Petróleo - a Crise dos Anos 80 9788594860637

Ao mesmo tempo um documento histórico e uma visão atual de um problema seríssimo que não foi adequadamente enfrentado. D

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Petróleo - a Crise dos Anos 80
 9788594860637

Table of contents :
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APRESENTAÇÃO
A CRISE ENERGÉTICA E SUA PROBLEMÁTICA NOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS
A EXPLOSÃO DO ÁLCOOL NO BRASIL
A ESCULTURA E O BLOCO DE PEDRA
O OLIMPO BUROCRÁTICO
A BÚSSOLA NUCLEAR BRASILEIRA
O DESAFIO DA PAQUIDERMIA
HOLOCAUSTO PETROLIFERO
A POLÍTICA EXTERNA. DO BRASIL E A BOMBA P
A CRISE DOS ESTADOS UNIDOS COM O IRÃ
LEI SECA NO BRASIL
A PETROBRAS E O ÁLCOOL
PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA
PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA
PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA
O BLOQUEIO ECONÔMICO AO BRASIL
O DISCURSO DO PRESIDENTE
GOVERNAR COM IMAGINAÇÃO
O ENFOQUE CORRETO DO USO DO ÁLCOOL
XEQUES DO ÁLCOOL
O CARVÃO BRASILEIRO
O DILEMA CONSCIÊNCIA E CONVENIÊNCIA
VACILAÇÕES E CONVENCIONALISMO DIANTE DA CRISE DO PETRÓLEO
O DESCONTROLE ENERGÉTICO BRASILEIRO
ÁLCOOL SUBSTITUINDO O ÓLEO DIESEL
REAVALIANDO A SITUAÇÃO ENERGÉTICA
ÁLCOOL : UMA AGENDA PARA O PRESENTE
AS ALTERNATIVAS PARA O PETRÓLEO E SUA PRIORIDADE ECONÓMICA
CONCEITO DE PRIORIDADE — MACRO E MICROPRIORIDADE
PRIORIDADES GOVERNAMENTAIS: AGRICULTURA, INFLAÇÃO E ENERGIA
A INTERAÇÃO DAS PRIORIDADES E A METODOLOGIA DE ATAQUE: ASPECTOS ESTRATÉGICOS E TÁTICOS
O CANIBALISMO ENERGÉTICO
ENERGIA E POLITICA
BOMBA-RELÓGIO NAS MÃOS DA NAÇÃO
AUMENTOS DIRETOS E INDIRETOS DO CUSTO DO PETRÓLEO
O OURO SUL-AFRICANO E O PETRÓLEO IMPORTADO
ENTRE O REINO DO CÉU E AS AGRURAS DA TERRA
AUTOMÓVEL — MITO A SER CONTROLADO
A PSICOLOGIA DAS HIENAS
O BRASIL E O RACIONAMENTO DE GASOLINA
AGIR COMO SE ESTIVÉSSEMOS EM GUERRA.
A CRISE ENERGÉTICA MUNDIAL E A REALIDADE ATUAL
A PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA SUBSTITUIÇÃO DO PETRÓLEO IMPORTADO
OS DESTINOS DO BRASIL DIANTE DA CRISE NO GOLFO PÉRSICO
EPÍLOGO

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© JAIME ROTSTEIN, 1996 Todos os direitos desta edição reservados à Editora Digitaliza. É proibida a duplicação ou reprodução desta obra, em parte ou no seu todo, sob qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito da editora e do autor.

EQUIPE DIGITALIZA Direção Editorial: Igdal Parnes [email protected] Capa e Direção de Arte: Rogério Costa Produção Editorial: Marcelo Krieger [email protected] Editoração Eletrônica: Meyer Nigri [email protected] Rotstein, Jaime 2016 Petróleo: a crise dos anos 80 - Rio de Janeiro: Digitaliza Brasil. eISBN: 978-85-9486-063-7

DIGITALIZA

Editora: Rua México, 3 – 7º Andar, Centro, Rio de Janeiro - RJ – CEP: 20031-144 Tel. (55 21) 3559-1400 | (55 21) 2223-6965 www.digitalizabrasil.com.br / email: [email protected]

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 1. A Crise Energética e sua Problemática nos Países Latino-Americanos 2. A Explosão do Álcool no Brasil 3. A Escultura e o Bloco de Pedra 4. O Olimpo Burocrático 5. A Bússola Nuclear Brasileira 6. O Desafio da Paquidermia 7. Holocausto Petrolífero 8. A Política Externa do Brasil e a Bomba P 9. A Crise dos Estados Unidos com o Irã 10. Lei Seca no Brasil 11. A Petrobras e o Álcool 12. Petróleo — Plano de Emergência: Introdução 13. Petróleo — Plano de Emergência: O Estancamento de 50% da Importação 14.Petróleo — Plano de Emergência: O Estancamento Total da Importação 15. O Bloqueio Econômico ao Brasil 16. O Discurso do Presidente 17. Governar com Imaginação 18. O Enfoque Correto do Uso do Álcool 19. Xeques do Álcool 20. O Carvão Brasileiro 21. O Dilema Consciência e Conveniência 22. Vacilações e Convencionalismo diante da Crise do Petróleo 23. O Descontrole Energético Brasileiro 24. Álcool Substituindo o óleo Diesel 25. Reavaliando a Situação Energética 26. Álcool: Uma Agenda para o Presente

27. As Alternativas para o Petróleo e sua Prioridade Econômica 28. Conceito de Prioridade - Macro e Microprioridade 29. Prioridades OGvernamentais: Agricultura, Inflação e Energia 30. A Interação das Prioridades e a Metodologia de Ataque: Aspectos Estratégicos e Táticos 31. O Canibalismo Energético 32. Energia e Política 33. Bomba-Relógio nas Mãos da Nação 34. Aumentos Diretos e Indiretos do Custo do Petróleo 35. O Ouro Sul-Africano e o Petróleo Importado 36. Entre o Reino do Céu e as Agruras da Terra 37. Automóvel — Mito a Ser Controlado 38. A Psicologia das Hienas 39. O Brasil e o Racionamento de Gasolina 40. Agir corno se Estivéssemos em Guerra 41. A Crise Energética Mundial e a Realidade Atual 42. A Participação Estrangeira na Substituição do Petróleo Importado 43. Os Destinos do Brasil diante da Crise no Golfo Pérsico Epílogo

APRESENTAÇÃO

O presente livro nasceu da necessidade. Explicando melhor: após ter escrito Álcool: Uma Agenda para o Presente , que operou uma espécie de conscientização da sociedade brasileira em face do problema representado pela dependência do petróleo importado, tudo levava a crer que seriam implementadas soluções racionais, em ritmo acelerado. Caso as previsões otimistas do autor, com referência às reações da comunidade em geral e do Governo em particular, estivessem corretas, a situação energética do País, nos dias de hoje, seria menos sombria. Infelizmente, esse otimismo em relação à conscientização do povo e do Governo, no tocante ao desafio energético proposto à Nação, não teve correspondência senão no otimismo do Governo quanto à possibilidade de enfrentar a crise, sem medidas que envolvessem critérios de MOBILIZAÇÃO NACIONAL, conforme o ESTADO DE GUERRA decorrente da dependência total do País ao petróleo importado. Quando o autor se refere a estado de guerra, ditado pela dependência total do País ao petróleo importado, o faz na convicção de que o nível de envolvimento da economia brasileira com os derivados de petróleo é de tal ordem que um estancamento, parcial ou total, do petróleo importado representaria o caos social, econômico e político. Julga, portanto, que não há solução válida, a não ser a de mobilizar os recursos internos, a curtíssimo prazo, com a finalidade de oferecer resposta adequada ao fatalismo geológico que antecipa de decênios a necessidade de desenvolver alternativas para o petróleo em contraste com outros países possuidores de grandes jazidas do disputado combustível.

Dado que o Brasil na atual conjuntura, luta com consideráveis desvantagens, cumpre aproveitar a contrapartida que a natureza lhe ofereceu, transformando as condições de País tropical em vantagem estratégicoeconômica, na medida em que o seu território e um Mar do Norte vegetal . Fazê-lo compreender isso e utilizar corretamente tamanha riqueza é objetivo ao qual o autor vem se dedicando com pertinácia. Principalmente após vencida a primeira etapa, de conscientização quanto à gravidade da conjuntura energética do País, de combate ao ufanismo em relação a soluções inexpressivas, desvinculadas — na forma e no conteúdo — da dimensão do problema em pauta. A batalha se desenvolve em diferentes fronts : o da conscien-tização das elites brasileiras diante das dificuldades crescentes que o País enfrenta e enfrentará, enquanto não tenha definições claras e racionais para a situação em que se encontra; o da remoção dos obstáculos gerados pela tecnoburocracia, que pretende transformar vacilações e erros sistemáticos de avaliação em componentes de um processo normal e elogiável; o do esclarecimento quanto às reais prioridades da Nação, de modo a permitir a alocação correta de esforços e recursos, com o objetivo de salvar o presente do País, sob o comando da maioria do povo brasileiro, a maior vítima das circunstâncias e, portanto, presa fácil da exploração dos erros que se estão cometendo, por ignorância ou por falta de espírito de decisão. Os capítulos do presente volume reproduzem, sem qualquer alteração de fundo, uma série de trabalhos divulgados pela Imprensa ou através de conferências no período de abril a setembro de 1979, anteriormente à configuração, na prática, de numerosas sugestões neles oferecidas, ou à concretização de fatos previstos pelo autor.

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A CRISE ENERGÉTICA E SUA PROBLEMÁTICA NOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS Hoje, o planeta Terra se confronta com um grave problema. É que o desenvolvimento social e econômico se apoiou, particularmente na segunda década do século XX, num recurso energético não-renovável e em fase de esgotamento: o petróleo. Pouco a pouco, e completamente fora de hora, tanto os povos ricos como os pobres começaram a se aperceber de que a sociedade de consumo, montada conforme o modelo vigente no mundo ocidental, tinha um dos pés do tripé em que se apoiava completamente dominado pela gangrena. Seria supérfluo reproduzir aqui o quadro conhecido no tocante às previsões de consumo e produção de petróleo, com todos os seus reflexos sobre as economias dos países carentes dessa matéria-prima e, por estranho que pareça, mesmo sobre as economias de muitos dos países grandes produtores dela. Acredito que hoje se poderia dividir as nações do mundo ocidental conforme a seguinte metodologia: I — Nações desenvolvidas produtoras de petróleo; II — Nações desenvolvidas carentes de petróleo; III — Nações subdesenvolvidas produtoras de petróleo; IV — Nações subdesenvolvidas carentes de petróleo. As nações desenvolvidas produtoras de petróleo possuem invejável elenco de alternativas à sua disposição. Donas de reservas que lhes garantem o tempo necessário para as pesquisas e utilização de alternativas sofisticadas — graças a um capital intangível básico: o conhecimento — podem "destilar" em experiências de laboratório e em escala 1:1 todo o exame do complexo de soluções possíveis,

inclusive a própria biomassa. Já as nações desenvolvidas carentes de petróleo não têm muito tempo para equacionar as suas soluções, restando-lhes, como imposição, encontrar alternativas a curtíssimo prazo, inclusive mediante o comprometimento das nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, produtoras de petróleo, em complexos interesses geopolíticos e econômicos que lhes assegurem o combustível indispensável à substituição do ouro negro nesta era de transição. As nações subdesenvolvidas produtoras de petróleo enfrentam problemas de difícil solução. As peculiaridades sociais e políticas de sua situação, lado a lado com um súbito enriquecimento, tendem a configurar um coquetel altamente explosivo, tornando-as produtoras de petróleo e acumuladoras de sucata — nascida esta de importações indiscriminadas que, antes de serem soluções, repre-sentam problemas. Tal conjuntura merece exame atento, porque a ânsia de bons negócios a curto prazo pode acarretar uma ruptura geopolítica no mundo ocidental, como foi o caso recente do Irã, com todos os seus reflexos sociais, políticos e econômicos. Se hoje fosse possível raciocinar segundo o conceito das utopias inviáveis , não há dúvida de que determinadas soluções se impõem, permitindo encontrar a golden middle line capaz de levar a raça humana a atravessar a crise em que está imersa. O problema energético seria encarado a nível mundial, com a otimização dos diferentes recursos, tanto os já em exploração como os que lhes viessem a ser agregados, numa Matriz Energética Mundial. É claro que, se tal comportamento fosse adotado, as nações subdesenvolvidas carentes de petróleo estariam automaticamente assistidas para a solução de seus problemas energéticos. Com exceção de algumas nações produtoras de petróleo, particularmente o México e a Venezuela, a América Latina é um subcontinente afogado em problemas energéticos, com

o que se agravam seus problemas sociais, políticos e econômicos. Cada pequeno sismo nos preços do petróleo representa, para essas nações, vasto terremoto. Diferentes alternativas estão sendo procuradas. Especificamente, seria possível dividir em dois grandes campos as soluções a que hoje se entregam as nações da América Latina, mesmo aquelas produtoras de petróleo. O primeiro é o da utilização de técnicas convencionais já dominadas pelo homem, tais como as fontes de produção de energia elétrica com base nos recursos hídricos e nos recursos minerais, principalmente o carvão e o urânio, este último ainda sujeito a dúvidas e discussões de toda a ordem. O segundo campo seria o da utilização de modelos importados em aprimoramento, tais como o da gaseificação e liquefação do carvão, a energia eólica, o aproveitamento direto da energia solar e outros, sempre tangenciando o problema da validade e disponibilidade econômica dessas soluções, desenvolvidas nos países ricos. No caso da América Latina, em virtude de sua geografia e do preço barato do petróleo no passado, hoje o transporte se apoia numa rede rodoviária que — no caso brasileiro — é responsável por mais de 80% do transporte de cargas e de passageiros. Tal situação, se pode ser atenuada, não pode libertar-se de seus pontos obrigados, pelo menos até que se consiga inverter os condicionamentos do Modelo de Transportes. É por isso que o Modelo de Transportes condiciona paradoxalmente o Modelo Energético. Ante a impossibilidade de substituir as rodovias, a curto prazo, por outros meios de transporte, resta encontrar, se possível, substitutos para os combustíveis derivados do petróleo Pela primeira vez funcionam a favor da América Latina — e particularmente do Brasil — desvantagens históricas há muito conhecidas: baixo consumo de petróleo, se comparado ao de nações ricas de área geográfica e população semelhante; vastas regiões de terras ainda inaproveitadas, a serem utilizadas pela agricultura, evitando

o conflito de cultivos; disponibilidade de mão-de-obra, exigindo soluções de alto investimento desta, e não apenas de capital. Ao lado disso, há grande disponibilidade de água capaz de ser utilizada na agricultura, bem como condições favoráveis de luminosidade e de clima em vastas regiões — condições ideais para a realização de "plantações energéticas" e a obtenção final de "sol líquido". A experiência brasileira, em particular, é importante como ensaio do modelo que a América Latina e outros países de condições ecológicas favoráveis terão de utilizar dentro de algumas dezenas de anos. A fotobiossíntese, com a utilização da cana-de-açúcar, tem uma aplicação velha de séculos, inclusive para a produção do álcool. Hoje o País já produz mais de três bilhões de litros ainda sem ter feito um esforço especial quanto ao álcool combustível, voltado mais para a neutralização dos efeitos da crise mundial do açúcar, com a produção de álcool anidro para mistura à gasolina. Até 20%, tal mistura não exige adaptação especial dos motores. Hoje, porém, o desafio da agressão econômica externa representada pelos preços do petróleo mobiliza as opiniões do Pais, dirigindo-se as reivindicações para os seguintes setores: utilização do álcool hidratado a 100% nos motores a gasolina, que para isso deverão sofrer pequena adaptação; utilização de álcool hidratado nos motores diesel, em porcentagens diversas, desde a mistura até 10% com óleo diesel, até o uso da dupla alimentação, podendo atingir mais de 40%; produção de motores destinados ao consumo apenas de álcool hidratado, hoje já sendo desenvolvidos no Brasil, mas carentes de terem o seu projeto acelerado, principalmente no que diz respeito aos motores para a utilização em veículos pesados; produção de turbinas capazes de permitir a substituição de usinas termoelétricas, à base de derivados de petróleo, por usinas álcool-elétricas.

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A EXPLOSÃO DO ÁLCOOL NO BRASIL O provável esgotamento do petróleo como fonte de energia em torno do ano 2000 e sua localização em áreas políticas instáveis são componentes de um binômio que atormenta a humanidade, independentemente dos sismos causados pelas variações progressivas nos custos de um produto hoje fundamental para a sobrevivência do mundo ocidental. Dentro desse quadro o Brasil pode-se tornar uma das exceções, apesar do alto preço que vem pagando em face do elevado custo do petróleo e da reciclagem dos petrodólares, com suas repercussões indiretas menos ostensivas. Faz séculos, o subcontinente brasileiro desenvolveu vasta potencialidade de produção de cana-deaçúcar, fabricando pequenas quantidades de álcool e grandes volumes de açúcar. Sobrevinda a crise do açúcar, ora em curso, o País se viu às voltas com um dilema: afogarse em açúcar ou encontrar para a cana produzida uma utilização capaz de evitar grave crise social e econômica interna. Foi assim que se iniciou o chamado Proálcool, apoiado em destilarias anexas às usinas de açúcar, produzindo hoje mais de três milhões de litros de álcool etílico. A ideia inicial era misturar o álcool até 20% com a gasolina, dando destino ao álcool produzido e contornando a crise do açúcar no mercado internacional. Ocorre que hoje o Pais pede soluções agressivas para o desequilíbrio do seu balanço de pagamentos, com uma dívida externa de 50 bilhões de dólares que cresce celeremente e chegará a 100 bilhões de dólares em 1985, a menos que novos caminhos sejam seguidos.

Com o desenvolvimento da tecnologia de utilização do álcool como carburante, em substituição gasolina e ao óleo diesel, todo o elenco de opções da biofotossíntese se amplia de imediato. Cumpre lembrar ainda o motor a álcool já desenvolvido com recursos tecnológicos próprios no País. Fala-se em polos produtores de álcool, no aproveitamento da rede de dutos existentes e na construção de alcooldutos, todo esse conjunto convergindo para a busca da autossuficiência em combustível, em termos de álcool e petróleo produzidos no País. Aliás, o Modelo de Transportes do Brasil, apoiado nas rodovias, exige solução imaginosa capaz de substituir o combustível que move os veículos, já que é impraticável substituir a curto prazo a rodovia, ou deter sua indispensável expansão. Cumpre assinalar que a solução do emprego do álcool em grande escala no Brasil, em substituição ao petróleo importado, é inevitável. E tal solução pode chegar ao extremo de reduzir substancialmente a própria produção atual de açúcar, transformando-se o País em exportador de álcool e do modelo que terá de adotar, por mais original que ele seja e por isso mesmo assustador para aqueles que temem inovações. O importante é transformar as declarações em ações e ações corretas. O pessimismo que havia em relação ao álcool como sucedâneo dos derivados de petróleo; as discussões intermináveis sobre preços comparativos e possibilidades mecânicas de usar o álcool como combustível representam atitudes que vêm sendo substituídas por uma euforia e uma adesão comovente. Ë preciso, no entanto, racionalizar o processo em termos institucionais, econômico-financeiros e tecnológicos, sob pena de mais uma vez o pessimismo e o otimismo mal orientados impedirem o tratamento adequado do problema. É chegado o momento de nós, brasileiros, deixarmos de agir coletivamente de forma ciclotímica , oscilando perigosamente entre reações verbais desvinculadas de

ações efetivas. Não devemos permitir que ocorra essa hesitação num programa de salvação nacional, como é o caso do Proálcool

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A ESCULTURA E O BLOCO DE PEDRA Já foi dito que todo bloco de pedra tem dentro de si uma escultura, tanto mais linda quanto mais talentoso o escultor. É claro que enquanto não trabalhado, o bloco de pedra não passa de um bloco de pedra. A imagem poderia ser associada a um conjunto de problemas — o bloco de pedra — e a um elenco de soluções, fruto do trabalho, do talento e da imaginação daqueles que devem procurar resolvê-los — os escultores. Até aqui, o Brasil tem progredido na arte de gerar problemas, alguns inevitáveis e outros cultivados com extraordinário senso de alheamento da realidade presente. Quais os problemas que hoje atormentam todas as camadas da população brasileira? Na área econômica: o ritmo da inflação: o balanço de pagamentos; a dependência do petróleo; o empobrecimento do empresariado nacional de nível baixo e médio; a ausência de perspectivas, a curto e médio prazos, desvinculadas de um quadro de estagnação e recessão. Na área social: aumento acelerado de parcelas marginalizadas da economia como complicadores adicionais dos problemas urbanos em todos os níveis, desde a saúde e a educação até o saneamento e a habitação; ausência de uma política de fixação do homem ao campo, oferecendolhe a oportunidade de sobreviver em suas regiões de origem e satisfazendo a primeira função da terra (alimentar aqueles que a habitam), com produção adicional de excedentes exportáveis para as cidades e para o exterior. Na área política: o desencontro entre as promessas e os anseios da liberdade, e as dificuldades em oferecê-la em sua plenitude, considerado o fermento da má utilização o contexto dos problemas sociais e econômicos.

Trata-se de um desafio que, para ser enfrentado, está a exigir um escultor com o talento de Miguel Angelo, a coragem de Churchill e a visão de estadista de Roosevelt. São tantos os fantasmas à solta, atormentando aqueles que têm o dever de interpretar a conjuntura e tomar decisões, que a única solução é o estabelecimento de prioridades a nível de mobilização nacional, em termos de estado de guerra . Obviamente talento, coragem e visão são entes que, associados, levam a determinadas linhas de ação estreitamente vinculadas aos objetivos que se pretende atingir. Se tais objetivos incluem a retomada do processo de desenvolvimento, com um enfoque social ampliado e ambicioso, a aplicação de recursos em programas com mãode-obra intensiva, ligados ao setor primário, se torna indispensável. Outrossim, há compromissos hoje ainda intocáveis que precisam ser reconsiderados com espírito aberto e sem preconceitos. Honrando a condição de seres humanos, devemos antecipar eventos e rever decisões, pois o efeito multiplicador de certos programas pode — sem desdouro — revelar-se multiplicador no sentido negativo. Admitidas essas premissas sumárias quanto aos problemas nas áreas social, econômica e política, é imperioso reduzir drasticamente o investimento nos programas de construção de usinas atomoelétricas e de pesquisa de petróleo, bem como em outros de intensa aplicação de capital e urgência e sucesso discutíveis, a fim de relocar recursos para a agricultura, inclusive para as plantações energéticas — leia-se álcool numa primeira etapa; para a construção de usinas hidrelétricas e linhas de transmissão, e para o aproveitamento do carvão em usinas termoelétricas, em metalurgia, e na sua gaseificação e liquefação. Na verdade, o objetivo das considerações feitas anteriormente foi apenas riscar o bloco de pedra. Seria pretensão imperdoável partir levianamente para a tentativa

de esculpir sem dispor de todos os dados e da equipe adequada. A única conclusão válida do exame superficial levado a efeito é que hoje — sem má fé de ninguém — os blocos de pedra estão sendo talhados, mas as esculturas resultantes são deselegantes, têm características pouco atraentes e o talento, coragem e visão, se existem, estão sendo desperdiçados.

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O OLIMPO BUROCRÁTICO Teoricamente o Brasil, nação dita capitalista, deveria ter uma estrutura institucional condizente com sua conformação político-econômica. As seguintes premissas básicas caracterizam, nos dias de hoje, uma nação capitalista: ampla participação do empresariado nacional nas decisões que afetam a sua sobrevivência; urna dose controlada de planificação estatal, para dar organicidade à boa conjugação dos fatores de produção (capital, terra e trabalho); preocupação permanente de respeitar estruturas políticas abertas, capazes de permitir remuneração condigna do capital e do trabalho num clima de convivência pacífica. O funcionamento de um país, em todo o seu complexo físico e nervoso, se assemelha ao do corpo humano. Dificilmente urna disfunção localizada deixa de refletir-se em outros órgãos, devendo a sua propagação ser controlada para evitar um mal maior ou insanável. Na verdade, as opções do tipo sociedade socialista, sociedade capitalista ou outras rendem o máximo na medida em que se estruturam para funcionar bem, conforme o modelo selecionado ou imposto. Quando — consciente ou inconscientemente — convivem estruturas antagônicas, como é o caso do socialismo sob a capa de incontrolável intervenção estatal num regime dito capitalista, os resultados são disfunções facilmente identificáveis. A principal delas é a hipertrofia da burocracia, que ganha vida própria e instala-se no organismo nacional como um parasita preocupado em não destruir de vez o País, de modo a preservar o objeto de sua avidez para ter o que parasitar.

Afora o desejo de manter vivo o organismo nacional, o Olimpo burocrático expande-se incontrolavelmente. Passa mesmo a ser respeitado e temido, impondo a sua inconsequência a todos os segmentos da sociedade, convencidos da sua indispensabilidade e infalibilidade. E se essa tendência já se afirmou como parte do contexto, mais forte se tornou quando a Capital do País se transferiu para Brasília, palco onde se exibe, em sessões permanentes, a supremacia do burocrata sobre o empresário, independentemente das razões que protegem este último. Poder-se-ia, pensar que as afirmações feitas anteriormente têm em vista a cúpula governamental. Na verdade, não é o caso. Não são poucos os exemplos daqueles que, tendo ocupado funções de Ministro de Estado, ou até mais altas, se surpreendem, após deixar o governo, ao saber que eram manipulados pelos escalões inferiores. Aliás, não é difícil aterrorizar os altos escalões da República, quando o processo é bem montado e diferentes carapuças são deixadas a flutuar, inclusive a de que uma eventual decisão, desatendendo à recomendação dos burocratas, poderia ser interpretada como conluio da autoridade com o empresário . Essa arma é tão bem utilizada que dá pena ver bons empresários, quando em funções públicas, comportarem-se como crianças apavoradas, empenhados o tempo todo em desmentir o óbvio: a sua origem empresarial e o seu descompromisso com a burocracia. Outro aspecto crítico do problema são os mecanismos fiscali-zadores, pois induzem a procurar apenas absolvição por parte dos ocupantes de elevados cargos públicos. Na ânsia de cumprir as leis — ou o que pressupõem ser as leis — não é incomum assistir-se à sua violação. Só que as violações contrárias ao interesse empresarial não são punidas com o mesmo rigor daquelas que aparentemente lhe são favoráveis.

E assim, firmemente instalada no Olimpo burocrático, às vezes assustada em época de muda, há uma classe no País que efetivamente o comanda. Muitos daqueles que se iniciaram nos seus segredos ou já fracassaram ou fracassariam redondamente do lado de cá, como empresários. Cabe, entretanto, a pergunta: e importa?

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A BÚSSOLA NUCLEAR BRASILEIRA Para o comum dos mortais, o Norte é Norte, o Leste é Leste, e assim por diante. Dentro dessa compreensão racional dos fenômenos naturais, e da vivência e cultura de cada um, formam-se opiniões, que se dividem sem renegar certos princípios e leis. Aqueles que os renegam, em cada época, ou são gênios ou são loucos. Dos loucos pouco se sabe. De Newton, Copérnico, Galileu e outros gênios, a história já foi contada e recontada. O mundo desenvolvido está numa situação calamitosa. O desenvolvimento tecnológico, estimulado pelas guerras e pelo consumismo desenfreado, gerou um círculo vicioso que está estrangulando o criador. É a revolução da criatura contra o criador. Assim se pode interpretar a crescente dependência do homem a formas de energia ainda não completamente assimiladas, aceitando os governos as imposições de suas economias e de seus condicionamentos geopolíticos, dispostos a correr todos os riscos de uma corrida em que o acelerador não tem controle de espécie alguma. Considerados os conhecimentos disponíveis atualmente (state of art ), existe uma imposição econômica ou estratégica, ou econômico-estratégica, condicionada à decisão de apelar, a todo preço, para o emprego da atomoeletricidade. Esse comportamento por parte dos governos das nações desenvolvidas, apoiado em argumentos ponderáveis, está em choque com a crescente oposição de seus povos, dispostos a não arriscar as próprias vidas em nome de um nível de vida cada vez melhor. Na verdade, isso parece o inverso da história do cavalo do inglês: quando estava quase se acostu-mando a viver sem comer, morreu...

Enfocada sem paixão a dramática situação dos povos das nações desenvolvidas, não lhes bastasse o espectro de uma guerra nuclear, com uma paz mantida pelo absurdo, apoiada no equilíbrio pelo terror , hoje paira sobre eles o perigo dessa paz sujeita a falhas mecânicas de máquinas construídas por homens altamente falíveis em sua falsa onipotência e onisciência. Se fosse possível filmar os acontecimentos que estão ocorrendo e vão ocorrer, e projetar o filme do fim para o começo, é provável que se assistisse a um cataclismo nuclear não originado obrigatoriamente por um artefato de guerra. Seria irônico, se não fosse trágico, que máquinas destinadas a proporcionar o conforto e o progresso da raça humana na espaçonave Terra pudessem se transformar em veículos de morte e destruição. Hoje em dia, milhões de pessoas preferem enfrentar a perspectiva de um padrão de vida achatado e imprevisível, a correr os riscos explícitos e implícitos no uso extensivo da energia nuclear. Tudo indica que nos países desenvolvidos, de regime democrático, prevalecerá em boa parte a vontade nacional, em ascensão, de não permitir o aprofundamento de uma dependência crescente em relação à energia nuclear. Aí está uma hipótese importante, que deve ser considerada com absoluta seriedade. Quais as consequências de tal conjuntura, a curto e médio prazos, conjugada com a situação conhecida do petróleo? Parece fácil aceitar que maiores esforços serão concentrados em algumas linhas de ação alternativas, a saber: — Admitir a hipótese de intervenções militares para garantir suprimentos vitais de energia, hoje com o nome de petróleo , amanhã com outra denominação qualquer. — Intensificar os esforços no sentido da identificação de fontes alternativas para a energia nuclear e o petróleo, visando a eliminar ou atenuar os efeitos da crescente oposição aos programas nucleares, antes que tal oposição

gere reflexos sociais, econômicos e políticos imprevisíveis, inclusive quanto a um possível canibalismo energético entre nações. - Enrijecer o comportamento nacionalista, cuidando de garantir os interesses vitais de cada nação e de sua área de influência, sem maiores preocupações com os destinos do Terceiro e do Quarto Mundos. Admitidas as premissas estabelecidas anteriormente, resta indagar qual deve ser o comportamento das nações que, a exemplo do Brasil, sentem o preço a pagar pela conjuntura criada, com tendência a se agravar rapidamente. Como em qualquer situação, existe um elenco de soluções nem sempre mutuamente excludentes. Uma preliminar, porém, é definitiva: a incapacidade do País para mobilizar recursos destinados ao atendimento do elenco ótimo de soluções. Se os recursos são escassos, devem prevalecer aquelas soluções que permitam aplicá-los otimizadamente. Diante da restrição real e comprovada da disponibilidade de recursos, as alternativas brasileiras se estreitam muito. Não é a hora, portanto, de profundas discussões sobre o Programa Nuclear brasileiro. Na atual conjuntura, admitir que faltem recursos para um vasto programa hidroelétrico e para a produção de álcool e inaceitável e descabido. E onde obter os recursos para desenvolver ao mesmo tempo todos os programas energéticos, sem tornar a inflação insuportável e a conjuntura social e política perigosamente instável? Daí apontar-se tal situação como uma das contingências que obrigam a um reequacionamento do Programa Nuclear e de outros programas que exigem vultosos investimentos de risco. É preciso agir com bom senso. O urânio existente no Brasil deve ser aproveitado, inclusive para ser exportado — se for o caso — devidamente beneficiado. O critério de ter sempre uma usina atomoelétrica em construção é válido. Mas as instalações que ponham em risco grandes centros

populacionais devem ser evitadas a todo o custo. Estamos convencidos de que um Pais subcontinental como o Brasil não precisa assumir riscos desnecessários, ainda mais quando os sistemas elétricos estão se interligando. As eventuais instalações julgadas oportunas poderão, após adequada revisão de sua situação, ser locadas com base em critérios de super-segurança, admitido o princípio de hidrologia de que a maior enchente está por vir . Diante de um quadro como o descrito, parecem lógicas as prioridades apontadas — inclusive pelo Presidente da República em seu discurso de posse — com referência à hidroeletricidade, ao carvão e ao álcool. Se tais programas, para não serem retardados, exigem recursos difíceis de mobilizar, por que ficar discutindo em torno do Programa Nuclear? Tudo indica que o seu ritmo e a localização das usinas e de sua indústria de apoio devem ser cuidadosamente reexaminados. Tal comportamento não representa desdouro para ninguém, pois honestamente é exequível e vem sendo observado por grandes estadistas, como o Chanceler Helmut Schmidt, o Presidente Carter e outros. Um problema dessa envergadura não comporta tratamento emocional, dadas as dimensões das consequências de possíveis erros de apreciação. O reconhecimento de que se deve atender ao Norte indicado pela bússola nuclear e indispensável. Tentar forçála, contrariando as leis da natureza e a lógica das realidades palpáveis, é um risco e implicará, quase certamente, consequências que não atendem aos desejos e interesses de ninguém. De outra parte, a situação que se desenha nas nações desenvolvidas, obriga a uma aceleração das opções brasileiras. E isso não significa abrir mão da capacidade de montar um esquema mínimo de dissuasão, particularmente no campo nuclear. Aliás, em agosto de 1971, em depoimento perante a Comissão Especial de. Incentivo à Pesquisa Científica e Tecnológica no Brasil, posteriormente

editado pela Câmara dos Deputados, pregávamos a triste necessidade de participar o Brasil do Clube Atômico, como forma de evitar tentativas de deprimir o seu modelo econômico. Na verdade, o canibalismo energético que pode vir a ser gerado, considerando as possibilidades brasileiras no setor da biomassa, leva-nos a admitir, para a proteção da soberania e integridade territorial do País, hipóteses que não correspondem à vocação do nosso povo.

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O DESAFIO DA PAQUIDERMIA No mundo conflituoso de hoje, em que os preços do petróleo no mercado spot já ultrapassaram os 40 dólares, e as nações ocidentais estão de joelhos diante dos Khadafis e Idi Amins da vida, o que até faz pouco tempo era recomendável para países como o Brasil agora são imposições inadiáveis. É chegado o momento de todos os brasileiros assumirem as suas responsabilidades históricas. A demora no reconhecimento efetivo dessa urgência, cada um preocupado consigo mesmo, a fim de identificar as vantagens pessoais que pode usufruir da situação, gera um clima perturbador e facilmente caracterizável; políticos e burocratas a disputar o poder e os cargos, sem efetivas preocupações com eficiência; empresários amesquinhados e acovardados, em busca de alternativas para se livrarem do labirinto em que se meteram ou em que os meteram, despendendo 90% do seu tempo em atividades nãoconstrutivas; operários em luta por melhores condições de vida, que só podem ser oferecidas num quadro diferente do relacionado com a possível recessão; empregados, subempregados e desempregados no campo, sem ao menos produzir corretamente para o seu próprio sustento, à espera dos primeiros reflexos das medidas com que o Governo vem acenando firmemente, através do Ministro do Planejamento. Quais as causas por que se está cozinhando um caldo de dificuldades tão aparentes e, além de tudo, ainda capaz de entornar sobre todos os brasileiros, provocando-lhes queimaduras de todos os graus? A verdade é que nos falta a consciência de nossas próprias capacidades nacionais, como um conjunto, para nos organizarmos com vistas a atingir os alvos fundamentais da nossa sociedade. Infiltrou-

se nela, de forma sub-reptícia, a noção de que só há salvação na importação de ideias e soluções, sem ousar percorrer caminhos nunca dantes navegados. Há mesmo um caracterizado descrédito e desconfiança em relação aos santos de casa , com as raras exceções de sempre. Qualquer representante estrangeiro, da área pública ou privada, é ouvido e recebido com atenção normalmente não dispensada aos próprios brasileiros. Contratos e compromissos assumidos com estrangeiros são cuidadosamente preservados de críticas quanto ao seu descumprimento, enquanto o mesmo não ocorre com os nacionais: os representantes da burocracia oficial ignoram até leis em vigor, certos de sua impunidade e poder de retaliação. Na ânsia de copiar modelos estrangeiros, admitindo a sua validade muito mais por serem estrangeiros do que por se aplicarem ao Brasil, o Governo faz concessões de toda a ordem. Se em contratos com empresas nacionais ele exige garantias, uma das quais — e não a pior — é a fiança bancária, que só serve para engordar ainda mais círculos beneficiados pela inflação, em contratos com estrangeiros abre mão de tais exigências com a maior facilidade, às vezes tratando-os com requintes de benevolência. De outra parte, as elites dirigentes do País, em todos os seus níveis, deixaram-se intoxicar por ideias e formulações importadas, apenas porque vinham vazadas em excelente economês ou tecnolês , fazendo a felicidade de determinados segmentos de tais elites, despreparadas para assumir responsabilidades e prontas para, em caso de erro, alegar que estavam com os bons autores. Assim, os estudos de viabilidade, os conceitos de macro e microprioridade, tudo se mostrou intoxicado por uma ânsia irreprimível de ser moderno, que impede a diferenciação entre o moderno e o moder-noso , e contribui para transformar e manter o Brasil no que se convencionou chamar de Bélgica dentro da Índia .

