O debate parlamentar em português (Portugal, Brasil) e romeno ; análise pragmático-discursiva 9786061715114

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O debate parlamentar em português (Portugal, Brasil) e romeno ; análise pragmático-discursiva
 9786061715114

Table of contents :
Introdução 1
Preâmbulo jurídico-político 5
1. O papel dos parlamentos nos sistemas políticos atuais 6
1.1 Parlamentarismo, presidencialismo, semi-presidencialismo 6
1.2 A relação com o executivo 8
1.3 A liberdade de expressão dos parlamentares 9
1.4 O contexto político em 2011 e 2012 em Portugal, no Brasil e na Roménia 11
2. A organização institucional das reuniões parlamentares 12
2.1 Tipos de reuniões 12
2.2 A tomada de palavra segundo os regimentos 13
2.3 A disposição espacial dos parlamentares 14
1. A ARQUITETURA DO DISCURSO PARLAMENTAR 17
1.1. Abordagens linguísticas do discurso parlamentar 18
1.1.1 Estado de arte 18
1.1.1.1 O discurso parlamentar português 22
1.1.1.2 O discurso parlamentar brasileiro 23
1.1.1.3 O discurso parlamentar romeno 23
1.1.2 Algumas definições 25
1.1.2.1 O discurso público 26
1.1.2.2 O discurso político 28
1.1.2.3 O discurso parlamentar 31
1.1.2.3.1. Sub-géneros do discurso parlamentar 33
1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar 34
1.1.2.3.3 A identidade (dos) parlamentar(es) 38
1.2 O corpus 41
1.2.1 Critérios de seleção 42
1.2.1.1 O sub-corpus português 43
1.2.1.2 O sub-corpus brasileiro 43
1.2.1.3 O sub-corpus romeno 44
1.2.2 Do oral à escrita 46
1.2.2.1 Os “beneditinos” da escrita 46
1.2.2.2 Oral vs. escrita? / Oral e escrita? 47
1.2.2.3 Correções e supressões de conteúdo 49
1.2.2.4 Correções gramaticais 51
1.2.2.5 Reformulações para esclarecer a mensagem 52
1.2.2.5.1 Explicação das siglas 52
1.2.2.5.2 Eliminação de traços de oralidade 53
1.2.2.6 O uso do registo formal 56
1.2.2.7 Alterações da dinâmica do turno de fala 57
1.3 A construção sequencial do debate parlamentar 61
1.3.1 A sequência de abertura 65
1.3.2 O corpo da interação 80
1.3.2.1 A exposição 81
1.3.2.2 A resposta detalhada 85
1.3.2.3 As perguntas dos requerentes 93
1.3.2.4 A sessão de questões e respostas 96
1.3.2.5 A conclusão 107
1.3.3 A sequência de fecho 112
1.4 A negociação do turno de fala 117
1.4.1 O papel do moderador 121
1.4.2 Estratégias de negociação 127
1.4.3 Uma tipologia das interrupções 135
1.5 Responder às perguntas 145
1.5.1 “Não responder às perguntas parlamentares é uma estratégia...” 146
1.5.2 Uma tipologia das perguntas 152
1.5.3 Estratégias de evitamento 158
1.5.4 Vagueza e imprecisão 176
Conclusões parciais 191
2. O TRATAMENTO NO DISCURSO PARLAMENTAR 195
2.1 Considerações teóricas 197
2.1.1 Tratamento, adresare, referire em português e romeno 199
2.1.1.1 Elocução 199
2.1.1.2 Alocução 200
2.1.1.3 Delocução 208
2.1.2 Questões problemáticas 210
2.1.2.1 Alocução dupla e destinatário in absentia 211
2.1.2.2 Delocução in praesentia 213
2.1.3 Formas de tratamento e (des)cortesia parlamentar 216
2.2 A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo 221
2.2.1 Eu, nós e a gente 224
2.2.2 Eu, como... 231
2.2.3 Nós 233
2.2.3.1 Nós1 – genérico 234
2.2.2.2 Nós2 – eu 235
2.2.3.3 Nós3 – eu e o interlocutor 235
2.2.3.4 Nós4 – os da sala 236
2.2.3.5 Nós5 – os políticos 237
2.2.3.6 Nós6 – o partido 239
2.2.3.7 Nós7 – a oposição 242
2.2.3.8 Nós8 – os parlamentares 243
2.2.3.9 Nós9 – a instituição 244
2.2.3.10 Nós10 – os cidadãos 246
2.2.3.11 Nós11 – os do oeste do país 247
2.2.3.12 Nós12 – o país 249
2.2.3.13 Nós13 – polémico 250
2.2.4 Nós vs. os outros 251
2.2.5 Nós, nós, nós 253
2.3 A imagem do(s) outro(s): o tratamento pronominal alocutivo e delocutivo 257
2.3.1 Vossa Excelência 258
2.3.1.1 Usos congruentes 259
2.3.1.2 Usos neutros 260
2.3.1.3 Usos incongruentes 261
2.3.2 Dumneavoastră e domnia voastră 266
2.3.2.1 Dumneavoastră, domnule 266
2.3.2.2 Dumneavoastră, domnilor 274
2.3.2.3 Domnia voastră 279
2.3.3 Você(s), dumneata e voi 280
2.3.4 El, dânsul, dumnealui, domnia sa e Excelenţa Sa 289
2.3.5 Ele e eles 302
2.4 A imagem do(s) outro(s): o tratamento nominal alocutivo e delocutivo 307
2.4.1 Tratamento institucional 307
2.4.1.1 Estrutura interna 310
2.4.1.2 Função discursivo-textual 317
2.4.1.3 Função interlocutiva 325
2.4.2 Tratamento relacional 333
2.4.2.1 Amigo(s) 334
2.4.2.2 Colega(s) 338
2.4.2.3 Irmão(s) 345
2.4.3 Tratamento profissional e académico 347
2.4.4 Tratamento pessoal: o senhor + nome / apelido 352
2.4.5 Tratamento pessoal: nome / apelido 356
2.4.6 Tratamento genérico: o(s) senhor(es) 358
2.4.7 Tratamento genérico: doamnelor şi domnilor 362
2.5 A negociação do tratamento 369
2.5.1 Tratamento elocutivo 370
2.5.2 Tratamento alocutivo 371
2.5.3 Tratamento delocutivo 374
Conclusões parciais 379
Conclusões finais 381
Referências bibliográficas 385
Résumé en français 405

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Veronica Manole

O DEBATE PARLAMENTAR EM PORTUGUÊS (PORTUGAL, BRASIL) E ROMENO: ANÁLISE PRAGMÁTICO-DISCURSIVA

Casa Cărţii de Ştiinţă Cluj-Napoca - 2020

Referenţi ştiinţifici: Prof. dr. emerit Maria Helena Araújo Carreia (Universitatea Paris VIII) Prof. dr. Isabel Margarida Duarte (Universitatea din Porto)

Coperta: Dumitru Furculiţă

Editură acreditată CNCS - B

Descrierea CIP a Bibliotecii Naţionale a României MANOLE, VERONICA O debate parlamentar em português (Portugal, Brasil) e romeno : análise pragmático-discursiva / Veronica Manole. - Cluj-Napoca : Casa Cărţii de Ştiinţă, 2020 Conţine bibliografie ISBN 978-606-17-1511-4 81 Tehnoredactare: Adrian Cristian Pop Casa Cărţii de Ştiinţă B-dul Eroilor nr. 6-8, Cluj-Napoca, 400129 Tel./fax: 0264-431920; e-mail: [email protected]

“Tout l'art du dialogue politique consiste à parler tout seul à tour de rôle.” (André Frossard)

“Don't answer the question you were asked. Answer the question you wish you were asked.” (Robert McNamara, político americano)

“Le lieu du politique se caractérise par une donnée irréductible: on y discute entre soi tout en s’adressant à des tiers.” (Marc Abélès, Un ethnologue à l’Assemblée)

ÍNDICE Introdução

1

Preâmbulo jurídico-político

5

1. O papel dos parlamentos nos sistemas políticos atuais 1.1 Parlamentarismo, presidencialismo, semi-presidencialismo 1.2 A relação com o executivo 1.3 A liberdade de expressão dos parlamentares 1.4 O contexto político em 2011 e 2012 em Portugal, no Brasil e na Roménia

6 6 8 9 11

2. A organização institucional das reuniões parlamentares 2.1 Tipos de reuniões 2.2 A tomada de palavra segundo os regimentos 2.3 A disposição espacial dos parlamentares

12 12 13 14

1. A ARQUITETURA DO DISCURSO PARLAMENTAR

17

1.1. Abordagens linguísticas do discurso parlamentar 1.1.1 Estado de arte 1.1.1.1 O discurso parlamentar português 1.1.1.2 O discurso parlamentar brasileiro 1.1.1.3 O discurso parlamentar romeno 1.1.2 Algumas definições 1.1.2.1 O discurso público 1.1.2.2 O discurso político 1.1.2.3 O discurso parlamentar 1.1.2.3.1. Sub-géneros do discurso parlamentar 1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar 1.1.2.3.3 A identidade (dos) parlamentar(es)

18 18 22 23 23 25 26 28 31 33 34 38

1.2 O corpus 1.2.1 Critérios de seleção 1.2.1.1 O sub-corpus português 1.2.1.2 O sub-corpus brasileiro 1.2.1.3 O sub-corpus romeno 1.2.2 Do oral à escrita 1.2.2.1 Os “beneditinos” da escrita 1.2.2.2 Oral vs. escrita? / Oral e escrita? 1.2.2.3 Correções e supressões de conteúdo 1.2.2.4 Correções gramaticais 1.2.2.5 Reformulações para esclarecer a mensagem 1.2.2.5.1 Explicação das siglas

41 42 43 43 44 46 46 47 49 51 52 52

1.2.2.5.2 Eliminação de traços de oralidade 1.2.2.6 O uso do registo formal 1.2.2.7 Alterações da dinâmica do turno de fala

53 56 57

1.3 A construção sequencial do debate parlamentar 1.3.1 A sequência de abertura 1.3.2 O corpo da interação 1.3.2.1 A exposição 1.3.2.2 A resposta detalhada 1.3.2.3 As perguntas dos requerentes 1.3.2.4 A sessão de questões e respostas 1.3.2.5 A conclusão 1.3.3 A sequência de fecho

61 65 80 81 85 93 96 107 112

1.4 A negociação do turno de fala 1.4.1 O papel do moderador 1.4.2 Estratégias de negociação 1.4.3 Uma tipologia das interrupções

117 121 127 135

1.5 Responder às perguntas 1.5.1 “Não responder às perguntas parlamentares é uma estratégia...” 1.5.2 Uma tipologia das perguntas 1.5.3 Estratégias de evitamento 1.5.4 Vagueza e imprecisão

145 146 152 158 176

Conclusões parciais

191

2. O TRATAMENTO NO DISCURSO PARLAMENTAR

195

2.1 Considerações teóricas 2.1.1 Tratamento, adresare, referire em português e romeno 2.1.1.1 Elocução 2.1.1.2 Alocução 2.1.1.3 Delocução 2.1.2 Questões problemáticas 2.1.2.1 Alocução dupla e destinatário in absentia 2.1.2.2 Delocução in praesentia 2.1.3 Formas de tratamento e (des)cortesia parlamentar

197 199 199 200 208 210 211 213 216

2.2 A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo 2.2.1 Eu, nós e a gente 2.2.2 Eu, como... 2.2.3 Nós 2.2.3.1 Nós1 – genérico 2.2.2.2 Nós2 – eu 2.2.3.3 Nós3 – eu e o interlocutor

221 224 231 233 234 235 235

2.2.3.4 Nós4 – os da sala 2.2.3.5 Nós5 – os políticos 2.2.3.6 Nós6 – o partido 2.2.3.7 Nós7 – a oposição 2.2.3.8 Nós8 – os parlamentares 2.2.3.9 Nós9 – a instituição 2.2.3.10 Nós10 – os cidadãos 2.2.3.11 Nós11 – os do oeste do país 2.2.3.12 Nós12 – o país 2.2.3.13 Nós13 – polémico 2.2.4 Nós vs. os outros 2.2.5 Nós, nós, nós

236 237 239 242 243 244 246 247 249 250 251 253

2.3 A imagem do(s) outro(s): o tratamento pronominal alocutivo e delocutivo 2.3.1 Vossa Excelência 2.3.1.1 Usos congruentes 2.3.1.2 Usos neutros 2.3.1.3 Usos incongruentes 2.3.2 Dumneavoastră e domnia voastră 2.3.2.1 Dumneavoastră, domnule 2.3.2.2 Dumneavoastră, domnilor 2.3.2.3 Domnia voastră 2.3.3 Você(s), dumneata e voi 2.3.4 El, dânsul, dumnealui, domnia sa e Excelenţa Sa 2.3.5 Ele e eles

257 258 259 260 261 266 266 274 279 280 289 302

2.4 A imagem do(s) outro(s): o tratamento nominal alocutivo e delocutivo 2.4.1 Tratamento institucional 2.4.1.1 Estrutura interna 2.4.1.2 Função discursivo-textual 2.4.1.3 Função interlocutiva 2.4.2 Tratamento relacional 2.4.2.1 Amigo(s) 2.4.2.2 Colega(s) 2.4.2.3 Irmão(s) 2.4.3 Tratamento profissional e académico 2.4.4 Tratamento pessoal: o senhor + nome / apelido 2.4.5 Tratamento pessoal: nome / apelido 2.4.6 Tratamento genérico: o(s) senhor(es) 2.4.7 Tratamento genérico: doamnelor şi domnilor

307 307 310 317 325 333 334 338 345 347 352 356 358 362

2.5 A negociação do tratamento 2.5.1 Tratamento elocutivo 2.5.2 Tratamento alocutivo

369 370 371

2.5.3 Tratamento delocutivo

374

Conclusões parciais

379

Conclusões finais

381

Referências bibliográficas

385

Résumé en français

405

Introdução

“A discussão vai larga e degenerada, ja principia a cansar a camara, e ha muito que enfastiou a Nação. E comtudo, eu espero d’ella um grande fructo, uma utilidade immensa, inappreciavel, com que não so a Camara mas toda a Nação hade ganhar muito: — a prova indirecta, o testimunho irrefragavel, a convicção unanime de que não era este o modo, de que não era certamente este o stylo de discutir a resposta a um discurso da Coroa.” (Almeida Garrett)

Com esta avaliação metalinguística começava a 8 de fevereiro de 1840 um dos seus discursos parlamentares o visconde João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, deputado pela Ilha da Terceira: por um lado, lamentando a “degeneração” da “discussão” parlamentar da época e, ao mesmo tempo, mantendo a esperança quanto ao seu “fructo” para a Câmara e para a Nação. Nestas duas considerações do escritor e político português do século XIX encontra-se talvez a justificação desta análise, que se debruça sobre “a discussão” parlamentar com instrumentos oferecidos pelas ciências da linguagem e não pela ciência política. Tirando algumas particulariadades estilísticas típicas do português dos meados do séculos XIX, o breve trecho garrettiano é de uma atualidade surpreendente, dado que os debates parlamentares parecem tornar-se cada vez mais agressivos 1 – ou “degeneram”, nas palavras de Almeida Garrett –, mas, ao mesmo tempo, mantêm a sua importância fundamental – o “fructo” – para a nação e para o funcionamento da democracia. Com base nestas reflexões sobre a natureza agonal dos debates parlamentares e a relevância das mesmas para as sociedades democráticas, tentaremos na nossa investigação responder à pergunta: “Como se fala hoje nos parlamentos de Portugal, do Brasil e da Roménia?”. Sendo esta interrogação demasiado geral e abrangente, pois abre perspectivas de pesquisa muito variadas – como comprova a diversidade dos estudos apresentados no estado de arte –, decidimos limitar as análises comparativas a dois aspetos que nos pareceram relevantes: a arquitetura dos debates parlamentares – com a sua estrutura sequencial, o funcionamento da negociação conversacional e a dinâmica do binómio pergunta-resposta – e a construção das relações interlocutivas, das imagens de si e dos outros através de usos estratégicos das formas de tratamento. 1 Maria Aldina Marques numa entrevista para o jornal Publico confirma que há um nível crescente de agressividade nos debates parlamentares: http://www.publico.pt/politica/ noticia/debates-na-assembleia-da-republica-estao-mais-agressi-vos-e-musculados-1595625 [última consulta 2.09.2015].

1

Um primeiro desafio que enfrentámos nos momentos iniciais desta investigação foi compreender o contexto em que funcionam os debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos, ou seja os três sistemas políticos, resultantes de tradições políticas e de histórias diferentes. Dada a natureza essencialmente referencial de qualquer corpus político (Mayaffre 2005: 4), considerámos necessário entender o quadro institucional em que decorrem os trabalhos parlamentares, tanto do ponto de vista jurídico – através das normas constitucionais e regimentais –, como do ponto de vista político – atores envolvidos, ideologias veiculadas – para melhor analisar os debates. Os resultados das nossas tentativas de compreensão do papel do poder legislativo no âmbito dos sistemas políticos de Portugal, do Brasil e da Roménia encontram-se no Preâmbulo jurídico-político e no anexo intitulado Breve história parlamentar, em que fazemos uma análise comparada do funcionamento e da evolução dos três órgãos legislativos. Embora possam parecer demasiado detalhadas num trabalho que privilegia a análise linguística, estas abordagens complementares, que enfocam a dimensão jurídíca, política e histórica dos parlamentos, ajudaram-nos a selecionar um corpus de debates comparáveis do ponto de vista temático (ver a secção 1.2.1 Critérios de seleção). Por conseguinte, começamos o nosso trabalho por definir o discurso parlamentar em articulação com o discurso político e o discurso público. Em seguida, criamos um corpus com coerência cronológica e temática, composto por trinta e três debates que decorreram em 2011 e 2012 e em que o poder legislativo exerce a sua prerrogativa de fiscalizar o poder executivo: onze interpelações ao governo na Assembleia da República de Portugal, onze audiências públicas de membros do governo na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional du Brasil e onze reuniões plenárias do Parlamento da Roménia, em que os senadores e os deputados debateram moções simples ou moções de censura. Um segundo desafio da nossa investigação prende-se com as particularidades do corpus, tomando em consideração o processo de “retextualização” (Oliveira 2013) que ocorre nas transcrições oficiais feitas pelos serviços parlamentares de taquigrafia e arquivos. Sem afirmar a sua inadequação para o estudo linguístico 2 , fazemos uma comparação entre as gravações áudio e vídeo de três reuniões e as respetivas transcrições e destacamos algumas limitações que o uso deste corpus podia ter para o estudo linguístico, sendo as mais relevantes: a impossibilidade de fazer demasiadas

No que diz respeito às transcrições oficiais dos debates parlamentares, há autores, como Mollin (2007), que as carateriza como um pesadelo para os linguistas, mas há também abordagens menos categóricas, como Zafiu (2004), que destacam suas limitações, mas não os elimina de entre as fontes possíveis para as análises linguísticas. Nós situamo-nos na segunda categoria, considerando que as transcrições oficiais constituem um corpus que pode ser aproveitado nos estudos linguísticos, tomando em consideração a impossibilidade de fazer afirmações demasiado categóricas sobre os resultados obtidos. 2

2

generalizações em relação aos registos de língua e inviabilidade dos possíveis resultados baseados exclusivamente em análises quantitativas. Depois da definição do discurso parlamentar e da análise do corpus, fazemos uma análise da arquitetura dos debates, com base no quadro teórico da linguística interacionista e da análise do discurso, insistindo em três componentes: i) a estrutura sequencial – a abertura, o corpo da interação; o fecho (Kerbrat-Orecchioni 1990) – e as particularidades de configuração em cada sub-corpus; ii) o impacto dos resultados das negociações conversacionais (Kerbrat-Orecchioni 2005) para o sucesso das interações; iii) a estrutura textual e argumentativa das perguntas parlamentares e das respostas, com estratégias de evitamento (Clayman 2001; Rasiah 2010) e usos de imprecissão lexical e vagueza textual (Gruber 1993). Assim, a primeira parte do livro, através dos seus cinco capítulos – 1.1 Abordagens linguísticas do discurso parlamentar, 1.2 O corpus, 1.3 A construção sequencial do debate parlamentar, 1.4 A negociação do turno de fala, 1.5 Responder às perguntas – procura descrever os debates parlamentares, observando o ritual institucional – e os deslizes do mesmo nas interações propriamente ditas –, as disputas sobre o tempo disponível, o papel dos oradores – destacando-se a autoridade discursiva do Presidente –, o trabalho de figuração (facework) quando se colocam perguntas e se dão respostas. A segunda parte do volume analisa o uso das formas de tratamento – elocutivas, alocutivas e delocutivas – e o seu papel na configuração da distância interlocutiva (Carreira 1997) – no eixo distanciamento vs. afastamento – e da construção discursiva de imagens de si e dos outros. Num primeiro momento, fazemos um enquadramento teórico do tratamento – em articulação com os conceitos “adresse” da linguística francesa, “adresare” e “referire” da linguística romena, descrevendo o inventário de formas – com base em critérios morfológicos e pragmáticos. São também apesentados usos menos canónicos dos debates parlamentares, como a alocução dupla e a delocução in praesentia, bem como o papel das formas de tratamento no funcionamento da (des)cortesia parlamentar. Os quatro capítulos de análise que integram a segunda parte – 2.1 A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo, 2.2 A imagem do(s) outro(s): o tratamento pronominal alocutivo e delocutivo, 2.3 A imagem do(s) outro(s): o tratamento nominal alocutivo e delocutivo, 2.4 A negociação do tratamento – concentram-se na identidadade (dos) parlamentar(es), com as suas múltiplas facetas, e no seu duplo papel em interação enquanto mecanismo de autoapresentação e de relacionamento com o(s) outro(s), através da construção de relações consensuais ou conflituais, de regulamentação da distância. São privilegiadas as análises qualitativas, que revelam usos concretos em contextos específicos, as comparações de natureza quantitativa tendo um caráter pontual, sendo aproveitadas apenas em casos de diferenças significativas de usos, que não poderiam ser afetadas de forma categórica pela retextualização das transcrições. Esta análise dos debates parlamentares, que se baseia num quadro teórico essencialmente interacionista, permite-nos, em primeiro lugar, fazer comparações intra-linguísticas, entre duas variantes do português e inter-linguísticas, entre duas

3

línguas românicas, o português e o romeno. Em segundo lugar, permite-nos destacar diferenças e semelhanças no funcionamento e na organização do discurso político em três países com tradições democráticas, culturais e sociais diferentes. Voltando às considerações de Almeida Garrett, feitas há quase dois séculos, este estudo permitiu-nos observar a tensão evidente entre a norma institucional e o desacordo ritualizado no discurso parlamentar, responsável, talvez, pela “discussão larga e degenerada”. *** Este volume é uma versão ligeiramente modificada da tese de doutoramento que defendemos a 1 de dezembro de 2015 na Universidade Paris VIII. O presente trabalho não teria sido possível sem as bolsas concedidas pela Pró-Reitoria da PósGraduação da Universidade de São Paulo e pela Associação Internacional dos Lusitanistas, que nos propiciaram o acesso a materiais bibliográficos fundamentais durante os estágios de investigação feitos na Universidade de São Paulo em 2012 e na Universidade do Porto em 2013. Os nossos agradecimentos vão também para a École doctorale “Pratiques et théories du sens” e para o Laboratoire d’Études Romanes (EA 4385), que apoiaram as nossas participações em congressos e conferências internacionais durante os estudos de doutoramento. Gostaríamos de expressar o nosso enorme agradecimento à Professora Doutora Maria Helena Araújo Carreira, que orientou com paciência e delicada diplomacia a nossa tese. Queríamos também agradecer aos membros do júri – Professora Doutora Isabel Margarida Duarte (Universidade do Porto), Professora Doutora Liana Pop (Universidade Babeş-Bolyai), Professora Doutora Aldina Marques (Universidade do Minho) e Professora Doutora Jacqueline Penjon (Universidade Paris III) – a leitura cuidadosa da tese, as sugestões feitas e as discussões estimulantes durante a defesa. À colega Andreea Teletin agradecemos a ajuda constante com os trâmites burocráticos na Universidade Paris VIII e as frequentes e esclarecedoras discussões sobre a análise do discurso.

4

Preâmbulo jurídico-político ...de facto, é tudo de acordo com a lei, portanto, não é preciso mudar a lei. Não é preciso mexer na lei. (DAR, 28/01/2011, I Série — Número 44)

A análise comparativa do discuso parlamentar português, brasileiro e romeno apresenta desafios que não se relacionam apenas com o uso da língua, mas também com o funcionamento de três sistemas políticos que têm histórias e normas jurídicas diferentes (ver infra Anexo 3. Breve história parlamentar). Visto que o discurso não pode ser analisado fora do seu contexto3, consideramos que conhecer melhor os sistemas políticos em que funcionam os três parlamentos escolhidos para esta investigação é uma etapa essencial da análise. Portanto, uma breve contextualização jurídica e política permitir-nos-á compreender melhor o quadro institucional do funcionamento dos debates parlamentares e as suas particularidades nos três países, pois ao analisarmos o discurso parlamentar português, brasileiro e romeno, não comparamos apenas duas línguas – o português com duas das suas variedades – e três culturas, mas também três sistemas políticos diferentes. O Brasil é uma federação que adotou o presidencialismo como sistema de organização do Estado, modelo político prevalente no continente americano, ao passo que Portugal e a Roménia são Estados unitários, que escolheram, como a maioria das democracias europeias, um modelo político mais próximo do parlamentarismo, o semi-presidencialismo. Em primeiro lugar, as diferenças identificasas prendem-se com a estrutura das três instituições legislativas. O órgão legislativo do Brasil – chamado Congresso, denominação mais comum na tradição presidencialista – e o da Roménia são bicamerais, sendo compostos por Senado e Câmara dos Deputados, ao passo que a Assembleia da República de Portugal tem uma estrutura monocameral. Se no Brasil a existência do parlamento bicameral se justifica pela estrutura do Estado, visto que o Senado representa os interesses dos membros da federação – os 26 estados e o Distrito Federal – e a Câmara dos Deputados representa o povo brasileiro, na Roménia, país cujo Estado é unitário, o parlamento bicameral justifica-se apenas por razões históricas (ver infra Anexo 3. Breve história parlamentar).

3 Veja-se, por exemplo, a oposição língua / discurso: “La langue définie comme système de valeurs virtuelles s’oppose au discours, à l’usage de la langue dans un contexte particulier, qui filtre ces valeurs et peut susciter de nouvelles [...]. La « langue » définie comme système partagé par les membres d’une communauté linguistique s’oppose au « discours », considéré comme un usage restreint de ce système” Maingueneau (2002: 185186, nosso negrito).

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Em segundo lugar, são de igual importância os mecanismos do funcionamento institucional dos parlamentos de Portugal, do Brasil e da Roménia segundo os quadros regimentais e legais em vigor, por exemplo as normativas jurídicas, as atribuições, a relação com o poder executivo. Estas informações serão utilizadas na criação de um corpus coerente do ponto de vista temático, com reuniões que partilham uma série de caraterísticas e que podem ser comparadas. Por último, para além da organização jurídica e do funcionamento institucional dos três parlamentos, a sua estrutura política e partidária é igualmente relevante para a análise do discurso. A Câmara dos Deputados do Brasil é uma das mais fragmentadas do mundo (Nicolau 2011: 386), por causa do grande número de partidos que a compõem, ao passo que nos órgãos legislativos português e romeno 4 há menos partidos políticos, que podem formar coligações parlamentares ou governamentais mais facilmente. Por conseguinte, estudaremos também a estrutura política de cada legislatura nos três países en 2010 e 2011, as ideologias veiculadas pelos partidos e os seus representantes para compreender melhor os discursos produzidos nos debates.

1. O papel dos parlamentos nos sistemas políticos atuais Neste subcapítulo fazemos uma apresentação de algumas particularidades da organização do poder legislativo no âmbito dos sistemas políticos dos três países. Apresentaremos os artigos dos regimentos parlamentares que dizem respeito à relação com o executivo e concentrar-nos-emos no estatuto dos parlamentares, com maior enfoque na liberdade de expressão garantida constitucionalmente.

1.1 Parlamentarismo, presidencialismo, semi-presidencialismo O princípio mais importante na organização democrática dos estados modernos é a separação dos três poderes, definidas por Montesquieu em L’esprit des lois: i) o poder legislativo, atribuído ao parlamento, ii) o poder executivo, exercido pelo governo, iii) o poder judiciário, exercido pelos tribunais. Se o poder judiciário é, pela sua natureza, independente no exercício das suas funções e prerrogativas 5 , as relações entre o legislativo e o executivo podem variar em função dos regimes políticos de cada país. No regime parlamentar há um equilíbrio e uma interdependência entre o poder legislativo e o poder executivo. O governo é responsável perante o parlamento, mas, por sua vez, o executivo pode dissolver a instituição legislativa; para governar, o 4 Apesar de os parlamentos serem as instituições que excercem o poder legislativo, enquanto órgãos de soberania nacional, têm competências no que diz respeito a outras questões do Estado: expressar-se em questões de política externa, fiscalizar o poder executivo, oferecer apoio e assessoria a outras instituições públicas, etc. 5 No entanto, devemos tomar em consideração o papel dos representantes políticos – parlamentares ou membros do executivo – na nomeação dos magistrados.

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executivo deve ter o apoio da maioria dos parlamentares. Os membros do governo são frequentemente parlamentares e participam nas reuniões plenárias e nos trabalhos do legislativo; o governo pode ter também iniciativas legislativas. O princípio fundamental deste sistema é a interdependência e a colaboração entre o executivo e o legislativo, um exemplo sendo a organização política do Reino Unido, com o sistema Westmister. O Chefe do Estado –monarca, nas monarquias, ou presidente, nos regimes republicanos – e o Chefe do Governo são dissociados. O postulado principal do regime presidencial, criado nos Estados Unidos da América e adotado sobretudo na América Latina, é a separação estrita dos poderes. O executivo e o legislativo são eleitos por sufrágio universal, tendo os mesmo grau de legitimidade para tomar as suas decisões políticas. A iniciativa e os procedimentos legislativos são exclusivamente da competência do congresso. O governo não pode ser “chumbado” pelo poder legislativo, e o executivo não pode dissolver o congresso. Outra caraterística dos regimes presidenciais é a designação Chefe do Estado para o cargo de presidente, sendo este ao mesmo tempo o chefe do governo. Nos regimes presidenciais, os parlamentos não podem fiscalizar a atividade do governo através de moções de censura, mas usando outros mecanismos: audiências públicas dos ministros em comissões parlamentares de especialidade, Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). O regime semi-presidencial, adotado em países europeus, é um sistema misto6 com três caraterísticas principais: i) o Presidente da República é eleito através de sufrágio universal direto; ii) o Presidente da República dispõe de poderes consideráveis7; iii) o governo é reponsável perante o parlamento e, por sua vez, pode dissolvê-lo. Este regime seria essencialmente uma variante do parlamentarismo, com prerrogativas ampliadas do Chefe do Estado (o Presidente da República). No que diz respeito à situação política atual dos três países selecionados para a nossa investigação, Neto & Lobo (2012) e Verheijen (1999) afirmam que Portugal e a Roménia têm regimes semi-presidenciais, ao passo que o Brasil é uma federação presidencialista. No entanto, é preciso clarificar a esta classificação. Devido ao grande número de partidos que integram o legislativo brasileiro, o regime presidencialista deste país foi definido por Abranches (1988) como um “presidencialismo de coalizão”. Tomando em consideração o poder dos Estados e a complexidade da fragmentação social do Brasil, que integra diferenças regionais, 6 O jurista e politólogo Maurice Duverger descreveu este sistema pela primeira vez no livro Échec au roi (1978). Uma apresentação sintética do conceito encontra-se em Duverger (1980: 166, nosso negrito): “A political regime is considered as semi-presidential if the constitution which established it, combines three elements: (1) the president of the republic is elected by universal suffrage, (2) he possesses quite considerable powers; (3) he has opposite him, however, a prime minister and ministers who possess executive and governmental power and can stay in office only if the parliament does not show its opposition to them”. 7 No entanto, em diferentes sistemas semi-presidenciais, os poderes do presidente podem ser reduzidas.

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culturais, étnicas, raciais, económicas, é muito difícil, mesmo para os partidos mais influentes, ter uma maioria absoluta no Congresso Federal, o que obriga as forças políticas a criarem coligações amplas para conseguir apoio para as suas iniciativas legislativas ou, no caso dos executivos, para poder governar 8 . Este aspeto será importante para a dinâmica interacional, visto que os membros do Congresso devem cooperar para realizar projetos políticos. No que diz respeito a Portugal, o regime semi-presidencial adotado permite uma certa partilha de poderes entre o presidente e o primeiro ministro. O presidente mantém prerrogativas constitucionais importantes, apesar da consolidação da figura do primeiro ministro com a revisão constitucional de 1982. O parlamento pode “chumbar” o governo através de moção de censura, ao passo que o presidente pode dissolver o legislativo. A prática recente mostrou que as coligações são frequentes na política portuguesa, para garantir a maioria na Assembleia da República e o apoio das medidas governamentais. Na Roménia, o semi-presidencialismo foi adotado depois da Revolução de 1989 sem uma tradição que justique a opção, pois no país tinha sido governado por um regime ditatorial comunista durante quase meio século. No semi-presidencialimo romeno, o presidente é eleito por sufrágio universal e o primeiro ministro é responsável perante o parlamento; as coligações são muito frequentes ao nível parlamentar e governativo. Enquanto democracia mais recente, a Roménia conheceu nas últimas duas décadas alternâncias no governo entre a esquerda e a direita e coligações parlamentares entre diferentes partidos. Segundo o artigo 89 da constituição romena, o presidente pode dissolver o parlamento.

1.2 A relação com o executivo Como já pudemos observar, o regime presidencial pressupõe a separação estrita de poderes. No entanto, para evitar que um dos poderes ultrapasse os seus limites no exercícios das prerrogativas, existe um sistema de freios e contrapesos, que estabelece um equilíbrio institucional de controle recíproco ao nível mais alto do Estado. Embora o governo brasileiro não seja responsável perante o Congresso Federal da mesma maneira como são os governos português e romeno, o órgão legislativo brasileiro possui mecanismos para fiscalizar a atividade do poder executivo. Este sistema de freios e contrapesos confere ao Congresso Federal a possibilidade de controlar e fiscalizar com rigor a atividade do governo (artigo 49). De forma simétrica, o Presidente da República, que representa o poder executivo, pode exercer o direito de veto para as leis adotadas pelo Congresso Nacional (artigo 84). “A lógica de formação das coalizões tem, nitidamente, dois eixos: o partidário e o regional (estadual), hoje como ontem. É isto que explica a recorrência de grandes coalizões, pois o cálculo relativo à base de sustentação política do governo não é apenas partidário-parlamentar, mas também regional” (Abranches 1988: 21-22, nosso negrito). 8

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Segundo a Constituição brasileira (artigo 50), um ministro do Estado pode comparecer perante a Câmara dos Deputados ou o Senado a pedido do Congresso ou por iniciativa própria. São mais frequentes as audiências públicas perante as comissões de especialidade de cada câmara, durante as quais os ministros devem responder às perguntas dos deputados e senadores sobre as decisões do governo, as políticas adotadas ou outros problemas de atualidade da sua área de competência. Após a convocação oficial da Câmara dos Deputados ou do Senado, o ministro tem um prazo de trinta dias para comparecer perante o congresso, constituindo as ausências nãojustificadas crime de responsabilidade (artigos 255-258 do Regimento da Câmara dos Deputados). Em conformidade com o regimento da Assembleia da República de Portugal, o parlamento examina o programa do governo, que é debatido em reuniões públicas. O primeiro ministro comparece perante a Assembleia da República todos os quinze dias (artigo 224) e cada ministro pelo menos uma vez por sessão legislativa (artigo 225). Durante as últimas dez reuniões da sessão legislativa, na Assembleia da República organiza-se um debate sobre o Estado da Nação (artigo 228), a uma data estabelecida junto com o Presidente da República e o Governo. Outros procedimentos que visam a relação com o Governo são os votos de confiança, as moções de censura, as interpelações, etc., devidamente apesentados no regimento da Assembleia da República. A relação entre o parlamento e o executivo no âmbito do sistema político romeno está regulamentada nos regimentos das duas câmaras legislativas, inclusive do regimento das reuniões conjuntas do Senado e da Câmara dos Deputados: a organização do debate sobre o programa do governo e a lista dos ministros, as moções simples e de censura, a adoção de um projeto de lei através do mecanismo de voto de confiança. Cada deputado pode fazer perguntas orais ou escritas e interpelações aos ministros e ao primeiro ministro para solicitar explicações sobre as ações governamentais e outros assuntos do Estado.

1.3 A liberdade de expressão dos parlamentares Após esta breve apresentação da relação institucional entre o poder legislativo e o poder executivo nos três países, consideramos também útil conhecer alguns aspetos do estatuto dos parlamentares para compreender melhor os discursos produzidos em reuniões públicas. A caraterística mais relevante para a nossa investigação é que, segundo a Constituição, os parlamentares não podem ser responsabilizados juridicamente pelas opiniões políticas expressas no exercício do seu mandato. Artigo 157.º Imunidades. 1. Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções. (Constituição da República Portuguesa, VII revisão constitucional 2005)

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Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Constituição da República Federativa do Brasil, EC no 35/2001) Art. 72. Al. 1 Deputaţii şi senatorii nu pot fi traşi la răspundere juridică pentru voturile sau pentru opiniile politice exprimate în exercitarea mandatului. [Art. 72. Alínea 1. Os deputados e os senadores não podem ser responsáveis juridicamente pelos votos ou pelas opiniões políticas exprimidas no exercício do seu mandato.](Constituição da Roménia, nossa tradução)

Graças a este direito constitucional, a liberdade de expressão dos parlamentares é muito ampla, pois as afirmações expressas em plenários, reuniões das comissões ou dos grupos parlamentares, bem as ações políticas feitas no exercício do seu mandato não podem ser processadas em instâncias civis ou criminais. Este grau de libertadade de expressão teria consequências ao nível do discurso, porque em teoria os parlamentares podem fazer afirmações não-penalizáveis pelas legislação sobre o direito à imagem. No entanto, os moderadores das reuniões têm o direito retirar a palavra aos oradores cujos discursos se tornarem ofensivos e os deputados podem intervir para a defesa da honra. Nos regimentos há normas que definem a deontologia parlamentar e o comportamento adequado dos senadores e deputados, inclusive no que diz respeito ao uso da língua. Art. 89. Alínea 3. O orador é advertido pelo Presidente da Assembleia quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra. (Regimento da Assembleia da República de Portugal, nosso negrito) Art. 242 Constituie abateri disciplinare parlamentare următoarele fapte săvârşite de deputaţi dacă, potrivit legii, nu constituie infracţiuni: […] d) comportamentul injurios sau calomniator la adresa unui parlamentar ori a altui demnitar în şedinţele de plen, de comisii sau de birou ori în afara acestora, dar cu privire la exercitarea mandatului de parlamentar; […] f) perturbarea activităţii parlamentare prin nerespectarea normelor de conduită, de curtoazie şi de disciplină parlamentară. (Regimento da Câmara dos Deputados, nosso negrito) [Art. 242 Se, de acordo com a lei, não são infrações, os seguintes constituem desvios parlamentares: […] d) comportamento injurioso ou caluniador em relação a um parlamentar ou a outro dignitário, nas reuniões plenárias, das comissões ou das bancadas ou fora das mesmas, relacionadas com o excercer do mandato de parlamentar; […] f) a perturbação da atividade parlamentar através do incumprimento das normas de conduta, de cortesia e de disciplina parlamentar.]

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1.4 O contexto político em 2011 e 2012 em Portugal, no Brasil e na Roménia Como este estudo incidirá sobre debates que ocorreram em 2011 e 2012, queríamos apresentar brevemente o contexto político nesses dois anos, sobretudo nos que diz respeito à configuração partidária de cada um dos três parlamentos. Para a Assembleia da República de Portugal, 2011 e 2012 correspondem a duas legislaturas, a XIa legislatura – eleição a 27 de setembro de 2009 –, que começou a 15 de outubro de 2009 e terminou a 19 de junho de 2011, e XIIa legislatura – eleição antecipada a 5 de junho de 2011 –, de 20 de junho de 2011 até à organização das eleições legislativas a 4 de outubro de 2015. A configuração política da XIa legislatura é a seguinte: Partido Socialista 97 deputados, Partido Social Democrata 81 deputados, CDS-Partido Popular 21 deputados, Bloco de Esquerda 16, Partido Comunista Português 13, Partido Ecologista “Os Verdes”, 2 deputados. PS formou o governo liderado pelo primeiro-ministro José Sócrates. A estrutura partidária da XIIa legislatura é a seguinte: Partido Social Democrata 108 deputados, CDS-Partido Popular 24 deputados, Partido Socialista 74 deputados, Partido Comunista Português 14 deputados, Bloco de Esquerda 8 deputados, Partido Ecologista “Os Verdes” 2 deputados. O governo foi formado pela coligação entre PSD e CDS-PP, sendo primeiro-ministro o presidente do PSD Pedro Passos Coelho. No caso do Congresso Nacional do Brasil, 2011 e 2012 correspondem à 54a legislatura, que decorreu de 1 de fevereiro de 2011 até 31 de janeiro de 2015, as eleições gerais sendo organizadas a 3 de outubro de 2010, junto com a disputa presidencial. A configuração partidária da Câmara dos Deputados é bem mais fragmentada, com deputados que pertecem a 22 partidos diferentes: Partido dos Trabalhadores 88 deputados, Partido do Movimento Democrático Brasileiro 78 deputados, Partido da Social Democracia Brasileira 54 deputados, Partido Progressista 48 deputados, Democratas 42 deputados, Partido da República 38 deputados, Partido Socialista Brasileiro 33 deputados, Partido Democrático Trabalhista 26 deputados, Partido Trabalhista Brasileiro 21 deputados, Partido Social Cristão 17 deputados, Partido Comunista do Brasil 15 deputados, Partido Verde 14 deputados, Partido Popular Socialista 12 deputados, Partido Republicano Brasileiro 9 deputados, Partido da Mobilização Nacional 4 deputados, Partido Socialismo e Liberdade 3 deputados, Partido Trabalhista do Brasil 3 deputados, Partido Humanista da Solidariedade 2 deputados, Partido Republicano Progressista 2 deputados, Partido Renovados Trabalhista Brasileiro 2 deputados, Partido Social Liberal 1 deputado, Partido Trabalhista Cristão 1 deputado. O governo é chefiado por Dilma Ruseff, do Partido dos Trabalhadores. Não apresentamos a estrutura partidária do Senado Federal porque nos corpus da nossa investigação incluímos audências pública da Câmara dos Deputados. No caso do Parlamento da Roménia, 2011 e 2012 correspondem à VIª legislatura – de 2008 até 2012, com eleições legislativas a 30 de novembro de 2008 – à VIIª legislatura, 2012 até 2016, as eleições tendo sido organizadas a 9 de dezembro de

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2012. Na legislatura de 2008-2012, a configuração partidária foi a seguinte: Partido Democrata Liberal (114 deputados e 51 senadores), Partido Social Democrata (110 deputados e 45 senadores), Partido Nacional Liberal (64 deputados e 22 senadores), União Democrata dos Húngaros da Roménia (22 deputados e 9 senadores), outras minorias étnicas (19 deputados). O governo foi chefiado por Emil Boc, presidente do Partido Democrata Liberal. Na VIIª legislatura, a estrutura partidária é a seguinte: União Social Liberal, coligação entre o Partido Social Democrata e o Partido Nacional Liberal (273 deputados e 122 senadores), Alianţa România Dreaptă, coligação do Partido Democrata Liberal, Partido Nacional Camponês Cristão Democrata e Força Cívica (56 deputados e 22 senadores), Partido do Povo Dan Diaconescu (47 deputados e 21 senadores), União Democrata dos Húngaros da Roménia (19 deputados e 9 senadores), outras minorias étnicas (18 deputados). O chefe do governo é Victor Ponta, presidente do Partido Social Democrata. Na Europa foi um período marcado pela crise económica. Em Portugal (20112014) e na Roménia (a partir de 2010) foram implementadas medidas de austeridade conforme os Memorandos de Entendimento com instituições internacionais, Portugal concluindo o programa de ajustamento em 2014 e a Roménia continuando com sucessivos programas stand-by sob a supervisão do Fundo Monetário Internacional até 2015. No debate público brasileiro destacaram-se vários desenvolvimentos do “Mensalão”, escândalo de corrupção sobre compra de votos de parlamentares federais e o início de outras operações policiais, como a operação Porto Seguro, que será o assunto de um dos debates do nosso corpus.

2. A organização institucional das reuniões parlamentares Os parlamentos são instituições políticas com atribuições complexas: gerir o processo legislativo em todas as áreas de atividade do país, criar programas de cooperação com outras instituições do país ou do estrangeiro, fiscalizar a atividade do governo ou de outras instituições públicas, etc. Os trabalhos parlamentares decorrem em reuniões plenárias, mas também em comissões permanentes, extraordinárias, de inquêrito, cujos membros são especialistas nas respetivas áreas. Os deputados e os senadores organizam-se também em grupos parlamentares em função da orientação política ou das coligações criadas, para concentrar melhor os seus esforços e impor projetos ou iniciativas legislativas ou para fiscalizar a atividade governamental.

2.1 Tipos de reuniões Segundo o regimento da Assembleia da República (artigo 53), são considerados trabalhos parlamentares: as reuniões do Plenário, da Comissão Permanente da Assembleia, das comissões parlamentares, das subcomissões, dos grupos de trabalho

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criados no âmbito das comissões parlamentares, dos grupos parlamentares, da Conferência de Líderes, da Conferência dos Presidentes das Comissões Parlamentares e das delegações parlamentares. A reunião plenária pode funcionar só se estiverem presentes pelo menos um quinto do número de Deputados (artigo 58), sendo a ordem do dia fixada pelo Presidente da Assembleia, com uma antecedência mínima de quinze dias (artigo 59). No que diz respeito aos tipos de debates ou de intervenções feitas na tribuna parlamentar, o regimento menciona: as declarações políticas, os debates de atualidade, os debates temáticos, os debates de urgência, os votos de congratulação, protesto, condenação, saudação ou pesar (artigo 71-75). A atividade de fiscalização do executivo decorre em reuniões dedicadas à apresentação do programa do Governo, ao voto de confiança, às moções de censura ou às interpelações (artigos 214-230). No Congresso Nacional Brasileiro, os trabalhos decorrem nas duas câmaras, o Senado e a Câmara dos Deputados, em reuniões plenárias ou em reuniões das comissões permanentes ou temporárias (especiais, de inquérito). De acordo com os regimentos internos, as reuniões da Câmara dos Deputados são: preparatórias, ordinárias, extraordinárias e solenes (artigo 65), ao passo que as do Senado são classificadas em deliberativas (ordinárias e extraordinárias), não-deliberativas e especiais (artigo 154). As comissões das Câmaras dos Deputados têm um presidente cujas atribuições (artigo 41) principais são: assinar a correspondência e demais documentos expedidos pela Comissão, convocar e presidir todas as reuniões, manter a ordem e a solenidade necessárias nas reuniões, dar à Comissão e às Lideranças conhecimento da pauta das reuniões, etc. De acoro com o artigo 82 do regimento do Senado e o artigo 142 da Câmara dos Deputados, os parlamentares romenos exercem a sua atividade em reuniões plenárias, no âmbito de comissões – permanentes, especiais e de inquérito –, de grupos parlamentares. No último dia de atividade em plenário, os senadores votam a ordem do dia da semana seguinte, ao passo que na Câmara dos Deputados é a Mesa permanente que a propõe. A ordem do dia pode ser modificada através da votação da maioria dos senadores e deputados presentes nos trabalhos. Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado verificam se há quórum e são responsáveis pelo bom funcionamento dos debates. No que diz respeito às reuniões plenárias cujo objetivo é a fiscalização da atividade governamental, os procedimentos são semelhantes em ambas as câmaras do parlamento romeno. As moções simples são debatidas em plenários de cada câmara, ao passo que as moções de censura são debatidas em reuniões conjuntas das duas câmaras.

2.2 A tomada de palavra segundo os regimentos Os debates parlamentares decorrem em conformidade com as normas regimentais, que estipulam a organização das intervenções dos oradores no que diz respeito ao tempo de fala, ao objetivo da intervenção e às medidas tomadas nos casos de desvios do protocolo regimental. Os presidentes desempenham o papel principal

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na organização da tomada de palavra e na organização em boas condições dos debates, sendo a sua prerrogativa conceder ou retirar a palavra, fazer apelo às normas regimentais em situações conflituosas. Segundo o regimento da Assembleia da República, os deputados podem tomar a palavra para: fazer declarações políticas, apresentar projetos de lei, de resolução ou de deliberação, exercer o direito de defesa, participar nos debates, fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer atos deste ou da Administração Pública, invocar o Regimento ou interpelar a Mesa, fazer requerimentos, formular ou responder a pedidos de esclarecimento, reagir contra ofensas à honra ou consideração ou dar explicações, interpor recursos, fazer protestos e contraprotestos, produzir declarações de voto (artigo 76). A ordem dos intervenientes deve ficar visível para os deputados que estão presentes no hemiciclo (artigo 77). No Regimento Interno da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional do Brasil (artigos 174-175), menciona-se que o orador só poderá falar uma vez e pelo prazo de cinco minutos na discussão de qualquer projeto. A duração das intervenções pode ser prolongada pelo Presidente; nas comissões, a duração das intervenções e anunciada no início dos debates (ver infra 1.31. A sequência de abertura). Os deputados não podem desviar-se do assunto do debate, usar linguagem imprópria e ultrapassar o prazo regimental. As regras da tomada de palavra são similares nas duas câmaras do Parlamento da Roménia. De acordo com o regumento da Câmara dos Deputados, os secretários da Mesa organizam as listas com os intervenientes, os parlamentares tomam a palavra em conformidade com a ordem estabelecida, tendo a autorização do Presidente; os ministros podem tomar a palavra em qualquer momento do debate, todas as vezes que a solicitarem. Ninguém pode tomar a palavra sem o consentimento do Presidente, devendo os oradores falar na tribuna ou em outro lugar da sala com microfone instalado (artigos 176-177).

2.3 A disposição espacial dos parlamentares A disposição espacial dos parlamentares nas salas de reuniões poderia, talvez, influenciar o decorrer dos debates; segundo Ilie (2006: 192), o quadro espacial da Câmara dos Deputados do Reino Unido, com os assentos do poder e da oposição situados vis-à-vis favorece um tom de debate mais agressivo. A sala do plenário da Assembleia da República é semi-circular – daí o nome hemiciclo – e a disposição dos deputados é estabelecida pelo Presidente da Assembleia em conjunto com os representantes dos grupos parlamentares (artigo 66). Todos os assentos são situados face à tribuna do Parlamento, sendo os assentos dos membros do Governo posicionados face aos deputados, o que poderá favorecer o debate confrontacional (Marques 2010a: 82).

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As salas de reuniões plenárias do Congresso Nacional do Brasil têm também estrutura semi-circular, com lugares especiais para oradores, situados face aos deputados ou senadores. Os trabalhos das comissões decorrem em salas mais pequenas; todos os oradores falam ao microfone, o Presidente e os secretários ficam na Mesa central, ao passo que os deputados e os ministros – ou outros participantes – interpelados ficam sentados na sala, face à Mesa. Esta disposição espacial não deveria favorecer a confrontação verbal, contudo tal confrontação ocorre, como veremos na nossa análise. A disposição dos assentos nas duas salas plenárias do Parlamento da Roménia é semi-circular, “parecida com uma sala de teatro ou com um anfiteatro” (Ilie 2010c: 200), falando os oradores – parlamentares, membros do governo e outros convidados – na tribuna, face ao auditório, composto por deputados e pelas galerias; este posicionamento não parece encorajar os confrontos verbais diretos, como ocorre no Parlamento britânico. No entanto, os debates contraditórios são frequentes no Parlamento Romeno, pois o discurso parlamentar é intrinsecamente conflituoso, qualquer que seja a organização espacial em que se posicionam os seus atores. *** Este preâmbulo jurídico-político permitiu-nos conhecer melhor o contexto dos discursos parlamentares português, brasileiro e romeno: a estrutura dos sistemas políticos de cada país, a relação entre o poder legislativo e o poder executivo, as normas constitucionais sobre a liberdade de expressão dos parlamentares, o contexto político recente e a organização institucional da interação verbal (tipologia das reuniões, gestão regimental da tomada de palavra, disposição espacial dos oradores). Estas informações permitir-nos-ão analisar com mais rigor, na primeira parte do volume, os debates parlamentares, sobretudo componentes da organização interacional, como a estrutura sequencial, a negociação do turno de fala e a dinâmica das perguntas e das respostas.

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1. A arquitetura do discurso parlamentar A primeira parte do livro é dedicada ao que chamamos a “arquitetura do discurso parlamentar”, ou seja, elementos chave a partir dos quais se organizam as interações deste sub-género discursivo: as sequências interacionais, a negociação dos turnos de fala, o binômio conversacional pergunta-resposta. Antes da análise propriamente dita, debruçar-nos-emos sobre o corpus, com as suas particularidades e as limitações que advêm da relação entre o oral e a escrita nas transcrições oficiais dos debates parlamentares. No primeiro capítulo, fazemos um estado de arte detalhado dos estudos que se debruçam sobre o discurso parlamentar 9 , com instrumentos oferecidos pelas abordagens linguísticas: pragmática, retórica, análise do discurso, análise crítica do discurso. É também um dos nossos objetivos nesta primeira etapa propor uma definição do discurso parlamentar em função da sua relação com o discurso público e com o discurso político. O segundo capítulo apresenta o corpus deste estudo, destacando os critérios para selecionar debates disponíveis nos sites dos três parlamentos escolhidos para criar um corpus homogêneo e representativo. Fazemos também uma sucinta descrição de algumas limitações que o uso das transcrições oficiais poderia ter para a análise do discurso. No terceiro capítulo propomos uma análise do ritual interacional dos debates parlamentares, com enfoque na sua estrutura sequencial – a sequência de abertura, o corpus da interação e a sequência de fecho –, apresentando as particularidades em contexto português, brasileiro e romeno. O quarto capítulo concentra-se na dinâmica da negociação dos turnos de fala e propõe algumas análises de negociações que ocorrem num sub-género discursivo supostamente inflexível, dada a regulamentação regimental dos debates. O quinto capítulo desta primeira parte trata de uma questão fundamental da dinâmica interacional, o binómio conversacional pergunta-resposta e as suas particularidades no discurso parlamentar, com exemplos da organização discursiva das perguntas parlamentares e estratégias de evitamento ou de vagueza que possam ocorrer nas respostas.

Sendo este trabalho uma versão ligeiramente alterada da tese de doutoramento defendida na Universidade Paris VIII em 2015, o estado da arte não contém estudos publicados após essa data. 9

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1.1. Abordagens linguísticas do discurso parlamentar Nada disso se conseguiu descobrir, nada disso se conseguiu analisar, hoje, neste debate. (DAR, 27/01/2011 – I Série — Número 43)

Ao contrário do que diz o lema que escolhemos para este capítulo, os estudos linguísticos, bastante numerosos, aliás, conseguem descobrir muito sobre o discurso parlamentar. Depois do preâmbulo jurídico e político, que teve como objetivo a contextualização do funcionamento do discurso político nas três instituições legislativas escolhidas, pretendemos fazer neste capítulo uma apresentação das abordagens linguísticas que se debruçaram sobre este sub-género discursivo. A primeira parte do capítulo é dedicada à apresentação de estudos linguísticos sobre o discurso parlamentar, que é objeto de numerosas análises recentes, sobretudo do ponto de vista da análise do discurso, da pragmática e da retórica. Por um lado, procuraremos destacar trabalhos sobre o discurso parlamentar em geral, independentemente do legislativo em foco, mas, num segundo momento, tentaremos apresentar trabalhos de investigação que se debruçam sobre os três legislativos escolhidos por nós: a Assembleia da República, o Congresso Federal do Brasil e o Parlamento da Roménia. A segunda parte do capítulo contém a definição do discurso parlamentar e a descrição dos seus sub-géneros principais. Com efeito, faremos uma apresentação de algumas caraterísticas discursivas dos debates parlamentares, dos atores que participam nos mesmos e das identidades que assumem neste tipo de interação.

1.1.1 Estado de arte O discurso parlamentar foi, sobretudo na última década, objeto de numerosos estudos linguísticos, em particular nas áreas da análise (crítica) do discurso, da pragmática, da retórica. Aliás, Ilie (2006: 188) afirma que apesar da visibilidade das instituições legislativas, o interesse científico para a análise deste tipo de discurso é muito recente, com uma única exceção, o discurso parlamentar britânico. Embora haja estudos anteriores, é nos anos 2000 que a investigação na área do discurso parlamentar conhece um desenvolvimento muito prolífico 10 , com a publicação de diferentes volumes e estudos interdisciplinares, que incorporam abordagens linguísticas e perspetivas da ciência política. Tomando em consideração a diversidade das abordagens teóricas e dos legislativos estudados, optamos por uma apresentação cronológica de volumes e de números temáticos dedicados ao discurso parlamentar e continuaremos com estudos publicados em revistas cientícias com temáticas variadas. 10

Veja-se também o levantamento feito por Ilie (2006: 188).

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O volume Racism at the Top. Parliamentary Discourses on Ethnic Issues in Six European States, editado por Ruth Wodak e Teun van Dijk (2000), analisa manifestações discursivas do racismo em debates parlamentares de seis países europeus: os problemas étnicos no parlamento austríaco (Sedlak 2000: 107-168), os debates parlamentares sobre a política de emigração em Espanha (Martin Rojo 2000: 169-220), o discurso sobre imigração e nacionalidade no parlamento francês (van der Valk 2000a: 221-260), o discurso sobre imigrantes ilegais, asilo e integração na Holanda (van der Valk 2000b: 261-281), os debates que dizem respeito à lei de 1996 sobre asilo e imigração (Jones 2000: 283-310) e a questão da segurança e solidariedade na Itália (ter Val 2000: 311-354). Teun van Dijk (2000: 45-79) propõe uma análise teórido dos debates parlamentares que se debruça sobre particularidades de organização e funcionamento discursivo, como a estrutura, os tópicos, a coherência, os implícitos, os atores, a argumentação etc. Alguns anos mais tarde, é publicado o volume Cross-cultural perspectives on parliamentary discourses editado por Paul Bayley (2004), com trabalhos dedicados a alguns parlamentos europeus e ao Congresso Americano. As análise propostas visam aspetos diferentes: os insultos nos parlamentos britânico e sueco (Ilie 2004: 45-86), as interrupções nos parlamentos britânico e italiano (Bevitori 2004: 87-109), os debates sobre a Crise do Golfo de 1998 nos parlamentos britânico e italiano (Vasta 2004: 112149), os debates sobre Kosovo na Câmara dos Comuns do Reino Unido e a Câmara dos Deputados da Itália (Dibattista 2004: 151-184), ameaça e medo em debates parlamentares do Reino Unido, da Alemanha e da Itália (Bayley et al 2004: 185-236), discurso sobre o trabalho nos parlamentos britânico e espanhol (Bayley & San Vicente 2004: 237-269), o debate na Câmara dos Representantes do Congresso Americano sobre o impeachment do presidente Clinton (Miller 2004: 271-300), o papel dos contextos na análise dos conflitos no parlamento mexicano (Carbó 2004: 301-337) e a relação entre texto e contexto no discurso parlamentar, com um exemplo do Palace of Westminster (van Dijk 2004: 339-372). Embora se trate de uma obra de ciência política, consideramos que o volume Deliberative politics in action: analysing parliamentary discourse (2004) de Jürg Steiner, André Bächtiger, Markus Spörndli e Marco R. Steenbergen traz contribuições importantes sobre a análise do discurso parlamentar, sobretudo no que diz respeito à qualidade dos debates. A análise comparativa dos debates parlamentares de Alemanha, Suíça, o Reino Unido e os Estados Unidos da América revelam diferenças entre os discursos produzidos em regimes políticos presidencialistas e parlamentaristas. Os autores criam um Discourse Quality Index em que englobam diferentes parámetros, como a participação, o nível de justificação dos argumentos, o respeito pelos interlocutores e a procura de consenso político. Paul Chilton coordenou em 2002 um volume temático da revista Journal of Language and Politics sobre o discurso parlamentar, com estudos sobre os debates que dizem respeito às línguas minoritárias na Irlanda (Wilson & Stapleton 2002: 5-30), os discursos nacionalistas e cívicos em debates parlamentares de Espanha (Grad Fuchsel

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& Martin Rojo 2002: 31-70), a relação entre discurso e metadiscurso (Ilie 2002: 71-92), o conhecimento nos debates parlamentares (van Dijk 2002, 93-129) e o discurso zapatista no Congresso Mexicano (Carbó 2002: 131-174). Em 2010, é publicado um número temático da revista Journal of Pragmatics sobre o discurso parlamentar, sob a coordenação de Cornelia Ilie: Pragmatic Perspectives on Parliamentary Discourse. Os nove artigos propõem reflexões sobre: a configuração de perspetivas de análise deste género discursivo (Ilie 2010a: 879-884), o uso estratégico das formas de tratamento nos parlamentos britânico e sueco (Ilie 2010e: 885-911), a representação do discurso parlamentar grega na imprensa nacional (Archakis & Tsakona 2010: 912-923), o discurso pseudo-parlamentar durante a ditadura comunista na Roménia (Frumuşelu & Ilie 2010: 924-942), a problemática da violência doméstica no discurso parlamentar francês e espanhol (Lorda 2010a: 943-956), os debates préeleitorais e as promessas políticas (Komlósi & Tarrósi 2010: 957-972), o uso de metáforas e da argumentação no discurso parlamentar chileno (Santibáñes 2010: 973989) e o discurso da União Europeia entre polifonia e opacidade discursiva (Fløttum 2010: 990-999). No mesmo ano, Cornelia Ilie edita o volume European parliaments under scrutity (2010), que contém onze capítulos dedicados ao discurso parlamentar da Europa. Os estudos propõem análises sobre as componentes políticas da identidade parlamentar (van Dijk 2010: 29-56), a co-construção da identidade no discurso parlamentar (Ilie 2010b: 57-78), a construção do locutor no discurso parlamentar português (Marques 2010a: 79-107), a ritualização na apresentação dum novo governo no parlamento italiano (Antelmi & Santulli 2010: 111-134), as interrupções nos debates do parlamento austríaco (Zima et al 2010: 135-164), as questions au gouvernement na Assemblée Nationale francesa (Lorda 2010b: 165-189), a contestação e as relações interpessoais no discurso parlamentar romeno (Ilie 2010c: 193-221), o discurso sobre a transição política no parlamento polaco (Ornatowski 2010: 223-264), a construção do alocutário no discurso parlamentar checo (Madzhariva Bruteig 2010: 265-302), os argumentos ad hominem nos parlamentos holandês e europeu (Plug 2010: 305-328) e as estratégias retóricas nos parlamentos britânicos e espanhol (Íñigo-Mora 2010: 329-372). Em 2012, Liliana Ionescu-Ruxăndoiu, em colaboração com Melania Roibu e Mihaela-Viorica Constantinescu, edita o volume Parliamentary Discourses across Cultures: Interdisciplinary Approaches, que contém dezassete capítulos, dos quais nove são dedicados ao discurso parlamentar romeno 11 . Os seis capítulos que utilizam abordagens linguísticas debruçam-se sobre o antisemitismo como estratégia política no discurso parlamentar no final do século XIX e no início do século XX (Stachowitsch & Falter 2012: 49-60), os debates do parlamento canadense sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo (Trembley 2012: 61-72), as sub-culturas de partido no parlamento búlgaro (Pastarmadzhieva 2012: 73-89), a força argumentativa no debate Estes capítulos serão apresentados na secção dedicada aos estudos sobre o discurso parlamentar romeno (infra 1.1.1.4.). 11

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parlamentar (Norén 2012: 91-104), a concessão em debates parlamentares franceses (Svensson 2012: 105-116), emoções e argumentação no discurso parlamentar português (Marques 2012: 117-132). No que diz respeito aos estudos publicados em revistas ou em volumes coletivos, mencionamos contribuições que se debruçaram sobre a o funcionamento da (des)cortesia e a argumentação: a (des)cortesia nos debates Question Time no parlamento britânico (Harris 2001: 451-472; Pérez de Ayala 2001: 143-169; Bull & Wells 2012; Murphy 2014: 76-104), os clichés e a argumentação em debates do parlamento britânico (Ilie 2000: 65-84), os insultos como forma cognitiva de confronto (Ilie 2001: 235-263), o discurso e o metadiscurso (Ilie 2003a: 269-291), as caraterísticas histriónicas e agonais (Ilie 2003b: 25-53), os comentários no discurso parlamentar britânico (Ilie 2003c: 253-264), as interrupções no discurso parlamentar britânico (Ilie 2005a: 415-430) usos das formas de tratamento no parlamento sueco (Ilie 2005b: 174-188). Há também análises do processo de transcrição dos debates parlamentares: o sistema Hansard do parlamento britânico (Slembrouck 1992: 101119), com os seus problemas de precisão (Mollin 2007: 187-210). Outros estudos analisam a problemática do conhecimento (van Dijk 2002: 93-129) ou a linguagem parlamentar britânica (Chilton 2004: 92-109). Na linguística de expressão francesa não encontrámos um número comparável de estudos. A partir dos anos ’80, Teresa Carbó publica uma parte das suas investigações sobre o discurso parlamentar mexicano sobre a população indigena (Carbó 1983: 3-26), a problemática identitária e as diferenças na linguagem parlamentar mexicana (Carbó 1987: 31-44). Nos anos ’90, Elisabeth Miche analisou em debates parlamentares de Genebra as formas de retoma (Miche 1995: 241-265) e a organização polifónica (Miche 1996: 95-128). Depois de 2000, encontramos contribuições sobre o discurso parlamentar francês: os debates sobre a emigração (Cabasino 2001), a ironia como estratégia argumentativa (Cabasino 2006: 271-284), a apostrophe nominale (Détrie 2006), a lingagem injuriosa e a interpelação (Cabasino 2010a), as formas nominais de tratamento no conflito verbal (Cabasino 2010b: 169-200), as formas nominais em questions au gouvernement (Détrie 2010: 143-168). Há também estudos sobre a credibilização de si (Micheli 2007: 67-84), o uso das emoções na argumentação em debates sobre a pena de morte (Micheli 2010). Sem ser completo, este estado de arte de estudos publicado em inglês e em francês mostra que os debates parlamentaes de diferentes países europeus e dos Estados Unidos da América foram analisados com metodologias muito diferentes e que há resultados notáveis no que diz respeito à descrição da sua estrutura discursiva, das estratégias argumentativas, pragmáticas e retóricas usadas pelos locutores. Nas secções seguintes concentrar-nos-emos em estudos que tratam os debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos, que constituem o objeto da nossa investigação.

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1.1.1.1 O discurso parlamentar português No que diz respeito aos trabalhos sobre o discurso parlamentar português, mencionamos o volume de Marques (2000), dedicado exclusivamente a este género discursivo, que analisa a organização enunciativa da interpelação ao governo. Feita a partir de um corpus de 24 debates da VIª legislatura da Assembleia da República (1991-1995), a análise concentra-se principalmente na configuração das vozes discursivas. Usando como metodologia o quadro teórico da linguística enunciativa francesa, Marques (2000) propõe uma descrição da estrutura da interpelação ao governo, como os papéis do moderador e da audiência, as vozes do debate, insistindo sobre os valores do pronome nós na construção do locutor, a construção da imagem individual através do pronome eu e da relação interpessoal, bem como a configuração do povo enquanto “participante na periferia da relação interlocutiva” e dos destinatários. O último capítulo propõe uma análise transversal dos discurso de abertura e de fecho. Depois da publicação deste volume, a linguista portuguesa continua a análise do discurso parlamentar com trabalhos sobre os apartes (Marques 2005: 193-216), as estratégias de documentação na polémica parlamentar (Marques 2007: 99-124), a arrogância e a construção do ethos dos políticos (Marques 2008a: 110), a cortesia linguística e a imagem do outro (Marques 2008b: 277-296), a construção do locutor entre a esfera pública e a esfera privada (Marques 2010a: 79-108), o valor argumentativo das expressões idiomáticas (Marques 2010b: 263-273), a construção dialógica da divergência de opiniões (Marques 2011: 133-146), a emoção e a argumentação no discurso parlamentar português (Marques 2012: 117-132), os usos das formas de tratamento (Marques 2014: 145-172). Mencionamos o projeto financiado pela Assembleia da República e desenvolvido por Rute Costa e Raquel Silva entre 2005 e 2007 no Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, Base de Dados Terminológica e Textual para a Assembleia da República 12 , que constitui um instrumento muito útil para os que se interessam pela terminologia parlamentar. No que diz respeito à problemática das transcrições das reuniões parlamentares, sobre a qual nos debruçaremos também (ver infra 1.2.2. Do oral à escrita), o estudo de Ribeiro (2010) faz uma síntese das diferenças entre o oral e a transposição para a escrita feita pelos serviços da Assembleia da República. Mosteiro (2006: 301-315) propõe uma análise histórica da relação entre oral e a escrita com base nos arquivos parlamentares do século XIX. Ramos (2005: 67-96) faz uma análise antropológica das relações complexas entre a identidade portuguesa e a identidade europeia no discurso parlamentar português pós 25 de Abril, salientando posicionamentos que revelam complementaridade (Portugal / Europa), ora oposição (Portugal ≠ Europa). Sousa e Lemos Martins (2013: 84-100) observam no seu trabalho como se declina o conceito de “portugalidade” num corpus de debates parlamentares bastante abrangente (1935-2012). Disponível online: http://terminologia.parlamento.pt/pls/ter/terwinter.home [última consulta 1.09.2015]. 12

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1.1.1.2 O discurso parlamentar brasileiro No Brasil, os debates do Congresso Nacional não despertaram ainda o grande interesse dos linguistas, visto que não encontrámos muitos projetos de investigação ou publicações. Encontrámos, porém, um número significativo de dissertações de mestrado e teses de doutoramento que se debruçaram sobre este género discursivo. As análises linguísticas dedicam-se à configuração das relações discursivas no Congresso Nacional do Brasil, a partir de uma reflexão sobre os apartes (Waldek 1996: 299-308), a dinâmica da interação verbal e o seu cruzamento com as relações de poder (Abreu 2005: 329-356), a sistematização do discurso parlamentar (Gomes Paiva 2007: 83-127), as estratégias retóricas usadas por um deputado federal para se defender de acusações (da Cunha 2010: 19-31), os discursos sobre a defesa da imunidade parlamentar (Paes dos Santos 2010: 133-148), a legitimação ou a banalização da corrupção (Veras da Silva & Tiba Rádis Baptista 2011: 723-748). Mencionamos também estudos que analisam a problemática do género no discurso parlamentar brasileiro, sobretudo a representação da condição das mulheres (Campos & Miguel 2008: 471-508) e os papéis discursivos dos homens e das mulheres (Miguel & Feitosa 2009: 201-221). No que diz respeito aos trabalhos académicos dedicados aos discurso parlamentar brasileiro, mencionamos a tese de doutoramento de Dulce Elena Coelho Barros (2008) que propõe uma análise da representação das mulheres, bem como diferentes dissertações de mestrado que se debruçam sobre o papel da ideologia na argumentação (Gomes Paiva 2006), a revisão do discurso parlamentar no âmbito do departamento de taquigrafia da Câmara dos Deputados (Martins de Sousa 2009), o papel e as limitações do revisor das transcrições parlamentares (Dourado 2008). Oliveira (2013: 313-337) tem também uma análise sobre as estratégias de retextualização na passagem do oral para a escrita nas transcrições oficiais. 1.1.1.3 O discurso parlamentar romeno Graças sobretudo ao projeto de investigação: Discursul parlamentar romanesc: tradiţie şi modernitate. O abordare pragma-retorică [O discurso parlamentar romeno: tradição e modernidade. Uma aborgagem pragma-retórica], desenvolvido por linguistas da Faculdade de Letras da Universidade de Bucareste e orientado por Liliana Ionescu Ruxăndoiu 13, os estudos sobre o discurso parlamentar romeno são numerosos. Os resultados do projeto foram publicados num número temático da Revue roumaine de linguistique (IV/2010), em atas dos colóquios anuais do Departamento de Linguística da Faculdade de Letras de Bucareste e nas atas do colóquio internacional Parliamentary Discourses across Cultures: Interdisciplinary Approaches (23-24 de setembro de 2011, Bucareste), editadas por Liliana Ionescu Ruxăndoiu et al (2012). A abordagem pragma-retórica, que permitiu aos investigadores cruzar diferentes teorias sobre a interação verbal, provou-se muito fértil, destacando 13

Para uma descrição geral do projeto, veja-se Ionescu-Ruxăndoiu (2010c, 328-332).

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particularidades variadas da dinâmica discursiva em debates parlamentares romenos, tanto em sincronia, como em diacronia. Mencionamos estudos sobre a comunicação bona-fide e non bona-fide no discurso parlamentar do século XIX (Constantinescu 2010), o uso do humor enquanto estratégia da (des)cortesia (Constantinescu 2011: 261-269), o ataque ad hominem (Constantinescu & Roibu 2010: 101-113), o posicionamento discursivo na argumentação (Ionescu-Ruxăndoiu 2009a: 435-442), a modalisação (Ionescu-Ruxăndoiu 2009b: 271-277), a descortesia in absentia (Ionescu-Ruxăndoiu 2010a: 59-72; 2010b: 343-351), as estratégias de descortesia no discurso parlamentar entre 1866-1938 (Ionescu-Ruxăndoiu 2011a: 283-291), as formas nominais de tratamento no discurso parlamentar do final do século XIXe e início do século XX (Ionescu-Ruxăndoiu 2011b: 271-280), avaliação de dicto nas intervenções de Armand Călinescu, um político romeno de entre as duas guerras (Roibu 2011: 281-287), a agressividade verbal no presente e no passado (Roibu & Constantinescu 2010: 354364), as manifestações de emoção e de descortesia no discurso de condenação do comunismo (Ştefănescu 2010a: 73-100), os tropos conceptuais no discurso de Mihail Kogălniceanu sobre o Ato de União (Ştefănescu 2010b: 381-396), a abordagem etnometodológica na análise do debate parlamentar (Ştefănescu 2011: 289-303), o posicionamento discursivo e a persuasão no discurso de Titu Maiorescu e Nicolae Iorga (Vasilescu 2010: 365-380), o quadro teórico para a análise da identidade parlamentar (Vasilescu 2011: 305-314), estratégias evidenciais e epistémicas (Costantinescu 2014: 132-148). No volume Parliamentary Discourses across Cultures, editado por IonescuRuxăndoiu et al (2012), há análises sobre o discurso epidíctico nas declarações políticas feitas no Parlamento da Roménia (Zafiu 2012: 113-150), o estilo do discurso nacionalista (Chelaru-Murăruş 2012: 151-172), a configuração da imagem de si (Albu 2012: 173-195), a historização da democracia (Ionescu-Ruxăndoiu 2012: 197-208), a construção da identidade parlamentar entre 1866 e 1923 (Vasilescu 2012: 209-226), a política “do fato consumado” no discurso parlamentar do século XIX (Ştefănescu 2012: 227-250), a avaliação de dicto no discurso do século XIX (Uţă-Bărbulescu & Roibu 2012: 251-262), o uso das citações (Constantinescu 2012: 263-282) e o debate sobre as pensões entre 1860 e 1920 (Hariton 2012: 283-310). Há também estudos desenvolvidos fora deste projeto de investigação, que se debruçam sobre os atos de fala e as práticas retóricas (Ilie 2010d: 333-342), a contestação e as relações interpessoais no discurso parlamentar romeno (Ilie 2010c: 193-221), o discurso pseudo-parlamentar durante o regime comunista (Frumuşelu & Ilie 2010: 924-942), a violência verbal (Milică 2011: 32-24), o uso do calão (Milică 2013: 211-230) e as formas de tratamento no discurso parlamentar atual (Săftoiu 2013: 44-66). Mencionamos também as crónicas publicadas por Rodica Zafiu na revista România Literară que se debruçam sobre as fórmulas estereotipadas (Zafiu 2004), a oralidade (Zafiu 2006) e as metáforas (Zafiu 2007) no discurso parlamentar romeno. Este estado de arte mostra que o discurso parlamentar é uma área de investigação muito rica, sobre a qual linguistas se debruçaram usando diferentes instrumentos oferecidos pela nova retórica, pela pragmática ou pela análise do

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discurso, inclusive a análise crítica do discurso, orientação privilegiada sobretudo na linguística de expressão inglesa. As abordagens apresentadas são heterogéneas tanto do ponto de vista do enquadramento teórico, como do ponto de vista dos corpora utilizados, pois encontrámos estudos sincrónicos e diacrónicos sobre parlamentos nacionais (da Europa, dos Estados Unidos da América, da América Latina) ou sobre o Parlamento Europeu, o único legislativo supranacional democraticamente elegido. Na segunda parte deste sub-capítulo faremos uma proposta para a definição do discurso parlamentar, os seus sub-géneros e a configuração da identidade parlamentar.

1.1.2 Algumas definições ...o Sr. Ministro decretou que as coisas estão bem; inventou uma realidade paralela, onde as coisas estão bem. E estão bem por definição, porque não podem correr mal, porque o Sr. Ministro não concebe, sequer, a possibilidade de que estas coisas não possam correr bem. Correm bem, por definição. (DAR, 27/04/2012 – I SÉRIE — NÚMERO 101)

O discurso parlamentar é um sub-género do discurso político, que por sua vez, é um tipo de discurso público. Embora bastante óbvia, esta relação de classificação categorial (discurso parlamentar ∈ discurso político ∈ discurso público) é necessária para delimitar o objeto de investigação e para estabelecer critérios de análise adequados, que devem ter como ponto de partida as caraterísticas típicas do discurso analisado: o cenário discursivo, os atores, as estratégias adotadas pelos locutores, etc. Para fazer a descrição desta classificação triádica – discurso público, discurso político, discurso parlamentar –, definimos os termos chave que incorporam as dicotomias seguintes: espaço público vs. espaço privado, espaço público vs. espaço político, discurso sobre a política vs. discurso político. discurso público discurso político

discurso parlamentar

Figura nº 1. Classificação do discurso parlamentar.

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1.1.2.1 O discurso público O discurso público situa-se no que é chamado espaço público 14 ou esfera pública e abrange mensagens veiculadas pela comunicação social, independentemente da sua natureza: jornais, rádio, televisão e, mais recentemente, a internet, com os seus sub-géneros de expressão, como as redes sociais, os fóruns, os blogues, que redefinem a maneira em que se comunica presentemente. Segundo todas as aceções, público opõe-se a privado. O que é privado pertence a um indivído e não é acessível aos outros, ao passo que o espaço público é reservado a assuntos relevantes para toda a comunidade. No entanto, as relações entre público e privado nem sempre são estáveis e as definições unanimamente aceites numa época podem ser rejeitadas ulteriormente (Blanc & Causer 2005: 8). Na sociedade mediática atual, assistimos a um desenvolvimento constante do que é público, em detrimento do privado ou até do íntimo. Desta forma, o espaço público e os discursos por ele (ou nele) criados não se reduzem exclusivamente aos debates sobre assuntos de interesse público, como problemas sociais, económicos, políticos, ecológicos, etc., que têm impacto em toda a comunidade, mas também a discussões sobre assuntos que se tornam públicos por casusa da intervenção dos média – por exemplo, a vida privada das pessoas muito conhecidas: políticos, artistas, desportistas etc. –, ou os faits divers. Nesse sentido, as ciências sociais falam de uma “privatização do público” ou da “publicidade do privado” (Blanc & Causer 2005: 8) para descrever a situação desses dois polos nos nossos dias. Se o espaço público se multiplica graças ao desenvolvimento constante dos média e à sua importância na vida quotidiana, é verdade também que ele se fragmenta, em função de diferentes fatores, como o público alvo, o canal, a mensagem veiculada, etc. Por conseguinte, o discurso público pode abranger diferentes aspetos da realidade quotidiana: as notícias com temáticas variadas, apresentadas pela televisão, pela rádio, pelos jornais e pelas agências noticiosas; as mensagens que circulam através dos meios eletrónicos, como os sites da internet, os fóruns, as redes sociais, os blogues, etc. Uma das componentes do discurso público é o discurso dos agentes políticos, que utilizam a comunicação social para chegar ao público alvo, os eleitores. Através Conceito do filósofo alemão Jürgen Habermas, definido como “le processus, au cours duquel le public constitué par les individus faisant usage de leur raison s’approprie la sphère publique contrôlée par l’autorité et la transforme en une sphère où la critique s’exerce contre le pouvoir de l’Etat, s’accomplit comme une subversion de la conscience publique littéraire, déjà dotée d’un public possédant ses propres institutions et de plates-formes de discussion” (Habermas 1978/1962: 61, nosso negrito). O conceito será refinado 30 anos de pois, para integrar o papel dos média, Habermas falando de um “espace public politique, dans lequel se croisent au moins deux processus: la génération communicationnelle du pouvoir légitime d’une part, et d’autre part, l’utilisation manipulatrice des médias dans la création d’une loyauté des masses, d’une demande et d’une soumission face aux impératifs systémiques” (Habermas 1992: 184, nosso negrito). 14

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dos média, as mensagens dos políticos (chefes de Estado, membros do governo, membros dos partidos, candidatos às funções públicas, etc.) são transmitidas ao público com ou sem a intervenção dos próprios média. No entanto, é preciso fazer a distinção entre o discurso político, ou seja discurso produzido por agentes políticos quando se debruçam sobre assuntos do Estado e outros tipos de discursos públicos que tratam assuntos relacionados com a política, como as notícias sobre a vida privada dos políticos, sem qualquer relação com a atividade política dos mesmos. Neste segundo caso, trata-se de um fait divers, que pertence ao discurso mediático, mas não é discurso político propriamente dito. Por esta razão, van Dijk (1997) considera fundamental o papel do contexto e não apenas o dos atores para afirmar se um discurso que tem uma relação com a vida político é ou não um discurso político15. Enquanto sub-género do discurso político, o discurso parlamentar tem uma dimensão pública intrínseca, conferida quer pela exposição mediática feita pelos jornalistas que assistem às reuniões16, quer pelo princípio democrático fundamental do caráter público dos trabalhos parlamentares, através da criação de canais especializados que transmitem as reuniões (ARTV em Portugal, TV Câmara e TV Senado no Brasil), pela publicação em diários oficiais das transcrições dos debates. Mais recentemente, esta visibilidade do discurso parlamentar foi aumentada graças à internet, os parlamentos arquivando nos sites oficiais grande parte da sua atividade: a agenda dos trabalhos, os procedimentos legislativos, os diplomas e as leis em debate, os regimentos, os textos adotados, as transcrições e as gravações dos trabalhos em reunião plenária ou em comissões. Os sites dos parlamentos contêm também informações sobre a atividade de cada parlamentar: as propostas de leis e as resoluções que são da sua iniciativa, as intervenções em reuniões públicas, os relatórios, as interpelações ao governo, as declarações políticas, etc. Este procedimento tem o objetivo de fazer mais transparente a atividade parlamentar, permitindo ao mesmo tempo um escrutínio democrático direto dos representantes no legislativo.

Van Dijk faz muito claramente esta distinção no caso dos políticos: “Another, but overlapping way of delimiting the object of study is by focusing on the nature of the activities or practices being accomplished by political text and talk rather than only on the nature of its participants. That is, even politicians are not always involved in political discourse […] we may finally take the whole context as decisive for the categorization of discourse as « political » or not. […] That is, politicians talk politically also (or only) if they and their talk are contextualized in such communicative events such as cabinet meetings, parliamentary sessions, election campaigns, rallies, interviews with the media, bureaucratic practices, protest demonstrations, and so on” (van Dijk 1997: 13-14, nosso negrito). 16 Nas salas plenárias há galerias onde os jornalistas com acreditação podem assistir aos debates. Os cidadãos têm também a possibilidade de assistir aos debates em plenário com base num cartão de acesso, em função dos lugares disponíveis nas galerias. 15

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1.1.2.2 O discurso político Faremos também algumas considerações sobre o funcionamento do discurso político, visto que se situa num campo social17 complexo, que pressupõe a existência de um contexto, mas também diferentes atores cujas ações o (re)definem constantemente. Aliás, o papel do contexto é considerado fundamental para o discurso político: “À la différence de nombreux textes, religieux ou littéraires par exemple, qui sont souvent lus et commentés sans prendre en compte, du mois à un certain niveau, leur contexte sociohistorique, les textes relevant du discours politique ne sont habituellement lus que pour être mis en relation avec un « exterieur » : conjoncture, situation, circonstances…” (Maingueneau 2010: 85, nosso negrito).

Por conseguinte, os atores políticos e os textos por eles produzidos encontram-se numa relação de estrita dependência com o contexto, independentemente da sua natureza: “Les acteurs politiques produisent des textes, mais eux-mêmes et leurs textes sont produits par tout un complexe de pratiques. L’analyste est ainsi amené à faire passer au premier plan les rites de communautés de producteurs de textes politiques, qui sont à la fois la condition et le produit de ces rites” (Maingueneau 2010: 87, nosso negrito).

Como todos os tipos de discurso, o discurso político constrói-se na encruzilhada de um campo de ação e de um campo de enunciação, o resultado sendo um contrato de comunicação (Charaudeau 2005: 40), ou seja o discurso político configura-se na intersecção do fazer e do dizer. Visto que nos regimes democráticos os políticos devem ter a legitimidade do povo para agir em assuntos do Estado, torna-se imprescindível a comunicação com os eleitores para obter votos e justificar ações. Portanto, há uma relação indissolúvel entre o dizer e o fazer, o segundo não sendo legítimo sem o primeiro, o que cria relações complexas entre os atores que participam neste processo: os que fazem política – políticos que desempenham funções nas

Usamos a noção champs social [campo social] na aceção de Pierre Bourdieu: “en termes analytiques, un champ peut être défini comme un réseau, ou une configuration de relations objectives entre des positions. Ces positions sont définies objectivement dans leur existence et dans les déterminations qu’elles imposent à leurs occupants, agents ou institutions, par leur situation actuelle et potentielle dans la structure de la distribution des différentes espèces de pouvoir (ou de capital) dont la possession commande l’accès au profits spécifiques qui sont en jeu dans le champ, et du même coup, par leurs relations objectives aux autres positions (domination, subordination, homologie, etc.)” (Bourdieu & Wacquant 1992: 73) 17

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instituições do Estado, que agem no interesse da polis, mas também os sindicalistas, os militantes dos partidos, etc. –, os eleitores e os média. Portanto, para a análise do discurso político, é imprescindível conhecer o quadro ou o contexto essencial para a sua definição e os atores que o constroem. Usando a terminologia de Charaudeau (2005: 40-49), devemos delinear “le dispositif de la situation de communication” – o que na linguagem corrente poderíamos chamar enquadramento – e “les instances”, ou seja os atores que participam na interação desenvolvida no campo político. Tal como é definido por Charaudeau (2005), o dispositivo é de natureza conceitual. Por um lado, o mesmo estrutura a situação de comunicação em função dos papéis dos atores e as relações estabelecidas entre os mesmos, por outro lado, depende das condições materiais dentro das quais o discurso é produzido (Charaudeau 2005: 41). O linguista francês descreve também a relação de encaixe que se estabelece entre o macrodispositivo conceptual que estrutura todas as situações de comunicação e o microdispositivo material que delimita as mesmas em diferentes variantes. No que diz respeito ao discurso político, o mesmo pode ser caraterizado pelo seu macrodispositivo concepual – interação verbal que trata assuntos do Estado ou que visa a obtenção do poder – e pelos seus microdispositivos materiais ou as suas variantes: o debate eleitoral, a declaração de imprensa, o talk-show político, as estrevistas na rádio ou na televisão, as intervenções no parlamento, etc. Charaudeau descreve assim também um quadro teórico que define a relação entre um género discursivo e os seus sub-géneros. Os atores que participam no contrato de comunicação política não são pessoas em carne e osso, mas “catégories abstraites, désincarnées et détemporalisées définies […] par la place qu’elles occupent dans le dispositif et auxquelles les individus sont renvoyés” (Charaudeau 2005: 42). Por esta razão, o linguista francês prefere falar de instâncias e não de pessoas. No que diz respeito ao discurso político, as suas instâncias são: i) a instância política, a que exerce o poder ; ii) a instância adversária, formada também por atores da instância política, mas que se opõe à mesma, tendo, por conseguinte, outro tipo de relação com o poder do que a instância política ; iii) a instância mediática, ou seja o canal que transmite mensagens, mas tendo a sua independência para criticar a instância política ; iv) a instância cidadã. A instância política e a instância adversária situam-se no lugar da governação – “tout ce qui participe à la gestion du pouvoir dans un groupe social, quelle que soit sa dimension” (Charaudeau 2005: 43) –, a instância cidadã no lugar da opinião e a instância mediática no lugar de mediação. A dinâmica que se estabelece entre as quatro instâncias consta na Figura nº 2. As duas instâncias que se situam no lugar da governação devem justificar as suas ações, propor programas de governo e solicitar o apoio da instância cidadã.

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Figura nº 2. Instâncias do dispositivo de comunicação política (Charaudeau 2005: 42).

Se a sistematização proposta por Charaudeau (2005: 42-49) é enriquecedora e toma em consideração a multiplicidade das relações entre as instâncias do dispositivo de comunicação política, consideramos que a representação da sua dinâmica é redutora, pois as relações propostas pelo linguista francês são, como se pode observar na Figura nº 2, unidirecionais. Na nossa opinião, no campo político as relações entre os diferentes atores são essencialmente bidirecionais. Por exemplo, os políticos que têm o poder (ou a instância política), sejam quais forem as suas funções no Estado, lançam mensagens contra os adversários políticos (a instância adversária), mas a oposição critica também os atores do poder. A instância adversária comunica com a instância cidadã, informando os eleitores sobre a atividade da instância política e propondo uma alternativa. A oposição pode também recorrer aos média para iniciar campanhas contra as ações do poder, para mobilizar os cidadãos, etc. É verdade que os cidadãos usam os média – a imprensa, a televisão, a rádio – para tornar conhecidas as suas opiniões junto dos políticos, mas há também a possibilidade de diálogo direto com os mesmos, pois representantes das comunidades (ou os cidadãos comuns) podem ter reuniões com políticos e, com o desenvolvimento dos meios eletrónicos de comunicação, qualquer cidadão pode contactar com o seu deputado por e-mail ou através das redes sociais, meios cada vez mais usados no marketing político. É verdade que a natureza muito heterogénea do público não permite uma comunicação direta entre políticos e muitos dos eleitores, mas o mesmo acontece no caso da comunicação política feita através dos média. Através da televisão, da rádio, dos jornais ou da internet os políticos comunicam com um público ideal e imaginário, que nunca poderão conhecer pessoalmente – em contrapartida, os agentes políticos usam as sondagens para conhecer a opinião pública sobre determinados assunto –; no entanto, durante uma reunião face a face com um leader de sindicato ou com um representante de uma organização não-governamental um político poderá conhecer diretamente os problemas de um grupo social ou de um indivíduo. É evidente que a comunicação social é um meio muito eficaz de transmitir às massas as mensagens dos atores políticos, mas ela não é um veículo inerte; antes pelo

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contrário, os média têm o papel de fazer um escrutínio rigoroso das decisões políticas e apresentar ao público os possíveis deslizes da classe política18. Os cidadãos podem usar a comunicação social para transmitir mensagens, mas os jornalistas podem também ter posicionamentos próprios e apresentá-los quer aos políticos, quer aos cidadãos. Estas relações bidirecionais (Figura nº 3) encontram-se no centro do campo político e refletem-ne a nível discursivo, razão pela qual a análise do discuro político deveria tomá-las em consideração nas suas abordagens.

Figura nº 3. Relações entre as instâncias da comunicação política (a nossa

reinterpretação).

1.1.2.3 O discurso parlamentar O discurso parlamentar é, como já referimos, um sub-género do discurso político, que é produzido e que funciona no lugar da governação. Se aplicarmos no quadro teórico de Charaudeau (2005), que descreve o dispositivo de comunicação política, podemos considerar que o discurso parlamentar é essencialmente composto por mensagens oriundas da instância política e pela instância adversária. Como em outros tipos de discurso político – por exemplo, o discurso eleitoral –, entre as instâncias do dispositivo de comunicação do discurso parlamentar estabelecem-se relações complexas; os discursos produzidos pela instância política e pela instância adversária encontram ecos no seio da instância mediática – televisão, rádio, jornais, internet19 – e também no seio da instância cidadã, com as suas vertentes

Lembramos aqui o conceito de watchdog journalism, em que o jornalista desempenha um papel de cão de guarda, fazendo um escrutínio muito cuidadoso da atividade política. 19 No entanto, devemos mencionar que a internet tem um papel triplo, sendo ao mesmo tempo meio de expressão pública da instância mediática – com jornais disponíveis online, blogs, canais de televisão e da rádio a emitir também na internet –, da instância política e adversária – com sites oficiais das instituições do Estado, dos partidos políticos, sites, blogues ou páginas de redes sociais dos parlamentares –, da instância cidadã, que pode assim comunicar de forma direta com os políticos, por exemplo fazendo comentários nas páginas das redes sociais. 18

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principais, a mais restrita sendo a dos eleitores do círculo eleitoral e a segunda, bem mais abrangente, constituída pelos cidadãos na sua totalidade. A instância mediática e a instância cidadã podem reagir aos discursos parlamentares e ter uma influência direta ou indireta sobre os mesmos. Os parlamentares têm gabinetes nos círculos eleitorais em que foram votados e os cidadãos têm o direito de pedir audiências para apresentar os problemas ou propor projetos. Existem também grupos de lóbi ou grupos de pressão que podem impor assuntos na agenda dos trabalhos, que têm a capacidade de influenciar as intervenções públicas dos parlamentares, criando redes complexas de influências junto do discurso parlamentar. Se integramos os lóbis na categoria mais abrangente da instância cidadã, porque representam os interesses de grupos privados, podemos essencialmente representar a dinâmica comunicacional desenvolvida junto da atividade parlamentar como na Figura nº 4. Por um lado, podemos observar a instância política e a instância adversária que comunicam e sse censuram mutuamente, ambas comunicando direta o indiretamente (através da instância mediática) com a instância cidadã. Por sua vez, a instância mediática e a instância cidadã comunicam com a instância política ou com a instância adversária, tendo também instrumentos de comunicar entre si.

Figura nº 4. A dinâmica comunicacional na atividade parlamentar.

A nossa análise incidirá sobretudo na dinâmica interacional entre a instância política e a instância adversária, cujos representantes assumem o protagonismo nos debates parlamentares.

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1.1.2.3.1. Sub-géneros do discurso parlamentar O discurso parlamentar pode classificar-se em sub-géneros em função de diferentes critérios: i) institucionais, ii) retóricos, iii) pragma-linguísticos, iv) a relação entre o oral e a escrita. Do ponto de vista da organização institucional20, podemos classificar o discurso parlamentar nos seguintes sub-géneros: a declaração política, a interpelação ao governo, a moção simples, a moção de censura, a audição pública, a audiência pública, etc. A linguagem parlamentar tem as suas caraterísticas, que se prendem com fórmulas estereotipadas impostas pelos regimentos, usos de clichés da linguagem administrativa ou jurídica, emprego obrigatório formas de tratamento canónicas – sobretudo no discurso parlamentar português –, uma certa agressividade inerente na disputa política, uma organização rigorosa do turno de fala. Existem tentativas institucionais de regulamentação ou de descrição da linguagem usada no parlamento, através dos regimentos, das intervenções metalinguísticas dos parlamentares, que serão analisadas também neste trabalho. Do ponto de vista retórico21, o discurso parlamentar é um género essencialmente deliberativo, com elementos dos géneros epidíctico e judiciário22, os últimos dois, talvez, em menor proporção (Ilie 2006: 190). O género epidíctico aparece sobretudo em sessões solenes de abertura da legislação, em sessões com participação de personalidades da vida pública 23 , mas pode ser encontrado em situações prepoderantemente deliberativas. O género judiciário evidencia-se nos debates parlamentares quando o objetivo do orador é acusar ou defender24. No entanto, a componente principal da retórica parlamentar é a sua natureza deliberativa. Nas suas intervenções, os parlamentares propõem-se convencer a audiência para votar ou não votar, pretendem influenciar as decisões sobre os projetos

O papel do contexto na delimitação de sub-géneros do discurso parlamentar é fundamental, como veremos, na construção de corpora comparáveis de debates portugueses, brasileiros e romenos, pois nem sempre as equivalências terminológicas correspondem a equivalências institucionais. Por exemplo, apesar de terem o mesmo nome, as interpelações são instrumentos institucionais muito diferentes na Assembleia da República de Portugal e no Parlamento da Roménia. 21 Trata-se dos três géneros da retórica de Aristóteles, descritos a partir de três elementos: o orador, o assunto tratado e o público. O género deliberativo serve para aconselhar ou desaconselhar, o género judiciário para defender ou acusar, o epidíctico para fazer elogios ou criticar. 22 Aristóteles descreve em Retórica os géneros deliberativo ou político, que tem como objetivo persuadir o auditório para tomar uma decisão, judiciário ou forense, que procura o voto do auditório a favor das ideias do orador e epidíctico ou de exibição, que tem o objetivo de elogiar ou censurar. 23 Um exemplo é o discurso do Rei Mihai I da Roménia, que foi convidado a proferir um discurso perante as câmaras conjuntas do parlamento, em ocasião do seu 90º aniversário. 24 Por exemplo, o discurso do presidente romeno Traian Băsescu para condenar oficialmente o regime comunista perante as câmaras conjuntas do parlamento. 20

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políticos, mas a componente judiciária tem um papel de destaque, pois criticar os adversários faz parte do jogo político. Do ponto de vista pragma-linguístico, o discurso parlamentar é um discurso político, tendo como caraterísticas principais, por um lado, uma forte ritualização institucional, e, por outro lado, uma dimensão confrontacional intrínseca. Aliás, é entre estas duas dimensões, a institucional e a confrontacional, que oscila o discurso parlamentar permanentemente, num frágil equilíbrio. Alguns autores falam de um conflito ritualizado: “O Discurso Político Parlamentar é um discurso agónico, agressivo, mas não é ofensivo, mercê da criação de um mundo discursivo político, que livra os participantes (funcionalizados) de responsabilidades e agressões. O conflito está ritualizado” (Marques 2008b, nosso negrito).

Do ponto de vista da relação entre o oral e a escrita, o discurso parlamentar é um diálogo en différé (Cabasino 2001: 25), pois não se verifica nos debates parlamentares a espontaneidade das conversas quotidianas. Um parlamentar muitas vezes faz uma leitura de discursos anteriormente preparados – moções, interpelações, declarações políticas, etc. – e quando não lê e responde a perguntas tem tempo de preparação, enquanto ouve o orador e espera que o presidente lhe conceda a palavra. Portanto, as caraterísticas principais do discurso parlamentar prendem-se, do ponto de vista retórico com a sua natureza essencialemnte deliberativa, do ponto de vista pragma-retórico com a tensão entre os constrangimentos institucionais e a agressivide intrínseca e, no que diz respeito a oralidade, tem particularidades impostas pelo ritual institucional de gestão dos turnos de fala. 1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar Na Figura nº 4, fizemos um esboço das instâncias (Charaudeau 2005) do discurso parlamentar. Dada a natureza essencialmente pública deste tipo de discurso, a dinâmica interacional torna-se bastante complexa, sobretudo do ponto de vista das relações que se estabelecem entre o emissor das mensagens políticas e o(s) seu(s) destinatário(s). Tomemos um exemplo concreto. Quando faz uma declaração na tribuna do parlamento, o orador visa um público muito variado. Em primeiro lugar, deve tomar em consideração o presidente da sessão, que tem uma autoridade discursiva e institucional na gestão dos debates, destacada, por exemplo, em (137) no subcapítulo 2.1.3 Formas de tratamento e (des)cortesia parlamentar. Em segundo lugar, o orador visa o interlocutor direto, o único ator que pode responder e com quem pode ter um diálogo. As outras instâncias (mediática ou cidadã) ou os destinatários indiretos podem reagir à mensagem, mas não podem dar uma resposta imediata.

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No entanto, muitos outros atores assistem estes discursos, formando um auditório plurifacetado, que designámos destinatários indiretos, com duas categorias principais, os destinatários presentes e os destinatários ausentes na sala de debates (ver Figura nº 5). Usando a classificação de Goffman (1981), Ilie (2010b: 69) fala de overhearers [os que ouvem por acaso], com duas categorias, bystanders [espetadores] e eavesdroppers [os “ouvidos indiscretos”]. Os destinatários indiretos presentes são os colegas da bancada, os adversários políticos das outras bancadas, os jornalistas acreditados, as pessoas que assistem nas galerias, ao passo que os destinatários indiretos ausentes são os média no seu conjunto, os militantes do partido, os eleitores do círculo eleitoral, mas também todos os cidadãos que querem fazer um escrutínio democrático da atividade parlamentar. Perelman & Olbrechts-Tyteca (1992/2005) consideram que no caso dos debates parlamentares o auditório deve ser definido em função das intenções do orador e não de critérios puramente materiais: “Como definir um semelhante auditório? Será a pessoa que o orador interpela pelo nome? Nem sempre: o deputado, que no Parlamento inglês, deve dirigir-se ao presidente pode estar procurando convencer não só os que o ouvem, mas ainda a opinião pública do seu país. [...] em matéria de retórica, parece-nos preferível definir o auditório como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar com a sua argumentação” (Perelman & Olbrechts-Tyteca 1992/2005: 21-22).

Aliás, embora não estejam presentes em carne e osso na sala de debates, a presença dos destinatários indiretos ausentes é recuperada a nível discursivo nas intervenções dos oradores, como acontece três vezes no exemplo (1), o objetivo sendo a legitimação das decisões políticas. O exemplo selecionado é relevante porque mostra a dinâmica interacional entre todos os diferentes atores do discurso parlamentar. Para uma melhor visualização da representação discursiva dos atores políticos no texto que selecionámos, optámos pelas seguintes soluções gráficas: a) o emissor: um sublinhado mais espesso: (ex. para mim); b) os destinatários diretos: − para a presidente da Assembleia da República, destinatário obrigatório segundo as normas regimentais, um sublinhado interrupto: (ex. Sr.ª Presidente) − para a deputada Mariana Mortágua, o destinatário direto, um sublinhado simples (ex. Sr.ª Deputada Mariana Mortágua); c) os destinatários indiretos: − para as respostas de deputados presentes na sala, itálico: (ex. O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Boa pergunta!)

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− para a instância cidadã, o negrito: (ex. E os ELEITORES3 que estão em casa podem fazer essa pergunta); − para a instância mediática, um sublinhado duplo: (ex. E o que dizem os jornais).

Figura nº 5. Emissor e destinatário(s) no discurso parlamentar.

(1) O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, a Sr.ª Deputada passa demasiado tempo a ler jornais, desde o The Guardian até ao The New York Times, passando por jornais gregos, alemães… Mas as decisões políticas ainda não são tomadas pelos jornais, são tomadas pelos ELEITORES1. E a pergunta importante a fazer é: qual é o ELEITOR2 que confiaria na Sr.ª Deputada Mariana Mortágua para elaborar um orçamento? O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Boa pergunta! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — E os ELEITORES3 que estão em casa podem fazer essa pergunta: qual o ELEITOR4 que confiaria nas suas ideias para elaborar um orçamento? O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Boa pergunta! O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — São, primeiro, ideias, confusas; são, depois, ideias fanáticas — as suas ideias são, do ponto de vista orçamental, ideias fanáticas! —,… Aplausos do PSD e do CDS-PP.

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… são, em terceiro lugar, ideias sem a mais pequena consciência histórica. Há uma disciplina chamada História que nos ajuda a perceber de onde é que vêm os problemas. A maior parte dos problemas europeus vêm precisamente das soluções que a Sr.ª Deputada recomenda. O Sr. José Magalhães (PS): — O Prof. Mattoso reincarnou! Risos do PS. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: — Em 2009, qual era a situação da União Europeia? Em muitos países era de completa insustentabilidade orçamental que resulta das ideias que defende. Parece-me que acredita que qualquer nível de investimento será sempre recuperado. Não é verdade, sabemos que não é verdade. Qualquer análise rigorosa mostra isso. Se olhar mais para trás, para os anos 90, descobrirá facilmente que o défice de competitividade da Europa resulta de problemas estruturais antigos, que continuam por resolver em muitos países, e em Portugal começaram a ser resolvidos, mas têm de continuar a ser resolvidos. Não há nada na história económica dos últimos 20 anos que sustente as suas ideias. Por isso, a pergunta é muito simples: qual é o ELEITOR5 responsável que confiaria em si para elaborar um orçamento? E o que dizem os jornais, para mim, é menos importante do que esta pergunta fundamental, porque nós vivemos numa democracia. (Reunião plenária de 17 de outubro de 2014)

Em primeiro lugar, notamos a presença do destinatário direto, a deputada a quem responde o orador: “Sr.ª Deputada Mariana Mortágua, a Sr.ª Deputada” e do destinatário obrigatório, o presidente, pois é norma regimental os locutores referirem o presidente quando tomam a palavra: “Sr.ª Presidente”. Em segundo lugar, observase que a instância cidadã (os eleitores) é mencionada cinco vezes, tendo a terceira ocorrência: “E os eleitores que estão em casa podem fazer essa pergunta” um caráter pseudo-alocutivo, pois o locutor convida simbolicamente os eleitores a fazer uma pergunta sobre o assunto debatido. Aparecem também reações dos destinatários indiretos presentes na sala, quer verbais: “O Sr. Filipe Lobo d’Ávila (CDS-PP): — Boa pergunta!”, “O Sr. José Magalhães (PS): — O Prof. Mattoso reincarnou!”, quer não-verbais: “Aplausos do PSD e do CDS-PP”, “Risos do PS”. Embora seja sobretudo uma referência e não um destinatário propriamente dito, encontramos no trecho destacado a instância mediática: “Mas as decisões políticas ainda não são tomadas pelos jornais”, “E o que dizem os jornais, [...] é menos importante [...] porque vivemos numa democracia”. E, por último, notamos também a presença de meios linguísticos para a afirmação de si do locutor, enquanto indivíduo: “Parece-me”, “para mim”, mas também enquanto membro de um grupo mais alargado “nós”, que refere a sociedade portuguesa no seu conjunto. Portanto, neste fragmento de uma intervenção, podemos observar toda uma dinâmica interlocutiva das instâncias que constrõem o dispositivo material dos debates parlamentares. Essencialmente, é esse o cenário discusivo em que se constrói, com esses atores.

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1.1.2.3.3 A identidade (dos) parlamentar(es) Se as relações entre as instâncias discursivas constituem um elemento fundamental para a análise do funcionamento da interação nos debates políticos (ver infra 1.4. A negociação do turno de fala), é também importante conhecer as identidades veiculadas na produção dos discursos. Em primeiro lugar, a identidade pode ser definida, de pontos de vista sociológicos e psicológicos, em termos de pertença a um grupo ou em oposição com outros indivídios ou grupos. Nos debates parlamentares, a construção discursiva de si em comparação com os outros assume maior importância, pois os políticos fazem parte de partidos e se definem, portanto, como membros de um grupo com uma certa ideologia (nós). Ao integrarem um partido, os políticos adotam uma ideologia e rejeitam ideologias dos adversários, definindo-se também em oposição com os outros (nós vs. vocês, nós vs. eles). Em segundo lugar, a identidade prende-se com toda a complexidade social de um indivíduo. Assim, um político tem uma identidade social, que reflete a sua formação, o facto de pertencer a uma comunidade linguística, social ou profissional, a sua experiência de vida, etc. Ele tem também uma identidade política, relacionada, como já vimos, com o facto de pertencer a um partido, com determinadas convicções ideológicas, manifestando-se ambas as facetas identitárias na produção do discurso. Por sua vez, as identidades políticas revelam-se também bastante complexas. Van Dijk (2010: 37-38) defende que “as identidades políticas são identidades sociais no domínio político”25 e que podem ser classificadas em duas categorias: identidades políticas profissionais (dos membros das instituições políticas, como o parlamento, o governo, os partidos políticos) e identidades políticas relacionais (dos membros da oposição, dos ativistas). Ao tomarem a palavra em reuniões, os parlamentares assumem a sua identidade social (de género, idade, nacionalidade, etc.), mas também – ou sobretudo – as suas identidades políticas profissionais e relacionais (enquanto senadores ou deputados, membros de partidos que detêm o poder ou da oposição, grupos políticos que veiculam uma determinada ideologia). Análises detalhadas de debates parlamentares mostram mecanismos complexos de co-construção discursiva identitária (Ilie 2010b), de construção da instância elocutiva através da deixis social (Marques 2000) ou através do (meta)posicionamento discursivo (Vasilescu 2010; Vasilescu 2011). Charaudeau (2002b) defende que a identidade tem também componentes que se situam fora da dimensão psicológica ou social e introduz os conceitos de identidade discursiva (que pode ser descrita com base em categorias locutivas, as modalidades de tomar a palavra, o papel desempenhado na interação) e identidade de posicionamento (que se constrói em função dos valores e crenças adotadas pelo locutor).

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“Political identities are social identities in the political domain” (Van Dijk 2010: 37).

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Se na criação de modelos teóricos, é preferível tomar em consideração sobretudo “catégories abstraites, désincarnées et détemporalisées” (Charaudeau 2005: 42), a análise empírica dos dados deveria relacionar-se também com os jogos das identidades dos locutores que entram nestas categorias, pois os atores do discurso parlamentar são indivíduos complexos, com identidades plurifacetadas, relacionadas com a política, evidentemente, mas também com as componentes sociais, profissionais, pessoais, etc. Para a análise da identidade discursiva, usaremos sobretudo o termo imagem (imagem de si e dos outros), para designar o inglês face da teoria da cortesia linguística. A expressão face threatening acts (FTAs) por exemplo, será traduzida com a expressão “atos ameaçadores para a imagem”, e face flettering acts (FFAs) com a expressão “atos valorizantes para a imagem” do interlocutor. Esta opção – em detrimento de face, termo empregue, por vezes, em português em trabalhos de linguística – seria coerente com a terminologia de trabalhos de análise do discurso político em que se fala sobre a imagem pública e a imagem pessoal dos locutores (Gruber 1993). Após este enquadramento teórico, em que fizemos um levantamento de estudos dedicados aos debates parlamentares e em que tentámos definir o discurso parlamentar articulando-o com o discurso público e com o discurso político e descrevendo os seus sub-géneros principais, os seus atores e as identidades veiculadas pelos mesmos, debruçar-nos-emos no próximo capítulo no corpus que criámos para este trabalho.

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1.2 O corpus Tivemos oportunidade de dizer aqui quais são as nossas prioridades, porque não podemos ir a tudo, temos de escolher. (DAR, 27/01/2011 – I Série — Número 43)

As escolhas feitas na criação de um corpus colocam alguns problemas, sendo a mais importante “la pertinence […] en relation avec les présupposés théoriques” (Charaudeau 2009). Por exemplo, como decidimos trabalhar com diários oficiais dos três órgãos legislativos selecionados – Assembleia da República de Portugal, Congresso Nacional do Brasil, Parlamento da Roménia –, seria impossível fazermos uma análise dos marcadores da oralidade, porque estas expressões linguísticas se perdem quando os serviços de taquigrafia e arquivo fazem a transcrições dos debates (ver infra 1.2.2. Do oral à escrita). Se consideramos a definição que Sinclair propõe para o corpus, coloca-se imediatamente a questão da representatividade dos dados analisados: “a collection of pieces of language that are selected and ordered according to explicit linguistic criteria in order to be used as a sample of the language” (Sinclair 1996). Em cada legislatura há centenas de reuniões em que se debatem assuntos muito diferentes, que abrangem a vida social e política de um país em toda a sua complexidade. Qual será o número representativo de debates que possam integrar o nosso corpus e que nos permita extrapolar os resultados ao discurso parlamentar no seu conjunto? Por outro lado, no caso do discurso político, utilizar apenas critérios linguísticos explícitos pode não ser suficiente para criar um corpus com debates parlamentares comparáveis e, do nosso ponto de vista, o contexto político assume um papel fundamental. Aliás, Damon Mayaffre, na introdução do número temático Les corpus politiques : objet, méthode et contenu da revista Corpus salienta também a importância do contexto: “les corpus politiques […] sont tout entier référentiels: c’est dans leur nature, leur vocation, leur raison d’être, de renvoyer au monde réel” (Mayaffre 2005: 4). Um desafio na criação do corpus é a heterogeneidade das interações, pois os debates parlamentares de Portugal, do Brasil e da Roménia decorrem em circunstâncias extralinguísticas diferentes do ponto de vista cultural, político, social, etc. Por conseguinte, selecionar debates comparáveis, tendo em conta os sistemas políticos pode tornar-se problemático. A heterogeneidade do discurso parlamentar – do ponto de vista institucional, retórico, pragma-linguístico, relação oral-escrita (ver supra 1.1.2.3.1. Sub-géneros do discurso parlamentar) – determinou-nos a operar delimitações muito estritas na seleção temática dos debates. Por esta razão, decidimos escolher apenas um sub-género institucional do discurso parlamentar, nomeadamente os debates em que o poder legislativo exerce a função de fiscalizar o poder

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executivo 26 : interpelações ao governo na Assembleia da República de Portugal, audiências públicas na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional do Brasil, moções simples e moções de censura no Parlamento da Roménia. Nas secções seguintes fazemos uma apresentação dos critérios extralinguísticos que usámos na criação de um corpus que considerámos: relevante e homogéneo do ponto de vista temático.

