Páginas do exílio - volume 2 (1927-1930)

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"Libertário ei?ublicano" dos quatro costados, lúcida e exclusivamente enternecido pela "natu: reza e o camponêsrque, no fundo, não fazem mais do que um: terra", AQUILI'N'O RIBEIRO manteve-se sempre na primeira linha da barricada, Jus um et tenacem, "dobrado sobre a banca de escritor" (o seu espólio daria trabalho por largos meses um mosteirQ de bened.i._tinos!), recusando-se com' aferro a não consiàerar a Soutosa como uq:t Vale de Lobos ou quarto de hotel de Bougie, - e quando lhe sucedia abeirar-se do poço das horas vagas, recuava para se refugiar sob o alpendre a fi,m de carpintejar umas tábuas, ou na cozin a onde (quiçá guiado por súbitas e imperecíveis saudades da âmpada de álcool do Bairro Latino) se entregava à confecção de um prato com os mimos da horta e da capoeira... Para um ourives da palavra escrita, há lá melhor recreação do que afagar a madeira que acaba de ser aplainada ou seguir, com todos os sentidos espevitados, o apurar do pitéu com que vai regalar a família e os amigos e o seu próprio palato de gourmet que só é alcançado "por aqueles que passaram alguns dias sem comer, para não dizer que tiveram fome"?!. .. Se um moço esttidioso condescender em dar fé ao que escrevo, aproveite estas Páginas do Exilio .e as OBRAS COMPLETAS ... (de Hilário Barrelas) para decantar ~ IDEÁRIO de Aquilino Ribeiro: não enxergo tarefa mais empolgante para um jovem INTELECTUAL que a de oferecer tal análise de um ESPÍRITO LIVRE a um povo que, arrebanhado por mais que suspeitos pastores, anda por aí aos baldões sem lobrigar .o que lhe reserva o dia de amanhã e que carece, como de pão para a boca, de Mestres de Pensamento! Jorge Reis

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Português Jl dolnstituto Uvro e da leitura

Preço 2500$00 '

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AQUILINO RIBEIRO

PÁGINAS DO EXÍLIO CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS

PÁGINAS DO EXfLIO CARTAS E CRÓNICAS DE PARIS

Autor: Aquilino Ribeiro Colecção: Outras Obras Recolha de textos e organização, assim como Cr.onologia Sumária da História da França e de Portugal de 1885 a 1934 e fndice Onomástico e Notas Adicionais de Jorge Reis Ilustrações de Leal da Câmara

© Vega e Jorge Reis Direitos reservados em língua portuguesa por Vega, Limitada Rua João Saraiva, 36, 3.0

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Sem autorização expressa do editor, não é permi­ tida a reprodução parcial ou total desta obra desde que tal reprodução não decorra das finali­ dades específicas da divulgação e da crítica.

Editor: Assírio Bacelar Capa: Luís Pinto e Panchita, com base no busto da autoria de Anjos Teixeira Fotocomposição e Montagem: Corsino & Neto - Gab. de Fotocomposição, Lda. Impressão e Acabamento:

ANTÓNIO COELHO DIAS, LDA. Depósito Lep1 N. •

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AQUILINO RIBEIRO

PÁGINAS DO EXÍLIO Cartas e Crónicas de Paris 2.0 Volume de 1927

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1930

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JUSTUM ET TENACEM

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Frequento a sua Obra há mais de trinta anos; tive o privilégio de receber algumas cartas e de, cavaqueando, o acompanhar pelas ruas do Quartier Latin . . . Só agora, mercê da conferência que me foi proporcionada na Biblioteca Nacional de Lisboa, aquando do Centenário do seu nasci­ mento, e do bosquejo que dela tirei para, de maneira anónima em acata­ mento às condições do concurso, o submeter ao júri da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro (A Q UILINO EM PA RIS, Ed. Vega), me dei conta do IDEÁRIO do autor de A CA SA GRA NDE DE R OMA RIGÃES! Sancta simplicitas/ A modos de desculpa, direi que nunca tive perante os trabalhos do Mestre a atitude lúcida do cientista: com a mala do regresso debaixo da cama, a curtir saudades e, sobretudo, a alimentar quimeras mais especiosas que as gárgulas da Notre-Dame ( - " O Jorge quando voltar a Portugal, vai ter muitas desilusões . . . " - prevenia-me Maria Lamas num tom de voz tão repassado de tristeza que eu o atribuía às suas próprias condições de exílio realmente dolorosas), eu estava unicamente preocupado em captar-lhe a lição da língua e as críticas e rompantes contra as parvo içadas nacionais, que me deliciavam, a m im, enxovedo de um vilafranquismo atoleimado, porque as tomava como ferroadas no coiro do salazarismo. . . A árvore encobria-me a floresta do "Reino Cadaveroso" e só por um triz não passei à desbanda do verdadeiro A quilin o ! Dizer que ele me honrou c o m preciosas horas de conversa e que quem o poder4 atestar? - talvez esperasse que lhe fizesse a pergunta essen;. cial do nosso encontro: - "Mestre, como consegue viver em Portugal?

III

Mas eu sabia lá! Estava a mil léguas de formular uma tal interroga­ ção porque só agora o seu IDEÁRIO adquiriu, para mim, a devida ni­ tidez. Nesses anos, eu podia lá imaginar que o GIGA NTE - rodeado pela família, pelos amigos, pelos admiradores - tivesse horas de dolo­ rosa melancolia e de inquietação: "E se o Manuel Jardim falava acertado, quando me dizia que Portugal é um trágico suicídio histórico?". . . "E se o Unamuno não generalizou quando pretendeu que somos um povo de suicidas?". . . Ah, se eu tivesse sabido esquadrinhar com inteligência a riquíssima Caverna de Ali-Babá que é a sua Obra!. . . * *

*

Há dias corri os olhos pela transcrição de um folheto anónimo publi­ cado em 1909, por Mendes de Almeida, de Lisboa, intitulado EU HOMENS DE A CÇÃO - A Q UILINO e que, há muito, me fora assinalado como sendo da autoria do interessado. Caíram-me os queixos ao chão, porque só um filisteu pode ter tido a ideia peregrina de atribuir ao "libertário republicano" - como o define o Prof Dr. Fernando Piteira Santos - "nada estreado . . . no entrecasco das coisas do mundo", o seguinte pedaço de prosa: "Apesar dos seus 24 anos, da sua educação primitiva, quase que jesuítica e do seu feitio estúrdia e boémio, é um espírito de eleição, carácter primoroso". . . "Filho dos amores de um padre . . . é necessá­ rio que se saiba: A quilino é um valente e audacioso. Eis sucintamente exposto este "homem de acção" no sentido generoso do termo. A França sempre generosa e hospitaleira, alberga-o e acaricia-o. Os recursos genero­ sos e solícitos necessários à vida, fornece-lhes o Directório do Partido Republicano com nobreza cativante e exemplar. Agora é auxiliado, moral­ mente, também por esse belo carácter e grande coração do maior e mais sincero paladino da liberdade: Magalhães Lima". (Os sublinhados são gene­ rosamente meus). Como conciliar este ditirâmbico trecho com, por exemplo, estas frases extraídas do seu artigo anónimo, da VA NG UA RDA, de 5 de Julho de 1909? "Loas a nosso respeito correm deste trapio, por culpa nossa, este nosso regalado sonho de homens que andaram à gandaia pelas sete partidas do mundo e adormeceram moiriscamente com o rifão: Cria fama e deita-te a dormir" (. .. ) "Diga-se em voz alta o que se diz em voz baixa: entre nós

IV

mingua a noção do objectivo, não há arte, não há literatura, não há moral científica"(. . . ) "Nós temos muitos doutores, muitos literatos, muitos confe­ rentes, mas ai!". . . de nenhum deles pinga "verdadeira luz". Em 1960, depois de ter colocado "bombas da Rua do Carrião" em quase todos os seus livros, debruçou-se sobre "As razões de ser do escritor" (ín A Q UILINO RIBEIR O, de Manuel Mendes) e declarou: "Nunca soube o que era servidão aos preconceitos, ao poder, às classes, nem mesmo ao gosto do público" (. . .) "Em todos os meus livros, se pode verificar mais ou menos esta rebeldia de carácter" (. . . ) "Cumpri o dever contraído para comigo mesmo desde que aprendi a pensar. Estive também na primeira linha da barricada. O homem de letras é um interventor no mundo, não deixando por isso de fazer arte". . . Levou, pois, a vida a tocar o sino a rebate a fim de alertar as "consciên­ cias livres" contra a (ainda hoje persistente) estrambótica mania das grande­ zas pátrias. Poucos lhe deram ouvidos. Quanto a mim, ignorante da sua juventude, não discerni que, para ele, o salazarismo não era mais do que um momento do grande desastre nacional, - e o que éfacto é que, catorze anos depois do fascismo ter (oficialmente) acabado, nos vemos a braços com um País tomado de febrão de patrioteirismo parolo (perdoe-se-me o pleo­ nasmo), que se manifesta em discursatas e homenagens a Camões, a Fer­ nando Pessoa (dá a ideia que o 25 de Abril foi feito expressamente para desagravar o poeta da Mensagem . . .), a mais este e mais aquele, até ao Bartolomeu Dias! E cabe perguntar: mas estes "padecentes do passado" que, para entrarem (de rastos) na "Comunidade ECONÓ MICA Europeia", andam por aí a brincar ao trapo-queimado com o "Portugal não é um país pequeno" do António Ferro traduzido em portugasileiro, ignoram que a "Expansão Ultramarina" dos "Heróis do Mar/ Nobre Povo/ Nação Valente e Imortal" com que nos moem o bichinho do ouvido, foi considerada, nos tempos do Integralismo triunfante, como uma simples aventura de piratas e de cand ongueiros por A quilino ? O mesmo se passa, de resto, nos domínios do cinema e da Literatura. Consta-me ser voz corrente em certos meios de Portugal que a Literatura que hoje se faz no nosso "pátio das letras" é das primeiras - senão a PRIMEIRA - deste desditoso Mundo de Cristo. Não tenho competência e ignoro, por exemplo, o gaélico ou o lapão para me pronunciar sobre a documentação de que tais arautos dispõem, e longe de mim a ideia de azebrar tão rutilantes louros. É muito possível que a litera­ tura portuguesa dos nossos dias seja, de facto, a melhor do mundo, se bem que os pilriteiros do nosso quintalório não possam oferecer-nos senão pilriv

tos. Mas, se a Virgem se deu ao trabalho de descer dos céus, em 1917, para vir palestrar com três fedelhos ainda meio-bichos, no sertão da Cova da Iria, por que carga de água as sardinhas assadas da Feira Popular de Lisboa não hão-de ganhar fama de tamboril ou de pescada do azi'o só porque fo­ ram à lota de Francoforte? É tudo uma questão de crença e, sobretudo, do "descarado heroísmo de afirmar", com o disse o honesto Eça de Queiroz em 1887, isto é: há mais de um século ! Ah, se os "intelectuais encartados" não fizessem olhos cegos a duas linhas de uma Cró nica da Quinzena, publi­ cada na IL US TRA ÇÃO de 1 6 de Maio de 1928, escritas por um autêntico PR OSA D OR que, de 43 anos de idade, já dera ao seu País milhares de páginas do mais vero casticismo, e lessem, mesmo soletrando: "Olhemos para o umbigo, mas sem cansar a vista,· tiremos a ideia que é o centro ou devia ser o centro da gravitação universal!". . . * *

*

Como foi, pois possível que um tal A RTIS TA tenha suportado (sem se contaminar) "a maneira que os portugueses tê em de estar no mundo"; tenha conseguido viver numa "terreola que os líteras e quejandos, gregos e troia­ nos, nacionalistas de rabo alçado, pretendem estolidamente que é a pri­ meira do universo e que, em vez de ser uma PÁ TRIA é uma TRIPA ?'' ( * ) Um país.- com o lhe dissera Leal da Câmara com amargura depois de três anos e meio de estada em Lisboa - onde "não há lugar para artistas" e, de modo geral, para todos aqueles que passaram uns tempos em Paris?. . . "Libertário Republicano" dos quatro costados, lúcida e exclusiva­ mente enternecido pela "natureza e o camponês que, no fundo, não fazem mais do que um: terra", manteve-se sempre na primeira linha da barricada, justum et tenacem, "dobrado sobre a banca de escritor" (o seu espólio daria trabalho por largos meses a um mosteiro de beneditinos!), recusando-se com aferro a não considerar a Soutosa como um Vale de Lobos ou um quarto de hotel de Bougie, - e quando lhe sucedia abeirar-se do poço das horas vagas, recuava para se refugiar sob o alpendre a fim de carpintejar umas tábuas, ou na cozinha onde (quiçá guiado por súbitas e imperecíveis saudades da lâmpada de álcool do Bairro Latino) se entregava à confecção (*) Ver "LEAL D A CÂMARA" de Aquilino Ribeiro e "Aquilino em Paris", de Jorge Reis­ Ed. VEGA, Lisboa, página 112.

VI

de um prato com os mimos da horta e da capoeira . . . Para um ourives da palavra escrita, há lá melhor recreação do que afagar a madeira que acaba de ser aplainada ou seguir, com todos os sentidos espevitados, o apurar do pitéu com que vai regalar a família e os amigos e o seu próprio palato de gourmet, que só é alcançado "por aqueles que passaram alguns dias sem comer, para não dizer que tiveram fome?!". . . Se um moço estudioso condescender em dar fé ao que escrevo, apro­ veite estas Páginas do Exílio e as OBRA S COMPLETA S. . . (de Hilário Barrelas) para decantar o IDEÁ RIO de Aquilino Ribeiro: não enxergo ta­ refa mais empolgante para um jovem INTELECTUAL que a de oferecer tal análise de um ESPÍRITO LI VRE a um povo que, arrebanhado por mais que suspeitos pastores, anda por aí aos baldões sem lobrigar o que lhe reserva o dia de amanhã e que carece, como de pão para a boca, de Mestres de Pensamento I Em conclusão, segundo a boa maneira latina, -

Vale/ JORGE R EIS

Paris, Março de 1988

VII

SEGUNDO EXÍLIO 1927-1928 Colabora em O S ÉCULO e na ILUSTRAÇ Ã O

OI.Jlza OOVEJa:i2 �Ui!l�\S:�I

MARIANA, à jovem República. - Filha, se quiseres que te amem sempre, faz o possível por nao envelhecer! ... Mantém-te eternamente jovem ! ...

A DEMOCRACIA FRANCESA Um dos fenómenos mais singulares da política europeia é, decerto, a bela e imperturbável estabilidade que apresentam em França as instituições republicanas, quando no dizer de Lloyd George, o Diabo anda à solta pelo mundo, semeando a desordem e dementando governantes e governados. De facto, no meio da derrocada geral, essas instituições perduraram tais quais, sem quebra nem abalo ou capitulações com os inimigos internos, como se seu espírito, sua letra, sua força, estivessem caldeados de bronze. Ao passo que a Alemanha, numa crise de desespero, se lançava no espartaquismo; a Rússia modificava até os fundamentos a sua estrutura política; a Itália e a Espanha adoptavam fórmulas novas de autoridade e uma doutrina nova do poder, a democracia francesa mantinha-se hirta, indeformável e segura nos seus quadros, como se se não tratasse de um mecanismo social, mais ou menos perfeito, mas de uma operação voluntária e deliberada do maior número. Sem dúvida que, dentro de fronteiras, teve que sofrer a acometida de fortes correntes, de natureza extremista e reaccionária. Um momento ainda, a directiva passou às mãos dos conservadores da extrema-direita, com Millerand à frente, então na Presidência da República. O bom senso do eleitorado soube castigar este abuso de poderes, acabando até por negar ao antigo Chefe do Estado a cadeira de senador. De modo análogo se desquitou dos parlamentares da A ction Françoise, pequena, mas aguerrida falange, que transformara a Câmara dos Deputados num ring e em má hora saiu de pendões para a rua. Hoje, dessas ameaças à democracia francesa, subsiste apenas, ate­ nuada, mas latente, a que parte do campo comunista. Essa não desarmou, não recolheu, como o integralismo, aos seus salões fechados de tertúlia 9

literária e filosófica, ficou a amadurecer, a engrossar, bastando-lhe ter, como premissa, o factor moral, tão grato ao entendimento, da igualização humana, para captar as massas. A hora crítica para a democracia francesa deve ter passado. Partindo simultaneamente de sentidos sociais opostos, os ataques dos adversários neutralizaram-se, sem que ela sofresse grave dano. Em verdade, o socia­ lismo avançado, postando-se em pé de guerra para co m a República bur­ guesa, não perdeu nunca de vista que nos nacionalistas conservadores, a Millerand, e nos nacionalistas radicais, a Maurras, tinha os seus inimigos natos. Talvez que estas pequenas e ruidosas patuleias aj udassem a quebrar a primeira ofensiva comunista. Salta, porém, à evidência que foram ·os ele­ mentos para lá da fronteira esquerda da República, que fizeram baquear todos aqueles que preconizavam uma ordem nova, baseada no poder pes­ soal e no arbítrio. A República, embora tivesse arcadura para resistir aos ataques conjugados da reacção, pode dizer que assistiu impassível a este quebrar de lanças. Evidentemente que não é legítimo ir buscar, apenas, à neutralização de forças contrárias a razão deste equilíbrio admirável das instituições republi­ canas em França. Seria supor que estas se mantêm estáticas, e com certeza que o regime mais realista, mais sufragado pelo povo, mais solidamente estabelecido, que viesse a cristalizar, a deter-se ne varietur, ao cabo de alguns anos tinha cavado o seu precipício. Não reconhecer às instituições políticas a necessidade de se aperfeiçoarem e quivale ria a supô-las fórmulas abstractas, providenciais, alheias ao movimento e curso das coisas. O pró­ prio carácter de uma democracia está na sua maleabilidade, renovamento e ilimitada adaptação à vida objectiva. Mas em França existe o factor democrático; existe um extenso e inde­ fectível lastro democrático. A ideia democrática em França não corres­ ponde, apenas, a um preconcebimento de ordem moral, um "dever ser" místico, ou ainda, a uma reivindicação da humanidade. Não; está ligada a exigências profundas da consciência, adaptada, incorporada na vida corrente. Inegável é que para os teóricos da democracia, esta é o coroamento da longa evolução histórica que vem do século XI, com a emancipação das comunas, até à afirmativa republicana do século XIX. Seria este um argu­ mento incontroverso da estabilidade das instituições democráticas, se esti­ vesse demonstrada a ideia de um progresso humano, contínuo, ou, ainda, a lei de uma evolução universal, rectilínea, à maneira spenceriana Mas, se o curso das coisas faz crer, antes, na ideia de uma "evolução criadora" no sentido bergsoniano, com recuos, avanços, sobressaltos e pausas; não é imediatamente evidente que esta fixação da igualdade contra a aristocracia, do sistema constitucional contra o sistema absoluto, sej a de índole inabalá­ vel e irremovível. Portanto não será o regime democrático um acidente do 10

determinismo histórico, mas, antes, um estado social, voluntário, envol­ vendo o consenso da maioria e apresentando garantias sérias de equilíbrio e duração. De facto, o regime democrático em França corresponde a um conjunto de dados, fixados a posteriori, e de leis, tidas definitivamente como verda­ deiras, para que seja a mais normal e em harmonia com a psicologia e tendências do francês. Em primeiro lugar, o francês da maioria é um cidadão comedido e cómodo, incapaz de compreender e muito menos de aceitar que um sistema político se proponha uniformizar as condições humanas. Para ele quem diz sociedade, diz organização, diz hierarquia; quem diz hierarquia diz desi­ gualdade. Por aqui é anticomunista. Em segundo lugar, o francês, à custa de dolorosas experiências, criou­ -se uma noção de liberdade, da qual não é fácil demovê-lo. O dogma de um, a tutela discricionária, a imposição, repugnam ao seu temperamento. Aceita de boamente, a autoridade que fortalece o indivíduo, mas não o escraviza; estima a solidariedade social, sempre que represente um exalta­ mento, e não uma sufocação, da sua pessoa; curva-se à tradição, como luz que se projecta da retaguarda sobre o seu caminho, mas não como um altar de adoração perpétua. P or aqui, é anticesarista e antimonárquico. Depois, o francês é eminentemente social, e a ele cabe, como a ninguém, a definição que Aristóteles deu d o homem: animal pol í ti c o Co m o tal, apraz­ -lhe este princ í pio basila r d as democracias: o concu rso act ivo e siste mático dos governados à obra gove r n a m e ntal, o direito d e dizer a s u a última palavra nos negócios públicos. Com as modalidades que vai revestindo a vida em França, cada vez mais colectiva, com a tendência à descentraliza­ ção dos organismos administrativos, com o desenvolvimento de corpora­ ções médias, espécies de vasos .intermediários entre o Estado e o indivíduo, aquele direito dia a dia se torna mais extenso e efectivo. Acrescente-se que o francês é avesso ao estado de exaltação e à simplicidade geométrica, pró­ prias da ideologia cesarista; que é muito prudente para se lançar em aventu­ ras temerárias; que é o mais conformista dos habitantes da terra, e ter-se-á a suma de qualidades ou defeitos sobre que repousa o sólido edifício da democracia francesa. .

O SÉCULO, 3-5-1927

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POLÍTICA RELIGIOSA EM FRAN ÇA O conflito entre o Vaticano e a A ction Française, longe daquela suavi­ dade e daquele silêncio, tão próprios da casuística confessional, cada vez está mais acirrado, assumindo as proporções de um retumbante e completo cisma. Incidentes da última hora o parecem confirmar, como esse da festa de Joana d' Are, há poucos dias, em que as falanges integralistas tiveram a peito realizar manifestação própria, desfilando e constituindo, separada­ mente "o cortej o tradicional". O propósito de desquite para com os partidá­ rios de Roma foi tão manifesto, tão despicado o intuito, que a autoridade diocesana se viu obrigada a adoptar medidas disciplinares contra os alunos dos institutos católicos que formaram sob os estandartes de M aurras, expulsando uns e excluindo temporariamente outros. Por outro lado, o protesto que os dirigentes da A ction Française ende­ reçaram à Santa Sé, repudiando como infundamentadas as heresias e enor­ midades que o cardeal Andrieu lhes atribuiu: "Deus está proibido de entrar nos nossos observatórios; a A ction Française leva o seu absolutismo até reclamar o restabelecimento da escravatura", esse protesto foi devolvido pura e simplesmente e reenviado ao Núncio Apostólico de França para que lhe desse destino, outra vez remetido à procedência, sem outra vénia nem outras explicações que um lacónico non possumus. Os dois campos opostos já entraram em colisão, não só na imprensa como à porta dos templos e dentro dos próprios templos. Insultam-se, apupam-se, bate m-se , e no seio das famílias católicas lavra a sizania e a confusão. Em que consiste o conflito, no seu aspecto mais exterior? Aí, por alturas de Setembro passado, monsenhor Andrieu, cardeal de Bordéus, publicava uma pastorli.l, pronunciando as doutrinas de Maurras como ímpias e perigosas. Repudiou com olímpica sobranceria o fundador da 13

A ction Françoise, que, imprevistamente, após o consistório de Dezem­ bro, se viu fulminado pelo Papa e a sua obra e a sua gazeta postas no Index. O caso passava do domínio especulativo para o domínio prático, complicando-se consideravelmente. A excomunhão fora motivada pela ati­ tude facciosa do j ornal, as críticas amargas a Pio XI, o orgulho imoderado de levar a discussão para o terreno dos princípios, colocando-se no mesmo plano que o vigário de Cristo. A A ction Françoise, longe de escutar a advertência, persistiu naquela atitude que os teólogos cominam de diabó­ lica, defendendo a sua boa-fé e o direito da divisa: politique d'abord. Foi então que o episcopado saiu a barra com uma declaração explicativa, onde as doutrinas de Maurras eram examinadas e justificada a medida da Santa Sé. Segundo esse documento, a condenação da A ction Françoise é justa, porque esta escola reconhece por mentores homens que, mercê dos seus escritos, estão em contradição com a fé e moral católica, e ainda porque assenta em erros fundamentais dos quais resulta o que o Sumo Pontífice chamou sistema religioso moral e social, inconciliável com o dogma e a moral. Professam, além disso, os chefes desta escola um nacionalismo inte­ gral, que, no fundo, não é mais que uma concepção pagã do Estado, onde a Igrej a só tem lugar como sustentáculo da ·ordem e não como organismo divino, independente, encarregado de dirigir as almas para um fim sobrena­ tural. Deixam, assim, no escuro, um lado inteiro da moral católica, precisa­ mente aquele em que reside o seu aspecto benéfico, doçura, caridade, moderação, beneficência, apostolado dos humildes, virtudes estas a que não aludem sequer. A mocidade, orientada nestes princípios, visiona um método de acção que não o católico e a máxima inaceitável "Política pri­ meiro que tudo" condu-la para objectivos distantes do ideal religioso. Esta actividade, que devia ser prudentemente encaminhada, os pensadores da A ction Françoise educam-na de modo a realizar "por todos os meios", uma obra política. Por todos os meios!, fórmula que a mor:al reprova, quando expressa sem nenhuma restrição, inadmissível para a consciência cristã. Pretender que o Papa exorbitou das suas atribuições é dar prova de igno­ rância ou, por espírito de faccionismo, não ligar crédito às consultas irrisó­ rias de teólogos anónimos. E bispos franceses receiam afirmar; protestar contra a condenação infligida pelo Papa ou recusar submeter-se a ela, e insurgir-se abertamente contra o exercício legítimo da soberania e do Pontí­ fice Romano. Poder-se-ia acreditar que tudo o que se move contra a A ction Françoise se move contra a França? P oderiam permitir que, por interesse político, um grupo qualquer açambarcasse o patriotismo em seu proveito e o negasse aos bispos franceses e aos católicos de França, fiéis à obediência que devem ao Papa? Não; não há conflito entre a submissão à Igrej a e o dever patriótico. Dizer, como já alguém ousou, que no caso presente a submissão ao Papa equivaleria a um parricídio para com a França é um erro e uma injúria; e igualmente uma culpável manobra.

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E o episcopado terminava a sua circular dizendo que "não seria possí­ vel dissociar, sem causar dano a uma e a outra, a Igreja romana e a pátria fra ncesa".

A este libelo respondeu a Action Françoise, salt ando a pés juntos sobre a decisão papal, e, reivindicando, numa linguagem cada vez mais peremptória e palpitante de rebeld ia, a liberdade no campo político. E a questão está neste pé: de um lado o arraial da A ction Françoise, com tudo o que há de mais activo e mais ardoroso no campo católico, compreendendo a moci­ dade das escolas; do outro, os fiéis sequazes de Roma com o alto clero, o professorado e todos aqueles que pactuam com a República. Chegar-se-á ao cisma caracterizado, ressurgindo do combate dos dois absolutismos um novo janse nismo? Há quem veja na condenação da A ction Françoise um dos actos de um longo e concertado plano que Roma se propõe realizar. Esse plano consisti­ ria em ser útil à Alemanha, abatendo a facção que tem no seu programa este princípio: "Só nos convém, a nós franceses, uma Alemanha pobre, esfran­ galhada e anárquica. Todo o nosso sentido político se deve aplicar em fazer-lhe o mais mal possível." Destroçando esta falange chauvinista e implacável, ficaria desobstruído, sobremaneira, o caminho para uni enten­ dimento entre a França e a Alemanha, e daí possível a uma unificação desta com a Á ustria. O Vaticano, pela sua política, teria conquistado os países de raça germânica ao catolicismo. Os que assim raciocinam apresentam como argumento o facto da Concordata que está em estudo entre o Reich e a Santa Sé. O Vaticano, dando o golpe de morte nos piores inimigos da República, conciliaria, outrossim, as boas graças do regime e particularmente dos seus homens mais representativos, como Briand, enxovalhado, denegrido, tra­ tado a ferro e fogo pela A ction Françoise. Sem a hostilidade da República, o Vaticano criaria em França um grande partido católico, que não tardaria em ser senhor do Poder. A República entraria, de resto, desde já, na via das concessões, permitindo o regresso dos congreganistas. Em apoio desta hipótese, cita-se a atitude de muitos socialistas e repu­ blicanos, para quem as medidas de excepção votadas em 1 90 I e 1 904 estão em formal contradição com os princípios hoje professados, da democracia; citam-se as relações de simpatia entre Briand e os representantes do papado; certos documentos interceptados; a linguagem de manifestos, como este dos A ntigos combatentes religiosos. " . . . Se Combes voltasse, Brisson, Waldeck-Rousseau e todos os que votaram as "leis infames" verificariam a falência dessas leis e o germinal prodigioso de mosteiros na terra que julgavam para sempre purgada do "escalracho" religioso. Como a cortiça que parece desaparecer no redemoi­ nho e que, instantes depois, reaparece na crista das ondas, teriam que confessar que o frade é insubmersível. As vítimas de 1 90 1 vivem ainda; as de 15

1 904, no dia em que decidirem reocupar o lugar de que foram expulsas, volverão a continuar a lição interrompida há vinte anos. A obra nefasta do combismo está aniquilada e a experiência religiosa destes dois últimos anos ensinou aos católicos como se alcança a vitória." Despertou, sem dúvida, nos horizontes da política republicana, o pen­ samento de restituir a Congregação à sua jurisprudência antiga. Com isso comprou Briand a seus pares a condenação da A ction Françoise, dizem os inimigos da esquerda: o pretexto de que é violenta e ímpia não passa de hipocrisia. Porque não condenou o Vaticano o Fascismo, cem vezes mais violento e criminoso? Não, a intervenção da Santa Sé contra a A ction Françoise é pura manigância política detrás da qual não é difícil descortinar o móbil dominador da Igreja. O SÉCULO, 17-5-1927

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HORA DE LINDBERG Este voo do aviador americano é comparável a um delicioso conto de fadas, contado à cabeceira de uma criança, digamos, com o seu bocado de febre e nervosa. Admitindo esta que o mundo, com presunção a civilizado, anda doente e que os homens - na frase de Anatole France - não passam de meninos, ocupados ainda e sempre com histórias da carochinha. Nada falta a Lindberg para ser o príncipe encantado : é loiro, de um loiro de trigo a ceifar, magro e alto, e até é originário da terra dos fiordes e vikings. Tem uma mãe sábia, doutoral, com os olhos inteligentes escondidos por detrás duns aros de tartaruga, que devia ser a possuidora da varinha de condão. E consta - pois que a vida do bom rapaz foi desvendada até à fibra mais íntima- que não bebe, não fuma e é donzel. Veio de Nova Iorque a Pa­ ris no seu aeroplano, tão irreal e perfeitamente como um gnomo a cavalo no pau duma vassoira, sem mostrar fadiga nem espanto. Imagine-se ainda tudo o que há de raro em Paris atropelando-se no Bourget, as mais lindas mulheres, os primeiros gentis-homens, os ministros, e ter-se-á o último episódio do conto de fadas: a corte de um grande e magnífico rei a esperá­ -lo, jubilosa e assombrada. É, pois, Lindberg o príncipe formoso, com que as meninas sonham, e a história há-de acabar, como é de lei, por o herói receber a mão de uma linda e opulenta princesa, que aqui será dos dólares, cumulado de presentes, nababo já. De facto, este atrevido mancebo resolveu de uma maneira defini­ tiva o problema financeiro da vida. Além dos 25 000 dólares que estavam em hasta, dos 50 000 francos que lhe deu o Matin para se deixar entrevistar, dos 1 50 000 francos que lhe enviou M adame Deutsche de la Meurthe, como alvíssaras, já os fantásticos empresários da América o disputam a paradas de milhões, apenas para o exibirem ao público dos seus teatros e music­ -halls. 17

Que vai fazer o doido voador de todo este capital? A esta hora, nem ele sabe. Por agora, contentou-se em tirar dele as centenas de francos necessá­ rias para comprar um fato e sapatos de cidade, envergonhado como parecia no terno que lhe emprestou o embaixador. Amanhã montará provavel­ mente com o dinheiro o Spirit St-Louis, uma fábrica de aeroplanos de bombardeamento. É assim a vida!_ Raciocinando pausadamente, afigura-se-me legítimo perguntar se toda esta algazarra, todo este galardão não são exorbitados e destemperados. Vejamos-, acima de tudo, que arriscou ele? A vida. Mas a vida arrisca-a muita gente, todos os dias, deliberadamente, e, na maioria dos casos, nin­ guém liga atenção ao sacrifício. Arrisca-se por uma bagatela, por galanta­ ria, por dever ou profissão e até por uma vontade consciente e facultativa de fazer o bem. Os tempos de hoje estão cheios destes heroísmos anónimos, que não transpiram para as gazetas. Em j ogar a vida, Lindberg não fez mais que centenas, milhares de homens do vasto mundo por cada hora que passa. Depois, este Galaaz do ar não tem outros ligamentos fortes à existên­ cia que não sej am viver a vida por si. Não é pouco, com certeza, maior, porém, seria essa força, em que vem quebrar-se o espírito da aventura, se a sua acção estivesse subordinada à existência de outros seres, filhos a que é preciso ainda dar o pão de cada dia, uma mulher muito amada ou a que o braço do homem é esteio indispensável. O aviador, neste particular, é autó­ nomo. A mãe é uma sadia e diligente senhora, segura da sua independência, mercê da profissão que exerce, e decerto com pé.- de- meia para a velhi­ ce, como boa americana que é. O desafio à morte representa, pois, para Lindberg um passo de responsabilidade unipessoal, mais nada. Praticou uma esplêndida proeza? Incontestavelmente. Mas não foi menos garbo�o o mágico que foi ao povo, o trepador que _ficou a trinta metros do cume do Himalaia, Peniel d'Oisy, quando há pouco foi pousar num voo inquebrantável, cerca do Afeganistão. Em matéria de alta galhar­ dia, o homem moderno deixa a perder de vista os demiurgos de H omero. Realizou descoberta ou feito assinalado no domínio da ciência? De modo algum. Atribuem-lhe o sentido da direcção para explicar este salto transoceânico de 6000 quilómetros, sem outro aparelho que o compasso magnético e cartas ao milionésimo. Ao contrário de Nungesser e Coli, não transportava na carlinga esses instrumentos aperfeiçoados de aeronáutica, mediante os quais será amanhã uma realidade o voo por cima dos mares. Sob esse ponto de vista, a sua façanha é menos interessante que a de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ou que a desse Zepelin que partiu de Berlim e aportou, nos Estados Unidos, ao "hangar" que lhe estava destinado, tão cientificamente exacto como um navio da H amburg-Amerika-Line. Muniu­ -se apenas de uma agulha de marear, que, por muito bem compensada que seja, deixa em branco uma larga margem à estimativa, que é, como quem diz, à sorte. Oa navegantes do século XVI, ainda- andavam a palpar o 18

mundo, já levavam o astrolábio. Por este lado, o voo de Lindberg remonta muito além do tempo das caravelas. E tanto é assim que não é intento seu regressar à sua terra pela via dos ares. Em iguais condições, ninguém apa­ rece a repetir o cometimento. Antes de o ver pousar nos arrabaldes de Paris, os práticos sorriam. Só a multidão dava o seu consenso ao doido voador. A ciência nada ficou a dever, por conseguinte, a Lindberg. Supondo que sou homem para arriscar os meus capitais em empresas desta envergadura ou que sou apenas, um espírito especulativo, fiquei sabendo que houve um motor de tal marca que aguenta trinta e seis horas no ar sem um desfaleci­ mento nem uma quebra. Mas tal facto não me garante que posso ir amanhã à América, em igual espaço de tempo, se assim me der a gana. Só um concurso de circunstâncias, provável, mas muito hipoteticamente fortuito, me permitiria realizar tal capricho ou necessidade. Não bati palmas, portanto, porque se me depare a certeza de poder ir à América em trinta e seis horas. Que me entusiasmou, até me virem quase as lágrimas aos olhos, e a muita gente como eu, neste voo inaudito? O maravi­ lhoso que encerra, o lindo conto de fadas de Lindberg nos veio contar. Porque ao seu voo de Nova Iorque a Paris faltou lógica, realidade científica e lhe falta lendemain ; porque a sua intrepidez, a sua adolescência, o seu desprezo da vida, a força do seu braço e a rijeza do seu ânimo raramente se encontram associados; porque a fortuna o bafej ou como só nos tempos homéricos aos homens filhos de deuses, aplaudimos e toda a nossa alma de criaturas prosaicas, dobradas cada uma sobre o seu duro problema, se encheu de assombro. Se, friamente, nos puséssemos a comparar Lindberg com os heróis da antiguidade, loucos como ele e mais desinteressados, o aviador ficaria dimi­ nuído. Mas nós temos ali em carne e osso, palpável, o príncipe legendário, enchendo as gazetas com a sua pessoa, arrastando multidões inteiras atrás dos seus passos, e os outros são cinza sepulcral ao vento ou imaginação pura. A humanidade, como grande criança, dorida e febril, estes rasgos de maravilhosos são calmantes clareiras em que lhe é permitido adormecer dos enovelados pesadelos da existência. É-lhe agradável sonhar, sonhar para lá do verosímil e do contingente; e mais agradável ainda sentir que o sonho é vida e realidade. O SÉCULO, 30-5-1927

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LUTA DE CLASSES E DE PARTIDOS Quem neste momento se desse ao trabalho de buscar o sentido oculto que rege a política republicana em França iria de encontro a muitos enig­ mas, para que não é fácil descobrir uma explicação satisfatória. Aparente­ mente as forças do poder preocupam-se com varrer campo, limpá-lo dos seus adversários mais encarniçados, os extremistas do comunismo e os extremistas da A ction Françoise. Para cada um a sua táctica. A estes o processo homeopático da similia similibus curantur, provocando a sua desagregação no próprio seio da massa católica e monárquica, mercê de um conchavo feito com Roma; àqueles a batalha campal, estrondosa com a imprensa conservadora a pregar a guerra santa, e os melhores oradores a instaurarem-lhes o processo do alto da tribuna das Câmaras. Tudo isto porque constituam os dois partidos uma ameaça séria para as instituições? Decerto que não; nem conjugando os esforços - hipótese absurda aqueles partidos disporiam de elementos suficientes para derrubar o sólido edifício da democracia francesa. Por enquanto, pode dizer-se desta, em forma de paráfrase, a divisa apóstola: é uma rocha, assente sobre rocha. A verdade, porém, é que a sizania continua a corroer nos seus funda­ mentos o integralismo francês, fomentada, diga-se, por um maquiavel da República e que a campanha contra os comunistas bate o seu auge. Além do mandato de captura contra militantes notórios deste partido, foram ou vão ser levantadas as imunidades parlamentares nas Câmaras e a coalizão dos moderados e conservadores contra eles é facto estabelecido. Ripostam os comunistas intensificando a organização de células em todos os organismos do Estado e nas fábricas, e redobrando de propaganda contra as novas leis militares, contra a baixa dos salários, contra a vida 21

cara, em especial contra a possível intervenção francesa nos negócios da China e da Rússia. Ao mesmo tempo lançam uma subscrição pública, que caminha para os 200 000 francos, e, não descurando o xadrez eleitoral, arrancam no Aube, contra toda a expectativa, um sufrágio avassalador. Dias antes, tinham levado a manifestar junto do Muro dos Federados uma multidão imponente, que deu que reflectir à imprensa conservadora. Que prognóstico é legítimo fazer acerca deste conflito entre comu­ nismo revolucionário e democracia republicana? Como observador impar­ cial, permitimo-nos supor que nada de grave, nem mesmo de ponderoso, deva de ser registado, durante estes tempos mais próximos, nos anais da política francesa. Certo que o comunismo é uma força organizada, sucessora em linha recta do Partido S ocialista U nificado tão temeroso e compacto antes de 1 9 1 4. A morte de Jaurés, as vicissitudes inerentes à guerra, alteraram-lhe profundamente a estrutura, fragmentando-o. O comunismo foi a corrente que lhe soube herdar a doutrina e os objectivos. Foi ele que lhe tomou conta da carcassa, a restaurou, a calafetou de modo a singrar nas águas da política mais turvadas que nunca depois da guerra. Ligou-se a Moscovo, é facto, e por aqui ofereceu flanco aos adver­ sários. Mas o sovíetismo em si, considerado como regime nacional na Rússia, não ofende, parece-me bem, o francês. O francês, conservador por índole, assiste com notável indiferença a estas mutações do cenário político nos outros países; o francês é um senhor de princípios, até o limite sensato, mas na sua terra. Desde que o novo estatuto deste ou daquele país não co i�da com os seus interesses ou não represente para ele uma ameaça, fecha os olhos. Ora, o bolchevismo tem graves pecados contra o sentimento e interesse franceses. Além de pactuar com o inimigo em plena guerra - e não é a ocasião de investigar se levado a isso por motivos de força maior negou-se a prestar contas das dívidas contraídas no tempo do czar. O défaitisme entrou para a rubrica das águas passadas, mas o dinheiro desfalcado ao honesto e minucioso "pé-de-meia" continua a roer a consciên­ cia francesa. Daqui, o ódio figadal ao bolchevista. Que os sequazes de Lenine arruinem o poderio inglês na Ásia, que tenham despedaçado um trono, que tenham subvertido a ordem das classes, que sejam, ainda, um fermento de dissociação na Europa capitalista e burguesa, é o menos. A França, pelo sistema como está organizada a pro­ priedade, repartida a riqueza pública, pelo carácter dos seus habitantes, tão sabiamente rotineiro, pelo próprio antídoto das doutrinas reaccionárias, tão agitadas no último decénio, numa palavra, pelo somatório de virtudes ou defeitos que constituem o terrapleno da sua democracia, está vacinada contra o bolchevismo. Poderá ser amanhã uma realidade na Alemanha ou na Inglaterra, será ainda uma hipótese em França. A mediocridade da vi22

da em que se compraz a maioria dos seus habitantes torna-a imune ao peri­ goso vírus; o· que não perdoa aos "sovietes" é terem-na defraudado na sua épargne. Escrevia um economista que o francês é visceralmente épicier. Como bom merceeiro, não transige mais com o cliente que uma vez o caloteou. Se puder, endivida-se para levar o indelicado à cadeia. Assim procedeu a França, financiando a contra-revolução dos Vrangel e Koltschak. O comunismo francês não renegou as doutrinas de Moscovo, que eram mutatis mutandis, letra expressa no programa do Partido S ocialista U nifi­ cado, seu ascendente. Renegá-las seria votar a sua falência. Por aqui, acar­ retou a aversão e as iras dos elementos conservadores de França. Constituirá o comunismo, pela sua acção nos meios operários da cidade e do campo, um perigo que urge conjurar? Em verdade, em França, há classes e, como tal, há luta de classes. Quem levanta a bandeira das suas reivindicações é o comunismo; quem prega a guerra ao espírito militar, é ele; quem combate a aventura colonial é ele; quem aguenta a alta de salários é ainda e sempre ele. Os socialistas, esses são mansos cordeiros, com a fronte voltada para o redil do Poder. Incómodos, só os comunistas, em realidade. Comprimido entre forças opostas, estas de revolução, os outros Maurras, Valois, Taitinger, de reacção, o governo dá mostras de cansaço e de nervosidade. Sarraut comina e os comunistas respoondem: "Se têm for­ ças, esmaguem-nos !" Os tribunais condenam Daudet a prisão e este bla­ sona: "Venham prender-me! " Afirma o comunismo: "Caminhamos para a Revolução social"; em Barbentane e todos os dias, na gazeta, o naciona­ lismo integralista anuncia: "O regresso do príncipe está próximo." Entre estes j ogadores do cabo, a democracia está de perfeita saúde, mas a vida governamental é árdua e desassossegada. Daí a ofensiva: a um lado, sinuosa e astuta, a outro, febril e violenta. Alegam os comunistas que o fito do governo, lançando-se de cabeça contra eles, e mascarada a votação da lei militar é dar uma ajuda ao ministério conservador inglês para sair do mau passo que deu cortando com os "sovietes". Acrescentam ainda que mais tem em vista criar no eleitora­ do um estado de espírito desfavorável ao comunista. Assim será. Quanto a este presumível objectivo, permito-me registar a opinião que ouvi a um concierge, rei de Paris e cacique nas suas horas: - Perseguem o s comunistas! . . . Olhe, são pouco mais que vinte deputa­ dos; nas próximas eleições serão cinquenta. O povo de França, meu caro senhor, é frondeur. O SÉCULO, 14-6-1927

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A CRISE DA LITERATURA A Academia Francesa que tem tradições de boa madrinha, distribuiu agora aos afilhados o seu Folar de primavera. Folarzinho modesto, consi­ derado na galette, mesmo assim apetitosa e invejável pelos louros que o enfeitam. Ao todo 650 fr. , uma ninharia comparada com o cachet que levanta um pugilista depois de duas murraças nas ventas, e astronomica­ mente distante dos proventos que aufere o aviador que, em maré de sorte, chegar além de qualquer Taprobana. Em verdade, as letras andam pela rua da amargura. Ainda se aprende a ler e a escrever nos livros por uma viciosa costumeira, mas os tempos estão próximos em que será de bom-tom ser maciçamente aletrado como eram gloriosamente ignaros os fidalgos afon­ sinos. A literatura vai caindo de moda, declinando para a doce e enterne­ cida penumbra em que esmaecem todos os "postiços" do passado. Os poetas morreram todos tísicos e o prosador que aguente um ou dois anos a carpintejar um livro, à espera de aura pública ou galardão material, quando tudo isto se consegue em 36 horas, coitado, ou não sabe o que se passa pelo mundo, ou não tem o juízo no seu lugar. Em qualquer dos casos, é digno de lástima. Eu sei que há ainda um outro, patusco, renitentemente romântico, que tem prazer em lhe apertar a mão; este ou aquele amigo que o considera "um mágico" para o desculpar; um crápula anónimo que o honra chamando-lhe malandro, porque lhe não lisonjeia as paixões. Tudo isto é dinheiro de sardinhas. Quem o vê à sua 111e sa de trabalho, a envelhecer, a queimar as pestanas, a escrever cada letra com o seu sangue, nesta urdidura de Penélope que é compor um livro? Noutros tempos, dos Goethe, dos Musset, dos Garrett, dos Anatole, pois já este pertence a um passado lon­ gínquo, enamoravam-se as mulheres, mariposas atraídas ao resplendor da flama. A mulher, hoje, prefere o atleta, o homem de acção, o dominador 25

pela força, pela fortuna ou pela audácia, e nisso dá provas de um bom senso digno de ser celebrado pela cartilha do abade de S alamonde, no capítulo dos deveres sociais. A glória, a que uns emprestam corpo e encantos de huri e outros pintam como caveira embonecada de ouropéis, a glória quer-se com esses mocetões desempenados, ignorantes, como reis de armas, rijos como búfalos que j ogam o tout pour le tout. O paciente trabalho do génio que, apenas, da inteligência já não deslumbra ninguém. Não nos engane­ mos; não são os tempos bárbaros que voltam; são outros tempos que vêm. Melhores? Piores? A humanidade vai seguindo cega o seu caminho, sem saber para onde vai. Quem poderá dizer que o homem de hoje é mais feliz que o contemporâneo de César? E que o operário, no regime das oito horas de trabalho, é menos escravo que um escravo de Roma? Nada escapa à lei da relatividade, e na evolução das coisas, valores se subvertem e valores novos se levantam. O livro - é observar as luxuosas produções da livraria francesa e alemã - vai deixando de ser um manjar para o espírito para se tornar um objecto de mobiliário, uma linda e fútil bugiganga decorativa. E, a manter-se este culto imoderado pelo feito de natureza muscular, há-de acabar por ser uma demonstração de idiotia específica, contra seu autor, incluindo aqueles a que a nossa mentalidade de hoje chama "honrosas excepções". A carreira literária exige um espírito de sacrifício, uma abnegação, uma demora que não são compatíveis com a nossa época, explosiva a conceber e a realizar. Da guerra até à data muitos têm ficado pelo caminho, que é como quem diz, tem mudado de ofício. Alguns, em virtude da veloci­ dade adquirida, oragos com capelania própria, levam ainda a vida rodeada. São os Bourget, os Bordeaux. Os outros vegetam. A ciência e a indústria, invadindo o terreno da imaginação, tem-lhes roubado a clientela. Lê-se a gazeta, não se lê o livro. Ouve-se o haut-parleur, não se lê o guia; escuta-se a conferência no auscultador da rádio-telefonia, não se lê na revista; vê-se desenrolar a fita cinematográfica, não se lê a novela. É mais rápida a apreensão cerebral desta forma e menos esforçada. E - aqui está o para­ doxo - ninguém se importa de avaliar o esforço que cada um despende para poder entregar-se a este menor esforço. Transitória ou perduravel­ mente, o escritor é vítima desta americanização da vida. Já na Conferência Internacional do Trabalho, há dias realizada em Genebra, um delegado filantropo ergueu a voz a interceder pelos trabalhadores intelectuais. Em verdade, será ele um obreiro necessário na cidade que se ergue? Se lhe suceder como ao escriba no Renascimento que morreu de morte macaca debaixo dos prelos, terá em grande parte a sorte que merece. O mundo de hoje criou-o esse escritor, que está vendo o seu prestígio quebrado. Pedra a pedra, ele, mais que ninguém, construiu os alicerces da casa nova. Exaltou, fomentou o culto da acção em prejuízo do culto do espírito, denegriu a sua própria obra, conspurcou aberrantemente a sua pena e o dom puro do 26

entendimento. Cavava a ruína da inteligência, mas há nada mais egoísta que um escritor dentro da sua obra, entregue à sua ânsia de arte e de originalidade? O que poderá manter-se à tona desta sociedade, cada vez mais mecâ­ nica e febril, é o escritor oficial. Este que é um baluarte da boa ética, fixe em matéria de pátria, de religião, de política que decanta as virtudes ambientes do burguês, do banqueiro, do comerciante, que detesta Caliban apenas porque veste de Cândido, este resiste à avalanche. Constituirá, com leves alterações, uma geração de novos Tolentinos, a mesa posta das Democra­ cias. Os salões, as academias, os cenáculos, de tempos a tempos, como alpista aos canários, lhes distribuirão as migalhas do açafate. E salvar-se-á desta forma, a honra literária do nosso século ! Pois a Academia Francesa laureou agora vários nomes por certo cons­ pícuos, mas ignorados do público. Quem sej am, não sei eu dizer. Mas, sem dúvida, que são todos partidários da ordem e devotos das virtudes ances­ trais. O primeiro prémio foi conferido ao conde de Pesquidoux, senhor de grandes terras de vinha e seara no pays d'Armagnac. Foram mais premia­ das sete o bras de história eclesiástica ou religiosa, cinco de contextura patriótica, duas consagradas à arqueologia, e ainda duas de título incolor. Quase todas, por conseguinte, obras de proveito e exemplo. M as não admira tal critério na distinção. A Academia Francesa é um areópago de letras sãs e morigeradas. Entrou para lá Richepin depois de muito bater no peito o· penitetme . Admitiu-se lá Anatole com toda a sua irreverência, com todo o seu demonismo, porque excluído seria embarretarem-se os ilustres imortais com orelhas de onagro. Mas da justa craveira são os René Bazin e Louis Bertrand. Como estes, com a crise presente, vão escasseando, abrem-se as portas da casa de Richelieu a ge­ nerais e altas dignidades eclesiásticas. Porventura, acabarão por ter aí ingresso os Charpentier, as Miles Lenglen, os Charlots. Está no espírito da época: não ofende ninguém. É , aliás, a maneira segura de haver ali um secretário perpétuo, recepção solene às quintas-feiras e os alfaiates conti­ nuarem a cortar uma indumentária que, em esplendor, rivaliza com a dos marqueses du Roi Solei/. O SÉCULO, 27-6-1927

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CRÓNICA DA QUINZENA Quando o Bois e o Luxemburgo, com o estiolar da folha, mais não parecem que montões imensos de brocados sacerdotais, nesta quadra alter­ nante de sol e cinzas, abre suas portas, colorido e viçoso, o Salão de Outono. Noutros tempos este salão era uma espécie de lazareto onde só expunham os pestíferos da arte ou os loucos que haviam vendido a paleta ao Diabo. Quando a arte oficial os bania dos seus grémios, eram eles que, orgulhosamente, se rebelavam contra ela. Chamavam-lhes rapins, moravam a M ontparnasse, em frios e nus ate­ liers, entre o "modelo", criaturinha graciosa, sofredora e suj a, e a lâmpada de álcool em que cozinhavam o magro beafsteack à six sous. Teriam vindo, batendo as portas, do casarão proficiente da Rua Bonaparte, da Academia Julien, em que pontificava Jean Paul Laurens com seu culto jansenista pelas regras tradicionais, ou da Grande Chaumiere, onde os mestres impu­ nham o gosto das belas formas e das amáveis e justas porporções. Teriam vindo dali, ou de nenhuma parte, sem iniciação na alma, se não nos lábios o estribilho zombeteiro do on s'en fout . . . O artista anteguerra tinha a sua personalidade, u m pouco cabotina, um pouco estudada, sempre inconfundível. Chapéu de largo bordo, gravata à Lavaliere, de braço dado com a galdéria, a tomar o café de cima do zinco dos bars, trincando o cachimbo pelas ruas, via-se logo que era ele. M ont­ parnasse não passava de uma grande e quieta aldeia no coração mesmo de Paris. Os cafés eram pequenos como botequins de Lisboa, no tempo de Pina Manique; j ogava-se neles o dominó com o patrão e "madame" até altas horas. H oje são grandes como "gares" e majestosos como catedrais. Não havia lá, tão-pouco, as boites, que arremedam Montmartre, e lhe roubam a clientela transatlântica. Casas de chá, lojas de modas, pequeninas 65

e herméticas como boudoirs, lojas de flores, onde uma rosa se vende mais caro que o alqueire de trigo na nossa terra, não figuravam no comércio do bairro. O Marchand de couleurs era o mesteiral dominador. Montparnasse, depois da guerra, revestiu outro facies, como outro facies a sua população. Inegável que esta era já cosmopolita nos bons tempos, mas, passada pelo crisol, ficava pura, decantadamente montpar­ nasiana. O artista - pois que a pintura adorna hoje todos os lares e a estatuária não chega para as encomendas das inumeráveis cidades, vilas e aldeias que, pelo vasto mundo, capricham em honrar os seus heróis - o artista en­ dinheirou-se. Veste pelo último padrão, barbeia-se, bebe champagne, fu­ ma charuto. Picasso e Van Dongen estadeiam de Rolls- Royce. Em correspondência com a metamorfose exterior, a sua psíquica evo­ luiu. Já não arremete contra as fórmulas empedernidas; já não vai estudar com os novos Chevreuil a ciência das cores; já não se bate contra os "botas­ -de-elástico" como contra os piores inimigos do género humano. O próprio fundador do cubismo ri do cubista que foi; e o Matisse das flores cromatica­ mente apopléticas, carnudamente patológicas, pode florir sem escândalo, o solitário da marquesa mais preciosa. A arte, fixando-se, é certo, no plano impressionista, entrou numa fase conservadora. Por que esgotou todas as possibilidades de renovamento? Por que se consumiu a tentar? Neste cansaço poderá residir uma das causas da sua estagnação, não todas. Na pintura, M anet, M onnet, Céz a n n e i m p u­ seram a teoria do meio contra a teoria da cor local, dand o à luz, a t é o reflexo do reflexo, a naturalidade de uma figuranta; os seus sequazes, i n t e r­ pretando o princípio novo, criaram-se nomes singulares e invejados: H e n ri Martin, Sisley, Simon, etc. Os cubistas, no meio do seu Carnaval geométrico, suscitaram a noção do volume. Aliaram os neo-impressionistas ao sentido realista da cor o respeito pelo desenho e o culto da harmonia, tão grato aos clássicos. H orda bárbara com o seu quê de místico e de burlesco, os futuristas não deixaram mais que o conceito de movimento que não souberam, nem puderam reali­ zar, p ois que passaram como lava sobre todos os valores adquiridos. Depois destas tentativas, para que outros recursos podia apelar uma arte, como a pintura, tão fechada, tão restrita, senão co nfinar-se cada profissional no seu poder técnico, no seu temperamento, no seu gosto, no emprego da sua gramática, sem ousar mais à originalidade que pelo cunho pessoal? O carácter utilitário e atropelante da nossa época contribuiu, em grande dose, para matar o revolucionário em arte. O artista contemporâneo procura menos a glória que o proveito; mais satisfazer que satisfazer-se; mais realizar ao gosto do público que realizar-se. 66

