Política Energética no Brasil:: Sua Participação no Desenvolvimento e no Relacionamento Internacional
 9788547342029

Table of contents :
Sumário
INTRODUÇÃO 11
1
QUADRO GLOBAL DAS QUESTÕES ENERGÉTICAS:O BRASIL E O MUNDO 13
Paulo Roberto de Almeida
2
BALANÇO SUL-AMERICANO: O GÁS NATURAL COMO VETOR DE
INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA DO CONE SUL 41
Edmilson Moutinho dos Santos
Bruna Eloy de Amorim
Drie lli Peyerl
Hirdan Katarina de Mede iros Costa
3
A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA ENERGÉTICA NO BRASIL:
AVANÇOS E IMPASSES EM UM ESTADO EM DESENVOLVIMENTO 77
José Alexandre Alt ahyde Hage
Paulo Ces ar Manduca
Ronaldo Montesa no Canesin
4
SEGURANÇA ENERGÉTICA E REGIMES JURÍDICOS REGULATÓRIOS NO
SEGMENTO DE E&P DO SETOR DE HIDROCARBONETOS 99
Caroli na Leister
José Raymundo N . Chiappin
5
CONTROVÉRSIAS ACERCA DOS SIGNIFICADOS E DAS PRÁTICAS
POLÍTICAS DE SEGURANÇA ENERGÉTICA 145
Iure Paiva
6
CONTEÚDO LOCAL NO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS:
DEBATE E PRÁTICA NO BRASIL DE 2000 A 2017 173
Giorgio Roma no Schutte
7POLÍTICA DE DUTOS NO BRASIL 209
Alencar Ch aves Braga
Caroli na Leister
8
POLÍTICAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL 235
Gl ória Pinho
Arnaldo Cesar da Si lva Walter
9
O ETANOL NO MUNDO: POTENCIAIS DESAFIOS 263
Eduardo L. Leã o de Sousa
Geral dine Kutas
Letici a Phillips
10
A CONSTRUÇÃO DO BRASIL ATÔMICO: DE 1950 ATÉ 1971 285
Helen Mir anda Nunes
11
O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO A PARTIR DE 1975: CONCEPÇÃO
ESTRATÉGICA E DESTINO ENERGÉTICO 307
Vanessa Braga Matijascic
SOBRE OS AUTORES 331

Citation preview

COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO  CIÊNCIAS SOCIAIS PREFÁCIO

Este livro é r esultado de esforços contínuos realizados por um grupo de cientistas e estudiosos das mais diversas instituições, da universidade, do serviço público e do setor empresarial, atentos a transformações de forma a manter a sociedade atualizada, e capaz de tomar decisões que precisam ser efetuadas em assunto tão urgente a um Estado em desenvolvimento como o b rasileiro. No Brasil do final dos anos de 1990, nós, digamos , estudiosos do campo político-energético, seguíamos tendências internacionais de supervalorizar as energias renováveis, em face do petróleo, com especial atenção aos biocombustíveis de origem vegetal. Afinal, a conjuntura induzia a isso: a expectativa acerca da crise ambiental, causada por atividades humanas e as previsões (tomadas como certas na época) sobre a redução no ritmo de descoberta de novas reservas de petróleo, levava a crer que o fim da era petrolífera se avizinhava e estava aberta a caça de novas fontes e de maneiras de se reutilizar recursos finitos, quer dizer, de continuar explorando jazidas maduras ou d ecadentes. Em pouco tempo, an á lises que seguiam a linha da superação do petróleo desmoronaram. E várias consequências estão sendo agora percebidas, por exemplo, pudemos observar que os altíssimos preços do petróleo, desde 2005 (pelo menos até 2010), não levaram à crise nos Estados periféricos, semelhante àquelas experimentadas em 1973 e 1979. Ao contrário: as condições do mercado internacional do petróleo turbinaram empresas nacionais e arranharam o mito das Sete Irmãs, que dominavam o mercado há quase um século. Os grandes players passam a ser empresas chinesas, russas, sauditas, malaias e a brasileira Petrobras. É verdade que os preços não retornaram a patamares confortáveis para os consumidores de combustíveis fósseis, mas também não se estabilizaram em níveis superiores a US$100 o barril, como foi em 2007. Enfim, não chegou o a pocalipse. O novo ciclo de abundância de petróleo só agora foi detectado. Ainda que tenha havido redução da demanda mundial nos últimos dez anos, muitas coisas aconteceram na economia e na política que explicam tal fenômeno. São temas que estão tratados nos capítulos de ste livro. Quanto a eles, vale destacar o reingresso do Iraque à Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP) e a consequente mudança na correlação de forças dentro do cartel, bem como o retorno do petróleo iraquiano e do Irã ao mercado mundial. Assim, surgiram fatores que impactaram mais do que se esperava há uma década. A exploração de shale gas nos Estados Unidos, que apresentava dificuldades técnicas enormes e custos proibitivos, foi superada. O mesmo ocorreu com as areias betuminosas do Canadá. As fontes de gás natural e areias betuminosas ajudaram a tornar os Estados Unidos, de país cronicamente deficitário, em um grande fornecedor de bens energéticos, com capacidade de rivalizar com os grandes produtores mundiais, caso da Rússia. Também em função do shale gas a Argentina voltou a apresentar excedentes exportáveis de bens energéticos depois de mais de uma década lidando com a falta deles. Por fim, surgiram as reservas do pré-sal, que tem potencial para pôr o Brasil na lista dos grandes atores no mercado global de bens

energéticos, petróleo e, possivelmente, de gás natural. Uma consequência bastante evidente da euforia trazida pelo pré-sal foi a relativa perda de importância dos biocombustíveis nas políticas do Estado b rasileiro. Visto dos anos de 2010, o horizonte para os biocombustíveis era extremamente promissor. No início dos anos de 2000 os renováveis haviam entrado no mercado dos Estados Unidos e da União Europeia via regulação e, ao final de 2013, o número de países que utilizam a mistura de biocombustíveis havia chegado a 60. O Brasil destacava-se com bem sucedido programa de etanol de cana-de-açúcar e embarcava fortemente na produção de biodiesel, em um modelo que deveria capitalizar a agricultura familiar. Houve mobilização para aproveitar a janela de oportunidades decorrentes de estar na vanguarda nas pesquisas sobre biocombustíveis. A chamada “diplomacia do etanol” foi um conjunto de iniciativas do governo federal que visava criar condições para o surgimento de um mercado global para esse biocombustível. Tais esforços foram acompanhados por políticas de incentivo aos motores flexfuel e mobilização de recursos para desenvolvimento tecnológico com investimento massivo da Fapesp, a mobilização das universidades paulistas e federais e de stakeholders (estes por meio do Centro de Tecnologia da Cana) e a criação do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) em Campinas, visando o etanol de segunda geração. Tudo em uma rara coordenação para que o Brasil mantivesse a liderança no campo dos biocomb ustíveis. Visto de 2019, os horizontes são consideravelmente restritos. Muitas análises, certamente, ainda virão para explicar a complicada teia de fatores que levaram a estagnação do etanol, mas o problema central está no fato de que o mercado global não se concretizou, as barreiras protecionistas não foram retiradas e as pressões políticas por certificação ambiental aumentam. Enquanto isso, nos Estados Unidos, os produtores superaram problemas de custo do etanol de milho com safras cada vez maiores, mas, como a política de Washington não permite a ampliação do mercado doméstico, o governo passou a direcionar seus estoques de forma a inundar o mercado, vendendo até mesmo para o Brasil. No campo da energia, o único consenso é de que nenhuma fonte irá reproduzir o papel que o petróleo teve no século XX, e tem até agora. Aponta-se para um futuro em que a energia seja produzida de várias fontes, a maioria delas de baixo carbono, como a energia solar e a eólica, ainda mais que os gargalos tecnológicos e os custos de produção estão reduzindo a passos largos e novos modelos de negócios estão surgindo para massificar seu uso. A energia nuclear é fonte da qual menos se faz referência nos estudos energéticos. A expansão do setor parece limitado e isso não se alterou nas últimas décadas, já que as exigências acerca dos níveis de segurança dos reatores e os custos de novas usinas são suficientemente dissuasivos, mas levando-se em conta que há perto de ٥٠٠ plantas em operação no mundo, que China, Coreias, Japão, Índia e Rússia continuam a investir no setor, que há fatores estratégicos associados a isso, podemos prever que ela se

manterá como nicho pouco significativo na matriz energética global, mas sem sumir do radar. As jazidas de Vaca Muerta , na Argentina, e o brasileiro pré-sal trouxeram profundo impacto no mercado e nas aspirações nacionais com consequências na política energética. A indústria automobilística parece apostar no ve í culo elétrico em vez dos flexfuel tão comuns no Brasil. Portanto, os biocombustíveis continuarão importantes em diversas dimensões, inclusive para as ambições internacionais do Brasil, mas as tendências apontam para um futuro bastante restrito para a biomassa, de forma que já não se fala em um mercado internacional massivo para o etanol e o biodiesel, ainda que eles tendam a se manter como um nicho. Os preços baixos, a superoferta de petróleo e os ganhos em eficiência do motor de combustão interna, associados aos combustíveis de alta octanagem (previsto para entrar no mercado nos próximos anos), indicam mesmo que o futuro dos biocombustíveis está atrelado ao futuro dos carburantes – por mais paradoxal que pareça, como coadjuvante, já que etanol e biodiesel entram no mistura dos insumos vendidos nos postos em muito s países. Para países produtores de energia da biomassa, como Brasil e Argentina, a indústria dos biocombustíveis traz um potencial incrível como um indutor para a economia verde – de baixo carbono. Se esses países desenvolverem estratégias adequadas e investirem no desenvolvimento de processos e de novos materiais de base biológica, podem ingressar em uma etapa da economia em condições melhores do que ingressaram na fase atual. Do contrário, irão reproduzir como se fosse destino o papel de fornecedores de biomassa e dependentes das mesmas potência que investem hoje ne sse campo. Assim, saúdo o esforço do professor José Alexandre Hage ao convidar estudiosos da questão energética para que, neste livro, exponham visões diferentes com o objetivo de ampliar o debate sobre um importante assunto da política nacional, e da diplomacia, do qual não podemos nos furtar. O que se trata nesta obra coletiva não é buscar certezas e conclusões, mas dar ao leitor a possibilidade de adquirir opinião a partir daquilo que os autores apresentam sobre petróleo, gás natural e energia nuclear sob o aspecto histórico, político, econômico e do direito administrativo. Se essa expectativa for cumprida, já nos daremos por satisfeitos. Daí meu entusiasmo por e ste livro. Paulo Ces ar Manduca Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energétic o, Unicamp Sumário INTRODUÇÃO 11 1 QUADRO GLOBAL DAS QUESTÕES ENERGÉTICAS:

O BRASIL E O MUNDO 13 Paulo Roberto de Almeida 2 BALANÇO SUL-AMERICANO: O GÁS NATURAL COMO VETOR DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA DO CONE SUL 41 Edmilson Moutinho dos Santos Bruna Eloy de Amorim Drie lli Peyerl Hirdan Katarina de Mede iros Costa 3 A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA ENERGÉTICA NO BRASIL: AVANÇOS E IMPASSES EM UM ESTADO EM DESENVOLVIMENTO 77 José Alexandre Alt ahyde Hage Paulo Ces ar Manduca Ronaldo Montesa no Canesin 4 SEGURANÇA ENERGÉTICA E REGIMES JURÍDICOS REGULATÓRIOS NO SEGMENTO DE E&P DO SETOR DE HIDROCARBONETOS 99 Caroli na Leister José Raymundo N . Chiappin 5 CONTROVÉRSIAS ACERCA DOS SIGNIFICADOS E DAS PRÁTICAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA ENERGÉTICA 145 Iure Paiva 6 CONTEÚDO LOCAL NO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS: DEBATE E PRÁTICA NO BRASIL DE 2000 A 2017 173 Giorgio Roma no Schutte 7

POLÍTICA DE DUTOS NO BRASIL 209 Alencar Ch aves Braga Caroli na Leister 8 POLÍTICAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL 235 Gl ória Pinho Arnaldo Cesar da Si lva Walter 9 O ETANOL NO MUNDO: POTENCIAIS DESAFIOS 263 Eduardo L. Leã o de Sousa Geral dine Kutas Letici a Phillips 10 A CONSTRUÇÃO DO BRASIL ATÔMICO: DE 1950 ATÉ 1971 285 Helen Mir anda Nunes 11 O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO A PARTIR DE 1975: CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA E DESTINO ENERGÉTICO 307 Vanessa Braga Matijascic SOBRE OS AUTORES 331 INTRODUÇÃO Energia é o maior negócio internacional, é o setor que mais movimenta capital. As empresas petrolíferas, chamadas major, despontam como as mais importantes da economia mundial. O mesmo vale para a energia nuclear que, mesmo recebendo advertências por causa dos riscos inerentes, ainda atrai enorme quantidade de investimento e é responsável por avanços tecnológicos. Nesse mesmo ponto, há como dizermos que a biomassa – base para o desenvolvimento de energia renovável, caso do etanol de cana de açúcar – pode também se transformar em promissor meio de criação de riqueza e bem-estar no âmbito global, se for bem trabalhada para esse fim. Por isso, os avanços e progresso trazidos pela energia não podem ser compreendidos sem a política, seja doméstica ou internacional. E é necessário dizer que não se trata de falar em política nos termos vulgares, dos partidos, que tanto espaço ocupa na impressa. Trata-se de política na

ampla compreensão do termo, como expressão de um projeto de Estado, de país. Assim, o propósito deste livro é unir as palavras energia e política: Política Energética, como centro criador de estratégias de desenvolvimento econômico e social. Mais do que isso, é analisar como a Política Energética é aplicada no Brasil, seu nascimento no século XX e sua relação internacional, com as grandes potências ou com a América Latina, com a qual o temos permanente ligação. O famoso pesquisador norte-americano de assuntos energéticos, Daniel Yergin, diz que o tema petróleo é composto por 90% de política e 10% de economia. Podemos dizer que esse cálculo é também encontrado no etanol e na da energia nuclear. Falar de energia é falar de poder, independentemente do insumo empregado. Se o provérbio “energia é poder” tem tanta recepção nos Estados industrializados, o que dizer então do Brasil e os demais que compõem o mundo em desenvolvimento? Se energia é meio de criação de riquezas, qual é o melhor caminho para isso? Poderá o Brasil retomar o processo de industrialização a partir da energia? O etanol serviria para tal objetivo? E o que dizer da energia nuclear? Ela continua válida para nós? O livro que apresentamos não tem a pretensão de esgotar o assunto; longe disso. Mas, ao contar com especialistas da universidade, do serviço público e do setor empresarial, nosso trabalho é um convite para entrar num assunto tão relevante para o desenvolvimento nacional, bem como para melhor qualidade de nossas relações internacionais. Em um momento histórico e político, em que se imaginam mudanças substanciais para o Brasil, acreditamos que nosso livro poderá ser uma contribuição para um tema tão relevante. José Alexandre Alt ahyde Hage 1 QUADRO GLOBAL DAS QUESTÕES ENERGÉTICAS: O BRASIL E O MUNDO Paulo Roberto de Almeida História econômica essencial: a energia sob todas as suas formas A energia, em todas as suas configurações, é consubstancial aos progressos da humanidade, mais especificamente à dinâmica do crescimento econômico, uma vez que sem energia não há sequer hipótese de se pensar em processo produtivo nas suas várias formas. A mobilização dos fatores produtivos, em qualquer tempo histórico, em qualquer lugar ou circunstância, requer necessariamente a aplicação de energia – energia humana, animal, natural, produzida ou importada – para a obtenção do resultado esperado, ou seja, a oferta de um bem ou serviço dotado de utilidade num determinado context o social. Para os economistas, a energia é o elemento extrínseco e intrínseco a qualquer processo produtivo, a qualquer equação econômica; para os militares ela é uma questão de segurança nacional, eventualmente de guerra; para os diplomatas, é um tema de negociação e conflitos a serem dirimidos pelo diálogo; para os Estados nacionais, constitui, provavelmente,

terreno absolutamente necessário para a regulação e políticas gerais e setoriais, ou seja, para intervenção; para os simples indivíduos, ela permeia qualquer atividade pública ou privada na qual eles se encontram engajados, mesmo sem ter consciência disso ninguém vive sem “energia”. No plano mais geral das relações internacionais, a questão energética expressa quase linearmente as desigualdades inerentes ao mundo, mas não necessariamente numa simples dimensão dicotômica “provedoresconsumidores”, e sim no contexto mundial dos detentores de tecnologias capazes de explorar fontes disponíveis e os que são delas de pendentes. A primeira forma de energia na história foi, obviamente, a própria força humana, seguida do fogo e dos instrumentos multiplicadores dessas formas primárias de energia. A energia é indispensável para a tração e movimentação de objetos, para fins de alimentação e de aquecimento, para a confecção de quaisquer bens úteis. Daí que a instituição da escravidão tenha acompanhado a trajetória das sociedades sobre a Terra durante praticamente 9/10 da história humana. O trabalho escravo nada mais é do que a substituição do esforço próprio pelo trabalho de outrem, submetido pelo uso de força superior (geralmente baseado na supremacia das armas). Praticamente, 4/5 da história brasileira se desenvolveu sob o trabalho servil de origem indígena e, sobretudo, africana, mas em períodos anteriores à era moderna o elemento racial não sempre foi o mais importante nessa instituição, e o próprio termo se origina da componente eslava no caso do antigo continent e europeu. A segunda forma mais constante de energia mobilizada em toda a história é a força animal, pela domesticação de espécies selvagens e sua seleção para os diferentes usos que lhes são apropriados. Geralmente , se trata de animais de grande porte – bovinos, equinos e outras espécies – usados para traç ão, para transporte e locomoção e para fins bélicos. O cruzamento genético de diferentes espécies vegetais e animais acompanha a trajetória do homem sobre a Terra, desde os primeiros experimentos até as modernas técnicas cromossômicas que, a despeito de serem apenas o prolongamento científico daquelas experiências iniciais, recebem a desaprovação preconceituosa de pessoas e movimentos infensos ao espírito científico que as animam com objetivos deliberadamente manipuladores. Os organismos geneticamente modificados nada mais constituem sen ão fo rmas sofisticadas de cruzamento de espécies animais ou vegetais, atuando diretamente sobre os genes. A manipulação genética também é uma forma de poupar energia, uma vez que sempre direcionado ao aumento da produtividade, ou seja, permitindo produzir mais com os mesmos insumos, ou produzir o mesmo com menos insumos (isto é, energia). Determinados animais estão melhor adaptados à produção alimentícia (carnes, lácteos), outros à tração agrícola ou transporte de cargas pesadas, outros ainda à movimentação rápida para fins bélicos geralmente, mas também comunicações. Pequenos animais domésticos tamb ém servem à proteção individual poupando, portanto, a energia própria dos seus donos na defesa pessoal ou nos sistemas de alerta.

Alguns poucos, dotados de características muito especiais, trabalham em condições ainda mais especiais, seja enfrentando itinerários penosos (camelos e dromedários), seja movendo grandes cargas ou até usados como “tanques de guerra” (elefantes). O naturalista Jared Diamond discorreu, em seu famoso livro tratando de “armas, germes e aço”, sobre a evolução ecológica-ambiental das diferentes espécies animais e vegetais transferidas de um lado a outro do planeta, mas geralmente na mesma faixa continental de longitudes (a Eurásia), daí a grande diferença entre o Norte temperado mais avançado tecnologicamente do que o Sul tropical, mais submetido a barreiras naturais difíceis de serem superadas. Defesa e segurança sempre representaram poderosas alavancas de mudanças nas técnicas e formas de se criar e usar energia para fins diversos: impulsionar com força determinadas armas, explodir fortalezas, atingir alvos distantes. A China, uma das mais antigas civilizações dotadas de continuidade histórica – no plano cultural pelo menos – foi pioneira em várias dessas invenções ou inovações tecnológicas, o que a colocou à frente de quase todos os povos até o início da revolução científica e industrial na Europa Ocidental. Até então, o mundo vinha crescendo a taxas letárgicas, quase nulas, pois mesmo progressos alcançados no plano produtivo eram neutralizados pela chamada “armadilha malthusiana”, ou seja, um crescimento da oferta alimentar e de outros bens sendo mais do que superados pela expansão demográfica. A partir dos séculos XVII e XVIII – mas tomando apoio em inovações vindas da Idade Média ou da própria Antiguidade, como energia hidráulica, eólica, combustíveis variados, veículos de tração animal, veleiros mais eficientes – uma série de inovações tecnológicas transforma não apenas o uso dos recursos naturais para fins energéticos, mas a própria forma de criar derivativos energéticos a partir da agregação de valor ou com a ajuda de ferramentas ainda em escala artesanal, mas já de gran de porte. A primeira onda da globalização moderna, contemporânea aos descobrimentos marítimos pelos Estados nacionais em construção desde o século XVI, acelerou o ritmo dessas inovações, pois se tratava de conquistar territórios e povos em outros continentes com o objetivo de acumular riquezas, criar impérios mercantis e assegurar vantagens militares num contexto geopolítico determinado. Desde então, sucessivas revoluções tecnológicas ou inovações incrementais aceleraram o ritmo de crescimento, superando pela primeira vez a “armadilha mal thusiana”. Na verdade, nenhuma das novas formas de energia suplanta totalmente a anterior, apenas assumindo formas e tipos de utilizações diferenciados em função dos avanços tecnológicos permitidos pelos progressos da ciência. Depois da lâmpada incandescente, as velas não foram totalmente aposentadas como meio de iluminação, mas passaram a servir, grosso modo, de substitutos eventuais. Agora, são os bulbos das lâmpadas incandescentes que estão sendo aposentados, já que tecnologicamente superados e “gastadores”, por novos tipos de lâmpadas, poupadoras de energia. Os combustíveis fósseis também devem passar por revoluções contínuas no futuro previsível, à medida que suas modalidades possam aproximar-se do esgotamento ou, o que é mais provável, suas consequências ambientais

tornarem-se inaceitáveis para as sociedades contemporâneas. Os ciclos de produtos e fontes de energia, renováveis ou não, vão se sucedendo, mas de fato se complementando, uma vez que as necessidades humanas em energia são propriamente insaciáveis. O carvão, por exemplo, continua central nas matrizes energética da China e da Índia. Este capítulo discorrerá de maneira sintética sobre longuíssima evolução tecnológica e institucional, com base numa grande variedade de leituras ao longo de muitos anos. Para os dados básicos desse setor, com atualizações constantes em bases correntes sobre os desenvolvimentos mais importantes nessa área , eventualmente contando com séries históricas das principais estatísticas e projeções sobre a evolução futura, cabe recorrer aos centros de estudos mais importantes, entre eles o da Agência Internacional de Energia, baseada na OCDE, mas possuindo autonomia operacional ( www.iea.org ), ou o International Energy Outlook ( www.eia.gov/outlooks/ ieo/ ), relatório anual do Departamento de Energia dos Estad os Unidos. Para o Brasil, há projeções do Ministério de Minas e Energia sobre o balanço energético nacional, além dos estudos da Empresa de Pesquisa Energética, notadamente a Matriz Energ ét ica Brasileira 2030 , um documento de 2007, mas ainda desfrutando de boas indicações para uma análise da oferta energética integrada do país; adicionalmente, uma leitura essencial, ainda que atualmente datada, é o livro do economista (e ex-ministro das Minas Energia durante o período militar, o de maior ativismo na área energética) Antonio Dias Leite, A Energia do Brasil (1997), com amplos desenvolvimentos históricos, fundamentados em dados empíricos e documentação abundante, até 1996. Todas as revoluções industriais são também revoluções energéticas Nos últimos três séculos a sociedade ocidental conheceu sucessivas revoluções industriais, cada uma animada por um produto ou sistema produtivo específico: na primeira revolução industrial, o carvão, a máquina a vapor e o aço; na segunda, a química e a eletricidade; na terceira, a microeletrônica e a informática, e, já indo para a quarta, a dos nanomateriais e a inteligência artificial. O carvão, como principal produto energético da primeira revolução industrial, na segunda metade do século XVIII, dominou a indústria durante seu primeiro século e meio, sendo depois crescentemente substituído pelos demais combustíveis fósseis (petróleo e gás) e pela eletricidade, de diferentes fontes (LANDES, 2005, p. 1998). Ele alimentou as forjas de ferro e aço, movimentou locomotivas e navios a vapor e permitiu aquecer e iluminar populações inteiras que, até então, dependiam de formas mais elementares de energia: a madeira, o esterco, óleos vegetais ou animais. O Brasil, por exemplo, ademais de várias condições naturais problemáticas para a integração econômica de suas regiões, nunca dispôs de fontes abundantes de energia fóssil, o que pode ter retardado – sem ter sido esse o fator mais relevante – o seu processo de industrialização, reconhecidamente tardio. A lenha constituiu a principal fonte energética do Brasil até praticamente meados do século XX. As razões do atraso econômico e industrial do Brasil são múltiplas, geralmente devidas a uma série de motivos estruturais – logísticos,

tecnológicos, educacionais –, mas basicamente em função de equívocos de política econômica e deficiências institucionais. Sem dispor de carvão de qualidade ou de petróleo abundante, durante a maior parte de seu processo de industrialização, o País consumiu muita madeira combustível, mas passou a dispor de uma matriz energética essencialmente renovável a partir da eletricidade de fontes hidráulicas e, mais recentemente, de combustível extraído da biomassa. Quando os Estados avançados economicamente já enveredavam pela terceira revolução industrial, a da moderna indústria eletrônica, no segundo pós-guerra, o Brasil conseguiu, finalmente, construir uma base técnica relativamente satisfatória em seu sistema industrial, em meados da segunda metade do século XX. Mas a carência em petróleo continuou preocupando as lideranças do País, não só pelos efeitos negativos no balanço de pagamentos, mas sobretudo , pelo lado estratégico e militar, da segurança nacional. Mais recentemente, o Brasil passou a dispor de produção científica respeitável para os padrões do mundo em desenvolvimento, apesar de enfrentar dificuldades consideráveis na transposição desse conhecimento especializado para o chão da fábrica, de transformar a pesquisa fundamental em tecnologia aplicada. De resto, o Brasil tampouco efetuou a revolução educacional que países industrializados fizeram em etapas precoces de suas capacitações tecnológicas re spectivas. A partir de meados do século XIX, o carvão começou a ser substituído por uma nova forma de energia fóssil, o petróleo, que já era um velho conhecido do homem, a petra oleum dos romanos, um líquido nauseabundo demais para servir como iluminação doméstica, e, portanto, desprezado durante séculos. Foi a revolução científica do século XVII, e suas aplicações práticas na química do século XIX, que permitiu sua utilização como matéria-prima industrial, como principal combustível da segunda revolução industrial, como um produto dotado de múltiplas utilidades energéticas e industriais, ademais de ser central na geoeconomia e na geopolítica do século XX. Mas, diferentemente da máquina a vapor ou do circuito integrado, o petróleo não costuma estar associado a um paradigma industrial ou tecnológico determinado. Sendo utilizado de forma recorrente por diferentes povos, tampouco sua história está ligada a um ciclo de produto específico, já que sua transformação química a partir do século XIX permitiu o desenvolvimento de uma imensa gama de subprodutos. Na verdade, sua utilização – em forma final ou como insumo produtivo – recobre épocas sucessivas da moderna sociedade industrial, desde o querosene de iluminação do século passado até a atual “civilização do plástico”. No caso do Brasil, sua aparição na matriz energética ou nos circuitos industriais foi relativamente tardia, como a própria industr ialização. Pela sua natureza, ele pareceria ainda pertencer ao mundo da máquina a vapor, o da primeira revolução industrial. Esse antigo modelo de desenvolvimento industrial está associado a uma fase ainda elementar da relação entre o homem e o mundo natural: trata-se da transformação de elementos materiais existentes por meio da utilização da energia em suas diversas formas: a energia térmica, os combustíveis fósseis, a eletricidade. A atual etapa de desenvolvimento industrial, ao contrário, dá maior

importância à produção e à manipulação da informação, atribuindo menor peso relativo à energia e à matéria. O novo paradigma industrial se baseia na inovação e no desenvolvimento de forças produtivas cada vez mais exigentes em elementos imateriais e crescentemente poupadores de matérias brutas e de energia. Se podemos dizer, metaforicamente, que o circuito integrado é a “máquina a vapor” da terceira revolução industrial, assim como a eletricidade – aliada à química – o foi da segunda, o petróleo, não obstante, permeia várias revoluções industriais ao mesmo tempo e permanecerá, provavelmente, como uma das bases materiais mais essenciais a qualquer tipo concebível de organização social da produção e de circulação de bens e pessoas que a sociedade humana possa implementar. Mais recentemente sua presença como combustível automotivo vem sendo desafiada por carros híbridos ou elétricos, mas tal evolução dever durar décadas para se consumar. O impacto propriamente tecnológico do petróleo sobre a moderna sociedade industrial, apesar de imenso e variado, é usualmente descurado, talvez em razão da própria “normalidade” com que costumamos encarar a enorme quantidade de subprodutos do petróleo que frequentam a vida cotidiana. Isso é provavelmente devido à natureza evolutiva da indústria petrolífera, desde a etapa propriamente energética de utilização desse produto até as transformações tecnológicas mais sofisticadas do período atual. Mais do que “tomar de assalto” a sociedade contemporânea, o petróleo “impregnou” progressivamente todos os poros da moderna civilização industrial. No caso do Brasil, o aparecimento da indústria petroquímica moderna conheceu seu impulso decisivo durante a grande arrancada econômica do período militar (1964-85). O surgimento da energia nuclear, em contraste – antes mesmo da atual revolução da informação – foi transformação muito mais “espetacular” (e assustadora) da relação entre a sociedade e o conhecimento tecnológico. A capacidade científica e técnica associada à possibilidade de utilização da energia nuclear representou o estabelecimento de nova relação de forças entre as nações, muito mais do que a pólvora o havia feito nos albores da era moderna. Os países pioneiros na tecnologia nuclear pretenderam mesmo congelar em seu exclusivo benefício a relação de poder então criada, situação evidentemente inaceitável para muitos Estados que não pretendem fechar-se a nenhuma das conquistas da civilização moderna. No caso do Brasil, a decisão de renunciar à arma atômica foi tomada na redemocratização pós-regime militar, mas a aceitação dos regimes internacionais de não proliferação tardou mais algum tempo e exigiu uma verdadeira revolução conceitual entre diplomatas e militares. Um estudo integrado sobre as conexões entre política energética e política externa, no caso do Brasil, figura na tese de doutoramento de Maria Regina Soares de Lima, The Political Economy of Brazilian Foreign Policy: Nuclear Energy, Trade and Itaipu, defendida em 1986 na Universidade Vanderbilt, publicada com nova introdução muitos anos depois (2013). As bases econômicas e políticas da política nuclear, no plano interno, estão muito bem expostas no livro de Dias Leit e (1997).

Mas, o petróleo foi, inquestionavelmente, a força de maior impacto social e econômico, senão político, na conformação da era contemporânea. Antes da atual emergência da sociedade do conhecimento e dos bens intangíveis a ela vinculados, nada definiu melhor a moderna sociedade industrial do que o veículo automotor, em todas as suas variantes, do automóvel individual ao tanque militar; com todas as suas indústrias associadas. Ele foi a base inquestionável de uma civilização ainda em fase de expansão planetária nos Estados em desenvolvimento, a despeito dos imensos problemas urbanos causados pelos congestionamentos e pela poluição. Foi o petróleo que tornou possível o desenvolvimento inaudito da civilização do automóvel à base do motor à explosão, etapa na qual ainda nos encontramos, mas que já está sendo substituída por motores elétricos ou híbridos. Essa é outra revolução energética, junto com novas formas de energias alternativas – geralmente renováveis –, que vai revolucionar o mundo daqui para a frente. A Era do Petróleo e dos grandes conflitos globais Depois de mais de um século e meio de intensa e diversificada utilização produtiva, o petróleo continua no âmago de formas diversas de organização material da produção, de circulação de bens e pessoas e de repartição de riquezas. Ele ainda é, pelo menos até o advento de formas mais baratas e eficientes de energia, o sustentáculo material mais importante do trabalho humano, o primus inter pares da moderna estrutura energética da civilização i ndustrial. Apesar de que sua história contemporânea tenha começado desde meados do século XIX, é apenas no século XX que o petróleo passou a exercer todo seu impacto econômico, social e político sobre as sociedades envolvidas na produção, comércio e transformação produtiva do chamado “ouro negro”. Ele também desempenhou papel essencial no desempenho militar dos principais contendores nos dois grandes conflitos globais do século passado, de certa forma impedindo a vitória da Alemanha nazista em diversas frentes de batalha – por exemplo no norte da África, mas também na Europa continental e para a sua frota de guerra –, a despeito da formidável capacidade bélica de suas forças militares. O cientista político Daniel Yergin, depois de iniciar sua carreira acadêmica pela análise do nascimento da Guerra Fria – Shattered Peace (1977), em princípio sem edição brasileira –, assinou duas histórias do petróleo, ambas publicadas no Brasil, que são obras fundamentais para a avaliação do papel dessa commodity estratégica, mais do que todas as demais, para a economia mundial: The Prize (1990) e The Quest (2011), esta última tratando de outras formas de energia, igualmente. O primeiro livro constitui uma exemplar e monumental– quase 800 páginas de texto, 60 páginas de notas, 25 para a bibliografia e 32 para o índice – história do petróleo nos seus primeiros 150 anos de existência tempestuosa; o segundo dá continuidade à história onde a primeira parou. O petróleo é relevante não apenas do ponto de vista energético, mas por pelo menos três conjuntos d e fatores. Em primeiro lugar, o óleo negro se situa na emergência e no desenvolvimento da moderna economia de mercados. Sua expansão, ao longo do século XX, atravessou diferentes sistemas econômicos e regimes

políticos, estando na origem das primeiras multinacionais do mundo da indústria; as “multinacionais” anteriores se situavam no âmbito dos negócios comerciais. Mesmo já entrado no século XXI, parece claro que o petróleo continua tão importante quanto os circuitos integrados na determinação dos grandes equilíbrios inter nacionais. De certa forma, a “liquidez” do petróleo o converte quase que num equivalente da moeda. A Venezuela em crise econômica, a despeito de ser o Estado dotado das maiores reservas internacionais de petróleo, tenta lastrear uma moeda de substituição ao fracassado novo bolívar por meio de uma moeda virtual indexada ao barril de petróleo. Não é seguro que vá funcionar, não tanto pelo petróleo em si, mas pela total falta de credibilidade da administração econômica dos governantes em Caracas, sobretudo pelo caos criado na petrolífer a estatal. O segundo fator é que o petr óleo, enquanto produto primário esteve e ainda está intimamente vinculado às estratégias nacionais de política global e de poder no decorrer dos grandes conflitos globais do século passado e na geopolítica mundial desde os seus primórdios. Apenas emergente na Primeira Guerra Mundial, o petróleo foi decisivo para os destinos da Segunda, tanto na Europa quanto no Extremo Oriente. Durante a Guerra Fria, a batalha pelo controle do petróleo entre as grandes companhias ocidentais e os países em desenvolvimento representou um dos elementos dramáticos da descolonização e do nacionalismo nascente. Na atualidade, mesmo com o fim da Guerra Fria e a conformação progressiva de uma ordem mundial ainda largamente indefinida, o petróleo mant é m sua qualidade de produto estratégico, decisivo tanto para a política internacional como para as estratégias nacionais. O petr óleo esteve, como ainda está , no epicentro dos conflitos do Orie nte Médio. A China, uma exportadora de petróleo até o início da era pós-maoísta, tornou-se uma das maiores importadoras mundiais da commodity, e continua a articular vários de seus investimentos diretos em Estados produtores em função de seu abastecimento energético e industrial em volumes raramente vistos em qualquer outro país até a atualidade. Até a descoberta e exploração das reservas do pré-sal, o Brasil era um ator relativamente marginal no mundo do petróleo, dada sua dependência externa até quase o final do século XX, mas tampouco é seguro que o pré-sal constitua a chave decisiva de sua independência e nergética. O terceiro fator na história do petróleo ilustra sua conexão essencial com a segunda revolução industrial, cuja importância, todavia, não diminuiu ao entrar a economia mundial em etapas mais avançadas de sua estrutura produtiva. Depois de iniciar uma trajetória industrial apenas como “querosene” de iluminação, quase aposentado com a invenção da lâmpada incandescente, sua eventual obsolescência foi obstada pelo desenvolvimento do motor a combustão interna movido a gasolina, o que abriu nova era (junto com o diesel para navios, locomotivas, grandes veículos). Os progressos da indústria petroquímica sinalizaram a domina ção absoluta desse energético ao longo do século XX.

Tendo substituído o carvão como fonte energética essencial durante o século XX, o petróleo foi sendo complementado, ao longo do período, pelo gás natural, pela energia nuclear e por outros recursos e tecnologias alternativos que foram conquistando nichos cada vez mais importantes na matriz energética mundial. O Brasil, por exemplo, carente tanto de carvão quanto de petróleo durante praticamente toda a duração de sua primeira industrialização, desenvolveu fontes de energia hidráulica como poucos Estados no mundo, uma dominação quase equivalente à da energia nuclear no caso da França. Nem por isso ele deixou de ser dependente do petróleo, como amargamente revelado quando dos dois choques do petróleo no começo e no final dos anos 1970 dando início, junto com a crise da dívida externa, em 1982, a inversão tendencial, negativa de sua trajetória satisfatória de crescimento econômico no meio século que se seguiu à crise de 1929. Não apenas devido à sua dependência do petróleo importado – mas também em função da aceleração inflacionária e dos erros de política econômica cometidos ao longo dos anos 1980 e primeira metade da década seguinte –, o Brasil conheceu longa fase declinante no ritmo de seu crescimento econômico, ainda não totalmente superada mesmo no decorrer da segunda década do no vo século. Simultaneamente às grandes mudanças geopolíticas deslanchadas pelos dois choques do petróleo – na verdade motivados pela desvinculação do dólar ao ouro, em 1971, na linha dos compromissos assumidos em Bretton Woods (1944), e, também, pela nacionalização da exploração do petróleo e pela criação da Opep. Anteriormente teve início nova tendência global: as novas preocupações ecológicas, identificando o petróleo como o grande vilão da poluição atmosférica e do efeito estufa junto com o carvão e alguns outros agentes químicos. As pressões para a substituição das energias fósseis por nova fontes renováveis converteram-se num importante fator de política doméstica, o que atingiu igualmente a indústria nuclear, a despeito de uma “pegada” não exatamente poluidora desta última, embora associada a terríveis ameaças de contaminação radioativa, como tristemente representado pela catástrofe da usina soviética de Tchernobyl, na Ucrânia, em 1986. Novo desastre ocorreu no Japão, em Fukushima, em 2011, causando novo retraimento do apelo à energi a nuclear. As grandes mudanças de base material – ou tecnológica – no mundo da energia, a partir dos anos 1980, exerceriam um grande impacto na economia mundial, tanto em termos estritamente energéticos, quanto no plano financeiro e dos investimentos globais (quando os impulsos nacionalistas dos anos 1960 começam a retroceder e novos tipos de alianças são forjadas num contexto de reforço das soluções de mercado). Mas antes de abordar as transformações ocorridas no último meio século, vale analisar a questão dos arranjos institucionais, ou de políticas nacionais, exercendo influência nas decisões nesse terreno essencial na vida dos Estados Territoriais e na de todas as empresas e i ndivíduos. As grandes mudanças institucionais e políticas no terreno energético mundial

A matriz energética constitui, obviamente, um dos elementos mais estratégicos na economia de uma nação, mas nem sempre foi assim, pela razão óbvia que, mesmo depois da constituição dos modernos Estados nacionais, no conceito moderno das relações internacionais – ou seja, o do mútuo reconhecimento de suas soberanias respectivas, segundo os princípios westfalianos – a demanda e a oferta de energia permaneceram, durante muito tempo, sob a responsabilidade de particulares, uma vez que os Estados pouco se envolviam na vida econômica até, praticamente, na Primeira Guerr a Mundial. Na verdade, impérios organizados e constituídos em bases sólidas – como pode ter sido o caso de diversas dinastias chinesas, do Império Romano, desde a Antiguidade, ou o próprio Império Britânico, no momento de sua maior expansão – se envolviam em questões de infraestrutura que também comportavam a mobilização e o uso de “externalidades energéticas” na afirmação de seu poderio sobre determinado território ou sobre outros povos e nações. A civilização chinesa, por exemplo, uma das mais antigas em continuidade histórica, ficou conhecida em determinadas interpretações sociológicas, como a de Karl Wittfogel, como sendo um “despotismo hidráulico”, o que estaria representado pelo envolvimento do Estado na construção e operação de canais fluviais, servindo tanto aos transportes quanto à irrigação, com desenvolvimento de técnicas e regulações incidindo igualmente, ou subsidiariamente, sobre a “oferta” de energia para os produtores primários e para toda a rede comercial. O Império Romano, por sua vez, não deixou de mobilizar suas unidades militares para fornecer “segurança” para o fornecimento de número suficiente de escravos para os cidadãos romanos, sendo que o elemento servil também foi usado para a construção de uma infraestrutura de redes de transportes e comunicações que perdurou durant e séculos. Na passagem das civilizações agrárias para o modo industrial de produção, o que foi operado primordialmente na Grã-Bretanha do século XVIII, o fator energético, como já visto, foi predominante, ao ser o carvão (abundante nas ilhas britânicas) o “motor” que alimentou as caldeiras das novas fábricas e dos meios de transporte, adicionalmente à “boa geografia” daquela “ilha que Deus na Mancha ancorou” (segundo Castro Alves) na facilitação dos transportes internos, de cabotagem, e como base das navegações intercon tinentais. Mas tudo isso, desde a revolução científica, mais de um século antes do deslanchar da primeira revolução industrial e prolongando-se além da segunda (dominada como vimos pela química e pela eletricidade), se deu sob o domínio dos negócios privados, com escasso envolvimento estatal nos grandes fluxos econômicos que passaram a ocorrer na matriz energética elementar dessa época de primeiras grandes transformações na base da economi a mundial. Minas de carvão, companhias férreas e de navegação, unidades industriais movidas a caldeiras e motores eram, com raríssimas exceções (estaleiros nacionais ou arsenais, por exemplo, considerados como atividade de defesa

e segurança), o resultado de empreendedores individuais, eventualmente financiados por banqueiros ou já então organizados sob forma das primeiras grandes empresas, dentre as quais muitas se converteram em multinacionais e ainda estão conosco. Na fase histórica anterior, a do mercantilismo, o Estado se encontrava presente, sobretudo nas concessões monopolistas das grandes companhias de comércio, ainda assim constituídas por capitalistas privados e mobilizando seus próprios “fatores de produção” (incluindo mercenários sob a forma de exércitos privados), ou sua “energia” de propulsão. Até na Primeira, e mesmo na Segunda Grande Guerra, vários vetores da oferta energética – carvão, petr óleo , gás natural, eletricidade de base térmica ou hidráulica – foram mantidos sob propriedade e controle de empresas privadas, mesmo se os governos nacionais, a partir do deslanchar da Grande Guerra, passaram a intervir na produção e no fornecimento de produtos considerados altamente estratégicos para a manutenção da máquina de guerra: produção de ferro e aço, veículos de transporte que foram sendo adaptados para uso bélico, combustíveis em geral, até o próprio fornecimento alimentar, foram sendo colocados sob a tutela do Estado, e unidades produtivas passaram a ser nacio nalizadas. No plano das relações internacionais, contudo, nenhum mecanismo de coordenação da produção, uso ou dos fluxos transfronteiriços de “energia” – no sentido estrito – foi instituído da mesma forma como se fazia, por exemplo, no terreno dos transportes e comunicações. Nesse caso, as primeiras uniões internacionais de cooperação entre Estados soberanos foram sendo estabelecidas como nos exemplos dos correios, do telégrafo, das vias férreas, das patentes industriais e direitos autorais, ou por meio de mecanismos informais, como o mútuo reconhecimento de padrões industriais ou a cooperação entre bancos nacionais sob a vigência do pad rão ouro. No caso da energia, já desde o início considerada “estratégica”, com o crescimento e afirmação dos nacionalismos a partir de meados do século XIX (aqui potencializados pelo novo colonialismo europeu e pelos imperialismos e regimes expansionistas) e, sobretudo no século XX, a cooperação entre Estados territoriais se revelou difícil ou inviável, impossibilitando a criação de mecanismos institucionais para mais ampla cooperação nessa área. Padrões industriais – como corrente e ciclagem da eletricidade – foram se impondo à margem de qualquer regulação estatal, que só passou a ser exercida em toda sua extensão (muito, aliás, para fins protecionistas) em pleno século XX. O século XX é o século das ideologias nacionalistas – algumas até com pretensões universalistas, como o socialismo da II Internacional e o comunismo da III – e com ele se multiplicam as nacionalizações e estatizações dos grandes setores da infraestrutura, notadamente a energia, nas suas diversas formas. Os Estados Unidos permaneceram à margem dos fenômenos da nacionalização e da estatização, como passaram a ocorrer com grande intensidade na Europa e em outros continentes, mas ainda assim havia uma e natural colusão entre as grandes empresas do petróleo e os círculos governantes de Wa shington.

A questão do acesso desimpedido, em bases igualitárias, às matérias-primas essenciais – dentre elas, o petróleo – esteve no centro dos conflitos potenciais do entreguerras, como da própria Segunda Guerra, e não por acaso o tema esteve presente na Carta Atlântica , concertada entre Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill, em agosto de 1941, e que foi uma das bases conceituais das Nações Unidas, vencedoras das potências fascistas e promotoras da ordem econômica internacional do pós-guerra até a cris e de 1973. Ainda assim, a energia permaneceu à margem dos diversos arranjos setoriais que passaram a integrar o sistema da ONU, com suas muitas agências especializadas: para saúde, educação e cultura, as comunicações e transporte aéreo, metrologia e padrões, propriedade intelectual, pioneiramente, para a cooperação monetária (FMI), financeira (Banco Mundial) e comércio (Gatt). No máximo, foram criados acordos regionais intergovernamentais, sobretudo na Europa, com a Euratom, em 1957, e na América Latina, com uma entidade dedicada à difícil integração energétic a (OLADE). No decorrer da reconstrução econômica desde o final da Segunda Guerra, conferências econômicas e até acordos internacionais chegaram a ser concluídos em torno de alguns produtos de base (minerais e agrícolas), com dispositivos prevendo cooperação entre Estados produtores e consumidores, e até funcionamento de estoques reguladores e algum balizamento para preços referenciais, mas nenhum deles tratou especificamente do petróleo e de outras matérias primas energéticas que continuaram sendo ofertadas e demandadas em bases de mercado, com preços “regulados” apenas pelas bolsas de mercadorias (independentemente de manipulações eventuais em mercados “futuros” por produtores ou consumidores poderosos para influenciar estoques e tr ansações). Durante algum tempo se falou no “monopólio das Sete Irmãs”, as grandes companhias ocidentais do petróleo que conseguiram manter – com a eventual “ajuda geopolítica” de seus respectivos governos – preços estáveis para o barril do petróleo durante pelo menos duas décadas entre os anos 1950 e 70. Essas companhias, contudo, a partir da criação da Opep, em 1961, foram sendo nacionalizadas ou convertidas em prestadoras de serviços para as grandes companhias estatais que passaram a assumir papel central na oferta quase monopolista do mercado de petróleo, numa conjuntura em que o novo cartel se tornou responsável por dois terços do fornecimento mundial dessa commodit y crucial. A Opep foi, provavelmente, um elemento relevante na mudança geopolítica das relações econômicas internacionais na área energética, constituindo, a despeito de suas próprias ações (ou seja, involuntariamente), o fator decisivo para uma mudança de caráter estrutural tanto na oferta quanto na demanda da energia em suas diversas formas, tanto no plano tecnológico, ou material, quanto no plano institucional. Antes da Opep, o única esquema de cooperação interestatal no plano energético (na verdade bem mais siderúrgico, ou militar) que havia sido constituído entre atores econômicos relevantes era o Tratado de Paris de 1951, instituindo a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço entre seis países da Europa Ocidental.

Por meio desse tratado, o primeiro de caráter supranacional na história do direito internacional – com a exceção, talvez, do Pacto Atlântico, de 1949, criando uma entidade na área da defesa militar, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – a França, a Alemanha, a Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo e Itália decidiram colocar em comum, ou seja, sob o controle e a administração de uma autoridade comunitária (não mais de tipo intergovernamental, como na maior parte dos demais tratados internacionais) todas as minas e usinas de carvão, de minério e de produtos siderúrgicos, envolvendo produção, comercialização e funcionamento dessas unidades pr odutivas. Seis anos mais tarde, os Tratados de Roma, que criaram a primeira grande iniciativa de integração profunda, o mercado comum europeu, incluíram também um acordo de cooperação na área de energia nuclear, a Euratom, que passou a incluir igualmente Estados não membros da Comunidade Econômica Europeia. A essa altura (final dos anos 1950), a maior parte das empresas dedicadas ao setor energético eram estatais completas ou então colocadas sob a supervisão dos governos em Estados membros da CEE ou nos fora dela. Idêntico movimento se passou na América Latina e, depois, nos novos Estados constituídos a partir da descolonização europeia. O Estado tornou-se um importante ator energético em quase todos os integrantes do Terceiro Mundo, e o nacionalismo econômico nos países emergentes apresentou-se basicamente como sendo petrolífero. A “maldição do petróleo” não deixou, por sua vez, de afetar diversos Estados caracterizados por baixo grau de governança, sobretudo na África, mas igualmente no Oriente Médio e na América Latina, com comportamentos rentistas destrutivos dos equilíbrios econômicos e marcados por altas doses de corrupçã o oficial. Entre um e outro acordo europeu se situa, em 1955, a primeira grande iniciativa para disciplinar a cooperação multilateral no novo fator absolutamente estratégico no terreno mundial, em termos de poder militar e secundariamente energético: o controle e a manipulação de materiais atômicos e a fabricação de armas nucleares, responsáveis pela grande tragédia que encerrou a Segunda Guerra Mundial no terreno do Pacífico (após tentativas não exitosas por parte do regime nazista de chegar à arma de “última in stância”). Depois de difíceis conversações no âmbito multilateral em torno da utilização pacífica da energia nuclear, desde as explosões nucleares por parte da União Soviética (1949), foi criada, no âmbito da ONU, a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), supostamente encarregada de disciplinar e monitorar a cooperação entre os Estados membros para o acesso à energia nuclear para fins pacífico s, e limitar o acesso aos materiais para fins bélicos. Diferentes esquemas foram sendo criados nas décadas seguintes com finalidade de evitar a proliferação de materiais e equipamentos podendo ser utilizados para outros objetivos que não os energéticos, num ambiente de Guerra Fria entre os dois grandes campos da equação geopolític a mundial.

Os anos 1970 foram decisivos, senão dramáticos, na conformação de novas modalidades de cooperação, ou de conflito, no campo energético, tanto em escala mundial, quanto regional, para o Brasil. Começando pelo primeiro choque do petróleo, a triplicação dos preços do barril no final de 1973 – na verdade, em grande medida provocado pela desvinculação do dólar ao ouro, em 1971, mas de fato deslanchado pela segunda guerra entre Israel e os países árabes –, a dominação do cartel dos árabes sobre a Opep e sobre uma fração majoritária da oferta do óleo nos mercados mundiais começou a ser erodida no decorrer desses anos, mesmo esse primeiro choque tendo sido seguido, no final da década, por um segundo choque ainda mais impactante para os países importadores, entre eles o Brasil. Já o primeiro choque provocou triplicação da fatura petrolífera brasileira, dependente em quase 80% do cru importado, numa fase em que a Petrobras dava início às explorações offshore . O impacto sobre a economia brasileira foi dramático, tanto no plano puramente financeiro – em função da opção pelo endividamento externo para continuar a sustentar os grandes projetos de desenvolvimento industrial e tecnológico – como por uma reconversão energética baseada num combustível de biomassa, o etanol, mas que se revelou, nas primeiras décadas, altamente custosa no plano orçamentário, ainda que aliviando, mas apenas em parte, o impacto na balança comercial (DALGAAR D, 2017). Os Estados desenvolvidos – Japão, altamente dependente, Europa Ocidental e Estados Unidos – deram início a um processo de reconversão tecnológica no sentido de tornar suas indústrias menos dependentes do petróleo importado, vários deles dando início a programas de energia nuclear que modificaram amplamente a matriz energética, como no caso da França. Depois de uma primeira fase marcada pelo acirramento dos conflitos políticos entre produtores e consumidores, os países membros da OCDE deram início a novo esquema de cooperação, baseado na troca de informações, na organização de reservas estratégicas, na diversificação de fontes de abastecimento e em novos investimentos em modalidades alternativas. O resultado foi a criação da Agência Internacional de Energia, em 1974, sem obviamente o perfil confrontacionista da Opep, mas paulatinamente eficiente na superação dos principais desafios criados com os dois choques sucessivos do petróleo. Depois da grande onda nacionalista dos anos 1970 novos tipos de associação pragmática entre os monopólios nacionais e as grandes companhias de petróleo foram sendo desenvolvidos, enquanto as próprias companhias estatais de Estados produtores realizaram grandes investimentos em países abertos, reforçando assim as tendências à internacionalização e à transnacionalização à outrance da indústria petrolífera. Com a elevação dos preços do barril, novos campos foram abertos em áreas mais difíceis, e custosas, de exploração, no Mar do Norte (Noruega e Grã-Bretanha, por exemplo) e em águas profundas em diversos co ntinentes. Durante muito tempo discutiu-se a hipótese de um “pico” na produção e oferta de petróleo, seguido de declínio irresistível das contes conhecidas a partir de argumentos apresentados pelo geólogo Marion King Hubbert (PIMENTEL, 2011), “teoria” que revelou-se até o momento equivocada. Mas,

por força de constrangimentos políticos e ambientalistas a era dos combustíveis fósseis parece estar sendo encurralada para o final de seu longo período de pre eminência. A abertura de novas regiões à exploração petrolífera multinacional, na América Latina, no Oriente Médio e na África, e grandes mudanças do setor na Rússia, também alteraram de maneira decisiva a geopolítica e a geoeconomia do petróleo nas décadas seguintes aos dois choques do petróleo, com reflexos quase que automáticos, embora erráticos, nos preços negociados nos contratos internacionais. O que ocorreu, em detrimento da Opep, foi uma diminuiç ão no fenômeno da cartelização que, de toda forma, nunca foi homogêneo e persistente – com consequente aumento no poder do “mercado”. Mesmo se os preços voltaram a favorecer os Estados produtores, a fixação política de preços referenciais, como ocorria nos tempos “áureos” da Opep, não mais voltaram a determinar o mercado, já que o desenvolvimento das bolsas de futuros alterou bastante sua estrutura e comp ortamento. Brasil: acertos e equívocos em suas erráticas políticas energéticas O Brasil passou o primeiro século da era do petróleo em busca da necessária e, até recentemente, quase ilusória construção da autossuficiência. Durante a maior parte desse período ele esteve constantemente pressionado pela evolução errática dos preços internacionais do carburante e viveu angustiado pelas escolhas políticas que teria de fazer em torno da exploração nacional: monopólio público ou estímulos ao capital privado? Abertura total ou fechamento ao capital estrangeiro? Associação comercial ou regime de exclusividade da empresa estatal? Questões, aliás, que permanecem válidas ainda hoje, e o debate em torno delas continua atual em vista dos erros cometidos em diversas fases desse longo percurso. O Brasil ingressou tardiamente na era do petróleo: ele sempre foi, durante a maior parte do século XX, produtor marginal e consumidor moderado, até que o aprofundamento do seu sistema industrial passou a exigir quantidades mais importantes aumentando, assim, a dependência do petróleo importado. A obsessão com o abastecimento nacional dominou as mentes dos líderes políticos e dos chefes militares durante praticamente esse século, desenvolvendo uma espécie peculiar de nacionalismo petrolífero que nem sempre se pautou pelas melhores orientações econômicas no que se refere ao custo-benefício do monopólio nacional. Foi questão na qual preocupações políticas sobrepujaram claramente os cálculos econômicos, ou até os dados técnicos, dificultando sobremaneira a manutenção de um debate baseado em evidências concretas e minimamente pautado pela racionalidade econômica. O diplomata e economista Roberto Campos combateu inutilmente, durante décadas, o nacionalismo petrolífero, apenas para se ver frustrado a cada etapa do debate nacional (ALMEIDA, 2017), ao ver a Petrobras agigantar-se a cada vez até converter-se no que ele chamou de “Petrossauro”. De fato, em seus primeiros dez anos de existência, a empresa foi vítima da instabilidade política vivida pelo Brasil nesses anos, registrando nove presidentes até o início do governo militar; o ministro da Guerra de Juscelino Kubitschek,

General Henrique Teixeira Lott, cunhou uma frase fatídica: a Petrobrás é intocável ; nos governos Jânio Quadros e João Goulart, entre 1961 e 1964, ela teve quatro pr esidentes. Com tudo isso, a primeira característica do cenário energético brasileiro foi a da dependência externa, paulatinamente superada pela sua capacitação tecnológica na exploração de recursos próprios, embora o provimento externo em certos materiais, em carvão mineral, por exemplo, para suas indústrias, e mais modernamente para o gás, tenha continuado durante basta nte tempo. Os governos militares, a despeito do que pensava o ministro do Planejamento Roberto Campos sobre a “Petrossauro”, ampliou, na verdade, o poder da estatal, criando novas subsidiárias nas áreas da distribuição, da química, de trading , dominando a importação de derivados, para a comercialização, a pesquisa e a exploração no exterior, mediante investimentos diretos – e utilizando-a, de maneira inclusive irregular, para realizar objetivos nas áreas fiscal, industrial (sobretudo na construção naval), de combate à inflação e de captação de recursos externos. À época dos dois choques petrolíferos, a dependência externa era superior a 85% do consumo, até alcançar autossuficiência relativa (pois que diferenciada em função dos tipos de petróleo) no início do presente século. A tentativa, de 1975, de superar as limitações dos recursos existentes, por meio de contratos de risco com empresas privadas, inclusive estrangeiras, adotada pelo general Ernesto Geisel, que tinha sido presidente da companhia antes de assumir a Presidência do Brasil, não redundou nos benefícios esperados, ao mesmo tempo em que a Petrobras era convocada para servir de linha auxiliar no programa nacional do álcool, instituído ao mesmo tempo (para enfrentar o primeiro choque do petróleo, em 1973-1974, novamente agravado pelo segundo choque, a partir de 1979). A expansão energética foi enorme desde os anos 1970, primeiro com uma diminuição notável da biomassa (lenha) em favor da hidroeletricidade, depois com o retorno da biomassa (sob a forma de etanol e do bagaço de cana) na esteira de transformações tecnológicas. Mas, nenhum balanço econômico fiável pode ser apresentado quanto aos resultados efetivos – em termos de custos e benefícios – do monopólio estatal, em seus anos de existência efetiva, uma vez que as variáveis de atividade da Petrobras foram muito diversas, ao ter ela sido obrigada pelos governos sucessivos – tanto de período militar, quando posteriormente – a atuar não apenas como empresa produtora e importadora de petróleo, e seus derivados, mas também como uma espécie de agência estatal para finalidades energéticas, no sentido lato , e para uma série de outros objetivos políticos e econômicos em outros terrenos de interesse do Govern o Federal. Não obstante as dificuldades derivadas das obsessões nacionalistas constantes, o governo Fernando Henrique Cardoso conseguiu realizar, no curso dos dois mandatos, mudanças políticas e organizacionais importantes que transformaram a Petrobras. Nesse espaço de tempo, em uma das gigantes do setor petrolífero, o que foi consolidado por meio de novo regime de exploração do setor e pela criação de uma agência nacional, em 1997,

após a adoção reforma constitucional abolindo o seu monopólio de direito (ainda que continuasse o monopólio de fato sobre o setor). A companhia estatal adotou um perfil bem comercial e menos influenciada pela política. Infelizmente, tal situação seria revertida, menos de uma década depois, por decisões totalmente equivocadas tomadas pelos governos do PT, em meio a diversas outras ações destrutivas da Petrobras e da política energética de fo rma geral . De maneira geral, os governos “reformistas”, orientados nesse quesito pela sua primeira ministra de Minas e Energia, depois convertida em chefe da Casa Civil e, finalmente, em presidente da República, cometeram erros sobre erros em todas as políticas energéticas setoriais, sendo difícil apontar um setor que não tenha sofrido significativamente equívocos sequenciais, dos combustíveis à eletricidade, do petróleo aos biocombustíveis. No início, grandes apostas foram feitas nos renováveis, sobretudo etanol e biodiesel, mas desde a partida o voluntarismo e os preconceitos – quando não cálculos rasteiros para beneficiar atores específicos – foram superiores às considerações técnicas para maior retorno de mercado. A Petrobras, por exemplo, foi engajada nas mais diversas áreas, inclusive na compra, obrigatória, de biodiesel de mamona, sem qualquer análise de custobenefício desse insumo, já com a determinação obrigatória de sua mistura ao diese l fóssil. A companhia estatal, provavelmente já com finalidades mais de corrupção financeira do que para um perfil industrial racional, teve de se transformar em grande produtora de energia, nas suas mais diversas formas, em transportadora de petróleo e gás natural, em compradora de biodiesel, em contratadora de novas refinarias com superfaturamento embutido, em grande compradora nacional da indústria naval e de plataformas de exploração marítima e em adquirente externa de refinarias de valor altamente duvidoso (Pasadena), com desvios e corrupções em todas essas atividades d e energia. O controle político dos preços de mercado da gasolina gerou perdas tão, ou mais, importantes do que as fraudes e erros generalizados de que ela foi v í tima, o que gerou um endividamento monstruoso e uma diminuição brutal do seu patrimônio. As fraudes deliberadamente infringidas à companhia deram lugar a um custoso processo na justiça dos Estados Unidos, provocando uma indenização de quase três bilhões d e dólares. Na frente interna da eletricidade, os erros não foram menos clamorosos, com uma política de modicidade tarifária e de prevenção pol ítica contra grandes barragens, ademais das demoras e dos requerimentos de licenciamento ambiental, dominado por um ecologismo de bases ideológicas nas instituições da área, como também ocorreu nos casos dos OGMs – que obrigou um caro (e poluente) recurso às térmicas gerados dessa forma de energia. O populismo energético recrudesceu no caso do rebaixamento do custo da eletricidade fornecida a indústrias e particularidades, obrigando o Estado a enorme subsídio público às distribuidoras e, novamente, redundando no aumento das tarifas elétricas, quando estas já estão entre as mais caras do mundo, geralmente devido à sobrecarga tributária das mais ex torsivas.

A partir das descobertas de óleo e gás no Pré-Sal, em meados da primeira década desse século, as perspectivas do Brasil nesse terreno parecem ser otimistas, já que o País tem chances de se firmar não apenas como exportador de cru, mas igualmente como fornecedor potencial de tecnologia de exploração offshore . A revelação das descobertas de petróleo e gás natural na Bacia de Santos, nas bacias marítimas do Sul e Sudeste do Brasil, representou certamente um marco na história econômica no terreno dos combustíveis fósseis, mas também o início de mudanças altamente controversas no plano organizacional e político. O segundo governo Lula alterou o marco regulatório que havia sido fixado em 1997 com base num regime de concessões compradas em leilões, criando uma empresa estatal no setor e dando início ao sistema de partilha, com obrigatoriedade de participação da Petrobras (provavelmente com outras intenções que não apenas a exploração eficiente dos novos recursos). Criou-se, complicada controvérsia judicial em função da distribuição dos royalties gerados pelo novo sistema, resultando numa politização exagerada do debate na federação e um contencioso que está longe de ter sido resolvido adequadamente pela Justiça. Quais perspectivas futuras na geopolítica da energia? Independentemente da volatilidade natural nos mercados de fósseis, os desenvolvimentos futuros no terreno da energia são aparentemente dominados por certas tendências que devem afetar o papel dos grandes produtores em suas diversas dimensões: de um lado existe uma sensível redução nos custos de energias “limpas”, renováveis, e um peso crescente da China e dos Estados Unidos nesses mercados, mas em direções aparentement e opostas. A despeito de serem ambos os grandes poluidores do planeta, os dois gigantes energéticos, produtores e consumidores de bens e serviços no terreno da energia, se movem em direções opostas: a China adota um programa agressivo de redução de fósseis em sua matriz energética e passa a produzir uma gama variada de equipamentos para energia renovável, sobretudo painéis solares. Os EUA, por sua vez, se redescobre novamente como grande produtor de óleo e gás em virtude de avanços tecnológicos em exploração e aproveitamento das fontes fósseis disponíveis (International Energy Agency, World Energy Outlook 2017; https://www.iea.org/weo2017/ ). O impacto da nova realidade americana nos mercados petrolíferos já se mostrou importante, com uma queda substancial do valor do produto em relação aos preços médios registrados nos anos 2000.

O Brasil pouco contou, até uma fase recente, na geoestratégia petrolífera em escala global. Os dois Estados latino-americanos mais presentes na história política do petróleo foram, evidentemente, o México e a Venezuela, ambos sob a ótica de suas relações com os Estados Unidos, tormentosas ou cooperativas segundo a ocasião, mas com trajetórias muito diversas em função de orientações de política econômica também desiguais. O México embarcou em experimentos de abertura comercial e de aceitação de uma aliança preferencial com o seu grande vizinho do norte, mas nunca conseguiu liberalizar e desmonopolizar sua indústria petrolífera, a despeito de tímidos avanços no setor. A Venezuela, por sua vez, que ensaiava alguma abertura econômica no início dos anos 1990, conheceu dramática deterioração com o advento do governo bolivariano , que conseguiu realizar a performance de destruir o único grande setor do qual são extraídos os principais recursos do Estado. Como muitas outras companhias estatais do setor, em países carentes de governança de boa qualidade, a PDVSA foi usada para objetivos de política externa e de populismo econômico doméstico do governo Hugo Chávez; e conheceu uma das mais dramáticas erosões operacionais a atingir uma empresa que, por características próprias ao setor, deveria ser estavelmente super avitária. A Petrobras conheceu processo não semelhante, mas similar, de perda de valor patrimonial e de eficácia administrativa, pela ação de gestores ineptos e corruptos durante os governos economicamente desastrosos do PT. Nos setores produtivo e comercial, não é difícil prever-se um aumento progressivo do autoabastecimento, graças aos recursos do pré-sal, e uma diversificação ainda maior das fontes de aprovisionamento externo, mas a companhia estatal ainda precisa se recuperar de quase uma década e meia de equívocos cometidos pela gestão inepta dos governos no poder, entre 20 03 e 2016. O Brasil, que sempre participou do mercado internacional de petróleo, sobretudo como comprador, apesar dos investimentos externos realizados pela Petrobrás desde os anos 1970, tornou-se grande exportador de cru no século XXI, ainda que continuando a importar petróleo leve de suas fontes tradicionais, em função das características técnicas de suas r efinarias. O aproveitamento do bagaço de cana como fonte térmica de geração de eletricidade, por sua vez, representou uma competição dinâmica com as grandes barragens feitas ao longo da segunda metade do século XX: em 2007, a geração a partir da cana (16%) ultrapassou pela primeira vez a geração hidráulica (15%) como fonte de energia, ficando atrás apenas do petróleo e derivados. No ano seguinte, o próprio etanol ultrapassou a gasolina como combustível automotivo, numa fase em que a totalidade da frota de veículos individuais já vem equipada com motores flex . Infelizmente, erros de política econômica no período subsequente – como o congelamento eleitoreiro dos preços da gasolina – diminuíram enormemente os investimentos que eram feitos nes se setor. Um elemento que poderia entrar no planejamento de uma futura e eventual matriz energética em escala regional seria a integração na América do Sul

nessa vertente – com interligações em matéria de gás e novos acordos comerciais para o fornecimento de crus – mas essa perspectiva, que poderia influenciar positivamente a “geopolítica” da matriz energética regional, é altamente dependente de uma convergência mais profunda dos mecanismos regulatórios nacionais, o que parece altamente duvidoso num continente que vem, ao que parece, fragmentando-se em três blocos de países: os “globalizadores” – como México, Peru, Colômbia e Chile, que já constituíram a sua “Aliança do Pacífico –, os “neonacionalistas estatizantes” – os chamados, como a Venezuela, a Bolívia, e o Equador – e os “recalcitrantes”, entre eles o próprio Brasil e seus sócios no Mercosul, indefinidos entre o velho nacionalismo e as novas tendências da economi a global. Se a cooperação regional é difícil em matéria energética, ela é ainda mais complicada no terreno multilateral. Os recursos energéticos estão geograficamente dispersos de forma irregular e sua distribuição não tem muito a ver com as fronteiras dos Estados territoriais ou com suas orientações políticas. A cooperação nessa área é, sobretudo, bilateral, ou quando muito plurilateral, na medida em que é difícil a coordenação das políticas nacionais num setor que exige equilíbrio delicado entre necessidades imediatas, carências futuras e certo grau de planejamento estratégico para compor o mix adequado de aproveitamento de fontes internas e externas de aprovis ionamento. Trata-se também de um dos mais importantes setores a demandar financiamentos de grande porte para os pesados investimentos de infraestrutura e de transporte ou transmissão que requerem suas diversas formas, numa área vital para a atividade econômica de todos os países. As implicações estratégicas e as diferentes dotações de recursos limitam as possibilidades de cooperação internacional, o que se observa, por exemplo, na irrelevância da entidade regional latino-americana criada para estimular o setor , a OLADE. Questões de segurança energética também possuem grande peso na balança, ademais do grande peso dos vários produtos energéticos no comércio internacional. Por último, o nacionalismo energético é uma tendência natural das lideranças políticas, inclusive devido a seus efeitos relevantes em termos de produção, distribuição e apropriação de rendas setoriais, o que nem sempre se faz da maneira economicamente mais racional ou legítima. No caso do Brasil, persistem dúvidas sobre as grandes definições para o setor energético, em função das escolhas políticas que devem ocorrer no atual momento de transição e a assunção de um novo governo a partir de ٢٠١٩. A penosa reconstru ção d a sua política econômica, com um ajuste fiscal ainda incompleto e altamente dependente de reformas estruturais, vai impactar definições cruciais no setor energético, quando uma nova administração assumir o poder. Até lá, o setor petrolífero terá sido restaurado de sua destruição pela gestão aventureira do período “reformista”, e as novas orientações setoriais deverão, em toda probabilidade, contribuir para ainda maior internacionalização da Petrobras.

Por outro lado, o setor privado deve continuar investindo tanto em fontes tradicionais quanto em renováveis, dada a virtual incapacidade do setor público de realizar grandes gastos em infraestrutura. Em qualquer hipótese, o Brasil passará a desempenhar papel cada vez mais relevante na geoeconomia mundial da energia, mesmo que não venha a integrar qualquer cartel manipulador de preços, nos mercados de fósseis ou de renováveis: ainda que a energia seja verdadeiramente estratégica para a realização de todo e qualquer projeto nacional minimamente significativo, a ausência de qualquer pretensão imperial ou hegemônica como objetivo político autoassumido faz com que, de toda forma, as necessidades brasileiras em energia continuem a ser asseguradas pelas vias tradicionais do comércio exterior e dos investimentos em fontes domésticas as mais variadas. Mais modestamente, o papel do Brasil já será importante se, em função de seus enormes recursos naturais e adequada capacitação tecnológica, conseguir garantir um aumento razoável nos níveis de bem-estar da população mediante a utilização racional dos novos recursos descobertos na chamada camada do Pré-Sal, evitando a tão conhecida “maldição dos recursos naturais”. E, se o petróleo é fundamental em qualquer processo de desenvolvimento, o elemento estratégico da equação, mais do que a projeção externa de uma política de poder, continua sendo a capacitação tecnológica interna e a definição de uma correta política energética. Essa equação deve integrar, igualmente, as fontes renováveis de energia, a começar pela biomassa, mas também fontes solares e eólicas. Em todo caso, as lições que se podem tirar do passado são relativas: o cenário até aqui percorrido pode não mais ser relevante para traçar o futuro de médio e longo prazo. Novas forças começam a se movimentar nesse mesmo momento no vasto setor da energia. O mundo dos combustíveis fósseis ser á progressivamente substituído por novas fontes, geralmente renováveis. Como sempre, os caminhos do desenvolvimento são múltiplos, mas, também é claro que, com adequada capacitação tecnológica, como é indispensável ocorrer no Brasil, sempre será mais fácil enfrentar os desafios de uma nova matriz e nergética. O importante, como talvez gostaria de lembrar Monteiro Lobato, o grande pioneiro da exploração de petróleo no Brasil (ALMEIDA, 2008), é que acima dos recursos naturais, estão a capacidade de transformá-los e sua utilização sustentável, a tecnologia e os recursos humanos. Mais do que isso, Lobato continuaria a nos lembrar que um país se faz com homens e livros, em uma palavra, educação de qualidade. Em última instância, o escritor, educador e editor de livros foi mil vezes mais importante do que o agitador do petróleo. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paulo Roberto de. Monteiro Lobato e a emergência da política do petróleo no Brasil. In: BARROS FILHO, Omar de; Sylvia, BOJUNGA (org.). Potência Brasil: Gás Natural, Energia Limpa para um Futuro Sustentável. Porto Alegre: Laser Press Comunicação, 2008, p. 12-33. ALMEIDA, Paulo Roberto de. (org.). O Homem que Pensou o Brasil: Trajetória Intelectual de Roberto Campos. Curitiba, Editora App ris, 2017.

BRASIL. Ministério das minas e energia. Matriz Energética Nacional 2030 (2007). Brasília: Empresa de Pesquisa Energética; disponível no link: http:// www.mme.gov.br/web/guest/publicacoes-e-indicadores/matriz-energeticanacional-2030 . Acesso em: 13 set. 2019. DALGAARD, Klaus Guimarães. The Energy Statecraft of Brazil: the Rise and Fall of Brazil’s Etanol Diplomacy . Brasília: Fu nag, 2017. DIAMOND, Jared. Guns, Germs, and Steel: The Fate of Human Societies (1997). Nova York: Norton; edição brasileira: Armas, Germes e Aço: Os Destinos das Sociedades Humanas . Rio de Janeiro: Rec ord, 2001. INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. World Energy Outlook 2017 . Paris, OECD; disponível no link: https://www.iea.org/weo2017/ . Acesso em: 13 set. 2019. LANDES, David S. Prometeu Desacorrentado: Transformação Tecnológica e Desenvolvimento Industrial na Europa Ocidental, de 1750 até os Dias de Hoje. 2. ed. Rio de Janeiro, Cam pus. 2005. LANDES, David S. The Wealth and Poverty of Nations: Why Some are so Rich and some so Poor (1998). Nova York, Norton; edição brasileira, A Riqueza e a Pobreza das Nações: por que Algumas são tão Ricas e Outras são tão Pobres? Rio de Janeiro, Cam pus, 1998. LEITE, Antonio Dias. A Energia do Brasil . Rio de Janeiro: Nova Fronte ira, 1997. LIMA, Maria Regina Soares de. The Political Economy of Brazilian Foreign Policy: Nuclear Energy, Trade and Itaipu (2013; 1986). Brasília: Funag. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/ product&path=68&product_id=205 . Acesso em: 13 set. 2019.

PIMENTEL, Fernando. O Fim da Era do Petróleo e a Mudança do Paradigma Energético Mundial: Perspectivas e Desafios para a Atuação Diplomática Brasileira (2011). Brasília: Funag. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/ index.php?route=product/ product&product_id=194&search=O+fim+da+Era+do+Petr%C3%B3leo+e+a+mudan Acesso em: 13 set. 2019. UNITED STATES. Department of Energy. International Energy Outlook 2017. Disponível em: www.eia.gov/outlooks/ieo/ . Acesso em: 13 set. 2019. YERGIN, Daniel. The Prize: The Epic Quest for Oil, Money and Power. Nova York, Simon and Schuster; edição brasileira: O Petróleo : Uma História de Ganância , Dinheiro e Poder. São Paulo: Scritta Editor ial, 1992. YERGIN, Daniel. The Quest: Energy, Security, and the Remaking of the Modern World (2011). Nova York: Penguin; edição brasileira: A Busca: Energia, Segurança e a Reconstrução do Mundo Moderno. Rio de Janeiro: Intríns eca, 2014.

YERGIN, Daniel. The Shattered Peace: The Origins of the Cold War and the National Security State . Boston: Houghton Miff lin, 1978. 2 BALANÇO SUL-AMERICANO: O GÁS NATURAL COMO VETOR DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA D O CONE SUL Edmilson Moutinho dos Santos Bruna Eloy de Amorim Drie lli Peyerl Hirdan Katarina de Mede iros Costa Introdução Em um capítulo que necessita ser abrangente em sua cobertura, porém limitado em sua extensão, é sempre muito difícil de fazer escolhas tópicas. O capítulo precisa sustentar-se isoladamente e, também, dialogar com os outros conteúdos da obra. Entre as escolhas para este capítulo, procura-se, inicialmente, enfatizar o gás natural como um vetor energético em expansão global. Em seguida, contextualiza-se o papel reservado ao gás natural nos processos de integração energética do Cone Sul da América do Sul. Nessa reflexão, torna-se obrigatório um olhar sobre o futuro fortemente influenciado por acontecimentos dramáticos do presente e do passado. Esses focos principais aparecem pincelados dentro de uma discussão maior referente aos processos de “globalização energética”, sua resiliência e transformação histórica. Gás Natural: A Emergência de uma Nova Civilização Energética Na literatura internacional, frequentemente o gás aparece como o “energético de transição” (BROWN et al. , 2009; GAS TERRA, 2009; COLOMBO et al. , 2016; Zhang et al. , 2016). Trata-se de um combustível fóssil considerado mais “limpo e ambientalmente aceitável”. Nessa leitura, acolhe-se o princípio de que o gás permite aos países saírem gradualmente de matrizes energéticas consideradas mais “insustentáveis” (fortemente ancoradas em combustíveis fósseis sólidos e líquidos) rumo a matrizes energéticas mais “sustentáveis” (com maior diversificação de fontes e crescente participação de energias ren ováveis). Para outros autores, a argumentação em defesa da expansão do uso do gás natural vai além do conceito de um “energético de transição”. Propõe-se o gás como um “energético de destino”. A abundância de recursos gasíferos em escala planetária (convencionais e não convencionais); a disponibilidade crescente de tecnologias para utilização eficiente e produtiva do gás; a extensão de gasodutos e a recente expansão das cadeias de suprimento de gás natural liquefeito; garantem a constituição e manutenção de um mercado gasífero de longo prazo, e cada vez mais global. Assim, Smil (2015) apresenta o gás natural como um “combustível líder e dominante”, que permite alimentar as modernas sociedades com as elevadas quantidades de

energia que serão demandadas ao longo do Século 21. Moutinho dos Santos et al. (2007) propõem o Gás Natural como o pilar para a construção de uma nova civilização (en ergética). Independentemente de se colocar o gás natural como energético de “transição ou de destino”, é crescente sua aceitação entre os energéticos que reinarão no Século 21. O gás natural é um combustível versátil e apresenta qualidades de uso em muitas aplicações (tradicionais e potenciais); sua disponibilidade é cada vez mais abundante, tanto na extração como na crescente infraestrutura de transporte/distribuição. O crescimento de seu consumo é observado em todos os continentes, permitindo a construção de um mercado gasífero com amplitude cada vez mais global. A preferência pelo gás relaciona-se aos seus benefícios tecnológicos, mas, igualmente, aos ambientais. Em relação aos outros combustíveis fósseis há de se destacar seus impactos positivos em melhorias locais da qualidade do ar, bem como na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE, ou greenhouse gases , GHG, em inglês) ¹ . Quaisquer dos principais balanços energéticos recentemente publicados (ver, por exemplo, BP (2017), EIA (2017) ou IEA (2017a)) mostram a sistemática expansão do gás natural na Oferta Planetária de Energia Primária, saltando de cerca de 15%, em 1973, para pouco mais de 21%, em 2015. O gás também apresenta crescimento vigoroso em seu papel de geração de eletricidade, passando, no agregado de todas as nações, de algo como 12%, em 1973, para cerca de 23% , em 2015. Olhando-se para o futuro, e tomando-se diversos Cenários Energéticos para 2050, por exemplo, observa-se na Figura 1 que há muitas percepções alternativas para o futuro energético do planeta, desde o cenário revolucionário proposto pelo Greenpeace, no qual as energias fósseis praticamente desaparecem do mix energético mundial, até visões de futuro mais convencionais. Nestas, o maior consumo do gás natural, bem como a utilização mais abrangente de energias renováveis, é visto como uma das principais grandes tendências energéticas. Com diferentes olhares e entendimentos do futuro, destaca-se como unanimidade que o mundo deverá experimentar contribuições ainda mais relevantes para o gás natural em sua matriz energética de 2050 (e, talvez, até além).

Figura 1: Qual Será o Conjunto Energétic o em 2050? A participação do gás no consumo energético global poderá chegar a 26,5%, apregoado no cenário Mountains da Shell e se tornando a principal fonte de energia do planeta. No cenário Jazz do Conselho Mundial de Energia (CME), o gás torna-se a forma de energia com maior participação de mercado, com pouco mais de 27%. Já no cenário Symphony , do mesmo CME, o gás supera as demais energias fósseis, mas chega em 2º lugar, com participação de cerca de 25%, atrás das “novas” energias renováveis. Observa-se que, nesse último cenário, o CME contempla, igualmente, a adoção mais profunda e generalizada de medidas e tecnologias que incentivam a eficiência e nergética. Dentro dos limites deste capítulo, não é possível explorar os detalhes dos vários cenários apresentados. Contudo, nas discussões preliminares realizadas pelo CME, para elaborar e apresentar seus cenários Jazz e Symphony (WEC, 2016), surgem elementos indicativos que nos levam a concluir que o “mundo real” no qual estamos vivendo, pelo menos na fase inicial do horizonte de planejamento, tem características mais próximas do cená rio Jazz . O cenário Symphony contempla, como pressuposto, um mundo “plenamente globalizado”, com grande sentido de harmonia entre as nações (Estados territoriais, para a geopolítica), e preparado para enfrentar grandes problemas da humanidade a partir de soluções conjuntas e decididas em

consensos globais. Nesse ambiente, pode-se vislumbrar intensas trocas comerciais e tecnológicas, bem como fundos globais de capital que permitiriam financiar as necessárias e rápidas transferências de tecnologias e sua adoção ab rangente. Conforme mostrado na última coluna à direita da Figura 1, para a materialização do cenário Symphony , é necessário que, em todo o planeta, difundam-se e adotem-se com vigor o uso de novas tecnologias de energias renováveis e de eficiência energética, conduzindo à profunda transformação do “mix” energéti co global. Como discutiremos a seguir, os processos de globalização permanecem intensos e abraçam todos os segmentos e dimensões do setor energético. No entanto, tais processos já não se desenvolvem em ambientes tão harmoniosos. Forças “antiglobalizantes” revigoraram-se tanto em países mais ricos da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), como em nações menos desenvolvidas, e isso pode representar importante obstáculo para a consolidação de um cenário energético Symphony . Movimentos “antiglobalizantes” nunca deixaram de existir e de ganhar visibilidade em iniciativas de grande impacto, mesmo nas décadas de 1990 e 2000, as mais robustas na mais recente onda da globalização. Reitan (2012) apresenta uma tentativa teórica de classificação e de compreensão dos fundamentos desses movimentos. O autor acima reconhece as dificuldades e o risco de exagerada simplificação em qualquer tentativa de teorizar sobre uma miríade de movimentos, com características tão distintas, envolvendo inúmeras organizações e redes sociais, e que se rebelam, resistem, fazem campanha contra ou criam práticas alternativas à globalização ² . Adiciona Reitan (2012) que os movimentos “antiglobalizantes” sempre tiveram alcance e perceptibilidade reduzidos, revelando-se impotentes contra a “corrida inevitável” da globalização – embora suas manifestações locais, incrivelmente diversas, se mostrassem “imp etuosas”. A “nova antiglobalização” surge, contudo, de forma surpreendente, englobando todas as esferas econômicas, políticas, sociais, culturais e ambientais. Hale e Held (2017), em debate promovido no website do World Economic Forum , afirmam que novos líderes nacionalistas, como: Donald Trump, Vladmir Putin, Nigel Farage ou Recep Erdoğan, surgem em locais distintos do sistema econômico global. Eles têm em comum o fato de culparem as “forças estrangeiras hostis” pelo declínio (real ou percebido) de suas potências, e prometem adotar políticas que permitam “recuperar o c ontrole”. Segundo os autores, o aparente “colapso” da globalização tem raízes complexas e envolve coquetéis temáticos diversos. Estes são muitas vezes constituídos por questões locais e seculares (tais como o nacionalismo, o populismo e o autoritarismo, assim como a persistência das desigualdades, do racismo e da xenofobia), que demostram enorme resiliência e resistência aos processos de globalização. Por outro lado, há de se analisar também a decadência (ou enfraquecimento) dos instrumentos de governan ça global.