1.2.1 Critérios de seleção Os sítios oficiais dos parlamentos oferecem uma quantidade impressionante de dados: gravações vídeo e áudio, transcrições oficiais de reuniões plenárias ou em comissões, bem como uma grande variedade de documentos escritos (projetos de leis, diplomas, regimentos, declarações políticas, moções, interpelações, etc.). Esta abundância de materiais permite ao investigador fazer análises complexas sobre a linguagem parlamentar, oral ou escrita. Para delimitarmos os debates incorporados no corpus, usámos dois critérios extralinguísticos: o critério cronológico e o critério temático. Sendo o nosso objetivo análisar o discurso parlamentar contemporâneo, fizemos uma seleção temporal e selecionámos debates que deocrreram em 2011 e 2012. Estes dois anos correspondem ao seguintes ciclos eleitorais: na Assembleia da República de Portugal, o fim da 11ª legislatura (15 de outubro de 2009 – 16 de junho de 2011) e o início da 12ª legislatura (20 de junho de 2011 – setembro / outubro de 2015); no Congresso Nacional do Brasil, 54ª legislatura (1 de fevereiro de 2011 – 31 de janeiro de 2015); no Parlamento da Roménia, o último ano da 6ª legislativa (2008 – 2012) e o primeiro ano da 7ª legislatura (2012 - 2016). Após este recorte temporal, fizemos outra delimitação, que diz respeito ao conteúdo das reuniões parlamentares; como já referimos, a nossa análise debruçarse-á nos debates em que o poder legislativo exerce sua a função de fiscalizar o poder executivo. Num primeiro momento, selecionámos as onze interpelações ao governo decorridas na Assembleia da República em 2011 e 2012. As interpelações ao governo são um dos mecanismos institucionais através dos quais o parlamento português pode controlar a atividade do poder executivo. Num segundo momento, tentámos selectionar debates para corpora comparáveis brasileiros e romenos, criando um sub-corpus de onze audiências públicas da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional du Brasil e onze reuniões plenárias do Parlamento da Roménia, em que os senadores e os deputados debateram moções simples ou de censura. Apesar das diferenças de procedimentos que advêm das particularidades de cada sistema Como já mostrámos no Preâmbulo jurídico-político, esta função é exercida de maneiras diferentes nos três sistemas políticos contemplados, o que constuiu outro desafio, que nos levou a fazer leituras sobre o direito constitucional português, brasileiro e romeno.

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político, o corpus tem no seu conjunto um caráter homogéneo, conferido quer pela temática, quer pela dimensão temporal do total de trinta e três debates. 1.2.1.1 O sub-corpus português O sub-corpus português contém, como já referimos, reuniões plenárias em que se debatem as seguintes interpelações ao governo: i) Sobre “Sector Empresarial do Estado”, 26.01.2011; ii) Sobre “Orientações do Governo para a política de transportes públicos, centrada no transporte ferroviário”, 27.01.2011; iii) Centrada na legislação laboral, 16.02.2011; iv) Consequências orçamentais das Parcerias Publico-Privadas, 16.03.2011; v) Centrada na política de saúde, 12.10.2011; vi) Sobre “Desemprego, precariedade, alterações às leis do trabalho”, 26.10.2011; vii) Centra-se nas consequências do pacto de agressão na vida dos portugueses - a grave crise económica em que se traduz a aplicação do “memorando de entendimento”, 21.03.2012; viii) Centrada na “política de saúde”, 11.04.2012; ix) Sobre Política orçamental e de crescimento, 26.04.2012; x) Sobre “Políticas de educação”, 10.05.2012; xi) “Uma política alternativa para o país: aumento da produção nacional, renegociação da dívida, melhor distribuição da riqueza”, 18.10.2012. 1.2.1.2 O sub-corpus brasileiro O sub-corpus brasileiro contém as seguintes audiências públicas de membros do governo na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional du Brasil: i) Esclarecimentos sobre as políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, a falta de medicamentos para combater a AIDS e a matéria veiculada pelo jornal O Globo sobre pronunciamento do Sr. Jorge Hage Sobrinho, Ministro-Chefe da Controladoria-Geral da União, a respeito de fraudes e falta de fiscalização na saúde, 12.04.2011; ii) Esclarecimentos acerca de matéria divulgada na imprensa sobre fraudes e falta de fiscalização nas áreas de saúde e educação, e de outros assuntos referentes à Controladoria-Geral da União, 4.05.2011; iii) Discussão sobre as denúncias veiculadas na imprensa referentes à venda ilegal de terras destinadas à reforma agrária, 24.08.2011; iv) Esclarecimentos do Sr. Carlos Lupi, Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, sobre denúncias de desvio de recursos em convênios do referido Ministério, 10.11.2011; v) Debate sobre assuntos relativos ao Exame Nacional de Ensino Médio – ENEM, 23.11.2011;

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vi) vii) viii) ix) x) xi)

Debate sobre os seguintes temas: eventual interferência do Governo na empresa Vale e aumento nas alíquotas do IPI e incidentes sobre alguns veículos importados comercializados no Brasil, 23.11.2011; Discussão sobre a crise na segurança pública no País, em especial no Estado de São Paulo, e esclarecimentos sobre as operações Porto Seguro e Durkheim da Polícia Federal, 4.12.2011; Debate sobre questões acerca de irregularidades nos hospitais federais no Rio de Janeiro, 8.05.2012; Debate com a Ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais, sobre denúncias de irregularidades na compra de 28 lanchas, por parte do Ministério da Pesca, 16.05.2012; Debate sobre as dificuldades encontradas pelo Governo Federal para a conclusão das obras de transposição do Rio São Francisco, 22.05.2012; Esclarecimentos sobre as recentes interrupções no fornecimento de energia elétrica ocorridas no País, 28.11.2012.

1.2.1.3 O sub-corpus romeno O sub-corpus romeno contém onze reuniões plenárias, em que o parlamento fiscaliza o poder executivo, debatendo os deputados e os membros do governo dez moções simples e uma moção de censura. Moção de censura em reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado: i) “Codul Boc - salarii mici, somaj mare, firme falimentate” [O código Boc – salários baixos, desemprego alto, empresas à falência], 16.03.2011. Moções simples em reuniões plenárias do Senado: ii) “Agricultura – falimentară, dar politizată” [A agricultura à falência, mas politizada], 2.05.2011; iii) “Căldura care îngheaţă România : regimul Băsescu-Boc” [O calor que congela a Roménia: o regime Băsescu-Boc], 3.10.2011; iv) “Politica externă este a României, nu a PDL” [A política estrangeira é da Roménia, não do Partido Democrata Liberal], 23.05.2011; v) “Nesiguranţa lui Igaş, pericol pentru siguranţa cetăţeanului” [A incerteza do ministro Igaş, um perigo para o cidadão], 6.12.2011. Moções simples em reuniões plenárias da Câmara dos Deputados: vi) “Sistemul sanitar din România: alarmă de cod roşu” [O sistema de saúde da Roménia: alarme de código vermelho], 9.05. 2011; vii) “Un flagel naţional – plantele etnobotanice” [Um desastre nacional – as plantas psicoativas], 6.06.2011; viii) “Panglicile doamnei ministru Boagiu” [As fitas da senhora ministra Boagiu], 21.10.2011; ix) “Brambureala din educaţie duce la plagiat şi eşec şcolar!” [A bagunça da Educação causa plágio e insucesso escolar!], 2.10.2012;

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x)

“Dăunatorii USL distrug agricultura” [Os parasitas da União Social Liberal destroem a agricultura], 9.10. 2012; xi) “Guvernul USL - Frâna de motor a bugetului” [O governo da União Social Liberal – o freio de motor do orçamento], 23.10.2012.

Na próxima secção tentaremos descrever este corpus do ponto de vista da relação entre o oral e a escrita, visto que as transcrições oficiais, redigidas pelos serviços parlamentares, não foram feitas para a análise linguística, o que pode constituir uma limitação para os resultados da investigação.

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1.2.2 Do oral à escrita Aliás, estou à espera da resposta do Secretário de Estado, pois tenho aqui as gravações e as actas das últimas audições com o Sr. Ministro das Obras Públicas... (DAR 17/03/2011 – I Série — Número 64)

O objetivo desta secção é fazer uma análise da relação entre o oral e a escrita através de uma comparação de gravações vídeo e áudio de reuniões parlamentares com as transcrições oficiais correspondentes. Na nossa opinião, esta etapa de investigação é essencial nos estudos do discurso parlamentar que usam as transcrições oficiais, porque oferece informações sobre o grau de autenticidade deste tipo de corpus e os eventuais limitações para a análise linguística. Antes de avaliarmos a relação entre a linguagem oral e a linguagem escrita, apresentamos brevemente os serviços de taquigrafia e arquivos que redigem as transcrições dos debates parlamentares. 1.2.2.1 Os “beneditinos” da escrita Nos parlamentos português, brasileiro e romeno existem serviços especializados em taquigrafia e transcrição, que garantem a preservação do conteúdo dos debates. Porém, o trabalho destes bénédictins de l’écrit (Abélès 2001) – expressão que o etnólogo francês emprega para designar os estenógrafos, os revisores e outros funcionários da Assemblée Nacionale que trabalham nesta área – não é um relato fiel das reuniões. Segundo Oliveira (2013), no caso das transcrições das reuniões do Congresso Nacional do Brasil trata-se sobretudo de um trabalho de “retextualização”, que pode influenciar a perceção do estilo do orador. Além do mais, a adaptação do registo formal opera uma verdadeira “descaraterização” estilística dos oradores que privilegiam certos registos da língua. Ribeiro (2010: 95-96) propõe uma análise contrastiva a nível microtextual entre a transcrição oficial e a sua própria transcrição de dois debates que decorreram na Assembleia da República de Portugal e identifica vinte e cinco caraterísticas da oralidade eliminadas do “relato fiel”, que o DAR afirma fazer, das quais mencionamos a eliminação do pronome pessoal eu, as sobreposições, o uso incorreto dos verbos, os erros de concordâncias entre sujeito e verbo. Rodica Zafiu afirma que transcrições dos debates parlamentares romenos são interessantes para os linguistas, mas evoca as alterações em relação à linguagem oral: “E clar că aceste stenograme nu corespund perfect interesului strict lingvistic: cei care transcriu dezbaterile parlamentare normalizează în mod automat unele trăsături ale oralitãţii (suprimînd anumite ezitări, bîlbîieli, poate chiar greşelile prea evidente) şi nu e exclus sã introducă, uneori, propriile deprinderi lingvistice: lucruri care, desigur, nu schimbă sensul, dar nici nu permit prea multe

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generalizări asupra limbajului; e ceea ce deosebeşte astfel de texte de transcrierile profesioniste, în care accentul cade tocmai pe fidelitatea înregistrării formei, a expresiei” (Zafiu 2004, nosso negrito). [É óbvio que estas transcrições não correspondem perfeitamente ao interesse estritamente linguístico: os que transcrevem os debates parlamentares normalizam automaticamente alguns traços da oralidade (suprimindo certas hesitações, gaguejos, talvez até os erros mais evidentes) e não se exclui a possibilidade de introduzirem, por vezes, os seus próprios hábitos linguísticos: coisas que, de certeza, não mudam o significado, mas nem permitem demasiadas generalizações sobre a linguagem; e o que faz diferença entre estes textos e as transcrições profissionais, em que se acentua a fidelidade da preservação da forma, da expressão.]

No entanto, apesas das suas limitações, estes documentos oferecem aos linguistas a possibilidade de fazer análises do discurso parlamentar, como já vimos no caso dos estudos apresentados no estado de arte, a maioria feitos a partir deste tipo de corpus, sendo o exemplo mais frequente o Hansard Report para o Parlamento Britânico. Em seguida, faremos a nossa análise da relação entre o oral e a escrita para identificar as possíveis limitações da investigação determinadas pelas alterações feitas nas transcrições oficiais em cada um dos três sub-corpus: português, brasileiro e romeno. 1.2.2.2 Oral vs. escrita? / Oral e escrita? Selecionámos de forma aleatória três reuniões para este estudo sobre a relação entre o oral e a escrita27: i) o debate da interpelação ao governo sobre a política de saúde na Assembleia da República, com a presença do ministro Paulo Macedo (12.10.2011); ii) a audiência pública do ministro Carlos Lupi na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional do Brasil (10.11.2011); iii) o debate da moção simples contra a ministra de Transportes e Infraestrutura Anca Boagiu na Câmara dos Deputados do Parlamento da Roménia (21.11.2011). No que diz respeito à dimensão deste corpus, as très gravações têm no seu conjunto cerca de 9 horas e 20 minutos e as transcrições oficiais têm 82000 palavras. As transcrições foram feitos seguindo as convenções propostas por Marion Sandré (2013: 94-97). + ++ +++ +3+ de con— : :: ::: ↑

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Pausa muito breve, breve, média Pausa de três segundos Truncagem de uma palavra Alongamento de um som Intoação montante

Parte dos exemplos analisados encontram-se também em Manole (2013).

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↓ >…
a esta Comissão + nos termos do artigo cento e dezenove inciso dois + do regimento interno desta casa + para falar sobre deNÚNcias de desvio de recursos em convênios do Ministério de Trabalho e Emprego (Nossa transcrição)

Há também supressões de conteúdo, sobretudo se as frases exprimem comentários pessoais, por vezes irónicos. No exemplo (3), observamos que a frase “Conhecem-nos da sua filosofia em casa”, pronunciada pelo ministro português Paulo Macedo, não aparece na transcrição oficial. Neste caso, o locutor faz uma análogia entre o orçamento do Estado e o orçamento familiar defedendo que, tal como em família, na administração pública as despesas não devem ultrapassar as receitas. (3a) O Sr. Ministro da Saúde (Paulo Macedo): - Não podemos despender, no nosso dia-a-dia, mais do que aquilo que é o nosso rendimento. As famílias e os portugueses sabem isso. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011)

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(3b) PM – não podemos despender no nosso dia-a-dia mais do que aquilo que é o nosso rendimento ↓ + as famílias e os portugueses sabem isso + conhecemnos + da sua filosofia + em casa ↓ (Nossa transcrição)

No exemplo (4a), o comentário da deputada Luísa Salgueiro, “O senhor ministro gosta muito dos números” foi também omitido. Nesta reunião, a estratégia discursiva da deputada é de criticar o ministro de Saúde por se concentrar sobretudo nos assuntos financeiros da gestão do SNS (Sistema Nacional de Saúde), ignorando a importância da medicina. Ela apresenta estatísticas “Sr. Ministro, os números são estes” e acrescenta um comentário “O senhor ministro gosta muito dos números” para mostrar que os seus argumentos são os mesmos que os usados pelo governo para justificar os cortes no SNS. Por causa desta supressão, a intenção manifestamente crítica expressa pela oradora na sua intervenção através deste comentário não consta nas transcrições. (4a) A Sr.ª Presidente: — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro. A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Renovo os cumprimentos a V. Ex.ª, Sr.ª Presidente, ao Sr. Ministro da Saúde e aos Srs. Secretários de Estado, bem como às Sr.as e aos Srs. Deputados. Sr. Ministro, como comecei por dizer, nesta interpelação ao Governo, centrada na política de saúde, o Partido Socialista faz questão de trazer para a primeira linha de debate a matéria dos cuidados continuados. […] Sr. Ministro, os números são estes: neste momento, temos 5595 camas nesta rede, estão prontas para entrar em funcionamento 1000 e estão em construção 2000. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (4b) PR – muito obriga::da ++ muito obrigada senhor deputado João Semedo ++ eeeh ++ mais uma vez as minhas desculpas + tem agora a palavra a senhora deputada Luísa Salgueiro do PS + faz favor ↑ LS – > muito obrigada < + renovo os cumprimentos à vossa exceLÊNcia + ao senhor ministro + às senhoras secretárias de esTA:do + aos senhores secretários de estado + às senhoras e aos senhores deputados + como eu ia começar por dizer + nesta interpelação ao governo sobre na política de saú:de + o Partido Socialista faz questão de trazer para a primeira linha de deba::te + a matéria dos cuidados continuados ↓ […] > senhor ministro os números são estes e o senhor ministro gosta muito de números < + neste momento temos cinco mil quinhentas e noventa e cinco camas nesta rede + estão prontas para entrar em funcionamento MIL ↓ e estão em construção DUAS MIL ↓ (Nossa transcrição)

Devemos acrescentar que estas alterações podem ser também o resultado da intervenção dos oradores, que têm algum tempo disponível para verificar as transcrições e aprovar a sua publicação definitiva. No exemplo (4), a gravação vídeo mostra que a deputava estava de facto a ler um texto e o comentário provavelmente

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não constava no mesmo, pois foi feito levantando o olhar da folha; é possível que no caso dos textos escritos estes sejam introduzidos no DAR sem os comentários feitos pelos oradores durante a leitura. 1.2.2.4 Correções gramaticais Outra categoria de modificações encontradas nas transcrições oficiais diz respeito à correção gramatical dos discursos produzidos. Vejamos dois exemplos do corpus romeno: em (5a) substitui-se a palavra repercursiuni [repercussões] com a forma correta repercusiuni (< fr. répercutions), ao passo que em (6a) a correção feita visa a concordância entre sujeito e verbo. Como podemos observar em (6b), no corpus oral os verbos são conjugados no singular, se investea [investia-se], s-a investit [investiu-se], mas no corpus escrito, (6a), o transcritor usa o plural, se investeau [investiam-se], s-au investit [investiram-se]. (5a) Doamna Anca Daniela Boagiu (ministrul transporturilor şi infrastructurii) : Cred în acelaşi timp că atât vreme cât unii politicieni vor face, mai puţin responsabil, declaraţii publice care sunt preluate foarte repede în plan internaţional ca fiind realităţi, cu repercusiuni asupra a ceea ce România face, România va pierde. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [A senhora Anca Daniela Boagiu (ministra dos transportes e da infraestrutura) : Ao mesmo tempo, acho que enquanto alguns políticos fizerem, de forma menos responsável, declarações públicas divulgadas depois muito rapidamente a nível internacional como sendo realidades, com repercussões sobre o que a Roménia faz, a Roménia vai perder.] (5b) ADB : cred în acelaşi timp că atâta vreme cât unii politicieni vor face ++ mai puţin responsabil ++ declaraţii publice care sunt preluate foarte repede în plan internaţional + ca fiind realităţi + cu repercursiuni asupra a ceea ce România face ++ România va pierde (Nossa transcrição) [ADB : ao mesmo tempo acho que enquanto alguns políticos fizerem ++ de forma menos responsável ++ declarações políticas depois divulgadas muito rapidamente a nível internacional + como sendo realidades + com repercussões sobre o que a Roménia faz ++ a Roménia vai perder] (6a) Domnul Ioan Oltean : V-aş mai da o informaţie pentru cultura dumneavoastră generală, stimaţi reprezentanţi ai opoziţiei, că dacă în 2008, din totalul sumei alocate pentru investiţii în Ministerul Transporturilor şi în infrastructura Ministerului Transporturilor, se investeau 5.652 milioane lei, ceea ce reprezenta 1,1% din PIB, în 2011 s-au investit 11.104 milioane lei, ceea ce reprezintă 2%. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [O senhor Ioan Oltean : - Dar-lhes-ia mais uma informação, para a vossa cultura geral, estimados representantes da oposição. Se em 2008, do total da verba para investimentos do Ministério dos Transportes e da infraestrutura do Ministério

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dos Transportes se investiam 5.652 milhões lei, o que representa 1,1% do PIB, em 2011 investiram-se 11.104 milhões de lei, o que representa 2%.] (6b) IO : v-aş mai da o informaţie pentru cultura dumneavoastră generală ↓ stimaţi reprezentanţi ai opoziţiei +++ că dacă în dois mil e oito + din totalul sumei alocate pentru investiţii în Ministerul Transporturilor şi în infrastructura Ministerului Transporturilor + se investea cinci mii şase sute cincizeci şi două milioane lei + ceea ce reprezenta UNU VIRGULĂ UNU la sută din din PIB, în două mii unsprezece s-a investit unsprezece mii o sută patru milioane lei + ceea ce reprezintă DOI la sută (Nossa transcrição) [IO : dar-lhes-ia mais uma informação para a vossa cultura geral ↓ estimados membros da oposição +++ se em 2008 + do total da verba para investimentos do Ministério dos Transportes e da infraestrutura do Ministério dos Transportes + investia-se cinco mil seiscentos e vinte milhões de lei + o que representa UM VÍRGULA UM por cento do PIB, em dois mil e onze investiu-se onze mil centro e quarenta milhões de lei + o que representa DOIS por cento]

Este tipo de alterações não nos permitiria fazer demasiadas generalizações, por exemplo, sobre o registo de língua usado, visto que este nivelamento (para cima) do grau de correção gramatical apaga as diferenças estiliísticas entre os discursos dos oradores. 1.2.2.5 Reformulações para esclarecer a mensagem A terceira categoria de alterações, cujo objetivo é fazer com que a mensagem fique mais clara, abrange as explicações das siglas e a eliminação de alguns traços da oralidade, como as hesitações, as elipses, as repetições, as frases inacabadas, etc. O segundo tipo de alteração constitui, na nossa opinião, uma das limitações mais importantes na utilização das transcrições como corpus para a análise linguística. Quando os traços de oralidade são eliminados, é quase impossível falar de um “relato fiel” do que se passa nas reuniões, como se afirma na descrição do DAR. As transcrições do DAR seriam mais semalhantes à “oralidade” que encontramos em romances ou outros géneros literários, em que o discurso oral é representado na forma escrita com constrangimentos impostos pelas normas do texto literário. 1.2.2.5.1 Explicação das siglas No que diz respeito à explicação das siglas – uma das normas de redação do DAR –, vejamos um exemplo da transcrição portuguesa (7a), em que as abreviações usadas com frequência na linguagem parlamentar e administrativa são escritas por extenso: SNS [Serviço Nacional de Saúde], PPP [parcerias público-privadas]. A mesma estratégia é usada também no casos dos nomes de instituições, como IDT [Instituto da Droga e da Toxicodependência], BCE [Banco Central Europeu] e FMI [Fundo Monetário Internacional]. Apenas as siglas dos partidos ou das coligações políticas,

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PS, PSD, CDS-PP, não são explicadas. Acrescentamos que em geral os locutores não explicam as siglas nas suas intervenções orais, talvez por serem tão frequentes na linguagem política e por serem conhecidas pelo público. (7a) A Sr.ª Paula Santos (PCP): — No âmbito da toxicodependência e do alcoolismo, a extinção do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) pode significar a desagregação das respostas públicas e a liquidação da estratégia, que os resultados obtidos demonstraram ser correcta, de combate à toxicodependência e aos problemas ligados ao álcool. […] O Ministro da Saúde não se afirmou como o Ministro do Serviço Nacional de Saúde (SNS) mas, sim, do sistema de saúde, pondo ao mesmo nível, como se tratasse tudo do mesmo, o público e o privado. […] PS, PSD e CDS-PP subscreveram e aceitaram o programa de agressão do Fundo Monetário Internacional (FMI), da União Europeia e do Banco Central Europeu (BCE), que impõe medidas de austeridade que visam a degradação do SNS […] como está bem visível na parceria público-privada (PPP) do Hospital de Braga. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (7b) PS – no âmbito da toxicodependência e do alcoolismo + a extinção do IDT + pode significar a desagregação + das respostas PÚBLICAS + e a liquidação da estratégia + que os resultados obtidos demonstraram ser correta + de combate à toxicodependência + e aos problemas ligados ao álcool +++ o ministro da saúde não se afirmou como o ministro do SNS + mas sim do sistema de saúde + pondo ao mesmo NÍVEL + como se tratasse TUDO DO MESMO + o público e o privado […] PS + PSD e CDS < SUBSCREVERAM > e aceitaram o programa de agressão do FMI + da União Europeia + e do BCE + que impõe medidas de austeridade que visam a degradação do SNS […] como está bem visível + na PPP do Hospital de Braga (Nossa transcrição)

1.2.2.5.2 Eliminação de traços de oralidade Quando analisa a eliminação dos traços de oralidade em debates parlamentares que decorrem no órgão legislativo francês, Cabasino afima o seguinte : “Tout ce qui constitue la matérialité de l’oral, son économie d’organisation, mais aussi les ratés (redondances, reprises, hésitations, ruptures de constructions, souplesse dans l’ordre des mots), les variations du débit ou de l’intensité vocale et les modalités intonatives définissant les réactions individuelles des sénateurs sont effacés au profit d’une homogénéisation, d’une graphie aseptisée ou seuls les points d’exclamation laissent entrevoir des interventions émotionnellement chargées” (Cabasino 2001: 26, nosso negrito).

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Na nossa opiniáo, torna-se evidente que as análises do discurso parlamentar feitas exclusivamente a partir de transcrições oficiais terão algumas limitações impostas pelo viés decorrente da natureza intrínseca deste corpus, nomeadamente da sua retextualização (Oliveira 2013). Em (8a) observamos que as repetições são suprimidas e que o discurso é reformulado. Além do mais, nem são usados sinais de pontuação para indicar as pausas ou as hesitações. Esta grafia higienizada elimina a repetição da expressão deve ser, importante para analisar as estratégias discursivas do locutor. Usando seis vezes o verbo dever, o locutor instiste no caráter obrigatório das políticas públicas que dizem respeito à proteção do Sistema Nacional de Saúde. Se esta intenção transparece no discurso oral, na transcrição torna-se quase invisível. (8a) O Sr. Nuno André Figueiredo (PS): — O Serviço Nacional de Saúde é uma conquista deste País, que deve ser respeitado, modernizado e sempre desenvolvido e apoiado. Deve continuar a ser um dos melhores bens dos portugueses. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (8b) NAF – o serviço nacional de saúde + é uma CONQUISTA ↑ deste país deve ser respeitado + deve ser modernizado ↑ deve ser + de alguma forma + eh + totalmente + eh + sempre +++ deve ser + deve ser sempre APOIADO ↑ deve ser desenvolvido e deve de alguma forma + um + se continuar a ser um dos bens + um dos melhores bens dos portugueses (Nossa transcrição)

Em (9a), as reformulações e as supressões dizem respeito a um episódio de interação espontânea, a gestão do turno de fala, uma das responsabilidades do Presidente do Parlamento ou da Comissão (ver infra 1.4. A negociação do turno de fala). O exemplo (8a) é ilustrativo para a eliminação das sobreposições que aparecem frequentemente nas interaçõoes espontâneas dos debates parlamentares. Os fragmentos “aguardar um pouco. É que a culpa é minha aqui” e “não, senhora presidente” são pronunciados ao mesmo tempo pelas duas oradoras. No entanto, na transcrição oficial, feita pelos serviços parlamentares, as sobreposições são ausentes. (9a) Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, nesta interpelação ao Governo sobre política de saúde, o Partido Socialista quer trazer para a primeira linha de debate a matéria… A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa, mas houve uma falha da minha parte. É que quem está inscrito a seguir para formular o seu pedido de esclarecimento é o Sr. Deputado João Semedo. A Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro importa-se de aguardar um pouco? A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Não, Sr.ª Presidente, não me importo. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011)

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(9b) LS – muito obrigada senhora presidente + senhor ministro + senhoras e senhores secretários de estado + > senhoras e senhores deputados < + o partid< nesta interpelação ao governo sobre política de saúde o Partido Socialista quer trazer para a primeira linha de debate a matéria do cuidados > PR : peço desculpa senhora deputada ↑ há de facto aqui uma falha meu + minha + quem está inscrito é o senhor deputado ++ eh ++ João Semedo ++ a senhora deputada importa-se de +++ eh:: +++ [aguardar um pouco ++ é que a culpa é minha aqui LS :[não senhora presidente ↑(Nossa transcrição)

Embora o espaço não nos permita fazer uma análise quantitativa muito detalhada, os dados destes três reuniões mostram que as transcrições romenas tendem a preservar mais traços de oralidade do que as transcrições portuguesas e brasileiras. Os exemplos (10) e (11) ilustram esta afirmação, refletindo a preservação das hesitações ou de alguns marcadores discursivos cujo uso está restrito só à linguagem oral. Em (10a) o transcritor mantém duas vezes a interjeção păi [bom, pois bem28], presente também no corpus oral, ao passo que no exemplo (11a) encontramos a interjeção de [claro!]. (10a) Doamna Anca Daniela Boagiu (ministrul transporturilor şi infrastructurii): — Păi, în anul 2001, s-a încheiat un contract cu firma, operatorul de marfă privat SERV TRANS, în baza căruia, practic, acesta avea la dispoziţie gratuit locomotivele şi vagoanele. Păi, aşa întreprinzător privat să tot fii. Statul îţi dă şi tu câştigi. Minunat. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [A senhora Anca Daniela Boagiu (Ministra de Transportes e Infraestrutura): — Bom, em 2001, celebrou-se um contrato com a empresa, a operadora privada de transportes de mercadoria SERV TRANS, segundo o qual, a mesma tinha à sua disposição, de graça, locomotivas e carruagens. Pois bem, assim é que vale a pena ser empreendedor. O Estado dá e tu ganhas. Maravilha.] (10b) AB : păi + în anul 2001 s-a încheiat un contract cu firma ++ operatorul de marfă privat serv trans + în baza căruia practic acesta avea la dispoziţie gratuit locomotivele şi vagoanele păi ++ aşa întreprinzător privat să tot fii + STATUL îţi dă şi TU câştigi + minunat (Nossa transcrição) [AB : bom + em 2001 celebrou-se um contrato com a empresa ++ operadora privada de transportes de mercadorias serv trans + segundo o qual a mesma tinha à sua disposição de graça locomotivas e carruagens bem ++ assim é que vale e pena ser empreendidor + O ESTADO dá e TU ganhas + maravilha]

Tomando em consideração a dificuldade de traduzir os marcadores de oralidade, propomos apenas algumas traduções aproximativas. Para um estudo aprofundado sobre os desafios da tradução do oral, veja-se Pop (2011). 28

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(11a) Domnul Relu Fenechiu: — Acolo nu s-a pus problema nici renegocierii contractului, nici ruperii contractului şi căutării unei alte firme, că, de!, trebuia să se termine lucrarea repede, era la domnul prim-ministru acasă. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [O senhor Relu Fenechiu: — Aí nem se colocou a hipótese de renegociar o contrato, nem de rescindir o contrato e procurar outra empresa, porque claro! A obra tinha ser ser acabada rapidamente, estava na terra do senhor primeiro ministro.] (11b) RF : acolo nu s-a pus problema nici renegocierii contractului + nici ruperii contractului şi căutării unei alte firme ++ că ::: DE ↑ trebuia să se termine lucrarea repede + era la domnul prim-ministru acasă (Nossa transcrição) [RF : aí nem se colocou a hipótese de renegociar o contrato + nem de rescindir o contrato e procurar outra empresa ++ porque ::: CLARO ↑ a obra tinha de ser acabada rapidamente + estava na terra do senhor primeiro ministro]

1.2.2.6 O uso do registo formal Para ilustrar esta categoria de transformações, apresentamos um exemplo do corpus brasileiro, em que a intervenção do transcritor diz respeito à relação entre o registo formal e o registo informal. Na variedade brasileira do português, a oposição formal / informal é evidente no caso dos pronomes pessoais. Castilho (2010: 477) fala até de dois paradigmas de pronomes pessoais que são usados na lingua culta e na lingua coloquial. Por exemplo, no caso da primeira pessoa do plural, no registo culto prefere-se nós, ao passo que no registo coloquial a gente é a expressão predominante. Se no corpus oral, em (12b) encontramos um uso abundante da expressão a gente, no corpus escrito, em (12a), na transcrição aplica-se as normas do registo formal e fazemse as transformações seguintes: “vemos o nosso fillho” em vez de “a gente vê o filho da gente”, “nos sentimos” em vez de “a gente se sente”, “amigos nossos” em vez de “amigos da gente”, “sentimo-nos” em vez de “a gente se sente”. Esta transformação, bastante frequente no sub-corpus brasileiro29, mostra uma preocupação em preservar na escrita o registo formal da língua. Embora o conteúdo informacional não seja alterado, notamos que o estilo comunicacional do locutor sofre uma transformação quase completa. Por esta razão, seria arriscado fazer generalizações categóricas de natureza estilística sobre os debates parlamentares sem um confronto das transcrições oficiais com as gravações vídeo ou áudio, pois a dimensão diastrática da língua não está refletida plenamente nos diários oficiais.

No entanto, devemos mencionar que nem todas as ocorrências de a gente são substituídas por nós, algumas sendo analisadas no capítulo 3.2. A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo. 29

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(12a) O Sr. Ministro Carlos Lupi - Quando vemos o nosso filho olhando a nossa face na televisão, dizendo que se montou um esquema de corrupção, de cobrança de propina no Ministério do Trabalho, nos sentimos profundamente agredidos, profundamente maculados. Amigos nossos, como é o caso do meu chefe de gabinete, que eu coloco não somente as mãos, mas a perna, o corpo no fogo, porque eu o conheço há 25 anos... Sentimo-nos profundamente agredidos, porque é uma denúncia anônima. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (12b) CL : então quando a gente vê o FILho da gente < olhANDO a face da gente na televisão > + e dizendo que se MONTOU ↑ um esquema de corrupção ↑ + de cobrança de propina no Ministério do Trabalho + a gente se sente profundamente agredido + profundamente maculado + aMIgos da gente + como é o caso do meu chefe de gabinete + > que eu coloco não as mãos coloco as mãos mas a perna < o CORPO no fogo porque eu o conheço há vinte e cinco anos ++ conhenço e ASSUMO + há VINTE E CINCO anos + e a gente se sente proFUN::damente agredido porque é uma denúncia anô::nima (Nossa transcrição)

1.2.2.7 Alterações da dinâmica do turno de fala Outra categoria de transformações que identificámos é a simplificação dos episódios de oralidade espontânea, sobretudo nos turnos de fala. Como observaremos mais adiante (ver infra 1.4. A negociação do turno de fala), o presidente assume um papel central nos debates parlamentares. Segundo os regimentos, ele representa a autoridade que concende a palavra aos intervenientes, garante que a ordem das inscrições na lista dos oradores seja respeitada, fiscaliza o uso do tempo de cada interveniente, faz apelos à ordem se for necessário, etc. O presidente tem, de alguma maneira, o papel de mediator / moderador entre os diferentes intervenientes no debate parlamentar. Embora haja regras fixas de organização do debate, o turno de fala pode ser por vezes o resultado de uma negociação entre oradores e o presidente. As negociações mais frequentes dizem respeito ao uso do tempo – o presidente avisa quando um orador deve concluir a sua intervenção, alguns oradores solicitam mais tempo –, mas há também situações em que se negocia o conteúdo da intervenções, o uso da cortesia, etc. No exemplo (13a), que integra a sequência de abertura, observamos que o transcritor eliminou grande parte da introdução feita pela Presidente da Assembleia da República. Trata-se de um episódio sem muito conteúdo fundamental para o decorrer do debate, mas pela sua natureza fática – estabelece os termos da interação, mostra o ritual do uso das formas de tratamento, dos agradecimentos – torna-se importante numa análise linguística. Façamos uma comparação entre a transcrição oficial do DAR e a nossa:

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(13a) A Sr.ª Presidente: — Não havendo expediente, vamos entrar directamente na ordem do dia, que consiste na apreciação da interpelação n.º 1/XII (1.ª) — Centrada na política de saúde (PCP). Para abrir o debate, tem a palavra, pelo partido interpelante, a Sr.ª Deputada Paula Santos. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa consagra o direito à saúde a todos os portugueses, independentemente das condições socioeconómicas. Esta é a matriz que deveria orientar as políticas de saúde, mas não tem sido esta a opção de sucessivos governos. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (13b) PR – boa tarde senhores depuTAdos + senhores membros do governo + senhores jornalistas ++ cumprimento os senhores membros do gove:rno + que já chegaram ao pleNÁrio + vou abrir a sessão que está + eh desde já + eh formalmente aberta + podem abrir as galerias + e eh ++ não havendo expediente para leitura + vamos entrar diretamente na ordem do dia ++ eh ++ que consiste numa interpelação ao goVERno + eh + da autoria do PCP + eh + em matéria de saúde ↑ para apresentar + eh + para abrir o debate + tem a palavra + pelo partido interpelante + a senhora deputada Paula Santos ↑ + faz favor senhora deputada ↑ +19+ PS – obrigada senhora presidente + senhora presidente ↑ + senhor ministro ↑ + senhores deputados ↑ + a constituição da República Portuguesa + consagra o direito à saúde a todos os portugueses ↓ + independentemente das condições socioeconómicas + ESTA é a matriz que deveria orientar as políticas de saúde + mas não tem sido esta a opção de sucessivos governos (Nossa transcrição)

Como se pode notar, na transcrição omitiram-se quase na sua totalidade os traços que mostram o ritual de cortesia, como as formas de tratamento e os agradecimentos; conhecendo a existência deste tipo de supressões é relevante para uma análise que se concentra nos mecanismos de (des)cortesia do discurso parlamentar, pois as conclusões demasiado categóricas baseadas exclusivamente em corpora escritos seriam questionáveis. Da mesma forma, em (14a) observamos que um agradecimento do locutor não aparece nas transcrições, o que altera claramente a dinâmica da gestão do turno de fala. (14a) O Sr. Ministro da Saúde (Paulo Macedo): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A interpelação do PCP, perante a qual hoje somos colocados, consiste sobretudo numa iniciativa política decarácter ideológico, como ficou claro. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (14b) PM : muito obrigado senhora presidente + senhoras deputadas senhores deputados +2+ a interpelação do (hesitação) Partido Comunista Português + perante a qual hoje somos colocados + consiste sobretudo numa iniciativa política de caráter ideológico + como ficou claro ↓ (Nossa transcrição)

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Em (15a) observamos que, ao contrário do exemplos anteriores, no corpus escrito há conteúdo acrescentado (e não eliminado). Esta situação pode ser o resultado de uma intervenção do transcritor, mas também das revisões que os próprios deputados podem fazer antes da publicação definitiva do DAR. Notamos que são acrescentadas expressões de agradecimento ou de mitigação de atos diretivos, o que pode sugerir a preocupação de criar um ethos mais cortês, mais protocolar dos oradores. No caso do ministro Paulo Macedo, há também conteúdo a mais nas transcrições. Se no corpus oral ele diz apenas “muito obrigado”, no corpus escrito a frase final é mais desenvolvida: “Muito obrigado pela tolerância, Senhora Présidente”. Vejamos também a inclusão de uma forma nominal de tratamento adicional, “Senhora Presidente”. Se neste caso concreto ela foi acrescentada, em outros contextos pode ser eliminada. Por esta razão, numa análise dos usos das formas de tratamento – sobretudo se for de natureza quantitativa –, a fidelidade da transcrição é relevante, pois as transcrições que não são feitas por linguistas têm limitações evidentes. Por outro lado, consideramos que podem ser feitas análises com base em transcrições deste tipo – aliás, como mostram muitos dos trabalhos apresentados no estado de arte –, desde que se tome em consideração este viés e que não se tire conclusões definitivas, sobretudo de natureza estatística. A problemática do uso das transcrições feitas por não-linguístas foi destacada por Constantin de Chanay (2010: 249-294), que mostrou no seu trabalho as omissões das formas de tratamento numa transcrição jornalística dum debate presidencial, portanto, uma transcrição que não tinha sido feira para a análise linguística. (15a) A Sr.ª Presidente: — Sr. Ministro, peço desculpa por interrompê-lo, mas tenho de alertá-lo para que já excedeu em quase 2 minutos o tempo que tinha disponível. Agradeço-lhe, pois, que faça o favor de concluir. O Sr. Ministro da Saúde: — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo e o Ministério da Saúde têm clara consciência da tarefa que é exigida. Não nos vamos desviar. Não pretendemos a popularidade fácil nem a demagogia populista. Não nos intimidamos, porque sabemos o que é necessário para Portugal. Todos nós queremos um Serviço Nacional de Saúde, pilar de sustentação de todo o sistema de saúde, baseado na solidariedade e que possa perdurar para além das crises. Muito obrigado pela tolerância, Sr.ª Presidente. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (15b) PR : senhor ministro + eu peço desculpa + já excedeu em quase dois minutos o tempo disponível ↑ PM : [vou vou terminar senhora presidente muito obrigado PR : [obrigada PM : [senhoras presidente senhoras e senhores deputados ++ o governo e o Ministério da Saúde têm clara consciência da tarefa que é exigida ++ não nos vamos desviar não pretendemos a popularidade fácil nem a demagogia populista

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+ não nos intimidamos porque sabemos o que é necessário para ++ Portugal ++ todos nós queremos um serviço nacional de saúde pilar de sustentação de todo o sistema de saúde + basa ++ baseado na soli + soli + solidariedade e que possa perdurar para além das crises + muito obrigado (Nossa transcrição)

Esta breve análise da relação oral / escrita entre as gravações áudio e vídeo e as transcrições oficiais de uma amostra de três debates, um de cada sub-corpus, revela a existência de algumas transformações que advêm das estratégias de transcrição e de retextualização do oral: correções de conteúdo, correções gramaticais, reformulações para esclareces a mensagem, supressões de conteúdo, alterações para tornal o estilo comunicativo mais formal, alterações na gestão do turno de fala. Conhecer estas diferenças, como temos defendido ao longo desta secção, é relevante para a análise do discurso parlamentar, sobretudo para a nossa investigação, em que nos debruçamos sobre a organização sequencial, a negociação do turno de fala e os usos das formas de tratamento. Há bastantes argumentos, então, para considerar problemática a escolha deste tipo de corpus para uma análise linguística. Se estas transcrições podem parecer, num primeiro momento um corpus pronto a usar, uma análise rigorosa mostra que têm limitações, ou segundo alguns especialistas, que estamos perante um verdadeiro presente de grego. Aliás, Sandra Mollin é muito intransigente deste ponto de vista: […] it is always risky to rely on non-linguist transcribers for corpus compilation, but transcribers with a policy of making systematic changes to the spoken language as it was originally produced are a linguist’s nightmare. (Mollin 2007: 204, nosso negrito)

A nossa abordagem é menos categórica. É verdade, os “beneditinos da escrita”, como são chamados por Abélès (2000), fazem um trabalho enorme de reformular, corrigir, suprimir ou acrescentar conteúdo aos debates orais, para que fiquem mais claras para a publicação. No entanto, longe de serem um pesadelo, como afirma Mollin (2007: 204), este tipo de corpus, apesar das suas imperfeições para uma análise linguística, é um acervo que vale a pena analisar, pois é um testemunho quase completo de um sub-género do discurso político produzido num país. A palavrachave neste contexto e “quase”. Portanto, ao contrário do que se afirma la descrição do DAR, não se trata de um “relato fiel” das reuniões. É a tarefa do investigador saber até que ponto estas transcrições se adequam às suas análises e em que medida as conclusões tiradas podem ser generalizadas ou não. Neste trabalho utilizaremos as transcrições oficiais como corpus para a nossa investigação, mas cientes das suas lacunas, não nos debruçaremos em análises muito pormenorizadas de natureza estatística e não faremos generalizações facilmente questionáveis, que advêm da natureza híbrida deste corpus: por um lado, autêntico, na medida em que reflete o conteúdo informacional dos debates, por outro lado, inautêntico, por se afastar, algumas vezes, da interação verbal propriamente dita no que diz respeito à língua usada nos debates.

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1.3 A construção sequencial do debate parlamentar A interpelação é feita nos termos do artigo 227.º do Regimento e a tipologia do debate é a seguinte: a abertura é do PCP, a que se segue o Governo e, depois, os diferentes partidos. O encerramento cabe, primeiro, ao PCP e, depois, ao Governo. (DAR, 19/10/2012, I Série — Número 13)

Este capítulo propõe uma análise do ritual interacional em debates parlamentares; preferimos a noção de “interação” – e não a de “conversação” – porque nos parece mais adequada para os contextos institucionais. Do ponto de vista teórico, situamo-nos na linha de Goffman que afirma: “Par interaction (c’est-à-dire l’interaction face à face), on entend à peu près l’influence réciproque que les partenaires exercent sur leurs actions respectives lorsqu’ils sont en présence physique immédiate les uns des autres ; par une interaction, on entend l’ensemble de l’interaction qui se produit en une occasion quelconque quand les membres d’un ensemble donné se trouvent en présence continue les uns des autres; le terme « une rencontre » peut aussi convenir” (Goffman 1973: 23, nosso negrito).

Debruçar-nos-emos sobre a estrutura sequencial que consideramos essencial para a descrição da “ossatura” dos debates. Desta forma, faremos uma descrição pormenorizada dos debates, identificando as três sequências propostas por KerbratOrecchioni (1990: 220) para a configuração de um esquema interacional global: a sequência de abertura, o corpo de interação – que pode ter, como veremos neste capítulo, um número variável de sub-sequências, em função da tipologia da interação em cada sub-corpus – e a sequência de fecho. *** Todas as interações, independentemente da sua natureza, têm uma organização intrínseca30, que diz respeito à estrutura geral das sequências e dos turnos de fala, à dinâmica da proxémica verbal, às manifestações da cortesia linguística. Estas normas devem ser conhecidas e respeitadas31 pelos participantes para que a conversação possa Segundo Kerbrat-Orecchioni (1990: 75, nosso negrito), “à un niveau très général de fonctionnement, on dira que les interactions sont construites et interprétées à l’aide d’un ensemble de règles qui s’appliquent, dans un cadre contextuel donné, sur un matériau de nature sémiotiquement hétérogène (unités verbales, paraverbales, et non verbales)”. 31 “Le système de la régularisation n’est qu’un aspect de la collaboration” (Traverso 1999: 17). 30

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avançar em boas condições. Se os postulatos da organização interacional não são respeitados, o decorrer da interação pode ser afetado ou, em casos extremos, os participantes podem recorrer à violência verbal ou até física32. Ao nível macro, é importante que os participantes conheçam e respeitem as regras do funcionamento do quadro comunicativo (Kerbrat-Orecchioni: 1990: 75130), ou seja o contexto – o lugar, o objetivo, os participantes –, o quadro participativo – os participantes, as relações interlocutivas, o seu papel na interação –, o acesso ao contexto e as particularidades da interação verbal em que participam33. Ao nível micro, os participantes devem conhecer os mecanismos linguísticos da interação verbal, nomeadamente as fórmulas de abertura, de fecho, as regras de gestão dos turnos de fala, as estratégias de negociação do significado, etc. Visto que o debate parlamentar é um tipo de interação que decorre num enquadramento institucional bem definido, os participantes deveriam privilegiar uma linguagem formal, adequado à importância da função pública de alto relevo desempenhada pelos deputados e senadores. No entanto, veremos na segunda parte deste volume que esta regra nem sempre é respeitada, pois o discurso parlamentar tem uma dimensão conflitual intrínseca e os deslizes da linguagem formal ocorrem com alguma frequência no “calor” dos debates. No que diz respeito à organização sequencial das reuniões que integram o nosso corpus, delimitamos a estrutura triádica geral proposta por Kerbrat-Orecchioni (1990: 220): a sequência de abertura, o corpo de interação – neste caso, o debate propriamente dito, com diferentes sub-sequências intermédias, como a apresentação, a resposta detalhada, a sessão de perguntas e respostas, etc. – e a sequência de fecho. A duração de cada sequência e a ordem dos intervenientes são estabelecidas pelos secretários da mesa, que fazem as inscrições. O papel de moderador é desempenhado pelo presidente da Assembleia da República, que dá a palavra aos participantes e é responsável pelo bom funcionamento do debate (ver infra 1.4.1. O papel do moderador). Vejamos um exemplo do corpus brasileiro. No início da audiência pública, o presidente estabelece quase todos os termos de funcionamento do debate, em conformidade com o regimento da Câmara dos Deputados, mencionando cuidadosamente: i) a motivação dos trabalhos: “aprovada pelos Requerimentos nºs 11, de 2011, do Deputado Vanderlei Macris, e 29, de 2011, do Deputado Delegado Waldir”; ii) o objetivo dos trabalhos: “destinada a obter esclarecimentos sobre as políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, a falta de medicamentos para combater a AIDS e a matéria veiculada pelo jornal O Globo sobre 32 Estes episódios, apesar de insólitos e de ilustrarem sobretudo faits divers da vida política atual, não são singulares na história parlamentar, como mostra o número temático Violence des échanges en milieu parlementaire da revista Parlement(s), Revue d’histoire politique. nº 14/2010. 33 A título de exemplo, veja-se em Kerbrat-Orecchioni (1990: 117-119) as particularidades de algumas tipologias de interação verbal, como a conversação quotidiana, o debate, a entrevista.

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pronunciamento do Sr. Jorge Hage Sobrinho, Ministro-Chefe da ControladoriaGeral da União, a respeito de fraudes e falta de fiscalização na saúde”; iii) os participantes: “Sr. Ministro de Estado da Saúde, Alexandre Padilha”, “Cada Deputado inscrito para interpelações”; iv) a duração das intervenções: “o tempo reservado ao convidado é de 20 minutos, prorrogáveis”; “cada Deputado inscrito […] 3 minutos”; “O Sr. Ministro terá igual tempo para responder”; “réplica e a tréplica pelo mesmo prazo”; v) a tipologia das trocas conversacionais: “não podendo ser aparteado”; “facultadas a réplica e a tréplica”; “vedado ao orador interpelar qualquer dos presentes”. (16) O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Declaro aberta a reunião de audiência pública da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, aprovada pelos Requerimentos nºs 11, de 2011, do Deputado Vanderlei Macris, e 29, de 2011, do Deputado Delegado Waldir, destinada a obter esclarecimentos sobre as políticas públicas desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, a falta de medicamentos para combater a AIDS e a matéria veiculada pelo jornal O Globo sobre pronunciamento do Sr. Jorge Hage Sobrinho, Ministro-Chefe da Controladoria-Geral da União, a respeito de fraudes e falta de fiscalização na saúde. Convido para tomar assento à mesa o Sr. Ministro de Estado da Saúde, Alexandre Padilha. Esclareço aos presentes que, de acordo com o art. 256 do Regimento Interno desta Casa, o tempo reservado ao convidado é de 20 minutos, prorrogáveis, não podendo ser aparteado. Cada Deputado inscrito para interpelações poderá fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos. O Sr. Ministro terá igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica, pelo mesmo prazo, vedado ao orador interpelar qualquer dos presentes. Concedo a palavra ao Sr. Alexandre Padilha, Ministro de Estado da Saúde. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011)

Depois da sequência de abertura, segue o corpo de interação – a primeira subsequência é, de acordo com o presidente, a exposição do ministro Alexandre Padilha, seguida por uma sessão de perguntas e pela conclusão –, terminando a reunião com a sequência de fecho (ver a Figura nº 6). Nas reuniões com ordens de dia mais complexas, a estrutura sera ligeiramente diferente, nomeadamente no que diz respeito ao corpo de interação, que terá uma estrutura multisequencial, sendo cada assunto do debate uma sequência interacional. A estrutura sequencial ternária dos debates parlamentares – com as respetivas sub-sequências – poderá ser resumida como na Figura nº 6. Nos subcapítulos que seguem fazemos descrições ilustrativas para cada sequência e sub-sequência destacada

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I. A sequência de abertura 1. Saudação; 2. Apresentação da condição de quórum; 3. Declaração da abertura da reunião; 4. Leitura do expediente; 5. Apresentação da ordem do dia; 6. Apresentação das regras do debate; 7. Concessão da palavra ao primeiro orador.

Figura nº 6.

II. O corpo da interação 1. Exposição; 2. Resposta detalhada; 3. As perguntas dos requerentes; 4. Sessão de questões e respostas; 5. Conclusão.

III. A sequência de fecho 1. Fórmulas estereotipadas de encerramento; 2. Agradecimentos; 3. Votos; 4. Informações sobre o próximo reencontro.

A estrutura sequencial e sub-sequencial das reuniões parlamentares.

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1.3.1 A sequência de abertura O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, vamos dar início, de imediato, à nossa ordem do dia, de que consta a interpelação ao Governo n.º 12/XI (2.ª) (DAR, 27/01/2011, I Série — Número 43)

Tal como no case de outros tipos de interações verbais, a sequência de abertura, bem como a sequência de fecho nos debates parlamentares são essencialmente ritualizadas, ao contrário do corpo de interação, que apresenta uma maior diversidade estrutural. Segundo Kerbrat-Orecchioni (1990: 220), estas duas sequências enquadradoras “ont une fonction essentiellement relationnelle, et une structure fortement stéréotype” nas interações verbais, ao passo que “les sections constitutives du [corps de l’interaction] ont une organisation plus aléatoire et polymorphe”34. As funções da sequência de abertura, agrupadas no quadro mais geral da função fática, são muito diferentes, visto que neste episódio inicial os participantes estabelecem o contato e o canal, legitimam-se enquanto interlocutores, propõem os temas da discussão, definem o desenrolar da interação. Em outras palavras: “la phase d’ouverture comporte de nombreuses négociations, explicites et implicites, en ce qui concerne les identités, la relation, le but de la rencontre, son type et son style, et parfois, son existence même” (KerbratOrecchioni 1990: 221, nosso negrito).

As saudações constituem os elementos distintivos desta fase da interação, sendo acompanhadas por outras expressões que têm o objetivo de “quebrar o gelo”. Nas conversas quotidianas, essas podem ser verbais, como dar as boas vindas, manifestar o interesse para com o interlocutor, mostrar a cordialidade, expressar o prazer em relação ao encontro, fazer perguntas sobre a família, a saúde, mas também não-verbais, como fazer gestos de aproximação, manter o contacto visual e o contacto físico, etc. Nas reuniões parlamentares, o ritual de abertura apresenta algumas diferenças em relação à conversação familiar, decorrendo do caráter institucional destes interações verbais. A primeira diferença prende-se com o papel dos participantes. Se numa conversação informal, os dois interlocutores participam de forma ativa no ritual de abertura – empregando estratégias verbais e não-verbais descritas no parágrafo anterior –, numa reunião parlamentar o protagonista da sequência de abertura é o presidente, que desempenha o papel de moderador ou de árbitro da interação, com responsabilidades definidas no regimento. Em geral, todos os atos que visam a No entanto, veremos mais adiante que o grau de imprevisibilidade do corpo de interação nos debates parlamentares é bastante reduzido, graças ao caráter institucional deste tipo de interação. 34

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participação na interação – as saudações, as boas-vindas, a apresentação do tema, etc. – são proferidos pelo presidente, não sendo verbalizada a (possível) resposta dos outros participantes. Uma resposta verbalizada, direta e individual seria impossível, tomando em consideração o número muito grande de participantes na interação (nas reuniões plenárias há centenas de deputados e senadores). No entanto, os parlamentares têm a possibilidade de pedir formalmente a palavra para expressar a sua opinião sobre a ordem do dia ou o desenrolar dos trabalhos através da votação, o que constitui uma resposta direta, imediata, não verbalizada às perguntas do presidente. Outra diferença entre a sequência de abertura de uma conversa familiar e a de um debate parlamentar diz respeito à temática, que deve estar de acordo com o enquadramento geral destas interações institucionais, sendo excluídas as manifestações de familiaridade. No entanto, isto não significa que as aberturas das reuniões parlamentares não contêm uma certa cordialidade ou que o presidente se limita em todas as reuniões à apresentação do tema e dos intervenientes; como veremos mais adiante, os votos e as boas-vindas são usados algumas vezes nesta fase da interação. Para delimitar a sequência de abertura, selecionámos como início a primeira intervenção feita por um dos locutores – no nosso corpus, é quase sempre o presidente – e como fim a parte da interação em que o presidente concede a palavra ao primeiro orador. Os exemplos (17)-(20) são ilustrativos para o decorrer do ritual de abertura em reuniões de interpelação ao governo na Assembleia da República de Portugal. A estrutura típica desta sequência interacional contém as sub-sequências seguintes: a saudação (ou as saudações), a apresentação da condição do quórum, a declaração da abertura da reunião, a leitura do expediente, a apresentação da ordem do dia, a apresentação das regras do debate e a concessão da palavra (ver também a Figura nº 6). A saudação 35 da audiência, muitas vezes eliminada das transcrições oficiais36 , permite estabelecer o contacto e situa-se no registo formal da língua: “Bom dia, senhores deputados”. Se nas conversas informais a saudação propriamente dita pode ser seguida por uma saudação complementar, no nosso corpus não encontrámos esta situação. Aliás, a estrutura binária saudação / saudação – o interlocutor responde à saudação com outra saudação –, frequente em interações familiares, está também ausente no corpus de debates parlamentares, por razões objetivas, que se prendem com o número de participantes. As trocas seguintes têm o papel de estabelecer e definir a tipologia da interação. Com a apresentação da condição de quórum, “temos quórum” em (17), (18) o presidente garante o decorrer da reunião em conformidade com as normas regimentais que dizem respeito ao funcionamento dos trabalhos parlamentares. Se 35 Kerbrat-Orecchioni (2001: 110-116) faz a distinção entre a saudação propriamente dita (“Bonjour!”) e a saudação complementar (“Comment ça va?”), sendo a segunda preferida pelos interlocutores que participam em interações informais e que partilham uma “história conversacional”. 36 Ver supra os exemplos (13a) e (13b) do sub-capítulo 1.2.2. Do oral à escrita.

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houver quórum, na fase seguinte o presidente declara aberta a reunião “declaro aberta a sessão” em (17) e (18), condição indispensável para o desenrolar deste tipo de interação. A leitura do expediente pode ser omitida se não houver documentos a serem apresentados no plenário, como podemos observar em (17): “não havendo expediente, passamos de imediato ao debate da interpelação”. (17) O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão. [...] Srs. Deputados, não havendo hoje expediente para ser anunciado, passamos de imediato ao debate da interpelação n.º 11/XI (2.ª) — Sobre o sector empresarial do Estado (CDS-PP). Vamos aguardar um pouco a chegada dos membros do Governo. [Pausa.] Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas. (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011)

A etapa dedicada ao expediente, cuja responsabilidade é do secretário da Mesa, “Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai fazer o favor de ler o expediente” em (18), “O Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente” em (19), pode ter uma duração variável e consiste na leitura de atos normativos, propostas de leis e outros tipos de documentos analisados, propostos e adotados pelo parlamento. No âmbito da sequência de abertura, cujo papel é por excelência o de definir a situação de comunicação social, a leitura do expediente funciona como uma ilha informativa, cujo conteúdo não é incorporado na estrutura global da interação. A apresentação do expediente, que tem uma certa independência informacional em relação às outras sub-sequências, está claramente delimitada na sequência de abertura, sendo circunscrita pelo convite do presidente: “Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai fazer o favor de ler o expediente” e, em algumas ocasições, pela declaração de fecho do secretário: “É tudo, Sr.ª Presidente”. A série de atos rituais continua com as saudações dos membros do governo que participam na reunião: “Em primeiro lugar, cumprimentando desde já os membros do Governo aqui presentes” em (18), “Antes de mais, cumprimento o Sr. Ministro da Economia e do Emprego, os Srs. Secretários de Estado do Emprego e a Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, que se encontram presentes” em (18). Em seguida, o presidente faz a apresentação da ordem do dia: “Srs. Deputados, vamos entrar na ordem do dia de hoje que consiste, nos termos do artigo 227.º do Regimento, no debate da interpelação n.º 6/XII (1.ª). Sobre políticas de educação, apresentada pelo PS” em (18), “Vamos entrar na nossa ordem do dia, que hoje consta do debate da interpelação n.º 2/XII (1.ª) — Sobre desemprego, precariedade e alterações às leis do trabalho (BE)” em (19). Esta etapa tem a função de caraterizar o debate a nível macro, estabelecendo a temática. A nível micro, a dinâmica da interação é definida com a apresentação das regras do debate, como se pode observar em (20): “A interpelação é feita nos termos do artigo 227.º do Regimento e a tipologia do debate é a seguinte: a abertura é do PCP, a que se segue o Governo e, depois, os diferentes partidos. O encerramento cabe,

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primeiro, ao PCP e, depois, ao Governo”. Nesta etapa o presidente define a ordem segundo a qual os participantes na interação – parlamentares, membros do Governo – podem intervir, em conformidade com as normas regimentais e menciona duas fases do debate, a abertura e o encerramento. A última etapa da abertura é a concessão da palavra ao primeiro interveniente, ou seja um deputado (da oposição) que apresenta a interpelação: “Para iniciar o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Portas” em (17), “dou a palavra, para uma intervenção na fase de abertura do debate, ao Sr. Deputado Rui Santos” em (18), “Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca para abrir o debate” em (19), “Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes, do PCP” em (20). Com este último ato, a sequência de abertura da sessão é terminada e começa o corpo de interação, com a leitura do texto da interpelação, sub-sequência que chamámos “exposição”. (18) A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão. [Eram 15 horas e 13 minutos.] Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai fazer o favor de ler o expediente. O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas pela Sr.ª Presidente, as propostas de lei n.os 57/XII (1.ª) — Procede à adaptação à administração local da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, que baixa à 5.ª Comissão, e 58/XII (1.ª) A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos entrar na ordem do dia de hoje que consiste, nos termos do artigo 227.º do Regimento, no debate da interpelação n.º 6/XII (1.ª). Sobre políticas de educação, apresentada pelo PS. Em primeiro lugar, cumprimentando desde já os membros do Governo aqui presentes, dou a palavra, para uma intervenção na fase de abertura do debate, ao Sr. Deputado Rui Santos. (Reunião plenária de 10 de maio de 2012) (19) A Sr.ª Presidente: — O Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente. O Sr. Secretário (Duarte Pacheco): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, entraram na Mesa, e foram admitidas pela Sr.ª Presidente, as seguintes iniciativas legislativas: proposta de lei n. º 29/XII (1.ª) — Procede à sexta alteração ao Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DecretoLei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que baixou à 1.ª Comissão; projectos de lei n.os 94/XII (1.ª) [...] — Recomenda ao Governo a adopção de medidas de apoio ao acesso à habitação por jovens (PS), que baixou à 11.ª Comissão. É tudo, Sr.ª Presidente. A Sr.ª Presidente: — Muito obrigada, Sr. Secretário. Vamos entrar na nossa ordem do dia, que hoje consta do debate da interpelação n.º 2/XII (1.ª) — Sobre desemprego, precariedade e alterações às leis do trabalho (BE). Antes de mais, cumprimento o Sr. Ministro da Economia e do Emprego, os Srs. Secretários de Estado do Emprego e a Sr.ª Secretária de Estado dos

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Assuntos Parlamentares e da Igualdade, que se encontram presentes. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Aiveca para abrir o debate. (Reunião plenária de 26 de outubro de 2011) (20) A Sr.ª Presidente: — Srs. Deputados, vamos dar início à ordem do dia, que, como todos sabem, consiste na interpelação ao Governo n.º 7/XII (2.ª) — Sobre uma política alternativa para o País: aumento da produção nacional, renegociação da dívida, melhor distribuição da riqueza (PCP). A interpelação é feita nos termos do artigo 227.º do Regimento e a tipologia do debate é a seguinte: a abertura é do PCP, a que se segue o Governo e, depois, os diferentes partidos. O encerramento cabe, primeiro, ao PCP e, depois, ao Governo. Para abrir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Lopes, do PCP. (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

No caso do corpus brasileiro, observamos uma organização quase similar da sequência de abertura. O presidente abre a reunião com uma declaração padrão: “declaro aberta a reunião” em (21a), “declaro abertos os trabalhos da reunião” em (22a), apresenta o assunto da audiência pública “destinada a discutir as denúncias veiculadas na imprensa referentes à venda ilegal de terras destinadas à reforma agrária” em (21a), “destinada ao debate com a Ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais, sobre denúncias de irregularidades na compra de 28 lanchas, por parte do Ministério da Pesca” em (22a). Por outro lado, observamos também algumas diferenças em relação às sequências de abertura do corpus sub-português. O presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle faz uma apresentação de alguns dos participantes: “À minha esquerda já se encontra o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Bandeira Florence. À minha direita já se encontra o Dr. Celso Lisboa de Lacerda, Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA” em (21a), e convida outros participantes a sentarem-se na mesa: “Convido a Ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, a sentar-se aqui à minha direita. Convido o Líder do Partido dos Trabalhadores, Deputado Paulo Teixeira, a sentar-se ao meu lado” em (21a). Outra diferença diz respeito ao uso de atos rituais, como os agradecimentos ou na justificação mais detalhada dos objetivos da audiência, em (21b). Se nas sequências de abertura do sub-corpus português o presidente se limita a fazer um enquadramento regimental do objetivo dos debates: “vamos dar início à ordem do dia, que, como todos sabem, consiste na interpelação ao Governo [...] feita nos termos do artigo 227” em (20), em (21b), o presidente faz um enquadramento mais abrangente, referindo reportagens da comunicação social, argumentos dos deputados requerentes. (21a) O Sr. Presidente (Deputado Sérgio Brito) - Declaro aberta a reunião de audiência pública aprovada pelos Requerimentos nºs 135 e 136, de 2011, do Deputado Vanderlei Macris, e 141, de 2011, do Deputado Mendonça Filho,

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destinada a discutir as denúncias veiculadas na imprensa referentes à venda ilegal de terras destinadas à reforma agrária. Composição da Mesa. À minha esquerda já se encontra o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Bandeira Florence. À minha direita já se encontra o Dr. Celso Lisboa de Lacerda, Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA. Convido a Ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, a sentar-se aqui à minha direita. Convido o Líder do Partido dos Trabalhadores, Deputado Paulo Teixeira, a sentar-se ao meu lado. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (21b) O Sr. Presidente (Deputado Sérgio Brito) - Eu gostaria de agradecer a presença de todos os convidados, que prontamente atenderam ao convite da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, e de tecer algumas considerações sobre os objetivos desta audiência, levando em consideração as argumentações dos autores dos requerimentos desta reunião. Reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, em 31 de julho passado, mostrou um flagrante de desrespeito à lei e à natureza: a ocupação ilegal de terras no Brasil. Áreas de proteção ambiental, que deveriam ser preservadas, são invadidas e dão lugar a casas de alto luxo. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011)

Em todas as audiências públicas incluídas no sub-corpus brasileiro há apresentações detalhadas sobre das regras de gestão do tempo: “O tempo reservado para os convidados é de 20 minutos”, “Cada Deputado [...] 3 minutos”, “o tempo reservado para a Ministra é de 30 minutos”, “Cada Deputado inscrito para interpelação poderá fazê-la por 5 minutos”, a temática das intervenções: “Cada Deputado inscrito para interpelações poderá fazê-lo estritamente sobre o assunto”, a ordem dos intervenientes: “Terão preferência no uso da palavra autores de requerimento e membros da Comissão”, “Terão preferência no uso da palavra o autor do requerimento e os Srs. Líderes partidários” – ver na íntegra os exemplos (21c) e (22c) –, ao passo que no sub-corpus português esta etapa, menos pormenorizada, como em (20), tem um caráter episódico. (21c) Antes de iniciar as exposições, quero fazer os seguintes esclarecimentos, de acordo com o Regimento Interno desta Casa. O tempo reservado para os convidados é de 20 minutos, prorrogáveis, não podendo haver apartes. Cada Deputado inscrito para interpelações poderá fazê-lo estritamente sobre o assunto, por 3 minutos. Os convidados terão igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, vedado aos convidados interpelar qualquer dos presentes. Terão preferência no uso da palavra autores de requerimento e membros da Comissão. A lista de oradores já está disponível para inscrições. Passo a palavra à Sra. Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011)

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O exemplo (22a) ilustra outra particularidade das sequências de abertura das audiências públicas do sub-corpus brasileiro, que consiste na utilização de fórumulas juratórias, quer de natureza sagrada: “Sob a proteção Deus”, quer laicas: “em nome do povo brasileiro”. Embora possa parecer um pouco estranha para quem estiver mais habituado aos debates portugueses e romenos, como é o noso caso, esta formulação estereotipada, que é usada pelos presidentes da Câmara dos Deputados do Brasil e que serve para a legitimação dos trabalhos parlamentares – quer divina, quer popular –, sendo estipulada no Regimento37, na secção dedicada ao funcionamento das reuniões públicas. (22a) O Sr. Presidente (Deputado Edson Santos) - Sob a proteção Deus e em nome do povo brasileiro, declaro abertos os trabalhos da reunião da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle. Em primeiro lugar, eu gostaria de convidar a Ministra Ideli Salvatti para compor a Mesa. [Palmas.] Esta reunião é destinada ao debate com a Ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Relações Institucionais, sobre denúncias de irregularidades na compra de 28 lanchas, por parte do Ministério da Pesca, em decorrência do requerimento de autoria de S.Exa. o Deputado Vanderlei Macris. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

Os exemplos seguintes mostram uma sub-sequência de negociação das regras do debate e do turno de fala (22b) incorporadas na sequência de abertura. Como já observámos, as negociações do turno de fala e as intervenções dos deputados não são típicas nesta etapa dos debates parlamentares, sendo a abertura uma das sequências mais rígidas, graças ao seu alto grau de ritualização. A exceção justifica-se pelo facto de esta audiência pública se seguir a uma reunião deliberativa da mesma comissão, com uma primeira abertura canónica já feita pelo presidente. As negociações aparecem, portanto, numa segunda abertura, que começa com a segunda sessão pública da comissão: “Sr. Presidente, uma questão de ordem apenas. São duas reuniões ou uma reunião suspensa? [...] Deputado, são duas reuniões. Nós registramos duas listas de presença” em (22b). (22b) O Sr. Deputado Vanderlei Macris - Sr. Presidente, uma questão de ordem apenas. São duas reuniões ou uma reunião suspensa? V.Exa. deu por encerrada a última reunião. Eu gostaria de um esclarecimento. O Sr. Presidente (Deputado Edson Santos) - Deputado, são duas reuniões. Nós registramos duas listas de presença. [...] O Sr. Deputado Mendonça Filho - Sr. Presidente, Deputado Edson. Ver o artigo nº 79, § 2º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: “o Presidente declarará aberta a sessão, proferindo as seguintes palavras: Sob a proteção de Deus e em nome do povo brasileiro iniciamos nossos trabalhos”. 37

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O Sr. Presidente (Deputado Edson Santos) - Para uma questão de ordem, Deputado? O Sr. Deputado Mendonça Filho - Sim, para uma questão de ordem. [...] Eu tenho o entendimento claro de que a estratégia da bancada do Governo foi de pegar de surpresa a bancada da Oposição. Só foi comunicado às Lideranças... [...] O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Santos) - Quanto à questão de ordem suscitada, a Presidência vai indeferir, com base... (Não identificado) - Sr. Presidente, V.Exa. disse que concederia a palavra à minha pessoa. O Sr. Presidente (Deputado Edson Santos) - Não, eu concederia a palavra a um, ao senhor ou ao Deputado Francischini. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

A sequência de abertura continua com etapas canónicas, como a leitura dos procedimentos da audiência – que dizem respeito sobretudo aos limites de tempo e à ordem dos intervenientes – e a concessão da palavra ao primeiro orador, neste caso a ministra que comparece perante a Comissão. Notamos também a possibilidade de os deputados poderem fazer a inscrição no debate durante a intervenção da ministra (22d), procedimento diferente dos trabalhos da Assembleia da República de Portugal ou, como veremos, do Parlamento da Roménia. (22c) O Sr. Presidente (Deputado Edson Santos) - Eu vou proceder à leitura dos procedimentos desta audiência pública. Antes de iniciar as exposições, quero fazer os seguintes esclarecimentos. De acordo com o Regimento Interno desta Casa, art. 221, como foi citado pelo Deputado Vanderlei Macris, o tempo reservado para a Ministra é de 30 minutos, só podendo ser aparteada no caso de prorrogação. Cada Deputado inscrito para interpelação poderá fazê-la por 5 minutos. A Ministra terá igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo prazo de 3 minutos. Terão preferência no uso da palavra o autor do requerimento e os Srs. Líderes partidários. A lista de oradores já está disponível para inscrições. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012) (22d) O Sr. Presidente (Deputado Edson Santos) - Passo a palavra para a Ministra Ideli Salvatti por 30 minutos. No curso da intervenção da Sra. Ministra os Deputados poderão fazer as suas inscrições. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

No que diz respeito ao corpus romeno, selecionámos três exemplos de sequências de abertura, que mostram o decorrer desta etapa segundo o protocolo

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parlamentar (23) e algumas situações excecionais, que se desviam das normas regimentais (24b) e (25b). Em (23a)-(23d) a presidente da Câmara dos Deputados abre os trabalhos seguindo as normas regimentais em vigor. Dividimos esta sequência inicial em quatro sub-sequências diferentes, em função do conteúdo informacional e do papel desempenhado no decorrer do debate. Em (23a), a presidente declara aberta a reunião e faz um levantamento dos deputados presentes e ausentes e informa que há quórum38. (23a) Doamna Roberta Alma Anastase: Doamnelor şi domnilor deputaţi, declar deschisă şedinţa de astăzi a Camerei Deputaţilor şi anunţ că din totalul celor 332 de deputaţi şi-au înregistrat prezenţa, până la această oră, 201; sunt absenţi 131; participă la alte acţiuni parlamentare 40. Prin urmare, cvorumul legal de lucru este îndeplinit. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: Senhoras e senhores deputados, declaro aberta a sessão de hoje da Câmara dos Deputados e informo que do total de 332 deputados, 201 registaram a sua presença até agora; 131 estão ausentes; 40 participam em outras atividades parlamentares. Por conseguinte, temos o quórum legal dos trabalhos.]

Na etapa seguinte, a presidente informa os deputados sobre os documentos distribuídos pela secretaria geral da Câmara, alguns a serem analisados durante a reunião, em conformidade com a ordem do dia. Observamos que se trata de ordens do dia, do programa de trabalho da semana, das iniciativas legislativas que serão apreciadas pelas comissões de especialidade, de uma lista de relatórios e dos sumários do Monitórul Oficial [o equivalente do Diário da República]. Esta etapa tem, portanto, o papel de organizar diferentes etapas da atividade da Câmara dos Deputados. Sem ser definida com um termo específico no Regimento, achamos que é muito parecida com a leitura do expediente do parlamento português e do congresso brasileiro, pois tem o papel de informar os deputados sobre os assuntos correntes da Câmara. (23b) Doamna Roberta Alma Anastase: În conformitate cu prevederile regulamentare, vă informez că au fost distribuite tuturor deputaţilor următoarele documente: ordinea de zi pentru şedinţele în plen în zilele de luni 9 mai, şi marţi - 10 mai; programul de lucru pentru perioada 9 - 14 mai; informarea cu privire la iniţiativele legislative înregistrate la Camera Deputaţilor şi care Veja-se o artigo 143, alíneas (1) e (2) do Regimento da Câmara dos Deputados: “Art. 143. (1) Şedinţa Camerei Deputaţilor este deschisă de preşedintele Camerei Deputaţilor. În lipsa preşedintelui, acesta este înlocuit de unul dintre vicepreşedinţi, prin rotaţie. (2) Preşedintele de şedinţă este obligat să precizeze dacă este întrunit cvorumul legal, să anunţe ordinea de zi şi programul de lucru .” [Art. 143. – (1) A reunião da Câmara dos Deputados é aberta pelo presidente da Câmara dos Deputados. Se o presidente faltar, será substituído por um dos vicepresidentes, de maneira alternativa. (2) O presidente da reunião é obrigado a mencionar se o quórum legal está atingido, anunciar a ordem do dia e o programa de trabalho.] 38

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urmează să fie, evident, avizate de comisiile permanente; lista rapoartelor depuse în perioada 3 - 9 mai; sumarul privind conţinutul fiecărui Monitor Oficial al României, Partea I. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: Em conformidade com as normas regimentais, queria informar-vos que foram distribuídos a todos os deputados os seguintes documentos: a ordem do dia para as sessões plenárias da segunda-feira, 9 de maio, terça-feira, 10 de maio; o programa dos trabalhos para o período 9-14 de maio; o aviso sobre as iniciativas legislativas registadas na Câmara dos Deputados que serão, evidentemente, visadas pela comissões permanentes; a lista dos relatórios entregues no período 3-9 de maio; o sumário do conteúdo de cada número do Monitorul Oficial [Diário da República], 1ª parte.]

Na terceira etapa da abertura (23c), a presidente apresenta o assunto que consta na ordem o dia, o debate da moção simples: “O sistema de saúde da Roménia: alarme de código vermelho”, bem como as regras de uso do tempo: o número de minutos concedidos ao governo, a cada grupo parlamentar e aos deputados independentes. Ao contrário das reuniões do Congresso Brasileiro, não há informações sobre a ordem em que cada um dos intervenientes pode falar, uma vez que as inscrições para tomar a palavra são feitas anteriormente, nos gabinetes de cada líder de grupo parlamentar. Interrompida por um dos colegas da sala, a presidente responde assegurando-o que terá a palavra: “Imediat după ce închei prezentarea, între cele două momente, vă dau cuvântul, domnule deputat.” [Logo que acabe a apresentação, entre os dois momentos, dou-lhe a palavra, senhor deputado.] (23c) Doamna Roberta Alma Anastase: - Potrivit ordinii de zi şi programului de lucru, urmează dezbaterea moţiunii simple intitulată “Sistemul sanitar din România: alarmă de cod roşu”. În legătură cu timpul alocat pentru dezbaterea acestei moţiuni simple, vă prezint următoarele: moţiunea simplă va fi citită de către unul dintre semnatari; Guvernului i se rezervă 50 de minute, pe care le utilizează la începutul şi la încheierea dezbaterilor, pentru dezbateri luânduse în calcul câte 10 secunde pentru fiecare deputat; timpul maxim alocat astfel... Imediat după ce închei prezentarea, între cele două momente, vă dau cuvântul, domnule deputat. Partidului Democrat Liberal: 21 minute; îi sunt alocate Grupului parlamentar al PSD: 15 minute; Grupului parlamentar al PNL: 10 minute; Grupului parlamentar al UDMR: 4 minute; minorităţile naţionale: au 3 minute la dispoziţie; Grupului parlamentar al deputaţilor independenţi: 3 minute; deputaţii independenţi fără apartenenţă la un grup parlamentar: un minut. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: - Segundo a ordem do dia e o programa dos trabalhos, informamos que segue o debate da moção simples: “O sistema de saúde da Roménia: alarme de código vermeho”. No que diz respeito ao tempo previsto para o debate da moção simples, apresento as seguintes informações: a moção simples será lida por um dos assinantes; o

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Governo tem 50 minutos disponíveis, que usa no início e no fim dos debates; para os debates tomaremos em consideração 10 minutos para cada deputado; o tempo máximo previsto de maneira... Logo que acabe a apresentação, entre os dois momentos, dou-lhe a palavra, senhor deputado. O Partido Democrata Liberal: 21 minutos; o grupo parlamentar do PSD tem 15 minutos disponíveis; o grupo parlamentar do PNL: 10 minutos; o grupo parlamentar da UDMR: 4 minutos; as minorias nacionais têm 3 minutos disponíveis; o grupo parlamentar do deputados independentes: 3 minutos; os deputados independentes sem vínculo a grupos parlamentares: um minuto.]

Na última etapa da abertura, a presidente submete à votação as propostas apresentadas, informa o plenário sobre o resultado, pergunta se algum dos deputados deseja retirar a sua assinatura da moção. Há uma intervenção na sala sobre o procedimento de votação, mas a presidente esclarece que se trata de voto eletrónico, com cartões. No momento final de abertura, a presidente faz a passagem para a sequência principal – o corpo de interação –, concedendo a palavra à deputada da oposição que vai fazer a leitura da moção. (23d) Doamna Roberta Alma Anastase: Dacă sunt observaţii? Dacă nu, supun la vot aceste propuneri. Voturi pentru? Domnul Mircea Duşa: Pe procedură, vă rog. Doamna preşedinte, aţi schimbat sistemul de vot? Doamna Roberta Alma Anastase: Nu, nu, nu! Vă rog să pregătiţi cartelele. Scuze! O să vă rog să luaţi loc şi să pregătiţi cartelele de vot. Este în regulă. Votul este deschis. Vă rog să votaţi. Votul s-a încheiat: 123 voturi pentru, 2 împotrivă, 2 abţineri. Cu majoritate de voturi, propunerile au fost aprobate. Conform prevederilor regulamentare, întreb dacă este cineva dintre semnatari care îşi retrage semnătura de pe moţiune? Nu. Reamintesc, de asemenea, faptul că nu pot fi propuse amendamente. Înainte de a trece la prezentarea moţiunii, am să-i rog pe liderii grupurilor parlamentare să depună la secretarii de şedinţă numele deputaţilor înscrişi la dezbatere. Acum o invit la microfon pe doamna deputat Rodica Nassar, pentru a da citire moţiunii. Vă rog, doamna deputat, aveţi cuvântul. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: Há comentários? Se não houver, submeto à votação estas propostas. Votos a favor? O senhor Mircea Duşa: Sobre a condução dos trabalhos, por favor. Senhora presidente, mudou o sistema de votação? A senhora Roberta Alma Anastase: Não, não, não! Por favor preparem os cartões. Peço desculpas! Por favor sentem-se e preparem os cartões de votação. Está tudo bem. A votação está aberta. Por favor votem. A votação está fechada: 123 votos a favor, 2 votos contra, 2 abstenções. As propostas foram aprovadas com maioria de votos. Segundo as normas regimentais, pergunto se algum dos assinantes quer retirar a assinatura

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da moção? Não. Queria relembrar, também que não podem ser propostas emendas. Antes de passar à apresentação da moção, pedia o favor aos lideres dos grupos parlamentares de entregar aos secretários da mesa os nomes dos deputados inscritos no debate. Agora queria convidar ao microfone a senhora deputada Rodica Nassar, para fazer a leitura da moção. Faz favor, senhora deputada, tem a palavra.]

Nos exemplos que se seguem, notamos a presença de momentos nãocanónicos, que não fazem parte do protocolo padrão das reuniões parlamentares. Em (24a), a presidente da Câmara dos Deputados segue a rotina normal de abertura dos trabalhos, cumprimentado os ministros e os parlamentares presentes na sala, declara aberta a sessão e informa que há quórum. A próxima etapa seria a leitura da ordem do dia, mas em (24b) a presidente decide falar sobre o terramoto do Japão e convida os colegas a observar um minuto de silêncio em memória das vítimas. Embora não se trate de um episódio singular no decorrer das reuniões parlamentares da Roménia, esse tipo de inciativas não está incluído nos regimentos de funcionamento da Câmara dos Deputados ou do Senado. Trata-se, portanto, de momentos em que a atualidade do dia-a-dia determina reações institucionais e pessoais, mostrando que, apesar da rigidez regimental, o debate parlamentar é uma interação mais complexa, que integra assuntos muito diversos. (24a) Doamna Roberta Alma Anastase: Doamnelor şi domnilor deputaţi şi senatori, vă rog să luaţi loc în sală. Invit secretarii la prezidiu. Domnilor şi doamnelor miniştri, Doamnelor şi domnilor deputaţi şi senatori, declar deschisă şedinţa comună a Camerei Deputaţilor şi Senatului şi anunţ că, din totalul de 470 de parlamentari, şi-au înregistrat prezenţa 256 şi sunt absenţi 214. Prin urmare, cvorumul legal de lucru este îndeplinit. [A senhora Roberta Alma Anastase: - Senhoras e senhores deputados e senadores, por favor sentem-se. Convido os secretários à Mesa. Senhoras e senhores ministros, senhoras e senhores deputados e senadores, declaro aberta a reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado e informo que, do total de 470 parlamentares, registaram a sua presença 256, estando ausentes 214. Por conseguinte, o quórum legal dos trabalhos está alcançado.] (24b) Doamna Roberta Alma Anastase: - Înainte de a intra în ordinea de zi, aş vrea să fac un apel la dumneavoastră în primul rând la puţină atenţie. Ştirile din ultimele zile ne produc o profundă tristeţe şi multă îngrijorare. Natura a izbucnit nemilos şi un popor, cel japonez, este profund afectat în aceste zile. Impresionantele imagini televizate ne fac însă ca dincolo de nenorocire să admirăm încă o dată demnitatea impresionantă a acestui popor, spiritul de solidaritate, organizarea, de ce nu, fără fisură, calmul şi eficienţa cu care se acţionează pentru normalizarea situaţiei. Doamelor şi domnilor parlamentari, vă rog să păstrăm un minut de reculegere, pentru a ne arăta sincera noastră compasiune pentru toate victimele acestei catastrofe. [Se păstrează un moment de reculegere.] Vă mulţumesc. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado 16/03/2011)

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[A senhora Roberta Alma Anastase: - Antes de começarmos a ordem do dia, queria pedir a vossa atenção. As notícias dos últimos dias provocam-nos uma profunda tristeza e muita preocupação. A natureza manifestou-se de maneira cruel e o povo japones está profundamente afetado estes dias. As imagens impressionantes que passaram na televisão fazem-nos, para além de qualquer desgraça, admirar mais uma vez a dignidade deste povo, o espírito de solidariedade, a organização, porque não, sem falha, a calma e a eficiência como que se atua para normalizar a situação. Senhoras e senhores parlamentares, queiram observar um minuto de silêncio para mostrarmos a nossa sincera compaixão por todas as vítimas desta catástrofe. [Observa-se um minuto de silêncio.] Obrigada.]

Em (25a) e (25b), exemplos selecionados de uma reunião do Senado da Roménia, encontramos um momento de cariz pessoal, que constitui uma maneira de expressão das relações interpessoais de entre os senadores. Após a chamada nominal dos parlamentares, que serve para verificar se há quórum (25a), o presidente do Senado dá os parabéns a uma colega que festeja o dia de anos e menciona o dia do nome de outros quatro colegas. A sala reage de forma positiva, aplaudindo. De novo, trata-se de um episódio que foge às regras protocolares, mas que mostra a complexidade das relações estabelecidas entre os parlamentares. Aliás, na configuração da identidade parlamentar, a componente pessoal pode assumir alguma importância (veja-se supra 1.1.2.3.3 A identidade (dos) parlamentar(es) para uma apresentação da(s) identidade(s) parlamentar(es) e infra 3.4.2. Tratamento relacional: amigo, colega e irmão). Observamos também que este episódio é muito breve, pois o presidente volta imediatamente à apresentação do programa de trabalho. (25a) Domnul Vasile Blaga: - Îl rog pe domnul secretar David să facă apelul nominal. Domnul Gheorghe David: - Bună dimineaţa tuturor! Stimaţi colegi, să facem un apel nominal. [...] Putem începe, domnule preşedinte. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Vasile Blaga: - Queria pedir ao senhor secretário David o favor de chamar a lista de presença. O senhor Gheorghe David: - Bom dia a todos! Estimados colegas, vamos chamar a lista de presença. [...] Podemos começar, senhor presidente.] (25b) Domnul Vasile Blaga: - Înainte de a supune votului proiectul ordinii de zi, vreau să o felicităm astăzi pe colega noastră, doamna senator Elena Mitrea, cu ocazia zilei de naştere. [Aplauze] De asemenea, astăzi este ziua onomastică 39 a domnilor colegi Nicolae Dobra, Nicolae Moga,

Para além do dia de anos, na Roménia as pessoas festejam também o dia do nome, que é no dia do santo padroeiro. Neste caso, a reunião é no dia 6 de dezembro, que segundo o 39

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Nicolae Prunea si a domnului rector Nicolae Robu. (Aplauze) Să-i felicităm şi „La mulţi ani!” pentru toţi. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011). [O senhor Vasile Blaga: - Antes de submeter à votação o projeto da ordem do dia, queria que congratulássemos hoje a nossa colega, a senhora senadora Elena Mitrea, por ocasião do seu dia de anos. [Aplausos] Hoje é também o dia de nome dos colegas Nicolae Dobra, Nicolae Moga, Nicolae Prunea e do senhor reitor Nicolae Robu. (Aplausos.) Vamos congratulálos e dar os nosso parabéns a todos.] (25c) Programul de lucru pentru astăzi: vom dezbate iniţiative legislative până la ora 12.00, voturi finale – între 12.00 si 12.30. Este propunerea pe care v-o face Biroul permanent al Senatului. Vom supune la vot inclusiv iniţiativele legislative din categoria legilor organice. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O programa dos trabalhos de hoje: vamos debater iniciativas legislativas até às 12h, votações finais das 12h às 12h30. É a proposta feita pea Mesa permanente do Senado. Vamos submeter à votação inclusive as iniciativas legislativas da categoria dos leis orgánicos.]

Depois da análise de sequências de abertura dos três parlamentos, podemos destacar algumas particularidades para cada legislativo: na Assembleia da República de Portugal as aberturas são mais protocolares, o presidente seguindo com rigor as normas regimentais; nos debates brasileiros o presidente faz uma descrição muito detalhada das regras que dizem respeito ao uso do tempo e à ordem dos intervenientes; no Parlamento da Roménia, para além da sub-sequências canónicas, podem aparecer episódios que mostram a reação institucional perante assuntos da agenda internacional – observar um minuto de silêncio pelas vítimas do terramoto do Japão –, bem como momentos em que o presidente congratula colegas pelo dia de nome ou o dia de anos. Notamos também que no parlamento romeno algumas componentes institucionais de organização do debate – ordem do dia, o tempo disponível para o governo e os parlamentares, etc. – devem ser votados pelos deputados e senadores. Destaca-se o papel central do presidente que segue as normas regimentais nas suas intervenções, sendo escassos os episódios em que deputados ou senadores intervêm para pedir esclarecimentos em relação aos procedimentos de organização do debate. Os momentos de negociação da tomada de palavra são muito pouco frequentes nesta sequência. Como mencionámos no início da análise, as etapas padrão da abertura são: a(s) saudação(ões), a apresentação do quórum, a declaração de abertura, a leitura do calendário ortodoxo é o dia de São Nicolae (Nicolas), razão pela qual o presidente do Senado dá os parabéns aos colegas que tem este nome.

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expediente, a apresentação da ordem do dia, a apresentação das regras do debate e a concessão da palavra ao primeiro interveniente (ver também a Figura nº 6), sendo pontuais os episódios como: o pedido de esclarecimentos, a negociação da tomada de palavra, o convite, os votos.

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1.3.2 O corpo da interação Mas voltemos ao centro do debate, que diz respeito à acção do Governo relativamente ao sector empresarial do Estado e às escolhas que é necessário fazer no País neste cenário de crise. (DAR, 28/01/2011, I Série — Número 44)

O corpo da interação é a sequência mais extensa do debate parlamentar, contendo cinco sub-sequências: i) a exposição (da interpelação, da posição do ministro, da moção simples ou de censura); ii) a resposta detalhada (do representante do governo); iii) as perguntas dos requerentes (só no sub-corpus brasileiro); iv) a sessão de perguntas e respostas; v) a conclusão. Cada debate tem as suas particularidades de organização, relacionadas com o(s) assunto(s) debatido(s) ou o número e a ordem dos intervenientes, mas as cinco sub-sequências mencionadas são as que se encontram ao longo das trinta e três interações do nosso corpus. Ao contrário das conversações quotidianas, em que o corpo da interação pode ter configurações “aleatórias e polimorfas” (Kerbrat-Orecchioni 1990: 220), os debates parlamentares, pela sua organização institucional – em conformidade com as normas regimentais –, apresentam mais regularidades, tornando-se mais fácil delimitar as subsequências desta parte da interação. No que diz respeito à duração de cada uma das cinco sub-sequências, esta depende do número de intervenientes e é calculada de acordo com as regras de funcionamento dos debates parlamentares. Em função do número de membros, cada bancada parlamentar tem um número de minutos bem definidos pelo presidente da reunião na sequência de abertura. O governo tem também à disposição tempo para apresentar o seu ponto de vista e responder às perguntas feitas pelos parlamentares. Do ponto de vista do grau de interatividade, usando a classificação proposta por Kerbrat-Orecchioni (2014) para os debates presidenciais40, podemos afirmar que a exposição e a conclusão são claramente sequências a tempo lento, a resposta detalhada e as perguntas dos requerentes representam uma situação intermédia, ao passo que a sessão de questões e respostas poderia ser uma zona de turbulências. Em outras palavras, cada uma destas sub-sequências constitui o que Marques (2000: 140) chama “ciclos de interação marcados por diferentes graus de espontaneidade”. No entanto, devemos salientar que a interativitade e oralidade dos debates parlamentares têm uma particularidade, pois este tipo de interação é por excelência um:

40 Numa conferência sobre os debates presidenciais da França, feita na Universidade de Estocolmo no âmbito workshop Political discourse in the Romance speaking countries: new perspectives at the crossroads of linguistics and social sciences (9-11 de outubro de 2014), a linguista francesa Catherine Kerbrat-Orecchioni distingue entre três graus de interatividade: séquences à temps lent (com interação fraca), situation intermédiaire e zones de turbulences (com um alto grau de interatividade).

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“género híbrido, no sentido em que não é um discurso planeado, mediado no tempo da sua concepção face ao momento da emissão, e também não é – senão em parte – um discurso não planeado, de elaboração e verbalização simultâneas” (Marques 2000: 140).

Nas próximas cinco secções tentaremos fazer uma análise das caraterísticas de cada sub-sequência, destacando as particularidades presentes em debates portugueses, brasileiros e romenos. 1.3.2.1 A exposição Como pudemos observar na secção anterior, na sequência de abertura o presidente tem o papel principal. Na primeira sub-sequência do corpo de interação, o protagonista é o primeiro orador: no caso dos debates portugueses e romenos, um parlamentar da oposição, que apresenta a interpelação, a moção simples ou de censura e, nos debates brasileiros ou um membro do governo convidado pela comissão parlamentar para esclarecer assuntos relacionados com a sua atividade. No entanto, no corpus brasileiro há também exceções pontuais a esta regra. Em todos os debates que integram o corpus, as intervenções são – sem exceção – leituras de documentos já preparados anteriormente, havendo poucos episódios de discurso espontâneo. Portanto, esta sub-sequência configura-se como um momento de verbalização de escrita, em que a interação tem um lugar periférico. Observamos que nos sub-corpora português (26) e romeno (27) os intervenientes – como já referimos, parlamentares da oposição – entram quase ex abrupto no assunto, sem se implicarem em trocas de natureza fática, uma vez que, depois das formas de tratamento protocolares, “Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo”, “Domnule preşedinte al Camerei Deputaţilor, Domnule prim-vicepremier al Guvernului, Dragi colegi” [Senhor presidente da Câmara dos Deputados, Senhor vice Primeiro-Ministro do governo, Caros colegas], começam a leitura da interpelação ao governo e da moção simples. (26) O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Um dia depois do debate da moção de censura apresentada pelo Bloco de Esquerda, o Governo anunciou ao País um novo pacote de medidas de austeridade. Começamos por registar o insulto à democracia que foi a ocultação destas medidas ao País, por parte do Governo. (Reunião plenária de 16 de março de 2011) (27) Domnul Adrian Henorel Niţu: — Domnule preşedinte al Camerei Deputaţilor, Domnule prim-vicepremier al Guvernului, Dragi colegi, Vă prezint moţiunea: “Guvernul USL – « Frâna de motor » a bugetului”. (Reunião da Câmara dos Deputados de 23 de outubro de 2012)

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[O senhor Adrian Henorel Niţu: - Senhor presidente da Câmara dos Deputados, senhor vice primeiro-ministro do Governo, caros colegas, apresento-vos a moção: “O Governo USL “Guvernul USL – « Freio de motor » do orçamento”.]

Por outro lado, nos exemplos (28)-(29) do corpus brasileiro notamos que os intervenientes – membros do governo – mostram uma preferência sistemática por certos atos rituais, como os agradecimentos “Agradeço a esta Comissão o convite” e os votos “quero desejar um bom dia a todos os Parlamentares presentes nesta sessão da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados”. (28) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA - Boa tarde a todos. Saúdo Deputado Sérgio Brito, Presidente desta Comissão, os Srs. Parlamentares, os técnicos do Ministério presentes e também os colegas da imprensa. Agradeço a esta Comissão o convite para que eu possa, por um lado, como está no próprio convite, dispor sobre um conjunto de ações prioritárias do Ministério da Saúde, no período de janeiro a início de abril. (Audiência Pública n° 0252/11, 12/04/2011) (29) A SRA. MINISTRA IDELI SALVATTI - Em primeiro lugar, quero desejar um bom dia a todos os Parlamentares presentes nesta sessão da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. De forma muito especial e carinhosa ao Deputado Edson Santos, que preside os trabalhos no dia de hoje. Para mim, é um prazer estar aqui. (Audiência pública nº 0594/12, 16/05/2012)

No corpus brasileiro (30) observámos que a ordem canónica dos intervenientes pode ser alterada, pois na audiência de 23 de novembro de 2011, os dois deputados que fizeram os requerimentos têm a palavra nesta sub-sequência, e não o ministro que prefere responder diretamente às questões, sem fazer uma apresentação do assunto. Quando toma a palavra, o ministro usa atos de agradecimento antes de responder às perguntas feitas pelos deputados requerentes. (30) O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) – A lista de oradores já está disponível para a inscrição. Invertendo a ordem, quero passar a palavra aos requerentes para as indagações do requerimento aprovado. [...] O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Sr. Presidente, apenas uma questão: o Ministro não se dispõe a fazer uma apresentação dos problemas do Ministério, inclusive sobre a questão do ENEM? O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Ele prefere responder ao requerimento. Ou seja, às perguntas, aos questionamentos que forem feitos.[...] O SR. MINISTRO FERNANDO HADDAD - Deputado Nilson Leitão, gostaria muito de agradecer o convite para este debate, agradecer aos requerentes e também as perguntas delicadamente feitas a mim. (Audiência pública nº 1963/11, 23/11/2011)

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Embora esta sub-sequência decorra em geral de forma linear, pois o papel do orador é apresentar o conteúdo de um documento – interpelação, moção, depoimento – que constitui o núcleo temático para o debate no seu conjunto, por vezes não faltam interrupções, comentários e reações vindas da sala – os apartes –, que constituem os (poucos) momentos de dinâmica interativa e (pseudo)interativa41. Por exemplo, em (31) e em (32) o presidente do Senado romeno e a presidente da Assembleia da República interrompem o orador para tratar da organização do debate, em (33) o presidente da Câmara dos Deputados da Roménia pede ao orador para não usar uma linguagem ofensiva. (31) Domnul Mircea-Dan Geoană: Domnule senator, o secundă. Rog toţi colegii să acorde atenţia şi respectul cuvenite unui astfel de moment în dezbaterile Senatului. Vă rog să vă ocupaţi locurile în sală şi să amânaţi discuţiile sau lobby-ul pe lângă diverşi miniştri prezenţi în plenul nostru. Vă mulţumesc. (Reunião do Senado de 2 de maio de 2011) [O senhor Mircea-Dan Geoană: Senhor senador, um segundo. Queria pedir aos colegas que mostrassem a atenção e o respeito adequados num momento desta natureza no âmbito dos debates do Senado. Por favor sentem-se nos seus assentos na sala e deixem para mais tarde as discussões e o lobby com os vários ministros presentes no plenário. Obrigado.] (32) A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa por interromper, mas há um ruído na Sala que, não sendo um ruído gritante, perturba a audição das palavras da Sr.ª Deputada. Por isso, solicitava aos Srs. Deputados algum cuidado. Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada. (Reunião de 12 de outubro de 2011) (33) Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: O să am o rugăminte la dumneavoastră, domnule deputat, să nu folosiţi fraze care pot aduce atingere persoanei. Da? Am o mare rugăminte la dumneavoastră. Ştiţi că este o rugăminte veche a mea şi a colegilor din Grupul parlamentar al PSD şi PNL, şi PD, şi UDMR, şi Progresist. O să am această rugăminte la dumneavoastră. Vă ştiu un om care respectaţi întotdeauna şi sunteţi un om de onoare. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de outubro de 2012) [O senhor Valeriu Ştefan Zgonea: Queria pedir-lhe o favor, senhor deputado, de não usar palavras que possam ofender as pessoas. Está bem? Peço-lhe

41 Fazemos assim a distinção entre as interrupções propriamente ditas, que pressupõem uma resposta do orador (constituindo, por conseguinte, um momento de interação, por muito breve que possa ser) e os apartes – comentários, perguntas retóricas, retomas do discurso apresentado na tribuna –, que não interrompem o orador. Aliás, segundo o Regimento da Assembleia da República, os apartes não são considerados interrupções: “não sendo, porém, consideradas interrupções as vozes de concordância, discordância, ou análogas” (Art. 89º, al. 2).

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este grande favor. Sabe que é um pedido que lhe faço. Sabe que é um pedido meu, antigo, mas também dos colegas do grupo parlamentar de PSD. PNL, PD, UDMR e Progressistas. Far-lhe-ia este pedido. Conheço-o como uma pessoa respeituosa e como homem de honra.]

Estas interrupções têm caráter pontual e aparecem apenas quando os presidentes de mesa consideram que a situação as impõe, sendo o seu objetivo assegurar o funcionamento adequado da reunião. Estes breves episódios, que constituem desvios temáticos do assunto apresentado pelo orador, funcionam como reguladores do quadro da interação (31) e (32) ou da linguagem (33), na medida em que o presidente tem a autoridade institucional (e discursiva) para intervir em situações consideradas não-adequadas. Por outro lado, os participantes na reunião manifestam as suas reações sem interromper o orador através de apartes, ou seja atos não-verbais (por exemplo, aplausos, gestos, risos etc.) e verbais (perguntas retóricas, críticas, exclamações, reformulações, ataques ou até insultos). Configuradas no eixo antagónico concordar / discordar 42 , estas “vozes off” (Marques 2005) constituem um verdadeiro barómetro ideológico das posições que as diferentes bancadas têm em relação ao assunto apresentado na tribuna. Em geral, os parlamentares que pertencem ao mesmo partido do orador apresentam nos apartes o seu apoio (34), privilegiando a expressão de concordância, ao passo que os adversários políticos aproveitam a ocasião para criticar ou ironizar o discurso apresentado na tribuna do parlamento (35). No que diz respeito à frequência dos apartes nesta sub-sequência, notamos que, pelo menos nas interações que integram o nosso corpus, há mais ocorrências de intervenções off de apoio e de expressão do acordo do que apartes para discordar com o discurso do orador. Vejamos alguns exemplos do corpus português: (34a) O Sr. Pedro Lynce (PSD): — Muito bem! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (34b) Vozes do CDS-PP: — Muito bem! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (34c) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É verdade! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (34d) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (34e) O Sr. José Gusmão (BE): — Bem lembrado! (Reunião de 17 de março de 2011) (35a) O Sr. João Pinho de Almeida (CDS-PP): — Autoridade moral?! (Reunião de 11 de maio de 2012) (35b) O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — O quê? O quê? (Reunião de 11 de maio de 2012) Veja-se também a análise de Waldeck (1996: 299-308) de dois apartes e o papel dos mesmos na configuração das relações discursivas no Congresso Nacional do Brasil. 42

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A exposição acaba com a intervenção do presidente que pede ao orador para concluir (se for necessário) e passa a palavra ao membro do governo para responder. Nos debates brasileiros o ministro acaba a sua intervenção e o presidente concede a palavra aos deputados que fizeram o requerimento para a audiência pública (36). (36) O SR. PRESIDENTE (Deputado Efraim Filho) - Eu, Sr. Ministro, acredito que é bom V.Exa. esgotar a fala neste momento, já que, se derivarmos por apenas um vértice do nosso debate, que são as operações da Polícia Federal, ficará prejudicado o outro, porque, pela quantidade de Parlamentares e pela quantidade de inscritos, se nós retornarmos depois exclusivamente sobre a crise da segurança pública, ficará um pouco prejudicado o debate. [...] Após o término da fala de V.Exa., falarão os autores do requerimento e os Deputados inscritos para o debate. (Audiência pública nº 1690/12, 04/12/2012)

Nos debates parlamentares portugueses e romenos, a segunda sub-sequência do corpo da interação, analisada na secção seguinte, é a resposta detalhada dos membros do governo: o primeiro ministro, ministros, secretários de estado. Nos debates brasileiros, a segunda sub-sequência é constituída pelo bloco de perguntas dos requerentes (ver infra 1.3.2.3). 1.3.2.2 A resposta detalhada Esta sequência constitui um exemplo do que Miche (1995: 241) chama intervenções reativas, ou seja réplicas a discursos iniciais 43 , que fazem sempre referência a palavras anteriores. Ao contrário das respostas / reações imediatas dos pares adjecentes44 de uma conversação informal, os locutores têm muito tempo à sua disposição para formular a sua resposta, uma vez que as interpelações, as moções e os requerimentos são enviados ao governo com alguns dias de antecedência, para que o ministro em questão possa preparar a intervenção. Em (37) o locutor até menciona que já leu o texto da moção – acabado de ser apresentado na reunião por um deputado da oposição – , sugerindo que já o analisou, pois menciona que há um progresso em relação à moção do Senado.

Marques (2011) analisa o papel da reprise na construção do discurso agonal. “[La paire adjacente] C’est l’unité interactive minimale. Elle comporte deux énoncés contigus, produits par locuteus différents, et fonctionne de telle sorte que la production du premier membre de la paire exerce une contraine sur le tour suivant: comme disent Sacks, Scheglogg et Jefferson, « une fois le premier [membre d’une paire] produit, le second est attendu » [given the first, the second is expectable]” (Traverso 1999: 33). 43 44

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(37) Domnul Cseke Attila (Ministrul Sănătăţii): - Domnule vicepreşedinte, Doamnelor şi domnilor deputaţi, Dragi colegi, Am citit cu atenţie textul moţiunii şi trebuie să vă mărturisesc că faţă de moţiunea anterioară de la Senat, tot pe problematica domeniului sănătăţii, există un progres. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [O senhor Cseke Attila (Ministro da Saúde): - Senhor vice-presidente, senhoras e senhores deputados, caros colegas, li com atenção o texto da moção e devo confessar que em relação à moção anterior do Senado, também sobre a saúde, há progresso.]

Tal como na exposição, os locutores, na maioria dos casos, preferem fazer a leitura de documentos redigidos anteriormente, sendo a resposta detalhada também uma sequência de verbalização da escrita. No entanto, há intervenientes que não leem a resposta na íntegra, fazendo uma síntese do documento preparado (38): (38) Doamna Ecaterina Andronescu (Ministrul Educaţiei, Cercetării, Tineretului şi Sportului): - Doamnelor şi domnilor deputaţi, am raspuns moţiunii citite de la acest microfon pe aproximativ 16 pagini. N-am să citesc integral acest răspuns. (Reunião do Senado, 6 de dezembro de 2011) [A senhora Ecaterina Andronescu (Ministra da Educação, da Investigação, da Juventude e do Desporto): - Senhoras e senhores deputados, respondi à moção lida neste microfone num texto de quase 16 páginas. Não vou ler esta resposta na íntegra.]

Tomando em consideração a relação entre a escrita e a oralidade, as primeiras duas sequências dos debates que compõem o corpos seriam, ao nosso ver, mais parecidas com uma troca epistolar – porém verbalizada – do que com uma interação verbal propriamente dita, que tem como caraterística fundamental a imediatez das reações. O locutores recebem documentos escritos e em seguida redigem as respostas detalhadas, que serão lidas no plenário do parlamento. Do ponto de vista temático, notamos também uma particularidade dos debates. Se no caso de uma conversa quotidiana o discurso se constrói à medida que a interação avança, a espontaneidade e a improvisação sendo caraterísticas principais (Kerbrat-Orecchioni 1990: 114), no caso do debate parlamentar existe uma predeterminação temática que os intervenientes devem respeitar. Sendo sequências de intervenções reativas, as respostas detalhadas retomam ou fazem referência explícita ao discurso anterior (39) e (40), ou seja da exposição, mas propõem perspetivas contrárias das apresentadas por locutores anteriores (41). (39) Domnul Valeriu Tabără – Ministrul Agriculturii şi Dezvoltării Rurale: Mulţumesc, domnule preşedinte. Doamnelor şi domnilor senatori, Permiteţimi, vă rog, să dau răspuns la problematica pe care o ridică moţiunea simplă împotriva ministrului şi a agriculturii, până la urmă, şi unde am să

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prezint punctul de vedere şi al ministerului şi, implicit, al Guvernului pe care îl reprezint. (Reunião do Senado, 1 de maio de 2011) [O senhor Valeriu Tabără – Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural: Obrigado, senhor presidente. Senhoras e senhores senadores, permitamme, por favor, de reponder à problemática levantada pela moção simples contra o ministro e, em última instância, contra a agricultura; vou apresentar o ponto de vista do ministério e, implicitamente, do Governo que represento.] (40) O Sr. Ministro da Saúde (Paulo Macedo): — Sr.ª Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: A interpelação do PCP, perante a qual hoje somos colocados, consiste sobretudo numa iniciativa política de carácter ideológico, como ficou claro. [...] Pretende o PCP contestar a acção do Governo, criticando a política de saúde, invocando estar em risco o Serviço Nacional de Saúde. (Reunião da Assembleia da República, 12 de outubro de 2011) (41) O Sr. Ministro da Saúde (Paulo Macedo): — Ao contrário do que tem sido referido, a evidência da prestação de cuidados concreta mostra que não está comprometida a continuidade dos cuidados, não está em causa a capacidade de resposta e está certamente assegurada a qualidade e a segurança da prestação de cuidados. (Reunião da Assembleia da República, 11 de abril de 2012)

O início desta sub-sequência do corpo de interação não obedece a regras bem definidas, podendo os locutores começar as suas intervenções quer de maneira ex abrupto (42), quer usando diferentes tipos de manifestações de cortesia – mais ou menos institucional –, como o agradecimento pelo convite (43), a saudação da moção (44). No entanto, esta fase da intervenção pode ser também uma oportunidade para criticar os adversários políticos e desmantelar a sua iniciativa (46). (42) O Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Vítor Gaspar): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Ana Drago: O nosso programa de ajustamento, como tem sido amplamente repetido, responde aos desequilíbrios macroeconómicos e aos bloqueios estruturais que caraterizaram a nossa economia nos anos de participação na área do euro e que se agravaram de forma dramática até ao pedido de ajuda internacional. (Reunião da Assembleia da República, 26 de abril de 2012)

No exemplo (42) notamos a preferência do locutor por um estilo de comunicação puramente institucional, limitando-se na sua intervenção ao papel que deve desempenhar, segundo as regras do debate, ou seja ler a resposta à interpelação, ao passo que em (43) e em (44) os locutores usam atos rituais de agradecimento, seja pelo convite feito, seja pela moção em si. O objetivo declarado é a oportunidade de

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apresentar perante o parlamento “alguns aspetos da política de educação e de ciência deste Governo” ou de “ce s-a întâmplat în ultima perioadă la Ministerul Transporturilor” [o que tem acontecido nos últimos tempos no Ministério dos Transportes]. Estes atos de agradecimento podem ser interpretados como uma estratégia de configurar uma cooperação discursiva com os autores da moção – adversários políticos – e de mitigar uma situação possivelmente ameaçadora – a nível institucional e pessoal –, pois se a moção for votada, o ministro tem de se demitir. (43) O Sr. Ministro da Educação e Ciência (Nuno Crato): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Começo por agradecer a oportunidade que me dão de vir de novo a esta Casa esclarecer alguns aspetos da política de educação e de ciência deste Governo. (Reunião da Assembleia da República, 10 de maio de 2012) (44) Doamna Anca Daniela Boagiu (Ministrul Transporturilor şi Infrastructurii): - Vă mulţumesc foarte mult, doamnă preşedinte. În primul rând, aş vrea să salut ideea acestei moţiuni simple care vizează activitatea Ministerului Transporturilor de-a lungul anilor pentru că este o oportunitate foarte bună pentru ca fiecare senator, deputat şi cetăţean al României să ştie ce s-a întâmplat în ultima perioadă la Ministerul Transporturilor. (Reunião da Câmara dos Deputados, 21 de novembro de 2011) [A senhora Anca Daniela Boagiu (Ministra dos Transportes e da Infraestrutura): - Muito obrigada, senhora presidente. Em primeiro lugar, queria saudar a ideia desta moção simples que visa a atividade do Ministério dos Transportos ao longo dos anos, porque é uma ótima oportunidade para cada senador, deputado e cidadão da Roménia saber o que se tem passado nos últimos tempos no Ministério dos Transportes.]

Em (45) o locutor faz uma contextualização da sua intervenção, começando com uma sequência narrativa e conta como soube da criação da moção simples no Senado, acrescentando – como o locutor de (44) – que estas iniciativas da oposição são uma oportunidade de ter debates sérios sobre a política externa do país. Faz uma avaliação positiva destas iniciativas “Apreciez aceste discuţii.” [Aprecio estas discussões] e menciona que esteve sempre disponível para ter reuniões no parlamento. Observamos de novo a preocupação em criar um abiente cooperativo – e colaborativo – de debate. (45) Domnul Teodor Baconschi – Ministrul Afacerilor Externe: Vă mulţumesc, domnule preşedinte al Senatului. Doamnelor şi domnilor senatori, eram în vizită de lucru la Londra, când am aflat că opoziţia va depune o moţiune simplă la Senat împotriva mea, ceea ce speram eu va genera dezbateri serioase pe teme de politică externă a României. Apreciez aceste discuţii. Am fost prezent la Comisia pentru politică externă de câte ori am fost invitat şi

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vă mărturisesc faptul că am avut întotdeauna întâlniri utile în Parlament. (Reunião do Senado, 23 de maio de 2011) [O senhor Teodor Baconschi – Ministro dos Negócios Estrangeiros: Obrigado, senhor presidente do Senado. Senhoras e senhores senadores, estava numa visista de trabalho em Londres, quando soube que a oposição faria uma moção simples no Senado contra mim, eu esperava que criasse debates sérios sobre a política externa da Roménia. Aprecio muito estas discussões. Estive presente na Comissão de Política Estrangeira sempre que me convidaram e confesso que sempre tive reuniões úteis no Parlamento.]

A estratégia usada pelo locutor em (46) é bem diferente do que vimos nos exemplos anteriores, pois o primeiro ministro prefere desarmar os adversários logo no incício da sua intervenção e afirma que a inicitiava deles – uma moção de censura que poderia “chumbar” o governo – não terá sucesso. Desta vez o locutor não pretende criar un espaço de cooperação com a instância adversária, sendo o seu objetivo desacreditar a oposição e a moção de censura. (46) Domnul Emil Boc (primul-ministru al Guvernului României): - [...] Doamnelor şi domnilor senatori şi deputaţi, Această moţiune de cenzură nu are nicio şansă. (Aplauze.) Am cel puţin două motive pentru a vă argumenta acest lucru. (Reunião plenária do Senado e da Câmara dos Deputados, 16 de março de 2011) [O senhor Emil Boc (Primeiro Ministro do Governo da Roménia): - [...] Senhoras e senhores senadores e deputados, esta moção de censura não tem nenhuma hipótese (de passar). (Aplausos.) Tenho pelo menos duas razões para argumentar isto.]

