O FUTURO DAS CIDADES - Sustentabilidade, inteligência urbana e modelos de viabilidade utilizando PPPs e Concessões [1 ed.] 9786599059322

Em 2050 o mundo deverá atingir uma população de 10 bilhões, sendo que 65% destas pessoas irão viver em cidades. A comple

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O FUTURO DAS CIDADES - Sustentabilidade, inteligência urbana e modelos de viabilidade utilizando PPPs e Concessões [1 ed.]
 9786599059322

Table of contents :
Prefácio 13
Capítulo 1: O panorama do desenvolvimento local sustentável nas cidades brasileiras 155
Capítulo 2: Governos locais e sociedade civil: a nova democracia urbana para o desenvolvimento de cidades sustentáveis 233
Capítulo 3: Desafios para o desenvolvimento urbano sustentável de cidades brasileiras 300
Capítulo 4: Ferramentas e instrumentos para transformar a sustentabilidade das cidades brasileiras 377
Capítulo 5: Cidades resilientes: zero carbono, infraestrutura verde e economia circular 422
Capítulo 6: Potencialidades e aplicações do conceito de Nature-based Solution (NbS) em cidades inovadoras e sustentáveis 477
Capítulo 7: Colaboração entre governos locais e setor privado para uma economia de baixo carbono 577
Capítulo 8: A Responsabilidade Social das empresas no desenvolvimento de cidades sustentáveis 633
Capítulo 9: Cidades inteligentes e a sua dimensão tecnológica 700
Capítulo 10: Cidades Inteligentes pelo clima: inovação e sustentabilidade à serviço da cidadania 811
Capítulo 11: A utilização das aeronaves não tripuladas nas operações das cidades inteligentes 888
Capítulo 12: Um novo modelo de mobilidade urbana sustentável para as cidades brasileiras 1000
Capítulo 13: Instrumentos de mensuração para os projetos de cidades inteligentes no Brasil 1100
Capítulo 14: Energias renováveis e inovação em cidades 1188
Capítulo 15: As Tecnologias da Informação e Comunicação e as novas dinâmicas sociais do espaço urbano 1288
Capítulo 16: Smart and sustainable cities: notas introdutórias sobre o conceito de inteligência 1355
Capítulo 17: Estamos fazendo as PPPs pelas razões corretas? Reflexões estratégicas para o uso deste instrumento na implementação de Smart Cities no Brasil 1422
Capítulo 18: A estruturação jurídica dos projetos de PPPs para viabilizar as cidades inteligentes brasileiras 1544
Capítulo 19: Operações urbanas consorciadas e a contribuição para a construção das cidades inteligentes brasileiras. 15959
Capítulo 20: Boas práticas na estruturação de projetos para revolucionar a infraestrutura das cidades brasileiras 1711
Capítulo 21: Modelos de financiamento e garantias para as cidades inteligentes no Brasil 1788
Capítulo 22: A contribuição das PPPs e Concessões para políticas públicas eficientes 1855
Capítulo 23: Cidades sustentáveis: a gestão de recursos sólidos por meio de parceria público privada pode ser uma saída? 1911
Capítulo 24: Bancos públicos e os investimentos em projetos de cidades inteligentes: o papel do Programa de Parcerias de um banco público 1988
Visão de Futuro: um caminho para as Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis 2066
POSFÁCIO: Cidades inteligentes: um desafio sem fronteiras 2111

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ORGANIZADORES DIEGO DE MELO CONTI VINNICIUS LOPES RAMOS VIEIRA

O

FUTURO

DAS CIDADES

CD.G Editora

www.cdgcs.com.br

SUSTENTABILIDADE, INTELIGÊNCIA URBANA E MODELOS DE VIABILIDADE UTILIZANDO PPPS E CONCESSÕES

O FUTURO

DAS CIDADES SUSTENTABILIDADE, INTELIGÊNCIA URBANA E MODELOS DE VIABILIDADE UTILIZANDO PPPS E CONCESSÕES

Organizadores

Diego de Melo Conti Vinnicius Lopes Ramos Vieira

CD.G

Editora 2020

O FUTURO DAS CIDADES Sustentabilidade, inteligência urbana e modelos de viabilidade utilizando PPPs e Concessões Copyright © 2020 by Autores Organizadores Diego de Melo Conti Vinnicius Lopes Ramos Vieira

editor: Gregor Osipoff Revisora: Iolanda Nicioli Capa: Sushila Claro Diagramação: CD.G Editora

Ficha catalográfica elaborada por Vanessa da Silveira CRB 8/8423 Sistema de Bibliotecas e Informação - SBI - PUC-Campinas F996



O futuro das cidades: sustentabilidade, inteligência urbana e modelos de viabilidade utilizando PPPS e concessões / (Orgs.) Diego de Melo Conti, Vinnicius Lopes Ramos Vieira; Autores: Adalberto Felício Maluf Filho... [et al.]. – São Paulo, SP: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2020. 344 p.: il.; 16x23 cm. Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-990593-2-2 1. Desenvolvimento sustentável. 2. Mudanças climáticas. 3. Políticas públicas. 4. Recursos naturais. 5. Ecologia social. I. Conti, Diego de Melo. II. Vieira, Vinnicius Lopes Ramos. III. Maluf Filho, Adalberto Felício. V. Título.



CD.G

Editora CD.G Casa de Soluções e Editora www.cdgcs.com.br Printed in Brazil

CDD: 339.5

Dedico este livro a minha esposa Marília e a minha filha Helena, a meus pais Sandra e José, e a todos os pesquisadores e gestores da área de planejamento urbano e regional. Diego de Melo Conti Dedico este livro a minha esposa Danielle, a meus pais Irene e Antonio, e a todos pesquisadores e gestores que trabalham incansavelmente por cidades mais inteligentes e sustentáveis. Vinnicius Lopes Ramos Vieira

Conselho Editorial Consultivo Amarilis Lucia Casteli Figueiredo Gallardo (USP/Uninove) Arnoldo Jose de Hoyos Guevara (PUC-SP) Belmiro do Nascimento João (PUC-SP) Candido Ferreira Silva Filho (PUC-Campinas) Carlos Alexandre Nascimento (London School of Economics and Political Science) Celeste Aída Sirotheau Corrêa Jannuzzi (PUC-Campinas) Clandia Maffini Gomes (UFSM) Claudia Terezinha Kniess (Unitau) Diego de Melo Conti (PUC-Campinas) Edson Aparecida de Araujo Querido Oliveira (Unitau) Ernesto Del Rosario Santibañez Gonzalez (Universidad de Talca) Fernanda Gabriela Borger (Fipe/FIA) Francisco Cristovão Lourenço de Melo (Instituto de Aeronáutica e Espaço) Harald Heinrichs (Leuphana Universität Lüneburg) Henrique Sartori de Almeida Prado (UFGD) Humberto Dantas de Mizuca (FESP-SP) Isak Kruglianskas (USP/FIA) Janaina Camile Pasqual Lofhagen (PUC-PR) Jeferson Vinhas Ferreira (Unicesumar) João Alexandre Paschoalin Filho (Uninove) José Eduardo Storópoli (Uninove) Luciano Ferreira da Silva (Uninove) Luis Fernando Massonetto (USP/Uninove) Mauro Luiz Martens (Uninove) Samuel Carvalho de Benedicto (PUC-Campinas) Tatiana Tucunduva Philippi Cortese (FGV/Uninove) Vinnicius Lopes Ramos Vieira (Hiria/PUC-SP) Wilson Levy Braga da Silva Neto (Uninove) Zysman Neiman (Unifesp)

Índice

Prefácio .........................................................................................................................................................9 Capítulo 1 O panorama do desenvolvimento local sustentável nas cidades brasileiras......................12 Capítulo 2 Governos locais e sociedade civil: a nova democracia urbana para o desenvolvimento de cidades sustentáveis......................................................................................24 Capítulo 3 Desafios para o desenvolvimento urbano sustentável de cidades brasileiras...................35 Capítulo 4 Ferramentas e instrumentos para transformar a sustentabilidade das cidades brasileiras.....................................................................................................................................47 Capítulo 5 Cidades resilientes: zero carbono, infraestrutura verde e economia circular......................55 Capítulo 6 Potencialidades e aplicações do conceito de Nature-based Solution (NbS) em cidades inovadoras e sustentáveis..............................................................................................64 Capítulo 7 Colaboração entre governos locais e setor privado para uma economia de baixo carbono......................................................................................................................................80 Capítulo 8 A Responsabilidade Social das empresas no desenvolvimento de cidades sustentáveis................................................................................................................................90 Capítulo 9 Cidades inteligentes e a sua dimensão tecnológica................................................................. 101 Capítulo 10 Cidades Inteligentes pelo clima: inovação e sustentabilidade à serviço da cidadania........ 117 Capítulo 11 A utilização das aeronaves não tripuladas nas operações das cidades inteligentes..... 127 Capítulo 12 Um novo modelo de mobilidade urbana sustentável para as cidades brasileiras......... 145

Capítulo 13 Instrumentos de mensuração para os projetos de cidades inteligentes no Brasil..............................................................................................................162 Capítulo 14 Energias renováveis e inovação em cidades.................................................................175 Capítulo 15 As Tecnologias da Informação e Comunicação e as novas dinâmicas sociais do espaço urbano.....................................................................................................191 Capítulo 16 Smart and sustainable cities: notas introdutórias sobre o conceito de inteligência....................................................................................................202 Capítulo 17 Estamos fazendo as PPPs pelas razões corretas? Reflexões estratégicas para o uso deste instrumento na implementação de Smart Cities no Brasil.....213 Capítulo 18 A estruturação jurídica dos projetos de PPPs para viabilizar as cidades inteligentes brasileiras..........................................................................................230 Capítulo 19 Operações urbanas consorciadas e a contribuição para a construção das cidades inteligentes brasileiras..................................................................................239 Capítulo 20 Boas práticas na estruturação de projetos para revolucionar a infraestrutura das cidades brasileiras..............................................................................258 Capítulo 21 Modelos de financiamento e garantias para as cidades inteligentes no Brasil......................................................................................................................................269 Capítulo 22 A contribuição das PPPs e Concessões para políticas públicas eficientes..........281 Capítulo 23 Cidades sustentáveis: a gestão de recursos sólidos por meio de parceria público privada pode ser uma saída?.............................................................290 Capítulo 24 Bancos públicos e os investimentos em projetos de cidades inteligentes: o papel do Programa de Parcerias de um banco público.........................................301 Visão de Futuro: um caminho para as Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis.........................................................................................................313 POSFÁCIO Cidades inteligentes: um desafio sem fronteiras.........................................................321 Sobre os autores....................................................................................................................325

Prefácio Marcos Buckeridge

Instituto de Estudos Avançados e Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo (USP) Presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo Coordenador do Programa USP – Cidades Globais

Vivemos hoje um período de efervescência intelectual em São Paulo e no Brasil. Devido ao grande investimento em ciência e tecnologia feito pelo Estado nos últimos 30 anos, temos hoje uma massa crítica invejável. Talvez essa massa crítica seja suficiente para tornar cidades como São Paulo um dos polos da produção de cultura mundial, como foram Atenas, Florença, Edimburgo, Viena, Nova Iorque, Londres, entre outras cidades, que geraram ideias que ajudaram o mundo a aperfeiçoar a civilização, enfrentando grandes desafios nas próximas décadas. O presente livro é um ótimo exemplo da efervescência intelectual paulista, uma efervescência necessária e estratégica para os habitantes de São Paulo e de outras cidades brasileiras, dados os enormes desafios que teremos que enfrentar nas próximas décadas. Um dos maiores desafios que se apresentam à humanidade ao finalizarmos a segunda década do século XXI é certamente o dos efeitos das mudanças climáticas globais. Nosso modelo de desenvolvimento baseado nos combustíveis fósseis e no uso indiscriminado de recursos naturais nos levou a uma situação cujos efeitos negativos começam a entrar em uma fase crítica. Se subtrairmos dela a média de temperatura entre 1850 e 1900 – período em que ocorreu a primeira revolução industrial – da média de temperatura entre os anos de 2006 e 2016, veremos que já chegamos a cerca de +1oC. Parece pouco, mas +1oC em média significa que muitas regiões do mundo já sentem efeitos de eventos extremos, como furacões, tempestades tropicais e ondas de calor. As projeções, segundo o último relatório especial do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC)1, são de 1 Global Warming of 1.5°C an IPCC special report on the impacts of global warming of 1.5°C above pre-industrial levels and related global greenhouse gas emission pathways, in the context of strengthening the global response to the threat of climate change, sustainable development, and efforts to eradicate poverty. (Disponível em: http://www.ipcc.ch/report/sr15/. 9

que, se não encontrarmos meios de evitar passar de um valor médio de temperatura de 1,5oC, teremos eventos ainda mais fortes. As consequências são que cidades e países terão que gastar uma imensa soma de dinheiro para pagar os custos de adaptações oriundas dos estragos causados pelos efeitos das mudanças climáticas. Além disso, o mundo terá que enfrentar essa situação em um momento em que não somente a população atinge valores astronômicos, mas que ao mesmo tempo decidem viver prioritariamente em cidades. Com essa tendência, o panorama para as próximas décadas é de que teremos que enfrentar as mudanças climáticas aglomerados em cidades, as quais tendem a ficar cada vez maiores. De fato, sabemos que hoje há novas metrópoles que ainda estão se formando, principalmente na África e na Ásia, enquanto as cidades médias são aquelas que mais crescem em geral no planeta. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro já estão atingindo seus tamanhos máximos. De agora em diante, temos que cuidar para que essas cidades, assim como as outras capitais, cuidem para que seus habitantes tenham o maior nível de bem-estar possível. Para isso, é preciso apontar os problemas e criar fórmulas para resolvê-los. No início, a aglomeração em cidades é uma vantagem para seus habitantes. Isso porque, ao dobrar de tamanho, qualquer cidade tem uma queda nos seus custos de aproximadamente 15%2. Isso significa que os serviços ficam 15% mais baratos e sua qualidade, em relação à zona rural, também. A criatividade em arte e ciências também aumenta. Os produtos que precisamos para viver estão nas nossas portas, com preço mais baixo e qualidade mais alta. Hospitais estão mais próximos de onde moramos, tornando a nossa vida mais fácil. Por outro lado, problemas também aumentam em 15%, como violência, poluição, tráfego, resíduos e ruído. São Paulo atravessou, nos últimos 40-50 anos, por essa transição. De uma cidade média, tornou-se uma das maiores megalópoles do planeta. Nosso modelo de desenvolvimento foi o de planejar muito pouco, utilizando a forma clássica de expansão das cidades ocidentais que era a de montar indústrias e levar os funcionários para viver no seu entorno. Depois, entre as décadas de 1980 e 1990, continuamos a seguir o modelo ocidental. Desindustrializamos a cidade e passamos a nos tornar um centro de serviços. 2 West, G. (2017). Scale: The Universal Laws of Growth, Innovation, Sustainability, and the Pace of Life in Organisms, Cities, Economies, and Companies. Penguin Press, 481 p. 10

Chegamos ao fim da segunda década deste século com esse cenário de uma cidade que pouco se planejou e que por isso já aumentou a sua temperatura local em quase 3oC, contando somente a partir do início do século XX. Portanto, já vivemos em uma situação que a maioria das cidades do mundo poderá enfrentar nas próximas duas décadas. Somos, portanto, um verdadeiro laboratório urbano. O que fazer com o futuro? É aí que entra a vantagem da efervescência intelectual. Poderemos aproveitá-la se conseguirmos utilizar os conhecimentos do notável número de pesquisadores que avaliam opções, propõem caminhos e criticam a falta de organização. Neste livro, há discussões sobre o que significa para uma cidade ser “inteligente”, sobre como planejar o desenvolvimento urbano, como as atividades urbanas podem ser financiadas com eficiência, inclusive em parceria com a iniciativa privada. Também como manejar a tecnologia da inteligência artificial e usá-la para melhorar a vida das pessoas nas cidades, além de como melhorar a mobilidade, a infraestrutura, a governança e como utilizar o verde urbano para amenizar os efeitos das mudanças climáticas. Esta miríade de temas visitados por 43 autores, que trazem uma série dessas reflexões e sugestões sobre como gerir e financiar a cidade na forma de 24 capítulos, tem nesta característica de compêndio uma força intelectual descomunal. Tal força, no entanto, não valerá de nada se os tomadores de decisão deixarem de examinar essas ideias e continuarem a tomar suas decisões com base em suas próprias ideias e de poucos assessores. Livros como este são referências que devem ser cultivadas pelos tomadores de decisão. É preciso examinar estas ideias com muito cuidado e usar todas aquelas que forem as mais adequadas para determinar as agendas públicas sustentáveis nas próximas décadas. Quando um contingente de ideias como este se torna publicado, é preciso lembrar que, no futuro, não ter considerado o que está aqui escrito e por isso não ter acertado nas decisões tanto quanto se poderia, serão o símbolo da ruína das reputações daqueles que disseram ter o desejo e têm a obrigação de conduzir a sociedade. Os impactos das mudanças climáticas no mundo urbano brasileiro serão muito sérios e temos que nos preparar muito bem. É isso que este livro nos ajuda a fazer com textos atuais, cientificamente profundos e de alto nível.

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Capítulo 1 O panorama do desenvolvimento local sustentável nas cidades brasileiras Arnoldo José de Hoyos Guevara Luciano Ferreira da Silva



Neste capítulo, apresentaremos um panorama do desenvolvimento local nas cidades brasileiras, bem como mostraremos um kit de ferramentas para que gestores e investidores possam estruturar, analisar índices e elaborar projetos estratégicos ao nível de cidades referentes a uma Gestão Pública Sustentável (GPS), algo essencial nos países em desenvolvimento. Conforme comenta o Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, em relação ao recente informe sobre a Situação e Perspectivas da Economia Mundial 2018, preparado pelo Global Economic Monitoring Unit – GEM (GEM, 2018), é, na medida em que as crises econômicas e geopolíticas globais vão se acalmando, que se abrem perspectivas para desenvolver políticas de mais longo prazo, políticas essas que possam favorecer os avanços nas dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvim ento sustentável. No caso em questão, trata-se de políticas que promovam cidades sustentáveis. O supracitado informe alerta que prevalecem diferenças notáveis em regiões em desenvolvimento como na América Latina. Essas localidades sofrem com a dificuldade de atingir metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como erradicar a pobreza e criar trabalho decente para todos, dado que ainda é necessário superar condições estruturais e de governança que freiam o processo no caminho do desenvolvimento sustentável. Como também é tratado no ODS 11, “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis” (UNBR, 2019). A comunidade científica debruça-se com novos estudos para identificar boas práticas e casos que possam auxiliar as cidades no processo de desenvolvimento sustentável. Nota-se, por exemplo, que algo já está acontecendo em cidades europeias como Copenhague, Amsterdã, Londres, Hamburgo e Barcelona, como bem mostra a tese de Diego de Melo Conti, “Governança Local para Sustentabilidade: um 12

estudo comparado entre grandes cidades europeias” (CONTI, 2017), a qual oferece inúmeras contribuições para esta discussão. Como uma iniciativa especial do movimento por uma Nova Economia do Clima surgiu a Coalizão para Transições Urbanas (ver: NCECITIES, 2019), com o intuito de dar apoio a governos nacionais para tomar medidas referentes a segurança econômica, desigualdade e mudanças climáticas focando especificamente na transformação das cidades. Esse cenário insere-se em um ambiente de ameaças e oportunidades, motivado pelos acelerados avanços nas Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs). Evidencia-se que as ameaças são resultantes das deficiências do contexto econômico, sociocultural e educacional de cada cidade ou região, conforme indica o Estudo Econômico e Social Mundial 2018: Tecnologias de Vanguarda em Favor do Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2018). Com relação às oportunidades, a escalabilidade das TICs faz com que o acesso seja mais rápido e barato, o que democratiza acesso ao desenvolvimento sustentável das cidades como já pode ser visto em Cidades Inteligentes Sustentáveis (ALPERSTEDT NETO; DE ROLT; ALPERSTEDT, 2018), aliás é importante mencionar que, bem recentemente, a Colômbia se tornou o terceiro país latino-americano, junto com México e Chile, a entrar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) (G1, 2018). O país vem priorizando, no seu desenvolvimento, temas como o Estatuto Anticorrupção, a Lei da Transparência, a Melhoria da Educação e da Saúde e a luta contra o Desemprego. Portanto, ao tratar de um contexto de mudanças, o desafio é aprimorar e acelerar um processo de Planejamento Estratégico Sistêmico (PES), focando no Ecossociodesenvolvimento, conforme sugerido por Ignacy Sachs, para o qual é necessário avaliar e monitorar as condições locais por meio de um observatório tal como o Observatório da Rede Ibero-Americana de Prospectiva (ORIBER, 2018). Assim, com base em indicadores críticos é possível fazer um diagnóstico claro da situação local e definir planos estratégicos de desenvolvimento a curto, médio e longo prazos. É bem nessa linha que a equipe do Núcleo de Estudos do Futuro (NEF), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e apoio da Cátedra Ignacy Sachs, vem trabalhando com seu Guia de Gestão Pública Sustentável para cidades e países. Primeiramente, em relação ao tema Cidades Sustentáveis, e conforme indica o Observatório Urbano Global (GUO) (UNHABITAT, 2019), é necessário ressaltar que atualmente mais da metade da população de sete bilhões de pessoas, mora em cidades. Além disso, se

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a acelerada tendência de Urbanização continuar, em poucas décadas (2050), serão dois terços morando em cidades. Nesse contexto, o atual panorama das cidades, em particular nos países em desenvolvimento como o Brasil, sinaliza grandes desafios nos processos devido a sérios problemas de governança, como tem se tornado em clara evidência mais recentemente, e uma inadequada infraestrutura que apresenta externalidades negativas de alto impacto nos processos relacionados a aspectos socioeconômicos e ambientais. Diante isso, a UN-Habitat For a Better Urban Future, com apoio do Urban Morphology & Complex System Institute Paris, após a reunião da Habitat III em Quito e tomando em consideração esse problema de ‘Crescimento X Desenvolvimento’ de Metrópoles, publicou recentemente a segunda edição do livro As Bases Econômicas para uma Urbanização Sustentável (UNHABITAT, 2019), que foca basicamente os problemas de: Planejamento Urbano, Financiamento e Governança Municipal e o Framework Legal. Em termos de desafios, algo que tem chamado cada vez mais atenção é a crise ambiental tanto pelos impactos locais, como a alta mortalidade pela poluição (oito milhões por ano) segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em particular acontecendo nas grandes cidades da China e da Índia; quanto pelos impactos globais relacionados às mudanças climáticas, levantadas já durante a Eco 92 no Rio de Janeiro e continuando hoje através das Coordenadorias de Processos Seletivos (COPs) com o Framework da Convenção para a Mudança Climática da Nações Unidas; sendo Al Gore um dos líderes da chamada Revolução da Sustentabilidade, que por décadas vem alertando sobre a Verdade Inconveniente das mudanças climáticas nesta Era do Antropoceno. Outros problemas socioeconômicos preocupantes, como o aumento na concentração de renda, no desemprego e na desigualdade, podem e devem ser monitorados e avaliados sistemicamente acompanhando metas relacionadas às ODS, focando em particular o Objetivo 11: Cidades e Comunidades Sustentáveis, bem como a promoção de resiliência, de forma a atingir equilíbrio e estabilidade em relação ao bem-estar global.

Histórico e Avanços Recentes A caminhada na elaboração do Guia de Gestão Pública Sustentável se iniciou na década passada, quando a equipe do NEF, estimulados pela obra Novos Indicadores de Riqueza, de Jean Gardey e 14

Florence Jany-Catrice, que analisam o “Índice de Bem-Estar Econômico”, o “Indicador de Progresso Genuíno”, o “Índice de Seguridade Pessoal”, o “Índice de Saúde”, entre outros. Então, iniciou-se uma tentativa de desenvolver algo nessa linha para o Brasil por meio de contatos com representantes de várias instituições, como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Numa segunda fase, a Rede Nossa São Paulo (RNSP), que tinha iniciado no Brasil o Programa Cidades Sustentáveis, inspirado inicialmente no Modelo de Bogotá: Bogotá Como Vamos (BOGOTÁ, 2018), solicitou ao NEF que desenvolvesse um projeto para Gestão Municipal baseado em 12 Eixos, o que levou a equipe a criar o Guia GPS e que hoje vem sendo complementado na RNSP com mais indicadores para abranger os 17 Objetivos das ODS. De fato, a finalidade do guia seria a de servir de referência para que, como em Bogotá, os candidatos a prefeitos se comprometessem publicamente a definir estratégias para um plano de metas bem no início de seus governos. A fase final desse processo por parte do NEF foi a elaboração da Plataforma Interativa RENOIR (2018) que permitiria a participação cidadã na gestão pública como alternativa mais integral da proposta anterior do governo referente ao orçamento participativo. Dando continuidade a esse processo e inspirado pela Carta de Aalborg, aprovada pelos participantes da Conferência Europeia sobre Cidades Sustentáveis, celebrada em Aalborg na Dinamarca no 27 de maio de 1994 (AALBORG, 2018), compromisso ao qual aderiram centenas de cidades europeias, no Brasil, foi assinado um compromisso entre a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o PCS da RNSP para o desenvolvimento e a utilização de uma Plataforma de Conhecimento que pretende estimular mais efetivamente os municípios na utilização concreta e colaborativa dessa Plataforma no seu planejamento e na gestão estratégica. A Plataforma conta com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

Pesquisas em Andamento sobre Cidades Sustentáveis As Nações Unidas, há poucos anos, nessa mesma linha de trabalho, manifestaram o interesse de aproveitar a chamada Revolução dos Dados para o Desenvolvimento Sustentável para melhorar a gestão pública, minimizar os riscos e maximizar as oportunidades, tornando 15

o processo mais transparente e participativo, de forma a contribuir para a melhoria das pessoas e do planeta em dois dos cinco Pilares das ODS (Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias), sendo os três primeiros a base de um plano de ação. Para essa finalidade, foi montada pela Organização Mundial de Governança e Competitividade (UNSDG), uma plataforma, um banco de dados/indicadores e uma rede de instituições que participam com soluções. Além disso, um bom exemplo desse tipo de rede é o Consórcio de Universidades na Austrália/Pacífico que representa Capítulos de Sustentabilidade dedicados a apoiar e contribuir com os ODS, por meio de todo tipo de atividades acadêmicas. Entre essas Universidades, é bom citar a Universidade de Melbourne - UoM com seu Plano de Sustentabilidade 2017-2020 (UNIMELB, 2018). Curiosamente, quase uma década atrás, logo após o evento do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento sobre Sustentabilidade (CEBEDS), que aconteceu no Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA) da PUC-SP (2009), a equipe do NEF, a partir de uma visão antecipada, elaborou o Programa de Aceleração da Sustentabilidade (PAS) (PAS, 2018), como uma forma de contrabalancear os impactos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) instaurado pelo governo federal. O programa, como no caso da Universidade de Melbourne, tinha como objetivo Promover uma Cultura de Sustentabilidade a partir da Universidade, neste caso, a PUC-SP, utilizando cinco passos: 1. Criar um banco de boas práticas de sustentabilidade; 2. Implementar um portal de sustentabilidade; 3. Elaborar um programa de comunicação permanente com o tema; 4. Organizar um concurso anual de melhores práticas; 5. Promover uma rede/movimento pela sustentabilidade. Com base nessas iniciativas, e outras que não foram aqui citadas, é possível dizer que estamos evoluindo pelo menos em ações para a promoção de cidades mais sustentáveis. É importante destacar que a identificação e explicitação das diversas realidades locais – cidades e países – já é um ponto de partida para construção de soluções. Além disso, a participação de cidadãos, universidades e organizações civis aprimora ações locais. 16

O Guia para Gestão Pública Sustentável (GPS) Neste contexto proativo para a construção de um futuro mais sustentável, pouco tempo atrás foi solicitado ao NEF, por parte da Reitoria da PUC-SP, montar uma Cátedra, neste caso, dedicada ao tema do Desenvolvimento Sustentável: Cátedra Ignacy Sachs de Ecossociodesenvolvimento. Essa nova ação facilitou a implementação de um dos projetos mais importantes desta Cátedra, que seria o GPS para Países. Essa foi uma contribuição natural do NEF para a Rede Ibero-Americana de Prospectiva (RIBER), da qual o NEF faz parte da equipe fundadora e da diretoria (ORIBER, 2018). Este GPS para Países representa uma evolução natural do GPS para Cidades, mostrando, em particular, os avanços do Programa Cidades Sustentáveis da RNSP, já tentando integrar os indicadores referentes aos 17 ODS, bem como as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos em relação aos municípios brasileiros. Um aspecto relevante nesse processo é que essa atividade contou com a contribuição de alunos da PUC-SP para o Banco de Dados/Indicadores do GPS. Atualmente, tem surgido iniciativas locais, como é o caso do Observatório PUC-Campinas, que pretende mapear as condições de desenvolvimento socioeconômico da Região Metropolitana de Campinas (RMC). No que compete aos problemas de cada localidade, no caso das cidades sustentáveis, é importante mencionar que, para a utilização do GPS no Planejamento Estratégico Municipal do Programa Cidades Sustentáveis, foram estabelecidos, logo de início, 12 eixos temáticos, sendo: 1) Governança; 2) Bens Naturais Comuns; 3) Equidade, Justiça Social e Cultura de Paz; 4) Gestão Local para Sustentabilidade; 5) Planejamento e Desenho Urbano; 6) Cultura para Sustentabilidade; 7) Educação para a Sustentabilidade e Qualidade de Vida; 8) Economia Local, Dinâmica, Criativa e Sustentável; 9) Consumo Responsável e Opções de Estilo de Vida; 10) Melhor Mobilidade, Menos Tráfego; 11) Ação Local para Saúde e; 12) Do Local para o Global. O GPS promovido pela RNSP indica que o processo de planejamento municipal deve se dar em 5 passos: 1) informação organizada; 2) diagnóstico com base nos indicadores; 3) definição de prioridades; 4) visão de futuro; 5) plano de metas. Então, com base nos 12 eixos temáticos e as 5 diretrizes estratégicas, agentes públicos locais poderão criar planos voltados para o desenvolvimento sustentável (GUIA GPS, 2016). Além disso, o guia indica que os processos de planejamento devem passar por uma avaliação em termos de importância, urgência 17

e viabilidade. Esse processo se dá com o uso de uma Análise SWOT (Forças, Fragilidades, Oportunidades, Ameaças), no contexto em que está se preparando os planos locais. Destaca-se ainda que os temas presentes nos 12 eixos, sem dúvida, fazem parte das preocupações de gestores públicos e cidadãos. No Brasil, em particular, sempre se fala da importância dos três pilares básicos: educação, saúde e segurança. Contudo, a utilização de metodologias de planejamento para o desenvolvimento sustentável tem o poder de trabalhar esses temas de maneira integrada e sistêmica, otimizando uma transformação sistemática e dinâmica.

Em Termos de Oportunidades Conforme aparece no Guia das ODSs, considera-se hoje que as Convergências de Tecnologias Emergentes, como as das NBICS (Nano, Bio, Info, Cogno, Synthetic bio) em curso, abrem grandes oportunidades para o desenvolvimento sustentável globalmente, pela possibilidade de serem: inclusivas, universais, integradas, focadas localmente e movidas pelas novas tecnologias.

Em Termos de Fragilidades Estamos observando hoje em dia que no Brasil, em particular, por falta de mudanças estruturais (corrupção, falta de emprego e educação), houve um aumento na desigualdade e concentração de renda, conforme mostra o relatório recente da Oxfam: Recompensem o Trabalho, não a Riqueza (OXFAM, 2018) O fato é que atualmente no Brasil cinco bilionários têm um patrimônio equivalente à metade da população mais pobre, e o País continua com um dos piores índices, de acordo com o Coeficiente de Gini (índice de desigualdade social), de toda América Latina e o Caribe. Tomando em consideração essa situação em particular, o Observatório da RNSP apresenta periodicamente o Mapa da Desigualdade comparando, via pesquisa Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE), as condições de qualidade de vida, educação, saúde, segurança, etc. entre regiões de São Paulo (RNSP, 2017). Pensando no Brasil, em termos demográficos, observa-se que, de acordo com o IBGE (2017), há 208 milhões de habitantes repartidos em 5.570 municípios, e 88% têm menos de 50.000 habitantes, só 17 têm mais de 1 milhão de habitantes, os quais concentram 22% da população. Esse volume tende a aumentar nas grandes cidades do 18

Brasil, uma vez que atualmente são mais de 47 municípios acima de meio milhão de habitantes, o que sinaliza a necessidade de se tomar medidas para superar os desafios em curso de Crescimento X Desenvolvimento, conforme mencionado anteriormente, tornando urgente a necessidade de se preparar com antecedência. Ressalta-se que recentemente a Câmara de Deputados se mostrou favorável à criação de mais municípios, mesmo que se tenha observado que isso poderia afetar mais o déficit financeiro dos municípios já existentes. A proposta em si, resultado de intensa mobilização do movimento Emancipa (REDE EMANCIPA, 2018), criteriosamente assim recomenda aos novos municípios no Norte e Centro-Oeste que tenham pelo menos 6 mil habitantes, sendo 12 mil no Nordeste e 20 mil no Sul e Sudeste. Isso demonstra o imenso desafio que o Brasil tem pela frente.

Recomendações para Futuros Avanços O tema Cidades Sustentáveis é vital, dado que ao longo das últimas décadas os impactos do Antropoceno têm ficado mais em evidência e, para lidar com medidas que controlam aspectos como a Pegada Ecológica, requer um compromisso global que caminha muito lentamente e coloca a nossa civilização num sério problema de Timing. Há algumas iniciativas mais locais, como as mencionadas anteriormente, que mostram uma certa evolução no nível de consciência e compromisso, como é o caso do grupo de Universidades juntando forças para lidar com o problema das mudanças climáticas do qual a Portland State University é uma representante. Sobretudo seria importante ter uma visão mais holística sobre o Cuidado com a própria Casa, tal qual recomenda o Papa Francisco, orientação essa que aparece no Capítulo Laudato Si: Tudo está Conectado no livro Sustentabilidade Global e Realidade Brasileira, lançado bem recentemente (GUEVARA, 2018).

Conclusões Pensando em prioridades para o processo de desenvolvimento em uma visão mais humanizada (Humane), como recomenda Klaus Schwab (SCHWAB, 2016) fundador e diretor do World Economic Forum (ver: WEF, 2018; WORLD BANK, 2018), seria importante considerar contribuições básicas como os níveis da Pirâmide de Maslow e as Cinco Liberdades Instrumentais do Amartya Sen (SEN, 2014). Além 19

disso, podemos caminhar na direção apontada por Richard Barrett no seu Values Center, o que nos permitiria visualizar e colaborar nas transições de nível de consciência, conforme indicado no modelo da Dinâmica em Espiral de Don Beck e Chris Cowan, no qual cada estágio de desenvolvimento da organização ou região depende de dois fatores básicos: as Condições de Vida e o Sistema de Valores, à medida que caminham juntos, para tornar cidades e comunidades mais sustentáveis ou verdes, ambos fatores avançam. O mais importante é ver sinais dessas Metamorfoses, que Edgar Morin menciona esperançosamente no seu livro A Via Para o Futuro (MORIN, 2013), como o surgimento de Startups utilizando tecnologias para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (UDACITY, 2018); que de certa forma já foram preconizados por Pierre Levy, tempos atrás, no seu livro A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência (LEVY, 2001). Em síntese, é importante estar alerta e contribuir para que sinais de nossa Evolução Planetária se tornem cada vez mais evidentes, aproveitando para que os acelerados avanços tecnológicos em curso nos levem para o contexto de um Cérebro Global alinhado a um Coração Global.

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Capítulo 2 Governos locais e sociedade civil: a nova democracia urbana para o desenvolvimento de cidades sustentáveis3 Diego de Melo Conti Vinnicius Lopes Ramos Vieira As cidades são a maior força político-econômica do século XXI e reúnem uma capacidade única para participação e articulação da sociedade civil na criação de soluções sustentáveis e planos de longo prazo. Atualmente, mais de 54% da população mundial vive em cidades, uma proporção que deve aumentar para 66% em 2050. Isso significa um aumento de 2,5 bilhões de pessoas vivendo em áreas urbanas até meados deste século (Habitat, 2016; DESA, 2018). É na cidade que os cidadãos se desenvolvem durante todo o seu ciclo de vida, tornando os estudos de planejamento urbano um tema crucial para a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável (Bento et al., 2018). O desenvolvimento urbano cria oportunidades polissêmicas e um capital intelectual e humano sem igual para a inovação e o desenvolvimento de novas tecnologias e de sistemas produtivos, bem como para a criação de novos arranjos socioeconômicos (Glaeser, 2011). As cidades são as protagonistas do processo de desenvolvimento global, mas ao mesmo tempo geraram uma série de externalidades negativas ao meio ambiente e a escassez ecológica. Um relatório sobre cidades da McKinsey e Company (2013) destacou que no mundo existem vários exemplos de cidades que se expandiram rapidamente sem nenhum tipo de planejamento, resultando em um caótico processo de desenvolvimento urbano, prejudicando a qualidade de vida dos cidadãos e o meio ambiente. 3 Este texto inclui resultados da tese de doutorado “Governança local para sustentabilidade: um estudo comparado entre grandes cidades europeias”, apresentada em 2017 pelo pesquisador Diego de Melo Conti ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 24

Uma série de grandes cidades vivenciam os efeitos de um processo de desenvolvimento urbano sem planejamento. Em termos de habitação, por exemplo, em São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, mais de 1,3 milhão pessoas vivem em favelas, resultando em uma importante cicatriz social no tecido urbano. Já em Mumbai, na Índia, a situação é ainda pior, uma vez que mais de 6 milhões de pessoas vivem em áreas degradadas ou sem infraestrutura. Trata-se de um problema social que se replica em importantes cidades pelo mundo. Diante desse cenário, as cidades devem optar por modelos de desenvolvimento voltados para a sustentabilidade, estimulando o equilíbrio entre os interesses e as ações sociais, ambientais e econômicas (Elkington, 2001). O olhar para o desenvolvimento de cidades sustentáveis começou a ganhar força na década de 1990, logo após a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, o qual estabeleceu um marco para a sustentabilidade ao defender um modelo de desenvolvimento capaz de atender às exigências do presente, sem comprometer o atendimento às necessidades das gerações futuras (Brundtland, 1987). A sustentabilidade é a chave para que as cidades sejam cada vez mais resilientes, regenerativas e habitáveis. O pesquisador Holling (1973) na década de 1970 já iniciava a discussão sobre resiliência, argumentando que um sistema deve ter a capacidade de absorver mudanças de estado e persistir em sua existência. De tal modo, em tempos de alterações climáticas e de crises de diferentes ordens, as cidades devem criar e estabelecer planos de longo prazo, incluindo a preservação de suas estruturas, aspectos sociológicos e funções essenciais (UNISDR, 2010). Em diversas cidades, os planos de longo prazo a partir de uma visão coletiva dos cidadãos já são realidade. No Brasil, a cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, foi uma das primeiras cidades a criar um plano estratégico com objetivos de sustentabilidade para além de uma década. O mesmo pode ser observado em outros planos criados pelo mundo, como a Estratégia de Transporte Futuro 2056 de Sydney (Austrália), o Plano de Infraestrutura de Londres 2050 (Inglaterra) e a Visão 2040 da cidade de Estocolmo (Suécia). As cidades são sistemas que, em sua essência, persistem ao longo de séculos e até milênios. Trata-se de um organismo vivo, capaz de adaptar-se a diferentes variações. Ao longo da história, as cidades sempre funcionaram como um ponto de encontro para os seus cidadãos e outras pessoas que a usufruem apenas para o trabalho, o lazer, o estudo e o comércio (Conti, 2017). Do mesmo modo, o urbanista

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Gehl (2013) ressalta que as cidades sempre foram o grande palco das manifestações culturais e religiosas, o local para as pessoas se encontrarem e exercerem as suas vocações e liberdades. Diante disso, em todo o mundo diversas estratégias e planos de gestão urbana são criados para que as cidades ofereçam qualidade de vida, segurança socioecológica e oportunidades aos seus cidadãos, superando os desafios para o desenvolvimento sustentável. Isso pode ser estabelecido a partir de novos sistemas de Governança Colaborativa, os quais permitem o exercício pleno da nova democracia urbana. A Governança Colaborativa diz respeito a como as relações de poder e diferentes stakeholders se articulam, utilizando-se de uma série de ferramentas e mecanismos para a construção de soluções de longo prazo de maneira equilibrada, íntegra e transparente. Wachhaus (2014) relata que, com a maturidade dos sistemas de Governança Colaborativa, as paredes governamentais tornaram-se mais porosas, pois atores de diversos setores passaram a se envolver no processo de governar. O uso da figura de linguagem “parede porosa” tem a função de destacar um dos princípios fundamentais da teoria da governança, a qual consiste em um sistema de articulação política permeável, permitindo a colaboração e a participação de diferentes stakeholders, a cooperação e a descentralização de poder na construção de políticas públicas e de soluções para problemas locais (Conti, 2017). A estruturação de um modelo de Governança Colaborativa deve permitir a participação de todos os cidadãos – dos mais pobres aos mais ricos, independentemente de raça ou orientação religiosa – no intuito de compreender os reais anseios e desejos da sociedade. Nesse sentido, Ronconi (2011) argumenta que a Governança Colaborativa permite a criação de espaços públicos de participação, buscando desenvolver processos de negociação e ações políticas onde todos ganham. Um importante movimento para impulsionar as cidades em direção a modelos colaborativos de governança pela sustentabilidade foi a criação da Carta de Aalborg na Europa ainda na década de 1990. O documento destaca que as cidades devem estabelecer planos para o desenvolvimento de políticas de longo prazo em prol da sustentabilidade, a partir de processos colaborativos e fundamentados em princípios de transparência. Em um sistema de Governança Colaborativa, as decisões devem ser orientadas pelo consenso, no intuito de articular diferentes interesses e visões de maneira democrática e inteligente (Ansell &

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Gash, 2008). A orientação pelo consenso tem a capacidade de construir ideias sistêmicas de uma comunidade ou sociedade, uma vez que possibilita que cidadãos, organizações da sociedade civil e empresas desempenhem um papel fundamental na criação de políticas de sustentabilidade e na construção de uma visão coletiva de futuro. No Brasil, uma série de cidades já adotam estratégias e ferramentas de Governança Colaborativa. Em São Paulo, desde 2008, o governo municipal estabelece o seu plano de metas em parceria com a sociedade, permitindo um planejamento holístico e mais eficiente. O mesmo ocorre em Porto Alegre, cidade que, desde 1989, vem aperfeiçoando os mecanismos de participação e controle social, tendo como base a construção do orçamento público em parceria com a população. A pesquisadora Ronconi (2011) argumenta que os sistemas de Governança Colaborativa rompem com o modelo de democracia representativa, nos quais o Estado atua como núcleo exclusivo na formulação e implementação de políticas públicas. Isso porque os cidadãos passam a ser coprodutores do espaço urbano, compartilhando ações, benefícios e responsabilidades. O novo paradigma de governança inclusiva e colaborativa se espalha pelas cidades de todo o planeta. Essa transformação tem se espalhado por meio da implementação da Agenda 2030 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável lançada em 2015 e por meio da Nova Agenda Urbana criada durante a Habitat III em 2016. Trata-se de um movimento sem precedentes para a disseminação de novos valores de transformação urbana. Em todo o mundo, governos locais têm realizado esforços na estruturação de modelos de governança que envolvam cidadãos e outras partes interessadas na elaboração de metas e planos para o desenvolvimento sustentável. Essas mudanças fazem parte de um movimento global que reivindica mais democracia, liberdade, transparência e boa utilização dos recursos públicos.

Estruturando ferramentas e modelos de Governança Colaborativa A estruturação de modelos de Governança Colaborativa passa por questões políticas, institucionais, orçamentárias e técnicas. Os resultados da pesquisa de Conti (2017) indicam que os governos locais devem atentar-se para aspectos socioculturais locais para institucionalizar políticas e diretrizes de Governança Colaborativa, pois cada cidade está inserida em um contexto local único. 27

Os resultados da pesquisa de Conti (2017), que serão apresentados nesta seção, demonstram que as cidades podem utilizar uma série de mecanismos e ferramentas para facilitar a participação e a colaboração da sociedade na criação de uma visão coletiva de futuro, as quais podem utilizar técnicas de interação presencial, digital e/ou híbrida. A seguir, apresentaremos alguns exemplos. As diversas ferramentas de participação envolvem a realização de grupos focais, de oficinas e grupos de trabalho, de discussões face a face, da utilização de redes técnicas compostas de especialistas, de audiências públicas, da formação de conselhos temáticos e de outros de grupos de discussão (Conti, 2017). Relata-se que os processos participativos presenciais apresentam vantagens para a construção de confiança em um grupo, o que permite a realização de discussões de maior complexidade. Por sua vez, as plataformas digitais compreendem a utilização de redes sociais, de aplicativos para dispositivos móveis e de formulários para realização de pesquisas de opiniões. Além disso, as cidades podem desenvolver sistemas de coleta de dados de múltiplas fontes, os quais emergem da utilização de diferentes tecnologias e são armazenados em um sistema de bigdata e trabalhados por ferramentas analíticas. Com isso, as cidades podem criar indicadores em tempo real com base nos dados coletados, permitindo que a opinião pública e os anseios da população sejam traduzidos. Trata-se de um mecanismo para governança em tempo real. Recomenda-se a utilização de plataformas digitais, em casos de temas e propostas que envolvam uma parte significativa da população, para grandes cidades e temas de senso comum. Isso pode facilitar e estimular a participação. Em termos de estratégia, o tipo de ferramenta de governança a ser adotada pelas cidades deve considerar o tema ou assunto que será discutido. Em Copenhague, na Dinamarca, por exemplo, as consultas para temas que demandam conhecimento técnico, como a implementação de novas fontes de energias renováveis, são realizadas com grupos de especialistas e redes técnicas, e as consultas mais amplas são utilizadas para temas de conhecimento dos cidadãos comuns. As cidades podem desenvolver também sistemas híbridos de Governança Colaborativa, os quais juntam ferramentas e estratégias de engajamento e de participação presencial com o digital. Em Londres e em Nova Iorque, por exemplo, as cidades costumam desenvolver estratégias de governança híbrida, no intuito de engajar o público digitalizado e também os cidadãos que não possuem acesso à internet.

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É importante destacar que os sistemas de Governança Colaborativa podem apresentar diferentes características e níveis de profundidade. Nos casos em que a cidade não possui a cultura de participação política, isso deve ser estimulado pelo governo local e pelas lideranças públicas. Além disso, para que o sistema de Governança Colaborativa obtenha sucesso, é fundamental que haja transparência, equilíbrio de poder e um constante processo de comunicação e feedbacks. Os modelos de Governança Colaborativa podem ser estruturados em redes, possibilitando a troca de experiência e a construção de conhecimentos entre diversos atores sociais. Nesse sentido, os pesquisadores Heinrichs e Laws (2014), do Instituto de Governança e Sustentabilidade da Leuphana Universität Lüneburg, argumentam que o desenvolvimento sustentável pode ser descrito como uma tarefa coletiva e ocorre somente por meio de interações e entre os diferentes setores e organizações da sociedade, formando-se uma grande teia de saberes e oportunidades para a definição de soluções sistêmicas. Os agentes políticos são uma outra peça importante na estruturação de modelos de Governança Colaborativa. Isso porque podem definir estratégias e ativar a população para que ela faça parte do planejamento e da gestão da cidade. Do outro lado, as cidades podem criar estruturas regulatórias e institucionais que assegurem a participação da sociedade nos assuntos locais, dando maior durabilidade aos sistemas de governança. As cidades que desejam adotar sistemas de Governança Colaborativa devem incluir estrutura técnica capaz de estruturar ferramentas e de facilitar processos participativos, no intuito de reduzir riscos e externalidades negativas que podem resultar de processos mal dimensionados. Dessa maneira, as cidades devem dispor de recursos financeiros, e também capital técnico para implementação de modelos colaborativos. Os modelos de Governança Colaborativa devem desenvolver perspectivas de longo prazo, objetivando o desenvolvimento sustentável. Para isso, as cidades devem fomentar a capacidade de participação da sociedade civil, convocando os diferentes setores para participarem de conselhos, audiências públicas e grupos de trabalho, proporcionando uma série de benefícios para os cidadãos.

Principais Benefícios da Governança Colaborativa As cidades que adotam modelos de Governança Colaborativa constroem um caminho sólido para o desenvolvimento sustentável, 29

proporcionando benefícios de ordem local e global. Nota-se, por exemplo, que em estudos recentes sobre as mudanças climáticas, a preservação do planeta deve ser efetivada a partir do protagonismo local e do engajamento dos cidadãos. Isso decorre principalmente pelo fato de as atividades humanas se darem no âmbito local e, em sua maior parte, em áreas urbanas (Conti, 2017). Entre os inúmeros benefícios socioambientais, os sistemas de Governança Colaborativa permitem que as cidades promovam a igualdade, a justiça social e a cultura de paz, elementos essenciais para o desenvolvimento sustentável. Além disso, Ronconi (2011) argumenta que, ao abrir a gestão municipal para a participação de diversos atores, as cidades permitem um maior controle social sob as ações políticas, sendo esse um modelo político capaz de criar o ambiente necessário para a boa utilização dos recursos públicos. Destaca-se que o controle social é uma importante ferramenta para reduzir a corrupção e a influência negativa de determinados grupos econômicos, problema que afeta cidades em todo o mundo, facilitando assim a criação de uma economia de baixo carbono e orientada para o compartilhamento de bens e serviços. Além disso, os sistemas participativos favorecem a credibilidade de decisões políticas, dando legitimidade de ação para os governos locais. O equilíbrio de poder a partir da melhoria do nível de participação e de engajamento da população é a chave para uma democracia justa e sustentável. Isso permite que as cidades estabeleçam uma visão coletiva de futuro com o estabelecimento compartilhado de responsabilidade e metas. As condições de habitabilidade de uma cidade também estão relacionadas à participação da sociedade, a qual pode ser um elemento estruturante na preservação do meio ambiente e produção do espaço urbano. Isso pode ser verificado por meio de diversos exemplos, como o Programa de Recuperação de Nascentes da cidade de Quatro Pontes no Paraná e do Programa de Implantação de Sistema de Saneamento Básico e de Hortas Medicinais Comunitárias em Santa Bárbara d’Oeste em São Paulo, locais em que a participação da população foi vital para estruturação dos programas e qualificação ambiental. Os modelos de Governança Colaborativa permitem que as cidades se tornem lugares melhores para viver, devolvendo as cidades para os seus cidadãos. Conti (2017) verificou que os sistemas participativos proporcionam ganhos de diferentes ordens – institucional, ambiental, econômico e social – para o desenvolvimento sustentável.

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Quadro 1 - Principais benefícios dos sistemas de Governança Colaborativa para o desenvolvimento sustentável

Benefícios Institucionais

Ambientais

Econômicos

Sociais

Facilita a cooperação entre diferentes grupos de interesse

Fortalece programas ambientais locais

Fomenta novas economias sustentáveis

Fomenta políticas de incentivo à diversidade

Produz consenso em decisões políticas

Reduz a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs)

Fortalece investimentos em infraestrutura local

Incentiva a criação de uma cultura de paz

Concede credibilidade e legitimidade às decisões políticas

Fortalece a disseminação de áreas verdes

Incentiva a transição energética e a adoção de matrizes renováveis

Produz metodologias de educação para o desenvolvimento sustentável

Desenvolve visão holística e de longo prazo

Melhora a qualidade do ar e da água

Incentiva a agricultura sustentável e compartilhada

Permite a participação das crianças na produção do espaço urbano

Permite a descentralização de poder

Produz sistemas inteligentes de gestão de resíduos sólidos

Direciona investimentos para transportes públicos e alternativos

Coloca a qualidade de vida como tema central da agenda política

Constrói transparência e equilíbrio de poder

Fortalece planos de adaptação e mitigação das mudanças climáticas

Facilita investimentos em inovação e novas tecnologias sustentáveis

Fortalece a democracia e as liberdades individuais

Fonte: Conti (2017).

A pesquisa realizada por Conti (2017) revela que os sistemas de Governança Colaborativa impulsionam o desenvolvimento sustentável, facilitando a cooperação no desenvolvimento de políticas públicas 31

sistêmicas que beneficiam a qualidade de vida e o meio ambiente. Em termos econômicos, a colaboração permite que novas economias sejam discutidas e implementadas, possibilitando a criação de um capitalismo mais humano, equilibrado e verde. Trata-se de um movimento importante para o desenvolvimento de uma economia regenerativa, compartilhada e circular. De tal modo, as cidades podem se beneficiar enormemente a partir da criação de novos mecanismos econômicos fundamentados na participação social. Nesse sentido, as cidades que adotam modelos econômicos regenerativos buscam restaurar os seus sistemas ecológicos, equilibrando a equação de produção e consumo. Já a economia compartilhada estimula o consumo colaborativo a partir do compartilhamento de bens, produtos e serviços. Por último, a ideia de economia circular fundamenta-se nos princípios de redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia, na expectativa de fomentar um mercado de circuito fechado. Isso significa repensar os paradigmas da atualidade, visando a uma economia mais verde e sustentável. O estudo de Conti (2017) demonstra ainda que o tema das mudanças climáticas, apesar de estar fortemente relacionado à pauta ambiental, necessita também de ações e mudanças nas áreas econômica e social, a partir de investimentos em novas infraestruturas nas áreas de energia e mobilidade, além de estratégias de educação para o desenvolvimento sustentável. Por último, nota-se que uma cidade sustentável se constrói a partir de um modelo político democrático e inclusivo, por intermédio de aspectos socioculturais que incentivem a participação. Essas variáveis podem guiar as estratégias e os caminhos para uma nova economia, a preservação do meio ambiente e a justiça social.

Conclusões As cidades têm um papel fundamental para o desenvolvimento sustentável. É nas cidades que as pessoas vivem, exercem as suas liberdades individuais, produzem conhecimento e a inovação. Isso permite que os centros urbanos exerçam um protagonismo global, sendo a base para uma nova economia e um importante laboratório para novas práticas de sustentabilidade. Nesse sentido, ao mesmo tempo que as cidades são os principais agentes de impactos negativos ao meio ambiente, podem ser a grande solução para a transição energética e adoção de estilos de vida mais sustentáveis. Para isso, é preciso integrar as pessoas aos 32

processos de planejamento e gestão das políticas públicas, no intuito de encontrar soluções locais que gerem impactos globais positivos. Os modelos de Governança Colaborativa são a chave para integrar e engajar os cidadãos em ações, programas e planos de longo prazo. Trata-se de uma importante ferramenta para estimular a cooperação e fortalecer a democracia, devendo ser orientada pelo consenso através da transparência e do equilíbrio de poder. A participação é inerente à cultura, de maneira que as cidades devem estabelecer mecanismos e instrumentos colaborativos que façam sentido para a sua realidade. Isso significa que as lideranças políticas por vezes deverão encorajar e estimular a participação dos cidadãos, podendo estabelecer marcos regulatórios e institucionais que garantam a participação da sociedade civil. O futuro das cidades passa pela criação de sistemas de Governança Colaborativa, os quais serão fruto de novas gerações que clamam cada vez mais por democracia, igualdade e ética. Diante disso, as cidades devem inovar e criar modelos de governança que sejam inclusivos a partir de discussões face a face e de ferramentas digitais. As cidades devem ter como foco a qualidade de vida dos cidadãos e, para isso, precisam estar atentas a mudanças e inovações, buscando desenvolver práticas de sustentabilidade a partir do seu capital mais precioso: os cidadãos. Isso significa ser protagonista do seu próprio futuro, definindo tendências e construindo ações e projetos inovadores através de modelos colaborativos. Conclui-se que os modelos de Governança Colaborativa têm o poder de alavancar o desenvolvimento sustentável, permitindo a criação de modelos de desenvolvimento que atendam às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de existência das gerações futuras.

Referências ANSELL, Chris; GASH, Alison. Collaborative governance in theory and practice. Journal of public administration research and theory, v. 18, n. 4, p. 543-571, 2008. BENTO, Sarah Corrêa et al. As Novas Diretrizes e a Importância do Planejamento Urbano para o Desenvolvimento de Cidades Sustentáveis. Revista de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, v. 7, n. 3, p. 469-488, 2018. BRUNDTLAND, Gro Harlem. Our common future. Oxford University Press, 1987. 33

CONTI, Diego de Melo. Governança local para sustentabilidade: um estudo comparado entre grandes cidades europeias. Tese (Doutorado em Administração) - FEA PUC-SP, São Paulo, 2017. CONTI, Diego de Melo et al. Innovative Cities: the Way of Management, Sustainability and Future. Journal on Innovation and Sustainability, v. 3, n. 1, p. 75-88, 2012. DESA, U. N. World Urbanization Prospects: The 2018 Revision. New York, 2018. ELKINGTON, John. Canibais com garfo e faca. São Paulo: Makron Books, 2001. GEHL, Jan. Cidades para pessoas. 2013. GLAESER, Edward. Triumph of the City. Pan, 2011. HABITAT, U. N. Urbanization and development emerging futures. World cities report, 2016. HEINRICHS, Harald; LAWS, Norman. “Sustainability state” in the making? Institutionalization of sustainability in German federal policy making. Sustainability, v. 6, n. 5, p. 2623-2641, 2014. HOLLING, Crawford S. Resilience and stability of ecological systems. Annual review of ecology and systematics, v. 4, n. 1, p. 1-23, 1973. McKINSEY & COMPANY. How to make a city great. McKinsey Cities Special Initiative, 2013. RONCONI, Luciana. Governança pública: um desafio à democracia. Emancipação, v. 11, n. 1, 2011. UNISDR. United Nations International Strategy for Disaster Reduction. World disaster reduction campaign. Ginebra, 2010. WACHHAUS, Aaron. Governance beyond government. Administration & Society, v. 46, n. 5, p. 573-593, 2014.

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Capítulo 3 Desafios para o desenvolvimento urbano sustentável de cidades brasileiras Vladir Bartalini Miguel Luiz Bucalem Atualmente, o Brasil tem 5.570 municípios, onde a vida de fato se dá, e para 85% da população se dá no meio urbano. Em meados da década de 1960, a população urbana correspondia a 45% da população total. A rápida urbanização trouxe enormes desafios e as grandes regiões metropolitanas concentram muitos deles, como a precariedade habitacional, a violência, o desequilíbrio entre localização de moradias e de oportunidades gerando os conhecidos movimentos pendulares diários e suas múltiplas consequências negativas. Os municípios médios e pequenos também têm seus desafios, o que será explorado de forma sucinta neste capítulo.

Tabela 1 – cidades e habitantes Classes de cidade/ habitantes 2015

nº de cidades

% sobre total

nº habitantes

% sobre total

até 5.000

1.237

22,2

4.189.000

2,1

5.001 a 10.000

1.214

21,8

8.611.478

4,2

10.001 a 20.000

1.377

24,7

19.671.174

9,6

20.001 a 50.000

1.087

19,5

32.970.921

16,2

50.001 a 100.000

353

6,3

24.480.877

12,0

100.001 a 500.000

261

4,7

53.150.755

26,0

mais de 500.000

41

0,7

60.991.037

29,9

Fonte: IBGE – dados de 2015 – elaboração própria

O Plano Diretor é, segundo a constituição federal, o instrumento básico da política urbana e obrigatório para cidades de mais de 20 mil habitantes. Planos Diretores e legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo formam a espinha dorsal do sistema de planejamento e gestão territorial das cidades à qual se somam os estudos de impacto ambiental e os estudos de impacto de vizinhança, quando 35

necessários. A existência dessa estrutura básica, somada à existência de órgãos de gestão do planejamento urbano no âmbito da administração pública são indicativos da condição de que os municípios dispõem para implementar suas políticas de desenvolvimento.

Tabela 2 – Política de Nacional de Desenvolvimento Urbano: estrutura básica Tem Plano Diretor

Tem Lei de Uso e Ocupação do Solo

Exige estudo prévio de impacto ambiental

Exige estudo de impacto de vizinhança

Tem estrutura de gestão de planejamento urbano

até 5.000

30%

45%

14%

18%

62%

5.001 a 10.000

33%

48%

16%

22%

68%

10.001 a 20.000

35%

49%

19%

25%

76%

Classes de cidade/ habitantes 2015

20.001 a 50.000

82%

77%

40%

53%

85%

50.001 a 100.000

95%

93%

50%

70%

92%

100.001 a 500.000

97%

96%

59%

83%

97%

mais de 500.000

98%

98%

68%

93%

100%

Total Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

A disseminação dos planos diretores nas décadas de 1960 e 1970 coincide com um período de expressivo crescimento econômico do País, forte ritmo de crescimento demográfico das cidades em função de processos migratórios e, por consequência, grande demanda por infraestruturas físicas de diversas naturezas que alteraram substancialmente as feições e as formas de ocupação do território. Nesse contexto, os planos diretores se dedicavam, fundamentalmente, a estabelecer regras de ocupação do solo urbano, além de indicar vetores de crescimento e expansão física das cidades. Com relação a esse instrumento, cabem três comentários: O primeiro está relacionado à sua própria efetividade. A referência (Santos e Montandon, 2011) reporta resultados qualitativos sobre a avaliação de planos diretores aprovados após o Estatuto da Cidade tendo identificado uma série de deficiências. Entre elas, verificou-se que em vários planos há a simples transcrição de trechos do estatuto da cidade sem vinculação com a realidade do município. 36

As deficiências exibem a dificuldade dos municípios em promover um consistente processo de planejamento do qual resulte um plano diretor de qualidade que possa ser utilizado para o enfrentamento de desafios específicos. Além disso, para a grande maioria dos Planos Diretores, não há ênfase nos processos de acompanhamento e gestão dos resultados desses planos, cuja elaboração se converte num fim em si mesmo, e não em meio para alcançar os objetivos concebidos. Elaborar e aprovar um plano diretor pode significar, dessa forma, o mero cumprimento de uma obrigação e não o início de um ciclo. O segundo comentário é sobre o foco quase exclusivo que os planos diretores colocam sobre o regramento do uso do solo e sobre a implantação de infraestruturas físicas de suporte ao crescimento urbano. Outras dimensões que não as físico-territoriais – dimensão econômica, dimensão social e dimensão cultural, que se entrelaçam ao desenvolvimento urbano – são merecedoras, quando muito, de algumas poucas disposições ou intenções de caráter genérico. Não haveria nada de errado com essa ênfase desde que existissem outros instrumentos de planejamento que cumprissem esse papel. O terceiro é relativo ao seu alcance já que sua área de atuação está contida nos limites administrativos dos municípios dificultando a adoção de políticas conjuntas e integradas entre cidades limítrofes ou próximas para a gestão de questões, como abastecimento de água, tratamento de esgotos, transporte, uso do solo, drenagem e fomento ao desenvolvimento econômico e social cujo equacionamento transcende limites administrativos. O Estatuto da Metrópole é uma iniciativa que procura sanar em parte essas deficiências, mas sua efetividade ainda precisará ser avaliada. Esse ponto é propício para destacar o potencial de planos estratégico de longo prazo (Bucalem 2019). Eles abordam de forma de integrada os conteúdos de desenvolvimento econômico e social, melhorias ambientais e também uso do solo e infraestruturas urbanas. Esse instrumento tem o papel de articular os atores da cidade, incluindo o setor público, o privado e entidades da sociedade civil organizada em busca da concretização de uma visão de futuro compartilhada. Há potencialmente uma grande sinergia entre os planos estratégicos de longo prazo e planos diretores: o plano estratégico de longo prazo pode desempenhar um papel relevante no desenvolvimento das cidades brasileiras tanto pelas características já mencionadas quanto pela sua capacidade de assumir formatos variáveis a fim de que sejam compatíveis com a escala e as especificidades de cada cidade ou grupos de cidades (Bucalem 2019).

37

Uma questão central são as conhecidas restrições que os municípios enfrentam no que se refere às formas de financiar seu desenvolvimento. É pouco o que resta da receita proveniente de impostos, taxas e tributos para ser aplicado em medidas que fomentem o real desenvolvimento das cidades e não só a acomodação de seu crescimento. Nesse cenário, vem sendo construído um arcabouço institucional motivado pelos condicionantes principalmente das grandes cidades brasileiras, que apresenta novas formas de atuação do Poder Público e de geração de novas fontes de receitas. O citado arcabouço institucional inclui um conjunto de instrumentos de política urbana que tem como objetivo direcionar o desenvolvimento das cidades e criar condições para a geração e apropriação de recursos, por parte do Poder Público municipal, que auxiliem a financiar esse desenvolvimento, além de resguardá-las, na medida do possível, dos impactos sociais e ambientais que decorrem do processo de crescimento e desenvolvimento. Esses instrumentos, que vêm sendo concebidos, testados, aplicados e aprimorados ao longo de ao menos quatro décadas, foram sistematizados pelo Estatuto da Cidade e paulatinamente recepcionados pelos planos diretores das cidades brasileiras, principalmente pelas cidades de maior porte. Assumindo em princípio que, de modo geral, as principais fontes de recursos financeiros, como impostos (IPTU, ISS, ICMS) e taxas, são em grande parte exauridas na manutenção da própria cidade e na acomodação de seu crescimento, resta uma pequena parcela para novos investimentos. Entre os instrumentos de política urbana, dois se destacam entre os principais geradores de recursos financeiros: a outorga onerosa do direito de construir e as operações urbanas consorciadas. Outro instrumento bastante difundido são as ZEIS – zonas especiais de interesse social. Esses três instrumentos atuam sobre uma base comum que é a pujança econômica das grandes cidades e seu reflexo na intensificação da atividade imobiliária. Enquanto a outorga onerosa do direito de construção e as operações urbanas propiciam a captura de parte da valorização imobiliária decorrente de investimentos públicos, nas ZEIS, além de serem resguardados os direitos de permanência de populações de mais baixa renda nos locais onde residem, o setor imobiliário é incentivado a atuar na construção de unidades de moradia a preços mais acessíveis, sem o pagamento da outorga pelas áreas adicionais de construção. A figura 1 mostra a localização das cidades brasileiras segundo uma divisão simplificada em três classes: as que têm menos de

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100.000 habitantes, as que têm mais de 100.000 habitantes, aquelas com mais de 500.000 habitantes e as metrópoles, assim consideradas as cidades com mais de 1 milhão de habitantes abrangendo, de forma muito simplificada, as pequenas, médias e grandes cidades. A tabela 3 mostra as classes de cidades adotadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Produto Interno Bruto (PIB) de cada classe de cidade.

Fonte: IBGE - dados de 2015 – elaboração própria

39

Tabela 3 – PIB e PIB per capita Classes de cidade/ habitantes 2015 até 5.000

PIB total (x 1.000)

PIB total

PIB per capita médio

R$ 83.514.400

1%

R$ 20.476

5.001 a 10.000

R$ 152.556.720

3%

R$ 17.808

10.001 a 20.000

R$ 320.873.405

5%

R$ 16.398

20.001 a 50.000

R$ 661.972.322

11%

R$ 19.570

50.001 a 100.000

R$ 593.341.005

10%

R$ 23.686

100.001 a 500.000

R$ 1.709.442.408

29%

R$ 30.685

R$ 2.474.086.739

41%

R$ 35.188

R$ 5.995.787.000

100%

mais de 500.000 Total

Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/contas-nacionais/9088-produto-interno-bruto-dos-municipios.html?=&t=resultados - elaboração própria

As condições para que os instrumentos urbanísticos geradores de recursos sejam mais efetivos se encontram nas cidades de maior porte pelos efeitos que as aglomerações produzem sobre a dinâmica econômica dessas localidades e, por consequência, na intensificação das atividades ligadas ao setor imobiliário. As cidades de maior porte são onde instrumentos como a outorga onerosa do direito de construir e as operações urbanas consorciadas se apresentam de forma mais destacada – seja por meio de leis específicas, seja por estarem previstas nos planos diretores dessas cidades (tabela 4). Tabela 4 – instrumentos urbanísticos Classes de cidade/ habitantes 2015

Previsão de outorga onerosa do direito de construir

Previsão de operação urbana consorciada

Previsão de zonas especiais de interesse social

até 5.000

21%

13%

35%

5.001 a 10.000

23%

15%

38%

10.001 a 20.000

28%

18%

40%

20.001 a 50.000

51%

38%

70%

50.001 a 100.000

67%

54%

88%

100.001 a 500.000

77%

66%

94%

mais de 500.000

93%

83%

98%

35%

25%

51%

Total

Fonte: IBGE- https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

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Outros instrumentos, como a exigência de licenciamento ambiental e os estudos de impacto de vizinhança, são aplicáveis a certos empreendimentos imobiliários e de infraestrutura de forma a prever e mitigar aspectos negativos dos impactos sociais, econômicos e no meio físico. Esses instrumentos têm a função de resguardar as cidades de potenciais impactos negativos de sua expansão. A expansão, por sua vez, se dá de modos distintos: nas cidades de menor porte, de modo geral, ocorre um tipo de expansão horizontal com o parcelamento do solo em lotes de diversas dimensões e tipologias construtivas horizontais; nas cidades de maior porte, observa-se tanto a expansão da ocupação horizontal do território, quanto a expansão de tipologias construtivas verticais, não raro isoladas. Embora os instrumentos de prevenção e mitigação de impactos estejam presentes, em maior ou menor grau, em todas as classes de cidades, sua aplicação se dá sobre cada empreendimento isoladamente, sem considerar, na maior parte das vezes, seu impacto cumulativo. Esse impacto cumulativo, por sua vez, não ocorre apenas pela concentração de empreendimentos numa determinada porção territorial, mas também pela profusão de empreendimentos territorialmente isolados que, no cômputo geral, promovem a dispersão do crescimento urbano. Esse último efeito pode ser notado principalmente em grandes cidades com a intensificação da verticalização dispersa em regiões cada vez mais distantes das áreas centrais a despeito da visão das correntes urbanísticas atuais e das diretrizes – quase sempre genéricas e sem efeitos práticos constantes dos planos diretores, que indicam a necessidade de adensamento construtivo e populacional no meio urbano. Metade das cidades brasileiras conta com planos diretores – considerado o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, embora em apenas 30% (aquelas com mais de 20 mil habitantes) sua realização é obrigatória. Por iniciativa legislativa própria, 25% das cidades brasileiras exigem a realização de estudos prévios de impacto ambiental e cerca de 34% exigem estudos de impacto de vizinhança que, mesmo sendo salvaguardas importantes, não conseguem, por não terem escopo para tal, equacionar de forma adequada a propagação e a mitigação de impactos negativos, como a dispersão do crescimento urbano – por vezes induzida pelos próprios planos diretores. O desafio principal para o desenvolvimento urbano sustentável das cidades brasileiras não parece ser, portanto, a ausência de arcabouços legais, embora as leis e os instrumentos urbanísticos

41

possam e devam ser constantemente aprimorados e utilizados por um número maior de cidades. Alguns fatores podem ajudar a compreender melhor os entraves e as formas de enfrentamento desses desafios: a) Desde as duas últimas décadas do século passado até os dias atuais, sob condições de desenvolvimento econômico não tão favoráveis e carregando grande passivo de carências de infraestruturas físicas e não físicas, as cidades brasileiras se deparam com o acúmulo de antigos desafios não superados e de novos desafios cuja superação demanda a utilização de estratégias e instrumentos baseados em visões abrangentes que integrem os principais fatores que propiciam o desenvolvimento urbano. O escopo tradicional dos planos diretores é o regramento do uso do solo e das infraestruturas físicas, sendo pouco efetivo no trato das demais condições necessárias ao desenvolvimento sustentável. O olhar dos planos diretores parece perseguir, independentemente de alterações conjunturais, os reflexos e as consequências do crescimento e não a promoção dos fatos geradores do desenvolvimento. b) As restrições existentes não são apenas de ordem financeira. Há obstáculos de ordem conceitual e técnica reconhecíveis principalmente na inadequação de determinados instrumentos urbanísticos – concebidos originalmente para a realidade das grandes cidades – às características da maior parte dos municípios. Esses instrumentos parecem ter sido simplesmente inseridos no arcabouço institucional de muitas cidades sem que sua eficácia e pertinência às distintas realidades tenham sido verificadas. Formou-se uma espécie de efeito em cascata que se iniciou nas grandes cidades e que induziu sua inserção em boa parte das demais cidades brasileiras. Chama a atenção, por exemplo, a previsão de permissão de cobrança de outorga onerosa do direito de construir em cidades de pequeno porte (21% das cidades com até 5.000 habitantes, 23% das cidades entre 5.001 e 10.000 e 28% as cidades entre 10.001 e 20.000 habitantes) onde a atividade imobiliária é de baixa dinâmica tornando pouco efetiva a aplicação desse instrumento. Destaque-se também o número de cidades onde existe a previsão de implementação de operações urbanas, revelando a falta de entendimento do que é esse instrumento. Há atualmente 1.400 cidades brasileiras onde existe a previsão de implementação de operações urbanas consorciadas através de legislação específica ou como parte integrante de seus planos diretores (tabela 4). Destas, apenas 207 são

42

cidades com mais de 100 mil habitantes, 34 têm mais de 500 mil habitantes e 18 são capitais de estados. Atualmente há operações urbanas consorciadas em vigor nas cidades de São Paulo, Osasco, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre. c) A maior parte dos 5.570 municípios brasileiros é formada por cidades de pequeno porte que conformam o pano de fundo da ocupação do território nacional - 95% das cidades brasileiras têm menos de 100 mil habitantes. Os desafios que se colocam não são, portanto, apenas para as maiores aglomerações urbanas, em que pese a grande concentração populacional e de geração de riquezas nessas aglomerações de maior porte. Em números absolutos, no entanto, as cidades com menos de 100 mil habitantes abrigam quase 90 milhões de pessoas e o PIB gerado por elas é da ordem de R$ 1,8 trilhão. A administração pública é a atividade que mais valor adiciona ao PIB em 50% das cidades brasileiras, com grande destaque para seu peso nas cidades com até 20.000 habitantes. É a segunda atividade que mais adiciona valor ao PIB em 23% das cidades e a terceira atividade que mais adiciona valor em 19% do total de cidades (tabela 5). Apesar de as cidades serem um meio importante para que se dê acesso a serviços públicos fundamentais, como educação e saúde, a grande participação desses itens quando somados à administração, defesa e seguridade social no valor adicionado ao PIB revela uma dependência excessiva do setor público indicando a necessidade de estratégias para impulsionar o desenvolvimento econômico dessas cidades.

Tabela 5 - Valor adicionado ao PIB / Administração, defesa, seguridade social, educação e saúde públicas Maior valor adicionado

2º maior valor adicionado

3º maior valor adicionado

até 5.000

25%

22%

16%

5.001 a 10.000

25%

17%

16%

10.001 a 20.000

28%

24%

17%

20.001 a 50.000

18%

22%

17%

50.001 a 100.000

3%

9%

8%

100.001 a 500.000

1%

6%

8%

mais de 500.000 =

0%

1%

1%

50%

23%

19%

Classes de cidade/ habitantes 2015

Total

Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/contas-nacionais/9088-produto-interno-bruto-dos-municipios.html?=&t=resultados - elaboração própria

43

d) Há esforços consideráveis para promover o aumento das articulações interinstitucionais entre as cidades de modo a integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum como a criação de Regiões Metropolitanas, Regiões de Integradas de Desenvolvimento e as Aglomerações Urbanas. Outras iniciativas são os arranjos produtivos locais e os consórcios (tabelas 6 e 7). Os arranjos produtivos locais são modelos de organização territorial da produção que buscam concentrar empresas ligadas a determinadas atividades com o objetivo de evitar a dispersão causada por iniciativas isoladas. A conformação desses arranjos não se dá ao acaso e depende do encadeamento de uma série de fatores e oportunidades, como surgimento, aprimoramento e domínio de conhecimentos específico para a produção de um determinado bem em determinados locais, existência de mão de obra qualificada e disponibilidade de infraestrutura. Esse conjunto de fatores nem sempre se apresenta ao mesmo tempo numa só localidade, mas pode existir, mesmo que de forma dispersa, num determinado recorte geográfico, aguardando que surjam as condições que promovam a sua aglutinação.

Tabela 6 - Participação em arranjos produtivos locais Classes de cidade/habitantes 2015

Participação em arranjos produtivos com outros municípios

até 5.000

6%

5.001 a 10.000

7%

10.001 a 20.000

11%

20.001 a 50.000

16%

50.001 a 100.000

16%

100.001 a 500.000

20%

mais de 500.000 =

17% Total

11%

Fonte: IBGE - https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

Já os consórcios públicos para a realização de objetivos de interesse comum, regulamentados na Lei Federal 11.107/05, são indicativos da capacidade de articulação interinstitucional das diferentes esferas 44

de governo e podem ser um instrumento importante para a superação de obstáculos ao desenvolvimento, na medida em que preveem e permitem firmar acordos e contratos, além de outorgar concessões para realização de obras e serviços das mais variadas naturezas.

Tabela 7 - Participação em consórcios públicos intermunicipais, estaduais ou federais Classes de cidade/ habitantes 2015

Educação

Saúde

Habitação

Meio ambiente

Transporte

Cultura

Turismo

Desenv. urbano

até 5.000

7%

49%

6%

17%

7%

7%

8%

14%

5.001 a 10.000

7%

50%

5%

18%

6%

7%

9%

12%

10.001 a 20.000

6%

49%

4%

15%

6%

5%

8%

13%

20.001 a 50.000

6%

51%

5%

17%

6%

7%

10%

13%

50.001 a 100.000

8%

50%

6%

18%

8%

8%

7%

14%

100.001 a 500.000

5%

57%

4%

14%

6%

5%

10%

10%

mais de 500.000

2%

56%

2%

10%

2%

2%

7%

10%

7%

50%

5%

17%

6%

6%

9%

13%

Total

Fonte: IBGE- https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/saude/10586-pesquisa-de-informacoes-basicas-municipais.html?=&t=downloads arquivo: Base_MUNIC_2015.xls - elaboração própria

Considerações finais O amplo arcabouço criado ao longo das últimas décadas buscou oferecer as condições institucionais para que os municípios regulem e conduzam seus processos de desenvolvimento. No entanto, a aplicação efetiva desses instrumentos e, por consequência, a obtenção de resultados positivos concretos, esbarra na ausência de modelos de desenvolvimento realmente eficazes e adequados às distintas situações e realidades das cidades brasileiras. Houve avanços significativos na concepção de instrumentos urbanísticos no sentido de promover cidades socialmente mais justas e economicamente mais fortes. Esses avanços são incorporados aos planos diretores das cidades de maior porte que servem de paradigma 45

para os outros milhares de cidades brasileiras. É preciso cuidado para evitar a mera repetição desconsiderando os condicionantes de escala. Registra-se o papel de que planos estratégicos de longo prazo podem ter para fomentar o desenvolvimento das cidades, o que sempre deve estar ancorado num genuíno processo de participação, que inclui o potencial de oferecer uma visão de cidade desejada, objetivos de longo prazo pactuados entre os atores da cidade, um conjunto de ações e estratégias para alcançá-los, contemplando de forma integrada, desenvolvimento social, econômico, melhorias ambientais e também uso do solo e infraestruturas urbanas. Isso tudo estabelece um processo contínuo de planejamento estratégico que envolve sistematicamente sua monitoração, avaliação e mecanismos de ajustes de seu conteúdo.

Referências BUCALEM, M. L. Planejamento Estratégico de longo prazo: possibilidades para o desenvolvimento urbano, econômico e social das cidades brasileiras. Revista Estudos Avançados (a ser publicado), 2019. INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA. Acesso em: jun. 2018. SANTOS JUNIOR, O. A.; MONTANDON, D. T. Os Planos Diretores Municipais pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011.