Essas distorções psicológicas constituem, portanto, o maior empecilho à retomada do desenvolvimento no Brasil. No auge da crise nacional e internacional, que não provém da inflação, mas da ausência de imaginação e de coragem para enfrentar a realidade, surgem indícios claros do aprofundamento da tendência ao wishful thinking , levando o Pais a uma doença da maior gravidade: a paquidermia . A paquidermia se manifesta através de atitudes sempre defasadas em relação ao momento ótimo de tomá-las, ou seja, pelo atraso no processo de tomada de decisões, ou na revisão de decisões que se tornaram inadequadas. Os exemplos aí estão às dezenas, podendo ser citados alguns deles. No caso do álcool, há quem acredite honestamente que o Programa agora vai tomar embalagem, e poucos o criticam como alternativa para boa parte do consumo de derivados do petróleo. E isso pode ser feito, pois há homens públicos empenhados em que tal anseio se torne realidade, inclusive entre aqueles que há menos de um ano o considerava inexequível. Nem por isso se está cuidando de uma efetiva mudança na escala de produção do álcool, apoiada em polos produtores corretamente atendidos em termos de logística e de insumos básicos. E não se aumenta a produção em um dia, nem mesmo em um ano. Discussões bizantinas enchem os espaços dos jornais sobre se a terra é inesgotável ou não; sobre se os motores são adaptáveis a preços acessíveis ou não; sobre se o preço do álcool é competitivo ou não com o dos derivados do petróleo. E a cada dia que passa são quase 20 milhões de dólares de dispêndio com o petróleo, podendo ser 30 milhões de dólares no ano que vem. Tal desgraça não pode ser camuflada com declarações, estudos, grupos de trabalho, na tentativa de esconder um vasto congestionamento institucional a que só o Presidente da República — e só ele — conseguirá pôr paradeiro.

E a orgia de alucinógenos não termina apenas com o tratamento do problema do álcool. Em outros setores vitais, as distorções psicológicas apontadas e o receio do confronto com a verdade levam à postergação da análise de problemas e de soluções, deixando o organismo nacional ser dominado por essa doença que é a paquidermia. As manifestações segundo as quais os problemas estariam sob controle, ou existiriam recursos para todos os programas pretendidos, são parte de um estado doentio, como o dos passageiros de um avião em pleno voo com três dos seus quatro motores parados, e que dizem uns aos outros: "está tudo bem". Acontecerá o pior se a tripulação não reconhecer a situação e tentar alternativas em pleno voo, ao invés de prolongar a sobrecarga do único motor em funcionamento. Esta é a hora da verdade. A ameaça com que o Brasil se defronta é de caos social, econômico e político. Já hoje são necessárias medidas corajosas, nem sempre de bom rendimento político, principalmente para aqueles que faz pouco tempo se atropelavam na ânsia de obter uma função pública. É preciso que todos os brasileiros se unam e utilizem as reservas de energia e imaginação existentes na área empresarial. É preciso que, rompendo a aliança da incompetência com a mediocridade, façam hoje o que tem de ser feito hoje. Na hora da crise todos devem unir-te a fim de preservar um patrimônio comum, construído até aqui com o esforço principalmente de brasileiros humildes e anônimos que merecem todo o nosso respeito. Afinal por que fazê-lo só quando se manifesta o câncer, quando já é tarde?

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HOLOCAUSTO PETROLIFERO Nesta altura dos acontecimentos, não há condições para prever o que pode acontecer no mercado petrolífero. Os preços sobem sem perspectivas de estabilização temporária que permita ao mundo ocidental retomar o fôlego, enquanto a Rússia e seus satélites assistem ao show de camarote. A incapacidade de controlar a ganância dos países produtores e a irresponsabilidade consumista de seus povos leva o mundo ocidental a enfrentar riscos crescentes de desestabilização econômica e social. Na verdade, em termos geopolíticos frios, ao invés de concessões crescentes aos países produtores — concessões que estão levando os países pobres à bancarrota — o que se deveria estar fazendo? Tudo indica que se deveria buscar uma estabilização temporária nos preços do petróleo fazendo os países produtores compreender que o mundo ocidental não aceita ser destruído sem guerra, num vasto e incontrolável holocausto petrolífero. Para a consecução desse objetivo, necessário se faz que a Rússia fique ciente de que os interesses vitais do mundo ocidental, em relação ao petróleo, são tão ou mais importantes do que aqueles que a levaram a invadir a Tchecoslováquia e a Hungria. Se a conjuntura criada pode destruir os países do Ocidente e implantar neles o caos, é preferível correr o risco de unia guerra, a sofrer os efeitos da situação, sem luta, e na ingênua conformidade com um inevitável de todo evitável. Ao aproximar-se a hora em que riscos de guerra terão de ser assumidos, é preciso, de outro lado, limitar de fato o consumo alucinado de um combustível que, no mínimo poderá ser útil na fase de transição para o uso de novas formas de energia.

Não se julgue que a fissão ou a fusão nuclear, o carvão, o hidrogênio, a biomassa e outras fontes de energia poderão atender à situação de emergência a curto prazo. O petróleo é absolutamente indispensável na fase de transição que estamos vivendo, e essa constatação pode levar a uma série de medidas drásticas, mesmo com o risco de uma guerra nuclear. Para os países pobres, de baixo consumo relativo de petróleo, a crise tem contornos pungentes (excluídos, é claro, os produtores dessa matéria-prima). Esgotados pela compra de um combustível cada dia mais caro; incapazes de se livrarem do estrangulamento representado pela reciclagem dos petrodólares na aquisição de produtos manufaturados; corroídos pela inflação e caminhando a passos largos para a estagnação e o retrocesso econômico, eles -não têm sequer a alternativa da reação militar. As opções dos países pobres são estreitas, melancólicas e difíceis de adotar, na medida em que representam um ônus político inaceitável para as elites dirigentes. Tais elites, indistintamente passaram a viver para os dias de hoje, como condenados à morte ,com a sentença provisoriamente suspensa. No caso brasileiro, algumas medidas ainda não discutidas se impõem, a par daquelas que vêm sendo pregadas, inclusive por este autor em seu livro Álcool: Uma Agenda para o Presente . Hoje em dia, discutir reduções no consumo de petróleo começa a ser incoerente. Quando num único dia o preço pode aumentar cerca ,de 20%, engolindo de um trago todo o esforço brutal despendido na economia de consumo ou no racionamento, as novas premissas deveriam ser as seguintes: I — Estabelecer um teto para o dispêndio de divisas com a importação de petróleo, o qual, dividido pelo preço médio a ser pago, definiria o volume passível de oferecimento ao consumo.

II — Instituir de imediato um plano de veículos alternativos, ,obrigando à sua utilização mediante o racionamento do combustível para automóveis. III — Reciclar o álcool, hoje misturado à gasolina, para o seu uso em conjunto com o óleo diesel, na proporção de 40% de álcool, através do emprego da dupla alimentação e a utilização de motores de maior potência movidos a álcool hidratado. IV — Dado o baixo número de usuários do automóvel como -transporte urbano, numa utilização que acarreta graves congestionamentos devido ao aspecto egoístico desse veículo, forçar sua. progressiva restrição de circulação. A medida permitiria dobrar a velocidade média dos ônibus — hoje de 20 km/hora — e obter na prática, uma duplicação da frota. V — Acelerar de fato a produção de álcool, hoje considerada difícil em função da capacidade empresarial existente no País — dificuldade que não se aponta em outros setores energéticos, apesar de estarem confiados ao gerenciamento de empresas públicas., As perspectivas do presente e do futuro próximo são, no mínimo, sombrias. Podem ocorrer problemas para os quais terão de ser rapidamente apresentadas soluções. É preciso fazer exercícios de guerra, admitir hipóteses desagradáveis, para não viver o problema maior, fruto da imprevidência gerada pelo medo de pensar no pior. Cabe ao Governo, enfim, compenetrar-se do estado de guerra que já se está vivendo e falar francamente ao povo brasileiro — suficientemente adulto para enfrentar a realidade. Pior será temer dizer-lhe a verdade, não ter planos para as situações extremamente críticas ou não preparar-se para elas. O povo brasileiro, que não viveu em profundidade os dramas das guerras desencadeadas sobre outros povos, tem de se preparar e ser preparado para um possível estágio crítico — ao qual dará uma resposta adequada, uma

vez sinta que o melhor está sendo feito pelos detentores do Poder. Não são, por certo, as concessões sucessivas aos senhores do petróleo que vão tranquilizá-lo. Os atuais donos do petróleo não são melhores do que as multi-nacionais, que ainda hoje visam a lucros imediatos, independen-temente dos prejuízos que possam causar, a curto prazo, a todo o mundo capitalista. É difícil imaginar onde os governos produtores de petróleo aplicarão seus recursos, num mundo em crise. Em seus próprios países, o que têm feito é desperdiçar as receitas dessa produção, favorecendo a reciclagem dos petrodólares. Nos países pobres não aplicam recursos, nem fazem preços especiais. No entanto, pedem a cada dia, com fantástica voracidade, fatias maiores de concessões. Na verdade, se a estabilidade dos países pobres já estava afetada, as exigências, particularmente dos países árabes, que são os grandes produtores de petróleo, podem desestabilizar ainda mais rapidamente as estruturas sociais e políticas dos primeiros. Entre as opções restritas que se apresentam, a melhor parece ser a de preservar a soberania, mediante adoção de um plano de emergência sintetizado nos cinco itens citados. Caso contrária, resta apenas confiar em que Deus e brasileiro...

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A POLÍTICA EXTERNA. DO BRASIL E A BOMBA P Os especialistas em política externa vão adquirindo hábitos que os fazem tender sempre para as soluções convencionais. Os princípios e regras diplomáticas são respeitados entre os iniciados , repelindo-se, sempre que possível, as ingerências externas. Assim, há regras para tudo, até mesmo para a declaração de guerra ou para a elaboração de tratados de paz. Esquecem-se os defensores da especialização em causa que, às vezes, é necessário abrir as janelas e respirar ar fresco, ter novas ideias e formular doutrinas nãoconvencionais. A diplomacia brasileira, na era da grande crise do petróleo, deve ser discutida, inclusive com a participação de brasileiros não-especializados, mas capazes de raciocinar logicamente, com desvinculação de preconceitos enraizados. Ao argumento de que técnicos não se devem envolver em problemas de formulação de política externa, pode-se responder que eles têm tal direito, na medida em que diplomatas se envolveram na formulação e execução de segmentos da política energética. Observando o quadro mundial nesta etapa crítica para o mundo ocidental, ameaçado pela crise do petróleo, com o risco de entrar em convulsões sociais e políticas, cumpre indagar: quais as perspectivas de contornar a crise econômica formalizada? As alternativas energéticas que estão sendo consideradas não respondem, no prazo desejável, aos problemas emergentes, cada dia em maior número. As grandes e poderosas nações do mundo ocidental — Estados Unidos, Alemanha Ocidental, França, Inglaterra e Japão — vêm tentando diferentes comportamentos, que vão desde concessões de toda a ordem aos países produtores de petróleo até o

estabelecimento de planos alternativos no campo técnico, econômico e — por que não dizê-lo claramente? — militar. Tudo indica que a possibilidade de uma ação militar, destinada a restabelecer a ordem no problema de sobrevivência intitulado petróleo , não deve ser ignorada. A desordem que começa a lavrar no mundo ocidental, inclusive com o estrangulamento dos países pobres nãoprodutores de petróleo se não conduzir à possibilidade de uma ação militar a curto prazo servirá apenas para demonstrar a vocação suicida dos Estados Unidos. A prosseguir a deterioração da situação energética os russos terão cortado a jugular americana usando interpostos países para explodir a bomba P que o próprio mundo ocidental armou. Nota-se, aliás, a cuidadosa montagem que vem sendo feita para concretizar com sucesso a completa liquidação do poderio americano, graças ao emprego de habilidade no agravamento de tensões e conflitos, independentemente de armar o braço daqueles países que podem — se convertidos à Nova Ordem — interromper ou prejudicar o transporte terrestre ou marítimo do combustível. Já começam a restar poucas opções aos americanos, sendo uma delas a de abrir o jogo com os russos, em termos de não-intervenção nas fontes vitais de suprimento de petróleo para o mundo ocidental sob pena de um conflito militar em toda a sua dimensão. É provável que pareça estranho ou mesmo temerário fazer previsões ou análises sobre os destinos do mundo ocidental. Quando o autor iniciou, em princípios de 1978, a dramatização do problema do petróleo, pregando a mobilização nacional em torno do álcool, recebeu numerosos incentivos e adesões, mas ouviu também declarações do tipo: "não seja pessimista"; "o que é que V. tem a ver com o álcool?"; "não temos motores, é precipitado". E, para que não se pense que tais declarações foram feitas por pessoas sem vinculação com o problema

energético, a mais negativa partiu de alta personalidade de organismo ligado ao Proálcool. Prosseguindo na análise dos efeitos da bomba P — no passado o P representava a explosão populacional e hoje representa a somatória dessa explosão com a crise do petróleo ---- tudo indica que aos Estados Unidos interessa: — Garantir as fontes supridoras de petróleo a preços suportáveis, enquanto desenvolvem o aproveitamento das demais fontes tradicionais de energia e novas alternativas; — Impedir que a crise de petróleo desestabilize o mundo ocidental, garantia de sua própria segurança, inclusive, nos dias de hoje, da América do Sul e Central. Essa política tem duplo resultado para os Estados Unidos, pois evitando o caos nas Américas garante, ao mesmo tempo, a estabilidade de uma região que será autossuficiente em combustíveis substitutivos do petróleo, e poderá contribuir para que não se concretize a sua total escravidão aos potentados do Oriente Médio. Ora, se aos Estados Unidos interessa garantir a estabilidade das Américas — e se não o compreenderam não tardarão a fazê-lo — como conseguir tal desiderato? A pedra angular da formulação de uma nova política norteamericana para a América do Sul e a América Central se baseia na aceitação de sua importância geopolítica (no passado relegada à última prioridade), cessando de estimular divisões artificiais que não levam a parte alguma. O Brasil, a Argentina e a Venezuela são o tripé sobre o qual deve assentar, e assentará um dia, a busca da estabilidade da América do Sul. E por que a Venezuela, rica em petróleo, deveria interessar-se por uma nova organização geopolítica da América do Sul? Afinal, os resultados dos sucessivos aumentos do petróleo beneficiam enor-memente a Venezuela, um dos grandes produtores mundiais. Na verdade, de que vale a Venezuela ser uma nação rica, se o caos econômico afetar a América do Sul e em particular o

Brasil, pondo em risco a sua estabilidade política? Ou alguém acreditará que o Brasil é Cuba, em tomo da qual se colocou um cordão sanitário geopolítico? O naufrágio do Brasil arrastaria consigo toda a América do Sul. É esta a razão fundamental para que a Venezuela faça uma revisão urgente em sua política petrolífera, buscando beneficiar-se de outras vantagens, com a sua integração no conjunto de nações que devem manter a estabilidade do subcontinente a que também pertence, permitindo o progresso econômico conjunto e a restauração plena, nele, do regime democrático. De outra forma, ao invés de todos se beneficiarem da integração econômica efetiva da América do Sul, restará apurar os saldos do cataclismo, do qual sairão afetados os Estados Unidos e a Venezuela. A cada dia cresce a desestabilização econômica da América do Sul, no particular, enquanto o Brasil, por exemplo, luta por efetuar no Oriente Médio vendas e serviços capazes de fazer voltar parte dos parcos recursos que vem despendendo na compra, a preço cada vez mais alto, do petróleo de que necessita. Nesta análise sem vinculação com a política do Governo brasileiro, mas, ao contrário, discutindo-a, tudo leva a crer que ao empresário estudioso dos problemas nacionais e internacionais, especialmente quando vinculado à crise do petróleo, será recomendável: — Uma política de ajuste dos interesses comuns do Brasil, Argentina e Venezuela, abrangendo não só a área econômica, através de uma definitiva integração de interesses, como particularmente o ângulo energético. Não parece difícil compreender que os custos para a Venezuela, de tentar sobreviver com o seu atual regime político, em uma América do Sul com o Brasil seriamente atingido, serão superiores aos de ajustar-se com o Brasil, para permitir que tal desequilíbrio não ocorra.

— Impedir que uma corrida armamentista se implante na América do Sul, inclusive pelo temor ao canibalismo energético, hipótese que não pode ser afastada, se não houver compreensão e maturidade de todas as nações envolvidas. A hora de uma grande crise exige de todos, coragem de decisão e espírito aberto. Devem os brasileiros unir-se em torno daque-les que assumiram o Governo do País faz tão pouco tempo. Por certo procurarão eles colocar-se à altura do desafio que está proposto, aliás a única alternativa válida, inclusive combinando uma agressiva política interna de desenvolvimento de alternativas com uma revisão da política externa, presente sempre a circunstância de que não temos esquadra no Mediterrâneo.

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A CRISE DOS ESTADOS UNIDOS COM O IRÃ Não teria sido difícil prever a eclosão de graves conflitos inter e supranacionais nos países do Golfo Pérsico. Havia, não faz mais de 50 anos, um conjunto de ingredientes imbatíveis, capazes de gerar tensões e conflitos de interesses de toda a ordem, desde os de origem religiosa e política até os de natureza econômica e militar. Desenvolveram-se dentro desse cenário os acontecimentos históricos que explicam a crise atual entre os Estados Unidos e o Irã, com logicidade fácil de encontrar, bastando que se examinem os fatos num videoteipe destinado a torná-los perfeitamente assimiláveis. Quando o mundo ocidental entregou o seu destino ao petróleo, isto é, no momento em que a Royal Dutch e a Shell conseguiram fosse aceito pelo Almirantado inglês substituir o combustível de suas naves de guerra, com o abandono do carvão e adesão aos derivados de petróleo, escrevia-se o primeiro capítulo de uma longa história, menos pelo tempo em que se desenrolou do que pela velocidade com que os acontecimentos se sucederam. Nessa oportunidade, Henri Deterding, o incorporador dos interesses das duas companhias, declarou algo como: "agora poderemos crescer, pois temos o apoio decisivo de uma grande nação a nos dar cobertura". De fato, a história do petróleo passou a se confundir com o progresso alucinante de certos países, ao mesmo tempo em que a sua existência em regiões antes ignoradas pelas grandes potências as mobilizava por inteiro, gerando guerras, cirandas de governos títeres, sem a menor preocupação com o progresso e o bem-estar daqueles que lá viviam. A vida ou a morte de seres humanos era irrelevante, diante das estatísticas de barris de petróleo a

serem retirados, permitindo-se que países e emirados, às vezes gerados artificialmente, tivessem os governos que melhor servissem aos objetivos nacionais e supranacionais na exploração de um combustível farto, barato e com mercado garantido. Exemplo clássico da construção da civilização do petróleo é a doação de lampiões a querosene feita à China, muito antes da revolução comunista, objetivando — com sucesso posterior — criar mercado para os derivados de petróleo. E ao longo dos anos criaram-se empresas poderosas que escravizaram os homens através dos bens de consumo, dos quais ficaram dependentes ao ponto de não poderem deixar de consumir, de forma crescente, o petróleo A civilização moderna, quanto à parte capaz de consumir, está dependente de automóveis, plásticos etc., num grau semelhante ao dos jovens que se entregam à maconha — e nem sempre são apenas jovens, infelizmente. Por sua vez, tais empresas escravizaram nações, compraram políticos, militares, burocratas, em todos os quadrantes da Terra, afrontando populações inteiras, em busca da manutenção do controle sobre as jazidas de petróleo no maior volume possível. Enquanto o esquema funcionou, a história se escreveu de certo jeito . Grandes nações deram cobertura aos interesses das chamadas Sete Irmãs, que se desentendiam, desestabilizando governos, com vistas a fazer trocar de dono determinada jazida de petróleo. Não era raro associarem-se entre si, na impossibilidade de afastar a concorrente, firmando acordos nos quais não eram ouvidos os legítimos donos da riqueza mineral que o pais-objeto detinha. Os títeres bem treinados das multinacionais faziam o dirty work, assinavam o que fosse necessário e engordavam, assim, as suas contas no exterior. Foi dentro desse quadro que o Brasil optou pela Lei 2.004, criando o monopólio estatal do petróleo. Foi dentro desse quadro que o Irã permaneceu, por longos e longos

anos, como dependência de países estrangeiros. Até mesmo quando do brutal aumento dos preços do petróleo, o Irã prestou-se docilmente à reciclagem dos petrodólares, comprador que era de bugigangas eletrônicas, sob a forma de armas sofisticadas que nem mesmo o seu exército estava em condições de operar, sequer para manter o status quo , quando o governo do Xá foi ameaçado. O Irã era também comprador de usinas nucleares, de fábricas, de aviões comerciais, estimulado a se endividar ao máximo, ao ponto de sua receita de petróleo não cobrir os débitos que assumira. O Xá do Irã, de seu lado, temendo uma mudança na situação, acumulava no exterior fortuna pessoal que só podia ter origem nas receitas da Nação, e de forma considerável. Foi essa uma situação absurda, fermento do fanatismo reinante hoje; que os países ricos do mundo ocidental estimularam. Não há por isso, país desenvolvido no Ocidente com direito a reclamar contra os desregramentos que estão a ocorrer, pois estimularam os desregramentos responsáveis pela nova realidade instalada. Sendo a política a arte do possível , não adianta apenas ana-tematizar os erros do passado. Hoje há uma conjuntura concreta, ameaçando não só aqueles que levaram ao seu aparecimento como, em maior escala, os países pobres, cada dia mais pobres, e que em nada influíram nos acontecimentos já ocorridos. Tais países ajudaram a enriquecer as multinacionais, e já o vêm fazendo há muitos anos. E agora contribuem, também, para enriquecer os países produtores de petróleo. Para os países pobres só restam dois comportamentos que não são mutuamente excludentes: desenvolver os seus potenciais nacionais alternativos para o petróleo, e esperar que os países ricos, cansados de ser vítimas de seus próprios erros, se libertem de quaisquer sentimentos de culpa e reorganizem pela força, se necessário, o mercado mundial de petróleo. A segunda hipótese pressupõe um

eventual acordo russo-americano, com vistas a manter a estabilidade das economias socialista e capitalista, ambas ameaçadas hoje pelos estertores precoces do petróleo, antes de esgotar-se na prática como combustível fóssil, sob condição de que tal acordo não seja feito também em detrimento dos países pobres. É por isso que a crise entre os Estados Unidos e o Irã, parte de um contexto em que não se deve procurar um encadeamento lógico formal, tem aspectos positivos e aspectos negativos. Entre os primeiros podem ser alinhados: a vantagem de um confronto com a verdade, numa região crítica em termos econômicos e geopolíticos, podendo conduzir a atitudes mais firmes da maior potência mundial, inclusive quanto à necessidade de economizar petróleo; a inevitabilidade de tangenciar um confronto com a Rússia, antes de qualquer acordo; e o contingenciamento no controle das multinacionais de petróleo, inconsequentes fermentadoras do mercado spot , na ânsia de maiores lucros. No tocante aos segundos — os aspectos negativos — podem ser enumerados todos aqueles que hoje conturbam o mundo ocidental, como a desvalorização do ouro, os prognósticos quanto à recessão econômica e a incerteza quanto ao futuro do mundo não-comunista, aí incluídos os países pobres, como o Brasil, que pretendem ser democráticos e, para tanto, precisam garantir os insumos energéticos de sua economia, a preços suportáveis. Na longa caminhada da civilização do petróleo, feita em pouco tempo, a Revolução Tecnológica é a marca transcendental. E para ganhar o tempo indispensável à transição do petróleo para formas substitutivas de energia, válidas e seguras, todos esperam que os Estados Unidos da América do Norte, conscientes dos erros do passado, não se curvem diante de quaisquer chantagens assumindo posição firme na garantia de seus próprios suprimentos e daqueles que interessam às demais nações dependentes dentro de um

contexto catártico que não venha a significar mero alívio para os países ricos e mais um nó a estrangular os países pobres, que já estão de língua de fora.

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LEI SECA NO BRASIL No confronto entre as necessidades humanas e os hábitos de consumo versus planejamento estatal, não é incomum que as leis do mercado atropelem o planejamento e os planejadores, os quais ficam atônitos diante de uma realidade que não souberam antecipar. É provável que todo o mérito do planejamento resida na capacidade de antecipar situações, ajustando-se os planos de forma dinâmica à evolução dos acontecimentos, a fim de permitir tenham eles vinculação com o cenário que se pretende induzir. Já tivemos oportunidade de tratar do problema da paquidermia . No caso da crise do petróleo em termos brasileiros, o País está se deixando dominar pela doença, pondo em risco valores de tal ordem que as consequências transcendem à própria capacidade de antevisão, por maior esforço de imaginação que se faça. De forma sintética, o diagnóstico das falhas de planejamento no particular teria as seguintes componentes básicas: — Problemas de origem psicológica, levando a não querer admitir a magnitude do desastre representado pela dependência do petróleo — hoje caracterizado pela dificuldade de sua obtenção, que nos leva a depender em quase 50% dos fornecimentos do Iraque, e pela explosão dos preços, que já atingem até 50 dólares o barril no mercado spot . — Consequente raciocínio em termos volumétricos, ignorando que a limitação das compras brasileiras no mercado internacional será inevitável, devido aos custos, o que obrigará a um racionamento tão mais expressivo, em termos volumétricos, quanto maior a pressão sobre a nossa combalida economia.

— Falta de preparação da opinião pública para enfrentar medidas de emergência diante de uma agressão externa, sem o estrondo das bombas e granadas, mas tão ou mais perigosa, face à ausência de uma mobilização nacional adequada, para enfrentar o ataque em realização. — Elaboração de planos que seriam válidos se existissem condições de previsibilidade razoável quanto à disponibilidade do petróleo, não só em volume como em preço, porém necessitados de uma componente de urgência ainda ausente, apesar do esforço inicial na reformulação do Proálcool. — Colocação pouco realista quanto aos volumes de álcool a serem produzidos, à sua localização geográfica, e ao desenvolvimento tecnológico acelerado da conversão e produção de motores e turbinas à base de álcool como combustível. É dentro do contexto esboçado acima que se deve entender o posicionamento brasileiro. Há um evidente descompasso entre as exigências específicas da Nação e o planejamento do Estado. E tanto é verdadeira essa assertiva que o nosso Governo, ainda na fase introdutória, já tratou de reformular o Proálcool, buscando preencher o descompasso citado, sem conseguir fazê-lo no nível e na velocidade que os acontecimentos impõem. Qual o papel daqueles que vêm se batendo por um modelo energético brasileiro, fundado em duas premissas fundamentais: análise lógica e soluções racionais? Tudo indica que é insistir, como já vêm fazendo, numa contribuição que deve ser encarada como construtiva, porque o Poder é efêmero e a Nação eterna. Só a humildade dos poderosos do dia permitirá se possa contribuir para salvar o Brasil do estádio 3, aquele em que o limite de escoamento de uma peça é atingido e se está no limiar da ruptura. Cabe, por isso, colocar lealmente uma indagação diante da sociedade brasileira e de seu Governo: o que se fará quando o petróleo atingir o preço médio de 30 dólares,

talvez no início de 1980, representando, em conjunto com os juros da dívida externa que gera, um dispêndio em moeda estrangeira quase igual ao resultado de toda a exportação? Será que ainda há oportunidade para discussões bizantinas sobre a utilização máxima do álcool, seu custo, poluição, desgaste de motores, certificação de conversão de motores por entidades oficiais ou para-oficiais? Será que os problemas para a produção em escala muito superior à das novas metas aprovadas pelo CDE são tantos que justificariam abrir a produção de álcool às multinacionais de petróleo, as quais por certo, bem remuneradas, não teriam dificuldades em atingir metas bem mais ambiciosas, considerando que álcool é petróleo? Ou será mais fácil perfurar poços para pesquisa ou produção de petróleo, às vezes com 200 m de lâmina de água, e três ou quatro mil metros de profundidade A pressão dos acontecimentos como hoje estão sendo enfrentados vai atropelar os planos oficiais. Daqui a poucos meses novas desgraças no setor de petróleo farão com que surjam novas perplexidades. Declarações do tipo "o juiz foi desonesto", tão comuns no futebol, serão feitas na tentativa de ocultar mais uma vez a falta de previsão, atribuindo a culpa de tudo às ações imprevistas dos países produtores. E, nessa oportunidade, o racionamento, por absoluta falta de capacidade de continuar sustentando o dispêndio com o petróleo, será uma medida obrigatória, não planejada corretamente, com a implantação gradual de um plano de emergência pensado, elaborado e permanentemente atualizado. É provável que dentro de pouco tempo, ainda em 1980, o Brasil venha a ter uma vasta produção clandestina de álcool. Para não parar seus veículos e frota de transporte, os consumidores partirão para plantar cana-de-açúcar e para a destilação caseira, com o uso de alambiques. Deverá surgir ao mesmo tempo um mercado paralelo de álcool, com

carros-pipa vendendo-o a preços superiores aos de tabela, tal qual hoje vendem água em regiões do Joá e da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Se verificada tal conjuntura — o que é mais do que possível —, a conversão dos motores terá fugido a qualquer controle, como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial com as adaptações do gasogênio. Também é possível que nada do que está assinalado venha a ocorrer. Novos campos de petróleo poderão vir a ser descobertos (o que não significa que estarão em exploração), levando o País, em 1985, a uma disponibilidade de álcool ou petróleo. Caberia, na oportunidade, criticar os defensores de metas mais ambiciosas do que os dez bilhões de litro previstos hoje. Só que o excesso de previsão, se houver, permitirá ao Brasil exportar álcool ou petróleo, numa época crítica. De outra parte, nada se ouve dizer sobre um vastíssimo plano de usinas álcool-elétricas, com a substituição das que hoje consomem derivados de petróleo, e gerando excedentes mobilizáveis de álcool em caso de crise. As experiências sobre o assunto se iniciaram ainda por iniciativas do Ministro Cézar Cais, quando Diretor da Eletrobrás. Devem, porém, ser aceleradas, inclusive, se necessário, com a compra de know-how estrangeiro plenamente testado. É claro que se os países desenvolvidos tivessem adotado a solução álcool, como base da alternativa energética para o petróleo nesta fase de transição, a conversão e produção de motores e turbinas já não estariam em discussão, e o problema técnico já estaria resolvido. Trata-se, portanto, de comprar caro no País, e se necessário no exterior, a tecnologia indispensável à salvação nacional sob pena de, ao contrário, pagar muito mais caro os custos dos atrasos e imprevidências. Para o autor, antigo defensor do desenvolvimento tecnológico do país, com proteção dos interesses nacionais, parece razoável — em casos determinados e setorialmente — acelerar o progresso de aquisição de soluções

tecnológicas, pois, de outra forma, se estará pondo em risco todo o complexo segurança e desenvolvimento . O Brasil goza hoje de um privilégio, representado pelo seu nível de insolação, disponibilidade de terras, água e mão-de-obra. São fatores de produção aos quais se pode, agregando o capital, confiar a solução do impasse energético existente. Daí parecer coerente, com toda a pregação que vem sendo desenvolvida sobre a grande crise do petróleo e o papel do álcool como solução alternativa, insistir no sentido de que o esforço de mudança que se está tentando seja formulado com ambição triplicada. É preciso confiar na iniciativa dos brasileiros. Foram eles que levaram a soja, em poucos anos, a cerca de 10 milhões de hectares plantados; foram eles que recuperaram, em dois anos, 1 bilhão de pés de café destruídos pela geada, de um total existente no país de 1,5 bilhão de pés. A economia de mercado atua com sucesso no Brasil. Se o álcool tiver bom preço, localização determinada e comprador garantido, a produção explodirá, trazendo inclusive grandes benefícios marginais. Veja-se o caso do Vale do São Francisco, onde se pode plantar cerca de 1 milhão de hectares de cana-deaçúcar com o emprego de irrigação, obtendo aproximadamente dez bilhões de litros de álcool, admitida a produção de 100 toneladas por hectare e de 100 litros de álcool por tonelada. Considerando o custo do emprego hoje gerado no Nordeste (cerca de US$ 20.000), se o plano sugerido viesse a custar cinco bilhões de dólares, gerando cerca de 500.000 empregos, ter-se-ia o investimento de 115$ 10.000 por emprego. É fácil conceber que, nos próximos seis a dez anos, terão de ser gerados no Nordeste muito mais do que 500.000 empregos. E a que custo? E produzindo o quê, com maior significação econômica do que o álcool? Eis aí considerações que precisam ser feitas. Precisamos de flexibilidade nas opções macroeconômicas. O autor tem defendido o estabelecimento de polos produtores próximo

aos centros consumidores, ligados por dutos de preferência. Não se deve descartar, porém, a hipótese de aproveitar também polos de alta energicidade, com custo de terra quase cem vezes inferior ao de áreas em São Paulo, justificando dispêndios vultosos em alcooldutos extensos

