O “DÉJÀ VU” EDUCACIONAL: Pedagogia institucional e intervenções para a superação de conflitos na escola (Portuguese Edition) [1 ed.] 9788554087340

Esta obra apresenta a inquietação constante com algumas queixas escolares: o desrespeito pelos professores; a falta de i

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O “DÉJÀ VU” EDUCACIONAL: Pedagogia institucional e intervenções para a superação de conflitos na escola (Portuguese Edition) [1 ed.]
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O “DÉJÀ VU” EDUCACIONAL PEDAGOGIA INSTITUCIONAL E INTERVENÇÕES PARA A SUPERAÇÃO DE CONFLITOS NA ESCOLA

Rosane Gumiero (Org.)

O “DÉJÀ VU” EDUCACIONAL PEDAGOGIA INSTITUCIONAL E INTERVENÇÕES PARA A SUPERAÇÃO DE CONFLITOS NA ESCOLA MARINGÁ 2019 Copyright © 2019 para os autores Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, dos autores. Todos os direitos reservados desta edição 2019 para os autores. Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Produção Editorial Sinergia Casa Editorial Carlos Alexandre Venancio [email protected] Diagramação Felipe Fernandes Gurgatz Bibliotecária Simone Rafael - CRB 9/1356 Gumiero, Rosane G370n O “déjà vu” educacional: pedagogia institucional e intervenções para a superação de conflitos na escola / Rosane Gumiero (Org.). – Maringá: Sinergia C1asa Editorial. 178 p., 22,5cm. ISBN 978-85-54087-34-0 (e-book) 1. Escola. 2. Pedagogia Institucional . 3. Experiência educacional. 4. Célestin Freinet. II. Título. CDD 22 ed. 380.098162 livros impressos e e-books Rua Pioneira Ana Cordeiro Dias, 820A - 87023-100 - Maringá/PR 44 3028-8840 / 44 991179134 / [email protected]

aos meus queridos filhos: Luisa, Letícia e Gabriel

Sumário Prefácio ........................................................................................ 11 Apresentação ................................................................................ 13 Parte I Pedagogia Institucional: teoria e experiências educacionais ......... 27 A Pedagogia Institucional ............................................................ 29 Rosane Gumiero Avaliação de uma Prática de Pedagogia Institucional Monografia – Lei e Singularidades ............................................... 55 Christelle Baron Pedagogia Institucional: o saber das vivências do cotidiano e a violência escolar ..................................................................... 73 Rosane Gumiero Caderno de Registros Disciplinares: análise de um livro de ocorrências na perspectiva da Pedagogia Institucional ................. 93 Anunciata Clara Lyra e Lima Fernando Cézar Bezerra de Andrade Parte II Estágios em Psicologia Educacional/Escolar e a Pedagogia Institucional ............................................................... 117 Em busca de uma Esperança Otimista: um exemplo da aplicação das Técnicas de Freinet e da Pedagogia Institucional ........................ 121 Guilherme Agulhon Nádia P. Da Cunha Taís K. Abado Emanoella Ruffo Indira Matias 8 No Coração da EsCola: PEdagogia iNstituCioNal E iNtErvENçõEs Para a suPEração

dE CoNflitos Na EsCola

A Psicologia Escolar por meio da Pedagogia Institucional e das Técnicas de Freinet: relato de uma experiência ........................... 133 Rafael F. Bissi Larissa M. Leitão Jordana M. Silveira Sérgio J. B. Gonçalves A Importância de Leis e Normas de Convivência no Contexto Escolar ......................................................................... 147 Rafael F. Bissi Larissa M. Leitão Jordana M. Silveira Sérgio J. B. Gonçalves Leandro Mendes (in memoriam) Referências .................................................................................. 164 Sobre os autores e autoras ............................................................ 175

Prefácio NO CORAÇÃO DA ESCOLA O titulo desta coletânea, “O “DÉJÀ VU” EDUCACIONAL: pedagogia institucional e intervenções para a superação de conflitos na escola”, é motivado por nossa inquietação constante com as queixas de professores a respeito da falta de interesse do aluno pela escola, da falta de disciplina, do pouco comprometimento com a leitura e a escrita, pelo desrespeito, a pouca participação em sala de aula e a insuficiência de investimentos do governo tanto na educação de forma geral quanto na formação dos docentes. É motivado também pela necessidade de compreender as razões pelas quais os alunos não conseguem aprender e se desenvolver, são agressivos e violentos, usam substâncias nocivas à saúde e evadem-se dos pátios escolares. É motivado, ainda, pela comprovada quantidade de alunos fora do processo pedagógico e de professores descréditos quanto aos resultados do seu próprio trabalho. Enfim, é motivado pela constatação de que a instituição em que alunos e professores atuam oferece poucas alternativas para a solução dos problemas mencionados em tais queixas. Assim, em nossas atividades como docentes ou pesquisadores da área de Psicologia Escolar e da Educação, diante desse mar de dificuldades e problemas, deparamo-nos com questões de ordem teórico-práticas, relacionadas à indisciplina, à violência escolar, entre outras, as quais muito preocupam os profissionais das instituições de ensino. Nas atividades de orientação psicológica e pedagógica observamos o ambiente escolar e ouvimos frequentes queixas dos professores a respeito do comportamento violento e inadequado dos alunos. Ora, sabemos que os conflitos que transparecem nesses fenômenos fazem parte do que reside no coração da escola: a necessidade de conviver em meio às diferenças e identidades que nos impele a buscar o outro e, paradoxalmente, fugir dele ou mesmo atacá-lo.

Sob essa perspectiva, nas queixas que listamos, a violência dos alunos entre si ou contra os professores é tratada em suas várias dimensões – ativa ou passiva, física, verbal, moral, estrutural e simbólica – e em suas várias modalidades – roubo, assédio, bullying, ameaças, brincadeiras de mau gosto, indisciplina, falta de respeito, depredação dos bens públicos, entre outras que se materializam nas relações pedagógicas. As experiências e os conhecimentos obtidos como docente e orientadora de estágio na Universidade Estadual de Maringá e resultantes do estágio pós-doutoral realizado na França, com foco na pedagogia institucional, deram sustentação ao livro. A última experiência forneceu-nos o suporte teórico para discutirmos a ação do psicólogo e a questão da violência na escola. É o que nos propomos a fazer neste livro, que trata, também, do que está em nossos corações. Rosane Gumiero

Apresentação “O “DÉJÀ VU” EDUCACIONAL: pedagogia institucional e intervenções para a superação de conflitos na escola” é inspirado na engrenagem de problemas vividos em nossas escolas, alguns deles sem respostas e soluções. Tais problemas, que tiveram suas raízes no processo de formação da educação brasileira, repetem-se ao longo da história e, portanto, fazem -se presentes neste século. Esta coletânea é resultado dos conhecimentos teóricos e práticos obtidos em nossa experiência docente: a indignação com o analfabetismo funcional e com a violência na escola levou-nos a direcionar nosso trabalho para o tema da Pedagogia Institucional, cujo objeto é, entre outras questões, a prevenção da violência em sala de aula pela adoção de práticas pedagógicas. Os princípios dessa pedagogia são a cooperação, o respeito à heterogeneidade, a inclusão e o estabelecimento de leis e normas de convivência e de linguagem para a solução dos conflitos escolares. Antes de apresentarmos a teoria da Pedagogia Institucional propriamente dita, considerando que os problemas apontados estão imbricados em nossa cultura, em nossa sociedade e em sua estrutura política e econômica, começaremos por identificar brevemente alguns dos desafios, muitos deles antigos, a serem enfrentados pelos educadores. Voltamos nosso olhar criterioso para as informações veiculadas nos jornais, nos documentos oficiais do Ministério da Educação e do Desporto, na mídia e nos trabalhos científicos. Neles, observamos os diferentes e sérios problemas que caracterizam o desenvolvimento educacional no Brasil e também algumas vergonhas nacionais concernentes ao tratamento dado aos nossos jovens e crianças. Dentre essas vergonhas, destacamos o uso e o abuso do trabalho

infantil, que, em 2002, continuava atingindo a casa dos 5,5 milhões de crianças, dentre as quais 2,5 milhões estavam fora da escola. Outras vergonhas aparecem nas informações oficiais, a exemplo da exploração sexual de crianças e adolescentes e dos altos índices de reprovação, de baixa escolaridade e de evasão escolar no Ensino Médio (BRASIL, 2006, p. 6). Em 2000/2001, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) atualizou indicadores1 da educação no Brasil e publicou-os no documento Geografia Educacional Brasileira 2001. Constantino (2003, p. 4), ao analisá-lo, informa que, a cada 100 alunos que ingressavam no Ensino Médio, 26 não conseguiam terminá-lo. Essa proporção era menor do que a registrada no Ensino Fundamental: 41% dos estudantes não concluíram essa fase (1ª a 8ª séries) e 39% tinham idade superior à adequada, ou seja, a série era incompatível com a idade. Ou seja, de acordo com esses cálculos, no Ensino Médio, ocorria uma evasão de 26% de alunos dos nossos bancos escolares. A questão se torna ainda mais grave quando pesquisas recentes demonstraram que hoje essa situação pouco se modificou. Fleury e Mattos (apud MORENO, 1996, p. 20), comparando índices nacionais e internacionais sobre a escolaridade do Ensino Médio, frisam que a escolarização líquida é de 14% no âmbito nacional e de 25% no Estado de São Paulo, índices muito distantes quando comparados à países como Japão e Coreia (praticamente 100%) e Estados Unidos e França (em torno de 85%). No Brasil, apenas 3 milhões dos 8,5 milhões de alunos que frequentam esse grau de ensino ingressam no ensino superior; os 5,5 milhões restantes vão diretamente para o mercado de trabalho. Nos artigos veiculados pela imprensa diária os dados são assustadores e preocupantes: em reportagem da Folha de S. Paulo, Apesar dos elogios, Brasil ainda exibe desastre social, Clovis Rossi (2003, p. 1) afirma que “a taxa de alunos que completam o ensino

básico (71%) é praticamente igual à de Bangladesh, um dos países mais miseráveis do planeta”. 1 Os indicadores apresentados nesse artigo referem-se a: expectativa de vida, renda per capita (em dólar) e morte de crianças com até 5 anos.

Em 16 de janeiro de 2008, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou em seu site uma matéria sobre a baixa escolaridade brasileira no ano de 2007, mostrando que esta atinge mais da metade dos eleitores e chega a 70% na região Nordeste do país. Segundo o TSE, pouco mais da metade, 51,5% dos 127,4 milhões de eleitores brasileiros aptos a votar até o final de 2007, não conseguiram completar o primeiro grau ou apenas liam e escreviam. O quadro é ainda mais dramático quando a ele se somam os 6,46% de eleitores analfabetos que existiam em todo o país à época. Mesmo sendo extensa, a citação vale ser relembrada: O Nordeste, sozinho, tem 4,2 milhões de eleitores analfabetos, número maior que a soma de 4 milhões de todas as demais regiões do país. Enquanto o percentual de eleitores analfabetos é de 3,51% e 3,84% nas regiões Sul e Sudeste, os estados da região Norte e Nordeste registram 8,74% e 12,22% de analfabetos em seu eleitorado. Na região Centro-Oeste, os iletrados somavam 4,76% no final do ano passado. Embora vote, todo esse contingente de eleitores é inelegível, de acordo com o § 4º, do artigo 14, da Constituição Federal. Apenas 3,43% dos eleitorados têm nível superior completo. Esse índice é de 3,8% e 4,4% nas regiões Sul e Sudeste, mas de apenas 1,73% e 1,79% no Norte e Nordeste. O Centro-Oeste registra 3,64% de eleitores com nível superior. Embora em menor percentual, esses eleitores somaram, nas eleições de 2004, 42,4% do total de candidatos a prefeito em todo país, resultado que pode se repetir nas eleições deste ano. O nível de escolaridade também confirma a grande disparidade educacional entre as regiões brasileiras e mostra um quadro parecido com o do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros fatores utilizados pela ONU. No final de 2007, entre os 19

milhões de eleitores do Sul, a baixa escolaridade atingia 49,3% dos eleitores, com 10,5% deles tendo declarado saber ler e escrever e outros 38,8% que não haviam completado o primeiro grau. No Sudeste, onde residem 55 milhões de eleitores, essa relação era de 11,23% e 34,48%, respectivamente. No Norte e Nordeste, a baixa escolaridade atinge quase 58% dos votantes. Quando somados com os analfabetos, 70% dos 34,3 milhões de eleitores nordestinos não conseguiram sequer completar o primeiro grau. Ao se alistarem, 26,7% dos nordestinos declararam que lêem e escrevem, enquanto 31,19% disseram que tinham primeiro grau incompleto. No Norte, essa era de 20,47% e 37,05%. No Centro-Oeste, a baixa escolaridade está entre 52% do eleitorado (TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2008). Em abril de 2007, a jornalista Monica Weinberg, da revista Veja online, escreveu o artigo Até o “seu Creysson” pode. Pautada em dados do Tribunal Superior Eleitoral, ela comentou a situação de escolaridade dos candidatos a vereador nos municípios brasileiros. Dos 359.000 candidatos, 46%, quase a metade deles, não tinham conseguido terminar o Ensino Fundamental. Ou seja, na ocupação de um cargo que requer o domínio da língua portuguesa para elaborar e defender projetos, esse requisito não era considerado. Em geral, tais problemas estão relacionados aos investimentos em educação, os quais, por sua vez, dependem do estágio de desenvolvimento dos diferentes países. Segundo Rossi (2003, p. 1), economista e presidente do Banco Mundial à época, as perspectivas são desalentadoras: o Brasil,“se mantivermos crescimento econômico superior a 2%, como é a tendência atual, conseguirá cumprir apenas a meta da pobreza”. Comparativamente, em termos de investimento educacional, os países desenvolvidos investem 28 vezes mais do que os menos desenvolvidos. Ao passo que um país desenvolvido apresenta altos índices de rendimento em sua produção, em seus recursos naturais, no próprio capital e no trabalho, o que corresponde a um bom

estágio econômico, social e político, um país subdesenvolvido mostra uma estrutura social, política e econômica deficiente, o que transparece nos baixos índices de rendimento na produção, nos recursos naturais, no capital e no trabalho. O significado de desenvolvimento tem conotações de progresso, crescimento e prosperidade econômica; o de subdesenvolvimento, de pobreza. Vale lembrar que, segundo Lourenço Filho (1963, p. 262), no ano de 1950, o conceito de desenvolvimento estava estreitamente correlacionado com o nível educacional dos diferentes países: os países educados seriam os desenvolvidos e os subeducados, os subdesenvolvidos. Ou seja, os países desenvolvidos eram identificados como aqueles que tinham possibilidades de autonomia na condução do próprio processo cultural, ou seja, na definição dos meios e dos recursos práticos para essa ação. Essa conceituação, adotada pela UNESCO em 1950, em Paris, reforça a ideia de que as grandes potências internacionais tinham atingido seus patamares por meio do conhecimento. Resgatando a relação entre desenvolvimento e educação, cujos vínculos parecem ser cada vez mais estreitos, Oliveira (1997, p. 64) afirmava que o desenvolvimento seria um “[...] processo técnico demandando o incremento das capacidades humanas, da qualificação da força de trabalho”. O autor complementava que, para atingir os propósitos do desenvolvimento no contexto capitalista, a educação seria uma das vias mais rápidas de acesso da população ao mercado de trabalho em constantes mudanças, “exercendo forte influência sobre a inversão tecnológica”. Na história brasileira, a relação entre a promoção do desenvolvimento e o investimento na educação tem sido uma constante. Rui Barbosa, por exemplo, afirmava que, desde o período imperial, os recursos direcionados à educação eram poucos, especialmente no que dizia respeito às escolas de formação de professores:

[...] o Estado ainda não aprendeu outro meio de acudir as crises e remover os “déficits” senão endividar-se e tributar. Solicitai dinheiro para o ensino e vereis apurarem-vos migalhas. Em palavras, todas as homenagens à instrução popular; nos fatos, uma avareza criminosa. Não é a terra, nem o numerário, o que constitui a riqueza das nações, mas a inteligência do homem; aqui, porém, se a teoria admite, a prática a rejeita. O orçamento do ensino cresce gota a gota [...] para tudo se contraem empréstimos e abrem operações de crédito; para a educação do povo, nunca! Não se convencem de que a instrução não tem preço (apud ALVES 1959, p. 125). A citação revela que investir em educação não tem sido prioridade nacional desde muito tempo. Outro desafio, outra preocupação, que pretendemos abordar neste livro diz respeito à profissão docente. Nacarato et al (1998, p. 76) afirmam: [...] a força da ideologia impõe limites para se entender o(a) professor(a) como profissional que constrói/ produz saberes profissionais. Essa imagem de alguém que doa foi histórica e socialmente construída. A atividade do professor é muitas vezes entendida/vivenciada como vocação missionária, negando-se à sua ação uma dimensão crítica da ética e das políticas educacionais, essa imagem vocacional, missionária, intensifica-se com o processo de feminização do magistério, pois as características ‘intrínsecas’ à mulher – instinto maternal, docilidade, submissão e habilidades femininas, possibilitaram a sua inclusão/aceitação no trabalho docente, não sendo consideradas como características que constituem um profissional. Sabemos que, ao discutirem o pensamento pedagógico brasileiro, muitos intelectuais, como Nóvoa (1995), Saviani (1995), Cunha (1994), Duarte (1996) entre outros, independentemente dos pensamentos teóricos divergentes que eles adotam, dão relevo à escola e à função do professor. Apresentam-no como um profissional que, para desempenhar suas atividades pedagógicas, precisa ter domínio do saber específico, do saber pedagógico e do

saber político-social e, portanto, esses saberes deveriam ser parte integrante de sua formação. Observam que, na prática, esse tipo de formação não tem sido valorizada como deveria. Alguns autores, como Facci (2003), expõem preocupações semelhantes, especialmente quanto à desvalorização, ao desconhecimento e ao menosprezo pelo papel do professor. De sua perspectiva, a crise de identidade vivida pelo professor está relacionada com o status que a profissão ocupa em nível social. “Os professores recebem baixos salários, seus trabalhos nem sempre são valorizados pela sociedade e está havendo uma precariedade em sua formação profissional” (GERALDI, 1998, p. 30). A essa situação somamos os problemas decorrentes dos poucos recursos destinados à educação pelos governantes, assim como o baixo piso salarial dos professores e a precariedade de recursos materiais com os quais eles contam. Assim, considerando as mudanças nas diretrizes políticas para a educação brasileira, como as que se observam na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (1996) e nos Parâmetros Nacionais da Educação para o Ensino Médio (1999), preocupamonos também com os cursos de formação de professores. Qual o fundamento de cursos dessa natureza, visto que os alunos desvalorizam a ação docente, agridem os professores, tornam-se agressivos e intolerantes para com a escola, mostram-se indisciplinados e, muitas vezes, não respeitam seu próprio habitat? Alunos que frequentam esses cursos afirmam: “só estou fazendo o curso para sair de casa, não quero ser professora” (SILVA, 1995, p. 60). O que estará acontecendo com esses alunos, com seus professores e com a própria instituição escolar? Que pensamento pedagógico estará permeando suas ações? Isto nos leva a refletir que “estamos vivenciando um momento em que ecoam muitas vozes em busca de uma educação diferente, tanto a mídia quanto os alunos não querem mais se calar” (SILVA, 2014, p. 195).

Esses questionamentos sempre pautaram nossas atividades de docência do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná, onde ministramos a disciplina de Prática de Ensino de Psicologia·2. Em nossos projetos de pesquisa e extensão na área de Psicologia Educacional, na atuação como supervisora do Estágio Curricular na área de Psicologia Escolar em escolas públicas e como membro do Colegiado do Curso de Psicologia, há um envolvimento direto com essas questões educacionais. Os professores e as professoras com quem tivemos contato desde então ansiavam por orientações quanto a recursos didáticos, estratégias de ensino e maneiras de compreender e trabalhar com as dificuldades surgidas nas práticas pedagógicas. No entanto, observávamos que suas queixas a respeito de suas dificuldades eram direcionadas pela tendência de culpar o alunado pelo fracasso escolar. Percebíamos que eles não refletiam sobre sua maneira de atuar em sala de aula e de se relacionar com os alunos. Não consideravam a necessidade de usar a mediação para ensinar, de aliar a teoria à prática e principalmente de trabalhar a cooperação, a heterogeneidade e o respeito como forma de promover as interações sociais e a prevenção da violência. 2 Esta disciplina foi ministrada nos terceiros e quartos anos do Curso de Psicologia, cujo estágio foi realizado no Curso de Magistério – Formação de Professores.

Em uma de nossas pesquisas, constatamos que as queixas de docentes e da equipe pedagógica a respeito do comportamento dos alunos não coincidiam com as representações que estes faziam da escola: ao passo que os professores se queixavam da falta de interesse pelo estudo, pela escola e pelo futuro, os alunos verbalizavam que suas expectativas eram aprender, decidir o futuro, ter um emprego e trabalhar, assim como ter um futuro melhor. Tais representações, de nosso ponto de vista, apontam para uma consciência da necessidade da escola em suas vidas. Em 2010, considerando que, nesse cenário, que se repete há décadas (mesmo há séculos), o envolvimento e o investimento em

novas teorias e práticas pedagógicas, principalmente as alternativas, têm sido privilégio de poucos, decidimos realizar um estágio de pós-doutorado na Universidade de Paris 10 - Campus de Nanterre. Pretendíamos conhecer melhor os fundamentos da Pedagogia Institucional, participar de experiências e averiguar possibilidades de sua utilização no enfrentamento dos desafios educacionais brasileiros. Essa decisão foi tomada depois de uma viagem de férias: em 2009, nas imediações de Paris, tivemos a oportunidade de visitar uma escola na qual se aplicam as técnicas da Pedagogia Institucional – a École Marie Curie, em Bobigny3. Esta visita foi apropriada para iniciar nosso entendimento e instigar nosso desejo de conhecer mais a P. I.4 Como apenas alguns 3 Na mesma época, Maria. E. P. Carvalho visitou essa escola, publicando seu relato como capítulo do livro: Instituir para ensinar e aprender: introdução à Pedagogia Institucional (In ANDRADE; CARVALHO, 2009, p. 111-122). Foi nessa escola também que Marta Helena Burity Serpa fez seu estágio de Doutorado. Entre outros trabalhos, destacam-se o projeto A Pedagogia Institucional no combate ao Bulliyng e violência escolar: valorizando os alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento; o Projeto de Extensão da Universidade Federal de Campina Grande (PROBEX – UFCG, 2012); e o artigo As Contribuições da pedagogia institucional para a educação inclusiva (CAMINHA, 2012, p. 147-161). 4 Esclarecemos que, no decorrer do livro, para nos referirmos à pedagogia institucional, poderemos utilizar a sigla P. I.

contatos não seriam suficientes para uma fiel compreensão de uma dinâmica escolar nova, aos nossos “olhos”, consideramos que um retorno seria necessário. Assim, começou a tomar corpo a ideia de uma pesquisa a esse respeito. A escola que visitamos é pública: corredores, classes, professores, alunos, pátio, bolas, amarelinhas, crianças (correndo, andando, brincando, conversando), quadra de esportes, cartazes colados pelos corredores, muros, escadas, refeitório – enfim, uma escola estruturada. O que chama a atenção é a forma como ela está estruturada.

A organização e o planejamento do que e como fazer em cada momento, em cada hora de atividade, suas normas e o respeito pela diferença fazem sua história. Não estávamos em busca de perfeição, já que isso é complexo e irreal. Estávamos à procura de formas de entendimento nas quais os professores e as professoras fossem respeitados e pudessem desenvolver seu trabalho, nas quais os alunos e as alunas aprendessem, sem a tendência de humilhar e ser humilhado(a) por suas dificuldades, nas quais existam o respeito, o silêncio e a fala no momento certo – atributo bastante esquecido no meio educacional. A referida escola é um modelo de aplicação da Pedagogia Institucional no ensino francês – fundamental e médio. Encontramos uma média de 25 alunos por turma, originados de diferentes nações. As atividades são em grupo (com trocas entre eles); cada grupo realiza atividades diferentes da mesma matéria, o que é uma forma de se respeitar o momento de aprendizagem dos alunos. Ali são desenvolvidas a heterogeneidade e as hierarquias do processo de ensino e aprendizagem. As possibilidades de conhecimento são múltiplas: é comum um aluno se desenvolver mais na disciplina de matemática, por exemplo, do que na disciplina de ciências e viceversa. Todos os alunos são elevados por sua importância e não por sua dificuldade. Nossa primeira impressão da sala de aula foi contraditória. Por um lado, pensávamos estar vivenciando coerções, rigidez nas atividades, cobranças e atitudes da pedagogia tradicional, com estilos da teoria comportamental, na qual as crianças são privadas e controladas em seus comportamentos. Por outro lado, pensávamos estar em um contexto de total desordem, no qual as crianças se agrupavam o tempo todo, andavam e conversavam pela sala e tomavam decisões. A professora atendia a todos os grupos, sem levantar a voz e sendo respeitada. Tivemos a impressão de estar em uma escola moderna com uma professora não real.

Com o tempo, fomos conhecendo os princípios e os fundamentos da teoria da Pedagogia Institucional e da pedagogia de Freinet e acreditando nas possibilidades de uma real interação entre alunos e entre o(a) professor(a) e os(as) alunos(as). Essa dinâmica ocorria porque existia trabalho coletivo, autogestão e imbricamento entre professor(a) e aluno(a) no momento de aprender e ensinar. O trabalho coletivo é preferencial, mas também se promovem atividades individuais quando necessárias. De qualquer forma, todos os(as) alunos(as) seguem normas e regras de convivência e comportamentos, de modo que aprendam a ter atitudes, realizar escolhas, assumir responsabilidades, ter respeito consigo mesmo e com os outros. Assim, entre o período de julho de 2010 a janeiro de 2011, atuamos com o grupo École, Crise, Terrains Sensibles, cujos pesquisadores – coordenados pelo doutor Jacques Pain – têm como propósito investigar e aprofundar a reflexão sobre os conflitos e a violência nas escolas. Ao mesmo tempo, eles vêm aplicando os conhecimentos teóricos e práticos da Pedagogia Institucional em escolas de nível fundamental e médio e em instituições públicas francesas5. A proposta é resolver os conflitos a partir de: a) organização da escola; b) respeito às normas, regras e à heterogeneidade social e c) inclusão. A Pedagogia Institucional é uma corrente educacional francesa iniciada pelo educador e pedagogo Fernand Oury, discípulo de Célestin Freinet e participante do movimento Freinet6. Por meio dos trabalhos coordenados 5 A população atendida em escolas públicas francesas é composta, em sua maioria, por famílias de imigrantes. Assim, conhecemos crianças e jovens de nacionalidades, culturas e línguas diferentes. Os resultados do trabalho realizado com tal heterogeneidade apontaram-nos a possibilidade de aplicar algumas das atividades e das técnicas pedagógicas ao contexto brasileiro, já que este se mostra muito próximo daquele observado durante o tempo na França, seja nas atividades específicas de pesquisa, seja em nossa experiência cotidiana.

6 Segundo Andrade (2007), esse “movimento situa no coração da pedagogia a dialética entre o equilíbrio e o conflito de forças – psíquicas, institucionais e sociais – que fazem a condição humana viver em sociedade” (p 159).

por Pain, ramificou-se para outros países, dentre os quais o Brasil. O principal objetivo dessa pedagogia é levar o(a) aluno(a) a participar ativamente nas atividades de sala de aula, por meio da construção de um processo pedagógico cujas características são as do trabalho coletivo. Seja no Ensino Fundamental, seja no Ensino Médio, o(a) professor(a) atua como mediador entre as técnicas, o conhecimento e o(a) aluno(a), levando-o(a) a ser autor(a) e participante de sua própria aprendizagem. A compreensão é de que, dessa maneira, é possível promover o desenvolvimento das capacidades vitais do ser humano e, assim, prevenir a violência escolar e outros conflitos. Tendo em vista a importância dessas proposições, dedicamo-nos a divulgar os principais aspectos teóricos da Pedagogia Institucional – especialmente os relacionados às técnicas pedagógicas de Freinet – e também a publicar relatos de casos e de experiências de professores e alunos(as) com a aplicação da referida pedagogia. Com essa intenção, construímos o livro em duas partes. A primeira, intitulada Pedagogia Institucional: teoria e experiências educacionais, que se inicia com a exposição dos preceitos teóricos dessa pedagogia no capítulo denominado A Pedagogia Institucional, que contém a apresentação dos princípios e filosofias sistematizados por Fernand Oury e seus colaboradores, além de contribuições da pedagogia e das técnicas freinetianas para a educação. Entendemos que, com essas informações, deixaremos clara a possibilidade de se utilizarem as teorias e as técnicas citadas como uma possível alternativa ao isolamento, ao individualismo, à exclusão social e ao analfabetismo na sala de aula, os quais, dentre outros, têm sido motivos de violência escolar.

Em seguida, são apresentados três textos inéditos produzidos por docentes e psicólogos que pesquisaram ou atuaram com a Psicologia Institucional: Avaliação de uma Prática de Pedagogia Institucional – Monografia – Lei e singularidades é a tradução da monografia de uma professora francesa, Christelle Baron, que aderiu a essa teoria. Esse tipo de monografia, apresentada em reuniões organizadas pela escola ou congressos, caracteriza-se como um relato das situações vivenciadas pelos professores, contendo resultados de autoavaliações e reflexões pessoais sobre todo o trabalho desenvolvido durante o ano com alunos com dificuldades pedagógicas. Tal descrição é minuciosa, de forma a mostrar que, no contexto de sala de aula, o(a) professor(a) acompanha a aprendizagem e o desenvolvimento de cada aluno(a), descrevendo as dificuldades escolares, os comportamentos considerados violentos ou indisciplinados, bem como os procedimentos adotados para solucionar tais dificuldades. Enfim, objetiva mostrar como uma professora adepta da teoria da Pedagogia Institucional desenvolve sua aula, que técnicas utiliza, em que ocasiões e com quais alunos. O capítulo intitulado Pedagogia Institucional: o saber das vivências do cotidiano e a violência escolar é uma descrição de uma vivência pessoal como pesquisadora participante em um processo de ensino e aprendizagem ocorrido em um contexto totalmente desconhecido. No relato dessa experiência de pesquisa sobre a Pedagogia Institucional aplicamos algumas técnicas de Freinet para mostrar que elas podem ser suporte de aprendizagem eficaz também em situações informais. Orientados pela ideia de relacionar a teoria com a prática na construção do conhecimento, fizemos um paralelo entre a condição de estrangeira e o(a) aluno(a) que, adentrando a escola pela primeira vez, pode sentir-se um estrangeiro(a). O texto seguinte, escrito por Anunciata C. L. e Lima e Fernando Andrade, Caderno de Registros Disciplinares: análise de um livro de ocorrências na perspectiva da Pedagogia Institucional,

refere-se a um livro de ocorrência que aborda a questão do controle disciplinar de uma escola pública de João Pessoa, Paraíba, à luz da Pedagogia Institucional, a partir da análise das notificações sobre a gestão de conflitos relacionais na escola. Seu uso é recomendado, segundo as orientações da P. I., como dispositivo favorável à instituição do lugar de fala, desde que promova a aprendizagem de valores pró-sociais inerentes às regras de convivência na escola, a fim de dar sentido e eficácia às práticas disciplinares. Já a Parte II é composta por três relatos de alunos e alunas do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá. São descrições resultantes de atividades práticas realizadas com base na teoria da Pedagogia Institucional em uma instituição pública escolar, durante a disciplina de Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar, sob nossa responsabilidade. O primeiro capítulo intitula-se Em Busca de uma Esperança Otimista: um exemplo da aplicação das técnicas de Freinet e da Pedagogia Institucional; o segundo, A Psicologia Escolar por meio da Pedagogia Institucional e das Técnicas de Freinet: relato de uma experiência; e o terceiro: A Importância de leis e normas de convivência no contexto escolar. Que nossos leitores e leitoras sintam-se motivados a enxergar na Pedagogia Institucional o que ela tem de melhor: o potencial para intervir pedagogicamente a fim de superar conflitos da convivência no cotidiano escolar, tornando-o mais promissor, menos violento, mais acolhedor e produtivo, mesmo quando mergulhado em contextos tão desafiadores como os que vivemos. Boa leitura! Rosane Gumiero

Parte I Pedagogia Institucional: teoria e experiências educacionais A Pedagogia Institucional Rosane Gumiero Tendo como precursor Célestin Baptistin Freinet, a Pedagogia Institucional (P. I.) foi fundada por Fernand Oury e desenvolvida por vários colaboradores, dentre os quais Jean Oury, Aïda Vasquez, Françoise Dolto e Jaques Pain. Com mais de meio século de existência, segundo Pain (2009, p. 17), a P. I. “[...] é uma pedagogia do século XXI, da dificuldade, da confusão, da superação do fracasso”, justamente porque seu objetivo é buscar soluções para essas questões. Pain assinala também que ela seria a “pedagogia freinetiana a fazer análise [...] à luz ora da psicanálise ora das ciências humanas [...]” sendo também a “pedagogia entre guerras, politicamente preocupada com o cotidiano [...]”, “a pedagogia da crise, no que a crise contém e revela da violência social” (ibidem, p. 159-176). Oury e Vasquez (1967, p. 81-82) definem a P. I. como um encontro de “técnicas, de organizações, de métodos de trabalho e de instituições internas nascidas da práxis de classes ativas. Ela coloca crianças e adultos em situações novas e variadas, que requerem de cada um engajamento pessoal, iniciativa, ação, continuidade”. Exertier (2010) esclarece que esse ramo da Psicologia não se reduz à simples aplicação de procedimentos e técnicas nas aulas, mas implica tanto um planejamento anterior de cada técnica escolhida quanto a criatividade do professor para elaborá-la e aplicá-la na práxis, instituindo-a.

Por instituição1, Fernand Oury entende o encontro de regras e leis determinantes que constituímos em diversos lugares e momentos de nossas vidas. Em seu entendimento, a práxis se estenderia por todo o contexto histórico, filosófico, político e social de um tempo determinado: “Nós chamamos assim, ‘instituições’, o que nós estabelecemos: a definição de lugar, de momentos, de status de cada um, segundo seu nível de comportamento, as funções (serviços e responsabilidades), os papéis (presidente, secretária), as diversas reuniões (chefes de equipe, classes de nível, etc)” (1998, p. 82). 1 Fernand Oury (1980) coloca que a palavra instituição, na terminologia anglo-saxônica e repetida pelos italianos, é por definição repressiva e totalitária. Ao contrário da terminologia francesa, na qual instituição é investir numa qualidade terapêutica que se opõe ao estabelecimento escolar.

Lourau apud Silva (2014, p. 33) afirma que a “ideia de instituição não é a do instituído em si, de uma estrutura física, mas é a da dinâmica e do jogo de forças que fazem o movimento das instituições”. Segundo Andrade (2007), a Pedagogia Institucional prima pela constante interlocução das ciências, já que o objeto de estudo não pode ser analisado isoladamente. Como trabalha com os fatores institucionais e inter-relacionais que compõem o clima escolar, essa teoria é eminentemente educacional, servindo como um dos fundamentos para a formulação da competência inter-relacional do educador, especialmente no enfrentamento das situações de conflito e de violência na escola. Silva (2014, p. 28) colabora ao salientar que a Pedagogia Institucional é uma das “propostas de análise e de intervenção na escola, caracterizando-se pela adoção de canais de comunicação e de processos participativos relacionados tanto à gestão e à organização da escola quanto ao processo educacional em sala de aula”.

