imperfeição, e, assim, dúvida poderia sur­ gir sobre eventual direito à ação redibitória ou ao pagamento por ter desfrutado da coisa. Suponhamos que uma pessoa compre um veículo e, de­ pois de utilizá-lo por alguns dias, se aperceba de que ele tem um

após o contrato (Tratatto, cit., p. 466). No mesmo sentido é o art. 84 da Convenção de Viena. Mirabelli e Greco e Gottino, por sua vez, dizem que “não se deve devolver os frutos, assim como não deve o devedor pagar os juros, porque eles se compensam” (respectivamente, Dei singoli, Commentario, cit., p. 107, e Della vendita, Commentario, cit., p. 270). (49)

No mesmo sentido, Mirabelli, Dei singoli, Commentario, cit., p. 107.

(50)

Tratando de relação de consumo, a devolução do preço, devida­ mente corrigido, está prevista no inciso II dos arts. 18 e 20 e no inciso IV do art. 19.

(51)

No mesmo sentido e no direito italiano, Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 637), Gorla (La compravendita, Trattato, cit., p. 163) e Pacifici-Mazzoni (Istituzioni, cit., p. 301). No direito francês, Baudry-Lacantinerie (Trattato, cit., p. 466) e Laurent (Principii, cit., p. 222). Ainda nesse sentido é o art. 84.1 da Convenção de Viena.

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problema grave no motor, continuando, contudo, a fazer uso do bem. Inicialmente não concordamos com a posição adotada por alguns, no sentido de que há preclusão da ação redibitória quan­ do se utiliza a coisa após o conhecimento do vício.52 Não se pode esperar ou exigir que o adquirente/usuário, após descobrir o vício, e não sendo ele sanado, não mais utilize a coi­ sa, aguardando a solução judicial, que como sabemos pode de­ morar anos. Esse raciocínio, por sua vez, não gera o enriquecimento ilí­ cito do outro contratante, e, assim, dentro de parâmetros de eqüi­ dade, deverá o juiz, se houver pedido nesse sentido, fixar um valor pela utilização da coisa.53 Sobre esse problema o E. TJSP, pela sua 1 .a Câm. de Direito Privado, entendeu ser devido o ressarcimento pelo uso do veícu­ lo, fixando como razoável a taxa de 1 % do valor do bem ao mês.54 Alguns doutrinadores discutem ainda sobre a possibilidade de redibição do negócio quando houver uma pluralidade de bens ou serviços e apenas um ou alguns deles apresentar vício. Sustenta Silvio Venosa “quando várias coisas são vendidas conjuntamente, o defeito oculto de uma não autoriza a redibição de todas, desde que os bens admitam separação e ainda que tenha

(52)

Assim entendeu a Corte de Apelação de Milão ao dar por preclusa a ação redibitória pelo fato de o clube esportivo ter utilizado o jogador cedido, mesmo depois de ter descoberto que ele tinha um problema no menisco (apud Vittorio Carsana, Proponibilità, La nuova giurisprudenza, cit., p. 323).

(53)

Nesse sentido, Pacifici-Mazzoni, Istituzioni, cit., p. 301.

(54)

ApCiv 18.973-4/0, rel. Des. Laerte Nordi, j. 10.06.1997.

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havido um preço global. Só a coisa defeituosa no conjunto será objeto de redibição”.55 Devemos dividir a questão e analisá-la separadamente. Como já tivemos oportunidade de dizer, se o negócio envolve uma plu­ ralidade de bens, de certa forma ligados entre si, e o preço foi fir­ mado globalmente, não se poderá admitir a redibição parcial. Resta apenas a ação estimatória. Por outro lado, se os bens ou serviços adquiridos são independentes (como a compra de vá­ rios produtos em um supermercado) e o preço puder ser facilmente separado em relação a cada um dos bens, possível será a ação redibitória parcial. A ação redibitória é também indivisível no sentido de que, se participam vários adquirentes ou vários alienantes, todos de­ vem figurar no pólo ativo ou passivo da ação (litisconsórcio ne­ cessário). Não se pode imaginar o desfazimento do negócio em relação a apenas algumas das pessoas que participaram da transação.56

(55)

Direito civil: teoria geral, cit., p. 482. No direito argentino e es­ posando a mesma opinião, Zavalía, Teoria, cit., p. 453. No direi­ to italiano, Rubino (La compravendita, Tratttato, cit., p. 659), Gorla (La compravendita, Trattato, cit., p. 171) e PacificiMazzoni, sendo que este último diz ser irrelevante a questão do preço (Codice, cit., p. 496).

(56)

No mesmo sentido Pedro Romano Martinez (Cumprimento, cit., p. 455-456) e Sílvio Venosa (Direito civil: teoria geral, cit., 2003, p. 549). Pontes de Miranda parece admitir que um dos adquirentes peça a redibição (Tratado, cit., p. 301). Araken de Assis, abor­ dando a questão em relação ao pedido de resolução, entende ser a ação divisível no pólo ativo, mas não no pólo passivo (Resolução, cit., 124-128). No direito argentino e com base no art. 2.181 do seu CC (Prevê o art. 2.181 que “la acción redhibitoria es indivisible. Ninguno de los herederos del adquirente puede

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Havendo o falecimento de um dos contratantes, nos ter­ mos do art. 1.784 do CC, a obrigação se transfere para os herdei­ ros e, dentre estes, tratando-se de herdeiros do adquirente, deve haver um consenso quanto ao pedido de resolução do contrato. Caso isso não ocorra, aplicar-se-ão os arts. 1.323 e seguintes do CC.57 Escolhida a ação redibitória a obrigação de devolver a coisa e restituir o dinheiro é solidária a todos os credores ou devedores.

7.2.2 Da ação estimatória A outra opção dada pela lei civil ao adquirente é a redução do preço por meio da chamada ação quanti minoris, ou estima­ tória, com a devolução de parte do valor, caso este já tiver sido dado.

ejercerla por sólo su parte; pero puede demandarse a cada uno de los herederos del enajenante”) Zavalia afirma ser indivisí­ vel a ação redibitória pelo pólo ativo, enquanto pelo pólo pas­ sivo e desde que a prestação seja divisível, a ação também será divisível (Teoría, cit., p. 453). No direito italiano, PacificiMazzoni e Gorla admitem a divisibilidade da ação em relação ao pólo passivo, afirmando que o vendedor receberá a sua cota do condomínio e restituirá a parte do preço correspondente (res­ pectivamente Codice, cit., p. 495, e La compravendita, Trattato, cit., p. 171). No direito francês, Baudry-Lacantinerie diz ser essa ação divisível (Trattato, cit., p. 476-477), enquanto GerardJérôme limita a divisibilidade ao pólo passivo (La reparation, cit., p. 99). Pela nova redação do art. 2538 do Código Civil do Estado da Louisiana, a ação redibitória deve ser proposta por todos os adquirentes. (57)

No mesmo sentido, Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 658.

284

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No sinalagma do negócio jurídico temos o preço e a coisa adquirida, esta com todas as suas qualidades. A falta de qualquer das características típicas ou prometidas cria um desequilíbrio na prestação, já que a coisa ou o serviço passa a valer menos do que o valor pago. Por esse motivo, tal redução não se confunde com uma indenização.58 Com exceção da hipótese de perda do objeto por causa do vício, em que só poderá ser proposta a ação redibitória, não tem o alienante qualquer direito a impugnar essa ação,59 mesmo que o vício seja relevante e a coisa, no estado em que se encontra, não tenha qualquer utilidade. Como vimos, é uma opção dada ao comprador. Discordamos, pois, daqueles que entendem que sendo o ví­ cio grave a ponto de a coisa não ter qualquer valor ou de o serviço precisar ser refeito integralmente, só ter o adquirente a opção de resolver o contrato. Parece ser adepto desta corrente Sílvio Venosa, já que sustenta que “(...) em nosso Direito, a liberdade de opção por uma ou outra ação é ampla, podendo, por exemplo, ser escolhida a ação de redução do preço, ainda que a coisa se torne imprópria para sua destinação”.60

(58)

Nesse sentido Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 405.

(59)

Os irmãos Mazeaud trazem, no direito francês, duas outras situa­ ções: quando o vício torne perigosa a coisa ou na venda de ani­ mais domésticos (Lecciones, cit., p. 289-290). Para as vendas internacionais há também duas exceções: se o vendedor sanar qualquer descumprimento de suas obrigações ou se o comprador negar o cumprimento por parte do vendedor (art. 50 da Conven­ ção de Viena).

(60)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 403-404. Silvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 481. Relativamente à emprei­ tada e no mesmo sentido por nós defendido, Flavio Lapertosa (La garantia, Rivista, cit., p. 53).

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Ora, o fato de, na prática, essa ação estimatória chegar às mesmas conseqüências da ação redibitória não retira a faculda­ de dada pelo legislador. Não se pode dizer que o alienante, ape­ sar de devolver todo, ou quase todo o preço, não poderia reaver a sua prestação. Ademais, sob a análise prática do problema, somente se verificará o grau de perda da coisa ou serviço na fase instrutória (geralmente através da perícia), não sendo razoável que após esta e constatando-se que a redução chega próximo ao valor total da coisa ou do serviço, extinga-se o feito, para que se propo­ nha a ação redibitória. Isso afrontaria o princípio da economia processual. Pontes de Miranda sustentava que essa ação só poderia ser intentada quando se tratasse de obrigação envolvendo um valor, já que este é que poderia ser reduzido.61 Não discordamos do mestre, desde que se entenda que toda prestação, mesmo que não envolva diretamente preço, possa ser reduzida a um valor. Como afirmamos anteriormente, o valor a ser devolvido deverá estar corrigido monetariamente e com juros legais a con­ tar do desembolso. Em relação à maneira de calcular o valor a restituir, a dou­ trina e as leis nos fornece cinco métodos diferentes. No primei­ ro, a redução seria calculada pela diferença entre o valor pago e o valor do bem com o vício, encontrado em regra por perito; pelo segundo, adotado por Fubini, a redução teria em conta o valor ideal do bem sem o vício e o seu verdadeiro valor real; no tercei­ ro, far-se-ia a diferença entre o preço acordado e aquele que as partes teriam fixado se soubessem que o bem estava viciado (va­ lor hipotético); no quarto, teríamos o critério adotado pelos ale-

(61)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 283.

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mães no § 472, I, do BGB e no art. 50 da Convenção de Viena, em que se consideram o valor efetivamente pago, o valor normal do bem e o valor atual com a imperfeição; por último a fórmula adotada pelos Códigos Civis da Espanha (art. 1.486) e da França (art. 1.644) nos quais a diferença seria encontrada por peritos, não estabelecendo o legislador qualquer critério.62-63 Afastamos a utilização de qualquer método em que se ana­ lise o valor hipotético ou ideal da coisa, pois o subjetivismo ínsito nessas fórmulas gera uma dificuldade de encontrá-lo. Ademais, ele não foi o preço querido pelas partes. Deve-se prestigiar a livre vontade dos contratantes na fixa­ ção do preço. Por esse motivo desaconselharíamos ainda o últi­ mo critério.64 O critério adotado pelos alemães e pela Convenção de Vie­ na, chamado de sistema relativo, é representado por uma fórmu­ la, a saber:

(62)

Dispõe a primeira parte do art. 1.486 do Código espanhol: “En los casos de los dos artículos anteriores, el comprador podrá op­ tar entre desistir del contrato, abonándose-le los gastos que pagó, o rebajar una cantidad proporcional del precio, a juicio de peri­ tos”. Já o Código francês prevê, no art. 1.644 que: “Dans le cas des articles 1641 e 1643, l’acheteur a le choix de rendre la chosse et de se faire restituer le prix, ou de garder la chose et de se faire rendre une partie du prix, telle qu’elle será arbitrée par expers”.

(63)

Parece ser este último critério adotado por Umberto Pipia (La compra-vendita, cit., p. 692).

(64)

Laurent expõe a dificuldade em se deixar ao perito à fixação do valor a ser devolvido (Principii, cit., p. 290). Critica também esse método Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 302.

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Para facilitar o entendimento, utilizemos o seguinte exem­ plo. Imaginemos que uma pessoa tenha comprado um aparelho telefônico e pago por ele R$ 100,00, sendo que o produto apre­ senta um vício. Proposta a ação quanti minoris, os peritos verificarão qual o valor do bem naquele estado; suponhamos que o laudo conclua pelo valor de R$ 80,00, e que no mercado o mesmo aparelho, na época da venda, era comercializado em média por R$ 120,00. Assim, teremos a seguinte fórmula matemática:

O resultado dessa operação é que x vale R$ 33,33 e esse va­ lor é que tem de ser restituído ao comprador. A fórmula adotada, sem dúvida, é interessante, porém, a nosso ver, além de necessitar de valores hipotéticos (valor médio do mercado), o que já criticamos, dá maior relevância ao fator econômico da operação do que à efetiva vontade das partes. No mesmo sentido foi a crítica de Guido Alpa (et al.) ao dizer que: “La volontà elle parti cede alle ragioni di mercato. Ma si apre allora la questione se, ancorando la valutazione della diminuzione di valores al parametro dei prezzi di mercato, non si verifichi una illecita intrusione nell’ equilibrio tra le prestazioni (c.d. balance of bargain) dal momento che il compratore che ha fatto un buon affare può vedersi ridotto il profitto dall’ aplicazione di quel pa­ râmetro; allo stesso modo, il compratore che há fatto um cattivo affare sara indotto a praticare direttamente la riduzione del prezzo, magari ricorrendo a qualche espediente o a qualche futile argomentazione, per poter ridurre la perdita cha há súbito”.65

(65)

Guido Alpa, Inadempimento, Il Foro Italiano, cit., p. 250.

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Temos então que a melhor solução é aquela adotada na pri­ meira alternativa exposta. A título de ilustração, imaginemos um veículo vendido por R$ 10.000,00, e, com o surgimento do vício, o seu valor, segun­ do apurado, é de R$ 8.000,00. Bastaria um simples cálculo arit­ mético para encontrarmos que o valor a ser reduzido e devolvido é de R$ 2.000,00.66 Pontes de Miranda lembra da discussão a respeito da possi­ bilidade de pedir a diminuição do preço quando a coisa foi pos­ teriormente alienada e por preço superior.67 Concordamos com a posição do mestre ao sustentar que a diminuição se avalia no momento da transação original, e não em momento posterior. Assim, se o adquirente conseguiu obter pelo produto um valor superior ao pago, continuará com direito a pro­ por a ação estimatória. Quanto ao ônus da prova, utilizam-se aqui dos mesmos co­ mentários já expostos quando abordamos a ação redibitória.

7.2.3 Observações gerais sobre essas ações Como dissemos, sempre se entendeu que essas duas ações poderiam ser livremente escolhidas pelo adquirente, porém

(66)

(67)

No mesmo sentido, Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 636) e Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 270). Pedro Romano Martinez sustenta que, em regra, o primeiro crité­ rio deve ser utilizado. Como exceção, afirma que, se se provar que há uma diferença entre o preço acordado e o valor de mercado de idêntica coisa sem defeito, parece mais justo adotar-se o quarto método, porque é aquele que melhor mantém, proporcionalmen­ te, as vantagens e desvantagens constantes do negócio jurídico celebrado (Cumprimento, cit., p. 410). Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 303-304.

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acreditamos na existência de duas situações, além daquela já men­ cionada acima, que impossibilitariam o adquirente do pleno exer­ cício discricionário das vias processuais. Em primeiro lugar isso ocorreria quando o vício fosse de pequena importância, não se justificando o desfazimento do con­ trato, mas, tão-somente as demais alternativas. No direito moderno, tem-se por objetivo a manutenção dos negócios jurídicos, criando o Código Civil como princípio con­ tratual o seu fim social e a preservação dos interesses da coletivi­ dade, que devem prevalecer sobre o interesse individual de um dos contratantes. Não podemos ainda nos esquecer de que o direito do adqui­ rente também se funda no princípio da boa-fé, que tem como uma das suas faces a limitação do direito subjetivo. Não é outra a opinião de Romano Martinez. Afirma o autor que “o princípio da boa fé tem aplicação recíproca, pelo que, não sendo o defeito significativo, o credor tem o dever de aceitar o que lhe for prestado”.68 É essa a orientação do legislador italiano, visto que tanto no art. 1.455 quanto no art. 1.492 do Codice, está prevista a impos­ sibilidade de resolução do contrato se o inadimplemento de uma das partes, ou o vício, for de pequena importância. A Corte de Cassação italiana (Cass., 25.06.1980, n. 3992), analisando a questão, decidiu que “pertanto, nel caso di azione redibitoria, non ogni vizio della merce giustifica la risoluzione, ma solo quello che concreta um inadempimento del vendito-

(68)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 36 e 159. Ainda no direito português, seguem essa orientação Calvão da Silva (Responsabilidade, cit., p. 195-196) e Mário Júlio de Almeida Costa (Direito, cit., p. 738).

290

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re di non scarsa importanza in relazione all’ interesse del com­ pratore”.69 Manifesta-se nesse sentido, ainda, grande parte da doutrina italiana. Vittorio Carsana, por exemplo, é enfático em dizer que a ação redibitória é um remédio extremo, exercitável somente quando o defeito é grave, enquanto a ação estimatória será sem­ pre possível, bastando o preenchimento dos requisitos do art. 1.490 do Código Civil italiano.70-71 Treitel ensina que no direito inglês é princípio geral que o defeito no cumprimento da obrigação deva conter certa gravida-

(69)

Em sentido contrário, Cass. 6.5.1978, n. 2188 (apud Cristina Manasse, La garanzia, in Nuova giurisprudenza. cit., p. 288) e Cass, seção unificada, de 12.02.1988, n. 1496, onde se tentou uniformizar a questão naquela Corte (Foro It., vol. I, 1988, p. 2.975 e segs.).

(70)

Vittorio Carsana, Proponibilità, La nuova giurisprudenza, cit., p. 325. No mesmo sentido, Salvatore Romano (Trattato, cit., p. 267), Flavio Lapertosa (este apenas no que toca à empreitada La garanzia, Rivista, cit., p. 51), Armando Plaia (Vizi del bene, cit., p. 61) e Francesco Galgano, este com indicação de julgados em ambos os sentidos (Diritto civile, cit., p. 12). No direito pá­ trio, Ruy Rosado (Extinção, cit., p. 131-133). No direito francês, Mazeuad e Mazeaud (Lecciones, cit., p. 289), Ghestin (Conformite, cit., p. 45 e 194) e Laurent (Principii, cit., p. 220). No direito espanhol, Gonzáles Gonzáles (La resolución, cit., p. 34) e Díez-Picazo (Fundamentos, cit., p. 692).

(71)

Analisando a Convenção de Viena para as vendas internacionais de bens móveis, Alpa e Ghestin são enfáticos em dizer que ela também adotou esse princípio (respectivamente, Inadempimento, Il Foro Italiano, cit., p. 243, e Conformite, cit., p. 224). O art. 3.°, n. 6, da Diretiva 1999/43 prevê que o comprador não poderá op­ tar pela rescisão se o vício for insignificante.

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de para permitir ao devedor a rescisão contratual (“The general principle in such cases is that the defect in performance must attain a certain minimum degree of seriousness to entitle the injured party to rescind”).72 Na mesma direção se encontra grande parte das ordenações de países da América do Sul. No direito argentino, Jorge Bustamante Alsina doutrina que “si se trata de pequenas imperfecciones juzgadas con un criterio adecuado de razonabilidad habría que rechazar la oposición del acreedor a dar por ejecutada la prestación, hallando éste suficiente satisfacción con el resarcimento del daño que resulte por la necesidad de corrigir aquellos defectos...la actitud del acreedor que pretende la destrucción de lo mal ejecutado cuando el defecto es de poca importancia constituye un ejercicio abusivo de su derecho (art. 1.071, Cód. Civ.), pues el interés del acreedor no puede considerarse insatisfecho por un defecto menor fácilmente subsanable”.73 Também no direito peruano o art. 1.515 do Código Civil prevê que, “cuando se trata de vicios de poca importancia, el transferente puede ofrecer subsanarlos, si esto es posible. Si la oferta es rechazada por el adquirente, éste puede intentar sólo la accíon estimatoria, perdiendo la redhibitoria”. O art. 1.868 do Código chileno prescreve que “si los vícios ocultos no son de la importancia que se expresa en el número 2.°

(72)

Treitel. The law of contract. 7. ed. London: Stevens & Sons, 1987, p. 585.

(73)

Jorge B. Alsina. Teoría general de la responsabilidad civil. 9. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1997, p. 143. Ainda no direito argentino, Anteo Ramella, citando vários outros doutrinadores e vários julgados, esposa o mesmo entendimento (La resolución, cit., p. 54).

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del artículo 1.858, no tendrá derecho el comprador para la rescisión de la venta sino sólo para la rebaja del precio”. Significa dizer que, não sendo essencial, ou pelo menos re­ levante o vício-incumprimento, não teria o adquirente a faculda­ de de resolver o contrato, mas poderia ainda optar por qualquer das outras alternativas previstas em lei.74 Como se percebe, estaríamos aqui sustentando a derrogabilidade do princípio da livre escolha do adquirente na ação a ser proposta (redibitória ou estimatória); a ampla faculdade só exis­ tiria se a imperfeição fosse relevante. Na mesma linha de raciocínio, se o produto ou serviço já tiverem sido consumidos (total ou parcialmente) e, apesar de sua execução imperfeita, tiverem sido de qualquer forma útil ao credor. Imaginemos a compra de combustível para veículo, desco­ brindo-se após o seu uso, que continha outra substância (álcool na gasolina, por exemplo) em quantidade superior à autorizada por lei; ou o contrato de locação de imóvel de praia que não pos­ sui todas as qualidades informadas, mas, pela distância, é inviável o retomo, e o locatário acaba por permanecer no local. Nesses e em outros casos, não se poderá supor o desfazimento do contrato, nem tampouco o refazimento do serviço, mas ape­ nas a possibilidade de devolução de parte do preço.75

(74)

(75)

Herman Benjamin defende orientação contrária. Para o nobre representante do Ministério Público paulista, “(...) a extensão dos vícios não afeta, de maneira alguma, o direito de opção do consu­ midor pela restituição integral...”, (Da qualidade, Comentários, cit., p. 91). No mesmo sentido Gino Gorla, Azione redibitoria, Enciclopédia, cit., p. 880.

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Dúvida também há na doutrina sobre a possibilidade de al­ teração dos pedidos depois do ingresso da ação. No direito italiano a solução é posta pelo art. 1.492 do CC, onde consta a vedação da mudança de pedido, já que a escolha é irrevogável.76 Todavia, com base na legislação anterior, Umberto Pipia e Pacifici-Mazzoni admitiam a substituição do pedido, pois partiam do princípio de que eram duas manifestações de um mesmo direito.77 No direito francês, Baudry-Lacantinerie, Laurent e os irmãos Mazeaud, por exemplo, admitiam a substituição do pedido, des­ de que a demanda ainda não tivesse sido julgada, arcando o autor com as despesas processuais.78 Essa questão deve ser por nós solucionada com arrimo no art. 264 do CPC, que prevê a impossibilidade de mudança do pedido após o saneamento do feito ou após a citação do réu, sal­ vo se este, nesta última hipótese, houver concordado.79 Tal raciocínio também se aplica quando da existência de pedido reconvencional.

(76)

Nesse sentido Messineo (Manuale, cit., p. 108), Mirabelli (Dei singoli, Commentario, cit., p. 106), Grego e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 267) e Salvatore Romano (Trattato, cit., p. 267).

(77)

Umberto Pipia, Compra-vendita, cit., p. 677; Pacifici-Mazzoni, Istituzione, cit. p. 302, e Codice, cit., p. 494. Também com base no antigo Código Civil italiano e afirmando ser irrevogável a es­ colha, v. Gorla, La compravendita, Trattato, cit., p. 160.

(78)

Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 465; Laurent (Principii, cit., p. 221) e Mazeaud e Mazeaud, (Lecciones, cit., p. 300).

(79)

Nesse sentido, também, Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro: Obrigações, cit., p. 228. Em sentido contrário, Arnaldo Rizzardo, Contratos, cit., p. 200.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Dúvida também há sobre a possibilidade de desistência de uma via, com o ingresso da outra ação edilícia. Otto de Souza Lima e Sílvio Venosa sustentam que, escolhida uma via, não po­ deria o adquirente dela desistir, ingressando com a outra ação (electa una via non datur regressus ad alteram).80 A nosso ver, a questão deve ser analisada puramente pelo ângulo processual. Nosso Código de Processo Civil permite ao demandante desistir do feito, sem necessidade de concordância por parte do réu, até o final do prazo para resposta. Depois desse momento, dependerá do consentimento do demandado, porém a recusa deste deve ser motivada (§ 4.° do art. 267). Em qualquer dessas situações deverá o autor arcar com as despesas processuais e os honorários advocatícios da outra parte (art. 26 do CPC). Ocorrendo a desistência, o juiz extinguirá o feito sem julga­ mento do mérito (art. 267, VIII, do CPC), o que dará direito ao credor de propor nova ação, já que aqui ocorreu apenas a coisa julgada formal (art. 268). Polêmica é também a questão da possibilidade de pedidos subsidiários entre as ações edilícias.81 Sustenta-se que as duas ações têm o mesmo fundamento e os mesmos pressupostos, e, assim, o não-acolhimento de uma impediria o acolhimento da outra. Julgada improcedente uma, deveria receber igual tratamento a outra.82

(80)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 345, e Sílvio Venosa, Direito civil: teoria, cit., p. 481.

(81)

Descartamos aqui qualquer discussão sobre pedidos cumulati­ vos, relativos ao mesmo vício, isso pela incompatibilidade legal existente.

(82)

Apesar de dizer que a ação edilícia e a ação de ressarcimento têm pressupostos diversos, Francesco Galgano, com base em julgado da Corte de Cassação, defende a impossibilidade de pedidos sub-

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A afirmação retro, contudo, não é de todo correta, pois, ape­ sar de as ações edilícias terem o mesmo fundamento, têm alguns pressupostos distintos. Há de certo modo uma hierarquia entre elas; não no sentido de ser uma mais importante que outra, mas sim no sentido de que a ação redibitória, v. g., não pode ser usada em situações de cum­ primento defeituoso de menor importância; já a ação estimatória pode sê-lo em qualquer situação (com as exceções já vistas). Como tivemos oportunidade de mencionar, há casos em que não se poderá propor a primeira ação, mas tão-somente a quanti minoris. Vimos, por exemplo, que uma dessas situações se refere à gravidade do vício e isso, como facilmente se percebe, é uma questão subjetiva, que poderá variar de julgador para julgador. Aconselhável, portanto, que se admita, nos termos do art. 289 do CPC, o pedido sucessivo, evitando-se que, após a improcedência da ação redibitória pelo motivo supra, tenha o autor de ingressar com a nova ação estimatória. Esse raciocínio não afronta sequer o princípio da irretratabilidade da opção acima mencionado, visto que, na verdade, o autor da ação optou pela rescisão contratual, e somente na im­ possibilidade desta é que lhe será conferida a redução do preço.83

sidiários (Diritto civile, cit., p. 12-14). Na mesma linha, pelo menos no que toca à compra e venda, Flavio Lapertosa (La garanzia, Rivista, cit., p. 54). Também a Corte de Cass. italiana, em seção unificada, de 12.02.1988, n. 1496, onde se tentou uni­ formizar a questão naquela corte (Foro It., vol. I, 1988, p. 2.975 e segs.). No direito espanhol, segue esse raciocínio Badenes Gasset (El contrato, cit., p. 712). (83)

No mesmo sentido, Vittorio Carsana (Proponibilità..., La nuova giurisprudenza, cit., p. 325), Calvão da Silva (Responsabilidade, cit., p. 196-197) e Romano Martinez (Cumprimento, cit., p.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Na mesma linha de raciocínio não vemos por que vedar a utilização de pedidos alternativos, deixando ao devedor a esco­ lha entre redibir o contrato ou diminuir o preço.84 Admite-se, ainda, e dentro do prazo de garantia, que, esco­ lhida a ação estimatória e descoberto novo vício, o adquirente pro­ ponha nova ação, que poderá ser a redibitória ou uma nova esti­ matória, direito esse já consagrado no D. 21.1.31.16 e no D. 21.2.32.1.85 Se optar pela redibitória e já tiver recebido parte do preço através da estimatória, terá o adquirente direito à restituição ape­ nas da diferença. Se optar pela estimatória, deverá haver um novo abatimento do preço, levando em consideração a redução já feita na outra ação. Não podemos também deixar de abordar a questão da pos­ sibilidade ou não de ingresso de uma das ações edilícias após o pagamento integral do preço pelo adquirente. No escólio de Pontes de Miranda, “se, depois de conhecer o vício do objeto, embora já concluído, antes, o negócio jurídico, o outorgado contrapresta, entende-se, em princípio, que renunciou à pretensão à responsabilidade pelo vício do objeto”. A exceção prevista pelo autor referia-se à reserva feita no ato do pagamento.86 Temos para nós que o pagamento do preço, por si só, não afasta por completo o direito do adquirente de ingressar com as

446). Parece ter opinião contrária Terranova (La garanzia, Rivista, cit., p. 107). (84)

Também admitindo o pedido alternativo, Pontes de Miranda (Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 1.480).

(85)

Apud Pacifici-Mazzoni, Codice, cit., p. 495.

(86)

Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 287. Também Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro: introdução, cit., p. 274, e Valdeci de Oliveira, Obrigações, cit., p. 536.

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ações edilícias, mesmo que o pagamento tenha ocorrido após o conhecimento do vício e não tenha o adquirente oposto qualquer reserva.87 Vivemos num país de pessoas incultas, desconhecedoras de seus direitos e muitas vezes temerosas de enfrentar ou contradi­ zer o outro contratante. Essa é a presunção que deve prevalecer, todavia, poderá o alienante provar que com o pagamento o adqui­ rente visava a renúncia ao direito de reclamar sobre os vícios. Não menos importante é a discussão sobre a possibilidade de o magistrado, de ofício, alterar o pedido formulado pelo au­ tor, como, por exemplo, quando o requerente pede a redibição e o juiz entende que é caso de diminuição do preço. O Código suíço, acolhendo o princípio da preservação con­ tratual, previu em seu art. 205 que, “mesmo quando a ação redi­ bitória tenha sido proposta, tem o juiz a liberdade de determinar a simples indenização pela diminuição do valor sempre que as circunstâncias não justificarem a rescisão da compra”. A tercei­ ra alínea deste artigo ainda estipula que “se, com a diminuição do valor exigido, alcançar-se o preço da compra, só poderá o comprador exigir a redibição”.88 Otto de Souza Lima e Arnaldo Rizzardo concordam com a posição da legislação suíça, já que evita que o adquirente, sob o argumento de vício, na verdade, se arrependa do negócio.89

(87)

Nesse sentido, também, Greco e Cottino, com indicação de vá­ rios julgados italianos (Della vendita, Commentario, cit., p. 283).

(88)

Gonzáles Gonzáles cita Colin e Capitant como adeptos da posi­ ção que permite ao juiz, num pedido de redibição do contrato, fixar uma indenização (Curso elementare..., cit., p. 763).

(89)

Souza Lima (Teoria, cit., p. 347) e Arnaldo Rizzardo (Contratos, cit., p. 200).

298

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Em que pese à posição dos mestres citados, acreditamos que ela vai contra o disposto no art. 460 do CPC, que veda ao juiz proferir sentença, em favor do autor, de natureza diversa da pe­ dida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Infelizmente, o legislador pátrio não seguiu o art. 327 do anteprojeto de Código de Obrigações já que este previa que: “se as circunstâncias não justificarem a resolução, pode o juiz negála, limitando-se a reduzir o preço”.90 Por esse motivo, se for proposta uma ação redibitória, sem pedido sucessivo, e se entender o juiz que o vício é de pequena monta, não justificando a rescisão do negócio jurídico, deverá julgar a ação improcedente.91 Esposa o mesmo entendimento no direito italiano Vittorio Carsana, que afirma: “(...) la medesima conseguenza vale anche per l’organo giudicante che non potrà, quindi, ritendendo preclusa l’ azione di risoluzione, effettuare d’ ufficio la riduzione del prezzo”.92

(90)

O art. 368 do projeto do Código ítalo-francês também dava essa faculdade ao julgador. O art. 2.541 do Código Civil do Estado da Louisiana também autoriza o magistrado, em um pedido de redibição do contrato, conceder a diminuição do preço.