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A PETROBRAS E O ÁLCOOL A Petrobras é uma empresa com capacidade de gerar reações emocionais. Não tanto devido a fatores imponderáveis, mas pelo próprio tipo de atuação para a qual foi criada, em meio a uma campanha nacional de ampla repercussão. Na época em que se discutia a solução a ser dada ao problema petrolífero brasileiro, nos anos 50, travou-se um duelo de morte, prevalecendo o monopólio estatal do petróleo a cargo da Petrobras. Havia razões que justificavam tal comportamento, dada a conjuntura existente no Brasil e no mundo. O petróleo era fonte de guerras entre empresas, as quais, protegidas pelos países de origem, faziam e desfaziam governos nos países subdesenvolvidos, patrocinando mesmo algumas guerras de fato, corno a do Chaco, por exemplo. Discutiu-se, na época que antecedeu a criação da Petrobras, quanto aos malefícios que poderia representar para o País a abertura de suas portas às multinacionais de petróleo. Ontem, como hoje, visavam elas apenas ao lucro, desinteressadas da estabilidade política, econômica ou social dos países em que se instalavam. Aliás, as consequências dos erros políticos das multinacionais do petróleo — cada dia mais ricas — aí estão, visíveis a olho nu, desde o Oriente Médio até a Venezuela. Em seu rastro não ficaram o progresso, a ordem e a democracia. Muito pelo contrário, geraram problemas de toda a ordem, até mesmo nos Estados Unidos, onde Rockfeller chegou a ser considerado inimigo público no 1 pelo Presidente Theodore Roosevelt. Optou o Brasil, portanto, por uma solução que se pretendia fosse nacionalista, capaz de dar autonomia de

combustível e de refinação com a aplicação dos lucros no País, evitando as deseconomias que os adeptos da Petrobras apontavam na solução antimonopolista. E assim nasceu e cresceu a Petrobras, sob o signo da esperança do povo brasileiro com o apoio de civis e militares desejosos de encontrar na atuação da empresa a resposta aos seus anseios de liberdade e desenvolvimento. Como é raro a história registrar anseios atendidos, particularmente quando idealistas se batem por soluções dependentes de outros que irão implantá-las, a Petrobras não fugiu à rotina. Baseada no petróleo barato, no refino lucrativo e em outras vantagens que pôde aproveitar, usou o monopólio para tornar-se um, conglomerado de empresas, voltadas todas para a sua própria expansão, descuidadas de cumprir a missão fundamental para a qual a empresa-mãe tinha sido originalmente criada. A Petrobras tornou-se, de fato, mais uma das irmãs que dominam o mercado petrolífero internacional, com predominância, em diferentes escalões de sua administração, da mentalidade existente nos executivos de qualquer multinacional. E a Petrobrás cresceu, cresceu, até que surgiu a crise do petróleo em 1973. Durante os últimos seis anos, os executivos da. Petrobrás acreditaram que o petróleo seria um produto disponível nas quantidades necessárias e a um preço suportável. Infelizmente o Brasil, se dispõe em seu subsolo de petróleo em abundância, guarda essa riqueza de forma avara. Em 1979, depois da crise do Irã, com os preços do petróleo subindo descontrolavelmente, os, executivos da Petrobrás começaram a verificar, entre consternados e atônitos, que é improvável, se bem que não impossível, o Brasil descobrir grandes jazidas de petróleo. Verificaram também que é indispensável garantir a estabilidade do País, mediante apelo a fontes alternativas de petróleo. Acontece que ao longo de seus 25 anos de vida, a Petrobras gerou muitos descontentamentos e destruiu muitas ilusões. Por outro lado, aqueles que se opunham ao

monopólio estatal do petróleo hoje apontam os fracassos da empresa, esquecendo os seus, sucessos, particularmente no domínio de urna tecnologia sofisticada e de ponta. A realidade de 1979 é diferente daquela dos anos 50. Não é hora de desmoralizar a Petrobras e marginalizá-la da solução do problema dos combustíveis derivados do petróleo e de suas alternativas. Sem que a Petrobras sofra alterações em sua estrutura e em seu comportamento para enfrentar novos desafios, não é possível garantir que soluções alternativas, em termos institucionais, viessem a apresentar vantagens sobre a utilização da empresa nesse sentido. O problema do álcool — é preciso enfatizar até a exaustão — tem peculiaridades vinculadas à própria sobrevivência nacional que dizem respeito ao cerne da segurança do País. E por que? Primeiro. Se os Estados Unidos, com todas as suas esquadras nos diferentes oceanos, independentemente de seu poderio militar global, temem um estancamento na importação de petróleo, pendurados num tênue fio de petroleiros ao longo dos mares, como deve se sentir o Brasil? Logo, a hipótese de estancamento total ou parcial tem de ser admitida. Segundo . Admitida a hipótese formulada, todo o planejamento da produção, transporte e distribuição do álcool ganha enverga-dura diferenciada, não comparável à de qualquer outro programa. Isso significa que os volumes a serem produzidos, com todas as medidas consequentes nos demais campos, são prioritários e urgentes, devendo os prazos para a sua obtenção constituir função da hipótese de estancamento total. Terceiro . A produção brasileira de álcool é função da dispo-nibilidade de petróleo a preço acessível para o País, custando menos, em todos os sentidos, produzir álcool rapidamente, a qualquer custo, do que continuar o País a

trabalhar a fim de transferir o fruto de seu suor para as nações produtoras de petróleo até não aguentar mais. Quarto . No cenário atual, os interesses secundários devem ser deixados de lado. Se os empresários da agroindústria açucareira e outros interessados no setor pretendem manter o controle do processo, visando a beneficiar-se da situação, o Estado e a Nação não podem condicionar a sua salvação nem aos países produtores de petróleo, nem às multinacionais do setor, nem aos empresários brasileiros hoje a ele vinculados. O empresariado brasileiro — sozinho ou associado, com controle efetivo das empresas — terá de voltar-se para a produção de álcool, trazendo ao crescimento do setor um aporte de tal significação que o segmento hoje envolvido na problemática será absorvido pela nova estrutura empresarial em vésperas de surgir. Quinto . De uma parte, o País exige um crescimento vertical na sua produção e utilização de álcool. Talvez 30 bilhões de litros para 1985 seja até uma meta modesta, inclusive diante das conclusões da CPI da Câmara Federal sobre fontes alternativas de energia. O próprio autor, que se havia fixado na meta de 30 bilhões de litros para 1985, apresentada a 27 de junho de 1978 em depoimento perante a referida CPI, hoje está procedendo a uma revisão de posição no pressuposto de que a meta a ser perseguida em volume, no País, é tanto maior quanto menor a disponibilidade de recursos estratégicos e econômicos capazes de assegurar a continuidade dos fornecimentos de petróleo. De outra parte, para atender a uma demanda de álcool superior a 30 bilhões de litros, no menor prazo possível, o equacionamento do problema tem de levar em conta a existência da Petrobrás. Sexto . Os pontos críticos do Programa Nacional do Álcool, segundo as metas a que inexoravelmente o Governo será levado a curtíssimo prazo, estão localizados na fixação dos polos produtores no atendimento da demanda industrial

consequente e na fixação dos meios de transporte da produção desses polos para os centros consumidores, utilizando aquavias e dutos — formas econômicas de fato para fazê-lo, independentes das distorções hoje existentes em setores como o do transporte marítimo. Como deixar de lado a Petrobrás, ou dar-lhe um papel irrelevante, quando deverá caber-lhe: - Compatibilizar o uso dos derivados do petróleo e do álcool, para evitar soluções caóticas e antieconômicas; — Transportar o álcool através da sua rede de dutos e de alcooldutos especialmente construídos; — Armazenar completamente o álcool, medida indispensável para a regularização da distribuição e para a criação de estoques estratégicos a serem manipulados em paralelo com os estoques estratégicos de petróleo; — Distribuir o álcool para o consumo, se possível de forma independente, na medida em que o álcool, como solução brasileira, não deve servir para dar lucros às multinacionais de petróleo? Na verdade, as situações de emergência exigem coragem, principalmente coragem. A confiança em que há tempo para encontrar soluções ótimas já, gerou o problema que ai está, à vista de todos. Existirão sempre interesses contrariados, reclamações, conforme ocorre até nos campos de batalha, em guerras convencionais. A guerra que o Brasil está travando não é uma guerra convencional: trata-se, de fato, de uma agressão econômica, cujos resultados — se não for enfrentada corretamente — conduzirão o Pais de volta à idade da pedra, conforme afirmou o ex-Ministro Mário Henrique Simonsen. O autor, faz cerca de um ano, expôs o problema mais ou menos nestes termos ao então Ministro da Fazenda, que perguntou: "E quem é contra o álcool?”. Diante da resposta de que ninguém era contra, porém não havia suficiente conscientização a favor, comentou que não fazer oposição era negativo. Hoje há oposição ao Programa, e a pior delas consiste na tentativa

de convencer o Presidente da República e a Nação de que meias medidas são medidas inteiras. Cabe àqueles, convictos de estar vendo claro o desastre que se aproxima - oxalá estejam errados! —, mostrar que há oposição ao Programa do Alcool para impedi-lo de atingir a dimensão que deveria ter.

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PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA Introdução O Brasil já está vivendo em situação de emergência energética, devido à crise do petróleo. Não é mais hora de apresentar argumentos para provar essa tese. Aqueles que já se convenceram da situação de emergência, cabe pensar em como enfrentá-la, tentando atenuar a colisão com a realidade. Aos que não se convenceram é de desejar — mesmo sendo isso improvável — que tenham razão. Foi esse o raciocínio adotado pelo autor em seu depoimento na CPI da Câmara Federal sobre fontes alternativas de energia para substituir o petróleo, realizado em 27 de junho de 1978, quando apresentou o trabalho "Álcool: Uma Agenda para o Presente". Na oportunidade declarou: "No que se refere ao Brasil, houve, sem sombra de dúvida, a compreensão de que o fenômeno representado simbolicamente pela OPEP afetava profundamente toda a arquitetura da economia do País, no mínimo a curto e médio prazos. Ao mesmo tempo, sem pretender apontar responsáveis, talvez por culpa de nosso estágio de desenvolvimento econômico e de nossas limitações e servidões culturais, é possível deduzir que a reação ao desafio proposto à nossa revelia foi extremamente dúbia: combateram-se os desperdícios com urna cerimônia fidalga, inclusive quanto a uma contenção enérgica no consumo de combustível; de outra parte, estabeleceu-se uma estratégia de ataque direto ao fenômeno, baseada fundamentalmente no investimento maciço em pesquisa de petróleo (com resultados na plataforma marinha que indicam ser tal política a sua justificativa), sem no entanto ter havido a

coragem de proceder com a mesma desenvoltura na busca de fontes alternativas de energia. Faltou, assim, a capacidade de mobilização nacional para enfrentar uma situação capaz de gerar tensões sociais e econômicas sérias. A contrapartida foi um elenco de meias medidas (não discutimos as boas intenções com que elas foram tomadas) que afetavam a capacidade de resistência do País e minavam a sua saúde, quando se oferecia a possibilidade de um amplo movimento de aglutinação nacional, com todas as conotações de sacrifícios a serem feitos e relocações de recursos e esforços. Quanto aos sacrifícios, referimo-nos ao estabelecimento de uma quota máxima de combustível a ser consumido, associada a uma política de estímulos, em cruzeiros, adequada à exportação de automóveis. No tocante ao movimento de aglutinação e mobilização, preconizamos uma alocação e relocação de recursos capazes de incorporar o País rapidamente à era do álcool, conforme sua vocação ecológica e suas reais possibilidades". Hoje e aqui — quando o citado depoimento na Câmara Federal se torna cada vez mais afastado no tempo — seria possível continuar fazendo a mesma afirmação. Se houve conscien-tização em termos de know-why , ainda falta muito em termos de know-how , de saber de fato como enfrentar a crise. E as soluções apresentadas conflitam entre si, demandam anos para se tornarem realidade, quando já se está vivendo em situação absolutamente emergencial. Deixando de parte raciocínios baseados em utopias inviáveis , cumpre estabelecer a estrutura de um Plano de Emergência para a substituição do petróleo importado, no todo ou de forma significativa. A base fundamental do raciocínio que leva à elaboração de um Plano de Emergência como o que vai ser indicado, sujeito a mudanças em função do nível de informação e instrumentação do Poder Público, é a absoluta inocuidade de quaisquer controles volumétricos da importação, em si

mesmos. Voltados, por enquanto, para os problemas de energia, tentando contribuir para blindar o calcanhar de Aquiles do Brasil, temos reiteradamente afirmado de nada valer a contenção de 10 ou 20% no consumo do petróleo. Um aumento de preços suave — em função do apetite dos países produtores — engole as restrições volumétricas em ritmo alucinante. É daí que o Plano de Emergência pretende examinar alternativas para hipóteses de estancamento, total ou parcial, na importação de petróleo. Tais hipóteses, por mais antipáticas que se afigurem, devem ser obrigatoriamente consideradas. Na conjuntura em que o Presidente dos Estados Unidos declara estar o abastecimento de petróleo na dependência de um tênue fio de petroleiros ao longo dos mares do mundo, o Brasil não pode ignorar que está correndo riscos maiores, seja pela dependência da importação de petróleo, seja pela incapacidade de proteger, militar e politicamente, as suas linhas de abastecimento. De outra parte, conforme assinalado, a evolução dos preços do petróleo já hoje apresenta riscos de estancamento, por incapacidade de arcar com o peso dos custos econômicos, políticos e sociais da dependência existente. O Plano de Emergência se configura como uma imposição das circunstâncias. A sua elaboração permitirá estabelecer premissas fundamentais sobre estoques de petróleo e álcool, bem como sobre volumes mínimos de álcool a serem produzidos ou sobre a infraestrutura para fazê-lo em tempo — em função da garantia de um mínimo de normalidade para o País. Outrossim, permitirá a aplicação imediata de medidas necessárias à garantia de sua exequibilidade. Cumpre ainda reiterar que o Plano de Emergência delineado não pretende ser definitivo. É uma contribuição a ser urgentemente ajustada, com amplo conhecimento e contribuição da sociedade brasileira, independentemente do seu caráter indicativo.

As hipóteses de trabalho serão estabelecidas para duas situações extremadas, como são o estancamento total da importação de petróleo e o seu estancamento parcial, de 50%. São hipóteses que podem variar entre os dois limites, devendo ser estabelecido um modelo capaz de ser operado de forma a permitir a aplicação de medidas eficazes, com pleno conhecimento de suas possíveis consequências. É fundamental esclarecer que para as duas hipóteses citadas se impõem algumas medidas comuns com intensidade diferente, a saber: racionamento de consumo para automóveis, mesmo os convertidos para o uso de álcool; carburação no emprego dos motores diesel com até 40% de álcool, independentemente do emprego do álcool aditivo, na base de substituição de óleo diesel por 80 a 90% de álcool, o mais rápido possível; estabelecimento de um plano de motores e veículos alternativos, inclusive estimulando o seu uso e facilitando a sua compra; preparação, com todo o detalhe, e implantação do uso do carvão e até da eletricidade, em vez do óleo combustível — independentemente das pesquisas com o metanol e inclusive mediante emprego do gasogênio de carvão com injeção de oxigênio; estocagem de petróleo, melaço e álcool, nos volumes indispensáveis à obtenção do tempo necessário para colocar em prática as soluções preconizadas; utilização de alternativas de resposta rápida, para a produção de maiores volumes de álcool, como o uso do milho, por exemplo. No caso particular do milho, deve-se considerar a sua existência no País e que se ele não puder ser transportado de nada vale, procurando um acordo com os Estados Unidos para o fornecimento de destilarias, operando em prazo não superior a um ano para os volumes complementares constantes das alternativas de estancamento, dadas as possibilidades reais de fornecimento nacional, no todo ou em parte, do equipamento necessário. Outrossim, não se cogitaria de posteriormente paralisar as destilarias que operassem com

o milho como matéria-prima, mas, ao contrário, de expandir a produção desse grão, mantendo as usinas em funcionamento nos centros a serem selecionados, inclusive em função do transporte, silagem e tancagem, tanto da matéria-prima como do produto final. Cumpre esclarecer, por último, que as alternativas de estancamento parcial ou total admitem duas etapas de planejamento: a correspondente ao primeiro ano de emergência e a do ano subsequente, já marchando para uma nova forma de normalização. O Plano de Emergência indicativo permite passar de uma situação de restrição de 50% nas importações de petróleo para aquela de estancamento total.

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PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA O estancamento de 50% da importação O Plano de Emergência a que nos estamos referindo tem como diretrizes básicas: — Buscar soluções cirúrgicas para problemas que não podem ser tratados pela homeopatia. — Enfrentar a realidade, fugindo das posições tímidas, com a coragem de admitir alternativas de restrição de importação nos limites de tolerância da economia nacional. — Esclarecer a sociedade brasileira sobre a verdade da situação que o País atravessa, acreditando na compreensão e na cooperação do povo brasileiro. O autor tem consciência do choque que causa a simples ideia de um estancamento de 50% ou do total das importações de petróleo. O objetivo é chocar mesmo. O choque maior será assim evitado: aquele decorrente da necessidade de aplicar medidas de emergência, atabalhoadamente: não estamos longe disso. A linguagem adotada é a de disponibilidades e consumos colocados em termos de bilhões de litros. De outra parte, foram adotadas premissas que serão relacionadas a seguir, sem pretensões de apresentar um Plano de Emergência acabado. Cabe ao Estado, como Poder Público, usar as sugestões apresentadas pela iniciativa privada e por outros segmentos da sociedade brasileira, montando e aplicando um Plano de Emergência sem se deixar dominar pela paquidermia . 1ª Premissa . Destilação atmosférica do petróleo permitindo obter 55% de óleo combustível, 25% de óleo diesel e 20% nafta. Essa premissa é vital, pois em situação de emergência, a curto prazo, não há tempo para estruturar

soluções alternativas para a substituição do óleo combustível já no primeiro ano. 2ª Premissa . Utilização do óleo combustível produzido pelo processo de destilação atmosférica do petróleo, enquanto se elaboram os planos finais para a sua substituição por carvão (diretamente), bagaço de cana, gasogênio com injeção de oxigênio, eletricidade e outros recursos já em estudo. É indispensável, no entanto, dividir os planos finais em duas partes: aquela de aplicação imediata, inclusive porque não podem ser completados em um ano, apesar de completamente detalhados, e aquela de aplicação no decurso do primeiro ano de emergência. 3ª Premissa . Substituição mínima de 40% do óleo diesel através da carburação e da aditivação. Ademais, é possível obter, sem aumento de consumo, maior eficiência mediante diminuição do número de automóveis em circulação e aumento da velocidade dos veículos pesados. A vantagem de tal política é que os ônibus absorverão, facilmente, o acréscimo de oferta advindo da diminuição do uso dos automóveis. 4ª Premissa . Consideradas as disponibilidades de álcool e gasolina, é recomendável utilizar a maior parte do álcool junto com o óleo diesel, para operar a frota de transporte urbano e de carga. Independentemente disso, haverá a utilização da gasolina produzida, mantendo-se parte da frota de automóveis em funcionamento — complementada a gasolina com álcool anidro ou hidratado, conforme se utilize a mistura ou o motor a álcool puro, convertido ou fabricado para tal. 5ª Premissa . Pleno uso da produção estabilizada de petróleo de origem nacional, bem como formação de estoques de petróleo adequados às necessidades. Quanto ao estoque de álcool, utilizando a capacidade ociosa das destilarias e o emprego de melaço, mesmo com sacrifício da produção de açúcar (em cerca de sete milhões de sacas),

deverá atingir um volume de entre nove e dez bilhões de litros de produção safra a safra. 6ª Premissa . Importação de derivados de petróleo que não possam ser substituídos no primeiro ano de emergência (a nível de restrição de 50% na importação de petróleo), com utilização preferencial de óleos vegetais hoje produzidos no Brasil, oferecimento de estímulos decisivos à sua produção e redirecionamento daqueles já disponíveis e indispensáveis ao Plano de Emergência. Admitidas essas premissas, as recomendações quanto ao primeiro e ao segundo ano de tal alternativa do Plano de Emergência seriam, considerada a importação de 26 bilhões de litros de petróleo e 11 bilhões de litros produzidos no País, as seguintes: 1º ANO DE EMERGÊNCIA Óleo combustível 55% de 37 bilhões de litros = 19 bilhões de litros, atendendo ao consumo atual. Óleo diesel 25% de 37 bilhões de litros = 9 bilhões de litros. Seriam acrescidos, no mínimo, 40% de álcool, representando de fato urna demanda de 7,5 bilhões de litros, considerado o poder energético do álcool. O quadro resultante obrigaria a um racionamento 1e cerca de 20% no atual consumo de óleo diesel. Gasolina 20% de 37 bilhões de litros = 7,5 bilhões de litros. Com a utilização de 1,5 bilhão de litros de álcool ter-se-ia, na pior hipótese, urna disponibilidade de 8,5 milhões de litros de

gasolina, ou seja, um racionamento de 50% no atual consumo. 2º ANO DE EMERGÊNCIA Considerando a vantagem de manter o estoque de petróleo intocado, ao longo de um período de estancamento de 50% de petróleo importado, a política a seguir seria a de só aumentar o consumo definido no primeiro ano de emergência através da utilização de fontes alternativas do petróleo, prioritariamente a eletricidade de origem hidráulica, o álcool e o carvão Admitidas as formulações básicas estabelecidas, com vistas a cortar a curtíssimo prazo 50% do petróleo importado, resta estabelecer algumas ações resultantes, ou seja, quais os volumes de álcool a produzir e quais as prioridades na aplicação dos recursos da Nação. Em termos de álcool, a demanda mínima prevista, de nove milhões de litros, é compatível com a capacidade das destilarias existentes no País, operando sem ociosidade. Para isso, dever-se-ia providenciar a formação de estoques de melaço ou outra solução de rápida implementação, que não dependa da fabricação de equipamentos. Quanto aos estoques de petróleo, são eles indispensáveis em termos de um volume mínimo compatível com o Plano de Emergência. Na realidade, a produção de álcool e os estoques de petróleo têm a sua quantificação obrigada. No caso do álcool, o problema é a decisão política sobre o nível do esforço nacional a ser desenvolvido. No caso do petróleo, a sua estocagem — na forma inclusive de derivados, conforme será exposto a seguir — deve atingir segundo tudo indica, 20 bilhões de litros. Ao ensejo cabem duas observações. — As dificuldades técnicas de estocagem devem ser resolvidas, inclusive, com o uso de grandes reservatórios subterrâneos, construídos em regiões com camadas de

argila mole, como é o caso da Rio—Santos, e o emprego de diafragmas de concreto. É uma sugestão já a nível de detalhe, apenas considerada a sua importância para efeito de implementação. — Os investimentos necessários ao aumento da estocagem são irrelevantes, visto que representam uma maneira de entesourar a riqueza mais disputada no mundo moderno.

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PETRÓLEO — PLANO DE EMERGÊNCIA O estancamento total da importação A importância da contribuição oferecida não deve ser medida pelos critérios indicados. Sejam eles inteiramente válidos ou estejam necessitados de reformulação, o significado da mensagem é de que deve ser feito e aplicado um Plano de Emergência para enfrentar a grande crise do petróleo. Não deve existir dúvida quanto às distorções psicológicas que obrigam os tecnoburocratas a repelir a contribuição da iniciativa privada, como se ela fosse um concorrente a temer na manipulação do Poder Nacional. Para o empresariado e para as demais forças vivas da Nação, o que interessa é o sucesso, estando todos prontos para aplaudir o Governo, mesmo quando alguns de seus componentes ocasionais se apropriam de ideias alheias, sem dizê-lo, ou quando se apresentam, de súbito, como salvadores de situações, de que tomaram conhecimento em virtude dos cargos que passaram a ocupar. Nada disso interessa, desde que ajam de forma correta, competente e rápida. A Nação não pode esperar que certos tecnoburocratas se mobralizem em suas novas funções, nem sempre conquistadas por capacidade e inteligência, às vezes até pela falta de tais atributos. O autor pede desculpas aos seus leitores pela digressão. É apenas o desabafo de quem usa boa parte de seu tempo disponível sem buscar outra recompensa senão a de ver o Brasil em fase de retomada do processo de desenvolvimento. E para isso é preciso que não se levem sempre anos a fio para adotar medidas óbvias, que desafiam conceitos elementares de bom senso.

Voltemos ao Plano de Emergência, elaborado para a alternativa de estancamento total da importação de petróleo, hipótese que pode ocorrer tanto devido a uma decisão consciente da sociedade brasileira, através do seu Governo, como por um abalo na estrutura econômica da Nação, causado pelos preços do petróleo incompatíveis com o balanço de pagamentos do País e o seu nível de endividamento externo, associado à estagflação interna. Aliás, a situação descrita já se está verificando em diferentes aspectos da vida social, política e econômica da Nação. As premissas a seguir enumeradas para a alternativa de que vimos tratando estão baseadas na pior hipótese, ou seja, em termos de o estancamento da importação de petróleo ocorrer de súbito, e não como consequência de uma evolução controlada. Caso existam condições evolutivas, passando do estancamento parcial para o total, as condições seriam mais favoráveis, excluída uma transformação em ritmo suave que levasse a um decréscimo dos estoques recomendados, sem a sua recomposição e sem a tomada de todas as medidas indispensáveis. 1ª Premissa . Destilação atmosférica do petróleo, permitindo obter 55% de óleo combustível, 25% de óleo diesel e 20% de nafta. 2ª Premissa . Aproveitamento de todos os progressos obtidos na substituição do óleo combustível por carvão, gasogênio com injeção de oxigênio, bagaço de cana e outras soluções. No caso de um estancamento total da importação de petróleo, a curto prazo, admite-se seja aditivado o óleo combustível com 20% de álcool, independentemente de um racionamento de 20% na sua disponibilidade no primeiro ano de emergência. É claro que está pressuposta, desde já, a tomada de medidas que não podem ser operacionalizadas no primeiro ano de emergência, para utilização no ano subsequente.

3ª Premissa . Substituição mínima de 60% do óleo diesel, através da carburação e da aditivação. Outrossim, é possível obter maior eficiência sem aumento de consumo, na medida em que diminua o número de automóveis em circulação, com aumento da velocidade dos veículos pesados. 4ª Premissa . O racionamento de gasolina para automóveis será função do álcool disponível para operá-los, admitindo-se que a prioridade para o óleo combustível e para o óleo diesel seja total. A nafta eventualmente produzida será aproveitada para a produção de derivados de petróleo mais leves. Também se recomendariam medidas de total estímulo à exportação de automóveis, durante o período crítico de substituição de derivados de petróleo pelo álcool, inclusive porque o álcool seria escasso na etapa inicial. Nota-se, portanto, que quanto mais álcool for produzido, menor a perturbação na produção de automóveis, com todas as vantagens consequentes, de ordem social e econômica. 5ª Premissa . Eventuais acréscimos na produção nacional de petróleo não estão computados. Eles funcionariam a favor da segurança, como também o faz a hipótese de estancamento total, sem admitir eventuais importações restritas de alguns derivados de petróleo. 6ª Premissa . Considerando o estrangulamento acarretado pelo estancamento total da importação de petróleo, são indispensáveis duas medidas: acréscimo imediato da produção de álcool, com garantia de poder elevá-la, em um ano, a mais de 20 bilhões de litros, e estocagem de petróleo ao nível de 20 bilhões de litros. Quanto à elevação da produção de álcool, sugere-se a elaboração de planos válidos com a utilização do milho, produto disponível no País passível de mobilização imediata, desde que a capacidade nacional de fabricação de destilarias, associada a um acordo com os Estados Unidos, garanta operacionalizar o plano de mobilização no prazo de

um ano. Outra alternativa seria superar as dificuldades de raciocinar sem ter o açúcar como indispensável, partindo para a utilização do máximo de cana mobilizável e a produção de equipamento para destilarias em ritmo acelerado. Também cumpre analisar uma solução mista: álcool da cana e de outros produtos imediatamente mobilizáveis, e álcool do milho. 1° ANO DE EMERGÊNCIA Esta hipótese deveria ser enfrentada com a utilização do estoque de petróleo de 20 bilhões de litros, acrescidos dos 11 bilhões de litros da produção nacional. Em decorrência, poder-se-ia dispor de 31 bilhões de litros de petróleo, ou seja, 20% a menos do que as hipóteses formuladas para o primeiro ano de estancamento de 50% na importação de petróleo. Seria o caso, portanto, de aplicar sobre essa importação um racionamento adicional de 20%. 2° ANO DE EMERGÊNCIA Nesta oportunidade o País disporia apenas de 11 bilhões de litros de petróleo produzidos internamente, já tendo utilizado o seu estoque estratégico no primeiro ano de emergência. Trata-se, portanto, de uma operação no mínimo delicada, a ser formulada como se segue: Óleo combustível 55% de 11 bilhões de litros = 5,5 bilhões de litros, aos quais seriam agregados 20% de álcool, elevando a disponibilidade para cerca de 6,5 bilhões de litros. A produção de álcool necessária só para atender à mistura, considerado o seu poder calorífico, seria de dois bilhões de litros. De outra parte, já deveriam estar em operação as medidas recomendadas para implantação ao longo do

primeiro ano de emergência, visando a suprir o déficit de mais de 60% na disponibilidade de óleo combustível. Óleo diesel 25% de 11 bilhões de litros = 2,5 bilhões de litros. No caso, ter-se-ia de aditivar para, no mínimo, 80% de álcool, exigindo um volume teórico de dez bilhões de litros, ou seja, 17 bilhões de litros, considerado o poder calorífico do álcool. Ainda assim seriam aplicados um racionamento de 30% em relação ao consumo atual e um acréscimo de 10% sobre o consumo, com estancamento de 50% na importação de petróleo. Gasolina Seria utilizado só o álcool à base de uma produção ideal de 11 bilhões de litros, de modo a permitir um racionamento de 50%, levando em conta o poder energético do álcool. Outros derivados 0,20 x 11 bilhões de litros = 2,2 bilhões de litros. O restante das necessidades dos demais derivados de petróleo aqui considerados seria suprido com outras fontes, particularmente as de origem vegetal. Tendo em vista a necessidade de dispor de 29 bilhões de litros de álcool, na hipótese analisada (segundo ano de emergência), o plano prevê, durante o primeiro ano, a instalação de uma capacidade adicional de 20 bilhões de litros. A falha no objetivo levaria a restrição maior na substituição da gasolina. O Plano de Emergência sugerido nestes três últimos capítulos leva a determinadas conclusões, a serem ajustadas conforme uma análise detalhada, mas fundamentalmente balizadas e sumariadas a seguir:

— Acelerar a substituição do óleo combustível é importante, mostrando-se crítico apenas no caso de estancamento total no segundo ano. — A aditivação do álcool e o próprio motor a álcool, para substituir o combustível ou o motor diesel, devem ter acelerada a sua solução final. — A produção de álcool deve atingir, no mais curto prazo, 20 bilhões de litros, sendo o ideal 30 bilhões de litros. Essa meta é tão Importante que caberia discutir com os Estados Unidos a possibilidade de nos fornecer destilarias para o uso do milho como matéria-prima, de modo a ampliar a produção, em um ano, em dez bilhões de litros. Não haveria necessidade de realizar tais investimentos de imediato, podendo o fornecimento a curto prazo ser feito pela indústria nacional. — O Plano de Emergência exigiria, desde agora, um estoque de melaço, para se ter sempre a possibilidade de produzir mais de nove bilhões de litros com a atual capacidade de destilação. — O estoque de petróleo deveria ser elevado para 20 bilhões de litros, como reserva estratégica a ser utilizada apenas na hipótese de estancamento total da importação de petróleo. — Os planos de transporte urbano deverão ser revistos à luz da necessidade de dar-lhes maior eficiência, em função da retirada de automóveis das vias públicas. Por outro lado, o plano de veículos alternativos traria contribuição importante para o transporte de passageiros.

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O BLOQUEIO ECONÔMICO AO BRASIL Faz quase dois anos, começamos a pregar a necessidade de entender a grande crise do petróleo como o principal desafio do País. Poder-se-ia, talvez, classificá-la como a síntese dos desafios à capacidade brasileira de sobreviver e crescer como nação livre, independente, soberana e democrática. O ponto de vista que defendemos, ao longo de 1978, foi bastante claro: se o petróleo não é produzido, no Brasil, em quantidade suficiente; se a dependência da importação é maior que 80% do consumo; se os preços do petróleo são manipulados por senhores feudais com os pés na Idade Média e as mãos em nossas gargantas -- como deixar de buscar uma solução brasileira para nos livrarmos da escravidão e do desespero, caso isso seja possível? Qualquer exame de situação, e hoje esse ponto já está largamente divulgado, indica o álcool como primeira etapa da substituição parcial do petróleo, ou seja, como solução transitória por 20 ou 30 anos, independentemente de outros produtos de origem vegetal e do carvão brasileiro. E por que não se adotou o caminho claramente indicado? Simplesmente porque não estamos, como elite intelectual do País, suficientemente preparados para seguir um caminho autônomo, desligado dos padrões culturais e técnicos dos países ricos do mundo ocidental. Na verdade, ficamos à espera de um sinal verde vindo de fora, arranhando as nossas possibilidades endógenas, sem dar velocidade às transformações estruturais, indispensáveis à adaptação da economia a um novo tipo de combustível A nossa imprevidência, que só não foi maior graças à crise do açúcar, obrigando-nos a desviar a cana para o álcool, levou o País a tratar o assunto de maneira elementar

e despreparada. Não promovemos conversão total de todos os motores e turbinas para funcionarem a álcool; não obtivemos a definição dos polos produtores, de modo a lograr, com a abrangência de todos os insumos, um rendimento agrícola adequado; não dispomos da tecnologia industrial desenvolvida e planificada indispensável a uma produção em série, a baixos custos, com o máximo de eficiência. De qualquer forma, ficar citando o que não temos é fastidioso. Se o problema, com a possibilidade de solução que a natureza nos ofereceu, se situasse num país desenvolvido, todos os não temos já teriam deixado de existir há muito tempo. Devemos fazer hoje, com grandeza, o que já devíamos ter iniciado ontem, para não perder de vez o amanhã. É este o nosso brado de alerta nesta oportunidade, com um convite a todos os que nos lerem a se engajarem de forma amadu-recida nesta batalha pela soberania do Brasil, lastreada na retomada do desenvolvimento. Não podemos silenciar sobre o desper-dício de energias decorrente de recursos aplicados em programas menos prioritários, de menor significado, do que o do álcool. A luta que o País está travando pode ser classificada de guerra contra a agressão econômica externa. Preços altos do petróleo; produtos manufaturados — inclusive adquiridos às vezes insensatamente pelos países produtores de petróleo — com preços forçados em função da reciclagem dos petrodólares; desvalorização do dólar diante de outras moedas que configuram hoje boa parte de nossos débitos externos, independentemente de serem a moeda de venda de nossa exportação — tudo isso leva a uma erosão de nossas forças vitais como Nação, só concebível diante de uma agressão armada no passado, numa espécie de bloqueio econômico do agredido. Ficamos, portanto, com as consequências do bloqueio, sem luta armada mas também sem mobilização nacional.

Esta deve ser a nossa reivindicação de todas as horas, enquanto é tempo. Existem aqueles para os quais a situação não é tão grave, posição que assumiram desde a época em que o preço do petróleo deu o seu primeiro salto. É preciso não deixar o País se envolver em um clima de falso combate ao pessimismo. Não é aceitável uma Nação auto-anestesiar-se e considerar um aumento de um bilhão de dólares em sua pauta de importação, ou mesmo o dobro, sem acrescentar nada ao seu patrimônio, como um fenômeno natural. A preocupação dos Estados Unidos, França, Alemanha, Japão, e mesmo dos países comunistas, é válida. O clima não é de festa nem mesmo para os detentores do petróleo, pois as suas situações internas são instáveis. Veja-se o caso do Xá do Irã, passou de visita disputada, potentado respeitável e temido à condição de leproso internacional, caçado como um cão raivoso, com o oferecimento de prêmios à sua própria mulher para matá-lo. E o que assusta, independentemente dos crimes políticos e contra os direitos humanos que o Xá possa ter perpetrado, é o silêncio em relação a esses mesmos crimes enquanto ele estava no poder, e a cumplicidade com a caçada que lhe movem depois de deposto. O poder deletério do petróleo — capaz de desagregar sociedades e dividir cidadãos de um mesmo país, por interesse ou por pânico — é de tal ordem que se torna difícil estabelecer qual o maior risco: a sua falta, gerando problemas de toda a ordem, ou a sua disponibilidade, quebrando o caráter da nação e de seus cidadãos. Daí ser necessário, sempre que possível, deixarmos de ser escravos e dependentes do petróleo importado, pois por enquanto ele está, no mínimo, levando governos e pessoas a proceder como jovens drogados, aceitando fazer qualquer papel, desde que não lhes falte a droga. E no caso o petróleo faz o papel da droga com eficiência multiplicada: por sua ação coletiva, influi no comportamento de multidões

até o ponto dos conflitos com mortes, por falta de petróleo, nas estradas norte-americanas. Reivindicamos, por isso, os brasileiros lúcidos e conscientes do tipo da sociedade próspera, aberta e democrática que se pretende para o País, uma ação enérgica para livrá-lo da situação em que se encontra. Confiamos em que as mais altas autoridades da República estão em condições de se pôr à altura da situação e tomar as medidas de mobilização nacional que o povo entende, reclama e aguarda ansioso, anunciadas em conjunto com as medidas práticas, de aplicação e resposta rápida, capazes de permitir, a curto prazo, uma redução dos sacrifícios que serão pedidos e oferecidos de bom grado. Os catalisadores do encontro redentor entre o Estado e a Nação, entre o Governo e o Povo, são as medidas competentes para produzir álcool e hidroeletricidade e aproveitar o carvão num Plano de Emergência de aplicação imediata. É o que todos esperam e desejam.