Essa pedagogia iniciou sua jornada em Paris, após a Segunda Guerra Mundial, no seio do Congresso do Movimento Freinet – ocorrido em 1958. Segundo Pain (2009), o nome lhe foi atribuído pelo irmão de Fernand Oury, o médico psiquiatra e psicanalista Jean Oury2 (fundador e diretor da clinica de Cour-Cheverny, situado no castelo de La Borde), que fez um paralelo entre problemas terapêuticos e educativos: a psicoterapia institucional – método utilizado por ele em sua clínica psiquiátrica (La Borde) –, a classe cooperativa de Freinet e as inovações técnicas instituídas por Fernand Oury. 2 Em seu livro O Coletivo (São Paulo, Hucitec, 2009, 279 p. ), traduzido em português, o autor descreve toda sua trajetória pela psiquiatria institucional.

A junção desses campos teóricos3 demarcou um momento histórico na educação francesa. Houve um grande encontro entre a psicoterapia institucional de Jean Oury, suas reflexões sobre psicanálise e educação, e o trabalho pedagógico do educador Fernand Oury, também coordenador do movimento freinetiano das escolas urbanas (que se tornou psicanalista depois de ter dedicado 40 anos a práticas educativas em grupo). A partir de 1958, Fernand Oury encontrou apoio em vários intelectuais. Além do irmão, mencionam-se a psicóloga e pedagoga Aïda Vasquez, a psicóloga Françoise Dolto e o psicólogo (e seu discípulo direto) Jacques Pain. Na visão de Pain (1993, 2003), além da psicanálise, a Pedagogia Institucional contou com respaldos teóricos e práticos da dinâmica de grupos, do psicodrama e do sociodrama. No entendimento da P. I., tais referenciais constituem uma grande engrenagem de institucionalização de um ambiente escolar, uma vez que as técnicas, o grupo e o inconsciente são os seus conceitos fundadores. As técnicas referem-se aos instrumentos utilizados para desenvolver a prática pedagógica, que é considerada materialista “no sentido de

que a criança apropria-se de um instrumento de produção concreta, controla o produto de seu trabalho e participa na organização social de sua produção” (HEVELINE; ROBBES, 2009, p. 31-32). Também podemos chamá-la de material, conforme afirma Silva (2014, p. 35), por relacionar-se ao “tipo de organização e às ferramentas de trabalho”. O grupo fundamenta-se nos princípios do sociodrama de Lewin e do psicodrama de Moreno, ambos importantes para a compreensão do lugar e do comportamento de cada um nos “processos que constituem lideranças, tomadas de poder, condutas de obediência e submissão e bodes expiatórios” (HEVELINE; ROBBES, 2009, p. 32), dentre outros. É o grupo, a sala de aula, colocada em análise. 3 Segundo Pain (2012) in Caminha (org.), “a Pedagogia e a Psicoterapia Institucionais tomaram a Psicanálise ‘atravessada’, ou seja, valeram-se de um modo diferente de seus conceitos, que teriam, assim, sido deslocados e transpostos. Francis Imbert escreveu bastante na direção dessa linha reflexiva e, em uma bela fórmula, afirmou: ‘a relação pedagógica – a relação educativa, poderíamos dizer – é um acelerador do inconsciente” (p. 17).

Pain (2012), citado por Caminha (2012), afirma que o inconsciente é um postulado “social” (p. 16): na sala de aula, o professor trabalha com medos, dificuldades e emoções. Embora ele não precise ser um psicanalista, deve compreender as dificuldades do aluno e solicitar que ele as expresse, por meio da escrita, do desenho ou da fala (HEVELINE et al., 2009; PAIN, 2012; IMBERT, 2010). Ainda em Pain (2012) apud Caminha (2012) encontramos informações sobre a raiz da teoria institucional, que teve como fundadores François Tosquelles e Jean Oury. Segundo os autores: para caminhar na vida, é preciso fazê-lo sobre as duas pernas. As duas pernas conceituais da Pedagogia e da Psicoterapia Institucionais são, atualmente, ainda, Marx e Freud – no sentido daquilo que Marx observou nas relações sociais e daquilo que Freud observou sobre o sujeito. Pensamos que tudo está articulado. O coletivo e o sujeito são enredados, desde a origem [...]. Isso quer

dizer, simplesmente, que prestaremos muita atenção às relações sociais, no sentido que lhes atribui Marx. Isso é importante, já que as relações sociais são, a um só tempo, o ambiente, o clima, a Instituição, a história e a cultura (ibidem, p. 17-18). Como seu foco é a busca do equilíbrio na resolução de conflitos, principalmente dos relacionados à violência escolar, a P. I. propõe uma análise multidimensional dos problemas educacionais, envolvendo a preocupação com os fatores econômicos, sociais, políticos, psicológicos, afetivos e pedagógicos. Não iremos aqui aprofundar-nos no estudo de algumas vertentes teóricas que compõem a estrutura da P. I, a exemplo das que se referem à psicanálise, ao psicodrama e ao sociodrama. A prioridade, neste livro, é abordar as questões da pedagogia de Freinet e da P. I – especialmente as práticas pedagógicas em sala de aula na prevenção da violência escolar –, optando, portanto, pela seara da Psicologia Escolar. Assim, para mostrar a pedagogia freinetiana como um dos pilares da P. I, que modernizou o conceito de educação tradicional na França (transformando-o em educação para a vida), apresentamos reflexões resultantes de uma releitura do livro As técnicas de Freinet da Escola Moderna4. O lugar de Célestin Freinet na Pedagogia Institucional Chamamos de déjà-vu pós-moderno a reflexão que Jacques Pain fez a respeito de Célestin Freinet, em meados de 1990, destacando claramente a modernidade da pedagogia de três décadas antes e remetendo-nos a um passado que não deixou de ser recente. Então, questionamos: por quê? A pedagogia e as técnicas foram esquecidas? Os(as) professores(as) se desinteressaram pela educação ou não evoluíram como profissionais?

A citação a seguir se ajusta muito bem ao nosso objetivo de questionar a situação da educação, em particular a brasileira, em pleno século XXI. As próprias crianças já não são o que éramos com a idade delas. Não têm as mesmas preocupações, nem os mesmos interesses, nem o mesmo carácter: modernizam-se também com grande rapidez e o seu comportamento é deste modo modificado. O passado mudou de rosto. Ao tentarmos falar hoje a estas crianças, ou a estes jovens tão resolutos, surpreende-nos verificar que não escutam as mesmas palavras com o ouvido dos jovens de há dez anos e que não manifestam interesse pela nossa experiência pessoal; temos a sensação de que envelhecemos prematuramente [...] o que nos contavam os velhos avós que tinham participado na guerra de 1870 e visto os primeiros automóveis era pouco diferente do que vivíamos. Agora aos quarenta anos, é-se já a “antiga” geração para os adolescentes que começam a trilhar os caminhos da vida. Eles já não sentem como nós, interessam-se por outros aspectos do progresso e reagem segundo princípios que nos surpreendem e que dificilmente admitimos. Vivemos numa época em que os automóveis de há dez anos são velhos calhambeques, em que o avião de alguns anos é uma velha “avioneta”, e todo aquele que não vive com o telefone e a TV faz já parte de um mundo que morre (FREINET, 1964, p. 10). 4 Toda a proposta pedagógica de Freinet deriva das atividades que ele desenvolveu com seus(suas) alunos(as) na busca de um processo que os levasse a gostar da escola e do trabalho, que os levasse a ser cidadãos(ãs) conscientes e participantes críticos(as) do meio social. Na proposta que ele criou com seus pares, conhecida por muitos e significativos nomes (Pedagogia Freinet, Pedagogia do Trabalho, Pedagogia do Bom Senso, Método Natural e Pedagogia do Sucesso), ele apresenta uma prática pedagógica centrada na produção do(a) estudante e na cooperação.

A geração, a história e a modernidade são outras; o crescimento econômico e político desencadeou alterações em todo o mundo e a tecnologia se expandiu. No entanto, os problemas pedagógicos não são diferentes. Portanto, perguntamos: só não morre a pedagogia que deixa de permitir o crescimento, a aprendizagem e o

desenvolvimento daquele que busca a escola e se erradia dentro dela? Só não morre a escolástica, a coerção, o paradigma tradicional, o autoritarismo sem medida do(a) professor(a)? Só não morre a falta de respeito dos(as) estudantes, o conteúdo programático que não alimenta os conhecimentos dos(as) alunos(as) e nem são apropriados para a vida? Tanto a indisciplina quanto a violência escolar, seja a concreta seja a simbólica, seja a de dentro e a de fora dos muros da escola, seriam clamores por mudanças? Em 1964, já afirmava Freinet: as crianças de hoje já não se interessam pela escola, supõem saber tudo, mas não sabem sequer ler corretamente. Isto para não falar da ortografia, que é um desastre, e dos conhecimentos escolares sempre suficientes. Eis aqui um problema da escola. E tendes razão: as crianças de hoje não reagem como as crianças de há vinte e mesmo de há dez anos. O trabalho escolar não lhes interessa porque já não se inscreve no seu mundo. Então, inconscientemente, concedem-nos apenas a porção mínima do seu interesse e da sua vida, reservando tudo o resto para aquilo que consideram verdadeira cultura e alegria de viver (p. 11). Ao perguntar-se “como resolver este drama?” (1964, p. 12), o autor já apresentava alguns caminhos: ele, que sempre fora um forte defensor do método natural, da aprendizagem com e para a vida, aproveitava todas as experiências e descobertas que as crianças traziam do seu cotidiano, o que a vida lhes fornecia a cada momento, e elaborava tudo como trabalho educativo. Para ele, o ensino era movimento e se fazia movimento por meio das necessidades do(a) aluno(a) e da organização meticulosa da sala de aula. Assim, utilizava-se sempre do que chamou de utensílios (recursos) e técnicas, apresentando-as como uma atividade que se distinguia do jogo e das brincadeiras.

Ao mesmo tempo, era inimigo da cópia pronta retirada dos manuais didáticos e da “aprendizagem” pela memorização. Propunha novidades relacionadas à organização da escola, modelo de gestão, forma de trabalhar as disciplinas escolares e, portanto, de enfrentar a desordem em sala de aula e a falta de planejamento dos(as) professores(as). Em sua proposta, as turmas não poderiam ter mais do que 25 alunos(as). Sua filosofia era a da harmonia, de uma boa organização do trabalho cooperativo e do clima moral da aula. Acreditava que toda a desordem acontecia quando o(a) aluno(a) não estava integrado(a) na atividade, quando não compreendia o sentido do conhecimento, que aplicação teria o resultado da investigação em sua vida e em seu meio. Em síntese, para evitar a desordem, a escola não deveria estar separada da vida: podeis, com certeza, tentar compor uma autoridade indiscutível, que se faz acompanhar sempre de um gesto ameaçador. Isso não vos levará longe, pois está desviado do sentido da vida: com o decorrer do tempo, é a vida que triunfa. Podeis lamentar-vos, queixar -vos, investigar as crianças de hoje por não saberem escutar nem obedecer, por não mostrarem já respeito nem medo do castigo... A litania é longa, mas os fatos são fatos... É preciso descobrir outra coisa (FREINET, 1964, p. ???). No caminhar pedagógico de Freinet, incomodava a passividade de seus colegas e a sua própria dificuldade em realizar um trabalho que evitasse que os alunos e alunas dormissem em suas aulas, em ensinar crianças que não queriam escutar e não estavam interessadas em compreender: os seus olhos vagos afirmam-no com suficiente eloqüência – interromper-me a todo o instante para chamar à ordem os sonhadores e os indisciplinados com as frases tradicionais: – Queres ouvir-me? – Quando acabas de bater os pés contra as travessas da carteira? – Repete o que disse... (FREINET, 1964, p. 20).

Essa questão tornou-se desafiadora para Freinet e ele procurava mostrar aos seus colegas de trabalho o quanto seria importante mudar o cenário da sala de aula. Buscou na literatura de Montaigne, Rousseau, Pestalozzi e Ferrière (Escola Ativa) um novo pensar pedagógico e elaborou ‘outra coisa’, como ele próprio afirmou em 1964. Podemos dizer que elaborou ‘outras coisas’, ou seja, várias técnicas para modernizar a escola tradicional, cujo alicerce é a ideia de escola e sujeitos ativos e mobilidade social. Segundo Oliveira-Formosinho et al. (2007), a proposta de Freinet se fez em prol do desenvolvimento de uma escola popular que fosse de encontro às práticas tradicionais fechadas e autoritárias. Diferenciou-se das metodologias criadas por outros estudiosos e estudiosas, o que pode ser explicado pelo fato de ele mesmo ter sido um professor primário que atuou diretamente em sala de aula e conheceu a realidade escolar. Isso parece ter favorecido seu pensar em uma escola que contribuísse para a transformação social de forma que tanto alunos(as) quanto professores(as) fossem cidadãos(ãs) da e na sociedade/escola. Consideramos relevante esclarecer e reiterar que Freinet elaborou técnicas e não um método de trabalho. A diferença, segundo o autor, é que as técnicas não seriam constantes, não estariam acabadas e nem seguiriam um rito; seriam instrumentos, vias para facilitar o trabalho pedagógico. Dentre elas, destacamos: • Aulas-passeio, também conhecidas como aulas de campo, aulas das descobertas ou aulas-pesquisa, voltadas para os interesses dos(as) estudantes; • autoavaliação: fichas preenchidas pelos(as) alunos(as) como forma de registrar a própria aprendizagem; • autocorreção: modalidade em que a correção de textos é feita pelos(as) próprios(as) autores(as), no caso os(as) alunos(as), sob a orientação do(a) educador(a); • correspondência escolar/interescolar: atividade largamente utilizada por Freinet para que os(as) alunos(as) se comunicassem

com estudantes de outras turmas ou de escolas diferentes; • fichário de consulta: fichas criadas por alunos(as) e professores(as) para suprir as lacunas deixadas pelos livros didáticos convencionais; • imprensa/jornal escolar: os textos escritos pelos(as) alunos(as) tinham uma função social real, pois eram publicados e lidos pelos(as) colegas; • livro da vida: caderno onde os alunos e alunas registravam suas impressões, sentimentos, pensamentos em formas variadas, funcionando como um registro do ano escolar de cada classe; • plano de trabalho: atividade realizada em pequenos grupos, que, sob a orientação do(a) educador(a), com base em um dado tema, desenvolviam um plano a ser realizado em certo intervalo de tempo; Das atividades assinaladas, a aula-passeio, o texto livre (que integra o livro da vida), a correspondência interescolar e a imprensa/jornal escolar são as técnicas das quais mais nos utilizamos, tanto com atividades de pesquisa quanto como orientadora de alunos e alunas do curso superior. Por tal razão, delas fizemos um estudo mais minucioso: A aula-passeio se caracteriza por visitas planejadas que se realizam fora dos muros escolares. Os alunos, as alunas, bem como o próprio professor ou professora utilizam-se das técnicas de observação e pesquisa para conhecer e aprender a ler a vida e o mundo pelo cotidiano de uma comunidade intra ou extraescolar. Logo, as visitas requerem tanto a explicação constante do(a) professor(a) quanto de membros da própria comunidade, além da participação dos alunos e alunas. Entendemos que, com esta atividade, o(a) aluno(a) terá oportunidade de realizar uma pesquisa concreta e de relacionar os conhecimentos apreendidos à teoria estudada nos manuais escolares. Tal prática é também uma oportunidade para que ele(a) sintonize três momentos: o conhecimento construído historicamente e sistematizado; o conhecimento assimilado pela cultura e a transformação desta e,

por fim, a elaboração de suas reflexões diante das situações do cotidiano. Vivenciando esses passeios, Freinet elaborou ainda um conjunto de técnicas a serem aplicadas coletivamente: os alunos e alunas escrevem e descrevem livremente os conhecimentos adquiridos, construindo suas próprias histórias no papel (atividade por ele denominada de texto livre). Depois de escritos, os textos são discutidos, corrigidos, refeitos e impressos pela técnica tipográfica5, para serem publicados em jornais ou divulgados por correspondência. Apesar do descrédito de alguns colegas, Freinet não desistiu de promover o texto livre. Segundo ele, seus colegas afirmavam: que queres tu que as crianças te apresentem? Trabalhos originais? Elas evidenciam tanta falta de idéias quando lhes pedimos uma simples redação! Ficam de boca aberta e com o lápis no ar! É-nos necessário, para tirar delas qualquer coisa que se veja, por vezes, fazer um “esboço” do que pretendemos ou dar o princípio de frases que completam com tanta dificuldade (FREINET, 1964, p. 26). A correspondência escolar, por sua vez, aproxima-se do método do texto livre: o processo de aprendizagem se faz por meio das tentativas da criança em expressar seus pensamentos na escrita, podendo recorrer aos conhecimentos do meio familiar ou escolar. Visando o êxito, o(a) professor(a) deve favorecer a escrita, ajudando, por exemplo, com vocabulário e ortografia. O sucesso de cada aluno(a) desperta nos(as) demais o desejo de escrever, que levará a criança, tomada pelo desejo, a exercer essa atividade continuamente, seja para expressar alguma coisa que a toque afetivamente, seja simplesmente para obter êxito ou sucesso entre seus colegas. O importante, porém, é que a criança se corresponda com outros amigos e amigas, que seja compreendida pelo seu desejo, pelo que expressa e escreve.

5 Em 1924, Freinet introduziu em sua prática a técnica da impressão (tipografia). Seus alunos produziam textos que eram impressos e posteriormente enviados a outras escolas, em um processo de intercâmbio de produções. Tal prática foi sistematizada em 1967, no livro O Jornal Escolar, considerado ainda hoje uma referência.

Já a correspondência interescolar caracteriza-se pela troca periódica de cartas, textos e documentos entre uma classe e outra do mesmo nível escolar. Para que haja maior interesse, as duas classes devem ser de meios geográficos os mais diferentes possíveis. A correspondência interescolar passa pelas seguintes fases e modalidades: • Trocas de cartas manuscritas entre companheiros(as): eles escrevem sobre suas vidas, suas famílias, suas atividades e sobre histórias inventadas. Na sequência, o(a) professor(a) corrige o vocabulário e as pontuações e, deixando a primeira carta como rascunho, a criança a recopia, corrigindo seus erros, o que favorece a motivação para continuar a escrevê-las. • Trocas de cartas manuscritas coletivas: todos os alunos e alunas da classe participam conjuntamente ou divididos em pequenos grupos. Eles recebem correspondências de outra classe e elaboram respostas. Muitas vezes, realizam pesquisas sobre a realidade (rural e urbana) de seu município, compreendendo visitas ao local; visualização de fotos, gravuras e mapas; leitura de textos; e envio de correspondências aos responsáveis por determinados serviços ou setores. Tudo é alvo de interesse: o agente de polícia, o subúrbio, as folhas mortas, os lugares-comuns, as estações do ano, os táxis, os animais domésticos, os peixes de um rio. • Escolha semanal de textos para impressão: após a elaboração individual e livre de textos, a classe semanalmente escolhe duas produções para impressão e encaminhamento ao jornal. Para além da publicação no jornal, os textos são explorados em sala de aula visando o ensino da leitura, gramática, ortografia e, finalmente, o envio da correspondência.

De acordo com registros dos(as) professores(as), é comum os alunos e alunas enfrentarem dificuldades ao receber as correspondências, pois normalmente encontram palavras e conteúdos desconhecidos. Nessas situações, os textos são divididos por níveis de dificuldade e as crianças fazem a própria escolha. Além disso, os(as) professores(as) as acompanham na solução dos problemas, acrescentando textos de outros(as) autores(as) e direcionando exercícios para cada uma das dificuldades apresentadas (vocabulário, sintaxe, regras gramáticas, etc.). O jornal escolar, por sua vez, é um instrumento técnico educativo muito valoroso na pedagogia. Trata-se de uma produção de cunho acadêmico e social que envolve aspectos pedagógicos, psicológicos e afetivos. Sua elaboração é coletiva – trocam-se ideias, fazem-se acordos, discussões e escolhas –, contribuindo para o desenvolvimento da aprendizagem da criança e para o aprimoramento da escrita, exercitando do pensamento à ação. Em 1967, Célestin Freinet explicou que a sua técnica do jornal escolar era original e única na escola moderna, e agradeceu ao educador belga Ovide Decroly (1871-1932) por inspirá-lo. O uso de texto livre escrito pelos(as) alunos(as) aliado à técnica de impressão, ou seja, a imprensa escolar, foram inovações nas escolas. Segundo Freinet, integrando-se como peça fundamental de um pensamento pedagógico, nenhum jornal teve tal amplitude e coerência anteriormente. A expressão livre, a observação e a experiência foram motivadoras, caracterizando-se como a base da “correspondência interescolar, da imprensa, da poligrafia, do desenho, do disco, do rádio, da fotografia e do cinema fixo” (1964, p. 14). Segundo Masini (1981, p. 92), se a escola primária quer realmente ensinar a escrever, se ela não pretende somente formar copistas ou escribas, o jornal escolar

trocado e difundido [...] é uma das mais fortes motivações de expressão escrita correta. É uma técnica privilegiada porque é a uma só vez: manual, intelectual, criativa, repetitiva, pessoal, socializante, individual e coletiva. Nele é possível juntar o que costumamos separar: pensamento e ação, individual e coletivo, artistas e técnicos, criadores e executores. O processo de elaboração do jornal escolar implica a liberdade total de escrita. A criança escreve o que quer e como pode, favorecendo a liberdade de imaginação e também a socialização. Por outro lado, se o(a) aluno(a) tiver dificuldade ou não demonstrar interesse em participar do processo de escrita do jornal, pode auxiliar os colegas fazendo consultas, tabulando dados e realizando outras atividades de cooperação. Para a elaboração do jornal, devem ser considerados os seguintes passos: • Os alunos e alunas escrevem seus textos individualmente; • Os textos são socializados entre a turma; • Os alunos fazem a votação, que se torna uma solenidade, com o intuito de eleger dois textos – o último a votar é o(a) professor(a); • O texto é apreciado pela sala; • Os textos não escolhidos são corrigidos pelo(a) professor(a). Em seguida, o(a) aluno(a) o recopia e o direciona para uso na correspondência escolar ou em pesquisas escolares; • Os textos escolhido passam por uma revisão coletiva em que todos auxiliam o(a) professor(a) a pensar questões como: o número de páginas, as dificuldades de ortografia, os erros ortográficos, o vocabulário e a colocação de ideias. Na verdade, o autor do texto deixa-o livre para ser compartilhado e modificado. Nesse momento, o texto perde a característica individual e torna-se coletivo, uma vez que todos os alunos e alunas participam da sua reconstrução; • Os textos são impressos coletivamente e as tiragens dos jornais

são utilizadas para aprendizagem da leitura e da escrita (ortografia e gramática), para pesquisa, para correspondência escolar e interescolar e em vendas para a comunidade externa. • Evidentemente, os professores podem utilizar várias técnicas ao mesmo tempo. Quando as aulas-passeio são programadas e acontecem, elas instigam a reflexão sobre o mundo psicológico e social dos próprios alunos e alunas. Sobre o tema, Freinet refere-se ao que chamaremos de cadeia dialética: a aula-passeio gerou a tipografia; que gerou o texto livre; que gerou a correspondência interescolar motivada e o jornal; que gerou a biblioteca de trabalho; que gerou contatos com alunos e alunas de outras escolas, os pais e a comunidade, de modo a gerar uma cooperativa. Assim, considerando esse movimento resultante da aplicação de técnicas educacionais de Freinet, perguntamo-nos: o que aconteceu com elas? Perderam-se no tempo, desintegraram-se em partes? A última alternativa nos parece a mais apropriada para explicar a não utilização desse encadeamento, já que quase todas (senão todas) as escolas brasileiras conhecem e aplicam algumas técnicas de Freinet na atualidade, sem, contudo, vinculá -las à filosofia ou à pedagogia que lhes deu origem com o fito de promover o conhecimento científico, a aprendizagem e o desenvolvimento do(a) aluno(a). Logo, repensar tais questões implica em rever a estrutura e a organização escolar, os conceitos de ensino e aprendizagem, moral, ética, autoridade, autoritarismo e coerção. Será que, ao seccionarmos essas técnicas educacionais, subtraindo-as da filosofia que as integrava – tornando-as incoerentes entre si –, tiramos dos alunos e alunas a possibilidade de alcançar o conhecimento científico, impondo-lhes o domínio da obrigação, e, dessa maneira, contribuímos para a violência escolar? O surgimento da Pedagogia Institucional

Ao analisar a proposta de Freinet, nossa intenção é evidenciar que para trabalhar com suas técnicas é necessário primeiro promover uma mudança de paradigma no(a) professor(a) e na escola, sendo esse um dos maiores objetivos da P. I. Seu fundador, Fernand Oury (1920-1998), um professor atuante desde 1947 e lutador de judô, apropriou-se e deu continuidade às técnicas de Freinet, incorporando-lhes princípios como o da construção dos próprios conhecimentos por parte dos alunos e alunas, o do trabalho em grupo, o do respeito às diferenças, o de aprender pelo trabalho, de que a escola é para a vida, dentre outros. Em sua trajetória, Fernand Oury fez sérias denúncias do cenário educacional francês. Denominou as escolas que não aplicavam as técnicas de Freinet de escolas casernas, por considerá-las verdadeiras fábricas de alunos(as) submissos(as) e por atuarem com base no modelo de ensino tradicional, no qual o(a) professor(a) se mostrava autoritário(a) e rígido(a) em face do comportamento dos(as) alunos(as), principalmente dos(as) indisciplinados(as) e que usavam a fala para manifestação. O número de alunos e alunas em uma sala de aula era grande, as carteiras eram enfileiradas e os programas restringiam-se ao ensino teórico e escolástico. Os alunos e alunas, por sua vez, reagiam demonstrando desinteresse pelos conteúdos programáticos e pela aprendizagem. Comunicavam-se por meio de gritos e agressões, sem contar a algazarra e o desentendimento com os(as) demais colegas e professores(as). O resultado: fracasso e evasão escolar. Considerava, portanto, que tais escolas não apresentavam condições para o emprego das técnicas de Freinet. Nesse contexto, Fernand Oury deu prosseguimento à luta iniciada por Freinet: aperfeiçoou suas técnicas, sistematizou outras – chamadas por ele de instituições – e acrescentou outras formas de trabalho e instrumentos que pudessem potencializar as habilidades dos alunos e alunas. Ele adotou o uso da palavra (falada ou escrita) para resolver conflitos em sala de aula. Organizou momentos de fala entre os

alunos e alunas, conhecidos como conselhos de cooperação, e entre os professores e professoras, os conselho de professores. Instituiu leis e normas de convivência em sala de aula – elaboradas pelos alunos, alunas, professores e professoras; introduziu faixas coloridas de progressão, semelhantes às existentes no judô; e, respaldou-se na Psicanálise quanto à importância do desejo no ato de ensinar e aprender e da linguagem como expressão de sentimentos. Contribuiu, assim, para o espaço de fala com alicerce na interação e no respeito; processo este, descrito pelo próprio autor, como a passagem da pedagogia de Freinet, conhecida como classe cooperativa, para a Pedagogia Institucional. Da Classe Cooperativa à Pedagogia Institucional Segundo Fernand Oury (apud Pain, 2007, p. 2), “a cooperativa não se insere mais ou menos harmoniosamente na vida da sala de aula, ela mesma é a sala de aula. A sala de aula é um laboratório de saberes onde os alunos pesquisam, conhecem e compreendem o mundo”. Numa sala de aula de P. I. os alunos escrevem muito: elaboram os jornais; os textos livres; a correspondência (com uma ou várias salas de aula, próximas ou distantes); e, sozinhos ou em grupos, fazem visitas pedagógicas às fabricas e aos museus (aulas práticas com guias turísticos). Ou seja, nessa proposta, a escola vai além de seus muros. Manifestam-se a preocupação, o cuidado e a lembrança em defesa da escola verdadeiramente para todos, na qual cada aluno(a), com suas particularidades, tem lugar na vida coletiva. Para Oury, a escola deve ser um lugar de permanência agradável onde os alunos e alunas tenham prazer e vontade de aprender. Fernand Oury e Aida Vasquez (1998) escreveram Vers une pédagogie institutionnelle, no qual destacam que a P. I. prima pela organização da escola, pelo desejo de aprender e de enfrentar as dificuldades. A obra é o resultado de uma pesquisa realizada por Aida Vasquez como estágiaria na primeira classe coordenada por

Fernando Oury sobre a P. I. Como psicóloga, Oury a desafiara a elaborar uma proposta de P. I. que trabalhasse com elementos da psicanálise analisando casos de alguns alunos com dificuldades de aprendizagem. Para organizar as práticas educativas, Vasquez e Oury apoiaram-se em três aspectos: o lugar, o tempo e o grupo. O lugar relacionava-se ao ambiente físico e de aprendizagem escolar: um lugar de vida coletiva, agradável, onde ocorreria a aprendizagem do afetivo, das decisões, do saber falar e do saber compreender. Já o tempo era administrado por alunos(as) e professores(as) e respeitado por todos. Cada atividade era programada em um tempo específico para que o(a) aluno(a) compreendesse o valor de cuidar do seu tempo, de respeitar o do outro e também de organizar suas atividades dentro de um determinado período. O grupo, por sua vez, correspondia à forma de organizar a sala por meio da divisão de tarefas, da definição de regras, da atribuição de responsabilidade pessoal, do direito de falar e de realizar trocas afetivas e culturais. De acordo com Masini (1981, p. 201), “esta organização do tempo, do espaço dos agrupamentos, é considerada uma função importante na estruturação da personalidade de crianças que têm necessidade de um mundo ordenado, coerente e seguro”. Oury e Vasquez definiram, ainda, alguns tipos de agrupamentos que facilitam a organização da sala de aula, o trabalho do(a) professor(a) e a participação dos alunos e alunas, contribuindo no processo de ensino -aprendizagem. Dentre tais agrupamentos, destacamos a organização dos níveis de ensino a partir das faixas coloridas de progressão e o conselho cooperativo, sobre os quais discorreremos mais detalhadamente. Faixas Coloridas de Progressão

O sistema de faixas elaborado por Fernand Oury foi um avanço na P. I., funcionando como um modelo pedagógico para tratar as diferenças em sala de aula. Para Serpa (2014, p. 63), as referidas faixas apontavam o nível de desenvolvimento de cada um e situavam cada qual no grupo, mostrando o caminho para trocar de faixa, ou seja, para superar o nível em que se encontravam anteriormente. Transferiu, assim, essa constatação para a sala de aula, em que a indicação do nível de desenvolvimento de cada aluno/a podia ser por meio de faixas, em uma pedagogia diferenciada, possibilitando cada qual trabalhar de acordo com o seu próprio ritmo. Assim, as faixas de cores diferentes começaram a ser aplicadas no trabalho em sala de aula influenciando diretamente as ações pedagógicas, afetivas, sociais e psicológicas de cada aluno(a), já que, na sala de aula, não se trabalha com um modelo homogêneo de aluno(a) e tampouco as formas de se trabalhar um conteúdo programático aplicam-se a todos ao mesmo tempo e da mesma maneira. Nesse sentido, Fernand Oury inspirou-se na prática do judô para utilizar as faixas de progressão. Essas faixas, portanto, tinham várias funções: diferenciar os graus de ensino; diferenciar o conhecimento pedagógico dos alunos e alunas em cada disciplina e em cada um dos temas dos conteúdos programáticos, que podem ser representados pelas subcores (azul claro, azul escuro, etc...); e, por fim, diferenciar todo o comportamento, as atividades, a aprendizagem e o desenvolvimento do(a) aluno(a). Por seu turno, o(a) aluno(a) poderia acompanhar seu próprio progresso em suas particularidades. Em escolas francesas que trabalham com a P. I. cada estrutura geral do ensino é representada por uma cor diferente: a cor branca para o maternal, a cor verde para o elementar I, a cor azul para o elementar II, a cor marrom para o elementar III, a cor amarela para a

seção infantil e a cor laranja para o ensino médio. No interior de cada nível de ensino, encontramos a distribuição de mais seis níveis e sub-níveis em cada uma das matérias, como por exemplo a leitura, escrita, ortografia e problemas aritméticos. Segundo Andrade e Carvalho (2009, p. 73), as faixas coloridas de progressão são atribuídas a cada matéria de estudos, segundo níveis de aprendizagem, e têm os seguintes objetivos: para o professor, avaliar precisamente os níveis de competências dos alunos, saber fazer, saber ser (ou saber comportar-se) – em adequação aos programas oficiais e ao sistema educacional [...] para o aluno e seus pais, tomar como referência as aquisições e o que ainda não foi adquirido, com vistas a progredir até a próxima avaliação [...] avaliam-se: a leitura; a escrita (e, nesta, o domínio ortográfico, gramatical, vocabular, de conjugações); as matemáticas (numeração, problemas, operações, geometria); a imprensa escolar; o comportamento individual. Na sala de aula, o nome de cada criança e sua cor constam em um cartaz, indicando seu nível em diferentes matérias e competências. Esse procedimento integra um processo avaliativo educacional não convencional, do qual o(a) aluno(a) participa acompanhando seu desenvolvimento paulatino e por meio do qual torna-se ainda mais responsável por sua aprendizagem. Com tal participação, a criança tende a diminuir sua ansiedade pelos testes, pelas notas e acredita que é possível aprender e avançar no conhecimento apesar das dificuldades que encontra. Quando um aluno(a) apresenta dificuldades em determinada matéria, mas não em outra, ele(a) pode incluir-se em outros agrupamentos, cujos colegas têm uma boa resposta ao aprendizado daquele assunto. Por exemplo, se um(a) aluno(a) tem faixa de progressão verde e está com problemas, pode trabalhar com alunos e alunas de cinturão amarelo em escrita e com o grupo marrom em leitura. Nesse sentido, cada aluno(a) pode agrupar-se a quatro

turmas diferentes e escolher o momento de retornar ao seu grupo de origem. Tal procedimento é aplicado também a situações comportamentais: cada aluno tem a sua cor de faixa e as funções que lhe são delegadas em sala de aula dependem de seus avanços. “Ninguém é de todo mal e cada um é diferente”, afirmam Andrade e Carvalho (2009, p. 75), concepção essa que expressa o pensamento de Oury (1992) e Pain (1998) a respeito dos princípios da P. I quanto à aceitação e o trabalho ante a heterogeneidade existente em sala de aula. O Conselho Cooperativo Segundo a filosofia da P. I., o Conselho Cooperativo é o ponto alto para discutir e resolver conflitos surgidos no ambiente escolar ou em sala de aula. Nele, parte-se do princípio de que a organização, a análise e as decisões coletivas favorecem a eliminação dos incidentes e das queixas desprovidas de sentido. Ao auxiliar os alunos e alunas a saber falar, a saber ouvir, a tomar iniciativas no grupo, a respeitar o outro, a elaborar argumentações e a exteriorizar situações mal resolvidas, criam-se condições para que eles(as) encontrem formas de resolver seus conflitos; os quais, para o fundador da Pedagogia Institucional, são normalmente a origem da fúria e da violência escolar. Oury (1998) também afirma que o conselho é o olho, o cérebro, o coração e o lugar de decisões do grupo-classe, que é a maior e mais significativa instituição da P. I., uma vez que seu objetivo principal consiste em elaborar e organizar as outras instituições. A composição do conselho ocorre em reunião específica: constituise pelo(a) professor(a) e os(as) alunos(as), tem reuniões semanais com duração entre 30 e 60 minutos (dependendo do grupo) e sua função é analisar os assuntos da classe e dos diferentes níveis escolares. Para coordenar o encontro designa-se um(a)

presidente(a), não necessariamente o(a) professor(a) (ressalvado o caso de grupos de crianças do ensino elementar), e um(a) secretário(a). A reunião pode ser dividida em diferentes momentos, de acordo com os assuntos previamente selecionados pelo grupo e o tempo estipulado para cada discussão. No primeiro momento, oralmente ou por meio de anotações, colocam -se as propostas em um caderno. O segundo momento é destinado à apresentação dos(as) responsáveis pelas propostas. Na sequência, as propostas são discutidas, votadas e registradas por escrito pelo(a) secretário(a). Além disso, designam-se encarregados e encarregadas para o cumprimento das diferentes tarefas. No último momento, podem ser apresentadas reclamações e solicitações de alunos(as) ou de qualquer membro da comunidade escolar, bem como realizadas felicitações entre os(as) alunos(as) da mesma classe ou de outra classe. Nesses encontros, o conselho comumente vivencia três etapas: a do silêncio, a do tumulto e a da linguagem. De acordo com Oury (1998, p. 93), para um observador leigo, o silêncio no conselho pode significar uma reunião organizada, arrumada; mas nós sabemos bem que, geralmente, ele é seguido de uma profunda desordem na classe, sendo necessário pensar que tipo de questões deverão ser evidenciadas e a forma de fazê-lo. Por outro lado, como o momento é de tensão, de energia e de afetividade, o(a) professor(a) tem a responsabilidade de orientar e direcionar toda essa energia para uma discussão produtiva. O tumulto se estabelece pela própria discussão, já que a fala e a participação de todos nas decisões são fundamentais para a resolução dos conflitos. Na história da Pedagogia Institucional, a pedagogia de Freinet é especial. Envolvendo tanto o(a) professor(a) quanto o(a) aluno(a), segundo Andrade (2007), seu princípio maior é o de educar e

aprender pelo trabalho, dado que este promove o desenvolvimento das capacidades vitais do ser humano. O(a) aluno(a) deve ser estimulado(a) a experimentar, a se expressar, a cooperar com os(as) colegas e a conviver – o que implica lidar com os conflitos, mas sem violência ou autoritarismo. A disciplina e a ordem na sala, imprescindíveis, nascem de um trabalho coletivo que é pleno de sentidos para o(a) aluno(a). O respeito mútuo deriva do reconhecimento da dignidade de todos, na classe e na escola. Nesse contexto, concordando com o autor supracitado, sublinhamos o papel do(a) professor(a) que atua com a Pedagogia Institucional. Podemos afirmar, assim, com base na leitura das obras de Oury (1991), Pain (2009) e Andrade (2009), que na P. I. o professor deve constantemente ser a ponte, o mediador, entre os instrumentos (as técnicas escolhidas e utilizadas), o conhecimento intra e extracurricular e os alunos e alunas. Portanto, para realizar suas atividades no contexto escolar, é necessário investigar quem são seus alunos e alunas (nome, cultura, o que desejam e pensam, etc...) e como estão academicamente (o que já sabem, suas dificuldades, seus interesses e suas potencialidades). Com base nessas informações será feita a organização do conteúdo programático a ser desenvolvido em sala de aula e do material a ser utilizado. Ademais, o(a) professor(a) também tem grande responsabilidade na administração da sala de aula; na garantia das leis da turma e da escola6; na aplicação de sanções; na organização rigorosa do espaço, do tempo e do material; e, na elaboração das instruções e das listas de atividades. Em suma, em organizar a sua aula. 6 Estas são elaboradas no início do ano, entre professores, professoras, alunos e alunas. Para ilustrar, a citação de Carvalho (2009, p. 113), que transcreve as leis fixadas em uma sala de aula da escola francesa Marie Curie: “Ninguém tem o direito de ser violento fisicamente, porque isso põe em perigo os outros. Todo mundo tem o direito a viver em segurança; ninguém tem o direito de ser violento moral ou verbalmente, de ameaçar ou chantagear, porque isso faz sofrer. Ninguém tem o direito de insultar ou humilhar particularmente por conta das origens sociais, familiares, étnicas, ou pela pertença a uma

religião ou a uma cultura, porque cada pessoa tem direito ao respeito. Ninguém tem o direito de roubar, porque todos necessitam de confiar e merecer confiança. Ninguém tem o direito de se vingar. A justiça passa pela discussão e a decisão justa deve apaziguar os conflitos. Ninguém tem o direito de quebrar, estragar ou sujar voluntariamente o material, a sala ou a escola, porque todas as crianças têm direito a uma escola limpa e em bom estado. Para circular