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Capítulo 4 Ferramentas e instrumentos para transformar a sustentabilidade das cidades brasileiras Jorge Abrahão A urbanização crescente e acelerada trouxe grandes desafios para a humanidade e se tornou uma questão prioritária para a agenda pública no Brasil e no mundo. Pobreza, desigualdade social, mobilidade e mudanças climáticas são alguns dos problemas que enfrentamos hoje nas áreas urbanas, muitas vezes por causa do crescimento expressivo da população e da expansão desordenada das cidades. É por isso que a importância da atuação local é cada vez mais clara e consensual quando se fala em planejamento urbano e políticas públicas que busquem melhorar a qualidade de vida das pessoas. É nas cidades que os problemas se manifestam, mas também é nas cidades que se concentram os recursos humanos, econômicos, tecnológicos e políticos para enfrentar esses desafios. Será nas cidades que perderemos ou venceremos a luta pelo desenvolvimento sustentável. É nesse espaço que o Instituto Cidades Sustentáveis atua desde a sua fundação, em 2007. Primeiro, com a Rede Nossa São Paulo (RNSP), uma iniciativa que hoje atua na incidência e no monitoramento de políticas públicas, na mobilização da sociedade civil e na produção de conhecimento sobre a cidade mais rica e populosa do país. Com o tempo, a experiência da RNSP mostrou que era possível levar o trabalho e as metodologias desenvolvidas na capital paulista para outros municípios brasileiros. Era possível – e fazia todo sentido – dar escala para ações que se mostraram bem-sucedidas até mesmo em um lugar complexo como São Paulo. Foi assim que surgiu o Programa Cidades Sustentáveis (PCS), ainda em 2011, em uma iniciativa conjunta da Rede Cidades – por territórios, justos, democráticos e sustentáveis, do Instituto Ethos e da própria RNSP. Ao longo dos anos, o PCS cresceu e ganhou corpo. Hoje, o programa envolve mais de 200 cidades (impacta 60 milhões de pessoas) na busca de políticas e soluções que contribuam para uma sociedade 47

mais justa, democrática e sustentável. Não por acaso, a RNSP e o PCS se tornaram as duas grandes iniciativas do Instituto Cidades Sustentáveis: uma com forte orientação local, onde são testadas metodologias e ferramentas de apoio à gestão pública e ao planejamento urbano; e a segunda de abrangência nacional, com foco na mobilização de outras cidades para a implementação efetiva de uma agenda de sustentabilidade urbana.

Rede Nossa São Paulo: a maior cidade do País como laboratório Há mais de dez anos, a Rede Nossa São Paulo atua na sensibilização, mobilização e comprometimento do governo local para a implementação de políticas públicas estruturantes na capital paulista. Esse trabalho se fortaleceu ao longo do tempo com a criação e o desenvolvimento de ações em diferentes frentes de atuação, sempre com foco na redução das desigualdades socioeconômicas e no respeito ao meio ambiente. Nesse período, uma das principais conquistas da RNSP foi a aprovação da Lei do Programa de Metas, em 2008, na cidade de São Paulo. A legislação determina que todo prefeito, eleito ou reeleito, deve apresentar o Programa de Metas de sua gestão até 90 dias após a sua posse. O documento deve conter as prioridades do governo, as ações estratégicas, os indicadores e as metas quantitativas para cada área da administração municipal, prefeituras regionais e distritos da cidade, incorporando, no mínimo, as promessas e diretrizes de sua campanha eleitoral. Vivenciamos, neste momento, o exercício do terceiro Plano de Metas de São Paulo e os avanços no âmbito da participação popular são inegáveis. Na gestão passada (2013-2016), o processo de audiências públicas (previsto na lei) recebeu cerca de 10 mil sugestões da população. Em 2017, início da atual gestão, esse número chegou a 23 mil propostas, o que reafirma o inequívoco desejo de participação da sociedade na vida pública da cidade. Mas, para tanto, é preciso criar espaços e dar sentido a essa participação. A propósito, é exatamente no campo da participação social que a RNSP e o PCS têm uma de suas maiores riquezas. Em São Paulo, propusemos a construção de espaços importantes de participação como o Conselho da Cidade, o Conselho de Planejamento e Orçamentos Participativos, o Conselho de Transportes e os Conselhos Participativos em cada uma das 32 prefeituras regionais, todas com 48

conselheiros eleitos pela população. Tais iniciativas foram criadas na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (2013-2016). A partir de diversos indicadores temáticos, desenvolvemos uma ferramenta inédita que compara os diferentes distritos da cidade de São Paulo: o Mapa da Desigualdade, criado e elaborado anualmente pela RNSP. Um dos dados revelados pelo Mapa é estarrecedor: a idade média ao morrer no Jardim Paulista, um distrito nobre da cidade, é de 79 anos; no Jardim Ângela, na periferia, é de 55 anos. Vivem menos os que são vítimas de uma desigualdade cumulativa que começa na renda e avança em educação, saúde, saneamento e segurança, entre outros aspectos.

Um dos indicadores do Mapa da Desigualdade de São Paulo: metodologia da RNSP permite identificar as diferenças abissais entre os distritos da cidade. A partir dessa mesma metodologia, lançamos, no final de 2017, o Observatório da Primeira Infância (OPI), que reúne um conjunto de 130 indicadores relacionados às crianças de 0 a 6 anos de idade. Iniciativa inédita realizada em parceria com a Fundação Bernard van Leer, o OPI é a base do também pioneiro Mapa da Desigualdade da Primeira Infância, construído a partir de 28 indicadores que refletem a desigualdade das crianças em São Paulo. Complementando o diagnóstico realizado por meio dos indicadores temáticos, coletados em fontes oficiais e órgãos públicos, a RNSP realiza, desde 2007, um conjunto de pesquisas de opinião em parceria com o Ibope Inteligência, um dos maiores institutos de 49

pesquisa do País. Ao longo desses 11 anos, vem sendo possível traçar um panorama da percepção do paulistano sobre os mais diferentes aspectos que envolvem a qualidade de vida na cidade, em especial nas áreas de mobilidade, transparência, segurança, saúde, educação e cultura. Todo esse rico e pioneiro conjunto de ferramentas de controle social e aprimoramento da gestão municipal incidiu direta ou indiretamente em políticas públicas essenciais para a cidade de São Paulo, nosso grande laboratório. Em 2007, a primeira grande batalha da RNSP foi pela redução da taxa de enxofre no diesel vendido no País. A resolução no 315/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) determinou que, em janeiro de 2009, o diesel comercializado no Brasil tivesse, no máximo, 50 partículas por milhão (ppm) de enxofre. A substância, altamente cancerígena, é responsável pela morte de 3 mil pessoas por ano somente na capital paulista. Em função disso, a RNSP se uniu a outras entidades para cobrar das autoridades federais e montadoras de veículos o cumprimento da resolução. A mobilização de diversos atores e a pressão da sociedade fizeram com que a Resolução 315 fosse colocada na agenda da Agência Nacional do Petróleo, da Petrobras e da indústria automobilística. Essas organizações foram obrigadas a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assumindo o compromisso de cumprir um cronograma de execução da resolução. Se hoje o diesel com 10 ppm (cinco vezes mais limpo do que previa a resolução do Conama) é comercializado nos grandes centros do País, foi graças à mobilização de organizações como a RNSP. A estrutura de governança da RNSP é composta de secretaria executiva, colegiado de apoio, conselho consultivo e grupos de trabalho (GTs) que atuam em diferentes áreas temáticas. Formados por voluntários, os GTs têm papel fundamental na condução de várias atividades da organização. Na Educação, por exemplo, o GT teve participação ativa, ao longo de 2015, na elaboração do Plano Municipal de Educação (PME). Na área da mobilidade, integrantes do GT representam a RNSP no Conselho Municipal de Política Urbana e no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte. Além disso, o grupo participa do comitê de entidades que fez uma análise profunda do edital de licitação dos ônibus da capital paulista, na gestão passada. Esse trabalho levou a Prefeitura a revisar diversos pontos da proposta e adiar o lançamento do edital. Outro GT crucial para nossa atuação é o da Democracia Participativa. Em 2016, entre outras ações, o grupo elaborou o projeto de lei de regulamentação do artigo 10 da Lei Or-

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gânica do Município, possibilitando a realização de plebiscitos para grandes obras na cidade.

Programa Cidades Sustentáveis: uma agenda para os municípios brasileiros São Paulo foi a inspiração inicial. Se conseguíssemos avançar numa das cidades mais complexas e desafiadoras do País, teríamos boas chances de levar uma agenda de apoio à gestão pública para um grande número de municípios brasileiros. Essa percepção se materializou com a criação do PCS, uma iniciativa que oferece ferramentas e metodologias para gestores municipais, associadas a um banco de boas práticas em políticas públicas e a um conjunto de 260 indicadores nas várias áreas de atuação das prefeituras. Esses indicadores estão subdivididos em 12 eixos temáticos e foram alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, de modo que também apoiem as cidades na implementação da Agenda 2030 em nível local. A proposta do PCS é incentivar as transformações necessárias para que as lideranças políticas se comprometam com iniciativas estruturantes nos diversos campos da sustentabilidade, assim como ressaltar programas e ações que já apresentem bons resultados em diferentes áreas da administração. Esse processo ganha impulso durante a campanha eleitoral, quando candidatos às prefeituras são estimulados a assinar o compromisso de implementar o PCS caso sejam eleitos. Desse modo, eles se comprometem a realizar um diagnóstico local com base nos indicadores do programa e a elaborar um plano de metas, no qual devem definir prioridades, prever ações e estabelecer objetivos para os quatro anos de mandato. Essas informações devem ser disponibilizadas na plataforma digital do PCS, um ambiente web aberto e acessível ao público geral, para que a população possa acompanhar a evolução dos dados e indicadores de sua cidade. Dessa forma, o programa se constitui também como um mecanismo de controle social e prestação de contas permanente das prefeituras signatárias. Com esse conjunto de ferramentas, conteúdos e possibilidades oferecidos gratuitamente aos municípios brasileiros, o PCS consolidouse como uma oportunidade ímpar na medida em que: alinha o planejamento da cidade a uma avançada plataforma de desenvolvimento sustentável e à Agenda 2030; valoriza a democracia e a política ao 51

ampliar o diálogo e a participação da sociedade para a construção de políticas públicas, por meio de mecanismos de transparência e controle social; possibilita o planejamento integrado e a execução orçamentária, proporcionando maior previsibilidade, redução de desperdícios, ganhos de produtividade e economia para a máquina pública; amplia as possibilidades de captação de novos recursos públicos, privados ou de organizações internacionais; e, por tudo isso, torna o município uma referência nacional e internacional na implementação dos ODS, conferindo também visibilidade e reputação. Atualmente, mais de 200 municípios brasileiros – que somam aproximadamente 50 milhões de habitantes – assinaram o compromisso com o Programa Cidades Sustentáveis. A exemplo de São Paulo, mais de 50 cidades transformaram o Plano de Metas em lei, tornando obrigatória sua apresentação independentemente do partido e da vontade do prefeito eleito. Assim, tornou-se uma política pública que muda a forma de fazer política.

Plataforma do Conhecimento: O PCS ganha escala Em 2018, o PCS deu início à implementação do projeto CITinova - planejamento urbano integrado e tecnologias para cidades sustentáveis no Brasil. Trata-se de uma iniciativa multilateral que envolve, 52

além do PCS, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA – ONU Meio Ambiente), o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), a prefeitura de Recife, o Governo do Distrito Federal, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e a Agência Recife para Inovação e Estratégia (Aries). Com apoio do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês), o projeto será desenvolvido ao longo de quatro anos e tem como um dos objetivos centrais a construção da Plataforma do Conhecimento Cidades Sustentáveis. Nesse ambiente web, serão disponibilizadas tecnologias, ferramentas e metodologias em planejamento urbano integrado para gestores públicos municipais, conteúdos técnicos e teóricos, além de notícias e informações sobre sustentabilidade urbana para o público em geral. A plataforma será desenvolvida com base nas estruturas do atual sistema online do PCS, de modo que possa incorporar os novos conteúdos e funcionalidades previstos. Entre os recursos oferecidos, as prefeituras contarão com sistemas para monitoramento e análise de dados e indicadores, definição de metas, sistema de geoprocessamento, módulos de participação social, colaborações acadêmicas e do setor privado, além da indicação de fontes de financiamento nacionais e internacionais. Outros objetivos específicos da plataforma são testar, adaptar e fornecer a prova de conceito para tecnologias inovadoras que possam resolver gargalos tecnológicos identificados no processo de planejamento urbano integrado; disseminar boas práticas em políticas públicas; estimular o engajamento de mais de 300 municípios que adotem voluntariamente metas de sustentabilidade em suas gestões locais, por meio da adesão ao PCS; promover as funcionalidades da plataforma para apoiar a replicação e o ganho de escala e sua evolução por meio de ferramentas de ação colaborativa e para a revisão de políticas e diretrizes urbanas nacionais. A plataforma funcionará também como instrumento de controle social, uma vez que a população poderá acompanhar as informações e a evolução dos indicadores de sua cidade por meio de comparativos, gráficos e tabelas. Da mesma forma como acontece hoje com o PCS. Vale destacar ainda que esse ambiente web cumprirá um papel fundamental para a municipalização dos ODS, ao apoiar as cidades na implementação da Agenda 2030 em nível local. A plataforma abrangerá ainda o Observatório da Inovação, um conjunto de tecnologias desenvolvidas para diferentes tipologias de

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cidades, a fim de apoiar gestores públicos na produção de diagnósticos e identificação de soluções em planejamento urbano. O observatório será desenvolvido pelo CGEE, organização social vinculada ao MCTIC que produz estudos e pesquisas prospectivas, avaliações de estratégias em políticas públicas e outras atividades nas áreas de educação, ciência, tecnologia e inovação. O projeto CITinova possui abordagem nacional, com a aplicação específica em duas cidades: Recife e Brasília. Nesse sentido, são duas linhas de atuação: a primeira incidirá sobre o processo de planejamento urbano integrado e sustentável, por meio de sistemas de dados e informações a serem implantados nas duas cidades-piloto; a segunda apoiará a utilização de tecnologias inovadoras que promovam alto impacto na gestão local, com investimentos em infraestrutura urbana em Recife e Brasília.

Conclusão As cidades serão, cada vez mais, o espaço de defesa e avanço de importantes temas para a sociedade. Os exemplos descritos anteriormente reforçam a importância da atuação de iniciativas como a RNSP, o PCS e tantas outras que atuam pelo Brasil. As conquistas em políticas públicas não são permanentes e, não raro, é necessário atuar para evitar retrocessos e reavaliar estratégias. O que é imperativo em nosso exercício – e o que, da mesma forma, deveria nortear as políticas públicas municipais, estaduais e federais – é aumentar a intensidade da democracia e reduzir as desigualdades e combater a mudança do clima nas cidades. Não haverá desenvolvimento sustentável se não tivermos governos mais abertos à escuta, ao diálogo e à participação cidadã. Não haverá desenvolvimento sustentável se tivermos cidades tão desiguais, pois há décadas nos perguntamos no Brasil como podemos ser um País tão rico e, ao mesmo tempo, tão desigual. A desigualdade não é um fenômeno natural, mas fruto de políticas e decisões que a produziram ao longo do tempo. E será por meio dessa mesma política, enriquecida pela participação da população na vida pública, que poderemos superar essa situação. Sabemos que os recursos para tanto existem, mas dependem da ambição e da coragem dos políticos, podendo vir da mudança de prioridades dos investimentos governamentais e da justa taxação dos mais ricos. Somente assim poderemos, de fato, avançar na construção de cidades justas, democráticas e sustentáveis. 54

Capítulo 5 Cidades resilientes: zero carbono, infraestrutura verde e economia circular Antonella Marzi Estamos vivendo em uma era em que as cidades não podem ser planejadas considerando apenas seu aspecto infraestrutural, composto apenas de ruas e constituídas por edifícios isolados. Hoje, o traçado urbano das cidades deve ser considerado um sistema integrado dentro de um território, onde cada edifício participa na criação de uma rede mais complexa, e o espaço público é transformado de um lugar estático e congelado no tempo em um elemento vibrante e interativo, possibilitando que seus habitantes contribuam de forma participativa para o crescimento econômico e social e onde as novas exigências de impacto ambiental nos levam à necessidade de estabelecer uma melhor gestão dos recursos naturais. Dessa forma, nasce a necessidade de pensar de maneira diferente, pensar de forma Smart. Mas o que esse termo realmente significa? Quando definimos o Smart como um objeto ou um edifício qualquer, por exemplo, neste caso, falamos de um Smart building, imediatamente, e tendemos a imaginar que ela tenha uma inteligência e, consequentemente, um caráter tecnológico forte. Mas, quando somos confrontados com a necessidade de definir um modelo de desenvolvimento do ambiente construído, uma cidade ou um território, neste caso, temos de pensar no termo em seu sentido mais amplo, o aspecto onde a tecnologia certamente desempenha um papel importante, mas apenas como um meio empregado para atingir objetivos comuns. Engano pensar que o conceito de “cidades inteligentes” é aplicável somente para as áreas urbanas recém-fundadas, mas, pelo contrário, grande parte da realidade em que vivemos já aplicam ou poderiam seguramente participar desse modelo de desenvolvimento. As novas tecnologias e necessidades, como as de natureza ambiental, levam as nossas cidades a buscar uma resposta e uma solução para as pressões que se acumulam dia após dia. Há muitos casos internacionais que merecem um aprofundamento, em que as realidades urbanas existentes não só se adaptaram como também abraçaram 55

ativamente o processo de transformação, implementando-o também do ponto de vista da governança e sendo capazes de controlar e gerenciar, de maneira excelente, o impacto trazido por essa mudança. A análise de seu estado de desenvolvimento é monitorada e verificada através do uso de índices e rankings que representam as ferramentas de medição da avaliação socioeconômica e ambiental voltada para a análise de um modelo de inteligência que deve levar em conta aquilo que a cidade está realizando em termos de melhores práticas. Certamente, é difícil, nem seria o caminho certo comparar realidades urbanas muito diferentes, mas sim analisá-las em grupos, dentro de uma estrutura que possa permitir uma comparação, colocando-as no mesmo nível territorial, cultural ou de quantidade de população. Entre as cidades Smart mais conhecidas que puderam aplicar as melhores práticas até hoje, apesar de suas diferentes características, temos Copenhague e Cingapura. Elas são consideradas laboratórios de soluções a céu aberto, tendo como objetivo central facilitar a vida de seus cidadãos. Cingapura, por exemplo, através do processamento de big data, é capaz de oferecer melhores soluções para seus habitantes: o objetivo é construir nos próximos quatro anos uma conexão, por uma rede sem fio, de cerca de cem milhões de dispositivos inteligentes, a fim de coletar e analisar dados em diferentes áreas de implementação, desde o número de veículos e fluxo de pedestres até os controles climáticos e os níveis de poluição na cidade. Claramente, esse novo modelo de economia digital requer instrumentos legislativos para proteger a privacidade. Nesse caso específico, foi redigido um texto legal – Lei de Proteção de Dados Pessoais – que, por meio da nova agência governamental de inovação tecnológica, especificamente criada, permite proteger os cidadãos de Cingapura. Em modelos urbanos recém-construídos, como o das metrópoles verdes, surgem os nomes de Masdar City, a primeira cidade a ter o ambicioso objetivo de investir em um modelo urbano de emissões zero, e de Songdo City na Coreia do Sul, cujo planejamento urbano revela um alto conteúdo tecnológico. Esta última, em particular, parece afastar-se do que deveria ser o conceito de Smart City em sua representação ideal, entendido como uma interação entre o mundo físico e o digital através da experimentação da Internet das Coisas (IoT), cujo objetivo, entre outras coisas, deve ser voltado para tornar as áreas urbanas mais sustentáveis e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. Uma vez que essa metrópole verde é planejada, parece ser quase incapaz de dar uma resposta real às necessidades de seus habitantes, afinal de contas, o que é a cidade senão o seu povo?

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Com a assinatura em nível mundial de acordos substanciais para o desenvolvimento sustentável, no contexto das mudanças climáticas, é necessário, se não essencial, preparar nossas cidades para uma nova política de transformação. As cidades resilientes são um modelo fundamental para o passo em direção ao conceito de Smart City inclusiva, já que, de fato, elas contribuem fortemente para a redução do impacto climático, utilizando uma abordagem inteligente de como construir e habitar um território, com resultados eficazes também do ponto de vista socioeconômico. Esse modelo de desenvolvimento é precedido por uma série de etapas que levaram à sua definição mais abrangente. Da Cidade Solar, onde a exploração da energia solar é parte de um projeto urbano muito mais amplo e integrado e não depende apenas dos indivíduos, passando pela cidade verde, onde o aspecto ambiental desempenha um papel fundamental, chegando às cidades sustentáveis. O que une esses padrões de povoamento não é a busca dos aspectos mais eficientes ou tecnológicos, mas a vontade de ativar seus cidadãos à participação direta, de modo a permitir que as necessidades dos indivíduos correspondam às necessidades da comunidade, onde as pessoas se tornam promotores e protagonistas do planejamento e do desenvolvimento do sistema urbano em sua complexidade. Um grande número de cidades, no território europeu, como Londres ou na já citada Copenhague, já elaborou planos estratégicos, especialmente para lidar com o chamado problema das ilhas de calor. A capital dinamarquesa, premiada como cidade verde por excelência, tem como meta, até 2025, zerar as emissões de dióxido de carbono, incentivando seus cidadãos a viajar de bicicleta graças a mais de 400 km de ciclovias que percorrem a cidade e, produzindo energia limpa usando biomassa. Em Copenhague, 90% dos resíduos produzidos são reutilizados, alocando 40% de sua energia para alimentar as usinas de cogeração que distribuem calor para 98% dos edifícios da cidade. Como demonstração de seu caráter Smart, não há falta, mesmo no campo de resíduos, de sistemas de sensores aplicados. Os sinais de GPS e dispositivos de controle são aplicados a caixas fotovoltaicas difundidos pela cidade e que se comunicam de forma inteligente com o centro de triagem. Em alguns casos menores, por exemplo, em Roterdã na Holanda, foram instalados termômetros fixos e móveis em áreas urbanas para identificar e favorecer intervenções para limitar as ilhas de calor. Além disso, uma série de outras práticas e soluções já são adotadas pelas cidades em nível internacional, como a plantação de espécies arbó-

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reas, valorização e desenvolvimento de parques urbanos, exploração mais efetiva de cursos de água, telhados verdes e prédios capazes de “canalizar” o vento, empurrando-o para baixo a fim de criar dinamismo até os apartamentos convectivos. Dessa forma, definitivamente torna-se necessário um critério de planejamento urbano não com base em uma abordagem top down, na qual não é medida a demanda expressa no nível local, mas sim um padrão de design que é imposto através de uma realidade de bottom up, a qual permite entender as necessidades e interagir diretamente com o cidadão. Muitas vezes, as comunidades mais desfavorecidas não têm possibilidade de acessar e aproveitar essas inovações devido a políticas de desenvolvimento urbano não planejadas e difíceis de controlar, gerando assim conurbações separadas e espontâneas. Dada a taxa atual de expansão da habitação global nos próximos 25 anos, será atingida uma escala de necessidades estimada em cerca de 700 milhões de residências, metade das quais destinadas ao mercado imobiliário social. Hoje, o conceito de habitação social garante apenas um nível básico de infraestrutura, limitando ou, em alguns casos, anulando a inovação tecnológica e mostrando na maioria dos casos a ineficácia ou a falta de planejamento. Um caso desenvolvido nos últimos anos e aplicado pela primeira vez no Brasil é o modelo do Social Smart City, proposto pela empresa Planet com seu projeto piloto Laguna implantado no distrito de Croatá, município de São Gonçalo do Amarante, na região do Ceará, devido ao seu grande desenvolvimento econômico. Laguna é uma cidade para aproximadamente 25 mil habitantes, que oferece um sistema planejado através de quatro pilares fundamentais e que demonstra, através da criação de um índice de inteligência – que mede a eficiência e a inteligência do ecossistema urbano com dados objetivos – que com a implementação de sistemas inteligentes nossas cidades podem consumir e poluir menos e, acima de tudo, custar menos. O projeto Laguna foi projetado para ocupar uma área de 330 hectares e é apresentado através de um contexto de mix funcional, onde o homem está no centro do desenvolvimento. O empreendimento é composto de uma rede verde integrada e equilibrada; um sistema de mobilidade inteligente planejado para garantir a fluidez das rotas públicas e privada; e projetos sociais e infraestruturas tecnológicas que atendem também a classes menores de renda. Essas são algumas características interessantes apresentadas por esse protótipo que visa o ser humano, inclusivo e resiliente. O aumento do bem-estar individual na criação desse tipo de cidade deve passar pelos requisitos que

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um bairro e uma cidade possuem, independentemente de qualquer outro fator. O gerenciamento de materiais, a redução das ilhas de calor e a mobilidade Smart são fundamentos essenciais do planejamento urbano inteligente, mas a inteligência deve necessariamente se manifestar em sua sustentabilidade futura e na gestão. A estratégia a ser usada deve ter a atenção dedicada à ecologia e ao desenvolvimento sustentável, que são a base de uma visão de design e negócios. Estamos caminhando para uma economia que não é mais de propriedade, mas de uso e consumo colaborativo. O modelo de cidade do projeto Laguna se faz através de uma implementação estratégica, concebida e adaptada ao contexto físico e social em que serão implementados, através da criação de relações inclusivas e experiências centradas nas necessidades e nos comportamentos das pessoas, reforçando o sentimento de pertencimento e a identificação do local como conexão com a comunidade. Viver de acordo com essa visão participativa torna a cidade mais segura, social e repleta de ofertas na gestão da vida cotidiana. Laguna inclui programas sociais e educacionais promovidos pelo Instituto Planet, cujo objetivo é tornar o custo de vida de pessoas que vivem em cidades ou bairros dessa espessura mais baratos que os bairros tradicionais, além de ecologicamente mais sustentáveis e socialmente inclusivos. Como dito repetidamente, uma cidade que é inteligente tem entre seus objetivos a melhoria da qualidade de vida de seus cidadãos, e um dos elementos-chave é garantir a capacidade de se mover com facilidade, de modo seguro e sem perder tempo. Cada cidade, de fato, pode continuar buscando soluções de infraestrutura, tecnológicas ou administrativas avançadas, mas, se não promover de maneira integrada o planejamento territorial e o transporte de conhecimentos, só obterá benefícios no curto prazo. A implementação das ações necessárias para garantir condições de acesso justas e sustentáveis deve ser o principal desafio. Para isso, é preciso atuar de forma diferente, limitando a geração de demanda por mobilidade, procurando reduzir as viagens, oferecendo alternativas efetivas para veículos particulares, tendo como principal objetivo compatibilizar a infraestrutura e torná-la segura para todos os tipos de usuários, sem que fenômenos críticos sejam gerados no uso cotidiano. A cidade deve garantir, em sua estrutura, uma mobilidade leve, pedonal e cicloviária, dedicadas sem gerar conflitos com veículos particulares. A criação de ecossistemas urbanos humanos e inteligentes pode garantir um alto nível de qualidade de vida para todos os grupos de renda, oferecendo serviços de alto nível e espaços verdes a baixo

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custo. O uso correto de um mix com áreas de artesanato, comerciais e residenciais garante a integração correta de funções destinadas a desfrutar do local e das oportunidades de emprego que ele oferece. O uso das inovações mais recentes no setor de infraestruturas e serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), de fato, otimiza o gerenciamento, regula o consumo e oferece novas maneiras de usar a própria cidade. Hoje, as áreas urbanas são o ponto-chave a ser resolvido, embora ocupem apenas 2% da superfície do planeta e produzam 80% de monóxido de carbono. Pensar em uma cidade inteligente não é apenas uma opção mais simples, mas uma escolha necessária para otimizar o consumo de energia, racionalizar o uso de recursos naturais e materiais e qualificar a eficiência da prestação de serviços aos cidadãos, bem como promover a evolução nas relações humanas. Dentro desse contexto, uma atenção especial deve ser abordada durante o planejamento desses novos territórios. A construção de infraestrutura com um aspecto mais articulado, por exemplo, através da avaliação das chamadas redes verdes, deve ser pensada de forma qualitativa, colocando um sistema de malha verde, evitando sua fragmentação, proporcionando corredores naturais capazes de criar um caminho independente daqueles destinados aos carros. A rede verde permite, assim, a utilização de infraestruturas reais dedicadas à mobilidade leve, pedonal e cicloviárias, que ligam todos os serviços oferecidos pela cidade, de forma a criar uma paisagem unificada que tende a aumentar o bem-estar geral. Os corredores verdes têm outra função, a partir do ponto de vista ambiental, pois, de fato, executam o microclima interno, favorecendo a passagem dos ventos, e prestando atenção a um design inteligente através do uso de espécies nativas e adaptadas ao clima existente. Nesse conceito, o tráfego de pedestres e cicloviários não deve ocorrer nas ruas nem nas laterais das estradas, mas através de um complexo de artérias vivas que se tornam o principal sistema de ligação de todas as estruturas coletivas. A presença de um sistema tão amplo e generalizado favorece a sociabilidade e o intercâmbio entre os cidadãos. Esses corredores verdes não devem ter apenas a função de parques lineares dentro do núcleo urbano, mas devem ser lugares reais de interação, criando uma nova relação entre a construção, tanto a privada quanto a pública, a rua e os habitantes. Os benefícios em termos de qualidade e aumento do bem-estar são representados por uma relação com a natureza e por uma ligação direta entre a própria casa e todos os espaços coletivos urbanos, através de estradas naturais, protegidas do trânsito e do calor, com a possibilidade de conhecer uma maneira diferente de se mover, mais sustentável, mais natural.

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Pensar de uma maneira nova não significa introduzir um design inovador, uma forma diferente, um estilo único, mas significa ter a coragem e a força para investir no futuro, sabendo que só isso pode elevar o bem-estar individual e coletivo dos cidadãos que “habitam” e contribuem para o crescimento da cidade. A visão que rege um projeto de cidade inclusiva é uma política de desenvolvimento urbano que coloca no centro do cenário a valorização do bem comum, uma cidade multicêntrica inserida na natureza, sustentável, inteligente e resiliente. Esse tipo de modelo define um novo padrão no mundo do sucesso habitacional, com o qual todos são convidados a colaborar. O bom planejamento urbano deve priorizar o uso das cidades a pé, de bicicleta, de modo a promover um modelo de vida livre e incondicional, capaz de descobrir a maioria das necessidades do cidadão para evitar longas viagens, passando de uma cidade para outra em busca de serviços e trabalho. Sabe-se que essa situação é uma das principais causas de estresse e fadiga, afetando a produtividade daqueles que são chamados para trabalhar a longas distâncias de suas casas. Os componentes residenciais, comerciais e de produção devem ser integrados entre si para gerar atratividade e, ao mesmo tempo, gerar uma sensação de segurança e defesa do território. Ao contrário de uma construção monocêntrica, os principais serviços da cidade devem ser distribuídos para determinar a multicentricidade, identificados de acordo com a capacidade centralizadora de cada um deles e estrategicamente posicionados na rede urbana para satisfazer uma distância definida para a acessibilidade de pedestres. Ainda, as cidades que adotam esse tipo de desenvolvimento têm consequências positivas na segurança passiva do território. As grandes ruas verdes devem conectar totalmente o sistema das redes verdes menores. A introdução de cinturões verdes permite a passagem adequada da biodiversidade, garantindo a continuidade da circulação de espécies animais e vegetais. Uma das soluções para desaquecer ilhas de calor é reduzir a emissão de poluentes atmosféricos, não somente através do plantio de árvores e de áreas verdes que podem amenizar seus efeitos, mas também com o uso de materiais de construção e pinheiros coloridos. A mobilidade de pedestres pode, assim, desenvolver-se por completo, independentemente de qualquer outro fluxo. O sistema de mobilidade hierárquico é um fator importante que determina uma melhor qualidade de vida tanto em relação aos pedestres quanto ao tráfego veicular. Essa hierarquia também tem uma motivação social, ou seja, uma propensão para se deslocar de pública para privada, diferenciando o sistema viário com uma rede

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de infraestrutura capaz de suportar o fluxo de veículos induzido pelas diferentes necessidades em cada setor da cidade. As empresas estão gradualmente mudando seus sistemas, da maneira como interagem ao modo como trabalham. As novas tecnologias participativas, compartilhando a economia, desencadeiam mecanismos de transformação nos relacionamentos, do trabalho às amizades, ao conceito de bens comuns. Esse sistema está revolucionando mercados e necessidades, uma mudança coletiva que parte do mundo digital e se consolida fora dele por meio de modelos flexíveis, favorecendo agregação, comparação e reconstrução do senso de comunidade. Esse novo modelo de mercado é caracterizado pela oferta e demanda, onde o papel principal é desempenhado por pessoas ao aspecto colaborativo, à habitação privada. É o caso do AIRBNB, transporte privado como o carro BLABLA, que na Europa tem tido desenvolvimento considerável, ou UBER, ou ainda serviços profissionais ou domésticos sob demanda. No setor de transportes, por exemplo, os serviços de compartilhamento estão entre os mais desenvolvidos e estão redesenhando o conceito de uso do veículo privado no caso do compartilhamento de carros e do compartilhamento de bicicletas. Focar no setor verde também significa focar nos modelos de desenvolvimento ligados à cadeia de reciclagem de resíduos e recursos, como vimos em Copenhague, proporcionando uma economia real em contraste com a linear, em que o produto passa da produção para o simples desperdício. Trata-se de uma economia que não apenas protege o ponto de vista ambiental, economizando nos custos de gerenciamento e produção, mas capaz de produzir lucros. Hoje é conhecida como economia circular, mas ela se desenvolveu ao longo do tempo sob sete diferentes escolas de pensamento econômico: Performance Economy, Biomimicry, Industrial Ecology, Capitalismo Natural, Blue Economy, Projeto Regenerativo e talvez o Cradle to Cradle, mais conhecido com base na energia renovável, respeitando o meio ambiente e a natureza humana, bem como preservando lugares e ecossistemas. Claramente, a implementação de um conceito de economia circular dentro de um ambiente de cidade resiliente é capaz de elevar o potencial de gerenciamento de recursos, afetando exponencialmente não apenas os negócios, mas também as vidas das próprias cidades. Obviamente, as tecnologias Smart tornam-se particularmente importantes para transformar o desenvolvimento e a aplicação desses novos modelos de negócios sustentáveis. Agora, a pergunta é: o que pode ser feito para tornar nossas cidades ainda mais inteligentes? O objetivo

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principal é, certamente, lidar com uma visão unificada, das diferentes dimensões: econômica e de governança, ambiental, tecnológica e social. Projetar as cidades do futuro significa repensar todos os seus componentes, renovando-os para abrir espaços para novas necessidades, redesenhando seus lugares e tornando-os mais inteligentes. Cada projeto é carregado de um senso de responsabilidade porque pode influenciar positiva ou negativamente o futuro, mas tem uma oportunidade, uma chance, de ser uma pequena conquista se for capaz de encontrar seu papel como um indicador de progresso. O ideal é repensar a maneira de viver, criando espaços multiusos e sustentáveis, bem como melhorar a qualidade de vida, repensar o espaço público em sua multicentricidade, em contextos naturais, e utilizar novas tecnologias para torná-los mais inteligentes e melhores. Além disso, promover regeneração dos espaços urbanos, reabilitação, implementação e otimização do que já foi construído, sem mais consumo de terra. Hoje, talvez, devêssemos chamar nossas cidades futuras, projetadas no todo ou em partes, não mais com o termo Smart, mas senseable city, como definido por Carlo Ratti, do Massachusetts Institute of Technology (MIT): “Cidades sensíveis às necessidades da humanidade que são modeladas a partir das necessidades de seus cidadãos”.

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Capítulo 6 Potencialidades e aplicações do conceito de Nature-based Solution (NbS) em cidades inovadoras e sustentáveis Maurício Lamano Ferreira Andreza Portella Ribeiro A velocidade e a intensidade com que o processo de urbanização ocorreu desde o início do século passado tem gerado uma série de pressões no meio ambiente natural, com especial ênfase para o aumento da contaminação atmosférica, esgotamento de recursos naturais, aumento da intensidade e frequência de extremos climáticos, aumento da temperatura e diminuição da biodiversidade (Ferreira et al., 2012; Ferreira et al., 2017; Guneral et al., 2017; Xing et al., 2017; Zhong et al., 2017). Embora seja primordial tomar uma série de iniciativas em caráter emergencial para conter os efeitos da alteração do uso da terra promovida pelo ser humano, muitos impactos dessa mudança já são presentes no cotidiano das cidades. Entre essas principais respostas observadas, as mudanças climáticas têm gerado inquietação na comunidade científica e também em diversos stakeholders, dado que alguns desdobramentos desse fenômeno geram impactos econômicos e sociais (Urry, 2015). Em relação aos danos ambientais provocados pelas mudanças climáticas, pode-se considerar como causa central a ameaça à biodiversidade e ao funcionamento dos ecossistemas, com efeitos no estabelecimento de espécies exóticas, extinções locais, interferência na ciclagem de nutrientes, bem como alterações no padrão do ciclo hidrológico em escalas local e regional, propiciando, assim, enchentes e secas inesperadas (EEA, 2012, Marengo et al., 2015; Kabisch et al., 2016), além de alteração no padrão de doenças infecciosas e impacto na produção de alimento e energia (Parham et al., 2015, Endo et al., 2017). Assim, justifica-se uma série de trabalhos científicos e conferências internacionais com os principais atores políticos, que têm nas mãos o poder de importantes decisões. 64

Nesse contexto, o planejamento urbano estratégico entra como uma ferramenta fundamental na mitigação e adaptação das cidades diante desse cenário de incertezas. Alguns recursos legais podem ser muito úteis na elaboração de ações que minimizem os impactos causados e aumentem a resiliência das cidades, entre os quais se destacam os planos diretores estratégicos e leis de zoneamento territorial e urbano. No entanto, para que esses instrumentos normativos possam surtir efeitos, torna-se necessário repensar e inovar nas atitudes tomadas, por exemplo, incluir mecanismos que envolvam a tradicional infraestrutura com a qual as cidades se desenvolveram economicamente aos novos paradigmas ambientais, como o uso da própria natureza para resolver antigos problemas. A esse modo de se construir cidades sustentáveis, inteligentes e resilientes, aplica-se o conceito de Soluções Baseadas na Natureza (NbS).

O conceito de Nature-based Solutions

O conceito de NbS tem evoluído ao longo do tempo, tendo como marcos importantes a Avaliação Ecossistêmica do Milênio (MEA, 2005), o relatório do Banco Mundial, Biodiversidade, Mudanças Climáticas e Adaptação (World Bank, 2008), o documento da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, 2009) se posicionando a despeito das determinações discutidas na COP 15 da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, Workshop sobre Nature-based Solutions no contexto da BiodivERsa (Balian et al., 2014), e uma série de publicações científicas e políticas sobre o tema desde 2015 (EU, 2015; Potschin et al., 2015). As NbS têm sido amplamente debatidas em continentes como Europa e Ásia e ainda, timidamente, na América do Sul. Embora a sua gênese tenha sido interpretada por alguns autores como política de conservação da biodiversidade, medida de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além de ser vista também como uma gestão de recursos naturais (Maes e Jacobs, 2017), o seu conceito é mais amplo, pois além do viés de serviços ecossistêmicos (SE), as NbS também são utilizadas como obras de engenharia (Pontee et al., 2016). A sua ideia central se atribui de conceitos já existentes na literatura científica, como Soluções baseadas nos ecossistemas e Adaptações baseadas em Ecossistemas (AbE) (Escobedo et al., 2018), as quais têm sido trabalhadas pelo governo federal brasileiro no âmbito de alguns projetos, como os programas Vulnerabilidade à mudança climática e AdaptaCLIMA (MMA, 2018). Deve-se considerar ainda que 65

as NbS surgem como estratégias de inovação na promoção do desenvolvimento sustentável e uma forma de inclusão da biodiversidade e ecossistemas nas pautas sociais mais amplas, como justiça ambiental, igualdade no acesso a água tratada e segurança alimentar (Potschin et al., 2015). No entanto, deve-se considerar que o termo Soluções Baseadas na Natureza, como foi cunhado, ganhou força em meados do ano de 2012 por meio da The Nature Conservancy e também pela International Union for Conservation of Nature, quando foram estabelecidos alguns princípios básicos de uma NbS (IUCN, 2012), sendo eles: • Tornar-se solução para desafios globais utilizando a natureza; • Fornecer benefícios da biodiversidade em termos de ecossistemas bem manejados; • Ter boa relação custo/efetividade quando comparada a outras soluções; • Ser comunicada de forma simples e convincente; • Apresentar capacidade de medição, verificação e aplicabilidade; • Respeitar o direito sobre os recursos naturais e • Atrelar fontes de financiamento público ou privado. Portanto, as NbS são definidas como “o uso da natureza no enfrentamento aos desafios como mudanças climáticas, segurança alimentar, recursos hídricos ou gestão de riscos de desastres, englobando uma definição mais ampla de como conservar e usar a biodiversidade de maneira sustentável” (Balian et al., 2014). Em suma, as NbS se propõem a promover reparos e prevenções em obras existentes (p. ex., infraestrutura tradicional) ou ser instrumento de planejamento urbano, utilizando-se de processos naturais para resolver problemas sistêmicos. Eggermont et al. (2015) apresentaram três formas distintas de entender as NbS (Figura 1), sendo a primeira forma aquela que apresenta baixa intervenção nos ecossistemas, cuja ideia central é manter ou simplesmente melhorar a prestação de serviços ecossistêmicos já ofertados pela área. Como exemplo, os autores citam a criação de áreas protegidas marinhas, as quais podem subsidiar benefícios e oportunidades para populações tradicionais e também garantir a produção controlada de recursos pesqueiros. Outra tipologia seria em relação à implementação de um sistema de gestão que desenvolva ecossistemas e paisagens sustentáveis e/ou multifuncionais, ampliando com isso a prestação de SE em relação ao que seria prestado sem a intervenção 66

humana. Um exemplo disso seria o manejo da arborização de florestas urbanas estimulando o aumento da diversidade biológica (e nichos ecológicos), bem como priorizando o aumento da diversidade genética, na busca de maior resiliência florestal diante de futuros cenários de extremos climáticos. A última tipologia proposta pelos autores diz respeito à criação de novos ecossistemas (sistemas artificiais) com promoção de benefícios ambientais. Os autores apontam como exemplos a promoção de telhados e paredes verdes para a atenuação da poluição aérea e amenização microclimática. Essa tipologia está diretamente relacionada aos conceitos de infraestrutura verde e azul, as quais contemplam a arborização urbana, além dos rios e córregos urbanos na infraestrutura da cidade.

Figura 1. Tipologias de NbS e suas relações com níveis de engenharia aplicada à biodiversidade e promoção de serviços ecossistêmicos. (Adaptado de Eggemont et al. 2017, apud Cohen-Shacham et al., 2016.)

Particularmente, as tipologias 2 e 3 são as mais apontadas pela Comissão Europeia como as promissoras da valoração do capital natural, ou seja, as que oferecem maior chance de inovação verde e crescimento sustentável. No entanto, torna-se essencial fazer uma análise crítica dos riscos de se propor alternativas como essas. Um exemplo pode estar relacionado aos desserviços que essas inovações podem trazer se não forem bem manejadas. Por exemplo, uma situação crítica vivida no sudeste brasileiro nos meses de verão (estação chuvosa) é a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, como febre amarela e dengue. O mínimo descuido com os telhados verdes pode torná-los palco ideal para eventos de reprodução e aumento demográfico desses indesejados vetores. O Aedes aegypti, mosquito 67

vetor dessas doenças, precisa de condições facilmente encontradas em jardins abandonados para se proliferarem, o que pode colocar em xeque uma NbS que teria como finalidade legítima contribuir para a busca do equilíbrio do ecossistema urbano. Além disso, deve-se considerar a oportunidade de oferecer nicho para espécies exóticas e invasoras se instalarem no ambiente urbano. Essas questões não servem de desestímulo à tipologia 3 proposta de SbN, por sua vez, proposta por Eggermont et al., (2015), mas pode ser entendida como um sinal crítico de que políticas de fiscalização ou educação ambiental devem acompanhar projetos audaciosos de criação de sistemas artificiais que promovam SE. Além desses conceitos, cabe destacar a repercussão e a relevância das NbS no âmbito econômico, principalmente para o Banco Mundial, o qual tem priorizado projetos de intervenções urbanas e agrícolas que envolvam a natureza e seus serviços associados, além de considerar que o assunto tem sido pauta em importantes encontros, como Fórum Econômico Mundial, o qual destacou as NbS como medidas inovadoras no setor de viagens e turismo (Marton-Lefevre and Borges, 2011).

NbS e suas relações econômicas e políticas

O conceito de Soluções Baseadas na Natureza também está atrelado a uma aspecto econômico muito forte. Na perspectiva do crescimento do PIB e da empregabilidade, a Comissão Europeia destaca que as NbS podem transformar impactos ambientais e problemas de infraestrutura urbana em oportunidades de inovação, utilizando-se do capital natural como fonte de desenvolvimento verde, considerado ecologicamente correto e sustentavelmente viável (EC, 2015). Assim, as NbS são vistas como um conceito-chave para governos, ONGs e empresas que pretendam integrar políticas públicas ambientais e de planejamento urbano com o capital natural, promovendo, com isso, o bem-estar humano e a manutenção biodiversidade. No campo político, tem-se observado nos últimos anos que a União Europeia tem tido papel fundamental na concepção e execução de grandes acordos, como o Acordo de Paris (Paris Agreement, 2015), a nova Agenda Urbana (New Urban Agenda, 2016) e a convenção de Sendai para a redução de riscos de desastres naturais (Estrella et al., 2016). O Acordo de Paris destaca a importância de se manter a integridade dos ecossistemas aquáticos, terrestres e de transição, bem como destaca o papel das adaptações desses ecossistemas. A Nova Agenda 68

Urbana traz uma abordagem de inovar no planejamento urbano a partir de ações sustentáveis e metodologia que sejam baseadas na própria natureza, por exemplo, por meio de NbS. Deve-se considerar que a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica considera estratégias de NbS como medidas relevantes de restauração de ecossistemas degradados (CDB, 2016), além disso, acordos pontuais e bilaterais também chamam a atenção para o uso de NbS no planejamento ambiental estratégico (EC, 2012). No entanto, diante do atual cenário e de tantos acordos, torna-se necessária a garantia de que tais NbS tenham suas respectivas implantações bem-sucedidas e consequentemente os produtos de acordos sejam cumpridos. Diante disso, a Comissão Europeia tem delineado com pesquisadores e steakholders uma agenda com diversas ações e políticas específicas, a saber: - o novo pacto de Prefeitos para o Clima e Energia (EC, 2016), que reconhece o papel da adaptação baseada em ecossistemas para melhorar a resiliência urbana; - a Agenda Urbana da Água para 2030 e o projeto para salvaguardar os recursos hídricos da Europa (EC, 2014), fato que ressalta os desafios urbanos sobre a gestão da água; - a Estratégia da Comissão para Infraestruturas Verdes (EC, 2013), a qual considera a biodiversidade como potencial vetor na prestação de serviços ecossistêmicos; - o plano de ação da União Europeia para a redução do risco de catástrofes.

NbS em ambientes aquáticos Embora os manuais e práticas da engenharia tradicional sejam muito bem estabelecidos na prevenção de problemas naturais, como enchentes, alguns esforços têm sido notado no sentido de utilizar a natureza como instrumento de infraestrutura urbana. Esse é o caso de projetos holandeses e ingleses (Building with Nature e Managed Realignment, respectivamente) (Leggett et al., 2004) que tem mostrado relativo sucesso no uso de NbS. Além desses casos, deve-se considerar outros programas de relativo sucesso, como o Greenbelt na China (Chung, 2006) e o Howard Beach flood protection study, New York, USA – hybrid solutio, em Nova Iorque, EUA. Este último programa tinha como premissa propor alternativas de mitigação às mudanças climáticas auxiliando comunidades costeiras a evitar a erosão do solo, riscos de inundação e propor locais 69

saudáveis para a recreação da população. Os líderes desse programa destacaram que as intervenções tradicionais da infraestrutura cinza eram eficientes na contenção de tempestades, porém, as NbS trariam benefícios com menor custo e conteriam o avanço do nível do mar, além de promover o melhoramento estético e ecológico do local. Outro exemplo de NbS a ser considerado foi um programa britânico desenvolvido com o objetivo de reduzir o risco de inundações nos períodos entre marés em uma região de estuário localizada a Nordeste da Inglaterra. O programa converteu 450 hectares de fazendas nos arredores dessa zona estuarina em obras de contenção de água para possíveis episódios de eventos climáticos extremos. Tais ações foram relacionadas às melhorias de trabalho no âmbito da defesa civil (Wheeler et al., 2008), embora esse tenha sido um projeto híbrido, ou seja, com alternância de infraestrutura cinza e SbN. A mudança do uso da terra ou a apropriação ilegal dos recursos naturais podem modificar paisagens fundamentais para a prestação de serviços ecossistêmicos que variam desde a escala local até a global (Cohen-Schacham, 2016). A região do Golfo de Nicoya, na Costa Rica, tinha até o ano de 2010, cerca de 34% de seus manguezais convertidos em tanques de cultivo de camarão e locais de extração de sal (Venegas-Li et al., 2013). Em 2014, um projeto piloto de restauração foi implantado com as comunidades locais, de modo que se criassem políticas específicas para o crédito de carbono sequestrado pela vegetação, o que girava em torno de 413 a 1335 MgC ha-1, além de projetos que visassem o uso sustentável dos recursos naturais e programas de educação. Um ano após a implantação do projeto piloto mais de oito mil mudas de espécies de mangue já haviam sido plantadas com mais de 90% de sucesso de sobrevivência. Esse caso mostra como SbN está intimamente associada a políticas públicas e aspectos socioeconômicos de uma determinada comunidade. Além dos problemas associados a enchentes e invasão da água em ambientes costeiros, a contaminação de corpos hídricos é pauta importante na agenda ambiental mundial. A contaminação de rios, represas e lagos tem sido algo de extrema preocupação em grandes cidades brasileiras, não somente pelo seu alto potencial de causar a homogeneização biótica e perda de serviços ecossistêmicos prestados (Wengrat et al., 2017; Gunkel et al., 2018), mas também pelo alto custo de manutenção desses reservatórios. A aplicação de NbS pode, em alguns casos, ser mais barata ou ter custo semelhante às intervenções “cinzas”, ou seja, às obras tradicionais de engenharia. Esse foi o caso apresentado por Liquete

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et al., (2016), que propuseram múltiplas alternativas para o controle de qualidade da água na região de Gorla Maggiore, no norte da Itália, um dos locais escolhidos pela Comissão Europeia como estudo de caso no âmbito do projeto FP7 Project OpenNESS (http://www.openness-project.eu/). Esse projeto teve como função traduzir os conceitos de Capital Natural e Serviços Ecossistêmicos em estruturas operacionais que forneçam soluções validadas para integrar tais SEs à gestão da terra, água e ar nas diversas cidades europeias. Os autores deste estudo se apropriaram da infraestrutura verde para descontaminar a água e propor um meio de contenção de enchentes, o qual teve custo similar ao da engenharia tradicional. Cabe destacar que um diferencial nesse caso é o delineamento ecológico e a promoção de SE que são atribuídas ao planejamento da cidade. Pela capacidade que as NbS têm em restaurar ecossistemas degradados (EU, 2015), ela se torna uma alternativa muito eficiente na recuperação de represas que sofrem periódicas florações tóxicas por microrganismos. Na região sul do município de São Paulo, por exemplo, os principais reservatórios que abastecem a população da região metropolitana sofrem anualmente com florações indesejadas de algas devido ao despejo de resíduos domésticos decorrente do intenso processo de urbanização que se deu no entorno desses corpos hídricos ao longo do século passado (Oliver e Ribeiro, 2014). Nesse sentido, alguns autores têm proposto técnicas de manipulação biológicas como NbS para reduzir tais florações de algas. Triest et al. (2016) fizeram uma revisão bibliográfica sobre o tema e compilaram informações sobre técnicas de biomanipulação e ecotecnologias como ferramenta de restauração para a redução e controle da eutrofização. Entre os diversos resultados, a manipulação da comunidade biológica em diversos níveis tróficos foi a alternativa mais recorrente, de modo que houvesse um controle demográfico no sentido top down na estrutura trófica das comunidades biológicas. Com isso, a remoção de alguns grupos taxonômicos e introdução de outros pode favorecer as relações entre os organismos e influenciar o estado de eutrofização de corpos hídricos.

NbS em ambientes terrestres (urbanos)

As áreas urbanas são especialmente fragilizadas em relação aos padrões e processos ecológicos por ter grande influência das atividades humanas. As emissões de contaminantes atmosféricos por indústrias e carros, além das maiores amplitudes térmicas encontradas 71

em decorrência da infraestrutura cinza e o maior consumo de energia, denotam a esse ecossistema uma particularidade em relação aos desafios a serem enfrentados em futuros cenários de mudanças globais. Nesse sentido, pensar em instrumentos legais que viabilizem a resiliência e aumente a resistência das grandes e médias cidades é tarefa da comunidade científica e dos gestores públicos. Assim, entende-se que os projetos de SbN não se devem restringir ao público das universidades, mas deve ser fonte de investimento e gerenciamento por parte de stakeholders. Raymond et al. (2017) sugerem sete estágios para a avaliação de benefícios na implementação de políticas e projetos de Soluções baseadas na Natureza, sendo eles: i) identificar o problema ou a oportunidade; ii) selecionar e avaliar a NbS e ações relacionadas a ela; iii) projetar processos de implementação da NbS; iv) implementar NbS propriamente dita; v) comunicar os benefícios associados aos stakeholders; vi) transferir e escalonar a SbN; e vii) monitorar e avaliar os benefícios em todos os estágios. Tal envolvimento de diversos atores também se estende para a área da saúde, pois há na literatura científica uma grande quantidade de artigos que demonstram a íntima relação existente entre habitar próximo a áreas verdes e melhoria na qualidade física e mental (Dennis e James, 2017; Douglas et al., 2017, Tsai et al., 2018). Esses resultados são reforçados pelo trabalho de Panno et al. (2017), os quais demonstraram que pessoas que frequentavam parques urbanos bem arborizados em Milão, no norte da Itália, apresentaram situação de bem-estar mais proeminente do que as pessoas que não visitavam as áreas verdes. Vujcic et al. (2017) fizeram um experimento, na Sérvia, com idosos em estado crítico de depressão. Um grupo foi condicionado por um determinado tempo a cuidar de hortas urbanas em uma parte da cidade, enquanto o outro grupo de pacientes continuou com terapias convencionais. Os resultados desse estudo demonstraram que o grupo que teve relação com o plantio de espécies alimentícias apresentou quadro clínico estatisticamente positivo quando comparado ao outro grupo de controle, ressaltando a importância de espaços verdes ou contato com a natureza no equilíbrio da saúde mental. Porém, devese considerar o contraponto apresentado por Kabisch et al. (2017), os quais reportaram que essa relação não seja tão direta, pois aspectos socioeconômicos podem influenciar nesta condição. Embora haja divergência nesse assunto, as áreas verdes urbanas estão fortemente associadas à manutenção da biodiversidade, ao sequestro de carbono e à atenuação da poluição atmosférica, fato que lhe confere especial atenção em termos de manejo e ampliação de

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seu território nas cidades. Isso preconiza a democratização das áreas verdes para que a maior parte da população de uma cidade tenha acesso ou conviva nas proximidades de parques e florestas urbanas. Além disso, manter a população saudável desonera os cofres públicos, principalmente nas pastas estaduais e municipais de saúde. Ainda na perspectiva da saúde, outro problema associado a mortes prematuras e casos de internação é em relação à poluição atmosférica e ao aumento da intensidade de ilhas de calor. Vieira et al. (2018) reportaram que os gastos públicos com esses casos são elevados em países em desenvolvimento e uma forma de readequar esse quadro é por meio de ampliação de espaços verdes, como parques, jardins e praças arborizadas. Além das funções já citadas que a vegetação exerce em uma cidade, ela também ajuda a controlar o ciclo hidrológico, mantendo a atmosfera úmida. Para se ter uma boa comparação do volume de água transpirado pelas árvores, Nobre (2014) fez a seguinte analogia: o autor mostrou por meio de dados publicados em importantes periódicos científicos que o Rio Amazonas, um dos maiores rios do planeta com mais de mil afluentes, despeja no oceano Atlântico cerca de 17 bilhões de toneladas de água por dia, ao passo que as árvores da floresta transpiram para a atmosfera aproximadamente 20 bilhões de água por dia, ou seja, em média, a vegetação representa 15% a mais da renovação da água no bioma por unidade de tempo. Refinando a analogia, apenas uma árvore de eucalipto, em uma cidade como São Paulo, pode transpirar, em um dia quente, aproximadamente 500 litros, ou seja, o equivalente a uma caixa d’água residencial. Esses números nos aproxima ainda mais da relevância das áreas verdes para a resiliência das cidades em futuros cenários de extremos climáticos, conforme já são previstos para a região Sudeste do Brasil (Marengo et al., 2017; Lyra et al., 2018). Algumas políticas de ampliação de áreas verdes em cidades tem sido bem discutidas no âmbito do bioma Mata Atlântica, pois a Lei Federal no 11.428/06 (Brasil, 2006), por meio de seu instrumento legal, O Plano Municipal da Mata Atlântica - (PMMA) visa conectar e restaurar fragmentos do bioma por meio de corredores ecológicos que cortem inclusive áreas urbanas e periurbanas. Com isso, nota-se um direcionamento e estímulo para gestores públicos municipais guiarem seus esforços no sentido de usar políticas já existentes para propor estratégias de NbS que possam trazer outros benefícios além dos preconizados na Lei Federal. Esta proposta de “esverdeamento” das cidades está diretamen-

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te relacionada ao conceito de infraestrutura verde, o qual tem ganhado força no debate científico nos últimos anos (Koc et al., 2017, Wang e Banzhaf, 2018). Tal modalidade de infraestrutura está relacionada ao seu alcance e extensão, o que significa que essa metodologia pode executar várias funções, em diferentes escalas, considerando as múltiplas conexões e interações vitais na natureza. Além disso, a infraestrutura verde pode promover um planejamento espacial adequado a um ambiente saudável e sustentável, identificando zonas multifuncionais e incorporando medidas de restauração em planos e políticas do uso do solo urbano. Isso deve, especialmente, ser considerado na elaboração e revisão de planos diretores estratégicos. Embora não seja realidade recorrente no Brasil, extremos climáticos associados a furacões trazem enormes prejuízos econômicos e sociais. Nos EUA, por exemplo, o furacão Katrina atingiu a região costeira da Louisiana e do Mississipi causando mais de 1.800 mortes e gerando um gasto de mais de U$ 80 bilhões. Projetos de recuperação de zonas alagadas e áreas de dunas no Mississipi estão custando em torno de U$ 450 milhões. Embora os gastos com a recuperação e adaptação a futuros eventos de extremos climáticos seja alto, ele representa apenas 0,55% do valor total do prejuízo. Esse exemplo pode se estender para a região metropolitana de São Paulo, que nos anos de 2014-2015 vivenciou uma das secas mais críticas de sua história. A gestão de áreas verdes urbanas está associada ao abastecimento de águas subterrâneas, as quais podem, em parte, auxiliar nos processos de infiltração de água no solo (Bartens et al., 2008), servindo, assim, como uma medida de adaptação a futuros cenários de mudanças climáticas. A cidade de São Paulo renovou alguns conceitos de parede verde no ano de 2017 e criou um corredor vertical de plantas em uma das principais avenidas que cruza a cidade, além de criar paredes verdes ao lado do Minhocão, uma das avenidas mais cinzas da cidade (Figura 2).

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Figura 2. Soluções baseadas na Natureza em duas situações distintas na cidade de São Paulo. Em “A”, muros verdes verticais implantados pela prefeitura no ano de 2017; em “B” paredes verdes também implantada pela prefeitura de São Paulo com verba de compensação ambiental. Um desafio emergente tanto para gestores públicos quanto para os acadêmicos é pensar, agir e interagir com metodologias de Soluções baseadas na Natureza em distintas oportunidades. Independentemente do estágio do projeto (concepção, aplicação ou monitoramento), é necessário se considerar a possibilidade de aplicação das NbS, dado os múltiplos benefícios que a elas estão associados, de forma que se vislumbrem melhorias ambientais, sociais e econômicas no planejamento de cidades sustentáveis.

Considerações finais

O uso de Soluções baseadas na Natureza pode ser entendido como uma ferramenta de planejamento urbano essencial para as cidades aumentarem a resiliência diante do cenário de mudanças climáticas. Além disso, ela pode apresentar outros múltiplos usos associados à melhor qualidade de vida e saúde física e mental, desonerando, dessa forma, os cofres públicos. É importante se considerar os benefícios das NbS para o meio ambiente natural, principalmente no que tange à prestação de serviços ecossistêmicos, os quais podem variar desde sequestro de carbono como mecanismos compensatórios das atividades humanas, até regulação do ciclo hidrológico e manutenção da biodiversidade urbana. Assim, sugere-se com este capítulo, que cientistas e tomadores de decisão possam se apropriar deste recurso metodológico para propor medidas cabíveis de adaptação às mudanças globais, as quais envolvem tanto aspectos ambientais, como sociais e econômicos.

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Capítulo 7 Colaboração entre governos locais e setor privado para uma economia de baixo carbono Andreia Banhe Juliana Lopes Desde o seu surgimento, há mais de 5.000 anos, as cidades se destacaram como polos de conhecimento, mas foi somente nos últimos 250 anos, com o fenômeno da urbanização, que elas assumiram as características da modernidade que conhecemos hoje. Seguindo a trilha da Revolução Industrial, a primeira onda de urbanização veio acompanhada de inovação tecnológica baseada no uso intensivo de combustíveis fósseis. Na década de 1950, mais de 50% da população das regiões mais desenvolvidas (Europa, Japão e Estados Unidos) vivia em grandes cidades. A segunda onda de urbanização está ocorrendo agora nos países subdesenvolvidos com uma velocidade muito maior (MILLS et al., 2010). Desde 2008, mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas (UNFPA, 2007). Essa realidade impõe novos desafios para o desenvolvimento sustentável das cidades à medida que o impacto ambiental dos centros urbanos e sua dependência em relação aos recursos naturais aumenta de maneira inversamente proporcional ao crescimento populacional. Isso porque essas cidades seguiram padrões de desenvolvimento similares, caracterizados pela ocupação desordenada do espaço e modelos de produção e consumo fortemente dependentes do uso de combustíveis fósseis (MILLS et al., 2010). Com o agravamento das mudanças climáticas, as discussões sobre o desenvolvimento das cidades ganharam novos contornos, tendo em vista que a infraestrutura das cidades, qualidade de vida, saúde e segurança das suas populações se tornaram mais vulneráveis a eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes. Em termos globais, 80% das cidades estão localizadas em zonas costeiras ou em regiões próximas a rios, tornando-as suscetíveis à maior incidência de tempestades, inundações e vulneráveis à elevação do nível do mar (BULKELEY et al., 2009; BURTON; DIRINGER; SMITH, 2006). Apesar de os grandes centros urbanos serem importantes emissores de gases de efeito estufa, eles também têm um potencial 80

dinamizador e de inovação único por conta de indústrias, infraestruturas e contingentes populacionais que eles concentram (BICKNELL; DODMAN; SATTERTHWAITE, 2009), constituindo-se como espaços fundamentais para a compreensão e solução do problema das mudanças climáticas. No entanto, grande parte da literatura sobre gestão política em relação ao tema enfoca os âmbitos global, nacional e regional de governança priorizando o desenvolvimento e a implementação do regime internacional do clima (MARTINS, 2010). Tal regime engloba os princípios, as normas e os processos que regem esse arranjo de tomada de decisão e governança no plano internacional (BULKELEY; BETSILL, 2010). Porém, como a mudança climática tem uma dimensão local importante, já que muitas das atividades humanas que contribuem para o aquecimento global e as mudanças ambientais globais, em geral, acontecem no nível local, torna-se necessário olhar para as cidades e os municípios como arenas fundamentais, onde a governança do clima está sendo exercida (BULKELEY et al., 2009; WILBANKS; KATES, 1999). Para Bulkeley et al. (2009), o desenvolvimento de uma abordagem local e urbana para mitigação e adaptação à mudança climática está intrinsecamente relacionado ao aparecimento de redes de cidades e municípios nos níveis nacional, regional e transnacional. De forma pioneira, vários governos subnacionais da América do Norte e da Europa juntaram-se no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990 para, no início, adotar metas voluntárias de corte de emissão de GEE, bem como estabelecer fóruns de troca de ideias, estratégias e experiências sobre alternativas de combate ao aquecimento global. Exemplos nesse sentido, incluem o ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade, Grupo C40 de Grandes Cidades para Liderança do Clima e o Carbon Disclosure Project (CDP), que organizam as cidades em torno de compromissos, oferecem apoio de capacitação e acesso a financiamento para seus projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Essa articulação é importante, uma vez que maior transparência e engajamento têm papel fundamental para gestão de impactos e riscos das cidades diante das mudanças climáticas, tendo em vista que apresentam ameaças a um contingente populacional crescente que vive em áreas vulneráveis de centros urbanos, bem como os negócios instalados nas cidades. A escala desses riscos é, em grande parte, influenciada pela qualidade da infraestrutura urbana e pelas estruturas de governança que planejam, coordenam, gerenciam e implementam políticas e serviços públicos (MARTINS, 2010). Por meio do relato em sistemas de reporte globais, como o CDP, é possível analisar a capacidade de identificação e resposta das

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cidades em relação a esses riscos, bem como oportunidades de colaboração com o setor privado a fim de construir resiliência por meio de medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O projeto Matchmaker faz a ponte entre cidades e investidores participantes da rede do CDP, funcionado como uma central de informações para as cidades mostrarem projetos planejados para o setor financeiro e posicioná-los melhor para mitigar e adaptar-se às mudanças climáticas. Em 2017, 362 cidades reportam mais de 1.000 projetos, representando mais de U$S 52 bilhões, incluindo iniciativas desde a fase de escopo até a operação em áreas como controle de enchentes, gerenciamento de resíduos, transporte sustentável, energia renovável, gerenciamento de água e eficiência energética. Essa iniciativa resultou de um levantamento realizado pelo CDP em 2015 com o apoio da Low Carbon City Lab (LoCaL), rede internacional que visa reduzir 1 Gt de CO2 a partir da mobilização de 25 bilhões de euros para o financiamento climático em cidades, e da Climate-KIC, a maior Parceria Público-Privada (PPP) da Europa endereçando a questão de mudança climática. Com o foco em inovação e uma economia zero carbono, essa PPP fundamenta-se em quatro áreas prioritárias: zonas urbanas, uso da terra, sistemas produtivos, métricas climáticas e finanças. Segundo o levantamento realizado com base em entrevistas com gestores públicos e investidores, são quatro as principais barreiras para catalisar o investimento privado em projetos urbanos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A primeira consiste em falta de conhecimento para desenvolver e reportar projetos “bancáveis” competitivos o bastante diante de outros projetos não relacionados à área de mitigação. A segunda barreira identificada relaciona-se à falta de um mandato do eleitorado, assim como de entendimento das cidades de que os projetos de mitigação podem reduzir custos, resultando em falta de vontade política para levar a agenda climática adiante. Além disso, a maioria dos projetos requer cooperação entre setores, projetos e atores do setor público e privado para agregar projetos menores e superar os desafios mencionados anteriormente. Por fim, a falta de um histórico ou baixa capacidade creditícia intensifica a primeira barreira citada (BOER, 2015). O combate às mudanças climáticas também pode direcionar o desenvolvimento econômico, com benefícios imediatos em termos de qualidade do ar, saúde e qualidade de vida. Cidades conectadas e compactas podem proporcionar uma economia da ordem de 3 trilhões de dólares em investimentos de infraestrutura nos próximos 15 anos (WRI, 2015).

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Experiências de colaboração para cidades mais resilientes às mudanças do clima Em resposta aos crescentes riscos das mudanças climáticas, as cidades estão agindo em parceria para se tornar mais resilientes. Aproximadamente 70% das cidades da América Latina relataram ao CDP que estão tomando medidas para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas. O risco climático não é a única área onde os governos municipais e os negócios estão interconectados. As cidades e as empresas também são apresentadas a oportunidades semelhantes com as mudanças climáticas e podem trabalhar juntas para aproveitá-las. A colaboração pode conduzir a novos negócios, ao aumento de receitas, a operações mais abrangentes e, no futuro, a cidades resilientes. De acordo com dados do CDP, 71% de todas as cidades participantes no CDP Cities em 2016 na América Latina reportam oportunidades econômicas decorrentes das mudanças climáticas. Elas incluem desenvolvimento de novos negócios e indústrias (31%), maior atenção a outras preocupações ambientais (25%) em suas cidades e aumento de investimento em infraestrutura (18%). A cidade de Sorocaba no Brasil revela que, devido ao aumento da demanda para energia eólica no Brasil, houve a instalação de duas grandes empresas na cidade, responsáveis por produzir insumos para atender aos parques eólicos. A cidade acredita que a localização geográfica, o acesso a profissionais qualificados e uma cadeia de fornecedores ampla na região explicam a escolha do município. Essa análise também inclui 111 empresas que fazem negócios nas cidades latino-americanas e são respondentes ao CDP. Aproximadamente 18% das oportunidades econômicas reportadas pelas empresas é o desenvolvimento de novos produtos e serviços de baixo carbono, o que pode impactar na redução das emissões da cidade, além de aumentar o número de empregos verdes e arrecadação de impostos para a cidade. Esse número sugere que as empresas e as cidades nas quais elas operam podem se beneficiar a partir de colaborações, o que já ocorre em muitos casos. Ao mesmo tempo, as empresas intensificam esforços para apoiar as cidades a tomar medidas diante das mudanças climáticas, o que também contribui para a resiliência dos seus negócios. Segundo dados do CDP de 2017, 67% das cidades reportam que estão trabalhando em projetos de colaboração com o setor privado, como implementação de projetos, desenvolvimentos de 83

negócios e compartilhamento de conhecimento. Cali, na Colômbia, vem engajando as empresas do município na elaboração do inventário de gases de efeito estufa corporativo. Também estimula a definição de estratégias de redução de emissão, visando produtos e serviços de baixo carbono. Em Quito, no Equador, a Secretaria do Meio Ambiente trabalha com o setor privado com o plano de compensação da pegada de carbono, a fim de solicitar investimentos em projetos sustentáveis que contribuam para a redução da pegada de carbono da cidade. Por meio dessa iniciativa, o setor privado assume o compromisso de medir e reduzir sua emissão de carbono em suas operações. Já Campinas (SP) reportou uma parceria com a empresa municipal de água e saneamento a fim de melhorar a eficiência no sistema de abastecimento de água, reduzindo as emissões e contribuindo para que a cidade se torne mais resiliente à escassez hídrica. Uma outra área de colaboração conjunta é a de transportes. A mobilidade é uma condição essencial para os residentes urbanos. Na medida em que as cidades ao redor do mundo crescem em número de pessoas, a demanda por opções de mobilidade é crescente. Tal demanda tem incentivado o aumento do número de veículos privados, principalmente, na América Latina. No Brasil, enquanto a população cresceu cerca de 12,2% em uma década, o número de veículos automotores aumentou cerca de 138,6% (Observatório das metrópoles, 2014). Sem muita surpresa, as cidades da América Latina reportaram 355 atividades destinadas à redução das emissões de gases de efeito estufa, sendo a atividade mais comum relacionada aos transportes (35%), e mais de 20% em ações para implementar e melhorar alternativas para o uso de veículos não motorizados. Na Argentina, o Programa de Bicicletas de Buenos Aires promove o uso de bicicletas como um meio ecológico, saudável e rápido de transporte. O projeto inclui a criação de uma rede de ciclovias e infraestrutura para estacionamento de bicicletas. Mais de 100 empresas estão encorajando seus funcionários a utilizar a bicicleta como meio de transporte. Um outro exemplo de colaboração é entre o Itaú-Unibanco, instituição financeira que implantou o sistema de compartilhamento de bicicletas em seis capitais brasileiras como Recife e Porto Alegre e também em Santiago, no Chile, contabilizando 815 estações e 8.300 bicicletas. Segundo os dados da empresa ao CDP em 2015, o sistema de compartilhamento de bicicletas em 2014 contava com mais de 500 mil usuários registrados e ao todo já foram realizados mais de 3,5 milhões de aluguéis nesse período. Os resultados alcançados, no que se refere

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a toneladas de CO2e evitadas, foram estimados em 2,8 mil toneladas, o que equivale a 1,2 milhões de litros de gasolina. A Prefeitura de Recife, segundo relato ao CDP em 2016, pretende ampliar a estrutura de ciclovias para 178 km até 2020, com estimativa de reduzir mais de 30 mil toneladas de CO2e/ano. Energias renováveis é outro setor em que um número significativo de cidades latino-americanas está agindo. A prefeitura de Palmas reportou incentivos para as empresas que optarem por utilizar energia solar em suas instalações. A cidade de Campinas reportou uma parceria público-privada com a CPFL para instalação da planta solar de Tanquinho. Essa empresa de geração e distribuição de energia também respondente do CDP, investiu 13,8 milhões de reais nesse projeto que tem capacidade de 1,6 giga-watts de geração por ano – energia suficiente para o abastecimento de 1.000 famílias. O aproveitamento energético de resíduos é uma outra área mencionada pelas cidades. Um exemplo é a cidade de Cuenca, no Equador, que inaugurou em 2017 a usina de aproveitamento de Biogás, que gerará em 2019 energia elétrica suficiente para abastecer 7.300 famílias, com um consumo médio de 160 kWh/mês. A planta de biogás está localizada no aterro sanitário de Pichacay, paróquia de Santa Ana, a 15 minutos de Cuenca. O investimento foi de 3,5 bilhões de dólares a partir de uma colaboração público-privada com empresa holandesa – a BGP Engineers. Essa ação terá impacto na redução das emissões, como eliminação de cerca de 70 mil toneladas de gás metano da atmosfera, que é 21 vezes mais poluente do que o CO2 e que equivale a emissões de quase 375 mil carros. No Brasil, Belo Horizonte implantou um projeto que processa e queima o gás metano produzido a partir da decomposição do lixo de um antigo aterro sanitário. A energia elétrica resultante desse processo é comprada pela concessionária que atende a capital mineira. No tema Resíduos, a Prefeitura de Olímpia, cidade do interior de São Paulo, reportou que as empresas da região são incentivadas, por meio de um selo ambiental, a destinar seus resíduos recicláveis à Cooperativa de Catadores Amigos da Natureza, implantada no município. Além disso, a cidade também faz parcerias com a Usina Guarani e a Construtora Pacaembu, para doação de mudas e com a Tetra Pak para a realização de oficinas e doação de material didático na temática de resíduos sólidos. A cidade de Sertãozinho, também localizada no interior de São Paulo, instituiu o selo “empresa ambientalmente sustentável”, que consiste na certificação das empresas que utilizam as mesmas práticas. Para serem certificadas, as empresas devem obter

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uma pontuação mínima na avaliação de quesitos, como tratamento e/ou destinação adequada dos resíduos industriais, política interna de coleta seletiva de resíduos e plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Esse programa incentiva as empresas do município a repensarem as práticas produtivas que acarretam reduções no consumo de energia e na utilização de recursos naturais.

Considerações finais Os municípios latino-americanos deverão suportar grande parte do impacto do aquecimento global, de modo que as decisões tomadas hoje em áreas estratégicas, como energia e infraestrutura, vão definir seu curso de desenvolvimento no futuro. Líderes do setor público e privado de todo o mundo estão encontrando formas inovadoras de superar os riscos percebidos pelos investidores e levantar capital para seus projetos de energia e tecnologias mais limpas. É também no ambiente das cidades que se encontram as condições ideais para a articulação de diferentes atores em busca de soluções para os desafios apresentados pelas mudanças climáticas os quais invariavelmente implicarão necessidade de transformação dos modos de produção e consumo, incluindo o uso eficiente de recursos naturais, das políticas públicas e dos modelos de negócio no futuro. Recomendamos pesquisas futuras sobre modelos de gestão de parcerias entre setor público e privado e como catalisar o investimento em projetos no âmbito das cidades com objetivo de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A construção de resiliência passa por uma a ação coordenada em várias frentes, como recursos hídricos, gestão de risco aos desastres naturais, infraestrutura, indústria, zonas costeiras, saúde, entre outros. Tal mobilização exige novos modelos de governança e alianças entre o setor público e privado, algo que vem sendo exercitado nas redes internacionais de cidades reunidas em torno da agenda do clima.

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Capítulo 8 A Responsabilidade Social das empresas no desenvolvimento de cidades sustentáveis Zysman Neiman A multidimensionalidade da sustentabilidade O debate sobre as relações entre sociedade e meio ambiente surgem com força no final da década de 1960, mas ganha maior destaque com a crise enfrentada pela degradação acentuada dos recursos naturais nas décadas seguintes. Atualmente, a globalização dos conceitos da questão ambiental está em pauta praticamente no mundo todo. A ideologia ambientalista, desde o seu berço e até os anos de 1970, foi extremamente biocêntrica, fruto da popularização da ciência ecologia que vinha consolidando seus princípios ao longo do século XX. O movimento era inclusive conhecido como “ecológico”. Passada essa fase embrionária, o tema ganhou cada vez maior complexidade de abordagens. O ambientalismo se viu obrigado a enfrentar um redirecionamento das instituições estabelecidas, sejam elas nacionais ou supranacionais, no sentido da descentralização das decisões e popularização do processo de formulação de políticas públicas, principalmente nos espaços urbanos. Em paralelo, houve o fortalecimento da legislação, com um capítulo sobre ambiente na constituição brasileira. Após sua homologação, em 1988, surgiu um imenso arcabouço jurídico para normatizar as questões ambientais no âmbito nacional. No entanto, o amadurecimento do debate não redundou em uma adequada compreensão do conceito de sustentabilidade, confundido, via de regra, com “cuidado com o meio ambiente”. As dimensões social, política, ética e econômica, em muitos setores da sociedade, ainda não são compreendidas como indissociáveis da questão ambiental. Como resultado disso, um dos maiores riscos da não compreensão exata do significado do conceito de sustentabilidade é que, quase invariavelmente, ele está associado a um modelo de economia 90

que defende crescimento econômico ilimitado, supondo que ele não compromete a manutenção dos recursos naturais. O que foi sendo constatado ao longo das últimas décadas é que o desenvolvimento deve ser entendido como um processo de aperfeiçoamento do bem-estar humano, em que o consumo não consciente, como fator de satisfação pessoal e social, precisa ceder lugar ao crescimento cultural, psicológico e espiritual, e a qualidade de vida e o bem-estar humano sejam valores máximos, bem como a produção material/energética garanta o conforto que se considere adequado e compatível com os limites do planeta. Apesar de o adjetivo “sustentável” não ter sido, ainda, capaz de aumentar o bem-estar e reduzir a pobreza, como é a proposta desse “novo” desenvolvimento, há cada vez mais o consenso de que ele implica buscar o fim da pobreza, acrescida da preocupação em reduzir a poluição ambiental e o desperdício no uso dos recursos. Para a busca pela relação virtuosa entre o ser humano, a natureza e o uso de seus recursos, renováveis ou não, e as atividades econômicas, torna-se mais importante a cada dia o aumento do número de marcos reguladores ambientais (nacionais e internacionais). Para isso, são necessárias pressões de diferentes partes interessadas, no intuito de provocar significativas mudanças reativas ou proativas nos sistemas produtivos, na comercialização, no consumo de produtos e serviços, nas políticas públicas e na gestão urbana (HRDLICKA; NEIMAN, 2011). A globalização trouxe consigo um alto grau de mobilidade do capital e de informações. Em nome dos lucros e de reduções de custos, postos de trabalhos foram reduzidos ou transferidos para regiões em que a mão de obra era mais barata, meio ambiente não era respeitado (já que as legislações eram mais brandas), horas de trabalhos e equipamentos de segurança foram excluídos de custos operacionais. O volume de acidentes com trabalhadores e o surgimento de grandes áreas de contaminação por produtos industrializados e pelo crescimento urbano expandiu assustadoramente a partir das décadas 1970 e 1980. Tudo isso junto impõe às empresas uma nova concepção de atuação social. A economia clássica ganha, assim, novos desafios: há como se pensar em uma economia verde? Os setores produtivos e os gestores públicos incorporaram a gestão ambiental como elemento indispensável de suas ações. Instituições financeiras passaram e exigir garantias ambientais aos projetos que patrocinam. O setor agrícola foi convocado a minimizar seus impactos sobre os ecossistemas, sob

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pena de não ter seus produtos aceitos no mercado internacional. As cidades tiveram que enfrentar os desafios de se tornarem mais sustentáveis. Mas qual seria o papel das empresas e como adequar sua relação com o Poder Público em um mundo globalizado no qual a economia dita as regras?