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O DISCURSO DO PRESIDENTE O dia 4 de julho de 1979 constitui, sem sombra de dúvida, um marco importante na História do Brasil. Isso se deve ao relevante pronunciamento do Presidente da República à Nação, comunicando-lhe que estava vestindo as luvas de cirurgião para realizar a operação indispensável, em face da crise do petróleo que atingiu em cheio o País. Desde a primeira crise do petróleo, em 1973, e durante os últimos sete anos, o fenômeno do cartel denominado OPEP só foi encarado na sua verdadeira dimensão por um círculo restrito de homens públicos, técnicos e intelectuais. A maioria esmagadora dos componentes das elites dirigentes do País — e de outros países, inclusive os subdesenvolvidos — subestimou o problema e procurou dar a impressão de que estava havendo passionalismo, de que se superdimensionava um fenômeno controlável como o da cartelização e manipulação do restante do petróleo disponível no mundo. Até faz pouco tempo, olhava-se com desconfiança aqueles que pregavam, no caso do Brasil, a prioridade um para o problema energético, pedindo ao Presidente da República que assumisse o comando do confronto estabelecido, em termos de mobilização nacional, com prioridade para os recursos hidrelétricos, biofotossintéticos (leia-se álcool em primeira etapa) e carboníferos. A maneira de enfrentar a dependência brasileira ao petróleo importado não estava clara. Cada Ministro de Estado tinha a sua fórmula, declarando-a integrada no pensamento do Governo e compatibilizada com a de seu colega, se bem que, ao confrontá-Las, podiam-se perceber diferenças fundamentais, até mesmo naquilo que era silenciado sem outra razão que não a divergência, De sua

parte, as classes empresariais, através da Associação Comercial, das Confederações Nacionais do Comércio, da Indústria e da Agricultura, e de outras entidades, iniciavam um processo de mobilização cujo objetivo final está expresso no documento publicado sob o título "As Classes Produtoras Face à Crise do Petróleo". Foi nesse clima que se iniciou, no dia 3 de julho de 1979, no auditório da Confederação Nacional do Comércio, o Seminário denominado "O Programa Nacional do Álcool e a Livre Iniciativa". Cumpre assinalar que o referido Seminário foi organizado por uma comissão Técnica que se reuniu frequentemente e estabeleceu um consenso apoiado posteriormente pelos dirigentes das entidades promotoras. Líderes empresariais, como Rui Barreto, o Senador Jessé Pinto Freire, Domício Velloso, o Senador Flávio de Brito e outros, reivindicavam um comando centralizado, com medidas severas, acompanhadas de providências adequadas — todo um conjunto de aspirações visando a vencer a paquidermia diante da dependência do País ao petróleo importado. Ao contrário do que seria de esperar, eram as classes empresariais que pediam mais ação ao Governo, mesmo com sofrimento transitório. E o faziam na certeza de que não adiantava adiar a cirurgia, sob pena de transformar-se o tumor, ainda benigno, em tumor maligno. Não se trata de alinhar aqui as posições das Alasses empresariais, já conhecidas, a não ser aquela de insistir em utilizar um cirurgião descomprometido com o seu próprio futuro político, após o término do respectivo mandato. E assim pediam o comando direto e a responsabilidade indelegável do Presidente da República no desempenho da ação necessária. Outro aspecto importante, tanto para as classes empresariais como para os demais segmentos da sociedade brasileira, foi a prova de maturidade contida na solicitação de eliminarem-se os juros subsidiados para os projetos de

produção de álcool. Os verdadeiros empresários não querem beneficiar-se de favores, em prejuízo inclusive dos próprios trabalhadores, para montar indústrias inviáveis, na medida em que a sua existência e sobrevivência dependiam da boa vontade da burocracia, inconsequente em suas formulações, pelo descompromisso com os resultados. Só os empresários têm a punição da falência quando agem de maneira incompetente. O que as classes empresariais solicitavam — e solicitam —, com entusiasmo, é que se deixem funcionar as leis do mercado, indicando onde, quanto e a que preço o Governo deseja que se produza. Se houver condição de lucro, o álcool será uma realidade, conforme foi amplamente discutido. E tanto isso é verdade que imóveis foram construídos com financiamentos caros, enquanto tal atividade se mostrou lucrativa. Por que, então, não se haveria de produzir álcool, desde que tal atividade seja lucrativa? Foi nessa altura dos acontecimentos que, no dia 4 de julho, explodiu como uma bomba a notícia de que o Governo estava reformulando todo o seu comportamento diante do problema energético. Os empresários vibraram e os burocratas, mais do que rápido, passaram a irradiar em outra faixa de onda. O Presidente João Figueiredo falou à Nação com absoluta lealdade, fazendo uma exposição clara da situação, e foi compreendido por todos. Foi um grande momento na vida nacional. Tratou-se a sociedade brasileira como adulta, e não como um grupo de crianças no jardim de infância. A resposta diante do comportamento maduro do Governo, na pessoa do Presidente, foi a melhor possível. Houve a compreensão geral de que o País estava em um túnel escuro, mas de que havia condições, com esforço bem orientado, de reencontrar a luz, ainda na atual administração. E era isso que se podia e se sugeria à mais alta autoridade executiva do País. Hoje, os sismógrafos do Governo devem estar acusando a boa acolhida que teve o

encaminhamento dado, até aqui, ao problema energético. Daqui para diante cumpre perseverar no tratamento institucional aplicado, e evitar que a burocracia consiga — com a calma e a pertinácia que lhe é peculiar — esvaziar as medidas adotadas. É importante salientar, também, que a formulação adotada pelo Presidente da República implica consequências que todos aguardam com ansiedade. Tais medidas não podem ser. apenas restritivas ao consumo de petróleo, mas devem trazer em seu bojo o ataque, rápido e correto, principalmente ao problema do álcool. E por quê? No que se refere à hidroeletricidade, o único problema são os recursos materiais. Havendo verbas, os programas serão cumpridos, pois as demais condições já existem. Quanto ao carvão, de importância vital, parte das medidas são de resposta rápida, mas muitas dependem de tecnologia e instalações que demandarão tempo, e por isso devem ser iniciadas de imediato. Já a produção de álcool tem possibilidade de ser ampliada, desde já, para cerca de nove bilhões de litros, usando a capacidade ociosa das destilarias e a matéria-prima existente. De outro lado, falsos dilemas tecnológicos devem ter solução imediata, como o motor de alta potência a álcool, as turbinas movidas a álcool e a utilização do álcool juntamente coma o óleo diesel ou em substituição a este. São tais esforços, de resposta rápida, que todos esperamos da determinação e pertinácia do novo Conselho criado pelo Governo. Aos brasileiros não envolvidos diretamente nas decisões resta aguardar, torcendo para que elas sejam as mais acertadas, considerada a conjuntura existente e o conhecimento realmente disponível.

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GOVERNAR COM IMAGINAÇÃO O simples ato de governar uma casa, uma empresa, ou mesmo um barco ou um carro exige determinada habilidade, a par de um mínimo de treinamento, de reflexos e de senso de responsabilidade. Quando se trata de governar um país, onde os problemas se integram e as soluções se complicam, às vezes ao ponto de se anularem mutuamente, além de todos os ingredientes citados há necessidade de utilizar uma dose expressiva de imaginação. As observações acima não têm a pretensão de desenvolver uma tese sobre filosofia de governo. O Brasil já atingiu um estágio, como Nação, que não permite despender tempo com divagações. Particularmente na atual conjuntura, quando fatores negativos se somam, desafiando a competência, das elites brasileiras para encontrar um caminho que permita obter progresso com liberdade. Ao longo do século XX o Brasil viveu a sua explosão populacional sem ter, paralelamente, participado em profundidade da Revolução Tecnológica que caracteriza em particular a segunda metade do período. Aprofundaram-se, por isso, as diferenças entre o Brasil e as chamadas nações desenvolvidas, especialmente porque as elites do País assumiram e divulgaram hábitos de consumo supérfluo, conflitantes com as suas possibilidades econômicas. Enquanto a civi-lização ocidental desenvolveu o mito do automóvel, do rádio, da televisão e de tantos outros confortos modernos, a propaganda se encarregou de vulgarizá-los, ao ponto de representarem condição obrigada para viver com dignidade. Criou-se, portanto, a primeira grande distorção: os povos dos países subdesenvolvidos eram estimulados a consumir com o mesmo entusiasmo com que o faziam os povos dos países desenvolvidos, sem

no entanto disporem dos instrumentos para eliminar o incômodo sub que faz toda a diferença. Talvez por isso tenham passado a empregar expressões como em fase de desenvolvimento , ou de take off , estimulando o consumo do supérfluo e, ao mesmo tempo, aplacando quaisquer possíveis dilemas de consciência. E foi assim que a civilização, no mundo ocidental, se tornou sinônimo de desperdício, e de uma competição permanente para ver quem consome mais. Seria de esperar, portanto, que países como o Brasil, envolvidos ainda com problemas ligados a um consumo de calorias per capita inferior em 248 unidades ao mínimo recomendado pela FAO, passassem a produzir dezenas de tipos de automóveis, rádios, televisões, sem a menor preocupação com economia de escala, com sobriedade e com a mobilização de suas ener-gias na direção dos seus interesses mais emergenciais É comum fazerem-se comentários sobre a responsabilidade do tipo de educação no encaminhamento do esforço nacional. Se o povo gasta mal, se a elite não se orienta com noção de prioridades efetivas, tais distorções nasceriam da massificação de diplomados, à base da múltipla escolha, despreparados para um enfoque abrangente da realidade nacional. Na verdade, a educação no Brasil não tem uma estruturação voltada para a formação de bons profissionais ou intelectuais, todos com uma visão clara dos interesses nacionais, sem se alienarem culturalmente com facilidade espantosa. Tudo que é estrangeiro é — por definição — bom e deve ser imitado. Desde a forma de vestir, até as soluções técnicoeconômicas para problemas que até podem ser semelhantes, sem obrigatoriamente receberem soluções também semelhantes ou iguais. Tendo sido colônia por mais de 300 anos, o Brasil ainda não perdeu o complexo colonial que lhe castra, subconscientemente, a imaginação criadora — o patrimônio mais importante do País.

Assim, as alternativas que representam a diferença entre utopias viáveis e utopias inviáveis j são automaticamente classificadas no segundo grupo, raramente ousando-se transpor as fronteiras das soluções testadas e adotadas no exterior, para assumir aquelas que melhor se adaptem ao figurino subcontinental do Brasil. Se os países ricos diversificam modelos, visando a facilitar o aumento do consumo, o mesmo se passa a fazer no Brasil; se em tais países as soluções técnicas são de uso intensivo de capital e baixo uso de mão-de-obra, mecanize-se alegremente o Brasil, apesar de ser significativa a parcela da população subempregada ou desempregada. Importaram-se hábitos, soluções e modismos. O resultado é que na hora de tornar a crise ostensiva, como um iceberg empurrado para o alto, com exposição dos dois terços que estavam ocultos pela água, todo o planejamento nacional se mostra vulnerável. E por quê? Ao que tudo indica a causa maior, implícita no processo, está firmemente vinculada à adoção de caminhos desligados da melhor aplicação dos parcos recursos disponíveis. É a velha história de que a falta de recursos fartos — mesmo em termos pessoais obriga a aplicá-los com o melhor critério e com a maior rentabilidade, sem veleidades de grandeza. Se adotada uma forma honesta de revisão de comportamentos do passado, única forma de programar de maneira sensata o futuro, vê-se que o País, por seus dirigentes, apostou demais na sua capacidade de sacar sobre o futuro, esperando desenvolver, em tempo, riquezas que pagassem a conta do saque feito antecipada-mente. O engano parece ter sido confiar em fatores sobre os quais não se tinha controle: petróleo barato; crescimento das economias dos países ricos, com a correspondente demanda de matérias-primas e de produtos semi ou totalmente manufaturados; capacidade de barganha, como sócios de um mesmo clube, pois se haviam adotado

conscientemente todas as regras do jogo, levando a uma sustentação do modelo generalizado. Ante a crise econômica do mundo ocidental, que já fermen-tava havia muitos anos sem que se apercebessem disso os condutores do planejamento de governo, surgiu um fantasma inesperado, desencadeador do processo: a crise de petróleo em 1973. Apesar disso, o País continuou aceitando soluções vistosas, nem sempre capazes de mudar a sua fisionomia ou mesmo permitir uma recuperação do custo real, não-prioritário, da operação. Aliás, os custos nacionais diretos são sobrecarregados por um sistema que não é socialista, mas definitivamente não é capitalista. O conjunto de leis e regulamentos arquitetados por juristas e burocratas consome mais da metade do tempo e da energia disponível para o trabalho, na tentativa de deslindar o nó górdio que foi montado, para desespero dos empresários e trabalhadores. Porque, curiosamente, os dois são vítimas — patrão e empregado — de certas formulações insensatas que os levam a conflitos inevitáveis, apesar de ambos terem pouca influência na formulação de políticas que os afetam diretamente. A civilização brasileira, cujos padrões culturais estavam solidamente vinculados a estadistas e burocratas de formação humanista, pouco objetivos e juridicamente postulados, assumiu uma estruturação falsamente tecnocrática, porque a burocracia aceitou incorporar e digerir razoável contingente de técnicos e economistas. O resultado, pouco animador, carente de imaginação, foi uma escultura moderna, na qual se descobre a influência dos clássicos gregos e dos modernos mais divulgados, sem possuir, no entanto, o menor atrativo estético. O traço comum é facilmente identificável: proteger-se na adoção de soluções comprovadas, sem correr o risco de ousar utopias viáveis. Existem fórmulas arrojadas para enfrentar dificuldades quase utópicas, se encaradas e medidas em centímetros e não em polegadas. É o caso atual, a ser

insistentemente apontado, da libertação do País quanto à civilização estertorante do petróleo, e sua passagem, rápida e corajosamente, para a civilização do álcool, com todos os inconvenientes — atuais e superáveis — do combustível que está sendo oferecido à competência e ousadia dos brasileiros. Ao mesmo tempo, trata-se de abraçar as utopias viáveis: reestruturar a agricultura brasileira; orientar a produção para os setores de consumo vital, prioritariamente; e tratar o capital estrangeiro como complemento de um planejamento feito com a sua participação, e não para a sua participação. A solidariedade entre as nações do mundo ocidental é condicionante obrigatoriamente vinculada à sua sobrevivência. Não basta sabê-lo e proclamá-lo. Os interesses a curto prazo com frequência se sobrepõem a essa compreensão. É preciso, por isso, cuidar de construir o País com base no trabalho racional, sem ilusões, mas com determinação, inclusive para permitir sobreviva o tipo de estrutura política que se pretende (a democracia liberal), com participação de todas as camadas da sociedade brasileira. E essa é também uma utopia viável que não pode ser importada.

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O ENFOQUE CORRETO DO USO DO ÁLCOOL Determinados pontos ainda não estão suficientemente claros no que se refere ao uso do álcool como substituto dos derivados de petróleo, particularmente da faixa hoje consumida nos transportes e no uso doméstico. Há insistentemente propaganda no sentido de que o álcool é, principalmente senão exclusivamente, uma opção para a gasolina, aproveitado nos motores de automóveis até aqui convertidos ou em carros com motores especialmente projetados para utilização do novo carburante. É claro que, enfocado dessa maneira, o álcool seria apenas um meio de não eliminar certas facilidades de transporte junto àqueles que podem ter seus próprios veículos (menos de 110% das populações dos grandes centros urbanos que não se utilizam dos transportes coletivos). De outra parte, serviria para impedir uma crise na indústria automobilística, provável na medida em que houvesse — como terá de haver — racionamento no fornecimento da gasolina. Se o quadro traçado acima refletisse a realidade, seria válido considerar o álcool uma contribuição significativa para o problema dos derivados de petróleo, não tão importante, porém, que justificasse uma intensa mobilização nacional em torno de sua produção em larga escala. Afortunadamente a realidade é diferente. A utilização do álcool em paralelo com o óleo diesel é possível já hoje com uma economia de cerca de 40% desse derivado de petróleo, independentemente da aditivação, que no caso do óleo de mamona eleva o álcool a 80%, e no caso do detonante, conforme proposto pela Mercedes Benz, eleva para 90% o seu aproveitamento. Mais importante do que tudo isso, porém (fato que vem sendo pouco comentado e divulgado, talvez porque não interesse, no

momento, aos fabricantes de veículos pesados), é que o motor de elevada potência, projetado para funcionar 100% a álcool, não constitui um mistério. O CTA já o projetou e outros o fariam a curto prazo, a menos que se deseje transformar em dificuldade intransponível de imediato um assunto que não chega a ter a complexidade, nem de longe, de uma usina atômica. Será que em certos casos, como o do aproveitamento do álcool, tudo é difícil, enquanto em outros, como o da energia nuclear, tudo é possível e seguro? É preciso, por isso, entender, divulgar e exigir a aceleração da conversão dos motores dos veículos existentes, com maior ou menor rendimento, pois variações de 5% ou 10% nessa conversão nada representam diante dos aumentos do preço do petróleo, de 20% ou 30% ao ano. Também é importante fazê-lo em relação aos motores de alta potência, especialmente fabricados para o consumo de álcool, bem como para a disponibilidade, a curto prazo, de turbinas a álcool com a finalidade de produzir eletricidade e, se possível, no que respeita à conversão das existentes, consumidoras de óleo diesel, para o consumo do álcool. Aceitar bloqueios tecnológicos à produção e aproveitamento do álcool é fazer o jogo dos adeptos tout court do petróleo, por interesse ou ignorância. Se na Segunda Guerra Mundial alemães e japoneses adaptaram os motores dos tanques, aviões e outros veículos ao uso do álcool, curvarmo-nos, em 1979, a impossibilidades ou dificuldades técnicas aparentemente de difícil transposição é um atentado à lógica e à racionalidade. Cumpre, ainda, deixar claro que o álcool tem tantas utilidades, inclusive na alcoolquímica e na substituição do GLP, que o atraso em sua produção, nos volumes que a conjuntura brasileira exige, é inaceitável. As classes produtoras, por si e pelos brasileiros que empregam nas cidades e no campo, têm dado provas de sua disposição para enfrentar a verdade fazendo os

necessários sacrifícios, desde que não sejam em vão e tenham como meta a curto prazo afastar as nuvens da recessão e, de imediato, facilitar a retomada do processo de desenvolvimento. Quanto aos argumentos ligados às consequências sociais e econômicas de uma possível crise no setor automobilístico, é preciso ter cuidado, para não transformar uma possível crise setorial em uma vasta crise nacional. Não se pode negar a importância da indústria automobilística como fonte de empregos e-indutora do progresso, exatamente porque estimula toda uma gama de atividades e o seu aperfeiçoamento. De outro lado, existem medidas capazes de contornar a crise de restrição no consumo de gasolina e de uso preferencial do álcool para motores de caminhões e ônibus. Tais medidas podem ser consubstanciadas em estímulos à exportação de automóveis, mesmo que esses estímulos sejam muito elevados em termos de cruzeiros, e na reciclagem temporária relativamente à produção de equipamentos substitutivos do automóvel, como é o caso dos tratores, os quais serão indispensáveis numa rápida aceleração da produção de álcool e de outros produtos agroenergéticos, Cumpre também raciocinar — in extremis — com a hipótese de haver, apesar das medidas para obstar a crise, um grave problema com a indústria automobilística. E daí? Não está havendo um grave problema na indústria de construção civil? E ele é aceito, sob o argumento de que é esse o preço da contenção da inflação. A indústria automobilística não parece ter privilégios maiores (ou não deveria tê-los) do que outros segmentos industriais brasileiros. Cabe à referida indústria propor que as suas matrizes apoiem um maior volume de exportações, e ao mesmo tempo induzir a produção de álcool em volumes tais que possa ser atendida a fabricação de carros, sem prejuízo do mínimo de normalidade na vida do País.

O planejamento para implementar um aproveitamento racional e correto do álcool, no Brasil, não poderá ser feito sem bene-ficiar certos setores e prejudicar outros. Não se redireciona a economia de um país sem acarretar consequências importantes. É um problema de prioridade, e esta é, sem dúvida, a de preservar o futuro e a soberania do Brasil. Serão atingidos com maior intensidade aqueles que jogaram na sobrevivência do uso do petróleo longos anos, causando, em parte, os problemas que, como bumerangues, vão afetá-los. De outra parte, é importante não se ficar a fazer projeções de aumento do consumo anual dos derivados de petróleo e de seus sucedâneos. Tal aumento só se poderá dar com a adoção de uma de duas alternativas: significativo aumento da produção brasileira de petróleo ou rápida expansão da produção e tecnologia (nos três setores da economia) do álcool e outros produtos energéticos. Raciocinar sem levar em conta tais condicionantes é um procedimento aceitável apenas em avestruzes.

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XEQUES DO ÁLCOOL Até faz pouco tempo havia, pelo menos no caso brasileiro, uma desconfiança acentuada em relação ao álcool, alternativa lógica para importante faixa dos derivados de petróleo. Essa desconfiança manifestava-se de diferentes maneiras: dúvidas quanto à eficiência técnica da utilização do álcool como substitutivo do petróleo em motores e turbinas; severas críticas quanto à poluição originada pelo vinhoto, fruto da própria fabricação do álcool; restrição à alocação e relocação de recursos destinados à produção e plena utilização do álcool, sob o argumento de que não estava clara a capacidade do setor empresarial da agroindústria do açúcar para atender a uma expansão acentuada da produção; impedimentos na comparação dos custos do álcool com os dos derivados de petróleo, além de muitos outros aspectos menos importantes. Pode parecer que as restrições e a ignorância, sobre a verdadeira dimensão da crise energética, no mundo e no Brasil, fossem privilégio das classes menos esclarecidas. Não. Ao contrário. As elites intelectuais do País, particularmente cm seus segmentos voltados para a economia e a tecnologia, é que estavam vivendo na ignorância do terremoto já anunciado pelos sismos subsequentes ao ano de 1973. Tal fenômeno, aliás, se manifestou em países muito mais adiantados, cultural e economicamente, do que o Brasil. Era, mais ou menos, o não ver o que não se quer ver . Quando o autor, ao longo de 1978, se dedicou à dramatização da conjuntura energética nacional e internacional foi encarado com ceticismo, de público, pelo próprio Presidente da Comissão Nacional do Álcool, em debate na Escola Superior de Guerra. Não só os empresários

da agroindústria açucareira eram, e são, muito mais a favor do açúcar do que do álcool — hoje uma necessidade irreversível — como, subconscientemente, assim pensavam também as autoridades do Governo envolvidas no assunto. As consequências do estado de espírito reinante ao longo dos últimos seis anos foram as sementes do que se está colhendo hoje. E a não ser por mero ufanismo, o comportamento brasileiro diante da crise energética foi imaturo, descabido e baseado inteiramente no wishful thinking . Assim, condenou-se o Programa do Álcool a um ritmo lento, inclusive na área tecnológica, sob argumentos que, se aplicados no caso da energia nuclear, tal programa ainda não teria sequer começado. Quanto às dúvidas sobre a eficiência técnica dos motores e turbinas movidos a álcool, costumam elas apoiar-se em teses der-rotistas. Como a pesquisa do álcool é tratada de forma burocrática, sem a visão de sua importância setorial, existe a tendência a fazer pouco, muito devagar, e alardear pequenos sucessos como grandes eventos. Infelizmente, os Institutos de Pesquisa e as Universidades brasileiras não têm técnicos em número suficiente, nem equipamentos, nem verbas, capazes de permitir uma efetiva contribuição, particularmente na dimensão exigida pelo álcool como alternativa importante para numerosos derivados de petróleo. No tocante à iniciativa privada, a sua participação efetiva, na dimensão correta, é sempre vista com suspeita apesar do progresso representado pelo novo espírito reinante na FINEP (limitada nos seus recursos), principalmente porque a iniciativa privada pode vir a ter lucro com a própria pesquisa. Castra-se, assim, uma contribuição decisiva em regime nominalmente capitalista, e fica-se a produzir papéis para congressos e notícias para jornais, muito mais do que soluções para problemas. E hoje não se dispõe do esquema de conversão de motores e turbinas que permita operar termoelétricas a álcool, nem mesmo motores a álcool para potências expressivas. E o

fato de não se dispor deles não decorre da complexidade envolvida na solução de problemas técnicos que já estariam resolvidos há muito tempo se os Estados Unidos, a Alemanha ou o Japão tivessem tido interesse no assunto. Tais países até estariam vendendo ao Brasil, a bom preço, a tecnologia que houvessem desenvolvido. A verdade é que não se aplicaram, com a intensidade necessária, esforços de toda a ordem que permitissem fosse hoje o quadro diferente. O resto é cortina de fumaça, no quadro do complexo ufanista que impede a autocrítica serena, porém severa, e procura maximizar pequenos êxitos como grandes vitórias. Já o problema do vinhoto vem também recebendo um tratamento emocional. Os críticos da poluição ambiental estão irrequietos. Talvez mais irrequietos do que deveriam estar se considerada a poluição do Programa Nuclear, onde as unidades são mil anos e as incertezas são fruto de uma experiência inversamente proporcional, de poucas dezenas de anos. O vinhoto é um problema elementar, se encarado com seriedade, com aplicação de recursos tecnológicos e econômicos para resolver as suas deficiências como poluidor. Se, de um lado, o álcool livra a atmosfera da poluição generosamente desprendida pela refinação e uso dos derivados de petróleo, de outro lado obriga a investir para combater a poluição gerada pelo vinhoto. E tal ataque pode ser feito em três frentes: a despoluição, através do emprego de processos adequados, conforme critérios da Engenharia Sanitária; o uso do vinhoto misturado à água como fertilizante; e, por fim, a sua transformação em ração animal, em gás etc. Pretender erigir o vinhoto em gargalo no processo de produção de grandes volumes de álcool, é passar um atestado de incompetência e pouca coragem, no trato de assuntos críticos para a sobrevivência nacional condigna. Quanto aos recursos para a produção do álcool em volumes adequados, existe uma distorção definitiva: é um

programa pilotado pelo Governo, com a velocidade que este consegue imprimir à sua máquina emperrada, mesmo quando tenta apresentar um new look, como se fora uma velha senhora operada pelo cirurgião plástico, a ostentar a sua nova face. A solução para o problema da produção nas quantidades desejadas, com a técnica a ser regulamentada, inclusive no caso do vinhoto, constitui o preço do álcool, e nada mais. Resta dizer onde se pretende seja ele produzido, em que volume e a que preço será adquirido. Os financiamentos não precisam ser preferenciais, como não o são no setor imobiliário. Por que se constroem prédios, inclusive com desvio de financiamentos agrícolas, a juros baixos, para as cidades? Porque dão lucro. E já deram mais lucro e o mercado foi mais receptivo, levando a um deslocamento, para o setor, de recursos e pessoas antes envolvidos em negócios tão diferentes quanto lapidação de diamantes e venda de secos e molhados. Hoje, se o Governo deixasse de tutelar os produtores de álcool com financiamentos a juros subsidiados, passando os subsídios para a fixação de preços atraentes, não haveria força capaz de travar a produção do álcool. E o Governo entraria no seu papel de financiador, talvez pelo BNDE e demais agências estaduais do gênero, com a função de regulamentar, fiscalizar e orientar os investimentos e os investidores, inclusive para evitar conflitos de cultivo e a ação predatória no setor. De outra parte, a fim de dispor dos recursos destinados a financiamentos normais, com taxas internas de retorno asseguradas, o País deveria rever seus programas a fundo perdido, particularmente o programa nuclear e a pesquisa intensiva — hoje — de petróleo. O fundo perdido, no caso, refere-se a respostas a curto prazo e até mesmo a eventuais ausências de respostas, parcial ou totalmente. Também não é inusitado criticar o setor empresarial vinculado à agroindústria açucareira. De fato, o setor tem críticos veementes, não só no campo econômico e político

como também no social O importante é desvincular o álcool do setor, o qual deve também participar do processo sem, no entanto, comandá-lo em nenhuma hipótese. Não se deve admitir que sejam criados, por tradição, xeques do álcool, com reserva de mercado e proteção oficial. A livre iniciativa, no que tem de mais positivo, ou seja, a iniciativa criadora e inovadora, é que deve definir quais serão os beneficiários da grande crise de petróleo no Brasil. Outro argumento que ainda se ouve contra o álcool — cada vez em tom mais contido — é o seu preço em relação ao dos derivados de petróleo. Parece superada a fase didática da discussão. O preço do álcool tende a baixar, se houver um direcionamento correto do Programa; e o preço dos derivados de petróleo, mais juros da dívida externa por eles gerada, mais importação de inflação e equipamentos estrangeiros atingidos pela reciclagem dos petrodólares, leva a que hoje já se mostre inaceitável discutir o assunto em termos de preços comparativos. A menos que o Brasil pretenda se transformar em um manicômio, povoado de incompetentes, medíocres e covardes.

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O CARVÃO BRASILEIRO Os produtores de carvão, no Brasil, têm queixas amargas sobre o setor econômico a que se dedicam. Alegam — e com razão —não receber um tratamento compatível com a importância do carvão, matéria-prima, para as termoelétricas, para a produção de gás e para a de metanol, além de suas aplicações na indústria siderúrgica e em outros setores. É preciso reconhecer que o carvão até aqui descoberto e explo-rado no Brasil não é de boa qualidade, particularmente pelo elevado teor de cinzas. Houve mesmo época em que se cogitou de empregar na siderurgia apenas carvão importado. Prevaleceu o bom senso, de modo que não se prejudicasse a produção nacional, com uma dependência total a mais. Talvez tenham sido considerações de segurança nacional que evitaram ainda maiores prejuízos à indústria carbonífera brasileira. Em face das transformações que o mundo vem atravessando, o carvão readquire pouco a pouco o seu papel importante, conquistado com a descoberta da máquina a vapor e perdido quando da disponibilidade e aplicação intensiva, e barata, do petróleo. É claro justificarse a preferência pelo petróleo, combustível duro, de alto poder energético concentrado. O próprio transporte e utilização do carvão, na escala exigida pelo consumo do unindo contemporâneo, teria constituído um impedimento ao progresso. Tanto que existem numerosos estudos sobre se o carvão devia ser transportado para os centros consumidores de eletricidade de forma descontínua, instalando-se neles termoelétricas, ou se seria mais conveniente instalar tais usinas junto às fontes produtoras,

transportando eletricidade de forma continua, através das linhas de transmissão. De toda a forma, exceto durante a Segunda Guerra Mundial, a tecnologia do petróleo se desenvolveu em tal ritmo que abafou as oportunidades de competição de outras formas de energia. Tanto assim que, até hoje, inclusive nas grandes instalações sul-africanas de produção e gaseificação de carvão, o processo é de origem alemã, provindo das pressões nascidas durante a guerra. Hoje em dia. considerando que o planeta terráqueo, ou a espaçonave Terra, está em vias de perder o seu petróleo, matéria-prima que revolucionou os transportes, a química e a vida cotidiana, inclusive na proteção contra o frio, voltamse todos os esforços para as alternativas, das quais uma das menos desprezíveis é o carvão. Os Estados Unidos estão investindo com largura nos estudos para produção de gás e metanol à base de carvão. Diferentes entidades públicas e privadas estão engajadas nas pesquisas, achando-se em operação numerosas usinaspiloto, e em construção usinas em escala industrial. Na Europa, por sua vez, diante das críticas e resistências ao uso da energia nuclear, as nações estão empenhadas em ressuscitar o carvão, aproveitando-o da melhor maneira. A África do Sul, país em estado de guerra permanente, resolveu buscar a sua independência energética através do aproveitamento do carvão — mineral em que é rico — independentemente de outras fontes alternativas de petróleo, como é o caso da produção de álcool que tem programada. Aliás, os sul-africanos já estão vendendo rações à base do vinhoto para diferentes partes do mundo, com aproveitamento de cerca de 50% do vinhoto, conforme divulgação feita por importante indústria química daquele país. O Brasil, por sua vez, vem discutindo o aproveitamento do carvão disponível em seu território. Ainda existem sérias distorções, pois as usinas termoelétricas deveriam ser em

menor número, na melhor hipótese, com o emprego de energia nuclear, utilizando-se com largueza o carvão, de tecnologia comprovada e disponível. Hoje o Brasil tem vastos depósitos de carvão-vapor, sem saber o que fazer com eles. Deve-se reconhecer a preocupação do Ministro das Minas e Energia com as fontes alternativas de energia, em particular o carvão. Na realidade, houve sensível atraso no reconhecimento da importância do carvão, na atual conjuntura do petróleo. Ainda hoje se discute o problema da Sidersul, que utilizará gás do carvão, quando se deveria estar se implantando um grande complexo de produção de gás e metanol, com viabilização dos empreendimentos de forma integrada, independentemente de dar bom uso ao carvão brasileiro. São fórmulas arrojadas para enfrentar a grande crise do petróleo, como o uso do carvão, da hidroeletricidade (inclusive com usinas de baixa queda e reversíveis) e do álcool, como primeira etapa da produção agroenergética. Essas fórmulas darão ao País condições de colocar-se à altura do maior desafio de sua história. As jazidas de carvão existentes no Sul do País, que ainda escondem possíveis surpresas quanto à ocorrência, nelas, de mineral de boa qualidade, associadas a possibilidades de se descobrirem formações significativas na Amazônia, oferecem, separadamente e em conjunto, importante contribuição para o planejamento do presente, em plena crise energética. Se o mundo como um todo, inclusive as nações do Leste europeu, começa a intensificar o aproveitamento do carvão, só cumpre ao Brasil fazer o mesmo, e rapidamente. Não existe fonte energética sem problemas. Assim, no caso das usinas hidrelétricas, o aproveitamento das bacias hidráulicas tem de ser corretamente equacionado. Eletricidade, irrigação, abastecimento de água, poluição, enchentes e estiagens são problemas que obrigam a um planejamento cuidadoso, independentemente das

precauções para não alagar — se possível — áreas produtivas em termos agrícolas, ou florestas valiosas pela madeira que oferecem. O mesmo fenômeno existe em relação ao aproveitamento da biomassa para fins energéticos, e mesmo para outros fins, indo desde o conflito de cultivos até a manutenção do equilíbrio ecológico. No caso do carvão, do petróleo e da energia nuclear, em dimensões diferentes, grandes problemas têm de ser resolvidos. É por isso que se estuda, se pesquisa e se controla cada uma das soluções a adotar, ganhando tanto maior experiência quanto mais tempo de observação se tiver. Nesses termos, ao carvão corresponde uma experiência de utilização bastante longa. Os problemas são conhecidos e as soluções estão equacionadas. Talvez tenha havido custos proibitivos no passado, como é o caso da lavagem do carvão brasileiro para baixar o teor de cinzas, levando-o a um nível que permita aproveitá-lo para gaseificação ou liquefação. Considerados os problemas inerentes ao petróleo, desde os de poluição no seu transporte (vejam-se os acidentes com superpetro-leiros) até os causados pela refinação e pelo emprego dos derivados, é fácil constatar as vantagens do pleno uso do carvão nacional. Nem mesmo o custo final deve constituir obstáculo, pois nada pode ser mais dispendioso — em preço e em soberania — do que o petróleo. Os custos diretos e indiretos do petróleo, bem como a ameaça de paralisação que representa para o País, justificam uma concentração de investimentos no setor absolutamente prioritário da economia brasileira: o da energia. Mesmo em detrimento da contenção da inflação, é indispensável resolver o problema energético, livrando o Pais de um impasse mais perigoso do que a inflação, que é a perspectiva de sua paralisação. Se 'o impasse energético for superado com coragem, os demais problemas se resolverão automaticamente, retomando o Pais o processo

de real desenvolvimento, e já então em condições de controlar de fato a inflação.