Nesta sub-sequência do corpo da interação observa-se também uma intensificação do número dos apartes e uma diversificação da sua tipologia (sobretudo dos de discordância). O primeiro grupo de intervenções off, que selecionámos em (47) são comentários irónicos sobre o discurso apresentado pelo orador; trata-se de falsas avaliações positivas, em que deputados da oposição manifestam a sua discordância. Em (47a) o deputado reage a uma afirmação do ministro sobre as medidas de diminuição dos défices operacionais das empresas ferroviárias, em (47b) há uma reação à apresentação de mudanças na legislação laboral feita pela Ministra de Trabalho e da Solidariedade Social e (47c) é um comentário sobre o discurso do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares sobre as privatizações e o financiamento da economia portuguesa. (47a) O Sr. Bruno Dias (PCP): — Extraordinário! Excelentes medidas!… (Reunião de 27 de janeiro de 2011) (47b) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ah, pronto…! Os nossos parceiros europeus! Podemos estar descansados!… (Reunião de 17 de fevereiro de 2011)

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(47c) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Novos mercados? É, é! Só coisas boas! (Reunião de 22 de março de 2012)

No segundo grupo de apartes o deputado faz perguntas (retóricas) sobre as questões apresentadas pelos oradores: a renegociação das parcerias público-privadas (48a), as novas leis que deveriam incetivar os investimentos (48b), a situação das exportações (48c). Embora se trate de atos interrogativos, as funções das perguntas selecionadas são diferentes: em (48a) o locutor tenta, de facto, procurar informações (ou seja, uma possível solução para as parcerias público-privadas), ao passo que em (48b) a pergunta (feita no fim de uma lista de iniciativas legislativas mencionadas pelo ministro) tem o papel de levantar uma questão ainda por resolver (a legislação laboral) e em (48c) o locutor pretende mostrar que o crescimento das exportações deve ser relacionado com o crescimento da taxa de desemprego para ter o panorama geral da situação económica. (48a) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não se pode fazer nada?! Temos que ficar apenas a assistir?! (Reunião de 17 de março de 2011) (48b) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E a legislação laboral? (Reunião de 27 de outubro de 2011) (48c) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E o emprego? (Reunião de 27 de outubro de 2011)

Os apartes seguintes constituem avaliações negativas das situações apresentadas, da atitude do governo e do discurso do orador. No exemplo (49a) tratase de uma reação à apresentação dos avanços na reforma do mercado laboral e em (49b) de uma avaliação negativa dos benefícios dos contratos de parcerias públicoprivadas, ao passo que em (49c) o aparte tem o objetivo de criticar o modo como o governo gere o Sistema Nacional de Saúde. O intuito das intervenções (49d) e (49e) é de criticar o discurso do orador, que é avaliado como sendo sem originalidade, banal. (49a) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Ora, aí está! Trabalhar e receber menos! (Reunião de 22 de março de 2012) (49b) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É ao contrário! Isso é um contrato com o endividamento! (Reunião de 17 de março de 2011) (49c) O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Estranha forma de o defender! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (49d) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Que falta de originalidade! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (49e) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Até agora só disse banalidades! (Reunião de 27 de outubro de 2011)

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Os apartes do terceiro grupo (50), constituem verdadeiras acusações ao governo e às afirmações feitas pelo orador. Do ponto de vista do grau da ameaça da imagem do locutor – os face threatening acts da teoria da cortesia linguística, abreviados FTA –, assistimos a um crescimento progressivo do ataque, uma vez que nos exemplos (50a), (50b) os apartes visam as afirmações feitas, mas em (50c), ao nosso ver, a acusação de hipocrisia entra na esfera da caraterização pessoal. No entanto, é preciso mencionar que estes FTAs não constituem ataques frontais ao locutor (em vocativo, i.e. mentiroso, hipócrita), mantendo-se a relação interpessoal dentro dos limites das regras institucionais de comportamento discursivo. (50a) A Sr.ª Rita Rato (PCP): — Isso não é verdade! (Reunião de 27 de outubro de 2011) (50b) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — É mentira! Vai é aumentar os lucros! (Reunião de 27 de outubro de 2011) (50c) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Hipocrisia! (Reunião de 22 de março de 2012)

Os exemplos que seguem (51) são ilustrativos para a construção discursiva do(s) outro(s), neste caso dos adversários políticos. Notamos o uso de meios linguísticos que têm o papel de criar a oposição em relação ao(s) alocutário(s), como o pronome vocês em (51a), e aos terceiros, como o demonstrativo estes e o deítico espacial aqui em (51b) e o deítico espacial ali em (51c). (51a) O Sr. Pedro Jesus Marques (PS): — É que vocês nunca fizeram isso! (Reunião de 22 de março de 2012) (51b) O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — São estes todos aqui, à minha direita, e que já andam no governo há trinta e tal anos! (Reunião de 22 de março de 2012) (51c) O Sr. Emídio Guerreiro (PSD): — Isso é ali com o PS! (Reunião de 11 de maio de 2012)

Embora menos numerosos, existem no corpus apartes de concordância (52), em que os parlamentares dos partidos do poder manifestam explicitamente o apoio às afirmações dos membros do governo. Em geral trata-se de expressões curtas, de avaliação positiva, que podem constituir um contrapeso aos apartes críticos que vêm dos membros da oposição. (52a) O Sr. Adão Silva (PSD): — Muito bem! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (52b) Vozes do PSD: — Muito bem! (Reunião de 13 de outubro de 2011) (52c) A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Muito bem! (Reunião de 13 de outubro de 2011)

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(52d) Vozes do PSD: — É verdade! (Reunião de 19 de outubro de 2012)

Não faltam as manifestações não-verbais através das quais os deputados manifestam o seu acordo (53a) e (53b) ou o descordo (53c) e (53d) em relação ao discurso apresentado na tribuna. (53a) Aplausos do PS. (Reunião de 27 de outubro de 2011) (53b) Aplausos do PSD e do CDS-PP. (Reunião de 13 de outubro de 2011) (53c) Protestos de Os Verdes. (Reunião de 27 de janeiro de 2011) (53d) Protestos do PS, batendo com as mãos nos tampos das bancadas. (Reunião de 19 de outubro de 2012)

A sub-sequência do corpo da interação que chamámos resposta detalhada acaba com a intervenção do presidente (54) e (55), que avisa o orador de ter ultrapassado o tempo regimental e que concede a palavra aos deputados para fazer perguntas ao governo. (54) A Sr.ª Presidente: — Sr. Ministro, peço desculpa por interrompê-lo, mas tenho de alertá-lo para que já excedeu em quase 2 minutos o tempo que tinha disponível. Agradeço-lhe, pois, que faça o favor de concluir. O Sr. Ministro da Saúde: — Vou terminar, Sr.ª Presidente. [...]Muito obrigado pela tolerância, Sr.ª Presidente. (Reunião de 12 de outubro de 2011) (55) Domnul Mircea-Dan Geoană: Domnule ministru, îmi cer scuze! Aţi depăşit deja cele 30 de minute alocate. Vă rog să sintetizaţi şi să încercaţi să comprimaţi materialul prezentat. Veţi mai avea încă un sfert de oră la finalul dezbaterii pentru alte precizări eventuale. Vă mulţumesc. (Reunião do Senado de 2 de maio de 2011) [O senhor Mircea-Dan Geoană: Senhor ministro, peço desculpas! Já ultrapassou os 30 minutos disponíveis. Por favor faça uma síntese e tente comprimir o material apresentado. Terá mais um quarto de hora no final do debate para eventuais esclarecimentos. Obrigado.]

Esta sub-sequência carateriza-sa essencialmente por um grau reduzido de interatividade, que advém da prevalência dos episódios de verbalização da escrita, interrompidos por apartes. Notamos, deste ponto de vista, uma semelhança com a primeira subsequência do corpo da interação, a exposição, que apresenta as mesmas particularidades.

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1.3.2.3 As perguntas dos requerentes Nas interações que integram o corpus brasileiro, após a exposição do representante do governo, seguem-se as perguntas feitas pelos deputados requerentes, ou seja os deputados que pediram a presença do(s) ministro(s) na audiência pública. Na maioria dos casos não se trata simplesmente de perguntas, mas sim de verdadeiras sequências expositivas (ver infra 1.5.2. Uma tipologia das perguntas), em que os locutores expõem o seu ponto de vista sobre o assunto, as razões pelas quais convocaram a audiência pública, etc. Observamos que, ao contrário das sequências de respostas detalhadas do corpus português e romeno, nas perguntas dos requerentes do corpus brasileiro os locutores começam as suas intervenções, com atos rituais de saudação (58) ou de agradecimentos aos ministros por comparecer perante a comissão em (57). É também uma particularidade do corpus brasileiro os deputados justificarem sistematicamente – em oito do total de onze debates – a organização da audiência pública, como, por exemplo, em (56) “um Deputado de Oposição que tem a obrigação, em virtude da própria atuação parlamentar, de fiscalizar” e (58) “Uma das missões da Oposição no Parlamento é fiscalizar”. Associaríamos o uso deste ato justificativo a uma estratégia de proteger a imagem pública do locutor, que, ao ser convocado perante a comissão parlamentar, enfrenta uma situação de ameaça, pois em geral, as audiências da Comissão de Fiscalização Financeira e Contrôle assinalam problemas nas políticas ou nas ações do governo. Por conseguinte, os debates têm, por vezes, uma dimensão agonal. Por outro lado, os deputados justificam a convocação das audiência com argumentos de natureza regimental para contrariar possíveis críticas que referem a disputa partidária como objetivo principal destas reuniões, assim protegendo a própria imagem pública pesssoal. Notamos que estas justificações têm facetas diferentes, sendo relacionadas com a dicotomia institucional vs. pessoal da identidade (dos) parlamentar(es): por um lado, alguns locutores afirmam a sua identidade institucional e descrevem o papel que lhes incumbe enquanto membros do que Charaudeau (2005) designa a instância adversária “um Deputado de Oposição que tem a obrigação, em virtude da própria atuação parlamentar, de fiscalizar” (56), por outro lado mencionam que as suas ações não se situam na esfera das relações pessoais “daqui não vai nenhuma consideração de ordem pessoal” (57). Tanto em (56), como em (57) reforça-se a responsabilidade da Comissão no que diz respeito à fiscalização da atividade governamental, salientando a componente institucional desta iniciativa parlamentar. (56) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Sr. Ministro, eu gostaria de deixar muito claro para V.Exa. que aqui vai se manifestar rapidamente, até em função dos esclarecimentos, muitos deles já satisfatórios, um Deputado de Oposição que tem a obrigação, em virtude da própria atuação parlamentar, de fiscalizar. E, sendo desta Comissão específica, que é de Fiscalização e Controle, é nossa responsabilidade, em função da sua presença aqui, questioná-

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lo sobre eventuais dúvidas que possamos ter em relação a essa obra importante. (Audiência Pública N°: 0646/12 DATA: 22/05/2012) (57) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - [...] Primeiro, Sr. Ministro, muito obrigado pela sua presença, rapidamente aqui comparecendo, tão logo esta Comissão decidiu solicitar o seu comparecimento, para esclarecer essas questões que nos preocupam, como Parlamentares. [...] Portanto, quero por esse ponto cumprimentá-lo, ou seja, pela rapidez com que veio a esta Comissão. Segundo, Sr. Ministro, daqui não vai nenhuma consideração de ordem pessoal, a não ser preocupações, pela responsabilidade que temos como Parlamentares, especialmente desta Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, que tem responsabilidade constitucional nessa direção. (Audiência Pública N°: 0252/11DATA: 12/04/2011)

O exemplo (58) é ilustrativo também para a justificação da dimensão institucional da audiência pública, mas ao contrário dos exemplos (56) e (57), o locutor faz esta afirmação para responder a uma declaração anterior do ministro (feita durante a exposição), que se confessou sentir-se incomodado por viver numa “sociedade que é um verdadeiro tribunal de inquisição”. O locutor começa com a sequência ritual de saudação de todos os presentes na audiência, o presidente, o ministro e os membros da Comissão e, depois, partindo da declaração feita pelo ministro, defende a missão da oposição no parlamento, que deve fiscalizar a atividade governamental na sua totalidade: “o que é feito, o que deixa de ser feito e o que é feito de forma errada no Executivo”. Salienta o papel democrático desta prerrogativa do legislativo e rejeita a afirmação do ministro: “Aqui, não está instalado um tribunal de inquisição”. Se nos exemplos (56) e (57) os locutores afirmam explicitamente o papel fiscalizador do parlamento para afirmar desde o início da intervenção o contexto institucional do debate e para diminuir a possível ameaça à imagem do ministro, em (58) as mesmas afirmações servem para rejeitar a posição do representante do Executivo. (58) O SR. DEPUTADO MENDONÇA FILHO - Inicialmente, queria cumprimentar o Presidente da Comissão, Deputado Nilson Leitão. Cumprimento também o Ministro de Estado Carlos Lupi e todos os membros desta Comissão de Fiscalização Financeira e Controle. Eu gostaria de fazer, inicialmente, uma observação quanto ao que foi dito pelo Ministro e à interpretação dada, que, muitas vezes, eu acredito, leva a uma direção equivocada, a respeito da missão desta Casa, do Parlamento, de fiscalizar e de exercer a cobrança, o acompanhamento daquilo que ocorre no âmbito do Executivo. Uma das missões da Oposição no Parlamento é fiscalizar, cobrar e acompanhar o que é feito, o que deixa de ser feito e o que é feito de forma errada no Executivo. Fundamento democrático. Aqui, não está instalado um tribunal de inquisição. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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Esta negociação dos papéis institucionais e das relações de poder – que ocorre sobretudo em (58) – pode relacionar-se com o funcionamento do sistema político presidencialista e a configuração das relações entre o legislativo e o executivo (ver supra Preâmbulo político-jurídico, 1.2. A relação com o executivo). Se a fiscalização do governo por parte do parlamento é subentendida nos sistemas políticos semi-presidenciais ou parlamentares, no caso do presidencialismo, em que há estrita separação dos poderes, a força política do executivo é maior e, talvez, por esta razão, nota-se ao nível do discurso uma maior necessidade de justificar este controle. Por outro lado, como já referimos, esta estratégia discursiva pode ser também explicada através do jogo de proteção da imagem pública de si ou do outro. Em geral, as perguntas dos requerentes começam com sequências expositivas em que os locutores tentam contextualizar a convocação do ministro pela Comissão de Fiscalização Financeira e de Contrôle. Os intervenientes têm cerca de dez minutos à disposição para apresentar o seu ponto de vista em relação ao assunto debatido na audiências pública. No entanto, alguns dos locutores podem tentar usar este tempo para fazer perguntas aos ministros (59). Como se pode observar da reação rápida do presidente em (59) “Eu solicito, Deputado, que o senhor faça a sua intervenção no seu conjunto [...] Quebra o ritmo da reunião”, esta estratégia não é muito comum nos trabalhos da Comissão. (59) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - [...] Eu quero agradecer a V.Exa. por aqui estar e dizer que, primeiro, o movimento, Sra. Ministra, que eu gostaria de fazer é o seguinte: assim com uma resposta bem objetiva. V.Exa. sabia desse contrato do Ministério da Pesca quando assumiu e desde quando? Essa é uma questão que orientaria todo o meu processo de discussão com V.Exa. sobre o assunto. A senhora sabia e desde quando? [...] O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Santos) - O senhor está... O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Estou questionando a Ministra. O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Santos) - ... dentro dos seus 10 minutos? O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Não. É uma pergunta apenas para orientar minha manifestação. [...] O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Santos) - Eu solicito, Deputado, que o senhor faça a sua intervenção no seu conjunto. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Se não houver interesse na resposta, eu deixo para depois. O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Santos) - Quebra o ritmo da reunião. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

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Após estes momentos iniciais, a sub-sequência continua com a exposição feita pelo(s) requerente(s) e com a(s) pergunta(s) dirigida(s) ao ministro; em seguida, o ministro responde pontualmente às questões feitas pelos requerentes, podendo, nas fases seguintes, surgir outras perguntas de outros membros da Comissão, que, em geral, se sucederão de uma maneira mais rápida. 1.3.2.4 A sessão de questões e respostas Esta é a sub-sequência mais interativa das reuniões do corpus, que poderia constituir o que Kerbrat-Orecchioni (2014) designa como a “zona de turbulências” de uma interação verbal; esta parte dos debates parlamentares carateriza-se por um maior número de locutores – que têm, porém, menos tempo disponível para falar, sendo as suas intervenções mais curtas – e por um maior grau de interatividade: mais interrupções, sobreposições de locutores, diálogos com deputados presentes na sala, apartes, etc. No entanto, esta sub-sequência não é uma interação inteiramente espontânea, pois o presidente mantém o seu papel de moderador, conforme as normas regimentais. No exemplo (60), que integra a parte final do debate de 16 de fevereiro de 2011 da Assembleia da República de Portugal, notamos que o discurso do locutor principal é interrompido várias vezes por intervenções da sala e que estes apartes, ao contrário do que vimos na secção anterior, recebem resposta por parte do locutor. Aliás, neste fragmento do debate os apartes – tanto os de discordância, como os de concordância – multiplicam-se e alguns dos locutores da sala entram em “diálogo” uns com os outros, manifestando a opinião sobre o discurso feito pelo locutor que se dirige à audiência. No que diz respeito à construção da interação, trata-se de uma estrutura complexa em que se sobrepõem: i) vozes que têm direito à palavra – neste caso é a deputada que faz a sua intervenção regimental, que chamaremos L1 –; ii) vozes que possam ganhar o direito à palavra – concedido não pelo moderador, mas por L1; trata-se do deputado a quem L1 responde, que chamaremos L2 –; iii) vozes que não têm direito à palavra, mas que se manifestam em apartes, lançando mensagens a L1, como L31, L32, L33, ou a outras vozes da audiência, L41, L42, L43, etc. Por conseguinte, a interação verbal terá uma configuração multi-estratificada (veja-se a Figura nº 7), constituída por uma interação central (entre o L1 e o L2), que constitui o fio condutor do debate e outras interações secundárias (entre L1 e L3, entre L4 e L2 ou entre L3 e L4), que reforçam ou criticam a posição ideológica assumida pelo discurso de L1. Estas vozes podem ser individuais ou coletivas (por exemplo L3C ou L4C, em que os transcritores não identificaram as pessoas que intervieram no debate).

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Figura nº 7. Dinâmica interacional na sequência de perguntas e respostas

(exemplo do corpus português).

L1 tem a palavra nesta sub-sequência para dar resposta a três perguntas feitas anteriormente por L2. Por razões metodológicas, dividimos esta subsequência em cinco partes: em (60a) e (60b) L1 apresenta o seu ponto de vista sobre o tema debatido e defende a posição ideológica e a ação política do governo e em (60c)-(60e) L1 responde pontualmente às perguntas colocadas anteriormente. Portanto, L1 começa a sua intervenção com uma introdução rapidamente penalizada por L31 (colega de partido com L2), que lembra as questões ainda por responder. L1 continua a sua exposição, mas o L2 intervém para pedir resposta às perguntas já dirigidas. Neste momento L1 interrompe o seu discurso para falar diretamente com L2, afirmando que vai dar resposta às perguntas. Do ponto de vista temático, notamos um desenrolar paralelo do debate: por um lado, L1 expõe o seu ponto de vista sobre o assunto, ao passo que L2 e L3 – enquanto representantes do que Charaudeau (2005) chama a instância adversária – referem as perguntas anteriores às quais, no seu entender, falta responder. Os apartes vão no sentido de contradizer o discurso do L1 (“Logo seguido de saída!”, “Estão a usá-los, é diferente!”) ou de pedir exemplificações concretas (“Então, diga lá!”). L4 (representante do poder, como L1) manifesta-se em apartes, não para apoiar diretamente L1, mas sim para se dirigir à oposição (“Oiçam. Oiçam!”, “Tenham calma!”). No que diz respeito à interação entre L1 e L2, notamos o uso da forma de tratamento “Senhor Deputado” em vocativo, que funciona como marcador de validação interlocutiva (Kerbrat-Orecchioni 1990: 17), uma das caraterísticas do diálogo espontâneo. Desta forma, L1 reconhece L2 como parceiro de diálogo e convida-o implicitamente a participar na interação. Como veremos mais adiante, L1 usará com mais frequência o vocativo para se dirigir diretamente a L2, o que determinará uma mudança na dinâmica interacional entre os dois locutores.

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(60a) L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, queria começar por lhe dizer que há tardes que não se perdem em Portugal. E esta é uma tarde que não perdemos, pois é preciso falar sobre Portugal e sobre a vida dos portugueses. L31 – O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E as perguntinhas? São três! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Portanto, quando hoje falamos das situações de desemprego em Portugal, quando hoje o Governo, o Partido Socialista e os democratas em geral falam da sua enorme preocupação com a situação de desemprego em Portugal, fazem-no porque sabem as condições de dificuldade em que os portugueses ficam quando estão numa situação de desemprego. Mas nós não falamos por falar, porque, a seguir, contrapomos o combate ao desemprego com medidas concretas. L32 – O Sr. Bruno Dias (PCP): — Então, diga lá! L1 – O Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Quando, ontem, na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública, conseguimos receber do Governo a informação de que 50000 estágios estão disponíveis para os jovens portugueses… L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — Fiz-lhe três perguntas! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Respondo-lhe já, Sr. Deputado. Quando 500000 estágios estão disponíveis para os jovens portugueses na variante das suas qualificações,… L4 – O Sr. Jorge Strecht (PS): — Oiçam. Oiçam! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — … não estamos a esquecer as pessoas, estamos a dar-lhes um «pontapé» de entrada no mercado de trabalho,… L31 – O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Logo seguido de saída! L33 – O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Estão a usá-los, é diferente! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — … através da certificação das suas competências junto das entidades patronais. L3C – Protestos do PCP. L4 – O Sr. Jorge Strecht (PS): — Tenham calma! (Reunião de 16 de fevereiro de 2011)

Na segunda parte desta sub-sequência, L1 continua a sua exposição sem referir concretamente as peguntas já colocadas. Os apartes, coletivos ou individuais, apoiam o discurso feito por L1 (“Muito bem!”, “Exactamente!”) ou pedem respostas concretas (“Responda lá!”). Trata-se de um episódio sem interrupções, em que L1 consegue finalizar o seu discurso e em que os aparteantes não recebem respostas do locutor principal.

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(60b) L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Mais, Sr. Deputado: quando apresentamos o leque das políticas activas de emprego com todas as promoções relativas à taxa social única para os nossos empregadores, estamos a dizer aos nossos empregadores «arrisquem nos trabalhadores portugueses, facultem-lhes trabalho, dêem-lhes trabalho, porque o Governo está aqui para dar a sua contrapartida para que os portugueses tenham trabalho em Portugal»! L3C/L4C – Vozes do PS: — Muito bem! L33 – O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Responda lá! L1 – A Sr. Maria José Gambôa (PS): — É isto que também dizemos aos empregadores em Portugal! L4 – O Sr. Jorge Strecht (PS): — Exactamente! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Portanto, não falamos barato, falamos caro, porque esta oferta aos empregadores custa dinheiro, o qual é de todos os portugueses! São todos os portugueses que hoje estão a financiar esta mensagem aos empregadores portugueses para que abram as suas portas aos trabalhadores portugueses no desemprego, sejam eles jovens… (Reunião de 16 de fevereiro de 2011)

Em (60c), L1 começa a responder pontualmente às perguntas de L2 (“Em relação à primeira pergunta que me colocou”), entrando num “diálogo” com o mesmo, que faz perguntas adicionais (“E as três perguntas?!”, “Mas o que é que o PS vai fazer?!”), traz informações sobre o assunto (“Mas dou-lhe a informação!”, “Já denunciaram!”) ou manifesta as suas considerações sobre as ações do poder (“O PS vai fazer nada!”). Há uma única intervenção de um representante do poder que se dirige à bancada da oposição, contradizendo as afirmações feitas (“Não estão!”). Assistimos nesta sub-sequência a uma sobreposição de vozes entre L1 e L2 que tem aparência de diálogo, mas é preciso salientar que apenas L1 tem direito a falar, L2 participando no discurso de maneira intrusiva, através de apartes. Aliás, L1 continua a sua resposta sem responder pontualmente às perguntas adicionais. (60c) L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — E as três perguntas?! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — … ou pertençam eles ao grupo com maior dificuldade, que é o dos desempregados de longa duração. Em relação à primeira pergunta que me colocou, não tenho qualquer informação de que os trabalhadores do IEFP estejam numa situação ilegal. L4 – O Sr. Jorge Strecht (PS): — Não estão! L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas dou-lhe a informação! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Mas, se estiverem, Sr. Deputado, os trabalhadores do IEFP têm à sua disposição tudo o que os outros trabalhadores têm em Portugal, que é um Estado de direito, legislação… L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — Mas o que é que o PS vai fazer?!

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L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Aliás, o PS já aprovou aqui um conjunto de normativos que permite proteger todos os trabalhadores que estejam em situação de ilegalidade, que possibilita que lutem pelos seus interesses. Até lhe digo mais: se o Sr. Deputado tiver a garantia dessa informação que trouxe à Câmara, penso que deveria fazer um grande trabalho de estímulo junto dos trabalhadores do IEFP para que eles denunciem essas situações… L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — Já denunciaram! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — … e para que estimulem a legislação que está em vigor no sentido de clarificarem as suas situações e de terem direito a um posto de trabalho. L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — O PS vai fazer nada! (Reunião de 16 de fevereiro de 2011)

Não ocorre o mesmo em (60d), visto que L1 responde pontualmente à pergunta adicional colocada por L2 (L1: “Quantos recibos verdes já se converteram em contratos de trabalho?”; L2: “Sr. Deputado, estamos a meio de Fevereiro...”) ou à uma afirmação de L2 (L1: “Já há um mês e meio!”; L2: “Como o Sr. Deputado saberá provavelmente até melhor do que eu”). Desta vez, a dinâmica interacional entre L1 e L2 aproxima-se mais do funcionamento do diálogo, uma vez que as respostas têm caráter imediato, o que ocorre normalmente em diálogos propriamente ditos. Aliás, a frequência do uso das forma de tratamento “Senhor deputado” (quer em vocativo, quer com a 3ª pessoa do verbo) indica o facto de L1 se situar na lógica do diálogo direto com L2. (60d) L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Deputado, relativamente à conversão dos recibos verdes em contratos, respondo-lhe quase nos mesmos termos, uma vez que o senhor é Deputado como eu e já trabalhámos muitas tardes sobre esta matéria: criámos um conjunto de mecanismos de ataque aos recibos verdes, o último, recordo-lhe, em sede de Orçamento, através da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), com a fiscalização às empresas que recebem mais de 80% de trabalho de uma determinada mão de obra. L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — Quantos recibos verdes já se converteram em contratos de trabalho? L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Sr. Deputado, estamos a meio de Fevereiro e o Orçamento do Estado entrou em vigor no dia 1 de Janeiro. L2 – O Sr. João Oliveira (PCP): — Já há um mês e meio! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Como o Sr. Deputado saberá provavelmente até melhor do que eu porque está num partido que se preocupa também com a causa dos trabalhadores,… L31 – O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Não tenha dúvidas! O «também» é que está a mais! (Reunião de 16 de fevereiro de 2011)

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No último fragmento desta subsequência, em que L1 responde à terceira pergunta do L2 “Em relação ao que diz ser um ataque à concertação social”, notamos apenas a intervenção em aparte de L31, que faz um comentário sobre o discurso do locutor principal. Neste caso L1 não reponde ao aparte, não validando L2 enquanto participante num possível diálogo. (60e) L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — … as coisas não «voam» em Portugal; é preciso haver mecanismos de consolidação de determinadas questões. Em relação ao que diz ser um ataque à concertação social, estranho que o Sr. Deputado ponha essa questão esta tarde. Estamos a falar de concertação social, estamos a falar de uma base representativa dos portugueses que trabalham, dos portugueses que são empreendedores e do Governo. Penso que a sede mais plural, mais democrática e que melhor se reflecte sobre Portugal é a concertação social. L31 – O Sr. Bernardino Soares (PCP): — E eu que pensava que era a Assembleia da República! L1 – A Sr.ª Maria José Gambôa (PS): — Não pode haver nenhum ataque aos portugueses, aos trabalhadores portugueses em sede de concertação social. Isso seria antinatura, Sr. Deputado! A concertação social é, por assim dizer, um parlamento português muito importante para a defesa dos interesses dos portugueses! (Reunião de 16 de fevereiro de 2011)

No exemplo selecionado do corpus português, observámos um dinamismo interacional bastante inusual para um debate parlamentar padrão. As vozes que intervêm (L1, L2, L31, L32, L4) criam um verdadeiro polílogo Kerbrat-Orecchioni (2004b) multi-estratificado, em que diferentes tipos de locutores têm acessos variados à interação, desempenhando papéis distintos: locutor principal (L1), (inter)locutor principal (L2) e (inter)locutores secundários (L3 e L4), que com diferentes papéis na interação: i) vozes que têm direito à palavra; ii) vozes que possam ganhar o direito; iii) vozes que não têm direito à palavra, mas que se manifestam em apartes. Apesar desta dinâmica interativa não estar em conformidade com as normas regimentais dos debates (veja-se, por exemplo, a interação direta entre L1 e L2), o moderador não intervém e deixa a interação seguir o seu curso. Nos exemplos seguintes, que integram o corpus brasileiro e o corpus romeno, notamos que o moderador tem um papel mais ativo nas interações. O exemplo (61) é um trílogo em que participam um locutor principal L1, o deputado Valdimir Assunção, que estava a fazer a sua intervenção regimental, um locutor secundário L2, o deputado Ronaldo Caiado, que interrompe L1, e o moderador L3, o presidente da reunião. Ao contrário do exemplo anterior (60a)-(60e), em que L1 reconhece L2 como participante na interação e entra em diálogo com ele, em (61) L1 e L2 não se falam diretamente e preferem referir-se um ao outro usando pronomes da 3ª pessoa em réplicas dirigidas a L3 (o presidente): “Sr. Presidente, eu não intervim no

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pronunciamento do nobre Deputado”, “Eu gostaria que ele também”, “Eu não me dirigi a ele especialmente”, “Se ele quer fulanizar o debate, eu debato com ele”, “Eu tenho credibilidade moral e postura para poder debater com ele, Sr. Presidente”, etc. Do ponto de vista da organização interacional, a estratégia adotada por L1 e L2 deste exemplo mostra diferenças fundamentais em relação à interação analisada anteriormente. Em primeiro lugar, os deputados parecem respeitar as normas regimentais da Câmara dos Deputados45, nem que seja de forma parcial: dirigem-se ao presidente, mas quando referem o interlocutor não usam a forma de tratamento regimental “Vossa Excelência”, preferindo o pronome pessoal “ele”. Em segundo lugar, observamos que o presidente tem um papel mais ativo na gestão da interação, intervindo para interromper L2 “Deputado”, para garantir o tempo de fala a L1 “O.k. Assegurada a palavra ao Deputado Valmir. Por favor!”, para avisar L1 que deve terminar o seu discurso “Para concluir, Deputado.”, mas não para sancionar os usos da forma de tratamento delocutivo ele.

Figura nº 8. Dinâmica interacional na sequência de perguntas e respostas

(corpus brasileiro).

Na figura nº 8 sintetizámos a dinâmica interacional do exemplo selecionado do corpus brasileiro: o presidente (L3) é o único locutor que tem diálogo direto com L1 e L2, ao passo que estes dois locutores comunicam de maneira indireta, usando L3 como locutor pivô ou locutor ponte. Se em (60a)-(60e) a interação assume pontualmente formas de diálogo espontâneo entre L1 e L2 devido à falta de intervenção do presidente, em (61) é através do presidente que L1 e L2 entram num diálogo indireto, em que usam a 3ª pessoa para se referirem um ao outro.

Veja-se o art. 73, al. 10 “o Deputado, ao falar, dirigirá a palavra ao Presidente, ou aos Deputados de modo geral”, alínea 11 “referindo-se, em discurso, a colega, o Deputado deverá fazer preceder o seu nome do tratamento de Senhor ou de Deputado; quando a ele se dirigir, o Deputado dar-lhe-á o tratamento de Excelência”.

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A não-ratificação interlocutiva – a delocução in praesentia – do L2 (por parte do L1) mostra também uma outra abordagem da comunicação parlamentar, em que o diálogo espontâneo não encontra o seu lugar. Aliás, a intervenção do presidente, no sentido de interromper L2, comprova a tendência de sancionar as réplicas não-autorizadas. (61) L1 – O SR. DEPUTADO VALMIR ASSUNÇÃO – [...] O Deputado Caiado aponta todos os números. Acho que essa pesquisa que ele apresentou é uma pesquisa da UDR, que ele está querendo ressuscitar. Mas eu acho que também o Deputado Caiado... L2 – O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Mas não foi financiada por ONG, não; nem por dinheiro público, não. L1 – O SR. DEPUTADO VALMIR ASSUNÇÃO - Sr. Presidente, eu não intervim no pronunciamento do nobre Deputado. Eu gostaria que ele também... L3 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Deputado, Deputado Valmir. L2 – O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Eu não me dirigi a ele especialmente. L3 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Deputado... L2 – O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - Se ele quer fulanizar o debate, eu debato com ele. Eu tenho credibilidade moral e postura para poder debater com ele, Sr. Presidente. L3 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - O.k. Assegurada a palavra ao Deputado Valmir. Por favor! L1 – O SR. DEPUTADO VALMIR ASSUNÇÃO - Vou repetir. Eu acho que essa pesquisa... Essa pesquisa, ele não apontou a fonte, de onde veio. Então, eu acho que foi... L2 – O SR. DEPUTADO RONALDO CAIADO - É do IBOPE. IBOPE. L1 – O SR. DEPUTADO VALMIR ASSUNÇÃO - ...que foi a UDR que fez essa pesquisa. Então, quero registrar isso. Como eu também acho que ele não conhece o que é assentamento de reforma agrária. Eu sou da Bahia e, se ele quiser, vou fazer algo que eu nem imaginava fazer: vou convidá-lo a ir a um assentamento. Eu o levarei lá, para conhecer o que é um assentamento de reforma agrária. L3 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Para concluir, Deputado. L1 – O SR. DEPUTADO VALMIR ASSUNÇÃO - Por último, eu quero concluir fazendo duas perguntas que eu acho que são importantes. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011)

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No exemplo (62), que integra o corpus romeno, os locutores L2 e L3 usam a tribuna para se dirigir ao ministro – que não entra em diálogo com os mesmos –, sendo L1 o moderador das intervenções. A estrutura deste fragmento é bastante mais simples do que a dos exemplos (60) e (61): L1 concede a L2 e L3 o direito à palavra e os últimos dois locutores usam-no para responder a um L4 ausente (o ministro que não faz parte da interação). Os locutores respeitam as regras regimentais e o moderador desempenha o seu papel de dar a palavra aos oradores “Bun, 30 de secunde, da?” [Está bem, 30 segundos, sim?], “Pe procedură, 10 secunde. Vă rog.” [Sobre os procedimentos, 10 segundos. Faça favor.], de avisar que o tempo da intervenção acabou “Vă rog să încheiaţi.” [Faça favor de concluir.] e de encerrar os trabalhos.

Figura nº 9. Dinâmica interacional na sequência de perguntas e respostas

(corpus romeno). (62) L1 – Domnul Vasile Blaga: Si eu vă mulţumesc. Pe moţiune, doamna senator Vasilescu, nu este drept la replică, ştiţi bine. Bun, 30 de secunde, da? E o doamnă, o doamnă, o doamnă. L2 – Doamna Lia-Olguţa Vasilescu: Vă mulţumesc, domnule presedinte. Îmi dau seama că nu v-am lăudat degeaba. Trec peste faptul că ni s-a adresat cu „voi”, nu cu „dumneavoastră”, trec peste faptul că m-a făcut mincinoasă pentru ceva ce puteţi găsi pe Google, domnule ministru. Nica cere schimbarea şefilor Poliţiei de la Neamţ si Giurgiu – septembrie 2009, simplu. Dar să mă acuzaţi de faptul că eu apăr traficanţii de benzină?! Aoleu! Păi, de unde aţi scos-o pe asta? Poate îmi explicaţi si mie, pentru faptul… L1 – Domnul Vasile Blaga: Vă rog să încheiaţi.

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L2 – Doamna Lia-Olguţa Vasilescu: … că v-am felicitat că aţi descoperit acei branconieri46? (Sala se amuză) Păi, eu v-am felicitat, domnule ministru. Vă mulţumesc. L3 – Domnul Puiu Hasotti (din sală): Domnule presedinte…. L1 – Domnul Vasile Blaga: Mulţumesc. N-o să mai rog şefii… Procedură? Procedură. Pe procedură, 10 secunde. Vă rog. L3 – Domnul Puiu Hasotti : Vă mulţumesc, domnule ministru. Da, noi suntem un partid de dreapta, Partidul Naţional Liberal. Dumneavoastră nu, Partidul Democrat Liberal. În legătură cu grija pe care o purtaţi pentru noi, nu are rost să spun de la acest microfon un proverb pe care vi-l voi spune asa, personal, un proverb important, cu câinele, stiţi dumneavoastră. L1 – Domnul Vasile Blaga: Vă mulţumesc. Stimaţi colegi, conform Regulamentului Senatului, art. 157 alin. (1) moţiunea simplă se adoptă cu votul secret al majorităţii senatorilor. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [L1 – O senhor Vasile Blaga: - Eu é que agradeço. No caso da moção, não há réplica, senhora senadora Lia Vasilescu, sabe isso muito bem. Bom, 30 segundos, sim? Trata-se de uma senhora, uma senhora, uma senhora. L2 – A senhora Lia-Olguţa Vasilescu: - Muito obrigada, senhor presidente. Vejo que não lhe fiz elogios em vão. Deixo de lado o facto de nos ter tratado por “voi” e não por “dumneavoastră”, deixo de lado que me chamou mentirosa por uma coisa que se pode encontrar no Google, senhor ministro. O ministro Nica pede a substituição dos chefes de Polícia de Neamţ e Giurgiu em setembro de 2009, é simples. Mas acusar-me de defender os traficantes de gasolina?! Valha me Deus! Como é que lhe ocorreu essa? Talvez me possa explicar, porque… L1 – O senhor Vasile Blaga: - Por favor, conclua. L2 – O senhor Lia-Olguţa Vasilescu: - … eu o congratulei por ter descoberto os caçadores ilegais? (A sala ri-se.) Bem, eu congratulei-o, senhor ministro. Obrigada. L3 – O senhor Puiu Hasotti (da sala): - Senhor presidente…. L1 – O senhor Vasile Blaga: - Obrigado. Já não vou pedir os lideres… Condução dos trabalhos? Condução dos trabalhos. Sobre a condução dos trabalhos, 10 segundos. Faz favor. L3 – O senhor Puiu Hasotti: - Obrigado, senhor ministro. Sim, nós somos um partido de direita, o Partido Nacional Liberal. Os senhores é que não, o Partido Democrata Liberal. No que diz respeito ao cuidado que têm sobre nós, não vale a pena usar este microfone para falar sobre um provérbio que lhes direi em privado, um provérbio muito importante, com o cão, os senhores sabem.

46 “Branconieri” é uma forma errada da palavra “braconieri” (forma do plural de braconier < fr. braconnier), que significa “caçadores ilegais”. A reação da sala explica-se pelo facto de o então ministro da Administração Interna ter sido ironizado na comunicação porque usou a forma errada num documento oficial (“branconaj” em vez de “braconaj” < fr. braconnage).

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L1 – O senhor Vasile Blaga: Obrigado. Estimados colegas, segundo o Regimento do Senado, art. 157º, alínea (1), a moção simples é adotada com o voto segredo da maioria dos senadores.]

A sessão de questões e respostas apresenta uma grande diversidade estrutural, situando-se na zona de turbulências (Kerbrat-Orecchioni 2014) do debate parlamentar; embora haja exemplos de interação bastante reduzida (62) ou média (61), em que os locutores interagem em estruturas de tipo triádico, podem-se encontrar episódios de configuração multi-estratificada (60), em que vozes múltiplas participam em polílogos bem mais complexos do que os trílogos e os diálogos. Os exemplos selecionados, que não esgotam a possibilidade teoricamente infinita de organização interacional da sessão de questões e respostas, mostram que esta subsequência do debate parlamentar é a que se pode aproximar da dinâmica típica para uma conversa espontânea (60). Entre as caraterísticas desta sub-sequência, salientamos o uso reduzido de atos rituais (cumprimentos, agradecimentos, etc.), o caráter imediato das réplicas, o número (em geral) elevado de interrupções, o diálogo direto entre locutores (na ausência da intervenção do moderador), a participação (ratificada / reconhecida ou não) de múltiplas vozes na interação. Na próxima secção analisamos a última sub-sequência do corpo da interação, a conclusão.

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1.3.2.5 A conclusão No exemplo (63), observamos que o presidente da Assembleia fala do encerramento47 enquanto sequência de extensão mais alargada, que integra a conclusão apresentada pelo representante do governo e em que se faz uma apresentação dos argumentos expostos ou se responde às ultimas perguntas redigidas. No corpus português, esta subsequência não difere muito das subsequências anteriores do corpo de interação, mostrando mais semelhanças com a resposta detalhada. O locutor principal toma a palavra segundo as normas regimentais e consegue acabar o seu discurso, que desperta junto da oposição apartes irónicos (“Lá vem a crise!…”), perguntas (“A quem?!…”, “Para quem?”), reações de protesto (“Protestos do Deputado do PCP João Oliveira”); por outro lado, os membros do partido do poder manifestam através de intervenções não-verbais o apoio para com o discurso apresentado (“Aplausos do PS”). Nenhuma destas intervenções interrompe o locutor principal, o que faz com que a interação propriamente dita seja muito reduzida, as vozes dos aparteantes não ganhando o direito à palavra, ao contrário do que pode acontecer, por vezes, como já vimos nos exemplos(60a)-(60e), da sequência de questões e respostas. (63) O Sr. Presidente: — No encerramento desta interpelação, para representar o Governo, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência. O Sr. Ministro da Presidência (Pedro Silva Pereira): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Uma crise internacional destas proporções tem de produzir, inevitavelmente, um impacto significativo na economia e no emprego. O Sr. Jorge Machado (PCP): — Lá vem a crise!… Neste caso trata-se da aceção parlamentar do termo, que diz respeito aos costumes em vigor na Assembleia e não do significado que se dá ao termo “fecho” (traduzido do fr. clôture) na análise da conversação. Embora possam parecer termos semelhantes, “encerramento” e “fecho” referem estruturas diferentes do debate parlamentar. A diferença entre os dois termos advém do uso que se lhes dá em discursos especializados: “encerramento” é preferido por parlamentares e designa uma parte do debate em que intervém o representante do governo para apresentar as conclusões finais, ao passo que “fecho” é um termo da análise de conversação, que designa a parte final (fortemente ritualizada) da interação. Assim, o encerramento (parlamentar) inclui, do nosso ponto de vista, duas sequências distintas: a conclusão do representante do governo (subsequência que, ao nosso ver, integra corpo de interação, uma vez que funciona como réplica às intervenções anteriores, sendo do ponto de vista temático e formal relacionada intrinsecamente com as mesmas) e o fecho (sequência final, fortemente ritualizada, na aceção que tem na análise de conversação). Para comparar, veja-se também a descrição da estrutura do debate parlamentar proposta por Marques (2000: 141-152), que toma em consideração as normas regimentais: a abertura (a abertura propriamente dita, o discurso do partido interpelante, a resposta do governo), os pedidos de esclarecimento (realizados por deputados, que contestam ou reforçam a posição do governo), o encerramento (discursos do partido interpelante e do governo). 47

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O Sr. Ministro da Presidência: — Os sinais de surpresa, quanto aos dados da economia, ou quanto aos dados do emprego, as imputações ao Governo português sobre a situação existente não são mais do que sinais da insistente recusa em aceitar a dimensão global da crise que estamos a enfrentar. Protestos do Deputado do PCP João Oliveira. O dever do Governo é responder, minimizando os impactos da crise,… O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — A quem?!… O Sr. Ministro da Presidência: — … gerando, como gerou, uma subida do défice e da dívida pública… O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Para quem? O Sr. Ministro da Presidência: — … para que o País pudesse ter ainda em 2009 um decréscimo do seu crescimento inferior, muito inferior, ao que se verificou nos restantes países da União Europeia e para que pudesse ter, como teve, já no ano de 2010, um crescimento económico de 1,4%, o dobro do estimado pelo Governo.

Aplausos do PS. [...] O Sr. Ministro da Presidência: — É um caminho de equilíbrio, um caminho de diálogo social, um caminho de responsabilidade numa agenda reformista [...] Aliás, se não fossem as informações que a Sr.ª Ministra do Trabalho aqui, hoje, transmitiu sobre as medidas do Governo de apoio ao emprego e de reforço das iniciativas de apoio e de estímulo à contratação na nossa legislação laboral, pode dizer-se que esta interpelação do PCP não teria trazido novidade nenhuma. (Reunião plenária de 16 de fevereiro de 2011)

No corpus brasileiro, a derradeira intervenção do representante do governo contém respostas às perguntas dirigidas anteriormente pelos deputados inscritos na lista de oradores. De facto, a conclusão continua do ponto de vista temático e estrutural a seb-sequência anterior, em que os ministros oferecem respostas às questões feitas pelos membros da comissão e pelo público presente na sala. O exemplo (64) destaca-se pela dinâmica interacional, diferente dos exemplos selecionados do corpus português e romeno. L1 passa a palavra a L2 “para responder aos questionamentos”, L1 começa o seu discurso tentando responder pontualmente a cada uma das perguntas, mas é interrompido por L3, que esclarece a sua posição: “Ministro, então eu não me fiz entender”. A partir deste momento a intervenção de L2 transforma-se numa interação direta com L3, em que o último tenta definir e explicitar o seu questionamento: “Eu perguntei o seguinte...”, “Sim, mas eu queria saber se sem a produção de petróleo o Brasil teria hoje esses 350 bilhões de reserva”, “O número é esse?”. Depois de L2 afirmar que entendeu qual era o propósito do questionamento, L3 pede desculpas pela interrupção: “Desculpe-me”. No entanto, o diálogo entre L2 e L3 continuará, pois L3 precisa de fazer esclarecimentos em relação às informações que

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queria obter de L2. Como se pode observar, esta dinâmica interacional é bastante parecida do ponto de vista estrutural com a sessão de questões e de respostas; do ponto de vista temático, a intervenção do ministro continua a subsequência anterior, em que os oradores inscritos na listas de intervenientes fazem perguntas. (64) L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Encerrada a lista de inscrições, passo a palavra ao Ministro Guido Mantega para responder aos questionamentos dos oito oradores. L2 – O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Obrigado, Presidente. A primeira indagação foi feita pelo Deputado Glauber Braga, que não está mais aqui. Ele pergunta se os instrumentos que nós vamos utilizar agora, na crise de 2011, são os mesmos de 2008. [...] Aí não haverá custo. Metade dos juros que nós pagamos hoje é por causa do custo das reservas brasileiras. L3 – O SR. DEPUTADO PAULO FEIJÓ - Ministro, então eu não me fiz entender. L2 – O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Sim. L3 – O SR. DEPUTADO PAULO FEIJÓ - Eu perguntei o seguinte... L2 – O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Não, eu sei. Eu vou responder. L3 – O SR. DEPUTADO PAULO FEIJÓ - Desculpe-me. L2 – O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - A questão se a produção de petróleo... Hoje a nossa produção de petróleo permite a autossuficiência, mas ela ainda não permite um valor exportado. A PETROBRAS exporta e importa. Ela exporta petróleo bruto e importa gasolina, refinados, sendo que, mais ou menos, isso se equipara. [...] Então, neste momento, o petróleo não dá saldo para fazer reserva. Foi isso que o senhor me perguntou e eu estou lhe respondendo. L3 – O SR. DEPUTADO PAULO FEIJÓ - Sim, mas eu queria saber se sem a produção de petróleo o Brasil teria hoje esses 350 bilhões de reserva. L2 – O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Não, porque nós estaríamos pagando a conta do petróleo. Então, foi muito importante termos atingido a autossuficiência, de modo que nós não importamos. [...] Quanto ao petróleo ser taxado no destino, essa foi uma ampla discussão que o Parlamento teve no passado. Não vou me meter nessa história. L3 – O SR. DEPUTADO PAULO FEIJÓ - O número é esse? L2 – O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Não sei se o número é esse. Eu sei que foi muito sofrida essa decisão. Eu não estava no Governo na época, então não tenho nenhum conhecimento do valor. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011)

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No exemplo selecionado do corpus romeno, notamos que, do ponto de vista do presidente do Senado, esta sequência constitui o final do debate da moção: “Încheiem aici dezbaterile pe marginea moţiunii de cenzură” [Encerramos aqui os debates sobre a moção de censura]. O primeiro ministro é convidado para apresentar os seus comentários sobre os debates (“pentru a prezenta comentariile sale cu privire la dezbaterile”). Ao contrário do que observámos nos exemplos dos corpora português e brasileiro, a intervenção do primeiro ministro ocorre sem apartes e / ou interrupções. Se nos exemplos anteriores (63) e (64) esta subsequência se aproxima, do ponto de vista do grau de interatividade, das chamadas zonas de turbulências (KerbratOrecchioni 2014), no corpus romeno ela tem um caráter mais expositivo. Só no final de intervenção foram registadas manifestações não-verbais de apoio “Aplauze” [Aplausos] ou de crítica “Vociferări” [Vociferações]. O locutor usa o tempo regimental para fazer um balanço dos debates e para contestar a ação da oposição “aceasta moţiune de cenzură, aşa cum v-am precizat la început, nu are legatură cu Codul muncii” [esta moção de censura, como referi no início, não esta relacionada com o Código de Trabalho]. Notamos também o ato ritual de agradecimento, dirigido a todos os participantes no debate: “vreau să vă mulţumesc pentru faptul că aţi avut răbdarea şi disponibilitatea de a realiza o dezbatere democratică” [quero agradecerlhes a paciência e a disponibilidade de realizar um debate democrático]. (65) Domnul Mircea-Dan Geoană: Mulţumesc domnului ministru. Încheiem aici dezbaterile noastre pe marginea moţiunii de cenzură. Îl invit, în finalul acestei parţi a şedinţei noastre, pe domnul prim-ministru Emil Boc pentru a prezenta comentariile sale cu privire la dezbaterile ce au avut loc în plenul Parlamentului României. Domnule prim-ministru, vă rog. Domnul Emil Boc: Domnule preşedinte al Senatului, Doamnă preşedinte a Camerei Deputaţilor, Doamnelor şi domnilor, În primul rând, vreau să vă mulţumesc pentru faptul că aţi avut răbdarea şi disponibilitatea de a realiza o dezbatere democratică. În al doilea rând, vreau să spun că din nefericire nu am putut din partea opoziţiei să regasesc un lucru pe care să-l putem îmbunătăţi în Codul muncii, pentru că aceasta moţiune de cenzură, aşa cum v-am precizat la început, nu are legatură cu Codul muncii. [...] Dragi colegi, Acestea sunt argumentele pentru care să-i lasam pe cei din alianţa socialistă să stea împreună, acolo unde le este locul, în opoziţie acum şi pentru o lungă perioadă de timp de aici înainte. Vă mulţumesc mult. (Aplauze. Vociferări.) (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Mircea-Dan Geoană: - Obrigado, senhor ministro. Damos por encerrados os nossos debates sobre a moção de censura. Queria convidar, no final desta parte da nossa reunião, o senhor primeiro ministro Emil Boc para apresentar os seus comentários sobre os debates que decorreram no plenário do Parlamento da Roménia. Senhor primeiro-ministro, faz favor.

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O senhor Emil Boc: - Senhor presidente do Senado, senhora presidente da Câmara dos Deputados, senhoras e senhores, em primeiro lugar, queria agradecê-los a paciência e a disponibilidade de realizar um debate democrático. Em segundo lugar, queria dizer que infelizmente não pude encontrar na oposição uma coisa para melhorar o Código de Trabalho, porque esta moção de censura, como referi no início, não tem nada a ver com o Código de Trabalho. [...] Caros colegas, estes são so argumentos pelos quais devemos deixar os da coligação socialista ficarem juntos, no seu lugar, na oposição, agora e durante muito tempo daqui em diante. Muito obrigado. (Aplausos. Vociferações.)]

Do ponto de vista comparativo, podemos notar que a sub-sequência de conclusão apresenta particularidades de organização interacional em cada um dos subcorpora: i) nos debates portugueses aproxima-se da sub-sequência resposta detalhada, tendo um grau de interatividade reduzido, sendo o locutor interpelado em apartes que não chegam a interrompé-lo; ii) no corpus brasileiro, a conclusão continua de forma orgânica a sub-sequência anterior, a sessão de perguntas e respostas, tanto do ponto de vista temâtico, como do ponto de vista da organização interactional e do grau de interatividade; iii) no sub-corpus romeno, a conclusão tem um caráter preponderantemente expositivo, a apresentação do orador decorrendo sem apartes ou interrupções, podendo ser comparável à exposição do ponto de vista da intensidade interacional. A última sequência interacional dos debates parlamentares, o fecho, será analisada na próxima secção.

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1.3.3 A sequência de fecho Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, com esta intervenção, terminámos a nossa ordem do dia, pelo que dou por concluídos os trabalhos de hoje. (DAR, 22/03/2012, I Série — Número 87)

Numa interação espontânea, a sequência de fecho tem um papel decisivo, pois estabelece os termos em que os locutores se separam (Kerbrat-Orecchioni 1990: 222). Assim, os participantes entram num processo de negociação da separação, em que usam diferentes atos rituais, como as desculpas (“Desculpe, mas tenho que ir andando!”), a avaliação positiva do encontro (“Foi tão bom a gente se ver!”), os agradecimentos (“Obrigado pelo convite!”), os votos (“Boa continuação!”), a planificação do reencontro (“A gente se fala, sim?”), etc. No debate parlamentar, a sequência de fecho é protagonizada pelo presidente, que declara os trabalhos encerrados, depois de o último orador inscrito ter acabado o seu discurso e o representante do governo ter apresentado a sua conclusão. Simetricamente, o Presidente é também o protagonista da sequência de abertura, em que declara aberta a sessão. Como veremos, são usados alguns atos rituais e a negociação é mínima. Se nas conversas quotidianas as sequências de fecho podem ser anticipadas ao longo da interação pelos pre-closings (pré-fechos), o que lhes confere por vezes um caráter descontínuo, nos debates do nosso corpus as sequências de fecho são, salvo poucas exceções, reduzidas a uma interveção do presidente. No primeiro exemplo do corpus português (66), observamos uma progressão do ato de declarar os trabalhos da Assembleia encerrados. Depois da intervenção do Ministro da Presidência, o moderador da reunião começa a preparar o fecho do debate, avisando que terminou o debate da interpelação “está assim concluído o debate da interpelação n.º 13/XI (2.ª)” e convida o secretário da mesa a ler um expediente. No fim da apresentação do expediente, o presidente volta a referir o encerramento dos trabalhos “chegam ao fim os nossos trabalhos de hoje” e refere a próxima reunião plenária – nas conversas espontâneas os locutores usam também atos rituais em que falam dos reencontros futuros –, insistindo no conteúdo da ordem do dia. Para que a reunião termine oficialmente, o presidente pronuncia pela terceira vez o ato ritual de encerramento: “Por hoje é tudo, Srs. Deputados, está encerrada a sessão”. Na nossa opinião, o primeiro ato de encerramento marca a parte inicial do fecho propriamente dito do debate, funcionando como um organizador, que delimita esta subsequência da anterior, a conclusão. O fecho do debate tem uma estrutura essencialmente expositiva, sem apartes e / ou interrupções, o que constitui uma particularidade em relação às sub-sequências do corpo da interação, que contêm, como já vimos, diferentes padrões interativos: diálogos, trílogos e até polílogos. No que diz respeito ao grau de interatividade, o fecho seria mais próximo da sequência de abertura, partilhando também com a mesma o caráter ritual.

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(66) O Sr. Presidente: — Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, está assim concluído o debate da interpelação n.º 13/XI (2.ª) — Centrada na legislação laboral (PCP). O Sr. Secretário Abel Baptista lerá agora algum expediente entretanto chegado à Mesa e que é indispensável que seja levado ao conhecimento dos Srs. Deputados. [...] Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, chegam ao fim os nossos trabalhos de hoje. A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, dia 17 de Fevereiro, pelas 15 horas, e inclui, na sua ordem do dia, declarações políticas, seguidas pela reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 68/XI (2.ª) — Cria o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil e procede à décima sétima alteração ao Código do Registo Civil. É um debate a que se segue uma votação, com voto electrónico e com a exigência de maioria qualificada. [...] Por hoje é tudo, Srs. Deputados, está encerrada a sessão. (Reunião plenária de 16 de fevereiro de 2011)

Em (67) e (68) a estrutura do fecho é mais simplificada, sem leitura de expediente, e contém: o encerramento do debate da interpelação, “chega ao fim a interpelação de Os Verdes”, “assim se conclui o debate da interpelação n.º 11/XI (2.ª)”, a referência à próxima reunião plenária e o encerramento dos trabalhos “Está encerrada a sessão”, “Srs. Deputados, está encerrada a sessão”. Notamos também em (68) um convite de participação numa exposição albergada pela Assembleia da República, mas salientamos que se trata de uma ocorrência pontual. (67) O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, assim chega ao fim a interpelação de Os Verdes sobre orientações do Governo para a política de transportes públicos, centrada no transporte ferroviário. A nossa próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, quinta-feira, às 15 horas, e a ordem do dia será preenchida com a interpelação n.º 11/XI (2.ª), apresentada pelo CDS-PP, sobre o sector empresarial do Estado. Está encerrada a sessão. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (68) O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, assim se conclui o debate da interpelação n.º 11/XI (2.ª) — Sobre o sector empresarial do Estado (CDS-PP). A reunião plenária de amanhã, com início às 10 horas, constará de um debate com o Sr. Primeiro-Ministro, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 224.º do Regimento, sobre as orientações da política económica e das finanças públicas. Haverá, ainda, votações regimentais às 12 horas. Recordo que às 18 horas e 30 minutos haverá, na Sala da Biblioteca, uma cerimónia alusiva à memória do Holocausto. Srs. Deputados, está encerrada a sessão. (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011)

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No corpus brasileiro, há sequências de fecho muito simplificadas, como em (69), em que o moderador, por não haver assuntos a discutir, limita-se a declarar o encerramento da audência pública “dou por encerrada esta audiência”. Notamos o uso do ato ritual de agradecimento, dirigido ao ministro, que foi convocado pela comissão para participar na audência pública. (69) O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Nada mais havendo a discutir, agradeço a presença de nosso Ministro e dou por encerrada esta audiência. (Audiência Pública N°: 1963/11, DATA: 23/11/2011)

Por outro lado, em (70) a sequência de fecho tem uma estrutura ligeiramente mais complexa, contendo: a menção de que não há mais intervenientes na lista de inscrições, um agradecimento ao ministro pela presença na audiência, a referência à próxima audiência (portanto, ao próximo reencontro) e o encerramento final da sessão “Está encerrada a reunião”. (70) O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Não havendo mais quem queira fazer uso da palavra, agradeço Ao Sr. Ministro Chefe da ControladoriaGeral da União, Jorge Hage Sobrinho, a presença. É de suma importância essa parceria, esse entrosamento entre a Comissão de Fiscalização e Controle, representando a Câmara Federal, e a CGU, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público federal. Muito obrigado, Sr. Ministro, por sua presença. Antes de encerrar a reunião, comunico a reunião conjunta de audiência pública, amanhã, 5 de maio, às 10 horas, no Plenário 2, com a Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização com a presença do Presidente do Banco Central, Sr. Alexandre Antonio Tombini, para avaliação das políticas monetárias, creditícias e cambial referentes ao segundo semestre de 2010. Está encerrada a reunião. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

No corpus romeno, observamos um maior número de agradecimentos nas sequências de fecho, em relação aos usos encontrados nos corpora português e brasileiro. Por exemplo, em (71) o presidente do Senado utiliza três atos de agradecimentos “Mulţumesc pentru acest dialog” [Obrigado por este diálogo], “Vă mulţumesc pentru atenţie şi pentru interes” [Agradeço-lhes a atenção e o interesse], “Mulţumesc” [Obrigado]. Outra particularidade do corpus romeno é também a presença dos atos rituais de voto na sequência de fecho “Seară plăcută!” [Uma noite agradável!] em (71), “”Vă doresc o după-masă plăcuta tuturor!” [Desejo a todos uma tarde agradável] em (72), “O seară bună!” [Que tenham uma boa noite!] em (73), “După-amiază, succes în comisii!” [Da parte da tarde, boa sorte nas comissões!] em (74). Ocorrem também nas sequências de fecho episódios em que são apresentadas informações relacionadas com

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o debate: as respostas escritas que serão enviadas a alguns senadores em (71), a situação final da votação da moção em (72) e em (74). Os representantes do governo são convidados a exprimir o seu ponto de vista em (73), mas o convite não será aceite pelos mesmos. Em todos os exemplos, os presidentes oferecem informações sobre o próximo reencontro: “Ne revedem miercuri, 4 mai 2011, la ora 9.00.” [Vemo-nos de novo na quarta, 4 de maio de 2011, às 9h] em (71), “În cinci minute, urmează şedinţa consacrată interpelarilor şi răspunsurilor” [Em cinco minutos segue a sessão dedicada às interpelações e às respostas] em (72), “încheiem astăzi şi ne revedem mâine la ora 10.” [encerramos hoje e vemo-nos amanhã às 10h] em (73) e “Ne vedem în şedinţa de plen mâine dimineaţa, 7 decembrie 2011.” [Vemo-nos em sessão plenária amanhã de manhã, 7 de dezembro de 2011] em (74). Os moderadores utilizam também, como nos exemplos dos corpora brasileiro e português, fórmulas estereotipadas para encerrar a os debates ou a sessão: “Declar încheiată şedinţa plenului Senatului” [Declaro encerrada a sessão plenária do Senado] em (71), “Cu aceasta, am încheiat dezbaterile” [Dito isto, encerrámos os debates], “Atunci, încheiem astăzi” [Então, encerramos hoje] em (73) e “Declar încheiate lucrările Senatului.” [Declaro encerrados os trabalhos do Senado] em (74). O grau de interação é muito reduzido, notamos apenas reações não verbais de apoio em (74), “Aplause” [Aplausos]. (71) Domnul Mircea-Dan Geoană: Mulţumesc pentru acest dialog. Vreau să vă informez că vor primi răspunsuri în scris la întrebări domnii senatori: Adrian Ţuţuianu [...] Pentru interpelările domnilor senatori Florin Constantinescu şi Sorin-Constantin Lazăr, Grupul parlamentar al PSD, Guvernul solicită amânare. Am epuizat ordinea de zi de astăzi. Vă mulţumesc pentru atenţie şi pentru interes. Declar încheiată şedinţa plenului Senatului. Ne revedem miercuri, 4 mai 2011, la ora 9.00. Mulţumesc. Seară plăcută! (Reunião do Senado, 2 de maio de 2011) [O senhor Mircea-Dan Geoană: Obrigado por este diálogo. Queria informar que vão receber respostas por escrito às suas perguntas os senhores senadores: Adrian Ţuţuianu [...] Para as interpelações dos senhores deputados Florin Constantinescu e Sorin-Constantin Lazăr, do grupo parlamentar do PSD, o Governo solicita um adiamento. Acabámos a ordem do dia de hoje. Obrigado pela atenção e pelo interesse. Dou por encerrada a reunião plenária do Senado. Vemo-nos de novo na quarta-feira, 4 de mio de 2011, às 9h. Obrigado. Boa noite!] (72) Domnul Ioan Oltean: - Domnilor colegi, 137 de voturi împotriva moţiunii, 3 abţineri şi 134 voturi pentru. Art.161 din regulament spune că “Moţiunile simple se aprobă cu votul majoritaţii deputaţilor prezenţi.” În consecinţă, această moţiune a fost respinsă, neîntrunind numărul necesar de voturi. Vă mulţumesc. Vă doresc o după-masă plăcuta tuturor! În cinci minute, urmează şedinţa consacrată interpelărilor şi răspunsurilor la întrebările adresate membrilor Guvernului. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011)

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[O senhor Ioan Oltean: Senhores colegas, 137 votos contra a moção, 3 abstenções e 134 votos a favor. O artigo 161º do regimento diz “As moções simples são aprovadas com o voto da maioria dos deputados presentes.” Por conseguinte, esta moção foi chumbada, por não conseguir o número necessário de votos. Obrigado. Desejo-lhes a todos uma tarde agradável! Em cinco minutos, começa a reunião dedicada às interpelações e às respostas colocadas aos membros do Governo.] (73) Doamna Roberta Alma Anastase: Vă mulţumesc şi eu. Cu aceasta, am încheiat dezbaterile. Invit Guvernul, dacă doreşte, să îşi exprime punctul de vedere. Mai doriţi vreo intervenţie? Nu. Vă mulţumesc mult. Atunci, încheiem astăzi şi ne revedem mâine la ora 10. Vă reamintesc că votul pe moţiune va avea loc mâine în sesiunea de vot final. O seară bună! (Reunião da Câmara dos Deputados, 6 de junho de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: Eu é que agradeço. Com esta intervenção, terminámos os debates. Convido o Governo, se quiser, para expressar o seu ponto de vista. Querem outra intervenção? Não. Muito obrigada. Então, terminamos hoje e vemo-nos de novo amanhã, às 10h. Queria relembrar que a votação da moção será amanhã, na sessão final de votação. Boa noite!] (74) Domnul Vasile Blaga: Deci trecem la vot. Supun la vot moţiunea simplă. Cu 61 de voturi pentru, 64 de voturi împotrivă şi o abţinere, moţiunea nu a întrunit numărul de voturi. Vă mulţumesc. (Aplauze) Declar încheiate lucrările Senatului. Ne vedem în şedinţa de plen mâine dimineaţa, 7 decembrie 2011. După-amiază, succes în comisii! (Reunião do Senado, 6 de dezembro de 2011) [O senhor Vasile Blaga: Então, passemos à votação. Submeto à votação a moção simples. Com 61 votos a favor, 64 votos contra e uma abstenção, a moção não conseguiu o número de votos. Obrigado. (Aplausos.) Declaro encerrados os trabalhos do Senado. Vemo-nos em reunião plenária amanhã de manhã, dia 7 de dezembro de 2011. Esta tarde, que corra tudo bem nas comissões!]

Fortemente ritualizada, a sequência de fecho contém uma sucessão de atos que preparam os participantes para a separação: fórmulas estereotipadas de encerramento, agradecimentos, votos, informações sobre o próximo reencontro. Embora não haja grandes diferenças entre os três corpora consultados, observamos uma preferência dos oradores romenos por certos atos rituais, como o agradecimento e os votos. No entanto, devemos mencionar que esta diferença pode relacionar-se com as normas de transcrição do discurso oral usadas pelos serviços parlamentares de arquivo e taquigrafia (ver supra 1.2.2. Do oral à escrita). No subcapítulo seguinte, que continua a análise da arquitetura do debate parlamentar, fazemos uma apresentação detalhada das estratégias empregues pelos oradores para negociar o turno de fala.

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1.4 A negociação do turno de fala Neste debate, quase toda a esquerda utilizou mais tempo do que o regimentalmente previsto, mas não ouvi ninguém apresentar uma única solução para o problema. (DAR, 27/10/2011, I Série — Número 35)

Após a apresentação da organização sequencial dos debates parlamentares, propomos neste subcapítulo uma apresentação do funcionamento da negociação conversacional. Sendo a negociação uma caraterística intrínseca da interação verbal e abrangendo componentes múltiplas – a escolha temática, a organização sequencial a nível macro ou micro, a(s) identidade(s) dos participantes, a distância interlocutiva, entre outros –, tentaremos limitar a nossa análise à negociação conversacional (Kerbrat-Orecchioni 2000, 2004a, 2005), especialmente no que diz respeito ao ritual do turno de fala. Num primeiro momento, fazemos uma caraterização da negociação conversacional e, em seguida, debruçar-nos-emos sobre o papel desempenhado pelo moderador e em algumas das estratégias de negociação empregues por locutores em debates parlamentares. Se na linguagem corrente negociação48 refere sobretudo um tipo de interação – negociação comercial, negociação diplomática –, na linguística interacionista a negociação conversacional designa “mécanismes d’ajustement des comportaments mutuels” (Kerbrat-Orecchioni 2005: 94) empregues pelos locutores para ultrapassar situações de desacordo ou: “tout processus interactionnel plus ou moins local, susceptible d’apparaître dès lors qu’un différend surgit entre les interactants concernant tel ou tel aspect du fonctionnement de l’interaction, et ayant pour finalité de résorber ce différend” (Kerbrat-Orecchioni 2000a: 399, nosso negrito).

Segundo Kerbrat-Orecchioni (2005: 94-97), cada negociação 49 pressupõe a existência de cinco “ingredientes”: i) um grupo de pelo menos dois negociadores; ii) um objeto a ser negociado; iii) um estado inicial de desacordo ou de não-acordo entre Traverso (2004: 43-68) apresenta uma distinção parecida, entre a negociação-evento (evento formal, organizado segundo uma agenda estabelecida, com objetivos bem definidos, que pode terminar com declarações, memorandos, contratos, etc.) e a negociação-processo (acontecimento informal, que pode ocorrer em qualquer momento da interação, quando os participantes tentam diminuir os diferendos reais ou potenciais, de forma a tomar decisões aceitáveis por ambas as partes), usada em trabalhos influentes da área, como Firth (1995). 49 Catherine Kerbrat-Orecchioni afasta-se da aceção que o termo tem na escola linguística suíça, que considera todas as conversações como vastas negociações, considerando que só se pode falar de negociação no caso das interações em que existe o binómio conflito / cooperação. 48

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locutores; iv) o uso de procedimentos (a negociação propriamente dita) que tentam reduzir o desacordo; v) um estado final, ou seja o resultado da negociação, que pode ser negativo (a negociação falha) ou positivo (a negociação é um sucesso). Tomando em consideração a definição anterior, Kerbrat-Orecchioni (2005: 98) propõe um esquema geral da negociação, que pode ter diversas variações, em função da tipologia da interação: i) A faz uma proposta a B (PROP); ii) B contesta a proposta, acrescentando eventualmente uma contra-proposta (CONTRE-PROP); neste caso há uma negociação potencial, que pode realizar-se ou não; iii) se A aceita imediatamente a CONTRE-PROP de B, trata-se de um ajustamento e não de uma negociação propriamente dita; pelo contrário, se A rejeita a CONTRE-PROP de B e mantém a sua posição inicial, assistimos a uma cristalização do desacordo 50 , começando assim o início da negociação, com o terceiro turno da interação. A partir deste ponto, segundo a mesma autora (Kerbrat-Orecchioni 2005: 98104), as negociações podem ter estruturas muito variadas, em função das caraterísticas seguintes: os objetos negociáveis, a extensão / a duração, as modalidades de negociação e o resultado final. Por exemplo, as negociações comerciais e diplomáticas têm objetos externos – compra e venda de mercadorias ou serviços, celebração de um tratado, etc. –, ao passo que as negociações conversacionais têm objetos internos, que dizem respeito às componentes da conversação, como o script geral da troca, a alternância de vez, os temas tratados, os valores semânticos e pragmáticos dos enunciados trocados, as opiniões expressadas, o momento do fecho, a(s) identidade(s), a relação interpessoal, etc. Do ponto de vista da extensão ou da duração, salienta-se que as negociações comerciais ou diplomáticas são de facto eventos organizados em torno de certos objetivos – neste caso, negociação sendo a designação metonímica da totalidade da troca verbal –, ao passo que as negociações conversacionais podem ocorrer pontualmente em qualquer momento de uma dada interação; certos tipos de negociações que “dão o tom” da interação, como a configuração da relação interpessoal, o jogo das identidades são mais frequentes no início da interação, ao passo que as negociações relativamente a outras componentes, como a tomada de vez, os temas tratados, as opiniões exprimidas podem surgir em qualquer momento da interação. As negociações conversacionais podem decorrer de forma explícita ou implícita. Por exemplo, um locutor pede explicitamente para participar na conversação (“Deixeme falar, por favor!”) ou opta por interromper o interlocutor, assinalando implicitamente que pretende expressar-se. No caso da negociação da distância interlocutiva, o locutor pode manifestar explicitamente as suas preferências (“Trateme por tu, por favor!”) ou, tomando a iniciativa e usando o pronome tu na interação, pode tentar sugerir ao interlocutor que deseja um tratamento menos formal. Ver também Traverso (2004: 43-68), que propõe uma análise da cristalização do desacordo em três tipos de interações: a conversa familiar, a reunião de investigação e as transações comerciais em lojas.

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No que diz respeito ao resultado, ao contrário das negociações comerciais ou diplomáticas, que têm como objetivo principal o sucesso, na negociação conversacional, o êxito não constitui uma das componentes principais. Certos tipos de negociações, como a do turno de fala ou dos temas abordados são essenciais para o bom funcionamento da conversação. Porém, como veremos nas análises deste capítulo, o insucesso das negociações sobre opiniões veiculadas, sobre as relações interlocutivas, as identidades não determina necessariamente o insucesso de toda a interação. Por exemplo, alguém pode recusar a tratar o seu interlocutor por tu, o que não representa um obstáculo insuperável para continuar a conversação. Em relação ao resultado final da negociação, mencionamos o compromisso, em que ambos os participantes fazem concessões, o alinhamento espontâneo, em que um dos participantes aceita voluntariamente a posição do outro, e a não-resolução, em que um dos participantes rejeita, por vezes sistematicamente, a CONTRE-PROP. O debate parlamentar é um tipo de interação institucional que decorre segundo regras preestabelecidas; como já vimos nos subcapítulos anteriores, a temática, a ordem dos intervenientes, o tempo de cada intervenção, a linguagem, etc. devem obedecer à ordem do dia e ao regimento parlamentar, sendo o presidente da reunião responsável pelo cumprimento das regras do “cenário”. Por outro lado, o discurso parlamentar tem uma dimensão agonal intrínseca, que advém do confronto entre a instância política e a instância adversária, sendo as “infrações” das regras comuns nos debates em contraditório. Do ponto de vista da estrutura actancial, uma negociação no debate parlamentar pressupõe a existência de pelo menos dois negociadores, N1 e N2, que assumem posições discursivas diferentes e que tentam chegar a um acordo, e um moderador, papel desempenhado pelo presidente.

Figura nº 10. Estrutura actancial da negociação em debates parlamentares.

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O objeto das negociações pode ser variável, abrangendo a temática, a opinião exprimida, a(s) identidade(s), a relação interlocutiva, a abertura, o fecho, o turno de fala, etc. Segundo Kerbrat-Orecchioni (2005: 112), a negociação da alternância do turno de fala é locally managed (gerida a nível local) pelos locutores, aparecendo pontualmente nas interações. Trata-se de negociações que ocorrem com alguma frequência, tentando os locutores atingir objetivos variados: obter/conservar “espaço” de fala, gerir as interrupções voluntárias ou acidentais, o início simultâneo de duas intervenções, etc. Uma das estratégias frequentes de negociar a alternância da tomada de vez é a interrupção do locutor. Aliás as interrupções no discurso parlamentar foram amplamente analisadas (Carbó 1992, Bevitori 2004, Ilie 2005a, Zima et al 2010), tendo os autores destacado algumas tipologias que serão apresentadas mais adiante. No que diz respeito ao turno de fala 51 , Kerbrat-Orecchioni (1990: 159-192) menciona alguns direitos e deveres que os locutores devem respeitar, para garantir um bom funcionamento da interação vebal: i) a função de locução deve ser desempenhada sucessivamente por diferentes locutores, havendo, idealmente um equilíbro no que diz respeito à duração de cada invervenção, a focalização interlocutiva; ii) as pessoas não falam ao mesmo tempo, as sobreposições devendo ser reduzidas; iii) há sempre alguém que fala, evitando-se os momentos de silêncio ou as pausas. Ao contrário das conversas do dia-a-dia, em que os locutores negociam de maneira espontânea as regras acima mencionadas, os debates parlamentares têm a particularidade de serem geridos por um moderador, que organiza também a alternância dos turnos de fala, de acordo com a lista de inscrições e com as normas regimentais em vigor. Portanto, a duração das intervenções e o evitamento das sobreposições são a responsabilidade do Presidente, que tem autoridade discursiva perante os restantes locutores. Por outro lado, a focalização das intervenções e os apartes são mais difíceis de gerir e há frequentes desvios do protocolo regimental. Aliás, dada a natureza intrinsicamente conflitual deste tipo de interação, não são poucas as situações em que os locutores tentam negociar a duração da intervenção, havendo na dinâmica interacional diferentes sobreposições e, algumas vezes, de pausas. Num primeiro momento faremos uma análise do papel desempenhado pelo moderador em situações de negociação conversacional sobre a alternância dado turno de fala e depois apresentaremos algumas estratégias usadas pelos locutores para conseguir mais “espaço” na interação, com enfoque também no emprego das interrupções.

51 “À un premier niveau d’analyse, que l’on peut dire “formel”, toute interaction verbale se présente comme une succesion de “tours de parole” – ce terme désignant d’abord le mécanisme d’alternance des prises de parole, puis par métonymie, la contribution verbale d’un locuteur détérminé à un moment détérminé. […] L’activité dialogale a donc pour fondement ce principe d’alternance”. (Kerbrat-Orecchioni 1990 : 159)

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1.4.1 O papel do moderador Deputado Nelson Bornier, se eu fosse V.Exa., eu me acalmaria. Eu me acalmaria. (Audiência Pública N°: 0497/12, 08/05/2012)

A importância do moderador no debate – académico, político ou mediático – foi salientada em estudos sobre a interação verbal. O moderador é considerado ora um árbitro (Vion 1992: 139), ora um chefe de orquestra (Kerbrat-Orecchioni 1992: 86-87), comparações que mostram o papel fulcral desta figura no quadro participativo dum debate, independentemente da sua natureza. “Cet arbitre effectue les rituels d’ouverture, énonce les thèmes et l’ordre dans lequel ils vont être abordés, rappelle les règles, distribue la parole, veille au respect du temps de parole de chacun et peut s’intercaler entre les belligérants” (Vion 1992: 139, nosso negrito). “Dans d’autres situations (colloques, débats médiatiques) les tours sont alloués par un « modérateur » plus ou moins extérieur à l’interaction, mais qui a pour fonction d’assurer sa gestion : dans cette mesure, ce distributeur official des tours occupe la position haute du chef d’orchestre” (Kerbrat-Orecchioni 1992: 8687, nosso negrito).

Durante as reuniões parlamentares que integram o nosso corpus, o papel de moderador é desempenhado pelo Presidente da Assembleia / Câmara / Senado / Comissão, sendo dele a responsbilidade pelo bom funcionamento dos trabalhos. Segundo Miche (1995: 244) a função do moderador é de “gerir” o debate. Ilie (2005a: 312) afirma que o presidente assegura o bom funcionamento dos trabalhos através de duas tarefas que são da sua responsabilidade: conceder a palavra aos oradores segundo a ordem preestabelecida e sancionar o comportamento não-regimental, como as interrupções. Détrie (2010: 145) recorre à metáfora do orquestrador para definir a função do presidente na “circulação fluida da palavra”: “Le débat est mené par un président qui a pour fonction de gérer le débat. C’est lui qui donne ou ôte la parole aux députés et qui modère le ton lorsque celui-ci devient trop polémique” (Miche 1995: 244, nosso negrito). “The MPs’ interventions are monitored by the Speaker of the House, whose major task is to ensure a smooth unfolding of the proceedings. The Speaker’s talk monitoring is exerted prospectively, by assigning an orderly turn-taking and by giving the floor to MPs according to a pre-established list of speakers, but also retrospectively, by sanctioning disorderly behaviour in the House, such as outof-order interruptions.” (Ilie 2005a: 312, nosso negrito)

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“Si le rôle du président est celui d’un orchestrateur de la séance, sa fonction le pose souvent comme un relai entre le questionneur et le questionné, assurant la continuité de la parole, son audibilité, son cadrage : le président est le garant de la circularion fluide de la parole” (Détrie 2010 : 145, nosso negrito).

Como observámos no capitúlo anterior, o presidente é o protagonista das sequências de abertura e de fecho, estabelecendo desde o início as regras do debate no que diz respeito ao tempo disponível para cada grupo parlamentar e para o governo (75), concede e retira a palavra aos oradores (76)-(80). (75) Doamna Roberta Alma Anastase: - Am să precizez şi timpul alocat Guvernului şi fiecărui grup parlamentar. Guvernului i se rezervă 60 de minute, pe care le poate folosi la începutul şi la încheierea dezbaterilor. Grupurilor parlamentare din Cameră şi Senat li se alocă timpul maxim corespunzător numărului membrilor fiecărui grup parlamentar, luându-se în calcul câte 20 de secunde pentru fiecare parlamentar. Astfel: PDL are la dispoziţie 58 de minute, PSD - 45 de minute, PNL- 27 de minute, UDMR - 10, minorităţile naţionale - 6 minute, Grupul deputaţilor şi senatorilor independenţi - 9 minute, deputaţii independenţi fără apartenenţă la grupuri parlamentare - 2 minute. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: - Vou mencionar tanto o tempo do Governo, como o de cada grupo parlamentar. O Governo tem 60 minutos, que pode usar no início e no fim dos debates. Os grupos parlamentares da Câmara e do Senado têm um tempo máximo em função do número de membros de cada grupo parlamentar, tomando em consideração 20 segundos para cada parlamentar. Então, PDL tem 58 minutos, PSD - 45 minutos, PNL - 27 minutos, UDMR - 10, as minorias nacionais - 6 minutos, o grupo dos parlamentares e senadores independentes - 9 minutos, os deputados independentes sem vínculo a grupos parlamentares - 2 minutos.] (76) O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Com a palavra o Deputado Sérgio Barradas Carneiro. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (77) O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, no período de abertura, tem a palavra o Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (78) O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Para concluir, Deputado. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011)

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(79) Doamna Roberta Alma Anastase: Vă rog să finalizaţi, că aţi depăşit de mult timpul. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: Faça favor de concluir, pois ultrapassou há muito o seu tempo.] (80) Doamna Roberta Alma Anastase: Vă mulţumesc şi eu. Cu aceasta, am încheiat dezbaterile. (Reunião da Câmara dos Deputados de 6 de junho de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: Eu é que agradeço. Com isso, acabámos os debates.]

Aliás, todas as prerrogativas do Presidente – relacionadas com a sua função de gerir o funcionamento dos debates – são devidamente descritas nos regimentos parlamentares. Segundo o Regimento da Assembleia da República de Portugal, o Presidente tem as seguintes competências no que diz respeito à organização das reuniões plenárias: Artigo 17.º Competência quanto às reuniões plenárias. 1 — Compete ao Presidente da Assembleia quanto às reuniões plenárias: a) Presidir às reuniões plenárias, declarar a sua abertura, suspensão e encerramento, e dirigir os respectivos trabalhos; b) Conceder a palavra aos Deputados e aos membros do Governo e assegurar a ordem dos debates; c) Dar oportuno conhecimento à Assembleia das mensagens, informações, explicações e convites que lhe sejam dirigidos; d) Pôr à discussão e votação as propostas e os requerimentos admitidos. (nosso negrito)

Em conformidade com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional do Brasil, o presidente da mesa da audiência pública é responsável pelo conteúdo dos debates, tendo funções de eliminar os desvios temáticos e outras perturbações dos trabalhos: Art. 256. § 3o Caso o expositor se desvie do assunto, ou perturbe a ordem dos trabalhos, o Presidente da Comissão poderá adverti-lo, cassar-lhe a palavra ou determinar a sua retirada do recinto. (nosso negrito)

Nos regimentos do Senado e da Câmara dos Deputados do Parlamento da Roménia, as competências dos presidentes das duas câmaras são descritas em detalhe: Art.39. (1) Preşedintele Senatului are următoarele atribuţii: a) convoacă Senatul în sesiuni ordinare şi extraordinare; b) conduce lucrările Senatului şi asigură respectarea programului orar şi a ordinii de zi; c) acordă cuvântul, moderează

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discuţiile, sintetizează problemele supuse dezbaterii, stabileşte ordinea votării, explică semnificaţia votului şi anunţă rezultatul votului; d) asigură menţinerea ordinii în timpul dezbaterilor şi respectarea Constituţiei şi a Regulamentului Senatului (nosso negrito). [Art. 39º (1) O Presidente do Senado tem as seguintes atribuições: a) convoca o Senado em reuniões plenárias ordináriass e extraordinárias; b) conduz os trabalhos do Senado e garante que sejam respeitados o programa de trabalhos e a ordem do dia; c) concede a palavra, modera as discussões, sintetiza os problemas debatidos, estabelece a ordem da votação, explica o significado da votação e informa o resultado da votação; d) garante a manutenção da ordem durante dos debates e o respeito da Constituição e do Regimento do Senado.] Art. 33 Preşedintele Camerei Deputaţilor are următoarele atribuţii: a) convoacă deputaţii în sesiuni ordinare sau extraordinare, conform prevederilor prezentului regulament; b) conduce lucrările plenului Camerei Deputaţilor, asistat obligatoriu de 2 secretari, şi asigură menţinerea ordinii în timpul dezbaterilor, precum şi respectarea prevederilor prezentului regulament; c) acordă cuvântul, moderează discuţiile, sintetizează problemele puse în dezbatere, stabileşte ordinea votării, precizează semnificaţia votului şi anunţă rezultatul acestuia (nosso negrito). [Art. 33º O Presidente da Câmara dos Deputados tem as seguintes atribuições: a) convoca os deputados em reuniões ordinárias ou extraordinárias, de acordo com as estipulações deste regimento; b) conduz os trabalhos do plenário da Câmara dos Deputados, assistido obrigatoriamente por 2 secretários, e garante a manutenção da ordem durante dos debatese o respeito das estipulações do presente regimento; c) dá a palavra, modera as discussões, sintetiza os problemas debatidos, estabelece a ordem da votação, explica o significado da votação e informa o resultado da mesma.]

Se o papel do presidente está muito bem definido nos regimentos, sendo (re)conhecido pelos locutores que participam no debate, isto não significa que por vezes não haja discussões sobre a maneira segundo a qual os debates deveriam ser geridos. Por exemplo, em (81), o locutor L2 sugere ao moderador (L1) que explique melhor a L4 o significado das figuras regimentais, pois esse intelocutor, na opinião de L2, não responde às perguntas que lhe são dirigidas. Esta afirmação tem um duplo significado: por um lado, cria uma situação conflituosa entre L2 e L4 (que responderá mais tarde) e, por outro lado, critica – de maneira indireta – o papel que a Mesa tem no decorrer dos debates. Aliás, L2 faz uma sugestão ao Presidente em relação às suas atribuições, mas esta sugestão é interpretada como uma possível ameaça à imagem do L1, que reage imediatamente, defendendo-se e afirmando que “a Mesa é sempre responsável pela condução dos trabalhos, mas nunca plenamente pelo resultado dos trabalhos”. Por outras palavras, o Presidente refere que as responsabilidades da Mesa incidem sobre a estrutura dos debates, mas não sobre o resultado dos mesmos.

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Notamos que nesta situação conflitual nenhum dos locutores (L1, L2, L3 e L4) está disposto a fazer concessões para chegar a um acordo e minimizar a divergência de opiniões. Antes pelo contrário, cada uma das partes envolvidas – representantes da instância política, da instância adversária, o moderador, que em princípio é neutro – mantém a sua posição e ninguém abre o caminho para negociação. A instância adversária (L2), que interpela a Mesa e critica a instância política, continua as suas críticas dirigidas a L4: “Não respondeu!”, “vamos lá ver se desta vez conseguimos obter respostas por parte do Governo”, ao passo que os representantes da instância política, L3 e L4 defendem o seu direito de responder às perguntas como acharem melhor: “da parte do Governo, há todo o direito de responder nos termos em que entender”, “mas respondo da maneira que entendo dever responder, não da maneira que os Srs. Deputados entendem”; a terceira instância – a que poderíamos chamar a instância moderadora – mantém a sua posição, como já referimos. Neste caso, a negociação não é possível – aliás, nem sequer é procurada pelos locutores –, mas a situação de confronto não determina a interrupção da interação verbal, uma vez que o conflito faz parte do contrato de comunicação dos debates parlamentares. No que diz respeito ao papel do moderador (L1), notamos que neste exemplo, esse sente-se ameaçado por uma afirmação feita por um locutor e intervém para defender a sua imagem, mas não para minimizar o conflito entre os locutores. (81) L1 – O Sr. Presidente: — Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia. L2 – A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, penso que as figuras regimentais deviam ser um bocadinho explicadas ao Sr. Ministro das Obras Públicas. É porque os pedidos de esclarecimento querem respostas, não querem «mensagens», em repetição de intervenções, e o Sr. Ministro não respondeu a uma única pergunta que lhe foi feita por qualquer uma das bancadas. O que o Sr. Ministro acabou de fazer foi uma repetição sumária da primeira intervenção, ou seja, o Sr. Ministro vem para aqui — e peço desculpa pela expressão — com umas palas ao nível da intervenção e não sai dela. Não sai dela! [...] Sr. Ministro acabou a sua intervenção a dizer que esta era a mensagem que queria dar à Assembleia, mas não pode ser, Sr. Presidente! Portanto, peço à Mesa o favor de solicitar ao Sr. Ministro que, na próxima ronda, tenha a seriedade de responder claramente aos Deputados, às questões que lhe são colocadas, de modo a que o debate possa ser, no mínimo, frutuoso. [...] L1 – O Sr. Presidente: — Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, a Mesa é sempre responsável pela condução dos trabalhos, mas nunca plenamente pelo resultado dos trabalhos. Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares. L3 – O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Jorge Lacão): — Sr. Presidente, de uma forma muito singela, quero sublinhar que os Srs. Deputados têm toda a legitimidade regimental para, nos termos que lhes estão cometidos, fazer as

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perguntas que entenderem, mas, da parte do Governo, há todo o direito de responder nos termos em que entender. Os Srs. Deputados concordarão ou não, mas não podem orientar intelectualmente o modo como o Governo quiser responder às perguntas que os Srs. Deputados fizerem. L2 – A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não respondeu! [...] L2 – A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, vamos lá ver se desta vez conseguimos obter respostas por parte do Governo. [...] L4 – O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, em primeiro lugar, queria dizer que tenho o maior respeito pelos Srs. Deputados, mas respondo da maneira que entendo dever responder, não da maneira que os Srs. Deputados entendem. Protestos da Deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

No exemplo (82), selecionado do sub-corpus brasileiro, observamos a importância do papel do moderador na gestão pessoal do tempo (“para tirar o máximo proveito do tempo”), pois L1 – ministro do governo federal, convidado para fazer um depoimento na audiência pública da Câmara dos Deputados – pergunta ao presidente de que tempo dispõe para fazer a sua apresentação. (82) L1 – O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - [...] Indo diretamente ao assunto, para tirar o máximo proveito do tempo... De que tempo disponho, Sr. Presidente? L2 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Vinte minutos prorrogáveis. L1 – O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - Indo diretamente ao assunto, como é do meu estilo, eu iniciaria, dizendo aos senhores que as afirmações foram feitas efetivamente ao jornalista Roberto, competente e brilhante jornalista do jornal O Globo, a partir de um debate que mantínhamos num programa de televisão, onde ele me indagava – ele era um dos interpeladores nesse programa de televisão... (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

Estes exemplos mostram que nos debates parlamentares a figura do Presidente assume importância fundamental na organização da interação; na próxima secção veremos em mais pormenor o papel do presidente nas negociações conversacionais e na gestão das interrupções.

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1.4.2 Estratégias de negociação Eu tenho o entendimento claro de que a estratégia da bancada do Governo foi de pegar de surpresa a bancada da Oposição. (Audiência Pública, N°: 0594/12, 16/05/2012)

No exemplo (83), selecionado do sub-corpus brasileiro, assistimos a uma tentativa de negociação do decorrer da reunião, através da redução do tempo da intervenção do ministro (L1). Notamos que para tratar do assunto, L2 interpela o moderador, na sua qualidade de responsável pelos trabalhos: “Peço a palavra, Sr. Presidente”. Uma vez concedida a palavra pelo presidente: “Pois não”, L2 apresenta a sua proposta: “Hoje nossa agenda está lotada. Poderia ser determinado um prazo para...”, sendo entretanto interrompido por L1, com uma contra-proposta: “Finalizo em 3 ou 5 minutos”. L2 continua com um segundo argumento, não aceitando a contra-proposta de L1: “Assinei uma lista com 13 Deputados”. Desta forma, L2 qualifica – de forma indireta – a proposta L1 como inaceitável, porque impede o bom funcionamento dos trabalhos, afetando o tempo disponível para os outros intervenientes: “Assinei uma lista com 13 Deputados”. Neste momento intervém o moderador (L3), que decide conceder a L1 o tempo suficiente para acabar o seu discurso: “a vinda do Ministro Jorge Hage, principalmente para a nossa Comissão, é de fundamental importância”, pedindo paciência aos deputados. L2 continua com a sua proposta inicial, rejeitanto a argumentação do moderador: “eu não estou diminuindo a importância da presença do Ministro”, e apresenta o seu objetivo, cumprir a agenda dos trabalhos com todas as etapas: “Eu só quero que nós finalizemos os debates e a fase de perguntas”. Desta vez L1 propõe uma solução de compromisso, prometendo acabar em breve: “Vou finalizar após a exposição de três slides, Deputado”. Podemos considerar que neste caso se trata de uma negociação sucedida, na medida em que alertou L1 em relação ao tempo disponível para a sua intervenção. Rejeitando as contra-propostas de L1 e de L3, L2 consegue alcançar o seu objetivo, apresentando argumentos de natureza regimental. (83) L1 – O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - [...] Algumas ideias e propostas já estão sendo trabalhadas no Executivo. Neste momento há uma proposta de decreto sendo... L2 – O SR. DEPUTADO CARLOS MAGNO - Peço a palavra, Sr. Presidente. L3 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Pois não. L2 – O SR. DEPUTADO CARLOS MAGNO - Hoje nossa agenda está lotada. Poderia ser determinado um prazo para...

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L1 – O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - Finalizo em 3 ou 5 minutos. L2 – O SR. CARLOS MAGNO - Assinei uma lista com 13 Deputados. L3 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Deputado Carlos Magno, a vinda do Ministro Jorge Hage, principalmente para a nossa Comissão, é de fundamental importância. Então, peço a paciência de V.Exa. e dos companheiros. L2 – O SR. DEPUTADO CARLOS MAGNO - Presidente, eu não estou diminuindo a importância da presença do Ministro. Eu só quero que nós finalizemos os debates e a fase de perguntas. L1 – O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - Vou finalizar após a exposição de três slides, Deputado. [...] Essas são as informações que eu pretendia trazer aos senhores. Peço desculpas se ultrapassei o tempo. Estou inteiramente à disposição para acrescentar, com suas perguntas, quaisquer outros esclarecimentos. Muito obrigado. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

O exemplo seguinte – que foi selecionado de uma sequência de perguntas dos requerentes – diz respeito também à negociação do tempo que os intervenientes têm para falar, mais concretamente para dirigir perguntas ao ministro convocado para a audiência pública. L1, o moderador, concede a palavra ao deputado inscrito na lista de oradores, mas neste momento dois locutores interrompem L2 para tentar negociar o seu papel na interação. L4 tem uma intervenção episódica, inacabada, e não consegue abrir uma brecha na dinâmica interacional: “Sr. Presidente, fui mencionado na fala do Deputado, queria só fazer...”, ao passo que L3 parece ter mais sucesso, talvez por usar uma expressão do protocolo administrativo e jurídico52: “Sr. Presidente, pela ordem”. Num primeiro momento, o moderador, L1, rejeita a proposta de L3 (que pede o uso da palavra) e apresenta uma contraproposta, sugerindo o adiamento desta invervenção53, para deixar o orador L2 acabar o seu discurso: “Vou dar a palavra a A expressão pela ordem (com zero ocorrências no sub-corpus português e quase quarenta no sub-corpus brasileiro) é usada em debates parlamentares ou nos tribunais do Brasil quando se pede a palavra ao presidente ou ao juíz. Não encontrámos informações sobre a origem e o significado desta expressão em dicionários jurídicos, mas num fórum intitulado “Questão de direito”, um dos membros oferece a seguinte explicação: “A expressão pela ordem significa que o interlocutor pretende obter a palavra com preferência a fim de intervir nos trabalhos tendo por propósito (o que nem sempre ocorre) comunicar a ocorrência de falha procedimental ou ritualística que determina algum tipo de vicio procedimental que vá repercutir em nulidade ou prejudicialidade dos trabalhos.” Disponível online: http://www.htforum.com/forum/threads/ questao-de-direito.33695/ (última consulta 16.04.2015) 53 Na gravação áudio da audiência pública, pudemos ouvir a intervenção integral do moderador, que diz: “Deixa, eu vou dar palavra a Vossa Excelência, deixa só o orador... o deputado Nelson Bornier”. 52

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V.Exa. Garanto a palavra ao orador, Deputado Nelson Bornier”. L3 rejeita a contraproposta do moderador e insiste com a proposta inicial: “Sr. Presidente, pela ordem, gostaria de falar”. Desta vez, L1 concede-lhe o uso da palavra: “Pois não, Deputado Angelo Vanhoni” e L3 apresenta a sua proposta em relação à ordem dos trabalhos. L1 diz que já organizou o debate desta forma: “Pois foi justamente isso, Deputado, que acabei de...”, “Fiz um grupo de cinco Deputados”. L3 encerra a sua intervenção agradecendo ao moderador. Outro locutor, L5, tem uma proposta sobre a ordem das respostas dadas pelos deputados requerentes, que será aceite pelo moderador54; depois de acabadas as questões sobre a organização dos trabalhos, o orador inicial, L2, retoma o seu discurso. No exemplo (84) há, portanto, uma tentativa de negociação falhada (de L4, que não recebe o direito de falar) e duas negociações conseguidas (entre o moderador e dois negociadores diferentes, L3 e L5), que se debruçam sobre a ordem dos oradores e o uso proveitoso do tempo disponível para a audiência pública. Ambos os negociadores conseguem impor as suas propostas; no caso de L3 observamos, num primeiro momento, uma cedência do moderador (que lhe concede o uso da palavra), chegando-se assim a um acordo através do compromisso feito por uma das partes e, num segundo momento, a um acordo prévio de facto, visto que o moderador já tinha adotado a solução proposta por L3: “Pois foi justamente isso, Deputado, que acabei de...”, “Fiz um grupo de cinco Deputados”. No caso da negociação de L5, trata-se de um alinhamento espontâneo, uma vez que o moderador aceita a sua proposta sem fazer uma contraproposta. (84) L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Com a palavra o Deputado Nelson Bornier. L2 – O SR. DEPUTADO NELSON BORNIER - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados... L3 – O SR. DEPUTADO ANGELO VANHONI - Sr. Presidente, pela ordem. L4 – O SR. DEPUTADO DELEGADO WALDIR - Sr. Presidente, fui mencionado na fala do Deputado, queria só fazer... L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Vou dar a palavra a V.Exa. Garanto a palavra ao orador, Deputado Nelson Bornier. L3 – O SR. DEPUTADO ANGELO VANHONI - Sr. Presidente, pela ordem, gostaria de falar. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Pois não, Deputado Angelo Vanhoni. L3 – O SR. DEPUTADO ANGELO VANHONI - Não sei que encaminhamento V.Exa. fixou para a condução da reunião, mas há 13 ou 14 Deputados inscritos para falar. Perguntas e questionamentos importantes foram 54

Na gravação áudio ouve-se um “ok” dito pelo moderador.

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direcionados ao Ministro Jorge Hage pelos três Deputados que falaram, e agora o Deputado Nelson Bornier vai fazer uso da palavra. A minha sugestão é de que V.Exa. faça grupos de Deputados. Não sei se já o fez. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Pois foi justamente isso, Deputado, que acabei de... L3 – O SR. DEPUTADO ANGELO VANHONI - Dependendo das respostas do Ministro Jorge Hage, os questionamentos podem já ter sido feitos e minhas dúvidas podem estar satisfeitas e posso direcionar meu raciocínio para outro campo. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Fiz um grupo de cinco Deputados. L3 – O SR. DEPUTADO ANGELO VANHONI - Muito obrigado. L5 – O SR. DEPUTADO GLAUBER BRAGA - Sr. Presidente, pela ordem, por favor. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Pois não, Deputado. L5 – O SR. DEPUTADO GLAUBER BRAGA - Queria sugerir que as possíveis respostas que serão dadas pelo Deputado autor do requerimento possam ser feitas a posteriori. Se cada Deputado que fizer uma referência ao que foi dito pelo Deputado autor do requerimento tiver o direito de responder a tudo o que estiver sendo dito, não vamos ter um adequado procedimento do trabalho em relação às respostas a serem dadas. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - O Deputado Nelson Bornier está com a palavra. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

A próxima negociação, do exemplo (85), também entre o moderador e um interveniente, ocorre num interregno – “Eu vou suspender por um minuto” – de uma audiência pública que integra o corpus brasileiro. Os protagonistas desta negociação são L1, o moderador, e L2, um dos deputados, que pretende, por um lado, obter mais tempo para a sua intervenção e, por outro lado, espera avançar na lista dos oradores inscritos e falar mais cedo. L1 apresenta sucintamente o decorrer dos trabalhos: “O Ministro [...] já vem responder; e, aí, vêm os demais oradores”. Neste momento intervém L2, sugerindo maior rigor com o tempo de fala dos líderes de grupos parlamentares, porque o resto dos oradores querem participar no debate também: “seja mais duro aí com os Líderes, porque nós, mortais, aqui precisamos falar”. Esta primeira proposta é rejeitada pelo moderador, que justifica a sua posição invocando as normas regimentais: “É que os Líderes têm um tempo a mais legalmente, regimentalmente”. L2 rejeita a contraproposta de L1, evidenciando que o tempo disponível para os líderes é demasiado generoso: “É dar mais do mais. Eles têm muito tempo”. L3 interrompe a negociação, avisando que vai falar enquanto líder e o moderador avisa que vai haver outro líder como orador, portanto, outro interveniente

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que terá mais tempo à sua disposição. Neste momento, L3 continua a sua negociação, questionando-se sobre o papel do presidente de comissão, sugerindo, através de uma interrogação retórica, que deveria ser tratado de maneira diferente: “Presidente de Comissão não tem prerrogativa aqui, não?”; acrescenta que na sua qualidade de presidente da Comissão de Trabalho, deveria ter preferência entre os oradores que interpelam o Ministro do Trabalho. L1 rejeita esta nova contraproposta com argumentos de natureza regimental: “Aqui, regimentalmente, os Líderes; depois os membros da Comissão”. L2 quer, então, saber qual é a sua posição na lista dos oradores e L1 responde usando a uma frase imprecisa, evitando uma resposta concreta: “Está ficando cada vez mais longe!”; L2 insiste e L1 responde: “Agora, Sílvio, o senhor é o sétimo”. L2 não está satisfeito com a resposta e apresenta uma contraproposta, que implicaria intercalar os oradores do poder e os da oposição; sendo uma proposta irónica, baseada no conteúdo e nas posições discursivas dos membros do poder e da oposição: “Tem aqui o time que está elogiando e o time que está criticando” e na própria posição perante o discurso do ministro: “Eu não decidi o que vou fazer ainda!” e não nas normas regimentais, como é habitual neste tipo de intervenção, o público ri-se. O moderador rejeita esta contraproposta também: “Não é possível, Deputado”. Outro interveniente sugere a L2 integrar um partido em que há posições tanto a favor, como contra o ministro: “O Deputado Sílvio pode ir para o PSD. Porque quer elogiar e criticar ao mesmo tempo!”. O ministro volta à sala e o moderador apresenta os próximos oradores, de acordo com a ordem já estabelecida: “Tem mais um Líder para falar. Deputado Osmar Júnior, com a palavra”. Nenhuma das contrapropostas de L2 foi aceite, poderíamos afirmar que a negociação falhou, as duas partes mantendo as suas posições. No entanto, apesar do insucesso, ou usando a terminologia de Kerbrat-Orecchioni (2005), da não-resolução da negociação, a interação continua normalmente, sem protestos de L2. Como se trata de um tipo de interação organizado segundo o Regimento e como o Presidente ofereceu argumentos regimentais para rejeitar sistematicamente as contrapropostas de L2, este locutor aceita a decisão de L1 e não volta a insistir para obter mais tempo de fala ou para avançar na lista dos oradores. Aliás, a maneira como L2 negocia estes dois assuntos – usando a ironia e um tom cordial – mostra que o diferendo inicial não era muito forte. (85) L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Eu vou suspender por um minuto. O Ministro precisa ir ao banheiro. Em seguida, ele já vem responder; e, aí, vêm os demais oradores. L2 – O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Sr. Presidente, por favor. Presidente, seja mais duro aí com os Líderes, porque nós, mortais, aqui precisamos falar. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - É que os Líderes têm um tempo a mais legalmente, regimentalmente.

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L2 – O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Não é uma questão de... É dar mais do mais. Eles têm muito tempo. L3 – O SR. DEPUTADO OSMAR JÚNIOR - Sr. Presidente, estou inscrito como Líder. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Mais um Líder que vai falar. L2 – O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Presidente de Comissão não tem prerrogativa aqui, não? (Risos.) Eu sou Presidente da Comissão do Trabalho. O Ministro é do Trabalho, e acho que eu deveria ter preferência aqui. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Aqui, regimentalmente, os Líderes; depois os membros da Comissão. Só para orientar quem está aguardando: tem mais um Líder para usar a palavra. Depois, os inscritos. De membros da Comissão (tem mais 3); e dos não membros (tem 151 mais 6). L2 – O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Quero saber qual é a minha posição aí, Presidente. L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Está ficando cada vez mais longe! L2 – O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Qual é a minha posição aí - por favor? L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Agora, Sílvio, o senhor é o sétimo. L2 – O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Sétimo?! Eu quero fazer uma proposta aqui. Tem aqui o time que está elogiando e o time que está criticando. Eu não decidi o que vou fazer ainda! (Risos.) Agora, queria ver se dá para intercalar. Dá? Pelo menos democraticamente. E, aí, eu fico no meio. (Risos.) L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Não é possível, Deputado. L4 – O SR. DEPUTADO CHICO ALENCAR - O Deputado Sílvio pode ir para o PSD. Porque quer elogiar e criticar ao mesmo tempo! L1 – O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - Logo após o Deputado Osmar Júnior... Bom, eu já vou passar a palavra ao Ministro para responder aos Líderes. Tem mais um Líder para falar. Deputado Osmar Júnior, com a palavra. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

O exemplo (86) contém uma negociação sobre o tempo de fala entre a Presidente da Câmara dos Deputados do Parlamento da Roménia e um dos deputados. L2 interrompe L1 para o avisar que já venceu o tempo disponível: “Eu vă rog să încheiaţi. Aţi depăşit deja timpul...” [Por favor, conclua. Já ultrapassou o seu

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tempo...]. L1 rejeita a afirmação de L2, invocando a duração regimental: “Dar 5 minute mai erau” [Mas havia ainda 5 minutos]. Neste momento, L2 argumenta a sua proposta inicial com dados concretos, afirmando que o orador tinha, de facto, ultrapassado o seu tempo com 2 minutos: “Păi, mai erau 5 minute; sunt 7 de când vorbiţi dumneavoastră” [Pois, faltavam 5 minutos. O senhor fala há 7 minutos]. L1 não rejeita a situação apresentada por L2, mas protesta contra a interrupção, invocando um argumento que não está relacinado com o regimento parlamentar, mas sim com as normas de cortesia das interações quotidianas, em que os mais jovens não devem interromper os que são maiores de idade: “Dar de ce nu mă lăsaţi să vorbesc? Că poate am copii mai mari ca dumneavoastră şi nu e frumos să mă întrerupeţi” [Mas porque é que não me deixa falar? Talvez tenha filhos mais velhos que a senhora e não é bonito interromper-me]. Neste momento, L2 rejeita a argumentação de L1 e apresenta-lhe o seu papel de moderadora: “Deci, eu sunt aici tocmai pentru a respecta un vot dat de Biroul permanent şi confirmat de plen” [Então, eu estou aqui justamente para respeitar uma votação da Mesa Permanente e confirmado pelo Plenário] e convida o orador a terminar a sua intervenção. L1 acaba o seu discurso sem outros prostestos, aceitando a posição de L2. Neste caso, a tentativa de negociação acaba também com uma nãoresolução, visto que L1 não consegue obter mais tempo para acabar o seu discurso. Observamos que este orador invoca, na sua estratégia de argumentação, as normas de cortesia quotidiana, mas as mesmas não são aceites pela moderadora, uma vez que nos debates parlamentares têm prevalência as normas regimentais. Tal como nos exemplos anteriores, o insucesso da negociação não tem consequências para a continuação da interação. (86) L1 – Domnul Victor Cristea: […] Asta este cred că... consider că ar trebui o altă abordare a investiţiilor pe care le derulaţi dumneavoastră în ... L2 – Doamna Roberta Alma Anastase: Eu vă rog să încheiaţi. Aţi depăşit deja timpul... L1 – Domnul Victor Cristea: Dar 5 minute mai erau. Doamna Roberta Alma Anastase: Păi, mai erau 5 minute; sunt 7 de când vorbiţi dumneavoastră. L1 – Domnul Victor Cristea: Dar de ce nu mă lăsaţi să vorbesc? Că poate am copii mai mari ca dumneavoastră şi nu e frumos să mă întrerupeţi. L2 – Doamna Roberta Alma Anastase: Deci, eu sunt aici tocmai pentru a respecta un vot dat de Biroul permanent şi confirmat de plen. Deci, eu o să vă rog să încheiaţi această frază, vă mulţumesc mult şi să închideţi. Da? L1 – Domnul Victor Cristea: Spuneaţi un pic mai înainte aici că se vorbesc prostii. Şi astea nu sunt prostii şi că venim cu demagogie. Cine prezintă demagogie? Eu, sau cine? Vă mulţumesc.

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L2 – Doamna Roberta Alma Anastase: Şi eu vă mulţumesc. În continuare am să-l invit la microfon pe domnul deputat Relu Fenechiu. Domnule deputat, aveţi 7 minute la dispoziţie. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [L1 – O senhor Victor Cristea: […] Isto acho que é... considero que seria necessária uma outra abordagem que os senhores desenvolvem em... L2 – A senhora Roberta Alma Anastase: Eu pedia-lhe o favor de concluir. Já ultrapassou o tempo... L1 – O senhor Victor Cristea: Mas faltavam ainda 5 minutos. L2 – A senhora Roberta Alma Anastase: Pois, faltavam 5 minutos; o senhor fala há 7 minutos. L1 – O senhor Victor Cristea: Mas porque é que não me deixa falar? Talvez tenha filhos mais velhos do que a senhora e não é muito educado interromper-me. L2 – A senhora Roberta Alma Anastase: Pois bem, eu estou aqui justamente para respeitar uma votação feita na mesa permanente e confirmada no plenário. Então, eu vou pedir-lhe para acabar esta frase e concluir, muito obrigada. Está bem? L1 – O senhor Victor Cristea: Dizia há pouco que aqui se falam disparates. Estes não são disparates e vimos aqui com demagogia. Quem apresenta demagogia? Eu ou quem? Obrigado. L2 – A senhora Roberta Alma Anastase: Obrigada. A seguir, vou convidar ao microfone o senhor deputado Relu Fenechiu. Senhor deputado, tem 7 minutos ao seu dispor.]

Os exemplos de negociações sobre a gestão do tempo ou a ordem dos oradores que apresentámos mostram que o sucesso negocial não é uma condição sine qua non para o funcionamento da interação. Os locutores tentam ocupar mas “espaço” nos debates usando diferentes argumentos – regimentais ou relacionados com as normas de cortesia das interações quotidianas – mas o facto de não conseguirem impor as suas posições não tem necessariamente um impacto negativo no decorrer dos debates. Destaca-se também a figura do Presidente e tem uma evidente autoridade discursiva no decorrer dos debates e que consegue minimizar as possíveis situações de conflito.

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1.4.3 Uma tipologia das interrupções Art. 73. XIII - não se poderá interromper o orador, salvo concessão especial deste para levantar questão de ordem ou para aparteá-lo, e no caso de comunicação relevante que o Presidente tiver de fazer. (Regimento Interno da Câmara dos Deputados, Congresso Nacional do Brasil)

Nesta secção fazemos a análise das interrupções que ocorrem em debates parlamentares, tema já analisado em estudos anteriores sobre este tipo de discurso em corpora italianos, britânicos, austríacos (Bevitori 2004; Ilie 2003a, Ilie 2005a; Antelmi & Santulli 2010). Salientamos que a análise das interrupções e das sobreposições nos debates parlamentares deve tomar em consideração sobretudo as caraterísticas da tipologia discursiva, como as suas regras institucionalizadas, e menos os fatores culturais55. Por outro lado, a interpretação de uma sobreposição como interrupção – intrusiva ou cooperativa – depende também da percepção pessoal do linguista sobre os direitos e os deveres que cada locutor tem na interação (Tannen 1991, apud Ilie 2005a: 313). Aliás, as intervenções simultâneas podem ser consideradas sobreposições, com conotações neutrais ou positivas, ou interrupções, com conotações sobretudo negativas (Schiffrin 1994, apud Ilie 2005a: 313). Na nossa abordagem, usaremos as normas regimentais para distinguir entre sobreposições e interrupções, uma vez que o discurso parlamentar funciona segundo um protocolo institucional bem definido. Aliás, na análise dos apartes que ocorrem em diferentes sequências dos debates parlamentares (ver supra 1.3.2.1. A exposição), já fizemos a distinção entre as interrupções e os apartes, com base no artigo 89º do Regimento da Assembleia da República. Assim, serão consideradas interrupções propriamente ditas, as intervenções que determinam uma resposta do orador (constituindo, por conseguinte, um momento de interação, por muito breve que possa ser), sendo sobreposições os apartes – comentários, perguntas retóricas, retomas do discurso apresentado na tribuna, em outras palavras as “vozes de concordância, discordância, ou análogas” segundo o art. 89º –, que não interrompem o orador. Segundo Ilie (2005a: 315), as interrupções nos debates parlamentares podem ser analisadas segundo quatro pontos de vista: i) fazer a distinção entre as interrupções verbais e não-verbais, ou seja entre diferentes manifestações destas intervenções; ii) ver Dascălu Jinga (2006: 187) defende que os romenos manifestam-se tolerantes em relação às interrupções, situando-se no grupo das culturas neolatinas. Şerbănescu (2007: 362) considera que as interrupções se relacionam com o estatuto dos participantes; por exemplo, o superior pode interromper e gere a interação, mas entre pares o acesso acesso à palavra é livre, sem constrangimentos. Estes estudos baseiam-se sobretudo em análises de interações quotidianas e as suas conclusões não se aplicariam das mesma forma em contextos institucionais. Na nossa opinião, nos debates parlamentares as normas regimentais têm precedência perante os hábitos culturais.

