Pós-história - Vinte instantâneos e um modo de usar [01 ed.] 9788539102976

325 61 69MB

Portuguese Pages 191 [95] Year 2011

Report DMCA / Copyright

DOWNLOAD FILE

Polecaj historie

Pós-história - Vinte instantâneos e um modo de usar [01 ed.]
 9788539102976

Citation preview

,; 0:::

« V)

COLE UJ V}

o POS-HISTORIA UJ z « fZ

A fe religiosa seria precisamente

perfuracao do mundo

l'

objetivo rumo ao transcendente.

Tal objecao seria erro.

I

Ha, por certo, experiencia religiosa que perfura destarte o mundo dos objeros e revel a uma "aparencia enganadora" que encobre a "realidade", Mas tais experiencias nao

t ft

i {I'

t

sao caracterlsticas da religiosidade do Ocidente. A nossa religiosidade, ao perfurar 0 mundo dos objetos, 0 revela "real", no sentido de "obra Divina", A transcendencia

re-

velada pela religiosidade ocidental e espac;o que sustenta o mundo objetivo, e aumenta a conlianca nele. Permite espac;o para

0

conhecimento

E

0

espac;o dentro do qual sao feitas "teorias",

objetivo.

e a manipulacao do mundo

ea partir do qual "tecnicas" sao aplicadas ao mundo dos

am em espac;o vazio. Nao obstante confio na solidez da

objetos. De modo que a fe ocidental irnplica confianca na

cama. Tal confianca minha na solidez do mundo obje-

solidez do mundo objctivo. Tal confianca

tivo que me cerea nao e, no entanto, anticiendfica:

do Ocidente. Deste ponto de vista nao ha crise da fe no-

pelo

fa;' parte

da fl

contrario, torna possivel que a ciencia funcione. 0 saber

Ocidente:

das estruturas

mos contianca na solidez dos objetos. E se a cornplemen-

arornicas nao mina minha conlianca nas

todos, a nao ser que estejamos loucos, nutri-

proposicoes da ciencia, as quais projetam universo oco, portanto existencialmente inacessivel. Simultanearnenre

tariedade atual entre fe e saber vai escavando a nossa confianc;a em geral, isto e sintoma de quanto religiao e ciencia

rais proposicoes minam minha confianca no discurso das

repousam sobre

religioes,

pre-socraticos, nem budistas, e nao podemos se-loo

0

qual projeta universo solido. Destarte a corn-

0

mesmo fundamento.

Nao somos nem

32

P6s-hist6ria

Mas num ponto

as pessoas religiosas tern razao: a

fe religiosa nao e apenas confianca

E

jeros.

ela tarn bern, e sobretudo, 0

"Deus morreu",

nao porque

mais que outras gerac;:oes,mas porque

atos que cometemos. N ossos avos, nossos pais e nos rnes-

"De~s" e

0

meto~

revela Deus no rosro humano.

efeito: e esta a unica imagem que rernos de Deus:

e os quais sac provas inconfundiveis

Corn 0

ho-

querer amar

0

objeto de rnanipulacao

rotina, passa a ser insinceridade

mesrno. Nao ha outro outro

rnetodo

experiencia

metodo

para superar

para amar Deus, nem

as coisas. De modo que a

religiosa ocidental

implica a confianca

objetos, e, alem disto, a confianca

no homem

nos

enquan-

to imagem de Deus. E, agora sim, somos obrigados constatar

a crise da Fe: a confianca

nou atualmente

a

no home m se tor-

irnpossivel.

mem e resultado das antropologias plo do freudismo,

cientihcas, por exern-

que revel am ser

merecedor de confianca. Portanto

0

homem ente nao

pensar-se em conflito

homem e Na rnedi-

total querer reconhecer

no homem a imagem de Deus. Atualmente

seria ainda

loucura nao se ter confianca nos objetos, mas ja e loucura ter-se confianca no homem. Esta e a morte de Deus, a verdadeira crise da religiosidade. E portanto a crise de Ocidente.

. ' de oposicao entre fe e saber,

mas de crise de conjianra no homem, inclusive no saber (

humano. Os pressupostos da ciencia Casua "teoria de eo- ( nhecimento" implicira), merecem tao pouca confianca > quanto os dogmas das religioes estabelecidas. Ambos sac "inacreditaveis",

antropologias

cendo

0

Mas no caso dos dogmas esta aconte-

seguinte: quanto menos acreditaveis, tanto mais

de confianca, A causa da perda de confianca no homem

bem-vindos se tornam para certas camadas da sociedade.

nao e nosso saber a respeito dele, mas nossa experiencia

Isto e: para aqueles que se dao conra quao diflcil e viver-se

concreta corn ele, corn os outros e corn nos proprios. As

sem confianca no outro e sem autoconfianca. Tais pessoas

experiencias acumuladas nas geracoes anteriores e na nossa propria, demonstram, que

0

a nossa,

fora de duvida posslvel,

homem nao merece confianca. Quer seria loucura

conjiar-se nele.