(91)

Cita Pedro Martinez julgado da Corte de Cassação francesa de 06.03.1990 (Bull. Civ., 1990, 3, IV, 75, p. 51 e segs.) que consi­ derou válida a contraproposta de redução do preço apresentada pela vendedora, na medida em que o vício não era suficientemen­ te grave para ser concedida a resolução (apud Pedro Martinez, Cumprimento, cit., p. 404, nota 4).

(92)

Vitório Carsana, (Proponibilità, La nuova giurisprudenza, cit., p. 324). No mesmo sentido, Mirabelli, citando decisão da Corte de Cassação italiana (Dei singoli, Commentario, cit., p. 106) e Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 267).

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Essas ações podem ser propostas pelo adquirente, pelo compromissário comprador,93 pelo usuário (ou pelos herdei­ ros destes) e por qualquer das pessoas elencadas no art. 12 do CPC. Correta, pois, a decisão proferida pelo E. TJSP ao permi­ tir que o condomínio vertical propusesse ação discutindo os vícios na área comum e privativa do prédio e pedindo indeni­ zação.94

7.3 Das ações edilícias no Código de Defesa do Consumidor A Lei 8.078/90, além das clássicas ações edilícias, permitiu ao consumidor, de forma expressa, mantendo o contrato e o pre­ ço fixado, pleitear a eliminação do vício (quantidade e qualida­ de), a substituição da coisa ou o refazimento do serviço. A primeira questão a que nos devemos ater é aquela refe­ rente à existência ou não do direito do fornecedor de sanar o problema. Prescreve o § 1.° do art. 18 do CDC que, não sendo sanado o vício no prazo de trinta dias,95 pode o consumidor, a sua escolha, optar por uma das alternativas previstas nos incisos I a III.

(93)

Sobre a possibilidade, no direito italiano, de o compromissário comprador utilizar as ações edilícias, v. Armando Plaia, (Vizi del bene, cit.).

(94)

ApCiv 72.650.4/2-00.

(95)

Nos termos do § 2° do art. 18 do CDC esse prazo pode ser altera­ do para o mínimo de sete e o máximo de cento e oitenta dias. Essa mudança, como prevê a norma, deverá ser feita através de mani­ festação expressa do consumidor. Temos aqui uma exceção à pre­ visão contida no art. 1.° do CDC que prevê serem as normas des­ se código cogentes.

300

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Vozes se levantam no sentido de não ter o fornecedor o di­ reito de tentar solucionar o problema, podendo o consumidor optar, imediatamente, por uma das vias que a lei lhe oferece.96 Acreditamos que essa posição, além de ser contrária ao prin­ cípio da boa-fé, não está de acordo com uma interpretação teleológica e sistemática da norma jurídica. No mundo moderno, de produção em massa, é praticamen­ te impossível ao fornecedor evitar que alguns produtos coloca­ dos no mercado apresentem vícios. Puni-lo imediatamente, sem permitir-lhe tentar solucionar o problema, parece não estar em harmonia com o espírito do Código, até porque ele busca a manutenção das relações contra­ tuais. Ademais, numa interpretação sistemática e analisando esse parágrafo juntamente com o § 3.° do mesmo artigo, constatamos que o legislador criou uma exceção ao permitir, nos casos ali mencionados (relativos à extensão do vício ou ao produto essen­ cial), que o consumidor deixe de dar ao fornecedor a possibilida­ de de consertar o bem. Algumas situações são facilmente imaginadas: o veículo comprado tem um defeito tão grande no motor que seu conserto causará a descaracterização de um automóvel novo; a pessoa compra um freezer para seu restaurante e este não funciona, não podendo aguardar por trinta dias (ou outro prazo previsto - § 2.° do art. 18). Também devem ser tidos como essenciais os produtos que o consumidor assim considerou, levando em conta suas necessi-

(96)

Nesse sentido Rosana Grinberg. Dos prazos no Código do Con­ sumidor. Revista de Direito do Consumidor 33/158.

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301

dades e expectativas. A Profa. Claudia Lima Marques nos traz o exemplo do sapato comprado para uma festa, não se podendo admitir que o consumidor aguarde o prazo legal para, só depois, pedir a substituição ou rescisão contratual.97 Ora, se o legislador criou no § 3.° as exceções, é porque no § 1.° se encontra a regra. Assim, não temos dúvida em sustentar que o consumidor não tem uma faculdade, mas sim o dever de possibilitar ao fornece­ dor a solução do problema,98-99 assumindo este último todas as despesas necessárias, inclusive com o transporte da mercadoria até seu estabelecimento e a devolução ao consumidor. Tal direito do fornecedor existe também quando o interesse do credor for o de redibir o contrato (incisos II do art. 18, IV do art. 19 e II do art. 20), não se podendo interpretar a expressão “restituição imediata”, constante nesses dispositivos, como ou­ tra exceção à regra acima mencionada. Na verdade a “restituição imediata” se refere à devolução do numerário no momento do desfazimento do negócio. O direito do fornecedor ao saneamento do vício, entretanto, só existirá uma única vez. Significa que, se o vício permanecer, não terá ele direito a uma nova oportunidade de conserto, mes­ mo que ainda esteja dentro do prazo previsto na lei.

(97)

Claudia Lima Marques, Contratos, cit., p. 584.

(98)

Parece ter essa mesma posição Arruda Alvim et al. (Código, cit., p. 149), Sílvio Venosa (Os vícios ocultos, Revista, cit., p. 56), Herman Benjamim, (Da qualidade, Comentários, cit., p. 89) e Luís Daniel Pereira Cintra (Anotações, Justitia, cit., p. 18-19).

(99)

O art. 2.531 do Código Civil do Estado da Louisiana, com base no princípio da boa-fé objetiva, só permite a redibição do contra­ to se o fornecedor tiver falhado ou for incapaz de solucionar o vício.

302

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Devemos deixar claro também que se trata de um direito do fornecedor, que pode preferir não exercê-lo, como na hipótese de, para a eliminação do vício, ter de gastar mais do que vale a própria coisa (indenização antieconômica), ou quando o vício não é eliminável. Essa orientação foi adotada pela Convenção de Viena para as vendas internacionais, pois na parte final do art. 46.3 cons­ ta: “quando não for isto razoável, tendo em conta todas as cir­ cunstâncias”. Não encontramos no art. 20 do CDC, que cuida dos vícios nos serviços, parágrafo semelhante ao que agora estudamos, porém isto não significa que nessas obrigações não tenha o for­ necedor esse direito. Houve uma omissão do legislador, plenamente suprível pelo intérprete, seja pela técnica da interpretação extensiva, seja por meio da analogia. Assim, constatada a falta de qualidade ou quan­ tidade no serviço, terá o fornecedor o direito de, no prazo legal ou convencional (§ 2.° do art. 18), complementar a obrigação ou solucionar a falha. Suponhamos, no segundo caso, a contratação de um pro­ fissional para pintar o escritório; entregue a obra, verifica-se que ele não cumpriu adequadamente sua obrigação, pois dei­ xou de pintar uma das salas. Nesse caso, deverá o consumidor comunicá-lo do vício, concedendo-lhe o prazo para terminar o serviço.100 Para concluir o raciocínio acima exposto, sempre que o con­ sumidor não der a possibilidade ao fornecedor de sanar o vício (com exceção das hipóteses previstas no § 3.°) e propuser ime-

(100)

Em sentido contrário, temos Luís Daniel Pereira Cintra, Anota­ ções, Justitia, cit., p. 29.

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diatamente uma das ações previstas em lei, poderá o réu invocar em sua defesa a falta de oportunidade de eliminar o problema, e a ação deverá ser julgada extinta (falta de pressuposto processual -art. 267, IV, do CPC). Alguns doutrinadores101 admitem que nação do vício seja feito pela primeira vez não concordamos, já que a ação só pode haja interesse processual, isso dentro do adequação.

o pedido de elimi­ em juízo, com o que ser proposta quando binômio necessidade/

Ora, se o legislador impõe uma solução extrajudicial é por­ que essa deve ser a primeira via escolhida, sendo carecedor da ação o autor que dela não se utilizar. Devemos acabar com a cul­ tura de que tudo deve ser resolvido perante o Poder Judiciário. O Estado não mais deve ter essa função paternalista, cabendo às partes, no mínimo, tentar uma solução extrajudicial. Não é outro o entendimento de parte da doutrina portugue­ sa; sustenta Romano Martinez não poder o comprador pleitear a resolução ou o abatimento do preço se não der ao vendedor a possibilidade de eliminar o vício ou de substituir a coisa.102 Em qualquer das situações terá ainda o consumidor direito a uma indenização pelos prejuízos materiais sofridos em decor­ rência do não-uso da coisa ou do serviço. Trata-se de um risco da atividade empresarial.103 Em relação a essa questão, tivemos oportunidade de jul­ gar uma demanda onde um taxista cobrava da concessionária

(101)

Arruda Alvim, Código, cit., p. 175.

(102)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 440-441.

(103)

Concordando com a possibilidade de cumulação da indenização com as outras alternativas temos Arruda Alvim et al. (Código, cit., p. 152).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

e da montadora os prejuízos (lucros cessantes) sofridos em de­ corrência da impossibilidade do uso do veículo, no período em que ele ficou para conserto. Não tivemos dúvida em sustentar que, apesar do fornecedor ter direito a solucionar o vício, tem ele, ao mesmo tempo, o dever de indenizar todos os prejuízos causados ao consumidor (Recurso 014934 - 1,° Colégio Recursal do Jui­ zado de Pequenas Causas Cíveis da Capital-SP). Superada essa fase e não sendo o problema resolvido, passa então o consumidor a poder optar entre a substituição do produto por outro semelhante, a complementação do peso ou medida, a reexecução do serviço, a redibição do contrato ou o abatimento do preço. As duas últimas possibilidades já foram por nós estudadas, nada mais havendo a acrescentar.

7.3.1 Da substituição do produto ou reexecução do serviço Passemos, inicialmente, ao estudo da substituição do pro­ duto, tema que recebe tratamento diverso em vários países. Alguns diplomas jurídicos só admitem a substituição no caso de compra e venda de coisas genéricas (alemão e suíço); em ou­ tros, como o espanhol, nem nesse caso. Na Itália e para alguns doutrinadores, o art. 1.512 do CC peninsular admite a substitui­ ção somente se o vendedor garantiu o bom funcionamento ou se a coisa era genérica. Nosso Código de Defesa do Consumidor, talvez seguindo a orientação do art. 46.2 da Convenção de Viena e do art. 914.° do CC português, fez constar, no inciso I do § 1.° do art. 18 e no in­ ciso III do art. 19, a possibilidade de o consumidor exigir a subs­ tituição do produto viciado por outro da mesma espécie, em per­ feitas condições de uso. Afastou, portanto, qualquer dúvida so-

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305

bre esse direito, criando um sistema eficaz de solução do litígio que melhor atende aos interesses das partes. Obviamente só podemos admitir o pedido de substituição quando a coisa é fungível, e se o vendedor-comerciante tem ou pode obter outro produto semelhante para efetuar a troca. Por “semelhante” entende-se o produto que tenha as mes­ mas características do anterior. Na troca de uma televisão, por exemplo, aquela dada em substituição deve ser da mesma mar­ ca, modelo, polegada e, dentro do possível, com o mesmo tem­ po de uso. Mas se, por qualquer motivo, o fornecedor não tiver outro produto semelhante para a troca (como o produto que já não é fabricado), poderá o consumidor, nos termos do § 4.° do art. 18, solicitar a substituição por outro produto de marca e modelo di­ verso, complementando ou recebendo a diferença de preço. Nessa situação, será irrelevante a fungibilidade do bem. É importante frisar que a troca por outro bem é uma fa­ culdade do consumidor, não podendo ser obrigado a aceitar essa substituição mesmo que venha a ser restituído de parte do preço. Levando em consideração que o juiz não pode julgar fora do pedido ou além do que foi pleiteado pelo autor, deverá o con­ sumidor fazer pedidos alternativos ou subsidiários. Uma vez proposta a ação, a substituição recairá sobre toda a coisa e não mais sobre a parte viciada. A oportunidade para sanar o vício já foi concedida anteriormente, e extrajudicialmente, ao fornecedor. Se não solucionou o problema naquele momento, deve trocar a mercadoria no seu todo. Por essa razão, concordamos com a solução adotada pela maioria dos Desembargadores da 1 .a Câm. de Direito Privado do

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TJSP, ao entender que o réu estava obrigado a substituir todo o bem e não apenas a parte viciada.104 Tratando-se de serviço, poderá o consumidor exigir sua reexecução total ou parcial (inciso I do art. 20), levando em consi­ deração o grau de utilidade do serviço prestado, o que deve ser visto em cada caso concreto. Por exemplo, a contratação de uma empresa de desentupimento. Se o serviço não foi feito conforme o combinado, deixando de desobstruir parte da rede de esgoto do imóvel, poderá o con­ tratante exigir o refazimento do serviço faltante. A lei não fixa prazo para a reexecução, no que andou bem, já que seria impossível estabelecer um prazo comum para os va­ riados serviços. Deve-se entender como razoável aquele fixado pelas partes quando da contratação, isso se a reexecução for to­ tal; sendo parcial, o prazo deverá ser calculado proporcionalmente em relação à parte que deve ser refeita. Havendo recusa na nova prestação do serviço, e sendo ela personalíssima (como a prestação de serviços médicos), não terá o consumidor instrumentos para forçar o fornecedor a cumprir a obrigação, restando-lhe apenas o pedido de perdas e danos. Já na vigência do Código Civil de 1916 discutia-se sobre a possibilidade de o usuário do serviço optar, diretamente, pela reexecução do trabalho por terceiro (art. 20, § 1.°, do CDC). Concordamos com a opinião exposta pelo mestre Arruda Alvim no sentido de que o fornecedor deve ter o direito de reexecutar, a sua custa, o serviço, uma vez que, o art. 249 do CC, aplicável subsidiariamente às relações de consumo, diz que a

(l04)

ApCiv 273.147-1 SP, rel. Des. Alexandre Germano (JTJ 203/161).

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execução por terceiro terá lugar em caso de recusa ou mora do devedor.105 A realização imediata do trabalho por terceiro só será pos­ sível em caso de urgência (parágrafo único do art. 249) e se hou­ ver prévia recusa do fornecedor (mesmo extrajudicialmente) em refazer ou completar sua obrigação, ou, mediante autorização judicial, quando o consumidor justificar que o serviço não mais pode ser prestado pelo contratante, seja porque este não tem a capacidade técnica, seja por outro motivo razoável. Dentro desta última hipótese, podemos dar como exemplo algumas intervenções médicas, mais especificamente as cirur­ gias, já que perigosas e muitas vezes dolorosas. Assim, se uma cirurgia plástica não apresentar os resultados prometidos, não terá o médico direito a uma segunda operação, mesmo que esta seja feita a suas expensas. Por último devemos frisar que todas as despesas para a subs­ tituição ou reexecução do serviço devem correr por conta do for­ necedor. Nesse sentido, no direito europeu, temos o art. 3.°, n. 4, da Diretiva 1999/43.

7.3.2 Da complementação do peso ou medida O art. 19 do CDC prevê o vício de quantidade sempre que, respeitadas as variações normais do produto, como, por exem­ plo, a evaporação do álcool, o conteúdo for inferior às indicações dele constantes. Nessa situação, abre o legislador quatro opções ao consu­ midor, e não terá ele de aguardar qualquer prazo (como o de 30 dias do § 1.° do art. 18) para invocar seu direito.

(l05)

Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 157.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

A primeira, a terceira e a última alternativa já foram por nós analisadas, restando apenas a segunda, que se refere à complementação do peso ou medida faltante, ou seja, o consumidor so­ licita ao fornecedor que entregue o produto com a quantidade exata. Em relação ao vício no serviço, o art. 20 fala inicialmente sobre o vício de qualidade, podendo surgir dúvida sobre a exis­ tência de vício de quantidade do serviço no Código de Defesa do Consumidor. Como já tivemos oportunidade de dizer, o vício de qualida­ de abrange o vício de quantidade; se isso por si só não bastasse para sustentar a existência de vício de quantidade nas relações de consumo, o próprio art. 20 trata dos vícios decorrentes da dispa­ ridade com as indicações constantes nas ofertas ou publicidades, o que deixa claro o intuito da lei de incluir a quantidade como incumprimento parcial da obrigação.106 Assim, se contratamos uma escola para determinado curso, com tantas horas de aula, e são ministradas aulas em quantidade inferior, poderei, com base nos arts. 19 e 20 do CDC, pleitear a complementação do serviço, o abatimento do preço ou a resci­ são do contrato, com a restituição de toda a importância paga se o serviço prestado mostrar-se inútil ao fim que era destinado.

(106)

No mesmo sentido, Herman Benjamin, Da qualidade, Comentá­ rios, cit., p. 101.

8 RESPONSABILIDADE CIVIL SUMÁRIO: 8.1 Introdução: 8.1.1 Comportamento do agen­ te; 8.1.2 Dano; 8.1.3 Nexo de causalidade; 8.1.4 Culpa 8.2 Causas de isenção de responsabilidade: 8.2.1 Cláusu­ las de exclusão e limitação de responsabilidade; 8.2.2 Cláu­ sula penal; 8.2.3 Comportamento do credor para evitar ou atenuar o dano; 8.2.4 Caso fortuito e força maior; 8.2.5 Ven­ das feitas em leilões.

8.1 Introdução A ocorrência do vício-incumprimento não gera apenas a possibilidade de desfazimento do negócio, do abatimento do pre­ ço, da substituição da coisa ou refazimento do serviço, da complementação do peso ou da medida, quando possível, mas tam­ bém o dever de indenizar, já que é princípio básico de direito que todo aquele que causa um dano a outro deve, em regra, indenizálo (neminem laedere).1 Já no direito romano havia essa obrigação, visto que o ven­ dedor de escravo tinha de indenizar o comprador quando da

(1)

No direito alemão e pelo § 325, o pedido de resolução exclui o pedido de indenização.

310

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

redibição do contrato (non solum in pretium servi venditorem conveniri, sed itiam damnum, quod per eum tibi accidit, competens judex, ut iampridam placuit, praestari iubebit).2 Dentro da clássica distinção da responsabilidade civil, estaríamos incluídos na chamada responsabilidade contratual, ou como prefere Visintini “responsabilidade do devedor”,3 já que o dever de ressarcir tem como fonte o descumprimento de uma obrigação preestabelecida. Entretanto, a dicotomia entre responsabilidade contratual e aquiliana, surgida com Gaio,4 vem, ao longo dos últimos dois séculos e em decorrência das alterações socioeconômicas, sofren­ do críticas,5 isso pela dificuldade de se incluírem numa delas no­ vas situações, como, por exemplo, os acidentes de trabalho,6 as obrigações de segurança (ou proteção, aqui abrangidos os deveres de informação, custódia, segurança e proteção),7 e até mes­ mo a responsabilidade decorrente do vício redibitório.

(2)

Liv. 4, Tít., LVIII, 1 (apud Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 336).

(3)

Giovanna Visintini, L’inadempimento, Trattato, p. 75-86.

(4)

Ominis obligatio vel ex contractu nascitur, vel ex delicto (Institutiones, III, 88).

(5)

Sobre esse problema e no direito italiano, v. Visintini (Responsabilità, Rasegna, cit.). No direito português, Pessoa Jorge, Ensaio, cit., p. 40 e segs. (6)

Visintini entende que nesta hipótese estamos diante de uma responsabilidade contratual (L’ inadempimento, Trattato, cit.,

p. 110). (7)

Imaginemos a pessoa que, efetuando compras em um supermer­ cado, sofre um acidente em decorrência de um produto que lhe cai na cabeça. Haveria responsabilidade contratual ou extracontratual?

RESPONSABILIDADE CIVIL

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Francesco Galgano, por exemplo, analisando o art. 1.494 do CC italiano, preleciona que a responsabilidade prevista na primeira parte do dispositivo é contratual, enquanto a segunda parte prevê uma responsabilidade extracontratual. Já Visintini entende que, ocorrendo vício, haverá responsabilidade 8 aquiliana. Ensina Pedro Martinez que a distinção entre responsabili­ dade contratual e extracontratual tinha razão de ser em uma eco­ nomia agrícola, pouco industrializada, e sua colocação em com­ partimentos estanques baseia-se em preconceitos liberais e indi­ vidualistas. Por esse fato alguns optam por uma terceira via9 e outros, pela unificação da responsabilidade civil.10 Influenciado pelas idéias filosóficas do século XIX e dentro de uma situação econômica semelhante à retro mencionada, nosso antigo Código Civil manteve essa distinção (arts. 159 e 1.056), o

(8)

Francesco Galgano, Diritto civile, cit., p. 13-14. Visintini, L’inadempimento, Trattato, cit., p. 205. Vaz Serra diz que nas hipóteses de cumprimento imperfeito há uma dificuldade em se separar a responsabilidade contratual da extracontratual (Encar­ go, cit., p. 109).

(9)

Nesse sentido v. Carneiro da Frada, Contrato e deveres, cit., p. 44 e segs.

(10)

Menezes Cordeiro, Cumprimento, cit., p. 44. Visintini prelecio­ na que vários julgados italianos, talvez pelas dúvidas dos tribu­ nais em identificar as corretas situações, tendem a um concurso de ações; assim nos casos de responsabilidade decorrente do con­ trato de transporte de coisa, lesão ao cliente de um hotel, dano causado ao inquilino por desabamento no prédio locado etc. (L’ inadempimento, Trattato, cit., p. 220).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

que também aconteceu, talvez por receio de inovar, com o novo Código Civil (arts. 475 e 927). Por seu turno o Código de Defesa do Consumidor superou a summa divisio, unificando as respon­ sabilidades civis.11 Deixando de lado essa discussão, por afastar-se dos limites deste trabalho, analisaremos os pressupostos para a existência do dever de indenizar, que são comuns nas duas hipóteses de res­ ponsabilidade. Em regra, os doutrinadores fixam em quatro os pressupos­ tos da responsabilidade civil. São eles: a) comportamento do agente; b) dano; c) nexo de causalidade; d) culpa.12 Acrescenta­ remos outro requisito de caráter negativo, qual seja, a ausência de causas de isenção de responsabilidade.

8.1.1 Comportamento do agente Entende-se por ilícito todo comportamento que é contrário ao direito, valoração essa feita em cada ordenamento e variando de acordo com o momento histórico. A violação do dever jurídico pode surgir por afronta direta à lei ou por afronta a um dever obrigacional, e pode ser analisada de duas formas distintas, dependendo da orientação adotada. Temos, de um lado, a corrente objetivista, para a qual a antijuridicidade é concebida no plano objetivo; verifica-se se a

(11)

Arruda Alvim et al., citando ainda Herman Benjamin, também com essa posição (Código, cit., p. 154).

(12)

Para uma breve análise da divergência doutrinária no direito por­ tuguês sobre os pressupostos da responsabilidade civil, v. Pessoa Jorge (Ensaio, cit., p. 52 e segs.).

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conduta ou fato, em si mesmos, são contrários à norma. De outro lado, temos a corrente subjetivista, para a qual a ilicitude só é admissível em relação a condutas voluntárias, a um juízo de va­ lor a respeito da consciência livre do ato humano, e, assim, den­ tro do plano subjetivo. Por sua vez, o pressuposto do comportamento do agente está ligado à ilicitude de seu ato ou omissão que deu causa ao dano. Quando abordamos a ilicitude dentro do campo do cumpri­ mento imperfeito, estamos diante de uma conduta omissiva por parte do devedor, ou seja, ele deixa de efetuar a prestação no modo previsto no contrato ou no modo previsto em lei. Poder-se-ia di­ zer que o “fazer” ou “dar coisa” com qualidade ou quantidade diversa caracteriza também um agir, porém, aqui, estamos dian­ te apenas de um jogo de palavras, pois, no fundo, o agir de forma imperfeita nada mais é que um não-agir corretamente. O não-cumprimento da obrigação na forma devida só pode ser caracterizado como comportamento ilícito se o devedor ti­ nha a possibilidade de cumprir a prestação e não o fez. Como vimos anteriormente, a impossibilidade para a qual não con­ tribuiu o devedor ou terceiro a ele ligado, não gera o dever de indenizar. O problema da impossibilidade superveniente já foi por nós estudado, não sendo necessário nesse momento sua renovação.

8.1.2 Dano O segundo elemento para a existência do dever de indenizar é o dano. Só há de se falar em dever de indenizar quando alguém te­ nha sofrido um prejuízo em seu patrimônio. Isso se aplica ao cumprimento imperfeito, não deixando os arts. 389, 395, 402 e

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

403, todos do Código Civil, e o art. 6.°, VI, do CDC, qualquer dúvida a esse respeito. Dano é toda diminuição no patrimônio de uma pessoa, en­ tendendo-se o termo “patrimônio” em seu sentido lato, abran­ gendo tanto os bens materiais como os imateriais. Ocorrendo o cumprimento imperfeito podem surgir três ti­ pos de dano: O primeiro, concernente às despesas contratuais;13 o segundo, chamado de dano circa rem, ligado aos prejuízos cau­ sados na coisa ou diretamente relacionados ao cumprimento im­ perfeito; por último, os danos causados na pessoa ou em outros bens do credor, de terceiros ou ligados indiretamente ao vício, chamados de dano extra rem.14 A indenização decorrente da parcial inexecução do contra­ to, por sua vez, pode perseguir dois objetivos: restabelecer a si­ tuação anteriormente existente, como se o contrato não tivesse existido (interesse negativo ou de confiança - reliance interest),15 ou colocar a parte lesada nas mesmas circunstâncias que se en­ contraria se o contrato tivesse sido cumprido (interesse positivo ou expectation interest).16

(13)

Nesse sentido também o art. 1.493 do Codice Civile e o art. 1.646 do Code.

(14)

Segundo Atyah e com base na s.5(2) do Consumer Protection Act, no direito inglês o dano também só se refere às outras coisas (The sale, cit., p. 284). Em sentido contrário, Francesco Galgano, Diritto civile, cit., p. 359.

(15)

A expressão “interesse negativo” foi criada por Ihering, quando da abordagem da responsabilidade pré-contratual, isso para pro­ teger o contratante que confiou na conclusão e na validade do pacto (apud Visintini, L’ inadempimento, Trattato, cit., p. 198). (16)

Rubino também sustenta que nessa hipótese é possível a existên­ cia desses dois interesses (La compravendita, Trattato, cit., p. 639).

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Ensina Guido Alpa que no sistema da common law o loss of bargain é provavelmente o critério seguido pelos tribunais na determinação do dano a ser ressarcido, mas adota-se também o reliance loss, que consiste em colocar o credor na mesma situa­ ção em que se encontraria, se o contrato não tivesse sido concluí­ do. Diz o mestre que a escolha cabe ao autor e muitas vezes os critérios são combinados.17 Tratando-se de ressarcimento relativo às despesas contra­ tuais, estaremos diante do interesse negativo, e, ao contrário do que se possa pensar, não vemos como admitir a inclusão dos lu­ cros cessantes; se o objetivo é colocar o credor na posição que se encontrava antes da realização do negócio, como se este não ti­ vesse sido firmado, não há como pensar naquilo que o credor deixou de ganhar.18 Aqui, e independentemente do dolo ou da culpa do devedor (arts. 443 do CC e 23 do CDC), o credor poderá pedir somente o ressarcimento das despesas e dos gastos realizados com a transa­ ção e com a manutenção da coisa, isso tanto nas ações redibitórias quanto nos demais pedidos, quando compatíveis.19 Devemos entender por “despesas do contrato” não só aque­ las ligadas diretamente à elaboração do documento, como, por exemplo, as despesas cartorárias, mas também outras que este­ jam relacionadas de forma indireta com ela, inclusive as despe-

(17)

Guido Alpa, Contratto, cit., p. 110.

(18)

Mario Júlio de Almeida Costa sustenta que nos dois tipos de interesse há o lucro cessante e o dano emergente (Direito, cit., p. 738).

(19)

Jacques Ghestin diz ser possível o pedido de ressarcimento, mesmo se os pedidos forem de substituição ou de reparação do vício (Conformitè, cit., p. 6).

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sas para o desfazimento do pacto ou do pedido de diminuição do preço.20 Assim, poderão ser incluídos os valores pagos a título de tributo (mesmo aqueles pagos a maior em decorrência da redu­ ção do preço do bem por meio da ação estimatória), os de trans­ porte da coisa ou do próprio credor, os gastos com a conservação do bem e os gastos (judiciais ou extrajudiciais) que o credor teve para o desfazimento do negócio.21 Mais preciso foi o legislador peruano, deixando claro, no art. 1.512 do seu Código Civil, que “la resolución a que se refiere el artículo 1.511 (redhibitoria) impone al transferente la obligación de pagar al adquirente: 1. el valor que tendría el bien al mo­ mento de la resolucíon, si es que no existiera el vicio que lo afecta, teniendo en cuenta la finalidad de la adquisición; 2. los intereses legales desde el momento de la citación con la demanda; 3. los gastos o tributos del contrato pagados por el adquirente; 4. los frutos del bien que estuviesen pendientes al momento de la resoluciónadas; 5. la indemnización de daños y perjuicios, cuando el transferente haya incurrido en dolo o culpa respecto de la existencia de los vicios”. Para alguns doutrinadores, como Pacifici-Mazzoni, os gas­ tos para a conservação da coisa são devidos desde que o comprador não a tenha usado.22 Discordamos do raciocínio de­

(20)

Washington de Barros Monteiro, com quem não concordamos, entende que os honorários advocatícios só podem ser cobrados em caso de dolo (Curso, cit., p. 58).

(21)

Admitindo inclusive a cobrança das despesas de viagem com o processo, Ghestin (Conformite, cit., p. 46).

(22)

Pacifici-Mazzoni, Codice, cit., p. 504. Também admitindo o res­ sarcimento das despesas com o bem, Salvatore Romano, Trattato, cit., p. 269.

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senvolvido, pois para nós não há essa imediata vinculação entre o uso e os gastos com a manutenção do bem; o que pode aconte­ cer é uma compensação dos créditos e débitos se o réu, mediante reconvenção ou ação própria, tiver pleiteado e obtido senten­ ça condenatória do credor a uma indenização pela utilização da coisa. O dano pode ainda, como já mencionado, estar vinculado ao próprio produto ou serviço, bem como aos fatos diretamente ligados a eles; pode também ocorrer danos nos demais bens do adquirente, usuário ou terceiros, sejam bens personalíssimos como a saúde, a integridade física, o estado de espírito (dando causa ao dano moral), sejam outros bens que compõem seu acer­ vo patrimonial. Na última hipótese estaremos diante do dano extra rem, instituto que, pela sua importância, será visto em capítulo próprio. No dano circa rem teremos o chamado interesse positivo, e assim a indenização deverá colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido fielmente cumprido.23 Com base nos arts. 402 e 443 do CC ou dos arts. 6.°, 18, II, 19, IV, e 20, II, todos do CDC, o credor poderá pedir uma indenização que abran­ gerá não só o que efetivamente perdeu (danos emergentes),

(23)

Nesse sentido, Vaz Serra (Impossibilidade, Boletim, cit., p. 81), Mirabelli (Dei singoli, Commentario, cit., p. 107) e Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 275). No direito pátrio e abordando de forma genérica o pedido resolutório, Araken de Assis sustenta só ser possível o interesse negativo, porém menciona julgado do Superior Tribunal de Justiça, relatado pelo Min. Ruy Rosado, em sentido contrário (Resolução, cit., p. 133-134). Parece adotar nossa posição Jorge Cesa (A boa-fé, cit., p. 179-180).

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mas também o que razoavelmente deixou de ganhar (lucros cessantes).24-25 Dentro da classificação de danos emergentes, poderá o cre­ dor reclamar todos os prejuízos que tenha sofrido (restitutio in integrum). Será necessário, entretanto, a verificação da relação jurídi­ ca existente, ou seja, se é uma relação de consumo ou uma rela­ ção civil (aqui incluída a comercial), isso porque, na primeira, a indenização existe independentemente da culpa do devedor, enquanto na última, o pedido está condicionado ao elemento subjetivo. Se utilizarmos os exemplos da máquina de lavar que não funciona ou do serviço telefônico que funciona precariamen­ te, poder-se-á imaginar o pedido de ressarcimento dos valo­ res gastos na lavanderia ou com o aluguel de outra máquina, e os valores desembolsados para a utilização de outro meio de co­ municação. Pedro Martinez cita um julgado português em que a incor­ reção do número do telefone na lista caracterizou o incumprimento imperfeito do contrato.26 Nessa situação, não teríamos dúvida em defender que o contratante poderia, por exemplo, cobrar do contratado as eventuais despesas para comunicar os clientes so­ bre o erro.