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se as interrupções são resultados de iniciativas individuais ou coletivas; iii) observar se as interrupções são de cariz institucional ou não-institucional, ou seja permitidas ou não pelas normas regimentais; iv) estabelecer se as interrupções são neutras – não expressam uma atitude determinada do(s) locutor(es) – ou não-neutras 56 , marcadas positiva ou negativamente (as últimas mostram atitudes perante os discursos dos locutores, sendo chamadas, na linguagem regimental, “vozes de concordância ou de discordância”). Se o último ponto de vista proposto por Ilie (2005a: 315) se concentra sobretudo na análise das interrupções enquanto estratégias de avaliação dos discursos (ou das imagens) dos outros, consideramos que seria também importante acrescentar um quinto ponto de vista na investigação das interrupções, ou seja tomar em consideração o papel das mesmas na construção da imagem do próprio locutor. No caso do discurso parlamentar, os locutores sabem que têm uma audiência multiestratificada (ver supra a Figura 5 da secção 1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar), tendo assim a preocupação de criar e de promover uma imagem de si positiva, construída, quer através do uso de atributos positivos sobre si mesmos, quer em oposição com a imagem negativa dos adversários políticos. Desta forma, as interrupções poderiam ser consideradas positivas, na medida em que tentam criar uma imagem de si favorável ou negativas, quando criarem – claro, sem que o locutor o queira – uma imagem de si menos favorável. (87) e (88) são exemplos de interrupções verbais, individuais, institucionais, de índole neutra (em relação ao discurso dos outros). No primeiro bloco de exemplos, trata-se de interrupções regimentais feitas por moderadores para gerir a ordem dos intervenientes (87a), o comportamento dos participantes presentes na sala, cujas manifestações impedem o bom funcionamento dos trabalhos (87b), o tempo da intervenção (87c) e (87d). Não detetámos em nenhuma destas interrupções avaliações positivas ou negativas dos discursos feitos pelos oradores, uma vez que o moderador assume o seu papel de árbritro neutro do debate. Aliás, notamos que nos primeiros três exemplos, a interrupção – que, geralmente, pode ser interpretada como um ato intrusivo – é atenuada pelo presidente com atos de desculpa: “Sr.ª Deputada, peço desculpa”, “Sr.ª Deputada, peço desculpa por interromper”, “Sr. Ministro, peço desculpa por interrompê-lo”.

56 Analisando o funcionamento das interrupções em debates presidenciais, que são também interações verbais moderadas em contexto político, Sandré (2009) distingue entre três categorias: (a) interrupções com objetivos polémicos (interruptions à visée polémique), em se expressa uma atitude negativa perante o discurso do interlocutor, sendo feitas pelos dois candidatos; (b) interrupções que pretendem gerir a interação (interruptions visant à gérer l’interaction), feitas tanto pelo moderador (sendo neste caso neutrais), como pelos candidatos, que tentam controlar o tempo das intervenções, a temática, a organização do turno de fala, etc; (c) interrupções com objetivos cooperantes (interruptions à visée coopérative), pouco frequentes, em que os locutores podem ajudarse de maneira recíproca (por exemplo, para encontrar uma palavra).

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Em (87d), observamos que a interrupção institucional do moderador não é atenuada e que deve ser repetida, para que o orador conclua o seu discurso. O orador, por sua vez, não interpreta a interrupção como intrusiva e aceita-a de forma explícita: “Vou terminar, Sr. Presidente”, “A terminar, Sr. Presidente”. A atitude de cooperação entre os dois locutores pode explicar-se através da relação de poder que existe entre os mesmos, uma vez que o moderador é geralmente aceite como o ator que concede e retira a palavra aos intervenientes. Aliás, em (87a), a deputada aceita sem protestos interromper o seu discurso e retomá-lo mais tarde, quando há uma falha da moderadora na gestão da ordem dos intervenientes, o que mostra a autoridade discursiva do presidente de sessão nos debates parlamentares. (87a) A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra o a Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro. A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Saúde, nesta interpelação ao Governo sobre política de saúde, o Partido Socialista quer trazer para a primeira linha de debate a matéria… A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa, mas houve uma falha da minha parte. É que quem está inscrito a seguir para formular o seu pedido de esclarecimento é o Sr. Deputado João Semedo. A Sr.ª Deputada Luísa Salgueiro importa-se de aguardar um pouco? A Sr.ª Luísa Salgueiro (PS): — Não, Sr.ª Presidente, não me importo. Retomarei a palavra quando a Sr.ª Presidente ma voltar a conceder. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (87b) A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada, peço desculpa por interromper, mas há um ruído na Sala que, não sendo um ruído gritante, perturba a audição das palavras da Sr.ª Deputada. Por isso, solicitava aos Srs. Deputados algum cuidado. Faça favor de continuar, Sr.ª Deputada. A Sr.ª Paula Santos (PCP): — Obrigada, Sr.ª Presidente. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (87c) A Sr.ª Presidente: — Sr. Ministro, peço desculpa por interrompê-lo, mas tenho de alertá-lo para que já excedeu em quase 2 minutos o tempo que tinha disponível. Agradeço-lhe, pois, que faça o favor de concluir. O Sr. Ministro da Saúde: — Vou terminar, Sr.ª Presidente. Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo e o Ministério da Saúde têm clara consciência da tarefa que é exigida. Não nos vamos desviar. Não pretendemos a popularidade fácil nem a demagogia populista. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (87d) O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Quando vai o Governo corrigir as malfeitorias feitas pelo governo PS e pelo Grupo Mello a muitos e qualificados profissionais da saúde na transferência do velho para o novo edifício, em Maio passado?

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O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem! O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir. O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente. Face à desgraçada amostragem da parceria com o Grupo Mello, o que vai fazer o Sr. Ministro às restantes parcerias público-privadas na saúde? Vozes do PCP: — Muito bem! O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — A terminar, Sr. Presidente, e porque o Deputado Nuno Reis não fez a pergunta,… O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem mesmo de terminar, Sr. Deputado. O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — … pergunto ao Sr. Ministro o que vai acontecer à construção, prevista, dos hospitais de Barcelos e de Fafe. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011)

Em (88), um dos deputados interrompe o moderador, tentando gerir – segundo as normas regimentais – a ordem dos oradores; notamos que usa a expressão “pela ordem”, muito frequente no discurso parlamentar brasileiro quando os deputados querem falar sobre questões relacionadas com o funcionamento dos debates. O moderador aceita a interrupção e a solicitação do deputado: “A lista será suplementada com o nome do Deputado Vaz de Lima”. Neste caso trata-se também de uma interrupção verbal, individual, institucional, de cariz neutro. (88) O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - [...] Serão permitidas a réplica e a tréplica pelo prazo improrrogável de 3 minutos. O SR. DEPUTADO VAZ DE LIMA - Pela ordem, Sr. Presidente. Perdoeme a interrupção. Faltou meu nome na lista. Sou também um dos autores do requerimento. O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - A lista será suplementada com o nome do Deputado Vaz de Lima. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em (89) e (90), foram selecionadas interrupções individuais, não institucionais, através das quais os locutores expressam avaliações negativas sobre o discurso do interlocutor. Por exemplo, em (89) o deputado interrompe o ministro para fazer uma correção que considera necessária para a argumentação: “Esse é de 2010, Ministro”. Aliás, quando o interlocutor rejeita a correção: “Não, em 2010 é a execução”, o deputado insiste interrompendo de novo o ministro: “É de 2010”. A segunda interrupção é também rejeitada, querendo o interlocutor explicar melhor o assunto: “Deixe-me explicar”.

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(89) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - [...] Há um monte de desinformação, e assim constroem notícia. Ficamos com a imagem e temos que nos explicar sempre. Eu já expliquei, irmão! Sabe de quando são esses convênios? De 2007, 2008. O SR. DEPUTADO ALEXANDRE LEITE - Esse é de 2010, Ministro. O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Não, em 2010 é a execução. O SR. DEPUTADO ALEXANDRE LEITE - É de 2010. O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Deixe-me explicar. É feita a chamada pública, e depois demora - muitas vezes é no final do ano - 1 ano para começar, às vezes atrasa, pede-se prorrogação de prazo. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em (90), o moderador da reunião (o presidente da Câmara dos Deputados) interrompe a locutora no início da sua intervenção para esclarecer uma questão relacionada com a gestão do tempo do orador anterior (a ministra da Educação). Usando a sua posição de responsável pelo decorrer dos trabalhos, o moderador interrompe a deputada para fazer esclarecimentos sobre o tempo disponível para os representantes do governo, invocando também uma contagem errada: “30 de minute, doamnă” [30 minutos, senhora]. O caráter não institucional desta interrupção advém, na nossa opinião, não do ato de esclarecimento, mas sim da segunda parte da intervenção do moderador, em que se faz uso da ironia para invocar a contagem errada do tempo: “Vă cumpăr un ceas când e ziua dumneavoastră” [Compro-lhe um relógio quando for o seu dia de anos]. Aliás, o moderador reitera a sua ironia depois da intervenção da deputada, que pede tolerância na gestão do tempo da oposição: “O să vă fac cadou un ceas” [Vou presentear-lhe um relógio]. As intervenções irónicas do moderador fazem uma avaliação crítica / negativa da posição da deputada em relação à gestão do tempo feita pela Mesa. Por um lado, o moderador reage a um possível ato ameaçador para a sua imagem, defendendo-se (enquanto Presidente da Mesa é responsável pela gestão correta e eficiente do tempo de cada orador), mas, por outro lado, expressando-se na lógica fundamentalmente agonal do discurso parlamentar, ameaça a imagem da deputada, sugerindo que a mesma não dispõe de meios tecnológicos para contar bem o tempo e sai da esfera institucional – falar de dias de anos não é um tema do debate político – situando-se fora das normas regimentais. Trata-se, portanto, de interrupções individuais, não institucionais e negativas, tanto do ponto de vista da posição perante o discurso do locutor, como do da construção de imagem de si. No entanto, do ponto de vista da construção da imagem de si, esta interrupção pode ser considerada positiva, na medida em que o locutor tenta defender a sua imagem pessoal.

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(90) Doamna Doiniţa-Mariana Chircu: Domnule preşedinte al Camerei Deputaţilor, cred că veţi avea aceeaşi îngăduinţă şi vizavi de timpul alocat nouă, aşa cum aţi avut îngăduinţă, şi e şi normal, faţă de doamna ministru. Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: Doamna deputat, Doamna ministru, ca reprezentant al Guvernului, scrie în regulament, are dreptul la 50 de minute înainte şi după. Doamna Doiniţa-Mariana Chircu: Depăşite deja în momentul acesta şi ne gândim că şi la sfârşit... Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: 30 de minute, doamnă. Vă cumpăr un ceas când e ziua dumneavoastră. Aveţi cuvântul. Doamna Doiniţa-Mariana Chircu: Vă mulţumesc. Dar eu am zis că e bine ce aţi facut şi e bine să aveţi îngăduinţa şi vizavi de noi. Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: O să vă fac cadou un ceas. (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012) [A senhora Doiniţa-Mariana Chircu: Senhor presidente da Câmara dos Deputados, acho que terá a mesma tolerância em relação ao nosso tempo, da mesma maneira como teve, aliás, como é normal, para a senhora ministra. O senhor Valeriu Ştefan Zgonea: Senhora deputada, a senhora ministra, enquanto representante do Governo – está no regimento – tem direito a 50 minutos antes e depois. A senhora Doiniţa-Mariana Chircu: Ultrapassados neste momento e pensamos que no fim... O senhor Valeriu Ştefan Zgonea: 30 minutos, minha senhora. Compro-lhe um relógio quando fizer anos. Tem a palavra. A senhora Doiniţa-Mariana Chircu: Obrigada. Mas eu disse que estava bem o que fez e que é bom ter tolerância para nós também O senhor Valeriu Ştefan Zgonea: Vou presenteá-la com um relógio.]

Em (91) assistimos a uma série de cinco interrupções individuais e não institucionais feitas pelo ministro brasileiro Carlos Lupi, o moderador tendo anteriormente concedido a palavra ao deputado, o primeiro interveniente. Tentando mostrar-se conhecedor do assunto e cooperante, ou seja contruir uma imagem de si positiva, o ministro Carlos Lupi interrompe successivamente o seu interlocutor ad hoc57, para o corrigir: “Central”, para completar com informações: “Na minha gestão. Pode haver algumas anteriores à minha gestão” e para responder instantaneamente às solicitações: “Agora”, “Tudo”, “Deixe...”. No entanto, O deputado Vanderlei Macris torna-se num interlocutor ad hoc, entrando sem querer num diálogo com o ministro, apesar de ter o papel, neste momento, de expor a sua pergunta. Nesta parte da audiência pública, apesar de haver um maior grau de interatividade, o mais comum é as intervenções decorrerem de forma sucessiva: os requerentes apresentam as perguntas e, em seguida, os convidados respondem. 57

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observamos que o interlocutor não aceita este diálogo e pede o seu direito de continuar a exposição: “Permita-me?”, interrompendo, por sua vez, o ministro. Se aplicarmos o quatro critério proposto por Ilie (2005a: 315), podemos afirmar que as primeiras duas interrupções são negativas, na medida em que emendam o discurso do interlocutor, ao passo que as últimas três são neutras, porque o locutor responde às solicitações sem fazer avaliações positivas ou negativas das mesmas. Usando o quinto ponto de vista proposto por nós, todas as interrupções são positivas, uma vez que a intenção do locutor é de construir uma imagem de si favorável. Neste exemplo torna-se relevante também o efeito negativo criado pelas interrupções, sendo a reação do deputado indicadora deste valor: “Permita-me?”. Portanto, o ministro pretende criar uma imagem de si positiva – mostrando-se muito cooperante – mas, de facto, o efeito é negativo, pois as interrupções não institucionais determinam uma reação do deputado, que o interrompe, querendo acabar a sua intervenção. (91) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Sr. Presidente, eu gostaria apenas de pedir ao Ministro... Se possível, Ministro... O senhor disse que não tem nenhum convênio com as centrais sindicais. O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Central. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Central Sindical. O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Na minha gestão. Pode haver algumas anteriores à minha gestão. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Existe um convênio em andamento com a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos de 46 milhões de reais, com início em 31 de dezembro de 2008 e término em 20 de novembro de 2012. A última liberação foi de perto de 5 milhões de reais. Eu queria pedir a V.Exa. que remetesse a esta Comissão, se possível... O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Agora. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - ...o processo... O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Tudo. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - ...e as informações e os detalhes desde... O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Deixe... O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Permita-me? O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Pois não. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Desde a época do edital até agora, as prestações de conta, o processo completo sobre esse convênio. O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Claro. Na hora. Eu mando hoje, sem problema nenhum. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Eu agradecerei muito, Ministro, se V.Exa. puder fazer isso. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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Os próximos exemplos mostram dois casos de interrupções coletivas, não institucionais do corpus romeno; aliás, as interrupções coletivas são, pela sua natureza, não institucionais, uma vez que os regimentos estipulam as intervenções individuais, que decorrem sucessivamente. Em ambos os casos trata-se de interrupções negativas, em que os locutores não identificados: “Din sală” [Da sala], “Proteste în sală” [Protestos na sala], “Proteste, discuţii” [Protestos, discussões] emendam ou desaprovam visivelmente o discurso do orador. Se no primeiro caso o orador responde à emenda, fazendo a correção, no segundo exemplo as reações coletivas – das quais os transcritores conseguiram registar a intervenção irónica: “Vă rog să aplaudaţi, vă rog să aplaudaţi…” [Por favor aplaudam, por favor aplaudam...] – determinam a intervenção do moderador, que tenta fazer um apelo à ordem. (92) Domnul Traian-Constantin Igaş: Sigur că este foarte uşor să vii, să arunci date, eu ştiu, imaginare pe piaţă şi să nu ai responsabilitatea vorbelor. Până la urmă, cred că, aici, imunitatea parlamentară se rezumă la anumite declaraţii care nu au niciun fel de acoperire. În semn de respect faţă de domnul senator Sava, care… Din sală: Savu. Domnul Traian-Constantin Igaş: Savu, Savu. Îmi cer scuze că v-am botezat. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Traian-Constantin Igaş: Claro que é muito fácil estar aqui, trazer números, eu sei, imaginários e não ter a responsabilidade das próprias palavras. Afinal, acho que a imunidade parlamentar limita-se a algumas declarações que não têm nenhum fundamento. Em sinal de respeito para o senhor senador Sava, que … Na sala: Savu. O senhor Traian-Constantin Igaş: Savu, Savu. Peço desculpas por batizá-lo.] (93) Domnul Traian-Constantin Igaş: E jalnic ceea ce aţi făcut, iar faptul că suntem aici şi că trebuie să reparăm aici anumite lucruri greşit gestionate de dumneavoastră….

(Proteste în sală)

… Vă rog să aplaudaţi, vă rog să aplaudaţi…

(Proteste, discuţii)

Domnul Vasile Blaga: Vă rog să ascultăm cu atenţie. Mai are, dacă doreşte, 10 minute domnul ministru. Domnul Traian-Constantin Igaş: Vă mulţumesc, domnule preşedinte. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Traian-Constantin Igaş: É deplorável o que fizeram e o facto de estarmos aqui e ter de reparar coisas que os senhores geriram pessimamente ….

(Protestos na sala) … Aplaudam, por favor, aplaudam por favor…

(Protestos, discussões) O senhor Vasile Blaga: Por favor, vamos ouvir com atenção. O senhor ministro tem ainda 10 minutos, se quiser. O senhor Traian-Constantin Igas: Obrigado, senhor presidente.]

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Esta análise mostra alguns dos papéis das interrupções nos debates parlamentares. A classificação segundo cinco critérios 58 – i) verbais vs. não-verbais, ii) individuais vs. coletivas, iii) institucionais vs. não-institucionais, iv) neutras vs. não-neutras em relação aos discursos / às imagens dos outros e, por fim, v) neutras vs. não-neutras em relação aos discursos / às imagens de si – mostra-se fértil em destacar efeitos do usos deste recurso linguístico por parte dos locutores, quer dos oradores ou quer do moderador. Em primeiro lugar, destaca-se o papel fundamental do moderador na gestão das situações possivelmente conflituais causadas pelas interrupções não-institucionais e a sua autoridade em fazer as interrupções institucionais para gerir o tempo regimental dos oradores. Esta observação confirma as análises anteriores (ver supra 1.4.1. O papel do moderador), que mostram a autoridade discursiva do Presidente. Em segundo lugar, nota-se que os critérios revelam comportamentos discursivos híbridos. Por um lado, há exemplos de interrupções não-institucionais feitas pelo moderador, na medida em que o mesmo não se limita a gerir o tempo dos locutores, mas faz também avaliações negativas sobre os discuros dos outros. Por outro lado, pudemos observar como as interrupções que têm o objetivo de criar uma imagem positiva de si – de pessoa cooperante, que quer oferecer informações – têm, de facto, um efeito contrário, na medida em que invadem o “espaço” de intervenção do interlocutor. Por último, salientamos que as interrupções mostram a tensão entre a dimensão institucional da gestão do turno de fala – devidamente descrita nas normas regimentais – e a sua dimensão conflitual, por vezes, que cria relações agonais, o resultado sendo os comportamentos híbridos observados. Na próxima secção debruçar-nos-emos sobre a dinâmica das perguntas e das respostas, que completa as análise sobre a estrutura sequencial (1.3.) e a negociação do turno de fala (1.4).

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Os primeiros quatro critérios são propostos por Ilie (2005a) e o último por nós.

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1.5 Responder às perguntas Às perguntas incómodas a Sr.ª Ministra não consegue responder. Não pode, é impossível responder, porque não tem lógica absolutamente nenhuma a resposta que me pode dar. (DAR, 17/02/2011 – I Série — Número 52)

Neste capítulo concentramo-nos no fundamento do discurso parlamentar, o binómio fundamental de qualquer interação verbal, a pergunta e a resposta. Fazer perguntas e dar respostas são atividades prevalentes nas reuniões parlamentares em geral e representam a razão de ser dos debates em que o parlamento exerce a sua prerrogativa de fiscalizar a atividade governamental59. No entanto, o consenso sobre o decorrer desta atividada nem sempre ocorre. O exemplo (81) – ver supra 1.4.1. O papel do moderador –, em que os intervenientes questionam a qualidade das respostas é simtomático, como veremos, constituindo uma preocupação frequente nos debates. Outro exemplo, (60), em que o locutor solicita repetidamente as respostas evitadas pelo locutor – “E as três perguntas?”; “Fiz-lhe três perguntas!” – é longe de ser singular (ver supra 1.3.2.4 A sessão de questões e respostas). Por um lado, os locutores que fazem perguntas frequentemente se queixam que os alocutários não respondem e, por outro lado, os que respondem defendem que cumprem devidamente o seu papel, como no exemplo (94): (94) O Sr. Manuel Pizarro (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Saúde, Srs. Membros do Governo: Não responder às perguntas parlamentares é uma estratégia, como qualquer outra, que pode fazer esquecer as respostas mas não faz apagar as perguntas que são pertinentes. [...] O Sr. Ministro tem ainda algum tempo que podia aproveitar para tentar, pelo menos, responder às perguntas. [...] O Sr. Ministro da Saúde: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Pizarro, de facto, a crítica vinda dessa bancada ao facto de o Governo não responder às perguntas é no mínimo curiosa, até porque respondemos, sistematicamente, a todas as perguntas! (Reunião plenária de 11 de abril de 2012)

Tomando em consideração esta situação, tentaremos neste capítulo ver qual seria a tipologia das perguntas feitas nos debates parlamentares 60 , as estratégias empregues pelos locutores para responder (ou evitar responder), partindo de algumas reflexões metalinguísticas feitas pelos próprios intervenientes. No parlamento britânico estes debates chamam-se Question Time [Tempo de Perguntas] e na Assemblée Nacionale francesa, Questions au Gouvernement [Perguntas ao Governo]. 60 Ver Beard (2000: 98, nosso negrito): “Because it is the politicians’ answers that are criticised as being evasive, it is usually only the answers that are analysed in any great detail. What is often forgotten in this process, though, is that the question and the answer form a linguistic pair, and that you cannot analyse one, without looking at the other.” 59

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1.5.1 “Não responder às perguntas parlamentares é uma estratégia...” Nas reuniões parlamentares do nosso corpus, os membros do governo – o primeiro ministro (no caso de Portugal e da Roménia), ministros, Secretários de Estado – comparecem perante os parlamentares para responder a perguntas sobre as suas ações políticas. As reuniões decorrem segunto regras bem definidas nos regimentos, que propiciam aos intervenientes fazer perguntas e responder, o diálogo ritualizado e institucionalizado sendo a essência dos trabalhos. Por vezes as reuniões têm a duração de mais de seis horas 61 , para permitir aos oradores inscritos na lista esgotar as perguntas que querem colocar e aos convidados fornecer as repostas62. No entanto, uma das considerações metalinguísticas mais frequentes nos debates – sobretudo no sub-corpus português – diz respeito à qualidade das respostas que os oradores dão, sendo prevalentes as acusações de não se ter respondido à(s) pergunta(s) ou não se ter dado uma resposta adequada às mesmas. Aliás, trabalhos sobre o discurso político – eleitoral, parlamentar, mediático, etc. – tratam este fenómeno, salientando, também, o outro lado da moeda, igualmente importante, as caraterísticas das perguntas dirigidas aos políticos: One of the most common accusations levelled at politicians is that they never answer the question. Tony Blair, when Leader of the Opposition in Britain, would often taunt the then Prime Minister John Major by demanding an answer to a question ‘Yes or No’. [...] There are in reality many reasons why politicians might not want to give a yes/no answer, not least because in an age when every comment can be recorded, stored and retrieved for playback at a moment’s notice, they are afraid that a straight answer will return to haunt them.The important linguistic point [...] is that the terms ‘straight question’ and ‘straight answer’ can be misleading, because they suggest that questioning and answering are essentially straightforward (Beard 200: 97, nosso negrito). There is a widespread perception that politicians are frequently evasive under questioning from members of the news media, and this perception is not without merit. [...] The impetus to resist a line of questioning is understantable, given the adversarial character of contemporary journalism. (Clayman 2001: 403, nosso negrito)

61 A reunião mais longa do corpus é a audiência pública da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle de 4 de dezembro de 2012, com a duração de 06h49min. 62 Ver também Beard (2000: 98): “[...] question-and-answer sessions with politicians, whether in Parliament or on radio or television, carry the expectation that the respondent to the questions will give fairly detailed answer”.

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Vejamos alguns exemplos do sub-corpus português, em que os locutores acusam os intervenientes de não responderem às perguntas dirigidas. Como podemos observar, os protestos ocorrem tanto em apartes (95), como nas intervenções propriamente ditas (96)-(98), podem dizer respeito às respostas de terceiros (95)-(97) ou, de uma forma mais direta, aos alocutários (98). (95) O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Estranho que venha perguntar ao Ministro das Finanças aquilo que podia ter perguntado ao Ministro dos Transportes, porque ninguém melhor do ele pode responder a muitas dessas questões, dado que é ele que tutela o sector. O Sr. Luís Menezes (PSD): — É que ele não responde! [...] O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — As questões que me colocou quanto à política da água e ao saneamento são perguntas apropriadas para a Ministra do Ambiente. O Sr. Luís Menezes (PSD): — Também não responde! É como o Ministro das Obras Públicas! (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011) (96) O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero começar por lembrar ao Sr. Ministro que perdemos uma boa oportunidade de fazer um debate de pergunta-resposta, visto que o Sr. Ministro não responde. [... ] No entanto, tentei com boa vontade. Fiz-lhe uma pergunta em um minuto e quarenta e poucos segundos no sentido de saber se entregou ou não o contrato do TGV no Tribunal de Contas e verifiquei que não respondeu, mas espero que possa vir a fazê-lo. Aliás, à pergunta feita pela bancada do PSD, junto, de novo, a minha pergunta. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (97) O Sr. Presidente: — O Sr. Deputado Jacinto Serrão pediu a palavra para que efeito? O Sr. Jacinto Serrão (PS): — Sr. Presidente, para comunicar à Mesa que vou entregar a V. Ex.ª, por escrito, perguntas para dirigir ao Sr. Ministro, a fim de ele responder às minhas questões. O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — O Sr. Deputado já fez as perguntas ao Sr. Ministro. O Sr. Jacinto Serrão (PS): — Mas o Sr. Ministro não respondeu. O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Sr. Deputado, de qualquer maneira, fica registada a sua interpelação. (Reunião plenária de 10 de maio de 2012) (98) O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): — Sr. Ministro, para além da banca, quem é que fica a ganhar com este negócio? Era bom que o Sr. Ministro não fizesse como há pouco, que não respondeu às questões que lhe coloquei,

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e agora se pronunciasse sobre esta matéria, porque os portugueses têm o direito de conhecer os exatos termos desta operação e de saber, sobretudo saber, quem ganha com o negócio. (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

Do ponto de vista pragmático, não responder às perguntas ou não dar a resposta esperada significa violar uma ou mais máximas conversacionais 63 (Grice 1975), que constituem a base para as interações verbais desenvolvidas com base em princípios de cooperação entre os locutores: i) a máxima de quantidade – a intervenção deveria ser suficientemente informativa, segundo o objetivo da interação; ii) a máxima de qualidade – a intervenção deveria ser verdadeira; iii) a máxima de relevância – deve haver uma coincidência ou de convergência entre o assunto da pergunta e o da resposta; iv) a máxima de modo – a resposta deve ser formulada com clareza e sem ambiguidades. Os desvios dos princípios expressos por essas máximas determinam, em parte, a criação de uma atmosfera agonal dos debates parlamentares. Por outro lado, acusar o interlocutor de evitar as respostas solicitadas é uma estratégia de ameaçar a sua imagem, retratando-o como uma pessoa não-cooperante, que foge às regras do jogo democrático de qualquer debate político. E, tomando em consideração a dimensão essencialmente pública do discurso parlamentar – os políticos falam entre si, mas visam também audiências muito variadas –, os eleitores, os cidadãos tornam-se o argumento fundamental para legitimar as perguntas e para justificar a necessidade de receber respostas adequadas, como no exemplo (98): “os portugueses têm o direito de conhecer”. Aliás, a falta de respostas é uma justificação para alterar, por vezes, as regras do debate, os locutores fazendo perguntas não ao interlocutor mais adequado, mas ao que parece mais disponível, como em (95): “venha perguntar ao Ministro das Finanças aquilo que podia ter perguntado ao Ministro dos Transportes”, “são perguntas apropriadas para a Ministra do Ambiente”. No “calor dos debates”, os locutores fazem constantemente avaliações negativas dos trabalhos e insistem em solicitar as respostas: “perdemos uma boa oportunidade de fazer um debate de pergunta-resposta”, “à pergunta feita pela bancada do PSD, junto, de novo, a minha pergunta” como em (96), ou pedem respostas escritas: “que vou entregar a V. Ex.ª, por escrito, perguntas para dirigir ao Sr. Ministro, a fim de ele responder às minhas questões”, como no exemplo (93). Embora com menos frequência, estas acusações ocorrem também nos debates brasileiros que integram o nosso corpus. Os locutores propõem soluções alternativas, que não são estipuladas no regimento, como escrever as respostas: “o apelo [...] no 63

Para a terminologia em português usámos Gouveia (1996: 403-405).

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sentido de que as questões fossem anotadas”, para avaliar o desempenho [...] razoável das mesmas (99). Aliás, os locutores insistem que não se respondeu às perguntas colocadas, mencionando este facto duaz vezes em (99) e quatro vezes em (100). Estas avaliações metalinguísticas reforçam o papel essencial dos locutores, de fazer – ou sobretudo de obter – respostas dos membros do governo, pois o grau mais elevado de assertividade, de insistência, como podemos observar em (101a)-(101c) contribui também para a criação de uma imagem de si positiva. Se as expectativas – institucionais 64 e conversacionais 65 – do contrato de comunicação deste tipo de interação é de os parlamentares colocarem perguntas e os membros do governo responderem, reforçar os papéis desempenhados por cada uma das partes tem consequências para o trabalho de figuração (facework): quem tiver o papel de fazer perguntas cria uma imagem de si positiva ao mostrar a sua capacidade de interrogar, de questionar66 (101a)-(101c), ao passo que quem tiver o papel de reponder pode veicular uma imagem de si positiva mostrando que dá as respostas esperadas (102a)-(102c). (99) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Sr. Ministro, o senhor iniciou sua fala surpreso com o apelo do Líder Duarte Nogueira no sentido de que as questões fossem anotadas para que houvesse um desempenho de respostas razoável em função das perguntas formuladas. O senhor nos pediu inclusive que não duvidássemos da capacidade de sua memória. Entretanto, tenho de relembrar V.Exa. de que fiz uma pergunta sobre os gastos do

Ver os artigos correspondentes do Regimento da Assembleia da República de Portugal: “Uso da palavra. Artigo 76.º Uso da palavra pelos Deputados. 1 — A palavra é concedida aos Deputados para: […] e) Fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública”; “Artigo 78.º Uso da palavra pelos membros do Governo 1 — A palavra é concedida aos membros do Governo para: [...] c) Responder a perguntas de Deputados sobre quaisquer actos do Governo ou da Administração Pública”. 65 Lyons (1977: 754-755, nosso negrito) defende que as expectativas que os locutores têm em relação às respostas advém das convenções conversacionais e não necessariamente da força ilocutória das perguntas: “It is true that, in normal everyday conversation, we generally expect the questions that we utter to be answered by our addressee. But this is readily explained in terms of the general conventions and assumptions which govern conversation. [...] questions normally expect and obtain an answer is a conventional association between the utterance of a question and the expectation of an answer from the addressee. In principle, however, this association is independent of the illocutionary force of questions”. 66 Clayman (2001: 404, nosso negrito) fala da importância da agressividade para o prestígio profissional no caso de outro tipo de discurso político, as entrevistas mediáticas: “Journalist-interviewer gain professional status on the basis of aggressive questioning and they pride themselves on the skill with which they can pursue and pin down recalcitrans interviewees”. Charaudeau (2006, nosso negrito) fala da interpellation dénonciatrice: “lancée à la cantonade, s’adresse à un public qui est pris à témoin, met en cause la responsabilité d’un tiers (la mise en cause peut même être accusatrice)”. Na nossa opinião, a mesma situação ocorre no debate parlamentar, a oposição ganhando prestígio político através de perguntas agressivas feitas ao governo. 64

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ENEM nos anos que se sucederam desde 2008, pergunta a que o senhor não respondeu1. Eu gostaria que o senhor falasse sobre qual o valor efetivamente despendido no ENEM no ano de 2010, e mais uma vez digo por que faço esta pergunta. [...] Como disse, o senhor não respondeu à pergunta2, e eu gostaria de uma resposta para ela. (Audiência Pública N°: 1963/11 DATA: 23/11/2011) (100) O SR. DEPUTADO ANTHONY GAROTINHO - Isto aqui é uma Comissão de Fiscalização, estamos aqui numa Comissão de Fiscalização, e não numa festa de confraternização. [...] Eu lamento. A Ministra não me respondeu1 por que ela pagou ou autorizou o pagamento, já que ela é ordenadora de despesa, é Ministra, de 5,2 milhões, quando ainda quatro embarcações estavam no estaleiro da Intech Boating. Não respondeu3. S.Exa. não me respondeu2 a respeito do comentário do Luiz Sérgio, meu colega e colega dela, que disse que quando assumiu estava tudo largado. [...] E, por último, S.Exa. não disse4, agora que ela conhece o contrato, se faria ou não. S.Exa. fez, realmente, uma belíssima explanação a respeito do atum, e a nossa preocupação aqui é com o robalo. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012) (101a) O SR. DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA - Eu estou cumprindo aqui o meu papel de fiscalizar o Governo. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (101b) O SR. DEPUTADO FERNANDO FERRO - A Oposição cumpre o seu papel de fiscalizar, e é importante que se faça isso. (Audiência Pública N°: 0646/12 DATA: 22/05/2012) (101c) O SR. MINISTRO FERNANDO BEZERRA - Lembro que saio daqui cada vez mais crente no papel de fiscalização e de contribuição que o Congresso Nacional oferece às políticas públicas do Governo Federal. (Audiência Pública N°: 0646/12 DATA: 22/05/2012) (102a) O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Acredito que respondi as indagações do Deputado, Sr. Presidente. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011) (102b) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA - Acho que respondi a todas as questões. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011) (102c) O SR. ROBERTO TRONCON FILHO - Mas eu respondi agora. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

Nos debates romenos há também acusações de não se ter respondido às perguntas, relacionadas com a função fundamental das moções simples, que pretendem obter esclarecimentos sobre o funcionamento setorial do governo. Os locutores defendem que as respostas dadas pelos intervenientes são acusações aos

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governos anteriores (103) ou avaliações de desempenho sem relação com as perguntas feitas na moção (104). No primeiro exemplo, a avaliação metalinguística visa o lado confrontacional do debate parlamentar, ao passo que o segundo salienta o evitamento, enquanto estratégia de comunicação política adotada por alguns locutores. (103) Domnul Horia Cristian: - Toate astea sunt subiectele unei moţiuni simple şi, din păcate, toate aceste dezbateri la care am asistat nu fac decât să încingă spiritele şi în loc ca aceste întrebări care au fost ridicate prin această moţiune să primească răspunsuri clare, din păcate, n-au primit decât riposte şi acuzaţii asupra guvernărilor trecute. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [Domnul Horia Cristian: - Todos estes são assuntos de uma moção simples e, infelizmente, todos os debates a que assisti só aumentam as disputas e, em vez de estas perguntas colocadas na moção receberem respostas claras, infelizmente, recebem ataques e acusações sobre os governos anteriores.] (104) Domnul Relu Fenechiu: - Dar, doamnă ministru, nu vă supăraţi, nu ne-aţi dat răspunsurile la întrebările din aceasta moţiune. Or, acesta era rolul acestei moţiuni. Dumneavoastră aţi venit şi ne-aţi prezentat un raport triumfalist de activitate al dumneavoastră. Dacă doream acest lucru, stabileam prin ordinea de zi un raport de activitate al ministrului. (Reunião da Câmara dos Deputados, 21 de novembro de 2011) [Domnul Relu Fenechiu: - Mas, senhora ministra, por favor, não respondeu às perguntas desta moção. E era este o papel da moção. A senhora veio e apresentou um relatório triunfalista sobre a sua atividade. Se tivéssemos querido isso, teríamos estabelecido na ordem do dia um relatório da atividade ministerial.] Esta dissensão quanto às perguntas e respostas faz parte da lógica agonal dos debates parlamentares e relaciona-se também uma dimensão histriónica (Ilie 2003a; Ilie 2010d), que permite uma comparação destas interações com o discurso teatral: “MPs get engaged in a theatre-like dialogic game between adversarial positions in a spirit of competitiveness and agonistic behaviour. To a large extent, the MPs’ interaction in parliament is a competition for power and leadership roles, but also for fame and popularity.” (Ilie 2010d: 5-6)

Sabendo que é impossível convencer os adversários políticos a abdicar das suas convicções, os oradores usam as perguntas e as respostas não para pedir e obter informações, mas sim para uma mise em scène da disputa política, com o objetivo de ganhar prestígio junto de públicos diferentes.

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Após a apresentação destas considerações metalinguísticas sobre a qualidade das respostas nos debates que integram o nosso corpus, tentaremos fazer uma classificação das perguntas e, num segundo momentro, analisaremos algumas estratégias de evitamento ou de vagueza – lexical e / ou textual – usadas nas respostas parlamentares.

1.5.2 Uma tipologia das perguntas Afinal, ficámos a saber que, orgulhoso, o Ministro das Finanças, quando se levanta, de manhã, olha-se ao espelho e pergunta: «Espelho meu, espelho meu, há alguém que privatize mais do que eu?». (DAR, 28/01/2011 – I Série — Número 44)

No seu livro dedidado à interrogação, a linguísta romena Andra Şerbănescu (2002) propõe uma caraterização das perguntas feitas nas interpelações parlamentares e dá três exemplos de questões que possam ser colocadas neste tipo de interações: i) perguntas que solicitam dados concretos, ii) perguntas retóricas, iii) perguntas de “ligação conversacional”. În interpelarea parlamentară, întrebarea este o modalitate de a supune atenţiei şi dezbaterii publice unele aspecte ale actului guvernării, solicitând reacţii din partea receptorului vizat. […] Întrebarea este complexă, pusă cu scopul de a releva erorile adversarilor politici. Grupările politice promovează anumite tipuri de discurs; pot apărea întrebări care cer date precise în legătură cu actul guvernării, întrebări retorice, prin care emiţătorul sancţionează, de fapt, o greşeală de guvernare, întrebări „legătură conversaţională”, cu funcţie de structurare a unui discurs, remintind „dreptul parlamentarului de a pune întrebări” (Şerbănescu 2002: 7, nosso negrito). [Na interpelação parlamentar, a pergunta é uma modalidade de submeter à atenção e ao debate público alguns aspetos do ato da governação, pedindo reações do receptor visado. […] A pergunta é complexa, sendo colocada com o objetivo de evidenciar os erros dos adversários políticos. Os grupos políticos promovem certos tipos de discurso; podem surgir perguntas que solicitam dados precisos sobre o ato de governação, perguntas retóricas, através das quais o emissor sanciona, de facto, um erro de governação, perguntas de “ligação conversacional”, com a função de estruturar um discurso, lembrando “o direito do parlamentar de fazer perguntas”.]

Em outra classificação das perguntas, baseada em critérios sintáticos, Beard (2000: 98) destaca três categorias: i) as perguntas sim / não – a resposta esperada é simples, podendo o interveniente confirmar ou infirmar os pressupostos exprimidos na pergunta, como em (105); uma variedade seriam as interrogativas tag, que em

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português podem ser equivalentes, partículas67 como não é verdade?, não é assim?, não é?, como em (106) –, ii) as perguntas wh68 – introduzidas por advérbios e pronomes: como, quando, onde, quem, que, o que, porque, etc. (107) –, iii) perguntas disjuntivas, que oferecem ao interlocutor a possibilidade de escolher entre duas alternativas (108). (105) O Sr. Nuno Sá (PS): — Sr. Ministro, essa nomeação de alguém com um currículo puramente partidário confirma-se? (Reunião plenária de 11 de abril de 2012) (106) O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Quando veio a crise, por exemplo, nós diminuímos o Imposto de Renda, não é? (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011) (107) O Sr. Jorge Machado (PCP): — A pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: quem é que está a empobrecer no nosso País? (Reunião plenária de 26 de outubro de 2011) (108) A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Pergunto, muito claramente: é verdade ou é mentira? (Reunião plenária de 16 de março de 2011)

Bull (1994: 122) propõe uma classificação mais complexa e identifica três tipos de perguntas interrogativas (perguntas sim / não, perguntas wh-, perguntas disjuntivas) e três tipos de perguntas não-interrogativas (declarativas, amodais, indiretas). Para as perguntas whidentifica sete categorias: what [o que], who [quem], how [como], why [porque], when [quando], where [onde], which [qual]. As perguntas amodais [moodless] são as que não contêm verbos em modos pessoais: Que números?, Em que partido?, Que declarações?, etc. Do ponto de vista funcional, as perguntas colocadas nos debates parlamentares podem ser classificadas em três categorias69: i) perguntas informativas, através das quais o locutor pretende obter dados sobre a governação (109a) – estimativa do impacto do aumento das taxas moderadoras – e (109b) – o prazo para o reembolso do imposto 67 Ver uma análise mais detalhada das interrogativas tag em português em Mateus et al. (2003: 477-479). 68 Terminologia usada na linguística de expressão inglesa, visto que nesta língua a maioria dos advérios e pronomes interrogativos começa com wh-: who, which, where, why, when, what, how. Lyons (1977: 757) prefere o termo x-questions, x designando a informação que falta, ao passo que o pronome ou o advérbio interrogativo é a expressão linguística desta informação. 69 Chilton (2004: 92, nosso negrito) menciona os três tipos de perguntas na sua análise sobre o discurso parlamentar britânico: “The British parliamentarians’ rule book declares that questions have two functions: ‘to obtain information or to press for action’ [...] political commentators say that questions are also ‘weapons in the party battle’, and maintain that asking for information is now an unimportant function”.

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sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) –, ii) perguntas diretivas, em que o locutor pretende que o interlocutor faça uma ação (110a) – pede-se o envio de um relatório para a Assembleia da República – e (110b) – solicita-se ao governo a celebração de protocolos – e iii) perguntas avaliativas – frequentes no discurso político –, que contêm pressuposições e asserções e através das quais o locutor expressa, de facto, julgamentos de valor (111a) – o caminho seguido pelos governantes vai destruir o país – e (111b) – as medidas do ministério significam a morte da ciência e a desvalorização do conhecimento –; se o interlocutor considerar que as pressuposições ou as asserções das perguntas avaliativas prejudicam a sua imagem ou se não estiver de acordo com as mesmas, vai tentar contrariá-las70, dando a impressão que evita responder com clareza. (109a) O Sr. António Serrano (PS): — Confirma-se que passaremos dos actuais 70 milhões de euros para cerca de 400 milhões de euros? Qual vai ser o montante estimado de incobráveis nos hospitais se as taxas moderadoras atingirem o seu valor máximo permitido por lei? (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (109b) A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, a minha pergunta é a seguinte: qual é o prazo-limite que o Governo dá para o reembolso do IRS? (Reunião plenária de 26 de abril de 2012) (110a) O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Quando é que o Sr. Ministro vai enviar à Assembleia da República este relatório, que é obrigatório nos termos da lei? (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011) (110b) O Sr. Jorge Fão (PS): — Sr. Ministro, de entre estes projetos, alguns estão concluídos. [...] Sr. Ministro, quando é que o Ministério da Saúde celebra os protocolos no sentido de essas unidades entrarem em funcionamento? (Reunião plenária de 11 de abril de 2012) (111a) O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Até quando, Sr. Ministro, vai insistir neste caminho, que é o da destruição do País? (Reunião plenária de 26 de abril de 2012) (111b) O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — Como pode aceitar medidas que estão a matar a ciência e a desvalorizar o conhecimento como fator de competitividade e mobilidade social? (Reunião plenária de 10 de maio de 2012) 70 Beard (2000: 99, nosso negrito): “One reason why politicians have to be very careful when answering a question is that they cannot allow presuppositions and assertions to go unchallenged if they disagree with them. In challenging them, it may then appear that they are not answering the question.”

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Relevante na análise das perguntas dos debates parlamentares é a estrutura. Se nas interações do dia-a-dia as perguntas são breves, privilegiando a eficácia na obtenção de informações – Que horas são?, Onde estão as crianças?, Que filme passa hoje no TVI? só para darmos alguns exemplos, bastante simplificadores –, nas reuniões parlamentares a pergunta, na sua forma institucionalizada 71 – no que diz respeito ao turno de fala, à duração, ao conteúdo, ao uso da linguagem, etc. – tem uma estrutura bem mais complexa. Na maioria dos casos, as perguntas parlamentares são construções discursivas complexas, que contêm estruturas argumentativas sofisticadas, com diferentes exemplos, comparações, contextualizações, pressuposições e asserções expressas de forma explícita ou implícita pelo locutor. A duração da pergunta feita por um deputado é de alguns minutos e a sua organização é essencialmente argumentativa e avaliativa, tendo, muitas vezes, o objetivo de ameaçar a imagem pública do interlocutor, o exemplo (112) sendo ilustrativo para as perguntas parlamentares. O locutor organiza a sua intervenção de forma a evidenciar uma das críticas frequentes no discurso público, a incoerência dos atores políticos; a justificação baseia-se numa análise construída no antagonismo oposição vs. poder, ou, na terminologia de Charaudeau (2005), a instância adversária vs. a instância política, mostrando como um ator político – neste caso, o partido CDS e a ministra Assunção Cristas, antiga deputada da oposição – pode promover políticas opostas em função do papel que tem na arena política. O locutor enumera sete posições políticas assumidas por CDS quando era oposição – aliás, a expressão serve para organizar a estrutura dos argumentos – e seis políticas desenvolvidas enquanto parte do governo – introduzidas a nível discursivo preponderantemente por agora, que expressa também a dimensão temporal da contradição –, para justificar a acusação de incoerência. Toda a argumentação construída nos contrários quando era oposição vs. uma vez no governo, quando era oposição vs. agora – do ponto de vista pragmático trata-se de frases assertivas – é um preâmbulo para a pergunta propriamente dita – “a pergunta que lhe deixo é muito simples” – a frase interrogativa que encerra a intervenção: “a Sr.ª Ministra mudou de opinião quando passou da oposição para o Governo”. Outro aspeto importante é o locutor destacar a incoerência entre discurso político e ação política: “incoerências entre aquilo que defendem enquanto oposição e aquilo que praticam enquanto governo”. Enquanto oposição, um partido age sobretudo a nível discursivo, fiscalizando o acto da governação, ao passo que enquanto parte do governo, é um ator da ação política governativa, com impacto direto no funcionamento do Estado. Os verbos usados nos exemplos que sustentam a oposição 71 Não incluímos aqui as perguntas feitas nos apartes, que têm um caráter espontâneo e que são muito breves: O Sr. Bruno Dias (PCP): — E quanto à Refer? (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011), O Sr. Bernardino Soares (PCP): — À custa de quê? (Reunião plenária de 21 de março de 2012), O Sr. Manuel Pizarro (PS): — E o hospital de Todos-os-Santos?! (Reunião plenária de 11 de abril de 2012).

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entre falar e agir expressam também esta oposição fundamental: defendia (5 ocorrências), mostrava-se indignado vs. criou, juntou, aplica, atrasou, não quer, aumentou. (112) O Sr. João Ramos (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.ª Ministra, como estamos a discutir políticas alternativas, pergunto à Sr.ª Ministra quais foram as posições da Sr.ª Deputada Assunção Cristas e do grupo parlamentar do defunto partido da lavoura. Infelizmente para o País, para a agricultura e para os agricultores, a intervenção política do CDS está carregada de INCOERÊNCIAS entre aquilo que defendem enquanto oposição e aquilo que praticam enquanto governo. Em matéria de agricultura, nem pode usar o jogo do «estamos no Governo, mas não estamos de acordo», tendo em conta que a responsabilidade direta é do CDS. Quando o CDS estava na oposição1, defendia que se valorizasse a agricultura, desde logo na constituição do Governo. Uma vez no poder, criou um ministério que, para além da agricultura e do mar, juntou o ambiente, o ordenamento do território, o poder local e a habitação. Trata-se de uma amálgama de assuntos que, é fácil de ver, pouco valorizará a agricultura. Quando era oposição2, defendia um plano de emergência para o setor leiteiro. Agora1, passados 16 meses de governação, tempo, portanto, mais do que suficiente para acudir a uma emergência, o custo da alimentação animal e de outros fatores de produção não param de aumentar, mas o preço do leite pago ao produtor já desceu desde o início do ano entre 2,5 a 4,5 cêntimos por litro, e as explorações leiteiras estão a fechar todos os dias. Quando era da oposição3, o CDS mostrava-se indignado com a asfixia da grande distribuição aos agricultores. O instrumento criado para estudar a intervenção nessa matéria, a PARCA, em onze meses de trabalho foi uma «montanha que acabou por parir um rato». Quando era oposição4, o CDS defendia a simplificação das candidaturas ao PRODER, a decisão e o pagamento dentro de prazos e anunciava complicações informáticas na apresentação de candidaturas. Agora2, uma associação de produtores florestais candidatou intervenções em 9500 ha no litoral alentejano e o processo decorre desde julho de 2011 — 15 meses, portanto — e não há resposta porque não se conseguem contornar os problemas informáticos do sistema. Quando era oposição5, o CDS aprontava como desafio o pagamento das dívidas aos agricultores. Agora3, em sede de Orçamento do Estado, aplica o IVA às transações e prestações de serviços até agora isentas. Quando era oposição6, o CDS defendia uma aposta na produção nacional. Agora4, o Governo atrasou a conclusão do empreendimento do Alqueva, viu-se forçado a assumir politicamente essa conclusão em 2015, não quer encontrar mecanismos de financiamento para cumprir esse compromisso e aumentou as áreas e as culturas afetas ao regime do «pagar para não produzir».

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O CDS defendia7 ainda a redução da taxa do gasóleo agrícola, a reposição da eletricidade verde e a existência de linhas de crédito para a agricultura. Por isso, Sr.ª Ministra, a pergunta que lhe deixo é muito simples: a Sr.ª Ministra mudou de opinião quando passou da oposição para o Governo ou nunca acreditou naquilo que defendia e fazia-o apenas para alimentar a aura do partido da lavoura? (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

Poderíamos esquematizar a intervenção/a pergunta de maneira seguinte:

ESTRUTURA DE UMA PERGUNTA PARLAMENTAR SEQUÊNCIA

OPOSIÇÃO

quando era oposição (6)

PERGUNTA INICIAL AVALIAÇÃO ACUSAÇÃO EXEMPLO1

EXEMPLO2 EXEMPLO3

EXEMPLO4

EXEMPLO5

EXEMPLO6

GOVERNO

uma vez no poder agora (4) pergunto à Sr.ª Ministra quais foram as posições da Sr.ª Deputada Assunção Cristas a intervenção política do CDS está carregada de INCOERÊNCIAS & aquilo que defendem enquanto aquilo que praticam enquanto oposição governo defendia que se valorizasse a criou um ministério que [...] uma agricultura amálgama de assuntos que [...] pouco valorizará a agricultura defendia um plano de emergência e as explorações leiteiras estão a para o setor leiteiro fechar todos os dias mostrava-se indignado com a a PARCA, em onze meses de asfixia da grande distribuição aos trabalho foi uma «montanha que agricultores acabou por parir um rato» defendia a simplificação das não há resposta porque não se candidaturas ao PRODER [...] conseguem contornar os problemas anunciava complicações informáticos informáticas aprontava como desafio o aplica o IVA às transações e pagamento das dívidas aos prestações de serviços até agora agricultores isentas defendia uma aposta na produção atrasou a conclusão do nacional empreendimento do Alqueva [...] aumentou as áreas e as culturas afetas ao regime do «pagar para não produzir»

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EXEMPLO7

PERGUNTA FINAL ACUSAÇÃO

defendia ainda a redução da taxa do gasóleo agrícola, a reposição da eletricidade verde e a existência de linhas de crédito para a agricultura a Sr.ª Ministra mudou de opinião quando passou da oposição para o & Governo ou nunca acreditou naquilo que defendia e fazia-o apenas para alimentar a aura do partido da lavoura? Tabela nº 2. Estrutura de uma pergunta parlamentar.

As perguntas parlamentares são, de facto, construções textuais complexas, que podem englobar estruturas muito diferentes do ponto de vista formal: orações declarativas, interrogativas, exclamativas. Muitas vezes os locutores fazem um enquadramento geral da questão, apresentando estatísticas, políticas anteriores, fazem comparações com situações semelhantes, etc. e só no fim da intervenção fazem a pergunta propriamente dita. Outro tipo de pergunta parlamentar, que poderíamos chamar interrogação em cascata, – ver infra os exemplos (113) e (114) – ocorre também com alguma frequência nos debates. Os locutores aproveitam o tempo disponível para colocar múltiplas questões, o que dificulta as respostas completas, razão pela qual, como veremos, há muitas respostas parciais oferecidas pelos oradores.

1.5.3 Estratégias de evitamento Não podemos utilizar neste debate argumentos demagógicos ou argumentos que assentam numa irresponsabilidade, que, aliás, foi aqui patente em numerosas intervenções. (DAR, 27/01/2011 – I Série — Número 43)

A estrutura das perguntas parlamentares – com avaliações negativas ou pressuposições possivelmente ameaçadoras para a imagem dos adversários políticos – coloca desafios reais aos respondentes. Por um lado, devem respeitar a organização formal dos debates e responder às perguntas que lhes são colocadas, mas por outro lado, não devem contribuir através das mesmas respostas aos possíveis prejuízos para a imagem pessoal ou do grupo a que pertencem. Estudos que se concentraram sobretudo na dinâmica das perguntas e das respostas em entrevistas mediáticas (Bavelas et al 1988; Bull & Mayer 1993; Bull et al 1996; Bull 1994; Clayman 2001; Gruber 1993; Harris 1991) falam das tensões evidentes que os políticos enfrentam nos debates (mediáticos). Em primeiro lugar, é difícil manter o equilíbrio entre o cumprimento das expectativas sociais, institucionais e conversacionais, ou seja responder devidamente às perguntas agressivas e os possíveis riscos a que se expõem: prejudicar a imagem pessoal (respondendo a certas críticas ou ataques), expressar opiniões sobre assuntos controversos (afastanto uma parte dos eleitores). Em segundo lugar, muitas vezes é

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preciso mitigar da melhor forma as possíveis consequências para a imagem pessoal que decorrem das reações perante as perguntas agressivas, sabendo que recusar-se a responder é uma atitude geralmente sancionada pelos locutores ou pelo público, dar repostas falsas pode-se tornar problemático no futuro quando informações adicionais aparecerem no espaço público. Analisando debates mediáticos com políticos, Clayman (2001) propõe um modelo explicativo bastante detalhado das estratégias de evitamento, distinguindo, em primeiro lugar, entre a dimensão negativa de resistir às perguntas – i) recusar a dar informações, ii) dar informações parciais, iii) dar respostas curtas, sim ou não72 – e a dimensão positiva de resistência (dizer coisas que não foram solicitadas nas perguntas): i) mudar o assunto de forma significativa, ii) manter a resposta dentro do assunto, mas cumprindo outro objetivo do que foi pedido73, iii) a resposta altera ligeiramente os termos da pergunta, iv) a resposta desvia-se do assunto da pergunta e introduz elementos novos. Em segundo lugar, Clayman (2001) apresenta práticas discursivas abertas (overt practices) e encobertas (covert practices) que os oradores usam nas suas intervenções para evitar as respostas. As práticas discursivas abertas são: i) mostrar deferência para com o interlocutor (por exemplo, pedir a permisão para mudar de assunto), ii) minimizar as divergências (através de caraterizações como só um breve comentário), iii) justificar o desvio do assunto, iv) recusar-se a responder, sendo as justificações neste último caso: as informações pedidas não se encontram disponíveis, o tempo disponível não permite dar uma resposta completa, as negociações em curso não permitem divulgar certas informações, invocar uma política geral (por exemplo não responder às perguntar hipotéticas). Recusar a responder sem nenhuma justificação é pouco frequente porque neste caso o locutor quebraria de forma brutal as convenções da entrevista. As práticas encobertas seriam: i) repetir palavras da pergunta ou usar pronomes anafóricos, sem responder, de facto à questão colocada; ii) fazer uma caraterização ou uma reformulação da pergunta. Bull & Mayer (1993: 662) propõem onze tipos de não-respostas identificadas em entrevistas mediáticas com políticos britânicos: ignorar a pergunta, reconhecer a pergunta, questionar a pergunta, atacar a pergunta, atacar o entrevistador, recusar-se a responder, “marcar um ponto” político (por exemplo, atacar os adversários políticos), dar uma resposta incompleta, repetir a reposta, afirmar que a pergunta já foi respondida, pedir desculpa, que oferecem uma gama bastante abrangente de estratégias através das quais se pode evitar uma questão incómoda. Os autores Clayton (2001: 413) considera que as repostas sim / não são formas de resistir às perguntas porque nas entrevistas mediáticas, espera-se que os políticos ofereçam respostas detalhadas. 73 Por exemplo, quando perguntaram o senador Bob Dole se iria apoiar a recondução de Paul Volcker como chefe do Federal Reserve Board, respondeu: “Acho que ele foi muito eficiente”. A resposta tem o mesmo assunto, Paul Volcker, mas o seu objetivo não é afirmar (a não ser de forma indireta, talvez implícita) a posição do locutor em relação à recondução, mas de fazer uma avaliação do desempenho do chairman da Federal Reserve (o equivalente do Banco de Portugal). 72

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preferem o termo não-respostas em vez de evitamento – que tem uma interpretação pejorativa, sugerindo a má-vontade dos entrevistados –, porque consideram que as perguntas que contêm avaliações negativas ou pressuposições ou asserções ameaçadoras para a imagem pessoal põem, de facto, o entrevistado, na situação legítima de não responder. Debruçando-se sobre os debates parlamentares, Rasiah (2010: 667) propõe um modelo de análise em que incorpora tanto os três tipos principais de orações interrogativas – perguntas sim / não, perguntas wh-, perguntas disjuntivas, –, como as diferentes estratégias de evitamento, incluíndo algumas das classificações de Clayman (2001). Rasiah introduz a categoria de respostas intermediárias, que engloba respostas às peguntas com pressuposições ameaçadoras para a imagem do locutor, as respostas às perguntas hipotéticas e as repostas em que o locutor afirma não ter as informações necessárias. Porém, Rasiah, que trata o evitamento em debates parlamentares limita-se a uma abordagem micro, bastante redutora, porque não toma em consideração a construção textual da perguntas e não dá critérios claros sobre a classificação dos quatro tipos de evitamento: total, significativo, médio e subtil. Aliás, a classificação das perguntas baseada em critérios exclusivamente sintagmáticos não mostra a dinâmica do diálogo parlamentar – en différé Cabasino (2001: 25), que permite construções interrogativas complexas –, não toma em consideração as frases declarativas com valor interrogativo e às quais os interlocutores reagem e não dá conta da reação dos locutores perante ao que nós chamamos perguntas em cascata.

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Figura nº 11. Perguntas e estratégias de evitamento (Rasiah 2010: 667).

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O que constitui evitamento pode ser demasiado complicado para descrever com pormenor. Nos exemplos que analisaremos a seguir selecionámos a situação mais evidente de evitamento total, em que o locutor se recusa implicita ou explicitamente a responder a uma pergunta. Em (113), o locutor declara desde o início da sua intervenção que pretende fazer “três perguntas muito concretas” – aliás a auto-avaliação das questões como “concretas” é bastante recorrente, sugerindo desta forma os locutores que as resposta deveriam ter a mesma caraterística, ou seja ser concreta – que, do ponto de vista formal, são perguntas sim / não74. À pergunta “está de acordo em que...” a resposta imediata seria: “(sim) estou / não estou”. Porém, o conteúdo das três questões torna-se problemático para a imagem pública do interlocutor, uma vez que contém, por um lado, decisões políticas difíceis – “retirar subsídios de Natal e de férias” – e pressupostos em relação aos quais há diferenças ideológicas significativas75 – “se crie emprego, facilitando os despedimentos” ou avaliações negativas claramente expressadas: “deixando o País arrastar-se na depressão, na estagnação e na recessão económica”. As respostas imediatas e adequadas estritamente do ponto de vista formal – estou / não estou de acordo – seriam dificilmente concebíveis neste contexto. A resposta afirmativa seria claramente inadequada para um interlocutor que queria defender a sua imagem pessoal – nenhum político poderá afirmar que está de acordo, por exemplo, com medidas que provocam “depressão, estagnação e recessão económica” – e a resposta negativa sem qualquer justificação seria insuficiente do ponto de vista da organização interacional, pois a expectativa neste contexto é que os locutores dêem respostas desenvolvidas, como no caso das entrevistas mediáticas (Clayton 2001: 143). Portanto, a única solução para o interlocutor, para minimizar os possíveis prejuízos para a sua imagem pessoal seria de contrariar os pressupostos das perguntas e, eventualmente, de ameaçar a imagem do locutor, criticando as questões. A reposta complexa que segue mostra cinco etapas de desqualificação das perguntas: afirmar que o destinatário estava errado – porque o governo estava no poder havia alguns meses e os responsáveis seriam os governantes anteriores –, mostrar a responsabilidade do governo em respeitar os compromissos internacionais – fazendo, portanto, uma Em algumas situações, exigem-se respostas simples – sim ou não – às perguntas disjuntivas: “O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Fiz-lhe uma pergunta em um minuto e quarenta e poucos segundos no sentido de saber se entregou ou não o contrato do TGV no Tribunal de Contas e verifiquei que não respondeu, mas espero que possa vir a fazê-lo. [...] // O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — É dizer «sim» ou «não»! // O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — Eu, quando não sei, humildemente pergunto e tento saber o que se passa. Esperava, da sua parte, uma resposta tão simples como «sim» ou «não».” (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) 75 Os partidos de direita defendem que os contratos de trabalho a termo certo facilitam a contratação porque respondem a um mercado de trabalho flexível, ao passo que os partidos de esquerda consideram que estes contratos prejudicam os trabalhadores e aumentam a desproteção dos mesmos perante os empregadores. 74

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avaliação positiva do mesmo –, criticar a política dos adversários políticos, através de uma série de cinco perguntas (retóricas), algumas mais concretas, sobre possíveis indicadores económicos, como os “índices de emprego” ou os “índices salariais”, outras de natureza quase filosófica: “Qual é a sociedade que o Bloco de Esquerda defende?”, avaliar negativamente o discurso dos adversários sobre a legislação laboral: “discurso catastrofista da sua bancada e da bancada ao seu lado [PCP]” e voltar a defender a responsabilidade do governo, invocando as negociações sobre a legislação laboral em sede de Concertação Social. Do ponto de vista estritamente formal, a intervenção do interlocutor é um exemplo claro de evitamento quase total. Apenas o segundo argumento, em que se defende o compromisso perante os parceiros internacionais, está relacionado com as perguntas colocadas – contratos de trabalho mais flexíveis constavam no Memorando de Entendimento com a troika – os outros quatro argumentos (críticas dos adversários políticos e dos seus discursos, assinalar o “erro” no que diz respeito ao destinatário) divergindo do assunto. No entanto, observamos que a estratégia de evitar as repostas concretas exigidas é bastante complexa, fazendo o locutor, por um lado, avaliações positivas de si (de facto, do governo e do partido que representa) e, por outro lado, avaliações negativas dos outros e das perguntas colocadas. Aliás, o funcionamento do binómio pergunta-resposta funciona muitas vezes sobretudo em sequências sucessivas de scripts argumentativos, criados a partir de textos com alguma complexidade, por vezes preparados com antecedência76. (113) O Sr. João Semedo (BE): — Sr. Deputado, gostava de fazer-lhe três perguntas muito concretas. O Sr. Deputado está de acordo em que se retirem os subsídios de Natal e de férias aos trabalhadores da Administração Pública?1 O Sr. Deputado está de acordo em que se crie emprego, facilitando os despedimentos?2 O Sr. Deputado está de acordo em que se crie emprego, deixando o País arrastar-se na depressão, na estagnação e na recessão económica?3[...] O Sr. Arménio Santos (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Semedo, agradeço-lhe as suas questões, mas, como perceberá, essas perguntas deveriam ser dirigidas aos responsáveis pela situação em que o País se encontra [...] e o responsável não foi o Partido Social Democrata. [...] É espantoso que V. Ex.ª esteja aqui a cobrar factura a um Governo que tomou posse há três, quatro meses e que está confrontado com a obrigação não só da situação que herdou no plano interno mas também do compromisso externo — aliás, o coordenador do seu partido, que não foi às reuniões com a dita tróica, depois arrependeu-se, pelo que, se tivesse participado nessas negociações, provavelmente também teria subscrito o Memorando de entendimento. [...] Mas, como dizia, o Governo actual está exactamente a tomar as medidas que a situação impõe que sejam O assunto geral do debate é conhecido pelos participantes, as perguntas são muitas vezes lidas pelos deputados, os repondentes tomam notas e têm tempo para preparar as suas intervenções. 76

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tomadas, não apenas em termos internos mas também por razões de compromissos internacionais — e nós não podemos violar esses compromissos internacionais. De resto, gostaríamos de saber: onde é que as políticas do Bloco de Esquerda nos levariam?1 Quais eram os índices de emprego a que as políticas do Bloco de Esquerda nos conduziriam?2 Quais eram os índices salariais a que nos conduziriam as políticas do Bloco de Esquerda?3 Onde é que existe um modelo de sociedade defendido pelo Bloco de Esquerda?4 E pergunto isto para podermos comparar se seria melhor do que aquele que temos. Qual é a sociedade que o Bloco de Esquerda defende?5 É porque ouvimos o Bloco de Esquerda falar com muita demagogia [...] porque sabe, de antemão, que não está confrontado com a obrigação de cumprir aquilo que promete, aquilo que defende, aquilo que diz nesta Casa. [...]Agora, sabemos qual é tradicionalmente a vossa posição: quando há qualquer mudança nas leis laborais, o que acontece, Sr. Deputado? Há um discurso... [...] Como dizia, há um discurso catastrofista da sua bancada e da bancada ao seu lado. Porém, a realidade, hoje, mostra que as profecias das vossas bancadas falham. [...] E tanto falharam que hoje estão aqui a defender aquelas desgraças que os Srs. Deputados defendem sempre, quando há qualquer alteração às leis do trabalho. [...] Em suma, aquilo que defendemos, Sr. Deputado, é que há uma instituição chamada Conselho Permanente de Concertação Social, na qual confiamos. E o Governo e os parceiros sociais vão seguramente encontrar boas soluções para serem discutidas e aprovadas nesta Câmara. (Reunião plenária de 26 de outubro de 2011)

Em (114) o locutor faz uma série de cinco “perguntas muito concretas” sobre as políticas de saúde pública. A tipologia das perguntas mostra também algumas particularidades do funcionamento da interrogação em debates parlamentares. Em primeiro lugar, embora classificadas pelo locutor como perguntas, nem todas as questões são orações interrogativas, as primeiras duas sendo, de facto, frases declarativas77, em que o locutor faz avaliações negativas – “os senhores nada fizeram” – das políticas públicas dos adversários, ao passo que as últimas três questões têm estrutura sintática de pergunta wh- (porque é que...). Consideradas pelo locutor como perguntas – recebem uma resposta por parte do interlocutor –, estas frases declarativas, do ponto de vista funcional, têm um valor claramente interrogativo. Poderíamos chamá-las pseudo-perguntas, tomando em consideração o seu caráter híbrido, formalmente declarativo e funcionalmente interrogativo. Aliás, o valor interrogativo será reconhecido não apenas pelo locutor – que as qualifica como tal –, mas também pelo interlocutor, que responderá a uma delas. No caso das frases declarativas com valor interrogativo, a expectativa é de o interlocutor as contrariar, porque constituem ameaças para a imagem pública do seu partido, as perguntas wh- tendo como resposta natural justificações, que expliquem causas, motivos dos acontecimentos (Porque é que...? / Porque...). 77

São diferentes das perguntas declarativas (Bull 1994).

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A resposta do interlocutor, embora mais breve do que a(s) pergunta(s) colocada(s), é bastante complexa. Em primeiro lugar, há uma tentativa de desqualificar a intervenção da oradora, salientando o interlocutor a lógica regimental da interpelação, que é de questionar o governo; porém, o pedido de esclarecimento é uma figura regimental que permite também aos deputados do poder fazer perguntas aos parlamentares da oposição, portanto a intervenção inicial cumpre as normas de organização dos debates. No que diz respeito às perguntas declarativas, observamos que apenas a primeira, que refere a oncologia, recebe uma não-resposta – em que o deputado não responde à pergunta per se, mas tenta contrariá-la com dados estatísticos –, ao passo que a segunda pergunta, sobre a doença de Alzheimer, é ignorada pelo interlocutor. Este tipo de evitamento total – voluntário ou não – ocorre sobretudo no caso das séries de perguntas em cascata, quando os locutores têm mais dificuldades em gerir o conteúdo informacional e são frequentes nos diálogos en différé, quando o grau de interatividade é menor e o locutor que faz as perguntas não tem a possibilidade de insistir para solicitar a resposta desejada. Nas entrevistas mediáticas os jornalistas fazem muito frequentemente perguntas adicionais quando os políticos ignoram uma questão, mas nos debates parlamentares esta prática seria mais difícil, porque as intervenções no plenário são feitas com a aprovação da mesa78. No que diz respeito às três perguntas wh- – sobre dívidas à indústria farmacêutica, sobre profissionais da medicina geral e sobre as medidas para inverter a situação –, notamos que só a primeira recebe também uma não-resposta, em que, de facto, o interveniente refere uma situação anterior, similar – talvez marcando um ponto político (Bull & Mayer 1994) –, criticando os adversários. Através desta nãoreposta o locutor reconhece a pergunta – as outras duas serão ignoradas –, mas evita uma resposta que poderia prejudicar a imagem do seu partido ou com cujo conteúdo não está de acordo. Portanto, em (115), das cinco perguntas e pseudo-perguntas apenas duas são reconhecidas, mas recebem não-respostas – o locutor rejeita os seus pressupostos – e três são totalmente ignoradas. No entanto, devemos mencionar que todas as perguntas constituem avaliações negativas e que a reação do interlocutor pode ser justificada pelo seu desejo natural de protejer a imagem pública do seu partido. 78 Contudo, há intervenções em apartes, mas nem sempre são tomadas em consideração pelos oradores: “A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Não respondeu!” (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011), “O Sr. João Oliveira (PCP): — Não respondeu às perguntas sobre a emigração! Está comprometido?” (Reunião plenária de 21 de março de 2012), “O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Responda lá!” (Reunião plenária de 16 de fevereiro de 2011), “O Sr. Luís Fazenda (BE): — Responda às perguntas! // O Sr. Miguel Laranjeiro (PS): — Naturalmente não me esqueço de responder à pergunta da Sr.ª Deputada... Ana Drago…// O Sr. Luís Fazenda (BE): — Às duas perguntas!” (Reunião plenária de 26 de outubro de 2011). No que diz respeito às perguntas adicionais, encontramos um exemplo no sub-corpus brasileiro (108).

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(115) A Sr.ª Teresa Caeiro (CDS-PP): — Gostaria de colocar-lhe cinco perguntas muito concretas que se prendem com aspetos que o Sr. Deputado abordou na sua intervenção. A primeira pergunta tem a ver com a questão da oncologia. [...] há dois anos atrás, foi aprovado, nesta Câmara, com os vossos votos contra, como sempre, um plano com vista a uma nova abordagem da oncologia. Ora, os senhores nada fizeram, nem um sistema de rastreios sistemáticos de base populacional, nem uma nova rede de referenciação a ser aplicada, nem em relação à articulação1, como disse tão bem, entre os centros de excelência e os centros de proximidade, que vinha previsto no projeto que foi aprovado contra a vossa vontade e que o senhor agora vem reclamar. [...] Segunda questão: apesar de ter sido aprovada uma iniciativa, mais uma vez contra a vossa vontade, relativamente à questão das demências, em particular da doença de Alzheimer, os senhores nada fizeram2. Nem sequer procederam ao levantamento daquela realidade em Portugal. Em terceiro lugar, porque é que os senhores deixaram acumular 2,5 milhões de euros em dívidas a fornecedores, nomeadamente à indústria farmacêutica? [...] Sr. Deputado António Serrano, o senhor sabe que um Estado sobre endividado é um Estado capturado em relação aos seus credores. Porque é que os senhores deixaram acumular uma dívida de 2,5 milhões de euros, que este Governo tem agora de pagar?3 Concluo, Sr.ª Presidente, perguntando o seguinte: o Sr. Deputado queixou-se de uma lógica hospitalocêntrica do nosso sistema de saúde. Porque é que os senhores deixaram que existisse uma enorme carência de profissionais em medicina geral e familiar?4 [...] Porque é que os senhores nada fizeram para inverter essa situação?5 Concluo, Sr.ª Presidente, agradecendo ao Sr. Deputado que responda a estas perguntas muito concretas. [...] O Sr. António Serrano (PS): — Sr.ª Deputada, não estamos aqui a falar de problemas do passado, quem está a governar é este Governo e queremos soluções para os problemas. Sr.ª Deputada, se tiver a paciência de me ouvir de forma muito lúcida, como eu tive também oportunidade de o dizer da tribuna, transmito-lhe o seguinte: durante a vigência dos governos do PS, por exemplo na oncologia, o tempo de espera para cirurgia reduziu-se de 81 dias — já que quer falar do passado, era esse o tempo de espera durante o vosso governo — para 23 dias. Aplausos do PS. A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem! O que não queremos, Sr.ª Deputada, é que se degradem os indicadores de saúde que tanto custaram a alcançar nos últimos anos e para os quais tantos profissionais deram o seu melhor nos últimos anos. Queremos manter esses indicadores, e isso exige o esforço de todos. No que se refere às responsabilidades financeiras, já lho

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recordei nesta Câmara, Sr.ª Deputada, mas volto a referi-lo: é que, em 2005, as responsabilidades assumidas, não pagas, pelo Governo PSD/CDS eram de 1,8 milhões de euros, situação que foi resolvida ainda em 2005, Sr.ª Deputada! Agora, já passaram 10 meses do vosso Governo e ainda não vimos nada. (Reunião plenária de 11 de abril de 2012)

Em (116) podemos observar, numa sequência com grau maior de interatividade, que o locutor insiste para obter resposta a uma pergunta que colocou. Aliás, o assunto é bastante problemático porque diz respeito à Operação Porto Seguro, um dos maiores escândalos (venda de pareceres técnicos, tráficos de influência, corrupção) ao nível mais alto do governo federal brasileiro, tornado público em 2012 e em que foram envolvidas figuras importantes do Partido dos Trabalhadores (PT), com a alegada implicação de Lula da Silva. Num primeiro momento, um deputado do DEM – Democratas, partido de centro-direita – faz avaliações negativas sobre as pressões políticas da Presidência – em 2012 Dilma Rouseff do PT era presidente do Brasil – no que diz respeito à investigação dos casos de corrupção. Num segundo momento, faz uma pergunta hipotética – “se V.Exa. fosse Deputado Federal” –, querendo saber se o ministro assinaria para a criação duma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a Operação Porto Seguro. Aliás, o locutor faz a pergunta duas vezes, mostrando que quer uma resposta e que a sua interrogação hipotética não seria apenas um artifício retórico. O ministro (do PT) responde parcialmente, referindo um aspeto tangencial e defendendo que Luís Inácio Adams – Advogado-Geral da União, investigado na Operação Porto Seguro – não está culpado e que não há razões para investigações adicionais. O locutor, porém insiste duas vezes, para obter a resposta pretendida: “E a pergunta se o senhor ia assinar a CPI”, lembrando ao interlocutor que não respondeu: “E a pergunta que o Ministro não respondeu é se ele assinaria a CPI”. A intervenção final do ministro mostra porque evitava uma resposta clara, pois menciona que assinaria só depois de haver uma decisão do partido. No entanto, notamos que qualifica a sua resposta como honesta: “eu vou lhe falar francamente”, mostrando-se disponível para a cooperação, apesar das tentativas falhadas de evitar a resposta. Em termos pragmáticos, poderíamos afirmar que respeita a máxima de qualidade (Grice 1975), embora a resistência incial à pergunta possa indicar uma falta de cooperação. (116) O Sr. Deputado Onyx Lorenzoni - E, quando chega perto da Presidência da República, a operação “abafa” é imediata. De independente neste País há o Ministério Público, alguma coisa do TCU e ponto. O resto, quando chega perto do poder verdadeiro, sucumbe. [...] Então, a pergunta que quero fazer, Sr. Ministro, é que, se V.Exa. fosse Deputado Federal, V.Exa. não assinaria uma CPI1, porque, para trazer essas pessoas que devem explicações ao Brasil, é só uma CPI. Não tem outro jeito! V.Exa. sabe o poder que uma CPI tem de buscar a informação, de buscar a verdade. O Brasil mereceria, para esse caso, uma CPMI, e eu pergunto se V.Exa. assinaria essa CPI2. [...]

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O Sr. Ministro José Eduardo Cardozo - Não há nada no inquérito em relação ao Ministro Adams. Nada. Ele escolheu alguém em quem confiou, como tantas vezes nós escolhemos em quem confiamos e, lamentavelmente, essa pessoa pode — não vou dar juízo definitivo, porque, como eu disse aqui, nós estamos falando de indiciamentos — haver incorrido em faltas gravíssimas. [...] O Sr. Deputado Onyx Lorenzoni - E a pergunta se o senhor ia assinar a CPI3. O Sr. Ministro José Eduardo Cardozo - Qual? Essa parte da Polícia Federal, sim. Mas controlar quem viaja e quem não viaja, a relação de quem vai pelo Itamaraty... O Sr. Deputado Onyx Lorenzoni - Do Itamaraty. De quem entra e quem sai. O Sr. Ministro José Eduardo Cardozo - Esta, sim, é. Não é a outra. A outra, de quem viaja, quem não viaja, está na lista, o Dr. Leandro pode esclarecer. O Sr. Deputado Onyx Lorenzoni - - Eu quero esclarecer bem. O Itamaraty tem uma lista de quem faz viagem internacional, e essa lista é publicada no Diário Oficial da União. [...] E a pergunta que o Ministro não respondeu é se ele assinaria a CPI4. O Sr. Ministro José Eduardo Cardozo - Deputado, eu vou lhe falar francamente, como sempre lhe disse. Desde que o meu partido deliberasse que deveria ser feito assim, eu o faria. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

O exemplo (117) mostra uma situação mista, em que o locutor faz uma primeira série de perguntas e recebe uma não-resposta extensa (117a) e, a seguir, numa sequência com mais interatividade, como os dois participantes têm um diálogo sobre o mesmo tema (117b). O locutor faz duas perguntas principais, uma mais geral, que diz respeito aos convênios com as centrais sindicais e uma específica, sobre a Oxigênio, uma ONG sob investigação, que beneficiou de fundos públicos através dos programas do Ministério de Trabalho. No primeiro caso, o locutor faz uma pergunta sim / não: “existem convênios com as centrais sindicais?”, seguida por três perguntas wh- – introduzidas pelo pronome interrogativo quais – mais específicas sobre os convênios, as centrais e os valores dos convênios. As respostas esperadas seriam sim ou não, seguidas, em caso de afirmação, por detalhes concretos solicitados nas três perguntas wh-. No que diz respeito à segunda questão, trata-se de uma pseudo-pergunta – do ponto de vista sintático não é uma interrogação, mas é do ponto de vista funcional –, em que o locutor pede ao interlocutor informações e comentários sobre este caso concreto. A reação do interlocutor é de recusar-se a responder concretamente, através das seguintes estratégias: defender que as questões administrativas são da competência de outro departamento, defender-se contra as acusações que lhe são feitas – invoca falta de credibilidade dos denunciadores anónimos –, rejeitar as acusações, através de avaliações negativas – “É surrealista isso” – e, usando a terminologia de Bull & Mayer

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(1993: 662), marcar um ponto político, afirmado que a oposição investiga a situação do Ministério do Trabalho para atacar o governo, que está muito popular nas sondagens. Como se pode observar, há uma divergência enorme entre as repostas esperadas pelo locutor e as não-respostas oferecidas pelo interlocutor, o evitamento sendo, neste caso, total. O interlocutor reconhece apenas os pressupostos que estão na base das perguntas iniciais – há problemas de corrupção nos convênios com as centrais sindicais e, em particular, com a Oxigênio – e reage a estes pressupostos, defendendo-se através de diferentes estratégias discursivas, mas não reconhece as perguntas per se, ou seja, não faz referências nem às centrais sindicais – quais são, que convênios têm, quais são os valores – e nem ao caso mais específico da Oxigênio. (117a) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Eu gostaria de saber do senhor o seguinte: existem convênios com as centrais sindicais? Quais são os convênios, quais centrais têm convênios e quais os valores e o objeto de cada um desses convênios?1 Gostaria de saber do senhor sobre isso aí. Outra questão, para já ir concluindo a minha presença neste debate. A Oxigênio. Gostaria de que o senhor falasse um pouco sobre isso. Depois de receber 24 milhões dos cofres públicos, essa entidade, a Oxigênio, está, parece-me, com problemas sérios no Ministério. Essa empresa Oxigênio está sob investigação desde 2006.2 [...] O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Então, a denúncia que se faz contra o Ministério do Trabalho... Esquece a questão administrativa. A questão administrativa é outro departamento, eu já dei o demonstrativo. Estou à disposição para o que vier: para mostrar a parte administrativa, o que funciona, o que não funciona, possíveis erros que tem. Agora, a denúncia é em cima de duas figuras anônimas que reclamam que estava montando um esquema de extorsão e, coincidentemente, essas duas figuras anônimas representam instituições que não receberam dinheiro. É surrealista isso, é surrealista. Isso que eu quero saber. Tanto quanto os senhores, eu sei qual é o papel da Oposição, então, vai ser o papel de vocês. O Governo tem 80% da aprovação, são 18 milhões de empregos gerados. A lista suja do Ministério do Trabalho é referência no mundo. Está dando certo, está avançando. Então, o papel da Oposição é fazer esse papel mesmo. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

O locutor reage: “Sr. Presidente, perdão. O Ministro não respondeu.”, desta vez conseguindo uma resposta para a primeira pergunta: “Não existe. Respondo: nenhum”, mas a segunda pergunta, sobre a Oxigênio, tem um tratamento diferente. Num primeiro momento, o interlocutor pede esclarecimentos, sugerindo que não entendeu ou que não se lembra da pergunta: “O que você perguntou da Oxigênio?” e a seguir recusa-se a responder, afirmando três vezes que a resposta está na documentação entregue: “Está respondida” (2), “Está respondido no documento”. O locutor insiste e faz uma série de perguntas específicas, que receberão respostas gerais:

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“participa das chamadas públicas”, ou não-repostas, o interlocutor afirmando que as informações constam na documentação entregue: “todo detalhe que o senhor pergunta está ali [na documentação]” ou apresentando como causa o sigilo judiciário: “tem segredo de Justiça”. O locutor insiste, afirmando que fará perguntas por escrito. Quando o interlocutor recebe informações dos assessores e afirma que não há sigilo judiciário sobre a Oxigênio, o locutor volta a fazer considerações sobre o assunto e faz uma última pergunta: “a quem essa empresa é vinculada?”, mas o interlocutor afirma que não tem conhecimentos sobre o assunto: “Eu não... [tenho conhecimentos]”, “não sei”. Portanto, nesta segunda fase do debate sobre os dois assuntos, o locutor recebe resposta à primeira pergunta – sobre as centrais sindicais –, mas à segunda pergunta, sobre a Oxigênio, o interlocutor dá não-repostas ou dá respostas gerais. (117b) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Sr. Presidente, perdão. O Ministro não respondeu. Ministro, se puder: sobre os convênios com as centrais sindicais – qual o objeto? Quais os valores?1 O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Não existe. Respondo: nenhum. Na minha gestão, nenhum. Com central sindical, nenhum. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - E sobre a Oxigênio?2 O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - O que você perguntou da Oxigênio? Ah! Essa já está respondida aí. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Vinte e quatro milhões de...2 O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Está respondida. No documento que o senhor recebeu já está respondida. Lá está por que não pode. Como tem sigilo da Polícia Federal, de certas coisas eu não posso falar porque é crime. Está respondido no documento. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Mas o senhor conhece bem esse processo de convênio com essa empresa?2 O senhor conhece? O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Ela participa das chamadas públicas. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - É um dos convênios, dos quinhentos que tem o Ministério. Mas desse, em especial, o senhor tem conhecimento?2 O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Eu tenho, inclusive, a documentação. Está distribuído. Se o senhor ler, fizer essa gentileza, o senhor vai ver que todo detalhe que o senhor pergunta está ali. Como tem segredo de Justiça - desculpe , isso corre com a Polícia Federal, e eu não posso passar do meu limite. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Bem, se eu tiver alguma dúvida, depois eu farei perguntas por escrito. E, se o senhor puder responder, eu agradeço. O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - À vontade! Pois não, com prazer. [...]

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O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Deixa eu só fazer uma correção, Deputado Chico. Só uma correção. Deputado, eu errei aqui. A minha assessoria está informando. Porque é muito documento. Quem está sob sigilo, com processo na Justiça, é a Êpa; não é a Oxigênio. Então quero pedir desculpas. A da Oxigênio não está junto na resposta?! (Intervenção fora do microfone. Ininteligível) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Ah, ela não quis executar esse último convênio! É sobre essa que não quis? (Intervenção fora do microfone. Ininteligível) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Ela não tem pagamento, não tem pendência, e o último convênio ela não quis fazer. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Mas houve um convênio de 24 milhões com essa empresa.2 O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Ao todo, ao longo dos anos. Desde 2003, se somarem tudo, pode dar isso. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - E a quem essa empresa é vinculada? O senhor tem conhecimento?2 O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Eu não... Pode ser que eu a conheça até de algum evento, porque eu vou a muitos. Mas, realmente, não sei. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

O exemplo (118) do sub-corpus romeno é um diálogo entre um senador e um representante do governo sobre algumas das medidas de segurança social, numa etapa que decorre depois do debate da moção simples, em que o governo responde a interpelações escritas. O senador tinha submetido uma interpelação escrita ao ministério e o secretário de estado comparece perante o Senado para apresentar uma reposta detalhada. Em (118a) e (118b) selecionamos o diálogo que ocorre depois da apresentação da resposta detalhada por parte do secretário de estado do Ministério de Trabalho e da Segurança Social. Num primeiro momento, o locutor agradece a resposta, faz uma avaliação rápida sobre o seu conteúdo: “Răspunsul este legat, văd, de strategia practică a Guvernului” [a resposta está relacionada com a estratégia prática do governo], mas conclui que as informações oferecidas não correspondem ao que foi solicitado na interpelação escrita: “Eu nu am cerut acest lucru” [Mas eu não pedi isso] e repete as suas perguntas – que, tal como no caso das intervenções do sub-corpus português, são avaliadas: “punctuale, simple” [pontuais, simples] – pedindo informações sobre o rendimento mínimo de inserção social e as consequências das reformas do governo no que diz respeito à diminuição do número de beneficiários de apoios da segurança social no distrito Vâlcea. A primeira pergunta vai receber uma resposta clara, o secretário de estado explica que o “rendimento mínimo de inserção” é composto por três apoios da Segurança Social. Em relação à segunda pergunta, o interlocutor oferece uma série de estatísticas sobre as onze formas de apoios sociais no distrito

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Vâlcea, mas não dá a informação pedida, porque não faz nenhuma referência à diminuição do número de beneficiários. Na resposta oferecida pelo secretário de estado observamos também considerações da pergunta colocada, que é avaliada indiretamente como pouco clara: “Dacă mă întrebaţi de la început, era mult mai simplu” [Se me tivesse perguntado assim logo no início, teria sido mais simples]. No fim da intervenção, faz uma reformulação da pergunta inicial: “Acestea sunt datele pe care le-aţi solicitat referitor la judeţul Vâlcea” [Estes são os números que pediu sobre o distrito Vâlcea], justificando assim a sua resposta. Portanto, nesta primeira interação, apenas uma pergunta obtém resposta, ao passo que a segunda recebe uma não-resposta que se mantém de forma geral dentro do assunto – os beneficiários de apoios sociais no distrito Vâlcea –, mas que não corresponde ao que foi solicitado pelo locutor. (118a) Domnul Emilian-Valentin Frâncu: - Mulţumesc mult, domnule secretar de stat. Răspunsul este legat, văd, de strategia practică a Guvernului. Eu nu am cerut acest lucru. Mă bucur că în răspunsul scris voi avea, probabil, detaliat, aşa cum aţi prezentat dumneavoastră, această strategie. Erau două întrebări punctuale, simple, care, practic, cred că în zece secunde puteau fi precizate. Eu am întrebat ce înţelege, practic, Guvernul prin sintagma „venitul minim de inserţie”? În mare, însumând tot ce aţi spus, s-ar putea înţelege, dar m-ar fi interesat poate o definire mai clară, mai concisă. Vă întrebasem, de asemenea, în urma acestor măsuri, acestor reforme, în judeţul Vâlcea ce număr de persoane – să zicem – se estimează că se vor scoate din acest sistem de asistenţă socială. Care este numărul de persoane prognozat? Bănuiesc că s-a făcut o astfel de analiză pe fiecare judeţ. Atât voiam. Mulţumesc. Domnul Nicolae Ivăşchescu: - Mulţumesc, domnule senator. Dacă mă întrebaţi de la început, era mult mai simplu. „Venitul minim de inserţie” este format din venitul minim garantat, din alocaţia familială şi din ajutoarele de încălzire. Din toate trei cumulate se va crea „venitul minim de inserţie”. Se va acorda în baza testării veniturilor şi ne-am gândit să facem acest lucru pentru a putea ţinti mai bine către persoanele sărace. Acela este venitul minim de inserţie. La a doua întrebare, pot să vă spun exact, pentru judeţul Vâlcea: alocaţia de stat pentru copii, numărul beneficiarilor este 55 016; alocaţia pentru plasament – 1 260 de beneficiari; indemnizaţia pentru creşterea copilului – 3 858 de beneficiari; stimulent lunar pentru copil – 137 de beneficiari; indemnizaţii şi ajutoare creştere copil cu handicap – 379 de beneficiari; alocaţia pentru susţinerea familie – 10 505 de beneficiari; ajutoare de încălzire – 40 511 de beneficiari; ajutor social – 4 3039 de beneficiari; drepturi persoane cu handicap – 18 264 de beneficiari; indemnizaţii nevăzători – 1 095 de beneficiari şi cea de-a 11 este indemnizaţia de hrană, mă refer la HIV Sida, 95 de beneficiari. Acestea sunt datele pe care le-aţi solicitat referitor la judeţul Vâlcea. (Reunião do Senado de 2 de maio de 2011) [O senhor Emilian-Valentin Frâncu: - Muito obrigado, senhor secretário de estado. Vejo que a resposta está relacionada com a estratégia prática do governo. Mas eu não pedi isso. Fico contente que na resposta escrita

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constará, se calhar, de forma detalhada, esta estratégia, aliás, como o senhor a apresentou aqui. Tinha duas perguntas pontuais, simples, que praticamente poderiam ser esclarecidas em dez segundos. Eu perguntei o que é que o governo entende por “rendimento mínimo de inserção”? Em geral, juntando tudo o que o senhor apresentou, poderia compreender, mas estaria interessado em ter uma definição mais clara, mais concisa. Tinha perguntado, também, em consequência destas medidas, destas reformas, quantas pessoas do distrito Vâlcea pensa que deixarão de beneficiar do sistema de segurança social? Qual é o número previsto de pessoas? Suponho que uma análise para cada distrito tenha sido feita. Era só isso o que queria. Obrigado. O senhor Nicolae Ivăşchescu: - Obrigado, senhor senador. Se me tivesse perguntado assim logo no início, teria sido mais simples. “O rendimento mínimo de inserção” é composto pelo rendimento mínimo garantido, pelo abono de família e pelos subsídios de aquecimento. Os três compõem, de forma cumulativa, o “rendimento mínimo de inserção”. Este será concedido com base na avaliação dos rendimentos e pensámos em fazer assim para chegarmos melhor às populações mais pobres. Isso é o rendimento mínimo de inserção. Quando ao distrito Vâlcea, posso responder à segunda pergunta de forma muito precisa: abono do estado para crianças, o número de beneficiários é de 55016; abono para acolhimento de crianças e jovens – 1260 beneficiários; subsídio parental – 3858 beneficiários; subsídio parental para reinserção profissional antes do fim da licença de maternidade / paternidade – 137 beneficiários; subsídio para criança com deficiência – 379 beneficiários; abono de família – 10505 beneficiários; subsídios para aquecimento – 40511 beneficiários; abono social – 43039 beneficiários; direitos para pessoas com deficiência – 18264 beneficiários; subsídios para cegos – 1095 beneficiários e a décima primeira prestação social é o abono para alimentação, falo de VIH / SIDA, 95 beneficiários. Estes são os números que pediu sobre o distrito Vâlcea.]

Num segundo momento, o locutor observa que o interlocutor não respondeu à segunda pergunta: “Eu am solicitat cu totul altceva” [Eu pedi uma coisa totalmente diferente], reformula a sua questão e volta a solicitar a informação inicial: “dacă dumneavoastră, în urma reformei pe care o puneţi acum, uşor, uşor, în practică, aţi estimat” [se tinham uma estimativa sobre o impacto da reforma que estão a implementar gradualmente]. O locutor mostra-se cooperante, afimando que se os números não estivessem disponíveis, poderiam ser fornecidos numa próxima reunião. O interlocutor agradece a compreensão e volta a responder, desta vez oferendo informações mais próximas das que lhe foram solicitadas e refere em percentagens as diminuições de beneficiários no caso de dois tipos de apoios sociais, o rendimento mínimo garantido e o subsídio para aquecimento. Reconhece também a pergunta, afirmando que não tem os números exatos, mas que responderá por escrito. Portanto, nesta segunda etapa da interação, o locutor consegue obter uma resposta mais próxima das informações solicitadas e uma promessa de uma resposta futura, mas durante este debate fica sem os números pretendidos.

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(118b) Domnul Emilian-Valentin Frâncu: - Eu am solicitat cu totul altceva. Eu am solicitat să-mi spuneţi dacă dumneavoastră, în urma reformei pe care o puneţi acum, uşor, uşor, în practică, aţi estimat…, faţă de datele statistice pe care mi le-aţi prezentat – şi iarăşi vă mulţumesc că le voi avea şi voi putea să le folosesc în continuare –, să zicem că vor ieşi din sistem 2 000, 3 000 de persoane prin noile reglementări, prin noua definiţie a venitul minim garantat, a acelei sintagme pe care aţi folosit-o. Acesta m-ar fi interesat, dar, dacă nu există acum aceste date, poate la o viitore întâlnire, când apare un alt răspuns, v-aş ruga să-mi furnizaţi şi mie aceste date. Domnul Nicolae Ivăşchescu: - Eu vă mulţumesc foarte mult pentru înţelegere, domnule senator. Ce pot să vă spun este următorul lucru: în urma controalelor efectuate privind venitul minim garantat am constatat că aproximativ 25% din acele persoane nu aveau dreptul să beneficieze de acel venit minim garantat. Referitor la controalele pentru ajutoarele de încălzire, numărul de beneficiari a scăzut între 50 şi 60%, vorbesc aproximativ, pentru că nu am datele la mine. Acest număr de beneficiari a scăzut în urma introducerii testării de venituri. La întrebarea: în urma strategiei, cu cât se va reduce acest număr de persoane, nu vă pot răspunde în momentul de faţă, dar am să vă întocmesc un răspuns scris. Vă mulţumesc foarte mult. (Reunião do Senado de 2 de maio de 2011) [O senhor Emilian-Valentin Frâncu: - Eu pedi uma coisa totalmente diferente. Eu pedi-lhe que me dissesse, se tinham uma estimativa sobre o impacto da reforma que estão a implementar gradualmente…, em relação aos números que me apresentou – e agradeço-lhe de novo, vou ficar com eles e vou usá-los –, digamos, sairão do sistema 2000, 3000 pessoas depois das novas regras, depois da nova definição do rendimento mínimo garantido, da expressão que o senhor usou? Isto é o que me interessaria, mas se não houver números neste momento, se calhar, numa próxima reunião, quando aparecer outra resposta, pedir-lhe-ia que me desse esses números. O senhor Nicolae Ivăşchescu: - Muito obrigado pela compreensão, senhor senador. O que posso dizer é o seguinte: depois das fiscalizações sobre o rendimento mínimo garantido, verificámos que quase 25% das pessoas contempladas não tinham direito a esse rendimento mínimo garantido. No que diz respeito às fiscalizações sobre os subsídios para o aquecimento, o número de beneficiários baixou entre 50 e 60%, falo de maneira aproximativa, porque não tenho os números comigo. Este número de beneficiários baixou depois de termos introduzido a fiscalização dos rendimentos. À pergunta: quanto baixará o número de pessoas em consequência desta estratégia, não posso responder-lhe neste momento, mas vou redigir uma resposta escrita. Muito obrigado.]

Se os exemplos já analisados mostram evitamentos totais de algumas perguntas feitos de maneira implícita, o segundo exemplo do sub-corpus romeno (119) mostra como um locutor pode explicitamente evitar perguntas com avaliações negativas. Aliás, Clayman (2001: 421) considera estes casos especiais, porque constituem uma quebra

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significativa da etiqueta conversacional e aponta para a importância das justificações da recusa79, que têm o papel de proteger a imagem do locutor. Recusar a resposta sem nenhuma justificação mostraria um locutor agressivo, pouco educado, não cooperante, mas uma justificação clara e pertinente poderia diminuir ou até anular os efeitos negativos para a imagem do locutor. Em (119), o locutor faz uma classificação das perguntas que lhe são colocadas em duas categorias: “întrebări serioase” [perguntas sérias] e “frustrările multiple exprimate” [múltiplas frustrações expressas], decidindo responder às primeiras e afirmando explicitamente que se recusa a dar seguimento às segundas. No entanto, esta recusa é justificada com uma desqualificação das questões – chamadas pejorativamente frustrações – e com um segundo argumento, de que estas “abordagens” não permitem criar parcerias para trabalhar na estratégia nacional de transportes. Não há insistências por parte dos deputados que fizeram as perguntas ou as intervenções iniciais, porque este exemplo ocorre na intervenção final do governo, seguida pelo encerramento oficial do debate, feito pelo presidente da Câmara dos Deputados. (119) Doamna Anca Daniela Boagiu: - Pe fond, aş vrea să răspund cât se poate de serios celor care au pus întrebări serioase, deşi sunt punctuale şi aş fi preferat, stimaţi colegi, să fie subiectul unei întrebări sau unei interpelări, nu a unei moţiuni, ceea ce, nu am să repet ce au spus colegii mei, duce cumva într-o alta zonă instrumentul moţiunii. [...] În rest, nu am să răspund la frustrările multiple exprimate - şi aşa le tratez - pentru că nu este o abordare care să vizeze o strategie la nivel naţional, nu este o abordare în baza căreia să poţi spune că ai parteneri atunci când discuţi despre proiecte naţionale din partea unora, dar, apreciez susţinerea pe care marea majoritate a colegilor a dat-o programului de construire de drumuri naţionale şi autostrăzi. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [A senhora Anca Daniela Boagiu: - Essencialmente, queria responder o mais seriamente possível aos que fizeram perguntas sérias, embora sejam pontuais e preferia, prezados colegas, que fossem o assunto de uma pergunta ou de interpelação, não de uma moção, o que desvia o papel da moção enquanto instrumento. [...] De resto, não vou responder às múltiplas frustrações expressas – e trato-as como tal – porque não é uma aborgagem que tenha em conta uma estratégia nacional, não é uma abordagem com base em que se possa dizer que se tem parceiros numa discussão sobre projetos nacionais, mas valorizo o apoio que a maioria dos colegas deu ao programa de construção de estradas nacionais e auto-estradas.] 79 (Clayman 2001: 421, nosso negrito): “Justificatory accounts become particularly elaborate and strenuous when the IE overtly refuses to answer the question altogether. This follows from the fact that such refusals constitute a articularly strong breach of etiquette. It is one thing to make some effort to answer the question before proceeding to shift the agenda; it is quite another to decline to answer altogether [...] Accordingly, justificatory accounts are crucial in this context”.

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1.5.4 Vagueza e imprecisão Mas seria bom que, qualquer que seja a posição de cada um de nós sobre este assunto, oferecêssemos uns aos outros o rigor da argumentação e o mérito da clareza. (DAR – 17/02/2011, I Série — Número 52)

Quando se recusam a reponder a uma pergunta, os locutores tentam evitar total ou parcialmente uma situação problemática para a imagem de si ou do seu paritido. Outra estratégia de auto-proteção é de dar uma reposta imprecisa, vaga, sem clareza, o que constitui, em si, um outro tipo de evitamento. Aliás, a vagueza é geralmente considerada uma caraterística intrínseca da linguagem política80, sendo talvez a opinião de George Orwell uma das mais conhecidas: This mixture of vagueness and sheer incompetence is the most marked characteristic of modern English prose, and especially of any kind of political writing. As soon as certain topics are raised, the concrete melts into the abstract and no one seems able to think of turns of speech that are not hackneyed: prose consists less and less of words chosen for the sake of their meaning, and more and more of phrases tacked together like the sections of a prefabricated hen-house. (Orwell, 1946, nosso negrito)

No que diz respeito à vagueza como fenómeno linguístico, há abordagens que se concentram no seu aspeto lexical – como Channell (1994) e Wang (2005), ou seja, que estudam a falta de clareza das palavras em si – e estudos que se concentram no seu aspeto textual, pragmático como Cheng & Warren (2003), Gruber (1993), Zhang (1998) que se debruçam sobre frases, atos de fala ou estratégias comunicacionais que criem imprecisão. Nesta secção analisaremos exemplos de vagueza lexical e de vagueza textual nos debates que integram os três sub-copora. Num primeiro momento, faremos algumas considerações de índole teórica sobre as múltiplas aceções da vagueza, apresentando algumas abordagens linguísticas. No início do seu trabalho de referência, Channell (1994: 18) propõe uma classificação ternária das categorias de vagueza linguística: i) vague additives (adjuntos vagos), ou seja expressões aproximativas como about e approximately (cerca de, aproximadamente) ou identificadores categoriais vagos, como and stuff like that (e coisas do género); ii) vagueness through lexical choice (vagueza através de escolha lexical), com duas sub-categorias: palavras como thingy e whatsit’(coiso) e quantificadores vagos como tons of (montes de) e, por fim, iii) vagueness by implicature (vagueza através de implicatura): a frase Sam is 6 feet tall (Sam tem 6 pés de altura) é potencialmente vaga, porque ele pode ter 6 pés e um quarto de polegada. Ver também: Gruber (1993): “It is common sense to say that vagueness is a characteristic of political language”, D’Errico et al (2013): “A quite common case of vague communication is political discourse”. 80

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Wang (2005) propõe cinco categorias de manifestações linguística da imprecisão: i) indicadores da “impressão” (quantificadores vagos, como a lot, many (muitos) e expressões de aproximação (approximately, about, roughly; aproximadamente, cerca de, mais ou menos); ii) indicadores de falta de especifidade (after 10 o’clock, at six-ish, depois das 10h, pelas 6h); iii) indicadores de imprecissão: expressões de aproximação como ‘sort of’, ‘kind of’, tipo), iv) indicadores etcetera: acrescentadores (and so, and things like that, etc, e coisas do género), v) indicadores de incerteza: advérbios vagos (maybe, probably, talvez, provavelmente). Zhang (1998) propõe definições para quatro termos usados, por vezes, indiferentemente, como se fossem sinónimos: i) fuziness (imprecisão) – uma expressão é fuzzy (imprecisa) se é caraterizada pela opacidade referencial, como, por exemplo, em cerca de 20 alunos81; ii) generality (generalidade) – o significado de uma expressão é geral porque não menciona certos detalhes, a generalidade e é uma questão de falta de especificação – como a frase A Mary viu o John. –, que é muito geral, pois não oference nenhuma informação sobre o contexto em que o encontro ocorreu. (Onde? Quando? Em que circunstâncias?); iii) vagueness (vagueza) ocorre quando uma expressão pode ter mais interpretações possíveis, ou seja é polissémica, como a frase A Mary tem o meu livro. pode significar A Mary tem o livro da minha autoria. / A Mary tem o livro que eu comprei. / A Mary tem o livro que eu requisitei., etc; iv) ambiguity (ambiguidade), que diz respeito às expressões que têm vários significados sem relação semântica entre eles. Uma expressão é ambígua se tem diferentes paráfrases que não são paráfrases umas das outras. Flying plains can be dangerous. Significa duas coisas em inglês: aviões que voam e pilotar aviões. A abordagem de Zhang (1998) permite destacar manifestações de vagueza ao nível lexical, mas também ao nível da frase. Cheng & Warren (2003), que situam a sua investigação ao nível frástico, falam de indirectness (linguagem indireta), inexplicitness (linguagem não-explícita) e vagueness (vagueza). No caso da indirectness (linguagem indireta), os autores propõem quatro categorias de manifestações pragmáticas: i) implicaturas conversacionais, ou seja uma falta de coesão entre o significado expressado e o significado implícito; ii) atos ilocutórios, quando há uma divergência entre o significado e a força ilocutória; iii) atos de fala indiretos, quando a relação entre a estrutura de uma frase e a sua função comunicativa é indireta, por exemplo quando se usa um ato declarativo para fazer uma pergunta; iv) pré-sequências, como os pré-pedidos, são formas de comportamento indireto usadas pelo locutor para evitar ameaças da imagem pessoal (sua ou do interlocutor) antes de fazer a ação conversacional pretendida. Inexplicitness (linguagem não-explícita) abrange as expressões linguísticas que são não-específicas fora do contexto, mas que se tornam específicas nos contextos em que são usados: i) elipse é uma forma de linguagem não-explícita que solicita da parte do 81 Claro que esta expressão significa mais ou menos 20 alunos, mas se pensarmos com mais atenção na sua denotação, ocorrem zonas periféricas bastante indistintas. 14 pode ser circunscrito no significado de cerca de 20? No caso deste termo é definitória a relação entre o centro e a periferia e entre categoria e membros.

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interlocutor um esforço de interpretar a omissão / as omissões feitas pelo locutor na interação; ii) substituição pressupõe o uso de elementos gerais para referir frases ou expressões anteriores; iii) deixis e referência, a primeira sendo interpretada em função do centro deítico (locutor) e das relações espaciais, temporais e pessoais com o significado discursivo, ao passo que a segunda diz respeito à coerência textual e discursiva (anáfora e catáfora, referência exofórica). A categoria vagueza abrange uma série de itens que são intrinsicamente imprecisos e que se situa sobretudo ao nível lexical: i) adjuntos vagos para números, about, around, approximately (cerca de, aproximadamente); ii) seleção de palavras vagas, and things like that (e coisas do género); iii) vagueza através de implicatura esaclar: A pergunta a B se houve algum crescimento económico e B responde que houve um certo crescimento. Gruber (1993) considera que a vagueza é essencialmente um fenómeno que deve ser estudado do ponto de vista pragmático: [...] on the pragmatic level vagueness is a characteristic of texts or communicative acts and not of smaller linguistic units. This means that I try to deal with vagueness as a communicative strategy which enables one to perform linguistic actions in a specific way. Therefore vagueness has to be described in terms of components of communicative situations, speakers intentions, and the expectations of listeners. (Gruber 1993: 1, nosso negrito)

Segundo Gruber, a vagueza – enquanto mecanismo interacional, pragmático – tem três fontes principais: i) o facto de o locutor se dirigir a audiências múltiplas, com opiniões diferentes sobre os assuntos comunicados; nestes condições, para conseguir criar consenso, o locutor deve comunicar em termos mais vagos, que possam ter múltiplas interpretações; ii) o facto de o locutor querer ameaçar a imagem pública do seu interlocutor, mas não imagem pessoal do mesmo82, obriga-o a utilizar atenuações, termos politicamente corretos; iii) o facto de o locutor querer proteger a sua imagem pública e não parecer agressivo, não-educado, etc. O autor articula a vagueza com imagem (face) de si ou dos outros, usando a teoria de Brown & Levinson (1987: 116-117) para descrever o papel dos enunciados imprecisos no funciona-mento da cortesia estratégica83.

Ver supra 1.1.2.3.3. A identidade (dos) parlamentar(es), as nossas considerações sobre as múltiplas identidades dos parlamentares em especial, que podem ser aplicadas aos políticos em geral. 83 Estratégica do ponto de vista do trabalho de figuração (facework), de preservar ou de ameaçar a imagem dos outros e de proteger a imagem de si. O autor salienta também que a escolha por um enunciado claro ou vago depende também da distância social entre os interlocutores. Por um lado, um enunciado direto pode significar uma preferência do locutor pela eficácia comunicacional ou pode ser mais comum no caso de relações sociais mais próximas, ao passo que um enunciado vago – por exemplo, com marcadores de atenuação e aproximação – pode ser mais adequado em relações sociais mais distantes. 82

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Tentaremos destacar alguns exemplos de vagueza lexical – que advém essencialmente so significado das palavras – e de vagueza textual ou pragmática. Contudo, num primeiro momento destacaremos algumas considerações metalinguísticas – explícitas ou implícitas – que os locutores fazem sobre a vagueza. Nos três exemplos selecionados, fazem-se avaliações negativas da vagueza ou de palavras consideradas vagas. (120) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Diz o Sr. Ministro que se deve reformar o acessório, eliminar o redundante — palavras vagas, com as quais estamos todos de acordo. Mas, diga-nos, Sr. Ministro: despedir 50 enfermeiros nos centros de saúde de Lisboa nas últimas semanas é eliminar o acessório ou reformar o redundante? (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011)

Em (120), a intervenção do locutor debruça-se sobre a expressão “deve reformar o acessório, eliminar o redundante”, usada pelo ministro de Saúde para falar sobre a gestão financeira do seu ministério. Como reformar o acessório e eliminar o redundante – eufemismos para possíveis cortes orçamentais ou de salários, despedimentos – não dão conta das medidas concretas que o governo quer aplicar para reduzir a despesa no Sistema Nacional de Saúde, o locutor reclama a vagueza: “palavras vagas” e dá um exemplo concreto do que as duas expressões significam na prática governativa recente: “despedir 50 enfermeiros nos centros de saúde de Lisboa nas últimas semanas”. Aliás, esta tentativa de concretização dos eufemismo é feita numa interrogação retórica, que tem o objetivo de ameaçar a imagem pública do interlocutor: por um lado, obriga-o a trazer para o debate público um assunto problemático – despedimentos de pessoal do SNS – que expressou através de eufemismos e, por outro lado, de forma indireta, mostra o seu alocutário como reponsável político que esconde a verdade. (121) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Segundo, é mostrar que a imprensa pode errar, que a denúncia pode ser falsa e que é preciso dar o direito sagrado de defesa a cada cidadão antes de macular-lhe a imagem. O que sai na televisão? Denúncia. E aí? Essa é a palavra mais vaga, irmão. Na vida vamos adquirindo inimigo em tudo o que é lugar. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em (121), o locutor qualifica como vaga uma denúncia anónima sobre casos de corrupção do ministério que ele tutela. O objetivo do locutor neste caso é de proteger a imagem pessoal, rejeitando as acusações que lhe são feitas pela imprensa ou pela oposição. Avaliando a denúncia como vaga e, ao longo do debate, insistindo no seu caráter anónimo, o locutor pretende desqualificar os FTAs e mostrar que tudo não passa de um ataque político.

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(122) Domnul Adrian Henorel Niţu: - La programul bugetar şi de politică economică sunt multe enunţuri vagi, fără nicio măsură concretă. Programul guvernului Ponta pentru economie, comerţ şi mediu de afaceri conţine câteva cifre, fără să aibă un termen-limită, dar este plin de expresii precum ordine şi coerenţă financiară, profesionalizarea actului de conducere, responsabilitate şi chibzuinţă şi, nu în ultimul rând, redesenarea arhitecturii şi ecologiei de business. (Reunião da Câmara dos Deputados, 23 de outubro de 2012) [O senhor Adrian Henorel Niţu: - No programa orçamental e de política económica há muitos enunciados vagos, sem nenhuma medida concreta. O programa Ponta para a economia, o comércio e o ambiente de negócios tem alguns números, sem ter nenhum prazo-limite, mas está repleto de expressões como ordem e coerência financeira, profissionalização do ato de gestão, responsabilidade e cautela e, não em último lugar, reconfiguração da arquitetura e da ecologia do ambiente de negócios.]

O exemplo (122) contém uma análise do programa do governo feita por um deputado da oposição, em que o locutor assinala: “multe enunţuri vagi, fără nicio măsură concretă” [muitos enunciados vagos, sem nenhuma medida concreta]. A caraterização do programa continua, o locutor denunciando também a falta de prazos, admitindo, ironicamente, que tem “câteva cifre” [alguns números]. Esta crítica do locutor baseia-se na expectativa sobre um programa de governo, sobretudo na parte relativa à economia, que é de ter números, de se baseaar em estatísticas e previsões. Vejamos também alguns exemplos do que o locutor considera linguagem vaga: “ordine şi coerenţă financiară” [ordem e coerência financeira], “profesionalizarea actului de conducere” [profissionalização do ato de gestão], “responsabilitate şi cautela” [responsabilidade e prudência], “arhitecturii şi ecologiei de business” [reconfiguração da arquitetura e da ecologia do ambiente de negócios]. Em todos os casos a vagueza destas expressões vem da sua generalidade84 e falta de especificidade numa área em que o discurso deveria essenciamente mostrar rigor, precisão, especialização. Se é verdade que se pode destacar uma orientação geral política do governo no que diz respeito à despesa pública – uma vez que refere, por exemplo, o termo chibzuinţă [cautela] – podemos esperar uma certa prudência no que diz respeito às finanças públicas, mas não sabemos quais são as medidas previstas. Por um lado, estes termos muito gerais podem servir como eufemismos para não comunicar medidas pouco populares – e assim proteger a imagem do governo –, como vimos também no caso do exemplo (120) e, por outro lado, pelo seu grau de generalidade, permitem interpretações múltiplas junto de públicos com ideologias e opiniões diferentes, podendo, eventualmente criar um consenso maior sobre o programa do governo. No entanto, a falta de precisão tem também efeitos negativos, pois a

Hahn (1989): “The hot air quotient of political rhetoric is so high that even casual observers of the political scene cannot help but notice it”.