Por fim, o(a) professor(a) acompanhará a evolução psicológica e escolar de cada criança7. Deverá manter uma relação fundamentalmente educativa com o(a) aluno(a), sendo imparcial (no sentido de não recriminar e não gerar pré-conceitos). Pain (2012, p. 31) apud Caminha (2012) ressalta: “é, pois, fundamental não confundir relação profissional com tendências afetivas”, ou seja, tratar todos com respeito e sem preferências, pois todos são seres humanos. O autor ressalta outra questão importante: a relação dual é perigosa para a lógica da violência, pois nela aparece sempre o amor e o ódio. É para se amar ou se bater, esse é o esquema da violência, um modelo binário, do tudo ou nada. Tal ponto de vista não pode ter lugar na escola e deve-se estar muito atento para não confundir as relações, pois, na escola e nas instituições, os vínculos dizem respeito ao trabalho, e não à paixão. Nesse sentido, o(a) professor(a) deve acolher o(a) aluno(a) em sua globalidade, permitindo que ele(a) exista de modo inteiramente autônomo(a), com responsabilidades e deveres a cumprir na sala de aula, tendo um olhar direcionado para todos e para cada um, trabalhando a heterogeneidade para que não haja privilégios. Portanto, quando o(a) professor(a) prepara e organiza suas atividades, conhecendo seus alunos e alunas, sua realidade e suas possibilidades educacionais, ele(a) próprio(a) pode elaborar outros modelos de técnicas e acrescentar às de Freinet. Jacques Pain (2002) destaca a importância de se formar o(a) professor(a) para trabalhar com a P. I. e considera que ele(a) deve ter funções específicas direcionadas à harmonia e à prosperidade de cada aluno e aluna, dos grupos e de toda a sala de aula. livremente, todos devem se deslocar com calma, para evitar confusão, choques e quedas. Com a República Francesa, a escola tornou-se laica. Os alunos, professores, técnicos e

funcionários não têm o direito de exibir ou promover sua religião, pois devemos viver todos juntos, com nossas diferenças”. 7 Quando o(a) professor(a) acompanha individualmente uma criança, ou um grupo com dificuldades, ele(a) elabora um estudo em forma de relato com todas as atividades propostas, com os comportamentos apresentados pelos alunos e alunas e com a sua evolução. Na P. I., a esse estudo de caso dá-se o nome de Monografia.

Para uma boa aplicação das atividades pelo(a) professor(a) e para o bom desempenho dos alunos e das alunas em suas tarefas, a P. I. estabelece uma estrutura de funcionamento que se resume basicamente ao espaço, ao tempo e à formação de grupos, cuja atuação é fundada em limite, lugar, linguagem e lei, os quais Pain (1998) denomina de 4L. Os 4L, consoante Pain (2009), são a condição da espécie humana; e a linguagem uma instituição central, por meio da qual se organiza a sociedade. A lei, o limite e o lugar só existem pela linguagem, sendo a palavra o meio de comunicação que direciona a aprendizagem e o desenvolvimento humano. Pain (2009) argumenta que a escola começa com a sociedade. Ele concorda com a ideia de Freinet de que a sala de aula é um meio social. Portanto, a escola é o lugar onde o(a) aluno(a) deve aprender a ler e a entender suas atividades, a pesquisar, a compreender, a decidir, a escrever, a fazer contas, enfim, a realizar as diversas ações cotidianamente necessárias. E, este meio, favorece outras aprendizagens, como a evolução afetiva e intelectual de crianças e adultos. Por conseguinte, a linguagem está vinculada ao lugar, aos limites e às leis da mesma forma que os lugares, os limites e as leis estão ligados à linguagem. Com a organização dos 4L e com as técnicas de Freinet não temos somente uma sala de aula, mas um meio de fazer dela uma instituição. Ao instituírmos essas técnicas e ao trabalharmos com elas as salas de aula tornam-se um meio cooperativo e social, uma verdadeira pedagogia humana.

À vista disso, a estrutura dos 4L orienta os(as) professores(as) em sua ação no meio escolar, pois, com base nela, podem organizar seu trabalho, conduzir reuniões, dirigir e controlar grupos, organizar os subgrupos, pensar nos objetivos da educação e democratizar a participação dos alunos e alunas nas atividades. Possibilita sistematizar essa participação criando as normas e leis da sala de aula: cada aluno(a) e cada grupo podem participar ativamente da aula, porém considerando seu tempo para falar, respeitando o momento para se apresentar e/ou para permanecer em seus lugares específicos. Ou seja, leva também os alunos e as alunas a se pautarem no princípio dos 4L. Levando em conta as várias questões apresentadas nesse capítulo, lembramos que as preocupações e problematizações de Freinet e Oury, concernentes ao sistema educacional francês, tiveram origem no período entre a Primeira e a Segunda Guerra e no pós-Segunda Guerra Mundial, quando se enfrentavam grandes dificuldades na humanização de crianças e jovens: como instigar, nesta faixa etária, o desejo pela escola e pela reconstrução de uma nova pátria alicerçando-se em valores relevantes para o trabalho coletivo? Dialogando com o passado – especialmente com a década de 1950, quando surgiram as propostas de Freinet e Oury – verificamos que naquele momento perduravam na sala de aula a indisciplina; o desinteresse pela leitura, pela escrita e pela matemática; os devaneios dos alunos; a agressividade e a violência. Freinet, por meio de suas atividades em sala de aula, procurou outra forma de educar e de despertar o interesse do(a) aluno(a) pela educação e foi em tal conjuntura que encontrou técnicas para fomentar o desejo de aprender; técnicas essas, ao longo dos anos, incessantemente aperfeiçoadas. Destarte, amparamo-nos nesse cenário de lutas, dificuldades e conquistas, bem como em teorias e em pensadores do passado que continuam presentes em muitas propostas pedagógicas internacionais, porque neles encontramos contribuições

significativas para reflexão acerca da realidade educacional brasileira. Infelizmente, o envolvimento e o investimento em novas teorias e práticas pedagógicas, principalmente as alternativas, têm sido um privilégios para poucos. Isto posto, uma vez que tivemos a oportunidade de realizar estágio de pós-doutorado na Universidade de Paris 10 – Campus de Nanterre, onde conhecemos melhor os fundamentos da Pedagogia Institucional, participamos de experiências8 e averiguamos as possibilidades de utilizá-la no enfrentamento aos desafios educacionais brasileiros, optamos por fazer de tal experiência o tema desta coletânea e assim compartilhála. 8 Uma dessas experiências fez parte de nosso estágio pós-doutoral na França, numa escola que aplica as técnicas de Freinet e da Pedagogia Institucional, encontrando-se descrita no capítulo intitulado Lycée Saint-Nazaire: uma escola diferente que segue os princípios da auto-gestão e não violência da obra Tensões no Espaço Escolar: violência, bullying, indisciplina e homofobia, organizado por Ivana Veraldo.

No próximo capítulo reproduzimos a tradução da monografia de Christelle Baron, professora do Ensino Fundamental francês que realizou um trabalho mais direcionado com 6 (seis) alunos e alunas – por ela destacados no texto. Com o títuloLei e Singularidades, a monografia foi apresentada no Seminário de Pedagogia Institucional, ocorrido na Clinique La Borde, em 24 de outubro de 2010. Segundo Imbert (2010), a avaliação da prática pedagógica do(a) professor(a) que trabalha com a P. I. ocorre no final do ano letivo, quando ele(a) apresenta a sua monografia em um seminário do grupo ou no próprio colégio. Nesse momento, ele(a) relata os acontecimentos, exprime suas angústias, ansiedades e dificuldades, descrevendo as instituições que utilizou em sala de aula para tentar resolver os conflitos. Tal apresentação deve ser coletiva, compartilhada com todos os professores e professoras para uma troca de experiências, contribuindo, então, para a gestão coletiva, a

autodisciplina e a formação contínua; não tendo, portanto, fim em si mesma. Assim, a monografia é um documento de anotações diárias dos acontecimentos significativos ocorridos na prática da sala de aula (os incidentes, as decisões, as reações, as conversas) e, em particular, do progresso e das dificuldades de cada aluno e aluna, bem como da relação entre eles e o(a) professor(a). Para Imbert (2004, p. 121), a monografia é: uma peça chave da Pedagogia Institucional. Não ficar só. Encontrarse com outros, em torno de uma história escrita por um membro do grupo. Ler, palavra por palavra, “juntar, reunir, colher”. Proscrever todo discurso. Deixar-se trabalhar. Ler e dizer – legein em grego. Considerar junto a medida da complexidade das situações. Recuperar os impasses, as vias de estrangulamento, os momentos em que tudo e todos se misturam por falta de lugar, de partes suficientemente desemaranhadas e acessíveis, os momentos nos quais as coisas se abrem, oferecem passes; nos quais se inventa um terceiro; articulam-se mediações. Dotar-se de instrumentos de navegação. Recuperar o que advém. Um trabalho que permite resistir aos cantos das sereias. De não ceder ao seu desejo. De sustentar a aposta de que as coisas podem se abrir, e os sujeitos, comprometer o aparecimento desses. Para Baron (2005, tradução nossa) “uma monografia é um texto que oferece movimento para a equipe. É um trabalho que permite pouco a pouco a elaboração de práticas que se renovam e se reestruturam. As monografias são as elaborações de um longo trabalho coletivo de escutar e escrever todos os acontecimentos no curso da aprendizagem de um(a) aluno(a) ou de um grupo, pela escuta e pela fala; incluindo seus projetos, suas hipóteses e suas experiências. Este trabalho entre adultos [professores(as)] sustenta e renova os conceitos utilizados na P. I.”9, conforme vemos a seguir.

9 Une monographie est un texte « mouliné » par une équipe. Ce travail permet petit à petit l’élaboration de pratique et est luimême outil de formation. Les monographies sont l’aboutissement d’un long travail collectif d’écoute et d’écriture au cours duquel un enseignant écrit et parle d’une situation, d’un enfant, d’une classe; les participants du groupe, quant à eux, apportent leur expérience, leurs projections, leurs hypothèses. Ce travail entre adultes est soutenu par une théorisation et des écrits. Ainsi se forgent les concepts utilisés en Pédagogie Institutionnelle, ainsi évoluent-ils et s’en élabore-t-il.

Avaliação de uma Prática de Pedagogia Institucional Monografia – Lei e Singularidades Christelle Baron Foi-me preciso esperar as férias de Páscoa para poder deixar a sala e os alunos com um sentimento de leveza, de trabalho feito e bem feito. Eu tive este ano grandes momentos de dúvidas, de desencorajamentos, com questões como: será que a P. I. que eu pratico pode produzir efeitos nesta sala que não a conhece? Com 22 alunos, 12 com problemas de comportamento e, para alguns, de aprendizagem, será que eu vou encontrar soluções? Anteriormente eu tinha um CP-CE11 e levo um CE1-CE2 na escola de Javrezac que trabalha na Pedagogia Institucional com as técnicas Freinet, desde a grande seção do maternal até o CM2. E temo um pouco esta volta às aulas: cidade nova, escola nova, novos pais, município novo e, é claro, alunos novos. Eu passei um dia na sala deles no ano passado e vi ali alunos de CE1 que eu reencontro este ano no CE2. Eu os tinha achado muito agitados, falando alto, sem respeito, às vezes. Felizmente, eu conheço muito bem minhas duas novas colegas, trabalho com elas há vários anos nas Práticas da Cooperativa para uma e no grupo de P. I. de Cognac com as duas. Nós nos escolhemos para formar esta nova equipe. Eu temo, então, esta volta às aulas, mas ainda que não me sinta forte, eu não estarei só. Desde o primeiro dia sou intransigente sobre o respeito da palavra. Insisto muito sobre o que eu chamo de pedagogia do trabalho: “Nós estamos juntos para trabalhar e unicamente para isto, no respeito de todos e de cada um”. Nesta sala em específico, chove para toda parte a falta de respeito: gozação, zombaria comentários feitos sem a solicitação da palavra,

empurrões, golpes. Minha primeira atitude é fazer com que os alunos produzam trabalhos tais como: primeira carta aos correspondentes, jornal de aula na impressora, textos livres, apresentações... 1 As siglas referentes ao CP-CE1; CE1-CE2, CM2-(ensino francês) correspondem ao ensino fundamental brasileiro.

Primeiro balanço antes do Natal Os momentos de fala entre os alunos ganharam em qualidade e em respeito. Eles enfim aprenderam novos cantos ou escutam música. Eles se esforçam para reter as melodias e as letras, parecem até ter prazer... Constatação idêntica para a escuta e o aprendizado de poesias. Cada vez mais alunos têm a coragem de apresentar. No que diz respeito às outras aprendizagens como leitura, escrita e matemática, eu tive, entretanto, a impressão de que alguns passam por cima ou aproveitam para fazer outra coisa. Segundo meu estado de cansaço, eu tenho mais ou menos capacidade de aceitar um barulho mínimo ou inatividade até jogos ou empurrões na frente do quadro para se inscrever. Há muitos alunos instáveis na sala, as tardes são difíceis. Problemas de violência física e verbal perduram. Eu instaurei uma válvula de segurança: aqueles que se tornam realmente insuportáveis e que não suportam mais a sala de aula, deixam-na, indo para a turma das minhas colegas com o trabalho delas. Alguns, aliás, gostam disto. Eu esvazio o problema em vez de resolvê-lo. Às vésperas das férias de Natal, nosso coordenador, após minha solicitação de auxílio, passou uma manhã na sala. Na entrada, depois de nossas conversas, efetuo reorganizações. Todos os dias, de 11h10 às 12h, Ellie, Yann e Luise vão para a sala dos CP e Maxime, Teddy e Julien vão para a sala dos CM fazer o trabalho individual deles. A partida deles não é mais o resultado da exasperação da professora, mas toma sentido em uma nova organização do trabalho.

Eu tomo o tempo para formar os chefes de equipe, afim de que sejam um real suporte. Eles devem ajudar seus colegas a se pôr no trabalho, ensinando-lhes a se encontrar em suas folhas de ateliê e a encontrar as fichas e as ferramentas das quais necessitam. Aqueles que não têm permissão para circular (12 dos 20) devem ser autorizados pelo chefe da equipe ou pela professora para poder se locomover na sala. Para evitar que a pressão suba durante a jornada e que a excitação cresça, o espaço biblioteca da sala, muito pequeno, não é mais utilizado para o agrupamento dos tempos de fala. Isso suprime muito os deslocamentos coletivos durante os quais os alunos aproveitam para se empurrar. As apresentações não se fazem então neste espaço, mas no quadro, na frente da sala; isto acrescenta solenidade e incita a uma melhor preparação das apresentações. Noto, aliás, na entrada, que estes momentos são de maior qualidade. Não estamos mais colados uns aos outros nos bancos; cada um tem mais espaço, fala-se mais alto para ser escutado e compreendido. Outros deslocamentos suprimidos: as inscrições para ir ao quadro. Os alunos me avisam, agora, de sua necessidade de ajuda ou de correção com um recadinho posto na caixa de material da equipe. Cabe aos chefes de equipe encontrar uma ajuda ou direcionar para outro trabalho, ajudando a professora. No lugar de interpelar um aluno, do outro lado da classe, para fazêlo voltar ao trabalho, eu me dirijo para lhe falar e assim evito levantar a voz. Gritar atiça a excitação deles e os deixa inseguros, eu já sabia e constatei isso com o passar dos meses. O tom calmo e composto que eu me esforço para adotar, na sequência, vai contribuir para a compostura da sala. Durante estas mesmas férias, trabalho com um texto de Colette Bordas: “Mélodie”. Escrevendo os comentários que este texto me evoca, percebo, de fato, que são comentários sobre minha própria sala e, mais precisamente, sobre minha atitude nesta sala, quando eu escrevo: “Estes alunos que nos incomodam, não nos permitem, eles, de aplacar nossa própria perversidade?”. J., E., T. e outros... A oposição deles à Lei e a mim que a representa

e a faz respeitar, me incomoda, me cansa e me gasta. Eu não consigo submetê-los; apesar do apoio presente na sala (produções, conselho, chefes de equipes, equipes...). Recebo a violência deles como uma agressão à minha própria pessoa, mas, ao mesmo tempo, eles abonam minha própria agressividade. Voltar às aulas de janeiro exige outra organização sobre o trabalho e o emprego do tempo, porque algumas crianças necessitam trabalhar individualmente e em outras salas com turmas próximas ao seu nível. Exemplos: A professora faz a mediação cotidiana em todas as atividades e com todos os alunos. Cada aluno é observado e direcionado para atividades que facilitam suas dificuldades. São acompanhados... poderíamos citar os 22 alunos, no entanto, vamos priorizar alguns, com nomes ficticios para nos orientar como proposta de trabalho e pesquisa. Abro a classe com um Conselho extraordinário: “Até agora, tenho a impressão de que vocês confundem prazer no trabalho e brincadeira no trabalho. Tirar prazer do trabalho não é brincar trabalhando. Então previ uma organização diferente das atividades do dia. Estas modificações vão evitar as circulações inúteis e vão ajudá-los a tornarem-se autônomos em seu trabalho. O papel dos chefes de equipe vai ser muito importante nesse sentido. Explicaremos nos conselhos e nas reuniões com os chefes de equipes”. Explico em seguida as modificações nos calendários e apresento as novas folhas de ateliês: “Vamos aprender ajudando-nos a realmente organizar-nos em nosso trabalho: não serão aceitas senão as apresentações realmente preparadas; vocês vão, enfim, aprender igualmente a trabalhar sozinhos.” Estas mudanças permitem aos alunos que permanecem e a mim mesma conhecermos enfim a música do trabalho na serenidade. A sala é mais leve e tendo experimentado esta leveza, todo mundo tem, talvez, a aspiração de que ela exista mais frequentemente dessa forma. O ambiente muda. Alguns dias são mais agradáveis. Eu encontro, enfim, o desejo e o prazer em trabalhar com eles.

Entretanto alguns alunos permanecem muito difíceis de suportar. – L . atravessa novamente um período difícil: ela passa uma grande parte de seu tempo a recortar, colar, emburrar, incomodar... Ela parece perdida e lança pedidos de socorro: uma tarde, ela defeca no piso do toalete dos garotos; na semana seguinte, ela subtrai da bolsa de minha colega sua carteira e a joga no lixo das meninas. – H. imatura, já foi chefe de equipe no fim do CP mas ela tem necessidade de tempo para ter vontade de ocupar, novamente, uma grande posição. As barras de estorvo sucessivas são ineficazes... – T. 9 anos, criança viajante, ainda não sabe ler. Já não tem interesse, salvo para jogar futebol... Ele adquiriu todas as estratégias para fazer de conta, passar de través. Ele enfatiza seus comportamentos quando eu lhe lembro da lei, é arrogante. – Y. também tem grande dificuldade de se pôr no trabalho. Ele parece um tanto demasiadamente colado à sua mãe, que o habituou, desde pequeno, a se pôr em cena para existir. Na sala de aula é diferente e não deve ser fácil para ele, que se refugia no jogo. Uma estratégia de fuga? – J. muito inteligente, vive a sala P. I. desde a pequena sessão de maternal. Ele compreendeu perfeitamente o funcionamento, lembra isto, muito frequentemente, aos outros, mas tem dificuldade a se aplicar. Ele também brinca bastante e está sempre em trabalho obrigatório (arrumação de fichários, juntar folhas mortas...), mas não o faz sempre; ele dá longos gritos. Na cantina, ele é frequentemente excluído da mesa, rola pelo chão, e continua a incomodar... – E., diagnosticado hiperativo, toma ritalina. Ele é muito imprevisível em seus atos de violência e pode ser perigoso. Ele também é frequentemente excluído de sua mesa, na cantina. – A. manipula, excita os mais frágeis que passam ao ato em seu lugar. – Ch. é frequentemente sem respeito e desagradável com seus colegas. Seu tom provoca em mim fortes ataques de adrenalina. – M. foi agora para o CP. Ela não parece ainda muito investida em seu trabalho. Ela brinca muito, procura os garotos. – G. é nova nesta escola, aproveita os momentos em que a professora não está do lado dela para parar de trabalhar.

– S. tem medo de ficar sozinha. Ela gasta muito tempo e energia para chamar a atenção das colegas, faz complôs para a recreação, para se manter circundada. Ela excita então, para não dizer “histeriza”, o grupo com o qual ela brinca, que volta para sala mais nervoso. – C. irmã de L. e prima de M. não está muito bem neste início de ano. As três meninas passam muito tempo juntas fora da escola. Elas tentam continuar suas discussões, ou resolver seus problemas na sala. Tenho a impressão que estes alunos me impedem de ver aqueles que progridem mais, se investem no trabalho, ajudam aos outros e crescem, apesar de tudo. Reflexões e dificuldades dos professores às vésperas das férias de fevereiro Após conversa de um grupo P. I. de Cognac, nós nos reunimos novamente com os coordenadores da nossa escola. Face aos alunos que brincam com o sistema e o torcem, um dos professores propõe um “eletrochoque”: retorno ao funcionamento tradicional, para todos. Mesas em fila, exercícios, lições. Eu fico muito incomodada, estou cansada, fisicamente e moralmente. Tenho vontade de esquecer e aspiro sair de férias com o espírito tranquilo. Sinto e sofro os limites de meu funcionamento atual mas, ao mesmo tempo, não me sinto capaz de retornar a uma pedagogia tradicional. Por causa de alguns, eu privaria os outros e eu mesma de produções, de trabalho “verdadeiro”, do porquê eu faço esta atividade... Esta solução me parece injusta para aqueles que se aplicam na sala de aula e que trabalham. Depois da discussão, nós decidimos que mudaríamos nossas atitudes e redefiniríamos a Lei para alguns alunos. Esta decisão vai amadurecer durante as férias, outras discussões se seguirão. Três alunos estarão finalmente fora da equipe, sós em uma mesa de

dois lugares, com seus nomes escritos em cima. Eles estão reagrupados num lado da sala: J., L. e E. 3 de março: volta às aulas – A . volta como diretora e para tornar solene o anúncio destas mudanças, acolhe seus alunos comigo na sala. Eu escrevo o que vou dizer: “Visto o comportamento de alguns alunos, o trabalho na sala, com os outros, se torna mais difícil, quando não impossível. Por isso, três alunos deverão a partir de agora ter um status particular”. – J., você é percevejo vermelho: – Sua dívida antiga está apagada; – Seus trabalhos estão suspensos; – Você não é mais pago e não participa do mercado; – Você não participa mais da passagem de cintos de comportamento; – Se você é um estorvo, no final de 5 barras você tem um exercício pra fazer fora, e durante o recreio. Mesma tarifa se você tiver uma multa de lei; – Você não tem mais o direito de se locomover livremente pela sala. Se você quiser se inscrever, você levanta a mão e a professora ou um aluno que está autorizado a se locomover livremente o fará em seu lugar; – Você não sai mais para trabalhar na sala de CM no fim da manhã; – Durante os ateliês, se você precisar de ajuda, correção ou novas fichas de trabalho, você põe seu cartãozinho sobre a mesa e a professora virá quando estiver disponível; – Você trabalha só, ou com a ajuda da professora; – Você não faz mais impressões; – Você não tem mais palavra no Conselho; – Para o lanche e o deslocamento para a biblioteca é a professora que o acompanha; – Para o inglês, F. o acompanhará, 5 minutos antes, na sala dos CM, depois você alcança os outros CE2 no início da sessão; – Para a cantina, eu te acompanho quando eu fizer a guarda.

Senão, você espera na sala que seu chefe de mesa vem buscá-lo; – Para as entradas na sala, F. o acompanha, antes da entrada dos outros alunos e você espera em seu lugar; – Você guarda sua pasta sob a escrivaninha; – Para as atividades de handball e rugby, é a senhora M. que o acompanha. Você está sob a responsabilidade dela e ela pode excluí-lo destas atividades em função de seu comportamento; – Se seu comportamento impede o trabalho dos outros alunos, você está excluído da sua sala e vai fazer um exercício na sala da diretora; – L., você está, neste momento, incapaz de fornecer trabalho pedido aos CE1, você precisa de repouso, mas não tem o direito de incomodar o trabalho dos outros; – Assim, você é percevejo dourado: – Você está sozinha em uma mesa e guarda sua pasta sob a escrivaninha; – Você não tem o direito de se locomover livremente e seu tempo de trabalho está regulamentado; – Para uma solicitação de ajuda, você usa o cartãozinho; – Você continua a trabalhar no fim da manhã com senhora B.; – Você não faz mais impressões; – Quando você parar de trabalhar, ou de escutar durante os tempos de fala, você pode fazer um desenho, mas não tem o direito de incomodar; – Você tem um tutor para seus deslocamentos para o toalete durante a aula; – E. você pode ter atos de violência descontrolados. Assim você trabalhará agora fora da equipe; – Você não pode se deslocar livremente e se inscreve nos cadernos ou os painéis levantando a mão; – Você guarda sua pasta sob sua escrivaninha; – Para as entradas e as saídas de sala, você é acompanhada pela professora (no lugar de se pôr em fila, você se coloca atrás dela); para a cantina, seu chefe de mesa vem buscá-la; – Para vocês três, estas mesas são os seus lugares. Vocês não têm o direito de sair daí e os outros não têm o direito de vir se instalar

neste lugar, é o espaço de vocês; – No que concerne ao resto da sala, somente F., P. , B., Ch., O., F., B., R. e A. podem circular na sala sem autorização. Os outros não podem se levantar senão para fazer seus trabalhos ou se inscrever, devem pedir a autorização ao chefe de equipe ou à professora; o chefe de equipe pode igualmente se levantar no lugar deles; – Qualquer deslocamento não autorizado, ou marca de recusa será sancionado com uma barra de estorvo; – Se um aluno impede o trabalho, ele deixa a sala para ir à outra, com uma multa de 10; – Eu lembro enfim a lei do segredo no que concerne a todas as decisões (que são mantidas em reserva de outras turmas, pois dizem respeito apenas àquela que tomou as decisões). Elas estão lá antes de tudo para que a sala trabalhe melhor e se elas podem parecer uma sanção, elas foram decididas com objetivo de ajuda. Eis agora os novos lugares: Eu fiz igualmente um sociograma antes das férias e os outros alunos estão em novas equipes. Grande silêncio na sala. Julien sente o golpe, mas ri ao se instalar: ele é incômodo uma vez e fala muito sem pedir a palavra, atingindo 5 barras e faz um exercício no recreio da tarde. Ele disse a sua mãe, de noite, que está tranquilo com seu novo status. Desde o início do ano escolar a excitação é muito intensa antes da entrada na sala, por problemas no recreio. Golpes e xingamentos partem desde colocação em fila e na travessia do corredor que leva à sala. Assim, a partir deste 3 de março, T., Ch., A. e Y. devem se sentar ao fim do recreio no banco do pátio e entram por último no corredor. As entradas na sala são agora mais calmas. No dia 6 de março, depois de um problema no futebol, proibi T., de jogar até o fim do recreio. Ele o aceitou, descontente, mas não repetiu. Algumas semanas antes, ele teria simulado uma saída da escola por causa de um tal incidente. C., que viu a cena, me diz: “diria que ele achou alguma coisa da figura da autoridade, é a

primeira vez que ele reage tão calmamente”. Sua reflexão me dá prazer e me encoraja. Efetivamente, T., em seguida, aceita minha autoridade e as decisões das professoras responsáveis pela guarda dos recreios. Depois de uma reunião de chefes de equipes, e para incitá-la a reexperimentar o prazer do status, H. se torna tutora de M. (aluno trissômico de 10 anos, ainda não autônomo em seu trabalho). Ela assume esta função perfeitamente e é felicitada. Eu surpreendi Ch. ajudando S., que voltou ao seu lugar. Ele ajudará muito F., que é seu chefe de equipe, em seu trabalho, com paciência e respeito. E. tem o pagamento terapêutico. 6 de março, ele percebe seu pagamento completo, pela primeira vez, o que significa que ele não fez nada mal na jornada (recreio incluído). Ele é vivamente felicitado. No outro dia, na cantina, ele está agitado. Eu lhe lembro o comportamento que ele foi capaz de ter no dia anterior. Ele me olha, sem piscar os olhos e sem fugir seu olhar. É a primeira vez. Três semanas mais tarde: fim de março Tenho a impressão de que a calma se instala na sala. Em 19 de março, sugiro que escrevam um texto, à noite, em casa, sobre o espetáculo visto, no teatro, durante a tarde. No outro dia, os únicos que o fizeram são: T., G., U. e M.. – A. e J., durante as inscrições, refazem o painel para se inscrever nos ateliês de artes plásticas que eu me esqueci de preparar. Detalhe... uma bela iniciativa a meus olhos e no sentido do investimento da sala; Em 21 de março, P. , S., U., F. e T. nos apresentam um canto em Canon. Agradável surpresa e vivas felicitações de todos. – J. nos apresenta sua experiência sobre o barco na água, L., sua ficha para fabricar uma máscara de esqueleto. Esta ficha figurará no jornal da sala; 27 de Março, Ch. recupera uma placa de madeira arrumada sobre

um armário atrás de J. Este lhe diz “se manda, é meu território!”. No conselho, E. critica L.: “Ela se inclina sobre minha mesa!”. – E. recebe seu pagamento terapêutico quase todo dia. Eu tenho a impressão, de modo geral, da existência de uma maior atenção ao outro... – B ., antigo chefe de equipe, pergunta se ele pode ajudar E. a apresentar seu relatório que está efetivamente muito longo para se ler. A apresentação dará certo e, em retorno, E. ajuda B. a recopiar o dele. E., que tinha tanta dificuldade em oralizar sua leitura no início do ano e não conseguia escrever, ao confrontar-se, só, com uma página em branco que deve ser preenchida... Ato às vezes doloroso, em particular para ele, é uma grande vitória; seu largo sorriso após as felicitações sobre sua apresentação é testemunha. No primeiro de abril, B. é oficialmente tutor de E. Eu o escuto lhe dizer indo ao laticínio: “tá vendo, se você continua assim você será pago com 5 esta noite...”. Quarta, 4 de abril, um dia após a greve A jornada é mais difícil. J. recorta tudo, recusa-se a trabalhar. Ele vai à senhora M. em vez de ir para o inglês e deve escrever um texto no recreio. Eu lhe sugiro que escreva sobre sua raiva. Eu leio insultos endereçados a colegas, a professora de inglês e a mim. De noite, ele tenta escrever sobre o álbum dos correspondentes. Ch. nota, ele parou em tempo. M. dorme em pé e Y. não fez nada com Senhora B. Os progressos são ainda frágeis, mas foi a única jornada difícil até as férias de páscoa. Dezesseis de abril, após uma decisão tomada em reunião com os chefes de equipes, J. pode Participar de novo do Conselho, visto seus progressos. Fim de ano: uma serenidade no trabalho

Os problemas de fim de recreio perduram, em particular no futebol, em que o anúncio do fim do recreio suspende o placar definitivo da partida. T., Ch., E., J., A. e outros podem então retornar se estapeando ou se insultando. Entretanto o retorno à calma se faz antes de entrar no corredor, quando cada um chega em seu lugar marcado sobre o banco, e depois de algumas multas imediatas, as ofensas cessam. O caderno de inscrições no Conselho é então frequentemente utilizado, assim que se entra na sala, os mesmos alunos se encontram em torno daquele, para se inscrever cada um na sua vez, mas na calma. Depois eles retomam o trabalho. Nos meses de maio e junho dois encontros acontecem com nossos correspondentes. Estou bastante tensa, tenho medo das derrapagens e permaneço vigilante. Entretanto estas duas jornadas se desenvolvem pelo melhor. Nós inventamos com eles histórias ou poesias, apresentações. As conversas e o trabalho são de qualidade e eu noto uma atenção e um respeito firmes. Reais afinidades se desenvolvem para muitos dos correspondentes. E., entretanto, nos dois encontros, machuca um aluno durante a recreação. Ele é isolado e fica calmo ao voltar para sala. Ele passará, entretanto, 30 minutos na sala da diretora, depois de reclamações sucessivas e reiteradas de seu correspondente, que sofre para terminar a ilustração com ele. Com as greves, as ausências de B., seu tutor, os esquecimentos de seu pai de levá-lo em sua psicoterapeuta e a separação de seus pais, associada a uma mudança, E. tem dificuldade em retomar estas duas últimas semanas e encontrar as poucas marcas que se tinha feito com dificuldades. Seus progressos permanecem frágeis. Ele não reintegra equipe.

