Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas
 9788576281627

Citation preview

TEORIA LITERARIA

~

ABORDAGENS HISTÓRICAS E TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS

Y Edição (revista e ampliada)

!

I

J EDITORA DA UNIVElJSlDADE ESTADUAL DE MAruNGÁ Reitor: Prof. Dr.Júlio Santiago Proles Filho. Vice-Reitora: Frota. Dra Neusa AItoé. Diretor da Eduem: Pro! Dr. Alessandro de Lucca e Braccim. Editora-Chefe da Eduem: PraIa Dra. Terezinha Oliveira.

CONSELHO EDITORIAL Presidente: Prol. Dr. Ales.sandro de Lucca e BracCÍnÍ- Editores Científicos: Prol. Dr. Adson Cristiano &zzi Ramatis Lima. Prola. DTa. Ana Lúcia Rodrigues, Prata. DTO. Angelo Mara de Barros Lara, Prola. Ora. Analete Regina Schelbauer, Pro!. Dr. Antonio Ozai da Silva, Prola. Ora. Ceer1io Edna MarC2e da Costa, Prol. DT. Clóves Cabreira Jobim, Pro/a. DTa. Eliane Aparecida Sanches Tonolli, Pro!. DT. Eduardo Augusto Tomanik, Pro!. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto, Prota. Ora. lsmara Eliane Vidol de Souza Tasso, Prol- Dr. Evaristo Atêncio Paredes, Prota. DTO. Larissa Michelle Lara, Prol. DT. Luiz Roberto Evangelista, Prola. DTO. Luzia Marta Bdlim. PraIa. Dro. Maria Cristina Gomes Machado, Prol Df. OszL'aldo Curty da Motta Lima, Prol. Dr. Raymundo de Lima, Prola DTO. Regina Lúcia Mesti, Prol- Df. Reginaldo Benedito Dias. Prola. Dra Rozilda das Neves Alves, Prol. Dr. Sczinando Luis Menezes, Pro!. DT. Valdeni Soliani Franco. Prola Ora. Valéria Soares de Assis

EQUIPE TÉCNICA Fluxo Editorial: Edilson Damasio. Edneire Franciscon lacob, Mônica Tanamati Hundzinski, Vania Cristina Scomparin. Projeto Gráfico e Design: Marcos Kazuyoshi Sassak(1. Artes Gráficas: Luciano Wilian da Silva. Marcos Roberto Andreussi. Marketing: Marcos Cipriano da Silva_ Comercialização: Norberto Pereira da Silva, Paulo Bento da SihIQ. Solange Marl): Oshima

TI IUMAS BONNICI LÚCIA OSANA ZOLIN

(Organizadores)

TEORIA LITERARIA

~

ABORDAGENS HISTÓRICAS E TENDÊNCIAS CONTEM~ORÂNEAS

3" Edição (revista e ampliada)

PREFÁCIO

Marisa Lajello

.'

~!!

Maringá 2009

Copyright © 2003 para os autores Y Edição 2009 la. reimpressj() da:h Ed

~

2009, 2a. reImpressão d" 3a. Ed.

~

2011. 3d. reimpressão da.h Ed.

~

2012

Todos os direitos reserndo,. Proihida a reprodução, mesmo parcIJI. por qualquer processo mecânico, eletrôl11co, reprográfico etc, sem a autorização, por escnto. dos autores. Todos os direitos reservados desta edição 2009 para Eduern Revisão textual e gramatical: Maria Regina Pante. Antôl110 Augusto de Assis Nonnalização: Ana Cmtll1a Hintze Jaeger Projeto gráfico e diagramação: Marcos Cipriano da SIlva, Marctls Kazuyosh! Sassaka Capa - ilustração: Tânia Machado Capa - arte final: Luciano Wilian da Silva Imagens: Fornecidas pelos autores Ficha catalográfica: Edilson Damasio (CRB 9-1123) Fonte: A1dine401 BT Tiragem (versão impressa): 500 exemplares

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Eduem - VEM, Maringá - PR., Brasil) T314

Tpuria literária: abordagens hi:l Ronn~ci,

406 P

lcas e tendências contemporâneas / Lúcia Osana Zolin. 3. ed. rev. e amplo Maringà : Eduem, 7009.

Thomas

il.

ISBN 978-85-7628-162-7

1. Terria literária. 2. Poesia - Narrativa. 3. Estudos culturais. 4. POS-M0dcII: (Literatura). S. Texto literário. 6. Critica literária. 7. Artes. I. Bonnici, Thomas, Zolin, Lúcia Osana, org. 111. Titulo.

11

CDD 21. ed.

Editora filiada à

Assodaçlo Brastl,""

das Editoras Universitárias

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá

Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário - 87020-900 - Maringá-ParalLí

Fone: (Oxx44) 3011-4103 - Fax (Oxx44) 3011-1392

Site: http://wv;weduem.uem.hr ~ E-mail: [email protected]

Aos nossos alunos

"

MARIO

PREFÁCIO ............................................................................................... .

11

INTRODUÇÃO ..... ........ . ............................................. .

15

PARTE O

I

TEXTO LITERÁRIO

CAPÍTULO 1 AFINAL, O QUE É LITERATURA?

19

Mirian Hisac Yacgashi Zapponc e Vela Helena Gomes Wlelcv/lcki

PARTE

II

OPERADORES DE LEITURA

CAPÍTULO 2 OPERADORES DE LEITURA DA NARRATIVA ........................................................... .

33

An,aldo Franco Junior

CAPÍTULO 3 OPERADORES DE LEITURA DA POESIA ................................................................................................. .

59

Clarice Zamonaro Cortez e Milton Hermes Rodrigues

CAPÍTULO 4 OPERADORES DE LEITURA DO TEXTO DRAMÁTICO ................................................................................

Sonia Aparecida Vido Pascolati

93

r

PARTE

III

CRÍTICA LITERÁRIA CONTEMPORÂNEA

CAPÍTULOS .......................................................................................... .

115

TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTURALISTAS ........................................................................ .

131

FORMALISMO RUSSO E NEW CRITICISM

Arnaldo Franco J Ull íor

CAPÍTULO 6

Thomas

BOI111IC!

CAPÍTULO 7

ABORDAGEM ESTILÍSTICA ............ ......... .

159

Milton HCTmes Rodngues

CAPÍTULO 8

CRÍTICA SOCIOLÓGICA ............ .

177

Marísa Corrêa Silva

CAPÍTULO 9

ESTÉTICA DA RECEPÇÃO .................................................................................... .

Mírian Hisae Yaegashí Zappone

CAPÍTULO 10

A

DESCONSTRUÇÃO DE jACQUES DERRIDA ........................................................................................... .

201

Marcos Siscar

CAPÍTULO 11

MATERIALISMO LACANIANO .........................................................................................................

211

Marisa Corrêa SIlva

CAPÍTULO 12

CRÍTICA FEMINISTA............................................................................................................................... .

217

Lúcia Osana Zolin

CAPÍTULO 13

CRÍTICA PSICANALÍTICA ....................................................................................................................... .

243

Adalberto de Oliveira Souza

CAPíTULO 14

TEORIA E CRÍTICA PÓS-COLONIALISTAS ........................................................................................

257

Thomas Bonnici

CAPÍTULO 15

CRÍTICA GENÉTICA ............................................................................................................................... .

Adalberto de Oliveira Souza

287

PARTE

IV

PÓS-MODERNISMO & LITERATURA

CAPÍTULO 16

O PÓS-MODERNISMO .......... .

301

Giséle MangdIlc-lh Fernandes

PARTE

V

LITERATURA & ESTUDOS CULTURAIS

CAPÍTULO 17

31 ()

LITERATURA E ESTUDOS CULTURAIS ...