Nessa linha de raciocínio, Hale e Held (2017) sugerem que, em todos os Estados, os benefícios da “globalização”, embora substanciais, não têm sido compartilhados por todos. Porém, a despeito disso, adicionam os autores, a nova onda antiglobalizante, muito mais abrangente e destoante, manifestase na medida em que as nações e a comunidade internacional parecem ter perdido a habilidade de gerenciar a própria glob alização. Apesar do número crescente de instituições internacionais (que saltaram de algumas centenas, em 1950, para mais de 7.000, em 2018), os sistemas de “governança global” têm perdido funcionalidade. Os problemas globais crescem e se revelam mais complexos, afetando profundamente todos os grupos sociais. Além disso, em todas as suas esferas, os “sistemas globais” ultrapassaram suas fronteiras iniciais, quase sempre natas exclusivamente, com a participação de um “dito” mundo “industrializado e civilizado”. Enquanto esteve contida no interior dessas fronteiras, a globalização promoveu e sustentou “milagres econômicos” e “avanços sociais”. No entanto, conforme mais países aderem à economia global e os sistemas se tornam mais diversificados, os consensos tornam-se mais difíceis. A interdependência exige ajustes mais acentuados em todos os Estados territoriais. Contudo, as instituições que deveriam liderar esses ajustes no plano global estagnaram e reduzem a capacidade de “governanç a global”. As consequências desse aparente “desgoverno global” foram particularmente graves com a inabilidade das nações de conter a crise financeira global de 2008-2009, que custou trilhões de riqueza familiar e milhões de empregos em todo o mundo. No flanco da “segurança global”, a guerra unilateral iniciada pelos Estados Unidos no Iraque não permitiu estender e consolidar a pax americana . Conflitos locais multiplicam-se no Oriente Médio e em tantas outras regiões do planeta, causando milhares de mortes. A inequívoca liderança econômica e militar dos Estados Unidos tem sido colocada em xeque e outros líderes surgem para desafiar a hegemonia estadu nidense ³ . Não podemos aprofundar esse debate que segue muito além do escopo deste capítulo. Há de se ressaltar, no entanto, o entendimento de muitos especialistas de que o mundo experimenta “enfraquecimento do sistema de governança internacional”. A incapacidade da humanidade de gerenciar os problemas globais tem alimentado novas e mais abrangentes reações antiglob alizantes. Trazendo essa discussão para as temáticas energéticas e ambientais, observa-se, por exemplo, que, embora tenha havido algum progresso nos esforços para mitigar as mudanças climáticas globais, o planeta continua aquecendo. Em 18 de janeiro de 2018, a NASA e a NOAA ⁴ comunicaram que 2017 foi o segundo ano mais quente dos últimos 138 anos. Continuou-se, assim, na tendência de rápido aquecimento do planeta, com efeitos de longo prazo desconhecidos, mas que podem ser catastróficos para todas as nações. Ainda que a conscientização da humanidade sobre os eventuais riscos associados ao aquecimento global do planeta tenha aumentado ao longo das últimas décadas, tal evolução tem sido incapaz de criar “governança global” crível e sustentável para lidar com o problema. O Protocolo de Quioto foi a

primeira grande tentativa de construção efetiva dessa “governança global”. Foi um tratado internacional com compromissos mais rígidos para a redução da emissão dos gases que agravam o efeito estufa ⁵ . Discutido e negociado em Quioto, Japão, em 1997, foi aberto para assinaturas naquele mesmo ano e ratificado em 1999. Entrou em vigor em 16 de fevereiro de 2005, depois que a Rússia o ratificou em novembro de 2004. Contudo, em 2015, já se reconhecia que o Protocolo de Quioto havia falhado em sua principal missão de reduzir as emissões de gases estufa (GEE). As emissões e a concentração de GEEs na atmosfera continuam a aumentar. Mais ainda, tornou-se evidente o fracasso dos principais arranjos propostos pelo Protocolo, isto é: (i) a obrigatoriedade de redução de emissões apenas para países já desenvolvidos (e compromissos meramente voluntários para os demais, incluindo grandes nações como Brasil, China ou Índia); e (ii) instrumentos mais flexíveis para que as nações possam se adaptar aos objetivos do tratado. O Acordo de Paris substituiu o Protocolo de Quioto como nova tentativa de estabelecer “governança climática global”. Foi negociado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima de Paris, COP-21. Foi aprovado, em 12 de dezembro de 2015, por representantes de 195 Estados. Depois de já ter sido ratificado por 147 países, o Acordo também foi ratificado, em setembro de 2016, por Estados Unidos (Administração Obama) e a China, dois dos maiores produtores de GEEs. Com isso, o Acordo de Paris entrou em vigor em 4 de novembro de 2016, ou seja, 30 dias depois de ter sido ratificado por um conjunto de Estados que representa, pelo menos, 55% das emissões globai s de GEEs. Apesar desse início auspicioso, o Acordo de Paris também sofre importante revés e experimenta as dificuldades da onda antiglobalizante. Em meados de 2017, o presidente Trump anunciou a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Respondia, assim, a uma de suas mais polêmicas (e visíveis) promessas de campanha. Ele justificava com seu discurso nacionalista, colocando a questão como uma “ação absolutamente essencial para proteger o povo norte-americano dos efeitos deletérios de um acordo nocivo aos interesses da América”. Novamente, é impossível aprofundar a discussão sobre um tema tão complexo, com inúmeras facetas geopolíticas e que ainda é muito recente, podendo experimentar inúmeros desdobramentos. A despeito do posicionamento dos Estados Unidos, a humanidade se revela incapaz de estabelecer um “plano efetivo, ambicioso e equilibrado”, que possa representar uma “virada histórica” na meta de se conter (ou mesmo reduzir) o aqueciment o global. Outrossim, ao ratificar o Acordo de Paris, cada nação apresenta e confirma suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (ou, em inglês, Nationally Determined Contributions , NDC). Países em todo o mundo fazem compromissos para atacar o aquecimento do planeta. Todavia já há fortes indícios de que o somatório de ações climáticas previstas nas NDCs comunicados pelos Estados será insuficiente para manter o aumento da temperatura média do planeta abaixo dos 2°C. São igualmente

insatisfatórias para prosseguir em esforços que permitam à humanidade alcançar emissões líquidas nulas na segunda metade do S éculo 21 ⁶ . Isso nos traz de volta aos cenários energéticos que podem ser esperados para 2050. Reconhece-se que, pelo momento, a humanidade parece caminhar prioritariamente rumo a cenários mais “conservadores” apresentados na Figura 1. Utilizando a terminologia do World Energy Council (WEC), a governança global apresenta-se, cada vez mais, como bandas de Jazz , tocando isoladamente, ao invés de uma Symphony global. Dentro dessa perspectiva, o gás natural tende a ocupar parcelas mais importantes do mercado energético global, como uma viable best solution . Os vários “novos” movimentos nacionalistas em curso, que se multiplicam ao redor do planeta, são sintomas do problema maior de perda de governança global da humanidade. Contudo, eles também alimentam tal estado de disfunção. Por exemplo, as promessas eleitorais do presidente Donald Trump colocam os Estados Unidos contra o Acordo de Paris e em notória missão de esvaziamento dos tradicionais instrumentos de governança global. Já o Brexit também isola o Reino Unido em respeito à Europa. Isso não deverá contribuir para fortalecer a posição de liderança do Velho Continente em relação às questões climáticas. Ademais, o alcance global do novo nacionalismo mostra que não é possível entender tão grande mudança de tendência olhando exclusivamente para países individuais. Trata-se de realidade que coloca a humanidade em um dos seus maiores desafios hi stóricos. Senão, vejamos que, para reduzir as emissões de GEEs de forma rápida e sustentável, o mundo deve agir com escolhas mais difíceis de serem adotadas (por exemplo, a eventual eliminação do uso do carvão e/ou o forte desenvolvimento e adesão às tecnologias de captura, sequestro e armazenamento de carbono, ou, em inglês, carbono capture and sequestration , CCS). Nenhuma nação pode desenvolver ou se lançar em soluções (inicialmente mais custosas) isoladamente. Em um mundo interdependente é necessária melhor gestão da globalização, em todas as escalas, para realmente podermos “recuperar o controle” do noss o destino. A atual governança global bloqueada e os novos movimentos nacionalistas geram impasses difíceis de serem superados. As opções tecnológicas se reduzem e sua difusão em escala planetária fica prejudicada, inclusive pelo cerceamento das fontes de financiamento necessárias às nações economicamente e ambientalmente mais vulneráveis. Nesse sentido, o futuro parece terrível. Ademais, todo o cenário ambiental futuro pode ser ainda mais dramático se a tendência de aumento do aquecimento global do planeta gerar, ela própria, fortes impactos negativos em subsistemas energéticos já consolidados e tidos como sustentáveis. A humanidade pode perder peças essenciais da solução climática. Veja, por exemplo, estudo conjunto publicado pelo CCST/INPE e Met Office Hadley Centre (2011), que procurou modelar e descrever estados severos de seca advindos do aquecimento global do planeta, com potenciais impactos negativos sobre as florestas brasileiras, mas, por extrapolação, sobre os potenciais energéticos hidroelétricos e a base da biomassa da nação.

Johnson (2015) coloca o problema de forma mais aguda e generalizada, demonstrando preocupação com os Estados que contam com grandes projetos hidroelétricos para garantir um suprimento energético convergente com as lutas c limáticas. Segmentos significativos da população mundial sofrerão com resultados que ainda são imponderáveis do aquecimento global. As exposições às secas violentas, inundações, tempestades e incêndios em todo o mundo devem aumentar e se espalhar pelo planeta. Destacam-se, também, eventuais conflitos na corrida pela maior segurança energética, associada à segurança a mbiental. É imprevisível o quão longe os seres humanos poderão ir nessa busca pela sobrevivência. No entanto, contraditoriamente, expostos às amarguras impostas por tão grandes desafios globais, as populações poderão reagir com atitudes ainda mais egocêntricas, buscando reafirmar seus controles nacionais e permitindo concretizar o sucesso de líderes nacionalistas e populistas. Isso tende a piorar ainda mais o quadro político, já que a exacerbação do nacionalismo (populista) enfraquecerá o sistema global. “Fundamentalistas domésticos” atacarão a ordem global e aprofundarão os atuais bloqueios à governança global. Nesse contexto, é de se esperar que fique prejudicada a capacidade humana de gerenciar a globalização e de lidar com questõe s globais. As perspectivas a favor do gás natural parecem reforçar-se dentro desse quadro de pessimismo generalizado. A revolução do gás de xisto (ou de folhelho) nos Estados Unidos é anterior ao nacionalismo estampado na vitória do presidente Trump. Contudo, há de se reconhecer que tal revolução energética se origina, parcialmente, do “inconformismo” da indústria de hidrocarbonetos norte-americana de se deixar derrubar e levar pela glo balização. Mesmo durante a administração do presidente Obama, a busca “quase insana” dos Estados Unidos por uma maior independência energética guiou esforços incansáveis de renovação tecnológica e de revitalização da capacidade produtiva de seus campos de petróleo e gás. Como consequência, o gás ressurgiu nos Estados Unidos, não mais como o tradicional “primo pobre”, associado ao petróleo, mas sim como um vetor dominante e de resgate da soberania energética norte-americana. Mediante o uso mais intenso do gás, os Estados Unidos conseguem dar respostas ambientais coerentes, relevantes, com custos aceitáveis e sus tentáveis. A experiência norte-americana tem consolidado cenários favoráveis ao gás natural, contaminando os formuladores de políticas energéticas em outras partes do planeta. Os Estados sonham em dispor de suprimento abundante e barato de gás natural. Trata-se de uma leitura do futuro energético do planeta que gera seguidores. Em 2011, a Agência Internacional de Energia (AIE) propôs como cenário de referência o “desabrochar” de uma “Era de Ouro para o Gás Natural” (IEA, 2011). Esse cenário antecipa o papel robusto esperado para o gás natural na matriz energética planetária, passando de 21%, em 2008, para 25% , em 2035.

Mesmo que cenários energéticos sejam construções teóricas, por meio de suas indicações, agentes da governança energética global, como a Agência Internacional de Energia, procuram propor soluções que conduzam a Balanços Adequados das Necessidades Energéticas do Mundo. O Conselho Mundial de Energia define o atual Balanço de Necessidades Energéticas como um “trilema” ⁷ , que engloba a segurança energética, a equidade social e a mitigação do impacto ambiental associado à produção e ao uso da energia. O aceno dado ao gás natural em seus cenários define esse energético como um dos campeões para se buscar a solução do “trilema”. Propor e implementar escolhas difíceis são tarefas essenciais em qualquer campanha para se ter energia sustentável, abraçando as gerações presentes e futuras (WEC, 2016). A expansão da indústria gasífera em escala planetária parece compor, com peso importante, todas as equações que têm sido propostas para resolver o supramencionado “trilema”. É dentro de todo esse contexto que o capítulo se desdobra em sua segunda dimensão. Analisase o papel do gás natural nas transições energéticas nacionais e regionais, com foco nos países do Cone Sul da América do Sul. Apresenta-se uma discussão sobre as vantagens, riscos e benefícios de o gás natural ainda representar um vetor energético relevante e de diversificação em um eventual processo de retomada da integração energética regional. Trata-se de apreciação rica, com olhares voltados para o futuro, mas que não pode desconsiderar experiências marcantes e que geraram desconfianças n o passado. 1. Mudanças em curso nos mercados de energia e seus impactos sobre a indústria de gás natural do Cone Sul da América do Sul. Antes de iniciarmos as discussões referentes à expansão do setor de gás natural no Brasil e no Cone Sul, há de se ponderar sobre alguns aspectos gerais que estão transformando os mercados de energia, com amplos impactos na indústria do gás regional. O Continente Sul Americano insere-se no mesmo contexto de transformações políticas narrado anteriormente e que imprime novos rumos e características aos setores ene rgéticos. Avanço, resiliência e transformações na globalização do mundo energético Overland (2016) evidencia a curiosa lacuna existente na discussão da “globalização energética”. Segundo o autor, a literatura sobre a globalização cobre uma grande quantidade de tópicos, incluindo economia, política, cultura, relações sociais, tecnologia e migração. No entanto, a energia é um elo perdido dentro desse campo do conhecimento. Por outro lado, artigos voltados aos temas da energia identificam inúmeras questões relevantes, mas a globalização não está en tre elas. Há muitas publicações específicas sobre energia ou globalização, mas os acadêmicos dificilmente tratam da globalização da energia. São escassas as análises sistemáticas dos processos de globalização energética per se. Quem se debruça sobre o tema tende a se concentrar em tópicos adjacentes (e mais restritos), como: as consequências da globalização para o setor de energia (em um determinado país ou região; ou para algum segmento energético específico); os desafios da globalização energética para enfrentar

as mudanças climáticas (ou garantir maior segurança energética); a internacionalização dos mercados para tipos específicos de energia; ou discussões corporativas sob re o tema. A despeito de tal lacuna analítica, a “globalização dos mercados” é uma das grandes características do mundo contemporâneo da energia. Por exemplo, o tema já estava na pauta da Agência Internacional de Energia desde, pelo menos, o ano 2000 (IEA, 2000). Nessa época, a globalização energética ainda era mormente entendida como restrita às commodities energéticas mais facilmente transportáveis (petróleo e carvão, em escala mundial, e gás natural, em escala regional). Na literatura acadêmica, a hipótese de que os mercados energéticos experimentam uma crescente globalização encontrase formulada em trabalhos seminais como Harris (2001), Wright (2002), Victor e Victor (2003), Wirth et al. (2003), Zweig e Jianhai (2005) e Yergin (2006), obras mantêm um foco predominantemente pe troleiro. Uma síntese dessa literatura é apresentada por Lins (2011). Reconhecida a importância da energia (e do petróleo) nos processos de evolução e desenvolvimento de todas as nações, os recursos energéticos impulsionam a expansão e a integração do capital. Ao lado das desiguais distribuições de consumo e de fontes de energia, que geram sentimentos de desequilíbrio e inconsistência, a localização das principais reservas petroleiras e estruturas de escoamento em áreas politicamente instáveis, assim como a forte concorrência entre os Estados para garantir o acesso a esses recursos, faz com que a energia tenha protagonismo e seja ingrediente central da geoeconomia e da geopolítica conte mporânea. Por isso, não surpreende a atenção especial dada ao petróleo. A história petroleira nasce com vocação internacional explicada pelo próprio distanciamento entre os principais mercados (Ocidentais) e as reservas de menor custo de exploração da área Oriente Médio. Entre tantos autores que analisam os primórdios globalizantes da indústria do petróleo destacam-se Yergin (1991) e Moutinho dos Sant os (1997). O setor energético, desde a transformação do mundo de uma “Era do Carvão (e da Lenha)”, a uma “Era do Petróleo”, ocorrida principalmente ao longo da primeira metade do Século 20, criou a base para uma globalização precoce. As nações mais desenvolvidas, consumidoras de energia, deixam de contar exclusivamente com suas fontes domésticas de energia; e as nações detentoras dos recursos energéticos tornam-se cientes do valor exportador de seus bens naturais. Estabelece-se uma mútua dependência e a necessidade de conviver com a globalização energética. Pode-se afirmar que os setores energéticos se adiantaram (e mesmo impulsionaram e definiram paradigmas) aos processos de globalização que se espalhariam a outras atividades econômicas, principalmente após a Segunda Guerr a Mundial. O primeiro Choque do Petróleo, de 1973, e outros conflitos bem mais recentes traduzem o desafortunado quadro de perene confronto que caracteriza essas relações. Os embates energéticos têm raízes próprias e, ao mesmo tempo, se confundem com outros ainda mais entranhados da geopolítica internacional, tais como: (i) confrontos entre Estados desenvolvidos versus em desenvolvimento; (ii) Estados do Norte versus

aqueles do Sul; (iii) produtores de commodities versus aqueles que embasam seu crescimento econômico na oferta global de bens de alta tecnologia; (iv) mundo cristão consumidor versus mundo islâmico produtor de petr óleo etc. A partir da segunda metade da década de 2000, confere-se uma diferente leitura à “globalização energética”. Como consequência da “ détente energétique ” do pós-Choques do Petróleo dos anos 1970 e 1980, os processos de “globalização energética” passam a ser interpretados como instrumentos essenciais para um reforço da segurança (inclusive energética e ambiental) do planeta. Assim, amenizam-se os debates focados nas diferenças de interesse e se fortalecem as questões relacionadas à construção de diálogos, favoráveis aos processos de tomada de decisão e de governança global dos temas ene rgéticos. Overland (2016) apresenta uma lista não exaustiva de fatores que parecem contribuir para acelerar e aprofundar a globalização energética. Sem repetir o elenco de motivos identificado pela autora, pode-se salientar três dos tópicos mais importantes: crescente consumo e produção de energia em economias emergentes, que torna a imagem do consumidor/produtor global mais complexa e multipolar (portanto, menos centrada no histórico bipolar Ocidente/Oriente Médio); liberalização de comércio dos bens energéticos e das commodities intensivas em energia (como o aço, alumínio e cimento), impondo uma maior concorrência direta ou indireta nos mercados (em escala global e, principalmente, no seio de grandes zonas de integração regional). Deve-se mencionar também a política climática global e o número crescente de opções tecnológicas disponíveis aos usuários; a matriz tecnológica se diversifica. Ao mesmo tempo, surgem muitos atores que visam criar um quadro global unificado para todo o uso de energia, promovendo alguns tipos de energia e desencorajando outros. Paradoxalmente, repete-se no mundo da energia discussões similares àquelas analisadas na Seção 1. Pressões nacionalistas também se colocam contrárias à globalização e nergética. Overland (2016) enfatiza alguns desconfortos que são exacerbados pelas interconectividade e interdependência crescentes no mundo da energia. A primeira inquietação advém da abrangência das relações. A maior interligação mundial e o próprio uso da energia englobam todos os aspectos da vida social contemporânea, do cultural ao criminal, do financeiro ao espiritual, do tecnológico ao ambiental. Com isso, a gama de grupos de interesse (muitas vezes em conflito) em torno dos temas se multiplica e torna a busca por consensos praticamente impossível. Em segundo lugar, desalentos também surgem quando a intensificação das relações liga localidades distantes de tal forma que os acontecimentos locais passam a ser moldados por eventos que ocorrem a muitas milhas de distância. Contudo, a maior ansiedade que aflora da globalização energética relacionase aos riscos de exposição a uma potencial escassez energética. Principalmente quando a globalização conduz a uma competição acirrada entre as nações pelo acesso aos recursos naturais.

A importância do acesso à energia como elemento determinante das possibilidades de evolução cultural e ideológica dos grupos sociais foi teorizada, em trabalho seminal, por Leslie White (WHITE, 1943). Considerado o pai da Antropologia Evolucionista, White e seus seguidores exploraram as condições de evolução das sociedades e das culturas humanas. Enfatizam o papel dominante do “acesso à energia” e da “capacidade de realizar trabalho com eficiência”, que impulsionam o avanço das tecnologias e resultam na evolução social (caracterizada pela diferenciação e especialização de organizações sociais humanas, que se adaptam para se mante r vivas) ⁸ . As críticas à globalização energética seguem, portanto, na mesma direção das condições econômicas do setor e nergético. Em momentos de boom , consumos energéticos amplificam-se, os investimentos em expansão da oferta ficam estressados ou deixam de ser suficientes, os preços aumentam e as críticas à globalização se acentuam. Em momentos recessivos da economia mundial, surgem capacidades ociosas nos sistemas globais de suprimento energético, que conduzem a colapsos de preços e “esfriamento” das posições contrárias à glob alização. Além disso, o crescente volume e variedade de transações transfronteiriças de bens e serviços, e os fluxos internacionais de capital, tornam a regulação local dos mercados bastante prejudicada. Outrossim, enfraquecem-se, igualmente, os instrumentos tradicionais de regulação utilizados pelos governos, incluindo a eventual oferta direta de bens energéticos, por exemplo, por meio de companhias nacionais, quase sempre estatais. A visão estratégica da energia, como elemento chave para o desenvolvimento tecnológico, econômico, cultural e social das nações, conduziu, em muitas situações, à criação de empresas públicas de energia e monopólios estatais. Dentro das fronteiras domésticas, muitas dessas empresas tornaram-se responsáveis de fato pela definição das regras de governança dos negócios energéticos. Essas empresas definem os limites de influência das forças de mercado, costuram parcerias possíveis com o capital privado (nacional e internacional) e assumem parcelas importantes dos riscos inerentes aos inves timentos ⁹ . Contudo, o avanço impiedoso da globalização energética coloca em xeque e desestrutura os sistemas de governança local. Ainda que o papel estratégico da energia continue a ser reconhecido, os monopólios de Estado têm sido revistos/eliminados e grandes ondas de privatização transferem os ativos públicos para as mãos privadas.

Em vários Estados da OCDE, setores de gás natural e eletricidade têm experimentado marcantes transformações, emplacando privatizações, desregulamentação dos monopólios e restruturação das empresas e dos mercados. Esses processos difundem-se com muita velocidade em praticamente todos os cantos do planeta, com diferentes graduações. Como princípio econômico a ser almejado, busca-se, ao mesmo tempo, criar mercados mais eficientes e competitivos. Por outro lado, a falta de recursos financeiros por parte dos Estados, como ocorre na maior parte da América Latina, contribui para desgastar a presença direta do Estado na provisão direta de bens e serviços ene rgéticos ¹⁰ . Tantas reformas abrem grandes oportunidades de negócio para investidores. Os setores de energia se diversificam no que tange às características dos agentes e suas estratégias e prioridades de ação. A presença de novos agentes (nacionais e estrangeiros) atrai novas fontes de capital e de tecnologia. Suscita-se, em geral, grandes ganhos de eficiência técnica e administrativa, bem como maior disciplina financeira e reduções de custo por parte das novas empresas. Ademais, surgem novas formas de comercialização e contratação da energia. Os mercados ganham novas dinâmicas, principalmente com a entrada de novos agentes, como produtores independentes e comercializadores de energia, os quais são beneficiados pelas possibilidades de livre acesso às redes de transmissão e distribuição (de eletricidade e de gás natural) e por maiores liberdades de co ntratação. Todas essas transformações modificam profundamente as formas de governança dos setores de energia em cada país. Por um lado, surgem demandas inequívocas pelo fim do paternalismo e clientelismo, que, frequentemente, encontram-se arraigadas em várias esferas de governo e da sociedade. Outrossim, formas de formulação de políticas públicas, de regulação técnica e econômica, e de planejamento centralizad o caducam. As políticas governamentais tornam-se cada vez mais indicativas, devendo ser negociadas e validadas pelos agentes econômicos. Políticas energéticas devem ser bem mais flexíveis, para se amoldarem às transformações dos mercados. Estas, ao longo do tempo, podem esvaziar as políticas inicialmente propostas. Mesmo objetivos legítimos da ação estatal, visando conter os excessos das forças de mercado, são difíceis de ser intentados. As autoridades públicas não detêm o pleno conhecimento das estratégias dos demais agentes (produtores ou consumidores), portanto as políticas devem ser formuladas e decididas sob incertez a e risco. Aliás, deve-se, igualmente, reconhecer que prescrevem os mecanismos tradicionais de estabilização dos mercados e de diluição dos riscos. Em mercados competitivos, com diversificação dos atores e sem a presença direta do Estado, as incertezas tendem a se ampliar e os riscos na tomada de decisão serão de responsabilidade de cada um dos agentes. Cada empresa será responsável pelas suas próprias decisões e nenhuma conhecerá de antemão o comportamento ou reação de seus competidores e con sumidores. Enfim, a globalização energética impõe mudanças significativas nos sistemas de governança das temáticas energética (e ambientais) no seio de

cada Estado territorial. Sem surpresas, portanto, com o renascer e amplificação de sentimentos antiglobalizantes (e mesmo nacionalistas), as novas lideranças locais se veem restringidas. Por isso, surgem, de muitas direções, disputas procurando abater a globalização e nergética. Motivações nacionalistas (e populistas) encontram eco em muitas sociedades, que demandam de seus novos líderes um resgate do controle político das decisões em setores considerados estratégicos e vitais para o desenvolvimento. Contudo, pelo que foi explanado na contextualização histórica acima apresentada, há de se reconhecer que não é trivial reverter muitas das transformações que foram colocadas em curso, e se difundiram globalmente, como novas “boas práticas” da governança en ergética. Dentro da nova ordem internacional da energia, cooperação e competição coexistem e devem encontrar caminhos coerentes, que se sustentem no longo prazo. Soluções devem ser encontradas para questões pouco triviais e que exigem escolhas muitas vezes difíceis. De fato, são muitos os paradoxos que delineiam a nova ordem energética e o espaço para iniciativas políticas e de planejamento isolados é bastante reduzido. Gás natural como vetor de sustentabilidade e de integração energética no Cone Sul da América do Sul Em 2014, McJeon et al. (2014) publicaram na Revista Nature resultados de extensivos exercícios de modelagem energética. Procuraram detalhar as perspectivas do gás natural para combater os efeitos do aquecimento global do planeta em cenários energéticos similares àqueles apresentados na Figura 1. Sem entrar na minúcia dos números e das suposições adotado pelos autores, a conclusão que obteve repercussão internacional resume-se no seguinte posicionamento: “O gás natural sozinho não consegue resolver o problema do aqueciment o global”. Os autores corroboram que o gás natural é abundante e barato e queima muito mais “limpo” do que o carvão e derivados do petróleo. Porém, os benefícios de se usar mais gás na “guerra” contra a mudança climática podem ser insignificantes, já que muitas das qualidades desse combustível podem ser eclipsadas por algumas desvantagens. Entre as grandes preocupações levantadas pelos autores destaca-se a questão de se aumentar o rigor e garantir efetivamente a adoção de boas práticas nas operações de produção, transporte e distribuição do gás, principalmente em áreas de extração não convencional do produto. As taxas de vazamento de metano nessas operações são consideradas elevadas pelos autores e contrapesam no balanço de emissões ao longo de toda a cadeia de su primento. Por outro lado, com as vantagens econômicas advindas da utilização do gás natural, observadas principalmente na América do Norte, onde a intensificação da oferta de shale gas foi acompanhada de substancial queda nos preços da energia, há de se esperar “efeitos bumerangues” a serem observados no longo prazo. O primeiro deles, projetado pelos modelos, é que as pessoas deverão utilizar mais eletricidade, portanto, queimarão mais combustível à base de carbono.

Os modelos indicam que o gás natural tende a substituir o carvão, mas também inibir um avanço mais robusto da utilização de energias renováveis. Os cientistas observam como resultado da modelagem que o gás natural “barato” desencoraja a concorrência com energias renováveis produzidas a partir da fonte solar e eólica. Restringe-se, assim, o efeito agregado da matriz energética quando se trata de combater a mudança climática. Nenhuma dessas conclusões representa novidade. O gás natural somente contribuirá no combate às mudanças climáticas quando é inserido em políticas energéticas holísticas, integradas e sinérgicas a políticas climáticas ¹¹ , bem como contemplar a adoção por parte da sua cadeia de suprimento de práticas efetivas que permitam prevenir os efeitos secundários advindos da sua produção, movimentação e u tilização. Essas discussões não denegam colocações como aquelas do presidente Obama ou da Agência Internacional de Energia ou de tantas outras de empresas, autoridades governamentais e entidades supranacionais, que posicionam o gás natural como parte importante, mas não exclusiva, na batalha para resolver a crise climática. Os cientistas evidenciam que a eventual “Civilização do Gás” (ver, novamente, Moutinho dos Santos et al. (2007) requererá “doses” elevadas de excelente governança energética e ambiental, que garanta a construção de longo prazo de matrizes energéticas mais sustentáveis para a h umanidade. Outro pressuposto fundamental para a construção da “Civilização do Gás” é que a indústria do gás natural se converta rapidamente em um negócio global. Em outras palavras, o processo de globalização energética necessita continuar avançando e se espraiar em uma verdadeira “globalização gasífera”, a despeito da retomada do nacionalismo (inclusive energético) com viés antiglo balizante. Essa questão é especialmente crítica para as cadeias de suprimento do gás natural, já que a expansão global do setor continua constrangido pela rigidez de seus sistemas de transporte e distribuição, concentrados em gasodutos e modais criogênicos. Se o gás natural admite grande diversidade de demanda e flexibilidade na concepção dos sistemas destinados à sua utilização, as cadeias de suprimento dessa commodity energética ainda estão muito distantes daquelas altamente versáteis apresentadas pelo carvão e combustíveis petroleiros. Os sistemas de suprimento de gás oferecem rigidez na medida que vinculam determinados vendedores (ou exportadores) a delimitados consumidores (ou importadores). Esses sistemas mostram-se vulneráveis a um desconforto típico da globalização, isto é, a competição “exagerada” dos agentes pelos mercados.

De fato, se no passado o acesso aos recursos naturais e a garantia da soberania nacional estiveram no centro das atenções dos movimentos de globalização energética, o debate que se coloca para o futuro deverá enfatizar crescentemente o problema de acesso aos mercados. Dessa forma, a viabilização de um projeto de globalização gasífera, e de materialização das capacidades de oferta existentes em escala planetária, não depende apenas da existência do recurso natural, mas também do “apoderamento” de mercados no longo prazo, reduzindo-se riscos econômicos e se garantindo a “financiabilidade” dos investimentos em infraestrutura ne cessários. Essa questão sempre esteve presente nas tentativas do Cone Sul da América do Sul de construir amplo mercado integrado de gás natural, replicando, em escala regional, o necessário processo de globalização gasífera. A decisão dos Estados do Cone Sul de modificarem o seu perfil energético, aumentando o consumo do gás (disponível localmente) e diminuindo, no mesmo passo, a dependência energética em relação a commodities energéticas transacionadas em escala mundial, carvão e petróleo, é um aspecto determinante do processo de diversificação energética que se intenta estabelecer no plano regional desde o final dos anos 1990. Palacios (2002) descreve o perfil do consumo energético da América Latina no ano 2000. A evolução histórica desse perfil, ao longo do período 2000/2021, é publicada em OLADE/ sie LAC/BID (2017) ( sintetizada na Figura 2) e IEA (2017c) (resumida na Figura 3). O retrato da demanda de energia é um importante motor para se compreender a dinâmica do consumo de gás natural na região nos primeiros anos do S éculo 21.

Após os Choques do Petróleo dos anos 1970 e 1980, intensos esforços foram realizados na América Latina para se promover maior diversificação das fontes de energia (como cana-de-açúcar no Brasil, gás natural na Argentina e hidroeletricidade em vários países da região). Apesar disso, na região como um todo, o petróleo permaneceu dominante. No ano 2000, os derivados de petróleo ainda representavam mais de 60% das necessidades energéticas finais da região ¹² . A participação do gás natural era pouco maior do que 15%, considerando seus usos diretos e sua participação na geração de ele tricidade. A partir do ano 2000 e ao longo da década que se seguiu, em relação ao crescimento da demanda, o gás natural transformou-se no componente mais dinâmico da matriz energética regional. Até por volta de 2010, a demanda de gás latino-americana apresentou taxa média de crescimentos anual superior a 4%. Em 10 anos, o consumo de gás natural na região cresceu mais de 50%. Entre 2010 e 2015, essa expansão começou a arrefecer, porém, nesse período, a demanda regional ainda exibiu uma taxa média de crescimentos anual superior a 2,5%. Somente a partir de 2014 é que o mercado latino-americano de gás estagnou e o consumo anual estacionou em cerca de 170 bilhões de metro s cúbicos. Não havendo mudanças nas políticas e nas escolhas energéticas da região, a Agência Internacional de Energia projeta que o consumo anual de gás na América Latina chegará próximo de 175 bilhões de metros cúbicos em 2021, ou seja, uma taxa média de crescimentos anual projetada em apenas 0,7% no período 2016 a 2021 (IEA, 2017c) (conforme ilustrado na Figura 3). Na fase de crescimento robusto, a demanda gasífera regional foi impulsionada por crescimentos expressivos em todos os segmentos de consumo, com destaque para o segmento de geração de eletricidade. Na

Argentina, exceção dentro da região, a participação do gás no mix energético tornou-se relevante precocemente. No ano 2000, o gás já representava cerca de 50% da matriz energética argentina. Na Venezuela o uso do gás também tem raízes antigas, como subproduto importante da produção petroleira de um país membro da Organização dos Países Exportadores de Petról eo (Opep). Nos demais Estados, o mercado de gás permaneceu constrangido, inclusive pela baixa disponibilidade de recursos naturais domésticos e insuficiente integração energética regional. As dificuldades de transporte e distribuição de um combustível gasoso; as restrições de capital de longo prazo para construção de infraestruturas gasíferas; o baixo interesse de empresas domésticas (quase sempre monopólios estatais) pelo gás; e a ausência de outros investidores com vocação gasífera, todos esses elementos convergiam de maneira deletéria contra a expansão dos mercados de gás natural. Importantes fatores explicam as transformações observadas a partir do ano 2000 e que permitiram reduzir os obstáculos apontados acima. O primeiro aspecto é que a região experimentou, ao longo de 15 anos, acelerada recuperação econômica e redução de pobreza, que geraram demandas energéticas crescentes a serem a tendidas ¹³ . Há de se destacar, além disso, várias transformações estruturais que ocorreram dentro do setor energético propriamente dito. A primeira delas é denominada de “convergência gás-eletricidade (em inglês, gas-to-power )”. Criaram-se situações de aproximação dos interesses do setor petroleiro e do setor elétrico, até então estanques e quase invariavelmente geridos por monopólios estatais, ou seja, empresas públicas nacionais que mantinham baixo grau de interface e de mútua concorrência. O gás natural constituiu-se como primeira “ponte de crescimento concorrencial” entre esses dois grupos de interesse, rompendo zonas de conforto e impondo maior dinamismo nas corporações estatais ¹⁴ . A crescente percepção regional de escassez de recursos ambientalmente sustentáveis constitui outro importante eixo dessa evolução. No início dos anos 1970, a humanidade vivia com a percepção de escassez absoluta dos recursos naturais finitos. Esse entendimento conduziu aos Choques do Petróleo de 1973 e 1979. Após a década de 1990, essa percepção de escassez absoluta dos recursos foi abandonada frente a uma realidade de abundância de recursos ene rgéticos. Porém, desenvolveu-se, em escala global, a percepção alternativa de escassez relativa de recursos ambientalmente sustentáveis e economicamente viáveis. No plano latino-americano, esse entendimento adquire conotações próprias. Castigada crescentemente por instabilidades climáticas e severos registros de redução da disponibilidade de água, a região passa a conviver com sentimento de insegurança em seus sistemas de geração hidroelétrica. Paulatinamente impõe-se na agenda local o objetivo de diversificação da matriz de geração elétrica, visando novos equilíbrios nos sistemas hidrotérmicos. Apesar de todas as discussões relativas às mudanças climáticas, a América Latina caminha contra a corrente e abandona gradualmente matrizes de geração elétricas ancoradas puramente em fontes re nováveis.

A penetração do gás natural substituindo antigas (e ineficientes) termelétricas a óleo combustível e a carvão surge como o primeiro passo desse movimento. Este foi seguido pela adoção quase generalizada na região de modernas tecnologias de geração elétricas a gás, por exemplo, as chamadas usinas de ciclo combinado. A Figura 3 demonstra como a geração elétrica foi o segmento de consumo gasífero mais dinâmico entre 2000 e 2014. A mesma Figura expõe como esse segmento praticamente estagnou sua expansão a partir de 2015, quando a região mergulhou em profunda desaceleração econômica. O IEA (2017c) mostra que a perda de vigor do mercado termelétrico a gás natural na América Latina antecipa uma desaceleração da demanda de gás no setor de energia observada em escala global e de forma estrutural. Ainda que os cenários de longo prazo para a geração termelétrica a gás sejam apontados como promissores, o passado recente, e as perspectivas de curto prazo, revelam os desafios a serem vencidos para que a “Civilização do Gás” abranja inclusive a geração elétrica. A fraqueza do gás no setor de energia é predominantemente o resultado de certa “armadilha estrutural” contra o gás. Os ventos sopram contra no âmbito das políticas energéticas, com a implantação robusta de fontes renováveis, particularmente nos membros da OCDE, em que importantes incentivos têm permitido ganhos acelerados na competitividade relativa dessas fontes. Por outro lado, no plano puramente econômico, o carvão, “muito barato”, restringe a penetração de gás no mix da geração de eletricidade de vários países. Mesmo nos Estados Unidos, apesar de preços do gás historicamente baixos, o aumento extraordinário na geração elétrica a gás, até 2015, tende a não se repetir sob a administração Trump, que procura resgatar ambiente mais favorável ao uso do carvão doméstico. Segundo a IEA (2017c), até 2021, a demanda gasífera para geração elétrica nos países da OCDE tende a aumentar com uma taxa média anual de apenas 0,5% (ou seja, bem mais lenta do que os 1,7% ao ano, registrados nos seis anos anteriores a 2015). A expansão da indústria global do gás torna-se prisioneira dos mercados asiáticos e, principalmente, da China, que passa a ser a única “locomotiva” a impulsionar uma ac eleração. Em comparação com essa projeção global, a situação na América Latina surge como um quadro particularmente preocupante. De acordo com a IEA (2017c), a perspectiva de demanda de gás na América Latina é fortemente afetada pelos desenvolvimentos fracos no setor elétrico do Brasil. Além da desaceleração econômica grave experimentada pelo país, cujos desenvolvimentos futuros ainda são incertos, a geração elétrica a gás encontra-se freada pela robusta implantação de geração eólica e pelo retorno da hidroeletricidade, por meio da construção de grandes empreendimentos, com forte apoio governamental na região a mazônica. Por outro lado, nos demais segmentos de uso do gás natural, cenários alvissareiros para o futuro ainda precisam ser construídos no Brasil. As demandas domésticas de gás encontram-se estabilizadas, ou mesmo, com viés declinante a pelo menos 3 ou 4 anos. Talvez já tenha terminando um período de estagnação estrutural do mercado doméstico de gás natural.

Porém, o Brasil ainda está longe de se transformar em um motor-chave para impulsionar o crescimento da demanda regional de gás. Aliás, a reduzida expansão adicional do mercado doméstico será disputada acirradamente por um número maior de ofertantes nacionais, com capacidades crescentes de produção que terão de enfrentar concorrência ainda mais aguda advinda do comércio global de gás natural liquef eito (GNL) Nos demais Estados da América Latina, o consumo de gás aumentará com maior vitalidade à proporção que a economia regional restabeleça nova tendência de crescimento. Além disso, o mercado latino poderá ser impulsionado por preços do gás relativamente baixos e ampla disponibilidade de GNL, principalmente a partir de maior integração NorteSul entre os mercados gasíferos das Américas. Essa transformação geopolítica da cena gasífera americana já havia sido identificada e anunciada por Dewhurst e Sackschewsky (2014) e Viscidi et al. (2015). Trata-se com certeza de tema pertinente às reflexões que aqui se realizam. Contudo, essa nova dimensão do panorama gasífero americano tem dimensões que ultrapassam os limites deste capítulo. Fica como uma promessa de continuidade em trabalhos futuros. Para encerrar esta contribuição, foca-se em desdobramentos que são verificados nos esforços da integração econômica e energética latina, ou, mais apuradamente, do Cone Sul da Améric a do Sul. No final dos anos 1990, ainda que incompleta, a integração econômica da América do Sul se mostrava como um processo vigoroso e, aparentemente, irreversível. Todos os cenários da época indicavam aprofundamento do movimento integrador regional ao longo do Século 21. A energia, no seu entendimento mais amplo, e o gás natural, em uma perspectiva mais restrita, deveria contribuir para acelerar essa in tegração. O maior fluxo comercial e financeiro entre os Estados territoriais envolvidos tenderia a reduzir demandas nacionalistas locais. De outro lado, a disposição de uma base energética de maior dimensão e com custos mais baixos, teria grande importância para o aumento da competitividade industrial e agrícola da região. Assim, a integração energética revelava-se como essencial para que os povos latinos pudessem almejar uma isenção mais competitiva na economia gl obalizada. A despeito do viés historicamente nacionalista e, com foco na autossuficiência das políticas energéticas do Cone Sul, importantes iniciativas de integração energética regional não são novidade. A partir dos anos 1970, governos militares da época promoveram grandes projetos integradores no âmbito dos atuais membros do Mercosul. A Argentina e o Paraguai tornaram-se exportadores de energia. A situação do Paraguai é sui generis , pois, apesar de ser irmão menos desenvolvido economicamente do Mercosul, o vizinho possui a maior geração elétrica per capita do mundo. Os principais mercados para a energia local encontravam-se no Brasil e no Uruguai (em muito menor escala). O quadro de integração energética foi elaborado graças, principalmente, a empreendimentos hidroelétricos binacionais gigantescos, financiados e apoiados por empresas estatais locais e amplo fluxo de capital externo (veja Tabela 1).

Tabela 1: Usinas hidroelétricas binacionais no âmbito d o Mercosul Fonte: adaptado de Mai et a l. (1996). Apesar das iniciativas de integração energética sul-americanas acima mencionadas, aliás, muito impressionantes, mesmo em comparação com outras experiências internacionais, a efetiva integração energética da América do Sul voltou a entrar na agenda dos Estados apenas ao longo da década de 1990. Esse processo foi movido por forças superiores do que aquelas que representavam os interesses locais. Aliás, o movimento se implantou à revelia das aspirações das forças dominantes locais, sempre interessadas em preservar suas posições de liderança inconteste. Tratou-se de um desdobramento regional das forças globalizantes analisadas em parágrafos a nteriores. Entre 1988 e 1998, o nível de integração política e comercial expandiu-se rapidamente ao seio do Mercosul. Isso incitou a entrada de grandes corporações energéticas que saiam de seus mercados locais e impunham a onda da globalização energética para fora do setor petroleiro. Talvez, a marca mais simbólica desse momento tenha sido a Enron. A chegada dessas empresas no mercado latino materializou várias hipóteses de suprimento alternativo de energia que pareciam sair do controle dos monopólios estatais. Por outro lado, o contra-ataque das petroleiras estatais revigorou seus processos de transformação e modernização já parcialmente analisados neste capítulo. Em todas as facetas desse novo jogo concorrencial, o gás natural assumia protagonismo. As oportunidades geradas por esse energético representavam ameaças evidentes aos líderes locais que insistissem em preservar ou garantir a autossuficiência energética de seus mercados. O gás natural transformava a realidade energética local e modificava completamente o ambiente competitivo, bem como as bases de demanda e oferta, do setor energético sul- americano. Tão rápida como a globalização se implantou na região, durante o curto período de predomínio de forças liberalizantes, o processo estagnou-se e transformou-se em crises energéticas locais, com experiências unilaterais de rupturas de compromissos contratuais. Ao longo do período de maior expansão dos mercados gasíferos, as possibilidades de oferta pareciam reduzir-se na medida em que cada uma das nações embarcava novamente em modelos nacionalistas, preservando recursos para seus mercados do mésticos. De fato, visto sob o ângulo geopolítico, o processo de integração econômica e energética da América do Sul, entre 1990 e 2010, foi extremamente conservador e ficou muito aquém de todas as expectativas. Forças antiglobalizantes interromperam a integração energética regional bem antes que ela pudesse dar qualquer sinal de esg otamento. Reflexões finais O panorama energético latino, presente e futuro, apresenta incertezas fabulosas. Sem poder avançar com maiores detalhamentos para os

argumentos conclusivos que seguem, pode-se afirmar que, do ponto de vista das possibilidades de integração energética que ainda podem ser exploradas, inclusive e, principalmente, no domínio do gás natural, o Cone Sul encontra-se em uma situação extremamente privilegiada. A abertura de novas fronteiras produtivas offshore (no Brasil) e de gás de folhelho (na Argentina) tem a potencialidade para estabelecer uma nova e grande onda energética gasífera, com impactos positivos para toda a região. Nesse sentido, o Cone Sul pode replicar os cenários mais promissores esperados para o gás natural, conforme apresentado na Figura 1. No entanto, duas leituras alternativas também podem ser sugeridas, cada qual merecendo ampla agenda de pesquisas futuras. Em uma primeira interpretação, a América Latina mantém sua aposta no gás natural como principal alternativa para reduzir a dependência energética regional em relação ao petróleo, que continua elevada (veja novamente a Figura 2). O empenho da região para resgatar o crescimento do mercado de gás, em todos os segmentos de consumo, garante uma estratégia efetiva, factível e de baixo custo para a região contribuir com as questões climáticas globais de forma gradual. A substituição (ainda que parcial) do petróleo ocorrerá sem que os sul-americanos tenham que apostar no carvão, na energia nuclear ou em precoces (e talvez exagerados) processos de eletrificação da matriz e nergética. A região pode continuar a viabilizar melhores aproveitamentos de energia renovável e incorporar as novas tecnologias, paulatinamente e à proporção em que estas se tornem mais competitivas e requeiram menos incentivos públicos para sobreviver. Em paralelo, poder-se-á contar com uma indústria de gás em expansão para lidar com as incertezas e intermitências que as novas renováveis ainda a presentam. Todavia, seguindo a linha de pensamento de Dewhurst e Sackschewsky (2014) e Viscidi et al. (2015), importante se faz posicionar a América Latina como um eventual parceiro de longo prazo dos Estados Unidos nos temas que tangem a evolução de um mercado gasífero integrado. Nessa linha de pensamento, a ideia de integração energética ganha perspectivas ainda maiores para englobar as três Américas. O setor de petróleo e gás dos Estados Unidos tem redescoberto a pujança após os necessários processos de ajuste a preços internacionais do petróleo bem mais baixos. A “revolução do xisto” continuará a prosperar, garantindo vantagens energéticas, ambientais e econômicas àquela potência. Não há indícios de que esse impulso deverá diminuir, ao menos ao longo da próxima década. Esse crescimento força mudanças na geopolítica e na equação econômica globa l do gás. Viscidi et al. (2015) enfatizavam que as perspectivas a curto prazo para as exportações de GNL dos EUA mostravam-se menos favoráveis, em 2015, do que estimativas anteriores sugeriam. A competitividade relativa do GNL norte-americano permanece incerta e depende, em grande parte, da evolução dos preços internacionais do petróleo, já que a maioria dos contratos de compra e venda de gás fora dos Estados Unidos estão indexados ao petróleo bruto. O declínio acentuado do preço do petróleo,

desde meados de 2014, reduziu o afã exportador gasífero da América do Norte, representando um revés significativo para os desenvolvedores de projetos exportadores de GNL nos EUA. Mercados que estavam sob sua mira têm sido capturados por outros concorrentes globais, principalmente na Ásia. Porém, a América do Norte transformou-se em um exportador líquido de gás, criando uma referência concorrencial para o comércio gasífero global em um país com ilimitada capacidade de atrair investidores de curto e longo prazo. Os Estados Unidos (e também o Canadá) procurarão capturar parcelas dos mercados globais. Paradoxalmente, o perfil nacionalista e “antiglobalizante” imposto pelo presidente Trump deverá tonificar ainda mais essa t endência. Isso representa, ao mesmo tempo, ameaça e oportunidade para a América Latina. Dada a sua proximidade com os Estados Unidos, os Estados latinoamericanos e caribenhos estão bem posicionados para capitalizar sobre o excedente exportável de gás dos EUA. Os formuladores de políticas na região não devem perder de vista benefícios de longo prazo da importação de gás natural, já que essa oportunidade adiciona segurança e permite que a região continue a estimular parcelas crescentes para o gás natural em suas matrizes en ergéticas. Tais perspectivas obrigam, com urgência ainda maior, os produtores gasíferos latino-americanos a recuperarem a capacidade de planejamento e de posicionamento estratégico de curto e longo prazo. Argentina, Bolívia, Brasil, Peru e Venezuela, dispõem de crescente potencial gasífero a ser desenvolvido. Como jamais visto, a competição pelos mercados domésticos será acirrada e imporá muita competitividade, foco e dinamismo aos agentes. O jogo concorrencial será mais renhido se os Estados da região privilegiarem políticas energéticas desfavoráveis ao gás e/ou não souberem recriar espíritos solidários de integração regional. Experiências recentes e nova onda liberal que toma conta de região são indicativas dos inúmeros desafios que a indústria de gás natural latino-americana deverá enfrentar no futuro. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio da SHELL Brasil e da Fapesp por meio do “Centro de Pesquisa para Inovação em Gás – RCGI “(Fapesp Proc. 2014 / 50279-4), hospedado pela Universidade de São Paulo, e o importante apoio estratégico prestado pela ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil) por meio do regulamento de promoção de atividad es de P&D. REFERÊNCIAS Almeida, P. R. A América Latina no Cenário Internacional, a um Século de Distância. Revista Eletrônica de Direito Internacional . Belo Horizonte, CEDIN, v. 15, 2015-1 (digital; ISSN: 1981-9439). Disponível em: http:// www.cedin.com.br/wp-content/uploads/2014/05/Artigo-Paulo-Roberto-deAlmeida.pdf . Acesso em: jan. 2018.

BP (2017). BP Statistical Review of World Energy . Published by BP, June 2017. Disponível em: https://www.bp.com/content/dam/bp/en/corporate/pdf/ energy-economics/statistical-review-2017/bp-statistical-review-of-worldenergy-2017-full-report.pdf. Acesso em: jan. 2018. Brown , S. P. A.; Krupnick , A. J.; Walls , M. A. Natural Gas : A Bridge to a Low‐Carbon Future? Resource for the Future. National Energy Policy Institute, 20009, USA, p. 14. Disponível em: http://www.rff.org/files/ sharepoint/WorkImages/Download/RFF-IB-09-11.pdf. Acesso em: jan. 2018. CCST/INPE (Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Met Office Hadley Centre (2011). Dangerous Climate : A Brazil-UK analysis of Climate Change and Deforestation Impacts in the Amazon . April 2011, pgs. 56. CERVO, A. A Armado Lenta da América Latina no Século XXI. Austral : Revista Brasileira de Estratégia e Relações Internacionais, v. 5, n. 9, jan./jun. 2016 , p.11-32. Colombo , S.; El Harrak , M.; Sartori , N. (ed.). The Future of Natural Gas. Markets and Geopolitics . By Istituto Affari Internazionali, OCP Policy Center and Lenthe Publishers/European Energy Review, The Netherla nds, 2016. Dewhurst, C.; Sackschewsky, C. Globalization of US Energy: International Investments Changing the US Oil and Gas Sector. Oil and Gas Financial Journal , 02/01/2014 Disponível em: http://www.ogfj.com/articles/print/ volume-11/issue-2/departments/capital-perspectives/globalization-of-usenergy.html . Acesso em: jan. 2018. EIA. International Energy Outlook 2017 . Published by the Energy Information Administration, Dept of Energy, USA, Sept. 2017. Disponível em: https://www.eia.gov/outlooks/ieo/pdf/0484(2017).pdf. Acesso em: jan. 2018. GASTERRA. Natural Gas as a Transitional Fuel for a Sustainable Energy Future (First booklet published in the series ‘The World of Natural Gas’, Sponsored as an Initiative of GasTerra, the Netherlands’ Biggest Gas Trader in 2009. Frans Rooijers, Lonneke Wielders, Benno Schepers, Harry Croezen and Sander de Bruyn (CE Delft). English translation and editing: Nigel Harle. Castel International Publishers, Groningen, The Netherlands, p. 64. Disponível em: https://www.gasterra.nl/uploads/fckconnector/ ad10e972-6213-42e7-8063-52b1ffa39f71 . Acesso em: jan. 2018. Hale , T.; Held , D. Why is the Aanti-Global Backlash Happening Now? In: World Economic Forum Website . 2017. Disponível em: https:// www.weforum.org/agenda/2017/11/anti-globalization-brexit-backlashnationalism-control/ . Acesso em: jan. 2018. Harris, M. C. Globalization of Energy Markets. In: FROST, E.; KUGLER, R. (ed.). The Global Century: Globalization and National Security, National Defense University, Washington, D.C., USA, 2001, p. 271-282

IEA. World Energy Outlook 2000. Published by the International Energy Agency, Paris. Disponível em: http://www.worldenergyoutlook.org/media/ weowebsite/2008-1994/weo2000.pdf . Acesso em: jan. 2018. IEA. World Energy Outlook 2011 : Are We Entering a Golden Age of Gas?. Published by the International Energy Agency, Paris. Disponível em: http:// www.worldenergyoutlook.org/media/weowebsite/2011/ WEO2011_GoldenAgeofGasReport.pdf . Acesso em: jan. 2018. IEA. Key World Energy Statistics 2017 . Published by the International Energy Agency, Paris. 2017a. Disponível em: https://www.iea.org/ publications/freepublications/publication/KeyWorld2017.pdf. Acesso em: jan. 2018. IEA. World Energy Outlook 2017 (Chapter 1: Introduction and Scope). Published by the International Energy Agency, Paris, 2017b. Disponível em: http://www.iea.org/media/weowebsite/2017/Chap1_WEO2017.pdf . Acesso em: jan. 2018. IEA. Medium-term Gas Market Report 2016 : Market Analysis and Forecasts to 2021. Published by the International Energy Agency, Paris. 2017c. Disponível em: https://www.iea.org/publications/freepublications/publication/ MTGMR2016.pdf . Acesso em: jan. 2018. JOHNSON, K. Hydropower and the Challenge of Climate Change: Clean Hydroelectric Plants are Meant to help the World Fight Global Warming. But what Happens when Climate Change Clouds Hydro’s own Future? Foreign Policy Report , mar. 2015. Disponível em: http://foreignpolicy.com/ 2015/03/16/hydropower-and-the-challenge-of-climate-change/ . Acesso em: jan. 2018. KURTZ, D.V.; FUSTES, M. Globalization and Energy: An Anthropological Perspective. Journal of Globalization Studies , v. 5, n. 2, nov. 2014, p. 19-38. Disponível em: https://www.socionauki.ru/journal/files/jogs/ 2014_2/019-038.pdf . Acesso em: jan. 2018 LINS, H. N. Geoeconomia e Geopolítica dos Recursos Energéticos no Capitalismo Contemporâneo: o petróleo no vértice das Tensões Internacionais na Primeira Década do Século XXI. In: Proceedings Online do 3° Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais, ABRI, 2011, Instituto de Relações Internacionais/USP, São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=MSC0000000122011000200028&lng=en&nrm=abn . Acesso em: jan. 2018. Mai, L. A.; Santos, E. M.; Meldonian, N. L. Integração Energética no Mercosul: A Dimensão Nuclear. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Planejamento Energético, São Paulo, 23 a 25 de junho de 1996, p . 239-243. McJeon, H.; Edmonds, J.; Bauer, N.; Clarke, L.; Fisher, B.; Flannery, B. P.; Hilaire, J.; Krey, V.; Marangoni, G.; Mi, R.; Riahi, K.; Rogner, H.; Tavoni, M. Limited Impact on Decadal-Scale Climate Change from Increased use of Natural Gas. Nature , out. 2014. Nature Publishing Group, a division of

Macmillan Publishers Limited. Disponível em: https://www.nature.com/ articles/nature13837#supplementary-information. Acesso em: jan. 2018. MENDONÇA, L. J. V. P. de. Políticas Econômicas e Sociais na América Latina. Temporalis (Artigos Temáticos), Brasilia, v. 10, n. 20, p.11-30, jul./d ez. 2010. MOUTINHO DOS SANTOS, E. Une Approche Evolutionniste pour L’Étude de la Compétitivité des Activités Amont de la Filière Pétrolière dans une Perspective de Long Terme . Tese de Doutorado em Economia e Gestão do Petróleo e Gás Natural, Instituto Francês do Petróleo, IFP, e Université de Bourgogne, França (Ano de obtenção do título, 1997 – Orientador: Prof. Jean-Philippe Cueil le). 1997. MOUTINHO DOS SANTOS, E.; FAGÁ, M.T.W.; BARUFI, C. B.; POULALLION, P. L. Gás natural: A Construção de uma Nova Civilização. Revista de Estudos Avançados , v. 21, n. 59, p. 67 -90, 2007. NASA, NOAA. Long-Term Warming Trend Continued in 2017 . ONLINE NEWS, January 18, 2018. Disponível em : https://climate.nasa.gov/news/ 2671/long-term-warming-trend-continued-in-2017-nasa-noaa/ . Acesso em : jan. 2018. OLADE/ sie LAC/BID. A nuário 2017 de Estatísticas Energéticas – América Latina e Caribe. Organização Latino-americana de Energia (OLADE), Quito, Ecuador, Dez. 2017. OVERLAND, I. Energy: The Missing Link in Globalization. E nergy Research & Social Science , v. 14, abr. 2016, p. 122-130. https://doi.org/10.1016/j.erss. 20 16.01.009. Palacios, L. The Petroleum Sector in Latin America: Reforming the Crown Jewels. Les Études du CERI , n. 88, set. 2002. Reitan , R. Theorizing and Engaging the Global Movement: From AntiGlobalization to Global Democratization. (INTRODUCTION). Globalizations , jun. 2012, v. 9, n. 3, p. 323-335. ISSN 1474-7731 Print/ISSN 1474-774X Online/12/030323–13 # 2012 Taylor & Francis; http://dx.doi.org/ 10.1080/14747731.20 12.682364.

Santos, B. G. O Ciclo Econômico da América Latina dos Últimos 12 anos em uma Perspectiva de Restrição Externa. Revista do BNDES , v. 43, jun. 2015, p. 205-251. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/ 1408/6242/1/ RB%2043%20O%20ciclo%20econ%C3%B4mico%20da%20Am%C3%A9rica%20Latina_P Acesso em: jan. 2018. Smil, V. Natural Gas: Fuel for the 21st Century. Hoboken, Nova Jersey, EUA: John Wiley & Sons, 2 015, 264p. TVERBERG, G. Why Globalization is Energy Intensive and Wreaks Havoc on Oil Prices. The Christian Science Monitor, ENVIRONMENT/ENERGY VOICES, Guest blogger, FEBRUARY 28, 2013. Disponível em: https:// www.csmonitor.com/Environment/Energy-Voices/2013/0228/Why-

globalization-is-energy-intensive-and-wreaks-havoc-on-oil-prices. Acesso em: jan.2018. UNEP. The Emis sions Gap Report 2017 . United Nations Environment Programme (UNEP), Nairobi, a digital copy of this report along with supporting appendices are available at: www.unenvironment.org/resources/ emissions-gap-report. Acesso em: jan. 2018. VICTOR, D. G.; VICTOR, N. M. Axis of oil? Foreign Affairs , v. 82, n. 2, p. 47 -61, 2003. Viscidi, L.; Sucre, C.; Karst, S . Natural Gas Market Outlook: How Latin America and the Caribbean Can Benefit from the US Shale Boom. The Dialogue Leadership for the Americas / Inter-American Development Bank. Energy Working Paper, S ept, 2015. WEC – World Energy Council. World Energy Scenarios 2016. Published by WEC in collaboration with Accenture Strategy and Paul Scherrer Institute, UK, p. 138. Disponível em: https://www.worldenergy.org/wp-content/uploads/ 2016/10/World-Energy-Scenarios-2016_Full-Report.pdf. Acesso em: jan. 2018. WHITE, L. A. Energy and the Evolution of Culture. American Anthropologist , New Series, v. 45, n. 3, Part 1 jul./set. 1943, p. 335-356. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/663173 . Acesso em: jan. 2018. WIRTH, T. E.; GRAY, C. B.; PODESTA, J. D. The Future of Energy Policy. Foreign Affairs , v. 82, n. 4, p. 132- 155, 2003. WRIGHT, T. R. War with Iraq Would Seriously Affect China. World Oil , p. 7 , n. 2002. YERGIN, D. The prize : The Epic Quest for Oil, Money, and Power. New York, Simon & Schus ter. 1991. YERGIN, D. Ensuring Energy Security. Foreign Affairs , v. 85, n. 2, p. 69 -82, 2006. Zhang , X.; Myhrvold , N. P.; Hausfather , Z.; Caldeira , K. Climate Benefits of Natural Gas as a Bridge Fuel and Potential Delay of Near-Zero Energy Systems. Applied Energy , v. 167, abr. 2016, p . 317-322. ZWEIG, D.; JIANHAI, B. China’s Global Hunt for Energy. Foreign Affairs , v. 84, n. 5, p. 25 -38, 2005. 3 A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA ENERGÉTICA NO BRASIL: AVANÇOS E IMPASSES EM UM ESTADO EM DESEN VOLVIMENTO José Alexandre Alt ahyde Hage Paulo Ces ar Manduca

Ronaldo Montesa no Canesin Formação do poder político O processo de construção do regime republicano no Brasil, em substituição à monarquia em 1889, não foi acompanhado de fortalecimento das instituições do Estado, do poder político, tão necessário para ordenar setores considerados estratégicos do país. No fundo, não havia conceitualmente noção do que era “estratégico” no âmbito da economia política nacional. Outra questão também a mencionar era a ascensão dos poderes regionais, estaduais que concorriam com o governo federal por temas mais r elevantes. A economia cafeeira, o maior produto de exportação nacional da época, e responsável direto pela riqueza do país, contribuía para que houvesse interesse limitado sobre a importância dos recursos naturais que tocassem o desenvolvimento econômico propriamente dito. Todavia, a situação passa a mudar paulatinamente por causa do crescimento industrial, em setores de produtos leves, e do crescimento das prestações de serviços, caso da imprensa. Aqueles setores econômicos, embora de consumo não intensivo de energia elétrica, necessitavam de regularidade na produção e entrega daquele serviço. O crescimento demográfico dos centros urbanos, sobretudo os do Sudeste, também demandava atenção redobrada para que houvesse mudanças substanciais, por exemplo, nos transportes: dera-se a substituição do carro de tração animal pelo moderno cablecar elétrico. Dessa forma, a partir dos anos 1910 começa no Brasil o debate sobre a relação entre recursos naturais e riqueza nacional no que concerna ao bemestar. O debate se inicia, mas ainda é curta a concepção de política sobre o tema, a saber, a função do Estado. Sobre o uso das águas fluviais para energia elétrica a percepção política ainda carecia de conh ecimentos. Considerado parte do mundo periférico, de pouca projeção de poder econômico e político, o Brasil não apresentava legislação federal sobre o uso de recursos naturais na economia. Ao contrário dos Estados Unidos, que já possuíam a Lei Sherman contra monopólios, o Brasil não detinha instrumentos jurídicos e políticos para firmar a posição do Estado sobre o setor energético mais importante na época: a hidroele tricidade. A hidroeletricidade seria a mais importante em virtude de sua complexidade técnica e do potencial de uso, mas sofria concorrência da queima de lenha para aquecimento e preparo de alimentação: “Apesar do carvão mineral importado, da entrada progressiva dos derivados de petróleo e das iniciativas no campo da hidroeletricidade, a lenha permanecia quase sem concorrência” (LEITE, 2007, p. 54). A derrubada de árvores para obtenção de energia é uso que persistiu em massa até os anos 1960 na parte rural do Brasil. Os debates sobre a quase ausência de legislação nacional sobre setores importantes da economia eram feitos na imprensa e em setores sociais considerados nacionalistas. Alberto Torres escreveu livro clássico da

nascente ciência política brasileira sobre a falta de sintonia entre a Constituição Federal, de 1891, e a regulação econômica. Em O Problema Nacional Brasileiro , de 1914, o autor reclamava da falta de programa político para que os recursos naturais fossem mais bem aplicados no desenvolvimento nacional: O Brasil possui, talvez, ainda muitas riquezas; mas estas riquezas ou não são de fácil exploração, ou a sua exploração não corresponde, atualmente, aos interesses políticos da nossa nacionalidade, tendo, como a da metalurgia, a perpetrar aplicação de atividades e capitais, muito provavelmente estrangeiros, em indústrias impróprias à consolidação da economia nacional (TORRES, 197 8, p. 21). Na ausência de uma burocracia pública, especializada em questões econômicas mais sofisticadas, as empresas internacionais que no Brasil aplicavam capital se encarregavam da formulação de normas e condutas do setor elétrico, todo ele de origem hídrica. ¹⁵ O caso mais evidente de preeminência empresarial sobre um setor da economia brasileira é o da empresa canadense de serviços públicos Light Power Company , cujo emprego no país era no fornecimento de energia hidroelétrica e no transporte urbano, com bondes elétricos. Ficava claro que no Brasil era pouco expressivo o poder político sobre setores internacionalizados da economia, o que dava a entender que não havia cuidados específicos com a soberania nacional, no que se referisse à influência do capital externo. Estamos a citar uma época em que não existia praticamente capital nacional para investimentos em infraestrutura. Em outras palavras, não havia o “moderno empresário” brasileiro que investisse em setores intensivos de capital, como o de energia elétrica, nem um Estado com poder de concentração de recursos financeiros, a exemplo de Alemanh a e Japão. Eis uma questão brasileira daquele tempo: a falta de um Estado que se projetasse sobre a sociedade propriamente dita e, dessa forma, constituísse meios de arregimentar renda pelos impostos e outras ferramentas para fomentar um canal de investimento em áreas exigentes. No âmbito dos países periféricos o Brasil não tinha lugar melhor que o da Argentina, por exemplo, cuja organização político-econômica era considerada melhor em virtude de ter conseguido imprimir uma centralização política no tempo co nveniente. A pergunta é: por que somente nos anos 1930 houve, efetivamente, vontade nacional para se ter no Brasil uma moderna burocracia técnica, com condições de compreender as questões mais urgentes da política econômica, como o uso de determinados recursos naturais? A resposta não é instantânea nem linear. Porém, para dar cabo a essa pergunta podemos dizer que tal problema era resultado, inter alia , da falta de programa educacional brasileiro, de caráter universitário, que formasse técnicos em número suficiente e com a capacidade profissional desejada. Os poucos engenheiros especialistas em energia que havia no Brasil eram, em grande parte, formados na Europa Ocidental e nos Estad os Unidos.

Assim, podemos apontar, apesar dos limites inerentes, que o reforço político para se ter um setor governamental com mínimo de conhecimento técnico e, dessa forma, reforçar politicamente o Estado, dependeu da formação de profissionais capacitados dentro do Brasil. ¹⁶ Em todo caso, iniciativas de caráter quase individual passaram a existir para que houvesse legislação federal sobre o uso de águas, ferro, borracha e demai s insumos. O primeiro grande empenho político para buscar esse objetivo tomou lugar no governo de Arthur Bernardes, de 1922 a 1926, em que houve a preocupação de nacionalizar os recursos naturais que tivessem importância para o mercado internacional, portanto “estratégicos”. A mira daquela administração se fez sobre a exploração de minério de ferro, sob controle do capital britânico que em Minas Gerais recebia o nome Itabira Iron Company . Sobre esse setor é que recaia o anseio nacionalista de Bernardes. Anos de nacionalismo: período Vargas Na década de 1930, com princípio de revolução, transformações foram feitas na vida política brasileira, com grande efeito na economia dos recursos naturais. O bloco de poder que passou a governar o Brasil se empenhou para que houvesse nova Constituição, mais afeita aos ideais nacionalistas do novo governo. Nesse contexto nasce a Constituição de 1934, cujo ponto forte foi a lei em que todos os recursos naturais são propriedades do Estado. Mesmo que tais insumos sejam explorados por empreendimento privados o controle setorial cabe ao poder público, simbolizado pela Presidência de Getúl io Vargas. O principal produto de exportação, o café, já passa a ser observado mais detidamente pelo Estado. Sobre essa passagem perduram análises que levam em conta se a emergência política dos anos 1930 sobre o insumo foi obra planejada ou fruto das difíceis circunstâncias políticas e econômicas advindas da crise mundial de 1929, portanto, reativas. Em todo caso, ficara claro que o governo Vargas havia dado passos mais largos no aparelhamento do poder político, vide a fundação, em 1938, do Conselho Nacional do Petróleo que, a exemplo do governo Bernardes, vislumbrava a nacionalizaçã o do bem. ¹⁷ Naquela época o Brasil passa a ter o emprego maciço de outros insumos que vão concorrer com a hidroeletricidade e com a queima de madeira (esta sendo ainda o recurso dos mais pobres). Os derivados de petróleo passam a ser largamente utilizados na movimentação de transporte individual, os automóveis que ainda são um consumo de luxo, na navegação marítima nacional e nas indústrias mecânicas que sofrem grande cr escimento. Como foi sublinhado neste capítulo, na década de 1930 o Estado brasileiro passa a ter condições de ser equipado com burocracia mais bem preparada para assuntos mais técnicos, como os da energia. O governo Vargas concentra mais poderes na Presidência da República e, a partir disso, passam a ser considerados materiais estratégicos todos os recursos naturais que importam para a industrialização pesada e para e equipamento dos militares, sobretudo do Exército. A respeito disso é congruente a citação de Son ia Draibe:

Os processos originais de formação dos Estados nacionais e a elaboração dos primeiros códigos eram, de fato, um movimento de demarcação de soberania do Estado sobre ‘seu’ território, diante de processos similares e simultâneos de formação de outros Estados, em geral, num quadro de enfrentamento mútuo. Os códigos de florestas, no ocidente, constituíam recurso estratégico para a economia interna e a guerra; por isso, foram objeto de disputa entre os Estados em formação e o motivo de regulamentação precoce (DRAIBE, 200 4, p. 83). O processo de concentração de poder no Executivo brasileiro resulta no Estado Novo em 1937, período ditatorial em que Getúlio Vargas traz nova Constituição, mais centralizadora politicamente e nacionalista. Com a nova Carta o Brasil vislumbra os recursos energéticos, petróleo e carvão mineral, como relevantes, estratégicos, para a iminente Segunda Guerra Mundial. Assim, da mesma forma que o petróleo ganha notoriedade política nos Estados Unidos, Japão e Europa, no Brasil o assunto vira questão de Estado. E essa questão de Estado sobre a energia vai perdurar por todo o século XX sendo, a depender da ocasião, o definidor do nacionalismo econômico brasileiro. Em seguida, com o fim da Segunda Guerra Mundial o Brasil entrou em processo que já havia se iniciado na América Latina nos anos 1930: a nacionalização de empresas estrangeiras que exploravam o petróleo local. Talvez o exemplo mais marcante daquela ação seja o México que, em 1938, no governo Cárdenas, nacionaliza os investimentos norte-americanos para que, disso, se pudesse fundar a firma estatal Petróleos Mexicano s – PEMEX. Mas, na mesma época, não só o México havia entrado no processo de nacionalização. Vizinhos brasileiros, como Argentina e Bolívia também haviam feito a mesma coisa, com a criação de Yacimientos Petróleos Fiscales de Argentina – YPF, e Yacimientos Petréoleos Fiscales de Bolívia – YPFB (YERGIN, 1994). Dessa forma, no retorno democrático de Getúlio Vargas, na primeira parte dos anos 1950, cria-se a Petróleo Brasileiro – Petrobras, empresa que nasce na condição de estatal em uma situação em que o Brasil dependente da importação de petróleo, grande parte dele do Orie nte Médio. Sobre isso, cumpre dizer que a fundação da Petrobras não se deu apenas como a constituição de uma empresa estatal, igual a todas as outras. Sua concepção foi parte de um ideário nacionalista que, em grande parte, foi concebido por militares do Exército que pensavam ser necessário algo do gênero para que o Brasil tivesse, de fato, um programa de segurança nacional. Isso é conhecido no mundo acadêmico e jornalístico como a luta do o petróleo é nosso , movimento de caráter político-social que exigia a nacionalização do setor. Parecia que o nacionalismo estava acima dos conflitos partidários. Atores de orientação marxista, ligados ao Exército e à universidade; políticos trabalhistas e algumas faixas de liberais concordavam com a preeminência do Estado sobre setores de energia. A explicação era variada: era ela fundamental para preparar a revolução burguesa no Brasil, para angariar melhores condições de vida aos trabalhadores ou seria assim para que

houvesse um centro aglutinador de poder que ajudasse a haver uma economia relativamente organizada para o mercado; que não deixava de ser um derivado do modelo prussiano de economia, em que o Estado criava o mercado regulado (CHA NG, 2004). A respeito desse ponto, cita-se importante debate público que tomou parte no âmbito do governo Federal entre 1942 e 1945. Trata-se do “choque de ideias” entre Eugênio Gudin, professor de economia da antiga Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Roberto Simonsen, industrial e senador por São Paulo. No documento intitulado As Controvérsias Simonsen-Gudin os dois líderes debatiam para saber qual seria o melhor modelo econômico para o Brasil em face de suas carências de infraestrutura e de pouca base industrial. Planejamento e liberalismo, de livre-mercado, eram os dois modelos postos ao debate. O intuito das Controvérsias era dar ao presidente da República perspectivas de desenvolvimento, sobretudo em virtude da Segunda Guerra Mundial, que se findava, e abriria um mundo transformado e com possibilidades de crescimento para o Brasil. O problema era como fazer com que a industrialização, tão necessária ao país (dando razão ao industrialismo de Simonsen) vingasse em uma situação em que havia ausência de reservas de petróleo e pouca capacidade de fornecimento elétrico. Reclama o documento: “Um grave problema que se apresenta ao Brasil é a insuficiência de combustíveis requeridos pelas indústrias e pelos transportes. Os estoques de gasolina, de óleo diesel e de óleos lubrificantes estão praticamente esgotados” (AS CONTROVÉRSIAS, 201 0, p. 40). Nesse aspecto, na leitura de João Reis Veloso, não havia dúvida de que Vargas privilegiaria o planejamento governamental em detrimento do livrecomércio proposto pelo professor, isso para que o Brasil tivesse condições de organizar a produção de energia nacional, seja petróleo ou hidrelétrica. Daí por diante ascenderiam os planos nacionais de desenvolvimento que marcaram o Brasil dos anos 1950 a 1970, aumentando a centralização federal sobre o tema (REIS VELOSO apud AS CONTROVÉRSI AS, 2010). Ao seguir esse caminho, a concepção da Petrobras foi também representada na Escola Superior de Guerra , em que se encarava a criação de uma empresa brasileira como pressuposto de segurança energética e integrada ao planejamento estratégico governamental. Para aquele tempo esse instrumento era considerado essencial em vista das crises que advinham da Guerra Fria. O autor mais relevante desse pressuposto, embora fosse contrário ao governo Vargas, foi o general Golbery do Couto e Silva (COUTO E SIL VA, 1981).

Sob essa expectativa, constitui-se em 1958 a primeira grande usina hidrelétrica no Brasil, contrariando as pequenas plantas espalhadas pela canadense Light and Power Co. Tratava-se da Usina de Paulo Afonso , no interior da Bahia, cujo papel foi imaginado como de caráter político-social na medida em que procurava levar energia elétrica para uma região pobre do país. E levar energia para tal área significava impulsionar o crescimento econômico por meio de uma hidroelétrica que não foi construída por iniciativa privada nem tinha o lucro como o maior dos objetivos – como se espera do mundo em presarial. Na opinião do engenheiro que planejou a Usina de Paulo Afonso, Octavio Marcondes Ferraz, a planta foi construída pelo Estado porque não havia no Brasil um grupo de empresários, o mesmo valendo para o capital internacional, com condições ou vontade de investir naquele projeto (FERRAZ, 1981). A hidroelétrica da Bahia inaugura um processo no Brasil, o de que cabe ao Estado se incumbir da construção da grande infra estrutura. No campo da política externa o Brasil procura diversificar suas compras de petróleo, mas sem conseguir êxito. Foi em 1958 que o país ajudou a conceber uma linha de cooperação econômica latino-americana com vista a conseguir, entre outras coisas, capitais dos Estados Unidos que seriam depositados no Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Nesse clima de aproximação regional houve a primeira grande tentativa brasileira de obter petróleo de um vizinho. Os Acordos de Roboré marcariam a iniciativa nacional de importar petróleo boliviano, justamente para diminuir os riscos provenientes do Orie nte Médio: Foi a partir dessa tomada de consciência de uma dependência sem par que se decidiu que as empresas brasileiras, submetidas indiretamente ao controle do Estado, deveriam explorar petróleo boliviano. Exploradas as jazidas na área delimitada pelos acordos de Roboré, o fornecimento de petróleo seria assegurado independentemente das flutuações políticas do Oriente Médio, e a um preço não imposto, mas negociado (FERREIRA, 2001, p. 43-44). Contudo, aquela iniciativa não foi aprovada pelo núcleo brasileiro que trabalhava com segurança nacional nem pela elite política boliviana. A observação brasileira era a de que a Bolívia não estava livre de riscos de abastecimento em virtude de sua instável política, sempre em golpes. Do lado boliviano a queixa era a de que o Brasil apresentava veleidades imperialistas sobre os vizinhos mais fracos, como ela mesma e o Paraguai. E a atribuição de exploração do óleo a uma estatal, caso da Petrobras, só reforçaria o impasse. Mais nacionalismo: o período militar

O primeiro governo do período militar é carregado de contradições. Em 1964, na administração Castello Branco, houve a iniciativa de fazer com que a economia fosse a mais liberal possível. Isso porque havia a observação crítica de que os governos dos anos 1950, mais seus frutos posteriores, eram exageradamente nacionalistas e hostis a investimentos internacionais, o que não deixava de ser paradoxal, para um político de primeira ordem da época, já que o Brasil era um país pobre e necessitava de investimento estrangeiro, mas negados pelo monopólio petrolífero dos anos 1950 (CAMP OS, 1994). Por outro lado, como se houvesse tido troca de sinais, o governo deu início a um processo de centralização política, pela Constituição de 1967, bem como no aumento do Estado na economia. No campo da energia o governo Castello Branco reforçou o papel da Centrais Elétricas Brasileiras – Eletrobrás, que controlava a energia elétrica em todas as unidades da federação, inclusive sobre as firmas locais. Não é necessário sublinhar que aquela iniciativa diminuía a autonomia das antigas empresas internacionais de energia, com o a Light. Paralelo aos acontecimentos mencionados acima, aquela administração havia resolvido explorar o potencial hídrico do Rio Paraná, dando origem à Usina de Itaipu. Interpretações variadas podem ser extraídas da construção daquela hidroelétrica. Porém, por sua localização em tríplice fronteira, e por suas dimensões gigantescas, Itaipu certamente facilitou compreensões de ordem geopolítica, até em razão do governo que a planejou, de ser imbuído de concepções de política de poder de ser potência ascendente (CAUB ET, 1991). Na esfera petrolífera o governo permitia a existência de refinarias privadas nacionais, mas, a depender de critérios específicos, outras deveriam ser estatizadas e agrupadas à Petrobras. Ainda que de modo discreto, o processo de aumento de dimensão econômica da estatal seguia a passos firmes. Se a Petrobras já estava no radar dos militares em sua criação, em 1953, agora isso é reforçado oficialmente, já que os postos mais importantes da empresa, a começar por sua presidência, passam a ser ocupados por oficiais do Exército e não mais se permitiu empreendimentos privados, apenas postos de serviços. Se o alcance do poder político tendeu a aumentar no primeiro governo do regime militar brasileiro, apesar de certos esforços em prol do liberalismo econômico, as administrações federais posteriores só fizeram reforçar tal papel. Não era apenas o petróleo que chamava atenção do Estado: a energia nuclear passa a ter política dramática, dando a entender que ela seria a fronteira tecnológica para fazer do Brasil uma grande potência. A não assinatura, em 1968, do Tratado de Não-Proliferação Nuclear – TNP é mar ca disso. ¹⁸ A crise de abastecimento petrolífero, de 1973, foi marcante para o Brasil. País dependente da importação de óleo não deixou de sofrer por causa de seu embargo feito pelos produtores da Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo – Opep. Dessa forma, para o quarto governo do período militar, Ernesto Geisel, o papel da Petrobras deveria ser aumentado para que a empresa adentrasse em assuntos até então não comum para uma

empresa petrolífera do Hemisfério Sul. A estatal deveria fomentar pesquisas e desenv olvimento. Isso queria dizer que a Petrobras deveria descobrir petróleo em águas profundas, em terrenos de difícil acesso. Com essa demanda a empresa aponta para dois caminhos: buscar óleo na Bacia de Campos e adentrar no campo da energia renovável, no caso o álcool combustível também integrado ao governo Geisel no esforço de superação de carência energética ¹⁹ . Aliás, era ambicioso o programa específico daquele governo, uma vez que seu intuito era descobrir petróleo, desenvolver o etanol e angariar tecnologi a nuclear. Haveria, assim, esforços para a criação do álcool combustível, pelo Programa Nacional do Álcool , da aproximação entre a universidade e a Petrobras para fomento de pesquisa, notadamente a Universidade Federal do Rio de Janeiro, e o mais ambicioso projeto de aquisição de conhecimento nuclear ventilado à época: a parceria entre a Alemanha Federal e o Brasil, para a construção de nove usinas nucleares espalhadas pelo litoral br asileiro. Aquelas iniciativas faziam parte do II Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1974, em que abarcava a necessidade de o Brasil obter infraestrutura de energia, entre outras, para assegurar processo de crescimento industrial. Vale dizer que o governo Geisel queria aproveitar a crise de abastecimento internacional de petróleo para forçar o crescimento econômico, contrariando as potências industrializadas que preferiam diminuir o ritmo. Um dos resultados daquele plano foi a ampliação do parque petroquímico nacional. Por outro lado, como seria regular em um país em desenvolvimento, que busca lugar privilegiado no sistema político internacional, a sorte do Brasil muda drasticamente ao adentrar nos anos 1980. A Guerra Irã-Iraque encarece fortemente o barril de petróleo, chegando a 40 dólares (REIS, 2014). No caso brasileiro, a importação de óleo era urgente – metade do consumo era importado. Por isso, com baixa poupança interna para importação do insumo o país teve de recorrer aos bancos internacionais para obter empréstimos para a “conta petróleo”, como se dizia na época, o que alavancou a crise econômica nos anos 1980. Mas ocorre, em paralelo, o aprofundamento do drama: acontece a moratória da dívida externa mexicana. País periférico, latino-americano, fez com que a insegurança econômica percebida no México se espalhasse por toda a região, afetando o Brasil e encarecendo o serviço de sua dívida. A saída mais evidente, embora a mais custosa, foi recorrer ao Fundo Monetário Internacional – FMI para conseguir recursos para tocar o cotidiano nacional. Dessa forma, não seria diferente esperar que aquela organização internacional forçasse o Brasil a abandonar os projetos de desenvolvimento, e de poder, para pagar o quanto podia a dívida externa. Deixar de lado o projeto nuclear foi uma das exigências, assim como não privilegiar o programa do álcool (VIDAL; VASCONCELLOS, 1998). A sorte do petróleo foi melhor, já que em 1985, na Bacia de Campos (Rio de Janeiro) o óleo aparece em grande quantidade, mas ainda muito distante de oferecer

autossuficiência. Ao findar o regime militar a matriz energética brasileira apresentava os seguin tes dados: Lenha e Carvão V egetal:44% Petróleo e Der ivados:34% Hidroeletri cidade:14% Etanol: 5% Carvão M ineral: 3% (TOMASQUIM; GUERREIRO; GOR INI, 2007) Em 1985, terminar o regime militar, o Brasil apresentava 80% da população residente nos centros urbanos. Havia uma sofisticada base industrial e agricultura já estava a passos avançados na mecanização e na pesquisa tecnológica. Embora a energia elétrica no país fosse de origem hídrica o emprego do petróleo foi crescente nos transportes de todos os tipos, na fabricação de fertilizantes e na petroquímica iniciada em 1975 para escapar da cris e da Opep. Nacionalismo e redemocratização A redemocratização brasileira, com o fim do regime militar de 1964, foi confirmada com a nova Constituição Federal, de 1988. Pela atmosfera política que era esperada naquele momento, de liberação de tendências ideológicas variadas, o debate sobre como entender os recursos naturais teve grande dimensão. Contudo, um fato curioso apareceu no âmbito da constituinte: tanto os partidos conservadores, advindos do regime militar, quanto os socialistas e trabalhistas, de vida recente, concordaram com a premissa de que as riquezas minerais devem ser propriedade da União (REIS, 2014). Pertencem ao Estado todos os recursos que estão no subsolo, nos rios e na plataforma continental, caso do petróleo. Mais do que isso, o monopólio sobre os serviços e exploração de petróleo no Brasil foi atribuído à Petrobras pela nova Carta. O que caberia ao Estado, nesse aspecto, era atribuir a empreendimentos particulares o direito de uso desses recursos, para todos eles, menos hidrocarbonetos em geral. Nesse ponto em que conservadores e progressistas se irmanavam no nacionalismo petrolífero, pouco espaço sobrou para liberais sinceros que imaginavam um regime político em que ascenderiam forças não corpor ativistas. No decorrer desse período avanços e paralisias aconteceram, como se espera de um país bastante afetado pela persistente crise econômica dos anos 1980 e pelo impasse político que ganha corpo na década posterior, quando o primeiro presidente civil, o politicamente complexo Fernando Collor de Melo, sofre impeachment , em 1992, sob acusação de corrupção. Mesmo assim, algumas alterações importantes na cena energética brasileira foram feitas pelo governo afastado. Considerado “neoliberal” o curto período Collor procurou imprimir reformas em meio contrário às suas iniciativas, de

sindicatos de trabalhadores do serviço público até setores do empresariado. Na tentativa de “enxugar” o Estado, aquela administração tencionou privatizar o setor petroquímico e de distribuição de derivados. Mas a marca mais forte que deixou no campo energético foi o relativo abandono ao programa nacional de álcool, de 1975, ao alegar distorções por causa de subsídios. Collor dizia que subsidiar o álcool era uma espécie de transferência de renda aos mais ricos, os usineiros. Em paralelo, aqueles mesmos empresários, atendendo ao apelo do mercado internacional (e para compensar a falta de subsídio) diminuíram a produção de etanol para privilegiar a exportação de açúcar refinado, que havia alcançado grande valor naquele momento. Depois desses fatos o setor sucroalcooleiro nunca mais se recuperou, visto que não passou mais a ser tratado como assunto pertinente de política e nergética. Limites ao nacionalismo Em 1994, com a eleição do segundo presidente civil, Fernando Henrique Cardoso, de feições social-democrata, houve inicialmente a mesma prudência de antes, de tocar com cuidado o assunto petróleo e Petrobras. Contudo, por ter sido mais politicamente mais hábil que Collor de Mello e por ter contado com uma malha partidária superior que a do anterior, o governo Fernando Henrique Cardoso pode efetuar transformação de grande vulto na procura de modificar leis da Constituição de 1988, uma reforma const itucional. Desse esforço político o governo consegue, em 1997, findar o monopólio nacional do petróleo, que vinha desde os anos 1950. A Petrobras continuaria como empresa estatal, contava com certas facilidades, mas teria de aceitar a presença no Brasil de empresas internacionais. Uma mistura de concorrência e parceria entre a estatal brasileira e as congêneres estrangeiras ocorreria na parte tecnologicamente mais difícil, as águas profundas, em que a Petrobras havia conseguido excelência e recon hecimento. Outra mudança importante feita naquele governo foi a alteração do regime jurídico específico ao petróleo. Houve o empenho para que se aprovasse novo marco regulatório, apropriado para um país que necessita de investimentos para aumentar a produção. O regime escolhido foi o da concessão , em que a empresa toma posse do insumo, negocia como lhe convém, e paga ao Estado o valor específico como royalties e impostos. Em linhas bem sintéticas o empreendedor inicia negociações com o Estado pagando valor de assinatura, direito à exploração, e custos de royalties que rondam 10% (FREIT AS, 2011). Sob o aspecto partidário e ideológico parece ter havido emergência do pensamento liberal, ao contrário do que ocorrera nos debates para a confecção da Constituição de 1988, em que foi relativamente marginalizado. Roberto Campos, político liberal e de grande conhecimento sobre as questões de Estado, opinava que no Brasil as ideias modernizadoras custam a entrar por causa da cultura nacionalista que, para ele, é retrógrada e atrasa o progresso econômico. Exemplo disso seria a própria Carta

constitucional que valoriza normas que haviam sido excluídas até no exbloco socialista (CAMP OS, 1994). Em todo caso, as mudanças feitas pelo governo Fernando Henrique, ainda que poucas em face dos problemas nacionais, marcam um progresso em meio à paralisia organizada pelos partidos de esquerda que, no Brasil, casam-se com o nacionalismo econômico. Na observação dos críticos, residentes em tais partidos, a vida econômica nacional não deixava de ser neoliberal, mesmo que o partido do governo seja da sociald emocracia. Em meio a essas posturas, em que a socialdemocracia brasileira era interpretada como favorável ao neoliberalismo, ao enfraquecimento do Estado e do poder público, o governo Fernando Henrique sofre grandes danos políticos. Congregaram para isso as crises dos emergentes da Ásia, de 1997, da Rússia, em 1998 e da energia elétrica. Esta foi fundamental, em 2001, para minar o prestígio, já em queda, da administraçã o Cardoso. Hoje há muitas reflexões sobre o que foi a crise de energia elétrica daquele governo. O debate mais comum sobre aquela questão indica que o Brasil não havia feito investimentos necessários para o melhoramento técnico das usinas hidroelétricas, que continuariam estatais, e das empresas transmissoras de energia, também pertencentes ao Estado. As críticas apontam que a ausência de investimentos seria uma maneira de cumprir os serviços da dívida externa, quer dizer, de atender às pressões do FMI (ROSA, 2001). Por definição, havia errado o governo por ter negligenciado um setor da maior im portância. O nome que a população brasileira atribuiu à crise de abastecimento de energia elétrica foi apagão , em que, sem dúvida, comprometeu a retomada do crescimento econômico limitado pelas crises internacionais. O imbróglio daquele conflito político e imprecisões técnicas contribuíram em grande monta para que o governo Fernando Henrique não conseguisse fazer seu sucessor, do partido da social democracia, dando fim à experiência libe ralizante. A eleição presidencial de 2002 foi vencida por Luiz Inácio da Silva, o Lula, cujo partido, dos Trabalhadores , é ideologicamente uma mistura de nacionalistas, socialistas, comunistas de vários matizes e católicos de esquerda. Como não se esperasse outra coisa, o período governamental de Lula da Silva deixou marcas indeléveis na vida política nacional. Para finalizar essa sessão, cumpre dizer que ao adentrar aos anos 2000 a matriz energética brasileira passa a dar espaço crescente ao petróleo e ao gás natural. E petróleo será assunto primordial na nova administração, que procurará maximizá- lo. Segue: Petróleo e Der ivados:46% Hidroeletri cidade:16% Carvão Vegetal e Lenha:12% Derivados de Cana de Açúcar:11%

Carvão M ineral: 7% Gás N atural: 5% Outras Fontes Reno váveis: 2% Nuclear: 1% (TOMASQUIM; GUERREIRO; GOR INI, 2007) As oscilações do nacionalismo Os primeiros quatro anos do governo Lula da Silva foram considerados subsequentes aos de Fernando Henrique Cardoso no que se refere ao programa econômico. Houve por parte do presidente a preocupação em manter as regras econômicas, e respeitar os contratos anteriores. O princípio era o de não fomentar desconfiança e insegurança jurídica nos investidores nacionais e internacionais, bem como nas organizações inter nacionais. Muitas opiniões foram produzidas sobre a postura inicial do governo Lula, que não o diferenciava, em essência, da administração de Fernando Henrique. Para os analistas mais críticos, à esquerda, o governo Lula estava pactuando com o capital e deixando de efetuar as transformações econômicas e sociais tão urgentes para o Brasil (PAULANI, 2008). Por outro lado, para os auxiliares da Presidência, como Maria da Conceição Tavares, professora de uma geração de políticos e ministros que serviram àquele governo, o que se percebia é que Lula procura ser pragmático com vista à conseguir al go melhor. Por conseguinte, se o governo Lula procurava ser pragmático, e tentar transformações entre dificuldades institucionais, o setor da energia seria o lugar conveniente para esse objetivo. Afinal, havia fenômenos econômicos, de difícil resolução, em que se poderia utilizar o setor da energia como meio de superação de dificuldades. O fenômeno mais marcante é o da desindustrialização, bastante complexo para um país que não havia completado o ciclo de industrialização, a exemplo dos Estad os Unidos. Dessa forma, para amainar na maneira do possível a reversão da indústria nacional o governo Lula procurou impulsionar o crescimento econômico ao relançar novas atividades que haviam entrado em decadência por causa da forte concorrência asiática. Se o governo tivesse sucesso na empreitada ele poderia ajudar a indústria nacional a se levantar e ainda manteria os empregos com salários crescentes. Para uma administração proveniente de um partido trabalhista, de fundo socialista, seria uma grande r ealização. Um setor decadente, ligado ao ramo do petróleo, podia ser encontrado na indústria naval, nos estaleiros que haviam perdido dinamismo nos anos 1980 e 1990 pelo fato do Brasil preferir importar unidades da Coréia do Sul, mais baratas e com prazos mais rápidos. Ao inserir a Petrobras como impulsionadora dessa nova agenda uma nova classe de petroleiros poderia ser feita no Brasil. Mas qual o argumento para tanto? Como fazer com que a estatal brasileira fomentasse setores decadentes da indústria nacional?