A interdependência das dimensões social e econômica da sustentabilidade A organização não governamental Global Justice Now , que compara as cifras de negócios das principais empresas com a renda orçamentária dos países, relata que 69 das 100 principais entidades econômicas do mundo são empresas. As 25 corporações que mais faturam superam o PIB de numerosos países. Reunindo dados de 43.060 empresas transnacionais, cruzando-os com seu conjunto de acionistas e seu faturamento, analistas de sistemas complexos do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique revelaram que 147 empresas controlavam 40% da riqueza mundial, quase todas elas instituições financeiras. Em relatório sobre a concentração de renda no mundo divulgado durante o Fórum Econômico Mundial de 2018, em Davos (Suíça), a organização não governamental britânica Oxfam apontou que empresas gigantescas, com alcance global, têm poder para influenciar políticos e formuladores de políticas públicas. Nesse cenário, Barros-Freire e Neiman (2016, p. 12) argumentam que: “no mundo globalizado, a economia da maioria dos países depende do crescimento das empresas instaladas em seus territórios e, portanto, de uma boa saúde financeira do mercado privado. Com isso, a autonomia para a regulação da atividade econômica pelo Estado, com o objetivo de atender prioritariamente aos interesses comuns, fica seriamente comprometida, pois esse controle afeta as atividades do setor empresarial. Essas empresas, por seu lado, investem grandiosas quantias para financiar projetos públicos e campanhas eleitorais de políticos em todo o mundo. Considerando que no mundo empresarial essas doações são entendidas como ‘investimentos’, pode-se considerar que haja um comprometimento da independência dos políticos beneficiados ante o poder econômico de seus financiadores”. 92

Apesar de a sociedade, hoje em dia, ainda necessitar de índices macroeconômicos, já há outras maneiras de definir o grau de desenvolvimento. A renda nacional – o Produto Interno Bruto (PIB) – não são mais os únicos índices que representam quanto uma nação é desenvolvida; é preciso levar em consideração os parâmetros qualitativos, que podem ser traduzidos pelo capital social e ambiental, por exemplo, para que se obtenha um panorama mais coerente. Nesse sentido, considera-se um avanço o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), introduzido pela Organização das Nações Unidas (ONU), pois contempla aspectos societários. Nesse cenário, a vertente “social” da sustentabilidade, ao ganhar importância com o emergir deste debate, impõe ao setor produtivo (dimensão econômica) e aos gestores públicos uma nova forma de se relacionarem com a cidadania e o trabalho, em que a Responsabilidade Social interna, que nas grandes empresas e órgãos públicos trata temas relativos aos funcionários, é destaque. Normalmente, ela era considerada secundária, pois seus resultados não contribuem para a imagem das organizações, de modo tão eficiente quanto aquele obtido pela Responsabilidade Social, na dimensão externa, como ações na comunidade do entorno. No entanto, por conta dessa “pressão” social pela busca da sustentabilidade, é um desafio que vem sendo enfrentado pelas organizações na busca de adequação às novas exigências do mercado, inserindo a Responsabilidade Social interna nos atuais sistemas de gestão e a melhora de resultados nas organizações. A preocupação com aquecimento global, trabalho infantil, trabalho escravo e recentemente assédio moral vem tomando grandes proporções nos tempos atuais. Isso impõe às organizações a busca da sustentabilidade dentro de um ambiente em que suas posturas passem a influenciar nos seus resultados. A influência exercida na organização e nos seus resultados pelos fatores relativos à Responsabilidade Social na sua dimensão interna ainda é pouco estudado e não se tem efetivamente indicadores internos para acompanhar tais impactos.

Responsabilidade Social como contrapartida das empresas à sustentabilidade No cenário do trabalhador assalariado, as mudanças que assistimos nos últimos anos geraram a descentralização do trabalho de sua vida, inviabilizaram lutas de classes e recentemente criaram novas formas de trabalho, que parecem estar descolados da realidade a que sociólogos, trabalhadores e cidadãos estavam anteriormente acostumados. 93

A retomada da consciência e da importância de um indivíduo integral nas funções, que cada vez mais exigem, dentro de tais modelos de gestão, a criatividade e a proatividade, passa a ser foco das novas estratégias de recursos humanos em muitas empresas e órgãos públicos. A Responsabilidade Social tem sido foco de melhorias nas organizações por ter uma interface com o mercado e com vários grupos externos à organização, o que gera impactos na sua imagem e que podem ser positivos ou negativos. De acordo com D’Ambrósio e Melo (1998 apud MELO-NETO, 1999: 78) a Responsabilidade Social de uma empresa consiste na sua decisão de participar mais diretamente das ações comunitárias na região em que está presente e mitigar possíveis danos ambientais decorrente do tipo de atividade que exerce. Mais amplo que esse conceito, pode-se utilizar o conceito defendido pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social: “Responsabilidade Social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais.” Ventura (2003, apud ASHLEY, et al., 2005, p. 68) aponta como o movimento de Responsabilidade Social se insere como uma resposta reativa a diversas críticas às organizações por falta de responsabilidade e pela necessidade de cunhar, dentro da dimensão econômica da sustentabilidade, um novo conceito de capitalismo em que não se faz apenas pelo lucro e pelo poder de mobilização das organizações, mas que tenta conter o lucro individual socialmente autodestrutivo. Em face do panorama socioambiental, organizações de diversos setores vêm se engajando em mudanças nas suas relações internas e externas, não como forma de “[...] desmantelar críticas às empresas, na medida em que o conteúdo dessas críticas revela ameaças à sociedade de mercado como um todo” (ASHLEY et al., 2005, p.68), mas como um mecanismo de resposta comprometida com as soluções reais a tais ameaças. Porém, o crescimento da Responsabilidade Social praticado pelas organizações, de acordo com foco em um público externo, tem sido logicamente o tema de diversos livros, artigos e ferramentas de

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gestão, evidenciando-se uma observação feita por Melo Neto e Froes (2001: 87), na qual “entende-se, portanto, que o melhor caminho a seguir é o foco nas ações sociais externas, cujos principais benefícios são a melhoria da imagem e o estímulo à consciência social e à Responsabilidade Social de seus empregados”. De acordo com o Livro Verde da Comissão das Comunidades Europeias (2001), que trata de Responsabilidade Social empresarial, verifica-se que:



“dado que a Responsabilidade Social é um processo, pelo qual as empresas gerem as suas relações com uma série de partes interessadas, que podem influenciar efetivamente o seu livre funcionamento, a motivação comercial torna-se evidente. Assim, à semelhança da gestão da qualidade, a Responsabilidade Social de uma empresa deve ser considerada como um investimento, e não como um encargo. Através dela, é possível adoptar uma abordagem inclusiva do ponto de vista financeiro, comercial e social, conducente a uma estratégia a longo prazo que minimize os riscos decorrentes de incógnitas. As empresas deverão assumir uma Responsabilidade Social tanto na Europa como fora dela, aplicando o princípio ao longo de toda a sua cadeia de produção.”

Percebe-se que o tema da Responsabilidade Social é importante não só para as empresas que a praticam, mas sim para toda cadeia de valor de empresas que já adotam critérios de sustentabilidade em suas operações, impactando positivamente para o desenvolvimento de cidades sustentáveis.

Responsabilidade Social interna: cuidado com os empregados e competitividade O fator humano, dimensão interna das organizações e também a dimensão interna da Responsabilidade Social, foi ao longo de muito tempo na história das organizações considerado despesa, mão de obra. São muitos os modelos que surgiram, como a reengenharia e downsizing, por exemplo, que dispunham do fator humano como custo nos processos produtivos. Karkotli e Aragão (2004) apontam, ainda, que optar por Responsabilidade Social, na sua dimensão interna, pode significar perder para aquelas organizações que investiram em Responsabilidade 95

Social externa, com risco de comprometer a visibilidade da marca e o espaço na mídia. As décadas de 1980, 1990 e 2000 mostraram que a realidade dos funcionários, seus anseios, suas possibilidades e seu potencial têm sido desperdiçados pelas empresas. De acordo com Corrado (1994) as organizações produzem 80% a 90% dos resultados com apenas 10% a 20% das ações, demonstrando como o fator humano pode ser determinante para as organizações, mas que estas não lidam com este de modo eficiente. No século XXI, em uma mudança de panorama, o trabalhador passou a esperar mais das empresas, em tempos em que ética e Responsabilidade Social são conceitos cada vez mais valorizados por clientes e consumidores. Podemos citar reportagem de Neves e Cançado (2006: 59), que aponta que “a AMBEV dá resultados fantásticos, mas o modelo da empresa, baseado na ambição, já não atrai tantos talentos como antigamente”. Ao tratar do tema Responsabilidade Social, pode-se perceber que o fator humano se amplia saindo das fronteiras e do orçamento de um departamento de RH e de seu escopo, transformando-se em parte importante para a construção da imagem, da reputação, da produtividade das organizações. De acordo com o Livro Verde (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2001, p.3), tratando da dimensão interna da Responsabilidade Social das organizações, “um dos maiores desafios que atualmente se coloca às empresas reside em atrair trabalhadores qualificados. Neste contexto, entre as medidas pertinentes poder-se-ão incluir a aprendizagem ao longo da vida, a responsabilização dos trabalhadores, uma melhor informação dentro da empresa, um melhor equilíbrio entre vida profissional, familiar e tempos livres, uma maior diversidade de recursos humanos, a igualdade em termos de remuneração e de perspectivas de carreira para as mulheres, a instituição de regimes de participação nos lucros e no capital da empresa e uma preocupação relativamente à empregabilidade e à segurança dos postos de trabalho. A gestão adequada da situação, bem como o acompanhamento ativo, de trabalhadores que não se encontram ao serviço devido à incapacidade ou lesão resultaram também numa redução de despesas.”

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Vale realçar a importância de uma discussão com foco na integração de sistemas de gestão, pois, segundo Altvater (1992, apud VINHA, 2000, p. 12), tudo é ao mesmo tempo ambiental e social. “Para muitos, a principal questão ambiental, hoje, é social. Para alguns, como Elmar Altvater (1992), é a única. Segundo ele, o desafio das grandes corporações que atuam nos países em desenvolvimento é o de lidar com os anseios e as expectativas das comunidades, a pressão do movimento ambientalista e o poder de barganha dos Estados. Grandes corporações vêm, crescentemente, conscientizando-se de que o custo financeiro decorrente de conflitos com as comunidades pode ser mais alto do que o custo de ‘fazer a coisa certa’, já que eles mudam a percepção da opinião pública sobre a corporação, dificultam novos projetos e a renovação de contratos. Por esta razão,‘administrar riscos’sociais e prevenir impactos, é preferível, a resolvê-los retroativamente, dentro de um clima de animosidade, litigação e oposição pública”. Essa afirmação não difere com relação aos trabalhadores, pois os impactos das ilegalidades e riscos a que muitas organizações se expõem, ao permitir o risco à saúde do funcionário, horas extras, práticas disciplinares inadequadas, geram um passivo trabalhista que se soma aos passivos ambientais, formando o passivo contingente, este levado em consideração nas auditorias contábeis que podem comprometer negócios futuros, inviabilizar financiamentos, evitar a participação em licitações públicas e comprometer seriamente a imagem da organização. Um sistema de gestão integrado permite, segundo Cerqueira (2006), às organizações assegurar-se, com certa previsibilidade, da identificação de modos potenciais de falhas e que estes sejam devidamente analisados. Com esse olhar para gestão é que Melo Neto e Froes (2001) apontam que, com o surgimento do novo paradigma da Responsabilidade Social, os empregados e seus dependentes tornaram-se agentes sociais cujo comportamento tem grande impacto na capacidade competitiva da empresa, na comunidade e na sociedade. Tornam-se, assim, cidadãos participantes ativos na construção de cidades mais sustentáveis.

Empresas e cidades sustentáveis Quando a empresa se dispõe a assumir um compromisso real com os trabalhadores, vendo-os como seres integrais, dentro da 97

perspectiva holística e gerenciando o capital humano, estes se tornam, segundo Melo Neto e Froes (op cit.), promotores da Responsabilidade Social corporativa e membros transformadores da sociedade. Os autores ainda apontam diversos momentos em que os trabalhadores passam a divulgar os valores éticos da empresa e a assumir comportamentos sociais responsáveis em seu dia a dia, dentro e fora da organização, contribuindo para a implantação de comunidades mais sustentáveis em todas as demais dimensões. De acordo com Cerqueira (2006), um sistema integrado de gestão permite ter foco no negócio e não apenas em sistemas, processos e produtos. Significa, segundo o autor, que os requisitos do sistema sejam compartilhados, atendendo, mais do que aos seus clientes, a todas as partes interessadas. Isso impõe desafios às empresas, incluindo aqui a capacidade e responsabilidade de colaboração com a gestão pública dos espaços urbanos. Podemos, ainda nos dias de hoje, citar mortes de boias-frias nos plantios de cana, acidentes graves em siderúrgicas, áreas de mineração, contaminação em diversos segmentos do setor de indústrias químicas, isso porque muitos custos da segurança são avaliados sem olhar as consequências das inadequadas condições de trabalho, tanto a saúde do trabalhador como ônus da responsabilidade legal da organização. Empresas que ainda mantêm essa mentalidade tendem a perder, cada vez mais, competitividade. Salim et al. (2003: 159) tocam no conservadorismo de um regime capitalista que, ainda não atento às importantes questões que refletem a Responsabilidade Social e a busca por sustentabilidade, descuidam da saúde e da segurança de seus trabalhadores ao declarar: “Falar em segurança e saúde para os trabalhadores, naqueles séculos pretéritos e mesmo nos dias atuais, ainda soa – e com certeza soará bem fundo – como heresia socialista ou comunista para muitos que operam as engrenagens do mercado e do capitalismo vociferante, o que resulta, em contrapartida, como uma última instância de brado ou boia de salvação num mar de desigualdades, em defesas jurídicas criadas através do estabelecimento de diplomas legais e políticos para garantir, ao menos no papel, o necessário para a sobrevivência do trabalhador.” Apesar da profícua legislação, de acordo com os autores (p. 161), “excelentes experiências jurisprudenciais e doutrinárias”,

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ainda existe uma enorme distância entre o disposto na norma pátria e o cumprimento, pelas organizações, na sua realidade cotidiana, estabelecendo, desse modo, um enorme fosso de arbitrariedade que vem sendo legado às novas gerações. Esse comportamento contrasta fortemente com o conceito estabelecido acerca de sustentabilidade, ou seja, realizar hoje sem comprometer as gerações futuras. Uma organização em busca da sustentabilidade deve, portanto, ter seu olhar treinado para a saúde e segurança do trabalhador. Se essa mesma organização pratica Responsabilidade Social será inescapável sua responsabilidade sobre seu fator humano e sobre o cumprimento legal como requisito fundamental. De acordo com Cerqueira (2006), ao optar por um sistema de gestão e sua implementação, uma organização assegura uma imagem responsável para com os seus colaboradores e para com as demais partes interessadas. Os impactos da gestão em segurança e saúde do trabalhador possibilitam, ainda, redução de custo e uma melhor performance da gestão como um todo, já que evitam afastamentos, previne acidentes que possam impactar na produtividade da organização e na motivação das equipes envolvidas. O autor ainda aponta um aspecto muito importante: uma abordagem sistêmica com empenho, que deve ser o mesmo dado aos outros aspectos da gestão de uma organização. Soma-se ainda a essa visão sistêmica da saúde e segurança do trabalho, a Responsabilidade Social que, de acordo com Salim et al. (2003, p. 171), vem consolidando a responsabilidade legal nas empresas,“com todas as suas exigências de respeito à vida e à integridade física das pessoas”, aumentando o número de empresas que se preocupam com o resgate da cidadania e do ser humano dentro de seus muros. Esse argumento reitera quanto a Responsabilidade Social possibilita o comprometimento dos sistemas de gestão, com o fator humano das organizações. Em um mundo ditado pelo poder econômico, não há como imaginar a gestão de cidades sustentáveis sem a ampla participação das empresas e sem o fortalecimento e o aperfeiçoamento do processo político, da democracia e das instituições republicanas, reconhecendo a centralidade da política como instrumento de transformação social (BARROS-FREIRE; NEIMAN, 2016), necessário para o controle social pelos cidadãos sobre os destinos da sociedade como um todo. Referências ASHLEY, P. A. et al. Ética e Responsabilidade Social nos Negócios. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

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BARROS-FREIRE, J. M.; NEIMAN, Z. Quem manda nas políticas públicas no Brasil? Jornal Entrementes, São Paulo, v. 13, p. 12-12, 29 abr. 2016. CERQUEIRA, J. P. Sistemas de Gestão Integrados: ISO 9001, OSHAS 18001, AS 8000, NBR 16001 - Conceitos e Aplicações. 1. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2006. COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Livro Verde – Promover um quadro europeu para a Responsabilidade Social das empresas. COM 366. Bruxelas, 2001. CORRADO, F. M. A Força da Comunicação: Quem não se comunica. 1. ed. São Paulo: Makron Books, 1994. Tradução: Bárbara Theoto Lambert. HRDLICKA, H.; NEIMAN, Z. Responsabilidade socioambiental e o incremento nas exportações brasileiras: um paradoxo. Oñati Socio-Legal Series, v. 2, p. 113-138, 2012. KARKOTLI, G.; ARAGÃO, S. D. Responsabilidade Social: uma contribuição à gestão transformadora das organizações. Petrópolis: Vozes, 2004 MELO-NETO, F. P.; FROES, C. Responsabilidade Social e Cidadania Empresarial: A Administração do Terceiro Setor. 2. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2001. NEVES, M. L.; CANÇADO, P. Cultura envelhecida? Época, São Paulo, n. 411, p. 58-60, abril 2006. SALIM, C. A. et al. Saúde e Segurança no Trabalho: Novos Olhares e Saberes. 1. ed. Belo Horizonte: Fundacentro/Universidade Federal de São João Del Rei, 2003. VINHA, V. G. da. A convenção do desenvolvimento sustentável e as empresas eco-comprometidas. Tese de Doutorado. CPDA/ UFRRJ, 2000.

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Capítulo 9 Cidades inteligentes e a sua dimensão tecnológica Rafaela Macedo Silva Heidy Rodriguez Ramos A população urbana cresce continuamente em todo o mundo. Em 1960, 30% da população mundial já residia em áreas urbanas. Em 2017, esse mesmo percentual alcançou 53%. No Brasil, essa proporção é ainda maior, visto que o País sofreu um processo de urbanização acelerado e o percentual da população urbana em relação à população total saltou de 46% em 1960 para 86% em 2017 (THE WORLD BANK, 2019). A aglomeração urbana em rápida expansão tende a centralizar as funções econômicas e administrativas nos municípios, que é o ente federado mais próximo da população e que, por sua vez, tem o desafio de enfrentar o aumento dos problemas nas cidades, como congestionamentos, poluição e desigualdades sociais (KIM; HAN, 2012). No contexto nacional, esses problemas estão primeiramente relacionados à moradia, saneamento, meio ambiente, mobilidade e segurança pública, considerada em colapso em muitas cidades brasileiras (MARICATO, 2006; MARICATO, 2015). A concentração urbana, ao mesmo tempo que amplia as dificuldades para se fornecer infraestrutura e serviços básicos à população (NAM; PARDO, 2011; KIM; HAN, 2012), possibilita a massiva interconexão de pessoas, negócios, redes de comunicação, novas formas de transportes e serviços. Essa proximidade física permite a captação de dados, sob os conceitos de Big Data, mineração de dados e governança digital (NEIROTTI et al., 2014). Com isso, os problemas decorrentes da aglomeração urbana têm sido resolvidos ou mitigados por meio da criatividade, do capital humano e da tecnologia, que leva o rótulo de “soluções inteligentes” para construção de “cidades inteligentes” (CARAGLIU; DEL BO; NIJKAMP, 2011). O conceito de cidades inteligentes ainda que tenha se popularizado é um termo complexo que possui diferentes definições e 101

um caráter interdisciplinar (NAM; PARDO, 2011; ANGELIDOU, 2014). A Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas (RBCIH) (2017), por exemplo, apresenta três fatores-chaves para uma cidade inteligente: fatores humanos, fatores institucionais e fatores tecnológicos, e também consolida quatro indicadores que permitem classificar as cidades inteligentes brasileiras. São eles: governança, arquitetura e urbanismo, tecnologia e segurança. De acordo com Angelidou (2014), cidades inteligentes são aquelas que utilizam de forma consciente e planejada a tecnologia para aplacar os problemas urbanos. O termo smart remete à tecnologia e, em particular, à importância das TICs que impactam diretamente os demais fatores, como a governança com plataformas de e-government, a educação do cidadão com novas formas de comunicação e aprendizado online, o meio ambiente e a economia com novos processos produtivos. As TICs seriam o sistema nervoso central de uma cidade interconectada, que permite a obtenção de dados de diferentes fontes (sensores), para atingir o conceito sense and act, ou seja, alarmar e agir. As informações coletadas pelos dispositivos podem ser correlacionadas, analisadas e então utilizadas para criação de processos de planejamento e controle, que melhoram a produtividade e assertividade na tomada de decisão por parte dos gestores públicos (NEIROTTI et al., 2014). Na tentativa de avançar na construção de cidades que propiciem melhor qualidade de vida e que também possam ser mais produtivas e atrativas, os gestores públicos buscam formas de tornar as cidades mais inteligentes ou smart (CHOURABI et al., 2012). Nessa busca, esses gestores defrontam-se com soluções “empacotadas” ou predeterminadas por empresas globais de tecnologia (PAROUTIS; BENNETT; HERACLEOUS, 2013; KITCHIN, 2014). Tendo em vista a importância da dimensão tecnológica para a construção de uma cidade inteligente, o estudo apresenta uma visão sistematizada sobre o tema, a partir da análise de artigos nos quais se identificaram as principais linhas de pesquisa e os elementos estruturantes de uma cidade inteligente do ponto de vista da tecnologia.

Cidades Inteligentes: um olhar sobre a literatura O termo “Cidades Inteligentes” é interdisciplinar e envolve diferentes grupos de interesses: desde grandes empresas de tecnologia, motivadas para vender suas soluções empacotadas, os múltiplos 102

órgãos e esferas de poder do setor público, influenciados por interesses ideológicos e o cidadão, que em alguns casos pode ser excluído visto que a tecnologia não está democratizada ou acessível a todos (ANGELIDOU, 2014; MONAHAN, 2017; KUMMITHA; CRUTZEN, 2017). Segundo Bartoli et al. (2013), o que torna uma cidade inteligente no âmbito da tecnologia é o uso combinado de sistemas de software, infraestruturas de rede de comunicação e dispositivos de sensoriamento. Os artigos publicados por Vlacheas et al. (2013) e também Gharaibeh et al. (2017) colocam o cidadão no centro da estrutura de uma cidade inteligente e apresentam exemplos de serviços ao cidadão que pode se beneficiar por meio do uso da tecnologia, como: os serviços na área da saúde, educação, iluminação, segurança pública, eficiência energética e outros, com a mesma essência de captar dados, atuar de forma rápida ou em tempo real e utilizar esses dados para análises preditivas e corretivas antecipando-se as necessidades. Ainda que existam diversos formas de smarterização, por exemplo: smart energy, smart mobility, smart education, smart safety e outros (NAM; PARDO, 2011), na figura 1, é possível observar os aspectos comuns da arquitetura de uma cidade inteligente, composta de quatro camadas: tecnologias de informação e comunicação, sensoriamento, processamento de dados e disseminação dos dados.

Figura 1: Aspectos da arquitetura de uma cidade inteligente Fonte: Adaptado de Gharaibeh et al. (2017) e Aerts et al. (2004).

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As camadas apresentadas na Figura 1 podem ser interpretadas como os componentes tecnológicos comuns de uma cidade inteligente. Esses componentes devem ser considerados partindo da base para o topo. Por exemplo, as tecnologias de informação e comunicação seriam a primeira camada, considerando que tanto o sensoriamento (captação de dados) como o processamento dos dados dependem da qualidade da infraestrutura disponível. Consequentemente, a disseminação dos dados, nas mais diversas formas de relatórios, somente é possível após o processamento dos dados brutos. O funcionamento adequado dessas quatro camadas é sempre ameaçado por questões de privacidade e de proteção dos dados, por exemplo, os ataques cibernéticos que podem colocar em risco a privacidade dos dados ou o funcionamento dos dispositivos. Histórico de publicações e linhas de pesquisa A Figura 2 apresenta o histórico de publicações sobre Smart City Tecnology. A primeira coluna refere-se ao total de artigos encontrados na base de dados Web of Science (WOS), e a segunda coluna, aos 100 artigos mais citados e selecionados para a análise bibliométrica. Foi escolhido o termo de busca Smart Cit*, refinado pela palavra technology* e aplicado o filtro por “artigos”, ou seja, não foram incluídos livros, conferências ou congressos. O tema teve sua primeira publicação em 1998, e por 12 anos manteve uma quantidade baixa ou irrelevante de publicações. Apenas em 2010 inicia uma tendência acelerada de crescimento com ápice no ano de 2014 com 56 artigos, dos quais 22 estão entre os mais citados, somando 1.370 citações. O termo Smart City Technology é um tema recente e apresentou curva de crescimento acentuada a partir de 2010, período que coincide com o período de recessão iniciado em 2008, impulsionado pela Europa e Estados Unidos.

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Figura 2: Histórico de Publicações sobre Smart City Tecnology Fonte: Web of Sicence. Silva, Ramos e Vils (2018)

Esse resultado pode ser explicado pelos investimentos de grandes empresas globais de tecnologia, como: Siemens, GE, Accenture, Microsoft, Cisco, Google, HP e IBM, que, ao se depararem com a crise nos mercados tradicionais, criaram aplicações tecnológicas e programas para fomentar o mercado smart em cidades (PAROUTIS; BENNETT; HERACLEOUS, 2013). Um exemplo é o título de um documento encontrado no site IBM Smart Planet, em que se destaca que: “no outono de 2008, no meio de uma crise econômica global, a IBM iniciou uma conversa com o mundo sobre a promessa de um planeta mais inteligente e uma nova agenda estratégica para o progresso e o crescimento” (IBM, 2018). Para o levantamento das principais linhas de pesquisa relacionadas à estruturação de uma “cidade inteligente” do ponto de vista da tecnologia, foi realizado um estudo bibliométrico considerando os 100 artigos com maior número de citações, detalhado no artigo de Silva, Ramos e Vils (2018). Segundo Vogel e Güttel (2012), o uso de técnicas bibliométricas inerentes à análise de cocitação é vantajoso para mapear a herança intelectual de uma área de estudo. Todos os artigos foram encontrados nas bases científicas, o que permitiu a leitura dos resumos e das palavras-chaves de cada um dos 100 artigos selecionados. Após essa análise, foram identificados sete clusters que representam as principais linhas de pesquisa sobre o tema Smart City Tecnology, conforme segue:

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Cluster 1: Conceituação do tema cidades inteligentes As publicações analisadas neste cluster se agruparam em torno da linha de raciocínio que conceitua o que seriam as “cidades inteligentes”, com os vieses de que o tema tem características multidisciplinar, incluso, desmetodizado e não sistêmico. A pesquisa em cidades inteligentes está em fase inicial no que diz respeito ao seu desenvolvimento e compreensão empírica, visto que são aplicadas normas convencionadas, one size-fits all, além da ausência de casos com evidências reais que confrontem a literatura (KITCHIN, 2014). “Cidades inteligentes” são um legado ideológico de “computação onipresente” comercializado por grandes empresas que consideram o crescimento e a competitividade das cidades, mas desconsideram os impactos mais amplos (VIITANEN; KINGSTON, 2014), como o caso da Filadélfia, apresentado por Wiig (2015), que concluiu que o modelo de “Cidade Inteligente” adotado pela IBM para governança digital se chocou com problemas socioeconômicos e sociotécnicos, posto que a atuação da IBM não foi acompanhada por ações de base nas áreas da educação e governança e, como consequência, os resultados não refletiram as intenções. Alguns autores inseridos no cluster iniciaram seus artigos com a conceituação e a crítica à definição de cidade inteligente (HOLLANDS, 2008; KITCHIN, 2013; KLAUSER; PAASCHE; SÖDERSTRÖM, 2014), mas no decorrer do artigo também apresentaram sugestões ou estudos de casos de como tornar mais real a “Cidade Inteligente”. Por exemplo: aplicações smart grid para medir produção versus consumo de energia elétrica, estudo de caso de duas cidades na Suécia (KLAUSER; PAASCHE; SÖDERSTRÖM, 2014); monitoramento por câmeras, biometrias, GPS, reconhecimento de placas de veículos, analíticos de sistema de tráfego e outras variedades de sensores, estudo de caso do Rio de Janeiros e de Londres (KITCHIN, 2013); e o uso da tecnologia de forma inclusiva por meio do modelo de “Cidade Inteligente Progressiva”, de modo que as decisões estejam centradas no indivíduo prioritariamente e, em segundo lugar, nas aplicações tecnológicas (HOLLANDS, 2008).

Cluster 2: Informação, conhecimento e inovação em cidades inteligentes Os autores do cluster 2 se associam em torno da questão informacional de conhecimento e inovação para construção de uma “Cidade Inteligente”. Nesse agrupamento, é possível notar ainda dois 106

subgrupos com diferentes perspectivas de estudo sobre o mesmo tema: 1) Dvir e Pasher (2004), Yigitcanlar, O’Connor e Westerman (2008) e Edvinsson (2006), que têm em comum o enfoque no tema Knowledge City (KC) ou cidade do conhecimento, ideia que considera o capital humano e a troca de conhecimento como os motores para a inovação urbana; e 2) Yovanof e Hazapis (2009) e Komninos (2009), que discutem com maior ênfase o papel das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), ou seja, fator informacional-digital como instrumento para a inovação. As TICs criam um ambiente propício para a inovação e modificam a forma como as cidades se organizam (KOMNINOS, 2009), no entanto, as estratégias para a inovação digital podem ser melhores desenvolvidas e sustentadas por meio da interação entre a universidade, a indústria e o governo (conceito de Hélice Tríplice), de forma a reduzir as limitações técnicas e as tendências ideológicas, complementam Lombardi et al. (2012).

Cluster 3: Inteligência baseada em software Os artigos trazem conceitos como Big Data, mineração de dados e georreferenciamento, que permitem a codificação e a modelação do espaço urbano, já que as ações cotidianas poderiam ser traduzidas e reproduzidas recorrendo à codificação digital. Os autores Thrift e Frencht (2002) detalham esse processo no artigo A automática reprodução do espaço. Graham e M. Phil (2005) e Amoore (2007) exemplificam a inteligência por meio do uso de software com aplicações de vídeo monitoramento que permitem, entre outras coisas, o reconhecimento de rostos, a contagem de pessoas, identificação de placa de veículos e o cruzamento dessas informações com outros bancos de dados. E, ainda que lancem mão de tecnologias similares, os dois autores atribuem funções muito diferentes: Graham e M. Phil (2005) compreenderam como uma ferramenta para entender as desigualdades dentro de uma cidade, já Amoore (2007) percebeu como uma inteligência a serviço da resolução de situações, desde casos simples como batidas de carro até o combate ao terrorismo. As aplicações de inteligência em software, associadas aos diversos sensores, como câmeras, celular e outros, criam um ambiente panóptico, ou seja, que permite uma observação “onipresente” das vidas de forma individual e coletiva (BOYNE, 2000). Toda essa observação também traz questões associadas à conscientização ou preocupação com o fluxo das informações pessoais (LESZCZYNSKI, 2015). 107

Cluster 4: Cidade digital O cluster 4 tem forte relação com o cluster 2. A similaridade dos dois clusters pode ser entendida pelo caráter da inovação digital, com a diferença de que os artigos contidos no cluster 4 têm foco na dimensão digital da cidade e não destacam conceitos de inovação. Considerando que a força de trabalho qualificada escolhe onde quer viver, Dirks, Gurdgiev e Keeling (2010) explicam de que modo os serviços digitais em diversas áreas, como transporte, segurança, saúde e educação, podem solucionar ou mitigar problemas urbanos, como congestionamento, prevenção de crimes, restrições à saúde, etc., e como essa melhora pode atrair ou reter talentos, tornando a cidade mais produtiva e competitiva. Para a construção de uma “cidade inteligente” Chourabi et al. (2012) propõem um Framework com oito elementos (pessoas e comunidades, economia, infraestrutura, meio ambiente, governança, organização, políticas e tecnologia), e concluem que a tecnologia pode ser considerada como o fator principal, uma vez que influencia fortemente todos os outros fatores. Os serviços digitais podem ser inúmeros conforme descrevem Lee et al. (2008). Esses autores apresentam experiências na República da Coreia sob o conceito Ubiquitious-City – U-City, cidades interconectadas e monitoradas a partir de um único centro de monitoramento e administração de base de dados. Descrevem como as TICs modificam e influenciam os negócios (U-business), os serviços aos cidadãos (U-life) e a governança (U-goverment).

Cluster 5: Estudos empíricos aplicados a cidades inteligentes Os autores deste cluster apresentam contribuições por meio de casos ou sugestões de metodologias para a materialização do tema. Neirotti et al. (2014) enfatizaram a falta de estudos empíricos, e na sua publicação buscaram preencher essa lacuna por meio do cruzamento da teoria com análises de casos reais. Basearam-se em uma amostra de 70 cidades e investigaram as principais práticas em relação à área de aplicação (denominada por eles como domínio) e aos fatores de influência. Finalmente, apresentaram um guia de quais variáveis influenciaram na realização de uma “cidade inteligente”. A demanda por governos locais na busca de soluções inteligentes para as cidades requer novas práticas, não somente sob a pers108

pectiva de serviços e tecnologia, mas também sob a forma de como são entregues (BÉLISSENT et al., 2010). Nesse sentido, Lee, Phaal e Lee (2013) desenvolveram uma metodologia de mapeamento integrado, que interconecta serviços, dispositivos e tecnologias, e posteriormente ilustram a aplicação da metodologia por meio de um estudo de caso de uma “cidade inteligente” na Coreia do Sul. Angelidou (2014), similar à metodologia adotada por Neirotti et al. (2014), mas sob um outro enfoque, baseou-se na literatura para criar categorias de estratégias para construção de cidades inteligentes quanto ao seu enfoque espacial e, em seguida, aplicou essas categorias caracterizando as estratégias adotadas nas cidades de Malta, Nova Iorque, Amsterdã, Songdo, Rio de Janeiro, Barcelona e Thessaloniki.

Cluster 6: Internet das Coisas (IoT) Os autores trazem modelos de aplicação, componentes, diagramas de funcionamento, definições de protocolos de comunicação e outras contribuições. IoT pode ser entendida como “coisas” ou dispositivos que se conectam à internet e que podem aceitar entradas e serem controlados de forma remota, como também podem captar e relatar informações. Essas informações são armazenadas em um banco de dados que se torna acessível de qualquer lugar da internet (VASSEUR, 2010). IoT seria então como um “cérebro” que pode armazenar dados do mundo real; já os sensores, usando a mesma analogia, seriam os “olhos e ouvidos” que conectam o mundo real ao mundo digital. Existem diferentes formas de aplicações de Iot. Gubbi et al. (2013) classificaram essas aplicações em: pessoal e residencial, empresarial, serviços de utilidade pública e mobilidade. Para as cidades, as duas mais relevantes são: serviços de utilidade pública e mobilidade, que incluem, por exemplo: controle de tráfego, estacionamento, controle logístico, monitoramento para segurança pública (câmeras, microfones) e monitoramento do meio ambiente (qualidade do ar e da água).

Cluster 7: Sustentabilidade e meio ambiente Os autores Pow e Neo (2013) e Joss, Cowley e Tomozeiu (2013) abarcam o conceito de “Eco-Cidade”, que remete a cidades que têm um planejamento e agenda voltados para a sustentabilidade ambiental, de forma que a cidade esteja em equilíbrio com a natureza. 109

Pow e Neo (2013) discutem a modernização ecológica, mas não a relacionam à cidade inteligente. O conceito de modernização está relacionado a tecnologias verdes para a redução do consumo de energia, produtividade agrícola, acessibilidade, neutralização de gases de efeito estufa e outros, e apresentam o estudo de caso de uma cidade da China evidenciando os empecilhos que distanciam o plano da realidade. Atualmente, a “Eco-Cidade” está inserida no conceito de “Cidade Inteligente”, já que as tecnologias colaboram para se alcançar melhores níveis de sustentabilidade. As principais iniciativas nesse sentido estão concentradas na maximização das matrizes de energias renováveis, na redução e neutralização das emissões de gases de efeito estufa e em outras tecnologias verdes que são monitoradas digitalmente (JOSS; COWLEY; TOMOZEIU, 2013).

Elementos estruturantes de uma cidade inteligente O tema Smart City Technology, ou tecnologia para cidades inteligentes, é recente, amplo e cada vez mais explorado (ANGELIDOU, 2014), isso é evidenciado pelo cluster 1, “conceituação do tema cidades inteligentes”, que concentra as citações mais atuais comparado a todos os outros clusters (predominantemente entre os anos de 2013 e 2015). As publicações que conceituam o tema incluem muitas questões e evidenciam que atualmente carece de estudos empíricos. Kitchin (2014) sintetiza algumas dessas questões, que também podem ser identificadas nas publicações de outros autores da mesma linha de pensamento. São elas: qual é o nível de aplicação no contexto local ou regional? De que modo a tecnologia se cruza com questões econômicas e de governança? Como as iniciativas ganham apoio financeiro e político? Quais são os conflitos iminentes ao se liderar projetos que dependem de uma infinidade de partes interessadas? Como as tecnologias impactam diferentes setores, populações e níveis de renda? E quais seriam seus custos versus benefícios e como esses seriam mensurados e comunicados? As questões apresentadas por Kitchin (2014) continuam a ser tratadas e complementadas em publicações mais recentes como a de Monaham (2017), que explica que as tecnologias para as cidades inteligentes podem parecer inovadoras, mas em certos contextos são na verdade conservadoras, e baseiam-se em uma linha unificadora difundida pela IBM, que promete “racionalizar as funções de uma cidade”, ou seja, seriam soluções “empacotadas” que desconsideram 110

a complexidade do seu ambiente de aplicação. Monaham (2017) concluiu seu estudo com a seguinte indagação: os sistemas de informação suportarão a espontaneidade e as mudanças inesperadas de uma sociedade real? Os diversos argumentos a favor e contra as “Cidades Inteligentes” têm como pano de fundo a natureza complexa de sua aplicação, especialmente no que diz respeito à conciliação entre os diferentes interesses para se alcançar o genuíno objetivo de uma cidade inteligente, que reside na melhora dos métodos de governança para se alcançar a eficiência e com isso brindar à população uma melhora na qualidade e acesso inclusivo aos serviços e espaços públicos (KUMMITHA; CRUTZEN, 2017). As linhas de pensamento “Informação, conhecimento e inovação em cidades inteligentes”, “Inteligência baseada em software”, “Cidade Digital” e “Internet das Coisas (IoT)” são convergentes, visto que a inovação capacita as instituições e cidadãos, a criarem, adaptarem e utilizarem tecnologias IoT, para captação de dados ou informações, que posteriormente serão correlacionadas por softwares, e o tratamento dessas informações gera o conhecimento que possibilita a construção de uma Cidade Digital que, segundo Dirks, Gurdgiev e Keeling (2010), é caracterizada por serviços digitais em diversas áreas como: educação, mobilidade, saúde e segurança pública. Os serviços digitais mencionados por Dirks, Gurdgiev e Keeling (2010) e também por Lee et al., (2008) são viabilizados pela estrutura disponível de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), sensoriamento para aquisição de dados, processamento dos dados e finalmente o tratamento e a disseminação dos dados na forma de alarmes em tempo real ou relatórios, que interpretam e apresentam de forma compreensível, geralmente gráfica, os padrões de comportamentos para análises e tomada de decisões (GHARAIBEH et al., 2017; AERTS et al., 2004). A Figura 3 apresenta os conceitos encontrados nos artigos avaliados e contribui para uma visão ampla e sistematizada dos elementos estruturantes de uma cidade inteligente. Esses conceitos não ficam restritos apenas aos componentes e às aplicações tecnológicas, mas também apresentam outros elementos que permeiam essa discussão.

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Figura 3: Elementos estruturantes de uma cidade inteligente Fonte: Silva, Ramos e Vils (2018)

A figura 3 pode ser interpretada como camadas que devem estar presentes na discussão sobre cidades inteligentes. As três primeiras camadas (a partir da base) constituem os alicerces que precedem as aplicações tecnológicas: (1) as reflexões ou questionamentos políticos e institucionais que identificam o nível de maturidade da cidade para lidar com as tecnologias e os novos modelos de gestão; (2) a necessidade de capital humano para gerar o conhecimento que promove a inovação; e (3) as motivações de uma cidade inteligente, que estão comumente pautadas na sustentabilidade ambiental, na qualidade de vida e no crescimento econômico. Nessa sequência, as três camadas posteriores (do topo) somente deveriam ser implementadas após tomadas decisões relativas à camada-base.

Considerações Finais O tema smart city technology é recente, com curva de crescimento a partir do ano de 2010. Esse crescimento é explicado pelo interesse das grandes empresas de tecnologia no mercado das cidades, denominadas então como “cidades inteligentes”. O termo “inteligente” está intrinsecamente relacionado ao fator tecnológico, que utiliza as possibilidades oriundas das TIC para automatizar as funções de uma cidade. Uma cidade inteligente do ponto de vista da tecnologia é um tema multidisciplinar que inclui diferentes tipos de estratégias e abordagens. Os clusters ou linhas de pesquisas, mapeadas por meio da 112

análise bibliométrica, identificaram sete abordagens que enriquecem a discussão do tema cidades inteligentes. Os clusters poderiam ser divididos em fatores estritamente tecnológicos e fatores complementares. Os tecnológicos são aqueles relativos aos hardwares, principalmente os dispositivos IoT, e aos softwares ou camadas de inteligência. Os fatores complementares são aqueles que suscitam uma discussão sobre as formas de aplicação, o entendimento das prioridades, os atores e a colaboração dos stakeholders, as formas de inovação, as lições aprendidas, entre outros. Cidade Inteligente pode ser uma titulação dada por órgãos de pesquisas independentes que apresentam indicadores para essa classificação, ou até mesmo as cidades se autointitulam “inteligentes”. Essa busca pelo status de “cidades inteligente”, como uma forma de promoção e marketing, faz com que os gestores públicos se afastem das necessidades reais e desconsiderem a vocação da cidade. Os elementos estruturantes encontrados na literatura e organizados na figura 3 sugerem que uma cidade inteligente deve ser idealizada da “base para o topo”, isso significa que, antes de se discutir os serviços digitais, sejam discutidas as bases sobre as quais eles serão aplicados. Isso seria a substituição de uma visão tecnocêntrica, por uma visão centrada na vocação e nas necessidades da cidade. Portanto, sugere-se que as cidades sejam pensadas no âmbito municipal ou de regiões metropolitanas, mapeando-se as vocações, o motivo de existir das cidades, os entraves políticos e institucionais, o nível de maturidade da população, dos servidores e demais stakeholders, de forma que as soluções tecnológicas sejam aplicadas com a consciência de como serão adquiridas, instaladas, operadas, mantidas e mensuradas. Visto que os sistemas tecnológicos são vivos e dependem de atualização e ajustes constantes, assim como devem existir formas de medir a efetividade dos serviços digitais, como a redução de despesas e a maior satisfação da população.

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Capítulo 10 Cidades Inteligentes pelo clima: inovação e sustentabilidade a serviço da cidadania Rodrigo Perpétuo Daniela Ades As iniciativas com soluções tecnológicas para desafios cotidianos das cidades, associadas à ideia de “inteligência”, vêm aumentando no mundo todo. As crescentes pressões da intensificação da urbanização e o aumento da demanda por energia, água, moradia, serviços e transporte elevam o grau de complexidade de tais desafios, o que exige de governos locais e nacionais soluções cada vez mais eficientes. Para responder a essas pressões e aos impactos negativos que o modo de desenvolvimento e consumo globais impõe à sociedade contemporânea, novos marcos globais de sustentabilidade foram adotados nos últimos anos, desde a Agenda 2030 e seus respectivos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), passando pelo Acordo de Paris sobre o clima e chegando à Nova Agenda Urbana. Esses acordos internacionais visam oferecer metas, diretrizes e modelos de ações para garantir um planeta habitável e uma sociedade mais igualitária e sustentável. No ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade –, estamos comprometidos com a construção de um futuro sustentável por meio da nossa rede global de mais de 1.500 cidades e regiões. Através de nossos esforços coletivos, impactamos mais de 25% da população urbana global. Os governos locais e regionais que pertencem a nossa Rede trabalham em conjunto com uma equipe diversificada de especialistas globais em 22 escritórios ativos em 124 países. Para enfrentar os desafios de desenvolvimento da atual era urbana, durante seu último Congresso Mundial em Montreal, o ICLEI anunciou sua nova visão estratégica, que apresenta cinco caminhos para o desenvolvimento sustentável. Essas vias interconectadas incluem: • Desenvolvimento de baixa emissão; • Desenvolvimento baseado na natureza; • Desenvolvimento circular; 117

• Desenvolvimento resiliente; • Desenvolvimento equitativo e centrado nas pessoas. Na América do Sul, o ICLEI conecta seus mais de 60 governos associados em oito países a esse movimento global. Ao longo desses anos, destacamo-nos no desenvolvimento e execução de projetos nas temáticas de: Clima e Desenvolvimento de Baixo Carbono, Resiliência, Resíduos Sólidos, Compras Públicas Sustentáveis, Biodiversidade Urbana, entre outros. A partir de agora, para atingir tais metas e objetivos, bem como para a superação de desafios, serão necessárias novas abordagens e tecnologias. Além disso, a transversalidade de ações dos novos marcos globais pode representar oportunidades para a indústria de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), sobretudo em negócios, empregos, inovação e integração de serviços. Mas de que maneira é possível aliar estratégias de desenvolvimento urbano baseadas em TICs às ações requeridas para a implementação em larga escala no plano local dos grandes acordos globais? Instigados pela possibilidade de convergência entre os dois movimentos ‒ o que preconiza a visão de desenvolvimento urbano com uso da tecnologia e o que estimula o desenvolvimento sustentável resiliente, inclusivo e de baixo carbono ‒ o ICLEI vem trabalhando em uma perspectiva crítica e integradora que propõe o alinhamento e a sinergia entre as estratégias locais de inovação e as de sustentabilidade. O objetivo é oferecer um panorama atual da discussão sobre como as cidades podem aliar suas estratégias de desenvolvimento baseado na tecnologia e inovação de forma que colaborem com os objetivos de “descarbonização” da economia, mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O conceito original de “cidades inteligentes pelo clima” (climate smart cities) foi apresentado no Relatório Analítico Cidades Inteligentes pelo Clima , buscando mostrar também como o estabelecimento dos marcos globais tem influenciado a agenda de sustentabilidade na transição para uma gestão urbana mais sustentável e inteligente. Este artigo foi baseado no relatório publicado em parceria com a Embaixada Britânica em 2017 e busca reforçar os princípios e conceitos que norteiam o posicionamento e as recomendações do ICLEI América do Sul em relação ao tema. A hipótese que norteou o conceito do Relatório Analítico Cidades Inteligentes pelo Clima partiu de experiências observadas em diferentes governos locais. Por um lado, nota-se que há iniciativas

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sendo postas em prática de maneira pouco integrada e dissociadas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Por outro lado, apresenta-se uma visão na qual projetos de “cidades inteligentes” associam soluções tecnológicas à superação dos principais desafios da humanidade, como o aquecimento global e a intensificação da urbanização. Além disso, o relatório investigou também de que maneira o desenvolvimento tecnológico e a inovação aplicada à gestão urbana podem levar à “descarbonização” das cidades, ou seja, fazer com que elas criem maneiras mais eficientes de gestão de recursos e se adaptem aos novos padrões climáticos, tornando-se, portanto, “cidades inteligentes pelo clima”. Propõe-se, sobretudo, que a ideia de inteligência não esteja exclusivamente atrelada à aplicação de soluções tecnológicas, mas que apresente uma visão integrada e sistêmica, levando em consideração a escala humana e o imperativo ético de agir pelo cumprimento das metas globais de sustentabilidade.

Cidades Inteligentes pelo Clima Os avanços observados na área de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) proporcionaram, nas últimas duas décadas, uma verdadeira revolução na geração de dados, gestão de processos e inovações na integração de infraestruturas e sistemas digitais. Essas mudanças radicais impactaram diversos setores da economia e as relações sociais e profissionais de cada indivíduo, transformando-os em fontes de dados em tempo real e oferecendo novos modelos de negócio, novas formas de interação que sugerem uma nova forma de sociedade, na qual a tecnologia será basal. Empresas de softwares, consultorias de sistemas de informação e comunicação, startups, dentre outras novas formas de organizações, tentam desenvolver produtos e serviços capazes de atender às demandas individuais e coletivas que surgem paulatinamente em meio às transformações do mundo digital e do dia a dia das pessoas. Paralelamente ao fenômeno de intensificação do uso da tecnologia, o processo de urbanização acelerou e se intensificou, tornando-se uma das tendências mais transformadoras do século 21 . Hoje, cerca de metade da população mundial já vive em zonas urbanas. Até 2050, a quantidade estimada de pessoas que viverá nas cidades passará dos atuais 3,9 bilhões para mais de 6,3 bilhões de habitantes, de acordo com o estudo da Desa/ONU Perspectivas para urbanização mundial . 119

Os desafios contemporâneos das cidades tornam-se cada vez mais complexos. Por um lado, questões históricas – ligadas ao setor de mobilidade e transportes, oferta de moradia adequada e acesso a terras, degradação ambiental, pobreza, aprofundamento das desigualdades e segregação ‒ estão relacionadas ao processo de rápida urbanização pouco ou nada planejada, principalmente, nos países em desenvolvimento, como é o caso da América Latina e Caribe, Sudeste da Ásia e África. Por outro lado, surgem novos desafios, ligados à globalização e aos avanços tecnológicos, em termos de movimentação financeira, de bens materiais e de infraestrutura, bem como novas pressões, a exemplo do deslocamento de refugiados, que adicionam ainda maiores pressões ao desenvolvimento urbano sustentável. Essa realidade já é comum a todas as cidades, independentemente de seus portes e perfis. As cidades também concentram, hoje, a maior parte da produção de riqueza, serviços e infraestrutura. Mais de 80% do PIB mundial é gerado nas cidades, segundo dados do Banco Mundial. E é nesses territórios em que se dá a maior parte do consumo de energia, seja em eletricidade, combustíveis de transportes, aquecimento e resfriamento de edifícios e praticamente todos os serviços de telecomunicações e de financiamento. Trata-se de um padrão de consumo que incorre em uma parcela significativa das emissões de Gases de Efeito Estufa: as cidades são responsáveis por 37% a 49% das emissões globais , assumindo, portanto, um notável papel no combate ao aquecimento global e às mudanças climáticas, que são decorrentes desse fenômeno. À medida que mais regiões se urbanizam, as demandas para o desenvolvimento sustentável concentram-se ainda mais nas cidades e, principalmente, naquelas de menor renda, onde esse processo ocorre de maneira mais rápida e, muitas vezes, mal planejada. Entre os principais desafios, está a transição para a economia de baixo carbono, e isso implica questões de: infraestrutura, produção, consumo de energias renováveis, mudança da matriz fóssil para geração de energia limpa e superação das condições de pobreza, fome e segregação socioespacial. Nesse contexto, e sem desconsiderar a importância da implementação de políticas socioeconômicas sustentáveis também nas zonas rurais, pode-se afirmar que as cidades estarão no epicentro das transformações provocadas pela tendência de alta concentração demográfica e, por consequência, de crescimento de procura por moradia, recursos básicos e serviços urbanos. Em grande medida, serão nas zonas urbanas, também, onde estarão concentradas oportunidades para inovação em tecnologias, desenvolvimento, investimentos, processos, enfim, em todas as áreas.

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Início do paradigma de sustentabilidade no contexto urbano A Sociedade Internacional Contemporânea, conformada principalmente pelos estados-nação, mas reconhecendo cada vez mais os protagonismos de outros atores, como as empresas, as universidades, as organizações sociais e os governos locais, ciente da necessidade de pactuações globais consistentes para enfrentar os velhos e novos desafios, gerou nos últimos anos uma série de acordos e pactuações que, se por um lado colocam a sustentabilidade no centro da agenda internacional, por outro se consolidam como o maior esforço internacional para superação das mazelas da humanidade. Além das Metas de Aichi pela Biodiversidade, em 2015, foi acordada e adotada a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU que engloba os ODS, substituindo o conjunto anterior de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (2000-2015). A agenda dos ODS veio mais ambiciosa e abrangente, com 17 objetivos, que se desdobram em 169 metas. O ODS de número 11 considera especificamente o desafio do desenvolvimento urbano sustentável. No mesmo ano, o histórico Acordo de Paris sobre o clima determinou os esforços globais de todos os níveis de governo e da sociedade para conter o aumento da temperatura média global em até 2ºC, com empenho para retê-la em até 1,5ºC. No cerne das discussões, estão a utilização de combustíveis fósseis, uma das principais fontes de emissões de GEE, que causam o aquecimento global, e a maneira de realizar a transição para a “descarbonização” da economia. Há, ainda, o Marco de Sendai para a Redução do Risco de Desastres 2015-2030, que focaliza a necessidade de adaptação dos territórios aos impactos das mudanças climáticas para reduzir riscos de desastres, os quais incorrem em perdas irreparáveis de vidas, além de elevados prejuízos financeiros e em infraestrutura. O acordo mais emblemático para o contexto das cidades, porém, é a Nova Agenda Urbana. Adotada em 2016 ‒ durante a 3ª Conferência da ONU sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável, realizada em Quito, no Equador ‒, ela propõe, pela primeira vez, uma visão de desenvolvimento urbano orientado pela sustentabilidade e pelo acesso igualitário a espaço e serviços. No compromisso, líderes mundiais se comprometeram a aumentar o uso de energia renovável, proporcionar um sistema de transporte mais ecológico e gerir de forma sustentável os recursos naturais. Essa visão inclui, também, as tecnologias de informação e 121

comunicação e compromete-se a adotar uma abordagem de “cidade inteligente”, que faça uso de oportunidades de digitalização, energia e tecnologias limpas, assim como de tecnologias de transporte. O documento reconhece que a implementação desses compromissos requer um ambiente favorável, incluindo o acesso à ciência, tecnologia e inovação, e destaca a necessidade de aumentar a cooperação e a troca de conhecimentos nessas áreas para benefício do desenvolvimento urbano sustentável. Todos esses marcos globais apontam caminhos e ferramentas para a transição de uma sociedade desigual e um modelo de capitalismo que desrespeita os limites do planeta, para uma perspectiva de modelo socialmente mais inclusivo e sustentável. Enquanto as metas e diretrizes estão acordadas, ainda há lacunas para viabilizar o cumprimento efetivo dessas agendas. Entre os principais obstáculos, destacam-se: acesso a financiamento, capacitação de recursos humanos, fortalecimento institucional das organizações-chaves para fomentar essa transição e desenvolvimento de tecnologias mais eficientes, com menores custos e que sejam sustentáveis no longo prazo. Para isso, serão necessárias abordagens inovadoras que promovam novas tecnologias, aplicações, abordagens sistêmicas e inteligência social.

Novas tecnologias para encarar desafios duradouros Ao analisar os objetivos da Agenda 2030, Kingsley (2017) argumenta que será necessária uma “revolução de dados”. O autor relata que a revolução de dados é claramente possível e, se focada apropriadamente, pode ter, de fato, um impacto transformador para acelerar o desenvolvimento. Tal modificação poderá apoiar o monitoramento do cumprimento das metas e gerar novas informações que contribuam para acelerar a mudança necessária. O supra referido autor destaca ainda que esse movimento transformador não acontecerá automaticamente e necessitará do engajamento de todos os níveis de governo e de suas agências, com especial ênfase nos governos locais e regionais. Sobre a relevância da ação local, Kingsley (2017) apud Boex (2015, p.5) relata que: É justo dizer que “todo o desenvolvimento é local”. Em última instância, os objetivos de desenvolvimento e as metas de políticas articulados no nível nacional (ou mesmo global) ‒ em termos de acesso à educação, à saúde, à água, ao sa122

neamento etc. ‒ todos têm de ser entregues no âmbito local, nas cidades, vilas e aldeias onde as pessoas vivem. Enquanto a discussão proposta por Kingsley (2017) está relacionada especificamente à geração e obtenção de dados para monitorar indicadores de progresso da Agenda 2030, as questões relacionadas às melhorias proporcionadas pela revolução digital e da Era da Informação colocam-se no centro do debate acerca da aplicação de tecnologia à gestão urbana. Desde meados dos anos 1970, os gestores urbanos aplicam soluções tecnológicas e análise de dados com o objetivo de aperfeiçoar os serviços urbanos, com melhoria do desempenho a menores custos. A partir do avanço no desenvolvimento de estruturas, capacidades de processamento e ampliação da conexão à internet, no começo dos anos 2000, teve início com mais vigor o debate a respeito de uma visão de desenvolvimento urbano baseada em equipamentos e soluções “inteligentes”. Atualmente, iniciativas e estratégias de “cidades inteligentes” foram incorporadas no vocabulário de governos locais e nacionais em todo o mundo para propor soluções aos mais diversos problemas urbanos. Nessa trajetória, empresas globais de tecnologia tiveram um papel relevante no estabelecimento desse mercado e na definição da rota até a estruturação de projetos de “cidades inteligentes” . Estima-se que esse mercado possa movimentar 400 bilhões de dólares por ano até 2020. Enquanto as “cidades inteligentes” são associadas ao seu arrojamento tecnológico e de infraestrutura, as “cidades inteligentes pelo clima” aliam esses elementos ao desafio de enfrentar as mudanças climáticas, modificando os padrões tradicionais de desenvolvimento urbano ‒ intensivo em carbono e no consumo de combustíveis fósseis ‒ para um mais sustentável e eficiente em utilização de recursos, sem perder de vista a perspectiva da redução das desigualdades sociais, da intensificação do diálogo social e do aprofundamento da democracia O ICLEI América do Sul, cumprindo a sua missão de trabalhar para que os governos locais sejam reconhecidos como protagonistas dessa transformação global pretendida, recomenda que a inovação e a tecnologia sejam incorporadas na origem dos processos de formulação e execução de políticas públicas, não como um elemento apartado, mas a elas integrado. Para isso, alguns princípios são de fundamental importância.

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O primeiro deles é a perspectiva da intersetorialidade, da multidimensionalidade que, apesar de tão difícil, é o que permite e possibilita de fato a integração das diversas políticas no território. Ainda neste contexto, deve-se, portanto, reconhecer a complementariedade entre os recursos digitais e tecnológicos e os diversos recursos sociais, culturais e ambientais, tão relevantes para o êxito dos processos que almejam a melhoria da qualidade de vida. O segundo princípio é o da informação. Em linha com o que propõe os ODS, há que se criar mecanismos cada vez mais eficientes que permitam o acompanhamento de indicadores que possibilitem a avaliação e o monitoramento das políticas públicas, assim como o melhor planejamento destas. Juntamente com a informação de qualidade, requer-se a transparência. Não adianta um conjunto de indicadores e um excelente sistema de medição nesse segmento se o processo não for compartilhado com a sociedade. Por isso a necessidade de trabalhar com dados abertos no nível mais intenso possível. Entretanto, tanto a informação quanto a transparência, ainda que necessárias para a transformação e o controle social, são insuficientes. É fundamental que os governos locais consigam gerar melhores condições para estabelecer com a sociedade um diálogo permanente. Isso requer não somente fomentar a educação cívica, mas também mecanismos institucionais de participação e ferramentas que a facilitem e estimulem, considerando todas as faixas etárias e perspectivas culturais da cidadania. Por fim, é preciso apostar nas novas tecnologias levando-se em consideração e respeitando a memória e a história das cidades. É possível promover o diálogo e a interação com outras culturas, ao mesmo tempo em que se valoriza a cultura local. Esses princípios aliados a um senso de responsabilidade comum e ética, que está dada no plano global pelos marcos globais da sustentabilidade distinguirão uma cidade inteligente comum, daquelas que também atuem em prol da sustentabilidade, enfim, daquelas cidades inteligentes pelo clima.

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Capítulo 11 A utilização das aeronaves não tripuladas nas operações das cidades inteligentes Thiago de Souza Beté Na atualidade, é usual que seja difundido os termos e conceitos de veículos aéreos não tripulados (VANT) e aeronaves não tripuladas, referindo-se ao termo “drone” como um tema moderno. Na verdade, esse tema foi utilizado no século XIX, antes da Primeira Guerra Mundial, com a utilização de balões austríacos sem tripulação que carregavam explosivos para atacar a cidade de Veneza. O engenheiro Nikola Tesla, em 1915, descreveu em um de seus estudos o potencial militar de uma frota de aeronaves não tripuladas (EDMUNDO UBIRATAN, 2015). Nessa concepção, os drones foram criados com a finalidade militar por causa da sua vantagem de operação, sem colocar em risco o ser humano em atos de guerra, seja ela para espionagem ou lançamento de bombas segundo Buzzo (2015). Assim, em 1942, em meio a Segunda Guerra Mundial, os engenheiros e cientistas alemães construíram a bomba voadora sem tripulação, a qual utilizava asas, leme e propulsão própria, cujo rumo do voo era determinado pela quantidade de combustível ou pelo local de lançamento, com o objetivo de atingir o inimigo com objetividade e precisão, obtendo o nome genérico de “Torpedo aéreo” ou “aviãozinho sem tripulação” e seu nome oficial de Bomba V-1 (BRANT, 1967). Argumentando sobre a primeira definição de aeronave, de acordo com Oliveira e Pontes (2010), a Convenção realizada na cidade de Paris, em 1919, interpretou que a aeronave seria qualquer aparelho capaz de sustentar-se na atmosfera graças à reação do ar. Tempos depois, em outra Convenção na cidade de Chicago, em 1944, foi acrescida à definição a palavra “dispositivo”, permanecendo “a aeronave é qualquer aparelho ou dispositivo”. A assinatura brasileira na Convenção de Chicago ocorreu no dia 7 de dezembro de 1944, porém, somente em 11 de setembro de 1945, a assinatura foi ratificada com decreto da Lei no 7.952. Esse mesmo decreto foi retificado no ano seguinte, exatamente no dia 26 de março de 1946 e exclusivamente divulgado pelo Decreto no 21.713, de 27 de agosto de 1946 (MIRANDA, 2013). 127

A Organização de Aviação Civil, em 1967, atualizou uma nova definição do qual estabeleceu que aeronave é qualquer máquina capaz de sustentar-se na atmosfera graças à reação do ar de acordo com Oliveira e Pontes (2010). No entanto, no dia 19 de dezembro de 1986, o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) definiu em seu artigo 106, da Lei no 7.565, que aeronave é todo aparelho manobrável em voo, que possa se sustentar e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, apto a transportar pessoas ou cargas (BRASIL, 1986). Assim, independentemente da definição ou nomenclatura do conceito de aeronave, com o passar do tempo, pode-se afirmar que a Bomba V-1 foi a que sugestionou a história das aeronaves não tripuladas como a que conhecemos atualmente, com o emprego para mais de 1.000 bombas na Segunda Guerra Mundial e evoluindo para a Bomba V-2 com o passar da guerra (BUZZO, 2015). Nos Estados Unidos da América, surgiu, em 1951, o que é considerada a primeira aeronave não tripulada moderna, fabricada e comercializada pela empresa Ryan Aeronautical Company, cujo objetivo era desenvolver e construir um jato para servir de isca aérea, sendo alvo para os militares em seus treinamentos de pilotos de caça (EDMUNDO UBIRATAN, 2015). A aeronave não tripulada foi utilizada em reais missões de espionagem em 1959, mas o governo norte-americano só admitiu a utilização deste em 1973, com a Força Aérea Americana. Dez anos depois, em 1983, no Brasil, a extinta Companhia Brasileira de Tratores (CBT) fabricava a aeronave não tripulada BQM1-BR, cujo funcionamento à propulsão a jato também era objeto de alvos aéreos para a Força Aérea Brasileira (FAB) (YOLA, 2018). Em 1994, nos EUA, houve uma enorme expansão de desenvolvimento de aeronaves não tripuladas carregadas com armas, fazendo com que surgisse a aeronave de guerra com o nome de Predator. No entanto, o governo americano informa que sua aplicabilidade só ocorreu em 2001, em missões de guerra no Afeganistão. Mas, depois disso, a aeronave também foi vista em missões no Paquistão, no Iêmen, na Somália, e nos anos seguintes, novamente no Afeganistão e nos territórios palestinos. Depois dos ataques terroristas sofridos em 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos aplicaram ataques antiterroristas em muitas cidades do mundo, e por isso ficou evidente que a aeronave não tripulada é estrategicamente eficiente nas operações militares de acordo com Kuchak (2013). A aeronave Predator foi batizada de “MQ-1 Predator”, sendo considerada um ícone na aviação não tripulada por sua operação, confiabilidade e eficiência nas missões executada (AVI.PRO, 2015).

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No mesmo ano dos atentados terroristas, a Força Aérea Americana empreendia 50 modelos Predator, porém, dois anos mais tarde, em 2013, ultrapassou o número de 800 aeronaves de ataque e obteve o reconhecimento desse modelo nas operações militares no mundo todo. Pode-se comparar que, no mesmo período, ao somar a quantidade de aeronaves não tripuladas de ataque com as aeronaves menores de reconhecimento, a defesa aérea americana controlava quase 7,5 mil aeronaves não tripuladas. Desse modo, em uma situação quase igual, ao considerar aeronaves militares tripuladas na ativa, havia um pouco mais de 10,7 mil aeronaves (KUCHAK, 2013). Do período de 1995 até o ano de 2000, as aeronaves não tripuladas foram se desenvolvendo para operações militares, e sua evolução com a migração para o emprego civil envolveu a área de sensoriamento remoto, como o de fotografia, cartografia, imobiliário, florestamento, logística, pecuária, agricultura, engenharia, arquitetura, educação e desenvolvimento. Também é importante mencionar que a aeronave não tripulada tem evoluído nas operações urbanas de grandes cidades, sendo utilizada nas áreas de segurança, salvamento, monitoramento e inspeções. Assim, as aeronaves não tripuladas realizam serviços como o patrulhamento de áreas, terras e até fronteiras, combate ao crime e a incêndios, resgate, monitoramento de clima e vigilância, além de inspeções onde o ser humano não consegue chegar facilmente, como execução de vistorias nas redes e torres de transmissão de energia elétrica, usinas nucleares e ou plataformas de petróleo. De modo geral, existem muitos estudos sobre o tema ao redor do mundo. O escritor Halpern (2016) supõe que realmente, no futuro, as aeronaves não tripuladas estarão disseminados a serviços da sociedade para o bem no uso militar ou civil. Nos dias atuais, a popularização dos pequenos drones tem se revelado de grande importância. De aeronaves antes utilizadas apenas em serviços militares, hoje as aeronaves não tripuladas passaram a ter uma vasta empregabilidade, na construção civil, em reportagens de televisão, entre outros usos diversos. Assim, pode-se dizer que a história das aeronaves não tripuladas não acabou, mas apenas começou (BUZZO, 2015).

Terminologia das aeronaves não tripuladas De acordo com o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), o modo como nos referimos ou escrevemos “drone” é vago e pouco definido, devido a sua popularização 129

e comercialização nos Estados Unidos como sendo um aparelho que lembra e tem o som de “zumbido”, como se fosse uma “abelha zangão”. Sua comercialização foi caracterizada como qualquer objeto voador não tripulado, tendo o seu objetivo como civil, respeitando o amadorismo e o profissionalismo, além de ter aparelhos servindo os militares. Aqui no Brasil, a designação popularizada da palavra “drone” não tem sustento legal ou técnico em legislação (CENIPA, 2018). A Força Aérea Brasileira (FAB) usa a terminologia Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT), por ser o termo oficial previsto pelos órgãos reguladores brasileiros do transporte aéreo, para definir esse escopo de atividade. Segundo a legislação pertinente, na Circular de Informações Aéreas (AIC N 21/10), caracteriza-se como VANT toda aeronave projetada para operar sem piloto a bordo. Dessa forma, o VANT é caracterizado como não recreativo, uma vez que possui carga útil embarcada, porém, nem todo drone pode ser considerado um VANT, pelo fato de as aeronaves utilizadas como hobby ou esporte se enquadrarem na portaria DAC no 207, da legislação referente aos aeromodelos. No momento, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) definiu em seu Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial (RBAC-E no 94), pela Resolução no 419, (2017), as diretrizes e os requisitos gerais para as aeronaves não tripuladas e aeromodelos, diferenciando o termo para o uso civil ou uso militar, além dos aeromodelos que têm em sua definição “toda aeronave não tripulada com finalidade de recreação”, a exemplo do drone “brinquedo”. Assim, para os drones popularmente conhecidos, mas para fins de serviços de uso civil, comercialmente oferecido, é definido como Aeronave Remotamente Pilotada ou Remotely-Piloted Aircraft (RPA), pilotada a partir de uma estação remota, sempre tendo a finalidade contrária da recreação. Já ao uso militar, ficou designado como o VANT (Resolução no 419, 2017). Assim, existe uma diferença das aeronaves recreativas consideradas aeromodelos ou drones e as aeronaves não recreativas consideradas VANTs ou aeronave não tripulada, por conta de seu propósito de realizar missões, seja comercial de uso civil ou militar. Vale ressaltar que existem VANTs autônomos e não autônomos, ou seja, sem controlador e com controlador de acordo com a CENIPA (2018), mas que sua utilização ainda não é autorizada pela ANAC e os demais órgãos de segurança internacionais. A Organização da Aviação Civil Internacional (OACI) entende que toda aeronave, sem piloto a bordo e que seja controlada a partir

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de um operador em solo, é definida como um (RPA), e que RemotelyPiloted Aircraft Systems (RPAS) é o sistema utilizado na aeronave não tripulada, compreendido pelos recursos operacionais que fazem a aeronave voar, sejam eles a estação de pilotagem remota, estação de comando ou link que possibilita um controle da aeronave e seus equipamentos de apoio. O órgão também entende que existe o RPA “Autônomo”, o qual não permite uma intervenção externa do piloto em solo durante o voo, embora seu uso seja proibido (OACI, 2018).

Legislação para operação de aeronaves não tripuladas no Brasil De acordo com o governo brasileiro, a FAB esclarece as normas de voo das aeronaves não tripuladas no país. Contudo, informa que não existe regulamentação específica que atinja todas as condições de usos, características, necessidades, funções, aplicabilidade, restrições, funcionalidades, perigos e riscos, mas existe uma Circular de Informações Aeronáuticas AIC no 21/10 que trata dos princípios básicos. A autorização de voo de uma aeronave não tripulada requer solicitação da ANAC, com um Certificado de Autorização de Voo Experimental (CAVE) que respeita o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil no 21 (RBAC-21) e que foca em Certificação de Produto Aeronáutico. A Instrução Suplementar (IS) 21-002 Revisão A, intitulada de Emissão de Certificado de Autorização de Voo Experimental para Veículos Aéreos Não Tripulados, orienta a emissão do CAVE para a aeronave não tripulada, com propósitos de pesquisa, desenvolvimento, treinamento de tripulações e pesquisa de mercado (CENIPA, 2018). A IS 21-002 é fundamentada no artigo 114 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986, do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer), que informa que nenhuma aeronave poderá ser autorizada para voo sem a prévia expedição do correspondente Certificado de Aeronavegabilidade (CA), o qual só será válido durante o prazo estipulado. O artigo 8o, item XXXI, da Lei no 11.182, de 27 de setembro de 2005, diz que a competência para emissão de CA cabe à ANAC como autoridade de aviação civil. A resolução no 162, de 20 de julho de 2010, estabelece em seu artigo 14 que a ANAC pode emitir IS para esclarecer, detalhar e orientar a aplicação de requisito previsto em Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (BRASIL, 2012). Dessa forma, a ANAC orienta que um operador de aeronave não tripulada seja detentor de um Certificado de Aeronavegabilidade Especial de RPA (CAER) para ser apto a operar voos com aeronaves e 131

seus respectivos projetos aprovados conforme os regulamentos aplicáveis em legislação do órgão, além de conhecer e cumprir as regulamentações do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Para se ter autorização de voo com a finalidade de obter lucro, ou seja, comercialmente, a aeronave não tripulada não se caracteriza como aeronave experimental, pois nesse caso deve ser encaminhado um requerimento ao órgão da ANAC, com o propósito de demonstrar o nível de segurança do projeto da aeronave, bem como qual será sua operação pretendida para que a própria ANAC consiga analisar o caso e aprovar uma CAER. Também o operador da aeronave não tripulada deverá solicitar requerimentos de autorização de voo, junto ao órgão do DECEA e da ANATEL podendo ser considerado o mesmo processo de solicitação de uma aeronave tripulada (CENIPA, 2018). Assim, o Brasil tem um quadro normativo seguindo o modelo da Organização da Aviação Civil Internacional (OACI), Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer), passando pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Aeronaves não tripuladas nas operações das cidades inteligentes A OACI compreende que todo trabalho aéreo executado por uma aeronave não tripulada é considerado uma operação de serviço especializado. Assim, qualquer aeronave, que tenha o objetivo de voar sem um piloto a bordo, está relacionada à Convenção sobre Aviação Civil Internacional (Doc 7300), que foi assinada na cidade de Chicago nos Estados Unidos em 7 de dezembro de 1944 e alterada pela OACI como “aeronave sem piloto”, pois, nos dias atuais, são chamadas de aeronaves “não tripuladas” em vez de “sem piloto” (OACI, 2018) Essas operações das aeronaves não tripuladas incluem uma gama de objetos voadores, de um simples balão meteorológico a grandes aeronaves de transporte de passageiros e/ou cargas – sendo tripulados. Dessa forma, a aeronave não tripulada chega a uma categoria denominada de RPA, que opera como parte de um sistema (RPAS), e este, por sua vez, está criando uma nova indústria com grande potencial econômico para as cidades do futuro (id, 2018). A aeronave não tripulada consegue oferecer uma vasta gama de serviços e recursos, pois se trata de uma tecnologia que tem um cunho de projetos e conceitos operacionais relacionados à evolução tecnológica do setor. É nesse contexto que os RPAS estão se integrando 132

nas operações urbanas nas cidades, com a existente indústria aeronáutica tripulada, que já se encontra regulada e muito bem estabelecida com suas operações seguras e eficientes (id, 2018). A nova plataforma de aeronave está em plena evolução, pois, cada vez mais, é capaz de transportar passageiros e cargas úteis voando a grandes distâncias. Em contrapartida, os aparelhos utilizados nos serviços especializados tendem a diminuir de tamanho e peso, com a evolução das câmeras fotográficas e sensores como exemplo. As duas ações se complementam para aceleração da indústria das aeronaves não tripuladas, a qual, nas próximas décadas, criará grandes oportunidades para um desenvolvimento da sociedade moderna nas cidades do futuro (MDIC, 2017). A comercialização da aeronave não tripulada já existe e permite que muitas empresas sejam criativas e explorem novas áreas de negócio, mas também simplificando seus processos já existentes. Assim a aeronave não tripulada reduz a exposição do ser humano a tarefas longas, monótonas e perigosas, proporcionando economias financeiras e benefícios ambientais como a própria redução de emissão de CO2, se comparado a serviços especializados que utilizavam helicóptero, hoje se faz com as aeronaves não tripuladas (id, 2017). Atualmente, as principais aplicações comerciais das aeronaves não tripuladas são de setores de infraestrutura, transporte, seguros, entretenimento, telecomunicações, agricultura, segurança, mineração, atividades humanitárias, resgate e salvamento. No setor de infraestrutura urbana, a aeronave não tripulada pode executar operações perigosas e facilitar aquisições de dados de vários segmentos operacionais com precisão e custo relativamente menor, se comparado ao processo padrão de operação. Setores, como o de energia, estradas, ferrovias, petróleo e gás, já se beneficiam dessa nova tecnologia com monitoramento, manutenção e inspeções (id, 2017). O setor de engenharia tem soluções e aplicabilidade das aeronaves não tripuladas na indústria e na construção civil, cujo objetivo é produzir mais e gerenciar um melhor custo, além de criar métodos operacionais para as empresas e as cidades. Nesse setor, a aeronave não tripulada corresponde a um grande facilitador tecnológico para os gestores públicos e privados, pois possibilita colocar o canteiro de obras em um ambiente digital, no computador do escritório, trazendo consequentemente eficiência e agilidade nas tomadas de decisões do negócio empreendido, identificando possíveis ações e as corrigindo (AERO DRONE BRASIL, 2018). Dessa forma, a utilização da aeronave não tripulada em obras públicas e privadas das cidades inteligentes poderá suportar grande

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parte dos processos de engenharia, pois se tem acompanhamento das obras do início até o fim, no qual se utiliza informações técnicas visuais do projeto, gerenciando cada etapa, emitindo relatórios e visualizando a construção em tempo real (id, 2018). Nessa concepção, o monitoramento de obras com as aeronaves não tripuladas pode fornecer vídeos de alta resolução, que são capazes de identificar erros nos projetos construídos, e seus dados podem criar um modelo em 3D para referenciar e elaborar Modelos Digitais do Terreno (MDT) ou de construções, como prédios, rodovias, ferrovia, pontes, viadutos e muito mais obras de infraestrutura (MDIC, 2017). O objetivo é efetuar inspeções para aplicar manutenção em grandes estruturas que as cidades inteligentes necessitam cotidianamente, tanto para o setor público como para o setor privado. Para tudo isso, existe um enorme custo de tempo, pessoas e investimentos. Com a utilização da aeronave não tripulada, os benefícios de seu uso em inspeções de estruturas são: menores custos de realização, menor exposição a riscos de pessoas, possibilidades de correções mais pontuais conforme sua necessidade, ganho de tempo com as coletas de dados, acesso aos locais difíceis e o menor tempo de aplicação de uma manutenção ou a decisão de uma intervenção da estrutura ou equipamento que está sendo construído ou realizada manutenção (AERO DRONE BRASIL, 2018). As cidades inteligentes já produzem uma parte de sua eletricidade com a produção de energia eólica, utilizando aerogeradores, os quais necessitam de inspeções de rotina nos motores e nas pás das hélices, acoplados a uma torre. Diante disso, essas inspeções devem ocorrer no menor tempo possível e na área estabelecida, com profissionais certificados utilizando as aeronaves não tripuladas nesses procedimentos, o que proporciona economias consideráveis, como a redução de quase 50% para uma inspeção de uma turbina eólica padrão (MDIC, 2017). Dessa forma, o que se busca é que cada profissional técnico seja certificado em sua área de conhecimento específico para avaliar tal processo com o apoio das aeronaves não tripuladas. Em um caso hipotético, consideremos que a prefeitura de uma cidade fosse avaliar a estrutura de um viaduto ou ponte. Essa avaliação seria efetuada por um engenheiro civil do setor de construção de pontes e viadutos e não somente pelo operador de uma aeronave não tripulada, pois este não estaria apto para avaliar as estruturas da obra. Assim, a aeronave não tripulada abriria portas e janelas do mercado profissional das cidades inteligentes para a profissão de operador.