(24)

Francesco Gazzoni diz que o interesse positivo, também chama­ do de cumprimento, abrange o lucro cessante e os danos emer­ gentes (Obbligazioni, cit., p. 613).

(25)

As exceções previstas em lei (art. 402) são, segundo a doutrina, as hipóteses dos juros moratórios, da cláusula penal e dos arts. 939-940 (Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 180).

(26)

Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 152.

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Sobre questão semelhante, o STJ, no REsp 511.558-MS, relatado pelo Min. Aldir Passarinho, entendeu ser devida indeni­ zação por danos morais a pessoa jurídica, em decorrência de pu­ blicação incorreta de anúncio em lista telefônica. O legislador, entretanto, impôs um limite a essa indeniza­ ção, prevendo que só o prejuízo efetivo é ressarcível, excluindo qualquer dano hipotético. Essa regra se estende às relações de consumo, já que o Código de Defesa do Consumidor é omisso sobre esse ponto, aplicando-se subsidiariamente a norma do Có­ digo Civil. Como exemplo de dano hipotético Agostinho Alvim cita jul­ gado da Corte de Gênova, que se resume na seguinte situação: “A tratou com B; para poder cumprir o trato, dependia de certas pro­ vidências e por isso tratou com C, que deveria agir em certo se­ tor. Acontece que C falhou ao trato, por negligência. A volta-se contra ele e pede, entre outras coisas, a pena em que incorrera para com B. O Tribunal negou, porque o pagamento dessa pena não era prejuízo certo. O credor não estava demandando a pena e não podia nem mesmo vir a demandar”.27 No mesmo sentido no direito argentino. Sustenta Stiglitz que o dano deve ser certo, real e efetivo, seja presente ou futuro. Não se admite que ele seja puramente eventual ou hipotético.28 No que toca aos lucros cessantes, poderá o credor exigir do devedor todos os valores razoáveis que deixou de obter em de­ corrência do cumprimento imperfeito. Suponhamos que A adquira um veículo para utilizá-lo na sua atividade laborativa (táxi). Se o veículo vier a apresentar proble­ mas (vícios) e impedir ou dificultar o trabalho do adquirente (por

(27)

Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 185.

(28)

Stiglitz, Contratos, cit., p. 566.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

exemplo, dias parados para conserto), este poderá pleitear tudo aquilo que teria obtido com a normal utilização do bem. O mesmo raciocínio se aplica ao serviço. Suponhamos a contratação de uma empresa de transporte que acaba por cum­ prir de forma imperfeita sua prestação, fazendo com que o pas­ sageiro chegue ao local após o horário previsto, perdendo, por conseqüência, o trabalho que realizaria. Entendemos, por esse motivo, correta a decisão proferida pela Corte de Cassação italiana que disse ser devida indenização a um comerciante visto que, ao vender um bem com vício, per­ deu o cliente habitual.29 Precisa é a conclusão de Vaz Serra ao dizer que “a circuns­ tância de haver um contrato entre o credor e o devedor (ou uma relação obrigacional emanada de outra fonte) coloca este numa especial posição em face do credor, devendo dedicar atenção ao cumprimento da sua obrigação. Se faz uma prestação defeituo­ sa, infringe o direito de crédito do credor, não importando se daí resulta somente o dano derivado da omissão de cumprimento per­ feito ou também outro dano, mais largo, mas, de toda a maneira, causado pelo cumprimento defeituoso”.30 O art. 944 do novo Código, aplicado também à responsabi­ lidade contratual, prevê que a indenização mede-se pela exten­ são do dano e seu parágrafo único autoriza o juiz, se houver ex­ cessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, a redu­ zir, eqüitativamente, a indenização. Traz de volta essa norma a importância da classificação da culpa em grave, leve e levíssima. Nesses termos, se o descumpri-

(29)

Cass. n. 3438, de 21.10.1969 (apud Visintini, L’ inadempimento, Trattato, cit., p. 204).

(30)

Vaz Serra, Encargo, Boletim, cit., p. 112.

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mento de um contrato se deu por culpa levíssima e, por conse­ qüência, os danos causados foram de valores muito elevados, poderá o juiz, fundado no espírito de eqüidade, reduzir o valor indenizatório. É verdade que esse artigo dá ao magistrado um poder consi­ derável, deixando ao seu arbítrio a avaliação do grau de culpa do devedor e o montante a ser ressarcido, porém, por outro lado, traz um benefício à sociedade, evitando soluções injustas que pode­ riam ocorrer em determinados casos.

8. 1.2.1 O dano moral no cumprimento imperfeito do contrato O tema do dano moral em casos de descumprimento do con­ trato não é muito desenvolvido pela doutrina brasileira, porém é de grande relevância, pois, diante da chamada “indústria do dano moral”, com muita freqüência se vê nos tribunais pedidos de in­ denização em decorrência do descumprimento total ou parcial da obrigação contratual.31 Dano moral, como sabemos, é todo o dano que recai sobre os bens não patrimoniais do ser humano, como os direitos da personalidade (vida, liberdade, integridade física e moral, ima­ gem, honra etc.).32 Assim, sempre que uma pessoa sofre um abalo nesses direi­ tos, que não possuem valor econômico, diz-se que o dano é moral.

(31)

Uma boa abordagem do tema pode ser vista em Yussef Cahali (Dano moral. 2. ed. São Paulo: RT, 1998, p. 460 e segs.) e em Carlos Alberto Bittar (Reparação civil por danos morais. São Paulo: RT, 1998, p. 200 e segs.).

(32)

Para uma análise sucinta da discussão da tipificação do dano moral, v. Rubén S. Stiglitz, Contratos, cit. p. 580-586.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Deixando de lado toda a polêmica travada sobre a possibili­ dade de ressarcimento do dano moral, já que nossa Constituição da República (art. 5.°, V e X) e nossas normas infraconstitucionais (CDC, art. 6.°, VII, e CC, art. 186) hoje o prevêem expressa­ mente, passemos à análise da possibilidade de seu pedido diante do cumprimento imperfeito da obrigação. Considerando que descumprimento contratual (total ou par­ cial - este desde que não insignificante) gera um abalo, um des­ gaste, um transtorno para o outro contratante, nossa discussão deve ater-se à possibilidade ou não de indenização em decorrên­ cia de tais fatos. De forma geral dizem alguns doutrinadores e julgadores, sem maior aprofundamento do tema, que o descumprimento de um contrato, normalmente, não acarreta dano moral,33 pois todo ne­ gócio jurídico traz em si um risco e, assim, é inerente a qualquer transação a possibilidade de aborrecimento. Nesses termos, não se poderia falar de dano moral em decorrência do mero cumpri­ mento imperfeito. Nesse sentido, a 4.a T. do STJ, no REsp 338162-MG, relata­ do pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, entendeu que, “como anotado em precedente (REsp 202.504-SP) o inadimplemento do contrato, por si só, pode acarretar danos materiais e indeniza­ ção por perdas e danos, mas, em regra, não dá margem ao dano moral, que pressupõe ofensa anormal à personalidade. Embora a inobservância das cláusulas contratuais por uma das partes possa

(33)

No direito pátrio, Sílvio Venosa (Direito civil: teoria, cit., p. 236), Humberto Theodoro Júnior (o autor parece admiti-lo nas hipóte­ ses de contratos de viagem - Dano moral. 4. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 98 e 105) e Carvalho Santos (Código Civl, cit., vol. XIV, p. 261). No direito português, Antunes Varela, Das obrigações, cit., p. 105.

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trazer desconforto ao outro contratante - e normalmente o traz trata-se, em princípio, do desconforto a que todos podem estar sujeitos, pela própria vida em sociedade”.34 Também o TAMG, pela sua 4.a Câm., em 28.05.1997 (Ap 229.590-5, Adcoas 8156890), entendeu que “contrato não cum­ prido pode causar indenização por perdas e danos, perda do si­ nal, multa e outros, mas jamais indenização por dano moral. O descumprimento do negócio, é natural, gera aborrecimentos, constrangimentos, o que entendo não se enquadrar no conceito de dano moral, que envolve a dor e o sofrimento profundo”.35 O argumento trazido, data maxima venia, não nos conven­ ce, visto que o fato de existir um risco não exclui - ocorrendo o fato danoso - o direito a posterior indenização. Todo ato ou ativi­ dade traz em si um perigo, e nunca se defendeu que, ao assumilo, estar-se-ia abrindo mão de eventual ressarcimento. Basta su­ por as relações de vizinhança ou mesmo o ato de dirigir um veí­ culo; há neles um risco de ofensa e algo acontecendo, por exem­ plo, se formos humilhados pelo vizinho ou vítimas de um aci­ dente de trânsito, teremos, teoricamente, direito à indenização por dano moral. Não temos dúvida então em sustentar que o efetivo transtor­ no e o aborrecimento geram um abalo em nossa tranqüilidade, em nossa paz, afetando assim o chamado bem-estar psíquico. Por esse motivo, defendemos que tais situações caracterizam um dano. A questão agora é saber se esse dano é ou não ressarcível.

(34)

No mesmo sentido e pelo mesmo relator REsp 202564-RJ; ainda por maioria REsp 201.414-PA.

(35)

Apud João Luis Coelho da Rocha. O dano moral e a culpa contra­ tual, Bol. Adcoas 1015158, p. 127.

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No direito italiano, por força do art. 2.059 do CC, o tema foi debatido, encontrando-se, basicamente, três posições doutriná­ rias e jurisprudenciais sobre ele.36 Há os que não admitem inde­ nização por dano não patrimonial - seja por ausência de previsão legal, seja pela incompatibilidade entre a natureza patrimonial da obrigação e um dano não patrimonial; aqueles que a admitem apenas quando o descumprimento contratual também caracteri­ za um ilícito penal; e, por último, aqueles que a admitem incon­ dicionalmente. 37-38

(36)

Maria Costanza analisa a questão sob a luz do art. 1.174 do CC (Danno non patrimoniale e responsabilità contrattuale, Rivista Critica del Diritto Privato, p. 128, 1987), enquanto ZenoZencovich e Bonilini analisam sob a luz do art. 1.218 do mesmo codex, isto porque o art. 2.059 seria aplicado apenas à responsa­ bilidade extracontratual (respectivamente: Interesse del creditore e danno contratuale non patrimoniale. Rivista di Diritto Commerciale, 1987, vol. 1, p. 86, e Il danno non patrimoniale. Milano: Giuffrè, 1983, p. 229 e segs.).

(37)

Não admitindo a indenização, Cass., 28.01.1985, n. 472; na doutrina parece ter esse entendimento Francesco Gazzoni (Obbligazioni, p. 612) e Enrico Colagrosso (Teoria generale delle obbligazioni e dei contratti. Roma: Estamperia Nazionale, 1948, p. 98). Admitindo o dano moral quando o inadimplemento também caracteriza fato ilícito, Cass., 20.04.1989, n. 1855, e Tribunal de Milão, em 13.05.1982, este último com a seguinte redação: “non osta alla risarcibilità del danno morale la circostanza che esso rappresenti la conseguenza di un illecito contrattuale, ciò in quanto l’unico presupposto per la risarcibilità del danno medesimo, alla stregua del vigente ordinamento, è che il fatto generatore integri un’ipotesi di reato indipendentemente dalla circostanza che esso inerisca ad un titolo di responsabilità contrattuale od aquiliana” (apud Visintini, Trattato, cit., p. 570); admitindo sem qualquer condição, Trib. Roma, 06.10.1989 (apud

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Em França, vários tribunais e grande parte de seus doutrinadores tendem a admitir o dano moral em caso de descumpri­ mento do contrato, não se aceitando uma interpretação restritiva dos arts. 1.149 e 1.382 do Code. Nesse sentido são citados, entre outros, Planiol, Demogue, Josserand, Mazeaud e Mazeaud e Derrida.39 No direito alemão, o § 253 do BGB impede o pedido de dano moral em caso de inadimplemento ou cumprimento imperfeito do contrato. Zeno-Zencovich afirma que o Código de Obrigações libanês autoriza, no art. 263, de forma expressa, a indenização por dano moral decorrente de inadimplemento contratual.40 Na Argentina, com a reforma de 1968 do Código Civil, incluiu-se no art. 522 (“Em los casos de indeminización por responsabilidad contractual el juez podrá condenar al responsable a la reparación del agravio moral que hubiere causado, de acuerdo com la índole del hecho generador de la responsabilidad y circunstancias del caso”) a possibilidade de indenização por dano moral em decorrência do incumprimento contratual, e, como nos mostra Rubén Stiglitz, a jurisprudência da Suprema Corte de Buenos Aires, desde 1957, já o admitia.41

Patrizia Petrelli, Il danno non patrimoniale, I grandi orientamenti della giurisprudenza civile e commerciale, vol. 36, p. 304-325). (38)

Maria Costanza entende ser possível a indenização por dano moral sempre que no contrato houver prestação que envolta interesse não patrimonial (Danno, Rivista, cit. p. 131).

(39)

Apud Bonilini, Il danno, cit., p. 216 e segs. Também Ghestin parece admiti-lo, já que fala em indenização pelo aborrecimento em decorrência da resolução do contrato (Conformite, cit., p. 46).

(40)

Zeno-Zencovich. Danni non patrimoniali e inadempimento. Risarcimento del danno contrattuale ed extracontrattuale. Milano: Giuffrè, 1984, p. 123.

(41)

Rubéns Stiglitz, Contratos, cit., p. 593.

326

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

De forma clara Mosset Iturraspe preleciona que “en nuestra opinión, la admisión de dano moral en la responsabilidad contractual permitirá destacar con mayores relieves ciertos aspectos del daño moral, antes subestimados. No es preciso recurrir a ejemplos singulares - como el del aficionado a la música que adquiere un bono para asistir a los conciertos de un artista céle­ bre y luego, por el hecho del empresario que ‘vende las mismas localidades a terceros’, se queda sin el concierto, que menciona Borda; basta considerar cualquier incumplimiento de una prestación de dar o de hacer, las más vulgares, que priva al acreedor del bien objeto de la prestación, de ‘goce de sus bienes’ para usar la terminologia del antiguo art. 1078, se trate de una privación temporaria o definitiva. Por lo demás, tanto ante uno parcial o tardio, el acreedor podrá demostrar el disgusto, la ansiedad, el temor, consecuencia de esos hechos”.42 Também no Peru, com base no art. 1.322 do seu Código Civil, que prevê que “el dano moral, cuando él se hubiera irrogado, también es susceptible de resarcimiento”, tem-se aceito a inde­ nização por dano moral em decorrência do descumprimento do contrato.43 Dentro de nosso sistema jurídico, o problema deve ser ana­ lisado inicialmente à luz da Constituição Federal, cujo inciso X do art. 5.° permitiu, de maneira ampla, a indenização por dano moral sempre que houver ofensa a um direito da personalidade. Em sede infraconstitucional, na mesma linha de raciocínio e sem qualquer restrição, consta do art. 6.°, VI, da Lei 8.078/90

(42)

J. Mosset Iturraspe. Responsabilidad por daños. Buenos Aires: Ediar, 1971, t. 1, p. 150-151.

(43)

Yussef Cahali cita Felipe Osterling Parodi como adepto dessa orientação (Dano moral, cit., p. 461).

(

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(CDC) a possibilidade de reparação por danos morais sempre que o consumidor sofrer um prejuízo, seja ele qual for. Deixou claro o legislador que o que se busca é a efetiva reparação do consumidor. O nosso Código Civil em apenas um dispositivo legal fala do dano moral, isso para definir ato ilícito (art. 186). Contudo, tanto o art. 395 quanto os arts. 443 e 475 do diplo­ ma substantivo prevêem a possibilidade de indenização no caso de cumprimento imperfeito ou de inadimplemento da obrigação, não se encontrando nessas normas qualquer impedimento à in­ denização por dano moral. O doutrinador chileno Sergio Pacheco, com base no art. 1.556 do CC de seu país (“La indemnización de perjuicios com­ preende el dano emergente y lucro cesante, ya provengan de no haverse cumplido la obligación, o de haberse cumplido imper­ feitamente, o de haverse rretardado el cumplimiento”) e apesar de criticar a opção legislativa, afirma que é impossível a indeni­ zação por dano moral quando há incumprimento contratual, já que o artigo se refere unicamente aos prejuízos materiais.44 O artigo acima mencionado equivale ao art. 402 do nosso CC, que inclui, nas perdas e danos, os lucros cessantes e os danos emergentes. A nosso ver, entretanto, não se pode dar aos textos citados uma interpretação tão restritiva e positivista como o fez Pache­ co; a norma deve ser analisada sob a luz do sistema jurídico, sobretudo com base nos princípios insculpidos na Constituição Federal.

(44)

Sergio Pacheco cita, entretanto, dois julgados em sentido contrá­ rio da Corte Suprema (Aspectos de la indemnización de perjuicios por incumplimiento del contrato. Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1959, p. 144).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Assim, e pelo menos no nosso caso, a interpretação dada pelo autor chileno entraria em confronto direto com a Carta Magna brasileira, isso porque, como já mencionamos, ela permite, sem restrição (seja infração contratual, seja extracontratual), a inde­ nização pelo dano moral sempre que um direito da personalida­ de for violado.45 Precisas são as palavras de Stiglitz quando afirma que o dano moral é uma espécie do gênero dano e, portanto, quando a lei dispõe sobre o ressarcimento de danos e prejuízos em geral, será aplicável igualmente aos danos morais.46 Desenvolvendo raciocínio muito parecido ao nosso e com base no art. 1.223 do CC italiano, Bonilini ensina que a palavra perdita não pode receber hoje o mesmo significado de outrora, ou seja, com uma visão meramente patrimonial. Diz o autor pe­ ninsular que “perdita è privazione di qualsiasi cosa o vantaggio, e perciò tanto di un bene che può valutarsi pecuniariamente in via oggetiva, quanto di un bene che sfugge a tale caractteristica perchè non del mondo economico”.47 A questão poderia ainda ser analisada pelo o ângulo da eqüi­ dade, e também nesse caso a outra solução não se poderia chegar. Basta imaginarmos a recusa injustificada de uma seguradora a pagar o prêmio prometido ou a autorizar a internação hospitalar de seu cliente;48 ou a situação de uma passageira que compra um

(45)

Também admitindo a indenização por dano moral, Yussef Cahali (Dano moral, cit., p. 462), João Luiz Coelho da Rocha (O dano moral, cit.), Carlos Alberto Bittar (Reparação, cit., p. 200 e segs.) e Agostinho Alvim (Da inexecução, cit., p. 240).

(46)

Rubén S. Stiglitz, Contratos, cit., p. 588.

(47)

Bonilini, Il danno, cit., p. 232.

(48)

Com o mesmo entendimento e com base em julgado do TJSP, temos Yussef Cahali (Dano moral, cit., p. 506).

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bilhete de ônibus para cidade distante, porém, na hora do embar­ que, lhe é informado que o coletivo está lotado e que terá de viajar horas em pé, o que efetivamente acaba por acontecer; ou, ain­ da, o contrato para revelação de fotos de viagem as quais se per­ dem por culpa do fornecedor.49 Em todos esses exemplos, data maxima venia, o dano moral é patente e deve ser indenizado. Por tais razões, discordamos da decisão proferida pelo 2.° TACivSP que ao analisar a primeira das situações acima expos­ tas, entendeu que: “Seguro de vida e/ou acidente pessoal - Inde­ nização - Dano moral - Contrato - Mera recusa da seguradora Descabimento. A mera recusa da seguradora no cumprimento do contrato, não autoriza a reparação pretendida pela segurada, quan­ to ao ressarcimento por danos morais” (Ap c/ Rev. 611.068-00/ 0, l.a Câm., rel. Juiz Amorim Cantuária, j. 18.09.2001). Caberia também o estudo do tema sob o prisma de um even­ tual direito do devedor em não cumprir o contrato, e assim, pro­ tegido pelo art. 188, I, segunda parte, do CC. De início gostaríamos de deixar claro que para nós o deve­ dor não tem um direito ao descumprimento do contrato, pois, se tivesse, não lhe seria imposta uma sanção. Possui, é verdade, uma opção fática de não realizar sua obrigação, assumindo, contudo, as conseqüências que o ordenamento jurídico prevê. Mesmo que adotássemos posição em sentido contrário, ad­ mitindo o direito ao não-cumprimento, deveríamos concluir que a causação do dano extrapolaria o exercício regular daquele di­ reito, ingressando no abuso de direito. Na verdade, seu direito estaria, eventualmente, em não cumprir o contrato, mas nunca em causar danos ao co-contratante.

(49)

Yussef Cahali cita julgados do TJSP em que foram acolhidos os pedidos de dano moral em decorrência da danificação das fotos pela empresa que as iria revelar (Dano moral, cit., p. 531-532).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Ao lado das famosas ações de descumprimento de contrato de viagens,50 já se encontram em nossos tribunais decisões que adotam a orientação aqui adotada. A 5.a Câm. de Direito Privado do TJSP decidiu que:

(50)

Assim, o l.° TACivSP entendeu que: 1) “Dano moral - Prestação de serviços - Operadora de turismo - Prestação inadequada dos serviços por parte desta em excursão realizada à Disneylândia Cabimento da indenização apenas com relação às duas passagei­ ras, mães e responsáveis pela segurança das crianças, diante da possibilidade de separação do grupo em vôos diversos, o que aca­ bou não se concretizando porque optaram por permanecer mais um dia no local, às expensas da ré, até embarcarem todos juntos em vôo no dia seguinte. Fixação em R$ 1.250,00, para cada uma, equivalentes ao valor do pacote turístico - Indenização parcial­ mente procedente” (Ap 0786117-2, 7.a Câm., rel. Ulisses do Valle Ramos), 2) “Dano moral - Prestação de serviços - Pacote de via­ gem - Acomodação em cidade diversa - Não cumprimento do prometido em anúncio caracterizado - Apelo provido” (Ap 1007961-7, 7.a Câm., rel. Nelson Ferreira); 3) “Dano moral Responsabilidade civil - Contrato - Prestação de serviços - Não cumprimento de parte da viagem programada, no que se referiu ao passeio ao Egito - Serviço pago, mas não prestado integral­ mente - Responsabilidade da agência de turismo - Greve dos tra­ balhadores da companhia aérea no país de embarque - Fato que não mitiga a culpa, já que os outros clientes realizaram o trajeto referente ao mesmo pacote - Fixação da indenização em 30 salá­ rios mínimos - Indenização parcialmente procedente - Recurso parcialmente provido” (Ap 0804485-5, 4.a Câm, rel. José Mar­ cos Marrone); 4) “Dano moral - Responsabilidade civil - Pacote turístico não realizado - Excursão visando celebrar formatura no colegial - Viagem organizada durante longo tempo tendo sido cancelada na véspera da data prevista - Circunstância que causou grande sentimento de frustração e revolta nos alunos - Indeniza-

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“Os percalços, decorrentes do estado deteriorado do imó­ vel, implicaram angústia e desestabilização emocional, gerando humilhação e déficit no padrão de dignidade. O próprio fato, em si, do imóvel estar deteriorado, com o risco inerente aos morado­ res, já lhes acarreta um prejuízo a nível existencial, de qualidade de vida, não captável patrimonialmente. Acrescente-se que a Caixa e a seguradora, desde logo alertadas, preferiram, com des­ dém e prepotência, protelar uma solução (que de forma alguma seria dispendiosa, em face da pouca expressão dos valores indenizatórios), acarretando aos autores maior sofrimento, que se estende por quase seis anos, menosprezando seus direitos, como seres humanos, a uma habitação decente e respeitável. Este é o mínimo de compromisso social que se pode extrair do contrato de compra e venda e da apólice de seguro habitacional, cujas

ção devida, devendo ser fixado no valor de 5 vezes o preço do pacote com incidência de correção monetária e juros de mora desde a data prevista para a realização da viagem” (Ap 0779598-6, 5.a Câm., rel. Sebastião Thiago de Siqueira); 5) “Responsabilidade civil - Dano moral - Contrato de prestação de serviços que previa hospedagem em hotel de três, quatro e cinco estrelas - Des­ cumprimento contratual, visto que o hotel destinado à autora, para sua lua de mel, estava classificado em categoria inferior à prome­ tida - Caracterização da frustração experimentada pela autora ante desapontamento com a viagem causando transtornos psíquicos inegáveis - Indenizatória parcialmente procedente” (Ap 0786921 6, 9.a Câm, rel. Lobo Júnior); 6) Responsabilidade civil - Dano moral - Prestação de serviços - Pacote de viagem - Contrato ce­ lebrado com empresa de turismo - Hospedagem em hotel diver­ so e em local muito distante do contratado -Necessidade de loca­ ção de automóvel - Reparação dos danos decorrentes do inadim­ plemento contratual - Arts. 6.°, IV, e 7.°, parágrafo único, 20, II, e 24, do CDC - Indenização procedente” (Ap 0699680-3, 4.a Câm., rel. Zélia Maria Antunes Alves).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

obrigações foram conscientes e propositadamente, descumpridas pela ré e pela denunciada”.51 A 4.a Câm. do mesmo Tribunal decidiu que: “(...) aluno de faculdade que vê seu curso interrompido por razões de institui­ ção que não logrou matricular para o semestre letivo seguinte, número que entendia suficiente de interessados - Fato que não autoriza o descumprimento do contrato de prestação de serviços - Transferência requerida em função da impossibilidade de con­ tinuar o curso, causada pela Entidade - Indenização devida das despesas decorrentes da transferência, inclusive de locomoção, matrícula e mensalidade, além de danos morais pela frustração de seu objetivo primeiro. Recurso não provido”.52 A 7.a Câm. do 1.° TACivSP proferiu a seguinte ementa: “Dano moral - Responsabilidade civil - Contrato - Presta­ ção de serviços gratuitos em caso de pane mecânica em veículo automotor, no prazo da garantia - Inoperância do macaco hidráu­ lico - Impossibilidade de substituição do pneumático furado, à noite, e em condições adversas - Ocorrência abrangível na co-

(51)

ApCiv 40.206.4/8-00

(52)

ApCiv 272.796-1-SP, 2.a Câm. de Direito Privado, rel. Linneu Carvalho, 12.11.1996, v.u. A mesma 2.a Câm. entendeu que: “Contrato - Celebração entre artistas e produtora de fonogramas - Divulgação reduzida pela produtora a âmbito inferior à real capacidade de circulação do produto - Descumprimento da obri­ gação assumida com prejuízos morais e materiais causados aos autores - Declaração de rescisão do contrato com a condenação da ré no pagamento da indenização reclamada - CC, art. 1.092, parágrafo único - Recurso provido, em parte, apenas para redu­ ção do valor da indenização...” (ApCiv 90.559-4, rel. Laerte Nordi). No mesmo sentido é a opinião do professor Yussef Cahali (Dano moral, cit., p. 495).

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bertura contratual - Descumprimento da obrigação como cau­ sa de dano moral - Alegação de impossibilidade da indenização por frio ou medo sofridos pela vítima desacolhida em face da situação incômoda e constrangedora evidenciada - Ressarci­ mento cabível - Arbitramento em 10% do valor da compra do automóvel - Adoção de critérios por analogia e por inspiração do Código de Defesa do Consumidor - Recursos parcialmente providos”.53 O TJMG, através da Desa. Maria Elza, esposou o entendi­ mento de que: “Indenização. Dano moral. Compra e venda. Veí­ culo. Defeito de fabricação. Conserto. Prazo legal. Princípio da confiança. Código de Defesa do Consumidor. O consumidor que adquire veículo zero quilômetro não pode pedir a restituição das parcelas pagas quando os defeitos ocorridos com o automóvel são sanados no prazo de trinta dias previsto em lei. A reparação a título de danos morais é devida pelo aborrecimento, descon­ forto e angústia sofridos pelo consumidor, aliados à afronta, por parte da empresa, ao princípio da confiança” (g.n).54 Levando em consideração que habitualmente o descumpri­ mento do contrato gera um dano econômico e só em segundo plano um dano moral, caberá ao contratante, credor da obrigação par­ cialmente cumprida, o ônus de provar sua ocorrência, lembran­ do sempre que há situações em que este dano é presumido, como na hipótese de cumprimento imperfeito de contrato de viagem de férias.55

(53)

Ap 0793795-7, rel. Ariovaldo Santini Teodoro, j. 14.12.1999.

(54)

ApCiv 297.423-2, de 24.03.2000, apud Claudia Lima Marques, A proteção, Revista, cit., 41, p. 77.

(55)

Rubén Stiglitz, citando várias decisões dos tribunais argentinos, entende que o dano moral, nestas hipóteses, não se presume (Contratos, cit., p. 595).

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Tratando-se de puro aborrecimento ou de perturbação psí­ quica, obviamente não se pode falar em dano moral por cumpri­ mento imperfeito da obrigação quando o credor é pessoa jurídi­ ca. Não que esta não tenha direito a indenização por danos mo­ rais, questão que já se pacificou em nossos tribunais (Súmula 227 do STJ), mas em caso de vício-incumprimento e pelas razões acima mencionadas, tais sentimentos se referem, exclusivamen­ te, ao ser humano. Por outro lado, haverá direito à indenização por dano moral quando o cumprimento imperfeito da obrigação causar um aba­ lo à imagem da pessoa jurídica, como no caso trazido por ZenoZencovich da empresa italiana que, diante do vício no produto revendido, sofreu um abalo de sua imagem junto a seus clientes (Cass. 3, ottobre 1966, n. 2493).56 Nesse sentido, ou seja, admitindo o dano moral por descum­ primento contratual pela pessoa jurídica quando o fato causa um abalo na reputação da empresa ou em relação à sua clientela, fo­ ram os votos vencidos dos Ministros Waldemar Zveiter e Mene­ zes Direito no REsp 201.414-PA. O maior problema referente à concessão da indenização por dano moral, a nosso ver, refere-se ao valor da condenação, já que há juizes que, influenciados por decisões norte-americanas, fi­ xam valores extremamente elevados. É bom frisar que, felizmente, essa situação começa a ser revista no próprio EUA. Em 1996, a Suprema Corte americana, analisando o caso GORE x BMW, decidiu que a fixação de dano punitivo em valor excessivo poderia violar a “Due Process of the Fourteenth Amendment” (517 U.S. 559), determinando o retor­ no dos autos ao tribunal estadual para novo julgamento.

(56)

Zeno-Zencovich, Interesse, Rivista, cit., p. 89.

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Não há em nosso ordenamento jurídico qualquer critério legal para a quantificação do dano moral. Coube à doutrina e à jurisprudência estabelecer parâmetros para a fixação do quantum. Devemos deixar claro, desde já, que o valor do dano moral a ser fixado em caso de procedência do pedido não pode estar atrelado ao eventual prejuízo patrimonial. Apesar de os dois da­ nos terem a mesma causa, são lesões distintas.57 Entendemos também que o valor não pode estar vinculado a critérios rígidos ou a fórmulas aritméticas; deve ser apreciado em cada caso concreto. Temos para nós que dois nortes deverão ser observados pelo julgador. O primeiro é a gravidade do dano; analisam-se nesse tópico as conseqüências do cumprimento parcial do contrato para o credor, devendo existir uma proporcionalidade entre aborreci­ mento, transtorno e dor, com o numerário a ser concedido. Nesses termos, pelo menos dentro desse primeiro requisito, diferente seriam as indenizações se colocássemos em confronto as situações nas quais os músicos contratados não comparecem a uma festa de casamento ou a uma festa de final de ano realizada por alguns poucos amigos. O segundo norte é o caráter sancionatório da indenização, e para tanto deve-se levar em consideração a conduta do devedor: se ela é corriqueira, qual foi o grau de sua culpa e principalmente qual foi seu comportamento após o acontecimento, ou seja, o que fez para amenizar o sofrimento do co-contratante. Aqui, ainda, deve-se levar em conta a situação econômica do ofendido. No que toca ao elemento culpa, relevantes serão os concei­ tos elaborados por Pothier de culpa grave, leve e levíssima; quanto

(57)

No mesmo sentido, Rubén S. Stiglitz, Contratos, cit., p. 591.