A justificativa veio em 2007 quando se descobriu, na Bacia de Santos, na plataforma continental brasileira, as jazidas de Tupi, grandes reservas de petróleo com quantidade calculada em torno de 100 bilhões de barris, de óleo leve, semelhante ao aos do Oriente Médio. Depositadas a sete mil metros debaixo do leito marinho o Pré-Sal mexeu com o orgulho nacional. Todos os setores da vida brasileira tiveram algo a dizer sobre essa riqueza mineral, visto que seria a primeira grande reserva descoberta no Hemisf ério Sul. O argumento industrializante, de viés nacionalista, foi reforçado porque para tirar o petróleo da Bacia de Santos seria necessária tecnologia de ponta, da Petrobras, e dos equipamentos da indústria nacional, que deveria ter a preferência nas encomendas da estatal. O relançamento da indústria naval, com novos petroleiros, seria um dos itens. Os outros seriam encontrados na compra de dutos, canos especiais, caminhões pesados, metalurgia em geral. Na criação de empregos houve uma animação sem registro na história recente. Muitos engenheiros, de todas as especialidades, tiveram oportunidade de emprego. Até profissionais estrangeiros, dependendo do caso, tomaram empregos no Brasil d o Pré-Sal. Mas o plano de reindustrialização nacional não se limitava ao petróleo. No mesmo tempo o governo Lula procurava tirar o antigo programa do álcool combustível, concebido no regime militar, para fazer com que o Brasil pudesse se tornar um ator importante na economia internacional da energia. O lançamento dos veículos flexfuel e sua aceitação pelo mercado consumidor são um indicativo do sucesso dessa empreitada e foram um incentivo, pela perspectiva da demanda, para o aumento da produção de etanol. Houve também esforços diplomáticos para o processo de comoditização do etanol no mercado internacional, com ações de promoção comercial e defesa desse energético nas esferas internacionais – como ocorreu na disputa entre Brasil e Estados Unidos sobre subsídios agrícolas de apoio ao milho, matéria-prima principal do etanol estadunidense, que foram questionados na Organização Mundial do comércio. As projeções eram auspiciosas. Isso porque o preço internacional do barril do petróleo chegava a 150 dólares e esse valor seria fundamental para investir em novas plantas e equipamentos para explorar o Pré-Sal. Paralelo à alta do petróleo, tão vantajosa para a Petrobras, o governo Lula se empenha para mudar o regime jurídico sobre a exportação de óleo, constituído no tempo de Fernando Henrique Cardoso. Seria a hora de sair da concessão, vista como um legado do neoliberalismo, para adentrar na partilha ; este sim um marco regulatório mais voltado para os “interesses nacionais”. A razão para aquela mudança era mais de ordem técnica, embora fosse eivada de significado político e ideológico. ²⁰ A explicação era a de que o petróleo do Pré-Sal já havia sido inventariado, assim, não havia dúvidas sobre os ganhos de sua e xploração. Em linhas gerais, após negociações entre as partes sobre o tipo de jazida, no regime de partilha o Estado se apossa do óleo prospectado pela empresa e entrega a ela o valor acordado, dando ao poder político a preeminência de negociá-lo como lhe aprouver. Nesse regime, a Petrobras conservaria partes

substanciais na exploração, 30% da jazida, e trabalharia com as internacionais que, mesmo assim, não deixariam de ganhar nos 70% restantes. Isso porque não havia dúvidas sobre a quantidade de óleo (Petrobr as, 2017). O marco regulatório de 2010 ocorreu em um ambiente ideacional de enfraquecimento do receituário do Consenso de Washington e de abundância de reservas petrolíferas. O primeiro elemento é condicionado pela decepção quanto ao distanciamento entre os ganhos esperados e os auferidos com as reformas institucionais dos anos 1990, algo que foi justificado com o baixo crescimento econômico durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, também desacreditado em função da crise energética de 2001 (TROJBICZ, 2014). Outro fator característico do enfraquecimento global do Consenso de Washington foi a eclosão da crise de 2008 nos países centrais (BOSC HI, 2011). O segundo elemento abarca a expectativa de crescimento das reservas petrolíferas, possivelmente apontando o Brasil como a sexta maior reserva do mundo. Essa expectativa produziu dois efeitos sobre o marco regulatório, a mudança do risco exploratório e a possibilidade de distorções macro econômicas – nomeadamente, a maldição de recursos (TROJBICZ, 2014 , p. 151). Além do processo legal de contratação interna, durante os governos de Lula da Silva, ocorreu a expansão dos investimentos e atuação internacionais da Petrobrás, expandindo suas operações nas Américas e na África. A atuação da empresa na África foi ampliada de concentração em Angola e Nigéria para Tanzânia, Líbia, Guiné Equatorial, Moçambique e Senegal (COUTINHO; STEFFENS; VIEIRA, 2014). No caso das Américas, a compra de 50% da usina de Pasadena (EUA) em 2006 e da participação majoritária na distribuidora de gás Conecta S/A (Uruguai) em 2004 ilustram o movimento de expansão d a empresa. Ainda na seara internacional, o Brasil teve problemas na região sulamericana quanto à produção e aquisição de energia, como os contenciosos com Bolívia e Paraguai. O primeiro caso foi o da nacionalização do setor de gás e petróleo boliviano por meio do Decreto n. 28.701 de Evo Morales; e o segundo caso foi o da disputa em torno da renegociação d í vida paraguaia referente à usina hidrelétrica de Itaipu, binacional. Ambos os eventos geraram atritos diplomáticos entre as partes, mas terminaram em acordos entre os atores, em que o Brasil passou a pagar mais pela energia importada. De modo geral, o governo de Lula da Silva se inseriu em uma lógica de capitalismo de Estado, fortalecendo o planejamento central enfraquecido durante o governo anterior. Um indício dessa lógica de ação foi a criação da Empresa de Pesquisa Energética em 2004, cuja missão é elaborar estudos e pesquisas destinadas ao subsídio do planejamento do setor energético (BRASIL, 2004). Entre seus produtos, podem ser listados o Balanço Energético Nacional e o Plano Decenal de Energia. O primeiro contabiliza a oferta, transformação e consumo final dos produtos energéticos no Brasil em uma periodicidade anual, já o segundo é classificado pela EPE como um

documento informativo sobre as perspectivas de expansão futura do setor de energia no Brasil pela ótica do governo. No fim do governo Dilma Rousseff, em 2015, sucessora partidária de Lula, a estimativa sobre a autossuficiência brasileira em óleo era animadora. O país produzia mais de dois milhões de barris ao dia. Nas jazidas do Pré-Sal já era possível extrair mais de 700 mil barris. Tudo isso, cumprindo um processo de trabalho concebido pelo governo Lula, faria com que o Brasil não só se tornasse autossuficiente, mas também pudesse exportar óleo e etanol, visto que o intuito do governo era duplo. A ideia era a de fazer do Brasil um ator relevante na economia internacional da energia; um país politicamente relevante. Considerações finais O panorama traçado nestas páginas aponta para uma relação diretamente proporcional entre o impacto do poder político nas questões energéticas e a força do nacionalismo. O caso brasileiro no último século sugere o maior espaço de ação do poder político quanto mais inflamado for o sentimento nacionalista, tal e qual ocorreu no governo Vargas, no regime militar e nos mandatos de Lula da Silva. Outro elemento a surgir do binômio anterior é a conclusão pelo caráter estratégico dos recursos energéticos e a consequência de que é o Estado quem deve controlar e regular a produção e distribuição dos fatores estratégicos, em contraposição aos ditames liberais. A experiência mais próxima a qual o Brasil teve com a agenda liberalizante aconteceu nos primeiros anos da redemocratização, durante os mandatos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Foram propostas e executadas medidas que reduziam a influência governamental sobre a economia de energia – como o reforço das agências reguladoras, a quebra do monopólio da Petrobrás e algumas privatizações –, representando uma abordagem de substituição do controle direto da produção para o estabelecimento de restrições para a atuação de partes terceiras. De todo modo, a relação suscitada nestas considerações finais é dependente do ambiente internacional e a capacidade de eventos externos impactarem a política doméstica, geralmente grande. O governo Vargas e a fundação da Petrobrás se localizam em uma conjuntura de fim da Segunda Guerra Mundial e reconstrução de uma Europa destruída, o regime militar – apesar da generalização –, teve lugar durante a Guerra Fria e um ambiente regional de múltiplas ditaduras governando países vizinhos e o governo Lula ocorreu durante a frustração quanto ao Consenso de Washington e a crise de 2008, que enfraqueceu os países centrais. Por outro lado, Fernando Collor e FHC tomaram posse no contexto do fim da Guerra Fria e da prevalência ideacional do capitalismo, culminando inclusive na proposta de que o mundo havia chegado ao fim da história ou mesmo a um momento de unipolaridade do sistema internacional, centrado nos Estados Unidos. A concentração de poder militar e econômico na grande potência mundial facilitou a aceitação do Consenso de Washington por países periféricos, como o Brasil, em sua busca por desenvolvimento socio econômico.

Em face dessa dinâmica internacional, também se pode identificar que as potências centrais, quando fortalecidas, são uma força contrária ao fortalecimento do poder político nacional sobre o setor energético brasileiro. As situações em que o governo mais teve condições de pautar diretamente, considerando valores nacionalistas e concedendo caráter estratégico aos recursos naturais, foram quando as potências mundiais estavam enfraquecidas – como no caso do fim da Segunda Guerra e da crise de 2008 – ou voltadas para outras regiões – a exemplo da conjuntura da Gu erra Fria. Logo, o último século apresenta configuração de forças antagônicas agindo sobre binômio relacional diretamente proporcional. Os vetores seriam o âmbito doméstico brasileiro em um sentimento nacionalista e o âmbito internacional de características liberalizantes (centrado nas potências centrais). Essas forças impactam diretamente no relacionamento entre o poder político e seu setor energético nacional. Ademais, o petróleo foi o combustível mais importante na economia de energia brasileira nos últimos 60 anos, visto o impacto que os choques do petróleo de 1973 e 1979 tiveram em sua economia interna – servindo de incentivo para a elaboração do Proálcool. Posteriormente, a dependência desse energético incentivou a retomada do projeto do etanol nos anos 2000 e o esforço de torná-lo um combustível corrente internamente e ser uma commodity inte rnacional. REFERÊNCIAS BOSCHI, Renato. Instituições, Trajetórias e Desenvolvimento: Uma discussão a partir da América Latina. In: BOSCHI, Renato (org.). Variedades de Capitalismo, Política e Desenvolvimento na América Latina . Belo Horizonte: Editora U FMG, 2011. BRASIL. Lei n. 10.847 , de 15 de março de 2004. http://www.epe.gov.br/pt/ publicacoes-dados-abertos/publicacoes/Balanco-Energetico-Nacional-2013. Consultada em 11 de novembr o de 2017. CAMPOS, Roberto. A Lanterna na Popa . Rio de Janeiro: Nova Fronte ira, 1994. CAUBET, Christian. As Grandes Manobras de Itaipu . São Paulo: Acadêm ica, 1991. CHANG, Ha-joon. Chutando a Escada . São Paulo: Editora da Un esp, 2004. COUTINHO, Isadora Caminha; STEFFENS, Isadora da Silveira; VIEIRA, Taís Cristóvão Martins. A atuação da Petrobrás na África durante o governo Lula. Revista Perspectiva , v. 7, n. 13, 2014. COUTO E SILVA, Golbery. Planejamento Estratégico . Brasília, Editora da Universidade de Brasí lia, 1981. DRAIBE, Sônia. As Metamorfoses do Estado . São Paulo: Paz e Te rra, 2007.

FERRAZ, Octavio Marcondes. Paulo Afonso Evitou Explosão Social no Nordeste. In: MOTTA, Lourenço Dantas (org.). História Vivida . São Paulo: O esp, 1981. FERREIRA, Oliveiros. Crise da Política Externa . Rio de Janeiro, Editora Re van, 2001. FREITAS, Paulo Springer de. Qual a Diferença entre Regime de Partilha e Regime de Concessão na Exploração do Petróleo? Brasil, Economia e Governo . 2011. Disponível em: http://www.brasil-economia-governo.org.br/ 2011/03/14/qual-a-diferenca-entre-regime-de-partilha-e-regime-deconcessao-na-exploracao-do-petroleo/. Acesso em: 21 jul. 2017. LEITE, Antonio Dias. A Energia no Brasil . Rio de Janeiro: Cam pus, 2007. MARINGONI, Gilberto. As Controvérsias Simonsen-Gudin . Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplic ada, 2010. REIS, Daniel Aarão. Ditadura e Democracia no Brasil . Rio de Janeiro: Za har, 2014. ROSA, Luiz Pinguelli. O Apagão . Rio de Janeiro: Re van, 2001. PAULANI, Leda Maria. Brasil Delivery . São Paulo: Editora Boite mpo, 2008. PETROBRAS. Marco Regulatório . 2017. Disponível em: http:// www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/exploracao-eproducao-de-petroleo-e-gas/marco-regulatorio/. Acesso em: 21 jul. 2017. SKIDMORE, Thomas. Brasil : De Castello a Tancredo. São Paulo: Paz e Te rra, 1988. TOMASQUIM, Maurício; GUERREIRO, Amílcar; GORINI, Ricardo. A Matriz Energética Brasileira. Novos Estudos , n. 79. São Paulo, CEBRAP, nov. 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/nec/n79/03.pdf. Acesso em: 22 jun. 2017. TORRES, Alberto. O Problema Nacional Brasileiro . São Paulo: Companhia Editora Nacio nal, 1978. TROJBICZ, Beni. Formação de Agenda Formulação de uma Política Pública no Brasil: O Caso do Fundo Social do Pré-Sal. 215f. Tese (Doutorado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Pa ulo, 2014. VIDAL, Bautista; VASCONCELLOS, Gilberto. O Poder dos Trópicos . São Paulo: Casa Amar ela, 1998. WEBER, Max. Ensaios de Sociologia . Rio de Janeiro: Za har, 1982. YERGIN, Daniel. Petróleo . São Paulo: Scri tta, 1994. 4

SEGURANÇA ENERGÉTICA E REGIMES JURÍDICOS REGULATÓRIOS NO SEGMENTO DE E&P DO SETOR DE HIDRO CARBONETOS Caroli na Leister José Raymundo N . Chiappin Contextualização da proposta No dia 20 de setembro de 2013, o jornal Folha de São Paulo publicou, como reportagem de capa, a seguinte chamada “ Leilão do pré-sal fica sem 4 gigantes e frustra governo ” (SOARES; CRUZ, 2013). Ali, os jornalistas Pedro Soares (Rio) e Valdo Cruz (Brasília) apontam a frustração do governo quanto ao número de interessados em participar do leilão no campo de Libra sob os auspícios do novo marco regulatório para o Pré-Sal, em particular, em razão da ausência de quatro concorrentes de peso na indústria de hidrocarbonetos, as norte-americanas ExxonMobil e Chevron e as inglesas BP e BG ²¹ . Das onze empresas interessadas em participar do leilão do referido campo, seis delas, segundo os jornalistas, são estatais. Ainda, das empresas privadas, apenas duas grandes no setor, Shell e Total ²² . O diagnóstico quanto à frustração pelo Planalto e pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustível (doravante ANP) apontado pelos jornalistas pode corresponder mesmo aos fatos, mas é difícil supor que o governo tenha se surpreendido pelas razões a seguir apr esentadas. Na comparação entre os dois regimes regulatórios vigentes modernamente no ordenamento nacional para o setor de hidrocarbonetos, verifica-se que cada qual é adotado para áreas exploratórias distintas, ou dentro do Pré-Sal e outras áreas consideradas estratégicas ou fora destas. Para essas últimas vige o regime jurídico regulatório incorporado à Constituição Federal pela Emenda Constitucional Nº 9/1995 (doravante EC Nº 9) e Lei Nº 9.478/1997, pautado nos contratos de concessão; doutra via, para as áreas do Pré-Sal, além de outras consideradas estratégicas, submete-se à regência de novo marco regulatório, aquele trazido pelas Leis Nº 12.351/2010, 12.304/2010 e 12.276/2010. O novo marco regulatório, elaborado após as descobertas do Pré-Sal brasileiro, foi duramente criticado por estudiosos no setor (BASTOS; SENA 2010; LEITE 2014; FERREIRA, 2013) , segundo os quais o marco então vigente, desde que alterada a forma de cálculo das participações especiais, permitiria ao governo adquirir parcela maior dos ganhos oriundos do Pré-Sal. Naturalmente, caso a análise se prenda à componente meramente fiscal, não há argumento que fundamente a alteração do marco regulatório instituído pela EC Nº 9, a modificação ensejando mormente aumento da insegurança jurídica do setor, que resta mundialmente combalido em razão da instabilidade política e social vigente nas principais áreas produtoras. Para esses estudiosos a índole das alterações dos marcos regulatórios evoca questões meramente dis tributiva. Sem meandros, o advento do novo marco regulatório para as áreas do PréSal e outras consideradas estratégicas não se justifica pela via fiscal, se nada mais senão essa dimensão estiver sendo levada em conta na análise

comparativa entre os dois marcos regulatórios, mesmo porque os custos de transição de um regime a outro podem ser altos, especialmente no que concerne à segurança jurídica do setor, como apontam analistas. Pessôa, na mesma Folha de São Paulo, publicou, em 29 de setembro de 2013, coluna na qual trata d a questão: [...] a base de incidência da partilha é a mesma da participação especial. É nesse sentido que podemos afirmar que, do ponto de vista tributário, os dois regimes são equivalentes. Sempre há uma alíquota da participação especial que reproduz a fração do excedente de óleo que será partilhada. Não foi, portanto, para aumentar a receita pública que gastamos todo o tempo repensando a lei e criando um novo marco regulatório para tomar o lugar de algo que estava funcionando bastante bem. Para entendermos com mais profundidade o objetivo do governo em alterar o marco regulatório, temos que abordar outras diferenças, além das fiscais (PESS Ô A, 2015). Não obstante, como pretendemos pugnar aqui, a presença predominante de estatais no leilão de Libra consagra novo paradigma – talvez mesmo vetusto, mas certamente obliterado após à acomodação dos Estados (países) consumidores de petróleo que se seguiu aos choques de petróleo de 1973 e 1979 – que deve reger o marco regulatório nacional aprovado mais recentemente em 2010, qual seja esse paradigma, a necessidade de se garantir segurança energética pelos países, notadamente os grandes importadores de petróleo (OLIVEI RA, 2009). Oportuniza-se, pois, definir segurança energética. Baumann , que pretende discutir o significado multidimensional do termo, afiança que segurança energética tem sido definida na literatura simplesmente como “ oferta confiável a um preço razoável ” (BAUMANN, 2008), embora seu texto traga a preocupação de avaliar uma pletora de dimensões do conceito de segurança energética. De se ressaltar, a esse respeito, reportagens nos últimos anos tornando públicos, pelo ex-agente de inteligência americano Edward Snowden, vários aspectos dos programas de inteligência norteamericanos e ingleses acerca da vigilância eletrônica de outros Estados, em especial do Brasil e, neste, com particular ênfase sobre as atividades desenvolvidas pela Petrobras , podendo mesmo indicar que a espionagem industrial entre países é uma realidade, notadamente quando se trata de recursos naturais finitos, commodities, que auferiram o status de recurso estr atégico ²³ . Destarte, o papel que a segurança energética exerce no âmbito das relações internacionais, evidenciando o recrudescimento das relações entre Ocidente e Oriente Médio por recursos estratégicos escassos (BARRETO, 2005), como advogaremos aqui, constitui-se em pano de fundo na contextualização da modificação e da mantença simultânea dos dois regimes jurídicos regulatórios no ordenamento pátrio moderno para o setor de hidrocarbonetos, mormente em se considerando que, ut supra dixit, por uma análise meramente fiscal, e por mor da garantia da segurança jurídica do setor, justificar-se-ia a vigência do regime regulatório único que tem sua tratativa prevista na EC Nº 9, e, ex vi legis, Lei Nº 9.478/1997. Na parelha oposta, retorquimos que o paradigma envolvendo a busca dos Estados por segurança energética, quer dizer, sua necessidade de garantir o controle de

estoques sobre esse recurso estratégico, suscitou a introdução de novo regime regulatório para o setor (CARNEIRO, 2015). No Brasil, esse controle pode ser proporcionado pelo novo regime regulatório para o setor de hidrocarbonetos, aquele engendrado pelas Leis Nº 12.351/2010 (esta alterada pela Lei Nº 13.365/2016), Nº 12.304/2010 e Nº 12. 276/2010 ²⁴ . Em um artigo de 2008, Friedman trata desse novo paradigma geopolítico em plena vigência do novo patamar de preços auferido pelo barril de petróleo, U$ 130,00 (FRIEDMAN, 2008 ). Malgrado, o preço do barril do brent regrediu à aproximadamente U$ 30,00 ²⁵ , de modo que alguns analistas já o preferem tratar, mais uma vez, como simples commodity ²⁶ . Ao contrário do que se poderia esperar, os preços do óleo cederam, em certa medida, em razão da ampliação americana na produção de gás de xisto ( shale gas ). A despeito de estiolar a dependência americana do Oriente Médio, a extração do gás de xisto envolve controvérsias de não somenos importância ²⁷ entre os analistas, quais sejam: sendo custoso o processo de extração do xisto, a queda nos preços do petróleo pode terminar não compensando economicamente essa extração (d e xisto) ²⁸ . Além de custosa, e conveniente registrar, sua extração, realizada por meio da técnica de fraturamento hídrico guarda relação de prejudicialidade com danos ecológicos não insignificantes, de modo a ser proibido em alguns Estados , o consumo maciço de água (outro recurso sujeito à escassez) no processo de extração do gás de xisto, a produção de resíduos poluentes passíveis de contaminar subsolo e lençóis freáticos, e principalmente, a relação entre a extração do gás de xisto e o aumento de terremotos nos Estado s Unidos ²⁹ . Referidas ilações parecem indicar que ora o petróleo se comporta como recurso estratégico, ora como mera commodity , em razão da volatilidade dos preços que o barril de petróleo apresenta no mercado no curto prazo. Essa volatilidade é uma resposta às muitas condições enfrentadas por esse mercado, tanto aquelas que impactam diretamente o mercado de petróleo, incluindo novas tecnologias para sua exploração (caso da prospecção em águas profundas e ultraprofundas), a descoberta de novas reservas (o PréSal), o comportamento estratégico dos Estados produtores ³⁰ etc ., como aquelas referentes aos mercados relativos a outras fontes energéticas, caso da exploração mais intensiva do gás de xisto, do advento de tecnologias de aproveitamento de energias limpas e/ou renováveis, dentre outras c ondições . Parecem indicar, outrossim, a impossibilidade de superação do paradigma da segurança energética no curto prazo, ainda que indique que esse paradigma não vigora absoluto ao longo do tempo. A relevância assumida pelos direitos difusos no mundo jurídico contemporâneo – aqueles direitos que ligam pessoas indeterminadas por um liame de fato, notadamente no que tange a questões ambientais e no tocante a recursos naturais finitos, casos diretamente relacionados ao mercado de petróleo –, apontam no mesm o sentido. Ademais, como salienta Friedman, a ascensão da China como grande consumidora de recursos naturais e, em especial, sua busca por segurança

energética – bem como segurança alimentar, como admoesta o autor –, a despeito da queda nos preços do petróleo, parecem contraditar a recondução do petróleo à figura de mera commodity, ainda que, ut supra dixit , a volatilidade dos preços do barril de petróleo no mercado de curto prazo pareça apontar em direção contrária. O empréstimo da China à Petrobras , apesar desta se apresentar combalida por mor da Operação Lava Jato (LIMA; SOARES 2015), bem como o aumento de seus investimentos em recursos energéticos na América Latina relatado na grande imprensa (CARNEIRO, 2015), indicam que a questão da segurança energética não profligou e o tema resta candente ³¹ . O Brasil triplicou a exportação de petróleo para a China, que se tornou sua principal compradora (AGOSTINI; FAGUND ES, 2015). Teoricamente, como não se peja Fuser de afirmar, as teorias das relações internacionais (doravante RIs) têm reputado pouca atenção à questão dos recursos energéticos nas relações entre os Estados (FUSER, 2008). Apontando para a limitação das teorias realistas de RI para explicar a reação dos periféricos dotados desses recursos às tentativas de controle dos mesmos pelos Estados centrais, o autor defende a importância que aqueles (os periféricos) têm assumido geopoliticamente em razão de figurarem, em muitos casos, como os detentores dos recursos energéticos. Regra geral, segundo Fuser, as teorias realistas e o institucionalismo liberal no âmbito das RI sustentam, em uma interpretação lassa , que a questão energética pode ser equacionada via cooperação, por meio das interdependências de mercado (portanto, pela via do mercado) ³² , posição que, segundo Hage, parece ter sido assumida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso ( HAGE, 2008) , criando vácuo político-institucional que pudesse permitir a viabilização do planejamento do país no setor en ergético ³³ . Para Fuser, são Keohane e Nye quem apontam para o conflito, e não para a cooperação, que pode advir de referida questão. Dentro da perspectiva do conflito, é Klare, e não Huntington, quem, segundo Fuser, apresenta o fator chave no manejo do moderno choque das civilizações : a disputa por recursos naturais. Consoante suas ilações, essa é a real justificativa para o coevo embate entre americanos e muçulmanos, antes que a diversidade cultural, como pregava H untington. Klare aquilata que há três elementos que reforçam a disputa por recursos energéticos, quais sejam, a globalização, o crescimento populacional e a urbanização. Como essas tendências só fazem efeito na sociedade capitalista contemporânea, tornando-se irreversíveis, pugnamos em favor da incorporação do paradigma da segurança energética no debate jurídico que enleia a análise dos dois marcos regulatórios jurídicos no segmento de exploração e produção (doravante E&P) da indústria de petróleo e gás natural no Brasil. Ao ensejo dessa ocorrência fática, essa oposição alberga, no mundo jurídico, dois regimes, segundo ele: aquele da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (doravante Opep) e outro decorrente da agenda liberal. Advogamos aqui que essa oposição se reverbera, outrossim, nos dois marcos jurídicos regulatórios vigentes para a IPGN no Brasil, bem como os contratos ínsitos a esses regimes, a concessão e a partilha de produção, a

primeira representando os interesses da agenda liberal, e uma proposta de solução da questão energética dos países ad libitum às leis de mercado, o último, aquele dos Estados hospedeiros, que atribuem ao Estado papel proeminente no planejamento e na solução da questão da segurança energética, adonando-se de parcela dos recursos in natura . De mais a mais, no primeiro regime a propriedade dos hidrocarbonetos explorados passa a pertencer ao concessionário ³⁴ , ao passo que no segundo, ela permanece nas mãos do Estado, possibilitando a ele garantir referida segurança. A decisão sobre a regulamentação do setor energético, aqui o segmento E&P da IPGN, guarda relação inelutável com seu controle, se carreado pelo mercado ou intentado pelo Estado. Tratemos a questão com mais vagar no próxi mo tópico. Segurança energética e regimes jurídicos regulatórios Como sói esperar, apontando para a segurança energética como paradigma da nova era geopolítica, Friedman discorre sobre o panorama envolvendo potenciais ganhadores e perdedores com a alta dos preços do petróleo ³⁵ , indicando que ganham os Estados exportadores e perdem os importadores ³⁶ , suscitando, outrossim, que a capacidade de controlar a exportação de petróleo – quando exportar e para onde exportar –, poderá ser traduzida em poder político (FRIEDMAN, 2008). Malgrado, consoante o autor, ganhadores reais dessa alta de preços serão aqueles capazes de gerar caixa sem gastá-lo todo em necessidades domésticas, caso da Arábi a Saudita. A par das exortações de Friedman , reputamos que o paradigma da segurança energética requer a definição de importantes balizas a serem arrostadas no âmbito da regulação do setor de hidrocarbonetos em um Estado exportador, quais sejam, a possibilidade de detenção de sua propriedade (dos hidrocarbonetos explotados, não apenas a titularidade daqueles enterrados ³⁷ ), e o controle sobre sua vazão no mercado internacional, com o viso de auferir melhores preços – política adotada pela Opep anteriormente (FERREIRA, 2013, p. 179) – bem como a capacidade de o país exportador fazer bom uso da riqueza amealhada com sua venda, sem se valer do vitando expediente de despejar sua renda integralmente no mercado interno. O equacionamento desse problema se constitui no ovo de Colombo da regulação jurídica do setor de hidroc arbonetos. Precipuamente, nos avizinhamos dessa questão admitindo que as condições do segmento de E&P ex ante e ex post à descoberta de reservas de hidrocarbonetos no Pré-Sal autorizam a emergência, primeiro, do regime jurídico regulatório para o segmento que envolve o contrato de concessão, instituído entre 1995-1997, segundo, do novo regime jurídico regulatório, que açambarca o contrato de partilha de produção, perfilhado em 2010, ainda que com as alterações promovidas pela Lei Nº 13.365/2016. Sem descurar das balizas projetadas adrede, uma questão ancilar insurgente dessa alteração de circunstância – a descoberta de reservas no Pré-Sal brasileiro – concerne à redução dos riscos exploratórios nessas regiões, e outras que podem vir a ser consideradas estratégicas justamente em razão desse baixo risco ³⁸ , vis-à-vis outras regiões brasileiras, em que o potencial de risco exploratório assoma- se maior.

Oportuno, então, apreciar essa análise sob o viés do tradeoff envolvendo riscos exploratórios, de um lado, e a propriedade dos hidrocarbonetos, de outro, posto que esse balanço modifica, de forma percuciente, o poder de barganha que possuem o país hospedeiro (e suas estatais) e as empresas transnacionais envolvidas na E&P da IPGN. Por conseguinte, sob a díade risco exploratório versus propriedade dos hidrocarbonetos, esposamos a hipótese de que quanto maior o risco exploratório, menor o poder de barganha do Estado hospedeiro, recaindo maiormente o poder de barganha sobre as transnacionais do setor de E&P, que, sujeitas ao maior risco, requererão como contrapartida a integralidade da propriedade sobre os hidrocarbonetos explotados, constituindo-se essa estratégia na forma de endogeneizar o risco assumido pelas transnacionais no preço do contrato firmado com o Estado h ospedeiro. No contrapé, quanto menores os riscos exploratórios, maior poder de barganha é franqueado ao Estado e suas estatais, podendo este exigir parcela (ou a integralidade) da propriedade do carbonífero extraído, como o faz, respectivamente, no contrato de partilha de produção, quando divide a propriedade com a empresa transnacional ou consórcio privado, ou no contrato de serviço, quando o Estado mantém a propriedade sobre o hidrocarboneto explorado, pagando em moeda pelo serviço prestado pela empresa ou consórcio operador. A indústria do petróleo e gás natural pode ser dividida nos seguintes segmentos: (i) upstream , que trata das atividades de exploração e produção do petróleo e gás natural; (ii) midstream , que envolve as atividades de transporte e refino; (iii) downstream , consiste na distribuição dos derivados de petróleo e gás (FERNANDES; ARAUJO, 2003). Nosso foco inicial recairá sobre o primeiro deles, o segmento de E&P ou segmento upstream. Inobstante, em se fazendo necessário, abordaremos os outros segmentos, em particular por força da tônica do setor em prol da integração vertical de toda a cadeia produtiva de hidroc arbonetos. Dentro dessa temática, a principal tese a ser perfilhada neste trabalho milita em favor da mantença dos dois regimes jurídicos regulatórios para o setor de hidrocarbonetos no país, inobstante as críticas relativas à insegurança jurídica que referida simultaneidade poderia acarretar, críticas estas outrora ventiladas aqui, mas que deverão ser consideradas de maneira mais exauriente ao longo deste texto. Consoante esta tese, e premissa da mesma, escudamos, outrossim, a tese de que a manutenção simultânea dos dois regimes legitima-se quando são consideradas variáveis exógenas aos marcos regulatórios, servindo essas variáveis, em particular aquela da segurança energética (propriedade sobre os hidrocarbonetos) e do risco exploratório envolvido (para além das características da região explorada, da espécie de hidrocarboneto encontrado e a volatilidade de seus preços no mercado ³⁹ ), como metaregras para a escolha de um ou outro regime jurídico regulatório para o setor (itálico dos autores deste c apítulo). É cediço na literatura ius publicista as críticas tecidas ao restrito portfólio de contratos administrativos disponíveis para que o Estado venha a pactuar com a iniciativa privada, afirmando que são poucas as modalidades disponíveis para a Administração Pública, quando, em contrapartida,

inúmeros são os objetos desses contratos. O número restrito de modalidades contratuais administrativas, de um lado, e a imensidão de objetos os quais a Administração Pública tem que atender e executar, de outro, tende a enrijecer sua forma de contratar com o setor privado, tornando os aditamentos tão frequentes que tem o cariz de convolar o objeto e, ipso facto, o contrato original, caracterizando violação das alterações legais admissíveis consoante art. 65 da Lei Nº 8 .666/1993. Caso a função do Estado ficasse restrita à defesa dos direitos individuais, como queriam as teorias liberais, talvez as modalidades contratuais administrativas fossem mesmo suficientes. Malgrado, devendo ofertar, outrossim, direitos sociais, suas funções amplificam-se. Isso é ainda mais verdadeiro quando, por disposição constitucional, ut art. 3º, são franqueados ao Estado uma miríade de importantes objetivos a serem equacionados : Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discr iminação. Suas tarefas tornam-se tão (quiçá mais) relevantes que aquelas liberadas e capitaneadas pela iniciativa privada. Por mor desses objetivos, admite-se aqui que o portfólio de contratos administrativos disponibilizados à Administração Pública deveria ser amplificado, passando esta a se socorrer de um maior rol de modalidades a serem desenhadas pelo legislador. Inobstante, os asseclas da segurança jurídica admoestam justamente em sentido contrário, quer dizer, alegando que um maior número de contratos pode ensejar insegurança jurídica. Na abordagem aqui preconizada, admite-se que a segurança jurídica não pode ser arrimada a princípio supremo, sustentando valor de per se , devendo, antes, figurar como mera regra instrumental, endossada quando a consecução de outros valores puder ser mais bem satisfeita por meio de referida segurança ⁴⁰ . No setor de petróleo e ainda, considerando sua inserção em nossa matriz energética, deve-se admitir à Administração Pública esposar um maior rol de contratos, colocados à sua disposição para fazer frente aos desafios enfrentado interna e internacionalmente relativamente a uma dimensão chave para qualquer país, a segurança e nergética. Por conseguinte, defendemos a tese em favor da mantença do duplo regime jurídico regulatório para o segmento upstream do setor de petróleo por mor de sua importância estratégica e para fazer frente aos desafios enfrentados, possibilitando dar-lhe maior adaptabilidade às contingências dessa dimensão, a segurança energética (e não, por incúria, a mera segurança jurídica, como pretendemos avalizar aqui) , bem como as repercussões das decisões tomadas no âmbito da matriz energética nacional tomada como um todo. (itálico dos autores deste capítulo). Sob o paradigma da segurança energética, ut supra dixit, basicamente duas tendências no âmbito da literatura das relações internacionais se fazem

sentir, quais sejam, uma segundo a qual o acesso às fontes de energia é fonte de conflito entre os Estados, podendo mesmo dar ensejo a guerras entre eles, e outra vocacionada a considerar que a segurança energética implica em cooperação, senão global ao menos regional, entre os países (BAUMANN, 20 08, p. 5). Para além do âmbito externo, internamente o setor de hidrocarbonetos, assim como todo o setor energético, exige um planejamento estratégico da parte do Estado e dos governos (SERRA, 2011). Por conseguinte, preconizamos ser erro nefando a tratativa dos regimes jurídicos regulatórios do segmento de E&P por meio, exclusivamente, da álea do mercado – ainda quando a queda dos preços do barril de petróleo pareça apontar para seu comportamento como commodity –, em razão da importância assumida por esse bem na cadeia produtiva de qualquer país, e isso não é diferente para o Brasil, de modo que esse recurso não pode ser tratado senão como recurso estratégico, ainda que contemperamentos permitam incorporar variáveis contingenciais de mercado à regulamentação dess e setor ⁴¹ . Em decorrência dessa sua importância estratégica, o Estado mantém esse mercado sob suas peias, quer intervindo direta e monopolisticamente, reservando exclusivamente para si este mercado, no caso, durante todo o período em que a Petrobras , empresa estatal, operou em regime de monopólio, quer atuando de maneira indireta, pela via da agência reguladora do setor, a ANP, flexibilizando o monopólio da Petrobras, ou ainda, quer combinando esses dois modelos de atuação sobre esse mercado, verbi gratia , no modelo de partilha de produção, em que a Petrobras passa a ser a única operadora na prospecção e produção das áreas do pré-sal e outras consideradas estratégicas, viabilizando-se, contudo, sua associação a outras empresas privadas transnacionais ou a empresas estatais de outros Estados ⁴² . O tradeoff risco versus propriedade dos hidrocarbonetos Insuscetível de ser encontrado um melhor regime regulatório in re ipsa para o setor de hidrocarbonetos, oportuniza-se a elaboração de uma abordagem que permita a construção de regimes jurídicos regulatórios que possam ser calibrados para melhor atender as condições empíricas encontradas no setor, sejam essas condições históricas, econômicas, sociais etc.; bem como da possibilidade de compatibilizar as decisões tomadas no setor com outras envolvendo toda a matriz energética nacional, e, finalmente, elaborar um regime jurídico regulatório mais afeito à satisfação dos objetivos imputados ao setor público por nossa Ca rta Magna. Para tanto, pretende-se aqui desenhar um mecanismo para proceder a essa análise no qual os contratos de E&P, incluindo o de concessão, o de partilha de produção e o contrato de serviços, podem ser representados em um espaço unidimensional no qual a variável de análise dos referidos contratos figurará sendo a variável risco. Nesse particular, colocamo-nos ao lado de Cameron, para quem as diferenças legais desses contratos na indústria de IPGN não podem sobrepor a uma análise mais funcional dos mesmos (CAMER ON, 1988).

Cada contrato de E&P pode ser representado nesse espectro da seguinte forma, quanto maior o risco alocado para a parte que contrata com o governo, maior deverá ser sua contrapartida (remuneração), no limite, quando o contratado suporta todos os riscos do empreendimento, em regra no de concessão, a remuneração auferida, no contrapé, é toda a propriedade dos hidrocarbonetos. Em sentido inverso, no contrato de serviço, o risco para o contratado é zero, pois ele é remunerado unicamente pelo serviço prestado, e independente da descoberta ou não de reservas de hidrocarbonetos. Como não suporta riscos, o contratado, igualmente, não obtém a propriedade dos hidrocarbonetos, apenas uma remuneração em dinheiro.

Figura 1 – Espectro de Contra tos de E&P Fonte: elaborado pel os autores Como meio termo, temos o contrato de partilha de produção, em que os riscos são compartilhados, assim , a propriedade do hidrocarboneto também o é. Dessa feita, teríamos, nessas três modalidades contratuais, três regimes endógenos de propriedade: na concessão, o regime é lockeano, a propriedade se adquire com a especificação ⁴³ , no contrato de serviço, o regime é hobbesiano, a propriedade depende é mantida nas mãos do Estado e, por derradeiro, na partilha de produção, o regime de propriedade é alcançado por acordo entre as partes, como previsto por Pufendorf Como nos apresenta Bobbio, a propriedade em Locke constitui um direito natural, em Hobbes um direito positivo que só existe em razão do Estado, e, em Pufendorf a propriedade é fruto de uma convenção social entre as partes, um contrato.

Com base na proposta supra , adotamos a tese de que concessão, prestação de serviços e partilha de produção são apenas formas diversas de se calibrar o tradeoff risco e propriedade, não havendo razão para considera-los espécimes absolutamente diversas e estanques de contratos de E&P. Destarte, nossa proposta incorpora a crítica de Cameron acerca das análises sobre os contratos no setor de E&P, procurando empreender a uma análise funcional dos mesmos, considerando parâmetros comuns a eles, em vez de suas distinções jurídicas. Nesse sentido, pugnamos a tese de que esses contratos não são senão combinações convexas entre risco e propriedade. E, ainda, dentro de nossa acepção, defendemos que o contrato de partilha, por ser o meio termo entre os contratos puros de concessão e serviços, localizados nos extremos desse espaço unidimensional, dispõe de maior flexibilidade permitindo maior eficiência no calibramento do tradeoff entre risco e pro priedade ⁴⁴ . Ainda, impende ressaltar, essa abordagem é mais condizente com outras teses, a saber: (i) de que as decisões traçadas no setor de hidrocarbonetos devem ser tomadas considerando todo nosso portfólio de energia, quer dizer, nossa matriz energética in toto ; (ii) de que devem ser mantidos os dois regimes jurídicos regulatórios para o segmento upstream do setor de hidrocarbonetos; (iii) de que, ressalte-se uma vez mais, o Estado deve dispor de um portfólio de contratos, em vez de um único contrato para o segmento, para cumprir de forma mais eficiente s eu objeto. Cunha avalia que a adoção de regime misto de regulação na E&P da IPGN no Brasil decorre, primordialmente das variações no risco exploratório e geológico que podem ser encontradas em nosso território (CUNHA, 2013, p. 94). Nesse sentido, áreas do Pré-Sal parecem apresentar baixo risco exploratório e geológico, pois as chances de se obter petróleo da atividade de E&P, como sói esperar, parecem ser grandes nessa área, adido ainda à possibilidade de o petróleo descoberto existir em grandes volumes e ser de boa qualidade (óleos leves). Diversamente, em outras regiões, os riscos exploratório e geológico podem ser muito ma is altos. Registre-se, inclusive, que a literatura tem justificado a adoção de contratos de concessão quando os riscos exploratório e geológico são altos, ao passo que indica o contrato de partilha de produção (ou mesmo o contrato de serviços) quando esses riscos são baixos ⁴⁵ . A esse respeito, comenta Silveira: [Acerca do contrato de concessão] Nesse tipo de contrato as taxas exploratórias são menores pois desta forma atraem o investimento considerado de risco. Assim as empresas assumem o risco visando uma remuneração maior. Caso as taxas exploratórias fossem elevadas o governo correria o risco de não atrair os investidores, pois teriam um retorno menor para um eleva do risco.

[Sobre o contrato de partilha de produção] As empresas que atuam nessas áreas se dispõem a repartir a produção com o governo, e assim, receber menos lucro, pois, os riscos atrelados a exploração nessas áreas são menores. Dessa forma, esse regime só é viável em regiões de baixo risco, caso contrário o investidor irá exigir um retorno maior (SILVEIRA, 2013 , p. 6-7). A lógica segue-se: como o risco é maior, o Estado precisa criar um esquema de incentivo para atrair o interesse do particular, para que este desenvolva as atividades de E&P naquela região, literalmente criando o mercado para o segmento upstream da IPGN; quando as chances de ser encontrado petróleo em grandes quantidades forem altas, são indicados os contratos de partilha de produção, visto que, nesse caso, o risco é baixo, e, portanto, o Estado possui maior poder de barganha, podendo abocanhar parcela do óleo produzido, em vez de transferi-lo todo para o particular (caso as chances de ser encontrado petróleo na região forem quase certas, justificar-se-ia, inclusive, o contrato de prestação de serviço, em que o particular receberia sua remuneração em dinheiro, não em óleo, caso, e.g. da Venezuela, que adota tais contratos na região do Orinoco (MACHADO; TRICHES 2011), além do Kuwait, Irã, Iraque, México, Equador e Turcomenistão, regiões sabidamente ricas em hidroca rbonetos ⁴⁶ . Nessa seara, a propriedade sobre os hidrocarbonetos é o incentivo a contrabalançar maior imputação de riscos: quanto maior o risco, mais se concede da propriedade dos hidrocarbonetos, no limite, toda a propriedade do bem explorado; em sentido inverso, quanto menores os riscos, maior a divisão da propriedade dos hidrocarbonetos com o Estado ho spedeiro. Urge mencionar, outrossim, segundo Barros, Schutte e Pinto (BARROS et al. 2012), que a propriedade sobre os hidrocarbonetos ⁴⁷ rende à empresa que o detém acesso às fontes de financiamento necessário ao aporte de capital para o desenvolvimento das atividades de E&P. Resta, então evidente que caso uma empresa ou consórcio saia vencedora de um leilão, e se a área envolvida for região localizada no Pré-Sal, em que os riscos exploratório e geológico são parcos, o acesso a fontes de financiamento fica, de muito, fa cilitado ⁴⁸ . Do lado dos financiadores, realizar contrato com essa empresa ou consórcio pode significar a celebração de um contrato lastreado, in casu , lastreado por um bem, o petróleo, ainda que enterrado ⁴⁹ . Na parelha oposta, realizar um contrato de financiamento com empresas ou consórcio vencedor de um leilão para desenvolverem a atividade de E&P em uma área envolvendo grandes riscos exploratório e geológico representa, ipso facto , realizar um contrato sem lastro em um bem de relevância estratégica ímpar que é o petróleo. Sem meandros, é com base nessa lógica que a Petrobras foi capitalizada, capitalização esta realizada de do is modos.

Primeiro, por meio da imputação a ela, sem licitação, da cessão onerosa até o limite de 05 bilhões de barris de petróleo, Lei Nº 12.276/2010. Segundo , por meio da obrigação da participação de ao menos 30% da Petrobras no consórcio vencedor, nos casos dos leilões envolvendo blocos do Pré-Sal e áreas estratégicas, além da determinação desta ser a operadora única ness as áreas ⁵⁰ . No primeiro caso, a capitalização é facilmente verificada: atribuir 5 bilhões de barris de petróleo à Petrobras a torna proprietária desse recurso estratégico, de modo a facilitar-lhe a obtenção de financiamento. No segundo caso, inobstante, a forma de financiamento da estatal é internalizada no consórcio, visto que, sendo operadora única, as demais consorciadas deverão participar no consórcio apenas com o capital ⁵¹ , de modo que pugnamos aqui ser essa uma forma de financiar indiretamente as atividades desenvolvidas pela Petrobras. Em ambos os casos, portanto – cessão onerosa e formação de consórcio com a petroleira para firmar contrato de partilha de produção –, trata-se de trazer de volta o Estado para controlar e desenvolver as atividades do segmento de E&P da IPGN, aqui sempre por meio da Petrobras, proposta essa em consonância com o objetivo da segurança energética pleitea do aqui ⁵² . Relativamente às reformas do setor efetuadas entre 1995 e 1997 com a EC Nº 9 e Lei Nº 9.478/1997, temos, em 2010, com as Leis Nº 12.351/2010, 12.304/2010 e 12.276/2010, o retorno do pêndulo, voltando agora a serem desenvolvidas as atividades no setor precipuamente por meio do Estado. Por óbvio, em razão das informações que a Petrobras adquiriu desde sua criação na década de 1950, relativas ao setor de O&G, embora seu monopólio tenha sido flexibilizado legalmente por meio das reformas de 1995-1997, na prática, manteve-se o monopólio de fato da Petrobras, posto que, em razão das informações que ela dispõe sobre as reservas nacionais, as demais empresas preferiam se associar à estatal na E&P dos carboníferos do que disputar com ela os leilões, visto que tinham consciência da assimetria de informações em favor da Petrobras e acerca de seu conhecimento sobre as reservas ⁵³ . Desse modo, caso a Petrobras não demonstrasse interesse em um dado bloco oferecido em leilão, as demais empresas entendiam sua conduta como indicativo de que o bloco não era promissor. Se essa premissa for verdadeira, a alteração promovida na Lei Nº ١٢.٣٥١/٢٠١٠ pela Lei Nº ١٣.٣٦٥/٢٠١٦ não deverá alterar em grande medida o monopólio de fato da Petrobras. Sob o novo regime regulatório, aquele envolvendo a partilha de produção, como temos instilado aqui, se a segurança energética figura como sendo o paradigma que norteia a IPGN, notadamente o segmento de E&P, é plausível que empresas estatais, e não empresas particulares preocupadas com o acesso ao financiamento, mas sim com a possibilidade de auferir a propriedade dos hidrocarbonetos com o fito de garantir referida segurança para seus países, é que venham a participar dos leilões envolvendo áreas do Pré-Sal internalizando o financiamento à Petrobras no contrato de consórcio

⁵⁴ . Isso foi oportunizado no leilão do Campo de Libra. Igualmente, assim tem entendido o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (doravante DIEESE), conforme Not a Técnica: Entre as empresas inscritas para participar da licitação, a Petrobras é a única brasileira. Ademais, oito destas empresas têm o predomínio estatal de capital e três são da China (ainda que a Sinopec tenha feito uma fusão com a Repsol). [...]. Ou seja, a decisão das empresas estatais não está ligada somente à gestão econômica (obtenção de lucro, autonomia gerencial etc.), mas também à estratégia geopolítica de alcançar segurança energética (DIEESE, 201 3, p. 13). No mesmo sentido, esse é o leitmotiv que justifica a adoção, na legislação pátria, do regime jurídico regulatório envolvendo o contrato de partilha de produção para as áreas do Pré-Sal, de modo que o País passará a se responsabilizar pela comercialização do petróleo auferido, dando vazão contínua e controlada aos seus estoques no sentido de alavancar sua política industrial ⁵⁵ (por meio da concessão de energia barata a preço subsidiado para a indústria, fomentando toda a cadeia produtiva envolvendo o setor de hidrocarbonetos, que respondeu por 13% do PIB em 2014 etc.), bem como permitir alcançar os melhores preços no mercado internacional. Comenta Cunha, in verbis: “ Agora ao invés de manter a sua parte da receita energética através de tributos, o Estado assume para si a responsabilidade de comercializar petróleo pertencente à União nos mercados internacionais” (CUNHA 2013, 93). Possibilita, ainda, por meio da manutenção da propriedade de parcela do petróleo explorado, garantir segurança energética do País e sua autossuficiência em petróleo, como, ut supra dixit , foi a meta do país desde a criação da Petrobras em 1953, ainda mais em se considerando que o Brasil não dispõe do poderio militar dos Estados Unidos ou de outras potências europeias como instrumento para garantia de referida segurança energética, podendo fazê-lo, alternativamente, por meio do acesso a seus estoques, em vez de transferi-los para as companhias petrolíferas internacionais por meio de contratos de concessão, que agora permanecem restritos às regiões com maior risco exploratório. Por meio do acesso aos seus estoques pode, igualmente, fomentar toda a cadeia produtiva do País, bem como sua política industrial, dando-lhe mais flexibilidade tanto na contratação para o segmento de E&P quanto para fomentar sua política i ndustrial. A relevância e a necessidade de a administração pública dispor de um portfólio de contratos para o segmento upstream da IPGN

O princípio da legalidade é basilar ao Estado de Direito. Inobstante, pode apresentar acepções diversas quer se aplique ao setor público quer ao setor privado. No âmbito do setor privado, o princípio da legalidade é aquele da legalidade negativa e tem por propósito reforçar outro princípio, aquele da autonomia da vontade. Pelo princípio da autonomia da vontade, o indivíduo é livre para realiza-la, figurando aí a legalidade como restrição ao seu exercício da liberdade, ou seja, a legalidade negativa que se aplica ao particular é aquela do art. 5º, II, da CF 1988, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtud e da lei . No que tange à teoria dos contratos, a autonomia da vontade é particularizada na liberdade de contratar, ou seja, na liberdade dos indivíduos de, por ato unilateral ou por concurso de vontades, provocar o nascimento de um direito, ou para obrigar-se (GOMES, 2009). A contrario sensu , a aplicação da legalidade ao setor público, notadamente à Administração Pública, significa que esta somente pode fazer aquilo que a lei determinar , sendo essa a legalidade positiva. Se aplicada ao Poder Político, a legalidade implica na possibilidade de impor restrições ao agir, de modo que a conduta do Estado se justifica apenas quando respaldada pela lei. Nesse sentido, a legalidade opera como limite ao Poder Político, para evitar o abuso e o desvio de poder. Se no setor privado a vontade autônoma figura sendo condição do contrato, de modo que um particular pode criar cláusulas contratuais segundo sua vontade, e desde que não defesas em lei, daí cabendo a distinção entre contratos típicos e contratos atípicos, os primeiros nominados e regulados por lei, os segundos inominados, porém não regulados na legislação, desde que suas cláusulas não contrariem-na (a lei); no âmbito dos contratos firmados pela Administração Pública, prevalece o princípio da legalidade estrita (SUNDFELD, 2006). No escólio de Carvalh o e Sousa: A forma do contrato administrativo pressupõe uma expressa autorização legal, em atendimento ao princípio da legalidade estrita. Em outras palavras, os contratos administrativos devem obedecer à forma prevista em lei, da qual não podem se desviar, até mesmo para manter os fins previstos no objeto a ser contratado: utilidade pública ou consecução de um serviço público (CARVALHOSA; SOUZA 2012, p. 192-193). Dessa feita, as modalidades de contratos administrativos estão gizadas sobre os lindes da lei, podendo ser objeto desses contratos as obras, os serviços, as compras, as alienações, as concessões, as locações e as permissões. Outrossim, as modalidades contratuais são escudadas por legislação, constituindo-se nos principais contratos administrativos aqueles de: (i) concessão; (ii) obra pública e prestação de serviço; (iii) fornecimento; (iv) gestão (DI PIETRO, 2009). Por óbvio, a necessidade de legislação para regular as modalidades de contratos administrativos se presta à garantia de submissão das atividades desempenhadas pela Administração Pública à lei e, ipso facto , substituir a autonomia da vontade pela vontade da lei, que representa o interesse público.

Verifica-se, não obstante, que enquanto o particular dispõe de vasta gama de modalidades contratuais para fazer valer seu interesse, incluindo a possibilidade de criar contratos não regulados pela legislação, desde que não contrariem a lei, os contratos denominados atípicos, a Administração Pública, em contrapartida, fica adstrita às modalidades hauridas em lei. Mas se a gama de atividades imputadas pela Carta Magna ao Estado é, senão mais ampla, ao menos tão variada quanto àquelas desempenhadas pelos particulares, então, deveria dispor ele do mesmo instrumental para garantir a satisfação do interesse público. Ainda, a complexidade do objeto contratual nos contratos administrativos é, não raro, muito maior que aquela dos contratos privados em razão de suas proporções e das necessidades a serem atendidas. Sem embargo, sendo as modalidades de contratos administrativos aquelas previstas em lei, o cabedal de meios para auferir o interesse público se mostra pouco flexível. Se não é possível à Administração Pública dispor livremente, como fazem os particulares, com o intuito de obter maior eficiência na sua atuação, urge criar legislação que permita disponibilizar um portfólio mais amplo de contratos os quais a Administração Pública possa lançar mão para garantir, da melhor forma possível, a satisfação do interesse público. Essa é a proposta outrora defendida aqui e que, para o segmento da E&P do setor de petróleo significa a defesa da mantença dos dois regimes jurídicos regulatórios, e seus correlatos contratos (e quiçá a disponibilização de outras modalidades contratuais). Nesse particular, a possibilidade disponibilizada ao Estado de lançar mão ora do contrato de concessão, ora do contrato de partilha de produção a depender do risco exploratório e da área explorada, responde à sua busca por criar os incentivos adequados (desenhar mecanismos) para compatibilizar os interesses do regulador e regulado. Este último (regulado) pretende minimizar o risco exploratório nas atividades desenvolvidas nesse segmento, auferindo a maior quantidade possível do bem explorado visando, com ele, aufer ir lucro. O Estado, em contrapartida, pretende, em um mundo de recursos naturais finitos e escassos, garantir a segurança energética de seu país, (e, de preferência) fomentando, a partir dela, o desenvolvimento da indústria nacional de maneira geral, como reza a Constituição Federal. Para que os incentivos possam ser compatibilizados, como requer a teoria do desenho de mecanismos, necessário se faz (segundo nossa perspectiva) contrabalançar risco e propriedade sobre os hidrocarbonetos explorados, de modo que, ut supra , quanto maior o risco envolvido na atividade de exploração e produção, maior deve ser o incentivo para atrair a iniciativa privada, no limite, concedendo a propriedade dos hidrocarbonetos explorados para o parceiro privado. No contrapé, quanto menores os riscos exploratórios, menor a contrapartida necessária para atrair o interesse privado a investir recursos no segmento de E&P, portanto, maior o poder de barganha do Estado, de modo que poderá manter para si parcela da propriedade sobre os hidrocarbonetos explorados. Assim, devem subsistir contratos para o segmento da E&P da IPGN capazes de contrabalançar os riscos exploratórios com a propriedade dos hidrocarbonetos, permitindo ao Estado, cujo povo é o legítimo

proprietário do petróleo enterrado, auferir a maior vantagem da exploração desse recurso finito, e, ipso facto , proporcionando da melhor forma possível a consecução do interesse público. Ao adquirir a propriedade sobre parcela dos hidrocarbonetos nos contratos de partilha adotados em regiões de baixo risco exploratório, o Estado garante renda para as gerações futuras ao transformar, como pretende fazêlo por meio do Fundo Social, um recurso finito em um potencialmente infinito, a educação, para além da possibilidade de garantir segurança energética para seu país mantendo parcela da propriedade sobre os hidrocarbonetos em suas mãos, possibilitando, inclusive, fomentar a indústria nacional. Por meio do princípio da justiça intergeracional pretende ainda tornar as decisões alocativas e distributivas interdependentes, como tive oportunidade de indicar alhures (LEISTE R, 2016). Por derradeiro, mas não de somenos importância, a adoção de um portfólio de contratos responde à literatura da Análise Econômica do Direito e da Economia dos Contratos, que sustentam que os contratos mais eficientes são aqueles mais complexos e, ipso facto, ajustados ao seu objeto (EGGLENTON et al. 2000). No caso do Estado, ut supra dixit , suas tarefas são, em regra, de alta complexidade e grandes proporções, tornando a necessidade de se criar um portfólio de contratos quase uma obrigatoriedade. E dispor de um maior número de contratos para realizar um mesmo objeto, mas mais adaptado às contingências encontradas significa, outrossim, adaptar melhor as modalidades contratuais criadas para o segmento de E&P da IPGN a essas contingências, portanto, viabilizando a construção de contratos mais complexos e completos, prevendo as obrigações e os payoffs das partes contratantes em um número maior de estados futuros. Com base nessas considerações, e consoante nossa representação dos contratos para o segmento upstream – contrato de concessão, partilha de produção e de serviços – em um espaço unidimensional considerando o risco e a propriedade, podemos verificar que, por ser um meio termo entre os contratos de concessão e de serviço, a partilha de produção apresenta maior complexidade relativamente aos dois primeiros, de sorte a se mostrar mais flexível e adaptado que aqueles de concessão e o serviço ⁵⁶ . Curiosamente, a imprensa e os experts do setor fazem a crítica ao contrato de partilha de produção justamente por força de sua maior com plexidade. Mas é dessa complexidade nos contratos que a literatura da Análise Econômica do Direito e da Economia dos Contratos implicam uma maior eficiência, posto que maior a adaptabilidade do contrato na consecução de seu objeto. Há uma série de termos presentes no contrato de partilha de produção que exigem minucioso detalhamento, tais como custo em óleo, excedente em óleo etc.; e que têm sido criticados, mas cujo cálculo, mais complexo, pode permitir tornar o contrato de partilha, uma modalidade contratual de sintonia mais fina que (na representação empreendida por nós dos contratos do segmento upstream em um espaço unidimensional) os contratos de concessão e serviço, portanto, mais afeito às contingências encontradas e, pelo exposto, mais eficiente, como defende a literatura da Análise Econômica do Direito e a Economia dos Contratos.

Nesse sentido, como afirmamos antes, o contrato de partilha de produção é uma combinação convexa dos contratos de concessão e serviço, portanto mais complexo do que esses dois últimos e, ipso facto , mais eficiente na sua capacidade de adaptação às contingências encontradas. Se na representação desses contratos em um espaço unidimensional, os contratos de concessão e serviço representam extremos no tradeoff entre risco e propriedade, o contrato de partilha de produção é uma combinação daqueles contratos, podendo melhor ajustar risco e propriedade e auferir maior eficiência ao responder de forma mais adequada às contingências en contradas. Mas o que significa complexidade em um contrato? Segundo Eggleston et al., complexidade é um conceito multidimensional que envolve ao menos três dimensões no contrato, quais sejam: (i) o número de contingências (estados de mundo ou eventos futuros) relevantes para definir as obrigações e o payoff das partes especificados no contrato; (ii) a variação no valor dos payoffs nessas contingências previstas; e, por derradeiro, (iii) o custo cognitivo para compreender esse contrato , . E, segunda questão, quais as razões endossadas pelos economistas para que os contratos sejam complexos? Os autores apresentam ao menos três razões: (i) incerteza futura; (ii) dificuldade de monitoramento e assimetria de informações; (iii) para evitar responsabilidades relacionadas com políticas governamentais ( e.g., fato do príncipe e fato da Admini stração) ⁵⁷ . No caso do regime jurídico regulatório do qual participa o contrato de concessão, como veremos, os encargos relativos aos riscos ficam principalmente carreados à concessionária que aufere, em contrapartida, toda a propriedade dos hidrocarbonetos explotados, pagando para o governo, além dos custos fixos (bônus de assinatura e pagamento por ocupação ou retenção de área), os royalties e as participações especiais. Quanto ao contrato de partilha de produção, diversamente, a propriedade dos hidrocarbonetos depende dos cálculos envolvendo o custo dos investimentos despendidos na realização do objeto do contrato e restituíveis em óleo, além do excedente em óleo definido segundo critérios prefixados no contrato e decorrente da produção descontado o custo em óleo. Verifica-se desse breve arrazoado a maior complexidade do contrato de partilha, visto que esse, relativamente ao contrato de concessão, é capaz de elencar maior número de contingências, maior variação no pagamento dos payoffs devidos em cada contingência elencada no contrato e, finalmente, maior custo cognitivo para compreensão do contrato. Se, por um lado, figura sendo mais complexo que o contrato de concessão, por outro lado, apresenta maior adaptabilidade às contingências encontradas, incluindo custos, condições de mercado, preço dessa commodity etc., fazendo do contrato de partilha mais complexo, porém mais e ficiente ⁵⁸ . Uma análise mais pormenorizada das principais cláusulas dessas duas modalidades contratuais será efetuada mais adiante, em capítulos próprios. Inobstante, gostaríamos de enfatizar aqui, com base na abordagem da Análise Econômica do Direito e da Economia dos Contratos, que a maior complexidade do contrato de partilha relativamente ao de concessão não é, de per se, razão para realizar sua crítica, talvez antes, se preste como

argumento em seu favor (sendo mais complexo, esse contrato identifica maior número de contingências (estados de mundo) e maior variação de payoffs , constituindo-se, portanto, em contrato mais e ficiente). Pautado nesse arrazoado, verifica-se que nossa abordagem, que representa modalidades contratuais distintas em um espaço unidimensional, pode ser combinada com a perspectiva da teoria dos contratos, que toma contratos complexos como combinações de contratos mais simples (na nossa perspectiva, contratos simples figurando nos extremos do espectro e complexos no centro deste), e ainda, que considera contratos complexos mais eficientes que contratos mais simples. Da conjunção de nossa abordagem com aquela da teoria dos contratos apresentada nesta seção, podemos inferir duas importantes conclusões Primeiro , que é mais eficiente manter um portfólio de contratos antes que um contrato único para o segmento upstream do setor de hidrocarbonetos, de modo que a depender das características geológicas (riscos), há um contrato mais adequado para a consecução do interesse público. Segundo, que nossa representação funcional dos contratos como pontos de um espectro unidimensional – no qual esses contratos do segmento upstream figuram como diferentes combinações envolvendo o tradeoff entre risco e propriedade –, permite indicar que, representados como combinações risco versus propriedade, esses contratos admitem maiores ajustes às contingências encontradas e ainda, segundo a teoria dos contratos, que os contratos localizados no centro desse espectro unidimensional podem implicar em maior eficiência na realização do objeto do contrato – aqui o contrato de partilha de produção – relativamente aos contratos lotados em seus extremos (concess ão e prestação de serviço). An álise comparativa dos dois marcos regulatórios Tendo sustentado que os diferentes contratos adotados no segmento upstream desse setor são modalidades de associação entre Estado e Mercado, ou ainda, entre país hospedeiro e empresas transnacionais, nesse tópico pretendemos promover uma análise mais pormenorizada das diferenças nas modalidades contratuais adotadas nos dois marcos regulatórios vigentes hodiernamente no país no que tange às duas dimensões consideradas neles, riscos de um lado, propriedade, de outro. No tocante aos direitos de propriedade sobre os hidrocarbonetos encontramos grande diferença nos dois modelos contratuais: (i) na concessão a propriedade do petróleo enterrado é da União ( ut art. 20, IX da CF88), mas, por meio do contrato, é transferida em sua totalidade ao concessionário que explora o bloco objeto da concessão que, como contrapartida, compensa financeiramente o ente público pela E&P de um recurso finito por meio das participações dos government-takes (bônus de assinatura, royalties , participações especiais e pagamento pela ocupação ou retenção de área); (ii) na partilha de produção, outrossim, a propriedade do petróleo enterrado é da União, mas o contrato transfere ao contratado parcela da propriedade do petróleo explorado (do bem in natura ) a título de: (ii’) custo em óleo, que se configura como a remuneração dos custos exploratórios incorridos pela contratada no caso da descoberta e petróleo e

gás natural comercializável; mais parcela do (ii’’) excedente em óleo, o lucro que a contratada aufere de suas atividades de extração, desenvolvimento e produção do petróleo e gás natural. A outra parcela do petróleo ou gás extraído é de propriedade da União. Dada essa diferente imputação da propriedade do óleo e gás nos dois modelos contratuais, resta saber por que razão interessaria ao ente público manter a propriedade dessa commodity i n natura . Verificamos a importância geopolítica da garantia de controle e independência, por nós veiculada em termos da garantia por segurança energética, sobre os recursos energéticos para a soberania e desenvolvimento de um país. Nesse mesmo sentido vem caminhando a jurisprudência do STF na ADI Nº 3.273-9/DF, pois, consoante seus ministros, esse recurso deixou de ser considerado simples commodity para ser elevado à categoria de recurso es tratégico. Por força de sua importância estratégica, faz todo sentido manter acesso a fontes de petróleo e gás natural no intuito de garantir a segurança energética para o país. Países como os Estados Unidos podem fazê-lo, se não restarem alternativas, por meio de seu poderio militar. O Brasil não possui poderio semelhante nem ao poder hegemônico norte americano, nem ao poder de outros países como China, Rússia e Alemanha, para garantir acesso às fontes. Sua alternativa é fazê-lo por meio da manutenção do acesso às fontes dentro de seus limites territoriais. Essa é a proposta fomentada pelo regime jurídico regulatório veiculado pela Lei Nº 12. 351/2010. Certamente, o Brasil possui matriz energética mais diversificada. O petróleo, no entanto, ainda representa importante papel na matriz energética nacional e essa sua posição deve manter-se por um bom tempo. Quanto à importância econômica do petróleo frente às demais fontes de energia que compõem a matriz energética global dois pontos merecem destaque: (i) sua escassez relativa e distribuição desigual pelo globo, permitindo a criação de um mercado de petróleo; (ii) o excedente de produção a um baixo custo que essa fonte energética dispõe sobre as demais (SAU ER, 2011). Por conseguinte, a importância assumida pelo petróleo relativamente aos demais recursos energéticos decorre não apenas da tecnologia mais desenvolvida em torno de seu processo de transformação energética, mas também em razão de sua escassez e distribuição desigual, além da possibilidade de sua apropriação individualizada fazendo dele um bem privado, características que propiciaram a criação de um mercado para o petróleo, considerando-se a escassez e a individualização fatores chave para engendrar a criação de um mercado. Quanto ao segundo ponto, o excedente de produção propiciado pelo petróleo, a razão custo/excedente de produção, embora tenha caído, desde o início da exploração, de 1/100 barris para 1/30 barris, ainda é bastante superior aos seus concorrentes energéticos ⁵⁹ . Em síntese, países quem detêm a propriedade desse recurso natural, auferem, igualmente, poder político e poder econômico. Não obstante, perguntamo-nos na sequência se as rendas amealhadas da E&P na IPGN não seriam suficientes para angariar

poder político e econômico. Na atual conjuntura, com o ainda ausente plano B, sem dispor de um recurso energético alternativo com semelhante excedente de produção e tamanha relevância na cadeia produt iva atual. Por óbvio, não interessa meramente estocar o petróleo, em vez de transformá-lo em renda, mesmo porque novas tecnologias podem surgir que venham a derrubar o preço do barril e levar ao desperdício dessa fonte de riqueza, o petróleo ⁶⁰ . Não obstante, a renda não pode ser entendida, outrossim, como a simples equação que tradução uma commodity em valor monetário ⁶¹ . Essa perspectiva parece ter sido adotada por Bastos e Sena , para os quais a instituição de um novo marco regulatório dispondo sobre contratos de partilha de produção traria apenas insegurança jurídica, visto que sob o marco regulatório vigente a partir da EC Nº 9/ 1995, em que estão previstos os contratos de concessão, seria admitido o aumento dos valores auferidos da E&P da IPGN por meio da alteração da forma de cálculo das participações especiais (alteração exemplificada pelos autores) (BASTOS; SEN A, 2010). Uma série de argumentos poderiam ser aventados acerca dessa candente questão. Sem embargo, termos tratado de alguns deles ao longo deste trabalho, analisaremos nesse ponto de apenas um deles, que para nós parece ser de relevância sem par: a necessidade de nosso país construir cadeia produtiva envolvendo não apenas a integração vertical de toda a indústria do petróleo, mas também, dada a importância econômica desse recurso para toda a indústria nacional, reconstruindo toda a cadeia produtiva do Brasil, de modo a não apenas evitar a desindustrialização (doença holandesa, também dutch disease ) mas, ainda, descomoditizar a produção nacional, ou seja, passando a produzir e exportar não apenas commodities, mas bens de maior valor agregado ⁶² . Não é outra, então, a razão para angariar por segurança energética, por meio da segurança energética pretende-se fomentar a economia nacional. Nessa perspectiva, evitaríamos o modelo agroexportador criado para o País desde o Brasil Colônia (CHIAPPIN, 2011). Caso venhamos a exportar o óleo cru, a riqueza proporcionada pelo petróleo brasileiro será grandemente granjeada pelos países industrialmente desenvolvidos, que nos venderão bens de maior valor agregado produzidos com o petróleo brasileiro, como comenta Bercovici acerca da abordagem da Cepal que trata da deterioração dos termos de troca (BERCOVICI, 2011, p. 25-26). Para que evitemos nos tornar uma fazenda para China e outras grandes potências poderemos, diversamente, adotar como estratégia o desenvolvimento de nossa cadeia produtiva nacional a partir da produção desse insumo de importância ímpar, o petróleo que, inclusive responde por aproximadamente 13% da produção do PIB nacional. Torna-se necessário, a manutenção nas mãos do Estado, de parcela desse recurso in natura , no intuito de garantir a segurança energética e manter o controle sobre um insumo estratégico para a cadeia produtiva nacional. Com a promoção da integração vertical da cadeia produtiva da IPGN capitaneada pelo Estado, poderíamos vender não óleo cru, mas derivados do petróleo de maior valor agregado como os combustíveis (gasolina, diesel), querosene, parafina, solventes, lubrificantes, nafta, GLP, asfalto e produtos

petroquímicos (que substituem grande quantidade de matérias-primas, algodão, celulose, couro, lã, madeira, marfim, metais, vidro). Ou, ainda, ampliando essa proposta, por meio da garantia do petróleo e seus derivados como insumos (segurança energética), o Estado poderia fomentar o desenvolvimento toda a indústria nacional. Com base nesse raciocínio, assumimos a ideia de que capitaneado pelo Estado, o desenvolvimento da IPGN, indústria esta que, como é cediço, envolve altos custos fixos, e que, por essa razão, pode ser levado adiante apenas por grandes corporações ou mesmo pelo Estado, permitiria converter altos custos fixos em baixos custos marginais, possibilitando a produção em massa de toda a indústria nacional, papel que nos Estados Unidos foi desempenhado pelas ferrovias (MORAES; SILVA, 2013, p. 36). Daí decorre a oportunidade única de o Estado dinamizar sua indústria por meio da garantia por segurança energética e, por meio desta, da integração vertical da IPGN e de toda a cadeia produtiva nacional. De sorte que, a regulação sobre a IPGN promovida pelo Estado, bem como a integração vertical dessa indústria, ensejaria a possibilidade de este impulsionar sua política industrial espraiando-se talvez , para todos os setores da economia nacional. Segundo Moraes e de Paula e Silva, esse foi o modo adotado pelos Estados Unidos para substituir a agricultura pela indústria tanto na sua produção e quanto na exportação (MORAES; SILVA, 2013, p. 36). Vale ressaltar que essa estratégia é uma tentativa de deshomogeneizar esta commodity, o petróleo, que, por ser um bem homogêneo de per se como o são em regra as commodities e ter preço determinado pela oferta e demanda no mercado internacional, ou seja, sem que o produtor tenha qualquer poder de mercado no sentido de impor preço e auferir maiores lucros, faz com que o produtor perca grande parte de seu lucro para aqueles países que detém tecnologia e fabricam, a partir dos insumos vendidos por ele, produtos de maior valor agregado, concedendolhes, esses últimos, poder de mercado para seus produtores, que adquirem a oportunidade de impor preço de maneira u nilateral. Registre-se que o maior valor agregado incorporado aos produtos depende da diferenciação ou deshomogeneização da produção e da economia. Nesse particular, o modelo de Hotelling aponta para a relevância da diferenciação de produtos, e, ato contínuo, produzir, por meio da diferenciação, poder de monopólio (em estrutura de mercado de monopólio competitivo) (HOTELLING, 1929, p. 45-46). Explica-se. O investimento da indústria em diferenciação de produtos – incluindo-se nessa seara a diferenciação pela importante via da inovação tecnológica –, é capaz de garantir-lhes a produção de bens não homogêneos, em um mercado competitivo e, desse modo, lhes dá ensejo para manter alguma margem de poder na determinação de preço no mercado (poder econômico ou de mercado), que é tudo o que pretende uma empresa no intuito de aumentar sua margem de lucro. Em contrapartida, mas justamente em razão do interesse privado dos produtores em angariar maiores lucros capturando parcela do excedente do consumidor, pode-se auferir como efeito secundário, não buscado intencionalmente pelo interesse privado, mas ainda mais fundamental que

este, o progresso científico e tecnológico, e, por meio deste, o incremento no bem-estar social, em se supondo que a tecnologia propicia o incremento de bem-estar da população por meio do desenvolvimento, produção e comercialização de medicamentos farmacológicos mais poderosos e/ou menos nocivos no tratamento de doenças preexistentes – como no caso do câncer –, na oferta de bens e serviços mais afeitos às particulares preferências dos consumidores ⁶³ etc. Parece, pois, plausível supor ter-se aqui uma daquelas felizes, porém raras, circunstâncias econômicas em que a satisfação do interesse privado parece engendrar, automaticamente, o incremento do interesse público, como apresentou Smith na obra A Riqueza das Nações . Malgrado, aqui tal coerência entre o interesse privado e o público não decorre da atuação automática das forças de mercado, mas antes, apoiado pela garantia de segurança energética e do planejamento de uma política i ndustrial. No caso do petróleo, essa diferenciação de produto implica na produção de bens de maior valor agregado, derivados do petróleo, a serem utilizados na indústria nacional diferenciando a produção desta para o mercado interno ou para exportá-los a um melhor preço, revertendo a tendência da deterioração dos termos da troca apresentada pela Cepal, que nos coloca como país periférico. Mas, para além de alavancar o setor de hidrocarbonetos, uma política industrial calcada sobre esse setor poderia fomentar toda a cadeia produtiva a partir da IPGN, visto ser esse setor composto de tecnologias chave que se resvalam para os demais setores da cadeia produtiva nacional melhorando o desempenho de toda a indústria b rasileira. Por essa razão, a integração vertical da IPGN é fundamental para o País alocar recurso entre tecnologias as quais não se domina, pois permite ao setor público, carente de bens, investir seletivamente apenas em tecnologias chave, dentre as quais aquelas ligadas à IPGN, deixando para o setor privado investimentos em tecnologias marginais como, no mais, admoestanos Mazzucato ser tais tecnologias as desenvolvidas pelo mercado ⁶⁴ . Essas tecnologias chave visam solucionar problemas envolvendo gargalos tecn ológicos ⁶⁵ . Caso o Brasil adote a teoria das vantagens comparativas de Ricardo, nunca deixará de produzir commodities, transformando-se em uma fazenda para o resto do mundo. Averba Chiappin: É imprescindível também evitar um ‘tratado de Methuem’ com a China e optar pelo desenvolvimento tecnológico e industrial e pela educação com período integral e rede de universidades. A integração física, econômica e política da América do Sul e a Amazônia Azul devem ser feitas em conjunto com a superação das desigualdades sociais e regionais internas e externas (CHIAPPIN, ١١ ٢٠ , p. 5). No que tange à sua política industrial nacional e sua inserção no mercado internacional, duas dimensões devem ser consideradas: (i) a endógena ou interna, que deve responder à questão de como distribuir recursos escassos em áreas onde, em termos de vantagens comparativas somos piores, e, isso significa investir em áreas cujos retornos não serão imediatos, mas de longo

prazo; (ii) a exógena ou externa, relativa à busca por um posicionamento estratégico internacional com base nas vantagens comp arativas ⁶⁶ . Atentando o País meramente à dimensão exógena nos tornaremos dependentes de tecnologia externa e venderemos apenas commodities. Por óbvio que no curto prazo o investimento nos setores de atividades em que possuímos vantagens comparativas é que nos deve dar retorno imediato e divisas. Inobstante, a estratégia do governo deve estar centrada em uma política industrial de mais longo alcance, buscando selecionar as tecnologias chave que poderão alavancar todo o setor produtivo. Para tanto, o domínio de toda a cadeia produtiva da IPGN é essencial ⁶⁷ . A esse respeito, comenta Cunha : “Ademais, percebe-se que a escolha do contrato de partilha de produção visou garantir que a comercialização do óleo fosse levada a cabo não somente como uma commodity, mas também como uma reserva estratégica mundial e que possibilitasse ao Governo utilizá-la como política industrial” (CUNHA, 201 3, p. 79). Freitas aponta que a integração vertical se constitui em uma das mais importantes estratégias empresariais do setor petrolífero (FREITAS, 2003). A adequação dessa estratégia às empresas do setor decorre, fundamentalmente, da busca pela distribuição dos riscos, que variam em cada uma das etapas da cadeia produtiva da IPGN, permitindo à empresa auferir riscos e ganho s médios ⁶⁸ . Consoante a autora, co mo segue: Ou seja, tenta-se compensar a intensidade de capital, os altos riscos e o longo período de maturação das etapas iniciais da cadeia, com a maior rentabilidade das etapas finais integradas verticalmente, as empresas garantem o acesso à matéria prima, ao mesmo tempo em que diminuem os riscos. Ao invés de buscarem uma margem de lucro para cada etapa da cadeia, as empresas verticalmente integradas passam a maximizar o retorno da cadeia de petróleo como um todo (FREITAS. 2003, p. 22-23). Uma das vantagens que podem ser auferidas do novo marco, conforme comentam Bastos e Sena , é que nos países que adotam o regime de partilha de produção a empresa petroleira nacional faz parte do empreendimento e participa da gestão de suas atividades com o propósito de incorporar conhecimentos e tecnologias de outras empresas petrolíferas contratadas (BASTOS; SENA, 2010) (no caso da formação de consórcios), fortalecendo a integração vertical da IPGN no país. Essa aparentemente é tida como razão para justificar a participação obrigatória mínima de 30% da Petrobras nos consórcios formados para firmar o contrato de partilha de produção. Em razão de a Petrobras ter sido escolhida, consoante a Lei Nº 12.351/2010, como operadora única dessas áreas, e por mor de dispor presentemente de tecnologias desenvolvidas no âmbito da própria empresa ou por meio de parcerias com instituições públicas e privadas para exploração em águas profundas e ultraprofundas, ut supra dixit , essa razão parece não se sustentar para nosso caso ⁶⁹ . Nesse particular, parece-nos mais razoável sustentar que a participação mínima da Petrobras nos consórcios que firmarem contratos de partilha de produção diz respeito (como já adiantamos alhures) à tentativa de capitalização da empresa, que doutra

forma não poderia arcar com os custos de exploração nas áreas do Pré-Sal. Outra condição dos contratos de partilha de produção, esta sim aparentemente mais condizente com a escolha do contrato de partilha para as áreas do pré-sal e outras estratégicas alude ao conteúdo local mínimo ⁷⁰ , aqui, outra medida visando fortalecer a integração vertical de toda a cadeia produtiva da IPGN, fomentando, inclusive, a inovação tecnológica nas atividades em que atuam os fornecedores indiretos das empresas pet rolíferas. Desse arrazoado, registre-se que a propriedade do petróleo e, ato contínuo, a garantia de acesso às suas fontes (segurança energética), confere ao ente público o poder de realizar política industrial com o viso de promover diferenciação de produto e inovação tecnológica, tanto por meio da agregação de valor por meio da produção dos derivados do petróleo quanto no uso dos derivados como insumos para o restante da cadeia produtiva nacional, que passa a dispor desse recurso a preços definidos pelo governo, em vez de ficar ao sabor do preço do barril no mercado internacional; e, ainda, com a diferenciação ou deshomogeneização dessa commodity, por meio da agregação de valor ao produto, permite ao país auferir maiores lucros com essa riqueza, conferindo poder de mercado à indústria nacional, e, ao Estado, a possibilidade de fomentar toda sua cadeia produtiva por meio do desenvolvimento das tecnologias chave ligadas à IPGN, e, por aí, satisfazer os imperativos da segurança energética que o país exige para garantir seu desenvolvimento econômico e a promoção de toda sua cadeia produtiva. Malgrado, agasalhamos ao longo desse trabalho, a mantença dos dois regimes jurídicos regulatórios para o setor de hidrocarbonetos. O Estado, ut supra dixit , em regra não dispõe de uma miríade de contratos os quais possa lançar mão para aproveitar as diferentes oportunidades que se lhe avizinham. O Brasil até pouco tempo atrás não dispunha de reservas petrolíferas consideráveis, tendo tornado-se adequada a criação de regime regulatório e modalidade contratual para fazer frente a pouca atratividade do país ao empreendimento privado, aquele veiculado na EC Nº 9/1995 e Lei Nº 9.478/1997. Hodiernamente, com o pré-sal, sua condição é outra, tendo essa região se tornado atrativas para a iniciativa privada, de modo a propiciar a incorporação de um novo regime jurídico regulatório que conceda maior poder de barganha ao Estado, como o fez as Leis Nº 12.351/2010 (ainda que com as alterações promovidas pela Lei Nº 13.365/2016), 12.304/2010 e 12 .276/2010. É conveniente manter dos dois regimes jurídicos regulatórios no intuito de fazer frente a essas distintas realidades, em regra, áreas de maior risco exploratório, para as quais aplicar-se-ia o primeiro regime jurídico regulatório; e áreas de baixo risco exploratório, disciplinada pelo segundo regime jurídico regulatório. A respeito da eficiência angariada da mantença do regime regulatório misto, e da possibilidade de adotar um portfólio de contratos no segmento upstream do setor de hidrocarbonetos, Silveira comenta: Nesse tipo de regime exploratório o país utiliza os regimes de partilha e concessão em áreas distintas, de acordo com o grau de risco que cada uma

apresenta. Essa utilização só é justificável se o país possuir áreas diferentes com riscos geológicos bem distintos. Dessa forma, possível para o governo receber mais para cada área, sem correr o risco de não ser atraente para o investidor (SILVEIRA, 20 13, p. 8). A existência de duplo regime jurídico regulatório oferece maior flexibilidade e capacidade adaptativa do Estado para fazer frente a outras contingências exógenas, como questões internacionais lato sensu , questões mundiais do mercado de petróleo, diversificação da matriz energética pátria incorporando novas fontes, fomento da política industrial do País, novas tecnologias que disponibilizam novas fontes energéticas ou dão novos usos a energias já utilizadas (caso da energia solar) . Não faz sentido, diante dessa miríade de contingências a mantença de regime jurídico e modalidade contratual única, que apenas enrijece o modus operandi estatal por força de princípios como legalidade e segurança jurídica, que não possuem qualquer valor de per se , sendo instrumentais para a consecução de outros valo resfins. No que tange à assunção dos riscos, os operacionais incluindo exploratórios, geológicos e de engenharia, estes recairão maiormente, qualquer que seja o modelo contratual de E&P de petróleo e gás natural, sobre o contratado. Inobstante, o parágrafo único do art. 6º da Lei Nº 12.351/2010 dispõe diversamente para o caso do contrato de partilha de produção : Art. 6º Os custos e os investimentos necessários à execução do contrato de partilha de produção serão integralmente suportados pelo contratado, cabendo-lhe, no caso de descoberta comercial, a sua restituição nos termos do inciso II do art. 2 o . Parágrafo único. A União, por intermédio de fundo específico criado por lei, poderá participar dos investimentos nas atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção na área do pré-sal e em áreas estratégicas, caso em que assumirá os riscos correspondentes à sua participação, nos termos do respectivo contrato. Dessa forma, riscos operacionais pertencentes à alea contratual, podem ser compartilhados no contrato de partilha de produção, sendo totalmente imputados ao contratado particular no contrato de concessão. No que tange aos riscos políticos, incluindo os regulatórios, em tese, ut supra dixit , deveriam ser suportados pelo ente público, uma vez que ele é que os deu causa, qualquer que seja o contrato de O&G, concessão ou partilha ⁷¹ . Não obstante, na prática, é muito comum que o contratado particular venha a arcar com os riscos políticos e regulatórios, ainda quando o ente público, nos processos de nacionalização na indústria petrolífera de seu país, tenha se comprometido pela via contratual a compensar a empresa co ntratada ⁷² . De todo modo, a literatura tem entendido que o contrato de partilha de produção embute maior risco político, por mor da maior complexidade desse regime e da modalidade contratual ínsita a ele, o contrato de partilha, mormente em razão da maior discricionariedade do ente público, inobstante tenhamos tentado mostrar aqui que referida discricionariedade oferece ao ente público maior flexibilidade e adaptabilidade no seu atuar sem subverter o princípio da legalidade e da segurança jurídica.