Há uma moral de pé e consiste em que para lá da vida não há nada que mereça condicionar a vida. Que pintor teria força de ânimo e constân­ cia para absorver sete anos, como Leonardo de Vinci, a trabalhar a lo­ conde? Já David só consumiu dois anos no monumental e espalhafatoso Sacre de Napoleão, e David era de ontem. O Salão de Outono que, há alguns anos a esta parte, representava a guerra contra o existente e o consagrado, reflecte este desolador estado de coisas. Saudosos tempos! Os mestres, que, no dia do vernissage, lá arrisca­ vam o pé, se eram fortes, faziam-no de sorriso amarelo nos lábios; se tímidos, à socapa, enguias dentro do fraque. O público mofava à grande e à francesa, chegando ao cri de dindon como perante a Olímpia, de Manet. H oje os mestres deste Salão são tão medalhados e tão ordeiros como os dos outros salões; o público já não distingue; contempla, admira - e alfa e omega para a arte hodierna - compra. IL USTRA ÇÃO, 1-12-1928

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N OS CAMPOS DE BATALHA DA FLANDRES (Notas de Viagem) (A Mlle G . . . que também viajou com igo, por obra do pensamento)

B ÉTHUNE. - U m sol muito brando, quase irreal, filtrado pelo ar gelado, dá o seu quê de levitação aos prédios silenciosos da extensa cidade mineira. Esta artéria por onde vamos é uma estrada arrastando intermina­ velmente o casario em-pós, ou um bulevarde? Tudo novo, em folha, como se nesta quadra, acabasse de sair da terra, à maneira de crisântemos. As ruinas, se existem, é apenas nos bilhetes postais e na memória dos homens. Na enorme praça paira uma adorável quietude provincial. Ao centro o beffroi, com os seus gilvazes da guerra e o gris cromático da silharia picarda - este gris que, ao sol, parece uma sinfonia da bruma, da terra, da luz baça do Norte - direito e teatral como um rei de armas. Os obuzes alemães picaram-lhe os panos, mordiscaram-lhe as quinas, demoliram-lhe os cre­ neis, e ele perdurou erecto, inabalável na sua rija estrutura merovingia. O Agatão Lança tira-lhe o chapéu, reverentemente. Além, naquele edifício de linhas elegantes, obrigadas ao j ogo da verti­ cal, piquetes de operários assentam um tecto agudo, em machado, à moda 69

flamenga. São os paços do concelho que ressurgem, no fim de todos, como quem cumpre o dever de ser o último. As fachadas dos prédios aparentam um certo donaire, hirtas mas levemente impertigadas. Riscou-as, porven­ tura, o lápis alemão; edificou-as o operário alemão e o prisioneiro de guerra. E nas cidades como Béthune, como Albert, onde não permaneceu pedra sobre pedra, ficou estampada um pouco da fisionomia germânica. Não o germânico da Prússia, .frio e faustoso; mas um germânico transacio­ nal, tamisado pelo gosto do Sul. Já está de pé a igreja imensa de S. Waast. Com os seus muros de tij olo, precintados de pedra, as suas colunas de tij olo, aneladas de pedra, sanguí­ nea, esplêndida, tornou outra vez a albergar o misericordioso Deus dos exércitos. Com as amplas naves, povoadas de estátuas brancas, os azulej os polícromos, ao gosto bizantino, tem o ar agradável, arejado, de um pavi­ lhão luxuoso para folguedos e quermesses. A altura da charola, uma lápide de mármore, encimada de leopardos rompantes, encomenda as almas de um milhão de ingleses que naquela frente morreram pela glória do Senhor e do Império. Num grande café, docemente tépido e só múrmuro o que basta para não parecer adormecido, deixamos voar o tempo diante da boa cerveja preta, servida em canecas de barro. À porta, o nosso "Délage", que deu 1 1 O à hora, coberto de pó, salpicado de lama, figura um glorioso carro de marechal nos dias heróicos de batalha. LACO UTURE. - Dez minutos por meio da várzea. Cheira a terra lavrada, este cheiro que resume todos os incensos vegetais e todos os aro­ mas da vida e da morte. Atrelagens de quatro cavalos rasgam glebas inter­ mináveis. Camponeses vão sepultando à pazada rumas imensas de beterraba. Raro se lobriga ramo nos horizontes; a metralha ceifou as árvo­ res e as que restam são mais sinistras que justiçados abandonados aos cardos no viso dos oiteiros. S ecas, ou com uma mecha de rebentos no coruto, lançam umas ao céu braços desesperados; perfilam outras um tronco monstruoso e enegrecido, como colunas de bronze, calcinadas; outras, ainda, mostram o flanco escavacado de alto a baixo, como se as houvesse fulminado o raio. Aquelas, em que dois renovos teimaram em vingar, parecem ter sede e pedir às aves que não tenham medo; as outras são cadáveres insepultos, lúgubres, para vergonha dos homens. Ao longe condensa-se um fuminho cor de cinza; é arvoredo? É o hameau? São as chaminés da terra mineira? É o esfumado lívido dos hori­ zontes sem fumo, o confim da visibilidade na plaine, plaine blême, intermi­ nable, toujours la même. Um cotovelo de estrada, entre patos, que saem processionalmente do charco, e uma abegoaria, e rola-se em Lacouture, terra ensopada do nosso 70

sangue. O monumento português é esta empena de pedra, truncada, com figuras simbólicas de bronze, erguido, obra de um côvado, em platibanda, acima da cruzeta dos caminhos. Comemora o heroísmo e as virtudes dos soldados portugueses, caídos na terra da Flandres? Dizem as vozes que sim; a inscrição Hommage du Portugal à la France imortelle, Réduit de la Couture, 9 A vri/ 1 91 6, não nos dignifica, porém, a nós. Glorifica a nação aliada; não é um preito de piedade pelos nossos, é um incensório pelos outros. À retaguarda da memória, estende-se o chamado reducto de Lacou­ ture. São cem metros quadrados de terra a que o alvião e a charrua poupa­ ram a inconcebível teatralidade da guerra. Estas rumas de pedregulhos e paralelipípedos, de pedras que parecem mós de moinhos e eram milhares de colunas, de cacos de tij olos e azulej os, de pias de água benta esbouceladas, de cornijas partidas, de santinhos mais desmembrados que cadáveres na mesa anatómica, isto tudo foi o material da igreja matriz. Ali se estabeleceu o "blockaus", mercê do qual setenta ciclistas ingleses, em duas ordens de fogo como nos navios, puderam varrer com metralhadoras as formações alemãs que, a coberto do nevoeiro, avançavam de oeste e sudeste. Ali se refugiaram os sobreviventes portugueses, duas centenas de praças, duas dúzias de oficiais, e ali resistiram, e dali partiram em cativeiro. Do templo nada foi respeitado pelos combatentes, nem as imagens dos altares, nem o Santíssimo no tabernáculo. Got m it uns - proclamavam os alemães Dieu est avec nous proclamavam os franceses - escreve Barbusse - e uns e outros devastavam a casa do Senhor e, em sua fúria, para vencer, metralhariam o próprio Senhor. Escaparam os sinos que, suspensos entre dois postes, à frente de uma capela improvisada com madeira e folha, voltarão a chamar as almas, enquanto estiverem calados os clarins. Contí­ guo à igreja ficava o cemitério que persiste, tal qual o deixou o furacão, como uma das páginas mais macabras e vivas da guerra. -

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Rezam os santos padres que no dia de juízo, ao som da trombeta do vale de Josafat, se despedaçarão as lousas das campas e que abrirá bocas todo o palmo de terra que cubra defuntos. Aquele cemitério de Lacouture repicou antecipadamente a buzina final. Os túmulos foram esbandalhados, partidas as lajes, semeadas as cruzes e símbolos, desconjuntados os gave­ tões, e só se não sabe para onde foram os mortos. Que os pulverizasse a metralha ou que mãos piedosas andassem a arrebanhar os despoj os, depois da profanação, não importa. Tudo é vaidade debaixo da rosa do sol, até o repouso eterno dos mortos, este requiscat in pace que a antífona cristã lança como uma montanha sobre o peito dos finados. A guerra neste particular, trouxe plena confirmação ao Eclesiastes. Por toda esta terra santa fora, se encontram destroços das bondieuse­ ries com que é costume enfeitar as sepulturas. Causa já, um certo nojo 71

vê-las intactas de cima do aparelho mortuário; dá calafrios encontrá-las aos pontapés, aviltadas, fanadas, negras, comidas pelos ácidos da terra, a chei­ rar ainda � ais a morte. M as o horrível espectáculo está, sobretudo, no caos em que ficaram campas e mausoléus, tombados, escavacados, encavalados uns nos outros, meio soerguidos, com seus buracões, como furnas, a negre­ •j ar. Uma pedra larga, de basalto, empinou e, em escorregadoiro, parece a tampa monstruosa de um dolmen. Um carneiro, fundo e largo como cis­ terna, deixa a nu toda a sua arquitectura interior e o uso que fizeram de suas jazidas. A côma dum sepulcro inchou e tem-se a impressão de entra­ rem para lá muitos dos mortos por cima dos mortos, que já lá estavam, empurrados pelos obuzes. O espectáculo, dada a antecipação com que ali se arrisca o pé, não produz a emoção que lhe empresta a imaginativa. Mas não será temerário representar os cadáveres em bolandas ao percutir das granadas; a darem pulo para o meio dos vivos; a misturarem-se com eles; a serem triturados, juntos, pela mesma rajada de fogo. E, reciprocamente, não se nos afigura fabuloso supor os vivos buscar o amparo dos mortos, deitarem-se com eles no mesmo leito de podridão, e até revezá-los no posto. Compreende-se que todo o subsolo da necrópole, que era grande, fosse revolvido até os fundamentos, depois de trinta e duas horas de canhoneio. Nada ali quedou intacto, nem na forma primitiva. A metralha baralhou tudo o que não pôde dissociar. Detrás daqueles túmulos aguentou-se, durante muito tempo, com duas metralhadoras, o tenente Antunes; dali regulou ele as alças das espingardas para trezentos metros, de modo a varejar o inimigo que, contornando Lacouture, avançava de Sénéchal para Vieille-Chapelle; e, cerca, caiu o alferes Alberto Pereira da Costa e cinco soldados do 1 5. A este cemitério, abandonado a todo o seu horror, coube um guardião condigno: o Cristo que aí está, face virada aos caminhos. Ergue-se sobre uma negra e alta cruz; tem uma perna seccionada pela virilha, outra pelo j oelho; não tem um braço; o tronco é enorme como são enormes todos estes Cristos picardos que se levantam subitamente, de espaço a espaço, nas curvas das grandes estradas nacionais. O s eu ar é duro, quase castelhano, ar de quem está a amaldiçoar. De tês, negro como um tição. É um Cristo pensamento e obra de Satanás . Este monstruoso fantasma, este cemitério despovoado de cadáveres e cheio de pesadelos, esta igrej a arrasada, monte de pedras e de silêncio, excedem todas as visões de Dante nos Infernos. Tomamos o rumo do Sul pela estrada de asfalto, 29, que luzidia como o molinheiro, direita e interminável, lembra uma fita de aço, à flor da terra, esticada nos confins do horizonte. Nem moita, nem casal. Uma terra baça, gorda, em que latej a a fecundidade, estende-se, com suas ondulações lentas, a perder de vista. Andou a virá-la a charrua para a próxima sementeira e o 72

ar húmido está saturado de um aroma acre. Aqui e ali nuvens de corvos esgaravatam nos campos que deram beterraba ou levantam num grande espalhafato de rémiges para poisar, em voo baixo, mais adiante. São talu­ dos como abetardas e parecem-me magros. Alguns devem ter-se habituado à antropofagia e o regime vegetariano ser-lhes-á intolerável. Não grasnam como os seus irmãos de Portugal; teriam perdido a voz no fragor rolante das batalhas, ou aprendido com os nettoyeurs de trincheira e com os homens dos raids a ser silenciosos? Causam-me dó os pobres passarões neste período de vacas magras. Engordaram, proliferaram em grande escala, e, enquanto os tempos não forem revolutos e o deus dos exércitos se não amerceie deles, terão que lazarar. A menos que não batam asas, p ois abundam no vasto mundo admiráveis países a fornecer-lhes o delicioso manjar. Às bandas, sobre ramais da estrada, vamos saudando aldeias de tij olo, alinhadas em quincôncio, inalteravelmente iguais e vermelhas. É o mapa rural da Picardia que ressurge, reconstruído a cordel, da cascalheira das ruínas. Têm um ar de arquitecturas recortadas em papelão. Falta-lhes aquela alma natal, comunicativa, amassada em pedra, em cada barrote, em cada quina por milhares de homens que em centenas de anos ali lidaram, amando e sofrendo. O horizonte visual encontra-se com a bruma; está uma destas tardes mórbidas, peçonhentas, em que, nas trincheiras, os soldados dos países do sol não teriam pena de morrer. BAPAUME. - Tudo o que se lobriga nesta cidadezinha é novo, em folha, ou mais esburacado que um cesto depois da vindima. O camartelo reedificou o que p ôde, a guerra escavacou quanto havia. Andou esta locali­ dade de mão em mão, até que em 1 9 1 7, reconquistada pelos alemães a tropas da província de Gales e da Nova Zelândia, ouviu, com o recuo destes para as linhas de Hindenburgo, o seu de profundis. Erigida em praça forte por Carlos V, impossível descortinar em seus muros os leões afrontados de Castela. O seu passado passou de vez. Pela grande rua fora, lanço e cruzamento das estradas nacionais, perfilam-se direitos, pintalgados, patuscos como grandes bonecos futuris­ tas, os inumeráveis autómatos da gasolina. Já os estaminets têm gente; já nos contemplam pelas portas entreabertas das loj as olhos sossegados de raparigas. Sej a pessimismo nosso ou realidade, por esta ruiva e sardenta Flandres, não encontramos as caras bonitas de Paris e do M eio-Dia. A geração que amanhece representará, porventura, uma mescla inextri­ cável de sangues. Mas essa anda na escola e não possui ainda o foral da ra­ ça. Mas têm as mulheres todas um ar sadio e rechonchudo e - diz um rifão nosso - gordura é formosura. Fiquem, pois, com alvará de beleza as meninas da Flandres.

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Sente-se que a cidade foi erguida à lufa-lufa; a deleitável assimetria e absurdos arquitectónicos, que o acaso ou capricho dos homens vão dando à habitação, não se procurem aqui. Tudo é liso, aprumado, segundo o risco mais fácil e imediato. A guerra matou os penates, que é, como quem diz, o lar familiar e o galo do campanário nunca igual aos galos dos outros campanários.

ILUSTRA ÇÃO, 1-1-1929

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NOS CAMPOS DE BATALHA DA FLANDRES (Notas de Viagem)

O canhão arrasou tudo; em parte alguma esta terra sanguinis foi mais sangrada. Alguns quilómetros a nordeste ficavam as primeiras linhas com os gânglios formidáveis de Thiepval, Orvillers, La Boisselle. Albert devia ser um grande bivaque dos Aliados, o que explica o desencadeado bombar­ deamento alemão, semanas a fio. Da cidade, que Leão XIII classificou de Lo urdes do Norte, e de quem o bispo de Amiens escrevia recriminatoria­ mente: La cité de Dieu et la cité de Satan s'élevaient sur le même sol. Autour de Notre Dame de Brebieres l'impiété mêlait ses blasphemes aux cantiques des pélerins, desta cidade marial e socialista, plácida e orgulhosa da sua divisa: vis meaferrum, divisa nada ciceroniana mas verdadeira, não ficaram quatro muros que pudessem abrigar um pedinte. Os obuzes pulverizaram forjas e oficinas, demoliram casas, e, p ouco a pouco, a basílica, de quem certo monógrafo dizia: "Procurou-se na natureza tudo o que havia de mais sólido, de mais puro, de mais faustoso, de mais brilhante, de mais atraente, de mais esplêndido; bronzes, mármores, esmaltes, onix, pedras preciosas, ouro, quanto mais ! , e com estas riquezas do Senhor ergueu-se um poema à Virgem." Ali era o grande centro de romagem de toda a terra picarda. Como Fátima, como a Lapa, como Lourdes, como todas as localidades milagreiras, Albert tinha a lenda doirada e sempre-mesma da Madona que aparecera a uma pastora e que, quando esta ia a despedir o caj ado, excla-

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mara: Tate que me magoas! Como sempre, acudiram os devotos e as ofe­ rendas. Aí por 1 890, um arquitecto de talento, discípulo de Viollet-le-Duc e filhote dos sítios, Edmond Duthois, concebeu aquela maj estosa fábrica em estilo românico-bisantino. Enterraram-se ali milhões, mas ao cabo de doze anos, trinta bispos e mil e duzentos padres sagravam o sumptuoso palácio para casa de M aria, mãe de Deus, que fora tecedeira em Nazaré. Só as coroas que ornavam a sua fronte e a do Menino comportavam mais de mil diamantes e muitos quilos de oiro e prata. Esta era a N ossa Senhora de Brebieres que recebia os peregrinos, as oferendas e fazia milagres, de cima do altar. No recanto do campanário, talhado como minarete, erguia-se outra vez, mas em bronze, doirada, cor­ pulenta de seis metros, mostrando às dez léguas em redondo, do alto dos braços, o divino filho. Au sommet du clocher d'A/bert, la Vierge h/onde Plainait royalement sur tous nos alentours. Nos dias soalheiros luzia como um fanai; e a alma castelhana, que porventura lá ficara aquando da ocupação do fiel e rij o Artois, acordando no peito do picardo, devia, de longe e do perto, por aquelas dez léguas em roda, no remanso da aldeia e na lida do campo, salvar a luminosa e celeste imagem. Destruída Albert, a pontos de se parecer com as cidades mortas, legen­ dárias, em que a área é indicada pelo montão de pedra solta, e em que apenas uma ou outra coluna ou cunhai dobrado continua a traçar a avenida ou praça, a basílica erguia-se sempre altaneira, incólume, sistematicamente poupada pelo fogo dos alemães. Milagre? Respeito do inimigo, ou ponto de referência aproveitado para regra de tiro? U ma versão chegou a correr por aquela zona, na voz p opular: um espia servia-se da torre para dar sinais aos alemães . Mas não, em princípios de 1 9 1 5, um aviatik pairou demoradamente de cima da cidade, de que a basílica, em pé, figurava une masse rouge et sang/ante, e horas depois voava em estilhas com o primeiro obuz o zimbó­ rio doirado que assentava na intersecção do transepto e do altar-mor. Depois, outros e outros obuzes escavacaram o telhado e abriram brechas imensas nos muros. Ao cabo de dias de bombardeamento contínuo, a Virgem de bronze sobrava, inclinava-se horizontalmente no espaço e ali ficava, como pomba que ensaia o voo ou desesperado ao primeiro tempo da sua projecção nos abismos. E ali ficou muitos meses, entre céu e terra, destronada tão indignamente de sua altura gloriosa. Como em Lovaina, como em Malines, como em Bapaume, Armentie­ res, cumpria-se a profecia de H enri H eine: "Um dia há-de vir em que se levantarão dos túmulos fabulosos as divindades guerreiras, sacudirão a

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poeira dos olhos, e Thor aprumar-se-á com o martelo gigantesco em punho e fará em pó as catedrais góticas". Albert conheceu todos os sobressaltos da guerra, inclusive o da expec­ tativa temerosa do homem que tem o salteador de portas a dentro. Ali estiveram os alemães dezanove dias, aquando da primeira vaga nach Paris, alimentando-se do indígena, sizudos e pacíficos, como patos na engorda. A mesma S óror Antoinette, religiosa de um hospício, que os recebera em 1 870, recebeu em 1 9 1 4 os primeiros hussards a cavalo, mandados em reco­ nhecimento. Com a retirada, depois, aí por fins de Setembro de 1 9 1 4, começou a dura provação. Três meses, noite e dia, foi varejada pela metra­ lha. A população que não sucumbiu debandou. Estiveram insepultos os mortos muito tempo. O anj o do extermínio, de que fala o Apocalipse, não consumaria obra mais genial na arte da destruição. Mas tornou a florir a cidade naquele campo de lágrimas. Nas padieiras das lojas, letreiros berrantes oferecem a veniaga. Através da bruma que abafa os ruídos, amortalha as casas novas, calafeta as portas e vidraças, sente-se um silêncio operoso e fecundo. As · ruínas são como pedintes em arraial domingueiro: o menor vulto. Já outra vez se ergue de tij olo e pedra, fiel à traça primitiva, Nossa Senhora de BrebH:res. Amanhã poderão voltar os peregrinos com suas misérias, com seus queixumes, com suas ansiedades, que ela acolhê-los-á com o mesmo sorriso amorável debaixo da coroa de mil brilhantes. Tirem à igreja as faixas do madeirame que a envolvem, acendam os círios, e o ritmo antigo dos que sofrem e têm horror ao sofrimento e à morte retomará a cadência perdida. E quando for outra vez guindada ao alto do minarete a Virgem loira, o mesmo sol benigno e amoroso brincará com ela, e ela, refulgente e dominosa, tornará, na campina de dez léguas em redondo, a ser saudada pelo picardo, dobrado atrás da sua junta de cavalos normandos, a lavrar a terra. ESTRADA DE ARRAS. - A estrada corre em tiro de flecha para a linha do horizonte, encarvoada pela bruma, mal arranhando a campina interminável, rasa como a palma da mão. A todo o lés, cortejam-nos filas, magotes, patrulhas de árvores decapitadas. Uma vergôntea vingou no tronco nodoso e lá vai, fina e esbelta, a tentar escalar as alturas. A mais das vezes são cadáveres negros, mirrados, a implorar a piedade do lenhador. Passamos casais pintarolados de fresco, pequenos hangares para aviões, de zinco ondulado, casotas construídas com a sucata da guerra; o motor do nosso carro zune e, na natureza espasmódica, sob a irritante morrinha do céu, o seu vu-vu-vuu é como um canto embalador. A deslado, uma pequena encosta faísca de mil brancuras movediças; parece o desnevar duma geleira, ou uma pilha imensa de cal virgem arre­ goando, desagregando-se, espraiando-se em lençóis de alvura sob jorros de

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água: uma inumerável bandada de patos. Nem eles grasnam, nem a guarda­ dora canta: Pata aqui, pata ali, Filha de rei guardar patos Foi coisa que nunca vi.

É tudo grave, duma dignidade ascética, na campina desolada; até a ave de engorda. Mais adiante, relanceamos uma manada de poldros. Nem um só para nós olha. S omos como o pássaro que voa. E a estrada lá vai, sem titubear, através da inquebrantável planície. Não se descobrem agora ruí­ nas, troféus, cemitérios de guerra. Ficam às bandas, ocultos na bruma; a bruma vestiu-os, envolveu-os como lençaria fúnebre; passamos por diante dum catafalco. ARRAS. - Uma rua interminável e espaçosa, ou ruas que se sucedem, prédios muito compostos, a inculcar mediania, com ar já de sonolentos, quase nenhum bulício, um certo cunho de frescura e de distinção - eis Arras. Anoiteceu, e, contra o resplendor dos arcos voltaicos, vê-se a moli­ nha descer como p oalha de prata, peneirar-se, rodopiar na luz doirada, animada de um ritmo ágil e subtil de farândola. Arrumamos o heróico carro no pátio coberto do Hô tel de l' Univers, tomamos posse dos nossos quartos, e, após um olhar dispiciendo ao menú, largamos para a cidade. Arras de noite ! O que poderá fazer de noite uma cidadezita a três passos de Paris, que não sej a ingerir o pot-au-feu, j ogar em família a sua partida de gamão, e santamente adormecer. Às raparigas bonitas não lhes valia a pena serem bonitas em Arras; aos estudantes, tenta-os o Bairro Latino; o baile do Prefeito é uma vez por ano. Que remédio senão ter hábitos regrados e horas certas, agir como célula exacta e silenciosa da grande França? Vamos pelo burgo adormecido, tão pasmadas as casas como os raros transeuntes de nos encontrar. Esta Rue St. A ubert encarna o espírito comer­ cial do nosso século, com vitrinas imensas, espelhos e ensamblamentos a rutilar, e vendedeiras, traj ando de preto, cabelos à garçonne, ademanes estudados, muito dignas e correctas como preciosas numa sala. Já a Rue des Baudets é a via mesteiral antiga, cheia de lojecas tão pequeninas que parecem empurrar-se umas às outras, ilharga contra ilharga, com a pechin­ cha à porta e, lá dentro, todos os cheiros, todas as drogas, todos os artigos num admirável e sebento pandemónio. O francês, que era essencialmente épicier, estabelecido nestas quitandas, fornecia o universal a preços acessí­ veis. Enriquecer não era o seu lema, mas retirar um lucro digno do seu tráfico, que lhe permitisse levar a vida com honra. H avia gerações de mer-

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ceeiros como havia gerações de príncipes. Tinham aqueles o orgulho do mister· e não arredavam pé para outro ramo de actividade. O vento da

ambição, varrendo tudo, alterou as linhas sociais e, hoje, o desígnio mais moderado do filho do merceeiro é passar a baiuca paterna, e ser bourgeois em Paris, ou boxeur.

IL USTRA ÇÃO, 1-2-1929

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NOS CAMPOS DE BATALHA DA FLANDRES (Notas de Viagem)

Estas tendas modestas onde o Brie era queij o e a manteiga extraída de leite, atravancada com toda a sorte de secos e molhados, onde o épicier aviava de avental azul até abaixo dos j oelhos ou uma reboluda matrona de fichu pelos ombros, com a atmosfera impregnada dos vapores de petróleo e da água de Javel, vão passando à história. Abertas ao pobre e ao rico, nelas não se contava por francos mas por sous. Um gatarrão preto, acocorado no mostrador, dardejava da órbita imóvel cintilas de topázio, e era como um Buda severo protegendo o negócio. A Rue des Baudets, com letreiros em painel sobre a própria padieira das casas, barricas cheias de choucroute e arenques fumados à porta, jor­ nais ao pendurão nos alizares das capelistas, com seus tasqueiros e chume­ cos, existe em Portugal e Espanha, mutatis mutandis, e neste adorável Artois. Não foi debalde que por ali passou e deu leis o génio ibérico, refractário a modernidades. Estes amplíssimos largos, Grande Place e Petite Place, onde os nossos passos soam e levantam um eco que se ouve como em Santiago de Compostela ou Salamanca, gizou-os o lápis espanhol e por indústria espanhola foram edificados. De 1 492 a 1 640 esteve o Artois sob a soberania dos reis católicos. Em Arras fundaram um colégio consa­ grado ao estudo do grego e do latim e ao ensino da retórica, um montepio, e lançaram as muralhas de uma praça forte. Paradoxalmente, souberam fazer-se amar os castelhanos. Quando. os franceses lhe puseram cerco, ao

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alto de um bastião apareceu enforcado um espantalho com a estatura e o traje de Luís XI, sobrepuj ado do escrito mordaz: Vee-ci /e roi bochu. Não recuaram os habitantes de Arras, inimigos jurados dos franceses, mais espanhóis que os castelhanos, segundo a expressão de Richelieu, diante de nenhum sacrifício para defender a praça. O assédio foi demorado, a ponto de muitas vezes desanimarem os sitiadores. Sobre uma das portas zombava deles o dístico que ficou célebre, atravessado de arrogância espanhola: Quand /es souris prendront /es chats Le roi sera seigneur d'Arras. Capitulou finalmente a cidade, crismando-a Luís XI em Franchise para vitupério da sua resistência e como selo da conquista francesa. Vau­ ban, mais tarde, foi chamado a murá-la, gizando, em face da sua fidelidade aos princípios da casa de Borgonha, todo um sistema de fortes de tal modo que a artilharia commandera fort bien la vil/e et enfilera beaucoup de rues. Daí o ser mais tarde chamada La bel/e innutile a cidade, capaz de reprimir uma sedição intestina, desarmada para o inimigo que a viesse opugnar. Ainda em 1 654, Condé, ao serviço de Espanha, tentou contra Arras uma investida que se malogrou; pelo tratado dos Pirenéus, cinco anos mais tarde, o Artois foi anexado definitivamente à coroa de França. Esta Grande Place e Petite Place são Plazas mayores trasladadas a flamengo. Os mestres de obras que as construíram não vieram de Espanha, é possível. M as pelo traço geral, a natureza das galerias que as circulam, formadas por arcos de volta abatida e pilares monolíticos, pelo papel que desempenhavam no sistema vascular do burgo, pela índole, se nos reportar­ mos ao tempo da fundação, revelam bem o dedo do dominador. Como as similares de Espanha, foram delineadas em área e em edificações para nelas se desenvolver uma vistosa cavalgada ou procissão, manobrar um terço, correr toiros e, caso não raro, se queimarem herej es em solene auto de fé. Remontam, de resto, à época dos Filipes, depois que, sob sua alçada, um édito echevinal proscreveu as construções em madeira, as mais usuais da terra. A todo o lés das arcadas, vamos descortinando, protegidos por grades de ferro, os alçapões para as boves. As boves - de abóbadas - são o prolongamento subterrâneo dos edifícios em cujas salas estavam montados os teares de que saíram as tapeçarias, disputadas hoje pelos milionários. A que intuito obedecia aquele trabalhar nas sombras, não mo souberam dizer nem eu o soube descobrir. Deviam ser como galés os antros maravilhosos. Verdade que as fadas vivem e operam no recesso das grutas e as toupeiras sedosas não suportam a luz do dia. Fosse como fosse, ao que reza a história, nas covas soturnas foràm urdidos os panos de "raz" que deslumbram os nossos olhos.

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Ali se acolhiam e moravam os habitantes, até à data em que foi dada ordem de evacuação, quando os o buzes noite e dia choveram sobre a cidade. Arras foi escavacada pelo bombardeamento e, no entanto, em volta de nós raro se lobrigam ruínas e vestígios da guerra. Mal soou a hora do armistício, prisioneiros e operários de todo o mundo puseram mãos à faina de reconstrução. H avia que fazer. Poucas cidades sofreram como Arras dos fluxos e refluxos da guerra. Canhonearam-na com igual encarniçamento uns e outros. Ocuparam-na os alemães três dias; rechaçaram-nos os Aliados, depois de duro tiroteio, sem olhar a desgraças; mais de mil obuzes caídos sobre o casario; ardeu o Hôtel de Ville em gótico flamejante; veio a terra o beffroi, que era o mais alto de França e o orgulho de Arras. Desalojados, firmaram p é os alemães nas eminências fronteiriças, a uma légua cerca, investindo-a pelas bandas de Este, S ouchez, Neuville, St.-Waast, Blangy, Tilloy, Neuville Vitasse constituíam os redutos capitais, donde o inimigo verajava com toda a sorte de artilharia. Nesta linha se escreveu uma epopeia de sangue e de bravura que escurece a Ilíada. O cemitério, situado no bairro de S . Salvador, teve de ser organizado defensi­ vamente. Sulcaram as suas avenidas, esfuracando as campas, profundas trincheiras em que, anos a fio, se abrigaram os franceses. Em fins de 1 9 1 7, de 452 1 prédios, que contava Arras, só 292 estavam intactos. A antiga abadia de St. Wast e a catedral eram um montão de escombros; arrasada a igreja de S. João Baptista, em puro estilo gótico, consagrada pelos revolucionários de 93 à deusa da Razão; estroncada na capela das U rsulinas a torre alta, de quina para o plano da fachada; redu­ zida a ruma de silhares e cascalho Notre Dame des Ardens, santuário, desde a Idade Média, muito concorrido de devotos e romeiros. Libertou a cidade do furacão quotidiano de ferro e de fogo a ofensiva inglesa de 1 9 1 8. Só então puderam os foragidos vir procurar seus lares no caos das ruínas. Mas é de têmpera dura o habitante do Artois. Em poucos anos reedificou a sua casa, reconstruiu aqueles monumentos, de que tim­ brava o seu património, reparou outros, desobstruiu ruas, alinhou, aformo­ sou, e, hoje, poucas cicatrizes mostra Arras da longa e temível refrega. Aqui vamos nós pelas ruas amodorradas, investigando, procurando à luz dos lampeões eléctricos as pedras do calvário. Não se encontram, inte­ gradas nas fachadas novas destes prédios de ar satisfeito e dormente. De longe em longe, subcumieira solapada, depara-se-nos uma parede de tij olo com os rombos formidáveis dos o buzes. Um companheiro aponta: - Veja! Vej a ! E entremostra-se u m boqueirão p o r onde podia passar uma carroça carregada, outras vezes, um pano de muro, crivado de largos e rotundos orifícios, como um alvo, em ponto grande, das barracas de feira. Quando

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estes vestígios se desvanecerem, Arras, dealbada da guerra, mostrará uma face pimpante e rejuvenescida. E o pesadelo, como tudo, terá passado ! ESTRA DA DE AMIENS. - Sob a luz álgida da tarde, deixamos Arras, com seus muros alvacentos a cal e a escaiola, as suas telhas ainda rúbias do forno, e corremos, a toda, na lisa faixa de asfalto que leva à capital da Picardia. Parou a cacimba e a bruma não é mais que um tenuís­ simo vapor esfumado a sinopla os confins dos horizontes. O automóvel vai devorando os quilómetros e cantando, cantando o rigodão com que o viajante se sente embalado na ondulosa e fugitiva paisagem. A natureza transformou-se; já a todo o longo do caminho nos fazem continência velhas e copadas árvores; já a planície, rasa até aqui, nos apa­ rece vestindo as roupagens especiosas do Outono. Aldeias e lugarej os que costeamos têm o seu bosque e o seu pomar. Não nos oferecem, dentre a folhagem verde, luzentes como astros miniaturais, laranjas e limões, porque não têm disso; mas exibem uma feéria de cores e de tons que é pasmo dos nossos olhos. Neste arrastado Outono são como as princesas do Oriente, que se adereçavam de todas as pedrarias para o leito da morte, as árvores da Europa setentrional. Na Primavera nunca atingem a tonalidade quente, o verde quase negro das árvores do sul. Mas Outubro chega e, mercê da clorifila ou da luz difusa do Norte, se não da queda da temperatura, a folhagem transmuda-se na mais estonteante e variegada lençaria. Todos os brocados sacerdotais, com seus oiros tostados, suas lhamas esmaecidas pelo tempo, seus vermelhos ternos, seus azuis inefáveis, todos os damascos, todas as sedas policrómicas, em monte, em flocos, em estenda!, não desfral­ fariam perspectiva capaz de contender com a destes bosques, relanceados no perpassar das estradas. São sinfonias de cor, refractárias à paleta mais sensual. Compreende-se que, atrás destas esplêndias cortinas, haj a fadas e bons génios, dados à generosa tarefa de endireitar a sina de pastores tristes e príncipes de alma pura, mas desgraciosos. Compreende-se e aceita-se a mitologia da floresta com seus poéticos e caprichosos habitantes, sílfides, gnomos, elches, dríades, que sei eu ! Deu-nos a nós, portugueses, em património, a madre-natura, o céu azul e o sol claro. Legou a floresta à gente do Norte. Consentiu-nos o regalo da mata; à mata, porém, dá-se-lhe volta; corta-se-lhe a lenha; nunca foi sagrada; nunca viera habitar nela divindades.

ILUSTRA ÇÃO, 6-2-1929

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NOS CAMPOS DE BATALHA DA FLANDRES (Notas de Viagem)

AMIEN S . - A velha capital da Picardia não tem preguiça a madru­ gar. Ainda corre nas ruas estreitas, sobre a água morta dos canais, na sombra choca dos beirados, um arzinho da noite, e já as portas se abrem de par em par, rolam as corrediças nas lojas, zumbe todo o bulício da activa e numerosa colmeia humana. Também a noite foi pesada como o chumbo e longa, interminável, destas noites rurais sem convulsões nem quebra e que parecem uma amostra da eternidade. As 9 horas, a hora do couvre-feu dos antigos tempos, um polícia na pequena Praça do Relógio era como uma figura descomunal, desolada, deslocada, tão esquecido de si como Pedro o eremita, ali perto, de cima do seu pedestal de pedra, dos Lugares Santos. A electricidade dir-se-ia que iluminava para exercer apenas um papel de pre­ enchimento; tudo dormia e até a beira do rio, nas padieiras das muitas alfurjas, onde recebe a Vénus mercenária, a luz das lanternas vermelhas, numeradas, cansava-se de chamar, adormecida. Uma bruma leve, gelada, que veio do Norte com a noite e encontra agora o bafo do rio e dos inúmeros canais e canaletos para se alimentar, envolve a cidade. É como um crepe muito diáfano, da cor da cinza. Desce dos telhados, arma no vão das ruas a sua malha subtil, e embrandece as pedras da calçada, abafando os passos. Tem a cor dos ermos horizontes e parece ter trazido de longe a nudez da campina imensa. Amiens, não obs-

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tante as suas fábricas e teares, a faina fluvial, as 93 000 almas da sua população, é uma cidade silenciosa. As ruas vão coalhadas de gente; os talhos e as casas de secos e molhados, regorjitam de clientela; os sinos de S . Leu e d e S . Germano chamam, para a missa - e nada s e ouve, o u todos o s rumores, todos os sons passam pela inalterável taciturnidade do grande burgo sem o ferir, à margem como trovoada ao longe. Está ressarcida da guerra a cidade em que Roberto de Luzarches ergueu a igreja ogival por excelência. Ocupada durante doze dias pelos alemães, em Agosto de 1 9 1 4, ao tempo da marcha nach Paris, novamente esteve em riscos de ser invadida quando da grande ofensiva de Ludendorf. Sobre ela choveram os obuzes e torpedos aéreos. A catedral esteve enfai­ xada de sacos de areia até acima dos pórticos durante muitos meses. O Belo Deus, de olhos extáticos para o mundo, deixou de pisar a víbora e o basilisco com sua planta de dominador; a Virgem Doirada, com o menino na anquinha, por muito tempo faltou com o seu sorriso jucundo às mães que passavam; emurados, os profetas e os evangelistas enoiteceram, falhos da luz do S ol. Mas o furacão passou; a catedral admirável perdurou intacta para glória do génio humano; o antigo Bailio, a igreja de S. Remi, a casa do Sagitário, foram reparadas. Da guerra ficaram para Amiens bilhetes-postais ilustrados, a inevitável canção de gesta e o infalível monumento aos mortos. Na rasa planície flamenga, a dentro do perímetro em que os nossos soldados ont cassé les reins - na frase do general Capelle - à ofensiva alemã, ergue-se também finalmente, uma memória aos mortos de Portugal. A eles a cremos consagrada pelo que consta, que não pela legenda: Hom­ mage du Portugal à la France imorte/le. Réduit de Lacouture, assim enfá­ tica e exclusiva. Embora, com filigrama manuelina, à laia de crenéis, na empena truncada, um Cristo, no reverso, ao estilo das alminhas da terra portuguesa, ali assenta, ali está à beira dos caminhos como ex-voto da nossa infinita piedade. E a despeito das palavras omissas, das palavras que deviam identificá-lo, aquelas pedras brancas falarão como a página mais vivida da História. O nosso exército, o exército que ali veio bater-se um pouco nas tradi­ ções do Magriço que rompeu lanças por damas formosas, envergonhadas, não fez pender, decerto, o prato da balança militar, mas constituiu um contingente apreciável. Cem mil homens, não menos, e, a julgar pelas quali­ dades de resistência, iguais àqueles com que outrora Aníbal, depois de atra­ vessar a Espanha, a França, os Alpes, fez tremer a grande e invencível Roma. Uns como os outros haviam sido recrutados nas serras e vales lusitanos, criados ao mesmo úbere e, se a crónica não é fabulosa, identica­ mente sóbrios, tenazes e estoicos a morrer. Com este exército consumimos bons recursos da nossa economia, doze milhÕes de libras, que estamos a pagar com esforço, mas pontualidade. A

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cota moral, que representa a nossa intervenção ao lado dos Aliados, acusa relevo maior ainda. Quando nos lançámos na refrega não era a hora auspi­ ciosa em que chegaram os Estados Unidos com a sua torrente inesgotável de homens e de dólares. A cada passo, como no ring, os Aliados roçavam as costas no chão. A vitória destes era mais que problemática. Os triunfos alemães pareciam para muitos, etapas certas dum largo plano concebido e em prossecução segundo leis matemáticas irrefragáveis. Ninguém fazia segredo desta maneira de ver. Seria curioso conhecer a mecânica da nossa intervenção, desde os factores de ordem realista e nacional até os factores de ordem psicológica, com suas actuantes e imponderáveis. A cartada foi j ogada em atitude de desespero ou com o cálculo estabelecido de ganhar? A primeira declaração, lida nas Câmaras pelo ministro dos Estrangei­ ros, foi o que se chama um hábil instrumento diplomático, oportunista, cedendo campo e guardando campo, unanimemente louvado. Daí até o estado de guerra mediaram tempos e interpuseram-se muitos e graves suces­ sos. Alguns destes, da exclusiva responsabilidade de Portugal, denotavam o propósito, se não de suscitar o casus belli, de actuar utilmente ao lado dos Aliados. Seria candura supor que os nossos dirigentes não previam a riposta. Deviam-na ter previsto e a dialéctica com que se decidiram teria sido esta: Se Portugal se conserva de braços cruzados, inevitavelmente pagará /es pots cassés, quer em proveito da Alemanha vencedora, quer em holocausto da "civilização" e dos seus campeões, juntamente com a Alema­ nha vencida. Verdade sej a que, segundo afirmações de um diplomata alemão, o "kaiser" se teria prestado a lavrar do seu próprio punho um compromisso que garantisse a Portugal, a troco da neutralidade, a integridade dos territó­ rios mas que ministro se abalançaria em Portugal a selar tão perigoso e fátuo protocolo? Formando a par dos Aliados, duas hipóteses se deparavam: a do desas­ tre, e perderíamos o que, observada a neutralidade, estava irremediavel­ mente comprometido, aumentado do esforço de beligerante; a do triunfo, e, pelo menos, escaparíamos a ser o bode da expiação. Que os nossos políticos tenham medido na larga curva dos aconteci­ mentos o alcance da nossa intervenção e, ainda, o desfecho do conflito, equivaleria a atribuir-lhes uma intuição única na Europa. Não nos imagine­ mos a consultar M me. Brouillard, mas sim, dotados de certa sensibilidade, a tactear na sombra. Outros argumentos, como a nossa posição política perante a Espanha, a quem os Aliados estavam gratos por toda a sorte de cooperação encapo.,. tada, reforçavam a tese da participação. E, possivelmente, outras razões menos positivas, como defesa da Liberdade, do Direito, da Justiça e vários e ponderosos truísmos tenham influído na consciência dos políticos. Que

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assim fosse, a razão utilitária bastaria para justificá-los, ainda que nunca mais se esgotassem as provas da controvérsia. Que a sua política foi a mais acertada, proclama-o o seu próprio êxito. Aos Aliados, que menoscabam quando não aviltam o auxílio que lhes prestámos poderíamos dizer com desvanecimento que pegámos em armas passavam eles um mau quarto de hora; e, em consequência, seria ainda legítimo exigir-lhes que reconhecessem, se não o nosso espírito de sacrifício, ao menos o nosso espírito de decisão. Mais que isso, ainda, poderíamos reclamar a honra e o proveito de grandes obreiros da vitória. Não pelo contingente dos nossos homens no mare-magnum dos exércitos e no sorve­ doiro dos milhões. Mas porque Portugal foi o primeiro, dentre os países que não tinham interesses imediatos em j ogo, o primeiro a romper a linha da neutralidade. Fomos a nação que, na roda das nações assarapantadas a ver o temível lidador do Norte derrubar, esmagar à direita e à esquerda, gritou exaltada, perdõe-se-nos o termo: - mata que é danado ! Tivemos a audácia de iniciar a escouade no couce da qual, com ares de fleugma, mas de certo trocada pelo alarido universal, veio a América do N arte com a sua decisiva força. Móbeis idênticos, observada a transposição, tanto podem conduzir homens como colectividades. O factor sentimental move igualmente aqueles e a estas. Será exagero sup or que, no estado de exaltação em que o mundo se achava à volta de 1 9 1 6, o rasgo de Portugal não causou assombro e contágio? M ercê de uma política discontínua, nem sempre bem orientada, o significado da nossa beligerância passou despercebido na Europa. A fatali­ dade da nossa pequenez, se não uma fatalidade argamassada por nossos erros, pesa sobre os destinos e a marcha da nacionalidade. Que os estrangei­ ros, por ignorância ou por egoísmo, nos releguem a plano indevido e nos esqueçam, compreende-se com o desespero na alma; o que. não se admite é que sejamos nós próprios os agentes dessa penumbra. No monumento de Lacouture é preciso acrescentar: Aux soldats portugais, tombés en France, /e Portugal reconnaissant. ILUSTRA ÇÃO, 1-3- 1929

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CRÓNICA DA QUINZENA A uma senhora francesa, um pouco bas bleu, ouvi estas impress ões da sua viagem a Portugal, na Primavera de 28: "Fomos pernoitar a certa cidadezinha da Serra, uma que está empolei­ rada de cima de rocha como um ninho de açor . . . - Guarda? "Isso, Guarda. Às dez horas, fazia lá frio e silêncio como num cemité­ rio. Estava luar e, adormecidas na luz álgida, árvores e casas pareciam uma paisagem de N atai, recortada em papelão. Deram-me no hotel, que esta­ deava frontaria heráldica, uma ceia de monj a e, veja, dormi lá mais a Nanucha como Deus com os anjos. Dir-se-ia que o meu corpo, por um milagre de sugestão das rainhas afonsinas, encaixilhadas na parede, se acomodara bárbara e regaladamente à dureza do enxergão de palha. Levei a noite de um sono e de manhã ergui-me mais fresca que o abrótano dos montes. Pela estrada deserta que a aragem picava de uma frescura seca, digna, quase alpestre, com o vale ao fundo de que se não descobria pé, mas um vaporzinho oscilante, e céu, só céu, tinha a sensação absurda de que ia escorregar da Terra para os espaços sem fim, cair abaixo como cai um grão de areia, ao pender o seu ponto de apoio, na bola que se faz rolar. E vinham-me vertigens como deve sentir a criatura que vai de corrida pela beira de um telhado fora, numa casa de sete andares, a olhar para o chão. "Atravessámos uma vila fortificada, velha, muito velha, que me parece estar a ver na fête foraine por trás de um óculo de vidro, onde cheirava deliciosamente a pão ázimo. Chama-se, eu lhe digo . . . A terra daquele estu­ pendíssimo padre, que teve mais mulheres que S alomão e foi um benemé­ rito da espécie . . . ? Trancoso, não é? - Sim, deve ser Trancoso. M as, minha senhora, o primeiro título de glória desta terra memorável é o Bandarra. H omem de génio e de sovela, é o Nostradamus de Portugal. Os viaj antes franceses, especialmente, permita

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que lho diga, vêem, apontam, e deixam o melhor, o que nos honra, no tinteiro. "Descanse que nunca mais me esquecerei do profeta. Aqui para nós, o abade é personagem muito mais interessante. único, uma força da natu­ reza, uma espécie de Anteu, merecia ter a memória na praça com Priapo a coroá-lo de loiros e a Teologia e Fecundidade, de mãos dadas, no pedestal, a olhar para ele embevecidas. Parámos na terra a tirar umas fotografias e cercou-nos uma alcateia de garotos, a pedir um tostãozinho, que, pelos dados, deviam ser tetranetos do grande sacerdote. Vivos, suj os, mexidos como demónios, bem se via serem descendentes de um génio. Traziam uns os i rmãozitos às cavaleiras, e as pernas engatilhadas em volta do pescoço eram como gentílicos colares de ébano. Outros davam pulos como saguins e seus andraj os, cheios de rasgões, punham mais carne a desco berto do que tapavam. Não havia dúvida, raça de homem e de fauno ! O absurdo é que ao lado deles houvesse casas caiadas, candeeiros de luz eléctrica, e pas­ sassem meninas de saia curta com cabelos à garçonne. Portugal é um segundo Oriente ! "Almoçámos numa estalagem de quatro caminhos (Ponte do A bade), trutas saborosíssimas, pescadas provavelmente no açude que íamos vendo e ouvindo, enquanto comíamos, cachoar em baixo contra a barragem de pedras, ovos tão frescos que só podiam ser da mesma hora, postos pelas galinhas que no pátio cacarejavam seu enfado de parturientes, broa ainda tépida, queij o de ovelha, tudo regado com um vinho dos sítios, que passava titilando na garganta e sabia a amoras e framboesas. Bendita seja a terra beiroa, pobrinha sim, mas verdadeira e leal no que serve aos hóspedes ! Andando, mal se nos deparou estrada inflectindo a Este, metemos por ela certos de seguir o itinerário que nos aconselharam como pitoresco e não vinha indicado na carta. E, graças, aquela estrada (Moimenta da Beira a Tabuaço) inscrita a fogo na rocha viva, entre duas montanhas de igual arcabouço, igual rompante, e tão próximas, que nem geminadas, era coisa de pasmar. U ma das serras, pelo facto da nossa posição, não a medíamos com os olhos, adivinhámo-la; outra, desdobrando-se em perspectiva, negra, lambida por uma babugem de mato, de flancos a prumo, figurava-se-me um formidável cavalo de bronze, batendo, louco, à desfilada. Do rio que coleava no sopé, como lança daquela parelha monstruosa, nunca se enxer­ gava lume, esquivando-se fundo e medroso entre alcantis e bosquedos. Peneiravam águias e nebris sobre a paisagem dramática e, no silêncio de sideração cósmica que reinava, com o H . 274, que não sabia o que era ir devagar, correr por ali fora, era medularmente capitoso. Mas aquele cavalo de bronze, galopando à estribeira, acabava por converter-se num pesadelo e causar dores de cabeça. Subitamente o horizonte abria em leque, oferecendo à vista um pano­ rama da mais singular fantasia. A todo o lés, o solo mostrava-se recortado

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de degraus que subiam dos côncavos aos píncaros altos, compondo um imenso e revolto anfiteatro. Terra caprichosa, rara, comparável para a mais terra como a zebra entre os animais. Cidadela donde os Titans partiram a escalar o Céu. De longe, parecia tudo baço, morto, silente, como destro­ çado coliseu vindo do fundo dos séculos; passando, é que se dava conta do chão enverdecido pela vinha, a oliveira, e todas as belas árvores de caroço. Salvé, estavam na região do Douro, onde uma química misteriosa - sol de inferno, terra feita de pedra, suor humano - engendra o licor sem par! "Demos volta pela Régua e daí até Lamego a estrada em torcícolo, coalhada de caminhantes, de carros de bois do tempo do rei Vamba, burri­ cos tropiqueiros, rapsodos cegos com a rabeca às costas, cães a arremeter das quintas, mocinhas leva que leva, lenço a escorrer do ombro, à sombra dos soutos em flor, com o motor do carro sempre a cantar, ofereceu-nos um variado e deleitável cosmorama. "Na cidade que foi, segundo rezava o guia, berço do reino, tão absorta que dava a impressão de esperar o Messias, um cataclismo, a sorte grande, ou que o Fundador voltasse de chanfalho alçado, para matar a carriça, fizemos alto. E na manhã seguinte visitámos outras cidades, que são de Portugal e podiam ser da Arábia Feliz, tão pasmadas que levam a gente a perguntar: de que vivem? Ningu ém o saberia dizer e outra interrogação mais modesta se ergue no esp í r i t o : por que vivem? m,u ito menos se nos oferece resposta, e como é preciso sossegar o entendimento diremos: vivem, porque reza delas a geografia,· contraíram essa obrigação com o mapa­ -mundo. O princípio será arbitrário, mas deixá-lo, sobre ele, à semelhança das matemáticas não euclidianas, construo a psicologia sólida do burgo. De facto essa psicologia explica-me a razão por que à porta do botequim, homens de todas as castas têm ar de vender sombra, e não fazem mais nada que enxotar as moscas; por que se vêem tantas sotainas e fardas; por que entre a menina do segundo andar e o papo-seco da rua se estabelece aquele desengonçado idílio; por que se não ouve um volante de fábrica e se ouvem os voos das andorinhas riscando um céu de cetim. Explica tudo, actividades e ralices, fisionomias e gestos, silêncios e vozes. Explica até o j umento que vem pela estrada soalheira, muito senhor de si, muito felpudo na sua samarra de Inverno, contando as pedras e os passos que dá. O homem que o tange anda descalço, e o cabelo e a barba hirsuta formam-lhe na cabeça estranha barretina de astrakan por baixo de uma barretina sebenta de tropa. De cima da albarda traz o j erico uma tenda branca que parece enfunar-se a vento de que se não sente o bafo. Quem viaja no caprichoso palanquim? U m poeta, um santarrão, uma princesa encantada? Sabe-se lá nesta adorável terra de maravilha! O azemel dá a volta e, horror! é um monstro, um monstro que ri, que fala, que tem olhos, e nos fita da profun­ didade de poço das suas órbitas, quem se abriga sob o velário. Está deitado sobre o dorso; leva erguidas e nuas as peraas desmesuradas, só tíbia, só

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fémur, enroladas em pergaminho baço; leva os braços ao alto, só as canas dos ossos, só a pele. E são estas pernas e estes braços irreais, imensos como tentáculos de aranhão, que se espalmam nas extremidades em longas pás, que erguem o toldo e, trepidando, lhe imprimem o doce arquej o duma vela à bolina. No rosto, no tórax não se lhe lê a idade. Terá breves anos, mas pode contar longos séculos. Dos faquires, como dos deuses, são invioláveis os princípios. O burro passa pelo mentidero e o monstro clama numa voz cavernosa: - Tenham dó do aleij adinho ! "Qual d ó ! Os basbaques, cónegos, militares, vates, filhos-famílias, pi­ rangas da rua, viram a cara, indiferentes ou anojados. O homem do kepi fustiga desalmadamente o sendeiro, praguejando. Aqui está Portugal! " ILUSTRA ÇÃO, 16-4-1929

