Os Fundamentos do Antitruste [5 ed.]
 9788520342497

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PAULA A. FORGIONI

OS FUNDAMENTOS ANTITRUSTE 5 .a edição revista, atualizada e am pliada

Prefácio EROS ROBERTO GRAU

De acordo com a nova Lei de Defesa da Concorrência Lei 12.529, de 30.11.2011

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ED ITO RA R EV ISTA DOS TRIBU N AIS

PAU LA A. FORGIONI

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

5.a edição revista, atualizada e ampliada

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Prefácio

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

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E ros R oberto G rau

Forgioni, Paula A. Os fundamentos do antitruste / Paula A. Forgioni. - 5. ed. rev., atual, e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012. ISBN 978-85-203-4249-7 1. Direito antitruste - Brasil 2. Direito antitruste - Legislação Hr.isiI 3. Direito comercial - Legislação - Brasil 4. I )ir (I.i tt lliilli c h |>*IM ( iii

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De acordo com a nova Lei de Defesa da Concorrência I oi 12.529, do 30 11 2011

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P aula A. Forgioni 5.a edição revista, atualizada e ampliada Prefácio

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16

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

ser beneficiada pelo sistema econôm ico. A u m a, porque nem toda a população é “consum idora”. Há empregados, empresas dos mais variados portes, pessoas carentes, serviços públicos a serem prestados, esgotos a serem construídos, remédios a serem distribuídos, crianças a serem tiradas das ruas e seres h u ­ manos a serem vacinados. Bem apontou Amartya Sen que podem os não saber o que é justo, mas percebemos o que é m uito injusto. Não havendo vacinas suficientes para todos, seria correto deixar que a lei da oferta e da dem anda se encarregasse de escolher os que devem ser imunizados? 10. Há momentos e situações em que o ordenam ento jurídico trabalha e incentiva a colaboração ou o estabelecimento de critérios não baseados na capacidade de pagamento do “agente econôm ico”. A lei da sobrevivência do mais forte é realmente ótima quando se é o mais forte. Lembremo-nos, por exemplo, da organização dos trabalhadores em sindi­ catos, neutralizando a competição que entre eles seria natural . Considerando que a dem anda por empregados é igual àquela de qualquer outra mercadoria (Adam Sm ith), os prim eiros casos antitruste aplicaram o Sherman Act contra os sindicatos. Tanta foi a pressão social que, em 1.914, o Clayton Act veio a autorizar a união, declarando que o trabalho não é bem em comércio. Até hoje, muitos sustentam (ou veladamente acreditam) que os sindicatos, por arrefecer a concorrência entre os trabalhadores, sobem artificialmente os salários e aum entam a inflação. O antitruste tende a aum entar a eficiência das empresas, também fomentaria aquela dos trabalhadores, forçados que seriam a disputar os postos disponíveis. 11. O mais interessante de tudo isso é que o antitruste acaba sendo obj eto de ataques provenientes de todos os lados. Os cham ados liberais acreditam que o progresso decorre da livre atuação das empresas que, mesmo poderosas, devem ser deixadas sem amarras que as impeçam de crescer. Viu-se essa postura claramente assumida quando o juiz Thom asjackson pretendeu coibir práticas comerciais da Microsoft.4 Ao mesmo tempo, autores de esquerda encaram o 4. À época, M ilton Friedm an afirmou: “U nder the circumstances, given that we do have antitru st laws, is it really in the self-interest of Silicon Valley to set the governm ent on Microsoft? Your industry, the Computer industry, m oves so m uch m ore rapidly than the legal process, that by the tim e this suit is over, w ho know s w hat the shape of the industry will be. Never m ind the fact that the hum an energy and the m oney that will be spenl in biring my fellow econom ists, as well as in other ways, w ould be m uch more produetively employed in im provingyour produets. It’s a waste! But b ey o n d th at, you wdl me ilieday when you called in the governm ent. F ro m n o w o n ih, com putei industry, w 11 ii 1 1 11 us been very fortunate in that il lias b em rdatively In i i«l gnvei mih III 1111111 .ii iii will i'\p ci ietli «' a i olitiiuuius ini uum lu r,m i i iinu iit

INTRODUÇÃO À 5.a EDIÇÃO

17

antitruste como mera forma de preservar a estrutura vigente, corrigindo dis­ torções do modelo capitalista para viabilizar sua sobrevivência. A concorrência faz emergir o pior do ser hum ano. Para Engels, a competição criou e desen­ volveu o proletariado; fez com que o capital se concentrasse em poucas mãos e a população se aglutinasse nas cidades. “A concorrência é a expressão mais com pleta da guerra de todos contra todos que impera na m oderna sociedade burguesa. Essa guerra, um a guerra pela vida, pela existência, por tudo e que, em caso de necessidade, pode ser uma guerra de morte, não se trava apenas diante entre as diferentes classes da sociedade, mas também entre os diferentes membros dessas classes: cada um constitui um obstáculo para o outro e, por isso, todos procuram elim inar quem quer que se lhes cruze o cam inho e tente disputar seu lugar”. Até mesmo na Bíblia, a competição aparece como algo destrutivo, que afasta o ser hum ano da colaboração. Lê-se na Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl 2,1 -1 f ): Irmãos, se existe consolação na vida em Cristo, se existe alento no m útuo amor, se existe com unhão no Espírito, se existe ternura e compaixão, tornai então completa a m inha alegria: aspirai à mesma coisa, unidos no mesmo amor, vivei em harm onia, procurando a unidade. Nada façais por competição ou vangloria, mas, com hum ildade, cada um julgue que o outro é mais im ­ portante e não cuide som ente do que é seu, mas também do que é do outro”. 12. Aos juristas cabe identificar problemas e propor soluções para me­ lhorar a vida das pessoas, não m eramente lastimar situações fáticas. 0 progresso dos últimos quinze anos autoriza o Brasil a afirmar sua própria política antitruste. A não interveção, assim como a intervenção exagerada, compromentem igualmente o processo concorrencial. É hora defincar nossos objetivos em matéria concorrencial, pois não poucos são os aventureiros que almejam fazê-lo. A introdução da efetiva concorrência mostra-se indispensável em inúm e­ ros setores, garantindo que nosso mercado, aquecido e esparramado por todo o território nacional, não acabe indevidam ente fechado em benefício de poucos. Restrições vei ticais impostas pelas empresas detentoras de poder econômico são capazes de causar verdadeiros desastres a médio e longo prazos. A garantia do acesso aos canais de distribuição implica a efetiva proteção da fiberdade de concorrer e do bem -estar social. Perm itir a concentração em alto grau, com a destruição do empreendedorism o local, pode não ser o remédio para o Brasil em todas as situações. Há i egioesem que a rolm atação dos canais de distribuição, inclusive pelo esmaga1egulal n>n Aul II i n .i very c|uickly beeomes regulai ion. I lereagain is a case that seems tu nu tu lllie.li.iit 11n -.iiu idal impulse ol the business rummmiil v".

18

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

mento do comércio tradicional, leva ao desemprego, dim inuição da atividade econômica e com prom ete o ciclo de desenvolvimento. É preciso perceber que, considerando até mesmo a extensão física do território brasileiro, os gabinetes do SBD C em Brasília podem não ser suficientes para garantir que os benefícios da efetiva concorrência cheguem à população. Daí a im portância da política concorrencial séria e efetiva, que considere nossa realidade. Ou alguém pode­ ria razoavelmente supor que o abastecimento da população pode ser feito da mesma forma no Brasil e na Europa (ou nos Estados Unidos) ? Quem assim crê não conhece a realidade dos nossos mercados e da nossa gente. Ao mesmo tempo em que somos obrigados a considerar a pequena venda perdida na periferia do Nordeste, lidamos com problemas típicos desta que já foi chamada de Era da Informação. O fechamento da Internet ou a obstrução do acesso ao conhecim ento pode significar a destruição da concorrência. A julgar das decisões proferidas nos últim os três anos, a União Europeia parece estar bem atenta a essa realidade. 13. Teorias ditas “schum peterianas” são distorcidas para justificar a li­ vre atuação dos agentes em posição dom inante e o alijamento das pequenas e médias empresas. Como será abordado em capítulo específico, a ideia da qual se parte é bastante simples: a concorrência gera inovação, pois um a empresa, visando a superar outra, vê-se obrigada a criar, a inovar. Com a inovação (i.e., vantagem competitiva adquirida), destroem-se os competidores, chegando-se até mesmo ao monopólio que, por sua vez, subsistirá apenas enquanto não se iniciar novo ciclo, pois surgirá outra inovação. A destruição da concorrência, pois, não há de ser reprim ida, pois é “criativa” de progresso. A perplexidade tem inicio quando a “inovação” passa a justificar tudo. Chega-se a afirmar que a função da concorrência não é dim inuir preços, apenas estimular a inovação. Uma em presa nitidam ente dom inante fecha os canais de distribuição aos competidores? Trata-se de “inovação” nas técnicas de venda. Microsoft vincula seu navegador ao sistema operacional? Nada mais correto, pois beneficia o consumidor. Wanadoo pratica preços baixíssimos no mercado francês de banda larga? Sem a comprovação da possibilidade de recuperação de seu “investimento” na prática predatória, não se deve penalizar esse “bônus” concedido aos consumidores. Tudo é desculpa para não intervir. 14. Há verdadeira apologia das grandes empresas, que se fortalecem cada vez mais, via operações de concentração raram ente obstadas e imposição de restrições verticais a fornecedores e distribuidores. ( labe aqui breve t|iK'sl ionam ento.Érealm ente coerente, ao mesmo tempo, condenai seveiameiile os i .e que esiaslra. n u i ousigo “elicieiu ias" i|tie jamais seriam

I

INTRODUÇÃO À 5.a EDIÇÃO

19

alcançadas individualmente por seus partícipes, e que os cartéis nada têm de bom. Em inúm eros casos de aprovação de concentrações, o observador atento poderia pensar que a mesma prática, ainda que com “restrições”, jam ais teria sido adm itida caso fosse apresentada como acordo entre concorrentes. 15. Outro mito que precisa ser superado no Brasil toca à “especialização” dos julgadores. Por óbvio, não se discute ser urgente a formação de quadros profissionais aptos a lidar com o direito antitruste - o que se espera ocorra a partir da implementação da nova Lei A ntitruste, cuja vigência deverá iniciar-se em 2012. O prim eiro passo seria introduzi-lo como matéria obrigatória no curriculum das escolas de direito e adm inistração e passar a exigi-la no exame nacional da Ordem dos Advogados do Brasil e nos concursos para Magistratura e Ministério Público Estaduais, a exemplo do que já se faz no âm bito federal. No início dos anos de 1980, nada se sabia sobre direito do consum idor e direito ambiental. Hoje, o país é referencia nessas matérias, especialmente por conta da atuação do Ministério Público e da M agistratura. Ao contrário de campos afeitos à regulação setorial (telecomunicações, ele­ tricidade, saneamento básico, transporte terrestre e marítimo, saúde, educação etc.), que possuem corte vertical, a análise antitruste é horizontal. A ANATEL domina as peculiaridades técnicas, políticas, econômicas e jurídicas do mercado de Telecomunicações. A ANAC, da aviação civil, a ANVISA, da saúde e assim por diante. Já o aplicador do antitruste é obrigado a julgar práticas em mercados com pletam ente diversos, que vão desde chocolates, cervejas, cimento e frutas até aviação, motores, padarias, grande varejo, fabricação de helicópteros. Ou seja, mesmo dom inando as bases teóricas da matéria, o operador do direito, na maioria das vezes, debruça-se sobre mercado cujo funcionamento lhe é absolu­ tamente estranho. A especialização das autoridades antitruste é, pois, relativa. Essa é também um a das razões pela qual m uitos aplicadores do antitrus­ te assumem postura tímida, advogando ser m elhor deixar “o livre-mercado cum prir o seu papel”. “Na dúvida, é m elhor não intervir”, costum am os ouvir com frequência. Assim, o “culpado”do desastre será sempre o mercado (ouseja, a ineficiência do agente privado), nuncada autoridade pública. Com isso, a força do poder econômico vai ditando as regras, sujeitando consumidores e empresas de m enor porte. Talvez aí tenham os o verdadeiro paradoxo do (atual) antitruste: ao acreditar que a concorrência está conduzindo o mercado, na verdade, está se entregando a formatação das regras quepautam a conduta dos agentes econômicos às empresas dominantes, ou detentoras de tecnologia. 16. Por lim, algumas palavras sobre a Lei 12.529; de 2011, que revogou a .mi iga I ei 8 88 I

UH

' Segurança ila i|ualldadc do produto

SUMÁRIO

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

26

6.6

6.5.3.6

O utros efeitos das vendas casadas ....................................

Exploração de falhas de informação dos consum idores

373

6.5.3.7

A visão norte-am ericana das vendas casadas. O caso K odak........................................................................................ 304

7.4.4.7 A um ento dos preços para os co nsum idores...................

374

7.4.4.8

Levantam ento de barreiras à entrada de discounters......

374

6.5.3.8

A visão europeia das vendas casad as................................

307

7.4.4.9

6.5.3.9

Vendas casadas: as lições dos casos M icrosoft nos EUA e na U nião E u ro p e ia .............................................................

Prejuízo aos consum idores inframarginais (inframarginal consumers) e indução de publicidade excessiva....

375

308

A interface entre direito da concorrência e propriedade intelectual: o grande desafio dos próxim os anos. Práticas ligadas ao abuso de “exclu­ sivos” (ou direitos de propriedade intelectual).............................................

7.4.4.6

27

302

7.4.5

Imposição/sugestão dos preços de revenda. Exemplos do direito co m p a ra d o ..............................................................................................

375

7.4.6

Acordos verticais e exclusividade......................................................

386

311

7.5

Os acordos verticais e as vendas pela In te rn e t..............................................

389

6.6.1

A im portância da in o v a ç ã o .................................................................. 318

7.6

Análise caso a caso e o atual m om ento da econom ia brasileira................

391

6.6.2

Recusa de co ntratar................................................................................ 320 8. CONCENTRAÇÕES ENTRE AGENTES ECONÔM ICOS.....................................

393

6.6.2.1

A posição no rte-am ericana..................................................

321

6.6.2.2 A posição europeia.................................................................

322

8.1

As formas assum idas pelas concentrações.....................................................

394

A Lei A ntitruste brasileira e a Propriedade Intelectual.................

325

8.2

As concentrações e seus tip o s...........................................................................

398

D ependência econômica e abuso de posição d o m in an te ............................

326

8.3

Razões da co n centração.....................................................................................

399

7. ACORDOS ENTRE AGENTES ECONÔM ICOS......................................................

332

8.4

Disciplina das concentrações. Ponderação entre benefícios e prejuízos concorrenciais......................................................................................................

402

8.5

Avaliação das concentrações pelas autoridades a n titru ste .........................

407

6.6.3 6.7

7.1 7.2

Acordos verticais e acordos horizontais. D efinição..................................... 333 Acordos horizontais: os ca rté is......................................................................... 335 7.2.1

Os cartéis e suas justificativas.............................................................

339

8.6

Impacto das concentrações sobre o m ercado................................................

412

8.7

Mecanismo da Lei A ntitruste Brasileira para viabilizar as concentrações econômicas. Análise e autorização pelo CADE.............................................

416

7.2.2 7.2.3

Os cartéis de p reço ................................................................................. Acordos entre agentes econômicos em posição de igualdade......

340 342

7.2.4

Price leadership........................................................................................

345

7.2.5

Cartéis, paralelism o consciente e a prova da infração à ordem econôm ica................................................................................................

346

Uma constante exceção: os cartéis de ex p o rtaç ão .........................

351

7.3

Acordos verticais: a proteção da concorrência entre não co n co rren tes...

353

7.4

Contratos entre fornecedores e distribuidores. Restrições verticais e seus tip o s ...............................................................................................................

355

7.2.6

7.4.1

Efeitos pró-concorrenciais dos acordos verticais...............................357

7.4.2

Acordos verticais e econom ia dos custos de transação................. ...359

7.4.3

Acordos verticais e coibição da atuação de free riders.......................364

7.4.4

Efeitos anticoncorrenciais das restrições verticais......................... ...365

Controle prévio da operação de concentração................................

418

Nota sobre o sistema norte-am ericano e e u ro p e u .........

419

8.7.3

Revisão da autorização pelo CADE....................................................

420

8.7.4

O acordo em controle de concentrações .........................................

420

A tendência m undial de fraca im plem entação do controle de concen­ trações....................................................................................................................

422

9. EXTRATERRITORIALIDADE DAS LEIS ANTITRUSTE.......................................

423

8.7.2.1

8.8

Conflito de ju risdiçõ es.......................................................................................

428

Limites à extraterritorialidade. As leis de bloqueio (blocking la w s )........

431

9.3

Os obstáculos enfrentados pelas empresas. As concentrações interna­ cionais e sua apreciação por várias ju risd iç õ es.............................................

436

9.4

Proposta para dim inuição dos conflitos de leis e de ju risd iç ã o ................

437

369

IIIIU.IOGRAI IA ..................................................................................................................

441

^71

OliUAS DA AH I ORA

479

7.4.4.2

O aum ento dos custos dos co n co rren tes......................... ...368

7.4.4.3

Restrições verticais e a facilitação de cartéis.......................369

Arrefecim ento da concorrência intram arca. Facilitação de c o n lu io ...............................................................................

417

8.7.2

9.2

Fecham ento do m e rc a d o ..................................................... ...365

7.4.4.5

Critérios para determ inação da necessidade de subm issão da operação de concentração ao CADE.................................................

9.1

7.4.4.1

7.4.4.4 A dim inuição das opções do consum idor. Dim inuição do grau de concorrência no ponto de v e n d a ..................

8.7.1

..................................

INTRODUÇÃO

O estu d o das n o rm as que reg u la m en tam a co n co rrên c ia en tre os agentes econôm icos, p rincipalm ente no Brasil, é cercado de preconceitos que acabaram , m uitas vezes, por com prom eter o entendim ento da m atéria. A creditam os ser preciso rever o m étodo de análise da questão, conform e o prism a do direito econôm ico. É essa a proposta deste estudo, que som ente pode ser atingida p artin d o -se da identificação e sedim entação dos fun­ dam entos do an titru ste (ou do direito an titru ste, tom ados am bos, neste trabalho, com o um a técnica de que lança mão o Estado contemporâneo para implementação de políticas públicas, mediante a repressão ao abuso do poder econômico e a tutela da livre concorrência). Se, por um lado, m uito foi feito nos últim os vinte anos pela doutrina na­ cional para a sedimentação dos fundam entos do direito econômico, seu objeto e método, o antitruste, no Brasil, ainda não foi corretamente dim ensionado. Tem-se por assente o fato de que o direito econômico é o conjunto das técnicas de que lança mão o Estado contemporâneo em sua função de implementar políticas públicas, mas há um certo vazio doutrinário no que tange ao entendim ento do direito antitruste como uma dessas técnicas. No passado, consolidou-se tradição de profundo desprezo pelo antitruste. Afinal, se, em um m om ento histórico, o propósito da política econômica era o fortalecimento da indústria nacional, com a opção pela concentração dos agentes econômicos, de nada serviria o antitruste. Ou, ainda pior, a efetividade do direito antitruste seria conflitante com a política econômica pretendida. Descartou-se, assim, a disciplina concorrencial como poderoso instrum ento jurídico, a serviço de uma política governamental. Temos, pois, um prim eiro preconceito, que deverá ser abandonado. O antitruste já não pode ser visto apenas como um arranjo inteligente de normas destinado a evitar ou neutralizar os efeitos autodestrutíveis do mercado liberal, mas. ao contrário, deve ser encarado como um instrumento de implementação de l>oltti( as públicas. Jusiilica se, assim, o Capítulo I deste livro: para compreender o antitruste, la se a analise da evolui, ao liisloi ira da disciplina a lim dc comprovar que, em

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

INTRODUÇÃO

ser vista como um instrum ento. Com a visão global da história, cai o prim eiro (e mais perigoso) mito que grava o estudo do antitruste.

longe de ser asséptica, passamos, no Capítulo 5, a verificar a técnica jurídica que perm ite a atuação dessas políticas. Em virtude mesmo da mutável realidade que disciplinam, as norm as antitruste não podem ser concebidas, interpretadas ou aplicadas de forma rígida, sob pena de com prom etim ento (ou inefetividade) do sistema. Há a necessidade de mobilidade eflexibilidade. Identificamos, então, as válvulas de escape, técnicas jurídicas que perm item a adaptação das norm as à realidade que disciplinam, visando à implementação de determinada política pública. Dentre as várias válvulas de escape existentes, estudaremos: (i) a regra da razão, as isenções e autorizações; (ii) o elástico conceito de mercado relevante; e (iii) o jogo do interesse protegido.

30

Passamos à evolução da disciplina no Brasil (C apítulo 2). Analisa-se, desde os tem pos da colônia, a política econôm ica im plem entada pela m etró­ pole e as conseqüências sobre a concorrência. Comprova-se que a disciplina antitruste, entre nós, tem gênese absolutamente diversa da norte-americana, pois nasce miscigenada com a proteção à economia popular e à tentação protecionista. Irrefutáveis, nesse sentido, são os argumentos colhidos dos debates parlam en­ tares e das funções constitucionais que eram destinadas aos nossos prim eiros diplomas antitruste. Como exemplo, basta analisarmos o significado político da Lei Malaia e as reações que provocou. Mais do que isso. É fascinante percebermos como a técnica jurídica das norm as antitruste brasileiras amolda-se ao nosso contexto histórico, determ i­ nando perfil característico e inconfundível com outros ordenamentos. Embora a inspiração no Sherman Act tenha sempre sido declarada, o resultado é um sistema jurídico próprio, vigoroso e independente, sem prejuízo de, em muitos m om entos históricos, ser desprovido de efetividade material. Terminamos a análise da evolução legislativa brasileira com o atual diplo­ ma antitruste (Lei 12.529/2011), estudando seus vetores de funcionam ento no capítulo 3, embora ainda não tenham os tido tempo de observar a aplica­ ção prática da nova lei. Especial atenção é dada à capitulação das infrações à ordem econômica, identificam-se, no contexto constitucional, os interesses protegidos por cada um dos incisos do art. 36 da Lei 12.529, de 2011, e como eles podem ser conjugados. Estabelecido o quadro de evolução e o sistema da lei antitruste brasileira, percebe-se que um aspecto sem pre se coloca como pano de fundo a qualquer debate: qual o objetivo de um a lei antitruste? De início, constata-se o equívoco da pergunta, pois não há um obj etivo geral que possa ser perseguido, e qualquer tentativa de se estabelecer escopo único está fadada ao insucesso. A lei anti­ truste desempenha, em cada sistema, em cada ordenam ento, função própria, cambiável, inclusive, em virtude do m om ento histórico. Descortina-se, assim, a perigosa armadilha colocada pela Escola de Chicago e pela análise econômica do direito. Se, por um lado, essas escolas exercem um quase irresistível fascí­ nio decorrente da segurança proporcionada pelas fórmulas matemáticas, de outro desabam quando confrontadas com a pululante realidade disciplinada pelo direito antitruste, plena de conflitos de interesses e finalidades. É esse o objeto do Capílulo 4. ( omprovado que (i) as normas antitruste são um instrum ento de imple mctilitviuidr polIIit .f. public ,im - que (ii) disi iplinam realidade qttr rsla muito

31

A regra da razão, as isenções e autorizações são as válvulas de escape mais comezinhas, utilizadas pelas autoridades antitruste de forma a perm itir a prática de atos restritivos da concorrência. A delimitação do mercado relevante - pri­ meiro passo lógico necessário à aplicação das norm as antitruste - m ostra que, desde o início, o processo de interpretação/aplicação do antitruste reveste-se de elasticidade e maleabilidade singulares. Mas a existência e utilização das válvulas de escape trazem consigo a insegurança jurídica. No cam po do direito antitruste trata-se de fenômeno m undialm ente apontado pela doutrina mais autorizada e que se agrava em virtude da atividade de grupos de pressão sobre as autoridades antitruste. Não seria chegada a hora de falarmos, ao invés de segurança e previsibilidade, em “insegurança jurídica?”, pergunta Lesguillons. Para abordar essa questão, foi necessário retroceder no tempo, deixando clara a linha evolutiva que reflete a tensão entre (i) positivação/interpretação literal do texto norm ativo/segurança e previsibilidade jurídicas/inadequação à realidade e (ii) o abandono da literalidade do texto norm ativo/insegurança jurídica. Passando pelo m ovim ento da redescoberta do direito romano e da codificação, culm inam os na m oderna construção doutrinária dos princípios jurídicos e sua utilização na concretização do direito antitruste. Nos Capítulos 6,7 e 8 é feita a análise dos principais institutos regulam en­ tados pelas norm as antitruste: (i) acordos entre agentes econômicos, incluindo os acordos horizontais (cartéis) e os acordos verticais; (ii) poder econômico e seu abuso, dando-se relevo a algumas práticas típicas; e (iii) concentração de agentes econômicos, com os problemas derivados da atual tendência mundial d r afrouxam ento de seu controle pelas autoridades antitruste. Por fim, no Capítulo 9, dedicamo-nos à análise do efeito extraterritorial d.r. normas concorrenciais, diretam ente relacionado com a questão da im ple­ mentação de políticas públicas.

1 DISCIPLINA DO COMPORTAMENTO DOS AGENTES ECONÔMICOS NOS MERCADOS E CONCORRÊNCIA: TRÊS MOMENTOS DIVERSOS “In h isto rica l retrospect, th eflow o f ideas appears to take on an a ir o f in ev ita bility w hich the in d iv id u a l can do little to m o d ify ” - K e n n e t h G. D e n n i s .

SUMÁRIO: 1.1 Introdução - 1.2 O primeiro período. A disciplina da concorrência para eliminardistorçõestópicas: 1.2.1 Antiguidade grega; 1.2.2 Antiguidade romana; 1.2.3 Idade Média; 1.2.4 Mercantilismo; 1.2.5 A discussão entre os teóricos - 1.3 O segundo período. A concorrência e o liberalismo econômico: 1.3.1 Estados Unidos da América. O Sherman Act. Seu significado no contexto de evolução da disciplina da concorrência. A coroação do segundo período; 1.3.2 O contexto social, econômico e político do Sherman Act; 1.3.3 A atualidade das discussões que antecederam a promulgação do Sherman A c t- 1 .4 O terceiro período. As normas antitruste como instrumento de implementação de políticas públicas. A concorrência-instrumento.

1.1 Introdução

O interesse pelo estudo da história da concorrência motiva-se pela busca de resposta à seguinte questão: a partir de que m om ento a concorrência e o livre mercado foram identificados como valores dignos da tutela de um orde­ nam ento jurídico? Ao referir um ordenam ento jurídico, partim os da pressuposição da exis­ tência da pluralidade de ordenam entos. Não é nossa preocupação exclusiva, no m om ento, o ordenam ento jurídico estatal. Interessa-nos analisar a regu­ lamentação dos m ercados por norm as em anadas de qualquer poder capaz dc impor sistema m unido de sanções externas e institucionalizadas, ou seja, sanções jurídicas,1ainda que esse poder seja corporativo. I Adotamos a tipologia de Norberto Bobbio, que entende ser a presença de sanção iwlci n a r institucionalizada uma das características dos grupos de normas que cons1111ir iii os ordenamentos jurídicos ( ' l i v r i a g e n e r a l e dei d i r i l l o , p. 129), havendo, cm |>i iiuipm, mn oi dei íamenlo jurídico onde quer l.r.! n vvi i11 c. diiei ||y idc111111r11 coni|)cl il ioii as tlir concomilanl ol lhe just

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DA CONCORRÊNCIA

É bem verdade que não existia, antes do século XVIII, a regulamentação da concorrência tendo em vista a m anutenção do sistema de produção, ou a preservação/disciplina do próprio m ercado.9 Da mesma forma, tudo indica que não havia, no senso comum, a consciência da necessidade da regulam en­ tação da concorrência. Os m onopólios não eram regulados na antiguidade pois que contrários a um a forma de mercado escolhida como ótima, mas por razões extrem am ente práticas, ligadas ao fornecimento de m ercadorias10 e ao abastecim ento da população.

(ii) a regulamentação do com portam ento dos agentes econômicos como corolário de um sistema de produção entendido como ótimo. Essa disciplina é vista como correlata à estrutura do próprio sistema. A concorrência assume seu sentido técnico, que lhe é dado pela ciência econômica. De outra parte, sua disciplina visa a proteger o mercado contra seus efeitos autodestrutíveis (cor­ reção de efeitos tópicos danosos, visando à manutenção do sistema);

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Existe, portanto, diferença fundam ental entre a proteção/regulamentação da concorrência, no Estado liberal, e aquela que lhe foi anterior. Essa diversi­ dade que se coloca pode ser de finalidade, e, m uitas vezes, não se trata de uma diferença formal das norm as utilizadas. Traça-se, assim, a linha da evolução do fenômeno da concorrência ou, se quisermos, das norm as que disciplinam a atividade dos agentes econômicos no mercado. Contudo, no antitruste, um a fase de desenvolvimento não supera a precedente, de forma que, hoje, os vetores que passamos a expor convivem no seio dessa disciplina. Três passos principais da evolução, que resultam nos três principais vetores do direito concorrencial, podem ser identificados: (i) a determ inação de regras para o com portam ento dos agentes econô­ micos no mercado por razões absolutam ente práticas, visando a resultados eficazes e imediatos, elim inando distorções tópicas;11

price, because they were n o t concerned as scientists w ith the explanation of m arket behaviour so m uch as they were anxious as ethical theorists to lay dow n the rules of justice in exchange” (“Competition” in the history of economic thought, p. 20). 9. Remo Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 34. 10. Franceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 54. A respeito, D ennis, “Competi­ tion” in the history o f economic thought, p. 19: “It seems quite ludicrous to attribute to m edieval scholars w hat am ounts to a com petitive ethic, and yet is w hat happens w hen the m edieval condem nation of m onopoly is set alongside the doctrine of the ju st price w ith little attention to the underlying essence of the case. Monopoly was widely condemned through the Middle Ages fo r economic reasons w hich are now famil­ iar, the restricting of o u tp u t to artificially raise price w hich it usually entailed, and the scholastic w riters objected to m onopoly for its arbitrariness and the ‘iniquity’ or inequality it led to in the process of econom ic exchange, following the lines of Aristotle’s analysis of justice” (grifamos). 11. No entender de Ascarelli, até a m etade do século XVIII, inexistia princípio geral de liberdade de acesso ao m ercado, sendo a economia regulada m ediante a estrutura corporativa c a disciplina pública (Teoria delia concorrenza e dei beni immateriali: islitu/ioni di diritto industriale, p. 3).

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(iii) a regulamentação da concorrência e, portanto, do comportamento dos agentes econômicos no mercado passa a ser vista não apenas como essencial para a m anutenção do sistema, mas também como instrumento de implemen­ tação de políticas públicas (correção dos efeitos tópicos danosos, visando não apenas à m anutenção, mas tam bém à condução do sistema). Feitos esses esclarecimentos, voltamos ao esquema proposto para anali­ sar a regulamentação do com portam ento dos agentes econômicos em vários períodos históricos, passando pela concorrência como contraponto do Estado liberal burguês para chegar a sua disciplina contem porânea, quando passa a ser vista tam bém como instrumento de implementação de políticas públicas, intrinsecam ente ligada ao direito econôm ico.12 1.2 O primeiro período. A disciplina da concorrência para eliminar dis­ torções tópicas

1.2.1 Antiguidade grega Luzzatto, embora limitado pela escassez de docum entação,13aponta que, na antiguidade grega, havia a regulamentação dos monopólios, de forma a gerar para o governo receitas consideráveis.14Como exemplo, a estratégia da cidade 12. M uito tem sido discutido a respeito da classificação do direito concorrencial como um a área do direito econômico. A partir do m om ento em que, contem poraneam ente, entendem os as norm as antitruste como instrum ento de im plem entação de políticas públicas, não podem os deixar de colocá-las no contexto dos “instrum entos de que lança mão o Estado, na sua função de im plem entar políticas públicas” e, portanto, do direito econômico. Não obstante, visto sob outros prism as (com plem entares àquele do direito econômico, mas não excludentes), o direito antitruste pode ser entendido como afeito ao direito comercial ou mesmo internacional. I

I ranceschelli ressalta a falta de docum entos do período anterior àquele rom anístico ( Trattato di diritto industriale, p. 33).

II

I ritz Machlup, na obra The political economy ofmonopoly: business, labor and govermiirnl policies (p. 185), identifica a seguinte cronologia dos monopólios, na história ,i i ii iju i irt a 2 100 a . ( - ( .odigode I humirábi, contendo referências a práticas monopoli.tK .1-. VI7 .i ( .i pala vi a “moiiopolio" e ulili/ada, pela primeira vez, na Política di Ai i■.11>1>■li ■., i in (Iim n ■.•..in subi i' p< '.mi.i', que uiM il ii li am uionopolios d r lagaresr

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de Selimbria, que reteve todas as provisões de fermento, exceto aquelas neces­ sárias à população por um ano. Posteriorm ente, vendeu o produto por preço elevado, inclusive no mercado externo. Na mesma linha, Pítocles sugeriu que a cidade de Atenas instituísse m onopólio estatal do chum bo sobre as minas da região de Lauría, possibilitando a elevação de seus preços - proposta que foi com batida por Demóstenes. De qualquer forma, os m onopólios estatais na Grécia antiga, ao que tudo indica, tinham pouca duração e eram instituídos, pelos governantes, em períodos de dificuldades econômicas.

população contra manipulações de preços e escassez artificial dos produtos. O professor grego Lambros E. Kotsiris relata, durante palestra proferida nos Estados Unidos, prática levada ao conhecimento do Senado de Atenas, por volta do ano de 386 a. C. e, posteriorm ente, ao tribunal presidido pelo Thesmothetae. Trata-se, segundo esse autor do prim eiro caso antitruste relatado da história.18

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No que diz respeito aos m onopólios privados, não havia sua proibição per se, o que podem os deduzir do relato feito por Aristóteles da estratégia comercial encampada por Tales de M ileto.15 Este filósofo, prevendo abundante safra de azeitonas, alugou todos os lagares das cidades de Mileto e Chio. Chegada a época da colheita, detinha, com exclusividade, os instrum entos necessários a seu processamento, podendo cobrar por sua utilização o que hoje chamaríamos de “preços de m onopólio”. Aristóteles, nessa passagem de sua Política, ressalta que Tales de Mileto pagou pouco pelo aluguel dos lagares porque ninguém concorria com ele.16 Ou seja, faz referência ao fato de que a oferta e a procura influíam na determ i­ nação do preço.17 Há indicações seguras de que a atividade dos agentes econômicos com certo “poder de m ercado” era regulam entada com o escopo de proteger a ferro, para posteriorm ente revendê-los com lucro em tempo de alta procura; circa 160 a.C. - Cato faz referência a associações entre com panhias rivais para o estabelecimento de preços de m onopólio; circa 30 d.C. - Tiberius introduz a palavra “m onopólio” na língua latina em um com unicado ao Senado; circa 79 d.C. - Plinius faz referência às reclamações dos cidadãos contra os excessos dos monopólios; 483 d .C .- Zenão proíbe todos os m onopólios, públicos ou privados, combinações e acordos de preços; 533 d.C. - o Código de Justiniano contém proibições de práticas monopolistas. 15. A referência é feita por Luzzatto (Monopolio - Storia, Enciclopédia Italiana, p. 694), por Harold G. Fox (Monopolies and patents: a study of the history and future of the patent monopoly, p. 19) e por Isabel Vaz (Direito econômico da concoirência, p. 54 e ss.). 16. Aristóteles, A política, p. 34. 17. Alguns autores sustentam que havia na obra de Aristóteles a clara referência da con­ corrência como fator determ inante na formação do preço. Baseiam-se no fato que, ao iniciar a narração do episódio de Tales de Mileto, Aristóteles afirma: “There is the anecdote of Thales the Milesian an his financial devide, which involves a principie of universal application, but is attributed to him on account of his reputation for w isdom ” (transcrição dc Harold G. Fox, Monopolies and patents, p. 19-grifam os). Ademais, Fox assinala que Aristóteles claramente refere que o estabelecimento dc monopólios pelas eidades .u'alkiva poi elevai o pieço das ineuadoi ias (Mnim/Jolirs and |>•• >111••>ni 11u .i existiu (Jose Itorre II y Macia, El intervencionismo dei Estado en las in iniilmli-. n oiinmii ic,, p /) < I , ainda, a opinião de Fábio Nusdeo, Fundamentos /uii a ii uh 11 hi/i/ii i i u i i i iln i/n i i i u ei miomii ii, p I >e v, I enibre se, à guisa de exemplo, 111u i .i 11i,n ni i li i I l.11111 ii ir li mibic 1et i ii ii un i.i Iomenlaudo o ilesen vol vi nienlo

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comerciantes. Ao contrário, havia restrições impostas pelo Estado, obj etivando o atendim ento ao interesse público. Essas, é logo de se perceber, não corporificavam massiva atividade “intervencionista” sobre a economia, mas apenas garantiam a m anutenção do novo sistema que se instalava, baseado, em última instância, na liberdade de atuar e de concorrer.95

econôm ica etc.), ao mesmo tem po em que se assegura ao industrial ou co­ merciante ampla liberdade de atuação, com a concorrência evitando qualquer com portam ento danoso à sociedade.