Nessa toada, contratos mais complexos, como mostramos ser o caso do contrato de partilha de produção relativamente ao contrato de concessão (e também em referência ao contrato de serviço), podem engendrar maior eficiência, a despeito da discricionariedade poder ser, eventualmente, maior. No que concerne aos riscos econômicos, em particular o risco associado ao preço das commodities , em regra, estes são suportados pelo contratado particular, qualquer que seja o modelo contratual adotado na E&P. Inobstante, como no contrato de partilha de produção parcela dos hidrocarbonetos explorado é de propriedade do Estado (o excedente em óleo), este deve buscar mecanismos para se proteger da volatilidade do preço do petróleo no merc ado spot . Malgrado, o governo tem melhores condições de estocar e dar vazão controlada à commodity vendendo mais nos períodos de alta de preços e estocando o petróleo nos períodos de baixa. No que tange aos riscos cambiais, o contratado particular, no contrato de concessão arca com esses riscos, podendo dele se proteger por meio dos contratos de hedge . O ente público, inobstante, dispõe de mecanismos mais poderosos, dentre os quais internalizar o risco cambial por meio da criação de um fundo que receba as rendas do petróleo e invista apenas ou prioritariamente em ativos externos, como veremos na sequência. Tal fato não significa que o ente público suporte esses riscos, antes ele o internaliza. Dessa forma, como procuramos advogar aqui, a mantença do duplo regime jurídico regulatório para o segmento upstream do setor de hidrocarbonetos permite ao Estado fazer frente às diferentes modalidades de risco, e, em contrapartida, contrabalançá-lo com mais acuidade com os benefícios da exploração, i.e., a propriedade dos hidroc arbonetos. Considerações finais Este capítulo pretendeu apresentar uma abordagem que justifique a vigência dos dois regimes jurídicos regulatórios presentes hodiernamente no ordenamento pátrio para a etapa de exploração e produção, segmento upstream , da indústria de petróleo e gás natural. Para tanto, abordamos esses regimes sob o paradigma da segurança energética, que decorre, de um lado, da atual escassez de recursos naturais finitos, e, de outro, da importância estratégica que a indústria de hidrocarbonetos assumiu na economia capitalista, transformando-se, de uma commodity em um recurso estratégico de importância geopolítica para os países. Tendo em vista esse paradigma, tratamos da escolha do regime jurídico para o setor a partir do tradeoff incluindo, de um lado, o risco envolvido nesse segmento da referida indústria, e, de outro, a aquisição da propriedade dos hidrocarbonetos explotados. A justificativa em favor da mantença desses regimes, ut supra dixit , tem como fulcro tornar as estruturas institucionais pátrias mais adaptadas: (i) de um lado, às díspares circunstâncias exploratórias encontradas, blocos envolvendo altos riscos exploratórios sendo explorados pelo regime calcado na Emenda Constitucional Nº 9 e Lei Nº 9.478/1997 e blocos com baixos riscos, por meio do regime disposto na Lei Nº 12.351/2010, Lei Nº 12.304/2010 e Lei Nº 12.276/2010, e, (ii) de outro, na importância que a propriedade sobre os hidrocarbonetos passou a assumir para os países em razão do paradigma da segurança energética.

Nesse sentido, defendemos a tese de que o contrato ínsito ao regime regulatório de 2010, contrato de partilha de produção, se caracteriza como uma combinação convexa entre os contratos de concessão e de serviços, figurando como um meio termo entre ambos, permite maior adaptação no tradeoff entre risco e pr opriedade. REFERÊNCIAS Legislação CON STITUIÇÕES BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASI L DE 1988. Emendas Contitucionais BRASIL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 9 DE 1995. Leis BRASIL. LEI Nº 8.66 6 DE 1993. BRASIL. LEI Nº 9.47 8 DE 1997. BRASIL. LEI Nº 12.35 1 DE 2010. BRASIL. LEI Nº 12.30 4 DE 2010. BRASIL. LEI Nº 12.27 6 DE 2010. BRASIL. LEI Nº 13.36 5 DE 2016. Contratos REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 2013.

Contrato de concessão para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural . Brasília: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Disponível em: https://www.google.com.br/url? sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwit4reNwOfXAhUElJAKHY rounds.gov.br%2Farquivos%2FEdital%2FEditalContrato%2FContratoR1106032013Vfin Acesso em: 29 nov. 2017. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. s. a. Contrato de Partilha de Produção para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural . Brasília: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Disponível em: http://www.brasil-rounds.gov.br/roundp1/ portuguesp1/edital.asp . Acesso em: 29 nov. 2017. Obras e artigos de periódicos ARAGÃO,

Alexandre dos Santos de. Aspectos Constitucionais do Projeto de Lei. In: QUINTANS, Luis cezar (coord.). Contratos de Petróleo: Concessão & Partilha – Propostas e Leis para o Pré-Sal. Rio de Janeiro: Interciên cia, 2011. BARRETO, Celso Albuquerque. Geopolítica do Petróleo: tendências mundiais pósGuerra do Iraque de 2003. Brasil: situação e marco regulatório. In: RIBEIRO, Marilda Rosário de (org.). Estudos e Pareceres – Direito do Petróleo e Gás: 01-28. Rio de Janeiro: Reno var, 2005. BARROS, Pedro Silva ; SCHUTTE, Giorgio Romano; PINTO, Luiz Fernando Sanná . 2012. Além da Autossuficiência: o Brasil como Protagonista no Setor Energético. Texto para Discussão (1.725): 01-91. Brasília: IPEA. Acesso em: 29 de n ov. 2017. BASTOS, Ricardo Fagundes; SENA, Richard Almeida. Uma Análise Comparativa entre os Modelos de Concessão e de Partilha do Setor Petrolífero . Monografia de Graduação em Engenharia, Escola Politécnica. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Jane iro, 2010. BAUMANN, Florian. Energy Security as Multidimensional Concept. CAP Policy Analysis . Munich: Munich University. 2008. Disponível em: http://www.ssoar.info/ ssoar/bitstream/handle/document/19624/ssoar-2008-baumann-energy securityasmultidimensional_concept.pdf?sequence=1 . Acesso em: 29 nov. 2017 BERCOVICI,

Gilberto. Direito econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais . São Paulo, Quartier La tin, 2011. CAMERON, Peter. The Structure of Petroleum Agreements. In: WAELDE T. W. ; BEREDJICK, N . Petroleum Investment Policies . Londres: Graham & Trot man, 1988. CARVALHO E SOUSA, Guilherme. A liberdade de contratar para a administração pública: a autonomia da vontade no contrato administrativo. Revista de Direito Administrativo, v. 260, p. 183-201. 2012. Disponível em: http:// bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/8834/7627 . Acesso em: 29 nov. 2017. CHIAPPIN, José Raymundo Novaes. As tecnologias das organizações sociais. Jornal Gente da FEA , v. 8, n. 68, p. 5. Disponível em: https://www.fea.usp.br/sites/ default/files/gente-da-fea/pdf/pdf_1307474596.pdf . 2011. Acesso em: 29 nov. 2017 CUNHA, Heloísa Valença. Contrato de Partilha de Produção: Um Novo Marco Regulatório no Cenário PetrolíferoBbrasileiro. Direito E-nergia , v. 8, p. 79-108, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/direitoenergia/ article/download/5547/4941 . Acesso em: 29 nov. 2017 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS . Os modelos de exploração de petróleo no Brasil e as questões relacionadas ao surgimento do pré-sal: o debate sobre o Campo de Libra. Nota Técnica, n. 129. 2013. Disponível em: http://www.dieese.org.br/notatecnica/2013/ notaTec129LeilaoCampoLibra.pdf . Acesso em: 29 nov. 2017. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo . 22. ed. São Paulo: At las, 2009. EGGLESTON, Karen , POSNER,

Eric A. ; ZECKHAUSER, Richard. The Design and Interpretation of Contracts: why Complexity Matters. Northwestern University Law Review, v. 95, n. 1, 2000. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi? article=2763&context=journal_articles . Acesso em: 29 nov. 2017. FERNANDES, Elton; ARAÚJO, Renato S. B. As Mudanças no Upstream da Indústria do Petróleo no Brasil e as Tendências no Posicionamento das Operadoras do Setor. In: XXIII Encontro Nacional de Engenharia de Produção : 01-07. Disponível em: http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2003TR07021600.pdf . Acesso em: 29 nov. 2017. FERREIRA, Antônio Luís de Miranda. Problemas e Inconsistências Jurídicas do Novo Marco Regulatório: A Ótica dos Princípios Constitucionais da Livre Iniciativa, da Economia de Mercado e do Direito Comercial. In : GIAMBIAGI, Fábio; LUCAS, Luis Paulo Vellozo (org.). Petróleo: Reforma e Contrarreforma do Setor Petrolífero Brasileiro, p. 179-199. Rio de Janeiro, Elsev ier, 2013. FREITAS, Kátia Regina do Valle. As Estratégias Empresariais de Cooperação e Integração Vertical: O Caso da Indústria de Petróleo do Brasil. Monografia de Bacharelado em Economia, Instituto de Economia. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Jane iro, 2003. FRIEDMAN, George . The geopolitics of $130 Oil. Stratfor: Geopolitical Intelligence Report . 2008. URL: https://worldview.stratfor.com/article/geopolitics-130-oil . Acesso em: 29 nov. 2017.

FUSER, Igor. Os recursos energéticos e as teorias das relações internacionais. In: HAGE, José Alexandre Altahyde (org.). A energia, a política internacional e o Brasil v. 1, p. 105-127. São Paulo: Instituto Memó ria, 2008. GANDHI, Abbas ; LIN , Cynthia. Oil and Gas Service Contracts Around the World: A Review. University of California, Davis . 2014. Disponível em: http:// www.des.ucdavis.edu/faculty/Lin/service contracts_ review_paper.pdf . Acesso em: 29 nov. 2017. GOMES, Carlos Jacques Vieira ; CHAVES, Francisco Eduardo Carrilho ; VIEGAS, Paulo Roberto Alonso ; FREITAS, Paulo Springer de . Avaliação da proposta para o Marco Regulatório do Pré-sal. Texto para Discussão, v. 64, p. 9, nota 03. Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado Federal, 2009. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/ td-64-avaliacao-da-proposta-para-o-marco-regulatorio-do-pre-sal . Acesso em: 29 nov. 2017. GOMES, Orlando. Contratos. 26. Ed. Rio de Janeiro: Fore nse, 2009. HAGE,

José Alexandre Altahyde. O Poder Político na Energia e Relações Internacionais: O Difícil equilíbrio entre o Direito e a Busca de Segurança do Estado Brasileiro. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 51, n. 1, p. 169- 186. 2008. HOTELING, Harold. Stability in competitition. Economic Journal , v. 39, n. 153. 1929 INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. A Política de Desenvolvimento Industrial: O que é e o que Representa para o Brasil. Disponível em: http://www.iedi.org.br/anexos_legado/ 4cfe53d30f0442c9.pdf . Acesso em: 29 nov. 2017. KLARE, Michael T. Resource Wars: the New Landscap of Global Conflict. New York: Owl Bo oks, 2002. LEISTER, Carolina . Bens Imateriais, Teoria dos Clubes e Análise Econômica do Direito. Economic Analysis of Law Review, v. 2, n. 1 , p. 1-29. LEISTER, Carolina. A Regulação na Indústria de Petróleo: Uma Análise da Regulação do Segmento de E&P no País a partir do Paradigma da Segurança Energética. Tese de Doutoramento em Direito, Faculdade de Direito. São Paulo, Universidade de São Pa ulo, 2011. LEITE, Antônio Dias . A Energia do Brasil . Rio de Janeiro: Lexik on, 2014. MACHADO, Luís Antônio Licks Missel; TRICHES,

Divanildo. Análise dos Modelos Institucionais de Regulação Econômica da Exploração do Petróleo nos EUA, no Brasil, na Argentina, Venezuela e Arábia Saudita. Texto para Discussão (043). Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais. Caxias do Sul, Universidade Caxias do Sul, 2011. MAZZUCATO, Mariana. O Estado Empreendedor: Desmascarando o mito do Setor Público versus o Setor Privado. São Paulo: Portfólio-Peng uin, 2011. MESQUITA, Myller Kairo Coelho de. A Reserva Estatal de Atividade Econômica e a Propriedade do Petróleo e do Gás Natural. E-legis, v. 6, n. 11, p. 58-78, 2013. Disponível em: http://e-legis.camara.leg.br/cefor/index.php/e-legis/article/ download/139/143 . Acesso em: 29 nov. 2017. MORAES, Reginaldo Carmelo; SILVA, Maitá de Paula e. O Peso do Estado na Pátria do Mercado: Os Estados Unidos como País em Desenvolvimento. São Paulo, Ed. Un esp, 2013. NOGUEIRA, Alexandre Augusto Ottati. Capacitação Tecnológica como Instrumento de Desenvolvimento e de Iinserção Internacional : O caso da Tecnologia da Indústria Automobilística. Tese de Doutoramento em Integração da América Latina, Programa de Integração da América Latina. São Paulo, Universidade de São Pa ulo, 2007. OLIVEIRA, Lucas Kerr de. Segurança Energética no Atlântico Sul: Análise Comparada dos Conflitos e Disputas em Zonas Petrolíferas na América do Sul e África. 2009. Disponível em: https://docs.google.com/viewer? a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxz ZWd1cmFuY2FlbmVyZ2V0aWNhfGd4OjRlMGI0MjY2MGE0ZDVlNjQ . Acesso em: 29 nov. 2017. OLIVEIRA, Lucas Kerr de , BRITES, Pedro Vinícius Pereira; JAEGER, Bruna Coelho. O leilão de Libra, a Geopolítica do Pré-Sal e as Perspectivas para a Inserção Internacional do Brasil. In: Revista Mundorama , 12 de novembro. Disponível em: http:// www.mundorama.net/?p=15531 . 2013. Acesso em: 29 n ov. 2017. ORTIZ NETO, José Benedito; DALLA COSTA,

Armando João . A Petrobrás e a exploração de petróleo offshore no Brasil: um approach evolucionário. Revista Brasileira de Economia , v. 61, n. 1, p. 95- 109. 2007. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL . Pré-Sal: Perguntas e Respostas – Perguntas mais Frequentes sobre o Marco Regulatório do Pré-Sal: 10, questão 16. Brasília: Ministério de Minas e Energia. 2009. Disponível em: http://www.mme.gov.br/documents/ 10584/1256544/Cartilha_prx-sal.pdf/e0d73bb0-b74b-43e1-af68d8f4b18cb16c . Acesso em: 29 nov. 2017. SÁ RIBEIRO, Marilda Rosado de. Direito do Petróleo . 3. ed. Rio de Janeiro, Reno var, 2014. SAUER, Ildo. Prefácio. In : LIMA, Paulo César Ribeiro. Pré-Sal : O Novo Marco Legal e a Capitalização da Petrobras, p. IX-XXVII. Rio de Janeiro, Syne rgia 2011. SCAFF, Fernando Facury. Royalties do Petróleo, Minério e Energia: Aspectos Constitucionais Financeiros e Tributários. São Paulo: Revista dos Tribun ais, 2014. SERRA, Rodrigo Valente. O Novo Rarco regulatório do Setor Petrolífero Brasileiro: Dádiva ou Maldição? In: PIQUET, Rosélia (org.). Mar de Riquezas, Terras de Contrastes: O Petróleo no Brasil, v. 1, p. 141-159. Rio de Janeiro: Ma uad, 2011. SILVEIRA, Guilherme da Cunha . O Government Take: Análise Cconômica comparativa entre o Cegime de concessão e o Regime de Partilha de Produção no Brasil. Projeto de Graduação, p. 06-07, Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Jane iro, 2013. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público . 4. ed. São Paulo: Malheiros Edito res, 2006.

TOLMASQUIM, Maurício Tiomno ; GUERREIRO, Amilcar ; GORINI, Ricardo . Matriz energética brasileira: uma prospectiva. Novos estudos – CEBRAP, n. 79, p. 47-69, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/nec/n79/03.pdf . Acesso em: 29 nov. 2017. S í tios Eletrônicos DAYARA, Vanessa. Extração de gás de Xisto causou Terremotos em Ohio. Exame , 05 de setembro de 2013. Disponível em: http://exame.abril.com.br/tecnologia/ noticias/extracao-de-gas-de-xisto-causa-terremotos-em-ohio-diz-estudo . Acesso em: 29 nov. 2017. DUZ, Serguei. Petróleo de xisto: grandes esperanças, grandes problemas. Voz da Rússia , 26 de fevereiro de 2013. http://br.sputniknews.com/ portuguese.ruvr.ru/20130226/Petroleo-de-xisto-grandes-esperancas-grandesproblemas/ . Acesso em: 29 nov. 2017. FUSION MEDIA LIMITED. 2017. Petróleo Brent Futuros. https://br.investing.com/commodities/brent-oilhistorical-data . Acesso em: 29 nov. 2017. MACEDO, Marcelo Mafra Borges De. As Regras de Conteúdo Local no Contrato de Partilha . 2013. Disponível em: http://www.brasil-rounds.gov.br/arquivos/ SeminariosP1/Apresentacoes/ partilha1seminarioconteudolocalmafra17092013.pdf . Acesso em: 29 nov. 2017. PETRÓLEO BRASILEIRO S. A . Participação do Setor de Petróleo e Gás chega a 13% do PIB Brasileiro . Publicado em 17 de junho de 2014. Disponível em: http:// www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/participacao-do-setor-de-petroleo-egas-chega-a-13-do-pib-brasileiro.htm . Acesso em: 29 nov. 2017.

PETRÓLEO BRASILEIRO S. A . Reservas Provadas de Petróleo e Gás Natural Recuperável no Brasil . 2015. Disponível em: http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/destaquesoperacionais/reservas-provadas . Acesso em: 29 nov. 2017. REDE BRASIL ATUAL . Para Petrobras, produção e custos já mostram acerto do regime de partilha do Pré-sal: produtividade é maior do que se previa; calculava-se que os poços renderiam de 15 a 20 mil barris diários, mas a média está em 25 mil, chegando a 40 mil. Portal Brasil , 12 de maio de 2015. Disponível em: http:// www.redebrasilatual.com.br/economia/2015/05/para-petrobras-producao-ecustos-ja-mostram-acerto-do-regime-de-partilha-do-pre-sal-8528.html . Acesso em: 29 nov. 2017. REUTERS. Shell compra BG e vira maior sócia da Petrobras no Pré-sal. Portal Terra , 08 de abril de 2015. Disponível em: http://economia.terra.com.br/shell-comprabg-e-vira-maior-socia-da-Petrobras-no-pre-sal, 6b0a48fda689c410VgnCLD200000b1bf46d0RCRD.html . Acesso em: 29 nov. 2017. Jurisprudência SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . ADI 3 .273-9/DF. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . ADI 3.366/DF. Revistas e jornais da imprensa de massa AGOSTINI, Renata ; FAGUNDES, Álvaro . Exportações de petróleo para a China sobem 260%: com aquisição recorde até maio, gigante asiático se torna principal comprador do produto brasileiro. Folha de São Paulo :

A-19, 09 de junho de 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ mercado/2015/06/1639589-neo-exportacoes-de-petroleo-para-a-chinasobem-260.shtml . Acesso em: 13 set. 2019. CARNEIRO, Mariana. Energia vira foco de investimento chinês na América Latina: País se abastece de matéria-prima na região e associa compras à exportação de produtos industrializados. Folha de São Paulo : A-1 e A-5, 10 de maio de 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/ 2015/05/1627013-energia-vira-foco-de-investimento-chines-na-americalatina.shtml . Acesso em: 13 set. 2019. LIMA, Samantha; SOARES, Pedro . 2015. Petrobras toma crédito de U$ 3,5 bi com a China: condições não foram reveladas mas podem ter contrapartidas. Folha de São Paulo : B-5, 02 de abril de 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/ 214425Petrobras -toma-credito-de-us-35-bi-com-a-china.shtml . Acesso em: 13 set. 2019. PESSÔA, Samuel de Abreu. O teste do marco do petróleo. Folha de São Paulo : B-8, 29 de setembro de 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ samuelpessoa/2013/09/1349148-o-teste-do-marco-do-petroleo.shtml . Acesso em: 13 set. 2019. SAYAD, João . Ms. Kate. Folha de São Paulo : A-2 , 30 de janeiro de 2006. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ opiniao/ fz3001200607.htm . Acesso em: 13 set. 2019. SOARES, Pedro; CRUZ, Valdo .

Ausência de 4 gigantes surpreende ANP Norte-americanas ExxonMobil e Chevron e britânicas BP e BG não se inscrevem para explorar o campo de Libra. Folha de São Paulo : B-1, 20 de setembro de 2013. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/129888-ausencia-de-4-gigantessurpreende-anp.shtml . Acesso em: 13 set. 2019. 5 CONTROVÉRSIAS ACERCA DOS SIGNIFICADOS E DAS PRÁTICAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA E NERGÉTICA ⁷³ Iure Paiva Introdução O debate sobre segurança energética é profícuo e marcado pela dificuldade em determinar os limites precisos dos significados e das práticas políticas que lhes são inerentes. Essa realidade referente à energia não destoa das controvérsias que envolvem a compreensão sobre o sentido e o alcance da segurança em si, a qual pode ser constatada entre estudiosos e tomadores de decisão sobre a matéria, seja em âmbito governamental ou nãogovernamental. A discussão sobre segurança energética, diante disso, incorpora o vasto debate sobre a multiplicidade de concepções que existe sobre segurança. Contudo, isso não significa propriamente a conformação de cenário de completa dúvida ou incerteza quanto aos seus aspectos conceituais ou práticos, e sim que a segurança (energética) pode ter diferentes sentidos e admitir interpretações diversas. A ausência de concepção preestabelecida ou prefixada para a segurança (energética) nesses moldes não implica um estado permanente de reinvenção aleatória do seu significado, a qual poderia gerar indesejada instabilidade, incerteza ou imprevisibilidade no tratamento da temática. A multiplicidade de significados ora destacada deve, sobretudo, permitir melhor compreender a pluralidade de fatores a serem considerados quando se relaciona energia com segurança, e assim se desvencilhar do mundo de fórmulas analíticas limitadas ou estáticas. A segurança energética, nos termos que se apresenta neste texto impõe um debate sobre as formas como a segurança (energética) é concebida, sugerindo uma reflexão sobre seu significado, subvertendo propostas de análise e ação enviesadas nessa esfera em favor, antes de tudo, da aferição segundo o contexto no qual se insere os possíveis modos de lidar com a temática. O marco inicial das discussões sobre a multiplicidade de significados em relação à segurança não é recente e está presente no artigo de Wolfers, intitulado “National Security” as an Ambiguous Symbol , publicado em 1952. No referido artigo, o autor chama atenção sobre a diversidade que determinadas fórmulas políticas adquirem ao serem rotuladas pelos governos como matéria de “interesse nacional” ou “segurança nacional”. Segundo Wolfers (1952), é notório o fato desses termos não apresentarem

significado constante quando confrontados com a realidade dos diferentes Estados territoriais (países) – o que se justifica, dada as distintas compreensões sobre o mundo e os fatores que determinam as relações políticas, econômicas e sociais no âmbito doméstico e inte rnacional. Em tempos mais recentes, a percepção de que o conceito de segurança não pode ser definido em termos universais foi defendida por Buzan (1991, 1984). O referido autor considera que segurança é um “conceito essencialmente contestado” – tal como poder, justiça, paz, igualdade, amor e liberdade –, tendo em vista que faz parte de uma categoria de conceitos que precipuamente estabelecem um campo de preocupações, muito mais do que condições em concreto perfeitamente definidas (BUZAN, 1991, p. 7-8). Na visão de Buzan (1984, p. 125), o conceito de segurança é uma lente que permite visualizar problemas sociais específicos, assim como um pacote de ideias a partir do qual pode ser construído um quadro para a análise de problemas empíricos. Contudo, ainda que existam alguns elementos relativamente reconhecidos como constantes (BUZAN; WÆVER; WILDE, 1998, p. 205), isso não significa que a análise sobre questões relativas à segurança haverá de prosperar de modo uniforme, sendo praticamente impossível ou incoerente admitir que o seu significado seja expresso por meio de formulações universalmente aceitas (BUZAN, 1991, “Introduction”, paginação i rregular). As palavras de Smith (2002) também são no sentido de afirmar que a segurança é um “conceito essencialmente contestado”, porém evidenciando esse caráter específico do termo com base na existência de diversas “escolas de pensamento” sobre a temática, demonstrando assim a multiplicidade e o confronto de perspectivas no tratamento da questão. De acordo com o referido autor, o conceito de segurança pode ser considerado um “campo de batalha”, pois além das disputas entre os autores que insistem na manutenção do significado tradicional do termo e os autores que defendem a necessidade de ampliá-lo e aprofundá-lo, existem ainda inúmeras contendas internas em meio aos autores que pertencem a cada um desses grupos. Smith (2002, p. 1-10) descreve o que considera como as seis principais “escolas de pensamento” envolvidas nas discussões sobre a ampliação e o aprofundamento do significado de segurança: a Escola de Copenhagen; os Estudos Construtivistas sobre Segurança; os Estudos Críticos sobre Segurança; os Estudos Feministas sobre Segurança; os Estudos Pós-estruturalistas sobre Segurança; os Estudos sobre Seguran ça Humana. Já McSweeney (1999, p. 1) rotula a segurança como um termo “escorregadio”, tendo em vista o fato de ser empregado “[...] em uma gama impressionante de contextos e de múltiplos propósitos por indivíduos, corporações, governos e especialistas acadêmicos. Ele é evocado para se referir a coisas e pessoas, a meios e fins, a eventos externos e sentimentos mais íntimos”. Contudo, o autor destaca a tentativa de alguns teóricos e agentes políticos – em razão de interesses particulares – de imprimir ao significado da segurança nas relações internacionais certa objetividade e especificidade de modo a universalizar a sua compreensão. A questão capital é que a concepção sobre segurança a partir de referências fixas não é capaz de oferecer explicações satisfatórias quando confrontada com a diversidade

de interesses e justificativas que orientam os estudos ou práticas políticas nos mais variados contextos perante os quais a temática se materializa cotid ianamente. O debate referente à controvérsia e diversidade de concepções sobre a segurança levou Booth (2007, p. 150-160) a empregar outro qualificativo para caracterizar o termo: segurança é um “conceito derivativo”. O emprego dessa expressão tem como finalidade evidenciar que a diversidade de significados sobre segurança é derivada de diferentes entendimentos sobre o caráter e o propósito da política, em outras palavras: a variedade de discursos e práticas associados à segurança é decorrente de distintas concepções sobre a política. Na visão do autor (BOOTH, 2007, p. 110), a segurança é palavra de grande simbolismo político e de acentuado valor instrumental atrelada a preferências sobre formas de convivência individual e coletiva, cujo significado político não deve ser considerado conservador nem tampouco neutro, mas simplesmente derivado de visões de mundo provenientes de diferentes teorias políticas. O que fora exposto nos parágrafos anteriores é uma pequena demonstração das diferenças que envolvem a determinação do significado e das práticas sobre segurança, as quais permeiam de maneira semelhante as discussões sobre segurança energética. Diante disso, o objetivo deste texto é apresentar uma análise sobre segurança energética fundamenta na perspectiva de que os estudos científicos e as práticas políticas nessa seara apresentam notável pluralidade de abordagens. Da mesma forma que as questões relativas à segurança em geral, o fundamento basilar para compreensão da segurança energética nesses termos encontra-se tanto no amplo conjunto de problemas a serem afrontados, como no vasto elenco de possíveis contextos, atores, interesses e objetivos em que a temática se insere. De modo a cumprir esse objetivo, este texto apresenta nas quatro seções seguintes distintas linhas de abordagem sobre segurança energética, de modo a orientar ou, ao menos, de algum modo, subsidiar o entendimento sobre as formas que podem tomar a formulação e a execução de políticas relativas ao tema a partir de alguns parâmetros e referências específicas. Na primeira seção, é apresentada e analisada a lógica da sobrevivência ou da guerra que imprime um sentido, em certa medida, bastante peculiar e preciso para a segurança energética em termos conceituais e práticos. Na segunda, é examinada a lógica da subsistência a qual é marcada não apenas pela ampliação das questões, dos objetos referenciais e dos níveis de análise a serem considerados no campo da segurança energética, mas também dos contextos, atores, objetivos e interesses e nvolvidos. Na terceira seção, procura-se avançar no estabelecimento de referências mais precisas para a delimitação do alcance das políticas relativas à segurança energética a partir de quatro questões-chave, as quais também dialogam com as duas lógicas apresentadas nas duas seções anteriores. Nas considerações finais tomam forma de síntese geral a caracterização dos debates sobre a questão tratada ao longo do texto e exposição de derradeira orientação analítica, nova tentativa de imprimir um pouco mais de compreensão sobre os fatores que podem incidir a determinação ou

delimitação das políticas de segurança energética, em termos abstratos e concretos. Concepção restritiva da segurança energética: a lógica da guerra ou da sobrevivência A lógica da guerra, segundo Ciută (2010, p. 129), deriva do “[...] argumento de que a energia é uma questão de segurança porque é tanto a causa como um instrumento de guerra ou conflito”. Existem, assim, duas percepções nessa lógica sobre a segurança energética: a energia pode ser considerada instrumento de persuasão/poder ( energy weapon ) ou a causa de conflitos ( cause of c onflicts ). Na condição de weapon a energia é concebida como meio que os Estados podem utilizar no plano nacional e internacional de modo a influenciar outros atores a agirem conforme seus interesses, geralmente, a partir da dependência por energia. Costuma-se mencionar que Rússia aproveita-se da condição de principal fornecedor energético para a União Europeia como forma de influenciar a política externa desse bloco (RATNER et al. ; 2012; CORRELJE; LINDE, 2006). De modo semelhante, ocorreria na relação entre a Arábia Saudita e os EUA com base na dependência energética deste em relação à quele Estado, de maneira que o governo estadunidense se vê impelido a defender a nação saudita contra ameaças no contexto regional do Oriente Médio (NERLICH, 2008; MORSE; RICHARD, 2002). O mesmo se aplicaria à relação constituída entre a China e o Sudão, cuja questão energética teria influenciado a potência asiática a não apoiar iniciativas do Conselho de Segurança da ONU contra o governo sudanês em razão de alegadas ações que vitimaram inúmeras cidadãos que se opunham ao governo estabelecida no mencionado Estado africano (LARGE, 2009; ALDEN; LARGE; OLIVEI RA, 2008). Na condição de cause of conflicts a energia seria fator primário ou secundário no surgimento de conflitos, cuja repercussão pode alcançar tanto o nível doméstico (localizado ou generalizado) como internacional (fronteiriço ou não fronteiriço). A energia como condição primária da guerra costuma estar relacionada à disputa direta pelo acesso ou controle de recursos (KLARE, 2009), e seu enquadramento como elemento secundário refere-se às situações em que a escassez de energia gera condições socioeconômicas, políticas ou ambientais que acabam incitando ao conflito (BRAUCH et a l. ; 2011). É importante destacar que os conflitos podem acontecer tanto em razão da escassez como da abundância de recursos. A literatura corrente sobre conflitos em razão da escassez de recursos costuma fundamentar seus argumentos em concepções malthusianas e neomalthusianas (DALBY, 2004, 2000; GLEDITSCH, 1998). A alegação basilar desse argumento é de que a insuficiência de recursos é causada pela pressão populacional e pelo consumo excessivo, bem como pela degradação ambiental, levando ao esgotamento dos recursos e, posteriormente, à maior competição visando a sua obtenção, o que pode levar ao aumento dos riscos de uma escalada da violência intra ou interestatal. No caso específico dos conflitos internacionais por recursos energéticos as análises e eventos envolvem,

principalmente, os combustíveis fósseis como petróleo e gás natural, e as possíveis crises em torno do seu fornecimento (PETERS, 2004; SHA RP, 2007). Os defensores da perspectiva relacionada com a abundância de recursos defendem, por um lado, que a riqueza de recursos implica maior probabilidade de alguns Estados ou regiões exportadoras (especialmente de gás e petróleo) serem promotores ou alvo de política externa assertiva no aspecto militar. Portanto, dada a possibilidade que apresentam de iniciar/ participar de conflito ou de se proteger contra agressão externa, em especial dos Estados importadores (KLARE, 2009; MCDONALD, 2007). Existe ainda a percepção de que os países ou regiões com grandes reservas estratégicas e economicamente valiosas em recursos energéticos, são mais propensos à intervenção de terceiros Estados (principalmente, dos países consumidores) nos assuntos domésticos ou regionais, os quais podem resultar, por exemplo, na incitação ou suporte a guerras civis em algumas potências fornecedoras (BRAITHWAITE, 2006; HUMPHRE YS, 2005). A lógica da guerra está intimamente relacionada à concepção clássica da segurança, recorda Ciută (2010, p. 129-130), cujo princípio básico é a sobrevivência, conformada pela necessidade de sobreviver tanto à guerra armada derivada das disputas por acesso a recursos energéticos, como das tensões decorrentes da utilização da energia como instrumento de intimidação na relação entre Estados fornecedores e consumidores na cena internacional. Os parâmetros definidores dessa lógica tradicional de segurança são (1) o enfoque no uso da força, na guerra e no conflito, bem como (2) o foco no Estado como o sujeito e objeto da segurança energética. A energia seria assim mais um elemento presente na competição por poder, território, recursos essenciais e mercado no âmbito interestatal; num comportamento que deriva dos padrões supostamente dominantes na política internacional: energia é um recurso como outro qualquer, o qual se torna relevante na medida em que afeta a distribuição de capacidades no sistema inte rnacional. A principal consequência dessa lógica da sobrevivência, consistiria em desconsiderar como questão de segurança tudo aquilo que não está relacionado à guerra, ignorando outras características distintivas da temática energética, a qual pode variar segundo diferentes contextos e atores envolvidos. O vocabulário corrente da segurança energética acaba tendo um léxico próprio, constituído por termos como armas, ataque, medo, ameaça, dominação, superpotências, vítimas e perdedores – fator que termina influenciando a determinação do significado da energia e da segurança. Além disso, a lógica da segurança baseada na guerra hierarquiza outras dimensões constitutivas da segurança energética como a política, econômica, social e ambiental, privilegiando a militarização em detrimento das outras dimensões, uma concepção estruturada na militarização da questão energética (CIUTĂ, 2010, p. 129-130). A lógica de guerra nos termos ora expostos está inserida no contexto da Doutrina Carter , anunciada em janeiro de 1980, pelo então presidente dos EUA Jimmy Carter, que declarava explicitamente o Golfo Pérsico como região de interesse vital para Washington. Ao anunciar sua doutrina, o

governo estadunidense deixou claro que estaria disposto a defendê-la contra possíveis ameaças externas, declarando solenemente que: “Qualquer tentativa de uma força exterior no sentido de assumir o controle da região do Golfo Pérsico será considerada como um ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos da América, e que tal ataque será repelido pelos meios que forem necessários, incluindo a força militar”. Na visão de Langlois-Bertrand (2010, p. 3-4), essa latente instabilidade na principal região produtora de petróleo gerou incertezas significativas quanto ao suprimento de energia no mercado internacional, o que exigiu medidas efetivas por parte dos atores estatais na defesa do interesse nacional diante desse cenário de inconstância. Na visão desse autor, trata-se da primeira das três fases dos debates sobre a segurança energética, na qual a energia torna-se problema de ordem pública, dessa feita, estreitamente relacionado à política externa e à ação militar – as outras duas fases são abordadas na próxima seção de ste texto. A segurança energética torna-se então uma questão geopolítica, marcada pela competição por acesso às fontes de energia, principalmente, aqueles esgotáveis (carvão, petróleo e gás), em que o que prevalece é a dimensão nacional soberana e preponderante na abordagem analítica e prática sobre o tema. Do mesmo modo, devido ao seu papel fundamental na sobrevivência dos Estados e à autonomia sobre a política sobre os recursos econômicos, a energia passa a ser concebida não segundo preceitos conformados pelo mercado internacional, mas como tema intimamente relacionado a interesses de ordem doméstica, que demandariam uma política externa conformada precipuamente com essa pr eocupação. O alto nível de dependência de energia importada demonstra claramente como essa lógica da sobrevivência pode conformar a política externa dos Estados na ordem energética internacional. Em tais circunstâncias, a interrupção de fornecimento de energia e o aumento dos preços por parte dos produtores, por exemplo, podem provocar impactos econômicos enormes nos Estados consumidores, da mesma forma que essa sujeição à importação pode abalar as relações políticas internacionais. De acordo com a lógica da guerra, os governos nacionais estariam imersos num cena internacional na qual existe uma disputa por recursos energéticos, exigindo o estabelecimento de estratégias de ação visando obter melhores condições possíveis nesse que seria apenas mais um espaço de luta pela sobrevivência. Nesse palco de intensas contendas, seria exigida a mobilização de todas as capacidades nacionais e a submissão de todos os demais interesses àquele da garantia da sobrevivência, o qual é considerado supremo e fu ndamental. A lógica da sobrevivência está muito próxima de uma visão específica sobre a dinâmica do sistema político e econômico internacional na ordem energética mundial denominada por Correlje e Linde (2006) de “Regions and Empires” ⁷⁴ . O termo Regions estaria relacionado àquilo que na literatura é conhecido como “regionalismo” (FARREL; HETTNE; LANGENHOVE, 2005) e o vocábulo Empires remete à concepção neorrealista da segurança do Estado focada em formas de desenvolvimento do poder/capacidade nacional (CIEP, 2004, p. 84). Os citados autores buscam evidenciar com essa abordagem a possibilidade de conceber que a

ordem internacional é eminentemente conformada pela fragmentação, cuja principal característica seria a constituição de blocos político-econômicos que estabelecem competição por mercados e recursos com outros países ou blocos. O trecho do texto de Correlje e Linde (2006, p. 536) transcrito a seguir explica com precisão essa concepção sobre a dinâmica da ordem inte rnacional: A abordagem Regions and Empires estabelece uma visão mais pessimista sobre o sistema político e econômico internacional. Trata-se, essencialmente, de uma divisão do mundo em países e regiões, com base em argumentos religiosos, ideológicos e políticos. A estratégia política e militar, o bilateralismo e o regionalismo dividem o mundo numa competição entre EUA, UE, Rússia e Ásia por esferas de influência. As preocupações nacionais e internacionais sobre segurança e os conflitos impedem a integração econômica internacional por meio da regulação das atividades e o controle sobre os fluxos de bens, pessoas e capitais. A ausência de mercados mundiais eficazes para produtos estratégicos estimula o estabelecimento de relações comerciais bilaterais e acordos, reforçando assim a formação de blocos mais ou menos integrados com as regiões satélites que competem por mercados e recursos energéticos. As empresas serão menos internacionais, mas operam a partir de uma perspectiva mais nacionalista. Além disso, em uma extensão maior, as suas filiais irão operar a partir de estruturas vertical e horizontalmente coordenadas, com transferências internas de insumo e de produção. A enfraquecida relação Transatlântica [Otan] pode ser substituída pela rivalidade político-es tratégica. De acordo com essa perspectiva os autores ressaltam que os interesses internos conformados em cada bloco prevalecem sobre os mecanismos multilaterais existentes na ordem internacional, constituindo ambiente marcado por elevado nível de desconfiança entre as nações, e onde as organizações internacionais são tidas como fracas e com atuação marginal. A concorrência por recursos escassos entre Estados consumidores frente a um número reduzido de produtores tende a estimular o conflito, aumentando o risco dos principais países ou regiões fornecedoras tornaremse um lugar de constante instabilidade e tensão. A política externa unilateral ganha força nessa conjuntura e desempenha papel muito mais preponderante, sendo estrategicamente motivada por questões de segurança do abastecimento ou voltada a atingir objetivos de prevenção, contenção e gerenciamento de crises. Da mesma forma, identificam ainda que a tendência é de prevalência de acordos comerciais bilaterais dirigidos, principalmente, a atender interesses nacionais de segurança do fornecimento energético, de modo a substituir os argumentos da eficiência do mercado pelo objetivo estratégico de garantir o abastecimento de energia. Em virtude da relação comercial entre consumidores e fornecedores de energia não ser regida pelas estruturas de mercado, os preços normalmente serão estabelecidos por meio de contratos bilaterais, tendentes a tornar mecanismos de ajuste de preços menos flexíveis e, consequentemente, vulneráveis à instabilidade interna dos blocos o u Estados.

Do ponto de vista estratégico, a abordagem “Regions and Empires” conformar-se-ia, segundo aqueles autores, com uma ferramenta chave para ter acesso aos recursos essenciais ao estabelecimento de alto grau de integração horizontal e vertical de empresas internacionais de energia. A integração a partir das empresas de energia será incentivada, principalmente, pelos Estados consumidores dependentes de importação de energia como forma de atuar por meio de outros atores do mercado energético, suficientemente fortes para operar no território das potências produtoras, e não no sentido de garantir segurança energética destes, mas o abastecimento dos Estados consumidores e o lucro das empresas que têm sede neles. As empresas que operam com energia exerceriam, portanto, papel fundamental na manutenção de esferas de influência e lucro a partir das regiões e Estados fornecedores. No sentido de fortalecer essa atuação, os governos dos países importadores envidam esforços por meio de sua política externa para incentivar tal presença com base em ações relacionadas ao investimento externo direto, para que essas empresas nacionais atuem no mercado internacional d e energia. Vale a pena ressaltar que a percepção de garantia do fornecimento de energia como imperativo não alcança apenas a esfera da política comercial, mas também outras tantas, como a adequação de políticas ambientais, conforme ressaltam Correlje e Linde (2006, p. 540) ao afir marem que: A produção sustentável de energia na esfera doméstica é hoje estimulada por razões de segurança do abastecimento, em vez de ser apenas por razões ambientais. Os esforços de pesquisa e desenvolvimento são, basicamente, voltados a reduzir a dependência das importações e aumentar a flexibilidade do sistema d e energia. Essa lógica se perpetua nos tempos atuais e não parece estar propensa a ser abandonada por formuladores e tomadores de decisão política no campo da segurança energética, conformando ações governamentais tanto no plano doméstico como internacional, segundo tais referências. Embora não possa ser considerada nem ilegítima ou irracional em determinadas condições o que se denota, em linhas gerais, parece ser um enviesamento e uma restrição da percepção sobre a segurança energética. Assim sendo, toda e qualquer significado ou prática relativa à segurança energética, e os desafios que lhes são inerentes, seriam hierarquizados e subvertidos às disputas e conflitos pelo aumento do poder e da capacidade nacionais, num jogo de soma-zero, em que o que vale é prevalecer sobre o outro em nome da sobrevivência. No entanto, a segurança energética não convive apenas com esse tipo de lógica, como se verá na próx ima seção. Concepção contemporânea da segurança energética: a lógica da subsistência A lógica da subsistência, conforme ensina Ciută (2010, p. 131-132), é uma alternativa à lógica da guerra, e está fundamentada em dois princípios basilares que consistem no fato da energia ser um elemento que todos necessitam e de ser uma questão que possui diferentes significados para diferentes atores. Na visão daquele autor, o fator essencial que diferenciaria as duas perspectivas, é que a lógica da subsistência passa a ser

caracterizada como um objetivo de política pública, num contexto em que a necessidade de energia não seria impulsionada propriamente pelo imperativo da sobrevivência, mas pelas exigências dos diversos setores da atividade humana (social, estatal, militar e econômico), significando que a sua ausência não leva à extinção, mas a distúrbios no funcionamento natural de algo que possui utilidade. Uma das consequências dessa realidade, ressalta Ciută (2010, p. 31), é que a energia torna-se um bem público, em vez de apenas um elemento maximizador da capacidade dos Estados territoriais e a sua “securitização” passa a ser derivada da sua exposição a riscos, desafios e ameaças como falhas de mercado, volatilidade dos preços, interrupções na rede de fornecimento e dependência da importação de recursos, cuja solução não derivará propriamente da militarização dessas questões. O entendimento de Bielecki (2002, p. 235-236) está consolidado no mesmo sentido de considerar a segurança energética como um dos principais objetivos das políticas públicas nacionais, a qual é tão relevante a ponto de coexistir no mesmo nível e, muitas vezes, competindo com outras metas fundamentais como o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental sendo, assim, um elemento indispensável para o normal funcionamento de qualquer sociedad e moderna. Conforme a lógica de subsistência ora exposta, Bielecki (2002, p. 237) defende igualmente que o conceito de segurança energética pode ter diferentes dimensões, as quais vão desde a política e militar à técnica e econômica, destacando, por exemplo, que para os economistas as preocupações são, principalmente, com os impactos macroeconômicos decorrentes da elevação dos preços da energia e com os perigos das perdas econômicas em razão das possíveis falhas no fornecimento do s insumos. A segurança energética, nesses termos, está conformada com aquilo que Langlois-Bertrand (2010, p. 4-5) denomina segundo e terceiro momentos dos debates históricos sobre energia. Como fora citado anteriormente, o primeiro momento do debate foi marcado pelas instabilidades na região do Golfo Pérsico e a relação entre política externa e açã o militar. O segundo, está das discussões sobre segurança energética, considera a questão como problema econômico e tecnológico, compondo-se de argumentos baseados no mercado, com preponderância do livre comércio e do desenvolvimento financeiro do mercado internacional de energia. Esse momento se insere no contexto histórico pós-Queda do Muro de Berlin, nos primeiros anos da década de 1990, que testemunhou a rápida ascensão dos Estados em desenvolvimento como China e Índia no mercado energético; e rearranjos com os países fornecedores de energia que compunham o antigo bloco soviético (Ásia Central, por exemplo), além de um mercado energético do petróleo mais integrado e globalizado, que se caracterizava pelo livre mercado, desregulação, progresso tecnológico e aumento da produtividade. O terceiro momento, finalmente, é caracterizado pela influência dos debates sobre questões concernentes ao meio ambiente e a sustentabilidade, decorrentes de necessidades que vinham sendo debatidas há décadas e que ganharam espaço nos últimos vinte anos, impondo uma visão abrangente

sobre a segurança energética e que produziram nítido impacto nas escolhas políticas contemporâneas (LANGLOIS-BERTRAND, 2010 , p. 4-5). No sentido de ampliar o foco analítico sobre segurança energética, Goldthau e Witte (2010, p. 2) advertem que se costuma dar demasiada atenção à dimensão geopolítica da segurança energética a qual “[...] está baseada na presunção míope e errônea de que a política energética global é necessariamente um jogo de soma zero, em que a segurança energética de um país é a falta dela em outro”. As discussões sobre segurança energética nesses termos ignoram que a relação entre consumidores e fornecedores de energia, assim como entre novos e antigos consumidores, não são necessariamente compostas por interesses e comportamentos hostis ou de manifesta inimizade recíproca. A realidade nos permite aferir que a segurança energética não é concebida exclusivamente em termos de quem vence e quem perde, como se não houvesse a possibilidade de encontrar cenários, nos quais são discutidas e conformadas iniciativas sobre “como” e “de que forma” se adaptar às necessidad es mútuas. Desse modo, a preocupação com a dimensão geopolítica acaba desviando a atenção de outras questões fundamentais que deveriam ser consideradas igualmente relevantes para os formuladores de políticas na tentativa de estabelecer uma governança global eficaz da questão energética. Goldthau e Witte (2010, p. 2) advertem especialmente sobre a omissão de pesquisadores e formuladores de política quanto ao papel desempenhado pelos mercados internacionais de energia (no caso do petróleo, completamente global) na construção do equilíbrio na relação demanda e oferta e, considerado ainda mais importante, ignoram a importância das regras do jogo e das instituições estabelecidas em nível nacional e internacional voltadas a estruturar o mercado internacional d e energia. No caso das instituições, em específico, como desconsiderar a atuação da Agência Internacional de Energia e do Fórum Internacional de Energia na tentativa de corrigir falhas do mercado, no compartilhamento e disseminação de informações, na instituição de normas e padrões de trocas. Em âmbito regional, é possível aferir inúmeras iniciativas a partir de instituições como a Organização de Cooperação de Shangai (SCO – The Shangai Cooperation Organisation ) ⁷⁵ no âmbito da Ásia Central, e a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA) que envolve os doze Estados da região, ficando de fora apenas a Guiana Francesa (território ultramarino francês), com medidas voltadas à aproximação dos seus membros visando a cooperação em matéria energética, por exemplo, na forma de promoção de investimentos regionais ou no compartilhamento de in formações. A lógica da subsistência, segundo Ciută (2010, p. 132), possui ainda duas características-chave: a segregação e a multiplicação. O primeiro deles evidencia que o domínio da segurança energética é disperso e segregado, compondo-se de modo diversificado em torno de diferentes questões, modelos políticos, áreas de atividade ou contextos geográficos. A segregação da energia seria particularmente visível em três aspectos: (1) tipo de recurso energético – nuclear, eólica, biocombustível, fóssil etc.; (2) tipo de setor de atividade – extração, transporte ou distribuição etc.; (3) tipo de

atores – produtores, distribuidores, consumidores, compradores, vende dores etc. Desse modo, parecer ser nítido e inquestionável que as políticas de segurança energética também serão marcadas pela segregação e especialização, as quais podem estar focadas em inúmeras questões como: na segurança do fornecimento energético (como ocorre no contexto do gás boliviano que abastece o mercado brasileiro), na segurança da demanda (como se verifica no contexto dos membros do G8 e seus níveis de consumo de energia fóssil), na segurança da infraestrutura energética (como se constata nos inúmeros dutos que a China mantém ou está construindo a partir da Ásia Central pra abastecer seu mercado), na segurança energética com foco no meio-ambiente (como se afere em algumas instâncias da ONU que há tempos discutem as relações entre mudanças cl imáticas). Vale ressaltar que a segregação e especialização sugeridas pela lógica da sobrevivência certamente envolve a ampliação da agenda da segurança energética para incluir questões, as quais não estão relacionadas exclusivamente com o fornecimento de energia, de modo a focar em outras temáticas igualmente importantes do ponto de vista do progresso e desenvolvimento nacional e internacional, tais como: investimento na criação de novas tecnologias energéticas mais limpas e mais baratas; transparência dos dados sobre reservas, capacidade e disposição de recursos que inclua igualmente Estados e empresas; oportunidades econômicas recíprocas diretas e indiretas decorrentes do investimento em infraestrutura energética; aproximação política entre Estados e regiões com base no desenvolvimento de mecanismo de cooperação e integração energética (cf. CHERP; JEWELL; GOLDTHAU, 2011). Em outros termos, isso significa a olhar para a segurança energética não apenas a partir da imagem das ameaças provenientes de Estados rivais ou concorrentes, mas em questões ou “ameaças” que não sejam identificadas propriamente como “inimigas”, nem tratadas por meios tradicionais como o militar e diplomático (MULLIGAN, 20 08, p. 2). A segregação e especialização aludidas pela lógica da sobrevivência se inserem ainda nas discussões sobre o “aprofundamento” do conceito de segurança, evidenciando quanto os estudiosos e formuladores de política há muito tempo concebem unicamente o Estado como sujeito (o que dever ser protegido) e agente de segurança (o que fornece segurança). Os estudos críticos sobre segurança tomam essa questão como central, exigindo que análises e práticas superem as limitações do discurso focado nesse aspecto específico da segurança (cf. BRAUCH, 2011; SHINODA, 2004; BILG IN, 2003). Diante disso, a segurança energética não deve ser reconhecida somente como um problema referente à segurança dos Estados, mas também à segurança de outros agregados humanos (família e indivíduos), regiões geográficas (regionais, estaduais e municipais), interesses societais variados (língua, cultura, associação, identidade e costumes religiosos e nacionais). Nesse sentido, a segurança energética não terá como enfoque apenas o fornecimento adequado e confiável de combustíveis, mas também outras necessidades como crescimento econômico e redução da pobreza, aliando

tanto o aspecto da sustentabilidade como do desenvolvimento na sua co nformação. A segunda característica-chave da lógica da subsistência exaltada por Felix Ciută (2010, p. 132-133) refere-se à multiplicação dos atores envolvidos na segurança energética, o que, consequentemente, provoca a ampliação dos atores securitizadores, objetos referenciais, formuladores de política e esferas regulatórias. Contudo, afirma que o Estado permanece como principal ator na esfera da segurança energética, principalmente, no âmbito das iniciativas regulatórias, mas que não pode ser considerad o o único. Nesse sentido, Bielecki (2002, p. 236) defende, por exemplo, que a necessidade de políticas públicas fortes e eficazes na área da segurança energética decorre, inicialmente, do fato de ser um bem público, que em certos casos não é devidamente valorizado pelo mercado – assim como no âmbito da proteção do meio ambiente –, significando que os atores que têm papel de representar os interesses do mercado podem produzir um nível de segurança energética menor em comparação com o ponto de vista do que seria adequado para a sociedade. Contudo, a lógica de subsistência, nos termos até aqui expostos, não implica, necessariamente, numa escolha baseada precipuamente no “interesse nacional” ou no “interesse de mercado” no estabelecimento de análises e práticas na área de segurança energética, pois visualiza inclusive a possibilidade de sinergia entre as duas per spectivas. Por outro lado, Ciută (2010, p. 133) destaca que a presença de vários atores com diferentes interesses implica igualmente no aumento das disputas entre os distintos vieses existentes na política de segurança energética, ressaltando que isso não significa que a natureza dos atores resulte obrigatoriamente em determinadas preferências políticas. A discussão nesse plano faz emergir, portanto, o embate que existe entre atores socioeconômicos e políticos de natureza e capacidade distintas, os quais tendem a apresentar demandas que são mais próximas de suas realidades cotidianas ou de seus interesses específicos, envolvendo estratos distintos como as organizações não governamentais, as entidades civis de interesse, a imprensa nacional e internacional, as empresas do setor energético, os grupos investidores internos e externos, assim como produtores e consumidores sensíveis às demandas energéticas, tudo isso se confrontando em diferentes regiões, Estados e lo calidades. Nesse mesmo sentido, Ciută salienta ainda que a relação hierárquica entre as três dimensões da energia (crescimento, sustentabilidade e meio ambiente) também é continuamente modificada, demonstrando assim serem perfeitamente naturais as mutações contextuais na lógica da subsistência. A segurança energética, portanto, não seria uniformemente estruturada na lógica de subsistência, pois os diferentes atores envolvidos investem em graus variados em temas políticos, econômicos ou ambientais para alcançar a segurança energética, agregando para tanto diferentes instrumentos políticos, inclusive aqueles militares, que, em certo momento, podem representar a opção mais adequada ou a única à d isposição.

No plano governamental é notória a disputa de poder e influência interministerial sobre o tratamento da segurança energética, num jogo que envolve o estabelecimento da agenda tanto em termo de interesses e objetivos, como também das medidas e ações a serem consideradas na solução de determinada questão. Assim sendo, os ministérios ligados à defesa desejarão que a questão energética implique na priorização de esforços voltados, por exemplo, à capacidade de resposta em caso de ataque às fontes produtoras de energia localizadas em território nacional ou em outro países e regiões. Do mesmo modo, o ministério ligado à área de negócios estabelecerá como prioridade, a construção de oportunidades de ampliação dos investimentos externos que gerem crescimento da capacidade doméstica de energia que impliquem no aumento da atividade econômica nacional. Já o ministério voltado às causas ambientais buscará, por exemplo, que a pauta de ações estatais sobre a produção e o consumo de energia se atenha à proteção e preservação dos ecossistemas naturais e humanos, localizados tanto no campo como na s cidades. Na verdade, ressalta Ciută (2010, p. 134), a lógica de subsistência consiste em entender que as políticas de segurança energética são um tipo não específico ou determinado de política de segurança, pois se o problema da segurança energética for uma questão de falha do mercado a solução seria a aplicação de políticas destinadas a melhorar a funcionalidade do mercado; da mesma forma que se o problema fosse ataques terroristas contra infraestruturas energéticas, a política de segurança energética referir-se-ia ao terrorismo. Vale ressaltar, por fim, que os elementos referentes à segurança energética como ameaças existenciais, objetos referenciais e medidas necessárias mudam em razão da influência da multiplicação de atores e da natureza multidimensional da energia, o que não implica que a guerra seja incompatível com a lógica da segurança e nergética. Essa lógica orienta grande parte das ações referentes à segurança energética hodiernamente, ajudando a entender melhor a diversidade contextos e atores com os quais se confrontam as políticas estabelecidas e aplicadas, seja na esfera nacional ou internacional. Na próxima seção deste capítulo procura-se dar um passo a mais na delimitação e sistematização das medidas sobre segurança energética a partir de quatro questionamentos considerados fundamentais voltados à melhor compreensão da temática. Questões-chave para a definição das políticas de segurança energética Ao tomar como referência as exposições feitas nas seções anteriores deste capítulo, seria possível fazer uma síntese sobre a forma como podemos orientar a compreensão sobre o significado e o alcance da segurança energética, de modo a estabelecer um quadro mais objetivo e preciso para melhor delimitar a formulação de políticas e a tomada de decisão sobre a temática. Um caminho para tanto pode estar na adaptação e aplicação das quatro questões fundamentais levantadas por Williams (2008) para entender a segurança como um campo de pesquisa. Nesse caso, as questões são ajustadas e empregadas com a finalidade de determinar as especificidades

da segurança energética e, assim, avançar no entendimento das políticas relativas à temática. As perguntas-chave ficar iam assim: O que é segurança e nergética? Da segurança energética de quem se est á falando? O que conta como uma questão de segurança e nergética? Como a segurança energética pode ser alcançada? Em relação à primeira questão, Williams (2008, p. 6) assevera que “é possível identificar duas filosofias predominantes sobre segurança, cada qual emergindo fundamentalmente de diferentes pontos de partida”. A primeira filosofia concebe a segurança como sinônimo de acumulação de poder, entendida assim como uma mercadoria: para ser seguro, os atores devem possuir algo, como propriedade, dinheiro, armas, exércitos etc. O poder é pensado como um caminho para a segurança: quanto mais poder os atores podem acumular (especialmente poder militar), mais segu ros serão. A segurança energética pode ser concebida, segundo essa perspectiva, tal qual fora demonstrado por meio da lógica da sobrevivência ou da guerra, exposta na primeira seção deste capítulo. Assim, a segurança energética estaria fundamentada numa racionalidade utilitarista e conflitiva, cujo objetivo precípuo parece ser o de maximizar a satisfação de preferências de grupos, Estados ou regiões no acesso a fontes de energia. O panorama das ações e instituições constituídas no domínio da segurança energética seriam um palco para a afirmação das prioridades egoísticas dos atores, na arena nacional e internacional marcada pela desconfiança e incerteza em meio ao confronto de grupos de interesse e forças sociais, hierarquizando diversas temáticas entorno da militarização ou do poder político. Essa parece ser a lógica de Estados ou regiões que possuem intensos ou potenciais conflitos em razão da dependência energética conformada pela escassez ou abundância de recursos energéticos, envolvendo demandadas tanto de consumidores como de fornecedores externos de energia. Nesses termos, a segurança energética é concebida a partir de iniciativas voltadas a conter medidas arbitrárias de potências fornecedoras, como a quebra/ revisão unilateral de contratos, cessão de vantagens em favor de compradores específicos, combate à formação de alianças que sirvam para privilegiar mercados fornecedores ou consumidores, discriminação contra empresas provenientes de determinados Estados (cf. GOLDWYN, 2006). Da mesma forma, prevalece a preocupação com outros eventos que podem afetar a instabilidade do mercado decorrente de fatores ligados ao uso da força, tais como: atentados terroristas contra gasodutos e oleodutos; ações criminosas ou conflitos armados que ponham em risco a salvaguarde de rotas marítimas de transporte de carvão, petróleo e gás; as incertezas quanto às iniciativas voltadas à geração de energia nuclear para fins pacíficos (HAMON; DUP UY, 2008). A segunda filosofia desafia a ideia de que a segurança flui do poder, e a considera como baseada na emancipação, numa preocupação com fatores como a justiça e a promoção dos direitos humanos. A segurança seria

entendida assim como uma relação entre diferentes atores, cujas relações podem ser entendidas em termos negativos (segurança refere-se à ausência de algo ameaçador) ou termos positivos (envolvendo fenômenos que permitem e tornam algo possível). A distinção estaria comumente refletida nas ideias de segurança como a “liberdade de” e “liberd ade para”. A lógica da subsistência parece se aproximar do viés filosófico descrito no parágrafo anterior, caracterizando a segurança energética em termos de política pública voltada a atender demandas diversas, que podem ser econômicas, sociais, ambientais, tecnológica, militares, políticas e tantas outras. O planejamento estratégico é fator primordial, o qual se estabelece em diferentes dimensões temporais (curto, médio e longo prazos) e unidades políticas. O intento maior das políticas de segurança energética seria, portanto, de promover o funcionamento contínuo e sustentável da cadeia de energia (desde a produção ao consumo final), gerando condições para o desenvolvimento sustentável, e minimizando externalidades negativas na consecução desse intento de crescimento e progresso eq uilibrado. Essa parece ser a concepção sobre segurança energética adotada no único documento do governo brasileiro em que se detalha o significado de segurança energética, o “Matriz Energética Nacional 2030”, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), em colaboração com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), publicado em 2007, o qual define o termo da segui nte forma: Por segurança energética de um país compreender-se-á o adequado suprimento de energia necessário, a preços razoáveis e estáveis, para o seu desenvolvimento econômico sustentável. É importante ressaltar que o conceito de desenvolvimento sustentável, entende-se construído sobre outros três conceitos interdependentes e mutuamente sustentadores — desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental, incorrendo, portanto no compromisso entre -gerações. A segunda questão colocada por Williams (2008, p. 5) relacionada a um debate sobre o objeto referencial da segurança, isto é, identificar “quem” ou “o quê” pretende ser protegido com as medidas adotadas sobre a temática. Em relação aos objetos referenciais inerentes à segurança, Williams (2008, p. 7) esclarece que é possível verificar que as iniciativas nesse campo podem estar focadas na proteção do Estado (segurança estatal), no amparo ao ser humano (segurança humana), na tutela da sociedade e grupos sociais específicos (segurança societal), na preservação do meio ambiente (segurança ambiental) e as que se fundamentam na proteção de diferentes unidades políticas (segurança ver nacular ⁷⁶ ). A lógica da sobrevivência ou da guerra tende a fazer prevalecer a concepção de que as políticas na área de segurança energética têm o compromisso primordial de manter a existência do Estado e suas instituições, preservando a soberania nacional contra ameaças domésticas ou externas. No caso da lógica da subsistência e das considerações feitas na seção dedicada ao alcance do conceito da segurança energética, é possível perceber que as iniciativas nessa seara envolvem direta ou indiretamente vários objetos referenciais, dentre os quais destaca-se que o fluxo contínuo e adequado da

energia deve ter o papel de: garantir a proteção da vida e do desenvolvimento humano (segurança humana); preservar valores e grupos sociais, como no caso de fornecimento a comunidades indígenas (segurança societal); conservar ecossistemas no campo e na cidade, decorrente do controle das externalidade negativas da cadeia energética (segurança ambiental); preservar a soberania nacional e internacional do Estado, a partir da autonomia sobre os recursos e da diminuição da dependência externa (segurança estatal); defesa da infraestrutura física e dados relacionados à energia (segurança da infraestrutura crítica ou estratégica); manutenção das condições que permitem o progresso econômico nacional (segurança e conômica). A terceira indagação formulada por Williams (2008, p. 5) refere-se a uma discussão que visa verificar quais questões (ameaças) devem ser levadas em consideração na elaboração e execução das ações no campo da segurança. Nesse sentido, o referido autor (2008, p. 8-9) apresenta novamente duas perspectivas que costumam orientar o debate sobre a matéria. De um lado, existe o ponto de vista segundo o qual analistas de segurança devem concentrar seus esforços em assuntos (ameaças) relacionados aos conflitos armados e à possibilidade e uso efetivo da força militar, dada a grandiosidade desses desafios. Por outro lado, tem-se o argumento de que, tendo a segurança como pressuposto aliviar as ameaças graves e imediatas que impedem pessoas fazer valer seus valores mais preciosos, então, para muitos, a falta de sistemas efetivos de saúde, por exemplo, é uma ameaça muito mais premente do que os conflito s armados. Ao fazer um paralelo com a segurança energética, é possível perceber que exposições e análises feitas ao longo deste capítulo demonstraram que a existem inúmeras ameaças que podem pôr em risco o fornecimento contínuo e sustentável de energia em uma localidade, país, região ou no mundo como um todo. Diante disso, pode-se citar algumas ameaças conforme a natureza específica do fator que põe em risco ou efetivamente pode interromper o abastecimento energético e prejudicar o desenvolvimento sustentável, no contexto ao qual se refere. As diferentes perspectivas e variáveis emergem, assim, de uma análise multisetorial da segurança energética e das ameaças, as quais podem ser: Dimensão econômica : trata-se de questão relevante porque a segurança energética poderia ser ameaçada por problemas de balanço financeiro das empresas do setor ou pela elevação da cotação internacional do preço das commodities energéticas, desestabilizando o mercado a ponto de repercutir no perfeito funcionamento d o sistema; Dimensão política: trata-se de questão relevante porque a segurança energética poderia ser ameaçada pela implementação de políticas governamentais inadequadas que podem minar o mercado de energia ou provocar incertezas jurídicas a partir da intercorrência de regras inapropriadas voltadas a regulamenta r o setor; Dimensão militar: trata-se de questão relevante porque a segurança energética pode ser ameaçada por atores externos estatais ou não estatais que podem investir com o uso da força ou por meio de ações criminosas

contra a infraestrutura crítica energética nacional estabelecida em território continental ou marítimo; Dimensão ambiental: trata-se de questão relevante porque a segurança energética pode ser ameaçada por eventos naturais de pequena, média ou grandes proporções que podem pôr em risco a matriz energética nacional, cujos eventos podem ser derivados ou não da aç ão humana. Dimensão tecnológica: trata-se de questão relevante porque a segurança energética pode ser ameaçada pela dependência de tecnologia externa, a qual pode resultar, com o tempo, em dificuldades ou em altos custos relativos à manutenção de equipamentos e ao acesso às atualizações de sistemas ope racionais. As ameaças são apenas um dos aspectos que tornam cada uma das dimensões supracitadas importantes do ponto de vista da formulação e execução das políticas voltadas a garantir a segurança energética. Entretanto, a segurança energética não pode ser vista apenas sob o aspecto reativo aos riscos que derivam daquelas ameaças. É preciso também observar a dinâmica das circunstâncias a partir de um viés proativo, no sentido de fazer com que a segurança energética seja um elemento impulsionador do desenvolvimento econômico, político, militar, ambiental e tecnológico de um país e de sua sociedade como um todo. Essa perspectiva foi trabalhada na seção anterior deste capítulo de forma detalhada e articulada, e se conecta ainda com as reflexões feitas na seção que tratou da lógica da sub sistência. Por fim, a quarta e última questão posta por Williams (2008, p. 5) incorpora uma discussão sobre como indivíduos e grupos podem alcançar a segurança. Em relação a essa indagação, o autor (2008, p. 9) destaca que a resposta não será alcançada apenas quando sabemos “o que significa segurança e o que ela parece ser em diferentes partes do mundo, mas também que existem atores particulares que, por meio de seus esforços conscientes, podem moldar o futuro nas formas desejadas”. Diante disso, acaba ressaltando a capacidade dos interessados – ou a quem que se dirijam as ações – de tolerar o emprego de certas medidas, as quais, em certos casos, podem ser consideradas extremas ou excepcionais, fora da normalidade das medidas governamentais ou privadas corriqueiramente adotadas para lidar com o assunto. Complementarmente, destaca a interveniência de diversos atores na promoção da segurança energética, enfatizando as ações dos Estados, das organizações internacionais e dos agentes não-estatais para alcançar tal f inalidade. Conforme fora exposto anteriormente, nos esforços envidados com o escopo de conformar a segurança energética, admite-se desde medidas extremas como o uso da força para fazer valer interesses legítimos de consumidores e fornecedores de energia, até ações cotidianas do poder público junto às empresas e à sociedade voltadas a manter seja a produção como o consumo de energia sustentáveis do ponto de vista ambiental. Com isso, pretende-se preservar tanto as condições necessárias para um adequado fornecimento de energia, como também não fazer das atividades presentes na cadeia energética um problema para a vida humana, animal e vegetal, ou de outros

fatores necessários a manutenção da vida no planeta e o desenvolvimento humano e social. Na mesma medida, pode-se dizer da necessidade de ações de natureza diversificada e referentes aos mais variados aspectos da realidade econômica e política de um país, de modo a manter instituições e normas funcionando de modo apropriado, sendo estabelecidas de forma clara e tra nsparente. Além disso, pode-se destacar o papel decisivo dos Estados nas ações de segurança energética, o qual podem agir tanto na condição de principais promotores do desenvolvimento do setor de energia, como também na condição de obstáculos ao seu perfeito funcionamento. O papel negativo do Estado nesses casos é notório quando a realidade expõe que sua atuação é marcada por desvios de função, cujas ações dos agentes estatais nem sempre vão ao encontro dos anseios da sociedade, mas de grupos de interesse que pretender ver suas demandas particulares serem atendidas, em detrimento do bem-estar coletivo. Quanto a essa questão, vale a pena ressaltar que a responsabilidade política para garantir a segurança (energética) toma várias direções a partir dos Estados, em que acima estão as instituições internacionais, abaixo as organizações regionais e governos locais, e dos lados as organizações não-governamentais, a opinião pública e a imprensa, bem como forças abstratas da natureza ou do mercado (SMITH, 200 2, p. 10). Considerações finais Como foi possível perceber, as discussões sobre o significado de segurança energética são extremamente complexas, dada a variedade de fatores que incidem sobre a compreensão do que é segurança e o papel da energia nesse contexto. Consequentemente, torna-se igualmente desafiadora a tarefa de identificar as características e os limites precisos das políticas governamentais e não governamentais sobre a matéria, seja qual for o lugar e o tempo aos quais haverão d e incidir. Diante das inúmeras questões confrontadas ao longo deste capítulo, não se tem a pretensão de dirimir terminantemente as controvérsias sobre o significado da segurança energética nem tão pouco determinar os contornos definitivos das políticas que lhes são correlatas. A pretensão é bem mais modesta e se restringe a expor e sistematizar algumas perspectivas analíticas, visões de mundo e possíveis orientações sobre o tratamento efetivo da temática, em variados contextos. Isso posto, cabe a seguinte questão: quais os possíveis caminhos para abrandar as incertezas no tratamento da segurança energética diante da miríade de desafios, atores, interesses e objetivos que incidem sob re o tema? Diante dessa disputa que se apresenta entre os inúmeros tipos de abordagens, a solução pode estar, em primeiro lugar, no entendimento de que não parece existir um modelo ou fórmula única para tratar a segurança energética, mas a coexistência de diferentes formas de conceber e lidar com a dinâmica das relações que se desenvolvem em determinado contexto sobre a matéria. Logo, deve-se considerar as inúmeras alternativas existentes, não descartando a princ í pio nenhuma delas e tentando entender o sentido e a

finalidade a que se presta cada um. A partir disso seria possível construir cenários que permitam estipular as repercussões imagináveis ao se decidir pela adoção de uma abordagem ou as implicações diante da exclusão de uma ou outra perspectiva. Esse exercício analítico, também não resolve, mas, certamente, ajuda na escolha de alguma solução e na eliminação de outras. Em segundo lugar, é preciso compreender que o significado, e as práticas inerentes às políticas de segurança energética, só poderá ser efetivamente determinado se for analisado o sentido que adquirem segundo as circunstâncias em concreto com as quais se está confrontando. Nesse sentido, é preciso levar em consideração como o significado e as práticas sobre o tema vêm sendo socialmente estabelecidos e executados ao longo tempo sobre a segurança energética na respectiva unidade política na qual se pretende intervir, seja local, nacional, regional ou global. Com isso, será possível identificar aspectos relevantes como ideias, valores e preferências que se consolidaram e precisam ser modificados ou observados no tratamento da questão em e specífico. Da mesma forma, parece ser essencial refletir sobre a aplicação de modelos “importados” de outras realidades, sem a devida crítica ou adaptação necessárias, de modo a evitar assim desde a dependência tecnológica à imposição de práticas paras as quais os atores não estão preparados e as circunstâncias locais não são adequadas. No mesmo sentido, impõe-se a necessidade de considerar os diferentes grupos de interesses que se colocam em favor de uma ou outra escolha; o que torna essencial estabelecer critérios de transparência, publicidade e igualdade de condições no processo de formulação e tomada de decisão sobre políticas dirigidas à segurança e nergética. Os desafios são muitos e apresentam formas variadas, e o mesmo pode ser dito em relação às possíveis soluções existentes. Caberá, portanto, conhecer as diferentes abordagens e conhecer o contexto específico em que serão aplicadas. REFERÊNCIAS ALDEN, Chris; LARGE, Dan; OLIVEIRA, Ricardo Soares de. China Returns to Africa : A Continent and a Rising Power Embrace. London: New York, Hurst Publishers and Columbia University Pr ess, 2008. BIELECKI, J. Energy Security: Is the Wolf at the Door? The Quarterly Review of Economics and Finance , n. 42, p. 235 -250. 2002 BOOTH, Ken. Theory of World Security . Cambridge: New York, Melbourne, Madrid, Cape Town, Singapore, São Paulo: Cambridge University Pr ess, 2007. BRAITHWAITE, Alex. The Geographic Spread of Militarized Disputes. Journal of Peace Research , v. 43, n. 5, p. 507‐ 522. 2006. BRASIL. Ministério de Minas e Energia – MME. Matriz Energética Nacional 2030. Brasília: MME, EPE, 2007.

BRAUCH, Hans Günter et al. (ed.). Coping with Global Environmental Change, Disasters and Security – Threats, Challenges, Vulnerabilities and Risks. Hexagon Series on Human and Environmental Security and Peace. Berlin, Heidelberg, New York, Springer-Ver lag, 2011. BUBANDT, Nils. Vernacular Security: The Politics of Feeling Safe in Global, National and Local Worlds. Security Dialogue, v. 36, n. 3, p. 275–296, set. 2005. BUZAN, Barry. Power, and Security: Contending Concepts in the Study of International Relations. Journal of Peace Research , v. 21, n. 2, Special Issue on Alternative Defense, p. 109-125, jun. 1984. BUZAN, Barry. People, States and Fear: An agenda for International Security Studies in the Post-Cold War Era. London: Harvester Wheatsh eaf, 1991. BUZAN, Barry; WÆVER, Ole; WILDE, Jaap de. Security: A New Framework for Analysis. Boulder, CO. Lynne Rien ner, 1998. CIUTĂ, Felix. Conceptual Notes on Energy Security: Total or Banal Security? Security Dialogue , v. 41, n. 2, p. 123-144, abr. 2010. CORRELJE, Aad; LINDE, Coby van der. Energy Supply Security and Geopolitics: A European perspective. Energy Policy , n. 34, p. 532– 543, 2006. DALBY, Simon. Jousting with Malthus’ Ghost: Environment and Conflict after the Cold War. Geopolitics , v. 1, n. 5, p. 165‐ 175. 2000. DEESE, David A. Energy: Economics, Politics and Security. International Security. v. 4, n. 3, Winter, p. 140-153, 1979-1980. FARREL, Mary; HETTNE, Björn; LANGENHOVE, Luk Van (ed.). Global Politics of Regionalism : Theory and Practice. London: Pluto Pr ess, 2005. FUSER, Igor. Panorama da Integração Energética na América do Sul : Impasses e Perspectivas de Avanço. Rio de Janeiro: CEBRI, 2015. Disponível em: http://midias.cebri.org/arquivo/panorama-integra%C3%A7%C3%A3oenerg%C3%A9tica_vol2.pdf. Acesso em: nov. 2017. GLEDITSCH, Nils Petter. Armed Conflict and The Environment: A Critique of the Literature. Journal of Peace Research , v. 35, n. 3, p. 381‐ 400, 1998. GOLDTHAU, Andreas; WITTE, Jan Martin. The Role of Rules and Institutions in Global Energy: An Introduction. In: GOLDTHAU, Andreas; WITTE, Jan Martin (ed.). Global Energy Governance : The New Rules of the Game. Washington, D.C.: Brookings Institution Pr ess, 2010. GOLDWYN, David L. Energy Security : The New Threats in Latin America and Africa, Current History; Dec; 105, 695, p. 441- 446, 2006. HAMON, David W.; DUPUY, Arnold C. Security of Energy: The Conflict After Next? Strategic Insights , Volume VII, Issue 1 (Februa ry), 2008.

HUMPHREYS, M. Natural Resources, Conflict, and Conflict Resolution: Uncovering the Mechanisms. Journal of Conflict Resolution, v. 49, n. 4, p. 508- 537, 2005. IEA – INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. Energy Technology Policy. Paris: OECD/ IEA, 1985. KALICKI, Jan H.; GOLDWYN, David L. Introduction: The Need to Integrate Energy and Foreign Policy. In: KALICKI, Jan H.; GOLDWYN, David L (ed.). Energy & Security : Toward a New Foreign Policy Strategy. Washington, D.C.: Woodrow Wilson Cen ter, 2005. KLARE, Michael. Rising Powers, Shrinking Planet: The New Geopolitics of Energy. New York, Metropolitan Bo oks, 2009. LANGLOIS-BERTRAND, Simon. The Contemporary Concept of Energy Security. Defence R&D Canada – Centre for Operational Research and Analysis, 2010–148, jul. 2010. LARGE, Daniel. China’s Sudan Engagement: Changing Northern and Southern Political trajectories in Peace and War. The China Quarterly , n. 199, p. 610-626, set. 2010. MAWHINNEY, Mark. Desenvolvimento Sustentável: Uma Introdução ao Debate Ecológico. Trad. Cláudio Queiroz. São Paulo: Edições Loy ola, 2005. MCDONALD, Patrick J. The Purse Strings of Peace. American Journal of Political Science , v. 51, n. 3, p. 569‐ 582, 2007. MCSWEENEY, Bill. Security, Identity and Interests : A sociology of International Relations. Cambridge, Cambridge University Pr ess, 1999. MORSE, Edward L.; RICHARD, James. The Battle for Energy Dominance. Foreign Affairs, v. 81, n. 2, p. 1-9, 2002. MULLIGAN, Shane. The Changing Face of Energy Security (paper). In: 80th Annual Conference of the Canadian Political Science Association , Vancouver (Canada), 4-6 Jun, 2008. NERLICH, Uwe. Energy Security or a New Globalization of Conflicts? Oil and Gas in Evolving New Power Structures. Strategic Insights , v. 7, n. 1, fev. 2008. PAIVA, Iure. As Dimensões Militares, Ambientais e Econômicas da Segurança Energética: Análise a partir dos Desafios e Oportunidades do Brasil no Contexto Internacional. Tese de Doutorado (Programa de PósGraduação em Ciência Política) – UNICAMP, Campi nas, 2015. PETERS, Susanne. Coercive Western Energy Security Strategies: ‘Resource Wars’ as a New Threat to Global Security. Geopolitics , v. 9, n. 1, p. 187-212, m ar. 2004.

PRONINSKA, Kamila. Energy and Security: Regional and Global Dimensions. In: SIPRI Yearbook 2007 – Armaments, Disarmament and International Security. Oxford University Press, p. 215- 240, 2007. RATNER, Michael et al. (coord.). Europe’s Energy Security: Options and Challenges to Natural Gas Supply Diversification. In: Congressional Research Service Report R42 405 , 2012. ROMM, Joseph J . Defining National Security : The Non-Military Aspects. New York, Council on Foreign Relations Pr ess, 1993. SANTOS, Leandro Wolpert dos. O Processo de Securitização da Energia e suas Condições Facilitadoras . Centro de Direito Internacional, Belo Horizonte, maio de 2014. Disponível em: http:// centrodireitointernacional.com.br/wp-content/uploads/2014/05/ArtigoLeandro-Wolpert-dos-Santos.pdf. Acesso em: dez. 2017. SHARP, Travis. Resource Conflict in the Twenty‐First Century. Peace Review , v. 19, n. 3, p. 323‐ 330, 2007. SHINODA, Hideaki. The Concept of Human Security: Historical and Theoretical Implications. In: SHINODA, H.; JEONG, W. H. (ed.). Con fl ict and Human Security: A Search for New Approaches of Peace-Building. IPSHU English Research Report Series, n.19, p. 5 -22, 2004. SMITH, Steve. The Contested Concept of Security, Institute of Defence and Strategic Studies (IDSS). In: Working Papers 23/02 (The Concept of Security Before and After September 11). Singapore, Nanyang Technological Univers ity, 2002. WILLIAMS, Paul D. (ed.). Security Studies : An Introduction. New York, London, Routle dge, 2008. WOLFERS, Arnold. “National Security” As an Ambiguous Symbol. Political Science Quarterly , v. 67, n. 4, p. 481-502, dez. 1952. YERGIN, Daniel. Energy Security in the 1990s. Foreign Affairs , v. 67, n . 1, 1988. 6 CONTEÚDO LOCAL NO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS: DEBATE E PRÁTICA NO BRASIL DE 2 000 A 2017 Giorgio Roma no Schutte Introdução A campanha eleitoral de 2002 coincidiu com o processo de licitação da plataforma P-51 pela Petrobras que seria instalada no campo Marlim Sul. Esse campo ficou com a Petrobras na Rodada Zero e não havia nenhuma obrigação contratual de Conteúdo Local (CL), o que implicaria exigir dos fornecedores do contrato compromissos mínimos de aquisição de equipamentos e serviços produzidos no Brasil. O candidato Lula resolveu

transformar a licitação em um tema de campanha para mostrar a diferença entre suas propostas e as políticas adotadas na década de 1990 e se comprometeu a promover a nacionalização das compras da Petrobras. Diante disso, e para não gerar mais tumulto do que já havia no mercado com a perspectiva de Lula ganhar as eleições, a Petrobras decidiu cancelar a licitação das plataformas P-51 e P-52, prevista para dezembro 2002. Já no governo Lula, a nova direção da Petrobras introduziu modificações no edital original da P-51 para garantir maior participação da indústria nacional. Silva (2009) considerou que “as licitações das plataformas semissubmersíveis P-51 e P-52 e do FPSO P-54 podem ser consideradas um divisor de águas na política de compras da estatal brasileira.” A política de CL em torno da exploração e produção do petróleo passaria a ser um dos pilares da política industrial durante os governos do Lula e Dilma a partir de uma concepção neodesenvolvimentista ⁷⁷ . Logo, também foi um dos elementos fortemente criticados e objeto de alteração drástica a partir da entrada do presidente Temer em 2016. Nesse capítulo serão apresentados as políticas e os debates em torno do CL, seu desenvolvimento e os posicionamentos dos diversos atores envolvidos. O período abordado é de 2000 a 2017, embora se trate de assunto que, muito provavelmente, continuará na pauta ao longo da exploração do Pré-Sal. Para isso, apresentamos primeiro o conceito de CL geral, em seguida, abordar a indústria petrolífera, as políticas dos governos Lula e Dilma, a especificidade da realidade brasileira e, por fim, a política do governo Mic hel Temer. Requerimentos de Conteúdo Local- Contextualização O conceito de CL (em inglês: local content requirements ) deve ser entendido como instrumento de política industrial. Em estudo preparado para a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), aparece a seguinte definição: Local content requirements are provisions (usually under a specific law or regulation) that commit foreign investors and companies to a minimum threshold of goods and services that must be purchased or procured locally. From a trade perspective, local content requirements essentially act as import quotas on specific goods and services, where governments seek to create market demand via legislative action. They ensure that within strategic sectors – particularly those such as oil and gas with large economic rents, or vehicles where the industry structure involves numerous suppliers – domestic goods and services are drawn into the industry, providing an opportunity for local content to substitute domestic value-addition for imported inputs. (WTI Advis ors, 2013) Trata-se, portanto, de política industrial chamada vertical , por ser focada em um setor específico, ao contrário de políticas horizontais . Chang (2004a) relatou que o CL foi utilizado amplamente por Estados (países) desenvolvidos quando em processo de desenvolvimento e continua sendo utilizado em setores classificados como estratégicos. Kumar (2013) mostrou que o uso de critérios de desempenho para a realização de investimentos tende a contribuir positivamente com o processo de industrialização. Cabe observar que o uso de CL em Estados em desenvolvimento era discutido, em

geral, em relação a investimentos externos diretos (CHANG, 2004b), mas, no caso do Brasil, o CL era importante, também, para garantir o adensamento das cadeias em torno de empresas nacionais, no caso a Petrobras. Na discussão da economia mainstream, o CL deveria estar relacionado a políticas para corrigir falhas de mercado (TORDO; WARNER; MANZANO; ANOUTI, 2013). Ao final, por que o próprio mercado não conseguiria garantir aumento do CL diante da expansão da demanda? Em uma perspectiva desenvolvimentista, o desafio vai muito além de corrigir falhas de mercado. Há um problema estrutural que exigiria um forte compromisso do Estado para garantir o aproveitamento da oportunidade para investimentos ind ustriais. Outro fator a ser considerado era o impacto da exportação em grande volume de uma commodity como o petróleo sobre o câmbio e a subsequente tendência à desindustrialização ou ao constrangimento para a industrialização ⁷⁸ . Nesse caso, a política de CL faria parte de um esforço para conter esse impacto. Embora haja o risco de essa política ser confundida com o protecionismo da época do nacional-desenvolvimentismo – que gera unicamente reserva de mercado – abre-se também um caminho para garantir geração de emprego, renda e tecnológica no país, o que não necessariamente seria de interesse das empresas globais olig opolistas. O objetivo dos requerimentos de CL é efetivamente contribuir com o desenvolvimento industrial-tecnológico local, embora para isso seja preciso implementar uma série de outras políticas que garantam aumento da produtividade. Para isso, uma política de CL exigiria a identificação do hiato entre a capacidade existente de oferta da indústria de um lado e, de outro, a demanda de bens e serviços para poder identificar os gargalos e desenvolver políticas específicas para aumentar e melhorar a oferta. Na maioria dos casos a política de CL é também de atração de empresas estrangeiras para determinados setores com potencial de contribuir com trajetórias de aprendizagem tecnológica ⁷⁹ . Está, portanto, dada a existência de oportunidades, mas também dos riscos dessa política, o que exige acompanhamento e monitoramento dos vários setores envolvidos para garantir um processo contínuo de aperfeiçoamento e correção. Também está implícito no conceito que, sem a aplicação dos requerimentos, haveria um aumento das importações a custos e, talvez, qualidade e prazos melhores. Com isso, haveria, porém, vazamento e perda do efeito mult iplicador. Nesse sentido, de fato, “Local content policies are in essence a trade-off between short-term efficiency and long term economic development” (TORDO; WARNER; MANZANO e ANOUTI, 2013, p. 10). O CL, por definição, refere-se à determinada cadeia de produção e valor e pressupõe, portanto, seleção e identificação de oportunidades muitas vezes ligadas à existência de uma realidade específica que abre essa oportunidade. No caso deste estudo, a oportunidade concreta era identificada a partir das reservas de petróleo, sobretudo a partir das descobertas do Pré-Sal, da Bacia d e Santos. O setor petrolífero tinha vasta experiência internacional com CL, em particular a partir da exploração de P&G no Mar do Norte, na década de 1970, pelo Reino Unido e a Noruega. Tratava-se especificamente de uma

tentativa de estimular o adensamento das cadeias produtivas nacionais tanto no que se refere encadeamento para trás, upstream (fornecimento de bens e serviços para a exploração com destaque para a indústria naval no caso do offshore ⁸⁰ ) quanto para a frente, downstream (transformação de petróleo em combustíveis, a petroquímica e os fertilizan tes etc.). O Reino Unido criou, em 1973, o Offshore Supplies Office para garantir a máxima participação de fabricantes e empresas de serviços britânicas com o objetivo declarado de elevar o CL de 30% para 70%, chamado política de Full and Fair Opportunity (JENKIN, 1981). Na Noruega, o governo criou a estatal Statoil, em 1971, e um ano depois, entrou em vigor decreto que estabeleceu a preferência para produtos e serviços locais. Um estudo sobre essa experiência, considerada amplamente exitosa, concluiu: “ During the late 1970s and early 1980s local firms probably were chosen even if they were not the most cost effective .” (NORDAS; VATNE; HE UM, 2003). No caso do Brasil, a Petrobras tinha o monopólio de exploração e produção até 1995. Desde sua criação, em 1953, sua política de compras se deu em um contexto nacional-desenvolvimentista e foi fundamental para o surgimento de um parque nacional de produção de equipamentos e serviços. Essa política foi abandonada com a chegada da onda liberal na década de 1990. A Petrobras diminuiu o CL de suas compras no âmbito da liberalização comercial e, ao mesmo tempo, houve impacto negativo da sobrevalorização do real, resultante da âncor a cambial. Além do mais, a Petrobras adotou uma política de terceirização, seguindo a tendência das grandes empresas privadas, inclusive de atividades de inovação e de engenharia. Quem ganhou esses contratos foram as empresas para-petrolíferas internacionais que tinham a sua estrutura de fornecedores ( global sourcing ). Ou seja, além de aumentar importações a Petrobras começou a contratar soluções turn-key (pacotes prontos) junto às grandes empresas internacionais de engenharia (NEGRI, 2010) prejudicando a estrutura de fornecedores locais. Furtado (2003) conclui a respeito: Houve uma desnacionalização do mercado de serviços de engenharia em função da falta de empresas locais com capacidade organizacional e fôlego financeiro suficiente para assumir essa nova modalidade de contratos. Em paralelo, o governo lançou, em 1999, o Repetro, um regime aduaneiro especial, que permitiria, durante sua vigência de vinte anos, a importação de equipamentos específicos para serem utilizados diretamente nas atividades de exploração (pesquisa) e produção (lavra) de P&G, sem a incidência dos tributos federais. Como consequência, houve falências e incorporação de outras empresas por multinacionais. Ou seja, coerente com uma visão liberal, a equipe econômica forçou a Petrobras a se comportar como se fosse uma empresa privada ⁸¹ . A capacidade de fomentar a indústria nacional deixou de fazer parte das pri oridades. A primeira rodada de licitações para exploração, desenvolvimento e produção de P&G, a Rodada Zero, ratificou, em 1998, os direitos da Petrobras na forma de contratos de concessão, conforme a nova Lei do Petróleo (1997), sobre as áreas em que a empresa houvesse já realizado investimentos, e não previa regras de CL. Mas, logo em seguida, a partir do

início do segundo governo FHC, a ANP decidiu incluir exigências de CL mínimo nas rodadas de licitação. Outra iniciativa importante foi o Programa de Renovação da Frota de Embarcações de Apoio Marítimo (Prorefam), anunciado em 1999 e que entrou em operação em 2000. Ele garantiu a retomada, embora modesta, da indústria naval que havia quase desaparecido. Na primeira fase, o Prorefam garantiu a construção de dezoito embarcações de apoio para as operações da Petrobras na Bacia de Campos. Outra norma de grande relevância foi a inclusão da cláusula de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) que faz parte dos contratos de concessão desde a primeira rodada. Por essa cláusula, as concessionárias dos campos de alta produtividade, ou seja, em que se aplicam as participações especiais, são obrigadas a investir 1% da sua receita bruta em P&D, sendo metade do valor em instalações próprias e a outra em instituições científicas e tecnológicas, cadastradas e aprovadas pela ANP. Na prática, são sobretudo as universidades públicas de ponta que efetuam pesquisas. Observa-se, portanto, que as políticas de CL e de apoio governamental para a revitalização da indústria naval, aproveitando a demanda da Petrobras, foram concebidas, embora muito modestamente, ainda no segundo governo FHC, o mesmo que promoveu a liberalização e introduziu o Repetro, reforçando a tese de Sallum sobre a existência de contradições internas e uma vertente caracterizada como liberaldesenvolvimentista naquele governo (SALL UM, 1999). O conteúdo local no Governo Lula No governo Lula, a política de CL, embora já existente passou por mudanças quantitativa e qualitativa. A descoberta do Pré-Sal em 2006, e seu anúncio em 2007, devam ser considerados um marco importante, mas, na verdade, já estava em curso desde o início do governo Lula, em 2003, uma priorização do CL, que se refletia em um conjunto de medidas constantes de sua a plicação. Conforme mencionado, desde a primeira Rodada, o CL era parte do critério de seleção. Da primeira até a quarta Rodada, o compromisso com o CL poderia render até 15% da nota máxima (até 3% pelo CL na fase de exploração e 12% na fase de desenvolvimento). O restante da nota era dada pela oferta de bônus de assinatura. Não havia exigência mínima de CL. A partir da quinta Rodada, realizada em agosto de 2003, já no governo Lula, entrou a exigência de percentual mínimo e foi introduzida ainda uma diferenciação entre a aquisição de bens e serviços destinados a blocos terrestres, blocos localizados em águas rasas ou blocos em águas profundas.