1

tudo aquilo que brota de tal religiosidade: da cultura do

entre ciencia e fe, apesar de tudo. Mas isto seria erro. T ais nao sac a causa, mas urn dos efeitos, da crise

0

tecnica do homem passa a ser

Nao se trata, portanto,

Poderia pensar-se que tal perda de contianca no ho-

que seria loucura

e de conhecimento.

da em que a manipulacao

outro e amar a si

matamos pelos

outro. Atos que provam que

mem e Sua imagem. Amar Deus sobre todas as outras 0

0

mos cometemos atos, dos quais Auschwitz e 0 prorotipo,

coisas significa precisamente

arnar

sabemos atualmente

na solidez dos ob-

outro coma a si mesmo. A experiencia

religiosa ocidental

33

FLUSSER

confiam:« no outre

homem, e em si proprio. No Ocidenre do para amar

VILEM

estao dispostas a sacrificarem a "razao", e portanto

mais

"valid a" a volta para as igrejas e sinagogas. Trata-se de "reconquistar a fe", reconquistar pela porta dos fundos.

a conhanca, e entrar na fe

I

~

•...---------------------------Pos-hisroria

34

Ultirnamente semelhante

pode

ser observado

no que toca aos pressupostos

VILtM

crise de conhanca

da ciencia, Sua

onrologica", do homem, como se nao estivessernos cerros

pretensa "isencao de valores", sua pretensa objetividade,

se 0 homem e ou nao e imagem de Deus. Trata-se de cer-

tornararn-se

teza:

inacreditaveis,

e numerosos

cientistas esrao

0

homem e objeto manipulavel.

Pois a fe pode per-

dispostos a sacrificarern seu "senso critico", a fim de salva-

feitamente viver corn a duvida, e, corn efeito, pode ser sus-

rem

tentado quem nao pode viver sem ela. Mas a certeza mata

0

conhecimento

objetivo. Procuram preservar a con-

fiancra no saber cienrifico por atitude religiosa. A ciencia

a fe, porque certeza e desespero. De modo que nenhuma

esta atualmenre

estraregia, nem a de evasao, pode salvar a fe atualmente.

em fase de religiogizacao, esra passando

Urn exemplo preferencial

de como a certeza mata a

religiosidade, da contianca, esra envolvendo a ciencia corn

fe e fornecido pela crise da ciencia na atualidade. A cien-

as demais religioes estabelecidas.

cia po de ser considerada como duvida metodica, de forma

Vista superficialmenre, apresenta

a siruacao religiosa atual se

complexa. Determinada

quistar a fe", a fim de reconquistar memo Outros reconquistar

membros

incorpora

a duvida

"recon-

como elemento essencial. Mas quando surge a certeza de

a confianca

no ho-

que

pelo menos,

a confianca no saber cien tifico. E a grande

siva e meio inconsciente,

que a confianca nos seus enunciados

elite procura

da elite procuram,

maioria sofre a decadencia

da contianca de maneira pas-

e executa os gestos da contianca

0

conhecimento

cientifico e "impossivel" (por exern-

plo: que nao atinge a vivencia concreta), quando surge

0

ceticismo, a confianca na ciencia cessa. 0 desespero do ceticisrno acaba corn a conhanca na ciencia, como

0

deses-

pero no homem acaba corn a fe religiosa. Prova adicional

nas religioes e na ciencia de forma ritual, ja que para isto

o quanto a ciencia nao passa de uma entre as religioes atu-

esta programada

almente em crise. 0 nosso desespero quanto ao homem,

pela cultura da massa. Mas, vista mais

de peno, a situacao religiosa atual e sumamente A confianca no homem, ponanto cendencia "objetificante" mos, esta se tornando

esta se tornando 0

a nossa certeza quanto

a ele, esta matando

Deus, isto e:

insustentavel.

todas as formas de confianca. que resta sac atos de desespero. Tentativas

chao que pisa-

evadir-se rumo ao nada. Em tal sentido

o

0

eo espacro da astroriautica sao, finalmente,

oca.

Isto explica as tentativas

de numerosos

individuos

para evadirern-se da nossa culrura e procurarem em territories

simples.

em Deus, e na trans-

Deus morreu, e a religiosidade ocidental,

~

a "dignidade

atual, de duuida quando

urn fenorneno

a ser uma entre as religioes estabelecidas. A crise atual da

I.:

35

FLUSSER

se salvar

exoticos, e muitas vezes fantasticos,

em

"seiras". Sao atos de desespero. Porque nao se trata, na

0

mesmo abis-

a "transcendencia",

como nos

rumo ao espacro interplanetario,

a fim de

moo Precipitarno-nos precipitamos

de

ceu das religioes

rumo

escaparmos ao abismo que se abriu debaixo do chao que pisamos. E como os conceitos "alto" e "baixo", e seus de-

'.J

36

Pos-hisroria

rivados "sublime" e "infernal", passaram a ter significado relativo,

e indiferente

4. N osso l'ro~raT-a

se julgamos ser essa nossa precipita-

E indiferente