Mana Elisa Cevas co

CAPÍTULO 18

327

LITERATURA DE AUTORIA FEMININA ...................... .

Lúcia Osana Zolin

CAPÍTULO 19

337

LITERATURA DE AUTORIA DE MINORIAS ÉTNICAS E SEXUAIS ....... .

Célia Regil1:l dos Santos e Vera Helena Gomes WlelewlCb

P ARTE

VI

LITERATURA & OUTRAS ARTES

CAPÍTULO 20

355

LITERATURA E PINTURA ....................... .

Clarice Zamonaro Cortes

CAPÍTULO 21

369

LITERATURA E CINEMA ....................................................... .

Andise Reich Corseuil

CAPÍTULO 22

379

LITERATURA, ILUSTRAÇÁO E O LIVRO ILUSTRADO ............................................................................... .

Nilce M. Pereira

ÍND

I C E R E M ISS I V O ....••••.•••......•......••.•.••.••..••.•.•••.......•.•......•••.••...•••••••.•.....•.........•.•.•....•••••••...•.•..........

395

SOB R E O S A U T O R E S ................................................................ ...........................................................

405

T

11 () 'vI A \

R ()

~I N

1(' r /

T r'{ f ' r A

( ) '- " r--.T A

7 () r

IN

(() R

r.

A N r '/ A r) () R f'

S) -

9

Teoria Literária é disciplina que faz parte do currículo de Letras, além, é claro, de integrar o horizonte de especulações de alguns bons leitores. E o que estudar e sobre () que meditar sob esta rubrica está bem longe de constituir unanimidade nacional. Muito pelo contrário. A pluralidade de enfoques que a disciplina Teoria Literária recebe nas centenas de cursos de Letras (430 cursos inscritos no Enade) que, pelo Brasil afora, formam professores e pesquisadores é, obviamente, desejável e muito positiva. Afinal, desde o declínio do prestígio da Retórica, em meados do século XVIII, o estudo da literatura vem se tornando cada vez mais plural, abrindo espaço para olhares múltiplos e nem sempre convergentes. Se à Retórica substituiu-se a História Literária, segue-se (ou soma-se?) a esta a Teoria da Literatura. Alguns dos olhares que olham o literário investigam o estrato linguístico e discursivo do que se considera literatura, outros focalizam as relações da literatura com a história, outros ainda se debruçam sobre eventuais relações entre o criador e a obra criada. E ainda há muitos e muitos outros, alguns inclusive, mais recentes, que privilegiam a figura humilde do leitor.

As diferentes perspectivas assumidas pelos estudos da literatura face a seu objeto muitas vezes coexistem e hoje em dia quase sempre se sobrepõem. O resultado é que uma história dos estudos literários não se representa como uma sucessão linear de pressupostos teóricos, de procedimentos metodológicos ou de posições críticas. As diversas perspectivas - ainda que conflitantes - interpenetram-se e somam-se: quando não na contemporaneidade do momento de sua formulação, muitas vezes no percurso de sua circulação e, com certeza, na cabeça e em trabalhos de professores e pesquisadores que, no braço a braço com o texto, valem-se de qualquer fragmento de teoria, procedimento metodológico ou perspectiva crítica que os auxilie a dizerem alguma coisa relativamente ao texto que, por profissão, estudam, analisam, ensinam, criticam. Pois, já se sabe, criticar, ensinar, analisar ou estudar um texto é, sobretudo, dizer alguma coisa sobre ele. Dizer não qualquer coisa, mas certas coisas. Daí a importância e oportunidade deste Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas, assinado a muitas mãos, todas elas com experiência no ensino superior brasileiro. Antes de mergulhar nas páginas que aqui se ocupam de diferentes aspectos e questões da teoria literária, vale a pena lembrar que a própria organização do livro - como, de resto, ocorreria com qualquer livro que tratasse dos mesmos assuntos - já corresponde a uma determinada perspectiva face à literatura e à reflexão sobre ela.

9!

Composta de vários módulos, esta obra tanto se oferece para uma leitura sequencial, página depois de página do primeiro ao último capítulo, quanto para leituras salteadas - um capítulo aqui c outro ali - de acordo com os interesses de momento dos leItores. Será mesmo possível esta leitura salteada;:> Com certeza sim, embora se reservem algumas recompensas para leitores que encomendam o cardápio na sequência sugerida pelo maítre. O liVTo se abre de forma inteligente e instigante. anunciando a reflexão através da qual se formula a questão primordial: o que é literatura? Longe de qualquer dogmatismo, as páginas iniciais do capítulo I do liVTo vão simultaneamente oferecendo e desconstruindo hipóteses que cercam definições de literatura. Trata-se de opção sem dúvida arrojada, e que não tem como evitar polêmicas com quem espera que estudos de teoria literária se iniciem por uma definição de seu objeto. Se oceanógrafos podem ter alguma certeza quanto ao objeto de seu estudo, e da mesma forma engenheiros mecânicos ou neurocirurgiões, esta certeza está proscrita para o profissional da literatura.

No caso dos estudos literários e da definição de seu objeto, o processo é maIs relevante do que o produto, importando mais os passos pelos quais se constrói uma ou outra definição do que venha a ser o literário do que a definição propriamente dita. Ou seja, são mais relevantes os procedimentos pelos qu;tís se circunscreve um ou outro segmento da produção verbal humana como literário ou como nãó literário, do que o resultado do processo de construção ou de circunscrição do que é e do que não é literatura. ' Esta primeira parte do livro - "O texto literário" - é, pois, onde mais se abre o leque de perspectivas oferecidas aos leitores: o granum salis com que a porta de entrada do livro tempera as reflexões que faz sobre o texto literário pode temperar também o que vem depois do capítulo de abertura, sendo isso uma das recompensas da leitura linear e sequencial da obra. Prosseguindo na hipótese da leitura ordenada das duas primeiras partes da obra, registre-se que um tal processo satisfaz expectativas que parecem muito generalizadas: a de que primeiro se discute o que é literatura ou, melhor dizendo, o que é que torna literário um texto e só depois se estabelece como trabalhar com o texto considerado literário. Pois - nunca é demais repetir - para os profissionais de literatura, o caráter literário de um texto é uma espécie de ponto de partida para o exercício profissional que, embora possa encerrar-se pelo retorno ao texto, constitui sempre um discurso sobre o texto, por mais que se creia (ou se anuncie como) colado a ele.

É nesta perspectiva que se pode entender que a segunda parte deste Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas se detenha sobre o que chama de operadores de leitura, isto é, discuta os componentes do texto que servem, por exemplo, para estabelecer uma das classificações básicas com que trabalham os estudos literários ao estabelecerem distinções entre narrativa, poesia e drama. Ao percorrer estas três partes iniciais, o leitor estará tendo uma oportunidade muito boa para meditar sobre a fecunda contradição que aguarda todos os profissionais de literatura que a encaram como algo mais do que uma disciplina escolar que dura um ou mais semestres da graduação de Letras. A Teoria Literária explica ou constitui o objeto do qual ela se anuncia uma teoria? Ou o explica e o constitui? Por um lado, pode-se pensar - e, efetivamente, muita gente pensa assim - que teoria literária é a disciplina responsável por familiarizar o estudante com a metodologia necessária para análise dos textos que ele estuda quando estuda qualquer das literaturas curriculares, da infantil à brasileira, da comparada à de língua inglesa. Encarada desta perspectiva, a teoria literária transforma-se numa espécie de tecnologia literária. Por outro lado, pode-se pensar - e outro tanto de gente esposa esta ideia - que teoria literária é uma especulação gratuita sobre os objetos que são chamados de literatura. Sem nenhum compromisso com categorias analíticas ou com procedimentos técnicos, deste ponto de vista, a teoria literária se constitui um espaço reflexivo que tanto se ocupa das várias concepções de literatura em vigência em diferentes momentos históricos, como medita sobre a passagem de uma concepção a outra.