Havia também uma preocupação em dar credibilidade à política de CL e criar as condições para aumentar os índices ⁸² . Com o Decreto 4925/2003, o governo instituiu o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), com o objetivo de “fomentar a participação da indústria nacional de bens e serviços, de forma competitiva e sustentável, na implantação de projetos de petróleo e gás no Brasil e no exterior”. O Programa, na verdade, era estruturado como um fórum de articulação permanente, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e a Petrobras, para o desenvolvimento de ações concretas, com ênfase na ca pacitação. Foi no âmbito do Prominp que se criou uma metodologia de cálculo de CL de bens, sistemas, subsistemas e serviços para poder realmente identificar a origem de fabricação dos componentes de cada equipamento e calcular o valor dos insumos importados em comparação com o valor total. A ideia era também dar maior transparência. Essa metodologia deu origem, em 2004, à Cartilha de Conteúdo Local, posteriormente, em 2007, incorporada como documento oficial da ANP por meio da Resolução nº 36 (depois renumerada, nº 19). ⁸³ A cartilha define o CL de Bens como sendo ”o percentual que corresponde ao quociente entre a diferença entre o valor total de comercialização de um bem (excluídos IPI e ICMS) e o valor da sua respectiva parcela importada e o seu valor total de comercialização (excluídos IPI e ICMS)” (ANP, 2004, p. 5). Não obstante, os avanços na quinta Rodada, foi na sétima, realizada em outubro de 2005, que se consolidou de vez a nova política de CL com o estabelecimento de índices obrigatórios por faixa e com limites mínimos e máximos ⁸⁴ (ver tabela 1); diferenciação por determinados itens e subitens; e introdução da referida Cartilha de Conteúdo Local (FIEB, 2015, p. 9). Para fazer frente ao desafio de acompanhar a implementação dos percentuais de CL ofertados, a ANP instituiu, em abril de 2007, a Coordenadoria de Conteúdo Lo cal (CCL). Tabela 1: Limites mínimos e máximos por áreas na 7ª Rodada de Licitações para Exploração e Produção de Petróleo e G ás Natural Fonte: ANP O rigor com o qual se pretendia estabelecer os índices distanciou-se dos índices globais aplicados anteriormente e do próprio conceito de “produto nacional” definido até então como sendo qualquer produto fabricado no país com índice de importação inferior a 40% de seu valor de venda ⁸⁵ . Para a operacionalização dessa nova política, o governo aperfeiçoou a forma de averiguação do CL, exigindo, a partir da sétima Rodada uma certificação emitida por uma empresa independente credenciada pela ANP. As certificadoras se tornaram responsáveis por medir e informar à ANP o CL dos bens e serviços contratados pelas conces sionárias. O processo de certificação devia ocorrer ao longo de toda a cadeia de suprimentos. O Relatório de Conteúdo Local era entregue trimestralmente para a ANP, junto com outra exigência contratual, que era o Relatório de Investimento. Essas regras de CL, implantadas na sétima rodada, foram as mesmas utilizadas tanto nas Rodadas sete a doze, quanto na Cessão Onerosa

e na Partilha. Na tabela 2 pode-se observar o salto quantitativo a partir da quinta Rodada e a manutenção dos altos índices nas Rodadas subs equentes. Tabela 2: Médias de CL nas Rodada de Licitações para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural entre 1 999 e 2015 Fonte: ANP, 2015 Sem dúvida, havia um custo de transação nesse processo e sua complexidade se tornaria, ao longo dos anos, um dos principais alvos de crítica. A princípio, existiu uma tentativa de evitar excessiva rigidez, possibilitando o uso de critérios de exceção quando a norma não fosse aplicável nas condições do mercado local ou quando não fosse razoável exigir a sua aplicação ( waiver ). Os casos previstos nas normas da ANP eram: se o preço dos fornecedores locais fora excessivamente alto em relação aos fornecedores internacionais; se o prazo de entrega, em comparação com os fornecedores internacionais, comprometesse a produção do petróleo; ou se a tecnologia não estivesse disponível int ernamente. Esses casos deveriam ser submetidos à aprovação pela ANP e, se concedido o waiver, se aplicava somente a um item específico, sem alterar o percentual global exigido contratualmente. O problema que apareceu foi o uso excessivo do waiver e os critérios arbitrários para sua concessão, que se tornariam referência para desmoralizar a política de CL e foram, inclusive, objeto de açã o do TCU. Desde o Prominp o governo teve atenção para o desafio de eliminação dos principais gargalos da competitividade da indústria fornecedora para tonar a política de CL de fato uma política de desenvolvimento nacional. Ainda nessa linha, em 2006, a Petrobras, junto com o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE-UFRJ), fez o primeiro Estudo de Competitividade da Indústria Brasileira de Bens e Serviços do Setor de Petróleo e Gás Natural . O estudo analisou, ao longo de 2006 e 2007, o nível de competitividade de 18 segmentos da indústria fornecedora de petróleo e gás natural no Brasil e apontou as seguintes estratégicas para adensar as cadeias de fornecedores nacionais: ampliação da capacidade produtiva dos setores de alta competitividade; desenvolvimento da competitividade dos setores de média competitividade; incentivo ao desenvolvimento de novos entrantes nacionais; incentivo à associação de empresas nacionais com empresas estrangeiras; e incentivo à instalação de empresas estrangeiras no Brasil ⁸⁷ . Outro estudo, realizado pelo Ipea em cooperação com a Petrobras, chegou à conclusão de que “a política de elevação de conteúdo local tem significado uma recuperação importante na capacidade de produção, dos investimentos e dos trabalhadores” (NEGRI, 2011, p. 57). O estudo detalhou a importância da cadeia de milhares de fornecedores em torno da Petrobras que colocava especificações de qualidade e de desempenho em patamares superiores aos vigentes no mercado brasileiro, o que gerava o potencial para seus fornecedores aumentarem sua atuação. Concretamente, as empresas fornecedoras da Petrobras usufruíram de rendimentos crescentes de escala e melhores condições para exportar, embora a própria expansão da demanda da estatal acabaria por desestimular a atuação em outros mercados.

Pode-se observar, portanto, que o governo Lula, em um primeiro momento, não alterou o marco regulatório introduzido pelo anterior, e tampouco considerou recomprar as ações da Petrobras, realizadas no âmbito do programa de desestatização do governo FHC ⁸⁸ , mas a política de CL logo se tornou mais forte e a Petrobras foi orientada a retomar seu papel de indutor no Brasil do desenvolvimento i ndustrial. Pré-Sal ⁸⁹ A partir das descobertas de grandes jazidas de P&G abaixo de camadas de sal, em altas profundidades, o governo anunciou oficialmente, em novembro de 2007, a existência de nova realidade geológica para o País e para a indústria petrolífera internacional: a província do Pré-Sal, mapeada em região que vai do norte de Santa Catarina, passando por São Paulo e Rio de Janeiro, ao sul do Espírito Santo, a uma distância de mais de 200km da costa brasileira. Diante da nova realidade, o presidente Lula tomou a decisão de interromper o processo de licitação em curso e abrir um debate a respeito da necessidade de alterar o marco regulatório de concessão, que havia sido introduzido em 1997, junto com o fim do monopólio da Petrobras. Essa decisão não implicaria quebra de contrato, mas uma nova legislação para uma nova realidade. Assim, em dezembro de 2007, foram retirados 41 blocos, situados na área do Pré-Sal, da nona rodada. Durante o período de dezoito meses, o governo fez um trabalho interno de estudo e debate que resultou em um conjunto de propostas, encaminhadas ao Congresso Nacional em 31 de agosto de 2009, visando a introdução de um marco regulatório específico para a exploração de P&G no Pré-Sal. Chama a atenção, sobretudo, que essa discussão em torno do novo marco regulatório não tenha entrado na agenda dos debates da campanha eleitoral em meados de 2010, apesar de sua importância vital para o Brasil. A nova legislação foi aprovada pelo Congresso e sancionada nos últimos dias do mandato do presidente Lula, no final de dezembro de 2010. Eram basicamente quatro as premissas que sustentavam a centralidade do PréSal: que as reservas economicamente recuperáveis fossem gigantes; que a Petrobras teria a capacidade tecnológica para explorar e produzir essas reservas; que seria uma atividade com grande encadeamento produtivo; e que a transição necessária para uma matriz energética não-fóssil, energias renováveis, levaria décadas. O Pré-Sal iria ampliar muito o poder de compra – que já era enorme – da Petrobras e das demais operadoras, que poderia implicar aumento brutal das importações ou a criação de capacidade produtiva nacional. Nessa escolha, seria determinante a adoção de políticas públicas seletivas para aproveitar as oportunidades e garantir que o crescimento esperado qualificasse a base produtiva. Concretamente, a Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, que introduziu o modelo de partilha, também alterou a Lei do Petróleo em 1997, ao dar ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) as atribuições para 1) definir a estratégia e a política de desenvolvimento econômico e tecnológico da indústria de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, bem como da sua cadeia de suprimento; e 2) induzir o incremento dos índices mínimos de conteúdo local

de bens e serviços, a serem observados em licitações e contratos de concessão e de partilha de produção. A política de CL ganhou, portanto, uma relevância política superior ao sair do âmbito considerado mais técnico da ANP par a o CNPE ⁹⁰ . O novo marco regulatório tinha dois objetivos. De um lado, o aumento da captura da renda perolífera pelo Estado, que de fato aumentou de menos de 57% no modelo de concessão para pouco mais de 70% no modelo de partilha ⁹¹ . E, de outro, uma modesta reestatização do controle sobre a produção. A obrigatoriedade de a Petrobras ser operadora única na província do Pré-Sal, e deter no mínimo 30% dos consórcios, garantiu sua centralidade nas principais decisões operacionais, entre as quais toda a política de compra do setor em geral. A partilha introduziu também a novidade de o Estado não ficar somente com a captura de renda financeira, mas também com petróleo, o que, em tese, poderia ser a base para uma política comercial que levasse em consideração interesses econômicos mais amplos. Para aumentar a captura da renda, seria possível aumentar simplesmente as percentagens de royalties e participações especiais. O que, portanto, parecia ser o ponto fundamental era a escolha por uma gestão mais estatal da exploração das riquezas do Pré-Sal. Nesse sentido, era válida a crítica do Guimarães de que “A Lei do Pré-Sal significa ainda um retorno à situação observada anteriormente ao fim do monopólio estatal, na qual a participação das empresas locais no suprimento do setor se definia no âmbito da política de compras da Petrobras” (GUIMARÃES, 2012, p. 9), embora, para esse autor, isso seria por si algo negativo. Assim, o Pré-Sal ampliou muito a importância da política de CL para o desenvolvimento industrial-tecnológico do Brasil e colocou de forma explícita a Petrobras como responsável pela organização desse esforço. Com isso, aumentaram os potenciais ganhos, mas aumentaram também os desafios e os riscos envolvidos com essa política. A escala e a perspectiva temporal, que justificavam pensar em um mercado grande por muito tempo, reforçaram essa aposta. Não faria, por exemplo, sentido construir um estaleiro para montar uma sonda ⁹² que poderia ser comprada ou afretada mais barato no exterior. Agora se projetava uma demanda de dezenas de sondas. Com isso, surgiu a possibilidade de planejar a montagem de um conjunto de estaleiros que passariam por nova curva de aprendizagem, aproveitando a economia de escala para gerar capacidade produtiva que pudesse, em um segundo momento, tornar-se independente da demanda da Petrobras e concorrer internacio nalmente. O Pré-Sal abriu um mercado de investimentos estimados, inicialmente pela ONIP, em R$ 400 bilhões entre 2010 e 2020, em setores de máquinas e equipamentos, construção naval, e vários serviços (ONIP, 2010, p. 7), mas colocava o desafio de escala, de tecnologia e da capacidade para acompanhar o ritmo da demanda da Petrobras. Morais (2013, p. 255) caracterizou a estratégia do governo da seguinte forma: “O ritmo dos investimentos no Pré-Sal vem sendo condicionado pela capacidade de oferta de bens e serviços por parte da cadeia nacional de fornecedores de bens e se rviços...”

Uma das tentativas para planejar o CL e dimensionar melhor a capacidade produtiva da indústria local foi a atualização, em 2010, do Estudo da Competitividade (projeto IND-P&G-60), coordenado pela Petrobras, ampliando sua abrangência para 25 segmentos industriais. O objetivo principal era estimar o CL possível de ser atingido nos empreendimentos da companhia ⁹³ . Um dos problemas era que o CL das várias rodadas do final da década de 2000 acabou estressando a mesma capacidade produtiva, que não tinha necessariamente condições de ser ampliada no mesmo ritmo. Para ir de encontro a esse problema, havia como elemento estruturante da política de CL a montagem de linhas de financiamento específicas, envolvendo també m o BNDES. A Petrobras, por exemplo, inovou ao negociar, em 2011, com o setor bancário privado e público, a facilitação do crédito aos fornecedores, utilizando os recebíveis dos contratos firmados com a estatal para reduzir o risco do crédito bancário por meio do Programa Progredir ⁹⁴ . E, no âmbito das diretrizes da política industrial do governo Dilma, o Plano Brasil Maior, o BNDES lançou linhas de financiamento específicas para fornecedores da indústria de P&G, sempre objetivando aumentar o CL de forma sustentável e competitiva. O estímulo ao endividamento era justificado pela garantia de mercado; e os riscos eram c onhecidos. O CL não poderia se tornar uma simples reserva de mercado. Pelo contrário, deveria estimular a expansão das atividades das empresas, ampliar mercado de trabalho qualificado e estimular a apropriação de conhecimento técnico por um conjunto de empresas ligadas à cadeia produtiva do P&G. Essa política era pensada independentemente da origem de capital, e a atração de IED era parte dela. A própria Petrobras, por exemplo, nunca acreditou na possibilidade de gerar capacidade produtiva de capital nacional para satisfazer a demanda na fase de exploração, quando é preciso utilizar equipamentos subsea e serviços de alta especialização e com plexidade. Essa parte era um mercado dominado por um oligopólio que tinha sido criado em torno do crescimento escala e convergência tecnológica. Embora houvesse discussões no âmbito da Finep, em nenhum momento houve uma política para tentar montar uma empresa de capital nacional que pudesse disputar esse nicho do mercado. Mas o que a perspectiva da demanda do Pré-Sal e a política de CL fizeram foi atrair alguns dessas empresas internacionais (em particular a FMC Technologies; Schlumberger; BakerHuges e Halliburton) a se instalarem no Brasil, mais especificamente na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, de lado dos laboratórios da própria Petrobras e da UFRJ. Na prática, o foco da política de CL era a geração de emprego e renda, em particular na indústria naval, como veremos em seguida, e a ampliação e o upgrade da capacidade instalada. As especificidades da realidade brasileira É importante enfatizar algumas especificidades da realidade brasileira de CL e do Pré-Sal, que o diferenciam muito da realidade internacional e devem ser levadas em consideração para contextualizar a relevância e o alcance da política de CL. Em primeiro lugar, a própria realidade da história da Petrobras e da construção de uma capacidade endógena como um elemento

característico desde o seu início (ANP, 2015). Essa trajetória, e o fato de o Brasil ter encontrado grandes reservas após ter conseguido um grau de diversificação industrial razoável, o diferenciava da grande maioria dos Estados em desenvolvimento pela capacidade de gerar encadeamentos para trás e para frente em torno da produç ão de P&G. Estudo do Banco Mundial comparou dados de 48 Estados produtores de P&G em desenvolvimento e mostrou, como era de se esperar, que para a grande maioria desses países a contribuição para a economia nacional se dava por meio da apropriação financeira de parcela da renda petrolífera (resource rente and return on capital): “It is clear that the direct backward link is typically much smaller than for other industries, and is usually among the lowest value for any sector” (TORDO; WARNER; MANZANO; ANOUTI, 20 13, p. 7). Isso se explica pelo fato de que esses Estados não tinham condições para montar encadeamentos que exigiriam a existência de parque industrial diversificado e, portanto, ausente na grande maioria dos Estados em desenvolvimento. Os dados comparativos desse estudo mostram que o Brasil era a grande exceção: 55% do valor agregado para a economia do setor petrolífero se dava pelas gastos com fornecedores externos e internos ( purchases of intermediate inputs ), e ainda as compras nacionais respondiam a 80% dess e total ⁹⁵ . Ao mesmo tempo, a literatura costuma identificar como uma das características da produção e exploração de recursos naturais o baixo potencial de conexão com outros setores da economia, em particular com os inovadores e os de alto valor agregado, gerando economias de enclave ⁹⁶ . Essa atividade é, portanto, identificada com baixa tecnologia e poucas recompensas para a acumulação de capital humano (SINNOTT; NASH; TORRE, 2010). A exploração, o desenvolvimento e a produção de petróleo e gás no mar, e, em particular, no Pré-Sal, claramente destoam dessa caracterização, sendo empreendimentos de grande complexidade que operam na fronteira tecnológica da indústria de P&G. Ou seja, o empreendimento tem grande potencial de encadeamento, e o Brasil criou as condições para aproveitar esse efeito mult iplicador. A pesquisa de Sant´Anna confirmou esse quadro. O autor calculou que a indústria de P&G no Brasil estava entre os quatros setores industriais com maior encadeamento para frente e apontou, na segunda metade da década de 2000, um “substancial incremento do índice de encadeamento” (SANT’ANNA, 2010, p. 59), que ele atribui principalmente ao fato de a maior parte da demanda ser atendida por produção interna. De fato, o multiplicador, os índices de ligação para trás e para frente não são estáticos, dependentes somente da estrutura produtiva do setor sob análise, mas dependem de políticas adotadas, entre as quais o CL, que pretende justamente aumentar esse índice de encadeamento. Marconi, Magacho e Rocha (2014 , p. 129-130) foram na mesma linha. Baseados em dados da WIOD, eles calcularam os multiplicadores industriais e os índices de ligação usando a análise de Hirschman-Rasmussen. Seguem os dois resultados compilados na tabela 3 ⁹⁷ .

Tabela 3: Índices de encadeamento do setor de Petróleo e Gás na economia brasileira (média período ٢٠٠٩-٢٠٠٠) Fonte: Marconi, Magacho e Rocha, 2014, p. 129/130. Elaboraç ão própria O efeito multiplicador de 2,2 significa que um aumento de um real na demanda por produtos do setor de Petróleo/combustíveis aumenta a demanda na economia como um todo em 2,2 reais. O índice de ligação para trás permite identificar setores com maior potencial de impulsionar a economia. Já o índice de ligação para frente indica os principais fornecedores para as demais cadeias produtivas. A contribuição de Hirschman (1958) para o debate sobre estratégias de desenvolvimento se concentrou no argumento de que políticas industriais deveriam se concentrar em setores com maior impacto na cadeia produtiva a montante e que tenham ligações significativas para frente para ajudar outros setores no esforço de aumentar a produtividade. Não pode haver dúvida de que seja o caso do setor de P&G n o Brasil. Fica evidenciado que, no caso do potencial multiplicador de P&G, em particular do Pré-Sal, não se tratava de uma economia de enclave. Ao contrário, o potencial de estimular o desenvolvimento de setores interligados era significativo, embora a tendência macroeconômica conspirasse contra: o câmbio valorizado e juros bem acima das taxas internacionais provocou nos governos Lula uma desindustrialização relativa (crescimento absoluto, mas com diminuição do seu peso no PIB) e no governo Dilma uma desindustrialização absoluta e precoce. Não cabe aqui entrar nesse debate, mas ficou claro que a cadeia produtiva em torno do P&G seria exceção, que poderia manter vivas as aspirações neodesenvolvimentistas . Chamam a atenção os números do Estudo Perspectivas  do Investimento ٢٠١٧ , realizado desde 2006 pelo  Comitê de Análise Setorial do BNDES. Os estudos apresentam um mapeamento dos  projetos e planos estratégicos de investimento  de empresas, apoiados ou não pelo banco, para períodos de quatro anos. O que interesse aqui são os números dos investimentos realizados entre ٢٠١٢ e ٢٠١٦ sintetizados na tabela ٤. Tabela 4: Investimentos na indústria de P&G com relação ao total de investimentos industriais no país entre 201 2 e 2016. Fon te: BNDES Se incluirmos os investimentos realizados nos setores de infraestrutura levantados pelos estudos do BNDES, a participação do P&G sobre o total aumentou de uma média de 18,7% no período 2005-2008 para 26% no período 2010-2015. A pesquisa já mencionada do Ipea sobre os fornecedores da Petrobras mostrou a dimensão desse universo ao identificar no período 1998-2007 cerca de 70 mil empresas fornecedoras, tendo um core de 8 mil (NEGRI, 2010). E, mesmo com a crise e o redimensionamento da Petrobras, o seu Plano de Negócios e Gestão 2018-2022 menciona para 2017 uma despesa realizada com 11 mil fornecedores, de R$ 93 bilhões, dos quais R$ 53,6 bilhões com bens e serviços, 88% (R$ 47,4 bilhões) com fornecedores brasileiros e 12% (R$ 6,2 bilhões) com fornecedores internacionais. Os

demais R$ 39,7 bilhões foram gastos com afretamento de navios e sondas. Não pode haver nenhuma dúvida, portanto, da importância para geração de emprego e renda da cadeia de fornecimento de P&G no Brasil, uma das poucas sobre a qual o país tem maior governabilidade justamente devido à centralidade da P etrobras. Debate e crise 2014-2016 No primeiro governo Dilma (2011-2014), houve reafirmação da política de CL. Isso se deu em um contexto de rápida deterioração da balança comercial de manufatura provocada por nova rodada de valorização da moeda como reflexo da entrada de fluxos financeiros ⁹⁸ e acirramento da concorrência internacional, em particular, com a política agressiva chinesa ⁹⁹ . O déficit na indústria de transformação chegou a US$ 100 bilhões no biênio 2011-2012. Isso chamou atenção e defesa do conceito de CL, por Graça Foster, que assumiu a presidência da Petrobras em fevereir o de 2012. Na apresentação do novo Plano de Negócios e Gestão 2012-2016 ela tentou, de forma bastante explícita, responder a um conjunto de críticas do mercado à estatal, em particular, sobre o uso de metas demasiadamente ambiciosas. Apontou a necessidade de otimizar custos e aumentar a eficiência operacional, uma defesa forte de realinhamento dos preços internos da gasolina e do diesel aos preços internacionais para garantir a capacidade de financiamento e focalização maior, por meio de lançamento de um programa de desinvestimentos. Mas a crítica à excessiva ênfase no CL foi rejeitada firmemente, embora não registrada pela imprensa. Na ocasião Foster desmontou o mito de que o CL teria provocado atrasos ao mostrar os números comparativos com relação aos atrasos de equipamentos sem CL, por exemplo as dez sondas importadas pelo Petrobras em 2011, com uma média de 542 de atraso (PNG 2 012-2016). Porém, uma sondagem de Price&WaterhouseCoopers (PwC) realizada em 2011, junto a fornecedores de bens e serviços para a indústria naval e de P&G mostra o dilema. Cerca de 68% deles eram a favor da política do governo com o argumento de que esta fortalecia a indústria, gerava emprego, estimulava transferência de tecnologia e qualificava mão de obra. Mas, ao mesmo tempo, 88% avaliaram que a política implicava aumento de custo. E cerca de 50% acreditavam que a ANP não tinha condições de avaliar o cumprimento das exigências contratuais referentes às percentagens mínimas de CL (PwC, 2012). No mesmo ano, o TCU começou a questionar a capacidade da ANP de fiscalizar os contratos, sobretudo a partir da 7ª Rodada “tendo em vista a grande mudança no método de aferiçã o do CL.” ¹⁰⁰ Também a cláusula de P&D entrou no debate. Diante do aumento expressivo dos volumes arrecadados, surgiu crítica às regras sobre seu destino diante da necessidade de aumentar a capacidade tecnológica da rede de fornecedores ¹⁰¹ . Já em 2012, o Conselho da ONIP encaminhou à ANP proposta de alteração da norma para garantir que os 50% reservadas para instituições de pesquisa pudessem ser destinados também a empresas fornecedoras de livre escolha das concessionárias para projetos inovadores, sempre por meio de credenciamento junto à ANP. A reclamação da indústria

dizia respeito ao pouco retorno para a cadeia desses investimentos. Essa posição foi apoiada inclusive pelo ex-diretor-geral da ANP do governo Lula, Haroldo Li ma (2012). Um dos principais críticos da gestão da Petrobras nos governos Lula e Dilma, Adriano Pires, sintetizou a visão liberal: “O que se defende é que se priorize a curva de produção sobre o conteúdo local. O acelerado programa de investimentos da empresa no pré-sal é absolutamente incompatível com o atual nível de exigência de conteúdo local, explícito na regulamentação vigente” ¹⁰² . O subsecretário de Comércio Internacional dos Estados Unidos, Francisco Sanchez, destacou em sua intervenção no Fórum Econômico Mundial para América Latina, no Rio de Janeiro, em 28 de abril de 2011, a crítica à exigência de CL no Pré-Sal, argumentando que haveria contradição entre a política de CL e o desenvolvimento de tecnologias de ponta para o setor de petróleo. Restrições à participação externa poderiam fazer o Brasil renunciar às melhores tecnologias disponíveis. O mesmo subsecretário aproveitou sua participação em um seminário, durante a visita da presidenta Dilma a Washington, em abril de 2012, para reclamar novamente das regras de CL utilizadas, as quais funcionariam como barreira à entrada no Pré-Sal ¹⁰³ . E Rafael Lourenço, diretor superintendente da Câmara de Comércio Americano no Rio de Janeiro, em artigo no Valor Econômico, junho 2014, afirmava que “[...] o ambiente restritivo atual limita as opções de escolha dos investidores em relação a emprego, estratégias de compra, localização e transferência de conhe cimento”. Na consulta pública realizada pela ANP, entre 25 de janeiro e 4 de fevereiro de 2013, a respeito do edital para a 11º Rodada (em terra e áreas pós-sal), o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustível (IBP), porta-voz das concessionárias privadas nacionais e principalmente internacionais, encaminhou sugestão de flexibilização das exigências de conteúdo local alegando “a impossibilidade de atingimento de percentuais mínimos de conteúdo local em algumas rubricas”. Posicionou-se criticamente, sobretudo às exigências do edital para a fase de desenvolvimento, argumentando a “impossibilidade de prever a disponibilidade/capacidade e capacidade futura da indústria brasileira”. Mas, na audiência pública realizada em seguida, a ANP deixou claro, por meio da sua diretora-geral, Magda Chambriard, que não iria rever as metas: “A política de conteúdo local está sendo reafirmada. Estamos apostando na indústria brasileira e na continuidade das encomendas para a indústria naval. Nossa preocupação é garantir a perenidade dessas enco mendas” ¹⁰⁴ .  Em retrospectiva, um ex-assessor da presidência da Petrobras nos governos Lula e Dilma avaliou que “ metas excessivamente ambiciosas foram além do limite da capacidade tanto da Petrobras quanto dos fornecedores, e desvirtuaram aquela que seria, conceitualmente, uma política virtuosa de estímulo à economia brasileira ” (GHIRARDI, 2015a, p. 4). O autor lembra que, entre 2007 e 2013, a Petrobras aumentou seu orçamento em 4,5 vezes. Uma expansão em tão curto tempo teria causado tensão em processos

internos de formulação, análise e execução de projetos da Petrobras. Ele concluiu que “...não basta querer crescer. Há fatores tecnológicos e organizacionais que representam limites concretos para a aceleração do crescimento dos negócios” (GHIRARDI, 2015 a, p. 5). Por tudo isso, havia a necessidade de uma reavaliação de alguns aspectos da política de CL, no sentido de manter os objetivos originais. Infelizmente um conjunto de fatores impossibilitou qualquer repactuação e tudo mudou a partir da segunda metade de 2014 por dois motivos interligados. De um lado, um acirramento do conflito político e da tentativa de desmoralizar e desestruturar o segundo governo Dilma. De outro, um conjunto de fatores, que, embora exógenos à política de CL, teriam forte um impacto sobre ela: a queda expressiva do preço do petróleo, que provocou uma paralisação dos investimentos no setor de P&G no mundo todo e, ao mesmo tempo, as revelações devastadoras da Operação Lava-Jato. Por consequência houve sucessivas revisões dos investimentos programados da Petrobras. Para demonstrar firmeza no combate à corrupção, a empresa tomou decisão que acabou agravando de imediato a situação econômicofinanceira de seus fornecedores e subfornecedores e a da economia como um todo. Em 29 de dezembro de 2014, a empresa divulgou uma lista de 23 grupos que depois aumentou para 27, os quais, por estarem sob investigação, seriam excluídos da lista de fornecedores. A adoção dessa medida cautelar, em caráter preventivo teria, de acordo com a Petrobras, por finalidade, “resguardar a companhia e suas parceiras de danos de difícil reparação financeira e de prejuízos à sua imagem” ¹⁰⁵ . As referidas empresas foram temporariamente impedidas de serem contratadas e de participarem de licitações da P etrobras ¹⁰⁶ . O problema era que todas as principais construtoras constavam dessa lista ¹⁰⁷ . Houve paralisação generalizada ao longo da cadeia que, devido ao fato de essas empresas estarem todas com endividamento elevado (justificado pela perspectiva de crescimento da demanda garantida nos próximos anos), teve impacto ainda maior sobre a economia brasileira. As agências de rating imediatamente rebaixaram a classificação de risco das empreiteiras envolvidas, complicando ainda mais o acesso a crédito. Tornou-se extremamente difícil tomar decisões considerando o grau de incertezas, não só por parte da própria Petrobras, mas também das agências financiadoras e do próprio BNDES ¹⁰⁸ . Gesner, Marcato e Scazufca consideraram um grave equívoco não levar em consideração os efeitos econômicos do que eles caracterizam como “ excessos e a espetacularização da Lava Jato ” e enfatizaram que seria ingênuo acreditar que as empresas poderiam ser rapidamente substituídas por outras, inclusive estr angeiras: Exercício simples utilizando dados do IBGE mostra que o potencial de destruição de renda e emprego de uma Operação Lava Jato mal conduzida pode custar mais de R$ 200 bilhões em termos de PIB e mais de dois milhões de empregos. (GESNER; MARCATO; SCAZU FCA, 2015) Sergio Bacci, do Sindicato da Indústria Naval (Sinaval), também enfatizou o que chamou de “ choque entre os tempos político-jurídico e econômico ”. O impedimento de contratação das empresas nacionais não somente gerou

paralisação e incerteza muito grande sobre o futuro imediato, mas teria levado automaticamente a Petrobras a modificar sua política de CL, aumentando as licitações internacionais. Bacci calculou um impacto direto de perda de 200 mil empregos ¹⁰⁹ . A título de ilustração o gráfico 1, mostra a evolução do emprego direto na indústria formal no período 200 0 a 2016.

Gráfico 1: Evolução emprego direto na indústria naval 2000-2016 Fonte: Sin aval, 2016 Com a crise provocada pela Operação Lava Jato, os setores contrários à política de CL aproveitaram para aumentar a pressão, explicitando que seria o momento oportuno para ajustes ¹¹⁰ . Em maio de 2015, na véspera da definição das regras para a 13ª rodada, em outubro 2015, o IBP lançou nova ofensiva contra o CL, sempre com o argumento de destravar os investimentos. Observa-se que, nesse momento, a indústria nacional, em particular a Fiesp, por motivos políticos envolvida com o processo de desestabilização do governo Dilma, pouco ou nada se manifestou em defesa do CL. A própria presidenta da República resolveu criar abertura para um processo de discussão visando ao aperfeiçoamento do CL e, em janeiro 2016, decretou a criação do Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural (Pedefor) que, de acordo com o artigo primeiro do decreto, tinha como objetivo: [...] elevar a competitividade da cadeia produtiva de fornecedores no País; estimular a engenharia nacional; promover a inovação tecnológica em segmentos estratégicos; ampliar a cadeia de fornecedores de bens, serviços e sistemas produzidos no País; ampliar o nível de conteúdo local dos fornecedores já instalados; e estimular a criação de empresas de base tecn ológica ¹¹¹ .

O decreto flexibilizou o CL incorporando várias propostas feitas por entidades empresariais. Em particular as empresas puderam, a partir de então, incluir no cálculo de CL, além de compra de bens e serviços, os investimentos diretos de petroleiros na expansão da capacidade produtiva e, em particular, no processo de inovação tecnológica de fornecedores. Também poderia ser considerada como CL a compra de bens e sistemas no País para exportação. Na prática, seria uma forma de compensar a falta para cumprir os índices de nacionalização contratados e evitar multas e pedidos d e waiver . De certa forma, esse Decreto veio para sofisticar o CL e as medidas tinham potencial para incentivar empresas a exportar a tecnologia desenvolvida no Brasil e induzir petroleiras a formar sociedades com fornecedores locais. Pelo calendário político, poderia parecer um recuo e tentativa de fazer um compromisso com as críticas menos radicais. De outro lado, o Pedefor era coerente com o espírito das políticas que vinham sendo implementadas desde o Prominp. Talvez tenha faltado a devida continuidade do diálogo e certa desconfiança entre o governo Dilma e o empresariado, que somente o contexto da crise política, que se instalou desde o início de 2015, mostrou para a presidenta a necessidade de tal diálogo. Setores empresariais vinham reclamando da exclusão ao longo do tempo do MDIC com o qual tinham tradicionalmente mais interlocução. As decisões com relação ao CL ficaram concentradas no MME (FIEB, 2015, p. 17), daí a importância de a presidenta Dilma ter dado a coordenação do Pedefor par a o MDIC. O Governo Temer e o Desmonte de 2016-2017 O debate começou a esquentar de vez a partir da derrubada do governo Dilma e da determinação do governo Temer de uma mudança mais radical nas políticas para o setor de P&G anunciadas logo no início do governo. A união do empresariado e das elites em torno do impeachment da presidenta Dilma seria desfeita rapidamente quando o CL entrou em pauta e se formaram claramente dois campos e provocando inclusive uma divisão dentro do próprio gover no Temer. A partir de levantamento das manifestações públicas organizadas a respeito do CL identificamos, de um lado, o núcleo duro em torno do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), que, com apoio dos lobbies de governos dos países de origem das principais multinacionais interessadas no Pré-Sal ¹¹² e das correntes mais liberais do pensamento econômico brasileiro, defenderam uma mudança radical com índices de CL os mais baixos possíveis, desmonte da fiscalização (considerada burocrática, ineficiente e custosa) e defendendo a retroatividade do que vinha sendo chamado da flexibilização do CL. Dentro do governo, encontrou simpatia na Fazenda, Casa Civil e agora no próprio MME. E de outro, uma frente em defesa de aperfeiçoamento na linha do Pedefor, mas mantendo o espírito das políticas implementadas e, sobretudo, respeitando os contratos existentes. Essa voz encontrou eco no MDIC, BNDES, Finep e acabou sensibilizando também a nova direção da ANP ¹¹³ . Entre setembro de 2016 e o final de 2017, o governo Temer introduziu basicamente três alterações profundas ¹¹⁴ : 1) a redução drástica e

“simplificação” do CL; 2) prorrogação (Repetro ¹¹⁵ ) e ampliação (MP 795 ¹¹⁶ ) das isenções fiscais para importação de equipamentos para exploração e produção de P&G; e 3) o fim da exclusividade da Petrobras como operadora única do Pré-Sal e estímulo para que grandes players internacionais ampliassem seus investimentos (o caso da Shell e Statoil) e para que outros voltassem a investir na exploração no Brasil (o caso d a Exxon). Na tabela 5, podem ser verificadas as reduções nos índices de CL implementadas pelo governo Temer, com a publicação da Resolução 7 pelo CNPE, em 11 de abril de 2017, que foram aplicadas a 14ª rodada do pós-sal e 2ª e 3ª Rodada do Pré-Sal, todas realizadas em 2017. Tabela 5: Comparação índices de CL para exploração, desenvolvimento e produção no mar entre os governo Dilm a e Temer. Fonte: ANP e Resolução 7º do CNPE Embora o governo Temer tenha iniciado a discussão sobre a alteração da política de CL, em setembro 2016, a indústria nacional interessada começou a se mobilizar de forma organizada somente a partir de dezembro, criando o Movimento Produz Brasil . Faziam parte dele sete federações de indústrias (RJ, SP, SC, RS, MG, ES e BA), seis associações de classe (Abimaq, Abinee, Abemi, ABCE, Abitam, Aço Brasil) e o Sinaval. Com o mote “Mais Indústria, Mais empregos, Mais Brasil”, o movimento tinha como foco a valorização do CL e a preservação dos investimentos realizados no Brasil, sua capacidade produtiva e os empregos gerados pelas demandas atendidas. Uma nota da Fiesp a respeito do seu lançamento a motivação: Diante da recente ameaça de mudança na política nacional de petróleo e gás, instituições representativas dos elos produtivos deste mercado temem que investimentos realizados ao longo de quase 20 anos sejam jogados fora favorecendo empresas estrangeiras e tornando ainda mais difícil a situação da in dústria ¹¹⁷ . A nota cita o presidente do Sistema Firjam, Eduardo Eugenio Gouvê a Vieira: É um contrassenso ver que hoje, após quase 20 anos de investimentos na cadeia produtiva, tenha se iniciado um processo de vilanização do conteúdo local. Se essas empresas fecharem ou forem embora o que vai ser dos trabalhadores? Vamos liquidar as empresas que passaram quase duas décadas investindo para atender a essas demandas? Estamos falando do extermínio de milhares de postos de trabalho. E também José Velloso, presidente da Abimaq: Com o fim da política de conteúdo local, as empresas estrangeiras vão transferir suas atividades para outros países. E quem vai sair perdendo são as empresas nacionais, que vão acabar fechando, e os estados, que vão perder em arrecadação. Vamos presenciar no país um forte desinvestimento, um r etrocesso.

Em um primeiro momento a reivindicação concreta era para aumentar o índice para as plataformas de 25% para 40% (PRATA, 2017). O argumento da indústria era que índices de CL tão baixos podem ser alcançados com prestações de serviço de montagem e manutenção, sem máquinas e equipamentos produzidos internamente. Esse pleito não prevaleceu. Segundo ponto era a volta ao índice global. Havia de certa forma um consenso entre os vários atores de que a situação à qual se havia chegado com ٩٠ itens certificáveis tinha se tornado impraticável e que deveria ser simplificada. ¹¹⁸ A indústria aceitaria cinco macrosegmentos: serviços; infraestrutura; máquinas e equipamentos; sistemas; e engenharia de projetos (FIESP, 2017). Embora o governo tenha aceitado, a princípio, o índice global defendido pelas concessionárias, nesse caso, recuou. Outra questão polêmica dizia respeito aos contratos vigentes. Criou-se imagem de uma indústria bilionária de multas e waivers para justificar um aplicação retroativa por parte da ANP dos novos índices da Resolução 7 do CNPE aos contratos de concessão a partir da 7ª até a 13ª rodada, ao contrato de Cessão Onerosa ¹¹⁹ e até à ١ª rodada de partilha (referente ao mega campo de Libra). Nesse momento, porém, a indústria nacional estava bem articulada e mobilizada, inclusive dentro do Governo e do Congresso. Para o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, essa proposta iria “enterrar a indústria de construção naval brasileira” de vez. Na prática, se falava na contratação de cerca ٢٢ novas plataformas ¹²⁰ . Como resultado, a ANP recuou e, em dezembro 2017, concordou aumentar de 25% para 40% a exigência de CL para a construção de plataformas relativas aos contratos anterior es a 2017. No que diz respeito à renovação do Repetro e à MP 795, a Receita Federal/ MF explicou a lógica das medidas governamentais em nota para defender as isenções fiscais: A MP 795/2017 faz parte de um conjunto amplo de medidas que alteram o marco regulatório do setor petróleo, visando aumentar a competição nos leilões para exploração das reservas e, com isso, ampliar a renda absorvida pelo governo, seja na forma de tributos, royalties, participações especiais, bônus de assinatura ou excedente em óleo (Receita Federal , 2017) ¹²¹ . Ou seja, na linha da argumentação do IBP, sem as alterações drásticas o Brasil teria dificuldades para atrair investimentos e manter sua produção. Com as mudanças haveria aceleração da exploração e, portanto, antecipação dos tributos relacionados. O IBP chegou a publicar estudo que mostrava que as mudanças radicais na política de CL (chamados de “CL flexível”) e a manutenção dos índices anteriores (chamados de “CL máximo”) implicariam, no futuro próximo, uma diferença de um milhão de barris por dia. Em outros termos, com a manutenção dos índices, o Brasil conseguiria chegar, em 2025, a produzir 3,12 milhões de bpd e, com as mudanças, poderia chegar a 4,23 milhões de bpd (MIGLIAR IA, 2017). Essa argumentação sensibilizou as autoridades do Rio de Janeiro e Espírito Santo, com graves problemas orçamentários, pois parecia uma solução poder contar rapidamente com recursos dos royalties. Daí a defesa da política do governo Temer por Paulo Hartung, governador do Espírito Santo,

que publicou artigo de opinião posicionando-se por mudanças drásticas no que chamou de “regras protecionistas e anacrônicas, que não preservam o real interesse do povo brasileiro”. Hartung alegou que as regras de CL “Resultam em enormes atrasos na entrega de plataformas e equipamentos, produzidos a custo muito superior ao internacional”. Observa-se a sintonia fina com o posicionamento e linguag em do IBP. A tese de que o CL seria o fator principal da paralisação do setor não se sustentou a ganhou fortes críticas. Primeiro, há de se lembrar o impacto global da queda brutal dos preços de petróleo que provocaram uma paralisação generalizada dos investimentos no P&G. De acordo com o World Energy Investment Report 2017, da Agência Internacional de Energia, houve queda global na comparação anual de quase 30% em 2015 e 26% em 2016 dos investimentos em exploração de P&G. Com isso, os investimentos no final de 2016 eram em termos nominais pouco mais da metade do volume de 2014. A Oil and Gas Journal comentou tratar-se de um “ unprecedented contraction ” ¹²² . Além disso, houve o impacto devastador da Lava Jato, que interrompeu do dia para a noite uma série de empreendimentos, desarticulando cadeias de fornecimento inteiras, conforme já foi c omentado. Pode se mencionar também o impacto da política de preços administrados do governo Dilma no período de 2011 a 2014 (SCHUTTE, 2016). E, por último, houve uma recessão da economia brasileira como um todo devido a outros fatores. Portanto é altamente questionável sugerir que o CL teria afetado a 13º Rodada, realizada em outubro de 2015, que teria mostrado o pouco apetite dos investidores internacionais. A esse respeito a Fiesp ainda ar gumentou: No Brasil, a Política de Conteúdo Local não influenciou negativamente nos resultados das rodadas de licitação. Pelo contrário, observa-se pelos dados dos resultados dos leilões que a partir da 7ª rodada (2005 a 2015), quando as regras de conteúdo local eram mais específicas, arrecadou-se mais valores em bônus e mais áreas foram arrematadas percentualmente e em tamanho] (FIESP, 2017: ii). E ainda lembrou que “as fases de exploração e desenvolvimento da produção no pré-sal foram viabilizadas com as atuais regras de Conteúdo Local que exigem a comprovação de índices de Conteúdo Local por itens e subitens.” (FIESP, 201 7, p. 6). Houve inclusive sugestão de que a 14ª rodada, realizada em outubro 2017, teria sido um sucesso, contrário à 13ª, exatamente por causa das alterações no CL. Há de se considerar, além da situação global da indústria em 2015, com preço de US$ 46 p/b e em queda contra US$ 55 p/b e em alta, também que o sucesso da 14ª rodada deve ser relativizado. Na verdade, dos 287 blocos ofertados somente 37 foram arrematados. Acontece que em oito blocos na Bacia de Campos, muito próximos à província do Pré-Sal, a Exxon entrou ofertando ágio de 3491% sobre o bônus de assinatura mínimo estabelecido pela ANP, o que significou em termos monetários R$ 3,6 bilhões. É pouco provável que as mudanças nas regras do CL tenham sido o fator dete rminante.

Prevalece a hipótese de que os atores contrários ao CL aproveitaram a crise que se instalou no Brasil e no setor de P&G para avançar com sua agenda de liberalização e flexibilização. Em grande parte, foram exitosos, embora uma articulação, tardia, porém ampla, da indústria nacional, tenha conseguido diminuir a radicalidade das mudanças e manter a discussão em aberto. Considerações finais Nos governos Lula e Dilma, o CL era uma política prioritária que tinha o objetivo de transformar a riqueza do petróleo em algo que pudesse extrapolar a produção em si e contribuir com o desenvolvimento do Brasil. Levando em conta os erros da época nacional-desenvolvimentista, se pretendia evitar a armadilha de ficar limitado a criar uma reserva de mercado, mas colocava-se como objetivo posterior competir nos mercados internacionais. A centralidade da Petrobras na produção de P&G era um fator a ser reforçado para viabilizar essa política de médio-longo prazo em detrimento de interesses comerciais e financeiros de cur to prazo. CL significa reconhecer o trade-off entre interesses comerciais-financeiros de curto prazo e o potencial de desenvolvimento de médio-longo prazo. Mas há de se pactuar certo equilíbrio entre o compromisso para aproveitar a oportunidade de desenvolver a cadeia produtiva no Brasil, de um lado e, de outro, não comprometer demais o cronograma de exploração, desenvolvimento e produção. Isso envolve um debate direto sobre o papel da Petrobras. Na visão liberal, ela deveria operar somente como se fosse uma empresa privada, com a maior liberdade possível, enquanto os governos Lula e Dilma entenderam que a Petrobras fosse também um instrumento valioso de política industrial. Assim, no governo Lula, a estatal assumiu seu compromisso com o desenvolvimento da cadeia ao estabelecer voluntariamente níveis de CL até superiores aos exigidos nos contratos de concessão. O CL aumentou significativamente, gerando renda e trabalho. Mas a pactuação que marcou o início do governo Lula em torno do Proimp foi se desfazendo, e a burocracia estatal começou a seguir uma lógica nem sempre articulada com os atores produtivos locais. Ao mesmo tempo, uma séria de questões até mais estruturais, como câmbio e juros, iriam na contramão de uma política industrial proativa, e o CL começou a servir para compensar esses fatores. Havia, portanto, no governo Dilma, a necessidade de repactuar essa política, o que começou a ser feito, de fato, com a criação, no início de 2016, do Pedefor, mas já em um contexto muito tu multuado. Uma crítica para o aperfeiçoamento da política de CL dizia respeito a melhorar o foco e as prioridades relativas a segmentos e produtos. Isso exige uma definição a respeito da relevância para o desenvolvimento tecnológico do parque industrial. Por exemplo, levando em conta a geração de competências que possam ser utilizadas em outras atividades ou que tenham potencial para competir internacionalmente. Outro elemento, muito questionado, foi a falta de uma avaliação mais rigorosa a respeito da viabilidade de um determinado suprimento nacional.

No fundo a política de CL deveria ser construída a partir da (potencial) oferta e não da demanda, como acabou prevalecendo. Ou seja, trabalhar com um “conteúdo local vocacional” – privilegiando segmentos com maior potencial para aumentar a produtividade. Uma parte das críticas sugeria na verdade que a política de CL estava se tornando a velha políti ca de SI. A partir de final de 2014, o contexto econômico e político mudou radicalmente, sobretudo com a queda brutal do preço de petróleo e o impacto da Lava Jato. Além de tudo havia, a partir do início de 2015, um clima de desestabilização do governo Dilma, o que favorecia campanhas de desmoralização do CL. De outro lado, a indústria local beneficiária dessa política tinha se tornado muitas vezes protagonista de campanhas políticas contra o governo Dilma, e começou a se envolver na defesa do CL somente no final de 2016, início 2017, quando o governo Temer tentou desestruturar a política por completo. É o caso, por exemplo, da Fiesp. De certa forma, vários segmentos beneficiados pelo CL, como a indústria naval, estavam ainda passando por uma curva de aprendizagem, gerando massa crítica. Embora houvesse claramente a necessidade de organizar melhor políticas de indução da capacidade tecnológica da base de fornecedores, articulando melhor as políticas tecnológicas – inclusive os financiamentos da Finep, com a política de CL –, não há como sustentar a hipótese de que a própria política de CL estaria inibindo o aumento da capacidade tecnológica. Havia, portanto a necessidade e possibilidade de promover um aperfeiçoamento, e não necessariamente, como acabou sendo a linha do governo Temer, um desmonte. O Brasil chegou, ao final de 2014, a superar a barreira de 3 milhões de BOE p/d e se tornou o maior produtor de P&G da América Latina ultrapassando os produtores tradicionais México e Venezuela. As riquezas da Bacia de Santos representam potencial enorme para fortalecer e adensar as cadeias produtivas nacionais, com efeitos multiplicadores para o conjunto da indústria. Por isso, a discussão em torno do CL não acabou no governo Temer e tende a se estender ao longo da exploração d o Pré-Sal. REFERÊNCIAS ANP. Petróleo e Estado. Rio de Jane iro, 2015. BNDES. Perspectivas do Investimento . Rio de Jane iro, 2013. BOSTON CONSULTING GROUP. Government take in Upstream Oil and Gas. Bos ton, 2015. COELHO, José Ricardo Roriz. A Política de Conteúdo Local na Indústria de Petróleo e Gás Natural. In: Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias de São Paulo. São Paulo: Fi esp, 2017. D´AVILA, Ana Paula; BRIDI, Maria Aparecida. Indústria Naval Brasileira e a Crise Recente. Cadernos Metrópole . v. 19, n. 38, 2017. EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia 2021. Brasília/ Rio de Janeiro, MME/ EPE, 2012.

FIEB. A Política Brasileira de Conteúdo Local para o Setor de Petróleo e Gás. Análise e Sugestões de Aperfeiçoamento. Salvad or, 2015. FURTADO, A. T.; MARZANI, B.; PEREIRA, N. M. Política de Compras da Indústria do Petróleo e Gás Natural e a Capacitação dos Fornecedores no Brasil: O Mercado de Equipamentos para o Desenvolvimento de Campos Marítimos. In: Projeto CTPETRO/ Tendência Tecnológicas , Rio de Jane iro, 2003. FURTADO, Celso. Ensaios sobre a Venezuela : subdesenvolvimento com abundância de divisas. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furt ado, 2008. GHIRARDI, André Garcez. Petrobras: as Causas da Crise, além da Lava Jato. Outras Palavras , ago sto, 2015a GHIRARDI, André Garcez. Uma Vítima da Luta Contra a Corrupção. Outras Palavras , ma rço 2015b. GUIMARÃES, Eduardo A. Política de Conteúdo Local na Cadeia do Petróleo e Gás : Uma Visão Sobre a Evolução do Instrumento e a Percepção das Empresas Investidoras e Produtoras de Bens. Brasília, C NI, 2012. HARTUNG, Paulo. Um Momento Decisivo para Petróleo e Gás. Valor Econômico. 4 f ev. 2017. INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Investment Report 2017 . Paris: O CDE, 2017. JENKIN, M. British Industry and the North Sea: State Intervention. In: A Developing Industrial Sector.  London: The Macmillan Pre ss, 1981. KUMAR, N. Performance Requirements as Tools of Development Policy: Lessons from Experiences of Developed and Developing Countries. Discussion Paper, nº 52. New De lhi, 2013. LIMA, Haroldo. Defender e Aprimorar a Política de Conteúdo Local. Valor Econômico , 30 m ar. 2017. LIMA, Haroldo. Recursos para P&D com Desenvolvimento Sustentado. Valor Econômico , 3 jul. 2012. LIMA, Paulo César Ribeiro. Pré-sal. O Novo Marco Legal e a Capitalização da Petrobras. Rio de Janeiro, Syner gia, 2011. LOURENÇO, Rafael. Modernizar o Conteúdo Local. Valor Econômico , 25 j un. 2014. MIGLIARI, Antônio Carlos. Política Industrial para Petróleo e Gás: Qual o Rumo a Seguir? Palestra Fundação FHC , março 2017. Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=RuLhKiIs1Ek . Acesso em: 13 set. 2019. MORAIS, José Mauro. Petróleo em Águas Profundas. Brasília: I PEA, 2013.

NEGRI, João Alberto De (Coord). Poder de Compra da Petrobras: Impactos Econômicos nos seus Fornecedores . Brasília: I PEA, 2010. NORDAS, H.; VATNE, E.; HEUM, P. The Upstream Petroleum Industry and Local Industrial Development: A Comparative Study. SNF Report , v. 08. Institute for Research in Economics and Business Administration, Nor way, 2003. ONIP. Oportunidades e Desafios da Agenda de Competitividade para Construção de uma Política Industrial na Área de Petróleo: Propostas para um Novo Ciclo de Desenvolvimento Industrial. Rio de Jane iro, 2010. PETROBRAS. Plano de Negócios e Gestão 2018-2022. Rio de Jane iro, 2017. PETROBRAS. Plano de Negócios e Gestão 2012-2016. Rio de Jane iro, 2012. PRATA, Cesar. Política industrial para Petróleo e Gás: Qual o Rumo a Seguir? Palestra Fundação FHC, março 2017. Disponível:  https://www.youtube.com/ watch?v=cL-btY61dzE&t=214s Acesso em: 13 set. 2019. PwC. O Conteúdo Local nos Empreendimentos de Petróleo & Gás natural . Sonda gem, 2012. RECEITA FEDERAL – MF. Nota sobre a MP 795, 24 de novembro de 2017. SALLUM, Brasilio. O Brasil sob Cardoso – Neoliberalismo e Desenvolvimentismo. Tempo Social . v. 11, n. 2, 1999. SCHUTTE, Giorgio Romano. Petrobras em Marcha Forcada.  Textos para Discussão/NEEDDS . 001/2016 São Pa ulo, 2016. SCHUTTE, Giorgio Romano. Panorama do Pré-Sal: Desafios e Oportunidades. In: FAVARETO, A.; MORALEZ, R. Energia, Desenvolvimento e Sustentabilidade . Porto Alegre: Z ouk, 2014. SCHUTTE, Giorgio Romano. O Paciente Holandês. Carta Capital , setem bro 2010. SILVA, Cássio G.R.S. Compras Governamentais e Aprendizagem Tecnológica: Uma Análise da Política de Compras da Petrobras para seus Empreendimentos offshore. Tese Doutorado Instituto de Geociências, Unic amp, 2009. SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO E REPARAÇÃO NAVAL E OFFSHORE -SINAVAL. Apresentação do Sinaval na Audiência Pública da ANP. 18 de abri l de 2017. SINNOTT, E; NASH, J; TORRE, A. Recursos Naturais na América Latina: Indo Além das Altas e Baixas . Rio de Janeiro: Elsevier, Washington: Banco Mund ial, 2010. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Auditoria Operacional: Avaliação da Sistemática Vigente da Política de Conteúdo Local. Brasí lia, 2015.

TORDO, Silvana; WARNER, Michael; MANZANO, Osmel; ANOUTI, Yahya. Local Content Policies in the Oil and Gas Sector . Washington: World B ank, 2013. VELLOSO, José. Acabar com Conteúdo Local é Crime. Diário de Comércio , 8 f ev. 2017. VILLELA, Annibal Villanova. Empresas do Governo como Instrumento de política Econômica: Os Sistemas Siderbrás, Eletrobrás, Petrobrás e Telebrás. IPEA/INPES, Relatório de Pesquisa, n. 747, 1984. XAVIER JR, Carlos Eduardo Ramos. Políticas de Conteúdo Local no Setor Petrolífero: O Caso Brasileiro e a Experiência Internacional. In: IPEA. Texto para Discussão nº 1775, outu bro, 2012. 7 POLÍTICA DE DUTOS NO BRASIL Alencar Ch aves Braga Carolin a Leister ¹²³ Introdução Este capítulo tem por finalidade analisar a política de dutos no Brasil. Para isso, analisou-se a legislação aplicada ao modal dutoviário ao longo do tempo, destinada a incentivar a instalação de uma rede de dutos no Brasil. Este trabalho pretende, ainda, apresentar algumas sugestões de incentivos legislativos que poderiam ser implementados para fomentar o modal d utoviário. A necessidade de transportar produtos combustíveis líquidos ou gasosos entre dois pontos gera a oportunidade da implantação de um projeto de dutos. Compostos por tubos de aço soldados, de diversos diâmetros, na indústria do petróleo os dutos são destinados ao transporte ou transferência de petróleo, seus derivados e gás natural. Os oleodutos são destinados ao transporte de petróleo e seus derivados, sendo o meio de transporte preferencial de interligação das diversas regiões produtoras de petróleo, refinarias, terminais e bases de distribuição. Assim como os gasodutos, são destinados ao escoamento da produção de gás natural até os centros cons umidores. Quando comparados os cincos modais básicos de transporte, ferroviário, rodoviário, hidroviário, dutoviário e aéreo, o modal dutoviário tem o mais alto custo fixo e o mais baixo custo variável. Os altos custos fixos resultam de sua estrutura física, como faixas de dutos, construção e montagem, estações de controle e capacidade de bombeamento (BOWERSOX et al. , 2014). Nesse sentido, Salomão Filho (1998) aponta como principal causa do monopólio natural a forte prevalência dos custos fixos sobre os custos variáveis, tornando possível a obtenção de expressivas economias de escala com o aumento da quantidade produzida. No transporte dutoviário, mesmo que fosse livre a construção de uma nova linha, os custos para que um novo

competidor entre no mercado por meio da construção de um duto alternativo são maiores em relação aos da empresa operando o duto já existente, à qual basta ampliar as instalações e capacidade de transporte já existente. Por essas circunstâncias, a exploração comercial de um duto tem características de monopólio natural e em muitos países, as redes de dutos são de propriedade de entidades governamentais e operadas por elas. Em outros casos, embora operadas por empresas privadas, há pouca concorrência de preços ou participação de mercado e o governo mantém o controle efetivo (KENNE DY, 1993). Para determinados volumes e distâncias, o transporte de produtos combustíveis por dutos, quando comparado com outros modais de transporte como rodoviário e ferroviário, geralmente se apresenta como alternativa econômica mais vantajosa, confiável e segura (RENNÓ; LEMGRUBER, 2009). Dessa maneira, o transporte dutoviário constitui instrumento importante para a economia, pois aumenta a eficiência e reduz os custos de logística de transporte e distribuição de produtos com bustíveis. A Política de Petróleo no Brasil Para Sarmento e Lamarão (2006) foi a partir da Revolução de 1930 que o governo federal brasileiro passou efetivamente a legislar sobre a exploração das riquezas minerais em geral e a encarregar-se do planejamento e execução dos serviços correspondentes. O principal passo relativo ao exame das questões especificamente relacionadas ao petróleo foi a promulgação, em 29 de abril de 1938, do Decreto-L ei nº 395. Em seu art. 1º, declarava de utilidade pública o abastecimento nacional do petróleo e derivados e, em seu art. 2º, determinava ser de competência exclusiva do governo federal “autorizar, regular e controlar a importação, a exportação, o transporte, inclusive a construção de oleodutos, a distribuição e o comércio de petróleo e seus derivados, no território nacional”, bem como autorizar a instalação de quaisquer refinarias, decidindo sua localização, assim como sua capacidade de produção e a qualidade dos produtos refinados. Por força do art. 3º, a indústria de refino de petróleo no Brasil foi nacionalizada, ficando essa atividade restrita a empresas cujo capital social fosse detido exclusivamente por brasileiros natos. O teor desse Decreto-Lei revela claramente a importância que o governo federal conferia à etapa do refino, considerada por ele o elemento-chave da indústria do petróleo. O instrumento governamental concebido para levar adiante a política do petróleo foi o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), criado nessa mesma oportunidade, no bojo do Decreto-Lei nº 395, em seu art. 4º, e organizado pelo Decreto-Lei nº 538, de 7 de julho de 1938. Subordinado diretamente ao presidente da República, o CNP recebeu amplos poderes concernentes à supervisão, regulação, execução e fiscalização das atividades ligadas à produção, refino e comercialização do petróleo e seus derivados no território b rasileiro. Em 12/05/1939 foi publicado o Decreto nº 4.071, de regulamentação do abastecimento nacional do petróleo, de que tratam os Decretos-Leis nº 395 e 538. No artigo 5º foi determinado que as empresas interessadas no

transporte de petróleo e seus derivados deveriam requerer a autorização prévia com projeto, dados técnicos e descrição do oleoduto a ser construído. Um dos artigos remete à segurança operacional: o artigo 12 determinava que o Conselho Nacional do Petróleo fiscalizaria diretamente a conservação e segurança das instalações, e as medidas de precaução contra perigos às propriedades vizinhas ocasionados por derrame, incêndio ou explosão. Leite (2014) descreve que, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a questão do suprimento de petróleo viria a tornar-se, pela primeira vez, materialmente crítica no início da década de 1940. O racionamento de combustíveis durante a guerra foi intenso e generalizado, prejudicando inclusive atividades econômicas vitais, o que acentuava a debilidade da estrutura energética nacional. Tornava-se cada vez mais premente a definição de uma política que ampliasse a capacidade nacional instalada de refino, até então circunscrita às refinarias de petróleo privadas, de modestas dimensões. Sarmento e Lamarão (2006) descrevem que o petróleo baiano já vinha sendo processado, em caráter experimental, desde maio de 1942, na Refinaria de Aratu. Aquela pequena refinaria produziu derivados de petróleo até dezembro de 1944, quando entrou em operação a Refinaria de Candeias, também em caráter experimental, que funcionou até 1946. O CNP foi também responsável pela implantação do primeiro oleoduto construído no Brasil. Inaugurado na Bahia em maio de 1942, com diâmetro de 2 polegadas e 1 km de extensão, esse pequeno oleoduto ligava a Refinaria de Aratu ao Porto de Sa nta Luzia. Em janeiro de 1946 o CNP criou a Comissão de Estudos sobre Oleodutos, com o objetivo específico de estudar a viabilidade da construção de um sistema de oleodutos interligando Santos a São Paulo. O sistema de oleodutos consistia em duas linhas de 10 polegadas, para produtos claros, e uma de 18 polegadas, para óleo combustível. Em 1948, a empresa Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (EFSJ) já transportava cerca de 80% dos produtos de petróleo entre Santos e o Planalto, por meio de sua linha férrea. Em agosto de 1948 o CNP autorizou a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí a construir uma rede de oleodutos entre as cidades de Santos e São Paulo. Para tanto, o CNP publicou a resolução CNP n° 7, autorizando a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí a explorar, nessa rede, o serviço público de transporte de petróleo e seus derivados, bem como de outros combustíveis líquidos ou gasosos. Pela resolução ficou a EFSJ obrigada a submeter o projeto definitivo da rede à aprovaç ão do CNP. Já nessa época havia preocupação com a tarifa a ser cobrada pela EFSJ. A EFSJ teria o direito de cobrar as tarifas, sendo que a tarifa básica dos serviços era fixada pelo CNP, considerando o valor do serviço pelo custo, justa remuneração de investimento e possibilidade de atender a melhoramentos, ampliação de capacidade e expansão da rede. Para construção desse oleoduto, a compra da quase totalidade do material foi efetuada nos Estados Unidos, exceto uma parte da tubulação, que foi adquirida na Alemanha. Francisco (2009) relata que o traçado desse oleoduto, embora considerado de pequena extensão, representou um grande desafio, pois, além do trecho pantanoso entre Santos e Cubatão, enfrentou

pela primeira vez a subida da Serra do Mar, um desnível de 750 m em apen as 1,5 km. Essa obra tem sido usada como referência até os dias de hoje. Em agosto de 1951 entrou em funcionamento o primeiro duto, a linha de 10 polegadas (gasolina-diesel-querosene) entre Santos e São Paulo, e em abril de 1952 a de 18 polegadas (óleo combustível). Em 1974 as instalações passaram para a Petrobras. Dando continuidade à política de ampliação da capacidade nacional de refino, pelo Decreto-Lei nº 9.881, de 16 de setembro de 1946, o governo federal criou a Refinaria Nacional de Petróleo S.A., mais conhecida como Refinaria de Mataripe, atribuindo a realização desse empreendimento ao CNP. A operação da Refinaria de Mataripe foi oficialmente inaugurada em setembro de 1950. Com essa refinaria, a produção de petróleo dos campos da Bahia atingiu um caráter efetivamente i ndustrial. A criação da Petrobras Desde sua criação em 1953, durante mais de quatro décadas, as atividades que compõem as indústrias de petróleo e gás natural no Brasil foram exercidas por uma única empresa, a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras). A Petrobras tinha por objetivo explorar, sob o regime de monopólio legal, atividades de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos, a refinação do petróleo nacional e estrangeiro, o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no país e o transporte por meio de dutos, de petróleo bruto e seus derivados. Algumas atividades permaneceram fora do monopólio da União, como a distribuição e revenda de combustíveis, que já eram exercidas por diversas companhias particulares, antes da criação da Petrobras e o refino concedido a algumas refinarias privadas. Cordeiro et al. (2012) explicam que, obedecendo à lógica econômica de integração das indústrias de rede, buscando ganhos de escala e escopo, bem como ganhos derivados da coordenação e diminuição dos custos de transação, o modo de organização industrial prevalecente foi a integração vertical e horizontal das distintas atividades da cadeia. Nesse contexto de empresa integrada e não sujeita à concorrência desenvolveram-se as indústrias de petróleo e gás natural no país. Em termos concretos, a meta prioritária da Petrobras era a ampliação do parque de refino, que então atendia a uma pequena parcela da demanda nacional de derivados de petróleo, e a montagem de uma infraestrutura de abastecimento, compreendendo a instalação de refinarias e terminais e a melhoria da rede de transporte de petróleo e derivados. Essa iniciativa visava, num prazo maior, a autossuficiência do abastecimento de derivado s do país. A Refinaria de Mataripe foi incorporada à Petrobras no final de maio de 1954. Em dezembro de 1957, a Refinaria de Mataripe passou a denominarse Refinaria Landulpho Alves-Mataripe (RLAM), do nome do político que, em 1938, quando era interventor na Bahia, defendeu a construção de uma refinaria naquele estado. A Refinaria de Cubatão foi incorporada à Petrobras em maio de 1954, em sua fase final de construção, e oficialmente

inaugurada em abril de 1955, recebendo o nome de Refinaria Presidente Bernardes-Cubatão (RPBC), a primeira refinaria de grande porte do país. No ano anterior, o parque de refino brasileiro já tinha sido aumentado com a inauguração da Refinaria e Exploração de Petróleo União S. A., em Capuava (SP), e da Refinaria de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), ambas controladas por capitais privados. Em 1974, a Refinaria e Exploração de Petróleo União S.A. foi incorporada a Petrobras e rebatizada como Refinaria d e Capuava. Francisco (2009) relata que em 1954 o CNP criou a Comissão da Rede Nacional de Oleodutos (CRENO) com a finalidade, entre outras, de realizar estudos técnicos e econômicos para a organização da rede nacional de oleodutos. Os estudos da CRENO sugeriam a construção dos dutos de prolongamento do oleoduto Santos-São Paulo até Campinas e ramais para Ribeirão Preto, Uberaba e Goiânia; do oleoduto Paranaguá-Curitiba com prolongamento até Guarapuava, Foz de Iguaçu e Assunção; do oleoduto Rio de Janeiro-Juiz de Fora, com prolongamento até Belo Horizonte e outros oleodutos. Leite (2014) descreve que, com o novo período de industrialização decorrente da política desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) e a ênfase dada pelo seu governo ao programa da indústria automobilística e de construção de rodovias, cresceu o consumo de derivados de petróleo, com impulso que perdurou no período dos presidentes Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Paralelamente, acentuou-se o processo de urbanização. Com o surto de desenvolvimento econômico iniciado na época do presidente Kubitschek, o consumo do petróleo cresceu em ritmo médio anual de 17% entre 1956 e 1963. Em consequência, os derivados de petróleo surgem como principal insumo energétic o em 1969. O transporte de petróleo por dutos foi intensificado pela Petrobras. Inicialmente, ocorreu a construção de oleodutos na Região de Produção da Bahia (RPBa), necessários ao escoamento da produção dos novos campos de petróleo descobertos e dos campos já em operação. Em 1956 entrou em operação o oleoduto Catu-Mata-Candeias, com diâmetro de 6 polegadas e 53 km de extensão. Outro destino dos oleodutos era o Terminal Marítimo de Madre de Deus (Temadre), denominado oficialmente Terminal Marítimo Almirante Alves Câmara. Construído em 1955, o Terminal Temadre compreendia tanques para petróleo, um quadro de boias para a atracação de navios-tanque e um oleoduto de oito polegadas ligando Candeias (Parque São Paulo) ao próprio terminal. Em novembro de 1957 entrou em serviço uma nova linha de 12 polegadas paralela à existente no trecho Catu-MataCandeias. Em São Paulo foi inaugurado, em 1957, um oleoduto especial para transporte de GLP, entre Santos e Cubatão, com 9,7 km de extensão. Sarmento e Lamarão (2006) explicam que o aumento do volume de obras nas diversas frentes, como refinarias, oleodutos e terminais, propiciou novas encomendas para a indústria brasileira. A crescente e constante demanda da companhia foi um dos fatores que conduziram à criação, em 1955, da Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria de Base (ABDIB), entidade privada sem fins lucrativos, cuja missão principal é o

desenvolvimento dos mercados de infraestrutura e indústrias de base no Brasil e o fortalecimento da competitividade da cadeia fornecedora de bens e serviços para esses setores (ABD IB, 2017). Em 1960 entrou em funcionamento o Terminal de Guanabara, posteriormente designado Terminais e Oleodutos do Rio de Janeiro e Guanabara (Torguá). Construído na Baía da Guanabara para atender ao suprimento de petróleo e escoamento de derivados da Reduc, o Torguá permitia a atracação de navios petroleiros. A Reduc, primeira refinaria totalmente construída pela Petrobras, entrou efetivamente em operação em setembro de 1961. A Reduc fazia parte do Plano de Refinarias da Petrobras, encaminhado ao CNP em fins de 1959, tendo como objetivo garantir a autossuficiência do país em derivados. O plano previa a construção de outras duas novas refinarias, uma nas proximidades de Belo Horizonte e a outra próxima de Porto Alegre, bem como dos oleodutos que deveriam transportar o petróleo para essas refinarias. Na realidade, o Plano de Refinarias tratava de projetos integrados como terminais marítimos, refinarias, oleodutos, bases de suprimento e distribuição etc. Com a ampliação do parque de refino brasileiro, ocorreu grande incremento em projetos de novos dutos e terminais, necessários tanto para o suprimento de petróleo, matéria-prima das refinarias, quanto para uma vez processado este último, o posterior escoamento dos seus derivados para os pontos d e consumo. No final da década de 60, a Petrobras aprovou uma ambiciosa carteira de investimentos nessa área, com a realização simultânea de quatro grandes obras prioritárias e imprescindíveis para atender ao incremento da demanda nacional de derivados: a construção de uma refinaria de petróleo de grande porte no estado de São Paulo, a Refinaria de Paulínia (Replan); a modernização e ampliação da Refinaria Presidente Bernardes-Cubatão (RPBC); obras de melhoria e ampliação na Refinaria Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro; e a construção do Oleoduto São Sebastião-Paulínia (Osplan), interligando o Terminal Marítimo Almirante Barroso (Tebar), em São Sebastião (SP), à Refinaria de Paulínia. Ainda nos anos 60 entraram em operação os oleodutos em Sergipe, Rio Grande do Sul e São Paulo. A Refinaria Gabriel Passos (Regap), cujo nome é homenagem ao engenheiro e político Gabriel Passos, ministro das Minas e Energia (1961-1962), foi inaugurada em março de 1968, localizada no município de Betim, Min as Gerais. Merece destaque a construção do oleoduto Orbel. Sarmento e Lamarão (2006) descrevem que, em 1966, começou a funcionar o primeiro oleoduto de grande extensão no país, o oleoduto Rio-Belo Horizonte, conhecido como Orbel. O Orbel transferia, incialmente, derivados provenientes da Reduc para Belo Horizonte. Com a entrada em operação da Regap, o oleoduto passou a atender ao abastecimento daquela refinaria, com petróleo recebido do Terminal Torguá. A construção do oleoduto Orbel, em face de suas apreciáveis dimensões (18 polegadas de diâmetro e 365 km de extensão), as maiores no Brasil até essa época, bem como das condições extremamente severas de algumas regiões que ele deveria atravessar, destacando-se a subida e descida de elevados maciços montanhosos, constituiu um centro de

treinamento em construção de oleodutos para os profissionais e técnicos da Petrobras e das firmas empreiteiras que participaram desse memorável empre endimento. A experiência e os conhecimentos técnicos e gerenciais adquiridos nessa importante obra pela Petrobras e por essas firmas seriam depois utilizados, de modo ampliado e com sucesso, em inúmeros outros empreendimentos da companhia, tornando-se marcante o desenvolvimento da engenharia nacional na construção de grandes obras do setor de petróleo observado nos anos que se seguiram. É de acentuar-se, ainda, que, por decisão da Petrobras, a fabricação de um terço de todos os tubos necessários ao empreendimento foi confiada a um fabricante genuinamente nacional, ressaltando-se que, até então, todos os tubos de oleodutos desse porte eram fabricados no exterior. Essa decisão foi a base para a capacitação nacional nesse item, de modo que, a partir daí, o país passou a ter condições de fabricar praticamente todos os tubos de oleodutos de que a Petrobras viesse a n ecessitar. Em 1970 foi publicada uma importante resolução, CNP n° 9, sobre a construção de oleodutos de caráter local e pequena extensão. Nessa resolução foram tipificadas considerações a respeito do modal dutoviário. Primeiramente, considerando a dinâmica e o desenvolvimento do mercado interno, impunha-se que gradativamente, na medida de suas necessidades, o transporte de petróleo e derivados fosse feito por meio de dutos para aprimorar o abastecimento nacional, promovendo-se de maneira mais econômica e conveniente os interesses da maior segurança dessas operações e dos consumidores. Outra importante consideração foi a possível necessidade de empresas de dispor de dutos de caráter local e pequena extensão para o abastecimento próprio de matéria-prima ou para o escoamento de sua produção básica, sem que fosse de interesse ou conveniência da Petrobras, executora do monopólio do transporte por dutos, a construção ou operação dess es dutos. Por meio dessa resolução, ficou estabelecido que seria autorizada a particulares a opção de construir dutos destinados ao transporte de petróleo e derivados, líquidos e gasosos, para atendimento de necessidade operacional própria, desde que não fosse de interesse da Petrobras a construção e operação dessas instalações. A construção desses dutos seria autorizada pelo CNP, após audiência da Petrobras, quando essa manifesta sua concordância com a solicitação e mediante parecer favorável da mesma sobre os projetos apresentados. Determinava ainda que as instalações de equipamentos componentes dos oleodutos fossem sempre da propriedade exclusiva da Petrobras, executora do monopólio estatal do petróleo. Cabia ao CNP fixar as tarifas para ressarcimento, incluindo parcela específica para remuneração do investimento e custos operacionais. A Petrobras poderia exercer o direito de propriedade, inclusive a posse dos equipamentos e instalações, sendo que nesses casos, a Petrobras indenizaria a empresa usuária do investimento realizado no duto, deduzindo o capital já amortizado, com a interveniênc ia do CNP. Sete anos depois, durante o governo do Presidente Ernesto Geisel, foi reformulada a resolução CNP n° 9 de 1970, na tentativa de harmonizar o

relacionamento entre as unidades produtoras e distribuidoras e os consumidores, na operação dos dutos de entrega de derivados do petróleo, líquidos e gasosos. Em relação à resolução anterior, a resolução CNP n° 1 de 1977 tratava de forma diferente as tarifas que serviam de ressarcimento dos investimentos realizados. Na resolução anterior, o CNP fixava as tarifas, na resolução CNP n° 1 de 1977 mencionava apenas a necessidade de celebrar convênio entre a Petrobras e o usuário, com interveniência do CNP, no qual seria regulado o ressarcimento do investimento. Também foi retirada cláusula que obrigava o pagamento de tarifa à Petrobras, deduzidas as despesas com a operação, após amortização dos investimentos realizados, que deveria ocorrer no prazo de 15 (qui nze) anos. Por meio da resolução CNP n° 1 de 1977, o governo classificava os dutos em “Linhas de Entrega” e “Linhas de Serviço”. As Linhas de Entrega compreendem todos os dutos que interligam instalações destinadas a finalidades diferentes ou de propriedade de pessoas jurídicas diversas, enquanto as Linhas de Serviço compreendem todos os dutos que interligam instalações destinadas à mesma finalidade nos limites da propriedade da mesma pessoa jurídica. Outra inovação em relação à resolução anterior foi a menção da necessidade de regularizar juridicamente a passagem nas faixas de terra por onde as Linhas de Entrega fossem co nstruídas. Na sequência, foram executadas importantes obras na área de terminais e dutos na década de 1970. Após cerca de três anos e meio de trabalhos, foi concluído, em dezembro de 1976, o Terminal Marítimo de São Francisco (Tefran), em Santa Catarina. A instalação desse terminal no litoral de Santa Catarina resultou, principalmente, de se ter encontrado nessa região um sítio marítimo apropriado para receber navios do porte daqueles que traziam petróleo importado, o que não foi possível no litoral paranaense. Incluiu também as obras do Oleoduto Santa Catarina-Paraná (Ospar), com 117 km de extensão e 30 polegadas de diâmetro, e as obras do Oleoduto Araucária-Paranaguá, com 100 km de extensão e 12 polegadas de diâmetro, concluído em novembr o de 1979. Os primeiros gasodutos no Brasil O Gasoduto Aratu-Camaçari, em operação desde 1970, é o mais antigo do Brasil. Com 20 km de extensão, é utilizado para transportar o gás natural do município de Simões Filho até Camaçari. A estrutura industrial de gasodutos instalada no Polo Petroquímico de Camaçari foi uma das razões da escolha do local para implantação da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados de Camaçari (Fafen-BA), que iniciou suas atividades em 1971, produzindo fertilizantes nitrogenados a partir do gás natural dos campos produtores de petróleo da Bahia (Petrobr as, 2017). O primeiro gasoduto interestadual do Brasil entrou em operação em agosto de 1974, ligando os estados de Sergipe e da Bahia. O Gaseb, como foi denominado, tem seu ponto inicial na Estação de Compressores de Atalaia Velha, em Sergipe, e seu ponto final no Campo de Catu, na Bahia, conectando-se ao Sistema de Gasodutos do Recôncavo Baiano. Em 1975 foi inaugurado o gasoduto Santiago-Camaçari. O trecho, com 32 km de extensão e 14 polegadas de diâmetro, transporta o gás natural de Santiago a

Camaçari, beneficiando também o município de Mata de São João, na Bahia. Em 1977 entrou em funcionamento o gasoduto Alagoas-Sergipe, que permitiu a interligação entre esses dois estados. O trajeto desse gasoduto incluía a travessia do Rio São Francisco, com cerca de 2 km de extensão. No período do governo do presidente Sarney (1985-1990), no domínio econômico o país encontrava-se com a maior dívida externa sobre a face da terra, bem como a maior dívida interna. Passava pela maior recessão de sua história, a mais alta taxa de desemprego e a mais alta taxa de inflação da história do país: 250% ao ano, com perspectiva de 1.000%. Nesse período, o Brasil despertou novamente para o potencial do gás natural, sempre visto como a “energia do Primeiro Mundo”, que passou a simbolizar a modernidade de um país ci vilizado. A Petrobras começou a perceber uma resistência social crescente contra a prática de queimar em flare grandes quantidades de gás na boca do poço. Concomitantemente, a própria empresa começou a desenvolver uma nova abordagem para o gás, tentando valorizar a sua produção e trazê-la para o mercado brasileiro que começava a emergir. Monetizar as reservas de gás passou a ser uma das estratégias da Petrobras para transformar-se numa empresa de energia e não mais uma empresa puramente de petróleo (Santos et a l. , 2002). Nesse contexto, em 1986 passaram a operar o gasoduto Nordestão, que percorre 424 km entre Guamaré (RN) e Cabo (PE), e outros gasodutos para transporte do gás produzido na bacia de Campos até o Rio de Janeiro. Em dezembro de 1988, entrou em operação o gasoduto Rio-São Paulo, para levar o gás natural da bacia de Campos a diversas localidades situadas no trajeto entre Volta Redonda e Capuava, em São Paulo, possibilitando a utilização do gás natural como combustível industrial em substituição ao óleo combustível, por diversas indústrias. Ainda em relação ao gás natural, destaca-se a sua utilização, em caráter experimental nessa época, como combustível para ônibus urbanos, substituindo o diesel. Essa iniciativa passaria à etapa comercial em diversas capitais do país a parti r de 1987. Santos et al. (2002) explanam que o gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) constitui a primeira grande iniciativa de ancorar a integração energética do Cone Sul da América do Sul por meio do gás natural. O Gasbol foi o maior empreendimento energético da América do Sul nos anos 1990. Após mais de vinte anos de negociações, foi construído o maior gasoduto da América do Sul. Para Santos et al. (2002), o Gasbol foi, primeiramente, um projeto geopolítico, baseado no forte desejo do presidente Fernando Henrique de incorporar a Bolívia ao Mercosul. Além do mais, o projeto deveria consolidar a expansão internacional do Brasil como potência regional. O Gasbol, em particular, foi um projeto de dois governos, cuja fundamentação econômica ainda não estava completamente justificada no momento de sua construção, devendo, portanto, ser interpretado como um projeto “geopolítico” de Brasil e Bolívia. A construção do gasoduto Bolívia-Brasil serve de referência para outros empreendimentos de interligação regional.

Novamente, Santos et al. (2002) relatam que a situação de carência do setor elétrico brasileiro no início dos anos 2000 conduziu à busca por soluções rápidas de expansão da geração elétrica. A termeletricidade a gás surgiu como a grande solução a ser desenvolvida. Rapidamente, convergiram todos os interesses do setor elétrico e do setor de gás natural. Silva (2014) explica ainda que, com o Programa de Racionamento de Energia Elétrica em 2001, em resposta à crise de oferta de eletricidade, a opção termelétrica a gás passou a ser decisiva. Em 2003 a Petrobras, com o apoio dos governos federal e estaduais, anunciou o Programa de Massificação do Uso do Gás Natural, que tinha como objetivo maximizar a utilização do Gasbol. A Lei do Petróleo Fernando Henrique Cardoso assumiu seu primeiro mandato presidencial em 1° de janeiro de 1995. Nesse período, Leite (2014) explica que o processo reformista adquiriu feição mais sistemática. Fortalecia-se a tese, oriunda dos principais centros econômicos do mundo, de que, independentemente do estágio de sua evolução econômica, os países deveriam orientar-se no sentido de rigorosa economia de mercado, o que trazia proposta de redução da dimensão do Estado e de sua intervenção na economia. Nesse sentido, a aprovação da Lei nº 9.478 de 1997 é um reflexo da mudança do papel do Estado na indústria de petróleo e gás natural. A Lei do Petróleo, como é conhecida a Lei nº 9.478, quebrou o monopólio da Petrobras ao regulamentar que a União poderá contratar empresas estatais ou privadas para a realização das atividades das quais possui o monopólio de exploração. Ademais, são criados a Agência Nacional de Petróleo (ANP) e o Conselho Nacional de Política Energética com a função de assessoramento da Presidência da República no estabelecimento de políticas e diretrizes para o setor energético. O objetivo do governo ao aprovar a Lei nº 9.478 foi introduzir pressões competitivas na indústria de petróleo e gás natural a partir de estímulos ao ingresso de novos agentes privados. A finalidade da lei, nesse sentido, era fazer com que os agentes privados realizassem os investimentos que até então eram realizados pelo governo federal por meio da Petrobras (FERRA RO, 2010). A respeito do modal dutoviário, a Lei nº 9.478 dispõe sobre o exercício do monopólio da atividade de dutos no art. 4º: “Constituem monopólio da União, nos termos do art. 177 da Constituição Federal, as seguintes atividades [...]: IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no país, bem como o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e de gás natural”. De acordo com o art. 8º, a ANP terá como finalidade promover a regulação, contratação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo e gás natural, cabendo-lhe regular e autorizar as atividades relacionadas ao transporte, incluindo instruir processo com vistas à declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação e instituição de servidão administrativa das áreas necessárias à construção de dutos e terminais. Quanto às empresas autorizadas a construir e operar instalações de transporte dutoviário, diz o art. 56: “Observadas as disposições das leis

pertinentes, qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para construir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para importação e ex portação”. De acordo com a Lei do Petróleo (Lei nº 9.478), o regime de outorga das atividades de transporte de petróleo e seus derivados ocorre por autorização. Segundo Di Pietro (2015) autorização é ato administrativo unilateral, praticado com liberdade de escolha de seu conteúdo e destinatário, tendo em vista a conveniência e oportunidade de sua realização. A autorização, a rigor, deve ser outorgada sem prazo, de forma que o poder público possa revogá-la a qualquer momento, sem direito a in denização. Ainda a respeito do modal dutoviário, segundo o artigo 65 da Lei do Petróleo a Petrobras deverá constituir uma subsidiária com atribuições específicas de operar e construir seus dutos, terminais marítimos e embarcações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural. Assim, em 1998, em cumprimento a esse artigo, a Petrobras criou a Petrobras Transporte S.A. (Transpetro). As atividades previstas para a subsidiária incluem o transporte e armazenamento de granéis, petróleo, derivados e gás, utilizando dutos, terminais ou embarcações próprias ou de terceiros, e a construção e operação de novos dutos, terminais e embarcações. Para isso, foram firmados entre a Petrobras e a Transpetro contratos de arrendamento, concedendo autonomia à Transpetro para a opera ção delas. A Lei do Gás Com a promulgação da Lei nº 11.909, de 04/03/2009, chamada de “Lei do Gás”, regulamentada pelo Decreto nº 7.382, de 02/12/2010, foi estabelecido um novo marco regulatório para a indústria do gás natural no país. As principais mudanças trazidas pela nova lei concentram-se principalmente na regulação do segmento de transporte de gás natural. No que se refere à construção de novos gasodutos, a Lei do Gás inseriu no arcabouço jurídico da indústria do gás o regime de concessão precedido de licitação para gasodutos de transporte. Não obstante, manteve o regime de autorização, aplicável aos dutos existentes, àqueles que tenham obtido autorização de construção da ANP e àqueles que tenham iniciado processo de licenciamento ambiental até a data de publicação da lei. Ademais, o regime de autorização também foi mantido para novos gasodutos de transporte que envolvam acordos inter nacionais. Sob o novo marco legal, a proposição de gasodutos a serem construídos ou ampliados não será mais feita diretamente por particulares, mas pelo Ministério das Minas e Energia (MME), que passou a ser responsável pelo planejamento do setor. Dessa forma, Cordeiro et al. (2012) sintetizam o processo de construção de um novo gasoduto nas seguint es etapas: a) proposição do empreendimento por parte do MME (que pode ser provocado por terceiros a propor determinado projeto de gasoduto); b) realização de chamada pública (art. 2º, inc. VII) para identificação da capacidade do gasoduto, que será dimensionado conforme o interesse

manifestado pelos carregadores durante o processo. Ao fim da chamada pública os carregadores para os quais for alocada capacidade assinarão com a ANP um termo de compromisso de compra de capacidade; c) licitação conduzida pela ANP para a escolha do transportador, que será responsável por construir e operar o gasoduto; d) assinatura de contrato de concessão de transporte de gás natural entre o transportador vencedor da licitação e a ANP; e e) assinatura de contratos de transporte de gás natural entre o transportador vencedor da licitação e os carregadores vencedores da chamad a pública. O período dos contratos de concessão será de 30 anos, contado da data de assinatura do contrato, podendo ser prorrogado no máximo por igual período. Extinta a concessão, os bens destinados à exploração da atividade de transporte serão incorporados ao patrimônio da União, mediante justa e prévia indenização. Para Ferraro (2010) algumas mudanças introduzidas pela Lei nº 11.909 contribuem sensivelmente para a redução de parte dos riscos do investimento em novos gasodutos. Entre essas mudanças pode-se destacar o estabelecimento da concessão como regime jurídico da atividade de transporte, a regulação dos contratos de concessão, a adoção de mecanismos de chamada pública com a assinatura de termos de compromisso e a definição e limitação do escopo de atuação de cada agente do pode r público. Regula ção de oleodutos e gasodutos Nesta seção, analisaremos as principais características do mercado do modal dutoviário destinado ao transporte de petróleo, seus derivados e gás natural no Brasil, com base em leis e resoluções da ANP direcionadas a e sse modal. Até 2009, o arcabouço regulatório da indústria do modal dutoviário era definido pela Lei nº 9.478 e pelas portarias e resoluções da ANP. A Lei nº 9.478 delega à ANP a responsabilidade pela regulação das atividades de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, sendo feito o exercício dessas atividades pela agência reguladora por meio de regulamentações (definidas na lei ou por portarias da ANP) ou do poder de fiscalização e monitoramento concedido à agência. Apesar das diferenças técnicas e econômicas entre os serviços de transporte de gás natural e o serviço de transporte de petróleo e derivados, o artigo 56 da Lei nº 9.478 trata essas atividades de forma igual. Com a promulgação da Lei nº 11.909 de 2009, chamada “Lei do Gás”, foi estabelecido um novo marco regulatório para a indústria do gás natural no país. Ferraro (2010) explica que a Lei nº 11.909 redefiniu e delimitou o escopo de atuação do MME e da ANP na regulação e no planejamento do transporte dutoviário de gá s natural.