Em 16 de junho, nós vemos nossos correspondentes pela terceira vez para participar, com eles, numa jornada cujas atividades se passam no mato. Esta jornada se passa sem incidentes, incluindo o trajeto de ônibus que dura mais de uma hora. Trazemos para sala os frutos e folhas coletados a partir dos quais se faz nosso primeiro e único álbum coletivo do ano do qual todos ficarão orgulhosos. De voltas às aulas após o feriado da Páscoa, L. tem um grande período de calma acompanhado de progresso em seu trabalho. Entretanto, neste fim de ano, ela descobre que mudará de escola. Ela recomeça então as sessões de recorte-colagem. O trabalho solicitado é, entretanto, feito, e ela seleciona, seriamente, os critérios que quer validar em seus livretos de francês e de matemática. Ela permanece percevejo dourado até o fim do ano e também não pede, aliás, para não mais o ser. – J. recuperou o direito de participar no Conselho, mas permanece percevejo vermelho. Duas semanas antes da saída, como em cada período precedendo às férias, seu comportamento regride. Ele tem novamente exercícios, pois ainda não recuperou o direito de utilizar a moeda. Terça-feira, 1o de julho, é o último Conselho antes da grande feira do ano que acontecerá no último dia (4 de julho) e que se desenvolve, no pátio, entre as 3 salas. Eu sei que J. se inscreveu para pedir para participar dela. Entretanto, visto seu comportamento, ele tem dois exercícios para resolver, exercícios que ele se recusou a fazer em toda a recreação. São 15h30 e o Conselho começa. Anúncio a J. que ele não pode participar enquanto seu trabalho obrigatório não estiver terminado. Ele o faz rapidamente e está pronto quando sua inscrição é lida. Eu pensava em propor seu pagamento de trabalho em ateliês para ter um pouco de dinheiro para esta feira, mas Y. tem uma ideia que será aceita depois de voto: O banco dá 10 para J., mas se ele tiver 5 barras de incômodo não terá mais que 5; 10 barras ele não receberá nada mas poderá

vender, 15 barras, ele não poderá de modo algum participar da feira. J. aceita, ele sabe que a decisão será aplicada. – J. vai terminar o ano serenamente pois ele está particularmente perturbador estes últimos dias, sinal que eu interpreto como uma angústia ligada ao ano que acaba. A quinta-feira seguinte, ele atinge 5 barras e depois deixa de incomodar. Ele participa, assim, da grande feira com 5 no bolso. Ele ajuda, em seguida, ativamente na arrumação da sala e fará uma avaliação positiva de seu ano. Tentar compreender As mudanças operadas na entrada das férias de fevereiro acalmaram tanto os alunos quanto eu. Eu soube na sequência que J. tinha se inscrito no Conselho, algumas semanas antes, para pedir para ficar sozinho numa mesa. Aliás, na última reunião antes das férias, M., seu chefe de equipe, tinha proposto esta solução. Eu a tinha rejeitado, argumentando que com as férias chegando, as equipes mudariam e o comportamento de J. poderia se arrumar na volta às aulas, uma vez descansado. Eu sou a última ver, claro, depois do principal interessado e seu chefe de equipe. Através disso não está a recusa de ver minhas dificuldades que transparecem, ou a recusa da separação dos perturbadores? Gostaria de ter normalizado J. mas recusei suas dificuldades, seu mal estar. Eu não levo em consideração suas resistências inconscientes, o medo que ele tem do grupo enquanto eu o mantenho ali. Mas, por outro lado, é escapando do grupo que se consegue se sentir mais a vontade? O livro de Jean Oury que estou lendo durante as férias de fevereiro me ajuda a tomar consciência disto. – J. recusa as instituições que eu proponho e quero lhe impor. Eu não aceito sua recusa. M., aluna da mesma idade e da mesma sala, entendeu e propõe uma outra instituição, somente para ele. J., percevejo vermelho, ajuda muitoL., percevejo dourado, em seu trabalho.

Em aprendizagem mútua ele ensina suas primeiras palavras de ditado a M. Ch. pinta ao lado de T. Eles conversam, discutem sobre suas produções. F. tem sempre dificuldade em aceitar as regras que regulam em particular sua tomada de palavra. Ele já está dotado de todo os tipos de aprendizagens. Em artes plásticas, ele ajuda os outros na terra, aconselha, aprende, faz com, aceita assim dar o tempo que toma em detrimento de sua própria produção, entretanto tão perfeccionista... – H., de comportamento imaturo desde o início do ano, se encarrega de M., o aluno trissômico; – B. lê com E. – Ch. ajuda todos os membros de sua equipe em matemática. J., Ch., F., H., B. e C. fizeram com os outros. O “tá bom, isto!” deles avalia sem muito por a mão na massa, a massa deles... Isto pode parecer pretensioso, mas eu tenho a impressão de ter aprendido tanto este ano. Graças a esta sala tão intrigante, eu trabalhei muito com meus pares, discuti, troquei. Como já desconfiava, meu grau de enervamento ou de calma tinha uma influência negativa ou positiva sobre estes alunos tão frágeis. Volta na minha memória um incidente, do qual sou pouco orgulhosa, mas que me fez, finalmente, um efeito de choque elétrico, também a mim. Na véspera das férias de Todos os Santos, K., a auxiliar de educadora, estava emburrada há vários dias por uma reorganização do calendário. Eu aceito muito mal sua atitude que incomoda nossas relações de trabalho. Quinta-feira depois do almoço, ateliês de artes plásticas. K., em vez de estar presente na sala de aula, para ajudar no ateliê terra, emburra no outro lado da escola, na frente de seu computador. C., cuja sala está ao lado da minha, foi à biblioteca. Estou então só no prédio, face a meu alunos mais agitados como eles sabiam tão bem ser, nos fins de tarde, neste início de ano. Eu me sinto tomada por todos os ateliês, o barulho, a agitação, as diversas solicitações, eu me sinto abandonada, não há mais meios de me segurar... De repente, percebo que F. patina há 45 minutos numa bela massa azul de tinta, mas que seu desenho começado há 2 sessões não

avança. Num instante, tudo retoma: K., minhas dificuldades face a estes alunos, a excitação de alguns, as discussões muito altas, o calor da sala... Eu sei que estou só, C., minha vizinha, não pode me escutar, eu explodo. Completamente histérica, eu grito com F., em completa falta de relação com a gravidade da situação: “Mas enfim, F., você tá de gozação comigo? Já faz uma hora que você patina, você não está mais no maternal! Se você está com vontade de patinar, vá lá fora, na terra, mas não na sala de aula. Você quer que a gente vá perguntar a senhora M. se você pode patinar na sua sala?”. E, aos gritos, me dou conta do ridículo da situação e de minha reação completamente fora de lugar mas, continuo. F. me olha, me escuta (deve se perguntar o que está acontecendo comigo) e continua a patinar com seu pincel. Eu levanto a cabeça em direção ao corredor e percebo, através dos vidros, as costas da coordenadora, que tinha vindo por causa de alguns papéis no corredor. Tive vontade de desaparecer de uma vez, senti-me muito mal... M. retorna como chegou, sem se manifestar. Eu nunca mais gritei com um aluno durante o resto do ano. Encontro-me sempre, apontando demais o que não está certo, mas como para os alunos da minha sala, eu pude “crescer” um pouco este ano: fui auxiliada por meus pares de trabalho que igualmente “fizeram” comigo, eu produzi na e para a sala. A exigência delas, para o trabalho realizado em conjunto, me levou a novas exigências. A qualidade de suas reflexões e a atenção autêntica que eles me deram face minhas dificuldades me obrigaram, de algum modo, a me interrogar, me dominar. Para ser digna de atenção deles? Não seria da mesma ordem, o que aconteceu entre F. e T., F., Ch., B. e E...? Face este grande número de crianças em dificuldade, o grupo sala, portador das instituições, não esteve em perigo mas foi muito fraco. Descrever é difícil, tentar compreender o que se operou o é igualmente. Eu prefiro escrever, em algumas palavras, o que me evocou a leitura

da discussão entre Jean Oury e Marie Depussé, falando entre outros, dos esquizofrênicos que vivem em La Borde, e que eu transponho na sala. Falar de trabalho para fazer, organizar-se para realizá-lo. Falar das produções mais ou menos realizadas, antes que obrigar o outro a falar dele, lhe pedir para explicar seu comportamento, é tão difícil falar de si, quando não impossível... Dar o direito ao silêncio... Estar presente sem ser invasor. Ser vigilante e intransigente, mas ser justo. Tomar tempo. Tentar fazer com os alunos. Aceitar que eles estejam fora do sistema, que eles tenham necessidade de estar sós, por um tempo talvez longo. Aceitar que certas instituições nas quais eu creio, e que me fazem uma imagem da sala como eu gosto, não convêm para todos estes alunos, por um tempo. Investimento na sala, por todos, lentamente. Investimento no trabalho. Como se a energia posta na violência se movesse, ao serviço deste trabalho que podia então desempenhar seu papel de terceiro. Conter e se conter mais que constranger. Se o aluno não fez nada, tomar o tempo para fazer ou refazer com ele. Acompanhar, como em certos casais: Pedro e Françoise, Fabien e Teddy, Fabien e Christophe, Julien e Louise, Julien e Teddy, Baptiste e Ellie, Ambre e Elsa, Hélène e Maxime, Jade e Chloé... Acompanhar, sim, mas aceitando sofrer o corte da lei que impede a fusão e separa. Em janeiro, eu disse à sala: “ter prazer em trabalhar não é brincar trabalhando.” Acredito que deveria ter acrescentado (mas tinha eu consciência disto naquele momento?): “Estar bem na sala, existir se sentindo sujeito respeitado e respeitador, não é fazer a fusão que permite se sentir amado ou odiado.” Eu teria podido dizer a toda sala, mas teria igualmente podido dizer a mim mesma. A sala difícil e o cansaço eram falsos pretextos para justificar meus gritos ou minhas interpelações individuais. Nestes momentos, eu passava por cima das instituições, eu não utilizava os terceiros dos quais eu dispunha (Conselho e chefes de equipe). Finalmente, me bastaria pensar que, na urgência, era a solução mais rápida mesmo se eu

sentisse que era ineficaz. Eu não admitia que eu me autorizava e assim autorizava a fusão. Havia regras (um regulamento que permitia o trabalho), mas não Lei que separa e que autoriza se tornar sujeito em via de construção. Foi necessário que eu abandonasse minha soberania pelas regras para aceitar o corte da Lei. É o trabalho com meus pares que me permitiu, cada vez mais, instituir novos terceiros na sala e, de modo implícito, ajudar a submeter-me, eu mesma, à Lei. O que me permitiu sair desta situação é que eu nunca me contentei em sofrer sozinha. Eu nunca temi falar de minhas dificuldades, de buscar, só e com os outros: meus colegas de escola, o grupo de fala. Eu não teria conseguido nunca chegar lá só.

Pedagogia Institucional: o saber das vivências do cotidiano e a violência escolar Rosane Gumiero Quando participou do Colóquio Fernand Oury sobre a Pedagogia Institucional, ocorrido nos dias 1 e 8 de novembro de 2008, na Université Paris Ouest/Nanterre, Pain (2008, p. 9) perguntou-se: “em 2050 na Europa uma de cada dez pessoas não será originária do país em que habita. Que pensar então do que vai acontecer nas escolas e nas universidades europeias? Como ensinar fora das culturas ou não levá-las em conta? [...] acolher a dificuldade ou escolher o sucesso standard?”. Apoiando-nos nesse questionamento, cabe-nos afirmar, a princípio, que o assunto não é apenas educacional, mas também antropológico, social, cultural e histórico. Consideramos que dele surge um desafio para os educadores: o de transmitir o conhecimento sem um pré-julgamento, educando a todos sem distinção de língua, raça ou nacionalidade. Em resposta ao desafio, buscou-se aprimorar a bagagem teórica e prática do saber acadêmico como psicóloga escolar, educadora e pesquisadora da educação. Estudamos e aplicamos alguns princípios da proposta da Pedagogia Institucional, teorizando sobre a institucionalização da fala, o trabalho em cooperação e a desmistificação da incapacidade de aprender. Entendemos que tal proposta oferece um caminho para que o aluno se autoconheça em sala de aula, adquira autonomia e seja reconhecido como construtor de sua história. Cabe ao professor e à coordenação da escola atribuir valor às experiências vivenciadas no cotidiano de uma cultura local e reconhecer as diferenças de cada um por meio do respeito pela história do outro.

Nossa intenção neste item é expor os resultados desse estudo. Começamos por uma breve apresentação da Pedagogia Institucional, com destaque para seus pressupostos metodológicos. Em seguida, oferecemos alguns exemplos de nossa experiência nesse campo, abordando como foram aplicados e colocados em prática os princípios da Pedagogia Institucional, bem como algumas técnicas pedagógicas de Freinet (aula-passeio, texto livre e jornal escolar). Por fim, procuramos realizar uma reflexão a respeito do ato de aprender e ensinar por meio da integração entre a educação nos bancos escolares e a educação não formal, tendo, como nortes o social, a cooperação e a solidariedade. Assinalamos que esses caminhos se apresentam como possibilidades para a prevenção de conflitos escolares, principalmente da violência escolar. Reportamo-nos a uma colocação feita por Masini (1978, p. ???) em seu livro Ação da Psicologia na Escola. Ao descrever experiências da psicóloga Aida Vasquez e do psiquiatra Jean Oury sobre a Pedagogia Institucional, ele afirma: “estes autores não catalogam receitas pedagógicas, nem procuram descrever um modelo qualquer. Pretendem apenas relatar uma experiência vivida, sugerindo um guia de trabalho, cujas instituições1 devem-se basear em suas próprias realidades». Considerações sobre a Pedagogia Institucional Marx (1974, p. 25) afirma que “o modo de produção da vida material condiciona em geral a vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, ao contrário, é o ser social que determina sua consciência”. Portanto, entendemos que, atuando sobre a natureza, o homem a transforma, ao mesmo tempo em que é transformado por ela. 1 Instituições aqui significam a institucionalização de normas e técnicas em sala de aula.

Com essa perspectiva, consideramos que, para utilizar em sala de aula os materiais e técnicas anteriormente mencionados, é importante nos apropriarmos do conceito materialista de práxis,

assim como reconhecer a importância dos grupos cooperativos. Alguns autores como Bock (2009) e Facci e Silva (1998) concordam com os princípios do materialismo de que o homem é um ser ativo, social e histórico, a sociedade é resultado das intervenções dos homens, o trabalho é instrumento de produção da vida material, as idéias são representações da realidade construída materialmente e a história é um movimento contraditório constante do fazer humano. Para Azevedo (2010, p. 38), “toda ação implica ou explicita uma reação com a práxis. Portanto, toda ação implica um comprometerse, um envolver-se e ao mesmo tempo tornar explícito, claro o fato ou o objeto desejado”. Segundo o autor, práxis é a união da interpretação da realidade, que podemos chamar de teoria, com o conhecimento científico; prática é a realização, é o ato consciente do sujeito na transformação de si mesmo e do mundo que o cerca. Os grupos cooperativos são aqueles que desenvolvem atividades em conjunto, segundo uma divisão de tarefas, mas visualizando um bem comum. Segundo Filonov (1985), Makarenko foi um dos primeiros pedagogos soviéticos a divulgar decididamente a idéia de integrar diversas células educativas e pensar a educação em cooperação: escola, família, clube, organização social, comunidade de produção, bairro. Ele insistiu particularmente em apontar o papel essencial da escola como centro metodológico e pedagógico que mobiliza as forças educativas mais qualificadas e profissionalmente mais competentes para utilizar o conhecimento originário do aluno e aplicá-lo no aprender educacional e coletivo. Podemos mencionar aqui a experiência do professor Laffitte (2008) a respeito de grupos cooperativos e da práxis na construção de grupos para desenvolver atividades em sala de aula. Para mudar as relações entre as pessoas, é necessário que a sala de aula não se torne somente um grupo de consumação (de saber), mas um grupo de produção e de troca. O ideal é ter uma produção

cooperativa de objetos culturais trocáveis, sociáveis e que aprendam a ler escrever, contar e crescer. Um exemplo perfeito dessa cooperação é o jornal escolar de Freinet. Para realizá-lo, é indispensável cooperar, é indispensável que as crianças trabalhem em grupos e não isoladas em sua carteira (p. 84)2. Metodologia A metodologia utilizada na pesquisa foi a da observação participante, instrumento que melhor responde aos nossos propósitos. Conceituando essa metodologia como aplicação da pesquisa qualitativa, Minayo (2004) e Malinowski (1975) referem-se a vários aspectos. Um deles é o de que existe um processo de interação do pesquisador com o meio ou sujeito a ser observado. Outro é o de que esse processo ocorre pelo fato de a investigação ser realizada preferencialmente em um grupo social pouco conhecido e com dimensões diversas da que pertence o investigador. Outro, ainda, é o de que, para se adaptar, o pesquisador passa por vários momentos, tanto agradáveis quanto desagradáveis, tendo frequentemente que aprender novas normas, linguagens, costumes etc. Outro aspecto, relacionado aos demais, segundo Minayo (2004), é o de que, ao participarmos da vida de um grupo social ou educacional, ao vivenciarmos seu cenário cultural, colhemos dados e nos tornamos parte do contexto. Quando observamos, sofremos um processo de ressocialização (ANGUERA, 1989), no qual, ao mesmo tempo, modificamos e somos modificados. Em síntese, na observação participante, ocorre uma integração entre as duas partes: o observador e o observado. Com base nesse suporte científico, nesse instrumento metodológico, descrevemos os resultados de nosso estágio de pós-

doutorado, quando tivemos contato com alguns pressupostos da Pedagogia Institucional. 2 Pour faire bouger les rapports entre les personnes, il faut que la classe ne reste pas qu'un groupe de consommation (savoir), groupe de production de l'ONU devienne plus et d ' échangé “idéal étant une production co-opérative d’ objets culturels échangeables, socialisable et qui apprennent à lire, écrire, compter et grandir. L'exemple parfait en est le Journal de pédagogie Freinet. Pour le réaliser, il est indispensable co-opérer [...] pour le réaliser, les enfants vont devoir travailler à plusieurs et non plus à leur pupitre ERG Klein”.

Um desses pressupostos é o da macroanálise. As situações ou fenômenos educacionais vivenciados não podem ser analisados de forma unidimensional, sendo necessário envolver o social, o psicológico, o afetivo, o econômico, o político e o pedagógico. Apontamos também outros princípios, que demarcam a própria situação escolar: a escola não deve estar separada da vida; a palavra é um meio de conter a violência; aprendemos a partir de nossas experiências; deve-se questionar as práticas individuais em sala de aula; a hierarquia que institui o professor como detentor unilateral do saber e do poder unilateral, cujas decisões não devem ser discutidas. Esses são os pressupostos do conjunto de técnicas, de organizações, de métodos de trabalho da P. I. Com base em normas e regras nascidas da práxis, crianças e adultos são levados a vivenciar novas situações, que requerem de cada pessoa uma iniciativa, uma ação. Nessa dimensão, embora a pessoa seja autora de sua vida, não a escreve sozinha. Técnicas Pedagógicas de Freinet Como a Pedagogia Institucional foi elaborada com base no movimento freinetiano e em suas técnicas, também nos apoiamos nesse suporte para realizar nossas reflexões. De seu ponto de vista, o professor deverá aproveitar todas as experiências e descobertas que a vida fornece aos alunos em

diferentes momentos e que eles trazem de suas vivências. O autor alerta que o ensino é movimento e se faz movimento por meio das necessidades do aluno e da organização meticulosa da sala de aula. Dessa maneira, utilizando-se sempre do que chamou de utensílios (recursos) e técnicas, é possível facilitar o trabalho pedagógico. Entre esses recursos, ele menciona a aula-passeio e o texto livre, os quais oferecem subsídios para a posterior elaboração do jornal escolar. Neste item, procuraremos mostrar que, por meio das técnicas mencionadas e de experiências que não são necessariamente vivenciadas em uma sala de aula convencional, é possível promover o aprendizado. Pretendemos recomendá-las, sugeri-las, para que, com base em uma vivência real, quando o aluno descreve insatisfações, o educador possa auxiliar seu despertar, o desejo e a necessidade de aprender. Ao descrever a aula-passeio, fazemos um contraponto com nossa viagem a Paris para a realização do pós-doutorado, quando, por meio da vivência, pudemos conhecer essa cidade; ao mencionar o texto livre, reportamo-nos às anotações e aos registros de nossa construção do conhecimento, dos sentimentos e das reflexões; por fim, o jornal escolar corresponderia à elaboração e à impressão desta coletânea. Apresentamos inicialmente algumas questões teóricas relacionadas à aula-passeio, que se caracteriza basicamente por visitas a lugares fora dos muros escolares, as quais podem ou não ser planejadas previamente. Tanto nós, como pesquisadores, quanto os alunos e o próprio professor utilizamo-nos da técnica da observação e da pesquisa do cotidiano para conhecer, aprender a ler a vida, o mundo e a comunidade intra ou extraescolar. Tais visitas requerem troca de informações constantes por parte de quem está conhecendo e de quem já conhece. Desta forma, qualquer um desses observadores terá a oportunidade de relacionar os conhecimentos apreendidos à teoria estudada nos manuais escolares. Entendemos que essa

prática é organizada em três momentos: o do conhecimento historicamente construído e sistematizado; o do conhecimento assimilado e transformado pela cultura; por fim, o da elaboração das próprias reflexões e histórias por meio do texto livre. A técnica do texto livre, que pode ser um texto literário ou um desenho, tem o objetivo de instigar o desejo e o despertar da necessidade para a escrita com base em um tema escolhido pelo estudante. Em nosso caso, o tema do texto livre seria a leitura de uma realidade distinta. Como os pressupostos de Freinet e Fernando Oury são as experiências de vida no meio em que vivemos, concordamos então que todos os acontecimentos são importantes para escrevermos um texto e elaborarmos um pensamento. Lembramos ainda que essa técnica é muito mais que um método pedagógico: além de oferecer elementos para uma escrita correta, para a aprendizagem gramatical, ortográfica e vocabular, é a forma de expressar e elaborar sentimentos, que podem ser de cunho social, familiar, escolar. Como afirma Fernand Oury3, devemos “levar o aluno ao desejo de expressar alguma coisa, ou pelo afeto ou pelo interesse” (1998, p. 52). Freinet, em 1975, já entendia o texto livre como a exteriorização do que está na criança, do que a movimenta emotivamente do que a faz rir ou chorar, do que lhe povoa os sonhos, do que a faz experimentar sensações inexprimiveis, mas que são sobretudo o que sente em si de mais precioso e insubstituível. A esta profundidade, o texto livre é, ao mesmo tempo, confissão, desabrochar, explosão e terapêutico (p. 65). Somando suas preocupações às de Celestin Freinet, Fernand Oury e Jacques Pain mencionam também a necessidade de os estudantes em geral exercerem a prática do diálogo, escrevendo ou verbalizando suas relações reais ou histórias inventadas. Segundo

os autores, tudo o que é expresso não fica reprimido e nem contagiado com valores falsos ou imaginários. Essa seria uma das contribuições da Pedagogia Institucional para a prevenção da violência escolar, já que o entendimento é de que, enquanto o estudante se expressa, libera suas angústias, incertezas e dúvidas. Nesse momento, como menciona Freinet, um ato terapêutico se inicia. Por fim, faremos também uma breve enunciação sobre a técnica do jornal escolar como uma das possibilidades de divulgar e expressar nossas ideias e conhecimentos e também de mostrar que a partilha e o coletivo são um caminho para novas discussões. O jornal escolar como Técnica de Cooperação O jornal escolar é, dentre outras (como o texto livre, a correspondência interescolar, as pesquisas e a aula-passeio), uma técnica educativa desenvolvida por Freinet e utilizada na Pedagogia Institucional. É uma produção de cunho acadêmico e social, cujo processo envolve aspectos psicológicos, cognitivos e afetivos. Segundo Nasini (1978), “é uma técnica privilegiada porque é a uma só vez: manual, intelectual, repetitiva, pessoal, socializante, individual e cooperativa. Nele é possível juntar o que costumamos separar: pensamento e ação, individual e coletivo, artistas e técnicos, criadores e executantes” (p. 93). 3 Poussé par le désir d’exprimir une chose qui le touche affectivement, ou qui simplement l’intéresse.

Tais aspectos são mais presentes no primeiro momento dessa construção, porque, para elaborar um texto para publicação no jornal da sala de aula ou da escola, o estudante deverá inicialmente desenvolver um texto individual, com um tema livre, de sua própria autoria, escolha e vivência. Hevéline e Robbes afirmam: “O jornal escolar é, acima de tudo, no espírito de Freinet, a coleção de textos livres escolhidos, revisados, impressos e ilustrados pela turma” (2009, p. 47).

Em uma segunda etapa, cada aluno faz a leitura do texto que elaborou, discorre sobre seu tema e pode responder perguntas feitas pelos colegas da sala. Em seguida, um ou mais textos são eleitos para ser trabalhados em sala e divulgados no jornal. O texto apreciado passa por um julgamento coletivo, no qual todos auxiliam o professor a pensar e a corrigir algumas questões, tais como: número de páginas, problemas e erros de ortografia, de vocabulário, de colocação de ideias. Na verdade, o autor do texto deixa-o livre para ser compartilhado e modificado. Nesse momento, o texto perde a característica individual e torna-se coletivo, socializado. A etapa das correções destaca-se porque torna a elaboração do texto coletiva e solidária. Cada aluno recebe uma cópia do trabalho, que, individualmente ou em pequenos grupos, é reestruturado. Ao longo desse percurso, os alunos exercitam o uso da palavra, consultam regras ortográficas e gramaticais, fazem uso do dicionário, discutem ideias, fazem acordos, exercitam a ação do pensamento e se auxiliam na escrita correta. Após as correções, uma nova etapa se inicia: a da confecção do jornal. Coletivamente, após discussões e argumentações, são votados: o nome do jornal; os contratos; os alunos responsáveis para supervisionar seu andamento; o sumário; os temas a ser desenvolvidos pelos grupos (chamados de “textos coletivos”); os chefes e a as equipes; como será feita a divisão do trabalho no interior de cada equipe; a formatação dos textos; as ilustrações; a tiragem e os critérios de uma possível venda. A seguir, oferecemos um exemplo dos itens que compõem um jornal de sala de aula completo: Nome: título sugerido pelos alunos e professores. Sumário: aqui são listados os temas a ser tratados no jornal. Por exemplo: a vida da classe e da escola; a pagina esportiva; a página literária; a página documentária, entre outros. Os textos eleitos: encontram-se neste item os textos elaborados

pelos alunos em sala de aula e escolhidos por votação. Os assuntos dos textos remetem ao referido sumário. Estes,devem estar perfeitos ortograficamente e ilustrados. Os responsáveis: nesta sessão aparece o nome de todos os colaboradores da edição. Seu papel: cada aluno é designado para um determinado papel, portanto a responsabilidade de cada um é representada pela sua função na edição. Por exemplo, o tesoureiro : vendas e contas; a constituição das equipes; a responsabilidade dos ateliês: encadernação e capa. O contrato: neste item explicitam-se as regras e normas que o jornal deverá cumprir. Por exemplo, o jornal não publicará vulgaridades; terá fins acadêmicos e de informação; será próprio e ilustrado; o jornal não conterá mentiras e será elaborado totalmente em grupo, em cooperação. Assinaturas dos alunos da classe: todos os alunos da sala de aula participaram desta edição, mesmo que indiretamente. Portanto, todos serão responsáveis pelo trabalho que será divulgado e encaminhado (PELLARD 2009, p. 5). O jornal, além de ser organizado e vendido pelos alunos, é um instrumento de mediação cultural e de correspondência entre estudantes da mesma escola ou de escolas de cidades e estados diferentes. Segundo Jean Oury (2008), um dos interesses do jornal é justamente a possibilidade de o estudante sair da sala de aula, dos seus quatro muros e se expor para a comunidade e a sociedade. Buscam-se, dessa maneira, a convivência e a troca de saberes com a própria realidade social. A contribuição dessa técnica para a contenção da violência escolar está justamente na aprendizagem da negociação, do compartilhamento de dificuldades, da busca de soluções coletivas para determinados problemas e acima de tudo da diluição do poder. Isso porque “o jornal é um trabalho de equipe e, portanto, um aluno não pode interromper o seu trabalho, senão os seus companheiros também deverão parar. Exige ações coordenadas, na medida em

que é um trabalho coletivo e individual ao mesmo tempo. Cria uma micro-sociedade de cooperadores” (MASINI, 1978, p. 95). A seguir, com discurso em primeira pessoa do singular, apresentamos nossa experiência em um país distinto como um exemplo de aula-passeio, cuja redação exemplifica a técnica do jornal escolar de Freinet. Pedagogia Institucional: o saber das vivências do cotidiano e a violência escolar Paris, uma parte do todo. Um pouco de cada um dos mundos. Um pouco de cada nação. Um viver com a diversidade, todos os dias. Eu me perguntava: como é que eu posso aprender a viver em uma cidade tão heterogênea? Na verdade, eu também estava procurando minha identidade por meio de uma estratégia coletiva. Afinal, estava acontecendo uma mobilidade geográfica que acarretava uma possível transformação em sentimentos, cultura, afetividade, identidade de linguagem, valores, diferença de status social. Ou seja, estas questões podem transformar e afetar toda uma dimensão psíquica e simbólica. Oumeddour (2010) afirma que: Na ocasião de uma mobilidade geográfica, o sujeito ultrapassa as fronteiras geográficas e simbólicas, que o colocam em uma situação inédita de descontextualização. Ele pode nesta situação diferenciarse, fazer a experiência em outro lugar que o autorize a construir uma identidade de procedência incerta ou reinventar uma identidade que melhor lhe convém. Esta automatização o autoriza a afirmar sua singularidade, restaurando um espaço para as diversas culturas (slides). Nos primeiros meses da minha estada em Paris, procurei conhecer a cidade. Andei… andei… por muitos lugares diferentes: ruas, avenidas, museus, lojas que vendem diferentes mercadorias,

mercados, metrô, ônibus, trem. Sentia grande necessidade de reconhecimento, ou seja, de me situar na cidade, saber o que se vende, o que se compra, o que as pessoas comem, bebem, como se vestem, como olham, enfim, como viver em um lugar que entrecuza uma cultura milenar, um dos berços da humanidade, com, talvez, a maior miscigenação de raças por metro quadrado, o que implica o uso de diferentes línguas ao mesmo tempo. Pessoas de raças e costumes diversos, roupas muito coloridas, curtas, longas, bordadas, cintilantes, homens e mulheres com chapéus na cabeça (quase todas as mulheres se vestem com várias peças de roupa sobre o corpo4), rostos e olhos muito maquiados, cabelos esvoaçantes ou presos (alguns são uma espécie de pirâmide com volume exagerado). O olhar, o olhar de muitas pessoas chama a atenção porque está sempre direcionado para nenhum lugar. São os não-olhares. Nos bancos do metrô, muitas pessoas leem ou ouvem coisas pelo fone de ouvido (nossa, como as pessoas usam o fone de ouvido e saem andando, correndo!), quase não se ouvem vozes dentro do metrô ou RER, a não ser a palavra pardon para sair e abrir espaço ou então para se desculpar por ter encostado em alguém: o toque involuntário não é bem aceito, pode ser considerado invasão de privacidade. Por meio do olhar, observei tudo, como se fosse a primeira vez. Quase tudo o que via era novidade para mim. Não conhecia muitos objetos, nem sabia qual era sua utilidade. Quando ia ao supermercado, desconhecia 30% dos produtos, principalmente os enlatados. Não foi só em virtude das dificuldades de compreensão da língua, o fato é que tais produtos não fazem parte da minha cultura. Algumas vezes, comprava determinados produtos, provava e não aprovava. Outras vezes, não comprava por não saber o que era, nem como fazer. A minha cultura é de um bom arroz com feijão e, claro, o café brasileiro.

4 Muitas roupas pelo corpo são chamadas pelas francesas de superposições. Maneiras de construir a “sua moda”.

O que se tornou interessante é que, com o tempo, fui apreciando a cozinha francesa, principalmente o cuidado, a beleza, a sofisticação de um prato. Tudo o que era feito com farinha e chocolate era muito saboroso, assim como outros alimentos. No entanto, para os franceses, tudo realmente simboliza o prazer de estar à mesa. Cada alimento, não importa se carne, legumes, vegetais ou especiarias, é decorado e ornamentado em um prato. Os mesmos cuidados e finezas dispensados aos alimentos puderam ser observados em outras situações, principalmente em lojas de roupas, joias, calçados, artes, museus, igrejas, farmácias e livrarias. Posso dizer também que a relação com as pessoas, pelo menos com as francesas, segue algumas regras de tratamento. Em algumas ocasiões em que, no provador de lojas, olhei e admirei a roupa que as mulheres experimentavam, olhando-se no espelho, levei grande susto. Elas olharam pra mim e disseram: eu te conheço? Pareciam querer dizer: você me conhece para sorrir ou olhar assim para mim? Ou seja, é melhor não tocar a pessoa se você não a conhece e nem tratá-la com qualquer mostra de proximidade. O reverso também é verdadeiro: quando ocorre a integração entre nós brasileiros e franceses, ou outro povo, acontece o despertar dos interesses, uma relação de trocas verdadeiras, ou seja, a cultura do aprender, das aproximações. Esse tratamento também ocorreu em cada mercado, em cada loja de roupas ou acessórios, nos mínimos detalhes. Eu observava e manuseava tudo com cuidado, atenta ao valor com que tudo era tratado. Sei que estava buscando me reconhecer em cada objeto, para me apropriar das coisas materiais e fazer um reconhecimento pela cidade. Mais, para ser aceita e tentar uma aproximação, comprei e usei roupas, calçados e acessórios franceses. Além de andar pelo cais e pelas proximidades do rio Sena, maravilhoso, explorei as ruas e avenidas que comportam os

grandes cenários das artes e dos monumentos5. Nesses lugares, a limpeza das ruas, o bom cheiro das comidas nos restaurantes e a beleza das grandes lojas6, de marcas importantes, transportam-nos, de certa maneira, para um mundo de sonhos, de fantasias e bem estar, para a sensação de termos podido chegado ao coração da França e ao “topo” do mundo moderno. Paralelamente, andei pela periferia, por lugares de pouca limpeza; vi pessoas trajando roupas simples, comendo apressadamente na rua seu enorme sandwich. Não eram muitos, mas vi homens e mulheres deitados nos bancos do metrô, maltrapilhos e pedindo ajuda em dinheiro. Assisti à arte de pessoas que cantavam, tocavam instrumentos, faziam encenações dentro dos trens, em troca de moedas. Deparei-me constantemente com a nossa velha e conhecida fila: caixas de mercado, ônibus, metrô, tramway, banco. Todos, apressadamente, precisavam chegar a algum lugar… O desejo de pertencer me fez buscar algumas integrações. Embora eu não tivesse o domínio da língua francesa, descobri que também podia me comunicar por meio de gentilezas, olhares, sorrisos e gestos. Inicialmente, a observação, o sensitivo e a experimentação foram instrumentos de um novo conhecer. Estes mecanismos de aprendizagem, (ouvindo as pessoas falando, tanto pessoalmente, nas aulas que frequentei na universidade e nas escolas de língua, quanto nos colóquios, nas lojas; lendo livros de receitas e assistindo TV) abriram espaço para um outro e novo conhecimento cultural, apropriado no cotidiano e na vivência do “desconhecido”. Essa observação leva-nos a citar Brandão, para quem: “só o educador ‘deseducado’ do saber que existe no homem e na vida poderia ver educação no ensino escolar, quando ela existe solta entre os homens e na vida” (1981, p. 109). Compreendi também que, realmente, algumas coisas existem apenas para apreciarmos e usufruirmos de sua grandeza. Deve-se tocar apenas com o sensitivo e aprender que é importante conhecer e refletir sobre a

5 Podemos nomear alguns deles, como por exemplo: Arc de Triomphe, Centre Georges Pompidou, Cathédrale Notre-Dame, Église du Sacre Coeur, Tour Eiffel, Musée du Louvre, etc. 6 Principalmente na Avenida Champs Elysées, encontramos grandes marcas como: Mont Blanc, Lancel, Louis Viutton, Hugo Boss, Peugeot, Cartier, Armani, Swarovski, Nike, etc.

geração de antepassados, muitos dos quais não letrados, que nos deixaram suas heranças e nos mostraram como expressar e entender os sentimentos humanos no silêncio das pedras e tintas. Os monumentos, as pinturas dos tetos, os jardins, as tapeçarias, as esculturas, os móveis expressam, com detalhes, o primor com que as coisas são feitas, a beleza e o respeito pela arte, pelo trabalho, e nos dizem silenciosamente que a humanidade foi e é construida pelas mãos dos homens, pela capacidade que eles têm de se expressar e elaborar coletiva e solidariamente sua historia. Essa história é contada nos versos, na poesia, assim como nas homenagens das pessoas que construíram e deixaram sua vida em cada canto da cidade. Conforme eu ia vivenciando e compreendendo a realidade que, até então, eu somente conhecia por meio de livros e da imaginação construída, conseguia entender e valorizar a expressão do OUTRO sobre o mundo real e subjetivo. Isto é, fui desenvolvendo um grande senso de responsabilidade e respeito, mecanismos que me auxiliaram na apropriação de alguns aspectos da cultura francesa e da importância dessa história para a construção da minha própria estória. Posso dizer que tal mudança foi construída no cotidiano, com as orientações que recebi, com as oportunidades que me foram oferecidas e que busquei. Ampliei também meu canal de recepção para outras situações, principalmente com as visitas aos museus. Com a arte ali armazenada, eles retratam e demarcam os diferentes momentos históricos, a passagem do homem e da mulher por determinados ciclo de vida, como pensaram, agiram, criaram e elaboraram formas de viver e perpetuar a espécie com o uso dos próprios instrumentos oferecidos pela natureza, os quais tiveram o poder de transformar.