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CRÓNICA DA QUINZENA Num dos inumeráveis ateliers de Paris em que se fabricam quadros de mestres, por atacado, Corots, Millets, Teniers, Ticianos e toda a sorte de · primitivos. Os museus e galerias particulares da América estão atulhados destas obras-primas. Também não são raras no Louvre e noutros museus da Europa. Um cole,ccionador, persona grata, vai surpreender o artífice no momento em que procede ao /avaro de uma destas pinturas, vo tadas, como os cavalos de corrida, não se sabe bem, a que estupendos certamens. - Donde veio o retabulozinho? Falsificado . . . ? - Não; andava para aí aos tombos. Lembrei-me de o limpar e creio que não perdi o meu tempo. Debruçou-se o coleccionador para o quadro que representava a cabeça tristonha e macerada de Cristo acima de meio tórax esquelético. A água, castigando como um verniz, punha em relevo, contra o fundo de betume, os contornos firmes da figura, modelada com delicadeza pelo processo das meias tintas, restituindo ao colorido, um pouco hlonocrómico, todo o seu brilho de esmalte. Na barba sedosa, quase ruiva, na cabeleira que se sentia empastada de suor à flor da carne e soprada para cima em desalinho, poder-se-iam contar os pêlos um por um. E com a mesma finura de t raço e a mesma ciência do nu, reforçando ainda a impressão de fragilidade que infundia a cabeça, continuavam pescoço e tronco a melancólica sinfonia de tons lívidos da carne exangue, dolorosa. Em guisa de cantoneiras, pequenos festões a amarelo, semiextintos, luziam contra o fundo escuro, e uma fenda vinha do alto até à raiz do peitoral, como a atestar a provecta idade da tábua. Ao ver-lho examinar à luz, com demora, na sua beleza primeiro, de­ pois na sua "estrutura física", tintas, empaste, espécie e idade da madeira,

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enxovalhos do tempo e furos do caruncho, disse aquele pintor de obras­ -primas: - Antigo, não há que ver. E ou muito me engano ou estamos diante de uma cabeça de M orales. - Não está assinado. - Este grande e desgraçado artista nunca assinava, nem era preciso. O seu pincel é inconfundível. - Mas por que é um M orales? - Ora repare: vê esta linha do nariz, fino, ósseo, tão hebraico e, lá, ao despedir da fronte este toque de dureza? Parece um estigma do modelo ou uma falha de estilo e é bem uma das características das figuras de Morales. Vale por uma assinatura. Olhe para a orelha, um pouco deslocada ao alto; repare para esta carne macilenta, quase diáfana, estes olhos espiritualizados a sofrer e tão humanos que parecem mais de uma criatura a chorar sobre si que de um Deus a chorar sobre o mundo . . . Este tópico não é para omitir num pintor espanhol. Realistas sempre; ainda que arroubados ao céu, nunca se esqueciam da terra que pisavam. Observe a quebradiça esbelteza do Cristo, a expressão de uma angústia sobre-humana, o perdão miseri­ cordioso do olhar, velado pelas longas pálpebras . . . Quem poderia trans­ portar para a tela todos estes mimos senão Morales? - Poderá ser, mas não estou convencido . . . - Atente n a barba e nos cabelos . . . Sabe o que Palomino diz deles no Museu Pictórico e Escola Óptica: "parece que voam ao vento, se a gente lhes soprar". Isto e o ascetismo magoado da fisionomia só podem ter um autor: M orales. - Parabéns; não o queria por cem francos . . . - Não o cedo p o r cinquenta mil. - Tudo imitação? - exclamou o amador de arte, ante toda uma pintura proteica, babilónica, que escalava as paredes até o tecto. - Nem tudo. Aquele cenobita mirrado entre a cruz e a caveira? - Um Zurbaran. Novo. - E o lapuz de pantalinas . vermelhas a fazer tagatés à moça da estalagem? - Van Ostade. Novo também. - A paisagem da vaca e dos p oldros? Ruysdael; acabei-o há uma semana. - Falsifica toda a espécie de pintura? - Contrafaço, meu ilustre amigo, contrafaço. É uma arte subtil e delicada. - Como a da moeda falsa . . . - Por quem é . Os vindouros serão agradecidos a o contrafactor de hoje. Quando as o bras originais tenham rareado à força das mil e umas

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vicissitudes em que os séculos são férteis, quando estes quatrocentos anos que nos separam das primeiras escolas não sej am mais do que um breve lapso de tempo na vida provecta da humanidade, os meus falsos valerão tanto e tão bem como as autênticas produções dos mestres . Terei contri­ buído para a glória deles, enriquecido o património comum, e o meu esforço será tid o como nobre e louvável. - Assim será. Mas, pois que tudo é relativo, a sua obra, neste momento, é tão pouco a recomendar que até está sob a alçada do código. - Sendo certo que o porvir me dá razão, demonstrado está que a lei é absurda. Mas ouça. . . Suponha que sou possuidor de um anel de ouro, esculpido, vá, um anel maravilhoso, raro, que andasse nos dedos da rainha Semiramis. Suponha ainda que lhe avaliei os quilates; o pesei até o mili­ grama; lhe fixei os enfeites até a beliscadura imperceptível do buril; lhe copiei a cor, e fundi ou lavrei um segundo, tão igual a ele como duas gotas de água são iguais. Posto isto, pego no anel paradigma e derreto-o no cadinho. Por que não há-de o meu segundo anel ser para todos os efeitos o anel da rainha Semiramis? - Por que não foi esse que lhe andou nos dedos. Materialista, como é, não compreende o que de espiritual comunicaram à j óia os dedos reais. - Não compreendo, de facto. Para mim existem formas, e não espíri­ tos. A minha única realidade é essa; fora dela, tudo é convenção. - É o seu critério! O pintor das obras-primas foi à parede e despregou dois retábulos. Colocando-os em duas cadeiras, apoiados contra a espalda e em boa luz, disse: - Estes dois retabulozinhos forjei-os eu integralmente de acordo com o tema, a técnica, o estilo e até os materiais de dois mestres: Pisanelo, um assombroso pintor do século XIV; Sano di Pietro, pintor menor da escola de Siena. Deste Pisanelo, de que o Louvre possui o retrato de uma princesa da casa de Este, e o British Museum um lanço da Legenda de Santo Eustá­ quio, perdeu-se a obra capital; deste S ano di Pietro existem fragmentos da Legenda de S. Jerónimo, no Louvre. Que faço eu? Estudo-os a fundo; analiso-lhes à lente o colorido e a touche; tomo nota da madeira que empregaram; o monge Teófilo no Tratado das várias artes; Eraclius no Coloribus et artibus Romanorum, o próprio Leonardo de Vinci ensinam­ -me superabundantemente que espéciue de aviamento se usava nas tábuas de pintar; conheço a pintura à têmpera, única antes de Van Eyck; abro o meu Ribadeneyra e vejo a vida de Santo Eustáquio para o Pisanelo, a de S. Je­ rónimo para o Sano di Pietro. Escolho os episódios que não estão repre­ sentados, porque se perdessem talvez, e, assim habilitado, com tintas amas­ sadas por mim, em tábua idêntica à que empregaram, roubada a um mamarracho qualquer se me é possível, transporto as figuras, as paisagens, as cores, os módulos dos dois mestres, tudo condicionado, bem entendido,

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pelo movimento da acção que vou descrever. Olhe para este Pisanelo: é o desenvolvimento do retábulo de Londres, de acordo, ainda, com a Ginevra de Este do Louvre. Vej a o Sano di Pietro: faltava o episódio do burro, roubado pelos ladrões; aqui está com a graça cândida e saborosa, a frescura juvenil do miniaturista. Por que me não seriam agradecidos Pisanelo e Pie­ tro, pois que ressuscito a sua obra morta, com tanta fidelidade? - É uma doutrina especiosa. Não representa essa arte um logro à credulidade do próximo? - À cobiça do amador, que é diferente. P ois se eu satisfaço todos os requisitos exigidos no Pisanelo e no Pietro, o anedótico, o estético, o mate­ rial, por que não hão-de valer como tal? - Toda a discussão entre nós seria vã. O veredictum contra essas práticas depende do prisma em que cada um se coloca. S o b o ponto de vista moral, não têm defesa. Está o amigo rico? - Pobre como 1 ob. Enriquecem os marchands de tableaux, que lan­ çam mão de todos os pretextos para aviltar a importância desta espécie de trabalhos. Tivesse eu uma loja na Avenida da Ópera e em poucos meses seria milionário. Deste jeito não ganho mais que o rapin que vende do que faz e assina. O que vale é o amador extraviado que aqui vem bater . . . - Saem daqui todos os antigos mestres?! - Em princípio não há pintor que não seja susceptível de contrafacção. Mas os pintores são como os géneros de mercearia; alguns são dificil­ mente imitáveis. . . os G oya, os Rembrandt, os Leonardo . . . S e lhe quisesse comprar este Pisanelo, quanto pedia? Não tem preço. Porquê? É uma encomenda. Fabrica outro . . . E u lhe digo, este Pisanelo não s e vende porque é verdadeiro. Verdadeiro? Como o S ol que nos alumia. Espanta-se? Aqui para nós, com a fingida falsidade do Pisanelo faço acreditar como autênticos o falsíssimo Morales e outros. Aí está e não diga nada. - Nesta Babel de ardis e de astúcias, onde está a verdade? - Está em toda a parte e em nenhuma parte, onde o senhor quiser. A Beleza é uma coisa intrínseca, in se; o resto é ilusão. Muito do que há no Louvre era suspeito; já não o é. Muito do que há por essas galerias da Europa era falso como Judas; está criando foros de genuidade. A minha obra é burla pura; quando os meus falsos estiverem a decorar as salas do Rei do aço e do Rei dos presuntos, quem ousará afirmá-lo? Com mentiras fabrica o homem as suas verdades; e o extraordinário é que com as verdades alcança menos do que com as mentiras. Tudo é artifício da inteligência! ILUSTRA ÇÃO, 16-6-1929

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CRÓNICA DA QUINZENA Têm ouvido falar da crise do cinema?. . . Com certeza que sim, como têm ouvido falar da crise vinícola, da crise dos cereais, da crise da ordem, da crise europeia, da crise de todas as actividades e indústrias que se exercem prosperamente à superfície da terra. Há crise no cinema, porquê? Algum tanto porque o teatro e o music-ha/1 se obstinam em reter nas suas plateias uma dúzia de espectadores incorrigíveis; porque a literatura novelesca, a doze francos o romance, ocupa ainda parte dos ócios da costureira, da bela madame quando não recebe ou não viaja de automóvel, das pessoas de mais de quarenta anos, que beberam os ventos intelectuais do século XIX, e do homem de paz e de bons costumes; porque há ainda gente para ouvir um recital de órgão; para moer a noite nos cafés; para j ogar a bisca; para deambular nos boulevardes, e para deixar ao tempo, ao velho calvo que desliza, pés descalços, sem se ferir, pelo gume da navalha de barba, o cuidado de matar o tempo. O cinema desejaria o império absoluto, esga­ nando de uma vez para sempre o teatro enfático � o teatro brejeiro, a literatura recreativa e a lírica, a enervada e inócua pasmaceira, a tertúlia e mais dispersivas e anacrónicas atracções do homem civilizado. Para isso abriu salas em cada rua, em cada vila e aldeia, e os studios elevavam-se ao aparato e grandeza de imensas e poderosas fábricas. Cabe lá o mundo todo, como antigamente nas catedrais; Chaplin, Douglas Fairbanks, Pola N egri, Mary Pickford, são os ministros do culto novo, mais enfeitados de dotes físicos que os deuses do Olimpo. As receitas são colossais . . . e todavia não basta, não é tudo. Porquê? Na América, para contrabater o crescente retraimento do público, criou-se o filme sonoro. Ficou coisa tão sincrónica e perfeita como o teatro; mais do que cena, possui o movimento sem limitação de espaço e a mutabi­ lidade contínua do meio. Uma fita custa somas fabulosas. Estudam a 97

maneira de lhe associar o j ogo de volumes e de cores e não será já uma interpretação da vida mas um traslado da vida como se nos depara a cada passo na jung/e da sociedade moderna. Os empresários de H ollywood, esperam assim prender o espectador, ou antes, criar o hábito do filme, tornando-o tão fisiológico ou inveterado como o de tomar a chícara do café, lavar a cara, ir à missa, ver as horas. Embora tal esforço tenha pelo mundo uma feliz repercussão, obrigando cada país a ter o seu cinematógrafo nacional ou a não ter cinematógrafo nenhum, parecem-me pouco psicólogos os americanos. Nada mais enfado­ nho e mirrado que a arte com "três dimensões". O homem bocej ou e boce­ jará sempre na ilha de Calipso, isto é, ante a perfeição. Nada mais empolgante que o mistério, nem mais envolvedor que o inacabado. O segredo de muitos encantos está nisto, senão apenas nisto. Quando o cinema perder o mistério que lhe vinha do silêncio das suas personagens; quando estas falarem, impedindo o espectador de falar por elas para com os seus botões; quando destacarem do transparente, angulosas e verticais como na rua; quando se colorirem com a cromática toda que resta à imagi­ nação do espectador, à sua inteligência, ao seu papel de anónimo com­ parsa? Que fica lá dele nessa cópia ipsis verbis da vida dos outros? O cinema, nessa altura, tornar-se-á uma arte aberta, sem limbos, monótona como um aquário e prosaica como a Vénus de Milo com braços. Porven­ tura reconquistará a clientela, mas não mais ilaqueará os delicados como ao tempo em que era o monocórdico desenrolar de uma historieta. Como forma de arte terá vivido. Devassada, ao alcance do vulgo, que lhe conhe­ cerá todos os trucs e quindins, sem vago, sem indefinido, cumulará as aspirações mentais das grandes massas. As letras, o teatro, que nunca per­ derão o seu quê de factura hermética, voltarão ao fulgor e engodo antigos, e será um lucro contra um prejuízo na balança do progresso humano. Nos últimos tempos o maior inimigo do cinema europeu, aparte o russo, que nunca pactuou com o gosto do público, sabemos nós que não era a concorrência dos �mericanos, mas a sua soporífera e desoladora ba­ nalidade. Neste particular, os franceses tinham a palma. O espírito dos seus filmes roçava pelos romances de Georges Ohnet, Dekobra, e as pachocha­ das de Labiche. Ainda quando adaptaram Stendhal ou Zola, não perdiam de vista o padrão. Em conformidade haveria que rebuscar a influência social do cinema francês no sentido das ideias e das paixões expostas por tais autores. Que ela seja superior à da escola, se sobreponha às forças tradicionais, é temerá­ rio inferi-lo pelo balanço de uma geração, que a tanto atinge a idade do cinematógrafo. M as esse figurão que para aí corre, desmiolado como um frango e vistoso como um uistiti, que não tem outro ideal que gozar a vida, que não orienta a sua acção para outro objectivo que enriquecer, precoce98

mente vicioso, decerto que foi paraninfado pelos Rodolfos Valentinos do écran. Da mesma maneira a menina moderna aprendeu o ar andrógino, os ademanes, os tics das stars célebres. Foi o cinema que introduziu em Portu­ gal o beij o à pleine bouche, beij o de que nunca falaram os romancistas mais perversos e que encheria de horror as velhas gerações de tias educadas nos recolhimentos de freiras. De certo o cinema foi por outro lado um agente de democratização por excelência; casamentos de businessman com a dactilógrafa só o filme ameri­ cano ousou romanceá-los; igualmente, amores de príncipes e de pastoras ou de pastores e princesas, depois da novela bucólica do século XVI, tinham caído em desuso. Até certo ponto o cinema ensinou ainda o desprezo do perigo e o culto das belas formas, o que foi, fora de dúvida, uma virtude, mas criou um tipo de galã, parado, cara dura, pobre de ideias, rico de rastaquouerismo e uma forma de elegância yankee glabra, fatal, que esca­ pou aos estetas de todos os tempos, e nos nossos climas europeus só pode ser envelope de aventureiro ou mariola. Estes tipos têm provocado o deses­ pero e a queda de muitos Celadons e de muitas Ofélias, desmanchados da sua inclinação pelo paradigma raro da beleza cineasta. Foi ao serviço da cultura geral um óptimo veículo, de modo que seria absurdo condená-lo em nome da moral. A moral que ele propagou sim, é que é condenável. Mas não se afigura a ninguém que pronunciamos aqui o panegírico de uma arte morta. O cinema entra, apenas, em nova fase, da qual somos, em nossa consciência, maus augures. Quando uma arte assim transborda sobre as outras, tentando escravizá-las, e a sua técnica atinge o ponto morto do apogeu, não tarda que decline. Ultimamente exibiu-se nos Campos Elíseos uma companhia italiana de marionettes. Eram estas prodigiosas de movimento, dando quase sempre a ilusão da vida. Faltava-lhes para serem actores como na Comédie ou na Opera a estatura. De resto, mímica, jeito, andar, vozes, eram duma simili­ tude flagrante. Ao fim, perguntava-se ao espectador: é isto o Guinhol? O Guinhol, com o Roberto espertíssimo e o gendarme amachucado à pan­ cada, eram outra coisa, figuras toscas, com movimentos sintéticos, falando pela garganta roufenha do pantomimeiro. E, todavia, este palco de bonecos, manobrados por grossos cordéis, tinha mais encantos que o sábio teatro dos piccoli dos Campos Elíseos. E lembra-me aquele episódio de Petit Pierre quando, de manhã na cama, com os cinco dedos rep resentava as farsas maravilhosas e imaginati­ vas de uma companhia inteira de saltimbancos. Um belo dia, lembrou-se de caracterizar o seu elenco, desenhando olhos, narizes e bocas nas cabeças dos dedos. E foi o desastre. Os figurantes desapareceram para nunca mais do tablado mágico de Pierre. ILUSTRA ÇÃO, 1-8-1929

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O "P A YS BASQUE" De Biarritz a Saint Pierre d'lrude, vales banhados pela Niva, a Nivelle, a Bidouze, o Adur e montes interpostos, estende-se a terra vasca francesa. Verde, dum verde inquebrantável, cortado de longe em longe por uma jeira de resteva, é o habitat de uma raça, cujas origens são mais discutidas que a descoberta da América, e cuj o idioma, não menos misterioso, dizem uns ser a língua-mãe da Ibéria e outros ainda, não menos sisudos, a vera língua de que se serviu o Padre Eterno nas suas relações com os terreanos. Euscara lhe chamam, e impenetrável ao filólogo, embora educado em línguas cultas, sente-se nela a doçura do italiano e a sonora ênfase do espanhol. Talvez muitos termos portugueses, cujos étimos se ignora, se devam filiar neste idioma singular, que tem resistido vitoriosamente à investida de duas lín­ guas poderosas e absorventes como o castelhano e o francês. Khadera, zoratu, sega, serrat, pena (rochedo), barrancouaou, etc. , têm na sua identi­ dade ou leve variante gráfica a mesma significação que entre nós. Talvez que os etnólogos não perdessem o tempo estudando no lexicon vasco a origem de muitos nomes geográficos portugueses, até esta data des­ conhecida. Parece averiguado que o povo vasco é o último representante das populações primitivas da Europa Ocidental. Foi ele o único que conseguiu furtar-se à influência do mundo latino, conservando seus foros, os seus usos e costumes, a sua independência e a sua linguagem própria. A montanha perservou-os do godo, do árabe, do senhor feudal, e de toda a sorte de dominadores. Antes do princípio democrático governar os povos, tinham eles instituído a comunidade. Todos eram iguais; o mesmo direito, idênticos privilégios regiam pobres e ricos. Ainda hoje não é vã a pergunta neste cantão: como e por onde se distingue o plebeu do fidalgo? Ligados pelo 101

mesmo amor à independência, o nobre, com solar de roca, e o cavador, com a sua casota de empenas de madeira e vertentes desiguais, sabiam igual­ mente manejar o arco e a laya. Através dos séculos comportaram-se nas portelas dos seus montes como guerreiros acossados no castelejo. Porven­ tura os Pirenéus tenham sido a derradeira fortaleza da grande raça. Ainda hoj e guardam os seus cunhos de nobreza: imponência, lealdade, valentia, e até uma religião severa e exaustiva. Na dança, na poesia, nos j ogos, são eles, caracteristicamente eles. Em Mauléon baila-se como não se faz no resto do mundo; nas suas pastorais andam associados os deuses do Olimpo e os santos do calendário; de chis­ tera em punho, remetendo a péla, na corrida, no j ogo da barra, lembram os gregos pelo culto que votam aos exercícios de força e agilidade. As mulheres não são feias, se bem que alheias à garridice; a sua cor predilecta é o preto. São, em geral, trigueiras e medianas de estatura. De fisionomia extremamente móvel, seu perfil é em regra vertical, nariz romano, testa direita, mandíbula curta e robusta. A capital da terra vasca é Baiona, nunquam polluta, reza o brasão, no que condiz com a filáucia dos habitantes. Cortam-na em retalhos o Adur e a Niva. À boca da estação cresceu o bairro do Saint-Esprit, com seus judeus portugueses e espanhóis, tendo-lhe dado o nome um templozinho de telhas vetustas e pedras a esmiolar a velhice, bem como à ponte, a várias tendas e estaminets e ao hotel que, para serviço dos curas e dos paroquianos dos subúrbios, assoldadou um batalhão de raparigas novas, indumentadas de branco, ao mesmo tempo espanholas no donaire e francesas na graça. No tope do largo tem este mesmo hotel uma sucursal e vêem-se nas suas vestes de linho ir e vir ligeiras e buliçosas, como sacerdotisas exercendo, por turnos, um amável e secreto culto. E sej a magia da palavra, seja obséquio das coisas ao augusto nome, há ali um cheiro de catolicidade, mais que o relento trazido pelas sotainas, mais que o halozinho de sedução que irra­ diam as mocinhas, todas, por certo, filhas de Maria. E é como se o bairro, coalhado de hotéis e casas de pernoitar, sob a égide do Paracelso, realize a fusão da sacristia e da alcova, o limbo sacro-profano do país vasco, igual­ mente ardente de sangue e de religiosidade. Rolando grandes massas de água, vem o Adur em recta desde a ponte do Caminho de Ferro, cujas aspas formidáveis e o duplo galão dos arcos aéreos contra talham os fundos opalinos dos montes de M uguerre. De curso orientado ao sabor da luz, as suas águas reflectem como um espelho a rosa do sol, as nuvens fugazes, o próprio voo das garças. Obliquando, reluz a Niva, por entre quarteirões de casas, no Quai des Basques, onde os prédios, apertados uns contra os outros, lembram infólios numa estante, no Quai de l'Entrepôt, com gelósias e reixas versicolores a cantar ao sol como nos Canaletos, na ponte de M ayou, a que o hotel de Bréthons, varandins de ferro forjado, cachorros e torsas de portais em fina lavra, dá o encanto, um

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pouco melancólico, dos estilos reais desaparecidos. E Adur e Niva, estrei­ tando os muros abalaustrados do j ardim do Reduto, em ponta como a quilha de uma nave, confundem-se, mal soluçando, mal balouçando as embarcações no seu oiro liquido de que se exala uma fumarola muito ténue de âmbar. Fragatas sobem e descem o rio, a vela panda pelo vento do mar, à popa os tripulantes landeses, de cara e mãos cortadas à enxó em cerne negro. Gaivotas adormec�m ao lume de água e parecem ninfeias flutuando. E na grita, na faina, num ou noutro gesto de navegante, renascem as so­ noridades do tempo da pirataria. Da banda de lá do arrabalde do Saint-Esprit, a casaria empilha-se com ruas perpendiculares que parecem acompanhar o movimento dos transeun­ tes a descer para a ribeira. Cunhais escuros de pedra, empenas envicilhadas nas empenas, persianas de mil tons, cumieiras de variado ângulo, e, ao alto, as flechas da Catedral, enfrentando a cidadela de Vauban, coroa maciça de bronze. Ao fundo do Château Vieux, timbrado pelos leopardos britânicos e pelos lis de França, a todo o correr do Adur, o verde do arvoredo e o gris-pérola das águas compõem à cidadezinha como que um caprichoso e variegado roda-pé. Pelas noites estivais, nos cafés da Praça gemem harpas e violinos; o burgo não escapa a esta fisionomia de hipersensibilidade que a luz eléctrica dá à conglomeração humana depois de fechados os armazéns; as alamedas marginais figuram espumosos bulcões de sombra; as luzes dos navios, das pontes, dos cais reflectem-se na água trémula, e tem-se a impressão de que a cidade, todo o trecho claro-escuro da cidade, assenta sobre frágeis e .ver­ guias estacas de oiro. ILUSTRA ÇÃO, 1-9-1929

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CRÓNICA DA QUINZENA De um moço de boa família e boas letras, que, pelo gosto da aventura, desertou a casa paterna, ouvi estes trechos de odisseia ao chegar há dias a França: "Prenderam-no como anarquista na fronteira e, mercê das boas graças de um aguazil que lhe apalpou o bolso, restituíram-no condicionalmente à liberdade. Até chegar o passaporte, foi-lhe dada por menagem a fonda do Manolo, cheia de moscas e de carabineros. Ali aboloreceu dois longos meses à espera do documento que, com intenção amical lhe embargavam na sua terra, consumindo consigo e com o amigo o pecúlio que trouxera. Dirigido por conselhos daquele, quando já não podia pagar mais ceias e copitos, encontrou-se uma tarde de Julho, a marchar para lá do primeiro pueblo, em caminho deserto, interminável, sem árvore nem forite, riscado num saibro sanguíneo e quente como lava. A sua espalda, ficava a terra ondulosa e vestida de verde sob um céu azul e fluido - a sua terra. Diante, estendia-se a planura rasa, cega a fitar os fugazes horizontes, da cor de ocre, restolho ou ilhéu de seara, sob a tremulina diabólica da canícula - a terra castelhana. Mas fechou os olhos, couraçado em sua alma contra tudo o que não fosse a estrela interior que o guiava. Arredando-se cada vez mais do itinerário internacional, tamborilava­ -lhe com o rijo sol o sangue nas têmporas tumefactas, e a boca, na concreção da sede, era uma coisa fétida, coriácea, insuportável, a corroer e a martelar. À s duas bandas, na trabuzana das ceifas, via reluzir o lume das foices e as vestes brancas dos segadores. Vontade teve de se dirigir a um dos ranchos a pedir uma gota de água, a água que nunca faltava nos andurriais da sua província, a cantar na bica de pedra, ou a correr mansa, meio sonâmbula, 1 05

das fontes, entre rochedos. Mas a sua cobardia perante o mundo desconhe­ cido que há no homem, nos costumes, nas coisas da terra estrangeira, reprimiu-o, caminhando mais além. Quando, depois de grande tortura, chegou a uma aldeia, destas enor­ mes aldeias castelhanas, de balbúrdia e de silêncio intercadentes, com a igreja ao alto, tão monstruosa que as casas, de longe, parecem aj oelhadas em redor, estirou-se como morto à sombra de uma parede. Por ele passa­ ram labrostes de figura velazquenha, secos, de brilhante e rápido olhar, mulheres da jorna, caídas de um retábulo das alminhas do Purgatório, chicos tisnados, tagarelas e pinchões. E ninguém se importou com o monte de dor e de idealidade, a rastos na terra nua. À s moças que voltavam de cântaro à cabeÇa pediu uma sede de água e, ao contrário da usança bíblica da sua terra, lha negaram, apontando com gesto expedito na direcção do poço: - Vaya usted aliá! Mas baixou a tarde, arrefeceu o ar, de tempos a tempos trazido nas refegas do vento, como baforadas de um forno, o hálito adusto da planura. Na taberna, a matar a fome e a sede, gastou a moeda de trocos de que se não aproveitara o mentor. Não davam para a dormida as perras restantes e, cabisbaixo, se foi dali. Outra vez se viu sozinho entre céu e descampado. Quando o luaceiro do pueblo se fundiu com as tintas do escurecer, quando os rumores se desvaneceram de todo na lonjura recorrida, sentou-se na ribanceira do caminho. Quebrantado do corpo, mas resoluto de ânimo, muito tempo esteve a cismar. Quando ergueu os olhos, o céu tinha enflorescido; e de lés a lés, o livor sidéreo envolvia a terra, e nos longes, nas linhas dos trolhos, na mais leve bossa do solo, na condensação visual do ar, todas as formas se erguiam e apagavam. De repente, a doçura inebriante, indizível que sentia, definiu­ -se. Eram os aromas, os mil aromas da estepe que, ao bafo nocturno, se erguiam voláteis das touceiras queimadas pelo sol, e boiando, o penetravam numa ablução voluptuosa. Desatavam-se de todos os arbustos humildes, escapos à foice, ou medrando à beira dos cómoros, o codeço, o rosmani­ nho, a vela-luz, a lavanda, a luzerna, a anémona silvestre, o mentrasto, como de poros secretos, luxuriosos, da terra áspera. Mas sobre a deleitação paradisíaca dos perfumes, um ralo começou a solfejar magoada cantilena. S olfej ou, e ouvi-lo foi-lhe grato como senha de simpatia universal de vivente para vivente. Por cima da toadilha, da suspensão aluvial dos bálsa­ mos vegetais, o silêncio esposava a terra sob o velário das sombras. Era a noite, a noite sensual e profunda da planície castelhana, cantada por Frei Luís de Leão. Quando despertou, cucuritava a calhandra no restolhal. Caía um rocio muito fino e álgido e transmudava para violeta o palor da luz. Estava a 1 06

romper a alba e, pegando do saquitel, e batendo os pés entorpecidos, se pôs a caminho, mais além. A impressão que lhe causou ouvir os seus passos, cortando a imponde.,. rável mudez, foi-lhe estranha e azougadora. Ouvia-os, como se estivesse fora de si p r óprio e pareciam-lhe destituídos de sentido, sem conexão com um corpo humano em marcha. Tinham, além disso, o seu quê de absurdo e contranatural na absorta e misteriosa planície. Eram um desafio à terra, àquele cadáver de terra, sem um arroio nem uma sombra. Projectavam-se num ritmo discorde, e a sua bulha soava falso na nave circunferante, ador­ mecida. Não eram próprios daquelas ravinas, abertas pelos aguaceiros e pelos carros góticos, nem daquele barro ensanguentado, retráctil a tudo o que não seja casco de muar e tamanco de brocha. E, ainda fora de si, como charro em seu bardo ou bufarinheiro puxando o jumento por atalho paralelo, se dizia: - Ali vai desgarrado. Mas no firmamento foram desfalecendo as estrelas, esvaindo-se os incensos, rareficando-se, e viu galgar por cima dele, como rebanhos de ca bras bravas, a galope para os confins do planalto, os bulcões negros da noite. A implacável horizontalidade da terra foi-se alargando em sua ama­ relidade e secura. Também ali nos ermos o dilúculo da manhã entornava suas represas de açucenas e cravos brancos, e a terra alvorescia como uma noiva. Por cima dele passaram corvos grasnando e figurou-se ouvir-lhes dizer, guturais e soberbos: - Castela! Castela! De facto trilhava o chão de Castela, onde não quedou romano, nem godo, nem moiro, inquebrantável o fero homem, como certas ervas mani­ nhas que, pisadas, mal se levanta o pé, se endireitam logo. Semente de cão e lobo, ali medrou a cepa mais agreste do género humano, para glória dos céus e dos infernos. Nada a abalou, a alma cavada pelo vento, pelo sol, pela neve em rugas fundas, mais vinculada à terra que a rocha dura. Levado, tupa que tupa, na sua febre, repentinamente ouviu atrás de si uma gemebunda p/ayera. Voltou-se: era um homem que vinha tropicando no burrinho e a cantar. Pequeno e redondo, quase escondido pelas orelhas descomunais do azemel, só Sancho Pança voltando elegiaca,mente da Ilha de Barataria, rasgada a carta de realeza. Mas o homem, sentindo desperta a atenção do caminheiro e alvoroçada, porventura, a imaginação trágica, calou a cantiga e encostou o asno para a rampa, afrouxando-lhe o trote. E, as órbitas negras de moiro a nadar em branca de ovo, todo em guar­ da, picou à frente. Numa tasca propôs a venda do relógio que levava e era de prata. Abanou a cabeça o taberneiro, desconfiado. Mas, ouvindo-lhe o tiquetaque esperto, vendo-lhe os algarismos barrando de sable o campo branco, admi­ rando o ponteirinho dos segundos a rodar faceto como um gnomo, de 1 07

engenho trivial, traduzindo contudo uma civilização e contendo o seu quê de maravilha para olhos leigos, o homem se deixou tentar. Comeu e bebeu, e fiado na aragem enganosa se pôs a caminho, mais além. S entiu depressa a mordedura do sol e, a fugir-lhe, estugou o passo. Diante dele, desdobrava-se a campina invariável, monótona, mais direita que a palma da mão, cortada pelo macadame como por um gilvaz. Nem folha, nem lume de água. Mas a todos os pontos do horizonte erguiam-se os rolheiros de trigo como zimbórios doirados. Ranchos de segadores abatiam os últimos retalhos da messe, e seus espanejamentos claros punham efusivo alvoroço na terra siderada. Pontuando caprichosamente a paisagem, aque­ les morriões de palha tinham a magnanimidade de dar sombra, mimo raro nos trilhos de Castela. A roda do meio-dia, em sítio onde não havia gente e reinava a paz inconsútil dum mundo morto, acolheu-se a uma dessas sombras providen­ ciais a repoisar. Sob a brasa da canícula vibrava o ar, muito branco e ágil como chama de álcool; ao largo, para lá do mar de fogo do primeiro círculo visual, havia um mar de sinopla e cinza, até a confusão de céu e terra num fuminho baço. Feria a vista o espelho ofuscante dos horizontes e, fechando as pálpebras, o ouvido ocioso sentia o rechinar das paveias, as convulsões sedimentares do húmus, e perdida, agónica, como um suspiro, a cantilena duma cigarra. E a voz flébil fê-lo reportar à terra portuguesa, com a poupa, o cuco e o marantéu, dentre os carvalhais a cantar j ovialmente sobre a calmaria brava. E da contemplação deliciosa, resvalou num reconfortante quieto sono. Ainda o sol da tarde abrasava, meteu-se novamente a caminho. De rota batida, indiferente ao panorama sempre o mesmo - rolheiros cónicos ou em redondo, planura estiolada, horizontes sequiosos - marchou, mar­ chou, vergado, olhos em terra, como se motor invisível fosse à frente a puxar-lhe o cadáver. E nessa noite deu-se o regalo de uma enxerga depois de cear um prato de gravanços e meia garrafa de vinho; Ainda os galos não tinham salvado à madrugada, já ia povo fora tropeçando. Estava ansioso por sair daquele inferno, e punha raiva e denodo em caminhar. E o seu drama, nos dias seguintes, repetiu-se invariá­ vel, monótono, um passo igual a outro passo, como a própria natureza castelhana. ILUSTRA ÇÃO, 16-9-1929

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CRÓNICA DA QUINZENA Curioso e projectando, porventura, luz nova sobre mais de um aconte­ cimento da história de Portugal é o Recuei/ des lnstructions, dadas aos embaixadores e ministros de França na corte de Lisboa, publicado sob os auspícios da Comiss ão dos Arquivos Diplomáticos. Se alguém quiser fazer uma ideia do que é a diplomacia secreta lance os olhos so bre este livro. Embora Portugal deixe, a partir da segunda metade do século XVIII, de pesar na balança das nações, como observa Frederico o Grande, o seu favor político, comercial sobretudo, é disputado tenazmente por uns e outros governos estrangeiros, servindo-se para os seus fins de todos os meios, a intriga, os agentes recrutados, mediante pingues honorários, na melhor sociedade, a corrupção, o dolo, a astúcia, e mais processos subtis aconselha­ dos no Príncipe. Certos destes emissários franceses levavam ordem de pro­ meter tudo, contanto que ficasse aberta uma pequena e invisível porta falsa por onde se pudesse escapulir ao cumprimento das obrigações contraídas. Todos serão previamente elucidados sobre a índole dos portugueses e o ministro não terá rebuço em minutar de sua mão que é mister ex p lorar-lhes a natural p rosá pia, contentar-lhes a imaginação e lisonj ear-lhes o amor p ró p rio meridional segund o os termos de Richelieu. "A maneira mais eficaz - dita Hugues de Lionne, ministro dos Negó­ cios Estrangeiros, ao marquês de Saint Romain, enviado como embaixador a Portugal em 1 666 - de atalhar as negociações com Espanha é soprar a vaidade dos portugueses - pois que este é o seu fraco - insinuando-lhes delicadamente que seria deslustre irreparável para eles, aos olhos das outras potências, se chegassem a negociar com a Espanha em condições que não fossem as do Estado para Estado e as de rei para rei, em postura de 1 09

dependência ou subalternidade. Deverá fazer-lhes ver quanta glória não alcançaram perante o mundo na sua intransigente atitude adoptada para com a corte romana aquando do litígio da nomeação dos bispos e do direito que assiste aos portugueses de elegerem rei, em contra do que suce­ dia outrora, sem o prévio beneplácito papal. . . Por outro lado, como para os espanhóis seria mais doloroso que arrancar-lhes os dentes verem-se coagi­ dos a rebaixar o orgulho e alto crédito da monarquia, tratando de igual para igual com um povo súbdito rebelado, tudo leva a crer que tal pomo de discórdia, sendo habilmente j ogado e aproveitado, poderá por si causar o rompimento das negociações ou, pelo menos, erguer tais obstáculos à sua conclusão que, dado que é próprio dos negócios deste mundo não se conser­ varem por muito tempo no mesmo pé, qualquer incidente de nada pode contribuir a que dêem em vasa-barris as boas intenções das duas partes". A monita é arrevesada de forma mais subtil de pensamento. Tratava-se de impedir o tratado de paz entre as duas nações peninsulares a bem das armas de França, empenhadas contra Espanha na Catalunha e País�s B aixos. Ma s , além deste passo, a cada h ora se ouvirá a voz de máitre- Renard,

melíflua, capciosa, lisonjeira, ao ouvido do rei, da rainha, dos co nfess o res do rei e da rainha, e cortesãos influentes. Nem sempre os portugueses escutarão até fim, com mesura e circuns­ pecção, a palinódia farisaica. Basta que esteja à testa dos negócios um conde de Castelo Melhor para o enviado de Mazarino, marquês de Choup­ pes, arquivar esta resposta altiva: "Sabemos muito bem o que temos a fazer e não precisamos dos conselhos da França para nada. A nossa resolução está assente; não lhe dêem cuidado os espanhóis; temos forças bastantes não só para lhes não deixar pôr o pé na nossa terra, mas para os levarmos cinquenta léguas diante de nós, a toque de caixa." No Marquês de Pombal encontrará o cavaleiro de Clermont d'Am­ boise um político de alta escola, avisado, culto, matrei ro, para quem os ardis e tramas da diplomacia são leitura corrente e sabida. Injustos e por isso mesmo indículo certo da envergadura do marquês estes traços com que o duque de Choiseul o desenha para uso do plenipotenciário: "É um homem de carácter duro e imperioso. Deixou em Londres e em Viena reputação de criatura ordinária, sem nenhuma espécie de superioridade, e não consta que se tomasse de simpatia especial por alguma destas cortes. É certo, porém, que menos favoráveis são as suas disposições para com a França e a Espa­ nha. Falso por índole, compraz-se no exercício do poder absoluto e arbitrá­ rio. Altivo por temperamento, não suporta a contradição, mas é susceptível à lisonja e às deferências que lhe testemunham, e sendo este o seu calcanhar de Aquiles, por aqui se deve tomar. O cavaleiro de Amboise pautará, em conformidade, as suas relações com o conde de Oeiras, evitando com o maior escrúpulo que chegue a suspeitar da desconfiança que temos, sobrada razão para conceber sobre a lisura dos seus processos. De contrário, seria 1 10

feri-lo na presunção e todo o nosso valimento iria pela água abaixo. Sejam quais forem os seus princípios de moral e as suas máximas em política, recomenda-se, a bem do serviço de el-rei e do êxito da missão do cavaleiro de Amboise, conciliar, se é possível, a amizade e confiança deste ministro, canal único e necessário pelo qual correm todos os negócios da corte de Lisboa." Este rápido e grosseiríssimo perfil, a dar-se à linguagem diplomática a condigna interpretação, mostra bem o estofo do primeiro ministro de D. José. O gabinete de Versalhes detestava-o porque, mais de uma vez contra a França, teve de defender com denodo e até arreganho os interessei e brio de Portugal. Saint-Aymour, que fez a compilação destes documentos no Quai d'Orsay, comenta deste modo as referências menos lisonjeiras ao marquês: "A queda do grande ministro foi para Portugal o pior dos desastes; quando morreu aos oitenta e três anos podia dizer da sua terra o que o cardeal Alberoni disse da Espanha ao deixar o poder: Portugal é um cadáver que reanimei; desapareci, voltou a deitar-se no túmulo." Um dos períodos da história de Portugal em que a intervenção de agentes franceses se torna notável é o que antecede a revolução de 1 640. Desde 1 629 que Richelieu prestava ouvido atento aos sobressaltos de Por­ tugal. Por via de regra, os seus espiões eram recrutados nas ordens religio­ sas, a capa de santidade preservando-os melhor que qualquer atavio da suspicácia dos portugueses. Em 1 63 8 despacha aos nobres, que conjuravam em volta do duque de Bragança, o cavaleiro de Saint-Pé, o qual por sua vez delega noutro, não se sabe por que carga de água, a melindrosa embaixada. Nas instruções que lhe foram dadas, dizia-se: "Veja se os portugueses estão resolvidos a revoltar-se ou não. Caso afirmativo, a França compromete-se a socorrê-los com um exército de doze mil homens de pé, quinhentos cavalos, quinhentos homens com selas, armas e pistolas, para equipar em terra portuguesa, e uma frota de cinquenta navios. A França nada exige em troca deste auxílio; as conquistas que se façam reverterão em benefício do rei. Quer assim o duque de Bragança? Se quer, quer; se não, manda-se aos portugueses um descendente dos seus últimos reis." As hesitações do duque de Bragança começavam a enfadar não só Richelieu como os portugeses. Os conjurados falaram até em proclamar a República no molde da dos Países Baixos. Pinto Ribeiro, a quem mais tarde D. João IV havia de dizer: "Que pena eu tenho que sejas plebeu para te poder recompensar", mercê da sua palavra persuasiva, conseguiu dissuadi­ -los deste intento, argumentando, porventura, com as dificuldades em que iria esbarrar um regime tão pouco a gosto da Europa ferrenhamente monárquica. De longe, ao que transparece dos documentos publicados, mantinha Pinto Ribeiro entendimentos não só com o duque de Bragança mas com Richelieu, por intermédio de um certo Broual, francês estabele­ cido com loja de joalheiro em Lisboa. 1 11

Na estranha odisseia de Casimiro da Polónia, irmão do rei Ladislau, querem os entusiastas de Richelieu ver a solicitude com que ele cuidava do problema de Portugal. Aquela personagem fantástica, que foi sucessiva­ mente soldado, jesuíta, cardeal, general dos cossacos, rei da Polónia em seguida ao irmão, e que devia morrer amortalhado na túnica de monge, teve a veleidade de ir governar Portugal por conta de Filipe III. Seria chamado a este posto por confiança do rei de Espanha, feliz de encontrar no condot­ tiere, pau para toda a obra, um príncipe de sangue, disposto a tiranizar em seu proveito um povo oprimido mas não resignado? Ignora-se. Os misterio­ sos projectos do aventureiro foram divulgados, tanto que a Gazette de France publicava ao tempo a informação seguinte: "O príncipe Casimiro partiu de Varsóvia a caminho de Viena, daqui seguirá, por Itália, para Espanha, onde espera ser nomeado vice-rei de Portugal." Infaustamente para o aventureiro, Richelieu p ôs-lhe espiões à perna mal pisou o solo de França. Tendo-lhe dado na fantasia para visitar os portos de guerra, foi preso em nome do rei e encarcerado no castelo de Vincennes, onde descansou por longos meses, não obstante as súplicas, as ameaças, e a intervenção do mano, dos projectos ambiciosos. A essa altura murmurava-se pelas cortes da Europa que, havendo sido desligado Filipe IV das promessas feitas pelo avô ao subir - ao trono português por uma assembleia de hábeis teólogos e casuístas complacentes, Portugal ia ser riscado da lista das nações e incorporado pura e simplesmente na monar­ quia espanhola. ILUSTRA ÇÃO, 1-11-1929

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A TOURADA

EUROPEIA

No Senado, a ·.discussão sobre AS REFORMAS OPERÁRIAS, vai ser activamente entabolada.

L' Assiette au Beurre J A PO N A I S E

A D A RA M A K A R O ·

(Esta ASS/EITE AV BEURRE japonesa é da autoria de um nipão chamado CÂMARA que, provavelmente influenciado por uma geisha que lhe deu a beber uma pinga de sakê, decidiu baralhar as sílabas do seu nome e rubricar A DA KAMARA DO. Chinesices do tempo . . O que é digno de registo é que este número de l'ASSIETIE AU BEURRE é raríssimo. J:R.). .

CECIL RHODES

Monumento funerário erguido mercê do peditório boer.

Há que mostrar ao povo espanhol o que é a graça parisiense.

HERVÉ - Meus senhores, aqui têm uma bandeira que nao foi plantada no esterco '

DÉROULEDE

JAURES

NO PREGO

- Os verdadeiros recursos portugueses, ei-los: aqui os tem !

O DEDO DE DEUS A fome cúmplice da repressão (Pensamos que este magnífico desenho de Leal da Câmara ilustra perfeitamente a Crónica "Fomos a Hendaya ver os emigrantes . . . ) "

CÉCILE SOREL

S. JOÃO DO PÉ DA PORTA - Wellington entrou por ali - disse o meu amável guia, virado para terras de Espanha e apontando a fita branca da estrada que coleava pelas faldas · dos montes até se engolfar ao longe no desfiladeiro de Roncesvales. Antes da via férrea transpor o Bidassoa, insinuando-se pelas ravinas do Choldocogagna, a porta principal dos Pirenéus era esta. Não tinham melhor caminho os belfurinheiros e almocreves que traficavam entre a Navarra e a terra Basca. Ainda não há cinquenta anos passavam por ai, dia a dia, rédeas, de mais de cem machos, aj ouj adas de campainhas e penachos ber­ rantes, permutando os produtos espanhóis, vinhos, lãs, azeites, pela quinca­ lharia e fazendas de França. St. Jean-Pied-de-Port, a cidadezinha que vê hoje em decadência, era o empório magnifico das duas nações. A par, constituía, pela sua posição, a chave militar da cordinheira pirenaica. Por isso andou de mão em mão, até que Vauban a fortificou com tanta arte e segurança, chamando-lhe ele próprio a sua bombonniere, que a tornou francesa de uma vez para sempre. Do alto da cidadela onde estávamos, via-se quase toda a cintura da muralha, de um vermelho-rubro como se fosse de cobre, tão sólida como se a acabassem de construir, contornar o casario, com seteiras à altura dos peitos, trechos do fosso, e as quatro portas perfiladas aos quatro pontos com seus crenéis e guaritas. O rio cortava a cidade em duas e o panorama do bairro ribeirinho com as casas alinhadas sobre a água, j anelas e sacadas multicores cantando ao sol, para lembrar os canaletos só lhe faltavam gôndolas. A toda a volta, como diadema de oiro fulvo, os montes subiam em pendor suave, com rocha viva nos picos, mato, relva, sementio e vinha, sucessivamente, a galgar para o vale onde a povoação se encastoava qual pérola na concha, mas, no segundo plano, píncaros altos espreitavam e eram os famigeradas montes, sentinelas de Roncesvales. 1 13

- Lá em baixo - tornou o guia, estendendo a mão a oeste - fica o Passo de Roldão. Utheca Gaiz lhe chamam os bascos, isto é porta exco­ mungada. Reza a lenda que o guerreiro, chegando ali, encontrou o caminho cortado por um imenso rochedo. Não esteve com meias medidas e, dando­ -lhe um formidável pontapé, abriu aquele óculo por onde o senhor passou com o automóvel. - Reparei no óculo, de facto. Nem uma mina de chedite faria aquelas bonitas obras. Pelos vistos, um pontapé do tal Roldão atirava com um patife à lua. - Não zombe da fábula. Não leu no seu Tito Lívio que Aníbal pulve­ rizou muito fragoedo dos Alpes acendendo lume por cima e deitando-lhe vinagre? Olhe, esse também devia ter atravessado por aqui à testa dos seus lusitanos e outros iberos. A história não é precisa neste ponto, mas sup ô-lo não é vão, porque outro conduto não existia, a rota das invasões era esta. Vê além aquele pico? É Altobiscar. No sopé travou-se a batalha em que foi derrotada a retaguarda do exército de Carlos Magno e o sobrinho dele perdeu a vida. H á um poema basco que decanta o facto, e se pode conside­ rar o reverso da Chanson de Roland. A súmula é esta: "Ouviu-se um grande brado no meio dos montes e o senhor da casa veio à porta: que será? Que me querem? O cão que estava a dormir soltou do ninho e encheu os cônca­ vos de Alto biscar com ladridos furiosos. No barrocal de lbaneta vai grande rumo·r. Repercute contra as rochas. É o inimigo que se aproxima. Soam buzinas, o dono da casa afia as flechas. Lá vêm, lá vêm! Que ouriço de lanças ! Flutuam no ar pendões e flâmulas; cintila o aço. Quantos são? Conta-os, menino, conta-os bem. Um, dois, vinte, mil, dezenas de mil. Não têm conto. Vamos a eles; j oguemos-lhes sobre a cabeça todos estes penedos; façamo-los em lama. Que vinha cá fazer aos nossos montes se Deus os fez para ninguém passar por eles?! Os penedos esmigalharam as tropas; é um mar de sangue. Se tendes cavalo, fugi à rédea solta. Foge tu, Carlos M agno, com a tua pluma negra e manto vermelho, ao vento. Roldão, o invencível, vai ser pasto dos corvos. E agora, ó Bascos, sus a eles, que debandam aos quatro pontos. Quem vê as oriflamas e estandartes? Quem vê faiscar as armas brancas? Onde está a seara eriçada das lanças? Fogem, fogem, os que não baquearam no desfila­ deiro. Conta, menino, os fugitivos . . . Quantos? Conta bem . . . vinte . . . deza­ nove. . . dez. . . um. Um, não há mais. Acabou-se, Senhor da casa, podes voltar para a lareira com o cão. Limpa as flechas, pendura a buzina. À noite as aves rapaces virão banquetear-se nos cadáveres, e os seus ossos ficarão ali a luzir, a branquejar por toda a eternidade. Duas vezes os Francos passaram a portela perigosa de RoncesvÃles: Luís, o Bonacheirão, rei da Aquitânia, à volta de uma expedição em Es11anha, preservou o seu exército do ataque dos montanheses, tomando mulht.res e crianças como reféns, só as soltando quando chegou a ponto onde se podia considerar livre de 1 14

emboscadas. Foi menos feliz numa segunda incursão a Pamplona, pois aí sofreu derrota tão completa como a ala que comandava Roldão no exército de Carlos Magno. Durante as guerras da República e do Império, Rances­ vales foi o teatro de assinalados combates. Marbot derrotou ali o duque de Ossuna. S oult, perseguido por Wellington, fez meia volta diante de St. Jean-Pied-de-Port, atravessou o desfiladeiro de má fama à testa de 35 000 homens, caindo de rópia so bre os 1 8 000 portugueses e ingleses postados na campina. Estes operaram a retirada até a aldeia de S orauren onde se travou a batalha que terminou pela derrota dos franceses. Foi este um dos episó­ dios mais culminantes dos combates que se deram desde S . Sebastian a St. Jean-Pied-de-Port, base do triângulo ocupado pelos franceses diante do exército anglo-luso-espanhol. Vou-lhe mostrar a casa onde esteve Welling­ ton, segundo rezava um meu avô, negociante de curtumes nesta cidade. Deixamos a cidadela e fomos descendo a íngreme rua de Espanha, calçada de longos paralelipípedos vermelhos e ladeada de casas de cantaria vermelha, com aspecto mais espanhol que basco. À s portas e às janelas mulheres faziam meia entretidas em seus colóquios de comadres. Aos bal­ cões, em vasos e caixas pintadas, medravam flores de muitas castas, e era agradável ver aquele jardim suspenso que se sucedia a todo o longo das fachadas. Afora as donas imobilizadas no traço das portas, a rua estava deserta e silenciosa. Um bafo de ruína e, porventura, de pobreza, soprava daquelas moradias, todas elas com a sua data na padieira, ufanamente, para que se soubesse. Um pouco da alma espanhola, inquieta e versocolor, sentia-se esparsa em tudo, nos olhos das raparigas, no lazonismo dos habi­ tantes, nas sacadas floridas, no estilo dos prédios. - Esta casa com a porta em ogiva - avisou-me o guia - foi o cárcere do Santo Ofício! Nas paredes ainda estão pregadas as golilhas. As masmor­ ras subterrâneas são pavorosas. Para lá da igreja de portada compósita, da qual o campanário servia ao mesmo tempo de baularte, a uma porta em que se vendiam bugigangas bascas, o meu guia parou, proferindo: - Aqui está a casa que albergou o maior adversário de Napoleão. Contava meu avô por o ter ouvido dizer ao pai, que Wellington entrou de manhãzinha, no meio de uma escolta de dragões. Vinha com apetite e, como não houvesse nada na cidade, esburgada pelos franceses, os soldados meteram-se pelo rio a . caçar as patas. Nada tinha de particular a casa; às j anelas a que teria assomado a cabeça enérgica do duque, uns grandes olhos pretos fitavam-nos. Ao lado, medravam cravos, e o painel de hoje era mais delicioso que a reconstitui­ ção da cena de ontem. Desandámos. O S ol descia por detrás dos montes, ensanguentando ainda mais as pedras vermelhas da cidade. Das faldas, banhadas de penumbra, escorria uma grande melancolia. Toda a cidadezinha, de resto, era uma página 1 15

esmo recente de legenda. S. João do Pé da Porta, como tudo o que existe debaixo da rosa do sol, seguia a curva fatal, até nos seus escombros cresce­ rem cardos e silvas bravas e saltaricarem faunos e outros animais das sombras, como reza a santa Bíblia das ruínas de Babilónia. ILUSTRA ÇÃO, 16-12-1929