Para a construção de novos dutos, o Decreto nº 7.382, que regulamenta a Lei nº 11.909, define que caberá ao MME propor, por iniciativa própria ou provocação de terceiros, os gasodutos de transporte que deverão ser construídos ou ampliados. Para isso, o MME considerará os estudos de expansão da malha dutoviária do País desenvolvidos pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética). A EPE elaborará os estudos de expansão da malha dutoviária do País considerando os planos de investimentos dos transportadores, as informações de mercado e as diretriz es do MME. De acordo com a Lei nº 9.478, novos oleodutos são propostos pelos agentes de mercado, sendo de livre iniciativa sua construção e operação, não sendo necessário processo licitatório para a exploração dessas atividades. Para a implantação de novos oleodutos, conforme definido pela Lei nº 9.478, não é previsto o estabelecimento de chamada pública como mecanismo de alocação da capacidade primária de transporte. Assim, a análise da Lei nº 9.478 mostra que o arcabouço regulatório por ela definido não fornece os instrumentos necessários de redução das incertezas associadas ao mercado e de estímulo para a implantação de novos oleodutos, diferentemente dos gasodutos, que são objeto de dimensionamento prévio da demanda por capacidade e exigência de assinatura de um termo de comprometimento pelos carregadores interessados na nova ca pacidade. O custo de construção dos dutos costuma ser muito elevado, com alto investimento em capital fixo e prazo muito longo de retorno desse investimento. Em relação ao orçamento de um empreendimento de dutos, Rennó e Lemgruber (2009) indicam que “o custo dos tubos e do lançamento do duto representa, em média, 75% do custo total do sistema”. O Decreto nº 7.382 prevê que o Ministério de Minas e Energia (MME) poderá determinar, quando couber, a utilização do instrumento de parceria público-privada (PPP), bem como a utilização de recursos provenientes da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) e da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para viabilizar a construção de gasoduto de transporte proposto por sua própria iniciativa e considerado de relevante interesse público. A utilização dos instrumentos financeiros contribui para o investimento em novos gasodutos. Para os empreendimentos de novos oleodutos, a Lei nº 9.478 não prevê instrumentos financeiros de i ncentivo. A Resolução ANP nº 52, de 02/12/2015, estabelece a regulamentação de construção, a ampliação e a operação de instalações de movimentação de petróleo, seus derivados e gás natural. A resolução determina que a construção, ampliação e operação de instalações de movimentação de produtos regulados pela ANP dependem de sua prévia e expressa autorização. Essas autorizações serão outorgadas em duas etapas: Autorização de Construção (AC) e Autorização de Operação (AO) (BRASIL, 2015). O pedido de AC será encaminhado à ANP instruído, dentre outros documentos e informações, com cópia autenticada da Licença de Instalação (LI) expedida pelo órgão ambiental c ompetente. O pedido de AO será encaminhado à ANP contendo cópia autenticada da Licença de Operação (LO) expedida pelo órgão ambiental competente. no caso de concessão para gasodutos, o artigo 32 do Decreto nº 7.382 prevê que constitui obrigação contratual do concessionário obter todas as licenças,

autorizações e anuências que se fizerem necessárias para a construção e operação do gasoduto, inclusive as ambientais (BRASIL, 2010). No Brasil, o processo de licenciamento ambiental foi devidamente disciplinado por resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e apresenta três etapas distintas: Licenciamento Prévio, Licenciamento de Instalação e Licenciamento de Operação. Conforme Rennó e Lemgruber (2009), no caso de dutos situados em mais de um estado da federação o licenciamento tem de ser obrigatoriamente conduzido p elo Ibama. Silva (2011) explica que, com a promulgação da Lei do Petróleo, se consubstanciou o direito de passagem no transporte dutoviário de petróleo e gás natural, citando o artigo 58 dessa lei, que facultou a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte existentes ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao seu pro prietário. A ANP regulará a preferência a ser atribuída ao proprietário das instalações para movimentação de seus próprios produtos, com o objetivo de promover a máxima utilização da capacidade de transporte pelos meios disponíveis. No caso de uso por terceiros interessados nos oleodutos, a Resolução ANP nº 35, de 13/11/2012, prevê que o serviço de transporte de produtos será formalizado por meio de contrato firmado entre o transportador e o carregador, inclusive o carregador proprietário, e tal contrato explicitará as remunerações do serviço de t ransporte. Determina também que fica assegurado ao carregador proprietário a movimentação de seus próprios produtos por meio da utilização da preferência do proprietário, até que complete dez anos de operação efetiva. Qualquer terceiro interessado que se considerar prejudicado pela alocação de capacidade disponível e disponibilidade operacional proposta pelo transportador poderá solicitar a intervenção da ANP, com as devidas justificativas, durante o período de divulgação da alocação proposta (BRAS IL, 2012). Para os gasodutos de transporte, o Decreto nº 7.382 prevê que os carregadores iniciais terão exclusividade para exploração da capacidade contratada dos novos gasodutos de transporte (BRASIL, 2010). Caberá ao MME fixar o período de exclusividade, que não poderá ser superior a dez anos e se encerrará quando a movimentação num gasoduto alcançar sua capacidade máxima de transporte contratada, ainda que o prazo fixado na chamada pública não tenha se esgotado, nos termos da regulação da ANP. Respeitado esse período de exclusividade, fica assegurado o acesso de terceiros aos gasodutos de transporte. O acesso dar-se-á por contratação de serviço de transporte firme em capacidade disponível. No contrato, o transportador obriga-se a programar e transportar o volume diário de gás natural solicitado pelo carregador até a capacidade contratada de transporte est abelecida. Quanto à remuneração das operadoras de dutos, a Lei nº 9.478 dispõe que o uso dos dutos de transporte ocorrerá mediante remuneração adequada ao titular das instalações ou da capacidade de movimentação de gás natural. Determina ainda que a ANP fixará o valor e a forma de pagamento da remuneração adequada com base em critérios previamente estabelecidos,

caso não haja acordo entre as partes, cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é compatível com o mercado. No caso dos oleodutos, as tarifas de transporte são negociadas entre as partes. A Resolução ANP nº 35, de 13/11/2012, regula os critérios das remunerações praticadas pelo tran sportador. Conforme o artigo 30, tais remunerações deverão considerar o produto e os volumes a serem transportados, as distâncias existentes entre os pontos de recepção e entrega e a carga tributária vigente, bem como custos e despesas para a prestação eficiente do serviço de transporte, incluídos os custos de operação e manutenção e despesas gerais e administrativas, assim como o justo e adequado retorno sobre o capital (BRASIL, 2012). A mesma resolução determina ainda que a ANP poderá fixar os valores das remunerações propostas pelo transportador, ou mesmo já acordadas entre transportador e carregador, caso receba reclamações com as devidas justificativas ou considere tais valores incompatíveis com os d e mercado. No que se refere à regulação tarifária de gasodutos, a Lei nº 11.909 estabelece que as tarifas de transporte de gás natural serão estabelecidas pela ANP, aplicando-se a tarifa máxima fixada no processo de chamada pública. Nesse sentido, a Resolução ANP nº 11, de 16/03/2016, prevê que o edital do processo de chamada pública disporá sobre a expectativa de tarifa de transporte máxima, sua metodologia de cálculo e as regras que serão utilizadas no cálculo das tarifas a serem pagas pelos carregadores, bem como as regras de reajuste e revisão tarifária (BRASIL, 2016). A Resolução ANP nº 15, de 14/03/2014, estabelece critérios para o cálculo das tarifas de transporte referentes aos serviços de transporte de gás natural e o procedimento para a aprovação das propostas de tarifa de transporte encaminhadas pelos transportadores para os gasodutos de transporte objeto de autorização (BRAS IL, 2014). Por fim, no caso dos oleodutos e gasodutos, a Resolução ANP nº 6, de 03/02/2011, instituiu a gestão de segurança operacional dos dutos terrestres para movimentação de petróleo, seus derivados e gás natural. Na gestão de segurança operacional dos dutos terrestres é considerada responsabilidade da empresa concessionária ou autorizada pela ANP que o operador da instalação disponha de um sistema de gestão que atenda ao estabelecido no Regulamento Técnico de Dutos Terrestres (RTDT) para Movimentação de Petróleo, Derivados e Gás Natural, instituído pela ANP (BRASIL, 2011). O RTDT estabelece, entre outras, as referências normativas e legais que serão aplicadas às atividades de dutos em projetos, durante a construção e montagem, além das atividades relativas à operação, inspeção e manutenção de dutos e às faixas de servidão. Estabelece também requisitos mínimos que devem ser atendidos no treinamento para a qualificação do pessoal envolvido na operação, inspeção e manutenção de dutos, além dos requisitos mínimos que devem ser atendidos para a elaboração do plano de resposta de emergência dos dutos. Ao longo da vida operacional de um duto, é responsabilidade do operador garantir que esse duto e suas instalações mantenham suas condições originais de integridade, com segurança e em observância à legislação vigente. Para tanto, caberá ao operador dispor de recursos para manutenção preventiva, rotineira e eme rgencial.

O presente e o futuro Apesar da importância do modal dutoviário, a malha de dutos do Brasil ainda é pequena em comparação a outros países, atualmente o país possui uma malha de dutos em operação destinados ao transporte de petróleo, seus derivados e gás natural com extensão de 14.256 quilômetros (ANP, 2016). Em 2009 teve início a produção de petróleo no pré-sal. As descobertas no pré-sal estão entre as mais importantes em todo o mundo na última década. A província pré-sal é composta por grandes acumulações de óleo leve, de excelente qualidade e com alto valor comercial. Essa realidade coloca o Brasil em posição estratégica frente à grande demanda de energia mundial. A produção diária de petróleo no pré-sal passou da média de aproximadamente 41 mil barris por dia, em 2010, para o patamar de um milhão de barris por dia em meados de 2016, um crescimento de quase 24 vezes (PETROBRAS, 2017). No desenvolvimento do pré-sal, há necessidade de expansão da cadeia produtiva, em particular do segmento de dutos, que requer novas tecnologias e soluções para incremento da logística do petróleo, seus derivados e gá s natural. Por esse motivo, o governo precisa criar políticas regulatórias de estímulo para que novos dutos sejam construídos e as operadoras de dutos atendam novos mercados. Ações de remoção das barreiras à entrada nesse mercado são essenciais para estimular o desenvolvimento desse modal, como a aplicação de chamada pública para dimensionamento prévio da demanda por capacidade e instrumentos de financiamento para novos oleodutos, como ocorre para os gasodutos. A escolha do corredor de dutos mais apropriado pode minimizar ou eliminar alguns impactos ambientais e consequentemente contribuir para a obtenção do licenciamento ambiental. A criação de um órgão governamental de controle do fluxo de petróleo, seus derivados e gás natural, nos moldes do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), pode diminuir as incertezas causadas pela instituição do direito de passagem nos dutos. Finalmente, programas do governo federal, a exemplo do Prominp e Pronatec, podem contribuir com a qualificação técnica da mão de obra necessária para a construção, operação e manutenção de instalações destinadas ao transporte d utoviário. Acrescentando-se a esses desafios, as operadoras de dutos intensificaram suas ações voltadas para a segurança operacional dos dutos, tendo em vista o aumento recente do furto de petróleo, seus derivados e gás natural dos dutos em operação, que causa prejuízos e riscos à população. Por isso, encontra-se em tramitação no Senado projeto de lei que altera a Lei nº 8.176/1991 para tipificar os crimes de subtração e receptação de derivados de petróleo em dutos. Dados divulgados na imprensa indicam que, no mundo, o desvio de combustíveis já é considerado a quarta atividade ilegal mais rentável, em termos de com ércio, envolvendo em torno de 10,8 bilhões de dólares ao ano. O crime é mais comum no México, Nigéria e Turquia. O governo precisa criar mecanismos e incentivos no intuito de fomentar o setor dutoviário, garantindo o abastecimento e fornecimento de petróleo, seus derivados e gás natural aos consumidores. O Estado, agente regulador, deve interferir para que a malha de dutos cresça no Brasil e se torne o

modal mais seguro, economicamente viável e utilizado no transporte de petróleo, seus derivados e gá s natural. REFERÊNCIAS ABDIB: Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base. Disponível em: https://www.abdib.org.br/quem-somos. Acesso em: 20 out. 2017. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/07/11/ projeto-criminaliza-furto-de-petroleo-dos-dutos-da-petrobras. Acesso em: 08 novembro de Agência Senado. Projeto Criminaliza Furto de Petróleo dos Dutos da Petrob ras. 2017. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2016. Rio de Janeiro: ANP, 2016. BOWERSOX, Donald J. et al. Gestão logística da cadeia de suprimentos . Tradução de Luiz Cláudio de Queiroz Faria. Revisão Técnica de: Alexandre Pignanelli. Porto Alegre: AM GH, 2014. BRASIL. Agência Nacional do Petróleo. Resolução ANP nº 6, de 3 de fevereiro de 2011. Aprova o Regulamento Técnico ANP nº 2 de 2011 – Regulamento Técnico de Dutos Terrestres para Movimentação de Petróleo, Derivados e Gás Natural – RTDT, relativo aos oleodutos e gasodutos autorizados ou concedidos a operar pela ANP. Diário Oficial da União , Brasília, 7 fevereir o de 2011. BRASIL. Agência Nacional do Petróleo. Resolução ANP nº 11, de 16 de março de 2016. Dispõe sobre a oferta de serviços, cessão de capacidade contratada, troca operacional de gás natural, aprovação e registro dos contratos de serviço de transporte de gás natural, promoção dos processos de chamada pública para contratação de capacidade de transporte de gás natural e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, 18 març o de 2016. BRASIL. Agência Nacional do Petróleo. Resolução ANP nº 15, de 14 de março de 2014. Estabelece os critérios para cálculo das tarifas de transporte referentes aos serviços de transporte firme, interruptível e extraordinário de gás natural e o procedimento para a aprovação das propostas de tarifa de transporte de gás natural encaminhadas pelos transportadores para os gasodutos de transporte objeto de autorização. Diário Oficial da União , Brasília, 17 de març o de 2014. BRASIL. Agência Nacional do Petróleo. Resolução ANP nº 35, de 13 de novembro de 2012. Estabelece a regulamentação do uso por terceiros interessados de dutos de transporte destinados à movimentação de petróleo, seus derivados e biocombustíveis, existentes ou a serem construídos. Diário Oficial da União , Brasília, 14 de novembr o de 2012. BRASIL. Agência Nacional do Petróleo. Resolução ANP nº 52, de 2 de dezembro de 2015. Estabelece a regulamentação para a construção, a ampliação e a operação de instalações de movimentação de petróleo, seus

derivados, gás natural, inclusive liquefeito (GNL), biocombustíveis e demais produtos regulados pela ANP. Diário Oficial da União , Brasília, 3 de dezembr o de 2015. BRASIL. Conselho Nacional do Petróleo. Resolução CNP nº 1, de 18 de janeiro de 1977. Conceitua os condutos de petróleo e derivados de interesse imediato das empresas e regula a autorização e condições para a construção dos mesmos. Diário Oficial da União , Brasília, 10 de fevereir o de 1977. BRASIL. Conselho Nacional do Petróleo. Resolução CNP nº 7, de 17 de agosto de 1948. Fica a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí autorizada a construir uma rede de oleodutos entre as cidades de Santos e São Paulo e a explorar, nessa rede, o serviço público de transporte de petróleo e de seus derivados, bem como o de outros combustíveis líquidos ou gasosos. Diário Oficial da União , 25 de agost o de 1948. BRASIL. Conselho Nacional do Petróleo. Resolução CNP nº 9, de 22 de setembro de 1970. Dispõe sobre a construção de oleodutos de caráter local e de pequena extensão. Diário Oficial da União , Brasília, 15 de outubr o de 1970. BRASIL. Decreto nº 4.071, de 12 de maio de 1939. Regulamenta o abastecimento nacional do petróleo, de que tratam os Decretos Leis ns. 395 e 538, respectivamente de 29 de abril e 7 de julho de 1938. Diário Oficial da União , 26 de mai o de 1939. BRASIL. Decreto nº 7.382, de 2 de dezembro de 2010. Regulamenta os Capítulos I a VI e VIII da Lei nº 11.909, de 4 de março de 2009, que dispõe sobre as atividades relativas ao transporte de gás natural, de que trata o art. 177 da Constituição Federal, bem como sobre as atividades de tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização de gás natural. Diário Oficial da União , Brasília, 3 de dezembr o de 2010. BRASIL. Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938. Declara de utilidade pública e regula a importação, exportação, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados, no território nacional, e bem assim a indústria da refinação de petróleo importado e produzido no país, e dá outras providências. Diário Oficial da União , 29de abri l de 1938. BRASIL. Decreto-Lei nº 538, de 7 de julho de 1938. Organiza o Conselho Nacional de Petróleo, definindo atribuições e dando outras providências. Diário Oficial da União , 8 julh o de 1938. BRASIL. Decreto-Lei nº 9.881, de 16 de setembro de 1946. Autoriza a criação e a constituição da Refinaria Nacional de Petróleo S.A. e dá outras providências. Diário Oficial da União , 17 de setembr o de 1946. BRASIL. Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997. Dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, 6 agost o de 1997.

BRASIL. Lei nº 11.909, de 4 de março de 2009. Dispõe sobre as Atividades Relativas ao Transporte de Gás Natural, de que trata o art. 177 da Constituição Federal, bem como sobre as Atividades de Tratamento, Processamento, Estocagem, Liquefação, Regaseificação e Comercialização de Gás Natural; altera a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997; e dá outras Providências. Diário Oficial da União , Brasília, 5 de març o de 2009. CORDEIRO, Guilherme de Biasi et al. A Lei nº 11.909/2009 e os Novos Instrumentos Regulatórios para os Segmentos de Transporte e Comercialização de Gás Natural no Brasil. In: Congresso Brasileiro de Planejamento Energético , 8, 2012. Anais. Curitiba: C BPE, 2012. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública : Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-Privada e Outras Formas. São Paulo: At las, 2015. FERRARO, Marcelo Colomer. Estruturas de Incentivo ao Investimento em Novos Gasodutos : Uma Análise Neo-Institucional do Novo Arcabouço Regulatório Brasileiro. 2010. 311 f. Tese (Doutorado) – Curso de Pósgraduação em Economia da Indústria e da Tecnologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Jane iro, 2010. FRANCISCO, Júlio César de Souza.  Avaliação da Tenacidade à Fratura de aço API 5L X70 Utilizado na Fabricação de Dutos Transportadores de Gás e Petróleo . 2009. 192 f. Dissertação (Mestrado) – Pós-graduação e área de concentração em Engenharia Mecânica, Universidade de São Paulo, São Car los, 2009. KENNEDY, John L. Oil and Gas Pipeline Fundamentals . Tulsa, Oklahoma: Pennwell Publishing Comp any, 1993. LEITE, Antônio Dias. A Energia do Brasil . 3. ed. Rio de Janeiro: Lexi kon, 2014. Petrobras . Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados : Fafen. Disponível em: http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/ fabricas-de-fertilizantes/fabrica-de-fertilizantes-nitrogenados-fafen.htm. Acesso em: 23 out. 2017. PETROBRAS. Pré-Sal . Disponível em: http://www.petrobras.com.br/pt/ nossas-atividades/areas-de-atuacao/exploracao-e-producao-de-petroleo-egas/pre-sal/. Acesso em: 27 mar. 2017. RENNÓ, Marcelo; LEMGRUBER, Nelson. O Ciclo de Vida de um Empreendimento de Dutos. In: FREIRE, José Luiz de França. Engenharia de Dutos . Rio de Janeiro: A BCM, 2009. SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial : As Estruturas. São Paulo: Malheiros Edito res, 1998. SANTOS, Edmilson Moutinho dos et al. Gás Natural : Estratégias para uma Energia Nova no Brasil. São Paulo: Annabl ume, 2002.

SARMENTO, Carlos Eduardo Barbosa; LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemeyer (comp). Engenharia da Petrobras 1972-2005 : Ontem, Hoje e Amanhã Construindo uma História. Rio de Janeiro: Petrob ras, 2006. SILVA, Abraão Ramos da. Viabilidade Logística e Econômica da Distribuição Secundária de Gás Natural : Uma Abordagem Metodológica. 2014. 161 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Logística e Pesquisa Operacional, Universidade Federal do Ceará, Fortal eza, 2014. SILVA, Ana Kátia Rodrigues. O Regime de Concessão para o Transporte Dutoviário de Gás Natural : O Novo Marco Legal e as Implicações para o Controle Externo, 2011. 35 f. Monografia (Especialização) – Curso de Especialização em Controle da Regulação, Instituto Serzedello Corrêa/TCU, Brasí lia, 2011. TRANSPETRO. Lei de Criação da Transpetro. Disponível em: http:// www.transpetro.com.br/pt_br/quem-somos/transparencia-publica/ instrumentos-de-governanca/lei-de-criacao-da-transpetro.html. Acesso em: 27 de març o de 2017. 8 POLÍTICAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL Gl ória Pinho Arnaldo Cesar da Si lva Walter Introdução Neste capítulo são analisadas as políticas adotadas no Brasil, voltadas à produção e ao consumo de biocombustíveis. É analisado o histórico de produção bem como as perspectivas em médio prazo (2030), no contexto dos objetivos de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e de alterações da legislação. Neste texto, biocombustíveis devem ser entendidos como combustíveis líquidos derivados de biomassa, utilizados no transporte rodoviário. Em síntese, etanol e biodiesel são os produtos a nalisados. A produção e o consumo de biocombustíveis têm sido promovidos em diferentes países (Estados territoriais) com o objetivo de reduzir as emissões de GEE, aumentar a segurança de suprimento energético, melhorar as condições econômicas e a qualidade de vida em áreas rurais. Com esses objetivos, em vários Estados, políticas foram implementadas, principalmente na primeira década do S éculo XXI.

Estima-se que no mundo a produção total de biocombustíveis, em 2016, atingiu 136 bilhões de litros, sendo 73,1% a produção de etanol (base volumétrica) e 22,6% a de biodiesel; a diferença corresponde a HVO (óleos vegetais hidrogenados, que têm composição próxima à do diesel fóssil). O total de biocombustíveis produzido equivale a 3% do consumo dos derivados de petróleo (base energética) tradicionalmente utilizados no transporte rodoviário. Etanol é substituto da gasolina automotiva, enquanto biodiesel e HVO são substitutos do óleo diesel. Na Figura 1 é apresentada a evolução da produção mundial entre 20 00 e 2016.

Figura 1: Evolução da produção mundial de biocombustíveis, em bilhões de litros (BL), entre 2 000 e 2016 Fonte: REN21 (difere ntes anos) A produção de biodiesel e HVO cresceram ao longo de todo o período reportado na Figura 1, sendo que as taxas de crescimento da produção de biodiesel caíram nos últimos anos, principalmente por causa da queda da produção e do consumo na Europa. Já as taxas de crescimento da produção e do consumo de etanol, que são muito concentrados nos Estados Unidos e no Brasil (mais de 86% da produção mundial em 2016, já tendo sido mais do que 90% há aproximadamente 10 anos) tiveram grande variação no período, principalmente após 2010, por conta das limitações ao crescimento do consumo nos EUA e das dificuldades de produção no Brasil.

Praticamente, toda a produção de biocombustíveis até o presente momento é dos chamados biocombustíveis de primeira geração, ou seja, produzidos a partir de biomassas que são utilizadas como alimento ou ração animal (e.g. açúcares, amido, óleos vegetais). Essa é uma das restrições que têm sido colocadas ao consumo de biocombustíveis em larga escala, principalmente na Europa. Em todo o mundo, a política básica para o fomento da produção e do consumo de biocombustíveis é dos mandatos de mistura que, em geral, especificam volume mínimo (às vezes, máximo) que deve ser misturado aos combustíveis tradicionais (gasolina e diesel). No final de 2015, havia mandatos, em nível, nacional em 32 países, enquanto em nível subnacional (i.e. estados e províncias) eram 27 mandatos; desse total, 45 eram mandatos relativos ao consumo de etanol (REN21, 2016). O Brasil também tem mandatos para etanol anidro, que é misturado com gasolina automotiva, e biodiesel, mas é praticamente o único país em que etanol hidratado é concorrente direto, em condições de mercado, da gasolina. Avaliações não oficiais das emissões de GEE no Brasil (a diferença em relação às oficiais está na categoria “mudança do uso da terra e desmatamento”, em 2010, último ano em que a comparação é possível, 2,5 vezes maiores na avaliação não oficial) indicam que o setor de transporte emitiu em 2014 por pouco mais de 240 milhões de toneladas de CO 2 equivalente (MtCO 2 eq) (11,9% do total), sobretudo no transporte individual de passageiros e no transporte rodoviário de cargas (SEEG, 2016). Não fosse o uso de etanol e biodiesel no Brasil, essas emissões seriam um terç o maiores. Na sequência deste capítulo é apresentado o histórico da produção de biocombustíveis no Brasil, seguido da descrição das políticas que foram adotadas para viabilizar a produção. Em associação aos biocombustíveis, os compromissos assumidos pelo País para reduzir suas emissões de GEE até 2030 são apresentados e, na sequência, as alterações legislativas que devem impactar o uso energético em transportes até 2030. O penúltimo tópico é uma análise sobre as perspectivas da mobilidade elétrica. Por fim, são apresentadas análises e co nclusões. Histórico da produção de biocombustíveis no Brasil: etanol ¹²⁴ Já no início do Século XX houve esforços do setor canavieiro para a produção de etanol combustível no Brasil, devido ao excedente de açúcar e à dependência de gasolina importada. Em 1931 foi definido um mandato de mistura de 5% de etanol na gasolina (GATTI JUNIOR, 2010) e, como consequência, a produção cresceu de praticamente zero para 51 milhões de litros em 1937 (MOREIRA; GOLDENBERG, 1999) (KOVALICK, 2006). Durante a Segunda Guerra Mundial os percentuais da mistura variaram, mas após o conflito, com a queda dos preços do petróleo e poucas restrições ao suprimento, o mandato foi cumprido apenas quando havia etanol d isponível. No Brasil, o mais importante marco da produção de etanol combustível em larga escala foi o Programa Nacional do Álcool – Proálcool –, que foi lançado em novembro de 1975, em decorrência dos impactos na balança comercial

do País devido à crise de preços do petróleo de 1973. À época, o Brasil era dependente do petróleo importado e os altos preços impulsionavam a inflação. Os principais eventos da produção de etanol combustível em larga escala, entre 1975 e 2003, quando começou o segundo movimento de expansão da produção, são sintetizados a seguir. Com o Proálcool, a primeira meta definida pelo Governo Federal foi a substituição de 20% da gasolina consumida no Brasil, que foi cumprida no início da década de 1980 (GATTI JUNIOR, 2010). As metas incluíam a produção de três bilhões de litros de etanol anidro (teor alcoólico mínimo de 99,7, segundo a ANP) em 1980, para ser misturado com gasolina, e de 10,7 bilhões de litros em 1985. Ambas foram facilmente cumpridas, em função das políticas e incentivos concedidos, que são mencionados mais à frente. Em 1979, com a segunda crise de preços do petróleo, o Governo ampliou o Programa e passou a ser incentivada a produção de etanol hidratado (segundo a ANP, o teor alcoólico mínimo pode variar entre 92,6 e 93,8), para ser utilizado puro, como combustível. Para tanto, o Governo havia pressionado a indústria automobilística para a fabricação de veículos capazes de utilizar apenas etanol como combustível; o primeiro modelo foi lançado pela FIAT, mas as outras três empresas então instaladas no País rapidamente se adequaram às novas condições do mercado (GATTI JUNIOR, 2010) (ROSILLO-CALLE e CORTEZ, 1998). A concordância das indústrias foi em grande parte induzida pelo fato de que desde os anos 1950 já havia pesquisa no Brasil para o uso de etanol como co mbustível. Com a queda dos preços internacionais do petróleo a partir de 1985, o Governo Federal foi paulatinamente retirando incentivos ao mesmo tempo em que a produção de etanol permanecia estagnada. Assim, houve crise de abastecimento entre 1989 e 1990 (época de entressafra da produção na região Sudeste-Centro Oeste, a maior) e as vendas de veículos a etanol tiveram rápida queda. A partir daí, os impactos na produção de etanol foram notados ao longo de mais de uma década. No início dos anos 1990 começou o processo de desregulamentação do setor canavieiro, tendo sido retirados tanto incentivos quanto controles. Com a eliminação dos incentivos à produção a partir de 1991, o Proálcool deixou de existir. O processo terminou em 1999, e o setor aos poucos se adaptou à nova situação. A partir de 2003, com a introdução – e o sucesso – dos veículos flex (FFV) no mercado brasileiro, verificou-se o início de novo movimento de expansão da produção de etanol combustível. O primeiro modelo foi lançado em 2003, e com o passar dos anos todos os fabricantes lançaram ao menos uma versão. O Brasil é o único país em que os veículos flex podem operar exclusivamente com etanol hidratado ou com gasolina que, na verdade, é mistura de gasolina e etanol anidro; no presente, os teores de etanol na mistura podem variar entre 18 e 27,5%, em volume. Com o sucesso dos FFVs, devido principalmente à sua flexibilidade na opção do combustível a utilizar, a restrição que os consumidores tinham desde o início dos anos 1990 aos veículos a etanol deixou de existir; a decisão entre etanol e gasolina é tomada no momento do abastecimento, e os consumidores se acostumaram a verificar a relação de preços entre etanol (hidratado) e gasolina (a mistura com etano l anidro).

A produção de etanol combustível voltou a crescer na virada do século, como reflexo da desregulamentação do setor canavieiro e da redução dos custos de produção de etanol. Com o sucesso dos FFVs, a produção de etanol hidratado cresceu rapidamente entre 2003 e 2009, pois os preços ao consumidor eram muito favoráveis em relação à gasolina. Entretanto, a partir de 2008 a produção de etanol tem estado em dificuldades e, inclusive, caiu drasticamente em 2011. Apesar dos esforços, a recuperação não tem sido consistente e o maior nível de produção recente foi pouco acima de 30 bilhões de litros, em 2015, quando deveria ter superado 37 bilhões de litros. As razões da crise de produção são sintetizad as abaixo: A crise financeira de 2008 afetou o empresário tradicional, que estava endividado por conta da expectativa positiva até então, e que costumava captar recursos para financiar suas atividades. Em consequência, os investimentos deixaram de existir, e houve substancial queda da produtividade agrícola. Até então o setor estava em transição, com a entrada de novos agentes (alguns estrangeiros). Com a crise, os grupos em melhores condições compraram ativos dos que estavam em dificuldade, fecharam algumas unidades, e postergaram investimentos. As expansões agrícola e industrial foram reduzidas; Condições climáticas adversas impactaram a indústria, primeiro com chuvas atípicas na safra 2009-2010, e depois com seca prolongada na safra 2010-2011; No fim da década o processo de mecanização da colheita se tornou muito importante, devido a entrada em vigor de nova regulamentação ambiental; as produtividades também caíram por conta das novas práticas agrícolas, e da compactação do solo; Os altos preços do açúcar no mercado internacional (e.g. entre 2009 e 2011) estimularam ajustes da produção, que esteve mais voltada ao açúcar; Mais importante, no Brasil os preços da gasolina foram mantidos constantes entre 2008 e o fim de 2012, em função da interferência do Governo Federal, que assim tentou controlar os índices de inflação. Com os preços da gasolina ao consumidor artificialmente baixos, e os maiores custos de produção do etanol, a competitividade do hidratado em relação à gasolina foi perdida, e o con sumo caiu. A Figura 2 mostra a evolução da produção de etanol anidro e hidratado entre 1970 e 2016. Pode-se ver que a produção de etanol anidro cresceu inicialmente, seguido do crescimento da produção de etanol hidratado quando os primeiros veículos a etanol passaram a ser comercializados. A produção não variou significativamente entre 1985 e 1994, mas a de etanol hidratado começou a cair após a crise de abastecimento em 1991. Após 1997, na medida em que a frota de veículos a etanol era sucateada, a produção caiu significativamente, e só voltou a crescer após 2003, com o sucesso dos FFVs.

Figura 2: Evolução da produção de etanol combustível no Brasil, em milhões de litros (ML), entre 1 970 e 2016 Fonte: MME, 2017. A Figura 3 mostra a evolução do consumo energético por veículos leves, entre 1970 e 2016. No fim dos anos 1980 o consumo de etanol chegou a ser equivalente ao de gasolina automotiva, em base energética, mas essa parcela caiu para pouco menos de 30% em 2001. A partir de então voltou a crescer – com o sucesso dos veículos FFVs – e chegou a quase 45% em 2009. Com a crise de produção, caiu para 28,8% em 2012 e chegou a 36,5% em 2016. Pode-se ver na figura que o consumo de veículos leves ficou praticamente inalterado entre 2014 e 2016, como resultado da profunda crise econômica nos últ imos anos. Nas condições atuais não há perspectiva de recuperação da produção de etanol combustível. O setor segue endividado e não tem recursos para fazer os investimentos necessários para a renovação e a expansão do canavial.

Figura 3: Evolução do consumo de veículos leves no Brasil – etanol e gasolina –, em PJ, entre 1 970 e 2016 Fonte: MME, 2017 Biodiesel Comparada ao etanol, a história de produção de biodiesel no Brasil é bem mais recente. Entretanto, já no início da década de 1980 houve produção de 300 mil litros de biodiesel, a partir de uma iniciativa denominada Prodiesel, originária na Universidade Federal do Ceará. Em 1983 o Governo Federal instituiu o Programa de Óleos Vegetais (OVEG) e foram feitos testes de uso de biodiesel puro e em misturas de até 30%. Em 2002 o Governo Federal também instituiu o Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico de Biodiesel que, entre outros objetivos, visava o desenvolvimento das especificações do combustível (EVANGELIS TA, 2009). A produção efetiva começou em 2005, a partir da criação do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), em Dezembro de 2004, tendo sido o marco legal definido em Janeiro de 2005. Quando de sua criação a principal justificativa foi a sustentabilidade, com ênfase na inclusão social e o desenvolvimento regional. À época, foram definidas metas de adição obrigatória de biodiesel ao diesel fóssil (base volumétrica), em todo o Brasil; entre 2005 e 2007 era possível a adição de 2% e, a partir de

2008 e 2013, de 2% e 5% (B2 e B5), respectivamente. Para o atendimento dos objetivos sociais foi instituído o Selo Combustível Social, o que deveria incentivar a participação de agricultores familiares na cadeia produtiva. As metas definidas no PNPB foram antecipadas muitas vezes, em parte porque entendia-se que o Programa era um sucesso e, em parte, por pressão dos grupos interessados (e.g. os produtores e beneficiadores de soja). Assim, por exemplo, no primeiro semestre de 2009 foi definido que o percentual seria 3%, passando a 5% para o período 2010-2013, para 7% (B7) a partir de 2015, e a 8% (B8) a partir de 2017 (UBRABIO, 2017). Na Figura 4 é mostrada a evolução dos percentuais definidos por lei (no início, sugeridos, depois como limites máximos ou mínimos) e das misturas efetivas ao final de cada ano, nesse caso tendo por referência a produção de biodiesel e o consumo final de diesel fóssil, ambos em base vo lumétrica.

Figura 4: Percentuais de biodiesel na mistura com diesel fóssil, efetivo e definido pela legislação, entre 2 005 e 2016 Fonte: MME, 2017; UBR ABIO, 2017 Na Figura 5 é apresentada a evolução da produção de biodiesel entre 2005 e 2016. A produção evoluiu em função dos percentuais de mistura, e é indiretamente controlada por meio de leilões que são regularmente feitos, tendo em vista a demanda prevista em curto prazo. Exceto a pequena queda em 2016, em relação ao ano anterior, por conta da crise econômica e da

menor demanda de diesel fóssil, a produção cresceu continuamente no período. Na prática, a produção saiu de zero em 2005 para quase 4 bilhões de litros em 2015-2016, e está consolidada como a segunda maior do mundo, atrás apena s dos EUA. Entre 2012 e 2016, na média, 77,5% da produção brasileira de biodiesel foi a partir de óleo de soja, enquanto 18,3% da produção foi a partir de gordura animal. Nos dois casos, tira-se proveito da bem estabelecida indústria da soja, diversificando a produção, e da produção de carnes, criando-se receita a partir de um resíduo. O restante da produção é a partir de óleo de algodão (2,36%, na média, entre 2012 e 2016) e de outras oleaginosas, incluindo óleo de palma, de amendoim, de girassol, de canola, de mamona etc. ( ANP 2017).

Figura 5: Evolução da produção de biodiesel no Brasil, em milhões de litros (ML), entre 2 005 e 2016 Fonte: MME, 2017 Embora não tenha sido destacado como um dos objetivos do PNPB, mais recentemente a produção de biodiesel tem contribuído com substanciais reduções das importações de diesel fóssil. Por conta de limitações do refino de petróleo, o Brasil é historicamente importador de óleo diesel, mas essa situação se agravou nos últimos anos em função dos atrasos na expansão da

capacidade de refino. Como pode ser visto na Figura 6, desde 2010 as importações têm sido da ordem de 15% do consumo final, e estariam entre 21% e 22% no mesmo período, se não fosse a produção e o consumo de biodiesel. Nessa avaliação, a hipótese é que a substituição seja 1:1, e que os motores não perdem desempenho quando operam com biodiesel n a mistura.

Figura 6: Importações líquidas de diesel fóssil em relação ao consumo final, em porcentagem, entre 2 005 e 2016 Fonte: MME, 2017 Políticas que resultaram na produção em larga escala de biocombustíveis no Brasil: etanol ¹²⁵ Para a introdução de energéticos renováveis, principalmente no setor de transportes, é preciso superar o clássico problema “do ovo e da galinha” (ROMM, 2006): quem construirá a infraestrutura necessária se não existe mercado consumidor, e quem comprará a alternativa se não existe infraestrutura? Nos primeiros 15 anos do Proálcool o suprimento e a demanda foram estimulados e ajustados pela ação coordenadora do Governo Federal (à época, os militares estavam no poder). Para assegurar investimentos, os riscos para os produtores foram minimizados pela concessão de créditos em condições favoráveis, havia mandatos que garantiam as vendas, e os preços eram controlados pelo

poder central, tanto para a cana de açúcar quanto para o etanol. Também para assegurar o suprimento, a Petrobras foi chamada a assegurar a infraestrutura de transporte, armazenamento, mistura e distribuição; eventuais perdas financeiras eram assumidas pel a estatal. Ao mesmo tempo, o Governo negociou com a indústria automobilística a garantia de que os veículos fossem adequados ao uso de etanol em grande quantidade – já após 1979 havia veículos que utilizavam apenas etanol – e seus preços ao consumidor não eram diferentes dos modelos conv encionais. Desde o fim dos anos 1970, há demanda de etanol anidro e de hidratado. A demanda de anidro, que é misturado à gasolina, é assegurada por mandatos que são definidos pelo Governo Federal. Desde a criação do Programa, os percentuais variaram de 10% (E10) (logo no início) a 27,5% (valor máximo nos últimos anos), sendo que dificilmente estiveram abaixo de 20% (E20). Já há algum tempo tem-se uma faixa (e.g. no presente entre 18% e 27,5%), o que dá flexibilidade ao Governo e aos p rodutores. Já no caso do etanol hidratado, o estímulo ao consumo foi dado pelas condições favoráveis de aquisição dos veículos puramente a etanol, e pela relação de preços ao consumidor, entre etanol e gasolina (e.g. por muito tempo, até meados dos anos 1990, 65%, por litro). Subsídios, ajustes dos tributos e controle de preços garantiram a continuidade dessa relação por anos. Com o advento dos FFVs, e a desregulamentação do setor, a competitividade do etanol hidratado se tornou um desafio maior. Nos últimos anos, a diferenciação dos impostos estaduais – principalmente o ICMS – é que dá competitividade ao hidratado em relação à gasolina, como é o caso no estado de São Paulo; condições minimamente favoráveis ao etanol, por diferenciação de impostos, existem em cinco estados ¹²⁶ , nos quais o consumo de hidratado é equivalente a 85% de toda a produção. Em todo o país não existem subsídios diretos em benefício do etanol desde o início dos anos 2000. Em outra ação governamental, em 2010, foi criado o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), tendo por base um estudo anterior do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) que identificou gargalos do ciclo cana de açúcar/etanol capazes de impedir um aumento substancial na escala de produção do etanol brasileiro. Esse estudo (CGEE-MCT/NIPE-UNICAMP), chamado de Projeto Etanol, explorou cenários que projetavam a possibilidade de o Brasil substituir 10% da gasolina automotiva consumida no mundo, em 2025, por etanol produzido no país (i.e. 250 bilhões de litros, cerca de 8 a 9 vezes a produção atual). Da identificação desses gargalos decidiu-se pela criação de um Laboratório Nacional, em Campinas-SP, para atuar junto ao setor produtivo e à comunidade científico-tecnológica b rasileira. A premissa era a diversificação da produção, tendo a cana de açúcar como fonte de carbono que pode ser eficientemente transformada em combustíveis e nos mais diversos produtos para as indústrias alimentícia, química, farmacêutica e outras, consolidando as usinas em biorrefinarias. Com o foco no aumento da produtividade do etanol da cana de açúcar, as

pesquisas foram direcionadas para a obtenção de etanol de 2ª geração, produzido a partir do bagaço. Mas, assim, como tantas outras iniciativas, essa também deixou de ser prioridade para o governo e hoje sofre do infortúnio de estar em processo acelerado de es tagnação. Um aspecto importante das políticas públicas é o financiamento da produção e o apoio à inovação. O BNDES reporta que entre 2001 e 2017 o banco aportou – com participação de outras instituições financeiras – quase R$ 60 bilhões, em diferentes áreas (e.g., expansão e novas usinas, cogeração, plantio de cana e renovação do canavial), sendo que a prioridade após 2011 foi investir em inovação tecnológica – principalmente em etanol de segunda geração (por meio de um programa conhecido como PAISS) (MILAN ES, 2017). Por um lado, é digno de nota que a ação coordenada e com prioridade do BNDES induziu mudanças significativas no setor, como o aumento da eficiência dos sistemas de cogeração. Por outro, é preciso destacar que os investimentos foram reduzidos justamente quando o setor entrou em crise, e atingiu um recorde negativo entre 2016 e 2017: o maior número de projetos beneficiados foi em 2009, o maior aporte de recursos ocorreu no início de 2010, enquanto os investimentos aprovados no início de 2017 foram 26% menores do que no mesmo período de 2016, que já era um recorde negativo (NOVACANA, 2017). Em parte, isso se deve à inadimplência e à falta de enquadramento das empresas às linhas de financiamento, em função da crise do setor. Biodiesel No seu primeiro mandato, o governo do presidente Lula acreditava que o então sucesso da produção de etanol poderia ser replicado com a produção de biodiesel, sem os erros da concentração de renda, que se entendia que era a marca negativa da produção de etanol. Foi então concebido o PNPB, tendo como principal alicerce o Selo Combustível Social, para estimular a produção de matéria-prima por agricultores familiares e em regiões mais desfavorecidas do ponto de vista do desenvolvimento econômico. Quem comprasse insumos desses produtores teria o direito de participar em leilões públicos de compra de biodiesel, que é o principal mecanismo de comercialização. Ademais, teria desoneração fiscal parcial ou total, e acesso a melhores condições de financiamento junto ao BNDES e outras instituições financeiras oficiais. Em contrapartida, deveria dar assistência técnica aos agricultores f amiliares.

Na realidade, para a participação nos leilões, há um percentual mínimo de matéria-prima que deve ser advinda de agricultores portadores de Selo Social, que varia de 40% da produção na Região Sul, 30% nas Regiões Sudeste e Nordeste, e chega a apenas 15% na Região Norte. Ao longo dos anos, esses percentuais foram ajustados: foram, por exemplo, elevados para a Região Sul, e reduzidos para o Nordeste. Segundo estimativa feita pelo Governo Federal no fim de 2015, 99% da produção de biodiesel cumpre essas condições, o que correspondeu à produção de 42 das 51 unidades industriais em operação àquela época. Em 2014, 28% da matéria prima utilizada na produção de biodiesel teve origem na agricultura familiar (M DA 2015a). Os leilões de compra são regularmente promovidos pela ANP, a partir de uma expectativa de demanda de curtíssimo prazo (poucos meses), em função do mandato em vigor e do consumo estimado de diesel. A remuneração mínima garantida é o custo de oportunidade dos óleos vegetais. Há pequena concorrência e, assim, devido a essa política não foi até o presente verificada tendência de redução dos custos em função de melhorias tecnológicas. Se o biodiesel é mais caro do que o diesel fóssil – e, em geral, o é – os consumidores pagam o preço diferencial, que é relativamente pequeno em função do pequeno percentual n a mistura. Como o investimento industrial é relativamente pequeno em relação ao custo da matéria-prima, a capacidade instalada, e autorizada a produzir, é pelo menos 50% maior do que a produção anual. É possível que as condições de financiamento tenham sido muito favoráveis, o que pode ter motivado a sobrec apacidade. O fato de a produção ter crescido de forma acentuada, e muito rapidamente, é resultado, por um lado, das condições favoráveis no Brasil e, por outro, da pressão exercida pelos grupos de interesse sobre o Governo Federal para aumentar os percentuais da mistura. Por exemplo, a lei atual assegura a possibilidade de mistura de 9-10% (B9-B10) na virada da década, mas o setor sugere que o teor chegue a 15% (B15) em 2020. Alegam-se os benefícios da redução das importações de diesel fóssil e da redução das emissõ es de GEE. Quanto ao último aspecto, o setor estima que as emissões da cadeia produtiva são equivalentes a 22,9 gCO 2 eq/MJ (UBRABIO, 2017), que é um resultado tão bom quanto o do etanol hidratado (21,7 gCO 2 eq/MJ), levando-se em conta, no caso do etanol, as emissões devido à mudança do uso da terra. Nessas condições, as emissões evitadas em relação ao diesel fóssil são equivalentes a 73,1%. Impacta positivamente esses resultados o fato de que grande parte da produção é a partir de óleo de soja (considerado coproduto, e utilizando-se o critério de alocação das emissões da cadeia produtiva em proporção à massa) e de gordura animal (considerado resíduo, e por isso não sendo a ela atribuídas emissões). Já os resultados socioeconômicos são mais controversos, e precisam ser criticamente analisados. Por um lado, o número de famílias fornecedoras de matéria prima no âmbito do programa Selo Social cresceu significativamente entre 2008 e 2015, de 28.656 para 72.485, embora tenha

caído de forma também significativa desde 2011, quando chegou ao máximo: 104.295. Por outro lado, o número de famílias cadastradas na Região Norte é muito pequeno (308 em 2015), enquanto o número de famílias na Região Nordeste caiu drasticamente entre 2008 e 2015: de 17.187 para 3.926. Desde 2011, o número de famílias cadastradas tem se mantido praticamente constante nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. A Região Sul é a que tem o maior número de famílias cadastradas – pouco mais de 85% em 2015 – e o maior número de cooperativas participantes – 64, do total de 82 em todo o país (UBRABIO, 2017) (MD A, 2015b). Entre 2008 e 2015 as compras de matéria prima produzida por famílias que têm o Selo Social cresceram continuamente, mas isso exclusivamente por causa dos resultados apresentados pelos agricultores da Região Sul (e, mais especificamente, do Rio Grande do Sul): em 2015, mais de 80% do total, em quantidade, e quase 83%, em valor (M DA 2015b). Considerados os valores de aquisição dos insumos (i.e. grãos ou óleos), a já pequena parcela de oleaginosas como mamona, girassol, amendoim, canola etc. caiu continuamente desde 2010, enquanto a parcela de soja (o grão) chegou a 98,6% do total em 2015 (MD A. 2015b). Perspectivas para os biocombustíveis em 2030: as metas da NDC brasileira Em 2015, pouco antes da vigésima primeira Conferência das Partes (COP21), que resultou o Acordo de Paris, o Brasil, como muitas outras nações, apresentou sua Pretendida Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, da sigla em inglês). Com a aprovação pelo Congresso e o registro oficial junto às Nações Unidas, o compromisso é agora identificado como Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). O compromisso assumido é de redução das emissões de GEE em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, e de redução em 43%, ainda abaixo dos níveis de 2005, em 2030. Em seu documento de apresentação (BRASIL, 2015), mencionam-se como ações necessárias o uso sustentável da bioenergia, com posterior menção ao aumento da “oferta de etanol, inclusive por meio de biocombustíveis avançados (segunda geração) e da parcela de biodiesel na mistura do diesel”. Em outra parte do mesmo documento, menciona-se a necessidade de “expandir o uso de fontes renováveis na matriz elétrica, além da energia hídrica, para uma participação de 28% a 33% até 2030”. Já em meados de 2016, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE 2016) publicou nota técnica que detalha como, na área energética, as metas da NDC podem ser cumpridas. No caso do etanol, o objetivo é o aumento da oferta em 25 bilhões de litros – chegando a 54 bilhões de litros em 2030 – considerada a manutenção do teor de 27% de etanol anidro na gasolina, o que fará com que o etanol represente 45% do consumo de combustíveis por veículos leves naquele ano. Do volume total a ser produzido em 2030, 2,5 bilhões de litros seriam etanol de segunda geração. No caso do biodiesel, consistente com a legislação que define a mistura B10 a partir de 2020, e supondo sua manutenção, a produção de biodiesel seria 9,4 bilhões de litros em 2030, muito por conta do esperado aumento do consumo de ól eo diesel.

Outra contribuição esperada do setor canavieiro é na geração de eletricidade com biomassa residual da cana (bagaço e palha), que deverá chegar em 2030, segundo a EPE, a 134 TWh, montante que deve ser comparado com 41 TWh gerados em 2014. A eletricidade excedente representaria quase 57%, e o restante seria utilizado para atender o consumo das próprias usinas. A EPE (2016) estima que a participação da biomassa da cana na geração de eletricidade passaria de 7% em relação ao total, em 2014, para 12 % em 2030. No caso das contribuições do setor canavieiro, o desafio é grande. Primeiro porque, como visto, a produção de etanol sequer foi estabilizada no nível de 30 bilhões de litros, segundo porque nas condições atuais não há perspectiva de expansão da capacidade instalada, terceiro porque a produção comercial de etanol de segunda geração ainda está distante de ser realidade. Aspecto adicional, a geração de eletricidade com biomassa residual da cana tem se expandido lentamente, uma vez que as condições de competitividade com outras fontes, principalmente a energia eólica, são restritas. Em tese defendida no fim de 2016, Moreira (2016) mostra que a expansão do setor canavieiro, e o consequente aumento da produção de etanol, dependem de dois fatores. Primeiro, da adoção de uma política que faça com que a relação de preços etanol/gasolina seja favorável ao consumo de etanol, principalmente em um cenário em que os preços internacionais do petróleo não devem ser altos. Como o setor canavieiro não deve recuperar em curto prazo as condições para reduzir os custos de produção do etanol, é preciso, por exemplo, remunerar em função das emissões evitad as de GEE. Nesse sentido, a proposta do RenovaBio (ver próxima seção), é mais do que oportuna. Segundo aspecto, Moreira (2016) mostra que a adoção de uma política como a organização de leilões específicos – e regulares – para a geração elétrica com biomassa trará dois resultados positivos: a própria expansão da capacidade de geração nas usinas, e o aumento da rentabilidade do setor canavieiro, que fará com que o etanol se torne mais competitivo em relação à gasolina. No caso da contribuição do biodiesel, as metas definidas na NDC brasileira não são ambiciosas nem quanto ao volume a ser produzido e tampouco quanto aos insumos e às tecnologias a serem utilizadas. Mas os produtores procuram mostrar que é possível se chegar em 2030 a misturas como B20 (19,4 bilhões de litros de biodiesel) ou B25 (24,3 bilhões de litros) em todo o país. Para viabilizar a produção que equivaleria ao B20, seria necessário mais do que dobrar o número de unidades industriais. Em um dos cenários (UBRABIO, 2017), no qual a produção de soja cresceria 73,7% entre 2015 e 2030, e o processamento do grão no Brasil (extração do óleo) cresceria 149,4% no mesmo período, 14 bilhões de litros de biodiesel seriam produzidos em 2030, em um contexto em que o óleo vegetal passaria a ser coproduto. No mesmo cenário, pouco mais de 1,9 bilhão de litros poderiam ser produzidos a partir de gordura animal, o que faria com que a produção combinada – cerca de 15,6 bilhões de litros – pudesse viabilizar o uso de misturas B16 em to do o País.

Pode-se ver que cenários bem mais ambiciosos do que o B10 mencionado na NDC requerem a significativa expansão da cadeia produtiva da soja, a alteração da sua organização (com expansão do processamento no país) e o esforço de minimização de resíduos na produção de carnes. Outro aspecto importante, senão o crucial nessa avaliação, é que como a expansão da cadeia produtiva seria movida pelo objetivo de aumento da produção de biodiesel, os argumentos de que o combustível é coproduto, e que a alocação das emissões de GEE pode continuar a ser feita como o foi até agora, serão que stionados. O possível contexto nos próximos anos: Rota 2030 e RenovaBio Rota 2030 Em relação aos principais países do mundo, a frota de veículos no Brasil – majoritariamente produzidos no país, pois os impostos de importação são muito altos – não é energeticamente eficiente. Estudo publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA 2015) mostra que, no Brasil, na média, as emissões de GEE dos novos veículos leves (em condições de teste) (expressos em gCO 2 /km – parâmetro usado como proxy de eficiência, e.g. litros/100 km) era 160 gCO 2 /km em 2013, quando era menos do que 130 gCO 2 /km na União Europeia (e.g., 120 gCO 2 /km na França e aproximadamente 140 gCO 2 /km na Alemanha) e menos de 120 gCO 2 /km no Japão. No Brasil, a maior autonomia dos veículos (e.g., km/litro) é uma das metas do chamado “regime automotivo”, acordo entre as indústrias e o Governo Federal, que define a política fiscal e de incentivos, em contrapartida a compromissos de melhoria de desempenho, investimento, segurança e inovações tecnológicas. O regime vigente até fim de 2017 é conhecido como Inovar-Auto, e foi definido em 2012. A indústria alega que os resultados alcançados entre 2012 e 2017 equivalem a um ganho de eficiência energética da ordem de 15%, quando a meta era 12%, enquanto críticos afirmam que alguns fabricantes conseguiram resultados sem esforço significativo: por exemplo, apenas reduziram o atrito de rolamento com a troca dos pneus. O novo regime automotivo, que deve vigorar por 12 anos, a partir de 2018, é chamado Rota 2030, e foi negociado por vários meses entre o Governo (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) e a indústria. Uma das propostas mais importantes é a alteração da tributação do IPI, que passaria a ser definido em função dos resultados de eficiência energética, e não mais em função da cilindrada dos motores. Até o fim de 2017, as alíquotas variavam entre 7% a 25%, conforme a motorização: veículos com motores de mil cilindradas e FFVs pagam menos, e veículos com motores acima de duas mil cilindradas e exclusivamente a gasolina pagam mais; veículos elétricos e híbridos também têm a maior alíquota. Na nova versão, veículos elétricos e híbridos serão menos taxados. Em algum momento foi dito que a modernização dos FFVs seria alvo da proposta, e que haveria estímulo para a introdução no mercado de motores com taxa de compressão variável (o que permite melhor desempenho quando do uso d e etanol).

No entanto, mesmo após meses de negociação, no fim de 2017 a proposta ainda era criticada por setores do Governo (pela Fazenda, mais especificamente) e não havia indicação de ser aprovada na sua versão atual. As críticas são de que o texto é complexo, que os benefícios fiscais previstos não trarão necessariamente vantagens à sociedade, e que o regime automotivo fere regras do comércio internacional, podendo ser motivo de sanção no âmbito da OMC (como, de resto, também foi o Ino var-Auto). RenovaBio RenovaBio é um programa proposto originalmente pelo Ministério das Minas e Energia, que foi aprovado no fim de 2017 tanto pela Câmara quanto pelo Senado, e sancionado pela Presidência da República. É chamado Política Nacional de Biocombustíveis. Após a aprovação, sua política deverá ser implementada em até 18 meses, e impactará a produção de biocombustíveis antes da virada da década. Estima-se que esse período seja necessário para a criação dos instrumentos legais para a operacionalização do novo mercado de biocombustíveis, bem como para a definição das metas de redução das emissões de GEE. É de se esperar que, nacionalmente, as metas de redução das emissões sejam coerentes com a NDC b rasileira. Pelo programa, as distribuidoras de combustíveis deverão comprar os chamados CBios – créditos de carbono –, que serão emitidos pelos produtores de biocombustíveis em função de suas emissões evitadas (em relação aos combustíveis fósseis substituídos). Haverá uma planilha eletrônica (que está sendo chamada “calculadora”) que permitirá, para cada produtor, o cálculo das emissões de GEE no ciclo de vida de um biocombustível. Quanto menores as emissões de GEE na cadeia produtiva, mais CBios associados; em princípio, a maior eficiência ambiental será recompensada com maior remuneração na venda dos certificados. Os recursos serão recebidos pelos produtores, que deverão estar motivados a reduzir continuamente as emissões de GEE em suas cadeias p rodutivas. Os CBios serão transacionados em mercados regulados, e seu valor não deve ser imposto pelo Governo Federal ou pelos produtores. Quanto maior a meta de redução de emissões, e menor o prazo de cumprimento, maior deve ser o valor do CBio. A sistemática deve ser aplicada a todos biocombustíveis, inclusive aqueles cujos mercados ainda não estão plenamente desenvolvidos, como biogás e bioquerosene de aviação. Da mesma forma, não deve haver distinção entre biocombustíveis produzidos no Brasil ou no exterior. Como é de se imaginar que distribuidoras de combustíveis buscarão ter suas próprias unidades de produção de biocombustíveis, uma das consequências deve ser uma nova onda de fusões e aquisições em setores mais estabelecidos, como o canavieiro e o produtor de biodiesel. Da mesma forma, é de se esperar um movimento visando a modernização, para a redução das emissões nas cadeias produtivas. Por exemplo, são esperadas a renovação dos canaviais e ações para ganhos de prod utividade. Uma das questões debatidas é qual seria o impacto do RenovaBio nos preços dos biocombustíveis. Alguns analistas preveem preços mais altos, por conta da necessidade de aquisição – ao menos por alguns agentes – dos CBios. Por outro lado, os proponentes dizem ter feito simulações e avaliam que o

impacto na inflação seria de no máximo 0,6% em dez anos, mas, o mais provável, é que haja redução dos preços dos biocombustíveis por conta da receita adicional de venda dos CBios. Há também o efeito de redução dos custos de produção – ao menos do etanol – por conta da modernização da cadeia de produção, retomando o caminho verificado antes da crise que começou em 2008. Outro fator a considerar são os custos de verificação/ certificação das emissões e, principalmente, os de transação dos CBios. A possível eletrificação da frota de veículos leves no Brasil ¹²⁷ Os veículos elétricos são tecnologia disruptiva, que traz desafios para os fabricantes de veículos, para a indústria elétrica, e para a sociedade, como um todo. Dois de seus fantásticos apelos estão na possível contribuição para a melhoria da qualidade do ar nas cidades, e na redução das emissões de GEE. Outro apelo, dependendo do modelo de negócios que for adotado, está na radical transformação do valor social da propriedade dos veículos. É natural que haja muito interesse em sua viabilização, pelo conjunto de benefícios e de opor tunidades. A questão do benefício para a qualidade do ar nas cidades é inquestionável, a menos que o transporte público, com alto índice de eletrificação, seja alternativa real. Já os esquemas de compartilhamento de veículos, e o desinteresse dos jovens em possuir automóveis, é uma nova realidade em alguns países, mas é impossível prever o quanto essa tendência será disseminada. O compartilhamento de veículos favorece os veículos elétricos, pois os altos custos iniciais deixam de ser entrave, e a alta taxa de utilização faz com que os impactos ambientais da fabricação dos veículos sejam mais rapidamente diluídos. Já o benefício da redução das emissões de GEE depende da descarbonização das matrizes de geração de eletricidade, e das alternativas de motorização existentes. A rápida penetração da energia eólica, e mais recentemente da solar fotovoltaica, fazem com que alguns acreditem que a completa descarbonização das matrizes é possível (WWF, 2007) (REN21 2016). A velocidade de transição dos sistemas elétricos em alguns países, principalmente europeus, deve-se em parte à estabilidade da demanda elétrica e aos custos de interligação com a rede, que não foram muito altos, mas em outros países o contexto pode ser bastante diferente (LOFTUS et al. , 2015). E, no caso brasileiro, há que se ter em conta que o uso de etanol, em condições normais, já é boa alternativa para a redução das emissõ es de GEE. No Brasil, em que condições haveria vantagens para os veículos elétricos, exclusivamente do ponto de vista das emissões de GEE? Na Tabela 1 são apresentados os parâmetros considerados em uma análise preliminar. É calculado o fator de emissão de GEE do sistema elétrico, que corresponde à indiferença entre os veículos elétricos (no caso, considerado o modelo mais vendido em todo o mundo) e um FFV equivalente em porte. Para a análise de equivalência com um veículo híbrido, que por enquanto não tem a opção de motorização flex , foram feitas as hipóteses descritas em notas da tabela. Foram considerados que os fatores de emissão do etanol hidratado e da gasolina C (E22) em seus ciclos de vida são, respectivamente, 21,7 gCO 2

eq/MJ e 76,8 gCO 2 eq/MJ; também foram considerados que os poderes caloríficos são 21,3 MJ/litro de etanol hidratado e 30,6 MJ/litro de gasolin a C (E22). Tabela 1: Parâmetros considerados na estimativa do fator de emissão de GEE do sistema elétrico brasileiro, que corresponde à indiferença entre veículos elétri cos e FFVs Notas: ¹ Emissões de GGE associadas à fabricação de partes e à montagem (Ma et al. 2012); ² Equivale a 17,5 kWh/100km; resultado do Nissan Leaf, segundo o fabricante, em condições mistas entre trânsito urbano e em rodovia, que não são necessariamente correspondem às condições no Brasil; ³ A partir dos resultados apresentados por INMETRO (2017), considerados ciclos de teste, para o Nissan New March 1.6, 16v; 50% em trânsito urbano e 50% e m rodovia; ⁴ A partir de resultados apresentados por INMETRO (2017), em ciclo de teste com gasolina C (E22), para o Toyota Prius; os hipotéticos resultados para etanol foram estimados em proporção com as autonomias dos testes feitos com o Toyota Corolla 1.8; 50% em trânsito urbano e 50% e m rodovia; Os valores de equivalência para o FFV são 198,4 gCO 2 /kWh no caso do etanol e 968,7 gCO 2 /kWh no caso da gasolina C (E22) e, para o híbrido, 139,2 gCO 2 /kWh no caso do etanol e 708,5 gCO 2 /kWh no caso da gasolina C (E22). Isso significa que a emissão de GEE na geração de eletricidade tem que estar abaixo desses valores para que haja vantagem do veículo elétrico em relação às alternativas de mot orização. No sistema elétrico brasileiro, sem considerar as emissões de decomposição da matéria orgânica nos reservatórios das hidroelétricas, o fator de emissão médio de GEE em 2016 foi 80 gCO 2 /kWh, mas esse havia sido 140 gCO 2 / kWh em 2014; já o fator de emissão médio na margem esteve em torno de 600 gCO 2 /kWh entre 2013 e 2016 (MCTIC 2017). Conclui-se que do ponto de vista das emissões de GEE os veículos elétricos são boa opção em relação ao uso de gasolina C (E22), independente de seus impactos sobre a rede elétrica. Já no caso do uso de FFVs com etanol, só há vantagem dos veículos elétricos se a recarga não impactar significativamente o sistema em condições médias de operação, i.e. recargas em horários fora da ponta do sistema, e frotas relativamente pequenas. Caso contrário, há necessidade de reduzir significativamente as emissões de GEE na geração de ele tricidade. Ademais, para o futuro dos veículos elétricos é crucial o desenvolvimento das baterias, para que tenham maior autonomia e menores custos. A expectativa é que a autonomia dos veículos possa ser ampliada para 300-350 km, e que com custos na faixa de 120-150 US$/kWh os veículos elétricos se tornem competitivos com os convencionais, considerados seus ciclos de vida. Recentemente, os custos das baterias íon-lítio foram estimados em 350 US$/ kWh, e as metas acima mencionadas podem ser alcançadas em até 10 anos (IEA 2016) (BLOOMBE RG, 2016).

Entretanto, mesmo com essas estimativas otimistas, a previsão é que as vendas de veículos elétricos poderão representar 35% das vendas de veículos novos apenas em 2040, quando corresponderiam a 25% das frotas. Uma das restrições estará na disseminação das infraestruturas de recarga, que até agora não foram viáveis para o investiment o privado. Discussão e conclusões O Brasil é um país de dimensões continentais e as distâncias que precisam ser vencidas são enormes. O sistema ferroviário começou a ser sucateado nos anos 1950-1960 e ainda hoje não é prioridade a reversão desse quadro. Da mesma forma, mesmo que aproximadamente 30% da população viva em 42 cidades que têm mais de 500 mil habitantes, com o agravante de que na média a população tem baixa renda, o transporte público não é efetivamente prioridade. Uma das consequências é que parte significativa das emissões de GEE no Brasil ocorre no setor de transportes, e essas seriam bem maiores se não fosse a importante contribuição dos biocomb ustíveis. O país é o segundo maior produtor mundial de etanol e biodiesel, mas as políticas que permitiram que esses resultados fossem alcançados jamais priorizaram a redução das emissões de GEE. Pior, no que diz respeito ao etanol, a inconsistência das políticas colocou – e coloca – em risco os resultados alcançados durant e décadas. Um novo paradigma pode surgir, com a priorização da bioenergia para reduzir as emissões de GEE, e com a proposta de valoração dessas contribuições, que é base do RenovaBio. O programa foi aprovado, mas não há garantias de que será adequadamente implementado. A indústria automobilística sabe da importância do mercado consumidor e da capacidade de produção no Brasil – em situação normal, mais de 3 milhões de veículos são produzidos por ano –, mas o país não tem peso para ditar soluções para uma indústria que é multinacional e busca soluções padr onizadas. Por outro lado, por mais que haja racionalidade na mobilidade elétrica, e que o futuro seja dos veículos autônomos, a transição deve ser lenta, entre outras razões porque será muito caro alterar a infraestrutura existente e construir aquela que será necessária. Como é caro construir ferrovias e melhorar o sistema de transporte público nas grandes cidades. São metas que devem ser perseguidas ao longo do tempo, e com det erminação. Mas as mudanças climáticas são um problema real. E atual. É preciso agir, e no caso do Brasil, porque as emissões em transportes são significativas e porque a alternativa dos biocombustíveis está presente, é possível reduzir o consumo dos fósseis com mais biocomb ustíveis. Entretanto, é preciso reconhecer que há limites, e apenas os biocombustíveis sustentáveis devem ser promovidos. A começar por aqueles que efetivamente contribuem para a redução das emissões de GEE, mas isso não é tudo. Nesse sentido, o RenovaBio deve ser o primeiro passo, mas outras políticas são necessárias porque há problemas que precisam ser evitados, como a mudança em larga escala do uso da terra e as extensas monoculturas. É também preciso desenvolvimento tecnológico, para

aumentar a eficiência e diversificar as biomassas que são necessárias, minimizando o papel daquelas que são alimento e /ou ração. É possível que os biocombustíveis não sejam solução definitiva, mas promovê -los, não só no Brasil, deve fazer parte do conjunto de ações que são necessárias. Mais especificamente, um país que tem longa história de produção, que tem os recursos naturais necessários, e conhecimento associado, certamente precisa ter políticas que façam com que o potencial seja aproveitado, e a experiência não seja destruída. REFERÊNCIAS ANP. Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Anuário Estatístico 2017 . Rio de Janeiro: ANP. 2017. Disponível em: www.anp.gov.br/ wwwanp/publicacoes/anuario.../3819-anuario-estatistico-2017. Acesso em: dez. 2017. BLOOMBERG, Bloomberg New Energy Finance . 2016. Electric vehicles to be 35% of global new car sales by 2040. Disponível em: https:// about.bnef.com/blog/electric-vehicles-to-be-35-of-global-new-carsalesby-2040/. Acesso em: dez. 2017. EPE. Empresa de Pesquisa Energética. O Compromisso do Brasil no Combate às Mudanças Climáticas : Produção e Uso de Energia. Rio de Janeiro: EPE. 2016. EVANGELISTA JUNIOR. F. Inserção de um Modelo Agro-Industrial Familiar de Pequena Escala na Cadeia de Produção do Biodiesel Baseado na Cultura do Girassol, no Semi-Árido Potiguar . Tese de Doutorado em Engenharia Mecânica. Campinas, Universidade Estadual de Campi nas. 2009. GATTI JUNIOR W. 35 Years of Proalcool Creation: from Ethanol-Fuel to Flex Fuel Vehicle. In: Proceedings XIII SemeAd , São Paulo, Brazil, Septembe r 8, 2010. IEA. International Energy Agency. Energy Technology and Perspectives 2015 – Scenarios & Strategies to 2050. Paris: IEA. 2015. IEA. International Energy Agency. 2016. Global EV outlook 2016 . Paris, France. Moreira JR, Goldemberg J. The alcohol program. Energy Policy, 1999, vol. 24, p . 229-245. INMETRO. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Programa Brasileiro de Etiquetagem – resultados do Programa Veicular. 2017. Disponível em: http://www.inmetro.gov.br/consumidor/ tabelaspbeveicular.asp. Acesso em: 13 set. 2019. KOVALICK, W. Ethanol’s first century: Fuel Blending and Substitution Programs in Europe, Asia, Africa and Latin America. In: Proceedings XVI International Symposium on Alcohol Fuels , Rio de Janeiro, Brazil, Nove mber 2006.

LOFTUS, P.J; COHEN, A.M; LONG, J.C.S; JENKIS, J.D. A Critical Review of Global Decarbonization Scenarios: What do They Tell us about Feasibility? WIREs Climate Change , 2015, v. 6, p. 93-112. MA, H. et al. A New Comparison Between the Life Cycle Greenhouse Gas Emissions of Battery Electric Vehicles and Internal Combustion Vehicles. Energy Policy , 2012, v. 44, p. 160- 173, 2012. MCTIC. Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Fatores de Emissão de CO2 do Sistema Interligado Nacional do Brasil . 2017. Disponível em: http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/ciencia/ SEPED/clima/index.htmlMDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2015a. Balanço dos 10 anos do Selo Combustível Social. Disponível em: www.mda.gov.br/.../Apresentação%20MDA%20Balanço%2010%20anos%20 Seminár ... MDA. Ministério do Desenvolvimento Agrário. 2015b. Dados do Selo Combustível Social . Disponível em: www.mda.gov.br/.../SCS%20%20Balanço%202015%20para%20publ icação.pdf MILANEZ, AY. Apoio do BNDES ao Setor Sucroenergético . 2017. Disponível em: www.unica.com.br/download.php?idSecao=17&i d=27501891 MME. Ministério das Minas e Energia. 2017. Balanço Energético Nacional . Bras ília, MME. MOREIRA, M.M.R. Estratégias para Expansão do Setor Sucroenergético e suas Contribuições para a NDC Brasileira . Tese de Doutorado em Engenharia Mecânica. Campinas, Universidade Estadual de Campi nas. 2016. NOVACANA. 2017. Disponível em: https://www.novacana.com/n/industria/ investimento/bndes-limita-investimentos-usinas-etanol-recordenegativo-030817/. Acesso em: 13 set. 2019. SEEG. Sistema de Estimativas de Emissão de Gases de Efeito Estufa. Análise das Emissões de GEE Brasil (1970-2014) e suas Implicações para Políticas Públicas e a Contribuição Brasileira para o Acordo de Paris. 2016. Disponível em: seeg.eco.br/wp-content/uploads/2016/.../WIP-16-09-02RelatoriosSEEG-S intese.pdf REN21. Renewables 2016 Global Status Report . REN21 Secretariat, Pari s, France. ROMM, J. The Car and Fuel of the Future. Energy Policy , 2006, v. 34, p. 2609-2914. ROSILLO-CALLE F; CORTEZ, LAB. Towards ProAlcool II—A Review of the Brazilian Bioethanol. In: Programme. Biomass Bioenergy 1998, v. 14 , 115– 124. UBRABIO – União Brasileira do Biodiesel e do Bioquerosene. Biocombustíveis de Acordo com as Metas Brasileiras Estabelecidas na INDC.

2016. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ecidadania/ visualizacaoaudiencia?id=9638. Acesso em: 13 set. 2019. WALTER, A. Bio-Ethanol Development(s) in Brazil. In: SOETAERT, W.; VANDAMME, E. (org.). Biofuels . Chapther 4. Wi ley, 2008. WALTER, A; GALDOS, M.V; SCARPARE, FV; LEAL, MRLV; SEABRA, JEA; CUNHA, M.P; PICOLI, M.C.A. OLIVEIRA, C.F.O. Brazilian Sugarcane Ethanol: Developments so far and Challenges for the Future. WIREs Energy Environ 2014, v. 3, p. 70–92. WALTER, A. Future Trends and Outlook in Biofuels Production. In: RIAZI, M. R.; CHIRAMONTI, David. Biofuels Production and Processing Technology . Chapter 24. CRC Pr ess. 2017. WWF. World Wildlife Fund. Climate solutions: WWF’s vision for 2050. Gland: World Wildlife F und. 2007. 9 O ETANOL NO MUNDO: POTENCIAI S DESAFIOS Eduardo L. Leã o de Sousa Geral dine Kutas Letici a Phillips O Brasil foi pioneiro na utilização do etanol em larga escala, desde a segunda parte dos anos 1970, com o advento do programa conhecido como Proálcool. No entanto, foi somente a partir do início deste século que o etanol entrou na agenda global, quando importantes países consumidores passaram a adotar programas de incentivos ao uso de biocom bustíveis. Uma das principais razões que t êm levado esses Estados a adotar programas de utilização de biocombustíveis tem sido as questões ambientais, visando particularmente ao combate às mudanças climáticas, um dos principais desafios do século XXI. Em um esforço para enfrentar essa questão crítica, países e líderes de todo o mundo vêm buscando soluções limpas e renováveis para a redução dos gases que provocam aquecimento global e, consequentemente, a diminuição da dependência dos combustívei s fósseis. O transporte, importante fonte de emissões desses gases, responde por um quarto das emissões globais, sendo ainda o setor que mais deverá crescer em termos de emissões, principalmente nos Estados em desenvolvimento, pelo menos ao longo das próximas três décadas. Além das questões de clima, três outros motivos impulsionam o interesse pela maior utilização de biocombustíveis: o aumento da segurança energética, a redução do nível de poluição nas grandes cidades e a geração e diversificação de renda nas áreas rurais dos países pr odutores. Importante mencionar que, geralmente, os biocombustíveis necessitam de políticas públicas específicas para incentivar seu consumo. Essas políticas

podem assumir várias formas, mas as duas mais comuns são a determinação legal de misturas, obrigatórias ou voluntárias, de etanol na gasolina, ou biodiesel no diesel, ou os chamados mandatos volumétricos, por meio do qual os governos determinam uma quantidade de volume de etanol que deverá ser consumido em um determinado ano ou período. De fato, pode-se observar que no início dos anos 2000, a produção e o consumo mundial não ultrapassavam 16 bilhões de litros anuais, dos quais 10 bilhões eram produzidos no Brasil. Com o início dos programas de biocombustíveis adotados a partir de meados daquela década, verifica-se que a produção mais do que sextuplicou, atingindo mais de 100 bilhões de litros em cerca de 20 anos (Gráfico 1). Do ponto de vista da participação relativa, no ano de 2000, o percentual de etanol em relação à gasolina no mundo era inferior a 1,5%. Em 2016, esse percentual mais do que quadruplicou atingindo quase 7,0% de participação na matriz de transportes para veículos de Ciclo Otto. (Gr áfico 2).

Gráfico 1. Produção de etanol no mundo, em bilhões de litros, entres os anos de 2 000 e 2019 Fonte: Energy Information Administrati on e LMC. Nota: Volume de produção estimado em 20 18 e 2019.

Gráfico 2. Participação do etanol em relação à gasolina (em %), entre os anos 20 00 e 2016 Fonte: International Ene rgy Agency Além do Brasil, os primeiros Estados que adotaram programas mais ambiciosos de consumo de etanol foram os Estados Unidos (EUA) e os da União Europeia (UE), seguidos por outros países da América Latina, África e Ásia. No ano de 2018, 66 Estados já adotavam misturas obrigatórias – ou voluntárias – de etanol na gasolina, conforme a Tabela 1. Tabela 1. Número de países com mandatos de mistura, por continent e, em 2018 Fonte: Biofuels Dig est, 2019. Cabe ressaltar, no entanto, que, apesar desse importante crescimento da produção e expansão dos mandatos de mistura de etanol por todos os continentes, ainda se verifica forte concentração do consumo em praticamente três regiões, quais sejam: o Brasil, com 24% do consumo global, os EUA, com 57%, sendo atualmente o maior produtor de etanol do mundo, e UE, com 5,6% do consumo. Ou seja, essas três regiões concentram mais de 85% do consumo mundial. Se somarmos ainda o consumo da China e Tailândia, o consumo dessas cinco regiões representa 92% da demanda mundial, conforme o G ráfico 3.

Gráfico 3. Evolução da produção de etanol entre os principais países consumidore s no mundo Fontes: International Energy Agen cy e LMC. Nota: Volume de produção estimado em 20 18 e 2019. A partir dessa introdução, pretende-se neste capítulo, detalhar os programas de etanol das duas regiões mais representativas do consumo global (além do Brasil), que são os EUA e UE, descrevendo seus programas, potenciais e desafios. Importante ressaltar que, além da importância no consumo, essas regiões são relevantes pela capacidade que tem de influenciar políticas em outros Estados pela sua relevância geopolítica e critérios rigorosos de avaliação dos benefícios ambientais desses biocombustíveis. Em seguida, será apresentado resumo dos programas nas demais regiões e, ao final, teremos as considerações finais sobre as perspectivas do mercado mundial de etanol. Mercado Americano de Etanol Os Estados Unidos produzem e utilizam etanol a partir do milho há mais de 30 anos e são, desde 2005, o maior produtor desse combustível no mundo, responsável atualmente por mais da metade da produção mundial. Esse crescimento pode ser atribuído principalmente à eliminação, em 2005, do uso do Éter metil terc-butílico, conhecido como MTBE ( Methyl Tert-Butyl Ether, em inglês) como oxigenante da gasolina nos EUA e pela criação, no mesmo ano, da primeira versão do Padrão de Combustível Renovável (em inglês, Renewable Fuel Standard – RFS). O RFS é uma política federal de

uso de biocombustíveis que concedeu à indústria do etanol de milho volume anual de 56,8 bilhões de litros de combustíveis renováveis para serem misturados na gasolina utilizada para tra nsportes. Apesar do tamanho da indústria doméstica, os Estados Unidos são historicamente o principal destino das exportações de etanol de cana-deaçúcar do Brasil. Os dois países apresentam intenso fluxo de comércio do produto, tanto pelo fato de serem os maiores mercados consumidores, mas principalmente porque a produção de etanol depende de condições climáticas. Além disso, tanto o RFS quanto a política de uso de biocombustíveis da Califórnia, o Padrão de Combustível de Baixo Carbono (em inglês, Low Carbon Fuel Standard – LCFS) reconhecem as externalidades positivas do etanol brasileiro frente ao etanol de milho americano e criaram mecanismos que beneficiam o produto br asileiro. Mercado e marco regulatório Os Estados Unidos são o mercado que utilizam o maior volume de biocombustíveis no mundo, com cerca de 75 bilhões ¹²⁸ de litros do renovável em 2019. O maior volume utilizado é de etanol produzido de milho, com 57 bilhões de litros, correspondendo a cerca de 10% da gasolina utilizada no país. O segundo maior volume é de biodiesel, que representou em 2018 cerca de 12 bilhões de litros de etanol equivalente. O restante é composto por outros biocombustíveis, como o etanol de cana-de-açúcar brasileiro, diesel renovável e o etanol c elulósico. A política de descarbonização de transportes americana tem como alicerce dois programas principais: o RFS, em nível federal, e LCFS na Califórnia, em nível estadual. Enquanto o RFS é um programa que determina um volume mínimo de biocombustíveis a ser misturado na gasolina, o LCFS tem uma meta de pelo menos 10% de redução de gases de efeito-estufa (GEE) quando comparado aos níveis de emissões da gasolina do estado em 2010. Padrão de Combustível Renovável (Renewable Fuel Standard – RFS) Criado pelo Congresso americano a partir do Ato de Segurança e Independência Energética (EISA) de 2005 o Renewable Fuel Standard (RFS) foi revisado e ampliado em 2007 , e obriga refinarias a misturarem volumes crescentes de diferentes biocombustíveis renováveis na gasolina e no diesel até atingir, pelo menos, 136 bilhões de litros anuais em 2022. A Agência de Proteção Ambiental (U.S. Environmental Protection Agency, EPA em inglês) é quem administra o programa e tem a obrigação de revisar anualmente os volumes de biocombustíveis a serem misturados à gasolina e ao diesel. O Gráfico 4 apresenta os volumes anuais previstos no RFS até o ano de 2022, de acordo com os diferentes tipos de biocombustíveis (EPA’S R FS, 2017).

Gráfico 4. Volume de biocombustíveis proposto no programa ame ricano RFS Fonte: Environmental Protection Ag ency (EPA) Dentro do RFS, os biocombustíveis s ão classificados de acordo com seu desempenho ambiental. O etanol de cana-de-açúcar é considerado um biocombustível avançado pelo EPA, pois reduz as emissões de GEE em mais de 50% quando comparado à gasolina. De fato, segundo a avaliação do EPA, o etanol brasileiro é capaz de reduzir essas emissões entre 61% a 91%, desempenho comparável até mesmo ao etanol celulósico, que prevê redução mínima de 60%. Por sua vez, o etanol americano, de milho, é considerado biocombustível convencional, com um desempenho de 20% quando comparado a gasolina. Cada biocombustível, quando misturado à gasolina ou ao diesel, gera um número de identificação denominado de RIN, Número de Identificação Renovável, ou em inglês, Renewable Identification Number. O sistema de RINs é o sistema de contabilidade do RFS, e é por meio dos RINs que o EPA controla se as partes obrigadas estão cumprindo com o programa. Dada a redução do consumo de gasolina nos Estados Unidos nos últimos anos e o atraso no desenvolvimento da indústria de etanol celulósico, as metas originais do RFS estabelecidas em 2007 não foram alcançadas e, por isso, a EPA tem sofrido grande pressão: de um lado, as refinarias de petróleo tentam eliminar o programa já que são elas partes obrigadas a comprar biocombustíveis ou créditos de RINs; e, de outro, os ambientalistas e indústria alimentícia que utiliza o milho como insumo tentam barrar o uso desse produto na produção de combustível. A indústria do milho também

pressiona a EPA, pois quer espaço ainda maior no programa e busca ampliar o uso de E15 (combustível que contém 15% de etanol na gasolina). O consumo de E15 ainda enfrenta resistências por parte da indústria do petróleo e outras restrições, como impedimento de comercialização durante os meses de verão, tema que está sob consulta p ú blica no momento, devido às restrições de emissão de vapor da gasolina; resistência de montadoras de veículos, não garantindo assistência técnica a motores que utilizam esse nível de mistura e falta de informação ao consumidor e desincentivo para comercialização em postos de combustíveis. Esse cenário tem dificultado o acesso do etanol brasileiro ao mercado a mericano. Padrão de Combustível de Baixo Carbono – LCFS A lei da Califórnia de Soluções para Aquecimento Global (conhecida como AB32), de 2006, estabeleceu como objetivo estadual redução de suas emissões de GEE até o ano de 2020, em níveis equivalentes aos de 1990, o que corresponde a uma redução de aproximadamente 10% de GEE. O órgão responsável para implementação dessa lei é o Conselho de Recursos do Ar do Estado, conhecido como CARB, que passou a desenvolver sua regulamentação e utiliza uma abordagem de mercado para reduzir as emissões de GEE provenientes de combustíveis de transporte. No caso dos biocombustíveis, foi criado o Padrão de Combustível de Baixo Carbono (LCFS, sigla em inglês), por meio do qual combustíveis renováveis de baixa intensidade carbônica são misturados à gasolina daquele estado. Sob o LCFS, produtores de combustíveis devem reduzir a intensidade de carbono do seu produto em pelo menos 10% até 2020, a partir de uma linha de base de 2010. Após análises dos principais combustíveis utilizados no estado, o CARB concedeu ao etanol brasileiro posição privilegiada para ajudar na redução de emissões do setor de transporte da Califórnia, já que ele tem uma das menores intensidades carbônicas no mercado, o que lhe confere um prêmio em seu preço. As análises do CARB estão em constantes atualizações, e esse estado tem implementado uma série de critérios de sustentabilidade que tem demandado constante atenção da indústria brasileira do etanol, a qual tem tido o mercado californiano como seu principal destino num cenário de consumo limitado de etanol em nível federal. Principais barreiras tarifarias e não-tarifarias ao etanol brasileiro O mercado americano de etanol desfrutou, nas últimas três décadas, de uma série de créditos fiscais e tarifas que protegeram a indústria durante sua fase de amadurecimento e a tornaram na maior indústria de etanol do mundo. Os incentivos mais importantes foram o crédito tributário oferecido ao misturador, no valor de U$ 0,14 por litro, e uma tarifa de importação da mesma magnitude. Ambos foram eliminados ao fim de 2011, após uma disputa intensa da indústria do milho com a indústria de cana-de-açúcar brasileira. Permanece ainda uma tarifa ad valorem de 2.5% ao etanol importado nos Estado s Unidos. Há também potenciais barreiras não-tarifárias. A barreira não-tarifária que poderá causar maior impacto à indústria brasileira é uma proposta de lei,

publicada pelo EPA, em novembro de 2016, que altera alguns aspectos do RFS. Entre tais medidas está a proposta de classificar etanol importado como produto biointermediário, que é caracterizado por ser produzido em duas etapas, em duas usinas diferentes. Como o etanol importado do Brasil é desnaturado somente em solo americano (operação que consiste na adição de substâncias químicas para impedir seu uso como bebida), na visão da EPA, o produto brasileiro se encaixaria nessa classificação. A preocupação da indústria brasileira é que o etanol não é produzido em duas etapas, e tal classificação implicaria uma série de restrições, como o aumento da burocracia e outros custos que poderão tornar o combustível brasileiro economicamente inviável no mercado americano. Futuros desafios e novas oportunidades Em nível federal, a EPA, ao estabelecer os volumes do RFS para 2018, sinalizou que o programa poderá ser, em algum momento, reformulado. Visto que o maior aumento de volume previsto na legislação original do RFS é de etanol celulósico, e dado atraso no desenvolvimento dessa tecnologia, existe grande preocupação de que o EPA promova corte drástico nos biocombustíveis avançados, o que poderá impactar diretamente o etanol de cana- de-açúcar. Em nível estadual, o maior desafio são as revisões que o CARB faz, a cada três anos, no LCFS. Cada revisão abre espaço para que novos critérios de sustentabilidade sejam introduzidos pela agência. Tais critérios muitas vezes podem ser encarados como barreiras não-tarifárias. Atualmente, o CARB está engajado em finalizar um programa de verificação que entrara em vigor em janeiro de 2020, o que alterou a metodologia de análise de dados, periodicidade e processos de auditoria, e gerou preocupação por parte da indústria brasileira de etanol. Por outro lado, esse processo de revisão oferece oportunidade de melhoria das práticas do cultivo de cana-de-açúcar e da produção de etanol brasileiros e, como consequência, pode contribuir para diminuir ainda mais a intensidade carbônica do álcool e aumentar o valor desse biocombustível naquele estado. Apesar da intensa competição por espaço no mercado americano, entre os anos de 2012 e 2018, cerca de 5 bilhões de litros de etanol brasileiro abasteceram a frota americana; e esse volume significativo representou quase 10% de toda a oferta de biocombustível avançado nos Estad os Unidos. O mercado europeu de etanol A UE foi por muitos anos um dos principais destinos das exportações brasileiras de etanol. A aprovação de duas diretivas no ano de 2009, que tinham como objetivo promover a participação de fontes renováveis de energia no setor de transporte, aumentou significativamente a demanda por etanol e a atratividade do mercado europeu para as exportações brasileiras desse produto. Porém, diversas barreiras, tarifárias e não tarifárias, tem restringido o acesso do renovável brasileiro à UE. Dúvidas sobre as credenciais verdes de alguns biocombustíveis, introduzidas por certos grupos de pressão, tem motivado autoridades europeias a impor cumprimento de critérios de sustentabilidade cada vez mais restritos e a

revisar, já por duas vezes, essa legislação. Além dessas exigências, o etanol brasileiro enfrenta barreiras tarifárias muito elevadas para acessar o mercado europeu. Mercado e marco regulatório O mercado europeu de biocombustíveis somou, em 2018, cerca de 22,7 bilhões de litros. Esse mercado apresenta duas características principais que o distinguem fundamentalmente dos outros dois grandes polos de consumo de biocombust íveis, que são o Brasil e os Estados Unidos . O primeiro elemento refere-se à predominância do consumo de biodiesel no continente europeu, que lidera a produção mundial desse biocombustível. O etanol representou somente 18,4% dos biocombustíveis consumidos no setor de transporte europeu em 2017 (ou seja, cerca de 5 bilhões de litros). A preponderância do biodiesel se explica pelo consumo elevado de diesel na UE, devido à estrutura da frota europeia de veículos leves, movida principalmente a diesel – associado ao déficit crescente desse combustível no continente europeu, problema que tem sido amenizado pelo consumo de biodiesel. Porém, em anos recentes, observa-se que a taxa de crescimento do etanol é superior àquela do biodiesel devido à generalização da mistura de 10% de etanol na gasolina (E10) em vários países como Alemanha, França, Finlândia e Bélgica (BIOFUELS BAROMETE R, 2018). Com o objetivo de se buscar soluções eficientes para o combate às mudanças climáticas, foram introduzidas na legislação europeia medidas de promoção dos biocombustíveis, conhecida como “Pacote Energia-Clima”, adotado em dezembro de 2008. Essas medidas, compostas por duas diretivas europeias, estabeleciam metas de cumprimento obrigatório para o uso de energia renovável no setor transporte na região, e passaram a constituir marco regulatório para os biocombustíveis na Europa. A primeira delas é a Diretiva Europeia sobre a Promoção das Energias Renováveis (2009/28/EC), conhecida como RED (Renewable Energy Directive), que obriga os Estados membros a utilizarem, a partir de 2020, 20% de energias renováveis, das quais 10% deverão ser empregados no setor de transportes. Embora o texto não estabeleça cotas diferenciadas para os diferentes tipos de energias renováveis, a expectativa é a de que a grande maioria seja suprido por meio de biocom bustíveis.

