325 61 69MB
Portuguese Pages 191 [95] Year 2011
,; 0:::
« V)
COLE UJ V}
o POS-HISTORIA UJ z « fZ
A fe religiosa seria precisamente
perfuracao do mundo
l'
objetivo rumo ao transcendente.
Tal objecao seria erro.
I
Ha, por certo, experiencia religiosa que perfura destarte o mundo dos objeros e revel a uma "aparencia enganadora" que encobre a "realidade", Mas tais experiencias nao
t ft
i {I'
t
sao caracterlsticas da religiosidade do Ocidente. A nossa religiosidade, ao perfurar 0 mundo dos objetos, 0 revela "real", no sentido de "obra Divina", A transcendencia
re-
velada pela religiosidade ocidental e espac;o que sustenta o mundo objetivo, e aumenta a conlianca nele. Permite espac;o para
0
conhecimento
E
0
espac;o dentro do qual sao feitas "teorias",
objetivo.
e a manipulacao do mundo
ea partir do qual "tecnicas" sao aplicadas ao mundo dos
am em espac;o vazio. Nao obstante confio na solidez da
objetos. De modo que a fe ocidental irnplica confianca na
cama. Tal confianca minha na solidez do mundo obje-
solidez do mundo objctivo. Tal confianca
tivo que me cerea nao e, no entanto, anticiendfica:
do Ocidente. Deste ponto de vista nao ha crise da fe no-
pelo
fa;' parte
da fl
contrario, torna possivel que a ciencia funcione. 0 saber
Ocidente:
das estruturas
mos contianca na solidez dos objetos. E se a cornplemen-
arornicas nao mina minha conlianca nas
todos, a nao ser que estejamos loucos, nutri-
proposicoes da ciencia, as quais projetam universo oco, portanto existencialmente inacessivel. Simultanearnenre
tariedade atual entre fe e saber vai escavando a nossa confianc;a em geral, isto e sintoma de quanto religiao e ciencia
rais proposicoes minam minha confianca no discurso das
repousam sobre
religioes,
pre-socraticos, nem budistas, e nao podemos se-loo
0
qual projeta universo solido. Destarte a corn-
0
mesmo fundamento.
Nao somos nem
32
P6s-hist6ria
Mas num ponto
as pessoas religiosas tern razao: a
fe religiosa nao e apenas confianca
E
jeros.
ela tarn bern, e sobretudo, 0
"Deus morreu",
nao porque
mais que outras gerac;:oes,mas porque
atos que cometemos. N ossos avos, nossos pais e nos rnes-
"De~s" e
0
meto~
revela Deus no rosro humano.
efeito: e esta a unica imagem que rernos de Deus:
e os quais sac provas inconfundiveis
Corn 0
ho-
querer amar
0
objeto de rnanipulacao
rotina, passa a ser insinceridade
mesrno. Nao ha outro outro
rnetodo
experiencia
metodo
para superar
para amar Deus, nem
as coisas. De modo que a
religiosa ocidental
implica a confianca
objetos, e, alem disto, a confianca
no homem
nos
enquan-
to imagem de Deus. E, agora sim, somos obrigados constatar
a crise da Fe: a confianca
nou atualmente
a
no home m se tor-
irnpossivel.
mem e resultado das antropologias plo do freudismo,
cientihcas, por exern-
que revel am ser
merecedor de confianca. Portanto
0
homem ente nao
pensar-se em conflito
homem e Na rnedi-
total querer reconhecer
no homem a imagem de Deus. Atualmente
seria ainda
loucura nao se ter confianca nos objetos, mas ja e loucura ter-se confianca no homem. Esta e a morte de Deus, a verdadeira crise da religiosidade. E portanto a crise de Ocidente.
. ' de oposicao entre fe e saber,
mas de crise de conjianra no homem, inclusive no saber (
humano. Os pressupostos da ciencia Casua "teoria de eo- ( nhecimento" implicira), merecem tao pouca confianca > quanto os dogmas das religioes estabelecidas. Ambos sac "inacreditaveis",
antropologias
cendo
0
Mas no caso dos dogmas esta aconte-
seguinte: quanto menos acreditaveis, tanto mais
de confianca, A causa da perda de confianca no homem
bem-vindos se tornam para certas camadas da sociedade.
nao e nosso saber a respeito dele, mas nossa experiencia
Isto e: para aqueles que se dao conra quao diflcil e viver-se
concreta corn ele, corn os outros e corn nos proprios. As
sem confianca no outro e sem autoconfianca. Tais pessoas
experiencias acumuladas nas geracoes anteriores e na nossa propria, demonstram, que
0
a nossa,
fora de duvida posslvel,
homem nao merece confianca. Quer seria loucura
conjiar-se nele.