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mais grave for a culpa do devedor, maior deverá ser o valor fixa­ do como sanção. A “pena civil” (punitive damage ou exemplary damages, como é chamada no common law) não pode ser confundida com a pena pública, aquela que tem por fim proteger a sociedade. É verdade que ambas têm um cunho intimidativo, mas a pena civil, além de o beneficiário ser a própria vítima do fato danoso, tem um caráter preventivo (art. 6.°, VI, do CDC); além do mais, como bem lembra Bonilini, a pena pública, por previsão legal, tem um valor mínimo e um máximo, enquanto a pena privada, teorica­ mente, é infinita.58 Portanto, como observa Starck, na pena privada não há que se falar em respeito ao princípio da nullum crimen, nulla poena sine lege.59 Havendo cláusula penal (compensatória e/ou moratória) e levando em consideração que elas são uma prefixação dos pre­ juízos em caso de inadimplemento ou de mora, não se poderá fa­ lar, de início, em outra indenização por dano moral.60

(58)

Bonilini, Il danno, cit., p. 281. Apesar de entender que o dano moral não tem função repressiva Rubén S. Stiglitz cita inúmeros julgados de tribunais argentinos onde se prevê a função sancionatória do dano moral (Contrato, cit., p. 587). Critica a função sancionatória/preventiva da responsabilidade civil Pessoa Jorge (Ensaio, cit., p. 47 e segs.). No direito pátrio admite o caráter punitivo Yussef Cahali, Dano moral, cit., p. 265-267. Humberto Theodoro Júnior entende que ela deve ser aplicada cum grano salis, pois, a princípio, ao direito público “compete reprimir as condu­ tas que, na ordem geral, se tornam nocivas ao interesse coletivo” (Dano moral, cit., p. 33).

(59)

Apud Bonilini, Il danno, cit., p. 282.

(60)

Parece ser essa também a opinião de Zeno-Zencovich, Interesse, Rivista, cit., p. 87.

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No momento que as partes estipulam uma cláusula penal, estão, de antemão, prefixando os prejuízos decorrentes do descumprimento total ou parcial, aqui incluídos o aborrecimento, o transtorno, a decepção etc. Como teremos a oportunidade de afirmar, sendo o dano su­ perior ao valor previsto na cláusula contratual, possível será ao credor/consumidor abrir mão da multa negocial e pleitear o efe­ tivo dano sofrido, agora com o ônus de provar o prejuízo. O valor da indenização, entretanto, não pode ser abusivo, gerando um enriquecimento indevido ao credor. Não pode o con­ trato ser uma fonte indireta desse tipo de ganho, como se a prin­ cipal intenção do credor fosse a ocorrência do cumprimento im­ perfeito da obrigação. Precisa é a lição de Hugh Collins quando aduz que “(...) the measure of damages must provide an incentive to perform contracts in the general run of cases, but at the same time it should not be set too high so that it effectively deters market transactions”.61 Questão interessante diz respeito com a possibilidade de indenização por dano moral quando o consumidor pede a elimi­ nação do vício e fica sem poder utilizar a coisa durante tempo do conserto. Já vimos que é direito do fornecedor tentar eliminar o vício, porém isso não o isenta do dever de reparar o dano, aqui incluí­ do, obviamente o dano moral. Imaginemos a pessoa que nas vésperas da Copa do Mundo, adquire uma televisão para acompanhar os jogos, porém, fica impossibilitada de assisti-los em decorrência do aparelho ter sido

(61)

Hugh Collins, The law, cit., p. 183.

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levado para conserto. Não há dúvida de que sofre o adquirente um transtorno e por isso deve ser indenizado. Lembremos, por outro lado, e como será visto, que a vítima deve, dentro do prin­ cípio da boa-fé, agir de forma a minimizar os prejuízos.

8.1.3 Nexo de causalidade Refere-se o terceiro elemento à relação de causalidade en­ tre o cumprimento imperfeito e o dano. Assim, o cumprimento imperfeito deve ser a causa, a gênesis, a origem, enquanto o dano, a sua conseqüência. O tema do nexo causal é um dos mais tormentosos na dou­ trina da responsabilidade civil, havendo inúmeras teorias que tentam, sem sucesso, encontrar, de forma definitiva, a extensão e o grau da responsabilidade. O parágrafo único do art. 1.059 e o art. 1.060 do antigo CC davam critérios para definir o nexo causal. A primeira norma dizia que o devedor que não pagasse na forma devida (ou seja, que ti­ vesse cumprido imperfeitamente sua obrigação) só responderia pelos lucros que fossem ou pudessem ser previstos na data da obrigação; a outra norma previa que os danos ressarcíveis seriam apenas aqueles derivados direta e imediatamente do inadimplemento. Esses princípios tiveram sua fonte em Domat/Pothier e fo­ ram inseridos nos arts. 1.150 e 1.151 do Código francês, com o acolhimento em vários outros diplomas, dentre os quais pode­ mos citar o italiano (arts. 1.228-1.229 do Código ab-rogado e arts. 1.223-1.225 do atual) e o espanhol (art. 1.107). Mesmo no direito inglês a idéia foi acolhida. Hugh Collins, falando sobre a extensão do dano, afirma que “(...) the courts express this limitation by the general rule that losses are not

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compensable unless they are ‘such as may reasonably be supposed to have been in the contemplation of both parties, at the time they made the contract as the probable result of the breach of it’” (Hadley v. Baxendale (1854) 9. Ex. 341, 354).62 A base do pensamento dos citados juristas franceses pode ser exposta, basicamente, através de dois casos. Pothier dava o exemplo da venda de animais contaminados e colocava três possíveis conseqüências: 1) a morte de outros animais do comprador por causa do contágio; 2) a perda da co­ lheita pela impossibilidade de utilização dos animais no cultivo; 3) a impossibilidade de pagamento de suas dívidas e conseqüen­ te execução forçada sobre seus bens, por causa da impossibilida­ de de colheita. Para o autor, poderia ser pedida a indenização na primeira hipótese; na segunda, teria o credor direito ao ressarcimento se ficasse demonstrado que ele foi inevitável, e na terceira, porque conseqüência indireta, irressarcível. Domat, por sua vez, falava na impossibilidade de indeniza­ ção pela falência ou perda de lucros de um comerciante se o con­ trato com ele firmado fosse inadimplido.63-64 Quanto ao primeiro requisito, tanto no direito francês (art. 1.151) como no direito italiano (art. 1.225) incluiu-se a previ­

(62)

Hugh Collins, The law, cit., p. 186. A razão da regra exposta nesse julgado é trazida por John Cooke, The common law, cit., p. 299.

(63)

Apud Visintini, L’ inadempimento, Trattato, cit., p. 201.

(64)

Nessa situação, Francesco Gazzoni sustenta que será devida a indenização se a causa do inadimplemento contratual estiver li­ gada ao fato de o vendedor ter sido forçado a pegar dinheiro em­ prestado no banco (Obbligazione, cit., p. 613).

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sibilidade como elemento limitador do nexo de causalidade, po­ rém sempre nas hipóteses de inadimplemento culposo.65 Consta da doutrina que previsível seria o risco que as partes, no momento da elaboração do acordo, tinham como possível, levando em consideração a função econômica do contrato. Divergem, no direito pátrio, os juristas quanto à influência da previsibilidade na obrigação de indenizar. Agostinho Alvim, por exemplo, sustentava que a previsibi­ lidade era requisito do dever de ressarcir, independentemente de o ato praticado ser culposo ou doloso. Todavia, demonstrando a tendência limitadora da aplicação desse requisito, o autor era de opinião que a previsibilidade só tinha relevância quando se tratava de mora e apenas em relação aos lucros cessantes. Dizia o mestre que o juiz, tendo em mente que a previsibilidade é a regra, deveria admitir que o dano é pre­ visível sempre que ele estivesse na ordem natural dos fatos, con­ siderado no tempo da celebração do contrato.66 Carvalho Santos, na esteira de Carvalho de Mendonça, cri­ ticava a importação desse requisito do Código francês pelo le­ gislador brasileiro, dando como confusa a distinção entre dano previsível e dano imprevisível.67

(65)

Tratando-se de dolo (para muitos, incluída a má-fé), estar-se-ia diante da responsabilidade aquiliana, sem qualquer limitação quanto à previsibilidade. Agostinho Alvim, falando do direito ita­ liano de 1865 e do direito francês, afirma que, se houve dolo, res­ ponde o devedor pelos danos previstos e imprevistos inexecução, cit., p. 205).

(66)

Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 202-203, 207.

(67)

Carvalho Santos, Código Civil, cit., vol. XIV, p. 266-267.

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Clóvis Beviláqua, por sua vez, sob o fundamento da tradi­ ção de nosso direito e com base numa chamada “melhor doutri­ na”, sustentava que se o não-cumprimento da obrigação fora de­ terminado por dolo, nos lucros cessantes se compreenderiam os não previstos na ocasião do contrato, uma vez que fossem direta e imediatamente decorrentes da inexecução. Em caso de culpa, entretanto, os lucros cessantes seriam somente os previstos ou previsíveis no momento de contrair o vínculo obrigacional.68 Não consta do novo Código texto semelhante ao do pará­ grafo único do art. 1.059, deixando claro o legislador sua opção por excluir o requisito da previsibilidade, já tão mitigado, como elemento para apuração da responsabilidade. Nesses termos, não mais poderá o devedor utilizar a exce­ ção de imprevisibilidade para isentar-se da obrigação de in­ denizar. O art. 403, por sua vez, continua a exigir, para a ocorrência do dever de indenizar, que o dano seja causa direta e imediata do descumprimento. Várias teorias se formaram sobre o tema, trazendo Agosti­ nho Alvim um resumo sobre elas.69 Concluiu o citado autor que a teoria, ou subteoria, mais apro­ priada seria a da necessidade da causa, em que “(...) considera-se causa dele (do dano) a que lhe é próxima ou remota, mas, com relação a esta última, é mister que ela se ligue ao dano, direta­ mente. Ela é causa necessária desse dano, porque ele a ela se filia

(68)

Clóvis Beviláqua, Código Civil, cit., p. 224. (69)

Faz o autor um breve apanhado sobre a teoria da causalidade ju­ rídica, defendida por Tomaso Mosca, sobre a teoria criada por Coviello e sobre a teoria da regularidade causal, exposta por De Cupis (Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 349-356).

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necessariamente; é a causa única, porque opera por si, dispensa­ das outras causas”.70 Isso significa que não seriam passíveis de indenização to­ das as conseqüências anormais do descumprimento contratual, todas aquelas situações que não são necessariamente ínsitas do inadimplemento e que poderiam ter ocorrido de outro modo e em outro momento. Na prática, entretanto, a definição do que seja causa direta e imediata não é de fácil solução, havendo, inclusive, dúvida quanto à sinonímia dos dois termos. Com base na equivalência dos significados, vários doutrinadores concluem que o dano deve ser uma causa necessá­ ria da inexecução total ou do cumprimento imperfeito da obri­ gação.71 Temos também para nós que as duas palavras foram usadas como sinônimos, uma reforçando a outra, porém não temos como solucionado o problema pela simples definição da causa como algo necessário, já que esse termo também pode gerar dúvidas sobre seu significado e extensão. Talvez mais correta seria dizer que causa direta ou ime­ diata é aquela que, mesmo longínqua, mesmo remota, não foi obstada completamente por outra concausa, advinda de um fato

(70)

Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 356. Para Sergio Cavalieri Filho essa teoria nada mais é que a teoria da causa ade­ quada, com nova roupagem (Programa de responsabilidade ci­ vil. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 202). A teoria da causalidade adequada também é aceita por grande parte da doutrina portuguesa. Neste sentido, v. Pessoa Jorge, Ensaio, cit., p. 392-396.

(71)

Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 359, e Sergio Cavalieri, Programa, cit., p. 202.

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natural, de um ato de terceiro ou do comportamento do próprio credor. É essa a lição de Sergio Cavalieri. Para o desembargador, “a idéia central do art. 1.060 do CC, e repetida pelos autores, é, pois, a de que o aparecimento de outra causa é que rompe o nexo cau­ sal, e não a distância entre a inexecução e o dano”.72 Assim, por exemplo, o que poderia ser para alguns conside­ rado como causa indireta foi, a nosso ver corretamente, aceito como causa normal pela Corte de Cassação italiana, num caso em que houve a perda de clientela por parte de um revendedor (descrédito), em razão da entrega, pelo fabricante, de bens que apresentavam problemas (vício de qualidade) (Cass, 3, out. 1976, n. 2.403). Noutro caso, o credor foi obrigado a efetuar gastos com advogado para fazer com que o devedor cumprisse sua obriga­ ção (Cass., 13.12.1973, n. 3.381).73 Importante ainda frisar que o legislador pátrio impôs o re­ quisito do dano direto e imediato, mesmo quando a inexecução resulte de dolo do devedor. Assim, para nós, sem qualquer valia a lição de Stigliz, que, com base no Código Civil argentino, preleciona que se estabelece no caso de incumprimento culposo que o devedor só responde pelas conseqüências imediatas e necessá­ rias, aquelas que costumam derivar de um fato seguro, natural e ordinário das coisas (arts. 520 e 901). Tratando-se de incumpri­ mento doloso, diz o autor, responde pelas conseqüências mediatas, ou seja, aquelas que resultam da conexão do fato com um acon­ tecimento distinto. Por último e ao contrário do por nós sustenta­ do, diz que as causas remotas jamais são indenizadas.74

(72)

Sergio Cavalieri, Programa, cit., p. 202.

(73)

Apud Visintini, L’ inadempimento, Trattato, cit., p. 599.

(74)

Stigliz, Contratos, cit., p. 567-568.

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8.1.4 Culpa A culpa e o dolo, na maior parte da história do direito, fo­ ram alçados como requisitos para a existência do dever de inde­ nizar, seja em decorrência de uma infração contratual, seja devi­ do a uma infração a dever legal. Já no direito romano clássico, a responsabilidade era obje­ tiva, ou seja, bastava o inadimplemento. Segundo nos ensina Birocchi isso também acontecia na alta idade média, posto que algumas legislações dos povos bárbaros previam a responsabili­ dade contratual objetiva.75 Há dolo quando o agente efetivamente conhecia seu dever e, voluntariamente, o violou; há culpa, em sentido estrito, se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é in­ voluntária. No direito contratual pátrio, os arts. 957 e 1.057 do CC de 1916 eram claros ao incluir como elemento da responsabilidade a culpa, esta entendida em seu sentido amplo (abrangendo o dolo e, assim, o descumprimento voluntário da obrigação). Examinase a conduta do devedor, sendo que em algumas situações o grau da sua transgressão é relevante. Por exemplo, na hipótese previs­ ta no art. 392 do CC, quando se equipara a culpa grave ao dolo. Também o art. 956 da Lei 3.071/1916 era expresso em atri­ buir ao devedor a obrigação de indenizar os prejuízos causados

(75)

Nesse sentido Francesco M. de Robertis. Responsabilitá contrattuale. Enciclopedia del Diritto. Milano: Giuffrè, 1988, vol. XXXIX, p. 1.058; Italo Birocchi e Ugo Petroni. Responsabilità contrattuale. Enciclopédia del Diritto. Milano: Giuffrè, 1988, vol. XXXIX, p. 1.072. Sobre a evolução história do dolo e culpa v. ainda J. Gouveia. Da responsabilidade contratuale. Lisboa: Ed. do Autor, 1932, p. 64 e segs.

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pela sua mora,76 lembrando sempre, como já exposto, que no nosso ordenamento jurídico o vício do produto ou do serviço, apesar de ser uma espécie de mora, pode receber tratamento es­ pecífico, e, em caso de conflito, as normas especiais prevalecem sobre as demais disposições. Entre as disposições especiais e na orientação dos Códigos francês e italiano de 1865,77 nosso legislador limitou inicialmen­ te o direito à indenização às hipóteses em que o alienante tivesse conhecimento do vício, ou seja, tivesse agido com dolo, isso por­ que, no art. 1.103 do CC, limitava a responsabilidade do vende-

(76)

Agostinho Alvim, falando sobre a mora, diz que é plenamente possível o credor receber parte da prestação e pleitear perdas e danos, isso com base no art. 1.056 do CC de 1916 (Da inexecução, cit., p. 53). O art. 1.218 do Código Civil italiano prevê que: “Responsabilità del debitore - Il debitore che non esegue esattamente la prestazione dovuta (1.176, 1.181, 1.197) é tenuto al risarcimento del danno (1.223 ss., 2.740), se non prova che l’ inadempimento o il ritardo è stato determinato da impossibilità della prestazione (1256) derivante da causa a lui non imputabile (1.176; trans. 160)”.

(77)

Prevêem os arts. 1.645 e 1.646 do Code que : “Si le vendeur connaissait les vices de la chose, il est tenu, outre la restituition du prix qu’il en a reçu, de tous les dommages et intérêts envers l’acheteur” e “Se le vendeur ignorait les vices de la chose, il ne sera tenu qu’à lá restitution du prix, et à rembouser à l’acquéreur les frais occasionnés par la vente”. O Codice Civile de 1865 pre­ via “se il venditore conosceva i vizi della cosa venduta, è tenuto, oltre alla restituizione del prezzo ricevuto, al risarcimento dei danni verso il compratore”. O Código italiano atual, por sua vez, no art. 1.494, prescreve: “In ogni caso il venditore é tenuto verso il com­ pratore al risarcimento del danno (1.223), se non prova di avere ignorato senza colpa i vizi della cosa. Il venditore deve altresì risarcire al compratore i danni derivati dai vizi della cosa”.

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dor não culposo à restituição do valor recebido mais as despesas do contrato. O direito civil argentino e chileno seguiu esse mesmo racio­ cínio. Prevêem, respectivamente, os arts. 2.176 e 1.861 de seus Códigos Civis que: “Si el vendedor conoce o debía conocer, y no los manifestó al comprador, tendrá éste a más de las acciones de los artículos anteriores, el derecho a ser indemnizado de los daños y perjuicios sufridos, si optare por la rescisión del contrato” e “si el vendedor conocía los vicios y no los declaró, o si los vicios eran tales que el vendedor haya debido conocerlos por razón de su profesión u oficio, será obligado, no sólo a la restitución o la rebaja del precio, sino a la indemnización de perjuicios; pero si el ven­ dedor no conocía los vicios ni eran tales que por su profesión u oficio debiera conocerlos, sólo ser’ obligado a la restitución o la rebaja del precio”. Dentro dessa linha restritiva de indenização tentavam os doutrinadores, seguindo a orientação de Pothier, ampliar os ca­ sos de ressarcimento dos prejuízos pelo adquirente. Diziam que se o alienante (fabricante ou comerciante), por sua arte ou pro­ fissão, devia ter conhecimento do vício, respondia ele pelos da­ nos ao adquirente. Na verdade, era a aplicação da teoria da res­ ponsabilidade pelo risco profissional. Na Itália e na França, por exemplo, defendiam esse posicio­ namento Umberto Pipia, Baudry-Lacantinerie e Laurent, porém diziam que a presunção era relativa, podendo o vendedor (fabri­ cante, comerciante) provar a ignorância do vício.78 Permitia ainda o antigo Código Civil a isenção dessa responsabilidade pelo alienante, desde que fizesse constar cláusula nesse sentido (art. 1.102).

(78)

Umberto Pipia, Compra-vendita, cit., p. 691, Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 469, e Laurent Principii, cit., p. 224.

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O Código Civil de 2002, nesse aspecto se afastando de sua principal fonte, o Código Civil italiano, manteve a regra já exis­ tente. Há dever de indenizar quando o alienante age com dolo; agindo com culpa, a sua responsabilidade está limitada ao res­ sarcimento das despesas do contrato (art. 443).79 No primeiro caso, teria o adquirente direito aos danos emergentes e aos lu­ cros cessantes.80 Na doutrina italiana também é essa a opinião de Ricardo Fubini. Para o autor “dal momento che le parti devono esser rimesse nella condizione in cui si trovavano al momento della compra, è naturale, si afferma, che i danni sofferti in seguito ali’ acquisto di cosa difettosa debbano essere risarciti. Non è quindi possibile distinguere fra danno e danno, dovendosi comprendere tanto il pregiudizio sofferto direttamente a causa del vizio (così malattie infettive comunicate ad animali propî del compratore) quanto l’utile di cui fu privato il compratore per la mancata disponibilità della cosa; tanto i danni che la cosa può aver arrecato, indipendentemente dal vizio da cui era affetta, quanto il danno derivante dal non aver contratto una vendita la cui prestazione fosse perfetta”.81 O Código de Defesa do Consumidor além de vedar a exclu­ são ou limitação dessa responsabilidade (arts. 24 e 25), possibi­ litou o ressarcimento da forma mais ampla possível.82

(79)

(80)

No mesmo sentido, o Código Civil português através da interpre­ tação dos art. 908, 909 e 913 (Calvão da Silva, Responsabilida­ de, cit., p. 197-198) e o Código Civil espanhol (art. 1.486, segun­ da parte), porém só no caso de rescisão. Entendendo também ser possível o pedido de todos os danos, e não só dos emergentes, temos Arnoldo Wald (Curso, cit., p. 226).

(81)

Fubinni, La teoria, cit., p. 525-526.

(82)

No mesmo p. 588-589.

sentido,

Claudia

Lima

Marques,

Contratos,

cit.,

348

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Na esteira da doutrina e da jurisprudência nacional e estran­ geira (art. 79 da Convenção de Viena;83 art. 921.° do CC portu­ guês84), o Código de Defesa do Consumidor fez prever no art. 23 a responsabilidade do fornecedor pelos prejuízos causados, sem a possibilidade de isenção do dever de indenizar pela ausência de sua culpa. Criou uma presunção quase absoluta de culpa em de­ corrência do vício, isso porque partiu do raciocínio de que o pro­ fissional ou comerciante conhecem ou devem conhecer a irregu­ laridade.85 É bom lembrar, como bem preleciona Arruda Alvim, que a omissão no art. 23 do CDC, relativo ao vício de quantidade ou aquele que diminua o valor, não tem o condão de excluir a res­ ponsabilidade objetiva do fornecedor.86 O novo Código Civil, infelizmente, manteve a mesma orien­ tação do Código de Beviláqua, porém o “prejuízo” aqui não é tão

(83)

Guido Alpa afirma que a Convenção prevê uma responsabilida­ de objetiva atenuada, com hipóteses em que se permite a discus­ são da culpa (Inademplemento, Il Foro Italiano, cit., p. 242).

(84)

Em relação ao ordenamento jurídico português, entretanto, Pedro Romano Martinez sustenta que a regra ainda é a exigência do ele­ mento culpa (Cumprimento, cit., p. 309-310).

(85)

Nesse sentido, Arruda Alvim et al. (Código, cit., p. 153-165). Claudia Lima Marques diz que o CDC impôs uma responsabili­ dade legal (Contratos, cit., p. 578-579). Herman Benjamin che­ ga a afirmar que a presunção é absoluta, imune a qualquer contes­ tação (Da qualidade, Comentários, cit., p. 88). No direito fran­ cês, Malinvaud, La responsabilité, Júris Classeur Périodique, cit., item 21. O legislador francês, através da Lei n. 78-12, de 4 de ja­ neiro de 1978, já havia deixado de lado o fator psicológico para definir a responsabilidade dos vendedores de imóveis a construir (art. 1.646.1).

(86)

Arruda Alvim, Código, cit., p. 166.

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elevado, já que essa norma será aplicada apenas às relações civis e comerciais. Nessas relações, discussão interessante se trava em torno do ônus probatório do dolo. Sabemos que o ônus da prova, como regra, foi imposto àquele que alegava a violação da obrigação, e que, com o passar do tem­ po, constatou-se ser injusto, já que muitas vezes era uma prova impossível de ser feita. Criou-se assim uma presunção da culpa em caso de inadimplemento contratual, cabendo ao devedor, para isentar-se de sua responsabilidade, provar que não agiu culposamente. O art. 1.147 do CC francês deixou clara está inversão do ônus probatório ao prever que o devedor é responsável pelo inadimplemento ou pela mora, salvo se provar que o inadimplemento tem origem em fato estranho a ele. Essa mesma idéia foi seguida pelos arts. 1.225 do CC italia­ no de 1865 e pelo art. 1.218 do atual, bem como pelo CC portu­ guês de 1867, em seu art. 705.° e pelo atual, em seu art. 799.°. A doutrina estrangeira segue essa orientação legal. No di­ reito italiano, por exemplo, Galgano, Greco e Cottino, Mirabelli, Rubino e Luigi Mengoni, este último com base em decisão da Corte de Cassação, sustentam haver uma presunção de culpa do alienante, presunção essa relativa, cabendo a ele o ônus de pro­ var o desconhecimento do vício. No direito português, Baptista Machado e Vaz Serra também entendem que o vendedor é quem deve demonstrar que desconhecia sem culpa o vício ou defeito da coisa.87-88

(87)

Galgano (Diritto civile, cit., p. 14); Grego e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 276); Mirabelli (Dei singoli, Commenta­ rio, cit., p. 107); Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 639);

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No nosso caso, entretanto, para a existência de dever de in­ denizar, como vimos, não basta a culpa, sendo necessário o dolo do alienante, dolo que não se presume, cabendo então ao adqui­ rente o ônus de prová-lo.89 Concluindo, o nosso ordenamento jurídico estabelece duas situações: tratando-se de relação de consumo, o elemento culpa

Luigi Mengoni (Responsabilidade contratual..., cit., p. 10971098); Baptista Machado (Acordo, Boletim, cit., p. 90); e Vaz Serra (Encargo, Boletim, cit., p. 110-111). Falando da prestação de ser­ viço, Pisu e Visintini sustentam que a culpa é presumida, caben­ do ao prestador de serviço o ônus de provar que o vício tem como causa um fato não imputável a ele (L’inadimplemento delle obbligazioni. Trattato di diritto privato. Torino: Utet, 1984, vol. 9, t. I, p. 165). Segundo Vaz Serra, Enneccerus-Lehmann sustemtavam que, “se o credor não exige a indenização por não cumprimento, mas por um dano mais amplo derivado da presta­ ção defeituosa, base de um delito, ou em virtude de uma chamada violação positiva do crédito, o credor terá que provar a culpa”. Entretanto, diz que os autores citados mudaram de opinião e que passaram a afirmar que “o credor deve provar a ofensa objetiva do dever e o devedor a falta de culpa” (Vaz Serra, Encargo, Boletim, cit., p. 106). (88)

Visintini sustenta que a doutrina moderna não cria mais uma in­ versão do ônus probatório em relação à culpa; o que muda, segundo a autora, não é o ônus da prova, mas sim o conceito de culpa, que deve ser visto como sinônimo de inadimplemento (Responsabilità, Rassegna, cit., 1983, p. 1082, e Trattato, cit., p. 207-208).

(89)

Nesse sentido Arnoldo Wald (Curso de direito civil brasileiro: Obrigações, cit., p. 226) e Silvio Rodrigues (Direito civil: dos contratos, cit., p. 118). Em nossos tribunais podemos encontrar decisões nesse sentido (RT 620/113; 628/185 e 773/210). BaudryLacantinerie, sob o raciocínio de que a boa-fé se presume e a máfé deve ser provada, atribuía ao comprador o encargo de provar a má-fé do vendedor (Trattato, cit., p. 468).

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(lato sensu) é irrelevante para o pedido de indenização; tratando-se de relação civil ou comercial, só poderá haver pedido de indenização se o alienante tiver agido com dolo, devidamente pro­ vado nos autos. A ação de indenização pode ser proposta de forma autôno­ ma ou, a nosso ver, cumulada com as ações edilícias (redibitória e estimatória), seja nas relações civis, seja nas relações de consumo. Essa é a orientação adotada pela Convenção de Viena de 1980. Cuidando das vendas internacionais, com exclusão ex­ pressa em seu art. 2.° das mercadorias compradas para uso pes­ soal, familiar e doméstico, prevê, em seus arts. 74 a 77, o direito a indenização em caso de vício, podendo este ser cumulativo ou isolado. Essa posição, entretanto, não é aceita de forma pacífica pela doutrina. Não admitindo essa cumulação de pedido indenizatória na ação estimatória temos, no direito pátrio, Orlando Gomes e Carvalho Santos. Por outro lado, Pontes de Miranda, Sílvio de Salvo Venosa, Arruda Alvim e Luís Daniel Pereira Cintra sus­ tentam que o pedido de perdas e danos também pode ser feito cumulativamente com a ação estimatória.90 No direito espanhol, com base no art. 1.486, 2.°, também não admitem a cumulatividade do pedido de indenização com a ação quanti minoris Puig Brutau e Albaladejo, porém, a admite, com comentário da jurisprudência do Tribunal Supremo, Diego Espín.

(90)

Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 104; Carvalho Santos, Códi­ go Civil, cit., vol. XV, p. 372; Pontes de Miranda, Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 306; Sílvio Venosa, Direito civil, Teoria geral, cit., p. 149; Arruda Alvim, Código, cit., p. 172; Luís Daniel Pereira Cintra, Anotações, Justitia, cit., p. 23.

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No direito francês, admitindo a cumulatividade temos Mazeaud e Mazeaud.91 No direito italiano essa questão também é muito debatida, trazendo Guido Alpa toda discussão desde o Código de 1865 e concluindo que a ação de indenização é autônoma em relação às ações edilícias. Ainda sobre a possibilidade de cumulação das ações, Luciana Cabella Pisu, Mirabelli, Rubino, Greco e Cottino, C. Massimo Bianca, Umberto Pipia e Vittorio Carsana susten­ tam que o Código Civil italiano é claro ao permitir a indenização em qualquer hipótese, isso com base no art. 1.494 do Códice que prevê: “Risarcimento del Danno - In ogni caso il venditore è tenuto verso il compratore al risarcimento de danno, se non pro­ va di avere ignorato senza colpa i vizi della cosa. Il venditore deve altresì risarcire al compratore i danni derivati dai vizi della cose”.92

(91)

Puig Brutau, Fundamentos, cit., p. 208; Albaladejo, Derecho ci­ vil, cit., p. 30; Diego Espín, Concurrencia, Revista, cit., p. 931. Mazeaud e Mazeuad, Lecciones, cit., p. 302. Segundo Greco e Cottino, o ordenamento alemão só autoriza a ação de indeniza­ ção em substituição às ações redibitórias (Della vendita, Com­ mentario, cit., p. 275). No direito português Calvão Silva tam­ bém admite a cumulatividade (Responsabilidade, cit., p. 248249). No direito argentino e nesse sentido, Fernando Zavalia (Teo­ ria, cit., p. 454).

(92)

Guido Alpa, Azioni edilizie e risarcimento Del dano. In margine Allá interpretazione dell’art. 1494, l.° comma dód. Civ., Rivista Del Diritto Commerciale, p. 1-13, 1977. Luciana Pisu. Garanzia e responsabilità nelle vendite commerciali. Milano: Giuffrè, 1983, p. 249; Mirabelli, Dei singoli, Commentario, cit., p. 107; Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 641; Grego e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 271; Massimo Bianca, La vendita e la permuta, Utet, 1972, p. 871; Pipia, Compra-vendita, cit., p. 692; e Vittoria Carsana, Proponibilità, La nuova giurisprudenza, cit., p. 321.

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A posição aqui defendida é acolhida por vários de nossos tribunais. Admitindo a cumulação do pedido estimatório com as perdas e danos, temos, por exemplo, a 3.a Câm. do TJSP, que na ApCiv 40.206.4/8-00 decidiu que, “surgindo vícios que se repu­ tam redibitórios, o recebedor das obras não está jungido às ações estimatória e redibitória, podendo optar por outra, como a de in­ denização por adimplemento ruim, objetivando a reparação dos defeitos...”.93 Nestas últimas, por interpretação sistemática e teleológica da Lei 8.078/90, sobretudo com base no art. 6.°, VIII, conclui-se facilmente que o pedido de indenização pode ser feito de forma conjunta com qualquer uma das outras alternativas previstas na­ queles incisos ou isoladamente, já que muitas vezes, em especial quando se trata de serviço já prestado, não há qualquer interesse, ou até possibilidade, do consumidor pleitear a resolução do con­ trato ou o abatimento do preço.