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Por sua vez, a teoria econômica apressou-se em ressaltar as vantagens da livre concorrência para o mercado e para os consum idores.96Em 1780, diria Del Filangieri em sua obra Scienza delia legislazione: “Os m elhores regulamentos do m undo, as melhores leis, as m elhores determ inações jam ais serão capazes de m elhorar os trabalhos feitos pelas mãos dos hom ens sem a emulação, sem a concorrência. À m edida que a concorrência é maior, mais o produtor procura melhorar a sua capacidade produtiva para superar aquela do concorrente”.97

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A concorrência é o antídoto natural contra o grande mal dos monopólios, apta a regular o mercado,99conduzindo ao bem -estar social, sem a necessidade da intervenção estatal, ou seja, a existência do livre mercado seria assegura­ da sem que se precisasse de m aior atuação exógena. Por esse motivo, nesse m om ento histórico, não havia maiores preocupações em se im por limites à liberdade de concorrência.100

A concorrência passa a ser encarada como solução para conciliar liberdade econômica individual e interesse público:98preservando-se a competição entre os agentes econômicos, atende-se ao interesse público (preços inferiores aos de monopólio, m elhora da qualidade dos produtos, m aior nível de atividade

Há o consenso de que o preço ideal é aquele determ inado por um mercado competitivo, sem a interferência de qualquer outro fator que não a oferta e a procura do produto. Muito embora, no passado, já se houvesse promulgado leis com o escopo de controlar práticas que levassem aos preços excessivos em detrim ento dos consumidores, com o liberalismo assenta-se o princípio de que os preços devem ser determ inados não por fatores e atuações artificiais dos agentes econômicos, mas sim pela lei da oferta e da procura.

de sua arm ada, foi utilizada pelos federalistas estadunidenses como indicativo das vantagens da condução do sistem a p o r um poder centralizado: “M uito já ouvim os falar das frotas da Grã-Bretanha e, se form os sensatos, pode chegar o tem po em que as frotas da América tam bém venham a ser dignas de atenção. Mas se um governo nacional uno não tivesse regulam entado a navegação da Grã-Bretanha de m odo a torná-la u m viveiro de hom ens do mar, se u m governo nacional uno não tivesse requisitado todos os recursos e m ateriais nacionais para construir frotas, suas p ro ­ ezas e am eaças nunca teriam sido celebradas”. Da mesm a forma, é feita referência à atuação de França e Grã-Bretanha, que subsidiariam o pescado nacional ou im poriam tarifas àquele im portado dos Estados Unidos, buscando neutralizar sua vantagem com petitiva: “Rivalizamos com a França e a G rã-Bretanha na pesca, e podem os abastecer seus m ercados a m enor custo que eles próprios, a despeito de todos os seus esforços para evitá-lo por m eio de subvenções ou da im posição de tarifas ao pescado estrangeiro” (James M ad iso n et al., Os antigos federalistas (1787-1788), p. 107 e 105). “(...) quando 1’interesse particolare” - dirá Turgot, m inistro di Luigi XVI - “è esattam ente lo stesso che 1’interesse generale, ciò che di meglio si può fare è di lasciare ciascun uom o libero di fare ciò che vuole” (Francesco Galgano, Storia dei diritto commerciale, p. 61). Para a com pleta referência às obras científicas acom panhando a evolução que culm i­ nou no liberalismo econôm ico, cf. Dennis, “Competition” in the history of economic thought, p. 43 ess. Referido por I 'ranceschelli, Trattato di diritto industriale, p. 289. ( I l h i u u \ ' ( om/iiHUou" in tht history o) a o n o n i i i (linnv.li/. d. 4 5.

99. Fábio N usdeo, a respeito, anota: “O mercado funcionaria, assim, como um imenso aparelho regenerador, prom ovendo a reciclagem do hedonism o individual em aco­ m odação racional do interesse da coletividade” (Fundamentos para uma codificação do direito econômico, p. 9). Matteo Caroli, destacando que a noção de concorrência é de prim ária im portância na teoria econômica clássica, conceitua-a como “il meccanism o che perm ette il libero trasferim ento di rigorse produttive da u n settore alFaltro deH’attività econom ica, in funzione delia diversa utilità dei loro possibili im pieghi”. Em outras palavras, diz o autor, que quando em determ inado mercado criam-se condições mais vantajosas para os com petidores daquelas existentes em outros mercados, outros agentes econôm icos são atraídos, provocando a anulação das vantagens antes existentes, m ediante a redução dos preços ao seu “valor natural” (que é o custo m ínim o de produção). Assim, considerando-se u m longo período de tem po, o setor perm aneceria em situação de equilíbrio, na qual o preço é igual ao custo médio m ínim o e a qualidade corresponde àquela em que o custo médio é m inim izado (La regolamentazione dei regimi concorrenziali, p. 11). 100. I’. S. Atiyah, em sua obra The riseandfall offreedom of contract, assim situa a questão: “T h ro u g h o u tth e whole period. 1770-1870, the b eliefin com petition, b o th in commercial and industrial affairs, and in life generally, was po w erfu lan d itself largely pa ra 11e lecl wha t was going on in the w orld”. As penalidades para o insucesso, bem como a premiaçao do sucesso, eram determ inadas pela ordem “n atu ral” das coisas. Aqui li-. i|ue i raballiavam com afinco “natu ralm en te” recebiam sua recom pensa, •in passo que a misei ia era a rei ribuição para os incapazes. Haveria lim itação no iiu iiu io di I i IIkis di i ada c asai, dependendo dc suas possibilidades econôm icas (p 28 1 I)

95.

96.

97. 9H,

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Os princípios do liberalismo econômico perm eiam as decisões dos tri­ bunais sobre questões de concorrência. Alguns, como o caso King v. N orris,101 assentam pautas herm enêuticas que são até hoje consideradas.102

R etom ando nossa lin h a de evolução da co n co rrên c ia, percebe-se claram ente que, quando da revolução in d u strial, dá-se início a um a sua nova concepção, correlata ao m ercado liberal. Livre mercado significa poder conquistar novos consumidores, praticando o comércio e a indústria como bem aprouver ao agente econômico. E tudo isso não é possível sem que haja a livre concorrência.104

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Os p ro p rietário s de salinas em D roitw ich, na Inglaterra, decidiram celebrar entre si, por escrito, acordo fixando o preço do sal, de forma que a venda abaixo do preço acordado acarretaria m ulta no valor de 200 pounds. O instrum ento foi posteriorm ente destruído. Por ocasião do julgam ento, no ano de 1758, Lord Mansfield manifesta-se no sentido de que: se qualquer acordo for celebrado para fixar o preço do sal, ou de qualquer outra necessi­ dade da vida, por pessoas que lidam com esse bem, o tribunal aproveitaria a oportunidade para, independentem ente da origem da reclamação, dem onstrar a natureza de crim e (...) independentemente de o preço fixado ser alto ou baixo, uma vez que todos os acordos dessa natureza trazem conseqüências danosas e devem ser reprimidos”. A função prim ordial do Estado era a harm onização dos conflitos, com o direito viabilizando a fluência das relações de mercado ( “livre m ercado”). Nas palavras de Comparato, o Estado é o árbitro do respeito às regras do jogo econô­ mico ou, como quer Grau, o produtor do direito e o provedor da segurança.103

101. 2 Kenyon 300. 96 Eng. Rep. 1189(K . B. 1758). Transcrição efetuada por Fox e Sulli­ van, Cases and materiais on antitrust, p. 17. Para maiores detalhes sobre este caso, v. capítulo referente aos acordos entre agentes econômicos. 102. Alguns autores apontam que o princípio da liberdade de comércio foi fixado no julgado conhecido com o School Masters, de 1410, no qual se estatuiu que o proprietário de escola j á estabelecida na cidade não poderia reclamar se novo estabelecimento atraísse os estudantes (a decisão é reportada na m aioria dos case books norte-am ericanos. O com entário sobre a fixação do princípio do livre comércio é de W illiam L. Prosser, Handbook o f the law of torts, p. 954). 103. Eros Roberto Grau, A ordem econômica na Constituição de 1988, item 3. Para Galgano, são as seguintes as funções que a burguesia estava disposta a reconhecer ao Estado: (i) aplicação da Lei; (ii) defesa do território e (iii) relações exteriores, de forma que “o Estado deve som ente vigiar a liberdade econôm ica dos burgueses” (Pubblico e privato nella regolazione dei rapporti economici, Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico delVeconomia: la costituzione econom ica, v. 1, p. 105. Essa mesma passagem foi publicada com o nom e de II privato di fronte alio Stato, inserida em capítulo da obra II diritto privato fr a codice e costituzione, p. 37-41). Adam Smith, em discurso de 1755, individualizou as três funções que caberiam ao Estado para assegurar o desenvolvim ento econômico: “Para arrancar um Estado do mais baixo grau dc barbárie e elevá-lo à mais alta opulência, bastam três coisas: a paz, im postos m ódicos e uma tolerável adm inistração da justiça” (citado por Paul H ugon, História diis ilouli íiids 0 ) aponlam q u e , devido mesmo a esla instabilidade c,lemas de

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I VI. 132. 133.

I 14.

transporte de petróleo faliram. Da mesma forma, um acordo celebrado para o trans­ porte de carvão, estabelecendo preços do serviço, teve curta duração. Ainda sobre a instabilidade, Heilbroner relata episódio bastante típico, ocorrido durante reunião dos dirigentes de estradas de ferro destinada a fixar o preço das tarifas: o presidente de uma das companhias aproveitou breve intervalo para telegrafar os novos preços a sua empresa, para ser a primeira companhia a baixá-los, violando, assim, o acordo que acabava de ser celebrado. “Por acaso, seu telegrama foi interceptado de modo que, quando o grupo se reuniu de novo, o nosso hom em foi obrigado a reconhecer que mesmo entre ladrões nem sempre existe honra” (Aformação da sociedade econômica, p. 155). Essa questão é analisada no capítulo referente aos acordos entre empresas. Sobre a evolução histórica dos cartéis, cf. Alberto Moniz da Rocha Barros, O poder econômico do Estado contemporâneo e seus reflexos no direito, p. 23-46. Segundo Heilbroner, a ideia de utilizar o trust como forma de associação de empresas ocorreu ao advogado da nova Standard Oil Company, Samuel Dodd, no ano de 1879 (A formação da sociedade econômica, p. 155). BerleeM eans explicam o trust: “Corresponde à criação de um grupo de ‘fideicomissos’ ou trustees, m uitas vezes m em bros da diretoria, que ficam com o poder completo de voto de todas as ações que lhes são entregues. Q uando a maioria das ações é con­ trolada pelo fideicomisso como geralm ente ocorre, os trustees exercem o controle quase com pleto sobre os negócios da empresa, em bora sem terem, necessariam ente, i m portante participação na mesma. Os acionistas, por sua vez, recebem, em lugar de ações, trust certificates, que os habilitam a participar dos dividendos resultantes das operações, quando os diretores julgarem conveniente distribuí-los” (A propriedade privada na economia moderna, p. 104). Francesco de Franchis assim define o trust, após ressaltar que não existe, na civil law, instituto idêntico: “In breve, il concetto londam entale dei trust sta in questo: il costituente, detto settlor of the trust aliena l al uni beni o diritti a favore dei trustee che li am m inistra nelFinteresse di u n ’altra I >ei sona, delta cestui que trust e ora, piü spesso, beneficiary (...)” (Dizionario giuriiIh o, p. 1.477). Carvalhosa, por sua vez, explica que “caracteriza-se o truste pela 1 1 ,iiisleicneia dc capitais e valores econôm icos de um a determ inada pessoa física ou ........ a, que tem coiik ) ob jct ivo geri re adm inistrar aqueles capitais e valores; exerce i . i . i i ■11 111 i . i papel d e.i)’,e iitc liduciario, h iislec, cabendo lhe, com plena autonomia, .1111H . i i I.i is Ih i i . e v.iloi es il.i mellioi loi n u , no interesse do agenciador. Ao Inrslcc

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dos agentes econômicos que atuavam no mesmo mercado, impedindo, de m a­ neira segura e estável, que a concorrência se restabelecesse entre eles.

Os consum idores, agricultores, trabalhadores e pequenos empresários colocaram-se, ao invés, contra a concentração do poder econômico, tida como causa de m uitos males que assolavam a sociedade da época.139 A prática de preços de monopólio, a posição de sujeição dos demais agentes econômicos (inclusive consumidores) ao poder dos grandes revoltavam a população mais miúda. Um historiador concluiu: “Dizia-se que os trustes ameaçavam a liberda­ de, pois corrompiam servidores públicos e subornavam legisladores; gozavam de privilégios como o protecionism o tarifário; controlavam o com portam ento dos concorrentes m ediante a baixa de preços, penalizavam os consumidores aum entando os preços, fraudavam investidores com a diluição de suas ações. Em suma, abusavam de todos. A solução que o público desejava era bastante óbvia: um a lei que destruísse o poder dos trustes”.140

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Tem-se, dessa forma, não apenas o increm ento de um processo de integra­ ção horizontal, mas também a dissociação da propriedade do poder que delas deriva, concentrando-se este nas mãos do trustee. Standard Oil, celebrado em 1882, foi o prim eiro e mais conhecido de todos os trustes. Rockfeller, seu ad­ m inistrador, fez com que essa empresa por m uitos anos controlasse a indústria americana do petróleo. O fenômeno geral verificado nos Estados Unidos foi um a típica concen­ tração, com a dim inuição do núm ero de empresas e convergência do poder em mãos de poucos agentes econômicos, liderados pelos trustes.135Muitos setores de utilidade pública, tais como eletricidade e indústria do aço, no decorrer da década de 1880, organizaram-se sob a forma de trustes.136 A partir de 1880 acentuam -se as discussões sobre os trustes e o poder econômico que concentravam. De um a parte, colocaram-se grandes em pre­ sários e economistas, sustentando que a concentração do poder econômico propiciava o increm ento da produção e a expansão da indústria. Para essa classe, a própria concorrência já era o fator regulador do mercado e a evolução “natural” determ inava a inexorável substituição do sistem a de competição pela colaboração entre as em presas.137 Necessário, pois, que sobrevivessem apenas os mais fortes. Não é preciso grande esforço para perceber a influência da teoria darw iniana no slogan que resume essa posição: survival of thefittest eram as palavras de ordem .138 cabe a direção, de m aneira uniform e, do conjunto de negócios que lhe são confiados” (Poder econômico: a fenom enologia - Seu disciplinam ento jurídico, p. 41). 135. Na opinião de Heilbroner, “não se deve pensar que foi apenas o movimento no sentido da trustificação e da fusão que prom oveu o surgimento da firma gigantesca, com sua capacidade de limitação - ou eliminação - dos concorrentes. Igualmente, ou talvez mais im portante foi o processo de sim ples crescimento interno”. Assim, General Mo­ tors, AT&T, Du Pont, Ford cresceram principalm ente em virtude da franca expansão em que se encontravam seus mercados (Aformação da sociedade econômica, p. 157). 136. Fox e Sullivan, The good and bad tru st dichotomy: a short history of a legal idea, The Antitrust Bulletin, p. 62. 137. Certos econom istas argum entavam serem alguns dos trustes “naturais” e, conse­ quentem ente, de nada adiantariam leis que procurassem destruí-los (cf. Hadler, Blake, Pitofsky e G oldschm id, Trade regulation: cases and materiais, p. 57). 138. “In the mid-nineteenth century, the idea that competition was a ‘natural law’ rcceivcd a powet i iil impcius ['mm llu* wrilings of Charles Darwin, and the use to which i hey wcic pnl by I lei bei I Spencei Darwin s( >i ii’,in ol Specic- was first publishcd in IH59, .nu I il w. is ( . r . lu Iiiiiim II ,u Kiiow lcil)Md) ni li inl Iuiik ed hy Mallluis and nlso I>\ iii

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A situação a que estavam sujeitos os agricultores era sintomática: o alto custo dos equipam entos agrícolas, ao mesmo tempo em que o preço de seus produtos despencava no m ercado,141 constituía fator que fazia aum entar a in ­ Spencer. Applying the ideas of M althus to the whole anim al and vegetable kingdom and com bining them w ith the concept of the social struggle for survival propagated by H erbert Spencer, Darwin had hit upon the theory of natural selection. (...) The phrase, ‘the survival of the fittest’ w hich was used by Darw in was, in fact, borrow ed by him from H erbert Spencer, w ho had previously used it in a description of the social struggle w hich takes place am ong m ankind” (P. S. Atiyah, The rise and fali of freedom of contract, p. 285). Cf., também, para sintética análise da questão, Harold Demsetz, Economic, legal, and political dimensions of competition, p. 16 e ss. 139. Não havia, à época, entretanto, a distinção entre os bons e os maus trustes (cf. Fox e Sullivan, The good and bad trust dichotomy: a short history of a legal idea, The Antitrust Bulletin, p. 62). 140. Como transcrito por Dilorenzo, The origins of antitrust: an interest-group perspec­ tive, International Review ofLaw andEconomics, p. 77. 141. Cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis: problem s, texts, cases, p. 49: “Agrarian discontent furnished strong and often persistent pressure toward reform. The farmers were num erous and they formed pressure organizations, such as the National Grange. They were distressed because they received low agricultural prices while paying high prices for farm equipm ent and other m anufactures because of m onopolies and im port tariffs. H arried by high and discrim inatory railroad and grain elevator charges, they were also appessed by tight credit and high interest rates exacted by lhe eastern m oncy magnates, w hose opposition to easier m oney an d silv er coinage c nu ilird (he Wcsi upon a crossofgold’. Dissatisfaction w ith m anufactures of farm mai Iii nei y and nllii i >m>i>i e s e i a l l i o l i v a d a p e l o l e m o i ( | u e

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satisfação de forma preocupante. A maioria dos sessenta e quatro memoriais dirigidos ao Congresso am ericano contra a ação dos trustes foi apresentada por grupos de agricultores.142

Apenas esse diploma, entretanto, mostrou-se insuficiente para propiciar aos agentes econômicos a segurança e a previsibilidade que sempre almejam. Ressentia-se, no texto do Sherman Act, da vagueza de suas previsões. Não se pode ainda olvidar que o Sherman Act não continha regras que disciplinassem o processo de concentração de empresas, deixando à margem da regulamentação prática geralmente condenada pela opinião pública.

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É deflagrada intensa campanha publicitária contra os trustes, com a publica­ ção reiterada nos jornais das “im orais” práticas comerciais utilizadas pelos seus líderes para arrasar os concorrentes e obrigar a adesão de pequenas empresas. Já ao final do ano de 1887, a população colocava-se abertamente contra a distor­ ção na economia causada pela excessiva concentração do poder econôm ico.143 Nas eleições de 1888, a tônica do anti-trust orientou a cam panha presi­ dencial de forma que todos os candidatos propagandeavam a necessidade de uma lei que controlasse o poder econômico. Com discurso agressivo contra os trustes, o Presidente Harrison é eleito. Desde janeiro do mesmo ano de 1888, o Congresso norte-am ericano já tratava da questão, discutindo o projeto de lei trazido pelo Senador Jo h n Sher­ m an.144 Em 1890, finalmente, o Sherman Act foi prom ulgado.145

142. 143.

144.

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alim entavam em relação ao processo de livre com petição dos agentes econômicos. Buscavam proteção contra os cham ados land monopolies ou grandes fazendas de trigo (The origins of antitrust: an interest-group perspective, The International Review of Law and Economics, p. 75). Cf. T. J. Dilorenzo, The origins of antitrust: an interest-group perspective, The Inter­ national Review ofLaw andEconomics, p. 75. Fox e Sullivan relatam esse estado de espírito da população: “D uring the 1880s, people becam e m ore focused on negative econom ic developm ents and began to look to law and governm ent to rem edy w hat had gone w rong in economy.The trust became a sym bol of the new order. To its supporters, it signified w ealth, cooperation, an d progressive developm ent. To its detractors, these im personal, centrally adm inistered m onoliths represented greed, inhumanity, and economic stratification. Consequently, despite the fact that only eight industrial consolidations during the 1880s actually took the form of trusts, the term trust came to denote more than a specific legal device for corporate com bination. It was the catchphrase in a public debate over the course of econom ic grow th and the distribution of w ealth” (The good and bad tru st dichotom y: a short history of a legal idea, The Antitrust Bulletin, p. 63). Handler, Blake, Pitofsky e G oldschm id (Trade regulation, p. 57), por sua vez, com plem entam : “The kind of rem edy that the public desired was also clear enough: it w anted a law to destroy the pow er of the trusts”. As discussões entre democratas e republicanos na tramitação que antecedeu o Sherman Act são com entadas por Handler, Blake, Pitofsky e G oldschm id (Trade regulation, p. 59 e ss.). 1’ai'a Millon Handler, o Shcnium At l nao introduziu, no sistema pn idn o .....le .um 11< .um, qnalquei pi nu ipio novo, mas 11lie | ( ongi ess ineiel\'.11111111■4 Its l.mli

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Após a publicação dos trabalhos do Comitê Pujo, que investigou o cha­ mado money trust, denunciando que alguns poucos bancos controlavam inúm eras empresas, a indisposição da sociedade civil contra os blocos econô­ micos acentuou-se ainda mais. Exigia-se a regulamentação da concentração indiscrim inada.146 Nesse contexto, no ano de 1914, é prom ulgado o Clayton Act, que exem­ plifica e condena algumas práticas restritivas da concorrência, tais como vendas casadas, aquisição de controle de outras com panhias etc. A sistem ática adotada pelo Clayton Act é bastante interessante e inspi­ rou várias legislações antitruste: ao lado da tipificação de algumas condutas potencialm ente anticompetitjvas, há uma qualifying clause147, segundo a qual as práticas elencadas someríte serão consideradas ilícitas se, e som ente se, restringirem a concorrência de forma não razoável ou tenderem à criação de um m onopólio (“lessened com petition or tended to create a m onopoly”).148 Com gerais funções de vigilância e aplicação das leis antitruste, no mesmo ano de 1914, é criada a Federal Trade Commission, ou FTC, pela promulgação do Federal Trade CommissionAct. Em 1936, temos o Robson-Patman Act (tratan­ do de discriminação) e, finalmente, em 1950, é promulgado o Celler-Kefauver Act, com o escopo de reforçar as previsões do art. 7.° do Clayton Act, na disciin com petition as the principal regulating force in our econom y by forbidding re­ straints of trade and m onopolization in interstate and foreign com m erce” (Antitrust in perspective: the com plem entary roles of rule and discretion, p. 3). 146. A respeito do Comitê Pujo, confira-se Eleanor Fox e Lawrence Sullivan, Cases and materiais on antitrust, p. 94. O mesmo com itê dem onstrou que o grupo bancário Morgan detinha trezentas e quarenta e uma diretorias em cento e doze com panhias, cuja riqueza agregada era três vezes superior ao valor de todas as propriedades im o­ biliárias e pessoais da Nova Inglaterra. O problem a que se colocava não era apenas o sacrifício da Iivre concorrência, mas principalm ente o tem or do poderio dos grandes grupos ( I Ieilbroner, A formação da sociedade econômica, p. 157-8). 147. A terminologia é de Fox e Sullivan, Cases andmaterials, on antitrust, p. 95. I IH I o* e Sullivan, ( iises mui materiais on antitrust, p. 95. De outra parte, cria exceções legar, a aplii arao das norm as anlitrnste, pois estabelece que os sindicatos (trade lllllmis) n.to i sl.lo sii|eilos as lestriçoes das leis de iegnlamentai, ao da concorrência.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DA CONCORRÊNCIA

plina das fusões, com pletando-se o quadro básico legislativo norte-am ericano em matéria antitruste, que vigora até os nossos dias.149

Nessa linha, M ilton Friedm an, ao criticar a perseguição antitruste contra ■i Microsoft, afirmou que:

1.3.3 A atualidade das discussões que antecederam a promulgação do Sherman Act

“A ntitrust case against M icrosoft set a dangerous precedent that fore11adowed increasing governm ent regulation of w hat was formerly an industry 11lal was relatively free of governm ent intrusion and that future technological pmgress in the industry will be im peded as a result”.153

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Observadas com cautela as discussões que antecederam a promulgação do Sherman Act, vê-se que os dois grupos principais que se antagonizavam tiveram sua argum entação utilizada e reutilizada em m om entos históricos posteriores, em bora m aquiadas com maior refinamento, viabilizado pela evo­ lução da ciência econôm ica.150 Tome-se como exemplo a posição (aproveitada, em sua essência, pela Escola de Chicago) daqueles contrários à regulamentação do poder econôm i­ co pelo poder público: qualquer lei restritiva da livre concorrência teria por conseqüência m anter no mercado empresas ineficientes que, não fosse a tutela estatal, estariam condenadas ao desaparecimento.151 Com efeito, há aqueles que veem a disciplina antitruste com suspeição, acusando-a de, indevidamente, coarctar o saudável crescimento econômico das empresas. Para essa corrente, o antitruste nada mais faz se não reprim ir o progresso.152 149. Cf. Pitofsky, The political content of antitrust, transcrito por E. Thom as Sullivan e H erbert H ovenkam p, Antitrust law, policy and procedure: cases, materiais, problems, p. 4, e tam bém Viscusi, Vernon e H arrin g to n jr., Economics of regulation and antitrust, p. 58. 150. “A contem porary application of the antitrust laws has a certain déjà vu quality. The central argum ents heard today in an titrust are similar to those echoed in the early, formative years of this country. The genesis of the antitrust debate predates the first antitrust statute, the Sherman Act, in 1890” (Edward Thomas Sullivan eJeffreyL.Harrison, Understanding antitrust and its economic implications, p. 2). No mesmo sentido, o clássico estudo dejam es May, A ntitrust in the formative era: political and economic theory in constitutional and antitrust analysis, 1880-1918, Ohio State Law Journal, v. 5 0 ,1989, especialmente p. 288 e ss.: “The congressional debates preceding passage of federal antitrust législation in 1890 and 1914 reflected the contem porary diversity of national antitrust sentim ent”. Ver também, Victor H. Kramer, The Supreme C ourt and tying arrangements: antitrust as history, Minnesota Law Review, v. 69,1985, p. 1.014. 151. David J. G erber dá notícia de discussões, travadas no final do século passado, na Áustria, sobre questões antitruste. Expondo um a das correntes que se formavam, assevera: “Som epeoplebelieved that no législation was needed, he reported, because free com petition w ould itself prevent the cartel from significantly raising prices and w ould eventually lead to its collapse” (The origins of European com petition law in fin-de-siècle Áustria, The American Journal of Legal History, p. 423). 152. Explicam M cChesney e W illiam Shughart: “the literature criticai of an titrust suggests that enforcem ent of the laws may not enhance econom ic efficiency. Imleed,

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Por sua vez, Alan Greenspan, um dos principais arautos do liberalismo econômico: “A ntitrust laws prevent firms from actions that may benefit society due lo lear of antitrust violations”. “No one will ever know w hat new products, processes, machines, and cost-saving mergers failed to come into existence, f 111ed by the Sherman Act before they were b o rn ”. “The antitrust laws in the I Inited States have led to the condem nation of the productive and efficient mcmbers of our society because they are productive and efficient”.154 De outra parte, prega-se a necessidade da efetiva proteção dos consum i­ dores, preservando seu direito de escolha e não os sujeitando aos m onopó­ lios, assim como a manutenção de pequenas e médias empresas no mercado, rarantindo-lhes abrigo contra práticas abusivas de agentes com elevado grau di poder econômico. Também no Brasil, os mesmos dois grupos de interesses se defrontaram e '.(‘defrontam, discutindo a conveniência da regulamentação da concorrência e i lo controle do exercício do poderio econômico, como será visto nos próxim os capítulos. 1.4 O terceiro período. As normas antitruste como instrumento de im­ plementação de políticas públicas. A concorrência-instrumento

Na parte anterior, frisamos que, desde o início do século XIX, com o escopo de preservar o sistema liberal (livre concorrência e livre m ercado), IKcause l he antitrust authorities may bring cases against the w rong firms or impose rc Iic I ilial are inelíective in som e instances and have unintended consequences in ollicrs, vigorous enforcement efforts may in fact lead to an econom y characterized by lowci rales ol growlh in real outpitt, higher prices, an d lo w er em ploym ent leveis I li.in oiIhtwím- ’ ( I ivtl Mr( besney e William Shughart II, Thecauses and consequences

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OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DISCIPLINA DA CONCORRÊNCIA

sistema baseado na propriedade por um sistema de poder ostensivo”.163 Esses instrum entos viabilizarão, m ediante a direção do com portam ento dos agentes econômicos, não apenas a preservação, mas a condução do mercado. Daí falar­ mos em técnicas de direção sobre o mercado, de que se utiliza o Estado em sua função de im plem entação de um a política pública.

A atividade do Estado a que nos referim os (e tam bém a influência da disciplina pública no com portam ento dos agentes econômicos privados) é com um ente cham ada de intervenção estatal. M uito já se discorreu sobre a am bigüidade dessa expressão e sobre as inúm eras palavras utilizadas para identificar esse fenômeno. Para nós, entretanto, im porta notar que muitas vezes a atuação do Estado sobre a economia (“intervenção") é efetuada mediante utilização de norma destinada a tutelar a livre concorrência entre os agentes ou reprimir o abuso do poder econômico, ou seja, um a norma antitruste. Dentre as técnicas de organização dos mercados167 colocam-se as normas destinadas a regular a concorrência entre os agentes econômicos e o abuso do poder econômico.

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As técnicas de direção sobre o mercado assumem várias formas, conforme a sistematização feita por G rau,164 de que nos utilizamos. O Estado, em sua função de im plem entar uma política econômica, atua no domínio econômico, ou seja, desem penha diretam ente funções que (i) não despertaram o interesse dos empresários ou (ii) devem ser desenvolvidas pelo governo por razões de “interesse nacional”. O Estado assume, em regime de m onopólio, determinado setor da economia, im pondo, m ediante a promulgação de uma norm a, a exclu­ sividade da exploração. Dessa form a, nenhum agente econômico privado poderá competir com o poder estatal. Exemplo típico é lem brado por Adolfo di Majo, expondo a motivação do processo de estatização das ferrovias italianas.165 A esse tipo de intervenção estatal dá-se o nom e de ação por absorção. O Estado pode também atuar por participação no domínio econômico, quando desempenha atividade típica de agentes econômicos privados, com eles competindo em igualdade de condições, sem que haja barreiras legais à entrada de novos com petidores naquele setor da economia, im postas pelo governo. Incluem-se, também, na atuação por participação, as atividades que o Estado desenvolve em parceria com o setor privado, detendo ações ou quotas de so­ ciedades comerciais. Mas a atividade do Estado pode desenvolver-se sobre o domínio econôm i­ co, com o escopo de regular o processo de produção. É a atividade legislativa e de regulação, m ediante a qual são im postas regras de conduta a serem observadas pelos agentes econômicos, de sorte a disciplinar suas práticas no m ercado.166 163. Adolf Berle, The American economic republic, referido por Alberto Venancio Filho, A intervenção do Estado no domínio econômico, p. 12. 164. Elementos de direito econômico, p. 63 e ss. Cf., tam bém , sobre a atuação do Estado na econom ia e sobre a econom ia, Francesco Galgano, Pubblico e privato nella regolazione dei rapporti econom ici, Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico deli'economia: la costituzione econom ica, p. 123 e ss. 165. Adolfo di Majo, Eavocazione delle attività econom iche alia gestione pubblica o sociale, Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico deli’economia: la costituzione econom ica, v. 1, p. 373. 166. Conforme a sanção imposta pelo Estado seja positiva (sanção premial) ou negativa (sanção punitiva), Grau estabelece a distinção entre “ação por indução” e “açao por direção” ( M ementos dc direito econômico, |>. 65). Sobre a “açao por indm .n>" ou

79

Ora, vista sob esse novo ângulo, a análise contem porânea das norm as antitruste não pode prescindir de sua consideração como uma técnica, como um instrumento de que lança mão o Estado para dar concreção à determinada política pública. Especificamente no campo do direito da concorrência, temos, no exem­ plo europeu pós-guerra, sua caracterização como instrum ental à determ inada política.168"169 Pensemos, prim eiram ente, na atuação da União das Repúblicas

“técnica do encorajamento”, Norberto Bobbio observa: “Eintroduzione delia técnica dell’incoraggiamento riflette un vero e proprio m utam ento nella funzione dei sistema normativo nel suo complesso, nel modo di attuare il controllo sociale; segna il passaggio da un controllo passivo che si preoccupa piü di sfavorire le azioni nocive che di favorire le azioni vantaggiose, a un controllo attivo che si preoccupa di favorire le azioni vantaggiose piü che di sfavorire le azioni nocive” (Dalla struttura aliafunzione, p. 26). 167. A terminologia é de Geraldo Vidigal, Objeto do direito econômico, principalm ente p. 50. 168. A economia alemã, principalm ente desde o final do século XIX, gravita em torno dos cartéis. O governo não som ente os perm itia como incentivava sua criação e desenvol­ vimento. Sob o regime nazista, o fenômeno acentua-se ainda mais (cf., a respeito, o estudo de Thom asjanicki e Hans Jürgen Ruppelt, Germania federale, Concorrenza e controllo delle concentrazioni in Europa, p. 247-77). “O Ministro da Economia recebe poderes para regulam entar o mercado, reunir as empresas em cartéis, convenções ou ‘ententes’ similares, ou juntá-las a consórcios já existentes, quando essa união ou tusão pareça necessária, no interesse das empresas, do conjunto da produção e da coletividade”. Em 1,° de maio de 1934 são instituídos m onopólios para a compra do Iei te, gad o , m a n le iga e os preços agrícolas passam a ser de terminados pelo “comissário de preços” c na» pelo mercado: “Na economia autárquica que o nazismo procurou edilieai vi'..mdo lur. guerreiros, as necessidades de abastecim ento não deixavam espaço ............. . .i)•i ii iillura livre da direção estrita do Estado” (Janicki e Ruppelt, ( ni ma ii i.i I 111ii i • I i m aiinlalm as u;u ionai'. i oih orrciem com a impoilaçito 1 11 . i i i j * i 1 1 | >i . ■ i 11li uh i li n ii ln-.i 11,!'. . 111,i1111 111< i li m n v o l v i i l . r . e m i o i e . l . m l e e ai c

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

A CONCORRÊNCIA NO BRASIL

ros.40Não eram atuadas, também, políticas protecionistas que possibilitassem o desenvolvimento da indústria nacional. Dentre algumas poucas tentativas de seu fomento, destaca-se a proposta do Brigadeiro C unha Matos, deputado pela província de Goiás, apresentada no dia 20 de maio de 1826, que visava a obrigar todas as repartições públicas do Império e as ordens religiosas a com­ prarem m anufaturas de origem nacional, salvo quando fossem insuficientes ao consum o, caso em que poderiam ser adquiridos produtos estrangeiros. O projeto foi, entretanto, rejeitado, após longas discussões.41'42

vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econôm ica”.

Ainda quanto à legislação do Brasil independente, Teixeira de Freitas, no Esboço do Código Civil, publicado entre 1860 e 1865 (antes, portanto, do Sherman Act norte-am ericano), previa em seu artigo 3046 que seriam proi­ bidas as sociedades “destinadas a embaraçar a liberdade do comércio, ou da indústria”, com preendendo-se nessa vedação “[a]s sociedades ou convênios entre comerciantes para venderem suas mercadorias ou entre fabricantes para venderem seus produtos, por um preço taxado” e “ [a] s sociedades ou conluios para im pedir a concorrência de com pradores nas vendas públicas”.