Os museus mostram-nos também como o ser humano se humanizou e desumanizou perante o poder, a riqueza, os preconceitos e os valores. Tudo isso é retratado, seja nas curvas da escultura da Bailairina de Degas seja no rosto e no sorriso da Monalisa, cujo conhecimento foi tão sonhado e desejado por mim, seja ainda no tesouro guardado nas paredes e tetos do apartamento de Napoleão. Todas estas coisas escrevo, porque vi e vivi, mas alguém permitiu que o OUTRO produzisse à sua maneira; sem lhe impor um único modelo para a reprodução ou a cópia, alguém aceitou a competência do outro para somente desenhar e não esculpir em pedra, ou escrever um poema. Alguém respeitou. É possível, portanto, construir uma forma diferente de sentir, pensar, falar e agir. Ou seja: uma “outra coisa” é possível se tivermos os instrumentos necessários para nossa formação e humanização. Precisamos ser mediados por “um outro” que pode ser qualquer coisa que traga informações para nossa formação (viagens, livros, objetos, histórias, pessoas, fotos, cenários, ideias, música, artes plásticas, decoração de vitrines). Podemos afirmar que valorizar uma cultura e compreender os feitos dos homens pelos e para os outros homens é um caminho para se conhecer, respeitar, aprender e desenvolver. Isso pode ser feito na integração com uma instituição escolar que tenha como objetivo arrebanhar as pessoas em direção à humanização por meio do conhecimento do cotidiano. Por fim, ao transportar estas questões para a educação, criamos um cenário da relação entre ensino-aprendizagem, cultura e história. Jacques Le Goff (2003) ensina-nos que o entendimento de uma sociedade perpassa por sua história; acolhemos e reestruturamos os acontecimentos já vivenciados em função das necessidades atuais, o que favorece que organizemos o passado em função do presente. Então, se o passado depende parcialmente do presente,

devemos construir nossas histórias por meio do cotidiano. Ainda segundo Jacques Le Goff (2003), o ser humano sente a necessidade de conhecer a si mesmo e a tudo o que está a sua volta. Para isso, a interação entre passado e presente é essencial e inevitável. Durkheim acrescenta: O que a história ensina é que o homem não muda de maneira arbitrária; não se metamorfoseia à vontade, chamado por profetas inspirados; pois, como se choca com o passado adquirido e organizado, qualquer transformação é dura e laboriosa; faz-se, por conseguinte, apenas sob o império da necessidade ( 2002, p. 307). Esta colocação nos faz refletir que, embora as instituições educacionais não sejam ‘transformadoras’ da sociedade, é no interior dessas instituições que o indivíduo pode ter acesso a conhecimentos que fazem dele não somente um bom profissional, mas, antes de tudo, um sujeito capaz de compreender a natureza social do ser, cuja função específica e naturalmente humana é utilizar a razão para manter a sociedade e a convivência social. Constitui estranho erro acreditar que a instituição escolar tenha se explicado, através dos séculos, pela função de formar o homem ou, ao contrário, de adaptá-lo à sociedade: “em Roma não se ensinavam matérias formadoras nem utilitárias, e sim prestigiosas e, acima de tudo, a retórica. É excepcional na história que a educação prepare o menino para a vida e seja uma imagem da sociedade em miniatura ou em germe” [...] (DUBY e ARIÈS, 1981, p. 33 e 34). Concordamos com Brandão (1981, p. 45) quando afirma que nos esquecemos do que os gregos nos ensinaram: A educação do homem existe por toda parte e, muito mais do que a escola, é o resultado da ação de todo o meio sociocultural sobre seus participantes. É o exercício de viver e conviver o que educa. E a escola de qualquer tipo é apenas um lugar e um momento provisório onde isso pode acontecer. Portanto, é a comunidade

quem responde pelo trabalho de fazer com que tudo o que pode ser vivido-e-aprendido da cultura seja ensinado com a vida – e também com a aula – ao educando. O que pretendíamos com este texto é mostrar a possibilidade de integração entre prática e teoria. A prática como princípio da aprendizagem e do desenvolvimento é evidenciada pela teoria da Pedagogia Institucional, que busca o encontro e a convivência com os diferentes, ou seja, a heterogeneidade educacional. Algumas reflexões... Ao nos referirmos a um cenário em que o aprender também se faz por meio das vivências extramuros escolares, das experiências, com a participação e a colaboração do estudante, a intenção não é tirar o mérito da escola e da sala de aula como o lugar onde se acompanha paulatinamente a aprendizagem e o desenvolvimento. Para a contenção da violência escolar, podemos afirmar que, além de técnicas adequadas, utilizadas como instrumentos que nos orientam a trabalhar em solidariedade, cooperação e principalmente com as diferenças, precisamos seguir alguns princípios fundamentais, a exemplo da necessidade de se construir a ideia da não violência, da educação democrática e da cidadania. Ao concordarmos com a afirmação de que a sala de aula é um local propício para a própria humanização do aluno, podemos também discordar da forma como, em alguns casos, o ato de ensinar e aprender ocorre. Sabemos que, quando o aluno é motivado a aprender por obrigação e imposição escolar, o saber ensinado perde seu verdadeiro significado e sua importância no cotidiano. Desse modo, o aluno se afasta ainda mais do conhecimento, tornando-se indisciplinado. Segundo Guillas e Lavrilleux (1997, p. 23), a indisciplina, muitas vezes, “é vista e tratada como violência pelos educadores”, mas pode ser apenas uma reação à ruptura cultural e social instalada na

escola ou uma resistência à imposição de valores diferentes dos do aluno. O que foge aos nossos olhos é a violência que, muitas vezes, em um universo psicológico e afetivo, o aluno pratica contra ele mesmo: desistências, doenças, vergonhas, reprovações, drogas, baixa autoestima, brigas, anorexia, suicídio, etc. O ensino tradicional praticado nas escolas caracteriza-se por um grande paradoxo: prioriza e ensina o autoritarismo, o poder e o individualismo em todo seu funcionamento e estrutura; no entanto, solicita dos estudantes tomadas de decisão, autonomia, cooperativismo, solidariedade e que se transformem em cidadãos responsáveis no futuro. Oferecemos cópias, modelos e memorização. Cobramos críticas, criatividade e inovações. O que oferecemos aos jovens para que se tornem verdadeiros cidadãos, para que possam escrever uma história diferente para o mundo moderno? Definitivamente precisamos inovar. O que nos impede? Uma pergunta de Pain (2008, p. 2) ajuda-nos a responder: “O que nos impede (como o fazem o Movimento Freinet e os movimentos pedagógicos, com “sócio-eco-participantes” bem jovens) de ajudar os grupos de estudantes motivados a assumirem papéis em coletividade para o bem comum”? Concordamos com esta posição de Pain e com várias outras que defendem a adoção de uma forma de ensino diferente, utilizando o conceito de desconstrução. O que nos impede de trabalhar sobre a desconstrução das grifes, a problemática da ecologia e da economia equitativas? O que nos impede de desconstruir o mercado do automóvel, da televisão? Há muito tempo que professores praticam e mostram como são fomentados os jornais impressos e audiovisuais. Pode-se, desse modo, estudar as relações por uma pedagogia dos pequenos grupos que na escola e no entorno da escola produzirá encontros, efeitos, influências, sob a tutela dos adultos que servem como

referências7 [...] de outra forma, como escapar aos grupos de crianças delinquentes e aos meninos-soldados, essas crianças sem pais e sem lei, forjadas na falha adulta? Podem ser criadas alternativas à concorrência, tudo ao inventar jogos sem ganhadores nem perdedores. Será que o professor que se encontra na contracultura é um outro professor? Não, ele não faz senão o seu ofício, aquilo para o que foi designado como dono de um saber que promove o saber dos outros. Ele é professor de socialização, tutor do pensamento crítico. […] há, pois, todo um trabalho a fazer, e nisso também se encontram os métodos ativos(técnicas de Freinet). Precisamos de outros “jornais” nas escolas, ou melhor ainda: de outras mídias, de contra-mídias nos liceus, nas escolas, nos bairros (PAIN, 2008, p. 2-3). Por fim, ao utilizarmos o conceito de escola descrito por Fernand Oury, o que nos chama atenção é sua preocupação, cuidado e lembrança de pronunciar que a escola é verdadeiramente para todos, “lugar de vida coletiva, lugar de estadia, pode favorecer ou não as crianças, a adaptação ativa aos espaços colocados a sua disposição, mas parece essencial que o espaço seja vivido e não sofrido” (OURY, 1998, p. 69). O espaço escolar, infelizmente, foi palco de cenários destrutivos e perigosos neste ano de 2011. Lembramo-nos especialmente da manifestação de insatisfações por parte de um jovem que passou pela escola e nos mostrou como desagrado um saber do seu cotidiano que, não foi conhecido e nem trabalhado, mas que resultou na morte de crianças dentro do espaço escolar na cidade de Realengo no Estado de São Paulo. 7 “Re-pères”, no original, fazendo um jogo de palavras. “Répère” pode ser traduzido por “referência”, mas também por “re-pais”, isto é, como pais em segunda ordem (Nota do Tradutor).

Este fato, e vários outros sem mortes físicas, tem nos revelado que a práxis pedagógica deve passar necessariamente pelo reconhecimento do saber que as crianças sinalizam nos sentimentos, nas ações e na linguagem. É só observar e conhecer.

Como diz Aïda Vasquez (2010, p. 218): “o mestre não é mais o único objeto de amor-ódio”8. Configurando as questões citadas, concordamos com Serpa (2014) e Silva (2014) quando dizem que a Pedagogia Institucional favorece a negociação de conflitos pelo uso do diálogo nos conselhos de classe, porque seus pressupostos oferecem a “ideia da discussão de justiça social e pessoal por meio da palavra e do espaço participativo (...), neles, os conflitos mais comuns, resultantes de diferenças culturais e de valores, de preconceitos, de rigidez institucional, etc., podem ter um espaço de explicitação e de análise, o que facilita a negociação e o encaminhamento de propostas” (SILVA, 2014, p. 44-45). 8 Le maître n’est plus l’objet unique d’amour-haine.

Caderno de Registros Disciplinares: análise de um livro de ocorrências na perspectiva da Pedagogia Institucional Anunciata Clara Lyra e Lima Fernando Cézar Bezerra de Andrade Com olhos atentos a enxergar as entrelinhas do cotidiano duma escola, descobre-se, para além das práticas pedagógicas intencionais, um conjunto de dinâmicas inter-relacionais – muitas delas inconscientemente reproduzidas – que, tido por natural, serve de lastro àquelas práticas, mas, de fato, resulta de pressupostos cuja análise põe em questão as técnicas, os procedimentos e os sentidos do ensino-aprendizagem. Se uma dessas práticas consiste no registro das atividades pedagógicas, a forma como ele se dá revela movimentos institucionais que podem sufocar ou valorizar a participação do alunado e seu envolvimento naquele processo pedagógico. O conteúdo e a forma com que registros são feitos evidenciam discursos que, ao mesmo tempo, tecem e manifestam a qualidade de relações, valores e projetos assumidos pelos que fazem a unidade de ensino – em particular a equipe de educadores e educadoras, responsáveis pela condução da escola. Diários, cadernos, pinturas, fotografias e, mais recentemente, gravações analógicas e digitais em áudio e vídeo podem, com documentos oficiais, ser apreciados como registros da vida escolar, dados que favorecem a análise dos processos de ensinoaprendizagem, particularmente aqueles relativos ao aprendizado de conteúdos disciplinares e de códigos, normas e valores para a convivência na unidade de ensino, pensada, originalmente, como microcosmo à imagem e semelhança da sociedade.

Neste último caso, o ensino de padrões de conduta a discentes dentro e fora da sala de aula, seja na relação com docentes, seja com colegas, tornou-se uma exigência institucional associada, como decorrência, à formação para a cidadania e a civilidade. Nesse sentido, o registro das práticas e ocorrências em torno do comportamento social de discentes foi tomado ora como um recurso para a reflexão, pelos docentes, acerca de sua prática e dos processos de aprendizagem vividos por seus alunos e alunas, ora – e com frequência – como um instrumento primário ou exclusivamente punitivo, inflexível, a ser utilizado como prova contra discentes que ousassem desobedecer às determinações de seus superiores. Dessa segunda perspectiva, ao menos em parte, centrada no controle das infrações à norma de cada unidade de ensino, nasceu o Caderno de Registros Disciplinares (CRD), muitas vezes conhecido como “livro de ocorrência”, escrito pelos profissionais da escola (NASCIMENTO; DIAS E SOUZA; AZEVEDO, 2006; RATTO, 2007; CUNHA, 2007; MEDEIROS; AZEVEDO, 2009; AQUINO, 2011). Um instrumento assim concebido serve, no mais das vezes, para impor, sem crítica, as normas institucionais, sujeitando todos a elas. Essa concepção disciplinar distancia-se, é claro, da formação de valores pró-sociais negociados, debatidos e pensados participativamente pelos alunos e alunas. A partir desse cenário – e com base nos princípios e técnicas da Pedagogia Institucional (PI), de origem francesa (VASQUEZ; OURY, 1998; HÉVELINE; ROBBES, 2009, p. 21-27) –, neste texto (recorte de pesquisa de mestrado da primeira autora, orientada pelo coautor) analisa-se, a partir das notificações do CRD de uma escola pública em João Pessoa-PB, o processo de gestão de conflitos relacionais conduzido por uma equipe de agentes educacionais1, envolvendo dois adolescentes do sexto ano do Ensino Fundamental. A investigação foi norteada pela pergunta: o que revela, à luz da P. I., o uso do CRD para a gestão de conflitos relacionais na escola?

1 São todas/os aquelas/es que têm a formação profissional no campo da Educação e atuam na direção, docência ou coordenação/assessoramento do processo educativo, na escola (supervisor, orientador, assistente social, psicopedagogo e psicólogo escolar).

Para dar conta de responder a essa interrogação, inicialmente contextualiza-se o tema dos conflitos relacionais na escola, destacando o papel de educadoras(es) nesse fenômeno. Em seguida, é feito o histórico do “livro de ocorrência”, predecessor do CRD, e as respectivas finalidades pedagógicas desses dispositivos pedagógicos. Posteriormente, apresenta-se a metodologia da pesquisa e a análise dos dados. Por fim, tecem-se algumas considerações sobre a proposta para usar esse instrumento de acordo com alguns conceitos e técnicas da P. I., transformando-o em dispositivo pedagógico para aprender coletivamente as necessárias normas da comunidade escolar, e em gênero textual catalisador2 da gestão de conflitos relacionais. Conflitos relacionais na escola e o papel dos agentes educacionais Um dos grandes desafios da escola, no Brasil e no mundo, é a gestão de conflitos relacionais, numa perspectiva institucional, interdisciplinar e colaborativa, de modo a considerar a interdependência das várias dimensões dos sujeitos: cognitiva, emocional, social, histórica, consciente e/ou inconsciente. Os problemas na escola recebem várias denominações, da parte dos educadores: indisciplina, violência, agressividade, dificuldades de aprendizagem, etc. Muitas vezes, esses termos são usados como sinônimos para designar situações diversas. No entanto, é preciso atentar para o caráter relacional e distintivo desses fenômenos, visto que envolvem aspectos individuais e socioculturais, tanto na sua contextura quanto no modo de gestão dos mesmos. 2 Segundo Signorini (2006), gêneros catalisadores “são gêneros discursivos que favorecem o desencadeamento e a potencialização de ações e atitudes consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor quanto de seus aprendizes” (p. 8). Considerase que o CRD é um gênero discursivo capaz de dinamizar a reflexão e estimular a (re) construção de novas indagações e narrativas sobre as práticas

pedagógicas conhecidas, as quais podem ser tomadas como objeto de ensino e aprendizagem no processo de gestão de conflitos relacionais na escola.

De acordo com Charlot (2000, p. 46-47) e em consonância com os fundamentos epistemológicos da P. I., um princípio basilar para compreender a dimensão das relações estabelecidas no processo de escolarização diz que “a experiência escolar é, indissociavelmente, relação consigo, relação com os outros (professores e colegas), relação com o saber”. Para enfatizar a interdependência, complexidade, tensão e multicausalidade dessas relações (provenientes de fatores conscientes e inconscientes; individuais e contextuais), foi designado o termo “conflito relacional”, na pesquisa aqui apresentada. O conflito relacional, tantas vezes (ainda que não necessariamente) derivado em violência, é um fenômeno antropológico, sendo provavelmente tão antigo quanto a humanidade (PAIN, 2012). Segundo Coser (1996, p. 120), os conflitos são “componentes essenciais da interação social em qualquer sociedade”. O ato educativo, que tem na interação o seu fundamento, “cria um contínuo fluir de exigências pessoais e grupais, que se tornam conflitos aos quais é preciso antever” (ORTEGA E DEL REY, 2002, p. 47). Na educação escolar, local de convivência com a diversidade, esse acontecimento se manifesta de múltiplas formas e em vários níveis: cognitivos, subjetivos, e intersubjetivos, conscientes e/ou inconscientes. Tais situações, quando não bem geridas, configuram atos de indisciplina, ou seja, de recusa e transgressão às normas escolares (AQUINO, 2011; FILMUS, 2003), desembocando em violências (COLOMBIER et al, 1989; VASQUEZ; OURY, 1998; HÉVELINE; HOBBES, 2009; ANDRADE, 2007, 2009; ANDRADE; GONZAGA, 2010; PAIN, 2012). Por sua vez, a violência – etimologicamente associada a “força” pelo termo latino Vis, que provém do sânscritoIs – relaciona-se ao uso de qualquer tipo de poder (físico, verbal, psicológico) com vistas à consecução de um objetivo autointeressado, em detrimento dos

interesses de outrem, o que lhe dá um caráter moralmente condenável. Na escola, a violência ganha aspectos mais psicossociológicos, sendo definível como “tudo o que comporte abuso de atitudes” nas relações estabelecidas no cotidiano – as “violências de atitudes” (PAIN, 2012, p. 23). Para manejar tais fenômenos, agrupáveis sob a categoria “conflito”, as diversas posições pedagógicas fundamentam-se em diferentes concepções oriundas de várias áreas do conhecimento (ANDRADE, 2007). De acordo com a perspectiva teórica adotada, o conflito tanto pode referir-se a uma situação específica quanto a um processo que exprime contradição, tensão, oposição; ora promovendo a mudança, ora exigindo a conservação das relações estabelecidas pelos sujeitos, a fim de manter certa ordem. A proposta educativa da P. I. – fundada na França em 1958, pelo professor Fernand Oury (1920-1998) –, considera o conflito e a violência no campo educativo, para cuja gestão adota conhecimentos advindos do método Freinet, da psicoterapia institucional (Jean Oury, Félix Guatarri), das reflexões da teoria psicanalítica sobre a escola, de aportes psicossociológicos norteamericanos (o sociodrama de Lewin e o psicodrama de Moreno). De acordo com essa proposta pedagógica, o problema essencial da escola é o desenvolvimento de uma “pedagogia do desejo” baseada na vinculação do desejo dos sujeitos ao conhecimento e à convivência, sob a instituição de leis, limites, lugares e linguagens (VASQUEZ; OURY, 1998; HÉVELINE; HOBBES, 2009, p. 29-37; COLOMBIER, et al, 1989). O conflito, na P. I., é entendido como resultado da “tensão entre desejo e lei nas instituições escolares”. Considera-se, “de um lado, os desejos, inclusive os inconscientes, como motivadores intrínsecos de discentes e docentes; e, de outro, o estabelecimento de limites e a demarcação de lugares em função das leis fundadoras aparecerá, inevitavelmente, a questão do poder e, com ele, os conflitos” (ANDRADE; GONZAGA, 2010, p. 35-36). Na escola, o que

define o modo de gestão dos conflitos é o olhar que se tem sobre esse fenômeno: perigo ou oportunidade de mudança (TOGNETTA; VINHA, 2011)? É nesta última perspectiva que se alinham a proposta e a contribuição pedagógica da P. I.: enxergar a positividade do conflito. No entanto, no manejo de situações conflituosas é preciso também considerar os recursos materiais e simbólicos, as técnicas e as relações estabelecidas pelos/entre os sujeitos, a fim de efetivar estratégias interventivas profícuas. Daí decorre a importância do papel dos agentes educacionais na gestão de conflitos relacionais, os quais, durante o processo de formação inicial e contínua, apropriam-se de conhecimentos provenientes de diversas áreas das ciências e são responsáveis pelo planejamento das ações pedagógicas e administrativas da escola (LIMA, 2003). Além disso, têm a incumbência de mediar o processo de aprendizagem e desenvolvimento humano e sua atuação deve convergir para a formação de cidadãos autônomos, criativos e participativos na sociedade (Lei nº 9.394/96; COLOMBIER et al., 1989). Portanto, são deveres desses profissionais o planejamento e – de modo intencional, situado e competente – o emprego de estratégias que favoreçam a realização dos fins educacionais, de modo comprometido com a justiça e bem-estar individual e coletivo, cuidando da “ética pedagógica” (AQUINO, 1998), implicando-se nas ações para tornarem-se modelos para a convivência. Nisso é de fundamental importância o manejo de instrumentos mediadores que sirvam de “suporte de investimentos da libido”, que favoreçam a fala, a escuta e as trocas de desejos e necessidades individuais e grupais – enfim, algo em que “se possa desenvolver um modelo de inteligibilidade ternária: um triângulo com ligações dialéticas duplas”, com a inserção de um terceiro termo – mediador que permite a expressividade dos sujeitos (VASQUEZ; OURY, 1978, p. 22). É por esse ângulo que se discutem algumas possibilidades de uso do CRD, à luz da P. I., tornando-se a escrita um verdadeiro meio de

expressão e comunicação dos desejos e das leis inerentes ao ato educativo. Caderno de Registros Disciplinares: histórico e perspectivas de uso Tradicionalmente, nas escolas brasileiras, existe uma prática pedagógica de registro de ocorrências dos problemas disciplinares ou violências em fichas informatizadas ou em um livro de capa preta denominado de “livro de ocorrência”. (RATTO, 2007). Segundo Gama (2009, p. 02), Registra-se que os livros de ocorrência surgem no contexto educacional com a democratização do ensino, tendo em vista o grande contingente de alunos das diversas camadas sociais num mesmo espaço e a inserção de alunos das mais diversas circunvizinhanças para a zona urbana e, como forma de “controlar” o comportamento dos alunos ditos “indisciplinados” adota-se a forma de registro em questão no qual vão sendo relatados os “desvios de condutas” com o objetivo de “vigiar” e ao mesmo tempo “punir” os reincidentes, ou mesmo encaminhá-los para instâncias superiores que lidam com os ditos “delinquentes”. Seja como ação meramente burocrática ou como intimidação e prova do controle interno sobre o comportamento discente – ou ainda, para proteger a escola de acusações externas de negligência, principalmente após a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (NASCIMENTO et al. 2006) –, não à toa os livros de ocorrência são objeto de pesquisas que os abordam por vários ângulos: discutir sobre o poder disciplinar da escola na contemporaneidade, amparadas nos estudos de Michel Foucault (RATTO, 2007; AQUINO, 2011); investigar as delimitações das identidades de comportamentos infracionais e indisciplinares, bem como a eficácia das intervenções pedagógicas, com base nos conhecimentos da área do Direito (NASCIMENTO et al., 2006); analisar “o jogo de imagens presente nas relações de poder entre o

aluno tido como indisciplinado” e o olhar do adulto educador, fundamentado no aporte teórico da Análise do Discurso de linha francesa (MEDEIROS; AZEVEDO, 2009, p. 1 ); discutir os desafios da gestão democrática num contexto de violência escolar, numa perspectiva psicossociológica (CUNHA, 2007). Porém, nenhum estudo apontou possibilidades para viabilizar esse instrumento como mediador do processo educativo. Ora, a proposta pedagógica da P. I. também faz uso de registros escritos, entre os quais cadernos em que se anotam episódios associados às interações entre discentes no dia a dia da escola: felicitações, críticas, propostas, relatos de conflitos ou violências (COLOMBIER et al., 1989; ANDRADE; CARVALHO, 2009). Por essa via, o caderno – denominado por Colombier et al (1989) como “do Conselho de turma3”– e seus registros servem como norteadores da pauta das reuniões: neles figuram as decisões tomadas pela turma, simbolicamente tornando-se lugar de inscrição e materialização das normas e trocas que garantem a unidade do grupo, “como se ele funcionasse como substituto [da] lei fundamental não inscrita” (p. 65). Durante a formação de educadores para a prática da P. I., através da alternância de estágios e de trabalhos em grupos, também é utilizado um caderno em que as reuniões são anotadas e retomadas nos encontros subsequentes para avaliação e discussão de novos encaminhamentos (Idem, p. 133). 3 Ou “de classe”, consiste em reuniões semanais com duração de 30 a 60 minutos, animadas

Em sua pesquisa, Lima (2014) concebeu, numa metáfora, o CRD como caixa-preta dos conflitos relacionais, visto ser semelhante ao instrumento usado em aeronaves, em que se encontram muitos dados sobre o voo, como falas e intervenções dos sujeitos, inclusive em situações conflituosas ou violentas (num sequestro ou acidente, por exemplo). Essa finalidade possibilita a avaliação e o redimensionamento das estratégias de ação, com vistas a sua melhoria. Defende-se que esse instrumento pedagógico deve ter

função similar ao da P. I.: como gênero textual catalisador da gestão de conflitos relacionais, usado como pauta dos momentos de formação docente ou em reuniões com os envolvidos nos casos, com o objetivo de demarcar o lugar de fala4de todos e, assim, favorecer a instituição de normas e estratégias mediadoras das práticas pedagógicas. No caso dos dados aqui analisados, provavelmente com o objetivo de amenizar o sentido pejorativo que a expressão “livro de ocorrência” possa representar, e para enfatizar a intervenção educativa que tais registros devem ter, a equipe de especialistas da Escola Voo Rasante5 optou por denominar esses registros por dois estudantes, “um preside e outro secretaria. [...] O professor auxilia a assembleia dos pequenos” e intervém menos em classes de crianças mais velhas (CARVALHO, 2009, p. 114). Esse “é o lugar de decisão, de regulação dos conflitos (das queixas e resmungos), de regulamento das infrações e das transgressões à lei e às regras. É também o lugar de reconhecimento dos progressos [...] de supervisão de projetos coletivos [...] e de responsabilização de/por alunos e alunas. É a instituição mais difícil de implantar, pois exige um certo tempo de prática” (HÉVELINE; ROBBES, 2009, p. 67-68). 4 “Um lugar de fala é um espaço simbólico definido quanto a sua duração, seu objeto, sua periodicidade e seu lugar no emprego do tempo” (HÉVELINE; ROBBES, 2009, p. 65). 5 Nome fictício atribuído à escola de cujo CRD aqui se trata. Por razões éticas são mantidos

como “Caderno de Registros Disciplinares” (CRD), implantado naquela escola durante 2011. Isso se deu após recomendação do Ministério Público pela adoção de livro próprio para o registro de ocorrências, discriminadas por ato “infracional” ou “indisciplinar”, com orientação de que fossem encaminhados à Justiça apenas casos de ato infracional (LIMA, 2014, p. 43). Essa política acompanha uma tendência nacional para uso desse dispositivo – acentuando-se, com isso, a necessidade de investigar qual a finalidade e a contribuição desse recurso para a gestão de conflitos relacionais. A prevalência do conteúdo dos registros do CRD analisado era semelhante ao dos “livros de ocorrência” da literatura consultada:

próximos da lógica jurídica e religiosa, impregnada de culpa, pecado e punição, marcada por uma visão negativa em que o “poder disciplinar” (FOUCAULT, 2009) aparece relacionado às forças proibitivas e repressoras da lei. Porém, também foram identificadas, embora com baixa frequência, notificações favoráveis à inscrição do desejo e de habilidades do alunado, de suas famílias e dos agentes educacionais nas ações, propostas e projetos vinculados ao ensinoaprendizagem, de modo geral, e ao processo de gestão dos conflitos em particular – tudo isso regulado pela “lei fundamental” (VASQUEZ; OURY 1998; COLOMBIER et al, 1989; HÉVELINE; HOBBES, 2009). O contato com esses conteúdos opostos remeteu a análise a dois caminhos: a crítica e a recomendação. A crítica, já que, na ótica da P. I., a punição sumária e autoritária é tão violenta quanto pode parecer a conduta discente; a recomendação, no sentido de registrar com vistas a problematizar coletivamente a melhor solução para o conflito, no conselho de turma e em reuniões de planejamento e estudo. Isto fez considerar a hipótese de que o CRD é um instrumento utilizável como gênero textual catalisador da gestão pedagógica de conflitos relacionais na escola, à luz da P. I.. em sigilo dados que possam identificar a unidade de ensino ou os sujeitos da pesquisa, excetuando-se a função ou cargo desempenhado por eles/elas. Pelas mesmas razões, todos os nomes com que aqui se identificam pessoas (inclusive os de Adriano e Romário, envolvidos em registros no CRD) são também fictícios. Metaforicamente, bastou “um voo rasante” para registrar que o panorama de importantes dificuldades de conviver existentes nessa escola era comum a tantas outras.

Apesar da diferença entre o uso do livro de ocorrência, ou CRD, e do caderno do Conselho, percebe-se a semelhança desses dispositivos pedagógicos: ambos representam um lugar de fala, um espaço concreto e simbólico de registros escritos sobre situações conflituosas decorrentes, principalmente, das relações estabelecidas na escola. Os registros nele contidos revelam a dinâmica das práticas pedagógicas de enfrentamento de conflitos e/ou violências, tornando possível seu uso para transformar as intervenções

pautadas em uma perspectiva disciplinar de julgamento e punição, tradicional e moralista, em outra dialógica, regida pelo desejo dos envolvidos e pelas leis necessárias à convivência que permite o processo de ensino e aprendizagem escolar. Metodologia Adotou-se a abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, visto que ajuda a compreender a realidade em sua dinâmica complexidade, analisando as relações estabelecidas entre os atores sociais da escola e seu contexto histórico e sociocultural. Favorece o desvelamento e a contextualização do comportamento das pessoas mediante sua relação com fenômenos interferentes do âmbito psíquico e cultural (representações, ações e significações individuais e coletivas, bem como as condições de trabalho) (CHIZZOTTI, 2006). O método utilizado para o tratamento dos dados foi a análise de conteúdo, do tipo categorial, com uso da técnica temática (BARDIN, 2011), por permitir-nos centrar o entendimento na dinâmica do manejo de conflitos, a partir da identificação e delimitação de aspectos significativos das narrativas contidas no CRD. A escolha da Voo Rasante e de seu CRD decorreu da participação da primeira autora em três reuniões de planejamento para a efetivação de uma intervenção, sugerida pela direção da escola, numa turma do sexto ano do ensino fundamental, da qual foram selecionados dois casos. A equipe estava em apuros para elaborar um trabalho pedagógico principalmente em prol da melhoria das relações interpessoais entre docentes e classe, como também do desempenho escolar dos estudantes. A motivação inicial da pesquisa foi refletir sobre algumas medidas já adotadas com um novo jeito de olhar esse fenômeno, a partir dos registros no CRD, referentes àquele grupo discente.

Em 2012, a escola passava por reforma arquitetônica, contando com 43 docentes (alguns trabalhando em mais de um turno e segmento); uma gestora geral e três adjuntas; duas supervisoras; uma assistente social; uma psicóloga e uma orientadora educacional. O pessoal de apoio para os cuidados dispensados aos discentes era constituído por três inspetores distribuídos em turnos distintos. Os cuidados éticos6 envolvendo os sujeitos participantes foram adotados. Por sua vez, o alunado com, aproximadamente, 800 estudantes matriculados, da Educação Infantil à EJA, nos três turnos, era oriundo da comunidade de inserção da escola e de outras localidades (todas periféricas e em situação de vulnerabilidade econômica e psicossocial, com sérios problemas na oferta de serviço público deficiente); seus núcleos familiares apresentavam-se com várias configurações familiares: era comum apenas um dos genitores, avós, tios e/ou outros parentes serem os responsáveis legais pelas crianças e adolescentes da Voo Rasante. Durante a investigação, foram identificados, como parte integrante do CRD, quatro modelos de fichas7 que se lhe antecederam historicamente, mas que a ele vieram a incorporar-se: o Registro de Atendimento (a mais antiga), a Ficha de Ocorrência, a Ficha de Atendimento e a Ficha de Identificação. A função de todas era equivalente à do CRD: registrar situações de conflitos relacionais e seus encaminhamentos ou recomendações, de 6 Inicialmente, com a obtenção de autorização pela gestora da escola para uso do CRD, coleta de assinatura dos agentes educacionais em termo de consentimento livre e esclarecido no qual se descreveu a pesquisa e os direitos dos sujeitos participantes. 7 Se na P. I. também há o registro do desempenho discente em fichas, para monitoramento das situações funcionais de aprendizagem, com exercícios que tratam das aprendizagens sistemáticas, explicitando competências previstas para cada faixa (HÉVELINE; ROBBES, 2009), vale salientar que na Voo Rasante as fichas individualizadas eram exclusivamente utilizadas para registro de conflitos relacionais e seus respectivos encaminhamentos.

autoria dos agentes educacionais.