8.2 Causas de isenção de responsabilidade 8.2.1 Cláusulas de exclusão e limitação de responsabilidade Estamos no campo das relações obrigacionais, em que, pelo princípio da liberdade contratual, podem as partes fixar cláusu­ las que melhor sirvam a seus interesses. Dentro desse espírito da autonomia da vontade, o revogado Código Civil (art. 1.102) per­ mitia a exclusão prévia da responsabilidade em decorrência do vício.94 O novo Código Civil, já dentro de uma visão mais moderna de restrição da liberdade contratual pela intervenção estatal, não (93)

RT 542/106. No mesmo sentido, RE 57.835-SP (RTJ 44/39).

(94)

No mesmo sentido o art. 1.482, 2.°, do CC espanhol.

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repetiu a regra então prevista no art. 1.102, e essa omissão, a nos­ so ver, não foi sem razão. Numa interpretação teleológica e mesmo sistemática, não mais se admite a inclusão de qualquer cláusula genérica de isen­ ção de responsabilidade, tomando o vício um instituto de inte­ resse social, inclusive se o não-cumprimento se der por ato de preposto ou funcionário (art. 932, III, do CC). Dissemos cláusulas genéricas, pois válidas serão aquelas nas quais conste a isenção de responsabilidade de um vício específi­ co e devidamente informado ao adquirente. Havendo dúvida so­ bre a interpretação dessa cláusula, deverá ser analisada em favor do adquirente (arts. 423 do CC e 47 do CDC). Não há contradição entre a afirmação de nulidade da cláu­ sula de isenção de responsabilidade e o acima exposto, pois, na verdade, o vício nessas hipóteses deixa de ser desconhecido do co-contratante, inexistindo o primeiro elemento (oculto) para a caracterização da garantia. A idéia de nulidade da cláusula de isenção de responsabili­ dade já tinha sido anteriormente acolhida nas relações de consu­ mo, sendo ela considerada abusiva e sem validade, nos termos dos arts. 25, 34 e 51, I, todos da Lei 8.078/90. Este último dispositivo, entretanto, abre uma exceção, per­ mitindo não a exclusão, mas a limitação da responsabilidade pelo vício, sempre que o consumidor for pessoa jurídica. Parte essa regra do pressuposto de que, sendo consumidor uma pessoa jurídica, existirá maior equilíbrio nas relações con­ tratuais, prevalecendo o princípio da autonomia da vontade. Como já tivemos oportunidade de sustentar, pessoa jurídica não é sinô­ nimo de ente organizado e poderoso, e por esse motivo a norma em estudo deve ser vista com grande restrição e só poderá ser aceita

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quando a situação for justificável, questão essa a ser apreciada em cada caso pelo juiz. Deve-se deixar claro que a vedação à renúncia desse direito só existe se for anterior ao descobrimento do vício-incumprimento, sendo plenamente válida se for posterior a ele, como nos ca­ sos de renúncia expressa ou tácida (prescrição e decadência). Como preleciona Antunes Varela “(...) que o credor renun­ cie à proteção que a lei lhe concede, depois de violada a obriga­ ção, já nada ofende o juízo de ilicitude que a lei profere sobre a conduta do obrigado, porque esse juízo se substancia no direito que o credor teve de usar as armas que a lei lhe faculta, qualquer que seja o uso que o titular faça dela (...)”.95

8.2.2 Cláusula penal Questão também interessante refere-se à inclusão de cláu­ sula penal prefixando a indenização em caso de cumprimento imperfeito culposo da obrigação. Nos termos do art. 408 do CC, incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir total ou parcialmente a obrigação ou se constitua em mora. Como já exposto, a cláusula penal pode ser classificada em moratória ou compensatória. A primeira tem como característi­ ca a prefixação dos prejuízos causados em decorrência do nãocumprimento da obrigação no tempo, lugar e forma devida, e a segunda, a prefixação dos danos pelo não-cumprimento da obri­ gação. O não cumprimento de uma cláusula específica, por sua

(95)

Antunes Varela, Das obrigações, cit., vol. 2, p. 135.

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vez, poderá ser incluído em qualquer uma das hipóteses acima mencionadas, dependendo do caso concreto, (art. 409 do CC).96 Dentro do princípio da liberdade contratual previsto no art. 421 do CC o legislador estipulou como teto para o valor da mul­ ta, aquele previsto para a obrigação principal (art. 412). Ao con­ trário do que podem alguns imaginar, porém tendo-se em mente sempre o princípio da boa-fé objetiva e da função social do con­ trato, não há, regra geral, qualquer limitação a essa multa. As exceções que podem ser aqui trazidas são aquelas previstas para as relações de consumo, face à proibição de perda total dos valo­ res pagos nas compra e venda e alienações fiduciárias, e nos con­ tratos de empréstimos de dinheiro, onde se estabelece limite para a multa (respectivamente 2% e 10% do valor total da dívida - arts. 53, do CDC, e 9.° do Dec.-lei 22.626/33). Tratando-se especificamente de cláusula penal moratória, há, como limitação, por exemplo, as hipóteses previstas nos arts. 1.336, § 1.°, do CC (cobranças condominiais) e 52, § 1.°, do CDC (para os negócios que envolvam financiamento ou concessão de crédito).97 No tocante ao valor da multa, duas questões merecem ser discutidas: 1) o quantum fixado na cláusula penal é elevado, seja porque supera excessivamente os prejuízos do credor, seja por­ que leva em consideração o descumprimento absoluto e não a

(96)

(97)

Sobre esse tema, v. Judith Martins-Costa. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, vol. V, t. II, p. 433 e segs.

Outras hipóteses seriam: 10% nos contratos relativos à compro­ misso de compra e venda de imóveis (Dec. 58/37, art. 11, f); 10% para as cédulas hipotecárias, títulos de crédito rural e industrial (Decretos-leis 70/66, art. 34, I; 167/67, art. 71; e 413/69, art. 58); 5%, nos contratos de transporte de pessoas (art. 740, § 3.°, do CC).

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obrigação parcialmente cumprida; 2) o valor é ínfimo ou não su­ ficiente para cobrir os danos causados. O Código Civil traz nos arts. 413 e 416, parágrafo único, regras que parecem solucionar esses problemas, porém, antes de mais nada, devemos responder se essas normas se aplicam aos dois tipos de cláusulas penais, ou apenas a uma delas, a compen­ satória. O art. 924 do antigo CC previa que o cumprimento parcial da obrigação possibilitava ao magistrado reduzir a multa, isso tanto na moratória quanto na compensatória. Nesse sentido, ou seja, admitindo a aplicação desse dispositivo aos dois tipos de cláusulas penais, pronunciavam-se nossos doutrinadores e nos­ sos tribunais. Silvio Rodrigues dizia que o dispositivo em análise não se circunscrevia “apenas à cláusula compensatória, antes a estende à multa moratória, pois se refere também à pena estipulada para o caso de mora”. Silvio Venosa acolhia essa opinião, com o argu­ mento de que a redução da multa moratória é a aplicação do prin­ cípio da equidade.98 O art. 413 do novo CC, a nosso ver de forma mais precisa, previu duas hipóteses onde o juiz deve reduzir a multa; se houver o cumprimento parcial da obrigação e quando ela for manifesta­ mente excessiva. A primeira se refere à cláusula penal compensatória e a se­ gunda, conforme já preconizada pela doutrina, refere-se também à mora pelo não cumprimento da obrigação no tempo, no modo e no lugar devido, ou seja, a cláusula penal moratória.

(98)

Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., vol. 2, p. 99. Silvio Venosa, Direito civil, teoria, cit., p. 173.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Esse mesmo raciocínio é seguido pelo direito argentino. Consta do art. 660 de seu Código Civil que: “Si el deudor cumple solo una parte de la obligación, o la cumple de un modo irregu­ lar, o fuera del lugar o del tiempo a que se obligó, y el acreedor la acepta, la pena debe disminuirse proporcionalmente, y el juez puede arbitrala si las partes no se conviniesen”. A segunda hipótese, pelo menos nas relações civis, en­ contra resposta no parágrafo único do art. 416 do CC. Seguindo o espírito dos arts. 1.382 do CC italiano e 811.°, n. 2, do CC português, consta dessa norma que, salvo previsão contratual, não há possibilidade de o credor pedir indenização suplemen­ tar, mesmo que seu prejuízo seja superior à multa prevista no contrato. Levando em consideração que o Código de Defesa do Con­ sumidor não permite, no descumprimento total ou parcial da obrigação, cláusula de exclusão ou limitação de responsabilida­ de (salvo a hipótese acima vista), entendemos que esse dispositi­ vo não se aplica às relações de consumo, pois com elas incom­ patível. Assim, havendo cláusula penal num contrato de consumo, devemos interpretá-la como um mínimo de indenização a que o adquirente/usuário terá direito, nesse caso, sem a necessidade de provar qualquer dano. Se seus prejuízos forem superiores aos previamente fixados, poderá optar por não invocar a cláusula penal contratual e plei­ tear diretamente o total dos danos, agora com o ônus de proválos. Feita a segunda opção e não conseguindo provar os danos, não mais terá direito ao valor estipulado na cláusula penal (já que não se aplica o art. 416). É um risco que corre. A título de exemplo pensemos nas multas previstas nos ca­ sos de atraso de vôos, domésticos ou internacionais, regulados

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pelo Código Brasileiro de Aeronáutica e por convenções inter­ nacionais. Ocorrendo o atraso, o passageiro terá automaticamente o direito ao valor prefixado, não havendo necessidade de provar qualquer dano. Por outro lado, poderá pleitear os danos efetiva­ mente sofridos provando sua ocorrência. Considerando que no cumprimento imperfeito da obriga­ ção estamos diante da cláusula penal moratória, possível será ao credor exigir a satisfação da pena conjuntamente com as demais ações relacionadas ao vício (art. 411 do CC).

8.2.3 Comportamento do credor para evitar ou atenuar o dano No direito estrangeiro inclui-se ainda como causa de exclu­ são do dever de indenizar, ou como causa de diminuição do res­ sarcimento, a possibilidade de o credor evitar ou atenuar o dano. O autor italiano Giovanni Criscuoli, diz que a base dessa doutrina, para o direito italiano, está na segunda parte do art. 1.227 do Codice. Esse princípio, segundo o doutrinador estaria previs­ to no direito alemão no § 254 do BGB; no direito suíço, no art. 44, e no direito português, no art. 570.° do CC. Diz ainda que no direito francês e espanhol esta doutrina é amplamente aceita pe­ los estudiosos, principalmente com base no princípio da boa-fé. O mesmo autor cita como marco da doutrina do duty of mitigation ou mitigation of damage (direito inglês) o caso British Westinghouse Co. v. Underground Railways (1912), onde se de­ cidiu que “the fundamental basis is thus compensation for pecuniary loss naturally flowing from the breach; but this first principle is qualified by a second, which imposes on a plaintiff the duty of taking all reasonable steps to mitigate the loss consequent ong he breach, and debars him from claiming any part

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

of the damage which is due to his neglect to take such step (...) this second principle does not impose on the plaintiff an obligation to take any steps which a reasonable and prudent man would not ordinarily take in the course of his busines”.99 Nosso ordenamento jurídico é omisso quanto a esse requi­ sito, porém ele pode ser extraído de outros dispositivos legais.100 Positivaram o nosso Código Civil e o Código de Defesa do Con­ sumidor o princípio da probidade e da boa-fé nas relações con­ tratuais (art. 422 do CC e art. 4.°, III, do CDC); isso significa que o credor, mesmo em caso de cumprimento imperfeito, deve agir de forma leal, evitando, quando possível, a ocorrência do dano ou seu agravamento.101 O comportamento do credor não está limitado ao não agir (conduta omissiva), de forma a não aumentar o dano, mas tam­ bém ao agir (conduta comissiva), quando possível e dentro de parâmetros razoáveis. Pensemos na compra de um computador que não funciona e que é objeto de trabalho do adquirente; este, por sua vez, ficou impossibilitado de prestar serviços a terceiros por alguns dias, o que lhe causou prejuízo. Suponhamos que, no caso, o adquirente tenha demorado cinqüenta dias para fazer a reclamação ao for­ necedor e cobre deste todos os dias parados. Ora, dentro de um comportamento leal e de boa-fé, não se pode aceitar, pelo menos sem um motivo justificado, que o

(99)

Giovanni Criscuoli, Il dovere di mitigarei i dano súbito, Rivista di Diritto Civile, p. 543-554, 560, 565, 1972. Ainda sobre o tema, Visintini, L’ inadempimento, cit., p. 201.

(100)

Pelo Código italiano de 1865, esse princípio era extraído do art. 1.229 que previa que o dano deveria ser a causa direta e imediata do inadimplemento.

(101)

Também adota essa posição Ruy Rosado, Extinção, cit., p. 136.

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comprador aguarde tanto tempo para efetuar a reclamação, isso levando em conta que o bem é o instrumento de seu trabalho. Não há dúvida de que poderá pleitear os prejuízos diários que sofreu; porém, provando o réu o mau comportamento do autor, caberá ao Juiz fixar qual seria o termo a quo e o termo ad quem para o cálculo dessa indenização. Pensemos ainda na inexecução de um contrato de transpor­ te, em que a empresa contratada deixa de comparecer ao local combinado fazendo com que o usuário perca uma reunião de ne­ gócio. Imaginemos, nesse caso, que seria plenamente possível ao contratante utilizar outro meio de transporte (um táxi, por exemplo), o que não fez. Ora, nesse caso, não poderá obter o con­ tratante uma indenização sob a alegação de ter sofrido prejuízo pelo não-comparecimento à reunião. Se por um lado deve o credor colaborar para a não-ocorrência do dano ou sua não-elevação, não se pode exigir dele uma cooperação excessiva ou acima do razoável. Não se poderia im­ por, v.g., no primeiro caso apresentado, que o adquirente alugas­ se outro computador enquanto não fosse solucionado o proble­ ma de seu aparelho.102 Não foi esse, entretanto, o raciocínio desenvolvido pelo Tri­ bunal de Milão ao decidir que o dentista não possuía direito à indenização pelo atraso na entrega de um aparelho, já que ele poderia ter alugado outro no período.103 Também no direito in­ glês há posição nos dois sentidos. Decidiu um tribunal inglês que o credor, em face do não-recebimento da mercadoria comprada, não era obrigado a sair pelo mundo procurando mercadoria se-

(102)

Neste sentido e dentro da jurisprudência italiana, Visintini cita diversos julgados (Trattato, cit., p. 605).

(103)

Apud Visintini, L’ inadempimento..., Trattato, cit., p. 207-208.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

melhante em substituição (Lester Leather and Skin Co. v. Home and Overseas Brokers),104 porém, nas palavras de John Cooke, “after breach, a plaintiff is not entitled to sit back, do nothing and sue for damages for the performance promised. He must take positive steps to reduce losses by going into the market and seeking a replacement performance, where this is possible. (...) and where a seller fails to deliver goods, the buyer must go into the market to obtain substitute goods”.105 A situação acima não se confunde com a da “culpa concor­ rente”, já que naquela, pelo menos no que toca à diminuição do prejuízo, ela deve ser vista em momento posterior à ocorrência do fato danoso. Na concorrência de culpa, ao contrário, o com­ portamento do contratante é analisado em relação ao inadimplemento em si, ao dano-base.106 Essa regra deve ser aplicada independentemente do tipo de dano sofrido, ou seja, serve para os danos patrimoniais e extrapatrimoniais.107

8.2.4 Caso fortuito e força maior Referindo-se o art. 393 do CC à inexecução das obrigações, dúvida pode surgir também sobre a possibilidade de isenção do dever de indenizar em decorrência de caso fortuito ou força maior, relacionados ao cumprimento imperfeito.

(104)

Apud Criscuoli, Il dovere, Rivista, cit., p. 592.

(105)

John Cooke, The common, cit., p. 305.

(106)

No mesmo sentido e fazendo uma distinção entre a primeira e a segunda parte do art. 1.227 do Código italiano, Visintini (Trattato, cit., p. 601).

(107)

No mesmo sentido, no direito inglês, Criscuoli, Il dovere, Rivista, cit., p. 556.

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Prevê a mencionada norma que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, salvo se não houver por eles se responsabilizado. Partindo da idéia trazida neste trabalho, em que o cumpri­ mento imperfeito da obrigação está ligado à mora (pelo não-cumprimento na forma devida), a questão poderia ter sua solução no art. 399 do mesmo Codex, que impõe ao devedor moroso o dever de indenizar, mesmo ocorrendo caso fortuito e força maior, sal­ vo provando a isenção de culpa. Temos para nós que esse dispositivo diz apenas com a mora temporal - assim como vários outros do Capítulo II do Título IV do Livro I do CC -, isso porque se refere expressamente ao atra­ so. Por esse motivo, o caso fortuito e a força maior devem ser considerados como causa de exclusão de responsabilidade.108

8.2.5 Vendas feitas em leilões O Código Civil de 1916 (art. 1.106), seguindo o direito ro­ mano (D. 21.1.1.3) e as previsões das Ordenações Afonsinas (Livro IV, Título XLV, n. 10), Manuelinas (Livro IV, Título XXX, n. 7) e Filipinas (Livro IV, Título XIII, n. 7), excluía a responsa­ bilidade pelos vícios nas vendas feitas em leilões judiciais, já que nestes o vendedor está sendo forçado a alienar a coisa que é ven­ dida pelo Estado. Esse princípio foi seguido, entre outros, pelo Código fran­ cês (art. 1.649), pelo BGB (§ 461), pelo Código Civil italiano (art. 2.922) e pelo Código Civil argentino (art. 2.171). Alguns doutrinadores interpretavam e aplicavam o artigo sob comentário de forma ampla. Pontes de Miranda, por exemplo,

(108)

No mesmo sentido, Herman Benjamin, Da qualidade, Comentá­ rios, cit., p. 115.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

sustentava que esse dispositivo se aplicava inclusive aos leilões e vendas extrajudiciais. Luiz Gomes, por sua vez, admitia a apli­ cação do dispositivo aos leilões extrajudiciais, desde que a ven­ da fosse forçada.109 Em posição diametralmente oposta, vozes se levantaram defendendo que se a venda fosse feita em leilão público, mas de forma voluntária, como ocorre nas alienações de coisa comum, a responsabilidade existiria.110 Contrária à primeira posição, temos a decisão proferida pela 4.a T. do STJ, em que ficou assentado: “Arrendamento mercantil - Venda de bens móveis particulares retomados de arrendatários inadimplentes promovida por entidade privada. Inaplicabilidade do art. 1.106 do CC, pois não se trata de hasta pública”.111 O novo Código, na esteira do direito português e do espa­ nhol, não contém dispositivo semelhante, surgindo dúvida sobre a real intenção da lei.112

(l09)

(l10)

Pontes de Miranda (Tratado, cit., t. XXXVIII, p. 305). Luiz Go­ mes, Contratos, cit., p. 179. Nesse sentido, no direito francês, Baudry-Lacantinerie (Trattato, cit., p. 463), Laurent (Principii, cit., p. 219), Colin e Capitant (Curso, cit., t. 4, p. 121), Ripert e Boulanger (Tratado, cit., p. 126) e Mazeaud e Mazeaud (Lecciones, cit., p. 298-299). Na Espanha, Badenes Gasset (El contrato, cit., p. 726). No direito pátrio, entre outros, Sílvio Venosa, (Direito civil: teoria geral, cit., p. 482), Arnoldo Wald (Curso de direito civil brasileiro: Obrigações, cit., p. 226), Darcy Arruda Miranda (Anotações, cit., p. 210-211), Arnaldo Rizzardo (Contratos, cit., p. 199) e Washington de Barros (Curso, cit., p. 60).

(111)

RT 780/211.

(112)

O art. 1.498 do CC espanhol prevê a situação, mas diz que fica o adquirente impossibilitado somente de pedir indenização, poden­ do propor as demais ações. O art. 1.865 do Código Civil chileno

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À primeira vista parece que a nova norma ostenta uma vi­ são mais social do direito e impõe às partes um comportamento justo e leal. Com esse espírito, não se poderia admitir a exclusão da responsabilidade pelo vício só pelo fato de ter sido a aliena­ ção forçada. Já na vigência do antigo Código Civil decidiu-se que “se a unidade residencial, colocada à venda em licitação pública, apre­ senta defeitos ocultos, não declarados no edital, impedindo-se, ainda, ao interessado a vistoria do imóvel, é lícito o abatimento no preço, na conformidade do apurado pela perícia oficial, quanto a tais aspectos”.113 Portanto, salvo melhor juízo, continua o vendedor, mesmo que ausente sua vontade na alienação, com a responsabilidade pelos vícios e sujeitar-se-á à ação redibitória ou à diminuição do preço. Se tiver agido com dolo, ainda responderá pelos prejuízos causados ao arrematante. Como bem argumenta Romano Martinez, “dizer-se que há (nas vendas por leilão) um acréscimo de risco, compensado com um preço inferior, não tem qualquer base jurídica. E esse preço inferior, que nem sempre se verifica, deve-se a razões de outra ordem, como sejam a rapidez em que é feita a venda e a dificul­ dade de negociação da mesma”.114

optou por uma responsabilidade limitada. Prevê o artigo que: “La acción redhibitoria no tiene lugar en las vendas forzadas hechas por autoridad de la justicia. Pero si el vendedor, no pudiendo o no debiendo ignorar los vicios de la cosa vendida, no los hubiere declarado a petición del comprador, habrá lugar a la acción redhibitoria y a la indemnización de perjuicios”. (113)

Adcoas 81.895, 1982 (apud Darcy Arruda Miranda, Anotações, cit., p. 212).

(114)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 487.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

As ações redibitória e estimatória devem ser propostas con­ tra o alienante (em regra o executado), uma vez que este era o titular da coisa vendida e, teoricamente, foi ele quem recebeu o preço da venda. Não vemos motivo para a inclusão no pólo passivo do exeqüente, beneficiário do numerário da venda, uma vez que ele é terceiro, sem qualquer vínculo com os contratantes. Mutatis mutandis, seria o mesmo raciocínio se, numa venda direta, o ven­ dedor, após a transação, repassasse o valor a um credor seu. Obvia­ mente, este último não estaria obrigado à devolução do pagamen­ to, em face de problemas surgidos no negócio anterior.

9 VÍCIO POR INSEGURANÇA

Ao lado dos vícios de qualidade e quantidade, surge uma terceira figura ligada não ao produto ou serviço em si, mas sim à potencialidade de danos que eles podem causar ao consumidor/ usuário, aos terceiros, ou aos bens que fazem parte do acervo patrimonial destes. No direito romano fazia-se distinção entre vitium e morbus. O primeiro se referia aos defeitos físicos do escravo ou do ani­ mal e o segundo, às doenças que eles tinham; todavia, os edis concediam a redibição em qualquer das situações, o que tornava na prática irrelevante tal distinção. Alguns doutrinadores, seguindo a orientação do direito ro­ mano e a divisão acima mencionada, também traçavam um diferenciador entre “defeito” e “vício”. Cesare Luigi Gasca dizia que defeito é uma deterioração da substância, um estrago, uma alteração, um deperecimento de qualidade ou de forma, com o que a coisa se torna inferior à sua condição normal. Morbus, por sua vez, estaria ligada aos semoventes e seria a enfermidade, vício ou hábito nocivo, uma imperfeição física pela qual o animal se torna inapto ou menos apto para suas atividades normais.1

(l)

Cesare Gasca. Trattato della compra-vendita. Roma: Laziale, vol. II, p. 778.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Para Umberto Pipia o vício indicava uma alteração no esta­ do de ser da coisa que lhe tirava a normalidade de sua condição. Já o defeito era a falta de um elemento ou fator que lhe impedia de existir no estado normal.2 Também Luigi Tartufari fazia distinção entre os dois termos, porém por um ângulo positivo e negativo. Assim, defeito seria tudo que falta à coisa para que ela possa ser considerada confor­ me sua natureza; o vício seria a alteração sem a qual a coisa seria, exatamente, como, regra geral, deve ser.3-4 Todavia, as legislações, bem como grande parte dos doutrinadores, sempre utilizaram os dois termos como sinônimos, sem nenhuma distinção prática. Otto de Souza Lima, por exemplo, afirmava que as distin­ ções “entretanto, não têm, hoje, maior importância, porque as duas palavras são tomadas como sinônimos, conferindo a lei, em qual­ quer caso, o mesmo tratamento”.5 Essa pequena introdução é necessária haja vista que enten­ demos que a partir da Lei 8.078/90 não se podem mais usar os dois termos como se representassem a mesma coisa, pois “defei­ to” passa a designar uma nova situação, chamada de “fato do pro­ duto ou serviço”. (2)

Umberto Pipia, Compra-vendita, cit., p. 656-657.

(3)

Luigi Tartufari. Della vendita e del riporto.. Torino: Utet, 1936, p. 410.

(4)

Cunha Gonçalves, em sua obra Da compra e venda sustentava que vício é uma alteração no estado ou modo de ser da coisa, que lhe tira a normalidade de sua condição, enquanto defeito é a falta de um elemento ou fator da coisa, que a impede de existir no estado normal (apud Carvalho Santos, Código Civil, cit., p. 349).

(5)

Otto de Souza Lima, Teoria, cit., p. 291.

VÍCIO POR INSEGURANÇA

369

Com o progresso industrial e conseqüentemente com a pro­ dução em massa, aumenta-se a possibilidade de um produto cau­ sar danos. Daí ter surgido, no século passado, a questão da res­ ponsabilidade civil do fabricante. O tema não foi abordado inicialmente em nível legislativo, tanto que os Códigos editados naquela época não incluíram em seus textos soluções para o problema, preocupando-se apenas com o cumprimento e o equilíbrio das prestações contratuais. Como sabemos, no mercado de consumo e produção em massa, o adquirente raramente trava contato com o criador do bem; sua relação negocial se dá com um intermediário, um co­ merciante, pessoa essa que muitas vezes não tem conhecimento acerca dos riscos do produto ou serviço, seja pela quantidade de bens diferentes que comercializa, seja pela deficiência de conhecimentos técnicos ou até pela impossibilidade física de analisá-los, já que muitos produtos se encontram devidamente embalados. Já no início do século XX dizia Fubini que o conhecimento absoluto sobre a coisa posta à venda é possível em muitos casos; em outros, absolutamente impossível, e com o progredir do co­ mércio, com o desenvolvimento, com a variação do método de produção tal impossibilidade aumenta dia a dia.6 Exemplifiquemos com uma grande rede de supermercados. Não há dúvida de que é inviável a verificação da qualidade de todos os produtos vendidos e, mais do que isso, de analisar se poderiam ou não causar qualquer risco à segurança ou à saúde do consumidor. Pode-se, é verdade, checar e controlar a venda em relação à data de validade de alguns bens e, em algumas raras hipóteses, a quantidade, mas é só.

(6)

Fubini, La teoria, cit., p. 144.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Talvez os primeiros países a cuidar do problema, até porque foram os que mais rapidamente atingiram um estágio de indus­ trialização, tenham sido os Estados Unidos e a Inglaterra. No primeiro, inicialmente, incluiu-se o tema no campo con­ tratual (breach of express and implied warranties); já em 1932, entendeu-se ser o fornecedor responsável pelos defeitos do pro­ duto.7 Alguns anos depois, com o caso Greenman v Yuba Power Products (1963), a questão passou a ser vista sob o ângulo da responsabilidade extracontratual. Prevê a S. 402 A of the Restatement (Second) of Torts (1965) que: “One who sells any product in a defective condition unreasonably dangerous to the user or consumer or to his property is subject to liability for physical harm thereby caused to the ultimate user or consumer, or to his property (...)”. Na Inglaterra, o leading case sobre a proteção do adquirente/usuário em decorrência do fato do produto é apresentado pelo caso Donoghue v Stevenson. Nessa ação, julgada também em 1932, decidiu-se que o consumidor podia processar o fabricante, com quem não tinha qualquer relação contratual, em decorrên­ cia de um defeito no produto.8 A dúvida quanto à solução jurídica do problema também existiu no direito continental europeu. O direito francês colocou a princípio o tema dentro do vício redibitório, porém enfrentava dois problemas: a inexistência da relação contratual entre o fa-

(7)

Baxter v. Ford Motor Co 12 P 2d 409 (Supreme Court of Washington) e Henningser v. Bloomfield Motors 161 A 2d 69 (1960 - Supreme Court of New Jersey) (apud Geraint Howells, Consumer, cit., p. 205).

(8)

Apud Geraint Howells, Consumer, cit., p. 32.

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bricante e o adquirente final e a limitação da responsabilidade do vendedor às hipóteses em que agisse de má-fé.9 Se a coisa tivesse causado dano a terceiro e diante da ine­ xistência de vínculo contratual entre o produtor e este, apli­ cavam-se os arts. 1.382 e 1.383 do Code (responsabilidade extracontratual).10 Se fosse o próprio adquirente quem tivesse sofrido o dano e se o vendedor fosse um profissional (fabricante ou comercian­ te), presumia-se a má-fé deste, o que, segundo Malinvaud, gerou uma certa indignação, já que violava a regra da presunção da boafé prevista no art. 1.116 do CC francês. Por outro lado, se fosse um vendedor ocasional, prevalece­ ria a regra do art. 1.645, e este só responderia se tivesse agido de má-fé."11 Criou-se também a idéia de obrigação de segurança e por isso a garantia era contínua, ou seja, ela seguiria o produto mes­ mo que este fosse repassado várias vezes.12 No direito italiano fez-se distinção entre venda de bens imó­ veis e venda de bens móveis. Para a primeira aplicou-se, por ana­ logia, o art. 1.669, que prevê a responsabilidade do construtor pelos defeitos na construção, estendendo a responsabilidade deste em face dos posteriores adquirentes do bem. Quanto aos bens

(9)

Mazeaud e Mazeaud, Lecciones, cit., p. 303-305, 308-313, Cornu, De l’appréciation, Revue, cit., e Malinvaud, La responsabilité, Júris Classeur Périodique, cit.

(10)

Malinvaud, La responsabilité, Júris Classeur Périodique, cit., item 9.

(11)

Malinvaud, La responsabilité, Classeur Périodique, cit.

(12)

Malinvaud, La responsabilité, Júris Classeur Périodique, cit., item 11.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

móveis aplicavam-se dois dispositivos: a) a segunda parte do art. 1.494, quando o dano era causado ao primeiro adquirente do bem; b) a regra geral da responsabilidade por ato ilícito do art. 2.043, porém com presunção de culpa do fornecedor, quando se tratava de consumidores/subadquirentes.13 Nesse país, cita-se como o leading case o caso Saiwa, em que um casal teve problemas de saúde após ingerir biscoitos es­ tragados (Cass, 25.05.1964, n. 1270, Foro It,. 1965, 2098). Os primeiros diplomas legais sobre o assunto surgiram nas décadas de 1970 e 1980. No continente europeu, os marcos ini­ ciais foram a Convenção do Conselho de Europa sobre Respon­ sabilidade do Produtor por Produtos Defeituosos, assinada em 27.01.1977, e a Diretiva do Conselho da Comunidade Européia (n. 85/374/CEE), que, por sua vez, foram a base para a criação de normas internas de vários países, como os Unfair Contract Terms Act de 1979, o Sale of Goods Act, de 1979, e o Consumer Protection Act, de 1987, na Inglaterra, a Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuários, na Espanha (Lei 26/ 1984); o Decreto Legislativo 224, de 24.05.1988, na Itália, a Lei 29/81, alterada nesse particular pelo Dec.-lei 383/89, em Portugal etc. No direito pátrio o problema foi tratado pela primeira vez na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que em seus

(l3)

Visintini cita também o art. 2.054, com uma interpretação exten­ siva, para incluir os fabricantes de veículos, e o art. 2.598, n. 3, em caso de publicidade enganosa praticada através de concorrên­ cia desleal entre duas empresas (Trattato, cit., p. 745-747). Se­ gundo Francesco Galgano, alguns julgados aplicavam também o art. 2.050 do Código Civil, que cuida da responsabilidade pelo exercício de atividade perigosa. Quanto à divisão acima indica­ da, diz o último autor que era essa também a orientação da juris­ prudência alemã (Diritto civile, cit., p. 361-362).