Essa limitação explica-se pelo fenômeno de regulamentação da economia brasileira pelo governo federal, que se fez presente para minimizar os efeitos da grande crise de 1929, estendendo-se por toda a década de 30. Edgard Carone relata, sinteticam ente, esse acontecim ento:47 “A crise de 1929, que se prolon­

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2.4 Constituições brasileiras de 1934 e 1937. Decreto-lei 869, de 1938

A Carta de 1934, em seu art. 115, eleva, pela prim eira vez, a nível consti­ tucional, a liberdade econômica. Coloca-a, entretanto, não de forma incondicionada, delim itando seu exercício. In verbis: “Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da

lerado progresso. Era a esta que caberia satisfazer às necessidades lim itadas do país; as m anufaturas indígenas só excepcionalm ente estariam em condições de supri-las” (Caio Prado Jr., História econômica do Brasil, p. 199). 40. De acordo com Gilberto Bercovici, a prom ulgação do Código Comercial de 1.850 visou a proteger os investim entos estrangeiros, principalm ente ingleses. Essa lição coaduna-se com o testem unho de Brasilio M achado que, em 1907, ensinava aos seus alunos das Arcadas: “E ntre nós (...) quasi todo com m ercio é explorado por estrangeiros” (O Codigo Commercial do Brasil em sua formação histórica, 268). 41. H eitor Ferreira Lima, História do pensamento econômico no Brasil, p. 84 e ss. 42. Interessante é a observação de Caio Prado Jr. no que diz respeito à concorrência en­ tre os fazendeiros de café, na disputa pela mão de obra dos im igrantes, fator que se reverteu a favor destes últim os. Em centros como São Paulo, foi bastante limi tada a adoção de um a política, por parte dos fazendeiros, que “escravizasse” o Iraballiador imigrado: A procura p o r m ão de obra e sua relativa escassez impediu que os pro prietários de terras lançassem mao dc recursos para reler os empregados • miii.i sua própria vonlade ( I lisIOl id i‘l> ( I . S b i e b e i i s i l o / i o d c r e c o n ô m i c o , p . 6 .Noentenderdesseautor,apoucaefetividade dodiplom.i di veu m n ima de ludo, à falia de insliluição de “um órgão especializado com eompru ii' i.i p,n .i e\i eiiiai os dispositivos anlilrusle do I)eereto-lei 869 ”. (>l) V. 11au....... . ■I< i .ii In II.ii liiei i I illio, Dís< i f l u i i i /iii Itlii d du i oi u oi i t‘ii( iii abuso do podei et oiiomli i' p II

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A CONCORRÊNCIA NO BRASIL

o pioneiro do antitruste no Brasil. Com efeito, se analisarm os a atuação de Agamemnon Magalhães, veremos que se voltava, quase que precipuam ente,61 contra o poder econômico que derivava do capital estrangeiro,62apto a colocar em xeque a soberania e a estabilidade nacionais.63

Se esse foi efetivamente o episódio que tanto im pulsionou Agamemnon Magalhães a atuar contra o poder econômico, há de se vislum brar o caráter protecionista que permeava as ideias da época. Em suas palavras: “O capital industrial, que atingiu ao seu apogeu no Velho M undo e na América do Norte, só nos meados do século XX se volta para o Brasil e atravessa as nossas frontei­ ras, com a sua técnica, as suas formas de concentração, a sua cobiça de lucros e de mercados. O Brasil que, na colônia e no Império, não soube defender-se contra o mercantilismo capitalista, que levou o ouro do açúcar, das minas e do café para Portugal, Flolanda e Inglaterra, deve ter outra atitude em face da Revolução Industrial. Se as Companhias de Comércio dos séculos XVI, XVII e XVIII dom inaram os mares e as trocas do m undo, os trusts e os cartéis contro­ lam hoje a produção industrial e a sua distribuição em todos os mercados. A verdade é que devemos ser senhores das nossas matérias-primas e das nossas riquezas m inerais, mas, senhores industrialm ente, form ando no Brasil um grande mercado de trabalho e de consum o”.69

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A queles que algo escrevem sobre A gam em non M agalhães costum am referir a vital im portância que desem penhou sobre a formação de seu caráter o episódio ocorrido com Delmiro Gouveia, industrial da localidade de Pedra, região do Rio São Francisco.64 “Captando um fio d’água da Cachoeira de Paulo Afonso e criando um a civilização”,65 Delmiro Gouveia construiu um a fábrica de fios de algodão, passando a atuar em setor dom inado pela empresa inglesa Machine Cotton e suas controladas. O empresário resistiu a todas as pressões da com petidora para que vendesse sua propriedade. Terminou m orto e seu corpo jogado nas águas do Rio São Francisco.56Seus filhos continuaram a luta, obtendo do Presidente Artur Bernardes assinatura, em 19 de ju n h o de 1926, de decreto-lei elevando as taxas de im portação das linhas de coser de 2.000 para 10.000 réis o quilo. Posteriorm ente, por força da atuação do embaixador inglês, o decreto foi revogado no governo de W ashington Luís. A fábrica de Pedras foi desativada, e os equipam entos atirados no Rio São Francisco.67"68 61. Isso não quer dizer que A gam em non Magalhães não se tenha voltado contra o poder econômico nacional, considerado que for o testem unho de Paulo Germano Magalhães (As origens do nom e “Lei M alaia”. Revista do CADE, p. 13). 62. O que faz com que José Alexandre Tavares G uerreiro refira-se a Delmiro Gouveia como u m “em presário nacionalista” (Form as de abuso de poder econôm ico, Revista de Direito Mercantil, p. 41). 63. É sintom ática a posição de M oniz Bandeira: “Efetivamente, ao contrário do que su­ cedeu nos Estados U nidos e em outros países mais adiantados, onde a concentração resultou do desenvolvim ento capitalista, no Brasil, país retardatário, os m onopólios im plantados pelas corporações estrangeiras constituíam fator de atraso e entrave ao seu próprio esforço de industrialização” (Cartéis e desnacionalização: a experiência brasileira - 1964-1974 (Retratos do Brasil, v. 96), p. 5). 64. Por todos, cf. Paulo Germ ano Magalhães, Revista do CADE, n. 4, p. 12. 65. Discurso de Agam em non M agalhães perante a Câmara dos D eputados, publicado no Anexo A ao DCN - Diário do Congresso Nacional, n. 123, p. 4 , 4.a coluna. 66. M oniz Bandeira assinala que a opinião pública não tinha qualquer dúvida de que a m orte de Delmiro Gouveia teria sido encom endada pela Machine Cotton (Cartéis e desnacionalização, p. 5). 67. Cf. intervenção de Afonso de Carvalho ao discurso de Agamemnon Magalhães perante a Câm ara dos D eputados, publicada no Anexo A ao DCN, p. 4 , 4.a coluna. 68. A prática de adquirir em presas para depois sucateá-1 as e absorver sua pa il ic ipaçáo de mercado e expressam ente vedada por nossa I .ei A nlilruste e lambem pela I t i h 104, dc 1.976 (I ei das Soi iedades pm Açoes).

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Essa postura protecionista vinha aliada, como sabemos, a discurso que propugnava a necessidade da atuação do Estado para garantir a liberdade de concorrência entre os agentes econômicos. Em meio a tudo isso, passa a linha de evolução do direito antitruste brasileiro. 2.6 Decreto-lei 7.666, de 1945

Proj eto de Agamemnon Magalhães, em 1945, transforma-se no Decreto-lei 7.666, ou, como ficou mais conhecido, na “LeiMalaia”.70Antes, a regulamenta­ ção da repressão ao abuso do poder econômico era efetuada por alguns diplomas legais, diluída pela falta de sistematização. Modificando completamente o rumo, a Lei Malaia disciplina a m atéria de forma específica, sistemática, voltando-se de forma firme e direta contra o abuso do poder econômico. Se a m udança de rumos é bastante evidente, cabe perguntar: o que teria levado Getúlio Vargas a promulgação da Lei Malaia? Paulo Germano Magalhães (filho de Agamemnon Magalhães) afirma que “teria levado o Sr. Getúlio Vargas a assinar o Decreto-lei 7.666 a convicção de

(i(>. Agamemnon Magalhães, Abuso do poder econômico, in Abuso do poder econômico, Recife, l''olhti drt r e t o li u l c I l > d i s p t m d o s o b r e o s a t o s c o n

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A CONCORRÊNCIA NO BRASIL

Com a queda de Getúlio Vargas, o Decreto-lei 7.666 de 1945 foi revogado, em 9 de novem bro do mesmo ano, pelo presidente provisório José Linhares, não tendo superado três meses de vigência.78

era, justam ente, a de repressão ao abuso do poder econômico, podem os ver que o art. 148 da Constituição Federal apenas fez consolidar um a tendência que procurava afirmar-se.

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2.7 Constituição de 1946 e os diplomas de repressão ao abuso do poder econômico emanados sob sua égide

A C onstituição brasileira de 1946 trouxe pela prim eira vez de forma expressa79 o princípio de repressão ao abuso do poder econômico, em seu art. 148:80 “Art. 148. A lei reprim irá a toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupam entos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dom inar os mercados nacionais, elim inar a concorrência e aum entar arbitrariam ente os lucros”. Se considerarmos que esta foi a primeira vez que se escreveu no texto cons­ titucional o princípio referido, assiste razão a Isabel Vaz ao afirmar que neste ponto “tem início um a nova fase no chamado ‘sistema brasileiro antitruste’, onde a tônica deixa de ser simplesmente a defesa da ‘economia popular’através dos diplomas legais citados”.81 De outra parte, levando em conta os estritos termos do Decreto-lei 7.666, de 1945, no qual, como vimos, a principal ótica trários à ordem econôm ica, estabeleceu sistema incompatível com a tradição brasileira, na repressão dos trastes. Era remédio mais pernicioso que a moléstia que se propusera debelar; por isso, no regime instaurado pelo golpe de Estado de outubro de 1945, revogou-se aquele decreto-lei” (História do direito constitucional brasileiro, p. 193). 77. Cf. M oniz Bandeira, Cartéis e desnacionalização, p. 3. 78. No entender de Edgard Carone, a revogação da Lei Malaia foi motivo de júbilo da classe produtora (cf. A república liberal II: evolução política (1945-1964), p. 13). 79. Parte da doutrina, liderada por Pontes de M iranda, sustenta que o princípio da re­ pressão ao abuso do poder econôm ico se encontrava im plícito nas Constituições de 1934 e 1937 (Comentários à Constituição de 1946, v. 4, p. 27). Fábio N usdeo tam bém sustenta que o princípio da repressão ao abuso do poder econômico já se encontrava na Constituição de 1934 (Abuso do poder econômico, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 136). 80. A gam em non Magalhães justifica a ratio desse dispositivo com o seguinte raciocínio: “A livre concorrência é (...) a base da econom ia liberal”. Por sua vez, o poder eco­ nôm ico “é o que resulta da posse dos m eios de produção. Q uando esses m eios de produção, em certos setores da atividade são dom inados por um indivíduo ou um grupo de indivíduos, são dom inados por um a empresa ou por um grupo de empresas, evitando que outros deles tam bém possam dispor, há abuso do poder ec onôm ico”. Nesse contexto, o Estado deve “intervir para evitar ou suprim ir o abuso" (Al mso do poder econôm ico, Abuso do poder econômico, p. I I e ss.). Kl. Dinlto '>0

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E ntretanto, com a evolução industrial do nosso país, acelerada pelas duas grandes guerras, a necessidade de norm as sobre a repressão ao abuso do poder econômico se fez sentir de forma mais intensa.82O texto constitucional, inspi­ rado na tradição iniciada pelo Decreto-lei 869, de 1938 (especialmente no que tange à repressão ao aum ento arbitrário de lucros) e no Decreto-lei 7.666, de 1945, veda “toda e qualquer forma de abuso do poder econôm ico” que tenha por fim (i) dom inar o mercado nacional, (ii) eliminar a concorrência e (iii) aumentar arbitrariamente os lucros. Afastando-se da sistematização efetuada pelo Decreto-lei 7.666 de 1945, a Constituição Federal condenou os atos abusivos pela sua finalidade ( “que tenham por fim”) e não pelos seus efeitos (“que tenham por efeito”) , conforme constava do art. 1.° do referido Decreto-lei. É sintom ática a observação efetuada por Pontes de M iranda a respeito do art. 148 da Constituição de 1946, que, percebendo o poderoso instrum ental que estaria sendo colocado em mãos do governo federal, asseverou: “... é dificílimo m anobrar as duas políticas a de intervenção na economia e a de luta contra os trustes. Acaba o Estado por ter tantas armas debaixo do braço - e tantos sabres e machados - que não possa ou não saiba usar, com acerto, de nenhum a. Fixar preço e perseguir trustes, sem aparelhamento quase genial, se não genial, de economia e de adm inistração públicas, é o mais perigoso dos em pirism os”.83 No Brasil, não é tarefa fácil para o jurista sistematizar a evolução histórica das normas antitruste, perdidas em um cipoal de diplomas, em que se protegem os mais diversos interesses, apenas mediatamente compatíveis. A Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, embora alterando, como diz sua epígrafe, “disposi­ tivos da legislação vigente sobre crimes contra a economia popular”, contém regras tipicamente antitruste. É o caso, exemplificativamente, do art. 3.°, III, que condena o acordo entre empresas “com o fim de im pedir ou dificultar, para o efeito de aum ento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produção, transporte ou comércio”, ou ainda o inciso V do mesmo artigo, vedando a prái ica de preços predatórios (“vender mercadorias abaixo do preço de custo”).84 82. Agamemnon Maj’,alhaes, Abuso do poder econômico, p. 12. 8 5 ( m iiniliii /('■. I i |f ,*,0 i |r i livr inbro dr 11)' >I , t■I Sollsa Nel o. / m i de

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OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

A CONCORRÊNCIA NO BRASIL

Desta feita, até o ano de 1962, não encontram os em nosso ordenam ento diploma legal específico que regulamentasse a repressão ao abuso do poder econômico, conforme estava previsto no art. 148 da Constituição Federal.

Os exem plos de A gam em non Magalhães, em seus discursos, são pre­ mentes. Refere-se, sempre, a Delmiro Gouveia e a trustes (cuja existência, no Brasil, era, em sua opinião, indiscutível): truste do fósforo, do trigo, além de inúm eros abusos de patentes indevidamente concedidas.89

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2.7. 1 Lei 4.137, de 1962. Vinte e nove anos de vigência desprovida de

eficácia material 2.7.1.1 Os debates que antecederam a promulgação da Lei Antitruste e a discussão sobre sua necessidade e função Os debates legislativos que antecederam a promulgação da Lei 4.137, de 10 de setem bro de 1962, fornecem algumas informações sobre a evolução da disciplina da concorrência no Brasil que não podem ser desprezadas. A Lei 4.137, de 1962, teve origem no Projeto 122, de 1948, de autoria do Deputado Agamemnon Magalhães. Com a m orte de seu pai, o Deputado Paulo Magalhães renovou no ano de 1955,85sem qualquer alteração, o referido Projeto 122. Depreende-se dos debates inicialm ente travados no Congresso Nacional que, em um prim eiro m om ento, a promulgação de um a lei de repressão ao abuso do poder econômico tinha por escopo apenas eliminar os efeitos autodestrutíveis do próprio mercado, preservando-o.86 É também constante a referência à proteção ao consumidor, ou melhor, aos prejuízos que são impostos à população em decorrência do abuso do poder econôm ico87 e que deveriam ser neutralizados pela promulgação de uma lei antitruste.88 85. Projeto 3-1955 (cf. Shieber, Abusos do poder econômico, p. 11). 86. “Realmente, a repressão ao abuso do poder econôm ico só estará com pleta quando o m ecanism o liberal libertar o mercado de sua presença e de seus efeitos. A lei de que cogita o art. 148 da Constituição não é apenas repressiva. Mas antes restauradora das condições norm ais do m ercado. É um a lei de defesa da liberdade econôm ica e da concorrência”. Parecer da Comissão de C onstituição eJustiça ao Projeto 122/48. Anexo A ao suplem ento do DCN, n. 123, 28 jul. 1961, p. 5 , 4.a coluna. 87. A gam em non Magalhães (Anexo A ao suplem ento DCN, n. 123, p. 5, l . a coluna) fornece vários exem plos de práticas abusivas que eram perpetradas. 88. Não se pode deixar de fazer referência à contenda que se instalou no foro do Estado da G uanabara ( J u i z a d o de Direito da l . a Vara da Fazenda Pública), na década de 50, em que se procurou dem onstrar serem a Rio-Light S. A. Serviços de Eletricidade e Carris e a Com panhia Ferro-C arril do Jardim Botânico, na realidade, braços de trusts internacionais, sendo que “as holdings no Brasil” estavam “fazendo o que as suas donas não podem mais fazer nos Estados U nidos”, atuando práticas absolutam ente desleais, corrom pendo a adm inistraçãoe rem etendo paraoextciioi hu 1 1 >■.alue.i vos As principais peças e docum entos acostados aos .mios lot am ptil >lu .hl< ) l>I A opim.it11 i tu itiboratlapor Otto I cluardo Vizeu Gil, Lei de repressão ao abuso do podei et o n....... ... ( ADI l inalitlade Ilegalidade do art. 25, II, do Dec. 52.025, de J 0 .lt liiiil" . 1. I 'ii, m | nai io ( mu. ,ij>a I ram csclimi e |ose I iii. Vicente de

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

A CONCORRÊNCIA NO BRASIL

atuação da Lei A ntitruste sobre a estmtura do mercado. A respeito, foi elucidati­ va a palestra do M inistro Nélson H ungria para os congressistas, alertando para o seguinte fato: “Transformou-se (o sistema antitruste), nos Estados Unidos, num sistema programático, num sistema político fundam ental, ao utilizarem-se os trustes e consórcios para fins que atendam ao interesse nacional e ao interesse público”.92

se a ponte caiu, seu condutor é culpado. Nessa linha, um dos substitutivos apresentados acabou por cambiar a expressão “por efeito” por “por fim”, dando, pois, destaque à intenção do agente e não aos efeitos decorrentes de seu ato.

Parte dos congressistas entendia que a atenção dever-se-ia voltar para “os atos e abusos do poder econômico mais do que”(...) “a estrutura da firma ou das empresas que poderiam praticar esses atos”,93 perm itindo o processo de concentração de empresas, próprio do capitalismo. Haviam de ser reprim idos, tão apenas, os abusos de poder econôm ico perpetrados pelas empresas em posição dom inante.

A promulgação desse diploma, desconsiderando a opinião dos que enten­ diam que a repressão ao abuso do poder econômico deveria dar-se pela m oderni­ zação e aplicação das Leis 1.521 e 1.522, de 1951, aparta a Lei Antitruste, final­ mente, dos dispositivos que tratam da economia popular e do abastecimento.96

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2.7.1.2 As sempre repetidas críticas lançadas contra o projeto de Aga­ memnon Magalhães e o texto que acabou por ser promulgado Criticou-se o projeto de Agamemnon, prim eiram ente, por não trazer em seu bojo a definição de “abuso do poder econôm ico”. Sustentou-se que, por essa falha, simples com pra e venda de um cavalo, em um mercado de peque­ na cidade, poderia ser considerada como ato de abuso do poder econômico. Causava revolta, também, o excesso de poderes atribuídos à CADE. Os argu­ m entos em que se apoiavam os críticos iam da fácil corrupção de prepostos do Poder Executivo ao fato de que nem sequer em regimes despóticos dava-se ao soberano tantos poderes quanto aqueles que se pretendia outorgar à CADE.94 O projeto de Agamemnon, utilizando técnica já esboçada no Decreto-lei 7.666, de 1945, fazia decorrer a ilicitude do ato de seu efeito. Entretanto, con­ forme alguns parlam entares da época, a insegurança jurídica que daí adviria seria absolutamente insuportável. Para eles, fazer depender a ilicitude do ato de seu efeito é o mesmo que culpar o m otorista de um carro que trafega por uma ponte pelo seu eventual desm oronam ento. Passado o automóvel, observa-se: 92. Anexo A ao suplem ento DCN, n. 123, p. 15, l . a coluna. 93. Anexo A ao suplem ento DCN, n. 123, p. 26, 3.a coluna. 94. Para exem plo, W aldem ar Ferreira: “Não existe ato que não tenha sido envolvido como abuso de poder econôm ico, em excesso legiferante evidentem ente contra­ producente, tanto mais que o projeto se propôs instituir comissão adm inistradora de defesa econôm ica que será a o rientadora e diretora de toda a vida m ercantil, industrial e agrícola do Brasil, dotada de poderes am plos e vastíssimos, para tudo prever, ordenar, controlar, dirigir e punir. Em tais term os, instituindo essa ditadura industrial, o projeto está fadado a insucesso e será m odificado de mol< le a por-se cm term os Ilahi is c clica/cs” ( I HslOi ia ilo iliicito constitucional l u a s i l c i i " p I *>*!•).

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Em 1962, finalmente, foi promulgada a Lei 4.137.95 Cria-se, por seu art. 8.°, o CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, incum bido da apuração e repressão dos abusos do poder econômico.

R egulam entando o art. 146 da C onstituição Federal, vieram , poste­ riorm ente, as Leis Delegadas 4 e 5, de 26 de setem bro de 1962, dispondo, respectivamente, sobre “a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consum o do povo” e sobre a organização da Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab) como autarquia federal. O art. 148 da Constituição Federal, por sua vez, vinha re­ gulado pela Lei 4.137, de 1962. Em term os de sistematização das práticas abusivas, com o texto aprovado da Lei 4.137, de 1962, em m uito ficou prejudicado o projeto apresentado por Agamemnon Magalhães. Q uebrando a linha que poderia decorrer do Decreto-lei 7.666, de 1945, as práticas passam a não mais a ser consideradas ilícitas em virtude de seus efeitos e sequer de sua finalidade, pretensam ente eliminando a “insegurança jurídica” que havia sido apontada por m uitos.97 2.7.1.3 A constante busca por segurança e previsibilidade No processo de interpretação e aplicação da Lei 4.137 de 1962, dúvidas foram suscitadas a respeito do caráter taxativo, ou não, das práticas elencadas 95. Regulamentada, em 20 de maio de 1963, pelo Decreto 52.025. 96. A Lei Delegada 4 revogou expressam ente a Lei 1.522, de 26 de dezembro de 1951, ressalvando “a continuação dos serviços por ela criados, os quais serão extintos à medida que forem substituídos pelos novos serviços” (art. 25). 97. A supressão da caracterização da ilicitude do ato pelos efeitos produzidos recebeu aplausos dc Alberto Venancio Filho, com entando que a enum eração do art. 2.° da I ei 4.1 57, (lc 1962, “é evidentem ente taxativa, e abrange todas as formas de abuso do podei c< 1 capa/ do prom over levantam entos e analises em selores de produção r () I I , in t 1-1,1) ii

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OS FUNDAM ENTOS DO ANTITRUSTE

(v) requerer vista e cópia de inquéritos policiais, ações judiciais de quais­ quer natureza, bem como de inquéritos e processos administrativos instaurados por outros entes da federação (art. 13, V I,/).

O SISTEMA DA LEI ANTITRUSTE BRASILEIRA

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3.1.4 Procuradoria Ceral do CADE

Com relação às empresas detentoras de posição dom inante, a Superintendência-Geral tem com petência para acom panhar, perm anentem ente, suas atividades, podendo requisitar inform ações e docum entos (cf. art. 13, II).

A atuação da Procuradoria-Geral do CADE (PROCADE), cuja existência prevista no art. 15 da Lei 12.529/2011, tem a principal função de defender os interesses do órgão em juízo, incluindo a promoção da execução das decisões proferidas pelo Tribunal. O Procurador-Geral, tal como o Economista-Chefe, poderá com parecer às sessões do CADE e usar da palavra (art. 16, § 2.°).

3.1.2 Tribunal Administrativo de Defesa Econômica

\.2 Práticas restritivas e caracterização da ilicitude pelos efeitos

O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica é órgão judicante, com ­ posto por seis conselheiros e u m presidente com certa autonom ia em relação ao Poder Executivo, na medida em que possuem m andato fixo de quadro anos (art. 6 .°, § 1 .°), vedada a recondução, e som ente o perdem em virtude de decisão do Senado Federal, por provocação do Presidente da República, ou em razão de condenação penal irrecorrível por crim e doloso, de processo disciplinar ou de infração a seus deveres previstos na própria lei antitruste (art. 7.°).

As práticas antitruste são classificadas conforme suas três principais ma­ nifestações (às quais, posteriorm ente, dedicamos capítulos específicos): (i) acordos, que podem ser horizontais e verticais; (ii) abuso deposição dominante e (iii) concentrações.

As principais com petências do Tribunal são: (i) o julgam ento das condutas dos agentes econômicos, determ inando se constituem , ou não, infrações à ordem econômica, bem como a imposição de multas e demais penalidades previstas em lei; (ii) apreciar os atos de concentração econômica, aprovando-os, rej eitando-os ou aprovando-os com restrições (art. 9.°, V); (iii) aprovar os term os de compromissos de cessação, m ediante os quais os agentes econômicos obrigam-se a abandonar práticas suspeitas (art. 9, V); (iv) aprovar os termos de acordos em controle de concentrações, visando a garantir que as operações aprovadas efetivamente tragam os benefícios eco­ nômicos esperados; (v) apreciar, em grau de recurso, as medidas preventivas adotadas pelos conselheiros ou pela Superintendência-Geral (art. 9.°, V I), bem como concedê-las (art. 9.°, IV); e (vi) responder a consultas sobre condutas de práticas em andam ento (art. 9 o, §4.°).

3.1.3 Departamento de Estudos Econômicos O Departamento de Estudos Econômicos, dirigido por um Econoraista-Chefe, em ite pareceres e realiza estudos econôm icos visando a Mibsidiar a atuação do CADE. O Econom ista-( lid e pode com parecei .e. ■.< .m■■>do Tribunal, sendo llie lacultado usai da palavra (1 c i 11 I I u i >1,111).

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No que tange à tipificação legal, a Lei 12.529/2011 é peculiar, embora seu lexto possa lem brar aqueles de sistemas estrangeiros. Para efeitos de carac­ terização da infração à ordem econômica, ao se referir a “atos, sob qualquer lorma manifestados”, o art. 36, caput, inclui toda e qualquer conduta (ou seja, aquilo que não seja mero “fato”) que possa, de alguma forma, prejudicar a concorrência, sem distinção entre acordos, abusos ou concentrações. Nos Estados Unidos, a técnicajurídica utilizada é diversa. O Sherman Act, em seu art. 1 ,°, declara ilícito todo e qualquer contrato, combinação sob a forma cie truste ou qualquer outra forma ou conspiração em restrição do tráfico ou comércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras. Por sua vez, o art. 2.° veda a dominação do mercado, bem assim a tentativa de atingi-la (monopolize c altempt to monopolize) . Temos duas norm as apartadas: uma vedando o acordo entre empresas; outra, a posição dominante. As concentrações, inicialmente julgadas com base nos dispositivos do próprio Sherman Act, em 1914 receberam regulamentação especial, com a promulgação do ClaytonAct (especialmente art. 7.°) ,3Ou seja, tem-se três suportesfáticos distintos, para três hipóteses distintas (acordos - verticais ou horizontais - abuso e concentração). O Tratado sobre o Funcionam ento da União Europeia - TFUE veda os acordos entre empresas que possam prejudicar o comércio entre os EstadosMembros e que tenham por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado interno (art. 1 0 1 ), ao mesmo tem po em que o art. 102 coíbe o abuso da posição dom inante, também na medida em que este

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130

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

possa ser prejudicial àquele comércio. As concentrações foram inicialmente abrigadas sob o m anto desses artigos; no ano de 1989, passaram a ser regidos por diploma especial (Regulamento CE 4.064). Hoje, são disciplinadas pelo Regulamento do Conselho 139, de 20 dejaneiro de 2004, e pelo Regulamento 802/2004, da Comissão Europeia, com as alterações introduzidas pelo Regu­ lamento 1.033, de 2008. Novamente: três suportes fáticos distintos, para três hipóteses distintas. Tanto no m encionado art. 101 quanto no art. 102, há elenco exemplificativo das práticas vedadas. Destarte, o sistema europeu situa o acordo entre empresas (v.g., acordo de fixação de preços, acordo de limitação ou controle da produção, acordo de divisão dos mercados, vendas casadas) e o abuso da posição dom inante (v.g., imposição de preços não equitativos, limitação da produção, discriminação, vendas casadas) em dois dispositivos separados, com suportes fáticos e hipóteses de incidências diversos. Ademais, porque na Europa a disciplina da concorrência é instrumen­ tal aos objetivos delimitados especialm ente no art. 3.° do Tratado da União Europeia, adota-se sistema de determ inação da ilicitude pelo objeto ou efeito das práticas, de sorte que estas som ente serão proibidas se (i) prejudicarem o comércio com os Estados-M embros ou, especificamente no caso de acordos entre empresas, (ii) tiverem por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado interno europeu. Já o sistem a da lei brasileira é híbrido, que aproveita o europeu no que tange à caracterização do ilícito pelo objeto ou efeito ,4 mas supera tanto esta tradição quanto aquela norte-am ericana no que toca à tipificação dos atos. 4. Há m uito, o Decreto-lei 7.666, de 1945, procurou introduzir, entre nós, a caracteriza­ ção da ilicitude da prática pelos efeitos que produzia. O Proj eto 122, apresentado por A gam em non M agalhães, ado tava essa sistematização (que acabou por não prevalecer no texto da Lei 4.137, de 1962). As críticas lançadas foram ferozes e ressaltavam, quase à unanim idade, o problem a da insegurança jurídica causada por esse tipo de sistem atização. O sistem a de caracterização do tipo por seus efeitos era adotado pelo Clayton Act (cf. art. 3.°: “It shall be unlaw ful for any person engaged in commerce, in the course of such commerce, to lease or make a sale of contract for sale of goods, wares, merchandise, machinery, supplies, or other commodities, w hether patented or unpatented, for use, consum ption, or resale w ithin the U nited States or any Territory thereof or the D istrict of Colum bia or any insular possession or other place under the jurisdiction of the U nited States, or fix a price charges therefor, or discount from, or rebate upon, such price, on the condition, agreement, or understanding that lhe lessee or purchaser thereof shall n o t use or deal in the goods, wares, m erchandise, machinery, supplies, or other com m odities ol a com petitor or com pelilors ol lhe lessor oi \e lle i, wlwir lhe tjjci I / s m / i laisc •■ )

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143

Na mesma vertente, o ato nulo de pleno direito, inválido ou ineficaz, ou que não tenha chegado a existir no m undo jurídico, poderá subsum ir-se à Lei A ntitruste brasileira, caso determ ine a incidência de qualquer dos incisos do art. 36, caput, da Lei 12.529, de 2011. 3.6 A forma do ato

Para efeitos da composição do suporte fático previsto no art. 36, caput, da Lei A ntitruste, pouco im portará a forma de que se reveste o ato analisado, uma vez que o texto normativo limita-se a determ inar a vedação de “atos”, sendo estes “sob qualquer forma m anifestados”. Bastará a verificação dos efeitos atuais ou potenciais para com provar a existência da prática vedada: simples trocas de informações, entendim entos informais, cartas de intenção ou mesmo acordos de cavalheiros (gentleman’s agreements) podem caracterizar-se como atentatórios à ordem econômica, se acarretarem a incidência do art. 36, caput. Despiciendo frisar que a ilicitude da prática, nos termos da Lei Antitruste, é de todo independente de sua tipificação formal pelo ordenam ento ju ríd ico .32 Pense-se, a propósito, nos consórcios entre empresas ou nos grupos de socie­ dades, expressam ente previstos nos arts. 278 e seguintes e 265 e seguintes da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404, de 1976) e também nos acordos de acionistas, regulados pelo art. 118 do mesmo diploma. Esses atos podem corporificar a celebração de cartéis entre os concorrentes ou acordos verticais em restrição ao livre com ércio ,33 e, nessa m edida, estão proibidos pela Lei Antitruste. i I ■ C l.l i i)’,nani e Waelbroeck, Disciplina dclla concorrenza nella CEE, p. 8 . ?2. Nito s.11a ilcici minadas pral icas, como explicado ein capítulo específico lcm;r.

157

Ocorre que a revisão judicial é a segurança do cidadão contra eventuais abusos ou enganos cometidos pelo Poder Executivo. O antitruste não é uma ciência exata, vários são os interesses que podem ser protegidos conforme o sentido da decisão e, sobretudo, a interpretação do mesmo texto legal altera-se profunda­ mente com o passar do tempo. Ao contrário do se possa pensar, quanto maior a amplitude dos termos legais, maior a exposição dos interesses dos administrados ao risco de sofrerem abusos - e não o contrário. É preciso m anter o inciso XXXV do art. 5.° da Constituição Federal como ponto cardeal de nosso sistema jurídico. É possível esboçar o seguinte quadro das medidas a serem tomadas pelos agentes econômicos privados (p. ex., consumidores e empresas prejudicadas), e pelo M inistério Público quanto às infrações à ordem econômica: • representação ju n to ao SBDC; Agente econôm ico privado

• denúncia ao M inistério Público; • propositura de ação judicial para obter a cessação da prática e/ou indenização por perdas e danos.

58. V Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação do direito, A linguagem e os conceitos jurídicos. 59. Embora os entes integrantes do CADE sejam versados em questões concorrenciais, deve-se entender que, pela própria natureza da Lei 12.529/2011, sua atuação implica corte horizontal da realidade, pois lhe cabe analisar os mais diversos setores, cada qual com características e dinâm ica bastante peculiares; o mercado de chocolates não se com porta da mesma forma do que o de shopping centers de luxo na cidade de São Paulo que, por sua vez, é diverso do de cim ento ou de produção de suco de laranja. Dessa forma, as atividades do CADE diferenciam-se daquelas das agências regula­ doras, que lidam com corte vertical, aprofundando-se específica e exclusivam ente no setor regulado Assim, por exem plo, a ANATEL cuidará de questões relativas às lelecoimmn ii o< ,i \ N A( do setor de aviação civil; todos os casos que enfrentam . Disponível em: bllp:/Avww.law.iiuliana eilu/il|/ volunu s/vK.Vno.V I 1’iiam o |>dl Acesso em jullio ile 2 0 II)

\ 63

Tornam-se claras, então, as armadilhas trazidas pelas fórmulas m atem á­ ticas: a aparente certeza e segurança jurídicas que proporcionam são afastadas pelo com prom etim ento do sistema, que pode decorrer de seu indevido enrijecim ento. Sua aplicação deve ser temperada pelos princípios embasadores da Lei A ntitruste, que não se resum e a problemas relacionados com a “eficiência econôm ica” ou, como afirma Sullivan: “The antitrust laws do not deal solely with problems of allocative efficiency ” .10A questão assume contornos ideoló­ gicos bastante marcados porque a definição da eficiência (e de sua proteção) como o “único” fim da legislação antitruste envolve a opção (política) que dá menor (ou nenhum a) im portância a outras diretivas e, especialmente, defende o m enor grau possível de atuação estatal. Feitos esses esclarecimentos, passamos a analisar as principais escolas de pensamento que pretendem responder às seguintes questões: qual a função do antitruste? Que objetivos pode perseguir ? 17 4.1 As escolas de pensamento antitruste: a consolidação da Escola de Chicago no cenário norte-americano

Não se pode pretender iniciar a cam inhada pelos m eandros do antitruste sem conhecer os ensinam entos das Escolas de Harvard e de Chicago, espe­

16. Antitrust, p. 376. Contra, entre nós, José Inácio Gonzaga Franceschini: “A finalidade e propósito do Direito da C oncorrência é a eficiência econômica, em benefício do consum idor, tutelando um bem jurídico da coletividade” (Introdução ao direito da concorrência, Revisla de Direito Econômico 21/119).

I / Ainda sobre a evolução da base tcórica do antitruste, v. Calixto Salomão Filho, Regii/< l>i.i Valeul iue, I hou)!,hl . nu llie I C j’,iei u papei Ali /if p I< >> io i

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(iii) no sistema adotado pelo diploma antitruste brasileiro, pela concessão de autorizações, sem prejuízo das isenções à Lei A ntitruste postas, implícita ou explicitamente, por outros textos normativos.

A análise da regra da razão deve partir da Lei A ntitruste norte-americana e da construção jurisprudencial sobre ela edificada. Não fugiremos, aqui, a essa m etodologia consagrada .6'7 Primeiramente, deve-se atentar para o fato de que o Sherman Act não prevê em seu texto, de forma expressa, qualquer válvula de escape. Em outras pala­ vras, nos estritos termos dessa lei, não há possibilidade de serem consideradas lícitas as práticas que, em bora restritivas da concorrência, acabem por trazer benefícios para o sistema. Assim, em princípio, qualquer prática que restringisse, ainda que minima­ mente, o tráfico ou comércio entre os Estados, ou com as nações estrangeiras, 5. Pelas especificidades que apresentam , a análise dos m étodos destinados ao con­ trole das concentrações de empresas será realizada em capítulo específico. Por ora, tratam os apenas da viabilização de acordos (verticais ou horizontais) entre agentes econômicos. 6

. Ver, a respeito, o estudo efetuado, no Brasil, sobre as origens da regra da razão: Shie­ ber, Abusos do poder econômico: direito e experiência antitruste no Brasil e nos EUA, p. 72 e ss. ( I , lambem, Nuno T. P. Carvalho, As concentrações de empresas no direito an litins/e, p (>*» e v.

