O Candomblé: Imagens em Movimento
 9788531412141

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CARMEN OPIPARI

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[§JJ Reitor Vice-reitor

led:!', Diretor-presidente

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

João Grandino Rodas

Tradução

Leila de Aguiar Costa

Hélio Nogueira da Cruz

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Plinio Martins Filho COMISSÃO EDITORIAL

Presidente Vice-presidente

Rubens Ricupero

Carlos Alberto Barbosa Dantas Adolpho José Melfi Chester Luiz Gaivão Cesar Ivan Gilberto Sandoval Falleiros Mary Macedo de Camargo Neves Lafer

Diretora Editorial Editora-assistente

Silvana Biral Carla Fernanda Fontana

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I © 2004 by L'Harmattan @

2009 by Carmen Opipari

Título do original em francês: Le candomblé: images en mouvement - São Paulo - Brésil

Ficha catalográfica elaborada pelo Departamento Técnico do de Bibliotecas da USP Opipari, Carmen.

O Candomblé: Imagens em Movimento SãÓ Paulo-Brasil/ Carmen Opipari; tradução Leila de Aguiar Costa.- São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009. 272 p.: il.; 23 cm

inclui bibliografia. ISBN 978-85-314-1214-1 l. Candomblé- São Paulo. 2. Religiões- BrasiL I. Costa, Leila de Aguiar. II. Título. III. Titulo: Imagens em movimento São Paulo-Brasil CDD 264.1

Direitos em língua portuguesa reservados à Edusp - Editora da Universidade de São Paulo Rua da Reitoria, 374, 4~ andar

Ed. da Reitoria - Cidade Universitária 05508-010- São Paulo- SP- Brasil Divisão Comercial: Tel. (11) 3091-4008 I 3091-4150 SAC (ll) 3091-2911- Fax (II) 3091-4151 www.edusp.com.br- e-mail: [email protected] Printed in Brazil 2010 Foi feito o depósito legal

A meus pais A Sylvie

"" Agradeço calorosamente a Manuel de Odé, Manuelzinho, Mifaloió, Kilombo, Sílvio de Oxóssi, Yatemin e a todos os

filhos e filhas de santo, clientes e crianças das Casas de candomblé, por sua acolhida e sua confiança. A Sylvie Timbert por sua colaboração e suas observações preciosas.

A Olecina Barbosa Opipari, Hélio Opipari e Danielle Si· vadon por sua presença e apoio. A Maud Agati e Anne Timbert por sua revisão minuciosa

da edição francesa deste texto.

A Monique Selim et Gérard Althabe por seus conselhos e seus encorajatnentos.

A Jean-Pierre Olivier de Sardan pela orientação de minha tese de doutvrado em antropologia social, defendida na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, que deu origem ao presente texto.

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I .. . sumano /

2. OS SERVIÇOS RITUAIS • I3I

Jogo de búzios, ebó, oferendas e bori · I 34 Consulta com os espíritos, "trabalhos", feitiços, fuxicos ... • I45 Poções, rezas, benzeduras ... · 148

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3. MISE EN SCÉNE DOS SERVIÇOS RITUAIS • I 5 I

"Um ebó diferente dos outros": um olhar sobre a reafr~canização · I 5 I Fuxicos e feitiços: um olhar sobre a macumba paulista • I 58 O "trabalho de quarta-feira" na casa de Yatemin. Candomblé e umbanda: a ressurreição branca do feiticeiro negro • I 6 5

I.

campo e terreno da pesquisa .

I I

Campo e dispositivos da pesquisa · I 9 A utilização do vídeo · 2I

rv. a possessão: uma íntima aliança · I 7 5

II.

percursos e contornos do candomblé • 2 7 I. O CANDOMBLÉ EM SÃO PAULO •

33

O olhar socioantropológico · 3 3 Candomblé, umbanda e macumba vistos pelos adeptos · 48

I. A "FEITURA": FABRICAÇÃO DO SANTO E DA PESSOA • 177

Santo e orixá: "maneira de falar" para dizer a diferença • I83 A fabricação da pessoa e de seu santo· I89 Troca de cabeça: a dinâmica da pessoa · I98 2. SOCIALIZAÇÃO E APRENDIZADO: OS CÓDIGOS DO TRANSE • 205

2. OLHARES CRUZADOS • 55

As modalidades da dupla pesquisador/adepto hoie: dois estudos de caso · 62 Primeiro caso: pesquisadores e adeptos conduzem um mesmo combate? · 62 Segundo caso: pesquisadores e adeptos, a defesa de um mesmo saber? • 6 5



PRODUÇÃO, GRAVAÇÃO E TRANSMISSÃO DO SABER RELIGIOSO:

A FABRICAÇÃO DAS TRADIÇÕES E A SUTILEZA DO AXÉ • 79

As sutilezas do axé · 8 I Aprender, saber, conhecer: as fontes de aquisição do axé · 89

III.

magia e religião: tramas inextricáveis · I. A HIERARQUIA RELIGIOSA E A CLIENTELA • I I I

Os filhos de santo • II2 O cliente· II9 As redes de clientes · 120 A festa: vitrine da hierarquia·