VÍCIO POR INSEGURANÇA

373

arts. 12 e seguintes fala sobre a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço. Por essa lei, o adquirente/consumidor, o usuário e até o ter­ ceiro (bystander), sofrendo um dano em decorrência de um de­ feito, poderão pleitear diretamente do fabricante, do produtor, do construtor ou do importador do produto a respectiva inde­ nização, mesmo que com eles não tenham firmado qualquer contrato. A responsabilidade imposta pelo legislador, seguindo a orientação de diplomas estrangeiros, é objetiva, significando que não se discute o elemento subjetivo “culpa”, mas tão-somente a existência do dano e o nexo causal deste com o produto utilizado ou o serviço prestado. Como se percebe facilmente, visou o legislador a tutela de dois direitos: o primeiro e, com certeza, o principal, está ligado à integridade física e psíquica do consumidor (ou terceiro), ou seja, aos danos causados aos principais direitos da personalidade (vida, saúde e integridade física e psíquica); o segundo, aos outros bens do consumidor ou de terceiros.14 A todos esses danos dá-se o nome de danos extra rem. O STJ, em voto proferido pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira (REsp 114.473-RJ), mesmo abordando a questão do prazo prescricional, esposou entendimento que se mostra rele­ vante transcrever e analisar. Disseram os componentes da Turma que “(...) o que se pode extrair da intenção normativa é que o referido art. 27 cuida so-

(l4)

Com base no art. 11 da lei italiana já citada, o dano ressarcível não é só aquele que recai sobre a vida ou a integridade do consu­ midor, mas também aqueles causados a outros bens diferentes do produto defeituoso (apud Visintini, Trattato, cit., p. 748).

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

mente das hipóteses em que estão presentes vícios de qualidade do produto por insegurança, ou seja, casos em que o produto traz um vício intrínseco que potencializa um acidente de consumo, sujeitando-se o consumidor a um perigo iminente” (g.n.). Pela leitura desse julgado pode-se entender que o defeito se refere somente aos riscos relativos à saúde e à segurança do con­ sumidor. Se foi esse o efetivo posicionamento daquela Turma, com ele não podemos concordar, pois limitou o E. Tribunal, ao contrário do espírito da lei, seu campo de atuação. Por exemplo, se um eletrodoméstico, por qualquer motivo, explode, danificando outros móveis que estavam na residência do consumidor ou de terceiro, estaremos diante do acidente de consumo, com a aplicação dos arts. 12, 14 e 27 do CDC. Também haverá acidente de consumo se adquiro um pro­ grama de computador e este contém vírus que danifica os demais programas pessoais.15 Os “defeitos”, também chamados de vício de qualidade por insegurança,16 podem ter origem na criação (projeto ou fórmu­ la), na produção (fabricação, construção, montagem, manipula­ ção, acondicionamento etc.) ou na falha da informação que deve ser prestada, causando um acidente de consumo. Poderíamos dizer que os defeitos decorrentes da criação e da informação são os mais graves, já que todos os produtos apre­ sentarão o mesmo problema. Isso já não ocorre quando o defeito surge na fabricação, construção etc. Aqui, o defeito pode existir em apenas um ou alguns dos produtos.

(15)

Exemplo trazido por Atiyah, The sale, cit., p. 273. (16)

Nesse sentido também Willian Santos Ferreira, Prescrição e de­ cadência, Revista de Direito do Consumidor 10/90, e Claudia Lima Marques, Contrato, cit., p. 579.

VÍCIO POR INSEGURANÇA

375

No que tange à informação propriamente dita incluem-se aqui três espécies de falha na informação: uma relativa ao dever de informar sobre os perigos do produto em si (como os efeitos colaterais dos remédios); outra, ao dever de informar o correto uso do bem (como o uso de um aparelho eletrônico para evitar sobrecarga de energia); por último o dever de pós informar o consumidor sobre um defeito descoberto depois da transação (recall). É importante frisar que esse defeito existe não só pela au­ sência de informação sobre o produto, mas também pela sua for­ ma incompleta ou inadequada. Apenas como exemplo, imaginemos um livro de receitas que mostra como preparar uma massa com uma espécie fungui que pode ser venenoso e que possa causar problemas gastrointestinais ao ser ingerido pelo consumidor e seus familiares. Nessa hipóte­ se, não teríamos dúvida em sustentar que haveria responsabili­ dade do editor pelos danos causados em decorrência do defeito de informação.17 Os § 1.° do art. 1 2 e o § 1.° do art. 14 conceituam o produto ou serviço defeituosos como aqueles que não ofereçam a segu­ rança que deles legitimamente se espera, ou, como prefere o Min. Ruy Rosado de Aguiar, aqueles contrários às regras de segurança.18 Quando o legislador fala em “segurança que dele legitima­ mente se espera” não está criando um conceito subjetivo, em que

(l7)

No direito inglês uma situação como essa estaria regulada pela Products and the consumer protection act 1987 (apud John Cooke, The common law, cit., p. 528).

(l8)

Ruy Rosado de Aguiar. Aspectos do Código de Defesa do Consu­ midor. Ajuris 52/167.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

se levam em conta as expectativas do lesado, mas sim um con­ ceito objetivo, pois deve-se ter em consideração as expectativas do público em geral e os destinatários daquele produto ou servi­ ço (crianças, idosos, homens, mulheres, deficientes etc.). A verificação da defeituosidade dar-se-á pelo magistrado, observando cada caso; todavia o legislador alinhou algumas cir­ cunstâncias que deverão ser analisadas. A primeira está ligada à apresentação do produto ou servi­ ço, ou seja, à sua forma externa, como ele é levado ao público. O principal elemento é a informação que existirá em todo o proces­ so de comercialização, incluindo a campanha publicitária. No escólio de Calvão da Silva, dever-se-á levar em conta “(...) toda a vasta gama de estímulos que tende a criar no público a ima­ gem e a expectativa de que se trata de um produto devidamente seguro”.19 Quando o legislador fala em uso e risco que razoavelmente se espera, deixa claro que o fornecedor, no momento de colocar um produto ou serviço no mercado, não pode ter em mente só o uso efetivo da coisa, mas também outros que, previsivelmente, o consumidor pode fazer do bem. Nos exemplos trazidos pela doutrina dos brinquedos, lápis e esferográficas que, apesar de terem uma destinação certa, são comumente levados à boca pelas crianças e adultos, não pode o fornecedor utilizar materiais tóxicos para o revestimento desses produtos. Em resumo, será o fornecedor responsável pelos danos cau­ sados aos consumidores em decorrência do uso incorreto ou er­ rôneo, porém razoavelmente previsível do produto ou serviço.

(l9)

Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 638.

VÍCIO POR INSEGURANÇA

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Prevêem o inciso III do § 1.° do art. 12 bem como o inciso III do § 1.° do art. 14 que, para a verificação do defeito, deve-se levar em consideração a época em que foi o produto colocado em circulação, ou em que o serviço foi fornecido, sendo irrelevante se, posteriormente, o próprio fornecedor aprimorou seu produ­ to, ou serviço, tornando-o mais seguro, raciocínio que é confir­ mado pelo § 2.° dos artigos supra, já que falam da nãodefeituosidade do produto pela colocação no mercado de outros de melhor qualidade, ou pela adoção de novas técnicas, no que respeita ao serviço. Essa situação se amolda ao chamado risco do desenvolvi­ mento.20 Se no momento da elaboração do projeto, fórmula etc., o fornecedor utilizou-se das melhores técnicas existentes (state of art) e até o momento de colocar o produto em circulação ele não tinha condições de conhecer o defeito, não será punido pelos danos causados ao consumidor. A verificação da possibilidade ou não de o fornecedor co­ nhecer o defeito deve ser vista com cautela. Aqueles que aceitam a exclusão da responsabilidade por força do development risks, somente porque a lei os obriga, tendem a dizer que qualquer de­ senvolvimento científico que pudesse demonstrar o risco do produto seria causa suficiente para a manutenção da responsa­ bilidade. Entendemos mais prudente outra corrente, e, assim, por exemplo, se a descoberta científica ocorreu em um pequeno país asiático e foi divulgada em um periódico de pequena circulação,

(20)

No direito inglês a questão está prevista na s. 4(1) do Consumer Protection Act. Calvão da Silva entende que as duas situações não se confundem (Responsabilidade, cit., p. 646).

378

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

não terá tal fato o condão de impossibilitar esse meio de defesa. Solução oposta ocorreria quando o estudo foi realizado, por exem­ plo, nos Estados Unidos ou na Europa e publicado em revista de penetração no mundo científico. Tal isenção de responsabilidade, entretanto, deixará de existir se, após colocado o produto no mercado, e conhecido o defeito, não se tomarem as providências necessárias para evitar danos (dentro os quais, os previstos nos §§ 1.° e 2.° do art. 10 da Lei 8.078/90). O problema pode ser facilmente visualizado na atividade das indústrias farmacêuticas. Se no momento de elaborar uma fór­ mula medicinal não se tinha conhecimento (através dos meios técnicos e científicos disponíveis no mercado) dos perigos de determinada substância utilizada, não se pode imputar-lhes qual­ quer responsabilidade pelos danos causados aos usuários.21 É óbvio que a questão é delicada e deve ser analisada com cautela; ademais, cabe ao fornecedor, nos termos do inciso II do § 3.° dos arts. 12 e 14, comprovar que agiu da forma mais pru­ dente possível. Como vimos, previu o legislador que o produto não será considerado defeituoso só pelo fato de um novo e mais eficiente ter sido colocado no mercado (§ 2.° do art. 12) e que o defeito pode também se referir a um serviço, como se verifica claramen­ te do art. 14 do CDC. Nesse sentido, o TJSP, ao analisar o AgIn 35.006-4/3, rela­ tado pelo Desembargador Roberto Bedran, decidiu que “a pre­ tensão deduzida é de reparação de danos materiais e morais de­ correntes de prestação de serviços de turismo internacional, em

(21)

No mesmo sentido, no direito inglês, John Cooke, The common law, cit., p. 532-533.

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cujo desenrolar, por falta de prévio aviso ou providencial caute­ la dos prestadores acerca dos sabidos perigos da viagem progra­ mada a uma das ilhas do Caribe, região então sob ameaça de um furacão, os consumidores vieram a experimentar, além de pre­ juízos patrimoniais, grave risco de vida e profundo abalo psicoló­ gico. Não se cuida, portanto, de simples responsabilidade por vícios do serviço, vale dizer, pelos defeitos (sic) inerentes ao próprio servi­ ço, de que trata o art. 20 do CDC. Mas, sim, de responsabilidade pelo fato do serviço, ou seja, da responsabilidade por danos, materiais ou morais, causados a consumidores, em virtude dos serviços defeituosamente prestados, assim previstos no art. 14”. Apesar de ter previsto a responsabilidade objetiva nas hipó­ teses acima mencionadas, possibilitou o legislador que os forne­ cedores, em alguns casos, se isentassem desta responsabilidade. Assim, consta do § 3.° do art. 12 e do § 3.° do art. 14, alguns meios de defesa, cabendo aos fornecedores o ônus da prova de tais cir­ cunstâncias. Ao contrário do que entendem alguns, dentre os quais Síl­ vio Luís,22 o rol aqui previsto é taxativo. Na lição de Carlos Maximiliano, quando o legislador pretende fixar as hipóteses em numerus clausus, o faz de forma clara. Assim, constando do tex­ to em análise a palavra “só”, bem como por ter a lei fins protecio­ nistas e visar o ressarcimento do dano sofrido pelo consumidor, a outra conclusão não se poderá chegar. Nas cinco hipóteses previstas nesses parágrafos, o que se verifica é a inexistência da obrigação de indenizar por quebra do nexo causal. Na primeira hipótese prevista nos dois primeiros artigos ci­ tados, se dano há, ocorreu por outros fatos que não o alegado defeito, uma vez que este inexiste.

(22)

Sílvio Luís Rocha, Responsabilidade, cit., p. 103.

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Como afirmado retro, cabe aos fornecedores a prova da ine­ xistência do defeito, entendido este com base no § 1.° do art. 12 e no § 1.° do art. 14. Aqui o magistrado analisará a prova produzi­ da, levando em consideração que o rol dos § 1.° é exemplificativo; o julgador, além de verificar o tipo da coisa ou serviço, a na­ tureza do defeito, o preço (custo benefício - ABS, air bag, por exemplo), deverá ainda levar em consideração o tempo decor­ rido entre a colocação do produto no mercado ou a prestação do serviço e o dano, devendo ser mais condescendente na valoração da prova feita pelo fornecedor se esse espaço temporal for elevado. Ao contrário das legislações européias que seguiram a Diretiva 374/85, não há prazo fixado na lei quanto à vida útil do produto, entretanto concordamos de James Marins quando afir­ ma que, se “o defeito do produto decorre da ação deletéria do tempo, que fez com que o produto já tivesse ultrapassado sua normal vida útil, não há responsabilização do fornecedor uma vez que se trata de defeito juridicamente irrelevante”.23 A questão toda envolverá, em cada caso concreto, qual é ou qual seria o prazo de vida útil de produto. No caso de defeito do produto, consta ainda um segundo meio de defesa, qual seja, a alegação de não tê-lo colocado no mercado. Colocar o produto no mercado significa a possibilidade de o consumidor (aqui incluída a figura do bystander), de forma onerosa ou gratuita, ter acesso a ele. Com razão Sílvio Luís Ro­ cha quando, por analogia à norma italiana, inclui a mera coloca­

(23)

James Marins. Responsabilidade da empresa pelo fato do pro­ duto. São Paulo: RT, 1993, p. 138.

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ção, pelo fornecedor, do produto para exame e teste.24 Nesses termos, haverá acidente de consumo e responsabilidade do for­ necedor se, numa feira de exposição em que os produtos ainda não se encontram à venda, o bem defeituoso causar dano a uma pessoa que o testa ou examina. Não se poderá, por outro lado, considerar colocado o pro­ duto no mercado se isso ocorreu sem a concordância do fornece­ dor, como, por exemplo, em caso de roubo, ou se o produto, ape­ sar de conter sua marca, não foi por ele fabricado (produto falsi­ ficado). Com muita precisão lembra James Marins que se o produto é colocado no mercado por preposto do fornecedor, sem a con­ cordância deste, não poderá beneficiar-se dessa excludente, pois agiu de forma culposa, seja na modalidade de culpa in eligendo, seja por culpa in vigilando, nos termos do art. 34 do CDC.25 Será também considerado colocado o produto no mercado no momento em que é entregue pelo fornecedor ao transporta­ dor ou despachante, e, nessa situação, se o transportador, v.g., sofrer algum dano em decorrência de defeito do produto, tam­ bém terá direito a indenização, pois nos termos do art. 17 é equi­ parado ao consumidor. O Prof. Arruda Alvim afirma que também será considerado como colocado o produto no mercado nos casos de execução forçada, como o leilão das mercadorias penhoradas em processo de execução, ou nos processos falimentares.26 Concordamos com essa posição, porém com a observação existente na lei italiana,

(24)

Sílvio Luís Rocha, Responsabilidade, cit., p. 103-104.

(25)

James Marins, Responsabilidade, cit., p. 146.

(26)

Arruda Alvim, Código, cit., p. 122-123.

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que prevê a exoneração do fornecedor se, no momento da constrição, fizer consignar que o produto apresenta defeitos ou que não houve o término dos testes para entrar no mercado, alertando assim, para eventuais riscos que apresente. A terceira hipótese prevista se refere à culpa do consumidor ou do terceiro que utilizou o bem de forma inadequada. Nesse ponto e tendo em vista a redação do dispositivo, sur­ ge a dúvida em saber se a culpa concorrente também pode ser alegada. Sílvio Luís Rocha entende que não, apesar de afirmar ser injusta a opção feita pelo legislador pátrio na hipótese de ter o consumidor concorrido para o dano.27 Já Arruda Alvim et al., dá a entender ser possível a alega­ ção de culpa concorrente, pois afirma que: “(...) Se, por outro lado, houver defeito, e houver a concorrência entre o defeito e a culpa de terceiro ou do lesado, esta, obviamente, deixa de ser ex­ clusiva e não se presta como eximente de responsabilidade, quan­ do muito servindo como minorante, a exemplo das legislações européias”.28 Em um primeiro momento, chegamos a defender a idéia de impossibilidade da alegação de culpa concorrente; não pelo fato de o legislador não tê-la previsto, mas sim por acharmos que as duas situações eram incompatíveis. Dizíamos que ou há defeito, e deve o fornecedor responder pelos danos causados, ou o defeito não existe, e nenhuma obri­ gação terá o fornecedor. Entretanto e melhor refletindo sobre o problema, alteramos nossa opinião.

(27)

Sílvio Luís Rocha, Responsabilidade, cit., p. 105-106.

(28)

Arruda Alvim, Código, cit., p. 126.

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Se o legislador permite o mais, que é a total exclusão da res­ ponsabilidade do fornecedor por culpa exclusiva do consumi­ dor, implicitamente, permite o menos, que é a culpa parcial da vítima. Para esclarecer melhor o tema, exemplifiquemos: imagine­ mos um fornecedor que após colocar o produto no mercado, ve­ nha a constatar que ele possui um defeito. Nos termos do art. 10, § 1.°, do CDC efetua o recall, através de anúncios publicitários, pedindo que os consumidores tragam-lhe o produto para sanar o problema. Suponhamos que o consumidor, mesmo tomando co­ nhecimento do aviso, não toma a providência solicitada e, poste­ riormente, vem a ser vítima de um acidente de consumo, decor­ rente daquele defeito. Imaginemos ainda o consumidor que se envolve num aci­ dente de trânsito causado por um defeito de fabricação no veícu­ lo que conduzia; porém, as lesões do consumidor são agravadas pelo não uso do cinto de segurança. Não temos dúvida de que nesses casos, provada a existência do defeito, há uma responsabilidade do fornecedor; todavia há também uma participação do consumidor em relação aos danos sofridos. Seria injusto, nessas situações, imputar somente ao for­ necedor toda a responsabilidade. Deve o consumidor assumir sua parcela de responsabilidade. Lembremos que não podemos ter uma idéia de total proteção ao consumidor, com um paternalismo injustificado. A responsabilidade de cada um (fornecedor e consumidor) deverá ser analisada em cada caso, fixando o magistrado um per­ centual proporcional ao comportamento dos agentes. Questão tormentosa se refere à possibilidade de o fornece­ dor alegar o caso fortuito ou a força maior com o objetivo de isen­ tar-se da obrigação de indenizar.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

A distinção entre as duas locuções, “caso fortuito” e “força maior”, ainda hoje, é tema que gera grande polêmica. Agostinho Alvim afirma que a doutrina e algumas legislações vêm estabele­ cendo a distinção no sentido de que seja o “caso fortuito um impe­ dimento relacionado com a pessoa do devedor ou com a sua em­ presa, enquanto que a força maior é um acontecimento externo”.29 Partindo dessa distinção, prevê o doutrinador supra uma diversidade de tratamentos, pois se a responsabilidade fundar-se na culpa, bastará o caso fortuito para exonerar o fornecedor (com maior razão absorverá a força maior); se a responsabilidade fundar-se no risco, será necessária a presença da força maior. A nosso ver há efetivamente distinção entre os dois vocábu­ los, pois não seria lógico e afrontaria o princípio da inexistência de palavras inúteis na lei, a inclusão no texto legal de duas pala­ vras com o mesmo significado. O que devemos lembrar é que era desnecessária essa distinção até a pouco tempo atrás, posto que nosso ordenamento adotava, em quase todas as situações, a res­ ponsabilidade subjetiva. O parágrafo único do art. 393 do CC dá os três requisitos para a existência do act of God, quais sejam, a necessidade do fato, a imprevisibilidade e a inevitabilidade do evento por parte do devedor, impossibilitando-o assim do cumprimento da obri­ gação. A dúvida maior surge na interpretação da locução “fato ne­ cessário”. Para Caio Mário, o fato necessário caracteriza-se pelo

(29)

Agostinho Alvim, Da inexecução, cit., p. 330. Há estudiosos, como Jorge Bustamante Alsina, que diferenciam o caso fortuito da força maior sob o fundamento de que o caso fortuito existe quando o fato é inesperado, ou seja, imprevisível; força maior, por sua vez, quando o fato é irresistível, ou seja, inevitável (Teoría, cit., p. 315).

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acontecimento que impossibilita o devedor de cumpri-lo. Assim, “se o devedor não pode prestar por uma razão pessoal, ainda que relevante, nem por isto fica exonerado, de vez que estava adstrito ao cumprimento, e tinha de tudo prever e a tudo prover, para rea­ lizar a prestação. Se esta se dificulta ou se toma excessivamente onerosa, não há força maior ou caso fortuito. Para que se ache exonerado, é indispensável que o obstáculo seja estranho ao seu poder, e a ele seja imposto pelo acontecimento natural ou pelo fato de terceiro, de modo a constituir uma barreira intransponí­ vel à execução da obrigação”.30 Afirma a doutrina que a força maior e o caso fortuito isen­ tam o devedor da obrigação, porque fazem inexistir o nexo cau­ sal entre a conduta do agente e o dano, elemento este imprescin­ dível para a existência da responsabilidade civil. Quanto à possibilidade de sua alegação nas indenizações decorrentes de acidente de consumo, há posição doutrinária nos dois sentidos. João Calvão da Silva, ao tratar do tema, afirma que a omis­ são sobre a possibilidade de exoneração da responsabilidade pela força maior no Dec.-lei português 383/89 foi proposital, pois sua inclusão seria supérflua. Chega a tal conclusão o mestre luso após a análise da exposição de motivos da Proposta de 1976 da Directiva que deu origem à norma portuguesa, bem como pelo fato de ser a regra comum a da oponibilidade da força maior, e se o legisla­ dor pretendesse sua exclusão, teria deixado isso expresso.31 No mesmo sentido e dentro do direito pátrio, temos ainda a posição de Arruda Alvim, Thereza Alvim e James Marins. Estes, todavia, depois de dividir o problema em duas fases, afirmam que

(30)

Caio Mario da Silva Pereira, Instituições, cit., p. 245.

(31)

Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 737-738.

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somente será possível tal alegação quando o fato ocorrer após a introdução do produto no mercado. Assim, em contrapartida, se o fato imprevisível e inevitável ocorreu durante a fase produtiva, deverá o fornecedor garantir que tal bem não exponha o consu­ midor a riscos contra a saúde e segurança.32 Em sentido contrário há a posição de Antônio Vital Ramos Vasconcelos e Sílvio Luís Rocha,33 sendo que este último tam­ bém divide em duas fases o problema e, quanto à primeira, segue o entendimento esposado pelos professores Arruda Alvim e Thereza Alvim. No que toca à segunda fase, ou seja, se o fato neces­ sário ocorreu quando o bem já estava no mercado, a responsabi­ lidade será afastada, mas não por alegação de caso fortuito ou força maior, mas sim com base nos incisos II e III do § 3.° do art. 12, isso porque o defeito não existia no momento em que o produto foi posto no mercado ou porque houve culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiros. Levando em consideração a distinção acima acolhida entre caso fortuito e força maior e o fato da questão aqui abordada es­ tar relacionada ao risco da atividade empresarial, devemos des­ cartar, imediatamente, as hipóteses de exclusão de responsabili­ dade decorrente de caso fortuito. Restaria a discussão sobre a força maior, porém, acredita­ mos, data maxima venia, que a posição mais correta seja aquela que entende ser o rol do § 3.° taxativo.

(32)

Arruda Alvim et al., com indicação de outros doutrinadores com a mesma posição, dentre os quais Antonio Herman Benjamin, Bercovitz, Parra Lucan, Gabriel Stiglitz e Ángel Rojo y FernándezRío (Código, cit., p. 127-128). (33)

Antonio Vasconcelos. Responsabilidade civil do fornecedor. Justitia 160/43, e Sílvio Rocha (Responsabilidade, cit., p. 112-113).

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Para a existência da responsabilidade civil objetiva há a ne­ cessidade, como já afirmado, da ação ou omissão do agente, do dano e do nexo de causalidade, e tais requisitos estão também incluídos no caput do art. 12. Ora, se o legislador deixou expresso no § 3.° quais as hipóte­ ses que caracterizam a quebra do nexo de causalidade, significa que as demais situações, para os casos aqui estudados, não terão o condão de isentar o causador do dano da responsabilidade civil. Em complemento ao diploma consumerista o novo Código Civil, em seu art. 931, previu que os empresários individuais e as empresas respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. Apesar de o Código Civil ser aplicado apenas às relações entre particulares ou entre comerciantes e subsidiariamente às relações de consumo (caso haja omissão, o que não é o caso), podemos dizer que essa norma vem reforçar aquele entendimen­ to, afastando qualquer dúvida que ainda pudesse existir sobre o assunto.

10 DOS PRAZOS DECADENCIAL E PRESCRICIONAL SUMÁRIO: 10.1 Do prazo decadencial: 10.1.1 Do prazo decadencial no Código Civil de 2002; 10.1.2 Do prazo decaden­ cial no Código de Defesa do Consumidor - 10.2 Do prazo prescricional.

10.1 Do prazo decadencial O Código Civil de 1916 era omisso sobre o instituto da de­ cadência, porém a doutrina e a jurisprudência sustentavam que várias das hipóteses previstas no rol do art. 178 não eram de pres­ crição, mas sim de decadência. Dentro desse espírito, grande parte de nossa doutrina prelecionava que os prazos para as ações ligadas aos vícios redibitórios eram decadenciais.1-2

(l)

Nesse sentido: Otto de Souza Lima (Teoria,cit., p. 349), Serpa Lopes (Curso, cit., p. 159), Sílvio Venosa (Direito civil: teoria geral, cit., vol. II, p. 484), Arnoldo Wald (Curso, cit., p. 275), Valdeci de Oliveira (Obrigações, cit., p. 537), Luiz Roldão Go­ mes (Contratos, cit., p. 182) e Darcy Arruda Miranda (Anotações,

PRAZOS DECADENCIAL E PRESCRICIONAL

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Com o advento do Código de Defesa do Consumidor em 1990 e do novo Código Civil, essa discussão perdeu um pouco a sua razão se ser, já que ambos os diplomas são expressos na estipulação da decadência para os casos de vícios. É verdade que alguns autores ainda se debruçam sobre o tema. Assim, o Prof. Nelson Nery, baseado na doutrina de Agnelo Amorim, sustenta ser decadencial o prazo para a ação redibitória, mas prescricional para a estimatória, isso levando em conta que a sentença referente ao pedido redibitório é de natureza cons­ titutiva negativa e a sentença da ação estimatória, condenatória.3 Ousamos discordar desse posicionamento, e para tanto nos socorremos da lição de Camara Leal. Ensina este autor que “a ação é o meio de que o comprador dispõe para o exercício de seu direito à redibição ou ao abatimento de preço, e, por isso, o prazo estabelecido pela lei para o exercício dessa ação é um prazo pre­ fixado ao próprio exercício do direito. Daí ser um prazo de deca­ dência e não de prescrição”.4

cit., p. 210). A questão, entretanto, não era de todo pacífica. Na ApCiv 252.722-1/2 do TJSP, fala-se em prazo prescricional. Tam­ bém Washington de Barros fala em prazo prescricional (Curso, cit., p. 59). (2)

Sustenta Rubino que, nos termos do terceiro parágrafo do art. 1495 do Código Civil italiano, o prazo é prescricional (La compravendita, Trattato, cit., p. 649), porém no Código de 1865 o prazo pre­ visto no art. 1.505 era decadencial (Martorano, La tutela, cit., p. 152). No direito espanhol, Badenes Gasset traz a divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, defendendo ao final que o prazo é decadencial (El contrato, cit., p. 730-731).

(3)

Nelson Nery Junior e Rosa Nery (Novo Código Civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: RT, 2002, p. 187).

(4)

Câmara Leal. Da prescrição e da decadência. 3. ed. Rio de Janei­ ro: Forense, 1978, p. 349.

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Não há muita controvérsia sobre os prazos para as ações redibitórias e estimatórias.5 Pelo Código Civil de 1916, o prazo era de quinze dias (coisas móveis) e de seis meses (coisas imó­ veis), contados da tradição da coisa (art. 178, §§ 2.° e § 5.°, IV). Nas relações comerciais o prazo decadencial6 era de dez dias (art. 211 do CCo) a contar do recebimento da coisa, po­ rém não poderia haver reclamação se o vendedor exigisse que o comprador examinasse a coisa antes de recebê-la, se constasse do contrato que o comprador a adquiriu no estado ou se já a hou­ vesse pago. Carvalho de Mendonça, dentro de sua linha de raciocínio, entendia que o prazo de dez dias previstos no art. 211 do CCo não era decadencial, pois não havia a possibilidade de propor ação redibitória ou estimatória. O prazo apenas fixava o termo para a reclamação ou denuncia extrajudicial.7

(5)

Como já dissemos no início deste trabalho, o legislador francês optou, como regra, pela não-fixação de um prazo certo, prescre­ vendo apenas que a ação deve ser proposta em um prazo breve, tendo em conta a natureza dos vícios e os usos locais (art. 1.648 do CC francês). Conforme decidiu a Corte de Cassação, esse lap­ so temporal deve ser analisado pelo juiz (apud Gerard-Jérôme, La reparation, cit., p. 162). Na mesma orientação do Código fran­ cês foram os Códigos holandês, belga e de Québec (apud Ghestin, Conformite, cit., p. 40). No direito espanhol os prazos para as ações de cumprimento imperfeito são de seis meses (arts. 1.472 e 1.490). O Código italiano prevê, nos arts. 1.495,3 e 2.226,2, o prazo de um ano nos casos de compra e venda e serviço. No direito alemão o prazo é de seis meses, segundo os §§ 477 e 638 do BGB.

(6)

Nesse sentido, ApCiv 347/82 do TJPR (RT 571/172). Também Waldirio Bulgarelli (Contratos, cit., p. 193) e Waldemar Ferreira (Tratado, cit., p. 135).

(7)

Carvalho Santos, Tratado, cit., p. 87.

PRAZOS DECADENCIAL E PRESCRICIONAL

391

Interpretando o termo “no estado”, o TJSP decidiu que “a recepção do imóvel, no estado que se encontrava, como previsto contratualmente, pressupõe um desgaste natural e normal, apre­ sentando-se a construção apta para a habitação digna. A aliena­ ção, no estado físico da coisa, não tem o condão de excluir a dis­ ciplina do vício redibitório, que a tome imprópria ao uso, a que é destinada, ou lhe diminua o valor”.8 No que toca ao início do cômputo do prazo legal, nossos doutrinadores e tribunais, percebendo que tais prazos eram de­ masiadamente curtos e que muitos dos vícios levavam algum tem­ po para aparecer, passaram a admitir, principalmente quando se tratava de animais e de maquinários, que o termo inicial fosse o do descobrimento do problema.9 Assim, em face de uma relação comercial, o TAPR enten­ deu que “(...) se o defeito nos vasilhames só pôde ser constatado na medida de sua utilização, o início do prazo decadencial só poderia ocorrer, é obvio, no momento dessa verificação”.10

(8)

ApCiv 40.206.4/8-00, j. 22.04.1999, rel. Des. Marcus Andrade. Também o 1,° TACivSP, na Ap 777.372-4, afirmou que “era irre­ levante, ante a natureza dos vícios ocultos, até porque não consi­ derados na operação realizada, pois ‘o preço de venda foi o prati­ cado pelo mercado sem desconto’ (f.), a declaração inserida no verso do recibo de f. de que o veículo foi vistoriado pelo compra­ dor e entregue no estado...”.

(9)

Entre outros, Sílvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 484. No direito francês Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 445.

(10)

ApCiv 1.104/82, Curitiba (RT 575/240). Também dentro de uma relação comercial o STJ entendeu que o prazo de dez dias deve ser contado a partir da ciência do vício (REsp 61.051-PR). En­ tendeu a 5.a Câm. de Direito Privado do TJSP (ApCiv 40.206.4/ 8-00) que “a expressão ‘tradição da coisa’ contida no inciso IV do § 5.° do art. 178 do CC, só terá significado inteligível e racional,

392

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Também o STF, pela sua 2.a T., decidiu que “(...) se o defei­ to se fez irrevelado e era irrevelável ao instante da venda, o início do prazo decadencial só ocorre no momento em que ficou reve­ lado, posto que posterior aos quinze dias da tradição. É que, em tal hipótese, a presunção legis, de conhecimento dentro de quin­ ze dias, cede ante a realidade, a qual evidenciou a inviabilidade da fluência do prazo, pela razão mesma da impossibilidade de conhecimento do defeito, o qual, se sabido, não teria dado mar­ gem à compra”.11

10.1.1 Do prazo decadencial no Código Civil de 2002 O novo Código Civil, que engloba tanto as relações civis quanto as relações comerciais, criou um sistema complexo, pois, após fixar os prazos de trinta dias e um ano (para coisas móveis e imóveis, respectivamente), estabeleceu critérios distintos para o início da contagem desses prazos, levando em consideração se o comprador já estava na posse do bem ou se o vício só apareceu após a entrega. Em princípio, a regra é a contagem do prazo a partir da efe­ tiva entrega da coisa, porém se o adquirente já estava na sua pos­ se (como no caso do locatário que adquire o bem) o prazo se con­ ta da alienação, reduzida à metade.

se entendida como o momento no qual o adquirente tem conheci­ mento do vício oculto, em todo o seu dimensionamento e prejuí­ zo”. A 4.a Câm. de Direito Privado do TJSP, com base em julgado do STF, também esposou o mesmo entendimento. Por outro lado, na ApCiv 252.722-1/2 do TJSP, defendeu-se a contagem do pra­ zo a partir da tradição. (11)

RE 76.233-GO, rel. Min. Thompson Flores, j. 28.09.1973 (RTJ 68/222).