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O DILEMA CONSCIÊNCIA E CONVENIÊNCIA A situação do Brasil na atual conjuntura começa a tornarse de difícil interpretação. Existe uma consciência, razoavelmente disseminada, quanto aos problemas que assolam o País e — poder-se-ia mesmo afirmar — quanto às medidas que seriam recomendáveis para solucioná-los. É por isso que se ouvem declarações de intenções eivadas de significado, cujo ponto mais expressivo foi o discurso do Presidente da República pronunciado em 4 de julho de 1979, a que já nos referimos. Já está arraigada, portanto, a consciência da gravidade do problema energético, mais sutil, para ser compreendido, do que o da inflação descontrolada, velho companheiro de insônia de estadistas de todos os quadrantes, em diferentes períodos da história moderna e contemporânea. A crise energética e o surto inflacionário são aspectos diferentes de um mesmo fenômeno, interligados na medida em que se afigura impossível controlar a inflação interna com a manutenção da dependência externa quanto aos fornecimentos de petróleo. Existem, portanto, relações e conotações que deveriam ser firmemente estabelecidas. E será isso que está ocorrendo? Não parece ser o caso, na, medida em que conveniências políticas e sociais ditam comportamentos desajustados da brutal realidade em que o País está mergulhado. E o desencontro entre a, consciência dos problemas e a servidão à conveniência de tentar minimizá-los tornou-se uma constante, passando a desmoralizar o crédito dos homens públicos diante de seus concidadãos — independentemente do julgamento implacável da História

quando for analisada a fase atual, caracterizada nela tentativa de fazer omeletes sem quebrar os ovos. Os temas do momento são discutidos e até mesmo divulgados, inclusive com apoio oficial. O álcool, a hidroeletricidade, o carvão são invasores da intimidade dos brasileiros, através de todos os meios de comunicação, com ampla utilização da publicidade à disposição do governo. É o reflexo da consciência do desafio proposto ao povo brasileiro. Em função do estabelecimento de uma consciência nacional do problema energético, foi encampada a tese do estado de guerra. A Nação estava e está pronta a fazer sacrifícios para reconquistar a sua dignidade ameaçada, evitando pôr em risco a sua soberania e a sua estabilidade social, política e econômica. Teses que vinham sendo exaustivamente defendidas — inclusive pelo autor deste livro quando se propôs a dramatizar o problema energético no início de 1978 — permeabilizaram os responsáveis pelo comando do Estado, levando a crer que o Estado e a Nação entravam em sintonia. Começaram, com isso, a vulgarizarse expressões como economia de guerra, alternativas energéticas, racionamento de combustível, plano de emergência , etc. Tudo levava a crer que já se havia atingido o anticlímax da atitude de desprezo diante dos arautos do cataclismo. Admitia-se ser grave a situação nacional em função do petróleo. Admitia-se ser ela um poço sem fundo, dentro do qual não se podia continuar a cair indefinidamente. E a composição com as conveniências, tão do agrado dos latino-americanos, foi rompida na aparência com o discurso do Presidente da República em 4 de julho de 1979. Situações difíceis foram reconhecidas; prioridades foram estabelecidas; sacrifícios foram apontados e prometidos, se bem que seguramente orientados com vistas a torná-los o menos incômodos e o mais transitórios possíveis.

As conveniências, porém, são persistentes. Voltaram a ocupar posições com irritante capacidade de sobrevivência. Podem ser lembradas algumas delas, hoje inaceitáveis, se a economia de guer-ra, em termos simplificados, significar a decisão de quebrarem-se os ovos para fazer omeletes, ao invés de persistir a ideia de fazê-las sem afetar a estrutura dos ovos. O racionamento da gasolina — vendendo-se eventuais excedentes para o exterior, se necessário — não foi aplicado. A política de aumento de preços tem permitido manter distorções sérias no consumo de combustível, particularmente porque estimula o consumismo a qualquer custo e gera justas reivindicações salariais, mantendo vivo o círculo vicioso da espiral inflacionária. Há conveniência, por certo, em adotar tal política. A indústria automobilística, a única que não pode enfrentar uma crise séria no País, propõe produzir apenas carros de passeio dotados de motor a álcool, a partir de 1980. Vitória de Pirro. Nem os carros de passeio são indispensáveis em um período de economia de guerra, nem o álcool — mesmo antes de existir nos volumes necessários — deve ser aviltado com o consumo preferencial por veículos de passeio. A simples possibilidade de considerar essa -proposição deve fundar-se, por certo, na conveniência. É fundamental romper o falso bloqueio tecnológico para o uso do álcool em substituição ao óleo diesel, nos motores movidos a álcool, de grande potência, ou no aproveitamento dos motores existentes, com aditivação ou uso conjunto, na base de 40% de álcool. Nenhum esforço especial está sendo feito para dar ao álcool o seu uso prioritário, dentro das linhas mestras de um plano de emergência ajustado à economia de guerra. Mais uma vez, conveniência, por certo. Tudo leva a crer — salvo melhor juízo, defendido racionalmente — que a produção de álcool deve ter delimitados os seus polos fundamentais, com estabelecimento da forma de seu transporte para os

grandes centros consumidores e aproveitamento da infraestrutura de dutos já existente ou indispensável, como é o caso dos oleodutos que ligam o Norte fluminense à Refinaria Duque de Caxias. Não se ouve falar no assunto. Conveniência, por certo. Os estímulos à produção de álcool, segundo tudo indica, deveriam ser baseados no preço. Só assim haveria a busca da racionalidade na produção e a adesão de novos segmentos empresariais ao setor, hoje confiado a uma faixa restrita de tradicionais produtores de açúcar. Só assim desapareceria a luta pela obtenção de financiamentos, com juros subsidiados, para empreendimentos de viabilidade duvidosa, além de outros problemas que se incrustaram tanto no comportamento dos empresários do setor como no da burocracia encarregada de discuti-los e equacioná-los. Se a situação permanece estática, são conveniências, por certo. A relação de vitórias da conveniência em ajustar situações, ante a consciência de que isso não e mais possível, seria longa e cansativa. Cabe lembrar que o tempo passa e traz consigo, a cada novo dia, o perigo maior de serem as conveniências tragadas numa crise laboriosamente construída. É essa consciência que deve, até o último momento, orientar a luta para ajudar o Presidente da República a livrar-se do complexo de falsas conveniências que vêm sutilmente prejudicando a sua atuação no comando da economia de guerra.

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VACILAÇÕES E CONVENCIONALISMO DIANTE DA CRISE DO PETRÓLEO A dimensão da crise energética, vinculada especialmente à atual conjuntura do petróleo escasso, dispendioso e incerto, começa a atingir os países comunistas do bloco soviético, apesar de recentes declarações da Agência Tass segundo as quais "pode ser dito que a crise energética do mundo ocidental, frequentemente apresentada como um demônio inevitável de nossos tempos, não afetou a União Soviética e outros países socialistas". De fato, no final do mês de julho de 1979 a Romênia tomou uma medida inusitada, em pleno período de férias de verão, com milhares de turistas do Leste europeu à procura das praias do Mar Negro: proibiu a venda de gasolina aos turistas portadores de moeda fraca, exigindo fosse ela paga em moeda forte, ou através de bônus vinculados a convênios de troca. Outrossim, obrigou todos os carros que entrassem na Romênia a fazê-lo com o tanque cheio, deixando o país com o tanque vazio. As reações às exigências romenas foram quase histéricas. Além de protestos diplomáticos da Tchecoslováquia e da Hungria, a Polônia aconselhou aos seus cidadãos que não viajassem à Romênia. Enormes filas de automóveis formadas ao longo das fronteiras romenas geraram tumultos e reclamações iradas dos "camaradas" provenientes de outros países socialistas, os quais não dispunham de moeda forte para rodar seus veículos no país em que tinham resolvido fazer turismo. Que razões teriam levado a Romênia a adotar medidas tão radicais? As informações disponíveis levam a crer que, apesar de grande produtora de petróleo, parte do seu

suprimento tem origem no Oriente Médio, de modo que com a crise iraniana talvez tenha de importá-lo da União Soviética, com riscos de dependência política a que o pais balcânico tudo faz para furtar-se. A solução poderá ser a de apertar o cinto. Na realidade, os preços da gasolina já subiram entre 40% e 100% na Europa Oriental. Independentemente disso, a União Soviética pretende exportar em 1980 apenas 75% do petróleo que hoje exporta para o Leste europeu, reduzindo paulatinamente as exportações até 50% no ano 2000. De outro lado, quaisquer acréscimos de importação do petróleo russo, por parte de seus parceiros do Leste europeu, têm de ser pagos em moeda forte. Confrontados com situações como a exposta nos parágrafos anteriores os brasileiros parecem ainda viver um conto de fadas. Tudo acabará bem, sem grandes sacrifícios e conforme as expectativas mais otimistas. É curioso que até isso pode ocorrer, isto é: não se registrarem novos abalos nos países produtores de petróleo, alterando os seus contextos políticos e as suas orientações econômicas: os preços do petróleo, num passe de mágica, alcançarem certa estabilidade, sem ao menos haver, como se espera, o recurso à cesta de moedas, para compensar as sucessivas depreciações do dólar; o mercado petrolífero, hoje essencialmente do vendedor, com dificuldades em fazer aquisições, tornar-se de súbito favorável ao comprador, ao menos no que se refere à disponibilidade do produto a preços de mercado. Como uma conjunção de fatores favoráveis ao Brasil, como os apontados acima, não parece provável, é difícil entender o que está ocorrendo. Qualquer planejador, em relação ao petróleo, deveria admitir: — A possibilidade de uma crise política no Iraque, cortando 50% do petróleo importado pelo Brasil. — Eventual afundamento de petroleiros, devido a ações guer-rilheiras, levando à obstrução de passagens

estratégicas por períodos superiores a 90 dias. — Aumentos diretos ou indiretos nos preços do petróleo, com a possibilidade de criação da cesta de moedas, o que atingirá a economia brasileira mais uma vez, visto ser ela condicionada essencialmente ao valor do dólar. Tais considerações nada pessimistas, pois podem tornarse realidade de um dia para o outro, não parecem comover os responsáveis pelas decisões sobre o problema energético. Independentemente de declarações às vezes extremamente lúcidas, existe mera tentativa de conciliação que impede a implantação efetiva de um comportamento agressivo diante da conjuntura. São feitos planejamentos à base de urna disponibilidade de 900 mil barris de petróleo por dia, sem o constrangimento de explicar onde obter a garantia de tal fornecimento, ou como se viria a pagá-los, no caso de novas escaladas do seu preço. As alternativas energéticas — um vasto leque em estudo no mundo inteiro — têm respostas a curto, médio e longo prazos, conforme as conjunturas ecológica e geológica dos diferentes países. No caso brasileiro, as seguintes prioridades são imposições de qualquer análise lógica, devendo ser adotadas de imediato, salvo melhor juízo (que parece existir e estar prevalecendo): — Elaborar um Plano de Emergência — seja o proposto pelo autor deste livro, seja o proposto pelo Conselho Permanente de Energia da Associação Comercial — cujas premissas encarem as realidades apontadas nos três itens referentes à disponibilidade e/ou capacidade de adquirir petróleo. — Estabelecer uma meta ambiciosa e imediata para os volumes de álcool a produzir, utilizando a capacidade das destilarias existentes, com algumas complementações, mesmo que isso venha a ocorrer em prejuízo da produção de açúcar. — Verticalizar as prioridades para o uso do álcool como propulsor de veículos, estabelecendo como meta primeira a

substituição total ou parcial do óleo diesel, em face das implicações de segurança nacional envolvidas no transporte de cargas e de passageiros. — Atribuir aos veículos de passeio a condição de meta secundária, com direito ao uso apenas da gasolina disponível e do excesso de álcool após garantido o suprimento de combustível reno-vável — existente no País — aos veículos pesados. O enfoque sugerido é a um só tempo revolucionário e conservador. É revolucionário quando admite hipóteses antipáticas para o planejamento de emergência, com a proposta de medidas não convencionais, só suscetíveis de adoção em estado de guerra. É conservador, porque pretende adotar premissas apoiadas em elevado coeficiente de segurança, a partir de situações críticas que podem vir a não ocorrer. As decisões aqui discutidas são extremamente difíceis de adotar. É fácil imaginar a revolta, caso não ocorra nenhuma das premissas sugeridas. Como ficaria o Governo diante da Nação se a crise petrolífera amainasse, o Brasil descobrisse novos campos de petróleo e a urgência — apresentada como questão de dias ou meses — pudesse ser contada em quinquênios? É por isso que governar é uma arte difícil. Envolve a responsabilidade de, às vezes, assumir posições arriscadas, tanto a favor como contra a segurança nas previsões. Apenas, no caso do petróleo, o risco maior, quanto ao erro nas previsões, é o otimismo em relação à sua disponibilidade. Mesmo porque, considerando a curva de seu provável esgotamento, as medidas tomadas com base em previsões pessimistas apenas antecipariam providências indispensáveis.

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O DESCONTROLE ENERGÉTICO BRASILEIRO O quadro mundial, no que se refere à crise do petróleo, abalou tão profundamente os países ricos que ao completar 80 anos, Gunnar Myrdal declarou, referindo-se aos Estados Unidos: “Estou muito preocupado com os acontecimentos na América. Posso prever uma recessão, e não vislumbro nenhuma esperança de que uma política anti-inflacionária eficaz possa ser posta em prática, sem levar o país a uma recessão. Em particular, a falta de uma política energética, decorrente de uma balança comercial e cambial muito negativa e de um imenso endividamento – de bilhões de dólares em mãos de particulares em todo o mundo -, ninguém pode ter segurança alguma sobre o valor internacional do dólar. Muitos desses dólares encontraramse em mãos dos árabes, e isso é outra causa de alarme. Não tenho certeza a respeito da estabilidade desses países”. É óbvio que se os países ricos estão abalados e enfrentam problemas da maior gravidade, a repercussão da crise existente sobre os países em desenvolvimento tem uma gravidade muito maior. Falta aos países do Terceiro Mundo tecnologia para implantar métodos de conservação de energia. Falta a capacidade de programar e utilizar corretamente os recursos alternativos do petróleo. Falta a capacidade de liderança para admitir e enfrentar o desafio na devida proporção. Falta, principalmente, o discernimento e a coragem para canalizar os recursos de investimento, prioritariamente, para a libertação da dependência energética à importação de petróleo — particularmente no caso do Brasil, País cuja dependência é especialmente aguda.

Considerando a dimensão e a população do Brasil, bem como o estágio de desenvolvimento já atingido neste exemplo clássico da Nação desigualmente desenvolvida, a prioridade para eliminação da dependência ao petróleo deve deixar de ser apenas um tema de retórica. Como fazêlo e em que tempo? Estas são as perguntas básicas que têm de ser respondidas, e as respostas não podem ser evasivas, revelando perigosa tendência a transferir para o futuro a obtenção de resultados objetivos de uma política energética efetiva. O dilema básico que tem de ser respondido de início é: pode qualquer planejamento para a substituição do petróleo admitir que se necessite de anos para atingi-lo? De fato, se não existe o perigo de um estancamento parcial ou total do fornecimento de petróleo, oriundo de fontes não controláveis pelo Brasil, qualquer planejamento seria sensato, existindo numerosas alternativas, dentre as quais não se exclui o aproveitamento de novos desenvolvimentos tecnológicos que, quase infalivelmente, deverão os países ricos apresentar. E tal raciocínio se aplica ao carvão, à energia solar, ao hidrogênio etc. Nesse caso, claro, os defensores de medidas de urgência — o autor deste livro elaborou o esboço de um Plano de Emergência — estariam incorrendo em erro ao adotar uma posição pessimista, prejudicial à tranquilidade do País. Nem caberia, nessa hipótese, instituir critérios de economia de guerra, pois bastaria adotar determinadas linhas de ação destinadas a enfrentar as alterações paulatinas, no cenário internacional, de preços e disponibilidades de petróleo. Agora, se os fatos ocorrerem de forma diferente, dando razão aos que pleiteiam a adoção de posições otimistas, através do planejamento de ações para conjunturas pessimistas, então o País será estraçalhado por culpa de uma imprevidência paquidérmica , cujas origens remontam ao início de 1974. E é exatamente por seu senso de responsabilidade, diante de tal ameaça, que o autor do

presente livro vem insistindo, e continuará a fazê-lo, em alertar e esclarecer aqueles que, de boa fé, se deixam iludir, porque temem enfrentar as dificuldades e as exigências de uma realidade antipática. Diante da postura de que é preciso agir rápido, para não sermos colhidos de surpresa por novos Muniques energéticos , é que parece indicado falar em suor e lágrimas com o objetivo de atingir a vitória sem derramamento de sangue. Hoje o quadro tem como pano de fundo uma decoração fantasioso, — ou, no mínimo, de um otimismo pouco concretizável — conducente a posicionamentos irrealísticos e a discussões que em sua maioria constituiriam excelente ornamento para um Clube de Vitórias Régias . Fala-se em conflito de cultivos, para justificar as metas desambiciosas na produção e utilização correta do álcool etílico com base na cana-de-açúcar — que é o que se sabe fazer bem, hoje, no Brasil. Esquece-se, intencionalmente ou por ignorância, que os conflitos de cultivo existentes se originam no fato de estarem as destilarias anexas localizadas em regiões já produtoras de outros cultivos, que não a cana-de-açúcar. Qualquer fixação de polos produtores jamais implicaria conflitos de cultivo — o que seria um contrassenso num País de tão baixa área cultivada em relação à área cultivável. Apesar disso, a produção de álcool tende a ficar atrelada preponderantemente aos usineiros de açúcar, o que levará a distorções no futuro, dado o destino do álcool como fonte alternativa do petróleo, e não como alternativa para a crise do açúcar. Por outro lado, quando se pensa em recursos e destino para o álcool, surpreende a decisão de vinculá-lo à substituição da gasolina em automóveis de passeio. A recomendação de produzir mais óleo diesel, mediante mudança no sistema de refinação de petróleo, ao custo de algumas centenas de milhões de dólares, é a "joia da coroa" a entronizar a tese de que haverá petróleo disponível para importar, em volume significativo. E assim o álcool

abandona a posição de pilar da segurança nacional, corno sustentáculo do transporte pesado, para passar a servir àqueles que se utilizam de carros de passeio. Trata-se de um acordo entre os atuais produtores de açúcar e álcool, e aqueles que temem uma crise na indústria de produção de carros de passeio. As mesmas indústrias que se propõem a substituir os motores a gasolina por álcool, em prazo recorde, não o fazem em relação aos motores do ciclo diesel. É curioso que não se acredite na produção do álcool em grandes quantidades, para utilizá-lo em motores pesados, enquanto no caso da energia nuclear se investem fabulosas quantias, intensivamente apenas em capital, e com mão-de-obra parcialmente estrangeira, na expectativa de colher bons resultados de um processo de enriquecimento hoje ainda a nível de laboratório. Definitivamente, os brasileiros estão pecando, no mínimo, por falta de lógica. Nesta hora crítica, que levou Gunnar Myrdal a declarar o que consta no início do presente capítulo, o Brasil, apesar dos pronunciamentos e atitudes de estadistas em todo o mundo, ainda ataca a crise energética de maneira atabalhoada. Independentemente da limitação de recursos para investimento, associada ao crescente desequilíbrio no balanço de pagamentos, o Pais está empenhado a um só tempo, em programas tão variados quanto o aproveitamento do carvão, a hidro e atomoeletricidade, o álcool etílico e metílico etc. Será que o Brasil dispõe de tempo e recursos para agir da forma assinalada, ou, ao contrário, está cada vez mais atrasado na adoção das soluções corretas, com concentração, nelas, dos investimentos indispensáveis? Nesta hora crítica, que levou Gunnar Myrdal a declarar o que consta no início do presente capítulo, o Brasil, apesar dos pronunciamentos e atitudes de estadistas em todo o mundo, ainda ataca a crise energética de maneira atabalhoada. Independentemente da limitação de recursos

para investimento, associada ao crescente desequilíbrio no balanço de pagamentos, o Pais está empenhado a um só tempo, em programas tão variados quanto o aproveitamento do carvão, a hidro e atomoeletricidade, o álcool etílico e metílico etc. Será que o Brasil dispõe de tempo e recursos para agir da forma assinalada, ou, ao contrário, está cada vez mais atrasado na adoção das soluções corretas, com concentração, nelas, dos investimentos indispensáveis? De outra maneira, o risco assumido será elevado demais. Não será possível enfrentar uma provável crise — de preço ou de fornecimento de petróleo — com um mínimo de instrumental, operando às cegas e sem anestesia. E o povo brasileiro aguentaria isso?

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ÁLCOOL SUBSTITUINDO O ÓLEO DIESEL Em cada época, no decurso de uma crise, surgem problemas que, posteriormente, vistos a distância, ninguém acredita possam ter ocorrido. Nas atuais circunstâncias da utilização do petróleo para fins veiculares, dois fenômenos estão ocorrendo, com todas as características de incredibilidade, na medida em que exigem ser discutidos, havendo corrente a favor do uso do álcool apenas como alternativa para a gasolina, enquanto outra admite deva o mesmo ser utilizado onde melhor convier à Nação. Se o assunto for tratado à luz da razão, deixando de parte a glorificação de tipos de motores, sejam os mesmos ciclo Otto ou ciclo Diesel, é fácil compreender que os motores devem ser adaptados ao combustível produzido ou existente no País. Qualquer tentativa de adaptar o combustível — no caso o etanol —aos motores existentes e em fabricação, pode corresponder ao interesse das fábricas, mas não corresponde ao interesse do País. Hoje o Brasil se confronta com algumas realidades que saltam aos olhos: — Não há petróleo, com garantia de fornecimento e de preço, capaz de justificar se venha a apoiar o transporte de massa e de carga em um de seus derivados — no caso o óleo diesel, — Não existe suficiente produção de álcool para garantir possa ser atendido o tráfego de veículos pesados, além de suprir os carros de passeio. — O estreitamento das opções, quanto ao combustível a ser utilizado para os diferentes meios de transporte, obriga a determinadas opções que não são, por certo, a de produzir mais diesel na refinação do petróleo, baixando a parcela da gasolina segundo o critério de que a mesma

pode e deve ser substituída pelo álcool. Segundo tal orientação, garantir-se-ia não precisar conter o uso de automóveis, em caso de falta de petróleo, na, medida em que houvesse produção de álcool capaz de substituir toda a gasolina. Em contrapartida, na mesma hipótese, parariam os veículos dependentes de óleo diesel, caso não tivesse sido providenciada a sua adaptação para o uso, parcial ou total, do álcool ou a substituição do motor convencional por um novo tipo, projetado e construído para funcionar a álcool. — Caso, no entanto, se pretendesse substituir o uso do óleo diesel, as parcelas substituídas pelo álcool, ou por outros produtos, tais como óleos vegetais, restariam inaproveitadas na medida em que houvesse matéria-prima para a sua refinação. Explicando melhor: a decisão de aumentar a produção de óleo diesel, em detrimento da gasolina — se adotada em caráter definitivo, repre-sentaria a criação de uma segunda dependência para o Brasil, além da existente em relação ao petróleo: tratar-se-ia da dependência ampliada da utilização de motores ciclo diesel. Em todos os fatos citados anteriormente há que considerar que vem sendo defendido pela indústria automobilística, com apoio de entidades oficiais da classe empresarial, exatamente o uso do álcool em substituição à gasolina; e a adaptação das refinarias de petróleo para produzirem mais óleo diesel e menos gasolina. Esquece-se, deliberadamente ou não, que o álcool deve ser -o combustível de motores movidos a álcool, de potência adequada ao transporte de carga e de massa, projetados conforme as necessidades do Brasil, o que, aliás, já devia ter sido feito. Existe uma distorção de enfoque tão acentuado, que todos aqueles que defendem óleos vegetais para mover motores diesel, sem ao menos ter desenvolvido a tese até um ponto de sustentação adequada, condenam antecipadamente a solução apoiada em motores movidos a

álcool, por considerá-los de baixa rentabilidade. É estranhável que se entronize o motor diesel, defendendo a sua sobrevivência no Brasil, sem ter a preocupação de provar poderem os mesmos dispor de óleos vegetais para o seu consumo, quais os mesmos, e como e onde produzi-los em escala. O mesmo ocorre com os motores movidos a álcool. Só se tratou de provar mesmo é que os automóveis podem funcionar movidos a álcool, em substituição à gasolina, não havendo, portanto, razões para incomodá-los. Mesmo a ampliação da produção de álcool passou a ser demandada a partir do momento em que surgiu no horizonte o risco de um racionamento — para valer — da gasolina, ou o que no caso dá no mesmo: o aumento do preço da gasolina para conter o consumo, podendo garantilo a um custo inferior, utilizando o álcool. Na verdade, causa constrangimento o espírito prático com que o problema vem sendo tratado, tanto pelos beneficiários diretos da aceitação de tese tão conveniente aos seus interesses imediatos, como pelas autoridades que deveriam questionar-se, em maior profundidade, do acerto das medidas propostas e propagandeadas a larga. Por que não colocar em primeiro lugar o que pode acontecer ao País na atual conjuntura do mercado petrolífero internacional? Aí surgiriam medidas quase obrigadas, que o autor vem defendendo até com certa intransigência, entre as quais se alinham: — Ampliação imediata da produção de álcool, mesmo com. sacrifício do açúcar, visando a permitir um mínimo de normalidade na substituição do petróleo importado por alternativa energética de origem metropolitana. — Utilização do álcool prioritariamente para substituir o óleo diesel, adotando critérios progressivos de mistura e dupla alimentação. — Preparação para uso, a curtíssimo prazo, de motores movidos a álcool, capazes de atender a faixa dos veículos médios e, pesados.

— Restrição do uso do álcool para carros de passeio, enquanto a produção de álcool não garantisse o transporte prioritário, se bem que pudesse ser usado parcialmente para essa finalidade, desde que houvesse uma efetiva adaptação e esforço na direção indicada, permitindo reciclar rapidamente o álcool em caso de agravamento ainda maior da crise petrolífera. O que seria válido, de fato, são medidas enérgicas de contenção do consumo de gasolina, utilizando as suas sobras para trocar por OLP no mercado de derivados, enquanto se garantisse com o uso do óleo diesel e de álcool o funcionamento de veículos vitais à Segurança Nacional, sem descuidar do óleo combustível, cuja substituição significativa nas indústrias demanda tempo. Para atingir tal desideratum e preciso ter a coragem de rever posições e decisões precipitadas, tomadas sob o influxo de influências orientadas, com vínculos maiores aos efeitos da crise sobre segmentos da indústria automobilística. De outra parte, para de fato ser promovido à prioridade que tem, o motor capaz de substituir os motores diesel, movido a álcool, tem de ser tratado com a compreensão de que ele não será um motor diesel movido a álcool. Esse é o ponto: é preciso ser capaz de eliminar do subconsciente os condicionamentos de uma lavagem cerebral bem executada, levando à glorificação, para sempre, se possível, do motor diesel. Os destinos do Brasil não podem – e não devem – ficar ligados aos efeitos de ações psicológicas subliminares que impedem de raciocinar com liberdade, como se fosse um dirigível que só tivesse permissão para locomover-se em terra.

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REAVALIANDO A SITUAÇÃO ENERGÉTICA O panorama mundial no que se refere ao petróleo e, portanto, a todo o contexto da estabilidade econômica e social da década de 80 é extremamente sombrio. Apesar de se conhecerem os indicadores de uma crise em aprofundamento, existe a tendência de negligenciar as medidas para enfrentá-la, conforme ocorreu na, década de 70, quando já deveriam ter sido elaboradas e implantadas medidas de emergência. Quando se fala em medidas de emergência, isso não significa que elas estejam desvinculadas do contexto de um planejamento a médio prazo. Cumpre, porém, justificar, até a exaustão, as razões pelas quais já se está em situação de emergência, com a perspectiva de nela permanecer, ampliando-se, progressivamente, a sua gravidade. O quadro da disponibilidade física e econômica do petróleo, cuja progressão em termos de preço é impossível estabelecer, tem sido assinalado continuadamente. Como existe, porém, a tendência a ignorar a realidade, são citadas a seguir algumas declarações recentes sobre o assunto. Para a CIA norte-americana, as reservas mundiais de petróleo se esgotam e os países devem empenhar-se em promover, sem demora, uma fácil transição para fontes alternativas de energia. Ao contrário da crença que se popularizou durante a suposta e transitória abundância de 1977-1978, o mundo não dispõe de anos para efetuar a mudança. A produção mundial de petróleo deverá cair em meados da década de 80. Mas antes disso as produtoras começarão a restringir os fornecimentos. Alguns países, com grandes reservas de petróleo se comparadas com sua produção, estão aumentando

lentamente a capacidade produtora, ou não o fazem diretamente. Essa resistência em aumentar a produção reflete o desejo, da parte de muitas nações produtoras, de prolongar a sua riqueza petrolífera por um prazo maior. Dessa forma, segundo a CIA, o mundo terá que recorrer a fontes energéticas alternativas, como o xisto betuminoso, o gás natural, o carvão e a energia nuclear. Para a CIA, o desenvolvimento da maioria dessas fontes exigirá muitos anos e o seu custo será muito alto. Segundo Armando Guedes Coelho, Superintendente de Comercialização da Petrobrás, a situação pode ser tranquila nos próximos meses, embora não o seja no futuro mais distante. Exis-tem pelo menos quatro indagações inquietantes. Até que ponto a Arábia Saudita vai produzir o adicional de um milhão de barris/ dia, já que a extração normal de seus campos é de 8,5 e não de 9,5 milhões, como vem fazendo? Até que ponto haverá situação de relativa tranquilidade no Irã? Os países produtores, de modo geral, continuarão produzindo nos mesmos níveis ou reduzirão seus fornecimentos para fortalecer o mercado? Como reagirá a economia mundial daqui para a frente? Para o Presidente Carter, dos Estados Unidos, o suprimento de petróleo de seu país depende de um tênue fio de petroleiros ao longo dos mares do mundo. C. C. Pocock, Presidente da The Shell Transportation and Trading Company, em artigo no Jornal do Commercio de 3 de se-tembro de 1979, afirmou: "Agora não parece haver nenhum meio de evitar os dolorosos efeitos do passado. Já não basta dizer que precisamos cuidar do carvão, que precisamos ter energia nuclear - embora ambas as afirmativas sejam verdadeiras. Mesmo se alguns produtores decidirem aliviar a pressão, aumentando um pouquinho sua produção, o problema não desaparecerá. É possível - aliás é certo — que aconteçam outros acidentes. Haverá mais arrocho da parte de outros produtores. A partir de agora e

para sempre temos de esperar que surja uma dureza real em termos de petróleo. Podemos atenuar o impacto se resolvermos reduzir a demanda depois de mantê-la reduzida. É a única maneira de conservar a reserva necessária. Como fazê-lo? Sobretudo deixando que os preços mais altos fluam para o consumidor, mas também fazendo uso de exortação e informação, a fim de que o governo dê o exemplo em seus próprios órgãos, e por uma variedade de truques. Tudo isso somado permitirá, decerto, não só a redução de 5% já prometida como, provavelmente, mais outros 5% de reserva. Mas grande parte desse esforço implica apertar os cintos, o que é um tanto desagradável. A prazo mais longo, precisamos proporcionar às pessoas a visão de uma luz lá na boca do túnel. Essa luz pode ser chamada 'eficiência energética', que deveria ter constituído o título deste artigo. Eficiência energética significa novos equipamentos, novas construções, reciclagem, mais investimento e novos empregos, com vistas a uma utilização mais eficiente da energia. Existem grandes oportunidades. É esse o lado esperançoso e positivo de uma mensagem bastante sombria ". É por isso que o autor do presente livro vem pregando, com insistência nunca demasiada, os seguintes pontos: — A necessidade de um Plano de Emergência cujas linhas gerais já foram apresentadas em capítulos anteriores. — A importância de não vincular a formulação de qualquer política energética à certeza da disponibilidade de petróleo para ser importado. - Conscientizar as autoridades e o povo brasileiro da importância de produzir, de imediato, maiores volumes de álcool, mesmo com sacrifício do açúcar, independentemente de metas visando a triplicar a sua produção até 1985. — Impedir seja o álcool malbaratado, com o uso especifico para finalidades pouco nobres, em função das

circunstâncias atuais e futuras da disponibilidade e preço do petróleo. — Esclarecer que a pesquisa de novas fontes de energia, válida e necessária, não deve servir de pretexto para deixar de acelerar corretamente os programas básicos do álcool, da hidroeletri-cidade e do carvão. Diante do quadro que se agrava, com a montagem de um cenário catastrófico em relação ao problema energético brasileiro, surpreendem os debates e as decisões indiferentes às realidades que grosseiramente invadem o cotidiano do País. O problema não vai ser agravado ao longo dos anos. Isso já aconteceu, e perdeu-se a oportunidade de enfrentar esse agravamento em ritmo tranquilo e seguro. Agora os acontecimentos se precipitam e encontram a Nação mergulhada numa crise econômica da maior seriedade, com intrincados problemas de balanço de pagamentos, endividamento externo e índice inflacionário. É hora, portanto, de dar efetiva prioridade ao que e prioritário. Seja no que se refere à concentração do esforço nacional, seja no que se refere à eliminação de tal esforço na direção inadequada. Explicando melhor o raciocínio desenvolvido anteriormente. a prioridade fundamental no Brasil de hoje é a produção agrícola, para evitar a fome, e a produção energética, para que a Nação não sofra colapso se houver paralisação, parcial ou total, nas importações de petróleo. E como a produção agrícola depende de energia, e indispensável assegurar os suprimentos metropolitanos dos insumos energéticos destinados a garanti-la, bem COMO a assegurar o seu transporte e a sua distribuição. De outra parte num País de grande número de subempregados e desempregados, a indústria não pode parar, e deve ter garantidos os insumos energéticos, desde que direcionados corretamente. De nada vale dilapidar recursos escassos, aplicando-os na produção de álcool para uso exclusivo em carros de passeio, ou no vasto programa de

atomoeletricidade, procedimento que gera inflação de baixo índice de retorno. É claro que gerir a aplicação de recursos numa fase de elevados índices de inflação exige sabedoria, pois se trata de transformar déficits em instrumentos de fortalecimento da economia nacional. Só a mobilização dos anticorpos existentes endogenamente no organismo nacional permitirá transpor os obstáculos oriundos dos erros do passado. Não se trata, portanto, nem de combater a inflação de qualquer forma e a qualquer preço, nem de liberalizar o confronto com ela, na esperança de que o seu simples crescimento seja um modo de neutralizá-la. O enfoque correto parece ser o de que países em situação de confronto militar com inimigos externos aumentam impostos e concentram esforços no fortalecimento de sua defesa nacional. É o caso do Brasil atualmente, em que a imagem dos impostos é associada à inflação, e a do confronto militar com inimigos externos à dependência de um suprimento vital do exterior, sobre o qual o País não tem, de fato, o menor controle. Só assim se justifica o apelo à economia de guerra. Só assim não se justifica insistir no programa nuclear sem cortes substanciais, e em medidas discutíveis como a de dar ao álcool o papel de substituto da gasolina.

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ÁLCOOL : UMA AGENDA PARA O PRESENTE Quando começou a estudar os fundamentos da crise energética mundial, o autor experimentou grande perplexidade: onde estavam os especialistas, para não compreenderem em tempo a situação que se estava criando? E por isso fixou-se na intenção — lisa e desinteressada em termos de resultados empresariais diretos — de dar o melhor da sua contribuição ao correto equacionamento do problema do Brasil. Não se tratou, ao longo destes últimos anos, de uma caminhada sobre pétalas de rosas. Houve muita incompreensão e atitudes de desdém. Em contrapartida, houve muito estímulo e compreensão — poder-se-ia dizer mesmo adesão às teses defendidas — particularmente quanto ao papel do álcool como primeiro passo no aproveitamento da biomassa. Figuras ilustres, como o exPresidente Emílio Garrastazu Médici, estimularam a publicação de um livro com o título deste capítulo, a cujo lançamento estiveram presentes mais de 500 pessoas. É preciso confessar que a expectativa não era a de uma caminhada fácil. Não se rompem padrões culturais, num passe de mágica, com servidões e limitações estratificadas. De outra parte, persiste a tese de que o empresário não deve expor-se a debates sobre temas controvertidos. É mais ou menos a formulação aristotélica de que se os objetos caem quando soltos no espaço, é porque o lugar deles é na terra . O testemunho que pode ser prestado é de que o Governo, como um todo, se não apoiou, até faz pouco, um debate franco, não obstaculizou em nada o trabalho de proselitismo que foi desenvolvido. A Escola Superior de Guerra, que o autor cursou em 1965, mantendo toda a sua

independência intelectual, convidou-o em 1978, para uma conferência e um painel sobre o assunto candente — da energia no Brasil. Em 1979, o Ministério das. Minas, e Energia, a Secom e O Globo promoveram um Seminário sobre o Modelo Energético, e houve a oportunidade de um debate franco, com o General Octaviano Massa, então Secretário-Geral do Ministério das Minas e Energia. Assim, na convicção de estar prestando um serviço à Nação, porém consciente de que é mais fácil formular planos do que operacionalizá-los (para o que é necessário mobilizar um esforço maior), foi feita nova conferência em São Paulo, a convite do Grupo Atlântica-Boa Vista, além de outra participação em painel promovido pela ESG. Nesses pronunciamentos cristalizou-se no autor uma visão específica sobre o problema energético e a posição brasileira diante dele, traduzida nos parágrafos seguintes. A crise econômica mundial e brasileira atingiu um ponto que tem, para as nações em desenvolvimento carentes de petróleo, contornos críticos, exigindo medidas enérgicas e imediatas. O tempo é curto para contemporizações e tentativas de maquilar os riscos que o País corre. Desde o início de 1978 procura o autor dramatizar a crise energética brasileira e apontar a alternativa de uma grande produção de álcool como forma de libertação da dependência do petróleo importado, tendo inclusive publicado, em julho de 1978, o livro citado, com prefácio do Presidente Médici, além de escrever artigos, pronunciar conferências, participar de debates e presidir o Conselho Permanente de Energia da Associação Comercial do Rio de Janeiro. A nosso ver, o Brasil tem de libertar-se do complexo dos Mu-niques energéticos, ou seja, de admitir que novas concessões ou contemporizações permitirão cuidar da substituição do petróleo a médio prazo. A economia de guerra se justifica na medida em que o bloqueio energético brasileiro, forçando toda a economia do

País em direção à estagflação, é uma agressão externa, que exige grandes sacri-fícios para ser enfrentada. Cabe aos empresários alertar o Governo e colaborar com ele no sentido de conscientizar o País quanto à gravidade da situação, empenhados em atenuá-la pelo confronto direto e imediato, sem buscar soluções egoísticas de grupos ou pessoas. O povo brasileiro deve ser convencido de que as suas elites culturais são responsáveis, e de que as soluções são possíveis dentro do regime democrático, sem apelo à revolta e à desordem. Para tanto, é preciso proceder como se o País já estivesse em estado de emergência (e não está?), sem preocupações com interesses restritos. Cumpre aplicar um Plano de Emergência (emergência de fato), com a utilização de critérios de mobilização nacional, conforme a prioridade fundamental que se impõe: evitar o caos que será gerado, em ritmo mais lento ou mais rápido, na medida em que os canais de decisão se mostrem congestionados institucionalmente, agindo no varejo de maneira hesitante e no atacado sem planos diretores definidos e ajustados à disponibilidade de recursos. O ataque simultâneo ao problema energético, em todos os fronts, demandará mais tempo e recursos do que aqueles disponíveis pelo Brasil. Independentemente do aproveitamento do potencial hidroelétrico, para o que basta serem alotados recursos, pois o setor está maduro, é fundamental o desenvolvimento das fontes alternativas preferenciais, do álcool da cana-deaçúcar e do carvão. Nenhum dos outros desenvolvimentos técnico-científicos ou já em estágio de implantação pode ou deve constituir empecilho econômico ou político ao cumprimento das prioridades estabelecidas. Cumpre lembrar que o aproveitamento do carvão, absolutamente indispensável, tem limitações no tempo, seja quanto à produção e transporte, seja quanto à tecnologia de gaseificação e liquefação, considerado o teor de cinzas do carvão brasileiro.