"

'T'

r

i"'\

n

I

.d

11TFRÁRIA

Os quatro últimos segmentos de Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas oferecem ao leitor um panorama contemporâneo de diterentes questões e perspectivas que balizam os estudos literirios. Se nem todas as geografias deste panorama falam com sotaque brasileiro, em vi rios momentos do livro, o diálogo entahulado entre uma ou outra teoria e uma ou outra obra do cânone literário brasileiro articula as questões que levanta a um acervo (por hipótese) mais familiar para os leitores deste livro. Alguns dos desdobramentos dos estudos literários aqui discutidos e incluídos na parte desta obra que se ocupa da contemporaneidade (partes lU e IV) já têm sua história: tanto o estruturalismo quanto a crítica sociológica ou a psicanalítica, por exemplo,ji se desenvolveram a ponto de gestarem e inspirarem suas próprias reformulações ou contestações. Talvez, por isso, esta terceira e quarta partes sejam das que mais atenção exigem dos leitores, já que resenhar teorias não é nunca tarefa neutra: sempre se resenha a partir de um ponto de vista, de 11m repertório e para (ertos interlocutores O livro se fecha com capítulos que ~ como fica bem em capítulos finais ~ apontam para fina do campo estrito literário, retomando simultaneamente a questão trabalhada no capítulo de abertura. Recobertos pelos títulos "Literatura & estudos culturais" e "Literatura & outras artes", seis capítulos investem - bem mais do que os anteriores ~ em perspectivas interdisciplinares dos estudos literários. São vários os centros universitários de ponta, hoje, onde o estudo da literatura é partç do que se chama de estudos culturais. A questão é polêmica e pega fogo: transformar a literatura em uma manifestação cultural, incluindo nela Cebolinha, Capitu, O Navio Negreiro, telenovelas globais e anúncios de lingerie desagrada a muita gente. Para estes, esta perspectiva põe em xeque a especificidade estética da literatura que, assim, se dissolveria no universo semovente de diferentes linguagens e diferentes mídias. No avesso desta radical abertura do conceito de literatura, os tres capítulos finais do livro resgatam a identidade do literário, propondo uma contraposição entre literatura e outras artes, recuperando neste contraponto a especificidade da primeira. Aqui, a identidade da literatura enquanto linguagem especítlca e altamente valorizada se constrói e se afiança no diálogo que estabelece de igual para igual com outras linguagens ~ pintura, cinema e ilustrações, no caso - para as quais nossa cultura atribui valor artístico. Nesta contraposição que encaminha o livro para seu encerramento nada mais adequado e justo do que o leitor repetir a pergunta que abre o livro: afinal, o que é literatura? Que ninguém se engane com a repetição: se a pergunta chave pode repetir-se ao final do lívro, ela se repete (e se responde) de maneira diferente, porque formulada (e respondida) agora por um leitor muito mais informado dos caminhos, atalhos e becos que espreitam quem viaja pelas movediças sendas dos estudos literários. Viagem para a qual este livro é um bom companheiro.

Marisa Lajolo UNICAMP

,..,

TRODUÇAO

MAIs

UM MANUAL DE TEORIA LITERÁRIA?!

Desde o tempo em que a "oratura" predominava como um veículo de transmissão das histórias míticas, não apenas nas sociedades indígenas, africanas e americanas, mas também nas comunidades "mais avançadas" egípcias e gregas, as manifestações de crítica surgiram como que inerentes à mente irrequieta e investigadora do homem. A materialização da narração dos mythoi antigos, antes cantados ao redor da fogueira nas noites frias, agora através de letras, ou na "literatura", instigou ainda mais o intelecto humano a elaborar teorias, críticas e métodos para analisar seu produto estético. O gosto pela realização do belo, a poiesis dos gregos, em suas várias manifestações, levou-o à formulação de conceitos básicos para analisar o texto literário, para denunciar exclusões estéticas e recuperar o terreno perdido de expressões que integram a natureza humana.

É nesse contexto que podem ser vistas as obras de teoria literária de Aristóteles, Horácio e Longinus, na Antigüidade clássica; de Bellay, Viperanus, Boileau-Despréaux, no Renascimento e no Neoclassicismo; e de Foster, Frye, Kayser, Aguiar e Silva, Brooke e Eagleton, entre outros, na época contemporânea. Acrescentam-se também os múltiplos desafios ideológicos, os quais, a partir dos anos 1960 até o presente, deram origem a novas manifestações literárias e modalidades de crítica literária. Presume-se que já se passou o tempo em que a interpretação de textos literários e a teoria literária eram vistas como esferas distantes uma da outra. A interpretação de um texto, seja ele lírico, épico ou dramático, muitas vezes passava ao largo da teoria literária, já que a primeira se referia exclusivamente a "descobrir" o tema concebido pelo poietes, enquanto a última concentrava-se em generalizações que jamais se encaixavam nos textos específicos. Nestes últimos quarenta anos, vê-se a aproximação entre a teoria e a interpretação dos textos. É consenso hoje que qualquer interpretação deve envolver a teoria e os conceitos a ela inerentes. Ademais, a teoria tornar-se-ia estéril se se furtasse dela a interpretação do texto. Estamos convencidos de que, em todos os níveis de análise, especialmente nos estudos literários acadê.micos, a teoria e a interpretação são essencialmente conexos. Para o professor de Literatura, é um desafio apresentar ao aluno de graduação um grande número de textos teóricos seminais que alicercem a análise dos textos submetidos a seu apreço. De fato, os professores de Literatura e Teoria da Literatura encontram-se, quase sempre, em situação pouco confortável no momento de selecionar textos sobre teoria da literatura para serem trabalhados em sala de aula, com alunos de graduação. Isso ocorre porque grande parte do material disponível no mercado não é destinada à graduação, mas ao pesquisador, em geral iniciado. Trata-se de publicações que contemplam a teoria literária a partir de suas fontes, mas que, efetivamente, não atingem o aluno; a linguagem é hermética e as discussões são eminentemente teóricas, acarretando, não raro, o desinteresse do aluno em relação à matéria. Por outro lado, os manuais disponíveis abordam, em sua