7. l’aia .i e\pln .ic ,io da c \ ciluçao jurisprudencial norte americana que culminou com •i i nl 11 ii li ii .ii 1 1 I.i 11 i•i.i i I.i i.i. ,u>, v. ( ali\lo Salomao | ;illu>, I Uh' i l o i o m o r n i u ial: as t ■-Uii 1 1 1 1 .i' • p l l l i \ lainbein, Millou I landlci, Aiitllmsf lu/x'i spci (Ivc, p i .'H

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era tido por ilícito pelo Sherman Act. A aplicação literal do texto normativo im plicaria, p o rtan to , a condenação de in ú m eras práticas, m esm o que os prejuízos suportados pelo mercado, ou pela concorrência, fossem em m uito suplantados pelas vantagens a serem auferidas pela economia nacional como um todo, ou ainda pelos consumidores. Nos prim eiros anos de vigência do Sherman Act, essa aplicação literal e desvinculada da realidade política acabou por ser atuada pelas Cortes norte-americanas. Vale, neste passo, a análise do mais significativo aresto dessa corrente jurispru d en cial, o caso U nited States vs. Trans-M issouri Freight Association .8 Julgava-se a licitude do acordo celebrado entre várias com panhias do mercado de estradas de ferro. O cartel era justificado como necessário e útil à proteção das empresas envolvidas, garantindo-lhes preço razoável para o serviço que prestavam. Na ocasião, o Juiz Peckham declarou que nenhum a prática, salvo exceções que taxativamente elencava, poderia ser considerada lícita por implicar restrição “razoável” da concorrência. Para Peckham, naquele m om ento, não existia qualquer base jurídica para a aplicação da regra da razão, uma vez que o Sherman Act era claro e proibia qualquer restrição da concor­ rência, fosse ou não razoável. A vedação estabelecida no art. 1.° do Sherman Act incidia, pois, sobre toda e qualquer prática restritiva: “(...) quando a Lei declara ilegal qualquer contrato ou ajuste que restrinja o tráfico ou comércio entre os Estados etc., o significado puro e simples de tais palavras não se limita aos contratos que restrinjam o comércio de forma desarrazoada, mas abrange todos os contratos, de forma que adicionar qualquer exceção ou restrição à lei eqüivalerá a incluir algo que foi omitido pelo Congresso ” .9 Uma das argumentações colocadas pelo mesmo julgador para justificar seu posicionamento baseou-se no apelo à insegurançajurídica que seria causada se som ente as práticas restritivas “não razoáveis” fossem sancionadas :10 “se

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somente o contrato que restringir o comércio de forma não razoável for incluído no significado da lei e, portanto, apenas este for declarado ilegal, fica claro que a determinação daquilo que é razoável será alcançada com grande incerteza”. Mas essa interpretação restritiva e literal do Sherman Act foi perdendo força. O próprio fustice Peckham, posteriorm ente, no caso U nited States vs. Joint Traffic Association, colocou o que se convencionou cham ar de “prim eira regra da razão”: o Sherman Act vedaria, apenas e tão som ente, as restrições suportadas direta e efetivamente (directly and effectually) pelo comércio. Ao invés, se os efeitos da prática fossem indiretos e incidentais, esta não estaria incluída na proibição legal. De qualquer forma, não existia, ainda, regra que fizesse a interpretação do Sherman Act consistente e efetiva.11Percebe-se, da análise das primeiras decisões em que a Suprema Corte aplicou aquela lei antitruste, que seus juizes estavam divididos, em linha de princípio, entre duas posições :12 a prim eira, tendo por principal expoente Peckham, que entendia ilícita qualquer prática que, direta e efetivamente, prejudicasse o livre comércio; e a outra linha de pensam ento, liderada por W hite, sustentando que o Sherman Act vedava somente as práticas que restringiam a concorrência de forma não razoável. Finalm ente, no caso Standard Oil Co. of New Jersey vs. U nited States, a Corte Suprema americana coloca, de forma clara, a regra da razão. O Sherman Act no entender de W hite, deixava transparecer a intenção do legislador de não restringir o direito de celebrar contratos, desde que não restringisse o comércio nacional ou internacional. Ao contrário, a lei visaria a, apenas, proteger aquele comércio de práticas que implicassem sua indevida restrição (undue restraint) . 13 Pela regra da razão, somente são consideradas ilegais as práticas que res­ tringem a concorrência deforma não razoável14 (que se subsum iriam, por via de

11. Fox e Sullivan, Cases and materiais on antitrust, p. 69. . 166 U .S. 2 9 0 -1 8 9 7 . 9. É possível observar que, m uitas vezes, em bora a opinião do Ju iz P eckhan tenha sido superada pela ju risp ru d ên cia (e até p o r ele m esm o), alguns autores atuais, que recusam a natureza das norm as antitruste como instrum ento de politica eco­ nôm ica, valem-se do m esm o tipo de argum entação. Como exemplo, as palavras de Ross (Principies o f antitrust law, p. 496-7): “O f course, com petition does n o t always represent sound policy, b u t the courts have wisely determ ined that IVdcral judgcs should n o tb e the ones to decide w hether or not a cleviation from our general policy of com petition is appropriale in a specilie conicxi 10. Sobre a insegurança jurulii a e a regra tia i a, a o , el Koberl llork, I lirniilífi ir.í piiniilin , 8

12. D urante os primeiros anos de vigência do Sherman Act, desenvolveu-se o debate entre “literalistas” e defensores da regra da razão. Sobre a prim eira corrente, que defendia a aplicação literal do texto norm ativo, pode-se encontrar inform ações no texto de Rudolph Peritz, A counter-history of antitrust law, Duke Law Journal, p. 264 e ss., 1990. I 5. No original: “evidenced the in ten t n o t to restrain the right to m ake and enforce eontracls, w hether resulting from com binationorotherw ise, w h ic h d id n o tu n d u ly restrain intei st ale or loreign commerce, but lo protect that commerce from being n . 1 raini íI nv mel hod ., whel her old or new, which would conslitulc an intcrference 11i . i I

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conseqüência, à regra da proibição per se) .15 A contrario sensu, são perm itidas as práticas que não im pliquem obstáculo desarrazoado ao livre com ércio .16'17 Como afirma Shieber,18 a regra da razão acaba, na realidade, por determ inar um a modificação no art. 1.° do Sherman Act, m uito embora não lhe tenha sido alterado o texto, que passou a viger com a seguinte redação: “Todo e qualquer contrato, combinação sob a forma de truste ou qualquer outra forma ou cons­ piração em (desarrazoada) restrição do tráfico ou comércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras, é declarado ilícito pela presente Lei”.

Não obstante as discussões sobre a origem da regra da razão, deve-se destacar a técnica jurídica utilizada: quando aplicada, essa regra fa z com que não haja a composição do suporte fático necessário à incidência da norma que determinaria a ilicitude do ato (no caso, o art. 1.° do Sherman Act). Isto é, para que seja com posto o suporte fático previsto na hipótese normativa, necessário se faz que a prática em questão restrinja a concorrência de forma não razoá­ vel, sendo esse fator elemento (indispensável) do mesmo suporte fático. Sem esse, o suporte fático não se completa, a incidência da norma é afastada e suas conseqüências (avedação, a ilicitude) não se produzem.21 Tem-se como resultado, a licitude da prática restritiva da concorrência.

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Em seu voto, Juiz W hite sustentou que não haveria, fundam entalm ente, diferenças entre a prim eira regra da razão, colocada por Peckham, e a segun­ da, posta por ele .19 Seriam, no seu entender, one and the same thing. Bork, posteriorm ente, com plem entaria a argum entação de W hite, afirm ando que ambas visariam à promoção do economic welfare, encontrando, neste ponto, sua identidade .20 15. Para breve e conclusiva explicação da per se rule, cf. Phillip Areeda, The changing contours of the per se rule, Antitrust Law Journal, vol. 54, p. 27 e ss., 1985. A consi­ deração de um a prática como ilícito per se faz com que ela seja tom ada em si m esma como anticom petitiva, dispensando m aior ponderação entre os benefícios e preju­ ízos para a concorrência que dela adviriam. “Per se rules of antitrust illegality are reserved for those situations w here logic and experience show that the risk of injury to com petition from the defendant’s behaviour is so pronounced that it is needless and w asteful to cond u ct the u sual judicial inquiry into the balance betw een the behaviour’s procom petitive benefits and its anticom petitive costs” (voto dissidente proferido pelo Juiz Scalia no caso Eastm an Kodak Co. vs. Image Tech. Svcs. (504 U.S. 4 5 1 -1 9 9 2 ). 16. De form a clara, m anifestou-se o Juiz W hite no caso U nited States vs. A m erican Tobacco Com pany (221 U. S.106 - 1911): “The w ords ‘restraint of trade’ (...) only em braced acts or contracts or agreements or com binations (...) w hich, either because of their inherent nature or effect or because of the evidente purpose of the acts etc., iniuriously restrained trade” (transcrição de Robert H. Bork, The antitrust paradox, p. 36). 17. Sobre as diferenças entre a regra da razão e a per se condemnation, v. Giorgio Bernini, Eanalisi econom ica dei diritto: pietra filosofale nella genesi, interpretazione e messa in opera delia norm ativa antitru st, Consumatore, ambiente, concorrenza (II diritto privato oggi), p. 195 e ss. 18. Shieber, Abusos do poder econômico: direito e experiência antitruste no Brasil e nos EUA, p. 75. 19. From Peckham to W hite: econom ic welfare and the rule of reason, I lic Antitrust Bulletin, sum m cr 1980, p. 275. 20. A r e s p e i t o d a i d e n t i d a d e e n t r e a s d u a s r e g i a s d a r a / a o , cl J o l m K’ t . i i i e i I t o i i i

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A ilicitude per se desobriga a autoridade antitruste de realizar análise mais profunda do ato praticado e do seu contexto econômico: a partir do mom ento em que um a conduta é tom ada como “ilícita per se” e considerada restritiva da concorrência, de forma não razoável, deverá ser repudiada. A regra da razão não se identifica com a abordagem caso a caso das práticas analisadas, como muitas vezes se tem dado a entender. O chamado case by case approach é outra das válvulas de escape de que pode lançar mão o intérprete na aplicação de uma norm a antitruste, e significa, em linhas gerais, que cada caso deve ser analisado individualmente, considerando-se suas particularidades, o contexto econômico no qual se insere e os efeitos anticompetitivos que produz no(s) mercado(s) relevante(s) atingido(s).22A regra da razão, por sua vez, é o método de interpretação que impõe a ilicitude, apenas, das práticas que restringem a con­ corrência de forma “não razoável”. Percebe-se, portanto, que a aplicação da regra da razão pode dar ensejo a uma análise caso a caso, mas com ela não se confunde. 5.1.1.1 O sistema norte-americano e as isenções em bloco Nos Estados Unidos, vários setores da econom ia não estão sujeitos às regras antitruste (isto é, gozam de im unidade) por força de isenções legais (legal exemptions) ,23

p. 275 e ss. Vale, ainda, a referência à analise da regra da razão efetuada por Robert Bork, The antitrust paradox, p. 33-41. 21. Sobre a questão da configuração do suporte fático e a produção de efeitos jurídicos, cf. Pontes de M iranda, Tratado de direito privado, v ol. l ,p . 3-35. 22. Ou, nas palavras da Suprema Corte americana: “The varying circum stances of each case determ ine l lie result” (United States vs. E. I. Du Pont de N em ours e Co. - 351 U.S. 177 I *■)'>(•»). •’ '< A .inale.e d o g m . i i n .1 «I.i Iet nica jurídica ligada a i s enção é realizada no p r óx i m o i li iii , )

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Analisando, mais de perto, o mecanismo europeu das isenções: o art. 101 (1 e 2) do TFUE prevê a nulidade de “todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno”. Esse texto legal proíbe todos os acordos restritivos da concorrência no mercado europeu, independentem ente de maiores ponderações sobre as eficiências deles derivadas. No entanto, o art. 101(3) permite que sejam isen­ tadas as práticas “que contribuam para m elhorar a produção ou distribuição dos produtos ou para prom over o progresso técnico ou econômico, contanto que aos utilizadores se reserve um a parte equitativa do lucro daí resultante ” .37 Nos prim eiros tempos da im plem entação do sistema de isenções ,38 era necessário que os agentes econômicos interessados na obtenção desse “salvo conduto” dirigissem-se à Comissão Europeia, dando início a procedim ento adm inistrativo. A época, foram tantos os pedidos de isenção que o órgão não possuía condições materiais para proceder a sua análise .39 Por essa razão, e 37. Atendidas determ inadas condições, quais sejam: “a) Não im ponham às empresas em causa quaisquer restrições que não sejam indispensáveis à consecução desses objectivos; b) Nem deem a essas empresas a possibilidade de elim inar a concorrência relativam ente a um a parte substancial dos produtos em causa”. 38. Ainda como art. 85 do Tratado de Roma. 59. JamesS. Vcnit indica os seguintes motivos como determ inantes da adoção das isenções em bloco: (i ) caráter dúplice do art. 85 do Tratado da União Europeia (hoje art. 101), que pcm iui i i . i -iição de uma prática restritiva da concorrência; (ii) inexistência de uma tcj',1 . 1 d.i i.i .in i|uc impedisse a incidência do art. 85(1) do Tratado CE sobre pi al u . I II 1 1 - IIla . 1 I Itmilai.an de seus rei 1 1 1 sir., para r.enl.n (on Isentai I'III 1 1 1 n período ii

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tam bém para conferir m aior grau de segurança e previsibilidade aos agentes econôm icos, editaram -se vários regulam entos que isentam em bloco (block exem ptions) algumas categorias de acordos, cujas características demonstram que o prejuízo à concorrência eventualmente causado é suplantado pelos benefí­ cios trazidos ao mercado.40 Caso a prática não se subsum isse a um a isenção em bloco, havia ainda a possibilidade de se pleitear a concessão de um a isenção individual.

dos Tribunais nacionais na aplicação do direito da concorrência, garantindo ao mesmo tem po a sua aplicação uniform e ” .43 Esse novo regulam ento não altera a essência do sistem a de isenções em bloco, mas apenas o procedi­ m ento para obtê-las .44 As em presas são incentivadas a efetuar sua própria apreciação sobre a com patibilidade da prática com as regras de concorrência dos tratados europeus .45

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A subsunção à isenção em bloco segue lógica linear: atrelando-se ao modelo proposto pelo texto normativo, o agente econômico “paga” a certeza e segurança jurídicas que advêm da autorização, com a renúncia ã maior flexibilidade nego­ ciai.41 Dessa forma, a União Europeia estimula que as avenças celebradas pelos agentes econômicos sigam determ inada m oldura, considerada admissível em term os concorrenciais e coerente com a política pública cuja implem entação é perseguida. A segurança e a previsibilidade serão apanágios dos negócios que obedecerem ao texto do regulam ento de isenção, porque se sabe de antemão que, em princípio, restarão im unes a contestações antitruste. Por exemplo, de acordo com o Regulamento 330/2010, que estipula isenção em bloco para certas restrições verticais, há de ser considerado ancorado em porto seguro (safe harbor) o acordo de exclusividade entre fornecedor e distribuidores que não possuam participação superior a trinta por cento nos mercados relevantes em que atuam. Com a entrada em vigor do Regulamento 01/2003, não é mais neces­ sária a concessão de isenção individual para as práticas não subsum íveis às isenções em bloco .42 Tem-se, assim, “a passagem de um sistem a de au to ri­ zação centralizado de notificação prévia, para um sistem a de excepção legal baseado na aplicação a posteriori que perm ite, por um lado, aligeirar a carga de trabalho da Comissão e, por outro, aum entar o papel das autoridades e razoável de tem po) todas as práticas notificadas que não deveriam ser proibidas (Technology licensing in the EC, p. 485). Ainda sobre os m otivos da introdução das isenções em bloco, cf. Paolo M engozzi, II diritto delia Comunità Europea, p. 335. 40. Como exem plo, a isenção em bloco referente às restrições verticais, instituída pelo Regulam ento 330, de 2.010, que substituiu o Regulam ento 2.790, de 1999. 41. Roberto Pardolesi, Franchising: tipo e tipologie. 42. Com efeito, dispõe seu art. 1.°: “1. Os acordos, as decisões e as práticas concertadas referidos no n. 1 do art. 81 do Tratado que não satisfaçam as condições previstas no n. 3 do m esmo artigo são proibidos, não sendo necessária, para o eleito, nina decisão prévia. 2. Os acordos, as decisões e as prát icas concertadas rolei ido . no n I do art 81 do Tratado que satisfaçam as condições previstas no n 1 do nu um .ulign nau são 1 1 roibidos, nao sendo nei essai ia. pai a o eleito, um.i de< i -.. i ’ | ()). /(> An «II. n r .1 1 1 1......... ii ui n I ven il lliey are nol a single markel, llic impo ris may mcan lli.it 1 1it n ii ii in I" ii.......... >■,i.1 1 1 1 .is t[in- possam liimiai a capacidade de decisão da nova firma i i laila 1 1 i 1 1 . < 1 1 1 1 a 1 1 1 idades"

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enquanto outros não podem esperá-la ) , 127 a análise em pírica das decisões antitruste dem onstra que, dependendo da solução que se entenda como apro­ priada, declara-se determ inado interesse (dentre m uitos) como digno da tutela do ordenam ento juríd ico .128"129130

A mais essa “válvula de escape” das normas antitruste, consubstanciada na possibilidade de decisão conforme o interesse digno de tutela jurídica no caso con­ creto que se está analisando, damos o nome de “jogo do interesse protegido ” .132

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Temos, contida no texto norm ativo, um a m ultiplicidade de interesses que reclam am proteção jurídica, e que im plica mais um dos m eios de que dispõe a autoridade para, utilizando-se das possibilidades que são dadas pela lei, concretizar determ inada política econômica, optando por cuidar de um desses interesses .131 Quando, no caso concreto, decide-se declarar determinado interesse como digno de tutela jurídica, temos que todos os outros interesses, que se abrigam nas mesmas normas, não são inválidos ou ineficazes; apenas se afasta sua tutela naquela hipótese. Não há antinom ia ao se optar pela proteção de determ inado interesse, em detrim ento dos outros.

127. Jhering, La dogmática jurídica, p. 189. 128. “Q u’il nous soit donc perm is de conclure à la non-existence actuelle d ’une définition satisfaisante des droits protégés. Ceei est dü essentiellem ent à la variété des intérêts en cause. ULMER rem arque ju stem en t que la question du droit protégé n ’est au fond rien d’autre que celle du b u t et du rôle de la réglem entation législative” (Dietrich Reimer, La répression de la concurrence déloyale en Allemagne, p. 103). 129. Fox e Sullivan fazem referência a essa problemática destacando as diferenças nas decisões decorrentes da proteção de diversos interesses (Cases and materiais on antitrust, p. 10). 130. Ralph M iliband alerta para o fato de que os grandes “interesses” organizados nas sociedades pluralistas-dem ocráticas não com petem em term os iguais e que, por conseguinte, é possível que alguns deles sejam capazes de obter um a vantagem de­ cisiva e perm anente no processo de competição. O poder econôm ico m anifestado, inclusive, nos lobbies constitui um fato que n en h u m governo pode ignorar (O Esta­ do na sociedade capitalista, p. 179 e 180). V., tam bém , Fábio N usdeo, Fundamentos para uma codificação do direito econômico, p. 120 e ss. Nessa m esma linha, aponta a doutrina que a razão dessa disparidade entre os graus de tutela conseguidos pelos grupos sociais pode repousar nos elevados custos de coordenação enfrentados por algum as categorias de agentes, como os consum idores. 131. Vivifica-se a definição que Emilio Betti dá à interpretação jurídica, como sendo “il procedim ento ricognitivo diretto a identificare e a riprodurre negli apprezzam enti deirinterprete le valutazioni com parative degli interessi in conflitto che sono gia contenutenellenorm egiuridiche” (Diritto, metodo, ermeneutica,p. 544). O interprete deve levar em consideração a m ultiplicidade de interesses protegidos, com idos no texto norm ativo. No caso do antitruste, a taivla do lierm eneula se complii >sobre maneira, considerada a natureza dos inten v.i ■i ont idos nas leis e, m uitas ve.-cs, dos ( ollllilos ciitie eles c\isten tes

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A questão se torna com plexa quando considerado o já referido leque de interesses que se pode abrigar sob as norm as antitruste :133134 interesse do 132. Não se pode deixar de notar a semelhança do raciocínio que aqui efetuamos e aquele de Esser, a respeito da escolha entre os vários m étodos de interpretação jurídica. Diz o autor que, em princípio, existem o m étodo gramatical, histórico, lógico e sistemático de interpretação do direito e que, dependendo da ocasião ou do caso concreto que se está levando em consideração, elege-se um desses métodos como ótimo para fins daquela interpretação específica. Não obstante, “ciò che ancora non è stato spiegato a proposito di questi elementi e criteri di una corretta interpretazione, sono i motivi che stanno alia base delia decisione sulfim portanza dei singolo critério di interpretazione teleologico o grammaticale, sistemático o anche storico, nel caso singolo”. A conclusão a que chega Esser é inquietante: “Cosi si chiarisce il fatto che, nonostante le spiegazioni m etodologiche sull’im portanza e la portata dei singolo schema interpretativo, a mala pena prese in considerazione dalla prassi, a seconda delFutilità di un elemento interpretativo da riconoscere ufficialmente, in realtà caratteristiche interpretative sistem atiche o riflettenti il loro fine, gram m aticali o storiche, vengono utilizzate selettivamente, in modo som m am ente arbitrario, o apparentem ente arbitrario, in un modo cioè determinato da risultato” (Precomprensione e scelta dei metodo nel processo di individuazione dei diritto: fondamenti di razionalità nella prassi decisionale dei giudice, p. 121-122-grifam os). Cf., ainda, Larenz (Metodologia da ciência do direito, p. 142). 133. Allan Fels expõe a m ultiplicidade de interesses que podem ser afetados pela regula­ mentação do mercado pelo governo: “(a) the general consum er or public interest; (b) particular groups of an industry’s consum ers who receive discrim inatory treatm ent, either favourable ou unfavourable, as a result of regulation; (c) producers, or subgroups of producers, in the regulated industry itself; (d) employees or other suppliers of inputs to a particular industry; (e) producers of substitute or com plem entary goods; (f) groups w hich do n o t consum e the principal ou tp u t of an industry but w hich are subject to actual or self-perceived externalities arising from its activities. Examples include persons living near factories w hich cause pollution, and temperance grops seekling liquor regulation; (g) the regulators; (h) the goverm ent (for exemple, where regulation allows the industry to make m onopoly profits w hich the governm ent appropriates for itself through taxation or other m eans); (i) politicians and political parties. This enum eration suggests th at many hypothesis concerning t he effects of regulation are possible. Em pirical studies of regulation only som etim es conclude that regulation serves one interest exclusively at the expense of ali others” (The political econom y of regulation, U. N. S. W Law Journal, vol. 5, p. 32, 1982). Sobre a prevalência do interesse especial (ou seja, de um a determ inada categoria) sobre o interesse público (inclusive na Escola de Chicago), cf. M.L. G reenhuteB ruce He uso 1 1 , Aint' i ican anlitrusl laws in theory and in praclice, p. 145 e ss. I H ‘ilu c h e i |,i ident ilu .iva o em aranhado de interesses na 1.ei A n titru ste : “Os benefícios i i o n o m ii i | u < m c .p c ia d a eotu ot ien< ia podem m i ru i ai adossob vai ios aspectos

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mercado, interesse do consumidor, interesse nacional, bem comum, eficiência alocativa, interesse público 135 etc. Teoricamente, a aplicação da Lei A ntitruste pode tutelar cada um desses interesses, resultando, m uitas vezes, em possibi­ lidades de decisões de vários sentidos, alguns diam etralm ente opostos .136Para ilustrar essa afirmação, valemo-nos do julgam ento proferido em antigo caso

norte-am ericano :137 “Praticar preços baixos para eliminar concorrentes é legal porque tais preços beneficiam o consum idor”.

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Primeiro, o aspecto que visa os interesses do consum idor, que goza, sob um regime em que prevalece a concorrência, de m enor qualidade, m enor preço, e um grande núm ero de produtos entre os quais se possa escolher. Segundo, o aspecto que visa os interesses das empresas concorrentes, tanto as potenciais como as atuais. Estas gozam, n u m regime de concorrência, da liberdade de dedicar-se a um ram o de ne­ gócios e de crescer pelo m érito de seus atributos, sem sofrer entraves pelas ações conjuntas das empresas que já fazem parte do m ercado ou pelas atividades de em ­ presas dom inantes. Finalm ente, o aspecto que visa ao interesse da nação inteira no desenvolvim ento econôm ico do país, que, sob um regime de concorrência, goza de um parque industrial m oderno que o fortalece e assegura ao povo os produtos que m elhoram sua vida quotidiana” (Abusos do poder econômico, p. 64). 135. E rnest S. Griffith faz interessantes observações sobre o conteúdo ético do interesse público, de forma que nos leva a perguntar se não seria norte por demais fluido. Para responder a essa questão, o referido autor pondera que, muitas vezes, a legitim idade vem tom ada como parâm etro: se esta existe, há o atendim ento ao interesse público: “Definições desprovidas de conteúdo ético são enganadoram ente fáceis nessa con­ ju n tu ra. O pensam ento positivista de tal m odo penetrou em nossa ciência social, que a palavra ‘público’ chegou frequentem ente a ser aplicada a considerações puram ente processuais. M uitos juristas e políticos estão inclinados a dotar todo e qualquer ato que se adapte a um processo ‘legítim o’ do atributo ou qualidade de interesse público. Q uando pressionados a dar um a definição funcional de ‘legítim o’, esses estudiosos recorrem a conceitos como ‘constitucional’ e em seguida procuram descobrir um denom inador com um entre atos de déspotas (benevolentes ou n ã o ), de dem ocracias refinadas e de longa duração (...). A palavra ‘interesse’ não sobreviverá a essa aplicação universal, m uito em bora a palavra ‘público’ possa passar relativam ente incólum e, li­ m itando sua identificação como um processo. Economistas deponto de vistásémelhante fazem um pouco melhor. A livre escolha do consumidor’substitui a ‘legitimidade’ como o critério de interesse público, e a atividade do govemo destinada a promover essa escolha é, por isso, claramente considerada como de ‘interesse público’” (Os fundam entos éticos do interesse público, 0 interesse público,p. 2 6 -g rifo s nossos). Confira-se, também, para um a definição econôm ica do que vem a ser o “interesse público”, Clair Wil cox e W illiam G . Shepherd, Public policies toward business, especialm ente p. 7-22. 136. W. Friedm ann com enta que “(...) o crescente poder de grupos maciços e altam ente organizados de industriais, trabalhadores, agricultores, varejistas, veteranos, anun ciantes e m uitos outros, lutando cada qual para assegurar seus interesses, suscita a palpitante questão da existência ou não de um interesse público, expressando as aspirações e os valores da com unidade, e colocando acima dessas lorças c pies soes” (O contcúdo instável do interesse publico alguns com entários sol>ie o ai ligo dc I lamld H I asswcll, liifcM ssr puhlli , p ')())

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Naquela ocasião, decidiu-se que a prática de preços predatórios deveria ser adm itida porque traria benefícios para o consumidor, que passaria a pagar menos para adquirir aquele produto. Percebe-se, com esse exemplo, como o jogo do interesse protegido pode ser utilizado para justificar as decisões an­ titruste que devem servir a um a política econômica governam ental, pois está claro que, se os julgadores houvessem tido por bem proteger a concorrência, a decisão teria sido outra .138 Não obstante, qualquer que seja a posição adotada pelo intérprete que se encontra diante do cipoal de interesses “protegíveis”, há de ser abandonada a confortável crença, referida com a habitual sagacidade por Bork, de que “as boas coisas são sem pre com patíveis ” ,139 de forma que se poderia encontrar harm onia intrínseca entre todos os interesses a serem protegidos. 5 .4 .I Lei de tutela da concorrência ou lei de repressão ao abuso do poder econôm ico? Neste passo, é necessário questionar se é mesmo indiferente referir a Lei 12.529, de 2011, como “lei de repressão ao abuso do poder econôm ico” ou “lei de tutela da livre concorrência”. A resposta negativa se impõe. 137. Mogul Steamship Co. vs. M acGregor (Cases andmaterials on antitrust, p. 16). 138. Harold D. Lasswell, sobre a relatividade do que chama de “interesses com uns”: “Há um vasto campo para os observadores atentos que descrevem um dado contexto como diverso de outro na identificação de interesses com uns. Até certo ponto isso é questão de gosto em definição e a necessidade não suscita nenhum problem a de tradução interexplicativa se os term os forem claram ente dem onstrados. Possíveis diferenças nascem tam bém da escolha do processo usado na análise em pírica do contexto” (O interesse público: sugestões de princípios de conteúdo e de método, O interesse público, p. 73-74). Vale, ainda, a respeito, repisar: quando da ascensão da Escola de Chicago ao poder, no governo Reagan, passou-se a entender a “eficiência alocativa” como o interesse m áxim o a ser protegido pelas norm as antitruste, que som ente faria beneficiar o consum idor. Assim, m udou-se radicalm ente a linha de orientação da interpretação das norm as antitruste (cf. RudolphJ. R. Peritz, Foreword: antitrust as public interest law, New York Law School Law Review, p. 771 e ss.). I W. “In looking to the legislative history, one discerns repeated concern for the welfare of consumers and also for the welfare of small business and for various other values - a pout potrrri of other values. So far as I’m aware, Congress, in enacting these statutes, never laeed llie problem ol what lodo when values come intoconflictin specific cases. Legislalor.appeai lo have assumed, as il is most comloriablc to assume, that ali good things are ■ilw.iv.c nnip.ilible" ( I he loleol lheeoui ls inapplyingeconomics, Anlilrust I.aw Journal, I1 I, i elei ii |o, l.iiiilieiu, pm I o \ e Sullivan, < ilsrs illld llltlhl ídls o/l 1 i p i r , c m n o v i m o s , n a o pi v . s u la l r a di c ai

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atuação (ocupando, via de conseqüência, u m papel secundário), no início da década de 90 iniciou atuação mais intensa. A “subjetividade” da lei passou a preocupar não apenas os em presários, mas tam bém o governo federal, todos espantados diante de decisões da autoridade antitruste que seriam conflitantes com a política econô­ mica adotada. Vale referência à extensa reportagem publicada no jornal A Gazeta Mercantil, nesse conturbado período em que a “insegurança” causada pelas norm as antitruste se fez sentir de forma aguda. O CADE teria conseguido obstar as concen­ trações “graças a critérios nebulosos da própria lei”. A “subjetividade” perm itiria que casos sem elhantes tivessem decisões distintas. Em conclusão: “Subjetividade. No fundo, essa é a grande preocupação do m inistro da Justiça, N elson Jobim , com relação ao Conselho Adm inistrativo de Defesa Econômica” (edição de segunda-feira, 05.02.1996, l . a página e p. A- 6 e A-7). 158. A respeito da ride of reason, dizem Fox e Sullivan: “If only that kind of contract w hich is in unreasonable restraint of trade be w ithin the m eaning of the statute, and declared therein to be illegal, it is once apparent that the subj ect of w hat is a reasonable rate is attended w ith great uncertainty. W hat is a proper standard by w hich to judge the fact of reasonable rates? (...) Tosay, therefore, that the act excludes agreements w hich are n o t in unreasonable restraint of trade, and w hich tend sim ply to keep up reasonable rates for transportation, is substantially to leave the question of reasonableness to the com panies them selves” (Cases and materiais on antitrust cit., p. 41). A insegurança jurídica que seria causada pela aplicação da regra da razão foi com entada (antes de sua sedim entação na jurisprudência am ericana) pelo Juiz Taft, em 1898, quando do julgam ento do caso U nited States vs. Addyston Pipe e Steel Co. (85 E 271 - 6 th Cir. 1898): “It is true th at there are some cases in w hich the courts, mistaking, as we conceive, the proper lim its of the relaxation of the rules for determ inating the unreasonableness of restraints of trade, have set sail on a sea of doubt, and have assum ed the power to say, in respect to contracts w hich have no other purpose and no other consideration on either side that the m utual restraint of the parties, how m uch restraint of com petition is in the public interest, and how m uch is not. The m anifester danger in the adm inistration of justice according to so shifting, vague, and indeterm inate a standard w ould seem to be a strong reason against adopting it”. Edward P. Hodges assinala que, à época em que a Suprema Corte anunciou a regra da razão, foi argum entado que esta seria inútil, porque ninguém poderia saber o que era legal ou ilegal (The Antitrust Act and the Supreme Court, p. 3). I 59. Esse problem a foi tam bém percebido por M atteo Caroli: “Q ualsiasi discussione suILiniposlazione di una filosofia norm ativa ed econom ica delia tutela delia con­ correu.:a si sconlra con una antitesi di fondo che sem bra irrisolvibile con i tradiio na li si ....... .. il i di anal isi: il dilcmma delia ‘rule versus discretion’, per cui da un lalo, d i s p o ........... i lastii Iii rispeiio alie siugolc lallispecie sono incluttabili in un ■i sli m a i i i i i i * o 111i . i I < l a l I u a i i

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OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

AS VÁLVULAS DE ESQ\PE

Essa constatação posiciona o antitruste dentro de um a linha de evolução do direito que não pode ser ignorada, e que diz respeito ao grau de vinculação do intérprete ao texto normativo: a insegurança leva à necessidade do respeito à letra da lei ou, ao menos, à possibilidade de se determ inar o que é “ju ríd ico ” ,160 o que pode ou não pode ser feito. De outra parte, essa vinculação é capaz de acarretar a inadequação do direito, tornando-o excessivam ente rígido para regular as relações sociais e conduzir o sistema.

Da m esm a forma, a insegurança do direito não escrito levou ao m ovi­ mento da Codificação ,162 destinado a satisfazer e apoiar os ideais da burguesia em ascensão.