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oposição usa essa caraterística textual do programa do governo para atacar a sua imagem pública, sugerindo falta de profissionalismo, de preparação, de especialização. Nos exemplos (123)-(125) ilustraremos usos de vagueza lexical, em que diferentes recursos linguísticos são empregues para mitigar mensagens. Em (123), o locutor usa diferentes marcadores de atenuação ou quantificadores imprecisos para referir números: “qualquer coisa como 2700 milhões de euros”, “quase 30% do orçamento anual”, “mais de 9500 milhões de euros”, “praticamente o dobro”. Escolhemos um fragmento em que o locutor apresenta números como argumentos na sua intervenção, por ser uma das estratégias mais frequentes nos debates políticos85. Os números no discurso político são associados, em geral, à competência profissional, ao conhecimento dos dossiers, à argumentação factual. Aliás, como observámos no exemplo anterior, a ausência dos números serve para atacar os adversários políticos, com base em pressuposições de falta de profissionalismo. Se os números ganham o seu lugar de destaque na argumentação política pela aparente objetividade que expressam, podem representar também uma armadilha para os locutores por duas razões: em primeiro lugar, ao mostrar números muito elevados e demasiado exatos arrisca-se a perder a atenção do público e, em segundo lugar, o locutor deve ter a certeza de que os números que apresenta não são atacáveis para não ser alvo de ataque por parte dos adversários políticos numa batalha de números, expressão usada por Saulnier (2012). Observamos que em (123) o locutor usa números e percentagens exatos: “2700 milhões de euros”, “5000 milhões”, “9500 milhões de euros”, “30% do orçamento”, mas tem sempre o cuidado de os atenuar, assim não podendo ser atacado, eventualmente, por não ter oferecido os dados exatos. (123) O Sr. Nuno Reis (PSD): — [...] No final do 1.º semestre deste ano, a dívida a fornecedores do SNS atingia qualquer coisa como 2700 milhões de euros, ou seja, quase 30% do orçamento anual deste sector. Entre 2005 e 2011, a despesa do SNS descontrolou-se, aumentando de 5000 milhões para mais de 9500 milhões de euros, ou seja, praticamente o dobro num período em que a economia praticamente estagnou. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (124) O SR. MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Posso me equivocar um pouco na precisão de horários, mas por volta aproximadamente das 20h, horário de Brasília, 19h, horário de Fortaleza, fui até Fortaleza, chegando no horário de lá às 21h30min, quando, então, fui à A revista francesa Mots tem um número temático (2012/3) dedicado ao uso dos números em debates políticos: Chiffres et nombres dans l'argumentation politique. Ver Saulnier (2012, nosso negrito): “Avoir le bon chiffre (celui du prix de la baguette, du nombre de sousmarins ou du pourcentage du nucléaire), c’est faire preuve de sa compétence, de sa connaissance du terrain, de son sérieux. Les chiffres ne mentent pas, dit-on. Cette croyance dans la vérité absolue des chiffres et des nombres vient du sémantisme du cardinal : il est monosémique, son sens est transparent, il est objectif”.

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residência do Governador. [...] Naquela madrugada, por volta das 2h da manhã, aproximadamente, eu retornei a Brasília. Ao chegar, encontrei-me com o Dr. Leandro Daiello na minha residência — aliás, quando há operações mais delicadas ele habitualmente me acorda. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

Em (124), o locutor atenua as informações sobre o horário da sua deslocação a Fortaleza. Trata-se de um fragmento em que o minstro rejeita as acusações de não ter sido informado sobre a operação Porto Seguro, porque não estava em Brasília, participando numa reunião de ministros do Mercosul em Fortaleza. O locutor aproveita a audiência pública para dizer que teve uma reunião com o chefe da Polícia, Leandro Daiello e que foi informado sobre o desenvolvimento da operação. Na sua intervenção, o locutor afirma que as informações oferecidas não são precisas: “Posso me equivocar um pouco na precisão de horários” e faz o seu relato usando marcadores de atenuação no caso de alguns horários: “por volta aproximadamente das 20h”, “por volta das 2h da manhã, aproximadamente”, mostrando-se prudente e tendo o cuidado de não oferecer informações inexatas. (125) Domnul Orest Onofrei: - Sigur că eu vreau să fiu foarte scurt. Nu vreau să folosesc nici date statistice. Sigur că eu sunt la curent cu ce se întâmplă în agricultură, domnul ministru ne informează, ca şi pe dumneavoastră. Sigur că interes pentru agricultură, în general, în ultimii 20 de ani, Parlamentul dovedeşte foarte mult atunci când pune miniştri şi, uneori, când vrea să-i dea jos. [...] Dacă este să facem totuşi ceva pentru agricultură, trebuie să facem nu aşa cum facem noi de obicei. [...] Aş vrea să închei parafrazând ceea ce se spune la cununiile din Biserica Catolică. Dacă cineva are de făcut ceva pentru agricultură, s-o facă acum, dacă nu, să tacă. Să tacă, pentru că este foarte greu să vezi oameni care vin şi… Eu prefer oamenii care vin să spună că au făcut ceva pentru agricultură, decât oamenii care vin şi ne explică extrem de convingător că au stat degeaba în acel post. (Reunião do Senado de 2 de maio de 2011) [O senhor Orest Onofrei: - Claro que eu quero ser muito breve. Não quero usar aqui dados estatísticos. Claro que estou a par do que se passa na agrocultura, o ministro informa-nos, como informa os senhores. Claro que, em geral, nos últimos 20 anos, o Parlamento mostra muito interesse pela agricultura quando empossa ministros e, por vezes, quando os quer demitir. [...] Se quisermos fazer alguma coisa pela agricultura, temos de não fazer o que nós fazemos normalmente. [...] Queria concluir parafraseando o que se diz no casamento da Igreja Católica. Se alguém tiver alguma coisa para fazer pela agricultura, que o faça agora, se não tiver, que se cale. Que se cale, porque é muito difícil ver pessoas que vêm e... Eu prefiro as pessoas que vêm dizer que fizeram alguma coisa pela agricultura, às pessoas que vêm explicar de forma muito convincente que ocuparam o cargo para nada.]

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Se em (123) e (124) a vagueza lexical se traduzia essencialmente no uso de marcadores de atenuação para dados estatísticos sobre o Sistema Nacional de Saúde ou os horários de deslocação a uma reunião ministerial do Mercosul, em (125) a imprecisão do exemplo selecionado do sub-corpus romeno prende-se com uso de pronomes indefinidos, como ceva [alguma coisa], cineva [alguém], adjetivos como mult [muito] ou puţin [pouco], cuja interpretação é essencialmente dependente do contexto, sendo também vaga por não referir unidades de medida específicos, ou com outros meios linguísticos que servem para expressar ideias imprecisas: în general [geralmente], substantivos sem artigo definido: miniştri [ministros], oameni [pessoas], o uso de nós genérico: “să facem ceva pentru agricultură” [fazermos alguma coisa para a agricultura], “cum facem noi de obicei” [como fazemos normalmente]. Notamos também o uso do tu genérico 86 quando avalia outros participantes no debate: “este foarte greu să vezi oameni care vin” [é muito difícil ver pessoas que vêm] em oposição com a expressão clara de eu no início da intervenção, quando faz considerações metalinguísticas sobre o próprio discurso: “eu vreau să fiu foarte scurt” [eu quero ser muito breve], o que poderia sugerir uma falta de comprometimento discursivo com as hetero-avaliações proferidas. Os próximos três exemplos (126)-(128) tentam ilustrar a vagueza textual ou pragmática, sendo analisados segundo o quadro teórico proposto por Gruber (1993), em termos das intenções dos locutores e das expectativas dos interlocutores. Como já vimos, Gruber relaciona o uso de vagueza textual, por um lado, com a cortesia linguística e com a tensão entre manter a sua imagem pessoal e ameaçar a imagem pública do interlocutor, sem tocar na imagem pessoal do próprio e, por outro lado, com o facto de os locutores se dirigirem a audiências múltiplas, que têm opiniões diferentes sobre os assuntos debatidos. O conceito de vagueza textual de Gruber (1993) é comparavel com o evitamento, nas suas manifestações significativas, médias ou subtis (Rasiah 2010: 667), por descrever a convergência ou a divergência entre intenções e expectativas dos locutores que participam numa interação verbal. Uma primeira observação prende-se com uma assimetria evidente entre as perguntas e as respostas, visto que as primeiras tentam ser claras e explícitas, ao passo que nas segundas, os locutores usam graus diferentes de vagueza textual para evitar respostas que possam afetar a sua imagem pública. Em (126), o locutor faz duas perguntas. A primeira, que será repetida três vezes, diz respeito ao reembolso do IRS e solicita especificamente o prazo-limite, ao passo que a segunda, relacionada com a primeira, pede explicações sobre uma possível decisão administrativa sobre os atrasos no reembolso do IRS. Notamos, no entanto, que a pergunta contém também avaliações negativas em relação ao governo, que constituem FTAs para a imagem pública do governo: “o Governo tem sido muito rápido a tirar mas muito lento a devolver”, “por detrás deste malabarismo”, “o dinheiro dos contribuintes não pode ser posto na mão do Governo, conforme os seus Para uma descrição mais pormenorizada do funcionamento dos usos genéricos de tu em romeno, ver Zafiu (2003).

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apetites”. Aliás, na primeira parte da pergunta, os FTAs que visam o interlocutor, a primeira interveniente mostrando que o mesmo não cumpre o que é esperado dele: não respeita padrões previsíveis e falha em questões técnicas. (126a) A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, a minha pergunta é a seguinte: qual é o prazo-limite que o Governo dá para o reembolso do IRS?1 É porque o Sr. Ministro gosta de padrões previsíveis e o padrão previsível para o reembolso do IRS dos portugueses era de 20 dias. No entanto, agora vêm dizer-nos que não, que os 20 dias não são suficientes1, porque há problemas técnicos, pelo que não é possível responder a esta expetativa. A verdade, Sr. Ministro, é que os prazos foram sendo reduzidos, até pela pressão que foi sendo criada para a entrega por via eletrónica destas declarações. Sr. Ministro, há um problema técnico, há questões técnicas, mas nós pensávamos que competência técnica era mesmo a sua grande mais-valia2. Por isso, a pergunta é muito simples: sabendo que o Governo tem sido muito rápido a tirar mas muito lento a devolver, e julgando os portugueses que o Sr. Ministro sabe que este dinheiro é dos portugueses3, não é do Governo, quero que nos diga qual é o prazo-limite para o reembolso do IRS, das contribuições que são dos portugueses.2 Ou por detrás deste atraso, por detrás deste malabarismo, existe alguma decisão administrativa, que é a de ter saldo de caixa, tendo em vista a próxima avaliação da troica, e nesse sentido está a reter o dinheiro, que é dos contribuintes, à conta de uma decisão que é meramente administrativa? [...] Responda-nos hoje e aqui qual é o prazolimite para o reembolso do IRS dos portugueses, que é dinheiro dos contribuintes3, não pode ser posto na mão do Governo, conforme os seus apetites. (Reunião plenária de 26 de abril de 2012)

O interlocutor tem um duplo desafio: minimizar o FTA para proteger a imagem pessoal e a do governo e, dada a natureza pública de qualquer debate parlamentar, dirigir-se não apenas ao locutor que faz a pergunta, mas a outras audiências, como a comunicação social ou os eleitores. Portanto, num primeiro momento afirma que a questão já foi esclarecida por uma instituição do governo e depois oferece uma resposta parcial, que diz respeito a uma parte dos contribuintes, os que entregaram as declarações de IRS pela internet. O locutor oferece algumas informações relacionadas com o assunto, por exemplo o número de famílias que já foram reembolsadas (120 0000) e o prazo médio de reembolso no caso das mesmas (25 dias), o que poderá atenuar os efeitos dos FTAs da pergunta. Os efeitos de vagueza relacionam-se a nível macro com a parcialidade da resposta, sendo observáveis a nível micro sobretudo no que diz respeito ao prazo em si, pois o locutor usa termos que não quantificam de forma exata uma unidade de tempo, solicitada na pergunta: tratamento prioritário, mais rapidamente. A segunda pergunta, porém, não obtém resposta, rejeitando o locutor desta forma os seus pressupostos.

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(126b) O Sr. Ministro de Estado e das Finanças (Vítor Gaspar): — Muito obrigado, Sr. Presidente em exercício. Na resposta às perguntas que agora me foram feitas, posso ser relativamente rápido. Começarei por responder à última questão que me foi colocada e que se refere ao IRS, esclarecendo que a mesma se prende com um procedimento de natureza exclusivamente técnica e que foi já objeto de esclarecimento pela Autoridade Tributária, em nota publicada no Portal das Finanças, no passado dia 20 de abril. Como em ocasiões anteriores, as declarações que foram entregues pela Internet serão alvo de tratamento prioritário e os reembolsos serão, nesses casos, processados mais rapidamente. Posso dizer que, neste momento, já foram processados reembolsos relativos a 120 000 famílias e que, relativamente a estas 120 000 famílias, o prazo médio foi de 25 dias. As razões deste procedimento estão, como eu disse, disponíveis no Portal das Finanças. (Reunião plenária de 26 de abril de 2012)

Em (127), o diálogo entre os dois locutores diz respeito a contratos públicos com irregularidades celebrados entre empresas privadas e alguns dos hospitais do Rio de Janeiro. O locutor coloca uma questão sobre um dos protagonistas de um artigo de imprensa sobre estes contratos, acusado de diferentes atos de corrupção. Como se trata de uma pessoa próxima do interlocutor – um ex-assessor do Ministério de Saúde –, a pergunta constitui um FTA para o mesmo, porque, ao ser associado a alguém suspeito de atos de corrupção, torna-se alvo de acusações – no espaço público, não necessariamente do ponto de vista jurídico – do mesmo crime. Em segundo lugar, notamos que o locutor, ao fazer a pergunta, refere também o público do debate, invocando duas vezes a nação brasileira, que serve como audiência, claro, mas também como justificação da legitimidade das ações do locutor: “nós devemos uma satisfação àqueles que acreditam em nós, àqueles que nos colocaram aqui, àqueles que representamos”. A pergunta feita diz respeito a uma situação muito concreta, de dinheiro pago por um parlamentar a um intermediário: “daquele laranja87 dele, que recebeu aquele depósito”. A resposta do interlocutor assenta em diferentes estratégias de vagueza textual / evitamento, como defender que a resposta já foi dada: “Aquilo que cabia a mim esclarecer, já esclareci”, afirmar que a responsabilidade compete a outras entidades: “quem vai dar é a CGU e a Polícia Federal”, projetar a resposta num futuro incerto, sem horizonte temporal bem definido: “certamente vai apurar”, fazer referências genéricas a pessoas possivelmente envolvidas: “qualquer pessoa que esteja envolvida”. A divergência entre expectativas e intenções é bastante evidente neste caso, pois o interlocutor recusa-se a dar uma resposta concreta.

Em português do Brasil, laranja significa também “pessoa usada como intermediária em fraude e negócios suspeitos” (Cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [consultado a 3008-2015]. 87

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(127) O SR. DEPUTADO NELSON BORNIER – Eu gostaria de agradecer ao Ministro por ter aceito o convite de estar aqui conosco. Mas, Ministro, não deixe de ver, trocar uma empresa, já que quatro foram denunciadas, substituir uma pela outra nessa contratação emergencial... E vou além, nessa questão da Facility, já que havia o contrato emergencial de R$2.360,00 e foi para R$4.000,00... E que V.Exa. consiga elucidar, para que fique claro para a Nação brasileira, a situação do Edson Pereira. Acho que este rapaz merece, efetivamente. Acho que é uma pessoa ligada a V.Exa. há tanto tempo, mas que eu não conheço. Que V.Exa. possa, mais do que nunca, esclarecer para a Nação brasileira o que ocorreu diante do depósito de dinheiro que ele tomou – pelo menos é o que está dito na revista – de um Parlamentar, no Rio. Nós o convidamos também para que estivesse aqui, através de requerimento. Para mim isso é muito importante, até porque nós devemos uma satisfação àqueles que acreditam em nós, àqueles que nos colocaram aqui, àqueles que representamos, e isso ainda não ficou muito claro, principalmente na questão daquele laranja dele, que recebeu aquele depósito, e que não falamos aqui. Mas que também se esclareça quem é essa pessoa, de onde veio, e, consequentemente, possamos elucidar todas essas questões. Obrigado, Sr. Ministro. O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA – Obrigado, Sr. Deputado. Aquilo que cabia a mim esclarecer, já esclareci no mesmo dia em que saiu a matéria. Certamente os esclarecimentos finais sobre esse episódio, a matéria citada aqui por V.Exa., quem vai dar é a CGU e a Polícia Federal, que, a meu pedido, antes mesmo de sair publicada a matéria, iniciou um processo de apuração sobre esse caso. E certamente vai apurar não só o que falou o ex-assessor mas também qualquer pessoa que esteja envolvida nesta questão. Muito obrigado, Sr. Deputado Nelson Bornier. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012)

O exemplo (128) ilustra também o uso da vagueza textual no corpus romeno, a partir de um diálogo entre um deputado da oposição e a ministra da Educação sobre um dos eventos que marcou o debate público romeno nos últimos anos, a acusação feita ao primeiro ministro Victor Ponta de ter plagiado a sua tese de doutoramento em Direito. Um dos aspetos mais controversos deste episódio, referido também pelo primeiro interveniente, é o facto de o Ministério de Educação ter mudado a composição do Conselho de Reconhecimento dos Títulos, dos Diplomas e dos Certificados Universitário – com competências jurídicas e administrativas para fazer a análise da tese –, que descriminou o primeiro ministro da acusação. No entanto, outros organismos, entre os quais a Comissão de Ética da Universidade de Bucareste, onde foi defendida da tese, concluiu que o primeiro ministro plagiou. O primeiro interveniente coloca duas questões relacionadas com este episódio: a primeira diz respeito às alterações na estrutura do Conselho e a segunda prende-se com a avaliação final feita por esta instituição, de descriminação do primeiro ministro da acusação de plágio. A pergunta tem uma pressuposição – aliás, veiculada no debate

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público romeno também – que constitui um FTA para as imagens públicas dos atores implicados neste episódio: o ministério da educação, ao pedido da atual ministra e do ex-ministro Liviu Pop, mudou a estrutura do conselho para proteger o primeiro ministro. O locutor faz, portanto, uma pergunta de avaliação negativa, em que usa também diferentes argumentos de autoridade para sustentar o seu raciocínio, evocando a revista internacional Nature – a primeira a publicar informações sobre o plágio –, a Comissão de Ética da universidade que conferiu o título de doutor, académicos prestigiados que se pronunciavam sobre o plágio e consideraram que grande parte da tese tinha sido copiada, e desacredita a nova estrutura do conselho que descriminou o plágio. A expectativa do locutor no que diz respeito às respostas seria de a ministra responder mencionando as razões pelas quais foi alterada a estrutura do conselho e explicar porque apenas aquele conselho se pronunciou contra o plágio, quando outras entidades se pronunciaram a favor. (128a) Domnul Teodor-Marius Spînu: - O scurtă întrebare pentru doamna ministru Andronescu, care facea referire la celebrul Consiliu Naţional de Atestare a Diplomelor şi Titlurilor Universitare şi a Certificatelor Universitare, ca să fie complet. Aţi spus că cei 20 de membri din conducere care au certificat prima dată oficial, după revista Nature, plagiatul domnului Ponta, au stat în pixul ministrului. Doamnă preşedinte, vă rog să-mi indicaţi un om din acel consiliu, care nu merită să fie acolo, ţinând cont că din acel consiliu la vremea respectivă făceau parte şapte academicieni, în frunte cu preşedintele Academiei, domnul Haiduc. Aţi schimbat, domnul Pop şi dumneavoastră, componenţa acestui consiliu, în loc să luaţi personalităţile academice evidente, care au facut ceva în aceasta ţara sau în străinatate, nu aţi făcut decât să duceţi la mediocritate acest consiliu, supunând apartenenţa în comisiile de specialitate unei proporţionalităţi, în funcţie de numărul de universităţi din ţară. Şi vă întreb, doamnă ministru, după sentinţa de plagiat din una din cele mai prestigioase reviste ştiinţifice din lume, Nature, după acest aviz dat de şapte academicieni şi restul membrilor din CNATDCU, după decizia luată de Universitatea Bucureşti, cu consultarea experţilor români din străinatate, pe umerii cărora plângem şi îi vrem înapoi în ţară, ce răspuns daţi dumneavoastră în momentul când această comisie de etică... Domnul Viorel Hrebenciuc: - Domnule Spînu, vă rog să trageţi concluzia. Domnul Teodor-Marius Spînu: - În zece secunde, domnule preşedinte. ...pe care fostul ministru Pop l-a schimbat în totalitate şi trei oameni, din care unul acuzat de plagiat, domnul Burnete, un avocat specializat pe proceduri, şi nu pe fond, l-au scos cu batista curată pe domnul ministru Ponta. Domnul Viorel Hrebenciuc:- Domnule Spînu, timpul dumneavoastră s-a epuizat! Domnul Teodor-Marius Spînu: - Vă mulţumesc. Dacă puteţi să-mi răspundeţi la această întrebare, doamnă ministru. (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012)

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[O senhor Teodor-Marius Spînu: - Uma breve pergunta para a senhora ministra Andronescu, que referia o célebre Conselho Nacional de Reconhecimento de Diplomas e Títulos Universitários e dos Certificados Universitários, para ser completo. Disse que os 20 membros da direcção, que certificaram o plágio do senhor Ponta pela primeira vez, oficialmente, após a revista Nature, tiveram a sorte decidida pelo ministro. Senhora presidente, por favor indique-me uma pessoa daquele conselho que não merecia estar lá, tendo em conta que naquele momento integravam no conselho sete académicos, inclusive o presidente da Academia, o senhor Haiduc. O senhor Pop e a senhora mudaram a estrutura deste conselho, em vez de cooptarem as personalidades académicas evidentes, que fizeram alguma coisa no país e no estrangeiro, reduziram este conselho ao estado de mediocridade, condicionando a pertença nas comissões de especialidade a uma proporcionalidade em função do números de universidades do país. E pergunto, senhora ministra, depois da decisão de plágio feita por uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo, Nature, depois deste parecer feito por sete académicos e os restantes membros do CNATDCU, depois da decisão tomada pela Universidade de Bucareste, após consultas com peritos do estrangeiro, que tanto lamentamos e que tanto queremos de volta no país, que resposta é que a senhora dá quando esta comissão de ética... O senhor Viorel Hrebenciuc: - Senhor Spînu, faça favor de concluir. O senhor Teodor-Marius Spînu: - Em dez segundos, senhor presidente. ...que o ex-ministro Pop substituiu e três pessoas, uma delas acusada de plágio, o senhor Burnete, um avocado especializado em direito processual e não em doutrina jurídica, descriminaram o senhor ministro Ponta. O senhor Viorel Hrebenciuc: - Senhor Spînu, o seu tempo acabou! Domnul Teodor-Marius Spînu: - Obrigado. Se puder responder a esta pergunta, senhora ministra.

Perante esta pergunta, a ministra tenta reduzir o efeito das acusações – tomando em consideração também a visibilidade mediática e o interesse público pelo assunto – e assim, protoger a imagem pública de si, mas também do primeiro ministro e das instituições que representa, o Ministério da Educação e o governo. Em primeiro lugar, notamos que na resposta a palavra plagiat [plágio] não é referida. Ao analisarmos todas as intervenções da ministra neste debate vimos não faz nenhuma referência ao plágio, ao passo que diferentes deputados da oposição mencionam 30 vezes as palavras plagiat [plágio] e plagiator [plagiador]. Assim, a ministra desvia a discussão do assunto central. Emprega uma vez um termo genérico, que tem o efeito de minimizar o impacto: abaterile de la etică [desvios da ética]. Em relação às duas perguntas colocadas, a primeira será desmentida, a interveniente afirmando três vezes que respeitou a lei: “Toate demersurile [...] trebuie să respecte legea” [Todas as medidas [...] devem respeitar a lei] e mencionando que se trata da lei adotada pela oposição quando era governo: “legea dumneavoastră stabileşte” [a lei dos senhores estabelece]. Ao usar o argumento do cumprimento da lei, a interveniente tenta minimizar o impacto dos FTAs e mostrar ao interlocutor e às

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diferentes audiências que possam assistir ao debate que as próprias ações e as das instituições têm justificação legal, e não advêm de um desejo de proteger a imagem do seu chefe de partido e de governo. Aliás, não há menções sobre o primeiro ministro quando a oradora refere – com a expressão abaterile de la etică [desvios da ética] – o plágio, mas o mesmo será mencionado no fim da intervenção, num contexto diferente; a ministra acaba o seu discurso com um FFA, que visa a imagem do primeiro ministro e do governo, tentando assim mitigar os possíveis efeitos dos FTAs anteriores e mudando o assunto do debate. A segunda pergunta ficará sem resposta detalhada, pois a interveniente não explica a decisão da segunda estrutura do conselho, limitando-se a dizer que tudo decorreu em conformidade com a lei. A vagueza textual neste caso prende-se também com a divergência evidente entre a expectativas do locutor que formulou as perguntas avaliativas e as respostas defensivas da ministra. A nível lexical, a vagueza prende-se com o evitamento dos assuntos problemáticos, quer completo, como é o caso da falta de referências ao primeiro ministro na primeira parte da intervenção, quer parcial, através do uso de fórmulas suavizadoras, mitigante, talvez politicamente corretas, como abateri de la ética [desvios da ética] em vez de plagiat [plágio]. (128b) Doamna Ecaterina Andronescu: - Domnului deputat care a ridicat problema Consiliului Naţional de Atestare a Titlurilor, Diplomelor şi Certificatelor Universitare, îi cer scuze dacă actualul consiliu conţine 8 academicieni, faţă de 4 academicieni pe care i-a conţinut consiliul respectiv, şi vreau să vă mărturisesc că s-au păstrat şi cei 4 care au fost anteriori, sunteţi în eroare... sunteţi în eroare, stimate domnule deputat! [...] Toate demersurile pe care un ministru trebuie să le asigure trebuie să respecte legea1. Pentru că spre deosebire de modul în care s-a gestionat anterior, când ministrul putea să facă orice, eu cred că trebuie sa ramân un ministru care să respecte legea2. Ca urmare, legea dumneavoastră stabileşte care este structura academică care trebuie sa ia masuri în legatura cu abaterile de la etică şi am procedat în conformitate cu legea3. Acţiunea dumneavoastră şi discuţiile pe care le-aţi facut astăzi şi în moţiune, şi în dezbaterile publice mă determină să spun că moţiunea este un demers pur politic, cu ţinte clare către persoane. Vă deranjează probabil ca primulministru al acestui guvern este de o altă valoare decât primi-miniştrii pe care dumneavoastră i-aţi avut, şi de aceea cred ca acest guvern va face ceea ce spune, şi nu va înşela aşteptările oamenilor. (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012) [A senhora Ecaterina Andronescu: - Peço desculpas ao senhor deputado que levantou a questão do Conselho Nacional de Reconhecimento dos Títulos, dos Diplomas e dos Certificados Universitários, peço desculpas se o conselho atual tem oito académicos, em comparação com os quatro que tinha e queria dizer-lhe que foram mantidos os quatro que estavam lá anteriormente, está enganado... está enganado, senhor deputado! [...] todas as medidas tomadas por um ministro devem respeitar a lei. Porque, ao

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contrário de como se faziam as coisas anteriormente, eu acho que devo ser uma ministra que respeita a lei. Por conseguinte, a lei dos senhores estabelece qual é a estrutura académica que deve tomar medidas sobre os desvios da ética e eu agi em conformidade com a lei. A ação dos senhores e as discussões de hoje na moção e no debate público, levam-me à conclusão que esta moção é apenas uma ação política, que visa claramente certas pessoas. Incomoda-os provavelmente que o primeiro ministro deste governo tenha um valor diferente do dos primeiros ministros dos senhores e por isso acho que este governo fará o que diz e não enganará as esperanças das pessoas.]

Este capítulo teve como objetivo a micro-análise da dinâmica interacional dos debates parlamentares, enfocando a organização discursiva das perguntas e as estratégias usadas pelos locutores para responder ou, melhor dito, para evitar as respostas. Em primeiro lugar, destaca-se a configuração das perguntas enquanto construções textuais complexas, tendo como função primordial fazer avaliações – em geral negativas – dos outros. Neste caso, a tarefa dos alocutários – responder às perguntas em conformidade com a máximas de cooperação (Grice 1975) – torna-se muito difícil, porque às vezes as respostas podem prejudicar a sua imagem pessoal. Por outro lado, o pacto de cooperação é quebrado pelo locutor que faz perguntas, quando ameaça a imagem do alocutário através de perguntas com avaliações negativas. No que diz respeito à estrutura das perguntas parlamentares, identificamos duas tipologias que se destacam: as construções argumentativas complexas, que podem conter séries de exemplos, pressuposições negativas; as interrogações em cascata, em que os locutores fazem múltiplas perguntas aos alocutários. Em segundo lugar, os exemplos selecionados evidenciam as seguintes estratégias de evitamento total ou parcial: ignorar a pergunta, desqualificar a pergunta – ver, por exemplo, as considerações sobre “întrebări serioase” [perguntas sérias] e “frustrările multiple exprimate” [múltiplas frustrações expressas] em (119) –, avaliar negativamente o interlocutor, declinar a competência para responder (outras instituições ou serviços são responsáveis pelo assunto), defender-se das acusações, rejeitar as acusações, marcar pontos políticos, oferecer outras informações. No que diz respeito à vagueza, fizemos a distinção entre vagueza lexical e vagueza textual (Gruber 1993), a análise dos exemplos revelando o uso dos seguintes mecanismos: conceitos gerais, marcadores de aproximação (para dados estatísticos ou unidades de tempo), pronomes indefinidos (no caso de referenciamento de pessoas). Em relação à vagueza textual, conceito que é semelhante aos evitamentos significativos, médios e subtis (Rasiah 2010), os três exemplos selecionados – um para cada sub-corpus – destacaram as seguintes manifestações linguísticas: ignorar totalmente ou parcialmente as perguntas, recusar-se a responder (afirmando que resposta foi dada), fazer considerações gerais sobre o assunto, evitar as palavras acusadoras e usar um léxico politicamente correto: “abaterile de la etică” [desvios da ética] em vez de “plagiat” [plágio].

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Conclusões parciais A primeira parte deste volume, dedicada à arquitetura dos debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos propõe as seguintes pistas de investigação: a macroanálise das sequências interacionais (supra 1.3) e a micro-análise dos mecanismos da negociação conversacional (supra 1.4) e do funcionamento das perguntas e das respostas (supra 1.5). A análise não começa ex abrupto, pois considerámos necessárias algumas etapas preliminares: uma apresentação do estado de arte sobre os estudos dedicados aos debates parlamentares, uma definição do discurso parlamentar, suas articulações com o discurso público e com o discurso político, uma análise dos sub-géneros do discurso parlamentar – em função de critérios institucionais, retóricos e pragmalinguísticos –, seus atores e a configuração da identidade parlamentar. Os resultados da secção dedicada à identidade parlamentar serão utilizados na segunda parte do volume, na análise das formas de tratamento enquanto recursos linguísticos para a construção de auto-imagens e de hetero-imagens. Considerámos igualmente necessária uma avaliação crítica do corpus, composto por 33 transcrições oficiais de debates parlamentares selecionados com base em critérios cronológicos e temáticos, bem como das limitações decorrentes da retextualização (Oliveira 2013) feita pelos serviços de taquigrafia e arquivo. A comparação de três transcrições oficiais e das respetivas gravações áudio e vídeo, mostra, de facto, a existência de correções e / ou supressões de conteúdo, correções gramaticais, reformulações, uniformização estilística (através do uso do registo formal) e alterações na dinâmica do turno de fala. Os resultados deste capítulo indicam o facto já salientado por outros linguistas, que a análise do discurso parlamentar feita exclusivamente com base em transcrições oficiais não permite demasiadas generalizações no que diz respeito ao uso da língua. Em primeiro lugar, visto que notámos na nossa análise supressões ou acréscimos de formas de tratamento, decidimos não fazer uma análise do tratamento baseada demasiado em critérios quantitativos – a não ser em casos de assimetrias evidentes, como é o uso de colega(s) e coleg(i) nos três sub-corpus (ver infra 2.4.2.2 Colega(s) sobre o tratamento relacional) –, sendo privilegiada, na segunda parte do volume, uma abordagem qualitativa. Em segundo lugar, não nos debruçámos sobre a problemática dos registos de língua e a sua importância para a configuração da identidade pessoal, visto que a graphie aseptisée (Cabasino 2001) elimina, em geral, as estruturas de língua que se afastam demasiado da norma. Com efeito, consideramos que uma avaliação prévia deste tipo de corpus é necessária nas análises linguísticas. Nem sempre os corpora já feitos são adequados para a análise linguística, uma vez que não foi esse o seu objetivo inicial. No entanto, apesar de certos inconvenientes – que devem ser destacados justamente neste tipo de análise comparativa escrita / oral –, os corpora feitos por não-linguistas tem as suas

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vantagens também. No caso de trabalhos individuais, como este, nem sempre há tempo disponível para transcrições extremamente cronófagas. A análise sequencial evidencia algumas diferenças entre os três sub-corpora: i) na sequência de abertura: a apresentação pormenorizada do tempo disponível para cada orador ou cada bancada parlamentar nos debates brasileiros e romenos, não se verifica nos debates portugueses; o uso de fórmulas juratórias – Sob a proteção de Deus, em nome do povo brasileiro – é uma caraterística dos debates brasileiros, não se encontrando nos debates portugueses e romeno; em geral as sequências de abertura na Assembleia da República são mais protocolares, ao passo que no Parlamento da Roménia podem aparecer sub-sequências não-canónicas, como observar um minuto de silêncio, congratular os colegas no dia do nome; ii) na corpo de interação: notamos que o ritual que diz respeito à ordem dos intervenientes apresenta uma diferença: se nos debates portugueses e romenos os representantes da oposição são os primeiros a tomar a palavra, para apresentar interpelações e moções, nos debates brasileiros os membros do governo intervêm primeiro, para fazer um ponto de situação do assunto debatido; nos três sub-corpora a exposição é uma sub-sequência com um grau fraco de interatividade, os intervenientes limitando-se a ler documentos redigidos anteriormente; nos debates portugueses destacam-se os apartes coletivos ou individuais, verbais ou não verbais, que têm o papel de apoiar os discursos dos oradores do mesmo partido e de criticar as intervenções dos adversários políticos; em sequência de questões e respostas apresenta o grau de interatividade mais elevado, a nossa análise mostrando modelos dinâmicos com interações diretas ou indiretas entre três ou quatro intervenientes; iii) na sequência de fecho não se registam grandes diferenças entre os três subcorporas, notando uma certa preferência dos oradores romenos pelo uso de atos rituais (saudações, agradecimentos). O capítulo sobre a negociação conversacional destaca, em primeiro lugar, o papel do presidente enquanto gestor dos diferendos que possam aparecer. Os exemplos selecionados dizem respeito ao tempo disponível para os oradores e mostram que o resultado da negociação – alinhamento espontâneo, não resolução, negociação falhada, negociação bem sucedida – não tem consequências para o sucesso da interação, ou seja uma negociação falhada não conduz à interrupção da interação. Na nossa opinião, este facto deve-se esencialmente à particularidade do discurso parlamentar, que privilegia a ritualização do conflito; portanto, um estado mais prolongado de desacordo faz parte do contrato de comunicação e é aceite como tal pelos participantes. A análise das interrupções – diferentes dos apartes, dado que obtêm resposta dos oradores – indica a necessidade de as analisar também em função do seu efeito para a imagem pessoal, critério que acrescentamos aos que foram propostos por Ilie (2005a). O último capítulo, que se debruça sobre o funcionamento das perguntas e das respostas, destaca a tipologia complexa do ponto de vista textual e argumentativa das

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interrogações e o uso de estratégias de proteção da imagem pessoal nas respostas, que integra mecanismos de evitamento parcial ou total e preferência pela vagueza lexical ou textual. Na segunda parte do trabalho aprofundaremos a análise da dinâmica interacional nos debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos, enfocando o emprego das formas de tratamento na criação de auto-imagens e hetero-imagens e na configuração da distância interlocutiva.

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2. O tratamento no discurso parlamentar Art. 16º – A Câmara dos Pares terá o Tratamento de – Dignos Pares do Reino; – e a dos Deputados de – Senhores Deputados da Nação Portuguesa. (Carta constitucional de 29 de Abril de 1826)

A segunda parte deste trabalho é dedicada à análise dos empregos das formas de tratamento (FT), enquanto recursos linguísticos de construção de auto-imagens e hetero-imagens e enquanto reguladores da distância interlocutiva. Sendo um mecanismo privilegiado da construção da deixis social, as formas de tratamento indicam com maior pertinência a relação entre o uso da língua e a dinâmica das relações sociais estabelecidas entre os locutores. Por conseguinte, numa análise como a que propomos neste volume, a descrição detalhada das formas de tratamento utilizadas pelos locutores oferece uma imagem fiel do contexto socio-discursivo em que funcionam os debates parlamentares. Por um lado, as formas de tratamento indicam como os locutores se controem enquanto atores políticos ativos no seu posicionamento discursivo durante os debates e, por outro lado, mostram como se configuram as relações discursivas dos locutores com os outros (interlocutores ou terceiros) nas suas intervenções no parlamento. No primeiro capítulo fazemos algumas considerações teóricas sobre o inventário das FT em português e em romeno, destacando, por um lado, semelhanças e diferenças entre as variantes do português faladas em Portugal e no Brasil e, por outro lado, entre o português e o romeno, nos três eixos propostos por Carreira (1997): elocução, alocução e delocução. Apresentamos ainda algumas particularidades dos usos das FT nos debates parlamentares, tomando em consideração a mise en scène deste tipo de discurso, em que os locutores visam audiências multi-estratificadas e tentamos fazer a distinção entre a alocução, a co-locução e a delocução. O segundo capítulo propõe uma análise da construção da imagem de si através do uso das FT pronominais elocutivas eu e nós em português (e, por vezes, a gente em português brasileiro), respetivamente eu e noi em romeno. O ponto de partida é o conceito de identidade política (Van Dijk 2010: 37-38) e estudos anteriores sobre a construção da identidade parlamentar (Ilie 2010b; Marques 2000; Marques 2010a; Vasilescu 2010; Vasilescu 2011), sendo analisados os mecanismos de configuração de identidades individuais e coletivas. O terceiro capítulo faz uma análise do tratamento pronominal alocutivo e delocutivo na construção da imagem do(s) outro(s) em cada sub-corpus, português, brasileiro e romeno. Dada a particularidade da língua romena, que apresenta um

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inventário rico de pronomes e locuções pronominais delocutivas, um dos capítulos concentrar-se-á sobretudo nos debates parlamentares romeno, identificando valores e usos da série pronominal: el, dânsul, dumnealui, domnia sa, Excelenţa Sa. O quarto capítulo dedica-se aos usos do tratamento nominal alocutivo e delocutivo e o seu papel na configuração da imagem do(s) outro(s). Partindo da classificação proposta por Kerbrat-Orecchioni (2010: 20-21), são identificadas no corpus as seguintes categorias de formas nominais de tratamento: institucionais, relacionais, profissionais, académicas, os nomes / os apelido, genéricas – o(s) senhor(es), domnule, doamnă, domnilor, doamnelor – e tentamos destacar os seus papéis na costrução da distância interlocutiva, na construção de relações consensuais ou agonais e a sua função a nível textual. O quinto capítulo retoma a problemática da negociação conversacional (ver infra 1.4. A negociação do turno de fala), concentrando-se nas estratégias usadas pelos locutores para negociar os usos das formas de tratamento elocutivas, alocutivas e delocutivas e os efeitos das mesmas na construção de imagens de si e dos outros.

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2.1 Considerações teóricas Antes de apresentarmos os inventários das formas de tratamento em português e em romeno, consideramos necessário um esclarecimento de índole teórica sobre a aceção da noção tratamento. Usado na linguística portuguesa (cf. tratamento) e espanhola (cf. tratamiento), este termo designa o alocutário e o locutor, bem como os terceiros (presentes ou ausentes) de uma interação verbal: “En portugais, le terme utilisé pour « adresse » est celui de « tratamento » (comme en espagnol « tratamiento »), ce qui a de l’importance pour l’optique adoptée, puisque si, en français (comme en anglais), c’est l’allocutaire qui est ciblé, en portugais, comme en espagnol, le terme a une extension plus grande et renvoie à la manière de désigner quelqu’un, l’allocutaire, certes, mais aussi le locuteur et le tiers absent – en tant qu’interlocuteur – de l’espace interlocutif, mais dont on parle. Ce « tratamento » ne se restreint pas aux pronoms de deuxième personne (tu / vous, en français), et aux termes d’adresse ayant, dans la plupart des cas, une fonction d’apostrophe ; le « tratamento » comprend aussi d’autres modes de désignation, relevant de différentes catégories grammaticales et ayant des extensions discursives variables” (Carreira 2009: 30, nosso negrito).

Assim sendo, tratamento é um conceito mais abrangente do que na linguística francesa se entende por adresse88 ou na línguística romena por adresare, uma vez que os significados de tratamento e fr. adresse / ro. adresare só se sobrepõem na designação do alocutário. A diferença terminológica entre tratamento e adresse / adresare advém dos critérios empregues para delimitar os inventários de termos. Se adresse89 / adresare se definem segundo critérios sintáticos – sendo o vocativo a marca definitória –, tratamento é, pela sua natureza, um conceito definido segundo critérios semânticos, circunscrevendo os meios linguísticos para referir o(s) outro(s) e, segundo Carreira (1997) para a designação de si, independentemente da função sintática que os termos possam ter. Portanto, tratamento seria o equivalente da totalidade dos seguintes termos usados na linguística romena: adresare, para alocução, e referire (Guţu Romalo 2005: 126-132), para elocução e delocução.

Relembramos também as definições de Kerbrat-Orecchioni (1992: 15): “Par termes d’adresse on entend l’ensemble des expressions dont dipose le locuteur pour désigner son (ou ses) allocutaire(s)”; (Kerbrat-Orecchioni: 2010): “un terme d’adresse, c’est-à-dire une forme linguistique désignant explicitement l’allocutaire (ou « destinataire direct »), en anglais addressed recipient ou addressee)”. 89 Ver também a análise de Alvarez-Pereyre (1977) para os francês, bem como outros estudos, que propõem os termos apostrophe nominale (Détrie 2006) ou interpellation, que constitui um número temático da revista Corela: http://corela.revues.org/716 (última consulta 01.05.2015), ou appellatifs, formes appellatives ou appellèmes. 88

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elocutivo

TRATAMENTO delocutivo

fr. adresse ro. adresare

fr. désignation ro. referire

designação de si

alocutivo

forma prototípica

designação do(s) terceiro(s) forma prototípica

designação do(s) alocutário(s) forma prototípica

1ª pessoa pt. eu / nós ro. eu / noi fr. je / nous

3ª pessoa pt. ele(s) / ela(s) ro. el /ei; ea / ele fr. il / ils; elle / elles

2ª pessoa pt. tu / você(s) / o(s) senhor(es) ro. tu/ voi; dumneata; dumneavoastră (sg. e pl.) fr. tu / vous; vous

Figura 12. Os significados dos conceitos tratamento em português, referire / adresare em romeno e désignation / adresse em francês.

As escolhas terminológicas são importantes na investigação contrastiva deste fenómeno linguístico, para evitar ambiguidades que têm origem em abordagens linguísticas diferentes: “A l’occasion de rencontres scientifiques sur les langues romanes, j’ai pu observer des malentendus, dans des échanges entre linguistes français d’une part et des linguistes portugais et espagnols d’autre part, sur la question de l’adresse. Ces malentendus se sont dénoués à partir du moment où l’on a pris conscience qu’il convenait de ne pas faire coïncider le français « adresse » et le portugais ou l’espagnol « tratamento »/« tratamiento ».” (Carreira 2009: 30, nosso negrito).

Depois deste esclarecimento teórico, apresentamos nas próximas secções os sistemas de tratamento (e de adresare e referire) em português e em romeno, destacando os recursos linguísticos de que dispõem ambas as línguas para exprimir a elocução, a alocução e a delocução.

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2.1.1 Tratamento, adresare, referire em português e romeno O português, sobretudo a variedade de Portugal, e o romeno evidenciam-se entre as línguas românicas pela riqueza dos inventários das FT – sobretudo as pronominais 90 e as verbais 91 , visto que as nominais têm inventários teoricamente ilimitados92 –, o que determina uma abundância de estudos que tentam analisar este fenómeno linguístico, de diferentes perspetivas (diacrónicas, socio-linguísticas, discursivas, etc.). Para uma classificação do inventário das FT, utilizamos o critério morfológico proposto pelo linguista português Lindley Cintra (19862), que diferencia o tratamento pronominal, o tratamento nominal e o tratamento verbal. Empregamos também um critério pragmático-discursivo, da autoria de Carreira (1997), que divide as FT em elocutivas, alocutivas e delocutivas, em função do papel dos participantes na interação verbal. Apesar de estes estudos serem dedicados à língua portuguesa, consideramos que as classificações propostas por Lindley Cintra e Maria Maria Helena Araújo podem ser adaptadas ao inventário das FT do romeno e que estas abordagens téoricas complementares permitem uma melhor comparação entre as duas línguas, tomando em consideração um eixo paradigmático e a riqueza dos funcionamentos discursivos. 2.1.1.1 Elocução Para expressar a elocução (designação de si), ambas as línguas dispõem de recursos pronominais e verbais. Em português, usa-se o binómio eu / nós e em romeno os pronomes eu / noi, podendo-se empregar na elocução a 1ª pessoa do singular e do plural (pt. Eu estou de acordo. / Estou de acordo. // Nós estamos de acordo. / Estamos de acordo.; ro. Eu sunt de acord. / Sunt de acord. // Noi suntem de acord. / Suntem de acord.). Em ambas as línguas, as formas do plural usam-se para expressar o chamado plural de modéstia ou majestático, em trabalhos académicos ou em discursos públicos. No português brasileiro – e na variedade europeia também, em contextos informais – usase o sintagma nominal a gente, que tende a ganhar mais espaço na linguagem coloquial (Castilho 2010: 477; Neves 2011: 469-470).

90 No caso do tratamento alocutivo, o romeno e o português apresentam inventários complexos, de quatro ou até cinco elementos, se tomamos em consideração as FT honoríficas (pt. tu, você, o senhor, Vossa Excelência; ro. tu, dumneata, dumneavoastră, domnia voastră, Excelenţa Voastră). 91 Ambas as línguas permitem a expressão do sujeito nulo, podendo as formas verbais usadas para se dirigir ao alocutário expressar graus variados de deferência; em português através da oposição entre a 2ª e a 3ª pessoa do singular (Queres / Quer um café?) e em romeno através da oposição entre a 2ª pessoa do singular e a 2ª pessoa do plural (Doreşti / Doriţi o cafea?). 92 Pensemos, por exemplo, na criatividade linguística que faz aparecer nomes e apelidos novos, nomes carinhosos, alcunhas, novas profissões e cargos etc. Em teoria, todos estes termos podem ser usados como formas de tratamento.

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O uso de formas nominais de tratamento é bastante incomum e restringe-se sobretudo às situações em que uma criança se designa empregando o seu nome: A Ana quer chocolate. em vez de (Eu) quero chocolate., respetivamente Ana vrea ciocolată. Em vez de (Eu) vreau ciocolată. Apesar de não possuir um inventário de termos muito variados, o tratamento elocutivo assume maior importância na construção da imagem de si, quer individual, quer coletiva. Sendo as interações também uma forma de apresentação do eu (Goffman 1973), o uso de uma determinada forma de tratamento pode indicar a preferência pela construção de um tipo de imagem pessoal. No caso dos estudos sobre o discurso parlamentar, foi salientado o papel do pronome nós na configuração da identidade política, Marques (2000) indicando seis valores que este pronome assume na construção do locutor coletivo: NÓS1 (exprime a identidade de partido, representando uma voz institucional), NÓS2 (refere os portugueses em geral), NÓS3 (refere o país na sua dimensão institucional), NÓS4 (incorpora o eu e o tu, o locutor e a audiência), NÓS5 (uso polémico, expressa a não adesão do locutor em relação aos discursos veiculados por adversários políticos) e NÓS6 (“de modéstia”). 2.1.1.2 Alocução Do ponto de vista morfológico, notamos em ambos os idiomas a existência de sistemas alocutivos pronominais complexos, (tu, você 93 , o senhor 94 ; tu, dumneata, dumneavoastră), uma abundância de formas de tratamento nominais e a possibilidade de estabelecer através de desinências verbais relações interlocutivas formais e informais (2ª sg. vs. 3ª sg. em português europeu; 2ª sg. vs. 2ª pl. em romeno). Mencionamos que na variedade brasileira do português, tu não é muito usado, sendo preferido o binómio você / o senhor nas varidades cultas. As estruturas ternárias de FT alocutivas pronominais do português europeu (tu, você, o senhor) e do romeno (tu, dumneata, dumneavoastră) constituem particularidades destas línguas no panorama românico, tendo os outros idiomas sistemas binários, em francês tu / vous, em espanhol tu / usted, em italiano tu / lei (no norte) ou tu / voi (no sul). Se no caso do português brasileiro poderíamos aplicar para as nossas análises o conhecido sistema de pronomes T / V proposto por Brown & Gilman (1960), esta abordagem seria insuficiente para o português europeu95 e para o romeno. 93 O pronome você resulta de uma criação interna através de um processo de gramaticalização (vossa mercê > você). Em português brasileiro, este processo de evolução continua, na língua falada, com as formas você > ocê > cê (Castilho 2010: 477). 94 Johnen (2015) fala de limites imprecisos (limites floues) entre as formas nominais e pronominais, referindo, entre outros, o caso de o senhor, forma nominal que integrou o sistema pronominal de tratamento do português brasileiro. No entanto, no caso do português europeu, o senhor é considerado forma nominal de tratamento. 95 Cook (2010/1997) propõe a estrutura T / N / V para descrever as FT pronominais alocutivas do português europeu, introduzindo o conceito de neutralidade para descrever o funcionamento do pronome você.

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A estes sistemas pronominais alocutivos junta-se uma série de locuções pronominais com origem nominal, Vossa Excelência96, Vossa Senhoria, Excelenţa Voastră, que quase não se encontram nas interações quotidianas97, mas que são presentes em determinados contextos institucionais, como o protocolo parlamentar, diplomático, etc. Aliás, segundo Vasilescu (2011, 23), em romeno pode-se falar de um politeness continuum de quatro termos tanto no caso das formas alocutivas – tu, dumneata (mata), dumneavoastră, domnia voastră, a locução domnia voastră 98 sendo preferida no discurso público ou académico. Poderíamos assim falar no caso do romeno de um sistema alocutivo pronominal de cinco termos – tu, dumneata(mata), dumneavoastră, domnia voastră, Excelenţa Voastră99 – que abrangem uma gama muito variada de contextos, da intimidade à mais elevada cerimónia. Na Tabela 3. fazemos uma apresentação comparativa das FT pronominais alocutivas em nominativo, sem incluir, por falta de espaço, as formas acusativas e dativas. Salientamos que no caso do português brasileiro, os clíticos do pronome você tornam-se um assunto problemático, porque na língua falada aparecem diferenças em relação à norma padrão. Por exemplo, te é empregue como clítico de você 100 – lembramos a famosa canção de Caetano Veloso, Você não me ensinou a te esquecer –, o uso do clítico de dativo lhe em vez dos acusativos o, -lo, a, -la, frases como Preciso lhe ver101 podem, com efeito, ser ouvidas no dia-a-dia.

Salientamos que Vossa Excelência foi uma FT muito comum em Portugal na primeira metade do séc. XX – veja-se Bastos (1931), que afirma “O tratamento de mais cerimónia, hoje empregado, é Vossa Excelência” e denuncia as deturpações, como Vosselência ou Vossência feitas pelo “povo” –, mas caiu em desuso nas últimas décadas. 97 Veja-se, a título de exemplo, as análises de Cintra (19862) e de Gouveia (2008) sobre a evolução desta FT em português europeu. 98 A evolução das FT de dumneata, dumnavoastră e domnia voastră e os seus usos na linguagem corrente revelam uma situação interessante no sistema atual de expressão da deferência em romeno. Os pronomes partiham origens similares, os sintagmas nominais domnia ta e domnia voastră, usadas nos tratamentos do domn (nome dado aos que reinavam nos antigos principados da Moldova e da Valáquia). Como a evolução do sintagma nominal para a forma pronominal determinou também, por causa da frequência dos usos, uma perda do grau de deferência inicial, no romeno contemporâneo os falantes sentiram a necessidade de voltar a empregar domnia voastră em contextos formais, oficiais, instucionais ou académicos. 99 Veja-se Vasileanu (2009: 195-204) para uma apresentação da evolução destas FT em romeno. 100 Veja-se Neves (2011: 458-459) para mais exemplos. 101 Veja-se Neves (2011: 454) para outros exemplos. 96

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Português europeu Português brasileiro Romeno

Formas de tratamento pronominais alocutivas você o senhor102 Vossa Excelência a senhora o senhor Vossa Excelência você a senhora tu dumneata dumneavoastră domnia voastră103 Excelenţa (mata) Voastră tu

Tabela 3. Formas de tratamento pronominais alocutivas em português e romeno (singular).

Através das FT pronominais alocutivas, os falantes de português e de romeno podem expressar uma gama abrangente de relações interlocutivas, definidas segundo os eixos de FAMILIARIDADE / DISTANCIAMENTO 104 (membros de uma família, amigos, etc. / desconhecidos na rua, relação com clientes, etc.) ou de HIERARQUIA SOCIAL / IGUALDADE SOCIAL (em função de idade, sexo, profissão, instituições sociais como a igreja, justiça, etc. / entre pares da mesma profissão, pessoas com a mesma idade, etc.). Os dois eixos expressam uma grande variedade de relações interpessoais que funcionam no eixo horizontal (relações simétricas, entre pares, que podem ser íntimos, próximos ou distantes) ou no eixo vertical (relações assimétricas, expressando a dimensão do poder). Se tu é em português europeu e em romeno o pronome usado na intimidade e nas relações interlocutivas com menos distância social 105 , se o senhor / a senhora e dumneavoastră expressam um grau elevado de cortesia nas interações quotidianas, se as locuções pronominais Vossa Excelência, domnia voastră e Excelenţa Voastră são empregues em contextos institucionais e protocolares, as utilizações das FT você e dumneata106 tornam-se mais problemáticas. Em primeiro lugar, é importante destacar os usos divergentes de você nas variedades europeia e brasileira do português. Em Portugal este pronome emprega-se em interações entre pares que não implicam intimidade (por exemplo, colegas de trabalho) ou no caso de relações assimétricas de poder, sendo preferido pelo superior para se dirigir ao interior, ao passo que no Brasil você tem um uso mais alargado no registo oral, quase generalizado em todas as classes sociais, podendo ser encontrado 102 O senhor aparece nesta classificação enquanfo forma de tratamento pronominalizada, na aceção de Cintra (19862) e não enquanto pronome propriamente dito. 103 Apesar de o DOOM (Dicţionarul Ortografic, Ortoepic şi Morfologic al Limbii Române) sugerir a grafia com maiúsculas (como no caso de Excelenţa Voastră), nos textos contemporâneos escrevem-se com minúsculas, o que demonstra trambém o seu uso comum (Vasileanu 2009: 202). 104 Carreira (1997) propõe uma classificação das FT do português europeu em função dos eixos ± FAMILIARIDADE / ± DISTANCIAMENTO. 105 Vasilescu (2005; 2011) considera que em romeno tu expressa o “grau zero de cortesia”. 106 Veja-se também Ionescu Ruxăndoiu (1999: 90-94) sobre os usos de dumneata e dumneavoastră na linguagem popular.

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em contextos variados, formais ou informais, em relações sociais que implicam diferentes graus de distanciamento ou aproximação. Por exemplo, Poulet (2008: 276) cita Jô Soares, um apresentador da Rede Globo, afirmando que prefere usar o pronome você nos seus programas porque o senhor se relaciona não com o grau de respeito ou cortesia, mas com a classe social do interlocutor. Desta forma, para evitar a expressão de diferenças de classes sociais, o apresentador optou por usar um você igualitário com todos os seus convidados107. Em segundo lugar, podemos afirmar que o pronome você de Portugal e o pronome romeno dumneata apresentam algumas semelhanças no que diz respeito aos seus empregos. Ao contrário do Brasil, seria inadequado usar você com interlocutores com os quais se tem uma relação formal ou institucional, pois expressa um grau de cortesia intermédio. Existem diferenças diatópicas importantes no emprego de você108 e dumneata, considerados ora corteses ora ofensivos em diversas regiões de Portugal e da Roménia. No que diz respeito aos usos por falantes jovens, notamos o (quase) desaparecimento de dumneata em meios citadinos romenos e um certo aumento do uso de você por jovens portugueses, provavelmente influenciados pelos programas brasileiros de televisão que passam em Portugal. Em terceiro lugar, é preciso fazer a distinção entre você e vocês. Embora do ponto de vista morfológico vocês seja o plural de você, os valores semântico-pragmáticos dos dois pronomes são diferentes, visto que a forma plural tem um valor informal, neutro, funcionando de facto como plural de tu. A forma do plural vós é produtiva em algumas zonas rurais de Portugal e no discurso religioso, mas não faz parte da variante padrão da língua. Como se pode observar na Tabela nº 4, os inventários das FT pronominais alocutivas no plural são mais restringidos, porque dumneata não tem correspondente e vocês funciona como plural de tu e de você. Por último, mencionamos que as equivalências formais entre as FT pronominais alocutivas do português e do romeno – por exemplo, tu com formas idênticas, ou vós e voi com a mesma origem – não implicam necessariamente equivalências pragmático-discursivas. Nos últimos anos nota-se em romeno um uso cada vez mais comum do tratamento por tu no discurso mediático, ao passo que em Portugal, na nossa opinião, este fenómeno seria mais restrito. 107 Para uma análise complexa do uso de você e o senhor em português brasileiro veja-se também da Silva (2008). 108 Para a análise dos usos de você no português de Portugal, destaca-se o trabalho de Hammermüler (2011: 55-63) em que o autor identifica seis valores deste pronome na linguagem contemporânea: VOCÊresp = você de respeito, VOCÊcond = você de condescendência, VOCÊdist = você de distanciamento, VOCÊigual = você entre iguais, VOCÊdesamb = você de desambiguição, VOCÊmeta = você metadiscursivo. Confrontado com esta miríade de leituras possíveis, os falantes chegam a evitar as FT mais problemáticas, preferindo o tratamento verbal, enquanto estratégia de evitação de possíveis mal-entendidos (Hammermüler 2003). Johnen (2015) considera que só o você de condescendência e o você de igualdade são usados presentemente no Brasil.

203

Português europeu Português brasileiro Romeno

Formas de tratamento pronominais alocutivas vocês Vossas Excelências (vós) Vossas Excelências vocês voi dumneavoastră domniile voastre Excelenţele Voastre

Tabela nº 4. Formas de tratamento pronominais alocutivas em português e romeno (plural).

O ponto comum do português europeu e do romeno seria a tendência recente que simplicação do tratamento, observando-se uma preferência dos falantes jovens pelos tratamentos pronominais mais informais. Gouveia (2008: 97) afirma que “estamos presentemente a sofrer as transformações da passagem de um sistema de face e solidariedade de base hierárquica e deferencial para um sistema de base igualitária e de envolvimento”, ao passo que Slama-Cazacu (2010: 297-305) lamenta o desaparecimento de dumneata do romeno atual e as confusões criadas pelo uso do sistema binário tu / dumneavoastră. Na análise das FT pronominais é importante fazer a distinção entre os contextos em que estes meios linguísticos designam o alocutário e os usos ditos “genéricos”, em que os respetivos pronomes indicam uma categoria de pessoas, indefinidas; é o caso do tu genérico do romeno (Zafiu 2003: 233-256), do você genérico do português brasileiro (Neves 2011: 463). No que diz respeito ao tratamento verbal alocutivo, em português brasileiro usa-se no singular só a terceira pessoa independentemente do grau de cortesia, (Fala português?) ao passo que em português europeu a oposição entre a segunda e a terceira pessoa do singular marca a distinção entre contextos informais e formais (Falas / Fala português?). No plural usa-se a terceira pessoa em ambas as variantes do português para referir o alocutário em contextos formais e informais, Falam português? ou Falais português em certas zonas do país. No entanto, devemos tomar em consideração que o sujeito nulo é muito menos frequente na variedade brasileira do português do que em Portugal e que, portanto, seria mais comum ouvir Você fala português? e Vocês falam português? em vez de Fala português? ou Falam português?. Em romeno utiliza-se a segunda pessoa do singular para os contextos informais (Vorbeşti portugheză?) e a segunda pessoa do plural para referir um único alocutário em situações formais (Vorbiţi portugheză?). No plural o tratamento verbal usado é a segunda pessoa para ambos os contextos, sem distinção entre os vários graus de cortesia, Vorbiţi portugheză? podendo significar Voi vorbiţi portugheză? ou Dumneavoastră vorbiţi portugheză?.

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Tratamento verbal alocutivo singular Português europeu

plural

informal

2ª pessoa

formal

3ª pessoa

3ª pessoa 3ª pessoa

Português brasileiro

informal formal

3ª pessoa

Romeno

informal

2ª pessoa

formal

2ª pessoa

2ª pessoa

Tabela nº 5. Tratamento verbal alocutivo em português e romeno (singular e plural).

O tratamento nominal alocutivo apresenta em português e em romeno uma grande variedade de FT, em função de vários fatores que definem a situação comunicacional e o funcionamento das relações sociais: idade, posição social, profissão e cargo, sexo, tipo de relação entre o locutor e o alocutário, etc. Kerbrat-Orecchioni (1992: 21-22) propõe nove categorias de noms d’adresse ou apelativos que podem ser usados em vocativo (no nosso quadro teórico seriam formas de tratamento nominais alocutivas): i) os antropónimos; ii) os nomes de parentesco; iii) os apelativos de tipo monsieur / madame; iv) os títulos (de nobreza ou de outro tipo); v) nomes abstratos, como Votre Excellence, Votre Grâce, Votre Honneur 109 ; vi) nomes de profissões; vii) nomes que expressam uma relação interpessoal, como camarade, collègue, voisin; viii) nomes carinhosos, como mon chou, chéri, loulou e ix) expressões injuriosas, como espèce de…. Em Kerbrat-Orecchioni (2010a: 20-21), faz-se uma classificação mais concentrada, com as categorias seguintes: i) os nomes pessoais; ii) as formas monsieur / madame / mademoiselle; iii) os títulos: herdados, como os de nobreza, ou conferidos, como capitaine, chef, patron, com valor honoríficos. Incluem-se aqui os noms abstraits, como Votre Excellence, Votre Honneur; iv) os nomes de profissões e de funções / cargos; v) os termos relacionais, que expressam uma relação afetiva (ami), profissional (collègue) e de parentesco (maman); vi) os labels (ou os rótulos), que fazem uma catalogação do(s) alocutário(s), como [salut] mec /mon gars / jeune homme... ou vous là-bas avec le sac en plastique; vii) os termos afetivos, com valor negativo (os termos injuriosos) ou positivo (os nomes carinhosos). Nas nossas análises tomaremos em consideração a segunda classificação, usando, no entanto, as sete categorias para a descrição das formas de tratamento alocutivas e delocutivas, ou, segundo a terminologia preferida na linguística romena, forme de adresare şi de referire, pois consideramos que os critérios semânticos de KerbratOrecchioni (2010a: 20-21) aplicam-se muito bem ao conceito de tratamento, pois os No caso dos equivalentes em português e em romeno, consideramos que se trata de locuções pronominais, porque têm uma função deítica, típica dos pronomes.

109

205

meios linguísticos acima apresentados são usados por locutores tanto para designar alocutários, como para designar terceiros. Tanto o romeno, como o português apresentam algumas particularidades no que diz respeito ao inventário de FT nominais. No caso dos nomes de pessoas, em romeno é ainda comum designar alguém com o apelido antes do nome, por exemplo Popescu Cristian, em vez de Cristian Popescu. Para as personalidades públicas usa-se o nome antes do apelido – o antigo presidente é Traian Băsescu –, sendo a inversão Băsescu Traian uma estratégia de ironia, por fazer lembrar a burocracia quotidiana ou escolar, em que os cidadãos e os alunos romenoa são chamados com a fórmula apelido + nome110. Quanto à segunda categoria, os equivalentes das formas monsieur / madame / mademoiselle, as diferenças entre as duas línguas são maiores, sobretudo no que diz respeito ao tratamento das mulheres. Em primeiro lugar, se em português não se usa o apelido para o tratamento de uma mulher – Senhora Vieira seria uma opção que causaria estranheza –, em romeno doamna Popescu é uma estrutura formal muito usual nas interações quotidianas. Em segundo lugar, em português há três possíveis equivalentes para madame: senhora, dona, senhora dona – mencionados em ordem ascendente do grau de formalismo exprimido –, ao passo que em romeno se usa a forma doamna. No entanto, é possível expressar em romeno os três graus de deferência, através da combinação do nome e do apelido, como se pode observar na Tabela nº 6. Mencionamos também que em romeno estas formas usam-se no caso vocativo em situação de alocução, domnule, doamnă. Aliás, no tratamento mais informal para mulheres, em que se usa só o nome, a diferença entre a forma nominal detachée e o vocativo flexionado – Maria, vrei să vii la mine? / Marie, vrei să fii la mine? – relaciona-se com diferença de registo de língua, sendo a segunda mais coloquial. No tratamento para homens, as estratégias usadas em ambas as línguas são semelhantes, usando-se os nomes e os apelidos precedidos pela forma senhor e, respetivamente domn (domnule em vocativo). Por último, em português estas FT nominais usam-se com o verbo na 3ª pessoa do singular, ao passo que em romeno se empregam com a 2ª pessoa do plural. No que diz respeito aos títulos, mencionamos que em romeno não existe um tratamento especial para os licenciados, ao passo que em português se usam doutor e doutora. Em meios universitários, é possível combinar o título doutor / doctor com o nome da profissão professor / profesor, no caso dos professores catedráticos. Usam-se juntos senhor / domn e os cargos, sendo o senhor deputado / domnul deputat, o senhor ministro / domnul ministru formas prototípicas nos debates parlamentares.

Em algumas zonas do país, esta maneira de designar as pessoas está relacionada com influências de outros povos, porque esta é a ordem preferida por húngaros, turcos. Veja-se também Gruiţă (2011: 79-84) para uma análise mais complexa. 110

206

Português europeu

a senhora Maria

Romeno

doamnă111 Maria

Tratamento para mulheres a dona Maria a senhora dona Maria doamnă Popescu

doamnă Maria Popescu

a senhora doutora Maria (Vieira) -

a senhora ministra Maria Vieira doamnă ministru Maria Popescu

Tabela nº 6. Tratamento alocutivo nominal para mulheres.

Português europeu Romeno

o senhor Nuno

domnule112 Cristian

Tratamento para homens o senhor Pires o senhor Nuno Pires domnule Popescu

domnule Cristian Popescu

o senhor doutor Pires -

o senhor ministro Nuno Pires domnule ministru Cristian Popescu

Tabela nº 7. Tratamento alocutivo nominal para homens.

No caso do português brasileiro, o tratamento alocutivo nominal apresenta algumas particularidades113, sendo a mais saliente o uso dos nomes e dos títulos em vocativo. Por exemplo, quando se trata uma pessoa por você ou por a senhora, o nome antecede o pronome, em vocativo, de maneira seguinte: “Ana Maria, você deve estar ao corrente...”. No caso do tratamento mais formal, empregam-se estruturas como: “Senhor Antônio / Senhor Matos, o senhor deve...”. Os títulos e os cargos são usados também em vocativo: “Doutor, o senhor pode dizer-me se meu caso é grave?”, “Deputado, o senhor pretende candidatar-se novamente?”. Lembramos também a forma seu que é prevalente na linguagem coloquial, em contextos mais familiares: “Seu Matos / Seu Antônio, o senhor deve...”. Em romeno existe também uma categoria de apelativos usados em registos baixos da língua, que indiciam o locutor como membro de uma classe social com Incluímos nas tabelas as formas vocativas doamnă e domnule, usadas em contextos alocutivos, sendo doamna e domnul empregues em delocução. 112 Domn / doamnă foram recentemente recuperados em romeno, depois da queda do regime comunista em 1989; anteriormente, a FT nominal mais comum, oficializada era tovarăş / tovarăşă (camarada). 113 Retomamos aqui as observações de Carreira & Boudoy (2013: 297). 111

207

educação precária e que sugerem também um atitude não-cooperante em relação ao alocutário, interjecţiile de adresare (as interjeções de tratamento): bă, fă, mă. São diferentes de băi, măi, que já integraram a fala de locutores educados. No discurso parlamentar, as FT nominais mais comuns são os nomes, os títulos, o cargos e as profissões, mas como veremos, no calor dos debates a esta lista podem-se juntar nomes injuriosos ou designações irónicas criadas ad hoc. Em relação às FT e as suas funções na dinâmica interacional, salientámos em Manole (2014) o seu papel na gestão dos turnos de fala, sendo, sobretudo as formas nominais, um dos meios mais usados por moderadores para conceder ou retirar a palavra aos intervenientes em debates parlamentares. 2.1.1.3 Delocução Do ponto de vista morfológico, as FT delocutivas – que designam o(s) terceiro(s) – podem ser pronominais, nominais e verbais. No caso das últimas, a única realização possível é através da 3ª pessoa do singular (para designar um terceiro) e do plural (para designar dois ou mais terceiros), não havendo a possibilidade de marcar graus e deferência exclusivamente com desinências verbais. As FT delocutivas nominais constituem um recurso muito variado em ambas as línguas, respondendo às necessidades dos locutores de expressar diferentes graus de deferência e de corrtesia. Em romeno as FT delocutivas nominais usam-se com a 3ª pessoa dos verbos, havendo uma clara diferença em relação às FT alocutivas nominais, que se conjugam com verbos na 2ª pessoa: Domnule, mai doriţi cafea? / Domnul mai doreşte cafea?. No entanto, escolhemos estas frases para ilustrar também uma situação menos frequente em romeno, ou seja o uso da 3ª pessoa para o tratamento alocutivo, uma vez que o segundo exemplo, Domnul mai doreşte cafea? pode ter duas interpretações: delocutiva, mas também alocutiva, sendo usada com alguma frequência por empregados de mesa ou por empregados domésticos 114 . Ao contrário do português, o emprego do verbo na 3ª pessoa do singular sem sujeito não pode ter interpretação alocutiva: Quer mais café?, terá, em função do contexto, leitura delocutiva ou alocutiva, ao passo que Mai doreşte cafea? pode ser interpretado como enunciado delocutivo. A particularidade do romeno entre as línguas românicas é a riqueza do inventário pronominal de FT delocutivas, que permite a expressão de cinco graus de deferência. Trata-se do pronome pessoal el, dos pronomes de cortesia dânsul e dumnealui e das locuções pronominais domnia sa e Excelenţa Sa (a derradeira com valor honorífico). Mencionamos que o pronome dânsul pode funcionar, em algumas regiões do país, como pronome pessoal – substituindo nomes comuns – e por esta razão não há consenso em trabalhos romenos de linguística sobre o seu valor de deferência. Em Veja-se também o fenómeno do francês, chamado iloiement, que expressa familiaridade em contextos como Comment va mon cher voisin ? ou formalidade e deferência em Madame est servie (Kerbrat-Orecchioni 2010: 13). 114

208

Gruiţă (2011: 61-84) mostra-se que dânsul tem valor de cortesia, sendo integrado no sistema ternário el - dânsul/dumnealui - domnia sa (portanto, dânsul e dumenalui seriam situados no mesmo plano), segundo outros autores, como Pană Dindelegan (2010: 108-111) expressaria um grau reduzido de cortesia, ou um grau zero de cortesia (Vasilescu 2005: 212-218), mas ainda há trabalhos em que é considerado pronome pessoal (Irimia 2008: 109). Partindo da noção de politeness continuum para as FT alocutivas pronominais de Vasilescu (2011), fizemos uma classificação semelhante para as FT pronominais delocutivas do romeno, que exprimem, na nossa opinião, cinco graus de deferência (com o honorífico Excelenţa ta).

Alocutivas Delocutivas

Formas de tratamento pronominais em romeno tu dumneata dumneavoastră domnia Excelenţa Voastră (mata) voastră el dânsul115 dumnealui domnia sa Excelenţa Sa ea dânsa dumneaei

Tabela nº 8. Tratamento pronominal alocutivo e delocutivo em romeno (singular).

Alocutivas Delocutivas

Formas de tratamento pronominais em romeno voi — dumneavoastr domniile voastre Excelenţele ă Voastre ei dânşii dumnealor domniile lor Excelenţele Lor116 ele dânsele

Tabela nº 9. Tratamento pronominal alocutivo e delocutivo em romeno (plural).

No que diz respeito ao tratamento nominal delocutivo, as formas mais usadas são as que constam nas tabelas seguintes.

115 Existe também o pronome dumneasa, que quase desapareceu da linguagem corrente, a não ser nos casos genitivo e dativo dumisale (Zafiu 2002a). Em Zafiu (2002b) fala-se de uma especialização de dumneasa e dumnealui para os contextos irónicos e depreciativos, ao passo que a forma reconstruída domnia sa expressaria a deferência, concluindo a autora que uma pessoa pode ser designada usando os seguintes meios linguísticos, el - dânsul - dumnealui - dumneasa domnia lui - domnia sa - Domnia Sa, numa gradação ascendente do respeito e da solenidade (de sete graus!), mas com “parênteses irónicos” (sobretudo no caso de dumneasa e dumnealui). 116 No corpus de debates parlamentares não há ocorrências desta locução e os exemplos que encontrámos na internet revelam sobretudo usos irónicos.

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Português europeu

a senhora Maria

Romeno

doamna Maria

Tratamento para mulheres a dona Maria a senhora dona Maria doamna Popescu

doamna Maria Popescu

a senhora doutora Maria (Vieira) -

a senhora ministra Maria Vieira doamna ministru Maria Popescu

Tabela nº 10. Tratamento alocutivo nominal para mulheres.

Português europeu Romeno

o senhor Nuno domnul Cristian

Tratamento para homens o senhor Pires o senhor Nuno Pires domnul Popescu

domnul Cristian Popescu

o senhor doutor Pires -

o senhor ministro dr. Nuno Pires domnul ministru Cristian Popescu

Tabela nº 11. Tratamento alocutivo nominal para homens.

2.1.2 Questões problemáticas Se do ponto de vista teórico os inventários de FT podem ser classificados, segundo a estrutura ternária, em elocutivas, alocutivas e delocutivas, na análise de exemplos autênticos, os limites entre alocução e delocução tornam-se, por vezes, bastante fluidos. Por outro lado, distinguir entre alocutário e destinatário não é uma tarefa muito fácil em interações com audiências múltiplas 117 , o que constitui um desafio para a análise da dinâmica interacional. Assim, neste subcapítulo tentaremos apresentar a problemática da double adresse (alocução dupla), bem como outras situações que ocorrem em debates públicos, como a adresse indirecte (alocução indireta) ou a delocução in praesentia.

117

Veja-se a Figura 5 da secção Os atores do discuso parlamentar.

210

2.1.2.1 Alocução dupla e destinatário in absentia O debate parlamentar é, por excelência, um discurso público, em que o locutor toma em consideração diferentes alocutários e destinatários118, que constituem o que Kerbrat-Orecchioni (2002a) chama receptor múltiplo. Como já pudemos observar na primeira parte deste volume (ver supra 1.1.2.3.2 Os atores do discurso parlamentar), os discursos veiculados a partir da tribuna chegam a uma audiência abrangente, multiestratificada. Destacamos aqui três exemplos que ilustrativos para a consciencialização que os locutores têm em relação à multiplicidade das instâncias receptoras. O primeiro exemplo é selecionado do corpus brasileiro, em que o locutor menciona na abertura da sua intervenção quase a totalidade de receptores possíveis do seu discurso, o presidente da audiência pública, o ministro convidado para comparecer perante a comissão, os colegas deputados (sem discriminar entre os do poder e os da oposição), os jornalistas e o público (“amigos que nos assistem”), que pode ver o debate no canal da Câmara dos Deputados: (129) O SR. DEPUTADO FERNANDO FRANCISCHINI – Deputado Nilson Leitão, nosso Presidente da Comissão de Fiscalização, Ministro Carlos Lupi, nobres colegas, imprensa e amigos que nos assistem, Ministro, em 10 meses já passaram por aqui sete ou oito Ministros. Não é uma coisa que nos traz alguma felicidade passar todo o tempo fiscalizando, verificando contas. Tínhamos que estar aqui fazendo projetos que melhorassem a vida do nosso País. Portanto, isso não é uma coisa que nos traga felicidade, mas é missão da Comissão de Fiscalização acompanhar. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011, nosso negrito)

O segundo exemplo, identificado no corpus romeno, mostra que o locutor, apesar de se dirigir aos que estão presentes na sala, pretende ter como destinários do debate “todos os romenos”, que, ao assistirem aos trabalhos, terão informações sobre as más políticas públicas do governo. Como veremos no próximo capítulo (ver infra 3.2. A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo), os parlamentares identificam-se nas suas intervenções com a vox populi, uma vez que são representantes dos seus eleitores e usam nos seus discursos a legitimidade popular para defender as posições políticas e dar mais peso às perguntas feitas ao governo.

118 Eis uma síntese muito boa da double adresse no caso dos debates parlamentares: “Tout discours à visée persuasive implique une interaction entre un orateur et un auditoire. Dans le cas du discours prononcé à la Chambre, l’auditoire est toujours double. En effet, le discours addressé aux députés est également destiné au grand public qui le reçoit par le truchement de la presse” (Haddad 2002: 65).

211

(130) Domnul Adrian Henorel Niţu: – Domnule preşedinte de sedinţă, Domnule viceprim-ministru Florin Georgescu, Dragi colegi, [...] Vrem ca toţi românii să afle de ce vor avea greutaţi în această iarnă. Românii trebuie să afle că deciziile greşite, lipsa de iniţiativa şi minciunile Guvernului USL sunt cauza situaţiei proaste în care se află astazi România. (Reunião da Câmara dos Deputados de 23 de outubro de 2012, nosso negrito) [O senhor Adrian Henorel Niţu: – Senhor presidente da reunião, Senhor Vice Primeiro Ministro Florin Georgescu, caros colegas [...] Queremos que todos os romenos saibam porque terão dificuldades este inverno. Os romenos têm de saber que as más decisões, a falta de iniciativa e as mentiras do Governo USL são a causa da má situação em que se encontra hoje a Roménia].

No exemplo (131) observamos um fenómeno semelhante, o locutor indica “os portugueses” como destinatários da resposta pretendida do alocutário. (131) O Sr. José Luís Ferreira (Os Verdes): – Sr. Ministro, diga-nos qual é o contributo do aumento do horário semanal de trabalho para o combate ao défice? O que é que isto representa para a redução da dívida externa? É porque, Sr. Ministro, se não for claro na resposta, fica claro para os portugueses que o défice é apenas um pretexto para fazer mais um jeito aos patrões. Mais um! (Reunião plenária de 26 de outubro de 2011, nosso negrito)

Do ponto de vista da estrutura interacional, a dinâmica dialogal dos debates parlamentares tem, portanto, uma estrutura pelo menos tripartida, na medida em que os participantes – presentes e / ou ausentes – são mais numerosos do que os do binómio locutor-alocutário119. Mesmo nas interações diretas, podemos falar de dois planos de construção discursiva: i) o plano imediato, de interação face a face entre o locutor e o alocutário e ii) o plano simbólico, que advém da dimensão pública dos dois intervenientes, em que entram em jogo uma miríade de destinatários diretos e indiretos. Em plano simbólico, os discursos adressés a um alocutário são, por vezes, destinés a um destinatário diferente, que pode ser concreto – os participantes nos debates, presentes na sala, por exemplo membros do parlamento ou do governo, jornalistas, visitantes – ou simbólico, o “povo”. Usando a terminologia proposta por Goffman (1981, apud Kerbrat-Orecchioni 1990: 86), poderíamos caraterizar “o povo” como um destinatário ratificado (que integra o plano simbólico da interação do hemiciclo), coletivo e indeteminado (não há referências claras a pessoas concretas), indireto, passivo (na medida em que não se espera dele uma reposta imediata), ausente in loco, mas que constitui uma forte presença simbólica in absentia.

Relembramos também Détrie (2010: 145) que falava de uma “relação triangular” que se estabelece durante os de debates de tipo Questions orale au Gouvernement da Assémblée Nationale entre o questionador, o questionado e o presidente da reunião.

119

212

2.1.2.2 Delocução in praesentia Outro mecanismo linguístico da problemática do tratamento nos debates parlamentares é a delocução in praesentia, um tropo comunicacional usado por locutores quando referem un alocutário presente como se estivesse ausente, excluindo-o do quadro interacional. Détrie (2010: 143-168) e Cabasino (2010: 169200) analisam este fenómeno em corpora de debates da Assemblée Nationale de França, havendo estudos sobre o seu funcionamento em outros tipos de discursos públicos, como os debates eleitorais (Constantin de Chaney 2010: 249-294), as entrevistas na rádio (Giaufret 2010: 201-224). Détrie (2010: 152) observa uma hesitação entre o discurso adressé e non adressé (ou entre alocução e delocução) em debates parlamentares de França, considerando a passagem da delocução à alocução como uma estratégia de cooperação usada pelo locutor. Num corpus francês de entrevistas da rádio, Giaufret (2010: 205-206) identifica três gradações do funcionamento (in)direto das formas nominais alocutivas do ponto de vista do funcionamento: formas alocutivas diretas, em vocativo (ex. Bonsoir, X), formas híbridas (ex. Bonsoir aux télespectateurs d’itélé et aux auditeurs de France Inter) e formas indiretas, de delocução para com o alocutário (ex. Quelle est la réponse de Claude Allegre). As formas híbridas seriam indiretas do ponto de vista sintático e diretas do ponto de vista pragmático. No corpus romeno, encontrámos exemplos de formas alocutivas diretas (132) e híbridas (133). (132) Domnul Horia Cristian: – Reformele sunt ca medicamentele, domnule ministru. Medicamentele nu sunt tari şi slabe, sunt doar potrivite şi nepotrivite. Aşa şi reformele. Reformele nu sunt radicale sau dureroase. Reformele sunt potrivite sau nepotrivite. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [Domnul Horia Cristian: – As reformas são como os medicamentos, senhor ministro. Os medicamentos não são bons e maus, são apenas adequados e inadequados. É o mesmo no caso das reformas. As reformas não são radicais e dolorosas. As reformas são adequadas ou inadequadas.] (133) Domnul Mircea-Dan Geoană: – Bună ziua, tuturor! Rog să încercăm să asigurăm afluirea colegilor către sala de plen. Salutăm şi membrii şi membrele Guvernului, senatori, de altfel. Bună ziua, stimate colege şi stimaţi colegi! (Reunião do Senado de 3 de outubro de 2011) [Domnul Mircea-Dan Geoană: – Bom dia a todos! É favor tentarmos assegurar a entrada dos colegas na sala do plenário. Cumprimentamos também os membros do Governo, senadores, aliás. Bom dia, estimadas colegas e estimados colegas!]

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Nos corpora português e brasileiro, encontramos exemplos em que os locutores usam alocução e delocução na interação com o alocutário, como em (134) e (135). Antes de analisar os dois exemplos destacados, queríamos salientar que em português, ao contrário do romeno e do francês, a distinção entre alocução e delocução nem sempre é evidente; como as formas de tratamento formal se empregam com verbos na 3ª pessoa, é necessário conhecer muito bem o contexto para distinguir usos alocutivos e delocutivos120. Em (134) observamos um jogo de utilizações alocutivas e delocutivas in praesentia empregues pelo locutor para dar resposta a um pedido de esclarecimentos: começa com um delocutivo: “Gostaria de começar por esclarecer a Sr.ª Deputada Assunção Cristas”, continua com um alocutivo (forma nominal em vocativo): “Sr.ª Deputada, [...] procurei esclarecer isto” e acaba com um alocutivo (forma nominal com verbo na 3ª pessoa do singular): “a Sr.ª Deputada não está a entender”. Neste contexto, o uso delocutivo corrobora-se com uma sequência meta-discursiva, em que o locutor apresenta o que vai dizer na sua resposta. (134) O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Gostaria de começar por esclarecer a Sr.ª Deputada Assunção Cristas, mais uma vez, sobre a questão de 2011. Sr.ª Deputada, eu, hoje de manhã, mais do que uma vez, em duas comissões — a Comissão de Assuntos Europeus e a Comissão de Orçamento e Finanças — procurei esclarecer isto. E um de nós está a falhar: ou eu não estou a ser suficientemente claro ou a Sr.ª Deputada não está a entender… (Reunião plenária de 16 de março de 2011)

Em (135) observamos também que o locutor emprega formas alocutivas e delocutivas na interação com o seu interlocutor; começa as saudações com uma delocução in praesentia: “Gostaria de dar as boas-vindas ao Sr. Ministro Jorge Hage”, continua com elogios ainda no espaço da delocução: “Quero falar ao Ministro do nosso respeito e admiração a S.Exa” e passa à alocução quando conta uma experiência pessoal com a Polícia Federal: “Cumprimentando-o, quero relatar o prazer, Sr. Ministro, de ter participado...”. Neste caso, na nossa opinião, as formas delocutivas prendem-se com o ritual de saudação, pois é só nesta etapa que o locutor recorre à referência indireta; a partir do momento em que usa a primeira forma alocutiva, o locutor entra no assunto e passará à referência direta, através das forma apelativas, em vocativo. Aliás, o uso dos honoríficos S.Exa. (delocutivo) e V.Exa. (alocutivo) desambiguam as leituras das formas nominais. Do ponto de vista da dinâmica interlocutiva, a passagem da delocução à alocução pode ser interpretada como uma estratégia de aproximação do locutor. Veja-se também Maillard (1994: 58), que refere o mesmo fenómeno: “en portugais, le prédicat est DELOCUTIF et seule une connaissance des données pragmatiques de la situation permet d'établir si le locuteur fait du verbe un usage ALLOCUTOIRE ou DELOCUTOIRE”. 120

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(135) O SR. DEPUTADO FERNANDO FRANCISCHINI - Bom dia, Sr. Presidente. Gostaria de dar as boas-vindas ao Sr. Ministro Jorge Hage. Quero falar ao Ministro do nosso respeito e admiração a S.Exa. Cumprimentando-o, quero relatar o prazer, Sr. Ministro, de ter participado, junto com o ex-Diretor da Polícia Federal Dr. Paulo Lacerda, de várias dessas operações, inclusive da escolha de alguns nomes dessas operações. [...] Quero dizer, inicialmente, que as perguntas são impessoais. Muitas delas, Sr. Ministro, decorrem do que aprendi com o Dr. Paulo Lacerda e com V.Exa. [...] Ministro, quero só dizer ao Deputado Sérgio Barradas Carneiro, que saiu, que talvez o sapo barbudo que aparecia dentro daquela caixa tenha usado a mesma lâmina de barbear filantrópica do Governador da Bahia, do Estado do nosso Deputado Sérgio Carneiro. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

Estes exemplos mostram que as fronteiras entre a alocução e a delocução não são nítidas nas interações verbais. Por um lado, em português é preciso conhecer muito bem o contexto pragmático para discriminar entre os usos alocutivos e delocutivos, uma vez que o delocutivo é empregue também para o tratamento formal alocutivo no singular; por outro lado, observamos que os locutores podem optar por formas alocutivas e delocutivas in praesentia na interação com o mesmo alocutário, o que dificulta as interpretações dos valores das formas nominais. Neste primeiro capítulo tentámos fazer uma apresentação global do tratamento em português (europeu e brasileiro) e em romeno. Partimos da definição do conceito de tratamento na linguística portuguesa e os seus equivalentes em francês (adresse, délocution) e em romeno (adresare, referire). Num segundo momento, fizemos apresentações detalhadas das formas de tratamento elocutivas, alocutivas e delocutivas, tomando em consideração as particularidades dos inventários de cada língua e/ou variante escolhida. O segundo subcapítulo apresentou a problemática das formas alocutivas e delocutivas em debates parlamentares, referindo situações híbridas, como o destinatário in absentia (assunto relacionado com a double adresse) e a delocução in praesentia (estratégia relacionada com a aproximação / afastamento do alocutário). No terceiro sub-capítulo, tentaremos apresentar as formas de tratamento e o seu papel na construção da (des)cortesia parlamentar. Tomando em consideração algumas das particularidades do discurso político – configurado na encruzilhada do rigor institucional e do conflito ideológico e partidário – faremos algumas considerações sobre o funcionamento da (des)cortesia nos debates parlamentares e o emprego estratégico das formas de tratamento enquanto meios linguísticos para a criação de relações interpessoais discursivas, mas também para a construção da imagem de si e dos outros.

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2.1.3 Formas de tratamento e (des)cortesia parlamentar Estudos que se debruçam sobre o funcionamento da (des)cortesia em debates parlamentares (Perez de Ayala 2001; Harris 2001; Marques 2008b) posicionam-se na chamada “virada discursiva” (discursive turn) dos estudos da cortesia linguística. Aliás, a importância do contexto e da tipologia discursiva na análise das manifestações da cortesia torna-se evidente sobretudo na análise do debate parlamentar, que privilegia uma relação conflitual entre a instância política e a instância adversária (Charaudeau 2005, 42), enquanto parte integrante do contrato de comunicação (Charaudeau 2002a: 138-141). Perez de Ayala (2001) menciona três fatores que devem ser tomados em consideração na análise da cortesia em debates parlamentares: i) a afinidade política; ii) a presença do público; iii) a existência do regimento parlamentar, o último estabelecendo através de regras precisas o cerimonial da interação verbal. Aliás, a autora salienta que o resultado da tensão entre a natureza ofensiva das intervenções dos deputados e a rigidez do regimento é uma “hipocrisia parlamentar institucionalizada”, uma vez que as estratégias para a atenuação do FTA (face threatening acts) servem para cumprir as normas regimentais e não para a proteção da imagem do outro. Retomando a teoria de Gruber (1993), Perez de Ayala opera uma distinção clara entre a imagem positiva (positive face) do interlocutor, descrita por Brown & Levinson (1978/1987) e a imagem positiva pública (public positive face121), sendo a segunda típica para os políticos, que desempenham a sua atividade no espaço público de um país. Simetricamente, a imagem pública negativa (public negative face) é definida como o direito de uma pessoa a não sofrer imposições no espaço público, na vida política, ao passo que a imagem negativa (negative face) é, na tradição de Brown e Levinson (1978/1987), o direito de ter um território pessoal, do EU. Nos debates parlamentares, o trabalho de figuração (facework) concentra-se na imagem pública dos locutores (negativa ou positiva), enquanto membros do governo ou do legislativo, defensores de uma ideologia ou de certas políticas públicas, as ameaças à imagem pessoal (vida pessoal, família, traços físicos, etc.) situando-se fora do contrato de comunicação e sendo penalizadas pelas normas regimentais. Harris (2001) afirma que a classificação triádica de Lakoff (1989) – cortesia (politeness), não-cortesia (non-politeness) e descortesia (rudeness) – não é suficiente para analisar as manifestações da (des)cortesia nos debates parlamentares, uma vez que os usos de FTAs vem ao encontro das expectativas dos locutores. Pensemos num exemplo do contexto político português: durante o debate de uma moção de censura na Assembleia da República, o Primeiro Ministro sabe que será criticado pelos parlamentares da oposição, os FTAs fazendo parte do contrato de comunicação. Por conseguinte, a descortesia sistemática (no sentido de ameaça da imagem pública do locutor, e não da imagem pessoal) não será considerada ofensiva e não será penalizada A imagem pública é um segundo nível de imagem (face) adquirido só por indivíduos que entram na vida pública.

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pelo moderador, sendo uma componente intrínseca da dinámica discursiva deste tipo de interação. Numa interação social habitual, por exemplo numa conversa entre dois amigos ou dois vizinhos, o uso dum FTA não seria esperado por nenhum dos interlocutores, não integrando as normas conversacionais mutuamente aceites. No que diz respeito à configuração da (des)cortesia no discurso parlamentar português, retomamos a afirmação de Maria Aldina Marques: “[...] o Discurso Político Parlamentar é um discurso agónico, agressivo, mas não é ofensivo, mercê da criação de mundo discursivo político, que livra os participantes (funcionalizados) de responsabilidades e agressões. O conflito está ritualizado. [...]a agressão verbal é permitida enquanto não suscita reacção, em particular da instância discursiva ‘moderador’, cuja função é regular o uso da palavra”. (Marques: 2008b, 294 nosso negrito).

De facto, os debates parlamentares funcionam, pela sua natureza, com base na expressão de relações opostas – governo vs. oposição, direita vs. esquerda, PSD vs. PS –, o que pressupõe a criação de identidades antagónicas (ideológicas, políticas, discursivas, etc.), configuradas essencialmente através da veiculação de imagens positivas de si e, sobretudo, da criação de imagens negativas dos outros. Aliás, numa entrevista para o jornal Público, um deputado português fala sobre a violência verbal prevalente nos debates da Assembleia da República: “Há uma coisa na experiência do Parlamento que é bastante traumatizante, que é representar sempre o adversário como um inimigo. Mais do que debater, fazem-se proclamações unilaterais. Percebi que é muito difícil sair deste círculo vicioso, em que a palavra serve para atacar.” (Deputado João Galamba, entrevista no jornal Público, 28/03/2010, nosso negrito)

Analisando outro sub-género do discurso político, o debate eleitoral, Catherine Kerbrat-Orecchioni (2010b) propõe cinco categorias122 – cortesia (politesse), hipercortesia (hyperpolitesse), não-cortesia (non-politesse), descortesia (impolitesse) e polirudeza (polirudesse)123 –, que permitiriam uma análise mais aprimorada das manifestações de (des)cortesia em Em Kerbrat-Orecchioni (2005: 208-209) existe uma classificação que propõe quatro categorias de (des)cortesia: cortesia (politesse), hipercortesia (hiperpolitesse), acortesia (apolitesse) e descortesia (impolitesse). 123 Definições: cortesia = existência d’um marcador (um atenuador de FTA, um FFA) cuja presença está de acordo com as normas; hipercortesia = presença de marcadores excessivos em relação às normas; não-cortesia = falta “normal” de marcadores de cortesia; descortesia = ausência “anormal” de marcadores de cortesia (por exemplo, um cumprimento) no caso da descortesia negativa, presença de marcadores de descortesia (por exemplo um insulto) no caso da descortesia positiva; polirudeza = um FTA dissimulado num FFA (os chamados elogios pérfidos). 122

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diversos contextos políticos, inclusive, na nossa opinião, em debates parlamentares. Estas cinco categorias propostas por Catherine Kerbrat-Orecchioni permitiriam também uma análise mais detalhada dos usos das formas de tratamento nos discursos parlamentares: o seu papel na configuração da dinâmica relacional que os locutores estabelecem entre si, mas também o funcionamento discursivo, sobretudo a relação entre o valor prototípico e o valor contextual e os efeitos que decorrem desta relação. No que diz respeito à construção da imagem de si, consideramos importante o conceito de auto-cortesia, proposto por Chen (2001) – que, partido do modelo clássico de Brown & Levinson (1978/1987), propõe quatro estratégias de auto-proteção da imagem de si124 –, adotado também por Alberdi Urquizu (2009) – que distingue entre dois pólos opostos, auto-politesse abstentionniste 125 e auto-politesse valorisante 126 – e encontrado também em Kerbrat-Orecchioni (2005: 204), quando a linguista francesa fala de principes [de politesse] orientés vers soi même, mais concretamente, de auto-FTAs127 e auto-FFAs128. Enquanto mecanismos que expressam ao nível linguístico a dinâmica social de uma comunidade de falantes – no caso do discurso parlamentar, podemos falar também de uma comunidade de práticas 129 – o tratamento elocutivo, alocutivo e delocutivo merece um estudo detalhado. Aliás, diferentes autores já se debruçaram sobre este tema, salientando diferentes funções das formas de tratamento em debates parlamentares: intensificar os FTA através de escolhas estratégica entre FT marcadas e não-marcadas (Ilie 2005b), avaliar negativamente os adversários políticos e as suas ideologias (Cabasino 2010a), configurar os locutores em situações de conflito negociado (Cabasino 2010b), desafiar da autoridade institucional (o presidente) e comprometer os adversários políticos (Ilie 2010d), configurar identidades no eixo institucional/pessoal Marques (2010a), construir o quadro interlocutivo e desempenhar a função fática – uso automático, que advém da natureza intrinsicamente dialogal do discurso parlamentar, segundo Ionescu Ruxăndoiu (2011) –, veicular as identidades individuais ou de grupo (Săftoiu 2013). Por fim, Détrie 124 Chen (2001) introduz o conceito de Seft-Face Threatening Act (SFTA) [ato ameaçador para a imagem de si] e enumera quatro estratégias de self-politeness: fazer um SFTA diretamente e sem ação reparadora, fazer um SFTA com uma ação reparadora, fazer um SFTA de forma indireta e não fazer um SFTA. 125 “Le locuteur évite ou essaie de réduire au minimum les situations susceptibles de menacer ses faces” (Alberdi Urquizu 2009: 20). 126 “La mise en valeur de la propre face, auto-politesse que nous dirons valorisante, est considérée signe de narcissisme et d’impolitesse” (Alberdi Urquizu 2009: 20). 127 “éviter les comportements excessivement menaçants” (Kerbrat-Orecchioni 2005: 204). 128 “éviter les comportements anti-menaçants”(Kerbrat-Orecchioni 2005: 204). 129 “In parliament, communities of practice can be described as aggregates of people who come together around mutual engagement in some common endeavour. Ways of doing things, ways of talking, beliefs, values, power relations – in short, practice – emerge in the course of their joint activity around that endeavour” (Ilie 2010d: 335, nosso negrito).

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(2010: 143-168) analisa quatro papéis que as FT têm em debates parlamentares: i) construir o quadro participativo; ii) gerir o turno de fala; iii) avaliar o intelocutor; iv) marcar a coesão e a continuidade enunciativas. No que diz respeito ao uso de formas de tratamento como mecanismos da agressividade verbal, Détrie (2008) fala de uma rotina dos debates, em que certas FT insultuosas funcionm como um prêt-à-penser propre au débat institutional, que faz parte da bagagem argumentativa dos parlamentares. Por outro lado, é preciso – sobretudo no caso do discurso parlamentar português –, salientar o uso essencialmente institucionalizado, obrigatório das formas de tratamento. Claro que, como veremos nos próximos capítulos, ocorrem transgressões nos debates, mas o protocolo institucional – que se traduz no respeitar das normas de cortesia, inclusive no que diz respeito às formas de tratamento – tem um peso importante nos debates portugueses130. Vejamos um exemplo que se tornou conhecido através da comunicação social portuguesa na primeira metade de 2010. O Presidente da Assembleia da República chamou a atenção três vezes ao interveniente, sobre a obrigação de respeitar as normas regimentais no uso da palavra, estar de pé e usar a fórmula “Sr. Presidente, Srs. Deputados”. Aliás, a reação é categórica: “Não lhe dou a palavra. Tem de usar a fórmula regimental para se dirigir ao Plenário”. Trata-se, de um episódio bastante inusual, mas, na nossa opinião, ilustra bem as caraterísticas de uma prática discursiva no parlamento português: a inflexibilidade no uso das formas de tratamento. Aliás, os capítulos seguintes confirmarão esta hipótese, pois nos debates portugueses encontramos menor variedade de formas de tratamento não-institucionais. (137) O Sr. Presidente: — O Governo pediu para esta sua intervenção ter dois intervenientes. Assim sendo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Educação. O Sr. Secretário de Estado da Educação (João Trocado da Mata): — Sr.as Deputadas, Srs. Deputados… O Sr. Presidente: — Sr. Secretário de Estado, tem de falar de pé e dirigir-se à Câmara com a fórmula: «Sr. Presidente, Srs. Deputados»1. O Sr. Secretário de Estado da Educação: — Muito bem! Sr.as Deputadas, Srs. Deputados… O Sr. Presidente: — Não! «Sr. Presidente, Srs. Deputados»!2 O Sr. Secretário de Estado da Educação: — Sr. Presidente, Srs. Deputados,… O Sr. Presidente: — Não lhe dou a palavra. Tem de usar a fórmula regimental para se dirigir ao Plenário3. Aliás, o regimento da Assembleia da República é claro neste aspeto: Artigo 89.º Modo de usar a palavra 1 — No uso da palavra, os oradores dirigem-se ao Presidente e à Assembleia e devem manter-se de pé. (Regimento da Assembleia da República, nosso negrito)

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O Sr. Secretário de Estado da Educação: — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Muito se tem dito aqui sobre o trabalho do observatório ou a ausência dele, bem como do gabinete da segurança escolar. Deixem-me começar por esclarecer estas questões. (Reunião de 20 de março de 2010)

Nos próximos capítulos propomos análises das FT elocutivas, alocutivas e delocutivas, tentando destacar o seu papel na configuração da distância interlocutiva e na construção de auto- e hetero-imagens.

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2.2 A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo O Sr. Rui Jorge Santos (PS): — … mas há um ditado que diz “Atrás de nós virá quem bom de nós fará”... (DAR – 11/05/2012 I Série — Número 107)

O tratamento elocutivo, enquanto estratégia linguística de construção da imagem de si, assume no discurso político um papel importante, uma vez que os políticos comunicam com a grande maioria dos eleitores através da comunicação social. Na impossibilidade de interação face a face com números significativos de cidadãos, a estratégia comunicacional de um político consiste principalmente na criação de uma imagem pública favorável, que inspire confiança junto dos eleitores. Esta imagem constrói-se, numa primeira etapa, na encruzilhada de diferentes heteroimagens (o que os outros dizem sobre um indivíduo) e de auto-imagens (o que o indivíduo diz sobre ele próprio) e, em seguida, passa por um processo de descodificação que cada eleitor faz em função do seu universo de crenças. A autoimagem é, de facto, uma componente mais fácil de gerir na comunicação política, dado que as hetero-imagens e a descodificação dependem dos outros que podem ser, no máximo, influenciados, mas nunca – nem sequer em regimes ditatoriais – totalmente controlados. Assim sendo, tentaremos nesta secção analisar a contrução da imagem de si através do uso das formas de tratamento pronominais elocutivas, numa tentativa de destacar particularidades em cada sub-corpus. Num primeiro momento, salientamos que a nossa análise terá algumas limitações impostas pelas caraterísticas do corpus, que, como já explicitamos no sub-capítulo 1.2.2. (Do oral à escrita), contém alterações em relação à interação verbal propriamente dita que ocorreu nas salas de reuniões. Por esta razão, as conclusões deste capítulos não se baseiam exclusivamente em comparações de natureza estatística, entre os três sub-corpora – português, brasileiro e romeno –, uma vez que, por um lado, as transcrições oficiais não são um relato fiel da interação e, por outro lado, é possível que haja diferentes estratégias de escripturalização do oral nos departamentos de taquigrafia dos três parlamentos. No entanto, no caso de diferenças evidentes – ver infra 2.4.2. Tratamento relacional: 1 ocorrência da FNT colega(s) no sub-copus português, 64 no sub-corpus brasileiro e 327 no sub-corpus romeno – podemos afirmar sem receio que se trata de práticas discursivas distintas adotadas pelos locutores portugueses, brasileiros e romenos e não de intervenções de transcriptores e que as informações de natureza estatística podem ser usadas como ponto de partida para a análise. O nosso estudo, porém, não será essencialmente de índole quantitativa – tomando em consideração as limitações do corpus – mas privilegiará sobretudo uma abordagem qualitativa, tentando destacar usos e valores contextuais do leque de formas de tratamento elocutivas, alocutivas e delocutivas usadas em debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos.

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A título de exemplo, vejamos os fragmentos (138a) e (138b) 131 do corpus brasileiro, em que se observa como o transcritor substituiu a forma de tratamento pronominal elocutiva a gente por nós. (138a) O Sr. Ministro Carlos Lupi - Quando vemos o nosso filho olhando a nossa face na televisão, dizendo que se montou um esquema de corrupção, de cobrança de propina no Ministério do Trabalho, nos sentimos profundamente agredidos, profundamente maculados. Amigos nossos, como é o caso do meu chefe de gabinete, que eu coloco não somente as mãos, mas a perna, o corpo no fogo, porque eu o conheço há 25 anos... Sentimo-nos profundamente agredidos, porque é uma denúncia anônima. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (138b) CL : então quando a gente vê o FILho da gente < olhANDO a face da gente na televisão > + e dizendo que se MONTOU ↑ um esquema de corrupção ↑ + de cobrança de propina no Ministério do Trabalho + a gente se sente profundamente agredido + profundamente maculado + aMIgos da gente + como é o caso do meu chefe de gabinete + > que eu coloco não as mãos coloco as mãos mas a perna < o CORPO no fogo porque eu o conheço há vinte e cinco anos ++ conhenço e ASSUMO + há VINTE E CINCO anos + e a gente se sente proFUN::damente agredido porque é uma denúncia anô::nima (Nossa transcrição)

*** No que diz respeito às formas de tratamento elocutivas, que serão analisadas neste capítulo, num primeiro momento, faremos algumas considerações gerais sobre o uso dos pronomes eu e nós na construção da imagem de si132. Em primeiro lugar, destaca-se a problemática de definir com rigor a natureza intrínseca dos dois pronomes, sobretudo de nós. Eu é por excelência o “indicador da subjetividade”, mas é na relação de reciprocidade com tu que assume um papel fulcral de qualquer tipo de enunciação e, acrescentaríamos nós, em qualquer tipo de interação: “[...] cette forme personnelle en revanche, est, si l’on peut dire, l’indicateur de subjectivité. Elle donne à l’assertion qui suit le contexte subjectif — doute, présomption, inférence — propre à caractériser l’attitude du locuteur vis-à-vis de l’énoncé qu’il profère. Cette manifestation de la subjectivité ne prend son relief qu’à la première personne.” (Benveniste: 1966, 264; nosso negrito)

Os dois exemplos são também analisados no sub-capítulo 1.2.2. De forma a evitar possíveis confusões relacionadas com as múltiplas aceções do ethos e, como o foco teórico da nossa análise não é retórico, preferimos neste estudo trabalhar com o conceito de imagem.

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“La conscience de soi n’est possible que si elle s’éprouve par contraste. Je n’emploie je qu’en m’adressant à quelqu’un, qui sera dans mon allocution un tu. C’est cette condition de dialogue qui est constitutive de la personne, car elle implique en réciprocité que je deviens tu dans l’allocution de celui qui à son tour se désigne par je” (Benveniste: 1966, 260; nosso negrito)

Se, no caso de eu, a situação parece bastante clara, nós, por outro lado, revela-se como um caso mais complexo. Segundo Kerbrat-Orecchioni (2002: 46-47), nós não pode ser definido como um eu plural e a autora propõe as seguintes estruturas constitutivas deste pronome133, que apresentamos abaixo numa forma simplificada: i) NÓS = EU + Ø – seria o nós de majestade ou de modéstia, em que o locutor expressa, de facto, o eu ii) NÓS = EU + TU (+ TU / ELE / ELA / Ø) iii) NÓS = EU + ELE (+ ELE / ELA / Ø) iv) NÓS = EU + ELA (+ ELA / Ø) NÓS (= EU + TU) é chamado inclusivo, ao passo que NÓS (= EU + ELE) é chamado exclusivo; existe também um nós ternário, NÓS (= EU + TU + ELE). Guespin (1985) faz a distinção entre NÓS1 que aparece, por exemplo, em textos redigidos em co-autoria, NÓS2 (EU + TU), que engloba os participantes na interação verbal e NÓS3 (EU + OUTRO), em que o locutor junta um terceiro (eu e o Paulo) sem a autorização expressa do mesmo. Como é evidente, nestes casos NÓS não é o plural do pronome EU da mesma maneira que mesas é plural de mesa (NÓS ≠ EU + EU), pois não se trata de uma multiplicação do EU, mas sim de uma extensão, teoricamente ilimitada (é possível dizer nós, a humanidade) a qual se juntam indivíduos distintos. Se, como acabámos de ver, é problemático explicar a natureza intrínseca dos constituintes de NÓS, um segundo desafio da análise do discurso é recuperar do contexto, toda a miríade dos OUTROS (TU, VOCÊS, ELE, ELA, ELES, ELAS, etc.) possíveis que se podem juntar a EU, ou seja analisar com rigor as questões de referenciação. Lembramos análises sobre o NÓS no discurso político, em que são identificados três valores referenciais do pronome (Amossy 2010: 165-167), ou até seis134 (Marques 2000), bem como o número especial da revista Mots, Le nous politique, em que, ao lado de Guespin (1985), uma dezena de autores analisam em pormenor as múltiplas facetas deste pronome em diferentes contextos políticos.

133 As estruturas propostas por Kerbrat-Orecchioni (2002b) descrevem o sistema pronominal francês e são redigidas nesta língua; a adaptação para o português é da nossa autoria. 134 Na verdade, trata-se de quatro NÓS com a estrutura [EU + OUTRO(S)], de um NÓS de modéstia e de um sexto NÓS que é, de facto, um artifício retórico, em que o locutor expressa a não adesão ao discurso do adversário, o chamado NÓS polémico.

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Depois de esclarecida a natureza intrínseca de NÓS (extensão do EU) e identificados os OUTROS (TU, ELE, ELA, etc.) que, junto com EU podem constituir um NÓS num determinado contexto (valores referenciais), é preciso avaliar as estratégias discursivas de construção da identidade coletiva, pois no discurso político essa pode ser baseada, como já vimos, em relações de adesão, mas também – e muito frequentemente, aliás – em relações de oposição. Alguns autores (Chilton 1990) destacam o papel do NÓS inclusivo, que tem o objetivo estratégico de criar consenso e de atenuar a dimensão conflitual do discurso político, outros referem o a criação de identidades antagónicas através do uso dos pronomes NÓS vs. ELES (Oddo 2011). Por exemplo, em nós, do PS (um dos exemplos no nosso corpus), o locutor expressa a sua identidade política e ideológica, juntando-se aos membros do partido de que faz parte, expressando claramente uma relação de adesão. Por outro lado, no exemplo E essa é toda a diferença entre nós e os demagogos e irresponsáveis, o locutor expressa a sua identidade política em contraste com os outros, os demagogos e irresponsáveis, expressando assim uma relação de oposição perante os mesmos, na tentativa de criar uma imagem de si positiva, que reúne os atributos opostos, como a falta de demagogia e a responsabilidade. Nos sub-capítulos seguintes analisaremos em pormenor diferentes usos das formas de tratamento elocutivo (EU / NÓS / A GENTE no corpus brasileiro, EU / NÓS no corpus português e EU / NOI no corpus romeno), concentrando-nos no seu efeito na criação da imagem de si.

2.2.1 Eu, nós e a gente Uma particularidade do sub-corpus brasileiro é o uso, por vezes indiferente, dos pronomes eu, nós e a gente. Aliás, o uso a gente corresponde às tendências atuais do português brasileiro – ao menos nas suas variedades mais coloquiais –, em que esta expressão passa a ganhar terreno ao pronome nós. Neves (2011: 469-470) analisa este fenómeno e identifica dois usos possíveis, um de substituição do pronome nós e um uso genérico. Nos exemplos que se seguem podemos observar que a dinâmica do emprego destas formas pronominais de tratamento elocutivo é bastante complexa e que os contornos dos significados ou das imagens construídas não são sempre nítidos. Em (139), nós, eu e a gente contribuem para a criação de imagens individuais e coletivas, expressando a identificação política (ou profissional) com os membros da Câmara e criando a imagem coletiva, genérica, do país.