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Algo parecido também ocorreria nas inspeções de plantas industriais, uma vez que há a possibilidade de automação com o mapeamento de 100% da planta, identificando todos os ângulos e acessos, a fim de reduzir erros que geralmente acontecem nos processos de inspeção tradicional. Com o crescimento de fontes de energias limpas, renováveis ou as já existentes nas cidades inteligentes, as inspeções em torres eólicas, usinas solares, usinas nucleares, barragem de hidrelétricas, torres de transmissão de energia, estruturas de concreto, tubulações e dutos de água, gás e ou petróleo proporcionam um enorme desafio aos gestores público e privado. Nessa situação, é que as aeronaves não tripuladas entram em operação para auxiliar o processo de inspeção, manutenção e conservação das estruturas, sempre com as avaliações e validações técnicas de cada segmento (AERO DRONE BRASIL, 2018). Nesse sentido, as torres de transmissão de energia e torres eólicas são bem parecidas se compararmos altura e perigo. Uma inspeção padrão coloca um ser humano ao risco de queda ou explosão, além de exigir um custo econômico e de tempo. Isso evita a necessidade de o profissional chegar até o cabo instalado da torre de energia ou da pá da hélice da torre eólica. Com a operação da aeronave não tripulada, não haveria esse risco, e o gestor economiza tempo e dinheiro para a sociedade, sendo mais produtivo e eficiente. Toda usina solar contempla tecnologia em painéis solares e, na hora de efetuar vistorias, a aeronave não tripulada segue como uma ferramenta de intervenção, possibilitando a inspeção detalhada de toda a usina e proporcionando imagens de alta definição. Também é utilizada câmera térmica para imagens termográficas de alta precisão, que identifica painéis sujos ou com problemas que necessitam de substituição ou reparo, sempre buscando a eficiência e produtividade. Em barragens, pontes e viadutos, existe a necessidade de inspeções, porém o que normalmente ocorre é a utilização de plataformas suspensas nas quais um profissional faz a fiscalização. No entanto, com a aeronave não tripulada, pode-se fazer a mesma inspeção sem colocar o profissional em risco de acidentes, sempre com menor tempo de execução e maior capacitação de dados para análises. A facilidade da aeronave não tripulada é de chegar a locais de difícil acesso para o homem, além de trazer um enorme benefício ao gestor, com a capacidade de criação de modelos tridimensionais da estrutura ao ambiente digital, propiciando análises e mensurações de informações que não foram visualmente percebidas numa inspeção-padrão. Nas inspeções de tubulações, dutos e cabos de rede elétrica,

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a semelhança é a extensão quilométrica entre eles, pois nesses casos refere-se a qualquer produto transportado, seja água, gás, petróleo e/ ou eletricidade para fornecimento das cidades. Não obstante, existe um enorme gasto com vistorias e manutenções nessas redes, mas a aeronave não tripulada pode reverter tal situação, pois consegue coletar dados em quilômetros diariamente com alto nível de qualidade, sempre dependendo da capacidade de operação da aeronave. O setor de transporte, no futuro das grandes cidades e em operações especializadas de entrega de serviços e produtos, certamente se tornou parte da sociedade moderna, pois a indústria recorrerá aos serviços das aeronaves não tripuladas pela fácil acessibilidade, pelo baixo custo operacional e pela velocidade, se comparado com as demais formas de transporte que envolve a sociedade (MDIC, 2017). Setores como o da saúde se beneficiaram com o transporte de medicamentos, principalmente em áreas rurais e remotas das grandes cidades. Assim, Delft (2014) exemplifica que uma aeronave não tripulada pode levar um desfibrilador a um local remoto para uma pessoa com ataque cardíaco ou, de acordo com o Telegraph (2014), um antídoto para uma pessoa que sofreu uma picada de uma serpente venenosa (cobra) e que está longe de um hospital. Na guerra contra a dengue, zika e chikungunya, segundo a Aero Drone Brasil (2017), a gestão pública pode utilizar a aeronave não tripulada para identificar o foco a ser tratado, como piscinas e caixas d’água sem tampa em casas fechadas, nas quais o morador fica ciente, por notificação da prefeitura, a respeito do risco. Além disso, a aeronave não tripulada tem a condição de soltar um larvicida para combater os mosquitos no foco e pulverizar com inseticidas os ambientes de casas fechadas. No comércio eletrônico, que facilita a obtenção de produtos pela internet, o tempo de entrega é primordial para uma excelente negociação. Desse modo, a operação de aeronaves não tripuladas permitiria uma entrega rápida e barata, pois evitaria os custos de transporte convencionais, sem ação humana, além de o cliente receber a sua entrega pontualmente na porta de sua casa, fazendo com que a sua experiência seja gratificante (MDIC, 2017). No ramo de seguros, as empresas enfrentam duas situações negativas, seja pelas fraudes, seja pelo aumento considerável de danos causados por desastres naturais. Com a utilização das aeronaves não tripuladas, os gestores públicos e privados podem melhorar essa dinâmica em três situações distintas: pelo monitoramento e pela avaliação de riscos, pela gestão de sinistros e ou pela prevenção de fraudes (id, 2017).

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A administração pública, em parceria com a gestão privada, pode monitorar áreas com real risco de ameaças de inundações, desmoronamentos, enchentes e furacões. A partir de análise dos dados capturados com a aeronave não tripulada, pode-se alertar os moradores sobre os riscos em locais de emergência e consequentemente retirando esses moradores dos locais, mitigando os custos da consequência de resgate e perda de vidas humanas. Dessa mesma forma, as seguradoras entendem que também é possível efetuar avaliações de risco, prevenção de fraudes e gestão de sinistros com a operação das aeronaves não tripuladas. A partir da captação de imagens aéreas dos bens segurados, é possível que se construam modelos em “3D”, a fim de se comparar com as mesmas imagens, depois da solicitação de abertura do sinistro, gerando rapidez e eficiência do resultado para os clientes segurados e as empresas de seguro. Nos setores de mídia e de entretenimento, a operação das aeronaves não tripuladas já é realidade, a exemplo de fotografias e filmagens aéreas, publicidades, espetáculos e efeitos especiais na cinematografia e jornalismo de acordo com o João Wainer (2015), que também se contempla nas corridas da Drone Racing League (2018) ou a World Drone Prix (2016), além de apresentações de teatro ao céu livre de acordo com Almeida (2017), como coreografia nos céus. Na área das telecomunicações, alguns desafios do setor responsável são indispensáveis, como a manutenção e a cobertura de áreas sem sinal. Nesse sentido, a aeronave não tripulada pode também ser utilizada como parte da infraestrutura de uma cidade, executando uma transmissão de sinais de telecomunicações ou aprimorando a inspeção de antenas, com fotos ou filmagens, e até medições das antenas e locais com dificuldade de acesso de sinal. As operações podem se estender nas inspeções depois de catástrofes naturais e estragos na rede de telecomunicações ou ainda no planejamento de futuras linhas de frequência, determinando as necessidades da cidade a ser aplicada (MDIC, 2017). Na agricultura, esse uso tende a crescer quase 70% até o ano de 2050 devido ao crescimento populacional de 7 para 9 bilhões de pessoas segundo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (2017). Por conta disso, muitos agricultores estão aprimorando suas plantações com a intervenção da aeronave não tripulada, para a supervisão de safras, análises de solo e de campo, avaliação de saúde das plantações e pulverização das lavouras (DJI, 2017). Para uma cidade inteligente e sustentável, o gestor público deve estudar e compreender o setor de segurança e resgate, que,

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apesar de ter uma enorme gama de tecnologia ao seu favor, como câmeras, vídeos e sensores, requer ações humanas, pois essa estrutura tecnológica necessita ser monitorada, gerando uma série de gastos de infraestrutura, manutenção, material, recursos financeiros e tempo (MDIC, 2017). As forças públicas de segurança ou de resgate nas cidades utilizam-se de recursos aéreos, como helicópteros para apoio em terra nas devidas ocorrências solicitadas pela população. No entanto, a mediação da aeronave não tripulada, situada uma em cada viatura, significaria reduções de custos de manutenção e operação dos helicópteros, além de maior eficiência nas ocorrências solicitadas com o apoio aéreo instantâneo ao resgate e ou subsequente perseguições sem colocar em risco a vida do agente público de segurança e da população. Em grandes eventos, como festas culturais, a gestão pública pode efetuar o rastreamento de pessoas em multidões ou em áreas com enorme fluxo de cidadãos com a operação da aeronave não tripulada, o qual fornece para as autoridades, em tempo real, opções de resposta ao problema enfrentado nos eventos no meio das multidões antes que se agrave (id, 2017). Nas fronteiras das cidades, o monitoramento pode ocorrer sem dificuldades, além de obter vantagens de manobrabilidade contra ações de travessias ilegais, contrabando, tráfico de drogas e tráfico de animais selvagens. É possível também fornecer dados detalhados dos intrusos e/ou ilegais a uma distância segura, rápida e eficiente, cobrindo uma enorme área (id, 2017). Na indústria de mineração, de acordo com Senva Sensoriamento Remoto (2018), a aeronave não tripulada pode efetuar imagens aéreas, e os dados seriam utilizados para cálculo de volume, inspeções de áreas, mapeamento, topografia com ganho de tempo que, se comparado a métodos convencionais, exigiria mão de obra especializada e qualificada, o que demandaria muito mais tempo. A gestão pública nas cidades inteligentes efetuarão recadastramento imobiliário por meio de um cadastro técnico municipal, que beneficiará o serviço dos servidores públicos, otimizando o processo de geoprocessamento, tornando o recadastramento imobiliário muito mais eficiente. Com as imagens aéreas, o município terá atualização das construções dos imóveis e atualizará os valores prediais e territoriais da região selecionada, incrementando a arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) (AERO DRONE BRASIL, 2018). Nesse sentido, as prefeituras poderão criar cadastros técnicos multifuncionais, que consistem em informações geográficas, como

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imagens e vídeos coletados de uma aeronave não tripulada. Tal cadastro poderá fazer com que as cidades compreendam melhor a sua expansão urbana e o espaço a ser administrado, obtendo autorização para a finalidade de elaboração de projetos urbanos, realização de tributos de impostos, licenciamento e fiscalização dos imóveis, gerando uma melhor qualidade de vida a sociedade (id, 2018). Nas atividades humanitárias, os resgates e os salvamentos podem obter uma série de benefícios com a operação de uma aeronave não tripulada. Em locais e ambientes que acabaram de sofrer um desastre, como desmoronamento de terra e encosta, queda de prédio, alagamento, inundação, enchente, incêndios florestais, residenciais, prediais, e muitos outros, o salvamento necessita priorizar áreas estabelecidas. Com a aeronave não tripulada, é possível obter imagens aéreas com alta definição, assim estabelecendo ao agente público o resgate com melhores informações de possíveis vítimas e do próprio ambiente. As possibilidades de aplicações das aeronaves não tripuladas, nas cidades inteligentes e sustentáveis, vêm agregando benefícios a toda sociedade, que inicialmente se concentravam em procedimentos de fotografia e filmagem aérea, mas que hoje estão se direcionando para operações de inspeção e análise em diversas áreas de uma metrópole. Em um futuro próximo, existe a expectativa de se ter operações com aeronaves não tripuladas para transporte de pessoas e de cargas a serviços das cidades, porém hoje existe limitações técnicas e regulatórias para esse tipo de operação. Assim, é presumível dizer que a aeronave não tripulada assumirá o papel do helicóptero, por se tratar de um meio de transporte mais econômico e rápido. Essa transformação já está acontecendo, já que muitas empresas no mundo estão estudando projetos de mobilidade urbana aérea com aeronaves não tripuladas, ou seja, para levar pessoas e cargas do ponto A para o ponto B. A empresa chinesa Ehang construiu um protótipo de aeronave não tripulada, chamado de Ehang 184, com propulsão elétrica e com capacidade de transportar um passageiro, tendo sua autonomia de 23 minutos com a velocidade de 100 quilômetros por hora, o que, segundo a empresa, é uma autonomia para pequenas e médias distâncias, por exemplo, voar dentro de uma cidade. No entanto, esse tipo de aeronave não tripulada ainda não efetua operações nas principais cidades por falta de regulamento necessário para construção e operação, como hoje em dia é aplicado na fabricação e operação de aeronaves tripuladas (CANALTECH, 2016).

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A cidade de Dubai é uma das maiores metrópoles dos Emirados Árabes Unidos e existe um grande projeto iniciado no ano de 2019 que pretende operar a primeira linha de táxi aéreo com as aeronaves não tripuladas. Tal ideia está fortalecendo o conceito de cidades inteligentes para a cidade de Dubai, pois, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2019), “o enfoque atual é na cidade criativa e sustentável, que faz uso da tecnologia em seu processo de planejamento com a participação dos cidadãos”, e assim o Grupo Positivo S.A. (2018) também apresenta o conceito de que a utilização da tecnologia promove eficiência das operações urbanas, condicionando um ritmo de evolução econômico e sustentável, gerindo a mobilidade, conectividade e automação em benefício das cidades inteligentes e gerando o bem-estar dos cidadãos. Hoje, compreender a utilização das aeronaves não tripuladas nas operações das cidades inteligentes também requer estudos em bases de pesquisas acadêmicas, devido à recente introdução histórica das aeronaves nas cidades inteligentes. Uma das fontes de pesquisa reconhecida é a base de dados Web of Science (WOS) que pertence à ISI Web of Knowledge da Thomson Reuters. Tal estudo demonstra que o Brasil pesquisa e produz pouco sobre aeronaves não tripuladas, classificando-se na 15a posição por contagem de registros de produções acadêmicas na base WOS nos últimos três anos (2017-2019), e que países como China, Estados Unidos, Coreia do Sul, Itália, Inglaterra, Canadá, Alemanha, Espanha, Austrália, França, Japão, Índia, Cingapura e Rússia estão à frente do Brasil nas pesquisas acadêmicas mundiais sobre o tema, respectivamente. Outro fator conclusivo é a língua portuguesa pouco diferida nas produções acadêmicas, já que, segundo a WOS, na mesma pesquisa anterior, as principais línguas diferidas nas produções acadêmicas seguem o inglês, russo, alemão, polaco, coreano, português de Portugal, croata, esloveno, espanhol, turco, japonês, ucraniano e o chinês. Percebe-se que, apesar de a China ser a maior produtora de estudos acadêmicos da base de dados WOS, é o país que escreve menos em sua língua natal, diferindo seus estudos e conhecimento sobre as aeronaves não tripuladas em outras línguas que não seja a língua-mãe. Assim, conclui-se que os Estados Unidos seguem fortemente em produções e estudos sobre aeronave não tripulada, não por ser o segundo país a produzir mais, mas por ser o primeiro a ter mais produções acadêmicas escritas e anunciadas em sua língua “inglesa”. Isso só demonstra o pioneirismo dos norte-americanos (visto no início deste capítulo) nos dias atuais com a utilização das aeronaves não tripuladas em diversos setores da sociedade para as cidades.

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Diante de todo o exposto neste capítulo, fica evidente que a utilização das aeronaves não tripuladas nas operações das cidades inteligentes deve ter o tema detalhado e especificado para cada setor e área de estudo para público ou privado. Corre-se o risco de se criar um desenvolvimento não sustentável nas cidades ao ponto de as aeronaves não tripuladas absorverem as metrópoles como um todo, transformando em uma espécie de “Cidade para as aeronaves” que, na visão do autor Gehl (2013), às cidades, deve-se deixar espaços urbanizados para o bem-estar da população, como deve ser as “Cidade para as Pessoas”. Os autores Lefebvre (1996) e Harvey (2008) vão além no conceito de cidades para as pessoas com o slogan do “Direito à cidade”, que define que a cidade só está viva e transmite uma qualidade de vida urbanizada quando as pessoas oferecem incentivo recíproco à cidade. Assim, é preciso oferecer à cidade espaços urbanizados, e as pessoas devem ocupar esses espaços. Dessa forma, o direito à cidade é o direito ao coletivo e não ao individual. A aeronave não tripulada deve privilegiar o povo e a cidade, e não o contrário, como ocorreu em muitas cidades, que se desenvolveram para o automóvel e não ao povo. No futuro, não desejamos congestionamentos de aeronaves não tripuladas e poluição visual em nossas janelas, se compararmos à vinda da inovação do automóvel no início do século e à introdução deles nas cidades que conhecemos. Assim, necessitamos de reais estudos acadêmicos que sejam principalmente difundidos para todas as cidades, a fim de que todas elas façam uso inteligente da aeronave não tripulada na sociedade. Dessa forma, conclui-se que a aeronave não tripulada pode ser utilizada na maioria dos setores de uma sociedade e na indústria das cidades inteligentes do futuro. Pelas previsões, sua utilização durará muitos e muitos anos, à medida que as tecnologias evoluem. Porém, como já é esperado que a tecnologia tenha uma evolução, a aeronave não tripulada utiliza-se de GPS, mas ainda não se tem um suporte adequado dessa tecnologia, por exemplo, dentro de cavernas, subsolos e florestas fechadas ou, ainda, que se consiga submergir em um lago ou no mar. Para o escritor Halpern (2016), documentos, pequenas encomendas e pizzas serão transportados e entregues por pequenas aeronaves não tripuladas. E o transporte de passageiros revolucionará a mobilidade das grandes metrópoles, pois mudarão não só a forma de se fazer entregas ou viagens, mas também uma série de serviços e operações urbanas nas grandes cidades inteligentes do mundo.

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Capítulo 12 Um novo modelo de mobilidade urbana sustentável para as cidades brasileiras Adalberto Felício Maluf Filho A Mobilidade Urbana Sustentável nas Cidades Brasileiras Não existe solução fácil para os desafios da mobilidade urbana. Diferente de outras políticas públicas tradicionais, como saúde, educação e segurança pública, quanto mais a renda da população cresce, mais ela tende a comprar veículos privados e a deixar de usar o transporte público coletivo, gerando uma bola de neve que impõe pressões cada vez maiores aos já carentes sistemas de transporte público. Segundo o Ministério das Cidades, apenas 9% dos municípios brasileiros (23% da população) com mais de 20 mil habitantes criaram seus planos de mobilidade urbana conforme demandado pela Lei no 12.587 (Política Nacional de Mobilidade Urbana), o que demonstra a dificuldade de modernização e melhorias nesse setor, uma vez que nem o primeiro passo do diagnóstico e planejamento, nossas cidades conseguem executar. Entretanto, o mundo e, em especial, as cidades passam por intenso processo de transformação na maneira de mobilizar e transportar recursos, pessoas e serviços em seus territórios. Essa transição será um desafio ainda maior para cidades do mundo em desenvolvimento, em função da falta de recursos para investir nos projetos necessários para melhorar a mobilidade urbana. Ao mesmo tempo, nossos governos incentivaram a venda de veículos (carros e motos com isenções de impostos), gerando mais poluição e custos ao sistema de saúde público, ao mesmo tempo em que reduziu uma importante fonte de recursos a ser repassada aos munícipios. Ademais, essa política aumentou drasticamente a quantidade de veículos nas ruas e gerou ainda mais congestionamento nas cidades, reduzindo os recursos e a competitividade dos sistemas de transporte coletivo. E os impactos negativos para a sustentabilidade ambiental e financeira do sistema, a qualidade de vida e a saúde da população estão aí para nos mostrar os resultados. Além disso, o setor automotivo passa por uma revolução silenciosa rumo aos veículos elétricos, conectados, autônomos e comparti145

lhados, o que impactará diretamente a cadeia produtiva existente no Brasil. Essas mudanças criarão novas soluções, tecnologias e maneiras do transporte de pessoas e mercadorias ocorrerem. E esse contexto surge como uma oportunidade histórica para que nossas cidades consigam, finalmente, promover a integração de políticas públicas setoriais, tradicionalmente pouco articuladas, e para apoiar o fomento da inovação tecnológica no setor automotivo. Como consequência, poderemos promover cidades mais justas, humanas e com menor consumo de energia e intensidade de carbono. Esse novo cenário global está induzindo a transformação do setor automotivo para as tecnologias do futuro: a indústria 4.0, o uso da inteligência artificial (IA), a Internet das Coisas (IoT) e o Big Data. Entretanto, infelizmente no Brasil, a indústria automotiva luta para postergar esses investimentos, visando à criação de um mercado reservado, protegido e isolado das cadeias produtivas globais. Esse processo impactará negativamente nossas cidades, que ficaram sujeitas às tecnologias ultrapassadas do passado, de menor eficiência e maior emissão de poluentes. Ademais, perderemos competitividade internacional para que nossa indústria possa se inserir nessas cadeias globais, reduzindo nossas exportações, a mão de obra nesse setor e sua capacidade de inovação. E, no futuro próximo, nossos produtos com menor eficiência do que os produzidos em outros países, não encontrarão mercados para se inserir. Por outro lado, algumas cidades estão buscando soluções para tentar fazer com que as pessoas possam viver, trabalhar e realizar a maioria de suas atividades diárias em locais próximos, preferencialmente em seu próprio bairro. Esse esforço já está tendo bons resultados em algumas cidades líderes pelo mundo, mas esse fenômeno será ainda difícil no contexto brasileiro, que ainda sofre com os impactos de décadas de crescimento desorganizado, centralização de empregos e abandono das áreas periféricas das grandes cidades. Mas nem tudo está perdido. Promover os conceitos de uso misto e diversificado, misturando usos e aproximando residências, empregos e oferta de serviços, vem rapidamente ganhando espaço no debate acadêmico e político do Brasil, o que traz novas perspectivas para a melhoria do uso do solo e da qualidade de vida nas grandes cidades. Em suma, o planejamento da mobilidade não pode se separar do planejamento urbano integrado das cidades, e, em especial, do modelo de cidade que aquela sociedade deseja para si. Em última instância, uma importante decisão política de governos e sociedade

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deve ser tomada em relação aos novos projetos e investimentos destinados à mobilidade urbana, seja no transporte público, seja no simples fomento de infraestrutura viária aos veículos particulares, bem como em suas implicações na qualidade do ar, na redução das desigualdades e no uso eficiente do espaço público. A (falta de) integração do planejamento urbano com políticas de habitação O foco do planejamento urbano e da mobilidade não pode continuar sendo a promoção da fluidez dos veículos privados associada à política habitacional de condomínios populares em regiões afastadas. Por isso, antes de definir qual o sistema de transporte público urbano preenche a necessidade e, principalmente, a capacidade financeira de cada cidade, a busca por um novo modelo de cidades para o futuro deveria ser debatida. O WRI Brasil e o ITDP Brasil, junto com as secretarias Nacionais de Habitação e de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, fizeram uma avaliação das duas primeiras fases do programa Minha Casa Minha Vida. O programa, criado em 2009, já entregou mais de 4,5 milhões de habitações de interesse popular, uma cifra importante para tentar superar o imenso déficit habitacional no País. Entretanto, a maioria dos empreendimentos foi feita em regiões afastadas dos centros das cidades, o que requereu outros investimentos na criação de infraestrutura de água e esgoto, escolas, creches e postos de saúde, bem como asfalto e ampliação do transporte público. O estudo concluiu que, na maioria dos casos, teria sido melhor ao Poder Público ter pagado um pouco mais caro em terrenos nas áreas centrais, onde essa infraestrutura urbana já existe, em vez de construir tudo novo, longe dos empregos e serviços disponíveis. Como referência, o estudo concluiu que cada novo empreendimento de 3.000 unidades habitacionais pode gerar cerca de R$ 106 milhões de gastos adicionais com a construção, operação e manutenção dessas novas infraestruturas públicas por um período de oito anos, o que pesa muito mais aos cofres públicos do que se tivéssemos investido para fazer essas construções em regiões centrais das cidades (WRI, 2017). Atualmente, o Brasil dispõe de milhares de equipamentos públicos prontos sem que os governos locais possam abrir suas operações por falta de recursos. Ao promover cidades mais compactas e menos espraiadas, criamos, ainda, condições para o fomento da mobilidade humana

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(não motorizada). O uso da bicicleta e de patinetes como um meio de transporte gera, ainda, outros benefícios indiretos, desde melhorias na saúde pública até a participação política mais ativa, provocada por uma nova percepção do espaço público urbano e das possibilidades de socialização que a cidade poderia oferecer. Com menores distâncias para se percorrer, as pessoas teriam mais tempo disponível para se qualificar, ter tempo de qualidade com suas famílias, acompanhar o desenvolvimento de seus filhos. Além disso, esse processo ajudaria na criação de polos regionais de desenvolvimento e empregos, deixando somente as viagens casa-trabalho e casa-escola, em geral, feitas em distâncias maiores, para o transporte motorizado. Com isso, chegamos ao último ingrediente para que as cidades possam se desenvolver em harmonia e com sustentabilidade: a criação de uma ampla rede integrada de transporte público limpo e acessível a todos, integrada com a mobilidade humana (não motorizada) e outros modais, produzindo cidades mais compactas, diversificadas e integradas. O transporte público coletivo no Brasil O transporte público urbano pode ser definido como a prestação de serviços coletivos de passageiros, sejam eles informais (lotações e alternativos), serviços (aplicativos) ou concessões formais, que mobilizam pessoas pelas cidades sob linhas e percursos predefinidos com um mínimo de regularidade e distribuição espacial. O transporte público engloba táxis e veículos compartilhados (aplicativos), serviços convencionais de ônibus, barcas, sistemas metroviários ou outros veículos coletivos. Os serviços de transporte rápidos, por sua vez, são os serviços urbanos de transporte coletivo que operam com um melhor nível de desempenho comercial, especialmente no que tange ao tempo de viagem, à regularidade e à capacidade de carga de passageiros, como nos sistemas BRT (serviços rápidos de ônibus), ou nas faixas e nos corredores exclusivos e os sistemas sobre trilhos. Priorizar a construção de mais infraestrutura viária a todos os veículos só consegue aliviar congestionamentos temporariamente. Nenhuma cidade do mundo conseguiu resolver os desafios dos congestionamentos urbanos construindo mais ou maiores avenidas. Essa constatação é ainda mais evidente nas grandes cidades norte-americanas ou chinesas. Muitas cidades no Brasil também vêm passando por igual processo de saturação dos viários urbanos disponíveis, na medida

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em que o aumento na posse e no uso dos veículos privados geraram forte migração dos usuários do transporte público para o individual, como motos ou veículos antigos, causando mais congestionamentos e maior poluição urbana. Precisamos reverter o espraiamento das cidades, que gera ainda mais pressão e perda de qualidade ao transporte público, seja porque as ruas ficam mais congestionadas por carros e motos, seja porque os sistemas de transporte público estejam perdendo passageiros. Consequentemente, os sistemas ficarão sem sustentabilidade financeira para operar com um padrão mínimo de qualidade. Novos recordes de congestionamentos urbanos ocorrem todas os anos nas cidades brasileiras. E ainda que o aumento da oferta desse espaço viário para todos os veículos possa ser importante para a mobilidade e o desenvolvimento econômico, a chave para cidades mais justas e sustentáveis reside na decisão política de priorizar investimentos na promoção do transporte público associados às restrições no transporte individual. Investimento em novos viários ou na promoção do transporte público? Muitas cidades da Europa e dos EUA não executam grandes projetos viários há alguns anos. Nesses locais, pelo contrário, existe uma política integrada e consistente de restrição ao veículo privado, com incentivos e investimentos massivos nos sistemas de transporte público urbano, em especial, nos sistemas de ônibus e no transporte não motorizado, incluindo bicicletas e calçadas, todos integrados, e formando uma rede única. Priorizar o pedestre, depois o ciclista e o transporte público, e por último, a fluidez do transporte individual. O carro não é o grande vilão das cidades, mas seu uso excessivo piora muito a qualidade de vida nas cidades. Por isso, buscar uma gestão democrática do espaço viário urbano, com a escolha dos projetos e modais certos para a realidade financeira daquela cidade será primordial para a competitividade dessas cidades em atrair e manter empregos de qualidade. As cidades deveriam buscar novas maneiras de participação pública direta para a escolha dos projetos prioritários, nos quais todas as pessoas, como pedestres, ciclistas e usuários do transporte público, pudessem ser ouvidas no planejamento urbano e pudessem opinar sobre a escolha de parte dos investimentos públicos. Se o uso eficiente do espaço público fosse considerado uma variável no planejamento urbano, a evolução natural do sistema de

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ônibus tradicional seria a reserva de cada vez mais vias exclusivas dentro do viário urbano para a operação de ônibus, como já é feito na Europa e Ásia, já que elas podem levar até 20 vezes mais passageiros por hora e por sentido (corredores exclusivos de ônibus levam cerca de quarenta (40) mil pessoas por hora por sentido, contra menos de dois (2) mil de uma faixa expressa para carros). No mundo todo, reservar uma ou mais faixas para os ônibus já se mostrou como uma solução importante para aumentar a velocidade e a qualidade do transporte público. Mas infelizmente, em alguns casos pelo Brasil e pelo mundo, a separação de faixas para ônibus não fora acompanhada das demais inovações necessárias, como a introdução de faixas de ultrapassagem para ônibus expressos, formas rápidas de pagamento (preferencialmente desembarcado ou pré-pago) ou ainda na necessária reorganização das linhas (alimentadoras e linhas trocais), integração de novas tecnologias para a criação de uma rede inteligente, bem como um sistema veloz, integrado e eficiente. Bons exemplos de projetos para agregar qualidade aos sistemas de ônibus existem pelo Brasil, como a inserção de linhas gratuitas com ônibus elétricos nos centros comerciais (Volta Redonda), a incorporação de estações com embarque antecipado e portas externas nas estações (Curitiba e Belo Horizonte), as faixas de ultrapassagem com linha expressa e semiexpressa (São Paulo) ou em linhas especiais com ônibus melhores (Salvador), entre tantos serviços de tecnologia de informação e comunicação, como aplicativos, mapas, rotas e horários. Um dos desafios principais de nossas cidades será conseguir transformar os sistemas convencionais de transporte coletivo em sistemas de transporte urbano rápido, que possam reduzir tempos de viagem com a oferta de uma rede ampla, acessível e integrada. Isso implicaria veículos com maior velocidade operacional, infraestrutura exclusiva com prioridade de passagem pelas ruas, serviços expressos especiais (ou com paradas limitadas), bem como sistemas de cobrança eficientes e/ou técnicas de embarque e desembarque mais rápidas. Ainda são poucos os sistemas que atingiram o status de sistemas de corredores de ônibus rápido, ou BRT completos, no Brasil. Por isso, além de aumentar a capacidade de transporte, seja com veículos maiores ou conjuntos de veículos, seja com serviços mais frequentes e pontuais, precisamos pensar na melhoria dos veículos (material rodante) para atrair novos passageiros. O foco principal para as cidades brasileiras deveria ser a melhoria do desempenho operacional e o aumento da qualidade nos serviços de ônibus, pois eles representam a grande maioria dos passageiros. Transformar o usuário do transporte

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público urbano em um cliente, que deseja melhorias e busca conforto e experiências: essa é a chave para aumentar a demanda pelos sistemas de transporte coletivos urbanos no Brasil e reduzir os custos do sistema. Como contratar bons sistemas de ônibus nas concessões públicas? Criar indicadores certos para que as cidades possam realizar licitações com os incentivos corretos para a contratação de concessões públicas para o transporte público coletivo não é tarefa fácil. Estudos técnicos compilados pelo Instituto do Ar limpo (CAI-LAC, 2013) avaliaram instrumentos e incentivos usados por Santiago e Londres para melhorar seus contratos ao longo de muitos anos de renegociações de contrato. O caso de Londres mostra que foram necessários 30 anos de erros, mudanças e acertos contratuais para poder chegar num bom modelo de contrato de remuneração baseado na qualidade do serviço (Quality Incentive Contract) em vez dos modelos tradicionais, como usado no Brasil, que remunera os operadores de ônibus em função de planilhas de custos associados à operação com a divisão da receita por passageiro transportado. No Brasil, a maior parte das cidades ainda utiliza, como modelo para cálculos de remuneração aos operadores de ônibus, uma planilha criada pelo Ministério dos Transportes em 1993 (atualizada em 1996). A planilha GEIPOT se baseia em premissas de custos operacionais para definir a tarifa técnica a ser aplicada em cada cidade em função dos custos locais naquela região. Em 2017, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) elaborou uma nova metodologia, a “Planilha ANTP”, com novas sugestões para aperfeiçoar esses modelos de contratação, explicadas no livro “Custos dos Serviços de Transporte Público por Ônibus”. A nova proposta traz importantes inovações, porém não entra na raiz do problema. Como mudar um modelo de remuneração baseado em custos, para um modelo que remunere a qualidade do serviço prestado? Como criar indicadores de desempenho e qualidade, em vez de critérios de custos e passageiros transportados? Enquanto não conseguirmos atrelar os modelos de remuneração do transporte público coletivo à qualidade de seu desempenho e a eficiência operacional visando à redução de custos do sistema, não haverá incentivos para operadores buscarem essas soluções que possam melhorar a qualidade da operação, em associação com medidas de redução de custos e melhorias de qualidade. Dessa maneira, as planilhas atuais de remuneração criam desincentivos para os

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operadores poderem investir em ônibus melhores e mais eficientes. E indiretamente, inviabilizam para que a indústria brasileira possa ofertar aqui produtos de melhor qualidade, com menores padrões de emissões de poluentes, de ruídos ou ainda a agregar quaisquer medidas para melhorar o conforto ao usuário, mesmo que esses ônibus fossem melhores ou pudessem reduzir custos do sistema. Em suma, se não mudarmos os incentivos para promover inovações e ganhos de eficiência, vamos continuar a promover as tecnologias do passado e piorar a qualidade dos serviços, o que geraria impactos cada vez maiores em nossas cidades. A indústria automotiva e as regulamentações das cidades do futuro Prover uma mobilidade urbana mais equitativa e sustentável será um dos temas mais complexos para as cidades do futuro. E se as cidades estão mudando, o setor automotivo e o setor de energia elétrica também estão mudando rapidamente. Se a inovação e o aumento da produtividade foram o motor do crescimento econômico no século passado, as novas tecnologias para um mundo mais sustentável, como a geração de energia limpa e descentralizada e o uso mais eficiente de espaço urbano, serão, certamente, chaves para o desenvolvimento econômico e socioambiental futuro. Depois dos escândalos de manipulação de dados de emissão de poluentes que caíram sobre algumas montadoras europeias e norte-americanas, muitos países pelo mundo já anunciaram dadas-limites para a venda de veículos diesel em suas cidades. Em 2017, a Noruega foi o primeiro país do mundo a anunciar a proibição de venda de veículos a gasolina ou diesel depois de 2025; Irlanda, Holanda e Eslovênia proibiram a venda de veículos a combustão após 2030; Escócia em 2032; e França e Reino Unido já colocaram o ano de 2040 como prazo final. Nos emergentes, a Índia foi a primeira a banir a venda de veículos a combustão para 2030, a China aumentou recentemente a meta de elétricos para 20% em 2025 e outros grandes países em desenvolvimento também vêm implementando medidas para reduzir emissões e fomentar uma indústria mais eficiente para o futuro. Somando-se aos esforços nos âmbitos federais, muitas cidades pelo mundo também criaram regulamentações com prazos definidos para redução de poluentes, como Londres, Paris ou mesmo São Paulo (Política Municipal do Clima) estão fazendo. Mas no geral, o Brasil ainda avança a passos lentos, sem saber como se mover nesse novo contexto, em que lobbies

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de parte da indústria local que ainda reluta em se modernizar parecem ganhar na defesa de seus interesses. Pelo mundo todo, em função da pressão de governos por novas regulamentações de emissões, muitas montadoras já anunciaram planos ambiciosos de transição para a eletromobilidade. Em 2018, somente a venda de veículos elétricos saltou para mais de 2 milhões pelo mundo (passando a marca de 5 milhões de veículos elétricos vendidos no mundo), um enorme salto se comparado com as vendas de somente 1 milhão de elétricos em todo o mundo entre 2000 e 2015. A Agência Internacional de Energia já estima que em 2030, o mundo terá mais de 125 milhões de veículos elétricos nas ruas (Global EV Outlook 2018, AIE). Uma nova campanha global EV30@30 mostra que já é viável termos uma fatia de mercado de cerca de 30% de veículos elétricos em 2030. Outra importante transformação global ocorre no setor de energia elétrica. As principais tendências nesse setor são resumidas nos três D da Digitalização, Descentralização e Descarbonização das suas matrizes energéticas. Cada vez mais os consumidores terão acesso às informações reais sobre custos para gerar e consumir sua energia, o que implicará mais transparência e empoderamento do consumidor. O Fórum Econômico Mundial (WUF, 2018) destaca que a Eletromobilidade terá, ainda, um impacto enorme nos 3D da revolução do setor elétrico, trazendo uma quarta variável à equação. Com o aumento da eletrificação, as pessoas terão mais incentivos para gerar sua própria energia com sistemas fotovoltaicos, ferramentas para entender custos por horário do dia (pico e fora do pico) e a usarem seus veículos elétricos como baterias estacionárias para retirar sua casa da rede nos horários de pico, e carregá-los à noite quando as tarifas foram mais baixas e tivermos maior disponibilidade de energia. O Brasil, como uma grande potência ambiental da biodiversidade e das energias renováveis (hidrelétricas, eólicas, biomassas e biocombustível), não pode ficar de fora dessas grandes transformações globais, uma vez que poderíamos perder a oportunidade de desenvolver aqui as soluções para essa economia criativa das cidades inteligentes do futuro. A complementariedade dos biocombustíveis com a eletromobilidade é imensa, e o potencial do Brasil para ser um dos líderes dessa revolução é grande. Não podemos perder essa oportunidade histórica. Ônibus elétricos como solução para reduzir poluentes e melhorar os sistemas de mobilidade urbana O uso dos ônibus elétricos é uma oportunidade efetiva de reduzir emissões de poluentes e ruídos, ao mesmo tempo em que se 153

melhora a qualidade do transporte coletivo. No Brasil, os primeiros testes com ônibus híbridos e elétricos foram financiados pelo Banco Interamericano (BID) e pela rede de cidades C40 Cities. Entre 2012 e 2014, 16 tipos de ônibus (diesel, híbridos e elétricos) foram testados em São Paulo, Rio de Janeiro, Bogotá e Santiago. O ônibus elétrico da gigante de tecnologia chinesa BYD (Build Your Dream), a maior fabricante de veículos elétricos do mundo, teve o melhor desempenho entre todas as tecnologias testadas (com redução de 81% em energia e 75% em custos operacionais em relação ao diesel). Também na avaliação econômica do ciclo de vida total (custos de aquisição, operação e manutenção em 10 anos), os elétricos tiveram o menor custo total de propriedade (Total Cost of Ownership - TCO), com uma redução entre 10% e 30% no ciclo de vida nas diferentes cidades, o que poderia representar uma menor pressão para aumento de tarifas no futuro (BID e C40 Cities, 2015). Além disso, os testes trouxeram à tona dados preocupantes sobre a emissão de poluentes dos veículos à diesel, que na realidade das ruas foram muito maiores do que aquelas previstas pelo fabricante na homologação em laboratório, demonstrando algumas falhas nas regulamentações de emissões no Brasil e na baixa qualidade do diesel vendido por aqui. Os primeiros ônibus elétricos em operação comercial no Brasil rodaram em Campinas (SP) em 2016. Segundo resultados da operação inicial na cidade, os ônibus tiveram um consumo médio de 1,03 kWh/ km, comparado ao diesel com 2,5 km/l dos modelos à combustão diesel nos testes pilotos. Dessa maneira, a economia operacional do elétrico foi cerca de 75% em relação aos custos do ônibus diesel. Esses resultados foram suficientes para o operador local apostar na tecnologia. Entre julho de 2015 e fevereiro de 2016, os primeiros 10 ônibus entraram em operação. Os resultados do primeiro ano demonstram a viabilidade técnica e econômica da tecnologia (consumo entre 0,9 kWh a 1,3 kWh) entregando economia de 60% a 75% dos custos operacionais. No final de 2016, outro operador da cidade adicionou alguns ônibus elétricos, totalizando 15 unidades. E no final de 2017, a cidade anunciou que seria a primeira do Brasil a ter uma zona de baixa emissão no centro da cidade, a Zona Branca, com o objetivo de ter 10% da frota total de ônibus totalmente eletrificada até 2020. Depois de Campinas, outras cidades, como Santos, Brasília e recentemente Volta Redonda e Bauru, também estão implementando projetos com ônibus elétricos. Até o final de 2018, pelo menos 10 cidades já tinham ônibus elétrico operando no Brasil.

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São Paulo é outro exemplo positivo de política pública para promover a melhoria de qualidade do sistema ao mesmo tempo em que busca reduzir a emissão de poluentes locais e de gases do efeito estufa. A atualização da Lei do Clima, aprovada na Lei no 16.802 de 17/01/2018, sinaliza que a nova concessão de ônibus terá que realizar uma transição para combustíveis de baixo carbono, na medida em que requer uma redução gradual do uso dos combustíveis fósseis até sua completa eliminação em 20 anos. Com isso, São Paulo se junta a um rol de mais de 200 metrópoles mundiais que assumiram metas de redução de poluentes nos sistemas de transporte público pelo mundo desde a COP21 em Paris. Emissão de poluentes locais e gases do efeito estufa Os veículos pesados são os maiores emissores do material particulado fino (MP 2,5) e dos óxidos de nitrogênio (NOx), sendo esses poluentes os mais prejudiciais à saúde humana (ANTP, 2016). Ademais, veículos são grandes emissores de dióxido de carbono (CO2) e do black carbono, principais causadores do aquecimento global. A matriz energética do Brasil é predominantemente renovável, o que permite o uso de veículos elétricos como estratégia de redução de emissões. Em 2015, a URBS (Urbanização de Curitiba) testou três tecnologias de ônibus: dois híbridos, um elétrico e um diesel. O relatório final destaca que o ônibus elétrico da BYD teve um IPK maior (índice passageiro/km) em relação ao diesel (5,13 e 4,80) bem como redução de cerca de 50% no custo operacional e ampla aceitação (91%) dos passageiros entrevistados (URBS, 2015). No estudo, a URBS introduz o cálculo da emissão de CO2 eq. no ciclo de vida da operação. As conclusões do estudo apontam que elétricos podem reduzir em até 86% a emissão CO2 eq./km em comparação aos veículos a diesel. Os resultados servem de guia para efetiva transição ao baixo carbono no Brasil. Estudo recente publicado na revista Nature (Scientific Report, 2018) demonstrou como os veículos pesados a diesel podem representar entre 40% e 47% da emissão de alguns dos principais poluentes, embora sejam somente 5% do total de veículos em circulação. Essa constatação demonstra a importância de se buscar soluções para a eletrificação desses veículos primeiramente. Mesmo porque, os sistemas de ônibus urbanos, de gestão de resíduos sólidos e de táxis/ aplicativos para passageiros são todos concessões públicas, em que o prefeito tem autoridade e prerrogativas de criar regulamentações para melhorar sua operação e a minimizar seus impactos das cidades.

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Ideias para melhorar sistemas de ônibus do Brasil Na perspectiva do usuário/cliente dos transportes públicos, uma rede integrada, servindo a maior parte dos locais de origens e destinos dentro da cidade, é fundamental para a utilidade do transporte público nos deslocamentos usuais, repetidos para acesso ao trabalho e à educação. Os sistemas de ônibus têm a maior capilaridade pela cidade, passando próxima à residência, ao trabalho e ao local de estudos da maior parte da população urbana. Por isso, transformar a operação dos ônibus urbanos em sistemas integrados e mais eficientes poderia transformar usuários de ônibus em clientes mais satisfeitos. Ademais, oferecer conforto e comodidade às viagens poderiam agregar novos passageiros ao sistema, especialmente adultos da classe média-alta, que pouco usam o transporte público pela falta de conforto ou informação sobre as rotas. Pesquisas mostram que é comum que o serviço de ônibus seja mal avaliado por aqueles que não usam seus serviços, mostrando uma falta de informação sobre a real situação de alguns sistemas de ônibus que já incorporaram algumas melhorias. Os ônibus urbanos poderiam oferecer melhores serviços aos seus clientes, com ambientes em estações e paradas mais agradáveis, com artigos de conforto, como cadeiras e bancos, ventilação natural, televisão e conveniências diversas aos clientes, assim como os sistemas ferroviários oferecem, porém, a um custo muito menor que poderia gerar uma expansão muito rápida por toda a cidade. Transformar a operação de ônibus próxima à realidade dos metrôs, visando agregar qualidade para atrair passageiros, poderia trazer impactos positivos para a cidade, como o uso mais justo e equitativo do espaço público, a oferta de transporte de maior qualidade para uma parcela maior da população. E esse processo ajudaria a consolidação dos biocombustíveis e dos veículos elétricos (ou híbridos plug-in com etanol), o que apoiaria o desenvolvimento da nova indústria nacional e a geração de emprego e renda com essas novas tecnologias. Dez ideias para melhorar a mobilidade urbana no Brasil 1. Integrar políticas públicas urbanas, em especial no planejamento das políticas de desenvolvimento urbano, habitação e trabalho, visando construir cidades cada vez mais densas, integradas, com usos mistos e espaços públicos de qualidade, com o objetivo de reduzir a quantidade e a distância total das viagens nas cidades.

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2. Promover o transporte não motorizado com investimento em calçadas de boas qualidade para pedestres, bem como no fomento de ciclo-rotas e ciclovias junto aos sistemas de bicicletas compartilhadas próximas às estações do transporte público, ou em órgãos públicos e grandes geradores de viagens (shopping/universidades/ comércio) para atrair novos usuários ao transporte coletivo. 3. Integração modal e tarifária entre diversos tipos de transporte, o que é imprescindível para um uso mais eficiente da rede existente. A primeira, e talvez mais importante integração é com o pedestre, já que em algum trecho da viagem todos somos pedestres. Travessias seguras e iluminadas, calçadas largas e confortáveis proporcionam ganhos de tempo para o sistema e qualidade de vida às pessoas. A integração com a bicicleta e outros modos de transporte individual como aplicativos ou táxis também deve ser parte integrante do planejamento de qualquer sistema. 4. Melhorias nos sistemas de ônibus coletivos com prioridade no viário e nas ações de gestão monitorada de tráfego. A primeira medida é a separação física de faixas e novos corredores de ônibus. Essa ação, mesmo que somente com pintura e fiscalização eletrônica, já aumentaria a velocidade operacional dos ônibus. E maior velocidade significa mais oferta de lugares sem a necessidade de adicionar mais ônibus na rua, gerando assim mais eficiência e menor custo de operação. Com o aumento da demanda, as faixas de ultrapassagem seriam uma boa maneira de ganhar ainda mais velocidade, permitindo a introdução de linhas expressas de ônibus, cujos veículos poderiam passar estações rapidamente, ganhando grande eficiência operacional. 5. Estações/ Paradas seguras com oferta de serviços. Um dos principais elementos no avanço dos sistemas de ônibus rápidos pelo mundo foi a entrada das estações fechadas com pagamento “desembarcado”. Atualmente, usuários de ônibus urbano perdem muito tempo para que todos possam subir os degraus estreitos dos ônibus e validar seus cartões, ou pagar em dinheiro. Filas podem se formar e ônibus perdem preciosos minutos parados para o embarque de poucos passageiros adicionais. As paradas de ônibus precisam funcionar como as estações do metrô. Isso não significa necessariamente que todas as estações precisam ser fechadas, com pagamento

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antecipado, mas onde ocorrerem filas e perda de tempo, devemos buscar soluções, mesmo que temporárias ou somente nos horários de pico. E para promover maior conforto dentro das paradas, o uso de ar-condicionado, ventiladores e cadeiras deve ser considerado também. Tudo isso deve ser somado a uma política de segurança extensiva próxima das paradas e estações de transporte. Design urbano, requalificação e melhoria do espaço público próximo aos corredores. Muitas regiões onde ficam terminais urbanos se deterioraram nas últimas décadas, porém continuavam a ser regiões importantes pela infraestrutura existente. Por isso, reforçar a vitalidade dos terminais é essencial para o desenvolvimento local dos bairros, bem como promover o uso misto com atividades e serviços disponíveis por ali. Calçadas largas, paisagismo nos canteiros, maior arborização, mobiliário urbano e projeto arquitetônico moderno das estações, essas e outras medidas são uma grande oportunidade para investimentos nas melhorias do espaço público e a valorização do transporte público. Identidade de marketing: Os sistemas de transporte público do Brasil, em especial os de ônibus, não têm uma identidade forte com nome, cores e logos de fácil identificação, ou ainda de mapas compreensíveis e acessíveis sobre a operação do sistema. Precisamos criar novas soluções tecnológicas para facilitar o acesso à informação do transporte público, sejam via sinalização, tabelas com horários e rotas, sejam ainda fortes campanhas de marketing para atrair mais clientes de classe média-alta, com a integração dos dados do sistema com os smartphones da população. Uso de tecnologias para a cidade inteligente integradas ao transporte público. Os ônibus podem ser equipados com GPS e sensores para ajudar na gestão monitorada do trânsito urbano como um todo e permitir maior integração com novos aplicativos e soluções inovadoras vindas das startups do nova economia criativa. Eletrificação do transporte público coletivo. Com as inovações tecnológicas recentes nos motores e nas baterias, os ônibus elétricos apresentam grande potencial de redução de emissão de poluentes locais e globais, em especial, se associados às políticas para promoção de geração de energias limpas e renováveis.

10. Criação de regiões de baixa emissão de poluentes e concessões de ônibus com novos critérios de desempenho. Precisamos fomentar legislações de zonas de baixas emissões para transformar regiões sensíveis da cidade, bem como criar novos critérios para remuneração da operação dos ônibus, mudando de sistemas que remuneram operadores por custos e passageiros transportados para sistemas com indicadores de qualidade, que são remunerados pela qualidade dos serviços e não por passageiros transportados. Considerações finais Priorizar investimentos no transporte público é sem dúvida crucial para balancear com mais justiça social as cidades brasileiras, acuadas por índices crescentes de congestionamento, poluição, violência e outros problemas socioambientais graves. Ao mesmo tempo, vivemos uma oportunidade histórica para reorganizar o uso dos espaços urbanos, promovendo maior integração entre as políticas públicas e fomentando projetos de melhoria da mobilidade e da qualidade de vida para a população. Esse novo contexto poderia impactar a capacidade da indústria automotiva nacional de competir num futuro próximo, em que a mobilidade elétrica, conectada e autônoma, bem como os serviços e a logística compartilhada, será o centro da mobilidade urbana nas cidades. A China é um bom exemplo de como o governo pode alavancar esses setores, fomentando políticas integradas para reduzir poluição e sua dependência dos combustíveis fósseis importados, ao mesmo tempo que direciona e investe na transição da indústria para liderar essa revolução limpa. O Brasil não pode ficar dormindo em berço esplêndido, isolado do mundo para sempre. Corremos o risco de ficar muito para trás e perder o bonde da história e das tecnologias do amanhã. A mobilidade elétrica e a geração descentralizada de energia limpa renovável, em especial, a solar fotovoltaica, já são líderes de mercado em várias cidades e países pelo mundo. E esse processo só deve crescer nos próximos anos. Infelizmente, não existe solução mágica para melhorar a mobilidade urbana de toda e qualquer cidade, mas existe, sim, um conjunto de ações integradas e complementares que pode oferecer opções de vários modais de qualidade acessível para todos os cidadãos. Por isso, antes de discutir qual o sistema de transporte urbano que se enquadra na necessidade e capacidade financeira das cidades, temos que buscar

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um consenso anterior. Em qual modelo de cidades queremos viver? Muitos projetos de mobilidade feitos nas últimas décadas foram lançados sem estudos econômicos consistentes, para depois se transformarem em graves desequilíbrios financeiros aos governos e à sociedade local. Atualmente, algumas cidades estão sem perspectivas de novos investimentos urbanos em função de escolhas equivocadas do passado. Por isso, trazer recursos do setor privado via Parcerias Público Privadas (PPP) pode ser uma solução interessante para esse cenário de crise fiscal e de necessidade de maior transparência nos custos e investimentos desse setor. Os estudiosos do transporte público sabem que não existe uma solução única em todos os contextos de cidades, uma vez que tudo depende das circunstâncias locais de geografia, contexto político-institucional, bem como das possibilidades e capacidades de investimento, disponibilidade de viário urbano e realidade socioeconômica local. Como os fatores que afetam a escolha tecnológica incluem investimentos (custo do terreno, desapropriações e infraestrutura), bem com os custos operacionais, precisamos cada vez mais focar no custo de operação global para soluções e equipamentos em nossas cidades. No Brasil, infelizmente, ainda não aprendemos a planejar o futuro e integrar adequadamente as políticas públicas que interagem entre si. Enquanto isso não ocorrer de forma efetiva, teremos que nos focar somente em uma parte das soluções para problemas multicausais cada vez mais complexos. A consolidação dos sistemas de ônibus rápidos (faixas, corredores e BRT) foi uma boa opção no que se refere aos custos de infraestrutura, rapidez na execução e na estabilização dos custos operacionais, porém muitos desses sistemas estão operando com baixa qualidade, com ônibus velhos, poluentes e barulhentos, e ainda pouco integrados aos demais modais. Isso reduz seus possíveis benefícios ambientais e sociais como a redução do tempo de viagens, ruídos e a poluição urbana. Precisamos dar um novo salto de qualidade, exigindo ônibus cada vez mais limpos e silenciosos (como os elétricos a bateria), medidas visando ao conforto do usuário (como uso de suspensão pneumática, câmbio automático e motores traseiros), bem como soluções que a população demanda, como wi-fi Gratuito e USB para recarrega de energia. Precisamos transformar os usuários do transporte público em clientes conscientes de seu papel em prol de uma cidade mais humana, limpa e de baixo carbono. Gerar sua própria energia limpa,

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diretamente do sol, e consumir com sabedoria os recursos finitos deste planeta será crucial para nossa capacidade de sobreviver às mudanças climáticas e aos desafios do século XXI. Precisamos fomentar a criação de cidades mais humanas e sustentáveis para atrair e capacitar os jovens talentos do mundo, pois nosso planeta precisa de uma grande revolução em prol da economia criativa e da energia limpa, e o sucesso das cidades em desenvolver e atrair esses empregos do futuro está na sua capacidade de oferecer o mínimo de qualidade de vida para todos esses novos empreendimentos. O Brasil não pode ficar deitado em berço esplêndido, pois o mundo está mudando, e nós não queremos ficar atrás. Referências ANTP. Impactos ambientais da substituição dos ônibus urbanos por veículos menos poluentes, 2016. __________. Custos dos Serviços de Transporte Público por Ônibus, 2017. BID. As tecnologias de baixo carbono podem transformar as cidades da América Latina, 2014. CAI-LAC. Incentive structure in transit concession contracts: The case of Santiago, Chile, and London, England, 2013. SCIENTIFIC REPORTS. Disentangling vehicular emission impact on urban air pollution using ethanol as a tracer, 2018. URBS. Avaliação Comparativa de Novas Tecnologias para Operação no Transporte Coletivo de Curitiba, 2015. WRI. Minha casa mais Sustentável, 2017.

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Capítulo 13 Instrumentos de mensuração para os projetos de cidades inteligentes no Brasil Marcos Cesar Weiss Roberto Carlos Bernardes A intensa urbanização, a forte competição por mercados e por atores qualificados, o esgotamento dos recursos naturais, a obsolescência das infraestruturas públicas e as necessidades e expectativas sociais por qualidade de vida fazem com que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) passem a ter relevante papel na construção da prosperidade das cidades. Essas tecnologias podem oferecer os meios para o planejamento e gerenciamento da ação governamental, para a promoção da transparência, eficiência no gerenciamento das infraestruturas públicas e na prestação de serviços aos cidadãos, para a promoção de novos campos de inovação e estreitamento das relações entre todos os atores que atuam nas cidades, transformando padrões de relacionamento e de colaboração. As possibilidades trazidas pelas TIC sugerem que, no futuro, as cidades poderão se configurar como plataformas para o desenvolvimento e fornecimento de serviços, sobre as quais todos os atores poderão ver suas demandas atendidas ou mesmo colaborar, criando uma cultura de competências cocriativas essenciais para as inovações em espaços urbanos, de sorte que outros se beneficiem delas. Essas plataformas de serviços, inovativas e criativas, vão cobrir desde o provimento de redes de comunicação sem fio e de alta velocidade até o desenvolvimento e fornecimento de aplicações especificamente construídas para o monitoramento, o gerenciamento e a interação com os subsistemas urbanos, implementando maior inteligência em suas dinâmicas. O termo “cidade inteligente” tem ganhado as agendas da academia, dos governos, da iniciativa privada e também de organizações não governamentais. Por ser ainda um conceito emergente e ainda em construção, tem sido utilizado para referenciar diferentes dimensões e elementos que caracterizam a cidade como inteligente. Diferente162

mente de outros conceitos aplicados às cidades – digital, sustentável, humana, criativa, informacional, ubíqua –, a cidade inteligente se fundamenta no aspecto colaborativo entre os diferentes atores, incluindo os cidadãos, para identificação, desenvolvimento e implementação de tecnologias, incluindo aplicativos voltados para a dinâmica urbana, ultrapassando apenas a disponibilização de infraestrutura digital. Nesse sentido, adotamos o conceito de cidade inteligente como sendo “aquela que realiza a implementação de tecnologias da informação e comunicação – TIC – de forma a transformar positivamente os padrões de organização, aprendizagem, gerenciamento da infraestrutura e prestação de serviços públicos, promovendo práticas de gestão urbana mais eficientes em benefício dos atores sociais, resguardadas suas vocações históricas e características culturais” (WEISS, 2016). Mais do que em qualquer outro tempo, as novas configurações urbanas vão se conformando como canais de informação e conhecimento, reformulando suas características produtivas e impelindo as cidades a considerar as perspectivas e papéis próprios dos empreendedores em suas estratégias de políticas local e global: coexistir, colaborar, competir, evoluir e prosperar, utilizando inovações tecnológicas, de forma que a distância geográfica não seja um impeditivo para que haja proximidade entre elas e os atores que nelas atuam ou delas dependam. No debate sobre o tema cidades inteligentes, é evidenciado que as TIC são fundamentais para a sua realização. Elas se configuram como ferramentas para proporcionar facilidades que promovam um ambiente de vida melhor para os cidadãos em todos os aspectos, viabilizar o posicionamento competitivo das cidades e auxiliar no desenho de um futuro urbano sustentável. Assim como há diferentes definições para o termo, há também diferentes métricas, e modelos avaliativos de inteligência urbana também têm sido propostos e revisados com o intuito de demonstrar quais são suas efetivas características e como se comportam as cidades inteligentes, comparativamente com outras cidades. Cada um desses modelos, a seu termo, caracteriza-se como ferramenta razoável para compreender e aferir as iniciativas e tem sido desenvolvido, mantido e aplicado em determinados cenários geográficos, culturais e econômicos. Os principais modelos são oriundos da Europa e, embora possam ser aplicados em diferentes contextos, levam em consideração que determinados desafios das cidades inteligentes, como a própria infraestrutura de TIC ou alguns serviços, como educação e saúde, já

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estão há longo tempo vencidos e, portanto, partem desses pressupostos para avançar em outras direções. No contexto brasileiro, a adoção ou o transplante puro e simples desses modelos se configura como um desafio adicional. De fato, podem servir de exemplificação ou mesmo de orientação, mas não de aplicação sem qualquer adaptação ou reflexão mais crítica, considerando as especificidades dos vazios institucionais existentes na realidade nacional. O Smart Cities Ranking é uma iniciativa desenvolvida pelo professor Rudolf Giffinger e outros colaboradores da Universidade de Tecnologia de Viena, a partir do ano de 2007. O instrumento foi consolidado de forma sistematizada e publicado em 2010, como resultado do trabalho conjunto dos professores Rudolf Giffinger e Gudrun Haindlmaier. Ele tem por objetivo estabelecer um ranking de cidades europeias de forma que possibilite a todos os atores identificar aspectos positivos e pontos de melhoria no universo compreendido. Segundo seus propositores, o modelo foi desenvolvido de acordo com os seguintes objetivos específicos: transparência sobre um grupo selecionado de cidades; elaboração e ilustração de características e perfis específicos de cada cidade; encorajamento de benchmarking entre as cidades selecionadas; identificação de forças e fraquezas para discussões estratégicas e aconselhamento político. Os critérios de escolha de cidades inicialmente propostos contemplavam cidades europeias com: a) sistema educacional com ao menos uma universidade, b) população entre 100 mil e 500 mil habitantes, e c) área de captação menor do que 1,5 milhões de habitantes. Esses critérios resultaram em uma lista de 70 cidades. Sobre essas cidades, aplicou-se o modelo, constituído pelo conjunto de seis características desdobradas em 31 fatores e esses fatores desdobrados em 74 indicadores oriundos de banco de dados da Urban Audit, da Eurostat (European Statistic) e da European Observation Network for Territorial Development and Cohesion (ESPON). Posteriormente, já para os estudos realizados pelos propositores em 2015, o Smart Cities Ranking passou por modificações, contemplando novos campos-chave e domínios influenciadores do ranking. O modelo atualizado considera as mesmas seis características, agora chamadas de campos-chave, tendo atualmente 27 domínios (anteriormente chamados de fatores) que se desdobram em 90 indicadores: Economia Inteligente (indicadores: espírito inovador; empreendedorismo; imagem da cidade; produtividade; mercado de trabalho; integração internacional); Pessoas Inteligentes (domínios: educação; aprendizado ao longo da vida; pluralidade étnica; pensamento aber-

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to); Governança Inteligente (domínios: consciência política; serviços públicos e sociais; administração transparente e eficiente); Mobilidade Inteligente (domínios: sistema local de transportes; acessibilidade nacional e internacional; disponibilidade de infraestrutura de TIC; sustentabilidade do sistema de transportes); Ambiente Inteligente (domínios: qualidade do ar; consciência ecológica; gerenciamento sustentável de recursos); Vida Inteligente (domínios: equipamentos culturais e de lazer; condições de saúde; segurança individual; qualidade de moradia; equipamentos de educação; atratividade turística; coesão social). Os critérios de escolha das cidades participantes do Smart Cities Ranking também foram modificados, passando a ter: a) disponibilidade de indicadores superior a 80%; b) população entre 300 mil e 1 milhão de habitantes; e c) cidades listadas no Urban Audit Database. Esse modelo é amplamente utilizado na Europa e em alguns estudos sobre algumas cidades na Ásia. O Modelo Integrativo de Cidades Inteligentes, proposto por Hafedh Chourabi, Taewoo Nam, Shawn Walker, J. Ramon Gil-Garcia, Sehl Mellouli, Karine Nahon, Theresa A. Pardo e Hans Jochen, sob o título Understanding Smart Cities: An Integrative Framework e apresentado inicialmente na 45th International Conference on System Sciences, 2012, parte do princípio segundo o qual a transformação das cidades em cidades inteligentes emerge como uma estratégia para mitigar os problemas gerados pela rápida e crescente população urbana. Para os propositores, a cidade inteligente é aquela que combina de forma crescente as redes digitais de telecomunicações (os nervos), a inteligência ubíqua embarcada (os cérebros), os sensores e etiquetas (os órgãos sensoriais) e o software (as competências cognitivas e de conhecimento). O modelo proposto por Chourabi e outros parte do conceito de cidade inteligente para articular que o sucesso de iniciativas de cidades inteligentes está sustentado por oito fatores determinantes – pessoas e comunidades; economia; infraestrutura construída; ambiente natural; governança; circundando os fatores tecnologia; organização e política –, não tendo como objetivo a criação de indicadores que possam, de alguma forma, propor um ranking de cidades inteligentes. O objetivo é elucidar os aspectos críticos e que devem ser considerados no início de projetos que visem à construção de cidades inteligentes. O tema da Gestão e Organização é um aspecto pouco explorado na literatura, segundo os propositores, mas de grande importância. Para as iniciativas de cidades inteligentes, o fator gestão e organização

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deve considerar um conjunto de desafios para estratégia de integração entre as camadas dimensionais que estruturam a organização de uma cidade inteligente. A dimensão de Tecnologia, particularmente as TIC, é um direcionador expressivo para a implementação de cidades inteligentes, tendo em vista sua aplicação no gerenciamento da infraestrutura e no fornecimento de serviços. Sobre esse fator, implementadores devem, segundo os propositores, atentar para certas dimensões e desafios específicos. Segundo os propositores, muitas cidades cidade se beneficiam, ou deveriam se beneficiar, dos avanços em TIC para incrementar suas práticas de governança. A governança baseada em TIC, chamada de governança inteligente, representa o “conjunto de tecnologias, pessoas, políticas, recursos, normas sociais e informações que interagem para apoiar a cidade em suas atividades de governo”. Os aspectos que determinam uma boa prática de governança inteligente para os autores são: transparência; colaboração; liderança; participação e parceria; comunicação; troca de informações; integração de aplicações e serviços; responsabilidade objetiva (accountability). A dimensão do Ambiente Institucional Político é um fator relevante para o modelo, visto que os componentes tecnológicos devem interagir com os componentes políticos (governo, conselhos e câmaras legislativas, partidos políticos). Esses componentes políticos devem ver valor nos resultados obtidos com a iniciativa e, mais do que isso, devem apoiar a agenda de implementação. Sobre esse fator, os propositores não explicitam desafios e estratégias, mas apontam caminhos de convergência e observância às leis e normas que regulam o governo e as relações que envolvem as cidades. Cidades não existem sem pessoas e comunidades. A dimensão de Recursos Humanos, cidadãos e comunidades, segundo os propositores, tem sido um aspecto negligenciado em muitas iniciativas de cidades inteligentes, que dão foco exclusivamente aos aspectos tecnológicos. Embora eles reconheçam que as TIC são fundamentais para a constituição de pessoas e comunidades mais inteligentes, reconhecem também que a implementação dessas tecnologias tem impacto significativo sobre a vida delas e que, portanto, elas devem estar sempre informadas, educadas e participantes. Além disso, as visões e necessidades das pessoas e das diferentes comunidades existentes na cidade devem ser levadas em conta por ocasião do desenvolvimento da iniciativa. Isso faz com que seu engajamento se faça de maneira mais apropriada e permanente: iniciativas de cidades inteligentes devem permitir que os cidadãos participem ativamente

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dos processos de gestão e governança, tornando-se, assim, usuários ativos das funcionalidades trazidas pelas iniciativas. Com relação ao fator infraestrutura construída, os propositores afirmam que a disponibilidade e qualidade da infraestrutura de TIC – redes de comunicação e pontos de acesso sem fio, quiosques e sistemas de informação orientados a serviços – são pontos relevantes a se considerar nas iniciativas. A exemplo do proposto no fator tecnologia, o fator infraestrutura construída também se reveste de dimensões específicas e desafios a serem suplantados. Sobre o fator Ambiente Natural, os propositores asseveram que as TIC podem ser utilizadas para a melhoria da sustentabilidade e da gestão dos recursos naturais. Não postulam, entretanto, quaisquer dimensões, desafios ou fatores críticos a serem observados. O Smart Cities Readiness Guide é um esforço capitaneado pelo Smart Cities Council, sediado na cidade de Redmond, nos Estados Unidos, em um trabalho conjunto da indústria de tecnologia, de representantes da academia e de gestores públicos de diferentes cidades parceiras do conselho. O modelo tem por objetivo entender e discutir os aspectos fundamentais que levam uma cidade ao status de cidade inteligente, incluindo os aspectos relacionados às TIC. Ele é desenhado para auxiliar prefeitos, gestores públicos, planejadores urbanos e outros agentes e atores voltados às questões da dinâmica urbana na tomada de decisões, posicionando-se como um instrumento independente e isento de fornecedores de tecnologias e serviços. Considerando a cidade inteligente como aquela que usa as TIC para melhorar as condições de vida e de trabalho e a sustentabilidade, o Conselho define, também, as três funções-chaves de uma cidade inteligente: coletar, comunicar e analisar. O modelo proposto pelo Smart Cities Council parte do princípio de que há responsabilidades da cidade – o que ela precisa realizar para os cidadãos – e existem seus viabilizadores – tecnologias que podem ajudar a tornar tarefas mais fáceis. Cada responsabilidade da cidade deve ser suportada por tecnologias viabilizadoras que atendam aos requisitos definidos no modelo: instrumentação e controle; conectividade; interoperabilidade; segurança e privacidade; gerenciamento de dados; recursos computacionais e analíticos. Para o Conselho, melhorar a vida das pessoas significa proporcionar aos cidadãos o acesso confortável, limpo e eficiente a um sistema de saúde adequado; escolas boas e bem gerenciadas; sistema rápido de resposta a emergências; água e saneamento de qualidade; mobilidade; baixos índices de criminalidade; opções culturais e de

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entretenimento diversificadas; condições de trabalho, para acelerar o desenvolvimento econômico, com mais e melhores oportunidades de trabalho trazidas por robustas arquiteturas digitais; suficiência e eficiência na infraestrutura pública; sistemas educacional, de energia, habitação e comercial, aliados a um modelo de transportes de qualidade. Finalmente, sustentabilidade que focalize de forma equilibrada o uso dos recursos naturais, o desenvolvimento humano e que promova o bom uso dos recursos financeiros da cidade. A aferição proposta pelo modelo se dá pela aplicação de avaliação de atendimento dos requerimentos tecnológicos, considerados os requerimentos funcionais levando em conta quatro níveis de implementação (ou prontidão): nenhum, parcial, acima de 50% e completo. Em outras palavras, as responsabilidades da cidade são avaliadas em termos de uso de TIC, considerando sete requerimentos tecnológicos que são avaliados seguindo uma escala de quatro níveis de progresso de implementação. Os resultados obtidos dessa aferição apoiam o desenho de um plano de implementação em que se determina prioridades de execução. O Smart Cities Maturity Model é resultado de um trabalho conduzido pelo Governo da Escócia e realizado conjuntamente com a Aliança de Cidades Escocesas, que engloba as cidades de Aberdeen, Dundee, Edinburgh, Glasgow, Inverness, Perth e Stirling. Esse modelo, desenvolvido entre 2013 e 2014, foi publicado em janeiro de 2015 envolvendo os princípios constituintes de uma cidade inteligente e um guia de autoavaliação para uso pelas cidades de forma que elas possam averiguar o estágio em que se encontram rumo à cidade inteligente, decidir em que ponto deverão estar em 2020 desde que alinhadas às prioridades estratégicas, identificar quais investimentos e ajustes são necessários para que a decisão seja levada a termo e considerar quais partes interessadas deverão ser envolvidas para a realização dos objetivos. O modelo adota uma abordagem baseada no princípio de sistemas para desenvolver e entregar serviços modelados de forma colaborativa e com resultados compartilhados para além das fronteiras organizacionais. Dados e sistemas adequados, combinados e focalizados na gestão da cidade, estão no coração das cidades inteligentes, ordenados em um processo simples e linear. Cinco são as dimensões-chave do modelo, avaliadas segundo uma escala de maturidade: a) Intenção Estratégica: planejamento de execução e de investimentos em tecnologias digitais e dados, de forma que estimule a colaboração e entregue resultados aprimorados, alinhados com as prioridades da cidade; b) Dados: uso efetivo de

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dados para assegurar melhores resultados; c) Tecnologia: realização de investimentos em arquitetura de TIC abertas, flexíveis, integradas e escaláveis para acelerar a inovação em serviços; d) Governança e Modelos de Entrega de Serviços: adaptação da organização tradicional para realizar as oportunidades trazidas pelas tecnologias digitais e pelos dados; e) Engajamento de Cidadão e Negócios: utilização das tecnologias digitais e dados para incrementar a transparência, abertura e inclusão. Como a cidade inteligente emerge da integração de dados e tecnologias digitais em uma abordagem estratégica para a sustentabilidade, o bem-estar dos cidadãos e o desenvolvimento econômico, seu sucesso está diretamente ligado à capacidade que as cidades desenvolvem para promover maior eficiência na prestação de serviços e transformar-se em lugares mais atrativos para investidores, residentes, visitantes e para a comunidade de negócios. A escala de maturidade utilizada para a averiguação da maturidade das cidades inteligentes é conformada em cinco níveis diferentes, identificando as dimensões e os aspectos mais críticos nos quais o Poder Público deve centrar suas atenções e seus investimentos. Essa escala observa um determinado conjunto de características para cada uma das dimensões-chave propostas pelo modelo. A leitura do modelo se faz do particular para o geral, complementando-se a aferição particular com o resultado dado pela caracterização geral. Com a utilização desse modelo, segundo seus idealizadores, as cidades podem identificar os pontos de melhoria nos quais devem colocar seus esforços em direção à obtenção de vantagens no cenário regional e global visando desenvolvimento econômico e melhores condições de vida para suas populações. Recentemente, a norma NBR ISO 37120:2017 – Desenvolvimento sustentável de comunidades: indicadores para serviços urbanos e qualidade de vida – foi traduzida e publicada no Brasil. Ela tem sido utilizada por algumas entidades ou mesmo por agentes públicos como um instrumento para “medir as cidades inteligentes”. Há que se considerar, entretanto, que essa norma prima por definir e padronizar determinados indicadores para as infraestruturas e serviços urbanos e qualidade de vida, que podem ser utilizados pelos atores – governo ou não – para que estes possam colocar em prática políticas e ações que promovam a sustentabilidade, no mais amplo significado do termo, mas sem qualquer tipo de referenciamento às TIC propriamente ditas. A NBR ISO 37120:2017 contempla indicadores relacionados à economia; educação; energia; ambiente; finanças; resposta a incêndios e a

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emergências; governança; saúde; recreação; segurança; alojamento; resíduos sólidos; telecomunicações e inovação; transportes; planeamento urbano; águas residuais; água e saneamento. O Br-SCCM – Brazilian Smart Cities Maturity Model – se configura como uma iniciativa no sentido de definir uma modelo de avaliação para as cidades inteligentes. Embora o modelo contemple um conjunto amplo de indicadores (educação, saúde, água, energia, governança, segurança, meio ambiente, habitação, tecnologia e transporte) bastante similares aos definidos na norma NBR ISO 37120:2017, apenas os domínios “água”, “saúde” e “educação” estão definidos. Cada um dos modelos apresentados até aqui, resguardados suas características e objetivos, busca uma abordagem para auxiliar gestores públicos e a sociedade de forma geral, incluindo a iniciativa privada, a conhecer, entender, planejar e avaliar iniciativas de cidades inteligentes. Alguns deles reconhecem a importância e contemplam as TIC como aspectos avaliados, mas, em todos os casos, de forma genérica e sem ingressar nos aspectos funcionais e integrativos dessas tecnologias. Não se mostram suficientes para averiguar a necessária prontidão das TIC para a gestão das cidades no que diz respeito ao foco na automação de processos administrativos e operacionais em áreas específicas, requisitos funcionais que devem ser atendidos minimamente, exigências de integração e troca de dados entre os diferentes sistemas de informação utilizados, além de proporcionar aos atores, particularmente aos agentes do Poder Público em nível local, um roteiro evolutivo de implementação dessas tecnologias que pode auxiliar no planejamento, execução e verificação de resultados de iniciativas que visem à cidade inteligente sobre a perspectivas das TIC. Resta, portanto, saber o que essas tecnologias devem minimamente contemplar, de forma progressiva e integrada, para que os investimentos em recursos humanos, técnicos e materiais não sejam realizados de forma dispersa, cabendo ao Poder Público, particularmente, a missão de averiguar o que fazer e em que direção seguir, no sentido de habilitar a cidade com tecnologias capazes de apoiar a transformação necessária e esperada pelos diversos atores. Nessa direção, um Modelo Avaliativo de Prontidão de TI tem sido proposto e disponibilizado, de forma que se possa estabelecer uma relação direta entre domínios e dimensões da dinâmica urbana e tecnologia aplicáveis à sua manutenção. Esse modelo parte do princípio de que a cidade é um sistema ao qual se conectam subsistemas primários e, a estes se conectam subsistemas secundários que se desdobram em aplicações de TIC.

170

Fonte: WEISS, 2016.

Em outras palavras, a cidade inteligente é o sistema principal ao qual se ligam seis subsistemas primários – domínios – e a cada um desses sistemas primários, se ligam seis subsistemas secundários – dimensões. Esses domínios e suas respectivas dimensões representam as principais agregações de obrigações, responsabilidades ou boas práticas diretamente vinculadas ao Poder Público. É esperado que a cidade inteligente seja, portanto, capaz de viabilizar as dimensões e, consequentemente, os domínios com a utilização das TIC.

Fonte: WEISS, 2016.

Essa utilização das TIC se dá pelo incremento sistemático de características e funcionalidades que podem, em um nível mais baixo, representar o uso elementar das tecnologias ou mesmo a sua não existência para uma dada aplicação e, em um nível mais alto, o uso avançado de tecnologias de ponta que representem o estado da arte. Da mesma forma, como os subsistemas urbanos guardam entre si certas interações e dependências, o modelo também considera que determinadas dimensões de diferentes domínios também observam certas interações e dependências, formando uma rede de colaboração entre tecnologias, particularmente entre sistemas de 171

informação. Por um lado, algumas dimensões podem guardar apenas uma interação e, por outro, outras dimensões podem guardar inúmeras interações. Assim, como forma de resolução do modelo para a determinação da prontidão das TIC, as ligações entre dimensões são explicadas por meio da teoria das redes complexas, em que as dimensões (nós) e as conexões formadas entre pares de dimensões (arestas) determinem sua dinâmica e resolução. Esse Modelo Avaliativo de Prontidão de TI permite promover maior aprofundamento sobre o diagnóstico e planejamento das TIC aplicáveis à gestão das cidades em termos de funcionalidades esperadas e requisitos de integração e intercâmbio de dados entre as diferentes tecnologias e diferentes sistemas de informação. Ele possibilita a realização de uma visão holística e de dependência entre domínios e dimensões da gestão da cidade; permite habilitar governos, organizações não governamentais, cidadãos, empresas e outros atores interessados na gestão das cidades com uma ferramenta capaz de identificar, avaliar e projetar as possibilidades de utilização das TIC para o incremento da eficiência na gestão; possibilita a identificação e gerenciamento de riscos inerentes ao desenho, execução e aferição de resultados de projetos de TIC pelo Poder Público em nível local; propicia a criação de um plano avaliativo e evolutivo de implementação das TIC na gestão das cidades, considerando o incremento de funcionalidades tecnológicas necessárias a cada dimensão da gestão urbana e as integrações necessárias entre as dimensões de um mesmo domínio ou de outros domínios. Uma busca rápida no Google certamente trará outros tantos modelos de avaliação ou ferramentas de auditoria e similares. Mesmo algumas empresas fabricantes de tecnologias têm algum tipo de método ou modelo de avaliação; geralmente só disponíveis como parte de um acordo comercial ou em um esforço de marketing visando negócios futuros. Realmente, cidades inteligentes têm se tornado um excelente negócio. O desafio que se coloca diz respeito a como se pode olhar e avaliar as cidades, de forma independente da indústria de TI ou de partidos políticos e com vistas ao bem dos atores em suas expectativas e necessidades. O marketing político ou o canto da sereia da indústria de TI não podem se sobrepor às reais necessidades das cidades. No Brasil, particularmente, não é raro encontrarmos iniciativas de cidades que vão em direção à implementação de centros de comando e controle ou ainda se lançam nas trilhas da internet das coisas e do big data, em detrimentos de componentes ou sistemas

172

muito mais simples e necessários, como um sistema de prontuário único no sistema municipal de saúde ou mesmo a possibilidade de agendamento de consultas médicas por meio da internet ou ainda o acompanhamento escolar também por meio da internet. Um modelo de gestão baseado no conceito de cidade inteligente não deve ser um modelo baseado no determinismo tecnológico ou em um emaranhado de ideologias neoliberais, com abordagens tecnocráticas. Ao contrário, as cidades inteligentes unem o potencial de organização e transformação das tecnologias com estruturas de governança adequadas, confiáveis e que incluam pessoas criativas e abertas à inovação, capazes de aumentar a produtividade local, condição imprescindível para o crescimento econômico. Elas devem promover a pluralidade social, cultural e política, tendo as TIC como ferramentas preferenciais. Em outras palavras, cidades equipadas com muitas tecnologias modernas não são necessariamente melhores do que outras nem tão bem equipadas. Referências AFONSO, R. A. et al. Brazilian Smart Cities: Using a Maturity Model to Measure and Compare Inequality in Cities. In: 16th Annual International Conference on Digital Government Research, 2015, Phoenix. Anais […]. p. 230-238. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 37120:2017. Desenvolvimento sustentável de comunidades: indicadores para serviços urbanos e qualidade de vida. p. 87, 2017. CHOURABI, H. et al. Understanding smart cities: an integrative framework. In: 45th Hawaii International Conference on System Sciences, 2012, Hawaii. Anais eletrônicos […]. Albany: Center for Technology in Government, 2012. p. 2289-2297. GIFFINGER, R. et al. Smart Cities: Ranking of European Medium-sized Cities. Vienna: Centre of Regional Science, 2007. Disponível em: http:// smartcity-ranking.org/download/ smart_cities_final_report.pdf. GIFFINGER, R.; HAINDLMAIER, G. Smarter cities ranking: an effective instrument for the positioning of cities? ACE: Architecture, City and Environment, n. 12, p. 7-25, 2010.