As crianças brincam de macumba· 205 Ser abiã: o namoro com o santo e o domínio dos códigos do transe • 218 A modalidade e a modulação da aliança: o adarrum e os ensaios do iaô • 222 3· A TORES E PERSONAGENS DE UM TEATRO DO ACONTECIMENTO • 233 No "quase" da dupla captura: um aprendizado mútuo · 2 37 Agendamentos no oco da dupla captura • 239 No acontecimento da dupla captura: histórias cruzadas· 24I O estilo do santo: agendamentos de enunciações e de histórias · 242 A dupla captura no cotidiano: produção de subietividades · 248

I09

v. feituras e performance: potência criadora no seio dos cultos de possessão · 2 57 BIBLIOGRAFIA • 265

125

FILMOGRAFIA • 27I

... I.

campo e terreno da pesquisa

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Durante quase três séculos, o continente norte e su\~ame­ ricano ilnportou um número incalculável de mão de obra escrava da África. O Brasil viu chegar, desde o final do século xvr, os bantos (angola, caçanjes, bengalas etc.), provenientes de diferentes territórios hoje conhecidos como Angola, Congo ou Moçambique; no decorrer do século xvn, chegaram os sudaneses (iorubá ou nagô, jeje, fanti-achanti etc.), originários das atuais Nigéria, Benim e Togo. Estima-se que a maioria desses deportados pertencia ao grupo banto, cujos elementos da língua, da cozinha e da música estão visivelInente presentes nas manifestações culturais brasileiras contemporâneas. Bantos e sudaneses, subdivididos em diferentes grupos, encontravam-se em solo africano em contato estreito com outros grupos étnicos. Com efeito, mantinham já nessa época numerosas trocas culturais, cmnercíais etc. Daí resultava uma circulação de símbolos e de divindades presentes no imaginário de cada grupo. Os cultos de possessão, assim como um grande nú1nero de manifestações e práticas culturais do Brasíl contemporâneo, n~ão fruto dessa catastrófica escravização das populações ne~ gras africanas que, em total abandono, mergulharam em um verdadeiro caos existencial. Essa desterritorialização 1 radical

r Desterritorialização e reterritorialização são conceitos emprestados de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1980}. Faço aqui igualmente referência à anãlise que Félix Guattari (1993} propõe do nascimento do jazz.

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O CANDOMBLÉ: IMAGENS EM MOVIMENTO

(geográfica, sociocultural, existencial etc.) dos vilarejos da África deu lugar

modalidades desses cultos. Outras oposições então aparecem: macumba-

a reterritorializações bastante criadoras -e se1npr.e dinâmicas, no espaço

candomblé, umbanda-candomblé, candomblé banto-candomblé gueto etc.

rural de um lado, e, de outro, de 1nodo 1nuito intenso, nas zonas urbanas do Brasil, com a abolição da escravidão ao final do século xrx. Linhas meló-

Mesmo quando 1nagia e religião são convocadas em tennos de sistema mágico-religioso, a herança de Hubert e Mauss (r968)- que as havia anteriormente definido a partir de antíteses entre individuál e coletivo,

dicas, ritmos, danças, cultos, línguas, por vezes presentes de modo residual no imaginário dessas populações deportadas, assün como seu novo tipo de socialização no interior da escravidão, entraram em conjunção com o ima~ ginário religioso, as linhas melódicas, línguas, danças, ritmos dos colonizadores europeus e das populações ameríndias nativas. Essa recomposição

1971). Há a preocupação, por exemplo, em destacar a coesão comunitária

vidades criadoras d~,f~rmas h.ete:~~~.r;e~s--~~,~~,i~,!~~ Na história dos cultos de possessão afro-brasileiros, elementos originários de universos culturais diversos vêm se incorporar sem cessar a esses processos. De acordo com as épocas e os contextos nos quais esses cultos são praticados, diferentes modalidades se definem: cabula, candomblé, macmnba, umbanda etc. A análise e a tipologia das formas e das variantes desses cultos geral-

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._mente se fundaram, na literatura socioantropológicaL sobre uma série de

~h~t~'- v'")9]0sis_~_~s dico~:?.~~-~as. Nota~se uma primeira oposição, ~o que diz respeito o'

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segredo e comunhão, sombra e luz ... -parece ainda assombrar as análises. Como muito bem apontou Luc de Heusch, o traço de união que os reúne em u1na única noção smnente tem como efeito adiar a resolução (Heusch,

de ~~~!2E~"~~~~tel_lci~.~s subjetivos possibilitou processos de fabricação cultural de grande diversidade, verdadeiro trabalho de produção de subjeti-

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CAMPO E TERRENO DA PESQUISA

à origem e ao lugar de instalação desses cultos, entre a Afriea e o Brasil. A análise de suas práticas rituais e do corpus de suas representações se faz à

luz de un1 antagonismo que se exerce entre magia e religião. Seu campo de manifestação é apreendido segundo uma divisão em dois "mundos distintos": de um lado, o sagrado; de outro, o profano. Se os limites impostos por essas oposições conduziram a composições do tipo afro-brasileiro e mágico~ religio-

das Casas de culto, sua constituição como "igrejas", no sentido durkhei