PRAZOS DECADENCIAL E PRESCRICIONAL

393

Nesses termos, se o locatário do imóvel o adquirir, terá, após a venda, o prazo de seis meses para invocar qualquer das ações ligadas ao cumprimento imperfeito e não mais um ano. Esse dispositivo deve ser entendido e aplicado caso o adquirente esteja na posse do bem por período superior a seis meses (imóveis) ou quinze dias (móveis); se assim não entendêssemos estaríamos, de forma indireta, alterando o espírito da lei. Da mesma forma ocorre nos contratos de leasing, já que inicialmente o arrendatário está na posse do bem móvel a título precário e, ao final, caso opte pela aquisição da coisa, passará a ser o proprietário. Aqui o prazo será de quinze dias. Permitiu ainda o legislador, dependendo da natureza do ví­ cio, que a contagem do prazo tenha início após o seu conheci­ mento, porém com um limite de cento e oitenta dias para bens móveis e um ano para imóveis. A questão da “natureza do vício” deverá ser apreciada em cada caso concreto, verificando-se a possível demora no apare­ cimento do problema. Enquanto a questão não for definida pela doutrina e pela jurisprudência teremos aqui certa insegurança jurídica. Uma coisa é certa: não se poderá limitar esses casos às hipóteses de compra e venda de animais ou maquinários, como fizeram outrora, com base na antiga legislação, nossos tribunais. Quanto ao limite do prazo, poder-se-ia, numa primeira aná­ lise, entender que essa restrição de tempo iria de encontro às posições mais modernas, como a adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, que fixa como termo inicial, em qualquer caso, a ciência do vício e não estipula expressamente termo final. Parece-nos, entretanto, que é de aplaudir a posição acolhida pelo novo Código, já que dá maior segurança às relações negociais, não deixando em aberto, indefinidamente, a discus­ são sobre o objeto dos contratos: Ademais, evita toda dificulda­

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de que poderia ocorrer, pelo passar do tempo, quanto à prova da preexistente do vício. Assim, o prazo máximo para a alegação dos vícios será de cento e oitenta dias para os bens móveis e de um ano para os bens imóveis. Nas situações aqui tratadas, teremos então dois prazos dis­ tintos: um prazo máximo de garantia de cento e oitenta dias e de um ano (bens móveis e imóveis, respectivamente), a contar da entrega da coisa, para o conhecimento do vício; sendo o vício conhecido dentro desse período e a contar desse conhecimento, teriam início os prazos de trinta dias e de um ano (previstos no caput) para as ações redibitórias. Não vemos como interpretar a questão de outra forma, visto que o legislador, pelo menos em relação aos bens imóveis, fixou, no caput e no parágrafo único, o mesmo prazo de um ano. Qual­ quer outra forma de cálculo, salvo melhor juízo, faria letra morta o dispositivo em estudo. No § 2.°, e talvez por apego aos Códigos estrangeiros, o le­ gislador cuidou especificamente dos prazos nas vendas de ani­ mais, deixando o tema para a legislação especial. Nos mesmos termos dos arts. 1.496 do CC italiano e 1.521 do Código peruano,12 fez constar que, na ausência da referida lei, o julgador deverá utilizar-se dos usos locais, e, se não houver, man­ da aplicar os mesmos prazos previstos nos parágrafos anteriores. Há aqui uma hierarquia que precisa ser observada pelo jul­ gado. A primeira alternativa deverá ser a lei especial; na ausên-

(l2)

O Código Civil francês não possui norma semelhante, porém fo­ ram editadas leis específicas sobre o assunto, sendo as primeiras de 20.05.1838 e de 02.08.1884 (sobre o tema v. Baudry-Lacantinerie, Trattato, cit., p. 478 e segs.).

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cia dela os usos, assim entendido como o comportamento corri­ queiro no local onde foi firmado o contrato, e não no local onde o vício foi descoberto; não sendo possível a utilização das op­ ções anteriores, utilizam-se os prazos previstos no Código Civil.

10.1.2 Do prazo decadencial no Código de Defesa do Consu­ midor Tratando-se de relação de consumo, a Lei 8.078/90 prevê no art. 26 os prazos decadenciais para as ações edilícias, e algu­ mas dúvidas afloram. O § 2.° desse artigo permite a obstaculização do prazo deca­ dencial, o que foi muito criticado por alguns juristas que, com base nos ensinamentos clássicos sobre o tema, não admitiam a suspensão ou a interrupção dos prazos decadenciais. Sílvio Venosa, mantendo a antiga visão do tema e para solu­ cionar o que ele chamou de “monstruosidade jurídica”, afirma que há dois momentos em que surge o direito do consumidor: quando da entrega e quando da reclamação. Sustenta o magistra­ do paulista que, “se o consumidor não reclamar no prazo fixado a partir da entrega efetiva, decai do direito. Se reclamar nesse prazo, e até a resposta negativa do fornecedor, o prazo de caduci­ dade que decorre dessa reclamação, que é de direito material, não se inicia”.13 Não é esse, entretanto, nosso entendimento. Primeiro por­ que temos que a denúncia só existe nas garantias contratuais e o pedido de eliminação do vício, previsto no art. 18 do CDC, que apesar de semelhante, com ele não se confunde com a denúncia,

(13)

Sílvio Venosa, Direito civil: teoria geral, cit., p. 489. Também Willian Santos Ferreira, Prescrição, Revista, cit., p. 78.

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pode não existir; segundo, porque data maxima venia, acredita­ mos que o Código de Defesa do Consumidor adotou uma posi­ ção já aceita no direito estrangeiro e agora também acolhida pelo novo Código Civil, permitindo, nos casos previstos em lei, a sus­ pensão e a interrupção do prazo decadencial. Quanto à legislação estrangeira, o Código Civil italiano de 1942 é claro ao permitir, em seu art. 2.965, a suspensão do prazo decadencial se houver previsão legal a respeito. No mesmo sen­ tido prescreve o art. 328.° do Código português.14 Consta do art. 207 do novo Código Civil que “salvo dispo­ sição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição” (g.n.). O § 2.° do art. 26 do CDC prevê duas hipóteses em que a decadência fica obstada. Inicialmente devemos definir o que se entende por “obstar”. O prazo fica suspenso ou interrompido? O tema é de suma importância, uma vez que, se houver in­ terrupção, o prazo recomeça, sem o cômputo do período já trans­ corrido. Na suspensão, ao contrário, o prazo volta a correr, so­ mando-se o tempo anterior. A doutrina é divergente. Sem maior aprofundamento da questão, Arruda Alvim entende que obstar significa suspensão,15 enquanto Willian Santos Ferreira defende a tese de que o prazo não é prescricional ou decadencial, sendo que os efeitos são se­ melhantes ao da interrupção.16 Também Luís Daniel Pereira

(14)

Badenes Gasset aplaude decisão espanhola que admitiu, como ex­ ceção, a interrupção do prazo decadencial (El contrato, cit., p. 732).

(15)

Arruda Alvim, Código, cit., p. 149.

(16)

Willian Ferreira, Prescrição, Revista, cit., p. 87.

PRAZOS DECADENCIAL E PRESCRICIONAL

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Cintra defende ter a obstaculização do prazo efeito equivalente ao da interrupção.17 Como ensina Camara Leal, “as causas suspensivas independem da vontade das partes, são fatos objetivos que ocor­ rem sem que essas tenham para isso cooperado. As causas interruptivas, pelo contrário, dependem da vontade das partes, são fatos subjetivos, provocados e determinados, diretamente, por elas”.18 Podemos então concluir que o Código de Defesa do Consu­ midor, ao prever duas situações nas quais o prazo fica obstado, criou uma hipótese de interrupção e outra de suspensão. A primeira depende do comportamento do consumidor, com a efetiva “reclamação” junto ao fornecedor. Trata-se aqui da hi­ pótese prevista no inciso I do art. 18, semelhante à denúncia na garantia contratual, já estudada por nós, e por isso o prazo se in­ terrompe. Complementando o que foi exposto sobre a denúncia, de­ vemos dizer que a lei não estipula uma forma de reclamação, todavia deverá ser utilizado um meio possível de comprovação, como uma carta registrada, uma notificação extrajudicial ou ju­ dicial etc. Poder-se-ia discutir se a prova exclusivamente testemunhai tem o condão de comprovar a reclamação do consumidor diante do fornecedor, mesmo que o valor do negócio ultrapasse os dez salários mínimos (arts. 227 do CC e 401 do CPC). Nos dias atuais é muito comum a reclamação feita pelo con­ sumidor diretamente ao comerciante. Apesar do disposto no art.

(17)

(18)

Luís Cintra, Anotações, Justitia, cit., p. 40. Luiz Roldão Gomes afirma que não se inicia o prazo, pois não se interrompe (Contra­ tos, cit., p. 183). Câmara Leal, Da prescrição, cit., p. 173.

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3.° da LICC, não podemos fugir à realidade quanto à ignorância legal de nossa população. Não admitir a prova exclusivamente testemunhai na reclamação, mesmo quando o valor do negócio ultrapassar o limite legal, é afastar o consumidor, de forma indi­ reta, do exercício de seus direitos. Como bem observa Arnoldo Wald ao abordar o tema da re­ clamação, “os comerciantes não assinam recibos, nem duplica­ tas para aceite e recusam-se a aceitar reclamação escrita”.19 É verdade que a prova testemunhai é facilmente manipula­ da, todavia, isso poderá ser apreciado pelo juiz em cada caso. Pelos motivos expostos, somos favoráveis, nesse caso, à validade da prova exclusivamente testemunhai, independentemente do valor do negócio. Como já tivemos oportunidade de defender quando falamos sobre a denúncia, valendo aqui, por semelhança, as colocações lá feitas, a lei não exige que da reclamação conste um pedido por parte do consumidor. Entendemos que basta que ele informe o problema e deixe claro seu desejo de vê-lo, de qualquer forma, solucionado.20 Parece, entretanto, não ter sido essa a orientação adotada pelos membros da 3.a T. do STJ, visto que no REsp 65.498-SP ficou constando que a reclamação, para obstar o prazo decaden­ cial, deve conter a pretensão de ressarcimento do consumidor. No mesmo acórdão, entendeu-se que a reclamação feita ao Procon não tem o condão de obstar o prazo decadencial. Novamente ousamos discordar, em parte, dessa orientação, já que, se, efetivamente, a reclamação do consumidor junto ao

(l9)

Arnoldo Wald, Curso de direito civil: obrigações, cit., p. 230.

(20)

Arruda Alvim et al. afirma que o vício deverá ser minuciosamen­ te descrito e suscetível de comprovação (Código, cit., p. 153).

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órgão público não deve obstar o prazo, a reclamação feita por aquela Fundação junto ao fornecedor, em nome do consumidor, deve ter essa força; lembremos que os Procons agem como re­ presentantes e na defesa dos consumidores. Discordamos dos autores italianos Rubino, Salvatore Ro­ mano e Montessori21 quando sustentam que a propositura da ação redibitória interrompe o prazo decadencial em estudo, isso por­ que, como veremos, o fornecedor tem direito de tentar solucio­ nar a imperfeição e, assim, não poderá o credor, antes disso, pro­ por qualquer demanda judicial.22 A denúncia, dentro do princípio da boa-fé objetiva, é um ônus para o credor e, em contrapartida, um direito do devedor; é, como já deixamos antever, um pressuposto para as ações redibitórias, fundadas em garantia contratual. Por outro lado, parece-nos correta a orientação adotada pela Câm. do TJSP ao admitir a obstaculização do prazo decaden­ cial com a propositura da medida cautelar de produção antecipa­ da de prova para verificar o vício (ApCiv 013.102-4/0, rel. Júlio Vidal), já que o consumidor, com esse comportamento, deixa clara sua intenção de reivindicar seus direitos. 7.a

Feita a reclamação, o prazo fica interrompido até o recebi­ mento da resposta negativa dada pelo fornecedor. Isso significa que, enquanto o consumidor não a receber, o prazo não terá novo início. Também não voltará a correr o prazo se o fornece­

(21)

(22)

Rubino, La compravendita, Trattato, cit., p. 648-649, Salvatore Romano, Vendita, Trattato, cit., p. 266, e Montessori, Garanzia, cit., p. 119. Também Greco e Cottino, Della vendita, Commentario, cit., p. 288. No mesmo sentido Luigi di Palma, Sulla garanzia, Rassegna, cit., p. 720.

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dor, reconhecendo o problema e se comprometendo a saná-lo, assim não agir.23 Com a resposta negativa abre-se novo prazo para o consu­ midor propor as ações; todavia, nessa fase só poderá alegar os vícios que anteriormente reclamou, não podendo invocar novas imperfeições. Diz o professor Arruda Alvim que, se a resposta chegar ao consumidor em um feriado, sábado ou domingo, o prazo reco­ meçará no primeiro dia útil seguinte.24 Ousamos discordar do mestre, pois em se tratando de prazo decadencial seu cômputo é automático. Havendo pluralidade de fornecedores, a comunicação po­ derá ser feita a qualquer um deles, prevalecendo o disposto no § l.° do art. 204 do CC. Devolvendo a coisa ao consumidor, supostamente sem pro­ blemas, reabre-se novo prazo de garantia de trinta ou noventa dias (coisas não duráveis e duráveis, respectivamente), isso no que se refere ao vício supostamente sanado. A segunda hipótese de obstaculização da decadência inde­ pende do comportamento do consumidor, já que ocorre com a abertura de inquérito civil por parte do Ministério Público, por fato relacionado diretamente ao vício existente (arts. 8.° e 9.° da Lei 7.347/85), voltando o prazo a correr (computando-se o pra­ zo anterior) com o encerramento deste.25

(23)

O art. 2.534 do Código Civil do Estado da Louisiana também prevê a interrupção do prazo prescricional no caso do fornecedor acei­ tar a coisa para conserto.

(24)

Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 174. (25)

No escólio de Herman Benjamin, o arquivamento do inquérito só pode ser assim considerado para fins de encerramento, quando

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Discordamos, data venia, da Profa. Claudia Lima Marques quando sustenta que o prazo estará obstado com a reclamação do consumidor ao Ministério Público.26 Essa interpretação, em que pese favorável ao consumidor, vai de encontro ao texto da lei. O art. 26 em estudo trata de duas situações distintas, crian­ do para cada uma um termo inicial diferente. Sendo o vício oculto, o início do prazo ocorrerá quando fi­ car evidenciado (§ 3:°), o que sem dúvida gera, na prática, gran­ de dificuldade relativa à prova e contraprova desse fato. Seria inconveniente, por outro lado, que essa situação ficas­ se indefinida, motivo por que defendemos a aplicação subsidiá­ ria do Código Civil para estipular um prazo fatal para a alegação do vício, mesmo oculto. Aplicar-se-ia, assim, o limite de cento e oitenta dias para os bens móveis e de um ano para os bens imó­ veis. Atente-se que esses prazos são, em regra, suficientes para a descoberta de qualquer falta de qualidade ou quantidade no pro­ duto ou no serviço.27 Por esse raciocínio, somos da opinião que se deve presumir como verdadeiro (dentro do prazo supra) o momento indicado pelo adquirente/usuário como o da efetiva ciência do vício, po­ dendo o fornecedor provar que o consumidor dele tomou conhe­ cimento em momento anterior ao alegado.

ele é confirmado pelo Conselho Superior do Ministério Público (Da qualidade, Comentários, cit., p. 136). (26) (27)

Claudia Lima Marques, Contratos, cit., p. 613. Também criando um prazo limite temos o Código do Consu­ mo francês. Prevê o art. 124 que nenhum vício poderá ser ale­ gado após dez anos da colocação do produto ou do serviço no mercado.

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A Corte de Cassação italiana, analisando a questão por ou­ tro ângulo, decidiu: “L’art. 1.495 cod. civ. Non costituisce deroga al principio generale sull’onere della prova; pertanto il venditore che eccepisce la decadenza dell’ acquirente dalla garanzia per vizi, dovrà provare il fondamento della stessa” (Cass., 14.03.1983, n. 1888, Giur. It. 1984, I, 1, 336). Havendo vício aparente ou de fácil constatação o prazo de­ cadencial será de trinta dias para os serviços e os produtos não duráveis, e de noventa dias para os serviços e os produtos durá­ veis, contados da efetiva entrega do produto ou do término da execução do serviço. Trata-se de nova classificação de bens e serviços, devendo, portanto, ser conceituada pela doutrina. No que toca ao produto, há juristas que utilizam para os bens duráveis e para os não duráveis conceitos semelhantes aos dos bens consumíveis e não consumíveis,28 com o que não podemos concordar, já que o produto pode ser consumível e ao mesmo tempo durável. Para chegarmos a essa conclusão basta utilizar o exemplo trazido por Luís Daniel Pereira Cintra da água e do lei­ te, os dois consumíveis, porém o primeiro durável.29 Antônio Herman Benjamin, por sua vez, sustenta que bens não duráveis são “todos aqueles que se exaurem ao primeiro uso ou em pouco tempo após a aquisição. Aí se incluem, entre tantos outros, os alimentos, medicamentos, cosméticos, serviços de lazer e de transporte (...)”. Por duráveis, o autor utiliza a regra da ex­ clusão, conceituando-os como aqueles que tem “(...) vida útil não efêmera, embora não se exija que seja prolongada”, como por exemplo, “o automóvel, os computadores, os utensílios domés­

(28)

Assim, Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 173.

(29)

Luís Daniel Pereira Cintra, Anotações, cit., p. 38.

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ticos, os móveis, os serviços de assistência técnica, os de oficina, os de reforma de habitações, os de decoração. Os produtos imó­ veis são, como regra, duráveis”.30 Mário Aguiar Moura não se distancia do posicionamento supra, e diz que “são tidos como não duráveis também os produ­ tos que não sofrem destruição imediata de sua substância pelo uso”. Sustenta ainda que, “(...) tanto estão na classificação os produtos que se destroem imediatamente como os que toleram uso sucessivo, mas de limitada duração existencial útil, como, v.g., as pilhas para rádio”.31 Concordamos com esses dois doutrinadores e acreditamos que não duráveis são as coisas que, com o simples uso ou num breve espaço de tempo, deixam de servir ao seu fim. Duráveis, por sua vez, seriam as coisas que nunca perdem a sua função ou, se perdem, isso só se dá com o uso prolongado. Nesse sentido o 1 .° TACivSP entendeu que a compra de motor retificado por empresa de ônibus é relação de consumo e conceituou esse produto como durável.32 Quanto aos serviços, acreditamos que o conceito de durável e não durável está ligado aos efeitos que o serviço gera ao consu­ midor. Quando contratamos uma empresa para a dedetização de nossas residências, é irrelevante para a conceituação supra, o fato de a empresa demorar duas horas para realizar o trabalho. Para a

(30)

Herman Benjamin, Da qualidade, Comentários, cit., p. 131-132. Esse posicionamento foi acolhido pela 4.a T. do STJ, no REsp 114.473-RJ.

(31)

Mário Aguiar Moura, Decadência do direito de reclamar pelos vícios de qualidade e quantidade no Código de Defesa do Consu­ midor. Boletim IOB, vol. 3, n. 7, p. 127, 1.a quinz. jan. 1993.

(32)

RT 755/268.

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conceituação jurídica é importante apenas que aquele serviço, segundo a informação dada pelo fornecedor, afastará os insetos de nossas casas, por, digamos, seis meses. Nesse caso poderemos classificá-lo como serviço durável.33 Arruda Alvim, ao tratar do tema, dá como exemplo de ser­ viço não durável o serviço de limpeza;34 todavia, pelo raciocínio acima exposto, não se pode generalizar dessa forma. Basta que imaginemos a contratação do serviço de limpeza da fachada de um prédio, informando o fornecedor que por um ano o edifício ficará limpo. Aqui não temos dúvida em afirmar que o serviço seria conceituado como durável. Essa fórmula, porém, não é isenta de críticas, já que há ser­ viços que não permitem, de forma fácil e precisa, definir seus efeitos. Ousamos mais uma vez discordar do mestre Arruda Alvim quando sustenta que o prazo de decadência do art. 26 do CDC não pode ser reconhecido pelo juiz de ofício. Entendemos, mesmo reconhecendo que se trata de direitos patrimoniais, ser, nos termos do art. 1,° do CDC, norma de ordem pública. Ademais, aplicável à espécie, subsidiariamente, o art. 210 do novo CC.35

10.2 Do prazo prescricional Além das ações edilícias, vimos que é possível também a ação de indenização para cobrar os prejuízos sofridos. Veja­

(33)

Willian Santos Ferreira dá a dedetização como serviço não durá­ vel (Prescrição, Revista, cit., p. 82).

(34)

Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 174.

(35)

Arruda Alvim et al., Código, cit., p. 179.

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mos agora o prazo prescricional para esta ação, tanto nas ações derivadas de relações civis quanto nas derivadas de relações de consumo. Como já dissemos, muito se discute sobre a autonomia ou dependência da ação de indenização fundada em vício redibitório com as ações edilícias e, em conseqüência, os prazos que de­ vem ser aplicados para a propositura da ação. Essa dúvida não surge só no direito contemporâneo, e se­ gundo Pedro Martinez ela tem causa no direito romano, por não haver este estabelecido relação entre tais pretensões.36 Tratando-se de relações civis, o antigo Código previa o pra­ zo de vinte anos para as ações de indenização (art. 177), e o atual prevê um prazo de três anos (art. 206, § 3.°, V). Havendo relação de consumo, o prazo para a propositura da ação reparatória dos danos relacionados ao acidente de consumo é de cinco anos (art. 27 da Lei 8.078/90). Ao lado desses prazos, os mesmos diplomas acima citados previam e prevêem prazos muito mais exíguos para as ações edilícias, surgindo a dúvida sobre qual desses dispositivos deve ser aplicado. O tema é de grande importância, sendo muito discutido, principalmente pela doutrina e jurisprudência estrangeira. Pontes de Miranda, falando sobre as pretensões indenizatórias nascidas do vício, sustentava que elas “nada têm com a preclusão que a lei fixara para a redibição. É preciso que não se confunda prazo preclusivo para a pretensão à responsabilidade por vício do objeto com as pretensões que se irradiaram do exercício daquela pretensão”.

(36)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 348.

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Em outra parte de sua obra, o mestre prelecionava que “a pretensão à redibição ou à redução da contraprestação pode existir ao mesmo tempo que a ação de indenização por inadimplemento ou por adimplemento ruim, que inadimplemento é, pois os obje­ tos são diferentes, ou podem ser diferentes. De modo nenhum se pode invocar para as pretensões por inadimplemento, inclusive por adimplemento ruim, o prazo preclusivo do art. 178, §§ 2.° e 5.°, IV, e do art. 211 (art. 210) do Código Comercial”.37 No direito estrangeiro, como já dissemos, a questão foi mais debatida, encontrando-se inúmeros autores e julgados que sus­ tentam a aplicação dos mesmos prazos das ações edilícias para a ação de indenização decorrente do vício. No direito português, Calvão da Silva, interpretando o art. 917.° do CC, e com fundamento na doutrina e jurisprudência lusa, sustenta que o prazo para a ação de indenização é o mesmo das ações redibitórias, estimatórias ou de substituição da coisa. Se­ gundo o mestre, “seria incongruente não sujeitar as referidas acções da garantia aos mesmos prazos, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade”.38 Em outro momento, cita ainda o autor a orientação jurisprudencial da República Federativa da Alemanha (R.F.A.) e a dou­ trina suíça, que afastam o prazo ordinário de prescrição e apli­ cam o prazo breve previsto no § 477 à indenização fundada na violação positiva do contrato.39

(37)

Pontes de Miranda, Tratado..., cit., t. XXXVIII, p. 301-306.

(38)

Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 210-211.

(39)

Calvão da Silva, Responsabilidade, cit., p. 249-250, nota 2. Tam­ bém nesse sentido, Morello (L’azione di risarcimento dei danni derivati daí vizi della cosa. Il Foro Italiano, p. 1.502, 1965).

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407

Ainda no direito português e no mesmo sentido, temos Pedro Romano Martinez. Afirma o mestre que “de facto, não se com­ preenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de vinte anos (art. 309)”.40 Utilizando-se dos mesmos argumentos, porém restringin­ do o raciocínio às hipóteses de responsabilidade civil contratual, temos, no direito italiano, a opinião de Luciana Pisu. Sustenta a autora peninsular, com base em numerosos julgados de seu país,41 existir uma relação de acessoriedade entre a ação indenizatória decorrente do vício e as ações edilícias, aplicando-se assim a to­ das elas o prazo previsto no art. 1.495 do Codice Civile.42

(40)

Pedro Romano Martinez. O mesmo autor cita diversos outros doutrinadores portugueses com posições idênticas (Cumprimen­ to, cit., p. 413).

(41)

Corte Suprema de Cassazione Italiana, sentenza 12.03.1965, n. 414 (apud Il Foro Italiano, t. II, 1497); Cass., 13.03.1980, n. 1696, Rep. Giust, Civ., 1980, cit., n. 48).

(42)

Luciana Pisu, Garanzia, cit., p. 262-263. No mesmo sentido, Bianca (La vendita, cit., p. 878), Guido Alpa (Azioni edilizie, Rivista, cit., p. 1-13), Carlo Terranova (La garanzia, Rivista, cit., p. 90 e 112), Umberto Morello (L’azione Il Foro Italiano, cit., p. 1498), Francesco Galgano (Diritto civile, cit., p. 13), Rubino (La compravendita, Trattato, cit., p. 641), Gino Gorla (Azione redibitoria, Enciclopedia, cit., p. 881), Mirabelli (Dei singoli, Commentario, cit., p. 108), Greco e Cottino (Della vendita, Commentario, cit., p. 277) e Cristina Manasse (La garanzia, Nuova jurisprudenza, cit., p. 297). Em sentido contrário, pelo menos quando o vendedor age de má-fé, Luigi Mengoni (Profili di una revisione della teoria sulla garanzia per i vizi nella vendita. Rivista del Diritto Commerciale, p. 21, 1953). É citado ainda como de opinião diversa e minoritária Benatti.

408

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Também no direito peninsular, preleciona Massimo Bianca, sobre a igualdade dos prazos, que “questi termini sono allora legati non ad un determinato tipo di rimedio ma ad una determinada fattispecie d’inademplimento (vizio e mancanza di qualitá)”.43 No direito francês, não parece ser outra a posição doutriná­ ria. No escólio dos irmãos Mazeaud, as ações edilícias e a ação de indenização decorrente do vício deveriam ser propostas den­ tro do mesmo prazo.44 No ordenamento jurídico espanhol se observa ser essa a orientação jurisprudencial,45 e no direito argentino é a posição de Fernando Zavalia.46 Dentro de nosso direito pátrio pareciam não discordar des­ se posicionamento Carvalho Santos e Camara Leal, já que sus­ tentavam que o pedido de indenização por perdas e danos, pelo menos quando cumulado com a redibitória, prescrevia em quin­ ze dias ou seis meses.47 Com base no já mencionado ensinamento de Pontes de Mi­ randa, nossos tribunais têm decidido que a opção do adquirente pela ação indenizatória por inadimplemento ruim, em vez das ações redibitórias ou estimatórias, implica a utilização do prazo prescricional de vinte anos.

(43)

Bianca, La vendita, cit., p. 879.

(44)

Mazeaud e Mazeaud, Lecciones, cit., p. 305.

(45)

Diego Espín, Concurrencia, Revista, cit., p. 933.

(46)

Fernando Zavalía, Teoria, cit., p. 456.

(47)

Carvalho Santos, Código Civil, cit., p. 372, e Câmara Leal, Da prescrição, cit., p. 350. Em sentido contrário, Jorge Cesa (A boa- fé, cit., p. 203 e 251) e Fernando Noronha (Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003, vol. 1, p. 526).

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Nesse sentido, podemos citar decisões proferidas pelo STJ (REsp 30.042-7-GO e 32.676-3-SP) nas quais se entendeu que “é juridicamente possível demanda indenizatória por má execu­ ção de contrato de venda de mercadoria, que se apresentam de­ feituosas, não se aplicando regras extintivas das ações redibitórias e/ou estimatória, contidas nos arts. 211 do CCo e 178, § 2.°, do CC”.48 Parece ter adotado essa posição o STF, pois no RE 56.182SP ficou decidido que: “Vício redibitório. Ação de indenização cumulada com ação redibitória. Alegação de prescrição acolhi­ da quanto à ação redibitória, não quanto à ação de indenização” (RT 40/338). Em acórdão proferido em ação rescisória que envolvia a venda de mudas que, dois anos após a venda, causaram danos à lavoura de café porque continham vícios, o l.° TACivSP enten­ deu que a responsabilidade era pós-contratual, ou melhor, extracontratual, aplicando-se o prazo vintenário (RT 631/131).49 Acreditamos que o problema deva ser visto por outro ângu­ lo, qual seja, a do ressarcimento baseado nos danos circa rem e naqueles fundados nos danos extra rem. Tratando-se de pedido de indenização decorrente dos danos circa rem, ou seja, daqueles ligados diretamente ao vício do pro­ duto ou do serviço, o prazo para a propositura da ação deve ser o mesmo das ações edilícias. Valem aqui os argumentos trazidos pelos autores estrangeiros citados.

(48)

REsp 30.042-7-GO, 3.a T, j. 16.12.1996, rel. Min. Dias Trinda­ de, DJU 01.03.1993 (RT 697/209).

(49)

Também TJSP, ApCiv 063.082-4/9 e 72.650.4/2-00 (esta última com citações de vários julgados). Ainda RT 542/106 e JTJ 193/45.

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O mestre luso Pedro Romano Martinez, após definir que o “dano circa rem” deve ser encontrado por exclusão, escreve que: “assim, incluem-se neste tipo de prejuízos os decorrentes da di­ minuição ou perda de valor da coisa, os custos contratuais, o va­ lor da eliminação dos defeitos, quando excepcionalmente feita pelo credor, o montante dispendido em estudos, pareceres etc., a diferença de preço que o credor teve de suportar para adquirir um bem substitutivo, os lucros cessantes, bem como outras despesas derivadas do incumprimento (por exemplo, o valor da renda de uma casa locada no período em que não foi possível usar a pró­ pria, o custo de uma sementeira perdida, porque as sementes, em razão da deficiente qualidade, não germinaram, as despesas ju­ diciais na acção em que se exige a execução específica ou a reso­ lução do contrato)”.50 Nesses termos, por exemplo, quando se pede o ressarcimento dos valores desembolsados para sanar o vício, ou a indenização pelos prejuízos decorrentes da não-utilização da coisa (danos emergentes e lucros cessantes), o prazo será igual ao das ações edilícias.51 Dentro da clássica divisão, estaríamos aqui no campo da responsabilidade contratual. Por outro lado, se estivermos diante dos danos extra rem, daqueles ligados apenas de forma indireta ao cumprimento im­ perfeito - inclusive em relação ao dano moral - o prazo prescri­ cional52 será de cinco anos para as relações de consumo, quando

(50)

Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., p. 270.

(51)

Nesse sentido, Francesco Galgano, Diritto civile, cit., p. 13.

(52)

Em decorrência do próprio texto legal não se pode admitir qualquer dúvida sobre ser tal prazo prescricional. No mesmo sentido, Ruy Rosado de Aguiar Júnior (Aspectos, Revista 52/167). Assim, discordamos de Zelmo Denari quando afirma que o prazo é decadencial (Código, cit., p. 189).