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CRÓNICA DA QUINZENA Por que é patriota? Se chamássemos alemão, inglês, francês, de cultura mediana, a depor, a resposta seria idêntica à do abexim, do sérvio, do chino, enquanto o tema ficasse circunscrito à lógica dos sentimentos. Cada um, com efeito, penetrado da significação imediata do vaterland, certifica­ ria que ama a pátria porque é o seu berço, foi berço, casa e cova dos pais e avós. Além deste amor puro, religioso, estancado no coração, declararia amá-la ainda, dando voz ao orgulho e desvanecimento, pela perspectiva de feitos gloriosos e homens admiráveis que, volvendo olhos ao passado, ofe­ rece a sua grei. Tudo o que ela fez ou riscou com a enxada, a pena, o gládio, constitui património seu; o que há de mais eterno na sua personalidade psíquica ou social vem dela; a legião imensa dos seus mortos são as raízes, tronco, ramos de árvore viridente de que ele os irmãos de sangue são flor e fruto. Onde quer que vá, está investido dos pergaminhos da raça; ela o identifca; primeiro que ele a represente, representa-o ela. Todas estas razões de ternura, devoção, coincidem na boca do inglês ou do turco. Para cada um, a sua pátria é a mais nobre, a que apresenta melhores títulos de reconhecimento da humanidade, a que conta homens de estatura inultrapassável. Nenhuma é inferior a outra, ainda que a civiliza­ ção mais não lhe deva que o fi/ à couper le beurre, pois que acontece com as nações o que acontece com os indivíduos, serem ou tornarem-se indolentes, obtusas, ralaças, parasitárias de segundas. Medidas, porém, à craveira da história, nenhuma se reconhece subalterna; todas têm sábios certos ou imagi­ nados para opor a sábios, artistas ver os ou sonhados para opor a artistas, glória para dar e vender à mais enfunadamente gloriosa. À noção abstracta, no conceito de pátria, sucede inductivamente a noção objectiva de natureza. Ama-se de amor ideal pelo que ela foi, como 1 17

as boas almas amam o Céu pelo que promete ser. Ama-se também com os olhos, subentendendo-se que se tem dela conhecimento geográfico. O homem primário limitar-se-á a identificá-la com a pátria pequenina que é a sua vida e termo. Nesta plana, fala ainda o sentimento, e as razões do alemão, do inglês, do abexim ou do persa, são equivalentes. A terra de cada um não tem rival em agrados e formosura. Para o alemão a neve é mais poética que o sol forte do sul; mais poético que o sol do ocidente é para o sueco o sol da meia-noite. Esta possui o mar imenso, aquela a montanha majestosa; uma o céu azul, outra a perene Primavera. Testemunham gostos, hábitos adquiridos, temperamentos, e sem dúvida que os esquimós susten­ tariam contra o habitante da Ilha da Madeira a tese de prevalência. Arredado da controvérsia o panorama político-social, pois que neste terreno movediço não há o concurso dos próprios patriotas, queda o indiví­ duo frente à sua raça, à sua nação, a falar de per si com ela. Por que é patriota? Responderia, por exemplo, o inglês: - Porque onde quer que eu esteja, onde quer que eu vá, sinto comigo, tornando-me forte, respeitável, a solidariedade de cinquenta .milhões de almas da minha raça. Na China sanguinária, nas Américas inquietas e perigosas, na África traiçoeira, o olho atento do "leopardo" segue-me e observa-me. Se me perco, as autoridades do meu país pôr-se-ão em campo e não repousam até me achar vivo ou morto. Se me fazem o mínimo agravo, me tocam num cabelo da cabeça, e o agressor está ao alcance da garra, paga-o com língua de palmo. Respondem por isso os cem e um couraçados de Sua M ajestade Graciosa. A minha pátria é o meu escudo. E acrescentará, soberbo: - Em compensação, sou célula viva, activa, do meu país. Sou-lhes necessário como ele me é necessário. Se falto, momentâneo embora, fica um vácuo. S ou unidade que conta. Se amanhã cometo um crime, encaremos a hipótese, o organismo imenso de que faço parte, eliminar-me:-á apenas depois de demorado e circunspecto exame. Gratuita, arbitrariamente, não me suprime. Na mecânica biológico-social do povo inglês sou uma peça útil. Porque não seria fervente patriota se a minha pátria constitui a minha força, a minha defesa, a minha liberdade? De par com ele, o francês podia falar a mesma linguagem de entono e de ufania e aduzir: - S ou patriota por todas essas razões e mais uma: os meus concida­ dãos, pela palavra, pelo livro, pelo jornal, não me amesquinham, de contrá­ rio procuram engrandecer-me. A pátria faz-se da grandeza dos indivíduos e, da reversão desta grandeza, elevando-se eles por sua vez, todo o nosso afã é pouco para nos enaltecermos. H á, entre nós, uma palavra instintiva de passe: o francês acima de tudo. M orreu há dias Foch, ontem Clemenceau. Empenhámo-nos logo em tecer a sua legenda. Que um era isto, outro 1 18

aquilo . . . Guardamos apenas memória das suas virtudes. Estas sublimámo­ -las tanto que, daqui a algumas gerações, serão no conceito universal gran­ des como César, como Richelieu, e ninguém se aperceberá mais de suas estaturas comuns. Estatificamos a torto e a direito, porque isso convenha à exaltação da pátria. Como não ser patriota, se a pátria me magnifica? - No fundo do meu peito arde o amor pátrio - diria um chinês · mas este amor é, como o fogo no centro do globo, ingénito à minha própria constituição. Alimenta-se, por assim dizer, do meu seio. Entre os meus copcidadãos não se sabe o que sej a solidariedade. Dentro da nossa terra so m os hienas uns para os outros; por espírito de ganhuça, um, cinco, dez, não hesitarão em esfomear uma província inteira. Caem por milhares da tísica e da peste os meus irmãos e ninguém se importa. As facções, raziam, tributam, e a vida tornou-se tão insuportável que a população se vai espa­ lhando pelo vasto mundo, como outrora a raça maldita de Deus. Foi como se um vento desabalado soprasse sobre a velha terra e projectasse os homens, quais palhas, aos quatro pontos. Ei-los que enxameiam burgos e campos, exercendo os mais rudes e ingratos misteres. Distinguem-nos, acima de tudo, pelos andraj os que vestem e o fedor que exalam do corpo. Dormem em pocilgas com os animais. São os lázaros do século. Os manda­ rins, que ocupam postos diplomáticos e consulares, cobram-lhes toda a sorte de espórtula para que possam justificar a identidade, e abandonam­ -nos à sorte. Uns que desertaram, outros que foram expulsos, outros que definham na mais vil escravatura, é a pátria corroída pela gangrena. Chang­ -Kai-Chek suprimiu inexoravelmente todos aqueles que o embaraçavam, pelo alfange do carrasco, pela bala, pelo exílio. Foi de assolação a sua obra. Diante dele fugiram os lavradores pacíficos e laboriosos, os comerciantes cansados de serem espoliados, os artistas e homens de letras que tinham dignidade mental. Entretanto, os bonzos acomodatícios continuam a ler os versículos ditados pelo divino Confúcio, os mandarins a ler em rolos de papel-arroz as virtudes da rainha 0-Pei-Fu, entre duas fumadas de ópio, os cabecilhas da guerra civil a extorquir os últimos dinheiros do pária. Quando num povo se chega ao extremo de perder o mais elementar senti­ mento de solidariedade entre os cidadãos, é rezar-lhes o De Profundis. O meu patriotismo não encontrará outro motivo nacional que chorar, chorar as desgraças da minha pátria e, com elas, as minhas, como os judeus no cativeiro de Babilónia. ILUSTRAÇÃO, 1-1-1930

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EU SOU O MAR, TU ÉS A TERRA ... O Senhor da bô fortuna estava aparelhado, redes e cordas n a cale, à popa o arrais, à proa o vareiro, muitos homens nos castelos com os remos formados, testos à manobra, outros, mais a cáfila das mulheres, de ombros contra os costados da nave em que vinha chocalhar a onda, ora de arre­ messo, ora brincando. Já o ritmo que conjuga as forças para o arranco extremo era psalmodiado pelo arrais da terra: - ó upa! - ó vá ! - ó chapa! - ó saiba ! Quando repercutiu ao alto da praia um aulido gemebundo: - Ailó, arretem! . . . Ailó ! . . . O arrais volveu o s olhos e avistou a Rosa Bau que corria para a borda de água, braços a espadanar, a fralda e as brancuras das pernas gordas em remoinho, como albatroz desasado. Entretanto a vaga maciça e longa, afiada em cunha, que insinuando-se por debaixo do barco o suspenderia e levaria no refluxo melhor que em andilhas, repicava na terra. Encabritou-se e recaiu o barco duas e três vezes enquanto a companha tresmalhava, chapinhada pelo mar. S ó naquele instante havia de aparecer a coruja do inferno! - Rai's t'abrazem! - murmurou o Mira quando, pesaroso da boa largada, a viu em face, ofegante, sem poder despedir voz. - Não entrem ao mar. . . M orreu o mestre . . . - Pode lá ser, mulher d o diabo? ! Ainda não h á grandes horas que esteve a falar comigo . . . - H omem, morreu! 121

- Ah, cadela de vida! - gorgulhou o Pamplino, que era casteleiro, sacando o gorro. - Padrenosso que estais no céu . . . H omens e mulheres oravam, cabeça baixa, descoberta, virada a o mar traiçoeiro. Longe, para lá das cem braças, o Deus ande comigo, de pequeno entre o oceano e o firmamento, lembrava uma garça boiando. Acima do cício das rezas, a água continuava a vasquejar, erguendo e deixando cair de sopapa o casco Senhor da bô fortuna. Quando acabaram de encomendar ao Altíssimo a alma que se desprendera do barro, ordenou o arrais em tom soturno: - Gentes, toca a calar o barco ! Vieram os bois e, estendendo varas diante da embarcação e sob ela escorregando rolos de pinheiros, içaram-na para a borda. E os trinta e cinco marítimos destroçaram, de ar mais pária ainda, sombreados pela asa da morte, nos andraj os que mal lhes cobriam a nudez, vagarosos recurvos para o chão a vencer a móvel areia. Sentido do passamento do mestre e amigo de tantos anos, o Mira estarreceu no castelo da popa lúgubre e meditabundo. "Saíra uma escritura a sentença do ti'Esperança, do Coimbrão, um demó­ nio que não aprendera artes em Coimbra e lia no cadáver como na cartilha, ao ver o Lusitano cismático e com vágados: - Não bota o estio fora! E não botou, embora não acertassem três doutores em dizer que o ro ble tinha carcoma dentro. Deus o acolhesse no seu seio que por aquela corda de praias, da Nazaré a M atosinhos, estava para nascer segundo. Não era da raça dos patrões que só têm olhos para a lota e tanto engadanham a mão sobre a ganhuça que enterram as unhas na carne. Zelar a sua fazenda zelava, e ninguém se atrevesse a roubá-lo que saía-lhe pata de tigre. Mas à sombra dele, a fome esmurrava a dentuça. Nos dias gordos de pesca, as mulheres dos pescadores não cobravam rapola a peso e medida, como era de lei na companha do Chegamisso: enchiam o alguidar de cogulo. Nas vezes em que a borrasca tolhia a saída dos barcos, era vê-lo de porta em porta: tens pão? Tens azeite? Liberal com os pobres, em casa dele gastava­ -se à grande e à farta. . . Vinham de Leiria, e até da capital, expressamente, ao regabofe das caldeiradas a que ele próprio dava um tempero que era de comer e lampar por mais. Tinha amigos certos e verdadeiros em toda a parte e, por aqueles poviléus à roda, compadres bastos como cogumelos. Mancebo que se apresentasse com duas regrinhas suas não punha mochila às costas; réu por quem ele terçasse, não acendia muitos cigarros ao carce­ reiro. Também em peitase larguezas consumiu o melhor do que granjeou. Podia deixar fortuna e legava ao Zé, por junto, dois barcos, o Senhor da bô fortuna e o Dragão do mar, sólidos é certo que nem couraçados, com os apetrechos da ordem, tudo de cara como agora já se não fabrica; bom património para cabeça governada, palhas erguidas no ar para inexperien­ tes e loucos. O filho podia ombreá-lo na audácia, que já dera provas disso, 1 22

mas na rijeza de ânimo, igual em todos os lances que requeriam valentia e desembaraço, no estar sempre pronto a j ogar o coração para trás das costas, no trazer o sangue ao mesmo ponto de fervura, ficava muitas léguas longe dele. Duzentos anos antes teria sido capitão de piratas e rei em alguma ilha sem dono. Medo tinha-o de Deus e de mais ninguém. Em dias que assobiava a nortada no pinhal do concelho, parecendo as sanfonas todas do mundo ao desafio, e o mar atirava ronco que dir-se-ia querer engolir a terra, o Lusitano vinha à varanda do escritório, observava o trabalho, e não raro tangia o búzio. Na garabulha das mulheres que batiam o dente e invocavam os santos advogados, dizia para os homens: - Tendes confiança em mim? Então toca a aparelhar que vamos apanhar o pescado que até a rede rebenta de farta. E lá iam. Requeria para si o posto mais esforçado, ao remo, que não era homem para desautorizar o seu arrais, tirando-lhe a vara. Mas honra a quem a merece, se comandar é reger homens por uma vontade ele era o capitão e todos os mais soldadesca. Braços nodosos e cabeludos, como troncos revelhos de carvalhiços, j ogando com inalterável cadência, sem que se lhe ouvisse arquejo, sem que lhe orvalhasse a testa camarinha de suor, ao seu alento o barco era toninha a saltar por cima das ondas. Os seus olhos azuis, frios como espadas, iam direitos, fitos no mar, e parece que o grande cão o temia. A sua intrepidez tornava os outros intrépidos. Engano que o homem do mar seja em regra animoso. Mais que o bicho da terra tem ocasião de ser valente e forçadamente o é. Mas ninguém como ele é atreito ao contágio do temor e do brio. Um cobarde, se lhe dão âncoras, torna uma tripulação inteira bandada de capões; um bravo rompe com ela, heróica e destemida até o meio do inferno. O Lusitano era destes cuja presença dá espíritos a quem os não tem e nervos aos abonados de enxúndias. Das vezes que corria a sorte do mar encapelado e a campanha do Chegamisso se despej ava pelas tabernas a j ogar o liques, mais receoso o regedor que o mestre, o mestre ainda mais tremelicas que o mulherio, nunca por nunca lhes sucedera percalço de monta. A marinhagem sentia pulsar um coração só e este era de aço, não houvesse dúvida, mas acima de tudo contava a ciência do Lusitano. O grande bruxo lia nos segredos do mar melhor que na letra redonda e nunca se enganava no crédito que era legítimo atribuir aos seus ímpetos e fúrias. Também sucedia com mar de leite dar alta à campa­ nha. Os barcos do rival, mais s ôfregos que bácoros à bolota, madrugavam a apanhar a boa terra de pesca, e tanto o Chalgamisso , que da água salgada percebia ainda menos que os padres do latim, como o Savelheiro, afoito mas estarola, riam sob capa da folga do Lusitano. Mais de uma vez o sorriso lhes murchou nos lábios que o temporal surpreendia-os de sopetão e não havia santos na corte celestial a que não pedissem misericórdia. Acon­ teceu até numa dessas saídas com falsa bonança quebrar-se-lhes o roçoeiro, e o barco de cima da água dançar tal dança que o uivo dos tripulantes se 1 23

ouviu às oitenta cordas e fez pular quanta gente havia nos palheiros para a beira-mar. Era o Lírio de Jericó, dias antes reforçado com cavernas novas, calafetado, pintadinho a verde-terno, cercadura escarlate a toda a roda. Mas que valia, martelado pelas ondas bravas, sem governo, era como berço de menino levado na ressaca e com que o mar joga o chinquilho. Os gritos na praia subiam até às estrelas. Já as mulheres se tinham lançado, umas, de roj o e, rabadilha voltada ao oceano para não ver a desgraça, arrepelavam­ -se, rezavam, e seus dentes batiam as rezas como matracas; outras espe­ cavam os bra ç os ao alto, berrando mais forte que cabras esfoladas vivas. A cada estreme ç ão d o esquife, lá ao largo, o aulido empolava: Senhor d o s Aflitos! Minha Nossa Senhora da Nazaré ! Senhora da Incarnação, fazei o mar chão ! Rico Padre Santo António, assim como livraste vosso pai da morte, livrai aquelas alminhas do perigo e da má s orte ! Quem os havia de salvar? Em casa, ao pé das sementeiras, o Lusitano tivera rumor do desastre e correra à praia. Não esteve muitos minutos para avaliar do lance e resolver consigo e com Deus. Despindo-se em menos de um ámen, atirou-se à água. Nada que nada, cada braçada que parecia varrer uma onda, ante os olhos desvairados do povo que gemia a cada um dos seus mergulhos, respirava quando volvia à tona, ora arrastado por uns mares, ora furando outros como espadarte, lá caçou a ponta do roçoeiro que pôde amarrar contra um dos odres com nó bastante para, firmando-se, retrocederem a terra. A proeza deu que falar e até esparrinhou para as gazetas. H omem até Almeida! Quando punha pé nas suas lanchas, de curioso ou então aos remos tal um homem de ajuste, a tripulação ia descan­ sada como rezam as escrituras da barca de Pedro quando Jesus ia dentro. Ninguém lhe ouvia uma voz; ninguém lhe notava um trejeito; se havia perigo era o primeiro a dizer: cá estou! Um ano, fins de Outubro, tinham-se abalançado a lançar redes com mar incerto e caso foi que já ele, como arrais, proferira as palavras da lei: "Rede largada às águas, à Virgem é encomendada; seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo!", quando veio um golpe de mar e safou a mão de barca das unhas do calador. Credo, há mais de quinze anos que andava no vaganau, avaria daquelas era novi­ dade! A toda a lufa remaram à ré, mas a vaga sumiu-lhes a corda para aparecer braças além, serpenteando, submergindo-se e emergindo, tão agi­ tada que tinham mais jeito de hidra que de cabo feito com o linho dos teares. Os homens não tinham perdido o sangue-frio que estava no meio deles a alma imperturbável, o perigo, porém, tornava-se cada vez mais instante e, se os corações não o diziam, os rostos pálidos como na hora da morte, não atinavam com o disfarce. O pior é que o mar subitamente enfurecera, cavando campas, santo Deus, a fazerem-se e a esborralharem-se umas atrás das outras, que tinham mais altura que casas. 1 24

- U ma libra de oiro a quem apanhar o cabo ! . . . - exclamou o Lusi­ tano, alçando-se nos castelos e passeando olhos pelas duas filas de rema­ dores. - Vai por este remo fora tão seguro como por uma ponte . . . Ninguém deu voz presença e tornou ele: - Eu vou lá mas sou pesado. Sej a o que Deus quiser! Lavagante, és capaz de aguentar o remo e eu na pá? És? Então cospe às u n has . . . Safo u a j aq ueta, a s botas, a s meias, e benzend o-se gatinhou pelo re mo

fora como gato. L á no tope, enclavinh o u as pernas e deixo u-se ir de cabeça para baixo como palhaço na barra fixa. A ponta da corda aparecia e desaparecia baldeada pelo mar, de onde resultava não afundir-se de vez. Consoante ela lhe reluzia aqui e ali, ia dizendo: "remai à ré; remais a sotavento" e à força de remos a campanha procurava obedecer. Ali se andou um bom migalho naquele brequefesta infernal até que pôde filar a corda. Assim que lhe passou os cinco mandamentos, marinhando pelo remo acima como descera, trouxe-a nos dentes como uma flor. O Lava­ gante, que era o homem mais forçudo da campanha, a ponto de erguer por aposta o jerico de uma sardinheira de M ata M ourisca carregado com dois costados de carapau, já deitava os bafes todos. Milagre fora o Lusitano vir no barco que senão, tendo-lhes faltado a corda que nestas artes da xávega é mais que a muleta para um coxo, os peixes tinham festim. Todos se admira­ vam daquelas áfricas menos ele. É que não sabiam que o Lusitano, antes de ser dono de armação, fora um dos marinheiros mais escarmentados da navegação de vela em Portugal. Aos dezasseis anos já ele mareava co­ mo grumete a bordo de caíque que fazia a veniaga da costa africana até S. Tomé. Depois na cabotagem, à pesca de bacalhau na Terra Nova, nos veleiros de grande curso, levou de fiada anos e anos, tantos que lhe caiu a zinza deles na cabeça. Ele, Mira, fora encontrá-lo mestre num lugre de carreira entre Porto e Pará, estimado dos superiores, benquisto dos subal­ ternos. Ali se conheceram e selaram amizade em horas difíceis e descuida­ das - tormentas no mar alto, sociatas nas baiucas do cais estrangeiro, até rixas nas vielas mal-afamadas. Fora da sua sina, Lusitano era um leão. De uma vez, levara diante de si, à estalhudada, a tripulação de um bergantim levantisco; de outra, por causa de certa marafona, pusera ao sol as tripas de um inglês assomadiço. Quando os armadores se avisaram de mudar de vela para a máquina, o Lusitano despediu-se. À roda dos quarenta, não lhe sorria cometer a prática de uma marinharia em que necessariamente teria de voltar ao começo. Muitos portos, também, estavam-lhes vedados por neles ter conta aberta com a justiça, questão sempre de naifadas e arruaças, e temia-se do navio a vapor que, ao contrário do veleiro pacato e vagaroso, faz escala por Seca e Meca, ao sabor de um telegrama. Tinha amealhado uns vinténs, retirava-se. Também ele, Mira, levantara para Vieira de onde era filhote, ao chamo daquela que hoje era sua mulher. Beberam numa casa de pasto duas garrafas de Amarante e rodaram do Porto até mais ver. 1 25

Volvidos anos andava ele na companha do Évora, tão lembrado do amigo como da primeira camisola que vestira, com quem dá de cara na taverna que hoje era do Pisco e ao tempo da tia Janeta que Deus haj a? Com o Lusitano. Mais ruço, menos tanado do mar, mas com aquela cara de fortes queixais e olhos tão azuis que dava quebranto fitá-los, ou era o próprio diabo por ele. O homem indagava do pinhal do Urso e pedia guia que lhe ensinasse o caminho. - Se o mar amanhã estiver tão bravo como hoje, que nos não deixou lançar as redes, aqui está quem o acompanha, seu Lusitano . . . - ó Mira, ó alma d e Barzabú, és tu. Abraçaram-se e, como dois amigos que folgam de se ver e lembrar os velhos tempos, pedi ram vinho; ali os surpreendendo a noite, copo despe­ j ado copo cheio. Foi a leilão a "arte" do Évora por falência judicial. H á mais concorren­ tes a uma carroça que a apetrechos do mar. O Lusitano cobriu o lanço, e bem andou que lhe ficava a armação - duas lanchas, duas redes, cerca de cento e cinquenta cordas - por uma melgueira. - Mira - disse-lhe ele, depois de levantado o remo - tomo-te para arrais mas não abres a boca sobre o passado. O que lá vai, lá vai . . . - H omem, não sou d o s que têm o coração a o pé d a boca e o que exiges pouco é. Que sei eu da tua vida que te envergonhe . . . ? Que esfaqueaste um inglês . . . São pecados de todos os marinheiros. Também tenho desses. A minha pena toda é não ter despachado para o caldeirão de Pero Bo­ telho com quantos franceses, negros, ingleses nos buscaram quezília por esses mundos de Cristo! - Escusas mesmo de dizer que me conheceste no lugre . . . - Está dito ! O Lusitano era homem de capricho e cuidou de pôr a armação à altura. Instalou-se na praia com a família, irmã e filho que pela pinta, bem o era. E ali lançou raízes para sempre. Quem era, donde vinha, ninguém se incomo­ dou de saber. Lá na terra dentro estes mistérios dão com os curiosos doidos. Na borda de água, afeita a gente aos vaivéns, uns que chegam, outros que partem, uns que a onda traz, outros que a onda leva, não causam febre a ninguém. Ao cabo de ano o Lusitano era cidadão da praia, a praia triste do Pedrogo, mê senhor. Ali aprendera o filho letras, e se fizera homem. Ali ia dormir a noite sem fim o valente dos valentes. la assim evocando, cismando o arrais, olhos perdidos pelo oceano naquela costumeira de homem do mar. Ao largo, a uma vintena de rema­ das, passava em triângulo, rápidas como flechas, um bando de negrolas. A água mostrava-se calma, escurecida ao longe por fuminho pardo, cortada a meio campo por barra que ia do azul opaco ao verde-garrafa, alegre de miríades de lumaréus claros, enquanto rente à costa parecia um espelho manso a reflectir a luz brava do S ol. Boa hora de pesca! As ondas eram 1 26

doces soluços que vinham desatar na praia em borbotões de espuma, a correr e retirar da areia mais vivazes que cabritas cor da neve. Impelida pelas duas turmas de quarenta remadores, aliviado da carga, o Deus ande comigo avançava, proa à terra, garbosamente. Pelo rumo que trazia, viria bater ali perto, e o Mira esperou para dar a notícia. Na praia, os bois aguardavam a voz de alar a rede, as boieiras à frente com a saia alevantada pelo ateador, no gorfo de veludilho o espelhinho da grandura de vintém, onde havia sempre um raio de luz a brincar. Acocoradas na rampa, que mergulhava para o mar, arra, cavam as mulheres dos costais, os bufarinhei­ ros arrematantes do pescado, o rapazio ratoneiro, os homens dos xalavares. Vinha perto o Deus ande comigo, regido pelo Savelheiro que sabia escolher o seu mar. Mais duas remadas; uma pausa à espera de vaga, e a vaga tomou o barco sobre si, como palanque na cernelha de elefante, e depô-lo na praia sem baque nem estremeção. - Boa manobra - ficou a cogitar o Mira. - Mas eu vinha sobre barlavento; estão as águas baixas e o barco devia ir em busca de mar mais ao norte para não perigar no recife. - Não entrais? H á novidade? - perguntou para o Mira o Savelheiro da proa da nave. - M orreu o patrão ! - M orreu o patrão . . . ! - repetiu o outro com voz comovida. - Deus o receba à sua direita. Os homens, entretanto, recolhiam os remos e lançavam as espias; uns deram-se à faina de calar o barco, outros, suarentos, suj os, com as carnes a luzir por entre os fraldejamentos velhos do riscado, lavavam-se, retoiçando, na onda enlanguescida. - Andava adoentado, mas nunca imaginei um fim tão súbito . . . tornou a dizer o Mira para o arrais, extático sobre o castelo da popa, tomado também do noj o da morte. - Tantas vezes a coira deita o harpão que acaba por nos filar! respondeu o Savelheiro. - V ou para lá agora. Vens daí? - Vou. Saltando em terra disse para os marítimos que já comentavam a má nova: - Eh rapazes, rezai por alma do tio Lusitano que o Senhor acaba de chamar à sua divina presença! Calai o barco bem em se�o que o céu anuncia mudança. Foram subindo a praia devagar, muito devagar, carregados de melan­ colia. Os bois já andavam, sobe, desce a praia, no manej o lento de remontar a rede. N os ranchos, aninhados às abas dos palheiros, desfiava-se a crónica da vida e morte do tio Lusitano que expirara sentado num banco, sem ruído 1 27

como candeia sem azeite. Os arrais ouviam de ânimo contristado aqueles responsórios fúnebres. Ao longe ouvia-se cantar: Eu sou o mar, tu és a terra Qual de nós tem mais riqueza. . .

Das bandas d a Vieira escorregava uma nuvem que i a escurecendo o céu como se fosse noite cerrada. O oceano rugia. U m bando de gaivotas veio do mar esvoaçar sobre o posto da guarda-fiscal, os telhados das casas, e o Mira murmurou: - M orreu o d omador, brame a fera. Vamos ter tormenta grossa! IL US TRA ÇÃO, 12-2- 1930

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CRÓNICA DA QUINZENA Fomos a Hendaya ver os emigrantes que chegavam de Portugal. A fronteira estava-lhes fechada havia três dias e, no entanto, os restos não escoados da enchente inundavam as ruas, atulhavam as duas imensas canti­ nas, construídas adrede para os explorar, e no átrio da estação as rumas das bolsas de chita, contra as paredes, testemunhavam sua aluvial e avassala­ dora miséria a par com a sua bárbara simplicidade. Pela rua íngreme que contorna a cidade pelo sul até encontrar o Bidassoa, subiam e desciam grupos deles com o ar de gente perdida que procura a direcção. É para aquelas bandas o Depósito . . . Escusado perguntar-lhes se são portugueses. Intonsos, maltrapilhos, ombros erguidos, mãos nos bolsos, a tiritar dentro da andaina de cotim por cima da camisa de riscado, às vezes a petisca do cÍgarro detrás da orelha, distinguem-se à légua na população local, bem comida e agasalhada contra o frio que corta como lâmina de aço. Têm t o das as idades, desde o rapazinho imberbe de dezasseis anos ao homem de cabelos brancos, no pendor da velhice, e são originários de todos os cantos do Norte de Portugal. Parecem uma mescla de raças, e o que lhes dá tipo, tipo inconfund ível , é o seu aspecto de párias, iguais na pobreza e desata­ viado. Ouvimos-lhes as vozes doces e cantantes dos vales, as vozes ásperas das serras, e por sua insistência, se não fosse a noção do meio, tão diferen�e do nosso, nas casas, no clima, nas formas, julgar-nos-íamos na terra portu­ guesa. Quando nos acercamos deles a falar a sua língua, mostram olhos pávidos e suspicazes. Pudera! Para chegar até ali, tiveram que atravessar toda uma Falperra de chatins, a começar pelo engaj ador e a terminar não sabem quando, enquanto não tenha assegurada a "embocha", como dizem. Depois, à medida que se vão tranquilizando mercê das nossas palavras, ficam com um ar dócil e parado, boca aberta, olhos bovinos poisados em nós, cheios de uma humildade e mansidão comoved oras. Para onde vão? Não sabe m . A maior parte deles vieram sem contrata, os raros que a traziam de Portugal ignoram a que espécie de trabalho ficam 1 29

escravizados, no desconhecimento que têm do francês, e porque ninguém, tão-pouco, os elucidou. São carpinteiros ou tecelões, e empregá-los-ão nas fábricas de telha; mecânicos, e atiram-nos para as derrubadas das florestas, onde a féria lhes é contada a tanto por metro cúbico; pedreiros ou caiado­ res, e abarcarão o mister a talho de foice. A maior parte nunca exerceu profissão especial e, enquanto estejam em França, não passam de manoeu­ vres, que é o degrau mais baixo e menos rendoso na escala operária. O problema para eles é encontrarem trabalho; para os industriais recrutar mão de obra barata, cómoda, sem responsabilidades, isenta de convenções, ao contrário da italiana e da polaca, e nenhuma corresponde a este deside­ ratum como a portuguesa. O operário português, com efeito, humilhar-se-á à mais dura tarefa, aceitará uma pocilga para dormir, ignora o que sejam greves, come uma côdea de pão e um badulaque hediondo, contenta-se com um salário irrisório, e atrás dele não há autoridade diplomática ou consular a velar pelos seus direitos, a sua saúde, a sua higiene, a assistência própria ou dos seus em caso de desastre. Mediante a contrata, que assinou com dois rabiscos ou de cruz, é um escravo que se vendeu de corpo e alma ao senhor. É de ano, geralmente, o prazo de validade destes ajustes, e, durante esse espaço, perdeu o gozo absoluto de si próprio, ninguém possuindo alçada suficiente para lhe modificar a sorte. Se deserta, o patrão manda-o prender; se levanta a cabeça por doença, forçoso é que o patrão o autorize; as condições de trabalho podem modificar-se, ele não tem remédio senão submeter-se; numa palavra, não se pertence; perdeu os seus foros de cida­ dão; é como os negros de África. Não obstante a lei draconiana sob que labuta, o operário português, a afluência é avassaladora. No Dépôt calam o contingente. Lançamos um número ao acaso : Vinte mil, anualmente? - Talvez - respondem-nos. Este talvez deixa- ri os conjecturar quanto a nossa avaliação foi mode­ rada. O Dépôt seria, de resto, incapaz de levantar a estatística da ·emigração portuguesa. M uitos dos nossos operários entram clandestinamente pelas várias portelas dos Pirenéus. Duas vezes por semana, ao que me informam, grandes auto-cars vêm, carregados deles desde a fronteira espanhola, lançá­ -los na terra ambicionada. Deste modo, eximiram-se a mil formalidades complexas, embora sej a leonina a parte do engaj ador. Entrar em França, em verdade, custa coiro e cabelo. Nos termos legais, o operário deveria trazer, a par com o passaporte, o contrato de trabalho. As autoridades portuguesas entenderam que havia gente de sobra no pais e passaram a conceder salvos-condutos para Espanha a torto e a direito. O engajador, persona grata, obtém-nos nas repartições distritais com uma perna às costas, transpõe com a sua leva a raia e na primeira estação do caminho de ferro tira uns tantos bilhetes de terceira e adeuzinho. Em S. Sebastião lá

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está o vice-cônsul para dispensar passaporte a cada um, habilitado com o qual o mísero se apresentará no Dépôt. Esta palavra que significa, acima de tudo, lugar onde se arrumam coisas, denuncia o que aquilo é: uma, duas ou três barracas, que fazem as vezes de secretaria, com um telheiro ao fundo, nu, em ripas, tarimbas a tod o o longo dos muros, para receber a mercado­ ria humana. Para mais, este barracão deixou de ser empregado, pois que ao lado e perto da gare se instalaram duas cantinas com dormitórios, mais ignóbeis que tudo o que há de ignóbil, onde pernoitam os párias à razão de três francos por cabeça e comem, a sete francos cada repasto. São as construções mais miseráveis que há em Hendaya. Se alguém quiser dar com elas, mercê desta indicação não tem que errar. U ma das cantinas nem sequer é telhada; cobrem-na grandes folhas breadas e é térrea, húmida, com · as tá buas pregadas contra estacas cravadas no chão. Dá para uma sorte de sórdida azinhaga, que olha em baixo para um dos chafurdos do rio. A outra é um falanstério de madeira, remendado, esburacado, lôbrego, com este título numa tá bua de palmo: Hespanhola Cantina Portuguesa. No terreiro do Dépôt, quer chova quer neve, a horda espera a voz de c hamada. A repartição é acanhada, mas que não fosse, la queue se fait à la porte. O antigo bazar de escravos, em Alger, não podia ser menos confortável. Ouvimos as queixas dos escriturários, que não têm mãos a medir para distribuir pelos centros fabris a avalanche quotidiana de homens que che­ gam de Portugal. - Há cinco dias tivemos de rechaçar 800 para Espanha - dizem-nos. Em S. Sebastião empurraram-nos para Irun; em Irun, dormem nas portas, sob o alpendre da estação, ao abrigo dos muros. São multidões compactas. Para deitar até ali empenharam-se, ·venderam a courela, enforcaram-se no prestamista rural. Vêm atrás da miragem como ontem com o Brasil, há s éculos com a Índia. Desde a sua terra até o lugar da escravidão vão deixando em espórtulas e alcavalas o j ornal de muitos meses. A sua miséria tornou-se uma fonte de riqueza para muitos, e o mister rendoso de não poucos. Pobre raça errante e desgraçada que abandonou a sua aldeia, coagida pela fome, parece o rebotalho da humanidade, vista para cá de fronteiras. - Quem ficou na vossa terra? - perguntamos. - Os velhos que não podem andar, as crianças, as mulheres, não todas. H avia de fugir tudo, e a erva crescer nas casas e nas ruas ! O homem que assim fala range os dentes e na sua face espell!.a-se uma infinita a,margura e o desespero de haver desamparado o lar, talvez a mãe velhinha, ou a noiva. ILUSTRA ÇÃO, 1-4-1930

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AS CAMÉLIAS - S CHERZO À noite, ao recolher, encontrara de cima da mesa um rubescente ramo de camélias. Seriam as últimas da sazão, mas tão louçãs, tão ostentosas que, na casa modesta, dir-se-iam daquelas travesssas e gnómicas divindades que entravam pelos cenóhios dos bons solitários a fazer-lhes pirraças e judia­ rias. Fineza anónima, devia proceder de pessoa que sabia quanto gostava destas flores da luz cariciosa, movido não da sugestão romântica mas do milagre do colorido e forma com que se fazem perdoar não serem perfuma­ das. Intrigado, com desvanecimento ficou a cismar na criatura que tivera a bizarra lembrança e se escondia. Era de crer que o seu hálito houvesse bafej ado o veludo finíssimo das pétalas; banhara-as e sensibilizara-as, correspondendo a secreta pulsação, a chama dos seus olhos; e, pois que por ela passara, a imagem amável lá estava, lá devia estar. Mas era uma doce sombra de que se não podia aperceber. E a fugir ao vago langor, entregou-se ao prazer todo visual de admirar as camélias, admirar com o enleio e engenho das crianças, que transpõem para magníficos mundos coisas de nónada. Mas o amigo anunciou-s e . - Maganão, flores de apaixonada! - proferiu ao avistá-lo com o ramo em face como o devoto junto ao altar. - Enganas-te. Encomendei-as na praça. - São então para oferecer? Se os olhos me não enganam, o Senhor já anda desconfiado. Àquelas palavras, de salto ficou sabendo quem lhe mandara as camé­ lias. Fora ela, sem dúvida, e tomou-o o grande receio de que semelhante suspeita se arreigasse no espírito do amigo, que era de seu natural invej oso e inclinado à intriga. Era preciso atalhar com rasgo e firmeza e, desembaraça­ damente, proferiu: 1 33

- Não, senhor. Na jarra onde as vês lá murcham. H omem, não com­ preendes que adorando eu as camélias, as mande arranjar só para meu regalo? - Eu te digo: também gosto de flores; se me vires, porém, uma rosa na botoeira é porque ma lá meteram; se as encontrares em minha casa, é porque foi dádiva. Por um cravo, um manjerico, sou capaz de escalar um j ardim, guardado pelo dragão de cem cabeças, para oferecer à minha dama! Fora disto, talvez porque goste de flores, prefiro vê-las na planta. Dissera estas palavras com ares enfáticos, picado do despeito de se lhe ver negada a confidência que esperava ou, quem sabe, pretensioso como era, da emulação de sentir-se preterido. Pelo que, em tom de ligeireza, ouviu esta réplica: - As camélias valem pelo que são. Mas tu nunca olhaste para elas com inteligência. És um bárbaro, meu caro, um bárbaro ! - Não, nunca as examinei com olhos de botânico - tornou no mesmo tom presumido. - Aprecio nelas a viveza das tintas; aprecio o verde da folha, de um lume tão quente e sensual que embebeda os olhos. Também sei que as camélias s ão flores de luxo, apenas de luxo, sem perfume como hetairas sem pudor. Têm um nome horrível, de parvenues, que soa, ainda, ao apelido de guerra das cortesãs. É quanto basta para formar uma ideia suficiente. - É pouco. É o juízo que faz delas o boi, o labrego, a menina que enfeita com elas a floreira da sala de jantar. Não me surpreende! Há em certas coisas um encanto que apenas se entrega a quem lhes conhece, como hei-de dizer?, a quem lhes conhece a sintaxe. - Indica-me a gramática onde isso se aprende! - redarguiu, torcendo os lábios num esgare de ironia. - Vem cá, é facílimo - respondeu com uma pachorra, um intono quase de pedanteria que lhe não era próprio, mas que servia para cortar ao pensamento do amigo a vereda teimosa. - Se olhares para estas camélias, o que primeiro te fere a vista é a cor, não é assim? Bem, recorramos o plano. Por uma circunstância que não vem para o caso, são todas vermelhas. Porém, se o vermelho é a falta de tónica, o matiz estende-se a tantas variações quantas pode a retina conceber. Nada falta, desde o carmezim­ -cereja, com fulgores de granada, ao cor-de-rosa suavíssimo a diluir-se em nácar. Num só exemplar, por vezes, a gradação é mais subtil que as cam­ biantes no colo de uma pomba. Noutras, o rubro é unido e inquebrantável como ensopadas em vermelhão de Saturno. Temos, portanto, aqui, uma primeira maravilha . . . - Sabia-se - proferiu com uma secura e m que o interlocutor pareceu não reparar, pelo que continuou no mesmo tom académico: - Não, estas coisas estão à superfície e não se vêem; são os segredos a descoberto que ninguém procura desvendar. No mundo dos fenómenos há 1 34

um discursivo que requer dos olhos uma espécie de virgindade. Olhos pan­ teístas de criança ou de poeta. - Édipos, ah ! - Não rias e repara-me para esta camélia cor de sangue, com veias translúcidas, de uma anastomose que seria invej ável na pele da face de uma rapariga loira! Raiada de estrias pálidas, não parece uma estrela do ama­ nhecer? E aquela irisada como rosácea! E esta outra com beta alva de neve a dividir o limbo das pétalas contra um fundo cor de salmão ! E esta, em que o encarnado se apresenta jaspeado de villeta para a periferia e de guache para o centro, com as pétalas, sobre o redondo, num decrescendo harmonioso até formar o coraçãozinho de alabastro ! Observa como na combinação com o branco, rodadas, cruciadas, irradiantes, com um leve rócio de alj ôfar, mosqueadas a máculas largas, são simétricas e caprichosas tais as faianças dos oleiros mudjares ! - De facto. - Atende agora à disposição das pétalas. Dentadas, lancioladas, aculiadas, redondas, imbricadas de tal maneira que projectam um fuminho de sépia umas sobre as outras, não está aqui o mais curioso e singular j ogo de curvas?! Há ainda a revelar nas camélias a configuração linear da face, a qual mostrando-se plaina, deprimida, convexa, como os ciclamens, como as dálias, como as rosas, é um outro mundo de belas e curiosas aparências. E, se não abstraio da folha, nem do botão com as suas tintas, com as suas formas, deparam-se-me outros e variados diagramas. Tudo isto cons­ titui a sintaxe estética da flor. - Não têm perfume - observou o amigo, perdendo de vista o pensamento que dera azo à dissertação. Se fossem aromáticas, o seu aroma seria um veneno mortal. Porquê? Porque todas as perfeições juntas dão na monstruosidade. Onde acaba a escala das perfeições? Onde mo indica o sentimento de relativo que tenho da natureza. \ - Não és original na paixão . . . - Nem m e importa . . U ma camélia, para mim, transverte-se para o mesmo teatro em que me deleito a ver um podador a arredondar certa árvore da rua, uma formiga a acarretar para o celeiro a carrada imensa do grão de trigo. É nisto que encontro o tal discursivo de que falei há pouco. Fora dele, vida, mulheres, arte, j ogo da inteligência, não me interessam ­ e, aliviado na certeza de que desviara da bela criatura a suspeita perigosa, voltou em silêncio a adorar as flores, tão ciosas, dir-se-ia, da sua beleza, que não se estiolá m, não murcham, mas se despegam do hastil e caem ao chão, como suicidas. ILUSTRA ÇÃO, 16-4- 1930 1 35

"O HOMEM QUE MATOU O DIAB O" A quilino Ribeiro, o eminente romancista português, um dos mais sólidos e fortes valores da nossa literatura moderna, acaba de lançar ao público, um novo romance O homem que matou o diabo, cujo sucesso editorial promete ser maravi­ lhoso. A obra de A quilino Ribeiro já não precisa de adjectivos nem se faz mister a mostarda do reclamo para que o público fiel do grande prosador português espere, com ansiedade nunca defraudada, cada nova o bra que surja no mercado. Mas não podemos deixar de fazer arquivo, nas nossas colunas de um belo trecho desta obra verdadeiramente surpreendente que marca a maturação completa do talento de A quilino Ribeiro.

VI

Ao descolar do automóvel - seriam dez horas quando muito abatia-se sobre a cidade a quietude dos lugarej os, ditosamente adormecidos com o recolher do gado. Noite obscura, fosforej avam estrelas no céu fundo e baço, como brasas espalhadas num imenso cinzeiral. Adiante do carro fugia a estrada, inalteravelmente negra e silenciosa, ora disparando em voo de flecha, ora serpenteando acima da vargem a que as tintas opacas da noite 1 37

imprimiam as aparências dum tenebroso e desmedido mar. Mal lhe des­ compunham a negrura a luz forte dos faróis e à sua mudez imponderável o zumbido rouco do motor dava a amplificação majestosa dum deserto. Das · sebes, onde uma macieirinha anã devia erguer ramos, pesados de velhice e de frutos tenros, das copas altas das mimosas e acácias, com os troncos grossos perfilados como patrulhas ao longo das valetas, dos quintais do pobre, dos próprios coutos do mato galego, vinham alargar, envolver o carro os rescendores da Primavera esmorecente. - Olha como tudo dorme! - proferiu Cipriano intencional. - É verdade - respondeu Macário. - É nestas noites de Primavera, macias como o veludo, que a natureza, quebrantada dos estos do dia, dorme a sono solto. Pretende a botânica que não, que é no Inverno. Sabe-se lá que soma de esforços não dispende a vida na imobilidade! Para os vegetais, sobretudo, a hibernação é uma sorte de catalépsia. - E que j ogo de energias não estará atrás desse fenómeno? - É nos primeiros planos que a gente olha para as coisas. Poeticamente posso imaginar que aquela olaia, toda aberta, toda carminada de flores, dorme como uma mulher na gravidez. Mas não, deve estar a sugar no húmus como uma bacorinha na teta da mãe. Para o poder afirmar, basta-me saber que cresce de noite. A vida animal e a vida vegetal regem-se por leis diferentes. O solo e a planta fazem um; com o bicho não sucede a mesma coisa. - Repugna-me aceitar que o mecanismo da vida não seja análogo na planta e no animal. - Sim, mas no infraperceptível das variações está tudo. Há uma unidade na vida, mas não identidade. - Em matéria de conhecimentos, andamos nas primeiras letras do alfabeto. Que sabemos n ós no mundo invisível que nos rodeia? - Tudo a que os meus cinco sentidos são inacessíveis não me inte­ ressa. Supondo que sou espiritualista, acato as restrições de Deus; materia­ lista, todas as lentes são poucas para estudar o meu elemento. - Acredito na imortalidade . . . - Estás n o teu pleníssimo direito. Tinham ultrapasado os subúrbios e o automóvel engolfava-se por entre matas de pinheiros, negros, hirtos, com uma caótica fixidez de espantados. Mas lá adiante, onde varria a luz dos faróis, às duas bandas das valetas, uns abriam alas processionais; figuravam outros descer pela lombra meio des­ nuda a passo de carga; e, depois, fugiam todos em debandada para trás. Aos bosques sucederam-se os breves oásis dos poviléus, com os voláteis incensos do alecrim e da alfazema embalsamando o ar, os cães de pastor, ampliados pelo contraste da luz e das trevas em proporções descomunais, a arremeter raivosos contra o carro, latadas em que os pâmpanos nascentes pareciam de prata, uma pereira, íris e neve, exalando na noite uma impres1 38

são feminina de garridice e fragilidade, o casario, torvelinho de planos e de cubos, mais presentido que devisado. - Em que vais a cogitar? - perguntou Cipriano. - Que vamos por esta estrada deserta supondo que ninguém nos vê, e somos observados por um ror infinito de testemunhas. - Um ror infinito é muita testemunha junta. Só mosquitos; mas a esta hora, a maior parte deles devem estar a dormir bêbados das bambo­ chatas do dia nas folhas tenras das árvores. - Não escarneça. Como muita gente bem-pensante, imagino o uni­ verso produto duma vontade, que se vai desdobrando em gradações de natureza espiritual até chegar ao homem. Do homem, primeiro fuzil do mundo físico, desprende-se a flama que vai integrar-se na escala divina, cuj o fecho é Deus. - Compreendo, lá na tua, o universo é uma tortulheira de espíritos como de bacilos o caldo do bateriólogo. E esqueces que essa doutrina adaptou o dogma cristão da imortalidade e mereceu o anátema da Igreja. Não dizem os santos padres que as almas ou vão para o inferno e de lá saem, ou voam para a mão direita de Deus Padre, onde ficam presas da sua d oçura como moscas do mel? - As ciências teológicas são omissas, dando de barato que sejam infalíveis. Se as almas perduram à consumpção, como me ensina o meu dogma, porque não hei-de admitir que baixem entre os homens, lhes assis­ tam, os inspirem, lhes insuflem determinadas regras de acção, numa pala­ vra, desempenhem junto deles um papel moderador, repressivo ou tutelar? - Ah!, ah! Lá se vê, é graças a essa policia secreta que cada vez há menos patifes no mundo ! - O s espíritos são caprichosos e inconstantes, avaliados à luz do nosso entendimento. - Quem te ensinou uma metafísica tão absconsa? Foi o padre Augusto? - Tenho filosofado muito comigo e com Deus. Eu ouço, e só não ouve quem não quer, mil vozes interiores quando me proponho cometer um acto que sai do ramerrão quotidiano. D onde vêm elas, se não dos seres invisíveis que penetram na minha consciência como o sol por uma vidraça? Olhe, ouço-as agora que me dizem: vais praticar uma feia acção. Volta atrás, ainda é tempo! - A isso chama-se em gíria terrena - cortar prego. Descansa, que no convento não encontrarás espíritos. S ou petroleiro, fogem de mim às sete partidas. - Comprometi-me, vou, ainda que soubesse que a minha alma caía direita no inferno. Agora lhe digo, esse convento da A ra Coe/i deve ser uma formidável mansão de espíritos. Os milhares de almas que por lá passaram; ali tiveram o seu humilhadeiro; ali sofreram o seu calvário; ali penaram os 1 39

seus amores terrestres e prelibaram os seus amores divinos; esses milhares de almas pairam, não podem deixar de pairar, sobre a pobre ruína mística. Estão esparsas na penumbra, consubstanciadas nas paredes, nas imagens, em tudo o que lá resta de pé. Por isso há coisas sacrossantas, e é risco de morte tocar nelas com mãos profanas. - Breve tiraremos a prova - disse Cipriano com visível desdém. O mundo é átomo, eléctron, reacção entre os dois, e mais nada. À s vezes tão subtil é o fenómeno que os eunucos do entendimento inventaram para o explicar a palavra espiritual. O resto são baboseiras de cérebros doentios. Iam costeando a serra, a j ulgar pelas rampas de rocha e de saibro a que uma giesta ou pinheiro revelho faziam sentinela desolada. Repercutia mais alta e sonora a zoada do motor. Um coelho que pincharolava na zona luminosa dos faróis, uma cruz de homem morto, instilando superstição e terror, um pontão sobre águas vivas, penedia e monte, monte e penedia, e sempre o macadame correndo deserto entre sombras enoveladas. Depois de longo silêncio, expôs Cipriano com toda a minúcia o plano de entrada no mosteiro. Desfiando um rosário de hipóteses, até aquelas que se lhe poderiam antepor como mais adversas, só contava com dificuldades de ordem material. Nada havia a recear; aquilo era numa cova, distante de eira e beira, onde não bolia viv'alma. - Pois a mim palpita-me que nos vai acontecer desastre - disse Macário. - Todo o caminho me tem vindo a trabalhar a consciência que o melhor era desistir. - H omem, quem tem medo compra um cão. Para que aceitaste o dinheiro? - Não se exalte, vou. Limito-me a dar-lhe parte dos meus agoiros. - Dispenso-te a atenção. O que te recomendo é que trates do sistema gastro-intestinal. Isso não deve funcionar bem. Calou-se M acário, cominado pela voz sarcástica. No fundo da sua alma ia transido, torturado de medo, sustentado pela fátua esperança de que o carro se despenhasse por uma ribanceira e, mortos ou feridos, assim tivesse embargo a sacrílega aventura. Mas, conduzido por mão segura, afoito, com frenesim, sem tactear o piso, lá ia o automóvel devorando quilómetro atrás de quilómetro, entoando o seu refrão glorioso. Tinham descido para a planície, terra de paúl e vinhedo, e boiava no ar o cheiro da vessada, este cheiro da terra acre, salitroso, em que parecem fundir-se todos os perfumes da vida e da morte. Acompanhavam a estrada testeiras verdes de campos, renques de árvores floridas, e muros altos de quinta com portão de ferro entre pirâmides de silharia lavrada. E ouviam-se cantarolar os ribeiros, impregnada a atmosfera de sua humidade fecunda. Mas lá longe, acima da veiga verde, levantou-se o quarto-crescente, estreito e pálido como foice enferruj ada. Já branquej ava a fita alvacenta do -

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macadame; já luziam como aço brunido as folhas recém-vindas dos casta­ nheiros. E na luz esvaente, denunciavam-se os plátanos e os eucaliptos pelo tronco branco e escodeado, as cerejeiras pelo torreão de esmeralda, com recamo de lantej oulas, e os rústicos pinheiros pela negrura solitária. Saltou um molosso de granja, agigantado ao reverberar da luz; chisparam !uma­ réus do restolho engaçado; ouviram-se, apagaram-se vozes, como relâmpa­ gos. E, vuú-vuú, sempre mais longe. - Vais a rezar! - berrou Cipriano. - Rezas daqui a pouco na igreja da Ara Coe/i. - Ia quase a dormir - respondeu Macário que, ao ritmo da marcha, se ia embalando entre a visão da amada e a inquietude do lance a j ogar. - Pois acorda, que estamos quase chegados. É bom ires calçando as alpargatas. E dizendo isto, tirou Cipriano as botas e meteu nos pés umas sandálias surdas, de ratoneiro. - Mas é precisa essa cautela toda? - observou Macário ante aquele aparato. - H omem, o seguro morreu de velho e · D . Prudência foi-lhe ao enterro. Pode andar por lá algum pastor a acurralar terra, e assim gira-se também mais leve e subtil. Obedeceu Macário grunhindo: - Os fados têm de se cumprir. Vou como se fosse de rastos. - Diabos te levem, mais ao medo. Colaboras numa obra meritória, que os quadros estão-se a perder. Se houvesse espíritos, como tu alanzoas, eles próprios os dependuravam do muro e vinham-nos trazer ao automóvel. - Viriam. O que lhe digo é que não basta quanta água lustral há no mundo para nos lavar as mãos. Mas não ouvia Cipriano, distraído a dizer ao chauffeur que apagasse os faróis e marchasse lentamente. Pela direita, a todo o longo da estrada, ia galgando uma parede muito alta, de negra e miúda alvenaria, com o dorso de cavalo esbarrondado de espaço a espaço. - Cá está a cerca! - dito o que, a meia voz, apressou-se a correr à outra portinhola, que olhava para as matas. O automóvel seguia ronro­ nando baixo, sem um estremeção, como felino à caça. Mas breve gritou Cipriano: - Alto ! Rasgava-se um pequeno desvio por meio dos pinheiros dentro, traçado pelos carros da lavoura, e acrescentou: - Mete para ali o carro ! Vês o esconso? É mais seguro que na garage. - Mal pecado que não viesse alguma donzela ter comigo - gracej ou o chauffeur, que era rapaz novo, de ar desenganado. - Talvez algum lobo. Quanto ao mais, podes deitar-te a dormir. 141

Cipriano retirou do carro dois pacotes de ferramenta; e dando um a Macário, metendo outro debaixo do braço, proferiu: - Ala que se faz tarde! Atravessando o macadame, cortaram para um caminho velho, que se afundia como uma regueira entre o muro feudal da cerca e o muro alto de duas varas, suporte das terras que desciam da banda do Norte em íngreme escorregadoiro. Era um -caminho de lájeas, desiguais, gastas pelo vaivém secular do mosteiro, que contara passante de cento e trinta celas. Do seu esplendor, das graças e prodígios de que foi teatro, reza a crónica da ordem em páginas e páginas que rescendem mais fragrância que um campo de anémonas . . . Crisol de vidas e alfobre de santas qualificou certo visitador aquela clausura, que, sendo mimosa de todos os regalos, com tulhas abarro­ tadas até o tecto, se tornara pelo jejum e o cilício um dos purificatórios do Carmelo. - Este muro é mais velho que a Sé da Guarda - murmurou Ci­ priano, levado sape que sape, como um gato, na sua sombra. - Parece construído de cascalho e em solidez nenhuma fortaleza lhe ganha. Se os gerifaltes chegavam ao pé das monjas, é porque elas queriam. Mas onde diabo está a portaleira? - Não terá sido essa portaleira ilusão dos seus olhos? - balbuciou Macário, respirando o desafogo duma súbita esperança. - Não é, tenho-a na planta. - Estudou então a topografia do mosteiro? - O melhor que me consentiu o padre capelão. O raio do homem andava com lúzio de cima de mim que fervia. Benfeita, que há-de acabar em Rilhafoles! Lobrigaram, afinal, o esbarranco para cruel desengano de Macário e, escalando a ruma de pedras, subiram para a crista do muro. Diante deles estendia-se a estranha paisagem do horto, mais cemitério ao abandono que terra de cultivo, talhado em xadrez pelas ruas de murta de que lucilavam ao luzeiro frouxo do luar, mortiças e pálidas, as frondes esguedelhadas. Não se via o solo, mas adivinhava-se ser pasto de faminta e raivosa enchente de ervas pela escuma verde-negra que o cobria. Do meio delas, como em levitação, elevavam-se cones brancos, rarefeitos, que deviam ser árvores de fruto, vingando florir uma última Primavera, caducas e exaustas. Formas veladas destacavam aqui e além, porventura arbustos, estátuas corroídas ou fantasmas esvanecentes. Ao fundo, o vulto do mosteiro punha sombra imensa e espectral. E aliado ao aroma forte, selvagem, das ervas daninhas, da murta, dos detritos vegetais, pairava ali um silêncio tão absoluto e infesto, que chegava a incutir uma noção chocante de personalidade. Não se deteve Cipriano na inspecção da inconsolável soledade; pulando dentro, foi abrindo caminho pelo ervaçal, ao abrigo da murta, com breves paragens para não se perder do companheiro. ·

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Cerca de uma brenha de ciprestes e loireiros, tão espessa que bem se via nunca ali entrar machada, suspenderam-se à escuta. Não bolia folha. A poucos pas�os perfilava.,.se a portada da igreja, muito direita em suas linhas rectas e salientes cunhais à escoda, com panos de argamassa e cornija que se subpunha ao tímpano e se prolongava para o convento a toda a volta dos beirais. Sobre o ângulo norte, a sineira, de uma só empena, mostrava as ventanas vazias, varadas melancolicamente do luar. Acima do arco da galilé, no seu nicho tubulado, uma santa Teresa de pedra lioz dormia o sono extático; esbeltas pirâmides encimavam as platibandas. E para lhe não faltar o ar austero de frontispício século XVII, em exergo, inscrito no lintel, brilhava um Jesus dulcis amor meus, que Cipriano, a dar tempo ao tempo, re memorava para o companheiro . Ali permaneceram obra de minutos e iam a despedir quand o rom­ peu perto a serenata dum rouxinol. Diluiu-se a dolente melancolia daquele lugar de sombras, como se por sobre a terra morta descesse um dilúvio de rosas. Já não empestava o ar o odor acre da murta; já o silêncio perdera aquela fixidez de dragão que vigia; e da alma de Macário evolavam-se, como fumos de pesadelos, seus místicos terrores. - Vamos lá, muito devagarinho, para não espantar o cantador ­ murmurou Cipriano caminhando para a igreja na ponta dos pés. - Vai ser o nosso guardião o rouxinol. Se se cala, é porque damos alarme, o que não é bom; ou porque vem gente, o que é pior. - Se o senhor fosse da raça do monge que passou mil anos em êxtase, conta o padre Bernardes, a ouvir o rouxinol, deixava os quadros e não saía daqui. - Não, não sou dessa raça. S ou da raça daqueles que julgam mais louvável salvar dois Riberas da destruição que duas almas do inferno. Adiante, que é festa! Entraram para a Galilé e logo se foi Cipriano experimentar as portas, robustas, posto que velhas, com almofadões lavrados e grossos, cravos de cabeça em poliedro. Empurrou; estavam, de certo, bem trancadas por den­ tro, e os batentes não arredaram um do outro nem tanto como a grossura duma folha de papel. Em vista do que, desfez os embrulhos e apertou as ferramentas com o tino dum nictalope e tanta leveza que na balseira o rouxinol não se interrompeu de cantar. Com o pé-de-cabra atacou então as portas, insinuando-o quer no rasto, quer no rasgo das ombreiras, ora com maneirinho jeito, ora com nervoso arranco. Nem ares deram de bulir. Perplexo, em tom de solilóquio, meditou: "Esta é a entrada mais directa e mais segura. Ninguém nos vê traba­ lhar; uma vez os batentes dentro, cantam os Riberas no papo. Pela outra porta, a cartada oferece seus riscos; está muito em exposição, e passante ela, quantas outras não haverá, fechadas a sete chaves, a tolher-nos o caminho? 1 43

Avancemos pela poterna. É preciso cortar a tranca . . . corta-se. Não há frincha para o serrote manobrar? Abre-se um ilhó." E dispôs-se à obra. . . (De O homem que matou o diabo, recentemente posto à venda).