173

SCOTTISH CITIES ALLIANCE. Smart Cities Maturity Model, 2015. Disponível em: http://www.scottishcities.org/smartcities/. SMART CITIES COUNCIL. Smart Cities Readiness Guide, 2013. Disponível em: . WEISS, M. C. CIDADES INTELIGENTES: proposição de um modelo avaliativo de prontidão das tecnologias das informação e comunicação aplicáveis à gestão das cidades. 2016. p. 289. Tese (Doutorado em Administração) – Centro Universitário da FEI, São Paulo.

174

Capítulo 14 Energias renováveis e inovação em cidades Claudia Terezinha Kniess Mauro Silva Ruiz Atualmente, em função de mais da metade da população mundial residir em áreas urbanas (UNFPA, 2007), são muitos os desafios enfrentados pelas cidades. Em geral, esses desafios relacionam-se a demandas por energia, segurança hídrica, saneamento ambiental, habitação, mobilidade, entre outras. Vários deles se encontram entrelaçados e/ou imbricados entre si, impondo dificuldades à implantação e implementação de políticas públicas integradas que possam dar conta de seus múltiplos efeitos sobre as comunidades e a sociedade em geral. Um desses desafios é a dependência de recursos naturais em função de nossos modelos de produção e consumo serem fortemente atrelados ao uso de combustíveis fósseis (Mills; Cleugh; Emmanuel; Endlicher; Erell; McGranahan, 2010). Esse desafio não se restringe ao âmbito das cidades, estendendo-se a todos os países do mundo, porém, em situações de colapso na oferta de energia, as áreas urbanas, com grandes adensamentos populacionais, são as mais afetadas. Nesse sentido, a garantia da sustentabilidade na oferta, bem como o gerenciamento eficiente do seu uso, são temas relevantes e atuais na agenda das cidades. Como uma resposta a essas preocupações, vários países ao redor do mundo vêm estimulando, pela via das políticas públicas, a diversificação e ampliação da oferta de energias renováveis em suas matrizes energéticas. Cidades em nível global também estão incorporando conceitos de cidades inteligentes e sustentáveis e criando estruturas de gestão diferenciadas, fundamentadas em tecnologias existentes e em inovações tecnológicas, para enfrentar os entraves à sustentabilidade urbana impostos pela crescente demanda energética e por vários outros desafios urbanos atuais. O conceito de cidades inteligentes e sustentáveis (smart and sustainable cities) ainda se encontra em construção e diz respeito às cidades baseadas em um modelo de gestão inteligente, ancorado em 175

tecnologias de informação e comunicação, cujo objetivo repousa em maneiras de viabilizar a sustentabilidade em todas as suas interfaces. Inteligência, nesse sentido, seria meio, e sustentabilidade, fim (Nalini; Silva Neto, 2017). Nesta reflexão, adotou-se como premissa que a efetiva apropriação, a utilização das tecnologias atualmente disponíveis e o estímulo às inovações tecnológicas constituem o caminho para a ampliação do uso das energias renováveis e o enfrentamento dos desafios da sustentabilidade da oferta de energia e do uso ainda ineficiente desse recurso nas cidades. Nesse sentido, o presente capítulo pretende trazer reflexões envolvendo energias renováveis e inovação, tomando-se como referências as discussões sobre a participação das fontes renováveis de energia nas matrizes energética e elétrica brasileira e mundial, inovação e energia no contexto das cidades, como também os conceitos de inovação e laboratório de inovação.

Energias Renováveis e Sustentabilidade Energias Renováveis A questão energética mundial é um assunto que tem recebido destaque e relevância no que tange à sustentabilidade. A demanda por energia, que os hábitos atuais impõem ao sistema de geração, é cada vez maior. Esse crescimento não pode ser dissociado de preocupações ambientais e sociais, tendo em vista que a energia gerada passa pelo processo de extração e transformação a partir de recursos naturais (Dupont; Grassi e Romitti, 2015). A urbanização rápida e não planejada, a concentração de indústrias, a acumulação de riquezas sem a distribuição igualitária de benefícios sociais, o crescimento acelerado e a degradação ambiental são alguns fatores que motivaram a busca do desenvolvimento sustentável nas cidades (Acserald, 2001). Nesse sentido, para acompanhar esses ritmos de crescimento é essencial que exista uma preocupação com a capacidade de renovação dos recursos naturais. Os países devem se estruturar com a construção de matrizes energéticas adequadas às necessidades e aos recursos disponíveis. Segundo Sampaio (2009), para que se tenha a racionalidade ecoenergética, é necessário buscar uma maior eficiência no uso dos recursos naturais. Nesse cenário, destaca-se as fontes renováveis de energia. Energia renovável é uma expressão usada para descrever uma ampla gama de fontes de energia que são disponibilizadas na natureza 176

de forma cíclica. As fontes renováveis de energia podem ser utilizadas para gerar eletricidade, calor ou para produzir combustíveis líquidos para o setor de transportes. As energias renováveis (como biomassa, eólica, solar, biomassa, geotérmica das ondas e a das marés e centrais hidrelétricas de pequeno porte) têm um importante papel a desempenhar no cenário mundial (Lucon e Goldemberg, 2009). Torna-se imprescindível que essas fontes estejam inseridas nas políticas energéticas dos países, já que exercem um papel importante para a sustentabilidade do sistema energético. Além dessas fontes de energia serem menos poluentes, pela sua própria natureza, são produzidas em pequenas unidades. A descentralização da produção de energia resulta em aumento na segurança de fornecimento e na criação de empregos. De maneira geral, as fontes de energia renovável fornecem apenas uma fração da energia se comparadas com as grandes centrais. Essa característica permite duas categorias de fornecimento de energia para as cargas. A primeira refere-se aos sistemas que podem estar conectados diretamente à rede pública de distribuição de energia (grid-tie). A outra categoria está relacionada aos sistemas autônomos, ou isolados, na qual o sistema de geração fornece a energia necessária para as cargas (Roggia et al., 2011). No que se refere à produção de eletricidade, as fontes renováveis de energia, exceto a hidráulica, que é a fonte majoritária na matriz elétrica brasileira, são consideradas ainda com alto custo em razão do preço obtido pela energia nos leilões de aquisição promovidos pelo governo federal. Nesse contexto, observa-se que as novas tecnologias, de forma geral, apresentam um custo mais elevado. No entanto, questões relacionadas com o aumento da demanda, inovações tecnológicas, marcos regulatórios e “curvas de aprendizado” tendem a contribuir com a mudança desse cenário. Segundo o Balanço Energético Nacional 2018 – ano-base 2017 (MME, 2018a), o Brasil dispõe de uma matriz elétrica de origem predominantemente renovável, com destaque para a geração hidráulica que responde por 65,2% da oferta interna. As fontes renováveis representam 80,4% da oferta interna de eletricidade no Brasil, que é a resultante da soma dos montantes referentes à produção nacional mais as importações, que são essencialmente de origem renovável. No entanto, a supremacia da geração hidráulica ficou menos acentuada em 2017, contra os 68,1% verificados em 2016 (64% em 2015, 65,2% em 2014 e 70,6% em 2013).

177

Matriz Energética e Matriz Elétrica Brasileira e Mundial A matriz energética contempla todo tipo de energia liberada para ser transformada, distribuída e consumida para diversas finalidades. É importante ressaltar que a matriz energética é formada por fontes primárias de energias, como a solar, petróleo, biomassa, carvão, gás natural, hidráulica, entre outras (Mantovani, 2016). A Oferta Interna de Energia (OIE) (total de energia disponibilizada no País), em 2016, ficou em 288,3 Mtep (milhões de toneladas equivalentes de petróleo), mostrando retração de 3,8% em relação a 2015 e equivalente a 2,07% da energia mundial. A expressiva queda da OIE, coerente com o recuo de 3,6% na economia, teve como principais indutores a redução de quase 20% nas perdas na transformação, devido à menor geração termelétrica, e a redução de 5,3% no consumo do setor energético (queda de 7% na produção de etanol) (MME, 2017a). Já em 2017, a OIE atingiu 293,5 Mtep, registrando um acréscimo de 1,8% em relação ao ano anterior. Parte desse aumento foi influenciada pelo comportamento das ofertas internas de gás natural (subiu 6,7%) e energia eólica (subiu 26,5%) no período. Outra contribuição para a expansão da oferta interna bruta foi a retomada da atividade econômica em 2017 (MME, 2018a). Segundo os dados do Balanço Energético Nacional 2018 (ano -base 2017) e da Resenha Energética Brasileira 2017 (MME, 2018b), as matrizes energéticas brasileira e mundial são compostas das seguintes fontes primárias de energia (Tabela 1). Tabela 1 - Oferta Interna de energia no Brasil e Mundo (%) Fonte

2017 Brasil

OCDE

Outros

Mundo

Derivados de petróleo

36,20

35,90

25,80

32,00

Gás natural

12,90

27,60

20,40

22,40

Carvão mineral

5,60

16,50

35,30

26,50

Urânio

1,40

9,70

2,30

5,00

Hidro

11,90

2,30

2,50

2,50

Outras não renováveis

0,60

0,50

0,10

0,30

Outras renováveis

31,20

7,70

13,60

11,30

Biomassa sólida

23,90

4,20

12,00

8,90

Biomassa líquida

6,10

1,02

0,19

0,63

Eólica

1,24

1,12

0,41

0,69

178

Solar Geotérmica Total (%) dos quais renováveis Total (Mtep) % do mundo

0,024

0,64

0,48

0,52

0,00

0,64

0,53

0,55

100,00

100,00

100,00

100,00

43,20

10,00

16,10

13,80

293,50

5.293,00

7.850,00

13.822,00

2,10

38,30

56,80

Notas: a) estimativas N3E/MME para o último ano, a exceção do Brasil; b) somente o mundo inclui bunker: 2,7% da OIE em 2017; c) carvão inclui gases da indústria siderúrgica; e d) “outros” excluem OCDE e Brasil. Fonte: Resenha Energética Brasileira 2018 – Ano-base 2017 (MME, 2018b).

A Resenha Energética Brasileira 2017 (MME, 2018b) traz uma análise sobre a matriz energética e a matriz elétrica mundial no período de 1973 a 2017. Nos últimos 44 anos, as matrizes energéticas do Brasil e de outros blocos do mundo apresentaram significativas alterações estruturais. No Brasil, houve forte aumento na participação da energia hidráulica, da bioenergia líquida e do gás natural. No bloco da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), houve forte incremento da energia nuclear, e a seguir, do gás natural. Em “Outros” países, houve forte incremento do carvão mineral e do gás natural. Em todos os blocos, houve recuo na participação de derivados de petróleo (MME, 2018b). Em termos de presença de fontes renováveis na matriz de energia, é notável a vantagem do Brasil, registrando 43,2% de participação em 2017, contra 10,0% da OCDE e 16,1% dos outros países. O mundo fica com um indicador médio de 13,8%. Nesse mesmo período, as matrizes de Oferta Interna de Energia Elétrica do Brasil, da OCDE e de “outros” países apresentam as mesmas tendências de redução das participações de petróleo (óleo) e hidráulica, e de aumento das participações das demais fontes, a exceção do carvão mineral. No caso do carvão mineral, de 2013 a 2016, o Brasil reverte a tendência de queda, verificada até 2012. O baixo regime de chuvas dos últimos anos e os sucessivos aumentos na capacidade instalada a carvão propiciaram uma maior geração por esta fonte. Na OCDE, o carvão mineral perdeu 12,9 pontos percentuais, de 1973 a 2017 (MME, 2017b e 2018b). A Tabela 2 apresenta os dados das matrizes energéticas brasileira e mundial em termos das fontes primária de energia (MME, 2018b).

179

Tabela 2 – Oferta interna de Energia Elétrica no Brasil e Mundo (%) 2017

FONTE Brasil

OCDE

Outros

Mundo

Derivados de petróleo

2,00

1,60

5,60

3,80

Gás natural

10,50

29,00

21,50

24,50

Carvão mineral

2,60

25,00

46,50

36,00

Urânio

2,50

17,90

5,00

10,60

Hidro

65,20

12,90

16,50

16,10

Outras não renováveis

2,00

0,40

0,10

0,20

Outras renováveis

15,10

13,20

4,80

8,80

Biomassa sólida

8,20

3,00

0,90

2,20

Eólica

6,80

7,50

2,80

4,90

Solar

0,13

2,40

0,90

1,50

Geotérmica

0,00

0,40

0,20

0,30

100,00

100,00

100,00

100,00

80,40

26,10

21,50

24,90

624,00

10976,00

13578,00

25181,00

2,50

43,60

53,90

Total (%) dos quais renováveis Total (TWh) % do mundo

Notas: a) dados do mundo e outras regiões de 2017, estimados pelo DE/SPE; b) biomassa sólida inclui biogás, lenha, lixívia, bagaço de cana, resíduos de madeiras, casca de arroz. Fonte: Resenha Energética Brasileira 2018 – Ano-base 2017 (MME, 2018b).

Observa-se que o Brasil apresenta uma significativa diferença na participação da energia hidráulica de 65,2% em 2017, contra apenas 12,9% na OCDE, e de 16,1% nos “outros países”. Os percentuais de fontes renováveis na matriz elétrica brasileira nos últimos anos são: 2017 (80,4%), 2016 (81,7%), 2015 (75,5%), 2014 (74,6%) e 2013 (78,3%). Em relação à participação de combustíveis fósseis na matriz elétrica, o Brasil apresenta o percentual de 17,1%, contra 56,0% dos países da OCDE e 73,6 de “outros países”. Em 2017, a Oferta Interna de Energia Elétrica (OIEE) ficou em 624,3 TWh, montante 0,7% superior ao de 2016 (619,7 TWh). Por fonte, merecem destaque os aumentos de 26,5% na oferta por eólica e de 16,2% por gás natural. A geração solar teve aumento de 876%, mas sobre uma base ainda baixa em 2016 (MME, 2018a). O consumo final de eletricidade no País em 2017 registrou uma progressão de 0,9%. Os setores que mais contribuíram para esse 180

aumento foram o comercial (1,5%) e o industrial (1,1%). O setor residencial também teve um aumento de 0,8% no consumo de energia elétrica em relação a 2016. Em 2016, a micro e minigeração distribuída atingiu 104,1 GWh com uma potência instalada de 72,4 MW, com destaque para a fonte solar fotovoltaica, com 53,6 GWh e 56,9 MW de geração e potência instalada respectivamente. Já em 2017, houve o aumento de 245% na geração distribuída. A micro e mini geração distribuída atingiu 359 GWh (46,2% solar, 23,35 hidráulica, 2,5% gás natural, 5,0% eólica e 22,8% outras fontes renováveis) (MME, 2018a). As fontes de energia renováveis, como eólica ou fotovoltaica, apresentam algumas particularidades que devem ser analisadas, principalmente no que tange a sua variabilidade no tempo. Assim, ao mesmo tempo em que se tem uma série de benefícios ambientais, deve-se considerar um aumento na sensibilidade a questões climáticas como dias nublados ou sem vento, em que a geração dessas fontes é menor. Esses são fatores motivadores pela busca de inovações que remetem a novas alternativas para o armazenamento de energia, já prevendo um cenário com baixa dependência em fontes não renováveis, mas com capacidade estável de geração. A indústria (33,3%) é o maior consumidor de energia e permanece nesta posição desde 1971, logo em seguida aparece o setor de transporte (32,5%) e em terceiro lugar o consumo energético residencial (9,6%). Assim como a indústria vem ocupando a primeira posição desde a década de 1970, os setores de transporte e residencial também ocupam a segunda e terceira posições respectivamente nesse mesmo período. Os três setores representam 75,4% do consumo de toda energia produzida no planeta em 2015 (MME, 2018b).

Inovação em Cidades Inovação e Laboratórios de Inovação O conceito de inovação surgiu na década de 1930 (Schumpeter, 1961) para explicar a introdução de novas ideias no processo produtivo e, desde então, vem ampliando o seu significado. Tradicionalmente, o termo inovação sempre esteve associado à tecnologia, porém, nas últimas décadas, também foram difundidos outros tipos de inovação como a organizacional e a de marketing, por exemplo (Kniess; Ruiz; Correa; Moutinho, 2016), embora entre essas duas somente a primeira terá destaque neste capítulo. 181

Na visão de Schumpeter (1961), inovação refere-se a avanços tecnológicos que geram melhoramentos e que propiciam o surgimento de novos métodos, produtos e serviços que estão diretamente ligados ao desenvolvimento econômico e se caracterizam como força motriz da prosperidade. Esse autor destaca que a inovação tem o efeito desestabilizador sobre uma situação dominante, criando uma necessidade de reorganização diante dos novos parâmetros, em um ciclo evolutivo contínuo. A inovação pode ser vista como um processo sistêmico, que envolve inúmeros atores que atuam segundo lógicas e prioridades distintas, e que só se realiza em um ambiente estimulante e catalisador de competências e iniciativas de cada um (Stal; Campanário; Andreassi; Sbragia, 2006). No conceito tradicional de Schumpeter (1961), as empresas eram vistas como principais “lócus de inovação”, porém, à medida que os modelos de inovação tecnológica evoluíram, essa visão mudou, incorporando as universidades, o Estado e os agentes de inovação como players importantes no seu processo de geração, desenvolvimento e consolidação. No caso de inovação em cidades, os laboratórios de inovação vêm exercendo um papel importante como agentes de inovação, catalisando pessoas, profissionais qualificados e startups com ideias criativas e com potencial de geração de novas tecnologias aplicáveis à gestão de demandas dos ambientes urbanos. Esses laboratórios são locais projetados como “espaços de interação” e para a promoção do diálogo e do networking, entre diferentes representantes de segmentos da sociedade interessados na busca de solução para problemas das cidades. Na prática, se traduzem em espaços coworking que propiciam um ambiente fértil para a troca de ideias que resultam em novos processos, produtos ou serviços fundamentados em problemas urbanos (MJV Technology & Innovation, 2017). Esse é o caso do Mobilab – Laboratório de Inovação em Mobilidade de São Paulo – que desde 2014 aloja startups que estão desenvolvendo soluções criativas e aplicativos voltados à superação desafios da mobilidade urbana na cidade de São Paulo a partir de dados de geolocalização gerados pelos ônibus de São Paulo e abertos pela Secretaria de Transportes Urbanos à população. Iniciativas similares às que estão em desenvolvimento na área de mobilidade urbana poderão se estender também para a área de eficiência energética em edificações, por exemplo, via o desenvolvimento de aplicativos que possibilitem a identificação de pontos de

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maior consumo e a adoção de estratégias de verificação e redução desse consumo.

Classificações de Inovação e Aproximações para o Contexto de Cidades Há várias classificações de inovação, de modo que as mais importantes serão conceituadas e comentadas neste capítulo, aproximando-as, sempre que possível, do contexto de cidades. Destaque-se, em princípio, que, antes de falar de cidades inteligentes e sustentáveis, cabe mencionar brevemente os processos de desenvolvimento e de apropriação de inovação em cidades. Além de serem desenvolvidas na forma tradicional em empresas, universidades, incubadoras e, mais recentemente, nos laboratórios de inovação, numa abordagem mais recente, as inovações também podem ocorrer dentro e fora desses ambientes, oriundas de ideias apresentadas por potenciais usuários a desenvolvedores ou, ainda, por pesquisas e processos concebidos e desenvolvidos dentro e fora de qualquer uma dessas organizações, caracterizando o que se denomina atualmente inovações abertas. A apropriação de inovações é um fator relevante e desafiador, já que os resultados de pesquisas e a emergência de novas tecnologias têm aspectos de bem público, pois os custos para torná-las disponíveis aos usuários em geral são baixos se comparados com os seus custos de desenvolvimento (Manual de Oslo, 1997). Quando as tecnologias resultam de inovações em processos, produtos e serviços desenvolvidos em startups instaladas em laboratórios de inovação ou em incubadoras, esses custos podem se tornar ainda mais reduzidos pelo fato de serem compartilhados entre todos os instalados nesses ambientes. Cabe destacar que a busca de inovações em níveis de secretarias e/ou órgãos de governo, no âmbito de cidades que estão se alinhando com perspectiva das cidades inteligentes e sustentáveis, pode se traduzir em inovações de vários tipos, quais sejam: de produtos, serviços e organizacionais. As inovações em produtos no contexto de energia para as cidades referem-se a mudanças em produtos que otimizam o aproveitamento desse insumo. Os telhados total ou parcialmente cobertos por painéis fotovoltaicos, também chamados de “telhados verdes”, podem ser vistos como inovações em produtos. Nesses casos, a inovação ge183

ralmente está no equipamento, como pode ser exemplificado por um telhado descrito por Jordani (2018), construído com painéis de célula solar de filme fino em que a camada da célula solar compreende a composição de uma célula solar de película fina de silício amorfo e de uma célula solar de filme fino de telluride de cádmio. Essa composição favorece a captação e transformação da energia solar fotovoltaica em energia elétrica. Em relação à inovação em serviços na área de energia para as cidades, destaca-se o gerenciamento das redes de transmissão e distribuição (T&D) com soluções baseadas na tecnologia de rede “inteligente” (smart grid). Essas tecnologias estão ajudando as concessionárias e as comunidades do mundo todo a buscar ideias novas sobre como conservar energia, assegurar um abastecimento confiável, habilitar novos serviços e aumentar a responsabilidade ambiental, tudo isso usando uma rede de energia que já está sobrecarregada pelas demandas da sociedade moderna (Accenture, 2018). Inovações em cidades oriundas da integração de dados de diversas áreas ou setores governamentais (por exemplo, transporte, congestionamentos, qualidade do ar, internações por doenças respiratórias), via tecnologias embarcadas (dispositivos móveis, câmeras) e outras favorecidas pela miniaturização e ausência de fios cabos (wireless) também podem ser vistas como inovações organizacionais. Os laboratórios de inovação são locais adequados para esses dados serem trabalhados, possibilitando a geração de inovações em produtos que, posteriormente, contribuirão para inovações organizacionais e para a otimização de processos na gestão pública. Dessa forma, ideias criativas surgidas em startups alojadas nesses laboratórios de inovação, a partir da interação com pessoas do ambiente interno ou com a colaboração de parceiros externos, podem induzir inovações organizacionais que envolvem atividades que demandam a integração de várias áreas e/ou secretarias de governo, a exemplo do que vem acontecendo a partir do amadurecimento das startups instaladas no Mobilab de São Paulo (Caires; Ruiz, 2018). Esses três tipos de inovação, dependendo de suas naturezas ou impactos, podem ser classificados em duas categorias: inovações radicais ou incrementais. As radicais envolvem novos princípios de engenharia ou científicos, abrem novos mercados e novas aplicações e tendem a causar grandes mudanças em nível mundial. As incrementais geralmente introduzem pequenas mudanças a um produto existente e são percebidas de maneira menos agressiva que as radicais, promovendo um contínuo processo de mudança lenta e gradual (Vasconcellos;

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Marx, 2011). No caso de inovações em cidades, em especial, no setor público, elas tendem a ser de natureza incremental.

Energia para as Cidades: Geração Descentralizada e Marcos Regulatórios A resolução normativa ANEEL no 482/2012 (Agência Nacional de Energia Elétrica), que entrou em vigor em abril de 2012, fundamenta as diretrizes da microgeração e minigeração distribuída no Brasil. Esse documento, fundamental no campo das políticas públicas do setor energético, inaugurou o novo modelo do sistema elétrico brasileiro, permitindo que o consumidor possa gerar sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis ou cogeração qualificada, assim como fornecer o excedente de energia produzida para a rede de distribuição de energia (ANEEL, 2015). A microgeração distribuída caracteriza-se por uma central geradora de energia elétrica que utilize fontes renováveis de energia com potência instalada menor ou igual a 75 kW, conectada à rede elétrica por meio de uma unidade consumidora. Já a minigeração distribuída apresenta uma central geradora de potência instalada superior a 75 kW e inferior a 3MW proveniente de fonte renovável de energia e no caso de fonte hídrica menor ou igual a 5MW, conectada à rede elétrica por uma unidade consumidora (ANEEL, 2017). Quando a quantidade de energia gerada em determinado período é superior à energia consumida, o consumidor adiciona créditos que serão descontados no momento que a geração é inferior ao consumo, por exemplo, no período noturno. Essa operação de crédito e débito de energia é realizada por meio de empréstimo gratuito para distribuidora local e posteriormente compensada com o consumo de energia elétrica ativa, nunca com crédito ou débito de importâncias monetárias, e é conhecido internacionalmente pelo termo em inglês Net Metering. No Brasil, esse sistema é denominado de Sistema de Compensação de Energia Elétrica (ANEEL, 2015). A geração distribuída destaca-se pelo potencial benefício proporcionado ao sistema elétrico como adiamento de investimentos na expansão dos sistemas de transmissão e distribuição, minimização das perdas, baixo impacto ambiental e diversificação da matriz energética (ANEEL, 2015). No ano de 2015, a ANEEL revisou a resolução normativa no 482/2012 e publicou a resolução normativa no 687/2015, com objetivo de melhorar e ampliar a resolução anterior. Entre as principais melho185

rias, que entraram em vigor em 1o de março de 2016, destacam-se a ampliação do prazo de validade dos créditos que podem ser utilizados para abatimento na fatura que passa de 36 meses para 60 meses (ANEEL, 2015). Em nota técnica de projeção de demanda de energia elétrica 2014 – 2024, ressalta-se que a regulamentação ANEEL no 482/2012, a qual possibilitou a compensação da energia excedente produzida, promoverá a expansão da geração distribuída da energia fotovoltaica para aproximadamente 1.257 GWh em 2023 (MME, 2013). Atualmente, os custos dos geradores e eventuais financiamentos não são estabelecidos pela ANEEL. A iniciativa da instalação e a análise do custo versus benefício devem ser do consumidor, uma vez que cada caso envolve características muito particulares, como tipo de tecnologia, tarifa local de energia, localização e custos de adequação de infraestrutura (ANEEL, 2017). A resolução normativa no 482/2012 atualizada prevê novas modalidades de micro e minigeração distribuída, como a geração compartilhada, o autoconsumo remoto e o empreendimento com múltiplas unidades consumidoras. Nessas novas modalidades, a instalação da unidade geradora de energia distribuída pode ser realizada em um local diferente do ponto de consumo desde que respeite determinados parâmetros (ANEEL, 2017). Essa descentralização da produção fomenta a expansão das fontes renováveis, especialmente de energia solar fotovoltaica, e reduz perdas técnicas na transmissão ao aproximar a geração dos centros de consumo. A geração compartilhada caracteriza-se pela reunião de consumidores pertencentes à mesma área de uma concessionária de energia elétrica, organizados por meio de consórcio ou cooperativa e que possuam uma unidade geradora de energia elétrica integrada à rede de distribuição em local diferente das unidades consumidoras. Os critérios de divisão dos créditos de energia, provenientes da central geradora distribuída, é livre entre os participantes e obedece à indicação percentual previamente indicada à concessionária de energia. Sob a perspectiva da geração, distribuição e consumo de energia elétrica, as redes inteligentes (smart grids) constituem-se em uma revolução tecnológica na indústria de energia elétrica (DOE, 2009). São ferramentas que fazem uso de atuais técnicas de eletrônica, de telecomunicações e de tecnologia da informação no sistema elétrico para ampliar a geração distribuída em diversos países do mundo (FGV, 2014). Nesse sentido, o conceito de smart grids se apresenta como uma tecnologia que permite o uso eficiente da energia elétrica, aderente ao

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Sistema de Compensação de Energia Elétrica pautado pela a resolução normativa ANEEL no 482/2012. Essa tecnologia apresenta três principais contribuições: (i) redução de falhas no sistema de fornecimento; (ii) redução do consumo de energia por parte da empresa concessionária, para fornecer um serviço com qualidade igual ou melhor e (iii) integração de ponta a ponta, do gerador ao consumidor (FGV, 2014). No entanto, do ponto de vista financeiro, a resolução normativa ANEEL no 482/2012 não prevê subsídios ou incentivos, situação que desestimula a ampliação dos sistemas fotovoltaicos (Neto, 2014). Nesse contexto, diversos países vêm oferecendo incentivos reais para ampliar a participação das fontes renováveis na capacidade total de geração. Países como França e Canadá contam com leis que obrigam novos edifícios comerciais a terem telhados pelo menos parcialmente cobertos por painéis fotovoltaicos ou plantas (os chamados “telhados verdes”). O mercado canadense de energias renováveis e tecnologias limpas está ganhando cada vez mais importância. Para a próxima década, políticas nacionais preveem um investimento no setor de 8 bilhões de dólares – valor 175% superior ao investido em 2010. No ano de 2016, a França lançou um programa de investimento em energia renovável que promete 1,79 bilhão de dólares para o setor nos próximos quatro anos. O montante é destinado em forma de subsídios e empréstimos para projetos de desenvolvimento de tecnologias limpas de alto custo, como solar, marinha, geotérmica, de captura e armazenamento de carbono, e para pesquisas de biocombustíveis e carros elétricos. A Dinamarca é o país líder na participação da energia eólica em sua matriz (Dupont, et al., 2015). A Alemanha é a representante mais forte na capacidade de produção instalada, gerando mais que qualquer um dos três países citados anteriormente. Portugal é outro país que nos últimos anos tem feito um processo de mudança da matriz energética para fontes limpas e renováveis. Alemanha e Portugal seguem uma tendência que se torna cada vez mais comum em toda a Europa: expandir o setor eólico e atender quase na sua totalidade 100% de geração de energias renováveis. A Itália está se tornando um dos destinos mais atraentes para sistemas solares fotovoltaicos, que em pouco tempo devem atingir preços competitivos no mercado de geração e distribuição elétrica. Somente no ano de 2011, o Reino Unido somou um total de US$ 9,4 bilhões em investimentos no setor de energias limpas. Mais da metade dos recursos foi investido em energia solar e 25%, em energia eólica. O país está entre os mais atuantes no setor entre os europeus.

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Depois do desastre nuclear de Fukushima, o Japão aumentou para 23% seu investimento em energias renováveis, no ano de 2011. A Índia é considerada um dos mercados mais fortes e promissores no que tange às energias renováveis, em âmbito mundial. Entre os anos de 2010 e 2011, os investimentos no setor, no país, cresceram 54%, um salto considerável, uma vez que foi a sexta maior expansão entre os integrantes do G20.

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Capítulo 15 As Tecnologias da Informação e Comunicação e as novas dinâmicas sociais do espaço urbano Robson Simões Cristiano Capellani Quaresma Conceitualmente, tecnologia e sociedade são ideias essencialmente imbricadas. Por essa razão, analiticamente, não é possível examinar um destes conceitos separadamente do outro. Assim, parece não fazer sentido analisar tecnologias sem examinar suas implicações sociais, especialmente as voltadas para a sociedade urbana, as tecnologias para cidades inteligentes. Hoje a vida se dá nas cidades. Inseridas de forma intrínseca no modo de vida da sociedade atual, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) – têm modificado a organização de práticas e dinâmicas sociais, das mais complexas às mais simples. No contexto urbano, configura-se um movimento de duplo efeito: as cidades contemporâneas alteram e são alteradas pela aplicação das tecnologias inteligentes nos seus espaços, o que exige que se tenha entendimento preciso de como a sociedade funciona e interage com essas novas técnicas. A vigente crise estrutural global demanda de modo urgente repensar os modelos de desenvolvimento socioeconômico urbanos, para serem mais consistentes com as novas necessidades socioespaciais, em particular, as relacionadas com habitação, transporte e inclusão social. Por ser uma instância social, como define o geógrafo Milton Santos, o espaço constitui-se também em um aspecto incontornável em qualquer ação ou estudo associados às cidades. Logo, é imperativo examinar criticamente e considerar como as tecnologias inteligentes podem ajudar a modificar o modo de vida no espaço urbano para torná-lo mais igualitário socioespacialmente. Neste capítulo, analisamos conjuntamente os três conceitos: tecnologia, sociedade e espaço urbano. Contudo, direcionamos o foco para dois aspectos vitais que nos últimos anos vêm se tornando cada vez mais importantes em iniciativas relacionadas às cidades inteligen191

tes: os moradores das cidades e os modos de planejar e implantar uma cidade voltada para eles. Como princípios norteadores de algumas noções comumente utilizadas, entendemos que o termo cidade se refere ao meio construído. Já a noção de urbano está associada ao modo de vida adotado nas cidades, como fundamenta Sandra Lencione.

Cidades inteligentes: cidades para pessoas De modo sintético, a noção de smart city ou cidade inteligente, concentra a ideia de uma cidade que faz uso de sensores eletrônicos instalados e distribuídos pelo espaço urbano, conectados com múltiplas redes telemáticas que fornecem, para sistemas de computação específicos, dados contínuos sobre fluxos materiais e imateriais. O propósito é auxiliar as tomadas de decisão dos administradores públicos e aumentar a eficiência da gestão com participação dos cidadãos, o que implica um novo tipo de governança e envolvimento efetivo dos citadinos nas políticas públicas. O arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl aponta que o espaço da cidade deve ser entendido e planejado, acima de tudo, pela sua inerente função social. Portanto, compreender essa realidade incontestável é essencial para o êxito de toda intervenção no espaço urbano. Na prática, a escolha de uma abordagem que prioriza pessoas é o primeiro passo quando se almeja a implementação de projetos smart city, pois o envolvimento ativo dos cidadãos é fator crítico de sucesso em qualquer iniciativa dessa natureza. A vantagem decisiva e evidente dessa opção é a redução do determinismo tecnológico recorrente nesse tipo de projeto, pois permite, sobretudo, customizar e adaptar as soluções tecnológicas inteligentes às necessidades específicas que cada cidade possui. Tal prática evita uma armadilha muito comum: a adoção de pacotes tecnológicos padronizados ou de “tamanho único” (one size fits all) que ignoram o fato de que diferentes cidades possuem necessidades e deficiências distintas e em variadas proporções. O complexo contexto atual direciona as discussões não mais em “como as cidades podem ser mais inteligentes”, mas em “como tecnologias inteligentes podem levar as cidades a repensarem os padrões de desenvolvimento urbano, tornando-os justos e inclusivos, além de eficientes e sustentáveis”. Estudos recentes, como o conduzido pelo DTI (Digital Technology Institute), apontam que iniciativas de cidades inteligentes que 192

obtêm êxito são as que analisam as tecnologias por suas capacidades de se adaptarem às características e atributos da estrutura socioespacial urbana, acima de qualquer outro critério. Por consequência, a compreensão de um dado espaço urbano e daqueles que nele vivem, passa por processos preliminares de coleta, organização, publicação, comparação e compartilhamento de dados e informações sobre suas especificidades. Nessa perspectiva, a qualidade e o sucesso das iniciativas smart city devem ser mensurados pelo grau de envolvimento que os cidadãos podem alcançar. Os processos de transformação digital da cidade exigem, portanto, uma mudança de paradigma decisiva e robusta em relação ao passado, colocando os cidadãos no centro e com a administração voltada para servi-los, com foco particular em serviços e aplicações simples e facilmente utilizáveis. Não se trata apenas de compartilhar certos dados e informações no modo Open Data e seguir as restrições legais e normativas, mas adotar um novo modelo que permita envolver, desde o início das ações, aqueles que constituem e configuram o espaço urbano, ou seja, cidadãos, fornecedores de tecnologia, empresas e outros setores da sociedade civil organizada. Isso ocorre, especificamente, na etapa de definição de propósitos e escolhas, sob uma lógica aberta e participativa. Esse novo paradigma somente pode ser introduzido com a criação de novas plataformas relacionais que ao longo do tempo serão integradas aos processos e fluxos de interação e relacionamento da administração pública com os cidadãos, sendo abertas e nativamente construídas para integração com fluxos de aplicativos em toda a administração municipal.

Planejamento inteligente para cidades Adotado atualmente pelas principais smart cities do mundo, o modelo de planejamento baseado em criação compartilhada é o passo inicial dessas iniciativas, obtendo destaque por ajudar a impulsionar a próxima geração de cidades mais inteligentes (Figura 1).

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Fi g u r a 1 – Pr i n c í p i o s d e p l a n e j a m e n to co m p a r t i l h a d o p a ra p ro j e to s smar t cities Elaboração: autores

Entre as ações práticas para concepção de projetos smart city desse modelo, estão seis princípios de trabalho: 1. Definir uma visão comum compartilhada de cidade inteligente: humana e transversal. Em projetos smart city, de fato, inovadores, é essencial construir e difundir uma compreensão clara do modelo de cidade inteligente mais capaz de transformar positivamente a comunidade por meio de tecnologias digitais – um modelo economicamente viável social e culturalmente, baseado no diálogo com as necessidades dos cidadãos e com o sentimento compartilhado da comunidade. Hoje, cidades inteligentes inovadoras são orientadas e servem pessoas. 2. Estabelecer organização participativa: uma interconexão entre liderança, visão, métodos e participação. O aspecto organizacional consiste na capacidade de envolver moradores de todo espaço urbano, objetivando ouvir e gerenciar as necessidades de todas as partes envolvidas no processo, além do planejamento das intervenções a serem realizadas, configurando orientação sólida de uma rede participativa. 3. Delinear e planejar um modelo econômico inclusivo: uma cidade que quer crescer e lançar projetos maduros dentro de um ambiente de cidade inteligente, e não somente experimentos individuais, necessita ter parte de seu orçamento dedicada às iniciativas de inovação e compartilhamento, ainda que limitadas, pois sua existência é decisiva como indicador de escolha cultural. Em inúmeras 194

cidades, as divisões econômicas estão sendo ampliadas e o capital social, destruído devido ao foco exagerado e quase exclusivo na noção que apenas uma cidade competitiva e digitalmente conectada pode sobreviver no agressivo mercado global. A obsessão por competitividade gera severos efeitos socioespaciais de desigualdade, percebidos em curto prazo e quase sempre complexos. Um dos modos para que problemas desse tipo sejam evitados e também corrigidos reside na participação ativa dos setores sociais na administração do espaço urbano. Associada a essa necessária participação social, as tecnologias inteligentes podem ser utilizadas para criação de economias urbanas mais igualitárias, inclusivas, além de ambientalmente eficientes, através de novas oportunidades de colaboração e compartilhamento que estão surgindo na interseção do espaço urbano e das tecnologias inteligentes voltadas para a cidade, gerando novas e inovadoras perspectivas para as economias urbanas. 4. Impelir transparência em todas as ações: objetivando comunidades resilientes, colaborativas e de “código aberto”. A consciência dos cidadãos sobre como sua cidade funciona e que características ela tem do ponto de vista econômico e socioespacial são cruciais. Nesse sentido, a capacidade de coletar dados e torná-los acessíveis e utilizáveis pelos cidadãos é vital. Não é suficiente criar plataformas de dados abertos apenas, pois estas devem ser um ponto de partida para obter o envolvimento participativo da comunidade desde as fases iniciais do projeto. 5. Habilitar uma infraestrutura digital eficiente para tecnologias inteligentes: as plataformas colaborativas baseadas em informações compartilhadas configuram a base tecnológica fundamental em projetos de cidades inteligentes. Há três fatores tecnológicos que são determinantes para escalabilidade e sucesso dessas plataformas: i. possuir infraestruturas de comunicação de rede seguras, confiáveis, capilarizadas e com capacidade de serem virtualizadas e com permissão de acesso a serviços digitais, agregação, monitoramento e controle de dados; ii. fornecimento de infraestrutura para hospedagem de aplicativos centrais, além de coleta, armazenagem e análise de dados; iii. a construção de plataformas de aplicativos deve enfocar tanto o sistema de gerenciamento central quanto os sistemas e serviços individuais. 6. Impulsionar a comunicação fluida e aberta, promovendo incessantemente diálogo e engajamento: conceber uma cidade inteligente não significa apenas introduzir tecnologias inovadoras no espaço

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urbano, mas sobretudo, perseguir o propósito de responder de um modo novo a questões emergentes. Essa perspectiva engloba prover, de um modo renovado, serviços de assistência, segurança, participação e inovação. Inclui também possuir e utilizar ferramentas para coordenar o diálogo entre todas as partes envolvidas, usando a mediação cultural, pois esta é capaz de lidar com dificuldades e grupos minoritários ou fechados, atribuindo às pessoas papéis e responsabilidade. E especialmente, compartilhar de forma clara e consistente as fases e os objetivos do projeto a ser implantado. Entre os problemas críticos de falta de engajamento em iniciativas smart city, está a falha em transmitir o que são, como funcionam e quais os benefícios dos serviços disponibilizados.

Tecnologia e Sociedade Posterior ao planejamento de um projeto smart city de sucesso, a fase seguinte deve efetivar, na prática, os seis princípios de trabalho definidos através da implantação das tecnologias inteligentes. Entre as abordagens que mais obtiveram êxito nesse desafio, a desenvolvida pelo Trilabs da Alemanha, prioriza em suas fases iniciais, o levantamento e a priorização dos principais problemas da cidade, seguido de análise de aderência sobre quais tecnologias podem potencialmente ajudar a solucionar ou minimizar os problemas urbanos identificados preliminarmente (Figura 2).

Fi g u r a 2 - A b o r d a g e m I n t e r d i s c i p l i n a r d e I m p l a n t a ç ã o d e T I C s e m Smar t Cities Fonte: adaptado de Berndt, J.O. et al. (2017).

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Desse modo, também alinhados às premissas definidas na fase anterior, dados e informações são coletados, em bases já existentes e também no mundo real (espaço urbano), sendo então analisados por uma equipe interdisciplinar constituída por urbanistas, sociólogos, geógrafos, agentes de inovação, administradores públicos, engenheiros das TICs e outros setores da sociedade organizada com o propósito de criar pontes de diálogo entre as áreas. O objetivo final é construir e obter uma visão consistente, abrangente e precisa dos problemas críticos da cidade, utilizando entre outras técnicas, simulações de fenômenos urbanos, situações cotidianas e contextos socioespaciais diversificados que fundamentarão tanto a análise e escolha das melhores tecnologias como o planejamento da infraestrutura tecnológica necessária para suportar as soluções definidas, configurando um modelo tecnológico flexível, com foco prioritário em servir os cidadãos. Cidades inteligentes de sucesso demandam modelos tecnológicos confiáveis e preparados para operarem associados com ferramentas preditivas, baseadas em análise de dados, pois são indispensáveis para estimar as implicações de novas ações, destacar tendências emergentes, favoráveis ou desfavoráveis, e buscar soluções novas para problemas que requerem intervenção. O crítico de ciência e tecnologia Andrew Feenberg defende a tese de que onde quer que as relações sociais sejam mediadas pela tecnologia moderna, é possível introduzir controles mais justos, democráticos e reformular a tecnologia, a fim de acolher melhores resultados através de iniciativa e conhecimento.

Iniciativas smart city realmente inteligentes Cidades de fato inteligentes espalhadas por todo o globo evidenciam que a cidade é mais do que apenas um espaço governado por investimentos, políticas e “tecnologias portadoras de futuro”, como assinala o físico e filósofo Abraham Moles. Nessa direção, pensada e concebida sobre o pressuposto de que as pessoas precisam estar no centro de qualquer agenda de cidade inteligente e alinhada com as ideias de Henri Lefebvre, o projeto e rede carioca Meu Rio tem como premissa o direito do morador urbano à cidade digital. Entendendo a cidade como sendo dos cidadãos, defende e trabalha para que estes não somente sejam envolvidos, mas capacitados e participantes ativos de análises, projetos e políticas aplicadas à cidade do Rio de Janeiro através da utilização de tecnologias digitais. 197

Em Bogotá, Colômbia, no início do ano 2000, o Transmilenio, sistema de Transporte Rápido de Ônibus (BRT), foi implantado para melhorar a mobilidade urbana. Desde os primeiros estágios do planejamento do sistema foi priorizado fornecer acesso a empregos voltados para a população de baixa renda da periferia da cidade e também estabelecer o direito à mobilidade desses moradores, conectando as áreas pobres às principais rotas da cidade. O projeto da cidade inteligente incluiu, entre outras ações, a instalação em ônibus e terminais de carregadores de celulares e tecnologia para conexão sem fio à internet de forma gratuita em todo sistema. O sucesso do Transmilenio em melhorar a equidade social, com uma iniciativa simples do ponto de vista tecnológico, está fundamentado em um propósito maior: iniciar todas as decisões de desenvolvimento urbano analisando e priorizando benefícios e implicações sociais, estabelecendo assim, as bases para soluções inovadoras que objetivam integrar práticas equitativas às políticas de transporte da cidade, beneficiando e incluindo socialmente residentes de todos os níveis socioeconômicos, em especial, os cidadãos de baixa renda. A opção por priorizar os cidadãos em projetos smart city que buscam melhorar a vida no espaço urbano através de transformações digitais inteligentes é também evidenciada pelo sucesso de projetos que acontecem em todo mundo, como o Kiva City, da ONG de mesmo nome, que oferece empréstimos sem juros para empresas sociais locais, tendo seu modelo replicado em nível global. No mesmo caminho, estão a rede Freecycle (TFN), que coleta milhares de toneladas de objetos funcionais, mas indesejados, de aterros sanitários e os renova, e também os Cafés de Consertos/ Reparos que reúnem pessoas de todas as idades com habilidades de reparo em diversas áreas, junto com aqueles que precisam de ajuda. Tal compartilhamento suportado por TICs inteligentes e inspirado pela comunidade está transformando normas e culturas.

Conclusão O processo de produção e consumo de tecnologias é um processo social e, como tal, é condicionado pela estrutura social em que está inserido. Em contrapartida, enquanto processo da sociedade, pode criar novas e inovadoras possibilidades de permanência e de transformação da estrutura, tendo ritmos e rumos variados conforme mudam o tempo e o espaço onde é praticado. A complexa vida nas cidades está articulada à aceleração 198

contemporânea que a utilização massiva das novas TICs gera. Esses fenômenos configuram o período atual, denominado por especialistas de quarta revolução industrial, no qual a tecnologia parece obter ainda mais prevalência. Nessa perspectiva, praticar a ideia de que as pessoas devem estar no centro de qualquer projeto ou agenda de cidade inteligente diminui fortemente o risco de se tornar uma cidade com tecnologias, a qual somente automatiza as desigualdades existentes, sendo talvez futurista, mas nada inteligente. O processo, de fato, inteligente de desenvolvimento de smart cities deve ter como objetivos imprescindíveis: presidir os lugares, os tempos e as formas de diálogo entre todos os indivíduos envolvidos; promover mediação cultural em relação às inovações introduzidas; ter foco de atenção às dificuldades e aos fechamentos defensivos que podem ter surgido; promover a responsabilidade do indivíduo perante a comunidade, em termos de contribuição específica que pode levar à melhoria da vida urbana; e, finalmente, a afirmação de uma visão clara e consistente da fase de objetivos, além dos custos e benefícios do caminho de transformação que será lançado. Já que não há smart city sem uma comunicação eficaz, as ações comunicativas conectadas aos princípios gerais do planejamento devem trabalhar com plena consciência da extraordinária utilidade dos dados nos processos de transformação digital em que todos estarão envolvidos (cidadãos, administradores da cidade, empresas e outros). Como aponta o especialista em planejamento urbano Jeroen Klink, as novas formas de governança metropolitana que estão surgindo como tendência mundial precisam provar sua efetividade em termos de equacionar os verdadeiros problemas metropolitanos. Sob as perspectivas do colapso e da inviabilidade das dinâmicas urbanas atuais e o avanço inexorável das TICs, o conceito de cidade inteligente surge e evolui como uma forma eficaz de utilizar os avanços tecnológicos para proporcionar melhores condições de vida e de atuação para aqueles que verdadeiramente têm direito à cidade digital: os cidadãos.

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Capítulo 16 Smart and sustainable cities: notas introdutórias sobre o conceito de inteligência Wilson Levy Carlos Leite O debate em torno da agenda das cidades inteligentes e sustentáveis apresenta enorme quantidade de desafios conceituais e práticos, quase todos interligados. Enfrentá-los, ponto a ponto, é papel da universidade e da comunidade de especialistas que a compõe. E, claro, de todos os destinatários das inovações relacionadas a esse tema. Alguns pressupostos, todavia, são irrenunciáveis. No âmbito das políticas públicas, por exemplo, parece inconveniente associar a ideia de cidades inteligentes e sustentáveis a um catálogo de aplicativos tecnológicos que formam uma imagem idílica de cidade conectada, com letreiros luminosos e informações pipocando em telas enquanto pessoas mergulhadas em smartphones correm apressadas para um destino incerto. Esse arremedo de cidade inteligente, mais próxima da ideia de um “vitrinismo” comercial, não se sustenta e, mais do que isso, precisa ser desconstruído. E isso passa por uma abordagem mais consistente sobre o que se entende por “inteligência” no âmbito das smart cities. Esse conceito, nos parece, é chave para iniciar o debate dessa agenda. Nele estão ocultos significados que podem evidenciar o alcance social das smart cities e, com isso, reposicioná-la na discussão do urbanismo e da política urbana. Neste capítulo, o objetivo é evidenciar que a ideia de inteligência aplicada ao território guarda relação estreita com a política democrática nas cidades. E que essa política democrática transcende, pela natureza típica das relações sociais que se operam nas cidades, o enquadramento clássico dos arranjos representativos, baseados na discussão do sufrágio e suas consequências institucionais. Para tanto, partimos da premissa de que a inteligência é, antes de tudo, uma característica humana, criativa, capaz de se expandir e de adquirir precisão quanto maior for a quantidade, a qualidade e a 202

diversidade de interações sociais em que se envolverem os indivíduos. É ela quem determina o alcance da tecnologia tal como a conhecemos e, também, a sua utilidade e complexidade. A particularidade do gênero humano de ser dotado de racionalidade é decisiva neste ponto: é essa racionalidade que se transforma em inteligência no âmbito do processo interativo e cooperativo. Esse é um conceito ainda em construção. De qualquer maneira, convém explorar especificamente a dimensão da interação sobre o viés político da democracia. E, propriamente, da democracia como cooperação reflexiva. Afinal, esse é o amálgama social e político que melhor favorece a realização de interações livres, disruptivas, questionadoras e complexas. Espera-se com isso dar um passo adiante no desenvolvimento do conceito de inteligência que aparece ladeado por “cidade” e “sustentável”. Para tanto, começaremos abordando o tema das interações sociais. Depois, do elemento pré-político da democracia, na forma da cooperação. Por último, da democracia como cooperação reflexiva.

A cidade e suas interações Comecemos falando sobre as interações sociais na cidade – e por um motivo simples: elas estão na base do processo cooperativo – que nada mais são do que sua manifestação acrescida de uma ação dirigida – e reservam um importante potencial analítico. Especialmente quando se focaliza o aprendizado que a interação pode proporcionar aos seus participantes. Desde o sociólogo alemão Max Weber, na coletânea de textos intitulada Economia e Sociedade, sabe-se que a cidade induz um determinado padrão de interação social que é distinto de todas as outras formas de relação preexistentes à sua conformação territorial. Embora a afirmação seja singela, as consequências que se extraem delas são fantásticas. Ao assumir que o espaço urbano provoca determinado padrão de interação, podemos afirmar que ele não é apenas um palco em que tais relações se reproduzem. É, ao contrário, protagonista. Ao analisar a cidade à luz dos estudos sobre a legitimidade do poder, Weber lembra que as guildas – associações que agrupavam indivíduos com interesses comuns – não surgem na cidade, mas sim “por causa” da cidade. A relação de causa-efeito, aqui, tem enorme significado. Ela desloca para a urbanização um papel ativo nos eventos que levaram a grandes mudanças nas sociedades ocidentais, como é o caso das grandes revoluções que chacoalharam o mundo no século XX. 203

Nesse sentido, ao proporcionar um padrão absolutamente novo de interação social, aproximando as pessoas e viabilizando o encontro com a diferença, a cidade se apresenta como um constante estímulo à racionalidade, colocando, aos cidadãos, novos e constantes desafios. É o que aponta o sociólogo alemão Georg Simmel. Simmel define as diferenças entre as pequenas e as grandes cidades. Em contraste com o ritmo pacato da cidade pequena e da vida no campo, pautado por relações baseadas nos sentimentos, a cidade grande descortina uma natureza “intelectualista da vida anímica”, em que o entendimento e o consciente assumem um protagonismo diante da dimensão sensível da existência. Trata-se de um mecanismo adaptativo, necessário à proteção perante fatos da vida urbana das metrópoles: o desenraizamento, a dinâmica acelerada de modificações individuais e coletivas, os processos de troca na economia monetária. Alheio ao universo sensível, o habitante da metrópole incorpora os caracteres constitutivos da racionalidade. Perde-se, de acordo com o autor, o colorido das relações intersubjetivas autênticas, que não prescindem de uma afetação mínima. Mas ganha-se em termos de complexidade e de visão de mundo. A cidade grande é mais intelectualizada, embora seja também mais blasé. Nesse arranjo, pode-se concluir que as cidades oprimem, mas são elas a mais fabulosa invenção da humanidade, capazes de viabilizar relações sociais cada vez mais autônomas e livres. Note-se que a descrição de Simmel não é insensível aos problemas típicos da metrópole: a indiferença, o desinteresse, o desapego, a mercantilização da vida, a solidão no sentido negativo da palavra. Mas ela revela que, se a cidade é a expressão concreta de novos arranjos sociais, eles também podem ser enxergados à luz de suas positividades. Ao expor essa situação, Simmel, indiretamente, coloca em evidência que, se o “ar da cidade liberta”, como diz um provérbio alemão, ele ao mesmo tempo produz contradições e é preciso, de algum modo, lidar com elas. Explorar os potenciais de individuação bem-sucedida, de autonomia, de autorrealização e de liberdade individual e, principalmente, de aprendizado, são próprios da cidade. Territorializam a dimensão racional do indivíduo. E conferem um novo significado à inteligência. Isso é especialmente relevante quando olhamos para o ponto seguinte, que pretende apresentar a interação como elemento qualificado pela cooperação.

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A interação como cooperação Toda essa reflexão deságua numa conclusão importante: a interação conduz a um amálgama social pré-político. “Pré-político” significaria, nesses termos, a etapa anterior ao momento em que os indivíduos se lançam em discussões públicas de acordo com seus interesses e pretensões políticas. É a crença de que, mesmo em cenários nos quais os indivíduos não possuam horizontes de objetivos iguais, a cooperação pode assumir a forma de uma colaboração amigável como um acréscimo imprescindível aos projetos de vida dos envolvidos. Nesse contexto, as disputas podem ser solucionadas na forma de um aprendizado cooperativo em que cada envolvido confere ao outro a chance de se expressar em vez de ver prevalecer uma dada opinião com base na força e na coerção, ou, nas palavras de Dewey, nas formas de supressão à força através da violência, em que são empregados “meios psicológicos de ridicularização, abuso, intimidação” . A grande contribuição do autor, então, está na adição dos conceitos de “associação e comunidade” como pré-requisitos à democracia. “Associação”, aqui, tem o sentido de um deslocamento do lugar da democracia, que sai da esfera estritamente estatal – ideia que, como visto, é partilhada por Axel Honneth – para o seio das relações sociais, consideradas desde a relação entre vizinhos até as grandes comunidades, e o sentido também de um modo de vida pautado no viver junto. “Comunidade”, por sua vez, deixa de ser uma metáfora contratualista para passar por um processo de resignificação dinâmica, que nasce da pura associação humana na presença da liberdade para então representar uma nova forma de organização humana. Fecha-se, assim, o dualismo Estado-Sociedade civil, ao “se constituir simultaneamente como os dois sem, todavia, ser nenhum deles”. Em comum, ambas as categorias desembocam na formação de um projeto democrático radical, já que a democracia passa a ser um “modo de vida cooperativo, autogovernado e autodeterminado”. Os estudos de Dewey, como visto, apresentam uma abordagem bastante peculiar em torno da questão democrática, sobretudo porque esta difere, substancialmente, de boa parte da teoria contemporânea predominante da democracia. Honneth enxerga aí a chave para superar os principais dilemas e aporias das formulações de seus antecessores e daqueles que modernamente se debruçaram sobre essa questão. 205

De acordo com o filósofo alemão, a discussão recente sobre a democracia radical é marcada por uma polarização entre republicanismo e procedimentalismo. Em linhas gerais, tais modelos se propõem a lidar com os défices de participação do liberalismo clássico, em especial a partir de fórmulas que garantam maior participação dos indivíduos nas deliberações políticas, embora a partir de perspectivas sensivelmente distintas: no republicanismo, a tônica se concentra na negociação intersubjetiva de questões públicas como um atributo da vida nas cidades, enquanto no procedimentalismo, o foco está na adoção de procedimentos moralmente justificados. Para Honneth, contudo, esse predomínio, ainda que represente um acréscimo, trouxe consigo um efeito negativo, que se concentra no fato de que, a rigor, parece não haver outra alternativa normativa na tarefa de atualização permanente da democracia. Nesse sentido, ele sugere a adoção da teoria democrática de John Dewey como uma terceira via; à primeira vista, não há qualquer impossibilidade no sentido de harmonização das hipóteses em jogo, já que, para o filósofo alemão, a contribuição de Dewey pode ser vista como um antecedente teórico das duas abordagens. Ao lançar essa assertiva, Honneth se propõe a explorar em que medida os argumentos das outras abordagens teóricas a respeito de seus próprios fundamentos estão equivocadas. Para realizar esse esforço argumentativo, ele procurou apontar como a adoção de um ponto de vista parcial das ideias de Dewey, por parte das duas correntes contemporâneas da democracia, ocorre de forma equivocada. Para Honneth, as correntes atuais da democracia radical conferem interpretação negativa à liberdade individual. Tal posição é tributária tanto da tradição marxista quanto daquela que remonta a Alexis de Tocqueville, que entendiam que a perspectiva liberal de política se reduzia à legitimação periódica da ação estatal através do voto e à visão de que o Estado se cingia à proteção das liberdades individuais. Nesse quadro, pouco importava o processo de integração social, mas apenas um debate livre mínimo sobre aquilo que demandava alguma decisão. As alternativas a esse quadro, por sua via, têm apostado na dimensão comunicativa, na qual a autonomia do cidadão, antes de se fundar num pressuposto de liberdade individual, estava umbilicalmente vinculada à sua associação com outros cidadãos. A democracia emergiria, assim, como um modelo calcado em situações comunicativas de interação livre de dominação. Embora concorde com a importância desempenhada pela

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intersubjetividade discursiva, Dewey – aqui partilhando da tradição que remonta a Marx – entende que a liberdade comunicativa se associa mais ao emprego comum de forças individuais para compreender e superar um problema. Por conseguinte, o autor entende que a democracia não pode ser vista como tradicionalmente e instrumentalmente o é, ou seja, como mera forma de organização do Estado em que há uma regra aritmética (a regra da maioria) para organizar a massa disforme de indivíduos isolados e com fins divergentes. Frise-se, nesse caminho, que tal perspectiva instrumental guarda parentesco com as teorias contratualistas clássicas, que adotam uma hipotética situação original de não comunicação e isolamento como fomento para os regimes democráticos. Dewey ilustra essa perspectiva com o sucesso verificado pela revolução americana, na qual a soberania popular foi incutida no interior de cada cidadão. Isso serve para ilustrar a própria concepção de Estado dada pelo referido autor: a de ser a instituição política de execução da vontade do povo, tido como inserido em relações de cooperação social. Essa ideia pouco difere das concepções clássicas de Aristóteles e Platão acerca de uma comunidade política; a diferença, porém, é central, pois, em vez de os cidadãos atingirem a liberdade por meio de uma autorrealização bem-sucedida conforme os fins éticos que constituem a eticidade do Estado (o que indica uma relação de finalidade), para Dewey, o foco deve estar nos meios de constituição política. Ao mesmo tempo, fica clara a presença do pensamento de Hegel, pois a noção de “organismo social” abastece o sistema da “totalidade” como expressão de uma sociabilidade que só surge como fruto da cooperação. Então, se a origem da democracia como cooperação reflexiva está na liberdade (enquanto expressão de autorrealização positiva e ilimitada com fins de colaboração) e na interação orgânica dos indivíduos, o Estado é compreendido como a instituição política responsável pela execução da vontade que surge desse tecido de relações sociais. Inverte-se, assim, a lógica aristocrática clássica da centralidade de um grupo de indivíduos talentosos poder atingir o ideal ético, pois todos os cidadãos podem, com base em sua vontade livre, aperfeiçoar-se na busca do bem, mantendo com seus pares uma relação de confiança recíproca na qual cada um é sabedor de sua função social. Para Honneth, essa noção clarifica a posição de Dewey a respeito do entrelaçamento entre cooperação, liberdade e democracia. Ao que parece, o grande trunfo explorado por Dewey e apro-

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veitado, no contexto da luta por reconhecimento, por Axel Honneth, é o elemento pré-político da democracia, a qual é mantida numa perspectiva estritamente teórica, sendo difícil, porém, não perceber problemas ou dificuldades nessa abordagem. Afinal, para que a fórmula apresentada por Dewey transcorra sem percalços, é necessário que o ideal de autorrealização individual esteja fundado em um direcionamento que motive o desenvolvimento de capacidades socialmente úteis, o que cria um obstáculo para Dewey no sentido de estabelecer uma institucionalização política da liberdade. A questão encontra solução nos estudos psicológicos. Dewey reconhece a influência exercida por Hegel em suas teses sobre a democracia, nas quais a centralidade está na autorrealização humana fundada na ausência de constrangimentos externos ou influências no percurso até a aceitação voluntária de obrigações sociais. Pode-se dizer que Dewey se esforçou para, dentro da sociedade cooperativa, dar os contornos da ação política. Tal construção difere em grande medida daquela, realizada por Hannah Arendt e Habermas, que dão à ação política o papel de local de exercício comunicativo da liberdade. Dewey, ao contrário, dá um passo atrás que se revela como um meio cognitivo que auxilia a sociedade a realizar, por meio de experiências, explorar e resolver seus problemas de coordenação da ação. O ambiente democrático é, assim, o melhor espaço para produzir esse objetivo, pois no processo de aprendizagem social, no contexto da cooperação, há maior potencial para propiciar a emergência de uma esfera pública de proponentes que podem introduzir suas hipóteses, convicções e intuições, sem constrangimentos e com direitos iguais.

A democracia como cooperação reflexiva Para desenvolver sua teoria democrática, o filósofo alemão Axel Honneth retorna às ideias do filósofo norte-americano John Dewey, e sua proposta de uma democracia como reflexo da cooperação comunitária. O debate é importante na medida em que tenta aproximar duas vertentes da filosofia política contemporânea: o comunitarismo e o procedimentalismo. A democracia, para ele, começa em casa, e se desdobra em pequenas comunidades. A ideia normativa de democracia, por isso, é uma ideia social, em que a rede de interações é incumbida do exercício de um papel regulado. Dewey se apresenta como um autor preocupado em valorizar a democracia enquanto expressão comunitária, em que a associação 208

deixa de ser a noção de que há um medium entre Estado e Sociedade, ou, como a modernidade convencionou, decorrência de um “contrato social”, de uma estrutura racionalizante da qual deriva a soberania e o fundamento teórico do próprio Estado. Ela não seria nem mesmo consequência de uma externalidade previsível, proveniente de um mecanismo político cujo funcionamento vem da previsão de que os cidadãos são indivíduos minimamente cumpridores de seus direitos de cidadania. Para o filósofo norte-americano, a associação é a expressão coletiva de indivíduos para quem a democracia é um “modo de vida”, que se opõe à noção de uma mera “democracia política”, ou seja, que reside no íntimo universo das convicções de um indivíduo que a cultiva e que molda sua ação social e suas atitudes no amálgama comunitário. Tal amálgama, por sua via, não é apenas uma coletividade de indivíduos. É, em realidade, a expressão de uma atividade conjunta que, ao produzir consequências boas para os participantes, a ponto de ser preservada e constantemente estimulada nos exatos termos de ser um bem compartilhado por todos, configura-se como comunidade. Nela, os conceitos de “liberdade, igualdade e fraternidade” não existem isoladamente, posto que seriam abstrações inúteis. Por isso, não se pode imputar às ideias de Dewey a pecha de uma defesa incondicional da autonomia individual sobre tudo e todos. O que ele pretende, ao contrário, é reforçar a ideia de comunidade a partir da noção de indivíduo. Dewey entende também que a democracia, para além de modelos formais, consolida-se na medida em que afeta as formas de associação humana, como a família, a escola e a religião. A dimensão institucional, centrada no Estado, acaba tendo um valor reduzido, devendo, somente, servir de canal para operação efetiva dessa afetação societária. Assim, reduz-se o que Dewey denomina “santidade do sufrágio” enquanto um fim em si próprio. Levado ao limite, isso representa o ocaso da democracia, pois ela própria é expressão da vida em comunidade e não o contrário. E significa um redimensionamento das categorias que marcaram a modernidade iluminista: igualdade, liberdade e fraternidade. O conceito de “comunidade”, assim, transcende a noção de “associação de muitas pessoas”. Trata-se de algo maior. É, na verdade, a ideia de que a comunidade, composta de seres que observam e pensam, tem interesses e sentimentos e só existe em razão de uma combinação de ações individuais, pautadas em habilidades e capacidades, cujas consequências

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são percebidas coletivamente e se tornam objeto de comum desejo e esforço de cada um. Há aqui uma relação de organicidade e de estima mútua, que tem na comunicação um pré-requisito. Afirmar isso é dizer que o atributo inato do homem é a comunicação, que permite a ele interagir e dar sentido efetivo de ser alguém individualmente percebido numa dada comunidade. Somente nesse locus é que fazem sentido os avanços tecnológicos, os acréscimos de conhecimento oriundos da ciência e a evolução do mundo do trabalho, pois são frutos da ação associativa do homem. Para não representar formas de opressão, estas devem estar articuladas com esse conceito particular de comunidade. Por fim, cabe destacar algumas considerações acerca do “modelo de cidade” sobre o qual debatemos. Obviamente, não há um, mas há padrões que foram impressos no uso do território urbano de acordo com decisões, regulações – e sua ausência ou inaplicabilidade –, vontades e imposições da sociedade em determinado momento histórico. Nesse sentido, poder-se-ia sintetizar um padrão, pouco inteligente e sustentável, das grandes cidades brasileiras desenvolvido ao longo do século XX – quando houve a explosão urbana no País – que resultou em desmedida expansão territorial, com esgotamento dos recursos e acentuados protótipos de antiurbanidade. Nas duas décadas iniciais do século 21emergiu um novo modelo calcado em novos paradigmas que tratam de promover uma “reinvenção” das cidades, e que o humanismo deve guiar sua busca por construção de urbanidade, resgatar os “velhos” conceitos das cidades para as pessoas (Jacobs) e derivar em modelos contemporâne os de ci dades criativas, inovadoras, do conhecimento. Naturalmente, nas cidades latino-americanas há sempre que se buscar vencer os enormes gargalos sociais e, portanto, promover uma agenda urbana inclusiva. Nesse sentido, poder-se-ia falar em uma cidade inteligente socialmente inovadora, que fomenta um ecossistema inovador e propicia processos colaborativos. A partir da conectividade de diversidades, as barreiras formal-informal devem se romper gradativa e continuamente, e os bolsões de exclusão social, superados a partir de políticas públicas progressistas que viabilizem o chamado urbanismo social de modo incremental. Feitas essas considerações, sigamos com algumas amarrações para a chegarmos à síntese deste capítulo.

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À guisa de conclusão

Ao apresentar o arranjo descrito nos itens anteriores, a proposta é trabalhar a ideia de inteligência contida na expressão smart cities de forma mais ampla e complexa. Ela não exclui o uso da tecnologia, mas desloca a equiparação equivocada e simplista entre as duas expressões para um outro patamar de análise. Nele, estão presentes alguns pressupostos, que alinharemos de forma sumária para um futuro desenvolvimento. O primeiro é que a cidade, enquanto criação humana – e, portanto, manifestação de sua inventividade –, proporciona um padrão específico de interação social, potencialmente complexo e rico em termos de diversidade. O segundo é que esse padrão guarda uma relação intrínseca com um processo de aprendizagem dos indivíduos, posto que a evolução da interação, em todos os seus aspectos, traz desafios que precisam ser enfrentados cotidianamente por seus habitantes. Acrescenta, portanto, inteligência e aprendizado. O terceiro é que essa interação forma um amálgama social pré-político, que, por sua vez, pode ser trabalhado na forma de uma cooperação entre cidadãos que se estimam e se reconhecem como socialmente úteis. E, por fim, conduz a uma estrutura democrática cooperativa, igualmente dotada de potencial transformador, para além das estruturas formais e institucionais de representação e participação democrática. O cidadão forjado nesse processo tem condições de interagir de maneira progressiva – os estudos de psicologia, especialmente de Jean Piaget, mostram de forma clara os estágios de formação motivados por interações –, problematizando temas da vida cotidiana e fornecendo elementos para as esferas institucionais de tomada de decisão. A tecnologia, nesse aspecto, é o produto dessa inteligência, seja por meio da criação, seja por meio do fornecimento de inputs para as esferas de tomada de decisão mencionadas no parágrafo anterior. Quanto mais denso for o projeto democrático obtido a partir desse processo, mais socialmente relevante será a tecnologia produzida. Então, a equiparação apresentada nas análises simplistas sobre as smart cities guarda, na verdade, uma relação de dependência: tecnologia só faz sentido com inteligência e, na cidade, isso faz toda a diferença. Essa é a chave para começar a desvendar conceitualmente a ideia de inteligência aplicada ao território.

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Capítulo 17 Estamos fazendo as PPPs pelas razões corretas? Reflexões estratégicas para o uso deste instrumento na implementação de Smart Cities no Brasil Carlos Alexandre Nascimento O uso das Parcerias Público-Privadas (PPPs) para o financiamento e implementação de projetos de infraestrutura tem sido crescente no Brasil. Com o advento da Resolução ANEEL no 414/10, muitos municípios passaram a ver nas PPPs uma alternativa viável e interessante para gerir o Parque de Iluminação Pública (PIP), cujo ativos agora estão sob sua responsabilidade. Outros autores já abordaram com muita propriedade os aspectos técnicos, jurídicos, financeiros e institucionais da relação entre PPPs, iluminação pública e Smart Cities4. Portanto, está fora do escopo deste breve capítulo retomar tais explicações e debates. Pretendemos explorar um pouco dessa discussão sob um outro prisma: o da economia política das PPPs e seus possíveis reflexos sobre a implementação de Smart Cities utilizando este instrumento. Para introduzir a discussão, faz-se oportuno apresentar a base conceitual com a qual trabalharemos a seguir. É preciso conceituar as PPPs, sem a pretensão de fazer uma revisão bibliográfica acerca das diversas definições encontradas na literatura especializada. Como não há consenso sobre definição única, utilizo aquela que venho desenvolvendo ao longo dos últimos anos. No sentido lato sensu, Parceria Público-Privada ou PPP é um termo usado para cobrir uma ampla gama de atividades nas quais os setores público e privado trabalham juntos para prover ativos de infraestrutura e aprimorar a prestação de serviços públicos. As PPPs 4 Está fora do objetivo deste capítulo explorar as distintas definições de Smart Cities, devidamente apresentadas e debatidas ao longo deste livro. Há uma definição ampla delineada pelo Prof. Carlos Leite: “pode-se considerar cidade inteligente o lugar onde as funções básicas da cidade – estabelecer trocas econômicas, sociais e culturais e gerar liberdade de vida e locomoção – são otimizadas por novas formas de tecnologia da informação e comunicação”. (Caderno FGV Projetos “Cidades Inteligentes e Mobilidade Urbana”, p. 51) 213

normalmente consistem em uma colaboração contratual de longo prazo entre o Poder Público e o setor privado no qual há compartilhamento de riscos entre as partes, e o privado é autorizado a fornecer serviços para o benefício comum dos parceiros. O nível de engajamento do setor privado nas PPPs varia muito entre países e projetos, mas geralmente envolve o financiamento privado total ou parcial para projetos de infraestrutura econômica e social, com maior ou menor grau de envolvimento nas fases de desenho, construção, manutenção e operação dos ativos de infraestrutura. Há inúmeros exemplos de projetos de PPPs em áreas tão diversas, como rodovias, aeroportos, portos, túneis, pontes, escolas, hospitais, saneamento, resíduos sólidos, prisões, iluminação pública, estádios, entre outros. Nesse sentido ampliado, pode-se citar como exemplos de PPPs as seguintes modalidades: • Concessão; • Permissão; • Franquia; • Terceirização; • Sociedades de economia mista; • Joint ventures; • Lease; • Private Finance Initiative (PFI) em suas diversas modalidades; • Convênios (Organizações Sociais, OSCIPs, ONGs). O gráfico abaixo ilustra as diversas possibilidades de colaboração público-privada levando em conta o nível de engajamento e responsabilidade entre as partes:

Percebe-se que o leque para parcerias é bem variado. Contudo, para efeitos do objetivo deste capítulo, faz-se necessário aterrissar na realidade jurídico-institucional brasileira, que prevê uma definição strictu sensu de PPPs. Do ponto de vista legal brasileiro, uma Parceria Público-Privada é o contrato administrativo de concessão, na moda214

lidade patrocinada ou administrativa5, ou seja, no Brasil há dois tipos de PPPs no sentido estrito: a concessão patrocinada e a concessão administrativa, ambas regidas pela Lei Federal no 11.079, de 30 de dezembro de 2004 e legislações complementares. Para efeitos da implementação de Smart Cities, interessa-nos sobretudo o conceito de concessão administrativa, definida juridicamente como o contrato de prestação de serviços de que a administração pública seja usuária direta ou indiretamente, ainda que envolva a execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. No caso da concessão administrativa, não é possível ou adequado cobrar tarifas dos usuários dos serviços públicos, seja por razões técnicas (como no caso da impossibilidade de cobrança de tarifas de usuários da iluminação pública), seja políticas (por exemplo, cobrar por serviços públicos de saúde e educação). Assim, o parceiro privado é remunerado integralmente por meio de contraprestações orçamentárias do Poder Público que celebrou o contrato de concessão. Como já explorado em capítulos desta obra, as PPPs de Smart Cities encontram viabilidade jurídica no uso de concessões administrativas. Nota-se no Brasil um crescente número de Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs), Manifestação de Interesse Privado (MIPs), licitações e contratações de PPPs – incluindo as de iluminação pública (IP) e, em menor quantidade, as de Smart Cities em seu potencial mais amplo. Mas quais as razões que têm levado a administração pública a optar pelas PPPs como instrumento para financiar e implementar seus projetos de infraestrutura? Abordaremos a seguir essas possíveis razões.

Razões para se fazer uso das Parcerias Público-Privadas Há diversos possíveis motivos para se escolher as PPPs em detrimento da contratação pública tradicional de obras e serviços a fim implementar e gerir projetos de infraestrutura com importantes componentes de prestação de serviços públicos. Há outras tantas razões para também não selecionar as PPPs como instrumento preferencial. Está fora do escopo deste capítulo discorrer sobre a vasta literatura internacional e nacional que estuda os potenciais benefícios e malefícios do uso das PPPs em seus sentidos amplo e restrito. Serão analisadas sucintamente algumas razões econômicas comumente 5 Levando-se em conta a definição ampliada de PPPs, poder-se-ia considerar as concessões comuns regidas pela Lei Federal no 8.987/1995 como modalidade de PPP. No entanto, adotar-se-á neste capítulo a definição estrita do termo.