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Eu, enquando recurso linguístico de preferência para construir a imagem individual, aparece, na maioria dos casos (excepto eu não vi), em contextos relacionados com realização dos atos rituais da interação 135 : “Eu gostaria de cumprimentar”, de afirmação ou de reforço da opinião pessoal: “Eu acho que nós precisamos envolver os três níveis de Governo”, “Eu gostaria de defender aqui o INCRA histórico”, “eu gostaria também de dizer, Celso, que eu estive na sua posse”, “e eu não vi isto em Rondônia ainda”, “Eu gostaria, em convênio com os Estados [...] estivéssemos à disposição nesta Casa aqui”, “Eu gostaria que nós tivéssemos outra oportunidade, em que pudéssemos”. É também através do uso de eu que o locutor afirma a sua identidade política (na sua componente profissional e não na componente ideológica), para sustentar a sua posição sobre o assunto em debate: “Eu fui Prefeito, e temos na área urbana...”. Portanto, podemos falar de duas imagens individuais configuradas em torno do pronome eu que se destacam neste trecho: eu, como interveniente na discussão (realizo atos rituais específicos, afirmo as minhas convicções) e eu, como autoridade do Estado (prefeito), que afirmo as minhas opiniões em conhencimento de causa. Se no caso de eu, a interpretação das imagens criadas foi mais acessível, as ocorrências de nós desta intervenção tornam-se mais difíceis de explicar. Na nossa opinião, seria arriscado tentar fazer distinções muito rigorosas, uma vez que os locutores veiculam nos seus discursos imagens que decorrem de identidades complexas, individuais – ver supra 1.1.2.3.3. A(s) identidade(s) dos parlamentares –, ou coletivas. Num primeiro momento, nós expressa claramente uma identidade coletiva institucional: “Eu acho que nós precisamos envolver os três níveis de Governo nessa questão”; aliás, se relacionamos este pronome com o verbo debatemos, da frase anterior, poderíamos concluir que se trata de um nós que expressa o eu (o locutor) e os outros participantes no debate. O segundo nós remete para uma imagem coletiva institucional e regional, no contexto em que o locutor evoca uma situação que ocorreu em Rondônia: “[...] temos na área urbana, lá em Ouro Preto do Oeste, Rondônia, 650 hectares, praticamente divisando com a área urbana. E nós conseguimos fazer...”. Mais adiante, através da expressão todos nós, expressa-se uma imagem coletiva, que pode referir a totalidade dos participantes no debate, como é, Malin Roitman faz uma distinção este eu representado e eu situado na construção da identidade pessoal no discurso político, analisando o debate presidencial Hollande-Sarkozy de 2012: “The represented I refers to the speaking entities in the discourse – the protagonists of the interaction – and constitutes the persons presenting the topics of the communicative event. This I certainly refers to the speaker but not as speaker, rather as a subject of other (past, present or future) actions or properties – for example, as future president, rather than as speaker. The situated I refers, on the other hand, to the empirical subject and has a meta-linguistic or pragmatic function; it positions itself in the discourse in relation to the arguments presented and the progress of the interaction; it stages the utterances and imposes itself explicitly by commenting on its own discourse and arguments as well as those of the other” Rotman (2014: 746, nosso negrito). 135

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aliás, o caso das outras ocorrências. Sobretudo na última parte da intervenção, esta interpretação parece mais evidente, quando o locutor refere a Câmara dos Deputados: “Eu gostaria [...] estivéssemos à disposição nesta Casa [...] Eu gostaria que nós tivéssemos outra oportunidade”. (139) O SR. DEPUTADO CARLOS MAGNO - Eu gostaria de cumprimentar o Presidente, o Ministro, a Ministra, o Presidente do INCRA e todos os colegas. Gostaria, até para ter bom proveito do pouco tempo, de não partidarizar com ideologias esse assunto de tamanha importância. Parabenizo os autores do requerimento por oportunizar este momento para debatermos. Gostaria de fazer uma pergunta à Ministra Izabella Teixeira. Eu acho que nós precisamos envolver os três níveis de Governo nessa questão de apoio à manutenção dessas unidades de conservação do ICMBio, do Ministério do Meio ambiente, no que se refere à fiscalização. Acho que os Estados, os Municípios têm um papel importantíssimo e até mesmo os produtores que vivem nos limites dessas reservas. [...] Eu fui Prefeito, e temos na área urbana, lá em Ouro Preto do Oeste, Rondônia, 650 hectares, praticamente divisando com a área urbana. E nós conseguimos fazer isso com os chacareiros, diminuir as suas áreas e também trazê-los, com comprometimento, para a conservação dessas áreas. [...] Até hoje, desde a década de 70, há fragmentação de áreas, em decorrência das famílias que lá moram e que aumentaram, e que nós devemos ter como exemplo. Eu gostaria de defender aqui o INCRA histórico, o INCRA que todos nós conhecemos, e de defender os servidores também do INCRA. [...] Mas nós precisamos ter alguns enfrentamentos. Primeiro, nós precisamos trabalhar nas questões acima dos quatro módulos. Nós devemos enfrentar essa questão da burocracia, do georreferenciamento e da certificação desse georreferen-ciamento, que ainda é muito burocrático nas superintendências do INCRA nos Estados. E eu gostaria também de dizer, Celso, que eu estive na sua posse e pude ouvir de você que você ia fazer um choque administrativo no INCRA. É preciso - e eu não vi isto em Rondônia ainda - que as procuradorias do INCRA passem a entender que o colono, há 30 anos em sua parcela de terra, como invasor, não tem acesso ao crédito, por deficiência da própria procuradoria do INCRA, que questiona a legalidade de títulos, que deveria estar caminhando para a regularização. Então, nós sabemos da dificuldade do INCRA. O cidadão chega primeiro do que o poder público, do que as políticas públicas. Nós sabemos dessa dificuldade. Mas nós gostaríamos de contribuir nesta Casa para restabelecer o INCRA nessa sua questão, e o próprio MDA, na questão da assistência técnica, que ele já faz com muito zelo, atendendo aí a esses projetos de assentamentos. Eu gostaria, em convênio com os Estados - o próprio INCRA tem feito isso -, estivéssemos à disposição nesta Casa aqui para discutirmos isso mais profundamente. Eu gostaria que nós tivéssemos outra oportunidade, em que pudéssemos, somadas todas essas dificuldades, trazer mais atores que dependem disso para a gente ter uma reforma agrária justa neste País. Muito obrigado. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011)

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Uma vez destacados os valores de nós nesta intervenção, consideramos relevante analisar os contextos em que esta forma de tratamento elocutivo é usada. Como já observámos, eu parece estar relacionado com a expressão da imagem do locutor enquanto participante no debate e autoridade do Estado que afirma as suas convicções, partilha opiniões, etc. Por outro lado, nós (que integra o eu também, junto com os outros) parece-nos mais relacionado com o agir: “nós precisamos envolver os três níveis de Governo”, “nós conseguimos fazer”, “nós devemos ter como exemplo”, “todos nós conhecemos”, “nós precisamos ter alguns enfrentamentos”, “nós precisamos trabalhar”, “Nós devemos enfrentar”, “nós sabemos da dificuldade”, “nós gostaríamos de contribuir”, “que nós tivéssemos outra oportunidade”. Poderíamos concluir que uma das diferenças entre eu e nós corobora-se com a oposição falar vs. agir; o locutor usa o singular quando fala, mas para expressar a ação política, emprega o pronome nós, podendo esta estratégia discursiva relacionar-se com a necessidade de exprimir a legitimidade política ou de procurar consenso junto dos interlocutores. Sintetizamos este mecanismo na Figura nº 12. Finalmente, a única ocorrência da expressão a gente, no fim da intervenção, parece veicular a imagem coletiva – e genérica, até bastante difusa – do país inteiro: “para a gente ter uma reforma agrária justa neste País”. O segundo exemplo que escolhemos, também dos debates brasileiros, (140a)(140c) diz respeito a uma estratégia muito pessoal – e também singular no corpus – de dinâmica do emprego das formas de tratamento eu, nós e a gente. Pelo seu caráter único, consideramos que, pelo menos em contexto parlamentar, estes usos se relacionam com particularidades de idioleto, não sendo típicas para este género discursivo. No entanto, é preciso salientar que o corpus não é exhaustivo e que situações deste tipo talvez apareçam em outros debates do Congresso Nacional Brasileiro. AGIR

eu nós os outros

conseguimos fazer devemos ter conhecemos precisamos ter precisamos trabalhar devemos enfrentar sabemos gostaríamos de contribuir tivéssemos outra oportunidade

LOCUTOR FALAR gostaria de cumprimentar acho gostaria de defender gostaria também de dizer gostaria

eu

Figura nº 12. Valores de eu e nós.

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Em segundo lugar, embora não seja o nosso objetivo fazer um trabalho estatístico, não deixa de ser interessante reparar que num total de 389 palavras destes três breves trechos, há 23 ocorrências do pronome eu, ou seja uma palavra em cada 17 (aproximadamente). Por outro lado, é também importante relacionar esta frequência com os contextos nos quais ocorre não só este pronome, mas também as três formas de tratamento elocutivo referidas: eu, nós e a gente. (140a) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - S.Exa. é como eu; é da luta pela democracia. Independente de cargo, a decisão do PDT de apoiar a Dilma foi antes do PT. Nunca exigimos nada. Não é cargo que nos guia na vida; é causa, e custa caro, porque todo mundo sabe que eu vou defender os direitos dos trabalhadores. Eu tenho embate com muitas instituições que não se conformam com esse preceito. Somos humanos. Pega-se uma coletiva ... Por isso eu falei da bala, porque são 200 dando tiro na gente - e "pá", e "pá", e "pá". Eu disse: "mas nem à bala abatido". Eu falei nesse sentido, nunca desafiando! Nunca! Eu posso ser tudo, menos uma pessoa deseducada, deselegante e muito menos despreparada. Eu já ocupei algumas funções públicas. Então, eu peço desculpas à opinião pública, que fica com uma imagem de que somos um louco, um tresloucado. Eu não sou! Eu estou há 5 anos no Ministério; não são 5 dias. Desde que eu entrei no Ministério tem gente querendo me derrubar. Passam 5 anos e não conseguem. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (140b) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Sobre a questão de bala, vou repetir aquilo que falei, e nem o Deputado Ronaldo, nem o Deputado Fernando estavam. Logo ao abrir, eu já pedi desculpas porque acho que eu exagerei. A gente está sob pressão. A gente é humano. A gente erra, só não erra quem não trabalha. Então, eu acho que eu exagerei. Já pedi desculpas por isso. Acho que foi um momento infeliz da minha parte e quem é que não tem um momento infeliz? Quem não pode ter errado na vida? Então, eu não tenho problema nenhum. Tenho humildade suficiente na minha vida de todo dia pedir desculpas, porque todo dia eu vou errar, eu sou humano. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (140c) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Nem todo mundo tem o meu comportamento: eu sou um pouco atirado, eu sou italianão; italianão, o cara aponta a faca, a gente mete o peito primeiro para ver se a faca é dura. Em outros casos eu nunca vi denúncia anônima sem provas. Pode até existir a denúncia anônima, mas tem que apresentar alguma prova. Porque senão como é que nós vamos existir? Quantos inimigos a gente não adquire na vida? Quanta gente a gente, às vezes, indiretamente desagrada e fica com raiva da gente. Então, isso vai virar o quê? Um tribunal de inquisição. Foi isso que eu disse e repito. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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O primeiro eu: “S.Exa. é como eu; é da luta pela democracia” procura a adesão do interlocutor, através da indentificação num ideal comum, a “luta pela democracia”; a imagem pessoal é criada em relação com o outro, numa comparação que procura estabelecer pontos comuns. As outras ocorrências de eu, porém, não têm valores relacionais, mas concentram-se nas múltiplas facetas individuais, veiculando imagens idiológicas, políticas, discursivas e até etnicas. Junto com a primeira ocorrência, em que o locutor se constrói enquanto lutador pela democracia, assumindo assim uma posição ideológica clara, as seguintes ocorrências de eu: “eu vou defender os direitos dos trabalhadores”, “Eu tenho embate com muitas instituições”, “eu entrei no Ministério tem gente querendo me derrubar” tentam configurar posições ideológicas, mas também uma imagem de lutador: “vou defender”, “tenho embate”, “tem gente querendo me derrubar”. Uma segunda imagem que aparece nas intervenções é a de alto funcionário público: “Eu já ocupei algumas funções públicas”, “Eu estou há 5 anos no Ministério; não são 5 dias”, que pode conferir autoridade aos pressupostos apresentados pelo locutor. Destacamos o uso de estereótipos de natureza étnica para justificar certas atitudes públicas: “eu sou um pouco atirado”, “eu sou italianão”, mas também o apelo a lemas gerais, como o humanum errare est: “eu vou errar”, “eu sou humano”. O eu comportamental constrói-se através da negação da imagem que o próprio locutor tinha criado nas suas atitudes públicas: “Eu falei nesse sentido, nunca desafiando! Nunca! Eu posso ser tudo, menos uma pessoa deseducada, deselegante e muito menos despreparada”; “Então, eu peço desculpas à opinião pública, que fica com uma imagem de que somos um louco, um tresloucado”. Esquematizando na Figura nº 13 esta constelação de imagens de si criadas pelo próprio locutor, não podemos deixar de observar que se trata, de facto, de um mecanismo muito produtivo, singular no nosso corpus. Notamos ainda que, embora não apareça nestes trechos, há momentos no debate em que o locutor refere a imagem profissional, lembrando que foi jornaleiro e a imagem de pater familias, cujos filhos sofrem por causa dos ataques nos jornais (veja-se (8), no início deste capítulo). Este exemplo mostra – talvez até de uma maneira exaustiva – o que refere a literatura de especialidade, o facto de os parlamentares manifestarem nos seus discursos identidades muito complexas, por vezes difíceis de identificar. Por outro lado, notamos que os mecanismos de expressar o eu não se limitam apenas ao uso deste pronome, uma vez que o locutor emprega também nós (de facto, apenas a desinência verbal): “somos um louco” e a expressão a gente: “a gente é humano”. Esta ênfase única no eu – pelo menos no corpus aqui analisado – confirma o objetivo de o locutor defender a imagem pessoal, pois enfrentava acusações graves de corrupção no ministério que dirigia. Embora os políticos falem em nome de outros, eu não está substituído por completo por nós em discursos políticos; sublinhe-se e é como “o ser humano irrompe também em momentos fulcrais do debate” (Marques 2000: 184) e como se constrói. Como pudemos observar, nesta análise, por vezer a imagem pessoal pode ser extremamente complexa, veiculando múltiplas facetas da identidade individual, política, ideológica, profissional, pessoal, étnica e comportamental.

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POLÍTICO (ideológico) luta pela democracia defender os direitos

RELACIONAL Eu=V. Exa

COMPORTAMENTAL ≠deseducado, deselegante, despreparado, louco, tresloucado

POLÍTICO (profissional) ocupei funções públicas estou no ministério

PROFISSIONAL jornaleiro

EU

PATER FAMILIAS filho da gente

ÉTNICO italianão atirado

DISCURSIVO disse peço desculpas exagerei acho

HUMANO errar sou humano

Figura nº 13. Valores de eu.

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2.2.2 Eu, como... Outra caraterística do sub-corpus brasileiro – e ausente do sub-corpus português – é uma certa frequência da construção da imagem pessoal através da expressão eu, como (13 ocorrências). Como se pode observar nos exemplos (141)-(148), eu, como serve de recurso linguístico para expressar uma grande variedade de imagens pessoais, relacionadas com: a identidade nacional (Eu, como brasileiro), a identidade regional (como cidadão nordestino), a identidade de cidadão (Eu, como cidadão brasileiro; Eu, como qualquer cidadão brasileiro), a identidade política profissional (Eu, como participante tanto desta Comissão quanto da Comissão de Agricultura; eu, como Ministro; eu, como VicePresidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle...), a identidade política ideológica ([eu como] representante da Oposição; Eu, como Líder do PSB), a identidade profissional (Eu, como profissional de saúde, da educação e da atividade física; eu, como técnico do setor) e a identidade de género ([eu] como mulher que acredita na nossa força). Estas imagens de si são utilizadas pelos locutores como estratégias de conferir legitimidade política ou profissional aos seus discursos. Por exemplo, a identidade nacional e regional serve como argumento em discursos sobre a unidade do país em (141), a identidade cidadã e a identidade política são instrumentos para se distanciar do partido do poder em (142), a identidade profissional aparece como justificação para expressar – de maneira irónica – considerações sobre a saúde do interlocutor em (143), etc. Se alguns locutores preferem construir uma imagem que julgam relevante para os seus discursos, enfatizando a identidade cidadã em (143), a identidade profissional (144) e (147), a identidade política profissional em (145) e (148), outros locutores veiculam através deste recurso linguístico identidades complexas, como a nacional e regional em (141), a política profissional, política ideológica e cidadã em (142), a política ideológica e de género em (144). Salientamos que a expressão explícita de identidades pessoais complexas ocorre sobretudo no sub-corpus brasileiro, não se registando exemplos semelhantes nos subcorpora português e romeno. No entanto, ao contrário do exemplos (140a)-(140c), notamos que aqui os locutores expressam identidades próximas umas das outras: nacional e regional em (145), política e cidadã em (146), havendo só em (146) uma expressão simultânea da identidade política (ideológica) e de genéro. Há estudos, como Fiorin (2009) que falam no caso do Brasil de uma cultura de mistura, o que poderia explicar alguns destes exemplos, mas sem uma análise mais aprofundada esta afirmação deve ser interpretada apenas como uma intuição, que poderá estudada com mair rigor no futuro, e não como uma conclusão categórica. (141) O SR. DEPUTADO MENDONÇA FILHO – Eu, como brasileiro, como cidadão nordestino, quero um Brasil unido, não dividido. Eu quero um Brasil em que a gente possa produzir, gerar oportunidade de trabalho. Eu quero e desejo um Brasil onde as pessoas possam respeitar as leis, independentemente de ser pobre, rico, preto ou branco, independente de cor ou de raça. Realmente temos de sonhar, desejar e trabalhar nessa direção. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011)

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(142) O SR. DEPUTADO CARLOS MAGNO – Eu, como participante tanto desta Comissão quanto da Comissão de Agricultura, peço desculpas aos Ministros pela ausência dos companheiros. Mas quero dizer que estamos aqui para absorver ao máximo os questionamentos feitos aqui. Eu, como cidadão brasileiro e representante da Oposição, não faço como fez o PT no passado, em torcer por quanto pior melhor. Mas o seu partido é vítima de um sistema anômalo, do ponto de vista ético-institucional, criado pelo Governo do Presidente Lula para suceder o Mensalão. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (143) O SR. DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA – Não tenho ódio, não, Sr. Ministro. Eu, como qualquer cidadão brasileiro, estou aqui sentado demonstrando a minha indignação. Quem estiver nos ouvindo, nos assistindo neste instante vai entender muito bem o que estou dizendo. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (144) O SR. DEPUTADO PAULO RUBEM SANTIAGO – Eu, como profissional de saúde, da educação e da atividade física, quero fazer um alerta ao Ministro. O Ministro está visivelmente fora do índice de massa corporal; reagiu e raciocinou sob emoção e agressividade. Isso pode aumentar o nível de adrenalina no sangue. V.Exa. pode ser abatido, Ministro, por um acidente vascular cerebral ou um infarto. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (145) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA – Certamente, quero repetir que nós avaliávamos: era importante que eu, como Ministro, viesse, dedicasse um tempo, tivesse tempo para esta Comissão. Podemos debater todas as questões. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012) (146) A SRA. DEPUTADA SANDRA ROSADO – Eu, como Líder do PSB, como mulher que acredita na nossa força, na nossa determinação e, acima de tudo, no nosso cuidado com a coisa pública, quero dizer do reconhecimento ao trabalho que V.Exa. vem desempenhando. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012) (147) O SR. MINISTRO MÁRCIO ZIMMERMANN – No leilão de Belo Monte, eu posso lhe falar com tranquilidade, eu era Ministro de Minas e Energia na época, e nós fizemos o leilão. Eu comemorei; eu, como técnico do setor. Há muitos anos que se tentava levar a leilão Belo Monte. Finalmente, conseguiu se levar. (Audiência Pública N°: 1644/12 DATA: 28/11/2012) (148) O SR. DEPUTADO EDSON SANTOS – É evidente que há toda uma necessidade de todos os Parlamentares,inclusive da Oposição, principalmente da Oposição, buscarem esclarecimentos, esgotarem esse debate. E o fato de eu, como Vice-Presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle... (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

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2.2.3 Nós No discurso político, nós assume valores referenciais multifacetados, advindos da necessidade de os locutores legitimarem os seus discusos. A opção fundamental por nós, em detrimento do eu136 prende-se com a dimensão pública do discuso político, porque os locutores falam em nome de grupos que representam (partidos, governo, sindicados, eleitores, etc.) e porque os debates políticos são organizados para serem vistos, por públicos variados, compostos, por vezes, de milhões de cidadãos. Em primeiro lugar, podemos afirmar que no discuso parlamentar, nós constitui uma escolha natural, uma vez que os deputados (ou os senadores) falam enquanto representantes do círculo eleitoral que os votou e não a título pessoal; portanto, é de esperar encontrar um nós representativo nas tomadas de posições dos debates parlamentares; Marques (2000: 181-184) fala da qualidade dos parlamentares enquanto porta-vozes, que representam o povo e o partido. Por outro lado, na interpretação dos valores de nós, consideramos necessário tomar em consideração a organização do dispositivo comunicacional do discurso político (Charaudeau 2005: 42), de forma a destacar rigorosamente as instâncias discusivas envolvidas e, por conseguinte, as imagens coletivas criadas através do uso deste pronome. Em segundo lugar, como já antecipamos – ver supra 1.1.2.3.3 A identidade (dos) parlamentar(es) –, os parlamentares veiculam identidades complexas, sobressaindo nos seus discursos traços mais ou menos evidentes que remetem para identidades variadas: nacional, regional, profissional, política (ideológica ou profissional), pessoal, etc. Neste contexto, considerámos necessário destacar os valores que nós pode assumir nos debates que integram o nosso corpus para expressar a complexidade da(s) identidade(s) (dos) parlamentar(es). Em terceiro lugar, como destacou Geffroy (1985: 8), “la cohésion du nous est bien souvent assurée par l'existence maligne d'un tiers exclu. Exclu de l'allocution, exclu du groupe-nous, exclu de l'univers du langage”, ou seja nós constrói-se essencialmente em oposição aos outros; tentaremos analisar as relações – por vezes anatagonistas – que se estabelecem entre nós e os outros (ver infra 2.2.4 Nós vs. os outros). Por último, o valor de nós está longe de ser consensual juntos dos interlocutores, havendo, por esta razão, tentativas de negociação dos significados (ver infra 2.5.3. Tratamento elocutivo). Debruçar-nos-emos, num primeiro momento, nos valores referenciais de nós identificadas no nosso corpus.

Talvez uma exceção seja o discuso eleitoral, em que o candidato se apresenta como entidade individual: eu farei, eu traterei, etc.

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2.2.3.1 Nós1 – genérico Um primeiro valor de nós, que chamaremos genérico, por não ser diretamente ligado a um referente objetiva e claramente identificável (nem expressado pelo locutor), serve essencialmente para os locutores expressarem opiniões gerais ou que se pretende apresentar como gerais. Marques (2000: 194) fala de “usos doxais, com diferentes graus de abstracção, que corporizam a construção de um consenso muito amplo”. Na nossa opinião, este é o caso do exemplo (149), em que o locutor faz apelo a um conhecimento generalizado: “tendo todos nós o contexto, já muito conhecido”, para argumentar as suas ideias. Em (150) e (151) o grau maior de abstração de referência de nós remete para uma leitura genérica, em que o locutor expressa factos considerados por ele gerais, mas, ao contrário de (150), sem procurar o consenso dos interlocutores. Se em (149) nós é uma entidade abstrata que sabe e que é tomada como testemunha pelo locutor na justificação dos seus pressupostos, em (150) e (151) é uma entidade abstrata que tem, que serve para descrever situações, mas sem papel ativo no discurso. Ou seja, em (149) nós justifica a posição do locutor, através da expressão de um possível consenso doxal (todos nós conhecemos), ao passo que em (150): “nós temos dois Brasis” e (151): “nós temos aqui um belíssimo negócio” nós tem a função de agente na expressão de factos gerais, mas sem os justificar. (149) A Sr.ª Cecília Meireles (CDS-PP): — Por último, em relação ao BPN, gostava de lhe perguntar o seguinte: cada vogal do conselho de administração do BPN ganha cerca de 230000€, que é mais do dobro do que ganha o nosso Primeiro-Ministro e mais do que ganha a Chanceler Merkel, da Alemanha. Gostava de lhe perguntar se lhe parece sensata esta situação neste Banco, em particular, atravessando o Banco as dificuldades que atravessa e tendo todos nós o contexto, já muito conhecido, em que o contribuinte português é chamado a pagar os custos da nacionalização deste Banco. (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011) (150) O SR. DEPUTADO MOREIRA MENDES - Mas eu quero dizer, especialmente aos Srs. Deputados, que nós temos dois Brasis: o Brasil da lei, o Brasil legal, o Brasil que dá publicidade, o Brasil da palavra dos Ministros, o Brasil da palavra do Presidente do INCRA; e o Brasil real, aquele lá na ponta, o Brasil do Deputado Beto, lá no Pará, o meu, de Rondônia, a realidade nua e crua, que é completamente diferente dessa beleza mostrada aqui pelos Srs. Ministros. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (151) O Sr. Bruno Dias (PCP): — O problema é que nós temos aqui um belíssimo negócio para os interesses privados mas um péssimo negócio para o Estado e para as populações. O passe social não vale para a Fertagus, Sr. Ministro! (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

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2.2.2.2 Nós2 – eu Se o nós1 favorecia uma leitura genérica, em (152) temos um nós2 que remete clara e objetivamente para o locutor. Este exemplo – é verdade, singular, pelo menos neste corpus, mostra o funcionamento da equivalência NÓS = EU. Embora seja uma estratégia muito presente em outros tipos de discursos, como o académico, por exemplo, no discurso político o nós individual é usado com muito menos frequência. Na nossa opinião, este uso de nós – chamado de modéstia ou de majestade – não é compatível com as particularidades do discurso político. Se no discurso científico nós visa o apagamento da identidade individual do investigador para dar um caráter menos subjetivo aos pressupostos apresentados, nos debates políticos a posição adotada pelo locutor é inteiramente assumida pelo mesmo, que a apresenta não apenas como sendo dele, mas também de outros. Aliás, mesmo quando fala em nome próprio, o discurso de um político pode ser interpretado como sendo do grupo que ele representa. Ou seja, se num trabalho científico nós fala em nome do eu, num discurso político eu fala em nome de um nós. Em (152) consideramos que se trata sobretudo de uma particularidade idioletal, usando o locutor ao longo das suas intervenções os pronomes eu, nós e a gente indiferentemente. (152) O Sr. Ministro Carlos Lupi - Então, eu peço desculpas à opinião pública, que fica com uma imagem de que somos um louco, um tresloucado. Eu não sou! Eu estou há 5 anos no Ministério; não são 5 dias. Desde que eu entrei no Ministério tem gente querendo me derrubar. Passam 5 anos e não conseguem. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

2.2.3.3 Nós3 – eu e o interlocutor Nós3 tem o objetivo de criar consenso a nível da interação direta entre o locutor e o seu alocutário; a estrutura referencial do pronome é neste caso NÓS = EU + TU. Este uso é também pouco frequente no nosso corpus. Nós3 visa a criação de contornos muito bem delimitados da imagem coletiva, restringindo a sua referência a dois indivíduos, que são considerados principalmente na sua qualidade de participantes na interação. Se um primeiro efeito discursivo deste nós é o de criar um recorte no quadro interacional do debate, estabelecendo quem são os atores principais, num segundo momento o locutor põe em evidência outras imagens de si, fazendo nestes dois casos, apelo à identidade política: “Nós somos políticos” em (153) e políticaprofissional “quando fui ministro” em (154). (153) O SR. DEPUTADO PAUDERNEY AVELINO - Muito obrigado a V.Exa. Sr. Ministro, Sras. e Srs. Deputados, em primeiro lugar, entendo que o Ministro José Eduardo Cardozo, como Ministro da Justiça, tem efetivamente se comportado como um Ministro do Estado brasileiro. [...] Mas, caro Ministro, nem V.Exa. é policial nem eu sou policial. Nós somos políticos. O único

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anfíbio aqui é o Deputado Protógenes, que trata das duas questões. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012) (154) Domnul Miron-Tudor Mitrea: - Sigur, în ceea ce ne priveşte pe noi doi, domnule Filip, cred că nu aţi avut această problemă, pentru că eu am încercat, atunci când am fost ministru, mai ales pentru marile municipii, cum erau Oradea şi altele… (Reunião do Senado de 3 de outubro de 2011) [O Senhor Miron-Tudor Mitrea: - Com certeza, no que diz respeito a nós dois, senhor Filip, acho que o senhor não teve este problema, porque eu tentei, quando fui ministro, sobretudo no caso dos grandes municípios, como Oradea e outros…]

2.2.3.4 Nós4 – os da sala Nós4 situa-se também no dispositivo da interação, mas, ao contrário de nós3, sai do binómio EU-TU e abrange outros participantes na interação. Trata-se também da construção de uma imagem coletiva que revela os indivíduos preponderantemente na sua qualidade de atores no debate parlamentar, criando uma coesão entre o locutor, o(s) alocutários, o(s) destinatários e os que assistem ao seu discurso. No entanto, no plenário há também diferentes grupos – para além das bancadas partidárias, que criam as suas solidariedades ideológicas e, por vezes, conjunturais – que aparecem nos discursos: os deputados que integram a mesa, os deputados que estão na sala, os jornalistas e os cidadãos que assistem aos trabalhos nas galerias, etc. Em (155), por exemplo, o presidente da Câmara dos Deputados fala em nome da Mesa reponsável pela coordenação dos trabalhos: “Nós agradecemos também, senhora deputada”, em (156) o locutor refere de maneira mais geral todos os indivíduos que estão no plenário: “hoje se encontra entre nós”, ao passo que em (157) nós refere os participantes no debate: “Eu só quero que nós finalizemos os debates e a fase de perguntas”. (155) Domnul Ioan Oltean: - Mulţumesc. Vă mulţumim şi noi, doamnă deputat. Îl rog acum pe domnul ministru al sanataţii să exprime poziţia Guvernului şi a ministerului, în raport cu moţiunea al cărei conţinut a fost acum redat. Vă rog, domnule ministru, aveţi cuvântul. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [O senhor Ioan Oltean: - Obrigado. Nós agradecemos também, senhora deputada. Agora pedia ao senhor Ministro da Saúde de expressar a posição do Governo e do ministério sobre a moção cujo conteúdo acabou de ser apresentado. Faz favor, senhor ministro, tem a palavra.]

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(156) A Sr.ª Elsa Cordeiro (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, quero também saudar a Escola Internacional de Porches, que hoje se encontra entre nós. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (157) O SR. DEPUTADO CARLOS MAGNO - Presidente, eu não estou diminuindo a importância da presença do Ministro. Eu só quero que nós finalizemos os debates e a fase de perguntas. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

Em (158) observamos que o locutor refere através de nós os parlamentares que estavam na sala para assistir aos trabalhos. Frequentemente sem voz – a não ser em apartes, como já vimos no capítulo dedicado à construção sequencial dos debates – este ser coletivo não tem uma participação saliente nos trabalhos, desempenhando sobretudo o papel de ratified hearer (ouvinte aceite), na terminologia de Goffman. Na sua intervenção, o locutor traz para a tribuna do parlamento a voz deste grupo, expressando a atitude do mesmo sobre o texto da moção. (158) Domnul Florian Popa: - Domnule preşedinte, Stimaţi colegi, Domnule ministru, Am ascultat cele spuse aici şi am înţeles câteva lucruri pe care, evident, cred că toţi le percepem la fel. Care a fost interesul pentru textul moţiunii? Infim. Noi, cei din sală, făceam orice altceva, numai nu ascultam acest text, după mine, muncit. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [O senhor Florian Popa: - Senhor presidente, estimados colegas, senhor ministro, ouvimos o que foi dito aqui e ententemos algumas coisas que, evidentemente, acho que todos percebemos da mesma maneira. Qual foi o interesse pelo texto da moção? Ínfimo. Nós, os da sala, fazíamos seja o que for, mas não estavámos a ouvir este texto, que na minha opinião, foi trabalhado.]

2.2.3.5 Nós5 – os políticos As seguintes categorias, nós5-nós10 remetem para identidades políticas coletivas: os políticos, o partido, a oposição, os parlamentares, a instituição, os cidadãos. Apesar de terem em comum a sua componente política, consideramos necessário separar estas imagens porque cada uma delas remete para instâncias diferentes do dispositivo comunicacional do discurso político (Charaudeau 2005: 42) ou para facetas diferentes de uma instância deste dispositivo. Por exemplo, os parlamentares podem falar em nome do partido a que pertencem, mas é muito diferente a posição adotada se integram um partido do poder (instância política) ou um da oposição (instância adversária); os parlamentares do poder e os membros do governo representam o mesmo partido, sendo vozes da instância política, na terminologia de Charaudeau (2005), mas as posições que adotam são diferentes, por representarem poderes diferentes da estrutura do Estado, o legislativo e o executivo. Por estas razões, preferimos distinguir as cinco facetas do nós político, para tentarmos destacar com mais precisão as imagens coletivas criadas pelos locutores.

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Na primeira categoria identificámos a construção de um nós que engloba a totalidade da classe política: nós, políticos. Esta imagem coletiva tem como efeito discursivo principal a criação de consenso entre a instância política e a instância adversária, podendo os objetivos ser diferentes, como a realização de projetos mais gerais: “Vamos todos defender Portugal” em (159) ou mais concretos: “temos que promover mais e mais investimentos em obras de infraestrutura hídrica” em (160), “oferi condiţii cât mai acceptabile pentru standardele sociale şi de viaţă” [oferecer as condições mais aceitáveis para os padrões sociais e de vida] em (161) ou para fazer apelo a elementos fundamentais da democracia: “É esta a Constituição que nos norteia” em (162). Por outro lado, consideramos que nós5, para além de tentar criar um consenso entre posições ideológicas opostas, põe em evidência a identidade política profissional, na medida em que remete para questões relacionadas com a governanção do país ou com a organização constitucional do sistema político. (159) O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — O interesse nacional tem de nos levar, a todos, a pôr de parte a baixa política, as crises artificiais e a crítica mesquinha. Aplausos do PSD e do CDS-PP. Protestos do PS, batendo com as mãos nos tampos das bancadas. Vamos todos fazer aquilo que os portugueses esperam de nós: política é decidir e pensar no futuro. Vamos todos defender Portugal. Aplausos do PSD e do CDS-PP, de pé. (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012) (160) O SR. MINISTRO FERNANDO BEZERRA - Nós que somos da política, nós que temos responsabilidades por sermos agentes políticos, na realidade devemos promover, temos que promover mais e mais investimentos em obras de infraestrutura hídrica, como adutoras e canais, para tirar essa condição de restrição ao desenvolvimento econômico-social do Semiárido brasileiro, que se deve sobretudo à falta da oferta de água. (Audiência Pública N°: 0646/12 DATA: 22/05/2012) (161) Domnul Petru Movila: - Ideal ar fi ca noi toţi ce suntem la cârma acestei ţări, fiecare în bucăţica lui, să facem tot ce-i posibil bine şi corect, pentru a oferi condiţii cât mai acceptabile pentru standardele sociale şi de viaţă ale celor ce învaţă ani de zile pentru a fi în slujba sănătăţii omului. Şi aici mă refer şi la cadrele didactice. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [O senhor Petru Movila: - O ideal seria que todos os que governamos este país, cada um no seu lugar, fizéssemos tudo bem e de forma correta, na medida do possível, para oferecer as condições mais aceitáveis para os padrões sociais e de vida aos que estudam durante anos para trabalhar na área da saúde. E aqui falo também dos professores.]

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(162) O SR. DEPUTADO VAZ DE LIMA - É esta a Constituição que nos norteia. É ela quem dá, para nós que ocupamos cargos e funções públicas, o rumo. O Deputado Vanderlei Macris tocou no assunto, mas eu queria ler o art. 37, que diz que nós, administradores públicos, ou a Administração Pública, devemos obedecer a princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

O último nós consensual, tem uma estrutura mais complexa e bastante diferente das ocorrências dos exemplos anteriores, que pode ser esclarecida graças ao contexto político, tomando em consideração a dinâmica da interação na reunião plenária no seu conjunto. Ao aconselhar nós, os políticos a ter cuidado com o que dizem ou fazem, para não trazer prejuízos ao Estado romeno, a ministra refere, de facto, a posição dos representantes da oposição, que mencionaram na moção de censura alegações de corrupção do Ministério de Transportes em leilões para a concessão de contratos públicos (com fundos europeus). Trata-se, portanto, de um nós, políticos que tem valor referencial — membros da oposição — e que exclui tanto o eu, como o grupo a que pertence o locutor. Apesar de se realizar como um nós consensual, em (163) há, de facto um nós polémico, que visa a criação da imagem dos outros, nomeadamente adversários políticos. (163) Doamna Anca Daniela Boagiu: - În rest, pentru noi, ca politicieni, îmi menţin concluziile, acelea ca, atunci când vrem să construim ceva, putem să construim, dar trebuie să fim atenţi la ceea ce spunem, la ceea ce declarăm, la ceea ce facem, astfel încât să nu aducem prejudicii statului român, aşa cum, cu buna-stiinţă, mulţi dintre colegii noştri o fac, invocând, după aceea, documente europene. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [A senhora Anca Daniela Boagiu: - De resto, para nós, enquanto políticos, mantenho as minhas conclusões, ou seja, quando queremos construir alguma coisa, podemos construir, mas devemos prestar atenção ao que dizemos, ao que declaramos, ao que fazemos, de maneira a não prejudicar o Estado romeno, tal como o fazem propositadamente muitos dos nossos colegas, invocando, depois, documentos europeus.]

2.2.3.6 Nós6 – o partido O segundo nós político é o que expressa a adesão ideológica a um partido. Ao contrário do nós5, que expressa a identidade política profissional, nós6 reflete claramente a identidade política ideológica. Do ponto de vista do uso dos meios linguísticos, identificámos duas situações: a primeira, em que a forma de tratamento elocutivo nós é seguida pelo nome do partido, como nos exemplos (164)-(168) e a segunda, em que não aparece explicitamente o nome do partido, sendo, no entanto a expressão da identidade partidária deduzida do contexto, como nos exemplos (167)-(173). No que diz respeito às imagens de si construídas, notamos que os locutores exprimem de maneira mais ou menos explícita uma delimitação clara em relação aos

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partidos com ideologia ou programas de governo opostos. Nos exemplos (164)-(168) os locutores afirmam as posições do partido enquanto ator que participa – quer por estar no poder, quer da oposição – no ato governativo do país: “nós, PSD, sabemos bem como é importante para a economia” em (164), “nós, Bloco de Esquerda, estaremos contra essa operação” em (165), “termos sido nós, PS, a criar essa linha de cuidados continuados” em (166), mas também enquanto grupo que partilha uma determinada ideologia: “essa postura [...] não é republicana, nem para nós que somos do PT, do Governo” em (167). (164) O Sr. Arménio Santos (PSD): — [...] Políticas de austeridade essas que o Governo anterior negociou e assinou com as instituições internacionais — e bem! — e que os dois partidos que hoje estão no Governo também subscreveram — e bem! —, porque aos seus interesses particulares sobrepuseram o interesse nacional. [...] Sr. Presidente, uma das principais consequências destas políticas e desta crise é a imposição de políticas de austeridade a que obriga, é a recessão económica e o inevitável aumento do desemprego. [...] Os jovens, porém, são os mais atingidos. [...] E nós, PSD, sabemos bem como é importante para a economia e para o nosso País podermos contar com o trabalho, a criatividade e o empreendedorismo dos nossos jovens quadros e da nossa juventude. (Reunião plenária de 26 de outubro de 2011) (165) O Sr. João Semedo (BE): — Sobre isto, não queria deixar qualquer dúvida: nós, Bloco de Esquerda, estaremos contra essa operação, que consideramos ruinosa... (Reunião plenária de 16 de março de 2011) (166) O Sr. Nuno André Figueiredo (PS): — O Serviço Nacional de Saúde é uma conquista deste País, que deve ser respeitado, modernizado e sempre desenvolvido e apoiado. Deve continuar a ser um dos melhores bens dos portugueses. No passado, o que o PS fez foi simples e, Sr. Ministro, quanto à linha de cuidados continuados, sentimos orgulho por termos sido nós, PS, a criar essa linha de cuidados continuados e vamos continuar em sua defesa de uma forma bastante rigorosa. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (167) O SR. DEPUTADO JOSÉ GUIMARÃES - Não está correta, meus caros Deputados, sejam da oposição ou da situação, essa postura, porque ela não é republicana, meu caro Ministro, não é republicana, nem para nós que somos do PT, do Governo, nem para a oposição. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

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No exemplo seguinte, o partido é encarado como grupo ideológico e é definido em oposição a outro grupo político: “nós somos um partido de direita, o Partido Nacional Liberal. Os senhores é que não, o Partido Democrata Liberal”. Por um lado, notamos uma diferença em relação aos exemplos anteriores, dado que em (168) é a componente ideológica destacada na construção da imagem de si, mas observamos que se mantém a oposição nós vs. o os outros (neste caso, nós vs. os senhores, o o Partido Nacional Liberal vs. o Partdo Democrata Liberal). Neste caso concreto, a disputa ideológica prende-se com uma situação de facto da política romena, em que diferentes partidos tentam legitimar-se enquanto representantes da direita: por um lado há os chamados partidos históricos (como é o caso do Partido Nacional Liberal), que existiam antes da ditadura comunista e que afirmam a sua identidade ideológica através da ideia de continuação e, por outro lado, há partidos mais recentes, criados depois da Revolução de 1989, que assumiram uma posição de esquerda (o Partido Democrata Liberal integrou a Internacional Socialista) e que mudaram ulteriormente de ideologia. (168) Domnul Puiu Hasotti: - Vă mulţumesc, domnule ministru. Da, noi suntem un partid de dreapta, Partidul Naţional Liberal. Dumneavoastră nu, Partidul Democrat Liberal. În legătură cu grija pe care o purtaţi pentru noi, nu are rost să spun de la acest microfon un proverb pe care vi-l voi spune aşa, personal, un proverb important, cu câinele, ştiţi dumneavoastră. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Puiu Hasotti: - Obrigado, senhor ministro. Sim, nós somos um partido de direita, o Partido Nacional Liberal. Os senhores é que não, o Partido Democrata Liberal. No que diz respeito ao cuidado que têm em relação a nós, não vale a pena falar neste microfone de um provérbio que lhes direi em privado, um provérbio muito importante, com o cão, os senhores sabem.]

Nos exemplos seguintes, em que não se identifica de forma explícita o partido, os locutores assumem a identidade partidária, na sua terceira componente, a de bancada parlamentar; as duas primeiras, que já apresntámos, são o partido enquanto agente participante na governação e enquanto grupo que adota uma ideologia. Em (169) e (170) nós6 define-se enquanto bancada parlamentar, evidentemente, mas também enquanto interveniente no debate político, em diálogo (contraditório) com o governo: “questões, que são, para nós, importantes”, “Nós queremos denunciar as questões, alertar e propor soluções, e queremos ouvir o Governo”. (169) O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — E, depois, outra questão: essas correcções foram feitas por quem? Pelo tal grupo de avaliação? Ou são apenas uma «maquilhagem» de algumas dificuldades para mais tarde acontecer o que acontece sempre nas obras públicas, ou seja, paga o contribuinte? Sr. Ministro, eu gostava que pudesse responder a estas questões, que são, para nós, importantes. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

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(170) A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — O debate não será produtivo se o Sr. Ministro não entrar nele! Vem com a conversa feita, mas tem de responder às perguntas que lhe são formuladas, porque é assim que se promove o debate! Caso contrário, saímos todos daqui na mesma e nós não queremos sair daqui na mesma! Nós queremos denunciar as questões, alertar e propor soluções, e queremos ouvir o Governo e a sua sensibilidade relativamente a essas matérias. Queremos respostas, mas aquilo que temos é uma repetição da intervenção inicial do Sr. Ministro. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

2.2.3.7 Nós7 – a oposição Um sétimo nós diz respeito à oposição ou, na terminologia de Charaudeau (2005: 42), a instância adversária. Nós7 tem uma componente consensual, na medida em que coaduna os representantes da oposição, independentemente da filiação política e, deste ponto de vista, é diferente de nós6 (nós, o partido, talvez da oposição); outro aspeto que decorre desta diferença é não termos encontrado nenhum nós7 que se defina com base em pressupostos ideológicos. Nós7 tem também uma componente conflitual intrínseca, por se posicionar essencialmente contra o poder, desta vez o poder enquanto agente de governo, e não necessariamente como grupo ideológico: “nós somos oposição e somos minoria. O Governo tem 400 Deputados em 513 e tem 60 Senadores em 21” em (171), “o Ministro vir aqui e apresentar os dados [...] Mas nós da Oposição estamos procurando nos aprimorar” em (172). (171) O SR. DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA - Mas eu só faço a seguinte observação: nós somos oposição e somos minoria. O Governo tem 400 Deputados em 513 e tem 60 Senadores em 21. Portanto, só não vai destinar mais recursos para tanto se ele e a sua base de sustentação não quiserem. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (172) O SR. DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA - É muito fácil, para a imprensa, o Ministro vir aqui e apresentar os dados, e aqueles que estão aqui arguindo, em tese, às vezes, não têm todas as informações. Mas nós da Oposição estamos procurando nos aprimorar bastante, para qualificar o debate. (Audiência Pública N°: 1963/11 DATA: 23/11/2011)

O exemplo (173) pode parecer curioso, uma vez que a oposição (na verdade, nós, os da oposição) afirma ter de desempehnar o papel do poder; no entanto, observamos que através desta afirmação o locutor pretende criticar a inatividade do poder, salientando, por conseguinte, o papel da oposição enquanto ator ativo na governação.

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(173) Domnul Ioan Cindrea: - Văzând că actuala putere nu este capabilă să poarte un dialog real cu partenerii sociali, noi, cei din opoziţie, ne-am simţit datori să preluăm rolul puterii pentru a asigura echilibrul social în România şi am depus această propunere legislativă, în speranţa că veţi renunţa în a iniţia un proiect făcut în grabă şi fără girul celor interesaţi. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011) [O senhor Ioan Cindrea: - Vendo que o atual poder não é capaz de ter um diálogo real com os parceiros sociais, nós, os da oposição, sentimos que era o nosso dever desempenhar o papel do poder para assegurar o equilíbrio social na Roménia e propusemos esta iniciativa legislativa, esperando que os senhores deixem de iniciar um projeto feito a pressa e sem o consentimento dos interessados.]

2.2.3.8 Nós8 – os parlamentares Nós8 destaca a imagem dos parlamentares enquanto representantes dos seus eleitores, ou de porta-vozes, na aceção de Marques (2000); na construção desta imagem de si, destaca-se o papel importante desempenhado pela instância cidadã (Charaudeau 2005: 42), ou pelo uso da mesma para a legitimação do discurso proferido no hemiciclo. A dimensão essencial de nós8 não é, como nos exemplos anteriores, nós vs. vocês, mas nós + os outros, ou melhor dito, nós em nome dos outros. Em (174), observamos um duplo posicionamento do locutor, que constrói, em primeiro lugar, uma identidade coletiva relacionada com a bancada parlamentar a que pertence: “Sabe que nós […] faremos estas perguntas até obter respostas” e, num segundo momento, projeta a imagem dos grupos em nome dos quais a bancada fala: “em nome do interesse público e daqueles que representamos”. Em (175) a questão colocada pelo locutor remete para a relação direta entre a instância política e a instância cidadã, mais concretamente para a responsabilidade dos políticos perante os eleitores. (174) O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Mas o Sr. Ministro já nos devia conhecer. Sabe que nós, em nome do interesse público e daqueles que representamos, faremos estas perguntas até obter respostas, como, por exemplo, o que é que o Governo quer para o plano de privatizações… (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011) (175) Domnul Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - Şi cetăţenii României ne întreabă pe noi, deputaţi pe care ei, cetăţenii, ne-au ales, să le spunem de ce se fac reforme împotriva lor. Şi noi ce să le spunem? Că vine Guvernul în Parlament şi ne spune nouă, parlamentarilor, ce minuni se fac cu această reformă. […] Ce le spunem noi cetăţenilor? (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011)

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[O senhor Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - E os cidadãos da Roménia perguntam-nos, aos deputados em que eles, os cidadãos, votaram, porque é que se fazem reformas contra eles. E nós, o que é que lhes dizemos? Vem o Governo ao Parlamento e diz-nos, aos parlamentares, que maravilhas faz com esta reforma. […] O que é que nós dizemos aos cidadãos?]

Em (176), porém, notamos que a fonte da legitimação não é a instância cidadã, mas a própria instância política: “Nós, os senadores que representam o Partido Social Democrata, o Partido Nacional Liberal e o Partido Conservador”. Neste caso, na nossa opinião, trata-se de um posicionamento discursivo que visa a delimitação das ações do governo, portanto de nós (enquanto representantes da coligação da oposição) vs. vocês (enquanto representantes do governo). (176) Domnul Raymond Luca: - Noi, senatorii reprezentând Partidul Social Democrat, Partidul Naţional Liberal şi Partidul Conservator, considerăm că Teodor Baconschi se face responsabil de… (Reunião do Senado de 23 de maio de 2011) [O senhor Raymond Luca: - Nós, os senadores que representam o Partido Social Democrata, o Partido Nacional Liberal e o Partido Conservador, consideramos que Teodor Baconshi é responsável por …]

2.2.3.9 Nós9 – a instituição Nos próximos exemplos, nós9 expressa uma imagem coletiva institucional. Na nossa opinião, não é por acaso que os ministros têm este posicionamento nos seus discursos, porque, enquanto agentes da instância política que excercem o poder, responsáveis pela governação do país, devem veicular uma imagem de si relacionada com a eficiência administrativa. Por outro lado, nenhum político poderá posicionar-se no debate público enquanto detentor do poder, pois corria o risco de ser considerado autoritário ou ditatorial. Por conseguinte, a estratégia adotada quase sempre pelos membros do governo é de falar, enquanto representantes de instituições públicas, sobre a sua atividade, demonstrando a sua competência administrativa: “Nós do MDA e do INCRA, naquilo que nos compete, estamos compartilhando desse esforço, que é do nosso País” em (177), “No Ministério, nós montamos uma ouvidoria permanente” em (178), “Nós fomos os primeiros a avançar com isso”, “nós queremos privilegiar uma abordagem sistémica e integrada do transporte ferroviário”, “Nós fizemos a proposta numa reunião” em (179), “nós, enquanto Governo, temos investido e investiremos” em (180).

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(177) O SR. MINISTRO AFONSO FLORENCE - Quero dizer também que compartilho do destaque merecido para as ações do Governo Federal na fronteira brasileira no combate ao contrabando de toda a natureza e da ação compartilhada dos Ministérios. Nós do MDA e do INCRA, naquilo que nos compete, estamos compartilhando desse esforço, que é do nosso País. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (178) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA - No Ministério, nós montamos uma ouvidoria permanente, que liga para os serviços e garante o medicamento lá. Nós vamos mandar cartas aos pacientes que recebem. Os serviços dos hospitais vão mandar cartas aos pacientes, para dar segurança em relação a esse quimioterápico. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011) (179) O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — É também intenção do Governo continuar com as obras de requalificação da plataforma. E, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que estou inteiramente de acordo com a proposta que fez relativamente à autoridade regional. Mas quem propôs essa autoridade regional fomos nós! Nós fomos os primeiros a avançar com isso, porque achamos que, precisamente, dentro daquela perspectiva que eu repeti e que parece que alguns dos Srs. Deputados não gostam, de que nós queremos privilegiar uma abordagem sistémica e integrada do transporte ferroviário, tem todo o sentido — aliás, é uma exigência — que aquilo que está previsto em termos de novo sistema de mobilidade para o Mondego seja articulado com os SMTUC (Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra) [...]. Nós fizemos a proposta numa reunião que tivemos com os Srs. Presidentes das câmaras municipais precisamente para criar essa autoridade regional, e é isso que iremos fazer. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (180) Doamna Anca Daniela Boagiu (ministrul transporturilor şi infrastructurii): - Concluzia este că noi, ca Guvern, am investit şi vom investi permanent în modernizarea infrastructurii din România, iar lucrările pe care le avem astăzi în derulare însumează 16,7 miliarde de euro. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [A senhora Anca Daniela Boagiu (Ministra dos Transportes e da Intraestrutura): - A conclusão é que nós, enquanto Governo, temos investido e investiremos permanentemente na modernização da infraestrutura da Roménia, e as obras que temos hoje em execução totalizam 16,7 mil milhões de euros.]

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2.2.3.10 Nós10 – os cidadãos Se no caso de nós8 a instância cidadã servia como veículo de legitimação do discurso político, em nós10 esta instância torna-se a componente identitária principal. Através da expressão integrante todos nós, o locutor cria uma imagem coletiva em que engloba todos os cidadãos, na sua dimensão de contribuintes aos orçamento do Estado: “recursos e dos impostos que todos nós pagamos”. Num primeiro momento, observamos um posicionamento confrontacional no que diz respeito a um assunto determinado no seio do governo: “a sustentabilidade das empresas é uma preocupação nossa” e os deputados: “os senhores não estão preocupados com a sustentabilidade das empresas”. Num segundo momento, o locutor engloba ambas as partes, a instância política e a instância adversária numa imagem mais abrangente, de responsabilidade partilhada, possivelmente ainda situada no nível dos atores políticos: “Mas somos todos nós, incluindo os Srs. Deputados, que têm a responsabilidade de pagar isso”. Se a primeira ocorrência da expressão todos nós pode ser interpretada como expressando quer a totalidade dos políticos, quer os cidadãos no seu conjunto, o significado da segunda ocorrência é mais evidente, pois faz apelo de forma inequívoca à instância cidadã: “recursos e [...] impostos que todos nós pagamos”. Neste caso o locutor assume plenamente a identidade de cidadão, para justificar o seu pressuposto. O mecanismo é diferente – e provavelmente mais eficaz – do que assumir a posição de porta voz, que fala em nome do cidadão, pois cria uma aproximação muito mais forte – aliás, uma identificação – com os eleitores. Em outras palavras, este tipo de estratégia poderia ser sintetizada na expressão nós somos o povo – e não em nós representamos o povo – o que poderia criar uma adesão muito ampla às ideias do locutor. (181) O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações: — Mas digolhe mais: a sustentabilidade das empresas é uma preocupação nossa. Aliás, penso que os senhores não estão preocupados com a sustentabilidade das empresas porque também não estão preocupados com quem paga. Mas somos todos nós, incluindo os Srs. Deputados, que têm a responsabilidade de pagar isso. Naturalmente que o Governo e o Estado têm responsabilidades muito mais amplas e gerais, tendo de fazer uma gestão racional dos recursos e dos impostos que todos nós pagamos. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

Nesta secção e nas anteriores, destacámos seis tipos de nós, que afirmavam de forma inequívoca diferentes componentes da identidade política, abrangendo três componentes propostas por Charaudeau (2005: 42) na definição do contrato de comunicação política: a instância política, a instância adversária e a instância cidadã. Nas próximas duas secções analisaremos a construção da identidade nacional e a identidade regional.

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2.2.3.11 Nós11 – os do oeste do país Vasilescu (2011) sublinha no seu trabalho a importância da identidade nacional enquanto componente da identidade parlamentar e evidencia alguns dos mecanismos discursivos da sua construção. Limitar-nos-emos na análise da expressão da identidade nacional – e regional – ao uso da forma de tratamento alocutivo nós. Tal como no exemplo (181), em que o locutor se identificava com os cidadãos, nós11 – nós, brasileiros – tem como efeito a criação de uma adesão do público para com o seu discurso. No entanto, ao contrário do exemplo citado, em que esta identificação se situava no plano político, nós11 procura uma identificação em plano simbólico, da nação e não do Estado. Se nós10 salientava uma igualdade no que diz respeito à participação na construção administrativa do país (nós, os contribuintes), nós11 faz apelo a valores mais abstratos, quase simbólicos, da construção identitária de um país. Em (182), por exemplo, evoca-se a apreciação geral de uma personalidade conhecida por todos: “uma pessoa muito querida por todos nós brasileiros”, ao passo que em (183) o locutor apresenta a vida quotidiana partilhada – teoricamente – pelos brasileiros: “está acontecendo no dia a dia de nós brasileiros”. (182) O SR. DEPUTADO ANTONIO IMBASSAHY - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sras. e Srs. Deputados, eu tenho uma pergunta objetiva a fazer. Antes, quero fazer uma consideração, que não havia pensado, no início desta audiência, mas faço questão de registrá-la, porque o Ministro trouxe aqui o nome de uma pessoa muito querida por todos nós brasileiros, uma pessoa que realmente prestou inestimáveis serviços à educação, ao ensino público: ex-Ministro Paulo Renato. (Audiência Pública N°: 1963/11 DATA: 23/11/2011) (183) O SR. DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA - E os investimentos, no mesmo período, caíram 34,6%. Portanto, não há uma relação de coerência entre o que está sendo dito e o que efetivamente está acontecendo no dia a dia de nós brasileiros. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011)

Relacionada com a identidade nacional está a identidade regional, veiculada nos próximos dois exemplos. Votados num determinado círculo eleitoral, os parlamentares têm uma relação muito forte com as regiões (e os eleitores) que representam no fórum nacional; não é por acaso que assumem de forma explícita uma identidade regional, quando defendem os interesses locais, do distrito em (184) ou do estado em (185). Se no primeiro exemplo está presente a adesão a certos bens culturais importantes na região, no segundo exemplo destaca-se sobretudo o estado enquanto entidade governativa, administrativa. (184) Domnul Emilian-Valentin Frâncu: - Pentru noi, râmnicenii de astăzi, este important să punem în valoare aceste monumente. (Reunião do Senado de 23 de maio de 2011)

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[O senhor Emilian-Valentin Frâncu: - Para nós, os habitantes de Râmnic de hoje, é importante valorizar estes monumentos.] (185) O SR. DEPUTADO VAZ DE LIMA - Lá em São Paulo nós já fizemos isso. Estamos implementando agora, e V.Exa. sabe bem disso. V.Exa. disse algo tão interessante e de que gostei muito: nós não podemos tolerar desvios em recursos da saúde; nem da saúde nem de lugar algum. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011)

Aliás, em (186) destaca-se com mais nitidez a componente governativa, política do estado: “Em São Paulo, na Assembleia, nós aprovamos uma lei”. Neste contexto, consideramos pertinente lembrar que o Brasil é uma federação, em qus os estados têm um grau de autonomia muito grande e desempenham um papel importante na organização política do país. Por outro lado, como o Brasil é um país de dimensões continentais, com grande variedade cultural de uma região a outra, é natural que haja uma adesão muito forte às culturas locais. (186) O SR. DEPUTADO JONAS DONIZETTE - Em São Paulo, na Assembleia, nós aprovamos uma lei, de muita repercussão, que proibia coxinha e alimentos mais gordurosos em cantinas escolares. Houve um veto, por questões constitucionais, mas precisamos começar a pensar nos hábitos alimentares das crianças e dos adultos e em atividades físicas. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011)

Em (187) observa-se a construção de uma dupla identidade: por um lado, o locutor destaca a identidade coletiva regional: “noi, cei din vestul ţării, respectiv judeţul Caras-Severin” [nós, os do oeste do país, respetivamente o distrito CaraşSeverin], mas também a identidade política individual: “pe care îl reprezint în Senat” [que eu represento no Senado]. (187) Domnul Iosif Secăsan: Domnule preşedinte, Stimaţi colegi, Doar câteva cuvinte. Sigur că, noi, cei din vestul ţării, respectiv judeţul Caras-Severin, pe care îl reprezint în Senat, nu ne putem exprima decât satisfacţia că teritoriul judeţului nostru intră în zona de operabilitate a acestui elicopter…(Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Iosif Secăsan: Senhor presidente, estimados colegas, apenas algumas palavras. Claro que, nós, os do oeste do país, respetivamente o distrito CaraşSeverin, que eu represento no Senado, só podemos expressar a nossa satisfação que o território do nosso distrito entra na zona de operação deste helicóptero…]

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2.2.3.12 Nós12 – o país Se nós11 evoca uma identidade regional ou nacional a nível de indivíduos – quer do ponto de vista simbólico, quer governativo / administrativo –, nós12 remete para o país como todo, nas suas dimensões económica ou política. Sobretudo em (188) e (189), o locutor refere o país enquanto economia: “Nós somos o quinto maior mercado mundial de veículos”, “nós conseguimos manter essa posição”, ou enquanto finanças públicas: “nós estamos fazendo superávits primário”, “Nós temos uma solidez”, “nós não podemos permitir que haja aumento de gastos”. Ao contrário das imagens construídas nos exemplos anteriores, que visavam a criação de adesões aos discursos veiculados através da identificação com grupos amplos de indivíduos unidos a nível simbólico (regional ou nacional), em (188) e (189) a imagem do país remete para uma identidade compacta, baseada exclusivamente em componentes económicas e administrativas. (188) O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - Porque a cadeia produtiva do setor automobilístico é uma das mais importantes, representa 23% do PIB industrial brasileiro. Portanto, ela é muito importante. É a que tem maior efeito multiplicador, ou seja, de cada 1 bilhão que se investe ali, ou se vende ali, geramse 2,5 bilhões ao longo da economia. Por isso ela é muito importante. Então, o que está acontecendo com a indústria automobilística? Nós somos o quinto maior mercado mundial de veículos, o que é muito importante. E nós conseguimos manter essa posição apesar da crise de 2008. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011) (189) O SR. MINISTRO GUIDO MANTEGA - A partir de 1999, nós estamos fazendo superávits primário em torno de 3% do PIB. Isso é algo a ser destacado. O Brasil é um país sério, um país que cuida das finanças públicas. E temos que continuar assim, porque temos que impedir, por exemplo, que novos gastos de custeio sejam feitos. Nós temos uma solidez, mas ela às vezes é ameaçada por medidas que podem, abruptamente, elevar gastos do Governo. E aí esse equilíbrio fiscal vai para o beleléu. Então, nós não podemos permitir que haja aumento de gastos. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011) Em (190) a imagem do país é bem mais difusa, pois não está associada a coordenadas definidas: políticas, económicas, cidadãs, etc. Na nossa opinião, o locutor evoca o país enquanto espaço simbólico do debate público ou enquanto arena de ideias: “noi suntem o ţara originală” [nós somos um país original], porque o primeiro minsitro não toma em consideração o que se passa nos outros países da Europa. Notamos também uma comparação indireta com a Europa, uma das constantes do discurso político romeno dos últimos anos. A mesma situação ocorre em (191), em que o locutor evoca a imagem oficial, institucional do país, enquanto membro da União Europeia. A associação com a Bulgária, enquanto membros recentes da UE está também bastante presente no debate público romeno atual.

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(190) Domnul Dan-Coman Sova: - Ştiu că noi suntem o ţara originală şi că pe domnul prim-ministru Boc nu-l vor interesa niciodată realităţile din celelalte ţari ale Uniunii Europene, eu totuşi insist şi vă dau câteva cifre. Nu mai e domnul premier, poate o să-i spună doamna Vass, că e aici şi dânsa reţine sigur. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011) [O senhor Dan-Coman Sova: - Sei que nós somos um país original e que o senhor primeiro ministro Boc nunca estará interessado nas realidades de outros países europeus, no entanto eu insisto em apresentar alguns números. O senhor primeiro ministro já não está, talvez a senhora Vass possa dizer-lhe, porque ela está aqui e de certeza se lembra.] (191) Domnul Marian-Iulian Rasaliu: - Dar, încă o dată vă spun, ce vină are oare ministrul Baconschi că noi şi Bulgaria am intrat ultimii în Uniunea Europeană, cu nivelul de dezvoltare avut în prezent?! În concluzie, am să votez împotriva acestei moţiuni şi-i sfătuiesc şi pe colegii mei să facă la fel. (Reunião do Senado de 23 de maio de 2011) [O senhor Marian-Iulian Rasaliu: - Mas, volto a dizer, qual é a culpa do ministro Baconschi se nós e a Bulgária entrámos os últimos na União Europeia, com o nível de desenvolvimento que temos atualmente?! Em conclusão, votarei contra esta moção e aconselho os meus colegas a fazerem o mesmo.]

2.2.3.13 Nós13 – polémico Nesta última categoria identificámos o que Marques (2000: 208-210) designa nós polémico, ou seja um nós através do qual se veiculam discursos dos outros e até se constroem identidades dos outros; trata-se de um uso intrinsecamente exclusivo, do qual o eu – e, neste caso concreto, o tu também – são ausentes. Ao contrário dos exemplos anteriores em que nós se definia em oposição com os outros – estratégia discursiva que analisaremos mais em pormenor na secção seguinte –, nós13 baseia-se também numa dimensão agónica fundamental do debate parlamentar, da qual o locutor se exclui. Aliás, Aldina Marques sintetiza muito bem o funcionamento discursivo deste nós: “É nuclearmente polémico, provocatório, na medida em que o locutor traz para o discurso determinados pontos de vista, assertados ou pressupostos, dos quais se distancia. Neste caso, a não adesão do Locutor é obrigatória. Este não assume o ponto de vista que traz para o discurso, distancia-se do enunciador e imputa ao alocutário, ou melhor, a parte do alocutário, a responsabilidade deste ponto de vista veiculado. O valor referencial de Nós5 137 privilegia o alocutárioadversário do momento” Marques (2000: 208, nosso negrito).

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Na classificação de Marques (2000), nós polémico é nós5.

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Na nossa opinião, nós13 é um tropo designativo através do qual o locutor se distancia de um posicionamento discursivo com o qual não está de acordo. (192) Doamna Doina Burcau: - Marea majoritate a specialiştilor sunt de acord că asumarea răspunderii pe această lege minimalizează rolul Parlamentului, prin scurt-circuitarea activităţii legislative. Transferăm Guvernului controlul legiferării, argumentând că un pachet legislativ de o asemenea importanţă trebuia discutat mai în detaliu, şi nu asumat. Asumarea răspunderii a fost pripită şi nenecesară. A fost o ambiţie a ministrului educaţiei de la acea dată, ambiţie care ne afectează pe toţi, deopotrivă, omiţând că România este mai importantă decât suntem noi orgolioşi. (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012) [A senhora Doina Burcau: - A grande maioria dos especialistas está de acordo: assumir a responsabilidade por esta lei minimiza o papel do Parlamento, fazendo um curto circuito na atividade legislativa. Transferimos ao Governo o controlo da legislação, argumentando que um pacote legislativo de tanta importância devia ser debatido mais em detalhe, e não apenas assumido. Foi uma ambição do então Ministro da Educação, ambição essa que nos afeta a todos nós omitindo o facto de a Roménia ser mais importante do que o nosso orgulho.]

2.2.4 Nós vs. os outros Na secção anterior, dedicada à apresentação das imagens de si veiculadas pelos locutores através do uso da forma de tratamento elocutivo nós, destacámos construção de diferentes tipos de nós consensual, que visam a criação de adesão para com os seus discursos e de nós agonal (ou conflitual), que se definem essencialmente em oposição com os outros. Nesta secção retomaremos o segundo assunto, com alguns exemplos esclarecedores. Em primeiro lugar, é preciso salientar que nos debates políticos as posições antagónicas advêm, não só do papel desempenhado pelos locutores na arena política (enquanto representantes da instância política e da instância adversária, ou em outras palavras poder vs. oposição), mas também de diferendos ideológicos (por exemplo, esquerda vs. direita). Nos exemplos que selecionámos do sub-corpus romeno, observamos que as imagens agonais nós vs. os senhores constroem-se através de pares antonímicos que qualificam negativamente as ações e as atitudes dos outros: “Dumneavoastră i-aţi distrus pe fermieri” [os senhores distruíram os agricultores] em (193), “dumneavoastră, care aţi dat dovadă de iresponsabilitate atunci când aţi guvernat” [os senhores, que mostraram irresponsabilidade quando governaram], “dumneavoastră, care aţi dat dovadă şi daţi dovadă şi astăzi de ipocrizie…” [os senhores que mostraram e ainda hoje mostram hipocrisia...] em (194) e que avaliam positivamente as ações e as atitudes próprias: “Noi îi vom ajuta.” [Nós vamos ajudá-los] em (193), “Noi suntem responsabili” [Nós somos responsáveis] em (194). Em (195), a estratégia do locutor

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para criar imagens antonímicas e marcar a diferença, está patente – nós vs. todos os outros – através de acumulação de caraterísticas positivas; os outros limitaram-se a ler e a citar reformas, nós implementámo-las: “Nu doar am citit şi citat măsurile de reformă, ci le şi punem în aplicare” [Nós só lemos e citámos as medidas de reforma, mas também as aplicamos]. Observamos que nos três exemplos os locutores invocam posicionamentos antagónicos na área da governação, que contrapõem ações (distruir vs. ajudar; ler, citar, portanto uma atitude passiva vs. aplicar, portanto agir, fazer), atitudes (irresponsabilidade vs. responsabilidade). (193) Domnul Vasile Mocanu: - Domnilor, Dumneavoastră i-aţi distrus pe fermieri. Noi îi vom ajuta. Ce mai spune moţiunea? (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de outubro de 2012) [O senhor Vasile Mocanu: - Meus senhores, os senhores distruíram os agricultores. Nós vamos ajudá-los. O que é que diz a moção ainda?] (194) Domnul Viorel Ştefan: - Da, eu vorbesc, stimate coleg. Pentru că noi suntem responsabili faţă de dumneavoastră, care aţi dat dovadă de iresponsabilitate atunci când aţi guvernat. Noi suntem responsabili faţă de dumneavoastră, care aţi dat dovadă şi daţi dovadă şi astăzi de ipocrizie… (Reunião da Câmara dos Deputados de 23 de outubro de 2012) [O senhor Viorel Ştefan: - Sim, falo eu, estimado colega. Porque nós somos responsáveis, aos contrário dos senhores¸que mostraram irresponsabilidade quando governaram. Nós não somos responsáveis, ao contrário dos senhores que mostraram e ainda hoje mostram hipocrisia…] (195) Domnul Cseke Attila (ministrul sănătăţii): Noi ne deosebim de toţi ceilalţi printr-un amănunt esenţial. Nu doar am citit şi citat măsurile de reformă, ci le şi punem în aplicare. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de maio de 2011) [O senhor Cseke Attila (Ministro da Saúde): Nós somos diferentes de todos os outros num pormenor essencial. Nós só lemos e citámos as medidas de reforma, mas também as aplicamos.]

Nos exemplos do sub-corpus português, a situação é semelhante: os locutores contrapõem ações opostas (contratar vs. despedir) para se diferenciarem dos adversários políticos em (196), ou salientam os defeitos dos outros, para afirmar, implicitamente, as qualidades próprias: “essa é toda a diferença entre nós e os demagogos e irresponsáveis” em (197).

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(196) O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sabe, Sr.ª Ministra, há uma diferença de fundo entre a minha bancada e a do Governo: nós queremos apostar em ajudar as empresas a contratar; pelos vistos, a opção do Governo é só a de ajudar as empresas a despedir! (Reunião plenária de 16 de fevereiro de 2011) (197) O Sr. Francisco de Assis (PS): — O que se exige de um governante não é que faça proclamações demagógicas, não é que ignore a realidade, pelo contrário, é que encontre as respostas para resolver os problemas que a realidade lhe coloca. Aplausos do PS. E essa é toda a diferença entre nós e os demagogos e irresponsáveis. (Reunião plenária de 16 de março de 2011)

No entanto, esta estratégia de avaliação negativa dos outros, o posicionamento explícito em lados opostos, não significa necessariamente uma falta do debate, pois, como já vimos na segunda parte do volumes, os FTA são uma componente intrínseca do debate parlamentar. A desvalorização do outro, enquanto mecanismo de autovalorização faz parte das “regras do jogo” político e não se circunscrevem na oposição cortesia vs. descortesia, prevalente nas interações quotidianas.

2.2.5 Nós, nós, nós Uma das particularidades do sub-corpus brasileiro diz respeito à frequência com a qual são usadas as formas de tratamento elocutivo. Não dispondo de uma transcrição fiel dos debates, seria pouco rigoroso tirar conclusões de textos que são o resultado de um processo de uma transcrição que contém eliminações, alterações ou acréscimos de conteúdo. No entanto, sem fazermos considerações definitivas ou de natureza estatística, queremos apresentar dois exemplos que mostram, por um lado, repetições lineares, englobando séries de nós com o mesmo valor referencial e, por outro lado, repetições em que os locutores incorporam nós com valores referenciais diferentes, por vezes difíceis de distinguir. Em (198), notamos uma repetição do nós9 (nós, a instituição), em que o locutor apresenta ações da instituição que dirige, a Controladoria-Geral da União, um dos órgãos fiscalizadores a nível federal no Brasil. (198) O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - Agora nós9 sabemos, nós identificamos, nós9 quantificamos, nós9 temos os números, que vamos compartilhar, todos, com os senhores. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

Em (199), pelo contrário, os valores referenciais de nós são muito diferentes. A primeira ocorrência tem uma leitura genérica (nós1), a segunda expressa o país, na sua dimensão administrativa (nós11), a terceira indica uma referência aos participantes no

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debate, presentes na sala (nós4) e a última é um nós político, (nós7), nós da oposição. Este breve fragmento, que não é singurar nos três sub-corpus, mostra a plurivocidade de nós e os problemas de interpretação que este pronome pode levantar. (199) O SR. DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA - O Governo insistiu em aprovar a DRU, mesmo todos nós1 sabendo que ela não era mais necessária, porque nós11 não temos mais uma crise fiscal e dificuldades orçamentárias. O Governo bate recordes de arrecadação todos os meses, aumentando, portanto, a sua receita perante os contribuintes. E ficou uma dúvida muito grande para todos nós4 aqui, sobretudo para nós da Oposição, Ministro Mantega, quanto a essa insistência na aprovação da DRU, na verdade, não foi por nenhuma preocupação com gestão orçamentária... (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011)

A análise das formas de tratamento elocutivo eu, nós, a gente permite-nos tirar algumas conclusões sobre a construção da imagem de si (individual ou coletiva): i) a gente é, como seria de esperar, uma particularidade do sub-corpus brasileiro; ii) é tambem uma particularidade brasileira a afirmação explícita da imagem de si através do uso da expressão eu, como...; iii) tanto eu, como nós têm valores referenciais muito variados, que podem chegar a 9 no caso da identidade individual (é verdade que o caso apresentado parece ser sobretudo uma caraterística idioletal, específica do ministro Carlos Lupi) e 13 no caso das possíveis identidades coletivas; iv) as classificações da identidade parlamentar que se limitam a um número restrito de componentes – nacional, institucional, profissional, pessoal em Vasilescu (2011); política profissional e política relacional segundo Van Dijk (2010) – podem ser alargadas para englobar outras componentes identitárias que não são abrangidas; v) de uma maneira geral, podemos classificar os 13 valores referenciais de nós nas seguintes categorias: genérico (nós1), individual (nós2), interacional (nós3 e nós4), político (nós5, nós6, nós7, nós8, nós9 e nós10), nacional/regional (nós11, nós12) e polémico (de facto um tropo designativo que projeta ironicamente a imagem do(s) outro(s), nós13); vi) usar o dispositivo de comunicação política proposto por Charaudeau (2005) destaca diferentes tipos de nós político, associados à instância política, instância adversária e à instância cidadã; vii) destacam-se duas estratégias principais que decorrem do uso de nós: o emprego de um nós consensual, centrado em si, que procura a adesão ao discurso próprio e um nós agonal, que se define essencialmente pela relação fundamental de oposição aos outros; viii) a plurivocidade referencial de nós determina tentativas de negociação de significado, quando os interlocutores querem delimitar-se de certos grupos (ver infra 2.5.1. Tratamento elocutivo).

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E, por útimo, julgamos poder concluir, no final deste capítulo, citando Louis Guespin (1985: 45): “Il est important d’étudier nous : important pour la linguistique générale comme pour le discours politique”. Depois da análise das formas pronominais elocutivas e do seu papel na construção da imagem de si, tentaremos nos próximos capítulos apresentar os usos e os valores das formas de tratamento alocutivas e delocutivas e a construção discursiva da imagem dos outros.

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2.3 A imagem do(s) outro(s): o tratamento pronominal alocutivo e delocutivo Art. 73. XI - referindo-se, em discurso, a colega, o Deputado deverá fazer preceder o seu nome do tratamento de Senhor ou de Deputado; quando a ele se dirigir, o Deputado dar-lhe-á o tratamento de Excelência. (Regimento Interno da Câmara dos Deputados, Congresso Nacional do Brasil)

Este capítulo debruça-se sobre os usos das formas de tratamento (FT) pronominais alocutivas e delocutivas na construção da imagem dos outros e na configuração da distância interlocutiva. No caso dos debates parlamentares, os estudos comparativos sobre os usos das FT que já desenvolvemos (Manole 2012a, 2012b) mostram as seguintes caraterísticas: i) ausência dos pronomes de intimidade (tu em português europeu e romeno); ii) negociação dos usos e dos valores das FT pronominais com valor intermédio de formalidade (você em português europeu, dumneata em romeno); iii) preferência clara pela FT nominal colegas em romeno e senhores deputados em português europeu. No que diz respeito às FT e as suas funções na dinâmica interacional, salientámos em Manole (2014) o seu papel na gestão dos turnos de fala, sendo – sobretudo as formas nominais – um dos meios mais usados por moderadores para conceder ou retirar a palavra aos intervenientes. Em relação aos valores das FT em contexto parlamentar, consideramos que as locuções pronominais com valor ceremonioso Vossa Excelência, Excelenţa Voastră são usadas como marcas alocutivas ou delocutivas passe-partout, em situações muito variadas, sem necessariamente expressar os valores prototípicos de de cortesia positiva 138 . Tentaremos mostrar que os pronomes de tratamento cerimonioso funcionam como automatismos impostos pela imagem pré-construída que os locutores têm da “linguagem parlamentar”, por vezes em relação de evidente incongruência entre o seu valor prototípico e o seu valor contextual. Neste capítulo concentrar-nos-emos no tratamento pronominal – tanto alocutivo, como delocutivo –, privilegiando os usos da forma honorífica Vossa Excelência, dos pronomes o senhor, dumneavoastră, você e dumneata e, tomando em consideração as particularidades do sistema pronominal deloctivo romeno, os usos das FT el, dânsul, dumnealui e domnia sa.

No caso do discurso parlamentar, consideramos importante a distinção entre formalidade e cortesia – ou polidez, delicadeza –, uma vez que um enunciado pode ser formal, sem ser necessariamente cortês. 138

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2.3.1 Vossa Excelência Em relação aos valores das FT em contexto parlamentar, consideramos que Vossa Excelência, Excelenţa Voastră são impostas pelas práticas discursivas parlamentares, sendo usadas em situações variadas, sem necessariamente expressar os valores prototípicos de cortesia positiva. Como veremos mais adiante, os pronomes de tratamento cerimonioso funcionam sobretudo como requisitos da linguagem protocolar – ou impostos pela imagem pré-construída que os locutores têm da “linguagem parlamentar”, veja-se a frase Vossa Excelência é um trambiqueiro! – usada nos anos ’90 num debate da Assembleia da República de Portugal, segundo Saianda & Gonçalves (2014: 211-226). Serão tomados em consideração tanto os usos interlocutivos139 como em (200), mas também os usos delocutivos, como em (201), tendo esta abordagem como fundamento a teoria sobre o tratamento em português de Carreira (1997). (200) O Sr. Secretário de Estado dos Transportes: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas para trazer duas notas, uma das quais relativa ao endividamento das empresas — espanto?! O endividamento das empresas de transportes tem cerca de 37 anos de crescimento! V. Ex.ª é inocente?! (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (201) O Sr. Deputado Delegado Waldir: — Quero saber de V. Exa. quais os efeitos do RDC para a fiscalização da CGU. Basicamente, são esses os meus questionamentos. Quero agradecer a V. Exa. pela presença. [...] Esta Casa está à disposição de V. Exa., pois queremos ser parceiros nessa ação contundente contra a malandragem. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

Numa primeira leitura, observamos uma assimetria significativa relativamente ao número de ocorrências destas FT nos debates selecionados. Com efeito, se no corpus romeno, identificámos uma única ocorrência de Excelenţa Sa (delocutivo), na apresentação do embaixador dos Estados Unidos, no corpus português Vossa Excelência (em contextos alocutivos e delocutivos) é bastante utilizado (cerca de 95 ocorrências), tornando-se abundante no corpus brasileiro (cerca de 1750 ocorrências alocutivas e delocutivas). Poderíamos assim afirmar que, no que diz respeito ao estilo comunicativo, o discurso parlamentar brasileiro revela-se o mais ceremonioso e o romeno o menos cerionioso, ao passo que o português se situa numa posição intermédia. No entanto, esta afirmação, baseada exclusivamente em observações de caráter quantitativo, deve ser coroborada com uma análise qualitativa dos valores discursivos, porque estas FT, como veremos na secção seguinte, nem sempre têm utilizações protípicas de cerimónia. No sentido de adresse da linguística interacionista francesa, que emprega o critério sintático de détachement (o vocativo latino) para distinguir entre alocução propriamente dita, outras formas com valor alocutivo (iloiement, delocução in praesentia) ou delocução. 139

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Por exemplo, na expressão “V. Exª é um trambiqueiro!”, a mesma FT assume, em conjunto com o adjetivo qualificativo trambiqueiro um valor insultuoso, divergente do seu valor prototípico, de estima e consideração para com o locutor. Assim sendo, chamaremos congruentes os usos cerimoniosos das FT em contexto de cortesia (geralmente positiva, de valorização da imagem do locutor), neutros, os usos de FT em contextos formais, mas sem valor de cortesia positiva (é o caso de discursos institucionais, que impõem um certo formalismo da linguagem, não necessariamente cortês) e incongruentes, os usos que diferem totalmente dos valores prototípicos (em contextos irónicos, de ameaça da imagem do locutor, etc.). Retomando a classificação de Catherine Kerbrat-Orecchioni (2010b) de (des)cortesia – cortesia, hipercortesia, não-cortesia, descortesia e polirudeza –, podemos fazer a hipótese de que os usos congruentes são mais prováveis de aparecer em contextos de cortesia, os usos neutros em contextos de não-cortesia e os usos divergentes em contextos de hipercortesia, descortesia e polirudeza. 2.3.1.1 Usos congruentes Nos exemplos seguintes há uma congruência entre os contextos de usos e os valores. (202) e (203), exemplos do corpus brasileiro, constituem elogios – ou FFAs, face flattering acts, na teoria de Kerbrat-Orecchioni (1992), estratégias de cortesia positiva – em relação à atividade profissional e pública dos interlocutores. Observamos que se trata de FFAs que dizem respeito à imagem pública positiva dos interlocutores (na verdade, parceiros políticos locutores, com quem partilham afinidades ideológicas e políticas). (202) constitui uma reação a FFAs prévios do interlocutor, “agradeço também seus elogios e comprimentos”, o que indica um relacionamento interpessoal baseado nos princípios de cooperação e de valorização, habitual entre os parceiros políticos (veja-se também o critério da afinidade política de Perez de Ayala). Em ambos os exemplos notamos a presença de termos com valor superlativo, “nomes [...] geniais”, “tenho convicção absoluta”, que amplificam o valor dos FFAs. (202) O Sr. Jorge Hage Sobrinho: — Deputado Fernando Francischini, agradeço também seus elogios e o cumprimento. Eu não sabia que V. Exa. era um dos formuladores daqueles nomes, que considero geniais, das operações da Polícia. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011) (203) O Sr. Deputado Weliton Prado: — Com todo o respeito a todos os outros Ministros, tenho convicção absoluta de que V. Exa. é o Ministro mais atuante hoje da Presidenta Dilma. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011)

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Em romeno, Excelenţa Voastră tem um uso muito restrito, sendo esta FT preferida sobretudo nas interações com embaixadores e outros representantes diplomáticos. Aliás, há um único exemplo de uso delocutivo, Excelenţa Sa (ver infra 2.3.4. El, dânsul, dumnealui, domnia sa, Excelenţa Sa). 2.3.1.2 Usos neutros Os exemplos (204)-(209) representam usos neutros das FT. Trata-se de enunciados sem marcadores de cortesia ou de descortesia, em que aparece Vossa Exelência. Em (204) o deputado refere os conhecimentos prévios do ministro sobre o assunto debatido, em (205) um deputado interpela a mesa para transmitir ao ministro um decretolei, em (206) uma deputada refere o tema abordado pelo ministro, em (207) um deputado apresenta uma proposta de cooperação ao ministro, em (208) um deputado refere uma explicação fornecida pelo ministro em relação à Polícia Federal. Consideramos que estes usos se situam na área da deferência protocolar, imposta pelas regras discursivas institucionais, sem ter necessariamente o valor de cortesia, de valorização da imagem do outro. As FT servem para criar, no eixo horizontal, uma distância interlocutiva necessária num debate oficial (tu ou você seriam totalmente inadequados, por expressarem uma relação demasiado próxima), e, no eixo vertical, para posicionar ambos os locutores140 numa zona de formalidade (tu ou você seriam igualmente inadequados, porque se usam em situações de comunicação informais, de intimidade). Nestes contextos Vossa Excelência tem empregos adequados (em conformidade com as práticas discursivas dos debates parlamentares), formais, sem serem corteses (no sentido da cortesia positiva, que valoriza a imagem do outro através de FFAs). (204) O Sr. João Serpa Oliva (CDS-PP): — Como V. Ex.ª sabe, na sexta-feira passada, foram votados projectos de resolução apresentados por todas as bancadas referentes à questão do metro Mondego, os quais foram aprovados pela esmagadora maioria das bancadas, inclusive o projecto de resolução do seu próprio partido. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (205) O Sr. Paulo Portas (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, interpelo a Mesa para pedir a V. Ex.ª que faça chegar ao Sr. Ministro o Decreto-Lei n.º 464/82. (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011) (206) A Sr.ª Mariana Aiveca (BE): — Sr. Presidente, Sr. Deputado João Oliveira, quero saudá-lo pela temática que traz hoje a este debate, porque, de facto, este é um tema que interessa aos portugueses e às portuguesas, particularmente às novas gerações, como V. Ex.ª bem referiu. (Reunião plenária de 16 de fevereiro de 2011) 140

Lembramos o papel da auto-cortesia (self-politeness) na criação do ethos (Cheng: 2001).

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(207) O Sr. Deputado Zé Silva: — Nós queremos apresentar a V. Exa., Ministro, a proposta de criação de uma entidade nacional que administre o setor, para que haja uma política de Estado em relação a assistência técnica e extensão rural. Tenho certeza de que V. Exa. vai receber e dar muito bom acolhimento a nossa proposta. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (208) O Sr. Deputado Pauderney Avelino: — Quero dizer que, como Ministro da Justiça, V. Exa. explicou muito bem a ação da Polícia Federal para elucidar essa questão. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

Nos exemplos de (209a)-(209d), os moderadores da audiência pública utilizam V. Exa. quando conferem a palavra aos deputados inscritos na lista de oradores. Como já expusemos em outros trabalhos (Manole 2014), esta é uma das funções predominantes que as FT (sobretudo as nominais) têm na organização interacional dos debates parlamentares. Nos exemplos seguintes, as formas pronominais aparecem sempre acompanhadas por expressões-padrão como tem a palavra, está com a palavra, dou a palavra, etc. (209a) O Sr. Presidente (Deputado Carlos Brandão): — Tem V. Exa. a palavra. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011) (209b) O Sr. Presidente (Deputado Jorge Boeira): — V. Exa. tem 30 segundos. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (209c) O Sr. Presidente (Deputado Edmar Arruda): — V. Exa. está com a palavra, Deputado. (Audiência Pública N°: 0646/12 DATA: 22/05/2012) (209d) O Sr. Presidente (Deputado Sérgio Brito): — Vou dar a palavra a V. Exa. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

2.3.1.3 Usos incongruentes Como já referimos, no discurso parlamentar – sobretudo em debates de natureza confrontacional, que integram o nosso corpus – o funcionamento da (des)cortesia linguística apresenta algumas particularidades. Nas palavras de Marques (2008b: 294), “é um discurso agónico, agressivo, mas não é ofensivo”, porque os FTAs direcionados aos adversários políticos fazem parte do contrato de comunicação. Por esta razão, apesar do uso sistemático de FTAs, os debates continuam, situação que seria quase impossível numa interação quotidiana. Aliás, é importante salientar que, segundo as regras do debate parlamentar, as FTAs devem dizer respeito à imagem pública do locutor, sendo penalizados os ataques ad hominem (pelo moderador, pela audiência ou pelo próprio destinatário).

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Nos exemplos (210)-(212), os locutores proferem FTAs, ameaçando a imagem pública dos adversários políticos, que são acusados de caluniar conscientemente, “V. Exa. sabe disso e reproduz calúnias e infâmias”, de esconder a verdade, “V. Exa. sabe disso. V. Exa. sabe disso” ou de mentir, “V. Exa. está mentindo”. Apesar da conotação negativa e crítica dos enunciados, mantém-se o tratamento protocolar, através do uso de V. Exa. No entanto, este grau alto de formalidade protocolar entra numa evidente contradição com os valores dos FTAs sem os atenuar. Além do mais, em nossa opinião, V. Exa. funciona como um potenciador do ataque, através de uma relação quase oximorónica entre os valores da FT e os da FTA; V. Exa., através do seu significado cerimonioso, cria certas expectativas em relação ao discurso do locutor e o uso imediato de um FTA vem de encontro a estas expectativas. Tal dissonância óbvia entre a FT e o FTA representa uma das características do funcionamento da (des)cortesia parlamentar: os locutores situam-se através do uso de alguns marcadores, como V. Exa., no topo da formalidade, proferindo ao mesmo tempo, FTAs bastante fortes. (210) O Sr. Deputado Edson Santos: — V. Exa. sabe disso e reproduz calúnias e infâmias contra pessoas das quais o Deputado Anthony Garotinho é adversário. Esse é o caso. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012) (211) O Sr. Deputado Anthony Garotinho: — Os senhores entregariam cópias aos membros da Comissão de Segurança de todas as interceptações com a assessoria técnica de quem conhece o sistema, inclusive daquelas que não foram enviadas ao Ministério Público? Os senhores não enviaram todas as interceptações, enviaram as recentes. V. Exa. sabe disso. V. Exa. sabe disso. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012) (212) O Sr. Deputado Anthony Garotinho: — Não fiz ofensa a ninguém. (Não identificado) – V. Exa. está mentindo. Está querendo criar fato para a mídia. V. Exa...(Intervenções simultâneas ininteligíveis.) (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

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Em (213), encontramos um exemplo ainda mais dissonante, tomando em consideração o valor dos FTAs, que ameaçam a imagem pessoal do locutor. Ao contrário dos FTAs dos exmplos (210)-(212), que referiam a imagem pública dos locutores, em (213) notamos não apenas o uso de um FTA direcionado ao comportamento (e ao temperamento) do locutor, mas também uma qualificação desrespeitosa que tem o objetivo de ridicularizar o mesmo: “Não venha fazer circo aqui!”. Aliás, a reação do locutor, que deseja reparar a sua imagem pessoal, é quase instantânea: “V.Exa. me respeite, porque eu não sou palhaço”. Os FTAs que ameaçam a imagem pública provocam menos reações reparatórias deste tipo, o que demonstra que são consideradas menos fortes pelos locutores. (213) O Sr. Deputado Silvio Costa: — Deputado Paulo Rubem, eu é que peço respeito a V. Exa. Eu vim receber um documento do companheiro. Então, V. Exa. baixe o tom, que eu lhe conheço. Não venha fazer circo aqui, não. O Sr. Deputado Paulo Rubem Santiago: — V. Exa. me respeite, porque eu não sou palhaço. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em (214) e (215) usam-se estratégias indiretas para ameaçar a imagem pública dos locutores. Notamos uma gradação em (216): num primeiro momento, o locutor afirma que o ministro tem dificuldades em fazer com que os outros respeitem a lei (observação através da qual sugere uma incapacidade e/ou debilidade profissional e institucional), mas, num segundo momento, o mesmo ministro é acusado de não respeitar a lei (acusação muito mais grave, que situa o locutor na zona criminal e penal). Em (215), o ataque pretende associar o locutor com as características do grupo a que pertence; como faz parte do PS, que é “especialista” em “propaganda” e “descaramento”, o locutor é também um bom conhecedor destes assuntos. Notamos que, em vez de chamar o locutor “propagandista” e “descarado”, Nuno Magalhães prefere contruir esta argumentação que, na verdade, tem o mesmo objetivo, mas, por ser mais indireta, parece mais adequada num debate parlamentar. No entanto, a audiência não deixa de reagir, havendo protestos dos deputados do PS (o partido criticado) e aplaudos do CDS-PP. (214) O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças, parece-me que V. Ex.ª está com alguma dificuldade em fazer cumprir a lei e, até, por outro lado, tem alguma dificuldade em cumprir V. Ex.ª a lei. (Reunião plenária de 16 de março de 2011) (215) O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, o Sr. Deputado Pedro Jesus Marques, fez uma intervenção acalorada, cheia de adjetivos, que, notoriamente, entusiasmou a bancada do PS, o que é sempre bom, e fê-lo utilizando expressões como «propaganda», «descaramento», matérias sobre as quais não vou, obviamente, questioná-lo, porque V. Ex.ª,

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estando onde esteve, sobre esta matéria não recebe lições de ninguém. Em matéria de propaganda, de facto, o Partido Socialista é especialista[...]. (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

No exemplo (216) os locutores fazem avaliações diretas, com o objetivo de ridiculizar os adversários. No exemplo do corpus português, o locutor ameaça a imagem pública do ministro, designando de forma redutora o seu cargo, “ministro de abastecimento e preços”, “secretário de estado do comércio interno”, sugerindo desta maneira que, com as medidas económicas adotadas, não consegue desempenhar as funções de ministro de economia. Salientamos a “eficácia” desta designação deturpante – lembramos o “Ministro do Desemprego” do mesmo debate –, que, através dos média, chega a ser conhecida pelo público. Torna-se numa espécie de rótulo designativo, entra no folclore quotidiano. A FT V. Exa. não atenua pois o valor depreciativo da designação. (216) O Sr. Basílio Horta (PS): — Concluo, Sr.ª Presidente. Como estava a dizer, por este caminho, Sr. Ministro, V. Ex.ª será um velho «ministro de abastecimento e preços» ou um «secretário de estado do comércio interno», mas Ministro da Economia de uma economia internacionalizada é que V. Ex.ª não será, com grave prejuízo para a economia portuguesa. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

Os últimos dois exemplos poderiam ser incluídos na categoria de polirudeza. Segundo Kerbrat-Orecchioni (2010b), a polirudeza é um FTA dissimulado num FFA (os chamados “elogios pérfidos”), mas na nossa opinião, este conceito pode ser aplicado a uma maior variedade de contextos em que a cortesia e a descortesia são entrelaçadas. Por exemplo, em (217) o locutor aparentemente faz um pedido cortês, usando um atenuador – “gostaria de pedir” – mas, de facto, através da solicitação – “respeitasse o povo brasileiro” – sugere que o ministro, pelas suas ações, tem uma atitude de desrespeito para com o povo e o parlamento. Em (218) o locutor faz uma sugestão sobre a saúde do ministro, mas o efeito é também de ameaça da imagem do adversário, criticando o seu aspeto físico. Notamos também que este FTA se situa fora das regras do debate parlamentar, por ter como objetivo a imagem pessoal, e não a imagem pública do ministro. (217) O Sr. Deputado Alexandre Leite: — Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, Sr. Ministro, em primeiro lugar, Sr. Ministro, eu gostaria de pedir que V. Exa. respeitasse o povo brasileiro. [...] Suas declarações, embora se tenha desculpado, ofendem não só o povo brasileiro mas também este Parlamento e os Parlamentares que estão aqui no exercício da função. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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(218) O Sr. Deputado Paulo Rubem Santiago —. […] O Ministro está visivelmente fora do índice de massa corporal; reagiu e raciocinou sob emoção e agressividade. Então, eu quero lhe sugerir redução de peso, dieta, exercício físico, maior volume de oxigênio no sangue até para permitir que, com uma melhor respiração, V. Exa. retome a normalidade e a tranquilidade para trazer aqui essas informações. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Esta análise do tratamento cerimonioso em debates parlamentares – Vossa Excelência – permite-nos fazer algumas considerações gerais em sobre o funcionamento destas FT no sub-género de discurso político em análise. Do ponto de vista quantitativo, nota-se que as FT de valor cerimonioso não são usadas no discurso parlamentar romeno, a não ser en circunstâncias bem definidas, como no tratamento de representantes diplomáticos estrangeiros (ver infra. 2.3.4 El, dânsul, dumnealui, domnia sa, Excelenţa Sa). Nos debates parlamentares da Assembleia da República de Portugal, esta FT é usada com alguma frequência, sendo abundante nos debates brasileiros. Poderíamos afirmar que se observa uma preferência nos debates brasileiros pelo tratamento cerimonioso, ao passo que no discurso parlamentar romeno essa tendência está ausente, situando-se as interações da Assembleia da República de Portugal numa posição intermédia. Do ponto de vista qualitativo, observamos no corpus analisado a presença de valores alocutivos e delocutivos, que abrangem três categorias de usos: congruentes (FT de valor cerimonioso aparece em contextos de cortesia positiva, valorizando a imagem do interlocutor); neutros (FT cerimoniosos em contextos formais, mas não corteses, sem marcadores de cortesia positiva ou negativa); incongruentes (FT cerimoniosos em diferentes contextos de descortesia ou de polirudeza, que contêm FTAs em relação ao interlocutor). Os dados da análise qualitativa mostram que esta FT é usada independentemente do contexto, representando um verdadeiro automatismo, imposto pelas normas discursivas dos debates e, provavelmente, pela intenção dos oradores de criar um ethos de pessoa educada, que domina uma linguagem formal, de acordo com prestígio do cargo detido (veja-se sobretudo a abundância dos usos nos debates brasileiros). No capítulo seguinte continuamos as análises do tratamento alocutivo, destacando as formas pronominais que expressam um grau elevado de deferência, dumneavoastră e domnia voastră.

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2.3.2 Dumneavoastră e domnia voastră Dumneavoastră é a forma de tratamento pronominal que se emprega em romeno para expressar um grau de cortesia bastante elevado, tanto no singular, como no plural. É o resultado de um processo de lexicalização da forma nominal domnia voastră [vossa senhoria], conjuga-se com a segunda pessoa do plural, sendo deste ponto de vista próximo do pronome vous do francês. No politeness continuum proposto por Vasilescu (2011: 23), o pronome dumneavoastră situa-se no caso da designação de um alocutário no terceiro grau de cortesia, sendo precedido por tu (zero grau de cortesia) e dumneata (cortesia popular) e seguido por domnia voastră (grau máximo141 de cortesia). No caso da designação de mais alocutários, dumneavoastră ocupa uma posição intermédia, entre voi (grau zero de cortesia) e domniile voastre (grau máximo de cortesia). Nesta secção tentaremos destacar os valores de dumneavoastră tanto no singular (dumneavoastrăSG), como no plural (dumneavoastrăPL) analisando os seus empregos segundo o critério proposto na secção anterior para Vossa Excelência, a adequação do valor intrínseco da FT ao uso concreto, que pode resultar em empregos congruentes, neutros e incongruentes. 2.3.2.1 Dumneavoastră, domnule No caso da designação de um alocutário, evidenciaremos, num primeiro momento, alguns exemplos de usos neutros, em que dumneavoastrăSG não expressa necessariamente valores de cortesia positiva, de valorização da imagem do locutor. Trata-se sobretudo de usos neutros, relacionados com a gestão do turno de fala, em que o presidente dá ou retira a palavra aos oradores inscritos na lista de intervenientes. (219), (220) e (221) são exemplos de frases funcionais, que visam a organização do debate e que não têm cargas ideológicas ou políticas. Se é verdade que nestes contextos os locutores não procuram criar estratégias no âmbito do trabalho de figuração (facework), podemos, no entanto, considerar, que o uso deste pronome tem como objetivo adequar o discurso às normas protocolares parlamentares; através de dumneavoastrăSG cria-se uma distância institucional entre pares (pois todos os interlocutores são parlamentares) para com o interlocutor que não expressa uma hierarquia na vertical, embora este pronome possa ter esta função em outros tipos de interações. Aliás, como veremos mais adiante, esta FT é usada constantemente (777 ocorrências de dumneavoastrăSG e dumneavoastrăPL) em debates parlamentares, independentemente do discurso veiculado pelo locutor.

Na nossa opinião o grau máximo de cortesia, embora restrito a alguns tipos de discursos, como o diplomático, é expresso em romeno com as locuções pronominais Excelenţa Voastră, Excelenţele Voastre.

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(219) Domnul Viorel Hrebenciuc: - Domnule Spînu, timpul dumneavoastrăSG sa epuizat! (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012) [O senhor Viorel Hrebenciuc: Senhor Spînu, o tempo do senhor acabou!] (220) Domnul Vasile Blaga: - Mulţumesc. Şi dumneavoastrăSG aţi epuizat timpul alocat. Domnul senator Gheorghe Bîrlea. Se pregăteşte, din partea Grupului parlamentar al PSD, domnul senator Daniel Savu. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Vasile Blaga: - Obrigado. O senhor também esgotou o tempo disponível. O senhor senador Gheorghe Bîrlea. Prepara-se, da parte do Grupo Parlamentar do PSD, o senhor senador Daniel Savu.] (221) Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: - Doamnă ministru, vă cer permisiunea... Aveţi 50 de minute ca reprezentant al Guvernului, aţi vorbit 30 de minute. Vă reamintesc că nici n-au început dezbaterile pe grupuri parlamentare şi probabil că va trebui să spuneţi ceva şi la sfârşit. Eu sunt dator să fiu păzitorul dumneavoastrăSG să mai aveţi 20 de minute măcar la sfârşit. (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012) [O senhor Valeriu Ştefan Zgonea: - Senhora ministra, com licença... Enquanto representante do Governo, tem 50 minutos, já falou 30 minutos. Queria relembrar-lhe que ainda não começaram os debates com os grupos parlamentares e que talvez tenha de dizer alguma coisa no fim. É o meu dever ser o seu “guarda”, para que a senhora fique com pelo menos 20 minutos no fim.]

Em (222), o locutor situa-se numa posição oposta em relação ao interlocutor, mas tenta mitigar a sua atitude fazendo apelo a um possível consenso; aliás, reinterpreta o papel da moção simples, afirmando que este recurso parlamentar de fiscalizar o governo tem como objetivo criar “discuţii care să ducă la progres” [discussões que levem ao progresso] e não pôr as duas partes “într-o contradicţie” [em contraditório]. O tom da intervenção, apesar de claramente crítico e de ameaçador para a imagem do ministro, não ultrapassa um nível neutro do debate; não há ironias, ataques violentos, acusações graves, como vimos que há em debates parlamentares. Aliás, o locutor afirma desde o início o seu objetivo, que é de ter uma “discuţie constructivă” [discussão construtiva]. Por conseguinte, poderíamos considerar este uso também neutro, dado que tanto o conteúdo da intervenção, como o tom do locutor se inscrevem na linha protocolar do debates parlamentares: é evidente que os locutores se situam em posições contrárias, que tentam argumentar, mas sem usar recursos linguísticos agressivos, ironicos, agonais. (222) Domnul Adrian Rădulescu: - Domnule ministru, vreau să am o discuţie constructivă cu dumneavoastrăSG, pentru că rolul Parlamentului şi al unei moţiuni este de a avea discuţii care să ducă la progres, şi nicidecum lucruri care să ne pună într-o contradicţie şi să avem impresia că creăm între noi

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animozităţi. Primul lucru pe care v-aş ruga să îl luaţi în evidenţă este că în funcţia dumneavoastrăSG pe care o aveţi, de ministru al agriculturii, sunteţi în slujba agricultorilor, şi nu patronul lor. Faptul că spuneţi “N-am să permit niciodată agricultorilor...”" şi aşa mai departe. Nu, dumneavoastrăSG sunteţi cel care faceţi politici agricole comune, cel care le puneţi în practică şi cel care-i ajutaţi pe agricultori în activitatea lor. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de outubro de 2012) [O senhor Adrian Rădulescu: - Senhor ministro, quero ter uma discussão construtiva com o senhor, porque o papel do Parlamento e de uma moção é ter discussões que levem ao progresso, e não de nos pôr em contraditório e de termos a impressão que criamos animosidades entre nós. A primeira coisa que gostaria que o senhor tomasse em consideração é que na função que tem, a de Ministro da Agricultura, está a trabalhar para os agricultores, não é o patrão deles. O facto de dizer “Nunca permitirei aos agricultores...” e assim por diante. Não, o senhor é quem faz políticas agrícolas comuns, quem as põe em prática e quem ajuda os agricultores na sua atividade.]

Nos próximos exemplos, as duas ocorrências de dumneavoastrăSG aparecem em contextos diferentes; num primeiro momento, o locutor afirma a subserviência do Primeiro Ministro em relação ao Presidente da República142: “dumneavoastră, [...] nu aveţi nicio vină, doar executaţi, [...] toate ordinele venite de la Cotroceni” [o senhor [...] não tem culpa nenhuma, pois o executa, [...] todas as ordens vindas de Cotroceni”; portanto, a expressão: “de această dată în apărarea dumneavoastră” [desta vez em defesa do senhor] só pode ser interpretada como irónica. A segunda ocorrência aparece num contexto em que o governo é acusado por ter imposto diferentes iniciativas legislativas ocultando o debate parlamentar em comissões de especialidade, através de um procedimento parecido com a “solicitação do voto de confiança”, que pressupõe a votação do projeto de lei em reunião plenária. Notamos que o segundo uso de dumneavoastrăSG ocorre num contexto de FTA do Governo e do Primeiro Ministro, na altura criticados fortemente pela oposição por não tomar em consideração o papel do parlamento no processo legislativo. (223) Domnul Ioan Cindrea: - Mai trebuie spus ceva, de această dată în apărarea dumneavoastrăSG, domnule prim-ministru. Sunt păreri care spun că nu aveţi nicio vină, doar executaţi, ca pe front, toate ordinele venite de la Cotroceni. [...] Însă comparaţia devine uluitoare dacă ne uităm că în perioada de când sunteţi dumneavoastrăSG prim-ministru, domnule Boc, Guvernul pe care îl conduceţi şi-a angajat răspunderea nu mai puţin de zece ori, angajarea pe Codul muncii fiind a unsprezecea oară când folosiţi această procedură. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011)

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O Palácio Cotroceni de Bucareste é a sede da Presidência da Roménia.

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[O senhor Ioan Cindrea: - Temos de dizer mais uma coisa, desta vez em defesa do senhor, senhor primeiro-ministro. Há opiniões segundo as quais o senhor não tem culpa nenhuma, pois o executa, como numa frente de guerra, as ordens vindas de Cotroceni. [...] Mas a comparação torna-se deslumbrante se vemos que no período desde que o senhor é primeiro ministro, senhor Boc, o governo que lidera assumiu a responsabilidade143 pelo menos dez vezes, sendo o regime de contratação do Código de Trabalho a décima primeira vez que usa este procedimento.]

Em (224) a dinâmica dos usos de dumneavoastrăSG é particularmente interessante, pois o locutor começa com um FFA (face flattering act), elogiando a ministra pelo seu pragmatismo: “Dumneavoastră sunteţi un om care trăiţi în realitate” [A senhora é uma pessoa que vive na realidade], contraposto às caraterísticas do ministro anterior, “un ministru care trăia în lumea basmelor” [um ministro que vivia no mundo dos contos de fadas]. O locutor continua a sua intervenção, em que contrapõe o antigo ministro e a atual ministra (e o partido dela), tentando salientar que uma possível imagem positiva dos últimos pode ser ameaçada pela adoção das políticas do primeiro. Depois desta construção de imagem positiva do locutor através de FFAs explícitos, o locutor faz a seguir considerações que podem ser interpretadas como FTAs, pois no fim do trecho selecionado acusa a ministra de defender “anumite poziţii pe care, de fapt, nici dumneavoastrăSG nu le credeţi” [certas posições em que, de facto, nem a senhora acredita]. Observamos, porém, que esta dinâmica dos FFAs e dos FTAs não determina alterações no uso da FT, esta conservando-se ao longo da intervenção, embora haja distâncias claras entre os conteúdos dos contextos (ora valorizantes para a imagem do locutor, ora ameaçadores) e o valor instrínseco da FT. (224) Domnul Ilie Sârbu: - Doamnă ministru, cel mai bun lucru - şi eu am mai spus-o şi la întâlnirea pe care am avut-o la Biroul permanent -, nu mai moşteniţi legi, iniţiative şi ordonanţe pe care le-a făcut un ministru care trăia în lumea basmelor. DumneavoastrăSG sunteţi un om care trăiţi în realitate - că, altfel, n-aţi fi ajuns aici - într-o realitate chiar destul de, zic eu, pragmatică. Nu mai luaţi ceea ce a scris domnul Lăzăroiu, vă compromite şi pe dumneavoastrăSG, compromite şi partidul şi sunt suficienţi oameni în partidul dumneavoastră care nu merită acest compromis, nu merită să stea cu capul în pământ şi să privească în sertarul pupitrului de la Senat atunci când criticile întemeiate ale opoziţiei şi axate pe cifre, pe documente vă arată că nu aveţi dreptate, că susţineţi anumite poziţii pe care, de fapt, nici dumneavoastrăSG nu le credeţi. (Reunião do Senado de 3 de outubro de 2011) [Domnul Ilie Sârbu: - Senhora ministra, a melhor coisa – já o disse na reunião que tivemos na Mesa permanente – é deixar de herdar leis, iniciativas e portarias (de

Procedimento constitucional romeno, similar com a “solicitação do voto de confiança” existente na Constituição da República Portuguesa.

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emergência) feitas por um ministro que vivia no mundo dos contos de fadas. A senhora é uma pessoa que vive na realidade, pois, caso contrário, não teria chegado aqui, digo eu, a uma realidade bastante pragmática. Não use o que escreveu o senhor Lăzăroiu, a senhora desacredita-se a si própria e desacredita o seu partido e há bastantes pessoas no seu partido que não mecerem este descrédito, não merecem estar de cabeça no chão, olhar para a gaveta da secretária do Senado quando as críticas justificadas da oposição, baseadas em números, em documentos, mostram-lhe que não tem razão, que defende certas posições em que, de facto, nem a senhora acredita.]

Em (225) podemos observar também o emprego da ironia para a caraterização do interlocutor. No início da intervenção, que tem três ocorrências da FT dumneavoastrăSG, o locutor faz aparentemente um retrato positivo do interlocutor: “nu aveţi nicio problemă” [não tem nenhum problema], “Sunteţi imaginea liniştii” [É a imagem da tranquilidade], “Succesul dumneavoastră pare a fi succesul nostru” [O seu sucesso parece ser o nosso sucesso], etc. Aliás, o locutor continua, destacando o desempenho do ministro e os seus sucessos em todos os aspetos da vida: “- succesul dumneavoastră în viaţă, în carieră, în politica externă, în Franţa, în Anglia, săptămâna trecută, la Budapesta, peste tot” [o seu sucesso na vida, na carreira, na política estrangeira, em França, na Inglaterra, em Budapeste na semana passada]. Aparentemente, trata-se de um FFA, congruente com o uso de uma FT que expressa um grau elevado de cortesia ou de deferência. No entanto, ao continuarmos a leitura do fragmento, observamos que a imagem do ministro é construída em contraposição com a dos parlamentares – que fizeram a moção – e que este sucesso está relacionado com uma certa altivez do interlocutor. É esta altivez que faz com que o ministro – na opinião do locutor – considere os parlamentares insignificantes, projetando uma imagem de arrogância do interlocutor. Neste caso, o uso da FT dumneavoastră pode ser interpretado tanto como um reflexo normal da linguagem regimental parlamentar, mas também como estratégia de criar uma distância considerável para com o interlocutor, o que permitirá a construção da imagem de arrogância. Neste jogo de imagens veiculadas contrapõem-se, aliás dumneavoastră a noi [nós]: “nu aveţi nicio problemă” [o senhor não tem nenhum problema] vs. “Ne trataţi şi pe noi [...] aşa, ca pe nişte minori” [Trata-nos também [...]como uns insignificantes], com o objetivo de descrever posições antagónicas, quer políticas, quer comportamentais. (225) Domnul George-Crin-Laurenţiu Antonescu: - DumneavoastrăSG, domnule ministru, nu aveţi nicio problemă. Sunteţi imaginea liniştii, stabilităţii, succesului nostru. Succesul dumneavoastrăSG pare a fi succesul nostru, al tuturor - succesul dumneavoastrăSG în viaţă, în carieră, în politica externă, în Franţa, în Anglia, săptămâna trecută, la Budapesta, peste tot. Sunteţi perfect liniştit. Ne trataţi şi pe noi, în frunte cu cititorul - Pace ţie, cititorule Raymond Luca! -, aşa, ca pe nişte minori, care vă încurcăm un pic demersurile cu această moţiune simplă şi păreţi extraordinar de liniştit. (Reunião do Senado de 23 de maio de 2011)

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[O senhor George-Crin-Laurenţiu Antonescu: - Senhor ministro, o senhor não tem nenhum problema. É a imagem da tranquilidade, da estabilidade, do nosso sucesso. O seu sucesso parece ser o sucesso de todos nós, o seu sucesso na vida, na carreira, na política estrangeira, em França, na Inglaterra, em Budapeste na semana passada, em todos os lados. Está perfeitamente tranquilo. Trata-nos também, junto com o leitor – Paz a ti, ó leitor Raymond Luca! -, como uns insignificantes que o atrapalham um pouco nas suas diligências com esta moção simples e parece extraodinariamente tranquilo.]

Os exemplos (226)-(228) apresentam, quase na totalidade das ocorrências da FT dumneavoastrăSG, exemplos evidentes de FTAs: acusações de incapacidade, fraude, falta de desempenho, etc. Em (226) cria-se a imagem de um interlocutor incapaz de respeitar as suas promesssas: “dumneavoastră nu aţi fost capabil nici măcar să vă respectaţi promisiunea” [o senhor não foi capaz nem sequer de respeitar a sua promessa], que rouba: “de a da înapoi cele 15 procente furate din salariul bugetarilor” [devolver os 15% roubados do salário da função pública], que tem políticas económicas desastrosas: “măsurilor dumneavoastră falimentare” [suas medidas falimentares]. (226) Domnul Ioan Cindrea: - De fapt, dumneavoastrăSG nu aţi fost capabil nici măcar să vă respectaţi promisiunea de a da înapoi cele 15 procente furate din salariul bugetarilor, anul trecut în luna iulie, darămite să le promiteţi acum că noul proiect le consolidează poziţia, când oamenii nu au ce mânca şi aleargă şi astăzi după un loc de muncă, ca urmare a măsurilor dumneavoastrăSG falimentare. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011) [O senhor Ioan Cindrea: - De facto, o senhor não foi capaz nem sequer de respeitar a sua promessa e devolver os 15% roubados do salário da função pública, no mês de julho do ano passado, mas agora prometer que o novo projeto fortalece a sua posição, quando as pessoas não têm o que comer e andam a procura de um emprego, em consequência das suas medidas falimentares.]

Num primeiro momento, em (227) as acusações são mais graves, de natureza criminal: “implicarea dumneavoastră în tentativa de fraudare a fondurilor europene” [seu envolvimento na tentativa de fraude dos fundos europeus], mas depois o locutor faz um outro FTA em que critica o administrativo do ministro, mencionando que em vez de fazer administração, dedicou-se à atividade política: “noi ştim că dumneavoastră [...] aţi făcut multă politică şi puţină administraţie” [nós sabemos [...] fez muita política e pouca administração]. Observamos que ao longo da intervenção, o locutor usa a FT dumneavoastrăSG, respeitando o registo formal parlamentar, apesar do conteúdo dos FTAs, que ameaçam de maneira evidente a imagem profissional e institucional do interlocutor. (227) Domnul Stelian Fuia: - Domnule ministru, eu vă cer demisia pentru implicarea dumneavoastrăSG în tentativa de fraudare a fondurilor europene pe Măsura 111 - Asistenţă tehnică pentru fermele de subzistenţă. Şi

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dacă nu ştiţi, domnule ministru, despre ce este vorba - pentru că noi ştim că dumneavoastrăSG aţi delegat foarte mult din atribuţii, aţi făcut multă politică şi puţină administraţie - am să vă explic eu. (Reunião da Câmara dos Deputados de 9 de outubro de 2012) [O senhor Stelian Fuia: - Senhor ministro, eu peço-lhe a demissão por causa do seu envolvimento na tentativa de fraude dos fundos europeus na Medida 111 – Assistência técnica para a agricultura de subsistência. E se não souber, senhor ministro, de que é que se trata – porque nós sabemos que o senhor delegou muitas das suas atribuições, fez muita política e pouca administração – vou explicar-lhe.]