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Existem alguns m om entos históricos em que há a busca por um direito positivado que a tudo prevê, que seria apto a proporcionar aos agentes econôm i­ cos segurança e previsibilidade em grau máximo. Por exemplo, durante a Idade Média, o aproveitam ento do direito rom ano (que estava sendo redescoberto na Escola de Bologna e posteriorm ente também em Pavia) no ordenam ento jurídico dos mercadores. Isso porque o direito então existente não se mostrava suficiente para proporcionar condições estáveis e previsíveis, mais adequadas ao desenvolvimento do com ércio .161 m a al tem po stesso aprono spazi ad interferenze sulla dinam ica econom ica di fattori ad essa dei tutto estranei, oltre a suscitare tim ori per u n insiem e di decisioni chc finirebbe con 1 ’essere incerto e lento, li dove le im prese no n tem ono le traparenze e le regole. Temono le incertezze e la discrezionalità” (La regolamentcizione dei regimi concorrenzicili,p. 145). 160. E bastante conhecida a passagem da obra de R adbruch que sustenta a afirm ação que fazemos: “A disciplina da vida social não pode ficar entregue, com o é óbvio, às m il e um a opiniões dos hom ens que a constituem nas suas recíprocas relações. Pelo facto de esses hom ens terem ou poderem ter opiniões e crenças opostas, é que a vida social tem necessariam ente de ser disciplinada dum a m aneira uniform e por um a força que se ache colocada acim a dos indivíduos. (...) Se ninguém pode definir dogm aticam ente o ‘j u sto ’, é preciso que alguém defina dogm aticam ente, pelo m enos, o ‘j u ríd ico ’, estabelecendo o que deve observar-se como direito” (G ustav R adbruch, Filosofia do direito, p. 177-8). 161. A explicação histórica de que se vale E nrique M arí pode trazer algum as luzes à afirmação que efetuamos. Inicialm ente, o autor explica que a teoria herm enêutica esteve sujeita a profundas m udanças como conseqüência de seu papel de m ediação entre o caráter geral das norm as e sua aplicação fática. O período histórico em que essas alterações mais se fazem presentes é, na opinião do autor, a Idade M oderna: com a burguesia em ascensão, reclamava-se segurança e previsibilidade, a ser orien tada pela lei do m ercado e sua expansão. D entre as aspirações e necessidades da burguesia, coloca Marí (i) norm as de procedim ento válidas para todos, (ii) proteção dos direitos individuais; (iii) cientificidade para os textos legais; (iv) pretensão de verdade e objetividade; (v) e m e . a c previsibilidade confiáveis; e (vi) controle d volunturism o dos gov ern an te. Issa s aspirações da burguesia dcscm bni .uUo no m ovim ento da iik

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6.2 O agente econômico detentor de posição dominante

O art. 36, em seu § 2.°, estabelece que se presum e posição dom inante sempre que “uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadam ente as condições de mercado (...)”. Decorre do próprio texto normativo, que a posição dom inante não será necessariamente detida por um único player, pois a situação de independência e indiferença em relação aos demais agentes econômicos poderá ser desfrutada ou decorrer da existência de um grupo de empresas. A expressão “grupo de empresas” é utilizada, no texto legal, em sua acepção mais ampla, referindo-se tanto aos grupos de direito constituídos sob a égide da Lei das Sociedades por Ações quanto ao grupo de fato (os conhecidos gru­ pos em presariais). O que é relevante, para efeitos da caracterização da posição dom inante, é que a empresa pode deter poder econômico m uito maior do que lhe seria próprio, em virtude de sua inserção em grupo empresarial. Pensemos em uma pequena sociedade, com atividades desenvolvidas no setor de distribuição de gás, e sede no Estado de Alagoas. Suponhamos que esse mercado relevante seja com petitivo, e nele atuem empresas detentoras de parcelas de mercado quase equivalentes. Uma dessas distribuidoras, subsidiária de im portante empresa paulista, inicia autêntica guerra de preços, eliminando as outras concorrentes. Podemos afirmar que a empresa que praticou os preços predatórios não detinha posição dom inante? Não, se considerarmos, como manda a lei, o grupo de empresas à qual pertence e a potência econômica do grupo .39 Consagra-se o conceito europeu da unique economic entity, que tende a considerar sociedades coligadas como um único agente econômico, para fins de caracterização da posição dom inante. Os grupos de fato incluem não apenas aqueles constituídos por sociedades controladora e controladas, mas também referem-se às aglutinações derivadas da com unhão de interesses contratual, ainda que não formalizada. Também neste caso, é o poder de que é titular a empresa ou o grupo de empresas que conta, ainda que este decorra de avença privada, explícita ou im plícita .40 59. Vide n. 6.3.1.4, infra. ■10. A Com issão europeia já se m anifestou no sentido de que empresas ligadas por força eont tal uai dei ei iam posição dom inante no mercado, pois: (a) apresentavam-se como uma so entidade, dr loi m aque sua individualidade não aparecia aos olhos do públii d . ( b) mi.is dei isòes c e n i i O i n i e a s revelavam elevado p a u de mlcrdependeiK ia em

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO

Todas as vezes que um acordo entre agentes econômicos tem por conse­ qüência proporcionar aos partícipes condição de independência de com porta­ m ento (ainda que coletivo) em relação a outros agentes econômicos, podem os falar em existência de posição dominante.

de interpretação jurídicos ou fórmulas matemáticas que levem à conclusão segura e definitiva sobre a existência de posição dom inante em determ inado mercado, não obstante a tentativa dos economistas nesse sentido. A posição dominante é um fato, nem sempre fácil de se constatar.

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6.3 Determinação da existência de posição dominante

O processo de determ inação da existência de posição dom inante de uma empresa deve partir da consideração de que a diferença entre um mercado con­ centrado e um mercado competitivo é questão apenas de grau.41 Não há m étodos m atéria de preços e de condições de venda, relacionam ento com a clientela e estraté­ gias comerciais; (c) no que tange à produção, haviam estabelecido entre si vínculos e stru tu ra is m ediante a troca de m ercadorias (Aldo Frignani, Abuso di posizione dom inante, Diritto antitrust italiano, p. 315). Ademais, no caso Vetro Plano, segundo nos contam Aldo Frignani e Cristoforo Osti, a Corte de Justiça determ inou que “non si p u ò escludere che piü im prese siano unite da tali vincoli economici che, per tale m otivo, esse detengono insiem e una posizione dom inante rispetto agli altri operatori sullo stesso m ercato” (20 mesi di legge an titrust italiana, Diritto dei Commercio Internazionale, p. 357). Ainda Aldo Frignani coloca que: “Si può convenire che non sussistono obiezioni di principio alFapplicazione delFart. 8 6 ad una situazione sim ile. C erto le parti n o n costituiscono una unità economica; esse rim angono indipendenti e so n o in grado di riacquisire la loro intera libertà di azione in caso di scioglimento dell’intesa. È indubitabile tuttavia che, nella m isura in cui essesopprim ono o limitano la loro concorrenza reciproca, rafforzando la loro indipendenza di com portam ento nei confronti dei terzi. Se la posizione cosi acquisita le m ette al riparo da ogni concorrenza effettiva, non c’è alcuna ragione di non applicare loro 1 ’art. 8 6 , almeno nella m isura in c u i il com portam ento loro rim proverato n on si identifica con quello attraverso il quale esse hanno eliminato la reciproca concorrenza” (Abuso di posizione dom inante, D iritto antitrust italiano, p. 316). Essa, entretanto, não é a opinião de Enrico Raffaelli: “(••■) il com portam ento vietato può essere realizzato anche da piü imprese. Da ciò consegue u n problem a di coordinam ento tra 1’art. 8 6 e 1’art. 85, che pone il divieto di acco rd i tra im prese e di pratiche concordate pregiudizievoli delia concorrenza.(...) La questio n e è controversa. Si può com unque affermare che quando i com portam enti v ie ta ti sono posti in essere da piü im prese troverà applicazione l’art. 85 nel caso in cu i tali com portam enti siano il risultato di accordi o pratiche concordate, m entre si ap p lich erà 1 ’art. 8 6 quando il gruppo di im prese in considerazione è contraddistinto da u n a società dom inante che im pone la sua volontà alie altre, e ciò in assenza di p artic o la ri legami tra queste im prese” (Cronache Com unitarie - II divieto di abuso d i posizio n e dom inante nel diritto com unitário, Il Foro Italiano, p. 78). 41. “T h e re is no sharp division betw een m onopoly and com petition: markel power is a m a tte r of degree” (Valentine Korah, Concept of a dom inanl position williin llie m e a n in g of article 8 6 , Common Market LawReview, p. 596). No mesmo sem ido, Urml o l i r l , M i n i o p o l i s a t i o n di i i l i i l ni sc / i l o mi i u i i i l p o s i l i o n , |> 76.

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Tanto do ponto de vista da teoria econômica quanto da jurídica, o primei­ ro passo normalmente adotado para a determinação da existência de posição dominante, como vimos, é a delimitação do mercado relevante de que estamos tratando, para posteriormente analisarmos sua estrutura .42 Passada a primeira etapa, por si só plena de percalços hermenêuticos, as dificuldades permanecem .43 Dentro da complexa realidade do mercado relevante em que atua a empresa cujo com portamento se analisa, há alguns aspectos que podem e devem ser con­ siderados. Tratamos com várias faces da mesma realidade, buscando delimitar os contornos da estrutura do mercado relevante. Não se poderá considerá-las, pois, individualm ente, fora do contexto maior em que se inserem, sob pena de chegar-se a resultado com pletam ente enviesado. 6 .3 . 7 Indicativos da existência de posição dominante 6.3.1.1 M arket share x m arket pow er Há um a aproximação quase intuitiva entre a parcela de mercado detida pelo agente econômico e o poder dela derivado .44 Presume-se que, quando a

42. Partindo da necessária vinculação entre posição dominante e poder de atuar certo com­ portamento de indiferença e independência em relação aos demais agentes econômicos, admite-se que a determinação da posição dom inante é decorrência da estrutura do mercado relevante: o número e o poder econômico de cada um a das empresas atuantes, o grau de diferenciação dos produtos e as barreiras à entrada daquele mercado são todos fatores a serem analisados e que nos revelarão algo sobre a estrutura do mercado que estamos analisando (cf. Renéjoliet, Monopolisation and abuse ofdominantposition, p.92). 43. D enozza a re sp e ito da d e te rm in a ç ã o da e x istê n c ia de p o sição d o m in a n te : Laccertamento delFesistenza di una posizione dom inante sembra porre il giudicante di fronte alia necessità di confrontare una situazione reale (quella in cui 1 ’agente im po­ ne concretam ente un prezzo o una certa condizione contratuale) con una situazione ipotetica (quella che si avrebbe se il mercato fosse concorrenziale) per verificare se in questa ipotetica situazione quel reale com portam ento sarebbe ugualm ente possibile. Si procede allora ad u n accertam ento necessariam ente indiziario: vengono accertati dei laili, considera ti indizi delFesistenza di una posizione dom inante (fatti, cioè, in assenza dei quali - si su p p o n e - Fimpresa no n p o treb b e tenere certicom portam enti scn.-.a essere |.unita dalFazione dei concorrenti)” (Antitrust, p. 4 7 ). I I Vale a consulia a Molla, (.onípctilion policy, p I 18, sobre a analise das markel shares do% .i)’cnii", ei inH>mi( (is no pro( i",'i(ule ilelcnninaçao da posição dominanli'

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO

empresa detém parcela substancial do mercado (market share), possui poder econôm ico tal que lhe perm ite atuação independente e indiferente, ou, na terminologia norte-am ericana, possui market power.45Ao revés, a participação dim inuta da empresa faz presum ir que esta não é capaz de afetar o mercado com seu com portam ento ou, para usar a term inologia atual da lei brasileira, não é “capaz de alterar unilateral ou coordenadam ente as condições de m ercado”.

No caso brasileiro, a Lei 12.529/2011 considera que, em princípio, o poder econômico do agente pode ser m edido pela parcela do mercado relevante que controla. É o que se deduz do § 2.° do art. 36, que presum e a posição dom inante ligada ao percentual de 20 %.

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Por conta disso, é com um que a análise sobre a estrutura do mercado rele­ vante parta do critério da observação da market share, sendo esse método o mais utilizado pelas cortes e autoridades an titru ste ,46 na medida em que constitui forte indício sobre a existência, ou não, de posição dom inante .47 45. Nas palavras de H ovenkam p, “M arket pow er is the ability of a firm to increase its profits by reducing o utput and charging m ore than a competitive price for its product. (...) More appropriately, m arket pow er is the pow er to raise prices above com petitive leveis w ith o u t losing so m any sales that the price increase is unprofitable” (Federal antitrust policy, p. 79). 46. Cf. Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy and procedure, p. 590. Também anal­ isando a jurisprudência dos tribunais americanos, E. Thomas Sullivan e j. Harrison afirmam que “the analysis of power frequently involves two questions. First, what is the relevant m arket for ascertaining the defendant’s m arket share? Second, what does m arket share indicate about m arket power, especially w hen actual share is not high?” (Understanding antitrust and its economic implications, p. 220). Renéjoliet, por sua vez, assinala: “Ali judicial searches for m onopoly power start with the primary fact of the relative size” (Monopolisation andabuseojdominant position, p. 92). Sobre a utilização da quota de mercado como critério para determinação da posição dominante, na Itália, v. Aldo Frignani e Cristoforo Osti, 20 mesi di legge antitrust italiana, Diritto dei Commercio Internazionale, p. 355. Alguns autores, muito embora afirmem que a questão do poder de mercado deve ser analisada caso a caso, identificam as parcelas de mercado que foram tomadas pelos tribunais como um indicativo da existência de posição dominante, bus­ cando um a regra geral que se possa deduzir (cf. Renéjoliet, M onopolisation and abuse of dom inant position, p. 93, e Aldo Frignani, Abuso di posizione dominante, Diritto antitrust italiano, p. 338-339). Não obstante, os percentuais não constituem gabarito definitivo para a determinação da posição dom inante, sendo apenas indicativo. 47. Nas palavras da Corte dejustiça europeia (United Brands c. Commissione delle Com u­ nità Europee (causa 27/76), Racc. 1978, p. 207): “Furthermore although the importance of the m arket shares may vary from one m arket to ano ther the view may legitimately be taken that very large shares are in themselves, and save in exceptional circumstances, evidence of the existence of a dom inant position. An undertaking w hich has a very large m arket share and holds it for some time, by m eans of the volume of production and the scale of the supply w hich it stands for - w ithout those having m uch smaller market shares being able to meet rapidly the dem and from those vvlio would like to btrak away Irom lhe undertaking which lias the largest market share is by virtue ol that '.liaie in posiliou ol stiengtli which makes il au unavoidable 1 rading purlnei and

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Entretanto, nem sem pre o elevado percentual de mercado detido pela empresa significa existência de posição dom inante ,48assim como sua dim inuta participação pode não im plicar ausência de poder. Primeiramente, o market share só adquire algum valor, para fins de verificação da existência de posição dom inante, se com parado àquele dos concorrentes .49 Ademais, é fato que a posição dom inante deriva não da parcela de mercado de que a empresa é titular, mas do poder econômico que detém e que lhe permite independência e indiferença em relação ao com portam ento de outros agentes, colocando-lhe a salvo de pressões concorrenciais. Não basta, pois, a determ i­ nação da parcela de mercado detida pela empresa para m esurar seu poder, ou seja, seu market power, porque, ainda que titular de parcela não substancial do mercado, pode ter a capacidade, por exemplo, de im por preços ,50 detendo poder econôm ico que lhe assegura a posição dom inante. Em resum o, no Brasil, com provado que o agente econôm ico detém e abusa de poder que lhe garante a posição dom inante, ainda que não detenha 20 % do mercado, seu com portam ento poderá vir a ser sancionado, pois esse percentual estabelece presunção relativa [iuris tantum] e não absoluta. Existe a necessidade da convergência de várias outras evidências, além da parcela de mercado detida pelo agente econômico, para constatar se o poder por ele detido é apto a lhe assegurar a posição dom inante .51 which, already because of this secures for it, at the very least during relatively long periods, that freedom of action w hich is the special feature of a dom inant position”. 48. “But large m arket share is n o t the evil that the Sherm an Act condem ns. The evil of m onopoly is n o t the fact that the m onopolist has a large percentage of a certain m arket. The evil is that, perhaps because it has a large percentage, it is able to charge more than a competitive price for the monopolized product” (Sullivan e Hovenkamp, Antitrust law, policy and procedure, p. 589). 49. NocasoHoffmann-LaRochev. ECCom m ission [1979] ECR 461, para a determinação da posição dom inante da empresa, a Corte d eju stiça considerou a relação entre sua participação no mercado e aquela dos maiores concorrentes. 50. A questão foi bastante discutida no caso Dim m itt Agri Indus. v. CPC Int’l, 679 F2d 5 16 (5'1' Cir. 1982), referida por Sullivan e H ovenkam p, A ntitrust law, policy and piiií oliuc, p. 608. '»1 Nev.c m uiiiio.di.' se que a posição do agente econôm ico no m ercado pode ser “conli '.IíiiI.i ........unos agentes ou latores, o que faria com que essa posição não fosse 11

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OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

6.3.1.2 Concorrência potencial e barreiras à entrada de novos agentes econômicos. M ercados contestáveis A ausência de concorrência potencial em mercados concentrados é vista com o um dos principais indicadores da posição dom inante: se a em presa encontra-se livre de pressões concorrenciais, atuais e potenciais, sua indepen­ dência concretiza-se em grau máximo, viabilizando a atuação potestativa .52 De outra parte, m uitas vezes, em bora detentor de parcela substancial do mercado relevante, o agente econôm ico está im possibilitado de adotar com ­ portam ento típico do m onopolista, im pedindo assim o aum ento dem asiado seus lucros, em virtude da concorrência potencial existente, ou da capacidade ociosa dos demais agentes econôm icos que atuam no mercado relevante, pois: (a) se não houver significativas barreiras à entrada ,53'54 os agentes eco­ nôm icos que estão afastados do mercado (in the wings) podem nele entrar, determ inando o restabelecimento da concorrência; ou

52. Sobre os efeitos da concorrência potencial, cf. Schumpeter, Capitalismo, socialismo e democrazia, p. 80. 53. Podem os considerar, a exem plo da Comissão e da Corte d e ju stiç a europeia, que qualquer custo a ser suportado pelos agentes econôm icos para viabilizar sua entrada no m ercado deve ser tom ado com o barreira à entrada (cf. Frignani, Abuso di posizione dom inante,”, Diritto antitrust italiano, p. 341). Fábio Nusdeo explica que as barreiras de entrada são “um obstáculo ao acesso de novas unidades produtoras em virtude da posição de privilégio que conferem às já atuantes num dado m ercado” (Abuso do poder econôm ico, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 125). 54. N ada im pede que as barreiras à entrada sejam colocadas pelos próprios agentes, com a utilização de sua potência econômica. Por exem plo, (a) o agente econômico pode utilizar-se de pressão sobre o governo para elim inar a concorrência ou levantar barreiras à entrada, obtendo proteção ao seu setor de atividade: “The practices by w hich m en in certain occupations, businessm en in certain industries, attem pt to influence governm ent to intervene in their behalf and protect them from ‘newcom ers’ com petition may, from some points of view, be regarded as ‘m onopolistic business practices” (M achlup, The political economy ofmonopoly, p. 118). É o caso típico da atuação dos agentes econôm icos que pressionam o aum ento das tarifas alfandegárias praticadas para os produtos sim ilares estrangeiros, alegadamente com o escopo de proteção da indústria nacional. Da mesma forma, (b) constantes guerras de preços (ou ameaças de guerras todas as vezes que existe o perigo da entrada de um novo concorrente no m ercado), ou (c) barreiras dificultando a chegada do concorrente às fontes de m ercadorias e serviços, indispensáveis à sua atividade econôm ica, podem servir para m anter fora do m ercado os concorrentes potenciais (M achlup, The poli tical cconomy ofmonopoly, p. 1 22, c ainda Frignani, Abuso di posizionc dom inante, I )ii itto tmlili nsl ihiliiiiio, p. W 2 ). I abi o Nusdeo aponta como uma das barreiras de

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b) os demais agentes econômicos do mesmo mercado podem não estar produzindo de acordo com sua capacidade máxima, porque o preço praticado não compensaria o aumento da produção. Quando o agente econômico detentor de parcela substancial do mercado elevar os preços, os demais aum entarão sua produção, incrementando, de conseqüência, o grau de concorrência enfrentado. Nesse sentido, tam bém a atuação dos agentes econômicos estrangeiros representa concorrência potencial, se há a possibilidade de seu ingresso no mercado interno (ou seja, com preços com petitivos ) 55 deforma efetiva e em tempo razoável. A concorrência potencial será sentida (= percebida) pelo agen­ te nacional, que a considerará quando houver de decidir sobre a estratégia a adotar. O agente econômico nacional terá seu poder de mercado mitigado, pois sempre levará em consideração a existência (possibilidade de entrada) e/ou o com portam ento do agente estrangeiro. A futura entrada, quando factível, é capaz de desempenhar o mesmo papel de uma força competitiva atual, presente (perceivedpotential entry).56'57

entrada que se pode verificar em um mercado a “diferenciação de produtos”. As­ sim, a criação de um a infungibilidade do bem com a determ inação de um mercado relevante m aterial distinto dos “com petidores” levaria a um a posição privilegiada naquele mercado segm entado (Abuso do poder econôm ico”, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 125). Atualm ente, um a das maiores (e mais insuperáveis) barreiras à entrada que encontram os é a im permeabilização do mercado por conta de direitos de propriedade intelectual, problem a que será tratado adiante em item específico. 55. A imposição de elevadas taxas de importação poderá eliminar ou arrefecer a concorrência entre o agente econômico estrangeiro e aquele nacional por lhes situar em mercados rele­ vantes materiais diversos, apartados em virtude do distinto público consumidor. Assim, suponhamos que sabonetes franceses sejam comercializados internamente a preço 1 0 vezes superior ao produto nacional. Não haverá concorrência (ou esta será desprezível) entre os dois produtos que, portanto, integrarão diversos mercados relevantes materiais. 56. Cf. Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 881 e ss. 57. Em certos casos, a posição do agente econôm ico pode ser “contestável”, embora não haja efetiva im portação do produto que comercializa (ou o mercado relevante geográfico a ser considerado pode ser aquele m u ndial). Pensemos, por exemplo, em determ inada commodity, cujos preços são determ inados pelo mercado. A existência de concorrência potencial efetivamente percebida pelo agente econômico pode fazer com que ele não assuma postura de independência e indiferença em relação aos outros agentes, levando em consideração, para pautar sua estratégia, o com portam ento do mercado. Dessa forma, pode ocorrer que esse agente econômico não pratique preços superiores àqueles norm alm ente encontrados, acrescidos de eventuais custos de internai, .to do produto. A caracterização da posição dom inante dependerá tam bém chi aiuli i tle outros latores, tais como o tempo necessário à importação do produto < .p> d l I U 11li 1.111»

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Conclui-se que a consideração da concorrência potencial nos mercados assenta-se sobre pressupostos típicos do liberalism o econômico, na m edida em que lida com m odelo de concorrência perfeita, em que há a m obilidade dos agentes devido à inexistência de barreiras à entrada .58 A questão assume particular relevância para a Escola de Chicago: sem pre dentro do pensam en­ to de que não é necessário m aior controle do com portam ento dos agentes econôm icos, nos casos em que o m ercado é com petitivo, sustenta-se que, não havendo barreiras à entrada e à saída de novos agentes econôm icos no mercado (ou seja, em se tratando de contestable markets),59 inexistiria razão para controlar o com portam ento das empresas que ali atuam. Essa vigilância seria realizada pelo próprio mercado.

que abusou de seu poder podem ser desde logo sentidos, e não compensados, posteriorm ente, pela entrada dos novos agentes.

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Entretanto, ainda que haja certa mobilidade dos fatores de produção, para que os concorrentes potenciais entrem no mercado é necessário determ inado espaço de tempo.60 Daí que os efeitos danosos do com portam ento da empresa 58. Discute-se se as econom ias de escala constituiriam barreira à entrada de novos con­ correntes. Valentine Korah expõe o “elegante” pensam ento de Bade Fuller, dem on­ strando justam ente que econom ias de escala não são barreiras, mas sim as poucas possibilidades de lucros: “If the m arket is expanding and can already absorb the production of som e 1 0 plants of the m inim um efficient scale, the m arket will soon be able to absorb the o u tp u t of a new plant. I f it can take only one, and is expand­ ing b u t slowly, a prospective new entrant w ould realise th at once his plant came in stream , there w ould be substantial idle capacity, and the ow ners of the two plants m ight com pete in price un til they were only covering their variable costs, allowing n othing for the capital costs. Such an investm ent is unlikely to be profitable. It is the probable lack of profits, rather than the size of the investm ent, th at is the entry b arrier” (C oncept of a d om inant position w ithin the m eaning of article 8 6 , Common Market Law Review, p. 407). 59. U m m ercado é dito contestável se a entrada ou saída dos agentes econôm icos é sem pre possível, sendo que para tanto não devem enfrentar elevados custos. Daí poderm os dizer que, nesse tipo de m ercado: (a) não existem significativos víncu­ los adm inistrativos que lim item ou im peçam a entrada ou saída naquele setor da econom ia; (b) as condições de oferta e dem anda são praticam ente as m esm as para os concorrentes atuais e potenciais; (c) os investim entos efetuados naquele setor podem ser utilizados para fins alternativos e existe m ercado secundário de bens de capital em que seu valor p ode ser in teiram en te recuperado (cf. M atteo Caroli, La regolamentazione dei regimi concorrenziali, p. 33). Por essas razões, ensina Roger Van den Bergh, “le im prese che operano in m ercati contendibili sono soggette alia ‘toccata e fuga’ di rivali occasionali” (Introduzione —Eanalisi econom ica dei diritto delia concorrenza, Diritto antitrust italiano, p. 42). 60. A entrada no mercado é elem ento diverso da existência dc barreiras, Explica C aroli “A ncliesen.•aalcuiioslai'olosiruU iiiaU -allV iiltala 1('rotnuiu|uiMU,cTssaiuMiii( crio

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Deve, pois, ser vista com certa reserva a premissa de que a existência de concorrência potencial fará com que não seja adotado com portam ento abusi­ vo. Ora, se por um lado, é bem verdade que o agente, ao aum entar seu preço de forma excessiva, pode atrair para seu mercado outras empresas, tornando atual a concorrência potencial, de outra, a dem ora na correção da distorção poderá trazer conseqüências danosas para o mercado (e, como contrapartida, vantagens para o agente econômico que abusa de sua posição e desvantagens para os consum idores), que não podem e não devem ser desprezadas. Para ju s­ tificar esse entendim ento, valemo-nos, mais um a vez, da arguta observação de Denozza .61 A tese segundo a qual o poder monopolístico será destruído pela entrada de novas empresas no mercado está, sem sombra de dúvidas, correta, na medida em que tudo na história da hum anidade está destinado a m udar (até o Império Romano caiu com o tempo). Deduzir, desse fato, argumentações contra a intervenção judicial para im pedir a formação ou acelerar a dissolução de posições de poder m onopolístico seria como sustentar a desnecessidade da repressão ao homicídio porque todos os seres hum anos devem m orrer um dia”. As advertências da Comissão europeia, ao explicitar seus critérios para determ inação da posição dom inante, dem onstram a cautela a se adotar em relação à concorrência potencial: há de se presum ir que a empresa será dissu­ adida de aum entar os preços apenas se a expansão de seus competidores ou a entrada de novo operador for provável, rápida e suficiente. Para que a expansão ou entrada sejam prováveis, elas devem mostrar-se suficientem ente lucrativas para o concorrente ou para o novo player, exigindo o estudo de fatores como (a) barreiras à expansão ou à entrada, (b) prováveis reações da empresa inves­ tigada e dos concorrentes e (c) os riscos e custos de fracasso ( “sunk costs”). Para que a expansão ou a entrada seja considerada adequadam ente rápida deve ser capaz de dissuadir ou im pedir eventuais abusos. Por fim, para que a expansão ou a entrada seja suficiente, não se pode apresentar como simples entrada de pequena escala, por exemplo, em um nicho de mercado, devendo ser de tal m agnitude a ponto de desestimular qualquer tentativa de aum ento de preços pela empresa investigada .52

intei vali o tem porale per stabilire ed organizzare la capacità produttiva nel nuovo sei loi c c per aitivare i canali di distribuzione nel m ercato” (La regolamentazione dei iryihii i mu «Mi. ireiali, p. 36). 01. Aiiiilur.i (>.’

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Vale, tam bém , atentar para a possibilidade de substituição do produto, considerando-se sua oferta. Se há chances de outros fabricantes, sem custos dem asiados (considerando, inclusive, os cham ados sunk costs),63 entrarem no m ercado, essa concorrência pode ser entendida como “percebida” pelo agente e, consequentem ente, considerada para fins de delimitação do m er­ cado relevante.

produto com seus similares, assegurando a seu titular situação de independência e indiferença, típica da posição m onopolística .65

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Em conclusão, quanto mais o mercado fo r impermeável, menor será o grau de concorrência potencial a que estará sujeito. A medida dessa impermeabilização deriva dos obstáculos à entrada (e à saída) de novos agentes, pois a existência de barreiras permite que a empresa já instalada, livre depressões competitivas, valha-se de sua posição (dominante) para aumentar seus lucros deforma excessiva (ou anormal, como quer Korah), sem com isso atrair outros operadores para seu ramo de negócios.64 6.3.1.3 Comportamento/dependência dos consumidores e/ou forne­ cedores M uitas vezes, o agente econômico, ainda que suportando certo grau de concorrência, detém a posição dom inante em virtude da dependência que os consum idores m antêm do produto ou serviço oferecido. Tem-se, nesses casos, baixo grau de elasticidade cruzada (cross elasticity) do produto, sendo reduzida sua cam biabilidade com similares, ainda que satisfaçam necessidades do consum idor bastante parecidas. Este, por algum motivo, despreza o outro bem que lhe traria utilidade semelhante, e continua a preferir aquele que habitualm ente utiliza. É o que ocorre, por exemplo, com m uitas marcas de produto e seus “fiéis” consumidores. Não se trata, necessariamente, de considerar apriori os produtos identificados por cada marca como um mercado relevante distinto. E ntretanto, pode ocorrer que o sinal distintivo dê origem à falta de elasticidade cruzada do

63. Sunk costs são custos irrecuperáveis que o agente econôm ico deverá incorrer caso decida cessar suas atividades econôm icas em determ inado mercado. A ssim , assume particular relevância, por exem plo, a verificação da existência de m ercado de m aqu i nário usado, naquele setor da economia. A questão dos sunk costs c prim ordial na consideração da concorrência potencial: os agentes econôm icos que se onconl i am in thewings som ente terão interesse em entrar no m ercado se os custos dessa entrada forem inferiores às vantagens a serem auferidas. 6 4 . C.I. K o r a h , C o n c c p t o l a d o m i n a n t p o s i t i o n w i t l i i u tlie m e a u i u g o l art iele 8 0 , ( n m m o n M e u k c i l, a w l i c v i c w , p

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Igualmente, osfomecedores podem deter grau de dependência tal do agente econômico distribuidor, que este acaba por assumir posição de independência e indiferença. Em alguns casos, os fornecedores, ao precisar do distribuidor para escoar sua produção, têm enfraquecido seu poder de barganha e acabam sujeitos ao poder do comprador. Essa situação dá ensejo a questões ligadas à dinâmica de funcionam ento do grande varejo, em que não é raro ver os produtores na mão das grandes redes de supermercados (buyer s power). Esse fenômeno será estudado adiante. 6.3.1.4 Potência econômica da empresa A posição de independência e indiferença do agente econômico pode de­ rivar de sua própria potência econômica (deep pocket) 66ou da força econômica do grupo a que pertence. É o caso dos grandes conglomerados, com disponi­ bilidade interna de recursos ou facilidade de captação de receitas financeiras, ou até de empresas que, atuando em vários mercados relevantes, aproveitam o suporte econômico de uma atividade para im pulsionar a outra .67 65. A questão foi tratada quando da análise do mercado relevante material. . Segundo Frignani: “(...) il potere finanziario m erita di essere considerato nella misura in cui è suscettibile di esercitare u n ’incidenza sulla posizione concorrenziale dell’im presa sul mercato (specialm ente quando la m ette in grado di scatenare una guerra dei prezzi, sapendo che essa potrà resistere piü a lungo dei suoi concorrenti, 0 perm ettendole di accrescere le sue vendite spendendo somme im portanti per la pubblicità o per lo sviluppo di u n elevato num ero di prodotti. Tuttavia, sono le conseguenze dei potere finanziario, specialm ente nella m isura in cui contribuiscono a rafforzare le barriere all’entrata, piuttosto che il potere finanziario in se stesso, che costituiscono il critério pertinente” (Abuso di posizione dom inante, Diritto antitrust italiano, p. 344).

6 6

67. M achlup observa que “this stronger firm finances its com petitive cam paign out of its capital (or out of its earnings from other activities); it succeeds n o t because it is m ore efficient in producing the goods and services w ith w hich it com petes, but nierely because it com m ands overw helm ing financial strength. This is the kind of com petition th at is called oppressive or predatory and injurious to the public in­ terest” (The political economy of monopoly, p. 102). No caso Eastm an Kodak Co. v. 1mage Tech. Svcs. (504 U.S. 451 -1 9 9 2 ), a Suprem a Corte A m ericana afirm ou que: “ l he Court has h eld m an y times that pow er gained through some natural and legal advantage si."h as a patent, Copyright, or business acum en can give rise to liability il'a ,( ll( i exploits his clominanl position iii one m arket to expand his em p irein to Ilie nexl'"

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A eventual capacidade ociosa do agente econômico pode significar grau de poder de mercado bastante elevado, por lhe possibilitar a resposta imediata a aum entos de procura, mais celeremente e incidindo em menores gastos que a concorrência. Desta maneira se impede a entrada de novos agentes econômicos no mercado ou o aum ento da participação de seus concorrentes.

Ainda no que diz respeito à tecnologia, alguns argumentam que o fato de deterem, em determinado mom ento, vantagem competitiva sobre seus concor­ rentes não significa que seriam titulares de posição dom inante, especialmente se a tecnologia controlada estiver em franco desenvolvimento, tornando-se obsoleta rapidamente. Em outras palavras, a possibilidade de veloz superação da técnica faria com que esses agentes, embora com elevada market share, não desfrutassem de posição de independência e indiferença, na m edida em que estariam sujeitos à constante pressão concorrencial.

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6.3.1.5 Estrutura avançada da empresa, com alto grau de integração vertical O controle de várias, senão de todas, as fases do processo de produção e/ou de distribuição de um produto é capaz de proporcionar ao agente poder econômico tal que lhe assegure a posição dominante. Com efeito, a certeza de que disporá da matéria-prima a preços competitivos (integração vertical), e/ ou de que o produto chegará aos seus consumidores (redes de distribuição), coloca a empresa em situação privilegiada, que poderá configurar a posição dominante. Esse foi o entendim ento da Corte de Justiça europeia quando do julga­ m ento do conhecido caso United Brands (Banana Chiquita). Concluiu-se pela existência de posição dom inante dessa empresa, que atuava em todas as fases do processo de produção e distribuição de bananas nos principais países da Europa. 6.3.1.6 Domínio de tecnologia A vantagem com petitiva, derivada do dom ínio da tecnologia a que as outras empresas, por qualquer razão, não têm acesso, é capaz de colocar o agente econômico em posição de independência e indiferença em relação ao com portam ento dos demais. A esse respeito, a questão que envolveu a Microsoft, nos Estados Unidos e na Europa. Não há dúvidas que, principalm ente após o lançam ento do Mi­ crosoft W indows, essa empresa domina o mercado a tal ponto que sua atuação condiciona o com portam ento dos demais agentes econômicos. A vantagem competitiva de que dispõe - trata-se de relativo consenso - não deriva de ato ou prática desleal, mas do desenvolvimento de tecnologia de ponta, que m udou a vida do planeta. D urante os chamados “casos Microsoft”, não foram poucas as vozes que se levantaram para afirmar que a atuação das autoridades antitruste procurava punir não o eventual abuso da posição dom inante, mas a mera existem ia da posição dominanlc, impedindo a empivsa porque dei inlia considerável poiln rroiiom ii o dr miplt mrnlai (leierminadas pral i< as comeu lais

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6.3.1.7 Grau de crescimento do setor René Joliet 68 assinala que o grau de crescimento do setor pode ser fator de relativização da market share detida pelo agente econômico: nos setores em expansão, a empresa dom inante deve ter a capacidade de continuar seu cresci­ mento, sob pena de ceder a seus competidores parcela de mercado. A expansão do mercado é, portanto, elemento que enfraqueceria o poder econômico do agente, devendo ser considerado. 6.3.1.8 Aspecto temporal Ainda que certa empresa detenha elevado percentual de mercado, não é dito que, necessariamente, será titular de posição dominante. Isso porque, considerando-se a concorrência sob seu aspecto dinâmico, sua “superioridade” pode ser absolutam ente esporádica, de forma a não assegurar qualquer inde­ pendência de com portamento. Julgando prática relacionada à distribuição de filmes cinematográficos, a Comissão Europeia considerou que as profundas variações anuais entre as parcelas detidas pelas várias empresas não decorriam de modificações em seu poder econômico, ou mesmo na estrutura do mercado. Ao contrário, a elevada parcela de mercado detida, em um determ inado ano, significava apenas que o agente econôm ico comercializou, naquele período, filmes que atraíram maior público aos cinem as .69 6.3.1.9 Vantagem da primeira jogada; existência de consum idores cativos Há situações em que o agente econômico, por adotar certo comportamento antes dos demais, adquire elevado grau de poder econômico, especialmente (iH M( mh>/>i>//•.() Apuil I i i) 11; 111 i , Aliuso (li posi.

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6.4 Posição dominante derivada de vantagem competitiva. Aatenção das autoridades antitruste. A "responsabilidade especial" das empresas em posição dominante A lei brasileira, como insistim os várias vezes, não condena o domínio de m ercado pelo agente econôm ico, desde que derivado de “processo n a­ tural fundado na m aior eficiência de agente econôm ico em relação a seus com petidores ” ,77 ou seja, resultante de vantagem com petitiva. Nada há de ilícito na conduta de empresa que conquista “parcela substancial do mercado relevante”, simplesmente por ser mais eficiente que seus concorrentes. Entretanto, é fato que as autoridades antitruste m antêm vigilância maior sobre o com portam ento das empresas que detêm posição dom inante. Essa postura se justifica porque é a atuação da empresa “mais forte” que, com maior probabilidade, poderá afetar (e prejudicar) a concorrência. Seu ato, na medida em que ele próprio tem capacidade para determ inar o am biente concorrencial, coloca em risco, de forma mais acentuada, a segurança do mercado. Ou, como afirma Hovenkamp: “In general, the more m arket power a firm has, the more damaging its exclusionary practices m ight be ”.78-79 76. 77. 78. 79.