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apresentadas pelos defensores do instrumento para optar pelas PPPs em detrimento da provisão pública tradicional, já que aquela parece ser usualmente a melhor opção quando pensamos na implementação de Smart Cities. Os argumentos a seguir valem para a adoção das PPPs em seus sentidos amplo e restrito, bem como para os diferentes setores da infraestrutura econômica e social. Talvez o principal argumento para se realizar projetos de infraestrutura por meio de PPPs seja o potencial ganho de eficiência esperado com o envolvimento do setor privado na provisão de infraestrutura e serviços públicos. Tais ganhos podem derivar de diferentes aspectos. Entre eles, está a potencial redução do “custo contratual” quando comparado à contratação pública tradicional. Normalmente, projetos de infraestrutura são complexos e demandam a contratação de uma miríade de fornecedores de produtos e serviços em suas diferentes fases: planejamento, estruturação, execução (construção e manutenção da infraestrutura, bem como operação dos serviços públicos) e avaliação. Quando a administração pública opta por implementar um projeto por conta própria, ela precisa realizar licitações diversas para a contratação desses fornecedores. A Lei Federal no 8.666/1993 (Lei das Licitações) é o meio comum para se fazer isso no Brasil, e evidências empíricas demonstram que o gerenciamento de projetos complexos, amparados por essa Lei, levam a atrasos de obras e estouro de orçamentos previstos.6 A contratação de projetos de infraestrutura por meio de PPPs tende a reduzir esse custo de transação, pois, neste modelo, a administração pública realiza certame concorrencial para contratar apenas uma instituição (a Sociedade de Propósito Específico – SPE) que será responsável por todas as subcontratações de produtos e serviços. Do ponto de vista da gestão contratual, a administração pública é responsável por gerir apenas um contrato (com a SPE). É evidente que a administração pública deve estar bem preparada para fazer a gestão do contrato, sobretudo porque há diferenças substanciais entre contratos regidos pela Lei no 8.666 e pela Lei de PPPs. Contudo, se há algo quase que intuitivo no ganho de eficiência que o modelo pode proporcionar, é certamente a redução do custo de gestão contratual. Não à toa, esse é um dos principais argumentos utilizados por ocasião da elaboração de justificativas para sustentar a opção por PPPs em detrimento da contratação pública tradicional. 6 Para uma ótima análise comparativa entre PPPs e contratação pública tradicional, levando em conta as métricas de prazo de obras e orçamento esperado versus realizado, ver a Tese de Mestrado de Bruno Rodrigues (2015) na qual o autor estuda o projeto da PPP educacional da Prefeitura de Belo Horizonte. 216

Um outro aspecto relevante de ganhos de eficiência está no potencial que o instrumento PPP oferece no que diz respeito à estrutura de incentivos contratuais. Nesse modelo, é possível se estabelecer parâmetros claros de mensuração de indicadores e metas de eficiência operacional e de qualidade da obra e da prestação de serviços que, por sua vez, podem impactar a remuneração final do concessionário (SPE) caso não sejam plenamente atendidas. Isso faz com que os concessionários tenham incentivos para desempenhar em elevados níveis de prestação de serviços e com manutenção ótima da infraestrutura para que não sejam penalizados em sua remuneração e, por conseguinte, no retorno de seu investimento. Dessa forma, o concessionário se vê incentivado a olhar todo o ciclo do projeto de infraestrutura, fazendo escolhas presentes que sejam as melhores, pensando em toda a duração do projeto e não apenas no momento, por exemplo, de sua fase inicial de construção. Isso difere substancialmente do modelo de contratação pública tradicional no qual o Poder Público contrata e paga por uma obra, por exemplo, no curto prazo, e seu compromisso com o contratado se encerra logo após a entrega da obra. O contratado, por sua vez, tem o interesse de fazer a obra ao menor custo possível para maximizar o seu ganho financeiro e econômico já que não será responsável pelos serviços de manutenção e operação da infraestrutura (que serão licitados separadamente pelo governo). No caso da PPP, o financiamento-construção-manutenção-operação gera incentivos para que o concessionário execute a obra de forma que seus custos de manutenção no longo prazo sejam os menores possíveis, mesmo que no momento inicial seu investimento na obra seja maior. Essa estrutura de incentivos que as PPPs proporcionam certamente é uma fonte de ganhos bundling de eficiência. Por fim, outra natureza potencial de ganhos de eficiência pode derivar da expertise que o setor privado pode trazer com formas alternativas de implementação de infraestruturas e na prestação de serviços. Espera-se que o engajamento privado em projetos de infraestrutura traga inovações tecnológicas que impactem diretamente na forma com que o Poder Público e os cidadãos recebem serviços. Embora essa vertente de ganhos de eficiência seja muitas vezes contestada, há evidências empíricas de que a participação privada na provisão de infraestrutura pública pode aumentar a qualidade e a inovação, inclusive fazendo com que as boas práticas das PPPs sejam disseminadas para dentro da administração pública tradicional, entre setores econômicos, e até mesmo entre regiões e países7. Isso, em tese, 7 Denomina-se cross-fertilization ou “fertilização cruzada” o fenômeno de disseminação de boas práticas. 217

teria a capacidade de influenciar a mudança de modelos de gestão e criar novos benchmarks para o setor público. Para além dos ganhos de eficiência, é válido ainda um outro conjunto de argumentos em apoio à escolha de PPPs para implementar projetos de infraestrutura. Normalmente, quando a infraestrutura pública é gerida pelo Estado, há uma tendência de que variáveis políticas impactem na precificação de tarifas, mantendo-se valores deliberadamente baixos, levando-se assim ao consumo da infraestrutura e dos serviços públicos acima do nível ideal e também a um nível de investimentos abaixo do necessário. Com a opção pelas PPPs, a seleção do concessionário se dará por meio de competição e se espera que com isso o resultado final se aproxime do que seria a precificação eficiente para que o projeto seja viável econômica e financeiramente. A própria estrutura contratual de uma PPP deveria isolar o projeto de pressões políticas e, assim, manter os preços próximos ao valor eficiente. Contudo, para que os benefícios da competição realmente se materializem, é fundamental que exista efetiva concorrência e que o ambiente regulatório não seja contaminado pela excessiva influência política. Isso nem sempre é o padrão e sim a exceção, comprometendo os potenciais benefícios que a competição pode trazer. A própria ideia de precificação eficiente via competição real teoricamente ajudaria também a filtrar projetos que são “elefantes brancos”, ou seja, empreendimentos de infraestrutura que não são sustentáveis do ponto de vista econômico-financeiro, mas que são levados a cabo por razões políticas descoladas da lógica econômica, gerando obras concluídas, mas que não têm utilização ou não fazem sentido efetivo (alguns estádios construídos por ocasião da Copa do Mundo de 2014 no Brasil são bons exemplos de “elefantes brancos”). O racional por trás disso é que apenas projetos que realmente tenham viabilidade comercial sejam selecionados para implementação. Contudo, com a possibilidade de aportes públicos, no caso das concessões patrocinadas e de contraprestações pecuniárias no caso das concessões administrativas, abre-se a possibilidade de uso do orçamento público para viabilizar projetos de PPPs. Se mal utilizadas, essas modalidades geram a possibilidade de criação de “elefantes brancos”, como visto recentemente no Brasil, mesmo com o uso de PPPs. Ainda no campo dos benefícios que a competição pode trazer, há evidências empíricas de que há ganhos de produtividade oriundos da competição8. A concorrência tem potencial de levar a melhores re8 Em Better Relation, Better Solutions: The drivers of productivity gains from competitive tendering, Nascimento et al. (LSE, 2011) exploram em detalhes os canais pelos quais a competição leva a maiores ganhos de produtividade, inovação e qualidade. Acesso ao material mediante solicitação ao autor. 218

lações entre o poder concedente (contratante) e os provedores privados (contratados), bem como a melhores soluções na entrega de serviços públicos. O contrato, o processo competitivo e a troca de informações são os principais elementos que acompanham a concorrência para a prestação de serviços públicos. A contratualização leva a melhores relações entre o Poder Público e o concessionário por conta do foco em resultados, melhor definição dos serviços a serem prestados e preocupações com relação à reputação. Por sua vez, o procedimento licitatório tende a gerar melhores soluções porque incentiva a inovação por meio de três mecanismos, quais sejam: (1) a criação de uma nova organização (a SPE) facilita a mudança e a inovação; (2) a licitação funciona como uma “competição de ideias”, gerando soluções de mais alta qualidade para o governo e; (3) a relação investimento-risco que o contrato gera permite com que em tese exista mais flexibilidade financeira para o privado buscar inovações e retornos financeiros. Por fim, a troca de informações entre o Poder Público e o privado influencia tanto a accountability quanto a inovação, gerando melhores relações e soluções e, em última instância, mais ganhos de produtividade. Pode-se assim levar a situações de ganha-ganha no qual o provedor privado obtém mais informações sobre as necessidades do governo e o competidor poderá assim alcançar soluções ótimas para a prestação do serviço público. Por fim, um dos argumentos mais utilizados para a celebração de PPPs para viabilizar projetos de infraestrutura pública é que as parcerias com o privado aliviam as pressões orçamentárias enfrentadas por governos em ambientes de forte restrição fiscal. Ao fazer com o que o investimento em infraestrutura se dê pelas mãos do setor privado, governos sufocados fiscalmente conseguem “viabilizar” recursos para o investimento em projetos que não seriam possíveis via orçamento público. Uma outra razão que atrai muitos governos para o uso das PPPs é que os investimentos privados realizados não são contabilizados como endividamento público. Isso é atraente para muitos governantes. Embora não exista uma pesquisa científica demonstrando que a questão fiscal é a principal razão para a crescente procura por PPPs no Brasil, evidência anedótica nos permite dizer que este é o principal motivo considerado pelos gestores públicos brasileiros para o uso do instrumento. Pelo seu potencial positivo, mas também pelos riscos fiscais excessivos que esta escolha pode gerar, vamos abordar em seguida sobre esse aspecto.

As PPPs e o “desespero orçamentário” Espera-se que bons governantes e gestores públicos tomem as melhores decisões no tempo presente levando em consideração não 219

apenas o contexto atual, mas também as implicações futuras de suas deliberações. Dessa forma, a escolha por PPPs para financiar e implementar projetos de infraestrutura pública deve também ponderar os pró e os contras, no curto, médio e longo prazos, inclusive do ponto de vista das finanças públicas. Ocorre que muitos governos enfrentando pressões orçamentárias de todas as naturezas não encontram espaço fiscal para realizar importantes investimentos públicos em áreas tão diversas quanto educação, saúde, habitação, saneamento e mobilidade. No caso brasileiro, some-se à falta de recursos a rigidez orçamentária, o desequilíbrio do pacto federativo fiscal, as obrigações orçamentárias constitucionais e de legislações locais, a impossibilidade de emissão títulos da dívida por governos subnacionais, entre outros desafios que tornam a gestão dos recursos públicos extremamente complexa. Assim sendo, não surpreende o crescente interesse por parte dos governantes e gestores públicos brasileiros pelo uso das PPPs para financiar e implementar projetos de infraestrutura. Nesse quesito, as concessões comuns9 também geram muito interesse, pois não impactam o orçamento público (ao menos na aparência), ao contrário das concessões administrativas e patrocinadas. Nesse contexto, a tentativa de contratar PPPs e concessões na realidade brasileira tem clara correlação com o interesse legítimo de governos de viabilizar investimentos públicos minimizando ou eliminando o impacto orçamentário no curto prazo. Contudo, do ponto de vista das finanças públicas, não há diferença entre fazer investimentos via PPPs ou contratação pública tradicional de obras e serviços. E isso precisa ficar claro para não gerar falsas expectativas ou, pior ainda, levar a descontroles fiscais de longo prazo. O tema é complexo e muito bem detalhado tecnicamente na literatura especializada. Não faz parte do escopo deste capítulo entrar nas minúcias técnicas e matemáticas da questão10. O intuito é ser o mais simples e didático possível para demonstrar o argumento, fazendo uso de dois cenários para explicar isso. O primeiro cenário analisa uma concessão comum de rodovia do ponto das finanças públicas. O segundo cenário delineia uma 9 A concessão comum é a modalidade de parceria entre o público e o privado na qual os investimentos realizados pelo parceiro privado para viabilizar o fornecimento de ativo de infraestrutura e/ou a prestação de determinado serviço público são remunerados exclusivamente por meio de tarifas pagas pelos usuários do serviço. Nessa modalidade, não há aportes orçamentários do Poder Público. As concessões comuns são regidas pela Lei Federal no 8.987/1995. 10 Para uma discussão detalhada e técnica sobre porque as PPPs e contratações públicas tradicionais, que são equivalentes do ponto de vista das Finanças Públicas, a recomendação de leitura é o capítulo 6 de Engel, Fischer e Galetovic (2014). 220

concessão administrativa de iluminação pública. Ao comparar os dois cenários, espera-se que fique claro o argumento.

Cenário 1: concessão comum de rodovia Assuma-se que determinado governo deseja construir e operar uma nova rodovia de importância regional. Considere que há apenas duas opções para fazê-lo: (1) o governo licita a construção apenas e opera a rodovia por conta própria, realizando os pagamentos do investimento inicial, manutenção e operação da rodovia por meio do orçamento público anual. Nesta opção, o governo aufere as receitas de pedágio/tarifa para si próprio; ou (2) o governo licita uma concessão comum na qual o parceiro privado é responsável por financiamento, construção, manutenção e operação da rodovia por um prazo de 30 anos. Nesta opção, o vencedor da licitação paga uma outorga ao governo (poder concedente) em troca da exploração do ativo por um período determinado. Todas as receitas do concessionário são advindas das tarifas de pedágio pagas pelos usuários11. Não há qualquer aporte do orçamento público no projeto. Assuma agora que o governo se encontra em difícil situação fiscal, com baixíssima capacidade para realizar investimentos públicos básicos. Há dificuldade substancial com o pagamento de despesas de custeio. Contudo, por razões de interesse público, sobretudo a possibilidade de gerar desenvolvimento econômico e social no trecho pelo qual a rodovia será implementada, o governo priorizou o projeto da rodovia. Sem outra possibilidade na prática, o governo escolhe a segunda opção, ou seja, licitará uma concessão, delegando a exploração para o privado e receberá ainda uma outorga. O vencedor será aquele que propor a maior outorga. Há grande expectativa de usar os recursos advindos da outorga para ajudar a cobrir o déficit orçamentário e aliviar a pressão fiscal. Implicações para as finanças públicas: os concorrentes privados calculam o valor da outorga a ser ofertada no leilão levando em conta o Fluxo de Caixa Descontado de todo o período da concessão. Ou seja, os concorrentes projetam receitas e despesas no longo prazo e trazem a valor presente, já embutindo sua projeção de lucros para compensar 11 Na prática, as concessionárias podem prever receitas acessórias em um projeto. Contudo, na maioria dos casos de concessões comuns, a parte majoritária das receitas é derivada das tarifas (aeroportos são exceção). 221

o investimento. Ao mesmo tempo que o governo recebe a outorga, ele também renuncia ao direito de receber as receitas de pedágio no longo prazo. Ou seja, o governo está recebendo essas receitas descontadas no valor presente, à vista. Ao passo que delega ao privado o investimento na rodovia, o governo não tem impactos fiscais presentes, mas abriu mão das receitas futuras. Do ponto de vista das finanças públicas, não há qualquer impacto real (para o bem ou para mal), pois as receitas e despesas que seriam realizadas via operação e contratação pública tradicional não existirão. Os investimentos serão realizados pelo privado e o retorno do investimento também ficará com o privado. Por sua vez, os recursos da outorga serão empregados pelo governo para pagar despesas de custeio no presente e ajudar cobrir o déficit orçamentário. Isso é má política fiscal. Abre-se mão de recursos futuros para “tapar o buraco” presente.

Cenário 2: concessão administrativa de iluminação pública Assuma-se que determinada prefeitura necessita investir, modernizar, eficientizar, manter e gerir o Parque de Iluminação Pública (PIP) municipal para atender a Resolução ANEEL no 414/10. Considere que há apenas duas opções para se fazer isto: (1) o governo licita a modernização e eficácia do PIP (trocando as luminárias, relés, reatores e lâmpadas de mercúrio por LED, por exemplo), licita eventuais reparos e manutenção ao longo do tempo, opera e gera o PIP por conta própria, utilizando-se de servidores públicos concursados e comissionados, por meio de sua estrutura administrativa própria, viabilizando investimentos, reinvestimentos e pagamentos contratuais por meio do orçamento público anual. Nessa opção, o governo não tem como cobrar tarifas dos usuários por inviabilidade jurídica, mas pode contar com recursos oriundos da COSIP12 para ajudar no financiamento e no custeio do PIP; ou (2) o governo licita uma concessão administrativa na qual o parceiro privado é responsável pelo financiamento, modernização, eficácia, manutenção e operação do PIP por um prazo de 20 anos. Nessa opção, vence a licitação o concorrente privado que oferecer a menor contraprestação mensal a ser paga pelo governo (poder concedente). Em troca, o privado terá o contrato com vigência 12 Contribuição para custeio do serviço de Iluminação Pública (IP). 222

determinada. Todas as receitas do concessionário são advindas da contraprestação pecuniária paga pelo governo13. Assuma agora que o governo municipal se encontra em difícil situação fiscal, com baixíssima ou nenhuma capacidade para realizar investimentos públicos básicos. Há dificuldade substancial com o pagamento de despesas de custeio. Contudo, por necessidade de cumprir com a Resolução ANEEL no 414/10, a prefeitura precisa encontrar uma solução para viabilizar o investimento no PIP e, portanto, priorizar este projeto. Sem outra possibilidade na prática, o governo escolhe a segunda opção, ou seja, licitará uma concessão administrativa, delegando a exploração para o privado. Com isso, o governo transferirá ao privado a responsabilidade pelo investimento inicial e só iniciará o pagamento das contraprestações mensais uma vez que a primeira fase de investimentos seja concluída e o projeto esteja operacional (por simplificação, assume que o prazo entre o início e a conclusão das obras seja de um ano). Com o alívio orçamentário temporário, o governo poderá alocar seus parcos recursos para as despesas de custeio ou para alguns investimentos básicos demandados pela sociedade. Implicações para as finanças públicas: os concorrentes privados calculam o valor da contraprestação mensal a ser paga pelo governo e que será a sua oferta na licitação levando em conta o Fluxo de Caixa Descontado de todo o período da concessão. Ou seja, os concorrentes projetam receitas e despesas no longo prazo e trazem a valor presente, já embutindo sua projeção de lucros para compensar o investimento. Para o governo, quanto menor a contraprestação mensal, melhor em tese para os cofres públicos. O investimento no PIP será realizado integralmente pelo privado e o governo iniciará o pagamento do investimento apenas uma vez que a fase de modernização tenha sido concluída. Ele pagará pelo investimento feito pelo privado ao longo de 20 anos, por meio das contraprestações mensais (junto com a amortização do investimento, a contraprestação inclui também o pagamento da manutenção, operação e juros do financiamento feito pelo privado).

13 As concessionárias também podem prever receitas acessórias em um projeto de IP. Contudo, assuma por simplificação que neste cenário a totalidade das receitas advirão das contraprestações pagas pelo governo. 223

Do ponto de vista das finanças públicas, qual a diferença entre ter feito a concessão administrativa ou ter implementado o projeto diretamente via contratações públicas tradicionais? Nenhuma. Para enxergar isso, imagine que o governo tivesse realizado a licitação das obras de modernização e eficácia do PIP. Ele teria que pagar o contratado integralmente até a conclusão da obra. Quando o projeto se tornasse operacional, o governo municipal faria a gestão com seu time próprio, realizando licitações esporádicas para manutenção do PIP, pagando as despesas operacionais ao longo do tempo. Na prática, o uso da PPP de iluminação pública foi apenas um instrumento de financiamento para o governo, no qual diluiu o impacto orçamentário ao longo dos 20 anos, aliviando a pressão orçamentária de curto prazo. Contudo, na prática, trata-se apenas de uma questão de fluxo de caixa do ponto de vista orçamentário. Em vez de pagar os investimentos no curto prazo, o governo municipal pagará por eles no longo prazo, de forma parcelada. Ora, isso é muito atrativo para governantes vivendo pressões políticas por investimentos e pagamentos de despesas no curtíssimo prazo. É até mesmo compreensível. Por outro lado, o mesmo governo acabou contraindo uma “dívida” por 20 anos, comprometendo parcela do orçamento público futuro para o pagamento das contraprestações. Além disso, como os projetos de PPP sempre demandam garantias públicas diretas e há também riscos assumidos pelo governo que demandam contabilização enquanto passivos contingentes, o orçamento público e o balanço do governo acabam sendo comprometidos. No longo prazo, isso pode causar excessivos riscos fiscais, colocando gerações futuras sobre forte pressão orçamentária. Não à toa, o legislador brasileiro colocou uma trava no limite máximo que os governos podem se comprometer com despesas em PPPs. Há que se ter muito cuidado e transparência com isso. Embora o Brasil disponha de um marco regulatório bem definido para identificação, registro e acompanhamento do impacto fiscal dos contratos de PPP, na prática a esmagadora maioria dos estados e municípios com PPPs vigentes não reporta adequadamente as informações fiscais de suas concessões administrativas e patrocinadas ao Tesouro Nacional Levando-se em consideração os dois cenários anteriormente exemplificados, deve-se estar claro que, sob o prisma fiscal e orçamentário, não há diferença entre viabilizar projetos de infraestrutura pública por meio de PPPs ou via contratação pública tradicional. Sendo assim, por mais que seja sedutor para governos a escolha das PPPs (ou concessões comuns) para aliviar o “desespero orçamentário”, a escolha do instrumento deve ser justificada pelos ganhos de eficiência

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e benefícios gerados pela competição para prover infraestrutura e serviços públicos. A escolha das PPPs apenas por razões fiscais é um erro e pode gerar problemas para futuros governos.

Conclusão: reflexões para o uso de PPPs na implementação de Smart Cities Tendo em vista as seções anteriores deste capítulo, resta responder à pergunta que o originou: estamos fazendo as PPPs pelas razões corretas? Não há uma resposta cabal e científica para isso, pois demandaria uma pesquisa qualitativa, o que não é o objeto deste texto. Contudo, evidências anedóticas identificadas nos discursos e ações de governantes e gestores públicos, dentro de um contexto de forte restrição fiscal em todos os níveis da Federação, permitem afirmar que é bem provável que as PPPs e concessões comuns estejam sendo feitas por razões essencialmente orçamentárias. E como foi visto na seção anterior, não há diferença entre PPPs e contratação pública tradicional sob o prisma das finanças públicas. Ou seja, se essa é razão única considerada, governos estão escolhendo as PPPs por razão equivocada. É compreensível que os gestores públicos se sintam pressionados a atender às demandas da população por investimentos e despesas essenciais. Em tese, não há problema em escolher as PPPs levando em conta razões orçamentárias desde que exista um balizamento racional e transparente dos compromissos fiscais de longo prazo. Mas a escolha pelas PPPs deve ser justificada por razões adicionais, notadamente os potenciais ganhos de eficiência e benefícios que a competição na escolha do concessionário privado pode gerar, como aumento da inovação e qualidade na prestação dos serviços. Isso gerará preocupações com o desenho de incentivos contratuais, boas especificações técnicas para as obras de infraestrutura, parâmetros de qualidade e operação elevados, eficácia de despesas, inovações tecnológicas e na forma de prestar os serviços, além de outros fatores estratégicos e políticos atrelados ao desenvolvimento econômico e social dos territórios abrangidos pela PPP. Ao não se deixar contaminar pelo “desespero fiscal”, governos cometerão menos erros, estarão menos propensos a acelerar estudos e licitações antes do prazo de maturidade dos projetos e poderão manter o devido diálogo com todos os stakeholders de um projeto, incluindo o Poder Legislativo, o setor privado, órgãos de controle e a sociedade. Quais as reflexões estratégicas e possíveis implicações desta conclusão para o uso de PPPs na implementação de smart cities? Há quatro pontos principais a serem considerados: 225

a) Sensibilização e capacitação: ainda há muito desconhecimento sobre o que são efetivamente as PPPs, seus benefícios e desafios, no âmbito das administrações municipais. Há também uma expectativa de que as PPPs resolverão os problemas fiscais das prefeituras. Já sabemos que isso não é verdade. Contudo, com a necessidade de cumprir com a Resolução ANEEL no 414/10 e em um ambiente de forte restrição fiscal nos municípios, a procura por PPPs de iluminação pública continuará em franco crescimento. Portanto, para que a intenção em celebrar PPPs se torne uma realidade, é fundamental que sejam reduzidas as assimetrias de informação e capacitação técnica no nível municipal. Isso pode ser feito por meio de programas de capacitação de gestores municipais, com conteúdos que elucidem, inicialmente, as diferenças entre contratações por meio de PPPs e por meio da Lei de Licitações (no 8.666/1993). Apenas isso já gerará um impacto muito positivo. Contudo, gestores municipais devem estar preparados para planejar e priorizar projetos de infraestrutura, bem como estruturar ou acompanhar a estruturação de Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) – seja por contratação direta, Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) ou Manifestação de Interesse Privado (MIP) –, gerir contratos e avaliar os resultados dos projetos implementados. Isso não é tarefa fácil, e a disseminação de informação e capacitação técnica é ação a ser compartilhada pelos diversos players atuando no setor. É essencial que as PPPs não sejam encaradas como “cheque especial” para governos com dificuldades orçamentárias. b) Para além da iluminação pública: se a motivação não deve ser principalmente a fiscal, o uso de PPPs deve se dar por ganhos de eficiência que o modelo potencialmente pode trazer. Nesse aspecto, é importante que a visão dos governos e do mercado não seja focada apenas na modernização e eficácia do PIP (em que pese isso por si só já ser um avanço). A estruturação de projetos de PPP é algo complexo e, para maximizar os resultados da modelagem e potencializar os ganhos de eficiência à gestão urbana, será muito importante que os gestores públicos, consultores, provedores de produtos e serviços, bancos e órgãos de apoio e fomento migrem do olhar exclusivo em iluminação pública para o conceito ampliado de smart cities, incentivando o uso de Smart Grids . Nesse sentido, deve-se buscar na modelagem da PPP a adição de utilidades públicas à rede elétrica inteligente, como: controle de semáforos, controle de câmeras de vigilância em vias públicas, controle da frota de veículos oficiais, controle do consumo de água,

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energia elétrica e gás de prédios públicos, controle da gestão de resíduos, entre outras possibilidades, tudo isso sendo controlado de uma única base operacional, provendo informações mais qualificadas aos gestores municipais para auxiliá-los no processo de tomada de decisões. Certamente cada projeto é muito particular e a adição de utilidades deve encontrar viabilidade econômicofinanceira e interesse do mercado privado. Contudo, dado o nível elevado de desperdício de recursos públicos verificado na gestão pública brasileira, não há dúvidas de que há demanda pelo lado do poder concedente, bem como muito espaço para melhorar a gestão municipal com o uso de tecnologia. Cabe aos players do setor fomentarem boas ideias e projetos junto aos governos, incluindo sugestões inovadoras em seus diálogos institucionais, bem como no EVTEA. c) Competição efetiva e qualificação de PMI/MIPs: como já visto ao longo deste capítulo, além dos ganhos de eficiência que potencialmente podem ser extraídos do modelo de PPP, há benefícios que derivam da competição necessária para selecionar o concessionário privado que ficará a cargo de obras e serviços. Assim é essencial que exista competição efetiva nos procedimentos licitatórios, com participação de concorrentes em quantidade e qualidade adequadas para uma boa seleção por parte do poder concedente. Aqui há também um conjunto de desafios que se colocam na relação público-privada no Brasil que precisam ser superados. Conluio entre os concorrentes, cartelização setorial, corrupção e direcionamento de licitações são exemplos de situações ainda existentes na realidade brasileira e que precisam ser eliminadas caso se queira promover efetiva competição. Para que a competição se dê e selecione os melhores fornecedores e projetos, é essencial que sejam elaborados bons estudos e projetos pelo setor privado. Contudo, por diversas razões que não cabe aqui discorrer, o principal instrumento utilizado pelo Poder Público para obter estudos junto ao mercado (o PMI) está em xeque. Segundo informações da Radar PPP, entre 2013 e 2015, o índice de mortalidade dos Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMI) ficou em 85%. Ou seja, apenas 15% dos projetos iniciados chegaram à fase final de contratação. Em 2016, esse número foi menor ainda: 4% de sucesso. Esses dados são importantes pois há muitos PMIs sendo iniciados por municípios e quantidade significativa está em PPPs de iluminação pública. Para se ter uma ideia, de 2013 até julho de 2018, foram lançados 186 projetos de iluminação. Em 2017, de um total de 135 PMIs

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lançados, 52 foram PMIs de iluminação pública, ou seja, 38,5%. Nesse contexto, percebe-se que há grandes oportunidades para migrar de projetos somente de IP para PPPs mais amplas de smart cities. No entanto, o índice de fracasso é muito grande e há necessidade de se qualificar o instrumento PMI para que seja mais efetivo. O crescimento dos contratos assinados de PPP em Smart Cities passará necessariamente pela elaboração de projetos melhores, mais inovadores e mais abrangentes, apresentados por meio de PMIs que precisam chegar à fase de contratação depois de real competição. d) Fomento ao ecossistema de inovação e empreendedorismo: se há um segmento do setor de infraestrutura que tem grande potencial para absorver inovações tecnológicas, este segmento é o de Smart Cities. Discutiu-se neste capítulo o uso de concessões administrativas para implementar projetos de cidades inteligentes em seu sentido mais amplo. Contudo, há um enorme potencial para o desenvolvimento e aplicação de produtos e serviços pelo setor privado que possam ser adotados no âmbito municipal, mas sem necessariamente serem implementados por meio de PPP administrativa. No conceito ampliado de parcerias, há possibilidades de cooperação direta entre empresas e governos que podem ser utilizadas para a implementação de projetos-piloto em nível municipal. Há muitas empresas inovando e querendo testar seus produtos e serviços em maior escala, para abrir novos mercados. Assim, é fundamental que sejam estruturados ecossistemas de inovação e empreendedorismo que estimulem o desenvolvimento de novas ideias, startups e negócios que possam dialogar com cidades que se pretendem inteligentes. Nesse sentido, há espaço também para os bancos de fomento (BNDES e Caixa Econômica Federal, por exemplo) elaborarem linhas de financiamento que incentivem a adoção de novas tecnologias direcionadas à implementação de Smart Cities. O Plano de Ação Conjunta Inova Energia foi um exemplo disso e poderia ser ampliado. O trabalho que a Caixa está desenvolvendo junto aos municípios por meio do Fundo de Estruturação de Projetos (FEP Caixa) também pode ser potencializado na direção de promover Smart Cities e se relacionar com futuros financiamentos do banco para potenciais concessionárias da PPP. Os desafios são grandes para destravar todo o potencial que as PPPs de Smart Cities podem ter nas cidades brasileiras. Ao mesmo

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tempo que é desafiador, o contexto é promissor. Portanto, os players do setor devem estar alinhados para promover esta agenda de forma qualificada. As PPPs não são “cheque especial” de governos municipais com dificuldades fiscais, mas podem ser um importante aliado para ajudar a financiar e implementar investimentos inteligentes em infraestrutura que gerem benefícios efetivos às cidades e aos cidadãos.

Referências ANTUNES, Vitor Amuri. Parcerias Público-Privadas para Smart Cities. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 252 p. CIDADES Inteligentes e Mobilidade Urbana. Rio de Janeiro: FGV Projetos, 2014. Disponível em: https://fgvprojetos.fgv.br/sites/ fgvprojetos.fgv.br/files/cadernos_fgvprojetos_smart_cities_ gwa_0.pdf. Acesso em: 31 ago. 2018. ENGEL, Eduardo; FISCHER, Ronald D.; GALETOVIC, Alexander. The Economics of Public-Private Partnerships: A Basic Guide. New York: Cambridge University Press, 2014. 176 p. ILUMINAÇÃO pública abre espaço a PPPs. Disponível em: . Acesso em: 31 ago. 2018. MORAES, Marcos Siqueira; REYES-TAGLE, Gerardo. Os impactos fiscais dos contratos de parceria público-privada: estudo de caso do ambiente institucional e da prática no Brasil. [S.l.]: Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2017. 90 p. NASCIMENTO, Carlos Alexandre L. et al. Better Relation, Better Solutions: The drivers of productivity gains from competitive tendering. 2011. 92 p. Capstone Project (Master of Public Administration), London School of Economics and Political Science, Londres, 2011. PPPS são bombas-relógio sobre o caixa público. Disponível em: . Acesso em: 31 ago. 2018. RODRIGUES, Bruno da Costa L. Avaliação do impacto da utilização de parceria público-privada para construção e operação de unidades municipais de educação infantil em Belo Horizonte. 2015. 129 f. Dissertação (Mestrado) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Centro de Formação Acadêmica e Pesquisa, Rio de Janeiro, 2015.

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Capítulo 18 A estruturação jurídica dos projetos de PPPs para viabilizar as cidades inteligentes brasileiras Fernando Vernalha Guimarães A PPP como alternativa à criação de cidades inteligentes Embora seja difícil sistematizar todas as características que definem a noção de “cidade inteligente”, é certo que ela pressupõe a implementação pelos municípios de uma série de aprimoramentos tecnológicos nos equipamentos públicos, assim como na prestação dos serviços fruitivos pelos cidadãos e pela própria Administração Pública. Para que uma cidade possa tornar-se inteligente, deve contar com ferramentas tecnológicas que permitam à Administração e ao cidadão otimizar serviços e viabilizar uma série de facilidades. Isso dependerá da criação de plataformas de integração tecnológica, capazes de favorecer a gestão integrada de dados e informações e criar uma rede inteligente de serviços. As cidades inteligentes contam com serviços como a semaforização e gestão inteligente do trânsito, a iluminação inteligente integrada com monitoramento de segurança por câmeras, a gestão inteligente do lixo etc., e dependem não apenas de um bom planejamento administrativo, mas (i) da realização de projetos, (ii) da construção de infraestruturas e (iii) da aquisição de bens e serviços pelos municípios. Há, portanto, uma gama de serviços públicos municipais que necessitam ser modernizados para que as cidades possam se tornar inteligentes. Esse conjunto de prestações poderá ser implementado pelos municípios por diferentes meios e formas jurídicas. Eles podem ser gestados e executados interna ou externamente, isolada ou conjuntamente. Tudo a depender do modo como os programas para as cidades inteligentes sejam planejados e estruturados. De toda a forma, é preciso ter-se a clareza de que a noção de cidade inteligente pressupõe um conjunto de atividades funcionando de modo “integrado”, o que requer modelos de prestação de serviços vocacionados a propiciar essa conexão. 230

Assim considerado, o município dispõe basicamente de algumas vias para estruturar e gerir uma cidade inteligente, sendo a opção pela forma de integração e de prestação a que terá impacto direto na eficiência e qualidade dos serviços. Em primeiro lugar, o município pode desenvolver e prestar esses serviços diretamente, a partir de sua estrutura própria. Nesse caso, os projetos e serviços serão providos e geridos diretamente pelos quadros do município. Essa opção pode esbarrar na baixa capacidade técnica dos municípios para desenvolver e gerir projetos, assim como nas dificuldades fiscais, que têm restringido a capacidade de investimentos das administrações públicas de menor porte. Note-se que a execução de um programa de cidade inteligente poderá demandar investimentos intensivos já no curto prazo, com vistas a redefinir estruturas e equipamentos necessários à disponibilização dos serviços. Sem condições fiscais e orçamentárias para resistir a esses investimentos, grande parte dos municípios brasileiros não disporá da condição de estruturar diretamente esses serviços. Uma segunda opção residiria na “terceirização” dos projetos e serviços, valendo-se dos chamados contratos ordinários de prestação de serviços, disciplinados pela Lei no 8.666/83. Por essa via, o município contratará com sujeitos e empresas especializados o fornecimento de bens e a prestação de serviços para a implementação do programa de cidade inteligente. A utilização desse modelo também apresenta alguns inconvenientes em função tanto da limitação da via para a contratação integrada de uma pluralidade de prestações, como do limite de prazo para a execução desses escopos. Lembre-se de que os contratos ordinários de prestação de serviços obedecem a um princípio de “fracionamento”, não se prestando a reunir em seu objeto uma pluralidade de prestações de diversa natureza, como a execução de obra, o fornecimento de bens e a prestação de serviços. Logo, optar por essa via dificultaria a integração entre diferentes frentes de serviços e a conjugação de diferentes prestações no mesmo contrato – característica marcante dos projetos de cidades inteligentes. Como o funcionamento destas depende da integração e de conectividade entre serviços distintos, os contratos de terceirização não permitem a modelagem desse tipo de projeto. Outro limitador dos contratos ordinários estaria na sua baixa longevidade. Esses contratos terão prazo limite de 60 meses para a prestação de serviços contínuos, o que poderia dificultar em muitos casos a amortização de investimentos mais expressivos demandados 231

para a criação e o aparelhamento das infraestruturas necessárias para a disponibilização de serviços de cidade inteligente. Um terceiro modelo a viabilizar a implementação de programas de cidades inteligentes seriam as parcerias público-privadas (PPPs). Tendo em vista sua disciplina legal, contratos dessa natureza não apenas permitem a integração de escopos diversos como, por serem “contratos de investimentos”, prestam-se a viabilizar o financiamento e os investimentos de infraestrutura mais robusta pelo capital privado. E, como contratos de longo prazo que são, permitem a amortização desses investimentos no longo termo. Trata-se, portanto, de um modelo perfeitamente viável para a estruturação e implementação de programas de cidades inteligentes. Aliás, não seria excessivo afirmar que uma das razões históricas pelas quais os projetos de cidades inteligentes tenham sido tão escassos no Brasil se deve a um limite do modelo jurídico e contratual para a aquisição dessas atividades pelos municípios. Antes do surgimento do modelo de PPP, em 2004, quando então se abre a possibilidade de contratos administrativos com escopo ampliado e diversificado, contemplando a integração de serviços diversos sob a responsabilidade de um único prestador, os municípios dispunham apenas da possibilidade de contratar de modo isolado e desintegrado certas atividades e serviços. Havia dificuldades em estruturar soluções integradas contemplando um conjunto de serviços distintos, com conectividade e interdependência tecnológica. Mais do que isso, a sua vida curta e as restrições a transferir ao contratado obrigações de investimento e de atualização tecnológica faziam dos contratos ordinários uma via bastante limitada para viabilizar programas de cidades inteligentes. O fato é que, com o surgimento do modelo de PPP, disponibilizou-se aos municípios uma via contratual apropriada para estruturar esses programas. As características das PPPs não apenas permitem a realização de ajustes dessa natureza, como podem propiciar ganhos de eficiência na prestação desses serviços. Bem estruturada, uma PPP pode traduzir-se numa ferramenta relevante para que municípios viabilizem as cidades inteligentes, carregando investimentos privados para a criação de infraestrutura pública e para o aperfeiçoamento dos serviços municipais.

Compreendendo melhor as PPPs Sob esse contexto, as PPPs (e Concessões, quando aplicáveis) têm sido vistas como instrumentos importantes para atrair o capital 232

privado para investimentos em ativos e serviços municiais dedicados a projetos de cidades inteligentes. No Brasil, elas adquirem uma relevância ainda maior devido ao forte cenário de restrição fiscal pela qual passam muitas Administrações Públicas de menor porte. Sem orçamento público, como já referido, os projetos de infraestrutura e no aperfeiçoamento de serviços estão a depender cada vez mais de investimentos e financiamentos privados para que possam sair do papel. Mas não é apenas a crise fiscal que embala a busca pelas PPPs. Já há um diagnóstico prevalente acerca das vantagens desse modelo comparativamente às vias tradicionais para a gestão de ativos e serviços públicos. As PPPs permitem uma série de ganhos de eficiência à gestão dos serviços, viabilizando a entrega de melhores resultados aos usuários (e aos contribuintes). Isso se deve a três características principais de seu funcionamento, retratada no modo como está regulada pelo direito. Em primeiro lugar, as concessões e PPPs são – como já referidas – contratos abrangentes, isto é: são ajustes que envolvem uma pluralidade de prestações de distinta natureza. Enquanto os contratos públicos convencionais focam-se em objetos mais restritos, como a execução de uma obra, ou a prestação de um serviço ou o fornecimento de bens isoladamente considerados, concessões e PPPs permitem a conjugação e a acumulação de todas essas prestações. Assim, é bastante comum que num projeto de concessão ou de PPP contenha-se não apenas a construção de uma infraestrutura, mas o seu aparelhamento e a sua gestão por um longo período, o que envolve a entrega de serviços ou ao usuário ou à própria Administração. Isso faz com que a integração desses encargos e riscos (como a elaboração do projeto, a construção da infraestrutura e a sua manutenção por um longo período) gere eficiências ao contrato. O concessionário passa a ter incentivo, por exemplo, para executar um bom projeto, pois as falhas de projeto se retratarão em ônus durante a construção das obras. Da mesma forma, ele passa a ter incentivo para evitar subinvestimentos na execução da obra, que poderão ampliar o risco de custos maiores de manutenção. Como todos esses escopos e riscos tendem a estar sob a responsabilidade do concessionário, cria-se um alinhamento de incentivo apto a otimizar a execução do contrato. Em segundo lugar, as PPPs e concessões são contratos voltados à entrega de resultados (outputs) e não de prestações-meio. Um dos pontos fundamentais do conteúdo dos contratos de PPP é a delimitação dos chamados “indicadores de serviços”, que definem as

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características do serviço que deverá ser entregue pelo concessionário à Administração e aos usuários. Esses indicadores não definirão mais especificamente como o concessionário deverá estruturar o serviço (como os ativos devem ser planejados e executados, por exemplo), mas apenas as suas metas e resultados. Via de regra, os indicadores trazem métricas para que o desempenho do concessionário possa ser mensurado. Por meio de um sistema de pagamento atrelado a essas métricas, faz-se com que a remuneração do concessionário possa ser impactada pelo cumprimento desses indicadores de desempenho: se o concessionário alcança metas mais exigentes, sua remuneração tende a ser incrementada proporcionalmente. Por exemplo, em PPPs voltadas a serviços de smart city, a proporção de redução de energia gerada a partir da troca de lâmpadas, ou a rapidez com que a informação sobre crimes monitorados por “videovigilância” é disponibilizada, ou ainda o grau de satisfação do usuário com serviços de atendimento virtual a utilidades públicas, são possíveis indicadores a referenciar a remuneração do concessionário. Essa sistemática é bastante interessante, pois faz com que a Administração Pública se preocupe em cobrar do concessionário os resultados (disponibilidade e qualidade) relacionados ao serviço, transferindo-lhe autonomia para que eleja os “meios” mais adequados para isso. O concessionário terá, então, incentivos para encontrar os meios mais econômicos para o atingimento das metas qualitativas e quantitativas mais exigentes estabelecidas no contrato. Com isso, busca-se assegurar bons resultados para a concessão, mas a partir de uma prestação eficiente. Toda essa eficiência tende a ser transferida para a Administração Pública e para os usuários a partir de licitações bem modeladas. Em terceiro lugar, as concessões e PPPs, dada sua abrangência e longevidade, configuram modelos de transferência de serviços aos privados mais econômicos do que os contratos convencionais, por propiciarem não apenas a eficácia na integração de escopos diversos, mas a redução de custos administrativos de gerenciamento e de produção de licitações e contratos. Uma PPP acaba por substituir uma pluralidade de contratos administrativos que importariam, cada qual, custos de controle e fiscalização, assim como custos periódicos de renovação e de contratação. Em quarto lugar, nas PPPs e concessões, o controle social adquire maior eficácia em relação à prestação do serviço público e aos custos que lhe são subjacentes. A prestação direta do serviço público e estatal pelas Administrações, mesmo que aparelhada por

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uma rede de contratos de terceirização e de curto prazo, não propicia um controle mais efetivo sobre a qualidade dos serviços ou mesmo sobre a dimensão de seus custos. Os programas de Concessões e PPPs podem propiciar um controle social mais efetivo sobre isso, ao segregar os custos e os agentes responsáveis pela entrega do serviço, bem como ao dissociar os papéis de controle e regulação, reservados ao Estado, e de gestão e entrega do serviço, ao concessionário.

Aspectos jurídicos e regulatórios fundamentais para a estruturação de uma PPP de cidade inteligente



Como qualquer PPP, os projetos de smart cities que se utilizam desse modelo devem obedecer a uma série de requisitos e condicionantes, que vão desde a criação de leis e decretos até a observância de regras voltadas ao controle fiscal e ao processo de licitação e contratação. Lembre-se de que atualmente a maioria dos projetos de PPP, especialmente em âmbito municipal, tem sido gestada mediante o que se denomina de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), procedimento utilizado pelas Administrações Públicas para receber da iniciativa privada projetos e estudos para instruir e viabilizar licitações e contratos de concessão ou de PPP. Através de um PMI, a Administração Pública pode autorizar uma ou várias empresas a desenvolver projetos e estudos voltados (por exemplo) para o desenvolvimento de PPPs, cujo objeto seja serviços próprios de cidades inteligentes. Se esses projetos são aprovados para esse fim, acabam por instruir um futuro processo de licitação e de contratação de PPP. No contexto do PMI, os autores do projeto serão ressarcidos não pelas Administrações, mas pela empresa ou pelo consórcio de empresas que vencer a licitação e assinar o contrato. Eis aqui, aliás, uma das razões pelas quais os PMIs têm sido muito procurados e praticados pelas Administrações para o desenvolvimento de projetos, uma vez que não comprometem o orçamento público. No entanto, os PMIs, embora relevantes – e, no atual contexto, imprescindíveis – para viabilizar o desenvolvimento de projetos, têm sido vistos com cautela. Isso porque as Administrações Públicas, especialmente as de menor porte, dada a sua falta de capacitação para analisar e criticar estudos e projetos, não têm sido capazes de evitar ou minorar a assimetria de informação e o risco de captura gerados no ambiente do PMI. Em muitos casos, o Poder Público se vê capturado pelo interesse das empresas que desenvolvem as soluções e os 235

projetos, devido a uma ascendência técnica destas em relação àquele. Precisamente por isso, a primeira advertência às Administrações interessadas na concepção de projetos de cidades inteligentes está na necessidade de se capacitarem institucionalmente para desenvolver programas dessa natureza. Embora não seja factível na atualidade o incremento ou aparelhamento de seus quadros profissionais, devido à crise fiscal pela qual passam muitos municípios, é certamente viável e recomendável a contratação de consultorias de apoio para qualificá-las para esse papel. Isso pode exigir a criação dentro da estrutura administrativa de um “escritório de projetos”, que pode se valer da contratação de consultores no mercado para que lhe seja dado esse apoio técnico nas análises dos estudos e projetos e na condução do procedimento do PMI, do processo de licitação e de contratação. Um escritório de projetos poderá ter a função não apenas de conduzir processos de manifestação de interesse, mas de conceber projetos, organizando-os sob um planejamento administrativo de médio/longo prazo. Ainda antes de iniciar um PMI, além da definição da estrutura e da obtenção do devido apoio técnico, será relevante definir o marco legal e regulatório que orientará a gestação e a gestão da PPP. Esse marco será constituído por lei(s) que autorize a delegação dos serviços públicos eventualmente integrados no complexo de atividades de uma cidade inteligente e que defina os aspectos relevantes da prestação dos serviços, inclusive questões tarifárias, quando houver. Além disso, será necessário definir normativamente – o que pode se dar via decreto em muitos casos – a estrutura pela qual tramitarão os programas de PPP, a alocação de responsabilidades e as competências administrativas e a as regras do PMI. É conveniente também que um programa de compliance seja previamente estruturado pelo município para orientar a interlocução público-privada durante o desenvolvimento do PMI. Quanto à análise de viabilidade jurídica de PPPs de smart cities, há alguns aspectos relevantes que devem ser destacados. Em primeiro lugar, é preciso verificar a modelagem jurídica mais adequada para o ajuste. Lembre-se, neste particular, de que uma PPP de cidade inteligente pode envolver uma multiplicidade de prestações e de serviços de distinta natureza. Pode haver serviços tarifáveis ou não passíveis de tarifação, serviços prestados diretamente ao usuário ou diretamente ao município, ou ainda serviços alternativos de interesse público ou administrativo, mas que permitem alguma exploração comercial pelo parceiro privado. Essa complexidade do

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objeto da PPP de cidade inteligente faz com que a definição da tipologia cabível não seja tão singela em muitos casos. Quando a PPP não envolver serviços tarifáveis, necessariamente terá de ser modelada como concessão administrativa. No entanto, quando os serviços abrangidos puderem gerar receita tarifária, ela poderá configurar-se como concessão patrocinada ou administrativa. Em casos menos frequentes poderá até caracterizar-se como concessão comum, modelo que obedece à disciplina da Lei no 8.987/95 e não aquela da Lei Geral de PPPs. Um outro aspecto relevante reside no controle fiscal. Invariavelmente, as PPPs acarretam a criação de despesas orçamentárias, uma vez que envolvem contraprestação pública. É necessário, portanto, no âmbito da estruturação de uma PPP para cidade inteligente, prover todas as demonstrações orçamentárias e fiscais, nos termos da Lei no 11.079/2004 e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Para isso, além de uma legislação bastante complexa, os municípios poderão enfrentar dificuldades no atendimento de certas regras restritivas, como aquela que impede a concessão de garantias ou a transferência voluntária da União para os municípios (e para os Estados), “se a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida projetada para os respectivos exercícios”. Além disso, caberá ao município estruturar um sistema de garantias públicas a ser integrado no programa de PPP com vistas a acautelar o risco dos investidores em relação ao cumprimento das contraprestações públicas. Esse tem sido um dos gargalos de muitos projetos de PPP, considerando a inexistência de ativos suficientes nas Administrações Públicas hábeis a compor estruturas de garantias que ofereçam a liquidez e a robustez demandadas para prevenir o risco do parceiro privado relativamente ao cumprimento das contraprestações públicas. Esse problema tem sido atenuado nos casos em que os projetos de cidades inteligentes são concebidos a partir do serviço de gestão da iluminação pública, em vista de a estrutura da iluminação caracterizar-se como uma plataforma para a implementação de outras tecnologias e serviços. A utilização da tecnologia de telegestão da iluminação, por exemplo, pode favorecer a conectividade com outros equipamentos e dispositivos, viabilizando a criação de redes inteligentes de serviços, a partir da estrutura dos postes e da rede de

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iluminação. Pode fazer sentido, por isso, que projetos voltados para a criação de cidades inteligentes abranjam também os serviços de gestão da iluminação pública. Como esses serviços podem ser custeados por contribuição de natureza tributária (contribuição para o custeio dos serviços de iluminação pública – COSIP) instituída pelos municípios, nos termos do artigo 149-A da Constituição Federal, modelagem desta natureza poderá propiciar o repasse direto dessas receitas ao concessionário. Se depender da lei local, essas receitas poderão ser repassadas diretamente ao concessionário, mediante a criação de contas garantia (por exemplo), configurando-se um sistema de remuneração apto a acautelar o risco dos investidores e financiadores quanto ao inadimplemento das contraprestações públicas. Com a desvinculação parcial de tributos instituída pelo artigo 76-B do ato das disposições constitucionais transitórias, parcela da arrecadação da COSIP poderá também ser utilizada para o custeio de outros serviços integrados no projeto de cidade inteligente e de diversos dos custos relativos aos serviços de iluminação. Assim, cria-se uma modelagem apta a dispensar estruturas de garantias mais robustas.

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Capítulo 19 Operações urbanas consorciadas e a contribuição para a construção das cidades inteligentes brasileiras. André Luiz Marques Revitalização de áreas degradadas As primeiras cidades surgiram quando os indivíduos começaram a se relacionar com maior estabilidade em um determinado lugar. A busca por locais seguros, a maior interação entre as pessoas, a domesticação de animais e o domínio da agricultura estimulou o relacionamento mais intenso e duradouro com um determinado local. Porém, a intensificação das trocas proporcionou ao mundo relações cada vez mais interdependentes, e as cidades deixaram de ser apenas pontos de aglomeração e passaram a ser pontos de conexão entre pessoas, mercadorias, serviços e informações. Atividades portuárias e de navegação estão relacionadas com a história das primeiras civilizações e foram catalisadores do desenvolvimento urbano. Ao longo do tempo, seus modelos e funções passaram por transformações advindas de uma nova estrutura mundial de transporte em ambientes econômicos cada vez mais competitivos. Uma crescente especialização, advento e primazia do contêiner, aumento do calado das embarcações e sua capacidade de transbordo, o desenvolvimento de docas secas e terminais onshore e o início da preocupação coletiva com a qualidade sanitária em ambientes urbanos impuseram novos desafios para esse segmento. Em decorrência, portos de outrora com importância internacional se deslocam para áreas periféricas mais extensas, de litoral profundo, com necessidade de mão de obra qualificada e não mais dos trabalhadores portuários tradicionais. Com isso, ocorreu obsolescência de antigas áreas portuárias ou industriais, com o esvaziamento das atividades produtivas e de trabalhadores gerando uma consequente degradação do espaço passando a serem vistas como áreas subutilizadas. A partir da segunda metade do século XX, as intervenções de recuperação de áreas portuárias começaram a ser executadas em várias cidades que reivindicavam suas frentes marítimas para recupe239

rá-las social, cultural e ambientalmente. Desde então, o que se tem presenciado são projetos urbanos estimulados pelo Poder Público, cujos investimentos se concentram na ocupação de vazios urbanos e na reversão da obsolescência. O objetivo é fazer com que as antigas instalações possam ser reaproveitadas, sendo necessário promover novas funções por meio de novos usos: cultural, comercial, serviço, lazer e habitação. A primeira cidade que se tem registro é Baltimore, nos Estados Unidos, quando no final dos anos 50 iniciou a recuperação de sua área portuária. A partir de então, as frentes marítimas se tornaram áreas de ações urbanísticas com objetivo de restituir sua centralidade e o contato entre cidade-porto antes perdidas. Não só áreas portuárias, mas espaços degradados em geral associadas a zonas de obsolescência e risco foram responsáveis por projetos de reurbanização de sucesso. Esse movimento compreendeu que por trás das antigas instalações subutilizadas ou parcialmente abandonadas existia um rico espaço com oportunidades urbanísticas, culturais, sociais e econômicas, conjugando suas ricas histórias com um potencial de desenvolvimento sustentável. São muitos casos além de Baltimore. Cidades como São Francisco, Boston, Nova York e Vancouver na América do Norte, Londres, Glasgow, Barcelona, Bilbao, Valência, Oslo, Lisboa, Porto, Berlim, Hamburgo e Amsterdã na Europa, Xangai, Hong Kong e Dubai na Ásia, Sidney na Oceania, Cidade do Cabo na África e Puerto Madero na América do Sul, entre outras, em diferentes magnitudes são exemplos de como esse movimento de recuperação de áreas degradas se tornou corrente em todos os continentes. Nessas áreas, os governos passaram a desenvolver intervenções urbanísticas para adaptar espaços públicos, agregando valor e elevando a qualidade de vida dos frequentadores. Essas cidades tiveram regiões que, em diferentes momentos, entraram em processo de decadência e posteriormente promoveram sua recuperação, que estavam localizadas em áreas estratégicas e serviram de modelos para outras recuperações. Quanto à replicação de modelos de outras cidades, Andreatta (2010) discorre que as peculiaridades locais e o patrimônio histórico e cultural devem ser priorizados na recuperação do espaço degradado, pois permite que o projeto urbano tenha suas próprias características que o diferencia dos demais, aumentando a possibilidade de sucesso, tendo a chance de se converter em um novo símbolo de desenvolvimento e renovação. Segundo Kotler et al (1995), é importante destacar que a revitalização de áreas centrais depende da construção de uma nova

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imagem em substituição à antiga percepção geral de área decadente. Essas estratégias dependem de um catalisador da revitalização, dinâmico e de forte apelo, constituindo-se em “diferencial” e “gancho” inicial contribuindo ativa e intensamente na construção daquela nova imagem e de uma nova experiência, atraindo novos usuários e investidores. Nas cidades que passaram por esse processo, multiplicam-se programas de revitalização de áreas centrais que se utilizam deste conceito. Segundo Del Rio (1991), as principais ações presentes nesse tipo de intervenção, sendo os catalisadores de transformação são: a recuperação e criação de novos usos do patrimônio histórico arquitetônico; expansão ou criação de novas funções aos espaços públicos abandonados; valorização do potencial recreativo e paisagístico das frentes marítimas; mix de usos e atividades; promoção de atividades turísticas; e parceria entre os setores público e privado. Embora os catalisadores por si só não possam garantir o sucesso da revitalização, eles têm se mostrado essenciais para dar a partida e, muitas vezes, para sustentar todo o processo.

Revitalizações no Brasil até o Estatuto da Cidade Com 8,5 mil quilômetros de costa, o Brasil experimentou um processo de crescimento natural através de suas cidades em áreas costeiras. Nesse cenário, os portos foram um instrumento indutor de desenvolvimento e de ocupação do território. Desde o século XVI, com a evolução das trocas comerciais em nível mundial e a expansão colonial europeia, os portos marítimos brasileiros foram criados para também ocupar lugar nesse cenário global. Como consequência desse modelo de desenvolvimento, importantes portos brasileiros se viram inseridos em áreas urbanas, sendo muitos deles circunscritos e de significativa importância histórica. A expansão da atividade portuária foi acompanhada, em vários casos, por externalidades negativas, como ocupação irregular nas proximidades restringindo possibilidades de expansão, saturação do sistema viário e impactos ambientais. A mitigação desses efeitos demanda um alinhamento de políticas e ações de agentes municipais, estaduais e federais buscando maior integração entre si e do porto com a área urbana. No Brasil, a experiência de revitalização de áreas degradadas começou em pequena escala. Em meados dos anos 1970, houve uma primeira experiência em Curitiba, mas esse modelo só foi expandido e implantado em maior dimensão no início dos anos 1980 por meio do Projeto Corredor Cultural no Rio Janeiro. Em geral, observa-se, nos 241

processos de revitalização que se sucederam, duas formas de revitalização dos centros históricos: os centrados na indução da participação e da parceria com atores privados (Recife e São Paulo) e os conduzidos direta e centralizadamente por atores públicos (Fortaleza, São Luís, Porto Alegre e Salvador). O primeiro modo alicerça suas atuações em um conjunto de instrumentos legislativos de regulação urbanística e renúncias fiscais, bem como em políticas e planos urbanos de diversos tipos. O segundo, em geral, foi desenvolvido a partir de programas de ações e obras, e à medida que cada novo governo local que se sucedia. Esses processos foram, em geral, razoavelmente bem-sucedidos enquanto instrumentos de revalorização imobiliária dos centros históricos, mas com sua atuação a uma delimitação espacial restrita. Os processos iniciaram-se como uma resposta a longos períodos de desvalorização imobiliária sistemática dessas áreas e focaram sua revitalização no apoio à manutenção da arquitetura histórica tombada e na produção de espaços adaptados a um novo mix de atividades econômicas, melhorias na infraestrutura e uma tentativa de mudança na paisagem urbana. Porém, o desenvolvimento urbano pautado em planos e projetos específicos e restritos se mostrou limitado em função da lacuna de sinergia entre os projetos. Para Machado (2003), um “novo urbanismo” surge como contraponto às práticas que promoviam planos diretores que propunham uma execução de planejamento de longa duração e sem interdependência. Esse novo movimento surgiu também pautado na gestão estratégica urbana admitindo que se valia de oportunidades ou crises urbanas para implementar estratégias de recuperação de segmentos da cidade calcadas em parcerias do setor público com a iniciativa privada. Baseia-se em multiplicidade de projetos de naturezas diversas que devem buscar coerência e articulação entre si considerando as potencialidades locais e possibilidades de transformação do espaço. A Operação Urbana Consorciada (OUC) é, em tese, instrumento urbanístico que introduz uma visão solidária a este projeto urbano, pressupondo um conjunto de medidas sob a coordenação do Poder Público municipal integrando à participação da iniciativa privada no objetivo de alcançar transformações urbanísticas, melhorias sociais e valorização ambiental de um território cuja degradação decorre de um esvaziamento ou mudança de uso.

Operação Urbana Consorciada (OUC) O instrumento de OUC surge na década de 1970 na Europa e nos EUA para enfrentar um processo paulatino de crise fiscal. Com isso, 242

neste momento, destacam-se as políticas visando à corresponsabilização da gestão das cidades entre os diversos agentes participantes da ocupação do espaço urbano. Essas Operações têm origem no conceito de “solo-criado”, desenvolvido por urbanistas. Esse conceito pressupõe a existência de um coeficiente de aproveitamento base, de maneira que elimine as diferenças econômicas entre regiões que o zoneamento instituiu. A partir daí, a concessão de construção acima desse patamar implica a multiplicação do solo, ou seja, “solo criado”. A lógica está na possibilidade de o Estado, pelo seu poder regulador, trabalhar com incentivos que tornem a participação direta daqueles diversos agentes nas melhorias urbanas, através do pagamento de contrapartidas, atrativa para a iniciativa privada. Nos anos 80, as prefeituras brasileiras lidavam com orçamentos que refletiam a estagnação econômica, com pouca atividade econômica e a consequente baixa arrecadação. Nesse cenário, as OUCs foram vistas como instrumento urbanístico e financeiro com objetivo de promover a renovação de determinada área da cidade. O embrião da primeira OUC foi a Lei Operação Interligada aprovada em 1986 pela Prefeitura de São Paulo. O documento visava aproveitar o dinamismo da iniciativa privada e incentivar a construção de habitações de interesse social. O estímulo vinha da concessão de índices construtivos acima dos permitidos pela legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo. A incorporação desses novos mecanismos e o fomento ao desenvolvimento urbano ganhou contornos institucionais com o processo constituinte de 1987-1988. O processo de participação foi estimulado com o estabelecimento do mecanismo de iniciativa popular para a elaboração de emendas para o então projeto da Constituição Federal de 1988. Esse processo culminou com a aprovação da Emenda Constitucional de Iniciativa Popular de Reforma Urbana no Congresso em 1987. Pela primeira vez uma Constituição traria um capítulo específico de “Política Urbana” em seus artigos 182o e 183o. No entanto, esses artigos vieram a ser regulamentados somente em 2001, com o Estatuto da Cidade (Lei Federal no 10.257/2001). Esses quase 15 anos que se passaram até a regulamentação dão uma sinalização da dificuldade de convergência em relação à maneira como esses mecanismos deveriam ser implementados. O consenso obtido sugere que o mesmo objeto, o Estatuto da Cidade, foi reconhecido pelos diversos grupos anteriormente antagônicos por motivos distintos. Segundo BASSUL (2011), se, para parte da sociedade a aprovação do Estatuto significou a consolidação de um novo marco legal, capaz

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de conferir eficácia aos princípios da função social da propriedade e da cidade, para o capital imobiliário, o que inicialmente parecia uma ameaça passou aos poucos a ser percebido como oportunidade. Nesse mesmo sentido, COTA (2010) aponta que o empresariado brasileiro começou a perceber que a deterioração das condições de vida nos grandes centros urbanos, preocupação principal dos movimentos de reivindicação pela reforma urbana, era um fator de risco mercadológico, o que contribuiu para se firmar um aparente consenso na implantação dos princípios do direito à cidade, a partir da aprovação do Estatuto. Outro fato que estimulou a recepção bem-sucedida da proposta de Operações Urbanas estava na possibilidade de ela representar uma alternativa às amarras da legislação vigente. Essas Operações possibilitariam a flexibilização da legislação urbanística, permitindo, por meio da excepcionalidade, ultrapassar os limites postos, tanto quanto ao potencial construtivo, como em relação ao uso na área, por meio da modificação do zoneamento. Apesar de ter aplicações anteriores ao Estatuto da Cidade, com nomenclaturas e configurações distintas, o instrumento da OUC obteve no Estatuto sua configuração atual. Só na cidade de São Paulo, quatro Operações com objetivos semelhantes já haviam sido propostas antes da aprovação do Estatuto. Contudo, ante as críticas que foram direcionadas a algumas delas, o Estatuto veio lhe dar maior legitimidade e estabelecer as regras de funcionamento mais transparentes e democráticas e reforçou a necessidade de garantir uma coerência entre a ação local e as demais ações públicas municipais. As OUCs regulamentadas pelo Estatuto da Cidade se constituem por um tipo especial de intervenção urbanística voltada para a transformação estrutural do ambiente urbano de um setor específico da cidade. Cada área, objeto de Operação Urbana, deve estar previamente prevista no Plano Diretor da cidade e deve ainda ter uma lei específica estabelecendo as metas a serem cumpridas e os mecanismos de incentivos e benefícios. Essas leis específicas devem conter, pelo menos, a definição da área a ser atingida; o programa básico de sua ocupação; o programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; a finalidade da operação; o estudo prévio de impacto de vizinhança; a contrapartida exigida dos consorciados; e a forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com a representação da sociedade civil. Nota-se que há uma preocupação em determinar que a tarefa normativa é do Poder Público dado o interesse coletivo envolvido no ordenamento do território urbano.

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As Operações propiciam a recuperação de ambientes degradados e a adequação da infraestrutura urbana, serviços e edificações a novas funções e novas tecnologias dentro da perspectiva de adaptação das cidades aos atuais processos de transformação econômica, social e cultural. Desse modo, comporta um conjunto de alterações na área de sua realização, que pode abranger, por exemplo, modificação ou ampliação do sistema viário, criação ou ampliação de espaços públicos, recuperação e modernização da infraestrutura urbana de saneamento básico, energia elétrica e telecomunicações, recuperação de áreas envelhecidas e degradadas, maior adensamento populacional, construção de habitações de interesse social, criação ou revitalização de áreas centrais de bairros ou distritos no âmbito de um processo de descentralização urbana e reurbanização com a regularização fundiária de áreas ocupadas por população de baixa renda. Trata-se, portanto, de um plano urbanístico em escala quase local, através do qual podem ser trabalhados elementos de difícil tratamento nos planos mais genéricos. Trata-se, assim, de um instrumento de implementação de um projeto urbano para uma determinada área da cidade, realizado entre proprietário, Poder Público, investidores privados, moradores e usuários permanentes. A participação da sociedade civil, por seus diversos segmentos, conta com a coordenação do Poder Público. Trata-se de uma parceria na qual Poder Público concede incentivos à iniciativa privada, buscando mediar sua atuação dentro da operação e receber as contrapartidas desse incentivo, em forma de verba ou obras dentro da área determinada. Para que sejam efetuadas as correções urbanísticas, possibilita-se, excepcionalmente, a modificação de índices e características do parcelamento, uso, ocupação do solo e subsolo, normas edilícias e a regularização de construções em desacordo com as normas vigentes levando-se em consideração o impacto ambiental de tal medida. Essas intervenções ocorrem por meio de obras públicas ou privadas e o estabelecimento de um marco regulatório diferente daquele em vigor para o conjunto da cidade, que altera as obrigações dos agentes públicos e privados envolvidos. Até a entrada em vigor do Estatuto da Cidade, grandes intervenções urbanas eram predominantemente financiadas com recursos do Tesouro Municipal através da arrecadação de impostos, da contratação de dívidas ou do pagamento dos direitos urbanísticos adicionais em contrapartida para o caso em que seu detentor também fosse proprietário de um lote e apresentasse ali um projeto de empreendimento. A possibilidade de

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realização de novos empréstimos foi – em várias cidades com níveis de endividamento já elevados – limitada, desde a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Já a criação de novos impostos gera impacto negativo para a população, eis que corresponde a mais um pagamento obrigatório. E as negociações de contrapartidas eram feitas individualmente e caso a caso. Por métodos de avaliação do terreno virtual, que seria obtido com as intervenções, a Prefeitura calculava os valores de contrapartidas que seriam pagos ao município, em dinheiro ou obra, a fim de se adquirir um adicional de construção. Esse processo de captação das contrapartidas se revelava penoso e demorado para o Poder Público, e os empreendimentos se instalavam no perímetro muito antes que a infraestrutura necessária fosse realizada. Essa realidade mudou após o advento do Estatuto da Cidade, que prevê a possibilidade de emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPACs). Tipicamente, os governos municipais autorizam uma construção gratuita até certo coeficiente construtivo e cobram valores por metro quadrado adicional ao coeficiente construtivo máximo gratuito (ou Potencial Construtivo) da área. Por essa lógica, o Poder Público define um adicional de estoque “edificável” na área da operação, lançando antecipadamente no mercado financeiro títulos equivalentes ao valor total desse estoque. Esse lançamento antecipado é uma característica importante dos CEPACs, pois eles constituem-se como instrumento de antecipação do recebimento de recursos financeiros, que, de outra forma, somente seriam recebidos em pequenas parcelas ou a longo prazo. Essa possibilidade de antecipação permite que a arrecadação passe a ser feita independentemente do ritmo de andamento da operação ao contrário do que ocorria até então. Para aproveitar-se do direito adicional de construção na área, o empreendedor teria que adquirir CEPACs no mercado para viabilizar as exceções pretendidas nos empreendimentos ao restituí-los à Prefeitura a fim de poder usufruir do benefício do solo criado. O empreendedor/ proprietário pode adquirir esses Certificados através de leilões que estabelecem o preço mínimo por meio de estudos de oferta e demanda ou mesmo de outros proprietários de CEPACs em um mercado secundário. Enquanto os CEPACs não estiverem atrelados a um imóvel específico, atribuindo-lhe determinado estoque de construção, podem ser comercializados livremente como certificados imobiliários. A comercialização de CEPACs tem algumas diferenças fundamentais em relação à cobrança tradicional em dinheiro. Uma das principais diferenças é que sua aquisição pode ser feita por investidores que não pretendem construir na região, mas somente estão interessados

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em revendê-los, apostando na valorização do título. Assim o universo de compradores é potencialmente maior. Os investidores particulares participam da OUC mediante a compra dos certificados de potencial adicional de construção e não por escolha precedida de licitação. Ou seja, o investidor privado é aquele que ingressa no empreendimento depois de adquirir em leilão os certificados. Outra diferença é que o preço de venda captura a expectativa de valorização do título, que acompanha a expectativa de valorização dos ativos imobiliários na região. Dessa forma, como o universo de compradores é maior e o preço reflete a expectativa de valorização do papel, os CEPACs, na prática, podem ajudar a prefeitura a arrecadar mais recursos com a venda de potencial construtivo do que arrecadaria com as formas tradicionais de outorga onerosa do direito de construir. A destinação dos recursos obtidos com aquela comercialização deve ser, exclusivamente, direcionados à realização da própria OUC. Com isso, a oferta de CEPACs atrela-se a um determinado programa de investimento a ser realizado num local específico, e espera-se que esse benefício reverta em valorização da área; daí decorre a lógica da lucratividade do CEPAC. Porém, os particulares que compram esses títulos assumirão uma parcela do risco inerente à Operação Urbana e que normalmente seria assumido apenas pela Administração Municipal. Isso porque o preço desembolsado pelos particulares para a compra dos CEPACs pode não corresponder à efetiva valorização da área, o que importará um deságio em sua posterior alienação ou utilização. Também existe a possibilidade contrária de a valorização da área ser superior à esperada, resultando em vantagens para aqueles que tiverem adquirido com antecedência esses certificados. Existindo risco na negociação desses títulos, esta deve ser regida pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), como forma de proteção de seus participantes investidores. A Municipalidade emissora deverá enviar trimestralmente à CVM as informações relatando o andamento da OUC, contemplando os fatos relativos à aplicação dos recursos e a quantidade de CEPACs utilizados, comunicar imediatamente à CVM e ao mercado a existência de estudos, projetos de lei ou quaisquer iniciativas que possam modificar os aspectos da operação e divulgar qualquer fato ou ato relevante às operações do CEPAC de modo a garantir aos investidores acesso a informações que possam afetar o valor de mercado ou influir em suas decisões de adquirir, permanecer ou alienar tal valor mobiliário. Os recursos arrecadados pelo município é a fonte principal da execução das obras e serviços previstos para as regiões abrangidas nas

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OUCs. Nesse momento, havendo recursos públicos envolvidos, há a obrigatoriedade de realização de procedimento licitatório para contratação de serviços e compra de produtos, salvo em casos de dispensa ou inexigibilidade. Mas também é admitido ao Poder Executivo delegar a realização das obras a uma empresa, isoladamente, ou ao conjunto de empresas, também mediante realização de licitação. Nesse caso, teríamos o que é chamado de Parceria Público-Privada. A ideia da Parceria Público-Privada não surge no Brasil, assim como não é originário daqui o próprio instrumento da Operação Urbana. Há uma variedade de definições de parcerias público-privadas. Uma síntese dessas definições sugere que a essência dessas parcerias inclui pelo menos os seguintes atributos: envolvimento de múltiplos participantes públicos e privados, acordo sobre objetivos e estratégias, benefícios mútuos, comprometimento de recursos essenciais e variedade de atividades. Internacionalmente, tem sido reconhecido que as parcerias público-privadas são importantes para a construção da competitividade geral das regiões urbanas (Congresso Mundial de Cidades Competitivas, 2000) e para a solução de problemas ambientais urbanos (UNDP, 2000). Na Grã-Bretanha, as parcerias público-privadas surgiram como uma nova abordagem institucional para o desenvolvimento econômico urbano no final dos anos 1980. O programa chamado Desafio da Cidade foi criado para “[convidar] as autoridades locais a apresentar esquemas de regeneração econômica em parceria com a comunidade empresarial local” (Chandler, 1998, p. 158).

Operação consorciada urbana da região do Porto do Rio A história da cidade do Rio de Janeiro é fortemente vinculada ao seu porto, que cumpriu um papel fundamental no desenvolvimento da cidade. Em um primeiro momento, no século XVI, foi importante parada de reabastecimento na longa viagem de Portugal rumo ao estuário do Rio da Prata, assim como para as diversas embarcações portuguesas que atravessavam o Atlântico Sul vindas da Europa rumo às mais diversas possessões portuguesas. Ao longo de todo o período colonial, com a transferência da capital do Vice-Reino de Salvador e depois com a ida da Família Real, até boa parte do século XIX, o porto cumpriu um papel decisivo para o Rio de Janeiro. Esses acontecimentos aceleraram e intensificaram as atividades portuárias. Nos anos de 1890, o crescimento demográfico pôs em voga uma crise habitacional, transformando a região portuária numa al248

ternativa de moradia para as classes menos favorecidas. O aumento populacional dos bairros portuários aliado a uma infraestrutura precária trouxe à tona o problema da insalubridade da região e do aparecimento de epidemias – febre amarela, varíola, malária e cólera-morbo – que vinham junto com a movimentação de pessoas dos navios mercantes que, pelo porto, chegavam à cidade. Com isso, a necessidade de uma maior capacidade para operações do porto atrelado à situação precária do seu entorno, levou a demolir muitos cortiços, trapiches e armazéns e aterrar extensas áreas para dar lugar ao novo porto no início do século XX. Essa ação urbanística governamental, conduzida por um objetivo logístico centrado na circulação de mercadorias pelo centro da cidade, desconsiderou qualquer sentido urbanístico de integração da população local àquele espaço. A partir dos anos 1920/40, os efeitos da crise do café fluminense, o esgotamento do modelo primário exportador e a redistribuição da atividade industrial para São Paulo acarretaram uma diminuição da atividade portuária e a crise das atividades comerciais e de negócio nos bairros próximos. Desde então, o distanciamento físico, social e cultural da cidade e seu espaço portuário se ampliou, culminando na década de 1980 com a transferência de tráfegos importantes para o porto da Baía de Sepetiba. A zona portuária do Rio de Janeiro se deparou então com a ociosidade dos equipamentos e armazéns, com a degradação das construções e perdas demográficas. Esse movimento repetiu o que ocorreu em muitas partes do mundo onde instalações portuárias ou industriais localizadas em meio urbano perderam parte significativa de seus tráfegos. Como já vimos, iniciativas pioneiras de reconversão de áreas portuárias ao redor do mundo apostaram na criação de espaços de convivência social, assim como no aproveitamento de instalações à beira do espelho d’água. Esse tipo de projeto contribuiu para revalorizar a região e atrair investimentos que aumentam a capacidade de arrecadação do poder local que, em conjunto com a aceitação da sociedade, estimula a multiplicação das operações de waterfronts dos Estados Unidos para a Europa e o resto do mundo. A região portuária da cidade do Rio de Janeiro tinha sido objeto de diversos planos de revitalização e valorização histórica desde os anos 1980. Entretanto, apesar de algumas iniciativas terem sido relativamente bem-sucedidas na recuperação de imóveis históricos, não mostraram motivo suficiente para revitalizar e dinamizar a área como um todo. Isso ocorreu em razão de obstáculos que incluem a

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negociação entre os poderes municipal – quem possui competência de alterar os parâmetros urbanísticos –, estadual e federal, proprietárias de grandes áreas da região. No final dos anos 2000, o ambiente político institucional e o ingresso da metrópole em um novo ciclo de desenvolvimento viabilizaram a execução do projeto de OUC da Região Portuária da Cidade do Rio de Janeiro, operação popularmente conhecida como “Porto Maravilha”. Um arcabouço institucional e técnico-administrativo foi implementado para fornecer as ferramentas necessárias à elaboração desde o planejamento, passando pelo financiamento e até a execução do projeto. Para elaborar a OUC do Porto, foi tomado como referência o modelo paulistano. A Operação do Rio de Janeiro, porém, apresentou pelo menos duas mudanças em relação às realizadas em São Paulo. Primeiro, em relação à estratégia de como os CEPACs foram leiloados e segundo com relação ao formato de contratação das obras de infraestrutura executadas na área definida. Veremos ao longo do texto o detalhamento dessas diferenças. A OUC foi instituída por Lei Municipal Complementar que estabeleceu os limites da área a ser atingida – cerca de cinco milhões de metros quadrados – na qual seria implementado um conjunto de intervenções urbanísticas. A Lei definiu também a contrapartida a ser exigida dos consorciados para a ampliação do coeficiente construtivo nessa região, expresso em número total de CEPACs, bem como sua previsão de distribuição no espaço de ocupação definido, a fim de promover o máximo aproveitamento e desenvolvimento de terras vazias e ociosas por meio de diferentes usos como comercial, entretenimento, cultural e residencial. Ou seja, diversificar as atividades para recuperar a centralidade antes perdida. O projeto buscava melhorar as condições de trabalho, habitação, transporte, cultura e lazer. Para isso, previa também uma série de intervenções de infraestrutura como a construção de um novo sistema viário – incluindo aí a emblemática demolição do Elevado da Perimetral –, de novos museus, reconstrução de infraestrutura urbana, reurbanização de vias e calçadas, implementação de passeios públicos e ciclovias e, por fim, a conservação e manutenção da área. Além disso, previa enfatizar a herança cultural da região portuária, seja recuperando e protegendo imóveis de importância histórica e cultural, seja criando um circuito histórico-cultural voltado para o uso do turismo. A OUC propunha ainda um modelo de governança Público Privado. Esse modelo singular é suportado por uma entidade criada

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pela Prefeitura chamada de Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), depositária de poder de concessão pública para desempenhar as funções de regulação, gestão de projetos e agência de desenvolvimento. O objetivo era atuar como coordenadora do Projeto Porto Maravilha de forma a agilizar a implantação de empreendimentos na zona portuária, devendo ainda acompanhar o uso dos recursos adquiridos com a venda dos CEPACs, além de se responsabilizar pelos esclarecimentos de ordem técnica envolvendo a Operação Urbana. Para isso, tem o dever de apresentar trimestralmente um relatório contendo informações de acompanhamento das atividades e verificação do cumprimento das metas estabelecidas. Outro ente importante faz parte deste processo de revitalização: a concessionária Porto Novo. Ela é uma sociedade anônima, oriunda do consórcio vencedor de um edital de licitação de uma Parceria Público-Privada lançada pela prefeitura, cujo objetivo é executar as obras de reurbanização e de infraestrutura previstas, bem como prestar os serviços de operação e manutenção da operação urbana. Para isso, assinou um contrato no final de 2010, com duração inicial prevista para 15 anos, envolvendo um montante de R$ 7,6 bilhões. Essa é uma diferença em relação ao modelo de OUC paulista, onde lá as obras foram executadas a partir da lei de licitações tradicional de obras públicas com o objetivo específico de execução das obras e não sua manutenção posterior, como no caso carioca. O financiamento do projeto foi delineado para ser proveniente dos investidores interessados em adquirir os CEPACs. Foram colocados à venda em leilão público quase 6,5 milhões de CEPACs, com valor mínimo de R$ 545 cada. Esses CEPACs foram arrematados pela Caixa Econômica Federal (CEF) em lote único por R$ 3,5 bilhões e integralizados em um Fundo de Investimento Imobiliário (FII). O FII que é administrado pela Caixa Econômica Federal conta como cotista o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com isso, os interessados em investir ou adquirir metros a mais de construção devem recorrer ao FII para comprar os CEPACs. O FII opera, por conta e ordem da CDURP, os pagamentos das contraprestações públicas que remuneram a concessionária. Ocorre que a soma nominal dessas contraprestações ao longo do contrato (cerca de R$ 7,6 bilhões) é superior aos valores obtidos com a comercialização dos títulos. Isso ocorreu por conta da expectativa de valorização dos ativos imobiliários gerada pela promessa de realização das próprias intervenções. Trata-se de um modelo no qual os equipa-

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mentos de infraestrutura geram riqueza para pagarem a si próprios, ao menos parcialmente. Um fator importante para aumentar o valor arrecadado com as CEPACs é a redução dos riscos associados à implantação das intervenções. Uma das estratégias adotadas pelo município do Rio de Janeiro para mitigar esses riscos foi a adoção do modelo de PPP para implementar grande parte do escopo de intervenções que compõem a OUC. O contrato criou um sistema de avaliação do desempenho da concessionária voltado a estimular o parceiro privado a alcançar os níveis desejados de performance. Esse modelo de venda das CEPACs é a segunda diferença em relação ao modelo paulista. Em vez de os Certificados serem paulatinamente leiloados de acordo com a demanda, a CEF adquiriu a totalidade dos certificados. Com isso, o município teve seu caixa rapidamente preparado para dar início à execução das obras.

Considerações finais A subutilização e consequente abandono de centralidades em diversas cidades em todos os continentes fez com que as operações de revitalização se tornassem cada vez mais frequentes. Tanto a abrangência como o modo de viabilização técnica e financeira guardam diferenças entre os projetos implantados. Porém, em comum encontramos a utilização de novos indutores para que esses espaços fossem harmonizados novamente em seu ambiente urbano. No Brasil, esse processo se deu em diversas magnitudes e com foco em diversos tipos de áreas. Mas foi com o advento do Estatuto da Cidade que ganhou maior impulso. Um dos casos mais emblemáticos é a OUC da região do porto da cidade do Rio de Janeiro. Uma operação complexa como a OUC do Porto Maravilha gera uma série de pontos que devem ser observados e que podem auxiliar a gestão de operações semelhantes. Em primeiro lugar, a combinação de uma OUC com uma PPP apresenta oportunidades e desafios. A possibilidade de se fazer o conjunto das obras determinadas com apenas um processo licitatório e, além disso, garantir que a operação e manutenção desta mesma área seja realizada por este mesmo ator privado durante um período extenso de contrato que pode ser visto como um fator de simplificação da Operação. Porém, isso demanda, por parte do ente público, recursos financeiros para garantir a execução contínua da Operação. No caso do Porto Maravilha, em um primeiro momento, isso parecia ter sido 252

atingido com a venda antecipada das CEPACs para a CEF, que proporcionou uma geração de caixa significativo logo no início da operação. Isso gerou um fôlego financeiro para que as primeiras etapas fossem realizadas conforme previsto inicialmente. Além disso, a valorização das CEPACs e sua utilização posterior em novos empreendimentos gerariam o complemento de caixa necessário para integrar o montante total previsto para ser despendido na operação. Porém, o que se viu na prática foi a não valorização e a comercialização de CEPACs conforme planejado e, por conseguinte, originou falta de recursos no FII para suportar o pagamento das contraprestações previstas. Isso fez com que a concessionária suspendesse o contrato (revitalização e operação) até que o problema de solvência do FII fosse sanado. Apesar de, em um primeiro momento, a situação tenha sido revertida, ela ocorreu outras vezes e pode continuar a acontecer dada a longevidade do contrato e suas obrigações, bem como da volatilidade do mercado imobiliário. E nesses momentos, a revitalização tende a ficar paralisada e as operações, para não prejudicar o cidadão, acabam sendo absorvidas pela prefeitura, gerando assim gastos adicionais não previstos. Em segundo lugar, um fator que propiciou o avanço do projeto Porto Maravilha foi o alinhamento entre os personagens envolvidos no processo, que vai desde os diferentes níveis federativos (Município, Estado e União) até chegar à sociedade de forma geral e aos órgãos de controle. Isso demonstra a importância da participação de todos os envolvidos desde o início do processo, e até mesmo aspectos ideológicos que contribuíram para o debate. Em termos operacionais, é também relevante notar que, apesar de o contrato de PPP contemplar um amplo conjunto de indicadores de desempenho, o impacto potencial efetivo desses indicadores na remuneração da concessionária é limitado, variando de menos de 2% a 9% da remuneração total, dependendo do período do contrato. Esses limites podem restringir a gestão do contrato pela CDURP, além de reduzir a efetividade do sistema de avaliação de desempenho como instrumento de promoção da qualidade dos serviços. Outro grande desafio da OUC é sua viabilidade de áreas com menor potencial de valorização. A Operação motivada pela possibilidade de se gerar arrecadação, com a troca de benefícios que atraiam o setor privado para financiar obras viárias, pressupõe a existência de algum interesse do mercado imobiliário. Concentrando um alto volume de investimentos, sejam eles públicos, sejam privados, em áreas já valorizadas e beneficiadas por infraestrutura abundante, corre-se o risco de se afastar das intervenções de menor escala e acabar restringindo-se a

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setores em que haja efetivamente interesse da iniciativa privada em investir em função da dificuldade na alavancagem da operação. Inclusive, a lógica dos CEPACs exacerba ainda mais tal concentração, por vincular a operação às áreas com potencial de “valorização” do título, pois deve haver o interesse do mercado de comprar os certificados – e obviamente esse interesse não existe em áreas precárias.