r

" u,o,ia,,, tendên"", nit,m ,,,dic,ona,,,sem contempla,,, ahmdagem ma" ,ecente,. E,m, q""" sempre, estão dIspersas em textos de seus tormuladores, geralmente estrangeIros. Foi visando colaborar para com o preenchimento dessa lacuna que nasceu o projeto deste manual, envolvendo diversos professores do Departamento de Letras da Universidade Estadual de Maringá e convidados de outras instituições. Em se tratando de um grupo consideravelmente grande, os capítulos acabaram por assumir configuração bastante diversificada, tanto em relação à extensão quanto à linguagem e até mesmo à profundidade das discussôes. Apesar dessa peculiaridade imposta pelo próprio caráter de coletânea que o livro possui, nosso objetivo foi disponibilizar para o professor e para o aluno de graduação reflexões acerca da literatura e das principais maneiras de ler o texto literário, desde as mais tradicionais até as mais recentes. Tomamos o cuidado de tecer essas reflexões utilizando uma linguagem, na medida do possível, acessível ao iniciante; bem como de acompanhá-las de exemplos práticos de leitura, retirados da literatura em geral, com ênfase em textos de autores brasileiros. O manual está organizado em seis segmentos: o primeiro, "O texto literário", ahriga um capítulo que resgata alguns conceitos de literatura disseminados em contextos diversos, visando refletir sobre as tendências contemporâneas de se conceber as especificidades do texto literário; o segundo, "Operadores de leitura", contém capítulos que discutem os elementos fundamentais de análise da narrativa, do texto poético e dramático por meio de exemplos práticos de leitura; no terceiro segmento, "Crítica literária contemporânea", reunimos capítulos que versam sobre algumas das principais correntes críticas do século XX e da atualidade, objetivando esclarecer as implicações que envolvem as leituras realizadas a partir do ponto de vista de cada uma dessas tendências. Nosso objetivo é fazer com que, por meio da leitura desses ensaios, o acadêmico tenha ideias claras, precisas e suficientes sobre as críticas Sociológica, Feminista, Pós-colonial e sobre o Formalismo Russo, Estruturalismo, Pós-estruturalismo, Desconstrução, entre outros. Enquanto dedicamos, no quarto segmento, um momento de reflexão acerca do Pós-modernismo, no quinto registramos capítulos que refletem acerca da literatura no âmbito dos Estudos Culturais, com especial foco sobre a literatura de autoria feminina e de minorias étnicas e sexuais. Por fim, no sexto segmento, reunimos capítulos que buscam discutir as relações entre a literatura e outras artes, como o cinema, a pintura e a ilustração.

Por motivos óbvios, nesta obra, na qual é predominante a preocupação de unir a teoria e a prática literária, em nível de graduação, a ênfase gira em torno da teoria literária contemporânea. Sem dúvida, não se pode prescindir de analisar certos aspectos de crítica literária em voga no início do século xx, como o Formalismo e o New Critiâsm. Sobre essas abordagens baseiam-se várias outras perspectivas mais recentes, como o Estruturalismo, o Pós-estruturalismo e o Pós-modernismo, tornando esses últimos menos difíceis de compreender e de assimilar. De tato, prima esta obra por uma política de coexistência em que se refletem abordagens antigas e novas, tradicionais e atuais, consensuais e polêmicas. Precisamente é esse nexo que provoca no professor e no aluno uma atitude de problematização, não apenas dos aspectos e das perspectivas da teoria literária, mas do próprio texto. Embora se pergunte ainda "O que significa esse poema?", ou "Qual é o tema dessa narrativa?", mais ainda enfatizam-se perguntas como "Esse texto significa isso para quem?", ou "Por que esse texto pode ter esse significado?", ou ainda "Quem quer que esse texto signifique isso?" Nesta terceira edição, com vários capítulos ou acrescidos' ou atualizados, os organizadores e os autores esperam que este manual ajude o aluno de graduação a aprofundar a problematização e que enfrente corajosamente as múltiplas "tentativas de interpretaçã,D". Esperam ainda que se alargue mais o conceito de literatura do nosso aluno, dando-lhe uma visão mais crítica da ficção e da realidade.

Os organizadores

PARTE

I

AFINAL, O QUE É LITERATURA? Mirian Hisae Yaegashi Zappone Vera Helena Gomes Wielewicki

DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO-SEMÂNTICO DO TERMO LITERATURA

Quando pensamos, leitores desse livro e, portanto, leitores já iniciados no caminho das letras, na pergunta O que é literatura?, imediatamente vêm à nossa mente nomes de obras arroladas há muito tempo como tal. Quem não pensa n'Os lusíadas, de Camões, no Dom Casmurro, de Machado de Assis, nos versos de Gonçalves Dias ou de Castro Alves, em Iracema, de José de Alencar, no Grande sertão: l!eredas, de Guimarães Rosa e em muitos outros, para ficar apenas na tradição literária em língua portuguesa? Esse processo mental de associação entre a palavra literatura e esse rol específico de textos parece­ nos muito natural e imediato, de forma que o próprio conceito de literatura imiscui-se, mistura-se com a descrição desse determinado conjunto de textos. E, assim, ficamos com a impressão de falar de um objeto, a literatura, como um fato concreto, imediato, pronto e acabado, como se sempre tivesse sido assim. Essa associação é tão ajustada, tão natural, que ninguém questiona a veracidade de ser o Dom Casmurro uma obra da literatura brasileira: a literatura é tanto Dom Casmurro quanto Dom Casmurro é literatura. Como comenta Williams (1979), ao falar desse processo de associação entre conceito e descrição da literatura, "esse é um sistema de abstração poderoso, e por vezes proibitivo, no qual o conceito de 'literatura' é ativamente ideológico" (WILLIAMS, 1979, p. 51). E o aspecto ideológico dessa associação reside no fato de ele apagar ou encobrir para todos nós a ideia de que o conceito de literatura construiu­ se e constrói-se através de um processo que é social e histórico ao mesmo tempo. Com isso queremos estabelecer que aquela relação entre Dom Casmurro e literatura e literatura e Dom Casmurro pode não ser tão direta ou concreta quanto faz supor a associação que fizemos no primeiro parágrafo ao perguntar O que é literatura? Bem, se não se trata de uma relação direta, mas de uma relação que obscurece o próprio modo de construção desse conceito, parece-nos que uma forma de deslindar os aspectos sociais e históricos, que influíram e influem sobre sua construção, seria verificar como, afinal, o conceito veio a se desenvolver.

~iI

!

W

I' P () N E

I F L [ W I (' h I

A ideia moderna de literatura, ou seja, como uma arte particular, diferenClada da música, da pintura, da arquitetura, enfim como uma categoria específica de criação artística que resulta num determinado conjunto de textos só veio a ser form ulada a partir da segunda metade do século XVIII e desenvolvida, de forma mais completa, no século XIX. A palavra literatura, como informa Aguiar e Silva (1988), deriva da palavra latina litteratura, que fora, por sua vez, imitada do substantivo grego yp a).!).! an Kll (grammatiké). Nas línguas europeias modernas, termos correlatos de literatura, do latim, aparecem em meados do século XV (aproximadamente 1450). No intervalo de tempo entre meados desse século c meados do século XVIII, há uma literature na língua inglesa, uma littérature, em francês, uma letteratura, no italiano, e uma literatura em português. O uso desse termo nas diversas línguas estava, entretanto, muito longe de abarcar o caráter especializado com que o vemos hoje. Nesse intervalo de tempo, não se fazia literatura, mas se tinha literatura, ou seja, ela era mais um atributo de um indivíduo que era capaz de ler e que havia realizado leituras. Literatura relacionava-se à capacidade de ler e de, portanto, possuir conhecimento, erudição e ciência. Assim, literatura não designava uma produção artística. Ela abarcava tanto o conhecimento dos indivíduos sobre vários ramos do saber, da gramática à filosofia, da histÓrIa à matemática, quanto o amplo conjunto dos textos que propiciavam esse conhecimento. Como a partir do final do século XV a reprodução de materiais escritos começou a transferir-se das mãos dos copistas para a oficina do impressor, o conhecimento ou a literatura passou a ser adquirida de forma mais específica através de textos impressos e, obviamente, como o número das pessoas capazes de ler era bastante restrito, a literatura era atributo de poucos. Logo, mesmo no sentido inicial de seu emprego, a saber, como uma condição cultural (muito próximo ao conceito atual de letramento) , a literatura especificava uma distinção social particular, ligando-a, portanto, às classes privilegiadas. Para designar especificamente os textos de caráter imaginativo, enquanto criação artística, eram utilizadas normalmente as palavras poesía, eloquê/lcia, uerso ou prosa. A palavra poesia assumiu, com o tempo e a partir do próprio desenvolvimento do termo literatura, uma especialização: de "composições de cunho imaginativo", passou a se referir unicamente às composições metrificadas e, posteriormente, às composições metrificadas, escritas e impressas. Literatura, por sua vez, tornou-se uma categoria mais ampla e abrangente do que poesia (WILLIAMS, 1979, p. 52). Retornando, pois, ao processo de especialização do termo literatura, foi no século XVIII que se registraram as primeiras mudanças do uso de literatura como "conhecimento", "saber", "erudição" para um uso diferente, agora relacionado à ideia de "gosto" ou "sensibilidade", embora ainda permaneçam resíduos do significado anterior. Os dicionários e enciclopédias, tão em voga nesse momento do Século das Luzes, ajudam a ilustrar essa passagem. O Dictionaire philosophique, de Voltaire (1694-1778), registra as dificuldades que cercavam aqueles que tentavam definir literatura nessa época circunscrita a meados do século XVIII, até as últimas décadas desse século: Literatura; essa palavra é um desses termos vagos tão frequentes em todas as línguas [".] a literatura designa em toda a Europa um conhecimento de obras de gosto, um veniz de história, de poesia, de eloquência, de crítica [...]. Chama-se bela literatura as obras que se interessam por objetos que possuem beleza, como a poesia, a eloquência, a história bem escrita. A simples crítica, a polimatia, as diversas interpretações dos autores, os sentimentos de alguns antigos filósofos, a cronologia não são bela literatura porque essas pesquisas são sem beleza (VOLTAIRE, 1764 apud AGUIAR E SILVA, 1988, p. 4-5).