ILUSTRA ÇÃO, 1-5- 1930

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NÃO, JÁ NÃO SOU CAT ÓLICO . . . Contou Isabel n a fala mansa e fluida, com o seu quê d e chilreado e de neve a zebrar o céu e a dissolver-se no solo humedecido, os acintes de que o bom do homem fora alvo quando dera a lume a Espada de D. Afonso Henriques. O escultor dobrara a cabeça sobre a mão e, com o crepúsculo que vinha descendo parecia quebrado a dormir. Incerto calou-se o regati­ nho da voz dolorida. Ouviu-se o crepitar do fogo e, na carreira, retinir a chocalhada dos rebanhos que recolhiam dos montes. E ele, ensimesmado, revolvia no entendimento aquelas cómicas e cruéis coisas, completando-as com traços da sua intuição, interpretando-as no vero cenário do soalheiro nacional. Partira do rebate da gazeta dos vigárigs e brasonados ché-chés; Vis­ sem, vissem, um blasfemo racionalista tratava de sucata a gloriosa, épica, sacrossanta espada do Fundador! A que pedir contas do torpíssimo desa­ cato, que espalhava a relaxidiío e a soltura do livre exame, senão à demago­ gia reinante?!. . . S altaram logo à estocada os vates saudosistas, a Cruzada Nun' Álvares e a Ordem de Santa Maria do Castelo. Ardeu Tróia só fal­ tando os hierofantes do nacionalismo aparelharem um caldeirão de azeite para frigir o iconoclasta. Mendanha era singelo, retrógrado, alma sensível, e doeu-se de se ver no pelourinho da letra redonda. Debruçando-se sobre a brochura como o mais rigoroso censor do Syllabus e não podendo reconhe­ cer o seu pecado, capacitou-se de que um génio mau e invej oso, misto de Cabrion e de Torquemada, saído porventura da falange vasta dos arqueólo­ gos, lhe armava estas tramóias e picardias. P ois que a crítica formulada contra a apócrifa catana era um modelo de lisura; que demonstrara a sua tese por a + b; que nem empáfias acalentara de original, sendo notório 1 45

terem antes dele, muitos pesquisadores de velharias andado suspicazes em volta do chanfalho e virem alguns a público denegar-lhe a genuidade; que no seu intuito fora digno e meritório com pretender exornar o braço forte do monarca com outro ferro que não a vil lâmiba do museu - porque o acusavam? Animoso com razões de tanto peso, ripostou. Pobre investiga­ dor de coisas mortas, não concebia, não podia conceber que surdissem nos povos, atridos da guerra, estas /ames de fond que têm a virtude de trazer à tona a ciscalha do passado e a fauna larvar dos podrideiros, e que, babu­ jando até Portugal, hífen da civilização europeia e da barbária africana, ressuscitaram do labéu as almas dos capitães-mores miguelistas, transmi­ gradas em camelots du roy, as sacristias rancorosas, os conselheiros beó­ cios, os panfletários da Besta Esfolada e todos os Calibans do liberalismo. Todos estes caíram em fúria sobre o arqueólogo, invectivando, espumando, ululando, gemendo até patrioticamente o miserere. Da assuada, entre as penas eruditas e virulentamente lusíadas que espicharam o Judas, alegou uma "ser D. Afonso H enriques um miraculado como Godofredo, como Joana de Are, e portanto que manejasse o espadagão ou uma trave de ferro mais fácil que medicastro de aldeia ao bisturi das cirurgias". Treplicou M endana que "por aquele critério o príncipe quando fugia à palavra e se rebelava à má cara contra a mãe, obedecia ainda à inspiração divina. A teodiceia era omissa quanto a conferir ao deus dos exércitos o· atributo correspondente. Mas partindo do princípio que fora investido da alçada augusta, porque em vez da tosca durindana não usar a lança coruscante de S. Miguel"? Mais se assanhou a patuleia tradicionalista. Não se detiveram já a provar que o gládio que armara as mãos reais, se ensopara até os copos no sangue dos perros infiéis, riscara as fronteiras da pátria; empenharam-se em liquidar o homem. Lamentavelmente, o passado dele era mais limpo que o papel em branco de que se servia a seráfica folha antes de estampada. Remexendo bem com o gadanho, tocaram na sepultura de D. José, disse­ cado pelos vermes. Deixá-lo, exumaram a memória infeliz debaixo da loisa pesada e deram-no em pábulo às beatas, aos Catões das monarquias, aos muftis do patriotismo agravado, esquecendo que o fidalgo fora, à tez da sua consciência de patife, um refinado carola. Daí até a simbiose com o mano foi um passo. Condensava-se em torno dele o mesmo ambiente de estúpida e santíssima intolerância em que se debatera o Milagre de Ourique; menos filósofo que H erculano, mais enojado talvez, deixou de então em diante secar a tinta no tinteiro, passando, para matar o tempo, o tempo tirano da velhice, a decifrar charadas de almanaque. Erguendo a cabeça porque só decorridos minutos deu conta que se ouvia a ele e não ao murmúrio da voz límpida, exclamou Macário: - Que lástima ter esta linda terra tão maus povoadores ! - Ora! Ora! É por acaso melhor a gente das outras nações? Há-de-me contar como se deu nessas cidades famosas. Coitado, sabe Deus se foi feliz ! 1 46

la a protestar que fora felicíssimo, mas resplandecia no rosto de Isa­ bel um lume de tanta doçura que lhe faleceu o ânimo para mentir. E acanhando-se de fazer estenda! dos seus dissabores, limitou-se a confessar: - Não, não fui feliz. Ao cabo de pausa, levemente embaraçosa, tornou ela: - Deus trouxe-o a porto de salvamento. - Deus se existe não quer saber de nós. - Não diga isso! - Em todo o caso, nunca é o Deus que anda de cima dos altares, figurado pelas teologias. Esse desgarrou da lei moral. Almas em que governe são, em regra, antros de hipocrisia, de mentira, de perversão e sensualidade. Almas católicas . . . diabólicas. Abjurei, despi a túnica de Nesso da minha infância que me afogava. Corri mundo e quase todas as pessoas que encontrei à sombra da velha e ressequida árvore do Calvário eram o pior da humanidade. - Santo nome de Jesus ! Farto de sofrer, sempre que a taça cristã se me estendia para os lábios a aliviar a febre, do fundo tinha fel e vinagre. Falhei a vida mercê da estrei­ teza dos moldes em que me formaram o entendimento. O demónio que trago dentro de mim, bem o sinto, nasceu e engordou no nateiro das minhas superstições. É ele, só ele, que me faz mesquinho, ego ísta, voluptuoso, mau em suma. Não, não sou católico, mas por desgraça minha é tarde para pôr direita a alma encurvada. Havia tanta angústia nas palavras de Macário que Isabel, comovida, não respondeu. S ó após dolorosa pausa, ousou dizer erguendo os olhos claros: - E agora? - Agora, Sei lá ! A VITÓ RIA, de Setúbal, 25-5- 1930

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CRÓNICA DA QUINZENA A estas horas, nas chancelarias de vinte e sete Estados, ter-se-ao debru­ çado sobre o memorial que Briand elaborou quanto à organização da Europa em regime federal. Os sequiosos de ordem nova não terão, porém, matado a sede. O homem de Estado francês não apresenta, com efeito, programa ou estudo de federação; planta o seu letreiro como mestre que lança na loisa o tema de retórica e deixa os alunos versá-lo, recolhidos em sua sabedoria. Certo é que os governos dos vinte e sete Estados - a Europa inteira, salvo a Rússia - responderão invariavelmente, pois o contrário seria a negação da própria diplomacia: maravilhoso ! O memorando prevê a orga­ nização de uma conferência pan-europeia com o objectivo de fixar as direc­ tivas que devam determinar o estatuto da visada federação e a muitos desses, que Marcel Proust pintava como infatuados sandeus, sorri, sem dúvida, pavonear-se pelo mundo, espairecer a casaca de bom corte, enfeitar a lapela com veneras, discretear para o universo embasbacado. Não obstante a sua inteligente vacuidade, subtilmente, o memorando arvora o princípio de que todo o esforço construtor terá de circunscrever-se ao plano político. Para mais tarde o exame de medidas que é lícito encarar no sentido de encontrar um terreno de aproximação para os vários sistemas económicos da Europa. Por agora, o problema é de segurança, o que implica alargar o mais possível a rede de arbitragem e compromissos inter­ nacionais, de manter o statu quo precintando-o de novas garantias, numa palavra, . de definir e subscrever uma sorte de dogma de intangibilidade de nação para nação, bem embora as fronteiras actuais de alguns Estados sejam o produto artificial da violência. 1 49

A que destino estará votada em última análise a sugestão de Briand? Como portugueses, é para lamentar que não seja coroada pelo mais triunfal e retumbante êxito. O ideal das pequenas nações é que a sua soberania absoluta lhes sej a garantida pelo concerto de todas. Para elas é preferível dormir à sombra da oliveira que de reluzentes e custosas baionetas. S ó as perspectivas que viriam a abrir-se ante elas com aliviarem-se do pesado ónus dos exércitos permanentes justificariam o seu entusiasmo pelo pro­ jecto de união europeia. Abstraindo, porém, da circunstância de portugueses, esta tentativa parece caber dentro daquela fábula de Fedro: a paz entre os animais. O lobo associado com a ovelha, o leopardo com o onagro, pode lá ser? Concedendo à priori que se trata de um projecto de boa vontade, de são e puro idealismo, correspondente às necessidades da Europa decadente e sobrassaltada, e não de alicerçar a hegemonia francesa sobre os ombros das nações débeis, nem de organizar um grupo continental, como suspeitam os alemães, contra a Inglaterra, os Estados Unidos e a Rússia, ou simples­ mente contra a Rússia, nem tão-pouco de buscar alianças, morais pelo menos, no conflito que se esboça entre a França e a Itália, e um pouco mais que consolidar os ganhos da grande guerra, é possível congraçar a Europa mediante um traço íntimo, dado o estado de repulsão em que muitos países estão uns para os outros? S em dúvida que não há entorse que a inteligência humana não possa corrigir e, se é lei inelutável entre as espécies como entre as nações a luta pela vida, também esta pode ser dirigida e encaminhada de modo a que o engrandecimento e progresso de umas se não faça à custa do património e bem-estar de outras. Os interesses contrários conciliam-se; os sentimentos de animadversão de povo para povo transformam-se; as injus­ tiças praticadas podem e devem ser resgatadas. Também nada é eterno e conferir carácter de intangibilidade nos tratados seria até certo ponto abdi­ car do exercício da razão e colocar-se num pé de intransigência, susceptível de todos os desastres. Mas onde estão os homens, animados de confiança pública, dotados dessa supervisão que vai léguas adiante dos acontecimen­ tos sociais, sacrificando a aquisição transitória à causa duradoira, capazes de arrostar com semelhante empresa? Existem na Europa antinomias irredutíveis na situação em que se nos depara no momento presente. O imperialista tudo fia na força e o pequeno só lhe resta o recurso de invocar o direito; o vencedor tudo fia no cumpri� mento dos tratados e o vencido conspira para a revisão desses tratados, ou aguarda, mordendo o freio, a oportunidade de os esfarrapar; o militarista julga-se no direito de aperfeiçoar os seus exércitos e de atar alianças secretas com quem amanhã o ampare na guerra, o isolado, em compensação, arruina-se, armando-se. Ao país industrial convém que se abatam as barrei­ ras aduaneiras, ao país pobre de indústria que se elevem cada vez mais. São inúmeros os fossos de natureza económica e espiritual que separam os 1 50

povos. Porventura apenas a religião, que se acomoda a tod os os matizes da política como musgo de tod os os climas, não constitua óbice sério para a aproximação dos Estados europeus . Mas sem rebuscar vícios de estrutura e observando de alto os antago­ nismos da Europa política de hoje, se chega à conclusão de quanto é tem­ porã ou pelo menos de difícil exequibilidade a ideia magnífica de Briand. A Alemanha sangra da perda de metade do Slesvig, em favor da Dinamarca, de Eupem e Malmedy em favor da Bélgica, do corredor de Dantzig que cortou a nação em duas, da internacionalização dos seus rios, sem falar no Sarre hipotecado e nos pots cassés que é sozinha a pagar; a Á ustria, da sua dolorosa mutilação, do Tirol em que pesa a mais tirânica pata do domina­ dor; a Bulgária da perda da Macedónia; a Croácia, M ontenegro e Dalmácia do jugo da Sérvia, a Rússia da perda da Bessarábia, a Lituânia da usurpa­ ção de Vilna; a Espanha continuará a sentir no seu flanco o espinho de Gibraltar, e até nós, os portugueses, se quiséssemos inventar um motivo de macarena política, teríamos Olivença. A par com estas chagas abertas, a Itália cobiça a Sabóia, a Córsega e os agros africanos da antiga Roma e, de um modo geral, não há p otência que não aspire a estender-se para o territó­ rio vizinho ou pelos seus domínios coloniais. Os diferentes tratados que se seguiram à grande conflagração não fizeram mais que agravar as iniquida­ des já existentes. O tratado de Versalhes podia ser o despontar de uma aurora nova para o mundo; não foi; em vez de, em torno da mesa verde, se assentarem títeres, era preciso que se assentassem demiurgos. Seriam preci­ sas vistas de águias que abarcassem os largos horizontes e os homens que ali estiveram não conseguiram olhar além do palmo de terra que pisa­ vam. A Europa generosa era digna de melhores capitaneadores. ILUSTRA ÇÃO, 1-6-1930

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CR ÓNICA DA QUINZENA De certo é a literatura o instrumento mais poderoso de que dispõe a França para a sua influência no mundo. Servida por um idioma admirável de clareza e de precisão, os seus romances leves ou de ponderosa lavra, as suas obras de história, os seus tratados de ciência ou de arte vão a todos os becos do globo. Este comércio, ao passo que constitui uma fonte de receitas apreciável, contribui mais para o prestígio e interesse francês que as repre­ sentações juntas de diplomatas e caixeiros-viajantes. Quem, de certa catego­ ria mental, não passeou os bulevardes das suas cidades, veraneou nas suas praias, visitou os seus museus, em espírito esteve em todas estas partes mercê do livro? É o livro que lhe prepara o ambiente para os homens de negócios, para os agentes políticos e que, de braço com a gazeta, lhe arrasta para dentro de portas a vaga quotidiana de muitos milhares de forasteiros. A ele, mais que tudo, deve o ser a ama de leite dos países retrógrados ou mal desensaburrados da barbaria, o figurino destes e doutros e, suprema van­ tagem, a abastecedora de seus mercados do bom e da camelotte. A aura de simpatia universal que goza, a admiração que lhe tributam, conquistaram­ -na os seus artistas e homens de pensamento. A palavra escrita deforma, transpõe, doura . . . Que móssega pode fazer numa ideia fixa, com carácter de universalidade, o descoroçoamento de um Carlyle? Sendo o escritor este maravilhoso missionário da civilização francesa, lógico era que recebesse do público e, em particular, das esferas oficiais o apoio e favor que merece. E assim sucede. Nesta temporada do ano, inserta entre os últimos dias da Primavera e o aniversário da tomada da Bastilha, tem chovido oiro, muitos milhares de francos na banca dos homens de letras francesas. Nem todos os que aviam prosa para os prelos ficaram habilitados a mandar vir o jantar do A u cheval pie, mas não é menos certo 1 53

que determinadas recompensas com o Prix de Roman 400 000 francos põem um autor ao abrigo do Inverno. H á ainda o Grand Prix Litteraire, da Academia 1 50 000 francos - e o Prix Osiris - 1 00 000 - que não são para desdenhar. Entre 1 O e 1 5 000 francos são inúmeros os folares desta espécie; a partir de 1 000 aluvião. Todos os géneros literários beneficiam da cornucópia da abundância, o grosso maná vai, porém, para o romance. Como mais desprendidos da terra e das suas necessidades, os poetas ocupam na escala dourada o degrau do fundo. A par com estes convites pecuniários, pagos de contado, são dignas de menção as Bolsas de Viagem que permitem ao escritor, munido de passa­ porte diplomático, investido oficialmente de embaixada intelectual, ir devassar o mundo. Deste modo é favorecida uma das tendências mais pronunciadas da literatura francesa actual: o cosmopolitismo. Até à guerra, o teatro literário confinava-se entre a rampa de Clichy e a rampa de M on­ trouge; os Loti e Paul Adam eram a excepção. Agora inverteram-se os campos; raros são os que quedam intramuros a bater o velho tamborim parisiense. O francês, mormente o intelectual, que detestava arredar pé da sua lura, meteu-se a peregrino das sete partidas. Todos os dias aparecerá um que descobriu a América e outro que deslindou o segredo de Espanha. As paragens remotas do novíssimo mundo não lhe fazem medo. Percorre-as de afogadilho, porque não há tempo a perder, e por via de regra traça delas um painel tão exacto como o que nos legou M arco Polo, do Oriente. Tão exacto, mas não menos pitoresco. O francês verá sempre as coisas e os homens sob um ângulo diferente dos restantes mortais. Nisto residia, talvez, a razão secreta do seu encanto e do seu êxito. A partir do divino Anatole, a literatura francesa terá perdido em graça, pureza, espírito, se quiserem; a ânsia, porém, de originalidade trabalha-a como nunca. Para variar os seus cenários, o escritor entra como um bandeirante pelas plagas mais escusas; torce e retorce a língua, para adquirir individualidade; desentranha no homem as psicologias mais absconsas; mistura na paleta todas as novida­ des, desde a geográfica à filosófica. Os antigos valores, Deus, honra, famí­ lia, amor, dinheiro, só os aproveita analisados a espectoscópio, em formas escapas até agora à observação. Que resistência oferecerá ao tempo esta literatura centrífuga, polimórfica, lançada fora das calhas habituais eivada de impaciência e deste quid, vago, fugidiço, furta-cores, que se chama modernidade? Explorando uns países, repintando outros, esta literatura serve supe­ riormente à irradiação do nome francês. Por isso as estações oficiais a patrocinam de mão generosa. No Quai d'Orsay faz-se uma verdadeira polí­ tica do livro; o livro entra como beneficiário em todos os convénios e modus vivendi que se assinem com as nações estrangeiras; nas grandes cidades, como Rio de Janeiro, Buenos Aires, Québec, as livrarias francesas são subsidiadas pelo Estado. Ao mesmo tempo os direitos dos seus autores são -

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acautelados zelosamente por meio de agentes próprios e consulares. Outros privilégios e mercês são reservados aos cultores das letras, sem falar no palácio de Massa que o Ministério da Instrução lhes instalou quite e livre, com toda a magnificência, num parque esplêndido para a sede da S ocie­ d a d e ; n e m d o s milhões de francos, inscritos este ano no orçamento, para o o ut il/age in te/lectuel.

De um modo geral há uma cooperação efectiva e solidária de todas as forças da nação em prol das letras. No último número das Nouvelle Litté­ raires nota Pierre Mille que o editor é mais audacioso que antes da guerra e não hesita em lançar os novos, que são aos cardumes. "A imprensa, mesmo a mais quotidiana discorre acerca dos livros novos tanto como de política. Na maior parte dos j ornais, que antigamente se limitavam a rápidas referên­ cias, depara-se-nos uma página de crítica literária, cuidada com esmero." Graças aos incentivos de vária ordem, as letras francesas contam hoje uma galharda e numerosa plêiade. Não terão a estatura arrojada dos France e Flaubert, na febre que os consome de produzir, mas honram a sua terra. Ao amortecimento, sobrevindo com o conflito mundial, respondeu a grada seara dos tempos que correm. Tornou a elevar-se bem lato o archote da intelectualidade francesa. Se de França desviarmos olhos para Portugal que se nos oferece? U ma literatura mortiça, em regra pobre candeia de azeite a apagar-se, mal reani­ mada por um ou outro homem de vontade ou lunático, por um ou outro ocioso. Os estadistas portugueses - de letras - só se interessam com as de câmbio. Entre os escritores não há a mínima solidariedade profissional, pois que contar com outra seria numa terra esfacelada uma santíssima . utopia. As gazetas consagrarão páginas inteiras ao relato de um crime, mas só andando o autor de chapéu na mão, ai tio, ai tio, lhe anunciarão o aparecimento do livro. Quando o fazem, é ao desfastio, como benesse e não um dever. Se o autor tem vergonha neste alfobre de desenvergonhados, a obrinha some-se-lhe pelo alçapão do esquecimento. Para que lhe sopre o vento da publicidade, ser-lhe-á mister cortejar o director da gazeta, cercar­ -se de compadres, afagar o j ornalista, numa palavra, desdobrar-se em corte­ são e trampolineiro. Muitas reputações - não mais sólidas, louvores ao Pai da vida, que a estátua de N abucodonosor - amassaram-se com este barro. Quanto a crítica, que actue em proveito destes com uma ortopédia e daqueles como uma profilaxia esterilizante, não existiu nem existirá, visto que se arreigou nos nossos costumes de maneira inveterada a arte de nos ludibriarmos uns aos outros. Pelo que respeita ao tratamento que o livro merece dos poderes públi­ cos, basta rememorar o facto notório da salvaguarda pautal de que goza o caríssimo papel chamado de impressão, fabricado em nossa casa por estran­ geiros. Aos factores apontados, ajuntam-se as várias alcavalas, percebidas pelo Estado da indústria gráfica, os impostos onerosíssimos que impendem 1 55

sobre as livrarias e casas editoriais, o recrescimento do analfabetismo, e ter-se-á o diagnóstico da crise literária em Portugal. O homem de letras está destinado entre nós a morrer de morte macaca. No futuro haverá mais vendedores de chita e de amendoim. De resto já ouvi na Comissão de Estudos Luso-hispano-americanos, a que tive a honra de pertencer, ouvi a um lente da Ciência Comercial, hoj e sócio efectivo da Academia, advogar o principio da igualdade, em matéria de direitos a estipular com o Brasil, na introdução das nossas chitas e dos nossos livros. ILUSTRA ÇÃO, 16- 7- 1930

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CERTA MANHÃ DE ROSAS . . . Entrava Mónica nos dezasseis anos quando fugiu d a casa paterna nos braços dum sedutor. Cabelos em madeixas, saias curtas, infantil em tudo, nem lhe faltava aquela desprecavida inocência que se torna arroj o cego na alma da puberdade. Era filha única; herdeira de legítima que, na boa moeda do tempo, deitava para além dos duzentos contos em prédios rústicos e urbanos, sem falar em títulos e valores de bolsa. A riqueza cheira e por esse cheiro, não por estadão, pois tivera sempre a guiá-los o bom senso da simplicidade, se tornaram notados os Cótimos. O pai, camponês filho de camponeses, guardara puro o instinto parcimonioso da gleba; enriquecera à força de economia e trabalho; rico, conservava a modéstia primitiva, por­ que a vida nunca fora para ele uma sede de apetites a saciar. Como tantas fortunas, a sua promanara desta compleição simples e infatigável de tesaurizador. Aos sessenta anos, António dos Cótimos podia, olhando à retaguarda, contar as migalhas que haviam caído das suas mãos de empreiteiro. Por aquela longa e revessa rua, que do Largo de S. Paulo o levava ao Poço do Bispo, a pé para poupar o bilhete do Chora, muitas vezes, pelas manhãs frias de Inverno, passara adiante a mulherzinha do café, que vendia . a chícara a trinta réis, para ir tomá-lo mais longe, para lá de Santa Apolónia, a outra que o servia a vintém. S alvo o domingo, nunca perdera madrugada na cama. Para os capitalistas da época, tenazes no lucro e no esforço, não precisava de outras recomendações o empreiteiro. Lentamente, com a segurança dum castor, construiu a sua fortuna. Ao pender para a velhice, dando conta que estava rico, cuidou de trastejar um segundo andar em casa sua e aí fixou lar, até então errante de bairro em bairro. Era um prédio novo, de pé alto, com padaria no rés-do-chão, den1 57

tista no 1 . o e costureiras e funcionários públicos no 3 . 0 e 4. 0 piso . Com as suas persianas de tabuinhas, placas de cobre a reluzir nas ombreiras do portal, cor-de-rosa e bem airado, descerrava um grande ar de burguesia em plena avenida nova. Além de duas criadas, uma que seguia desde longa data seu itinerário incerto, outra móvel segundo manhas e azares, contratou Fraülein Marta, hanoveriana revelha, como professora de M ónica em lín­ guas e piano. Nada mais da equipagem grisalhante das pessoas de teres adoptou naquela sua jubilação de ricaço. Com o recorrer, porém, da menina para a adolescênia, dois anos depois, António dos Cótimos viu-se obrigado a alterar os seus hábitos de economia e isolamento, visitando e recebendo algumas das famílias com quem tivera comércio, e passando a frequentar cinemas e music-halls. Fraü­ lein Marta, que blasonava de pedagoga, era a instigadora destes espaireci­ mentos, argumentando que M ónica estava à altura de conhecer mundo. Com enfado e timidez entrou a pequena a gozar diversões que parece­ ram bulício e turbilhão a quem só espreitara a vida das j anelas estreitas dos bairros pobres. O atavismo rústico da família sofria nela com trajes que ora se esgalgavam como ânfora, ora alargavam como sino de catedral. D. Eufémia, sua mãe, que declinara nela toda a espécie de vaidade, e tinha a intuição de que os realces na mulher devem ser volúveis como os caprichos, corria as casas de modas a ensaiar figurinos. M ónica soletrava ainda Weber no beckstein e já possuía dois vestidos para cada dia da semana. Vê-las na rua, par a par, a menina galantinha e taful, a velha empertigada no ana­ crónico e invariável corte, se adivinhava a ruptura da costela plebeia pelo dinheiro. Marta oferecia o risco, sempre que se tratava de vestir ou enfeitar a morgada. - O penteado Botticelli - dizia-lhe ela, depois de perder horas esque­ cidas a estudar os Museus da Europa - fica-lhe muito bem com traje lilás. A menina tem a face oval como esta madona. Veja que gracioso! Outras vezes, para vestido de passeio, recomendava o toucado à Velas­ quez que nimba o semblante de gentil donaire. E, para saraus e teatros, a sua receita eram os penteados ingleses à Gainsborough, leves e espumosos, ou a coifa ondulada à Madame Lebrun, que dá espírito à fronte mais prosaica. A tão deliciosos modelos preferia M ónica as tranças escorrendo pelas espáduas, atadas com um laçarote vermelho, que pareciam duas papoilas e enchiam seu rosto alvo de alegria campestre. E Fraülein tinha que recolher o mostruário de penteados, que analisara e esmiuçara com o paciente requinte de cabeleireira real. Esta rebeldia ao enfeite singular derivava menos de seu natural biso­ nho que de seus gostos de singeleza. M ónica herdara a índole do pai, no qual a mesma vontade que o guindara à opulência o mantinha abstémio perante as tentações do fausto como monge que, depois de abjurar, perma­ necesse fiel ao seu Deus. Era ver-lhe o maxilar pronunciado, mas sem 1 58

excesso, e o rosto seco de carnes, mas em tão deleitável proporção que Mónica era tida ao primeiro lance de olhos na conta de formosa. Ao contrário da gente de hoje, a que acicata a pressa fisiológica de viver, aos catorze anos doirava-lhe ainda as têmporas e o pescoço, à raiz da nuca, a penugem loira do berço, e na claridade dos olhos reflectia-se-lhe aquela brandura inestilizável das almas que vogam à superfície das coisas. E não era menos sintomática a testa larga, escantoada, cheia dum brilho que parecia a marca de candidez dos pensamentos que albergava. Na intimidade sucedia ainda apeiar de tão verdes anos para entrar no leve e efusivo des­ cuido de idade mais infantil. E da rapariguinha elegante o que se mostrava era a prisioneira de todas aquelas coisas que a pupila mágica das crianças transforma de bagatelas em majestosos infinitos. Os contos de fadas, as bonecas de olhos móveis, os p eixes vermelhos da Quinta da Rabeca, tudo o que é sagrado pelo bafo das mães e pelo olhar dos anjos tinha assento no seu paraíso. Por volta dos quinze anos de M ónica, os Cótimos tomavam assinatura nos principais teatros e frequentavam com assiduidade as famílias amigas. A poder de tacto a mestra alemã acabara por lavar da lia envolvente o diamantezinho de puras águas. Bem que aj oujada de madeixas e saias curtas por uma obstinação aparentemente paradoxal, deixava-se já Mónica tiranizar pelas costureiras e com prazer seguia as recreações duma terra que tinha pelo supra-sumo de Babilónia. Perdera, também, o ar de lírio, muito cativo, feito só para mimo dos olhos. E as plateias, mais que o espelho, ensinaram-lhe que era bonita. No número das suas relações contavam como íntima D. Júlia Maldo­ nado, senhora de rara distinção que devia ter sido formosa em tempos de D. Luís. O marido era arquitecto e nutria com o Cótimo entendimentos de dinheiro. Tinha ela um sobrinho dado a estudos históricos que, na sociedade pouco numerosa dos investigadores, gozava fama de portento. Pela mão deste tornara-se o seu salão prazo-dado de homens de letras, uns em plena voga, outros de cruz às costas, subindo a via gloriosa. Entre os consagra­ dos, tão sagrados alguns que o público os deixava dormir na imóvel beati­ tude, vinha ali Ricardo Barreiros admirado pela obra e a finura mundana. H omem de meia-idade, a julgar pela aparência, tornavam-no singular os olhos de fogo, fascinantes, e os sainetes, ao proferir os quais, no tom da voz e . no timbre dos sorrisos, marulhava uma doce inflexão de céptico. Duas rugas sulcavam-lhe a fronte, estas rugas de criatura que não tem regateado o tributo à vida e deu o melhor do seu sangue à obra de entendimento. Com este tentava competir Casimiro da Restituta, mocete fátuo, monoculado, um pé na política, outro nas letras. Bacharel em direito, recomendava-o às donzelas casadoiras o considerável património que o usurário Restituta, com casa de penhores à Esperança, lhe deixaria por morte. O Casimiro vestia como um peralta dos tempos de Farrobo e reei1 59

tava versos langorosos de sua lavra, que faziam estremecer a passarinha romântica das damas. Embora o vate fosse mais solícito para M ónica do · que Barreiros, era ouvindo este e na sua presença que se deliciava. - Tenha cuidado com este Ricardo Coração de Gibóia - disse-lhe Restituta ao ouvido, certo dia que, embevecida, escutava ao feiticeiro uma história da carochinha. De facto, ela ouvia-o presa d á s suas palavras, alheia ao resto do mundo, e corou. Naquele Inverno representou-se com extraordinário êxito a Vereda da Onça, de Ricardo Barreiros. Esta peça, em que os críticos se esfalfaram a celebrar o advento em terra lu·sa do teatro de tese, era a vigorosa e emotiva defesa do homem trabalhado por um sonho e do qual a restante vida decorrera no escuro e irregular. A Vereda era a marcha rígida, inflexível, que o apóstolo se traçara e seguia de olhos fechados a tudo o que ficava em volta. M ónica foi ao D. Maria e voltou de lá perturbada com a vibrátil e ardente inspiração da comédia. Leu a obra de Barreiros e começou a deixar-se tomar de melancolia. Passou aquele Inverno entre excessos de j úbilo e de tristeza, olheirenta e com insónias, lendo, lendo noite e dia, mostrando-se apenas pressurosa em correr às quintas-feiras de Júlia Maldonado, a que não faltavam os · escritores da moda. E, cop10 entrasse a Primavera, os Cótimos fizeram as malas e abalaram para Paris a distrair a menina. Ante usos, costumes e coisas da terra desconhecida, a morna apatia de Mónica evaporava. A leitura tinha-lhe tornado familiares certos aspectos, deformado outros, e era-lhe agradável, de visu, corroborar aqueles e repor estes no seu vero plano. Ao cabo de oito dias, porém, numa voz mimalha de cega-rega, torturava os pais com desej os de regresso. Foi neste estado de espírito que, uma tarde, ao percorrerem os Trianons, se lhes deparou Ricardo Barreiros que vagueava, longe do presente, por entre os esplendo­ res dos estilos reais. Desde esse instante ficou o escritor o guia deleitável dos Cótimos. M ónica recuperou saúde e alacridade; ao voltarem de França chilreavam-lhe na voz todos os j acundos pássaros dos bosques e tingia-lhe a face a alegria rubra das primaveras. Um mês não era decorrido, os Cótimos encontraram-se diante do leito intacto da filha; maquinalmente avistaram pela j anela os espaços livres, aqueles espaços por uma fimbria dos quais ela passara . Estava uma bela manhã de rosas, e desataram a chorar em deses:­ perad o e convulso choro a perdida luz dos seus olhos . IL US TRA ÇÃO, 16-10- 1930

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CRÓNICA DA QUINZENA Regressado à primeira inclinação, em coincidência, aliás, com o gosto do exotismo que predomina na literatura francesa actual, o senhor Claude Farrere elegeu Lisboa para caixilho do seu novo livro. Devemos-lhe essa graça. Podíamos ter pior sorte, pois que os homens de letras de França se repartiram o mundo para campo de aventuras novelescas. O senhor Claude Farrere é, a cada página, amável e agradecido, tons de rosa estes de pouco efeito na arte literária. Se tivéssemos caído em partilha a Paul Morand, ou Montherlant, eles que empregam o carvão por diante de óculos pretos, teria sido a catástrofe . . . uma desgraça nacional. Nada irrita mais o português que ver-se menoscabado ou diminuído na letra redonda internacional. A nossa epiderme enruga-se como a sensitiva quando algum globe-trotter das letras ou do j ornalismo se permite dizer que o nosso sol tem, por vezes, tachas, as nossas glórias não são superiores às dos outros povos, certas das nossas mulheres têm bigode, como escorregou de escrever há anos um gazetilheiro napolitano. Dentro de portas aceitamos uns dos outros toda a espécie de ignomínias e dislates, além -fronteiras somos mais pundonorosos que Cirano. É esta uma virtude respeitável que os na­ cionalistas se têm esquecido de catalogar no tombo da raça e que me ar­ roj o a erguer na ponta do meu humilde alfinete. Tendo-se, portanto, derramado pelo vasto mundo os escritores france­ ses à caça, se não da emoção nova, de ambiente inédito, o senhor Claude F arrere enveredou para P ortugal. A guerra ensinou-lhes, bem como aos franceses em geral, a geografia. Depois, Paris e o resto da França era um limão espremido; espremido desde o romanti Sm o de Victor Hugo ao pre­ tenso romance psicológico de Bourget. Eram implacavelmente galocêntri­ ca s as gerações literárias do passado. Paris era o umbigo do universo e 161

figurino universal o parisiense; o resto, acessório, salvo a Espanha, sorte de minas do Rand, em diamantes pretos, para a literatura. Os modernos toma­ ram direcção oposta. Não está averiguado que houvesse entre eles um tratado de divisão de terras como em Tordesilhas. Cada um meteu a mão no cabaz, ou melhor, cada um pôs o dedo no mapa-mundi e tirou o seu feudo. Estabelecer a nomenclatura e natureza de tal so berania equivaleria voltar a escrever o livro de Marco Polo. Bastará referir que até as ilhas de Fidji encontraram suserano. Os menos gulosos e menos dados à longínqua ambulação contentaram-se com os velhos e usados países da Europa. Para cada nação, um piquete. A Rússia, apenas, se bem que a terra mais discu­ tida dos três continentes e pano largo de crítica, se tem escapado ao avassa­ lamento do romance francês. Por que sej a temerário ir forragear em domínio tão profundamente explorado por uma literatura insuperável no sentimento da vida e na intensidade dramática? Por que seja na sua fase política uma espécie de Tibet vedado ao literato burguês? Por fas ou nefas os escritores, salvo Kessel, que nas Nuits Sibériennes debuxou o quadro de Vladivostoque, raia do Oriente moscovita, alhearam-se das Repúblicas Soviéticas como se tinham alheado de Portugal antes do advento, serôdio para a moda, do senhor Claude Farrere. Está-se a ver este novelista, que goza de bom crédito no seu meio, divagar mentalmente através do atlas: "Onde diabo farei assentar arraiais às personagens do livro novo que o livreiro, os meus dez a vinte mil leitores, os meus interesses me requerem? A Turquia, o Japão, a Indochina são para mim vinha vindimada; pouco sumo a extrair. Eureka, e esta fita à beira extrema da Europa, batida das ondas, alumiada de luz pura, onde floresce a laranjeira e canta o rouxinol, ao que se depreende das gazetas à procura do seu caminho, cheia de heróis semifabulosos, os Ruiz, os Magalhães, os Gamas?." O senhor Claude Farrere, que habita uma boa parte do ano a Terra Basca, a menos de vinte e quatro horas de Lisboa, fez as suas malas e embarcou no Sud. A cidade recebeu-o com o melhor sol, os portugueses com extremos de bizarria. Peregrinou pelos bairros pitorescos, a Alfama triste e desolada, a M ouraria bacântica, contemplou os seus panoramas deslumbrantes, visitou Sintra e Monserrate e, depois de copiar para a carteira com a máxima fidelidável possível, atraiçoada de quando em quando (Miguez !), os nomes das ruas e da patronímica, julgou-se habili­ tado a compor um romance com a cor, o ambiente e figurantes portugueses. A parte a intenção que é de enternecer, o senhor Claude Farrere fez uma obra do arco da velha. Pintou a cidade? Não, esboçou uma pálida pochade. De raro em raro, da pena, que nas Petites A lliées traçou o quadro magistral de Toulon, salta a nota justa, mas dessa fanfarra que é Lisboa com as casas azulejadas multicolores, os seus mil planos de bebedoiro para o rio, não soube tirar os acordes dignos. Desenha tipos de portugueses? Tão-pouco. As suas personagens quando não são marionnettes de que se enxergam a 1 62

olho nu os cordéis que as movem, são de toda a parte, o que é o mesmo que dizer que não são de parte nenhuma. Condiz ao menos a enfabulação com a vida, o clima moral português? Muito menos. A acção de Le Chef roda em torno de uma revolta suscitada pelos Bolchevistas, que nunca foram vistos nem achados em Portugal, por em nada servir às suas manobras este tablado. Que fica do livro que mereça o reconhecimento dos portuguese�? A boa vontade do autor; o seu escrúpulo na grafia local. Claude Farrere vai até criar o til, que não existe nos caixotins franceses, para coiffer o ditongo ão da sua figura central, Vasco Ortigão. Fica mais o diploma que reiterada­ mente nos confere de corteses e a amabilidade se não a benignidade com que observou os breves retalhos da terra lusitana. A obra, porém, do autor de Fumées d'opium e Civilisés não conta mais uma j óia, nem, parece-nos bem, o romance francês de aventuras. ILUSTRA ÇÃO, 1-11- 1930

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CR ÓNICA DA QUINZENA AS CIDADES MODERNAS Quem levou os últimos anos recluso num solar adormecido da provín­ cia e deita por estas Europas fora encontra o mundo muito mudado. É outra a fisionomia das coisas, outro, porventura, o carácter do homem, e a sua impressão mais funda é a de que novo e acelerado ritmo, com o seu tanto de brutal e utilitário, vai animando tudo. Estas cidades que o português mais encontra no seu caminho: Vi­ go, Madrid, S. Sebastião, Bordéus, Paris, estão muito diferentes em es­ trutura do que eram há dez, quinze anos. Transformaram-se à lufa-lufa, embelezando-se e cultivando aquele modo de ser que lhes é mais frutuoso e consentâneo com a sua índole. Embora grandes e complexas entidades, cada uma explora a sua "vocação", e neste sentido é orientada a vida colectiva e municipal. Não são já núcleos exercendo uma função política e ocasional; são organismos cpndicionados para um fim. Podem comparar­ -se, numa palavra, a vastas e poderosas empresas constituídas para explo­ rar determinados ramos de negócio. Esta sorte de especialização é uma das características · da cidade mo­ derna. Por aí se distingue fundamentalmente da cidade antiga, parasitá­ ria, sem vida própria, medrando ou decaindo ao sabor da fortuna, aura política, migração maior ou menor do elemento rural. Assim seria infantil julgar Vigo um simples porto de pesca, com aguada para transatlânticos. Vilório sem relevo há cem anos, hoje tornou-se em grande empório, embarcadoiro de toda a Espanha e seu primeiro mer­ cado de peixe. Os seus cais, as suas docas, a sua apetrechagem são a derradeira palavra no género. De par, ruas, esplanadas, estabelecimentos 1 65

acompanharam, desenvolvendo-se adequadamente, este progresso sui gene­ ris. É uma cidade que vive do mar; tudo nela se encaminha para este escopo. Não seria menos irrisório representar ainda Madrid pelo estafado cromo: à Puerta dei Sol um toureiro de charuto nos dentes quebrando de cinta ante uma chica de manton e ventarola, com os cravos da lei pregados no pen­ teado. Madrid, capital de muitas províncias, coração de um Estado de larga e difusa fidalguia, centro virtual de um idioma falado por muitos milhões de almas, converteu-se numa imensa e opulenta metrópole burocrática, no que esta palavra tem de mais lato. É uma cidade, pode dizer-se, de "despa­ cho". Despacho na acepção de negócios, na acepção política e cultural. Minguam-lhe as condições para ser empório comercial e industrial; tão­ -pouco reúne aquele conjunto de predicados, indispensável para poder ser um caravanserá cosmopolita, predilecto nos forasteiros; quando os palá­ cios, serventia dos Bourbons destronados, foram abertos ao público com o seu recheio e esplendor de museus; quando a República tenha dado reali­ dade ao seu plano de incremento universitário - ficará a urbs reguladora e mentira das velhas e novas Espanhas. Basta ver já a Central dos Correios, a Catedral, pouco acima dos fundamentos e onde se vão consumindo milhões, os vários e magnificentes estabelecimentos públicos, para se sentir a directiva que preside à cidade, outrora oscilante e desorientada. Madrid vai-se integrando no seu papel de primeira e afanosa agência da comuni­ dade espanhola. Já S. Sebastião, ocioso é dizê-lo, se evidencia como vasta e confortável locanda para ociosos da vida e endinheirados. Cidade alguma é mais meti­ culosa em obedecer a um objectivo. Ruas, casas, habitantes fizeram coman­ dita com céu e mar e retêm o estrangeiro, aqui se lhes virando os bolsos até nem ficar o cotão. Nada ali falta em matéria de prazer e comodidade. Não tem oficinas, nem academias, nem repartições; mas possui os melhores hotéis, os melhores passeios, a melhor praia, e não mostra uma ruga, um desmazelo, uma nódoa, um papel no chão, impecável, monotonamente chique e preciosa, como as construções de caramelo que se vendem nos confeiteiros caros. Aqui está a cidade que, havendo encontrado a sua veia, a explora à maravilha, tudo nela sendo dispositivo para esse alvo. Também Paris, aprazível encruzilhada de todas as estradas do uni­ verso, revestiu feição nova depois da guerra. lncontemplativamente os camartelos deitaram abaixo os velhos quarteirões em que se albergaram os boémios de Murger, os niilistas russos, e todos os sans /e sou. Nesse chão piedoso alinham hoje largas e intermináveis ruas, coalhadas de impertiga­ dos e soberbos prédios, com os inventos em luxo e higiene da última hora. O automóvel varreu ao fiacre, o autobus ao omnibus, puxado por orsas guedelhudas, e ao bonde eléctrico, o clzauffeur de casaco de coiro ao trinta­ nário de libré. Paris rend eu-se à gasolina e à electricidade; mecanizou-se, tendo perdido o ar benigno e venerável, caricioso igualmente para pobres e 1 66

ricos. H oje, o homem que anda a pé por gosto ou necessidade e, em geral, o homem parco de recursos, estão deslocados em Paris. Não se contou ali com eles, ou antes, mereceram aos engenheiros e à Prefeitura muito pouca atenção. Ao mesmo tempo que se ia implantando este utilitarismo, a fisionomia da cidade modificava-se. Modificava-se profundamente. Ao pre­ sente Paris pode chamar-se terra limpa e asseada. Admiráveis de pavimen­ tação as suas ruas; dotados de calorífero, ascensor, telefone em cada aposento, água corrente quente e fria, os hotéis, ainda os mais modestos; sulca a cidade em todos os sentidos o caminho de ferro subterrâneo; inunda a calçada, pintarola de cores várias as portas dos botequins, teatros e boites, reclama a veniaga, a luz a néon. No transcurso de poucos anos, Paris galgou todos os estádios para o que é comum denominar "americanização". Era a capital do mundo nos bons tempos, caprichou em manter-se a capital do mundo nos tempos bravios que vão decorrendo. Para realizar este desideratum teve que ser simultaneamente cidade de pagode, de estudo, de trabalho industrial e ainda cabeça de França. Supunham-se caldeadas em amálgama perfeito as condições particulares de Madrid, S . Sebastião, Barcelona, Munique, que sei eu! A obra das edilidades que no último decénio presidiram aos destinos de Lutécia foi esta. E a cidade-luz manteve o seu posto. Deste aspecto novo que reveste o urbanismo - cultivar o filão mais conforme com a índole e as circunstâncias ambientes de modo a imprimir à cidade vida própria e carácter - se conclui quanto de imaginação, de inteligência prática e de continuidade exige o governo de um município. Dirigir uma cidade é mais complicado que dirigir uma esquadra no alto­ -mar. Não se improvisam almirantes; nas cidades portuguesas fazem-se vereadores a torto e a direito, como se viessem talhados desde o ventre da mãe para a vara concelhia. Rio de Janeiro, da banda de lá dos mares, terá encontrado o seu verdadeiro modo de ser; Lisboa procura-o ainda. Por certo que não é burocratizando-a mais que se lhe assegura o futuro; nem industrializando­ -a; tais propósitos exorbitaram da capacidade do país. Mas Lisboa, criando amplos e desembaraçados entrepostos, cais como hoje tem Vigo, hotéis como possui S. Sebastião, aeroportos, os necessários e instantes aeropor­ tos, poderá ser grande emp ório comercial e estância de ida e chegada entre a Europa e a América. E haveria, assim, debruçadas sobre as águas e céus atlânticos, duas grandes urbes da lusitanidade: Lisboa e Rio de Janeiro. IL USTRA ÇÃO, 1- 12-193 1

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CRONO LO GIA SUMÁRIA de 1915

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1915

- Demissão d o Ministério Vi­ viani. - Conferência socialista inter­ nacional em Zimmerwald. Romain Rolland: A u-dessus de la mêlée, colectânea de artigos contra a guerra escri­ tos na Suíça e agora publica­ dos em França.

- Breve ditadura de Pimenta de Castro. - Renúncia de Manuel de Ar­ riaga à Presidência da Repú­ b lica. - Bernardin o Machado é eleito Presidente da República. Publicação da revista literária Orfeu.

- Inicia a redacção de A Via Sinuosa, ao mesmo tempo que exerce as funções de pro­ fessor no Liceu Cam ões, em Lisboa.

1916

- O ministro da Guerra, Gal­ liéni, demite-se do Governo presidido por Briand. - Segunda Conferência Socia­ lista Internacional em Kien­ thal. - Décimo terceiro congresso da S FI O.

- Portugal apresa todos os na­ vios mercantes alemães fundea­ dos em portos portugueses. - A Alemanha declara a guerra a Portugal. - Constituição do Governo de União Sagrada (Afonso Cos­ ta e Antó nio José de Almei­ da). Antó nio Sérgio: Considera­ ções Histórico-Pedagógicas.

1917

- Ruptura das relações diplo­ máticas entre os Estados Uni­ dos e a Alemanha. - Primeira revolução russa: o czar abdica. - Pétain substitui Nivelle na chefia d o comando militar. - Desembarque em Saint-Na­ zaire da primeira divisão ame­ ricana. - Chegada do Corpo Expedi­ cionário Português à Flan­ dres. - Primeiros motins de solda­ dos, ferozmente reprimidos por Pétain. - Formação do gabinete Cle­ menceau. - Os bolcheviques tomam o Po­ der na Rússia. - Entrada em vigor de um armistício na frente russa.

- U m corpo expedicionário é enviado para França a fim de participar na guerra contra a Alemanha. - A União Operária Nacional é reorganizada. - Greve do pessoal dos Cor­ reios e Telégrafos. - Golpe militar dirigido por Sidó nio Pais. - Destituição de Bernardino Machado da Presidência da República. - 3.0 Aparecimento em Lisboa do "diário integralista da tar­ de", A Monarquia. - Aparições da Senhora de Fá­ tima. ·

1918

- Vaga d e greves e m Paris e n a província contra a guerra. - Ofensiva alemã no Pas-de-Calais (9 de Abril). - Ofensiva geral dos aliados. - Tratado de Brest-Litovsk. - Assinatura do armistício em Rethondes ( 1 1 de Novembro).

- Tentativa revolucionária con­ tra Sidó nio Pais, levada a cabo por mari nheiros. - Derrota do Corpo Expedicio­ ná rio Português, na Batalha de La Lys. - A leva da morte. - Atentado c o n t ra S i d ó n i o Pais. - Canto e Castro é eleito Presi­ dente da República._ Teófilo Braga: Os A rcades.

- Publica A Via Sinuosa. - Cessa a sua actividade de professor liceal.

171

1919

- Abertura da Conferência d e Paz, e m Versalhes. - Congresso socialista, em Pa­ ris. - A CGT obtém as 8 horas de trabalho por dia. - Congresso da CGT em Lyon. - Assinatura do Tratado de Versalhes, em 28 de Junho. - Na Itália, fundação do par­ t ido fascista. - Anatole France adere, com 75 anos, ao grupo de intelec­ tuais de esquerda Clarté fun­ dad o por H e n ri Barbusse, autor de Feu, a fim de "lutar contra os antigos princípios de opressão, de aut ocracia e de imperialismo". Publica Le petit Pierre.

- Mo narquia do Norte. - Es magamento das sedições monárquicas em todo o País. - P ublicação de A Batalha, diá­ rio operário da tarde, porta­ voz da CGT. - Começa a publicar-se em Lis­ boa o "semaná rio comunista" A Bandeira Vermelha, ó rgão da Federação Maximalista Por­ tuguesa.

- Publica Terras do Demo. - A convite de Raul Proença, entra como segundo-biblio­ tecá rio para a Biblioteca Na­ cional de Lisboa.

- Atentados a tiro e à bomba co ntra os juízes do Tribunal de Defesa Social.

- Pu blica Filhas de Babilónia.

- Criação do Partido Comu­ n ista Português. - Revolta militar em Lisboa. - Noite sangrenta: assassínio de Antó nio G ranj o , Machado Santos e Carlos da Maia. Primeiro número de Seara No va, d i r i gi d a p o r R a u l Proença, Antó nio Sérgio, Jai­ me Cortesão, Câmara Reis . . .

- O seu sonho d e Paris toma forma: O Génio Latino será Seara Nova. - Pu blica Valeroso Milagre e Traição.