Revista do IBRAC, vol. 2, n. 2, p. 15. Cf. art. 36, § l.° ,d a L e i 12.529/2011. H erbert H ovenkam p, Federal antitrust policy, p. 244. “Today ‘m onopolization’ refers to a num ber of activities th at may be illegal w hen perform ed by the dom inant firm in a properly defined relevant m ark et” e, mais adiante, “for exam ple, in a com petitive m arket a refusal to deal, a sudden price kcIik liou, a policy o fle asin g and n o t selling a p roduct, or of keeping research sei ici .in alv.nlutely consistent w ith com petition on the m erits” (H ovenkam p, 1'cih'iiil iiullli ir.i pulicy, p. 241 c 244). Mario Siragusa, por sua vez, analisando a •,c n I i i ii .i i Li 1 •■in de |usl i(,a no caso Unilecl Urtliuls, ali nua qni' “ (. .) l a sli ul lura i Diiiint ii iiil' 'li im lm p irsa i i i posi min < 11>11u n . 11111 puo . u n l u . i v i u un < 11< 111>

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Práticas que, se atuadas por empresas pequenas, quase nenhum impacto trariam, podem causar verdadeiros desastres concorrenciais quando im ple­ m entadas por agentes detentores de elevado poder econômico.

encontrado no caso Van den Bergh Foods, de 2003. O oferecimento gratuito, ao distribuidor, defreezer para arm azenam ento de sorvetes na condição de que fosse utilizado exclusivamente para produtos da empresa dom inante foi considerado abusivo. Embora a prática fosse com um no mercado, entendeu a Corte europeia que “essas considerações, aplicáveis em situações norm ais de mercados competitivos, não podem ser aceitas sem reservas no caso de mer­ cados em que, justam ente porque um dos agentes detém posição dom inante, a concorrência já se encontra restringida ” .83

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Por essas razões, na União Europeia, exige-se da em presa dom inante que se com porte de m aneira tal a não destruir as condições de concorrência existentes no m ercado. Esse agente deve oferecer concorrência saudável, baseada na superioridade real de seus produtos ou serviços ( “com petition on the m erits”) , e não alavancar-se em sua força econôm ica. Im puta-se-lhes “responsabilidade especial”, para que não distorçam o cam po da batalha com petitiva, em detrim ento daqueles de m enor dim ensão .80 O agente do­ m inante tem o direito de atuar livrem ente no m ercado, desde que o prejuízo inflingido a seus concorrentes decorra do “m érito dos bens ou serviços que fornecem ” .81 Como estabelecido no caso Michelin I, a empresa não deve ser recriminada porque detém posição dom inante, mas, independentem ente dos fatores que a levaram a essa situação de domínio, possui um a responsabilidade especial, ou seja, um dever de não perm itir que sua conduta distorça a competição no mercado com um .82 A ideia é que a concorrência já se encontra restringida em mercados nos quais atua empresa com posição dom inante, de sorte que não se pode perm itir que ela reduza, ainda mais, a competição. Exemplo desse posicionam ento é sulla legalità dei suo sistem a di prezzi sulla base dell’A rticolo 8 6 ...” (D iritto e po­ litica delia concorrenza nella CEE: prezzi discrim ina to ri e n o n equi (articolo 8 6 ), Diritto Comunitário e degli Scambi Internazionali, p. 475). Com efeito, leva-se em consideração o prejuízo à concorrência e ao m ercado que será causado pela prática, partindo-se do pressuposto de que apenas os agentes econôm icos detentores de m arket power lograrão causar tais danos. 80. Eleanor Fox, M onopolization, abuse of dominance, and the indeterm inacy of econom­ ics, 727. V , sobre a “responsabilidade especial” das empresas em posição dom inante, Eirik O sterud, Identifying exclusionary abuses by dom inant undertakings un d er EU Com petition Law, p. 33 e ss. 81. Vozes se levantam contra a am plitude da expressão e do conceito de “com petition on the m erits”, advogando a adoção de critérios m ais “seguros” e “estáveis” para a aferição da posição dom inante. V , a esse respeito, o Policy Brief da OCDE. Disponível em: www.oecd.org/dataoecd/10/27/37082099.pdf. Acesso em: 27 .0 7 .2 0 10. 82. No original: “finding that an undertaking has a dominant position is not m itscll a recrimination but simply meansthai, irrespectiveol lhe reasons foi wliit li n has such a position, the undertaking conccrncd has a special respnnsihiliiv not tu allow its conduct lo impaii gcnuinc uiulislorlcd compcl il ion on Ilir commoii in.ii f i i |< ,r.< > 0 2/ 8 1 , Mu hrhn v. ( oimniviion, I 'IH 1

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Essa responsabilidade especial das empresas dom inantes, que assume pa­ pel cada vez mais central na definição do que vem a ser o “abuso” de posição dom inante, reforça-se com o aum ento da im portância dos exclusivos ligados à propriedade intelectual. A Comissão Europeia, ao julgar o caso Microsoft de 2004, evocou-a por três vezes. 6.5 Abuso de posição dominante. Algumas práticas típicas

Embora expressamente vedado, o abuso de posição dom inante não vem definido em nossa lei, sendo considerados apenas os efeitos que são (ou podem ser) produzidos sobre o mercado. A Lei 12.529/2011, em seu art. 36, § 3.°, limita-se a enum erar práticas abusivas mais com uns .84Em termos simples: não se procure na lei a resposta para qualquer indagação do tipo “o que é abuso de posição dom inante?” Encontrarem os apenas alguns de seus exemplos. A maioria das condutas mencionadas no art. 36, § 3.°, refere-se a práticas de abuso de posição dom inante e não a acordos entre em presas. Não se trata de inovação do atual diploma antitruste, pois, desde a promulgação das primeiras

83. Caso T-65/98, Van den Bergh Foods Ltd. v. Com m ission [2003]. No original: “those considera tions, w hich are applicable in the norm al situation of a competitive market, cannot be accepted w ithout reservation in the case of a m arket of wich, precisely because of the dom inant position held by one of the traders, com petition is already restricted”. 84. Em term os de racionalidade da conduta, o exercício abusivo de posição dom inante pode servir de várias formas ao agente econômico: (a) reduzindo a participação dos concorrentes no mercado, (b) im pedindo o crescim ento dos concorrentes, (c) em mercados em expansão, obstando o aum ento da participação dos concorrentes, de forma a dim inuir sua share relativa, (d) coagindo os concorrentes a aceitarem as si na li açocs dc preço do detentor de posição dom inante, abandonando qualquer idn.i d' ) ■ , 1 1 1 i ia dc preços, (e) convencendo os concorrentes da irracionalidade da c nnipi IH .in i \ .mlugeus da cooperação, (I) enfraquecendo os concorrentes dc maiii n a tal 1 1 1 1 • i |.iiii loi çados a vendei seu conI role ou seus ativos, (g) elim inando os i n iii oi 11 iii' ■I'1ii ii ii ai lo (< I Machlup. Mie pulldi dl ci niiniiiv d/ mkiiio/uiIv, p 101)

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leis de tutela da concorrência no Brasil, já havia a preocupaçao preponderante tle controlar o abuso da posição dominante.

Tomando como referencial a nossa Lei A ntitruste, passamos a analisar algumas das práticas mencionadas no art. 36, § 3.°, lem brando sempre que somente constituirão infrações à ordem econômica caso seu objeto ou efeito trouxer consigo a incidência de qualquer dos incisos do caput do mesmo dispositivo.

Essa opção explica-se pelo fato de que na estrutura industrial brasileira encontram-se, de há m uito, agentes econômicos detentores de grande poder de mercado, ou seja, a concentração de poder não é, para nós, fenômeno novo. A principal preocupação sem pre disse respeito à regulam entação do abuso de posições fortes de mercado, procurando-se dar ao governo federal meios de controlar a atividade dos agentes com significativo poder econômico. A partir da promulgação do Sherman Act, em 1890, m uitas práticas fo­ ram condenadas pelas cortes norte-am ericanas por serem típicos exercícios abusivos de posição dom inante, tais como: (a) espionagem ou sabotagem; (b) concentrações; (c) dim inuição da produção; (d) aum ento da produção; (e) discriminação de preços; (f) recusa de contratar; (g) integração vertical; (h) vendas casadas; (i) aum ento dos custos a serem suportados pelos concorrentes (price squeeze); (j) manipulação da pesquisa e desenvolvimento tecnológico; (k) abuso de direito de propriedade industrial; (1) abuso do direito de demanda, mediante a propositura de ações j udiciais ou medidas administrativas vexatórias contra concorrente; (m) preços predatórios, entre outras.85 No Brasil, algumas dessas práticas são encaradas como atos de concorrên­ cia desleal, tipificados na Lei da Propriedade Industrial. Entretanto, na medida em que prejudicam não apenas o concorrente, mas também a concorrência e o mercado como um todo, poderem os identificar a incidência da norm a anti­ truste, a exemplo do que ocorre em outras jurisdições. A doutrina europeia, glosando o art. 102 do Tratado de Funcionam ento da União Europeia, costum a apontar quatro manifestações típicas do abuso de posição dominante: (a) imposição de preços não equitativos; (b) limitação da produção ou distribuição de produtos ou serviços, ou ainda ao desenvolvimento técnico de outros agentes econômicos; (c) discriminação de fornecedores ou adquirentes; e (d) vendas casadas.86 85. Cf. Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 260. 8 6 . A bibliografia sobre as vendas casadas é extensa. Cite-se Areeda e Kaplow, Antitrust analysis, p. 704 e ss.; H erbert H ovenkam p, Economics and federal antitrust law, p. 214 e ss.; G uillerm o Cabanellas Jr., Antitrust and direct regulation o f International transfer oj technology transactions, p. 105 e ss.; W erter Faria, Direito cia coni oi rència c i ontrato dc distribuição, p. l)3 e ss. Para com petente análise liisioi u .i dos tying anangm ents nos listados l Inidosda America, v. Viclor Kramcr, I lie Supii me ( onrl and lying ai langemenis attiiimst as liislory, Mlnncsohi I x i w Krvlnv |> 1011 1070. Vali . i,iml»'m, i .ipl11 1 lii espei lln o em 1’aul.i A I oif.ioui, () i n nl i iiín ./• i/hf i i bi i hi i t )

6 .5 . 7 Imposição de preços abaixo do custo O art. 36, § 3.°, XV da Lei 12.529/2011 exemplifica como possível infração à ordem econômica “vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo”. Para que se com ponha o suporte fático necessário à incidência do referido inciso XV, é preciso que a imposição do preço abaixo de seu custo tenha por objeto ou possa produzir um dos efeitos tipificados no caput do art. 36 da Lei Antitruste. Ademais, para caracterizar o ilícito, a conduta há de ser injustificada. A vinculação entre a prática do preço abaixo do custo e seus objetivos é essencial ao funcionam ento adequado do sistema de repressão ao abuso do poder econômico. De fato, nem sempre a venda de bem abaixo de seu preço de custo é ilícita. A não incidência da restrição, em certos casos, é indispensável para que se evite a sanção de com portam ento de agente econômico que não desenvolve qualquer atividade contrária à livre concorrência, mas prática norm al de mercado. A doutrina costum a classificar a venda abaixo do preço de custo tomando por base seu caráter temporal: poderá ser esporádica, de longa duração ou ainda estender-se por período limitado de tempo. 6 .5 .7 .7 Venda justificada

Ocasiões há em que a venda abaixo do preço de custo é considerada lícita, bastando, para tanto, que seja “justificada”. Não cogita a Lei 12.529, de 2011, da intenção do agente, mas do objeto e dos efeitos da prática. Se esses forem suficientes para justificá-la, poderá ser considerada como lícita. A venda abaixo do preço de custo feita em caráter esporádico implica, geralmente, a necessidade de venda im ediata do produto. Aqui, a atuação do agente econôm ico é destinada a corrigir ou evitar prejuízo potencial superior àquele que adviria da comercialização do bem por menos de quanto custou. Não se li ala de com porlam ento habitual do agente econômico. E o que ocorre nus “ileso ví r. de | rodulos perecíveis próximos da dal a de validade, em que o em pic.ai io , poi opi1111 i I p.ii ,i ,i veild.i

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO

O utra justificativa para a venda abaixo do custo poderá ser o acesso ao mercado, m ostrando-se como alternativa razoável para que o agente econô­ mico, desejando iniciar suas atividades em determ inado mercado relevante, atraia o consum idor a experim entar o produto.

mercado relevante, diz-se que o agente econômico pratica preço predatório (predatory pricing) .89"90

Muito se discute o problem a dos brindes e descontos prom ocionais, que determ inam a comercialização do produto com preço abaixo de seu custo. Trata-se de estratégia utilizada pelos agentes econôm icos não apenas para viabilizar a entrada em novo mercado, mas também para desviar clientela dos concorrentes.87 Contudo, m uitas vezes, a política de brindes ou de descontos camufla esquemas anticom petitivos, que visam a tornar o adquirente cativo e inacessível aos competidores. A partir do m om ento em que a concessão do brinde ou desconto determ inar a incidência do art. 36, caput, da Lei A ntitruste, haverá de ser considerada ilícita.88

É bastante evidente que os preços predatórios som ente se m ostrarão interessantes para o agente econômico capacitado a suportar custos elevados durante certo período, ou sej a , detentor de razoável poder econôm ico. Por esse motivo, os economistas apontam alguns “requisitos de racionalidade” para sua prática. A uma, os demais agentes econômicos que atuam no mercado relevante deverão ser suficientem ente fracos para que se possibilite sua aniquilação. A duas, o mercado relevante deve estar estruturado de tal forma que perm ita ao agente econômico prever por quanto tempo deverá praticar o preço predatório. A três, os lucros a serem obtidos com a prática deverão com pensar os prejuízos incorridos pelo agente econômico ao sustentar o baixo preço.91

288

Os preços abaixo do custo podem significar a busca da m anutenção da posição no mercado: ao se sentir ameaçado pela conduta comercial agressiva de concorrente, o agente econômico realiza a venda de seus produtos abaixo do preço de custo. Da mesma maneira, pode-se buscar a eliminação do con­ corrente ou sinalização para o potencial com petidor que enfrentará grandes obstáculos no mercado almejado, desestim ulando a entrada. Se o preço abaixo do custo for praticado em caráter esporádico, e não tiver por objeto ou por efeito a eliminação do concorrente do mercado, ou a sinalização para evitar a entrada de concorrentes potenciais, poderá ser tomado como lícito. De outra parte, parece evidente a ilicitude do preço predatório que tem por objeto ou por efeito a eliminação ou dim inuição da participação de concorrente no mercado. Nesses casos, em que a venda abaixo do preço de custo implica o objeto ou efeito (ainda que potencial) da eliminação de con­ corrente e conseqüente dim inuição do grau de com petição em determ inado 87. A prática tam bém pode ser considerada ato de concorrência desleal segundo os efeitos atuais ou potenciais produzidos. Reimer traz o exemplo do caso Suwa, em que a corte alem ã julgou desleal a distribuição massiva e gratuita de caixas de sabão em pó (La répression de la concurrence déloyale en Allemagne, p. 111). 8 8 . Sobre os descontos de fidelidade que consubstanciam prática discrim inatória, cf. Goyder, EC competition law, p. 358 e ss., e Giorgio Massina, La disciplina delia con­ correnza e dei mercato: i c a rte llim te rb a n c a ri-G lisc o n tid ife d e ltà , Giurisprudenza Commerciale, 19.1/121-123. No Brasil, a legislação que regulam enta a distribuição gratuita de prêm ios, m ediante sorteio, vale-brinde ou concurso, a titulo dc propa gapda, veda que a autorização da prom oção pelas autoridades compete nh .c|a con cedida caso implique distorção do mercado, olijcti vai ido se, al i . i v i • I < .............. k m , , to, o alijamento dc empresas com oi lentes (i I .u I I I IV, do I V( dc tf) UM 11) / )

289

6.5.7.2 Racionalidade da conduta de preços predatórios

Em outras palavras, a racionalidade da conduta do agente econômico que pratica preços predatórios está relacionada (a) ao prejuízo à concorrência que pode ser causado e, consequentem ente, (b) ao poder de mercado detido pelo mesmo agente. Na análise da licitude do preço predatório devem ser levados em consideração vários fatores, tais como a existência de barreiras à entrada de novos agentes econômicos e a possibilidade de alienação dos ativos das

89. Eleanor M. F oxeL aw rence A. Sullivan conceituam preço predatório como “pricing below an appropriate m easure of cost for the purpose of elim inating com petitors in the short ru n and reducing com petition in the long ru n ” (Cases and materiais on antitrust, p. 864). Sobre a mesma questão, Kitch e Perlman: “Sales below cost are part of w hat is recognized as ‘predatory pricing’, a pricing strategy that lowers prices in an area to drive out com petition w ith the expectation that losses sustained can be m ade up by higher prices once a m onopoly position is established. The success of such a strategy depends on n o t only the ability to obtain some m arket pow er but also to sustain it long enough to recoup past losses w ith interest and to secure higher profits than w ould have resoluted in the absence of the strategy” (Edm und W. Kitch e Harvey S. Perlm an, Legal regulation of the competitive process, p. 423). 90. Veja-se a lição dejosé Frederico Marques: “E que éjusta causa? É aquela que, embora não prevista em lei, está em harm onia com o direito: é a causa secundumjus, aquela que lícita se apresenta diante dos m andam entos da ordem jurídica, ou dos princípios gerais dc direito, tanto que, quem procede com justa causa, está no exercício regular di’ um direito”. Entretanto, restaria em aberto a questão, no caso concreto, de saber sc a pi.itu ,i i •,i.ii ia “em harm onia com o direito” (José Frederico Marques, Direito pci i . i l i ( oi i i h i i i i o I'ii nel pios sobre a interpretação dc suas normas - Do conceito di m o n o p o l l o

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OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO

“vítimas” do preço predatório. A prática de preço predatório não seria racional (ou seja, inapta a causar prejuízos à concorrência) se o mercado considerado for contestável, pois, após a destruição dos atuais competidores, a concorrên­ cia potencial poderia tornar-se efetiva, com a entrada de novos operadores. Da m esm a m aneira, pode-se lograr a elim inação dos atuais concorrentes, levando-os à falência, e outro investidor adquirir os ativos da sociedade falida, iniciando, novamente, a produção. Neste caso, também pode inexistir prejuízo à concorrência (embora seja sentido prejuízo aos concorrentes).92'93 No final da década de 60, a partir da publicação do célebre estudo de John S. McGee,94 m uito se debate sobre as reais vantagens a serem auferidas pelo agente econômico que pratica o preço predatório, bem como se essa seria uma alternativa racional a ser adotada pelas empresas.

Posteriorm ente, Richard Posner e Frank H. Easterbrook97 estudaram as críticas lançadas contra as ideias de McGee, concluindo que, embora esse autor estivesse correto ao afirmar que a prática de preços predatórios era bastante rara, não implicava sempre escolha irracional da empresa. Se a empresa obtém recursos financeiros a preço inferior àquele que é im posto ao seu concorrente, o preço predatório pode ser uma opção racional.98

290

McGee sustentava que dificilmente a venda do produto abaixo do custo teria por resultado o domínio do m ercado, im plicando, portanto, decisão abso­ lutam ente irracional:95os prejuízos decorrentes da fixação do preço do produto abaixo de seu custo seriam certos e sentidos im ediatamente, enquanto não se poderia garantir os eventuais lucros futuros. O preço predatório seria praticado, apenas, por empresas incom petentes, com o intuito de se proteger da superio­ ridade dos competidores. A opção racional seria a com pra do concorrente.96

92. Para Hovenkamp: “The predator’s w orst nightm are goes like this: after a long, expensive period of predation the victim files for bankruptcy and its plant and equipm ent are auctioned off to a prospective rival w ho intends to stay in the m arket (...)” (Federal Antitrust Policy, p. 312). 93. Como exemplo, tom em os o caso Brooke Group Ltd. v. Brown & W illiam son Tobacco Corp. (1993), em que a Suprema Corte norte-am ericana afastou a condenação da ré p o r preço predatório porque a recuperação dos prejuízos havidos com a prática seria improvável. A venda abaixo do custo teria restado comprovada, bem como a intenção de praticar preços predatórios. Em 2010, a Corte de Justiça europeia decidiu que, para a condenação por preços predatórios, não é necessária a dem onstração da possibilidade de recuperação do “investim ento” feito na prática ilícita (caso France Télécom, C-202/07. V., também , MEM O/09/146). 94. O estudo a que nos referim os é exposto no artigo de McGee Predatory price cutting. The Standard Oil (NJ) Case, l J . L . e Econ., p. 137 (1958). Também disponível em: http://w w w -personal.um ich.edu/~tw od/oil-ns/articles/research-oil/research-oil/ john_m cgee_predatory_pricing_standard_oill958.pdf. Acesso em: 27.02.2012. 95. A respeito, M achlup afirma que “price wars are often more a m atter of em otions than ofrationaldeliberations w ith calculatedrisks and estim ated chances ol stuvcss” (The political economy o f monopoly, p. 1 2 0 ). 96. Sobre a irracionalidade da pratica do price culling, v. Robcri 11 K o i l - I lu iiiililnisl parailo\, p I 4H i' ss

291

Nos Estados Unidos, não se tem notícia de condenação recente pela prática de preços predatórios. Ao contrário, da últim a vez que se manifestou sobre o assunto, em 1993 [caso Brooke Group Ltd. vs. Brown & W illiamson Tobacco C orp.], a Suprema Corte norte-am ericana afastou a condenação da ré porque a recuperação dos prejuízos havidos com a prática seria improvável, embora a venda abaixo do custo, bem como a intenção de praticar preços predatórios tenham sido comprovadas. Na Europa, a visão é diversa. No caso Wanaâoo, tanto a Comissão europeia quanto o Tribunal de Justiça afirmaram não ser indispensável para a condenação que se comprove a possibilidade de recuperação das perdas experimentadas pela empresa que pratica o preço predatório; o dano à concorrência está presente ainda que o retorno do “investim ento” não aconteça.99 Esse julgam ento assume particular relevância ao confirmar a disposição europeia contra os abusos em relação aos preços praticados pelas operadoras de telecomunicações, especialmente em setores fundamentais para o desenvol­ vimento da Sociedade de Informação. Segundo a Comissão, em decorrência do caso Wanadoo, o povo francês desfruta de m enor preço de acesso à banda larga, reduzido em cerca de 30%. Desde a decisão, esse mercado cresceu rapidamente:

97. Posner e Easterbrook, Antitrust, p. 682 e ss. 98. Cf., tam bém , a posição de Steven C. Salop de que o preço predatório é raro, mas não um a “m iragem ” (M easuring entry barriers and the rule of reason: a sophisticated approach to a n titru st analysis, Antitrust Law and Economics Review, vol. 15, n. 4, p. 63). 99. Como ventilado acima, em 2003, a Comissão aplicou m ulta de mais de 10 milhões de Euros à W anadoo Interactive S.A., naquela época subsidiária da France Télécom, pelo abuso de posição dom inante consubstanciado na prática de preços predatórios que visava a excluir com petidores do mercado de Internet de alta velocidade. Em janeiro de 2007, o tribunal de prim eira instância confirm ou a decisão, m antida em clelinilivo pela C orle de Justiça em abril de 2009. Todas essas esferas concordaram sei pov.ivrl a (i U.S. ( 11 >Ml I o i

305

Vale tam bém analisar dois outros famosos casos julgados nos últim os anos: o prim eiro, em 1992 pela Suprema Corte (caso Kodak) 139e o segundo, em 2001, pela Corte de Apelação para o Distrito de Columbia (caso M icrosoft).140 Kodak fabricava e vendia copiadoras, não detendo posição dom inante no m ercado entrem arcas. Ao contrário, enfrentava a feroz concorrência de outras em presas, em especial, Xerox e Canon. Além de copiadoras, Kodak com ercializava as respectivas peças de reposição; algumas eram fabricadas por ela própria, outras por terceiros, que as produziam m ediante sua re­ quisição. A Kodak prestava ainda serviços de m anutenção das m áquinas. Algumas em presas independentes (independent Service organizations, cha­ madas de ISOs) executavam esses m esm os serviços por preços inferiores. Nessa atividade, em pregavam peças de reposição feitas pela Kodak ou por terceiros autorizados. A Kodak com eçou a im pedi-los de fornecer para as ISOs. Paralelam ente, passou a fornecer peças som ente para quem utilizasse seus serviços de m anutenção. Com isso, as ISOs ficaram im pedidas de atuar no mercado. Em que m edida a atitude da Kodak consubstancia venda casada ilícita da prestação de serviços de m anutenção com a venda de peças? A Kodak deteria posição dom inante em um mercado a jusante (aftermarket), mesmo não possuindo posição dom inante no mercado a m ontante (de copiadoras)? A prestação de serviços de m anutenção para m áquinas Kodak deveria ser vista como um mercado relevante em si? Essas as questões essenciais discutidas. Kodak argumentava que não havia dois mercados (prestação de serviços e fabricação de m áquinas), mas apenas um mercado e um produto, porque a prestação de serviços não poderia ser considerada de forma autônom a. Tanto que, se aum entasse o preço do serviço, perderia m uito na venda de máquinas. Por essa razão, afirmar que Kodak dominaria o mercado de prestação de serviços de m anutenção de suas m áquinas não faria “o mínimo sentido econôm ico”. Sustentou, ainda, que a estratégia adotada era excelente e aumentava a concor­ rência entremarcas. Afinal, o preço maior cobrado pelos serviços propiciaria I 38. Jellci S. III I ai 'sh I lospital v. Hyde, 466 U.S. 2 (1984). I il> l astinan Kml.iI- i i» v I mage leili. Svrs., 504 U.S. 45 I (1 140 I Initid ' iiih Mli insi>|| ( oi p ’') i I ld H ( IVI ( ii , , ’ 0

0

I ),

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO

dim inuição no preço das copiadoras e, consequentem ente, acirram ento da competição entre as três principais fabricantes.

dom inante do fornecedor. Do ponto de vista técnico-jurídico, a própria subsunção do ato à ilicitude per se já demandava profunda pesquisa sobre o caso concreto. Isso afastava o m étodo de análise daquele tradicionalmente ligado às infrações per se, perm itindo investigação bem mais am pla.142

306

A Corte, entretanto, refutou os argumentos. Primeiramente, entendeu que Kodak não iria perder todas as suas vendas se elevasse o preço de seus servi­ ços. Haveria um meio-termo ótimo e compensatório, que poderia ser encontrado. Ademais, se fosse verdadeiro o raciocínio da Kodak, de que aum entar o valor dos serviços dim inuiria as vendas, deveria incentivar o trabalho das ISOs que, afinal, barateavam os preços. Não o fez, tanto que as deixou sem condições de continuarem suas atividades econômicas. Os julgadores apontaram que o aum ento do preço dos serviços não im pli­ caria proporcional dim inuição das vendas, porque a informação sobre o ciclo de vida das copiadoras não éfacilmente obtida pelo consumidor, envolvendo muitas variáveis. Esse efeito também não ocorreria porque os consum idores de copia­ doras estão cativos (locked-in consumers): ora, essas m áquinas são de elevado custo e não costum am ser “descartadas” pelos consum idores que podem ser explorados nos serviços de m anutenção. O abuso é viável, porque o proprietário da máquina está obrigado ase valer dos serviços prestados pela empresa que impõe a venda casada. Por fim, o argum ento da qualidade do produto também não merecia ser acatado, pois se com provou que alguns consum idores utilizaram os serviços da Kodak, m esm o preferindo aqueles das ISOs. Em conclusão, decidiu-se que a Kodak realizara venda casada ilícita entre a prestação de serviços de manutenção de suas copiadoras e as peças de reposição. O mais interessante, porém , é atentar para a estreita definição do mercado relevante e a afirmação de que a Kodak, mesmo possuindo m enos de 20% do mercado de copiadoras, seria titular de posição dom inante no aftermarket. À época do julgam ento, a doutrina norte-am ericana entendia que, não obstante as atenuações ocorridas ao longo do tempo, as vendas casadas ainda estavam sujeitas à proibição per se. No entanto, ao mesmo tempo, somente poderiam ser consideradas ilícitas se preenchessem os seguintes requisitos: (a) existência de dois produtos; (b) coerção para o adquirente;141 e (c) posição

141. No caso U nited States v. Loew’s (371 U.S. 38 - 1.962), decidiu-se que o poder de m ercado deve ser presum ido quando o p ro d uto principal é protegido pela lei de propriedade industrial ou p o r direitos autorais. Discutia-se a legalidade de “pacotes” para a venda de filmes para televisão, de form a que o adquirente não poderia esco­ lher aqueles que mais lhe interessassem , mas deveria aceitar a vinculação de Iitas dc m aior sucesso com outras de m enor penetração. O fato de que havia outros títulos e programas no mercado não alastou a conclusão pela ilicitmlc. Sobre as posteriores m o d ilicaçO id essa picsuni>ao, v I loveiikani|), l i ilcml tinlili iisl polii v, \) IlHl, pai a

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O cenário parece estar sendo ainda mais alterado com a decisão do D.C. Circuit no caso Microsoft, entendendo que a proibição per se não deve ser aplicada a hipóteses de technical bundling (pacote tecnológico), resultante da integração entre software interativo e operativo - o correto seria proceder à análise conform e os parâm etros da regra da razão.143 Os casos Microsoft norte-am ericanos serão adiante tratados em conjunto com aqueles europeus. 6.5.3.8 A visão europeia das vendas casadas As vendas casadas são tratadas pelo Tratado de Funcionam ento da União Europeia tanto como acordo restritivo da concorrência (art. 101) como abuso deposição dom inante (art. 102). De início, vale destacar que a Europa m antém visão mais refratária do que a norte-am ericana no que diz respeito às vendas casadas. A resposta europeia para a questão da existência ou não de produtos dis­ tintos, tal qual a norte-americana, também leva em consideração a procura dos compradores em geral. Esclarecem as guidelines europeias de 2010 que “ [d] ois produtos são distintos se, na ausência de subordinação, um núm ero significati­ vo de clientes teria comprado o produto subordinante sem comprar igualmente

relação de casos julgados pelas Cortes inferiores. Para Hovenkamp: “Courts have traditionally presum ed a seller’s m arket power in the tying product w hen the product is patented or copyrighted. A few courts give the same presum ption w hen the tying product is tradem arked. In m ost cases courts regard the presum ption as reputable, and there is a strong recent trend away from the presum ptions” (p. 400). A Suprema Corte, no ano de 2006, modificou o precedente, assentando que “ [b] ecause a patent does n o t necessarily confer m arket power upon the patentee, in ali cases involving a tying arrangem ent, the plaintiff m ust prove that the defendant has m arket power in the tying p roduct”. Caso Illinois Tool W orks Inc. et al. v. Independent Ink, Inc., no qual se expõe toda a evolução am ericana sobre o tratam ento das vendas casadas. 142. Para Stephen Ross, “a struetured rule of reason w ould better describe the judicial practice in these cases” (Principies of antitrust law, p. 296). 143. Cl. Roberto Pardolesie Cristoforo Osti, Disciplina delle concentrazioni in Europa e ncj'ji St.iti 1Initi: una convergenza difficile, cópia fornecida pelo autor. V., também, Nn In>l.iI comnniclese loannis Lianos, Tlie elusive antitrust standard on bundling i n I n 1 1 1 | » .ii id iii l In 1 11 ii ted States in Ilie altci mal li ol I lic M i< rosoll i ase. dc .*,009

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

POSIÇÃO DOMINANTE E SEU ABUSO

o produto subordinado ju n to do mesmo fornecedor, perm itindo a produção autônoma tanto do produto subordinante como do produto subordinado”. Esse critério foi expressamente aplicado no julgam ento do caso Microsoft de 2007. Para verificar esse fato, é preciso considerar (a) os hábitos dos adquirentes, ou seja, “que, se tiverem escolha, os clientes adquirem os produtos subordinante e subordinado separadam ente ju n to de fontes de fornecimento diferentes” ou (b) “a presença no mercado de empresas especializadas no fabrico ou venda do produto subordinado sem o produto subordinante” ou, ainda (c) a prática de mercado, ou seja, se empresas com um reduzido poder de mercado norm al­ m ente não subordinam nem agrupam tais produtos.

Windows XP, a empresa começou a atrelar aplicativos a seu sistema operacional: em 1995, o Internet Explorer e, em 2000, o W indows Media Player.

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Para a Comissão, na hipótese de o produto subordinado ser importante e complementar para os clientes do produto subordinante, a redução dos for­ necedores alternativos e, por conseguinte, da disponibilidade desse produto, pode tornar mais difícil a entrada no mercado do produto complementar. É o que ocorre, por exemplo, com as peças de reposição. As vendas casadas serão toleradas se a quota de mercado do fornecedor (tanto no mercado do produto principal como no subordinado) e a quota do adquirente não excederem a 30%. Um dos mais im portantes efeitos concorrenciais negativos da venda casada é, para os europeus, o fechamento do mercado do bem subordinado. Ademais, a vinculação pode igualmente conduzir a preços supracom petitivos, especialmente em três situações: (a) quando o produto principal e o produto vinculado são parcialm ente substituíveis para o com prador; (b) quando a subordinação perm ite discriminação de preços consoante à utilização que o cliente faz do produto vinculado, por exemplo, a subordinação de cartuchos de tinta à venda de fotocopiadoras; e (c) nas hipóteses de contratos de extensa duração, ou de prestação de serviços pós-venda de equipamentos originais que só serão trocados a longo prazo, torna-se difícil para os clientes calcularem as conseqüências da subordinação. Na mesma toada, entende-se que, enfrentando o fornecedor efetiva con­ corrência no mercado principal, efeitos perniciosos são improváveis, porque os adquirentes dispõem de alternativas suficientes para com prar os produtos de forma desvinculada, a não ser que outros fornecedores valham-se de sistema de vendas casadas semelhante. 6.5.3.9 Vendas casadas: as lições dos casos Microsoft nos I I IA e na União Europeia As práticas com erciais da M icrosoft são bastante conlu i id.r. |>oi iodos aqueles i|ue usam com putadores e a Internet Mesm o anli do 1.111• m icnlo do

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Houve três investigações antitruste envolvendo a Microsoft antes de 1995. Em 1991, a Federal Trade Commission iniciou procedim ento para apurar se a Microsoft estaria abusando de sua posição dom inante (monopoly) no mercado de sistemas operacionais para com putadores pessoais, arquivado (closed) em 1993. O D epartam ento de Justiça (DOJ) iniciou suas investigações em agosto do mesmo ano e o processo foi encerrado mediante acordo no qual a empresa teria se com prom etido a não vincular outros produtos Microsoft à venda do W indows, perm anecendo livre para integrar “additional features” no sistema operacional. No ano seguinte, ao lançar o W indows 95, Microsoft acoplou-lhe versão mais desenvolvida do Internet Explorer. Em 1996, seguiram as investigações e, em 1998, foi protocolado conjunto de ações civis públicas pelo Departamento de Justiça (DOJ) e por 20 Estados norte-americanos. O principal ponto ligava-se aos efeitos/licitude da prática da Microsoft de fornecer “gratuitam ente” seu navegador (W indows Explorer) como parte do W indows, de forma que todos os usuários desse sistema operacional pos­ suíam cópia da ferramenta, prejudicando outros navegadores como Netscape e Opera. Também se discutia se Microsoft teria propositadam ente alterado seu sistema para tornar os navegadores concorrentes m enos interessantes para os usuários (download mais lento, aparecimento de problemas no W indows quando o usuário optava por usar concorrente do Netscape etc.). Para Microsoft, a fusão entre W indows e Explorer decorreria de natural e saudável processo de inovação e da força concorrencial, constituindo apenas um produto e que, além de tudo, era oferecido gratuitam ente, beneficiando os consumidores. As ações que contra ela eram tomadas significavam mera ten­ tativa de proteger ineficientes, que não conseguiam com petir com a empresa capitaneada por Bill Gates. Após processo bastante tum ultuado, incluindo alegações de falsificação de provas pela Microsoft, pareceres de renomados economistas nos mais di­ versos sentidos, intensa atividade de lobby, alegações de falta de ética contra 0 julgador e bastante bulha na im prensa e na sociedade civil, em 2000, o juiz Thomas Jackson decidiu que Microsoft violara o Sherman Act, determ inando sua divisão em duas unidades separadas: uma ligada à produção do sistema operacional a outra de outros produtos informáticos. ( omo cia ilc sc esperar, a Corte de Apelação m odificou o julgamento, remetendo o |u i .i nova analise na qual as vendas casadas deveriam ser apre1 í.uIas )

337

As avenças entre empresas concorrentes (que atuam, pois, no mesmo mer­ cado relevante geográfico e material) e que visam a neutralizar a concorrência existente entre elas são denominados cartéis.11 Na lição de Nelson de Azevedo Branco e Celso de Albuquerque Barreto:12“(...) o cartel representa um acordo, um ajuste, uma convenção, de empresas independentes, que conservam, apesar desse acordo, sua independência administrativa e financeira. (...) O cartel tem como precípuo obj etivo eliminar ou dim inuir a concorrência e conseguir o monopólio em determinado setor de atividade econômica. Os empresários agrupados em cartel têm por finalidade obter condições mais vantajosas para os partícipes, seja na aquisição da matéria-prima, seja na conquista dos mercados consumidores, operando-se, desta forma, a eliminação do processo normal de concorrência”.