O próprio autor do texto chama atenção para a falta de delineamento mais preciso para o termo, quando o indica como um "termo vago". Além disso, notamos certa ambiguidade na sua descrição, pois literatura ainda aparece como conhecimento, embora o autor a associe com o aspecto estético como se vê em "bela literatura" ou mesmo em "objetos que possuem beleza". Segundo Aguiar e Silva (1988), a partir das últimas três décadas do século XVIII e de fOffiu crescente, o termo literatura vai incorporando o sentido de fenômeno estético e de produção artística. ?O _

T

lO

n

Q

T A

f.TTFHÁRIA

l

I I

I

P :\ 1 t; H :\

F

Nessa mesma época, começam a surgir as pnmciras literaturas IlaCionais, a partir da composÍ /,

L F I F U H A

N A R H A T I V II

Tragédia brasileira

Manuel Bandeira Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade. Conheceu Maria Elvira na Lapa - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma altança empenhada c os dentes em petIção de miséria. Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, 11lal1lCUra... Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Mlsael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não tez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. , Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misaelmudava de casa, Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos ... Por fim, na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Quadro 1, O texto jornalístico e o texto literário

Note que os dois textos narram a mesma história: uma mulher foi assassinada a tiros por um homem que era traído por ela. No entanto, os efeitos que cada um dos textos suscita no leitor são diferentes, e isso afeta a própria história narrada em cada um deles. O primeiro texto se caracteriza como uma notícia de jornal, marcando-se pela minimização do conflito dramático estabelecido entre os amantes e, também, pelo esforço de redução do grau de ambiguidade em favor da objetividade jornalística no registro dos fatos. O segundo caracteriza-se como uma narrativa literária, marcando-se pela exploração do conflito dramático de modo a suscitar e manter o interesse do leitor e, também, pelo maior grau de ambiguidade que atribui a determinados fatos e/ou elementos da história. No texto de Manuel Bandeira, a história de amor, ciúme, traição e morte que une Misael e Maria ElviH1 recebe um tratamento que torna dramático o conflito que os une (Amor x Traição). Note que uma série de informações, consideradas de menor importância para o relato jornalístico do fato, são muito importantes para a criação da expectativa e para a manutenção do interesse do leitor no texto de Manuel Bandeira: a descrição do estado físico de Maria Elvira quando Misael a conheceu; os cuidados que ele dispensou à saúde e à beleza da amante; a relação dos lugares em que o casal morou, o nome da rua em que o crime ocorreu, a posição do corpo da mulher ao ser encontrada pela polícia, a cor e o tecido do vestido que ela usava quando foi assassinada, o número de tiros com que o assassino a matou. Na narrativa literária, tais detalhes ganham relevância exatamente porque intensificam tanto a dramaticidade do conflito como o grau de ambiguidade que caracteriza a história narrada - o que faz com que o texto tenha maior abertura no que se refere às suas possibilidades de interpretação pelo leitor.

CPR ,

A

N

C

O

J

UNI

O

R

OS OPERADORES DE LEITURA DA NARRATIVA

o

conjunto de operadores de leitura da narrativa que aqui vamos apresentar foi organizado principalmente a partir das contribuições de textos de teoria e crítica vinculados basicamente ao Formalismo Russo e ao Nel/J Criticism - não por acaso, linhas teóricas que privilegiam o estudo da materialidade verbal do texto no desenvolvimento dos estudos literários. De certa forma o Formalismo Russo e o NelU Criticism forneceram, dado o seu pioneirismo no que se refere à construção da teoria literária como uma disciplina pautada por princípios e métodos embasados cientificamente, os operadores de leitura básicos às demais linhas de teoria literária que se manifestaram no século xx. Partindo-se das contribuições dos formalistas russos, e complementando-as com as contribuições de outros teóricos, a narrativa pode ser analisada descritivamente utilizando-se os seguintes conceitos:

FÁBuLA,TRAMA, INTRIGA, ESTÓRIA, ENREDO

Afábula é um conceito que compreende os acontecimentos ou fatos comunicados pela narrativa, ordenados, lógica e cronologicamente, numa sequência nem sempre correspondente àquela por meio da qual eles são apresentados, no texto, ao leitor. Ela exige do leitor a capacidade de realizar uma síntese da história narrada. Tal síntese deve ser capaz de abstrair, do texto narrativo, os elementos fundamentais que compõem a história ali narrada. Isso significa que a fábula deve conter os dados fundamentais que, de maneira sumária, condensem a introdução, o desenvolvimento e a conclusão da história narrada, articulados a partir das relações de causalidade (causa-e-consequência): Chama-se fábula o conjunto de acontecimentos ligados entre si que nos são comunicados no decorrer da obra. Ela poderia ser exposta de uma maneira pragmática, de acordo com a ordem natural, a saber, a ordem cronológica e causal dos acontecimentos, independentemente da maneira pela qual estão dispostos e introduzidos na obra (TOMACHEVSKI, 1976, p. 173).

Ao reconstituirmos a fábula de uma história presente em um texto narrativo, organizamos naturalmente a síntese da história a partir das relações de causa-e-consequência que facilitam a sua compreensão por outras pessoas, sejam as que nos ouvem contar, por exemplo, a história de um romance, de um filme, de um conto, de uma novela de televisão em poucas palavras, sejam as que venham a ler os textos nos quais analisamos e interpretamos um texto narrativo. A trama é um conceito que corresponde ao modo como a história narrada é organizada sob a forma de texto, ou seja, ela é a própria construção do texto narrativo, sua "arquitetura". Tomachevski define a diferença entre fábula e trama nos seguintes termos: A fábula opõe-se à trama que é constituída pelos mesmos acontecimentos, mas que respeita sua ordem de aparição na obra e a sequência das informações que se nos destinam. [... ] Na realidade, a fábula é o que se passou; a trama é como o leitor toma conhecimento [do que se passou] (TOMACHEVSKI, 1976, p. 173).