1 920

- Congresso do Partido Socia­ lista Un ificad o , em To urs: cisão e consequente criação do Partido Comunista Fran­ cês. Anatole France, numa carta a Pierre Calmettes, proclama­ -se "bolchevista de alma e co­ ração". 1921

- Revolta de marinheiros fran­ ceses, no Mar Negro, que, sob a d i recção de A ndré Marty, recusam tomar armas contra o novo regime sovié­ tico . Anatole France escreve no I'Humanité de 30 de Novem­ bro: "É belíssimo que um sol­ d ad o desobedeça a ordens crimi n osas" e , a o mes m o tempo que recebe o Prémio Nobel, dá a saber que aderiu ao jovem Partido Comunista. 1 922

- Mussolini toma o Poder em Itália e proclama-se Duce. - H itler fu nda, na Alemanha, o Partido Nacional-Socialista, instrumento de desforra con­ tra as decisões do Tratado de Versalhes e, so bretudo, de luta de morte contra a gente não-ariana, isto é, os judeus. Anat ole France: La vie en fleur.

1 72

- Pub lica Estrada de Santiago. Recreação Periódica, tradu­ ção de L'Amusement Périodi­ que d o Cavaleiro de Oliveira. - O Cavaleiro de Oliveira. - Anatole France (co nferência).

1 9 23 - Manifesto dos partidos co­ munistas francês, alemão, bel­ ga e inglês co ntra a ocupa­ ção do Ruhr. - Greve lançada pelo PCF con­ tra a Guerra n o Rif. - Conj ura fascista em Pa ris. Três atentados de inspiração maurrassiana. - Em Espanha, ditadura de Pri­ mo de Rivera.

- M a n uel Te i x e i ra G o mes é eleito Presidente da Repú­ blica. - Congress o à porta fechada d o Parti do Comunista Portu­ guês. - António Sérgi o : Bosquejo da

História de Portugal.

1 924 - Vitó ria eleitoral d o Cartel des

Gauclzes.

- O G overno reco nhece oficial­ mente a União Soviética. - Criação da organização reac­ cioná ria Jeunesses Patrioti­

- 2 . ° C ongresso Col onial Nacional. Raul Proença: 1 . 0 vol. d o Guia de Portugal.

- O Romance da Raposa.

ques.

- Primeiro número da Révo/u­

tion surréaliste.

Morte de Anatole France, a 12 de Outubro.

1 925

Liga de A cção Fran ces a , c o n s t i t u í d a p o r

- C riação da

d uas organizações d e choque: Les Camelots du roi e Les

Etudiants de I'A ction Fran­ çoise.

- Teixeira G omes renuncia à Presidê ncia da Repú blica. - Bernardino Machado é eleito, pela segunda vez, Preside nte da Repú blica. - José Domingos dos Santos sai d o Partido Democrático e fu nda o Partido Republicano

- Colabora no

- Golpe militar chefiad o por Go mes da Costa, o qual, instituindo a D itadura, a bre o caminho à fascização do País (28 de Maio). - A tipografia de A Batalha é assaltad a. - Criação da censura prévia à i m p rensa.

- Andam

tugal.

Guia de Por­

da Esquerda Democrática.

1926 - Reorganização das Jeunesses Patriotiques sob o nome de

Ligue des Jeunes Patriotes

q ue tem por finalidade lutar contra o Bloco das Esquer­

das.

ques.

Faunas Pelos 8os-

1 927 - As tropas francesas evacuam o Sarre. A Action Françoise é p osta no Index. - A I nternacional C o mu nista d efine a táctica de "classe contra classe".

- Movimento militar republi­ can o contra a ditadura, a 3 de Fevereiro, n o Porto, e a 7 e m Lisboa. - Dissolução da Confederação Geral d o Trabalho. Repres­ são feroz. Militares, p olíticos, i ntelectuais buscam asilo em Espanha e em França. Em Coimbra, publicação da revista Presença.

- Toma parte no golpe militar d e 7 d e Fevereiro contra a D i t a d u r a . P e r s e g u i d o , re­ fugia-se na Beira e, seguida­ mente, em Paris. No fim do ano regressa à Soutosa, em virtude do estado de saúde da esposa que falece p ouco de­ p ois.

1 73

1 928 - Criação do primeiro partido q ue se proclama fascista: Le

Faisceau.

- Criação da U nião Nacio nal Republicana, de p ouca dura. - I nstituição de uma Comissão de Propaganda da D itadura. - R e v o l t a d o Ba t a lh ão de Caçadores 7. M o vi m e n t o s i n s u rreci o nais n o Barre i r o , Setúbal e Entroncamento. A G N R é utilizada como p ri nci­ pal instrumento de rep ressão. - Criação em Paris da Liga de

Tenta levantar o Regimento de Pinhel. Preso em Contenças, evade­ se mais uma vez e torna a Paris, no dia 1 5 de Agosto.

Defesa da República.

- Governo de Vicente de Frei­ tas, com SaJazar n o Ministé­ rio das Fin anças. Carmona é proclamado Pre­ sidente da República. Ferreira de Castr o : Emigran­

tes. 1 929 - Demissão d o M i ni s té r i o Poi ncaré . - O aviador C ostes bate o re­ corde m u ndial da d istância. - O Parlamento vota a constru­ ção d a Li nha Maginot. - A B olsa de Nova I orque es­ barronda-se.

- S alazar, que acumula as fun­ ções de M i nistro das Fi nan­ ças, d a s Coló n i as e d o I nterior, lança o seu estribi­ l ho : "Tudo pela Nação, nada contra a Nação . "

1 930 - Fim da evacuação da Re­ nânia. - Aplicação das leis sobre os seguros s ociais.

- Criação da União Nacional e da Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado (PVDE).

- Membro da

Liga de Defesa da República.

- Percorre os camp os de bata­ l ha da Flandres. Casa-se em Junho, com a S e n h ora D. Jerónima M a c h a d o , fi l h a d o e x ­ - Presidente Be rnard ino M achad o, figura de destaque . entre os exilados po rtugueses. · - Em Julho, o casal deixa Paris para se instalar e m Ustaritz, n os arred ores de Baionne. - Termin a e publica O Homem

que matou o Diabo.

- A 6 de Abril nasce-lhe o segu ndo filho, Aquilino Ri­ beiro Machad o. - Colabora na Ilustração.

1931 - · Prisões de oposicionistas. - Revolta na Madeira e nos Aç ores. - Nova tentativa revolucioná­ ria em Lis boa, 800 dep orta­ d os para as Coló nias.

- A família parte para a Galiza: pri meiro Vigo e, depois, Tui. - Publica Batalha sem fim.

- Publicação dos estatutos da União Nacional e d o p roj ecto

- Publica, já de regresso semi­ clandestino a Portugal, As três

1932 - A luta entre os ·partidos agu­ diza-se. - A crise econó mica abala todo o Pa ís.

1 74

c o n s t i t u c i o n a l : E.�uulo .\'m ·o.

- Salazar ch efe d o gove r n o . - F o r m a l i z a ç ã o d o part ido único - " U nião Naci o nal" ­ presidido por Salazar acoli­ tad o por Albino dos Reis, M i­ nistro do Interior. - Criação do Secretariado de

Propaganda Nacional.

mulheres de Sansão.

1933 - Grande actividade das Ligas facciosas que, coligadas, d ão origem ao Francismo. - Hitler, chanceler do Reich.

da Constituição do Estado Novo e do Estatuto Nacional do Trabalho inspirado na "Carta dei

- Promulgaçã o

- Maria Benigna.

Lavoro", de Mussolini. - Fascisação dos sindicatos. - Greves nas minas de S . Domingos. - Revolta dos dep ortados na Madeira. - O Partido Socialista decide diss olver-se.

1 934 - Escândalo político-financeiro sem preced e n t e s : /' Affaire Stavisky, do nome de u m vigarista d e alto coturno. . . o qual, segundo o semanário satírico Le canard enchdiné, acabou por se suicidar "com um tiro de revólver que lhe foi disparado à q ueima-rou­ pa". - A p r ov e i t a n d o a o p o r t u n i ­ d ad e , a s L i g a s facci o s a s , o r q u e s t r a d a s p e l a A c t io n

- Deportação de mais presos p olíticos para a Ilha Terceira. Criação da Câmara Cor p o ­ rativa. - G reve insurrecional na Mari­ n ha Grande e lutas estudantis contra o regime fascista. In­ .tensa actividade da Federa­

- Publica É a Guerra (Diá rio) e A lemanha Ensanguentada (Ca­ derno dum viaj ante).

ção das Juventudes Comunis­ tas Portuguesas ( FJCP).

Française e manipuladas pe­ lo préfet de Police J e a n

Chiappe, admirador de Mus­ solini e de H itler, tentam um golpe, na noite · de 6 de Fevereiro, para tomar a Câ­ mara de assalto e derrubar o governo. Manifestação m ons­ tra no dia seguinte lançada pelo PCF. - Hitler: Führer do Estado Ale­ mão, Terceiro Reich.

1 75

ÍND ICE ONOMÁSTICO E

NOTAS AD ICI ONAIS

(Referido a nomes mencionados no texto dos volumes I e II)

O 'J IT 2 J\ f"/;. O VJ" O :�l ') i (1 �1 l :1 -:.e 1 1,> Yi-".l () · l ,.. l- .l� ( 'P. J-\ G ':;.} A 'l.' (V� G P' ! .

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ABRANTES (Laure, Duqueza D') - 1 784- 1838 - Mulher do general Junot e autora de Memórias so bre o I Império e a Restauração que incluem excelentes e saborosíssimas páginas sobre a Corte Portuguesa - 39. ACCAMBRA Y - Deputado radical. Oficial de artilharia, foi, desde o início da guerra de 1 9 14- 1 9 18, membro da Comissão do exército da Câmara dos Deputados francesa, mas acabou por ser acusado de ter contactos suspeitos com os alemães - 1 79-193. ACTION FRANÇA I S E - Pasquim porta-voz do nacionalismo integral francês ( 1 908- 1 944), animado, nomeadamente, por Charles Maurras, Jacques Bainville e Léon Dau­ det - 1 22- 149- 1 54-9- 1 3- 1 4- 1 5- 1 6-2 1 . ADAM (Juliette) - 1 836- 1 936). Escritora cujo salon parisiense foi u m dos mais influentes na vida politica e literária francesa, no dobrar do séc. XIX para o séc. XX - 1 65-1 66-229. ADAM (Paul) - 1 862- 1 9 20 - Escritor francês, autor de diversos romances polémicos 1 50- 1 72. AFONSO I - 1 1 08- 1 1 85. Primeiro rei de Portugal, filho do Conde Henri de Bourgogne e da visigoda (entrementes, naturalizada asturo-leonesa) D. Teresa, a qual, mal se viu livre do borguinhão do marido que partiu para a Terra Santa a fim de degolar os infiéis, meteu no tálamo (!) o maior fornicador da Galiza Fernão Perez de Trava! Uma vergonha, mesmo para um "mignotta", como diriam os italianos, se s oubessem destas coisas - 55- 1 45- 146. AFONSO XIII - 1 8 86- 1941 - Rei de Espanha. Com as mãos manchadas de sangue cje Ferrer e de outros anarquistas,.exilou-se em França, aquando da implantação da Primeira República espanhola, em 193 1 - 54. AGATÃO LANÇA (Armando Pereira da Costa). 1 894-?). Oficial da Armada e político. Deputado em 1 9 2 1 , combateu a ditadura militar saída d o Golpe de 28 de Maio de 1926 - 69. AGOSTINHO (Santo). 354-430. Bispo de Hippone (nas cercanias da actual Bône, Argélia). Após uma mocidade levada dos diabos, foi fascinado pelas prédicas de Santo AmJ?rósio e tornou-se um dos Pais da Igreja latina. Tentou conciliar o platonismo com o dogma cristão, a inteligência com a fé. A sua p rincipal obra escrita é "A Cidade de Deus". (Se tivesse nascido 300 mais tarde, teria sido um ulema de primeira - 5 1 -56- 10 I .

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ALEXANDR E M A GNO - 356-323 - Filho de Filipe da Macedónia. Aluno de Aristóte­ les, submeteu a Grécia revoltada, derrotou os persas e criou um império que se estendia do Indus ao Nilo. Foi o maior divulgador da civilização helénica - 1 88. AMADE (Albert d') - 1856- 194 1 . General, participou na pacificação de Marrocos ( 1 908- 1 9 1 3) e comandou as tropas francesas nos Dardanelos ( 1 9 1 5) - 2 1 6 . A MADIS - Romance d e Cavalaria espanhol redigido em 1 508 p o r Montalto possivel­ mente plagiado do original português de Lobeira (séc. XIII). O herói é o protótipo do paladino - 1 8 . AMÉLIA (Maria Amélia Luísa Helena d e Orléans e Bragança) - 1 865- 1 95 1 - Rainha de Portugal por ter casado com D. Carlos I - 1 08- 1 47. AMETTE (Léon Adolphe). 1 8 50- 1 920. Arcebispo de Paris em 1 908. Tentou modernizar os métodos pastorais - 47-56-70-72-34. ANA DE BRETAN H A - 1 477- 1 5 1 4. Duqueza da Bretanha. Foi ela que, ao casar com Luís XII, mimoseou a França com a Bretanha a título de dote - o que, diga-se de passagem, não agradou nada aos Bretões, celtas dos quatro costados, que se viram assim acasalados do pé para a mão com os Francos que eles não podiam ver nem pintados -33. ANÍBAL - 247- 1 8 3 - General cartaginês, filho de Amílcar Barca. Foi vencido por Cipião, o Africano, em 202 - 38-86- 1 14. ANTEU - Gigante, filho de Poséidon e de Gaia. Recobrava forças quando fincava os pés no chão, seu ventre materno - 90. ANTOINE (André) - 1 8 57- 1943 - Actor francês e director de teatro. Fundou o Teatro Livre em 1 887 - 206-23-39. ANNUNCIAÇÃO (Thomaz) - 1 8 1 8- 1 879. Desenhador e pintor - 74. ARIO ou Arius. 280-336. Padre natural de Alexandria, heresiarca famoso, fundou a seita dos arianos (que· nada tem a ver com o p ovo ariano) cuj a doutrina foi, por exemplo, seguida pelos nossos queridos visigodos até certo dia do ano de 589 em que o Rei Recá redo, abando nando a "heresia cristã" de A rio, .se declarou "católico romano" ! A h, oportunismo a quanto nos obrigas ! - 5 1 . A R ISTÓFANES - 445-386. O mais célebre p oeta cómico d e Atenas - 1 3 1 . ARISTÓTE LES - 384-322. Filó sofo grego, perceptor e amigo d e Alexandre Magno. Fund ou a escola peripatética. Considerava que a natureza é um esforço imenso da matéria para se elevar até ao Acto Puro, isto é: ao pensamento e à inteligêngia - I I . ARNOSO (Conde d') - 1 855- 19 1 1 . Secretário de D. Carlos I e amador das belas letras - 77. A R MAGNAC (Condado da Gasconha, reunido à França em 1 607). Os Condes d'Armag­ nac, partidá rios do Duque de Orléans, opuseram-se vigorosamente aos Borguinhões até 1 435 - 1 72. A RRIAGA ( Ma nuel de) - 1 840- 1 9 1 7 . Advogado, membro do directório do Partido Repu­ blicano, foi deputado às Constituintes em 1 9 1 1 e eleito primeiro Presidente constitucional da República Portuguesa - 205. A RROYO (João) - 1 86 1 - 1 930. Político, professor, j ornalista e compositor - 76. ARTUR ou Artus. Rei lendário do país de Gales, cujas aventuras, no século � VI, derani origem aos romances corteses do Ciclo do Rei A rtur, também conhecido por Ciclo Bretão ou Ciclo da Távola Redonda - 1 7-36. L'ASSIETTE AU BEURRE - 1 90 1- 1 9 1 2. Revista satírica ilustrada que, em português, se chamaria O TACHO, - esse mesmo que serve de gamela a uma boa parte da classe politiça . . . Publicada semanalmente, de tendência anarquista, é� uma mina inesgotável de imagens subversivas e destruidoras (os textos são reduzidos ao mínimo). Teve a colabora­ ção de 200 desenhadores, tanto franceses como estrangeiros . Leal da Câmara foi um dos

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p rincipais, tendo chegado a compor um número japonês assinad o . . . Adaramakaro (só olhos desprevenidos não reconheceram o seu traço nem desco briram o nome do autor: A-DA-KA-MA-RA). Caran d'Ache, Steilen, Grandjouan, Van Dongen, Poulbot, Chéret, Jossot, Willette, Hermann-Paul, Juan Gris são alguns dos nomes cujas caricaturas fizeram tremer o Paris da política e das artes regalado e satisfeiro de si-próprio. LEAL DA CÂMARA enfileira - louvado sej a Deus ! - entre os mais ferozes, e é por iss o que os seus números são alvo de grande interesse dos coleccionadores 33-78. -

AULARD (Alphonse) . 1 849- 1928. Historiador francês. Pri meir J titular da cadeira de His­ tória da Revolução, na Sorbonne, em 1 886 - 1 2 1 . BABI LÓNIA - Cidade que s e erguia à beira d o Eufrates a cerca d e 1 60 quilómetros da actual Bagdad. Fundada pelo amorrita Sumú-Abum, foi berço .� a civilização suméria. No ano 587 a.C., o seu rei Nabucodonosor II, depois de ter tomado Jerusalém, levou para lá um numeroso grupo de hebreus, - e é o célebre CATIVEI RO de BABILÓNIA, cantado por el-rei David no seu Salmo 1 3 7 . . . e por Camões em "Sôbolo os rios que vão/ · por Babilónia me achei . . .". VERDI, na sua ópera NABUCCO musicou-o em forma de coro: "Va, pensiero, sull'ali dorate . . . ", o qual veio a servir de cântico patrótico aos piemonteses oprimidos pelos austríacos, no ú ltimo quartel do século XIX. Foi durante o Cativeiro que a comunidade judaica redigiu o célebre T ALM UDE (Ensino) que é um apanhado de tradi­ ções rabínicas que interpretam a lei de Moisés e que se divide em duas partes: a Miscl111 a (codificação das leis orais) e a Gemara, o seu comentário. In4til recordar que BABILÓNIA é a famosa BABEL, onde os homens pretenderam erguer uma Torre que os levasse até aos Céus e que Deus, para os contrariar, os pôs a falazar numa algaraviada que ia dando com todos os pedreiros em doidos. Dessa lendária TO RRE, subsistem os zigurates onde verde­ javam os jardins suspensos - 62-96- 1 1 6- 1 1 9 - 1 5 5 . BALZAC (Honoré d e ) - 1 799- 1850. Autor da Comédia Humana - 4 1 -6 1 - 1 1 3- 1 27. BANDARRA (Gonçalo Anes). Primeiros anos do Séc. XVI. Aut or de Trovas que, utiliza­ das pelo Padre António Vieira, serviram para divulgar, entre os marranos portugueses, a doutrina messiânica do portugues hebraico Zavatai Levi, (exilado em Esmirna) conhecida por Zavataísmo a qual, na boca do grande p regador de Santo António aos Peixes se vai transformar em S EBASTIANISMO. Com essas e com outras "Notas recônditas", a Inqui­ sição ofereceu-lhe cinco anos de prisão, nos calabouços de Coimbra - 89. BARBUSSE ( Henri) Clarié - 7 1 .

1 873-1 935. Escritor frances, autor de Feu e criador da revista

BAR RES ( Maurice) 1 8 62- 1 923. Escritor frances ultra-nacionalista que preconizava a submissão do culto do eu à do culto da pátria e dos mortos - 1 39- 1 50- 1 53-1 54- 1 66- 1 76- 1 8 1 - 1 6 1 -208 . BARTHOU ( Louis) - 1 862-1934. Político frances, foi assassinado em Marselha aquando do atentado contra o rei A lexandre I da Jugoslávia - 1 79-205-208-224-229. BARYE (Antoine). 1 795- 1875. Escultor e pintor franres. Os seus bronzes são a "loucura" de muitos coleccionadores - 46. BAS SOMPIERRE (Franç ois de). 1 579- 1 646. Marechal de França e diplomata. Esteve encarcerado na Bastilha 1 2 anos por ter conspirado contra Richelieu - 1 72. BAUDELAI RE (Charles). 1 8 2 1 - 1 867. Poeta franres, autor das Fleurs du Mal e notável tradutor de Edgar Poe - 1 1 3. BAZIN ( René). 1 8 53- 1932. Escritor franres - 166- 1 76. BELLINI (nome de uma família de pintores venezianos cuj os membros mais notáveis são IACOPO ( 1 400- 1 470) e seus filhos GENTILE ( 1 429- 1 507) e GIOVANNI ( 1 430- 1 5 1 6) - 45.

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BERENICE - U ma das três rainhas lágidas do Egipto. Princesa judia, nasceu no ano 28 . Tito quis casar com ela, mas reconsiderou a fim de não desagradar ao povo romano 48-54. BERGSON (Henri). 1 859- 1 94 1 . Filósofo francês. O seu sistema assenta na intuição dos dados da consciência liberta da ideia de espaço e da noção científica do Tempo. Prémio Nobel 1 927 - 1 1 5- 1 1 6- 1 1 7 . BERNHEIM JEUNE - Marchand de tableaux. Criou uma d a s mais célebres galerias de arte parisienses - 25- 1 1 3-27. BERTA-DO-PÉ-TAL U D O (Berthe au Grand Pied). Mulher do Rei Pepino o Breve ( Pépin /e Brej) , mãe de Carlos Magno ( Charlemagne), faleceu em 785 - 34-35. BERTI LLON (Alphonse). 1858- 1 9 14. Médico francês, concebeu um método de identifi­ cação antrop ométrica dos criminosos - 2 1 1 . BERTRAND (Aleysius, dito LOUIS). 1 807- 1 84 1 . Autor de poemas em prosa, entre os quais "Gaspard de la nuit" - 27. BESNARD (Albert) - 1 849- 1934. Pintor francês - 7 1 . BISMARCK ( OTTO, príncipe de). 1 8 1 5- 1 898. Estadista prussian o, Ministro de Gui­ lherme I foi um dos fundadores da unidade alemã. A guerra de 1 870- 1 8 7 1 contra a França foi o ponto mais alto da sua carreira. Chanceler do Império transformou a Alemanha numa potência colonial - 1 26- 138-220-22 1 . BIVAR (Artur) 188 1 -?. Publicista q ue s e caracterizava pela exaltação de u m catoli­ cismo obsoleto. Formado em filosofia na Universidade Gregoriana de Roma, publicou : "Uma quaresma anticlerical" ( 19 1 0), "Deus aderiu?'' ( 1 9 19) e " Rebolação" ( 1 933). Consta que para obter passaporte para o Céu, fundou a Escola Gráfica de Arcos de Valdevez, em 1 926 - 109. -

BLÉRIOT ( Louis). 1 872- 1 936. Aviador e construtor de aeroplanos, foi o primeiro a atravessar o Canal da l\1ancha, de avião, em 1 909 - 50-52. BLOC H E ( Roger). 1 865-?. Escultor, é o autor de Le Froid que podemos admirar no Jardim do Luxemburgo, em Paris 23. -

BONCOUR (Paul) . 1 873- 1922. Politico francês: radical-socialista, aderiu à S.F.I.O. (Sec­ ção Francesa da Internacional Operária) em 19 1 6 . Ministro da guerra em 1 932. Em 1 940, recusou os poderes constitucionais ao Marechal Pétain. Foi delegado da França à Confe­ rência de San Francisco e assinou a Carta das Nações Unidas em 1 946 - 209. BONNAT ( Léon). 1 833- 1 922. Pintor francês - 68-45-46-47. BONNOT (Jules). 1 876- 1 9 1 2. Anarquista francês, abatido pela Polícia com outros mem­ bros do seu grupo (la bande à Bonnot) nos arredores de Paris - 1 27. B O R D A L O PIN H E I R O ( Rafael). Irmão de Columbano - 36 . .

1 846- 1 90 5 . Desenhador, caricaturista e ceramista

BORDEAUX (Henry). 1 870- 1963. Escritor francês - 1 50-26. BOSS UET (Jacques-Bénigne). 1 627- 1 704. Prelado francês, escritor e p regador famoso. Nomeado Bispo da cidade de; Meaux, em 1 68 1 , apoiou a politica de Luís XIV contra os protestantes, o que lhe valeu o cognome de "A águia de Meaux" 36. -

BOTICELLI. 1 444- 1 5 10. Pintor florentino - 29-35-46. BOUCHARD - médico francês que deu o nome à "n odosidade de Bouchard") - 87-88. BOUCHER (Aifred). 1 8 50- 1934. Escultor francês de espírito clássico - 45. BOUCHER (Franç ois). 1 703- 1 770. Pintor francês especialista em motivos pastoris ou mitológicos - 1 2 1 .

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B O U L A N G E R (Ge orges). 1 8 37- 1 89 1 . General fran cê s, Ministro da G uerra em 1 8 86, tentou um golpe de Estado . Para não ser preso, refugiou-se em Bruxelas, onde veio a suicidar-se sobre a sepultura da amante - 1 25-206. BOURBONS - A primeira Casa de Bourbon data do século X . Por via matrimonial, coligo u-se com os Capelos da Borgonha - 36. BOURGEOIS (Léon). 1 8 5 1 - 1 925. Politico francês; um dos promotores da Sociedade das Nações. Prémio Nobel - 7 1 -72- 1 26- 1 27- 1 28- 1 34-224. BOURGET (Paul). 1 852- 1935. Escritor francês, autor de diversos ensaios e de romances de análise - 1 53-26- 1 6 1 . BRAGA (Joaquim TEÓFILO). 1 843- 1 924. Historiador e professor, natural d e Ponta Delgada. Com a vitória do movimento republicano em Outubro de 1 9 10, assumiu a chefia do Estado - 143. BRÉGUET (Louis). 1 880- 1 955. Piloto francês, um dos pioneiros da aviação - 83. BRIAND (Aristide). 1 862- 1 9 32. Notável orador francês, foi onze vezes Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Partidário da politica de reconciliação com a Alemanha e animador da Sociedade das Nações. Prémio Nobel - 57-71 - l l l ­ - 1 1 3- 1 2 1 - 1 27 - 1 3 3 - 1 34- 1 3 5- 1 46-229- 1 5- 1 6- 1 49- 1 50- 1 5 1 . B RIEUX (Eugene) . . 1 858- 1 9 32. Dramaturgo francês - 4 1 .

B R UAND (A ristide). 1 8 5 1 - 1925. Autor d e canções realistas d e estilo argótico. Proprietário do "cabaret" Chat Noir, foi retratado por Toulouse-Lautrec com o seu "cache-col" verme­ lho de anarquista - 1 26. BRUGHEL (ou Breughel). Célebre família de pintores flamengos: Pedro o Velho ( 1 5 30- 1 569); Pedro o Jovem ( 1 5 64- 1637) e João, o Brughel de Veludo ( 1 568 - 1625) - 73. BUDA ou Çakyamuni ("o solitário dos Çakyas"). Fundador do Budismo, religião que tem por finalidade co nduzir os homens ao nirvana isto é: à renúncia s uprema - 27-8 1 . •.

CAGLIOSTRO (Joseph Balsamo, dito Alexandre, Conde de}. 1 743- 1 795. Hábil charla­ tão, médico e adepto das ciências ocultas, foi o ai-Jesus da Corte de Luis XVI. Maria Antonieta bebia-lhe a "melodia" do seu italiano, embora o figurão tivesse nascido em Palermo, onde, como toda a gente sabe, o siciliano é uma lingua para bocas mafiosas 60. CAI L LA U X (Joseph). 1 863- 1 944. Po litico francês especialista das questões finan cei­ ras. Presidente do Conselho em 1 9 1 1 , fez votar o imposto sobre os proventos e mostrou­ -se favorável a uma politica de concessão à Alemanha relativamente a Marrocos. Foi condenad o pelo Supremo Tribunal por conivência com o inimigo, em 1 9 20, e amnistiado em 1924 - 1 34- 193-2 1 6-224. CAIM - Personagem lendária do Judaísmo. Filho do primeiro Homem (Adão}, matou o mano Abel por uma questão de i nvej a . . . (Imagine-se! Ainda a Humanidade estava em gestação, já um malandro era levado ao crime roido pela cobiça ! E o que é mais triste é que o Criadpr, que devia ter cortado o mal pela raiz, esfregou as mãos e concitou a "assistência" a "Crescer e a multiplicar-se!" Cinco e tal mil anos depois (segundo o Calendário Hebraico)," é o que se vê, - o que levou o Épico a dizer: "Se a inveja fosse tinha, andava Portugal inteiro a coçar-se" . . . Moralidade: Caim não devia ter sido expulso do Paraíso, nem para Leste nem para Oeste, já que contribuiu mais para sermos o· que somos d o que o parvo do irmão - 5 1 -6 1 - 10 1 . CAIN (Auguste) . 1 8 2 1 - 1 894. Escultor francês, aluno de Rude - 33. CALDERÓN de la Barca (Pedro). 1 600- 1 68 1 . Autor dramático castelhano, cuja obra é dominada pelo tema de "a paixão da honra" - 55. CALLOT (Jacques). 1 592- 1635. Gravador e pintor francês - 80.

1 83

CALMETTE (Albert Gaston). 1 863- 1933. Director de LE FIGARO - 1 1 3. CAM E LOTS D U ROY: grupelho caceteiro e fascista, que tinha por especialidade criar atropelos na praça pública, enquanto distribuía panfletos m onárquicos. O seu nome deriva do termo ar gótico "camelot", isto é: vendedor de j ornais . . . ou tretas. (Para um bom conhecimento da ACTION FRANÇAISE, JEUNES SES PATRIOTIQUES e outros camelots reaccionários franceses, aconselhamos a leitura de "Les fascismes Français 1 923-63" de J. Plumyene et R. Lasierra, Ed. du Seuil - 1963) - 1 46. CÂNDIDO DE ALM EIDA. 1 8 8 1 -?. Escultor, viveu em Paris em 1 902 e 1 903 - 25. CANALEJAS (José): 1 854- 1 9 12. Ministro espanhol. Fundador do Partido Radical, pro­ mulgou várias reformas destinadas a diminuir o poder das ordens religiosas e a suprimir os latifú ndios ("Lei do Cadeado"). Foi morto a tiro por um anarquista - 1 09. CANALETTO (Giovanni Antonio CANAL, dito). 1 697- 1 768. Pintor veneziano - 1 02- 1 13. CAPETOS - Família d e origem Franca. U m a d a s três "castas" reais: o s Capétiens (987- 1 328); os Valois ( 1 3 28- 1 589) e os Bourbons ( 1 589- 1 848) - 1 22- 1 72-36. CAPUS (A ifred). 1 857-1 922. Comediógrafo francês - 1 50. CARLOS I - Penúltimo rei de Portugal. Distinguiu-se como pintor e cientista. Visitou Paris em 1 905 o que lhe mereceu um número de L'Assiette au Beurre inteiramente desenhado por Leal da Câmara. Foi assassinado a I de Fevereiro de 1 908 - 39-204. CARLOS II, o CALVO. 823-877. Rei dos Francos e Imperador do Ocidente (875-877). O seu reinado foi sobretudo assinalad o pelas invasões dos vikings, esses homens do norte, conhecidos p or normandos - 34. CA R LOS MAGNO (Charlemagne). 742-8 14. Rei da Neustria (767-77 1); rei dos Francos (77 1-8 14) e Imperador do Ocidente (800- 8 1 4). Filho de Pepino o Breve e de Berta do Pé Taludo, sucedeu ao pai em 768 e reinou com o irmão CARLOMAN até à morte deste último, em 77 1 . Rei ú nico , submeteu a Aquitânia (a região que se estende de Poitiers a Bordéus) e a Lombardia. Organizou uma expedição contra os sarracenos de Espanha, que foi dizimada em Roncevalles, pelos Bascos, e na qual pereceu o seu sobrinho Roldão ( Rolland). Em 800, o Papa Leão III coroou-o Imperador do Ocidente. Foi o chefe da Dinastia dos Carolíngeos - 1 68-34-36- 1 1 4. CARLOS V - 1 500- 1558. Natural de Gand, na Flandbec, foi Cabloc I ( 1 5 1 6- 1 556) e Imperador Germânico ( 1 5 19-1 5 56). Filho de Filipe o Formoso, da Áustria e de Joana, rainha de Castela, os seus domínios gigantescos Coló nias, Flandres, Áustria, Alemanha) fizeram dele o principal inimigo França. Abdicou em 1 556 - 1 8-73.

de Ecanha arquiduque (Espanha e dos reis de

CARLOS VII. 1 403- 146 1 . Rei de França, graças à revolta chefiada por Joana de A re contra os ingleses q ue ocupavam o Norte e a região circundante de Paris, conhecida por Íle de France - 35. CARLOS o TEMERÁ RIO. 1 433- 1 477. Duque da Borgonha e da Flandres, filho do Duque borguinhão Filipe o Bom e da Infanta D. Maria de Portugal, filha de D. João I, levou a vida a guerrear contra Luís XI de França e René II, Duque da Lorena - 40. CAR LYLE (Th omas). 1 795- 1 885. Historiador e crítico escocês. Autor de "Os Heróis e o Culto dos Heróis" - 1 53. CA RPEAUX (Jean-Baptiste). 1 8 27- 1 875. Escultor francês - 32. CARRIERE (Eugene). 1 849- 1 906. Pintor e litógrafo francês - 23-25-33-54. CARVALHO (Xavier de). 1 862- 1 9 19. Escritor e jornalista, fundou três diários republica­ nos no Porto. Foi residir para Paris em 1 885, onde fundou a "Société des Etudes Portugai­ ses" - 70.

1 84

CASIMIR-PÉRIER. 1 8 1 1 - 1 876. Político francês, partidário de T11iers, o tristemente céle­ bre "versaillais" carniceiro da "Comuna de Paris" - 1 34-207. CASTELO BRANCO (Camilo). 1 825- 1 890. O maior novelista da Península Ibérica, no dizer de Unamuno - 74-75. CASTRO ( Eugénio de). 1869- 1 944. Poeta simbolista. Viveu u ns tempos em Paris e, de regresso a Portugal em 1 890, p ublicou Oaristos - 4 1 . CENTAU ROS - Homens selvagens que, segundo a lenda, viviam n a região de Pélione e Ossa, na Tessália e que são representados como monstros fabulosos, meio-homens, meio­ -cavalos - 1 7 . CER VANTES ( Miguel Cervantes y Saavedra). 1 547- 1 6 1 6 . Perdeu um braço na Batalha de Lep anto e, cativo, viveu em Argel, durante cinco anos. Autor genial, legou-nos As novelas exemplares e, sobretudo, essa bomba de retardo, que só um "marran o" p oderia c onceber: DON QUIJOTE DE LA MANCHA - 1 9 . CÉ SAR (Júlio). 1 0 1 -44 a . C . - Hábil, elo quente, enérgico e dotado d e fi n o sentido político, começ ou por captar as boas graças do povo de Roma a fim de levar a cabo a sua luta contra a omnip otência de Pompeu. No entanto, não conseguiu ir mais longe do que à formação de um Triunvirato com Pompeu e Crasso, no ano 60. Cônsul em 59, conquistou as Gálias (59-5 1 ) o que l he permitiu escrever o Comentário De bello Gallico. Acabou por governar Roma como soberano absoluto - o que deu origem à conspiração de alguns Senadores (entre os quais o seu filho adoptivo Bruto) que descambou no seu assassínio nos idos de Març o ( 1 5 de març o do Calendário Roman o) 26-40-56- 1 1 9- 1 67- 1 69. CÉZANNE (Paul) . 1 8 39- 1 906. Pintor francês, natural de Aix-en-Provence como o seu amigo Emile Zola, é uma das principais figuras do I mpressionismo. É co nsiderado como um d os precursores da arte moderna - 2 10-66. C H ANG-KAI-CH EK. 1888- 1975. Marechal chinês, chefiou a luta contra os jap oneses, de 1937 a 1 945. Presidente da Repú blica Chinesa, foi vencido pelas forças comunistas de Mao Zedong. Refugiou-se na Formosa (Twaian), em 1 949, a fim de reco nstituir o governo da China nacionalista - 1 1 9. CHAGAS (João Pinheiro). 1 863- 1 925 . Jornalista p olítico, foi degredado para A ngola por ter particip ado na Revolta do 31 de Janeiro de 1 89 1 . Ministro de Portugal em França, desde a implantação da República até se aposentar em 1 923 . Foi membro da delegação portuguesa à Conferência da Paz e à Sociedade das Nações - 1 43. CHAPLIN (Charles Josuah). 1 825- 1 89 1 . Pintor e gravador francês - 28. CHAPLIN (Charles). 1 8 89- 1 977. Actor e realizador de cinema inglês. Criou a personagem dolorosamente cómico de CHA RLOT e foi vítima da caça às bruxas, desencadeada pelo senador fascista americano Mac Carthy - 27-97. C HARDIN (Jean-Baptiste). 1 699- 1 779. Pintor francês, porventura o maior retratista da realidade do seu país no séc. XVIII - 77- 1 02. CHARPENTIER (Gustave) . 1 8 60- 1956. Compositor francês, autor do drama lírico natura­ lista LOUISE 23-27. -

CHATEAUBRIAND (François-Re né de). 1 768- 1 848 . Escritor francês. Durante a Restau­ ração, foi embaixador em Londres e M inistro dos Negócios Estrangeiros. Exerceu uma grande influência no movimento romântico do seu país - 33. CHAUCHARD (Alfred). 1 8 2 1 - 1 909. Negociante e amador de Arte. Fundador dos Maga­ sins du Louvre - 1 1 1 - 1 1 3- 1 1 4. CHAUTEMPS (Camille) . 1 88 5- 1 963. Deputado radical-socialista, foi várias vezes Presi­ dente do Conselho - 1 5 1-209.

1 85

CHÉ RET (Jules). 1 8 36- 1932. ilustrados - 23.

Desenhador e pintor francês, célebre pelos seus cartazes

CHEVALIER D E LA B A R RE (Jean-Franç ois Lefl:vre). 1 747- 1 766. Nobre francês. Acu­ sado de ter partido um crucifixo, foi decapitado e lançado à fogueira. VOLTAIRE tentou, debalde, obter a sua reabilitação - 23. CHEVREUIL ( Eugime). 1 786- 1 889. Químico francês, especialista dos corpos gordos, foi director das tinturarias da Manufactura dos GOBELINS criada por Luís XIV que desejava esquecer os negócios dos homens perante a beleza de uma bem urdida tapeçaria - 66. CHILDE-H AROLD (Peregrinação de). Poema em quatro cantos de Byron que narra a viagem do poeta de 1 8 1 2 a 1 8 1 8 . Lamartine compôs o "ÚltimO' Canto de Childe-Harold" c omo se se tratasse da continuação da obra de Byron - 26. CHILDERICO. 436-48 1 . Filho de Meroveu (fundador da Dinastia merovíngea que antece­ deu a carolíngea), pai de Clovis, rei dos Francos. Reinou na Turíngia - 34. CHOISEUL (César, Duque de) . 1 598- 1 675. Marechal de França, distinguiu-se no cerco de La Rochelle; durante a· Fronda. Comandou o exército do rei que defendeu Paris. (Fronda: · nome d ado à guerra civil que devastou a França durante a menoridade de Luís XIV (de 1 648 a 1 652), provém de um jogo dos garotos de Paris : o jogo da funda ou da fisga. Há a dizer que a FRONDE foi motivada pela má política financeira do cardeal Mazarino 1 42- 1 1 0. C I D ( R od rigo

D i a z d e B iv a r ) .

C a v a l e i r o andante cast e l h a n o

ilustrou-se na luta contra os mouros, no séc. XI

-

-

E/ Cid Campeador,

18.

CLAU DEL (Paul). 1 868- 1955. Diplomata e escritor francês. Ad mirador d e Salazar, dedi­ cou ao Marechal Pétain, durante a Ocupação do seu Pais pelas hordas hitlerianas, uma ODE enternecedora - a qual, logo após a Li.bertação da França em 1 944, foi dedicada, com meia-d úzia de retoques ao General de Gaulle . . . Dramaturgo fecundo e de um catoli­ cismo sui generis, p ode gabar-se de ter enriquecido o Teatro Francês com a sua maior xar.o pada: Le soulier de satin ( ! ! O sapato de setim") que Franç ois Mauriac, romancista e católico de cepa j ansenista, corrigiu para Le soulier de Satan ("O sapato de Satanás" 223. CLE M EN C E A U (Georges) . 1 8 4 1 - 1 929. Político fran cê s : deputado d a extrema-esquerda (da época), de uma eloquência feroz e apaixonada, alcunhado de "demolidor de Ministé­ rios" e, mais tarde, de "O Tigre" pela sua acção durante a Primeira Guerra Mundial, foi partidá rio de Dreyfus, adversário de Waldeck-Rousseau e inimigo de Raymo nd Poincaré . Negociou o Tratado de Versalhes, mas não logrou ser eleito Presidente da República 1 18- 1 26- 1 27- 1 33- 1 50-224-228-229. CLOVIS I. 465-5 1 1 . Rei dos Francos, filho de Childerico. Convertido ao catolicismo, derrotou os siágrios, os alamães, os burgondos. (borguinhõ es) e os visigodos. Fundador da Monarquia Franca, proclamou-se rei ú nico de todas as Gálias - 34. C O E L LO (Cláudio). 1 642- 1 69 3 . Pintor espanhol de origem portuguesa. Foi nomeado pintor do rei em 1 684. Executou obras de estilo barroco - 78. COLI (Franç ois). 1 8 8 1 - 1 927. Aviador francês que, com Nungesser, desapareceu no mar, quando tentava atravessar o Atlântico Nórte de avião - 1 8 . COLU MBANO (Bordalo Pinheiro). 1 8 57. 1929. Pintor. Irmão d e Rafael Bordalo Pinheiro - 24-70. CO M B ES (Emile). 1 8 35- 1 92 1 . Político francês. Presidente do Conselho de 1 902 a 1 905, campeão do anticlericalismo. Foi ele - a quem o p ovo de Paris, trocista, apelidara de "Padre Combes" (Le Pere Combes) - que redigiu e fez votar a lei da separação da Igreja e do Estado - 1 35-223- 1 5 . COMPERE-MOREL (Adéodat).

1 86

1 872- 1 94 1 . Deputado socialista, d e tendência guesdista.

Dirigiu a publicação em 1 2 volumes da Encyc/opédie Socialiste, syndica/e et Coopérative - 224. CO MTE (Auguste). 1 798- 1 857. Filó sofo francês, fundador do positivismo. O seu Curso de filosofia positiva ( 1 8 30- 1 842) é co nsiderado uma das obras capitais da filosofia do séc. XIX. Completa o seu sistema por uma religião da humanidade - 1 1 6- 1 54. CONDÉ. Ramo colateral da Casa de Bourbon. Quase todos os seus membros desempenha­ ram um papel imp ortante na histó ria de França - 82. CONFÚ CIO. 55 1 -479 a. C. O mais célebre filósofo da China. Fundador de um sistema de mo ral que põe acima de tudo a fidelidade à tradição nacional e familiar - 1 1 9 . CON STANT (Benjamin) . 1 767- 1 8 30. Político e escritor francês, amigo d e madame de Stael; deixou um romance que é tido p or uma obra-prima de análise psicológica: A dolphe - 1 1 3. o

CONSTANTINO I o Grande. 288-337. Imperador romano, reconheceu oficialmente o cristianismo como ú nica religião do Império - 34. CONSTANTINO, rei da Grécia. 1 868- 1 9 23. Sucedeu ao pai - Jorge I - em 1 9 1 3 . Exilado em 19 17, voltou ao trono em 1920 e abdicou em 1 922 - 1 95- 196- 1 99-200-20 1 . COOPER (James Fenimore) . 1789- 1 85 1 . Romancista americano, autor de " O último dos mo hicanos" - 39. COROT (Camille) . 1 796- 1 875. Pintor francês - 28- 1 1 3-93. COSTA (Afonso-Augusto da). 1 87 1 - 1 9 37. Lente de direito aos 25 an os, pertenceu ao Directó rio Republicano. Implantada a Repú blica, foi Ministro da Justiça no Governo provisó rio. Redigiu as leis basilares do novo regime: Separação da Igrej a do Estado. Divórcio, Famllia. Chefe do G overno e Ministro das Finanças ( 1 9 1 3- 1 9 1 6), co nfirmou o seu talento de estadista ao chefiar a delegação p ortuguesa à Conferência da Paz e à Sociedade das Nações. Aquando do 28 de Maio de 1 9 26 que abriu as portas do Poder ao fascismo salazarista, buscou exílio em Paris, onde faleceu - 1 09- 1 1 0- 1 29- 1 3 1 - 1 43-2 1 7-228. C O U C EI RO ( He n rique Mitchell de Paiva). 1 8 6 1 - 1 944. Com batente e G overnador de Angola, é um dos vultos mais destacados do colonialismo português. Monárquico, bateu-se por D. Manuel II, no Cinco de Outubro de 19/0. Preparou em Espanha uma incursão em 1 9 1 1 e, em 1 9 19, chegou a proclamar a Monarquia do Norte - 1 3 1 . COURBET (Gustave). 1 8 19- 1 877. Chefe d e fila d o realismo em pintura. Foi homiziado em 1 87 1 devido à sua participação activa na Comuna de Paris - 34. CROMWEL L (Oliver). 1 599- 1 658. Protector da República de Inglaterra fez com que Carlos I fosse condenado à morte. Ditador, obrigou a Holanda a reconhecer o A cto de Navegação e a supremacia inglesa nos mares - 1 7 3 . C U Y P (Albert). 1 620- 1 69 1 . Pintor paisagista holandês - 7 3 . CYRIACO CARDOSO (Domingos). 1 8 46- 1 900. Compositor d e música e empresário tea­ tral - 69. DALOU (Jules). 1 838- 1 902. Escultor francês, autor do Triunfo da República - 33-36. DAGOBERTO I. 600-639. Filho de Clotário I e de Bertrude. Rei da Neustria e dos Francos, em 632. Foi inteligentemente secundado pelo seu Ministro Santo Eloi - 36. DAU DET ( Léon). 1 867- 1 942. Membro importante e principal financeiro da publicação ultrareaccio nária, ó rgão do nacionalismo integral, A CTION FRANÇAISE - 1 5 5-23. DAVID (Louis). 1 748- 1 825. Pintor francês, chefe da Escola Neo-clássica. Dirigiu a pintura em França, de 1 785 até à hora da morte, no exilio - 46-47 . DEGAS (Edgar de Gas). 1 834- 1 9 17. Pintor, gravador e escultor impressionista francês 32. DEIBLER. Célebre familia de carrascos franceses. O último (a pena de morte em França só

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foi abolida no dia 30 de Setembro de 198 1 ) pode "gabar-se" de ter destrancado 450 cabeças em 53 anos de exercício ---' 68. DEKOBRA ( Maurice Tessier dito M AU RICE). 1 8 85- 1973. Aut or de romances cosmopo­ listas - 98. DELBRUCK ( Hans). 1 848- 1 929. Historiador alemão, deputado, partidário de uma polí­ tica de equilíbrio mundial entre a Inglaterra e o seu país. Hostil ao pan-germanismo - 1 76. DELCASSÉ (Théophile). 1852- 1 923. Político francês, várias vezes Ministro dos Negócios Estrangeiros. A rtesão da "entente cordiale" franco-inglesa - 2 1 5-2 1 6. DENIS (Maurice) . 1 870- 1943. Pintor francês. Participou no movimento nabi e fundou os ateliers de arte sacra - 102. DENIS ( São). Apóstolo das Gálias. Primeiro Bispo francês, no século III. Decapitado pelos romanos em Paris, pegou na cabeça entre-mãos e, lentamente, seguiu pela vereda que é hoje a Rue Montmartre (Rua dos Mártires), subiu à colina onde se erguia o Templo de Minerva (o actual Sacré-Coeur) e, só expirou a coisa de 1 2 quilómetros, no local onde se ergue a Basílica que tem o seu nome e em torno da qual cresceu a cidade de Saint-Denis 33-34-35-36. DÉROULEDE ( Paul). 1 846- 19 14. Poeta e politico francês. Presidente da "Liga dos Patrio­ tas", o seu estro é forçosamente patriotinheiro - l l l - 1 1 8 - 1 65-208. DERRÉ (Emile). 1 867. Suicido u-se em 1 938. U m dos mais delicados escultores franceses contemp orâneos - 23. D E S C A RTES ( René). 1 59 6- 1 650. Filó sofo, matemático e fisico francês. Viveu muito tempo na Holanda onde, entre outras o bras, escreveu O DISCURSO D O MÉTODO, alfa e ómega do cartesianismo - 1 1 6- 1 1 8- 1 48. DESCH ANEL ( Paul) . 1 8 55- 1 922. Político francês. Presidente da República, de 1 8 de Fevereiro a 22 de Setembro de 1920 - 127. DEUTSC H E D E LA M E U RT H E ( Madame). Mulher do fundador do Aero-Club de France e do Instituto Aeronáutico ( 1 909) - 1 7 . DOUG LAS FAI RBANKS. 1 883- 1939. Actor d e cinema americano - 97. DOUMER (Paul). 1 8 57- 1932. Político francês. Governador Geral da Indochina, em 1 896, Presidente do Sen ado, em 1927 e da República, em 193 1 . Foi assassinado, em Paris - 134. DOU M E RG U E (Gaston). 1 863- 1937. Político francês. Presidente do Conselho em 1 9 1 2; do Senado em 1 9 23 e da República de 1924 a 1 93 1 . Presidente do Conselho, de 9 de Fevereiro a 8 de Novembro de 1 934 - 45. DOYEN (Eugene Louis). 1 859- 1 9 1 6 . Médico francês, inovador em matéria de cirurgia e de instrumentação - 87-88. DREYFUS (Aifred). 1 8 59- 1935. Oficial francês, saído de uma familia israelita alsaciana, foi injustamente acusado e condenado por actos de espionagem a favor da Alemanha ( 1 894). Foi agraciado e reabilitado em 1 906, após uma violenta campanha encabeçada por Zola. Fomentado pelos meios ultramontanos e antisemitas franceses, o caso D REYFUS dividiu a França, como n os dá a perceber, por exemplo, a leitura de JEAN BAROIS, de Roger Martin du Gard - 68- 1 8 0-207. D RIANT (Emile) . 1 8 5 5- 1 9 1 6 . Ofici al e escritor, genro de Boulanger, m orreu na Batalha de Verdun - 1 49- 1 66. DUARTE. 1 39 1 - 1 438. Foi o décimo primeiro rei de Portugal e o segundo da Segunda Dinastia. Homem culto, escreveu o Leal Conselheiro e a A rte de Bem Cavalgar Toda a Sela - 37. DUBOST (Charles). 1 882- 1 939. Escritor e crítico francês - 1 27.

1 88

DUCHAMP ( M arcel). 1 8 8 7- 1 968. Pintor francês, influenciado pelo cubismo,. Desempe­ nhou um papel importante no movimento Dada e no Surrealismo - 102. DUFAU ( Mademoiselle Evelyne). Pint ora de grande talento, expôs em vários Salons. Faleceu em 1937 - 1 02. D UJ A R DI N - B EA U M ETZ (Geo rges) . 1 8 33- 1 896. M édico fran cês, escreveu numerosas obras sobre a terap�utica - 1 1 4. D U M ONT (A rsene) . 1 849- 1 902. Ministro. Autor de "La Petite Bourgeoisie vue à travers les contes du Journal" ( 1 894- 1 895). DUNCAN (Isadora). 1 878- 1 9 27. Bailarina americana cuj o estilo se opunha completamente às formas clássicas do ballet - 32. D Ü R E R (Albrecht). 1 47 1 - 1 528. Pintor e gravador alemão - 40-45-46. D R U M ONT (Edo uard) . 1 844- 1 9 1 7. Político e jornalista, é um dos chefes do partido anti­ -semita. Fundador da delirante LA LIBRE PAROLE, é sobretudo conhecido como autor da FRA NCE JUI VE mangedoura o nde se regalam todos os antisemitas franceses, de Maurras a Jean-Marie le Pen - 206. ECLESIASTES . Obra atribuída a Salomão e incluída pela Igreja católica entre os seus livros canó nicos. É nela que se desenvolve a famosa máxima: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade" (ou "vanidade") - 7 1 . ELOI ( Santo). 588-600. Ourives e tesoureiro de Clotário I I e d e Dagoberto I , rei dos Francos. Ministro deste último, foi Bispo de Noyon - 34. ERLICH (Paul). 1 854- 1 9 1 5 . Médico alemão, descobriu a acção dos arsenobenzenos no tratamento da sífilis. Prémio Nobel 1 908 - 87-89-9 1 . ERMENTRUDA. 8 25-877. Primeira mulher d e Carlos o Calvo - 34. ESOPO - VII-VI a.C. - Fabulista grego. Escravo, as Fábulas que compôs em excelente prosa, são atribuídas ao seu tradutor franc�s. o mo nge PLAN U D E (séc. XIV). ET IENNE ( E ugene) . 1 8 44- 1 9 2 1 . General e p olítico, membro da Un io n démocratique, aquando de l'Affaire Dreyfus - 68. EU ROPA, filha de Agenor, rei da Fenícia, foi raptada por Zeus metamorfoseado em touro e levada para Creta, onde deu à luz Minos, Sarpedon e Radamante - 1 7 . EZEQUIEL. Século VI antes d e Cristo. U m d o s quatro grandes profetas hebreus - 45-9 1 . FALLI ERES (Armand) . 1 84 1 - 1 9 3 1 . Político franc�s. Presidente d o Senado e m 1 899 e Presidente da República de 1 906 a 1 9 1 3 - 52-59-70-72- 1 1 4- 1 2 1 - 122- 1 23- 1 26- 1 27- 1 291 34-2 1 0 . FANTIN-LATOUR. Pint or e litógrafo francês - 102. FARMAN ( Henri) . 1 874- 1 958. Engenheiro e industrial franc�s que, em 1 980, obteve o prémio do quilómetro em circuito fechado, de avião - 82. FARRERE (CLA U D E, pseudónimo de Frédéric Bargone). 1 876- 1 9 1 7 . Escritor francês 1 6 1 - 162- 1 63. FAUCONNIER (Emile Eugene) . 1 857-?. Pintor, galardo ado em 1 900 e 1 903 - 53- 1 0 1 - 102. FAURE (Félix) . 1 8 4 1 - 1 899. Político francês. Presidente da República de 1 895 a 1 899 68- 1 49 -205-208 . FED RO. 1 5 a.C. - 50 depois de Cristo. Escravo e fabulista latino, escreveu à semelhança de Esopo. Foi agraciado por A ugusto 1 50. -

FERNANDO da Bulgária. (da famllia de Saxe-Coburgo). 1 8 6 1 - 1 948 . Príncipe da Bulgária em 1 8 8 7 e Czar em 1 908. Aliou-se aos Impérios Centrais durante a Primeira Grande Guerra. Foi obrigado a abdicar em 1 9 1 8 - 1 26- 1 88 .