No final de 2010, os Estados Membros apresentaram seus planos de ações nacionais para as energias renováveis à Comissão Europeia, nos quais detalharam as formas pela qual pretendiam atingir metas definidas na RED. De acordo com os planos traçados, o consumo de etanol combustível deverá atingir, pelo menos, 14,2 bilhões de litros em 2020 no continente, que significa que as vendas teriam que mais do que duplicar nos próximos anos. Essa Diretiva também estabelece medidas para promover a produção e o consumo de biocombustíveis de segunda geração. Entre elas, será possível considerar a contribuição dos biocombustíveis produzidos a partir de resíduos, detritos, material celulósico não-alimentar e material lignocelulósico, como o dobro da contribuição dos outros biocombustíveis para demonstrar o cumprimento das obrigações nacionais de energias renováveis impostas aos operadores e da meta de 10% de utilização de energia proveniente de fontes renováveis. Essa medida é conhecida como double- counting . Uma segunda diretiva voltada para a qualidade dos combustíveis (98/70/ EC), conhecida como FQD (Fuel Quality Directive), também votada no final de 2008, impõe redução de 6% nas emissões de GEE para os combustíveis fósseis. Esse aspecto da legislação europeia é um claro incentivo ao uso dos biocombustíveis mais eficientes na redução de emissões desses gases, já que esses permitirão atingir a meta mais rapidamente. Essa Diretiva também eleva o percentual máximo de mistura de etanol permitido na gasolina de 5 para 10%. Em ambas as diretivas, são estabelecidos os mesmos critérios rígidos de sustentabilidade que os biocombustíveis devem respeitar de forma a serem devidamente contabilizados nas metas da RED e da FQD. Critérios de sustentabilidade visam garantir que os biocombustíveis comercializados na UE ofereçam real contribuição para a redução dos GEE comparado aos combustíveis fosseis, que sua produção não prejudique a biodiversidade. Os três principais crit érios são: Redução mínima em 35% das emissões dos GEE até 2017, ano em que esse valor aumentou para 50% para as plantas indústrias construídas antes dessa data, e para 60% para aquelas instaladas poste riormente; roibição da utilização de matérias-primas para produzir biocombustíveis que provenham de áreas com importantes estoques de carbono (tais como florestas e pantanais) e de áreas ricas em biodiversidade (tais como florestas, áreas protegidas por motivos ambientais e pastagens ricas em biodiver sidade); e Obrigatoriedade de informar práticas utilizadas para proteger a qualidade dos solos, do ar e das águas, e sobre a ratificação de várias convenções internacionais sobre a proteção do meio ambiente e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) por parte de fornecedores de biocombustíveis extracomu nitários. O cumprimento dessas regras pode ser demonstrado de três formas diferentes:

1 – Acordos bilaterais ou multilaterais celebrados entre a Comunidade Europeia e terceiros Estados que contenham disposições sobre critérios de sustentabilidade que correspondam aos das Diretivas. 2 – Esquemas de certificação voluntários nacionais ou internacionais que estabeleçam normas para a produção de produtos de biomassa similares as das Diretivas e que são reconhecidos pela Comissão Europeia ou 3 – Procedimentos estabelecidos para esse fim em cada um dos 28 Estados Membros da União Europeia. Somente as duas primeiras opções permitem a aceitação dos biocombustíveis como sustentáveis nos países da UE como um todo. A terceira via envolve procedimentos diferentes e individuais em cada Estado membro. Atualmente, a Comissão reconhece 17 esquemas de certificação voluntários, dentre os quais o BONSUCRO, esquema dedicado aos produtos derivados da cana-de-açúcar. É importante ressaltar que os Estados membros tem prerrogativas de estabelecer regras de implementação das duas diretivas, mas não podem exigir critérios de sustentabilidade diferentes daqueles listados na RED e na FQD. Até hoje, não foi assinado nenhum acordo bilateral ou mult ilateral. Devido à pressão da sociedade civil, e de alguns membros do Parlamento Europeu em 2015, os critérios das duas diretivas sofreram emendas para levar em consideração o processo de mudança no uso indireto da terra – ILUC em inglês. A principal medida foi a de limitar em 7% a participação dos biocombustíveis produzidos a partir de matérias-primas alimentícias ou para ração, na meta de 10% de energia renovável no setor de t ransporte. Dois anos mais tarde, a Comissão decidiu reformular a diretiva sobre a promoção das energias renováveis e apresentou novo texto, chamado REDII, que foi aprovado em dezembro de 2018. Esse novo texto que vigorará entre 2021 e 2030, mantem o limite de 7% para os biocombustíveis convencionais, bane os biocombustíveis com elevado risco de “ILUC”, a exemplo do óleo de palma, e introduz um consumo mínimo de biocombustíveis de segunda geração em 3,5%. As mudanças constantes nas políticas públicas e as longas discussões nos órgãos públicos que resultaram desse processo dificultaram bastante o desenvolvimento de um verdadeiro mercado europeu dos biocomb ustíveis. Principais barreiras comerciais a entrada do etanol brasileiro na União Europeia O Brasil foi por muitos anos um dos maiores fornecedores de etanol para a UE. A partir de 2004/2005, as exportações brasileiras para o bloco começaram a aumentar significativamente devido ao aumento da demanda por etanol combustível, alavancado pelas políticas públicas de promoção aos combustíveis alternativos. O pico das vendas brasileiras foi atingido em 2008, quando as exportações brasileiras para Europa atingiram cerca de 1,7 bilhão de litros, ou seja 75% das importações europeias de etanol. As discussões virulentas sobre o papel dos biocombustíveis na Europa e as mudanças de regras constantes também impactaram as exportações brasileiras. Em 2016, o Brasil exportou apenas 43 milhões de litros de etanol para a UE, ou menos de 3% das imp ortações.

Barreiras tarifárias O mercado europeu de etanol tem sido altamente protegido. A tarifa MFN ¹²⁹ aplicada às importações de etanol não-desnaturado é de €0,192 por litro, enquanto a tarifa aplicada ao etanol desnaturado ¹³⁰ é de €0,102 por litro, tarifa que chega a representar até 50% do valor recebido pelo produtor brasileiro. Essas tarifas se aplicam independentemente do uso final do produto (alimentar, combustível ou industrial) e cabe ressaltar que o biodiesel tem uma tarifa de importação bem inferior, de 6,5% (dados dos autores deste capítulo) Vários Estados se beneficiam por um acesso preferencial ao mercado europeu de etanol. O etanol proveniente dos países da Comunidade do Caribe (Caricom), dos Estados com os quais a UE tem acordos de parceria econômica interino, dos países e territórios de ultramar e dos membros com os quais a UE tem acordos de comercio preferencial, como a América Central e a Comunidade Andina, tem acesso livre ao mercado europeu. Os países menos avançados (PMA) e os que integram a lista de beneficiários do sistema generalizado de preferencias SPG+ ¹³¹ , como Paquistão, também exportam com tarifa zero para a região. O Brasil não é beneficiário de nenhum desses esquemas ¹³² e essa tarifa se constitui, seguramente, no maior obstáculo a uma maior penetração do produto no mercad o europeu. Principais barreiras não-tarifárias Em 2009, a UE também adotou uma série de critérios de sustentabilidade a que todos os biocombustíveis comercializados no território europeu devem respeitar para se beneficiarem das políticas públicas de promoção dos biocombustíveis estabelecidas nos Estados membros, tais como mandatos de mistura e redu ção ou eliminação de impostos. Os critérios de sustentabilidade descritos anteriormente impactam as exportações brasileiras de etanol de diferentes formas. De modo geral, a comprovação ao atendimento dos padrões europeus pode ser ainda mais complexa do que o seu próprio cu mprimento. Critérios de sustentabilidade utilizados foram desenvolvidos, considerando principalmente a agricultura europeia e o tipo de comprovação requerido, muitas vezes, não se enquadram à realidade de terceiros Estados, onde as mudanças no uso da terra e o mapeamento e cadastro das atividades rurais tendem a ser menos organizados de que na UE. Muitas dessas informações já são inclusive exigidas dos produtores europeus para eles possam receber os subsídios da Política Agrícola Comum (PAC). Além disso, algumas ferramentas, cujo uso é recomendado para comprovar o atendimento aos critérios ambientais, tais como imagens de satélite, são amplamente disponíveis na Europa por custo muito baixo, o qual não é necessariamente o caso em outros países, especialmente os em desenvo lvimento. Futuros desafios e novas oportunidades O futuro das condições de entrada do etanol brasileiro no mercado europeu apresenta desafios, mas também potenciais oportunidades. Do ponto de vista das barreiras tarifarias é provável que o status quo se altere nos próximos anos, com base em negociações mais amplas, a exemplo do acordo

de associação entre a UE e o Mercosul. No âmbito das atuais discussões, a UE ofereceu cota de 600.000 toneladas de etanol, com uma tarifa intracota de € 6,40 por tonelada para renovável não desnaturado ; e de € 3,40 por tonelada para etanol de snaturado. No que se refere ao marco regulatório europeu, a nova diretiva RED II apresenta algumas ameaças, na medida em que dá liberdade aos Estadosmembros para cumprir seus compromissos e muitos já sinalizaram que, para atendê-los vão promover o uso de carros elétricos em detrimento de biocombustíveis. Por outro lado, o texto também oferece oportunidades, por meio das quais o etanol brasileiro pode se beneficiar ao promover o uso de etanol de segunda-geração e outros combustíveis renováveis produzidos a partir de biomassa que não é utilizada no setor de alimentos. O setor de cana-de-açúcar brasileiro possui ampla fonte de biomassa disponível – bagaço e palha – e vários projetos de energia renovável que utilizam essa matéria prima foram anunciados rece ntemente. Finalmente, cabe ressaltar que o uso do etanol não é restrito ao setor de transporte e existe interesse crescente na Europa pelo uso de etanol de cana-de-açúcar no setor químico. Empresas do setor argumentam que altas tarifas impostas à importação de etanol brasileiro impedem o desenvolvimento da produção de produtos bioquímicos na UE, afetando a criação de empregos e o crescimento econômico de empresas europeias. O etanol brasileiro é considerado um produto ambientalmente mais sustentável e com preço competitivo. A bioeconomia e o crescimento verde são hoje umas das prioridades das autoridades europeias, que enxergam na inovação sustentável uma das formas de tirar a Europa da crise econômica na qual se encontra imersa há vários anos. Tudo indica que a demanda do setor químico por etanol sustentável vai aumentar nos próxi mos anos. Programas de etanol em outras regiões Neste item, pretende-se apresentar um panorama dos demais programas, além dos já discutidos, no Brasil, EUA e UE. Conforme o Gráfico 5, pode-se observar uma grande concentração do consumo nas Américas, seguido dos continentes europeu e asiático e, ainda de uma forma insipiente, da África. Importante observar que cada Estado procura utilizar a matéria-prima mais adequada às suas condições climáticas e vantagens competitivas na produção, sendo as mais utilizadas a cana-de-açúcar, o milho, a beterraba e a mandioca. Nesse sentido, o esforço tem sido no sentido de um mercado mais livre que permita um fluxo de comércio entre os países e possa aproveitar os diferentes períodos de safra e entressafra entre as diferentes culturas e as diferentes regiões do Globo.

Gráfico 5. Percentual de consumo de etanol por regiã o, em 2018 Fontes: LMC A seguir, são apresentados os principais países consumidores em cada co ntinente: Américas : Conforme apresentado na Tabela 1, em 2019, havia 15 países nas Américas com misturas obrigatórias ou voluntárias, sendo esse continente o responsável pelo maior consumo de etanol no mundo, com 88% da demanda total. O Brasil e os EUA, conforme já descrito, são os maiores produtores e exportadores mundiais, representando mais de 80% do consumo mundial. O terceiro maior consumidor do continente é o Canadá, que tem um mandato de 5% de mistura de etanol na gasolina (E-5), sendo que cinco províncias possuem mandatos provinciais individuais de até E-8,5, e com um consumo anual total da ordem de 3 bilhões de litros. Logo atrás, em termos de consumo, vem a Argentina que, em 2016, aumentou a mistura obrigatória de etanol na gasolina de 10% para 12%, passando a consumir mais de 1 bilhão de litros por ano, dos quais 50% advindo de cana-de-açúcar e 50% de milho. A Colômbia também se destaca com um mandato de 8% de etanol e um consumo da ordem de 500 milhões de litros ao ano. Além dos cinco países mencionados, os outros países com programas de etanol nas Américas são: Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai.

Ásia/Pacífico : Nessa região do planeta, 12 países possuem programas de etanol, com cerca de 6% da demanda global, sendo a China, a Tailândia e o Japão os maiores consumidores. A China possui atualmente uma mistura voluntária de etanol na gasolina de até 10% (E-10), limitado a 11 Províncias e cidades, com um consumo anual da ordem de 3 bilhões de litros. No ano de 2017, foi anunciada a previsão de um programa nacional de mistura obrigatória de 10% até 2020, o que poderia elevar o seu consumo para algo próximo a 15 bilhões de litros. A Tailândia é o segundo maior consumidor, com um total da ordem 1,5 bilhões de litros anuais e, nesse país, o consumidor tem a opção de escolher misturas de E-10, E-20 e E-85 (para carros flex fuel), com uma preferência atual pelo E-10. O Japão é o terceiro maior consumidor de etanol na Ásia, utilizado sob a forma de ETBE (ou Éter etil-terc-butílico), com uma mistura obrigatória de 3% na gasolina. O consumo total de etanol para esse fim é da ordem de 650 milhões de litros. Outros programas relevantes na região são da Filipinas, Índia e Austrália, mas outros seis países também possuem programas de etanol, quais sejam: Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Fiji, Coreia do Sul, Taiwan e Vietnã. África: Apesar de diversos países africanos já terem iniciados programas de etanol, totalizando 11 nações, o seu consumo ainda é relativamente baixo frente aos demais continentes, representando 0,1% da demanda global. Os países que apresentam programas obrigatórios ou voluntários de misturas são: Angola, Etiópia, Quênia, Malaui, Ilhas Mauricio, Moçambique, Nigéria, África do Sul, Sudão, Zâmbia e Zimbábue. Considerações finais As emissões do setor de transporte representam aproximadamente 25% das emissões globais e esse setor é um dos mais complexos e onerosos para a sua descarbonização. Dada a urgência de drástica redução nas emissões de CO 2 , a comunidade internacional submeteu à Convenção-Quadro das Nações Unidas uma série de ações para limitar o aquecimento global em menos de 2° Celsius até o fim deste século. Os compromissos de redução de emissões são refletidos nas Contribuições Pretendidas Nacionalmente Determinadas (iNDCs, na sigla em inglês), que são metas voluntárias estipuladas por cada país na 21ª Conferência do Clima (COP 21), realizada em dezembro de 2015, em Paris. Dentre esses compromissos, 37 países mencionaram biocombustíveis dentre os seus compromissos para a redução das emissões desses transportes. A maioria dessas nações encontra-se na América latina, da África e na Ásia como se pode observa r abaixo: 14 países que possuem mandatos de mistura e que mencionaram biocombustíveis nas suas INDCs: Angola, Argentina, Brasil, China, Fiji, Índia, Fiji, Malaui, Malásia, Moçambique, Nigéria, Filipinas, Uruguai e Zimbabwe. 23 países que não tem mandato de mistura, mas que mencionam biocombustíveis nas suas INDCs: Bahamas, Barbados, Belize, Burkina Faso, Cabo Verde, Congo, Dominica, Granada, Guiné, K iribati, Laos, Libéria, Macedônia, Mali, Niue, Palau, Seychelles, Serra Leoa, Suriname, Suazilândia, Togo, Tonga e Zâmbia. Além da necessidade de lutar contra as mudanças climáticas, várias cidades precisam urgentemente reduzir a

poluição local. É o caso de grandes metrópoles, como Pequim, na China, ou Nova Délhi, na Índia. Segundo estudo do Banco Mundial, divulgado em setembro de 2016 ¹³³ , a poluição atmosférica causou, somente em 2013, perdas da ordem de 4,9 bilhões de dólares à economia brasileira e, no mundo, essas perdas somaram 225 bilhões d e dólares. Segundo os dados publicados no relatório, a contaminação do ar foi responsável, naquele ano, por cerca de 2,9 milhões de mortes prematuras, causadas por doenças cardiovasculares, câncer de pulmão e outras doenças pulmonares crônicas e respiratórias, tendo sido o quarto fator de risco causador de mortes prematuras naquele ano. Além disso, segundo o estudo, a poluição provoca perdas em termos de bem-estar que totalizam 5,1 trilhões de dólares americanos. O etanol, utilizado em misturas intermediarias e elevadas (acima de 10%), reduz as emissões de monóxido de carbono (CO), dos óxidos de nitrogênio (NOx) e outro material particulado, melhorando bastante a qualid ade do ar. Uma importante discussão, que dominou boa parte dos debates globais desde o início da utilização do etanol em grande escala, foi a questão da competição da produção dos biocombustíveis com a de alimentos. O argumento, no entanto, foi perdendo força na medida em que se colocou esse debate em perspectivas econômicas. De fato, observou-se que o problema não é a carência de alimentos no mundo, mas sim a falta de acesso a alimentos, devido a recursos financeiros insuficientes ou a conflito s armados. Estudos mais recentes mostram que os biocombustíveis tiveram papel marginal no aumento dos preços dos alimentos ocorridos em 2008, sendo o pico do preço do petróleo o maior responsável por esse aumento. Vale ressaltar que a área total atualmente utilizada para a produção de etanol no mundo, da ordem de 23 milhões de hectares, representa apenas 0,52% do total das terras consideradas aráveis, que é, de acordo com a FAO (2011), de cerca de 4,4 bilhões de hectares; ou ainda, representa não mais do que 1,5% do total das áreas atualmente cultivadas, que é de 1,6 bilhão de hectares segundo aquele organismo inter nacional. Além desse debate, existe também grande discussão sobre a conveniência de se adotar o etanol quando o futuro do transporte parece ser a sua eletrifica ção. Trata-se, no entanto, de falso dilema. De fato, fica cada vez mais claro que não existe solução única para a substituição das energias fósseis. Será necessária uma cesta de alternativas que irá se complementar. Primeiro, não há tempo para se esperar que o transporte elétrico seja plenamente desenvolvido, e a custo razoável para o consumidor, para se iniciar o processo de descarboniza ção do setor. Será preciso utilizar as soluções comprovadas e eficientes que já existem a tualmente. Em segundo lugar, diversos estudos mostram que até 2030, a maioria dos veículos elétricos é do tipo plug-in híbridos. As montadoras já estão desenvolvendo uma versão eletricidade/etanol desses carros, os quais irão maximizar a diminuição de emissões de GEE, mas também a redução da poluição local. É importante lembrar que, em muitos países, a fonte de geração de energia elétrica é basicamente composta por combustíveis

fósseis. Finalmente, existe uma parte do transporte, como o setor de carga e aviação, que dificilmente poderá ser eletrificado e irá precisar dos biocombustíveis para a sua descarb onização. O etanol tem também papel fundamental na bioeconomia. Atualmente, é utilizado para substituir o etileno, o produto químico mais utilizado na indústria e tem sido amplamente demandado na produção de plásticos, pinturas, solventes, cosméticos, prepara ções alimentícias e farmacêutica s. A taxa atual de crescimento do bioplástico alcança 20% por ano e a produção deverá atingir 12 milhões de toneladas até 2020. A maioria dos investimentos acontece na Ásia e na Améric a Latina . A comunidade internacional está cada vez mais ciente dessas considerações. Na COP 24, em Katowice, na Polônia, vários representantes internacionais de entidades como a Agência Internacional da Energia (IEA) e da Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA) promoveram uma cesta de soluções energéticas para substituir energias fósseis. A bioenergia e os biocombustíveis desempenham papel essencial nessa nova matriz de energias limpas. O Brasil, com sua experiência e sua tecnologia, lidera essa batalha das energias renováveis e pode servir de modelo para outros Estados que queiram reduzir sua dependência dos combustíveis fósseis, politicamente instáveis e poluentes. Com o aumento dos programas de biocombustíveis ao redor do planeta, haverá também incentivo ao aumento da produção nos Estados com maiores vantagens competitivas para a produção de biomassa, notadamente os localizados em zona tropicais e subtropicais, onde mais de 100 países já produzem cana-de-açúcar. Com o retorno da agenda do clima nos grandes fóruns internacionais, há uma grande oportunidade para uma retomada de investimentos no setor e ampliação do comércio global do etanol (dados dos autores deste capítulo). Bibliografia: BIOFUELS BAROMETER – EUROBSERV’ER. Setemb ro de 2018 CARUS, BALTUS, CARREZ, KAEB. RAVENSTIJN. ZEPNIKZ. Market Study on Bio-based Polymers in the World. Nova Institute for Ecology and Innovat ion, 2013. EPA’s RFS 2017. Final Rule Environmental. Disponível em: https://bit.ly/ 2SUR0Mq . Acesso em: dez. 2017. 10 A CONSTRUÇÃO DO BRASIL ATÔMICO: DE 195 0 ATÉ 1971 Helen Mir anda Nunes Introdução

A história do programa nuclear brasileiro é fascinante e cercada por polêmicas e controvérsias. As diversas instabilidades políticas e econômicas pelas quais o Brasil passou refletiram diretamente no processo de crise do programa atômico nacional. O que representa por si só um problema historiográfico. Logo, a própria história do Brasil e das suas relações internacionais influenciaram sobremaneira a implementação e a consolidação do programa nuclear. Tendo isso em mente, este capítulo tem como objetivo recompor e demonstrar a construção do setor nuclear a partir dos anos 1950 até os anos iniciais da década de 1970, com a usina nuclear de Angra I. O intuito deste capítulo é informar ao leitor, aos interessados no programa nuclear e, principalmente, aos estudantes da graduação e da pós-graduação em Relações Internacionais no Brasil acerca da história e dos motivos internos e externos que levaram o Brasil a investir em energia nuclear. Há muitos trabalhos consagrados de RI sobre o período Geisel (1974 a 1979) e o programa nuclear brasileiro como a tese de doutorado da Maria Regina Soares Lima (2013), publicada pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag). Na literatura especializada, as origens do programa nuclear costumam ser mencionadas para contextualização; porém, como temática principal, elas podem ser negligenciadas, com exceção dos trabalhos de Carlo Patti (2014) e da Ana Maria Ribeiro Andrade (2013) a título de exemplo. Nesse contexto, formula-se a seguinte pergunta de partida: Quais fatores internos e externos explicam o nascimento e o investimento brasileiro no programa nuclear nas décadas de 1950 até 1970? (itálico da autora). O argumento principal é a busca nacional por desenvolvimento da tecnologia sensível de ponta e de prestígio no plano internacional a fim de obter a sonhada capacidade atômica. Isso não significou que a busca brasileira por desenvolvimento atômico fosse isenta de interrupções, crises e instabilidades. Ao contrário, a constituição do programa nuclear foi feita sob diversos contextos conjunturais e estruturais adversos como reflexos da históri a do país. Com isso, o presente trabalho faz essa breve introdução e logo após uma contextualização sobre a década de 1950, os primórdios do programa nuclear brasileiro e a importância do almirante Álvaro Alberto à frente do Conselho Nacional de Pesquisa (CNP) para alavancar o programa nuclear. As próximas partes deste capítulo dizem respeito aos motivos que levaram o Brasil a procurar parcerias internacionais, tendo como exemplos escolhidos os casos dos EUA e da Alemanha Ocidental. A última parte é dedicada a contextualizar o posicionamento do Brasil a partir da década de 1960 na ordem nuclear global do período, principalmente em relação ao Tratado de Tlatelolco de 1967 e, também, em relação a não assinatura do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Por fim, as consideraçõ es finais. O nascimento do Brasil atômico O envolvimento do Brasil com a energia nuclear data dos anos 1940 quando o país passou a fornecer minério de urânio para o programa Manhattan (PATTI, 2014). A mobilização em torno do maior desafio tecnológico e

científico legado pela Segunda Guerra Mundial é um interessante problema historiográfico. Apesar do dramático desfecho da guerra, a energia nuclear foi apresentada à sociedade brasileira, associada à importância do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, para superar o atraso tecnológico da nação e para atender à demanda por energia elétrica. Além disso, os minerais radioativos se incorporaram à defesa das riquezas nacionais, e sobre as areias monazíticas – que continham elemento radioativo – a população local depositava, inclusive, esperanças de cura de doenças (ANDRADE, 2006, p. 179-180). Ademais, segundo Guilherme Camargo, as areias monazíticas das praias do litoral do Espírito Santo eram contrabandeadas por diversos navios estrangeiros que aportavam no local nos anos 1940 e 1950. Ainda conforme Camargo, a energia nuclear é um caso único na história da ciência brasileira. Os cientistas brasileiros acompanharam cada passo do desenvolvimento daquela que é considerada a mais importante descoberta científica desde o domínio do fogo pelo homem. A energia nuclear é vista como a mais importante tecnologia do século XX, tanto do ponto de vista energético e tecnológico quanto militar e estratégico (CAMARGO, 2006, p. 143). O programa nuclear brasileiro nasceu com a criação do CNP, hoje o CNPq, em 1951, no final do governo do general Dutra, sob a direção de Álvaro Alberto, com o intuito de desenvolver técnicas e conhecimentos em energia nuclear. Álvaro Alberto foi o representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica da Organização das Nações Unidas (ONU) e já havia apresentado uma primeira proposta de desenvolvimento nuclear ao Conselho de Segurança Nacional (CSN) por meio da Academia Brasileira de Ciências (ABC) (CNEN, 2007) em 1946. Em tentativas anteriores fracassadas, para criar um conselho de ciências desde os anos 1930, Andrade e Santos (2013) as atribuem à mentalidade conservadora na sociedade brasileira ligada a valores das oligarquias rurais, refratárias ao desenvolvimento da ciência e tecnologia (ANDRADE; SANTOS, 2013, p. 113-128). Cabe elucidar quem foram os atores e os grupos de interesses cruciais no processo de disputa pelo programa nuclear brasileiro desde seus primórdios. O desenvolvimento da energia nuclear no país atraia diversos grupos domésticos como as Forças Armadas por razões de segurança nacional; os industriais, os empreiteiros e os técnicos do governo para a construção de usinas nucleares e para solucionar o racionamento de energia elétrica e, dessa forma, atender a demanda do setor produtivo da economia; e os cientistas e acadêmicos, além do interesse de grupos envolvidos diretamente como o Departamento de Física da Universidade de São Paulo (USP) e o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) na física nuclear que aproveitavam a articulação para garantir futuros recursos para projetos de pesquisa, inclusive para outras áreas do conhecimento (ANDRADE, 2006). Além de alguns diplomatas como Paulo Nogueira Batista – um dos negociadores do acordo teuto-brasileiro de 1975; e alguns parlamentares, como Renato Archer, deputado federal pelo Partido Social Democrático (PSD-RJ) que participou da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o problema atômico do Brasil em 1956 (DICIONÁRIO HISTÓRICO BIOGRÁFIC O, 2001).

O país continuou a exportar para os EUA minério de urânio até meados da década de 1950 quando, por meio de uma proposta de Álvaro Alberto, no segundo governo Vargas, resolveu-se adotar a política de compensações específicas em que a cada exportação de minerais estratégicos corresponderia a uma transferência recíproca de tecnologia sensível. A ideia era ajudar a desenvolver o próprio setor nuclear nacional. Além de cobrar o valor monetário das exportações de areias monazíticas e de outros materiais estratégicos, o Brasil deveria exigir, como contrapartida, o fornecimento de conhecimento técnico para a aquisição de equipamentos e reatores que o capacitassem a dominar o ciclo completo da produção de energia atômica (PEREI RA, 2013). Desde o surgimento do CNP, houve propostas para separar a administração da “ciência” da “energia nuclear”. Com o suicídio de Vargas, em 1954, e o interregno Café Filho, essas proposições ganharam força. Nesse contexto, surge a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) em 1956. Segundo Andrade e Santos, a CNEN decorreu de uma estratégia que envolveu o governo Juscelino Kubitschek (JK) e os militares interessados em controlar o setor nuclear, aproveitando as crises interinstitucionais e pessoais que existiam no setor nuclear. Embora o CNP fosse o órgão gestor das atividades voltadas para a pesquisa e produção da energia nuclear, a área em questão estava sujeita aos ditames do CSN, do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Os atritos entre essas representações eram ilustrativos das estratégias conflitantes da política de ciência e tecnologia, na qual se incluía a política nuclear (ANDRADE; SANTOS, 2013, p. 113-128). Segundo as autoras Andrade e Santos, as divergências se concentravam na orientação do MRE, desde o governo Vargas, de exportar para os Estados Unidos minerais estratégicos para a produção de energia nuclear. Independentemente dos motivos que justificaram tal política, os resultados desagradavam os conselheiros do CNP e do CSN. Estes eram contrários, por exemplo, à exportação da areia monazita. Ademais, como o tamanho das reservas brasileiras de minerais radioativos não era conhecido ainda nessa época, um grupo de conselheiros era intransigente na defesa dos minerais estratégicos (ANDRADE; SANTOS, 2013, p. 113-128). Antecipando-se dos debates no plenário da Câmara dos Deputados, altivos durante a primeira CPI da energia atômica, JK nomeou uma Comissão Especial para estudo da energia atômica no Brasil, destinada a avaliar o setor e, consequentemente, apresentar sugestões, resultando na formulação do documento denominado “Diretrizes para a Política Nuclear” e na criação da própria CNEN. A CNEN visava atender aos interesses dos militares fiéis a Kubitschek, chegando até a atropelar o poder Legislativo, ignorando o projeto de lei de Dagoberto Salles, que tramitava na Câmara dos Deputados, e a opinião de alguns físicos sobre o programa atômico. O intuito também era enfraquecer a CPI da energia atômica, cuja repercussão fortalecia a oposição a JK, dado que as acusações atingiam amigos e aliados (JK ganhou as eleições por meio de uma aliança entre o PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – partido de Vargas); e, também, separar o fomento à ciência das atividades relacionadas à energia nuclear, com vistas a restringir a ação do CNPq e atender as demandas militares.

A crise no setor nuclear deflagrada no segundo governo de Getúlio Vargas e que prosseguiu no governo Café Filho atingiu seu ápice no início do governo JK. A CPI do problema atômico foi instituída por iniciativa do deputado Armando Falcão do PSD do Ceará, mesmo partido de JK. Tratava-se de uma manobra para controlar a investigação parlamentar, uma vez que Falcão era advogado da Monazita Ilmenita do Brasil S.A. (MIBRA) e da Orquima S/A, empresas especializadas no beneficiamento da areia monazítica para a extração de sais de terras raras e óxido de tório. Uma investigação das atividades de ambas as empresas era central na CPI, visto que os minerais estratégicos para produção de energia nuclear deveriam ser compulsoriamente adquiridos pelo CNPq e, depois, exportados aos EUA por meio dos controversos acordos b ilaterais. O general Nelson de Melo do CSN apresentou ao presidente JK as “Diretrizes Governamentais para a Política Nacional de Energia Atômica”. O documento recomendava a formulação de amplo programa de formação de cientistas e especialistas para atender às especificidades do programa nuclear; a produção de combustíveis nucleares; a suspensão das exportações de urânio, de tório e outros minérios; e o cancelamento de parte da exportação de tório aos EUA. Para Andrade e Santos (2013, p. 122-126), se o documento propôs a criação da própria CNEN e de um Fundo Nacional de Energia Nuclear, atribuiu ao CSN a estratégica competência de formular a política nacional de energia nuclear. Para as autoras, com poderes para planejar, eleger as prioridades, controlar e fiscalizar a produção de energia nuclear, a criação do CNEN selou o compromisso estabelecido entre JK e os militares que o apoiavam em troca do controle do setor. A CNEN era subordinada diretamente à Presidência da República e encarregada do planejamento e da execução da política nuclear brasileira. O órgão absorveu as funções da Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos (CEME) do MRE e da Comissão de Energia Atômica dentro do CNP, em que provisoriamente se instalou. Também foram transferidos para a responsabilidade da CNEN o Programa Conjunto de Cooperação para o Reconhecimento dos Recursos de Urânio no Brasil, firmado com os Estados Unidos, além de numerosos processos administrativos, como pedidos de autorização de lavra de minerais radioativos (ANDRADE; SANTOS, 2013, p. 113-128). Aqui são apresentados os principais fatos históricos e conflitivos derivados da disputa para o estabelecimento do programa nuclear nacional. Os bastidores dessas divergências possuíam diversos interesses tanto do ponto de vista corporativo quanto ideológico e interpessoal. É uma história repleta de complexidade e que deve ser interpretada à luz da conjuntura de sua época. O Brasil almejava alcançar o desenvolvimento atômico dentro da concepção de uma modernização conservadora de desenvolvimento. A próxima seção demonstra o relacionamento do Brasil com os EUA no que tange à questão atômica desde o mapeamento dos minerais radioativos presentes no território nacional, incluindo as exportações de minérios de urânio trocados por trigos, chegando à construção da primeira usina nuclear brasileira e os principais problemas decorridos da parceria com a empresa americana Wes tinghouse.

As relações nucleares entre Brasil e EUA nos anos 1950 e 1960 Desde os anos 1940, vários acordos foram feitos com os EUA como, em 1945, quando houve uma negociação secreta entre o Brasil e os EUA proposta na Conferência Interamericana em Chapultec que estabelecia a troca de quantidade necessária de minerais radioativos até o fim da guerra por ajuda ao desenvolvimento econômico. Também foram estabelecidas negociações em torno da exportação de toneladas de monazita. Em 1951, um acordo é proposto, de modo oficial, pelo diretor da Comissão estadunidense para a energia atômica (United States Atomic Energy Commission – USAEC), Gordon Dean, para a troca de assistência técnica e expertise militar por minérios radioativos como urânio e tório, além da própria monazita. Em 1952, outro acordo é oficialmente estabelecido para o fornecimento de terras raras e, em 1954, outro compromisso que trocaria trigo dos EUA por tório do Brasil é firmado. A partir de 1955 o Brasil passa a participar das negociações para a criação da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea) devido ao seu status de fornecedor de matéria-prima (PATTI, 2014). De modo geral, todos esses acordos bilaterais feitos entre 1945 e 1955 serviram para garantir o interesse de Washington em constituir uma reserva estratégica de tório, mineral radioativo inexistente em seu território, para possíveis necessidades futuras de seu próprio seto r nuclear. A verdade é que no decorrer da década de 1950 os Estados Unidos exerciam supremacia no campo tecnológico-industrial da energia nuclear. Diante disso, alguns países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, resolveram enfrentar o desafio de desenvolver uma política científica e tecnológica autônoma no campo nuclear. Desde 1953, os EUA haviam proposto o programa Átomos para a Paz , cuja filosofia consistia na utilização da energia nuclear para fins pacíficos. Tal programa significava, para os países não detentores de conhecimento científico e de tecnologia no setor, continuar na condição de importadores da tecnologia americana e exportadores de matéri as primas. No âmbito do programa, Brasil e EUA assinaram em 1955 acordo de cooperação no qual ficou estabelecido que o primeiro compraria, dos americanos, reatores de pesquisa baseados na utilização da tecnologia de urânio enriquecido para laboratórios no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Esse acordo gerou polêmica nos meios científicos brasileiros porque, de um lado, havia os que defendiam a importação da tecnologia americana; do outro, os que desejavam o desenvolvimento de tecnologia própria, utilizando o urânio natural ou o tório, como caminho para uma política científica verdadeiramente nacional, como ficou conhecido o Grupo do Tório (COST A, 2017). Em 1956, foi criado o Instituto de Energia Atômica (IEA) que, posteriormente, virou o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) nos moldes do convênio firmado entre o CNPq e a Universidade de São Paulo para desenvolver a pesquisa de energia atômica com a instalação de um reator de pesquisa do programa Átomos para a Paz. Em outubro do mesmo ano – logo após a criação da CNEN – foram cancelados todos os

contratos de exportação de minerais atômicos com os EUA (PATTI, 2013), representando o desejo daqueles grupos científicos e militares que criticavam a mera exportação de material radioativo estratégico para aquela potência. Em 1960, terminou a cooperação conjunta para o reconhecimento dos recursos de urânio no Brasil no âmbito da cooperação entre o Brasil e os EUA. Em 1967, é assinado um acordo de aplicação trilateral de salvaguardas entre o Brasil, EUA e a Aiea. Em julho do mesmo ano, Glenn Seaborg, presidente do USAEC, a comissão americana para a energia nuclear, veio ao Brasil com o intuito de angariar apoio ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) discutido no comitê das Nações Unidas das dezoito nações para desarmamento no qual o Brasil fez parte em 1961. Em 1968, um grupo de especialistas da Aiea produziu um relatório indicando os tipos de reatores mais adequados para serem instalados no Brasil. A praia de Itaorna, em Angra dos Reis-RJ foi escolhida como um local apropriado (PATTI, 2014), apesar de criticado por alguns especialistas como o militar Leonam dos Santos Guimarães, coordenador de Projetos do Programa de Propulsão Nuclear do Centro Tecnológico da Marinha que atuava há por vinte anos no programa nuclear (GUIMARÃ ES, 2014). Segundo Guimarães, a ideia de construir a usina nuclear em Angra é do Almirante Álvaro Alberto – e não vem da ditadura, ao contrário do se pensa a princípio. Quem escolheu aquele local foi uma comissão criada no governo Café Filho para estudar onde colocar o reator de grafite-gás que Álvaro Alberto havia negociando com a França. As negociações não foram bemsucedidas, apesar dos estudos terem permanecidos. Na década de 1960, aqueles estudos foram revistos e acabaram mudando, para Guimarães, erroneamente de Mambucaba para Itaorna (A central de Angra deveria ter sido feita em Mambucaba, o lugar originalmente escolhido pela comissão de notáveis da época). Mambucaba tinha mais espaço físico e um rio que serviria para o abastecimento de água. A razão para a escolha da praia de Itaorna teria sido a segurança, pois seria um local menos vulnerável à possibilidade de eventual ataque. No entanto, a tecnologia foi alterada e a usina ficou “espremida” junto à montanha (GUIMARÃ ES, 2013). Em janeiro de 1971, propostas de companhias da indústria nuclear mundial e consórcios para o provimento de reatores nucleares para o Brasil foram realizados. As empresas da indústria nuclear da República Federal da Alemanha (RFA), dos EUA e da Grã-Bretanha apresentaram sugestões. A proposta vencedora foi a da empresa norte-americana Westinghouse. Em 1972, foi, então, assinado o acordo entre o governo brasileiro e a empresa americana. As obras de Angra I com reator a urânio enriquecido se iniciavam com a construtora Odebrecht vencedora da concorrência em 1972 para parte da construção civil. Em 1973, houve uma emenda ao acordo anterior com a USAEC em que se passou a negociar com Furnas e a USAEC. Em 1974, houve a suspensão dos contratos para serviços de enriquecimento dos EUA, criando sérios problemas para o abastecimento de Angra I. Os contratos com o Brasil passaram a ser “condicionais”. A partir da suspensão unilateral americana, uma série de questões colocou em dúvida o funcionamento da usina e até a viabilidade dela. Por exemplo, em 1978,

houve uma segunda CPI sobre os problemas atômicos do país, o que incluiu o acordo nuclear com Alemanha Ocidental de 1975 e a própria construção de Angra II. Nesse mesmo ano, Angra I passava a receber os primeiros carregamentos de combustível nuclear que passaram a ser negociados pelo acordo teuto-brasileiro (PATTI, 2014) uma vez que houve a interrupção americana para o fornecimento desses materiais básicos essenciais para o funcionamento pleno da usin a nuclear. Segundo Witold Lepecki, chefe do setor de reatores da CNEN e coordenador do Grupo do Tório, a Westinghouse foi a vencedora de uma concorrência internacional para a viabilização tecnológica de Angra I e a empresa que inventou o reator a água pressurizada (Pressurized Water Reactor) (PWR). Porém, a Westinghouse resolveu comprar no Brasil apenas seis por cento do equipamento eletromecânico; logo, os setores com a intenção de promover a indústria nuclear quiseram mudar o modelo. Em 1971, foi criada a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear (CBTN) cujos objetivos incluíam o de promover o desenvolvimento da tecnologia nuclear para o tratamento de minérios e produção de combustível e instalar usina de enriquecimento de urânio e componentes para reatores nucleares. A ideia da CBTN foi a de construir uma série de centrais idênticas, comprar do país vencedor todo o equipamento que não pudesse ser fabricado no Brasil, mas o país vencedor se obrigaria a aumentar o índice de nacionalização e a transferir tecnologia em todo o ciclo de combustível, inclusive em enriquecimento e reprocessamento. O Departamento de Energia americano se interessou e designou a Westinghouse. Todavia, o Departamento de Estado voltou atrás ao ter se dado conta de que fazia parte da negociação a construção de uma usina de enriquecimento de urânio com possibilidade de transferência de tecnologia. Logo, o presidente Richard Nixon vetou o acordo (LEPECKI, 2013). Assim, para o general Hugo Abreu, “os norte-americanos não apenas nos privaram do conhecimento dos detalhes técnicos como [...] nos forneceram uma caixa-preta lacrada e nem nos disseram o que há lá dentro” (BANDEIRA, 2011, p. 253-254). Para o ex-chefe de Angra I e diretor de produção termonuclear de Furnas, Pedro Diniz Figueiredo, o fornecedor americano entregou a primeira usina e se retirou. Quando os EUA suspenderam o fornecimento de combustível nuclear para Angra I, em 1974, o Brasil teve enormes problemas por não ter tido o suporte crucial do fabricante, a Westinghouse. Para Figueiredo, Washington resolveu cortar o fornecimento de urânio porque o Brasil não tinha assinado o TNP. Além disso, “a Westinghouse não forneceu a recarga do combustível nuclear. O Brasil tinha a carga de combustível inicial, mas não as recargas”. Ainda de acordo com Figueiredo, a indústria nuclear americana começou a entrar em baixa. Muitos equipamentos fornecidos para Angra I começaram a falhar. Com isso, os trabalhadores da usina foram forçados a aprender seu funcionamento. O mais importante foi a formação inicial das pessoas que vieram trabalhar em Angra I. A usina levou anos para conseguir entrar em um patamar razoável de qualidade – apenas em 1997, começou a atingir um nível razoável de funcionamento (FIGUEIRE DO, 2013).

Adicionalmente, a construção civil das usinas nucleares brasileiras, tanto Angra I quanto Angra II, posteriormente, foi um escândalo com várias denúncias. A realização das duas usinas pela Odebrecht a fortaleceu intensamente, dando-lhe inserção em Furnas e nos meios militares. As obras de Angra I e II geraram tantas atividades à empreiteira baiana que ela teve, em 1979, o segundo maior faturamento do país, superior à Camargo Correia (CAMPOS, 2012, p. 473). Ademais, se a ditadura constituiu um momento decisivo para ascensão dessas construtoras nacionais como grandes conglomerados empresariais, a manutenção de seu poder se deveu justamente ao vínculo, presença e até controle que esse capital monopolista deteve sobre o Estado no período posterior à ditadura até os dias atuais (CAMPOS, 2017, p. 269-270). Parceira teuto-brasileira nos anos 1950 e 1960 O Brasil buscou diversos acordos para a cooperação e o desenvolvimento nuclear. Além dos EUA, como apresentado, um dos países no qual o Brasil firmou parcerias para seu programa atômico foi a Alemanha Ocidental – mesmo com forte oposição estadunidense já que a potência tiver o monopólio do conhecimento nuclear por muitos anos e não queria perdê-lo. Além disso, o desenvolvimento do sistema brasileiro de ciência e tecnologia, associado à reconstrução alemã do pós-Segunda Guerra Mundial e ao intercâmbio de cientistas entre ambos os países, criaram condições para um novo ímpeto no relacionamento teuto-br asileiro. Álvaro Alberto esteve na liderança do importante acordo internacional firmado pelo CNPq junto à Alemanha Ocidental na década de ١٩٥٠. As conversas com os alemães tiveram início no primeiro ano de atividade do Conselho quando se debateu a possibilidade de contratar técnicos e cientistas da Alemanha para o programa nuclear brasileiro. Segundo o general Aguinaldo Caiado de Castro, chefe do Gabinete Militar da Presidência em ١٩٥٢, em ofício secreto a Getúlio Vargas, os principais interlocutores de Álvaro Alberto nas negociações com a Alemanha Ocidental foram Paul Harteck, professor e reitor da Universidade de Hamburgo; Wilhelm Groth, diretor do Instituto de Físico-Química da Universidade de Bonn; e Konrad Beyerle, diretor do Instituto para Instrumentos da Sociedade Max Planck para o Progresso das Ciências. O general Caiado de Castro ainda informou ao presidente Vargas que o CNPq considerou o padrão tecnológico proposto pelos alemães o mais promissor para o desenvolvimento da indústria nuclear brasileira (PEREIRA, 2013, p. 80). Álvaro Alberto deu prosseguimento ao acordo e encomendou a construção de três ultracentrífugas (CNEN, 2007). O CNPq enviou ainda três químicos à Alemanha para aprender o manuseio do gás hexafluoreto de urânio; e o governo brasileiro, via Banco do Brasil, depositou 80 mil dólares no Banco Alemão para a América do Sul para custear a construção dos equipamentos (BANDEIRA, 2007 , p. 492). O acordo brasileiro com a Alemanha Ocidental, do segundo governo Vargas caminhava bem. Os cientistas alemães Wilhelm Groth e Konrad Beyerle encarregaram 14 fábricas diferentes para produzir os componentes das ultracentrífugas secretamente. Porém, o brigadeiro inglês Harvey Smith, do

Military Board Security, determinou a apreensão de todo o material, por ordem expressa do alto comissário dos EUA, James Conant, em 1953 (BANDEIRA, 2007 , p. 492). Com a morte de Vargas, Álvaro Alberto viu-se sem o apoio da Presidência e do CSN. Nada pôde fazer para impedir a suspensão dos acordos, por ele articulados, com a Alemanha, e, também vale lembrar, outro acordo com a França. Outra medida de Álvaro Alberto, em seus últimos dias no CNPq, foi a criação de uma Comissão de Energia Atômica dentro do CNPq em 1955 (PEREIRA, 2013, p. 95) (CNEN, 2007). O almirante foi logo exonerado do cargo de presidente do CNPq. Com isso, iniciou-se a primeira CPI sobre decisões de política nuclear. As ultracentrífugas encomendadas por Álvaro Alberto no segundo governo Vargas só chegaram ao Brasil em 1957, no governo JK, quando elas já se encontravam completamente o bsoletas. Na segunda metade dos anos 1960 o estreito relacionamento econômico existente entre o Brasil e a Alemanha Ocidental permitiu que ambos os países iniciassem uma cooperação científica e tecnológica. A RFA, que dominara a tecnologia de projeto e construção de reatores nucleares de potência, à base de água leve/urânio enriquecido, tanto para produção de eletricidade quanto para a propulsão de submarinos, pretendia iniciar um verdadeiro programa de construção de usinas nucleares para competir no mercado mundial, bastante co mpetitivo. A dificuldade consistia em garantir não só o próprio suprimento do urânio natural, mas também o serviço de enriquecimento, dado que o Tratado de Paris, pelo qual o Estatuto de Ocupação, em 1955, não lhe permitia realizar a separação do isótopo U-235 em seu território. Por essa razão, sondou informalmente o Brasil, em 1968, sobre a possibilidade de um acordo de cooperação, mediante o qual as firmas alemãs construiriam em território nacional uma usina para separação do isótopo U-235 por meio da ultracentrifugação e participariam, em contrapartida, das atividades de prospecção do urânio natural (BANDEIRA, 2011, p. 341). Também em 1968 o diplomata Paulo Nogueira Batista vai à RFA para negociar um acordo de cooperação técnica e científica para formação de pessoal – que chega a ser assinado (PAT TI, 2014). O Brasil interessou-se pela proposta alemã pois atendia à política estabelecida desde o início dos anos 1950 de exigir compensações específicas em troca do fornecimento de material radioativo. Em 1969, o Brasil firmou com a RFA um Acordo Geral de Cooperação, de modo a promover a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico, com ênfase nos campos de energia nuclear, aeroespacial, processamento de dados e oceanografia. Porém, nesse momento, a ideia da usina da separação do isótopo U-235 pelo processo de ultracentrifugação não evoluiu. A RFA, em 1970, terminou por constituir um consórcio com a Holanda e a Grã-Bretanha – a Urenco – a fim de oferecer o serviço de enriquecimento por meio daquel es países. Apesar de todas essas tentativas de cooperação com a Alemanha Ocidental, para obter acesso à tecnologia nuclear nos anos 1950 e 1960, o acordo que efetivamente trouxe elementos para o desenvolvimento de know-how

nuclear foi o assinado em 1975, no governo Geisel. Longe de ter prometido o tipo tecnológico de centrifugação que o Brasil desejava desenvolver (a Alemanha prometera uma tecnologia em fase de experimentação que nunca chegou a ser desenvolvida, a jet nozzle ). O “acordo do século”, como ficou conhecido na imprensa, apesar disso, estabeleceu diversas empresas binacionais e um intenso intercâmbio entre cientistas brasileiros e alemães que possibilitaram grande parte da tecnologia que o país conseguiu des envolver. À guisa de conclusão desta seção, Brandão chega ao fim de sua dissertação afirmando que as condições impostas pela indústria nuclear alemã para a participação na execução do amplo acordo de cooperação nuclear propiciaram, na verdade, uma reserva de mercado para a própria tecnologia e equipamentos da Alemanha. Foram essas condições aceitas pelo Brasil na visão do autor. Não houve a tão sonhada independência econômica e tecnológica propagada no período (BRANDÃO, 2008 , p. 113). América Latina e a Ordem Nuclear Global: Tlatelolco e TNP Segundo Robles, diplomata mexicano negociador do tratado de Tlatelolco, o ponto de partida dos esforços para a desnuclearização militar da América Latina foi a Declaração Conjunta feita em 1963 pelos presidentes do Brasil, México, Bolívia e Chile, com objetivo de anunciar a disposição para assinar um acordo multilateral com os demais países da América Latina, no qual se estabeleceria o compromisso de não fabricar, não receber, não armazenar nem produzir artefatos nucleares. Com exceção da Guatemala, todos os países da região participaram da reunião preliminar sobre a desnuclearização da América Latina (REUPRAL) em 1964. A REUPRAL adotou resoluções substantivas como a interpretação do termo desnuclearização da América Latina como a ausência de armas nucleares, além da criação da Comissão Preparatória para a Desnuclearização da América Latina (COPREDAL) que preparou um anteprojeto de tratado multilateral para a desnuclearização latina (ROBL ES, 2016). Em 1967 a COPREDAL aprovou por unanimidade o Tratado para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina – mais conhecido como Tlatelolco. Em 1969, efetuou-se, no México, a Reunião Preliminar para a constituição do Organismo para a Proscrição das Armas Nucleares na América Latina: a Opanal (OPANAL, 2016). O tratado de Tlatelolco estabeleceu a América Latina como a primeira região livre de armas nucleares. Apesar disso, houve adversidade desde o princípio, pois os interesses nacionais competidores ameaçavam a conclusão do acordo. Países como Argentina e Brasil, por exemplo, buscaram preservar e defender seus direitos de conduzir explosões nucleares pacíficas, nas quais o argumento era fortalecer suas questões de segurança, soberania, prosperidade socioeconômica e prestígio (MUS TO, 2017). Outros países liderados pelo México e com o apoio das potências nucleares argumentaram que as explosões nucleares pacíficas não eram diferentes das bombas atômicas. O tratado acabou incluindo cláusulas que deixaram a questão aberta à livre interpretação. Enquanto isso, o debate acerca da adesão ao tratado continuava a existir. O Brasil argumentava que o tratado

deveria apenas se tornar efetivo com adesão unânime de todos os países latino-americanos, as nações extra regionais com territórios na América Latina e as potências nucleares. Ao final, as delegações adotaram a solução chilena que apelava para a maioria das nações regionais a adotarem o tratado antes que pudesse formalmente se tornar efetivo. Na prática, esse compromisso significou que a zona livre de armas nucleares fosse postergada. Tlatelolco deparou com muitos desafios quando aberto para as assinaturas. Enquanto as negociações favoreciam Argentina e Brasil, os dois países nucleares mais avançados da região e, ao mesmo tempo, tradicionais rivais, mas com visão comum na defesa das explosões nucleares pacíficas, um espaço aberto para cooperação sobre temas pertinentes à proliferação nuclear ficou em aberto e nenhum dos países se tornou plenamente membro de Tlatelolco até meados dos anos 1990. A postura brasileira em relação ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear, de 1968, e ao Tratado de Tlatelolco, de 1967, deve ser entendida como o produto de uma racionalidade similar articulada em torno do direito de uma nação como o Brasil a buscar o domínio de tecnologia avançada e complexa. O TNP e o Tratado de Tlatelolco eram partes do que se definiu como o regime global de não proliferação nuclear – assim como o grupo de provedores nucleares de Londres (hoje Nuclear Suppliers Group ), e a própria noção de zona livre de armas nucleares. Tais iniciativas foram resultados da diplomacia multilateral para o controle de armas implementadas após a crise dos mísseis de Cuba em 1962. Apesar disso, cada um desses tratados teve sua lógica própria e peculiar de processo de negociação (WROBEL, 201 7, p. 35). À primeira vista, a não aceitação do Brasil para implementar inteiramente o tratado de Tlatelolco parecia um paradoxo porque o Brasil foi o proponente original da ideia de América Latina como uma zona livre de armas nucleares, seguindo a resolução das Nações Unidas a favor da África como uma área livre de artefatos atômicos em ١٩٦٢. Como a iniciativa diplomática para a criação dessa área na América Latina passou do Brasil para o México, o Tratado de Tlatelolco foi visto como um instrumento da política externa mexicana, não servindo aos interesses dos países latino-americanos (WROBEL, ٢٠١٧ , p. 36) conforme a visão brasileira. Além disso, havia uma pressão de grupos no Brasil, principalmente o setor militar, que defendia o interesse de desenvolver tecnologia para explosões nucleares pacíficas, como de monstrado. As superpotências, do ponto de vista brasileiro, estavam tentando banir não só as armas nucleares como também a tecnologia apropriada para fins pacíficos. Graças a esse argumento, o Itamaraty obteve apoio para uma posição anti-TNP. Argumentava-se que a intenção de Moscou e Washington era monopolizar não somente os armamentos nucleares, mas também a tecnologia potencialmente lucrativa para fins pacíficos. Para o Brasil, o uso de explosões para fins não bélicos era justificável: a questão relevante era o objetivo da explosão, não os meios utilizados para obtê-la. Esse argumento foi amplamente utilizado pelo Itamaraty (WROBEL, 199 3, p. 40).

O artigo 18 do Tratado de Tlatelolco reconheceu o direito de utilizar explosivos individualmente ou em colaboração com outro país. No entanto, a interpretação mexicana do artigo, explicitada pelo diplomata mexicano Robles, era que essa concessão não fazia sentido. Para o México, como não existia ainda a tecnologia que possibilitasse tal explosão nuclear “limpa” e economicamente viável, o artigo 18 meramente reconhecia uma eventual possibilidade, uma vez que levar tais explosões em consideração eram somente uma provisão para o futuro. Robles argumentava que os termos do artigo 18 pressupunham controle multilateral das explosões. Apenas quando essa tecnologia estivesse disponível o mecanismo para o controle das explosões poderia ser ativado, não fazendo sentido permitir no estágio em que se encontrava. No entanto, quando o Brasil ratificou o Tratado, em 1967, depositou sua assinatura na cidade do México com uma nota, deixando clara sua interpretação do artigo 18 em que afirmava que nada no documento era contrário ao direito de qualquer dos signatários de utilizar explosivos nucleares para fins pacíficos. Essa se tornou a posição oficial do Brasil em relação à interpretação desse ponto. Dadas soluções obtidas o Brasil não se tornou membro efetivo do tratado naquel e período. Para Wrobel, a história da política nuclear brasileira tem sido marcada pela descontinuidade e pela retórica em diversos momentos. Desde o estabelecimento da CNEN, o governo parecia estar empenhado em priorizar os investimentos em ciência e tecnologia, principalmente a indústria nuclear. A partir da década de 1960, a diplomacia foi ativada para defender a política nuclear contra qualquer tentativa de impedir sua implementação, quer por pressão externa direta, quer mediante instrumentos multilaterais como o TNP. Tornou-se comum na literatura sobre não proliferação considerar Tlatelolco como uma aplicação region al do TNP. Os dois tratados foram elaborados paralelamente e tinham, aparentemente, o mesmo objetivo: atuar como uma barreira à proliferação horizontal de armas nucleares. Em ambos os casos, as negociações começaram quase simultaneamente e terminaram com certo êxito em 1967 (Tlatelolco) e em 1968 (TNP). Na verdade, como um tratado de abrangência mundial, patrocinado pelas superpotências e incluindo, como resultado da sugestão mexicana um artigo que o tornou compatível com o conceito de zona livre, o TNP pode ser considerado um instrumento mundial contra a proliferação de armas nucleares, enquanto Tlatelolco seria para aplicação regional (WROBEL, 1993, p. 43-44). A interpretação que considerava Tlatelolco como uma aplicação regional do TNP foi duramente criticada por Argentina e Brasil, que não assinaram o TNP naquela época. O consenso que surgiu nesses dois países contra o caráter discriminatório do regime de não proliferação simbolizado pelo TNP fez com que ambos se esforçassem para separar os dois tratados, ou seja, para que considerassem Tlatelolco como um esforço regional legítimo em busca de soluções locais para problemas regionais e, por isso, diferente do TNP (WROBEL, 1993, p . 44-45).

Apesar de Brasil e Argentina serem considerados rivais e competidores no marco cronológico proposto neste texto foi possível perceber que havia uma posição compartilhada, hostil, em relação ao regime de não proliferação nuclear, o que ajuda a explicar historicamente a decisão de ambos os países pela atual cooperação nuclear que resulta na criação da Agência BrasileiroArgentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) em 1991. Uma vez concretizada essa opção pela constituição desse ativo binacional comum na década de 1990, com negociações ainda nas ditaduras, a mudança de postura, inclusive, em relação ao próprio sistema nuclear global de não proliferação ajuda a explicar o porquê ambos os países foram levados a ratificarem o TNP e a se incorporarem plenamente no Tratado de Tlatelolco décadas mais tarde – ambos os tratados que os dois países criticavam anter iormente. Considerações finais O trabalho procurou fazer uma construção historiográfica da criação e da implementação do programa nuclear nacional a partir dos anos 1950, com a criação do CNPq e da CNEN até a década de 1960. Algumas vezes, foi necessário extrapolar esse marco cronológico para fins de maiores esclarecimentos dos fatos correntes mais atuais. Foram selecionados os principais acontecimentos internacionais que dizem respeito às cooperações nucleares do Brasil e suas relações exteriores com os EUA e a Alemanha Ocidental entre 1950 e 1960, marcando os primeiros passos tomados para que um programa atômico fosse constituíd o no país. As disputas entre os grupos de interesse e os atores marcaram a história do programa nuclear em que foi possível perceber uma busca pelos gestores por parcerias e por tornar viável o domínio da tecnologia nuclear. Como todo programa de pesquisa e desenvolvimento tecnológico houve diversas falhas e dificuldades. As crises políticas econômicas e institucionais do Brasil não passaram incólumes na busca do domínio atômico e que passavam a determinar também o ritmo de implementação do program a nuclear. A primeira usina nuclear brasileira, Angra I, ficou conhecida como “vagalume”. Quando finalmente passou a entrar em funcionamento diversos problemas continuavam a aparecer e persistir. Conforme Patti, em 1981, por exemplo, a licença de operação de Angra I foi emitida pela CNEN e, no ano seguinte, foram realizados os testes de potência da usina. Entretanto, tais testes de potência apresentaram muitos problemas nos equipamentos da Westinghouse, especificamente, no gerador de vapor. Em 1983, a usina foi desligada. Em 1984, novamente em Angra I, ocorreu vazamento de óleo no eixo entre as turbinas e ela foi mais uma vez paralisada (PAT TI, 2014). Em 1985, a operação Angra 1 só teve problemas. Outras usinas nucleares com o mesmo gerador de vapor, dessa geração da Westinghouse, começaram a apresentar sinais de corrosão nos tubos (PATTI, 2014). Em 1986 a 1988, Angra I ficou fechada por motivos técnicos e ações judiciais a respeito de pontos polêmicos como, o tratamento de resíduos radioativos e o plano de emergência para a população em caso de acidente, que era praticamente inexiste. Em 1986, o promotor Petersen entrou com uma ação civil pública pedindo o fechamento da usina nuclear Angra I, tendo por base

o questionamento que estava sendo feito por técnicos e pela população local em relação à ausência de um plano de emergência e em correspondência à própria insegurança gerada pelo funcionamento da planta (OLIVEIRA, 201 2, p. 11). Em 1989, a juíza Salete Maccaloz determinou novamente o fechamento de Angra I até que o governo brasileiro apresentasse um plano de evacuação da população em caso de acidente. Por outro lado, o juiz Paulo Barata, do Tribunal Federal Regional, autorizou a retomada das obras. Em 2001, um acidente em Angra 1 foi divulgado à população cinco meses depois do ocorrido (PAT TI, 2013). A usina de Angra I apresentou diversos problemas, principalmente, a interrupção da empresa que tinha sido escolhida para abastecê-la, a americana Westinghouse. Além disso, a descontinuidade no programa nuclear foi altamente prejudicial à política do setor atômico nacional. Um programa nuclear precisa de continuidade e qualquer tipo de ruptura do seu desenvolvimento pode atrapalhar por décadas o investimento no setor. Isso porque os equipamentos precisam estar mantidos em pleno funcionamento e com segurança social e ambiental para a p opulação. Energia nuclear é sinônimo de prestígio internacional. Apesar de todas as dificuldades e problemas o Brasil conseguiu dominar o ciclo completo do combustível nuclear, tem investimento em reator multipropósito para o diagnóstico do câncer, possui uma cooperação histórica com a Argentina, concretizada na ABACC, possui duas usinas nucleares e caminha para uma terceira, tem investimento em propulsão naval e tem as cinco maiores reservas de minério de urânio d o planeta. Nesse sentido, é de fundamental importância repensar num projeto nacional de longo prazo, levando em consideração que a continuidade da política nuclear deve ser mantida independentemente das mudanças conjunturais e de governo, das crises políticas e que as decisões e opções das parcerias tecnológicas podem ter consequências drásticas no processo. Isso tudo deve ser bem planejado, pensado e constantemente repensado como política nuclear de longo prazo. A política nuclear deve ser verdadeiramente encarada como uma política energética d e Estado. Portanto, as ideias do almirante Álvaro Alberto, ainda que questionadas em vários momentos da história, resultaram no programa nuclear que o Brasil perseguiu e alcançou, mesmo com todos os obstáculos enfrentados desde a sua origem. Independente de governos, o Brasil deve fixar e concentrar sua política nuclear em torno de seu pessoal técnico altamente capacitado e qualificado. Como diria Álvaro Alberto, “Se apenas com idealismo nada se consegue de prático, sem essa força propulsora é impossível realizar algo de grande” ¹³⁴ (CNP Q, 1986). REFERÊNCIAS ANDRADE, A. M. R. A Opção Nuclear : 50 Anos Rumo à Autonomia. Rio de Janeiro: MAST, 2006. p. 179-180.

ANDRADE, A. M. R.; SANTOS, T. L. A Dinâmica Política da Criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, 1956-1960. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Hum. , Belém, v. 8, n. 1, p. 113-128, jan.-abr. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S1981-81222013000100007&lng=en&tlng=en#27b. Acesso em: 6 dez. 2017. BANDEIRA, L. A. M. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei ra, 2007. BANDEIRA, L. A. M. O Milagre Alemão e o Desenvolvimento Brasileiro (1949-2011). 2 ed. São Paulo: Une sp, 2011. BRANDÃO, R. V. M. O Negócio do Século: O Acordo de Cooperação Nuclear Brasil-Alemanha. 2008. 129 f. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Niterói, Universidade Federal Fluminen se, 2008. CAMARGO, G. O Fogo dos Deuses: Uma História da Energia Nuclear. Pandora 600 a.c. – 1970. Rio de Janeiro: Contrapo nto, 2006. CAMPOS, P. H. P. A Ditadura dos Empreiteiros: As Empresas Nacionais de Construção Pesada, suas Formas Associativas e o Estado Ditatorial Brasileiro, 1964-1985. 2012. 584 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Niterói, Universidade Federal Fluminen se, 2012. CAMPOS, P. H. P. Os Camargo, os Andrade e os Odebrecht : As Grandes Famílias Brasileiras da Construção Civil. In: CAMPOS, P. H. P.; BRANDÃO, R. V. M. (org.). Os Donos do Capital: A Trajetória das Principais Famílias Empresariais do Capitalismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Autograf ia, 2017. CNEA. Historia. Década 1950-1959. Comisión Nacional de Energía Atómica websi te . 2015. CNEN. Cronologia da Energia Nuclear. Comissão Nacional de Energia Nuclear website . 2007. Disponível em: http://memoria.cnen.gov.br. Acesso em: 3 ago. 2017. CNPq. Álvaro Alberto: A Instituição da Ciência no Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia. Centro de Memória CNPq website. 1986. Disponível em: http://centrodememoria.cnpq.br/alvalb.pdf. Acesso em: 19 ago. 2017. COSTA, C. M. L. Fato e Imagens: Artigos Ilustrados de Fatos e Conjunturas do Brasil. Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. CPDOC/FGV website . Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/ FatosImagens/AcordoNuclear. Acesso em: 5 set. 2017. DICIONÁRIO HISTÓRICO BIOGRÁFICO. Renato Archer. CPDOC/FGV website. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/ producao/dossies/Jango/biografias/renato_archer. Acesso em: 7 d ez. 2017.

FIGUEIREDO, P. D. Pedro Diniz Figueiredo. Depoimento concedido à Marly Motta e Lucas Nascimento no Rio de Janeiro em março de 2010. In: CARLO, P. (org.). O Programa Nuclear Brasileiro: Uma História Oral. Rio de Janeiro: FGV, 2014. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/ 10438/13733. Acesso em: 3 novembr o de 2017. GUIMARÃES, L. S. Leonam dos Santos Guimarães. Depoimento concedido à Marly Motta, Tatiana Coutto e ao Lucas Nascimento no Rio de Janeiro em 8 de fevereiro de 2010. In: O Programa Nuclear Brasileiro: Uma História Oral. In: CARLO, P. (org.). Rio de Janeiro: FGV, 2014. Disponível em: http:// bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/13733. Acesso em: 5 dezembr o de 2017. LEPECKI, W. Witold Lepecki. Depoimento concedido a Tatiana Coutto e Lucas Nascimento no Rio de Janeiro entre 13 de abril a 1 de junho de 2010. In: O Programa Nuclear Brasileiro: Uma História Oral. In: CARLO, P. (org.). Rio de Janeiro: FGV, 2014. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ dspace/handle/10438/13733. Acesso em: 5 dez. 2017. LIMA, M. R. S. The Political Economy of Brazilian Foreign Policy: Nuclear Energy, Trade and Itaipu. Brasília: Fun ag, 2013. MUSTO, R. A. Latin America’s Nuclear Weapon Free Zone: Fifty years later. 14 fev. 2017. Wilson Center website. Washington. Disponível em: https:// www.wilsoncenter.org/Tlatelolco-at-50. Acesso em: 30 nov. 2017. OLIVEIRA, I. C. V. A usina nuclear de Angra I e seu plano confidencial de evacuação urbana. Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade. Niterói, n. 3, jun. 2012. Disponível em: http:// www.uff.br/revistavitas/. Acesso em: 10 dez. 2017. PATTI, C. O Programa Nuclear Brasileiro: Uma História Oral. Rio de Janeiro, FGV, 2014. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/ 10438/13733. Acesso em: 3 ago. 2017. PEREIRA, L. Vitória na Derrota: Álvaro Alberto e as Origens da Política Nuclear Brasileira. 2013. 152 f. Dissertação (Mestrado em História, Política e Bens Culturais) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas, Rio de Jane iro. 2013. ROBLES, A. G. La Proscripción de las Armas Nucleares en la América Latina. Opanal website . Ciudad de México, 2016. Disponível em: http:// www.opanal.org/la-proscripcion-de-las-armas-nucleares-en-la-americalatina/. Acesso em: 30 nov. 2017. WROBEL, P. A Diplomacia Nuclear Brasileira: A Não-Proliferação Nuclear e o Tratado de Tlatelolco. Contexto Internacional , Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, jan./jun. 1993, p. 27-56. WROBEL, P. A Política Nuclear Brasileira. In: ALBURQUERQUE, J.A.G. (org.). Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990) : Prioridades, Atores e Políticas. São Paulo, Universidade de São Pa ulo, 2000.

WROBEL, P. Brazil, The Non-Proliferation Treaty and Latin America as a Nuclear Weapon-Free zone. Brasília: Fu nag, 2017. 11 O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO A PARTIR DE 1975: CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA E DESTINO ENERGÉTICO Vanessa Braga Matijascic Introdução Melhor do que o conhecimento sobre a existência de minerais atômicos dentro do país é saber como administrar tal informação perante as outras nações. Isso porque, nos anos 1960, foram dadas as bases para a assinatura do tratado internacional que limitou o desenvolvimento de pesquisas nucleares para finalidade estratégica de produção de armas nucleares. Dessa maneira, o Tratado de Não-proliferação (TNP, de 1968) formalizou a permissão para o uso pacífico de tecnologias nucleares para os países que já possuíam tal programa, mas proibiu os outros homônimos a obterem bombas atômicas a partir do desenvolvimento de pesquisas nacionais nessa área. O argumento utilizado na época era o de que esse acordo deixaria o sistema internacional mais seguro, no entanto, a promoção das assimetrias de poder entre os países se fez notória a part ir do TNP. Entre as possibilidades de desenvolvimento tecno-nuclear permitido, o uso pacífico estava condicionado, por exemplo, à geração de energia elétrica e ao desenvolvimento de equipamentos para diagnósticos médicos. O TNP reconheceu as cinco potências nucleares, Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido, França, República Popular da China, reservando a elas o direito de conservar seu arsenal atômico e projetando para o futuro como planejar a redução de armas nucleares. Por outro lado, todos os demais países foram conduzidos a abdicar desse direito em 1968, data da assinatura do tratado que passou a vigorar em 1970. Na década de 1970 a condução da política externa brasileira não se fez mais pela tradicional característica da cooperação com os Estados Unidos, no que tange a renúncia da busca pelo patamar bélico nuclear. Sendo assim, novas parcerias foram estabelecidas a partir do acordo teuto-brasileiro em 1975. Procura-se discutir nesse capítulo sobre quais foram as variáveis que influenciaram para a condução de um programa nuclear brasileiro, assumindo a posição de que o país tinha interesses em sustentar essa política do ponto de vista doméstico, regional e inte rnacional. No primeiro aspecto, destaca-se o projeto desenvolvimentista dos governos militares, de 1964 a 1985, que não aceitaram a limitação de restrições externas e interferindo no rumo soberano do país quanto as vantagens de desenvolver pesquisas nucleares e os possíveis usos políticos e econômicos a partir das descobertas feitas. Do ponto de vista regional, a rivalidade com o regime de governo autoritário argentino inclinou o Brasil a optar pelo desenvolvimento do programa nuclear para não ficar defasado, caso o vizinho platino alcançasse elevado nível de conhecimento na área resultando, por exemplo, na bomba atômica. Por fim, os governos militares

do Brasil acreditaram que prosseguir com o programa nuclear era a oportunidade de dar um papel de destaque ao país, já que não concordaram com a prática discriminatória das potências nucleares que não interferiram nos projetos de desenvolvimento de programas nucleares realizados por Israel e Índia. Logo, a aproximação com a República Federal da Alemanha (RFA), detentora de reatores nucleares, viabilizou financeiramente as pretensões br asileiras. Terminado o período autoritário brasileiro e argentino, a questão nuclear foi posta novamente entre os países e tratada na transição feita pelos governos civis da segunda metade dos anos 1980. Nesse certame, o objetivo foi redefinido para firmar a cooperação bilateral entre os países em tecnologia nuclear, a fim de cessar com a desconfiança alimentada no passado. Propõese, portanto, que, nos anos 1990, o Brasil assumiu incondicionalmente a vocação pacifista no que concerne renunciar ao direito de desenvolver a bomba atômica com a finalidade de harmonizar relações com a Argentina, mas também porque o governo da época não quis mais se indispor com os Estados Unidos que pressionavam os dois países sul-americanos a aderi rem o TNP. Para transparecer e aprofundar essa lógica argumentativa proposta, o capítulo está dividido em três seções. Na primeira, discute-se quais foram as motivações que conduziram a diplomacia brasileira a celebrar um tratado para criar uma zona livre de armas nucleares da América Latina nos anos1960. Na segunda parte, apresenta-se o projeto do programa nuclear brasileiro e sustenta-se a ideia da duplicidade de intenções: construir usinas para gerar energia elétrica a partir da nuclear, mas como justificativa para manter um projeto que pudesse atender a interesses estratégicos quando fosse necessário. Assim, a seção aborda os interesses com a assinatura do acordo nuclear com a República Federal da Alemanha em 1975. Por fim, exprime-se o processo de reabertura política e a questão nuclear, dando destaque ao embate de ideias que permeou a polêmica sobre a decisão do Brasil em aderir o TNP em 1998, aceitando regimes inter nacionais. Criação de Zona Livre de Armas Nucleares na América Latina A discussão sobre a redução de armas nucleares no mundo é conhecida e os interesses são diversos. Com Hiroshima e Nagasaki, os Estados Unidos puderam demonstrar o poder nuclear em que procuravam sustentar sua posição de supremacia nessa área. Para isso, propuseram à Grã-Bretanha que renunciasse sua participação na corrida armamentista pela Conferência de Quebec , outorgada em 1943, quando os Estados Unidos aprovaram a Lei McMahon, 1946, que dava monopólio aos civis escolhidos pelo presidente da República para tratar com sigilo da tecnologia sensível, promovendo o cerceamento do alcance da tecnologia nuclear ¹³⁵ . Mesmo com limitações impostas, União Soviética e França conseguiram quebrar esse monopólio, em 1949 para a primeira e 1964 para a segunda. Consequentemente, o empenho norte-americano inclinara-se para os esforços multilaterais de contenção. O Plano Baruch foi apresentado à Comissão das Nações Unidas de Energia Atômica em 1946, solicitando que fosse permitido o conhecimento da tecnologia nuclear para a finalidade

pacífica por todas as nações, desde que não fosse autorizada a fabricação de armas atômicas. Dessa maneira, a delegação estadunidense propunha que as Nações Unidas atuassem na inspeção desse assunto (GUILHER ME, 1957). Já em 1953, o presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, proferiu o discurso “Átomos para a Paz” (AIEA, 2018) que incentivou o uso pacífico da tecnologia nuclear, além de sugerir às nações amigas a venderem minerais atômicos à potência aliada ¹³⁶ . Como resultado, além do mencionado Plano Baruch, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) criou a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea, de 1957) que é responsável pela promoção de uso pacífico de tecnologia nuclear (HOLLOWA Y, 1984). Anos depois, com o TNP, essa agência especializada da Organização das Nações Unidas ganhou a atribuição de inspecionar as usinar nucleares dos Estados signatários. Essa medida atestava internacionalmente que a tecnologia desenvolvida pelos signatários estava apenas a serviço de pesquisas para uso pacífico. Assim, criou-se com esse compromisso um mecanismo de transparência e, indiretamente, tal precaução nutria o anseio de manter a segurança internacional dado que quanto menos países tivessem o direito de ter armas nucleares menor seria o risco d e seu uso. Em 1962, a Crise dos Mísseis de Cuba colaborou para inaugurar o período da détente que é o arrefecimento da Guerra Fria no que consiste a corrida armamentista. O incidente foi habilmente conduzido pelo presidente dos Estados Unidos da época, John Kennedy, e pelo líder soviético Nikita Kruschev, de modo a conter o primeiro confronto militar direto entre as super potências. Os mísseis soviéticos em Cuba estavam direcionados estrategicamente aos Estados Unidos em situação congênere aos foguetes estadunidenses posicionados na Turquia no final dos anos 1950, apontados em direção ao solo soviético. Pode-se dizer que a União Soviética promoveu retaliação aos Estados Unidos quando a Revolução Cubana, 1959, foi politicamente atraente para o projeto soviético. Como resultado imediato dessa situação, foi proposto o Tratado de Moscou , 1963, regulava os testes atômicos e foi assinado por Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética. O Brasil, como parceiro estratégico, político, econômico dos Estados Unidos não teria nada a temer quanto a real ameaça nuclear do arqui-inimigo da potência hemisférica. Logo, por que se engajou no programa nuclear? No passado, o primeiro acordo nuclear assinado entre Brasil e Estados Unidos, em 1945, condicionou o Brasil a fornecer minérios radioativos em troca dos reatores nucleares. A transferência de tecnologia dos Estados Unidos não foi devidamente cumprida na gestão do presidente Vargas, 1951-1954, o que acabou azedando o assunto entre os do is países. A desigualdade no cumprimento desse acordo fez com que o almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva, pioneiro dos esforços para promover um programa nuclear autônomo, montou uma missão para a Europa Ocidental com a finalidade de promover intercâmbio que viabilizasse a aquisição de reatores nucleares. A missão de almirante Álvaro Alberto promoveu diálogos em nome do CNPq com a França e com a Alemanha. Com o primeiro país foi

estabelecida uma parceria de cooperação na área nuclear, mas os franceses se negaram a facilitar o acesso aos reatores que eles tinham. Já na Alemanha, as amizades do almirante Mota e Silva vingaram na aquisição de reatores nucleares com cientistas alemães da Universidade de Bonn. (CORREA, 2010, p. 25-27). Todavia, os reatores não chegaram ao Brasil, pois foram apreendidos por um destacamento inglês no porto de Hamburgo (OLIVEIRA, 1999, p. 118). Em 1957, o Brasil obteve seu primeiro reator para pesquisa, por meio do programa norte-americano “Átomos para a Paz”, após a bem-sucedida negociação com os Estados Unidos na presidência de Café Filho, 1954-1955. O IEA-R1, como se tornou conhecido, quando chegou no Instituto de Energia Atômica (IEA), em São Paulo, foi o primeiro reator a entrar em funcionamento no hemisfério sul (MATTOS, 1975). Em 1960, foi adquirido o reator de pesquisa TRIGA Mark 1, localizado no Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o qual foi usado em atividades de treinamento e de pesquisa associadas à produção de radioisótopos ¹³⁷ . O anseio por reatores nucleares estava além dessas tecnologias oferecida. Assim, em 1965, passou a funcionar o Instituto de Engenharia Nuclear no Rio de Janeiro. O primeiro reator feito no país, o Argonauta, teve sua construção terminada em 1962. A coordenação desse Instituto esteve alicerçada após a criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) ¹³⁸ durante a presidência de Juscelino K ubistchek. Em 1964, quando Castello Branco assumiu, o programa nuclear brasileiro ganhou novo contorno: estavam projetadas a construção de usinas nucleares para gerar eletricidade e dar condições para o estabelecimento de um complexo industrial nuclear autônomo no Brasil. Nas palavras de Paulo Noguera Batista: “embora resolvido a não nuclearizar o país, [...] Castello Branco não se disporia, como João Goulart, a renunciar à eventual posse ou fabricação da armas nucleares e tampouco a aceitar restrições aos usos pacíficos de energia nuclear” (BATISTA, 2000 , p. 34). Anos mais tarde, tal posição foi defendida pelo presidente Costa e Silva, de 1967 a 69, argumentando que as negociações do TNP não eram interessantes para o Brasil, visto que não deliberou obrigatoriedade de desarmamento para os detentores das armas nucleares, além de limitar o desenvolvimento econômico do país. Em 1968, o governo formulou o “Conceito Estratégico Nacional”, argumentando que a aquisição de ciência e tecnologia nuclear era para superar a posição periférica do Brasil em questões internacionais. Logo, não existia necessariamente a pretensão de construir armas nucleares, mas sim desenvolver a capacidade para fazê-lo, caso fosse necessário (CRUZ, 2009, p. 262). Os Estados Unidos flexibilizaram tal posição e a empresa Westinghouse vendeu “em regime de caixa preta” (sem transferência de tecnologia) um reator nuclear para o projeto do presidente brasileiro de desenvolver a primeira usina ter monuclear. No que concerne ao histórico de rivalidade com a Argentina, da Silva Diaz e Matos Braga (2006, 495) afirmaram que do ponto de vista militar, “o programa nuclear argentino se apresentava mais avançado do que o brasileiro” no que concernia a existência de instalações nucleares

argentinas. Por conseguinte, existia um receio de alimentar a corrida armamentista na América Latina, posto que o Brasil também pretendia levar o seu programa nuclear adiante. Para evitar tal consequência, o esforço multilateral foi consubstanciado com o apoio de outros países latinoamericanos. As sementes desse processo se desdobraram durante a execução da Política Externa Independente (1961-1964) em que, em parte, os governos militares deram sequência nas gestões de Castello Branco e Costa e Silva sem minar interesses do programa nuclear. Ressalta-se que a resolução 1649 (XVI) das Nações Unidas, aprovada em 1961, proibiu o emprego de armas nucleares e demais armas de destruição em massa. Naquele ano, a política externa do Brasil inaugurou, para além do discurso, a inclinação pacifista e apresentou projeto de resolução para criar uma zona livre de armas nucleares (ZLAN) na América Latina, em setembro de 1962 (DAWOOD, HERZ 2013). Durante os debates em março daquele ano, na Conferência de Desarmamento de Genebra, a delegação brasileira, chefiada por Afonso Arinos, sustentou a posição de que parte do capital investido na indústria bélica poderia ser revertida para projetos de superação do subdesenvolvimento em países do hemisfério sul (CERVO; BU ENO 2008). Nessas palavras, percebe-se uma das expressões da cooperação sul-sul que o Brasil inaugurou naquela década, aproximando-se de países em desenvolvimento e fortalecendo laços possíveis na agenda multilateral, seja nas AGNU ou na Conferência de Desarmamento. Assim, a proposta de criar uma ZLAN na América Latina foi inspirada na aprovação pelas Nações Unidas, de uma ZLAN proposta pela delegação da África do Sul (WROBEL 1993, p. 28) ¹³⁹ . Nesses termos, a delegação brasileira não era inovadora, mas exprimiu com harmonia os objetivos de política externa e conseguiu a aprovação para criar uma ZLAN em abril de 1963 (A/RES/ 19 11 XVIII). Para iniciar o processo de “desnuclearização”, uma comissão foi criada e, em novembro de 1964, e as reuniões foram conduzidas no México. Percebese que, mesmo após a ruptura que levou ao regime autoritário brasileiro, as negociações prosseguiram. Em 14 de fevereiro de 1967, foi firmado o Tratado de Tlatelolco ¹⁴⁰ que previu a criação de uma ZLAN a ser monitorada pela Organização para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina (Opanal). O resultado da redação do tratado contemplou a autorização para explosões nucleares pacíficas (artigo 18) e a permissão para o desenvolvimento do que pudesse transportar e propulsionar armas nucleares (artigo 5 º ). Além desses fragmentos de interesse brasileiro no Tratado, a celebração de acordos com a Aiea era determinante para que Tlatelolco tivesse plena vigência (artigo 28). Sobre esse mecanismo, tanto Brasil quanto Argentina não celebraram compromissos com a Aiea, o que despertou a atenção internacional e, sobretudo, a desconfiança dos Estados Unidos que não queriam ver em sua área de influência outro país com bomb a atômica. Se os dois maiores países da região não celebraram acordos com a Aiea, a desconfiança se fazia presente na América Latina, especificamente entre os regimes políticos autoritários brasileiro e argentino. Não somente o

compromisso internacional da não-proliferação incomodava aos brasileiros, mas também aos argentinos, já que assinar o TNP era abdicar do uso estratégico da tecnologia nuclear, e os países não estavam dispostos a renunciar a um “ direito”. Em proporções distintas, destaca-se a rivalidade entre Índia e Paquistão, que não foram signatários do TNP, posto que a disputa pela região da Caxemira sempre foi o motivador do desenvolvimento dos programas nucleares desses países que conseguiram desenvolver bombas atômicas. Logo, o efeito dissuasório foi alcançado e, potencialmente, esse era o desejo dos dois regimes autoritários na região sul-americana: disputar quem deteria o poder nuclear na região. Goldemberg salienta que em 1971 foram feitas várias declarações brasileiras que criticavam o TNP pela condição de promoção das assimetrias, quando não existiam garantias de que as potências nucleares iriam reduzir seu arsenal atômico e, acima de tudo, o TNP não atendia aos interesses de desenvolvimento econômico e de segurança nacional do Brasil quando limitava a possibilidade de desenvolvimento de tecnologia nuclear pacífica (GOLDEMBERG, 1978 , p. 33). Embora esses argumentos sejam fidedignos a leitura que se fazia na época, para não assinar o TNP, deixava subentendido que o país pretendia desenvolver tecnologia nuclear para além da finalidade pacífica. Esse foi o desgaste entre Brasil e Argentina na competição para a obtenção dessa tecnologia, não necessariamente para confrontar um ao outro, mas para demonstrar poder. Os projetos começaram com a intenção de diversificação da matriz energética para produzir e gerar energia elétrica, quando o programa argentino se iniciou nos anos 1940 e o brasileiro, em 1956, com a Comissão Nacional de Energia Nuclear. Todavia, com a disputa geopolítica na Bacia do Prata a situação mudou e a competição passou a caracterizar o relacionament o externo. O acordo nuclear teuto-brasileiro O pensamento geopolítico que norteou a projeção do Brasil no cenário internacional rompeu com a antiga matriz germânica da elaboração de Mario Travassos e Everardo Bakheuser. A Escola Superior de Guerra (ESG) foi o centro de difusão da nova doutrina fortemente ambientada no conflito leste-oeste, anticomunista; realista e com fundamentos amparados em Morgenthau e projetava o país para além da plataforma continental. O expoente dessa vertente na ESG foi o general Golbery Couto e Silva que teve uma série de escritos reunidos num volume conhecido como Geopolítica do Brasil, dos anos 1950. e que defendia a transformação do Brasil em uma grande potência (GONÇALVES; MIYAMOTO 1993, p. 213-214). Apesar da racionalidade imputada por Golbery, a posição do Brasil nos anos 1970 ainda era de dependência energética, visto que 80% do petróleo era importado e a exploração desse recurso na bacia de Campos estava em estágio de desenvolvimento inicial, que não atendia a demanda nacional. Assim, as oscilações no mercado internacional desse produto fizeram com que políticos e militares brasileiros percebessem a posição assimétrica do Brasil em relação aos Estados, muito mais desenvolvidos. Recusar a

assinatura do TNP foi, portanto, elemento imprescindível para a transformação do país na grande potência almejada dado que o objetivo era assumir papel de destaque a partir do domínio do enriquecimento do urânio (CORREA, 201 0, p. 31). Para nortear as ações em política externa, a vigorosa condução leste-oeste foi amenizada dentro da Doutrina de Segurança Nacional, dando mais destaque a retomada do diálogo norte-sul (CERVO; BUENO 2008, p. 404). A cooperação sul-sul foi o tom expressivo da política externa do presidente Ernesto Geisel, dando destaque a aproximação com outras potências regionais de outras regiões do globo para atender satisfatoriamente a amplitude de Brasil que se pretendia projetar. Logo, a política externa conhecida como “pragmática e ecumênica” não rompeu profundamente com o que foi conduzido anteriormente, mas aprofundou os interesses externos para sustentar o padrão desenvolvimentista em ascensão (VIZENTINI 1998, p. 197-204). Amparando as ações de política externa, destacam-se dois intelectuais da geopolítica dos anos 1970 que pavimentam a mentalidade entoada. Primeiramente, Therezinha de Castro (1999, p. 152-154) que trabalhou a divisão de países entre aqueles de primeiro e segundo níveis, respectivamente, países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para ela, os países do segundo nível (nele está o Brasil) eram determinantes na promoção do desenvolvimento do novo sistema inte rnacional. Todavia, para os países do primeiro nível, em específico, os Estados Unidos, não era interessante deixar que países emergentes assumissem protagonismo ou crescessem no sistema internacional a partir do domínio da tecnologia nuclear porque interfeririam no equilíbrio de poder mantido pelas tradicionais potências. Outro destaque é dado ao general Carlos de Meira Mattos (1979, p. 125) que defendia o pleno domínio da tecnologia nuclear, mesmo que isso despertasse a fúria das grandes potências. Para ele, o objetivo era desenvolver o Brasil e não ficar à margem desse avanço tecnológico. Logo, mesmo que os conflitos políticos emergissem, era papel da ciência avançar e do Estado brasileiro de assegurar o bem-estar da nação. Ernesto Geisel foi o presidente que conduziu o Brasil a assinatura do projeto que não seria realizado com a parceria dos Estados Unidos, dado que aquela potência não queria fortalecer o poder político e econômico brasileiro. Nesse aspecto, a busca por parcerias estratégicas na Europa era única alternativa para dar outro status ao país. Reino Unido, França e Alemanha Ocidental foram procuradas. Especificamente, quando Washington decidiu não mais colaborar com o programa nuclear brasileiro, o presidente Geisel não demorou em assinar o acordo com a RFA e rompeu com o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos vigente desde 1952, após as constantes pressões do governo Carter, em 1977, que condenou o Brasil no que dizia respeito às violações dos direitos humanos. Acima de tudo, no Pragmatismo Responsável e, diante da postura dos Estados Unidos, o Brasil aproximou-se gradativamente da China Popular para fomentar a cooperação em lançamento de foguetes e de satélites (VIZENTINI, 1998 , p. 203).