A trama de uma narrativa revela, ao ser identificada, o trabalho de criação do escritor, as escolhas textuais que ele fez para contar a história desta ou daquela maneira, criando este ou aquele efeito, afirmando um determinado conjunto de sentidos possíveis para a interpretação da história por meio da organização das palavras sob a forma de texto. Isso significa que o(s) sentido(s) e os efeitos presentes em um texto foram construídos pelo escritor por meio da estruturação, da composição, da construção daquele mesmo texto de um modo determinado (aquele ali objetivamente registrado pela escrita sob a forma de texto, e não outro), cuja especificidade deve ser levada em consideração. O leitor deve, 36 -

T E

o

R I A

L I T E R Á R I A

----~ o

I' l

!{

,\

I) () R E S

[) E

1 F I

r

U R,\

I) ,\

N A R H' T I V

_~

portanto, aprender a construir a sua leitura (análise descritiva + análise interpretativa) a partir do conjunto de possibilidades que o texto, organizado de modo singular, oferece. A tralna, diferentemente da fábula, não é passível de síntese. Ela é identificada quando o leitor investiga e define as relações que unem os diversos elementos que, articulados pela escrita, compõem o texto narrativo.

o conceito de intriga difere dos de f:lbula e trama, embora seja intrinsecamente vinculado a eles_ A intriga diz respeito ao conflito de interesses que caracteriza a luta dos personagens numa determinad:l narrativa_ Tomachevski nos dá a seguinte definição de intriga: o desenvolvimento da ação, o conjunto de motivos que a caracterizam chama-se intriga [ .. -l­

.

O desenvolvimento da intriga (ou, no caso de um reagrupamento complexo de personagens, o desenvolvimento das intrigas paralelas), conduz ao desaparecimento do conflito ou à criação de novos conflitos (TOMACHEVSKI, 1976, p. 177) .

A intriga está relacionada, portanto, com a noção de conflito dramático, que é desenvolvido a partir das ações das personagens - elementos esses (ação; personagem), que se vinculam à noção de lIlotivo, definido por Tomachevski (1976) como "unidade temática mínima" e obtido quando, num processo analítico, a obra é decomposta em partes caracterizadas por uma unidade temática específica: A noção de tema é uma noção sumária que une a matéria verbal da obra. A obra intelLl pode ser seu tema, ao mesmo tempo que cada parte da obra. A decomposição da obra consiste em isolar suas partes caracterizadas por uma unidade temdtica específica. [.. -I Através desta decomposição da obra em unidades temáticas, chegamos enfim às partes indecompostas, até às pequenas partículas do material temático: "A noite caiu"; "Raskolnikov matou a velha", "o herói morreu", "uma carta chegou" etc. O tema desta parte indecomposta da obra chama-se [---I motivo. No fundo, cada proposição possui seu próprio motivo. [ ... 1 Os motivos combinados entre si constituem o apoio temático da obra. Nesta perspectiva, a fábula aparece como o conjunto dos motivos em sua sucessão cronológica de causa e efeIto: a trama aparece como o conjunto destes mesmos motivos. mas na sucessão em que surge dentro da obra (TOMACHEVSKI, 1976, p. 174)_

Os conceitos de fábula e trama encontram, de certa forma, correspondentes nos conceitos de estória (stof}') e enredo (plot) , disseminados a partir dos estudos de Forster (1974) e do New Criticism norte-americano. Tal correspondência é, a rigor, imperfeita e, no limite, inadequada. No entanto, é comum encontrarmos textos em que os termos estória e enredo estabelecem um contraste semelhante àquele estabelecido entre a fábula e a trama. O conceito de estória é utilizado tanto para identificar a história narrada pelo texto narrativo como, muitas vezes, para identificar a síntese de tal história. O conceito de enredo foi originalmente criado para identificar o modo como uma história é construída por meio de palavras e, portanto, organizada sob a forma de texto. N esse sentido, ele corresponde, de fato, ao conceito de trama utilizado pelos formalistas russos. No entanto, devido à sua larga e nem sempre rigorosa utilização, vamos, por vezes, encontrá-lo em textos que contradizem esse sentido original, a saber: a) como termo que identifica a história narr~da pelo texto narrativo; b) como termo que identifica a síntese da história narrada pelo texto narrativo; c) como termo que identifica a temática e/ou o gênero que caracteriza a história narrada pelo texto narrativo. É preciso tomar cuidado com tais empregos, pois eles deixam escapar um dos traços essenciais da obra literária, a sua construção. No quadro abaixo, construído a partir das contribuições de Lodge (1996, p. 4) e Aguiar e Silva (1988, p. 711-712), apresentamos alguns dos termos utilizados por diversos autores e/ou linhas teóricas para diferenciar esses dois planos da narrativa. Embora redutor, este quadro visa a estabelecer correspondências entre a terminologia teórica utilizada para distinguir a história narrada do modo como ela é construída sob a forma de texto. THOMAS BONNICI

!

L()C1A O'AN.' ZOl lN (ORGANIZADORES)

-

37

JUNIOR

-

TEORINAUTOR

HISTÓRIA NARRADA

HISTÓRIA CONSTRUÍDA

fábula

trama

Formalistas russos

-

NeuJ CriticisnI (Forster)

..

story

plot

T. Todorov

história

discurso

G. Genette

história (ou diegese)

narração

ficção

narração

récir

narração

narrativa proprIamente dita

discurso narrativo

récit rafOnté

récit racontant

história

discurso

Jean Ricardou Roland Barthes Grupo 11 Claude Bremond Seymour Chatman

-

Quadro 2. Terminologia teórica

Destaque-se o fato de que Genette (1979) estabelece, na verdade, uma distinção tríplice, e não binária, entre história narrada c história construída. Segundo Lodge, ele dividiu o discurso narrativo em texto mesmo (rérit/narrativa) e no ato de narrar, o qual produz o texto (narração). lsso ;~uda a definir subcategorias de narrativa técnica mais delicadas, mas não afeta a oposição fundamental entre História e Discurso. Ele também, às vezes, usa o termo "diegese" ao invés de llistoire e isso pode ser fonte de confusão. (Em Genette, Narrative Dis(ourse, 1980, onde histoire é traduzida como história, récit como narrativa e narratiOlI como narração) (LODGE, 1996, p. 4-5).

Para o que aqui nos interessa, o termo diegese, muito disseminado, corresponderá à noção de fábula, de história narrada; o termo discurso, à noção de trama, de história construída. Veja-se o quadro abaixo:

FORMALISMO RUSSO

NEW CRlTlCISM

NARRATOLOGIA

História narrada

fábula

estória (story)

diegese

História construída

tralna

enredo (plot)

discurso narrativo ou narração

NARRATIVA

Quadro 3. Os termos diegese e discurso

A

PERSONAGEM E SUAS CLASSIFICAÇÕES

A personagem é um dos principais elementos constitutivos da narrativa. É sobre ela que recai, normalmente, a maior atenção dispensada pelo leitor, dada a ilusão de semelhança que tal elemento cria com a noção de pessoa. O que é uma personagem? Um ser construído por meio de signos verbais, no caso do texto narrativo escrito, e de signos verbi-voco-visuais, no caso de textos de natureza híbrida como as peças de teatro, os filmes, as novelas de televisão etc. As personagens são, portanto, representações dos seres que movimentam a narrativa por meio de suas ações e/ou estados.