Em (228), o locutor aposta em primeiro lugar na ideia de incoerência para ameaçar a imagem profissional do interlocutor: “sunteţi o simbioză între putinţă şi neputinţă” [é uma simbiose entre capacidade e incapacidade], “aţi putut [...] ca ceea ce aţi făcut într-un mandat să anulaţi în următorul” conseguiu [...] anular num mandato o que fez no anterior”, mas, em segundo lugar, tenta criar também uma imagem de irresponsabilidade: “brincar de vez em quando no Ministério da Educação com a sorte das crianças e dos jovens”. Em todos os exemplos notamos que os locutores ameaçam a imagem profissional ou institucional dos interlocutores. Neste caso, o uso da FT dumneavoastrăSG serve para criar a distância necessária num debate institucional, posicionando os dois intervenientes numa posição simétrica, de igualdade, embora representando atores que defendem políticas opostas, na área da económia, mas também na agricultura ou na educação. (228) Doamna Doiniţa-Mariana Chircu: - Ca ministru sunteţi o simbioză între putinţă şi neputinţă. Când e vorba de putinţă, mă refer la faptul că puteţi orice, oricum, oriunde, când este vorba de un interes electoral. Numai dumneavoastrăSG aţi putut realiza nonperformanţa ca ceea ce aţi făcut întrun mandat să anulaţi în următorul, adică să vă jucaţi din când în când pe la Ministerul Educaţiei cu destinele copiilor şi tinerilor şi, de ce nu, şi ale profesorilor. (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012) [A senhora Doiniţa-Mariana Chircu: - Enquanto ministra é uma simbiose entre capacidade e incapacidade. Quando se trata de capacidade, refiro-me ao facto de poder fazer seja o que for, seja como for, seja onde for, se houver algum interesse eleitoral. Só a senhora conseguiu o não-desempenho de anular num mandato o que fez no anterior, ou seja brincar de vez em quando no Ministério da Educação com a sorte das crianças e dos jovens e, porque não, com a dos professores.]

Se em (226)-(228) os FTAs visavam a imagem profissional ou institucional dos interlocutores, no exemplo seguinte a situação é diferente. Para contextualizarmos a disputa entre os dois parlamentares – de que apresentamos aqui apenas um pequeno fragmento –, mencionamos que o locutor e o interlocutor são membros de partidos

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de direita, um no poder (Partido Democrata Liberal) e o outro em oposição (Partido Nacional Liberal, em coligação com os socialistas). Anteriormente a este episódio, Teoader Paleologu criticou o PNL por não representar o liberalismo ao fazer uma coligação ideologicamente incoerente com os socialistas, estratégia política que resultará no desaparecimento do partido. No fragmento selecionado, apresentamos a resposta dos liberais. Depois de uma rejeição de qualquer colaboração no futuro, prevendo o locutor que o PDL iria desaparecer até as eleições seguintes, observamos o uso de um FTA que visa desta vez a imagem pessoal do interlocutor. Se a primeira ocorrência de dumneavoastrăSG é neutra, pois constitui uma interrogação sobre as declarações anteriores do interlocutor, a segunda é claramente incongruente com o contexto em que aparece, pois o locutor refere a tradição liberal da família (nobre) do interlocutor, para o comparar com uma figura bastante conhecida na Roménia graças à imprensa tabloide, a feiticeira cigana Mama Omida. A estratégia de ameaça à imagem do interlocutor é contrapor à tradição (política, familiar e inteletual) prestigiada do mesmo uma avaliação negativa (através da comparação explícita com um personagem derisório), que situa o interlocutor numa zona do ridículo e de evidente falta de prestígio. Esta caraterização quase oximorónica, pois contrapõe mundividências e universos culturais claramente opostos, tem como efeito ameaçar uma componente identitária pessoal, a tradição da família e não apenas uma declaração política. Embora este tipo de FTA não obedeça às regras do debate parlamentar, pois não visa a imagem político-ideológica ou político-profissional, o locutor usa a FT dumneavoastrăSG, respeitando as normas de tratamento, mesmo que superficialmente. (229) Domnul Puiu Haşotti: - Domnule deputat Paleologu, dumneavoastrăSG ce-aţi făcut acum? Aţi făcut un apel la ce? La vreo colaborare politică între PNL şi PDL? Nu se va face. Şi ştiţi de ce? Că în 2012, chiar dacă am vrea s-o facem, nu o să avem cu cine. Grupul parlamentar al PNL (din sală): Bravo! Bravo! Bravo! (Aplauze din partea Uniunii Social-Liberale.) Domnul Puiu Haşotti: - Şi atitudinea dumneavoastrăSG chiar este penibilă, că veniţi aici, şi purtaţi un nume ilustru, şi vă comportaţi ca Mama Omida! (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011) [O senhor Puiu Haşotti: - Senhor deputado Paleologu, o que é que o senhor acabou de fazer? Fez um apelo a quê? A uma colaboraão política entre PNL e PDL? Não será feita. E sabe porquê? Porque em 2012, mesmo querendo fazê-la, não teremos com quem fazê-la. O grupo parlamentar do PNL (da sala): Bravo! Bravo! Bravo! (Aplausos da União Social-Liberal.) O senhor Puiu Haşotti: - E a sua atitude é mesmo embaraçosa, porque vem aqui, tem um nome ilustre, mas porta-se como Mama Omida!]

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2.3.2.2 Dumneavoastră, domnilor Enquanto FT que designa mais alocutários, dumneavoastrăPL apresenta, como vimos no caso de dumneavoastrăSG, valores diferentes, ora neutros, ora com graus diferentes de incongruência em relação aos contextos em que é usado. (230) e (231) são exemplos que ilustram os usos neutros, em sequências protagonizadas pelos presidentes da sessão; trata-se de intervenções que ocorrem no início das reuniões plenárias, em que os senadores se pronunciam através do voto quer sobre a ordem do dia, o programa dos trabalhos e outros expedientes, quer sobre projetos de leis e diplomas que devem ser aprovados no plenário do Senado. DumneavoastrăPL designa neste caso a totalidade dos senadores, independentemente da sua orientação política, os contextos de uso tendo um caráter funcional, específico para os trabalhos parlamentares: “Votul dumneavoastră, vă rog” [O vosso voto, por favor], “Supun votului dumneavoastră” [Submeto à vossa votação], “Supun votului dumneavoastră proiectul de lege” [Submeto à vossa votação o projeto de lei]. (230) Domnul Mircea-Dan Geoană: - Vă rog să vă pronunţaţi cu privire la ordinea de zi, cu modificarea propusă. Votul dumneavoastrăPL, vă rog. [...] Supun votului dumneavoastrăPL ordinea de zi iniţială, pe care o aveţi în mapele dumneavoastrăPL. [...] Votul dumneavoastrăPL, vă rog. Cu 92 de voturi pentru, 2 voturi împotrivă şi 2 abţineri, programul de lucru a fost aprobat. [...] Supun votului dumneavoastrăPL modificarea în componenţa nominală a Comisiei pentru cultură, artă şi mijloace de informare în masă, pe care a anunţat-o liderul Grupului parlamentar al PSD, respectiv, trecerea doamnei senator LiaOlguţa Vasilescu, în locul domnului senator Crăciun Avram... (A reunião do Senado de 23 de maio de 2011) [O senhor Mircea-Dan Geoană: - Por favor pronunciem-se sobre a ordem do dia, com a alteração proposta. O vosso voto, por favor. [...] Submeto à votação a ordem do dia inicial, que têm nas vossas pastas. [...] O vosso voto, por favor. Com 92 votos a favor, 2 votos contra e 2 abstenções, o programa dos trabalhos foi aprovado. [...] Submeto à vossa votação a alteração da estrutura nominal da Comissão de cultura, arte e mass-media, anunciada pelo lider do Grupo parlamentar do PSD, ou seja, a substituição do senhor senador Crăciun Avram pela senhora senadora Lia-Olguţa Vasilescu...] (231) Domnul Vasile Blaga: - Supun votului dumneavoastrăPL proiectul de lege. [...] Supun votului dumneavoastrăPL raportul comisiei, cu amendamentul admis. Cu 100 de voturi pentru, 4 voturi împotrivă şi 3 abţineri, raportul a fost adoptat. Supun votului dumneavoastrăPL proiectul de lege. Cu 100 de voturi pentru, un vot împotrivă şi 5 abţineri, proiectul de lege a fost adoptat. (A reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Vasile Blaga: - Submeto à vossa votação o projeto de lei. [...] Submeto à vossa votação o relatório da comissão, com a emenda aprovada. Com 100 votos a favor, 4 votos contra e 3 abstenções, o relatório foi aprovado. Submeto à vossa votação o projeto de lei. Com 100 votos a favor, 1 voto contra e 5 abstenções, o projeto de lei foi aprovado.]

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Se em (230)-(231) dumneavoastrăPL designava os senadores no seu conjunto, nas ocorrências seguintes refere, de maneira mais ou menos explícita apenas uma ou outra bancada parlamentar, por vezes, para evitar possíveis confusões quanto ao valor referencial, os locutores dizendo claramente quem são os interlocutores, como acontece em (232): “”Stimaţi colegi din PDL, mă adresez dumneavoastră în special” [Estimados colegas do PDL, dirijo-me especialmente aos senhores] ou em (233): “Aş vrea, stimaţi colegi, de aici încolo, să mă adresez colegilor liberali” [Queria, estimados colegas, daqui em diante dirigir-me aos colegas liberais]. Já nestes exemplos notamos que dumneavoastrăPL designa os adversários políticos cuja imagem se constrói em oposição quer com a imagem pessoal coletiva veiculada pelo locutor (nós, a nossa bancada), imagem essa que pode fazer apelo a pressupostos ideológicos, opções de governação, quer com a imagem coletiva mais difusa, que refere um todos indeterminado ou, por vezes, a instância cidadã. Esta estratégia discursiva de construção de uma imagem negativa do(s) outro(s) é complementar à de construção de uma imagem positiva de si, já analisada detalhadamente no capítulo sobre o tratamento elocutivo (ver supra 2.2 A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo). Em (232) o locutor constrói a imagem negativa dos interlocutores (embora destinatários seja um termo mais adequado, uma vez que não se trata de uma interação verbal convencional) em oposição a um todos com valor elocutivo (o valor referencial deste pronome indefinido é neste contexto todos nós ): “ştim cu toţii că vă doriţi” [todos sabemos que querem]. A imagem negativa dos outros relaciona-se com a governação, portanto com a identidade política profissional. No caso de (233), o locutor faz apelo à imagem político-ideológica e às consequências decorrentes das opções políticas: “Prin votul dumneavoastră de astăzi, Partidul Naţional Liberal dispare ca partid de dreapta” [Com o vosso voto de hoje, o Partido Nacional Liberal desaparece enquanto partido de direita]. (232) Domnul Ioan Cindrea: - Stimaţi colegi din PDL, mă adresez dumneavoastrăPL în special, pentru că ştim cu toţii că vă doriţi să scăpaţi de Emil Boc de la conducerea acestei ţări. Ştim că aţi conştientizat, chiar dacă mai târziu, faptul că oricâte privilegii, funcţii sau demnităţi v-ar oferi, prezenţa lui în fruntea Guvernului nu poate şterge ruşinea aruncată asupra partidului dumneavoastrăPL de către proasta şi neperformanta sa guvernare. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011) [O senhor Ioan Cindrea: - Estimados colegas do PDL, dirijo-me especialmente aos senhores, porque todos sabemos que querem livrar-se de Emil Boc da liderança deste país. Sabemos que se deram conta, mesmo se mais tarde, que independentemente do número de privilégios, funções ou cargos que lhes possa oferecer, a presença dele no Governo não pode remover a vergonha transferida ao vosso partido pela sua péssima governação, sem desempenho.] (233) Doamna Sulfina Barbu: - Aş vrea, stimaţi colegi, de aici încolo, să mă adresez colegilor liberali, deoarece moţiunea de cenzură de astăzi are o miză

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istorică pentru dumneavoastrăPL, stimaţi colegi. [...] Votul dumneavoastră împotriva Codului muncii de dreapta este, practic, pistolul pe care vi-l puneţi singuri la tâmplă. Prin votul dumneavoastrăPL de astăzi, Partidul Naţional Liberal dispare ca partid de dreapta. Şi am să explic de ce. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011) [A senhora Sulfina Barbu: - Queria, estimados colegas, daqui em diante dirigir-me aos colegas liberais, porque a moção de censura de hoje tem uma importância histórica para os senhores, estimados colegas. [...] O vosso voto contra o Código de Trabalho de direita é, praticamente, o revólver que os senhores apontam para as suas cabeças. Com o vosso voto de hoje, o Partido Nacional Liberal desaparece enquanto partido de direita. E vou explicar porquê.]

Em (234) observa-se a dinâmica poder vs. oposição na sua dimensão agonal; neste caso, um dos representantes acusa a oposição – citanto argumentos da moção: “am citat din moţiunea dumneavoastră” – de má governação no Ministério da Administração Interna: “dumneavoastră sunteţi cei care aţi făcut din MAI un mamut bugetofag” [os senhores fizeram do MAI um mamute que “come” o orçamento], tentando criar uma imagem negativa dos adversários políticos, ameaçando a sua imagem coletiva político-profissional. (234) Domnul Dumitru-Florian Staicu: - În ceea ce priveşte afirmaţiile privind reorganizările succesive, care au transformat MAI într-o instituţie paralizată de dezordine, cu angajaţi demotivaţi profesional, timoraţi de teama pierderii postului şi neîncrezători în ierarhia de comandă - am citat din moţiunea dumneavoastrăPL - ţin să menţionez că dumneavoastrăPL sunteţi cei care aţi făcut din MAI un mamut bugetofag, greoi şi, nu de puţine ori, ineficient ca structură. (Reunião do Senado de 6 de setembro de 2011) [O senhor Dumitru-Florian Staicu: - No que diz respeito às afirmações sobre as reorganizações sucessivas, que transformaram o Ministério da Administração Interna numa instituição paralisada pela desordem, com funcionários desmotivados do ponto de vista profissional, com medo de perder o seu emprego e desconfiantes da hierarquia no comando – fim da citação da vossa moção – queria mencionar que os senhores fizeram do MAI um mamute que “come” o orçamento, lento e, não poucas vezes, com uma estrutura ineficiente.]

Em (235) o uso de dumneavoastrăPL relaciona-se, num primeiro momento, com uma imagem de oposição não em relação aos adversários políticos, mas sim aos eleitores: “că moţiunea dumneavoastră este o batjocură la adresa poporului”, portanto o eixo de anatagonismos irredutíveis opõe desta vez a instância adversária (Charaudeau 2005) à instância cidadã. Esta prática discursiva bastante frequente pretende, por um lado, legitimar o discurso do locutor, mas também envolver os cidadãos no debate político. Num segundo momento, o locutor usa a ideia de falta de seriedade, para ameaçar a imagem dos interlocutores, invocando que a moção apresentada pela oposição não tem

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quaisquer fundamentos: “moţiunea dumneavoastră este lipsită de temei juridic şi de temei motivaţional” [a vossa moção carece de fundamento jurídico e fundamento motivacional], “dumneavoastră ar trebui să vă găsiţi alte preocupări, mult mai serioase” [os senhores deveriam encontrar outras preocupações, muito mais sérias], os FTA visando a imagem política profissional dos interlocutores. Neste caso observamos também uma incongruência entre o valor intrínseco, de alto grau de cortesia que dumneavoastrăPL pode ter e o valor contextual, que tem como objetivo a desvalorização do interlocutor, comum no discurso político confrontacional. (235) Domnul Ioan Oltean: - Iată care sunt astăzi, în parte, realităţile acestui minister şi acestui guvern. Iată de ce, stimaţi colegi, cred, fără niciun fel de reţinere, că moţiunea dumneavoastrăPL este o batjocură la adresa poporului, că moţiunea dumneavoastrăPL este lipsită de temei juridic şi de temei motivaţional. Iată de ce cred că dumneavoastrăPL ar trebui să vă găsiţi alte preocupări, mult mai serioase, în Parlamentul României, decât aceea de a iniţia moţiuni lipsite de relevanţă, lipsite de susţinere. (Reunião da Câmara dos Deputados de 21 de novembro de 2011) [Domnul Ioan Oltean: - Eis quais são, em parte, as realidades deste ministério e deste governo. É por isso que, estimados colegas, acho, sem sombra de dúvida, que a vossa moção é uma ofensa ao país, que a vossa moção carece de fundamento jurídico e fundamento motivacional. É por isso que acho que os senhores deveriam encontrar outras preocupações, muito mais sérias, no Parlamento da Roménia, em vez de iniciarem moções sem relevância e sem apoio político.]

O último exemplo de uso de dumneavoastrăPL é também um FTA que visa a imagem política profissional da oposição (ou instância adversária). Os mecanismos de descrédito dos interlocutores neste caso são mais complexos. Em primeiro lugar, o locutor menciona os insucessos dos outros: “dumneavoastră ştiţi ce nerealizări aveţi” [senhores sabem que insucessos têm], para depois referir o que considera uma caraterística da oposição, a hipocrisia: “sunteţi conştienţi de ele, nu le recunoaşteţi” [têm consciência deles, não os reconhecem]. Aliás, toda a intervenção – que contém quatro ocorrências de dumneavoastrăPL – será construída a volta da hipocrisia dos interlocutores. Observamos uma gradação dos FTAs. O locutor começa com uma alusão que sugere a hipocrisia: “ştiţi ce nerealizări aveţi, sunteţi conştienţi de ele, nu le recunoaşteţi” [os senhores sabem que insucessos têm, têm consciência deles, não os reconhecem], em seguida refere explicitamente esta caraterística: “Demersul este, de asemenea, ipocrit” [A iniciativa é também hipócrita] e acaba com uma sentença peremptória, em que passa da hipocrisia à mentira: “Moţiunea dumneavoastră este mincinoasă” [A iniciativa é também hipócrita]. Por outro lado, os interlocutores são acusados também de terem sido responsáveis por uma governação desastrosa: “aveţi

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politici dezastruoase” [têm políticas desastrosas], mas incapazes de assumir a responsabilidade das mesmas: “vă spălaţi pe mâini ca şi cum dumneavoastră nu aţi trecut niciodată prin această guvernare” [mas lavam-se as mãos, como se os senhores nunca tivessem governado]. Portanto, os FTAs visam tanto a imagem política profissional, mas também a imagem pessoal, que refere defeitos de natureza comportamental, todas as ocorrências de dumneavoastrăPL sendo incongruentes com o conteúdo destes FTAs. (236) Domnul Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - Aş mai spune că este un demers caraghios, pentru că dumneavoastrăPL ştiţi ce nerealizări aveţi, sunteţi conştienţi de ele, nu le recunoaşteţi şi vreţi să le puneţi în cârca guvernării Ponta, aşa cum, de fapt, aţi făcut întotdeauna cei de la PDL. Niciodată nu vaţi asumat nicio responsabilitate. Totdeauna alţii au fost vinovaţi, deşi dumneavoastrăPL aţi fost cei care aţi greşit şi aţi produs dezastre în această ară. Demersul este, de asemenea, ipocrit. Constataţi că aveţi politici dezastruoase, constataţi că aveţi politici care produc rău în această ţară, dar vă spălaţi pe mâini ca şi cum dumneavoastrăPL nu aţi trecut niciodată prin această guvernare. Este păcat că, încă, nu aţi învăţat să vă asumaţi responsabilitatea. Dar poate o să vină vremea aceea atunci când populaţia, la urne, o să vă trezească nevotându-vă. Moţiunea dumneavoastrăPL este mincinoasă. (Reunião da Câmara dos Deputados de 2 de outubro de 2012) [O senhor Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - Diria também que é uma iniciativa ridícula, porque os senhores sabem que insucessos têm, têm consciência deles, não os reconhecem e querem pô-los nas costas do governo Ponta, aliás, como fizeram sempre os senhores do PDL. Nunca assumiram nenhuma responsabilidade. Os outros foram sempre culpados, apesar de os senhores terem cometido erros e terem produzido desastres neste país. A iniciativa é também hipócrita. Verificam que têm políticas desastrosas, que fazem mal ao país, mas lavam-se as mãos, como se os senhores nunca tivessem governado. É pena que ainda não tenham aprendido a assumir a responsabilidade. Mas talvez chegue o tempo em que a população vai despertá-los, nas urnas, não votando nos senhores A iniciativa é também hipócrita.]

Tal como no caso de Vossa Excelência, os exemplos de dumneavoastrăSG e dumneavoastrăPL mostram uma variedade de usos, quer neutros, quer incongruentes com os contextos em que esta FT aparece. No entanto, devemos mencionar que os usos incongruentes parecem ser prevalentes, o que seria uma caraterística do subcorpus romeno.

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2.3.2.3 Domnia voastră Como já referimos em 3.1.1.2. Alocução, em romeno assitimos a uma recuperação no espaço público das formas de tratamento nominais antigas domnia ta – por vezes, com um sentido irónico – e domnia voastră – domniile voastre no plural –, que originaram os atuais pronomes de cortesia dumneata e dumneavoastră. Estes usos recentes devem-se sobretudo a uma perda de valor de deferência dos dois pronomes 144 , sendo assinalados sobretudo por Vasilescu (2005). Mencionamos que nas gramáticas romenas, as expressões domnia ta e domnia voastră são consideradas locuções pronominais de cortesia, dada a sua natureza fundamentalmente deítica. No que diz respeito ao discurso parlamentar, pelo menos nos debates analisados por nós, notamos que não é uma FT muito frequente – só identificámos as três ocorrências dos exemplos (237)-(239) – e que só a forma plural domniile voastre é usada pelos locutores. Por outro lado, observamos também que a relação entre o valor prototípico (de deferência para com o locutor) e o valor discursivo é de incongruência, pois as três ocorrências são empregues em contextos associados a FTAs: uma acusação de copiar as emendas legislativas, ironias sobre uma portaria do governo e sobre a política energética do executivo. (237) Domnul Ioan-Nelu Botiş: - Din 86 de amendamente propuse de Domniile voastre, 78 sunt identice la virgulă cu ceea ce am propus noi. Şi sigur că prima întrebare firească este: dacă această lege a fost rea, de ce aţi copiat-o? Şi, dacă a fost bună, de ce o contestaţi? (Vociferări.) (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Ioan-Nelu Botiş: - Das 86 emendas propostas pelos senhores, 78 são idênticas até à vírgula ao que nós propusemos. E claro que a primeira pergunta natural é: se esta lei foi tão má, porque é que a copiaram? E se foi boa, porque é que a contestam? (Vociferações.)] (238) Domnul Daniel Constantin (ministrul agriculturii şi dezvoltării rurale): - A fost atât de bună ordonanţa de urgenţă la care vă referiţi, încât Ministerul Finanţelor a respins-o la prima citire, doarece conducea la creşterea deficitului bugetar pe care tot Domniile Voastre l-aţi agreat cu Fondul Monetar Internaţional. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de outubro de 2012) [O senhor Daniel Constantin (Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural): - Foi tão boa a portaria de emergência de que está a falar, que o Ministério das Finanças rejeitou-a à primeira leitura, porque determinava o aumento do défice orçamental que os senhores concordaram com o Fundo Monetário Internacional.]

No caso de dumneata podemos falar até de desapacerimento quase por completo da linguagem das camadas mais jovens da população. 144

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(239) Domnul Vasile Popeangă: - Dar ce este şi mai trist pentru domniile voastre, este că justeţea şi oportunitatea acestei acţiuni au fost validate şi de recenta decizie a justiţiei, care a respins contestaţia „băieţilor deştepţi” din sectorul energetic. (Reunião da Câmara dos Deputados, 23 de outubro de 2012) [O senhor Vasile Popeangă: - Mas o que é ainda mais triste para os senhores é que a correção e a oportunidade desta ação foram validadas pela recente decisão da justiça, que rejeitou o litígio dos “chicos espertos” do setor energético.]

O número reduzido de ocorrências não nos permite fazer generalizações categóricas sobre o uso desta FT no discurso parlamentar romeno no seu conjunto. No entanto, podemos salientar, pelo menos no que diz respeito a este corpus, o seu uso restrito, em evidente incongruência com o valor protípico. Se os empregos escassos são, de certa forma, uma surpresa, pois a locução pronominal domnia voastră aparece com alguma frequência em outros sub-géneros do discurso políticos, como os debates televisivos, o seu uso em FTAs alinha com a natureza intrínseca do discurso parlamentar, que privilegia o conflito ritualizado (Marques 2008b). Neste caso podíamos notar uma semelhança com os valores incongruentes de Vossa Excelência e de dumneavoastră (ver supra 2.3.1. e 2.3.2.).

2.3.3 Você(s), dumneata e voi Nesta secção analisaremos as FT nominais alocutivas que se situam fora das formas parlamentares e que são empregues sobretudo em registos mais baixos da língua. Num primeiro momento, debruçar-nos-emos sobre os usos de você e vocês no discurso parlamentar português. Embora não haja menções explícitas nos regimentos sobre as FT que deveriam ser usadas nos debates parlamentares, existem normas implícitas sobre as quais há um consenso geral, embora como veremos mais adiante e como mostrámos em Manole (2014), os “deslizes” não faltam, dada a natureza conflitual deste género discursivo. Aliás, como pudemos observar em reuniões que não integram este corpus, mas que analisámos em outros trabalhos, é o papel do presidente, enquanto moderador, de chamar a atenção dos parlamentares sobre o que é aceitável no tratamento parlamentar, como em (240) e (241). (240) O Sr. Presidente: — Sr.as e Srs. Deputados, pese embora este elucidário erudito do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, a verdade é que, em várias circunstâncias, diversas bancadas, incluindo a do Governo, por vezes deslizam na utilização da palavra «vocês». Penso que, entre todos, poderíamos fazer um pacto de contenção em relação à eliminação dessa forma de tratamento que, por vezes, no calor dos debates, exprimindo, porventura, mais franqueza ou mais rudeza, invade o vocabulário parlamentar, mas que, todos nós temos consciência disso, não o deve invadir. (Reunião plenária de 14 de dezembro de 2006)

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(241) A Sr.ª Presidente: — O Sr. Deputado Rui Santos tem origem no norte e o «você», no norte, tem um sentido respeitoso, eu sei, embora não seja o mais comum aqui, no Parlamento. (Reunião plenária de 14 de março de 2012)

Em outras ocasiões, são os próprios parlamentares que reclamam usos inadequados das formas de tratamento, quer em apartes, como em (242), quer em intervenções públicas no microfone, como em (243). (242) O Orador: — Também as iniciativas locais de emprego; a criação do próprio emprego; os apoios à contratação; os incentivos fiscais à criação de emprego para jovens [...]… Protestos do Deputado do PSD Agostinho Branquinho. Tenha calma!… Você tem de saber isto! O Sr. António Montalvão Machado (PSD): — Você?!!... [...] O Orador: — Vamos ao projecto de resolução do PSD. [...]. Não sei o que é para vocês um jovem,… Vozes do PSD e do CDS-PP: — «Vocês»?... Uma Voz do PS: — É da juventude! O Orador: — … presumo que sejam os que têm até 30 anos de idade, parto desse princípio. [...] o problema é que não sei se têm consciência daquilo que vocês… Vozes do PSD: — «Vocês» outra vez?... [...] O Orador: — [...] O que vocês fazem,… Vozes do CDS-PP: — «Vocês»?... Outra vez?! O Orador: — … o que vocês conseguem… O Sr. Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP): — «Vocês»?!... [...] O Orador: — Isto não acontece em mais qualquer lado! Você pode ter… Vozes do PSD: — «Você»?!... [...] O Orador: — Isto é grave demais para a juventude portuguesa. [...]felizmente que não são vocês o Governo em Portugal. Aplausos do PS. O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, espero que seja moderado o uso da expressão «vocês» no debate parlamentar. Vozes do PSD e do CDS-PP: — Muito bem! (Reunião plenária de 20 de abril de 2006) (243) O Sr. Miguel Frasquilho (PSD): — Sr. Presidente, gostava de perguntar a V. Ex.ª se considera adequado que, nas próximas ocasiões em que nos

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dirigirmos ao Governo, possamos usar a expressão «vocês aí do Governo». [...] Sr. Presidente, o Sr. Ministro de Estado e das Finanças, repetidamente — não é a primeira nem a segunda! —, dirige-se ao Grupo Parlamentar do PSD como «vocês aí do PSD». Não sei se o Sr. Presidente julgará que esta é uma boa linguagem parlamentar. Nós julgamos que ela é muito pouco adequada. (Reunião plenária de 14 de dezembro de 2006)

Podemos afirmar que as considerações de Duarte (2011) sobre os usos deste pronome nas variedades do português europeu mais próximas na norma se aplicam plenamente no caso do discurso parlamentar português, pois você e vocês, apesar de ocorrerem pontualmente, são considerados inadequados e não regimentais145: “Nas variedades mais próximas da norma, o «você» é quase inadmissível, geralmente sentido como grosseiro ou, pelo menos, pouco cortês.” (Duarte 2011: 87)

Nos debates que integram o sub-corpus português, você e vocês têm poucas ocorrências, quer em apartes, como em (244) e (245), quer em intervenções, como em (246)-(248). Aliás, você aparece apenas uma vez (244), num aparte, o que mostra o seu estatuto marginal. No que diz respeito ao valor que esta FT tem, notamos que não se relaciona com um FTA, mas com uma interrogação que visa, num contexto mais amplo, defender a imagem pessoal. Em (245) a forma vocês tem o mesmo valor, tentar criar uma imagem positiva de si, ameaçando a imagem do outro. (244) O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Mas onde é que você anda? Não somos mentirosos! (Reunião plenária de 21 de março de 2012) (245) O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — [...] Os Srs. Deputados dos partidos da oposição falam em políticas alternativas à austeridade, mas no fundo não têm soluções credíveis. O Sr. António Filipe (PCP): — Vocês é que têm!? (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

As ocorrências de vocês (246)-(248) ilustram situações diferentes. Em primeiro lugar, nos exemplos destacados os locutores proferem FTAs, criando imagens negativas dos interlocutores, mais ou menos explícitas: “é extraordinária a forma como vocês abordam estas questões”, “Vocês só fazem aumentos fiscais sobre os pobres”. Em (247) observamos que o locutor usa ora vocês, ora os senhores, provavelmente numa tentativa de adequar os usos das FT às exigências do discurso parlamentar, embora seja sobretudo um caso isolado. Em (248) o mesmo locutor 145

Veja-se também a análise de Marques (2014).

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opõe o vocês ao nós, delineando assim claramente duas posições antagónicas no debate político: “É que nós nunca dissemos, ao contrário de vocês”, “Nunca o dissemos, vocês é que o diziam”. (246) O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Nuno Matias, é extraordinária a forma como vocês abordam estas questões. É extraordinária! (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012) (247) O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — Estes aumentos fiscais, vocês não os fazem! Vocês só fazem aumentos fiscais sobre os pobres, os remediados e mesmo sobre aqueles que, até este momento, tinham níveis salariais razoáveis! O Sr. Deputado sabe do aumento da carga fiscal no IRS. Os senhores até tiveram a coragem de avançar com um aumento no IRS, em contradição com a regra da progressividade! (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012) (248) O Sr. Agostinho Lopes (PCP): — [...] É que nós nunca dissemos, ao contrário de vocês, que as coisas se resolviam sem aumentar impostos! Nunca o dissemos, vocês é que o diziam, vocês e o «partido dos contribuintes»! Sempre fizemos propostas de aumentar receitas fiscais com incidência no grande capital… (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

As poucas ocorrências de você(s) não nos permitem tirar conclusões definitivas, exceto a que se refere ao caráter evidentemente periférico desta FT no discurso parlamentar português, pelo menos no presente corpus. No caso de vocês, pudemos observar que os seus usos aparecem em contextos de ameaça da imagem do interlocutor, em estratégias de delimitação nítida do locutor de opções políticas contrárias. No sub-corpus brasileiro, você e vocês têm, aliás como era de esperar, mais ocorrências, e há também algumas particularidades em relação aos seus empregos. Uma primeira particularidade do sub-corpus brasileiro no que diz respeito aos valores de você são os usos genéricos, como em (249). Neste exemplo, o locutor refere procedimentos dentro do seu ministério, sem referir um alocutário específico: “Você é obrigado a liberar um recurso inicial”, “você tem um prazo de execução”, “você faz uma etapa”, etc. Aliás, você genérico é típico para esta variedade da língua portuguesa, sendo ausente da variedade falada em Portugal. Neste caso, não podemos falar de uma forma de tratamento per se, pois o locutor não designa um ator envolvido numa relação de alocução ou de delocução, mas descreve assuntos específicos, referindo neste caso um agente (enquanto papel temâtico) humano e indefinido146. Para uma reflexão mais detalhada sobre a genericidade e a sua expressão através de pronomes, veja-se Zafiu (2003). No caso do você genérico do português brasileiro, Moura Neves (2011: 463) refere uma “indeterminação muito forte (VOCÊ = uma pessoa, seja qual for)”. 146

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(249) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Em todos os convênios, desde 2008, fazemos parecido como se faz em uma medição de obra. Você é obrigado a liberar um recurso inicial para a pessoa começar o processo, em torno de 20%, como é em uma obra. Como a empresa vai começar uma obra se não tiver recurso para comprar equipamento e contratar o pessoal e fazer? Depois, você tem um prazo de execução dessa obra. Então, você faz uma etapa, presta conta, recebe; segunda etapa - é como medição de obra -, presta conta, recebe; a terceira e última etapa, ou quarta, conforme o convênio, tem que ter a condensação de todas as etapas, por isso ela é a mais pesada. Então, quando você fala do sistema é porque, primeiro, você coloca no sistema o que fez, coloca no sistema a apresentação de contas e, depois, você manda a documentação, que só chega ao final. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

É também mais frequente no sub-corpus brasileiro o uso alocutivo de você, que ao contrário do sub-corpus português, não é confinado quase exclusivamente aos apartes. Embora não seja a FT alocutiva mais utilizada nos debates brasileiros que integram este sub-corpus, você parece ter ganho o seu lugar nas intervenções dos deputados, sobretudo em contextos de cortesia positiva, em que se procura valorizar a imagem do outro através de FFAs. Em (250), o locutor pretende salientar o desejo do interlocutor de mudar o status quo numa instituição pública, avaliando positivamente assim a sua imagem política profissional. (250) O SR. DEPUTADO CARLOS MAGNO - ... E eu gostaria também de dizer, Celso, que eu estive na sua posse e pude ouvir de você que você ia fazer um choque administrativo no INCRA. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011)

Em (251), o uso de você deve-se, por um lado a uma proximidade locutiva entre os dois locutores – aliás, expressa claramente “Amigo Deputado, se me permite chamá-lo assim, porque eu já o conheço há muitos anos” – mas também pelo facto de o locutor tentar criar uma adesão ao seu discurso. No que diz respeito à dinâmica interlocutiva que o locutor pretente construir, notamos que se baseia na igualdade, na proximidade e na valorização recíproca: “eu tenho profundo respeito por você e tenho certeza de que você tem por mim também”. (251) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Ao Deputado Caiado, algumas coisas que ele perguntou sobre feudos de estruturas montadas. Amigo Deputado, se me permite chamá-lo assim, porque eu já o conheço há muitos anos, eu tenho profundo respeito por você e tenho certeza de que você tem por mim também, eu não tenho, dentro da estrutura do Ministério... (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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Notamos o mesmo mecanismo em (252): você ocorre numa intervenção que constitui um FFA para com o alocutário. Por um lado, o locutor refere a relação que tem com o alocutário: “foi meu Secretário de Governo”, “Você foi o meu primeiro Secretário de Governo, em 1999”, o que indica uma proximidade entre os dois, congruente com o uso de você, de facto um pronome T (na terminologia de Brown & Gilman 1960) no português brasileiro. Aliás, as seis ocorrências de você aparecem numa sequência em que o locutor explicitamente confirma que quer dirigir-se ao alocutário: “É apenas para dizer algo ao Carlos Lupi”, portanto, apesar da dimensão pública do debate parlamentar, o locutor tenta criar uma comunicação direta (quase privada) com o interlocutor, avisando-o sobre os seus inimigos. Podemos observar que o episódio alocutivo se relaciona com a afirmação da posição do governo, sendo enquadrado – tanto no início: “posso testemunhar aqui a sua integridade pessoal”, como no fim: “O Carlos Lupi [...] desonesto eu afirmo que ele não é” – por FFA que reafirmam inequivocamente a honestidade do interlocutor (acusado por desvios de fundos federais). (252) O SR. DEPUTADO ANTHONY GAROTINHO - É apenas para dizer algo ao Carlos Lupi, hoje Ministro, que foi meu Secretário de Governo, pelo que eu posso testemunhar aqui a sua integridade pessoal. Talvez, Lupi, você não tenha compreendido esse processo. Você está sendo fritado, mas não pela imprensa nem pela Oposição. Você está sendo fritado pelo Governo. É o Governo que está te fritando. Porque nem a Oposição nem a imprensa teriam acesso às informações que tiveram se não houvesse elementos dentro do Governo repassando essas informações. Então eu trago aqui um abraço e minha solidariedade a você. Se os dados são verdadeiros ou não, a Justiça, como você disse, vai investigar. Mas eu quero dar aqui meu testemunho pessoal. Você foi o meu primeiro Secretário de Governo, em 1999. O Carlos Lupi pode ter outros defeitos - e tem muitos -, mas desonesto eu afirmo que ele não é. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em relação aos empregos de vocês, destacamos alguns exemplos que nos parecem relevantes. (253) mostra usos desta FT em contextos de cortesia negativa ou positiva. Num primeiro momento, o locutor mostra-se preocupado com o tempo da sua intervenção, de modo a não abusar do tempo dos interlocutores: “Vou procurar ser mais sucinto para não ocupar muito o tempo de vocês”, valor que remete às estratégias de cortesia negativa, em que se pretende não invadir, não interferir no espaço (simbólico) dos outros. A segunda ocorrência mostra uma estratégia de cortesia positiva, em que o locutor procura a adesão dos outros, através de um convite147, e mostrando-se cooperante. É, na nossa opinião, um vocês consensual, que tenta aproximar o locutor dos membros da oposição: “eu gostaria de convidar a Oposição, todos vocês”, agindo na lógica EU + VOCÊS. Lembramos que, na aceção de Leech (2014), “Offers and invitations are speech events that instantiate the Generosity Maxim”.

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(253) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Vou começar com o Ademir. Vou procurar ser mais sucinto para não ocupar muito o tempo de vocês. Todo o processo do PROJOVEM é feito em parceria com Estados e Municípios. [...] Por lei, em todos os cursos ministrados pelo Ministério do Trabalho, ao final deles, tem-se um prazo de cumprimento: 30% têm que estar no mercado de trabalho formal. Ou seja, eu gostaria de convidar a Oposição, todos vocês, um dia, para ir in loco verificar como funcionam esses cursos. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em (254) o mesmo locutor tenta posicionar-se também numa relação consensual com os jornalistas – a instância mediática segundo Charaudeau (2005: 42) – invocando, por um lado a sua total disponibilidade: “vocês têm toda a documentação”, “estou à disposição de vocês”, mas tentando também aproximar-se dos interlocutores, lembrando que ele próprio exerceu esta profissão: “Quem está falando com vocês é um ex-jornaleiro” ou que apoiou os que a exerciam: “Eu lutei para que vocês pudessem estar aí”, mantendo a mesma estratégia discursiva, como no exemplo anterior, EU + VOCÊS. Podemos observar, em ambos os exemplos estratégias consensuais entre a instância política e a instância adversária e entre a instância política e a instância mediática, o que mostra a dinâmica relacional entre os diferentes atores do discurso político. (254) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Quem sabe? Tem muita gente querendo. Mas Deus é forte e grande. Ele protege seus filhos. Aqui vocês têm toda a documentação. [..] Quem está falando com vocês é um exjornaleiro; é um homem que tem 31 anos de vida pública, pertencente a um único partido. Já fui Secretário de Estado do Rio de Janeiro, já fui Secretário Municipal da Capital, já fui Deputado Federal e hoje sou Ministro de Estado. [..] Essa é a minha revolta de cidadão. Eu quero debater. Eu lutei para que vocês pudessem estar aí. Eu lutei para que a imprensa pudesse entrevistar. Primeiro vendendo jornal. [..] Agora. Eu não vou falar mais, porque já fugi da minha pauta, mas estou à disposição de vocês. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Porém, nem todas as ocorrências de vocês têm valores consensuais, pois em (255) o locutor marca claramente uma diferença entre ele e os outros, respondendo a um aparte da sala. Enquanto deputado de São Paulo, defende os interesses dos seus eleitores (fazendo apelo à identidade regional), delimitando-se dos representantes do Rio de Janeiro (aliás, há uma conhecida rivalidade entre os dois estados brasileiros), que neste caso defendem posições contrárias. Portanto, aqui a interpretação de vocês seria mais conflitual, no eixo VOCÊS vs. NÓS.

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(255) O SR. DEPUTADO DEVANIR RIBEIRO - Não, não é porque foram a capital. Vocês não são a capital há muito tempo, desde 1960. Quem vive do passado, minha filha, não... Eu olho para frente, não para o retrovisor. (Intervenção fora do microfone. Inaudível.) (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012)

Portanto, uma diferença significativa entre os usos de você e vocês no sub-corpus brasileiro é que a FT no singular aparece sobretudo em contextos relacionados com a valorização do locutor (FFAs), indicando uma relação de igualdade ou de solidaridade, ao passo que a FT no plural tem, para além de valores consensuais, usos confrontacionais, que decorrem do antagonismo intrínseco no disurso político entre nós e os outros (neste caso vocês). No que diz respeito ao sub-corpus romeno, podemos fazer as seguintes considerações sobre o uso das FT pronominais dumneata e voi: em primeiro lugar, pelo menos nestas reuniões148, dumneata aparece em discursos relatados, como em (256), tendo portanto, um uso pseudo-alocutivo, referindo alocutários de outros cenários discursivos e não alocutários da interação propriamente dita; nas intervenções dos locutores, voi tem um uso marginal, sendo construído no eixo noi vs. voi, como em (257), do ponto de vista funcional é limitado, muitas vezes, aos apartes, como em (258) e, de uma maneira geral, embora não haja menções explícitas no regimento, é considerado um pronome inadequado nos debates parlamentares. Voi expressa, segundo Vasilescu (2011: 23), o grau zero de cortesia, sendo previsível a sua falta dos debates parlamementares. No entanto, as poucas ocorrências deste pronome nos debates parlamentares relacionam-se com FTAs: “voi aţi adus sclavagismul în Codul muncii” [vocês trouxeram a escravatura para o Código de Trabalho] ou com a construção de relações antagónicas: “Voi cum aţi făcut?!” [Vocês como é que fizeram?]. Trata-se de uma FPT marcada, usada principalmente para criar uma imagem negativa dos outros e para atualizar relações conflituais. A ausência de ocorrências dumenata também não constitui uma surpresa, uma vez que este pronome quase caiu em desuso no romeno atual (Slama-Cazacu 2010) e que expressa um grau intermédio de cortesia, sendo usado quer em camadas sociais mais populares, quer em relações assimétricas (no entanto, em situações muito restritas, por exemplo professores de alguma idade quando se dirigem a alunos). (256) Domnul Florin Georgescu: - Deci, când s-a menţionat de către domnul deputat care a luat cuvântul “excedent de 11 miliarde”, e o confuzie terminologica foarte gravă. De ce? Dânsul a vrut să spună cam aşa: “Domne, dumneata, de fapt, ai un deficit neconsumat de 11 miliarde.” [..] Însă, la luna septembrie, deficitul era de 1,2. Şi domnul deputat spune: “Domne, Veja-se Manole (2014) para uma análise detalhada de dumneata num corpus mais abrangente de debates parlamentares romenos. 148

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dumneata mai ai de consumat pâna la 2,2.” (Reunião da Câmara dos Deputados de 23 de outubro de 2012) [O senhor Florin Georgescu: - Bom, quando o senhor deputado que teve a palavra mencionou “superavit de 11 mil milhões”, foi uma confusão terminológica muito grave. Porquê? O senhor quis dizer mais ou menos isso: “Você, de facto, tem um défice não utilizado de 11 mil milhões. [..] Mas, em setembro o défice era de 1,2 E o senhro deputado diz: “Você pode gastar até 2,2.”] (257) Domnul Emil Boc: - Deci, dacă voi aţi adus sclavagismul în Codul muncii, atunci şi noi l-am adus acolo. Dar este doar o simplă afirmaţie fără acoperire. Pentru că protecţia celui care lucrează este asigurată de Constituţie şi nu se schimbă cu nimic. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado de 16 de março de 2011) [O senhor Emil Boc: - Bom, se vocês trouxeram a escravatura no Código de Trabalho, então nós trouxemo-la também aqui. Mas é uma simples afirmação sem fundamento. Porque a proteção do trabalhador está assegurada pela Constituição e aí nada muda.] (258) Domnul Toader Mocanu: - Tare mă tem că s-a votat ordinea de zi... Mă tem că, după o anumită oră, veţi solicita o pauză de consultări şi după aceea vă găsim pe la grupurile parlamentare. (Rumoare, discuţii) Din sală: - Voi cum aţi făcut?! Timpul! Timpul, domnule preşedinte. (Reunião do Senado de 3 de outubro de 2011) [O senhor Toader Mocanu: - Lamento muito, mas a ordem do dia foi votada… Temo que, passado algum tempo, solicitem um intervalo para consultas e depois encontrá-los-íamos aí nos grupos parlamentares. (Rumores, discussões) Na sala: Vocês como é que fizeram?! O tempo! O tempo, senhor presidente.]

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2.3.4 El, dânsul, dumnealui, domnia sa e Excelenţa Sa Se nas primeiras três secções deste capítulo fizemos uma análise das formas alocutivas pronominais de tratamento, Vossa Excelência, dumneavoastră (singular e plural), domnia voastră, vocês(s), dumneata e voi, nesta secção debruçar-nos-emos nas formas delocutivas de tratamento do romeno, tomando em consideração a riqueza do inventário pronominal nesta língua. Como já referimos (ver supra 3.1.1.3. Delocução), o sistema pronominal delocutivo tem uma grande variedade de formas, alguns autores indicando a possibilidade de expressar sete graus de deferência, embora com alguns “parênteses irónicos” (Zafiu 2002b). Aliás, a expressão da cortesia / deferência na 3ª pessoa em romeno através de formas pronominais tem uma particularidade de Vasilescu salienta: “La persoana a III-a, pronumele de politeţe se foloseşte doar pentru a exprima deferenţa atunci când persoana despre care se vorbeşte este de faţă, sau în absenţa acesteia, atunci când vorbitorul insistă asupra relaţiei sale de deferenţă cu persoana despre care vorbeşte (Nu cred că dumnealui ar avea ceva împotrivă. / Nu cred că el ar avea ceva împotrivă.)” (Vasilescu 2005: 216, nosso negrito, nosso sublinhado) [No caso da 3ª pessoa, o pronome de cortesia usa-se só para expressar deferência quando a pessoa sobre a qual se fala está presente, ou, se estiver ausente, quando o falante insiste na sua relação de deferência para com a pessoa sobre a qual fala (Não acho que o senhor tivesse alguma coisa contra. / Não acho que ele tivesse alguma coisa contra).]

Queremos destacar particularmente a estratégia discursiva de expressão da deferência em presença da pessoa sobre a qual se fala, pois é o parâmetro principal para distinguir entre usos corteses e descorteses, realizados através da oposição el (pronome pessoal) vs. os pronomes ou locuções pronominais de cortesia (dânsul, dumnealui, domnia sa, Excelenţa Sa). Consideramos importante para a nossa análise, portanto, mencionar desde o início que nos registos cuidados da língua romena, o uso de el / ea quando o delocutário estiver presente é considerado descortês e é censurado pelos loutores. é importante salientar também a função anafórica ou catafórica destes pronomes, que asseguram a coesão discursiva, através da retoma ou da antecipação do delocutário expresso através de FT nominais. Vejamos dois exemplos esclarecedores: i) Traian Băsescu a împins România în braţele FMI, el a propus... [Traian Băsescu empurrou a Roménia para o FMI, ele] ii) Îmi pare rău că nu este conjudeţeanul meu aici, care - el fiind deputat de Năsăud... [Lamento o meu colega de distrito não estar aqui, colega que – sendo ele deputado de Năsăud]

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Nos debates parlamentares que integram o sub-corpus romeno, identificámos ocorrências de quatro pronomes, el, dânsul, dumnealui, domnia sa (e as formas correspondentes de feminino e de plural), cujos valores analisaremos em seguida. No caso das ocorrências 149 de el / ea, tomaremos em consideração como principal caraterística que possa distinguir entre usos adequados e inadequados150 a presença ou a ausência delocutário na sala de debates, distinguindo entre duas categorias: i) delocutário que não está presente na sala e ii) delocutário que está presente na sala. No primeiro grupo de exemplos (259)-(261) selecionámos ocorrências do pronome el em que o delocutário é um ator político ausente da sala de debates. Segundo Vasilescu (2005), neste caso os locutores podem usar os pronomes de cortesia para expressar deferência para com delocutários, portanto a oposição el vs. dânsul, dumnealui, domnia sa seria possível. No entanto, como podemos observar, os locutores optam pelo pronome pessoal, que expressa, nas palavras da mesma linguista romena, o grau zero de cortesia. Na nossa opinião, estes usos são incongruentes com o padrão do tratamento parlamentar, em que se privilegiam FT mais corteses ou até mais ceremoniosas, mas, por outro lado, são congruentes com os contextos em que aparecem, que constituem FTAs em relação aos delocutários. Em (259) o presidente é criticado por ter feito um pedido de resgate ao FMI, em (260) uma política romena, proposta para a pasta de Ministra de Educação é censurada pelo seu currículo académico questionável, ao passo que em (261) um dos participantes no debate – que entretanto saiu da sala – é criticado pela inconsistência do seu discurso. No entanto, notamos em (256) que se usa na mesma frase tanto um pronome que expressa um grau alto de deferência, domniei sale (genitivo de domnia sa), como o pronome pessoal ea, o que mostra que o padrões de tratamento podem variar bastante, quando um locutorr fala do mesmo delocutário. (259) Doamna Rodica Nassar: - Traian Băsescu a împins România în braţele FMI, el a propus reducerea cheltuielilor din sănătate, reducerea paturilor de spital, închiderea de unităţi medicale, trecerea în şomaj a medicilor şi asistenţilor medicali... (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [A senhora Rodica Nassar: - Traian Băsescu empurrou a Roménia para os braços do FMI, ele propôs o corte nas despesas de sáude, o corte das camas em hospitais, o encerramento de unidades médicas, o despedimento de médicos e enfermeiros...]

Foram excluídas as ocorrências de natureza catafórica e anafórica que não designam atores políticos individuais (parlamentares, membros do governo, etc.), pois só nestes casos podemos falar de relações de deferência. 150 Como el / ea não expressam deferência, preferimos falar de usos adequados e inadequados e não de usos corteses e descorteses. 149

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(260) Doamna Raluca Turcan: - „Cel mai cinstit guvern din România” a debutat cu nominalizarea doamnei Corina Dumitrescu, rector la o „celebră” universitate particulară, membru CSM din partea societăţii civile, soţia preşedintelui Comisiei de învăţământ din Camera Deputaţilor, domnul deputat PSD Cristian Dumitrescu. După identificarea unor falsuri în CV-ul Domniei Sale (oarecum, declararea unor studii nefăcute este o „modă” în USL, vezi şi cazurile Ponta şi Şova), ea a fost retrasă. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [A senhora Raluca Turcan: - “O governo mais honesto da Roménia” estreou-se com a nomeação da senhora Corina Dumitrescu, reitora de uma “famosa” universidade privada, membro do Conselho Superior da Magistratura e mulher do presidente ca Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, o senhor deputado do PSD Cristian Dumitrescu. Depois da identificação de falsos no CV da Sua Excelência (declarar cursos que não se frequentou está mais ou menos na “moda” na USL, vejamos os casos Ponta e Şova), ela foi retirada.] (261) Domnul Ioan Ţintean: - Îmi pare rău că nu este conjudeţeanul meu aici, care - el fiind deputat de Năsăud, adică acolo unde s-au născut mulţi academicieni - a vorbit atât de academic astăzi încât nu am înţeles nimic... (Reunião da Câmara dos Deputados, 21 de novembro de 2011) [O senhor Ioan Ţintean: Lamento o meu colega de distrito não estar aqui, colega que – sendo ele deputado de Năsăud, ou seja o lugar onde nasceu o maior número de académicos – falou hoje de forma tão académica, que nós não percebemos nada...]

Um caso híbrido é (262), em que o locutor designa um delocutário presente na sala (a ministra é o objetivo principal da moção simples), mas o pronome ea ocorre num discurso relatado, mostrando não uma falta de deferência do próprio locutor, mas sim do locutor que proferiu a frase. (262) Domnul Relu Fenechiu: - Desigur, această acţiune a fost doar o demonstraţie de putere şi de reglare de conturi în propriul partid, răspuns la declaraţiile fostului ministru Berceanu, care acuza noul ministru de ineficienţă. Domnul Berceanu spunea atunci: „Doamna Boagiu nu a făcut niciun proiect de-al ei. Ea a făcut licitaţii la proiectele pregătite de mine.” (Reunião do Senado, 3 de outubro de 2011) [O senhor Relu Fenechiu: - Claro, esta ação foi apenas uma demonstração de poder e de ajuste de contas no seio do partido, uma reposta às declaração do exministro Berceanu, que acusava o atual minitro de ineficiência. O senhor Berceanu dizia na altura: “A senhora Boagiu não fez nenhum projeto dela. Ela fez leilões para os meus projetos.”]

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A última ocorrência de ea que selecionámos é ilustrativa para a segunda categoria de usos, em que o pronome designa delocutários presentes na sala. Neste caso, o locutor refere uma das participantes no debate, num contexto claro de ameaça da imagem pessoal, sendo o uso do pronome congruente do ponto de vista discursivo, embora incongruente do ponto de vista regimental. Aliás, como pudemos observar, el e ea não são muito frequentes no corpus, o que mostra, apesar do caráter conflituoso do discurso parlamentar, a preferência, como veremos, por formas delocutivas que expressem um grau mais elevado de deferência. Na nossa opinião, o evitamento deste pronome prende-se, certamente, com os constrangimentos do protocolo parlamentar, que impõe o uso de certas FT independentemente do conteúdo dos enunciados – ver casos de incongruência evidente, como Vossa Excelência é um trambiqueiro! –, mas também como uma estratégia de auto-cortesia (Cheng 2001), pois os locutores sabem que ao usarem este pronome podem parecer descorteses e pouco educados. Lembramos que os debates parlamentares são públicos e que os locutores se expõem perante audiência muito diferentes (ver supra 1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar), tendo portanto o interesse em mostrar uma imagem positiva de si. (263) Domnul Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - Moţiunea dumneavoastră este mincinoasă. Şi dau câteva exemple ca să argumentez de ce spun că este mincinoasă: ar fi trebuit să spuneţi, în primul rând, cum Legea Funeriu - legea guvernelor Boc - a bulversat întregul sistem de învăţământ. O ascultam pe colega mea, mai înainte, vorbind despre bulversarea sistemului de parcă ea habar nu are, acum a venit în România. Până acum a trăit în altă ţară. Păcat! (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - A vossa moção é mentirosa. E dou alguns exemplos para argumentar porque é que é mentirosa: em primeiro lugar, deveria ter dito como a Lei Funeriu – a lei dos governos Boc – trastornou o sistema de educação no seu conjunto. Ouvia a minha colega há pouco a falar sobre trastornos no sistema como se ela nada soubesse, acabada de chegar à Roménia. Até agora tem vivido em outro país. Que pena!]

No que diz respeito às ocorrências da forma pronominal dânsul, observamos que podem ser classificadas em duas categorias: incongruentes (na medida em que, apesar de um valor intrínseco de deferência, o pronome é usado em FTAs) e neutros (em enunciados que não valorizam necessariamente a imagem dos delocutários, no entanto sem a ameaçar). Em (264), o locutor ameaça a imagem do delocutário, dizendo que nunca está presente em momentos oportunos: “sigur, că acum dânsul nu este, ca de obicei” [certo, por agora esta não está, como de costume], ao passo que em (265) e (266) o locutor critica o delocutário por não conhecer determinadas coisas, referindo os estudos do mesmo ou a bibliografia obrigatória. Em (265) refere-se uma falta de conhecimentos jurídicos do primeiro ministro, em (266), o mesmo locutor, refere uma

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falta de conhecimentos históricos. Observamos que as ameaças à imagem do delocutário (o mesmo nos três exemplos) prendem-se com diferentes componentes da identidade: se em (264) o locutor visa sobretudo a imagem política profissional (enquanto governante), em (265) e (266) é sobretudo a imagem profissional (quer de direito, quer de história) que é atacada. (264) Domnul Victor-Viorel Ponta: - Vreau - ca să nu fiu acuzat şi eu de plagiat151 - să precizez că dau un citat, şi o să vă precizez imediat şi din cine este citatul. Cei de la presă l-au dat deja, dar aş vrea să-l audă toţi românii. Aş vrea să-i văd faţa domnului Boc, când se va întoarce, sigur, că acum dânsul nu este, ca de obicei, şi a celor care-l susţin. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Victor-Viorel Ponta: - Quero – para não ser acusado de plágio também – mencionar que farei uma citação e vou dizer também de quem é esta citação. Os jornalistas já a publicaram, mas queria que todos os romenos a ouvissem. Queria ver a cara do senhor Boc – quando voltar, certo, de momento não está, como de costume – e a cara dos que o apoiam.] (265) Domnul Dan-Coman Sova: - În condiţiile în care o mare parte a populaţiei României are mai puţin acces la informaţii, ce se va întâmpla va fi că va creşte munca la negru [...] Iar domnul premier Boc, cu care am avut onoarea să absolvim Facultatea de drept amândoi în acelaşi an, în '95, dânsul la Cluj, eu la Bucureşti, ar trebui să ştie. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Dan-Coman Sova: - Sendo que uma grande parte da população da Roménia tem menos acesso à informação, o que vai acontecer é que vai aumentar o trabalho no mercado negro [...] E o senhor primeiro ministro Boc, com quem tive a honra de acabar o curso de direito no mesmo ano, em ’95, ele em Cluj, eu em Bucareste, deveria saber isso.] (266) Domnul Dan-Coman Sova: - Stau şi mă întreb, oare domnul premier Boc, absolvent de istorie la Cluj, o fi avut în bibliografia obligatorie o carte apărută înainte de '89, care se numea „Teroarea horthysto-fascistă în nord-estul României”, referindu-se la perioada dintre Dictatul de la Viena şi eliberarea Ardealului de către Armata română? A avut, oare, dânsul în bibliografia obligatorie o carte a unui american, Milton Lehrer, care se numea Neste debate o então deputado Victor Ponta (e presidente do Partido Socialista Democrata) fazia alusão à acusação de plágio feita por um dos deputados do poder (Partido Democrata Liberal) contra os autores da moção de censura, que tinham alegadamente copiado 76 elementos do Código do Trabalho. Um ano mais tarde, um apuramento de investigadores romenos descobriu que Victor Ponta (entretanto primeiro ministro) plagiou grande parte da sua tese de doutoramento em ciências jurídicas (ver supra a análise do exemplo (122) em 1.5.4. Vagueza e imprecisão). 151

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„Ardealul, pământ românesc”? (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Dan-Coman Sova: - Fico a perguntar-me se o senhor primeiroministro Boc, licenciado em história em Cluj, terá tido na bibliografia obrigatória um livro publicado antes de ‘89, que se chamava “O terror horthysto-fascista no nordeste da Roménia”, referindo assim o período entre a Segunda Arbitragem de Viena e a libertação de Ardeal pelo exêrcito romeno? Terá tido ele, se calhar, na bibliografia obrigatória o livro de um americano, Milton Lehrer, que se chamava “A Transilvânia, terra romena”?]

A ocorrência do pronome na forma plural, dânşii, aparece também num contexto conflituoso, em que um deputado da oposição critica o partido do poder por ter feito alterações à legislação laboral para politizar as instituições públicas. Aliás, o locutor usa também uma ironia, avaliando esta medida como “foarte interesantă tehnic” [muito interessante do ponto de vista técnico]. (267) Domnul Dan-Coman Sova: - Am stat şi m-am gândit care să fie interesul. Interesul este simplu şi l-am identificat în dorinţa evidentă a PDL-ului de a politiza întreaga administraţie publică din România înainte de a deveni istorie la următoarele alegeri. Pentru că dânşii au mai reglementat o situaţie în Codul muncii, foarte interesantă tehnic, eliminând obligaţiile de concediere colectivă în cazul autorităţilor şi instituţiilor publice. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Dan-Coman Sova: - Fiquei a pensar qual será o interesse. O interesse é simples, identifiquei-o no desejo evidente do PDL de politizar toda a administração pública da Roménia antes de se tornarem história nas próximas eleições. Porque eles regularam uma situação no Código de Trabalho, muito interessante do ponto de vista técnico, eliminando as obrigações de despedimento coletivo no caso das autoridades e das instituições públicas.]

O último exemplo que selecionámos para mostrar os valores de dânsul – de facto na forma plural dânşii – ocorre num contexto neutro, de gestão do turno de fala pelo presidente da reunião: “Am înţeles că Grupul parlamentar progresist v-a dat câteva minute de la dânşii” [entendo que o Grupo parlamentar progressita cedeu-lhe alguns dos minutos deles]. (268) Domnul Valeriu Stefan Zgonea: - Domnul deputat Vasile Mocanu. Am înţeles că Grupul parlamentar progresist v-a dat câteva minute de la dânşii ca să puteţi să luaţi şi dumneavoastră cuvântul, şi domnul Munteanu. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de outubro de 2012) [O senhor Valeriu Stefan Zgonea: - Senhor deputado deputat Vasile Mocanu, entendo que o Grupo parlamentar progressita cedeu-lhe alguns dos minutos deles para que o senhor e o senhor Munteanu pudessem tomar a palavra.]

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Portanto, a segunda forma pronominal delocutiva, a que expressa um primeiro grau de cortesia em romeno, ocorre quer em contextos que chamámos neutros – em que visa sobretudo a criação de uma distância interlocutiva institucional entre locutor e delocutários, típica para o discurso parlamentar –, quer em contextos de incongruência entre o valor intrínseco de deferência – de primeiro grau, claro – e o valor contextual de ameaça da imagem dos delocutários. Dumnealui é um dos pronomes sobre o qual Zafiu (2002b) diz que pode representar, por vezes, um parêntese irónico no inventário de formas pronominais delocutivas romenas. No sub-corpus romeno, esta forma pronominal é usada seja em contextos neutros, como em (269), seja em FTAs, com diferentes graus de ameaça para a imagem do delocutário. Por exemplo, em (270) afirma indiretamente que o delocutário não deu respostas competentes: “Am anticipat [...] că o să primim nişte răspunsuri foarte competente” [Antecipei [...] que receberíamos respostas muito competentes], ao passo que em (271) a crítica é mais direta, sendo o ministro acusado de ter feito uma péssima lei e de não a ter conseguido implementar: “a conceput greşit această lege şi, mai ales, nu a reuşit să o pună în practică” [a maneira errada em que ele concebeu esta lei e, sobretudo, como não conseguiu pô-la em prática]. (269) Domnul Orest Onofrei: - Voiam să spun ceva legat de o discuţie pe care am avut-o cu domnul ministru Ilie Sârbu, dar nu mai spun. Dacă dumnealui o spune, o să-i dau replica. În schimb, vreau să spun ceva referitor la ceea ce domnul senator Daea a prezentat în această moţiune. (Reunião do Senado, 2 de maio de 2011) [O senhor Orest Onofrei: - Queria dizer uma coisa em relação a uma discussão que tive com o senhor ministru Ilie Sârbu, mas já não digo. Se o senhor a disser, eu vou responder-lhe. Por outro lado, queria dizer uma coisa em relação ao que o senhor senador Daea apresentou nesta moção.] (270) Domnul Antal István: - Nici eu nu aş fi dorit să intervin, vă mărturisesc, iniţial, şi vă spun şi de ce. Am anticipat, ca şi domnul Oltean, cum a venit dumnealui cu prima fază, că o să primim nişte răspunsuri foarte competente. (Reunião da Câmara dos Deputados, 21 de novembro de 2011) [O senhor Antal István: - Inicialmente nem queria intervir, confesso, e vou dizer porquê. Antecipei, tal como o senhor Oltean, como ele disse na primeira frase, que receberíamos respostas muito competentes.] (271) Domnul Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - Aş mai spune, de asemenea, că această moţiune ar fi trebuit să o adresaţi fostului dumneavoastră guvern, în care domnul Funeriu deţinea portofoliul Educaţiei, pentru că faceţi referire la modul în care dumnealui a conceput greşit această lege şi, mai ales, nu a reuşit să o pună în practică, şi a lăsat pe umerii guvernării Ponta să facă acest lucru. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012)

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[O senhor Gheorghe-Eugen Nicolaescu: - Diria também que deveriamos dirigir esta moção ao vosso antigo governo, em que o senhor Funeriu tinha o pasta da Educação, porque refere a maneira errada em que ele concebeu esta lei e, sobretudo, como não conseguiu pô-la em prática e deixou isso ao governo Ponta.]

Estes exemplos ilustram, por um lado, uma certa obediência ao protocolo discursivo parlamentar e, ao mesmo tempo, uma preocupação em criar uma imagem positiva de si, de locutor que usa uma linguagem adequada. Em segundo lugar, tal como no caso de dânsul, em FTAs o dumnealui tem também o papel de criar uma distância interlocutiva institucional entre os parlamentares. Aliás, pode-se verificar muito facilmente este valor fazendo a substituição com o pronome pessoal nos mesmos contextos, sendo as frases com el demasiado informais para o registo institucional. Por outro lado, uma distância muito grande entre o valor instrínseco de deferência da FT e a avaliação negativa – também intrínseca – de um FTA pode ter, por vezes, efeitos irónicos. i) “Dacă el o spune, o să-i dau replica” em vez de “Dacă dumnealui o spune, o să-i dau replica”; ii) “cum a venit el cu prima fază” em vez de “cum a venit dumnealui cu prima fază”; iii) “el a conceput greşit această lege” em vez de “dumnealui a conceput greşit această lege”.

Um exemplo interessante do ponto de vista da estratégia discursiva é (272), em que o locutor começa aparentemente com um FFA: “dumneaei face parte din politicienii pe care eu îi stimez” [a senhora [a ministra] faz parte dos políticos que eu estimo], mas continua com um FTA, acusando-a de não dizer toda a verdade: “de a spune adevărul pe jumătate” [dizer metade da verdade], usando uma estratégia irónica: “Dar nu ştiu ce vă face domnul Boc, vă pune ceva în cafea” [Mas não sei o que lhe faz o senhor Boc, põe-lhe uma coisa no café]. Aliás, o marcador dar [mas] anticipa a expressão de uma opinião contrária e faz uma delimitação muito clara entre o FFA e o FTA. Este exemplo de polirudeza (Kerbrat-Orecchioni 2010b) que se pode configurar não apenas como um elogio pérfido, mas também como uma descontrução irónica de um FFA, visa, neste caso, a imagem da ministra, tanto na sua dimensão política e profissional, mas também pessoal. (272) Domnul Miron-Tudor Mitrea: - Şi daţi-mi voie o paranteză: dumneaei face parte din politicienii pe care eu îi stimez. Dar nu ştiu ce vă face domnul Boc, vă pune ceva în cafea. Pentru că uitaţi speech-ul pe care laţi avut înainte şi-l daţi într-un mod pe care eu nu-l apreciez, acela de a spune adevărul pe jumătate, iar de la romani noi ştim că a nu spune adevărul

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sau a spune adevărul pe jumătate, mă rog, atunci se pedepsea la fel, cred că şi acum, politic. (Reunião do Senado, 3 de outubro de 2011) [O senhor Miron-Tudor Mitrea: - Deixem-me abrir um parêntese: a senhora [a ministra] faz parte dos políticos que eu estimo. Mas não sei o que lhe faz o senhor Boc, põe-lhe uma coisa no café. Porque se esquece do discurso que tinha anteriormente e começa numa maneira que eu não aprecio, dizer metade da verdade e nós sabemos dos eleitores romenos que não dizer a verdade ou dizer só metade da verdade sancionava-se politicamente, acho que agora também se sanciona.]

No caso de domnia sa, locução pronominal que expressa o grau mais alto de deferência, notamos que existem três categorias de usos: neutros, congruentes e incongruentes. Por exemplo, (273) ilustra um uso neutro, em que o locutor refere a relação de colegialidade com outro membro do governo, sem fazer qualquer tipo de avaliação, positiva ou negativa, do delocutário, mencionando que os dois, enquanto autores da lei, responderão às perguntas dos deputados. (273) Domnul Traian-Constantin Igas (ministrul administraţiei si internelor): Vin în completarea celor spuse de către domnul ministru Cseke Attila şi, ţinând cont că suntem coautori, şi noi, şi Domnia Sa, la acest proiect de lege, sigur că ne-am propus ca fiecare dintre noi să dăm astăzi răspunsuri la moţiunea dumneavoastră. (Reunião da Câmara dos Deputados, 6 de junho de 2011) [O senhor Traian-Constantin Igas (Ministro da Administração Interna): Acrescento algumas coisas ao que disse o senhor ministro Cseke Attila e, tendo em conta que somos os dois, eu e ele, co-autores desta proposta de lei, claro que cada um de nós se propôs responder a esta moção.]

Em (274) encontramos um dos poucos exemplos em que domnia sa é usado num FFA, pois o locutor faz um elogio ao delocutário: “apreciez câteva elemente pe care domnia sa le-a făcut” [avalio como positivos alguns dos elementos que o senhor fez]. Na nossa opinião, a falta de ocorrências de pronomes de cortesia em FFAs prende-se, com a natureza conflituosa intrínseca do discurso parlamentar, mas é possível que seja também uma limitação do corpus, que contém só onze debates. Antecipando os exemplos que serão apresentados a seguir, queremos salientar que as formas de tratamento funcionam – tanto os usos congruentes, como os empregos incongruentes –, como catalizadores de valores discursivos. Por um lado, um FFA é refoçado por FT com alto valor de deferência – comparemos “elemente pe care domnia sa le-a făcut” [elementos que o senhor fez] e “elemente pe care el le-a făcut” [elementos que ele fez] –, ao passo que um FTA se torna mais irónico se for usado com este tipo de FT, ironia que advém da diferença entre o valor ofensivo do FTA e o valor intrínseco de deferência da FT.

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(274) Domnul Iosif Stefan Drăgulescu: - Apreciez însă faptul că, în ciuda schimbărilor politice, a existat o continuitate în interiorul conducerii Ministerului Sănătăţii şi toţi miniştrii care au fost, inclusiv domnul ministru Eugen Nicolăescu şi apreciez câteva elemente pe care domnia sa le-a făcut... (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [O senhor Iosif Stefan Drăgulescu: - Mas acho positivo que, apesar das mudanças políticas, tenha havido continuidade nos dirigentes do Ministério de Saúde e todos os ministros que lá estiveram, inclusive o senhor ministro Eugen Nicolăescu, e avalio como positivos alguns dos elementos que o senhor fez...]

Vejamos os exemplos (275)-(277), em que os locutores proferem FTAs, usando ao mesmo tempo domnia sa, a FT que expressa o grau mais alto de deferência, expressando-se de forma irónica sobre os delocutários. Em (275), o delocutário (deputado em outubro de 2012, antigo ministro da Educação no governo anterior) é avaliado como “especialista em polgadas” – fazendo o locutor alusão a um episódio anterior protagonizado pelo então ministro de Educação152 – e não perito em educação, ameaçando-se assim a sua imagem política profissional. (275) Domnul Marian Neacsu: - Cunoscând faptul că domnia sa este mai degrabă specialist în pixeli, decât în învăţământ, aş vrea să-i întreb pe colegii noştri sau pe cineva care poate să-mi ofere răspunsul, dacă măcar această moţiune a scris-o singur sau i-a dictat-o doamna Badea? (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Marian Neacsu: - Sabendo que o senhor é especialista sobretudo em polegadas e não em educação, queria perguntar aos nossos colegas ou a alguém que possa responder, se pelo menos esta moção foi escrita por ele ou se a senhora Badea lha ditou?]

Em (276), o ministro da Adminstração Interna é chamado – indireta e ironicamente – incompetente, insistindo o locutor também na responsabilidade do primeiro ministro na nomeação de alguém pouco adequado para uma pasta tão difícil. No entanto, salientámos que neste caso o locutor adota a estratégia de usar a delocução em praesentia, uma vez que o delocutário estava na sala durante a reunião plenária. 152 Durante a campanha para as eleições presidenciais de 2009, Daniel Funeriu (na altura ministro da Educação) fez uma análise de um vídeo em que um dos candidatos, Traian Băsescu, alegadamente tinha dado uma bofetada a uma criança. O ministro defendeu que o vídeo era falso, porque aparecia na parte de baixo uma polegada azul que lhe parecia estranha. A expressão pixelul albastru [polegada azul] passou depois a ser usada pela comunicação social romena para as situações em que alguém rejeita uma evidência.

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Apesar deste duplo evitamento – do tratamento alocutivo, de avaliação direta – consideramos que o FTA não é atenuado pelo locutor, mas sim reforçado, e atinge plenamente o seu objetivo. (276) Domnul Marius-Petre Nicoară: - Lista gafelor ministeriale ale domnului ministru este lungă, aşa cum aţi remarcat, însă declar aici, în faţa dumneavoastră, că nu-l consider pe Domnia Sa vinovat. Într-o firmă privată, când unui angajat i se încredinţează o misiune care îl depăşeşte, primul tras la răspundere este managerul de proiect sau şeful direct al celui în cauză. Aşadar, mi-aş dori să aud cum motivează domnul Boc gafele celui căruia i-a încredinţat cheia internelor, adică o misiune mult prea grea. (Reunião do Senado, 6 de dezembro de 2011) [O senhor Marius-Petre Nicoară: - A lista das gafes ministeriais do senhor ministro é longa, tal como se mencionou, mas eu declaro aqui, perante os senhores, que não o considero culpado. Numa empresa privada, quando se dá a um funcionário uma tarefa que ultrapasse as suas competências, o primeiro a responder é o chefe de projeto ou o chefe direto do dito funcionário. Gostava de ouvir, então, como explica o senhor Boc as gafes [feitas pela pessoa] a quem entregou as chaves da administração interna, ou seja uma tarefa demasiado difícil.]

Em (277), o emprego da forma do plural da locução pronominal domniile lor, ocorre também num FTA, em que dois dos partidos mais importantes do arco governamental (o Partido Social Democrata e o Partido Nacional Liberal) são criticados por não terem tomado as medidas necessárias quando tiveram a pasta da Saúde e por se terem limitado a fazer moções. Aliás, o FTA visa a denegrir a imagem coletiva dos dois partidos, através da comparação da sua atividade – já avaliada negativamente, pois se trata, na opinião do locutor, da manipulação da opinião pública – com um programa da televisão Os romenos têm talento153. (277) Domnul Petru Movila: - Mă întreb unde erau atunci domnii parlamentari ale celor două mari partide care au avut pe rând Ministerul Sănătăţii în custodie. Ce au făcut domniile lor ca România să nu ajungă în această situaţie critică pe care o reclamă. Nu cumva doar moţiuni? Este şi acesta un talent, până la urmă. Românii au talent, după cum ne arată televiziunile, iar parlamentarii USL chiar foarte mult talent, dar nu în alte cântatului sau ale dansului, ci în a manipula opinia publică, prezentând informaţii eronate, jonglând cu cifrele, folosind date din diverse statistici, rupte din context. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [O senhor Petru Movila: - Pergunto onde estavam os senhores parlamentares dos dois grandes partidos quanto tiveram sucessivamente a pasta da Saúde. O 153

O mesmo formato que Portugal tem talento.

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que é que os senhores fizeram para que a Roménia não chegasse a esta situação crítica que apresentam. Não foram apenas moções? No fim das contas, este é também um talento. Os romenos têm talento, como mostram os canais de televisão e os parlamentares da USL têm mesmo muito talento, não para cantar ou dançar, mas sim para manipular a opinião pública, apresentando informações erradas, fazendo malabarismos com os números, usando dados descontextualizados de diferentes estatísicas.]

Em (278) selecionámos um exemplo com a FT domnia sa usada num FTA mais direto, sem alusões ou possíveis mitigações, em que os autores da moção de censura são acusados de ter copiado disposições do Código de Trabalho proposto pelo governo. Apesar de o FTA não visar diretamente a delocutária, mas sim o partido que ela integra, o locutor quer também ameaçar a imagem da mesma (que assinou também a moção de censura). Aliás, de forma a dar mais peso à sua acusação, insiste nos cargos e nos títulos académicos detidos pela delocutária: “doamna profesor universitar doctor, doamna rector Andronescu” [a senhora doutora professora universitária, a senhora reitora Andronescu], para evidenciar a incongruência entre a ética universitária e uma prática política que qualifica como plágio. (278) Domnul Nicusor Paduraru: - Haideţi să lucrăm cu materialul clientului, cu moţiunea de cenzură, în continuare. Textul moţiunii de cenzură îl aveţi cu toţii în faţă şi aş vrea s-o întreb pe doamna profesor universitar doctor, doamna rector Andronescu cum se numeşte faptul când copiezi dintr-o parte şi pui în alta şi-ţi asumi dreptul de autor? Şi în Legea educaţiei şi în legile pe care Domnia Sa le-a promovat, era instituţia plagiatului. Dragi parteneri din opoziţie, pentru ca nu va consider adversari, aş dori sa fiţi parteneri într-un act de modernizare a statului român, aţi copiat 76 de prevederi din codul nostru. Cum se numeste, fraţilor, asta? (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados, 16 de março de 2011) [O senhor Nicusor Paduraru: - A seguir, vamos trabalhar com o material do cliente, ou seja com a moção de censura. Todos têm o texto da moção de censura e queria perguntar à senhora doutora professora universitária, a senhora reitora Andronescu como é que se chama aquilo quando se copia de um lado e se põe noutro e se assume os direitos autorais? Na lei da educação e nas leis que a senhora promoveu, era a instituição do plágio. Caros parceiros da oposição, poque não vos considero adversários, queria que fossem parceiros num ato de modernização do Estado romeno, copiaram 76 disposições do nosso código. Como se chama isto, irmãos?]

Por fim, a última forma pronominal delocutiva apresentada é a expressão ceremoniosa e protocolar, privilegiada no discurso diplomático, Excelenţa Sa. Salientamos, que ao contrário do português, em romeno esta FT tem um uso restringido quase exclusivamente a este contexto específico, sendo ausente das interações quotidianas. A única ocorrência desta FT foi numa reunião do Senado em

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que se aprovava uma cooperação militar com os Estados Unidos da América, em presença do embaixador americano. Tomando em consideração o caráter solene da reunião, o emprego de uma FT protocolar com caráter específico e a reação do público, consideramos que este único exemplo do uso de Excelenţa Sa no corpus romeno constitui um verdadeiro FFA, congruente com o seu valor prototípico. (279) Domnul Vasile Blaga: — Am plăcerea să vă anunţ că la şedinţa noastră este prezent Excelenţa Sa Mark Gitenstein, ambasadorul Statelor Unite la Bucureşti, însoţit de doi consilieri, pentru a asista la dezbaterea şi adoptarea Proiectului de lege pentru ratificarea Acordului dintre România şi Statele Unite ale Americii privind amplasarea sistemului de apărare împotriva rachetelor balistice al Statelor Unite în România. (Aplauze) (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Vasile Blaga: — Tenho o prazer de informar que está presente na nossa reunião Sua Excelência Mark Gitenstein, o embaixador dos Estados Unidos em Bucareste, acompanhado por dois assessores, para assitir ao debate e à adoção do Projeto de lei para a ratificação do Acordo entre a Roménia e os Estados Unidos sobre a construção na Roménia do sistema americano de defesa contra os mísseis balísticos. (Aplausos)]

A análise das formas pronominais delocutivas empregues no sub-corpus romeno permitiu-nos calibrar a relação entre os seus valores prototípicos, que no eixo da expressão da deferência podem ser classificadas como na Figura nº 14, numa trajetória ascendente, circunscrita entre o grau zero de cortesia (el) e o mais alto ceremonial diplomático (Excelenţa Sa), passando por três graus intermédios, e os seus valores contextuais. Sobretudo no caso do discurso parlamentar, que tem uma forte componente agonal, esta relação é muito importante para configurar a relação interlocutiva entre os atores políticos, neste caso entre locutor e delocutário(s), EU-ELE(S). Cruzando os valores prototípicos com os valores contextuais, observámos que se estabelecem diferentes relações de congruência e de incongruência, que descrevem a tensão entre a componente protocolar, regimental (que privilegia um registo alto da língua) e a componente agonal dos debates parlamentares. Os exemplos analisados apresentam usos muito variadaos desta FT, que abrangem FFAs, valorizantes para com a imagem do delocutário e FTAs que ameaçam diferentes componentes da imagem do delocutário: política ideológica, política profissional, profissional e até pessoal.

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sg. el / ea pl. ei / ele

sg. dânsul / dânsa pl. dânşii / dânsele

sg. dumnealui dumneaei pl. dumnealor

sg. domnia sa pl. domniile lor

sg. Excelenţa Sa pl. Excelenţele Lor

Figura nº 14. Formas pronominais delocutivas em romeno e a sua

gradação no eixo de deferência

Na próxima secção debruçar-nos-emos sobre os valores dos pronomes que em português expressam também o grau zero de deferência, ele e eles.

2.3.5 Ele e eles Se a língua romena tem um inventário riquíssimo de formas pronominais para a designação do delocutário, que permitem a expressão de diferentes graus de deferência, em português a forma pronominal el / ela / eles / elas, que expressa, será completada na trajetória ascencente semelhante à da Figura nº 14 por diferentes formas nominais, que possibilitam a expressão de relações interlocutivas – EU-ELE(S) – muito variados. Vejamos os exemplos abaixo, que ilustram as possibilidades de configuração de nuances diferentes na relação locutor-delocutário, através da forma pronominal e das formas nominais154, do grau zero de cortesia (ela), até ao grau mais elevado de cerimónia (Sua Excelência), passando por diferentes graus que expressam a posição social e / ou profissional do delocutário. Se tomamos em consideração o critério morfológico, apenas ele / eles e Sua Excelência são formas pronominais, que designam o delocutário. i) ii)

É melhor falar com ela. É melhor falar com a Maria.

Ver Carreira (1997: 69) para uma classificação do tratamento delocutivo (pronominal, nominal, verbal). 154

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iii) iv) v) vi) vii) viii) ix)

É melhor falar com a senhora Maria. É melhor falar com a dona Maria. É melhor falar com a senhora dona Maria. É melhor falar com a doutora Maria. É melhor falar com a doutora Maria Teixeira. É melhor falar com a senhora ministra Maria Teixeira. É melhor falar com Sua Excelência.

No que diz respeito ao valor discursivo, salientamos que em quase todas ocorrências encontradas no sub-corpus português ele ou eles têm função anafórica155, fazendo, portanto referência a um delocutário anteriormente mencionado e assegurando a coesão discursiva, como em (280) e (281). Ambas as ocorrências aparecem em FTAs, ironia no primeiro, ofensa no segundo, mas, do nosso ponto de vista, o pronome não é um dos mecanismos principais da construção destes atos. Aliás, poderíamos afirmar que são as formas nominais, o Sr. Ministro em (280) e o Primeiro Ministro em (281) que contituem o núcleo designativo (em evidente relação de incongruência com o FTA), as formas pronominais servindo apenas como recursos de recuperar a nível discursivo os delocutários anteriormente expressos. (280) O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Afinal, ficámos a saber que, orgulhoso, o Ministro das Finanças, quando se levanta, de manhã, olha-se ao espelho e pergunta: «Espelho meu, espelho meu, há alguém que privatize mais do que eu?». E, orgulhoso com a resposta, o Sr. Ministro ouve o espelho dizer-lhe que não, que ele é o campeão das privatizações. (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011) (281) O Sr. José Gusmão (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, o Primeiro-Ministro, ontem, numa entrevista na televisão, disse com o descaramento com que só ele é capaz que não apresentou as medidas de austeridade mais cedo porque não queria conflituar com a tomada de posse do Sr. Presidente da República ou com a moção de censura do Bloco de Esquerda. Disse que não era adequado. (Reunião plenária de 16 de março de 2011)

Em (282) há duas ocorrências do pronome eles, que poderiam ter interpretações diferentes. Se eles1 é um uso anafórico que retoma (a)o Ministro dos Transportes, eles2 , proferido pelo segundo locutor, em aparte, tem também uma função anafórica, mas, ao contrário do primeiro, o contexto permitiria o uso de uma FT mais adequada. A FT o Ministro poderia expressar a deferência do segundo locutor para com o delocutário – a frase “É que o Ministro não responde!” em vez de “É que ele não Marques & Duarte (2013) defendem que eles pode ter também outra função discursiva, a de “introduzir um novo objeto de discurso”, os locutores co-construindo o valor referencial do pronome com base em “conhecimentos e memória discursiva comuns”. 155

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responde!” seria aceitável –, o que nos faz concluir que neste caso o pronome ele podia ter um valor adicional de descortesia, para além da sua função anafórica. (282) O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Estranho que venha perguntar ao Ministro das Finanças aquilo que podia ter perguntado ao Ministro dos Transportes, porque ninguém melhor do que ele1 pode responder a muitas dessas questões, dado que é ele que tutela o sector. O Sr. Luís Menezes (PSD): — É que ele2 não responde! (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011)

Nos exemplos (283)-(286) as ocorrências da forma plural eles têm também funções anafóricas, facilmente recuperáveis do contexto e contribuindo para a coesão discursiva. Observamos que os valores referenciais do pronome remetem para diferentes instâncias do dispositivo de comunicação política (Charaudeau 2005), como a instância cidadã em (283), a instância política em (284) e a instância adversária em (285). No último exemplo, (286), notamos que eles contrói-se em oposição a nós, mecanismo linguístico já analisado (ver supra 2.2.4. Nós vs. os outros). Através desta oposição, os locutores constroem polarizações ideológicas típicas na arena política, como mostra Oddo (2011) na sua análise dos pronomes us vs. them (nós vs. eles) em discursos políticos americanos. (283) O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Diz o Sr. Ministro que os sacrifícios são bem entendidos pelos portugueses, mas é difícil perguntarmos aos portugueses se eles entendem como é que é esta distribuição de sacrifícios, porque, na prática, a austeridade não traz consequências positivas. A austeridade, diz-nos a própria execução orçamental, é também culpa da situação do País. (Reunião plenária de 26 de abril de 2012) (284) O SR. MINISTRO AFONSO FLORENCE - Conforme foi aqui relatado por mim, pela Ministra Izabella e pelo Presidente Celso - e eles vão poder reiterar, no que lhes cabe -, foram tomadas providências antecipadamente às matérias veiculadas nos veículos de comunicação. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (285) O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Sr. Presidente, por favor. Presidente, seja mais duro aí com os Líderes, porque nós, mortais, aqui precisamos falar. O SR. PRESIDENTE (Deputado Nilson Leitão) - É que os Líderes têm um tempo a mais legalmente, regimentalmente. O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Não é uma questão de... É dar mais do mais. Eles têm muito tempo. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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(286) O SR. DEPUTADO ODAIR CUNHA - Sr. Presidente, a Oposição, muitas vezes, demonstra aqui uma espécie de ressentimento por não estar governando o País. Eles nos criticam porque fazemos comparações do nosso Governo com o Governo tucano, mas eles também fazem comparações. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011)

A análise das formas de tratamento pronominais alocutivas e delocutivas revela algumas particularidades dos três sub-corpora: português, brasileiro e romeno: i) em primeiro lugar, nota-se uma diferença entre o romeno e o português (as duas variedades, europeu e brasileiro) no que diz respeito ao uso da forma de tratamento que expressa o grau mais alto de deferência, Vossa Excelência e Excelenţa Sa; se em português esta forma de tratamento é usada com alguma frequência, em romeno aparece só num contexo delocutivo, quando o orador fala sobre o Embaixador dos EUA; aliás, a falta de usos alocutivos desta forma de tratamento nos debates romenos corrobora os empregos na linguagem comum, limitados só aos diplomatas; ii) em português (europeu e brasileiro), Vossa Excelência apresenta um leque variado de usos, que podem ser classificados em três categorias: congruentes com o valor prototípico da forma de tratamento – portanto em FFAs –, neutros – em contextos funcionais, como a gestão do turno de fala –, incongruentes – em FTAs que visam diferentes componentes da imagem do interlocutor –, revelando uma tensão entre as regras impostas pelo protocolo regimental e a natureza agonal do discurso parlamentar; iii) o pronome romeno dumneavoastră – tanto no singular, como no plural – apresenta apenas usos neutros e incongruentes, ao passo que a locução domnia voastră ocorre exclusivamente em contextos incongruentes, tendo um valor preponderantemente irónico; dumneata aparece apenas em discurso relatado; iv) no que diz respeito ao pronome você, notamos, como era de esperar, uma diferença significativa de uso entre o português de Portugal e o português do Brasil, relacionada com a frequência: uma ocorrência em debates portugueses, num aparte vs. 111 ocorrências em debates brasileiros; por outro lado, destacam-se um grande número de usos genéricos nos debates brasileiros e uma frequência menos reduzida dos usos alocutivos propriamente ditos; v) há também diferenças quanto aos valores do pronome vocês: se no sub-corpus brasileiro pode ter valores consensuais, no sub-corpus português é usado essencialmente para marcar diferenças entre os adversários políticos, no eixo nós vs. vocês; vi) em relação à série delocutiva do romeno el, dânsul, dumnealui, domnia sa, notamos que el tem essencialmente funções anafóricas ou catafóricas, sendo pouco usado enquanto forma de tratamento delocutivo; dânsul, que na língua corrente já se usa como pronome de deferência, nos debates deste corpus tem um uso limitado a contextos neutros e incongruentes; dumnealui, caraterizado por Zafiu

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(2002b) como um parêntese irónico aparece em FTAs, mas também em contextos congruentes com o seu valor prototípico de deferência; vii) domnia sa, a locução pronominal de deferência tem nos debates que integram o nosso corpus apenas um uso congruente e vários usos incongruentes, ocorrendo em enunciados irónicos; viii) o pronome eles é usado em português para configurar relações agonais com base em diferendos partidários ou ideológicos, no eixo nós vs. eles. Se neste capítulo fizemos uma análise das formas de tratamento pronominais alocutivas e delocutivas, no próximo dedicar-nos-emos às formas nominais, tentando destacar os seus valores discursivos na criação das imagens veiculadas por locutores em debates parlamentares brasileiros, portugueses e romenos.

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2.4 A imagem do(s) outro(s): o tratamento nominal alocutivo e delocutivo Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados: Debatemos hoje o sector empresarial do Estado, um tema relevante em qualquer quadro político mas que na actual conjuntura assume capital importância. (DAR – 11/05/2012 I Série — Número 107)

Para a classificação das formas nominais de tratamento encontradas no corpus, usamos os modelos propostos por Kerbrat-Orecchioni (1992: 21-22) e KerbratOrecchioni (2010a: 20-21), destacando as categorias encontradas nos sub-corpora português, brasileiro e romeno: i) tratamento institucional, ii) tratamento relacional; iii) tratamento profissional e académico: professor, engenheiro, doutor etc., iv) tratamento pessoal: (o senhor / a senhora) + nome / apelido / nome & apelido; v) tratamento genérico: o senhor, a senhora, os senhores, as senhoras em português e, em romeno: domnule [senhor], doamnă [senhora], domnilor [senhores], doamnelor [senhoras]. Ao analisarmos o corpus, obervamos, num primeiro momento, que na Assembleia da República de Portugal, os deputados preferem usar formas de tratamento institucionais, tanto em contextos alocutivos, como delocutivos, ao passo que no Congresso Nacional do Brasil e no Parlamento da Roménia, a situação é mais complexa, sendo o leque de formas nominais empregues mais variado, visto que são usadas formas relacionais, profissionais, nomes e apelidos, etc. Nas secções seguintes tentaremos analisar estas categorias de formas nominais de tratamento (doravante FNT) coletivas e individuais, destacando a sua função discursiva (organização textual, gestão do turno de fala, etc.) e o seu papel na construção da relação interlocutiva (locutor-alocutário, locutor-delocutário).

2.4.1 Tratamento institucional Nesta categoria incluímos as FNT que remetem para o cargo institucional dos participantes nas reuniões parlamentares, como presidente, deputado(s), ministro(s), primeiroministro, secretário(s) de estado, etc. e as FNT que expressam a afiliação partidária dos alocutários: stimaţi membri ai PDL [prezados membros do Partido Democrata Liberal], visto que os partidos são instituições políticas que integram os sistemas democráticos de governação. Vejamos, em primeiro lugar, a forma de tratamento para designar o presidente da reunião, figura central nos debates parlamentares, cujas atribuições já foram descritas (ver supra 1.4.1. O papel do moderador). Sendo reponsável, entre outros, pela gestão do turno de fala, o presidente – ou a presidente no caso da Assembleia da República ou da Câmara dos Deputados da Roménia – interage com todos os

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intervenientes, sendo um dos atores que mais toma a palavra durante os debates parlamentares, pelo que as FNT senhor presidente, senhora presidente, domnule preşedinte, doamnă preşedinte são bastante frequentes nos três sub-corpora. Aliás, as normas regimentais156 estipulam que os parlamentares devem dirigir-se ao presidente em cada intervenção: Artigo 89.º Modo de usar a palavra 1 — No uso da palavra, os oradores dirigem-se ao Presidente e à Assembleia e devem manter-se de pé. (Regimento da Assembleia da República, nosso negrito) Art. 73. Para a manutenção da ordem, respeito e austeridade das sessões, serão observadas as seguintes regras: [...] X - o Deputado, ao falar, dirigirá a palavra ao Presidente, ou aos Deputados de modo geral. (Regimento Interno da Câmara dos Deputados do Brasil, nosso negrito)

Por conseguinte, as FNT que evocam a figura presidencial aparecem no início de quase todas as intervenções, obedecendo os oradores às normas regimentais respeitantes à tomada de palavra. Vejamos três exemplos e de intervenções iniciais de membros do governo que se dirigem ao parlamento: (287) do sub-corpus português, (288) do sub-corpus brasileiro, (289) do sub-corpus romeno. (287) O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (António Mendonça): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de apresentar as minhas saudações ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados e, sendo a primeira vez este ano que tenho a honra de me dirigir a esta Assembleia, também quero desejar a todos os Srs. Deputados um Bom Ano Novo. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (288) O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - Sr. Presidente, Deputado Sérgio Brito, Sr. Deputado Delegado Waldir, autor do requerimento que provocou o convite, para minha honra e satisfação, para eu estar aqui com as Sras. e os Srs. Deputados, membros desta importantíssima Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados; demais Parlamentares presentes; senhores servidores; senhores assessores das duas Casas do Congresso; senhores assessores e técnicos do Poder Executivo aqui presentes; senhores jornalistas; minhas senhoras e meus senhores. (Audiência Pública N°: 0399/ : 04/05/2011)

Ver também supra 2.1.3. Formas de tratamento e (des)cortesia parlamentar, o exemplo (137) em que o Presidente insiste no uso da fórmula regimental: “Senhor Presidente, Senhores deputados”.

156

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(289) Domnul Emil Boc (primul-ministru al Guvernului României): — Domnule preşedinte al Senatului, Doamnă preşedinte a Camerei Deputaţilor, Onorat prezidiu, Dragi colegi, membri ai Guvernului, Doamnelor şi domnilor senatori şi deputaţi, Această moţiune de cenzură nu are nicio şansă. (Aplauze.) Am cel puţin două motive pentru a vă argumenta acest lucru. (Reunião plenária do Senado e da Câmara dos Deputados, 16/03/ 2011) [O senhor Emil Boc (Primeiro Ministro do Governo da Roménia): — Senhor presidente do Senado, Senhora presidente da Câmara dos Deputados, Prezada Mesa, Caros colegas, membros do Governo, Senhoras e senhores senadores e deputados, esta moção de censura não tem nenhuma hipótese (de passar). (Aplausos.) Tenho pelo menos duas razões para argumentar isto.]

Nos exemplos (287)-(289) observamos também outra caraterística do ritual do tratamento nominal em debates parlamentares, que é o uso de verdadeiras cadeias alocutivas ou delocutivas, através das quais os oradores referem os atores do cenário discursivo. Como já referimos (ver supra 1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar), os debates parlamentares têm audiências multi-estratificadas e as intervenções dos oradores podem chegar a públicos muito variados. Neste contexto, um dos papéis das FNT é também de descrever os elementos que integram o cenário discursivo, quer por razões relacionadas com o cumprimento do protocolo regimental, quer por razões estratégicas. Em primeiro lugar, através da ratificação (do papel) dos participantes no debate, o locutor procura criar adesões – políticas, ideológicas – para com o seu discurso. Por um lado, confirma os interlocutores como participantes no debate e por outro lado, através do uso de FNT institucionais, salienta a identidade dos mesmos e define o quadro participativo da interação enquanto quadro essencialmente institucional. Embora possa parecer uma observação óbvia ou até redundante, a dinâmica do tratamento mostra que os locutores podem optar por FNT muito variadas, que nem sempre referem identidades institucionais. Analisando debates da Assembleia Nacional e dos Conselhos Municipais em França – e também textos literários –, Détrie (2006: 84-91) considera que o papel destas apostrophes nominales (para usarmos a terminologia da autora) é de criar diferentes tipos de enquadramento interlocutivo [fr. cadrage interlocutif]: ratificação do alocutário – i) enquadramento geral no cerimonial institucional, ii) individualização do interlocutor, iii) enquadramento de indivíduo a indivíduo – e enquadramento avaliativo, desqualificação do outro, avaliação positiva e criação de jogos interdiscursivos humorísticos. Em segundo lugar, estas cadeias alocutivas ou designativas podem ser consideradas estratégicas quando são analisadas nos contextos em que aparecem. Em geral – ver o exemplo (288) –, sobretudo nas intervenções iniciais, os locutores expressam atos de agradecimento – pelo convite de comparecer no parlamento, se forem membros do governo, pela concessão da palavra –, de saudação, votos, usam FFAs, exprimindo sentimentos de satisfação ou de honra em estar presentes perante o

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legislativo, etc. Nestes contextos, as FNT refoçam o valor cortês dos respetivos atos de fala e valorizam a imagem dos participantes no debate. Em terceiro lugar, consideramos também estratégicas a seleção das FNT e a ordem em que são usadas, porque mostram não apenas constrangimentos regimentais – no caso da posição inicial da FNT que refere o presidente –, mas também a construção de uma relação interlocutiva com os diferentes tipos de alocutários ou delocutários. Por exemplo, em (287)-(289) as FNT usadas são institucionais. Porém, nos exemplos dos sub-corpora português e romeno, os locutores usam exclusivamente as FNT coletivas (excepto a FNT para o presidente): “Srs. Deputados”, “Onorat prezidiu, Dragi colegi, membri ai Guvernului, Doamnelor şi domnilor senatori şi deputaţi” [Prezada Mesa, Caros colegas, membros do Governo, Senhoras e senhores senadores e deputados], o que denota, neste contexto, a opção pela despersonalização das relações interlocutivas de tipo EU-TU, ao passo que o exemplo do sub-corpus brasileiro contém FNT individuais também: “Deputado Sérgio Brito, Sr. Deputado Delegado Waldir”, que privilegiam a criação de relações interlocutivas individuais, ou na terminologia de Détrie (2006), a discriminação do interlocutor. Uma segunda particularidade do sub-corpus brasileiro, que será destacada nas secções seguintes, é o uso de FNT que referem categorias diferentes de participantes no debate: “senhores servidores; senhores assessores das duas Casas do Congresso; senhores assessores e técnicos do Poder Executivo aqui presentes; senhores jornalistas”, o que indica uma preocupação em criar um quadro participativo mais amplo do que os delineados por locutores portugueses e romenos. Passemos agora à análise mais pormenorizada das FNT no seu conjunto, destacando a estrutura interna, a função discursivo-textual e a função na dinâmica interlocutiva. Do ponto de vista sintático, identificámos duas categorias de FNT, as que são empregues na forma vocativa e as que são usadas com função de sujeito ou objeto direto e indireto; quanto ao valor discursivo-pragmático, destacam-se as FNT alocutivas e as FNT delocutivas. 2.4.1.1 Estrutura interna No que diz respeito a estrutura interna, notamos uma diferença entre as práticas discursivas no sub-corpus português e no sub-corpus brasileiro: se no primeiro as FNT institucionais em vocativo presidente, deputado(s), deputadas(s), ministro(s), ministra(s), secretário(s) do estado, membros do governo, etc. são quase sempre precedidas por senhor(es) e senhora(s), no segundo sub-corpus as FNT podem ser usadas sem senhor(es) e senhora(s), sendo seguidas frequentemente pelo nome ou pelo nome e apelido. Vejamos alguns exemplos de intervenções dos presidentes de reuniões quando se dirigem aos deputados, do sub-corpus brasileiro: (290a)-(290f) e do sub-corpus português: (291a)(291d).

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(290a) O SR. PRESIDENTE (Deputado Edmar Arruda) - V.Exa. está com a palavra, Deputado. (Audiência Pública N°: 0646/12 DATA: 22/05/2012) (290b) O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Queira concluir, Deputado. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (290c) O SR. PRESIDENTE (Deputado Edmar Arruda) - Obrigado, Deputada. Esta Comissão já tem uma subcomissão específica tratando das denúncias e das auditorias com relação a dinheiro federal aplicado na saúde do brasileiro. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012) (290d) O SR. PRESIDENTE (Deputado Edson Santos) - Pela ordem, Deputada Rebecca. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012) (290e) O SR. PRESIDENTE (Deputado Edmar Arruda) - Vou lhe passar a palavra por 3 minutos, Deputado Vanderlei. (Audiência Pública N°: 0646/12 DATA: 22/05/2012) (290f) O SR. PRESIDENTE (Deputado Simão Sessim) - Pela ordem, Deputado Walter Feldman. (Audiência Pública N°: 1644/12 DATA: 28/11/2012) (291a) O Sr. Presidente (António Filipe): — Sr. Deputado, queira concluir porque já excedeu largamente o tempo de que dispunha. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (291b) O Sr. Presidente: — Queira concluir, Sr.ª Deputada. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (291c) O Sr. Presidente (António Filipe). — Sr. Deputado, não se tratou de uma defesa da honra, mas de uma interpelação à Mesa, pelo que peço que o Sr. Deputado se contenha também nos limites dessa figura regimental. (Reunião plenária de 11 de abril de 2012) (291d) A Sr.ª Presidente: — Sr.ª Deputada Ana Drago, inscreveu-se um Sr. Deputado para lhe pedir esclarecimentos, o que acontecerá no momento seguinte à intervenção do Sr. Ministro de Estado e das Finanças, conforme o formato regimental deste debate. (Reunião plenária de 26 de abril de 2012)

A mesma situação ocorre também no caso outras formas de tratamento, em interações entre deputados ou entre deputados e membros do governo. No entanto, é preciso mencionar que no sub-corpus brasileiro o uso da FNT presidente sem senhor ou

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sem nome e/ou apelido é pouco frequente. Aliás, consideramos que no caso estrutura da FNT presidente há mais convergências entre o português europeu e o português brasileiro, ao passo que no caso de deputado e ministro os dois sub-corpora mostram mais divergências. (292a) As auditorias que a CGU fez identificaram que o Fundo Visanet, com participação do Banco do Brasil, contribuiu para irrigar o mensalão, Ministro? (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011) (292b) A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, não precisávamos de ir mais longe nesta interpelação para perceber que o Governo não tem nenhum objectivo — nem nenhuma estratégia, consequentemente — para promover ligações e uma efectiva mobilidade por via ferroviária entre os diversos pontos do País, através de eixos centrais e respectivos ramais. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011) (292c) O SR. DEPUTADO SILVIO COSTA - Quero saber qual é a minha posição aí, Presidente. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (292d) A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, mas quando é que o Sr. Ministro responde?! (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

No sub-corpus romeno, a estrutura mais frequente do tratamento institucional é domnule / doamnă + cargo (no masculino para as mulheres também): “Domnule deputat” [senhor deputado] em (293a), “Domnule senator” [senhor senador], “domnule preşedinte al Senatului” [senhor presidente do Senado], “domnule ministru” [senhor ministro] em (293b), “senhor primeiro-ministro” [domnule prim ministru] em (293c), “doamnă deputat” [senhora deputado, tradução literal], “doamnă preşedinte” [senhora presidente] em (293d), seguindo-se eventualmente depois desta estrutura o apelido: “domnule ministru Tabără” [senhor ministro Tabără] ou o nome e o apelido: “domnule senator Raymond Luca” [senhor senador Raymon Luca]. Ao contrário do sub-corpus brasileiro: “Deputada Rebecca” em (290d), “Deputado Vanderlei” em (290f), não se encontra nos exemplos romenos a estrutura cargo + nome (portanto, sem apelido). De um modo geral, a estrutura do tratamento institucional romeno aproxima-se em grande medida da estrutura do tratamento institucional português. (293a) Domnul Ioan Oltean: - Domnule deputat, vă rog să nu mai dialogaţi cu sala. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Ioan Oltean: - Senhor deputado, por favor deixe de dialogar com a sala.]

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(293b) Domnul Mircea-Dan Geoană: - Domnule senator, o secundă. [...] Domnul Petre Daea: - Vă mulţumesc, domnule preşedinte al Senatului. [...] Domnule ministru, cine îşi va asuma răspunderea pentru faptul că peste trei ani România va primi mult mai puţini bani de la Uniunea Europeană, ca urmare a faptelor săvârşite în momentul de faţă sub conducerea dumneavoastră? (Reunião do Senado de 2 de maio de 2011) [O senhor Mircea-Dan Geoană: - Senhor senador, um segundo. […] O senhor Petre Daea: - Obrigado, senhor presidente do Senado. […] Senhor ministro, quem vai assumir a responsabilidade pelo facto de em três anos a Roménia receber muito menos da União Europeia, em consequência das ações feitas neste momento sob a sua liderança?] (293c) Domnul George Crin Laurenţiu Antonescu: - Numai că, domnule primministru, domnilor din majoritate, e un lucru care cred că e de natură să ne indispună pe toţi. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor George Crin Laurenţiu Antonescu: - Só que, senhor primeiro ministro, senhores da maioria, é uma coisa que, julgo eu, nos indisponha a todos nós. ] (293d) Doamna Roberta Alma Anastase: - Acum o invit la microfon pe doamna deputat Rodica Nassar, pentru a da citire moţiunii. Vă rog, doamnă deputat, aveţi cuvântul. Doamna Rodica Nassar: - Mulţumesc, doamnă preşedinte. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [A senhora Roberta Alma Anastase: - Agora vou convidar a senhora deputada157 Rodica Nassar para fazer a leitura da moção. Por favor, senhora deputada, tem a palavra.] (293e) Domnul Vasile Mustăţea: - Am să încerc să explic, domnule ministru Tabără. (Reunião do Senado de 2 de maio de 2011) [O senhor Vasile Mustăţea: Vou tentar explicar, senhor ministro Tabără.] (293f) Domnul Mircea-Dan Geoană: - Vă rog, domnule senator Raymond Luca, microfonul central al Senatului. (Reunião do Senado de 23 de maio de 2011) [O senhor Mircea-Dan Geoană: - Por favor, senhor ministro Raymond Luca, o microfone central do Senado.]

A tradução literal seria senhora deputado Rodica Nassar e senhora deputado, pois em romeno as formas femininas não são usadas no caso de todas as profissões. 157

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Portanto, as diferenças entre os três sub-corpora no que diz respeito às estruturas das FNT institucional poderiam ser sintetizadas de maneira seguinte: Formas nominais de tratamento institucional português senhor/senhora + CARGOMASC/CARGOFEM (+ nome & apelido) europeu português (senhor/senhora) + CARGOMASC/CARGOFEM (+ nome/apelido/nome & brasileiro apelido) romeno

domnule/doamnă + CARGOMASC (+ apelido/nome & apelido) Tabela nº 12. Formas nominais de tratamento institucional (singular).

No que diz respeito às FNT alocutivas (que não são usadas em forma vocativa) e às FNT delocutivas, notamos que para o português europeu (294a) e brasileiro (294b) mantêm-se as mesmas estruturas que apresentámos na Tabela nº 12: (294a) O Sr. Ministro de Estado e das Finanças: — Como há bocado referiu o Sr. Deputado Miguel Frasquilho [senhor + CARGO + nome + apelido], há muitos anos que o andamos a fazer, e as consequências de muitas opções e de muitas políticas adoptadas no passado estão precisamente a reflectir-se hoje, mostrando quão difícil é sustentar essas políticas. (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011) (294b) O SR. DEPUTADO EDSON SANTOS - Parabenizo, então, o Ministro Padilha [CARGO + apelido] pela presença nesta Comissão. Quero ainda realçar uma questão posta pelo Deputado Rodrigo Maia [CARGO + nome + apelido], no que tange ao Hospital de Ipanema. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012)

No sub-corpus romeno, os locutores preferem as mesmas estruturas das FNT alocutivas e delocutivas que constam na Tabela nº 12, havendo um único exemplo de uso delocutivo que não obedece à regra enunciada, (295a), em que o locutor emprega apenas o cargo e o apelido, sem o nome domnul. (295a) Doamna Sonia-Maria Drăghici: - Drogurile uşoare reprezintă un dezastru fizic, psihic, dar mai ales social. Nu se cunoaşte numărul deceselor, doar deputatul Bănicioiu [CARGO + apelido] ne-a spus o cifră, Ministerul Sănătăţii n-a îndrăznit însa s-o spună. (Reunião da Câmara dos Deputados, 6 de junho de 2011)

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[A senhora Sonia-Maria Drăghici: As drogas leves representam um desastre físico, psíquico, mas sobretudo social. Não se conhece o número de mortos, só o deputado Bănicioiu disse um número, o Ministério de Saúde, porém, não se atreveu a dizê-lo.] (295b) Domnul Raymond Luca: - Comisia parlamentară a revoluţionarilor din decembrie 1989 a acordat un aviz negativ iniţiativei legislative a domnului deputat Balcan [domnului (genitivo de “domn”) + CARGO + apelido]. (Reunião do Senado, 6 de dezembro de 2011) [O senhor Raymond Luca: - A comissão parlamentar dos revolucionários de Dezembro de 1989 deu parecer negativo para a iniciativa legislativa do senhor deputado Balcan.] (295c) Domnul Valeriu Stefan Zgonea: - Îl invit pe domnul deputat Cristian Dumitrescu [domnul + CARGO + nome + apelido], din partea Grupului parlamentar al PSD. Grupul parlamentar al PSD are 15 minute. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Valeriu Stefan Zgonea: - Convido o senhor deputado Cristian Dumitrescu do Grupo Parlamentar do PSD. O grupo parlamentar do PSD tem 15 minutos.]

No caso do tratamento institucional no plural, notamos que em português europeu e em romeno os locutores preferem as estruturas senhores / senhoras e o cargo como em (296a) e doamnilor / doamnelor e o cargo, como em (296b), ao passo que no português do Brasil o cargo pode ser usado com ou sem em outras FNT, como se pode observar em (296c) e (269d): (296a) O Sr. Presidente (António Filipe): — Srs. Deputados, queiram criar condições para o Sr. Deputado poder continuar a intervir. (Reunião plenária de 12 de outubro de 2011) (296b) Domnul Teodor Baconschi – ministrul afacerilor externe: - Orice partid politic, doamnelor şi domnilor senatori, are în vocaţia şi în efortul lui zilnic obiectivul de a atrage voturile electoratului. De ce altceva face politică? (Reunião do Senado de 23 de maio de 2011) [O senhor Teodor Baconschi – Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Qualquer partido político, senhoras e senhores senadores, tem na sua vocação e no seu esforço diário o objetivo de atrair os votos dos eleitores. Porque faz política se não para isso?] (296c) O SR. DEPUTADO DELEGADO WALDIR - Temos que nos lembrar, Srs. Deputados, de que esse dinheiro é do cidadão brasileiro e que temos de controlar o seu uso. E o cidadão, na base, quer saber para onde estão indo essas verbas. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

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(296d) O SR. DEPUTADO JOSÉ GUIMARÃES - Ora, Deputados, no meu Estado, não deixo passar nada. Em todos os eventos com Ministros do Governo no meu Estado, o Ceará, eu participo. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

Formas nominais de tratamento institucional português europeu português brasileiro romeno

senhores + CARGOMASC (senhores) + CARGOMASC domnilor/doamnelor + CARGOMASC Tabela nº 13. Formas nominais de tratamento institucional (plural).

Uma caraterística que diz respeito à estrutura das FNT institucionais é a possibilidade de essas serem combinadas com adjetivos qualificativos. Os debates que integram o nosso corpus mostram que em português europeu os locutores se limitam a usar as estruturas senhor + CARGO, ao passo que nos sub-corpora brasileiro (297a), (297b) e romeno as FNT podem ser precedidas por adjetivos diferentes, como ilustre, nobre, stimate [prezado], distins [prezado]. (297a) O SR. DEPUTADO MOREIRA MENDES - Ilustre Ministra do Meio Ambiente, ilustre Ministro do MDA, nós precisamos realmente de uma política que envolva o povo, que eduque o povo a respeito desses novos compromissos. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (297b) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA - Nobre Deputado Vanderlei Macris, o que eu apresentei aqui, na verdade, são medidas já tomadas e implementadas. Não apresentei a minha carta de intenções ainda, mas estou à disposição. [...] Não acho que seja um sentimento só meu, nobre Deputado. A população nos traz isso, e também os Secretários Estaduais de vários partidos e de governos continuidade. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011) (298) Domnul Anghel Stanciu: - Stimate domnule preşedinte, Onorat prezidiu, Stimate doamne şi stimaţi domni deputaţi, Distinsă doamnă ministru, evident că timpul pe care dumneavoastră mi-l daţi cu bunavoinţă mă

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împiedică să fac multe referiri la această foarte interesanta moţiune simplă. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Anghel Stanciu: - Prezado senhor presidente, honrada mesa, prezados senhores e senhoras deputados, prezada senhora ministra, é evidente que o tempo que os senhores benevolentemente me concedem não me permite fazer muitas considerações sobre esta interessantíssima moção simples.]