A premissa de que o Brasil já se encontra em estado de emergência levaria à adoção de medidas que significariam total prioridade para o funcionamento da indústria e dos transportes básicos. A mudança do esquema de refino, para aumentar a percentagem de óleo diesel, significaria uma de suas hipóteses: — Não haveria substituição do óleo diesel por álcool nos motores movidos a óleo diesel. — Caso contrário (sendo o álcool utilizado para substituir o óleo diesel), sobraria óleo diesel em vez de gasolina. Todo o esforço deve ser feito para, utilizando critérios racionais de preços e financiamentos não-subsidiados, abrir de fato a produção de álcool ao empresariado nacional, de acordo com um plano diretor cuja elaboração foi sugerida em conferência na ESG em 24 de outubro de 1978: O esforço tecnológico na direção do motor 100% a álcool realmente projetado para esse fim, e destinado a veículos pesados, ê uma prioridade nacional importante e inadiável. Desde já, a produção de maiores volumes de álcool deve ser implantada, com aproveitamento da capacidade ociosa das destilarias anexas e algumas adaptações no sistema, mesmo que houvesse prejuízo na produção do açúcar, ou sensível diminuição nos seus estoques. A conservação e economia de energia são fundamentais, para que sobreviva uma sociedade livre nos dias de hoje. Não se deve obstaculizar a economia de energia sob o argumento do livre arbítrio, pois debaixo desse signo, em certos casos, pessoas e sociedades mergulharam nas maiores crises. Cabe esclarecer a comunidade e o Governo, debatendo com veemência e franqueza problemas vitais; como é o da energia para o Brasil. Exportar mais, para importar petróleo cada vez mais caro, é uma forma de transferir o suor e o esforço dos brasileiros para os países produtores de petróleo, sem atingir o objetivo de usar esse esforço para importar

equipamentos de modernização de todos os setores da economia brasileira. Sendo o processo dinâmico, novos ensinamentos vão se agregando, com a revisão de posições. A parte mais importante, no confronto com a crise energética brasileira, poderia ser definida como o fez Pinheiro Machado: "nem tão rápido que pareça uma fuga, nem tão devagar que pareça uma provocação ". Até aqui se observa um ritmo que constitui uma provocação aos deuses do Olimpo.

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AS ALTERNATIVAS PARA O PETRÓLEO E SUA PRIORIDADE ECONÓMICA Ouve-se ainda hoje, por mais estranho que isso possa parecer, uma série de afirmações que procuram minimizar a crise energética brasileira. Algumas das mais importantes seriam a de que a prioridade absoluta é discutível e não justifica o conceito de economia de guerra que lhe foi atribuído; a de que o problema, muito mais do que de energia, é um problema cambial; a de que se for aumentada a exportação poder-se-á atender aos custos da importação residual de petróleo; a de que 500 a 600 mil barris de petróleo, importados em 1985, não apresentarão problemas, além de muitos outros argumentos, todos com um jeito de injeção de adrenalina destinada a criar um clima de otimismo. Recentemente (20 de setembro de 1979), em entrevista a um noticiário de televisão, um banqueiro inglês, com muita propriedade, afirmou que otimismo é um recurso cuja disponibilidade é grande no Brasil. Será isso uma vantagem? Se o otimismo, em relação a problemas sócioeconômicos, for lastreado em ações coerentes e bem coordenadas, então estar-se-ia diante de um recurso dinâmico, capaz de contribuir para amalgamar os fatores de produção, com urna resultante positiva para o País. O que parece estar ocorrendo, porém, não é isso. O otimismo de que se pretende impregnar "o País não tem lastro na realidade, pois julga apenas as ações de Governo em curso. E com base nessa tônica buscar-se-á demonstrar que não é possível utilizar os óculos do Dr. Pangloss, passando a ver tudo cor-de-rosa. É fundamental insistir em que a situação é crítica e difícil, tornando-se necessário

operar o tumor, extirpá-lo, e não o gânglio intumescido, que apenas o denuncia. De outra parte, a forma de fazê-lo não parece ser a de expor o flanco do país à estagflação. Ao contrário (e preciso insistir), a boa gerência dos déficits obrigados permitirá não só eliminá-los, ao longo de certo tempo, como gerar eventualmente uma condição de equilíbrio no balanço de pagamentos. Na verdade, ao autor do presente livro parece que muitas teses certas começam a ser apresentadas de forma errada. Já é, sem dúvida, um progresso em relação a uma fase em que muitas teses erradas vinham sendo apresentadas de forma certa. Porém, o que interessa de fato é contribuir para que as teses certas sejam apresentadas de forma correta. Quanto à prioridade da solução correta da crise energética, cabe sugerir o exame do assunto em profundidade. Por isso, ele foi dividido em três partes, que constituem os capítulos seguintes.

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CONCEITO DE PRIORIDADE — MACRO E MICROPRIORIDADE Segundo Descartes, sempre que se discutir um assunto cumpre, antes de mais nada, definir o que se está discutindo. A palavra prioridade pressupõe um tratamento preferencial e diferenciado para determinado assunto ou problema. A prioridade, em si mesma, pode ser de caráter macro ou micro. Quando se discute o assunto a nível de decisões governamentais, admite-se estar ele sendo tratado a nível de macroprioridades, de definição complexa, porque os problemas que têm de ser resolvidos, todos importantes e não raro dependentes entre si, se atropelam Talvez seja devido a esse fenômeno da interdependência de problemas e, portanto, das alternativas para enfrentálos, que ocorra com tanta frequência a alteração de prioridades, dando a impressão de que não existe firmeza e critério no seu estabelecimento. Cumpre, portanto, aos responsáveis pela manipulação do PODER NACIONAL estabelecer PRIORIDADES, conforme cada época e cada circunstância. A presteza e o acerto no estabelecimento das prioridades de Governo são condicionantes vitais que caracterizam a diferença entre uma boa Administração e uma Administração incompetente. De qualquer forma, é recomendável o debate dos critérios e razões que em cada momento, mesmo no decurso de um mesmo Governo, levam ao estabelecimento de um elenco de prioridades. A participação da comunidade na discussão dos comportamentos governamentais, particularmente no estabelecimento de prioridades e na maneira de colocá-las em prática, é fundamental. Qualquer pessoa ou entidade,

envolvida através de seu conhecimento individual ou de equipe, tende a omitir determinadas considerações que promovam alterações de critérios de planejamento se reconhecidas em tempo.

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PRIORIDADES GOVERNAMENTAIS: AGRICULTURA, INFLAÇÃO E ENERGIA No tumultuado contexto da economia mundial, que o famoso economista Gunnar Myrdal define com a expressão everything is-horrible , a situação do Brasil não poderia deixar de ser preocupante. Ora, a posição brasileira leva o Governo a estabelecer prioridades obrigadas, algumas conflitantes, como o são o desenvolvimento rápido da agricultura (inclusive a agroenergética), o enfrentamento da dependência energética no caso do petróleo e o, combate à inflação. É claro que o atendimento das duas primeiras prioridades compele a estruturar o combate à inflação de acordo com as possibilidades, as quais nem sempre facilitam a tarefa. Daí a ordenação lógica e hierárquica das três prioridades citadas ser importante e muito dolorosa. Sem fazer um exercício analítico sobre como ordená-las, poder-se-ia resumir com o seguinte raciocínio o critério que sugerimos: alimentar o povo; brasileiro, reduzir o ritmo do endividamento externo e recuperar o controle sobre o, problema energético são prioridades que precedem o combate à inflação. O fato de não se dar â inflação, neste momento, um posicionamento de prioridade nº 1, não significa que se trate de objetivo secundário ou desprezível. A dimensão dos problemas causados pela inflação é obviamente conhecida por todos os estudiosos de assuntos sociais e econômicos. Eis porque, no momento em que a combate à inflação, dissociado das outras duas prioridades citadas, poderia significar a implosão delas, sem ao menos controlar a inflação, cabe buscar a sua integração harmoniosa através do aumento da produção agrícola, e do bom

equacionamento do problema energético, graças a uma forma harmoniosa de minimizar e controlar a espiral inflacionária.

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A INTERAÇÃO DAS PRIORIDADES E A METODOLOGIA DE ATAQUE: ASPECTOS ESTRATÉGICOS E TÁTICOS Tudo indica que a inflação é estimulada pelos problemas de endividamento externo, dependência externa no fornecimento e no preço do petróleo, e baixa produtividade agrícola, acompanhados de todas as distorções no transporte, armazenamento e comercialização da produção agrícola. Estrategicamente, existe uma clara interação entre as três prioridades em discussão. Os sucessivos aumentos do petróleo, que levam ao aumento de preço dos seus derivados — ou ao subsidio desse preço, o que no fim tem idênticas consequências —, geram o encarecimento da produção agrícola, bem como do seu transporte e comercialização. Não há, portanto, forma de conter a inflação sem introduzir um meio de comandar o problema dos custos de energia. Se o aumento da produção agrícola significa maior dispêndio de energia no campo e nos transportes, obviamente poderá isso redundar num agravamento dos custos, com consequente repercussão na conjuntura inflacionária. De outra parte, se contida a produção agrícola, acumular-se-iam os problemas sociais (desemprego), com o aumento da dívida externa (importação de produtos agrícolas) e da própria inflação devido ao crescente desequilíbrio do balanço de pagamentos. E o Pais cada vez mais trabalharia apenas para pagar petróleo, o serviço da dívida externa e produtos agrícolas importados, de modo a evitar que viesse a grassar a fome.

Tanto a produção agrícola quanto a redução da dependência energética do exterior dependem, em última instância, da disponibilidade de recursos para investimentos. A contenção tout court da inflação conflita, portanto, com o rompimento da cadeia realimentadora da inflação, particularmente no que diz respeito à produção agrícola (inclusive a agroenergétíca), à hidroeletricidade e ao aproveitamento do carvão. É, preciso deixar claro que investimentos incorretamente direcionados — ou seja, o simples aumento desenfreado da inflação ---- não representam uma hierarquização de prioridades, obviamente. O outro extremo está exatamente em que a simples contenção de investimentos, sem a correta administração dos déficits (pois não existe glória em administrar corretamente superávits), não permitirá a recuperação do País. Só o investimento correto, nos setores críticos da agricultura (inclusive agroenergética), na hidroele-tricidade e no carvão, permitirá deixar para o último lugar, aparentemente, a prioridade do combate à inflação. Por sua vez, a simples tentativa de atender à crescente demanda de divisas, através de exportações, particularmente de produtos agrícolas, não representará uma solução, a menos que, ao mesmo tempo e com maior intensidade, se ofereça o insumo energia, de origem interna e produzido racionalmente. Daí recomendarmos a hierarquização das prioridades citadas, conforme a ordem seguinte: energia, agricultura e combate à inflação. Cumpre esclarecer que o fracasso ou a má compreensão de qualquer dessas prioridades faria desabar o tripé.

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O CANIBALISMO ENERGÉTICO O esgotamento do petróleo, daqui a 30 ou 40 anos, é um fato inevitável, que os povos desenvolvidos relutaram em admitir. Quanto aos povos subdesenvolvidos (dois terços da população do planeta), não têm eles condição intelectual para compreender o fenômeno. Enquanto os governos e as elites dos países desenvolvidos começam a admitir o fim da. Era do Petróleo, discutindo a reciclagem tecnológica, a que estão obrigados, o que ocorre nos países subdesenvolvidos? Primeiro . A maior parte do povo não se beneficiou das vantagens de um combustível; aparentemente farto, barato e de alta concentração energética. No particular, ele não serviu para induzir um expressivo aumento da produção e do consumo, tendo o crescimento da população absorvido boa parte do que seriam os benefícios de sua disponibilidade. Segundo . Diante do consumo desenfreado do que deveria ser um patrimônio dos habitantes do planeta, o seu esgotamento se aproxima, sem o oferecimento de soluções alternativas válidas, em termos globais, capazes de permitir que os povos subdesenvolvidos se libertem de sua condição infra-humana. Ao contrário, os países ricos continuam a consumir o petróleo num ritmo alucinado, sem concordarem de fato em limitar esse consumo. Terceiro . As chamadas alternativas para o crescente aumento de custo do petróleo, antes que ele acabe de vez, estão sendo procuradas pelos países ricos e virão a representar, por certo, novo fator de escravidão e dependência para os países pobres, facilmente induzidos à compra de caixas pretas, às vezes não completamente testadas ou facilmente obsolescentes. Tal situação ocorre na medida em que pequenas ilhas de prosperidade, num mar

de missa e atraso, pretendem manter a ilusão de adiantamento mesmo que isso não esteja lastreado na realidade. Quarto . Os objetivos nacionais dos povos subdesenvolvidos não se ajustam aos interesses dos povos desenvolvidos. Na realidade, houve até aqui um intenso uso dos recursos naturais dos países pobres, comprando-se-lhes matérias-primas ou semimanufaturadas, para o gozo de produtos manufaturados ou sua venda de volta, com um agregado de lucro altamente expressivo. Só assim se explica o desequilíbrio cada vez maiôr entre países pobres e países ricos. Quinto . Mesmo em relação ao petróleo, o fenômeno da OPEP, que colheu de surpresa os países ricos, não representou no início senão a necessidade da operação de reciclagem dos petrodólares, a qual atingiu os seus objetivos em parte, apesar de ter, marginalmente, abalroado firmemente a economia dos países pobres. Sexto . Os países pobres, não só em termos de riquezas materiais, dinamizadas pela disponibilidade de recursos humanos para isso adestrados, mas depauperados por séculos de colonialismo econômico, passaram a agir como se estivessem drogados, disputando as sobras dos países ricos e a benevolência dos países produtores de petróleo, com comovente ingenuidade. É dentro dessa moldura que se está pintando o quadro da próxima década. Não é impossível antecipar alguns parâmetros de seu desenvolvimento, com um sensível aumento da dependência dos países pobres em relação aos países ricos, particularmente se as alternativas para o petróleo apontarem firmemente em direção à biomassa. Na verdade, é natural que isso venha a ocorrer, na medida em que os espaços vazios, em regiões de boa pluviosidade e insolação, sem problemas de conflito de culturas a curto prazo, coincidem com as áreas ocupadas pelos países tropicais pobres.

No particular, exceto quanto aos países produtores de petróleo, os demais países pobres serão excelentes fontes de derivados vegetais, capazes de substituir o petróleo. O problema então se põe na forma de disciplinar os países produtores de petróleo, os quais poderiam ser classificados de ricos, perdulários e com pretensões (em sua maioria) de transferir-se para o grupo dos países ricos, pelo menos no que se refere às somas astronômicas que vêm acumulando. Outrossim, petróleo e fontes alternativas de petróleo não existentes nos territórios metropolitanos dos países ricos serão alvo da sua cobiça, sendo de se esperar possam ocorrer movimentos militares visando a assegurar a disponibilidade de tais recursos. Não parece crível que leis e regras internacionais possam prevalecer sobre as necessidades vitais dos países ricos. Sem energia suficiente para garantir seu transporte, sua eletricidade, sua calefação, tendo de alterar substancialmente padrões de vida e de cultura, será que tais países permanecerão estáticos? É possível e até provável que os fatos se passem de forma pragmática: ou os países pobres se entrosam num contexto que garanta o conforto dos países ricos, ou terão que fazê-lo mesmo a contragosto. Assim, tudo indica estarem expostos a ações de força (com-binadas entre as grandes potências, independentemente de sua ideologia) tanto os países produtores de petróleo — ainda subdesenvolvidos cultural e economicamente — como os países capazes de oferecer alternativas energéticas válidas, a curto prazo. É por isso que parece indicado, no caso brasileiro, cuidarse, de imediato, da aplicação de severas medidas destinadas a tornar o País independente de pressões, sejam elas oriundas dos países produtores de petróleo para exportação, sejam provenientes dos países ricos na fase de transição que se inicia.

O mundo contemporâneo se caracteriza por uma aceleração crescente das demandas de consumo e lazer, a par de um progresso tecnológico explosivo. É possível que, apesar disso, o progresso tecnológico não possa atender às demandas sociais e econômicas em prazos úteis. E é nesse caso que os riscos serão maiores. A única forma de evitar corrê-los, de fato, está em antecipar os esforços para o desenvolvimento do País, a fim de libertá-lo de uma dependência energética artificial e romper a servidão cultural que impede a ruptura com o modelo tradicional, importado, responsável pela condução do País à sua atual situação, e que ameaça expô-lo, a qualquer momento, ao renovado canibalismo energético das nações ricas, transvestido em ações de domínio territorial, se assim se fizer necessário. Talvez o presente capítulo, melhor do que todas as afirmações anteriores, explique o empenho com que vimos pregando a adoção de medidas rápidas e eficientes para o aproveitamento das alternativas energéticas brasileiras, de modo a substituir o petróleo importado pela hidroeletricidade, o carvão e o álcool, este como o primeiro largo passo na utilização da biofotossíntese.

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ENERGIA E POLITICA O Brasil de hoje vive um momento político impregnado de mensagens e conteúdo. Pluripartidarismo, liberdade de expressão, participação são temas de todo o dia, dominando as manchetes dos jornais e os noticiários das televisões e rádios. Os meios de comunicação dedicam boa parte de seu tempo, ou de seu espaço, a temas fáceis de compreender, como são as viagens do Presidente da República, o retorno e as declarações dos eLivross políticos, as divergências internas da ARENA e do MDB, e outros assuntos de conteúdo político. Na verdade, para o observador atento, o fenômeno brasileiro, na atual situação, é uma demonstração cabal do despreparo das elites e do comodismo daqueles que que se radicalizam em torno do que lhes é fácil compreender: o jogo político. Para um País de vasto clientelismo político, em que os tecnocratas se esmeraram em manter até mesmo o hermetismo de linguagem, os temas fundamentais que embasam qualquer estrutura política são relegados a segundo plano. Um exemplo dos mais característicos da distorção existente no correto equacionamento do Problema fundamental do Brasil, que é o da energia, foi o debate na televisão entre o Ministro das Minas e Energia, e o líder do MDB no Senado Federal. Naquela oportunidade, com uma grande audiência a acompanhar o programa, o líder oposicionista fez uma pergunta irrelevante, quando tudo levava a crer fosse a_ ocasião ímpar aproveitada para situar o pensamento da Oposição quanto ao problema energético, solicitando-se ao Ministro que esclarecesse aquilo com que concordava e aquilo de que discordava.

A verdade que se coloca diante de todos é que o Governo vem tentando situar-se diante do problema energético. Quanto à Oposicão, não tem ela compreendido as ameaças que pesam sobre o país, pelo que relega o tema crítico do desenvolvimento político — a energia — para um plano secundário, dadas as suas conotações sociais e econômicas. Cabe formular aqui, despretensiosamente, algumas questões que valem tanto para os adeptos do Governo como para os partidários das oposições Pode haver liberdade política se faltar energia para mover nossos veículos e alimentar nossas indústrias? Existe algum risco de vir a faltar petróleo amanhã, devido a uma nova crise política ou militar no Oriente Médio? Seria o assunto solúvel com medidas de caráter político? O ritmo de aplicação das medidas para substituir o petróleo importado por fontes de origem metropolitana, apoiadas na fotobiossíntese, vem sendo implementado de forma correta, de modo a atender à pressão dos acontecimentos reais e passíveis de materializar-se? Terá o Brasil condições de manter um ritmo adequado de desenvolvimento e geração de empregos com o aumento continuado dos preços do petróleo e a incerteza de conseguir encontrar forne-cedores e dispor de meios para importar em 1985 ainda mais de 500 mil barris de petróleo por dia? Cabe a aplicação de um Plano de Emergência como o apresentado pelo Conselho Permanente de Energia, da Associação Co-mercial do Rio de Janeiro, ou deve prevalecer aquele posteriormente defendido pelas classes empresariais e encampados pela MEDE — Mobilização Empresarial para o Desenvolvimento Energético? Se ambos os documentos são diametralmente opostos em sua filosofia e recomendações, deve o assunto ficar ignorado, depen-dendo do maior ou menor poder, ou

empenho, das entidades que os apresentaram, ou deve ser amplamente discutido? Quando as hipóteses citadas abordam posturas tão diferenciadas quanto o estancamento — inclusive auto decidido — de 50% na importação de petróleo e a substituição prioritária da gasolina pelo álcool, seria o silêncio sobre o assunto válido? Como entender a aceitação passiva do cronograma de substituição da gasolina pelo álcool, com uma vaga promessa de fazê-lo quanto aos veículos pesados, hoje movidos a motores diesel, deixando na orfandade caminhões, ônibus e tratores? Onde estão os eternos defensores de posições nacionalistas, ainda hoje preocupados com o monopólio estatal do petróleo, e desinteressados, do motor BRASILEIRO movido a álcool, e destinado a substituir aqueles hoje movidos a óleo diesel? Seria desprezível cuidar da utilização conjunta álcool e óleo diesel em motores diesel` proporção de 1,1 litro de álcool para um litro de óleo diesel, com a possibilidade de substituir o último até 40% ou mais? As dez perguntas formuladas poder-se-iam estender indefinidamente. O que impressiona é a inexperiência e a falta de visão dos políticos brasileiros. Etanol de cana-deaçúcar e etanol de madeira. Concomitantemente? É conveniente para a, Nação, ou não o é? São debates a nível nacional que deveriam estar sendo travados acirradamente. É chocante ver o círculo limitado em que o assunto é tratado, e a facilidade dos decision makers em adotar diretrizes, imunes a críticas ou à necessidade de dar explicações bem fundamentadas. O fenômeno do despreparo das elites dirigentes brasileiras é facilmente caracterizável. Discutem detalhes ou problemas políticos transcendentais, fugindo ao enfoque de assuntos desagradáveis, de pouco rendimento político. O processo tem uma fragilidade claramente identificável, na

medida em que a crise energética, enfrentada incorretamente (apesar de vários países estrangeiros buscarem a experiência brasileira), levará à impossibilidade de um pacto social e político válido. A espiral inflacionária sem condição de ser contida e empurrada pelo custo da energia importada, agregada aos custos de desenvolvimentos energéticos metropolitanos de alto investimento e baixa capacidade de resposta, são as condicionantes que conduzirão os políticos a um impasse. É pena que se e quando isso ocorrer já terá provavelmente passado o momento ótimo para reagir, dentro da linha de união nacional em torno de critérios de Mobilização que estão a pedir — pelo amor de Deus — para serem implementados.

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BOMBA-RELÓGIO NAS MÃOS DA NAÇÃO Qualquer previsão sobre a década de 80 corre o risco de ser desmentida, exceto num aspecto fundamental: será o período das crises energéticas, que influirão no comportamento das pessoas e das nações. Particularmente, os problemas serão gerados pelos custos e volumes de petróleo colocados à disposição dos países dependentes de sua importação. O tema já se tem tornado monótono, sem por isso gerar um conjunto de medidas coerentes, capazes de significar uma tomada de posição adulta e responsável diante do desafio brutal que ainda não teve resposta, enquanto a década de 80 não aguarda um minuto sequer para invadir este final de 1979. Teoricamente, os economistas deveriam estar elaborando projeções suscetíveis de servir de base ao planejamento energético da próxima década. Acontece que em certo momento os economistas, além de terem os seus méritos superestimados, adotaram a posição de se auto superestimarem. Hoje, diante das projeções furadas e das teorias ultrapassadas pelos acontecimentos, compreenderam que a velocidade dos acontecimentos constrói realidades, diante das quais só resta encontrar boas justificativas para os erros de avaliações. Por isso, os problemas que estão no caminho de homens e nações, na atribulada década de 80, têm de contar, para a sua solução, com a cooperação dos economistas, mas não podem ser enfrentados sob o comando de nenhum deles. A partir de 1973, com a crise do petróleo, surgiram demandas muito específicas para a qualificação dos responsáveis por postos de comando, tanto em nações ricas como em nações pobres. Apesar de variarem as dificuldades a serem enfrentadas e, portanto, as soluções a aplicar, uma

constante permaneceu: os dirigentes devem ter flexibilidade mental, imaginação e coragem. Outro requisito fundamental é terem efetiva comunicação com a comunidade, sendo capazes de mobilizá-la sem apelo a mistificações. Assim, é preciso dizer ao povo com clareza e lealdade, particularmente no caso brasileiro, que a prioridade absoluta da Nação é a substituição do petróleo importado no menor prazo, e tendo como meta fazê-lo por inteiro. Não há tempo, provavelmente, para hesitações como as que estão caracterizando o comportamento do Governo, empenhado em ganhar tempo na, vã esperança de que algo aconteça que venha aliviar o problema. Algo vai acontecer provavelmente, e mais cedo do que se possa imaginar: o aumento desmesurado dos preços do petróleo, via direta ou indireta, através de sua simples alteração ou através da adoção da cesta de moedas, dos leilões do combustível ou das correções conforme a desvalorização do dólar. Tais hipóteses não invalidam a ocorrência de uma outra forma de aumento do preço do petróleo, ou de cortes no fornecimento, pelo simples fato de que não é importante acertar os 13 pontos , mas é necessário identificar tendências e trabalhar sobre elas. A pergunta básica que se põe para todos os brasileiros que pretendem fazer alguma coisa pelo País é a seguinte: Qual o tempo de que se dispõe para equacionar o problema da dependência da importação de petróleo? Será esse tempo de seis anos? Caso se possa raciocinar em termos volumétricos, com a certeza de importar 960 mil barris/dia, independentemente da ocorrência de problemas de suprimento, ou da incapacidade de aquisição do País, então não há dificuldade alguma. Em quatro ou cinco anos o problema tem solução fácil. O autor, no entanto, entende de forma completamente diferente. Julga que já se está em estado de emergência, sofrendo um bloqueio energético pior do que um bloqueio militar, como o que foi feito, por

exemplo, a Napoleão durante a guerra com a Inglaterra. E ninguém compreende que o problema é mais grave do que um ataque militar, porque não existe um inimigo palpável; ele cresce desmesuradamente e é negado subliminarmente. Ignorá-lo é uma forma de proteção, mas, sem dúvida, um comportamento psicologicamente covarde. A hora exige que se supere o complexo dos franceses com a Linha Maginot. É uma ilusão e um luxo que o Brasil não pode se permitir, se pretende ser um País capaz de desenvolver os seus oito milhões e meio de quilômetros quadrados e oferecer condições de vida decentes a mais de 100 milhões de criaturas humanas. É por isso que devem ser feitos sacrifícios. Mesmo porque 90% do povo brasileiro já está fazendo sacrifício . Cabe aos 10% restantes liderar esse movimento, para que não sejam todos tragados pela incompetência e pela imprevisibilidade, e possa o País evitar um fenômeno da maior gravidade social e política, e que poderá representar um caos incontrolável. Por outro lado, existe uma série de distorções a serem corrigidas. Existe o Documento das Classes Empresariais, que o Conselho Permanente de Energia da Associação Comercial refutou de pleno, pois propõe um novo sistema de refinação, através do qual o álcool substituirá a gasolina para os carros de passeio poderem rodar. E o caminhão? E o trator? E o ônibus? Não deveriam ser garantidos em primeiro lugar, por causa do risco de caos econômico e social? Não se está, em termos de Segurança Nacional, compreendendo que não é hora de egoísmo; que não é hora de determinados grupos pretenderem resolver, a curto prazo, um problema específico, enquanto a Nação corre o risco de um naufrágio se houver interrupção no fornecimento de petróleo. O assunto é sério e assim deve ser entendido e tratado. No trabalho citado, encaminhado à Comissão Nacional de Energia, consta a necessidade de ter o cuidado de não produzir motores a álcool além de certo limite, porque pode faltar álcool em função da melhoria do

mercado do açúcar, levando à necessidade de racionar o álcool. Se é isso, então parece Kafka. Kafka puro. Ainda se explora o argumento do conflito de cultivos, numa Nação em que só pode haver conflitos dessa espécie onde existem destilarias anexas, que em geral estão localizadas em regiões de cultivos nobres, expandindo-se às vezes em detrimento de outras culturas. Tudo o que está sendo feito tem a marca do pensar pequeno e do ousar poupo. Volumes de álcool não adequados. Sua utilização de forma incorreta, segundo critérios de prioridade discutíveis. Na Escola Superior de Guerra, há pouco tempo, o Dr. Lício de Faria, então Secretário-Geral do Ministério da Agricultura e do Comércio e Presidente da Comissão Nacional do Álcool, respondeu, em debate, diante de argumentos semelhantes, que não havia motores para uso do álcool. Afirmava que o entusiasmo do autor era a atitude do empresário, que pode se dar ao luxo de ser otimista, enquanto as autoridades do Governo têm de ser prudentes. Na oportunidade foi respondido que o empresário tem de ser prudente, pois existe uma punição chamada falência, que não ameaça ninguém a serviço do Governo, mas ameaça o empresário, dia e noite. Portanto, em termos de prudência, ela não é privilégio de quem está trabalhando para o Governo. Há outros conflitos a serem resolvidos. Aumentar a exportação para pagar petróleo é uma forma de transferir trabalho brasileiro para o exterior, com resultados irrelevantes. É preciso aumentar a exportação para modernizar a agricultura e a indústria brasileira, desenvolvendo o País. O resto é contribuir para desenvolver outros países, e, paralelamente, entupir os bancos suíços e os demais bancos estrangeiros com dinheiro dos países produtores de petróleo, que retornam como empréstimos e aumentam o serviço da dívida. Em resumo, um círculo vicioso que vai levar o Pais, em certo momento, a uma explosão incontrolável.

O Brasil é um Pais que pode evitar a crise da década de 80 na sua intensidade maior. Não lhe faltam recursos para isso. Talvez faltem decisão e competência. Trata-se de um País que tem tudo para vencer, tornando-se uma Nação forte, respeitada e desenvolvida. Ele está montado em cima de um Mar do Norte vegetal, e não se dá conta disso. Por conseguinte, é hora de assumir atitudes muito firmes. É hora de economia de guerra mesmo. Porque economia de guerra pressupõe que há uma ameaça externa. E cabe a pergunta: que ameaça externa maior do que paralisar o transporte do Brasil, feito principalmente por caminhão? Do que paralisar os ônibus e tratores? Do que paralisar a indústria brasileira? Existem, na prática, ameaças maiores do que o inimigo externo, com canhões, navios de guerra e bombardeiros, na medida em que possa ser feito a uma nação estrago igual ou maior do que aquele produzido por todos esses engenhos juntos. Os responsáveis pelos destinos brasileiros devem ser um pouco menos políticos e muito mais conscientes da gravidade do momento. Há uma bomba-relógio, armada, em mãos da Nação. Não se sabe quando vai explodir. Que fazer? Só parece haver um procedimento defensável: agir como se ela pudesse explodir agora

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AUMENTOS DIRETOS E INDIRETOS DO CUSTO DO PETRÓLEO Existem diferentes formas de os preços do petróleo variarem no mercado internacional. Sem levar em conta o mercado spot , que já está atingindo 40 dólares por barril, há numerosas explicações para os preços do petróleo, desde as referentes à qualidade do produto, até as que decorrem dos critérios estabelecidos pelos países produtores e dos contratos com eles celebrados. Seria extremamente interessante divulgasse a Petrobrás um folheto esclarecedor sobre o assunto. O hermetismo, no caso, só serve para deixar que pairem dúvidas sobre quais os preços diretos, reais, que o Brasil está pagando pelo petróleo que importa. A oportunidade de um esclarecimento amplo sobre o mais momentoso tema, da atualidade — os pretos do petróleo — permitiria fosse a discussão sobre o assunto, além de objetiva, impregnada de conteúdo pragmático indispensável. Afinal de contas, os especialistas no assunto têm feito o que podem, mas estão comprometidos com uma política que ajudaram a implantar, não podendo, portanto, dela discordar frontalmente. Como a discordância é construtiva, na medida em que não represente apenas uma oposição sistemática, é indispensável oferecer dados concretos que a revistam da necessária autoridade. Pode parecer estranho sugerir que um assunto complexo, hoje ao alcance de alguns iniciados, como é a política de preços do petróleo, seja divulgado em maior amplitude, com a consequente vulgarização do tema. Não só não é estranho como é necessário. E se outros argumentos não houvesse, bastaria citar a História da Civilização nos Tempos Modernos

, de Egon Friedell, editada em Munique, em 1928. Nesse livro, o autor comenta o fato de que quando algum nãoespecialista se pronuncia de público, surge a desconfiança, especialmente quanto ao direito de um diletante imiscuir-se na discussão. Prossegue, porém, Friedell, para mostrar que é importante a contribuição do diletante competente, em relação humana com o objeto do seu interesse. Ao contrário, assinala que o especialista tem uma relação profissional com o assunto de sua especialidade, e o encara, em geral, com uma dose acentuada de unilateralidade, numa visão restrita e estreita. Explicando melhor o pensamento de Egon Friedell: julga ele que o perito está tão perto do objetivo de seu interesse que não é capaz de provocar uma revolução verdadeira, pois seu excessivo comprometimento com a tradição o impede de produzir soluções férteis. Pode-se concluir, portanto, que os especialistas, indispensáveis sem dúvida, podem receber importante contribuição de estudiosos não profissionais, principalmente quando se trata de assuntos para os quais se exigem vivência e bom senso. E é exatamente esse o caso dos preços de venda do petróleo no mercado internacional. Para o profissional, o que lhe interessa é a melhor condição que possa obter, conforme as circunstâncias do mercado. A sua preocupação é apenas o produto que está adquirindo. E por ser especialista não lhe é fácil fazer correlações tão complexas quanto analisar os aumentos de petróleo, via indireta. De fato, há modalidades de aumento dos preços do petróleo que não são definidas pela OPEP. É o caso do aumento dos produtos manufaturados e dos produtos agrícolas, dado o reflexo do aumento do petróleo nos seus custos. Outrossim, quando os juros no mercado do eurodólar sobem, em função do enfraquecimento do dólar, ou das tentativas de conter a sua desvalorização, o que se está enfrentando de fato é uma consequência da crise

energética. Assim, poder-se-ia dizer que, em termos brasileiros, o petróleo, na semana de 7 a 14 de setembro de 1979, subiu de 15 a 20%. Não ocorre o mesmo quando o serviço da dívida brasileira sofre um aumento, em função da tentativa de conter a elevação direta dos preços do petróleo mediante resolução da OPEP? A preocupação que o autor do presente livro vem procurando transmitir, no que se refere aos aumentos dos preços do petróleo, diretos ou indiretos, está intimamente ligada à convicção de que se trata de uma escalada. Também está ligada, de outra parte, à convicção de que não há forma de acompanhar essa escalada, sem confrontar o país com um descalabro. Daí a pregação quanto à urgência de enveredar por um atalho, cortando parte do caminho, hoje e de forma contundente, antes que a única solução para os municípios seja não pagar as dívidas aos Estados e ao Governo Federal, num processo de queda do dominó de que resultaria, por último, o País não poder cumprir os seus compromissos no campo internacional. A par disso, antes do ato final de uma peça extremamente perigosa, os ônus da inflação importada e daquela fabricada internamente irão cada vez mais corroer a resistência do organismo nacional. Parece, portanto, razoável solicitar aos especialistas que não apresentem números distorcidos e monocromáticos para assinalar as consequências dos aumentos diretos do petróleo na economia brasileira. Todo o complexo de providências para contornar os aumentos diretos do petróleo, ou tentar evitá-los, deve ser encarado como um filme, sem tentar contemplar apenas fotografias isoladas. E só se houver a coragem de formular o diagnóstico é que, de posse dos resultados da tomografia do organismo nacional, se poderá perceber o encadeamento dos fatos na sua simplicidade absoluta. Isso significa, para países na situação de dependência ao petróleo importado, como é o caso do Brasil, a necessidade de assumir por inteiro a sua potencialidade interna.