As personagens podem ser classificadas a partir de dois critérios: a) segundo o seu grau de importância para o desenvolvimento do conflito dramático presente na história narrada pelo texto narrativo; b) segundo o seu grau de densidade psicológica. As tabelas abaixo apresentam a classificação das personagens segundo esses dois critérios. 38 -

T E

o

R I A

LITERÁRIA

. _-_.~,ivo, 'pco", '0 m",doe, uns i estrutura arquitetônica, chamemos assim, da narrativa e à posição que todos os personagens, e não apenas o narrador, ocupam em relação ao evento narrado. O narratário, segundo Aguiar e Silva, se define como o "destinatário intratextual do discurso narrativo e, portanto, da história narrada" (1988, p. 698). Ele não é universal, ou seja, não existe necessariamente em todos os textos narrativos. Manifesta-se preferencialmente naqueles textos em que o narrador é personalizado, autonomizado, ou seja, nos textos em que a condição de personagem do narrador é posta em destaque pela diegese, e não naqueles textos em que o narrador apresenta um "grau zero" no que se refere à diegese e ao discurso narrativo. Aguiar e Silva destaca o fato de que o narratário é "um 'tu' intratextualmente construído e particularizado como entidade ficcional" cuja existência e função "articulam-se com os diversos níveis da narração que podem ocorrer num texto" (1988, p. 699). A focalização corresponde, como o próprio nome sugere, à posição adotada pelo narrador para narrar a história, ao seu ponto de vista. O JO((1 l1arratil'o é um recurso utilizado pelo narrador para enquadrar a história de um determinado ângulo ou pO/1to de /lista. A referência à "Visão, aqui, não é casual. O foco narrativo evidencia o propósito do narrador (e, por extensão, do autor) de mobilizar intelectual e emocionalmente o leitor, manipulando-o para aderir às ideias e valores que veicula ao cont~r a história. Segundo Leite (1985), Friedman estabeleceu oito tipos de foco narrativo, a partir das seguintes questões: 1) Quem conta a HISTÓRIA? Trata-se de um NARRADOR em primeira pessoa ou em terceira pessoa? de uma personagem em primeira pessoa? não h~ ninguém narrando?; 2) de que POSIÇÃO ou ÂNGULO em relação à HISTÓRIA o NARRADOR conta? (por cima? na periferia? no centro? de frente' mudando?); 3) que canais de informação o NARRADOR usa para comunicar a HISTÓRIA ao leitor' (palavras? pensamentos? percepções? sentimentos? do autor? da personagel1l' ações? falas do autor? da personagel1l? ou uma combmação disso tudo?); 4) Aque DISTÂNeIA ele coloca o leitor da história (próximo? distante? mudando?)? (FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985, p. 25).

Antes, porém, de passarmos à apresentação dos oito tipos de foco narrativo identificados por Friedman, convém estabelecer uma distinção entre cena e sumário - conceitos mobilizados para a classificação que o autor faz da focalização. Por cena entenda-se a representação do diálogo das personagens, efetuada por meio do uso do discurso direto; por sumário entenda-se o relato generalizado ou a simples exposição dos eventos que caracterizam a narrativa, efetuados por meio do uso do discurso indireto, logo, resumidos, sumarizados. A cena é um recurso que cria um efeito de proximidade entre o leitor e a história narrada; o sumário, por sua vez, cria um efeito oposto, demarcando a distância entre o leitor e a história narrada. Segundo Friedman, o foco narrativo pode ser assim classificado: 1) '1-lutor" onisciente i/1truso - Esse foco narrativo caracteriza o narrador que adota um ponto de vista divino, para além dos limites de tempo e espaço. Tal narrador cria a impressão de que sabe tudo da história, das personagens, do encadeamento e do desdobramento das ações e do desenvolvimento do conflito dramático. Ele usa preferencialmente o sumário, suprimindo ou minimizando ao máximo a voz das personagens. "Como canais de informação predominam suas próprias palavras, pensamentos e percepções. Seu traço característico é a intrusão, ou seja, seus comentários sobre a vida, os costumes, os caracteres, a moral, que podem ou não estar entrosados com a história narrada" (FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985, p. 26-27). O narrador que utiliza esse foco narrativo se interpõe entre o leitor e os fatos narrados, elaborando pausas frequentes (digressões) para a apresentação de sua opinião e de seu posicionamento, seja em relação à história e aos elementos que a constituem, seja em relação aos comportamentos e/ou valores sociais aos quais a história narrada faz referência e com os quais dialoga; 42

~ T E

o R I A

LITERÁRIA

---

._-~

\) I' E HA.

I) ()

R

r \

I) F

L E J T U R A

D.'.

N A R R A 1 I \

\

2) Narrador ollÍscimte !lcl/lra - Esse foco narrativo caracteriza-se pelo uso da 3" pessoa do discurso. Tende ao uso do sumário, embora não seja incomum que use a cena para a inserção de diálogos e para a dinamização da ação e, consequentemente, do conflito dramático. Reserva-se, normalmente, o direito à caracterização das personagens, descrevendo-as e explicando-as para o leitor. Distingue-se do foco narrativo anterior "pela ausência de instruções e comentários gerJ.is ou mesmo sobre o comportamento das personagens, embora sua presença, interpondo­ se entre o leitor e a HISTÓRIA, seja sempre muito clara" (FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985, p. 32); 3) "ElI" como testemunha - Esse foco narrativo caracteriza um narrador que narra de uma perspectin menos exterior em relação ao fato narrado do que os anteriores. Faz uso da 1a pessoa do discurso, mas ocupando uma posição secundária e/ou periférica em relação à história que narra. Isso, no entanto, não impede que possa "observar, desde dentro, os acontecimentos, e, portanto, dá-los ao leitor de modo mais direto, mais verossímil" (FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985, p. 37). Seu ângulo de visão, entretanto, é necessariamente limitado. Por situar-se na periferia dos acontecimentos, esse narrador tem de restringir-se à sua condição de testemunha, ou seja, não sabe de fato senão aquilo que presenciou, limitando-se a fazer suposições, inferências, deduções etc. daquilo que lhe escapa. Pode utilizar tanto a cena como o sumáno para narrar;

4) Narrador prata,15onista - Esse foco narrativo caracteriza um narrador que narra necessariamente em 1 d pessoa, limitando-se ao registro de seus pensamentos, percepções e sentimentos. Narra, portanto, de um centro fixo, vinculado necessariamente à sua própria experiência, já que, como o próprio nome diz, é o protagonista da história narrada. Pode valer-se tanto da cena como do sumário, aproximando ou distanciando o leitor da história narrada; 5) Onisciência seletiva múltipla - Esse foco narrativo marca-se pela utilização predominante do discurso indireto-livre. Tal recurso cria um efeito de eliminação da figura do narrador, que é substituída pelo registro de impressões, percepções, pensamentos, sentimentos, sensações que remetem à mente das personagens. Como tais percepções, pensamentos, sensações, sentimentos etc. ganham o primeiro plano da voz narrativa e estão ligados a várias personagens, não há mais um centro fixo como responsável pela articulação da história narrada, mas uma multiplicidade de ângulos de visão e, consequentemente, múltiplos canais de informação. Há, aqui, um predomínio quase absoluto da cena. Esse foco não deve ser confundido com o foco narrador onisciente neutro, pois "o autor traduz os pensamentos, percepções e sentimentos, filtrados pela mente dos personagens, detalhadamente, enquanto o narrador onisciente os resume depois de terem ocorrido" (FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985, p. 47);

6) Onisciência seletiva - Esse foco narrativo é semelhante ao anterior, mas com a diferença de que se restringe a uma só personagem. Narra de um centro fixo, seu ângulo é central, e os canais de informação limitam-se aos pensamentos, sentimentos, percepções, sensações, memórias, fantasias, desejos etc., do personagem central, que são apresentados diretamente e sem mediação ao leitor. Marca-se, como o foco anterior, pelo predomínio do uso do discurso indireto-livre e, não raro, pelo recurso ao fluxo de consciência; 7) Modo dramátú:o - Esse foco caracteriza-se pelo uso exclusivo da cena, logo, pelo predomínio quase absoluto do discurso direto. A história é narrada a partir do encadeamento de cenas nas quais somos informados, pelo discurso direto, sobre o que pensam, fazem, sentem e objetivam as personagens. A história é narrada de um ângulo frontal e fIXO - o que cria o efeito de estarmos presenciando os fatos no momento em que eles acontecem. É o foco que caracteriza o gênero dramático, o texto de teatro e, de certo modo, o roteiro de cinema e das telenovelas;

q>R ~ N

C·O

!