Com o teor abalado das relações bilaterais, a aproximação do Brasil com a RFA deveria ser feita pelos canais tradicionais diplomáticos. Logo, a formalização do acordo era uma forma de minimizar a possibilidade de maiores retaliações a Brasília, caso o programa nuclear fosse conduzido por meios não institucionalizados (SPEKTOR, 2009, p. 92). Assim, percebe-se que a tese da Therezinha de Castro estava válida quanto ao papel marginal que o Brasil ocupava no sistema internacional visto que tomar outra atitude vista como “soberana” poderia colocar em risco todo o cálculo político para conduzir o país ao papel de destaque que Meira Mattos defendeu. A postura do Brasil com a condução do Tratado de Tlatelolco chamou a atenção da Alemanha Ocidental que também percebia o TNP como um tratado limitador: era temido o enfraquecimento dos Estados Unidos, principal aliado da Europa na Guerra Fria. O TNP poderia prejudicar as necessidades da defesa europeia, a União Soviética era integrante do tratado e da Aiea e temia-se a espionagem do inimigo ao que era produzido nas usinas nucleares dos países ocidentais. Com o que era possível cooperar na época, a RFA tinha pleno domínio da tecnologia de reatores nucleares a base de urânio enriquecido, condicionada a geração de eletricidade e a propul são naval. Dessa maneira, a RFA buscava no mercado internacional possíveis fornecedores de urânio e desejava fornecer equipamentos para centrais termoelétricas. O grande empecilho para a Alemanha Ocidental era a proibição de não poder enriquecer urânio dentro do próprio território por terem assinado o Tratado de Paris, de 1955, que confrontavam os compromissos internacionais com o Ocidente. Anos depois, em 1970, os alemães criaram uma empresa com holandeses e ingleses ( joint-venture ), o que facilitou o processo de enriquecimento de urânio em outros territórios (BATISTA, 2000, p. 37-39). Em 1968, os alemães sondaram “por canais informais” o governo brasileiro sobre a possibilidade de um acordo de cooperação pelo qual as empresas alemãs construiriam usinas de enriquecimento de urânio, tendo a contrapartida do trabalho de pesquisa e prospecção de urânio. Assim, a cooperação com o Brasil era uma alternativa para contemplar os interesses alemães e não estava contrária ao que o Brasil havia buscado no passado com aquela missão do CNPq enviada à Europa nos anos 1950. A consulta informal resultou no Acordo sobre Cooperação nos Setores da Pesquisa Científica e do Desenvolvimento Tecnológico, concluído entre as partes (Brasil e RFA) em 9 de junho de 1969, tendo o cuidado de reafirmar os compromissos para a finalidade pacífica dessa troca de conhecimento em energia atômica. Assim, o acordo teuto-brasileiro previu cooperação de informações tecnológicas (artigo I, inciso 2), declarando-se partidárias do princípio de não-proliferação de armas nucleares (artigo II). Especificamente, no artigo I, inciso 1: Dentro do quadro do presente Acordo, as Partes Contratantes fomentarão a cooperação entre instituições de pesquisa científica e tecnológica e empresas dos dois países, abrangendo o seguinte: prospecção, extração e processamento de minérios de urânio, bem como produção de compostos de

urânio; produção de reatores nucleares e de outras instalações nucleares, bem como de seus componentes; enriquecimento de urânio e serviços de enriquecimento; produção de elementos combustíveis e reprocessamento de combustíveis i rradiados. O acordo estabeleceu a vigência por quinze anos, o que assegurava cooperação entre os países até 1990. Esse intervalo de tempo era o suficiente para colocar o “Plano-90” em funcionamento que era a proposição do governo brasileiro de construir de 6 a 8 usinas termonucleares, dentro de um pacote de oferta de energia elétrica para o país proposto pela Eletrobrás ¹⁴¹ . As usinas ficariam em Angra dos Reis. Para facilitar o processo, a empresa pública brasileira Nuclebrás foi estabelecida. O acordo com a RFA facilitaria a concessão para construir as usinas de Angra II e III. Outra razão para o governo brasileiro realizar o acordo com a Alemanha Ocidental foi conjuntural, tal como o cancelamento unilateral do fornecimento de urânio enriquecido pelos Estados Unidos para ser usado no reator de Angra-I – fruto do contrato assinado com a Westinghouse em 1972. A ambição de projeção internacional do país foi divulgada no II Plano Nacional de Desenvolvimento para os anos de 1975-1979. Para a matéria nuclear, o objetivo era o domínio tecnológico nuclear com a finalidade de empregar essa tecnologia para fins de segurança n acional ¹⁴² . A grande controvérsia sobre esse plano foi mais a ambição do que necessariamente as realizações no curto período. Em primeiro lugar, a descoberta nuclear colocou muitos países para entrar em contato com esse conhecimento e desenvolvê-lo, caso fosse possível. Necessariamente, aqueles que possuíam a tecnologia estavam em condições de negociá-la a partir do momento que o TNP regulamentou atividades pacíficas na área. Abriu-se amplo mercado internacional em tecnologia nuclear, principalmente, a maior especulação compreendeu a área de usinas termonucleares. Nesse aspecto, o Brasil estava amplamente interessado em expandir a oferta de energia elétrica, amparado no argumento de aumento da urbanização e, consequentemente, da população (II Plano Nacional de Desenvolvimento para os anos de 19 75-1979). A questão energética foi, portanto, um dos grandes temas da década de 1970 no âmbito doméstico e internacional. Além das termonucleares, os choques do preço do barril de petróleo nos anos de 1973 e 1979 provocaram fortes crises internacionais. O Brasil ainda na sua condição de potência emergente possuía vulnerabilidade a crises econômicas internacionais e entrou em crise doméstica econômica e financeira. Mesmo com essa questão conjuntural, o projeto grandioso de Brasil precisava ser mantido para sustentar a credibilidade dos governos militares. Para tanto, o Brasil negociou empréstimos para as hidrelétricas no Banco Mundial e as usinas nucleares. Apesar do grande orgulho da dimensão do acordo que foi negociado com a RFA, ele foi “vítima de seu próprio gigantismo” (WROBEL, 2000, p. 75). Para Wrobel, novamente, a questão foi polarizada internamente por militares, cientistas e políticos, diante das pressões externas, principalmente, dos Estados Unidos. Logo, um lado argumenta que o acordo era objetivo e

atendeu as pretensões brasileiras e a disponibilidade alemã (BATIS TA, 2000). O outro lado contesta alegando que, à parte do desenho do que deveria ser feito, a realização do Acordo ficou comprometida pelas condições econômicas conjunturais que dificultaram, por exemplo, a aquisição de oito reatores. Apenas dois foram adquiridos. Ademais, outras críticas levantadas por parte dos militares compreendeu a capacidade autônoma de conseguir desenvolver o parque industrial nuclear, posto que havia salvaguardas internacionais que dificultavam esse processo e o método para enriquecer urânio ainda era experimental nos a nos 1970. Militares da Marinha do Brasil, com apoio do Ministério da Marinha na época, desenvolveram instalações independentes e que não estiveram sujeitas a salvaguardas e inspeções internacionais. Nesses termos, passara a existir “o programa nuclear paralelo” que era a denominação do que estava a parte do que foi negociado com a RFA, isto é, o programa oficial. Anos mais tarde afirmou-se que o presidente Sarney anunciou, em setembro de 1987, que o Brasil havia conseguido a própria tecnologia de enriquecimento de urânio pelo método de ultracentrifugação (WROBEL, 200 0, p. 76). Essa foi uma grande conquista dos cientistas da Marinha reunidos na Comissão de Projetos Especiais (COPESP) e dos cientistas do Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear (IPEN) na Universidade de São Paulo. Tal colaboração colocou o país no rumo que estava buscando desde o início das negociações do almirante Motta, bem como remonta as pretensões anunciadas por Meira Mattos. De certo, essa cooperação alcançou a tão almejada autonomia ao desenvolver o própri o reator ¹⁴³ . Reabertura política e a questão nuclear Vencer rivalidades regionais esteve associado ao esforço político de lideranças no período de transição de regimes políticos autoritários para democráticos. Um dos caminhos para isso era retomar os processos e mecanismos de integração. Como exemplo disso, o fim dos governos militares no Brasil e na Argentina encorajou os novos governos civis a realizar esforços para vencer o anterior momento de desconfiança. No caso brasileiro, segundo o que Meire Mathias retomou, a distensão foi preparada a partir da presidência de Ernesto Geisel que acreditava ser necessária a mudança em preservação das próprias instituições militares no seu fecundo papel e eximindo-as de serem alcançadas pelas crises políticas inerentes a dinâmica da governabilidade. Ademais, a autora salienta que o projeto político dos militares já havia sido alcançado nas gestões anteriores; a conjuntura estava favorável para a transição e Geisel representou o grupo de militares que tinha a convicção de que já era possível mudar para acelerar o processo em rumo à democracia desenvolvimentista no Brasil (MATHIAS, 1995, p. 150). A questão da tecnologia nuclear era sensível aos dois países. Assim, a criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC, de 1991) foi o primeiro passo para romper com a desconfiança, bem como celebrar acordos com a Aiea para permitir a inspeção das usinas nucleares brasileiras e argentinas, diminuindo a

cobrança da comunidade internacional pela adesão aos protocolos que faziam parte do regime internacional de não-pro liferação. Concomitante a essas iniciativas, os dois países já haviam sinalizado que novos rumos estavam por vir, quando os presidentes Raul Alfonsín e José Sarney se reuniram em 29 de novembro de 1985 e assinaram a Declaração do Iguaçu ¹⁴⁴ : “Dentro desse espírito, expressaram sua firme vontade política de acelerar o processo de integração bilateral, em harmonia com os esforços de cooperação e desenvolvimento regional”(art.18). Além disso, a Declaração formalizou a criação de uma Comissão Mista de Alto Nível para Cooperação e Integração Econômica Bilateral que trabalharia para explorar as capacidades competitivas de cada país e planejar a integraç ão física. A aproximação entre Brasil e Argentina tinha, portanto, interesses comerciais e, sobretudo, políticos e estratégicos para a política externa brasileira, pois seria o momento de romper com o passado e buscar um caminho de benefícios mútuos no cenário pós-Guerra Fria, como muitos países tinham esperado. A reunião entre os presidentes Sarney e Alfonsín foi precedida de uma anterior, a dos ministros das relações exteriores do Brasil, Olavo Setúbal, e da Argentina, Dante Caputo, em mai o de 1985. Nessa ocasião, os ministros acordaram que os dois países comprometer-seiam a estimular o comércio bilateral e o avanço da possível complementação industrial a ser explorada entre eles (Resenha da Política Exterior do Brasil 1985, 43). Poucos meses depois e, no mesmo ano, assinaram a Declaração Conjunta sobre Política Nuclear ¹⁴⁵ que preparou o grupo de trabalho para criar a ABACC, além de afirmarem o interesse em desenvolvimento de energia nuclear para fins pacíficos. No ano seguinte, a cooperação nuclear foi for malizada ¹⁴⁶ . Conferida a etapa que a América Latina foi zona desnuclearizada reconhecida nos anos 1960, seguido dos acordos acima descritos, o presidente Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente a controlar a atividade nuclear no país e a aproximar-se sistematicamente da Argentina em 1990. Nesse aspecto, o esforço era fazer com que os dois países aderissem plenamente o Tratado de Tlatelolco, implicando na assinatura das salvaguardas com a Aiea (SPECTOR; SMITH, 1992, 116). Para formalizar a intenção política, o presidente Collor foi até a AGNU e discursou que o Brasil colocaria fim ao projeto de explosões nucleares pacíficas (ARRAES, 2005, p. 6). Somado a isso, os esforços políticos do Executivo, mesmo com a saída de Collor, co ntinuaram. Nos anos 1990, o Brasil participou dos principais foros internacionais de debate sobre o desarmamento: Regime de Controle de Mísseis (1995), Grupo de Supridores Nucleares (1996), fundou a Organização para a Proscrição de Armas Químicas (OPAQ) em 1997 e fez a assinatura com a Aiea para cumprir plenamente o Tratado de Tlatelolco em 1994 (acordo quadripartite entre Argentina, Brasil, ABACC e Aiea). Nessa linha, Brasil e Argentina também atuaram na revisão do Tratado, fazendo com que a responsabilidade pelas inspeções das usinas nucleares dos Estados signatários fosse feita pela Aiea, já que a Opanal não tinha agência própria para essa f inalidade.

A aproximação entre os presidentes Carlos Menem e Fernando Collor resultou na Declaração de Foz do Iguaçu sobre a Política Nuclear Comum, na qual os dois países renunciaram o uso e fabricação de armas nucleares. Sobre esse contexto, o presidente Collor foi até a Serra do Cachimbo, no Pará, para finalizar projeto de explosões nucleares pacíficas ¹⁴⁷ , em 1991. Em seguida, assinou o Acordo de Guadalajara que consistia na autorização para inspecionar as instalações nucleares dos dois países. ¹⁴⁸ . A ABACC, concebida em 1991, foi sediada no Rio de Janeiro e composta por 16 funcionários, sendo dois do Ministério de Relações Exteriores de cada país e das Comissões de Energia Nuclear de Argentina e Brasil. Já em 1993, a ABACC inspecionou mais da metade das instalações nucleares dos dois países (REDICK, 1995 , p. 342). A decisão de assinar o TNP A pressão para que o Brasil assinasse o TNP foi constante desde o surgimento do regime internacional de não-proliferação. Em primeiro lugar, como o país situa-se em continente americano e escolheu gravitar na órbita capitalista da Guerra Fria, a pressão da diplomacia dos Estados Unidos foi a de solicitar que todos os aliados políticos seguissem a assinatura de acordos e regimes internacionais, regimes. Destaca-se que o papel dos Estados Unidos no final da Segunda Guerra Mundial foi o de auxiliar na construção dos novos mecanismos multilaterais, frequentemente assumindo o papel de protagonista e moldando alguns desses mecanismos para o seu interesse dado que muitas vezes foi o principal contribuinte financeiro (RUGGI E, 1992). Nesses termos, a pressão que o Brasil teve durante a Guerra Fria não se desfez. Ainda que o país, com a Argentina, celebrasse a assinatura da Aiea, notoriamente a mesma condição de não participante do TNP era desafiadora perante a ótica de poder estadunidense na qual o Brasil e a Argentina eram países menos poderosos e sob sua área de influência. A explicação para a adesão ao TNP e ao Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares pelo Brasil em 1998 pode ser, portanto, argumentada do ponto de vista jurídico, isto é, o Brasil como país com tradição de seguir os principais acordos internacionais ocidentais não se manteria alheio (LAFER, 1999); sobretudo, porque há mais constrangimentos do que vantagens ao não contrair compromissos internacionais previamente desenhados pelas grandes potências (MARTI N, 1992). Ademais, Lafer argumentou que no mundo pós-Guerra Fria a pressão para a adesão dos países ao TNP aumentou porque não existia mais a racionalidade do mundo bipolar, a ordem internacional estava mais instável. Contudo, será mesmo esse o argumento que alicerça o assunto de segurança internacional, uma vez que as potências nucleares pouco fizeram para diminuir o próprio arsenal atômico? Não seriam as potências também violadoras de uma lógica que construíram? Contrastando essa linha de raciocínio, apresenta-se outros argumentos de natureza menos normativa e mais próximos a “razão de Estado” como diria o cardeal de Richelieu. O almirante Cesar Flores levantou duas perspectivas que sustentam a retórica desarmamentista: a primeira daqueles que hierarquizam o que ele

chama idealismo moral e jurídico como algo acima das rivalidades de poder; e a segunda que é dotada de uma visão de mundo que sustenta a harmonia entre os homens e, consequentemente, entre os Estados. Para a primeira visão, ele classifica como idealista e antimilitarista (FLORES, 1999, p. 145-146). A segunda, o autor acredita que há inversão lógica do argumento, pois a história não revela harmonia entre as unidades políticas pelo poder. Ademais, destaca Flores que não é opção que o Estado faz de se armar o fator determinante para o aumento da rivalidade entre os países, mas sim, o conflito entre interestatal que sugere; que se armar é a melhor opção para defender território e manter a soberania. Essa base argumentativa converge diretamente com o realismo das Relações Internacionais, seja pela linha clássica de Morgenthau (2003) ou a mais recente do realismo estrutural como a de Aron (2000) e de Mearsheimer (2001). Logo, há divergência dos argumentos do militar ao tom liberal sustentado por Lafer (1999). Para essas perspectivas, Flores emitiu sua opinião de que há supremacia de “valores abstratos” em detrimento das “razões d e Estado”. A importância de destacar as visões de Lafer e Flores está no confronto de posições e cargos que ambos assumiram para o Estado brasileiro. O primeiro foi Ministro das Relações Exteriores em 1992, durante o governo Collor, e entre os anos 2001 e 2002, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. O segundo foi Ministro da Marinha durante o governo Collor. Percebe-se que, no decorrer dos governos civis, a opção foi a de inserir o Brasil na dinâmica multilateral e multipolar sem manter os prejuízos da rigidez em não contrair compromissos com o TNP, dado que a posição do Brasil como potência intermediária, e no projeto de inserção internacional, foi a de alavancar o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e reduzir as barreiras comerciais a produtos brasileiros na Organização Mundial do Comércio (OMC) (VIGEVANI; OLIVEIRA; CIN TRA 2003). Percebe-se que os interesses econômicos do Brasil o conduziram o para a assinatura do TNP, posto que os prejuízos seriam mais onerosos em manter a antiga posição. Tal foi a conclusão da Argentina, mais aguerrida a seguir as disposições do Consenso de Washington . Isso resgata o argumento de Flores de que o armamentismo caminha com os interesses políticos e econômicos dos países, amparados na rivalidade existente entre eles. Assim, só existiriam dois caminhos para controlar o armamentismo: (1) a redução das razões políticas e econômicas que estimulam os antagonismos e rivalidades entre países, que o almirante não acredita ser possível; (2) coerção moderadora dos efeitos armamentistas, com a existência de um poder, de uma potência, que é alicerçado por seus aliados (FLORES, 1999, p. 146). Percebe-se, nessa linha argumentativa, que há a notória aplicação do realismo defensivo de Waltz (1979) quando uma potência, além de se armar, deve fazer alianças para reduzir as ameaças a seu te rritório. Nesse aspecto, Flores descarta a primeira opção para sustentar a segunda quando a análise é voltada para as grandes potências. Dessa maneira, os Estados Unidos seriam o destaque que realiza alianças para se defender, mas o Brasil não conseguiria ascender ao mesmo patamar de potência regional, do continente americano. A menos que estivesse disposto a romper

com o pacifismo nuclear, o que não vai de encontro com a Constituiçã o de 1988. Acima de tudo, assumir posição de protagonismo político, colide com a potência hegemônica do continente. Assim, somente há a possibilidade de mudança de posição caso a atual ordem internacional não fique segura, levando o país a abandonar a intenção pacifista de uso da tecnologia nuclear para armar-se com o intuito de defender soberania e território. Nesse cenário, é possível prever a alternativa que se abre ao país, mas isso não oferece exatidão sobre a aposta do papel do país como futura potência nuclear. Resgatando o raciocínio da primeira linha apresentada por Flores, sobre a redução das razões políticas e econômicas que estimulam os antagonismos e rivalidades entre países, o mesmo procede do ponto de vista histórico das relações de poder na dinâmica sub-regional. Argentina e Brasil tinham rivalidade histórica nas questões da Bacia do Prata. Especificamente, nos anos 1970, a solução do conflito de Itaipu perseguiu a disputa de poder com o Paraguai que gravitou como pêndulo entre o s países. As disputas envolvendo a construção de Itaipu se estenderam até o final da década, mais exatamente até 1979, quando foi assinado o acordo tripartite sobre Itaipu entre Brasil, Argentina e Paraguai, dando espaço para que a confrontação hegemônica fosse substituída pela cooperação econômica e pelo entendimento político. Nesse sentido, podemos afirmar que a assinatura do tratado tripartite substituiu a histórica rivalidade argentinobrasileira pela hegemonia regional encetando uma nova fase nas relações bilaterais, baseada no voluntarismo político e no desejo de concretizar um processo de integração regional. A aproximação política entre Brasil e Argentina se intensificou ainda mais durante a segunda metade da década de 80, com o retorno de ambos os países à democracia. A partir desse período, é possível perceber o início de um processo real de cooperação jamais visto na história destes dois países, que levou à assinatura de vários acordos integracionistas. (FERREZ. 2004, p. 661-662). Uma vez resolvida a questão, a cooperação foi o gradativo caminho a partir de 1979. Os processos de transição de regimes políticos, com presidentes democraticamente eleitos, também auxiliaram na aproximação dos países nos anos 1980 (DIAZ; MATOS 2006, 494). A síntese desse processo foi a questão nuclear em nível sub-regional com o acordo quadripartite (Argentina, Brasil, ABACC e Aiea). Nesse ponto, poderia ser considerada uma questão encerrada. Todavia, a potência mundial pressionou para a adesão do TNP, utilizando barganhas econômicas com tais países que viram na assinatura do Tratado o natural caminho do processo de inserção inter nacional. Considerações finais Percebe-se que o interesse do Brasil pela tecnologia nuclear apresentou uma série de variáveis que influenciaram nesse processo. Em destaque, coloca-se a questão regional. já que estar em desvantagem quando comparado ao país vizinho é um grande motivador do início da competição por mais poder, impulsionando a busca pela tecnologia nuclear. A guinada nacional no

programa nuclear foi imbuída da concepção estratégica quando a ruptura com a ordem democrática se desfez em 1964, revelando a execução de intenções que só estavam circunscritas ao pequeno núcleo de geopolíticos e militares estrategistas da ESG. Logo, a dimensão doméstica de interesses deixou claro que o Brasil sustentaria externamente suas intenções pacíficas, por meio do acordo teuto-brasileiro, todavia, preservaria as pesquisas científicas de modo a adquirir a tecnologia para a centrífuga de enriquecimento de urânio. Algo alcançado com relati vo êxito. Retornando aos governos civis, a dinâmica econômica do Brasil ganhou relevo e os atritos foram evitados com a assinatura do TNP, um gesto diplomático que corrobora com o jogo político mundial e com o papel de Brasília direcionado a questões mais econômicas e sub-regionais. Esse patamar de projeção do país aproxima-o dos homônimos ocidentais e da lógica dos tomadores de decisão das principais questões mundiais com a expectativa de obter vantagens. Porém, afirma a condição do Brasil subserviente e conformado a assumir um papel secundário enquanto não se inverte a lógica da ordem internacional. Cabe então a seguinte ponderação, se não é possível crescer exponencialmente do ponto de vista econômico, pouco acontecerá na evolução das ambições estratégicas do país. A história do Brasil acostuma-se com momentos de rápida ascendência, euforia e ilusão de avanço, tal como o projeto do submarino nuclear nas últimas décadas, mas ainda sucumbido na latente dependência estrutural que entoa o país para o caminho das concessões e busca das vantagens escassas na política inter nacional. REFERÊNCIAS AIEA - Agência Internacional de Energia Atômica. Atoms for peace speech . d isponível em: www.iaea.org/about/history/atoms-for-peace-speech. Acesso em: 7 jan. 2018. ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações . Brasília: Editora da Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Pa ulo, 2000. ARRAES, Virgílio Caixeta. O Brasil e o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas: dos anos 90 a 2002. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 48, n. 2, p. 152- 168, 2005. BATISTA, Paulo Nogueira. O Acordo Nuclear Brasil-República Federal da Alemanha In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. Sessenta Anos de Política Externa Brasileira 1930-1990 : Prioridades, Atores e Políticas. São Paulo: Annablume/NUPRI-USP, 2000, v. 4, p. 19-64. CASTRO, Therezinha de. Geopolítica, Princípios, Meios e fins. Rio de Janeiro: Bib liex 1999. CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil . Brasília: Editora da Universidade de Brasí lia, 2008.

CORREA, Fernanda das Graças. O Projeto do Submarino Nuclear Brasileiro : Uma História de Ciência, Tecnologia e Soberania. Rio de Janeiro: Capax Dei, 2010. CRUZ ,  Eduardo   Lucas de Vasconcelos. A Política Externa Brasileira no Período 1964-1979: O Papel do Itamaraty, das Forças Armadas e do Ministério da Fazenda. – Franca, Unesp, 2009. Dissertação (Mestrado em História) Faculdade de História. Direito e Serviço Social. Franca, Universidade Estadual Pauli sta, 2009. DAWOOD, Layla; HERZ, Mônica. Nuclear “Governance in Latin America”.  Contexto internacional . 2013, v. 35, n. 2, 497-535. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php? script=sci_arttext&pid=S0102-85292013000200007. Acesso em: 20 jan. 2018. FERREZ, Virginia Perez. 2004. Projeto História, São Paulo, v. 29, p . 661-672. FLORES, Mario Cesar. A Hipocrisia Desarmamentista. In: DUPAS, Gilberto; VIGEVANI, Tullo. O Brasil e as Novas Dimensões da Segurança Internacional . São Paulo: Alfa-Omega, 1999, p . 145-151. GUILHERME, Olympio. O Brasil e a Era Atômica . Rio de Janeiro: Editora Vitó ria, 1957. GOLDEMBERG, José. Energia nuclear no Brasil . São Paulo: Huci tec, 1978. GONÇALVES, Williams da Silva; MIYAMOTO, Shiguenoli. 1993. Os Militares na Política Externa Brasileira: 1964-1984.  Revista Estudos Históricos , Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 211-246, Disponível em: http:// bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1964 . Acesso em: 16 jan. 2018. HOLLOWAY, David. The Soviet Union and the Arms Race . New Haven and London: Yale University Pr ess, 1984. LAFER, Celso. As Novas Dimensões do Desarmamento: Os Regimes de Controle de Armas de Destruição em Massa e as Perspectivas para a Eliminação das Armas Nucleares. In: DUPAS, Gilberto; VIGEVANI, Tullo. O Brasil e as novas dimensões da segurança internacional . São Paulo: AlfaOmega, 1999, p . 131-143. MATTOS, Carlos de Meira. Brasil: Ge opol ítica e Destino. Rio de Janeiro: Ol ym pio, 1975. MATHIAS, Suzeley Kalil. O Projeto Militar de Distensão: Notas sobre a Ação Política do Presidente Geisel. Revista de Sociologia e Política , Curitiba. 04-05, 1995. Disponível em: http://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/39365. Acesso em: 28 jan. 2018. MARTIN, Lisa. Interests, Power, and Multilateralism. International Organization.  v. 46, n. 4, p. 765-7 92, 1992. 

MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Great Powers . Chicago: University of Chic ago, 2001. MORGENTHAU, Hans. A Pol í tica entre as Nações . Brasília: Editora da Universidade de Brasília, Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Pa ulo, 2003. OLIVEIRA, Odete Maria. Os Descaminhos do Brasil Nuclear . Rio de Janeiro: Uni juí, 1999. REDICK, John. Nuclear Ilusions : Argentina and Brazil. Washington: Henry L. Stimson Cen ter, 1995. SILVA, Diaz da, Carla Maria; BRAGA, Paula Lou’Ane Matos. 2006. Rivalidade entre Brasil e Argentina: Construção de uma Cooperação Pacífico-Nuclear.  Revista de Ciências Humanas , Florianópolis, n. 40, p. 491-508. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/revistacfh/article/view/17669 . Acesso em: 28 j an. 2018. SPECTOR, Leonard; Smith, Jacqueline. 1992. Brasil y Argentina Abandonan la Bomba. Document Principal. Revista Occidental (Tijuana). Description. v. 9, n. 2, 1992. p. 111-135.  SPEKTOR, Matias. Kissinger e o Brasil . Rio de Janeiro: Za har, 2009. RUGGIE, John. Multilateralism: The anatomy of na institution. International Organization , v. 46, n. 3, p. 561- 598, 1992. VIGEVANI, Tullo; OLIVEIRA, Marcelo F.; CINTRA, Rodrigo.  Política Externa no Período FHC: A busca de Autonomia pela Integração. Tempo social, v. 15, n. 2, p. 31 -61, 2003. VIZENTINI, Paulo Fagundes. A Política Externa do Regime Militar . Porto Alegre: Editora da UF RGS, 1998. WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics . Berkeley, University of Califor nia, 1979. WROBEL, Paulo da Silva. 1993. A Diplomacia Nuclear Brasileira. Contexto Internacional , v. 15, n. 1, p. 27-56. Disponível em: http:// contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Wrobel_vol15n1.pdf. Acesso em: 28 jan. 2018. WROBEL, Paulo da Silva. O Brasil e o TNP: resistência à mudança? Contexto internacional, Rio de Janeiro, v. 18, n.1, p. 143- 156, 1996. WROBEL, Paulo da Silva. A política nuclear brasileira. In: ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon. Sessenta anos de política externa brasileira 1930-1990 : prioridades, atores e políticas. São Paulo: Annablume/NUPRIUSP, 2000, v.4, p. 65-86. Documentos

ACORDO NUCLEAR COM A REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA (1975). Garcia, Eugênio Vargas (org.). Diplomacia Brasileira e Política Externa: Documentos Históricos. Rio de Janeiro, Contrapo nto, 2008. Assembleia Geral das Nações Unidas. 1649 (XVI). Disponível em: http:// nwp.ilpi.org/wp-content/uploads/2011/12/UNGA-Declaration-on-theProhibition-of-Use.pdf. Acesso em: 15 jan. 2018. Assembleia Geral das Nações Unidas. 1911 (XVIII). Disponível em: http:// www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/1911(XVIII) . Acesso em: 15 jan. 2018. Agência Internacional de Energia Atômica. “ Atoms for Peace Speech ”, disponível em: https://www.iaea.org/about/history/atoms-for-peace-speech. Acesso em: 7 jan. 2018. Declaração do Iguaçú. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/ bargt256_733.htm. Acesso em: 12 de janeir o de 2018. Declaração Conjunta sobre Política Nuclear. Está disponível em: https:// www.abacc.org.br/wp-content/uploads/2016/10/1985Declara%C3%A7%C3%A3o-conjunta-sobre-Pol%C3%ADtica-Nuclearportugu%C3%AAs.pdf. Acesso em: 12 jan. 2018. Tratado de Não-proliferação. Disponível em: https://www.un.org/ disarmament/wmd/nuclear/npt/text . Acesso em: 28 jan. 2018. Tratado de Tlatelolco. Disponível em: http://www.opanal.org/texto-deltratado-de-tlatelolco/. Acesso em: 28 jan. 2018. Lei McMahon. 1964. Disponível em: https://science.energy.gov/~/media/bes/ pdf/AtomicEnergyActof1946.pdf. Acesso em: 28 jan. 2018. II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979). Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/anexo/ANL6151-74.PDF. Acesso em: 2 jan. 2018. Protocolo 17. “Cooperação Nuclear”. Disponível em: https:// www.abacc.org.br/wp-content/uploads/2016/09/Protocolo-n%C2%BA-17portugu%C3%AAs.pdf. Acesso em: 12 jan. 2018. Resenha da Política Exterior do Brasil. 1985. n.45. Disponível em: http:// www.funag.gov.br/chdd/images/Resenhas/RPEB45marabrmaijun1985.pdf. Acesso em: 16 jan. 2018. SOBRE OS AUTORES Alencar Chaves Braga, mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal de São Paulo, é engenheiro do Centro Emergencial de Reparo de Dutos da Petrobras Transporte S.A. – T ranspetro. E-mail: alencarcbraga @gmail.com Orcid: 0000-0002 -4501-0523

Ana Carolina Corrêa Leister, doutora em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo, é professora do Depto de Relações Internacionais da Universidade Federal de S ão Paulo. E-mail: carolina.leister@ unifesp.br Orcid: 0000-0002 -0416-9490 Arnaldo Cesar da Silva Walter, doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas, onde exerce carreira docente. E-mail: awalter@fem@ unicamp.br Orcid: 0000-0003 -4931-1603 Bruna Eloy de Amorim é doutoranda do Programa de Energia do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Research Center for Gas Innovation – RCGI/USP. Drielli Peyerl é pós-doutoranda do Programa de Energia do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Research Center for Gas Innovation – RCGI/USP. Edmilson Moutinho dos Santos, livre-docente em Energia pela Universidade de São Paulo é professor do Depto de Pós-Graduação do Instituto de Energia e Ambiente, da mesma ins tituição. E-mail: edmilsonemviagem@ya hoo.com.br Eduardo Leão de Sousa, mestre em Economia Agrícola pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-Universidade de São Paulo, é diretor executivo, Relações Governamentais, da União da Indústria de Cana de Açúcar – Única. E-mail: eduardo@un ica.com.br Orcid: 0000-0001 -9596-6868 Géraldine Kutas é assessora sênior da Presidência da União da Indústria de Cana de Açúcar, para assuntos internacionais. Exerceu atividade docente na Science-Po, em Paris. Giorgio Romano Schutte. Professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC. Membro permanente do corpo docente do programa de Pós-Graduação em Economia Política Mundial (EPM) e do Núcleo Estratégico de Estudos sobre Democracia, Desenvolvimento e Sustentabilidade (NEEDDS). E-mail: giorgio.romano@uf abc.edu.br Glória Pinho. Doutoranda pela Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas.

Helen Miranda Nunes, aluna do doutorado em História pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, onde é bolsista. E-mail: helenmirandanunes @gmail.com Orcid: 0000-0002 -9264-0851 Hirdan Katarina de Medeiros Costa é professora colaboradora Programa de Energia do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Research Center for Gas Innovation – RCGI/USP. Iure Paiva. Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas. Professor do Departamento de Relações Internacionais (DRI/ UFPB) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais (PPGCPRI/UFPB). Coordenador do Grupo de Estudos Sobre Segurança Energética (GESEne/UF PB/CNPq). E-mail: iurepaiva@h otmail.com Orcid: 0000-0003 -3989-6206 José Alexandre Altahyde Hage (organizador) possui pós-doutoramento em História do Brasil pela Universidade Federal Fluminense, é doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Feder al do ABC. E-mail: alexandrehage@h otmail.com Orcid: 0000-0002 -7487-489X José Raimundo Novaes Chiappin, doutor em Filosofia e Física pela Universidade de São Paulo e leciona no curso de Economia da Faculdade de Economia e Administração da mesma univ ersidade. E-mail: chiap [email protected] Letícia Phillips, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Americana de Washington, é representante da União da Indústria de Cana de Açúcar em Washington-DC, Estad os Unidos. Paulo Cesar Manduca é doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, professor do Depto de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético da Unicamp. E-mail: manduca@ unicamp.br Orcid: 0000-0003 -4324-6863 Paulo Roberto de Almeida, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Livre de Bruxelas, Bélgica, e diplomata de carreira.

Email: pralme [email protected] Orcid: 0000-0003 -4324-6863 Ronaldo Montesano Canesin, mestre em Relações Internacionais pelo programa Santiago Dantas (Unicamp, Un esp, Puc). Vanessa Braga Matijascic. Professora do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (NU PRIUSP). E-mail: vanessa.matijascic@ gmail.com Orcid: 0000-0002- 5793-8708. ¹ Simplificadamente, os gases que geram “efeito estufa” envolvem a Terra absorvem parte da radiação infravermelha refletida pela superfície terrestre, impedindo que a radiação escape para o espaço e aquecendo a superfície do planeta. Os principais GEEs são os gases carbônico (CO 2 ) e met ano (CH 4 ). ² Além da diversidade, há, também de se considerar a infinidade de demandas apresentadas pelos grupos antiglobalizantes. Estas desvelavamse, por exemplo, em buscas crescentes por maior igualdade, dignidade, democracia, devolução de poder, autonomia, paz, sustentabilidade e proteção ambiental, e justiça social nos movimentos de globalização. Demandas nem sempre convergentes forjam-se em nível local, nacional ou transnacional, impondo-se, por exemplo, contra forças “imperialistas”, “antiocidentais” ou representadas por poderes estatais ou corporativos. Interessante e exemplar é a manifestação “antiglobalizante” que pode ser lida nas contribuições da “blogueira independente”, Gail Tverberg , que escreve na seção Environment / Energy Voices do The Christian Science Monitor . Na contribuição indicada na lista de referências, Tverberg (2013), apontam-se doze razões que explicam por que a “globalização”, a despeito de ser saudada por muitos economistas como um “bem absoluto” deixa, na verdade, de entregar os benefícios prometidos e, de fato, amplifica problemas muito importantes. As reflexões guiam-se pela pauta da “escassez de recursos naturais finitos do planeta”. Segundo a autora, forças globalizantes “sempre” admitem, equivocadamente, que os recursos são infinitos e que a capacidade da humanidade para lidar com a poluição excessiva é ilimitada. Observa-se, nessa citação, como as argumentações confundem-se dentro de uma manifestação de grand e impacto.

³ Aliás, o presidente Donald Trump com sua promessa de campanha apontada para “uma América para os americanos em primeiro lugar”, confirmada em seu Discurso sobre o Estado da Nação de janeiro de 2018, torna o ambiente geopolítico global ainda mais complexo e instável. Os Estados Unidos tendem a se retirar unilateralmente do protagonismo, e se transformar em agente coadjuvante, em muitos temas da agenda geopolítica global. Washington espontaneamente renuncia ao poder e à liderança global, e os transfere para a comunidade internacional. Surgem vácuos de governança que deverão ser ocupados por outras lideranças dentro de processos evolutivos ainda in definidos. ⁴ N ational Aeronautics and Space Administration (NASA) e National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) são duas agências da administração Federal dos Estados Unidos, que acompanham a evolução histórica das temperaturas pl anetárias. ⁵ O acordo surgiu como uma evolução natural de uma série de eventos predecessores, que tiveram grande importância para a criação de um sistema de governança global, para lidar com problemáticas ambientais que afetam todas as nações, destacando-se, por exemplo: Conference on the Changing Atmosphere, Toronto, Canadá (1988), IPCC’s First Assessment Report, em Sundsvall, Suécia (1990) e lançamento da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CQNUMC, ou United Nations Framework Convention on Climate Change, UNFCCC, em inglês) na Cúpula da Terra, ECO-92, do Rio de Janeiro, Brasil (1992). Esse tratado ambiental internacional foi aprovado e aberto a assinaturas no Rio de Janeiro em 1992, tendo entrado em vigor em 21 de març o de 1994. ⁶ Ver relato completo em UNEP (2017). Nesse relatório anual, a UNEP (ou PNUMA, em português) avalia a “lacuna” entre as reduções de emissões necessárias para atingir os objetivos acordados em Paris e as prováveis reduções de emissões advindas da implementação completa das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). O Relatório 2017 afirma taxativamente que, para se manter os objetivos de Paris alcançáveis, as emissões de gases com efeito estufa devem ser reduzidas ainda mais rapidamente no curto prazo, e as metas a longo prazo devem se tornar mais ambiciosas. Todos os países necessitam aumentar seus esforços significativamente (especialmente em termos de eliminação progressiva de energias fósseis e, principalmente, d o carvão). ⁷ Um “trilema”, extensão do conceito de “dilema”, é uma escolha difícil entre três opções, cada uma das quais, tomada isoladamente, tende a ser vista como inaceitável ou desfavorável. No debate energético, vigora como pensamento lógico a necessidade de se escolher opções que procurem conciliar simultaneamente as três principais dimensões da nova equação energéticas: segurança de suprimento, equidade de uso e sustentabilidade ambiental. ⁸ Com palavras simplificadas, Kurtz e Fustes (2014), fundamentados nos princípios de Leslie White, enfatizam a “energia” como um fator delimitador das possibilidades de evolução cultural. O acesso à energia, em quantidade e qualidade, gera evolução sistêmica positiva, que resulta na diferenciação e

especialização de instituições e organizações sociais. Isso constitui a evolução das sociedades humanas e suas culturas. Por outro lado, a restrição de acesso à energia (com perdas em quantidade e/ou qualidade) desencadeia processos de estagnação ou mesmo de involução, que afeta seriamente a sobrevivência dos grupo s sociais. ⁹ Amorim (2016) apresenta revisão atualizada da literatura sobre a criação e a miríade de papéis desempenhados por empresas energéticas nacionais, com foco principal nas chamadas National Oil Companies , NOC (ou companhias nacionais de p etróleo). ¹⁰ O pragmatismo financeiro impõe-se a despeito de posições contrárias normalmente encontradas em segmentos mais nacionalistas, que tentam manter ou retomar o poder. As privatizações trazem benefícios imediatos para os governos, com uma injeção de recursos financeiros de curto prazo nos caixas dos Tesouros. Além disso, normalmente, trata-se da criação de entidades privadas que pagam impostos no lugar de entidades públicas que consomem subsídios. Por fim, o resguardo em não se utilizar recursos públicos para realizar investimentos maciços na expansão e manutenção dos sistemas energéticos também contribuiu para o reequilíbrio das contas públicas. Recursos são liberados para a redução de dívida ou para alocações em outras área s sociais. ¹¹ Sem endossar nenhuma política climática específica, McJeon et al. (2014) sugerem que o avanço na utilização do gás natural não pode implicar em um obstáculo para que os produtores de energia renovável possam garantir que a “energia limpa” também expanda a sua participação no “mix” de energia de cada país e do planeta. Maneiras mais óbvias de se incentivar as energias renováveis passam pela oferta de subsídios governamentais, sob a forma de incentivos fiscais ou de outra forma, mantendo a tendência de redução de seus custos. Esses gastos públicos podem ser financiados por eventuais aumentos de preço sobre o carbono, por exemplo, reduzindo e/ou eliminando subsídios/incentivos historicamente brindados às empresas produtoras de combustíveis fósseis, reduzindo, portanto, vantagens econômicas artificiais dos combustíveis fósseis vis-à-vis alternativas r enováveis. ¹² Para efeito comparativo, essa dependência da América Latina em relação ao petróleo era bem superior à média de cerca de 40% para o mundo como um todo (PALACI OS, 2017). ¹³ Não cabe neste texto apresentar uma ampla discussão sobre a evolução socioeconômica da América Latina entre ٢٠٠٠ e ٢٠١٥. Análises críticas com diferentes interpretações podem ser vistas, por exemplo, em Mendonça (٢٠١٠); Almeida (٢٠١٥), Santos (٢٠١٥) e Cervó (٢٠١٦). Em resumo, após o esgotamento de modelos, desenvolvimentista e neoliberal , anteriores, a América Latina aproveita-se de um superboom dos Estados subdesenvolvidos ao longo da primeira década e meia dos anos 2000. Tratase do período em que houve a maior redução da diferença de renda per capita entre Estados pobres e ricos jamais registrado na história. Na América do Sul, por exemplo, enquanto, entre 1980 a 2003, o crescimento econômico havia sido de 2,8% ao ano, esse número saltou para 5,3% ao ano,

no período de 2004 a 2011. Além disso, diferentemente da média dos demais países subdesenvolvidos, a principal característica do boom latino do início do Século 21 foi a combinação do crescimento econômico associado a uma intensa distribuição de renda e redução da pobreza. Esses dois fatores combinados conduziram a aumentos expressivos de consumo per capta de energia e gás natural. ¹⁴ Grandes empresas de petróleo passaram a realizar investimentos no setor elétrico de forma a criar mercados e valorizar as suas reservas de gás natural. Por outro lado, importantes empresas de setor elétrico diversificaram suas atividades e incluíram modernas termelétricas a gás natural em suas matrizes de geração elétrica. No conjunto, aumentou-se a concorrência tanto em termos de agentes como em termos de estratégias a serem exploradas. A convergência crescente entre o gás e a eletricidade representa uma das grandes tendências que explicam a expansão do consumo de gás natural em escal a mundial. ¹⁵ Cumpre lembrar que nosso uso de burocracia se remete ao conceito de Max Weber sobre a seleção de funcionários baseada em exames de competência, em que se leva em conta a racionalidade e a não ligação com classes sociais (WEBER, 1982). No Brasil o aparecimento desse estamento apareceu gradualmente a partir dos anos 1940 por meio do Departamento de Administração e Serviço Público, no governo de Getúlio Vargas. Um estudo de qualidade sobre esse tema é encontrado no livro de Sônia Draibe, As Metamorfoses do Estado . (DRAI BE, 2007). ¹⁶ Apenas para ilustrar o trecho comentado a primeira universidade a ser fundada no Brasil, com toda a complexidade que essa instituição apresenta, foi a Universidade de São Paulo, constituída em 1934 pelo governo de São Paulo. O que havia antes dessa data eram entidades isoladas em sem conexão científica, como as faculdades de direito e de medicina. Em comparação com dos Estados Unidos, por exemplo, a vida universitária brasileira e muit o recente. ¹⁷ Nessa seara, o governo Vargas cria, em 1939, o Conselho de Águas e Energia Elétrica , cujo intuito era dar fundamento político ao Código das Águas , lavrado pela Constituiçã o de 1934. ¹⁸ O acordo que concebeu a Usina Nuclear Angra I , entre o Brasil e os Estados Unidos 1969 e 1971, foi considerado um malogro pela diplomacia brasileira por causa da cláusula Caixa Preta , que impedia o Brasil de tomar conhecimento técnico do maquinário da planta. Ao contrário disso, com grande dramatização política, o acordo que levou o Brasil e a Alemanha Federal a concordarem com Angra II foi interpretado como importante para elevar a posição brasileira no quadro da política internacional (SKIDMO RE, 1988). ¹⁹ O assunto álcool combustível, etanol, é um assunto à parte. Importante programa do período teve o intuito de substituir todos os motores de ciclo otto no Brasil a gasolina pelo renovável. A ideia era fazer com que o país sofresse o menos possível com as crises internacionais de energia, como voltava a acontecer em 1979, com a guerra entre o Irã e o Iraque que, fatalmente, prejudicaria os países não autossuficientes em petróleo.

²⁰ Em 2009, na troca do marco regulatório, o debate na imprensa era o de que a partilha era própria dos países autoritários, como Arábia Saudita e Rússia. Os países democráticos, Estados Unidos e os da Europa Ocidental, preferiam a concessão, que combinava mais com o liberalismo, quer dizer, com a liberdade propriamente dita. Claro que tal raciocínio não deixa de ser reducionista e perde o vigor da análise política. ²¹ Inobstante a interpretação de seu malogro, vozes em contrário sustentam que o leilão foi um sucesso (OLIVEIRA; PEREIRA; JAEG ER, 2013). ²² Com a compra da BG Group pela Royal Dutch Shell, esta última se tornou a maior parceira da Petrobras , dando acesso à 25% das reservas de Lula , além da Shell já possuir 20% da área de Lula (REUTE RS, 2015). ²³ Inobstante esse paradigma e o status estratégico auferido pelo petróleo no mundo moderno, nossa abordagem não se peja de considerar o fato de que esse recurso natural escasso ora se comporta como recurso estratégico, ora como simples commodity, i.e., ora o preço do barril excede os U$ 100,00, ora cai para aproximadamente U$ 30,00. A volatilidade do preço dessa commodity -recurso estratégico, juntamente com os riscos envolvidos em sua exploração, justificam a mantença simultânea dos dois regimes jurídicos regulatórios no ordenamento jurídico pátrio, tese esta que defenderemos aqui. Ou seja, o ordenamento pátrio deve manter condições para adaptar-se tanto à importância estratégica desse recurso quanto da possibilidade de esse vir a ser substituído por nov as fontes. ²⁴ Sob essa perspectiva, a energia obtida via hidrocarbonetos pode ser entendida tanto como um bem público quanto como uma commodity . Inobstante, se de um lado não se constitui em mera commodity , ex vi sua relevância em toda a cadeia produtiva de um país, caracterizando-se mais como bem público, proporcionando externalidades positivas para todos os setores da economia, por outro, não pode ser simplesmente estocada tanto porque é recurso finito, quanto pelo fato de que fontes energéticas alternativas estão sendo pesquisadas em todo mundo, mesmo no Brasil. Para outros, como Friedman , petróleo e grãos não apenas são commodities estratégicas, mas, mais do que isso, são commodities geopolíticas, pois, segundo ele, in verbis (tradução livre do inglês por esta autora): “ Todas as nações os requerem e uma mudança no preço ou em sua disponibilidade enseja mudanças nas relações dentro e entre as nações” (FRIEDMAN 2008). Sendo assim, justifica-se o ressurgimento do “nacionalismo de recursos” ( FU SER 2008). ²⁵ Em fevereiro de 2016, o menor preço foi atingido em 11/02/2016, custando o barril de petróleo Brent futuro o valor de U$ 30,06 (FUSION MED IA, 2017). ²⁶ No fechamento desse artigo, em 29 nov. 2017, o preço do barril de petróleo Brent futuro havia alcançado os U$ 62,63 (FUSION MED IA, 2017). ²⁷ Consoante, e.g., analistas da PricewaterhouseCoopers ( DUZ 2013). ²⁸ A esse respeito consultar reportagem: “Queda do preço do petróleo pode afetar mais o xisto que o pré-sal, diz especialista: Presidente do IBP afirmou

que a produção de xisto deixa de ser viável quando o dólar recuar abaixo de 60 dólares; no caso do pré-sal, o piso é de 45 dólares” (ABRIL MID IA, 2014). ²⁹ Ver, verbi gratia , “Extração de gás de xisto causou terremotos em Ohio” (DAYA RA, 2013). ³⁰ Ut supra dixit , a recusa dos países da Opep em reduzir a produção para forçar o aumento de preço do petróleo decorre do posicionamento da Arábia Saudita, que, assim, pretende tirar do mercado da produção do shale gas , que possui maior custo de produção. Dessa forma, o patamar mais baixo do preço do petróleo assumido ao longo da década decorre, em certa medida, de um comportamento puramente estratégico por parte dos p rodutores. ³¹ Os investimentos chineses no setor energético foram adiantados por Friedman , no seu artig o de 2008. ³² Fora da literatura das relações internacionais, Sá Ribeiro , no âmbito do direito do petróleo, tem sido uma das autoras a adotar uma solução mais cooperativa para o setor (SÁ RIBE IRO 2014 ). ³³ De se ressaltar que a Constituição Federal de 1988 elege o setor de petróleo e gás natural como estratégico para o país, daí justificando o monopólio da União sobre diversos segmentos do setor ( ut art. 177, I, CF/ 1988). ³⁴ A possibilidade de transferir a propriedade do petróleo explorado ao concessionário prevista na Lei Nº 9.478/1997 foi objeto de ampla controvérsia, e de, pelo menos, duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (doravante ADIs), as ADIs 3.273-9/DF e 3.366/DF. Discuti essa primeira alhures (LEIST ER, 2016 ) . ³⁵ Como dito alhures, ainda a hodierna tendência de queda dos preços do barril de petróleo, fruto da volatilidade dos preços desse recurso no curto prazo, não é razão suficiente para desconsiderarmos sua relevância estratégica, embora referida volatilidade deva ser incorporada como premissa em favor de nossa tese pela mantença dos dois regimes jurídicos regulatórios no setor de petróleo. ³⁶ O inverso ocorre no caso da baixa de preço do petróleo, ganham os importadores e perdem os exportadores, situação vivida hodiernamente, onde ganha, v.g., a Índia (importadora de petróleo) e perdem, por exemplo, Venezuela e Rússia (exportadoras de petról eo e gás). ³⁷ A despeito da solução do STF, que julgou constitucional o art. 26 da Lei Nº 9.478/1997 na ADI 3.273-9/DF, artigo este que versa sobre a possibilidade de a União transferir a propriedade do petróleo extraído por mor do contrato de concessão, anuindo, o então Ministro Eros Roberto Grau, que o referido bem é de natureza dominial, portanto, desafetado ao exercício de um serviço público e passível de transferência para o particular (MESQUITA 201 3, p. 70).

³⁸ Na tentativa de delimitar as áreas que serão objeto de contrato de partilha de produção, antes que de concessão, o Ministério de Minas e Energia, em cartilha publicada para sanar dúvidas a respeito do Pré-sal, define, na questão 16, outras áreas consideradas estratégicas como sendo (as áreas) que apresentem baixo risco exploratório e alto potencial para a produção de hidrocarbonetos (República Federativa do Brasil 2009, 10, qu estão 16). No mesmo sentido: “ As chamadas “áreas estratégicas” correspondem às regiões de interesse para o desenvolvimento nacional, delimitada em ato do Poder Executivo, caracterizada pelo baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos” (GOMES et al . 2009, 09, nota 03). Em última instância, a determinação de uma área como estratégica é ato do Poder Executivo fundamentado na evolução de estudos geológicos da área a ser explorada, considerando riscos exploratório, geológico, de extração etc. A proposição da área como sendo estratégica é atribuição do Conselho Nacional de Política Energética, ut art. 9º, V, da Lei Nº 12.351/2015. Nesse sentido, explana o sítio Governo do Brasil, ligado à Presidência da República Federativa do Brasil. ³⁹ Durante a feitura deste trabalho, nos deparamos com várias mudanças ocorridas no âmbito da geopolítica do petróleo, modificações essas que se resvalam na seara econômica, dando ensejo à grande volatilidade nos preços do petróleo. Para fazer frente a essa volatilidade de preços que é reflexo não apenas do equilíbrio da oferta e demanda, mas da estratégia dos países envolvidos nesse mercado, é que defendemos a manutenção simultânea dos dois regimes jurídicos regulatórios, visto que ora o petróleo se comporta como commodity , ora como recurso est ratégico. Ne sse sentido, uma das últimas notícias proveniente da geopolítica do petróleo é relativa a tentativa da Arábia Saudita de aumentar seu market share na exportação do petróleo, visando conter o crescimento da participação no mercado exportador do Iraque, Indonésia e Irã. Ao adotar essa posição estratégica com o intuito de recuperar sua posição no mercado internacional, a Arábia Saudita, e ipso facto , a Opep, deixará de atuar como um estabilizador nos preços do petróleo, provocando a queda e uma (ainda) maior volatilidade em seus preços (AZEVE DO, 2017). ⁴⁰ Isso porque o status quo não necessariamente significa mais justiça ou maior e ficiência. ⁴¹ Alexandre dos Santos Aragão alega que há uma tendência pendular no tratamento do petróleo ora como commodity , ora como recurso estratégico do país (ARAGÃO, 201 1, p. 63). ⁴² Como dissemos, ainda que hodiernamente tenha sido aprovada a Lei Nº 13.365/2016, que retirou a exclusividade de operação do Pré-Sal pela Petrobras, mas manteve seu direito de preferência tanto na operação exclusiva quanto na participação do consórcio nas áreas do pré-sal e outras estratégicas, isso porque com os conhecimentos que a estatal possui

relativamente à geologia do país, acreditamos que mantêm ainda seu monopólio de fato, de modo que poderá participar em todos os empreendimentos com grande potencial d e retorno. ⁴³ Acerca da especificação, Bobbio comenta: “ a especificação, isto é, a transformação de um objeto, mediante o trabalho individual nele investido para chegar a um produto substancialmente diferente – a estátua feita com o bronze ou o mármore, o vestido com a lã, o vinho com a uva” (BOBBIO, 1997 , p. 1 93). ⁴⁴ Abbas Gandhy e Cynthia Lin comentam, nesse sentido, que o contrato de partilha de produção, ao compartilhar a propriedade sobre os campos e o petróleo explotado entre as companhias estatais de petróleo e as companhias internacionais de petróleo, apresenta maior eficiência sob a perspectiva de maximização dinâmica de lucros do que nos contratos de serviços, em que as companhias internacionais não adquirem a propriedade do petróleo e são remuneradas por um valor prefixado no contrato. Dessa forma, por partilharem ambas, a empresa estatal e a(s) companhia(s) internacional(is) a ela associada tanto do risco quanto da propriedade do petróleo, um maior nível de eficiência no ritmo de exploração pode ser auferido (GANDHI; LIN, 2014). Essa análise coaduna-se com nossa perspectiva de que, sendo um meio termo entre os contratos de concessão e serviço, o contrato de partilha de produção pode ser mais flexível e eficiente que as outras duas modalida des puras. ⁴⁵ Consoante, entre outros, a Nota Técnica n. 129 emitida pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, em outubr o de 2013. ⁴⁶ Alguns analistas têm desenvolvido posição diametralmente oposta a essa análise: quando os riscos exploratórios forem altos, o Estado deve suportar maiormente esses riscos, visto possuir maior capacidade para disseminar os riscos para toda a sociedade; inversamente, quando os riscos forem baixos, estes poderão ficar alocados para o particular, que possui, em tese, menos capacidade para difundi-los. Inobstante esse raciocínio, convém atentar para o fato de que hodiernamente, com o desenvolvimento do mercado de capitais e o mercado financeiro mundial, talvez seja o mercado, e não o Estado, o agente econômico a dispor de maior capacidade para suportar os riscos, disseminando-os mais efici entemente. ⁴⁷ Por aí, estamos entendendo que a propriedade sobre os carbonetos é um incentivo mais poderoso que uma remuneração em pecúnia, pois oferece ao contratado oportunidade de auferir maior lucro manipulando a venda do bem no mercado conforme o preço, estratégia essa adotada anteriormente pela Opep. ⁴⁸ Nesse caso, embora a propriedade do petróleo enterrado não permita criar exatamente um mercado para esse bem, o óleo enterrado serve de lastro para os contratos de fina nciamento. ⁴⁹ Nesse sentido, a Petrobras apresenta seu relatório de reservas provada s em 2015.

⁵⁰ Inobstante as alterações previstas na Lei Nº 13 .365/2016. ⁵¹ Outras empresas poderiam entrar no consórcio também por força da tecnologia desenvolvida por ela. Inobstante, como é cediço, a Petrobras possui a expertise necessária para operar em águas profundas e ultraprofundas, não tendo tanta necessidade de adquirir tecnologia com outras empresas. ⁵² De se lembrar que enquanto a segurança energética das grandes potências pode ser auferida não pela propriedade dos recursos, mas antes pelo seu poderio militar, daí poder se valer de contratos de concessão, o Brasil, que não dispõe de poder militar internacionalmente relevante, deve garantir sua segurança energética no setor apenas por meio da propriedade dos hidroc arbonetos. ⁵³ É, inclusive, muito comum os profissionais da área afirmarem que a Petrobras dispõe de mais conhecimento geológico sobre o território do país do que a ANP. ⁵⁴ Registre-se que, no caso brasileiro, e.g. , a presença de estoque de hidrocarbonetos garante não apenas a oferta no mercado interno, mas mais do que isso, a IPGN alavanca toda sua cadeia produtiva industrial do segmento e responde por aproximadamente 13% do PIB do país hodiernamente (PETROBR AS, 2014). ⁵⁵ Consoante definição do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (doravante Iedi): “Política industrial é um conjunto coordenado de ações, envolvendo setor público e setor privado, visando ampliar a competitividade da indústria. O objetivo final é impulsionar o crescimento econômico e o emprego do setor industrial. Assim, a política industrial é um componente de uma estratégia de fortalecimento da indústria e parte indispensável de uma política de desenvolvimento. A promoção da competitividade constitui o foco da política industrial praticada atualmente no mundo desenvolvido e em países que buscam promover seu desenvolvimento” (IEDI, 20 02, p. 2). ⁵⁶ Nesse sentido, os contratos complexos não são senão combinações de contratos mais simples. Assim, um contrato de leasing ou arrendamento mercantil pode ser entendido como um contrato mais complexo que combina duas modalidades contratuais mais simples, o contrato de compra-e-venda e o contrato de aluguel, ou ainda, compra-e-venda e fina nciamento. ⁵⁷ Regra geral, Karen Eggleston et al. afirmam que a teoria dos contratos requer contratos complexos por causa da presença de incerteza acerca do futuro, e, portanto, de um conjunto indefinidamente grande de eventos vindouros que poderiam influenciar o custo/valor e o resultado do contrato. ⁵⁸ A teoria dos contratos pretende modelar desenhos contratuais mais complexos, i.e. , contratos que diminuem incertezas (especificando um maior número de contingências possíveis) e criam esquemas de incentivos adequados para que as partes ajam de forma eficiente (promovem maior variedade de pagamentos de payoffs em função dessas diferentes contingências). Esses contratos figuram, segundo a teoria dos contratos,

como mais eficientes, posto que mais adaptados a diferentes contingências. Um contrato complexo, consoante a teoria dos contratos, seria uma combinação de contratos mais simples. De ntro de nossa perspectiva, que pretende representar contratos em um espaço unidimensional, contratos localizados nos extremos de um espectro unidimensional, seriam exemplos de contratos mais simples, e contratos complexos seriam localizados no centro do espectro. Na perspectiva de Karen Eggleston et al. , um contrato mais simples seria, e.g., um contrato por hora, que localizaríamos em um extremo do espectro. Em outro extremo figuraria outro contrato simples, e.g., o contrato por tarefa, e um contrato mais complexo poderia ser, e.g. , um contrato de taxa fixa (quantidade fixa) mais uma cobrança marginal (a taxa por hora), que é uma combinação de contratos mais simples, e que figuraria no centro do espectro de representação de contratos. Na literatura da teoria dos contratos esse contrato mais complexo é denominado de contrato de incentivo (EGGLETON et al ., 2000). No exemplo dado por Karen Eggleston et al. , um arquiteto cobraria um preço de reserva em torno de $45 por hora e uma quantidade fixa de $ 1.500 pela tarefa. Em nossa perspectiva, esse tipo de contrato é uma combinação dos dois contratos mais simples representados nos extremos do espectro, sendo construído para aumentar os benefícios de ambas as partes, diminuindo os riscos mencionados e criando incentivos para o cumprimento mais eficiente do contrato dado eventos futuros. Se gundo esses autores, essa estrutura contratual dos contratos complexos ou mistos como combinação de contratos simples considerados como extremos pode ser replicada e elaborada em várias áreas, e.g., na área da advocacia, nos contratos de seguro de saúde, nos contratos de crédito, nos contratos com atores, nos contratos de software , e porque não, nos contratos na área de petróleo, em que os riscos e incertezas são in umeráveis.

⁵⁹ Nesse sentido, os geólogos têm afirmado que a despeito dos custos e riscos envolvidos no Pré-Sal, ao preço que está hoje o barril, ele é plenamente comercializável. Porém, caso seu preço venha a cair, é possível que a E&P do petróleo nessa região torne-se desinteressante para as empresas petrolíferas. Por aí temos mais um argumento em favor da mantença dos dois marcos regulatórios vigentes hodiernamente, i.e. , a possibilidade de alocar diversamente direitos, obrigações e riscos nos diferentes modelos contratuais, concessão ou partilha, criando incentivos discriminatórios para as empresas a depender do bloco a ser explorado. Inobstante, são animadoras as perspectivas coevas a respeito dos valores para o custo de produção do barril nas áreas do pré-sal, como relatado em reportagem da Rede Brasil Atual : “Os custos de produção eram outra fonte de dúvida, por conta do desafio tecnológico. No começo, estimou-se que o pré-sal seria viável a US$ 45 por barril. Nessa semana, a diretora de Exploração e Produção da Petrobras , Solange Guedes, informou que os números de viabilidade econômica caminham para valores bem menores, em torno de US$ 9, graças à escala de produção maior e aos investimentos em t ecnologia. ‘ N ós podemos garantir que o pré-sal é viável com um custo de produção de nove dólares por barril. Se considerarmos que duas unidades de produção ainda não estão produzindo com sua capacidade total, o custo de produção será menor ainda. A eficiência operacional em torno de 92% contribuiu significativamente para atingirmos estes baixos custos’, afirmou” (REDE BRASIL ATU AL, 2015). ⁶⁰ E ssa relevante questão é tratada por SCAFF ( 2014 , p. 336). ⁶¹ Sem falar na relevante questão acerca da definição do ritmo de exploração dos hidroc arbonetos. ⁶² Verifica-se ter sido essa a estratégia adotada pelo governo Vargas na criação de um mercado de petróleo nacional, notadamente sua oferta. Nessa estratégia, a verticalização tinha por propósito garantir que determinados segmentos lucrativos e menos arriscados do setor de hidrocarbonetos pudessem compensar aqueles segmentos mais arriscados e com necessidade de grande capital fixo inicial, notadame nte a E&P. ⁶³ Consoante proposta desenvolvida por esta autora em outra oportunidade (LEISTER, 2011, p. 1-29). ⁶⁴ Define-se aqui por tecnologia chave aquelas tecnologias não maduras de impacto potencial de médio e longo prazo com horizonte de maturação progressivo e utilização industrial plena. Steinbruch tem se referido a um conceito de conteúdo semelhante que nomeia como setores tra nsversais .

⁶⁵ Veja-se que essa abordagem não reduz o papel do Estado à produção de pesquisa de base, deixando a pesquisa aplicada para o setor privado. Antes, considera que o Estado cumpre papel relevante em ambas as pesquisas, de base e aplicada, desde que tratem de produzir tecnologias chave cujos benefícios se espraiam para toda a economia nacional. Essa proposta, pois, complementa o arrazoado desenvolvido na obra “O estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público versus o setor privado”. (MAZZUCA TO, 2014). ⁶⁶ Inobstante, Nogueira, em sua tese de doutorado, nos apresenta uma abordagem metodológica de tomada de decisão com vistas à capacitação tecnológica do país para sua inserção internacional, que considera não apenas vantagens comparativas (critério de competência), mas, igualmente, um critério de redução de dependência econômica do país, privilegiando o desenvolvimento de tecnologias-chaves nas políticas industriais (Nogueira 2007). De todo modo, como aludem Tolmasquim et al. , o Brasil possui vantagens comparativas no setor energético, visto dispor de reservas de recursos energéticos naturais a baixos custos relativos (TOLMASQUIM; GUEREIRO; GORI NI, 2007 ) . ⁶⁷ Sayad, em um pequeno artigo para a Folha de São Paulo, comenta o leitmotiv por trás da tese de que, a despeito da teoria de Ricardo, não devemos nos ater às nossas vantagens comparativas na construção de nossa política industrial, in verbis : “A questão relevante nas discussões de liberalização de comércio é saber quais os produtos que queremos produzir, ainda que inicialmente sejam mais caros. E quem paga os custos de aprendizado e instalação de novas atividades” (SA YAD 2006). ⁶⁸ Essa não é, inobstante, a única vantagem a ser auferida da integração vertical. Sobre a relação entre integração vertical e seu fomento à inovação tecnológica comentam José Benedito Ortiz Neto, Armando João Dalla Costa : “Em referência à integração vertical, a não observância de tal prática, pode ter um reflexo quase devastador na dinâmica tecnológica dessa indústria ou setor. A priori, o primeiro autor a dar maior ênfase a essa causalidade, foi Frankel (1955), que ao estudar a economia inglesa em meados do século XX, encontrou uma forte correlação entre a baixa integração em algumas indústrias, especificamente a do aço, ferro e têxtil, como consequência da pouco-intensa difusão de inovações tecnológicas. Isto gerou perda de competitividade frente aos similares alemães e japoneses, no qual, se observava maior integração. Segundo o autor, este fato permitiu um maior número de inovações e, portanto, uma maior competitividade mercadológica” (ORTIZ NET; DALLA COSTA, 200 7, p. 99). ⁶⁹ Como dissemos, essa lei foi alterada pela Lei Nº 13.365/2016, que revogou a obrigatoriedade de a Petrobras participar do consórcio vencedor nas áreas do pré-sal em ao menos 30% e de ser a operadora única na E&P des sas áreas. ⁷⁰ Quanto às regras de conteúdo local, consultar: “As regras de conteúdo local no contrato de partilha” (MACE DO, 2013).

⁷¹ Essa assunção pode mesmo ser derivada da cláusula do equilíbrio econômico financeiro, ainda que se trate e uma álea extracontratual devida à Administraçã o Pública. ⁷² A despeito, e.g. , das promessas feitas pelo governo boliviano à Petrobras, no caso do conflito do gás envolvendo Brasil versus Bolívia, a dificuldade de conseguir fixar uma indenização justa (e depois vê-la paga) por mor da expropriação via nacionalização foi, durante muito tempo, matéria constante noticiada pela imprensa inte rnacional. ⁷³ Este texto apresenta parte dos resultados da pesquisa concluída pelo autor perante o Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política do IFC H-UNICAMP. ⁷⁴ A análise de Correlje e Linde (٢٠٠٦) deriva de um estudo maior realizado pelo Clingendael International Energy Programme no qual esses dois autores participaram (CI EP, 2004). ⁷⁵ Além da China, também são membros a Rússia, Uzbequistão, Quirguistão, Cazaquistão e Tad jiquistão. ⁷⁶ Sobre este último termo, ver Buban dt (2005). ⁷⁷ Ver Schut te (2016). ⁷⁸ Esse fenômeno foi descrito com muita clareza por Celso Furtado na década de 1950 caracterizando-o de “ Subdesenvolvimento com Abundância de Divisas ” ao refletir sobre o caso da Venezuela (FURTADO, 2008). Mais tarde a revista The Economist projetou esse conceito sobre a realidade da economia holandesa a partir da exploração do gás no Norte do país na década de 1960 e cunhou a expressão “doença holandesa” (SCHUT TE, 2010). ⁷⁹ No caso do Brasil, CL se refere à produção no território nacional independentemente da origem do capital. Em alguns outros casos, o CL implica priorizar capital de origem nacional. ⁸⁰ Offshore e on-shore são os termos utilizados para se referir respectivamente a exploração de petróleo e gás no mar e em terra. ⁸¹ O Decreto 2745/98 flexibilizou a possibilidade de realizar licitações internacionais em vários segmentos do mercado. ⁸² A média do percentual de conteúdo local aumentou de 33,5% na exploração e 42,25% no desenvolvimento nas primeiras quatro rodadas para 79,6% e 85,3% nas três rodadas seguintes, respectivame nte (ANP). ⁸³ http://www.anp.gov.br/WWWANP/exploracao-e-producao-de-oleo-e-gas/ conteudo-local/ legislacao ⁸⁴ A introdução do nível máximo era justamente para evitar ofertas irrealistas, com o único objetivo de ganhar a licitação, para depois estar sujeito a multas. Não obstante o uso dos valores máximos, esse problema iria aparecer ao longo da s rodadas.

⁸⁵ Ou seja, no caso de um CL de 50%, isso poderia ser atingido com 30% do valor ser produzido efetivamente n o Brasil. ⁸⁶ Lembrando que a oitava Rodada foi cancelada a partir de uma ação promovida pela Frente Única dos Petrolei ros (FP U). ⁸⁷ http://www.prominp.com.br/prominp/pt_br/conteudo/estudos-da-industriade-p-g.htm ⁸⁸ Em 2000 e 2001, o governo vendeu da maioria das ações para o setor privado nacional e internacional, embora o governo tivesse ficado com o controle político. ⁸⁹ Para um panorama geral a respeito do Pré-Sal, ver Schutt e (2014b). ⁹⁰ Lembrando que o CNPE, criado junto com a ANP, é um órgão interministerial coordenado pelo MME de caráter político, enquanto a ANP era pensada como o órgão técnico. O CNPE somente ganhou força, em detrimento da ANP, no gov erno Lula. ⁹¹ A estimativa com relação à percentagem na concessão é do Boston Consulting group (2015). Já em relação à partilha é do diretor-geral da ANP, em entrevista ao Valor Econômico 0 2/08/2017. ⁹² Sondas são embarcações de grande porte com equipamentos utilizados na fase de exploração e produção para furar poços. O uso de sondas varia conforme o investimento em produção. Por isso, a Petrobras usa algumas sondas próprias e outras alugadas (afretadas). São tecnicamente sofisticadas com valor unitário estimado em ٢٠١٥ em torno de US$ ٧٠٠ milhões (GHIRARDI, ٥ ٢٠١b, p. ٢). ⁹³ http://www.prominp.com.br/prominp/pt_br/conteudo/estudos-da-industriade-p-g.htm ⁹⁴ Programa de apoio ao desenvolvimento da cadeia de fornecedores de bens e serviços ligados ao setor de petróleo e gá s natural. ⁹⁵ Haveria de considerar aqui, também, o que os autores geralmente não fazem, o percentual diferenciado da tributação específica para capturar a renda petrolífera pelo Estado. No caso do Brasil, no sistema de concessão, estudo comparativo do Boston Consulting Group (BCG) referente à média no período 2009-2014, o chamado “ government take ”, ficou em 56%, bem atrás dos demais países pesquisados como Indonésia, Cazaquistão, Malásia, ou a própria Noruega que ficaram todos com percentagens entre 70% e 80%. Mas, mesmo com esse ajuste, a realidade brasileira continuou bem diferente d as demais. ⁹⁶ Economia de enclave se refere a atividades produtivas destinadas a exportação com nenhuma ou pouquíssima integração com a economia local, aprofundando a dualidade e o subdesenv olvimento. ⁹⁷ O estudo fez uma análise comparativa entre os países dos Brics. Aqui foram utilizados somente os dados referentes ao Brasil.

⁹⁸ Como reflexo da política de Quantative Easening (QE), por meio da qual o Banco Central dos EUA (FED) injetou liquidez que, em parte, veio parar em praças mais lucrativas para investir, como era o Brasil. Esse fenômeno foi chamado pelo então ministro da Fazenda Guido Mantega de “tsunami financeiro”, bem diferente da caracterização do efeito da crise de setembro de 2008 sobre o Brasil pelo então presidente Lula, que falou em “m arolinha”. ⁹⁹ Sobretudo a indústria chinesa queria manter sua posição. Diante da queda da demanda nos principais mercados da Europa e dos EUA, houve uma maior investida no Brasil, que tinha crescido 7,5% em 2010 e que mantinha sua política de expansão de crédito e aumento do salário mínimo. E ainda estava com sua moeda superv alorizada. ¹⁰⁰ https://contas.tcu.gov.br/etcu/ObterDocumentoSisdoc? seAbrirDocNoBrowser=true&codArqCatalogado=5243933&codPapelTramitave l=49149383 ¹⁰¹ Dados da ANP mostram aumento dos recursos da cláusula de P&D de R$ 263,5 milhões em 2002 para R$ 1,4 bilhão em 2014, dos quais pouco menos 90% por conta da Petrobras. Depois houve uma grande queda da contribuição da Petrobras devido ao qua dro geral. ¹⁰² Artigo no Caderno Econômico do jornal O Estado de São Paulo com título “ É preciso repensar a Petrobras ”, 1 9/04/2014. ¹⁰³ Valor Econômico, 10 de abri l de 2012. ¹⁰⁴ Fonte: http://www.brasilrounds.gov.br/arquivos/audpublica/ audienciapublica18022013vfinal.pdf  e Valor Econômico ٠/٠٢/٢٠١٣ ٢. ¹⁰⁵ http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/abertura-de-comissoes-paraanalise-de-aplicacao-de-sancao-administrativa-e-bloqueio-ca utelar.htm ¹⁰⁶ Por meio do Documento Interno do Sistema Petrobras (DIP) de 27 de janeiro de 2015, foi dada a ordem para excluir essas empresas da lista de fornecedores e da lista de licitações em andamento. Com relação aos contratos em andamento, abriu-se um procedimento para desbloqueio temporário, que significou, de qualquer forma, atrasos nos pagamentos. Para voltar a trabalhar com a Petrobras, as empresas deveriam celebrar acordo de leniência com as autoridades públicas, em conjunto com a Petrobras, e ressarcir os prejuízos causados, além de adotar medidas de compliance. http://www.sindipetrocaxias.org.br/documentos/DIPAssuntomedidacautelarbloqueioinvestigacoes_Operacao-Lava-jato.pdf Acessado 26 de fevereir o de 2016. ¹⁰⁷ Conforme divulgado em 29/12/2014, foram bloqueadas empresas pertencentes a 23 grupos: Alusa, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Carioca Engenharia, Construcap, Egesa, Engevix, Fidens, Galvão Engenharia, GDK, IESA, Jaraguá Equipamentos, Mendes Junior, MPE, OAS, Odebrecht, Promon, Queiroz Galvão, Setal, Skanska, TECHINT, Tomé Engenharia e UTC. Em 6/3/15, foram bloqueadas também as empresas Schahin Engenharia e TKK E ngenharia.

¹⁰⁸ Ver também SCHUT TE (2016). ¹⁰⁹ Apresentação no Fórum de Debates Brasilianas, realizada em 13 de março de 2015, em São Paulo. ¹¹⁰ Valor Econômico , 31 de març o de 2015. ¹¹¹ http://www.planalto.gov.br/ccivil03/Ato2015-2018/2016/Decreto / D8637.htm ¹¹² Assim, por exemplo, baseado em telegramas do próprio MRE britânico que foram encaminhados erroneamente para Greenpeace, o The Guardian constatou que “Britain successfully lobbied Brazil on behalf of BP and Shell to address the oil giants´ concerns over Brazilian taxation, environmental regulation and rules on using local firms”. Nessa correspondência, os diplomatas britânicos classificaram o enfraquecimento do conteúdo local “a principal objective” dos interesses britânicos. The Guardian, 23 de novembr o de 2017. ¹¹³ Essa divisão interna no governo Temer ficaria mais clara a partir das discussões no Comitê Diretivo do Pedefor. Valor Econômico, 3 de fevereir o de 2017. ¹¹⁴ A partir do início, já surgiu outra agenda que envolvia a venda de parte da área de Cessão Onerosa e o fim do regime de partilha. Uma agenda anunciada com insistência pelo próprio deputado Rodrigo Maia (RJ), presidente da Câmara de Deputados, atendendo semp re ao IBP. ¹¹⁵ Repetro é uma isenção de impostos federais para a importação de equipamentos de uso temporário no setor de P&G introduzido em 1999 pelo governo FHC por um período de vinte anos. O governo Temer resolveu antecipar sua extensão para 2040 ¹¹⁶ A MP 795 estende o Repetro para bens permanentes. Na prática isso significa a ampliação do escopo das des onerações. ¹¹⁷ http://www.fiesp.com.br/agenda/movimento-produz-brasil/ 1 6/12/2016. ¹¹⁸ Até o Coordenador Executivo do Promimp, Paulo Sergio Rodrigues Alonso havia se manifestado inconformado com o que chamou de “detalhamento excessivo” das planilhas estabelecidas para o cumprimento dos índices e das inconsistências visíveis como a exigência de CL nas sondas de exploração quando se sabe que não há sondas nacionais para atender a demandas das áreas exploratórias. Entrevista publicado na revista online Petronoticias, 22 de abril de 2015 https://petronoticias.com.br/arch ives/67558 ¹¹⁹ Para uma análise da modalidade única de Cessão Onerosa ver Schut te (2015). ¹²⁰ Entrevista ao Valor Econômico, 29 de novembr o de 2017.

¹²¹ A nota, na verdade, tentou desmentir um estudo elaborado pela consultoria legislativa do Congresso que apontou uma perda de cerca de 1 trilhão de reais ao longo da exploração do pré-sal resultante da aplicação da MP 795 ¹²² http://www.ogj.com/articles/2017/07/iea-upstream-oil-and-gas-investmentcontinued-to-tumble-in -2016.html ¹²³ Este texto conta com a participação da professora Carolina Leister por ter sido ela orientadora do curso de pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal de São Paulo. A Unifesp incentiva para que haja parceria entre as partes. ¹²⁴ Texto em grande parte baseado em Walter et a l . (2014). ¹²⁵ Baseado em Walt er (2008). ¹²⁶ Em 2017, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Gros so do Sul. ¹²⁷ Texto parcialmente baseado em Walt er (2017). ¹²⁸ EPA’s RFS 2017 Final Rule Environmental. Disponível em: https://bit.l y/ 2SUR0Mq. ¹²⁹ MFN: Nação mais favorecida ¹³⁰ 22072000 ¹³¹ O sistema SPG+ é um regime especial de incentive ao desenvolvimento sustentável e á boa go vernança. ¹³² Para maiores informações sobre as tarifas de importação e outras regras vigentes na UE, consultar o site Export Helpdesk da UE http://exporthelp.eu ropa.eu/ . ¹³³ Banco Mundial, Institute for Health Metrics and Evaluation. The Cost of Air Pollution: Strengthening the Economic Case for Action. Washington, DC. 2016. ¹³⁴ Frase de Álvaro Alberto, encontrada no artigo explicativo sobre a ciência no Brasil do então Ministério de Ciência e Tecnologia em referência a um prêmio concedido aos cientistas brasileiros (CNP q, 1986). ¹³⁵ Mesmo com essa medida, França e União Soviética conseguiram dominar a tecnologia nuclear para fabricar a bomba atômica. O imediato monopólio nuclear dos Estados Unidos ruiu em 1949, quando a União Soviética detonou sua primeira bomba (HOLLOWA Y, 1984).

¹³⁶ Em termos específicos, os Estados Unidos forneceriam cargas de combustíveis nucleares, reatores de pesquisa e cooperariam em projetos de prospecção e pesquisa mineral. O fornecimento estava condicionado à ampla fiscalização dos Estados Unidos, especialmente, não estava autorizado enriquecimento de mineral atômico dentro do país que adquiriu a tecnologia. Logo, o processo de enriquecimento só poderia ser feito nos Estados Unidos (BATISTA, 200 0, p. 28). ¹³⁷ “30 anos de operação do reator Triga do Cdtn – um breve histórico”. Disponível em: https://www.ufmg.br/80anos/box_ipr.htm. Acesso em: 2 jan. 2018. ¹³⁸ “Reator Argonauta, 50 anos de plena atividade”. Disponível em: http:// www.ien.gov.br/index.php/banco-de-noticias/193-reator-argonauta-52-anosde-plena-atividade. Acesso em: 2 jan. 2018. ¹³⁹ Anos mais tarde foi formalizada a criação dessa zona livre de armas nucleares na África. Disponível em: http://www.nti.org/learn/treaties-andregimes/african-nuclear-weapon-free-zone-anwfz-treaty-pelindaba-treaty/. Acesso em: 12 jan. 2018. ¹⁴⁰ Tratado para a Proscrição de Armas Nucleares na América Latina e Caribe “Tratado de Tlatelolco”. Disponível em: http://www.opanal.org/textodel-tratado-de-tlatelolco/. Acesso em: 2 jan. 2018. ¹⁴¹ A proposta para criar a Eletrobrás foi feita em 1954 na presidência de Getúlio Vargas. O projeto de lei foi votado em 1961 e a criação foi realizada em 1962. Informações disponíveis em: http://eletrobras.com/pt/Paginas/ Historia.aspx. Acesso em: 2 jan. 2018. ¹⁴² II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979). Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/anexo/ANL6151-74.PDF. Acesso em: 2 jan. 2018. ¹⁴³ As maquetes do reator e a tecnologia de ultracentrifugação podem ser vistas em viagens de estudos programadas no Centro Tecnológico da Marinha Iperó São Paulo, ao qual registro os meus mais sinceros agradecimentos (visita realizada em 2007). O Centro comporta também breves explicações sobre o submarino de propulsão nuclear. O acesso a centrífuga de enriquecimento de urânio é extremamente restrito, até mesmo para brasileiros. Logo, atende ao interesse de preservar o sigilo sobre a tecnologia d escoberta. ¹⁴⁴ Declaração do Iguaçú. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/ bargt256_733.htm. Acesso em: 12 jan. 2018. ¹⁴⁵ Declaração Conjunta sobre Política Nuclear. Está disponível em: https:// www.abacc.org.br/wp-content/uploads/2016/10/1985Declara%C3%A7%C3%A3o-conjunta-sobre-Pol%C3%ADtica-Nuclearportugu%C3%AAs.pdf. Acesso em: 12 jan. 2018.

¹⁴⁶ Protocolo 17. “Cooperação nuclear” está disponível em: https:// www.abacc.org.br/wp-content/uploads/2016/09/Protocolo-n%C2%BA-17portugu%C3%AAs.pdf . Acesso em: 12 de janeir o de 2018. ¹⁴⁷ “FAB construiu um buraco para testes nucleares no meio da Amazônia” está disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/fab-construiu-um-buracopara-testes-nucleares-no-meio-da-amazonia-11959036. Acesso em: 12 jan. 2018. ¹⁴⁸ Acordo de criação da ABACC disponível em: https://www.abacc.org.br/ wp-content/uploads/2016/09/Acordo-Bilateral-originalportugu%C3%AAs.pdf. Acesso em: 12 de janeir o de 2018.