. A busca da vantagem com petitiva pela associação entre os agentes econôm icos pode ocorrer tanto nos acordos verticais quanto naqueles horizontais. A decisão de associação, em qualquer dos casos, parte do pressuposto de que “there are m uch greater possibilities of succeding w ith a partner than by acting alone” (Andre-Marc Chevallier, The contractualrelationships in aco rp o ratejo in tv en tu re, Revue de Droit des Affaires Internationales, n. 7,1988, p. 857). 9. A restrição à concorrência sentida no mercado relevante em que atuam os partícipes da operação pode se dar de dois m odos, como assinalam Adriano Propersi e Maria Rita Astorina: (i) viabilizando o aparecim ento de um a empresa ou grupo de empresas que deterão a posição dom inante ou (ii) perm itindo a concentração do mercado de forma a torná-lo mais propício à formação dos cartéis (Antitrust: norm ativa italiana e com unitaria - II fenom eno delle concentrazioni aziendali, p. 168). 10. Tullio Ascarelli, Consorzivolontaritra imprenditori, p. 17-18. Cf., tam bém ,L eunioni d’imprese, Rivista dei Diritto Commerciale e dei Diritto Generalle delle Obligazioni, v. 33, 1935, p. 153. 8

11. A doutrina estrangeira atual perm anece conceituando o cartel como “accordo tra im prese diretto a ridurre la concorrenza” (cf. Francesco de Franchis, Dizionarío giuridico, p. 430). Waldirio Bulgarelli lembra a clássica definição de cartéis, da lavra de Liefmann: “São acordos ou uniões voluntárias entre empresas independentes da mesma espécie com o fim de dom ínio m onopolístico do m ercado”. Ressalta, ainda, o mesmo professor, a observação de Ferri no sentido de que, mais tarde, Liefmann havei ia atenuado a definição, reconhecendo que, algumas vezes, os cartéis visam, apenas, a m/lmi sobre o mercado e não, necessariam ente, dominá-lo (O direito dos ('.mi/ic'. i ii i mii i nlia2 . 1 / 1 1 ) 1 'i I I I ( 11 b < u l »)(>')).

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

ACORDOS ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

Pode-se estar diante de típico abuso de posição dominante, na m edida em que um agente econôm ico, apto a atuar com portam ento indiferente e independente em relação a seus concorrentes, a estes (seguidores) impõe-se como líder na determinação dos preços a serem praticados. Os concorrentes encontram -se em posição de sujeição.

doutrina especializada dá o nom e de “paralelismo consciente” a esse fenômeno, que geralmente ocorre em mercados com reduzido núm ero de agentes.40-41 Partindo do pressuposto que os agentes econômicos agem racionalmente e visam ao lucro, até que ponto a resposta a uma situação de mercado pode configurar ato ilícito? Em caso de preços semelhantes, deve-se com provar a existência do “acordo” para que se possa condenar a prática?42

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Há casos de price leadership nos quais os agentes econôm icos d eten ­ tores de posição d o m in an te p odem estabelecer m ecanism os coercitivos para obrigar as pequenas em presas a seguir os preços im postos m ediante a utilização de força ou intim idação38 (aum entando o grau de sujeição). De qualquer form a - deve-se ressaltar - pode não haver m ecanism o de coerção explícita, sendo que, neste caso, a sujeição decorre da própria estru tu ra do m ercado relevante. Como precisou a Suprema Corte am ericana, existe a possibilidade de agen­ tes econômicos, com reduzido poder, serem obrigados, mediante a utilização de instrum entos coercitivos, a respeitar a “liderança” de agente dom inante, donde se poderá concluir que o com portam ento dos “seguidores” foi determ inado pela convicção de que seriam punidos caso se rebelassem contra o líder.39 Essa “crença” seria o próprio elemento de coerção. 7.2.5 Cartéis, paralelismo consciente e a prova da infração à ordem eco­ nômica M uitas vezes, a identificação do caráter anticoncorrencial de um a prá­ tica colusiva é tarefa difícil, pois, ao observar o mercado, o intérprete pode deparar-se com preços sem elhantes que decorrem não de um acordo, mas do funcionam ento “norm al” daquele setor econômico. A existência de price leadership ou mesmo de com portam ento uniform e das empresas não implica necessariamente conluio ou abuso de posição dominante. Ao contrário, a seme­ lhança das estratégias pode ser decorrência de processo normal de competição. A 38. M achlup (The political economy o f monopoly, p. 129), após analisar a estru tu ra de várias price leaderships nos Estados U nidos, assevera que: “Price leadership invites particu lar disapprobation if the ‘leader’ enforces his will u p o n the ‘follow ers’ by force, threat an d intim idation. T here are even cases, m ostly in local trades, where the ‘forceful influences’ are extra-econom ic, su ch as social boycott and sim ilar sorts of m oral suasion or acts of violence com m itted or threatened by racketeers an d ‘protective societies’”. 39. Federal Trade Com m ission v. T heC em entlnstitute,referido porM achlup, Thepolili cal economy of monopoly, p. 129. A “natural” conseqüência do ali jaimii lodo inovado poderia ser considerada “puniçilo” a ser imposta ao agente econornt' ", n msi il mudo, portanto, elem ento de i oei(.ao.

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D eterm inados mercados, por suas características estruturais, são mais propensos à ocorrência do paralelismo consciente. A prim eira delas é a exis­ tência de elevadas barreiras ã entrada de novos players, de forma que preços semelhantes e acima dos níveis considerados competitivos não são suficientes para atrair novas empresas. A segunda é o reduzido número de agentes econômi­ cos (i.e., mercado oligopolizado), que perm ite identificação e veloz reação ao com portam ento dos concorrentes.43 40. “Conscious parallelism refers to parallel pricing decisions by firms in oligopolistic industries, carried out in the absence of explicit price-fixing agreem ents” (Keith Hylton, Antitrust Law. Economic theory and common Law evolution, p. 21). 41. Shieber anota o caso United States v. National Malleable e Steel Catsings Co. Naquela ocasião, a identidade das curvas de preços dos agentes econômicos foi tomada pelo Pro­ curador Federal dos EUA, como prova absoluta da conspiração. A defesa salientou que, por serem os produtos intercambiáveis, as pequenas empresas seriam obrigadas a seguir a política de preços do agente dominante. O juiz acolheu essa argumentação, sustentando que a harmonização dos preços, tomada pelo Procurador-Geral como prova do conluio, nada mais era senão o resultado de uma concorrência forte e bem informada (Abusos do poder econômico: direito e experiência antitruste no Brasil e nos EUA, p. 89). Neide Malard, a esse respeito, assinala que “a identidade de preços em um mercado oligopo­ lizado decorre, com frequência, de prática comercial nonnal e, muitas vezes, previne a concorrência predatória”.Com apoio em j oe Bain, afirma que “desde que não se verifique a existência de conluio, a prática é tida como legal nos Estados Unidos”. Ainda na opinião da mesma especialista, a ausência de combinação prévia também afastaria a ilicitude da prática (O cartel, Revista de direito econômico, 21/45) .V, também, KeithHylton, Antitrust Law. Economic theory and common Law evolution, p. 73 e ss. 42. Aqui, é im portante notar que o art. 102 do Tratado sobre o Funcionam ento da União Europeia coloca como com ponente de sua hipótese norm ativa a existência de “acor­ do”, ou de “prática concertada” entre os agentes econômicos. Da mesma forma, nos Estados Unidos, deve haver um “contract”, “com bination” ou “conspiracy” entre as partes. Porém , raram ente um a prática concertada é docum entada pelos agentes econômicos, de sorte que sua prova é, p or vezes, quase impossível. Para solucionar essa questão, as cortes acabaram afirm ando que a existência do acordo pode ser de­ duzida das próprias circunstâncias do caso, mas que não basta a mera sem elhança de com portam ento para a condenação. I 1 Sobie n p. .ilclismo de açoes, e o espectro de c ondutas que se encontra entre o ei ii npi iiiiuii ilo independe me e a eolusao, lUack, ( j w a p l i u i l foi ulat i ons o / d n l i l r u s l , e .pri lill llli llli p I M| i- v, ii

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OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

A título exem plificativo, tom em os um setor com elevadas barreiras à entrada de novas empresas, no qual a clientela é disputada por três agentes econômicos de porte semelhante. Não é de se espantar que a empresa A pre­ suma que, se rebaixar seus preços, B e C, quase que im ediatam ente, seguirão pela mesma estrada.44As três podem não ver vantagem alguma em dim inuir o preço de venda, o que as conduziria a um a “guerra de preços” que tende não ter vencedores. Conscientes desse fato, os agentes econôm icos sim plesm ente não d i­ m inuem seus preços, não “com pram a briga”, porque sabem que isso não os levará ao increm ento de sua market share. Ao contrário, aum entam , de forma “natural” os preços praticados, sem que qualquer pacto entre eles seja estabelecido; os preços subirão em todo o mercado. Isso porque “ [qjuando oligopolistas reconhecem sua interdependência e dim inuem a concorrência nos preços, os resultados podem assemelhar-se àqueles de um m onopolista, procurando m aximizar seu proveito”. A constatação do fenômeno do paralelismo consciente traz um dos p rin­ cipais problemas das autoridades antitruste nos dias de hoje: não é possível a condenação dos agentes econôm icos por terem agido de forma racional, respondendo a estím ulos do mercado, sem que tenham se lançado na prática de qualquer ato ilícito. Nos Estados Unidos, respeitado especialista em antitruste escreveu, em 1962, opinião que é seguida pela doutrina e pelas cortes daquele país até os dias atuais: “ [C jonscious parallelism is devoid of anything that m ight reasonably be called agreement w hen it involves simply the independent responses of a group of com petitors to the same set of economic facts - independent in the sense that each w ould have made the same decision for him self even though his com petitors decided otherw ise” .45 A Corte dejustiça Europeia, no julgam ento do caso Materie Coloranti, dei­ xou clara a im possibilidade de condenação dos agentes pelo mero paralelismo de preços, em bora este possa constituir forte indício da existência de conluio:

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. “ [I] n m ost real m arkets, each m arket participant recognizes that its pricing decisions will have an im pact on and will draw a response from com petitors. For such players, o u tp u t and pricing decisions are taken w ith aneye to w hat the compcl iii ve response will be” (SULLIVAN e GRIMES, The law of antitrust: an integrated h a n . l b o o k . Saint Paul: W est Group, 2000, 39).

45. TU R N E R , “ T h e d e lin ilio n o la g re e m e n l u iu lr i ihc Shi i in a ii At I ( I *)(>.’ )

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“(...) ainda que o paralelismo de com portamentos não possa sozinho iden­ tificar uma prática concordada, ele pode constituir, todavia, um sério indício, desde que leve a condições de concorrência que não correspondem àquelas normais do mercado, considerando a natureza dos produtos, da entidade e do núm ero de empresas, e do volum e do mercado considerado”. [...] (...) cada produtor é livre para modificar como quer os próprios preços e pode levar em conta, com tal fim, os com portam entos atuais os previsíveis dos seus concorrentes”.46 A questão é que a prova da combinação entre os agentes econômicos é difícil de ser obtida. Salvo alguns casos patológicos (ainda com uns no Brasil), as empresas, sabedoras da ilicitude de sua conduta, não costum am produzir docum entos que a comprovem. Valendo-nos da expressão em língua inglesa, no que tange às combinações, é difícil encontrar um a “smoking gun”; não se há de esperar que o agente econômico lavre ata da reunião em que foi acertado o aum ento de preços entre os concorrentes. A realidade dem onstra, ainda, ser possível que empresas, na busca do arrefecim ento da com petição, não deem lugar propriam ente a um acordo sobre determ inada conduta, mas troquem informações e ajam de maneira tal a catalisar a prática de com portam ento orquestrado.47 E por essas razões que, para a condenação de agentes econômicos por prá­ ticas colusivas, não hasta o paralelismo de suas condutas 48 É necessário que 46. Sentença da Corte deju stiça Europeia, de 14 de ju lh o de 1972. Causa 48/69. 47. O art. 101 do Tratado sobre o Funcionam ento da União Europeia refere-se a esse tipo de conduta como “prática concertada”. Antonio Carlos Dos Santos, Maria Eduarda Gonçalves e Maria M anuel Leitão Marques quanto às práticas concertadas: “é uma noção difícil de precisar. Não se exige nenhum acordo ou decisão conjunta, nenhum a manifestação de vontade no sentido de criar laços jurídicos entre as partes, mas exige-se algo mais do que um a conduta idêntica, mesmo se consciente, por parte dos agentes, algo mais do que a existência de com portam entos paralelos num certo mercado desti­ tuídos de qualquer vontade de agir em comum. Ou seja, o facto de uma grande empresa estar em condições de im por um a política de preços a outras de m enor dimensão e de estas seguirem o preço daquela, ou de, num mercado oligopolista, as empresas que o integram acabarem racionalmente por uniformizar comportamentos, não significa, por si só, a existência de uma prática concertada. Esta exige que o com portam ento paralelo resulte de um a cooperação/concertação interempresarial consciente, ou como diz o rjCf \ de 4 . (ic ia liiie n ie i >mercado relevante geográfico a que pertencem os exportadores é aquele ii.u ii i i i .) I l ’i mli ui oi ie i, enl rela n to, que esse mercado relevante geogral ieo enoli )be vai ms I '.1,11 li' ii 1111> .ii niilei e eom I lei |iii'm i .i nus easi is di blocos -i inOmieos

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

ACORDOS ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

com o escopo de propiciar o fortalecimento de suas exportações, nao aplicam a Lei A ntitruste para coibir esse tipo de ajuste.55-55

tava-se da criação de válvula de escape que perm itisse ao governo proteger as associações entre exportadores.58

O incentivo aos cartéis de exportação pode ser atuado tanto pela não apli­ cação da Lei A ntitruste, fazendo-se como se ela não existisse, quanto mediante a concessão de isenções ou autorizações. Em ambos os casos, justifica-se a com­ placência governamental pelo fato de que os efeitos do cartel de exportação não são sentidos no mercado interno, mas podem afetar estruturas e consumidores estrangeiros, não protegidos pela Lei A ntitruste nacional.57

Buscando a introdução de mecanismo seguro e que não dependesse da boa vontade do Poder Judiciário, o Congresso norte-am ericano editou, em 1918, o Webb-PomereneAct,59concedendo isenções a acordos e práticas colusivas de empresas, reunidas em associações, com o escopo único de comerciar com o exterior.60

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Nos Estados U nidos, o texto do art. 1.° do Sherman Act não deixava dúvidas quanto à sua aplicação tam bém aos cartéis de exportação. Necessi55. E dm ond Huysser traz vários exem plos para dem onstrar que, em períodos de crise, os cartéis de exportação são m ais propícios à prática do dumping (Théorie et pratique du dumpíng, p. 38). Sobre isenções para cartéis de exportação, v. Wolfgang Friedm ann e George Kalmanoff, Joint international business ventures, p. 245-246 (o autor, além da legislação europeia, analisa a questão da aplicação do Sherman Act aos cartéis de exportação anteriorm ente ao ano de 1982). 56. Não se pode deixar de referir a lição deThom as Fritz: “If industrialized countries really had an interest in tackling the impacts of international cartels they could have done so already. Yet, in 1998 OECD m em bers couldn’t reach agreem ent on banning so-called ‘hard core cartels’. Instead, OECD countries m erely agreed on a set of non-binding recom m endations against these severe abuses of m arket pow er (OECD 2001:54). Furtherm ore, certain m alpractices like export cartels are explicitely exem pted from m ost OECD countries’ com petition laws. W hile ignoring their negative im pacts on foreign m arkets, export cartels tend to be perceived as valuable export prom otion measures. As long as they d on’t restrict com petition at hom e, N orthern governm ents deny any reason to act. Developing countries, on the other hand, suffer huge losses from such conspiracies. A report com m issioned by the W ord Bank suggests that in 1997 developing countries im ported USS 81 billion of goods w hich had been affected by price-fixing cartels. These goods represented 8 ,8 % of total im ports in the poorest countries. According to that report, the real am ounts maybe even higher since only a small fraction of cartels can be revealed. In 1999 the US D epartm ent of Justice unveiled a spectacular conspiracy, the vitam in cartel, involving several pharm aceutical com panies from Switzerland, Germany, France, Japan, and the US. D uring nine years this cartel allocated m arkets and fixed prices for global vitam ins sales, w hich in 1999 reached US$ 2 billion. Since then, dozens of law suits have been filedand,forinstance,H offm an-L aR ochew asconvictedtopayU S$ 500 million, the largest crim inal fine in the US” (T hew rongforum : com petition policy in llu- WTO). 57. Tanto é assim que os cartéis de exportação acabam por perdei suas r.u h , ihi ensis ol liiuling, negoliating and enforcing contracts with suppliers ( 1 H1 au " llleve lei Inili ,ll ellu lem ies In loi al ilIg prodllclive lai ilil ies elose lo o lie

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Vê-se, portanto, que o propósito de redução dos custos de transação é um dos principais motivos que conduz o agente econômico a estabelecer o tipo de relação jurídica típica dos acordos verticais. A racionalidade da celebração do negócio está, de fato, no alcance da economia de custo de transação que não seria possível se fossem realizadas compras e vendas apartadas, sem vínculo estável entre as partes.

de vendas casadas), é utilizada na justificação econômica dos contratos de franquia, bastante tolerados pelas autoridades antitruste. No que tange à ne­ cessidade de se m anter a imagem de prestígio ou luxo de um produto, insiste-se no direito da empresa de atuar em determ inado mercado relevante [“nicho”], que é seu alvo, com posto por consumidores ditos “sofisticados” e de maior poder aquisitivo. A manutenção do preço elevado implica a preservação da aura de luxo trazida pelo produto. Não há, dessa forma, interesse mercadológico em permitir, pela redução do preço, o acesso de certo extrato da população ao bem comercializado.94

7.4.3 Acordos verticais e coibição da atuação de free riders O sistema jurídico procura im pedir que um agente econômico aposse-se indevidam ente da vantagem competitiva desenvolvida por outro, para que as empresas tenham incentivos para aprim orar seus produtos ou seu processo de produção/comercialização.92 Pensemos em um distribuidor que efetue investimentos para increm entar suas atividades, adquirindo ponto comercial bastante conveniente e treinando seu pessoal para as vendas. Essas providências aum entam seus custos com a distribuição e fazem com que o preço do produto oferecido ao consum idor seja mais elevado. Imaginemos outro distribuidor, com ponto comercial na periferia da cidade, sem qualquer infraestrutura e que se utiliza da mão de obra mais barata disponível no mercado, não oferecendo qualquer tipo de preparo ao seu pessoal. As pessoas que trabalham naquele estabelecimento não são capazes, sequer, de dem onstrar o produto de maneira satisfatória, convencendo o consum idor a adquiri-la. Muito provavelmente, os potenciais com pradores conhecerão o produto no prim eiro estabelecimento, convencer-se-ão de suas vantagens, aprende­ rão como utilizá-lo. Mas o com prarão do outro distribuidor (free rider), que vende mais barato, pois que não deve suportar custo fixo tão elevado como o prim eiro distribuidor.93 A teoria do free rider, com plem entada pela alegada necessidade da m a­ nutenção da qualidade do produto (obtida, também, m ediante a imposição

another (...) at reduced risk of opportunistic behavior (...). Because the dem and for a firm’s o u tp u t may be uncertain, so may its dem and for inputs, and it may be able to econom ize on in p u t costs by acquiring facilities to supply its ordinary needs, going into the m arket o n ly fo ru n ex p ected p u rch aseso finputs” (Antitrust: cases, economic notes and other m ateriais, p. 869). 92. Essa afirmação, contudo, deve ser tomada com reservas. V., neste livro, com entário sobre a relação entre a propriedade industrial e o direito da concorrei u i.i 93. O exem plo é dado por E. Thom as Sullivan e Jcffrey I.. I lai i ison, I hiih i .(ii/nlmi; iinli írusl iiiid ils economic im/>/i( íiííohs, p. 150, e, la m b e m , por Rov, l ' i l i h (/•/< •. n| i i n l i l i m l law, p 225

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7.4.4 Efeitos anticoncorrenciais das restrições verticais 7.4.4. / Fechamento do mercado O escoamento da produção é vital para o desenvolvimento da empresa; preço e qualidade pouco ou nada significam se não houver a venda do produto. A partir do m om ento em que o distribuidor vincula-se a um só fornecedor, com ercializando apenas um a marca, os concorrentes desse fabricante podem perder importante canal de escoamento da sua produção.95Os principais efeitos de algumas restrições verticais como a exclusividade far-se-ão sentir no chamado mercado entremarcas. É a hipótese do fabricante de refrigerantes que detém poder econômico a ponto de im por aos supermercados cláusula de exclusivi­ dade ou acordar a utilização prioritária de todas as gôndolas disponíveis: seu concorrente não conseguirá escoar a produção. É certo que, nessa hipótese, poder-se-ia alegar que as bebidas também são vendidas a restaurantes, bares e similares (alargando-se, dessa forma, o mercado relevante); mas é fato que um grande canal de distribuição seria fechado, prejudicando o desem penho das atividades comerciais dos outros produtores. É esse tipo defenômeno que se tem em mente ao afirmar que a restrição vertical (no caso, a exclusividade) pode, em potência, fechar o mercado aos concorrentes (ou “foreclosure the m arket”, em língua inglesa).96'97

94. Cf. D. G. Goyder, EC competiton law, p. 2 7 1 . 95. É preciso considerar, como faz Diane W ood, que “ali contracts exclude som ebody”. Se B decide com prar de um determ inado p ro d u to r A, outros agentes não terão acesso àquela quantidade transacionada (International competition policy advisory committee - Hearings). 96. 111'orc-c losure occurs w hen vertical integration by one firm denies another firm access ol lhe 1 1i.uUcm” (Hovenk^imp, Federal antitrust policy, p. 3 8 2 ). ')/. ,\ (ili.ii ii. .km Io niereado lambem pode advir de outras práticas relacionadas aos con­ lu i o , di I |I ,. , como as vendas casadas. Por todas, a explicação dc Sullivan e i

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Ascarelli já advertia que a contratação da exclusividade não visa a disci­ plinar a concorrência entre as partes, mas a im pedir que um a ou todas prestem serviços ou forneçam a terceiros. O im pacto concorrencial deriva da obstrução do acesso aos produtos, serviços ou canais de distribuição pelos agentes eco­ nômicos que não participam do contrato.98

leva-o a deter considerável controle sobre o concessionário (que se encontra em posição de dependência econômica), ainda que não tenha ocorrido a formal perda de autonom ia dos centros decisõrios.101102

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Por isso, diz-se que o prejuízo à concorrência (atual ou potencial) será diretamente proporcional à parcela de mercado cooptada pelo fabricante (i.e., do efetivo fechamento dos canais de distribuição ao concorrente). Mais recentemente, vários autores estudaram situações em que o bloqueio dos canais de escoamento, ainda que não efetuado por empresa dom inante, pode ser prejudicial à concorrência. Havendo obstrução, os “rem anescentes” enfrentariam grau de concorrência menor com a saída daquele verticalmente integrado (i.e., capturado pela cláusula de exclusividade) e, portanto, aumen­ tariam seus preços. Exemplificando: supom os um mercado com três agentes econômicos, cada qual detentor de u m terço de market share. Se um deles for vinculado a um a cláusula de exclusividade, os outros dois ficarão expostos a nível m enor de concorrência e poderão aum entar os seus preços.99 Os com pe­ tidores potenciais da empresa integrada deverão encarar custos maiores para entrada ou perm anência no m ercado. Nessa linha, um agente econôm ico, temendo o ingresso de novos players, buscará firm ar contratos de exclusivi­ dade por prazos longos que forçarão o aum ento de custos da possível entrada, desestimulando-a ou tornando-a m enos eficiente.100 Outra linha doutrinária alega que os contratos que encerram restrições verticais não seriam tão prejudiciais à concorrência porque possuem prazo limitado. No entanto, é com um que esse tipo de vínculo protraia-se por muitos anos e, nessa medida, o prazo da restrição assume relevância para que possamos avaliar seus impactos anticoncorrenciais. Outro argumento favorável é no sentido de que, ao contrário do que ocorre nos casos de concentrações, nos acordos verticais o fornecedor não consegue governar todos os aspectos da vida econômica do distribuidor. Sabe-se, no entanto, que o poder do fornecedor m uitas vezes

Grimes (The law of antitrust, p. 382) : “(■••) foreclosure restraints, such as tie-ins and exclusive dealing, directly preclude com petitors from m aking sales to a buyer, who is required not to deal in certain products of rival sellers as a condition of sale”. 98. Teoria delia concorrenza e dei beni immateriali, p. 64-65. 99. Ademais, a dim inuição do núm ero de agentes disponíveis poderá Iaci li lar a lormação de cartel. 100

Pliilippe Agl úon e l’al i ii t B o l l o n < u i i l r a c l s a s a l u i riei l o enlry. I lie A n u i it n u I tu i MMllii R c v i m 1 / / IMH l () H 7 , p

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101. A prática brasileira traz exemplo jurisprudencial adm inistrativo enriquecedor para 0 estudo da cláusula de exclusividade, no caso que ficou conhecido como Directv, julgado pelo Conselho Adm inistrativo de Defesa Econômica - CADE - em ju n h o de 2001. Grosso modo, a Rede Globo de Televisão perm itia que apenas um a TV fechada (SKY), com quem m antinha contrato de exclusividade, transm itisse o seu sinal. A Directv, concorrente da SKY, sentiu-se prejudicada e representou contra a Rede Globo, acusando-a de abuso de posição dom inante e recusa de contratar. No caso, era crucial determ inar se o bem (programação da Rede Globo) seria um a facilidade essencial sem a qual as outras televisões fechadas estariam condenadas a perder o jogo concorrencial. Conforme com provado nos autos, um assinante da Directv p o ­ deria ter acesso à program ação da Rede Globo pela TV aberta, m udando a posição de um a chave em sua televisão. Jã os assinantes da SKY receberiam a imagem da Globo sem a necessidade de tal “esforço” e com um a qualidade de transm issão que se dizia melhor. O acordo de exclusividade entre Globo e SKY estaria fechando o mercado de forma indevida, im pedindo a atuação do agente econômico excluído (Directv)? O voto de vista do então Conselheiro Celso Cam pilongo centra a análise nos impactos anticoncorrenciais da conduta, destacando que no “m ercado DTH, as operadoras concorrem entre si, essencialm ente, com base em dois elem entos, quais sejam o preço da assinatura e o pacote de canais e serviços oferecidos ao assinante. A oferta da program ação da Globo pela SKY, a um a qualidade superior, sem necessidade de lidar com m ecanism os de ‘chaves’, é, justam ente, um atrativo oferecido por tal prestadora aos seus usuários”, ou seja, um instrumento concorrencial, um fator de diferenciação que busca atiair consumidores. Portanto, nesse caso, a exclusividade foi encarada como um elemento que incentivaria a concorrência entre as operadoras de TV a cabo na busca da lícita captação de clientes. O mercado relevante, no caso, foi delim itado pelo m esm o Conselheiro: “ [E]ntendo que o mercado de origem (m ontante) deve ser definido como programação para canais de televisão (TV aberta e TV fechada), por considerar que a program ação das TVs abertas e fechadas concorre entre si, e o mercado alvo (jusante) como o de serviço de distribuição de TV fechada pelo sistema DTH, um a vez que a estrutura e tecnologia empregada nesse sistema se diferencia, em m uito, dos demais sistemas de TV fechada”. 102. Ainda no âm bito adm inistrativo, veja-se o voto do Conselheiro Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer no Processo 08012.009991/98-22, em que figuraram como representante Participações Morro Velho Ltda. e como representado C ondom ínio Shopping C enter Iguatemi: “No caso dos acordos de exclusividade, os efeitos poten­ ciais anticompetitivos estão associados: (i) à implementação de condutas colusivas no 1ni■n ado ‘cie origem’, quando são utilizados como instrum ento de divisão do mercado ........ produtos substitutos; ou (ii) ao aum ento unilateral do poder de m ercado da 1 1 1 1 1 " 1 1 1 lMr impõe a exclusividade, por meio do ‘bloqueio’ (marliel foreclosure) dei

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ACORDOS ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

7.4.4.2 O aumento dos custos dos concorrentes Um m ercado em que os d istrib u id o res estejam ligados a restrições verticais pode significar o aum ento de barreiras à entrada de novos agentes, especialm ente porque deverão incidir em elevados custos para instalar rede alternativa de escoam ento de produção.103 Pensemos, por exemplo, no siste­ ma brasileiro de distribuição de veículos autom otores. É fato que um novo entrante desse mercado teria, como um a das principais barreiras a transpor, a construção de rede de concessionárias. Realmente, aqueles sujeitos que já atuam no setor são exclusivos das m ontadoras aqui já estabelecidas e não po­ dem comercializar veículos novos de outras marcas. Igualmente, ao cooptar os mais eficientes distribuidores, um fabricante pode obrigar seus concorrentes a se valerem de concessionários que desem penham suas atividades de forma não tão satisfatória. Mas, em que m edida tal efeito caracterizaria a exclusividade como anticompetitiva? No nosso exemplo, a ilegalidade é afastada porque existe isenção em bloco para a prática, posta pela Lei Ferrari.104 Nos outros contratos de dis­ tribuição não subsumíveis a esse diploma, a resposta dependerá do impacto anticoncorrencial do fechamento do mercado.

fornecim ento de insum os), o que pode resultar diretam ente de cláusulas contratuais, ou indiretam ente por aum ento de custos dos rivais. Os possíveis benefícios da prática envolvem a econom ia de custos de transação, ao buscar a contenção de condutas oportunistas em defesa de investim entos não recuperáveis, como em marcas e tec­ nologias, e na proteção de ativos específicos. Os efeitos potenciais anticom petitivos e os possíveis benefícios da prática devem ser cuidadosam ente ponderados num a análise an titru ste”. D ebruçando-se sobre a cláusula de exclusividade im posta pelo Shopping Iguatemi a alguns dos lojistas que ali se instalaram , concluiu o Conselheiro que ela visara a atingir dois principais objetivos (i) perm itir a cobrança de aluguel elevado, evitando-se a concorrência decorrente da estratégia de expansão do lojista para eventuais outros estabelecim entos e (ii) evitar a concorrência de outros shoppings, tornando-se diferenciado em relação a eles, criando um nicho em que se tornara m onopolista. “Se essa restrição vertical im plicar algum grau de controle sobre as estratégias de com petição dos shoppings rivais, o Shopping Iguatem i poderá afetar os custos de diferenciação dos concorrentes ou m esmo im possibilitar essa estratégia. Essa capacidade de afetar os custos dos rivais ou de im possibilitar a diferenciação constitui um a restrição à competição eum bloqueio à entrada de novos concorrentes’ .

H ovenkam p anota que a elaboração da teoria do aum ento dos custos dos rivais (“raising rivais’ costs” - RRC) foi um a das maiores contribuições da doutrina da era pós-Chicago. A motivação dos agentes econômicos para adoção das práticas verticais mostra-se mais evidente (ou seja, plausível ou racional) quando estas são encaradas como práticas tendentes a aumentar os custos suportados pelos concorrentes e não simplesmente eliminá-los do mercado. 7.4.4.3 Restrições verticais e a facilitação de cartéis Como vimos no início deste capítulo, alguns cartéis são naturalmente instáveis em virtude da tentação de sua quebra pelos participantes, derivada de diferenças dos custos de produção, elevado núm ero de agentes a terem suas atividades coordenadas, necessidade de elemento de coerção eficaz etc. Enfim, a doutrina especializada, nas últim as décadas, debruça-se sobre os requisitos para a estabilidade desses acordos, concluindo que sua criação e sua m anu­ tenção são dem asiadam ente custosas na maioria dos casos. As restrições verticais podem servir à solidez dos conluios na medida em que diminuem o poder dos compradores dejorçar osfabricantes a concorrerem entre si. Por exemplo, tomemos um mercado em que os postos de gasolina sejam em sua maioria m ultim arcas”, revendendo produto de várias fornecedoras. Na hipótese de cartel a m ontante, os postos podem ter condições de estimular a concorrência, im pelindo os fornecedores à quebra da avença. É o que ocorrerá se obtiverem acordos individuais com a estipulação de termos mais vantajosos, transgredindo as regras do cartel. Mas, se os postos forem exclusivos, essa pres­ são pró-concorrencial não existirá.105 Em suma, a exclusividade pode auxiliar os competidores a superar obstáculos que normalmente enfrentariam para manter 0 cartel e os preços acima dos níveis competitivos.106 7.4.4.4 A diminuição das opções do consumidor. Diminuição do grau de concorrência no ponto de venda Um dos pontos mais delicados das restrições verticais, em especial da exclusividade - e ignorado por grande parte da doutrina norte-am ericana diz respeito à diminuição das opções do consumidor que dela pode derivar. Para identificar esse efeito, é necessário exam inar cuidadosamente o contexto de cada mercado im pactado pelo acordo vertical. Consideremos a seguinte h i­ pótese: as duas principais fabricantes de refrigerantes de certo país celebram

10.3. V a le n tin c - K o r a h e W a r w ic k R o lh iiie a n o ta m q u e a p re o c u p a ç ã o c o m o c l c i l o n iis in ^

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7.4.4.6 Exploração de falhas de informação dos consumidores O consum idor mal informado sobre o produto tende a ser prejudicado no m om ento da com pra se as restrições verticais fizerem com que o ponto de venda privilegie determ inada marca (ou, conform e o jargão brasileiro, em purre certa mercadoria). Esse efeito anticoncorrencial é produzido não apenas pela imposição de preços de revenda, mas por todas as práticas que, de alguma maneira, dim inuem o grau de competição entre os distribuidores, garantindo-lhes a obtenção de maior lucro (como as comissões, por exem plo). Tome-se como exemplo um a loja que comercia várias marcas de m áqui­ nas de lavar. Uma delas, m ediante a imposição de restrições verticais, como o preço de revenda, garante margem de lucro m aior ao distribuidor. O agente econômico dará preferência à venda desse produto “incentivado” em detri­ m ento de outros que podem, inclusive, oferecer m elhor qualidade e preço. Portanto, exporá o bem em local de destaque, instruirá os vendedores para nele centrarem seus esforços e assim por diante. As outras mercadorias serão vistas apenas mediante pedido expresso do consumidor. Se este não conhecer as informações necessárias antes de ir às compras, pode acabar prejudicado.114 Há m uitas maneiras de se obter a informação sobre a compra: conselhos de conhecidos e familiares, propaganda, vendedores/prom otores presentes no ponto de comercialização, estudos técnicos (como levantam ento de preços efetuados por entidades especializadas); experiências próprias anteriores etc. Mas o esclarecimento no ponto de venda costuma ser importante para aformação da vontade do adquirente e a perda dessa fonte pode implicar o pagamento de preço mais elevado pelo consumidor - o que não ocorreria se tivesse acesso à informação adequada. Igualmente, é possível que os varejistas disponham os produtos de maneira a auxiliar a saída da marca “incentivada”. Por exemplo, nos supermercados, o produto que está na altura dos olhos tem vendas maiores do que os das prate­ leiras m arginais.115 O com prador que não busca especificamente a mercadoria “escondida” acaba sendo prejudicado, não aproveitando as vantagens eventu­ almente oferecidas. Essa constatação traz o grave problem a da comercialização 114. Para Stephen Martin: “It is costly for a consum er to aequire information, and bounded rationality limits the am ount of inform ation a consum er can consider at any one time. I he result is that it is optimal for consum ers to make decisions based on incom plete inform ation” (Industrial economics, p. 336). I I 'í. I in relação aos produtos direcionados às crianças, geralm ente adquiridos “por i in I>i 1 1 -." (p ex., guloseimas), o m elhor local dc disposição na gôndola pode ser na ■dl m ,i d n \ iillios do iulanlc (e nao de seus pais).