Essas fichas continham dados de identificação digitalizados (nome do discente, turma, turno e data, área do conhecimento ou do/a docente envolvida no caso), acrescidos de três itens para configuração dos casos: motivo do encaminhamento, envolvidos no caso e síntese dos relatos e encaminhamentos. No final, havia espaço para assinatura do responsável pelos relatos (alunos, docentes ou pais) e pelo atendimento (agentes educacionais), com preenchimento manuscrito, cujo conteúdo oscilava entre uma síntese do relato de cunho descritivo e/ou prescritivo e indagativo. Com um instrumento assim delineado e com um preenchimento predominantemente feito pelos agentes educacionais, não espanta que o CRD fosse utilizado como uma espécie de boletim de ocorrências: “O aluno não participa das aulas e fica discutindo e batendo nos colegas de classe [...]. Infelizmente, a turma está avançando e ele não. O problema está com ele?”, perguntou-se, com perspicácia, a professora de Inglês (31/05/2012). Após a realização de um inventário das notificações da turma, fezse um levantamento dos dois casos com maior número de registros em 2012, a fim de esmiuçar, comparativamente, o manejo de conflitos relacionais pelos agentes educacionais. Para melhor compreensão dos casos, ampliou -se a investigação para os atendimentos realizados ao longo do processo de escolarização dos adolescentes Adriano e Romário, desde quando foram matriculados na Escola Voo Rasante. Análise e discussão dos dados Das 62 notificações analisadas, 36 diziam respeito aos registros referentes a Adriano, 21 dos quais em 2012, ao passo que as 26 outras notificações concerniam a Romário, das quais 13 ao longo do ano de 2012, quando se verificou um alto índice de registros no CRD. Ao lado de algumas vase verificou um alto índice de registros no CRD. Ao lado de algumas va 20108, o aumento de atendimentos por parte dos agentes educacionais, nos anos de 2011 e 2012, por

sua vez, talvez tenha se relacionado às especificidades do sexto ano do ensino fundamental, quando se dá a transição dos anos iniciais para os anos finais, com o respectivo aumento de professores/ as, conteúdos e atividades, requerendo adaptar-se à nova organização do tempo de estudo por hora/aula e à mudança nos vínculos e no contato com docentes (antes mais duradouro e estável). Geralmente, essas variáveis desencadeiam mudanças de comportamento e aumento de situações conflituosas. Percebe-se que a própria dinâmica escolar cria situações de conflitos relacionais desencadeadoras de violência, ou seja, de situações que comportam abuso mediante o uso indevido do poder, no que Pain (2012, p. 23) denomina de “violências de atitudes”, aqui expressas como: negligência ou omissão/redução de dados importantes para a construção de uma educação dialógica e colaborativa; abuso de poder mediante a exigência de resultados eficazes em ambientes com recursos humanos ou ambientais insuficientes, sejam provenientes de fatores internos (relações inter ou intragrupais) e/ou externos (interferências da comunidade ou de instâncias hierárquicas extraescolares). Na perspectiva da P. I., um recurso imprescindível para a gestão de conflitos relacionais é o investimento na formação profissional, a fim de que os agentes educacionais tornem-se capazes de mediação fundamentada na análise do meio educativo e do emprego de técnicas (organizando as atividades e situações) a partir da análise da dinâmica das inter-relações (entre grupos na sala, entre todos na turma e na escola e, por que não, entre a escola e a comunidade) – enxergadas pelo olhar psicanalítico, que presume estar o inconsciente na classe e na escola, interferindo, por meio da linguagem de educandos e educadores. Em síntese, para a superação dos conflitos relacionais são fundamentais e indissociáveis três elementos: as técnicas, o grupo e o inconsciente (VASQUEZ; OURY, 1998; HÉVELINE; ROBBES, 2009). 8 Falta de espaço físico apropriado (em meio às obras da reforma) e de material de consumo, inabilidade com a escrita dos atendimentos ou ainda incompletude da equipe de

especialistas antes de 2009.

as técnicas promovem o compromisso do aluno com sua produção concreta, com o controle desse produto e com a produção. Os grupos favorecem o surgimento de jogos de identificação, individualizando no aluno o que ele tem de particular e agrupando-o no que tem de comum com o outro. E o inconsciente, por ser valorizado, permite ao aluno existir de modo autônomo na sala de aula (ANDRADE; GONZAGA, 2010, p. 33). Esses fundamentos teóricos embasaram a análise de algumas especificidades interventivas definidoras do desfecho dos casos de Adriano e Romário, buscando, de modo comparativo, compreender quais os dispositivos pedagógicos (des)favoráveis ao manejo dos conflitos relacionais com os referidos alunos, e, assim, fomentar a reflexão dialogal sobre destinos mais colaborativos e pacíficos do ato educativo. Na análise dos registros do CRD foram identificadas quatro categorias, nomeadas por inspiração da nomenclatura da P. I. (HÉVELINE; ROBBES, 2009): 1. Felicitações: referiam-se ao reconhecimento do que havia de potencial nos alunos de que tratavam as notificações; 2. Queixas (por agentes educacionais, discentes e equipe de apoio); 3. Providências e implicações da escola; 4. Providências e implicações da família. No geral, as felicitações foram identificadas em menor quantidade e, na maioria das vezes, destinadas a Adriano: reconhecia-se possuir ele habilidades para o desenho; que era respeitoso com a gestão e especialistas, sabendo ouvir quando queria; com desempenho cognitivo satisfatório e ágil, chegara a apresentar “melhora no comportamento” e motivação para os esportes; por fim, registrou-se que demonstrava carinho e apoio à mãe, nas tarefas domésticas. De Romário, as felicitações (duas, apenas) trataram sobre sua habilidade musical e seu avanço nos estudos.

Das seis felicitações notificadas sobre Adriano, duas tinham sido de autoria de sua mãe, durante entrevista com a psicóloga da escola. Apesar da identificação e maior evidência das potencialidades de Adriano, a escola não conseguiu mediar o desenvolvimento de tal capacidade no processo de escolarização do mesmo, visto que em 2012, após nove anos estudando na Voo Rasante, ele foi reprovado e transferido para outra unidade de ensino por não apresentar bom desempenho. As felicitações acima descritas eram registradas como se fossem meras informações integrantes do diálogo entre agentes educacionais ou entre um deles e o discente, sem nenhuma menção de que serviriam como mediadoras das práticas pedagógicas, como demonstrado nos exemplos a seguir: Após o atendimento, o professor José [de Artes] relatou que o aluno vem participando de sua aula de maneira adequada e que alguns colegas de sala vêm incomodando Adriano até este perder a paciência. O professor relatou que conversou com esses garotos e caso a situação persista, ele encaminhará os referidos alunos para os especialistas (Assistente Social, 11/04/2012). A Assistente Social conversou com o aluno mostrando mais uma vez suas qualidades de ter habilidades para desenho, de não ser desrespeitoso com a gestão e as especialistas, ressaltou também que ele, quando quer, sabe ouvir as orientações, mas não consegue cumprir os acordos (Assistente Social, 11/09/2012). Já no caso de Romário, mesmo com habilidades para tocar instrumentos musicais, devido às atitudes de indisciplina, foi ameaçado de suspensão da banda marcial em que tocava – atividade essa que possivelmente favoreceu o desenvolvimento potencial do estudante na área de música e, certamente, contribuiu para manter o vínculo com a escola. Em 2012 ele foi aprovado e permaneceu matriculado. Essa diferença de resultados, ainda que possa ser atribuída a fatores pessoais, também ressalta formas desiguais com que a

escola interveio em cada caso. Romário recebeu mais tolerância, Adriano menos condescendência, fazendo pensar – com base no que consta da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação e nas metas pedagógicas de “transmitir um saber e formar homens” (COLOMBIER et al., 1989, p. 11) – que, no caso de Adriano, provavelmente se reproduziu a violência escolar – concebida como “abuso de atitudes” (PAIN, 2012) decorrentes das práticas pedagógicas. Servem como apoio os registros atinentes às queixas, em 17 registros identificados nos casos de Adriano e Romário: ambos os alunos foram igualmente envolvidos em queixas sobre brincar durante as aulas, gazear aulas e sair sem permissão do/a docente, usar palavrões com colegas e docentes e resistir à realização de atividades pedagógicas. Romário ameaçou agredir fisicamente um professor, Adriano fez o mesmo a um colega – além de usar o celular durante as aulas para ouvir música e ter um comportamento considerado hiperativo. Apenas em cinco constava o relato dos próprios adolescentes. A maioria das queixas convergiu para responsabilizar os discentes por fatores pessoais (psíquicos, biológicos etc.) ou infraestruturais (da família ou sociedade). O conteúdo das notificações referentes a esta categoria era de conotação descritiva e/ou terapêutica, cujo conteúdo expressa a descarga emocional ou tensional dos momentos de interação entre educandos e adultos, e denota o componente relacional dos conflitos. O aluno agiu desrespeitosamente com xingamento: “Vai tomar no...” diante de toda a turma, além de entrar na sala de aula sem permissão e em seguida apagando o quadro que estava com conteúdo referente à revisão do simulado do 1º Bimestre. Este fato me abalou profundamente, pois como mulher me senti agredida e como educadora, ferrenhamente desrespeitada. Foi uma situação de extremo desconforto pessoal e profissional (Professora de Língua Portuguesa 13/04/2012).

O aluno foi encaminhado pelo vigilante Fábio. Segundo ele, Adriano saiu da escola sem autorização da sua professora e da direção. Quando o aluno pediu para sair ele não permitiu e o aluno empurrou o portão e saiu sem autorização. O aluno também pulou o muro e o xingou com palavrões. [...] Segundo Adriano, Fábio o empurrou (Supervisora, 13/05/2009). Ora, da lista de queixas feitas por agentes escolares, infere-se que Romário apresentava condutas tão socialmente disruptivas e indesejáveis quanto Adriano: por que este último foi transferido e o primeiro, mantido com aprovação? Na análise do manejo de cada caso, surgiram elementos que ajudaram a entender esses desdobramentos. Um deles dizia respeito a como os agentes educacionais pareciam pensar as soluções para os conflitos inter-relacionais. Elas eram associáveis a domínios que, mesmo mutuamente implicados, podem conduzir a direções divergentes no manejo de conflitos na escola: o pedagógico e o jurídico. O pedagógico situa a indisciplina ou violência no plano dos fenômenos a serem manejados primária e educativamente pela própria escola, mediados por uma “pedagogia do desejo”9 (VASQUEZ; OURY, 1998; HÉVELINE; HOBBES, 2009; COLOMBIER et al., 1989) feita “de técnicas, de organizações, de métodos de trabalho, de instituições internas” (VASQUEZ; OURY, 1978, p. 31). Por essa via, era dever dos agentes educacionais na Voo Rasante encontrar estratégias que mantivessem Adriano vinculado à instituição, similarmente ao que ocorreu com Romário (vinculado a atividades motivadoras, como a banda marcial). Mais especificamente em se tratando de violências na escola, o domínio jurídico é invocado para definir, ao lado da intervenção pedagógica, os casos com necessidade da intervenção punitiva da Justiça, numericamente bem menos frequentes. Pensando nos registros do CRD envolvendo Adriano e Romário, a maior parte das queixas listadas (como agressão verbal a professores e agressão física e verbal a colegas) era, no máximo, de ações caracterizáveis

como ato infracional10, distinto do ato indisciplinar, este, sim bem mais frequente e caracterizado pelo descumprimento das 9 Duas contribuições importantes da psicanálise para explicar a instituição da pedagogia do desejo são os conceitos de sublimação e de transferência na relação pedagógica (KUPFER, 1989). 10 Segundo Nascimento et al. (2006, p. 7), caracterizando intervenção da competência do Conselho Tutelar ou do Juizado da Infância e Juventude, “pode ser considerado ato infracional a conduta disciplinar da criança ou adolescente que se amoldar a um dos tipos penais previstos no Código Penal ou na lei de contravenções, embora esses atos se diferenciem por uma linha muito tênue e dependem da análise de cada caso posto a exame pelo Ministério Público”.

regras estabelecidas em coletivo com os alunos que deve ser resolvido pela escola, com base no Regimento Interno (NASCIMENTO et al., 2006) Os registros do CRD sugerem que havia uma ênfase no discurso jurídico, mais que no pedagógico, dado o recurso frequente à punição sem reflexão sobre as especificidades que conduziram aos conflitos inter-relacionais em cada caso. Ao articularem-se esses dois domínios para pensar as queixas contra Adriano e Romário, infere-se que os episódios registrados no CRD foram tratados como de responsabilidade externa à escola e endereçados a especialistas – no caso de Adriano, com ameaças de que seria encaminhado à Justiça –, quando deveriam ter sido objeto de intervenção primariamente no domínio pedagógico. Ainda havia pedagogicamente algo a fazer antes de desistir de Adriano, por exemplo, mas tanto a falta de regras construídas coletivamente como a cultura jurídica inerente à instituição tradicional do livro de ocorrências contribuíram para a repetição do modelo excludente com a transferência do aluno, responsabilidade individual e exclusivamente por seu destino, sem se enxergar que a escola é corresponsável pelo fracasso discente, fazendo lembrar o que afirma Andrade (2007, p. 41): “independentemente da causa dos conflitos, as estratégias para resolvê-los têm um papel determinante sobre seus efeitos”, principalmente, no caso de crianças e

adolescentes em processo de desenvolvimento determinado por instituições (VASQUEZ; OURY, 1978). A categoria “providências ou implicações da escola” foi relacionada às intervenções dos agentes educacionais para a gestão de conflitos relacionais. Para os dois adolescentes, o tipo de encaminhamento foi, basicamente, o mesmo: diálogo ou conversa sobre suas atitudes; convocação da família para comunicar ou sugerir alguma ação como encaminhar para a psicoterapia ou transferir de escola; levantamento de dados sobre a vida familiar e escolar, mediante entrevistas com as mães ou avaliações com os adolescentes e retirada de sala de aula. Em apenas um registro o desejo do estudante foi posto em evidência: sobre o que ele gostava de fazer (numa pergunta endereçada a Adriano, cuja resposta foi “brincar de toca-toca”). Não constava, porém, nenhuma intervenção pedagógica respaldada em jogos e brincadeiras, aspectos notificados como do interesse de Adriano e Romário. Apenas duas medidas foram endereçadas, especificamente, a Adriano: suspensão das aulas e ameaça de encaminhamento para o Ministério Público. Este último fato merece uma atenção especial, pois denuncia, explicitamente, como a violência da escola pode ser (re)produzida devido ao pouco ou equivocado conhecimento de quem conduz a gestão dos conflitos relacionais, como demonstrado no relato a seguir: A Assistente Social fez o atendimento ao aluno, mostrando que ele descumpre todos os acordos firmados nas diversas conversas com as especialistas e que a única solução que se apresenta no momento é o encaminhamento da situação dele ao Ministério Público. Ao ser questionado sobre o encaminhamento, o aluno ficou em silêncio. Mas, ao ser convidado para retornar à sala de aula, o mesmo mostrou-se muito irritado. Assinatura da Assistente Social (AS, 11/04/12).

Nesse fato, o objetivo último da intervenção pedagógica disciplinar – educar para valores pró-sociais – perdeu-se de vista e a intervenção foi violenta: a assistente social agiu isoladamente, sem ouvir o aluno, ameaçando-o com uma medida considerada como punitiva, sem apresentar os motivos que dessem sentido à intervenção e, pior, sugerindo uma medida que nem foi adotada e nem seria, de todo modo, adequada (já que ao Ministério Público não cabe – e sim, aos profissionais – gerir situações de indisciplina na escola). Essa atitude expressa uma concepção de educação autoritária, também presente nas relações estabelecidas na escola. As providências apresentadas expressam o grande desafio do ato educativo: conseguir investir e transformar impulsos, desejos e interesses do alunado em motivação epistemológica suficiente para levar à aprendizagem – supondo-se na base dessa motivação processos como a sublimação das pulsões sexuais e os processos transferenciais (KUPFER, 1989). Nas notificações analisadas, os desejos e habilidades de Adriano e Romário, assim como a dinâmica das relações estabelecidas com professores e colegas não foram referenciados como recursos mediadores do planejamento ou da efetivação de atividades pedagógicas individuais ou coletivas. Na perspectiva da P. I., a gestão de conflitos relacionais se faz mediante a instituição dos conselhos de classe, proporcionando momentos de fala e escuta para a avaliação dos processos de aprendizagem, estabelecimento de regras e busca de estratégias de superação dos conflitos conviviais (VÁSQUEZ; OURY, 1978; HÉVELINE; ROBBES, 2009). Essa foi uma grande lacuna no manejo escolar de conflitos relacionais, identificada pela análise do CRD. Os dados analisados indicaram que houve predominância de intervenções pontuais, geralmente baseadas em informações e relatos de funcionários e estudantes, e proposições dos adultos. Não foram identificadas notificações sobre a participação dos discentes nas decisões tomadas pelos agentes educacionais, mesmo quando se referia à intervenção baseada em diálogo

reflexivo. Eles eram ouvidos apenas para relatos dos casos de conflitos relacionais nos quais estavam envolvidos. Também não foi identificada nenhuma notificação sobre planejamento ou execução de intervenções em parceria com órgãos da Justiça e Saúde, na perspectiva de trabalho intersetorial, como o promulgado pelas políticas públicas do Brasil. No CRD, apenas constavam três declarações de Clínica de Psicologia sobre a ida de Romário a atendimento psicoterápico. Na categoria “providências e implicações da família”, foram identificadas algumas notificações indicativas de uma concepção de educação mais democrática, dialógica e mais favorável ao desenvolvimento moral segundo parâmetros construtivistas, referendados numa “educação elucidativa” pela qual, “[...] cada vez que uma ordem ou repreensão é dada, vem acompanhada da explicação de sua razão de ser, em geral baseada nas consequências da infração e no bem-estar do outro” (2002, p. 96). (LA TAILLE, 2002, p. 96). Esta concepção de educação é convergente com a perspectiva pedagógica da P. I., no que concerne à possibilidade de intervir levando em conta o lugar de cada um(a), as normas e leis reguladoras, os limite na interação e a linguagem que permite a comunicação e a simbolização. Esse trabalho de parceria e colaboração foi identificado em algumas estratégias interventivas entre escola e família, como demonstradas a seguir, ambas envolvendo, respectivamente, Adriano e Romário: O aluno “ameaçou” o professor de História, dizendo que vai trazer uma faca para “furar” a barriga do professor. [Foi] Presenciado pela professora Arlete (fazendo gestos). O aluno foi encaminhado, pela supervisora escolar, para a gestão da escola tomar as devidas providências (Gestora, 26/05/2011). Ele já pegou um caderno e um estojo da professora. A mãe fez o filho devolver o material e pedir desculpas à professora e à diretora, na presença da mãe (Psicóloga Educacional/Escolar, 23/02/2011).

O encaminhamento desses fatos foi conduzido com a realização de reuniões e diálogos entre professores, estudantes, agentes educacionais e a família. O estudante e o professor foram advertidos pela gestão da escola, visto que o professor havia revidado com agressão verbal ao aluno. No segundo caso, Romário devolveu o estojo da professora e o material retirados da estante da escola, pedindo desculpas com o compromisso de não repetir tal atitude com ninguém. Várias vezes a família atendeu à convocação da escola para discutir possíveis encaminhamentos com vistas à melhoria do seu comportamento e aprendizagem. Três opções de gestão de conflitos relacionais foram apresentadas pela escola, a médio e longo prazo: um trabalho em parceria com agentes educacionais, inspetores e mãe; encaminhamento para psicoterapia ou, numa atitude mais radical e imediata, a transferência de escola – após alguns contatos e negociações com a família, em comum acordo, adotaram as duas primeiras alternativas para o caso de Romário. Nesse processo, o estudante iniciou o acompanhamento psicoterápico numa Clínica de Psicologia vinculada a uma instituição universitária em João Pessoa, e a escola intensificou o monitoramento dos acordos firmados com Romário e a sua mãe. Em 2012, Romário, apesar de outras notificações sobre o seu desempenho e comportamento, foi aprovado e permaneceu na escola como discente e membro da Banda Marcial. No caso de Adriano os registros comprovam que os mesmos procedimentos foram adotados, além das suspensões de aulas; porém, não houve colaboração do adolescente e da família (na maioria das vezes, representada pela progenitora). No final do ano de 2012, após várias convocações da escola e de algumas buscas de parceria com a família e outras instituições, sem sucesso (dois contatos com o Conselho Tutelar e três para acompanhamento psicoterápico, em lugares distintos), a mãe solicitou a transferência do estudante para outra unidade de ensino, mesmo demonstrando,

anteriormente, em vários registros, que ela e o filho não desejavam a saída da Escola Voo Rasante. Considerações finais O CRD, aqui denominado de caixa-preta, revelou a possibilidade de considerar a dinâmica educacional para além da sala de aula, embora, na maioria das situações, tenha corroborado os resultados já explicitados na literatura consultada: instrumento de controle da disciplina discente, sem uso coletivo dos seus dados para elaboração de intervenções mais qualificadas e educativas. É predominantemente usado como mero registro formal e burocrático dos agentes educacionais. O inusitado nesta pesquisa foi o favorecimento da problematização e avaliação das estratégias pedagógicas usadas para a gestão de conflitos relacionais sobre os casos de Adriano e Romário. Apesar da existência de aparato legal para uma intervenção pautada na fala e escuta dos sujeitos – tais como o ECA; a Resolução do Conselho Federal de Psicologia (nº 001/2009), que dispõe sobre a obrigatoriedade e normatividade das notificações dos serviços prestados pelo psicólogo escolar; bem como o Ofício do Ministério Público, anteriormente referenciado, criando o CRD –, a resolução de conflitos relacionais nas escolas ainda carece de iniciativas para efetivação dessas normativas. Isso implica em mudança de paradigma e de um redimensionamento das práticas pedagógicas. Nesse sentido, chama a atenção, no corpo de dados do CRD, que os registros indicativos de intervenções associáveis ao que aqui se pretendeu como gênero textual catalisador das tensões e conflitos relacionaram-se, quase exclusivamente, às categorias “felicitações” e “providências e implicações da família”, minoritárias numericamente. Ora, a maioria das notificações envolvia queixas e providências respectivas da escola, caracterizadas como simples acusações quase sem o registro das vozes dos alunos implicados.

Isso aponta para um uso do CRD ainda centrado nos agentes educacionais e uma concepção predominantemente jurídica dos conflitos relacionais – paradigma esse que reduz as chances de intervenções baseadas no princípio da educabilidade e que atribui a responsabilização pelas soluções a instituições externas à escola (como a Saúde e a Justiça). Felicitar os alunos é uma forma de reconhecê-los e de enxergar, inclusive naqueles cuja conduta é mais resistente às normas, potencialidades não só úteis, como necessárias ao coletivo escolar. Levar em conta o que suas famílias pensam é dar voz – no contexto da Voo Rasante – a pessoas que, muitas vezes, não só socioeconomicamente, são tratadas como menores, fora e dentro da escola, em razão de preconceitos culturais e, por isso, não são ouvidas nem valorizadas. Que essas pessoas possam falar e escrever, incluindo-se numa instituição originariamente feita para excluir, selecionar e hierarquizar, é decorrência também do uso de um dispositivo aberto a diferentes perspectivas em torno da mesma narrativa sobre um conflito relacional. Esse dispositivo pode ser o CRD. Assim, o percurso empreendido nesta pesquisa confirma ser o CRD um rico material de memória histórica e testemunhal das práticas pedagógicas. Os efeitos de sua utilização como gênero textual catalisador das tensões e conflitos em soluções mais inclusivas e pedagógicas incidem diretamente no processo de subjetivação e identidade dos sujeitos. O CRD, também, favorece uma dupla perspectiva de trabalho: uma sincrônica e pontual (o que se conta em cada unidade narrativa) e outra diacrônica (a forma como vão evoluindo os fatos narrados e nossa própria experiência), semelhante a função dos “diários de aula” estudados por Zabalza (2004). Desse modo, seu uso, já recorrente nas escolas, se modificado com vistas à facilitação do diálogo e da expressão de ideias e sentimentos, é recomendado segundo as orientações da Pedagogia

Institucional, considerada uma proposta pedagógica mediadora dos objetivos educacionais numa perspectiva includente e promotora de uma cultura de paz. Como lembra Abrantes (2007, p. 49), é possível conviver e se desenvolver de modo harmonioso quando “[...] aceitamos a heterogeneidade das crianças. Substituímos a noção de escola igual para todos, que prevalecia no século passado, pela da escola na medida de todos”.

Parte II Estágios em Psicologia Educacional/Escolar e a Pedagogia Institucional Esta parte é composta por relatos do Estágio Supervisionado de alunos do quinto ano do Curso de Psicologia, na área escolar, em salas do 5° ao 9° ano do Ensino Fundamental e Médio de uma Escola Pública Estadual, situada num bairro periférico de uma cidade no interior do estado do Paraná, durante os anos de 2013 e 2014. O relato dessas experiências de intervenção, nas quais se aplicaram os princípios da P. I. e as técnicas de Freinet, corresponde ao objetivo de mostrar possibilidades de atuação do psicólogo escolar, tanto nas atividades de apoio ao ensino quanto nas de orientação e treinamento dos profissionais da educação. Assim, publicamos algumas ações realizadas no contexto escolar, mais precisamente em sala de aula, sendo que algumas estão descritas na íntegra e outras não.

Em Busca de uma Esperança Otimista: um exemplo da aplicação das Técnicas de Freinet e da Pedagogia Institucional Guilherme Agulhon Nádia P. da Cunha Taís K. Abado Emanoella Ruffo Indira Matias Intervenção O objetivo geral do trabalho realizado com os alunos do 9º D foi o de desenvolver as funções psicológicas superiores, como a linguagem e o pensamento, por meio da escrita e da pesquisa. Para tanto, objetivos secundários foram traçados, tais como: promover um espaço para discussão de temas e ideias; incentivar os alunos a produzir materiais (textos, pinturas, desenhos e músicas baseados em seus interesses); auxiliar os alunos, com base no que tinham feito durante os encontros, a produzir uma revista no final do processo, contendo temas relacionados ao contexto escolar; promover a criatividade nas atividades; contribuir com conhecimentos científicos a respeito das temáticas trabalhadas pelos alunos; ajudá-los a desenvolver a pesquisa. Foram selecionadas algumas das técnicas de Freinet e da Pedagogia Institucional para serem utilizadas durante os encontros semanais com a turma: o jornal escolar, o texto livre, a correspondência, a aula-passeio e a atribuição de tarefas e responsabilidades, além de técnicas como “o que há de novo?”, “isso está bem, aquilo não está”. Consideramos também que os grupos são importantes para a P. I.: delimitam o espaço e a função de cada um dentro da sala. Eles podem ser construídos de acordo com o nível escolar ou, como no caso deste projeto de intervenção, ser divididos por interesses e centrados em determinado trabalho.

Um pouco de prática – uma discussão acerca de nossas vivências no ambiente escolar Fizemos, primeiramente, o reconhecimento da escola por meio de visitas, participações em reuniões pedagógicas e estudo do PPP. Assim, pudemos realizar uma caracterização da escola, entramos em contato com gestores e professores, conhecemos a estrutura do colégio (salas de aula inadequadas, pequenas para quantidade de alunos, falta de espaço físico). Ouvimos algumas queixas escolares, a maioria delas relacionadas a problemas de disciplina, além dos muitos casos de uso de drogas e também de alunos que, com base no chamado “laudo médico”, eram considerados como crianças com características especiais e dificuldades no aprendizado. Com base nas queixas apresentadas, optamos por atuar com uma turma de 9º ano, que, no contexto da organização escolar, é subdividida em quatro grupos: A. B. C e D. No conceito da escola, as primeiras são consideradas as melhores e a última, a pior, pois é composta por alunos repetentes e advindos de outras escolas, muitas vezes expulsos. Escolhemos a turma D, e vários professores afirmaram ter dificuldades em ministrar aulas nessa turma e, por seu lado, uma parcela significativa de alunos parecia desmotivada. Depois das devidas apresentações e tomando conhecimento do que seria esperado de nosso trabalho e também de mais algumas informações sobre a sala, procuramos conhecê-la. À primeira impressão, a turma pareceu bem agitada, com vários alunos tentando chamar a atenção com comportamentos e falas inapropriadas, por exemplo, colocando os pés em cima da cadeira ou dirigindo palavrões para os colegas. As informações a respeito da realidade da referida turma e de sua história no contexto da escola eram de que alguns tinham sido transferidos de outros colégios, outros tinham mudado de período e um número significativo deles era de alunos repetentes. Assim, a falta de uma identidade como turma estava clara, como estavam claros os discursos estigmatizantes.

Inicialmente, com base nos conhecimentos da Pedagogia Institucional e das técnicas de Freinet, achamos pertinente encaminhar o estabelecimento de normas e regras dentro na sala de aula em que trabalharíamos. Portanto, juntamente com os alunos, montamos cartazes com o que eles poderiam ou não fazer em sala de aula, bem como as sanções a ser aplicadas aos que não cumprissem as regras. Nesse momento, apresentou-se a enorme dificuldade dos alunos em compreender o significado e a importância das regras para a manutenção do espaço coletivo. Eles começaram por simplesmente reproduzir o que lhes havia sido apresentado: as regras da própria instituição foram ditadas por eles, sem que parassem ao menos uma vez para refletir acerca delas, do por que de elas existirem e de seu papel na manutenção da escola. Com certa dificuldade, expusemos que os limites são necessários para garantir o espaço de cada um. Ficou claro que os conceitos fundamentais e norteadores da Pedagogia Institucional não estavam em vigor para os alunos, que eles não se consideravam pertencentes ao ambiente escolar e, portanto, que as regras não faziam sentido algum para eles. Refletindo sobre o que lhes era cobrado, os alunos perceberam que as regras favorecem o convívio do grupo e puderam então estabelecer seus próprios conceitos e limites. No final do trabalho, muitas regras da instituição passaram a fazer sentido para os jovens; outras, nas quais eles não viam significado, foram discutidas coletivamente. Dessa forma, elaboraram-se saídas para que o grupo ou os indivíduos em particular se beneficiassem delas. Os próprios estudantes confeccionaram os cartazes, que, colados na porta da sala, permaneceriam como regras vigentes para todo o período letivo e para nossos encontros com eles. Tendo elaborado as normas e regras, baseando-nos nas técnicas de Freinet, buscamos encontrar temas e assuntos pelos quais os alunos se interessassem para, a partir do conhecimento trazido por

eles, levá-los a um conteúdo científico. A sala foi dividida em cinco grupos, conforme os interesses levantados por eles mesmos: três grupos se uniram para falar sobre esportes, um grupo para falar sobre adolescência e uso de drogas e um último, sobre artes e teatro. Cada estagiário ficou responsável por um grupo, cabendo-lhe então o papel de mediador e orientador dos alunos na busca pelo conhecimento científico. Quando os grupos se dividiram para que os alunos fizessem pesquisas sobre os temas que haviam escolhido, notamos que o real desejo deles não era falar do tema verbalizado por eles como escolha. Um dos grupos que optara por falar de esportes decidiu trabalhar com a relação entre professores e alunos, outro com skates e bicicletas e o último com a importância das normas e regras. O grupo sobre drogas permaneceu com o desejo temático inicial e o grupo de artes e teatro centrou-se nos desenhos como manifestação artística. O que ficou claro é que os alunos se uniram por afinidades e que a conversa com os estagiários os ajudou a pensar sobre suas próprias escolhas e delimitar melhor seus reais desejos. O espaço da fala mostrou-se extremamente importante para estes jovens que pareciam não estar acostumados a ser ouvidos e, portanto, não sabiam ao certo o que dizer. A dificuldade em expressar a própria opinião foi bastante intensa no começo dos encontros, a apropriação do espaço da fala se deu de maneira bastante gradual, já que os adolescentes não estavam acostumados com a permissão para opinar acerca do conhecimento que iriam adquirir. Tendo acordado os temas de cada grupo, utilizamos a técnica do texto livre de Freinet para a posterior elaboração do jornal escolar. Em alguns encontros, eram utilizadas as técnicas “isto está bom, aquilo não está” e, a cada começo de mês, “o que há de novo”. A dificuldade dos adolescentes para desenvolver um determinado assunto pelo pensamento e pela fala, para expressar sua opinião, fazer uma reflexão e desenvolver um texto escrito com coerência era nítida. Sua linguagem mostrava-se bastante simplificada e desprovida de recursos mais elaborados.