É; na certeza de que vai prosseguir a escalada inexorável dos preços do petróleo, representando a curto prazo o mesmo que o seu estancamento forçado, parcial ou total, que temos pregado e proposto para o Brasil um corte auto decidido na importação de petróleo. O povo brasileiro (mesmo os mais ignorantes cidadãos deste País) espera, consciente ou inconscientemente, que as elites sociais e econômicas sejam suficientemente responsáveis para, ao menos, respeitar o seu instinto de sobrevivência. E esse instinto está indicando, com clareza meridiana, que as alternativas para a situação reagem ao contrário das alternativas para o petróleo: enquanto as primeiras se estreitam, as segundas se alargam. Se outras razões não houvesse, bastariam aquelas aqui apontadas para que a sociedade brasileira não esperasse a salvação pelo milagre. O milagre tem de ser operado com muito trabalho, mobilização de talentos e capacidade de desprendimento. No dia 10 de setembro de 1979, o Conselho Permanente de Energia da Associação Comercial do Rio de Janeiro apresentou o assunto ao Conselho Diretor da entidade. Foi manifestada, com absoluta lealdade, a convicção de que é extremamente duvidoso possa o Brasil confiar na sua capacidade de importar 960 mil barris de petróleo por dia. Diante dessa convicção, já expressa em capítulos anteriores, inclusive no que se refere ao Plano de Emergência para hipóteses de estancamento parcial ou total da importação de petróleo, medidas devem ser tomadas imediatamente. É importante assinalar a compreensão e o apoio, unânime, com que foram acolhidas as preocupações expostas. Ressalta, ainda, destacar o aplauso recebido às recomendações feitas, sob o título geral de "Política em relação aos problemas energéticos diretamente ligados ao uso do petróleo". São as seguintes: — Propor a discussão franca das probabilidades de cortes no suprimento importado, devido à falta de disponibilidade

do combustível ou à incapacidade de atender aos seus custos. — Defender a aplicação do Plano de Emergência apresentado pelo Conselho, pois cumpre ao Pais preparar-se para enfrentar — de fato — as alternativas do estancamento, parcial ou total, na importação de petróleo. — Propugnar no sentido de que seja dado ao álcool, em termos de volumes a produzir, a posição de alternativa importante para boa parte do petróleo importado, com a adoção de Plano Diretor destinado a tornar realidade esse objetivo. - Defender para o álcool e o carvão um tratamento que transforme em realidade a participação empresarial nesse setor, atualizando-o e desvinculando-o dos tradicionalismos que ainda hoje persistem. — Adotar com ênfase a tese do motor a álcool, brasileiro, -capaz de substituir os motores diesel, independentemente de defender a imediata adaptação dos motores diesel existentes ao consumo parcial de álcool. — Solicitar não sejam feitas alterações no esquema de refino do petróleo, com investimentos que visem a aumentar a produção de óleo diesel, pois cumpre examinar com maior profundidade a proposição do Plano de Emergência, segundo o qual se produziria mais óleo combustível e menos gasolina, utilizando as atuais instalações das refinarias existentes. — Levar a público a decisão de atribuir total prioridade à solução do problema energético brasileiro, com a consciência de -que o País corre graves riscos que devem ser obstados a curto prazo. — Mobilizar todas as forças vivas do País através de uma campanha nacional de esclarecimento, a fim de fazê-las compre-ender a gravidade do momento e as responsabilidades históricas que hoje devem ser assumidas por todos os brasileiros.

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O OURO SUL-AFRICANO E O PETRÓLEO IMPORTADO Se a situação do Brasil no quadro internacional do mercado de petróleo não fosse trágica, por certo seria cômica. Há numerosas cenas que só podem ser classificadas como de opereta. Imagine-se o desembarque de mais de 30 mil sacos de açúcar, já colocados a bordo do navio que os transportaria para o Iraque, sob o argumento de que havia, em meio ao carregamento, uns mil sacos com a marca da Usina: uma estrela e seis pontas. Ainda se, pelo desenho, essa marca lembrasse uma estrela de Davi, poderse-ia entender a reação, oque não implica obrigatoriamente aceitá-la. Mas tratava-se apenas de uma estrela de seis pontas. Foi lamentável assistir ao comportamento do representante do IAS, ao prometer que isso não se repetiria. Mudem-se os logotipos das empresas brasileiras pois esse é um dado vital para conseguir exportar com destino a certos países produtores de petróleo desde que possam ser associados a uma estrela de seis pontas. Hoje as exigências são do tipo da relatada. Quais serão amanhã? Terá o Pais condição de não submeter-se a elas? Não obstante a disposição por parte de segmentos da administração pública, de aceitar imposições por mais absurdas que sejam, buscando explicar raciona mente um comportamento abusivo com o único propósito de fazer mise-en-scène , cabe perguntar-por que os dólares dos países árabes produtores de petróleo vêm sendo aplicados em ouro, quando a origem do ouro é, em sua maior parte, da África do Sul? E, mais ainda, ajudando a valorizar um

produto que aumenta a riqueza, e portanto, o poderio, de um país soi disant inimigo. As contradições podem ser colecionadas num museu de terror ou de humor negro, pois a valorização do ouro ajuda a desvalorização do dólar, produzindo a curto prazo aumentos inevitáveis do petróleo. Sem considerar que o preço desse combustível tem variado, inexoravelmente, numa relação bem caracterizada com o preço do ouro no mercado internacional. Ora, se os países árabes e os seus potentados resolvessem boicotar o ouro para prejudicar a África do Sul e fortalecer o dólar, o resultado seria muito menos catastrófico para as nações pobres, dependentes de petróleo importado, na medida em que não seriam colhidas no movimento de tenazes: o petróleo cada vez mais caro e o dólar cada vez mais desvalorizado, levando a uma brutal elevação, para seis meses de prazo, da taxa do Interbank, que regula os juros dos empréstimos em eurodólares. As considerações aqui apenas parcialmente apresentadas são indicativas de um state of art que se aproxima da total irracionalidade, na medida em que se procura criar a ideia de que o nosso bom comportamento nos garantirá o suprimento de petróleo, em condições ótimas, através de contratos do Governo. As tais condições ótimas serão, no mínimo, uma elevação constante dos preços, que segundo se admite — sem qualquer pessimismo — deverão atingir 30 dólares o barril no início de 1980. O significado real de tal generosidade é que o dispêndio com o petróleo, em 1980, deverá situar-se em torno de 10 bilhões de dólares, se outros problemas não surgirem. Sem pretender glorificar o regime sul-africano, baseado no apartheid e renegado pela grande maioria do povo brasileiro, nem por isso é possível ignorar a política energética daquele país. Julgando-se cercado de inimigos, ou seja, em estado de guerra, faz alguns anos vem instalando usinas de liquefação do carvão — SASOL I, II e III, esta última em construção — em busca da sua

independência do petróleo, na conjugação do programa citado com as destilarias de álcool, as quais vem atacando de rijo. É importaste visualizar o que significa aceitar o estado de guerra , e quais as medidas que decorreram de tal reconhecimento. É claro que tudo foi facilitado pela sorte da África do Sul, beneficiada por um boom de recursos, graças à preferência de seus inimigos árabes pelo ouro que ela produz. No caso brasileiro, o fenômeno continua sendo mal compreendido. Os posicionamentos não chegam a ser claros, particularmente no problema do álcool. Basta constatar o seguinte — As discussões sobre o assunto vêm-se tornando intermináveis, com a glorificação de metas tímidas, as quais em 1985 talvez não venham a representar mais de 4% em termos de contribuição do álcool para o consumo energético do pais, em vez do 1% que representa hoje em dia — A substituição de motores diesel por motores movidos a álcool está programada para 1986, e não se fala em uso conjunto do óleo diesel e do álcool, numa assustadora confiança ao galope dos cavaleiros do Apocalipse energético. Os empresários brasileiros, alguns enriquecidos no ramo imobiliário, do qual procuram se afastar, estão perplexos, tal o número de alternativas para a produção de álcool, sem nada ficar perfei-tamente definido em relação a qualquer delas. — Tudo indica que o caminho correto seria quantificar com largueza a produção de álcool — senão seria inadmissível falar tanto no mercado de exportação do álcool e na absorção do álcool com origem na madeira — partindo para um programa bem estruturado de produção de álcool com base na cana-de-açúcar. — Mais uma vez reiteramos que não existe problema de conflito de cultivos e de terras de boa qualidade mal aproveitadas, porque os polos produtores, os alcooldutos ou

o transporte aguaviário são os condicionantes do sucesso de arrojadas decisões quanto ao assunto. — Todas as alternativas viáveis apoiadas na biomassa devem ser estudadas sem, no entanto, servirem de pretexto para tumul-tuar o ambiente, justificando o pior dos erros: o de não ousar a tomada de decisões arrojadas. Como resultado das incoerências e hesitações brasileiras, é que se está divulgando o fato de sermos o pais mais adiantado no desenvolvimento da tecnologia do álcool etílico. No ritmo em que vai o álcool será em breve uma lembrança, como a borracha, de uma grande chance desperdiçada. Como resultado das incoerências e hesitações brasileiras, é que se está divulgando o fato de sermos o pais mais adiantado no desenvolvimento da tecnologia do álcool etílico. No ritmo em que vai o álcool será em breve uma lembrança, como a borracha, de uma grande chance desperdiçada. Na verdade, o País vem aceitando, docemente constrangido, sucessivos aumentos nos preços do petróleo importado, além de vultosos desembolsos na pesquisa de petróleo no seu território, sem concordar em oferecer preços para o álcool — os quais viriam a permitir a grande revolução econômica da década de 80, e beneficiar os brasileiros com uma riqueza hoje exportada a fim de obter divisas para comprar um combustível de cujo substitutivo dispomos.

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ENTRE O REINO DO CÉU E AS AGRURAS DA TERRA A crise energética brasileira, na abordagem que está sofrendo, faz lembrar aqueles casos de acidentes em que todos se empenham em ser úteis, mas ninguém toma a única providência válida: transportar o acidentado para um hospital, a fim de ser convenientemente socorrido. É necessário estabelecer quem tem, de fato, autoridade para dar opiniões válidas, autoridade que não pode ser criada por uma simples nomeação para cargo público. Senão, corre-se o risco de enlouquecer as soluções para os problemas do País, que ficam sujeitas aos pontos de vista conflitantes entre os eleitos para resolvê-los, nem ao menos escolhidos para cumprir coerentemente diretrizes claras já estabelecidas. O autor julga-se com autoridade para chamar a atenção dos brasileiros para a cacofonia que está gerada, seja pelas posições pioneiras que assumiu, no desafio à dependência do petróleo importado, com a alternativa de substituição pelo álcool, seja pela coerência na pregação das soluções obrigadas, antes que o País atravesse — no seu entendimento — o point of no return . Explicando melhor: o agravamento da situação social e econômica, com as consequências políticas inevitáveis, poderá gerar um estado de tensões que não permita mais orientar, construtivamente, a sua resultante. Fatos e mais fatos se acumulam, todos os dias, os quais revelam a desorientação — de identificação mais simples ou mais sofisticada — com que se está enfrentando a dramática situação de dependência energética do País. Declarações contraditórias, manifestações de wishful thinking e outras formas de elidir o confronto com a realidade são lugares-comuns em seminários, na imprensa

escrita e falada, e nas publicações oficiais. Os fatos se apresentam de tal forma que às vezes parece ao autor que o erro está na sua própria inconformidade. Não estará o Pais encontrando o seu caminho, pacífico e progressista, sem serem necessários sacrifícios, economias de guerra e outras medidas dolorosas? Não terá chegado o momento de pendurar as chuteiras , pois os problemas estão sob controle, restando bolsões de inconformidade, sem representarem, de fato, uma contribuição construtiva e indispensável para a reformulação dos critérios existentes, de modo a salvar o Brasil do risco iminente de uma situação caótica? As dúvidas que foram assinaladas são a expressão da capacidade de autocriticar-se dos que adotam uma posição crítica diante das soluções encaminhadas, ou em discussão. Resta apurar a contrapartida: será que as mesmas dúvidas, com sinal idêntico ou com sinal contrário, assaltam aqueles que estão com o volante nas mãos e com a responsabilidade de conduzir os destinos do País? Na tentativa de interpretar o que deveria estar passando pela cabeça das autoridades, encarregadas de enfrentar os problemas energéticos do País, são alinhadas, a seguir, algumas dúvidas que poderiam existir: — Será que o Brasil aguenta os aumentos diretos e indiretos do petróleo importado, sobrecarregando o seu endividamento externo e realimentando — inapelavelmente — a inflação interna? — Até que preço do petróleo importado será possível continuar importando cerca de um milhão de barris por dia? — Estarão as alternativas de substituição, particularmente o álcool, sendo enfocadas corretamente, quer em termos de volumes a produzir, quer em termos de sua utilização prioritária? — É possível contar, de fato, com uma produção ascendente de petróleo, no País, capaz de permitir a

expectativa de 500.000 barris de produção, por dia, em 1985? — Qual a garantia, por menor que seja: que em 1985 se poderá importar entre 500 a 800 mil barris de petróleo por dia? Haverá nessa época, ou no decurso de 1980 a 1985, disponibilidade do produto no mercado internacional, e, se houver, a preço suportável para o Brasil? — Não estará havendo algo errado no enfoque da produção de álcool, na medida em que não existe uma disputa pelo privilégio de produzi-lo, particularmente entre empresários desvinculados do setor açucareiro? — As medidas que estão sendo tomadas não expressarão a incompreensão da urgência em substituir ao máximo o petróleo importado, sob o disfarce de medidas paliativas que atendem apenas a interesses de determinados grupos, hoje em conflito com o interesse maior do País? — Será que exportar mais, se for possível, permitirá de fato obter o petróleo que se necessita importar? Este é o caminho correto a ser seguido pelo País? Ou a batalha da exportação deverá ser travada com fins mais nobres, e de maior rentabilidade social e econômica para o País? — Existirá indicação de que os recursos da Nação estão sendo aplicados com critérios de prioridade inteiramente defensáveis ou estará havendo dispersão de recursos, com tendência ao agra-vamento, na medida em que fatos políticos podem forçar a bolsa a se abrir para Estados e Municípios? — Estarão os administradores — dentro do razoável e do desejável — em seus lugares certos, sem os ônus de nomeações políticas que aumentam o atrito dos conflitos institucionais e da incompetência incrustados no circuito? Se as dez perguntas, em meio a muitas outras, não assaltam os brasileiros responsáveis pelo comando do Poder Nacional, ou eles são gênios, acima da compreensão do comum dos mortais, ou estão dopados pelas assessorias, que os mantêm ocupados para poderem exercer, de fato, o

comando do Estado. O ideal seria que o autor estivesse errado, e que a primeira hipótese fosse a verdadeira. Aí já se incluiria a certeza, que vem sendo manifestada, quanto à impossibilidade de um estancamento, total ou parcial, no fornecimento de petróleo. Se, ao contrário, existem razões para as dúvidas levantadas, se ainda é necessário combater a inércia relativa, diante de uma conjuntura crítica, então é o caso de religiosamente esperar que Deus tenha piedade de nós, pois dos pobres de espírito será o reino do céu.

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AUTOMÓVEL — MITO A SER CONTROLADO O progresso é sempre um subproduto da ambição. Existem, claro, diferentes formas de ambição, que variam desde o construtivo confronto com a natureza no desejo de dominá-la, até o desenvolvimento de formas e meios de melhor distinguir entre os homens em função do poder econômico. Não sendo o progresso mensurável apenas em termos de consumo, e muito menos de consumo do supérfluo, nem por isso o fenômeno representado pelo transporte individual mecanizado sobre quatro rodas deixou de se transformar rapidamente em símbolo de prosperidade. Desde o início da produção do carro de passeio ficou associado a ele o conceito de status . Só os mais ricos e os mais audaciosos se aventuravam a utilizá-lo, até o ponto de urna vulgarização crescente e incontrolável. Nos países desenvolvidos de economia capitalista forjou-se a ditadura do automóvel. Comprar, usar e guardar o carro passa a fazer parte da rotina de vida de milhões de criaturas. Carros maiores, melhores vias expressas, estradas de velocidades crescentes todo um contexto que marca de forma definitiva o século XX. A ditadura do automóvel afirmou-se de maneira tão decisiva que podem faltar tratores para a agricultura, vagões e locomotivas para as estradas de ferro, porém não faltam automóveis. As estradas e as vias urbanas são projetadas visando preferencialmente a oferecer boas condições para os carros de passeio, mesmo porque seria inimaginável ver caminhões ou ônibus a mais de I00 km por hora ao longo das rodovias. Certos problemas típicos de nações em adiantado estágio de desenvolvimento tiveram algumas soluções

oferecidas pelo crescimento desmesurado do consumo de carros de passeio: tensão social devida à necessidade de consumir, como forma de oferecer opções ao excesso de recursos; criação de empregos em indústrias; construção de vias de transporte e serviços ligados a um setor da economia que apresenta uma face importante, com a produção de coletivos e caminhões. Ante a dependência das nações subdesenvolvidas, dificilmente conscientizáveis de que não podem imitar e importar soluções de países ricos, o fenômeno carro de passeio se alastrou como um câncer. A propaganda se encarregou de exacerbar as vaidades, passando o automóvel a ser produto obrigatório de consumo, indicador fundamental do status econômico e social de uma família. Insidiosamente, a doença carro de passeio se foi apossando da classe média dos países subdesenvolvidos de economia capitalista. No caso, não se compreendeu que a economia capitalista de um país subdesenvolvido tem de possuir conotações sociais e econômicas, e não só políticas; diferentes daquelas que caracterizam as nações desenvolvidas. No caso brasileiro, hoje o País se defronta com problemas desastrosos de imprevisão na análise da sua evolução como regime capitalista. Houve completa falta de senso crítico em numerosos setores, decorrências graves sob diferentes aspectos: televisão a serviço da incultura, quando a essência do desenvolvimento está na educação; carros de passeio facilitados sem previsão dos problemas que acarretam; obras públicas voltadas para fomentar o dispêndio descontrolado de divisas e desagregação psicológica de um mercado consumidor desnorteado. Hoje o Brasil assiste, perplexo, ao crescimento insuportável do custo da imprevisão, sem ter a coragem de, através da administração pública, aplicar rigorosa cirurgia antes que a crise devore tudo e todos. Que problemas foram gerados e hoje assumem proporções catastróficas? A

análise racional do problema carro de passeio oferece um perfil digno de consideração, a saber: -- Dispêndios gigantescos em desenvolvimento urbano mal orientado, por ter sido admitido que o automóvel era uma constante no planejamento, com uma demanda em progressão geométrica de vias de transporte, estacionamento e serviços. Hoje, apesar dos custos de tal política, assiste-se a um crescimento incontrolável do binômio poluição-congestionamento . As cidades estão sendo transformadas em vítimas de um exército de ocupação: os automóveis substituíram os homens até esse ponto. — Falta de recursos para uma real solução do transporte urbano, consentâneo com a fisionomia social e econômica do País, com vistas a um transporte coletivo farto, barato e de características técnicas aceitáveis. E daí cabe uma pergunta: Não haveria uma certa relocação de recursos e mão-de-obra, a fim de evitar as crises com que se ameaça qualquer ideia de restringir a indústria de carros de passeio? — Imposição da importação de combustíveis, componentes e chapas de aço, hoje obrigadas pela produção de carros de passeio. Deve ser dito que mais de 20% do petróleo importado se destina ao consumo desses carros. — Expressivos custos de assistência técnica nunca encerrada, tanto para a indústria automobilística, como para componentes e complementos. Hoje em dia ainda existe pagamento à base de 5% sobre o faturamento das fábricas às suas matrizes estrangeiras, além da permanente pressão sobre o INPI para aprovar remessas sob os mais fantásticos títulos. — Investimentos em rodovias com prioridades inadequadas, induzidas pelo tráfego de carros de passeio. Assim, certas duplicações e novas estradas seriam eventualmente menos importantes do que parecem se reduzido o tráfego de tais carros, analisando-se o

investimento à luz do seu efeito multiplicador social e econômico. Em face das considerações acima, resumidas e ainda não detalhadas em termos numéricos, cumpre indagar: Qual o tipo de sociedade de consumo a que o Brasil tem direito? Se a resposta for relacionada, corretamente, com austeridade, critério e responsabilidade diante do futuro, só há uma solução: racionar energicamente o combustível. Hoje em dia a frota de ônibus trafega no Rio de Janeiro a 20 km por hora. Se houver uma restrição eficaz na circulação de carros de passeio, tal velocidade poderá ser duplicada, o que significará, de fato, dobrar a frota de ônibus antes de introduzir nela sequer um veículo novo. Outros benefícios marginais poderão surgir, na medida em que as restrições de consumo possam ser acompanhadas de violentos estímulos à exportação. Se as fábricas instaladas não quiserem utilizá-los, preferindo reduzir a produção, só resta criar um carro brasileiro e deixar que as respectivas matrizes estrangeiras resolvam o seu problema. Pode parecer um contrassenso apontar a hipótese de criar um carro brasileiro, se o objetivo é durante longo tempo restringir o crescente consumo de carros de passeio. Mas não existe esse contrassenso, na medida em que hoje o País dispõe de conhecimento para produzir um bom carro de passeio, capaz de ser vendido em condições razoáveis para países da África e da América Latina, e de produzir divisas ao invés de queimá-las.

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A PSICOLOGIA DAS HIENAS Após anos de esforços para maquilar a crise energética mundial, que afeta em profundidade toda a arquitetura econômica do Brasil, parece chegado o momento da verdade. Independentemente de tudo que se faça para mostrar a impossibilidade de prever essa situação, numa busca desenfreada de boas desculpas para erros e omissões, a verdade nua e crua é que a responsabilidade do drama que se está a viver tem de ser debatida a quem de direito: a todos aqueles que cuidaram dos seus interesses imediatos, relegando a segundo plano os interesses da Nação. Representantes da administração pública descaracterizaram prioridades reais em busca de falsas prioridades, capazes de assegurar-lhes cargos no futuro, como os de Governador de Estado, Senador, Deputado — e por que não? — Presidente e Vice-Presidente da República. Representantes do setor privado, atuando com timidez (e certos setores com malícia) sobrepuseram os interesses pessoais ou os de seu grupo, nacional ou multinacional, aos reais interesses da Nação, acreditando-se maquiavélicos por usarem com habilidade os instrumentos habituais de desinformação consciente para atingir objetivos fáceis de identificar. Foi assim que o País se afastou passo a passo de suas reais prioridades, aproximando-se perigosamente de uma situação caótica, cujos contornos são fáceis de desenhar. A única tentativa real de estabelecer um plano de ataque aos estrangulamentos que ameaçam o País centrou-se na nomeação do Ministro Delfim Neto para o Ministério do Planejamento. E dele se espera, e dele se solicita, que opere o milagre, num retorno às fontes antropológicas que

moldaram a sociedade brasileira. É o apelo ao Pajé, ao Santo milagroso, ou ao Pai de Santo, capaz de, num passe de mágica, afastar os maus espíritos, restabelecendo a saúde psicológica e física do crente. Apesar da fé com que se colocou o Ministro Delfim Neto no centro do comando econômico da Nação, a realidade é que não há milagres a fazer, e o que necessita ser feito já está começando tarde. Independentemente disso, não possui o Ministro do Planejamento o instrumental com que realizar a cirurgia, cerceado pelas perplexidades oficiais, que não aceitam ceder suas parcelas de comando, ciosas de preservar o seu prestígio junto ao médico oficial da Corte, que pretende exercer as suas atribuições na íntegra. O resultado da situação de conflitos institucionais, descabidos na atual situação, mas que persistem cada vez mais vigorosos, pode ser apontado com nitidez: — Até hoje não se considerou que a solução da dependência energética do País, em relação ao petróleo importado, constitui prioridade 1 e prioridade II para o Brasil. E assim é na medida em que o coração do País, o transporte e a indústria podem sofrer um colapso — já o estão sofrendo — e levar para o brejo toda a formulação das prioridades nacionais tais como o aumento da produção agrícola e o combate à inflação. Foi essa a tese que o autor defendeu na Escola Superior de Guerra em 13 de setembro de 1979, em Painel de que participou em conjunto com o professor João Paulo de Almeida Magalhães; o economista Rubens Novais, assessor do Ministro do Planejamento; e o coronel Milton Câmara Senna. — Ainda hoje se admite que o álcool seja o substitutivo da gasolina, enquanto se aumentaria a fração diesel com uma mudança no esquema de refinação do petróleo, substituindo o óleo combustível por outras alternativas energéticas, entre as quais sobreleva o carvão. Enquanto nos grandes centros do País se cultiva a civilização do automóvel, que conquistou até o direito de ocupar as

calçadas, levando os carros dos bebês para o meio da rua, nada é feito com seriedade para dar um destino mais nobre ao álcool, como combustível capaz de movimentar caminhões, ônibus e tratores. Ignora-se — e parece proposital — o uso de motores potentes projetados para utilizar álcool, além de outras alternativas, como a dupla alimentação. Quando se fala em álcool para motores pesados, cita-se a aditivação, que exige uma relação de 1,7:1,0 de álcool para o óleo diesel, além de um aditivo da ordem de 10% do volume consumido. Tudo dentro do nobre espírito de preservar as atuais matrizes das fábricas de motores, sem incomodá-las com soluções que envolvam a substituição do motor pelo motor movido a álcool, projetado para esse fim. E assim tanto a dupla carburação, que permitiria substituir até 40% do óleo diesel, numa relação de consumo de 1,1:1,0 entre o álcool e o óleo diesel, como o motor especialmente projetado para utilizar o álcool como combustível, também capaz de manter uma relação econômica em termos de volumes proporcionais consumidos, vão ficando à deriva, sem receber um tratamento condizente. De outra parte, é preciso deixar claro o caráter fundamental do raciocínio feito anteriormente, pois para substituir 40% de óleo diesel terse-ia hoje uma demanda de cerca de 10 bilhões de litros (na hipótese defendida pelo autor) e de cerca de 17 bilhões de litros com o emprego do álcool aditivo. Acontece que 11 bilhões de litros de álcool podem ser produzidos a curto prazo, enquanto 17 bilhões de litros (na mesma hipótese) são inatingíveis a curto prazo. — Ainda permanece a discussão sobre o preço do álcool em relação às vantagens de exportar açúcar e usar as divisas para importar petróleo. É uma posição surrealista, pois não admite a necessidade de aumentar, rapidamente, o grau de independência do Brasil em relação ao petróleo importado e aos países produtores, num binômio que estrangula a sua libertação econômica e a sua soberania

política. Trata-se de uma discussão bizantina, que pode atender aos interesses dos produtores de açúcar, mas nada tem a ver com os interesses reais do Brasil, rigidamente enquadrados na moldura da produção metropolitana dos insumos energéticos, agregados aos produtos que consome e exporta, — Quanto aos preços comparados do petróleo e do álcool, argumento ainda utilizado, basta considerar que com o petróleo a mais de 30 dólares o barril, mais o custo dos juros da dívida externa que gera, da ordem de 15 a 20%, se chegaria facilmente a um preço equivalente ao do álcool. Cabe, porém, a pergunta: e é preciso comparar? Se existe a ameaça de não haver petróleo para importar, ou de não haver recursos de empréstimos externos para fazê-lo, ao mesmo tempo que se pretende aumentar a exportação, transferindo produtos que poderiam resolver problemas internos para pagar petróleo, então fica a dúvida sobre a lógica do raciocínio. Em vez de produzir álcool, hidroeletricidade e carvão, e utilizar mesmo a lenha intensivamente, no início, far-se-á um gigantesco esforço de exportação de produtos agrícolas, deixando a própria população do Brasil sujeita a índices subumanos de absorção de calorias. É o caso de dar uma meia trava, fazer um exercício de autocrítica e partir para o álcool: os 30 bilhões de litros em 1985 que o autor vem pregando faz mais de dois anos, gerando empregos, retendo riqueza e construindo um novo Brasil. E isso deve ser empreendido sem o problema de estabelecer quem vai fazê-lo, pois cumpre apenas definir onde, quanto, em que tempo e por quanto . Com referência ao capital estrangeiro, basta exigir a reaplicação dos lucros, durante dez anos, no setor, conforme diretrizes a serem baixadas pelo Governo. Pior que a dependência a estrangeiros, produzindo álcool no Brasil, é a dependência aos xeques, produzindo petróleo no exterior.

Quanto ao preço de aquisição do álcool ao produtor, basta fixar uma proporcionalidade ao preço de aquisição do petróleo no exterior, até 1985. Haverá muito lucro no Brasil, não maior do que aquele que seria proporcionado no exterior (se houvesse petróleo para importar) sem ao menos gerar benefícios importantes e indispensáveis à sobrevivência do Brasil, e sem que o País se afunde na miséria e no caos. Muito mais se poderia escrever sobre o assunto. Hoje parece importante aflorar os conceitos expressos, com um raciocínio adicional: não é possível querer operar uma mágica transcendental, com quatro mágicos no palco, descoordenados, acossados pelos diferentes lobbies — inclusive o daqueles que ridicularizavam a sinistrose do petróleo . É preciso centralizar o comando da batalha energética, a qual constitui prioridade 1 e II da conjuntura brasileira. Produção agrícola é prioridade, e é claro que o seja, mas muito abaixo daquela atribuída à energia, pois dela depende. Quanto à inflação, se for preciso controlá-la à custa de um Pais paralisado e morto de fome, então até logo, e viva a inflação.

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O BRASIL E O RACIONAMENTO DE GASOLINA O Brasil é um pais com peculiaridades extremamente curiosas. Enquanto no resto do mundo ele não é notícia, conforme avaliação destituída de ufanismo, já os noticiários brasileiros estão repletos de informações e comentários sobre outros países de todas as partes do mundo. Essa situação levaria a pressupor fosse o brasileiro um povo bem informado, o que de fato não ocorre. O material que, com exagero, lhe é oferecido não tem significação política e econômica capaz de influir, em profundidade, nos seus conhecimentos e opiniões. Há uma tendência inata para superestimar as próprias realizações, quando não ocorre o pior, que é superdimensioná-las para impressionar os estrangeiros. O resultado é que o País assume o aspecto de um parvenu , disputando notícias em colunas sociais, como forma de impressionar pessoas de situação estável e já suficientemente conhecidas. Em termos internacionais, o País oferece o seu flanco a ofensivas comerciais, que visam a explorar a ingenuidade nacional, com a venda de projetos mirabolantes, às vezes assim considerados pelos próprios vendedores. Daí a surpresa agradável de certos países ricos, quando conseguem vender ao Brasil projetos que não adquiririam, ainda que dispusessem de excesso de recursos. Administradores eventuais da coisa pública entusiasmam-se consigo mesmos. Esquecem rapidamente todo o esforço despendido para chegar a determinadas posições, passando a agir como se as tivessem conquistado por valor próprio. São geradas situações às vezes críticas, pois a distorção psicológica assinalada lhes facilita confundir a coisa pública com a coisa particular, com os consequentes

problemas da tomada de decisões sem a devida ponderação, e também identificar as críticas à sua atuação de administrador público como contestação ao próprio interesse nacional. Já o povo brasileiro, em sua maioria crédulo, mesmo quando se trata de sua parte mais esclarecida, aceita comportamentos inexplicáveis, buscando justificar contradições flagrantes. O princípio que parece prevalecer é o do comodismo. Se há pessoas que ganham para chefiar, pois que chefiem. Os demais devem seguir, calmamente, as diretrizes daqueles a quem cumpre chefiar, sem colocar em dúvida o fato de que podem não refletir a melhor conveniência nacional. Confundem-se, assim, contestações sistemáticas ao Governo, partidas de círculos desinteressados em seus, acertos, com críticas indispensáveis a medidas inadequadas, que se não forem discutidas podem trazer malefícios ao País, entre os quais sobreleva uma agitação social e política, perigosa ao longo, do tempo. Vai daí que o autor vem procurando esclarecer determinados ângulos críticos do posicionamento econômico do Brasil. A dependência ao petróleo importado, por exemplo, está transformando o País, restringindo-lhe a capacidade de desenvol-vimento, ao mesmo tempo que põe em risco a sua própria segurança nacional, ante a hipótese de interrupção do fornecimento, do precioso combustível. No entanto, todo o equilíbrio instável existente se apoia em compromissos de um país produtor que, acaba — na prática — de romper um contrato de risco devidamente sacramentado, com acordos assinados. O Brasil pretendia honrar esses acordos, e se honrados pela outra parte eles seriam de grande ajuda, permitindo aos brasileiros dispor de suprimentos, vultosos de petróleo, a preços especiais. Aliás, que crédito mereceria o Brasil, como parceiro privilegiado de outros países, se na prática, descoberto um campo de petróleo (e no caso não

foi um campo qualquer), resolvesse efetuar um rompimento de seus compromissos nos contratos de risco que mantém? Daí a indicação reafirmada quanto à prioridade I do País, ou seja, substituir o petróleo importado, o mais rápido possível, por alternativas produzidas em seu território metropolitano. A constante elevação dos preços do petróleo, independentemente de sua disponibilidade física e geográfica, indica a conveniência de ser levada a sério a chamada economia de guerra, com todas as suas implicações. É preciso considerar que os veículos brasileiros não serão movidos por promessas, nem estas farão funcionar as indústrias do País. Há ameaças sérias quanto ao funcionamento normal, ou seminormal, do Brasil. Esse fato deve ser reconhecido, como o foi pelo próprio Presidente da República, quando se referiu a severas restrições no consumo de derivados de petróleo, causando perplexidade, aliás sem nenhuma razão, pois o seu pronunciamento, excetuado o aspecto figurativo, era sincero e necessário. Errados estão aqueles que pretendem maquilar a sinceridade do Chefe do Governo, a qual merece todo o res-peito e permite esperar medidas consequentes em face da gravidade da situação . Se o problema da substituição do petróleo importado é prioridade I, revestida de total urgência, pois é preciso preservar a soberania e a segurança nacionais, só resta aplicar com efetividade o conceito de economia de guerra, partindo para a mobilização nacional, inclusive com o racionamento de derivados de petróleo. O que o autor buscou demonstrar até aqui foi o quanto a política energética do País está afetada pelas peculiaridades dos comportamentos de seus homens públicos. São vícios remanescentes dos padrões culturais que formaram a personalidade brasileira, com suas virtudes e seus defeitos, e que têm de ser combatidos nas horas críticas, quando passam a ameaçar os destinos da Nação. Assim há uma lentidão paquidérmica nas decisões de emergência, porque

são difíceis de adotar, antipáticas, existindo sempre uma remota possibilidade de que não teriam sido necessárias. E quem quer ficar com os ônus, no futuro, de ter tomado decisões críticas, caso o desenrolar dos acontecimentos venha a comprovar terem sido desnecessárias? Parece que o problema central é exatamente o citado no parágrafo anterior. Há uma compreensão errada quanto ao conceito de emergência no tempo. Os Planos de Emergência devem nascer quando há conscientização no tocante à possibilidade de uma crise, e ser implementados a partir desse momento. Quando a crise explode, já não se trata de Plano de Emergência, mas de Plano de Crise. É dentro desse contexto que cabe o racionamento de gasolina desde já, mediante o critério das placas par e ímpar, em dias alternados. E isso por quê? Porque o racionamento da gasolina é educativo, preparando para uma eventual crise, sem permitir que a ameaça seja conhecida apenas de um círculo restrito. Porque a restrição de consumo, via aumento de preço, dá a ilusão ao povo de que há classes privilegiadas, que usarão seus carros, sem problemas, até o último momento. Porque os hábitos consumistas da sociedade brasileira, infiltrada pelos modelos dos países ricos, levarão a classe média a cortar na comida para beber gasolina, o que obrigará os seus componentes a formular novas e reiteradas reivindicações salariais. Porque a mobilização de recursos, para atender ao estado de guerra, deve ser feita via impostos e contribuições espontâneas, e não através de uma sistemática que atira os segmentos inferiores da classe média contra os seus segmentos superiores, rompendo um equilíbrio do interesse e do desejo de ambos. Porque existe solução válida, de caráter democrático, não-elitista, para conter o consumo, mesmo que isso represente, por certo tempo, um excesso de gasolina não consumido. É o caso, então, de exportá-la gerando divisas, pois o estado de guerra é incompatível com a ausência de

sacrifícios — os quais devem ser suportados até mesmo como exercício, para disciplinar o espírito. Porque com o racionamento qualquer possuidor de carro de passeio poderá continuar desfrutando a exibição de status, nem que o faça apenas duas ou três vezes por semana.