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ACORDOS ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

dos espaços em gôndolas que tende a privilegiar os agentes econôm icos com maior poder de mercado, em detrim ento, m uitas vezes, da produção regional e da entrada de novos players no mercado. Dessa forma, a redução de preço de um fabricante para ganhar mercado não produzirá os efeitos esperados: a falha de inform ação do consum idor, conjugada ao arrefecimento da concorrência intramarca, tende a neutralizar o aquecim ento da competição que adviria da dim inuição dos preços de uma das marcas concorrentes.116

Esse problem a em relação às lojas de desconto foi levado em considera­ ção pela m inoria divergente da Suprema Corte norte-am ericana ao julgar o caso Leegin que, ao adm itir a imposição pelo fornecedor do preço de revenda a ser praticado pelos distribuidores, prejudicou aqueles que oferecem preços inferiores aos adquirentes (vide item 7.4.5, infra).

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7.4.4.7 Aumento dos preços para os consumidores A im posição de condições de revenda pode aum entar o preço para os consumidores, como apontam alguns críticos da Escola de Chicago. Pensemos, por exem plo, no sabão em pó da marca O , vendido em grandes superm ercados. Como a marca O possui elevada penetração, pode ser interesse do retalhista dim inuir sua margem de lucro naquele produto a fim de atrair consumidores para suas lojas. Mas esse rebaixamento será inviabilizado se houver a im posi­ ção do preço final. Ademais, o retalhista tende a elevar os preços de produtos concorrentes mais baratos, aproxim ando-os daquele em que obtém m aior margem de comercialização, dim inuindo a concorrência entremarcas. Tudo fará para estimular o consumo do produto cuja venda lhe traz maiores lucros.117 7.4.4.8 Levantamento de barreiras à entrada de discounters Steiner, em 1985, chamou a atenção para o seguinte fato: os adeptos da le­ galidade per se dos acordos verticais tratavam os estabelecimentos que vendiam a bom preço, normalmente em grandes quantidades e/ou pouca variedade (dis­ counters ou discount stores), como parasitas. A imposição de preços de revenda, em vez de aum entar a eficiência do sistema, tenderia a levantar barreiras à entrada dos agentes econômicos que comercializariam o produto a preços inferiores.11b 116. Segundo Stephen Martin: “If, them, a firm low ersitsprice, itw illattractsom eadditional sales from custom ers who are aware of its prices. But it will not capture the entire market. Because it is costly to acquire inform ation, some consumers will rem ain ignorant of the lower price and will not switch suppliers” (Industrial economics, p. 337). 117. “Ali exclusive territories or resale price m aintenance is likely to do in such stores is m inim ize the interbrand com petition as the retailers tend to bring the prices of low er-priced item s u p to those as to w h ich price is pro tected ”(M organ, Modem antitrust law and its orígins, p. 715). 118. “For in the neo-Chicago version, dtecount storesarcs cenasparMsi l i e. i l I h m lowci prices arc ascribed entirely lo lhe avoidancc ol 1 lu* c ost s i n< m in i I>\ 1 1 .ihl to rclitse to deal with relailers lhat do not folio w its suggested prices. (...) The ei (im iiiik

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Fernando Conesa,29 baseado na classificação de Vicent Chulia, divide as vantagens decorrentes das concentrações em três grandes grupos, quais sejam: a) No que tange à organização interna do agente econômico: (a .l) há o increm ento do m aquinário e do progresso técnico; (a.2) a organização re­ duz os gastos gerais e os custos fixos; (a.3) dim inuem consideravelm ente as possibilidades de perdas no processo de produção; (a.4) reduz o risco, com a obtenção de capitais líquidos. b) No que diz respeito à posição da empresa no mercado: (b. 1) em casos de concentrações horizontais, o agente econômico se fortalece no relaciona­ mento com seus fornecedores; é facilitado seu crédito no mercado de capitais; é atraída mão de obra mais qualificada; haverá m aiores possibilidades de conhecim ento da procura futura, investimentos em publicidade, aum ento da dimensão comercial da empresa etc.; (b.2) em casos de concentrações verticais, aum enta-se a segurança de escoamento da produção, controle das fontes de matéria-prima e possibilidade de prática de preço final inferior. c) Intensifica-se o poder da empresa em relação ao Estado. Essas afirm ações são feitas ainda com m aior veem ência quando rela­ cionadas à necessidade dos países (ou dos blocos econômicos) de aum entar 27. Ross lem bra que um a empresa com m oderna linha de produção, mas com ineficiente sistema de vendas, pode fundir-se com outra, que utiliza m aquinário obsoleto, não obstante sua distribuição seja extrem am ente eficiente (Principies of antitrust law, p. 315). O resultado será um a nova em presa em condições de oferecer concorrência efetiva aos dem ais agentes e, portanto, aum ento do grau de com petitividade no m ercado relevante. 28. Por essa razão, com entando os Mergers Guidelines de 1992, Areeda e Kaplow apon­ tam: “The prim ary benefit of mergers to the econom y is their efficiency enhancing potential, w hich can increase the com petitiveness of firms and result in lower prices to consumers. Because the antitrust laws, and thus the standards of the Guidelines, are designed to proscribe only mergers that present a significant danger to com petition, thcy do n o t present an obstacle to m ost mergers. As a consequence, in the m ajority of s/elli< i' (>/ íiiilifi iisf p ,’ l1))

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52. No ano de 1890, N ew jersey tornou-se o prim eiro estado norte-am ericano a adm itir que um a empresa fosse titular de ações de outra empresa. Delaware adotou a mesma posição nove anos depois. A holding torna-se, assim, um a popular forma de consoli­ dação do poder econômico (Fox e Sullivan, Cases and materiais on antitrust, p. 737). 53. Fox e Sullivan assinalam que era bastante simples para os agentes econômicos esquivarem-se da incidência do ClaytonAct, bastando, para tanto, adquirir os ativos de outras empresas e não seu controle acionário (Cases and materiais on antitrust, p. 740). 54. Os dados históricos desse parágrafo nos são fornecidos por James McCall (Sum and substance of antitrust, p. 219 e ss.) É de se ressaltar, entretanto, que não há consenso entre os autores americanos ao indicar os períodos dessas ondas de concentração. Ho­ venkamp, por exemplo, coloca a primeira delas entre os anos de 1895 e 1904, quando mais de 15 í>das empresas americanas teriam sido envolvidas em alguma operação de concentração (Federal antitrust policy, p. 443) .Já segundo Fox e Sullivan, um a primeira onda concentracionista iniciou-se por volta do ano de 1849, intensificou-se no ano de 1890 e estendeu-se até 1893. O utra onda teve início em 1895, perdendo sua força no ano de 1904 (Cases and materiais on antitrust, p. 738). Para profunda análise do processo de concentração das empresas norte-americanas, cf. Daniel Guérin e Ernest Mandei, La concentración econômica en Estados Unidos, Capítulos I e II, p. 37-52. 55. bedera I antitrust policy, p. 4 4 3 .0 m esm o autor indica evidências de que a aplicação da I ei A ntitruste am ericana teria levado ao m ovim ento co n cen tracionista das dei adas de 70 e 80. Altos custos lixos e elevada produção forçavam os agentes econômicos a inlcgi at/no, mas as pralicas concertadas eram consideradas ilegais. I )(

> , u ni a V(v (|H(* as ( o i u m t r a e o r s ri a m visi as de l o r m a m a i s lihi i a l , i mii los

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CONCENTRAÇÕES ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

É fato, entretanto, que a concentração de poder econômico nas mãos de agentes privados é questão delicada nos Estados Unidos.311Desde a promulgação do Sherman Act, passando pelo período pós-guerra, quando se temia o poder das grandes empresas (lembre-se que os cartéis haviam auxiliado a ascensão e manutenção de Hitler no poder) ,57e até hoje, em alguns momentos, acaba-se por recear o poder econômico não porque o agente possa dele abusar, mas simples-

mente por sua existência.58"59Entende-se as palavras de Steven Levy sobre o caso Microsoft. “The problem isn’tM icrosoft’s ambition; it’s Microsoft’s position”.60

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em presários voltaram -se para essa alternativa. Conclui o autor que, provavelm ente em v irtu d e desse cam inho, as em presas am ericanas desenvolveram -se com mais eficiência e to rnaram -se m aiores. Ao contrário, na Inglaterra, m ais to lerante com os cartéis e práticas colusivas, as pequenas em presas efetivaram práticas concerta­ das, em alternativa ao processo de concentração. Por essa razão, na m etade deste século, m u itas em presas b ritân icas eram p equenas, fam iliares e dom inadas pela ineficiência. Assim, “so agressive A m erican a n titru st policy m ay have had an efficient consequence, alth o u g h it was n o t the consequence th at its plan n ers had in m in d ” (idem , ibidem ). Tendo em vista a afirm ação de H ovenkam p, torna-se b astan te ú til a análise da evolução da disciplina da concorrência na Inglaterra, efetuada p o r D enys G ribbin às páginas 211 a 246 da obra coletiva Concorrenza e controllo delle concentrazioni in Europa. Esse a u to r confirm a que, desde o final do século XIX, foi favorecida a form ação de cartéis e de organism os cooperativos no âm bito do Reino U nido, com o escopo de enfrentar a concorrência oferecida pelos konzern alem ães (p. 2 1 2 ). 56. A título exemplificativo, o famoso caso Brown Shoe Co. vs. U. S. (370 U. S. 294, 82 S. Ct., 1 5 0 2 -1 9 6 2 ), em que a Suprema Corte condenou operação de concentração que restringiria, apenas, 1% ou 2% do mercado. A Corte repeliu a argum entação de “incip iên cia” da operação, concluindo que deveria ser condenada, um a vez que o m ercado exibia um a “tendência” para a concentração e integração vertical (H ovenkam p, Antitrust, p. 137). Assinale-se, ainda, que a modificação do art. 7.° do ClaytonAct, ocorrida em 1950, deveu-se, na opinião de H ovenkam p, ao fato de que “Congress w anted stronger m erger standards that w ould condem n acquisitions in their ‘incipiency’, before they had a chance to w ork their full evil” (Federal antitrust policy, p. 342). 57. “In the late 1930s and early 1940s, w ith the ascendancy of H itler supported by the G erm an cartels, Americans becam e increasingly fearful of concentrated political power. A lively m erger m ovem ent intensified the fear. In 1938 Franklin D . Rooseve 11 established the Tem porary N ational Econom ic Com m ittee (TNEC) to study lhe causes of and cures for industrial concentration. (...) Scholars and other observei s saw the trend towards concentration as a threat to dem ocratic institutions and lo the tradition of entrepreneurial com petition. (...) In ils Final Report, lhe I Nl ( recom m endedextending the m erger law toacquisilionsol asseis and lurtlici rei oni m ended thal planned m erg ersandacquisiiions be notilicd lo ilw v.ovcmincni'’ (< I l ox !• Sullivan, ( .dsrs and nuihrUils on anlItnisl, p /■! > / I I )

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Em meados da década de 70, a Suprema Corte americana (e sua recém-formada maioria) marcou o início do domínio da Escola de Chicago.61 Essa

58. Fábio Nusdeo situa, nesse contexto, o julgam ento do caso Alcoa, em que essa empresa foi condenada por manter monopólio na venda de alumínio refinado: “Passou-se, assim, do entendim ento da rule of reason para o princípio da per se condemnationem, ou seja, a condenação do m onopólio em si, em virtude dos riscos a ele inerentes” (Abuso do poder econômico, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 132). Na mesma linha, Ascarelli anota que som ente em um am biente de liberdade de iniciativa econômica é possível a democracia (Sul progetto di legge antitrust, Studi in tema di società, p. 437). 59. “But big business and A m ericans always have had a love-hate relationship. Big corporations em ploy m ore A m ericans and pay them higher salaries th an sm all businesses do. They do m ost of our research and developm ent, introduce m ost of our new produets, defend us, entertain and inform us, and pay m ost of our taxes. N otw ithstanding these bounties, Americans have always m istrusted big business. We have w ritten and read about the ‘organization m an’ w ho has ceded his freedom and identity to his employer. We believe that big business hom ogenizes us, overstandardizes us and - worse of ali - m akes us pay high prices for shoody produets or P ° o r Service. A ntitrust is properly concerned only w ith the last of these sins” (Hov­ enkam p, Federal antitrust policy, p. 241-242). Na década de 70, afirmavam Daniel G uérin e Ernest M andei (La concentración econômica en Estados Unidos, p. 8 6 ): “Los m onopolios no sólo anulam al ciudadano norteam ericano como individuo; tam bién lo oprim en como ‘anim al político’”. 60. A ntitrust and com m on sense - Judge Sporkin is right: M icrosoft has gotten too powerful, Newsweek, 06.03.1995, p. 39, coluna 2. 61. D urante a década de 60, nos Estados Unidos, a estrutura industrial era governada pelo paradigm a da “estrutura —conduta - desem penho”, que sugeria tornarem -se as em presas m enos com petitivas (e levadas à colusão ou conduta oligopolística) em mercados concentrados. Era o chamado S-C-P Paradigm. Na década de 70, este paradigm a começa a ser contestado por aqueles que alegavam (i) ser o alto grau de concentração necessário em m uitos mercados para obtenção de economias de escala e (ii) que os m ercados poderiam continuar a ser competitivos mesmo se funcionassem em estruturas concentradas (Hovenkamp, Federal antitrust policy, p. 444). Assim, “the m ore efficient a firm is, the faster its share will grow; as less efficient smaller firms are driven out, concentration will naturally increase” (Fox e Sullivan, Cases and materiais on antitrust, p. 749). N eideM alardresum e da seguinte forma a posição da 1 'scola dc < hicago, com relação às concentrações: “Segundo a Escola de Chicago, ,i i (in. cnii.K, ao economica não deve ser vista como um a presunção da ilegalidade, e ••mi d .i. In iu i.i ( K .igcnies econômicos, atuando no mercado de forma racional, cm Iiiim i il.i ni.i inn ,ii ,ii 1 1 li »•, lucius, combinam seus bens de produção da maneira " 1 ,1 1 -. I Ili Ii I ll l ■■ II , l i , 1 . . I I I I I I ,1 I ,!(> | I I I I I K l( >'. |l( 1. 1' . I( 1 1 (, , I ' . C ( l 1 1 1 1 1C I it I V. r . I 10 M I C K'ad(). ii

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CONCENTRAÇÕES ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

linha envolvia o retorno a um “neoclassicism o” econôm ico, sustentando o adequado funcionam ento do mercado sem a necessidade de intervenção go­ vernam ental. As concentrações de empresas não eram vistas como algo a ser evitado: se há concentração no mercado, não se deve inferir que ali há excessivo poder econômico, mas sim economias de escala.62

Mas o processo adotado para a determinação dos efeitos de qualquer ope­ ração sobre o mercado é, de sua parte, maleável, perm itindo, pela conjugação dos fatores relevantes no caso concreto, a obtenção de resultados bastante diversos. Mais uma vez colocam-se fórmulas matemáticas, na esperança de proporcionar maior grau de segurança jurídica na apreciação das operações de concentração, como veremos a seguir.

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Em 1980, com a eleição de Ronald Reagan e a nomeação de W illiam E Baxter para Assistant Attorney General encarregado da divisão antitruste do governo norte-americano, consolida-se o poder da Escola de Chicago. Em 1982, são elaborados novos Merger Guidelines, que exprim em essa visão neoliberal.63 Na vigência das guidelines de 1992 (revistas em 1997), poucas operações de concentração encontram problemas para aprovação nos EUA. A mesma ten­ dência deve se m anter com a nova regulamentação de 2010. 8.6 Impacto das concentrações sobre o mercado

A avaliação de um a operação de concentração envolve a análise de seu impacto sobre o mercado para determ inar em que medida foi este “concentrado” (ou seja, dim inuiu o grau de concorrência ah existente).64

Assim, a intervenção do Estado, p o r se co n stitu ir n u m m ovim ento estranho ao mercado, adiciona a ele mais ineficiência ao invés de torná-lo mais com petitivo” (Integração de empresas: concentração, eficiência e controle, R1BRAC, p. 49). 62. Essa posição estava em óbvia contraposição ao paradigm a “estrutura - conduta desem penho”. Com efeito, considerada essa pauta, seria suficiente verificar que em determ inado setor da econom ia as em presas obtém lucros dem asiadam ente altos, ou ainda que o grau de concentração é por dem ais elevado, para deduzir a existência de com portam entos anticoncorrenciais (cf. M atteo Caroli, La regolamentazione dei regimi concorrenziali, p. 21). A grande preocupação desloca-se, então, da questão das barreiras e da concentração para a análise da eficiência. 63. O prim eiro Merger Guideline data de 1968. Posteriorm ente, no ano de 1982, emanaram -se novas Guidelines, que foram revistas no ano de 1984 (e são, geralm ente, referidas como as Guidelines de 1984). No ano de 1992, novas Guidelines são intro­ duzidas. Há autores que consideram que as Guidelines posteriores a 1968 são meras atualizações e modificações da prim eira. Da m esm a forma, há quem julgue que são quatro diplom as diversos, cada qual constituindo um a nova Merger Guideline. As Mergers Guidelines de 1992 foram em anadas, conjuntam ente, pelo D epartam enlo d e ju stiç a e p e lo FTC am ericanos e revisadas no ano de 1997. Em 19.08.2010, novas G uidelines conjuntas foram lançadas pelos m esm os órgãos. 64. Ross se pergunta “whether the competi tivenessof a market struclu re is more likeage (vvilli eachyear, oncgradually growsolder; with eaclt merger, a markel gradually Ixvomcs Ir v. eompelilive) orlike virginity (oneeiilu r isa viiy,in oi is n o i,a m aikn niliei liasi notifji Imns lo Ih- compelilivc oi n does n o l)" (l’i Im /« s )

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O prim eiro passo para a avaliação do abalo que um a operação de concen­ tração causa no mercado é a sua delimitação, ou seja, a indicação do mercado relevante65. Posteriorm ente, identificam-se as quotas de mercado detidas pelas empresas antes e depois da operação, bem como o grau de concentração do mercado nesses dois momentos. São também tomados em consideração outros pontos, tais como (i) existência ou criação de barreiras à entrada de novos concorrentes, (ii) dinâmica da concorrência naquele mercado relevante e (iii) concorrência potencial, chegando-se à conclusão sobre o eventual impacto causado pela concentração.66 Já nos dedicamos, em capítulo específico, ao “elástico conceito de mercado relevante” e como este pode ser demarcado de forma a condenar (ou aprovar) as operações de concentração, conforme o entendimento da autoridade antitruste, razão por que não vem a talho repetir aquelas ponderações. Repise-se apenas que muitas operações de concentração podem ser viabilizadas se considerado mercado relevante mais amplo como, por exemplo, o mundial (existindo concor­ rência internacional) e não o mercado relevante brasileiro. Q uanto à delimitação da parcela de mercado (market share) detida pelos agentes econômicos partícipes da operação de concentração, também desta­ camos, em capítulo específico, que esta pode não refletir o poder de mercado (market power) envolvido na prática, havendo outros elementos a ser consi­ derados. Não obstante, a market share constitui im portante indicativo, pois, muitas vezes, o percentual de mercado detido pelo agente é proporcional ao seu poder econômico. Por essa razão, a delimitação da parcela de mercado é crucial na avaliação do impacto concorrencial da operação. A teoria econômica, buscando avaliar o grau de concentração presente no mercado relevante, antes e após a operação, fornece-nos alguns m étodos de cálculo, de que podem as autoridades antitruste lançar mão para afirmar que um mercado é “m uito” ou “pouco” concentrado. Dentre esses, o mais uti-

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mciodo lem sido discutido nos Estados U nidos, propondo-se a análise de cono estudo do com portam ento dos preços. V, a esse respeito, as ■ii ii.ii I li ii i cini.il Mergn Cluidelines” de 2 0 10. (| I " . i '• 11 111x in i iisrs /uni i mi t ei iiils on imlitrusl, p, 7“50. ci i u i.ii.o im e d ia n te

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CONCENTRAÇÕES ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

lizado (e que foi, inclusive, adotado pelas Mergers Guidelines estadunidenses a partir de 1984) é o cham ado índice HH1 (H erfindhal-H irschm an Index). Inicialm ente, calculam-se e somam-se os quadrados das quotas detidas por todas as empresas do mercado:

com um H H I, após a concentração, situado entre 1.000 e 2.000 e com u m delta inferior a 250, ou num a concentração com um HHI, após a concentração superior a 2.000 e com um delta inferior a 150, excepto quando se verificam circunstâncias especiais (...)”.

a) caso, após a operação, o núm ero obtido for inferior a 1.000, o mercado é considerado pouco concentrado, e conclui-se que a operação de concentração não produziu efeitos anticoncorrenciais;

Sem dúvidas, se as fórmulas matemáticas acima transcritas pudessem determinar, por si somente, a conformidade ou não de um a operação de con­ centração com a ordem econômica, seria proporcionado aos agentes confor­ tável grau de segurança e previsibilidade jurídicas. Infelizmente, entretanto, a realidade que se apresenta é bem outra e plena de fatores que não se encontram refletidos em análises puram ente matemáticas.

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b) caso o núm ero obtido, após a operação de concentração, oscile entre 1.000 e 1.800, o mercado é considerado m oderadam ente concentrado, e ape­ nas as operações que provocam um aum ento inferior a 100 são norm alm ente compatíveis; em caso de aum ento superior a 100, a operação deve ser apreciada tom ando-se por base outros critérios; c) se o núm ero obtido for superior a 1.800, o mercado é tido como alta­ m ente concentrado, e som ente as operações que increm entam o núm ero até 50 admissíveis. Alterações da ordem de 50 a 100 indicam que a operação deve ser avaliada à luz de outros critérios. Se o aum ento for, ao invés, igual ou superior a 100, presume-se que a operação implica excessiva concentração de poder de mercado. Essa presunção poderá ser, todavia, afastada, caso comprovado que o negócio não cria ou reforça o poder de mercado detido pela empresa gerada pela operação de concentração.67 A nossa Lei 12.529/2011 não adotou o HHI como indicador do grau de concentração de determ inado mercado. Não obstante, poderá ser utilizado como argum ento retórico tanto pelas partes que subm etem à apreciação do CADE operação de concentração, como pelo intérprete autêntico. A Portaria C onjunta SDE/SEAE 50, de 01.08.2001, indica o CR4 como ferram enta de análise, pois considera que “um a concentração gera o controle de parcela de mercado suficientem ente alta para viabilizar o exercício coordenado de poder de mercado sempre que”: (i) “a concentração tornar a soma da participação de mercado das quatro maiores empresas (C4) igual ou superior a 75%”; e (ii) “a participação da nova empresa formada for igual ou superior a 10% do mercado relevante”. Não obstante, em muitos julgados, nossas autoridades antitruste valem-se do HHI para dissecar a prática. As Guidelines europeias sobre a im plem entação do Regulamento 139, de 2004, esclarecem que é “pouco provável que a Comissão identifique preo­ cupações em term os de concorrência de tipo horizontal num a conccnlração 67. A explicação sobre o cálculo do IIIII é efetuada, de maneira bastante resumida c< laia, por Alberto TblToletto, II caso dc Havilland, ( .in» is/>» i i d c n - a i o n i n u u hi l c I ‘> I/' >/ I < ss jtil agn I , pai Ic 11 ( I , l a mbem, Deiiii a. A n l l h nsl, p /(>

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No estudo do efeito anticom petitivo derivado da operação de concen­ tração assum e particular im portância a concorrência potencial presente no mercado relevante, bem assim a existência ou criação de barreiras à entrada (ou volta) de concorrentes.68Se, independentem ente da operação, há agentes econômicos à margem do mercado prontos para alçar vôo e aptos a nele entrar a qualquer m om ento (in the wings), a concentração pode não prejudicar a livre concorrência.69 Mas essa análise tradicional pode transcurar aspectos concorrenciais im ­ portantes, especialmente quando tratamos de concentrações conglomeradas. Lembram McCall e Denozza70 que, aparentem ente, a união de um a empresa produtora de detergente com outra de alvej antes não produzirá alteração na composição de ambos os mercados relevantes, mas poderá gerar concentração (conglomerada) de poder econômico, além de levantar barreiras à entrada de

. Como assinala Herbert H ovenkam p, em 1972, no caso Ford M otor Co. vs. U. S. (562 92, S. Ct. 1142), a Suprema Corte am ericana condenou a aquisição, por parte da citada empresa, de fabricante de velas de autom óvel, por entender que a operação levantaria um a barreira à entrada e atuação de novos agentes econôm icos naquele mercado, já que não poderiam com petir pelo fornecim ento de produtos para a Ford (Antitrust, p. 137). Trata-se da cham ada foreclosure theory. Foreclosure, ressalta o mesmo H ovenkam p em obra posterior, “occurs w hen vertical integration by one firm denies another firm access to the m arket” (Federal antitrust policy, p. 342). 69. Ross, Principies of antitrust law, p. 360. Areeda e Kaplow apontam que “a merger is not likely to create or enhance m arket power or to facilitate its exercise, if entry into the m arket is so easy that m arket participants after the merger, either collectively or m i ilaterally could not profitably m aintaina price increase above premerger leveis. Such hu markel"

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O CADE efetuará juízo de ponderação: considerará os prejuízos con­ correnciais causados pela operação, mas também suas eficiências, ou seja, os aspectos positivos para a economia e para a sociedade em geral. O § 6.° do art. 88 dispõe que as práticas restritivas da concorrência poderão ser autorizadas, desde que sejam observados os limites estritam ente necessários para atingir os seguintes objetivos: aum ento da produtividade ou da com petitividade, melhoria da qualidade de bens ou serviços; e/ou eficiência e desenvolvimento tecnológico ou econômico. Ademais, devem ser repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes. 8.7.1 Critérios para determinação da necessidade de submissão da opera­ ção de concentração ao CADE De acordo com o sistema de nossa Lei A ntitruste, as operações de con­ centração devem ser subm etidas ao CADE previam ente à sua concreção, desde que se subsum am às hipóteses previstas nos artigos 88, canut e 90 da Lei 12.529/2011. Assim, nem todos os negócios que geram concentração são de apresentação obrigatória, mas apenas as operações expressamente mencionadas no art. 90, acima com entado (fusões, incorporações, compra de controle e de ativos etc.). E mesmo as concentrações m encionadas no art. 90, caput, estão dispensa­ das de apresentação se não alcançarem os patamares postos pelo art. 88, caput: (i) um dos grupos partícipes da operação tenha registrado, no últim o balanço, faturam ento bruto anula ou volum e de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a quatrocentos milhões de reais; e (ii) o outro grupo tenha o mesmo faturam ento equivalente ou superior a trinta m ilhões de reais. 74. Sobre o sistema europeu, cf. Mario Siragusa e Romano Subiotto, II controllo delle concentrazioni a livelloCEE: una prima analisi pratica delle decisioni delia Commissione,

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

CONCENTRAÇÕES ENTRE AGENTES ECONÔMICOS

Os critérios são cumulativos, ou seja, se um a empresa com faturam ento superior a quatrocentos m ilhões de reais adquirir o controle de outra que fa­ tura vinte milhões, não precisará pedir a autorização do CADE. Igualmente, caso nenhum dos partícipes atinja o patam ar de faturam ento de quatrocentos milhões, a operação não precisará ser informada. Dizendo-o de outro modo: para determ inar a necessidade de submissão ao CADE da operação, deve-se, inicialmente, verificar se se trata de operação expressamente m encionada no caput do art. 88. Sendo positiva a resposta, é ainda necessário verificar se o negócio alcança os patamares postos pelo art. 90.75

infração à ordem econômica, determ inando a incidência do art. 36, caput, de forma que exige a abertura de processo para sua investigação.

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A Lei prevê ainda um a im portante exceção em relação aos atos que devem ser apresentados ao CADE. É com um que empresas se unam para participar de licitações públicas. C ontudo, a análise dessas associações não é função da autarquia, conforme expressamente disposto no art. 90, parágrafo único, da Lei Antitruste. Isso porque o CADE não tem com petência para se colocar acima da Administração Pública, interferindo em suas políticas. Julgam entos das autoridades concorrenciais não podem modificar as políticas econômicas form atadas pelo governo federal e tam pouco entrar em conflito com deci­ sões tomadas por outros entes da Administração que im plem entam políticas públicas, sob pena de aviltar a organização e estrutura do Poder Executivo insculpidas na Constituição Federal.76 8.7.2 Controle prévio da operação de concentração A Lei é bastante clara ao afirmar, no § 2 o do art. 88, que o controle dos atos de concentração pelo CADE será prévio e que estes não poderão ser consum ados antes de apreciados, sob pena de nulidade e m ulta pecuniária,77 sem prejuízo da abertura de processo adm inistrativo (§ 3.°). A concentração não autorizada e efetivada, na medida em que im plicar domínio de mercado, abuso de posição dom inante ou prejuízo concorrencial é capaz de configurar

75. O § 7 ° do art. 8 8 da Lei 12.529/2011 reserva ainda ao CADE a com petência para, no prazo de um ano contado da data de consum ação, requerer as em presas que apresentem atos de concentração que não se enquadrem na hipótese norm ativa do art. 90. 76. A confusa redação do art. 89, parágrafo único, não pode render ensejo à interpretação conflitante com a Constituição Federal, de forma que aquele dispositivo refere-se a procedim entos privados, e não prom ovidos pela “Adm inistração Pública direta c indireta e aos contratos delas decorrentes”. 77. Com valor não inferior a R$ 60.000,00 c nau supcrioi ;i R$ .'>7 Como assinala o mesmo a u t o r , e sabido q u e esta lei d c 11>80 dii iy.ia •.« hoiiljilm enle, e o n H a o s e l e i t o s e s l i a l e t l lloi lais d a lej-.i-.l.u, ,n> n oi li . i met K . ma

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As leis de bloqueio, algumas vezes, assumem caráter desvantajoso para os agentes econômicos nacionais, chegando a prejudicar suas atividades. Se, na origem, a promulgação desse tipo de lei foi destinada a proteger os cidadãos e as empresas, perm itindo-lhes autênticos álibis para não cum prirem ordens de autoridades estrangeiras, acabou por colocar o destinatário da norm a em situa­ ção de conflito: caso cum pra sua lei nacional, pode ser sancionado pelo outro país; de outra parte, se decidir colaborar com a autoridade estrangeira, deverá suportar as penalidades que lhe são impostas pelas autoridades nacionais. Em face dessa questão, a jurisprudência norte-am ericana posicionou-se afirm ando a necessidade da adoção de um case by case approach, com a consideração m inuciosa do ato analisado.30 Fixaram -se algumas pautas de interpretação que m andam considerar (i) a boa-fé do agente, de forma a se constar que este não induziu voluntariam ente a subsunção do caso à restrição legal im posta por seu país, e (ii) os interesses que o país estrangeiro procurou proteger quando da promulgação da blocking law.31 Na maioria das vezes, entretanto, os tribunais americanos decidem tutelar os interesses de seu país e de seus nacionais. Assim, as pautas de interpretação a que nos referimos acabam por constituir mera retórica a fundamentar a decisão ,32 29. V Américo Beviglia Zampetti, Applicazione delia legislazione antitruststatunitense in m atéria di com m ercio internazionale: recenti sviluppi, Diritto dei Commercio lnternazionale, p. 312. 30.

The propriety of the use to w hich it is p u t depends upon the circum stances of a given case” (U nited States vs. Field, 532 E 2d 404 (5th Cir.), referido por Calabrese, Jurisdiction - Lim itations on concurrent jurisdiction - U. S. C ourt may order dis­ covery of foreign docum ents, notw ithstanding foreign law, if discovery will support national policy, is vital to the litigation, and m ay be accom m odated by the foreign sovereign, Virginia Journal of International Law, p. 930).

31. Cf., a título exemplificativo, os seguintes casos: U nited States vs. First National City Bank - 396 F. 2d 897 (2d Cir. 1968); Trade D evelopm ent Bank vs. C ontinental Insur­ ance Co. - 496 E 2d 35,39-41 (2d Cir. 1972); American Industrial Contracting, Inc. vs. Johns-M anville Corp. - 326 E Sup. 879 (W. D. Pa. 1971); e A rthur A ndersen e Co. vs. F in e silv e r-5 4 6 E 2 d 3 3 8 (10th Cir. 1976), referidos por Calabrese ( J u r i s d i c ­ tion - Lim itations on concurrent jurisdiction - U. S. C ourt may order discovery of foreign docum ents, notw ithstanding foreign law, if discovery will support national policy, is vital lo the litigation, and may be accom m odated by the foreign sovereign, Virginia lournal of International Law, p. 931-932). Vale . 1 leleieneia a opinião de Areeda e Kaplow (Antitrust analysis, p. 158): não se 1 1 al . 1 1 . in i i >.u lame I e s iiii ei esses dos I 'stados 1 1 1 lidos, mas da at u i i

ii

OS FUNDAMENTOS DO ANTITRUSTE

EXTRATERRITORIALIDADE DAS LEIS ANTITRUSTE

9.3 O s obstáculos enfrentados pelas empresas. As concentrações inter­ nacionais e sua apreciação por várias jurisdições

das leis antitruste, essa decisão foi bastante controvertida, pois (i) era favorável aos interesses europeus e (ii) havia sido aprovada pela autoridade canadense.34

Além dos problem as enfrentados com as leis de bloqueio, a diversidade de legislações e de políticas econômicas atuadas pelos países gera entraves às concentrações internacionais, que im pactam vários mercados.

Mais bulha, pois prejudicava diretamente o interesse de empresas norte-americanas, causou a concentração entre Boeing e McDonnell Douglas, maiores produtores de aviões estadunidenses. A Federal Trade Commission não se opôs à operação, enquanto que a Comissão europeia impôs sérias restrições, especialmente porque o marhet share da Boeing passaria de 60% para 80% dos aviões comerciais em atividade.35A Boeing foi obrigada a ceder, adotando medidas que favoreceram a europeia Airbus. A Comissão sob forte pressão, permitiu a fusão.36

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Como a maioria dos países m antém sua própria lei concorrencial, com obrigações específicas quanto à notificação da operação, muitas vezes as em­ presas são obrigadas a subm eter pedidos de aprovação em várias jurisdições. Por exemplo, certa empresa brasileira adquirirá o controle de outra, nos Es­ tados Unidos. Esta, por sua vez, é proprietária de ativos em vários países da União Europeia. M uito provavelmente, a operação deverá ser inform ada às autoridades norte-am ericanas, à Comissão e, por fim, ao SBDC. É claro que às empresas interessaria que houvesse apenas um “balcão”, somente uma autoridade a ser municiada de informações e convencida dos bene­ fícios da prática. Trata-se do ideal do “one stop shop”, almejado por muitos, que traria também a vantagem da eliminação da possibilidade de decisões conflitantes. Entretanto, essa proposta desconsidera a política econômica atuada pelos países, o que torna sua aceitação bastante difícil. Três casos da década de 1990 ilustram as dificuldades que podem ser enfrentadas pelas grandes fusões. Nas últim as décadas, os trib u n ais am ericanos raram en te p roibiram grandes operações internacionais. Anota a doutrina especializada que “essas decisões são na maioria das vezes resultado de um a aceitação da fusão como instrum ento para uma m elhor eficiência produtiva e de economias de escala, e não de um a limitação espontânea de jurisdição”. Há inegável “predisposição favorável” tanto da FTC quanto do DOJ à aprovação das concentrações que possam beneficiar os consum idores.33 Na União Europeia, a questão assume contornos diversos. Em 1991, isto é, no início da vigência do Regulamento europeu de concentrações, a Comissão não autorizou a aquisição, por Aerospatiale, Alenia-Aeritalia e Selenia SpA dos ativos da de Havilland. Como afirmamos no capítulo referente aos objetivos

ação, pelos tribunais am ericanos, de princípios gerais de antitruste: (...) our courls do in fact apply the antitru st laws in these situations, em phasizing the presence and deepin v o lv em en to faU . S. firm ,so m ed o m esticactions,substantialrestrainison 11. S. m arkets at the core of the restrictive arrangem ent, conduct highly rt-pivhcnsihlc by an titrust standards, and usually minimal involvcmcnt by lhe lorcign govci m iu-ni, which may have pcrm illcd hut m la in ly did nol ivquiic Ilu-