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Capítulo 20 Boas práticas na estruturação de projetos para revolucionar a infraestrutura das cidades brasileiras Diogo Mac Cord de Faria Assim como nas empresas privadas, todo município precisa desenvolver uma visão de longo prazo – isto é, uma definição clara de onde eles querem chegar em 20 ou 30 anos, e de como eles geram valor aos seus stakeholders – no caso, toda a sociedade. Dados do IBGE demonstram que, em 2015, o PIB per capta dos municípios brasileiros com mais de 100.000 habitantes variavam de 6 mil (Paço do Lumiar, MA) a 182 mil (Barueri, SP). Nesse contexto, é evidente que as estratégias devem ser diferentes: não há uma receita única para todos. O primeiro passo, portanto, é compreender que quem não sabe onde quer chegar jamais chegará a lugar algum: ter uma visão e um plano dela derivado é fundamental. Faz parte dessa etapa entender o que é um plano de longo prazo: entre os poucos municípios brasileiros que possuem algo do gênero, a maioria confunde os fins com os meios. Por exemplo: ter, até 2030, mais três grandes hospitais, definitivamente não é um plano, já que foca no meio (hospitais) e não em um fim específico. A pergunta é: para que se quer construir esses hospitais? Se o objetivo for reduzir a mortalidade infantil, talvez investir em saneamento – e não em hospitais – seja a melhor forma de chegar lá. O segundo passo é, então, construir esse plano de longo prazo. Mesmo sabendo que não há fórmula mágica, um ponto deve ser central: o desenvolvimento econômico. Não há futuro para um município pobre, que não gera riqueza e vive de repasses. E, para garantir o desenvolvimento econômico, a estratégia que será sugerida ao longo deste texto é a chamada “microeconomia da competitividade” – teoria desenvolvida pelo professor da universidade de Harvard, Michael Porter. Por essa teoria, cada município deve identificar aqueles setores em que já exista uma vantagem competitiva e fortalecê-los – em vez de investir para desenvolver um outro setor que é fraco ou, muitas vezes, até inexistente. Em outras palavras, a estratégia deve ser 258

“pé no chão”, realista e objetiva, com base nos recursos disponíveis. É muito importante que dados, simulações econométricas e estatísticas sejam sempre usados, em detrimento de sonhos e opiniões individuais: pragmatismo é fundamental. Um outro ingrediente importante é a participação da sociedade: explicar a metodologia, demonstrar como aquele plano gerará melhoria da qualidade de vida para todos e obter o apoio popular é chave para que tal plano não seja abandonado na primeira troca de governo. Finalmente, uma vez montado o plano de longo prazo e, por consequência, a visão e as metas que queremos alcançar, trabalharemos nos meios: “como” chegaremos lá? É evidente que a infraestrutura que um município que tem como visão ser um polo tecnológico é totalmente diferente daquela que quer ser um centro de malhas, que é totalmente diferente daquele que focará no turismo e que é totalmente diferente daquele que focará no cultivo de frutas. Não é tarefa trivial: instituições fortes devem ser montadas para garantir o monitoramento contínuo do plano e a execução de suas premissas. No entanto, muito cuidado deve ser tomado quanto aos custos de transação: o custo do controle jamais pode superar os benefícios projetados. Organizações fortes são necessárias – mas elas não precisam ser caras ou burocratizadas. Na verdade, não os ser é parte importante do planejamento. Por fim, cabe apontar o relatório produzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE, 2018), que indica a “falta de planejamento de longo prazo” o segundo maior entrave para novos investimentos no Brasil – atrás apenas da forte flutuação cambial, que inibe o financiamento em moeda estrangeira.

Como fazer? A microeconomia da competitividade e o conceito de clusters Um primeiro conceito fundamental que precisa ser pontuado é: vivemos em uma sociedade que tem recursos finitos e desejos ilimitados. Isso quer dizer que se escolhas inteligentes não foram tomadas (priorização sobre os recursos escassos), findaremos por esgotar as reservas sem resolver os principais problemas. É difícil: sabemos que interesses individuais muitas vezes tentam se sobrepor aos coletivos. Priorizar, portanto, deve ser tarefa baseada em uma metodologia clara e objetiva. Falaremos sobre isso mais adiante, no que se chama de 259

Taxa de Retorno Econômico (ERR, no acrônimo em inglês), quando se calcula qual projeto traz maior retorno – direto ou indireto, por meio de externalidades – à sociedade, em termos econômicos. Pois bem: o professor Michael Porter, fundador do Institute for Strategy and Competitiveness, baseado na Harvard Business School, desenvolveu uma teoria na qual a maneira mais adequada para que se gere desenvolvimento econômico em determinada região é pela identificação e pelo fortalecimento dos clusters que já possuem uma vantagem competitiva diante dos demais. De acordo com Porter (2008), a competitividade de uma nação depende da capacidade de sua indústria em inovar e se desenvolver. As indústrias que estão expostas à maior competição (seja nacional, seja internacional) são provavelmente aquelas mais competitivas, pois, caso contrário, já teriam fechado as portas. Assim, deve-se identificar, dentro de um determinado município, qual empresa está inserida em um contexto concorrencial maduro e que apresenta relevância econômica local. Essa identificação é feita no contexto de “cluster”, que é um conjunto de empresas, geograficamente próximas, que fazem parte de um determinado setor, seja de maneira direta (fabricantes, fornecedores), seja indireta (universidades, distribuidores). Quanto mais complexo o cluster, maior a vantagem competitiva que aquele determinado setor possui – já que não se constrói esta relação da noite para o dia. Importante ressaltar que, assim como o objetivo de uma cidade é o aumento de produtividade (historicamente o ser humano se agrupa pela facilidade de todos os membros desse grupo estarem integrados e produzindo juntos, com divisão e especialização de atividades), um cluster serve ao mesmo fim: aumentar a produtividade de um determinado setor – e, por consequência, sua competitividade. Estudo recente do World Bank (2017) indica que cada 1% a mais do PIB investido em infraestrutura poderia gerar um crescimento econômico de até 3%, percebido em um intervalo de 10 anos, ou de até 8%, percebido em um intervalo de 30 anos. No entanto, é evidente que este efeito é atingido somente se os investimentos forem realizados nos lugares certos. Uma vez identificados os clusters mais expoentes do município, desenha-se uma estratégia para fortalecer esses clusters, deixando-os ainda mais competitivos. No entanto, muito cuidado deve ser tomado para não confundir esse conceito com os “campeões nacionais” escolhidos pelo governo federal brasileiro há alguns anos e que cujo conceito naufragou pela fragilidade de sua estratégia. Aqui, o objetivo é estimular inovação a todo um cluster, de maneira que atraia cada vez mais empresas do setor, fortalecendo a complexidade

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de conhecimento e, mais do que tudo, estimulando cada vez mais a concorrência – jamais concentrando mercado. Por exemplo: se o cluster mais proeminente da cidade for o de turismo, a estratégia não deve ser a de selecionar a maior operadora local e conceder empréstimos a juros subsidiados para que esta compre todos os seus concorrentes (estratégia adotada pelos “campeões nacionais”); a estratégia correta deve ser a de aumentar a segurança pública, apoiar a construção de novos parques, praças e atrações turísticas e trabalhar para que novos centros de treinamento e capacitação de guias alimentem um mercado cada vez mais profissional e, portanto, competitivo – o que gera inovações, reduz custo, aumenta a competitividade e atrai mais turistas, beneficiando o setor como um todo e, por consequência, gerando desenvolvimento econômico regional. Os benefícios são transversais, isto é, alcançam todas as empresas que atuam na área. Como dito anteriormente, em uma sociedade com recursos limitados, é preciso priorizar. Cada município de médio porte deve escolher um ou, no máximo, dois clusters como prioritários. Talvez municípios maiores possam escolher três ou quatro, mas jamais mais do que isso: foco é fundamental. Por exemplo: é inquestionável que o Rio de Janeiro possui uma vocação para o turismo e para a indústria de óleo e gás. Pensando no constante aumento da complexidade do cluster, a indústria de óleo e gás conta com inúmeras instituições de pesquisa que podem ser usadas para dar um passo adiante e começar a promover novas tecnologias de energia renovável: investir em um parque tecnológico com este fim, firmar parcerias com as universidades federais que já possuem um enorme grupo de pesquisadores na área e direcionar os royalties do petróleo para novas pesquisas são medidas que fariam todo o sentido para a cidade e que geram benefícios indiretos a todos os demais setores da economia. Esse é o motivo pelo qual os clusters precisam ser selecionados a fazer parte de uma estratégia regional. Como em qualquer empresa, é preciso priorizar as linhas de negócio mais lucrativas, sem jamais esquecer que a inovação e o aumento de produtividade devem ser perseguidos à exaustão. Um caso clássico nos EUA é o do estado de Michigan, cuja principal cidade é Detroit, conhecida como principal polo produtor de automóveis dos Estados Unidos. O estado viu-se em meio a uma enorme crise, justamente porque perdeu o posto de polo inovador desse setor para a Califórnia. Lá, cidades, como São Francisco (sede da Uber), Mountain View (sede da Google) e Palo Alto (sede da Tesla), hoje lideram a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias em transporte individual, sobretudo no que se refere aos novos conceitos de veículos compartilhados, autônomos e elétricos.

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Um exemplo positivo de quem está se preparando para um futuro nada promissor é Abu Dhabi. A cidade, nos Emirados Árabes Unidos, tem sua economia fundamentalmente dependente do petróleo. Por isso, nos últimos anos, investiu fortemente em desenvolvimento de novas tecnologias renováveis. É, por exemplo, lar da IRENA – International Renewable Energy Agency, uma organização intergovernamental que dá suporte aos países que querem apoio na transição para uma matriz energética limpa. Com essa estratégia, a cidade aproveita seu recurso abundante de hoje para, dentro de um mesmo setor (energia), que já conta com um cluster complexo e desenvolvido, reinventar-se, garantindo a perpetuidade de sua posição de liderança nessa área. Dessa maneira, fica bastante evidente que ter uma visão é fundamental para que ações e decisões coerentes sejam tomadas no dia a dia, garantindo que todas as políticas públicas dali em diante convirjam para um fim comum.

A estruturação dos projetos Como escolher os projetos certos? Escolher a estratégia de longo prazo não é tarefa trivial, e montar o pipeline de projetos que são necessários para trazer o desenvolvimento econômico almejado tampouco o é. Provavelmente no município existirão demandas represadas, que independem do planejamento de longo prazo – por exemplo, problemas no saneamento básico (lembrando que, pela Lei n o 11.445/2007, o termo “saneamento” compreende, além de água e esgoto, drenagem pluvial e resíduos sólidos) ou na educação de base (creche, pré-escola e ensino fundamental). Somando-se às demandas específicas que garantirão o cumprimento do plano de longo prazo, seria muita coisa para fazer ao mesmo tempo. A administração deverá, portanto, criar um cronograma de entregas, com aqueles ativos que terão horizonte de curto, médio e longo prazo. Voltando para a introdução deste capítulo, quando falamos na necessidade de priorização, é necessário ordenar cada projeto de acordo com sua taxa de retorno econômico, ou seja, identificando aqueles que trazem maior ganho à sociedade como um todo. Um ótimo exemplo é o saneamento básico. Ele tem um ganho direto, mais do que conhecido, em saúde pública: quanto mais se investe em saneamento, menos se gasta em casos como problemas com diarreia. Porém, além disso, há um benefício financeiro causado por 262

vários fatores – entre eles, pela valorização de áreas que sofrem com esgotos abertos ou rios poluídos. Isso gera um consequente aumento de arrecadação de IPTU e ITBI. Estudo recente do Instituto Trata Brasil (2017) estimou que serão necessários R$ 317 bilhões de investimentos em água e esgoto, em 20 anos, em todo o Brasil. Nesse mesmo período, os ganhos econômicos seriam de R$ 537,4 bilhões – evidenciando a enorme vantagem de se investir nesse setor. Assim, é necessário que exista uma “prateleira de projetos” no município: para cada um, desenvolve-se um estudo de retorno econômico (ou ERR, na sigla em inglês para Economic Rate of Return). Quanto mais padronizada a metodologia utilizada, melhor, pois permitirá a comparabilidade entre eles. Esse é um tema polêmico e nada trivial. Isso porque envolve estimar externalidades que não são facilmente quantificadas. Por exemplo: quanto vale uma vida humana, salva pela duplicação de uma avenida, e que evitará colisões frontais entre veículos? Mesmo assim, é um desafio que deve ser enfrentado de maneira objetiva e transparente; caso contrário, continuaremos elegendo projetos com base em opiniões vagas e interesses meramente políticos. É muito importante avaliar-se diferentes opções de projetos, inclusive pensando fora da caixa e trazendo ideias inovadoras. Por exemplo, há anos é discutido o conceito chamado de “galerias técnicas”, que trariam um enorme ganho de eficiência aos municípios. Estas são galerias subterrâneas pelas quais passam vários serviços públicos: além de saneamento, eletricidade, telecom, gás e qualquer outra finalidade que seja necessária, uma infraestrutura desobstruída e cuja operação e manutenção seja simples e barata (sem a necessidade de quebrar calçadas e pavimentos a cada reparo). Também deixa a cidade muito mais bonita pela eliminação de postes de energia e dos cabos de telecom que causam uma poluição visual muito grande. Ocorre que essa solução sempre esbarra no problema jurisdicional, pois envolve diferentes esferas reguladoras: enquanto energia elétrica é regulada em esfera federal, gás é regulado em esfera estadual e, saneamento, municipal (sendo, em caso de região metropolitana, um problema ainda maior). De qualquer forma, debater as alternativas e buscar soluções é fundamental para que se desenhe uma solução de longo prazo. Uma vez construída a lista de possíveis projetos e estimado seu ERR, busca-se entender se aquela infraestrutura será custeada com recursos públicos (contratação tradicional) ou privados (concessões ou Parcerias Público Privadas – PPPs). Essa decisão é comumente chamada de Value for Money (VfM). O processo para demonstrar o VfM é baseado em uma avaliação que compara os custos ou pagamentos a

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serem feitos pelo Poder Público para construir e operar um projeto sob diferentes métodos de contratação. O custo de cada método, incluindo os custos adicionais causados pelo risco retido pelo Poder Público em cada método de contratação, será então comparado (Prefeitura do Rio de Janeiro, 2015). Finalmente, sendo escolhida a alternativa privada, deve-se calcular a taxa de retorno financeira do projeto (ou FRR, para Financial Rate of Return). Havendo uma taxa de retorno aderente às expectativas dos investidores privados, coloca-se em licitação como sendo uma concessão pura. No entanto, não havendo viabilidade puramente tarifária (recursos pagos pelo usuário como contrapartida pelo serviço prestado), considera-se a alternativa de uma PPP – quando o governo arca total ou parcialmente com os custos ao operador. Novamente, é sempre preciso pensar fora da caixa: houve nos últimos anos uma febre de PPPs, que em muitos casos poderiam ser facilmente viabilizadas como concessão simples com um pouco mais de cuidado por parte de seus estruturadores. Pensar em receitas acessórias, combinar serviços e usar a valorização fundiária do entorno do empreendimento para cobrir parte dos custos totais são alternativas para não ser necessário o uso de dinheiro público na solução – o que, sabemos, tende a ser um problema uma vez que a administração seguinte pode não concordar em pagar aquele valor, mesmo com contrato já firmado. Ao final do processo, o pipeline de projetos de curto, médio e longo prazo deve estar disponível em um website específico, demonstrando informações fundamentais para compreensão de todo o programa (cronograma, benefícios esperados por cada projeto, lógica da priorização adotada, status de cada iniciativa, nomes de contato, valores esperados para investimento, etc.).

Quem estrutura os projetos? Uma outra questão fundamental a ser abordada é como esses projetos são criados. Para fugir da contratação pública tradicional (amarrada pela Lei no 8.666/1993 – que pode restringir a contratação de serviços de consultoria e estruturação de qualidade, além dos atrasos por recursos em esfera administrativa e judicial), nos últimos anos, houve uma explosão de uso do mecanismo de PMI, ou Procedimento de Manifestação de Interesse. Mesmo com essa ferramenta, que permite a participação dos agentes privados com muito mais liberdade, poucos foram os projetos cujos contratos de concessão foram realmente assinados. Especificamente em relação aos projetos 264

formatados como PPPs, dos 162 PMIs iniciados entre 2010 e 2014, apenas 46 (28%) chegaram à fase de consulta pública; 34 (21%) resultaram em editais publicados; e 20 (12,3%) em contratos assinados (IFC, 2015 ). É uma taxa preocupante. Outras alternativas de contratação de projetos ocorreram no passado recente, merecendo destaque a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP). Era uma iniciativa dos principais bancos do País – que, interessados em fomentar o setor de infraestrutura nacional, montaram uma empresa que teria por objetivo produzir “PMIs” de qualidade. Por uma série de motivos, o projeto naufragou – mas a ideia era tão boa que as lições merecem ser investigadas para que se produza uma iniciativa mais robusta nesse sentido. Outro mecanismo que surgiu recentemente foram os FAEPs – Fundos de Apoio à Estruturação de Projetos. Primeiro, pela Lei no 13.334/2016, que criou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e o FAEP a ser gerido pelo BNDES. Depois, pela Lei no 13.529/2017, que criou o FAEP, a ser gerido pela Caixa Econômica Federal. Ambos têm a estruturação de projetos municipais entre seu escopo de atuação, e podem ajudar na contratação de estudos de qualidade. Há variações desses FAEPs surgindo dentro de bancos multilaterais, como o Banco Mundial, capitalizado com recursos públicos e privados e geridos pelo banco – inclusive com suas próprias regras de contratação de consultorias, muito mais baseada na qualidade do que no preço. Por fim, há a possibilidade de o próprio município montar sua unidade de desenvolvimento de projetos. Nesse caso, seria recomendável uma iniciativa conjunta, reunindo nessa unidade representantes de investidores, usuários que serão beneficiados pelo serviço (e que, ao fim, pagarão a conta), bancos, etc. Essa solução é viável em grandes municípios, com mais de 500 mil habitantes, que poderiam atrair investidores dispostos a compor uma iniciativa do tipo. Diferentemente de uma PMI, em que cada potencial investidor desenvolveria seu próprio projeto, nessa modalidade há um esforço conjunto, sendo montado um fundo capitalizado com recursos de todas as partes, e que pode valer-se da mesma regra de reembolso de projetos dos PMIs (artigo 21 da Lei no 8.987/1995 e o Decreto no 8.428/2015), ou seja, o capital integralizado no fundo seria apenas um capital de giro, a ser devolvido pelo ganhador da concorrência de cada projeto modelado por esse mecanismo. Independentemente da maneira escolhida para estruturação dos projetos, o importante é que seja sempre levado em consideração que: (a) a infraestrutura mais cara de todas é aquela que não existe –

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refletindo o “custo de oportunidade” de não desenvolver o projeto; (b) um projeto ruim pode comprometer todo o pipeline futuro, pois gera desconfiança dos investidores seguintes; (c) um bom projeto costuma custar não mais do que 3% do total do empreendimento, ou seja, é irrelevante no custo total e garante o sucesso do plano. Além disso, uma vez que o município criou o pipeline de projetos para os próximos anos e que os primeiros projetos foram licitados com sucesso, haverá um imediato efeito multiplicador na cidade: outros investimentos virão, atraídos pela maior atividade econômica – e pelo aumento da produtividade local, consequência da melhor infraestrutura; os profissionais mais qualificados, hoje atraídos por oportunidades em cidades maiores ou até fora do país, serão estimulados a permanecer e a se qualificarem cada vez mais; e assim por diante. Tudo isso só será atingido se bons projetos forem executados.

Quem fiscaliza os contratos? Governo e Estado. São duas palavras parecidas, mas com significados muito diferentes. O Governo tem sua visão tradicionalmente pautada nos quatro anos de mandato, sempre com foco na reeleição de seu candidato ou partido. Já a visão de Estado é atemporal: sendo estratégica, deve mirar sempre no desenvolvimento contínuo da população. Isso dito, é uma tarefa difícil garantir que as boas ideias de hoje permanecerão no futuro. Muitas vezes, a primeira coisa que um novo prefeito faz é jogar fora tudo o que veio do passado – independentemente da qualidade da iniciativa. Para garantir que os contratos serão cumpridos conforme desenhados, é importante que exista uma agência reguladora independente responsável pela gestão dessas iniciativas. Importante ressaltar que uma boa agência apenas cumpre as regras determinadas no momento da licitação, e não se dedica à permanente tentativa de “aprimorar” as regras, o que gera enorme instabilidade regulatória e atrapalha futuras licitações. Assim, a estrutura deve ser enxuta e com poder de decisão sobre os temas técnicos relacionados aos contratos de concessão e PPPs. É recomendável que, para evitar uma agência inchada, os contratos de concessão e PPPs já tragam como parte dos custos do operador a obrigação de contratar “verificadores independentes”, ou seja, empresas de consultoria ou auditoria que podem realizar serviços periódicos de fiscalização e encaminhar os relatórios à agência reguladora, que aplica os resultados encontrados. Para que a agência não seja capturada por nenhuma parte, 266

sugere-se uma diretoria colegiada com cinco membros, com mandatos de quatro anos. No primeiro ano, aponta-se um diretor pelo governo, e outro pela academia. No segundo ano, entra o indicado pelos investidores. No terceiro, pelos usuários. E, no quarto, o segundo membro do governo. Isso garante que, em caso de troca de gestão, há sempre um diretor da gestão anterior, e outro da gestão atual.

Considerações finais Os filhos da classe média hoje no Brasil são estimulados por seus pais a estudarem fora e não voltarem. Isso ocorre pela total falta de perspectiva que se tem para o futuro, o que é muito ruim para a economia. Por isso, ter um planejamento de longo prazo que seja coerente é tão importante. Nem todos os municípios do Brasil podem ser polos tecnológicos de microchips: cada região tem sua vocação. Aceitar essa afirmação é essencial para que cada município possa identificar aquilo que faz bem, e focar no aprimoramento dessa vantagem competitiva. Assim como em nossa vida, não é impossível que um médico de 40 anos mude de profissão e vire um advogado de sucesso; no entanto, é muito mais provável que, continuando a se especializar dentro da medicina, ele consiga se destacar e avançar cada vez mais em sua carreira. A teoria do professor Michael Porter por cluster tem este fundo: identificar onde o município já é bom, e trabalhar para aumentar a complexidade desses clusters – sendo cada vez mais competitivo e, portanto, atraindo riqueza e gerando valor à população. Trabalhar para desenhar a infraestrutura que ajude o município a chegar lá é tarefa que, ao mesmo tempo em que gera um ganho de curto prazo – pela geração de empregos durante a construção –, gera benefícios enormes no médio e longo prazo, pelo aumento da produtividade local que, por consequência, atrai mais empresas e gera empregos qualificados. É sabido que, idealmente, teríamos apenas uma visão de Estado, de longo prazo. Porém sabemos que não é possível dissociar a questão política da eleitoral. Por isso, formatar um plano que tenha horizontes de curto prazo (resultados dentro do mantado) com o de longo prazo é essencial. Saber dosar essa equação garante o sucesso da administração, gerando o crescimento econômico que é tão fundamental para a melhoria da qualidade de vida de todos na sociedade.

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Capítulo 21 Modelos de financiamento e garantias para as cidades inteligentes no Brasil Marco Aurélio de Barcelos Silva As cidades representam o local onde as políticas públicas se materializam e onde a sociedade se organiza concretamente, a partir dos parâmetros definidos, por exemplo, pelas autoridades estatais. Pode parecer evidente tal afirmativa, mas ela denota alguns ingredientes importantes sobre o funcionamento e a dinâmica da vida nas metrópoles. O primeiro deles é que não importa de onde provenham as normas e os comandos (se do governo central, se das autoridades descentralizadas), a repercussão dessas normas ou comandos será sentida na vida comunitária, especialmente nas relações entre os cidadãos que compartilham (ou disputam) espaços entre si, e no cotidiano. Já o segundo ingrediente tem a ver com o fato de as normas estatais funcionarem, em última análise, como um indutor do comportamento dos cidadãos, ora refreando ou condicionando as suas ações, ora suscitando-as ou estimulando-as. Ou seja, existe uma correlação forte entre as estruturas estatais e o funcionamento das cidades (fenômeno que ainda parece estar longe de ser descartável, mesmo diante de um cenário de intensas transformações sobre a organização social, alimentada por novas ferramentas e cambiantes tecnologias). E isso, claro, vale inclusive para o contexto das inovações intensas, que vêm caracterizando aquilo que se denomina de “cidades inteligentes” (ou smart cities). Com efeito, é difícil apontar um conceito perfeito e acabado para a ainda recente ideia subjacente à expressão “cidades inteligentes”. Tal conceito envolveria, em princípio, a percepção de uma modernização veloz dos serviços públicos, com a geração de informações cada vez mais acessíveis aos cidadãos e aos gestores públicos para a tomada de decisões, tanto na esfera privada quanto na esfera pública, com mais eficiência e menos custos de transação. O ingresso de novos recursos tecnológicos é, nesse contexto, um componente importante para as smart cities, assim como a produção de dados em larga escala (a gerar o que também se tem entendido por big data). Sem dúvida, nunca foi tão fácil fazer o encontro entre oferta e demanda por serviços 269

públicos; nunca foi tão fácil mapear o fluxo das pessoas e os gargalos da infraestrutura pública; nunca foi tão fácil compreender a importância de certos equipamentos públicos (estações de metrô, praças, parques) na dinâmica das cidades. Esse panorama, porém, põe em relevo uma série de questões, interessando neste capítulo a seguinte dúvida em especial: “quem, diante de um tal contexto inovador, pode ser considerado o ‘dono’ das cidades inteligentes?”, ou ainda: “quem paga pelas cidades inteligentes?” Quanto a esse ponto, a hipótese que se pretende demonstrar aqui é de que não há, na verdade, um único dono para as cidades inteligentes. A existência delas, pelo contrário, é resultado da atuação conjugada e sistêmica de distintos atores: públicos e privados, agindo coletivamente, ou mesmo de maneira individual. Veja-se que, de um lado, o Poder Público (por exemplo, as autoridades municipais) figura como o titular legal de bens públicos e de serviços públicos, assim como de recursos financeiros que são amealhados junto a toda a comunidade (os impostos). E sobre os bens públicos (equipamentos públicos, prédios, ruas), é que podem ser implantadas as tecnologias que catalisam a melhoria de vida dos cidadãos. Assim ocorre com praças e outros logradouros públicos, por exemplo, nos quais são instaladas antenas de wi-fi para o acesso gratuito à internet pelos passantes; e assim ocorre, também, com relógios de rua, que compartilham dados sobre a temperatura, a umidade do ar e uma série de outros avisos relevantes para os indivíduos. Sobre os serviços públicos, aliás, não se pode ignorar que eles servem como uma fundamental porta de ingresso para as novas tecnologias. Isso pode se dar, por exemplo, com o monitoramento, por GPS e em tempo real, da frota de ônibus do transporte coletivo, que permita aos usuários melhor estimar o tempo das jornadas e a frequência das viagens. E pode se dar, ainda, com a criação de redes de comunicação a partir das luminárias de postes do sistema de iluminação pública, fazendo nascer uma nova infraestrutura para o fluxo de informações por meio da telegestão. Por fim, por ser também o detentor de um significativo volume de recursos, o Poder Público ainda tem a capacidade de induzir, ele mesmo, o desenvolvimento dessas novas metodologias e soluções, senão figurar como o adquirente dos serviços e equipamentos que tornam as cidades melhores e mais modernas: é o caso da contratação da fabricação de softwares, a contratação da operação e manutenção de ativos junto a prestadores de serviços especializados, a celebração

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de convênios com incubadoras de startups, entre tantas outras possibilidades de emprego dos recursos orçamentários que ele administra. No limite, isso significa reconhecer que às autoridades públicas cabe – embora não de modo exclusivo – um papel de destaque para a sedimentação das smart cities, desde que elas instrumentalizem adequadamente as competências legais, os bens e os recursos que detêm, e, muitas vezes, em articulação com entidades privadas. A essas últimas, a propósito, cabe também uma função de relevo. Sejam as instituições não governamentais (ONGs), sejam, especialmente, as entidades de mercado, elas gozam de uma plasticidade funcional que os órgãos governamentais não têm. Mais ainda, as empresas e indústrias estão inseridas em um ambiente altamente competitivo que induz à criação constante de novas soluções e produtos, os quais acabam sendo acoplados nos serviços e bens da coletividade. Tais bens e serviços, incrementados pelas inovações do mercado, vão se transmutando na percepção, junto aos cidadãos, do ambiente que caracteriza as cidades inteligentes. As organizações não governamentais, igualmente, em virtude do regime de atuação mais flexível que possuem (por exemplo, elas não precisam observar os processos burocráticos dos órgãos estatais para adquirir bens e recrutar mão de obra), auxiliam, entre outros encargos, na conservação de praças e parques, oferecem apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade, e permitem, ao fim e ao cabo, a ampliação de comodidades aos moradores da cidade. Lembre-se, nada obstante, de que a atuação de todas essas estruturas organizacionais pode acontecer tanto de forma isolada, quanto coordenada. De fato, nada impede que os cidadãos recebam, por exemplo, uma enxurrada de aplicativos novos a cada dia em seus celulares, que os permitam aproveitar melhor o que a cidade tem a oferecer, por iniciativa exclusiva de desenvolvedores e provedores do mercado, sem qualquer participação de uma organização estatal. No entanto, tendo em vista as características que as diferenciam e as complementam, entende-se que a conjugação dos esforços entre as entidades governamentais e as privadas possa viabilizar situações mais vantajosas para todos os envolvidos, em especial, para os cidadãos. É sob esse contexto que se podem falar em “parcerias” entre o Poder Público e a iniciativa privada, para a catalisação das smart cities. Também nesse contexto, não se podem deixar de mencionar os próprios indivíduos, na condição de cidadãos, como fundamentais partícipes do desenvolvimento das cidades inteligentes. Sendo usuários de serviços públicos, eleitores e consumidores, o seu comporta-

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mento pode estimular ou limitar, permitir a perpetuação ou, ainda, pôr em xeque a atuação dos demais atores antes listados. São os indivíduos, em última instância, que criarão o lado da “demanda” por transformações, e que controlarão o ritmo em que os recursos por ele arrecadados serão transformados em políticas públicas com melhoria de vida para a coletividade. Nesse sentido, noções como participação ativa e accountability passam a ganhar especial importância nos dias atuais, no sentido de se conferir aos cidadãos um papel de guardiões das transformações e dos efeitos benéficos que a parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada pode acarretar às cidades inteligentes. Sendo assim, fica evidenciado que não há um “dono” ou um único ator responsável pela consolidação das smart cities; como também não há (como se verá adiante) um único responsável pelo seu “financiamento”. Há, isso sim, uma cadeia de envolvidos e de ações que levam à estruturação desse novo ambiente, com um mix incrivelmente amplo de possibilidades e de pilares de sustentação. Sem embargo, ao se tomar em conta as alternativas de “financiabilidade” às cidades inteligentes, seria equivocado pressupor que ao Poder Público estaria restrita a missão de viabilizar as fontes de recursos necessários para tanto. É que não se pode esquecer, nesse caso, que pelo menos no Brasil os entes governamentais (sobretudo aqueles mais descentralizados – estados e municípios) vêm enfrentando um contexto de grave limitação fiscal que os tem impedido de participar de maneira contundente com valores orçamentários significativos para esse fim. A boa notícia, todavia, é que em relação às smart cities existe um sem número de maneiras por meio das quais as parcerias com outros atores poderiam ser estruturadas, encaixando-se o que há de melhor entre os diversos envolvidos, inclusive a criatividade para a obtenção de receitas. Tais parcerias, nesse sentido, funcionariam como uma alternativa de viabilização (ou até mesmo de financiamento) das cidades inteligentes em tempos de crise. Para se ter uma ideia das potencialidades que o modelo de emparceiramento entre o setor público e o setor privado podem englobar, vale relembrar que, como visto anteriormente, os entes municipais são os detentores de muitos dos espaços em que os serviços inteligentes podem ser prestados. E tais serviços, por seu turno, podem trazer rendas significativas para os seus ofertantes, com as mais variadas origens: exploração de marcas (naming rights), “marketing” individualizado junto a usuários de internet, obtenção de dados de perfil de consumo de maneira voluntária etc. 272

Projetos como as Praças Wi-Fi do Município de São Paulo ilustram bem esse mecanismo. Os privados interessados nesse tipo de serviço se responsabilizam, perante a Prefeitura, por entregar internet gratuita aos usuários dos espaços públicos, tendo por base parâmetros de qualidade expressamente ajustados, e podem, em contrapartida, vender publicidade aos internautas (por meio de anúncios rápidos, cadastro de e-mail etc.). Sem dúvida, o incremento da tecnologia está fazendo com que cada vez mais surjam novas “moedas”, capazes de dar a sustentação necessária a alguns serviços e utilidades nos espaços urbanos. Essas moedas envolvem, como mencionado, a exploração de publicidade, de um lado, e a obtenção de informações em larga escala, de outro. De fato, quanto vale detectar, em tempo real, o itinerário dos ônibus e táxis nas metrópoles, os intervalos das viagens por eles realizadas, os gargalos da infraestrutura viária, a origem e o destino dos passageiros e, com base nisso, otimizar demanda, combustível e tempo nas cidades? Quanto vale, além disso, ter o monopólio de anúncios de publicidade num parque do tamanho do Ibirapuera ou no alto do Cristo Redentor (mesmo dentro dos smartphones das pessoas que se conectam à rede de internet disponibilizada naqueles locais)? Nesse universo de tantas possibilidades, cabe aos stakeholders – tanto do lado público, quanto do lado privado – articular-se a fim de melhor explorar as suas vantagens comparativas e produzir, em conjunto, relações do tipo “ganha-ganha”. Sob o ponto de vista jurídico-econômico, por exemplo, o Poder Público teria condições de viabilizar contratos cujo escopo englobasse a exploração do uso de bens de sua titularidade (contratos de concessão de uso, contratos de concessão de serviços públicos), ao passo que o particular poderia aplicar, a esses bens, seu tino comercial para oferecer utilidades e extrair valores junto aos respectivos usuários. Dito de outro modo, as parcerias figuram como um caminho viável para criação, incremento e manutenção das cidades inteligentes, distribuindo os ônus e os benefícios correspondentes para as distintas cadeias de interessados. Para que as cidades inteligentes aconteçam sob essa ótica, porém, deve-se estar atento a alguns requisitos que, ao que se entende, funcionariam como impulsionadores das iniciativas relacionadas ao assunto. A esse respeito, uma primeira pergunta a se enfrentar seria: É necessário uma lei no município para que a cidade inteligente exista? Ou ainda: Uma “cidade inteligente” deve ser criada por lei? 273

A resposta para essas questões é em parte negativa e em parte afirmativa. De fato, não faz sentido criar-se uma “cidade inteligente” por lei, até porque, como se viu anteriormente, uma smart city é um “fenômeno” que depende da atuação estruturada de diversos atores. Seria muito pouco plausível, assim, que, por meio de um ato legislativo da Câmara dos Vereadores de uma determinada cidade, ela viesse a se tornar, como que num passe de mágica, “inteligente”. No entanto, uma lei poderia funcionar como indutora do comportamento desses diversos atores que contribuem para a formação de uma smart city. Seria especialmente interessante, nesse caso, que se estabelecessem estruturas de governança dentro do Poder Público, capazes de conceber, discutir, planejar e desenvolver medidas aderentes a uma política de modernização das cidades, seus equipamentos e serviços, preferencialmente mediante o diálogo com a sociedade civil e o empresariado. Um escritório público de projetos, uma secretaria ou uma outra entidade municipal que modelasse propostas de parcerias e que estivesse em permanente contato com representantes do mercado seria, por exemplo, algo bastante conveniente. Uma lei cuidaria da criação dessa estrutura, seus cargos, suas competências e sua forma de atuação, o que por sua vez ajudaria a ir formando o caminho para as cidades inteligentes. Para os agentes privados, por outro lado, tal estrutura funcionaria como uma espécie de ponto de contato ou um hub, centralizando informações e experiências e provendo, ainda, um norte sobre quando e como as ações destinadas à implantação de uma cidade mais inteligente viriam a ser efetivadas. Para além de coordenar uma agenda de concessões ou parcerias, aliás, essa mesma estrutura também poderia zelar por uma política de fomento a organizações não governamentais e startups, além de liderar as discussões sobre a regulação do uso comercial de espaços públicos e da prestação de serviços de interesse público, entre tantos outros. É claro, entretanto, que essa ideia pressuporia alguns desafios próprios. Para além de se ter de buscar o amparo de uma lei em sentido formal para a estruturação de uma unidade do governo municipal responsável pelos assuntos das smart cities, ainda seria necessário recrutar mão de obra qualificada e garantir a sua perenidade. Isso demandaria, de um lado, uma política salarial atraente – o que, preocupantemente, não costuma fazer parte da realidade de muitos municípios brasileiros – e, de outro lado, exigiria o reconhecimento de que a estrutura de governança criada teria de integrar uma estratégia de “Estado”, e não, uma proposta temporária de governo.

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Em última análise, isso quer dizer que cada novo prefeito deveria olhar com zelo para o órgão responsável por coordenar a agenda de parcerias e por viabilizar a criação de um ambiente favorável às smart cities, preservando os técnicos e a expertise por eles adquirida. Mais ainda, na condição de chefe do Poder Executivo, ele deveria conferir a esse órgão uma posição de destaque na administração municipal, que sinalizasse a seriedade do tema e o comprometimento daquele município para com a agenda de transformação da cidade – o que envolveria definir sob qual secretaria e que tipo de patrocínio político referida unidade viria a merecer. Finalmente, também seria o caso de se ofertar aos técnicos envolvidos programas de capacitação constantes, os quais pudessem elevar a sua habilidade e competência para pensar novas e melhores soluções para a oferta de serviços e equipamentos públicos, e robustecer a sua interlocução com os demais atores privados. Veja-se, a esse propósito, que na realidade nacional não é difícil identificar casos bem-sucedidos de estruturas de governança concebidas para apoiar, em alguma medida, pautas afeitas às “cidades inteligentes”. No âmbito municipal, ganha proeminência, por exemplo, a figura da São Paulo Negócios (ora denominada de SP Parcerias), que é uma sociedade de economia mista do Município de São Paulo, em que uma dezena de técnicos estão dedicados a pensar e desenhar soluções para problemas envolvendo: iluminação pública, gestão de parques e praças, melhoria da trafegabilidade nas vias da cidade, regulação dos transportes individuais de passageiros, entre tantos outros. Com efeito, foi a SP Parcerias quem cuidou do desenho e da modelagem jurídica do projeto de iluminação pública da prefeitura paulistana, concebeu a primeira regulamentação para o Uber no Brasil, reviu o desenho dos contratos de gestão de unidades de saúde municipais com organizações sociais (OS), apresentou uma proposta para a oferta de internet gratuita em logradouros públicos (Projeto “Wi-Fi Livre”) e está estruturando a concessão de um dos mais importantes parques urbanos do Brasil: o Parque do Ibirapuera. Além da SP Parcerias, no entanto, em outros Estados também existem organizações guiadas por uma mecânica análoga, tal como foi o caso da Unidade de PPP do Governo de Minas Gerais, e tal como é o caso da Unidade de PPP do Governo do Estado de São Paulo, da Unidade de PPP do Estado da Bahia e da Unidade de PPP do Estado do Piauí (que hoje mais se destacam no cenário brasileiro). Trata-se, nesses casos, de órgãos altamente especializados responsáveis por coordenar, articular, estruturar e executar a agenda de parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada com vistas a melhorar a oferta e

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a qualidade de serviços para a população (e que também contribuem, em alguma proporção, para o ambiente das cidades inteligentes no País). No plano federal, por sua vez, é válido citar a experiência da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República que, embora abarcando projetos de cunho nacional, é guiada por lógica de funcionamento e de governança muito similar a daquelas outras estruturas subnacionais. Somente a preocupação com a questão da governança, em todo o caso, não é suficiente para alavancar o tema das smart cities pelos municípios brasileiros. Uma vez que o pressuposto para se viabilizar uma cidade inteligente é o de engajamento de atores públicos e privados; e uma vez que esse engajamento costuma estar regulado por um contrato ou ajuste entre os interessados, que encapsula as expectativas de cada qual num longo período de tempo; é inevitável trazer à tona alguns temas relacionados à ideia de “segurança jurídica”. Sem dúvida, esse é um ingrediente crucial para se garantir a atratividade de projetos de parceria que tenham como propósito alavancar políticas e ações destinadas a sedimentar as cidades inteligentes. Nesse caso, a qualidade dos contratos, a clareza das suas cláusulas e a racionalização das obrigações fixadas para as partes passam a ser aspectos de especial atenção. Na realidade contratual do Poder Público, porém, ainda subsistem práticas que trazem consigo uma percepção de risco considerável junto a investidores de boa-fé: a mutação dos contratos pelo lado estatal e, sobretudo, as intercorrências políticas e ideológicas que costumam aparecer a cada novo ciclo eleitoral. Não é raro, diante desse cenário, que um novo prefeito eleito decida “rever” todos os contratos formalizados na gestão antecedente, ou que imponha, com a força da sua caneta, reduções de valores de pagamento aos privados, os quais acabam suportando esses atos por receio de perder o contrato que haviam celebrado ou por receio de sofrer futuras represálias por parte das autoridades políticas locais. Essa corresponde, sem dúvida, a uma cultura que merece ser abolida do cenário brasileiro, sob pena de afugentar empreendedores sérios que, de outro modo, poderiam contribuir com avanços para as smart cities mediante parcerias mais sólidas com o Poder Público. O Poder Judiciário e a própria sociedade deveriam estar, por isso mesmo, mais ciosos do seu papel de guardiães das promessas feitas pelos gestores públicos, notadamente dentro dos contratos ou parcerias celebradas – em vez de se deixar encantar por ações espetaculosas que carregam por debaixo de si uma finalidade populista

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danosa à consolidação de um ambiente de negócios públicos. Isso depende, de um lado, de uma maior sensibilização da população e dos próprios gestores públicos, bem como de uma divulgação mais estruturada acerca da importância de uma agenda de parcerias e sobre como elas podem influenciar para que as cidades ofereçam melhores e mais modernos serviços e, por consequência, mais qualidade de vida para os cidadãos. Não bastasse isso, sob o ponto de vista jurídico, é ainda necessário pensar em ferramentas concretas destinadas a minimizar os possíveis abusos das partes envolvidas nas parcerias – e aqui se faz referência à figura das “garantias” nos contratos de parceria. Tradicionalmente, a legislação de regência dos contratos públicos (Lei Federal no 8.666/93) já cuidava de disciplinar as assim chamadas “garantias de proposta” e as “garantias de execução”. Ambas eram exigíveis da parte privada da relação e se destinavam a evitar a desistência do proponente vencedor do certame ou a sua inadimplência por ocasião da execução contratual. Nenhuma delas, porém, voltava-se para o Poder Público, que em princípio se via livre de maiores constrangimentos em atuar de maneira a influenciar negativamente o negócio celebrado com o particular. Foi sob esse contexto, então, que a Lei Federal no 11.079/04 (Lei das Parcerias Público-Privadas) previu que as garantias também fossem aplicadas ao ente estatal, notadamente para as situações em que ele se recusasse a pagar os valores devidos ao particular. Existe, por consequência, uma série de possibilidades de se estruturar tais garantias, que implicam, por exemplo, o penhor de títulos públicos, a vinculação de recebíveis e até mesmo o depósito de valores em contas vinculadas (para quem se interessar, vale conferir as distintas hipóteses contempladas pelo artigo 8o da Lei Federal no 11.079/04). É bem verdade que prevalecem, sobre esses arranjos garantidores, alguns desafios de ordem econômica, sabendo-se que a situação de crise fiscal, especialmente dos municípios no Brasil, torna difícil segregar a represar recursos do orçamento, “à espera” do momento certo para serem utilizados no futuro. Talvez uma estratégia interessante para essa hipótese seria a de se trabalhar com a securitização ou a cessão de créditos do ente público, como os decorrentes de pagamentos de aluguéis, royalties, outorgas de contratos de concessão e, no limite, aqueles provenientes de repasses legais – como o dos fundos de participação (seria o caso do Fundo de Participação dos Municípios). Não se pode negar, todavia, que, pelo menos quanto a essa última modalidade (uso de recursos de fundos de participação),

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também permanecem questões jurídicas em aberto, como a dúvida sobre a constitucionalidade, ou não, da vinculação das receitas a eles correspondentes para um contrato ou uma parceria celebrada pelo Poder Público. Isso se dá porque, em virtude do denominado “princípio do orçamento único”, subentende-se que todos os recursos dos entes estatais deveriam “pingar” primeiro, na conta do tesouro, para só depois receberem a sua destinação específica, inclusive a de garantirem contratos previamente assinados com terceiros. Uma possível solução a se pensar, nesse caso, seria a de se criar fundos específicos (que dependem, porém, de lei), os quais seriam, posteriormente, alimentados com os recursos necessários às referidas garantias. Esses fundos poderiam ter natureza jurídica de direito privado (a exemplo do que constou do artigo 16, § 1o , da Lei Federal no 11.079/04, para o Fundo Garantidor de Parcerias da União) ou natureza meramente orçamentária. E ambos poderiam, ainda, desdobrar-se em contas bancárias específicas, administradas por instituições financeiras especialmente mandatadas, as quais cuidariam de regular o fluxo de pagamento, ou de garantia dos contratos de parceria vigentes. É claro que não se está, em uma ou outra hipótese, diante de operações simples. Todas elas demandariam, além do mais, a participação de especialistas de diversas áreas do conhecimento, muitas vezes difíceis de serem encontrados no Poder Público. É por isso que continua fazendo bastante sentido que o ente público dedique maior energia à governança das suas instituições, à transparência das suas decisões e à credibilidade gerada junto a investidores, à população e aos órgãos de controle. Essas são medidas de alto impacto para a redução dos riscos em contratos de parceria, e cujo sucesso os gestores podem muito bem administrar. Dito de outro modo: quanto mais confiável e mais bem estruturado for um órgão ou um ente estatal, menos ele dependerá das operações complexas que envolvam a esterilização ou represamento de ativos para avançar com a sua agende de parcerias, das quais depende, como foi visto, a viabilização das cidades inteligentes. Por tudo quanto foi exposto, é então possível extraírem-se as seguintes conclusões a partir da leitura deste breve artigo. Primeiro ponto importante: as cidades inteligentes caracterizam um fenômeno que pressupõe a participação articulada de distintos atores. Não há um único “dono” para as cidades inteligentes, e o Poder Público, por isso mesmo, está longe de ser o dominador exclusivo desse fenômeno. 278

Certo é, no entanto, que os entes estatais trazem consigo determinadas características e ativos, que contribuem sobremaneira para a cristalização da realidade das smart cities no Brasil. Eles são, em última análise, os titulares jurídicos de bens públicos, de serviços públicos e de recursos públicos, que podem ser utilizados para a prestação e para o desenvolvimento de atividades com alto poder de transformação sobre a dinâmica dos centros urbanos. Só o Estado, apesar disso, não é capaz de implementar, de maneira avulsa, as condições necessárias para tanto. Atores privados reúnem expertise, flexibilidade e grande capacidade inventiva a serem aplicadas junto aos espaços e serviços públicos, e também cumprem, em razão disso, um papel saliente para a materialização de cidades mais inteligentes no cenário nacional. O desafio, nesse caso, é conseguir unir o que há de mais vantajoso em cada um desses diferentes atores, e de maneira estruturada: é quando entra em cena a figura das “parcerias” entre o Poder Público e as organizações privadas. Juridicamente, essas parcerias se estabelecem, tipicamente, via contratos. E para que sejam bem-sucedidas, elas devem encontrar sustentação financeira e estabilidade. A sustentação financeira leva à pergunta sobre quem paga pelas smart cities. E a resposta para essa pergunta é múltipla, dado que há várias maneiras de se conseguir os recursos para a concretização de medidas e serviços capazes de melhorar as cidades. Para além de cifras orçamentárias, pode-se visualizar, hoje, a criação de “novas moedas” que pressupõem troca de informações e publicidade. O que há de positivo nessas soluções é o fato de elas aliviarem a demanda por recursos fiscais, que têm se tornado cada vez mais escassos na atualidade. A estabilidade das parcerias, por sua vez, traz consigo a ideia de segurança jurídica ou de garantia contra abusos cometidos por quaisquer das partes envolvidas naqueles tipos de contrato. Especialmente pelo lado do Poder Público (que ainda reúne um histórico desfavorável de cumprimento tempestivo e perene dos seus compromissos), a legislação vigente fixou distintas modalidades em que tais garantias poderiam ser pensadas, que vão desde a criação de empresas estatais até a vinculação de recebíveis, alguns decorrentes de repasses provenientes de fundos constitucionais. Não é fácil, porém, transformar em realidade todos esses modelos possíveis, seja em razão das complexidades jurídicas envolvidas, seja pelo fato de não haver tantos recursos disponíveis para garantir as obrigações do ente estatal. 279

O melhor, portanto, é continuar investindo em governança, transparência e capacitação, e prosseguir apostando no uso das “novas moedas” para fazer frente ao custeio das cidades inteligentes (tornando-as progressivamente independentes do erário). No que toca à governança, aliás, deve-se ter em mente alguns cuidados, capazes de tornar a experiência do ente público bem mais proveitosa. Cogitar a criação de uma unidade administrativa (um órgão, uma secretaria ou um escritório de projetos, por exemplo), que esteja especialmente dedicada a pensar nas cidades inteligentes e nos arranjos negociais necessários à sua implementação, parece ser um excelente passo. Editar, além do mais, uma lei que fixe as competências dessa unidade, a perenidade do seu corpo técnico e o fluxo de informações para a tomada de decisões, inclusive com a participação de vários agentes não governamentais e dos cidadãos, representaria uma conquista fundamental. De fato, boa governança, amplo e permanente diálogo entre stakeholders, capacitação intensiva do corpo técnico, qualidade dos projetos, accountability e credibilidade compõem, ao que se entende, os elementos-chave de uma “caixa de ferramentas” adequada para que um município tome a iniciativa de elevar o nível dos serviços oferecidos aos seus cidadãos, com menos custos e com muito mais eficiência. A história das smart cities está apenas se iniciando no mundo, sobretudo no Brasil. Trata-se de uma narrativa a ser construída a várias mãos, com sucessivos capítulos. Que se saibam, enquanto se aguarda o desenrolar do que está por vir, germinar boas ideias e fomentar a busca por medidas contundentes, que finquem o alicerce sólido para o florescimento dessa novíssima realidade. E o mais rápido possível.

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Capítulo 22 A contribuição das PPPs e Concessões para políticas públicas eficientes Claudio Tucci Júnior Carlos Nabil Ghobril Marcos Camargo Campagnone O contexto de crise fiscal, que periodicamente ocorre no Brasil, deixa pouca margem de ação para o investimento público. Com demandas crescentes por mais e melhores serviços públicos, torna-se imprescindível o desenvolvimento de novas abordagens e formas de superação dos inúmeros desafios, como de mecanismos de ação governamental que busquem aumentar e garantir a eficiência e a efetividade da gestão governamental, sem onerar ainda mais os cofres públicos com aumento de despesas, nem onerar o cidadão com aumento da carga tributária. A transposição desses obstáculos deve considerar um rígido controle dos gastos e promoção de ações contínuas para estimular o aumento da atividade econômica, o que leva à necessidade de se intensificar o uso de modelos de parcerias com o setor privado, com medidas de atração de capital nacional e estrangeiro, visando à desoneração da estrutura administrativa, à racionalização da aplicação de recursos públicos e, sobretudo, ao aumento da efetividade das políticas públicas. É possível observar nos últimos anos um incremento na cooperação entre os setores público e privado voltado para atividades econômicas em diversos setores. Os gestores públicos dispõem de um cardápio de instrumentos de parcerias que incluem as concessões e as PPPs. Assim, é possível transferir a agentes privados, dotados de recursos técnicos e financeiros, os direitos e riscos inerentes a atividades do setor público. As concessões administrativas ou patrocinadas possuem regime jurídico semelhante ao das concessões comuns, com alguns pontos específicos de acordo com a Lei Federal no 11.079, que preconiza o regime jurídico desses contratos em seu artigo 3o. De acordo com essa Lei, a Parceria Público Privada “é o con281

trato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa”. Trata-se de um contrato que estabelece vínculos entre a Administração Pública e o setor privado para transferir o dever de prestar determinado serviço público ou execução de obras, com a repartição objetiva dos riscos, conforme disposto na legislação brasileira. De acordo com a legislação, são contratos com valor mínimo de investimento e os prazos mínimo e máximo de duração. É de fundamental importância a avaliação de pertinência, por meio de estudos sobre os aspectos econômicos, técnicos e jurídicos, e clareza no estabelecimento de indicadores e mecanismos de mensuração que determinam as formas de remuneração, garantias e penalidades. Contudo, no Brasil, segundo reportagem recente da Folha de São Paulo e da Consultoria Radar PPP, especializada em Parcerias Público -Privada, 53 estados e prefeituras têm PPPs (Parcerias Público-Privadas) em vigor, mas 80% deles não acompanham de forma adequada o impacto fiscal de longo prazo de seus contratos – que implicarão pagamentos mensais por períodos que vão de 8 a 35 anos, ou seja, não realizam um planejamento adequado com relação ao assunto. Esse estudo considerou PPPs assinadas até o fim de 2017, usando, entre outros dados, relatórios de execução orçamentária dos entes públicos, enviados pelo Tesouro Nacional via Lei de Acesso à Informação. A falta de registro do impacto fiscal desses contratos de longo prazo é preocupante, pois possibilita que governantes firmem PPPs sem uma avaliação adequada, comprometendo o orçamento para os prefeitos e governadores futuros. Esse levantamento mostra quanto é importante, além da responsabilidade fiscal dos governos, a concepção do planejamento de políticas públicas que contribuam para o crescimento e a melhora do País, algo crítico no Brasil. Para assegurar o bom desempenho das ações, é fundamental garantir as boas práticas de gestão dentro da estrutura da Administração Pública, concentrando esforços no desenvolvimento e implantação de métodos efetivos de avaliação de resultados na gestão pública, com o estabelecimento de indicadores adequados, que visem otimizar as práticas de planejamento e execução orçamentária, com acompanhamento e avaliação dos impactos e resultados das ações e políticas propostas. A alocação dos recursos cada vez mais escassos nos orçamentos públicos é tarefa que deve ser conduzida com o uso das mais modernas tecnologias, criatividade e inovação, de forma multidisciplinar. É essencial o uso das ferramentas jurídicas disponíveis que possibilitem

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alavancar esses recursos de modo inteligente, capaz de promover o bem-estar das populações. Nesse sentido, as parcerias são de interesse da sociedade, na medida em que possibilitam o ingresso de capital privado para o atendimento das demandas públicas, por meio do financiamento e investimento em serviços públicos. É imperioso um processo de otimização, em bases sustentáveis, com o apoio técnico e científico das Universidades e dos Institutos de Pesquisa, para que os recursos públicos sejam alocados para a execução eficiente das funções precípuas do Estado. Essa otimização permite priorizar os recursos orçamentários para a promoção do desenvolvimento social e da execução das funções constitucionais do Estado, bem como reduzir o gasto público em setores em que há disposição de investimento por parte dos agentes privados. A utilização dos melhores conhecimentos disponíveis compilados em rede orgânica, bem como o incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias e processos de inovação é uma tarefa muito desafiadora para os gestores públicos. Apesar da elevada qualificação do corpo técnico do setor público, geralmente, de acordo com sua matriz de conhecimento, este não está preparado ou habituado a tratar dos aspectos atinentes a parcerias com o setor privado. Por outro lado, o setor privado, interessado em seu setor específico de atuação, tem a competência e dispõe dos recursos necessários para essa relação. Tal situação gera assimetrias no processo de parcerias entre os setores público e privado. Por se tratar de contratos de prazos longos, é importante considerar que as condições no decorrer e no fim do contrato podem ser muito diferentes de seu início. Essas alterações são derivadas das condições econômicas e sociais e também do próprio desenvolvimento tecnológico que pode tornar obsoletos determinados instrumentos. Assim, considerando que o longo tempo de contrato está associado à incerteza, os contratos devem conter a flexibilidade necessária para tratar essas possíveis mudanças. São necessários estudos de avaliação e reavaliação periódicos e, quando for o caso, estudos de reequilíbrio econômico. Nesse aspecto, é de fundamental importância a atuação forte e vigilante dos órgãos reguladores e de controle, sejam internos, sejam externos. Há um imperativo para o planejamento de ações que visem privilegiar o provimento de educação, saúde, segurança e infraestrutura – todas essas ações teriam impacto altamente positivo na produtividade. Para tanto, a iniciativa privada pode ajudar a mudar esse cenário, cooperando na implantação de propostas de qualidade, sem

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amarras para quem deseja empreender, mas com a segurança jurídica como papel fundamental do Estado nesse processo de desestatização necessário e com as reformas estruturais para alcançar o maior grau de progresso possível. Como exemplo de boas práticas, as Manifestação de Interesse Privado (MIP) - no âmbito do Estado de São Paulo que, de acordo com o Decreto Estadual no 61.371, de 21 de julho de 2015, diz que o proponente deve encaminhar a proposta por meio da Plataforma Digital de parcerias (www.parcerias.sp.gov.br), endereçando-a ao Presidente do Conselho Gestor das Parcerias Público-Privadas (CGPPP). A plataforma contém um formulário com diversos campos para preenchimento. Dados como resumo do projeto, valor do investimento, período de duração, contraprestação do Estado, entre outros, são solicitados. Recebida a proposta, o Secretário Executivo a remeterá à Unidade de Parcerias Público Privada (UPPP) para a realização da análise de conformidade. A UPPP analisará, portanto, o atendimento dos requisitos estabelecidos no decreto e emitirá nota técnica, a ser submetida ao Secretário Executivo, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados da data de recebimento da proposta, manifestando os motivos de sua aprovação, rejeição ou necessidade de complementação. Nesse sentido, a proposta deverá atender aos seguintes requisitos: a qualificação completa, que permita a identificação do proponente; a descrição dos problemas e desafios concretos que justificam a parceria que se pretende instalar, bem como das soluções e dos benefícios que advirão de sua efetiva execução; a indicação da modalidade de contratação a ser implementada, o arranjo jurídico preliminar proposto, e prazo contratual; a demonstração, ainda que preliminar, da viabilidade econômica, jurídica e técnica da parceria proposta; e a enumeração dos parâmetros objetivos de inovação que poderão ser mensurados por ocasião da comparação da parceria proposta, em face das contratações executadas e dos serviços correntemente prestados, caso existentes, pela Administração Pública estadual. Partindo dessa premissa, a seguir apresentaremos dois casos de projetos de PPPs no Brasil.

Projeto PPP Rodovia Tamoios Estrutura do Projeto • Concessão Patrocinada; 284

• Prazo de concessão: 30 anos; • Execução de obras civis de duplicação do trecho da Serra; • Exploração, manutenção e conservação da Rodovia dos Tamoios. Histórico A Rodovia dos Tamoios (SP-009) foi construída pelo Departamento de Estradas e Rodagens de São Paulo (DER-SP), fazendo a ligação entre as cidades de São José dos Campos e Caraguatatuba. Em 1957, no Governo Jânio Quadros, foi pavimentada pelo método denominado Mixed in Place, popularmente conhecido como “virado”. A pavimentação solucionou os problemas de excesso de pó e lama que, aliados à neblina constante, eram causa de graves acidentes. Em épocas de chuva, antes do asfalto, a estrada era praticamente intransitável. Em 1967, o município de Caraguatatuba foi vítima de uma catástrofe que destruiu o trecho da serra, sendo necessária a reconstrução da Rodovia. Essas obras, realizadas, já com moderna tecnologia e traçado, foram objeto de grande concentração de recursos e forças. Em 1970, o DER executou significativos melhoramentos de traçado (planta e perfil) entre São José dos Campos e Paraibuna. Com a inundação provocada pelo conhecimento da Barragem Paraibuna – Paraitinga, e consequentemente prejuízo ao trecho de Paraibuna até o alto da serra, a reconstrução da rodovia ficou a cargo da Companhia Energética de São Paulo (CESP), sob coordenação do DER. Duplicação A Rodovia dos Tamoios começou a ser duplicada em maio de 2012 pelo ex-governador Geraldo Alckmin. A obra seria concluída em dezembro de 2013, e foi entregue em janeiro de 2014. O trecho de planalto duplicado corresponde a quase 50 km, divididos em dois lotes: o primeiro foi do km 11,5 ao km 35,8 e o segundo, do km 35,8 ao km 60,5, abrangendo os municípios de São José dos Campos, Jacareí, Jambeiro e Paraibuna. O custo da obra totalizou R$ 672,4 milhões. Em 2014, foi lançado edital para a duplicação do trecho de serra da Tamoios (entre o km 60,45 e o km 82). A obra prevê 12,6 km de túneis e 2,5 km de viadutos – devido à sua complexidade, a obra vem sendo comparada à pista descendente da Rodovia dos Imigrantes. Os investimentos nessa obra somam R$ 2,9 bilhões. Outro R$ 1 bilhão será aplicado ao longo dos 30 anos do contrato de concessão.

285

Concessão No dia 3 de outubro de 2014, o Consórcio Litoral Norte, liderado pela empresa Queiroz Galvão, venceu o leilão de concessão da Rodovia dos Tamoios e será responsável por administrar a rodovia nos próximos 30 anos. A concessionária Tamoios assumiu a rodovia em 18 de abril de 2015, sendo inicialmente responsável por 85,15 km, que incluem os trechos de serra e planalto. Nos próximos anos, a concessionária assumirá a responsabilidade. Benefícios das obras e da concessão • Contribuir para a redução de acidentes por meio do aumento da segurança para os usuários. • Agilizar o escoamento da produção, através da otimização da infraestrutura viária para acesso ao Porto de São Sebastião. • Promover o reordenamento do tráfego da rede viária urbana de Caraguatatuba e São Sebastião. • Suportar o desenvolvimento econômico do Litoral Norte paulista e gerar empregos. • Melhorar as condições do turismo no Litoral Norte paulista. Responsabilidades da Concessionária Tamoios A Concessionária Tamoios é responsável pela administração da rodovia SP-099 - Rodovia dos Tamoios, o que compreende sua operação e manutenção, além de suas vias de acesso, que são: SPA 032/099, SPA 33/099, SPA035/099 e SPA 037/099. A Tamoios realiza a duplicação do trecho de Serra – uma obra grandiosa e de enorme importância estratégica para o Estado de São Paulo e para o Brasil, que teve início em 2015 e término previsto para 2020. No que tange à operação, há vários serviços disponíveis aos usuários, como os veículos de inspeção de tráfego, os guinchos (leves e pesados), as ambulâncias, o caminhão pipa e os veículos para remoção de animais. Para o suporte aos usuários, há o Serviço de Atendimento ao Usuário, disponível 24 horas por dia, para prestar informações, além de contar com água e banheiro no local. A Concessionária Tamoios é responsável pela conservação e manutenção das estruturas existentes dentro do sistema rodoviário, que abrangem as faixas de domínio e as instalações complementares. De forma geral, está no escopo da Concessionária o pavimento das pistas, as obras de arte (pontes, viadutos, túneis, passarelas), a sinaliza-

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ção horizontal (pinturas do pavimento), a sinalização vertical (placas), o paisagismo e a limpeza da rodovia. Para completar a responsabilidade da Concessionária, todas as obrigações são relatadas ao Poder Concedente, dando transparência a suas realizações. Preservação Ambiental As melhores práticas de proteção e preservação ambiental constam no projeto de duplicação da Serra do Mar. Serão programas importantes para preservar áreas verdes, evitar a contaminação do solo e manter intactas fontes e cursos de água. Durante a obra, os relatórios periódicos de cuidados ambientais serão entregues ao Poder Público, de forma a dar transparência às atividades desenvolvidas na área. Um plantio compensatório garantirá mudas de espécies nativas em 250 hectares, com quase 420 mil mudas plantadas. O Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e o Plano de Ação de Emergência (PAE) integram procedimentos preventivos e corretivos para evitar ou minimizar as probabilidades de ocorrência de acidentes, agindo para a contenção dos eventuais impactos gerados na área de influência da rodovia. Para evitar atropelamentos de animais, estão planejadas passagens, garantindo a preservação da fauna e a segurança dos usuários da rodovia. Para que muitas outras sementes sejam plantadas, ações educativas levarão o tema ambiental para as comunidades. Complexo Penal de Ribeirão das Neves, MG: primeira experiência brasileira de PPP no sistema prisional Outra área em discussão para a elaboração das Parcerias Público Privadas é o atual sistema Penitenciário. Como o Estado encontra dificuldades em administrar o sistema penitenciário e em garantir os direitos humanos mais elementares, a proposta de terceirização desse sistema prisional apareceu como uma das soluções viáveis para a crise instalada. As empresas privadas, como a Humanitas Administração Prisional S/C Ltda., Instituto Nacional de Administração Penitenciária (INAP), a Companhia Nacional Penitenciária (CONAP), Yumaita Empreendimentos e Serviços LTDA, a Reviver Administração Prisional

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Privada, Montesinos / Sistema de Administração Prisional, Ondresp / Serviços de Segurança, surgiram com a promessa de reverter o caos dos presídios, argumentando que a introdução de técnicas de gestão empresarial no sistema penitenciário permitiria reduzir gastos, melhorar a qualidade dos serviços e criar condições para a reabilitação dos presos por meio do trabalho. Semelhante ao modelo francês, o modelo puro de PPPs – desde o projeto arquitetônico até a gestão do presídio – apenas foi experimentado no Brasil pelo Estado de Minas Gerais. Lá, a implantação do presídio em Ribeirão das Neves, foi possível após a publicação da Lei Estadual no 14.868/2003. Referência em PPPs no sistema prisional na América Latina e reconhecida como um dos 40 (quarenta) melhores projetos de PPP no mundo, o Complexo Penal de Ribeirão das Neves é um modelo de vanguarda e deve ser observado com acuidade. De acordo com dados da própria Secretaria de Estado e Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, a duração do contrato para a exploração do complexo penal de Ribeirão das Neves é de 27 anos com a previsão de investimento privado na ordem de 280 milhões de reais, para a construção de um complexo prisional de 3.360 vagas. O modelo pensado prevê a remuneração do ente privado por vaga ocupada, ou seja, faz-se um cálculo de custo por preso, sendo o pagamento do Estado a única forma de receita do ente privado. Pelo contrato, o Governo do Estado se compromete a implantar vias de acesso ao complexo penitenciário, monitorar as atividades desenvolvidas pelo parceiro privado e garantir a demanda mínima de 90% da capacidade do complexo penal. Trata-se de uma nova forma de negócio social com lucratividade e controle governamental. Considerações finais Em síntese, a conjuntura, que ensejou o surgimento da ideia de parcerias público privada no Brasil, pode, então, assim ser sintetizada: a) gargalos de infraestrutura impeditivas do crescimento; b) existência de uma série de atividades de relevância coletiva, muitas delas envolvendo as referidas infraestruturas, não sustentáveis financeiramente e sem que o Estado tenha condições de financiá-las sozinho. É indiscutível que o setor privado tem um papel a desempenhar no aumento da eficiência na provisão dos serviços públicos. As PPPs são sempre entendidas como uma forma viável de implantar soluções de infraestrutura que sejam mais eficientes, ou seja, não é

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apenas o financiamento a principal vantagem percebida ao se caminhar na direção de maior participação do setor privado. Contudo, há que se considerar as especificidades e o papel que o Estado tem a cumprir junto à sociedade, assim como um processo permanente de planejamento integrado à gestão, com mecanismos flexíveis que possibilitem adequações às oscilações conjunturais em vários setores da economia e da sociedade. Sob esse aspecto, além dos órgãos reguladores e de controle, seria necessário mais um ator nessa parceria, um bem estruturado Observatório das PPPs, com representação da sociedade, para monitorar os fatores que são determinantes para se manter o equilíbrio dos contratos que possibilitem o atingimento dos objetivos tanto pelo Poder Público como pelo Setor Privado.

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Capítulo 23 Cidades sustentáveis: a gestão de recursos sólidos por meio de parceria público privada pode ser uma saída? Edson Aparecida Araujo Querido Oliveira Quésia Postigo Kamimura Odila Maria Sanches As cidades estão cada vez mais no centro da escolha por residir da maior parte da população mundial, o que atualmente significa mais de quatro bilhões de pessoas. A população urbana do mundo cresceu rapidamente de 751 milhões em 1950 para 4,2 bilhões em 2018. A Ásia, apesar de seu nível relativamente mais baixo de urbanização, abriga 54% da população urbana, seguida pela Europa e África com 13% cada. Projeções da ONU (2018) mostram que a urbanização, combinada com o crescimento global da população mundial, será em torno 90% e corresponderá a aproximadamente 6,7 bilhões de pessoas residentes em áreas urbanas. No Brasil, a previsão é de que, em 2030, esse índice chegue a 91,1%, o que corresponderá a 201,3 pessoas residindo nas cidades (ONU, 2018). Acrescentam nas projeções que, na dinâmica da ampliação populacional nas cidades, o mundo contará com aproximadamente 43 megacidades com mais de 10 milhões de habitantes em regiões em desenvolvimento. Podemos observar na Figura 1 que as cidades que mais crescerão serão aquelas com menos de um milhão de habitantes.

Figura 1 – Projeção da população urbana brasileira para 2030 Fonte: ONU (2018).

290

A combinação dos modelos de urbanização e de crescimento econômico, adotada há anos pelos países, em especial, os desenvolvidos, e seguida pelos países em desenvolvimento, denotada por não considerar os aspectos de sustentabilidade no uso dos recursos naturais e ambientais, coloca em xeque a lógica de funcionamento e de gestão para o futuro das cidades. Se de um lado, a concentração da população em cidades propicia “melhor qualidade de vida” (as pessoas têm mais oportunidade de acessar equipamentos sociais, ambiente limpo e iluminado, vida social, trabalho, comércio, entre outros), acumula as infraestruturas, os centros de inovação e serviços expressos na “economia das trocas” (mercado) e funciona como válvulas propulsoras do “crescimento econômico e do desenvolvimento econômico”, de outro, também enfrenta os maiores problemas relacionados aos padrões de consumo das cidades: elevada geração de resíduos, infraestrutura inadequada, inequidades sociais, dificuldades nos sistemas de saúde e de segurança (LUNDQVIST, 2007). As cidades do futuro requerem soluções inovadoras e a adoção de novas práticas em sua governança e em sua infraestrutura de investimentos, para que seja possível responder essas questões de maneira apropriada (MITCHELL; CASALEGNO, 2008). Nesse contexto, o conceito de cidades sustentáveis é aquela capaz de propiciar um padrão de vida considerado aceitável sem causar profundos prejuízos ao ecossistema ou aos ciclos biogeoquímicos dos quais ela depende (MARK ROSELAND, 1997). A adequada gestão dos resíduos urbanos contempla algumas das principais características de cidades sustentáveis, ao elencar destino adequado para o lixo, criação de sistemas eficientes voltados para reciclagem de resíduos, uso de sistema de aterro sanitário para os não recicláveis e, ainda, a adoção de práticas voltadas para o consumo consciente da população. Entre os caminhos para a implementação de cidades sustentáveis, é indicado um rol de medidas a serem adotadas para se repensar a infraestrutura urbana. Segundo ÖJENDAL e DELLNAS (2011), é necessário pensar acerca da questão da governança, visto que implica a relação de interdependência entre o governo e outros atores não estatais. Os autores Rego et al. (2013) defendem que, a partir de uma governança local, tem-se um importante componente para a tentativa de se viabilizar políticas sustentáveis dentro da sociedade. Diante do exposto, novas concepções de governança são oportunas e necessárias.

291

Este capítulo, na temática das cidades sustentáveis, identifica que a infraestrutura é um fator fundamental para o desenvolvimento econômico, político e social e que a escassez e o esgotamento de recursos públicos, diante da crescente demanda, impossibilitam substancialmente esse desenvolvimento. Isso nos leva a analisar o eixo Parceria Público-Privada na gestão de resíduos sólidos urbanos no âmbito municipal. Portanto, o desafio é uma estruturação institucional e legal adequada à nova realidade, no ponto em que se refere ao financiamento da prestação de serviços e do reaparelhamento da infraestrutura de responsabilidade do ente federativo do município, em que a Administração Pública não seja a única provedora, mas continue exercendo sua liderança estratégica, fiscalizadora e regulatória, proporcionando condições necessárias e promovendo um ambiente propício para o desenvolvimento dessas parcerias, procurando a complementaridade de suas ações em prol de ganhos para a sociedade. Para desenvolver o estudo apresentado neste capítulo, na abordagem qualitativa, foi realizada uma pesquisa exploratória que contou com entrevistas semiestruturadas com gestores e técnicos, pelo critério de acessibilidade, que participaram de experiências na implantação de PPPs na gestão de resíduos sólidos em seus municípios, perfazendo um total de sete participantes. As entrevistas foram transcritas e foi utilizada a técnica de análise de conteúdo para a coleta de dados. Ressalta-se que a pesquisa atende aos aspectos éticos, tendo sido submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade de Taubaté: parecer número 1.901.607/2017. Os entrevistados estão identificados por gestores municipais GM1, GM2 e GM3, e os gestores empresariais por GE1, GE2, GE3 e GE4, respectivamente. A seguir, são apresentados os resultados do estudo.

Parceria Público Privada aplicada à Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos De acordo com Sundfeld (2011), no intuito de se compreender o significado das inovações instituídas com as PPPs e pensar sobre a aplicação dessa modalidade na administração pública, no tocante aos resíduos sólidos urbanos, foi necessário que se desenvolvessem pesquisas sobre as novas soluções internacionais em matéria de contratação pública. Nessa perspectiva do pensamento sobre PPPs, os entrevista292

dos deliberam que em sua visão, com a probabilidade de implantar a Parceria Público Privada aplicada à Gestão de Resíduos Sólidos, observa-se as características que são ressaltadas na Tabela 1. Tabela 1 – Pensamento sobre PPP NA

%

Investimentos de forma continuada e permanente

7

35

Investimentos em infraestrutura e tecnologia de ponta

4

20

Diluição dos custos em longo prazo

3

15

Viabilidade do Plano Nacional de Resíduos Sólidos

2

10

Participação e compartilhamento da iniciativa privada

2

10

Assumir investimentos necessários antes com restrições legais

1

5

Ampliação e potencialização de investimentos

1

5

Total de impressões

20

100,0

Fonte: Dados da pesquisa. Os autores Nota: NA = número de vezes que a impressão é mencionada pelos entrevistados

De acordo com Périco e Rebelatto (2005), as PPPs acolhem um vasto leque de investimentos, suprindo demandas de infraestrutura em todas as áreas da administração pública, desde a segurança pública até a gestão de resíduos sólidos. Nesse contexto, de acordo com o pensamento dos gestores, 35% da probabilidade de implantação de uma PPP se dá na viabilização dos investimentos de forma continuada e permanente, como afirma o GM1:



Então, a PPP, que é na verdade uma concessão administrativa, viabilizou você a realizar todos os investimentos ao longo de 30 anos de uma maneira continuada. Isso não traz só os investimentos iniciais como o reinvestimento [...] Porque na questão da gestão do resíduo sólido, especificamente falando, a degradação dos equipamentos é muito alta. Um caminhão de lixo se acaba em cinco anos (GM1). E complementa seu pensamento dizendo: [...] então ela vai sempre sendo necessária, a cada cinco anos, você faz uma renovação de frota. Isso pra equacionar a questão de saúde pública e de preservação. Então, essas parcerias vieram pra viabilizar isso (GM1).

293

Na mesma linha de pensamento da manutenção dos investimentos, para o GE2: [...] “O investimento é importante, mas a perenidade do investimento, da manutenção do investimento é crucial” (GE2). Para GE3, a possibilidade de continuidade dos processos é a grande segurança na aplicação de PPP na administração pública, quando afirma que [...] “a modalidade de PPPs traz uma grande possibilidade de, tanto as empresas quanto a própria gestão municipal, que tenham a segurança na continuidade dos processos” (GE3). Esses pensamentos reforçam a teoria de Leite (2011), que ensina que a modalidade PPP veio suprir a insuficiência do Estado, pois os investimentos são mais expressivos gerando maiores benefícios em todas as esferas. Para os gestores, os investimentos em infraestrutura e tecnologia de ponta aparecem em 20% dos pensamentos por ocasião da implantação de PPP, como condição de viabilizar as necessidades da população. De acordo com o GM2: Justamente é o papel de dar às Prefeituras uma condição melhor de investimento. Imagina, por exemplo, aqui em Itu, se tivermos que fazer o refazimento e a modernização de todos os equipamentos que temos aqui, primeiro, seriam valores, seriam capitais que não dispomos em hipótese alguma, então você é obrigado realmente a buscar Parceria Público-Privada, porque ela tem condições plenas de investir e trazer modernidade pra cidade... (GM2) Neste cenário, para o GM3: É uma das únicas ferramentas disponíveis atualmente para que os municípios possam atender às exigências legais, as necessidades da população e dos órgãos fiscalizadores e reguladores. A dinâmica e a rapidez que as demandas crescem em infraestrutura é extremamente significativa, e os municípios não possuem conhecimentos técnicos, administrativo e jurídico, nem financeiros para suportar tal demanda (GM3). Acrescenta também que: [...] Atualmente, por receita própria, é praticamente impossível

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que os municípios consigam viabilizar investimentos em infraestrutura. Agravada a situação com a inviabilidade jurídica de prefeituras conseguirem empréstimos, financiamentos, etc., por conta de certidões negativas de órgãos de controle financeiros nacionais e estaduais (GM3). Com a mesma linha de pensamento dos gestores municipais, para o GE1: [...] as Parcerias Público-Privada são a única forma, hoje em dia, disponíveis pra realmente viabilizar os investimentos em infraestrutura de gestão municipal. Eu não vejo a capacidade econômica dos municípios de fazerem esses investimentos, de arcarem com esses investimentos [...] e no meu entendimento não seria sequer obrigação dos municípios, utilizar recurso público, recurso dos cofres públicos pra fazer esse investimento que vai ficar imobilizado. Porque isso é um serviço público com interesse econômico, então o modelo de Parceria Público-Privada indica que deve ser seguida essa modelagem pra atrair o interesse da iniciativa privada em arcar com esses investimentos com recursos próprios e o município amortizar isso ao longo do contrato (GE1). E para o GE2: A possibilidade de encaixar contratos, que são repetitivos, que exigem permanente sofisticação ou aprimoramentos tecnológicos, o melhor caminho é ir para esses contratos tipo PPP, porque você vai usar técnicas mais atualizadas, pessoal treinado [...] Se o contrato é de longo prazo, ele vai fazer o treinamento adequado... (GE2) Vê-se na visão dos gestores empresariais supracitados que estabilidade dos investimentos em longo prazo é uma questão primordial. Para o GE3, não é diferente, pois afirma que as PPPs: [...] garantem ao longo prazo uma estabilidade desses serviços que são albergados [...] possibilitando às empresas investimentos predeterminados, investimentos em tecnologias de ponta, em novas tecnologias, em uma alta gestão desses negócios envolvidos em cada PPP (GE3).