8)

jUNloH

Câmera - Esse foco é, talvez, a tentativa mais radical de elimmação da presença do J.utor e, também, do narrador na narrativa. "Essa categoria serve àquelas narrativas que tentam transmitirflashes da realidade como se apanhados por urna câmera arbitrária e mecanicamente" (FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985, p. 62). Tal propósito de atingir a máxima neutralidade no narrar faz, muitas vezes, com que a narrativa seja construída a partir de fragmentos "soltos" que rompem com a ilusão de continuidade, que é uma das características mais tradicionais da narrativa. É urna ilusão, no entanto, acreditar que esse foco narrativo seja de fato neutro. Basta tãzer urna comparação com a fotografia ou com o cinema para percebermos que há, sempre, alguém por trás da câmera, decidindo o ângulo e selecionando o que deve ou não ser representado. Pense-se, por exemplo, no fotojornalismo, que nunca é neutro no tratamento que confere à imagens que veicula vinculadas ao texto e aos interesses do jornal. Vale o mesmo para o telejornalismo.

OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: não é um fato incomum a utilização de mais de um foco narrativo por um mesmo narrador. Tal variabilidade caracteriza, por exemplo, muitos romances. No caso da identificação de mais de um foco narrativo em um texto narrativo, procure observar qual deles é o q1le predomina sobre os demais e, também, observar que efeitos de sentido são criados a partir de tal variação de focos.

TEMA, MOTIVOS E MOTIVAÇÁO

Tema - É o assunto central abordado dramaticamente pela narrativa, ou seja, é o assunto que abarca o conflito dramático nuclear da história narrada pelo texto narrativo. Embora o terna se imponha pela força que adquire com o desenvolvimento da narrativa, ele pode variar conforme a posição interpretativa adotada pelo leitor em relação ao conflito dramático. Tal variabilidade depende, normalmente, do grau de ambiguidade da narrativa. Quanto maior o grau de ambiguidade no tratamento do conflito dramático da história narrada, maiores serão as possibilidades de definição do tema pelo leitor; Motivos - Como já vimos, motivos são subtemas ligados ao terna e vinculados ao desenvolvimento da história e ao conflito dramático. Definem-se, normalmente, a partir das ações das personagens e, também, das situações dramáticas apresentadas no desenvolvimento da narrativa. Podem ser essenciais ao desenvolvimento da história e do conflito dramático e/ou ser acessórios, secundários, não-essenciais a tal desenvolvimento. No primeiro caso, não podem ser desconsiderados quando do estudo da motivação que caracteriza uma narrativa; Motivação - A motivação compreende o conjunto de motivos que, articulados ao tema, caracterizam o modo como este é trabalhado ao longo da narrativa. Sua identificação e seu estudo são importantes para que o leitor possa avaliar o posicionamento estético e ideológico do autor em relação aos assuntos que aborda em seu texto.

Nó, CLÍMAX, DESFECHO

Nó - É o fato que interrompe o fluxo da situação inicial da narrativa, criando um problema ou obstáculo que deverá ser resolvido. O nó é o que dá origem ao conflito dramático de uma narrativa. Ele evidencia que só há uma história a ser contada, porque uma crise se instalou em determinada situação, exigindo que se tente resolvê-Ia de modo a reequilibrar o que ela desestabilizou. Isso, no 44-TEORIA

LITERÁRIA

entanto, não significa necessariamente o retorno à mesma sItuação inicial, pOIS, quase sempre, o desenvolvimento do conflIto dramático tú com que a situação de equilíbrio final da história seja diferente da sua situação de origem;

Clílllax - É o elemento que marca o auge do conflito dramático, momento do tudo-ou-nada entre as forças contrárias que agem e se defrontam na narrativa (geralmente representadas pelas personagens e pelos valores a elas ligados), engendrando e desenvolvendo a história. Diferentemente do desfecho, o clímax caracteriza um momento em que a expectativa em relação à resolução do conflito central da narrativa ignora qual das forças contrárias vencerá O clímax, portanto, suspende, mantendo por instantes em tensão máxima, a história contada na narrativa;

De:ferJw - É a resolução do contlito central da narrativa, momento em que uma das forças contrárias vence e se afirma sobre a sua oponente. Normalmente, liga-se à situação final da narrativa.



OBSERVAÇÕES IMPORTANTES: a) os conceitos de nó, clímax e desfed/O não se ligam necessariamente às noções de introdução, desenvolvimento e conclusão de uma narrativa. É preciso ter sempre em mente que uma narrativa se compõe tanto de urna história como de um texto no qual tal história é veiculada. A distinção entre os planos da história narrada e do texto narrativo que a veicula é importante para evitar confusões perigosas. Não há nada que obrigue que a introdução, o desenvolvimento e a conclusão da história correspondam à introdução, ao desenvolvimento e à conclusão do texto narrativo que a veicula. É preciso estar atento a isso para que o desenvolvimento da leitura (análise + interpretação) do texto narrativo não apresente equívocos ou distorções no que se refere à identificação de tais elementos e à leitura de sua função e de seu sentido no texto; b) assim como urna história não tem necessariamente a obrigação de apresentar uma introdução ou uma conclusão fechada, podendo prescindir de uma delas ou, mesmo, de ambas, também não tem a obrigação de apresentar necessariamente os conceitos de nó, clímax e desfecho, podendo prescindir de algum deles; c) o clímax e o desfecho podem, em certas narrativas, se manifestar simultaneamente, marcando ao mesmo tempo o auge do conflito e sua resolução.

ESPAÇO, AMBIENTE, AMBIENTAÇÃO

Espaço - O espaço compreende o conjunto de referências de caráter geográfico elou arquitetônico que identificam o(s) lugar(es) onde se desenvolve a história. Ele se caracteriza, portanto, como uma referência material marcada pela tridimensionalidade que situa o lugar onde personagens, situações e ações são realizadas;

OI3'SERVAÇÃO IMPORTANTE: não é incomum que se encontre, em determinados estudos, o espaço vinculado aos estados psicológicos da personagem por meio da expressão espafo psÜ:ológico. Tal expressão é, a nosso ver, infeliz, podendo causar problemas e equívocos na leitura do texto narrativo. A psicologia da personagem, que é normalmente uma representação da psicologia humana, marca-se, como esta, pela noção de tempo - o que incluí tanto a consciência do presente como os conteúdos da memória e, também, as projeções do desejo e da fantasia.

Ambiente - O ambiente é o que caracteriza determinada situação dramática em determinado espaço, ou seja, ele é o resultado de determinado quadro de relações e 'Jogos de força" estabelecidos, T

LI r\).A 1\ ..

f:j:

r, ,,' ""

r'l

"

r,', ,_ ••

r'\,' •• , .

'7,.... ••• ,

I " .. ,...." .. ' • ..,,· , , , , , , , ...... \



Bn

N I':!

l..: l / L tJ c

11\

O":\:'..J A Z,) I

IN (() H (;:\ N 1 / .'\ [) o Iz [...,)

-

7I

~ORT'Z

,

RODR