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envolverem acidente de consumo e de três anos para as relações civis e demais hipóteses. Nesse caso, e utilizando-se novamente da classificação acima citada, estaríamos no campo da responsa­ bilidade aquiliana ou extracontratual. Nos autos da ApCiv 256.934-2/2, a 15.a Câm. Civil do TJSP entendeu que o dano decorrente dos produtos ou serviços indica­ dos nos art. 12 e 14 do CDC deve incidir sobre pessoas ou coisas externas ao próprio produto ou ao bem no qual se fez o serviço, enquanto os danos oriundos dos vícios previstos pelos arts. 18 e seguintes, dizem respeito ao próprio produto fornecido ou aos bens em relação aos quais prestou o serviço. Por tais motivos concordamos plenamente com o ex-Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que, ao relatar o REsp 100710-SP, entendeu ser aplicável o art. 27 às hipóteses de danos causados por defeito da coisa. Naquele caso, o consumidor havia compra­ do uma máquina de lavar que se incendiou, causando danos, in­ clusive, na cozinha onde estava instalada. A aplicação do prazo prescricional de cinco anos se deu em face de o acidente ter colo­ cado em risco a segurança do consumidor. Discordamos, por outro lado, de Arruda Alvim53 e das deci­ sões citadas, quando mandam aplicar o art. 27 do CDC (ou o art. 177 do antigo CC) a todos os tipos de indenização decorrentes do vício. Nesses termos, não podemos concordar com a decisão pro­ ferida pela 4.a T. do STJ que, em decorrência de anúncio erro­ neamente publicado em lista telefônica, entendeu que o prazo para a propositura da ação de indenização era de cinco anos, aplican­ do o art. 27 do CDC (REsp 511.558-MS, rel. Min. Aldir Passari­ nho Junior, j. 13.04.2004).

(53)

Arruda Alvim et al. (Código, cit., p. 173).

412

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Não podemos esquecer que, tratando-se de prazo prescri­ cional e no que for compatível, aplicam-se às relações de consu­ mo os arts. 197 a 200 do CC brasileiro. Este último dispositivo, novidade no nosso sistema jurídi­ co, prevê que o prazo prescricional não se iniciará quando o fato deva ser apurado no juízo criminal e enquanto não sobrevier a respectiva sentença. Isso significa que sempre que o dano envol­ ver, v.g., violação à integridade física (lesão corporal ou morte), ou seja, fatos caracterizados como infrações penais, o prazo de três anos (relação civil) ou de cinco anos (relação de consumo acidente de consumo) terá seu termo inicial com o trânsito em julgado da sentença proferida pelo juízo penal. Nas hipóteses previstas no art. 13 do CDC, em que o comer­ ciante passa a ser responsável pelos danos causados ao consu­ midor, o prazo terá início na data da venda do produto, já que nesse momento surge para o adquirente o conhecimento de sua autoria.54 Antes do novo Código Civil, sustentavam alguns doutrinadores55 ser possível a aplicação subsidiária do art. 159 do Código de 1916 quando tivesse escoado o prazo do art. 27 do CDC. Nes­ ses termos, permitiam que o consumidor se socorresse do Códi­ go Civil para proteger direito já prescrito pelo Código de Defesa do Consumidor. Era posição que recebia adeptos também no direito estran­ geiro. Dizia Carbonnier que “la libertad de demandar ejercitando todas las vías de Derecho que existan, separadamente, ya que

(54)

No mesmo sentido, Willian Santos Ferreira, Prescrição, cit., p. 93.

(55)

Willian Santos Ferreira, Prescrição, Revista, cit., p. 92, e Luís Daniel Pereira Cintra, Anotações, Justitia, cit., p. 42.

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‘cuando el Derecho positivo pone dos medios jurídicos a disposición del mismo individuo el sentido más elemental de esta doble posibilidad es la acumulación”.56 Discordávamos frontalmente dessa posição. É verdade que a prescrição não extingue o direito; todavia, a nosso ver, não po­ deria o credor buscar o mesmo direito invocando outra norma jurídica. O raciocínio desenvolvido e por nós criticado, data maxima venia, geraria a total inaplicabilidade do art. 27, e, so­ bretudo, criaria uma grande insegurança jurídica. Lembremos que não é o portador do direito subjetivo que escolhe a norma jurídi­ ca; esta lhe é dada pelo Estado, sob a fiscalização do juiz. Analisando problema semelhante no direito espanhol, com­ partilha com esse nosso entendimento Rodrigo Bercovitz afir­ mando que “(...) tal dualidad normativa es contraria a las reglas de la lógica, perturbando la unidad del ordenamiento, lo que da lugar a una disminución de la seguridad jurídica y constituye una fuente de injusticias”.57 No direito peninsular Francesco Galgano, tratando da antinomia entre o direito italiano e as diretivas européias, sus­ tenta que, se a norma interna tiver previsão expressa sobre a ques­ tão, deve ela ser aplicada; somente na omissão da lei interna é que se aplica a diretiva.58 Acreditávamos que, nesse ponto, efetivamente, tinha o Có­ digo de Defesa do Consumidor restringido o direito do consumi­ dor/vítima, porém assim agira dentro de uma visão mais moder­ na que, com o objetivo de proteger a sociedade e criar uma segu­ rança jurídica, não mais admitia longuíssimos prazos para a pro-

(56)

Apud Diego Espín, Concurriencia, Revista, cit., p. 926.

(57)

Rodrigo Bercovitz, La naturaleza, Anuario, cit., p. 779.

(58)

Francesco Galgano, Diritto civile, cit., p. 368.

414

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positura de ações indenizatórias. Lembrávamos também que o termo inicial do prazo de cinco anos se dava com o conhecimen­ to do dano e com o conhecimento do autor da ofensa, e ainda, como bem observam Arruda Alvim e Sílvio Luís Ferreira da Rocha, do efetivo conhecimento do defeito que o originou.59 Mencionávamos também as rupção do prazo, nos termos dos Civil de 1916, estando claro que que suficiente para que a vítima cia e necessidade de propor a ação.

hipóteses de suspensão e inter­ arts. 168 e seguintes do Código o prazo fixado era, e é, mais do se decidisse sobre a conveniên­

A questão, pelo menos no que tange a esse ponto específico, deixa hoje de ter qualquer relevância, já que o novo Código, com o espírito de aumentar a segurança jurídica a que acabamos de nos referir, diminuiu a maioria dos prazos prescricionais e decadenciais, e, em relação à ação de indenização impôs um pra­ zo inferior ao previsto no art. 27 da Lei 8.078/90.60

(59)

Arruda Alvim, Código, cit., p. 178, e Sílvio Luis Ferreira Rocha, Responsabilidade, cit., p. 115.

(60)

No mesmo sentido v. Pedro Romano Martinez, Cumprimento, cit., nota 1 da p. 288.

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ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO

A Abuso de direito - 278, 329, 331, 354 Ação (alteração do pedido) - 294

Ações edilícias (após o pagamento do preço) - 219, 265-269, 264, 271, 294, 295, 296, 297, 299308, 351, 352, 395, 404, 405, 406, 407, 409, 410

Ação (desistência) - 294, 295

Actio auctoritatis - 33

Ação consignatória - 259

Actio de modo agri - 33, 50

Ação de exato cumprimento - 267, 269

Actio empti - 35, 36, 44, 45, 49, 52

Ação estimatória (quanti minoris) - 29, 44, 53, 206, 218, 265, 266, 273, 275, 280, 283-288, 290, 292, 295, 296, 316, 351, 352, 366, 390, 406, 408, 409 Ação redibitória (divisibilidade) 28, 41, 43, 45, 50, 51, 55, 62, 73, 134, 171, 255, 269, 278, 282 Ação redibitória (parcial) - 181, 266, 282 Ação redibitória (resolução do con­ trato) - 194, 261, 265, 266, 269, 273, 275, 277, 280, 283, 292, 295, 296, 297, 298, 304, 315, 353, 365, 366, 390, 394, 399, 408, 409 Acidente de consumo - 75, 94, 374, 381, 383, 385, 405, 411, 412

Actio ex stipulatu - 35, 36 Adimplemento inexato - 131, 132 Adimplemento ruim - 131, 132, 353, 406, 408 Aediles curules - 44 Afastamento da imperfeição (eli­ minação do vício) - 139, 267, 268, 299, 302, 302, 337, 395, 410 Afastamento da imperfeição (di­ reito do fornecedor) - 262, 299, 300, 301, 302, 304, 337, 383 Agoránomos - 28 Alienação do bem viciado - 100, 206, 233, 272, 273, 288, 365 Aliud pro alio - 115, 117, 118, 121, 124

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VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Alteração das circunstâncias (fato superveniente) - 108, 113

Bens consumíveis e não consumíveis - 103, 178, 402

Alteração de pedido - 293

Bens corpóreos e não corpóreos 178, 247

Alteração de pedido - (de ofício) 297 Animais (vícios) - 34, 40, 45, 50, 51, 58, 61, 64-66, 143, 275, 339, 367,391,393, 394

Bens corrompidos - 206 Bens deteriorados - 124, 275, 277, 331, 367

Antijudicidade - 118

Bens duráveis e não duráveis - 400, 402, 403, 404

Anulação (anulabilidade) - 118, 136, 155, 156, 159, 407

Bens falsificados - 207

Anunciante - 202, 205

Bens fungíveis e não fungíveis 109, 178, 305

Autonomia da vontade - 112, 113, 116, 354

Bens inadequados - 201, 202

Atividade - 36, 48, 69, 91, 97, 98, 100-102, 303 Arrendamento Mercantil - 74, 364

B Base do negócio - 150 Bem acessório - 40, 191, 192, 193, 194, 235 Bem adulterado - 119, 121 Bem alterado - 80, 81, 206, 207 Bem avariado - 185-188, 199, 200, 207, 208, 226 Bem viciado (consumido) - 185, 228, 292 Bem viciado (dado em garantia) 234, 273

Bens móveis e imóveis - 32, 33, 34, 67, 73, 74, 88, 97, 103, 214, 216, 217, 238, 247, 268, 276, 331, 364, 365, 371, 372, 390, 391, 392, 393, 394, 401, 403 Bens principais - 192, 193, 194 Bens singulares - 188-190 Boa-fé objetiva - 104, 108, 144, 145, 160, 161, 220, 259, 277, 289, 300, 338, 356, 358, 360, 371, 399 Breviário de Alarico - 49, 50 Bystander - 93, 94, 373, 380

C Capitulares - 56, 57

Bem viciado (deterioração parcial) - 185, 186, 248, 277, 278

Caso fortuito - 41, 43, 108, 110, 112, 140, 150, 276, 278, 362363, 383, 384, 385, 386

Bem viciado (uso) - 175, 272, 277, 280, 292

Causa - 107, 109, 113, 138, 147, 162, 342, 343

Bens coletivos - 188-190

Caveat emptor - 44, 57, 58, 69, 73

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ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO

Caveat venditor - 226 Cláusula de garantia - 73, 100, 248 Cláusula impeditiva de aplicação da teoria da excessiva onerosidade - 112, 113 Cláusula penal - 336, 337, 355-359 Cláusula rebus sic stantibus - 110

Complementação do peso ou medi­ da - 304, 307-308, 309 Complementação do serviço - 176, 302, 304-307 Compra e venda - 32, 58, 61, 86, 88, 154, 178, 179, 180, 184, 187, 191, 194, 231, 232, 234, 304, 331, 356, 393

Cláusula de isenção de responsabi­ lidade pelo vício - 170, 244, 346, 353-366, 353, 354, 378

Compromisso de compra e venda - 276

Coação - 156

Condição - 112

Código Comercial brasileiro - 88, 89, 218, 258, 266

Condomínio - 94, 356

Código das Obrigações - 88, 250, 298, 325 Código de Cortina - 28, 29 Código de Eurico (Codex Euricianus) - 49 Código de Hammurabi - 25 Código Visigótico - 49, 50 Coisa julgada formal - 294 Coisa coletiva - 188, 189 Coisas genéricas - 71, 190-191, 230, 304 Coisas usadas - 70, 185, 209, 226 Coisas singulares - 40, 188, 189 Colocação do produto no mercado (responsabilidade do fornece­ dor) - 184, 209, 225, 226, 239, 242, 300, 369, 370, 376, 377, 378, 380, 381, 383, 387 Comércio eletrônico - 194-198 Common law - 29, 67, 71, 79, 81, 315, 336

Comune ley - 68

Conduta omissiva - 313, 360 Construção 210

considerável

-

209,

Consumer Protection act - 76, 77, 372 Consumidor - 91, 187, 188, 205, 210, 223, 225, 226, 229, 237, 303, 308, 327 Consumidor (por equiparação) 89, 93, 94, 105, 206, 381 Contrato (revisão e rescisão) - 44, 67, 68, 112, 114, 161, 208, 230, 268, 272, 273, 291, 292, 295, 297, 298, 301, 304, 309, 315, 316, 407 Contrato (validade) - 171, 248 Contratos bancários - 97-101 Contratos comutativos - 89, 169, 177, 178, 181 Contratos coligados - 231-236 Convenção de Vienna para Vendas Internacionais - 201, 272, 286, 302, 304, 348, 351

436

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

D

Corpus iuris - 52 Corpus iuris canoninni - 56 Correção monetária - 280 Corrente finalista - 231 Corrente maximalista - 93 Culpa - 224, 213, 238, 275, 315, 318, 320, 321, 335, 341, 343, 344-353, 363, 373, 383, 384, 386, 387 Culpa (grave, leve e levíssima) 320, 321, 335, 344

Dano - 195, 206, 240, 241, 242, 313-321, 322, 356, 358, 359, 371, 372, 373, 380, 381, 387

213, 244, 329, 360, 375,

237, 245, 335, 361, 378,

239, 312, 355, 369, 379,

Dano (circa rem) - 264, 314, 317, 409, 410 Dano (comportamento do credor para atenuar ou evitar sua ocor­ rência) - 312, 313, 359-362

Culpa concorrente - 362, 382

Dano (extra rem) - 96, 255, 264, 265, 314, 317, 373, 409, 410

Culpa do consumidor (isenção de responsabilidade) - 231, 382

Dano (gravidade) - 335

Culpa do credor - 386

Dano direto (imediato) - 313, 314, 317, 335

Culpa do fornecedor - 240, 242, 329, 372 Culpa do terceiro - 278, 382, 386

Dano emergente - 114, 317, 318, 327, 347, 410 Dano hipotético - 285, 286, 287, 319

Culpa do vendedor - 278 Culpa in eligendo - 381 Culpa in vigilando - 381

Dano moral - 23, 76, 245, 246, 273, 317, 319, 321-338, 378, 410

Culpa pos pactum finitum - 145

Dano moral (caráter punitivo) - 273

Cumprimento defeituoso - 26, 145, 167, 265, 295, 320

Dano moral (pessoa jurídica) - 319, 334

Cumprimento forçado da obriga­ ção - 76, 77, 96, 205, 339, 364, 365, 381

Dano moral (quantificação) - 334, 335

Cumprimento imperfeito da obrigação - 27, 29, 45, 67, 131, 173-256 Cumprimento inexato - 115, 131, 132, 321, 322, 323, 324 Cumprimento 131

pontual

inexato

-

Dano patrimonial - 273, 313, 314, 317, 323, 324, 328, 335, 362, 379 Dano presumido - 333 Dano previsível - 340, 341 Decadência - 211, 216, 249, 250, 253, 262, 263, 355, 388-404

437

ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO

Decadência (reconhecimento ofício) - 404

de

Dever de omissão - 386, 387 Dever de proteção - 310, 383

Decadência (suspensão e interrup­ ção do prazo) - 211, 216, 255, 395, 396, 414 Defeito (do produto ou serviço) 76, 78, 185-188, 189, 194, 199, 200, 204, 258, 264, 302, 308, 320, 333, 334, 345, 349, 367, 401, 409 Defeito de criação/informação/ produção - 204, 205, 225, 239, 241, 258, 307, 367, 374, 375 Denúncia (vício) - 250, 252, 253, 254, 255, 256, 266, 390, 395, 397, 398, 399

Dever de segurança - 156, 185, 310, 371, 386 Deveres laterais (deveres acessóri­ os) - 144, 185 Dicta in mancipio - 31 Dicta et promissa in vendendo - 35 Digesto - 172 Direito da personalidade - 49, 321, 328, 373, 411 Direito germânico - 30, 65 Direito germânico setentrional - 51 Direito gótico - 51

Denúncia (ônus da prova) - 91, 253, 254, 401

Direito justinianeu - 30, 44, 45

Denúncia (Procon) - 399

Direito lombardo - 51

Denunciação à lide - 243

Direito quiritário - 30

Descumprimento 260

insignificante

-

Direito subjetivo (limitação) - 225, 289, 371, 375, 413

Desistência da ação - 294

Direito visigótico - 49

Despesas contratuais - 314, 315, 347, 410

Direito vulgar - 48

Despesas processuais - 293, 294 Deterioração do bem viciado - 107, 185-188, 275, 277 Dever de auxílio ou colaboração 144

Doação - 149 Dolo - 279, 315, 341, 343, 344, 345, 347, 349, 365

E

Dever de conselho - 144

Editto de costratione puerorum 37

Dever de cuidado - 183, 310

Editto de feris - 37, 40

Dever de informar - 183, 184, 307, 374, 375, 376, 383

Editto de iumentis vendundis - 37, 39

Dever de lealdade - 161, 360

Editto de mancipiis vendundis - 37

438

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Empreitada - 209 Ente despersonalizado - 93, 101 Enriquecimento ilícito - 337 Equidade - 104, 135, 172, 328, 357 Equity - 73 Erro - 153, 207, 318, 376 Erro desculpável (escusável) - 160, 161 Erro obstáculo - 156 Erro motivo e impróprio - 156 Erro próprio - 157

Execução parcial da obrigação 131, 137, 191, 290, 306, 308, 314, 321, 322, 333, 335, 337, 342, 355, 356 Exercício regular de direito - 253, 312, 329, 389, 398 Extinção do feito (sem julgamento do mérito) - 294, 303

F Fato do produto e do serviço - 23, 94, 75, 144, 239, 240, 242, 317, 368, 370, 373, 379

Erro reconhecível - 157, 161, 165

Fato necessário - 384, 385, 386

Erro relevante (substancial) - 159

Fato superveniente - 108, 113

Erro sobre o preço - 160

Federal Trade commission Improvement Act (MagnusonMoss Act) - 84

Error in corpore - 158 Error in qualitate - 167 Error in negocio - 158 Error in persona - 159 Error in substantia - 167

Força maior - 362, 363 Franquias - 238 Função social do contrato - 340, 356

Estado de perigo - 156 Evicção - 122, 123, 180 Exceptio non (rite) adimpleti contractus - 260, 262, 264, 265 Excessiva onerosidade - 110-113, 357, 385 Exclusão da garantia (de responsa­ bilidade) - 61 Execução defeituosa - 131, 132, 265, 292, 320, 333, 335 Execução forçada - 106, 139, 339, 364, 365, 381

G Garantia contratual - 85, 180, 247256, 295, 395, 397, 399 Garantia de qualidade - 73, 140, 176, 181, 186, 199, 238, 248, 258, 284, 313 Garantia legal - 211, 247, 248, 250, 251

H Hasta pública (vendas em leilões judiciais e extrajudiciais) - 88, 363-366

439

ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO

Honorários advocatícios - 294

Indenização (redução) - 357 Indenização antieconômica - 302

I

Inexecução culposa - 107, 340, 341, 343, 355

Implied terms - 71, 75, 147 Implied warranty - 45 Implied warranty of fitness for a particular purpose - 83 Impossibilidades (física, jurídica, subjetiva, objetiva, definitiva e temporária) - 109, 110, 119 Impossibilidade 108, 113

superveniente

-

Imprevisibilidade - 113, 340, 341, 384, 386

Inadimplemento 114, 340

não

-

Informação (defeito) - 144, 183, 204, 205, 225, 239, 258, 307, 374, 375 Infração penal (prazo prescricio­ nal) - 412

Inadimplemento fortuito - 107, 383, 384 Inadimplemento culposo 340, 343, 355

Inexecução do contrato (Inadim­ plemento - resolução) - 135137, 174-175, 207, 261, 279, 289, 308, 322, 323, 325, 327, 334, 337, 339, 341, 342, 349, 355, 356, 358, 361, 362

Inquérito civil - 400 107,

culposo

Interesse positivo - 314, 317 Interesse processual - 288, 289, 303

-

Inadimplemento parcial - 132, 314, 321, 322, 323, 325, 335, 337, 355, 358 Indenização - 73, 76, 96, 109, 181, 183, 198, 213, 233, 235, 238, 239, 240, 242, 245, 255, 257, 265, 267, 273, 275, 276, 279, 284, 297, 299, 303, 304, 309, 312-314, 317-321, 323, 324327, 329, 331, 334-337, 339, 340-352, 355, 358, 359, 361, 362, 363, 373, 379, 381, 383, 385, 404, 405, 408, 409, 410, 411 Indenização (prazo prescricional) - 138, 212, 213, 322, 406, 407, 408, 413, 414

Interesse negativo - 314, 315 Isenção de responsabilidade (fato do produto/serviço) - 170, 353, 370, 371 Ius civile - 36 Ius commercii - 32 Ius gentium - 30 Ius honorarium - 36 Ius talionis - 26

J Juros legais - 80, 130, 131, 280, 285 Juros extorsivos - 99

L Leasing - 112, 157, 393

440

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Lei Aebutia - 30

Morbus - 367

Lei da Boa Razão - 55

N

Lei das XII Tábuas - 30, 32, 34

Naturalismo jurídico - 47, 48

Lei Voconia - 38

Negligência - 58, 73, 225, 319

Leis de Platão - 28, 29 Lesão - 155, 157 Liberdade contratual - 288, 289, 353, 356 Limitation act - 77, 78

Nexo causal - 111, 312, 338-343, 373, 379, 385, 387

O Obrigação solidária - 236-247

Litisconsórcio necessário - 243

Obrigações acessórias - 178, 182, 183

Locação de imóvel - 180, 181, 392, 393

Obrigações conjuntas - 236

Lucros cessantes - 114, 304, 315, 318, 319, 327, 340, 341, 347, 410 L’ Unfair Contract Terms act - 71, 372

M Má execução - 131, 132, 184, 185, 409 Má prestação - 131, 132 Mancipatio - 32 Mancipio accipiens e Mancipio dans - 33, 259 Mau cumprimento - 142, 143 Medida Cautelar (produção anteci­ pada de prova) - 399

Obrigações de não fazer - 128, 144, 313 Oferta ao público - 96, 105 Ônus da prova - 91, 227, 253, 254, 260, 262, 270, 271, 288, 333, 337, 346, 349, 350, 358, 363, 378, 379, 380, 401 Ordenações Afonsinas - 53, 363 Ordenações Filipinas - 53, 363 Ordenações Manuelinas - 53, 363

P Pacta sunt servanda - 99 Patrimônio - 313, 314, 317, 323, 324, 331, 335, 367, 404

Merchantible quality - 82

Pedido (cumulação) - 351, 352, 408

Ministério Público - 400, 401

Pedido alternativo - 296, 305

Modo - 146

Pedido subsidiário - 293, 294, 305

Mora - 125-127, 174, 176, 185, 307, 336, 340, 345, 349, 355, 357, 363

Pedido sucessivo - 295, 298 Pena civil (dano punitivo) - 336, 357

ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO

Perda do bem viciado - 122, 123, 275, 284 Perda do objeto (possibilidade de propositura da ação redibitória) - 51, 273, 274, 280 Perdas e danos - 56, 65, 96, 131, 250, 303, 306, 322, 323, 327, 351, 352, 408 Pessoa física - 90, 97, 101, 103 Pessoa jurídica - 30, 91, 101, 103, 334, 354 Publicidade enganosa - 96, 206, 308, 319, 376 Prazo (obstaculização - CDC) 210, 251, 255, 299, 389, 393, 395, 397, 398, 399, 400, 404, 411, 414 Prejuízo efetivo - 319 Prescrição (prazo prescricional) 36, 138, 210, 215, 265, 373, 404-414 Pressuposição - 146-153 Pressupostos processuais (ausên­ cia) - 262, 273, 303 Prestação de serviços - 26, 78, 92, 174, 181, 369, 377 Prestação de serviços (solidarieda­ de) -

Princípio da confiança - 156, 333 Princípio da livre concorrência 292 Princípio da personalidade do direi­ to - 373 Princípio do minimis non curat - 73 Produção antecipada de prova 399 Produto (antecipação) - 200 Produto (adulterado) - 206, 207 Produto (alterado) - 200, 206, 207 Produto (avariado) - 206, 207, 208 Produto (consumidor) - 201, 272 Produto (corrompido) - 206, 207 Produto (danificado) - 76, 199, 207 Produto (destinatário final) - 90, 92, 101, 103, 104 Produto (deteriorado) - 95, 206, 207, 272, 275, 277 Produto (durável e não durável) 206, 239, 305, 400, 402, 403 Produto (essencial) - 300, 301 Produto (falsificado) - 81, 206, 207, 239, 241 Produto (fraudado) - 207

Presunção (momento da existência do vício) - 270, 271, 272, 392, 393, 400

Produto (impróprio) - 142, 206

Presunção de culpa - 349

Produto (má conservação) - 239, 241

Pressuposição Princípio da economia processual - 285

441

Produto (inadequado) - 83, 84, 206, 208, 241, 258

Produto in natura - 242 Proposta - 61, 64, 65

442

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Q Qualidade (ausência) - 62, 65, 87, 115, 116, 123, 175, 181, 190, 198-209, 216, 237, 258, 277, 292, 302, 401 Quantidade (ausência) - 57, 62, 87, 175, 176, 181, 205, 213, 226, 237, 243, 248, 292, 302, 401

R Rebus sic stantibus - 110, 151

Responsabilidade contratual - 78, 79, 237, 255, 288, 310, 311, 320, 407, 409, 410 Responsabilidade exclusiva - 242 Responsabilidade objetiva - 78, 144, 213, 244, 344, 348, 373, 379, 387 Responsabilidade Civil pelo Fato do Produto ou Serviço - 309366, 369, 373, 379, 385

Recall - 375, 383

Responsabilidade solidária - 236, 242

Recebimento da coisa ou serviço (direito à recusa) - 125, 257, 258, 259, 260, 274

Responsabilidade subjetiva - 144, 213, 384

Reclamação - 266, 390, 395, 397, 398, 399, 401

Responsabilidade 240, 242

Recognoscibilidade 221

Risco do desenvolvimento - 377, 386

-

161,

162,

Redibição parcial - 139, 278, 282 Refazimento do serviço - 139, 169, 255, 292, 299, 306, 307, 309 Regra da especialidade - 162 Regra de segurança - 375 Renúncia - 278, 297, 355 Res perit domino - 213, 276 Responsabilidade (pressupostos) 186, 255, 275, 312, 313, 341 Responsabilidade (agência de via­ gens) - 229, 245, 246 Responsabilidade aquiliana - 144, 310, 311, 411 Responsabilidade extracontratual 79, 237, 255, 311, 370, 371, 409, 411

subsidiária

-

Riscos - 135, 322, 323, 331, 340, 365, 369, 374, 376, 384, 386, 411

S Sale and Suply of Goods act - 70, 77 Sale of Goods act - 68, 70-75, 187, 195, 372 Sanção - 206, 329, 335 Serviço bancário - 98, 101 Serviços duráveis e não duráveis 400, 402, 403, 404 Serviço gratuito - 98 Sinalagma - 112, 169, 284 Solidariedade - 236, 237, 238, 239, 242, 243, 244, 245, 246, 247

ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO

Stipulatio - 33, 34, 52 Stipulatio duplae - 33, 34 Stipulatio habere licere - 33 Substituição do bem - 66, 96, 139, 142, 205, 206, 207, 267, 268, 269, 299, 301, 303, 304-307, 309, 406 Suply of Goods and Services act 77

T Teoria da Base do negócio - 147 Teoria da imprevisão - 112, 150 Teoria do risco profissional - 36, 346 Teoria finalista e maximalista - 92, 93, 105 Termo - 126, 146 Tradição - 55, 170, 171, 230, 231, 275, 276, 390, 392, 394, 395 Tratado das Leis de Platão - 28

U Unfair Contract Terms Act - 372

443

Venire contra factum proprium 225, 226 Vício (anterioridade/preexistência) - 225, 229-231, 255, 268, 270, 271, 272, 275, 392, 393, 394, 400 Vício (eliminação) - 254, 255, 267, 268, 269, 299, 302, 337, 395, 410 Vício (prova) - 262, 263, 349, 383 Vício (serviços) - 264, 302, 308, 379 Vício aparente - 31, 56, 168, 218227, 258, 402 Vício conhecido - 32, 221, 224, 296, 297, 345, 346, 354, 378 Vício de direito - 60, 312 Vício de qualidade - 31, 56, 175, 198, 181, 186, 198-209, 217231, 257, 262, 299, 308, 313, 343, 367, 369 Vício de qualidade por inseguran­ ça - 23, 367, 374

V

Vício de quantidade - 56, 172, 181, 213-216, 217-231, 237, 257, 258, 262, 299, 307, 308, 313, 348, 367

Valor da restituição (cálculo) - 285, 286, 287, 288, 335, 356, 361

Vício do consentimento - 116, 123, 136, 161, 162, 171

Veículo (chassi adulterado) - 118, 119

Vício essencial (relevante) e não essencial - 53

Venda ad corpus e ad mensuram 214

Vício grave - 66, 166-168, 227229, 262, 270, 284, 290, 344

Venda por amostra - 82, 84

Vício insignificante - 56, 75, 168, 260, 322

Uniform Commercial Code - 82, 201

Venda sub corona - 39

444

VÍCIOS DO PRODUTO E DO SERVIÇO

Vício jurídico - 216-217

Vício temporário - 229

Vício não grave - 298

Violação dos deveres de omissão 144

Vício oculto - 51, 66, 119, 137, 162, 166, 180, 186, 218-227, 275, 281, 354, 365, 401

Violação positiva do contrato 131, 135, 142

Vício perpétuo - 229

Vitium - 367

Vício por insegurança - 237, 367387

Vulgata - 50

Vício por solidez e segurança 209-213, 257 Vício reconhecível - 160, 221

Vulnerabilidade - 99

W Warranty - 81, 82

Diagramação eletrônica e revisão Oficina das Letras Apoio Editorial Ltda. CNPJ 03.391.911/0001-85

Impressão e acabamento Editora Parma Ltda. CNPJ 62.722.103/0001-12

A.S.L3830

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Paulo Jorge Scartezzini Guimarães

Vícios do Produto e do Serviço por Qualidade, Quantidade e Insegurança Cumprimento Imperfeito do Contrato “Apesar da postura polêmica e precisão técnica, não estamos diante do que se costuma chamar de trabalho acadêmico, em sentido estrito, como aqueles que ficam nas estantes para raras consultas de outros tantos acadêmicos. Seu modo de expor cria texto fluente e também prático que, tenho a certeza, vai ser muito útil para advogados e juizes, porquanto vem bem ilustrado com casos práticos e hipóteses de cumprimento imperfeito dos contratos, como, por exemplo, o problema dos vícios nas coisas usadas ou de ‘ponta de estoque’, tão comuns no mundo contemporâneo; ou, então, o dos vícios que existem sobre os acessórios e componentes da coisa principal, como também, o corriqueiro cumprimento imperfeito nos atualíssimos contratos eletrônicos, o que só tende a ampliar-se. Todavia, sua ousadia chega ao ápice quando lembra que no Direito Brasileiro o instituto milenar da ‘mora’ engloba, além de questão do tempo, a do lugar e da forma de cumprimento diferentes das convencionadas no acordo. Nessa linha de raciocínio, coloca, então, como espécies de cumprimento imperfeito (em sentido amplo) pela forma os institutos dos vícios de qualidade e quantidade, que são, na verdade, institutos autônomos. Daí surge a grande interrogação do leitor: como conciliar coisas tão diferentes, se para a mora é exigido o requisito da culpa, o que não se dá nos casos dos vícios de qualidade e quantidade? O autor soluciona esse conflito afirmando que há hipóteses de mora onde não se exige a culpa e havendo antinomia, prevaleceriam as regras do vício e só, subsidiariamente, as normas sobre a mora. Em suma, defende a tese de que o cumprimento imperfeito da obrigação não é uma terceira via, entre o inadimplemento total e a mora, principalmente nos casos do não cumprimento no lugar e forma convencionados.” (Do Prefácio, de TERESA ANCONA LOPEZ.)