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AGIR COMO SE ESTIVÉSSEMOS EM GUERRA. A posição do representante da iniciativa privada diante da problemática energética brasileira poderia ser sintetizada da seguinte forma: o que está em jogo? Qual o tempo de que dispomos para não sermos afetados de maneira definitiva em nossa estrutura social, política e econômica pela crise de petróleo? Essa crise, na realidade, representa em seu fundamento um reflexo da grande crise energética que o mundo atravessará nos próximos vinte anos, até encontrarem-se novas formas de energia mobilizáveis, passíveis de utilização em termos econômicos razoáveis. Como enfrentar essa situação dramática e blindar o nosso calcanhar de Aquiles, visto sermos uma economia reflexa, que exporta energia através da incorporação desse insumo ao produto exportado, para pagar a energia que importa com a finalidade de produzir esse material de exportação? É claro que quando se fala em aumentar a exportação isso pode significar -e significa obrigatoriamente, no quadro atual — aumentar o consumo de energia. O que está em jogo neste momento e a sobrevivência do. Brasil como país livre, democrático, preservada a sua soberania e integridade territorial, que são componentes dosa Objetivos Nacionais Permanentes. E falamos em integridade a territorial porque o canibalismo energético será consequência da evolução da crise do petróleo. As nações desenvolvidas procurarão plantar para obter produtos agroenergéticos, ou buscarão, onde puderem, outros recursos minerais que não o petróleo, no momento a em que estiverem com frio, com seus elevadores parados e suas indústrias sem condições de funcionar. As leis

internacionais vão sofrer alterações e então a maneira de enfrentar o ataque dos que põem em risco os Objetivos Nacionais Permanentes — hoje já estamos de acordo — será irmos à guerra desde agora. E a guerra não é obrigatoriamente colocada em termos militares. Às vezes é até melhor sermos bombardeados e saber que estamos em guerra do que sofrer essa forma sutil de erosão da vontade e da economia nacional que é a crise do petróleo. Isso nos leva a que, apesar de estarmos de acordo quanto ao fato de nos encontrarmos em guerra — o que é um fato extremamente importante — ainda não estamos todos de acordo sobre como ir à guerra, em que termos de flexibilidade, de agilidade, de rapidez deve processar-se a mobilização nacional. E esta deve ser rápida, para que amanhã não venhamos a nos lamentar, exclamando: "mas assim também não vale?", por terem os países produtores aumentado mais uma vez o preço. Essas hipóteses têm que existir. As hipóteses mais pessimistas podem ocorrer. É diante desse quadro que o Brasil, país rico e afortunado, não precisa ficar exportando o seu suor e o suor dos seus empresários, dos seus trabalhadores e de todos os brasileiros para pagar petróleo. Nessa emergência, que talvez esteja sendo benéfica (e talvez fosse melhor mais traumatismo ainda), será possível utilizar na sua plenitude os recursos do País, as extraordinárias riquezas que possui, como a força hidráulica (até aqui arranhada em apenas 10%), o carvão e a biomassa. Como primeiro passo vem o álcool que precisa de decisão política para ser acelerado o seu programa de mobilização, com corajosa aplicação e alocação de recursos e o entendimento de que a solução desses problemas se dará com um mínimo de intervenção do Governo e o máximo de intervenção da lógica, se pretendemos preservar o regime capitalista. E isso significa preço; se estabelecermos condições favoráveis que permitam a

obtenção de lucro, fixando quanto, onde, como e a que preço, teremos a resposta rápida. Assim ocorreu com a soja, assim ocorreu depois da crise das geadas do café, assim ocorreu sempre, inclusive em setores que não são fundamentais para a economia nacional. O subsídio para produzir álcool, o subsídio para produzir e aproveitar o carvão, o subsídio que não existe no caso da hidroeletricidade (que está em mãos da Eletrobrás), são absolutamente desnecessários. Que o subsídio seja transformado em preço. Que o empresário participe do processo de retomada do desenvolvimento, no momento em que pode efetivamente voltar a produzir e a dar emprego. Só existirá contradição entre trabalhador e empresário na medida em que não houver trabalho, na medida em que não houver desenvolvimento, porque os interesses são comuns. Estamos todos no mesmo barco e não queremos naufragar: no fim naufragaremos juntos, atravessando um período de caos que atingirá a nossa geração nos próximos 30 ou 40 anos, o que não é vantagem para ninguém. Quanto ao modelo energético, é preciso fazer uma consideração que nos parece da maior gravidade. Está havendo urna distorção séria em relação ao problema do álcool. Não sei por que se resolveu falar tanto em álcool como substitutivo da gasolina. Isso talvez seja de grande interesse para a indústria automobilística, coisa perfeitamente legítima. Mas o álcool é efetivamente substituto do óleo diesel e, na alcoolquímica, de numerosos produtos oriundos do petróleo. É importante caracterizar um ponto. O problema tecnológico impede o crescimento da produção do álcool porque ainda não se resolveu uma série de estrangulamentos. E isso porque não se tem produzido álcool na quantidade necessária. É um círculo vicioso. Na realidade, o nosso entendimento é de que não existe o problema tecnológico. O que existe é a nossa incapacidade

de colocar o problema tecnológico em termos de desafio nacional, à altura daquilo que podemos fazer ou, se necessário, devemos comprar. Não é possível aceitar que um motor a álcool com a potência necessária para substituir até o motor diesel de um caminhão ou de um ônibus seja um problema difícil. Não é impossível construir uma usina atômica. Não é impossível projetar um motor para levar um foguete à lua. Mas o motor a álcool, que vai empurrar um caminhão ou um ônibus, passa a ser um problema com o qual estamos nos atrapalhando, quando já devia estar sendo produzido em larga escala. Por outro lado, a dificuldade na conversão de motores é outro mito. Os japoneses adaptaram seus tanques para rodarem a álcool. Mas nós até hoje só convertemos o Volks 1.300 e mais um ou dois tipos de carros. Se o Japão, Alemanha, Estados Unidos ou outro pais desenvolvido tivessem a possibilidade do Brasil no campo do álcool, já teriam transformado os seus motores, e não sei se isso levaria mais de seis meses. É preciso que as nossas Universidades e os nossos institutos de pesquisa deixem de se atrapalhar burocraticamente, por falta de gente, por falta de verbas, por falta de uma série de insumos, e realmente passem a proceder com o espírito da urgência que a Nação experimenta. Então parece-nos que a ideia do álcool, só para substituir a gasolina, castra esse produto como solução alternativa de grande importância nos próximos vinte anos. De outro lado, fala-se muito em metanol. Não se pode negar importância e a praticabilidade de gaseificar e liquefazer o carvão, retirando dele o metanol. Isso é extremamente importante. Trata-se de um programa que deve ser cuidado com a maior dedicação e intensidade, mas para o qual não vamos ter respostas volumétricas nem em um ano, nem em dois. Na realidade, o metanol de origem mineral é programa que merece todo o esforço, mas não resolve em termos

emergenciais. Quanto ao metanol de origem vegetal, representa até aqui um produto que está dando mais motivo para congresso, para discussão, do que propriamente respostas práticas. O que existe há séculos de tecnologia nacional, comprovada, à nossa disposição, e que ainda podemos aprimorar em termos de produtividade, diz respeito ao etanol, e neste deve concentrar-se o grosso do esforço a curtíssimo prazo, porque o problema é de curtíssimo prazo. É preciso também fazer uma consideração sobre a questão da emergência. O modelo estabelecido pelo Ministério das Minas e Energia é da melhor qualidade, e não há dúvida de que constitui uma resposta importante a médio e longos prazos. O grande problema de imediato, facilmente compreensível, e que deve estar nas preocupações daquele Ministério, é o problema da emergência, é o problema de saber o que vamos fazer diante dos oito bilhões de dólares de dispêndio no nosso balanço de pagamentos, somados aos juros da dívida gerada por esses oito bilhões de dólares, somados ao enfraquecimento do nosso poder de barganha nas transações com o exterior. Hoje, para conseguirmos financiamento, temos que aceitar, além de juros, o recebimento de produtos embutidos, que são parte do pagamento da elevação dos juros. Essa situação precisa ser controlada rapidamente, pelo que um Plano de Emergência nos parece necessário. Outro ponto importante consiste exatamente em descobrir como pilotar o desenvolvimento tecnológico para que a colisão com a realidade não se dê de frente, e sim de lado, de modo a reduzir o nosso sofrimento. Esse é também um problema da maior gravidade. É fundamental deixar claro que o destino do álcool não é só substituir a gasolina, pois na realidade o álcool tem que mover motores de grande potência devidamente convertidos, com aditivação ou carburação, a partir dos

atuais motores diesel, e também mover turbinas, inclusive, se possível, as que ora estão consumindo óleo diesel para produzir eletricidade, independentemente da construção de usinas álcool-elétricas. Temos afirmado que o centro de produção tem que estar pró-ximo do centro de consumo, na medida em que o transporte não deve queimar álcool, ainda que este seja barato. Tratando-se de um produto nobre, não tem sentido queimá-lo para ele se autotransportar. Cumpre usar os oleodutos existentes, alcooldutos etc., sempre evitando a criação de rodovias e ferrovias do álcool. Mas é preciso dizer alguma coisa a respeito dos polos de alta energicidade, como é, por exemplo, o caso do Vale do São Fran-cisco, que em cerca de um milhão de hectares pode produzir, com agricultura irrigada, dez bilhões de litros de álcool. Em função do baixo custo da terra, pode-se justificar amplamente o custo de alcooldutos para transporte do álcool até portos ou centros de consumo, inclusive induzida, como seria o caso de álcool-elétricas instaladas no próprio Vale do São Francisco. Portanto, esses polos de alta energicidade têm grande importância, inclusive no que tange ao problema social do Nordeste. Há outro ponto com que as classes empresariais se preocupam: o congestionamento institucional. Por mais que se queira maquiar a realidade, por mais que se queira sugerir que não há problema, este aparece. Na hora em que diferentes Ministérios e diferentes entidades se preocupam com setores que devem compor um mesmo quadro, há um desperdício de energia. Segundo a imagem do Dr. Laerte Setúbal, os vetores não se compõem da melhor forma, havendo um desperdício de energia em termos de organização e em termos institucionais. E não podemos nos dar ao luxo de tolerar esse desperdício. Parece-nos, por isso, que o caminho certo deveria ser a compenetração de que estamos em guerra, Estado de guerra pressupõe

mobilização nacional, e o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas é o Presidente da República. Há outro ponto com que as classes empresariais se preocupam: o congestionamento institucional. Por mais que se queira maquiar a realidade, por mais que se queira sugerir que não há problema, este aparece. Na hora em que diferentes Ministérios e diferentes entidades se preocupam com setores que devem compor um mesmo quadro, há um desperdício de energia. Segundo a imagem do Dr. Laerte Setúbal, os vetores não se compõem da melhor forma, havendo um desperdício de energia em termos de organização e em termos institucionais. E não podemos nos dar ao luxo de tolerar esse desperdício. Parece-nos, por isso, que o caminho certo deveria ser a compenetração de que estamos em guerra, Estado de guerra pressupõe mobilização nacional, e o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas é o Presidente da República. Quanto ao estoque estratégico de petróleo, uma coisa é possuir um estoque para a hipótese de atrasos no fornecimento, utilizando-o nessa eventualidade, e outra coisa é constituir aquele estoque que a gente guarda para a emergência de uma interrupção no fornecimento de petróleo, nesta hora crítica. Até mesmo os Estados Unidos enfrentam problemas graves decorrentes do racionamento dos derivados de petróleo, adotado talvez a fim de preparar o espírito do povo norte-americano para a eventualidade de medidas mais graves. O Presidente Carter, como já vimos, declarou que o consumo de petróleo do pais está pendurado num tênue fio de petroleiros ao longo do mundo. O nosso também, só que para nós é muito mais difícil proteger, política e militarmente, esse tênue fio. Então parece-nos que os estoques estratégicos de petróleo devem ser dimensionados e constituídos com rapidez. No caso, o aumento da dívida externa não tem a menor importância, porque se não precisarmos utilizar o estoque

sugerido, iremos vendê-lo a bom preço; e se tivermos que usá-lo, bendita a dívida que tivermos contraído. Há outro ponto que nos parece extremamente importante. Refere-se ele à disponibilidade e alocação de recursos para o setor energético, que é crítico. Não há dúvida de que seria ótimo se o Brasil pudesse construir usinas nucleares, de preferência não no eixo Rio-São Paulo, mas em regiões insuscetíveis de afetar grandes centros populacionais. Seria ótimo se o Brasil pudesse pesquisar petróleo. Mas o petróleo não irá se perder se a gente insistir nas jazidas de grande probabilidade e investir com menos velocidade no setor, a fim de mobilizar recursos para a hidroeletricidade, para o álcool e para o carvão, que nos parecem de altíssima prioridade, seguidos pelo xisto, que é uma prioridade importante, mas que também não tem resposta em menos de cinco anos. De resto, com o nosso físico mais reforçado pela vitamina do álcool, pela vitamina do carvão e pela vitamina da eletricidade, iremos para os demais setores com outra possibilidade que não apenas a de pulverizar parcos recursos. Pulverização pode levar à crise, por se ter que diminuir o ritmo de construção de hidrelétricas, tratar o problema do carvão de maneira lenta e atacar o programa do álcool em ritmo inadequado, em função das necessidades nacionais. NOTA: Intervenção feita no Seminário "O Programa Nacional de Álcool e a Livre Iniciativa", promovido pelo CNC, CNI, CNA, CACB, CNTT, FNB e AEB.

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A CRISE ENERGÉTICA MUNDIAL E A REALIDADE ATUAL Diante da situação que se delineia para a raça humana, ameaçada pela crise energética associada à explosão populacional, todo um conjunto funcionando sincronizadamente em termos de forma de vida x disponibilidades de bens de consumo , é necessário descobrir, através de modelos lógicos a nível nacional, quais as prioridades lógicas que devem ser estabelecidas para preservar um nível de vida desejável. Embora a situação exigisse o estabelecimento de um modelo internacional montado com base no reconhecimento de que o estado de emergência que se aproxima pode abalar toda a estabilidade da civilização, independentemente dos estágios nacionais diferentes de desenvolvimento cultural, social e econômico, no momento essa pretensão seria quixotesca, pois o rumo dos acontecimentos revela um determinismo quase intocável a nível nacional, impedindo qualquer veleidade de consegui-lo a nível internacional. Já será uma conquista introduzir certo grau de racionalidade razoável a nível nacional. Ainda há pouco, o Presidente da República do México, Lopez Portillo, reconhecendo os perigos da desorientação energética que se implanta em todo o mundo civilizado, propôs uma forma de organizar a utilização das fontes de energia, a nível internacional. Deixando de lado a descrença externada pelo autor faz mais de um ano, quando se manifestou em painel da Escola Superior de Guerra, em relação a qualquer forma de organização internacional para controlar o fim da era do petróleo, há interesse em discutir quais seriam, num elenco

de medidas, aquelas mais facilmente identificáveis. Analisemo-las: — Reorganização do mercado consumidor, com garantia de suprimentos pelos países produtores a preços suportáveis, em troca de esforços na produção de soluções alternativas para o petróleo, com segurança de acesso aos alimentos, produtos manufaturados e serviços, conforme condições perfeitamente definidas para os próximos 20 ou 30 anos. Essa hipótese esbarra, de início, com problemas de desconfiança, aliás justificável no presente estágio de desenvolvimento cultural da raça humana. Assim, não haveria, se a hipótese fosse cogitável, a menor colaboração por parte dos países produtores, ansiosos por vingarem-se dos países consumidores, que se aproveitaram irracionalmente de sua riqueza mineral fazendo e desfazendo governos, com absoluto desprezo pelos interesses dos respectivos povos — Dentro da ótica assinalada no parágrafo anterior, que países produtores participariam de um acordo, liquidando inclusive o mercado spot , alegria das multinacionais de petróleo, quan-do o que pretendem é usufrui-lo diretamente? Curiosamente, a raça humana, tendo vencido diferentes inimigos que a ameaça-vam de extinção, como as epidemias e a vulnerabilidade total aos cataclismos da natureza, construiu laboriosamente as bases para ampliação das ameaças de autodestruição. Assim, dominada por um crescimento maltusiano, sem os reguladores das guerras e doenças ao nível dos tempos prémodernos, armou uma conjuntura quase incontrolável. A guerra, se houver, será sinônimo de autodestruição. A crise energética já é o pródromo de uma guerra ou, no mínimo, de um conflito selvagem, cujas consequências não serão muito diferentes das de uma guerra nuclear. — Estabelecimento rigoroso das bases de um controle internacional de consumo, com quotas definidas por nação, com fiscalização efetiva do cumprimento das restrições

equacionadas, em função da evolução das disponibilidades globais de energia. Bastam as considerações acima para confirmar o ceticismo do autor, manifestado no painel da Escola Superior de Guerra. Aliás, se houvesse condições para discutir tais temas a nível internacional, com confiabilidade, o século XX não estaria marcado como aquele em que o dispêndio em armas superou, de muito, quaisquer outras aplicações construtivas. E por isso que vimos pregando a adoção de soluções nacionais, inovadoras, que independem de formulações perigosas, como são as apoiadas na utilização desenfreada da fissão nuclear. É curioso que a energia nuclear, tanto nas suas aplicações ditas pacificas como naquelas claramente militares, represente, acima de tudo, uma guerra do homem contra o próprio homem, além de ser um negócio de bilhões e bilhões de dólares que procura preservar e ampliar a qualquer custo. No quadro esboçado acima, só resta às nações pobres desvincular o seu destino — até onde isso é possível nos dias de hoje das soluções aplicadas nos países ricos. Para isso é preciso, em primeiro lugar, que tais nações contem com possibilidades efetivas de estabelecer um caminho alternativo. No caso do Brasil, esse enfoque é não só possível como indispensável. Para tanto é preciso acreditar nas suas potencialidades de nação tropical, em ritmo de aproveitamento imediato de suas riquezas, que deixariam de constituir apenas tema de samba. E quais as medidas no campo psicológico, preliminares a quaisquer outras, e que se vêm mostrando por demais tardias? A primeira seria o país livrar-se da paralisia na reação aos custos crescentes e descontrolados do petróleo importado. A segunda seria não fugir da realidade através de um verdadeiro festival de soluções, algumas dignas de consideração, mas que mascaram, na sua proliferação, a solução efetiva a curto prazo. A terceira medida consistiria

em evitar a ressurreição de soluções tradicionais, abandonadas pelos países ricos, como a da redescoberta do etanol da madeira, já que todas as soluções, afinal, são o aproveitamento da energia solar absorvida no processo da bioiotossintese. No mundo em crise, que se prepara para entrar no século XXI de calças na mão , tanto em termos espirituais corno em termos materiais, é necessário que os brasileiros façam uso de muita dose de bom senso. E isso significa concentrar recursos escassos, sem fragmentação de comando ou diversionismo na sua aplicação, graças às técnicas que já dominam, ampliando ao máximo a intervenção da energia do homem — mesmo em termos literais ---- para produzir energia concentrada, capaz de garantir neste mundo atrasado e inconsequente um destino nacional confiável.

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A PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NA SUBSTITUIÇÃO DO PETRÓLEO IMPORTADO Há contradições vitais no enfoque que o Brasil vem dando à problemática de sua libertação da dependência ao petróleo importado. Apesar da gravidade da situação econômica e social, vinculada ao problema energético, independente da descrença nesta afirmação no passado, bem como a tentativa de minimizar esta circunstância no presente, os conflitos institucionais continuam. Faz bastante tempo o autor vem afirmando que o problema energético brasileiro é um caso de estado de guerra , devendo o Presidente da República assumir o comando da reação ao descalabro que o descontrole do mercado do petróleo vem causando ao Brasil. É uma situação de vida ou morte, que não pode ser ignorada ou disfarçada, procurando atender a suscetibilidades, sem ferir os gestores de programas mal conduzidos ou de entidades ou organismos dissociados da realidade. É compreensível que exista a Preocupação em compor situações, evitando conflitos políticos, tentando contornar com habilidade os pontos críticos que não podiam e não podem ser ignorados. O que não existe e tempo para isso. A crise está montada e um enfoque irrealistico da situação já é hoje inaceitável e imperdoável. Os preços do petróleo estão fora de controle; existe a crise do Afeganistão; o problema iraniano resta por resolver; quantas variáveis sobre as quais o Brasil não pode influir! E o que se está fazendo em relação às variáveis sobre as quais se pode influir? O quadro que se está vivendo no Brasil é o de tentar convencer os países produtores de petróleo de que o País é amigo dos mesmos. Aliás, tal amizade é correspondida,

senão como interpretar existir ainda a possibilidade de comprar petróleo a preços de mercado? O que importa, no caso, é saber se isto é suficiente, ou se medidas extraordinariamente mais eficazes não se impõem: um Plano que se poderia chamar de PLANO DE CRISE. Ora, se o PLANO DE CRISE se impõe, isto só ocorre porque a dependência do Brasil ao estrangeiro é muito aguda, e portanto, já se está vivendo a situação de dupla dependência ao estrangeiro: a sobrevivência nacional podendo ser abalada devido a critérios não dependentes de brasileiros e pior ainda — fixados fora das fronteiras nacionais. É por isso que soa estranho a discussão sobre se cabe, ou não, admitir a participação estrangeira na exploração das possibilidades energéticas do País, quando parece óbvio que transferir parte da dependência existente para dentro das fronteiras nacionais, nas circunstâncias, é uma grande vitória. É preciso lembrar sempre que os países árabes dominados pelas multinacionais do petróleo acabaram por se livrar em grande parte das mesmas, assumindo o controle de suas riquezas naturais. Não parece razoável que o Brasil, como todo o seu potencial humano — ao menos em termos numéricos —, pudesse tornar-se um grande produtor de energia, sem ganhar a capacidade de autodeterminar-se política e economicamente. Se aceita esta premissa, cabe reanalisar o comportamento que se está assumindo como Nação, diante da pressão dos acontecimentos, verificando até onde cabe o nacionalismo inconsciente. Para o articulista, nacionalista histórico, é duro, porém necessário, enfrentar a realidade. Foram os próprios brasileiros que criaram a situação hoje existente, não agindo em tempo para obstar pudesse a crise conduzir à necessidade de fazer até este sacrifício — ainda menor e mais aceitável do que o de curvar-se o País à dupla subordinação a que hoje está submetido.

Cumpre, portanto, organizar o Plano de Crise , aceitando a participação estrangeira nos melhores termos possíveis — e não apenas com a abertura dos contratos de risco na pesquisa do petróleo. Fala-se muito, hoje em dia, em produzir alimentos para exportar como forma de reequilibrar o balanço de pagamento do País. A razão é lógica, pois se admite que o futuro aponta com um mundo esfomeado. Apenas, a fome será maior e incontornável nos países pobres, os quais não importam alimentos podendo pagar pelos mesmos. Outrossim, os países ricos têm formas e recursos para diversificar as suas importações de produtos agrícolas, mantendo a evolução de seus preços sob controle um controle que não conseguem aplicar para conter os preços da energia. Então, se existe a opção de o Brasil exportar energia fruto do aproveitamento da biomassa, ou exportar produtos agrícolas, qual deve ser a opção a ser adotada, usando critérios lógicos e um mínimo de nacionalidade? No entendimento do autor, o Programa do Álcool — e mesmo o dos óleos vegetais — vem sendo conduzido com extrema lentidão e absoluto desenfoque das realidades que já emergiram e pedem soluções. O presente artigo não pretende voltar ao assunto, amplamente discutido ao longo de 1979. No momento o que se pretende é caracterizar um caminho para acelerar a produção de álcool significativamente, com a participação estrangeira, dentro de diretrizes perfeitamente estabelecidas, inclusive para exportação . Isso significa delimitar regiões hoje inexploradas, com restritas possibilidades de serem atacadas com capitais nacionais, nas quais seria permitido implantar programas de produção de álcool, da cana, da madeira ou de outros produtos vegetais, com as seguintes condicionantes: I — Projetos com mínimos de produção por hectare, superiores ao dobro da média nacional em cada caso;

II — Reserva para o Brasil de até metade da produção aos preços que forem pagos aos produtores nacionais, com uma bonificação de 20% nos mesmos; III — Os preços de exportação da parte restante ficarão amarrados aos preços do petróleo, segundo relação que seria definida em termos de poder energético; IV — Obrigação de facilitar o acesso gratuito a toda a tecnologia aplicada no País, sem a menor restrição, fabricando aqui o que pudesse ser destinado em tempo e qualidade; V — Financiamento com 5 anos de carência e 15 anos para pagar dos equipamentos importados, devendo os empréstimos às empresas produtoras serem feitos a juros nunca superiores a 10% ao ano; VI — Garantia dos governos interessados de financiar ao Brasil, nas mesmas condições, - as importações atuais de petróleo, até o limite de 50% da produção prevista de álcool ao longo dos próximos 10 anos. Ë interessante assinalar que o álcool a ser exportado o seria em petroleiros como carga de retorno, reduzindo os custos dos fretes. Enfim, é todo um esquema a ser montado rapidamente, permitindo passe o País a depender do álcool exportado, ao invés de continuar a depender apenas do petróleo importado. Outrossim, poder-se-ia, eventualmente, superar a inércia nacional, cujo reflexo mais contundente é a preocupação com a produção de álcool, diante do aumento do preço do açúcar no mercado internacional. Ou a discussão se o País atingirá, ou não, a meta ora em vigor de cerca de dez bilhões de litros de álcool em 1985. Talvez seja possível levar o Governo a raciocinar grande , como tem de fazer pretende não ser tragado pelos acontecimentos nada promissores. É hora de testar se os Estados Unidos, o Japão e outros países ricos querem ficar com todos os ovos no mesmo saco, o qual aliás` está furado — e cada dia mais —, ou pretendem obter alternativas corajosas, pagando o preço ,

sem pretender fazê-lo, abusando da incapacidade brasileira de se antecipar aos acontecimentos.

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OS DESTINOS DO BRASIL DIANTE DA CRISE NO GOLFO PÉRSICO O autor, faz pouco tempo, referindo-se à conjuntura enfrentada pelo Mundo Ocidental no Golfo Pérsico, escrevia que o novo acordo, redividindo as áreas de influência das superpotências quanto ao petróleo, tangenciaria antes o risco de um confronto. Não aconteceu outra coisa. A invasão soviética no Afeganistão poderia ter resultado de duas alternativas diferentes: um acordo com os norte-americanos ou uma medida unilateral, arriscando a um confronto passível de uma escalada de consequências imprevisíveis. Se, como tudo indica, o que está ocorrendo é resultado da segunda alternativa, novos desdobramentos devem ser esperados, com consequências antagônicas sobre o mercado do petróleo. Parece razoável prever uma contenção limitada na escalada dos preços — o que é bom para os países importadores — a par de um risco crescente de conflitos localizados, ou mesmo generalizados, no Oriente Médio — o que é mau para os países importadores. Quando se lembra o que é bom ou o que é mau para os países importadores de petróleo, não se pode deixar de enquadrar em lugar de honra o Brasil. Tal fato é devido menos ao volume de petróleo importado do que à dependência do País ao mesmo. E é esta dependência que afeta definitivamente toda a estabilidade econômica do Brasil, pondo em risco de colapso a estrutura de qualquer planejamento, construído à base de fundações tão frágeis quanto a imprevisibilidade da escalada dos preços de petróleo, ou a sua indisponibilidade física, devido a um conflito político ou militar no Golfo Pérsico, do qual depende em quase 100% o abastecimento do País.

Nas atuais circunstâncias, se é de prever um relativo aquietamento na escalada dos preços do petróleo, tal conjuntura não deve servir para embalar as autoridades do País, levando-as a apregoar falso otimismo ou êxitos de uma política, quanto ao petróleo, bem concebida, pois esta tem sido uma sucessão de desastres obrigados, levando o País a proceder como um enxadrista que não tem escolha ao ter de dar cada um de seus lances, numa marcha batida para o xeque-mate. Só que no caso do Brasil a escolha não está na política em relação ao petróleo, a qual já se autodeterminou faz algum tempo. Ao contrário, parte do que poderia ser feito está feito, ampliando as vantagens dos contratos de risco, na expectativa de que isso estimule a participação privada nas pesquisas de petróleo. De outro lado, cabe considerar com profundidade a vantagem — aparentemente fora de época, devido a razões econômicas — de investir, agora, os parcos recursos mobilizáveis pelo País em pesquisa acelerada de petróleo. Aliás, está se oferecendo ao Pais uma oportunidade de ouro de implantar o Plano de Emergência, cujas diretrizes foram apre-sentadas pelo autor em três trabalhos, publicados sob esse título em junho de 1979. A oportunidade acima referida nasce dos lances obrigados a que o País vem tendo de se submeter, inclusive quando cedeu os direitos contratuais adquiridos nos contratos de risco que tinha com o Iraque, obtendo como contrapartida um reforço de suas reservas de petróleo. Não pretendendo discutir a barganha em si mesma, cabe assinalar que estão criadas as pré-condições para a implementação, imediata, do Plano de Emergência já citado, devendo a reserva estratégica ampliada ser ciosamente guardada, sem a sua utilização fora do contexto de um planejamento global, que é de se esperar já esteja formulado pelo Conselho de Segurança Nacional, visto que é disto que se trata. Ora, se as previsões pessimistas quanto ao fornecimento de petróleo estão a se agravar — devido à escalada de

preços num momento; devido a crises políticas e militares no Oriente Médio noutro momento — cumpre relembrar aspectos fundamentais do Plano de Emergência já referido, particularmente quanto a produção e aproveitamento do álcool a curtíssimo prazo. Para tanto, será necessário usar a capacidade ociosa das destilarias desde agora, com sacrifício da produção de açúcar, numa hora em que os seus preços vêm melhorando no mercado internacional. Tam-bém se impõe a concentração de esforços e de recursos na ampliação das áreas selecionadas de produção — sem esquecer os pólos de alta energicidade — visando a atingir metas ambiciosas de volumes de álcool produzidos no País, tanto para uso interno como para a exportação. E não se diga que há riscos de conflitos de cultivo, quando se pretende transformar o Brasil em grande exportador de alimentos, na maior prova de que há vasta disponibilidade de terras por cultivar — o que é o óbvio ululante — podendo até atingir ambas as metas: exportar alimentos e álcool. A crise que se desenrola no Afeganistão, com todas as suas repercussões sobre os destinos do Mundo Ocidental, exatamente devido à dependência do mesmo ao petróleo, levou os Estados Unidos a uma restrição no fornecimento de cereais à União Soviética. Basta ter um mínimo de capacidade de análise para ver a fragilidade dos argumentos quanto à existência de mercados cativos para os mesmos, entre países grandes consumidores como a China e a Rússia, quando o alimento se torna arma de pressão política tanto quanto o petróleo, porém extremamente mais frágil na sua eficácia. E o que farão os Estados Unidos com parte dos produtos que deixarão de exportar para a Rússia? Vão transformá-los em álcool, numa demonstração cabal de que o mercado de energia é mais sedento em termos econômicos — e ignorando os problemas sociais — do que o mercado de alimentos. Senão, seria o caso de vender os cereais disponíveis aos países pobres, com um preço simbólico, gesto que nem

mesmo a nação mais rica do mundo pode se dar ao luxo de cometer. Resta, porém, a lição dos Estados Unidos, restrita ainda em seu alcance: produzir álcool em maiores quantidades, independente de provarem que em seu País, para fazê-lo, devido ao conflito de cultivos, podem chegar a transformar alimento em energia substitutiva do petróleo. O risco implícito nesta demonstração de que o álcool — e outros derivados da biomassa substitutivos do petróleo — é o melhor negócio de exportação do futuro, depois do próprio petróleo, independentemente de sua valia internamente, é o de querer enfocar o problema de forma simplista. Vejam, os Estados Unidos usam o álcool para adicioná-lo à gasolina, logo o presente e o futuro do álcool estão ligados à gasolina! E ai o povo brasileiro assistirá, entre constrangido e revoltado, à explosão do uso do álcool nos Estados Unidos, inclusive com o desenvolvimento de motores a álcool de todas as potências, até para aviões, e perguntarse-á: o que fizeram por nós durante todo esse tempo?

EPÍLOGO Durante o ano de 1979, o autor prosseguiu em sua intensa pregação com respeito aos problemas energéticos do Brasil. Há uma verificação pouco animadora a ser feita: todos os progressos obtidos em 1979 na direção correta o foram sob a pressão de acon-tecimentos conjunturais, sem a menor vinculação com a capacidade de prever eventos e antecipar soluções. Na verdade, a glorificação dos tímidos passos ensaiados para resolver a aflitiva dependência do petróleo importado é fruto de efeitos de iluminação, visando a destacar ângulos específicos da coreografia oficial com apoio maciço dos meios de comunicação. O enfoque realístico mostra que 1979 foi um ano crítico perdido, em termos de preparação e aplicação de um Plano de Emergência destinado a enfrentar a crise econômica, social e política causada pelo descontrole do mercado internacional do petróleo. Hoje já se está em plena crise. É difícil fazer previsões válidas sobre a situação do Brasil em 1980. A única constatação é de que existe um despreparo generalizado para o grande confronto proposto a esta nação subcontinental. Infortunadamente, o presente livro não perdeu a atualidade, o que pode ser vantajoso para a sua divulgação, mas é, definitivamente, um testemunho do tempo perdido em divagações, discussões estéreis e demonstrações de falsa competência, numa exibição do poder da tecnoburocracia na manipulação, mesmo inadequada, do Poder Nacional. Ao autor, como brasileiro, empresário e profissional, fica convicção do dever cumprido. Aqueles que se derem ao trabalho ler a presente obra encontrarão vasto subsídio para o esclarecimento de discussões que sempre foram desviadas de seus rumos adequados, inclusive por

interesses imediatistas de grupos econômicos prontos a se aliarem aos segmentos mais despreparados da tecnoburocracia. As batalhas perdidas não significam que a guerra tenha terminado. Apertas demonstram que esta será mais longa e dolorosa. Apenas indicam que a qualquer momento os acontecimentos podem tornar-se incontroláveis, com riscos imprevisíveis de caos econômico e social, independentemente das consequências políticas da situação assim criada. No particular, o autor é um caso raro de alguém que torce o tempo todo para não ter razão. A cada desmentido dessa esperança ele sente profunda tristeza.