1
tudo aquilo que brota de tal religiosidade: da cultura do
entre ciencia e fe, apesar de tudo. Mas isto seria erro. T ais nao sac a causa, mas urn dos efeitos, da crise
0
tecnica do homem passa a ser
Nao se trata, portanto,
Poderia pensar-se que tal perda de contianca no ho-
que seria loucura
e de conhecimento.
da em que a manipulacao
outro e amar a si
matamos pelos
outro. Atos que provam que
mem e Sua imagem. Amar Deus sobre todas as outras 0
0
mos cometemos atos, dos quais Auschwitz e 0 prorotipo,
coisas significa precisamente
arnar
sabemos atualmente
na solidez dos ob-
outro coma a si mesmo. A experiencia
religiosa ocidental
33
FLUSSER
confiam:« no outre
homem, e em si proprio. No Ocidenre do para amar
VILEM
estao dispostas a sacrificarem a "razao", e portanto
mais
"valid a" a volta para as igrejas e sinagogas. Trata-se de "reconquistar a fe", reconquistar pela porta dos fundos.
a conhanca, e entrar na fe
I
~
•...---------------------------Pos-hisroria
34
Ultirnamente semelhante
pode
ser observado
no que toca aos pressupostos
VILtM
crise de conhanca
da ciencia, Sua
onrologica", do homem, como se nao estivessernos cerros
pretensa "isencao de valores", sua pretensa objetividade,
se 0 homem e ou nao e imagem de Deus. Trata-se de cer-
tornararn-se
teza:
inacreditaveis,
e numerosos
cientistas esrao
0
homem e objeto manipulavel.
Pois a fe pode per-
dispostos a sacrificarern seu "senso critico", a fim de salva-
feitamente viver corn a duvida, e, corn efeito, pode ser sus-
rem
tentado quem nao pode viver sem ela. Mas a certeza mata
0
conhecimento
objetivo. Procuram preservar a con-
fiancra no saber cienrifico por atitude religiosa. A ciencia
a fe, porque certeza e desespero. De modo que nenhuma
esta atualmenre
estraregia, nem a de evasao, pode salvar a fe atualmente.
em fase de religiogizacao, esra passando
Urn exemplo preferencial
de como a certeza mata a
religiosidade, da contianca, esra envolvendo a ciencia corn
fe e fornecido pela crise da ciencia na atualidade. A cien-
as demais religioes estabelecidas.
cia po de ser considerada como duvida metodica, de forma
Vista superficialmenre, apresenta
a siruacao religiosa atual se
complexa. Determinada
quistar a fe", a fim de reconquistar memo Outros reconquistar
membros
incorpora
a duvida
"recon-
como elemento essencial. Mas quando surge a certeza de
a confianca
no ho-
que
pelo menos,
a confianca no saber cien tifico. E a grande
siva e meio inconsciente,
que a confianca nos seus enunciados
elite procura
da elite procuram,
maioria sofre a decadencia
da contianca de maneira pas-
e executa os gestos da contianca
0
conhecimento
cientifico e "impossivel" (por exern-
plo: que nao atinge a vivencia concreta), quando surge
0
ceticismo, a confianca na ciencia cessa. 0 desespero do ceticisrno acaba corn a conhanca na ciencia, como
0
deses-
pero no homem acaba corn a fe religiosa. Prova adicional
nas religioes e na ciencia de forma ritual, ja que para isto
o quanto a ciencia nao passa de uma entre as religioes atu-
esta programada
almente em crise. 0 nosso desespero quanto ao homem,
pela cultura da massa. Mas, vista mais
de peno, a situacao religiosa atual e sumamente A confianca no homem, ponanto cendencia "objetificante" mos, esta se tornando
esta se tornando 0
a nossa certeza quanto
a ele, esta matando
Deus, isto e:
insustentavel.
todas as formas de confianca. que resta sac atos de desespero. Tentativas
chao que pisa-
evadir-se rumo ao nada. Em tal sentido
o
0
eo espacro da astroriautica sao, finalmente,
oca.
Isto explica as tentativas
de numerosos
individuos
para evadirern-se da nossa culrura e procurarem em territories
simples.
em Deus, e na trans-
Deus morreu, e a religiosidade ocidental,
~
a "dignidade
atual, de duuida quando
urn fenorneno
a ser uma entre as religioes estabelecidas. A crise atual da
I.:
35
FLUSSER
se salvar
exoticos, e muitas vezes fantasticos,
em
"seiras". Sao atos de desespero. Porque nao se trata, na
0
mesmo abis-
a "transcendencia",
como nos
rumo ao espacro interplanetario,
a fim de
moo Precipitarno-nos precipitamos
de
ceu das religioes
rumo
escaparmos ao abismo que se abriu debaixo do chao que pisamos. E como os conceitos "alto" e "baixo", e seus de-
'.J
36
Pos-hisroria
rivados "sublime" e "infernal", passaram a ter significado relativo,
e indiferente
4. N osso l'ro~raT-a
se julgamos ser essa nossa precipita-
E indiferente