1 89

FE R RER (Francisco Ferrer Guardia). 1 8 59- 1 909. Anarquista e pedagogo espan hol. Ini­ ciado na Franco-Maçonaria quando jovem, foi um dos propagadores do Pensamento Livre em toda a Península Ibérica. Preso em Barcelona, aquando de uma manifestação contra a expedição a Marrocos, foi julgado num processo sumário e fusilado. O processo foi revisto em 1 9 I I e a co ndenação reconhecida errónea em 1 9 1 2 :..... 53-54-55-68 . FERRY . (J1des). 1 832- 1 893. Estadista francês, contribuiu para a organização do ensino primário, assim como para a ex pansão colonial da França. pela conquista da Tunísia e do Tonquim. Tornando obrigató rio o ensino da língua francesa, em detrimento das línguas · regionais (os patois), é considerad o como um dos grandes fundadores da França - 206. FI LIPE III (IV de Espan ha). 1 605- 1 665. Teve o bom senso de confiar a direcção dos negócios públicos ao grande estadista Conde-Duque de Olivares (que projectou transferir p ara Lisboa a capital da. . . Un ião Ibérica). O seu reinado· p ortuguês terminou com o · levantament o do 1 . 0 de Dezembro de 1 640 - 1 1 2.

FLA U B E R T ( G ustave). 1 8 2 1 - 1 880. Escritor francês. Pro� ad·o r · . rigo ros o na procura d a perfeição do estilo, pretendeu dar aos seus romances uma imagem objectiva da reali­ d ade. Autor de Madame Bovary, Salammbô, L'Education Sálliméntale __: 32- I I S.

F O C H ( Fe rd i n a n d ) . I 8 5 1 - I 9 29 . Marechal de França, d a I n glaterra e da P o l ó n ia. Distinguiu-se na Batalha do Marne e nas Flandres ( 1 9 1 4) . Conduziu as tropas aliadas à vitó ria em 1 9 1 8 - I I 8. FO URNIER (Aifred). 1 832- 1 9 14. Médico francês. Primeiro titular da cadeira de clínica das doenças cutâneas. Fundad or da sífiligrafria moderna - 90. FORAIN (Jean-Louis). 1 8 52- 1 93 1 . grande mordacidade - 23.

Pintor e gravador francês.

Caricaturista político de

FOUILÉE (Aifred). 1 8 38- 1 9 1 2. Filó sofo francês. Criou a teoria das ideias-força - S I . FOU RIER (Charles). 1 772- 1 837. Filósofo e soció logo francês. Criou u m sistema que previa a associação dos indivíduos em falanstérios: grupos harmoniosamente compostos com a finalidade de fornecer a cada um dos seus membros o bem-estar pelo trabalho livremente consentido - 49. FO UCQUET (Nicolas). 1 6 1 5- 1 680. Super-intendente das Finanças de Luís XIV. Mercê da sua imensa fortuna, protegeu os homens de letras (Moliere, La Fontaine, etc . . . ). Vítima das intrigas de Colbert, foi condenado a prisão perpétua na Cidadela de Pignerot. Há quem pretenda que foi ele o Homem da Máscara de Ferro - 1 7 2. FRA ANGELICO (Giovanni de Fiésole). 1 387- 1 455. Dominican o, é um dos primeiros pintores do Quattrocent o florentino. Decorou o Convento de S. Marcos, de Florença, e a Capela de Nicolau V, no Vaticano - 52- 1 02. FRAGONARD (Jean-Honoré). 1 732- 1 806. Pintor e gravador francês - 52. FRANCE (Anatole Thibault, dito ANATOLE) . 1 844- 1 9 24. Escritor francês de p rimeiro plano. Pensador de um cepticismo universal, mas sensível ao sofrimento, deixou obras de uma ironia delicada. Prémio Nobel 1 9 2 1 - 23-4 1 -7 1 -203-220-229- 1 7-25-27- 1 54- I SS. FRANCISCO II. 1 544- 1 5 60. Rei de França. Marido de Maria I de Stuart, rainha da Escócia, sofreu a influência dos partidários do Duque de Guise que perseguiram os protes­ tantes e rep rimiram com · a maior crueldade a Conju'a de A m boise - 34. FREDERICO III. 1 4 1 5- 1 492. Imperador germânico de 1 440 a 1 492 - 37-38-39. FREDERICO, O G RANDE. 1 7 1 2- 1 786. Rei da Prússia. Homem de guerra e excelente administrador, resistiu com êxito durante a Guerra dos Sete A nos, aos esforços conjugados da França, da Áustria e da Rússia. Modelo do " déspota esclarecido" do séc. XVIII, foi grande amigo de Voltaire - I I 3- 1 09. FREDERICO III. 1 8 3 1 - 1 8 88. Rei da Prússia e Imperador alemão. Distinguiu-se durante as guerras austro-prussianas e .franco-alemã.

1 90

FREDEGONDA. 545-597. Mulher de Childerico I, rei da Neustria. Passou à história pelo número de crimes que cometeu para se manter no Poder - 34. FREYCINET (Charles de Sauises de). 1 8 28 - 1 9 23 . Quatro vezes presidente do Conselho de Ministros - 206. FUAD (Princip e A H M ED). 1 8 68- 1936. Proclamad o Sultão do Egipto em 1 9 17, tomou o título de rei, em 1 922 - 1 26. GALAAZ (Galaad). U m dos heróis da lenda medieval da Távola Redonda. Cavaleiro sem mácula, teve, segundo parece, o privilégio de desco brir o Graal perdido, esse cálice que continha algumas gotas do sangue de Cristo 18. -

GALLI FET (Gaston). 1 8 30- 1 909. General, distinguiu-se em Sedan e ficou n a memória povo pela ferócia com que reprimiu a Comuna de Paris. Ministro da Guerra em 1 899 e 1 909. Um carniceiro ! - 50. GAGO COUTI N H O (Carlos Viegas). 1 869- 1 9 59. Oficial da Armada, geógrafo, navegador e historiador, levou a cabo, com Sacadura Cabral, em 1 9 22, a primeira travessia aérea do Atlântico Sul - 1 8 . GAMBETTA (Léon). 1 838- 1 88 6. Advogado e político francês, Republicano, membro do Governo de Defesa Nacional, desenvolveu os maiores esforç os para organizar a resistência aquando da guerra franco-prussiana de 1 870- 1 87 1 . Foi Presidente da Câmara em 1 8 79 e Presidente do Conselho em 1 8 8 1 - 65. GAR RETT (José Baptista da Silva Leitão de ALMEIDA). 1 799- 1 8 54. Poeta e escritor, foi o introdutor do romantismo em Portugal e um dos paladinos da Revolução Liberal de 1 820. Obrigado a exilar-se, viveu na Inglaterra e em França. Desembarcou com as forças liberais em Pampelido ( 1 8 32) . Foi encarregado de Negócios em Bruxelas e, de regresso a Lisboa, dedicou-se ao jornalismo político . Dramaturgo, fundou o Teatro Naci onal 20-25. -

G E NOVEVA (Santa Gcnevi cvc) . 432-502. Padroeira de Paris deu aos habitantes da cidade (chamad a então Lutécio) a garant ia de que não tinham q ue recear a sanha d e Átila. Seguidamente foi ao encontro do chefe d os H u nos e, se be m que os historiadores tenham certas sus peitas d o que se passou nesse "rendez-vous", o que é verdade é que a cidade - ela!

- foi res peitad a. Clovis mandou co nstru ir uma Abadia em sua honra, n o topo da colina o nde hoj e se e nco ntra o Panthéon o Liceu Henri IV e a Bibliotheque Sainte- Genevieve. Foi lá que Mestre Aquilino, para além do muito material pu blicado no p rimeiro volu me, escreveu grande parte do seu J A R DI M DAS TO R M ENTAS - 47.

GÉRÔME (Jean Léon). 1 8 24- 1 904. Pintor e escultor francês, pertenceu à escola dila dos "neo-gregos". Inimigo jurado- dos Impressionistas (chegou a director da Escola de Belas­ Artes) manteve, no entanto as melhores relações com Manet e Degas 55. -

GIDE (André). 1 869- 1 95 1 . Romancista francês. As suas obras revelam uma total sinceri­ dade na procura da felicidade e da verdade, o seu desdém pelas regras correntes da moral e a sua recusa formal de nunca se empenhar de corpo e alma em qualquer causa que sej a. Obras principais: Les nourritures terrestres, L'lmmora/iste, La Porte Etroite e Les Faux­ Monnayeurs. Prémio Nobel 1 947 - 209. GODOFREDO (Godefroi IV de B oulogne, dito de Bouillon). 106 1 - 1 1 00, chefiou a 1 .• Cruzada e grangeou, assim, o titulo de "conservador do Santo Sepulcro" - 1 46. GOETHE (Wolfgang). 1749- 1 832. O mais ilustre dos escritores alemães. Autor de Fausto e de Werther 1 68. -

GOMES DOS SANTOS (Domingos Mauricio). 1 896. Jesuíta, pertenceu ao corpo redacto­ rial da revista Brotéria 109. -

GOYA (Francisco de). 1 7 46- 1 8 28. Pintor oficial da Corte de Espanha. Durante a guerra contra Napoleão, foi a testemunha implacável dos Desastres da Guerra - 46-96.

191

G R A N DJ O U A N . 1 875- 1 968. Desen hador e caricaturista francês de inspiração li bertária. Foi com Leal da Câ mara e Steinlen, u m dos pilares de I'Assiette au Beurre - 23. G R A V E (Jean).

1 8 54- 1 9 39. Anarquista francês. Sapateiro, a u t odidacta, d i rigiu v árias

pu blicações anarquistas (A Révo/te, Les temps nouveaux . . . ) e foi um talent os o divulgador do movimento anarquista francês - 57.

G R A V E LOTTE -

Povoação onde se registaram terrí veis com bates em Agosto de

1 870

25- 1 76. G R ECO ( Dominikus Theotokó pulo, dito E L) . 1 5 40- 1 6 1 4. Natu ral de Creta, instalou-se em Tol edo , depois de ter estudado pintura, d u rante uns anos, na Itália - 46. G R EY ( Ed ward). 1 8 62- 1 933. I nglês. M i nistro dos Negócios Estrangeiros de 1 905 a 1 9 1 6 -

1 26- 159. G R I EG ( Edvard). 1 843- 1 907. Comp ositor norueguês. A ut or de Peer Gynt

-

26- 1 40.

G U E R R I TA ( R afael G uerra B ej aran o ) . 1 8 62- 1 9 4 1 . Foi, c o m P E P E- H I LO e C U E LO, u m dos mestres da tauromaquia moderna espan hola - 2 1 . G U E S D E (J ules

Basile).

F RA S ­

1 8 45- 1 9 22. Político francês, divulgado r das ideias marxistas no

seio do movimento operário do seu país - 224. G U I L H E R M E I ( de H o henzollern). 1 797- 1 888. Rei da Prússia ( 1 86 1 - 1 888) e Imperador ( Kaiser) alemão ( 1 8 7 1 - 1 8 88). G overnou com mão de ferro, tomando para seu principal ministro o conde de Bismarck. Venceu a França em 1 870. Avô de Guil herme I I - 138. G U I L H E R M E I I . 1 8 59- 1 94 1 . R e i da Prússia e Kaiser da A lemanha ( 1 888- 1 9 18). Abdicou no fim da Primeira Guerra M u ndial e refu giou-se nos Países- Baixos - 37-2 1 2-2 1 9 . G U YA U ( Marie-Jean). 1 8 54- 1 8 88. Filó s ofo francês, autor d a lrréligion de /'avenir

-

79.

G U I N H O L (Guign ol) principal personagem dos "robertos" franceses, que surgiu, em Lyon, nos fins d o século X V I I I - 99. H A L L O P E A U ( Franç ois Henri). 1 842- 1 9 1 9. Dermatólogo dade de Medicina. Es pecialista da lepra - 87-89. H A LS ( Franz) . 1 5 80- 1 666. Pintor h olandês

-

francês.

Professor

na

Facul­

30.

H E LI O G A B A L O (ou Elagabal). 204-222. Imp erador r omano de 2 1 8 a 222. Sacerdote do Sol em Emeso, introduziu em Roma o cult o d o seu deus assírio. Tanto multiplicou as e xtravagâncias que acabo u p or ser assassinado - 2 1 - 1 27. H E N R I Q U E I V . 1 5 53- 16 10. Rei de Navarra, natural d o Béarn, sob o nome de Henri III (de

1 562 a 1 6 10). Protestante, veio a ser Rei de França, porque co nsiderou que " Paris valia bem uma missa" ! ( O l he m que desco berta! . . . ) Para pôr fim à guerra civil desencadeada pelos cató lico s co ntra os huguenotes (protestantes), mandou pu blicamente à fava a religião que

tinha "abraçado" e redigiu o Édito de Nantes que garantia a li berdade de co nsciência de cada cidad ão. Restaurou a autoridade real, ao mesmo tempo que, garanhão da quinta casa, era mimoseado com o cognome de " Vert Galant" pelas ribaudes e marquezas q ue lhe

passavam ao alcance d a mão (da mão, é modo de d izer . . . ). C o m o era de p rever e para grande mágoa do "pess oal feminin o , foi apunhalado na Po nte Nova (Le Pont Neuj), à d es banda do Louvre, p or um cornambana cató lico chamado Ravaillac. É o m ais popular dos reis franceses, sobretudo porque, muito embora não necessitasse prometer, como alguns p oliticas da n ossa praça nas "marés eleitorais", bacalhau europeu a pataco, decla­ rava ter unicamente pôr o bj ectivo politico que a totalidade das familias de França e

Aragança, comessem a sua canja, todos os domingos que Deus fez. Deixou um herdeiro: o futuro Luís XIII, um filho que disparou "à la hussarde" à pudi bu nda e frágil Maria de Médicis ( A "desgraçada" d a fl orentina - rezam as más linguas - quando ouvia as botifar­ -

ras do marido aproximarem-se do quart o , corria a aj oelhar-se aos pés da estátua da Virgem, derramada em lá grimas (mas de olho aceso): "Aiuto, Madonna mia! . . . L'insazia-

1 92

bile bestia bearneza viene soddisfare suoi brutti instinti ! . . . " Parece que esgarçava um sorriso de compreensão - 35.

a

sagrada imagem

HENRIQUETA D E INGLATE RRA ( Henriette-Anne Stuart). 1 644- 1 670. Filha de Carlos I de Inglaterra e de Henriette de França, será mulher de Filipe de Orléans, irmão de Luís . XIV de França - 36. HENRI HEINE. 1 797- 1 8 56. Poeta alemão - 76. HÉRCULES (Héracles). Semi-deus, viu-se grego para levar a cabo os Doze trabalhos a que fora co ndenado pelo primo Euristeu, que devia ser uma rica prenda - 1 27. HERMAN-PAUL. 1 874- 1 940. Caricaturista, pintor e gravador . . Colaborou na revista satí­ rica Le Rire e na Assiette au Beurre. A ntimilitarista e anticolonialista, consagrou a totali­ . dade . da sua obra a criticar e a ridicularizar. a burguesia --:- 23- 1 0 2. H E R M ES DA FONSECA. 8.0 Presidente da República Brasileira, encontrava-se em Lis­ boa, em viagem oficial, a bordo do cruzador S. Paulo, aquando do 5 de Outubro - 205. H ERVÉ · (Gustave). 1 8 7 1 - 1 944. Professor e propagandista do Livre . Pensamento. O seu antimilitarismo tornou-o popular em toda a França. Uma das grandes figuras do republica­ nismo francês. Acabou, no entanto, por fundar em 1 927 o Partido Socialista nacional, de inspiração fascista - 47-55-56-57- 1 39- 146- 1 50- 1 77. HINDENBU RGO (Paul von Beneckendorff). 1 847- 1 934. Marechal alemão e Chefe do Estado-Maior de 1 9 1 6 a 1 9 1 8 . Presidente do Reich em 1 925, nomeou H itler Chanceler, em 1 933 - 73. HOBBEMA. 1 638- 1 709. U m dos mais célebres paisagistas holandeses - 73. HOH ENZOLLERN. Antigo principado alemão à beira do Danúbio, berço da dinastia do mesmo nome, que usou a coroa real ou imperial de 1 70 1 a 1 9 1 8, em diversos países e uropeus - 1 38-204-205. HOM ERO. Poeta épico grego do século IX antes de Cristo, autor da Ilíada e da Odisseia. A tradição apresenta-o sob a aparência de um velho cego que andava a recitar versos, de terra em terra - 74- 1 47- 1 8-83. HUG U ES D E LIONNE. 1 6 1 1 - 1 67 1. Diplomata francês. Ministro de Estado e Secretário dos Negócios Estrangeiros. Concluiu a Paz dos Pirinéus e preparou com habilidade as p rimeiras guerras de Luis XI V - 109. H U M BERT (L'affaire Thérese). 1 902- 1903. Mulher de um antigo deputado , congeminou uma vigarice monumental que l he permitiu viver de grande e à francesa, à custa do espírito de ganância de a.lgu ns de indiv.í duos que aspiram a viver sem trabalhar. Foi condenada a cinco anos de prisão - 67-68. IBS EN (Hebrik). 1 8 28- 1 906. Dramaturgo norueguês. Autor de Casa de Boneca, Os espec­ tros, Hedda Gabler - 23. INGRES (Dominique). 1 780- 1 8 67. P.intor francês, discípulo de David, chefe de fila do classicismo e precursor do romantismo - 45-46. I SAAC, filho de AB RAÃO e de SARA. Escapou de boa, graças à intervenção de um Anjo · que botou mão à machada com que o pai se preparava para o imolar por ordem do Eterno ( bendito seja!). So bre o tarde, casou com Rebeca que lhe deu dois filhos: Esaú e Jacob 2 14. ISABEL DE BO U R BON. 1 602- 1 644 . . Filha de Henrique IV de França e de . Mariíl de Médicis, casou com Filipe IV de Espanha ( 1 62 1 - 1 664), de quem teve uma filha, Maria Teresa, que virá a casar · com Luís XIV de França - 1 9 . I S A B E L DO H A I N A U T. 1 1 70- 1 1 90. Mulher de Filipe-Augusto, rei d e França, foi mãe d e Luís V I I I - 3 5 . J

JANSENI S M O - Doutrina professada por J A N S EN I U S (Cornélius JANS EN) 1 5 85-

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- 1 638), bispo holandês, no seu livro A ugustinus, a qual consiste e.J11 limitar a liberdade humana, partindo do princípio de que a graça é dada a certos seres desde o nascimento, e recusada a outros. Nos nossos dias, significa piedade e virtude austeras - 65.

JARDIM (MANUEL de Azambuja Leite Pereira). 1 8 84- 1923. Pintor. Viveu em Paris de 1905 a 1 9 14. (Ver "Por Obra e Graça" de Aquilino Ribeiro) - 25-34-35-2 1 1 . JAURES (Jean). 1 8 59- 1 9 14. Politico francês. Brilhante orador, um dos chefes do partido socialista, fundou o diário L'H U M ANITÉ. Acérrimo defensor da inocência de Dreyfus, pacifista sem mácula, foi assassinado em 3 1 de Julho de 1 9 14 por um fanático católico, membro da ACTION FRANÇAIS E - 1 1 8- 1 26-21 2-209-2 1 0-22. JES U S (que as comunidades gregas da Anató lia, de Efeso, de Alexandria e da Grécia cognominaram de CRIS TO - o ungido, o Salvador, o enviado de Deus, o MESSIA S -, depois de terem lido ou ouvido as Epístolas de Paulo o Tarsiota (ou Paulo de Tarso: S. Paulo). Filho de um carpinteiro (mas membro da Casa do Rei David ! . . . ) chamado José e de uma Maria, sobre a qual nada se sabe, - e que desaparece, num abrir e fechar de olhos, aquando da crucificação do Filho à semelhança do marido que os Evangel hos eliminam logo nas primeiras linhas, se bem que continuam a falar de "Jesus, filho do carpinteiro de Nazaré" ... Adiante! Foram os Evangelhos redigidos" 'em grego, a partir da tradição oral (cujas raízes mergu lhavam nas narrações de Mateus, Marcos, Lucas e João. . . ) cerca de dois séculos apó s os eventos evocados, - narrações orais que, por sua vez, tinham chegado aos ouvidos de Paulo de Tarso. Segundo um monge de Cítia - Dionisyus Exiguu - que viveu em Roma no século VI, JES U S deve ter nascido no ano 749 do Calendário Romano, quando Quirinius, Legado de AUGU STO na S íria, ordenou o recenseamento da população da Judeia (inclusivé a da Galileia que falava aramaico . . . ) com vistas ao estabelecimento do Tributo imperial. Quanto à morte, sabe-se que ocorreu, entre os an os 30 e 33, quando Pôncio Pilatos governava a Judeia durante o reinado de Tibério . . . Seja como for, não h á q ualquer documentação hebraica, aramaica, grega o u romana que ateste a existência real de CRISTO, o que significa que a vida galileia do Senhor não possuiu qualquer interesse para os autores gregos que escreveram os Evangelhos longe da Palestina. Quanto aos pró prios judeus, durante as polémicas que tiveram de travar no decurso dos séculos com os cristãos, se não afirmaram categoricamente que Jesus não existiu, foi decerto por rigor cientifico (J), porquanto - é o Talmud que no-lo revela - se limitaram a fazer chacota da pretensão de um homem, de carne e osso, que se declarava filho ou enviado do Eterno! Fiado nas obras de Charles Guigne bert, Professor de "História do Cristianismo" na Sorbonne, publicadas na Colecção "L'Evolution de l' Humanité", Editions Albin Michel, Paris, 1 9 50, reco nheç o que o "grande arquitecto" do Cristianismo (e não JES UIS M O, como seria natural, já que a palavra Cristo é grega e não aramaica), foi Paulo o Tarsiota, fariseu dos quatro costados, mas que se imbuíra de filosofia grega, ·_ a qual, ao tempo, se esforçava por resolver o problema posto por Pttlt ão da passagem do politeísmo para o monoteísmo, dado que as ideias têem tanta vida como os homens . . . Conhecedor da do utrina dos NAZORENOS (próxima da d o s essénios), e l e que nunca vira Jesus, senão em visões, tem a R EVELAÇÃO DA ESTRADA DE DAMASCO: os ensina­ mentos de Jesus eram bem a ponte necessária para ligar as duas margens da inquietação religiosa dos gregos da Ásia Menor. Mas, para isso, terá que substituir a figura "real" de Jesus (aquela que l he davam aos farrapos - quem conta um conto, aumenta ou diminui um ponto - aqueles que pretendiam ter conhecido o carpinteiro da Galileia, crucificado pelos romanos) pela doutrina de um "'enviado de Deus, um C RIS TO, que deve ser sacrifi­ cado e glorificado", - sacrifício que realmente deve ter ocorrido , segundo uns, no tempo de Clá udio (anos 4 1 / 54), e outros, no tempo de Nero, em 58 . . . Não importa. O que é facto é que, por volta d o s anos 400, quando o s bárbaros ostrogo­ dos e visigodos se lançam ao desmoronamento do Império Romano, as A utoridades de Roma chegam à conclusão de que só aquela religião de um Deus Único, que haviam combatido, p oderia servir de cola-tudo para os cacos imperiais e, quiçá, impedir que as ovelhas (os diversos povos do Império) se tresmalhassem do redil. . . E, foi assim que nasceu o

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"Tu és pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja", uma igrejinha Católica, Apostó­ lica e Romana. Se bem pensaram, logo o fizeram, quando Romulus A ugustulo foi deposto em 4 76. O que será essa Igreja? O mesmo Poder Imperial que terá à sua testa, não o Imperador a fim de não irritar os bárbaros, mas um Pontífice. . . ungido, designado por Deus . . . Havia, p ois, que passar às coisas sérias : lançar os caboucos da nova Igreja. E lá torna o nosso Denis o Pequeno, muito industriad o nas religiões e tradições da Mesopotâmia, a p ropor que se aproveitasse a festa do deus solar Mithra, que ocorria aquando do solstício de inverno, para o nascimento de um deus-menino predestinado a morrer . . . como as estações do ano . . . Excelente ideia - aplaudiram os "doutores" que, para logo, se lançaram a calcular a melhor data, que caiu a 25 de Dezembro do calendário Juliano, o que é absolutamente normal. Mas . . . em que dia é que vamos situar a morte se, segu ndo esses Evangelhos gregos que andam por aí nas mãos de todo o bicho careta, Jesus -e não o CRISTO - foi crucificad o durante a Páscoa dos judeus, a Pessah? Jesus só foi CRISTO, quando ressuscitou, mas quando é que isso se deu se os p róprios judeus ignoram porque o seu calendário é estabelecido, ao que parece, consoante os anos lunares? Olhem, sabem que mais, colegas doutores da Igreja, o melhor é não falar de corda em casa de enforcado : como fomos nós que assassinámos Jesus, marcamos a Páscoa na data que melhor nos convier . . . e que coincida mais ou menos com o meio da Primavera, quando o povo celebra os nossos deuses da Colheita! Do cristianismo, o que nos interessa, para já, é q ue toda a gente o aceite como a religião imperial do Deus-menino; mais tarde, muito mais tarde, os nossos "doutores" hão-de esquadrin har esse pro blema da Mãe-virgem, da nossa Deusa-mãe. . . Quem sabe se, nessa altura, uma religião marial não nos será mais útil?! É caso para pensar. Daqui até lá, devemos ter uma única preocupação: manter os povos do ex­ Império no grémio da Igreja, por mais países que venham a criar ! . . . (Para um bom conheci­ mento - não jocoso, claro - desta matéria, ler " Histoire du Christianisme au Moyen-Âge" de W. R. Cannon, Professor na Emory University e Encarregado de Curso na Universidade de Londres. Tradução francesa: PAYOT, Paris, 1 9 6 1 - 1 72-36-49-50. JOANA de A RC. 1 4 1 2- 143 1 . Heroína francesa, conhecida por "La Pucelle d'Orléans" (a "Donzela de Orleães"), Foi queimada viva pela Santa Inquisição, na Praça do mercado da cidade de Ruão, ao tempo sob o domínio inglês. Pretendendo obedecer às ordens de Santa Margarida e de Santa Catarina (indiferentes, ao que parece, à sua virgindade), encabeçou um grupo de soldados franceses que, batendo os ingleses e os bo rguinhões, aqui e acolá, obtiveram que o filho de Carlos VI e de Isabel da Baviera, fosse coroado Rei de França, na Catedral de Reims, sob o nome de CARLOS VII. Presa pelos borguinhões, aliados dos ingleses contra os Armagnacs e os franceses, foi levada ao Tribunal do Santo Ofício, presidido pelo Bispo CAUCHON (que se pronu ncia COCHON como porco) e co ndenada à lumieira da fé. É verdade que, neste tempo, os ingleses ainda não eram protestantes nem anglicanos . . . Eram catolicozinhos de gema . . . Acusada de heresia, a pobre menina (que, quand même, ia nos seus 19 anos, o que na altura era uma idade respeitável. . . ) viu-se - o que é estranho - abandonada pelos franceses e, s obretudo, por aquele que lhe devia o trono: o pateta do Carlos VII. Teria morrido "pucelle" depois de ter vivido no meio da soldadesca e de estar à mercê de carcereiros e domínicos que eram autênticos violadores de estrada? Sej a como for, a Igreja que, na falta de lhe ter salvo o corpo, desejou imacular-lhe a alma, beatificou-a e canonizou-a:. ANATOLE FRANCE, tal como MICH ELET, falam dela com bastante ternura, - e com razão porque é das figuras mais cativantes da História de França. E também das mais enigmáticas: actualmente, estão a surgir livros como cogumelos depois da chuva, em que historiadores pretendem que a Moça de Domrémy era uma filha bastarda de Isabel de Baviera, que enganou o marido. Assim se explica que fosse irmã de Carlos VII e que empunhasse armas para pôr as coisas no devido lugar, isto é: revelar que a bávara da mãe tinha "atraiçoado" o marido - 1 3-35-1 46. JOÃO FRANCO (João Pinto Castelo Branco Franco). 1 8 55- 1 929. Iniciou a sua carreira política no Partido Regenerador, tendo sido ministro três vezes, na última das quais ( 1 893-97) exerceu a ditadura em colaboração com Hintze Ribeiro. Fundou em 1 90 1 o .Partido

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Regenerador liberal e, de coDiuio com D. Carlos, deu o golpe de Estado de 10 de Maio de 1 907, o que lhe permitiu revelar claramente o seu temperamento ditatorial. Foi um safado. Com pretexto da tentativa revolucionária de 28 de Janeiro de 1908, levou o rei a assinar um decreto destinado a suprimir todos os opositores. Resultado: o atentado a 1 de Fevereiro contra a família real. Mortos D. Carlos e o Príncipe herdeiro, terminou a carreira deste salazar do dobrar do século XIX para o século XX - 209-2 1 0-2 1 1 .

JOÃO IV. 1604- 1 656. Filho do 7.0 Duque de Bragança, foi aclamado rei de Portugal por aqueles que levaram a cabo a independência do País I I I. -

JOÃO V, o Magnífico. 1 689- 1 750. Filho de D. Pedro II, pôs Portugal de rastos, com a mania das grandezas. Beato e frascário, é um dos responsáveis do tão apreciado "parasi­ tismo lusitano". Com o ouro que extorquiu do Brasil, pretendeu embasbacar o mundo, tomando-se pela cópia conforme de LUÍS XIV. Inimigo do progresso, como atesta o seu ódio aos "pedreiros livres" francs-maçons, (teve o regalo de ver os primeiros mações portu­ gueses morrerem na fogueira), mandou construir o Convento de Mafra e, quando já em toda a Europa se conhecia o princípio dos vasos comunicantes, mandou construir . . . o Aqueduto das Águas Livres como se fora um Imperador Romano. À semelhança de Victor Hugo que alcunhou Nap oleão III de Napoléon le Petit (o que_ fez rir a França inteira), podemos dizer que o Magnifico é o nosso "Luís XIV da região saloia" - 56. JOÃO VI. 1 767- 1 828. Filho de D . Maria I (que, para além de santanária, não só morreu como deu em doida), teve a pouca sorte de casar com a salerosa Carlota Joaquina (ver as já citadas Mémoires de la Duchesse d'Abrantes), a qual muito dada às uniões ibéricas, coroou o marido com um elmo ponteagudo que faria inveja a todos os Chefes de tribo gauleses. Pau mandado, João VI, só tinha um desabafo, quando a via surgir no jardim de Queluz: "Lá vem a grande . . . !", - tanto mais que a consorte o tinha mimoseado com um arcanjo S. Miguel, beberrão e pegador de vacas que era o retrato chapado do Conde de Marialva, ao contrário do irmão D. Pedro que (não pomos a mão no lume) ainda dava uns ares de pai - 205. JORGE II. 1 890- 1 947. Filho de Constantino I, rei da Grécia em 1 922, destronado em 1924, restaurado em 1 935, exilado em 1 9 4 1 e, novamente, restaurado em 1 946 - 196. JOSÉ. 1 7 14- 1 777. Sucessor de D. João V, teve o bom senso de confiar a chefia da governa­ ção nas mãos do Estadista Sebastião José de Carvalho e Melo. Como o mérito merece ser premiado, está estatuificado na Praça do Comércio de Lisboa, no pró prio local onde cente­ nares de vitimas foram queimadas, se não ao vivo, pelo menos em efígie - 1 1 1 - 1 46. JOURDAIN (Frantz). 1 847- 1 9 35. Arquitecto francês de origem belga, foi um dos fundado­ res do Salão de Outono - 53-99. JUNOT (Antoche). 1 77 1 - 1 8 1 3 . Ajudante de Campo de Napoleão Bonaparte, durante a primeira campanha de Itália, tomou parte na Expedição do Egipto. Foi embaixador de França em Lisboa de Abril a Setembro de 1 805, altura em que teve a subida honra de emprestar o uniforme diplomático, todo cheio de dragonas e alamares dourados, a D. João VI que desejava mandar fazer um igual para si. . . Infelizmente, Junot era um latagão e ao descuidado alfaiate não ocorreu a ideia de adaptar as medidas . . . Parece que, ainda hoje, pelo anoitecer de certos dias de verão, se ouvem estrepitar gargalhadas nos jardins do Palácio de Queluz, que diga-se de passagem, não tem um único fogão de sala! O frio que aquela gente devia rapar ! Será essa a explicação das ardências carlotinas? (Ver as ditas Mémoires). Chefiou Jun�t a 1 .• Invasão Francesa e, segundo Raul Brandão no seu EI-Rei Junot, comportou-s� como um soba. Anos mais tarde, num acesso de loucura, decidiu enviuvar a memorialista' da mulher, com dar-se um tiro na cabeça 1 84. -

KANT (Emmanuel). 1 7 24- 1 804. Filósofo alemão, autor da "Critica da Razão Pura". Para ele, idealista critico, as coisas são-nos reveladas como fenó menos, quando nos são dadas no espaço e no tempo, que são formas de sensibilidade. Como coisas em si, são incognoscíveis. Mas, a lei moral p ressupõe a liberdade, a imortalidade e a existência de Deus - 1 1 6- 1 68. KEIL (Alfredo). 1 8 50- 1 907. M úsico e pintor. Autor de "A Portuguesa"

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KINDERER (Antonius Johannes D E R). 1 8 5 1 - 1925 . Pintor holandês. KISLING ( Moise). 1 8 9 1 - 1953. Pintor francês de origem polaca. U m representante da Escola de Paris - 105. KOLTCHAK (Alexandre). 1 874- 1 920. Almirante russo, fuzilado em 1920, depois de ter tentado sublevar certas regiões da Sibéria - 23. KRONPRINZ (Frederico-Guilherme, filho de Kaiser Guilherme II) ...:_ 3 1 . KIP LING ( Rudyard). 1 865- 1936. Romancista e poeta inglês, a s suas obras celebram de maneira evidente o Imperialismo britânico. Introdutor da Franco-Maçonaria na Índia. Prémio Nobel 1 907 - 1 1 7 . LABIC H E (Eugene) . 1 8 1 5 - 1 888. Comediógrafo francês. LA CAYE (Louis). 1 798- 1 869. Coleccio nador e filantropo. Um dos principais danadores do Museu do Louvre - 1 1 3. LA GANDARA (Antonio de). 1 862- 1 9 1 7 . Pintor francês, filho de pai espanhol e de mãe inglesa - 28. LAMA RTINE (Alp honse de). 1 790- 1 869. Poeta francês, chefe de fila do romantismo. Deputado a partir de 1 8 34, pôs o seu talento ao serviço das ideias liberais; membro do governo e Ministro dos Negócios Estrangeiros em 1 848, perdeu uma parte do prestigio aquando das Jornadas de Junho de 1848 - 1 2 1 . L A PALICE (Jacques d e C H ABANNES, senhor de). 1 470- 1 525. Foi morto n a batalha de Pavia. Em sua honra, os s oldados compuseram uma canção cujo refrão era: Um quarto de hora ante de morrer i/ faisait encore envie (ainda causava invej a). Mercê do espírito trocista e rabelaisiano, o estribilho passou para: "Um quarto de hora antes de morrer i/ était encore en vie (ainda estava vivo). Desta jumentada, provém a expressão "uma verdade de La Palice" (ou IA Palisse) - 29. LATHAM (Hubert). 1 8 8 3- 1 9 12. Foi o primeiro aviador a tentar - sem êxíto - a travessia do Canal da Mancha - 83. LAT U D E (Jean-Henry). 1 725- 1 80 5 . Aventureiro de alto coturno, foi encarcerado por ordem de Madame de Pompadour, barregã favorita de Luís XV, ora na Bastilha, ora em Vincennes, ora no Châtelet ou em Charenton. Evadiu-se várias vezes, mas totalizou trinta e cinco anos de cadeia por causa da cróia real - 1 73. LA V AULX (Conde de) . 1 870- 1930. Aeronauta francês, fundou o Aero Club de França e a Federação Aeronáutica internacional, em 1 906 - 83. LA VILLETTE (Johan nes-Jean-Daniel de) . 1 694- 1 755. Miniaturista da Escola holandesa. LAVIS S E (Ernest). 1 842- 1 9 22. Historiador. Professor na Sorbonne, dirigiu uma vasta " Histoire de France" ( 1 900- 1 9 1 2) - 220. LA URENS (Jean-Paul). 1 838- 1 92 1 . Pintor e professor na ...Academia Julian" - 34. LAWRENNE (Sir Th omas). 1 769- 1 8 30. Pintor inglês, aluno de Reynolds - 46. LEAL DA CÂMARA (Tqmás Júlio). 1 876- 1 946. Desenhador satírico, caricaturista de . génio, foi, de 1 90 1 a 1 9 14, um dos principais colabo radores do semanário humorís tico parisiense L'ASSI ETTE AU BEUR RE, onde publicou 49 números ( ! ) da sua exclusiva aut oria, o que totaliza cerca de 700 desenhos; se contarmos a sua colaboração em números colectivos, Leal da· Câmara enriqueceu L' ASSIETTE AU BEURRE com pelo menos uns 800 desenhos. Hoje, a sua obra - tanto no RIRE como na ASSIETTE AU BEU RRE - é c omprada a preço de ouro pelos amadores de arte. Foi até há pouco, o único artista português verdadeiramente apreciado em França. (Ver "Leal da Câmara". de Aquilino

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Ri beiro e "L'ASSI ETTE AU B E U R RE, de Elisabeth et Michel Dixmier, Ed. do "Centre d' Histoire du Syndicalisme", 1974 - 23-25-37-39-42-47-207. LEONO R DE Á U STRIA. 1 498- 1 558. Casou em 1 5 1 9 com D. Manuel I de Portugal e, mais tarde, em 1 530, com Francisco I de França - 35. LEÃO XIII (Joacchim Pecci). 1 8 1 0- 1 903. Papa em 1 878, publico u uma série de encíclicas - "De rerum novarum" - destinadas a preconizar um catolicismo social e, sobretudo, a maneira melhor indicada de penetração do mundo operário, Foi o mentor, por exemplo, do catolicismo português (ver C. A . D . C. de Coimbra) na sua luta contra a República - 75. LEFEV RE ou LE FEV RE ( Ro bert). 1 755- 1 8 30. Pintor francês que retratou Nap oleão e as grandes figuras do I Império - 30. LEFEBRE (Franç ois-Joseph, Duque de Dantzig) . 1 755- 1 820. Marechal de França. LEG RAND (Claude) . 1762- 1 8 1 5 . General francês. De cabo chegou a Inspector Geral de Infantaria, em 1 803. LEMA1TRE (Jules). 1 8 5 3- 1 9 14. Escritor e critico francês - 1 03. LEMOYN E (François). 1 688- 1 737. Pintor, deve-se-lhe o tecto do Salão de Hércules do Palácio de Versalhes - 67. LENINE (Pseudónimo de Vladimiro Ilitch Ulianov). 1 8 70- 1 924. Fundador da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Um dos grandes teóricos do marxismo - 2 1 1 -22. LENGLEN ( Mademoiselle Suzan ne) . 1 899- 1 9 36. Tenista, ganhou por seis vezes o Torneio de Wimbledon - 27. LÉPINE (Louis). 1 8 46- 1933. Prefeito da Policia (Governador Civil) de Paris, de 1 893 a 1 9 1 2 - 59. LEYGUES (Georges) . 1 8 57- 1933. Politico francês, várias vezes Ministro da Marinha e da Instrução Pública - 1 0 I . LEONA R D O D E VINCI . 1 45 2- 1 5 1 9 . U m dos mais célebres pintores flo rentinos. Foi igualmente anatomista, escultor, arquitecto, engenheiro, escritor, músico. Distinguiu-se em todos os ramos da Arte e da Ciência. Faleceu em França, nos arredores de Amboise, ao fim de vários anos de serviç o do rei Francisco I - 45-67-95-96. LIONOR (filha de D uarte de Portugal). 1 434- 1467. Casou com o Frederico III da Alema­ n ha, em 1 452 - 37-39. L I C H T EN B E R G E R ( He nri) 1 864- 1 94 1 . Germanista francês, professor na So rbonne. Autor de diversos estudos sobre a Alemanha - 1 76. LIMA (Sebastião de MAGALHÃES). 1 8 50- 1 928. Advogado e jornalista foi um infatigável propagandista dos ideais republicanos. Director de A VANG UARDA, exilou-se em França, aquando da ditadura de João Franco. Deputado às Constituintes em 1 9 1 1 , Minis­ tro da Instrução Pública em 1 9 1 6. Foi Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa. (Ver "Leal da Câmara") de Aquilino Ribeiro - 25-30-39-42-2 1 0. LINDBERGH (Charles). 1 902- 1974. Aviador americano, foi o primeiro a atravessar o Atlântico Norte sem escala, em 1 927, num avião baptizado "Spirit of St-Louis" - 1 7- 1 8- 1 9. LLOYD G EORGE. 1 863- 1 94 1 . Estadista inglês, chefe do Partido Liberal. Desempenhou um papel de relevo nas negociações do Tratado de Versalhes - 9. LOTI ( Pierre: pseudónimo do escritor francês Julien Viaud). 1 8 50- 1 923. Ro mancista impressionista atraído pelas paisagens e civilizações exóticas - 1 54. LOUBET (Emile) . 1 8 38- 1 929. Presidente do Senado em 1 896 e Presidente da República france&a de 1 899 a 1 906 - 1 1 1 -203-204-205 . LUCIANO CORDEIRO ( Luciano Baptista Cordeiro d e Sousa). 1 844- 1 900. Professor no

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Colégio Militar, foi profess or de Literatura Moderna, na companhia de Teófilo Braga e de Pinheiro Chagá Foi nomeado primeiro-oficial do Ministério do Reino e, com alguns amigos, lev_ou ·a cabo a criação da Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi um adepto ardente da presença portuguesa no Ultramar. LUCRÉCIO. 98-55 a.C. Autor do poe!ll a De natura rerum que é uma exposição didática e lírica do sistema filosófico de Epicuro - 5 1 -9 1 . LUDENDORFF (Erich von). 1 8 65- i 937. General alemão, foi Chefe d o Estado-Maior em · 1 9 i 4 e, depois, adj unto de Hindenburgo ( 1 9 1 6- 1 9 18). To mou, por isso, uma parte determi­ nant.e na direcção das operações durante a Primeira Guerra Mundial - 86. LUÍS'

o. B ONACHEI R ÃO. 778-840. Filho de Carlos Magno e de H ildegarda. Imperador do Ocidente e rei dos Francos de 8 1 4 a 840 - 1 1 4.

LUÍS IX -( Sã� Luís). 1 2 14- 1 276. Filho de Luís VIII e de Branca de Castela, terminou a guerra (cruzada) contra os albigenses, adeptos da heresia cátara. Fortificou a autoridade real e· proibiu as guerras privadas a dentro das fronteiras dos seus domínios. Criou comis­ sões de legistas a fim de pôr termo ao obsoleto duelo judiciário de que Rabelais nos dá uma caricatura no seu Pantagruel. Mandou construir em Paris a Saint e Chapei/e e a Sorbonne. Em ' 1 270, empreendeu a oitava e última Cruzada contra os infiéis. Bem mal cuidou, porque, ao pôr o pé em terra, nos arredores de Túnis, foi fulminado pela peste, o que lhe valeu ser considerado santo e ter o seu dia de guarda a 25 de Agosto. Como diria sua catolicíssima mãe se tivesse visitado as minhas berças " Hay males que vienen por bién" - 48. LUÍS XI. 1 423- 1 483. Rei de França a p artir de 1 46 1 . Levou a vida a engrandecer o seu reino e teve por principal adversário Carlos o Temerário, Duque da Borgonha e neto de D. João I de Portugal. Figura entre os grandes soberanos fu ndadores da unidade na­ cional francesa - 82. LUÍS XI I O pai do povo (j á ! . . .). 1 462- 1 5 1 5. Filho de Carlos, Duque de Orléans, e de Maria de Cleves. Foi o primeiro representante do ra!ll o dos Valois-Orléans, de que Fran­ çois I é o mais galhardo florão - 33. -

LUÍS XIV O Rei-Sol, cujo reinado compreende dois períodos: a Regência, com a mãe A na de Áustria e seu seráfico director espiritual. . . e corporal O CARDEAL MAZA RINI a mandar, e o Absolutismo. Se bem que gloriosa, a sua governação arruinou a França como nã o podia deixar de ser e um monumento atesta bem a sua mania das grandezas solares: o Palácio de Versalhes, onde, para que não lhe fizessem filhos nas costas, instalou com teres e haveres as mais buliç osas famílias de sangue azul: obrigando-as a despesas exorbitantes, impedia-lhes qualquer veleidade de poder local e, por via de co nsequência, de liberdade de manobra . . . Resultado: não obstante o espavento e a autêntica Grandeza de Versalhes, o Palácio era um ninho de lacraus . . . (Para um bom conhecimento da corte de Luis XIV, ler "Les Mémoires", escritas às ocultas, de 1 69 1- 1 723, pelo coscovilheiro do Duque de Saint Simon e que são de um francês da mais pura água. U m regal o ! - 1 5 1 - 1 62- 1 68- 1 69-27-36. -

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LUÍS XV, o Bem-Amado ( 1 7 1 0- 1 774). Neto de Luís XIV, casou com Maria Lesczinska. Co­ leccionou amantes como quem colecciona selos, desde a Mme de Châteauroux, até às "soubrettes", passando pelas Pompadour e as du Barry · (diga-se, entre parêntesis, já que o saber não ocupa lugar, que estas damas se viram gregas para fechar o esquife dos maridos . . . e m virtude d o tamanho d o s palitos que lhes tinham posto . . . ). Há historiadores que porfiam em atribuir a Luís XV outras qualidades mais políticas. Como se ser "putassier" (como dissera dois séculos antes Catarina de Médicis, inventora do "regionalismo" florentino) não fosse cabonde a um homem para passar à História! - 3 1 . LUÍS XVI. 1 754- 1 793. Bisneto d e Luís XIV, casou com Maria Antonieta, d e Áustria que o povo tratou sempre por L'AUTRIC H I ENNE. Homem sensato, rodeou-se de Conselheiros de mérito, tais como TURGOT, MALES H E RBES e NECKER, cujas concepções econó­ micas e políticas suscitaram a maior oposição da nobreza parasitária, chefiada pela pró­ pria rainha que, diga-se de passagem e sem pretender tornar estas Notas num tanque de

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lavadeiras, era da casta e temperamento da sua prima, a nossa (livra!) Carlota Joaquina, a pontos de o povo, bem industriado na língua de Rabelais, a tratar de AutriCADELA, já que, como toda a gente sabe, CHIENNE em francês signifca cadela em português. LUÍS XVI, que não era mau homem (o que mais o cativava era instalar-se ao torno a fazer fechaduras), viu-se a braços com a Grande Revolução ("É um motim? - estranhou ele, quand o ouviu a algazarra do Povo de Paris, debaixo das j anelas de Versalhes. - "Não, Sire -esclareceu Necker, a seu lado - é uma revolução.") e foi guilhotinado a 21 de Janeiro de 1 79 3 . . Sua estremecida (nos braços de outros) esposa conco rreu bastante para tal - 36. .

LUÍS XVIII. 1 7 55- 1 824. Neto de Luís XV, sobrinho de Luís XVI, subiu ao trono, quando o Im­ pério de Napoleão se desmoronou. Foi o monarca da Restauração e do Legitimismo. Com ele, começa, por assim dizer, a França burguesa. Ver " A Comédia Humana" de Balzac - 36. LUÍS-FILIPE. 1 753- 1 850. Rei dos franceses de 1 830 até ao momento de abdicar em 1 848 a favor do neto, o Conde de Paris. Foi no seu reinado que Guizot, seu Ministro das Finanças, aconselhou a burguesia a encher-se: "Enrichissez-vos !" - 1 8 1 . LUÍS D E LÉON (Frei). 1 5 27- 1 59 1 . U m dos maiores poetas liricos do "Século de Oiro" espanhol, descendente de judeus sacrificados pela Inquisição - 106. LUPI ( Miguel Ângelo). 1 8 26- 1883. Pintor - 74. LUTE RO ( Martinho). 1483- 1 546. Reformador religioso da Alemanha. Professor de filoso­ fia na Universidade de Erfurt, monge agostinho, opôs-se vigorosamente à padralhada que andava a impingir indulgências em nome da doutrina de S. Paulo e da salvação da fé. Quem recusasse ir na fita, dava com os ossos no calabouço ou na · fogueira purificadora. Como é de ver, foi excomungado pelos patrões da Santa Sé, - o que lhe deu coragem para traduzir em língua compreensível (no seu caso, a alemã), a Bíblia, que a Igreja de Roma não queria nada, mas mesmo nada, que o zé-pagode lhe deitasse os olhos . . . para morrer estú­ pido. Martinho Lutero casou-se e aprovou a Confissão de A ugsburgo, de 1530, que é ainda hoje o estatuto das igrejas luteranas - S I . LYAUTEY ( Louis- Hubert). 1 854- 1 9 34. General Marechal d e França. Distinguiu-se n a Indochina, em Madagascar e organizou o protectorado francês d e Marrocos, de 1 9 1 2 a 1 925. Manteve este país sob o domínio francês durante a Primeira Guerra Mundial. Foi Ministro da Guerra em 1 9 16- 1 9 1 7 - 2 1 5 . ·

M AINTENON ( Madame de). 1 63 5 - 1 7 1 9 . Viuva do poeta Scarron, foi encarregada da educação dos filhos de Luís XIV. Quando a rainha Maria Teresa faleceu, consorciou-se secretamente com o Rei Sol, em 1 6 84. Exerceu uma influência totalitária sobre o marido, mormente no domínio religioso - 172. MAISTRE (Xavier de). 1 763- 1 852. Escritor francês; autor de "Voyage autour de ma cham­ bre" - 75. MALEBRANC H E (Nicolas de). 1 6 j 8- 1 7 1 5. Oratoriano e metafisico francês, imbuído de cartesianismo, resolveu o problema da comunicação da alma com o corpo pela visão de Deus. Professou o optimismo e fundou a sua moral na ideia de ordem - 1 1 8. MANET · (Edouard). 1832- 1883. Pintor francês, · um dos mestres do naturalismo e, mais tarde do impressionismo - 34-66-67.

MANUEL DE BRAGANÇA. 1 889- 1932. Último rei português. A braços com a agitação republicana, tentou encontrar apoios no estrangeiro, tendo visitado Paris em ·1 909. Faleceu em Londres - 29-69-70- 145-205. MARIA ANTONIETA. 1 755-1 793. Arquiduqueza de Áustria. Casou com Luis XVI de França (Ver LUÍS XVI). Pródiga, inimiga de qualquer reforma, cabecinha de vento, meteu-se em sarilhos como o do Colar de Pedras Preciosas que lhe ofereceu o Cardeal de Rohan (um homem pode ser Cardeal e não ser de pau ! . . . ) e, sobretudo, o dos seus amores absolutamente arrebatados pelo Embaixador da Suécia o Conde Ferzen. Mas, o que mais

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enfurecia o povo, não eram essas "parties de jambes en l'air" que, vistas bem as coisas, eram de alçada real; o que fazia com que o zé-pagode erguesse punhos de raiva era que sua Maj estade mandara construir uma aldeola na tapada · de Versalhes a fim de poder brincar às pastorinhas . . . e gargalhejar de mofa, quando lhe diziam que ele morria de fome: - Se não têem broa - soltava ela com o seu sotaque germânico -, comam pão de ló !" E foi com essas e com outras, que perdeu a cabeça - desta vez, não em sentido figurado - mas na guilhotina - 1 22. MARIA DE BORGONHA. 1457- 1457. Filha de Carlos o Temerário, casou com Maximi­ liano de Áustria - 40. MARIA LESCZINSKA. 1 703- 1 768. Filha do rei Stanislas da Polónia. Casou com o rei de França, Luís X V - 36. MARIA DE MEDICIS . 1573- 1 642. Rainha de França pelo seu casamento com Henrique IV. "Le Vert Galant" - 35-36. M A R IALVA (Pedro José Joaquim Vito de Meneses Coutinho, Marquês de) .?- 1 823. Estri beiro-mor de D. Maria I, muito íntimo de Carlota Joaquina, herdeiro de uma avultada fortuna, não acompanhou a família real e a nobreza na sua fuga para o Brasil aquando das invasões francesas. Fez parte da deputação que Junot enviou a Napoleão a fim de solicitar a redução da contribuição lançada s obre o País abandonado pelos seus dirigentes. Para um melhor conhecimento do Marquês, ler "As Memó rias" de Lord Beckford - 18. M A RTIN ( Henri). 1 8 60- 1 943. Pintor francês, adoptou uma maneira divisionista para grandes páginas decorativas - 29-66. MAS SENA ( André, Duque de Rivoli e Príncipe de Essling). 1 758- 1 8 1 7 . Marechal de França, um dos homens do "bando de Napoleão" que não só lhe deu os títulos, como o apelidou de "Filho querido da Vitória" - 1 85. MASSENET (Jules). 1842- 1 9 1 2. Compositor francês a quem devemos, nomeadamente, as óperas Manon e 'l11ais - 68. MATIS SE (Henri). 1 869- 1 9 54. Pintor francês, um dos chefes de fila do "fauvismo". Simpli­ ficou o desenho num sentido decorativo ao mesmo tempo que exaltava a cor - 10 1 - 1 02. . MAURRAS (Charles). 1 868- 1952. Fundador da ACTION FRANÇAISE. Escritor e poJe­ mista brilhante, não passou de um salafrário em política. Nacionalista integral, foi um dos oragos de Salazar, Cerejeira .. , e António Sardinha. Colaborador activo com o Ocupante Estrangeiro da "França, menina dos seus olhos"), foi condenado em 1 945 a prisão perpétua - 146- 149- 1 54-2 1 9-229- 10- 1 3- 1 4-23. MAXI MILIANO, imperador de Áustria. 1 459- 1 5 19. Marido de Maria de Borgonha, filha de Carlos o Temerário - 39-40. MEDICIS. Fa mllia de negociantes que reinou em Florença, do século X IV a fins do século XVI - 39. MEISONNIER (Ernest). 1 8 1 5- 1 89 1 . Pintor francês - 1 1 3. MÉLINE (Jules). 1 8 3 8 - 1 9 25 . Político francês, um dos chefes republicanos progressistas, partidário do proteccionismo favorável ao desenvolvimento agrícola - 205. M ENDELSSOHN. 1 809- 1 847. Compositor alemão, fundador do Conservatório de Leip­ zig. Autor de sinfonias e de oratórios, contribuiu para a ressurreição da obra de Bach - 32. MESMER. 1 734- 1 8 1 5 . Médico alemão, fundador da teoria do magnetismo animal, dita mesmerismo - 87. MES SALINA. 1 5-48 . Princesa romana, terceira mulher de Cláudio e mãe de Britanicus e de Octávio. Mercê da vida dissoluta que levou, o seu nome, de substantivo pró prio, passou à História como adjectivo - sinónimo de rameira voraz que metia na cama o gladiador que lhe dava no goto . . . para o passar a fio de espada - 18.