Procurando levá-los a superar essa condição, utilizamos as técnicas “O que há de novo” e “isso está bem, aquilo não está”. A finalidade era a construir o espaço da fala, mas também acompanhar as mudanças ao longo do processo. Foi possível perceber que essas técnicas contribuíram significativamente para a formação de vínculos entre a turma, bem como para o acesso à realidade deles. Nesse espaço, durante as atividades em sala, foram trabalhados os seguintes temas dentro dos grupos: a dificuldade da relação entre professores e alunos; a importância das regras no esporte e consequentemente na vida em sociedade; arte e teatro; práticas esportivas como o skate e a bike; e os efeitos e as consequências do uso de drogas. Como as técnicas favoreciam o espaço da fala, muitos alunos puderam expressar um pouco mais do seu cotidiano; alguns se manifestaram a respeito de dificuldades em seus lares, de problemas com colegas da turma e também se posicionaram em relação à importância desse espaço e da formação do vínculo que se dava de maneira gradual nos encontros. No começo, eles falavam pouco, depois, continuavam não falando muito, mas já expressavam um pouco suas opiniões. Num determinado grupo, quando estávamos utilizando a técnica “isso está bem, aquilo não está”, um dos alunos disse que nossos encontros estavam indo bem, pois estavam contribuindo para o aprendizado deles. No mesmo grupo, outro aluno comentou que a parte boa das nossas intervenções é que ele não tinha aula. Podemos perceber que as técnicas não atingem todos imediatamente, mas, no processo, promovem reflexões e discussões que de algum modo podem contribuir para a formação desses jovens. De acordo com Pavani (2002), o uso do jornal no ambiente educacional favorece não só o desenvolvimento do hábito da leitura, mas também que o aluno discuta sua realidade, formando uma consciência crítica, um pensamento mais organizado, o que implica a possibilidade de formação de novos cidadãos, socialmente conscientes e ativos. Observando esses aspectos salientados pela

autora, procuramos produzir uma revista escolar nos moldes do jornal escolar de Freinet. Por meio dessa atividade, foi possível entrar na realidade dos lares dos alunos. Como expressão de suas inquietações e anseios, podemos citar as releituras do quadroO Grito, de Eduardo Munch: cada aluno tentou expressar o seu grito (anseios, medos) por meio de desenhos. Neles, apareceu o medo da violência, de perder a família, entre outros. Apesar da construção do espaço da fala para que os alunos manifestassem seus anseios, a dificuldade de eles se comunicarem pelo diálogo era evidente, de forma que podemos relatar a presença da violência física na sala de aula. Concluímos que, se não existe espaço para a fala em sala de aula e para a tentativa de resolução de problemas por meio dela, o que permanece são adolescentes que, sem conseguir lidar com seus próprios conflitos e com os colegas, utilizam-se da agressão física como único recurso para a expressão de seus sentimentos. Evidentemente, nada, além disso, poderia ser esperado de adolescentes que apresentam dificuldades de reconhecer seus próprios desejos, de se reconhecerem, visto que não conseguem compreender nem mesmo a atuação a que estão sujeitos em situações violentas. Para Andrade e Gonzaga (2010), a linguagem é uma forma de impedir a violência, tão presente no cotidiano; ela seria uma mediação entre o desejo e suas possibilidades de expressão, contribuindo para a resolução de conflitos no ambiente escolar. Como exemplo do desconhecimento do contexto em que estão inseridos, em uma discussão desenvolvida com os alunos, um deles expressou que acharia correta a diminuição da maioridade penal, bem como a construção de novos presídios. Tais medidas afetariam diretamente sua classe social, pois se referem a jovens oriundos de famílias distantes dos padrões da elite de nosso país. Iniciativas como diminuição da maioridade penal, ou mesmo a construção de novos presídios atenderiam a outras necessidades, que não a dessas famílias, cujos filhos necessitam de uma educação de qualidade, como programas de capacitação e cursos técnicos, para

daí aspirar a cargos mais valorizados em nossa sociedade. Muito mais do que apoiar a construção de novos presídios e a manutenção na cadeia de jovens com idade inferior a 18 anos, esses jovens precisam entender que tais iniciativas atendem às necessidades de outra classe social. Podemos perceber, portanto, a significativa alienação a que esses jovens estão submetidos, sendolhes negada parte de sua história, principalmente aquela que mostra as lutas de sua classe que foram necessárias para os poucos direitos que lhes são garantidos. Eles têm, assim, direito à educação, mas não de qualquer tipo e sim educação de qualidade que promova a autonomia e consequentemente sua emancipação na sociedade. Depois de muito trabalho e muitas discussões com os grupos individuais, foi possível a elaboração da revista escolar. Esta foi composta com temas específicos de cada um dos grupos, expressando um resultado final com as características da sala como um todo. Foram desenvolvidos textos com as temáticas propostas, bem como desenhos retratando as angústias de cada membro do grupo que abordou os desenhos e as artes. Para eles, ver o trabalho final concreto foi um elemento novo e motivador, como já expunha Freinet quando explicava a técnica do jornal escolar. A respeito da utilização do jornal no ambiente escolar, Pavani (2002) destaca que, no texto “Proposta pedagógica curricular. Classes de aceleração” de 1997, da Secretária da Educação, consta: O ensino com o jornal não se ajusta apenas às aulas de língua portuguesa e outros idiomas, mas se constitui também em instrumento extremamente interessante para ser utilizado em outras disciplinas, incentivando a prática da leitura. O jornal é um meio eficaz de auxílio e dinamização do ensino e aprendizagem, promovendo a interdisciplinaridade e a consequente integração de conhecimentos e práticas adquiridos por meio de seu efetivo manuseio em sala de aula. O jornal propicia ao aluno vivenciar situações de conhecimento, expressar-se livremente, interagir melhor em equipes, observar, perguntar, discutir hipóteses e tirar

conclusões (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO apud PAVANI, 2002, p. 24). De nossa perspectiva, não é apenas a leitura do jornal no ambiente escolar que promove essas características, mas sim a produção de um jornal, revista, folhetim, ou qualquer outro recurso para a divulgação de informações no ambiente escolar. Por meio desses recursos é possível promover a formação mais crítica das novas gerações. Lembramos também, como descreve Xavier (1997), que as instituições escolares precisam ser capacitadas e que a capacitação passa pela formação dos gestores, educadores e demais profissionais envolvidos para que continuem sendo a base no processo de educação nacional. Precisamos atentar para a necessidade de compreendermos e incorporarmos as mudanças tecnológicas de nosso tempo, adaptando-nos ao contexto atual, cujas transformações são rápidas, sem nunca perder de vista a realidade do país e as necessidades singulares de cada região ou localidade (XAVIER, 1997). Considerações Finais Ao realizar as atividades de intervenção na escola, constatamos que, em razão da época e do contexto do sistema educacional brasileiro, as técnicas de Freinet não têm sido aplicadas adequadamente. Em suas classes, ele dispunha de maior tempo para desenvolver suas técnicas, mais liberdade de ação, menor número de alunos por sala, condições e materiais diferenciados que estivessem de acordo com seu planejamento. Nosso momento histórico mostra-se desfavorável para o ambiente escolar. De um lado, temos alunos desmotivados que não conseguem compreender a importância dos conteúdos transmitidos na escola para sua vida. Por outro, temos professores frustrados com sua atuação em sala de aula, já que não possuem o reconhecimento de outrora nem motivação para proporcionar um ensino de qualidade: não contam com o interesse dos alunos e com

recursos tecnológicos que lhes favoreceriam o acesso mais interessante e prazeroso ao conteúdo. No entanto, podemos afirmar que a oportunidade dada aos alunos para trazer elementos de seu cotidiano para o desenvolvimento do trabalho, seja por meio de experiências pessoais seja pela escolha de assuntos de seu interesse, foi positiva e produtiva. Foi possível uma maior aproximação ou apropriação do conhecimento construído, dada a proximidade deste com suas vivências, o que, por outro lado, também favorece o desenvolvimento de projetos de intervenção. No caso dos adolescentes da turma 9º D, a precariedade do ambiente escolar e o processo de exclusão dos alunos por parte da própria escola têm contribuído para manter o embotamento e a falta de perspectiva dos alunos. O que se nota é uma cobrança em relação ao grau de motivação dos estudantes, aliada a fatores que não contribuem em nada para a emancipação do sujeito como ser humano. Em um colégio cujo espaço físico lembra uma prisão e não se valoriza o trabalho dos psicólogos, quem dirá dos alunos, parece impossível traçar um futuro brilhante para esses jovens. Notamos que a maioria dos jovens sente uma dificuldade imensa para traçar planos para o futuro. O discurso pronto de que a educação lhes trará uma vida melhor foi repetido diversas vezes, mas os adolescentes nem ao menos sabem por que estão ali. Vão à escola porque são obrigados e acreditam que estar lá é o suficiente como garantia de educação e conhecimento. Alguns alunos chegaram a comentar que frequentavam a escola porque seus pais não permitiam que ficassem em casa. Enfim, podemos fazer uma reflexão sobre a experiência como um todo. No primeiro semestre, as técnicas de Freinet e da P. I. fizeram parte integral de nossas intervenções. Foi possível perceber a formação de vínculos com a turma, seus interesses reais, suas dificuldades na escola ou mesmo fora dela. Entendemos também

que desconsiderar o contexto desses alunos ao levantar hipóteses a seu respeito, seria como “dar um tiro no pé”. No segundo semestre, para trabalhar as questões da adolescência e suas facetas, optamos por aulas expositivas. Embora tenhamos partido de pontos de interesse apontados pelos alunos da turma, a participação diminuiu, deixando claro um desinteresse pelo que estava sendo dito. Em um desses encontros, aconteceu uma discussão e uma briga dentro da sala: talvez o espaço da fala estivesse fazendo falta. Segundo nossa experiência, portanto, os métodos e as técnicas da P. I. mostraram-se instrumentos significativos para resgatar o interesse dos alunos pelo conhecimento, bem como sua participação nas atividades, ao passo que o retorno a um modelo tradicional, mesmo tendo como base o interesse dos alunos, resultou em significativo aumento da desmotivação da turma. No final de todo o trabalho, utilizando-nos de um termo de Freinet, consideramos que ainda nos resta uma “esperança otimista” em relação ao futuro daqueles jovens e ao futuro da escola como uma instituição que se encontra em vias de grandes mudanças. Com discussões e leituras, a opinião dos próprios alunos pode nos mostrar claramente o que para eles está sendo dificultoso na escola. É possível, com base nisso, traçar um norte para as gerações posteriores. Se o momento que antecede o amanhecer é considerado a hora mais escura, resta-nos lutar para que a crise pela qual a educação vem passando seja passageira e que, em breve, tenhamos uma grande e positiva mudança em prol da emancipação humana. Com o intuito de finalizar o artigo, mas iniciarmos outra história, lançaremos mão de algumas palavras escritas pelo 9º D e sua humilde (porém sensata) opinião acerca da relação entre estudantes e professores, intitulada “A gente pode fazer melhor”. O texto consta na Revista Escolar elaborada por um dos grupos e em nosso Relatório Final do Estagio Supervisionado em Psicologia Escolar:

Hoje em dia, as relações entre professores e alunos estão difíceis. Podemos apontar que a estrutura da escola, como o quadro negro que não apaga e também é difícil entender o conteúdo aplicado. Nas aulas de Educação Física, as quadras estão cheias de buracos, faltam materiais como bolas e redes. Também podemos falar sobre o pátio, quando chove fica alagado. Enquanto o banheiro, alguns faltam trancas nas portas, o cheiro é desagradável, parece que faltam produtos de limpeza e os espelhos ficam embaçados. E o lanche é um desastre, as vezes vêm salgado ou doce e os sucos são quentes e, não tem aparência agradável, tudo isso prejudica a aparência da escola tanto para os alunos, quanto para a comunidade. Alguns professores estão desmotivados, são bravos, ignorantes, falta paciência. Todos esses aspectos podem ter como causa baixos salários, turmas sobrecarregadas, muito trabalho para fazer em pouco tempo, faltam condições para os professores fazerem bem feito o seu trabalho. Já os alunos estão indisciplinados, não se interessam pelo conteúdo, são bagunceiros e conversam muito e também, alguns são ignorantes. Todas essas informações contribuem para as dificuldades encontradas nos relacionamentos entre professores e alunos. Podemos acreditar que para essa situação não há saída. No entanto, podemos sugerir que para que ocorra uma mudança, seria preciso professores que gostem de ensinar, que tenham paciência, um bom humor e que valorizem as experiências dos alunos. Já os alunos precisam fazer menos bagunça, conversar menos durante as explicações dos professores, que os alunos não destruam a escola e mantenham ela limpa, e mesmo aqueles alunos que não gostam de estudar, precisam se focar um pouco mais nos estudos (2013, p. 35). Resta-nos, diante dessas palavras, questionar: os alunos do 9º D ignoram de fato a educação? Parece-nos que não. O que se percebe é que esses alunos, estigmatizados com “problemas”, têm consciência (talvez até mais clara e abrangente do que a de muitos que os julgam) de quais são os principais problemas enfrentados em sala de aula. O que lhes falta é voz, capacidade de compreensão dos seus desejos e motivação para querer mudar a situação.

Parece-nos que faltam perspectivas de mudança desse quadro escolar e que o futuro deles, como estudantes, está traçado. Apegamo-nos a esse fiapo de esperança contido na fala dos alunos e esperamos por resultados futuros que, com um pouco de otimismo e boa vontade, aparecerão. Amparados na experiência ao longo desse ano na escola, formamos nossa opinião sobre alguns dos desafios presentes nesse ambiente, mas gostaríamos de deixar a seguinte pergunta ao caro leitor: “Será que podemos fazer uma escola melhor?”. Quanto à resposta, só o tempo dirá, mas entendemos que o modelo vigente parece cada vez mais insuficiente para contribuir para a formação de um cidadão consciente de sua realidade, com um pensamento crítico e que seja capaz de deliberar sobre suas necessidades.

A Psicologia Escolar por meio da Pedagogia Institucional e das Técnicas de Freinet: relato de uma experiência Rafael F. Bissi Larissa M. Leitão Jordana M. Silveira Sérgio J. B. Gonçalves “O lugar que cada um ocupa, seus limites, o lugar aí não é simplesmente o lugar físico, mas a função de cada um e as leis definem os lugares, os limites. Quando compreendemos que cada lugar tem seus limites e sua lei, nós podemos ter uma linguagem em comum” (PAIN, 2010, p. 162). Foi a partir do nosso lugar que, no contexto da Psicologia Escolar, praticamos e vivenciamos intervenções com base em nossos estudos da Pedagogia Institucional e das técnicas de Freinet, ou seja, da Escola Moderna. A oportunidade para realização deste trabalho surgiu quando nós, estagiárias do quinto ano de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, realizamos o Estágio Supervisionado da disciplina de Formação Básica em Psicologia e Educação1 em uma escola estadual de Ensino Fundamental e Médio do município de Maringá-PR. As atividades foram realizadas no período matutino, com 35 alunos da sétima série do ensino fundamental e 80 alunos do primeiro ano do ensino médio, sendo estes últimos divididos em duas turmas de 40 alunos cada. A demanda da escola foi levantada em uma reunião inicial dos estagiários com a equipe pedagógica do período, alguns professores e nossa orientadora. O objetivo da reunião era conhecer a realidade da escola e as dificuldades que estavam enfrentando para que pudéssemos pensar formas de atuação que contribuíssem para a superação dessas dificuldades. 1 Essa disciplina é dividida em dois módulos, sendo que um deles contempla o estudo teórico-metodológico e o outro, a prática institucional. No segundo módulo da disciplina,

denominado Estágio Supervisionado em Psicologia e Educação, estamos aplicando a teoria e as técnicas estudadas como práticas em uma instituição de ensino fundamental e médio. Por ser um dos módulos da disciplina, este estágio é obrigatório e a instituição concedente é de cunho público e determinada pelo orientador da disciplina.

As demandas apresentadas para a sétima série do ensino fundamental foram indisciplina e excesso de conversas acerca de assuntos relacionados à sexualidade e, para o primeiro ano do ensino médio, foi a falta de interesse e de conhecimento dos alunos em relação à escolha profissional e às formas de ingresso na universidade. Surgiram também queixas mais amplas, referentes a infra-estrutura, agressividade, violência, indisciplina e desinteresse geral dos alunos. Definidas as turmas, iniciamos o trabalho, conforme o que foi discutido em reunião, mas sabendo que a demanda também deveria emergir dos alunos. Em um segundo momento, por meio de uma das técnicas que iremos relatar, fizemos essa discussão com eles. Com a sétima série do Ensino Fundamental, realizamos um trabalho de orientação sexual, por meio de uma exposição sobre as mudanças ocorridas na adolescência: discutimos suas dúvidas quanto às transformações biológicas na puberdade e também quanto às relações sexuais e afetivas nessa fase do desenvolvimento. Com o primeiro ano do Ensino Médio, nosso trabalho foi direcionado para a orientação profissional, o ingresso na universidade e a inserção no mercado de trabalho, especialmente o quê e como escolher. Continuamos os trabalhos por meio de observações em sala de aula, com o objetivo de conhecer melhor as turmas e investigar com os alunos quais assuntos eles tinham interesse em discutir, já que, como adiantamentos, importava que eles também estivessem interessados e envolvidos com as atividades. As turmas concordaram com os temas propostos, mas acrescentaram outros temas de interesse. Assim, o cronograma de atividades foi montado com base na demanda apresentada pela escola e também pelos alunos.

Nossa prática foi pautada nos pressupostos teóricos da Psicologia Escolar, com enfoque na teoria da Pedagogia Institucional e das técnicas da escola moderna de Freinet. Desse modo, consideramos o contexto social em que o aluno e a instituição educacional estão inseridos, o período histórico atual e a fase de desenvolvimento dos alunos. O comportamento social vem sofrendo drásticas mudanças desde o século XVIII, quando houve o desenvolvimento acelerado do sistema capitalista. Os indivíduos tornaram-se cada vez mais centrados nos objetos e na produção, o que altera as ideologias, as simbolizações e principalmente as formas de relação. A partir do século XIX, ocorreu uma fusão entre a comunicação e o consumo, de forma que as relações passaram a ser mediadas intensamente pelo consumo (RETONDAR, 2008). Dessa forma, vivenciamos uma “coisificação” do homem, que passa a ser representado por aquilo que possui e que consome. Essa ideologia do consumismo atinge principalmente os adolescentes, que estão em processo de formação de sua identidade. A questão que se coloca no contexto histórico vivenciado atualmente é: qual a melhor forma de ensinar e fazer com que o conhecimento seja apreendido pelos alunos? Entendemos que é necessário considerar todas as transversalidades que perpassam o conhecimento científico a ser transmitido pela escola e também a fase de desenvolvimento em que os alunos se encontram. Dessa forma, temos como objetivo da prática de estágio na instituição escolar, além de cumprir a carga horária obrigatória exigida pela disciplina para nossa formação em Psicologia, conhecer o trabalho e a realidade do psicólogo inserido no contexto escolar. O princípio chave de Fernand Oury (apud PAIN, 2010, p. 162) é que “nada é falado que não possa ser feito”, portanto, o que relataremos aqui foi parte significativa de nosso trabalho, permeada pelos fracassos e sucessos que obtivemos na escola. A prática a ser

relatada foi construída com base nos pressupostos da Pedagogia Institucional e nas técnicas da escola moderna de Freinet. Discussão das Práticas Um dos pressupostos da Pedagogia Institucional, que sofreu influência de Freinet (1975), é o de que o professor precisa adequar e/ou ajustar as técnicas às características da turma de alunos. Assim, a técnica do jornal escolar foi reajustada e utilizada por nós com uma metodologia diferente daquela citada pelo autor. As mudanças realizadas só foram possíveis graças às características das técnicas, cuja finalidade era nortear a prática dos educadores e não criar um método fixo e limitante, cujos resultados na aprendizagem pudessem sofrer a interferência de qualquer mudança no contexto. Os métodos devem ser válidos em quaisquer circunstâncias, independentemente das variáveis, ao passo que as técnicas apenas direcionam o trabalho, podendo ser adaptadas ao contexto sócio-histórico específico. O autor entendia que, com o tempo, a maneira como seus pressupostos seriam utilizados deveria ser modificada, acompanhando a evolução do mundo, para que não fossem ultrapassados. Tendo como base a flexibilidade das técnicas e a necessidade de sua adaptação à evolução tecnológica do mundo, propusemos um jornal televisivo a partir da técnica do jornal escolar. Primeiramente, realizamos a técnica “Isso está bem, aquilo não está!” a fim de discutir assuntos relativos ao ambiente escolar. Nesta atividade foram levantados aspectos negativos, como a violência escolar, o desrespeito de alguns professores e as más condições físicas da escola, e pontos positivos, como o recreio, os amigos, os bons professores e as estagiárias de psicologia. Posteriormente, sugerimos a apresentação de um teatro que contemplasse os assuntos emergentes na aplicação dessa técnica. A sala foi dividida em três grupos de aproximadamente 10 alunos, de forma que cada

grupo fosse auxiliado por uma estagiária desde o planejamento à execução da peça teatral. Em um dos grupos, surgiu a proposta do jornal televisivo, cujos temas foram levantados por meio da técnica “Isso está bem, aquilo não está!”. Para a apresentação do jornal foram delegados papéis: âncora (apresentador principal), jornalista, professora entrevistada, psicóloga entrevistada, professor de educação física e esteticista para falar dos cuidados com a pele e beleza na adolescência. Os alunos escreveram o texto a ser apresentado, utilizaram figurino e gravaram as falas. Depois dos ensaios, o grupo apresentou para a turma o jornal televisivo denominado “Jornal Irracional”. Essa atividade contou com a participação de todos os membros do grupo, os quais consideraram o contexto sócio-histórico ao incorporar tecnologia e humor à técnica. Ao realizar o trabalho, considerando as demandas levantadas pela sala, percebemos que os alunos não viam a escola como independente de seus contextos, sendo possível utilizar os discursos, os gostos, as opiniões. Ou seja, por meio da participação dos alunos, podemos utilizar técnicas melhores para envolvê-los no processo, tornando o ensino mais interessante para eles. Outro pressuposto teórico da Pedagogia Institucional refere-se à capacidade de aprendizagem da criança, que deve estar diretamente relacionada com seus interesses. Este pressuposto orientou nossa prática: procuramos optar por algo que estivesse de acordo com a demanda da turma, de forma que o trabalho e as atividades fizessem sentido para os alunos. Ao estabelecer esse princípio, deixamos a questão clara para que os alunos percebessem que, no ambiente escolar, existe espaço para que eles expressem suas experiências, sentimentos, ideias, ou seja, que apresentem sua bagagem de vida com o intuito de enriquecer os conteúdos escolares. Tínhamos em vista também que

a maneira tradicional de ensino-aprendizagem desconsidera os saberes já adquiridos pelos alunos e que a proposta de estabelecer um lugar, um espaço para que os alunos manifestassem sua linguagem, ou seja, desempenhassem de maneira ativa seu papel no contexto escolar, consistiria em um desafio à ordem tradicional. Quando iniciamos o trabalho com a turma, lançamos mão da técnica “Isso está bem, aquilo não está!”. Esta atividade canalizou a reflexão dos alunos para aspectos da vida escolar considerados tanto positivos quanto negativos. Esta reflexão se fez inicialmente em nível individual, visto que cada aluno teve que nomear uma situação positiva e outra negativa, e, posteriormente, alcançou um nível coletivo, já que a sala teve acesso ao que todos tinham escrito. Assim, todos puderam discutir os pontos, manifestando a convergência e a divergência de opiniões. A técnica permitiu a livre expressão dos alunos a respeito dos temas escolhidos. Deixamos claro que eles tinham direito à fala e de serem ouvidos e também o dever de ouvir e respeitar a opinião do outro. O assunto inicialmente abordado foi o das queixas recorrentes dos alunos tanto sobre problemas na estrutura física quanto relacionais vivenciados por eles na escola. Acreditamos e defendemos a ideia de que a proposta principal de desenvolver orientação profissional só deveria ser iniciada quando tivéssemos estabelecido um espaço em que os alunos sentissem que estavam sendo acolhidos em suas reais demandas e nos questionamentos que envolvessem o contexto escolar. Dessa forma, utilizamos a técnica “Isso está bem, aquilo não está!” para criar condições para o discurso livre dos alunos e trabalhar coletivamente na busca de soluções e melhorias, que valorizassem o lugar e espaço da fala do aluno na sala de aula. Outra técnica fundada na capacidade da criança de se expressar livremente e também no pressuposto de que a aprendizagem do aluno está diretamente relacionada aos seus interesses é o texto livre. Essa atividade foi utilizada no início das intervenções para que

os alunos pudessem escrever livremente; com base nessa escrita seriam identificados temas a ser trabalhados. Distribuímos folhas de almaço para todos os alunos e solicitamos que discorressem acerca dos assuntos que quisessem. Nessa atividade, utilizamos o tempo que compõe a aula e, ao final, recolhemos as folhas. Analisamos os textos recolhidos e, assim, foi possível identificar os interesses individuais e coletivos, pois alguns temas se repetiam. Alguns dos assuntos mais abordados pelos alunos foram: teatro, dança, música e esportes. A confecção do cronograma de atividades foi baseada nessa análise. A importância da aplicação da técnica do texto livre para o desenvolvimento do nosso estágio deixou evidente o pressuposto de Freinet (1975) de que a capacidade de aprendizagem da criança está diretamente relacionada aos seus interesses. O aluno tem dificuldade de assimilar o conteúdo quando aquilo que está sendo exposto pelo professor não faz sentido para ele. Portanto, é de extrema importância que o professor aproxime o conteúdo programático de suas vivências, para que o processo de ensino e aprendizagem possa ser mais eficaz. Para o estágio foi essencial a adoção desse pensamento freinetiano: ficou claro o envolvimento dos alunos com as atividades realizadas, uma vez que estas haviam sido propostas por eles. O modo como o conhecimento chegava aos alunos os envolvia mais e, assim, a apreensão do conteúdo transmitido foi efetiva. Por exemplo, em uma das aulas, todo o conteúdo foi apresentado por meio de músicas que se aproximavam da realidade da turma. Demonstrando interesse, os alunos participaram e assimilaram o conteúdo que estava sendo transmitido. Tal questão relaciona-se com outro pressuposto de Freinet (1975): o uso de avaliação quantitativa evidencia as diferenças e favorece comparações entre os alunos. Na intervenção em que foram utilizadas músicas como instrumento de ensino, o processo avaliativo foi realizado por meio de uma discussão coletiva, na qual

participaram os alunos e as estagiárias, sentados no chão e em círculo. Todos tiveram a oportunidade de se expressar, desde que erguessem a mão antes de falar. Dessa forma, sem a aplicação de testes ou quaisquer outros métodos quantitativos, a avaliação mostrou-se eficaz: foi possível perceber o nível de apreensão do conteúdo por parte do grupo e de cada aluno, além de uma autoavaliação. Outro aspecto importante observado na prática do estágio relacionase à função do educador como mediador do conhecimento. Segundo Freinet (1975), o educador deve se portar como um mediador, auxiliando o aluno a ter acesso ao conteúdo e, com base em instrumentos de mediação, deve estar atento à capacidade de apreensão do aluno. Esse pressuposto norteou nossas intervenções: trabalhamos os conteúdos sem que nenhum tema fosse imposto. Por exemplo, quanto aplicamos a técnica do texto livre, exercemos o papel de mediadores, pois, apesar de ser livre, a atividade tinha uma finalidade educacional. O mesmo ocorreu quando precisamos delimitar o espaço de fala do aluno a fim de direcionar seu interesse para as atividades propostas. As atividades tinham delimitações claras que correspondiam à necessidade de trabalhar em uma sala interessada e atenta. Durante algumas de nossas intervenções, não obtivemos a atenção dos alunos: eles se mostravam dispersos e sempre conversando sobre outros assuntos com os colegas, quando não andavam por toda a sala, deixando claro que a atividade não prendia seu interesse. Considerando que a escolha da atividade implica a escolha do aluno, uma das formas de mantê-lo interessado na atividade é incluí-lo no processo, ou seja, mantê-lo trabalhando. O aluno que trabalha na sala de aula não tem tempo para se envolver com

atividades que consideramos paralelas, ou seja, ele se transforma em aluno ativo e participativo no processo de aprendizagem. Vale ressaltar que utilizamos o conceito de trabalho como qualquer atividade que o homem realize e, por meio da qual, ele cria, livre e conscientemente, a realidade, o que lhe permite dar um salto da mera existência orgânica à sociabilidade (LUCKÁCS apud OLIVEIRA, 2010). Assim, trabalho não significa somente o trabalho assalariado, consagrado pelo capitalismo, nem mesmo aquele do qual o homem se utiliza para sua sobrevivência. Mais do que isso, é uma atividade formada no processo de existência dos indivíduos, atribuindo-lhes caráter social (OLIVEIRA, 2010). Para nós, no caso em questão, trabalhar significa realizar as atividades propostas em sala de aula. Fazer o aluno trabalhar, realizando as atividades em sala de aula, é uma forma de humanizá-lo e torná-lo um ser social inserido na coletividade da sala de aula. Este é o lugar onde o trabalho acontece de forma dialética, pois, ao trabalhar, o aluno se humaniza e se relaciona com o coletivo, que lhe propicia o trabalho. Em nosso estágio, pudemos observar a importância e a eficácia de delimitarmos tarefas, fazendo com que os alunos trabalhassem. Uma de nossas práticas foi a realização de uma gincana de perguntas e respostas sobre diversas profissões: para cada pergunta havia oito opções de respostas, cada uma delas impressa em uma folha de papel e coladas no quadro negro, de onde poderiam ser vistas por toda a turma. Cada pergunta teria como resposta uma daquelas alternativas, que seriam sempre as mesmas para todas as perguntas. Após esse momento, dividimos a turma em dois grandes grupos e delimitamos as tarefas: quem seria o líder de cada grupo, quem usaria o apito para iniciar cada rodada, quem leria as perguntas, quem seria o juiz, quem do grupo iria correr até a área demarcada para garantir a primazia no direito de resposta. Em seguida,

definimos em conjunto as regras do jogo, decidindo também que, se acontecesse alguma coisa não prevista pelas regras, nós, as estagiárias, poderíamos resolver a situação como julgássemos melhor. Assim, iniciamos a gincana: dois alunos, um de cada grupo, se pareavam, a pergunta era lida, o apito soava e os dois deveriam correr até a marca. Quem chegasse primeiro obtinha o direito de resposta e, com a ajuda do grupo, poderia escolher uma das oito opções. Isso se repetiu por diversas rodadas; todos participavam, tentando ao máximo ouvir a pergunta e responder de maneira correta. Como regra do jogo, toda vez que alguém não entendia um conceito ou algum termo, a gincana era interrompida e nós, mediadoras, respondíamos às dúvidas. Assim que todos entendiam, voltávamos ao jogo. Outra atividade de delimitação de tarefas foi a do “sim e não”. Dividimos a sala em dois grandes grupos e cada qual tinha em sua posse um envelope contendo o nome de uma profissão. O outro grupo deveria fazer perguntas para tentar descobrir qual era a profissão que o primeiro grupo escondia: as perguntas só poderiam ser respondidas com “sim” ou “não”, até que o outro grupo conseguisse acertar a resposta. Isso ocorreu em diversas rodadas, nas quais o grupo que respondia e o grupo que perguntava se alternavam. Até esse momento, esse tipo de atividade era realizado preferencialmente com dois grupos grandes, pois, como a turma ainda não estava acostumada com nosso método de trabalho, conseguíamos mediar melhor as situações de conflitos nesses dois grupos. Após algum tempo de trabalho e de adaptação da turma à proposta da P. I., conseguimos trabalhar com um número maior de grupos. Além disso, observar alunos atentos e participativos é mais do que vê

-los sentados em fileiras e em silêncio absoluto: essa postura não garante sua aprendizagem. O que lhes garante a apropriação do que lhes é transmitido é seu envolvimento com a transmissão desse conteúdo. Durante a prática da gincana, de fato, ouviam-se gritos, risos, piadas entre os alunos em sua movimentação pela sala, mas também se observava envolvimento. Mesmo tendo passado semanas da realização da gincana, quando conversávamos sobre o conteúdo trabalhado, eles ainda sabiam e se recordavam das dúvidas que foram sanadas naquele momento sobre as profissões. Algum tempo depois, os alunos foram chamados a fazer uma apresentação sobre determinada profissão. Cada grupo escolheu uma carreira profissional e poderia apresentá-la como quisesse: na forma de vídeo, cartaz, texto, slides ou somente verbalmente. Embora houvesse delimitação das atividades, a realização do trabalho não foi tão efetiva: ou eles não as elaboravam ou, quando o faziam, não eram completas. As datas para as apresentações tiveram que ser remarcadas diversas vezes e alguns alunos desistiram. Estes foram liberados da atividade, mas deveriam assistir à apresentação dos colegas, participando de forma indireta. Sentimo-nos frustradas e desmotivadas com o fracasso dessa atividade, parecia-nos uma derrota pessoal, uma incapacidade para promover atividades atraentes aos alunos. Restou-nos promover um momento de conversa com os alunos, propiciar-lhes um espaço, no qual pudessem falar. Foi o que fizemos. A justificativa que eles apresentaram para o seu desinteresse pela atividade foi de que eles a consideravam maçante. Nesse momento, também observamos diferenças: alguns poucos gostaram da atividade; outros não, mas gostariam de apresentá-la para cumprir com seus compromissos; outros não gostaram e se recusaram a apresentar; outros ainda não emitiam opinião nenhuma sobre o que estava ocorrendo. Analisando os motivos pelos quais esta atividade não fora satisfatória, percebemos que quando os alunos, por si só, deviam planejar, organizar e apresentar algo, eles não se engajavam, pois

acreditavam que isso seria muito trabalhoso, ainda mais por ser uma atividade que não estava planejada no conteúdo obrigatório e, portanto, não valeria nota. Quando o trabalho exigiu um pouco mais de esforço, eles o rejeitaram, o que nos levou a perceber que, para se formar uma turma institucionalizada, é necessário tempo e esforço, pois, antes de tudo, os alunos precisam se adaptar a essa nova realidade. Oferecer ao aluno uma oportunidade de pensar por si próprio e de escolher, dar-lhe o poder da palavra, pode lhe causar grande estranhamento, visto que, na escola tradicional, tais práticas não são utilizadas. Consequentemente, o aluno adaptado a esse contexto não passa imediatamente a entendê-lo e vivenciá-lo de outra forma; isso só ocorre com o tempo, por meio da prática das técnicas e dos pressupostos da Pedagogia Institucional. É preciso considerar o que o aluno já conhece, a bagagem que ele traz consigo, isto é considerar o contexto em que está inserido, analisar seu comportamento e a maneira como seu pensamento é estruturado. Retornando às atividades realizadas com os alunos, ressalvamos que não se constituíram como técnicas freinetianas propriamente ditas, mas seus fundamentos foram os da Pedagogia Institucional, já que consideramos o lugar, o limite, a lei e a linguagem em seu processo. No contexto escolar, a delimitação das tarefas dá a cada aluno uma zona de poder limitada, mas real, e é esse poder de se expressar e se humanizar que nossos alunos não compreendem de imediato. Isso exige tempo e dedicação, tal como prevê a teoria, para que o aluno se desenvolva e faça bom uso desse poder dentro do que entendemos por turma institucionalizada. Assim como a delimitação de tarefas foi uma demanda que surgiu da vivência de nossa intervenção, outro interesse dos alunos também apareceu no processo: o de realizar atividades além dos limites da sala de aula, em outro ambiente, que permitisse a integração, a criatividade e o conhecimento do novo. Por vezes, eles

solicitaram isso, pediram um passeio que, ainda que não fosse fora do ambiente escolar, tivesse como objetivo que as aulas ocorressem nas quadras de esportes ou até mesmo em outras salas da escola, como os laboratórios. Assim, eles poderiam conhecer outros espaços que lhes propiciariam outras vivências e os motivariam. Em diversos momentos de fala, os alunos manifestaram esse desejo, diziam que a sala de aula era pequena demais para 40 alunos, que a estrutura e o calor não ajudavam. As quadras não puderam ser utilizadas, pois além das aulas de educação física, a escola desenvolve um projeto que utiliza todo esse espaço, os laboratórios estavam entulhados de outros materiais e livros didáticos que não tinham destino. Somente após meses de trabalho, o laboratório foi reorganizado. Ao vivenciarmos essa situação, deparamo-nos com a falta de infraestrutura e verba da escola, além do despreparo e falta de interesse de outros profissionais que ali trabalhavam. Portanto, apesar de nossa intenção e planejamento de uma aula-passeio, esta não se concretizou. A Pedagogia Institucional nos ensina que, para se formar uma turma institucionalizada, a escola precisa se reorganizar, inclusive quanto às condições materiais. A falta dessas condições não inviabiliza a implantação da turma institucionalizada, mas dificulta muito nossa atuação. Ela interfere nas atividades que tencionamos desenvolver e consequentemente na motivação dos alunos e em seu interesse por outras atividades. Interfere principalmente no relacionamento dos alunos com o educador, pois essa relação se baseia na confiança e na crença do aluno de que o educador irá lhe propiciar meios de se desenvolver. Considerações Finais De acordo com a experiência vivenciada no Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar, concluímos que foi possível aplicar os

conhecimentos teóricos da Pedagogia Institucional e as técnicas Freinet no cotidiano escolar . As intervenções realizadas com as três turmas destinavam-se a atender a uma demanda apresentada pela escola e complementada pelos alunos. Assim, o trabalho abrangeu outras práticas para além da sala de aula, como a reunião com professores e direção, estudos e pesquisas sobre temas transversais para a elaboração do projeto de intervenção, participação em conselhos escolares e integração com a comunidade escolar. Tais atividades foram importantes porque propiciaram uma visão ampliada do contexto em que escola está inserida, favorecendo intervenções pautadas na realidade vivenciada pelos alunos e respaldadas pelo referencial teórico da Psicologia Escolar. Considerando as ações realizadas e os resultados obtidos, concluímos também que o psicólogo escolar é um importante instrumento de mediação no processo de ensino-aprendizagem e da apreensão do conhecimento científico. Esse profissional tem um papel importante na instituição escolar, pois contribui para que se encontrem ferramentas que favoreçam os agentes de educação a transmitir o conhecimento científico de maneira que este seja apreendido pelo aluno. Essa compreensão do papel do psicólogo escolar foi fundamental para permear as práticas realizadas. Apesar do conhecimento teórico e da crença no papel do psicólogo escolar, encontramos dificuldades para realizar as intervenções propostas. Tais dificuldades ratificaram a importância de se considerar o contexto em que a escola se encontra, uma vez que elas são provenientes do meio social. Para superar ou ao menos compreendê-las, norteamos as práticas pela concepção de que os alunos são sujeitos ativos do processo e de que seu interesse é importante para que elas aconteçam. Defendemos que a capacidade de aprendizagem da criança está diretamente relacionada com seus interesses. Dessa forma, a prática foi realizada de acordo com a demanda da turma e com vistas a

envolver os alunos no processo, possibilitando a construção de sentido para eles. Por fim, constatamos que os maiores empecilhos para a realização do trabalho e a instituição das técnicas foram os limites de tempo e espaço para os encontros. A organização material foi considerada precária, especialmente o espaço das salas de aula, que era insuficiente para o número de alunos. A “lotação” das turmas foi um aspecto que dificultou a conversa e distanciou-nos do ideal de se trabalhar de maneira mais próxima, de acordo com os pressupostos da Pedagogia Institucional e das técnicas de Freinet. Enfim, o Estágio Supervisionado em Psicologia Escolar foi uma oportunidade para o contato com uma abordagem teórica que ainda está sendo difundida no Brasil. Concluímos que essa experiência foi muito rica para nossa formação em Psicologia Escolar: por meio dela pudemos vislumbrar alternativas para a atuação do psicólogo escolar, considerando as demandas da escola nesse momento sócio-histórico. A compreensão do papel da educação torna possível pensar em novas práticas e desafios a serem superados pelo profissional de psicologia no contexto da escola.