295



Conforme o CGP (2008), a otimização do custo e da vida útil, por meio do modelo DBFOT, é excelente para aprimorar técnicas de projeto e construção, que provejam a diluição dos custos em longo prazo e aumente a vida útil dos ativos, o que dificilmente ocorre no esquema tradicional de gestão pública. O pensamento de alguns entrevistados vai ao encontro do aforismo do CGP, pois 15% discorrem sobre a diluição dos custos, como se observa em suas falas. Nesse sentido, o GM1 destacou: “Eu acho que elas ajudam a materializar os investimentos, né? E que podem ser diluídos a longo prazo, que, no caso de resíduos sólidos, são constantes ao longo do tempo e que vão de fato ter impacto nas contas municipais…”. Nesse contexto, o GE3 ressaltou que “por se tratar de custos elevados, eles têm a possibilidade de uma diluição disso, e a possibilidade que o Poder Púbico tem de manter e de avançar nos controles, na qualidade desse negócio com a garantia desses contratos a longo prazo”. Quanto à viabilidade do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, na esteira das lições de CGP (2008), Deon Sette e Nogueira (2010) e Leite (2011), de que adianta prescrever os objetivos da Política Nacional de Resíduos Sólidos em lei, se não indicar instrumentos para a sua adaptação e implementação. Nesse contexto, o pensamento de GE1 vai ao encontro dessa argumentação, pois ressalta o seguinte: Essa adaptação demanda uma série de investimentos e uma série de novas infraestruturas que devem ser disponibilizadas. Fazendo uma análise geral do País, os municípios não têm condições econômicas, em muitos casos, não têm condições técnicas de arcar com esses investimentos [...] e a modelagem que se faz mais adequada são as Parcerias Público-Privadas pra justamente fazer esse cumprimento, esse atendimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (GE1). Nessa perspectiva de adaptação, recorre-se à afirmação de Deon Sette e Nogueira (2010) de que o artigo 8o da Lei no 12.305/2010 elenca os instrumentos que possibilitam consolidar a finalidade em sua função básica. Conforme o CGP (2008), existem vários casos em que a participação e o compartilhamento da iniciativa privada, por meio das facilidades governamentais praticadas com as PPPs, minimizam os gastos operacionais do parceiro público, incentivado pela experiência

296

do parceiro privado. Essa via de mão dupla é observada em 10% dos gestores, como se observa na fala do GM2, quando afirma que:



Com a falta de recursos para investimento nos municípios e diante das constantes necessidades urbanas, PPP passa a ser uma alternativa interessante porque, ao mesmo tempo em que supre as deficiências financeiras, cria possibilidades para a iniciativa privada na participação e compartilhamento de projetos importantes para os municípios (GM2). E complementa: Para a iniciativa privada, é uma oportunidade de canalizar os investimentos em ações produtivas diversificadas, colaborando com os governos além dos investimentos, mas também oferecendo alternativas interessantes para empresas na participação de projetos especiais (GM2).

Di Pietro (2010), Mello (2010), Sundfeld (2011) e Justen Filho (2010; 2015), corroboram o pensamento de que a alternativa é constituir mecanismos para o levantamento das responsabilidades, antes a critério das estatais, substituindo o modelo de gestão estatal, pelas concessões, assumindo os investimentos necessários antes com restrições legais. Assim, as PPPs passam a se responsabilizar por serviços que a administração pública não teria condições de arcar. Esse dito é identificado nas falas de gestores municipais quando ponderam sobre a PPP, como pode se analisar na fala de GM1 e GM2, a saber: “[...] ela viabiliza os investimentos que o governo não tem... abrange todos os serviços que o governo não faz” (GM1); “[...] traz modernidade pra cá [...] a administração pública não teria capacidade pra isso (GM2)”. Sundfeld (2011) e Vernalha (2012) asseveram que, para a esfera privada, a PPP representa uma vasta gama de oportunidades de negócios, as quais muitas vezes são restritas anteriormente à governança pública. Assim, a mudança de atividade decisória, e não simplesmente administrativa, acomoda as mesmas características e os mesmos efeitos das atividades estatais (MEDAUAR, 2010). Para o CGP (2008) e Leite (2011), para as PPPs, ampliação e potencialização de investimentos representam uma oportunidade de se desfrutar de serviços públicos mais bem estruturados e coordenados, sobretudo pelo fato de que indicadores de desempenho monitorarão todo o processo de concessão. GM2 compartilha este axioma, pois afirma que:

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A Parceria Público-Privada vem auxiliar as prefeituras na ampliação das possibilidades de investimentos, porque compartilha com a iniciativa privada recursos que muitas vezes esta não tem (GM2). Além do entendimento das PPPs como um potencial incremento na prestação de serviços, os gestores ponderam sobre o comportamento da população diante da quebra de paradigmas, no que se refere à disposição de muitos nas mudanças de hábitos.

Considerações finais A adequada gestão de resíduos implica diretamente reduzir a quantidade de lixo produzido, diminuindo, a quantidade de plásticos e embalagens não biodegradáveis de seus produtos, reutilizar materiais, tornando-os disponíveis novamente dentro do ciclo produtivo, como embalagens e, por fim, desenvolver novos sistemas voltados ao reaproveitamento de certos resíduos, como entradas em novos sistemas produtivos, contribui para a implementação de cidades sustentáveis. Constatou-se, assim, que, apesar de existir um norte legal a inspirar as possíveis PPPs, tal fórmula não abriga todos os casos, pois são deveras amplas as possibilidades que se apresentam para os campos em que podem ser aplicadas, demonstrando-se, de forma sumária, que se trata de uma nova estratégia que as esferas governamentais vêm adotando para enfrentar os desafios, a fim de melhorar as condições de infraestrutura, satisfazendo a crescente demanda dos serviços públicos no tocante à descentralização dos empreendimentos que requerem altos investimentos, conduzindo-os à necessidade das parcerias com o setor privado, que se mostra como uma alternativa para a administração pública dar andamento a projetos importantes para a sociedade. No entanto, ao longo do tempo, houve dificuldade de saírem do papel e se transformarem em realidade devido à não disponibilidade de recursos ou por prioridade diante de outras carências sociais e políticas. As PPPs não devem ser concebidas como única alternativa para o aprovisionamento de infraestrutura e serviços públicos, devendo ser utilizadas quando demonstrar valor agregado em relação ao financiamento público convencional, visto que não se deve conferir à parceria a provisão de todos os investimentos de que o município precisa para seu desenvolvimento. 298

Tanto nos aspectos administrativos quanto nos financeiros, nos termos da legislação de regência, em todas as etapas do respectivo trabalho de coleta, findado com a devida reciclagem dos resíduos sólidos recolhidos, adviriam reflexos positivos à sociedade municipal, em conformidade, inclusive, com os princípios entabulados no artigo 37, da Constituição Federal, destacando-se, sobremaneira, o da eficiência dos serviços públicos. Em tempo, ao se afirmar que o que se almeja com as PPPs é aliar a eficiência do setor privado com a satisfação do interesse público, há que se evitar que a parceria se foque unicamente em contornar as restrições orçamentárias e administrativas, por meio de regimes contratuais e mecanismos pouco transparentes.

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Capítulo 24 Bancos públicos e os investimentos em projetos de cidades inteligentes: o papel do Programa de Parcerias de um banco público Andre Oliveira de Araujo Jonatas Mendonça dos Santos Conforme mencionado nos capítulos anteriores, já é possível afirmar que o desenvolvimento tecnológico nas cidades é um movimento inevitável, na medida em que tecnologias avançam na promoção de soluções para a organização de ambientes complexos, como as aglomerações urbanas. Nos últimos anos, os investimentos financeiros em projetos Smart Cities têm sido apresentados como soluções para os problemas de gestão das cidades em todo o mundo. Sejam quais forem os desafios e seus setores, como mobilidade, iluminação pública, segurança pública, poluição, energia, governança e transparência, atualmente, já há tecnologias disponíveis para trazer inovações e respostas para os gestores públicos municipais. O conceito de Smart City é introduzido como um mecanismo sofisticado de soluções para problemas sociais, políticos, econômicos e ambientais das cidades, no início do século XXI. A discussão apareceu com força também no campo das grandes organizações privadas de tecnologia, como IBM, CISCO, Siemens, HP, Microsoft, entre outras. As tecnologias da informação tornam-se objeto de reflexão sobre as aplicações relacionadas à operação de infraestruturas de transporte, energia elétrica, segurança pública e prédios inteligentes, setores que tangenciam as propostas de cidades inteligentes. Dos laboratórios das empresas de tecnologias, surgem, então, as primeiras ideias centradas na expressão Smart Cities. Como bem ensina Vitor Amuri em sua obra Parcerias Público -Privadas para Smart Cities (2017), “o emprego de inteligência no atendimento às demandas sociais, dentro do conceito e lógica de Cidade Inteligente, é, inevitavelmente, associado à utilização de tecnologia”. Mais especificamente, de recursos de Tecnologia da Informação e 301

Comunicação (TIC), notadamente Big Data e Internet das Coisas (IoT). Embora o conceito tenha nascido de forma aberta e difusa, suas distintas acepções tentam compreender o que é essa nova topologia técnica e informacional na organização da vida nas cidades. Apesar de não haver consenso sobre quais são os temas que compõem ou legitimam uma cidade como Smart City, é notório que o uso de inovações tecnológicas é um de seus elementos fundamentais, sobretudo diante de um contexto de hiperurbanização em escala global. De acordo com as projeções mais recentes da ONU, a população urbana alcançará cerca de 6,5 bilhões de pessoas até 2050. Na medida em que as metrópoles se multiplicam, crescem também os desafios para a gestão desses ambientes num momento de manifestações por mais liberdades individuais, melhores condições de trabalho, participação social e distribuição de recursos, o que pressionará os gestores públicos, dadas as complexidades desses espaços. Com isso, consequentemente, os municípios carecem de recursos para financiar projetos, obras e sistemas de organização. A realidade das grandes cidades brasileiras não é muito diferente. O País conta com duas metrópoles com mais de 10 milhões de habitantes: São Paulo e Rio de Janeiro. Adicionadas às duas grandes metrópoles, o Brasil abrange outros 15 municípios com mais de 1 milhão de habitantes, 25 municípios com mais de 500 mil habitantes e outros 300 municípios com mais de 100 mil habitantes, de acordo com o levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Muitos desses municípios estão organizados em 27 regiões metropolitanas nas quais, mesmo em situação de contiguidade e conurbação, assumem individualmente a organização de todos os setores intraurbanos. O pacto federativo nacional, que instituiu a divisão de responsabilidades em três níveis – União, Estados e Municípios –, determina, portanto, que os municípios façam a gestão de sistemas complexos, como mobilidade, saneamento básico e distribuição de água, resíduos sólidos e iluminação pública. Isso se traduz num desafio de alta envergadura para os gestores públicos municipais, consideradas as dificuldades de se obter e gerenciar as informações de forma setorizada, de distribuir o orçamento para suas diversas áreas e, por fim, de realizar os investimentos em projetos de infraestrutura e desenvolvimento urbano. As dificuldades das prefeituras em planejar e executar os investimentos em seus municípios podem ser avaliadas em três principais eixos: dificuldades de consorciamento de atividades com outros municípios, carimbo constitucional da utilização de recursos e acesso

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a financiamento e crédito para investimentos em infraestrutura. As fontes atuais de financiamento da política urbana são limitadas, especialmente para os municípios pequenos, menos capazes de criar receita própria. A dependência das transferências constitucionais, com parte das arrecadações estaduais e federais distribuídas para os municípios, e dos impostos, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Serviços (ISS) e Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos (ITBI), aliada às limitações dos modelos de contratações, refletem as limitações que os gestores públicos enfrentam para fazer investimentos em parceria com empresas ou consórcio de empresas privadas.

Situação dos investimentos em infraestrutura no Brasil De modo geral, os investimentos públicos em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB) vêm decaindo desde a década de 1970, quando atingiu o pico de 10,5% do PIB. Mesmo considerando o momento de crescimento entre 2003 e 2012, ano em que atingiu 4,8% do PIB, em geral, os investimentos não acompanharam a tendência de outros países em desenvolvimento. Quando analisados os investimentos em infraestrutura, as projeções mais atuais e o histórico dos últimos anos no Brasil indicam um cenário menos favorável. Depois de um curto período de crescimento dos investimentos, a partir do início da década de 2010, a proporção de aplicação dos recursos vem caindo, chegando ao menor patamar da história em 2017, com apenas 1,4% do PIB investido em infraestrutura. Em comparação com os membros do BRICS, o Brasil é o que tem investido menos recursos, mesmo sendo o País com o maior gap nesse setor. Um estudo da consultoria britânica KPMG indica que o Brasil precisaria investir cerca de 9 trilhões de reais nos próximos 20 anos para recuperar e nivelar os investimentos com países em desenvolvimento, como China, Índia e África do Sul. No diagnóstico elaborado, a proposta é subir os investimentos anuais para aproximadamente 6,5% do PIB em 2038. A queda dos investimentos é condicionada por diversos fatores, entre os quais, podemos destacar instabilidade no cenário político, crise econômica, dificuldade de acesso ao crédito e mercado de capitais pouco desenvolvido. Se os investimentos em equipamentos urbanos, tecnologia e projetos de Smart Cities são considerados dentro do escopo de infraestrutura, como pensar num cenário para viabilizar um novo ciclo de investimentos capaz de financiar os setores público e privado? 303

São diversos os dispositivos que podem ser acionados para ajudar a viabilizar o mercado de projetos e crédito para infraestrutura. O governo federal, por meio da Lei no 13.334 de 2016, instituiu o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), com intuito de mediar a comunicação entre o setor público e o setor privado, a fim de viabilizar um novo ciclo de investimentos em infraestruturas. Embora exitosa na construção de muitos projetos, diante da magnitude das necessidades do País e de sua limitada capacidade operacional, trata-se de uma estrutura insuficiente para atuar em todos os setores carentes de investimentos, bem como atender à demanda dos entes públicos por apoio técnico e articulação de financiamento. Nas economias em desenvolvimento, o setor de infraestrutura tem sido amparado pelo Estado. Os bancos públicos, quando atuam para estímulo do desenvolvimento econômico e das políticas públicas, apresentam-se como catalisadores da oferta de financiamento para grandes projetos de investimento em infraestrutura. Muitas vezes atuam em consórcio e disponibilizam fontes de recursos, linhas de financiamento próprias ou serviços para atuar como administradores de fundos públicos. Nesses casos, eles contribuem, na prática, com o compartilhamento de risco ou mesmo na sua mitigação, por meio de garantias, por exemplo. Em agosto de 2017, as instituições financeiras públicas foram responsáveis por 26,2% de crédito sobre o valor nominal do PIB brasileiro, de acordo com dados do Banco Central do Brasil (BCB). Quando segregado o crédito para o setor de infraestrutura, esse volume chega a 90%. Os principais bancos públicos que operam no crédito para investimento em infraestrutura no Brasil são: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CAIXA), mas há também bancos que operam de forma regional como o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), a Agência de Fomento Paulista (InvesteSP) e o Banco da Amazônia (BASA). Atualmente, o BNDES é o banco com a maior carteira de crédito para o setor de infraestrutura. Em seu portfólio, concentra-se o crédito para os setores elétrico, rodoviário, aeroportuário e transporte sobre trilhos. Do mesmo modo, estruturando operações de grande porte, a CAIXA também atua no setor de energia, além de grandes obras de infraestrutura urbana, especialmente nos setores de habitação, de mobilidade urbana e de saneamento, enquanto o Banco do Brasil, por sua vez, concentrou-se nos projetos de grande volume para o setor agrícola.

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Papel dos bancos públicos na estruturação de projetos e a atuação da CAIXA Falar em cidades inteligentes é pensar, em alguns momentos, nas mudanças na própria estrutura produtiva das cidades e no seu financiamento, especialmente no fomento dos setores de tecnologia avançada, seja qual for o projeto desejado pelo gestor público. São, entretanto, setores que apresentam grande risco em sua fase de implantação e, por esse motivo, são mais dependentes ao estímulo gerado pela atuação do banco público. Considerando projetos de cidades inteligentes como um passo necessário no desenvolvimento de infraestruturas, quais devem ser os papéis dos bancos públicos no mercado de projetos e em investimentos dessa natureza e o que podem fazer para destravar o setor? A participação dos bancos públicos em projetos de grande envergadura tem sido calcada pelos critérios de isenção diante dos interesses que entrecruzam as negociações entre setor público, privado e as necessidades da população. Recentemente, os maiores bancos públicos têm se preparado para apoiar a estruturação de projetos, seja apresentando novas linhas de crédito para financiar a execução de obras em contextos de grandes projetos seja introduzindo produtos de assessoramento aos entes públicos que queiram elaborar projetos de concessão ou PPP. A opção de prestação dos serviços públicos por meio de concessões e PPP mostra-se bastante aderente aos investimentos em cidades inteligentes. Sob esse aspecto também os bancos públicos podem auxiliar e fomentar os investimentos. Iniciativas como o serviço de Assessoramento Técnico CAIXA oferecem alternativas aos entes públicos para que a estruturação de uma concessão ou PPP seja realizada com a qualidade necessária, além de conferir equidade e transparência ao processo. Além disso, o mercado reage com mais confiança a projetos estruturados com o lastro de um banco público, o que contribui para um aumento na atratividade do projeto e na probabilidade de sucesso do processo licitatório da concessão ou PPP. Por essas razões, e dadas as complexidades operacionais que envolvem um projeto de Concessão ou PPP, o modelo de atuação dos banco públicos funciona estrategicamente como um complemento às ações do governo federal, justamente por viabilizar, gerenciar e qualificar os projetos, ampliando a boa aplicação dos recursos públicos. Nos últimos anos, diante da escassez de recursos financeiros em razão da crise econômica que se abateu sobre o País, o banco tem projetado 305

sua atuação para ajudar os entes públicos da federação a atrair o setor privado para estruturação de projetos de Concessão e PPP.

Programa de Parcerias CAIXA Para oferecer um atendimento específico e objetivo, o banco criou o Programa de Parcerias CAIXA, que se estabelece primordialmente pela prestação de serviços técnicos especializados nas áreas de engenharia, socioambiental, jurídica e econômico-financeira com vistas a assessorar tecnicamente entes públicos na modelagem e estruturação de projetos de Concessões e Parcerias Público-Privadas. É sabido que existe uma alta taxa de mortalidade dos projetos de Concessão e PPP no Brasil, que não alcançam sucesso devido a diversos fatores, entre eles, a realização insatisfatória dos estudos e modelagem. Diante disso, entendeu-se que existe a necessidade de se elaborar bons estudos, partindo de investigações técnicas confiáveis e suficientes que permitam a correta tomada de decisão a respeito do prosseguimento daqueles projetos. O Programa de Parcerias CAIXA consiste em duas fases de aproximação junto aos entes públicos. Na primeira fase, chamada de Assistência Técnica, os entes recebem apoio técnico e operacional para investigar as possibilidades de realização de projetos de concessão e PPP, analisando a viabilidade fiscal do município, a estrutura jurídica, sua capacidade operacional, entre outros aspectos mais gerais. O que se busca é criar condições institucionais mínimas para a realização de contratos dessa natureza. Trata-se de um trabalho já prestado pelo banco em outras atividades junto aos governos municipais e estaduais. Concluído o trabalho inicial, e tendo o ente interesse em elaborar um projeto de concessão ou PPP, a CAIXA oferece a segunda fase, chamada de Assessoramento Técnico. Por meio de um contrato de prestação de serviços, o município contrata a CAIXA para realizar o Assessoramento Técnico necessário para estruturação e modelagem dos projetos. Esse serviço contempla a realização das atividades necessárias para a licitação do objeto da concessão, desde o assessoramento para o desenvolvimento dos estudos técnicos, até o apoio às atividades adicionais, como interlocução com os órgãos de controle e apoio na estratégia de comunicação. Em linhas gerais, o Assessoramento CAIXA é constituído por quatro etapas, sendo executadas da seguinte forma: Primeira Etapa – Elaboração dos Estudos Preliminares 306

Segunda Etapa – Execução dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA); Terceira Etapa – Consulta, Audiência Pública e Análise de Órgãos de Controle Externos; Quarta Etapa – Licitação e Contratação. Cada etapa possui uma gama de atividades específicas, descritas de modo sintético no diagrama da Figura 1:

Figura 1. Diagrama das fases de estruturação do projeto de concessão e PPP

Cada etapa apresenta interdependência entre si, mas somente depois da conclusão de cada uma delas, é que se avança à etapa seguinte. Ao final da Segunda Etapa, as minutas do edital e do contrato devem estar prontas e consolidando todas as informações relevantes da Concessão ou PPP, tais quais: duração e valor do contrato, modalidade da concessão, estruturas de garantias, mecanismos de pagamento, condições para eventuais reequilíbrios econômico-financeiros, matriz de alocação de riscos, plano de seguros, entre outros elementos estruturantes de contrato. Para que os serviços técnicos sejam executados com precisão, ainda no âmbito do Programa de Parcerias, é fundamental que sejam feitos investimentos na capacitação técnica interna dos profissionais vinculados a esses projetos. Está em curso um processo de capacitação da equipe que atua na unidade de matriz, especialmente pela obtenção da certificação internacional - Certified Professional in Public Private Partnerships - CP3P. 307

A APMG International conta com um programa de certificação internacional em parcerias público-privadas, denominado APMG Public-Private Partnerships Certification Program, promovido pelos principais institutos de fomento às PPP em nível mundial, sendo eles: Asian Development Bank – ABD, European Bank for Reconstruction and Development – EBRD, Inter-American Development Bank – IDB, Islamic Development Bank – IsDB, Multilateral Investment Fund – MIF, World Bank Group – WBG e cofinanciado pelo Public-Private Infrastructure Advisory Facility – PPIAF. O objetivo é fomentar e nivelar o conhecimento global sobre o tema PPP. A certificação é reconhecida mundialmente e tem como credencial a notação CP3P, que reconhece o profissional como disseminador das boas práticas internacionais relacionadas à estruturação e modelagem de PPP.

Iniciativas do Programa de Parcerias CAIXA Por iniciativa do Governo Federal foi editada a Medida Provisória no 786, de 2017, e em seguida promulgada a Lei Federal no 13.529, de 2017, que dispôs sobre a participação da União em Fundo de apoio à estruturação e ao desenvolvimento de projetos de concessões e parcerias público-privadas, designando a CAIXA como o agente administrador do Fundo, conforme disposto no Decreto Federal no 9.217, de 2017. Criou-se, assim, o Fundo de Estruturação de Projetos CAIXA – FEP CAIXA. Essa ação faz parte de um programa de investimentos em infraestrutura conduzido pela Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura (SDI), que prevê ainda ações como o desenvolvimento da capacitação técnica, simplificação legislativa, regulamentação, sistemas de garantias e seguros, padronização de documentos, entre outras. Conforme se depreende da Lei, o Fundo prevê a autorização para que a União participe financeiramente em até um limite de R$ 180.000.000,00 (cento e oitenta milhões de reais). Por ser um fundo com participação em regime de cotas, é possível a participação de pessoas jurídicas de direito público e pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, estatais ou não estatais. Além de ser possível a participação por meio de doações de estados estrangeiros, organismos internacionais e multilaterais. É notória a dificuldade percebida atualmente no País, mais especificamente nos entes subnacionais, em se contratar e elaborar bons projetos de Concessões e PPP. Diversos são os motivos para esse 308

cenário. Citamos alguns: limitações financeiras para contratações de consultorias especializadas, procedimentos licitatórios não adequados à contratação de consultorias, limitação nos quadros técnicos dos entes em função do alto custo de se manter profissionais qualificados na administração, entre outros. Nesse sentido, o que se percebe é o uso indiscriminado do instrumento de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), instituto por meio do qual a administração pública se utiliza da expertise e do conhecimento do setor privado para elaboração dos estudos técnicos a partir de uma autorização específica dada aos consultores para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura. Ocorre que esse modelo tem se mostrado inadequado, se considerarmos o alto índice de insucessos para se obter um contrato assinado. Segundo últimos dados apontados pela empresa RadarPPP, menos de 10% das iniciativas de projetos anunciadas chegam efetivamente a ter seus contratos assinados. Qual o custo de transação percebido nesse caso para governos e empresas de consultoria? O FEP CAIXA inaugura mais um modelo de desenvolvimento de bons projetos de infraestrutura. Diferentemente do anterior, no modelo FEP CAIXA, a consultoria ou consórcio de consultorias desenvolverá os estudos técnicos e será ressarcido dos seus custos na medida em que a modelagem atingir marcos preestabelecidos em contrato. Desse modo, evita-se, assim, um importante risco percebido no modelo PMI, no qual os consultores teriam que desenvolver todos os estudos sem a certeza do ressarcimento dos seus custos, conforme prevê o artigo 21 da Lei Federal de Concessões no 8.987, de 1995. Em paralelo aos trabalhos das consultorias contratadas, a equipe do banco, na figura de uma terceira parte, prestará o serviço de Assessoramento Técnico ao ente público. O objetivo principal é garantir que a equipe técnica responsável pela condução dos trabalhos no município ou estado participe e capture conhecimento ao longo do processo de estruturação e modelagem dos projetos. Conhecida a complexidade envolvida e o caráter multidisciplinar na análise de projetos de PPP, especialmente nas áreas de Engenharia e Arquitetura, Jurídica, Socioambiental e Econômico-financeira, a CAIXA pode contribuir considerando que possui em seu quadro profissionais qualificados nessas áreas de conhecimento A comunicação social, que se mostra como um ponto crítico na estruturação dos projetos de Concessões e PPP, é vista como estratégica dentro do Programa de Parcerias CAIXA. Essa ação tem o potencial de identificar e diagnosticar possíveis riscos inerentes à

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estruturação dos projetos. Por meio de market sounding e de pesquisas de identificação e diagnóstico junto aos principais stakeholders, é possível se estruturar um plano para abordagem e mitigação dos riscos. Para isso, prevê-se o desenvolvimento e a implementação do Plano de Comunicação do projeto. Essa abordagem é importante tanto para se identificar o interesse do mercado no projeto, como para se avaliar o comportamento da sociedade com relação ao projeto que se pretende implementar. Outro ponto a ser observado é quanto à financiabilidade dos projetos, ou o termo em inglês bankability, que consiste avaliar se o contrato de concessão ou PPP contém cláusulas e condições suficientemente elaboradas de modo que dê segurança aos bancos na concessão de créditos aos futuros concessionários que implementarão os projetos. Esse ponto é crucial para se garantir a atratividade do setor privado, por se saber que projetos dessa natureza são altamente alavancados. Nesse aspecto, os banco públicos podem contribuir significativamente, considerando que atualmente são os principais financiadores de longo prazo desses contratos. Do lado do desenvolvimento técnico das equipes da administração, é necessário que se promova uma quebra de paradigma no comportamento hoje observado em praticamente toda a administração pública, isto é, até pouco tempo, os investimentos em infraestrutura, em sua grande maioria, eram implementados por meio das contratações tradicionais via Lei Federal no 8.666, de 1993. O modelo de contratação de serviços, proposto pelas Leis no 8.987, de 1995 (Concessões), e no 11.079, de 2004 (PPP), remete a uma nova forma de se executar os projetos de infraestrutura. O que se propõe é um novo olhar sobre as atribuições dos administradores na gestão destes contratos. O papel da administração passa a ser o de planejar, regular e fiscalizar os serviços prestados, avaliando primariamente a qualidade dos serviços prestados e fazendo a gestão técnica e financeira do contrato. Há um foco maior nos resultados que se almejam alcançar, incentivando o setor privado a apresentar soluções inovadoras para a definição de meios mais eficientes para se atingir os resultados. Essa quebra de paradigma é fundamental para o acompanhamento dos contratos ao longo dos anos de operação e gestão dos ativos. Organismos e agências internacionais têm demonstrado grande interesse em fomentar os investimentos em infraestrutura no Brasil, por meio de recursos para financiamento de obras, para capacitação técnica ou para estruturação e modelagem de projetos. A experiência

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adquirida por essas instituições ao longo dos anos tende a impulsionar de maneira significativa a qualidade dos projetos estruturados no País. Estuda-se os melhores arranjos e mecanismos de participação daquelas instituições no desenvolvimento dos projetos, baseado no cofinanciamento dos custos de estruturação e no compartilhamento dos riscos de completion dos estudos. Entre os organismos multilaterais que demonstram interesse no brasil, pode-se destacar o World Bank Group (WBG), que tem um amplo histórico de sucesso no apoio a investimentos nessa área e é um importante parceiro para dar a segurança e a qualidade necessárias para os projetos. Em 2016, foi publicado, pelo WBG, o estudo técnico intitulado “Iluminando Cidades Brasileiras”, que teve como objetivo principal identificar modelos de negócio e financiamento que, considerando o ambiente institucional e as características do mercado, permitam a execução de projetos de modernização sustentáveis do parque de iluminação pública, com benefícios para prefeituras, cidadãos e meio ambiente, e com a maior celeridade possível. O estudo demonstrou um potencial da ordem de R$ 30 bilhões em investimentos diretos no setor de Iluminação Pública no Brasil, além de criar uma estrutura de clusters que definiu a melhor abordagem para grupos de municípios em função das características físicas e financeiras. Como é sabido, os projetos de iluminação pública são considerados um dos principais pontos de partida para o desenvolvimento das Smart Cities. Com aproximadamente 16 milhões de pontos de iluminação pública no Brasil, o terreno para a realização desses investimentos é enorme. A implantação de tecnologias associadas ao parque luminotécnico do município permite adicionar tecnologias que poderão ser aproveitadas para a inclusão de serviços inteligentes e suas receitas associadas. Podem ser agregados ao sistema de iluminação inteligente desde a instalação de câmeras de vigilância, distribuição de sinal de wi-fi, sensores para medição de poluição, incêndios e vazamento de gás, redes de Smart Grid para distribuição inteligente de energia, controle do sistema de tráfego e estacionamento, entre outros serviços importantes para a organização das cidades. Considerando a necessidade de se realizar investimentos de grande porte em setores de infraestrutura, em especial, os que estão inseridos no contexto urbano das cidades, a importância dos bancos públicos em participar desse processo se sobressai. Além de mobilizar o diálogo entre os setores público e privado, as cidades inteligentes são instrumentos fundamentais para organização, controle, eficiência

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e sustentabilidade dos recursos, que são práticas condicionantes para o bom desenvolvimento das economias no século XXI. Nesse contexto, e considerando a necessidade de se apontar caminhos para o desenvolvimento do Brasil, geração de emprego e renda, e melhoria da qualidade de vida da população, os banco públicos apresentam-se como protagonistas no processo de investimentos em infraestrutura. Considerada a abrangência de atuação, além das práticas mencionadas neste capítulo, os bancos públicos viabilizam com responsabilidade e isenção as Concessões de PPP, com atuação na melhoria da qualidade dos projetos e oferta de linhas específicas de financiamento para investimentos em infraestrutura, permitindo o avanço das cidades inteligentes.

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Visão de Futuro: um caminho para as Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis André Gomyde Presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis As Cidades Humanas, Inteligentes, Criativas e Sustentáveis (CHICS) são o caminho para o futuro. O mundo vive uma nova onda de seu desenvolvimento econômico e os paradigmas estão mudando rapidamente. O modelo de grandes empresas transnacionais e de grandes nações que comandam os destinos do planeta está esgotado, e o modelo que privilegia as vocações locais, nas cidades, começa a tomar o seu lugar. No Fórum Econômico de Davos do ano de 2016, até mesmo o Papa Francisco deu esse recado, quando reuniu 400 prefeitos de várias partes do mundo, depois da realização do Fórum. Naquela oportunidade, disse: a solução está nas cidades. De certo é que ninguém mora no País ou no Estado. As pessoas moram, trabalham, estudam, divertem-se nas cidades. É ali que pagam seus impostos e é ali que podem interferir nos seus destinos. O problema é que, embora isso também seja verdade no Brasil, por aqui a lógica é invertida. E não funciona. Resultado do nosso modelo é que pouco mais de 80% da arrecadação de tributos é destinada aos Estados e à União, enquanto menos de 20% se destina aos municípios. Esse modelo faz com que o País privilegie projetos nacionais, em detrimento de projetos locais. O problema é que em um país com as dimensões do Brasil, projetos nacionais tendem a não funcionar. Características de uma cidade na região Norte são completamente diferentes das características de uma cidade na região Sul. Evidentemente, seria muito melhor para o desenvolvimento do Brasil se a maior parte dos recursos arrecadados ficasse nos municípios, para que suas populações, localmente, decidissem sua melhor aplicação. Para isso, é fundamental que haja um enxugamento da máquina pública, o que não parece ser algo que esteja no horizonte próximo da lógica brasileira de funcionamento do setor público. 313

Uma gestão pública fortalecida nas cidades é fundamental para que o Brasil saia do atoleiro no qual se encontra, porque com o fortalecimento das vocações locais, com as cidades se transformando em CHICS, portanto, cuidando dos seus cidadãos e conectando-se com o resto do mundo, conseguir-se-á ter acesso a mercados em todo o planeta, cujo volume de negócios anuais supera US$ 1,3 trilhão. Outro fator que fortalece o caminho do desenvolvimento pelas CHICS é a conjuntura econômica mundial. Fazendo uma rápida lembrança daquilo que escreveu Alvin Tofler, o mundo passou por três grandes ondas econômicas. A primeira foi a onda da agricultura. Até aquele momento, o homem era nômade e vivia andando por aí, atrás de alimentos e abrigo. Quando descobriu o plantio, o homem se fixou à terra e começaram a surgir as primeiras comunidades, que depois geraram as primeiras cidades. As famílias começaram a ser formadas e se constituíram como grandes famílias, pois era necessária uma quantidade grande de pessoas para ajudar na plantação. Muito tempo depois, foi alterada, na Inglaterra do século XIX, toda a lógica da economia mundial com a segunda onda, que surgiu com o advento da Revolução Industrial. Naquele período, começaram a surgir as primeiras organizações de trabalhadores, que futuramente deu forma aos sindicatos. Também naquela época, iniciou-se a redução do tamanho das famílias, pois começou a ficar caro sustentar muita gente. Iniciada em meados do século XX, a terceira onda causou um novo grande impacto em todo o planeta. Conhecida como revolução tecnológica, nela o mundo se integrou e se conectou, com a invenção da internet e com a globalização. Tudo começou a mudar em nossas vidas, de maneira muito mais rápida como jamais visto, e as famílias se tornaram espécies já não mais conhecidas com um mesmo padrão. Hoje, temos famílias pequenas, famílias grandes, homens que vivem solteiros, mulheres que vivem solteiras, pessoas que casam e não têm filhos, pessoas que casam e se separam, filhos que moram somente com o pai, filhos que moram somente com a mãe, filhos que moram com os avós, homem que casa com homem, mulher que casa com mulher, enfim, uma variedade enorme de possibilidades que cria uma diversidade tão grande na sociedade que fazer política pública hoje em dia se tornou algo extremamente complicado. Como atuar e atender a uma gama tão grande de necessidades tão diversas? A solução está nas CHICS. Desde o final do século XX até nossos dias, iniciou-se a quarta onda econômica e deu-se início à chamada era digital, com a robótica,

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a nanotecnologia, a biotecnologia, a indústria 4.0, as cidades 2.0, a internet das coisas (IoT), e as mudanças são tão mais rápidas que já assustam a todos, pois não sabemos como será o futuro próximo. A máquina substituirá o homem? Como ficará o trabalho? E as famílias, como serão? Estima-se que mais de 60% dos trabalhos que existirão no ano de 2030 ainda não foram criados. Como preparar nossas crianças para isso? O ano de 2018 foi palco de mais um Fórum Econômico em Davos, no qual o tema do futuro do trabalho foi amplamente debatido, tendo se tornado um dos principais assuntos presentes em todas as rodas de conversas e em todos os painéis de discussão. A preocupação com a possibilidade de a máquina acabar com o trabalho como o conhecemos e o desconhecimento do que virá no lugar, colocam-se como mais um fator a ser considerado no caminhar das CHICS. Para isso, é importante que se faça uma breve análise também sobre o futuro do trabalho. Olhando a maneira acelerada como a revolução digital está mudando os paradigmas neste século XXI, concluímos que ela também vai mudar muito rapidamente as relações sociais, trabalhistas, políticas e a forma como viveremos. Relembrando a Lei de Moore, elaborada em 1965 por Gordon E. Moore, da Intel, nela previa-se que, no final do século XX, os transistores em um chip dobrariam a cada 18 meses ao mesmo custo, aumentando o seu poder de processamento. Em 2011, chegou-se à conclusão de que Moore estava correto. Em 2016, já se falava que os transistores dobravam a cada 14 meses, e agora já se fala em 12 meses ou a cada um ano. Talvez se possa depreender, então, que com o avanço da Lei de Moore, aumenta de maneira exponencial a capacidade das máquinas de processar informações e apresentar resultados que podem satisfazer quase todas as necessidades humanas. O resultado óbvio, portanto, é que cada vez mais a tecnologia vai substituindo o homem, especialmente na chamada indústria 4.0 que, por meio da IoT, da computação em nuvem e dos sistemas ciber-físicos, vai conectando máquina com máquina, criando uma cópia virtual do mundo físico e tomando decisões descentralizadas e autônomas, passando a ser quase que desnecessária a intervenção humana na produção. O grande paradigma da luta dos trabalhadores dos séculos XIX e XX foi a mais-valia. Ela justificava a organização em sindicatos, para que os trabalhadores tivessem força suficiente para enfrentar os

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capitalistas, investidores na produção, buscando salários que fossem justos, de acordo com o valor do trabalho. No século XXI, a transformação do modelo de produção das indústrias com mais tecnologia e menos operários, bem como os novos modelos de negócios, nos quais as organizações ganham muito dinheiro sem ter ativos, o conceito de mais-valia começa a ruir e um novo paradigma se cria. Agora, o valor está no conhecimento. Conhecimento que vem de dados e informações. Dados e informações que estão sendo tomados de todos nós, em todos os momentos e em todos os lugares. Nesse contexto, qual o futuro do trabalho? Para que servirão os sindicatos? O que será da massa de trabalhadores que não tiver condições de trabalho mais intelectualizado? Haverá trabalho para todos? Como as pessoas terão renda? Haverá renda? Como serão feitas as trocas? O modelo educacional atual sofrerá uma revolução? Qual a importância da sustentabilidade do meio ambiente nesse cenário? E o dinheiro, como ficará? Recentemente criou-se uma plataforma chamada blockchain, para a economia digital, e uma moeda chamada Bitcoin (Btc), que não necessita de intermediários em suas transações. A plataforma blockchain é segura, confiável e tem certificação digital. Mas o mais importante é que ela é aberta e pode ser acessada por qualquer pessoa, tornando altamente transparentes as suas transações; e o seu custo é baixíssimo. Como ficarão os bancos e as demais instituições financeiras? E os bancos centrais? O trabalho dos bancários como o conhecemos deixará de existir em breve. No Brasil, um dos sindicatos mais fortes deixará de cumprir o seu papel, por absoluta falta de capacidade de organização – dado que não haverá mais muitos trabalhadores nesse setor. Muitos outros exemplos poderiam ser citados, que demonstrariam o fim do trabalho de massa, como o que conhecemos hoje. A boa notícia é que existe um mercado que cresce e que emprega muitos profissionais especializados, muito embora sejam mercados que no futuro também não mais necessitarão de grandes quantidades de mão de obra. Esse mercado é justamente o mercado de tecnologia focada em hardwares. A Samsung emprega hoje 275.133 funcionários. A Sony, 105.000. A Microsoft 99.000. A Apple, 80.300. No entanto, existe uma empresa de tecnologia com um maior foco em software e que é a mais forte do mercado – a Google – , que emprega 47.756 funcionários em todo o mundo, portanto com menos necessidade de mão de obra especializada do que as demais. Não somente a Google, mas várias outras também mais baseadas em sof-

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tware vão no mesmo caminho. Mas, e quando a física quântica estiver desenvolvida suficientemente a ponto de não mais precisarmos dos hardwares para fazermos as coisas que queremos? Samsung, Sony, Microsoft e Apple desaparecerão? Talvez não, mas certamente se reinventarão. E o seus postos de trabalho diminuirão muito. Nesse cenário, muitas pessoas vão pensar: “Mas isso acontecerá nos próximos 20, 30, 50 ou 100 anos? Isso está muito longe!”. O que são 20, 30, 50 ou 100 anos na história da humanidade, senão um breve estalo? Aí começa a importância desse debate. Profundas reformas no modelo educacional precisam ser feitas urgentemente. A ampliação e a universalização da educação, da formação e do treinamento para o mundo tecnológico deste século XXI – de uma maneira que todos os trabalhadores, todas as pessoas que não trabalham, bem como nossas crianças e jovens possam dela usufruir – é urgente. Desenvolver atividades que exijam maior esforço intelectual, em vez de maior esforço braçal, é fundamental para que no futuro mais próximo possamos manter o nível de emprego como nos dias de hoje. Desenvolver competências básicas que possam ser úteis para qualquer tipo de trabalho que venha a ser criado nas próximas décadas é estratégico. Alguns estudiosos entendem que são seis essas competências: 1) saber falar, ler, escrever e interpretar corretamente na sua língua pátria; 2) saber falar, ler, escrever e interpretar corretamente na língua inglesa; 3) saber informática; 4) saber filosofia; 5) saber matemática; e 6) praticar alguma atividade lúdica. Com essas seis competências, o indivíduo estará apto a buscar por meio da informática as informações que precisa para aprender, para se desenvolver e para trocar com o mundo, mesmo na língua inglesa (que é universal), conseguindo se comunicar corretamente, tendo em vista sua capacidade adquirida em sua língua pátria, usando a matemática para conseguir concatenar dados e informações, sempre apto a questionar o que lê e aprende, com os conceitos da filosofia, compartilhando em um mundo em rede, tendo em vista sua capacidade de convivência adquirida na atividade lúdica que pratica. E daí, podem vir os trabalhos que vierem. O indivíduo se adaptará e enfrentará os desafios. Aprender também sobre como proteger o meio ambiente e, de forma compartilhada, a sociedade se autocobrar na defesa dele será fundamental para garantir um modus vivendi que não sabemos como será quando não houver mais grande quantidade de trabalho e novas relações sociais passarem a existir, em um futuro um pouco

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mais distante. Certamente, será do meio ambiente, da abundância da natureza, que tiraremos nosso sustento e por onde se darão as relações de troca do futuro. A nova sociedade começa a funcionar em rede, de maneira compartilhada, e com economia circular. Uma nova lógica de organização social começa a ser construída, e com base nas cidades. É nas cidades que as novas organizações não capitalistas começam a se constituir. As áreas rurais também compõem esse quadro, até mesmo porque a revolução tecnológica também já chegou e avança a passos largos no agronegócio. Como já dito, é nas cidades que as pessoas moram, trabalham, estudam, divertem-se. É ali que os recursos financeiros deveriam estar, pois em cada cidade, as comunidades sabem o que querem para si. Mas isso não acontece no Brasil cujo modelo federativo (único no mundo) concentra os recursos financeiros na União, que acaba sendo inchada de trabalhadores públicos que não são dinamizadores da economia. Na União, desenvolvem-se políticas gerais que não conseguem atender às demandas de um País continental e diversificado. Esse é um dos fatores que travam o País, em um modelo que já se mostrou falido e que não apresenta, até o momento, saída. A luta para que os recursos financeiros fiquem em sua maior parte nos municípios; para que sejam utilizados de maneira inteligente na construção desse novo modelo de educação que prepare e treine os trabalhadores do século XX, de uma forma que possam entrar no mercado do século XXI; para que proporcionem a entrada das pessoas em um mercado pujante de US$ 1,3 trilhão, por meio de plataformas tecnológicas instaladas nas cidades, é a verdadeira luta que deve ser travada pelas novas formas de organização social daqui para frente. A quantidade de dados e informações gerados hoje pela revolução digital é o capital do século XXI. As grandes empresas de tecnologia da informação e de comunicação são as donas exclusivas desse capital. Elas perceberam que as cidades são o grande nicho de mercado que têm para vender seus equipamentos, sensores, softwares e aplicativos. Elas vêm transformando as cidades em digitais. Com isso, vêm se apropriando da enorme quantidade de informações que são geradas por essa tecnologia, utilizando essas informações para ganhar muito dinheiro. Elas são as detentoras de grande parte do conhecimento e podem ditar as “regras do jogo”. Percebeu-se, por isso, a necessidade de que essas tecnologias sejam integradas por meio de plataformas abertas que, de um lado ajudam as cidades a ter a gestão de seus serviços de maneira

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inteligente e, de outro, permitem que as pessoas se conectem nessas plataformas e tenham acesso aos dados e às informações, bem como delas possam se utilizar para se conectar ao mercado mundial. Assim nasceu o conceito de Cidades Inteligentes. No entanto, seria inapropriado deixar que tudo se resumisse à tecnologia sem ter a compreensão de que a cidade inteligente também precisa pensar no desenvolvimento social, nas questões urbanísticas, arquitetônicas e ambientais, tendo em vista que o futuro nos reserva esse novo modus vivendi, já falado anteriormente, e que muito dependerá dos recursos da natureza e do bom convívio social. Assim surgiu o conceito de Cidades Inteligentes e Humanas. Uma evolução de conceitos que resulta em uma proposta de, por meio das cidades, travar o debate do grande paradigma do século XXI: quem, como e quando tem a propriedade do conhecimento. Todos nós, ou somente as grandes organizações tecnológicas? Por meio de dados abertos e transparentes, ou por dados controlados por poucos? Agora ou quando já não for mais possível quebrar o domínio de poucos sobre muitos? A hora é agora. O Brasil vive um momento sui generis para esse caminhar, porque recentemente a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) baixou uma resolução, transferindo das concessionárias para as cidades os ativos de iluminação pública. Com essa medida, muitos prefeitos começaram a estruturar parcerias público-privadas (PPPs) de iluminação pública, no afã de terem seus parques de iluminação bem cuidados, evitando que fiquem às escuras por falta de recursos próprios para sua manutenção. É importante ressaltar que uma PPP tem prazos de concessões muito longos e estaremos atrasando tecnologicamente as cidades se não forem feitas as tais PPPs de Iluminação com luminárias inteligentes, formando um smart grid na cidade que sirva de plataforma integradora de todas as informações e dados gerados pela tecnologia, de maneira que as pessoas possam ter acesso a esses dados e informações, que são os geradores de conhecimento. Com plataformas abertas, o conhecimento será propriedade de todos e não somente das empresas que detêm a tecnologia. Imagine quantos pequenos negócios podem ser gerados e comercializados com o mundo inteiro se tivermos plataformas apropriadas nas cidades, com as pessoas preparadas, bem treinadas e com bom nível educacional e intelectual? Atualmente, foi criada uma plataforma para o desenvolvimento de CHICS, pelo engenheiro e especialista em políticas públicas Antonio Fernando Doria Porto, que incrementa as cidades humanas

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e inteligentes com os processos da economia criativa e do desenvolvimento sustentável. Essa plataforma traz os elementos que uma cidade, por meio de sua prefeitura, pode utilizar para se preparar e se organizar e, assim, se estabelecer com os novos paradigmas do século XXI: conhecimento, informação, criatividade e empreendedorismo. A luta de todos nós deve ser pela democratização no acesso ao conhecimento e foi com todo esse pensamento aqui descrito, calcado nos três pilares: desenvolvimento pelas cidades; era digital; e futuro do trabalho que a Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas (RBCIH) – uma instituição que nasceu na Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e que ganhou autonomia – criou o programa Brasil 2030, que tem a finalidade de ajudar os prefeitos das cidades brasileiras a se organizar e dar os primeiros passos para transformar suas cidades. Hoje a RBCIH é uma instituição parceira da FNP e um órgão do Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis (IBCIH). Com um acordo de cooperação técnico-científica, o IBCIH se juntou à Escola Politécnica da USP, à Fundação Getúlio Vargas, ao Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos e à Fundação Ezute e, juntos, estão promovendo avaliação das estruturas das cidades, com relação a políticas, regras, procedimentos estabelecidos e responsabilidades institucionais que orientam como a prefeitura seleciona, implementa e gerencia projetos, inclusive os de PPP, e as etapas pelas quais os projetos de PPP prosseguem para que os empreendimentos sejam efetivamente entregues; após essa análise inicial, fazemos a estruturação de uma parceria público-privada de iluminação pública, que é a infraestrutura básica de uma cidade humana, inteligente, criativa e sustentável; juntamente com a estruturação da PPP, fazemos o desenvolvimento do plano mestre de cidade humana, inteligente, criativa e sustentável, baseado no Plano Nacional de Internet das Coisas; depois, o treinamento dos gestores públicos para a gestão de uma cidade humana, inteligente, criativa e sustentável; a implantação e o suporte da plataforma tecnológica para IoT nas “Cidades Inteligentes”; e por fim o apoio técnico e científico na utilização da plataforma Fiware, que é uma plataforma tecnológica de integração das aplicações de uma cidade humana, inteligente, criativa e sustentável. Com essa parceria e com alianças estratégicas com instituições internacionais e nacionais, é que estamos dando os passos certos para que o Brasil também consiga se inserir de maneira correta nos avanços deste século XXI.

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POSFÁCIO Cidades inteligentes: um desafio sem fronteiras Augusto Neves Dal Pozzo O futuro bate à porta. Os desafios de amanhã se apresentam hoje e, por isso, urge que seja celebrado um compromisso não apenas de Governo, não apenas de Estado, mas, acima de tudo, de todas as nações, um desafio global que transcende fronteiras e barreiras convencionais, com o desenvolvimento das cidades para suportar a demanda cada vez maior por serviços prestados com qualidade e, sobretudo, eficiência. Esse desafio consistiu, justamente, no objetivo que se buscou enfrentar nessa obra de maneira prática, pragmática e orientada à estruturação de projetos que buscam resultados positivos para todos os stakeholders envolvidos em planejamento, gestão e administração das cidades. Aqui, foi coligido um esforço que, igualmente, não é apenas técnico, econômico, financeiro ou jurídico. É um desafio para todas essas áreas do conhecimento. O compromisso com as cidades do futuro perpassa o enfrentamento do tradicional “pensamento em silos” para desafiar todos aqueles engajados em contribuir para as cidades do futuro a romper barreiras de modos de pensar estanques que já estão superados pela integração e interdisciplinaridade cada vez mais evidentes entre as especialidades do conhecimento e, acima de tudo, na forma como as cidades são pensadas, projetadas, vividas. Vivemos um tempo em que o grande desafio, o novo divisor de águas, é pensar de maneira integrada. A propósito disso, a “pauta regulatória” passa a ter relevância de um modo novo. Urge repensar o modelo consagrado do insulamento burocrático que, embora tenha sido idealizado e desenvolvido para blindar o técnico do político, acabou por engessar o modo de pensar regulatório, que se distanciou do debate com a sociedade, e, sobretudo, da comunidade de especialistas que compartilham os mesmos desafios e, mais, a mesma linguagem. É mais do que tempo para que o “Estado Regulador” se abra para dialogar mais intensamente com a sociedade em geral e com 321

essa comunidade de especialistas que está mais do que disposta a participar, atuar, protagonizar em conjunto a necessária mudança de rumo na forma como as cidades são planejadas em nível de governo. Para isso, mecanismos já existentes podem e devem ser empregados de maneira mais inteligente. Audiências e consultas públicas podem e devem ser empregadas com apoio dos modernos recursos de comunicação, dada a facilidade de compartilhamento de informações que, até há poucos anos, ainda parecia inconcebível. Há desafios técnicos, não há dúvidas. É preciso conciliar novas tecnologias com a infraestrutura urbana existente de modo a extrair melhores resultados, sobretudo, no que tange à eficiência energética, tema intimamente ligado à pauta da sustentabilidade. O tema da sustentabilidade ostenta muita relevância e, por isso, tem os oito primeiros capítulos desta obra dedicados ao seu estudo. Vivemos, cada vez mais, a realidade da escassez de recursos, ao passo que o impacto antrópico sobre o meio se intensifica, de modo que a cidade deixa de ser apenas um espaço ocupado para se tornar, cada vez mais, um organismo autoconsciente e isso requer uso de energias limpas e investimento em integração cada vez maior de serviços e utilidades públicas. Ou seja, o principal desafio que se interpõe a todos que almejam atuar de forma positiva na mudança do mindset atual consiste em pensar a cidade de forma integrada de maneira a consumir menos energia para mantê-la viva, e, não apenas isso, consumir energia mais limpa, renovável. E não é só. Do capítulo nove ao dezesseis, foi desenvolvido um conjunto de reflexões sobre as cidades inteligentes. É preciso repensar, antes de tudo, o planejamento estatal. Trata-se de atividade que, embora pouco citada e um pouco vítima do viés inconsciente da evidência silenciosa, deve ser resgatada e aprimorada para pensar o todo, e não apenas a parte. Tecnologias avançadas já começam a sinalizar a possibilidade de que serviços de operação semafórica, iluminação e monitoramento inteligente de situações de calamidade podem ser integrados e operados com eficiência e economia de escala. Nada obstante, em especial, o pensamento jurídico e regulatório ainda se prende a modelos “na caixa”, em que todas essas frentes são pensadas de forma autônoma e isolada. Repensar esse modelo é uma oportunidade sem precedentes que só tem a agregar valores para toda a sociedade. Não é mais possível imaginar que as cidades, especialmente, os grandes centros urbanos, ainda disponham de controle semafórico

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tradicional, que não exista um plano de operação dos serviços de iluminação que possa integrar tecnologias inteligentes e avançadas por conta de entendimentos mais restritivos sobre o respectivo custeio. Esse esforço de reflexão prática foi muito fomentado entre o capítulo dezessete e vinte quatro. Apresentam-se experiências, melhores práticas e conceitos técnico-jurídicos atualíssimos para fomentar que novos projetos possam ser estruturados com qualidade, segurança, estabilidade e previsibilidade e, acima de tudo, de forma a preparar as nossas cidades para o futuro já presente. Espera-se que cada leitor se sinta incentivado a repensar os conceitos tradicionais, cuja aplicação se tornou mecânica e automática, e o objetivo desta obra é, justamente, este: estruturar projetos inteligentes que requerem abordagens inovadoras, ousadas, por vezes, porque é apenas pela inovação e com a ruptura com modos de pensar obsoletos que poderemos correr em busca do tempo perdido, porque ainda é possível colocar o País de volta no rumo do futuro, desde que cada pessoa envolvida tenha esse objetivo muito claro em mente.

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Sobre os autores

Adalberto Felício Maluf Filho

Bacharel em Relações Internacionais e mestre em Economia Política Internacional pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI/USP). Diretor de Marketing, Sustentabilidade e Novos Negócios da BYD, diretor da ABVE (Associação Brasileira de Veículos Elétricos) e membro do Conselho da ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica). Trabalhou com temas relacionados à mitigação das mudanças climáticas e políticas públicas no nível subnacional, com foco em energia limpa, sustentabilidade e mobilidade urbana. Trabalhou na Prefeitura de São Paulo (2006 e 2007) e foi diretor da Clinton Climate Initiative, em parceria com a rede C40, entre 2007 e 2014.

André Oliveira de Araújo

Gerente executivo na Caixa Econômica Federal, gerencia as estruturações de projetos de concessão e PPP. É engenheiro civil pela Universidade de Brasília, pós-graduado em Gerenciamento de Projetos pela Universidade Federal Fluminense, pós-graduado em Concessões e Parcerias com a Administração Pública. Possui certificações CP3P da APMG e pela London School of Economics em Public-Private Partnership Work.

André Gomyde

M.Sc. em Business Administration pela Florida Christian University. Coordena o curso de extensão em Cidades Inteligentes do IBCIH. É presidente do Instituto Brasileiro de Cidades Inteligentes, Humanas e Sustentáveis e conselheiro no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República. Foi membro do júri do World e-Government Awards na Coreia do Sul.

Andre Luiz Marques

Economista e mestre pela UFRJ. No setor privado, atuou durante 17 anos em empresas expressivas em seus segmentos, focado em finan325

ças, planejamento e performance. Por nove anos, atuou na administração pública da cidade do Rio de Janeiro, tendo exercido, entre outras funções, a de subsecretário de Concessões e PPPs com implantação de importantes projetos em diversos segmentos. Hoje exerce a coordenação executiva do Centro de Gestão e Políticas Públicas do INSPER, sendo responsável pela sua implantação e gestão.

Andreia Banhe

Pós-graduada em Ciências do Meio Ambiente pela Brunel University no Reino Unido. Graduada em Engenharia Bioquímica pela Escola de Engenharia de Lorena EEL USP. Antes de integrar a equipe do CDP, trabalhou na Trucost em Londres, auxiliando a BM&FBOVESPA e o BNDES no lançamento do Índice Carbono Eficiente (ICO2), e em consultoria na área de sustentabilidade. Como gerente no CDP, Andreia é responsável pelo CDP Cities, Estados e Região para Brasil e América Latina.

Andreza Portella Ribeiro

Doutora em Ciências – Tecnologia Nuclear Aplicações pela USP-SP. Desenvolve projetos voltados ao diagnóstico e monitoramento de poluição química em ambientes urbanos. É professora e pesquisadora do Programa de Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE. Principais temas pesquisados: poluição atmosférica, qualidade de solos urbanos, indicadores de qualidade da água e infraestrutura verde.

Antonella Marzi

PhD em Arquitetura e Urbanismo pelo Politecnico di Milano, atuou no laboratório de Urbanismo na Faculdade de Milão e de Arquitetura na Faculdade de Turin. Autora de artigos sobre a concepção do espaço público e planejamento urbano, ministrou aulas e palestras em diferentes universidades e instituições. Foi membro fundador da ReCS Architects e dirigiu a ReCS Brasil até 2018 desenvolvendo também o projeto urbanístico Smart City Social Laguna da PLANET. É cofundadora da GATE Architects.

Arnoldo José de Hoyos Guevara

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC-SP. É líder do Núcleo Estudos do Futuro e responsável pela Catedra Ignacy Sachs de Ecossociodesenvolvimento que lida com Estudos do Futuro, Inovação e Sustentabilidade; e, além de ser o responsável no Brasil pelas International Conferences on Innovation and Management 326

(ICIM), é editor da Revista sobre Inovação e Sustentabilidade – ICIM. Representa no Brasil o Millennnium Project e a Rede Ibero-Americana de Prospectiva para a qual desenvolveu um Observatório e um Guia para Gestão Pública Sustentável – GPS, que tem versões para países e cidades.

Augusto Neves Dal Pozzo

Professor de Direito Administrativo e de Fundamentos de Direito Público na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutorando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduado em Infrastructure in a Market Economy pela Harvard University. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (IBEJI). Diretor da Revista Direito Administrativo e Infraestrutura (RDAI). Sócio Fundador do Dal Pozzo Advogados.

Carlos Ghobril

Formado em Administração Pública pela FGV-SP, é doutor em Ciências pela USP, onde também cursou o Mestrado em Administração. É pesquisador científico do Governo do Estado de São Paulo e coordenador do MBA em Políticas Públicas da FIPE.

Carlos Leite

Arquiteto e urbanista; mestre e doutor pela FAU-USP com pós-doutorado pela Universidade Politécnica da Califórnia. É professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor Colaborador no Programa de Pós-Graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove e pesquisador convidado no Instituto de Estudos Avançados da USP (Programa Cidades Globais). Foi diretor da São Paulo Urbanismo, Prefeitura Municipal de São Paulo, 2017. É autor do livro Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes (finalista Prêmio Jabuti, 2012) e do Social Urbanism in Latin America. Cases and Instruments of Planning, Land Policy and Financing the City Transformation with Social Inclusion (Springer Nature, agosto 2019).

Carlos Alexandre Nascimento

Bacharel em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas SP e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela London School of Economics and Political Science (LSE). Atualmente, é diretor de Programas da LSE Custom Programmes e coordenador do primeiro MBA 327

em PPPs e Concessões do Brasil, uma parceria da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), LSE Custom Programmes e Rede Intergovernamental para o Desenvolvimento das Parcerias Público-Privadas (RedePPP). É também sócio-diretor das empresas América Licenciamentos e PPP Connect, consultor para organizações públicas e privadas, professor convidado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP) e do Centro de Liderança Pública (CLP).

Cláudia Terezinha Kniess

Pós-doutora em Tecnologia Nuclear pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN/SP). Doutora em Ciência e Engenharia de Materiais, mestre em Engenharia Química e graduada em Bacharelado em Química pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduada em Formação Pedagógica e Bacharelado em Administração pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Foi coordenadora do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Atualmente, é docente e pesquisadora da Universidade da Taubaté (UNITAU), no Mestrado Acadêmico em Planejamento e Desenvolvimento Regional (MPDR) e no Mestrado Profissional em Gestão e Desenvolvimento Regional (MGDR). Possui diversos projetos e trabalhos publicados em periódicos científicos sobre pesquisas nas áreas de Eficiência Energética, Inovação e Sustentabilidade em cidades. Bolsista de Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora do CNPq – Nível 1D.

Cláudio Tucci Junior

Advogado, com especialização em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela Escola Paulista de Direito, mestre em Filosofia do Direito e Doutorando em Ciência Socias na linha de pesquisa de Estado e Sistema Políticos pela PUC/SP, com projetos de pesquisa em Políticas Públicas e tese de doutoramento em Parcerias Público Privadas. Atualmente, é professor titular na Universidade Santa Cecília e coordenador do MBA em Políticas Públicas e Governo na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE).

Cristiano Capellani Quaresma

Doutor, mestre, bacharel e licenciado em Geografia pela UNICAMP. Docente e pesquisador do Programa de Mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), com projetos de pesquisa em Planejamento Urbano e Desenvolvimento Regional, 328

com foco nos desafios impostos pelas desigualdades socioespaciais e nos potenciais de iniciativas de cunho social para a construção de cidades inteligentes. Também possui projeto de pesquisa vinculado ao tema Desastres Ambientais, Riscos e Vulnerabilidade Socioespacial em Áreas Urbanas.

Daniela Ades

Jornalista formada pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Atua com comunicação nas agendas de Sustentabilidade e Políticas Públicas há seis anos. É coordenadora de Comunicação e Advocacy do ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidades na América do Sul, rede global de cidades que atua com a pauta de cidades inteligentes e conectadas ao desenvolvimento sustentável e que tem publicado o Relatório Analítico Cidades Inteligentes pelo Clima.

Diego de Melo Conti

Doutor em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com estágio de pesquisa na Leuphana Univertät Lüneburg (Alemanha). Fundador da Integra Consultoria. É professor do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp). Atualmente, conduz pesquisas sobre cidades resilientes e sustentáveis, economia circular, governança colaborativa e outros estudos interdisciplinares. Além disso, atua em diversos projetos de organizações nacionais e internacionais na área de políticas públicas.

Diogo Mac Cord de Faria

Executivo sênior, com mais de 15 anos de experiência como consultor. Vasta experiência em assessorar investimentos em infraestrutura, como energia elétrica, saneamento básico e mobilidade urbana. Engenheiro mecânico de formação, com diversos diplomas de pós-graduação das melhores universidades do Brasil e do mundo, como Harvard Kennedy School. Atualmente, é o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia do Brasil.

Edson Aparecida de Araujo Querido Oliveira

Mestre em Economia pela PUC-SP, Doutorado em Organização Industrial pelo ITA e Pós-Doutorado em Gestão da Inovação Tecnológica pelo ITA. Professor assistente doutor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Desenvolvimento Regional UNITAU – é 329

membro do Projeto de Gestão de Cidades e Mobilidades Inteligentes do PGDR. É membro do Corpo de Especialistas do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Gestão, com ênfase em Gestão de Tecnologia; Gestão Sistêmica; Gestão da Produção e Gerenciamento de Projetos e Cidades Inteligentes.

Fernando Vernalha Guimarães

Doutor e mestre em Direito do Estado (UFPR), pós-doutor (Visiting Scholar na Columbia University School of Law, NY, EUA) e professor de Direito Administrativo convidado de diversas instituições. É autor de livros e artigos na área do Direito Público e da Infraestrutura. Tem atuado como legal advisor na estruturação de diversos projetos relevantes de concessões e PPPs, inclusive de smart cities. É advogado e sócio-fundador do VGP Advogados.

Heidy Rodriguez Ramos

Doutora em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Professora e pesquisadora do Programa de Mestrado Acadêmico em Cidades Inteligentes e Sustentáveis (PPG-CIS), do Mestrado Profissional em Administração - Gestão Ambiental e Sustentabilidade (MPA-GeAS) e do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGA) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).

Jonatas Mendonça dos Santos

Bacharel, licenciado e mestre em Geografia pela Universidade de São Paulo e Doutorando no Departamento de Sociologia da mesma instituição, onde desenvolve projeto de pesquisa em cidades inteligentes, estudando os impactos sociais das tecnologias nos grandes centros urbanos. Atualmente, é assistente sênior na Caixa Econômica Federal, empresa onde atua desde 2006 e recentemente colabora com o núcleo de estruturação de projetos de concessão e PPP.

Jorge Abrahão

É coordenador Geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis. Formado em Engenharia, é professor do MBA do LARC da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. É membro da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS) e dos Conselhos do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente. Foi conselheiro do Global Compact da Organização das Nações Unidas 330

(ONU) (2012 a 2018) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES) (2014-2018).

Juliana Lopes

Mestre em Administração de Empresas pela pelo Centro Universitário FEI. Graduada em Jornalismo com MBA em Marketing. Desde 2004, trabalha com projetos de sustentabilidade no Brasil e na América Latina, atuando em estratégias de educação/comunicação para mudança de comportamento visando à integração de questões ambientais e sociais-chave nas decisões políticas e de negócios. Por oito anos, foi diretora executiva do CDP, originalmente conhecido como Carbon Disclosure Project, organização que oferece o maior sistema de divulgação ambiental para empresas e governos subnacionais. Juliana Lopes atua como pesquisadora, com artigos em publicações nacionais e internacionais sobre Licença Social Para Operar, Desenvolvimento Local e Sustentabilidade.

Luciano Ferreira da Silva

Doutorado em Administração na Pontifícia Universidade Católica, PUC-SP, com pesquisas sobre a sustentabilidade de cidades brasileiras e países ibero-americanos. Mestre em Administração, Comunicação e Educação na Universidade São Marcos, Especialização em Psicologia Organizacional, Especialização em Administração de RH e Graduado em Administração. Professor e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Gestão de Projetos (PPGP) na Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Pesquisas sobre sustentabilidade em espaços urbanos como no caso da gestão de resíduos urbanos domiciliares.

Marco Aurelio Barcelos

Mestre em Direito pela Universidade de Londres e Doutorando em Direito do Estado pela USP. É professor e coordenador do Curso de PósGraduação em Concessões e Parcerias do Instituto de Direito Público de Brasília (IDP). Atua há mais de 15 anos na estruturação de projetos complexos entre o setor público e a iniciativa privada. Participou da estruturação do projeto de Iluminação Pública do Município de São Paulo – o maior do tipo do mundo.

Marcos Buckeridge

Professor titular e diretor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. É membro do Instituto de Estudos Avançados da USP, onde criou e coordena o programa USP-Cidades Globais. Desde 2008, 331

é diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (INCT do Bioetanol). Foi um dos autores líderes do Fifth Assessment Report (AR5), publicado em 2014 pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e, em 2017, participou como autor do Relatório Especial 1,5C Warming World do IPCC. Atualmente, é o presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

Marcos Camargo Campagnone

Doutor em Administração de Empresas e mestre em Planejamento Urbano e Administração Pública pela EAESP-FGV. É engenheiro civil formado pela EESC-USP. Foi professor e coordenador do Curso Gerente de Cidades da FAAP por mais de 20 anos. Gestor público com 36 anos de atuação no Governo do Estado de São Paulo, atualmente é subsecretário de Assuntos Metropolitanos e secretário executivo do Fumefi. Foi secretário adjunto de Urbanismo e Licenciamento da PMSP por dois anos.

Marcos Cesar Weiss

Doutor e mestre em Administração (FEI/SP), especialista em Governança Corporativa e Sustentabilidade (Mackenzie/SP). Professor convidado no PECE/Poli-LASSU, ESPM e FACENS. Pesquisador no tema Cidades Inteligentes, com particular interesse em inovação e aplicação em TI para Gestão Urbana, com diversos trabalhos publicados. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP/ PIPE 2017/22229-0). Profissional de TI com 35 anos de experiência em diferentes setores e projetos realizados em Portugal, México, Chile, Espanha, Holanda e Canadá.

Maurício Lamano Ferreira

Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (2014), mestre em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente pelo Instituto de Botânica (2007), bacharel e licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Mackenzie (2001), respectivamente. Seu principal interesse é na gestão de recursos naturais e infraestrutura verde da cidade de São Paulo. Membro da Sociedade de Ecologia do Brasil desde 2009, o pesquisador tem atuado como primeiro secretário da chapa executiva nos últimos cinco anos. Em suas produções científicas, interagiu com diversos pesquisadores de instituições nacionais e internacionais. Atualmente, é pesquisador e professor do Programa de Mestrado Profissional em Promoção da Saúde no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). 332

Mauro Silva Ruiz

Doutor em Geografia (Planejamento em Recursos Naturais) pela Southern Illinois University at Carbondale, EUA. É sócio-fundador da Espiral - Educação e Assessoria e associado fundador do Institute for Services, Sustainability and Society. Entre 2011 e meados de 2019, atuou como coordenador e professor no Mestrado Profissional em Administração: Gestão Ambiental e Sustentabilidade e como docente do mestrado em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Uninove. Também foi pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) por 30 anos desde 1981. Possui diversos trabalhos publicados em periódicos científicos sobre pesquisas em conflitos socioambientais, gestão de resíduos e inovação e sustentabilidade em cidades.

Miguel Luiz Bucalem

Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da USP em 1984, tornou-se mestre e professor daquela instituição em 1987. Obteve o título de PhD pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA, em 1992, e em 1996, o de livre-docente pela USP. Em 1997, tornou-se professor Titular da Escola Politécnica da USP. Ocupou em 2007 e 2008 a Chefia da Assessoria Técnica de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal de Planejamento. De 2009 a 2012, ocupou o cargo de secretário municipal de Desenvolvimento Urbano. Ocupou ainda a presidência da São Paulo Urbanismo desde sua criação em maio de 2010 até o final de 2012. Atualmente é o coordenador Científico do Núcleo de apoio à Pesquisa da USP denominado USP Cidades, focado na temática do planejamento e da gestão de cidades. Coordena ainda o curso de Especialização em Planejamento e Gestão de Cidades do PECE – Programa de Educação Continuada em Engenharia da Escola Politécnica da USP.

Odila Maria Sanches

Graduada em Ciências e Ciências Jurídicas pela UNITAU. Especialista em Gerente de Cidades pela FAAP. Mestrado em Planejamento e Desenvolvimento Regional UNITAU. É secretária de Administração e Finanças da Prefeitura Municipal de Taubaté, onde completa 30 anos de funcionalismo público nas áreas Financeira e Educacional, tendo exercido também a função de auditora chefe e controladoria interna. Palestrante na área de Lei de Responsabilidade Fiscal, Auditoria, Contabilidade e Recursos Financeiros.

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Quésia Postigo Kamimura

Graduada em Ciências Econômicas pela PUC-Campinas, Mestrado em Administração pela UNITAU e Doutorado e Pós-doutorado em Saúde Pública pela USP. Pesquisadora do Programa de Gestão e Desenvolvimento Regional da UNITAU. Atua no Projeto de Cidades e Mobilidade Inteligentes do PGDR. Tem experiência na área de Gestão e Economia da Saúde e Administração Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão de Serviços de Saúde; Logística em Serviços; Economia da Saúde e Recursos Sustentáveis.

Rafaela Macedo Silva

Mestre em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE), 2018. Gerente de marketing de produtos na WDC Networks, responsável pelas linhas de Infraestrutura de Telecomunicações, Datacenter, Segurança da Informação e Segurança Física, atuando também em projetos de tecnologia para cidades inteligentes.

Roberto Bernardes

Doutor em Sociologia pela USP. Foi consultor de diversas instituições de fomento de pesquisa como FINEP, IPEA, CEPAL, MCTI, BNDES e FAPESP. Professor do programa de Pós-Graduação em Administração da FEI, onde orienta dissertações de mestrado e teses de Doutorado. É autor dos livros: Embraer: Elos entre o Estado e Mercado, pela editora HUCITEC, Inovação em Serviços Intensivos em Conhecimento, pela Editora Saraiva, e Innovation Systems in the South: A Case study of Embraer in Brazil, editado pela UNCTAD.

Robson Simões

Geógrafo e mestre em Geografia (Tecnologias e Território) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)/Ohio University/EUA e especialista em Gestão de Projetos pela George Washington University/EUA. Atua nas linhas de pesquisa: tecnologias e território (analisa implicações socioespaciais das TICs) e economia espacial (investiga dinâmicas econômicas no espaço urbano). Pesquisador do Núcleo de Estudos Tecnologias e Território/UNICAMP; Reagri/CNPq e Nuphit/CNPq. Experiência em implementação de estratégias de transformação tecnológica em empresas no Brasil, América Latina e EUA.

Rodrigo Perpétuo

Mestre em Relações Internacionais pela PUC - Minas Gerais, formado 334

em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em Cooperação Descentralizada pela Universidade Aberta da Catalunha. Acumula experiências no setor público como secretário municipal de Relações Internacionais da Prefeitura de Belo Horizonte. Atualmente, é secretário Executivo do ICLEI América do Sul, rede global de cidades, que atua com a pauta de cidades inteligentes e conectadas ao desenvolvimento sustentável e que tem publicado o Relatório Analítico Cidades Inteligentes pelo Clima.

Thiago de Souza Beté

Mestrando em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE), com projetos de pesquisa relacionados aos Veículos Aéreos Não tripulados (VANT), integrando as linhas de pesquisa de regulação indutora e instrumentos urbanos, espaço urbano, sociedade civil, democracia, inovações e práticas aplicadas ao planejamento urbano. Bacharel em Aviação Civil e especialista em Segurança de Voo pela Universidade Anhembi Morumbi. Professor de teoria de piloto privado, comercial de avião e helicóptero. Aluno piloto pelo Aeroclube da cidade de Bragança Paulista.

Vinnicius Vieira

Mestre em Administração de Empresas pela PUC-SP, com projetos de pesquisas relacionados a ambientes urbanos. É coordenador e professor da FIPE, professor convidado da FIA, professor orientador do SENAC e pesquisador do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP. Atualmente, lidera a área de Pesquisa e Conhecimento da Hiria. É responsável por mais de 100 projetos de inteligência de mercado em temas relacionados à infraestrutura, cidades inteligentes, iluminação pública e PPPs. Possui cursos de especialização pelo Insper, FGV-EBAPE e George Washington University.

Vladir Bartalini

Arquiteto e Urbanista formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP. É pesquisador do USP Cidade, foi superintendente de Desenvolvimento da São Paulo Urbanismo, onde participou da concepção e implementação das Operações Urbanas na cidade de São Paulo e da elaboração do SP 2040. É professor no curso de Planejamento e Gestão de Cidades do PECE-USP. Atua profissionalmente na elaboração de planos diretores, planos e projetos urbanos e planos estratégicos de longo prazo.

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ORGANIZADORES DIEGO DE MELO CONTI VINNICIUS LOPES RAMOS VIEIRA Wilson Levy

O

Doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP, com Pós-Doutoramento em Urbanismo pelo Mackenzie. É diretor do programa de Pós-Graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE e advogado nas áreas de Direito Público, Urbanístico, Imobiliário e Ambiental.

Zysman Neiman

Doutor em Psicologia pela USP, com pesquisas relacionadas à sustentabilidade. É professor associado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vinculado ao Departamento de Ciências Ambientais e ao Programa de Pós-Graduação em Análise Ambiental Integrada. Atualmente, coordena projetos nas áreas de Educação Ambiental, Sustentabilidade e Políticas Públicas. Foi coordenador do Comitê de Implantação do Instituto das Cidades – Unifesp. É líder da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e autor de diversos livros na área de Meio Ambiente e Educação.

FUTURO

DAS CIDADES

CD.G Editora

www.cdgcs.com.br

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SUSTENTABILIDADE, INTELIGÊNCIA URBANA E MODELOS DE VIABILIDADE UTILIZANDO PPPS E CONCESSÕES

O futuro das cidades está inevitavelmente vinculado aos avanços tecnológicos, cibernéticos e sociais. Entretanto, a criatividade dos planejadores e a competência dos responsáveis pela estruturação conceitual dos instrumentos urbanísticos, serão fundamentais para a combinação do mundo digital com a realidade da vida nas cidades. Os diversos capítulos que compõem a obra, oferecem aos leitores uma visão clara desse processo ao envolve-los numa profunda reflexão sobre questões intrínsecas ao desenvolvimento urbano, numa visão moderna, e vinculada à sustentabilidade por meio de instrumentos urbanísticos inovadores, e tecnologias de ponta aplicadas ao dia a dia das pessoas nas cidades. Como financiar a implantação dessas novas tecnologias? Qual a melhor forma utilizá-las como aliadas ao processo de equidade social e dinamização do espaço urbano? Qual a visão moderna da interdependência entre as dimensões sociais, econômicas e ambientais, no desenvolvimento das cidades?

Diego de Melo Conti Doutor em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com estágio de pesquisa na Leuphana Univertät Lüneburg (Alemanha). Fundador da Integra Consultoria. É professor do Programa de Pós-Graduação em Sustentabilidade da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp). Atualmente, conduz pesquisas sobre cidades resilientes e sustentáveis, economia circular, governança colaborativa e outros estudos interdisciplinares. Além disso, atua em diversos projetos de organizações nacionais e internacionais na área de políticas públicas.

Essas e outras repostas, o leitor encontrará nessa instigante viagem pelas vertentes mais relevantes das inteligentes e tecnológicas cidades do futuro.

Claudio Bernardes é Mestre em Engenharia pela Universidade de Sheffield (Inglaterra), Professor de Desenvolvimento Urbano (MBA Negócios Imobiliários - ESPM) , Professor IBEMEC (MBA Real Estate), Colunista de Urbanismo, Cidades & Mercado (Folha de São Paulo-UOL), Presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP e Presidente do Conselho de Gestão da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo.

Vinnicius Vieira Mestre em Administração de Empresas pela PUC-SP, com projetos de pesquisas relacionados a ambientes urbanos. É coordenador e professor da FIPE, professor convidado da FIA, professor orientador do SENAC e pesquisador do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP. Atualmente, lidera a área de Pesquisa e Conhecimento da Hiria. É responsável por mais de 100 projetos de inteligência de mercado em temas 337 relacionados à infraestrutura, cidades inteligentes, iluminação pública e PPPs. Possui cursos de especialização pelo Insper, FGV-EBAPE e George Washington University.

Em 2050 o mundo deverá atingir uma população de 10 bilhões, sendo que 65% destas pessoas irão viver em cidades. A complexidade do meio urbano, as mudanças climáticas e a pressão por recursos naturais irão exigir que os agentes públicos locais criem soluções para o desenvolvimento sustentável das cidades, a partir de novas tecnologias e do estabelecimento de políticas de longo prazo. O futuro das cidades passa pela estruturação de planos para que os centros urbanos se tornem cada vez mais verdes, humanos, inteligentes e resilientes. Isso requer uma série de soluções, as quais implicam na implementação de inovações ambientais, mudanças na matriz energética, otimização dos sistemas de mobilidade, estruturação de sistemas participativos e melhoria das diversas operações urbanas. Neste contexto, as Concessões e Parcerias Público Privadas (PPPs) apresentam-se como uma importante opor tunidade para as cidades viabilizarem projetos e soluções para o desenvolvimento sustentável. Isso porque os investimentos do setor privado podem prover ativos de infraestrutura e aprimorar a prestação de serviços públicos O livro ‘O Futuro das Cidades: sustentabilidade, inteligência urbana e modelos de viabilidade utilizando PPPs e Concessões’ apresenta uma série de caminhos e soluções para a estruturação de projetos de cidades inteligentes e sustentáveis no Brasil. Trata-se de uma obra para inspirar os leitores a redesenharem o futuro das cidades.

APOIO 338

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