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METCHNI KOFF (Elie). 1845- 19 16. Zoologista e microbiologista russo, discípulo de Louis Pasteur. Prémio Nobel 1 908 - 87-88-89. M E U N I E R (Constantin). 1 8 3 1 - 1905. Pintor e escultor belga. Realista, grande parte da sua obra tomou por tema a vida dos mineiros - 23. M EYER (Arthur). 1 844- 1924. Jornalista, proprietário de LE GAULOIS . Guy de Maupas­ sant retratá-lo-á no seu romance Bel-Ami sob os traços de Walter, director de "La Vie Française" 2 1 9. -

M l L LET (Jean-François). 1 8 1 4- 1 873. Pintor francês - 1 1 3- 10 1-93. MIGU EL. 1 802- 1 866. Terceiro filho de Carlota Joaquina e de. . . pai incógnito (segundo a mulher do Embaixador JUNOT, nas suas MÉMOI RES, quando o arcanjo nasceu, já há dois anos que os "soberanos de Portugal" não se aqueciam os pés no mesmo Vale de Lençóis dos álgidos quartos de Queluz ou do Ramalhão). Sej a como for, os fisionomistas pretendem discernir no Miguelinho as "impressões digitais" dos Marialvas, - o que, diga-se de passagem, dá pilhéria à teimosia de D. Maria I (sogra da espanhola) de não querer receber nos seus aposentos o homossexual inglês Lord Beckford, não obstante as diligências do seu estribeiro-mor, o qual, segundo os elementos de que dispomos, nunca considerou o fidalgo inglês "impró prio para consumo" . . . Assim ou assado, só Freud nos poderá auxiliar a penetrar na "tapada" da Casa Real portuguesa da primeira metade do século XIX e a compreender os gostos marialvas pelos toiros e rameiras do caceteiro D. Miguel que lanç ou o País nos horrores da guerra civil. Restituiu a alma a quem o engendrou, lá longe, em Viena de Áustria - 2 1 7 . M I G U EL-ANG ELO (Buonarroti). 1 475- 1 564. Pintor, escultor, arquitecto e poeta floren­ tino, é um dos H omens que mais enriqueceram a Humanidade - 45-46. MI LLERAND (Alexandre). 1 8 59- 1 943. Político francês, começou por ser socialista e aca­ bou a carreira entre os adversários do "Cartel das Esquerdas". Entretanto, foi Ministro da Guerra em 1 9 1 4- 1 9 15, e Presidente da República de 1920 a 1 9 24 - 1 33-1 35-1 49- 1 80- 1 8 1 208-9. MIRBEAU (Octave). 1 8 48- 1 9 1 7 . Escritor francês, autor nomeadamente de "Le Journal d'une Femme de Chambre" - 7 1 - 1 1 8 . MOIS ÉS (ou Mosché). A maior figura do Antigo Testamento e d o Judaísmo. Guerreiro, Estadista, Libertador, Moralista e Legislador dos Hebreus. Recebeu o "Decálogo", na Sarça Ardente do Sinai, depois de ter cavaqueado com Jeová - 4 1 � 1 8 3. MOLIERE (Jean-Baptiste POQUE LIN, dito). 1 622- 1 673. O mais talentoso e popular dos comediógrafos franceses. Dirigiu durante 15 anos ( 1 643- 1 658) uma companhia de teatro ambulante, mas acabou - com grande inveja das "celebridades" das letras e no meio das maiores sacanices daqueles para quem a igualdade nunca deve ultrapassar a sua pró pria estatura - por ser protegido por Luís XIV que, amador de Belas-Artes, lhe confiou a "criação" de um Teatro Francês: a futura Comédie Françoise. Morreu no palco, durante uma representação de "Le malade Imaginaire", depois de nos ter oferecido personagens típicas que ainda hoje, passam por nós: Arnolfo, Tartufo, Don Juan, Orgon, Alceste - 1 27. MONET (Paul). 1 840- 1 926. Pintor francês. Foi a partir do seu quadro "Pôr de sol", impressão que surgiu, senão a pintura impressionista, pelo menos o nome por que tal técnica pictural é conhecida. Autor de uma obra riquíssima, os seus "Nenúfares" (Les Nimphéas) são p orventura o ponto mais alto do Impressio nismo. Para um bom conheci­ mento de Monet, visitar a sua Casa-Museu, em Giverny, a uns 80 quiló metros de Paris, na margem direita do Sena - 26-30-66. MONTANO (Juan). Escultor espanhol, trabalhou em Sevilha em 1 58 1 - 24. MONTHÉUS (Gaston B runswichg, dito). 1 872- 1 9 52. Autor e intérprete de canções anarco­ -sindicalistas. Apresentava-se em cena, traj ado de operá rio - 1 26.

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M ONZIE (Anatole de). 1 876- 1 947. Político francês, várias vezes ministro, presidiu a partir de 1935 à publicaç�o da "Encyclopédie Française" - 1 34. M ORALES (Luís de). 1 509- 1 586. Pintor espanhol - 94-96. MUN (Conde Albert de). 1 8 4 1 - 1 9 1 4. 1 84 1 - 1 9 14. Politico francês, orador católico, defensor de leis sociais reaccionárias - 47-64- 1 79-204-225. M U RI LLO (Bartolomé Esteban). 1 6 1 8- 1 682. Pintor espanhol - 77. M U SSET (Alfred de). 1 8 1 0- 1 857. Escritor, dramaturgo e poeta francês. U m dos grandes do romantismo - 25. N A PO L E à O B ON A P A RTE. 1 7 69- 1 8 2 1 . Nasceu em Ajacci o, na C ó rsega e, de cabo, chegou a Imperador dos Franceses! Foi um regabofe ! Manas, primas e amigalhaços foi o "é fartar vilanagem" · - o que levava a pobre D. Letícia, mãe de herói, a carpir-se, pelos cantos, no seu francês mascavado: "purvú que çá dure! E durou. O rebento dos Buona­ parte, criou o Primeiro Império, demoliu os caboucos de todas as monarquias europeias e, filho da Revolução, dotou a França com instituições que ainda hoj e se mantêem de pé. Foi vencido pela coligação das monarquias da Europa, chefiadas pelo inglês Wellington, em Waterloo, a 1 5 de Agosto de 1 8 1 5 , e desterrado para a Ilha de Santa Helena, onde faleceu 36-67- 1 1 5-67- 1 34- 1 42- 1 5 1 - 1 73- 1 8 1 - 1 84- 1 85- 1 88-2 1 5 . -

NEGRI (Apolonia Chalupiec, dita POLA). 1 897- 1987. Actriz d e origem polaca, foi uma das vedetas do cinema mudo, que abandonou com o surto d o cinema sonoro. Publicou " Memórias de uma Star" em 1 968 - 97. NEMESIS. Deusa grega da Vingança e da Justiça que tinha por principio condenar tudo o que é excessivo - 42. NEY (Michel). 1 769- 1 8 1 5. Duque de Elchingen e Príncipe de Moskowa, pela graça de Napoleão. Marechal de França, co briu-se de glória nas guerras da Revolução e do Império, em particular na Campanha da Rússia. Foi fuzilado pelos Legitimistas (restauracionistas) partidários de Luís XVIII - 1 84. NICOLAU II (Czar de todas as Rússias). 1 868- 1 9 1 8 . Filho de Alexandre III, tentou desem­ penhar um papel na crise que agitava a Europa Central e os Balcãs no princípio do século. Descarregando o fardo da política interna para os ombros da burguesia politiqueira e dos esbirros da p olicia secreta, viu-se envolvido na guerra de 1 9 1 4- 1 9 1 8 . Quando deu por si, estava deposto pela revolução proletária chefiada pela ala maximalista do partido social­ -democrata: o partido bolcheviq ue - 1 60-22. NOSTRADAM U S (Michel de Notre-Dame, dito). 1 503- 1 566. Astrólogo e médico proven­ çal, autor de um livro de profecias intitulado CENTURIES- 1555 - 89. NUNGESSER (Charles). 1 892- 1 927. Aviador francês. Às da caça aérea durante a Primeira Guerra Mundial, desapareceu com COLI ao tentar atravessar o Atlântico Norte - 1 8. ÓBIDOS (Josefa d'). 1 634- 1 684). Pintora de motivos religiosos e de naturezas mortas 74. OHNET (Georges). 1 848- 1 9 1 8 . Romancista e dramaturgo francês - 98. OLLIVIER (Emile). 1 8 25- 1 9 1 3 . Politico francês, Ministro do Segundo Império, Presidente do Conselho em 1 870. ORFEU - Filho de Eagre, rei da Trácia, e da musa Calíope ou, segundo outra versão, de Apolo e de Clio. É o maior músico da Antiguidade. Desceu aos Infernos, depois de ter seduzido as divindades infernais com a melodia dos seus cânticos, a fim de libertar a mulher, Euridice. Foi fulminado por Zeus e estracinhado pelas Bacantes - 33. ORLEANS - Nome de quatro familias principescas de França. A primeira é representada por Filipe VI ( 1 344). A segunda teve por chefe Luis I ( 1 372- 1407). A terceira começa e acaba com J.-B. GASTON ( 1 608- 1 660). A quarta casa de Orléans tem ppr chefe Filipe II,

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irmão de Luís XIV ( 1 640- 1 7 0 1 ) . Ainda hoje, são os Orléans os mais legítimos pretendentes ao trono . . . da República que correu com eles da cena política hâ precisamente 200 anos, aquando da Tomada da Bastilha - 1 22. ORTIGÃO (José Duarte RAMALHO) . Jornalista, escrevedor de cró nicas ("As Farpas") e amigo de Eça de Queiroz e dos componentes do Cenâculo - 77. OTHÃO I, o Grande. Rei da Germânia em 936, I mperador do Ocidente em 962, morreu em 973 - 2 1 2. PAINLEVÉ (Paul). 1 863- 1933. Matemâtico e político frances, foi Presidente do Conselho em 1 9 1 7 e em 1 925. Membro do Partido republicano socialista - 83. PALOMINO (Ant onio). 1 655- 1 7 26. Pintor e historiad or de arte espanhol - 94. PAMS. Politico francês, deputado radical, foi candidato à Presidência da República em J.a neiro de 1 9 1 3 - 1 3 3- 1 34. PA RACELSO (Théop hrast B O M B A RT VON H O H E N H EI M , dito). 1493- 1 5 4 1 . Alquimista e médico suíço, pai da medicina hermética - 1 02. ·

PAU (Paul Marie). 1 848- 1 932. General. Participou na Guerra de 1 870 e da de 1 9 1 4- 1 9 1 8 . Membro d o Conselho Superior d e Guerra em 1 909 - 1 9 2. PELLETAN (Camile). 1 846- 1 9 1 5. Membro importante do partido radical. Ministro da Marinha no Ministério COMBES, escreveu "Les Associations ouvrieres dans le passé" ( 1 874) e "Comité Central et la Commune" - 224. PENÉLOPE. Mulher de Ulisses e mãe de Telémaco. Durante os 20 anos de ausencia do marido, rejeitou todos os pedidos de casamento dos pretendentes, prometendo escolher um, quando terminasse a teia que estava urdindo, - e que, astuciosamente, desfazia, durante a n oite - 25. PEPINO o BREVE. 7 1 5-768. Filho de Carlos Marte), Duque da Neustria, da Borgonha e da Provença. Foi proclamado Rei dos Francos em 75 l . Casou com Berta au grand pied e teve dois filhos : Carlos Magno e Carlomano - 1 8-34. PERE LACHAIZE (Cemitério do) - Situado numa das colinas de Paris, Ménilmontant, foi inaugurado em 1 804, no local onde o confessor de Luís XIV, o Padre de La Chaise, p ossuíra uma quintarola. É um conglomerado de monumentos funerârios, no topo do qual se ergue o muro - O M U RO DOS FEDERADOS - contra o qual as tropas vetsalhe­ sas de T11iers fuzilaram centenas de homens e mulheres que acreditaram no advento da COMUNA D E PARIS. Foi também desse local que, em 1 8 19, a personagem-típica do arrivista ambicioso que domina toda a Comédia Humana de Balzac, lançou, nas últimas pâginas do Pere Goriot, o seu desafio à Sociedade burguesa: À nous deux, maintenant ! Ironia d a vida: sabe-se que Balzac, para dar corpo a o seu Eugene RASTIGNAC (é dele que se trata) tomou Thiers como modelo : nasceram ambos em 1 798, desembarcaram em Paris em 1 8 2 1 , foram ministros em 1 8 30, etc . . Carreira paralela. Simplesmente, Balzac escreveu o Pere Goriot em 1 8 34 e faleceu em 1 850, ao passo que o rastignac Adolphe Thiers só restituiu a alma ao diabo em 1 877! Por que obra e graça imaginou ele os 27 anos (pelo . menos) em que deixou de ter o modelo (?) na frente dos olhos? E se fosse Thiers a tomar a criatura de Balzac para inexorável modelo da sua própria carreira? Honoré de Balzac foi inumado no Pere Lll chaize. . . Que pena não ser espirita, se não ia até lâ solicitar-lhe uma resposta! - 49- 1 1 3. PERCIN. General e colaborador do jornal radical LE BONNET ROUGE - 1 79- 1 93-208. PERGAUD (Louis). 1 17- 1 1 8 .

1 882- 1925. Igualmente autor da célebre "Guerre des Boutons" -

PETIT (Georges). Proprietârio d e u m a Galeria de Arte. Fins do Séc. XIX a 1 92 1 - 77- 1 1 3 . PICASSO ( Pablo Ruiz). 1 8 8 1 - 1 973. Pintor espanhol, chefe d e fila do cubismo

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29-30-3 1 -66.

PICHON (Stephen). 1 857- 1 933. Deputado radical e Ministro 'dos Negócios Estrangeiros da França - l l 8- 199-220. PICKFORD (Gladys MARY Smith). 1 893- 1 979. Vedeta do cinema mudo - 97. PILON (Germain). 1 537- 1 590. Escultor francês, autor dos mausoléus de François ler e de Henri II, na Abadia de Saint-Denis - 34. PIN H EI R O C HAGAS ( Manuel Joaquim). 1842- 1 895. Capitão do Exército, foi profes­ sor do Curso Superior de Letras e Sócio efectivo da Academia Real das Ciências de Lisboa. Poeta, deu origem à "Questão coimbrã" e foi grande cultor de romances históricos - 1 84. PIO XI (Ratti). Foi papa de 1 922 a 1 939. Assinou os Acordos de Latrão com Mussolini - 1 4. PIR RO. O primeiro dos grandes cépticos gregos (365-275). Negava q ue o homem pudesse atingir a verdade - 27. PISANELLO (António Pisano, dito). medalhas - 95-96.

1 395- 1 456. Pintor italiano e notãvel gravador de

PLATÃO. 428-348 a.C. Filósofo grego, discipulo de Sócrates e mestre de Aristóteles. A sua filosofia, que tem por método a dialéctica, culmina na teoria das ideias: a verdade, objecto da ciência, não estã nos fenómenos particulares e passageiros, mas sim nas ideias-tipo de cada grupo de seres, em cuj o topo se encontra a ideia do bem. Um dos precursores " ocidentais" do monoteismo - 79. PLUTARCO. 50- 1 25 . Historiador grego, autor das "Vidas paralelas" dos Homens Ilustres . - 55. POINCARÉ ( Raymond). 1 860- 1934. Advogado e p olitico francês. Presidente da República de 1 9 1 3 a 1 926, Presidente do Conselho em 1 9 1 2, de 1922 a 1 924 e de 1 926 a 1929. Em 1923, mandou ocupar o Ruhr para obrigar a Alemanha a executar o Tratado de Versalhes que a tinha posto de rastos - 1 25- 1 26- 1 27- 1 33- 1 34- 1 50- 1 60- 1 80- 1 8 1 - 1 96- 1 99-200-203-204-205-2 1 2-2 1 5-21 7-224-225. POMBAL (Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marquês de). 1 699- 1 782. Domina e enobrece todo o séc. XVIII português. Quando Embaixador em Londres, foi iniciado nos "mistérios da Franco-Maçonaria", - o que lhe permitirã vir a ser um "déspota esclarecido" . . . É, não o bstante as opiniões, uma das Grandes Figuras da História de Portugal - 56- l lO. POMPADOUR (Antoinette POIS SON, Marquesa de). 1 7 2 1 - 1 764. U ma das favoritas de Luis X V, o Bem-Amado - 1 72. POTTER (Paulus). 1 625- 1 654. Pintor de animais e de paisagens. Holandês - 66. PREVOST ( Marcel). 1 862- 194 1 . Escritor e membro frenético da A cção Francesa - 1 50. P RI APO. Deus dos Jardins, das Vinhas, da Geração. Filho de Diónisos e de Afrodite, personificava, para os gregos, a virilidade. PRI VAS (Antoi ne Taravel, dito XAVIER). 1 8 63- 1 927. Encoraj ad o por Verlaine, lançou "Les soirées du Procope" e fundou "Le cabaret des Arts" - 1 26. PRO U ST (Marcel). 1 8 7 1 - 1922. Escritor francês. Autor de "À la recherche du temps perdu" - 149. P R U D H O M M E (Joseph) personagem criada pelo escritor e caricaturista Henri Monnier ( 1 805- 1 87 1 ) : pequeno-burguês tacanho e satisfeito de si pró prio. Conselheiro A cácio (Eça de Queiroz conhecia-o bem . . . }, afirma, com solenidade, as piores tolices - 78. PRUD'HON (Pierre). 1 758- 1 823. Pintor de história e de retratos. Foi considerado o "Cor­ régio francês" - 43. PUECH ( Denys). 1 854- 1 942. Escultor francês. Prémio de Roma e Director da Villa Medi­ eis, de 1921 a 1 933 - 202. PUVIS DE CHAVANNES (Pierre). 1 824- 1 898. Pintor francês, autor de murais (Panthéon

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e Sorbonne) que valem pela harmonia da composição e a sobriedade do colorido 29-47-8 1 . Q U EI ROZ (José Maria d'Eça de). 1 845- 1 900. U ma das principais figuras da Literatura Portuguesa. Estilista primoroso, transpôs com génio - e de maneira flaubertiana - para Portugal, muitas das figuras criadas por aquele a quem mais ad mirava: Balzac - 25-74-77-206-208-209. Q U E NTAL (Antero Tarquínio de). 1 842- 1 89 1 . Poeta de mérito e, sobretudo, mentor da geração de 70. De uma integridade intelectual pouco comum, suicidou-se na sua terra natal, depois de ter estanciado uns tempos em Paris. "Santo Antero", lhe chamava Eça - 27. Q U IXOTE (Don Quij ote de la Mancha). Obra-prima da Literatura peninsular, em duas partes, escrita por Miguel Cervantes Saavedra ( 1 547- 1 6 1 6). Falso romance de cavalaria é, nas entrelinhas, a melhor "reportagem" pelo "interior" da "idade conflitiva", quando os conversos davam água pela barba àqueles que tinham "dois dedos de enxúndia de cristãos­ -velhos", no dizer de Sancho Pança - 1 8- 107. R A B I E R ( B e nj a m i n ) . 1 8 69- 1 9 39 . Caricaturista p o p u l a r í s s i m o colaborador de I'AS­ S I ETTE A U B E U RRE, que, em 1 9 24, ilustrou "Romance da Raposa" de Aq. Ri beiro - 33. RAFAEL ( Raffaelo SANTl ou S A NZO). 1 482- 1 526. Pi ntor, arquitecto, arqueó logo. Foi um dos principais decoradores do Palácio do Vaticano - 45. R A M SÉS I do Egipto ( 1 3 1 4 a.C.). Fundador da XIX dinastia que conta dez reis chamados Ramsés - 1 7. RATTAZZI ( Maria Letícia Studolmina Wyse, princesa). 1 833- 1 902. Escritora francesa que teve a feliz ideia de escrever um livro sobre Portugal: "Le Portugal à vol d'oiseau", a fim de que o grande Camilo nos regalasse com as páginas magníficas de "Portugal a voo de pássara" - 39. REM B RANDT ( Harmenszoon VAN RIJN, dito). 1 606- 1 669. Pintor e gravador holandês, aut or de mais de 3 50 pinturas e de um número idêntico de 'águas-fortes. Génio do claro­ -escuro 46-96. -

RENAU DOT (Théophraste). de France" em 1 63 1 .

1 586- 1 653.

Médico francês, fundador da primeira "Gazette

RAN K E. 1 795- 1 886. Historiador alemão, autor da "História d a Alemanha no tempo da Reforma". Foi um dos grandes iniciad ores da ciência histó rica alemã, no século XIX. RENAN (Ernest). 1 823- 1 892. Escritor francês que se consagrou ao estudo das línguas e das religiões. RENOI R (Auguste). 1 8 4 1 - 1 9 1 9 . Um dos mestres do "impressionismo" - 30. REYNOLDS (Sir Joshua). 1 723- 1 792. Pintor retratista inglês - 46. RIBEIRO (Bernardi m). 1 485- 1 552. Cristão-novo natural do Torrão, Alentejo, cuja obra poética foi impressa em Ferrara, na tipografia do seu correlegioná rio exilado Samuel Usque, autor de "As co nsolações às Tribulações de Israel". A sua " Menina e Moça" só foi publicada em Évora em 1 55 7 - 1 06. RIBADEN EYRA ( Pedro). 1 526- 1 6 1 1 . Escritor e jesuíta espanhol

-

95.

RIBERA (José). 1 588- 1 655. Pintor espanhol, trabalhou largo tempo em Nápoles onde a sua arte, realista, fez escola - 77- 1 43. R I C H E PIN (Jean). 1 849- 1 926. Escritor, poeta e d ramaturgo francês - 1 57-27. R I C H ELI EU ( A rmand-Jean du P I E S S I S , Duque-Cardeal de). 1 586- 1 642. M i nistro de Luís XIII, conta entre os maiores Estadistas franceses (que nada tem a ver com a caricatura que Alexandre Dumas traçou nos seus "Três Mosqueteiros"). Foi o criad or do absolutismo real, quebrou os privilégios provinciais por meio da centralização administrativa e a insti-

206

tuição de Intendentes do Estado em todo o território . Amador das Belas Letras, fundou a Academia Francesa - 1 72-82- 109- 1 1 1 - 1 1 2- 1 1 9. R I M B A U D (Arthur). 1 854- 1 89 1 . Génio de uma precocidade extraordinária, tin ha, aos 1 9 anos, escrito toda a sua obra. Revoltad o contra todas as tradições, tentou exprimir o absoluto das coisas. Teve uma grande influência no seu amigo Verlaine e no simbolismo. Paul Claudel, que "não devia nada a ninguém", reconhecia no entanto, de quando em quando, que, sem Rimbaud, a sua poesia seria . . . como o seu teatro. Rimbaud deixou-nos o Bateau ivre, as lluminations e Une saison en enfer. Dos 20 anos até morrer, levou uma vida de aventureiro . . . a vender escravos no Mar Vermelho ! - 206. ROC H E FO RT (Henri de). 1 8 30- 1 9 1 3. Jornalista político francês, fu ndou a LANTERNE, panfleto semanal dirigido contra o 2.0 Império criado por Napoleão III 1 1 9. -

RODIN (A uguste). 1 840- 1 9 1 7 . Decerto o maior escultor francês, criador de uma obra de grande força realista - 23-32-33-4 1 -48-79. ROLDÃO ( Rolland) . U m dos cabecilhas do exército que Carlos Magno enviou à Península Ibérica para lutar contra os mouros e que foi morto pelos bascos, em 778. A lenda La Clzanson de Rolland - apresenta-o como sobrinho do Imperado r - 36- 1 1 4- 1 1 5. -

ROLLAND (Romain). 1 866- 1 944. Escritor francês, cuja obra exalta um ideal de energia sem violência. Pacifista sem mácula, consciência livre, é autor de uma obra fecunda que exerceu uma influência notável no mundo inteiro, nos anos de luta contra o fascismo. Prémio No bel 1 9 1 6 - 45-209. ROSTAND (Edmond). 1 868- 1 9 1 8 . Autor dramático francês. Cyrano de Bergerac é porven­ tura a sua obra-prima - 1 1 3- 1 6 1 . RO U S S EL (Léonce). 1 850- 1938. Oficial e escritor. Autor da "Histoire Générale de la guerre franco-prussien ne de 1 870- 1 87 1 " - 1 59. ROTH SC H I LD - Família de banqueiros que, desde o desfecho da Batalha de Waterloo (foram os primeiros a co nhecê-lo e, por isso, j ogaram a fundo nas diversas Bolsas da Europa), exerce uma frutuosa actividade na Inglaterra e em França . . . e ilhas adjacentes 71. R U B ENS (Peter Paul). 1 577- 1640. Pintor e diplomata flamengo, marcou toda a pintura dos Países-Baixos, no seu tempo - 35-46. R U B E M PRÉ (Lucien C H A R DON, dito). Personagem da "Comédia Humana". Nasceu em 1 800 e faleceu em 1 830. Herói das "Ilusões Perdidas" e de "Esplendores e Misérias das Cortesãs" é o miminho da camareira do criminoso Vautrin, uma das personagens mais complexas da obra balzaquiana a qual inspirada na vida do degredado Vidocq, tambép1 serviu de modelo a Victor Hugo para o seu Jean Valjean. Ambicioso, mas sem a craveira de Rastignac, Rubempré é a personagem que mais se assemelha a Balzac jovem. Podemos quase dizer que se trata do seu duplo até aos 30 anos - 37. RU YSDAEL (Jaco b Van). 1 629- 1 682. Paisagista holandês - 73-94. SACADU RA CAB R A L ( A rtur Freire). 1 !! !! 1 - 1 924. Oficial da Armada e aviador, efectuou, com GAGO COUTIN H O, a p rimeira travessia aérea do Atlântico Sul, em 1 922. Desapare­ ceu no Mar do Norte - 1 8 . S A D I CARNOT. 1 796- 1 932. Físico e matemático francês, especialista em termodinâmica, foi Ministro da Guerra durante o período napoleónico - 206. SAINTE-BEUVE (Charles-Augustin). 1 804- 1 869. Escritor francês, consagrou-se à critica, depois de ter publicado várias colectâneas de versos. Baseado numa sólida documentação histórica o seu método tende a restituir o génio próprio de cada escritor - 1 1 5. SAINT-PÉ ( Marquês e Diplomata francês). Agente de Richelieu junto dos Conjurados de 1 640 - I I I . SAINT-ROMAIN (Marquês de). Embaixador francês em Portugal, em 1 666 - 109.

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SALLES (Manuel Germano). Nasceu em Lisboa, na segunda metade do Século XIX. Figurou no Salão dos Artistas Franceses e obteve uma menção honrosa em 1 908 25-32-33. SALOMÃO. 961 -922. Filho e sucessor de David, mandou construir o Templo de Jerusa­ lém. A sua sabedoria é legendária em todo o Oriente. A tradição atribui-lhe a composição dos três livros canó nicos da Bíblia: Provérbios, o Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos - 19-89. SANCHA - Caricaturista espanhol, grande amigo de Leal da Câmara e igualmente colaborador de l'Assiette au Beurre" - 47. SANO DI PIETRO ou Ansano di Pietro di Meneio. 1 405- 1 48 1 . Pintor e iluminador da Escola de Siena - 95-96. SANTOS D U MONT (Alberto). 1 873- 1 9 32. Brasileiro, pioneiro da aviação em França, o nde co nstruiu a sua avio neta "Demoiselle" - 83. SARTO (Andrea dei) . Seu verdadeiro nome era: Andrea VANN UCHI ou Andrea d'AG­ NOLO. Pintor florentino do início do século XVI. Foi convidado a trabalhar em França, em 1 5 1 8 , por Francisco I - 35. SCHOPENHAUER (Arthur). 1788- 1 860. Filósofo alemão, fazia gala do seu pessimismo. Pretendia ele, no Mundo como vontade e como representação, que infelizmente tudo se baseia na oposição da vontade, substracto dos fenómenos, à representação do mundo na inteligência 51-10I. -

SEBASTIÃO. 1 554- 1 578. Vigésimo p rimeiro rei de Portugal. Neto d e D . João III, foi o último soberano medieval p ortuguês: imbuído do espanholíssimo espírito de Cruzada, meteu-se em cavalarias altas e deu cabo do Pais. Morreu em Alcácer-Quibir, na Guerra dos Três reis, de parceria com a fina flor dos senhoritas, que viviam da confiscação dos bens judaicos e do comércio (?) com o Oriente. É de ver que nada j ustifica que o "sebastianismo" tenha as suas raízes na morte de um monarca que, para além de ser garoto, nada fez em prol da sua Pátria 1 8-27. S E M BAT ( Marcel) . 1 862- 1922. Advogado. Franc-maçon, membro da Liga dos Direitos do Homem. Socialista, pronunciou-se em 1 920 co ntra a adesão à Internacional Comunista 1 77- 1 79-208-2 1 7-22 1 . SEMIRAMIS - Rainha lendária d a Assíria e d e Babilónia a quem a tradição atribui a fundação desta cidade e a ideia dos jardins suspensos, isto é, dos patamares floridos que vicej avam em torno dos zigurates, esses monumentos que, como enormes paralelipipedos de alvenaria, pareciam querer atingir o céu - 42-40-95. S EQUEIRA ( Domingos Antó nio de). 1 768- 1 837. Pintor

-

74.

S IGNA RELLI ( Luca). 1 445- 1 523. Pintor italiano, artista de grande realismo - 45. S I LVA (Alberto). 1 882- 1 940. Pintor, natural do Porto - 25-30-3 1 . S I LVA (Antó nio Maria da). 1 872- 1 950. Engenheiro e politico. Membro d o partido republi­ cano, foi Ministro do Fomento no governo presidido por Afonso Costa de 9- 1 - 19 1 3 a 1 0- 1 1 - 1 9 14. Foi seis vezes presidente do Ministério, sendo a última, durante o período que vai de 1 7- 1 2- 1925 a 30-5- 1 9 26 - 1 29 . S I LVA PORTO (António Carvalho d a ) . 1 850- 1 893. Pintor - 74. S I M ON. 1 8 1 9- 1 896. Pintor da Escola francesa - 29. S I S LEY (Alfred). 1 8 39- 1 899. Pintor francês, um dos mais sensíveis paisagistas impressio­ nistas 66. -

SNYDERS ( Frans). 1 579- 1 657. Pintor flamengo, exímio em naturezas mortas e motivos de caça - 73. SOARES DOS REIS (António). 1 847- 1 889. Escultor - 70.

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SOARES ( Rodrigo). 1 8 6 1 - 1 948. Pintor. Nasceu no Porto e faleceu no Brasil - 25-29-30. SOREL (Cécile). 1 873- 1966. Actriz da Comédia Francesa. So bre o tarde, deu em freira, decert o para purificar a alma, porque, quanto ao corpo nem o Sena quando transborda depois dos nevões do inverno, conteria para tant o água lustral suficiente - 3 1 . S O U LT (Nicolas). 1 769- 1 85 1 . Duque d a Dalmácia, por graça de Napoleão. Vencedor da Batalha de Austerlitz, ilustrou-se em Espanha e na Batalha de Toulouse, em 1 8 14. Chefiou a Terceira invasão de Portugal. Foi Ministro da Guerra e dos Negócios Estrangeiros, durante o reinado de Louis-Philippe - 1 84- 1 1 5 . S O U S A LOPES. 1879- 1 944. Desenhador e pintor. Fez croquis magistrais alusivos à frente de Batalha na Flandres, na Primeira Grande Guerra Mundial - 25-26-27-28-29. SOUSA PINTO (José Júlio). 1 856- 1 939. Pintor que se fixou em Paris de 1 880 até 1 939 25-38. SOUSA ROSA - Último embaixador da Monarquia Portuguesa, em Paris - 70. S PENCER ( Herbert). 1 1 6.

1 820- 1 903. Filó sofo inglês, fundador da doutrina evolucionista

SPINOZA (Bento ou Baruch). 1632- 1 677. Filósofo holandês, filho de pais portugueses, naturais da Vidigueira. Desenvolveu o racionalismo religioso e, na sua Ética, levou ao extremo o método cartesiano. O seu sistema é uma doutrina panteísta, segu ndo a qual Deus é uma substância constituída por uma infinidade de atributos. Entre Deus e o mundo não há senão uma diferença de ponto de vista. Bom conhecedor do Talmude, entrou em conflito com os dirigentes da Comunidade Hebraica portuguesa de Amesterdão, acabando por ser excomu ngado. (Ver os trabalhos de I. S. Révah sobre as origens da ruptura espinoziana e as suas notas de curso no "College de France") - 78. STENDHAL (pseudónimo de Henri Beyle). 1 783- 1 842. Um dos maiores escritores france­ ses. Romântico pelo gosto que nutria pelas paixões violentas, analisa com lucidez e até com ironia o procedimento das suas criaturas. Pouco apreciado no seu tempo (excepto por Balzac !), deixou-nos Armance, Le Rouge et le Noir, lA Charteuse de Parme, entre uma obra relativamente vasta - 98. STEIN LEN. 1 859- 1 923. Notável desenhador francês, intérprete dos tipos populares. Foi um dos três "grandes" da ASSIETTE AU B E U R R E - 23-24-47-53-79- 102- 103. STEI N H E I L ( Made moiselle M a rgueritte). 1 869- 1 9 54 . Dama galante, "autêntica leoa", como diria Balzac, foi nos seus roliços braços que o Presidente da República Félix Faure entrou co nsoladinho no Sétimo Cé u. Com a nossa mania de traduzir o francês para português calão, imploremos a Jesus que não nos venha a suceder o mesmo ! - 67-68-83- 1 25. SUDERMANN (Hermann). 1 857- 1 928. Escritor alemão, autor de dramas e de romances naturalistas - 23. SUE (Eugi:ne). 1 804- 1 857. Escritor francês, autor dos Mistérios de Paris - 7 1 . T ABARIN (Bal). Célebre sala d e baile d e Montmartre d a Bel/e Époque, onde a gente fina ia encanalhar-se. O nome é o de um charlatão (Antoine Girard, dito T ABARIN) que viveu de 1 5 84 a 1 633, ou então p rovém da maneira argótica de "paleio" (baratin) - 30. TAINE (Hippolyte). 1 828- 1 893. Filósofo, historiad or e crítico francês. Tentou explicar as obras artísticas pela t ripla influência da raça, do meio e do tempo. - 1 1 6- 1 54. TAITINGER - Fascista francês. U m dos fundadores das "Jeunesses Patriotiques", cujo órgão "La Liberté" (!) foi fundado em 1 924 - 23. TA LLEYRAND (Charles-Maurice). 1 7 54- 1 8 3 8 . Diplomata francês de alto coturno, foi Ministro das Relações Exteriores do Directório, do Consulado, do Império e . . . da Restau­ ração. Ambicioso, cínico e inteligente (fora alcunhado de "Diabo Manco" (Diable Boi-

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teux), serviu e traiu todos os regimes. Napoleão, que utilizou os seus serviços nessa época em que a fidalguia trajava casaca e calções de setim, lançou-lhe um dia, furioso, que, ao fim e ao cabo, "não passava de uma data de merda dentro de um par de meias de seda": "De la merde dans un bas de soie!" - 47-2 1 6.

TA RDIEU (Tardieu). 1 876- 1 945. - Político francês, várias vezes presidente do Conselho. Republican o de esquerda e, depois, fundad or do Centro Republicano. Foi colaborador de Clemenceau - 1 49. TC HAI KOWS K I (Piotr). 1 840- 1 893. Compositor russo, autor de óperas, sinfonias, concer­ tos e bailad os - 76. TEI XEIRA (Artur Anjos). 1 870- 1 935. Escultor, viveu em Paris de 1 907 a 1 9 1 4. Foi ele quem concebeu a capa para a primeira obra de Aquilino Ri beiro pu blicada em volume, em 1 9 1 3 : O JARDIM DAS TORM ENTAS - 25-36. TEI XEIRA BASTOS (Francisco José). 1 856- 1 90 1 . Formado em Letras, foi, durante largos anos, um republicano militante, até enfileirar com Oliveira Martins no Socialismo catedrá­ tico. Publicou muitíssimas obras sobre a situação económica de Portugal. TEI XEIRA LOPES (Antó nio). 1 866- 1 942. Escultor e filho de J. F. Teixeira Lopes, igual­ mente escultor e ceramista - 24. TEM fSTOCLES. 560-525 a. C. General e Estadista ateniense, chefe do partido democrático, aconselhou o p ovo a dedicar-se às actividades marítimas. Mandou construir o porto do Pireu e desenvolveu a criação de estaleiros navais. Quando os Persas invadiram a Grécia, o brigou os espartanos a co mbaterem no mar (Batalha de Salamina). Tempos mais tarde, p a ra nã o trair a sua pátria, suicidou-se - 1 27-20 1 - 2 1 1 . TENI ERS (David). 1 582- 1 649. Pintor flamengo, chamado O VELHO, para se distinguir do filho, TENIERS O JOVEM ( 1 6 1 0- 1 690). Ambos foram exímios na pintura de cenas pop ulares de um forte realismo - 25-73-93. TESEO - Herói mit ológico, filho de Egeu, e Rei de Atenas. Combateu e matou o Minotau­ ro, no Labirinto de Cnossos, na Creta. Foi condenado nos Infernos a permanecer eterna­ mente sentado. Os historiadores gregos atri buíram a Teseo a primeira organização da Ática e a primeira legislação de Atenas - 1 7. THAIS - célebre cortesã grega do séc. IV a.C., amante de Alexandre e, mais tarde, de Ptolomeu I . Romance de A nato/e France ( 1 890) que conta a conversão d a cortesã pelo anacoreta Pap hnuce e a danação deste último. Massen et dedicou-lhe uma ópera 23. -

THÉLEME (Abadia de). Espécie de comunidade laica, imaginada por RABELAIS no seu Gargantua; é formada de homens e de mulheres que se entregam à cultura de todas as formas da felicidade. A expressão é utilizada para designar um lugar onde se desfrutam à tripa forra as alegrias mais requintadas - 56. THIERS (Ad olphe). 1 797- 1 877. Político e historiador francês, fundou o diário Le National em 1 830. Contribuiu para o estabelecimento da monarquia de Julho. Foi Ministro em 1 832 e Presidente do Conselho em 1 8 34. BALZAC serviu-se dele para criar a mais ambiciosa das suas criaturas: RASTIGNAC. Chefe do Partido da Ordem, Thiers é o principal responsável p ela inominosa repressão da Comuna de Paris - 1 2 1 . THOR. Deus d o Trovão e dos Relâmpagos, entre o s povos escandinavos - 77. THORA ou TOURA. Rolo sagrado do Judaísmo, composto pelo PENTATEUCO, isto é: os cinco p rimeiros Livros da Bíblia. TICIANO. 1 490- 1 576. Pintor italiano. Após um período onde se faz sentir a influência de Giorgione, tornou-se um artista internacional, trabalhando para os papas, para Francisco I de França e, sobretudo, para Carlos V de Espanha - 34-35-52-45-93.

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TIÉPOLO (Giambattista). 1 696- 1 770. Pintor e gravador italiano. Natural de Veneza, tra­ balhou durante muito teinpo em Madrid 35. -

TITO LÍVIO. Nasceu em 64 ou 59 a.C. Autor de uma histó ria romana, das Origens até ao ano 9 a.C., composta de 1 42 tomos 1 1 4. -

TO RQUEMA DA. Thomás de). 1 420- 1 498. Director espiritual de Isabel a Católica, é, pela sua crueldade no cargo de Inquisidor-Mar de Espanha, uma das mais sinistras criatu­ ras q ue jamais nasceram na Península Ibérica - 48- 1 45. TRO LLS . Espíritos maléficos, no folclore escandinavo - 26. T R OT S K I ( Le i ba B ronstein, dito LEV D A V I D O V I T C H ) . 1 879- 1 940 . Revoluci o ná rio russo, colaborador de Lénine em 1 9 1 7, Comissário do Povo para as questões militares de 1 9 1 8 a 1 923 e organizad or d o Exército Vermelho. Teó rico da revolução permanente, foi exilad o por Staline em 1 929 e assassinado no M éxico por uma machadada desferida pelo revolucionário espanhol Ramó n Mercader 209. -

TROYON (Co nstant). 1 8 1 0- 1 865. Pintor francês

-

1 1 3.

TURENNE ( Henri d e L A TOU R D'AUVERGNE) . 1 6 1 1 - 1 67 5 . Marechal d e França. Co­ mandante do E xército da Alemanha durante a Guerra dos Trinta Anos, logrou várias vi­ tórias que levaram à Paz de Westfália. Modesto, deixou-nos preciosas Memórias 36. -

ULISSES. Personagem lendário grego , filho de Laertes, marido de Penélope e pai de Telémaco. Um dos principais heróis do cerco de Troia. O seu regresso à pátria é o tema cantado por Homero na ODISSEIA 20 1 . -

VALLÉ (Ernest). Senador radical, foi Ministro d o Interior n o governo presidido por COMBES - 224. VALOI S. Ramo dos Capetos que ascendeu ao trono, em França, em 1 328, com Filipe IV - 36. VA MBA - Rei dos visigodos d a Península Ibérica de 672 a 680. Lutou contra os gascões, nos Pirinéus, e foi destronado por Ervígio. Vindos do sul da Gália (a actual região entre Toulouse e os Pirinéus) onde se tinham instalado aquando das Grandes Invasões por volta do ano 400, na cola dos seus primos suevos que, mais lestos que coelhos, co nseguiram alcançar a Galécia, invadiram os Visigo.­ dos a "pele de boi ibérica", cerca de 60 anos mais tarde e, cometendo as maiores atrocida­ des, implantaram uma forma de Poder que os autóctones desconheciam: a Monarquia. (Quem diz Monarquia diz totalitarismo de casta que, anos mais tarde e em terras não­ portuguesas, chamar-se-á feudalismo). Felizmente para os autóctones - os povos de que fala Estrabão na sua Geografia (ver "Espana y los espanoles hace dos mil anos", apresenta­ ção de Antonio Garcia y Bellido, Colleccion Austral, Espasa-Calpe Argentina. S.A.) - essa primeira vaga de Terror será de pouca dura, porque emissários das vitimas atravessaram as Colunas de Hércules a fim de solicitar dos seus primos berberes uma ajuda para expurgar a sua pátria de tão gananciosos ocupantes. Allah a-alkbar! - responderam-lhes os homens que, em 632, tinham iniciado a divulgação do islamismo, a partir de Medina, lá nos desertos do cabo do mundo, e que se enco ntravam a marcar passo à beira do Estreito. E, em 7 1 1 , sob as ordens de Tárik, eis que um primeiro corpo expedicionário desembarca nas cercanias do Rochedo e dá uma valente surra na cambada visigoda, em Guadalete. Outro exército se seguiu e, graças ao levantamento popular, meteu Península a dentro, atrás dos " bárbaros" que só respiraram quando os "homens do deserto" estacaram nas terras frias da Galiza e das Astúrias. Cuidando ter dado uma boa ensaboadela naquela gente meio-louraça que tinha abalado das planícies da Germânia duzentos anos antes, voltaram para trás, restituíram o Poder aos compadres "autóctones" e ocuparam as terras que se estendem do Mondego até Vali!:ncia para as transformar num Paraíso Terreal. Infelizmente, o ditado que pretende que "quem o inimigo poupa, nas mãos lhe morre", só foi cogitado a partir destes event os, porquanto os visigodos (que tinham encontrado na Península condições climatéricas que lhes permitia abandonar as peles de bicho com que se vestiam) não ficaram de braç os cruzados e, em 7 1 8, iniciaram aquilo a que vão dar o nome

21 1

de Reconquista, - u m a Reconquista que l'ai le l'ar 8 séculos ! . . . ( V er a este respeito as o h ras d e t rês a u ti:· nt i cos h is t n r i ad o rcs. ' " c s r a n húis M c n c n dct !'ida\. \ m cTico C a s t r o c S a n d l c"/

Albornoz, - mas este último, de pé atrás porque "es hombre de prejuicios" . . . ). Seja como for, podemos dizer que, se havia estrangeiros na Ibéria, terra romanizada e enriquecida pelos muç ulmanos, eram os visigodos (mais do que os suevos, por uma simples questão de antecedência) e sobretudo não levar a sério a prosápia dos Cogominhos (como lhes cha­ mava Aquilino Ribeiro) que, ainda hoje, andam p or aí a fazer alarde de pergaminhos escritos com "sangue azul", com o fito de, socialmente, se colocarem aci ma dos compatrio­ tas que não são (e ainda bem! ) de extracção sueva, que, ao fim e ao cabo, não passa de gente labrega que teve a esperteza de se crismar cristiana ou cristã e, mais tarde, catolicazi­ nha de gema. Assim ou assad o, pode essa ge nte vangloriar-se de uma coisa: ter destruído quase todos os monumentos romanos e muçulmanos em vastas regiões da Península, - e se não foi até à sua demolição total, deve-se o milagre à própria beleza e conforto que os autóctones de parceria com os semitas (muçulmanos e judeus) haviam espalhado pela "pele de boi" e que acabaram por seduzir os espíritos abroeirados - isto é: bárbaros - de gente q ue matava a torto e a direito aos gritos de "Santiago aos mouros !" - 59-91 . VAN DICK. 1599- 1644. Pintor flamengo, colaborador de Rubens e, mais tarde, pintor da c orte de Carlos I de Inglaterra - 30-52-78-45. VAN DONGEN (Cornelius). 1 8 77- 1968. Pintor francês de origem holandesa. Um dos fauves. Colaborou na Assiette au Beurre - 53-1 02-66. VAN EYCK. 1390- 1 44 1 . Pintor primitivo flamengo. Foi igualmente encarregado de mis­ sões di p lomáticas em Espanha e Portugal - 95. VAN GOYEN (Jan). 1 596- 1656. Pintor holandês que dirigiu a célebre escola paisagista de Leyde - 66. VAN OSTADE (Adrian). 1 6 10- 1684. Pintor holandês - 66-94. VASCO (GRÃO - Vasco Fernandes). Fins do séc. XV, deve ter falecido em 1 54 1 - 74. VAUBAN ( Sébastien LE P RESTRE, senhor de). 1 633- 1 707. Engenheiro militar, e marechal de França. Fortificou as fronteiras do seu país construindo 33 praças-fortes - 82- 103- 1 13. V E I G A ( Francisco M aria d a ) . 1 8 52- 1934. Juiz. Célebre e temido pela sua inflexibilidade na d efesa do regime monárquico. Foi o precursor dos "meretíssimos" dos Tribunais Plenários Salazaristas e, por temperamento, membro frustrado do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição - 1 7 2. VELASQUEZ (Diego). 1 599- 1 660. O mais original pintor espanhol de todos os tempos 34-78-30-55-56. VELOSO ( Fernão). Relator d a primeira viagem de Vasco da Gama à Índia - 1 8 3. VELOSO SALGADO (José Maria). 1 864- 1945. Pintor. Residiu em Paris de 1887 a 1 895. - 24-77. V E R CI N G ÉTO RIX. C hefe dos gauleses. Nasceu em 72 a.C. Foi derrotado em Alésia por Júlio César e levado para Roma, onde foi executado ao fim de 6 anos de cativeiro - 168. VERLAINE (Paul). 1 844- 1 896. Poeta simbolista francês de primeiríssimo plan o - 33. VIANNA (Eduardo). 1 8 9 1 - 1 967. Pintor. Esteve em Paris a partir de 1905 - 25. VICTOR H UGO. 1 802- 188 5. Escritor e p oeta francês, um dos chefes do romantismo. Romancista fecundo, deixou-nos nomeadamente Les misérables, No tre-Dame de Paris e Les Travailleurs de la mer. Da sua imensa obra poética, sobressai La Légende des Siecles. Pondo a ridículo o bonapartista Napoleão III, apelidando-o de "Napoléon /e Petit, viu-se forçado a buscar asilo, primeiro em Bruxelas e, seguidamente, em Guernesey - 45-47-48-49- 1 68.

212

VICTOR MARGU E RITE. 1 866- 1 942. Romancista francês, autor de La Garçonne - 1 26. VIEIRA L U SITANO (Francisco de Matos). 1 699- 1 783. Pintor, estudou em Roma de 1 7 1 2 a 1 720 - 74. VIEIRA PORTUENSE (Francisco Vieira). 1 765- 1 805. Desenhador e pintor



74.

VIGÉE-LEBRUN. 1 7 55- 1 842. Pintora francesa, notável como retratista - 1 2 1 . VI LLA M EDIANA (Conde de). Titulo de Tarsis o u Tarsis y Peralta (Juan). Nasceu acidentalmente em Lisboa em 1 580 e faleceu em Madrid no ano de 1 622. As suas poesias foram publicadas em 1629 - 1 8- 1 9-20. VILHENA (Júlio Marques de). 1 845- 1 9 10. Chefe do Partido Regenerador, foi cinco vezes ministro. Autor de "As raças históricas na Península Ibérica e a sua influência no Direito Português", - obra que mereceu os maiores elogios de Herculano, Camilo, Castilho, Sousa Viterbo, Victor Hugo, Michelet e Amador de los Rios, ao contrário de Teófilo Braga, Oliveira Martins e Antero que a criticaram com severidade - 3 1 . V I O L LET-LE- D U C (Eugene) . 1 8 14- 1 8 7 9 . Arq uitecto, restaurou numerosos mo numentos da Idade-Média, mormente a Catedral de Notre-Dame de Paris e as fortificações de Car­ cassonne. Autor de um Dictionnaire raisonné de /'architecturefrançaise du Xl eme au X VI eme siecles - 34-36-76. VIOLETTE - Familia de pintores franceses do século XVII - 4 1 - 103. VOISIN (Gabriel). 1 8 80- 1 9 1 2. Deve-se-lhe a aplicação do motor de explosão aos aviões - 82. VOLTAIRE (François-Marie Arouet). 1 694- 1778. Poeta e dramaturgo, esteve na primeira linha da barricada das lutas filosóficas. Serviu-se, de maneira irónica e mordaz, dos seus romances para combater a intolerância. Maçónico, membro da Loja das Sete Irmãs, correspondeu-se com todos os "grands esprits" da sua época. U ma das maiores Glórias da França - 20-35-6 1 - 1 42- 188-2 1 6 . VRANGEL ou Wra ngel (Piotr). 1 8 78- 1 928. General russo, chefe do exército branco e m 1920, lutou contra o partido bolchevique n a Ucrânia e n a Crimeia - 23. WAGNER ( Richard). 1 8 1 3- 1 883. Compositor alemão cuja arte tem essencialmente por base as lendas nacionais da Germânia - 27 . WALDECK-R OUSSEAU ( René). 1846- 1904. Politico francês, presidente do Conselho de 1 899 a 1902, é autor da lei sobre as associações de 190 1 que, aplicadas por Emile COMBES, levaram à separação da Igreja e do Estado 223- 1 5 . -

WATTEA U (A ntoi ne) . 1 684- 1 72 1 . Pintor e gravador francês, tratou c o m delicadeza os motivos campestres e as festas galantes - 45. WELLINGTON (Arthur WELLES LEY, duque de). 1 769- 1 852. Inglês, começou por com­ bater as tropas napoleónicas em Portugal e em Espanha. Derrotou So ult na batalha de Toulouse. Comandou as tropas aliadas contra a França e venceu a Batalha de Waterloo, em 1 8 1 5 . Apelidado Duque de Ferro, foi Primeiro Ministro da Inglaterra em 1 8 3 1 1 1 3- 1 1 5 . WILLETTE (Ad olp he Léon). 1 857- 1926. Pintor e desenhador, expôs regularmente até 1 887, data em que, abandonando a pintura, se dedicou ao desenho e à litografia. Anar­ quista e filho de coronel, manifestou um ódio entranhado a certas pers onalidades politi­ cas e militares, em particular a esse açougueiro da COM UNA DE PARIS que tem por nome Gallifet, que o nosso LEAL DA CÂMARA - amicíssimo de Willette - imortalizou como no primeiro tomo desta obra se pode ver 23- 1 1 5 . -

WILLIAM (James) . 1 8 42- 1 9 10. Filó sofo americano, u m dos fundadores d o pragmatismo - 1 1 6. ZEPPELIN (Ferdinand, conde VON). 1 838- 1 9 1 7. Aeronauta e industrial alemão, cons­ truiu os grandes dirigíveis conhecidos pelo seu nome - 1 58- 1 8 .

213

ZOL A ( E mile). 1 840- 1902. Escritor francês, natural de Aix-en-Prove nce (a PLASSANS dos seus romances), filho de um engenheiro italiano. Chefe da Escola naturaÜsta e teórico do Impressionismo, escreveu "A História de uma Família durante o Segundo Império: LES ROUGON-MACQUAR"r, digna homenagem à COMÉDIA H U M ANA de Balzac. Aquando da Questão Dreyfus, foi o principal defensor do acusado inocente, ao publicar no jornal L' A U RORE um artigo veemente sob o titulo "J'ACCUSE!" (A cuso !). Sabe-se hoje que Zola, um dos maiores escritores franceses, foi assassinado (tal como será Jaures) por um antisemita, cató lico e ultranacionalista, membro da A CTION FRANÇAISE, o qual, durante a noite, servindo-se de material de construção civil (havia obras no prédio), entupiu a chaminé do fogão do quarto do defensor de Dreyfus. (Ler a este respeito "Bonj our, mo nsieur Zola" de Armand Lanoux, da A cademia Goncourt, 1 962 - 47-92-208-23-35-53- 1 02. ZU LOAGA (lgnacio). 1 870-1 945 Pintor espanhol - 24. ..

Z U R BA RÁN (Francisco de). 1 598- 1 664. Pintor espanhol, especialista em motivos religio­ sos de uma profunda humanidade 77-94. -

2 14

ÍNDICE Justum e t Tenacem, de Jorge Reis S E G U N D O E X ÍLIO ( 1 927- 1 928) A Dem ocracia Francesa

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I

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7

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A Política Religiosa em França

9

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

13

H ora d e Lind berg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Luta d e Classes e d e Partidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

21

A Crise d a Literatura

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Con sagração da Loucura

.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

17 25 29

A Abadia de S. Denis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

33

D . Leonor, Pri nce sa de Portugal e I mperatriz de Alemanha

. . . . .

37

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

41

Nevermore

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

45

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

49

O Museu Bonnat e m Baiona Crónica da Q uinzena Crónica da Qui nzena

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

51

Crónica d a Quinzena

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

55

Crónica da Quinzena

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

59

T E R C E I R O EXÍLIO ( 1 928- 1 9 3 1 ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Crónica da Quinzena

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

63 65

Nos Camp os de Batalha da Flandres

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Nos Campos de Batalha da Fland res

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

75

Nos Campos de Batalha da Flandres

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

81

Crónica da Quinzena

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

85 89

Crónica da Quinzena

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .

93

Nos Campos de Batalhá da Fland res

69

215

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

97

O ''Pays Basque" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Crónica d a Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

101 1 05

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1 13

Crónica da Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Eu sou o Mar, tu és a Terra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Crónica d a Quinzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

121

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1 33

O H omem que Matou o Diabo : ..... Não, já não sou Católico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1 37 1 49

Crónica da Quinzena

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S. João do Pé da Porta .

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As Camélias - Scherzo

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1 09 1 17 1 29.

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Crónica da Quinzena

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Crónica da Quinzena

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1 53

Certa Manhã de Rosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Cró nica da Qui nzena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Crónica d a Quinzena - A s cidades Modernas . . . . . . . . . . . . . . . .

1 57

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161 1 65

Ilustrações de Leal da Câmara Cronologia S umária de 1 9 1 5 a 1 9 34 Índice Onomástico

216

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

1 69

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1 77