A Importância de leis e normas de convivência no contexto escolar Rafael F. Bissi Larissa M. Leitão Jordana M. Silveira Sérgio J. B. Gonçalves Leandro Mendes (in memoriam) Este trabalho resulta de uma prática de intervenção realizada como parte do estágio em Psicologia Escolar em um colégio da rede pública de ensino da cidade de Maringá. O objetivo dessa intervenção foi mostrar as contribuições da ciência para a construção de novos dispositivos, na tentativa de superação das dificuldades educacionais identificadas. De um lado, procuramos entender a educação como prática social, produtora e reprodutora das relações sociais, tendo em vista especificamente a discussão de normas e regras de convivência social. Buscamos tanto na teoria da Pedagogia Institucional quanto nas técnicas de Freinet as bases para a produção de práticas coletivas que desconstruam relações cristalizadas no contexto político social do neoliberalismo. De outro lado, procuramos analisar a realidade escolar vivenciada pelos estagiários, os resultados, as possibilidades e as limitações encontradas no percurso. A discussão proposta refere-se à vivência em uma escola com dificuldades de convivência entre alunos e professores, especificamente em uma turma de 9º ano e uma do 7º ano. Abordaremos inicialmente o contexto neoliberal em que a escola se encontra, tendo em vista as políticas públicas, ressaltando principalmente as questões do individualismo e da competição social. Apresentaremos, também, uma proposta de pedagogia diferenciada, tendo como base o estudo das técnicas de Freinet, cujos elementos norteadores são o trabalho e a coletividade. Essa proposta tem como objetivo a transformação de uma situação individualista e violenta em um trabalho coletivo e de não violência.

Entender a educação como prática social é, antes de tudo, localizála no modo de produção e organização social neoliberal, trazendo à luz o espaço que as políticas educacionais ocupam atualmente. Alguns autores, como Nagel (1992), afirmam que a crise econômica está intimamente ligada à crise educacional, pois gera automaticamente forte reivindicação educativa. Segundo Nagel (1992), nos períodos de crise, a sociedade passa por uma insatisfação generalizada, denuncia todas as instituições sociais que até então eram consideradas aceitáveis, mas que deixaram de sê-lo com a permanência de certas dificuldades econômicas e, assim, tornaram-se incapazes de desempenhar o papel para o qual foram designadas. As críticas à ineficácia dos modelos de previdência, saúde e principalmente de educação deixam claro que uma crise econômica gera a mobilização da população no sentido de questionar o precário funcionamento das políticas públicas. Segundo Azevedo (1997), a corrente teórica neoliberal surge na década de 70, com raízes nas teorias formuladas no século XVII, ou seja, nas ideias do liberalismo clássico. Durante o avanço do capitalismo, algumas ideias foram adaptadas, porém mantendo a base liberal. Com a crise de 1870, a revolução de 1917, a recessão de 1930 e as duas guerras mundiais, a concepção liberal foi se debilitando, mas ressurgiu durante a crise econômica dos anos 70, quando passou a ser chamada de neoliberal. Nesse período, os planos de desenvolvimento para a educação ganharam lugar privilegiado, com cursos de mestrado, especialização e treinamento, com conferências, palestras, segundo a máxima: “educação é desenvolvimento”. O neoliberalismo defende a “democracia utilitarista”, cuja característica é a neutralidade do Estado, que ficaria responsável por alguns interesses públicos e daria liberdade aos demais interesses, considerados individuais. Ao interferir nas questões

individuais, segundo Hayek (1983, apud Azevedo, 1997), o Estado produziria uma discriminação arbitrária entre as pessoas. A política neoliberal questiona a intervenção estatal, tendo como máxima: “Menos Estado e mais mercado”, substituindo-a pela noção de liberdade individual. O pressuposto é de que, em determinados aspectos, o Estado não deve interferir na sociedade e, sendo responsável somente por normais gerais, deteria o monopólio da coerção. Dessa maneira, considerando as políticas públicas como causadoras das crises da sociedade, os neoliberais que defendem o “Estado Mínimo” não interfeririam também nas questões de mercado econômico, creditando-lhe a capacidade de autorregulação. A política neoliberal posiciona-se contra a intervenção estatal em aspectos considerados “individuais” e de responsabilidade pessoal, dos quais cada sujeito deve estar ciente e se garantir contra dificuldades que possam surgir. No entanto, seu posicionamento no campo da educação é diferente. Quando se trata da política educacional, o neoliberalismo não age da mesma maneira que nas demais políticas sociais: uma das políticas do Estado é a intervenção na educação, que não consta na lista de Friedman a respeito das áreas em que é inadmissível a interferência do Estado. O motivo da proposta de intervenção do Estado na educação é o de que a oportunidade educacional pode ser um fator importante para reduzir as desigualdades, além da ideia de que o acesso ao nível básico de ensino, garantido pelo Estado, seria um elemento gerador de desenvolvimento científico e tecnológico. No entanto, a política neoliberal de intervenção estatal na educação não elimina a importância da divisão ou da transferência dos poderes públicos para o setor privado, considerada uma maneira de aquecer o mercado e de manter a qualidade nos serviços.

A teoria e as técnicas criadas por Freinet estão na contramão da teoria neoliberal, atual realidade política da sociedade. Pautada na ideia do trabalho coletivo, incentivando o uso de trabalhos em grupo, a participação dos alunos nas decisões tomadas em sala e contrapondo-se à ideologia neoliberal que valoriza as questões individuais, a prática de Freinet surgiu como uma nova proposta para se trabalhar em sala de aula, contrapondo-se ao que está posto até os dias atuais na maioria das escolas. Uma escola para além do sistema neoliberal Na introdução de seu livro “Para uma escola do povo”, Freinet (1995) afirma que a escola se adapta ao sistema econômico, social e político que a domina de maneira lenta, independentemente de tempo e lugar. Ele se refere à escola pública do período de 1890 a 1914 como uma escola que já não corresponde ao modo de vida e às aspirações do proletariado, que a cada dia toma mais consciência de seu papel histórico e humano. A escola, já nesse período, não preparava e não servia à vida e foi com esse entendimento que o autor a condenou. Freinet propunha uma readaptação da escola pública com o objetivo de colocá-la a serviço da criança, o que implicaria uma redefinição da finalidade da educação. Segundo ele, tanto os pais quanto a sociedade, quando pensam o que querem com a educação de seus filhos, raciocinam como capitalistas interessados. Para a maioria dos pais, o que conta, de fato, não é a formação, o enriquecimento profundo da personalidade de seus filhos, mas a instrução suficiente para enfrentar os exames, ocupar cargos cobiçados, ingressar em determinada escola ou em determinada administração. Considerações humanas, por certo, cuja fraqueza não é da responsabilidade exclusiva dos pais, pois ela é consequência direta de uma concepção por demais utilitária da cultura, da crença na virtude exclusiva do aprendizado formal (FREINET, 1995, p. 8).

O autor refere-se também ao caráter imediatista da sociedade que se impõe à escola, exigindo que as crianças sejam preparadas para cumprir objetivos imediatos, que muitas vezes não diferem dos que a indústria visa com a produção em série. Por isso, ele define o verdadeiro objetivo da educação na seguinte frase: “a criança desenvolverá ao máximo sua personalidade no seio de uma comunidade racional a que ela serve e que lhe serve” (FREINET, 1995, p. 9). Esse entendimento configura-se como um ideal, pois ele considera que, na prática, o processo educativo será frequentemente perturbado pelo egoísmo, pela organização irracional e de curto prazo e por interesses mal compreendidos. Essas são as razões para que os educadores continuem orientados por um claro ideal, que muitas vezes serão os únicos a cultivar. Freinet (1995) faz críticas à escola tradicional pautada na matéria a ser ensinada e à submissão do professor e do aluno às suas exigências. A escola pensada pelo autor é centrada na criança como parte da comunidade, suas técnicas estão fundamentadas nas necessidades essenciais da criança, relacionadas às necessidades do grupo social a que ela pertence. Considerando a impossibilidade de se suprir metodológica e cientificamente a necessidade de cada criança, ele procurou preparar e oferecer ambiente, material e técnica capazes de favorecer a formação da criança segundo suas aptidões, gostos e necessidades. Deslocando-se do foco da memorização da matéria, ele enfatiza: a) à saúde e ao ânimo do indivíduo, à persistência nele de suas faculdades criadoras e ativas, à possibilidade – que faz parte de sua natureza – de ir sempre adiante, a fim de se realizar num máximo de pujança; b) à riqueza do ambiente educacional; c) ao material e às técnicas que, nesse ambiente, possibilitarão a educação natural, viva e completa que preconizamos (FREINET, 1995, p. 10-11).

A engrenagem da pedagogia popular é o trabalho, é dele que decorrem todas as atividades e conhecimentos escolares. Dessa forma, ele propõe também uma nova compreensão de disciplina. Na escola popular pensada por Freinet (1995), a disciplina é “expressão natural e resultante da organização funcional da atividade e da vida da comunidade”. O foco do problema disciplinar é deslocado para a organização material, técnica e pedagógica do trabalho, sendo este o elemento essencial ao equilíbrio escolar. Freinet (1974) propõe um novo método de trabalho, baseado em sua própria experiência e nos estudos de professores associados ao Instituto Cooperativo da Escola Moderna (Técnica Freinet). Esse método pressupõe as técnicas de expressão livre, observação e experiência, cujo objetivo é favorecer o processo de “criação de novos utensílios de trabalho que são simultaneamente o alimento e o objetivo.” (FREINET, 1974, p. 13). O método proposto pelo autor refere-se, portanto, à busca da autonomia do conhecimento e à saída do aluno e do professor desse lugar tradicional da relação de ensino aprendizagem, da memorização dos manuais e cartilhas, que seria substituído por outro lugar no qual são chamados a conhecer, construir e se apropriar de instrumentos que os levem à resposta para seus questionamentos e os de sua comunidade escolar. A reunião desse novo espírito com as técnicas assinaladas teve, e ainda tem, como maior representante o jornal escolar, que, para o autor (1974), correspondia a uma nova técnica e a um novo método de trabalho, que se caracterizou como “uma reviravolta pedagógica total” (FREINET, 1974, p. 14). Seus precedentes seriam os da Escola Decroly (Bélgica) e do Correio da Escola, especialmente quanto ao o texto livre, enquanto conteúdo, e à imprensa, enquanto técnica. O conceito de texto livre a que o autor se refere vai na contramão das redações clássicas, corrigidas e classificadas pelo professor. Para Freinet (1974), a criança deve, primeiramente, escrever de maneira livre aquilo que sente vontade de comunicar aos que

partilham de sua convivência ou se correspondem com ela. Para ele, os conteúdos e a escrita da criança não são uma coisa qualquer; são produto do pensamento, das observações, dos sentimentos e atos que ela compreende como interessantes para compartilhar com amigos e correspondentes. O texto livre é escolhido por votação e passa por um aperfeiçoamento coletivo tanto em seu conteúdo quanto em seus aspectos silábicos, ortográficos e gramaticais. Ao final, ele é transformado em páginas do jornal escolar. A confecção do jornal escolar pode ser realizada com base em diferentes técnicas. Freinet (1974) assinalou algumas dessas técnicas: o jornal manuscrito, o policopiado, o limografado e o impresso. Falaremos deste último para exemplificar a vivência a partir do jornal escolar. Freinet (1974) considera que os jornais impressos provocam maior interesse nas crianças quando apresentam ilustrações e são coloridos. No entanto, afirma que superioridade dessa técnica diante das demais se encontra justamente em seu maior inconveniente: seu lento e enfadonho processo de composição tipográfica, que exige que cada palavra seja composta letra por letra e cada frase linha por linha. As vantagens decorrem das próprias restrições do instrumento, já que a criança, à medida que compõe, percebe seu texto nascendo, ganhando forma e vida, ao mesmo tempo em que controla e realiza todo o processo. A criança sente o texto nascer enquanto trabalha; dá lhe uma nova vida, torna-o seu. Assim, já não precisa de um intermediário no processo que vai do pensamento balbuciado ao que expressa no jornal que será mandado pelo correio para os correspondentes. Ela controla todas as etapas: escrita, aperfeiçoamento coletivo, composição tipográfica, ilustração, disposição sob a prensa, tintagem, tiragem, agrupamento, agrafagem. É precisamente esta continuidade artesanal que constitui o essencial do alcance pedagógico da imprensa na escola. (FREINET, 1974, p. 30-31).

Ainda a respeito das vantagens do jornal escolar previsto no método Freinet, podemos afirmar que, no âmbito pedagógico, esse método garante uma escrita correta e viva, ao mesmo tempo em que promove o desejo, a necessidade de ler, escrever e o intercâmbio de informações, ideias, curiosidades e conhecimentos na comunidade escolar. É também um arquivo vivo da aula, onde professor e aluno podem se reconhecer no processo educacional, reconhecer o momento que estão vivendo, analisar o resultado de seus trabalhos e, com base nisso, planejar o caminho que falta percorrer. É prova sólida e definitiva, tanto para professores quanto para alunos, do esforço e do trabalho realizados. Por outro lado, apesar de não ter finalidade terapêutica, o método também traz algumas vantagens psicológicas. O autor afirma que a prática do texto livre e do jornal escolar favorece que conteúdos íntimos da criança se revelem e se organizem em suas produções, da mesma forma que leva o educador a ter mais contato com essa criança e a compreender melhor a psicologia infantil. Freinet (1974) assinala que a escola tradicional fundava seu trabalho em normas deliberadamente diferentes, muitas vezes opostas às vivenciadas pela criança na família e na cultura em que estava inserida. O método de Freinet (1974) supera essa dualidade, uma vez que a criança não é chamada a abandonar seus hábitos como outrora, mas a se especializar, harmonizar a vida escolar, familiar e social, o que favorece que ela se forme como um indivíduo mais descontraído, mais equilibrado e, dessa forma, mais eficiente. Essa normalização da escola com o meio em que a criança vive reflete-se também nas questões disciplinares e na coexistência harmoniosa entre indivíduos e grupos. Outro aspecto ressaltado pelo autor é o da nova compreensão de trabalho. O trabalho produtivo, desvinculado das exigências de notas, aprovações em exames, da falta de sentido, e atrelado a valores individuais, sociais e humanos, é uma atividade criadora e funcional.

Por fim, a experiência do jornal escolar é sempre vivenciada pela criança como uma atividade bem sucedida: “triunfa com o seu texto, que se torna uma página definitiva difundida na aldeia e através do espaço: triunfa com a sua gravura e os desenhos que dão beleza à obra colectiva” (FREINET, 1974, p. 101). Procedimento Após as investigações, que incluíram conversas com as pedagogas e os professores e observações em sala de aula, foi decidido que o projeto seria realizado nas turmas consideradas pelos professores como “piores salas”: uma turma de 7º ano e outra de 9º ano. A opção por apenas duas salas decorreu do número de estagiários em relação ao número de alunos e da decisão de trabalharmos com duplas ou trios em cada sala. As duas salas escolhidas tinham em comum a queixa de indisciplina. Assim, foi decidido que o trabalho com os alunos teria como tema as regras e normas de convivência no ambiente escolar. Os estagiários que ficaram com o 7º ano optaram por trabalhar as normas e as regras de forma mais lúdica, usando jogos e cartazes e buscando fugir do modelo de aula convencional. Para criar interesse nos alunos e colocá-los em contato com o resultado de seu trabalho, foram utilizadas algumas técnicas de Freinet. Já o trabalho de intervenção desenvolvido junto ao 9º ano foi conduzido com base na metodologia do trabalho em grupo, estabelecendo papéis, identificando e valorizando os interesses e as aptidões dos alunos, segundo o princípio de “lugar” da P. I. Buscamos também, por meio da utilização da técnica do jornal escolar, levar o aluno a adotar uma postura ativa em face do trabalho a ser produzido, ficando diretamente em contato com o produto do seu trabalho e sentindo-se reconhecido por meio dele. O projeto de intervenção previa 12 encontros semanais com os adolescentes com duração de 50 minutos.

Paralelamente ao projeto com as duas turmas, foram realizadas algumas avaliações psicoeducacionais, seja a pedido da coordenação pedagógica, seja porque os professores, em suas conversas, identificaram a necessidades delas. Para essa avaliação, investigamos as pessoas envolvidas no processo, entrevistando professores, pais e o próprio aluno, para que todos tivessem voz. Assim, criamos a possibilidade de problematizar o processo de aprendizagem da criança a fim de buscar alternativas para a sua reinserção pedagógica. Resultados A principal queixa em relação às turmas de 7º e 9º anos foi a indisciplina. Por isso, por meio dos 12 encontros semanais previstos para cada turma, trabalhamos regras e normas de convivência dentro de sala de aula. No primeiro encontro, para iniciar as atividades com os alunos e conhecer como eles enxergam a escola e a sala em que estudam, assim como para lhes dar voz, utilizamos a técnica de Freinet denominada “texto livre”. Foram entregues folhas aos alunos, em que, sem assinar, eles descreveram como é estudar naquela escola e, mais especificamente, naquela série. Nos textos que eles produziram, muitos dos quais bem confusos, além da dificuldade com a língua portuguesa, constatamos muitas queixas dos próprios alunos em relação à desorganização (“bagunça”), à falta de estrutura na escola, à falta de regras e ao desrespeito. Eles relataram excesso de barulho dentro da sala de aula e nos corredores e brigas entre os colegas de classe. Com isso, já foi possível perceber que o problema da indisciplina ia além do comportamento dos alunos: era um problema da escola de forma geral. Considerando as diferenças entre as turmas e nossas propostas metodológicas, aplicamos para cada uma delas um procedimento

singular de trabalho, cujos resultados seriam diferenciados, conforme descrito a seguir. No caso do 7º ano, tendo os alunos se reunido em grupos por afinidades entre eles, foi-lhes proposto a confecção de um jogo de tabuleiro. Eles se dividiram nas tarefas de confecção de dados, peões e tabuleiro, além de cartões contendo perguntas e respostas. Na confecção dos cartões de perguntas e respostas, os alunos também demonstraram extrema dificuldade no exercício de leitura e de interpretação de textos, assim como na escrita. Nessa atividade, que teve duração de quatro encontros, os alunos puderam construir e jogar com um material construído integralmente por eles. Eram necessárias regras para que eles pudessem jogar adequadamente. Dessa maneira, introduzimos com esses alunos a questão da importância das regras. A fim de discutir o tema, iniciamos a confecção de cartazes com regras para uma boa convivência no ambiente da escola. Os alunos, reunidos em grupos, o que não é costumeiro na escola, criaram suas próprias regras, a partir daquilo que julgavam importante para uma boa convivência. Desse trabalho surgiram os seguintes cartazes: “Respeitar os funcionários, porque eles mantêm a escola limpa e merecem ser respeitados”; “Não discriminar os colegas, porque isso os deixa magoados”; “Não rabiscar carteiras e cadeiras, porque isso agride o patrimônio público”; “Não trazer bebidas alcoólicas para a escola”; “Não ria de seu amigo, ria com ele”; “Não matar aula, porque a escola é feita para estudar”; e “Uma regra importante: o silêncio”. Após a discussão em grupo, todas as regras foram criadas e redigidas pelos próprios alunos, bem como os cartazes, que foram expostos na escola. Foi possível identificar um avanço em relação ao comportamento dos alunos dentro do grupo: eles se mostraram mais cooperativos e foram mais organizados na divisão de tarefas. No caso da turma do 9º ano, foram realizados um total de doze encontros, ao longo dos quais foram formados três grupos de

discussão para o estudo dos respectivos temas: vôlei, internet, futebol, corpo e arte. Notamos que as escolhas dos adolescentes foram feitas levando em consideração a amizade, a possibilidade de eles ficarem próximos de um amigo e, no caso do esporte, a possibilidade de saírem da sala de aula. Mais tarde, foi esclarecido que isso não poderia acontecer. Depois desse esclarecimento, tendo se conscientizado de que o trabalho seria de ordem científica e de que, ao final, eles produziriam um jornal escolar, ocorreram algumas mudanças na configuração dos grupos. Alguns alunos optaram por equipes com base nos temas de interesse e não apenas nos vínculos afetivos. Uma dupla que tinha se disposto a discutir o tema “Corpo e Arte” preferiu deixar esse tema e participar de outro coletivo de discussão, justamente porque era uma dupla. Esses alunos não se sentiam parte de um grupo como os demais alunos. Estabelecidas as configurações, atendendo à proposta diária do projeto, os alunos escolheram um nome, confeccionaram um símbolo e estabeleceram algumas regras e papéis para uma melhor organização do trabalho e o bom convívio. Desse modo, os grupos adquiriram identidade e sistematização. Essa parte do trabalho levou quatro encontros para ser realizada. Para preparar as discussões, cada equipe pesquisou os temas na internet, em seus livros pedagógicos e nas revistas disponibilizadas pelos estagiários. A leitura foi orientada por meio de fichas que os adolescentes deveriam preencher e pelo uso de dicionários. O objetivo da ficha de leitura foi direcionar sua atenção para aspectos de grande importância para o entendimento global do texto e que, na maioria das vezes, passam despercebidos. Outros objetivos eram favorecer o exercício da leitura e da escrita, conseguir que eles sistematizassem e apreendessem melhor os conteúdos trabalhados no texto e também facilitar a posterior confecção de material para o jornal escolar. Os adolescentes não tinham grande familiaridade com o tipo de linguagem e de mídia impressa do texto apresentado e demonstraram grande dificuldade no preenchimento

das fichas. Nesse dia, o grupo, em geral, apresentou grande dificuldade para realizar a leitura, mas parte dessa dificuldade em se concentrar decorria da intensidade do barulho na sala de aula. Observamos também certo desinteresse dos adolescentes pela atividade proposta, o que pode ser atribuído à maior sistematização do trabalho. No encontro seguinte, antes de os alunos se formarem novamente em grupos, os estagiários os questionaram sobre o que eles tinham feito até aquele momento. Os alunos se manifestaram a respeito da divisão dos grupos em temas e das atividades desenvolvidas. As duas alunas responsáveis pelo tema “Corpo e Arte” pediram para mudar e fazer parte de um grupo maior. Dois alunos novos da sala também optaram por fazer parte de grupos já formados. Atendidas essas solicitações, por meio das fichas de leitura, demos continuidade ao estudo das regras dos esportes escolhidos e dos conteúdos referentes ao tema “Internet”. Em relação à proposta da ficha de leitura, em geral, o grupo produziu pouco comparativamente com outras atividades e com o potencial que os estagiários perceberam neles em outros momentos. A hipótese levantada é que eles não tinham conseguido entender o objetivo e, em consequência, não viam sentido na proposta apresentada. Tomando por base essa experiência, com o objetivo de levá-los a reconhecer a importância do trabalho anteriormente realizado e aproximarem -se mais do tema, propusemos-lhes um desafio. O grupo se subdividiria em dois. Cada subgrupo deveria escrever uma carta ao diretor de redação de uma revista, defendendo que a internet está nos deixando menos inteligentes e explicando o porquê. O outro subgrupo, por sua vez, deveria escrever para o mesmo diretor, defendendo que a internet não está nos deixando menos inteligentes e também explicando o porquê. Prometemos também que o grupo que conseguisse atingir as tarefas exigidas receberia uma premiação.

Eles tiveram bastante dificuldade para se subdividir. Foi necessário que os estagiários organizassem a divisão, assim, eles elegeram dois líderes e cada um escolheria uma pessoa para fazer parte do grupo. Alguns alunos perguntaram se não poderiam escrever o oposto do que o desafio lhes tinha proposto, pois sua opinião pessoal era contrária ao que deveriam defender. A estagiária respondeu que naquele momento eles teriam que seguir o que o desafio pedia, mas que em outra oportunidade poderiam expressar suas opiniões. Foi solicitado também que eles produzissem um envelope com os dados necessários. Diante de suas dificuldades para o preenchimento dos dados no envelope, foram retomadas questões como: o que é um remetente, um destinatário e também a forma de organizar as referências de endereço. Durante o preenchimento, muitos deles se deram conta de que, apesar de estudarem há muito tempo no colégio, não sabiam nem a rua, nem o bairro e muito menos o número correspondente ao endereço do colégio. Em outro momento, propusemos que os alunos confeccionassem cartazes para a divulgação dos conteúdos desenvolvidos por eles até então. Os alunos do grupo de futebol se fragmentaram em dois subgrupos: um desenvolveu um cartaz com o desenho do campo de futebol e com suas medidas; o segundo grupo fez um cartaz com a descrição das posições dos jogadores. O grupo de voleibol apresentou um cartaz com o desenho da quadra de vôlei e a posição dos jogadores. O cartaz foi feito praticamente por apenas um aluno, que, no final da atividade, ficou irritado pelo fato de os demais integrantes de seu grupo não terem participado . Como toda a escola estava organizada para a realização da “ Semana de Integração Escola/Comunidade”, decidimos interromper as atividades já iniciadas com os grupos, propondo que, em seu lugar, fosse confeccionado um material que pudesse ser exposto nessa data de festividade na escola, considerando as temáticas trabalhadas. Como nesse encontro estavam apenas 15 alunos na

sala de aula, dos quais apenas um aluno era do grupo de futebol, ele foi agregado ao grupo de vôlei. Um dos estagiários iniciou uma discussão com os alunos do esporte sobre as regras que eles haviam aprendido durante as atividades e lhes pediu para imaginar como seria o esporte sem nenhuma regra. Os alunos afirmaram que sem nenhuma regra não haveria possibilidade de se jogar nenhum esporte, pois cada um faria o que quisesse, as pessoas se machucariam e ninguém poderia ganhar o jogo. Posteriormente o estagiário perguntou quais eram as regras da escola e quais eles acreditavam que eram as mais importantes. Os alunos afirmaram: a escola “não tem regras”. Houve alguma dificuldade para eles identificarem as regras da escola, como usar uniforme, não usar celulares, não utilizar roupas curtas etc. Foi solicitado que eles pensassem em uma escola sem regras e descrevessem como seria seu cotidiano. Os alunos também tiveram certa dificuldade em descrever uma escola sem regras, especialmente no início. No entanto, com o desenvolvimento da discussão eles pontuaram que nessa escola seria impossível estudar, as pessoas desrespeitariam umas às outras, tanto alunos quanto professores, haveria uma frequência muito grande de bullying, os alunos assistiriam TV durante a aula e ninguém aprenderia nada. Um aluno afirmou que haveria “morte” dentro da escola, pois os alunos iriam se agredir diariamente. Depois, o estagiário pediu que os alunos relatassem no notebook (pessoal do estagiário) o que discutiram, explicando que eles deveriam organizar duas colunas de informação: uma sobre a escola sem regras e suas consequências e outra sobre a escola com regras e sua importância. Foi explicado que o material escrito seria impresso em um banner para ser exposto na escola. A produção de um banner foi proposta também para o grupo “adolescentes.net”. Levando em consideração que, no momento do desafio, alguns alunos queriam defender a posição contrária, o banner

foi utilizado como um espaço para que cada adolescente presente nesse dia pudesse expressar sua opinião a respeito da internet estar ou não deixando as pessoas menos inteligentes. Disponibilizamos um notebook para os alunos e apresentamos rapidamente as ferramentas do programa ‘Power Point’. Todos os adolescentes puderam expressar sua opinião, ajudando-se mutuamente na construção do banner. Os que tinham maiores conhecimentos sobre tecnologia auxiliaram aqueles que por algum motivo tinham dificuldade em digitar ou saber que ferramenta computacional usar. Quando conversamos com a sala para saber como foi a Semana de Integração Escola/Comunidade, se eles viram os banners, se haviam gostado, alguns alunos disseram que vieram todos os dias, mas todos disseram que não tinham visto os banners e que, por algum motivo, a sala em que eles estavam permaneceu fechada. Dessa forma, um dos estagiários foi até a coordenação buscar os banners para que os adolescentes pudessem ter contato com o produto do seu trabalho. Enquanto isso, outro estagiário explicoulhes que os trabalhos iriam fazer parte de uma revista escolar que eles produziriam e que conteria todas as atividades realizadas durante o ano. Quando os banners chegaram e foram expostos, os alunos se levantaram de seus lugares e correram a identificar quem tinha feito o quê. Em geral, a turma ficou bastante contente e surpresa com o resultado do trabalho, pois nunca tinham tido contato com essa forma de apresentação de um trabalho. Passada a euforia, voltaram para seus grupos. Pedimos que o grupo “adolescentes.net” finalizasse as tarefas do desafio proposto. Eles se dividiram em seus subgrupos e, com o apoio da estagiária, passaram a construir um texto coletivo com base nos textos individuais anteriormente produzidos. Foi necessário lhes explicar a estrutura básica de uma carta: cabeçalho, vocativo, termo introdutório dirigido ao leitor, corpo do texto, expressão que introduz a assinatura e assinatura do remetente.

Também foram entregues papéis de carta para que pudessem contruir a versão definitiva dos textos. Nesse dia, os dois subgrupos conseguiram produzir textos coletivos, organizaram em forma de carta, escolheram o papel em que elas seriam transcritas e confeccionaram a versão definitiva. No encontro posterior havia apenas sete alunos em sala de aula. Explicamos que o processo estava no final. Pedimos que eles escrevessem um último texto livre, expondo suas opiniões sobre as atividades realizadas pelos estagiários, o que sentiram, que sugestões dariam, do que gostaram e do que não gostaram. Posteriormente, mostramos-lhes uma compilação dos trabalhos em Power point com fotos deles e dos cartazes e com os textos que produziram, tanto as cartas enviadas à revista Galileu, quanto os textos livres produzidos no início do ano. Esclarecemos que o material tinha sido organizado em forma de revista e que seria impresso e devolvido aos alunos. Abrimos um diálogo para o caso de eles querem fazer modificações: apenas um aluno do esporte quis acrescentar um comentário pessoal sobre o trabalho do grupo da internet. O mesmo aluno ofereceu-se para criar um logotipo para o grupo do voleibol. No dia seguinte, mandou o desenho criado que foi acrescentado na revista. Assim, sem mais nenhuma modificação por parte dos alunos, os estagiários combinaram que no próximo encontro seria a entrega da revista escolar produzida. Nesse último encontro, os estagiários entregaram aos alunos o resultado de todo o trabalho. Cada aluno recebeu uma cópia em preto e branco da revista produzida. Foi explicado também que, além dos trabalhos do 9º ano, a revista continha trabalhos dos alunos do 7º ano que estavam trabalhando como outro grupo de estagiários. Demos um tempo, cerca de 10 a 15 minutos, para que os alunos folheassem a revista e conversassem entre si. Em seguida, mostramos a carta que o chefe de edição da revista O Diário mandou em resposta aos alunos do grupo da internet. Pedimos que uma aluna lesse a carta para toda a sala e explicamos que haveria uma resposta também da revista Galileu e que esta lhes

seria entregue quando chegasse à escola. Ao final, como foi combinado anteriormente, ambos os subgrupos do “adolescentes.net” foram premiados porque tinham alcançado o objetivo de todas as tarefas. A premiação foi feita com livros de literatura doados por pessoas que souberam do desafio, gostaram da ideia e consideraram-na uma forma de incentivar a leitura e, assim como eles nos permitiram fazer parte de sua realidade, dividir com eles uma parte da nossa também. Os adolescentes agradeceram o presente, disseram que gostaram bastante e alguns se emocionaram ao se despedir. Algumas Considerações Ao longo do trabalho e das diferentes situações vivenciadas no cotidiano da escola em questão, percebemos uma queixa que, a princípio, nascera do mau comportamento dos alunos e tornou-se, na verdade, a maior denúncia de desorganização e precariedade institucional. Essa desorganização inicia-se na falta de salas, quadras e materiais, passando pela falta de regras e horários no espaço da coordenação pedagógica, chegando aos alunos e comunidade externa que circulam pelo espaço escolar a todo tempo e à direção que, imobilizada pela burocracia, chega a apelar aos poderes militares para a restituição das leis e normas escolares. Em face dos problemas identificados, consideramos que a atuação dos estagiários mostrou-se insuficiente, já que, em razão da falta de tempo e da resistência da direção, não atuou no âmbito institucional, mas apenas no campo da pedagogia, ou seja, dentro da sala de aula. Entendemos, assim, que a proposta de Freinet se apresenta como alternativa necessária. Priorizando uma postura coletiva e de cooperação, que vai de encontro ao discurso que culpabiliza o indivíduo (a criança, o professor, o diretor etc.) pelo fracasso escolar, essa proposta tem muito a acrescentar na escola pública atual.

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Sobre os autores e autoras Anunciata Clara Lyra e Lima Professora dos Anos Iniciais da Educação Básica. Psicóloga escolar/ educacional, graduada pela UFPB com especialização em Psicopedagogia pela UFM e em Fundamentos Linguísticos do Processo de Produção de Leitura e de Escrita pela UFPB, com mestrado em Educação pela UFPB. Trabalha na área da Educação Infantil em um Centro de Referência do Município de João Pessoa, Paraíba. Christelle Baron Professora do ensino fundamental francês, trabalha com as Técnicas de Freinet e Pedagogia Institucional (TFPI). Membro do grupo de Pedagogia Institucional de Cognac. Emanoella dos Santos Ruffo Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Fernando Cézar Bezerra de Andrade Graduado em Psicologia, Filosofia e Letras. Especialista em Teoria Psicanalítica, Mestre e Doutor em Educação, fez Doutorado Sanduíche na Université de Paris X – Nanterre, sob orientação de Jacques Pain. É professor do Departamento de Fundamentação da Educação, dos Programas de Pós-Graduação em Educação (PPGE – Centro de Educação) e em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (PPGDH – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes) da UFPB. Tem experiência nas áreas de Psicologia e de Educação, com ênfase em Fundamentos da Educação. Atua principalmente nos seguintes temas: competência inter-relacional na gestão de conflitos e na prevenção à violência na escola, interlocuções da psicanálise com a educação. Pesquisador do Grupo Cidadania e Direitos Humanos (UFPB/CNPq). É psicanalista da Sociedade Psicanalítica da Paraíba.

Guilherme Artur Broza Agulhon Acadêmico do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Indira Matias Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Jordana Maria da Silveira Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Larissa Mariano Leitão Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Leandro Mendes Acadêmico do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná (in memoriam). Nádia Pine da Cunha Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Rafael de Figueiredo Bissi Acadêmico do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Rosane Gumiero Estágio Pós-Doutoral na Université Ouest Nanterre – França (PARIS X), 2011, em Pedagogia Institucional e Violência Escolar. Doutorado em Educação e Políticas Públicas, pela Universidade Estadual de Campinas. (UNICAMP), 2005. Mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.(UNESP), 1995. Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), 1985. Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), atuando no Curso de Psicologia, na área de Psicologia Escolar. Tem como tema maior Conflitos Escolares, pesquisando principalmente Violência Escolar, Pedagogia Institucional, Técnicas de Freinet, Ensino Médio (adolescentepsicologia-ensino).

Sérgio J. Bertollini Gonçalves Acadêmico do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná. Taís Kemp Abdo Acadêmica do 5º ano do Curso de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá – Paraná.