Nas próximas duas sub-secções continuaremos a análise das formas nominais de tratamento institucional, evidenciando a sua função discursivo-textual e o papel que desempenham na configuração da dinâmica interlocutiva. 2.4.1.2 Função discursivo-textual Analisamos nesta secção a função discursivo-textual, tomando em consideração a posição das FNT nas frases em que ocorrem e, de maneira geral, na intervenção no seu conjunto. Por um lado, interessar-nos-emos pelo valor das FNT enquando marcadores discursivos ou conversacionais 158 , na medida em que, através da sua posição na frase, configuram dinâmicas relações entre os locutores (estabelecer, manter ou abandonar o contacto), mas também na sua função de organizadores textuais 159 , enquanto mecanismos de introdução de novos argumentos, exemplos, conclusões, etc. Vejamos um primeiro exemplo, (299), do sub-corpus português, em que a FNT institucional senhor ministro é usada dez vezes na forma vocativa numa única intervenção; além do mais, convém salientar que no trecho selecionado há outras formas de tratamento para designar o mesmo alocutário, como Vossa Excelência – oito ocorrências nas frases abaixo – e a forma nominal senhor ministro com função sintática de sujeito em “o Sr. Ministro esconde-se atrás de um biombo”, o que mostra de forma peremptória a natureza intrinsicamente adressée do debate parlamentar, referida por Ruxăndoiu (2011). (299) O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Sr. Ministro1, V. Ex.ª, como é hábito dizer-se nos tribunais, «aos costumes disse nada». [...] Mas há questões que têm de ser esclarecidas, Sr. Ministro2. V. Ex.ª, este mês, ordenou o aumento do preço dos transportes públicos. Acontece que, utilizando expressões que lhe são caras e que ontem utilizou na Comissão de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, esse aumento já foi «comido» pelo dinheiro que é desviado, ilegalmente, para os operadores privados. Isto acontece, Sr. Ministro3, ao Détrie (2006) analisa as posições inciais, medianas e finais da apostrophe nominale. Cabasino (2010: 175-182) fala das FNT enquanto introducteurs d’arguments e instrumentos actualisant un contexte justificatif. 158 159

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abrigo da repartição de receitas do passe intermodal. [...] Ora, o que importa esclarecer é o seguinte: V. Ex.ª, agora, devidamente informado, vai, voluntária e dolosamente, permitir que, em 2011, de novo, vários milhões de euros de receita dos passes intermodais, pagos mensalmente pelos clientes da CP, da Carris e do Metropolitano de Lisboa, sejam transferidos para os operadores privados, sem qualquer cobertura legal? É que, agora, V. Ex.ª não pode invocar o desconhecimento, pelo que será sempre uma atitude voluntária. Ainda a este propósito, a minha segunda questão é esta: e, em 2010, Sr. Ministro4, quantos milhões de euros já foram transferidos, ao abrigo deste protocolo, que, à data de hoje, não tem qualquer cobertura legal? Falando agora de sustentabilidade das empresas, Sr. Ministro5, V. Ex.ª disse nesta Câmara que tem exemplos. Ora, nós gostaríamos de ouvir um único que fosse. A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Diga! O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Sr. Ministro6, se está prevista a reestruturação de empresas, não há que ter medo, há que assumir! Se é necessário reduzir efectivos nas empresas, como medida de gestão, basta assumir essa medida, dialogar com os trabalhadores e os seus legítimos representantes, envolver todas as partes e apresentar a proposta, Sr. Ministro7. O que não se pode fazer é negar nesta Câmara que vai reduzir-se efectivos e, depois, pedir a uma chefia intermédia que, por e-mail, despeça uma centena de trabalhadores. É que, nessa altura, o Sr. Ministro esconde-se atrás de um biombo e diz que foi um administrador desconhecido de uma participada da TAP que tomou a iniciativa — e isso não é correcto, Sr. Ministro8! A Sr.ª Carina Oliveira (PSD): — Muito bem! O Sr. Adriano Rafael Moreira (PSD): — Para dar um exemplo a V. Ex.ª, posso dizer-lhe que, entre 2003 e 2008, a CP reduziu 1200 efectivos, Sr. Ministro9 — não foram 120 mas 1200 efectivos! —, sem uma única greve, em diálogo com os trabalhadores e com informação atempada aos mesmos. O que não pode continuar a acontecer — e V. Ex.ª tem de assumir nesta Câmara se vai fazê-lo, ou não — é a redução de efectivos feita por e-mail, através de segundas figuras, eximindo-se V. Ex.ª, verdadeiro autor moral da decisão, das suas responsabilidades. Estes esclarecimentos têm de ser aqui dados, Sr. Ministro10. (Reunião plenária de 26 de janeiro de 2011)

As primeiras FNT seguem o ritual do debate parlamentar, o locutor referindo, em primeiro lugar, como é o costume nas reuniões parlamentares, o presidente da reunião: Sr. Presidente, e mencionando, através de FNT coletivas os participantes no debate: Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados. Depois desta primeira etapa, que tem o papel de delinear o quadro participativo geral da interação através da ratificação dos participantes enquanto auditório, o locutor faz uma delimitação enunciativa do destinatário direto do seu discurso160: Sr. Ministro1. Por um lado, a posição inicial da FNT tem o objetivo de identificar o alocutário, mas 160

Ver supra 1.1.2.3.2. Os atores do discurso parlamentar, Figura nº 5.

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consideramos que se relaciona também com a avaliação metadiscursiva – negativa, do discurso anterior do interlocutor: “aos costumes disse nada” –, bastante frequente no discurso parlamentar (ver supra 1.5. Responder às perguntas). Sr. Ministro2 e Sr. Ministro10, FNT que aparecem em posição final das frases têm, no conjunto da intervenção uma função de moldura metadiscursiva – desta vez, em relação ao discurso do próprio locutor –, expressando no início e retomando no fim, o pressuposto principal do interveniente, que é pedir esclarecimentos: “há questões que têm de ser esclarecidas”, “Estes esclarecimentos têm de ser aqui dados”. A FNT destaca o interlocutor enquanto participante no debate que deve oferecer os esclarecimentos pedidos. Sr. Ministro3, Sr. Ministro4 e Sr. Ministro5 ocorrem em posições medianas das frases, tendo, na dinâmica interacional, a função de manter e de reforçar a relação interlocutiva. Porém, do ponto de vista da organização textual da intervenção, consideramos que os valores das três ocorrências são diferentes: Sr. Ministro3 reforça uma afirmação do locutor: “Isto acontece, Sr. Ministro3, ao abrigo da repartição de receitas”, Sr. Ministro4 destaca o alocutário enquanto destinatário direto de uma pergunta: “a minha segunda questão é esta”, ao passo que Sr. Ministro5 cumpre o papel de introduzir um novo tópico no debate: “Falando agora de sustentabilidade das empresas”. Sr. Ministro6 e Sr. Ministro7 enquadram uma sequência discursiva com valor diretivo, em que o locutor incentiva o interlocutor a “assumir” a responsabilidade para uma eventual reestruturação das empresas de transporte público. Aliás, são FNT – a primeira em posição inicial e a segunda em posição final –, que delimitam esta subsequência do conjunto da intervenção. Sr. Ministro8 encerra uma subsequência discursiva em que o locutor descreve as ações do interlocutor e funciona, ao mesmo tempo, como indicador da avaliação negativa. Aliás, a avaliação indireta: “isso não é correcto” assume um caráter pessoal através do uso da FNT em posição final, que indica inequivocamente a quem é que o locutor se refere. Sr. Ministro9, ocorrência mediana, serve para introduzir no debate precisões adicionais: “não foram 120 mas 1200 efectivos!”, tendo, ao mesmo tempo o papel de reforçar a relação interlocutiva entre o locutor e o alocutário. Como se pode observar no exemplo (299), as FNT têm papéis complexos nas intervenções nos debates parlamentares, que abrangem mais do que a expressão a nível discursivo da dinâmica interacional (infra 2.4.1.3. Função na dinâmica interlocutiva), assegurando a organização argumentativa a nível textual. Vejamos também um exemplo ilustrativo do sub-corpus brasileiro, (300). As doze ocorrências da FNT institucional Sr. Ministro, na forma vocativa, mostram também a forte orientação do locutor para com o alocutário.

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(300) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - [...] Primeiro, Sr. Ministro1, muito obrigado pela sua presença, rapidamente aqui comparecendo, tão logo esta Comissão decidiu solicitar o seu comparecimento, para esclarecer essas questões que nos preocupam, como Parlamentares. Isso não me parece ser uma questão trivial em relação aos demais Ministros. Portanto, quero por esse ponto cumprimentá-lo, ou seja, pela rapidez com que veio a esta Comissão. Segundo, Sr. Ministro2, daqui não vai nenhuma consideração de ordem pessoal, a não ser preocupações, pela responsabilidade que temos como Parlamentares, especialmente desta Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, que tem responsabilidade constitucional nessa direção. [...] Por outro lado, Sr. Ministro3, nós ouvimos aqui manifestação do Ministro Jorge Hage segundo a qual o controle e a fiscalização do Ministério da Saúde são absolutamente insuficientes para coibir irregularidades na aplicação de recursos do Ministério. [...] Eu quero fazer algumas perguntas, Sr. Ministro4. Quais as razões de o controle e a fiscalização relativos ao Ministério da Saúde serem tão ineficientes? Até então pelo menos. A fiscalização do Ministério da Saúde é a pior do Governo Federal, como afirmou a CGU? [...] Por que falta, nos relatórios de gestão, identificação de quem recebe o dinheiro federal? É muito importante, Sr. Ministro5, do nosso ponto de vista, que essas questões sejam esclarecidas. [...] Outra questão, Sr. Ministro6 - e vou tentar concluir a minha manifestação -, é objeto do requerimento que apresentei. O jornal O Globo, ainda nessa matéria do último dia 23 de março, afirmou que as fraudes no Ministério da Saúde ocorrem principalmente pela falta de fiscalização. Em resposta, V.Exa. afirmou, Sr. Ministro7, que medidas seriam adotadas para evitar a fragilidade no controle, que faria o recadastramento geral das unidades, médicos e prestadores de serviços do SUS, o que acabou de mencionar. Essas medidas todas foram tomadas já? Existem algumas outras a serem tomadas, além daquelas que já foram informadas? É outra informação que eu gostaria de ter esclarecida por V.Exa. Sr. Ministro Padilha8 - e aqui peço a atenção de V.Exa. e dos demais colegas -, em 2010, o Governo Federal deixou faltar essas drogas anunciadas pela imprensa. [...] Além da fragilidade na fiscalização, o que demonstra negligência do Governo Federal na gestão desses recursos, o SIAFI, Sr. Ministro9, revela-nos que os recursos transferidos para atendimento à população com medicamentos, para tratamento dos portadores de HIV, sofreram redução de 37,6% entre 2002 e 2011. São dados do SIAFI. O SR. PRESIDENTE (Deputado Sérgio Brito) - Mais 1 minuto, Deputado. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - [...] O que justifica essa diminuição sensível de recursos para o enfrentamento da AIDS, Sr. Ministro10, de 37,6%, de 2002 até 2011? Essas questões, Sr. Ministro11, que apresento por dever e pela minha responsabilidade como Parlamentar desta Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, eu gostaria que V.Exa. esclarecesse. [...] E esperamos, Sr. Ministro12, que o propósito de V.Exa. em relação a essa carta de intenções apresentada faça jus à necessidade que tem a população brasileira de melhor atendimento na saúde pública, porque não é o que vemos hoje na realidade do nosso País. Muito obrigado. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011I)

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Num primeiro momento da intervenção, caraterizado pela presença de atos rituais, o locutor começa com um agradecimento e ratifica o alocutário, usando uma primeira FNT – Sr. Ministro1 –, e cumprimenta-o; no entanto, notamos que o agradecimento não passa de um simples ato ritual automático, sendo reforçado através de comentários sobre os comparecimentos de outros ministros perante a comissão. A segunda ocorrência, Sr. Ministro2, aparece num contexto em que o locutor manifesta explicitamente a preocupação para com a imagem profissional e política do alocutário, afirmando que a sua intervenção não decorre de considerações pessoais. Por um lado, podemos interpretar este ato como um atenuador de um possível FTA, mas também como um ato de auto-cortesia (Chen 2001), na medida em que desta forma o locutor afirma a sua imparcialidade, protegendo assim a imagem de si (self-face). Através da FNT Sr. Ministro3, o locutor torna o alocutário testemunha de cenários discursivos anteriores: “nós ouvimos aqui manifestação do Ministro Jorge Hage”, justificando assim a sua intervenção. Com Sr. Ministro4 e Sr. Ministro6 introduzem-se as perguntas diretas dirigidas ao alocutário: “Eu quero fazer algumas pergunta, Sr. Ministro”, “Outra questão, Sr. Ministro”. Também de natureza interrogativa, embora indireta, podem ser interpretadas a ocorrências Sr. Ministro5 e Sr. Ministro Padilha8 – a única em que o cargo é seguido pelo apelido – em que se insiste na importância dos esclarecimentos prestados pelo ministro perante a comissão: “É muito importante [...] que essas questões sejam esclarecidas”, “outra informação que eu gostaria de ter esclarecida por V.Exa.”. Sr. Ministro10 tem também o papel de reforçar uma pergunta, insistindo na identificação do alocutário enquanto destinatário direto. Sr. Ministro7 tem o objetivo de reatualizar discursos anteriores do alocutário: “V.Exa. afirmou”, que serão o ponto de partida para outras questões colocadas pelo locutor, ao passo que Sr. Ministro9 serve para introduzir novos argumentos no debate. Por fim, as últimas duas ocorrências, Sr. Ministro11 e Sr. Ministro12 fecham a intervenção, salientando a importância das respostas e justificando, mais uma vez, o papel político e público da audiência: “que [...] faça jus à necessidade que tem a população brasileira de melhor atendimento na saúde pública”. Ao longo desta intervenção, as FNT institucional Sr. Ministro ocorre em posições iniciais, medianas ou finais e desempenha, como vimos, diferentes funções de organização textual e, do ponto de vista da organização conversacional, reforça a dinâmica interlocutiva – no eixo EU vs. TU – cumprindo, certamente, o papel de validação inicial do alocutário, mas também o de manter permanentemente o contato com o mesmo. Se no caso dos sub-corpora português e brasileiro selecionámos trechos que ilustrem os empregos das FNT institucionais individuais em intervenções de deputados, para o sub-corpus romeno escolhemos um fragmento que mostra a dinâmica dos usos das FNT institucionais coletivas numa intervenção do ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural (301).

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(301) Domnul Daniel Constantin (ministrul agriculturii şi dezvoltării rurale): Mulţumesc, domnule preşedinte. [...] De aceea, trebuie să vă întreb, încă de la început, stimaţi membri ai Partidului Democrat Liberal1, vă este ruşine cu aceste două persoane pe care le-aţi propus miniştri ai agriculturii?! [...] Primul lucru pe care trebuie să-l remarc este legat de faptul că agricultura României nu a reprezentat pentru niciunul din membrii Partidului Democrat Liberal, pentru niciun ministru şi, cu atât mai puţin, pentru primii-miniştri ai Partidului Democrat Liberal o prioritate. Iar acest lucru, vreţi, nu vreţi, se vede, domnilor pdl-işti2, în bugetul pe care l-aţi acordat an de an pentru Ministerul Agriculturii.[..] Vă reamintesc faptul că bugetul anului 2012, deşi era construit pe măsuri de sprijin pentru agricultori, nu avea alocare bugetară decât până în luna mai a acestui an. Probabil că ştiaţi, domnilor pdl-işti3, că în luna mai veţi pleca definitiv de la guvernarea acestei ţări. [...] Este adevărat, domnilor pdl-işti4, în luna iulie, mai exact în data de 12 iulie, a fost semnat Ordinul de ministru nr.146, prin care fermierii, pentru prima dată în ultimii ani, au acces la un tarif pentru apa de irigaţii cu 20% mai mic decât au avut iniţial. [...] Dacă vă simţiţi responsabili, stimaţi membri pedelişti5, care aţi susţinut acea guvernare, de faptul că s-au pierdut bani de la bugetul de stat din cauza unei ordonanţe care nu mai permite nicio activitate să fie desfăşurată prin angajaţi proprii. [...] Vă anunţ, domnule Tinel Gheorghe, domnule deputat, că această măsură a fost implementată începând cu data de 1 iulie, când dumneavoastră eraţi deja istorie şi nu mai guvernaţi această ţară. [...] Vreau să vă întreb pe dumneavoastră, stimaţi pedelişti6, era mai bun fostul director al Partidului Democrat Liberal, care era inginer silvic şi fără experienţă managerială, nici măcar un an de zile? [...] Ne întrebaţi, cu alte cuvinte, domnilor deputaţi şi miniştri, despre bunăstarea în sectorul creşterii porcilor şi creşterii păsărilor. [...] Domnilor deputaţi, combaterea evaziunii fiscale spusă de un pedelist este deja un pleonasm. Evaziunea fiscală în timpul guvernării PDL a ajuns, aşa cum ştiţi, la cote alarmante. [...] Domnilor pedelişti7, ADS-ul, prin managementul defectuos pe care l-aţi aplicat în mod voit, a fost găsit într-o situaţie dezastruoasă. [...] Domnilor pedelişti8, sunt complet surprins de afirmaţia dumneavoastră, prin care spuneaţi că aţi fi acordat un sprijin dublu faţă de cât acordă astăzi Ministerul Agriculturii prin măsura de minimis. [...] Domnilor parlamentari, activitatea mea ca ministru, aşa cum ştiţi, este evaluată în funcţie de eficienţa muncii pe care o desfăşor, în funcţie de modalitatea şi timpul în care banii ajung din agricultură ajung la fermieri. [...] Domnilor pedelişti9, în agricultură fermierii nu au nevoie de politică, fermierii au nevoie de politici. [...] Ştiu că supărarea dumneavoastră, stimaţi pedelişti10, pleacă de la faptul că doreaţi să instalaţi în toată ţara, şi mai ales la nivel central, preşedinţi ai Partidului Democrat Liberal. [...] Până atunci, stimaţi parlamentari, aş vrea să vă invit astăzi, la ora 17,00, la Carrefour Băneasa, pentru a inaugura primul colţ de produse româneşti, identificate separat de celelalte legume şi fructe din România. Sper să veniţi şi să apreciaţi activitatea ministerului, în consecinţă. Vă mulţumesc foarte mult. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de outubro de 2012)

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[O senhor Daniel Constantin (Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural): - Obrigado, senhor presidente. [...] Por isso, devo perguntar-lhes logo no início, prezndos membros do Partido Democrata Liberal1, têm vergonha destas pessoas que propuseram como ministros da Agricultura?! [...] A primeira coisa que devo observar é que a agricultura da Roménia nunca foi uma prioridade para algum dos membros do Partido Democrata Liberal, para nenhum ministro e, menos ainda, para os primeiros-ministros do Partido Democrata Liberal. E isso, quer queiram, quer não, vê-se, senhores do PDL2, no orçamento que deram cada ano ao Ministério da Agricultura. [..] Queria lembrar-lhes que o orçamento de 2012, embora concebido com base em medidas de apoio para agricultores, só tinha verba até o mês de maio deste ano. Se calhar sabiam, senhores pedelistas3161, que em maio iriam sair definitivamente do governo deste país. [...] É verdade, senhores pedelistas4, em julho, mais exatamente a 12 de julho, foi assinada a Portaria nº 146, através da qual os agricultores, pela primeira vez nos últimos anos, têm acesso a uma tarifa para a água de irrigação reduzida por 20% do que tinham inicialmente. [...] Se se sentirem responsáveis, prezados membros pedelistas5, que apoiaram aquele governo, por se ter perdido dinheiro do orçamento do Estado por causa daquela portaria (de emergência) que já não permite desenvolver nenhuma atividade com colaboradores permanentes. [...] Informo-o, senhor Tinel Gheorghe, senhor deputado, que esta medida foi implementada a partir de 1 de junho, quando os senhores já eram história e já não estavam a governar o país. [...] Queria perguntar o seguinte aos senhores, prezados membros pedelistas6, era melhor o antigo diretor do Partido Democrata Liberal, que era engenheiro de silvicultura e que não tinha nenhuma experiência de gestão, nem sequer de um ano? [...] Por outras palavras, perguntam-nos, senhores deputados e ministros, sobre o bem-estar no setor da criação de porcos e de aves. [...] Senhores deputados, quando um membro do PDL fala sobre o combate a evasão fiscal, isso já é um pleonasmo. A evasão fiscal durante a governação do PDL chegou, como já sabem, a níveis de alarmes. [...] Senhores pedelistas7, a ADS, por causa da gestão defeituosa deliberamente exercida, foi encontrada num estado desastroso. [...] Senhores pedelistas8, fico completamente surpreendido com a vossa afirmação, quando dizem terem dado um apoio duplo em comparação com o que dá hoje o Ministério da Agricultura através dos auxílios de mimis. [...] Senhores parlamentares, a minha atividade enquanto minitro está avaliada, como sabem, em função da eficiência do trabalho que faço, em função da modalidade e do tempo em que o dinheiro da agricultura chega aos agricultores. [...] Senhores pedelistas9, na agricultura, os agricultores não precisam de política, precisam de políticas. [...] Sei que a vossa zanga, prezados pedelistas10, tem como origem o facto de desejarem instalar em todo o país, e sobretudo a nível central, presidentes do Partido Democrata Liberal. [...] Até então, prezados parlamentares, queria convidá-los hoje às 17h00, em Carrefour Băneasa, à inauguração do primeiro stand de produtos romenos, identificadas separadamente dos outros legumes e frutas da Roménia. Por conseguinte, espero que venham e que apreciem a atividade do ministério. Muito obrigado.]

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Palavra que formámos a partir da sigla PDL (Partido Democrata Liberal).

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Depois do emprego da FNT ritual, num ato de agradecimento ao presidente da reunião: domnule preşedinte [senhor presidente], o locutor dirige-se ao seu público usando quase exclusivamente FNT institucionais coletivas, a única exceção sendo domnule Tinel Gheorghe, domnule deputat [senhor Tinel Gheorghe, senhor deputado], numa resposta pontual a um dos deputados e não à bancada da oposição no seu conjunto. Aliás, a opção prevalente do locutor nesta intervenção é de oferecer respostas coletivas, direcionadas para a bancada da oposição, invocada dez vezes através de FNT que expressam a afiliação políticas e não o cargo institucional: stimaţi membri ai Partidului Democrat Liberal [prezados membros do Partido Social Democrata], domnilor pdl-işti [senhores pedelistas], stimaţi membri pedelişti [prezados senhores pedelistas], stimaţi pedelişti [prezados pedelistas]. Em primeiro lugar, a preferência evidente por estas FNT indicia uma tentativa de situar o debate político na zona partidária em detrimento da zona institucional e parlamentar. Ao se dirigir aos deputados da oposição enquanto membros do partido, o locutor qualifica as perguntas que lhe tinham sido colocadas como ataques partidários e não como perguntas parlamentares, que advêm da prerrogativa dos deputados de fiscalizar a atividade governamental. Em segundo lugar, observamos que quase todas as FNT que expressam a afiliação política ocorrem em atos que ameaçam a imagem dos adversários políticos: “vă este ruşine cu aceste două persoane pe care le-aţi propus miniştri ai agriculturii?!” [têm vergonha destas duas pessoas que propuseram como ministros da Agricultura?!], “ştiaţi [...] că în luna mai veţi pleca definitiv de la guvernarea acestei ţări” [sabiam [...] que em maio iriam sair definitivamente do governo deste país], “ADS-ul, prin managementul defectuos pe care l-aţi aplicat în mod voit” [a ADS, por causa da gestão defeituosa deliberamente exercida], etc. Por outro lado, as FNT que expressam o cargo institucional são usadas quer em contextos neutros “activitatea mea ca ministru, aşa cum ştiţi, este evaluată în funcţie de eficienţa muncii” [a minha atividade enquanto ministro está avaliada, como sabe, em função da eficiência do trabalho], quer em contextos protocolares, como é o convite do fim da intervenção “aş vrea să vă invit astăzi, la ora 17,00, la Carrefour Băneasa” [queria convidá-los hoje às 17h00, em Carrefour Băneasa]. Há também um uso num FTA: “combaterea evaziunii fiscale spusă de un pedelist este deja un pleonasm” [quando um membro do PDL fala sobre o combate a evasão fiscal, isso já é um pleonasmo], mas nesse contexto, na nossa opinião, o locutor dirige-se aos deputados no seu conjunto, tornando-os testemunhas – aşa cum ştiţi [como já sabem] – de uma crítica em relação à governação anterior, exercida pela atual oposição, expressa através de uma afirmação que não é sustentada por factos concretos: “Evaziunea fiscală în timpul guvernării PDL a ajuns, aşa cum ştiţi, la cote alarmante” [A evasão fiscal durante a governação do PDL chegou, como já sabem, a níveis alarmantes]. Do ponto de vista do seu papel na organização textual da intervenção, notamos que as FNT servem para introduzir novos tópicos no debate: “în luna iulie, mai exact

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în data de 12 iulie, a fost semnat Ordinul de ministru nr.146” [em julho, mais exatamente a 12 de julho, foi assinada a Portaria nº 146], para acrescentar exemplos a um argumento: “ştiaţi [...] că în luna mai veţi pleca definitiv de la guvernarea acestei ţări” [sabiam [...] que em maio iriam sair definitivamente do governo deste país], para fazer perguntas, que são, de facto avaliações negativas sobre a atividade executiva da atual oposição: “era mai bun fostul director al Partidului Democrat Liberal” [era melhor o antigo diretor do Partido Democrata Liberal], ou para fazer afirmações que critiquem o discurso da oposição: “sunt complet surprins de afirmaţia dumneavoastră” [fico completamente surpreendido com a vossa afirmação]. 2.4.1.3 Função interlocutiva Por dinâmica interlocutiva entendemos a evolução da proxémica verbal (Carreira 1997) entre os participantes no debate, sendo um dos indicadores desta evolução o uso das formas de tratamento. Como veremos nos exemplos seguintes, mesmo no caso dos debates parlamentares – género discursivo caraterizado por uma certa rigidez e ritualização da linguagem típica de qualquer discurso institucional –, as relações interlocutivas se encontram em permanente mudança, podendo divergir ou convergir, em função de diferentes fatores, que analisaremos em seguida. Por esta razão, optámos pelo sintagma dinâmica interlocutiva, considerando-a adequada à evolução das relações que se estabelecem entre os diferentes participantes nos debates parlamentares. As duas dimensões das relações interlocucutivas expressadas através das FT e descritas por Kerbrat-Orecchioni (1992) – as relações horizontais (distanciamento vs. familiaridade) e as relações verticais (de hierarquia e poder) – apresentam algumas particularidades em contexto parlamentar. Sendo um discurso institucional, as relações entre os locutores situam-se sobretudo no polo do distanciamento, os marcadores da familiaridade (verbais, não-verbais ou para-verbais) sendo geralmente evitados em debates parlamentares. No entanto, como veremos nesta secção e nas secções seguintes, há também exceções que advêm da natureza multifacetada da identidade dos locutores, configurada, evidentemente, com base em pressupostos institucionais (cargos políticos, posições ideológicas, afiliações partidárias, etc.), mas também sociais e pessoais (profissão, origem geográfica, posição social, género, idade, etc.). Deste ponto de vista, o estudo das FNT pode revelar que tipo de identidade se torna prevalente em debates parlamentares – como já vimos no caso das FNT elocutivas (ver supra 2.2. A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo) –, que diferenças há entre os três sub-corpora e que diferenças pode haver em determinadas intervenções. O exemplo anterior (301) mostrou como o uso de FNT que referem a identidade política profissional (ou institucional) e a identidade política partidária (ou ideológica) tem importância na organização do discurso político e na apresentação dos argumentos. No que diz respeito às relações de natureza hierárquica, notamos, em primeiro lugar, a posição privilegiada do presidente, que do ponto de vista regimental se situaria numa relação de superioridade institucional para com os outros participantes no debate. Relembramos também a sua superioridade no que diz respeito ao que podemos chamar

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gestão discursiva, uma vez que é a sua prerrogativa dar e retirar a palavra aos locutores (ver supra 1.4.1. O papel do moderador). Em segundo lugar, do ponto de vista constitucional, os governos são responsáveis perante os parlamentos, que têm entre as suas prerrogativas a de fiscalizar a atividade do executivo (ver supra 1.2. A relação com o executivo). Portanto, numa interpretação puramente constitucionalista, poderíamos falar de uma relação assimétrica do poder entre os membros do governo e os parlamentares, embora a mesma não seja codificada a nível discursivo162. Os exemplos que selecionámos, (302)-(304), mostram, por um lado, as diferenças entre os três sub-corpora no que diz repeito às preferêcias para a configuração de relações interlocutivas – institucionais ou sociais, pessoais – e, por outro lado, a rigidez ou a flexibilidade na criação e na manutenção destas relações em cada sub-corpus, tal como são expressadas através das FNT usadas pelos locutores. Nos debates parlamentares portugueses que integram o nosso corpus, observámos uma preferência clara pelas FNT institucionais – Sr. Presidente, Sr. Deputado, Sr a. Deputada, Sr. Ministro, etc. – o que determina configuração quase exclusiva de relações interlocutivas formais, situadas no polo do distanciamento. Aliás, Marques (2014: 156) fala de um padrão de tratamento, indicando como sr. + função (seguido) como forma não-marcada, “que carateriza o debate parlamentar”, mesmos em contextos conflituais e o exemplo (302) ilustra bem esta afirmação. O locutor usa numa resposta conjunta treze FNT institucionais (alocutivas e delocutivas) com a estrutura sr. + cargo (+ nome & apelido), em contexos diferentes, alguns neutros, como “as suas preocupações sociais são aquelas que também nos motivam”, “a aplicação, [...] das medidas do Orçamento do Estado para 2012 só terão impacto”, mas também em FTAs, como “falar é fácil. Fazer é muito mais difícil”, “posso ouvir-vos. E àqueles que têm raízes maoistas, poderia dizer, como Mao Tsé-Tung”, “Vejo que parou no tempo”. Notamos também que o locutor mantém o mesmo padrão de tratamento quando se dirige a interlocutores individuais: Sr. Deputado Bernardino Soares, Sr. Deputado Pero Filipe Soares, Sr. Deputado João Galamba, mas também quando se dirige ao público no seu conjunto: Srs. Deputados. Há uma única ocorrência que se afasta ligeiramente desta estrutura quase canónica de tratamento parlamentar, a FNT delocutivo Sr. Deputado do Bloco de Esquerda, em que o locutor menciona a afiliação política do alocutário, em vez do nome ou do apelido. (302a) O Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares: — Sr.ª Presidente, os anos de Deputado ensinaram-me a compreender e a saber ler o Regimento com a intensidade de saber que teria sempre 3 minutos para 162 Tanto os membros do governo, como os parlamentares usam FNT institucionais com a estrutura sr. + cargo (+ nome & apelido) para se dirigirem uns aos outros. Nas conversas quotidianas, porém, as relações assimétricas (diferenças de idade, de estatuto social ou profissional) traduzem-se em usos de FT diferentes, que codifiquem estas diferenças; por exemplo, um professor poderá tratar um aluno pelo nome + verbo na 3ª pessoa (O Bruno quer fazer alguma pergunta?), ao passo que o aluno usará a FT senhor professor para responder.

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responder a seis perguntas como tenho para responder a três. Sr. Deputado Bernardino Soares, as suas preocupações sociais são aquelas que também nos motivam e nos fazem implementar medidas. [...] É esta preocupação social que nos leva a aumentar de 50 para 950 as cantinas sociais em todo o País, aumentando a capilaridade, a oferta e o apoio social. [...] Sabe, Sr. Deputado, falar é fácil. Fazer é muito mais difícil, mas fazê-lo com a consciência das nossas responsabilidades. [...] Sr. Deputado Pero Filipe Soares, o senhor como economista (presumo que é economista, pelo menos é a imagem pública que tenho), sabe que os resultados que foram anunciados são claros… [...] Srs. Deputados, posso ouvir-vos. E àqueles que têm raízes maoistas, poderia dizer, como Mao Tsé-Tung, que «quem não sabe ouvir, não sabe governar». [...] Portanto, os senhores, se querem respostas, têm de permitir que elas possam ser dadas. [...] Por mim, tenho todo o tempo do debate, Srs. Deputados. Sr. Deputado Pedro Filipe Soares, a aplicação, do lado da receita, das medidas do Orçamento do Estado para 2012 só terão impacto, parcial, em março e, definitivo, em abril. [...] Os Srs. Deputados querem discutir números ou não? Sr. Deputado João Galamba, eu não era Deputado à época, mas lembro-me de o ver como o ideólogo do anterior governo socialista, em particular na área mais económica. Vejo que parou no tempo. Sr. Deputado, mudámos de circunstância e o senhor deixou de estar no poder, passando a estar na oposição… [...] E bem, porque foi a resposta dos portugueses à política seguida, à qual o Sr. Deputado gritava hossanas permanentemente. A realidade hoje é outra e a sua pergunta está respondida pela resposta que dei ao Sr. Deputado do Bloco de Esquerda. O Sr. Deputado, em período homólogo do ano passado, vinha aqui assumir que a despesa primária tinha subido. Vim aqui dizer que baixou. Os números falam por si. Desmintam-me! É o desafio que vos lanço. (Reunião plenária de 21 de março de 2012)

Se olharmos para as perguntas feitas anteriormente pelos deputados, observamos que as FNT institucionais são também usadas: Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, mostrando que nos debates parlamentares da Assembleia da República os locutores criam relações interlocutivas simétricas entre si, situadas na esfera institucional. (302b) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, na primeira das seis perguntas a que o Sr. Ministro vai responder, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, à parte o habitual abraço ao Partido Socialista e as vacuidades da sua intervenção, o senhor disse, de facto, uma coisa de concreto, ao referir que a avaliação feita da aplicação do programa foi, segundo as suas palavras, «extremamente positiva». [...] O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, a realidade tratou de «tirar o tapete» às políticas do Governo. Hoje, os dados da execução orçamental dão conta disso mesmo. [...]

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O Sr. João Galamba (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe: não há ajustamento! Qual das três palavras da frase «não há ajustamento» é que não entende? Há, apenas e só, empobrecimento, Sr. Ministro! (Reunião plenária de 21 de março de 2012)

Se no sub-corpus português se nota uma certa inflexibilidade no uso das FNT, os locutores privilegiando um padrão de tratamento natureza institucional, nos subcorpora brasileiro e romeno a situação é bastante diferente. Em primeiro lugar, como já referimos (ver supra 2.4.1.1. Estrutura interna), as FNT institucionais têm nos debates parlamentares brasileiros uma estrutura ligeiramente diferente: (senhor / senhora) + cargoMASC / cargoFEM (+ nome / apelido / nome & apelido). Outra diferença entre o sub-corpora brasileiro e português, mais importante do ponto de vista da configuração das relações interlocutivas, consiste na flexibilidade do emprego de FT nominais e pronominais. O exemplo (303), uma interação entre um parlamentar e um ministro, mostra muito bem estes usos, que se encontram com alguma frequência nos debates que integram o nosso corpus, embora não seja prevalente. Em segundo lugar, observamos uma assimetria entre os dois locutores quanto às estratégias de uso das FT: o primeiro locutor usa um total de oito formas de tratamento para designar o alocutário, quatro ocorrências FNT institucional ministro e quatro ocorrências da FNT o senhor, construindo uma relação interlocutiva situada na zona da deferência institucional. Por outro lado, o segundo locutor usa seis FT, das quais uma é institucional, Deputado, as restantes sendo duas ocorrências da FNT o senhor, duas ocorrências da FPT você e uma ocorrência da FNT meu irmão, o que corresponderia a uma preferência pela configuração de uma relação interlocutiva situada na esfera das relações pessoais ou sociais. Aliás, na segunda intervenção do representante do governo observamos que as FT usadas – o senhor, Deputado, meu irmão, você – não se inscrevem em nenhum padrão concreto de tratamento, a variação mostrando uma utilização mais flexível da deixis social em debates da Câmara dos Deputados do Brasil163. (303) O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Ministro, Ministro, pela oportunidade apenas. O senhor está dizendo que a Pró-Cerrado não recebeu dinheiro do Adair?

163 No entanto, lembramos que há um artigo no regimento interno da Câmara do Deputados que impõe aos parlamentares una norma de tratamento entre si, mas este artigo não menciona que FT deveriam usar os representantes do governo: “Art. 73. Para a manutenção da ordem, respeito e austeridade das sessões, serão observadas as seguintes regras: [...] XI - referindo-se, em discurso, a colega, o Deputado deverá fazer preceder o seu nome do tratamento de Senhor ou de Deputado; quando a ele se dirigir, o Deputado dar-lhe-á o tratamento de Excelência”.

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O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Não, o processo... A Pró-Cerrado, que tivesse de processo, e não tem, era para conclusão, corrigir erros de conclusão do processo. Não tem nenhum inquérito. Até agora não fui comunicado. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Não, o senhor está dizendo que as entidades que supostamente... O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Não, são duas, são três. Oxigênio e a outra, a Êpa, as duas não receberam a última parcela. Só para o senhor entender. Porque, como eu expliquei no início, são pagamentos de parcelas. [...] Faltou o que aqui? A questão da bala foi só para fazer... Eu já pedi desculpas; você não estava aqui. Oh, Deputado! Desculpe-me. A gente tem força de expressão; eu sou humano. E essa foi uma força de expressão equivocada, errada. O meu desafio nunca foi à Presidente. Eu sei, meu irmão: eu tenho noção exata de que quem está eleito é a Presidente, e que quem nomeia e demite é ela. [...] No mesmo dia, a Procuradoria, o Procurador-Geral anunciou que não existia nada contra. E botaram deste tamanhozinho assim. E a minha cara: desse tamanho! Você não acha que eu possa me sentir discriminado? Eu me sinto. [...] O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Sr. Presidente, perdão. O Ministro não respondeu. Ministro, se puder: sobre os convênios com as centrais sindicais - qual o objeto? quais os valores? O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Não existe. Respondo: nenhum. Na minha gestão, nenhum. Com central sindical, nenhum. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - E sobre a Oxigênio? O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - O que você perguntou da Oxigênio? Ah! Essa já está respondida aí. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Vinte e quatro milhões de... O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Está respondida. No documento que o senhor recebeu já está respondida. Lá está por que não pode. Como tem sigilo da Polícia Federal, de certas coisas eu não posso falar porque é crime. Está respondido no documento. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Mas o senhor conhece bem esse processo de convênio com essa empresa? O senhor conhece? O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Ela participa das chamadas públicas. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

O exemplo que selecionámos do sub-corpus romeno apresenta uma particularidade deste sub-género do discurso político, visto que se trata do texto da moção de censura lido na tribuna por um orador designado pelo grupo parlamentar. A relação complexa que se estabelece entre a oralidade e a escrita em debates parlamentares já foi sucintamente apresentada (ver supra 1.2.2.2. Oral vs. escrita? / Oral e escrita?), o exemplo (304) ilustrando a situação em que os locutores oralizam a escrita. No entanto, devemos mencionar que neste caso o texto escrito – a moção de censura – apresenta um grau bastante elevado de oralidade, que se traduz, principalmente, na abundância das formas de tratamento e no uso de uma linguagem, por vezes, bastante

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coloquial. Aliás, a comparação entre a versão escrita da moção de censura 164 e a transcrição oficial do debate do Monitorul Oficial [o equivalente romeno do Diário da República] mostra que o texto foi lido quase sem alterações, sendo portanto inicialmente redigido num estilo bastante informal, próximo da língua falada. As FNT presentes nos fragmentos seguintes – selecionados da transcrição oficial do debate – encontram-se também no texto escrito da moção. No início da intervenção – e também do texto escrito da moção de censura, afirmação que será válida no caso de todas as FT aqui analisadas – usam-se exclusivamente FNT institucionais, que destacam tanto os destinários diretos desta iniciativa da oposição: Domnule prim-ministru [Senhor primeiro ministro], stimaţi membri ai Guvernului [prezados membros do governo], como o fórum no seu conjunto: doamnelor şi domnilor parlamentar [senhoras e senhores parlamentares]. Numa segunda etapa, as FNT – quase todas institucionais, como as coletivas domnilor guvernanţi [senhores governantes], domnilor membri ai Guvernului [senhores membros do governo], stimaţi parlamentari PDL şi din arcul puterii [prezados parlamentares do PDL e do arco da gorvernação] ou a individual domnule prim-ministru [senhor primeiro ministro] – identificam os destinatários da mensagem enquanto atores políticos e institucionais, estando menos presente a identidade política partidária ou ideológica (apenas uma referência à afiliação política dos membros da bancada do poder). Portanto, a relação interlocutiva entre a oposição, enquanto instância adversária e o poder, enquanto instância política (Charaudeau 2005) codifica-se no discurso enquanto relação institucional. No entanto, podemos observar que aparere também uma FNT individual não institucional para referir o primeiro ministro, domnule + apelido, domnule Boc [senhor Boc], usada em contextos sociais e que expressa um grau médio de deferência165. Esta FNT, porém, tem na nossa opinião um uso estratégico, dado que exclui o alocutário da convenção institucional de comunicação, operando uma deslegitimação discursiva. (304a) Domnul Ioan Cindrea: - Domnule prim-ministru, stimaţi membri ai Guvernului, doamnelor şi domnilor parlamentari, timp de doi ani, de când PDL şi aliaţii săi din majoritatea parlamentară conduc destinele României, ceţatenii acestei ţări au fost transformaţi în victimele unei politici fără discernământ... [...] Aţi chinuit inutil, domnilor guvernanţi, un popor întreg sub deviza prostească conform căreia “nu există alte căi de ieşire din criză”... Iată, devoalată, întreaga mârsavie a politicilor Guvernului pe care îl conduceţi, Disponível digitalizada no site da Câmara dos Deputados: http://www.cdep.ro/motiuni/2011/1383.pdf [última consulta 2.08.2015]. 165 Em romeno, para o tratamento nominal para homens há as três FNT possíveis, mencionadas na ordem crescente do grau de deferência que expressam: domnnul + nome, domnul +apelido, domnul + nome + apelido. No caso do antigo primero ministro Emil Boc, as FNT possíveis seriam as seguintes: domnule Emil (frequente nas camadas mais populares, inaceitável em contexto institucional), domnule Boc, domnule Emil Boc. 164

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domnule Boc! [...] Dar, domnilor guvernanţi, perseverenţa dumneavoastră se traduce prin răbdarea noastră. Şi de fiecare dată, domnule prim-ministru, domnilor membri ai Guvernului, stimaţi parlamentari PDL şi din arcul puterii, v-am prezentat, cu argumente, de ce este greşită această abordare, de ce sunt proaste legile pe care le promovaţi şi acest lucru îl vom face şi astazi, la dezbaterea moţiunii de cenzură privind Codul muncii. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Ioan Cindrea: - Senhor Primeiro-Ministro, prezados membros do governo, senhoras e senhores parlamentares, durante estes dois anos, desque quando o PDL e os seus parceiros da maioria parlamentar governam o destino da Roménia, os cidadãos deste país têm sido transformados em vítimas de uma política sem juízo.... [...] Têm torturado inutilmente, senhores governantes, um povo inteiro com base na sentença estúpida segundo a qual “não há outra maneira de sair da crise”... Eis, revelada, a inteira aldrabice das políticas do governo que lidera, senhor Boc! [...] Mas, senhores governantes, a vossa perseverança traduz-se na nossa paciência. E em todas as ocasiões, senhor primeiro ministro, senhores membros do governo, prezados parlamentares do PDL e do arco da governação, apresentámos, com argumentos, por que esta abordagem está errada, por que as leis que promovem são más e é isso o que faremos hoje, no debate da moção da censura sobre o Código de Trabalho.]

Aliás, esta estratégia é mais evidente no fragmento seguinte, em que num primeiro momento o primeiro ministro é referido com uma FNT institucional (delocutiva), para, depois, o locutor – e os autores do texto – usarem cinco FNT alocutivas que não mencionam o cargo institucional e político. Por um lado, a deslegitimação discursiva corrobora com o contexto geral da intervenção, em que o locutor critica o governo, mas por outro lado, poderia indicar também uma flexibilidade mais generalizada no uso dos registos da língua, que foi explicada no caso do discurso da imprensa escrita por Zafiu (2001: 45) através de uma persistência da cultura oral. A comparação com o discurso da imprensa escrita justifica-se na medida em que este texto, como já referimos, foi escrito e não é uma intervenção espontânea. Quer seja estratégia de descredibilização, de deslegitimação, quer seja uma persistência da cultura oral, o uso desta FNT reduz a relação interlocutiva à sua dimensão social, excluindo do debate a componente institucional. (304b) Domnul Ioan Cindrea: - Însă comparaţia devine uluitoare dacă ne uitam că în perioada de când sunteţi dumneavoastră prim-ministru, domnule Boc1, Guvernul pe care îl conduceţi şi-a angajat răspunderea nu mai puţin de zece ori, angajarea pe Codul muncii fiind a unsprezecea oară când folosiţi această procedură. [...] Vă reamintim acum, domnule Boc2, ceea ce susţineaţi în 4 martie 2003, atunci când eraţi un simplu parlamentar, slujitor al democraţiei şi când nu eraţi încă îmbătat de aburii puterii, într-o declaraţie publică pe tema asumării răspunderii. [...] Iată ce spuneaţi atunci, domnule Boc3. [...] Domnule

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Boc4, timp de doi ani de când guvernaţi această ţară aţi încălcat nu o data sau de două ori raporturile fireşti dintre Executiv şi Parlament, ci de unsprezece ori! [...] Nu cumva, domnule Boc5, folosiţi această majoritate nu pentru a rezolva problemele românilor, ci pentru a vă rezolva problema dumneavoastră personală, de a vă păcăli adversarii din PDL şi de a rămâne pe furiş în fruntea PDL-ului? (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Ioan Cindrea: - Mas a comparação torna-se surpreendente se observamos que no período desde que o senhor assumiu o cargo de primeiro ministro, senhor Boc, o governo que lidera pediu o voto de confiança dez vezes, o voto de confirança para o Código de Trabalho sendo a décima primeira vez que faz uso deste procedimento. [...] Lembramos-lhe, senhor Boc, o que defendia a 4 de março de 2003, quando era um simples parlamentar e ainda não estava embriagado pelo poder, numa declaração pública sobre o voto de confirança. [...] Eis o que dizia naquela altura, senhor Boc. [...] Senhor Boc, há dois anos, desde que governa este país, não é a primeira, nem a segunda vez que violou as relações normais entre o Executivo e o Parlamento, mas é a décima primeira vez! [...] Será, senhor Boc, que usa esta maioria, não para resolver os problemas dos romenos, mas sim para resolver o seu problema pessoal, de enganar os seus adversários do PDL e ficar furtivamente na liderança do PDL?]

No último fragmento desta intervenção, observamos que as FNT empregues são coletivas, expressando, em primeiro lugar, relações sociais: Stimaţi colegi [Prezados colegas], Colegi parlamentari din opoziţie sau de la putere [Colegas parlamentares da oposição ou do poder], Stimaţi colegi din PDL [Estimados colegas do PDL] ou evocando a identidade institucional: domnilor parlamentari [senhores parlamentares], domnilor şi doamnelor parlamentari [senhores e senhoras parlamentares]. Aliás, como vermos na secção seguinte, o uso das FNT relacionais – colegas, amigos – é prevalente nos debates parlamentares romenos. (304c) Domnul Ioan Cindrea: - Stimaţi colegi, această moţiune de cenzură este una specială, având în vedere că exprimă nu doar poziţia noastră, a opoziţiei parlamentare, ci, de data această, în mod oficial, are şi girul tuturor marilor confederaţii sindicale din România şi a majorităţii confederaţiilor patronale. [...] Sperăm că prin votul, dumneavoastră, domnilor parlamentari, să nu daţi posibilitatea Guvernului Boc să rupă echilibrul dintre interesele salariaţilor şi patronilor din România. Colegi parlamentari din opoziţie sau de la putere, în momentul în care vă exprimaţi votul în plenul Parlamentului vă atenţionăm că veţi vota “pentru” sau “împotriva” intereselor a peste 4,5 milioane de salariaţi români şi a majorităţii patronilor din România. [...] Stimaţi colegi din PDL, mă adresez dumneavoastră în special, pentru că ştim cu toţii că vă doriţi să scăpaţi de Emil Boc de la conducerea acestei ţări. [...] Votaţi, aşadar, domnilor şi doamnelor parlamentari, indiferent de partidul din care faceţi parte, pentru susţinerea acestei moţiuni de cenzură! Mulţumesc frumos. (Aplauze.) (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011)

332

[O senhor Ioan Cindrea: - Prezados colegas, esta moção de censura é especial, visto que expressa não apenas a nossa posição, a da oposição parlamentar, mas desta vez ela tem o apoio de todas as grandes confederações sindicais e da maioria das confederações empresariais. [...] Esperamos que com o seu voto, senhores parlamentares, não deem ao governo Boc a possibilidade de destruir o equilíbrio entre os interesses dos trabalhadores e os empregadores da Roménia. Colegas parlamentares da oposição ou do poder, chamamos-lhes a atenção de que quando expressarem o vosso voto no plenário do parlamento, votarão “a favor” ou “contra” os interesses de mais de 4,5 milhões de trabalhadores romenos e da maioria dos empresários da Roménia. [...] Prezados colegas do PDL, dirijo-me sobretudo aos senhores, porque todos nós sabemos que querem livrar-se de Emil Boc do governo deste país. [...] Portanto, senhores e senhoras parlamentares, votem a favor desta moção de censura, independentemente do partido que integram! Muito obrigado. (Aplausos.)]

Portanto, este exemplo mostra que, ao contrário do sub-corpus português, em que observamos uma preferência pelas FNT canónicas, o sub-corpus romeno, tal como o brasileiro, têm uma maior diversidade de FNT, o que se traduz na configuração de relações interlocutivas que vão para além da dimensão institucional.

2.4.2 Tratamento relacional As três FNT que apresentamos nesta secção, amigo(s), colega(s) e irmão(s) em português e prieten, prietenă, prieteni, prietene, coleg, colegă, colegi, colege 166 em romeno expressam relações interpessoais que se situam, segundo Edward Hall (1966), na esfera pessoal e social. A estas duas dimensões relacionais, podemos acrescentar também a complexidade das relações que se podem estabelecer entre parlamentares, por natureza indivíduos com identidades complexas: políticas, sociais, pessoais, etc. (ver supra 1.1.2.3.3. A identidade (dos) parlamentar(es), em que nos debruçámos sobre este assunto). Por exemplo, dois parlamentares podem ser colegas no mesmo partido político ou coligação, mas podem ter a mesma profissão, ser diplomados na mesma instituição de ensino, etc. Estas relações podem teoricamente criar uma aproximação, que ultrapasse os contornos da relação institucional. Por isso, analisando as estratégias de tratamento relacional, pretendemos verificar como os parlamentares portugueses, brasileiros e romenos codificam a nível discursivo as relações interpessoais através das FNT colega, amigo e irmão. Consideramos que neste caso uma análise quantitativa pode trazer algumas informações interessantes sobre a configuração ao nível discursivo das relações interpessoais nos três sub-corpora. Observando a Tabela nº 13, juglamos poder No sub-corpus romeno não há ocorrências das FNT frate [irmão] e soră [irmã], por isso não as mencionamos.

166

333

concluir que na Assembleia da República de Portugal os locutores não criam relações interlocutivas pessoais, limitando-se às relações institucionais, como vimos na secção anterior. No sub-corpus romeno há uma certa preferência pela expressão da relação de colegialidade, ao passo que no sub-corpus brasileiro a situação é mais diversificada. Formas nominais de tratamento relacional

amigo(s)

sub-corpus português 1

sub-corpus brasileiro 34

sub-corpus romeno 1

colega(s)

1

64

327

irmão(s)

0

11

0

Tabela nº 13. Tratamento nominal relacional (alocutivo e delocutivo).

No que diz respeito à configuração discursiva da distância interlocutiva, notamos que nos debates portugueses os locutores expressam o grau mais alto de afastamento – sendo as FNT relacional ausentes –, ao passo que nos debates brasileiros e romenos destacamos diferentes graus de aproximação, situadas ao nível pessoal ou muito pessoal, através do uso das FNT amigo e irmão, ou profissional, graças às FNT colega(s), respetivamente coleg(i). As formas de tratamento prieten [amigo] ou coleg [colega] podem ser usadas com ou sem outras FNT, os locutores criando, por vezes, verdadeiras cadeias designativas, como [o] meu colega e Líder, Deputado Paulo Teixeira, em que o locutor codifica a nível do discurso relações sociais e profissionais: meu colega, relações hierárquicas de poder no partido: líder e informações sobre a identidade política e institucional: deputado Paulo Teixeira (cargo + nome + apelido). (305) O SR. DEPUTADO MENDONÇA FILHO - Eu fiquei até satisfeito com o entusiasmo do meu colega e Líder, Deputado Paulo Teixeira, quando V.Exa. falou em superávit primário. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011)

2.4.2.1 Amigo(s) No sub-corpus romeno, há apenas uma ocorrência da FNT prieten [amigo], na cadeia delocutiva distinsul nostru coleg şi prieten, domnul senator Cristian Rădulescu [o nosso prezado colega e amigo, o senhor senador Cristian Rădulescu], que codificam a nível discursivo a complexidade das relações interlocutivas no discurso parlamentar. Em (306), o locutor expressa as suas relações de amizade e de colegialidade que tem com o

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alocutário, mas menciona também a posição institucional do mesmo, usando a FNT da mais alta deferência: senhor + cargo + nome + apelido, domnul senator Cristian Rădulescu. Aliás, a FNT prieten, que situaria a relação interlocutiva no registo pessoal, é atenuada através do uso da FNT institucional: senator [senador] e da FNT coleg [colega], que expressa uma relação profissional. (306) Domnul Puiu Haşotti: - Este însă încă un motiv în plus intervenţia distinsului nostru coleg şi prieten, domnul senator Cristian Rădulescu, care a spus: „Domnule, nu e niciun fel de problemă că nu a fost adoptată moţiunea.” (Reunião do Senado de 3 de outubro de 2011) [O senhor Puiu Haşotti: - Porém, a intervenção do nosso prezado colega e amigo, o senhor senador Cristian Rădulescu, que disse: “Não há qualquer problema em não ter sido adotada a moção” constitui mais um motivo.]

No sub-corpus português há apenas uma ocorrência da FNT delocutiva amigo, num aparte, que é um FTA. Trata-se, portanto, de um uso isolado, que não visa criar consenso, mas sim criar relações interlocutivas de aproximação entre o alocutário e o delocutário, Durão Barroso. (307) O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Isso é com o seu amigo Barroso! (Reunião plenária de 21 de março de 2012)

No que diz respeito ao sub-corpus brasileiro, em que há 34 ocorrências das FNT relacionais amigo e amigos (alocutivas e delocutivas), a situação é bem mais diversificada. Em primeiro lugar encontrámos usos simples, sem outras FNT, sobretudo nas intervenções do ministro Carlos Lupi em (308), que podem ser interpretadas como marcas idiolectais : (308a) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Eu sou homem da reencarnação. Eu não acredito. Então, pode vir, amigo. Quando eu falo é para essas pessoas, porque você tem gente que trabalha com ódio. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (308b) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Sobre a questão dos empregos, que não tem nada a ver com o Ministério do Trabalho, amigo, só este ano, o FGTS está colocando 24 bilhões de reais no Minha Casa, Minha Vida, gerando na política pública, para a área de construção civil, mais de 1,5 milhão de empregos nos últimos 3 anos. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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(308b) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Isso é afirmação do Secretário particular da Presidente. Amigo, eu estou numa tranquilidade sobre esse fato, mas com uma ira santa, com uma ira santa. Eu não vou me conformar enquanto isso não chegar ao fim. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

A maioria das ocorrências integram cadeias alocutivas ou delocutivas mais ou menos complexas, como nos exemplos (309) e (310): (309a) A SRA. MINISTRA IZABELLA TEIXEIRA - Bom dia a todos. Sr. Presidente, Deputado Sérgio Brito, Sr. Ministro do Desenvolvimento Agrário, meu amigo Afonso Florence, Sr. Presidente do INCRA, Dr. Celso Lisboa, meu caro amigo Deputado Paulo Teixeira, Srs. Deputados membros da Comissão, senhoras e senhores aqui presentes, demais Deputados. Primeiro, eu quero agradecer a oportunidade do convite da Comissão... (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (309b) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Eu vou tentar ser o mais rápido possível, para não ocupar muito o tempo dos senhores. Primeiro respondo ao meu companheiro e amigo Deputado Silvio Costa. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (309c) O SR. DEPUTADO OTAVIO LEITE - Eu gostaria muito de ouvir o meu prezado amigo, Deputado Silvio, mas nós temos o senso da responsabilidade de questionar, de trazer à baila pontos fundamentais e também oferecer sugestões. (Audiência Pública N°: 1963/11 DATA: 23/11/2011) (309d) O SR. MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Eu me recordo, Deputado Onyx, meu querido amigo de tanto tempo, que eu tinha um Senador da República em altíssima conta, embora adversário meu, politicamente. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

No que diz respeito aos empregos desta FNT e à configuração da proxémica verbal, observamos que no caso do tratamento individual há uma tensão evidente entre a expressão da relação mais próxima, a amizade, e a relação institucional. Todas as cadeias alocutivas e delocutivas que contêm a FNT colega mencionam também o cargo institucional do alocutário: Sr. Ministro do Desenvolvimento Agrário, meu amigo Afonso Florence, meu caro amigo Deputado Paulo Teixeira (309a), meu companheiro e amigo Deputado Silvio Costa (309b), o meu prezado amigo, Deputado Silvio (309c), Deputado Onyx, meu querido amigo de tanto tempo (309d). Os locutores optam por mencionar também o nome (ou nome + apelido) do interlocutor ou do terceiro, o que cria um distanciamento interlocutivo, atenuando a proximação expressa através da FNT colega. Os adjetivos qualificativos podem ter

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efeitos diferentes, em função do seu semantismo. Por exemplo, em o meu prezado amigo, Deputado Silvio (309c), prezado, pelo seu valor ceremonial pode situar o tratamento numa zona mais distante, ao passo que em Deputado Onyx, meu querido amigo de tanto tempo (309d), querido teria o efeito de criar mais aproximação interlocutiva. Aliás, no último exemplo mencionado, a avaliação temporal da amizade amigo de tanto tempo reforça também a dimensão pessoal da relação interlocutiva. No que diz respeito ao tratamento coletivo, as FNT mantêm a mesma tensão entre a expressão da relação pessoal e a relação institucional com alocutários ou terceiros: meus caros amigos em (310b), meus amigos de todos os partidos (310c), amigos que nos assistem (310c). Não é por acaso que estas FNT ocorrem em intervenções de ministros que comparecem perante a comissão fiscalizadora; tratando os deputados por colegas, os representantes do governo tentam criar uma aproximação para com os seus interlocutores, reduzindo a distância interlocutiva e criar, pelo menos a nível discursivo, uma comunidade que visa o consenso. Aliás, em meus amigos de todos os partidos o locutor tenta configurar um relação de igualdade entre os deputados da bancada do poder – de quem é, de facto, colega – e os da bancada da oposição. Em amigos que nos assistem (310c) notamos a configuração de uma relação próxima com participantes indiretos no debate, os eleitores, que podem assistir nos canais da Câmara dos Deputados ao trabalhos parlamentares. Aos amigos (310a) é um exemplo de uma intervenção do presidente da reunião numa sequência de gestão do turno de fala167 e em que o locutor tenta criar um consenso com os participantes no debate. (310a) O SR. PRESIDENTE (DEPUTADO SÉRGIO BRITO) - Então, eu vou pedir um pouco mais de silêncio aos amigos, e compreensão, de contrário não vamos conseguir ouvir os convidados. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (310b) A SRA MINISTRA IZABELLA TEIXEIRA - Do ponto de vista do licenciamento de assentamentos - o senhor também questionou isso -, quero lembrar aqui aos meus caros amigos Deputados que o licenciamento de empreendimentos de assentamentos rurais é de competência dos Estados. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (310c) O SR. MINISTRO JOSÉ EDUARDO CARDOZO - É sempre um prazer reencontrar meus amigos de todos os partidos e comparecer a esta Casa para dar esclarecimentos, porque aqui vir é um dever, um dever democrático e um dever que cumpro com o máximo prazer. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

As análises de Cabasino (2010) e Détrie (2010) mostram que as intervenções do presidente das reuniões têm uma frequência superior de FNT, graças ao papel que essas desempenham na gestão do ritual de turnos de fala.

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(310d) O SR. DEPUTADO FERNANDO FRANCISCHINI - Deputado Nilson Leitão, nosso Presidente da Comissão de Fiscalização, Ministro Carlos Lupi, nobres colegas, imprensa e amigos que nos assistem, Ministro, em 10 meses já passaram por aqui sete ou oito Ministros. Não é uma coisa que nos traz alguma felicidade passar todo o tempo fiscalizando, verificando contas. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em (311), o deputado Devanir Ribeiro descreve a sua relação de amizade com o ministro Alexandre Padilha, com base também na origem regional comum em além de Ministro, é nosso amigo, é um paulista de coração, reforçando esta componente na construção da identidade parlamentar168. (311) O SR. DEPUTADO DEVANIR RIBEIRO - Sr. Presidente, eu também quero parabenizar o nosso Ministro [Alexandre Padilha], que, além de Ministro, é nosso amigo, é um paulista de coração. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012)

2.4.2.2 Colega(s) As ocorrências da FNT colega (uma nos debates portugueses, 64 no sub-corpus brasileiro e 327 nos debates romenos) indicam comportamentos discursivos diferentes nas três culturas. Se no sub-corpus quase não há nenhuma ocorrência, ela encontra o seu lugar no sub-corpus brasileiro e torna-se prevalente no sub-corpus romeno. Poderíamos concluir que os parlamentares romenos parecem privilegiar um clima de igualdade e de colaboração, designando os outros preponderantemente com a FNT coleg(i) [colega(s)], ao passo que nos debates portugueses se mantém uma relação igualitária, de tipo não-colaborativo, de natureza quase na sua totalidade institucional, através do uso exclusivo da FNT deputados. No entanto, como veremos mais adiante, os exemplos do sub-corpus romeno mostram uma grande variedade de valores discursivos, que vão além do mero semantismo da palavra colega e, em alguns casos, expressam até valores contrários. Por exemplo, usam-se de forma irónica as FNT amigo ou colega para designar adversários políticos. A única ocorrência desta FNT no sub-corpus português, em (312), é um tratamento alocutivo coletivo e situa-se na esfera da identidade política profissional dos alocutários; designando-os meus colegas Deputados, o locutor tenta tornar a assembleia no seu conjunto testemunha para a sua avaliação negativa do maior partido da oposição.

No capítulo dedicado ao tratamento elocutivo (ver supra 2.2.3.11. Nós11 – os do oeste do país) analisamos a importância da identidade regional na construção da imagem de si.

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(312) O Sr. Francisco de Assis (PS): — É porque, meus colegas Deputados, ver um pequeno partido com intuitos megalómanos pode até divertir-nos, mas ver um grande partido com um discurso de pequeno partido é muito penoso para todos nós. E ver o Dr. Miguel Frasquilho fazer esse discurso, devo dizer que é especialmente penoso para mim! (Reunião plenária de 16 de março de 2011)

No sub-corpus brasileiro, esta FNT é usada tanto na designação individual, como em (313), como na designação coletiva (313), funcionando individualmente ou em cadeias mais os menos complexas (314)-(316) e (318)-(323). No que diz respeito ao tratamento individual (alocutivo e delocutivo), observamos que os locutores preferem FNT que descrevem o estatuto político e profissional: colega deputado (313), colega Deputado Federal e Ministro do Desenvolvimento Agrário (314), meu colega Diretor-Geral da Polícia Federal (315) e a maneira mais formal de designação do nome, composta pelo nome e o apelido: Afonso Bandeira Florence (314), Leandro Daiello (315). Os títulos estão também presentes, doutor (311). O exemplo (316) é, de alguma maneira excecional no que diz respeito à acumulação de FNT delocutivas na cadeia seguinte: profissão + profissão + cargo + FNT relacional + nome + apelido – professora, educadora, Senadora, e minha colega, Ministra Ideli Salvatti. Os sete elementos que compõem esta cadeia designativa referem a identidade política e a identidade profissional de Ideli Salvatti, ao mesmo tempo professora, membro do Congresso e do Governo. A relação profissional entre o locutor e a interlocutora é reforçada pela presença das qualidades profissionais da mesma. (313) O Sr. Deputado Weverton Rocha - Quero, por fim, esclarecer o colega deputado que falou que eu empenhei 20 milhões para o Maranhão. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (314) O Sr. Presidente (Deputado Sérgio Brito) – Quero agradecer a exposição ao colega Deputado Federal e Ministro do Desenvolvimento Agrário Afonso Bandeira Florence. Quero passar a palavra agora ao Dr. Celso Lisboa de Lacerda, Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (315) O Sr. Deputado Delegado Protógenes - Sr. Presidente Efraim Filho, Ministro José Eduardo Cardozo, com muita honra recebemos V.Exa. em nossa Comissão, meu colega Diretor-Geral da Polícia Federal, Dr. Leandro Daiello, meu colega Dr. Roberto Troncon Filho, Superintendente Regional da Polícia Federal do Estado de São Paulo, Sr. Ministro, Deputado Edson Santos, 1º Vice-Presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, minha breve intervenção vai ser no sentido de tocar o meu atabaque. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

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(316) O Sr. Deputado Pedro Uczai - Sra. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, professora, educadora, Senadora, e minha colega, Ministra Ideli Salvatti, quero aqui, nesses 5 minutos, fazer algumas considerações. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

Observámos que em comparação com os exemplos de tratamento individual, as cadeias designativas coletiva que contêm a FNT colegas não têm o mesmo grau de complexidade, tendo estruturas monádicas (317) ou diádicas (318)-(323). Os predeterminantes são possessivos com valor afetivo (318): meus colegas, adjetivos qualificativos com valor de deferência cerimonioso (319): nobres colegas, ao passo que os elementos usados depois de colegas afirmam identidades profissionais e políticas dos alocutários ou dos terceiros referidos: colegas deputados (320), colegas da Câmara (321), colegas parlamentares (322) e colegas da imprensa (323). Apenas uma ocorrência refere a instância mediática, ao passo que as restantes são dirigidas aos representantes da instância política ou da instância adversária (Charaudeau 2005). A FNT colega(s), usada no sub-corpus brasileiro em diferentes cadeias designativas para expressar uma relação profissional, visa categorias variadas de alocutários ou de terceiros: deputados, ministros ou jornalistas. Nestes contextos, as FNT são empregues para criar uma relação interlocutiva de natureza colaborativa; os locutores insistem nas caraterísticas profissionais dos alocutários ou dos terceiros, as eventuais marcas afetivas sendo atenuadas pelo reforço da identidade profissional ou política. (317) O Sr. Presidente (Deputado Sérgio Brito) - Posso fazer uma consulta aos colegas: se podemos tentar convocar essa reunião para hoje, às 15h. Não sei se é possível. Hoje, no plenário, temos a votação do Código Florestal. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011) (318) O Sr. Deputado Bohn Gass - E aí quero me referir à grande contradição dos latifundiários, dos que acusam o INCRA, dos que acusam o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. O índice de produtividade, meus colegas, é de 1975, quando produzíamos 20 sacos de milho por hectare. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (319) O Sr. Deputado Fernando Francischini - Deputado Nilson Leitão, nosso Presidente da Comissão de Fiscalização, Ministro Carlos Lupi, nobres colegas, imprensa e amigos que nos assistem, Ministro, em 10 meses já passaram por aqui sete ou oito Ministros. Não é uma coisa que nos traz alguma felicidade passar todo o tempo fiscalizando, verificando contas. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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(320) O Sr. Deputado Severino Ninho - Sr. Presidente, Sr. Ministro, colegas deputados, eu sou da Comissão de Defesa do Consumidor. Ministro, V.Exa. colocou que não falta investimento; a manutenção, V.Exa. entende que é razoável; mas o povo, lá na ponta, enfrentou esses problemas. (Audiência Pública N°: 1644/12 DATA: 28/11/2012) (321) O Sr. Deputado Delegado Waldir - Sr. Presidente, Sr. Jorge Hage Sobrinho, Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, Srs. Deputados, imprensa, colegas da Câmara, funcionários, fiquei muito feliz com a apresentação do Ministro. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011) (322) O Sr. Deputado Nilton Capixaba - Sr. Ministro Alexandre Padilha, ficamos felizes em receber V.Exa. nesta Comissão - faço parte desta Comissão também. Ao nosso Presidente e aos colegas parlamentares, os nossos cumprimentos. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012) (323) O Sr. Ministro Alexandre Padilha - Boa tarde a todos. Saúdo o Deputado Sérgio Brito, Presidente desta Comissão, os Srs. Parlamentares, os técnicos do Ministério presentes e também os colegas da imprensa. (Audiência Pública N°: 1940/11 DATA: 23/11/2011)

No sub-corpus romeno, o tratamento individual por coleg [colega] está quase ausente, a maioria das ocorrências sendo empregues no tratamento coletivo. As FNT mais frequentes são as genéricas stimaţi colegi169 [prezados colegas] ou dragi colegi [caros colegas], que funcionam como passe-partout alocutivos ou delocutivos, que constituem um verdadeiro marcador do discurso parlamentar romeno. (324) Domnul Nicolae Bănicioiu: – Potrivit unui raport al Centrului Internaţional Antidrog şi pentru Drepturile Omului: „Bugetul pentru programele de prevenire a consumului de droguri este, în România, cel mai mic din Uniunea Europeană. Zilnic, la spitalele din România ajung 4-5 tineri din cauza consumului de droguri. Numărul consumatorilor de etnobotanice - şi nu este o confuzie, stimate coleg - s-a triplat în 2010 faţă de 2009, iar în 2011 este în crestere”. (Reunião da Câmara dos Deputados, 6 de junho de 2011) [O senhor Nicolae Banicioiu: - Segundo um relatório do Centro Internacional Antidroga e dos Direitos Humanos: “Na Roménia, a verba para os programas de prevenção do consumo de drogas é a mais reduzida da União Europeia. Diariamente chegam aos hospitais da Roménia 4-5 jovens por causa do consumo de drogas. O número dos consumidores de substâncias psicoativas – e não há confusão nenhuma prezado colega – triplicou em 2010 em relação a 2009, e está a aumentar em 2011”.] 169

Ver também a análise de Săftoiu (2013).

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(325) Domnul Ilie Sârbu: – Domnule preşedinte, stimaţi colegi, domnule ministru, daţi-mi voie pentru început să-mi fac o datorie de conştiinţă şi de onoare, bineînţeles, să-i mulţumesc colegului meu Orest Onofrei, care, sigur, ne-a apreciat atât pe mine, cât şi pe domnul ministru Daea. (Reunião do Senado, 2 de maio de 2011) [O senhor Ilie Sârbu : – Senhor presidente, caros colegas, senhor ministro, para começar, permitam-me que faça um gesto de honra, evidentemente, e que agradeça ao meu colega Orest Onofrei, que me apreciou a mim e ao senhor ministro Daea.]

As FNT coletivas revelam aceções muito diferentes do termo colegi [colegas] ns debates do Parlamento da Roménia. A FNT genérica é usada em interações com todos os atores: parlamentares (da mesma bancada ou adversários políticos), ministros (do mesmo partido ou não), etc. Aliás, visto que esta FNT tem empregos muito frequentes, os locutores sentem a necessidade de mencionar quem são os colegas aos quais se dirigem, para não criar confusões (326)-(333). Em (326) o locutor emprega a FNT genérica dragi colegi [caros colegas], para se dirigir aos parlamentares da oposição. No enunciado seguinte, para não produzir uma mensagem ambígua, acrescenta informações para delimitar claramente os seus alocutários dragi colegi din opoziţie [caros colegas da oposição]. Outras estratégias para definir com mais precisão o grupo político ao qual são destinadas as mensagens produzidas na tribuna parlamentar são as seguintes: o uso do pronome indefinido toţi [todos] em (327) toţi colegii parlamentari [todos os colegas parlamentares], espeficicações mais ou menos concretas sobre a afiliação política e partidária (328) Colegi parlamentari din opoziţie sau de la putere [colegas parlamentares da oposição ou do poder], Stimaţi colegi din PDL [Prezados colegas do PDL] em (328), Doamnelor şi domnilor colegi, din USL de această dată [senhoras e senhores colegas, da USL desta vez] em (329). (326) Domnul Petru Basa: – Dragi colegi, interesul naţional nu are culoare politică. Dar, în contextul în care în ultima perioadă constatăm că afirmarea cea mai plenară a opoziţiei se manifestă prin a critica doar de dragul de a critica, vă reamintesc, dragi colegi din opoziţie, câţi mai sunteţi în sală, că rolul, dacă nu legal, macar moral, este de a critica măsurile proaste, greşelile, şi nu iniţiativele legislative a căror oportunitate şi necesitate de implementare o recunoaşteţi şi dumneavoastră. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Petru Basa: – Caros colegas, o interesse nacional não tem cor política. Mas, como nos últimos tempos observamos que a afirmação mais plenária da oposição é criticar só por criticar, queria lembrar-lhes, caros colegas da oposição, aos que ainda estão na sala, que o papel – se não for o papel legal, é ao menos o papel moral – é de criticarem as medidas más, os erros, não as

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iniciativas legislativas cuja oportunidade e necessidade de implementação os senhores também admitem.] (327) Domnul Cătălin Croitoru: – Drept pentru care, fac un apel încă o dată, către toţi colegii parlamentari, să pună capăt acestei politici găunoase prin care educaţia a fost mereu folosită ca un teren de luptă şi de războaie politice şi să vote împotriva acestei moţiuni a tupeului şi ipocriziei. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Cătălin Croitoru: – Por conseguinte, volto a fazer um apelo a todos os colegas parlamentares de pôr fim a esta política sem fundamento em que a educação foi sempre usada como campo de lutas e guerras políticas e votar contra esta moção da desfaçatez e da hipocrisia.] (328) Domnul Ioan Cindrea: – Colegi parlamentari din opoziţie sau de la putere, în momentul în care vă exprimaţi votul în plenul Parlamentului vă atenţionăm că veţi vota « pentru » sau « împotriva » intereselor a peste 4,5 milioane de salariaţi români şi a majorităţii patronilor din România. Stimaţi colegi din PDL, mă adresez dumneavoastră în special, pentru că ştim cu toţii că vă doriţi să scăpaţi de Emil Boc de la conducerea acestei ţări. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Ioan Candrea : – Colegas parlamentares da oposição ou do poder, chamamos-lhes a atenção de que quando expressarem o seu voto no plenário do parlamento, votarão “a favor” ou “contra” os interesses de mais de 4,5 milhões de trabalhadores romenos e da maioria dos empresários da Roménia. [...] Prezados colegas do PDL, dirijo-me sobretudo aos senhores, porque todos nós sabemos que querem livrar-se de Emil Boc do governo deste país.] (329) Doamna Raluca Turcan: – Mulţumesc. Doamnelor şi domnilor colegi, din USL de această dată, pentru că mi s-a pronunţat numele. Vreau să vă spun un lucru. PDL nu este PSD. Problema copy-paste, problema plagiatului este la USL. Câtă demagogie musteşte în clasa politică! (Reunião da Câmara do Deputados, 2 de outubro de 2012) [A senhora Raluca Turcan: – Obrigada. Senhoras e senhores colegas, da USL desta vez, porque referiram o meu nome. Queria dizer-lhes uma coisa. O PDL não é o PSD. O problema copy-paste, o problema do plágio está com a USL. Quanta demagocia há na classe política!]

Em (330), o presidente da reunião dirige-se a todos os parlamentares para fazer um apelo à ordem empregando a FNT colegii de orientări ideologice diferite [colegas de orientações ideológicas diferentes], englobando assim na sua interpelação todos os deputados e senadores que, no calor do debate da moção de censura, se tornam mais agressivos nos apartes verbais e não-verbais. A deputada de (331), que integra o partido do poder, dirige-se exclusivamente aos parlamentares da coligação

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governamental: dragi colegi din Coaliţia guvernamentală [caros colegas da coligação governamental], ao passo que o ministro de (332) deseja agradecer exclusivamente aos parlamentares da coligação que o apoiaram durante o debate, usando uma FNT delocutiva: tuturor colegilor care au luat cuvântul astăzi [a todos os colegas que tomaram a palavra hoje]. Se em (330) o locutor designa através da FNT colegi os parlamentares no seu conjunto, visando um consenso mais geral, expressando uma relação de colegialidade com os de todas as orientações, em (331) e (332) a mesma FNT é usada para referir relações mais restritas, baseadas em afinidades partidárias. O exemplo (333) ilustra es empregos irónicos das FNT: Stimaţi colegi care astăzi sunteţi anexa Guvernului [Caros colegas, que são hoje o anexo do Governo]. O deputado que usa esta FNT no debate da moção de censura faz parte do maior partido da oposição e sabe que os parlamentares do poder não apoiarão a iniciativa da oposição para fazer chumbar o executivo e por esta razão os designa como anexa Guvernului [anexo do Governo]. Ao contrário dos exemplos anteriores, em que as FNT expressavam uma relação que visava criar um consenso em (329), em que se privilegiam FFAs, como o agradecimento de (331) ou uma afirmação neutra em (330), em (333) o uso da FNT é incongruente com o contexto em que aparece, uma vez que o locutor pretente ameaçar a imagem institucional dos seus interlocutores. No que diz respeito à configuração da proxémica verbal, observamos que as FNT que contêm o termo colegi [colegas] situam-se na esfera profissional e institucional; não identificámos marcadores de aproximação afetiva entre os locutores, que mantêm as suas relações quer no eixo da colaboração, quer no da disputa política. Aliás, não encontrámos outros contextos de ataque pessoal que incluam a FNT coleg(i) [colega(s)], os seus usos tendo sobretudo valores neutros e desempenhando papéis de organização textual (introdução de novas informações no discurso, por exemplo). (330) Domnul Mircea-Dan Geoană: – Rog colegii de orientări ideologice diferite să respecte orice vorbitor. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Mircea Geoană : – Peço aos colegas de orientações ideológicas diferentes de respeitar cada orador.] (331) Doamna Sulfina Barbu: – Mi-am pus întrebarea totuşi de ce această motiune de cenzură din partea opoziţiei? Iar aici, dragi colegi din Coaliţia guvernamentală, pentru mine lucrurile sunt foarte simple şi directe. Orice zi care trece de azi înainte este o zi care aduce câştig pentru alianţa care astăzi susţine Guvernul. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [A senhora Sulfina Barbu : – No entanto, perguntei-me porque é que temos esta moção de censura feita pela oposição? E neste caso, caros colegas da coligação do Governo, para mim as coisas são muito simples e diretas. Cada dia de passa a partir de hoje, trará ganhos para a coligação que hoje apoia o Governo.]

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(332) Domnul Traian-Constantin Igaş (Ministrul Administraţiei şi Internelor): – Mulţumesc, domnule presedinte. Mulţumesc tuturor colegilor care au luat cuvântul astăzi, aici şi au venit în sprijinul Ministerului Administraţiei şi Internelor şi sigur că trebuie să apreciez şi poziţia opoziţiei, care s-a manifestat asa cum trebuie să se manifeste în cadrul de dezbatere şi asa cum obişnuim să facem în Senat şi în Camera Deputaţilor. (Reunião do Senado, 6 de dezembro de 2011) [O senhor Traian Igas (Ministro das Administração e do Interior): – Obrigado, senhore presidente. Obrigado a todos os colegas que tomaram a palavra hoje, aqui e apoiaram o Ministério da Administração e do Interior e, claro, devo apreciar positivamente a posição da oposição, que se manifestou como se deve manifestar neste debate e como é o costume no Senado e na Câmara dos Deputados.] (333) Domnul Victor-Viorel Ponta: – Stimaţi colegi care astăzi sunteti anexa Guvernului, ca să citez din domnul Boc, poate veţi avea, în ultimul moment, demnitatea să vă ridicaţi din bănci şi să vă încălcaţi statutul de anexă, pe care Traian Băsescu, Emil Boc, Elena Udrea şi toţi ceilalţi vi l-au conferit în această perioadă. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Victor-Viorel Ponta: – Prezados colegas que hoje são o anexo do governo, para citar o senhor Boc, talvez tenham, no último momento, a dignidade de se levantarem das bancadas e de ultrapassares o estatuto de anexo, que Traian Băsescu, Emil Boc, Elena Udrea e todos os outros lhes conferiram neste período.]

2.4.2.3 Irmão(s) A FNT irmão, que situaria a relação interlocutiva numa esfera ainda mais próxima, familiar, encontra-se nas intervenções de um locutor, o ministro Carlos Lupi, o que nos leva a concluir que se trata de um traço de natureza ideolectal. A FNT aparece em onze contextos, sendo, na nossa opinião sobretudo um tique verbal, resultado de uma gestão defeituosa dos registos de língua, e não uma opção estratégica que visaria a criação de relações interlocutivas próximas. (334a) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Não é isso, irmão. É o que o sistema foi evoluindo. Você tinha um sistema que ainda era conferição. O que acontece, na realidade? (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011) (334b) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Irmão, só para responder: confederação não é central. Você perguntou de central. Central é uma coisa, confederação é outra. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

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(334c) O SR. MINISTRO CARLOS LUPI - Às vezes passamos um pouco da revolta. É um pouco da ira santa, irmão, de quando nos sentimos injustiçados. Às vezes extrapolamos nessa revolta. (Audiência Pública N°: 1857/11 DATA: 10/11/2011)

Em (335) há um uso da FNT fraţilor [irmãos], que na linguagem coloquial já não serve para expressar um grau de parentesco, mas que se tornou numa forma genérica de designar o interlocutor tanto no singular, como no plural. O mesmo acontece também com soră [irmã], usando sobretudo no singular. Em contexto parlamentar, esta FNT, embora tenha aqui um emprego singular, destaca-se pela sua falta de adequação e situa o discurso num registo demasiado baixo. Aparece acidentalmente, como um automatismo discursivo, que não visa a criação de uma aproximação da relação interlocutiva. Pelo contrário, ao usar esta FNT quando se dirige à oposição, o locutor pretente criticar os locutores, distanciando-se e afastando-se dos mesmos. (335) Domnul Emil Boc (primul-ministru al Guvernului României): - Şi în Legea educaţiei şi în legile pe care Domnia Sa le-a promovat, era instituţia plagiatului. Dragi parteneri din opoziţie, pentru ca nu va consider adversari, aş dori sa fiţi parteneri într-un act de modernizare a statului român, aţi copiat 76 de prevederi din codul nostru. Cum se numeste, fraţilor, asta? (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados, 16 de março de 2011) [O senhor Emil Boc (primeiro ministro do Governo da Roménia): - Na lei da educação e nas leis que a senhora promoveu, era a instituição do plágio. Caros parceiros da oposição, poque não vos considero adversários, queria que fossem parceiros num ato de modernização do Estado romeno, copiaram 76 disposições do nosso código. Como se chama isto, irmãos?]

Esta análise dos usos das FNT relacionais (alocutivas e delocutivas) mostra algumas diferenças interlinguísticas (português-romeno) e intralinguísticas (entre o português europeu e o português brasileiro). Por um lado, observamos que os parlamentares romenos têm uma preferência clara pelas FNT coleg(i) [colega(s)] para os usos alocutivos e delocutivos. Por outro lado, notamos que nas duas variedades da língua portuguesa as FNT colega(s) e amigo(s) são usadas de maneiras diferentes; sendo quase inexistentes no sub-corpus português, as mesmas têm empregos diferentes no sub-corpus brasileiro. Se os locutores dos debates portugueses preferem optar de forma prevalente pelo tratamento institucional, senhores deputados, os parlamentares brasileiros e romenos podem expressar a nível discursivo relações interlocutivas mais próximas, com as FNT colega(s), coleg(s), amigo(s).

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2.4.3 Tratamento profissional e académico No que diz respeito ao uso das FNT profissionais e académicas, notamos também diferenças entre os três sub-corpora. Nos debates portugueses este tipo de tratamento é pouco frequente, tendo identificado apenas três exemplos (336)-(340), em que são empregues as FNT professor e engenheiro. Aliás, os três exemplos são usos delocutivos, não havendo nos onze debates deste sub-corpus nenhum uso alocutivo. Esta situação corrobora a preferência dos locutores portugueses pelas FNT institucionais, que são as mais frequentes, e reforça também a opção pela configuração de relações interlocutivas quase exclusivamente institucionais. (336) O Sr. António Filipe (PCP): — O PSD não esteve 10 anos no governo, os governos liderados pelo Professor Cavaco Silva, com maiorias absolutas, nesta Câmara?! O PSD não apoiou, no essencial, aquelas que eram as orientações de política económica dos governos do Partido Socialista?! (Reunião plenária de 21 de março de 2012) (337) O Sr. Michael Seufert (CDS-PP): — Há mais de 20 anos, foi desta bancada que o Professor Adriano Moreira nos falou do «cheque de ensino»,… Protestos da Deputada do PCP Rita Rato. … preconizando uma reforma que esperamos possa tornar-se uma realidade nos próximos anos... (Reunião plenária de 10 de maio de 2012) (338) A Sr.ª Rosário Cardoso Águas (PSD): — O número de funcionários adstritos a este sector aumentou em cerca de 50 000 pessoas, representando hoje 3,4% do emprego e um terço dos postos de trabalho prometidos pelo Eng.º Sócrates! (Reunião plenária de 27 de janeiro de 2011)

O sub-corpus que contém mais FNT académicas170 é o brasileiro. No entanto, apesar do seu semantismo, os valores deste títulos nem sempre é académico na linguagem corrente. Biderman (1972/1973: 368) afirma que “Entre os títulos relativamente freqüentes, temos: doutor (quase exclusivo de médicos) e professor (ambientes escolares e universitários)”, o que sugeriria um uso quase especializado para doutor na altura em que o estudo foi feito, nos anos ’70. Por outro lado, análises mais recentes revelam situações bem diferentes no que diz respeito ao funcionamento de doutor na variedade brasileira do português:

170 A FNT profissional professor aparece só uma vez, numa cadeia designativa já apresentada: “O Sr. Deputado Pedro Uczai - Sra. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, professora, educadora, Senadora, e minha colega, Ministra Ideli Salvatti, quero aqui, nesses 5 minutos, fazer algumas considerações”. (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

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“Le Brésil est le pays où on donne le titre « doutor » à quelqu’un de rang supérieur, quelqu’un d’important parce qu’il est riche, parce qu’il a un statut privilégié dans la société ou parce qu’il semble représenter ce statul. Ce titre peut également connoter une ironie quand il est employé d’égal à égal. [...] Au Brésil, ce titre est donné à n’importe qui, indépendemment de son niveau d’études. Il semble qu’au Portugal le titre « doutor » est employé pour quelqu’un qui a effectivement ce titre.” (Poulet 2008: 29-80)

Nos debates que integram o sub-corpus brasileiro, a FNT académica doutor é usada no caso de alguns intervenientes, podendo ser combinada com o(s) nome(s): Dr. Celso em (339), Dr. Leandro em (340) e (342), Dr. João Marcelo em (340), com o apelido: Dr. Troncon em (340), (341) e (342), Dr. Daiello em (341), Dr. Zimmermann em (341) ou com nome e apelido: Dr. Leandro Daiello Coimbra e Dr. Roberto Troncon em (340). Em primeiro lugar, observamos que nenhum destes interlocutores é médico, portanto o tratamento por doutor poderia indicar o nível de estudos e não a profissão na área da medicina. Em segundo lugar, notamos que a FNT pode ser usada em contextos de delocução ou de alocução (também na forma vocativa), sendo, porém restrita a alguns locutores. Com a exceção de Márcio Zimmermann, que era naquele momento ministro interino de Minas e Energia, os outros participantes nos debates são altos funcionários públicos, desempenhando funções de gestão: Celso de Lisboa era presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Leandro Daiello Coimbra, o diretor geral da Polícia Federal, Roberto Troncon Filho, o superintendente regional da Polícia Federal em São Paulo. João Marcelo Ramalho Alves – que é referido no último exemplo tanto por Diretor João Marcelo, como por Dr. João Marcelo – era diretor de um hospital do Rio de Janeiro. Por conseguinte, poderíamos falar de um certo padrão de tratamento que é dado aos altos funcionários públicos, em que doutor parece ser a escolha privilegiada dos locutores, embora haja também ocorrências da FNT diretor, como se pode observar em (345) e (346). No que diz respeito à construção da relação interlocutiva, as FNT doutor e diretor mantêm-se na esfera profissional e expressam um certo formalismo, que é a norma geral em debates parlamentares. (339) O SR. DEPUTADO DOMINGOS SÁVIO - E eu ouvi, dentro do INCRA, gente dizendo que a questão do georreferenciamento não é prioridade porque isso é do grande produtor. E aí, Dr. Celso, isso é grave demais! Eu não consigo imaginar que exista INCRA para o pequeno e INCRA para o grande. Daqui a pouco, existe o Brasil do pequeno e o Brasil do grande. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011) (340) O SR. PRESIDENTE (Deputado Efraim Filho) – [...] —, queria convidar o Diretor-Geral da Polícia Federal, Dr. Leandro Daiello Coimbra — seja bem-vindo, Dr. Leandro — e também o Dr. Roberto Troncon, Superintendente da Polícia Federal em São Paulo, que esteve no comando

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dessas operações que lá ocorreram. Seja bem-vindo, Dr. Troncon. Tivemos oportunidade de estar com S.Sa. durante as diligências que esta Comissão realizou em São Paulo. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012) (341) O SR. DEPUTADO EDSON SANTOS - Quero dizer que o fato da presença aqui, tanto do Dr. Troncon quanto do Dr. Daiello, demonstra o entrosamento da Polícia Federal em sua ação. Muito se ouviu que foi um ato de insubordinação de uma seção da Polícia Federal ou de retaliação da Polícia Federal em relação à sua direção. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012) (342) O SR. DEPUTADO JILMAR TATTO - Está de parabéns, Dr. Troncon. Está de parabéns, Dr. Leandro. A Polícia Federal está fazendo o papel dela, doa a quem doer. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012) (343) O SR. DEPUTADO CARLOS ZARATTINI - Mas, Dr. Zimmermann, eu assisti nesta semana, na segunda-feira, a uma palestra do representante da ONS, Hemes Chipp, ocasião em que ele mostrou um gráfico que me deixou um pouco preocupado. (Audiência Pública N°: 1644/12 DATA: 28/11/2012) (344) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA - Eu não concordo com qualquer comentário de que o Diretor João Marcelo - que obviamente não compareceu - não está aqui hoje porque o Ministro está presente, que tenha fugido desta Comissão. [...] Esta Comissão fez um convite a mim e também criou um grupo de Deputados para visitar os hospitais, o núcleo e o Departamento dos Hospitais Federais do Rio de Janeiro. Dr. João Marcelo abriu a porta do departamento responsável pelos hospitais a esta Comissão. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012) (345) O SR. DEPUTADO NILSON LEITÃO - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Diretor da Polícia Federal, vou tentar ser bem objetivo também. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012) (346) O SR. PRESIDENTE (Deputado Efraim Filho) - Agradecido ao DiretorGeral Leandro Daiello Coimbra. [...] O SR. PRESIDENTE (Deputado Efraim Filho) - Dr. Leandro, com a palavra para a resposta. (Audiência Pública N°: 1690/12 DATA: 04/12/2012)

Em romeno, os títulos académicos não são frequentes, ficando restritos sobretudo a contextos universitários. Nos debates parlamentares que integram o nosso sub-corpus encontram-se sobretudo FNT profissionais, a mais presente sendo profesor, combinada com domn [senhor] e, eventualmente, com o nome e/ou o apelido: uso deloctivo, domnul profesor Drăgulescu [o senhor Drăgulescu] em (347) e (348), domnul profesor Florian Popa [o senhor professor Florian Popa] em (349), uso alocutivo: Domnule profesor [Senhor professor] em (350).

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Existem também empregos de profesor com só o apelido: profesorul Drăgulescu [o professor Drăgulescu]. Notamos ainda que as FNT profissionais podem ser usadas em cadeias designativas mais complexas, com as FNT institucionais: domnul deputat Drăgulescu, domnul profesor Drăgulescu [o senhor deputado Drăgulescu, o senhor professor Drăgulescu] em (347), ou com outras FNT profissionais: domnul profesor Florian Popa, domnul rector [o senhor professor Florian Popa, o senhor reitor]. Não se trata de uma FNT usada regularmente nos debates romenos, aparecendo com mais frequência quando os locutores referem médicos ou professores universitários. Aliás, em alguns dos exemplos nota-se que os locutores sentem a necessidade de expressar também a identidade institucional, como em (347). Do ponto de vista da construção da relação interlocutiva, esta FNT situa-se no polo mais distante, formal. Os locutores que expressam a identidade profissional fazem-no em geral com respeito, manifestando deferência para com os alocutários ou os delocutários. (347) Domnul Ioan Oltean: - Vă mulţumesc, domnule ministru. Doamnelor şi domnilor, trecem acum la dezbateri pe marginea moţiunii prezentate de către opoziţie. O să-l invit la microfon pe domnul deputat Drăgulescu, domnul profesor Drăgulescu, din partea Grupului parlamentar al Partidului Democrat Liberal. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [O senhor Ioan Oltean: - Obrigado, senhor ministro. Senhoras e senhores, vamos passar ao debate sobre a moção apresentada pela oposição. Vou convidar ao microfone o senhor deputado Drăgulescu, o senhor professor Drăgulescu, do grupo parlamentar do Partido Democrata Liberal.] (348) Domnul Florian Popa: - Am auzit de la domnul profesor Drăgulescu o istorie a miniştrilor de la sănătate de după ‘90. Şi vă întreb: condiţia de ministru al sănătăţii, câţi dintre noi ar accepta-o? Ea, după mine, este şi incomodă şi deloc de invidiat. Şi eu cred că toţi miniştrii sănătăţii au încercat să facă câte ceva, întrun domeniu care nu-i deloc uşor de schimbat şi au reuşit ceea ce societatea le-a pus la îndemână. Comisia pentru sănătate şi familie din Cameră, vorbea profesorul Drăgulescu că suntem acolo un colectiv disciplinat şi prietenos. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [O senhor Florian Popa: - Ouvimos do senhor professor Drăgulescu uma história dos ministros da Saúde depois de ’90. E pergunto-lhes: a condição de ministro de Saúde, quantos de nós aceitá-la-iam? Na minha opinião, é incómoda e nada invejável. E eu acho que todos os ministros tentaram fazer alguma coisa, numa área em que não é nada fácil mudar as coisas e conseguiram o que a sociedade lhes ofereceu. Na Comissão para a Saúde e a Família da Câmara, dizia o professor Drăgulescu, somos um grupo disciplinado e amigável.] (349) Domnul Cseke Attila: - Sunt de acord cu domnul profesor Florian Popa, domnul rector, şi garantez că următorul ministru al sănătăţii şi urmăatorii vor fi la fel de criticaţi cum au fost şi cei dinaintea mea şi cum e şi subsemnatul. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011)

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[O senhor Cseke Attila: - Estou de acordo com o senhor professor Florian Popa, o senhor reitor, e garanto que o próximo ministro da Saúde e os próximos serão tão criticados como foram os que me antecederam ou como eu sou.] (350) Domnul Valeriu Stefan Zgonea: - Domnule profesor, cu tot respectul pe care vi-l port, şi ştii foarte bine, domnule profesor, grupul nostru parlamentar mai are două minute cu anumite toleranţe de plus unu, două minute, dar... o să am rugămintea la dumneavoastră să vă încadraţi în 3-4 minute. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Valeriu Stefan Zgonea: - Senhor professor, com o devido respeito, sabe muito bem senhor professor, o grupo parlamentar tem ainda dois minutos, com certas tolerâncias de um, dois minutos a mais, mas... pedia-lhe o favor de se manter nos 3-4 minutos.]

Em (351) há também no corpus uma FNT coletiva profissional alocutiva: stimaţi colegi profesori [prezados colegas professores], em que o locutor fala sobre a necessidade de haver consenso sobre o financiamento da educação. Ao dirigir-se à assembleia usando FNT relacionais colegi [colegas] e profissionais profesori [professores] faz um uso estratégico do tratamento para defender a sua posição política. Aliás, através de outras afirmações171, “scopul nostru nu este de a arunca unul altora lături în cap” [que o nosso objetivo não seja conspurcar-nos uns aos outros], o locutor tenta excluir um comportamento agonal, agressivo do debate parlamentar, associado sobretudo à identidade política (na sua componente partidária e ideológica). (351) Domnul Anghel Stanciu: - Sper, stimaţi colegi profesori, că scopul nostru nu este de a arunca unul altora lături în cap, ci scopul nostru este de a face un corp comun aici, în Parlamentul României, spre a pune şcoala românească acolo unde îi este locul. O aducem din nou la 6 la sută din PIB, asta trebuie să facem, nu să ne bălăcarim unii pe alii, căci în felul acesta distrugem şcoala. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Anghel Stanciu: - Espero, prezados colegas professores, que o nosso objetivo não seja conspurcar-nos uns aos outros, mas que o nosso objetivo seja trabalharmos em conjunto aqui, no Parlamento da Roménia, para colocar a escola romena no lugar merecido. Levá-la a 6% do PIB, é isso que temos de fazer, não insultar-nos uns aos outros, porque desta forma só distruímos a escola.]

Não faremos comentários sobre a linguagem usada, limitar-nos-emos ao conteúdo da mensagem. 171

351

2.4.4 Tratamento pessoal: o senhor + nome / apelido Com esta categoria de FNT entramos na esfera da criação da imagem pessoal, os alocutários sendo identificados pelo seu atributo pessoal mais saliente, o nome, com ou sem referências suplementares às componentes profissionais ou institucionais da sua identidade. Por outro lado, devemos mencionar que dentro da esfera pessoal em que se constrói a relação interlocutiva, funcionam diferentes graus de aproximação e de distanciamento, codificados na linguagem também através das FNT. Por exemplo, o modelo triádico senhor João, senhor Pires, senhor João Pires descreve a posição social do alocutário, mas indica também o grau de aproximação ou de distanciamento entre locutor e alocutário. Em romeno acontece o mesmo fenómeno com estruturas semelhantes: domnule Ion [senhor Ion], domnule Popescu [senhor Popescu], domnule Ion Popescu [senhor Ion Popescu], que expressam posições sociais diferentes, mas também uma gradação ascendente (da aproximação para o distanciamento) da relação interlocutiva. A configuração da relação interlocutiva na esfera da identidade pessoal é uma caraterística dos sub-corpora brasileiro e romeno (com mais frequência em romeno do que em português brasileiro), não havendo ocorrências de FNT pessoais no sub-corpus português. Aliás, nos debates brasileiros as poucas ocorrências – sempre delocutivas, nunca alocutivas – destas FNT aparecem quase sempre seguidas por referências sobre o estatuto profissional dos interlocutores, o que sugere o evitamento da criação de uma relação interlocutiva pessoal: Sra. Leila Regina, ex-Diretora Administrativa do Hospital Federal de Bonsucesso em (352), o Sr. Osvaldo Vicente Cardoso Perrout, titular da Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União no Estado do Rio de Janeiro, Sr. Valdir Agapito Teixeira, Secretário Federal de Controle Interno da Controladoria-Geral da União – CGU, Sr. José Gustavo Lopes Roriz, Diretor de Auditoria da Área Social da CGU, Marcelo André Barboza da Rocha Chaves, titular da 4ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União em (353). Observamos que senhora pode combinar-se apenas com o nome: Sra. Leila Regina em (352) ou com o nome e o apelido (seguidos pelo cargo): Sra. Leila Regina de Carvalho em (353) e que em todos os casos as pessoas referidas são funcionários públicos, o que poderá constituir um segundo padrão de tratamento em relação a esta categoria profissional (ver supra 2.4.3. para o tratamento profissional e académico). Os contextos em que estes FNT são FFA, como o agradecimento em (352) ou atos rituais, como as apresentações em (353). (352) O SR. DEPUTADO NELSON BORNIER - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, gostaria de agradecer ao Ministro Alexandre Padilha, aos representantes do TCU, aos representante da CGU e à Sra. Leila Regina, exDiretora Administrativa do Hospital Federal de Bonsucesso, pela presença. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012)

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(353) O SR. PRESIDENTE (Deputado Edmar Arruda) - Sr. Ministro, muito obrigado pela sua presença. Agradeço aos nobres Deputados. Quero dizer que esta Comissão também está sempre à disposição do Ministro. [...] Quero chamar para compor a Mesa a Sra. Leila Regina de Carvalho, ex-Diretora Administrativa do Hospital Federal de Bonsucesso; o Sr. Osvaldo Vicente Cardoso Perrout, titular da Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União no Estado do Rio de Janeiro; Sr. Valdir Agapito Teixeira, Secretário Federal de Controle Interno da Controladoria-Geral da União - CGU; Sr. José Gustavo Lopes Roriz, Diretor de Auditoria da Área Social da CGU; e Marcelo André Barboza da Rocha Chaves, titular da 4ª Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012)

No sub-corpus romeno a situação é diferente, sendo mais frequentes as FNT pessoais e tendo as três estruturas mencionadas: domnule + nome + apelido, Domnule Mircea Toader em (354) domnule Tinel Gheorghe em (357), domnule + apelido: domnule Solomon em (355), domnule Ponta em (357), domnule + nome: domnule Tinel em (357) e (358). Com a exceção de (354), que é um contexto neutro, todos os outros são FTAs explícitos: em (355) um deputado do poder acusa o governo anterior de gestão defeituosa de projetos públicos, em (356) há um conjunto de críticas ao primeiro ministro. Aliás, (356) mostra uma estratégia discursiva quase idêntica à que apresentámos em (304): numa moção – desta vez uma moção simples, não uma moção de censura – os autores usam formas de tratamento alocutivas na forma vocativa para se dirigir aos destinatários, neste caso também o primeiro ministro em função. As ocorrências destas FNT em (356) constituem reforços dos atos de fala: um convite, uma pergunta e uma acusação. Do ponto de vista da configuração da relação interlocutiva, as FNT domnule + apelido situam-se ainda no registo formal, mas não são institucionais, criando uma desinstitucionalização discursiva. Aliás, no sub-corpus romeno aparecem também FNT com a estrutura domnule + nome, que indicam, por um lado, uma maior aproximação entre os locutores, mas também, na nossa opinião uma gestão deficitária dos registos da linguagem. Em (357) notamos uma passagem do registo institucional, formal, domnule Tinel Gheorghe, domnule deputat [senhor Tinel Gheorghe, senhor deputado], portanto de uma cadeia alocutiva complexa, que refere duas vezes o apelativo domnule, o nome, o apelido e o cargo, a uma FNT popular, muito reduzida, que contém o apelativo domnule e o nome: domnule Tinel [senhor Tinel], ao passo que em (358) faz uma opção direta pela FNT popular. Esta seria, na nossa opinião, uma caraterística da dinâmica interlocutiva nos debates romenos, a fluidez constante das relações ou, pelo menos da sua codificação a nível discursivo. No polo oposto situar-se-iam os usos das FNT dos debates portugueses, que se mantêm no registo institucional e regimental, codificando a nível

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discursivo identidades políticas, em detrimento das identidades profissionais, académicas ou pessoais. No que diz respeito ao sub-corpus brasileiro, notamos também uma flexibilidade na codificação das relações interlocutivas, embora diferente da que se encontra no sub-corpus romeno. Uma diferença seria que nos debates brasileiros – os que análisamos neste trabalho – as FNT pessoais, as que se compõem de apelativos genéricos como senhor, senhora + nome/ nome + apelido não são usadas em alocução – encontrámos apenas exemplos de empregos delocutivos, como (352) e (353) –, ao passo que nos debates romenos estas FNT aparecem também em contextos alocutivos. Uma segunda diferença entre os debates brasileiros e os debates romenos no que diz respeito às FNT alocutivas pessoais, prende-se com o facto de em romeno serem frequentes as flutuações no tratamento do mesmo alocutário ou delocutário. Por exemplo, para o tratamento alocutivo do ex-primeiro ministro Emil Boc encontrámos a FNT domnule Boc, mas no caso do tratamento delocutivo o leque das FNT empregues é muito mais variado: domnul prim-ministru Emil Boc [o senhor primeiro ministro Emil Boc], domnul prim-ministru Boc [o senhor primeiro ministro Boc], premierul Emil Boc [o primeiro ministro Emil Boc], domnul premier Boc [o senhor primeiro ministro Boc], primul-ministru Boc [o primeiro ministro Boc], premierul Boc [o primeiro ministro Boc], domnul Emil Boc [o senhor Emil Boc], domnul Boc [o senhor Boc], Emil Boc, Boc. No português do Brasil, embora haja diversidade de FNT usadas, esta diversidade relacion-se com FNT fixas para cada categoria de alocutário ou delocutário (vimos, por exemplo, dois padrões de tratamento para altos funcionários públicos: senhor + nome / nome + apelido, doutor + nome / nome + apelido.) (354) Domnul Ioan Oltean: - Rog acum liderii grupurilor parlamentare să verifice dacă listingul cuprinde prezenţa tuturor parlamentarilor aflaţi în sala de şedinţă. (Liderii grupurilor parlamentare merg la prezidiu.) Da. Înţeleg că nu există niciun fel de neregulă tehnică. Liderii grupurilor parlamentare au constatat exactitatea funcţionării aparatului de vot. Domnule Mircea Toader, vă rog să vă ocupaţi locul. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [O senhor Ioan Oltean: - Pedia agora aos lideres dos grupos parlamentares que verificassem se o listing contém a presença de todos os parlamentares que se encontram na sala de reunião. (Os líderes dos grupos parlamentares dirigem-se para a mesa.) Sim. Entendo que não há nehuma irregularidade técnica. Os líderes dos grupos parlamentares observaram o funcionamento exacto sistema do voto. Senhor Mircea Toader, por favor sinta-se no seu lugar.] (355) Domnul Ioan Oltean: - Spunea doamna ministru Anca Boagiu că a trebuit să negociem numai pe proiectele ISPA, cu Uniunea Europeană, ca să salvăm de la plată, de la restituire un miliard de euro, datorită proastei gestionări, datorită unor proiecte ISPA începute şi nefinalizate, domnule Solomon! (Reunião da Câmara dos Deputados, 21 de novembro de 2011)

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[Domnul Ioan Oltean: - Dizia a senhora ministra Anca Boagiu que tivemos de negociar, só nos projetos ISPA, com a União Europeia, para salvar a o pagamento, a devolução de mil milhões de euros, por causa da gestão defeituosa, por causa de projetos ISPA começados e não-acabados, senhor Solomon!] (356) Doamna Raluca Turcan: - Vă invităm, domnule Ponta1 să vizitaţi şcoli unde se desfăşoară această formă de învăţământ, ca să vedeţi rezultatele. Propunerea năstruşnică de a instaura un bacalaureat second-hand, un bac cu buletinul, nu face decât să introducă o formă fără fond. [...] Câte zile aţi mai fi premier, domnule Ponta2, daca oameni din partidul dumneavoastră sau din USL ar începe să spuna ca sunteţi un plagiator? Niciuna, şi ştiţi asta, de aceea le îndepliniţi toate poftele. [...] În concluzie, domnule Ponta3, aţi plagiat, v-aţi falsificat CV-ul, aţi dovedit că distrugeţi sistematic coerenţa învăţământului din România, aţi politizat în cel mai agresiv mod cu putinţă un sistem-cheie pentru România, aţi decredibilizat cercetarea. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2011) [A senhora Raluca Turcan: - Convidamo-lo, senhor Ponta1 a visitar escolas onde funciona esta forma de ensino, para ver os resultados. A proposta engraçada de criar exames nacionais de segunda mão, exames nacionais conseguidos com o bilhete de identidade172, não faz nada senão introduzir uma forma sem conteúdo. [...] Quantos dias ficaria como primeiro ministro, senhor Ponta2, se pessoas do seu partido ou da coligação USL começassem a dizer que é um plagiador? Nenhum, e sabe disso muito bem, por isso faz tudo o que eles querem. [...] Para concluir, senhor Ponta3, plagiou, falsificou o seu currículo, provou que distruia sistematicamente a coerência do ensino da Roménia, politizou a forma mais agressiva um sistema-chave para a Roménia, descredibilizou a investigação.] (357) Domnul Daniel Constantin (ministrul agriculturii şi dezvoltării rurale): Vă anunţ, domnule Tinel Gheorghe, domnule deputat, că această măsură a fost implementată începând cu data de 1 iulie, când dumneavoastră eraţi deja istorie şi nu mai guvernaţi această ţară. [...] Vă dau doar câteva exemple. La data prezentei, se afla în diferite faze de executare silită urmatoarele sume: 230 de milioane de lei, din acele 400 de milioane, sunt deja în procedura de executare silită, domnule Tinel... (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Daniel Constantin (Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural): - Informo-o, senhor Tinel Gheorghe, senhor deputado, que esta medida foi implementada a partir de 1 de julho, quando os senhores já eram história e não governavam neste país. [...] Dou-lhe apenas alguns exemplos. Nesta data, encontrame em diferentes fases de penhora as quantias seguintes: 230 milhões de lei dos 400 milhões já estão a ser penhorados, senhor Tinel...]

Alusão a uma publicidade do início dos anos 2000, em que lojas de eletrodomésticos ofereciam microcréditos com muita facilidade, apenas “com o bilhete de identidade”. 172

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(358) Domnul Pavel Horj: - Nu ştiu dacă este aşa sau nu, dar, ca o ironie, aceeaşi frază se regăseşte în moţiunea pe agricultură din 2009 [...] ...iniţiată de PNL. Întrebarea legitimă care se naşte, domnule Tinel, este sau nu plagiat? (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Pavel Horj: - Não sei se é assim ou não, mas ironicamente, a mesma frase encontra-se na moção sobre a agricultura de 2009 [...] da iniciativa do PNL. A pergunta legítima que se coloca é, senhor Tinel, é plágio ou não?]

Na próxima sub-secção debruçar-nos-emos no tratamento pessoal pelo nome ou pelo apelido, tentando destacar também diferenças entre os três sub-corpora: português, brasileiro, romeno.

2.4.5 Tratamento pessoal: nome / apelido Nos debates parlamentares173, as FNT que expressam a identidade pessoal e que, ao mesmo tempo, configuram a relação interlocutiva menos distante são os nomes e os apelidos, usados sem outros apelativos. No sub-corpus português não encontrámos ocorrências deste tipo, sendo escassas – quase acidentais – nos sub-corpora brasileiro e romeno. Em (359) o presidente trata um deputado pelo nome numa sequência de gestão do turno de fala, que pressupõe mais interações espontâneas. O alocutário não reage a este tratamento, sendo provavelemente comum entre os dois em outros contextos. (359) O SR. PRESIDENTE (Deputado Simão Sessim) - Eu vou passar a palavra ao Ministro, pedindo ao Ministro, dentro do... (Intervenções simultâneas ininteligíveis.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Simão Sessim) - Chico, eu estou terminando... (Intervenções simultâneas ininteligíveis.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Simão Sessim) - Chico, você vai exigir que o Ministro tenha uma memória aí... (Intervenções simultâneas ininteligíveis.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Simão Sessim) - É rápido, o Ministro vai responder aos três, se possível, dentro de um limite de tempo, para que nossos colegas ansiosos, como Chico, que está ali já doido para perguntar... (Audiência Pública N°: 1644/12 DATA: 28/11/2012) 173 Em outros tipos de interações verbais, como em conversas quotidianas, por exemplo, os locutores podem usar nomes carinhosos, ou outros tipos de FNT que expressem uma relação de intimidade. Não é o caso, evidentemente, em contextos institucionais, como são os debates parlamentares.

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No sub-corpus romeno há também FNT pessoais, mas ao contrário do subcorpus brasileiro, os locutores usam-nas para o tratamento delocutivo e nunca para o tratamento alocutivo. Por outro lado, notamos também que há FNT pessoais delocutivas compostas por nome e apelido, como Victor Ponta em (360) ou apenas pelo apelido, como Băsescu, Boc, Macovei em (360) e Boc, Funeriu em (361). Não há nenhuma ocorrência de uma FNT pessoal composta pelo nome no sub-corpus romeno, quer alocutiva, quer delocutiva. As FNT compostas pelo apelido aparecem em FTAs, em que se criticam as pessoas referidas. Notamos, no entanto, que se trata de FNT pouco frequentes e que são usadas de forma estratégica pelos locutores, com o objetivo de descredibilizar os adversários políticos. Aliás, estes usos são muitos mais frequentes nos discursos políticos mediáticos – por exemplo, nas intervenções de políticos e de jornalistas em talk-shows – o que pode explicar os seu emprego no discurso parlamentar. (360) Domnul George-Crin-Laurenţiu Antonescu: - Am spus că este inacceptabil acest lucru. Am spus atât, domnule Baconschi. Nici eu, nici Victor Ponta, cum aţi afirmat dumneavoastră, şi nici altcineva din partidele noastre nu are nimic împotriva diasporei. Ştim şi noi de ce au plecat. [...] Noi mai ştim şi câţi au plecat după 2004, că păreţi a discuta despre o diasporă alungată de fărădelegile, nu ştiu, ale domnului Iliescu, ale altora, în orice caz, ale comuniştilor, dar nu ale comuniştilor Băsescu, Boc, Macovei şi alţi comunişti. Oamenii au plecat din România, ştim cu toţii de ce au plecat. (Reunião do Senado, 23 de maio 2011) [O senhor George-Crin-Laurenţiu Antonescu: - Disse que isso era inaceitável. Só disse isso, senhor Baconshi. Nem eu, nem Victor Ponta, como o senhor afirmou, e ninguém dos nossos partidos tem alguma coisa contra a diáspora. Nós também sabemos porque saíram. [...] Nós sabemos ainda quantos partiram depois de 2004, porque me parece que está a falar sobre uma diáspora perseguida pelas ilegalidades, sei lá, do senhor Iliescu, dos outros, em qualquer caso, dos comunistas, mas não dos comunistas Băsescu, Boc, Macovei e de outros comunistas. As pessoas saíram da Roménia, sabemos todos porque saíram.] (361) Domnul Cristian-Sorin Dumitrescu: - La sfârşitul acestui an, Boc era deja la Cluj, iar Funeriu se ascundea pe undeva pe sub poalele Cotrocenilor. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [O senhor Cristian-Sorin Dumitrescu: - No fim deste ano, Boc já estava em Cluj, e Funeriu escondia-se algures debaixo das saias de Cotroceni.]

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2.4.6 Tratamento genérico: o(s) senhor(es) O senhor e os senhores representam FNT que poderíamos considerar genéricas, na medida em que não oferecem informações sobre a identidade – política, profissional, social, pessoal – do alocutário. Aliás, Marques (2014: 164) considera que pelo seu caráter não-individualizador, esta FNT expressa um “não reconhecimento do alocutário”, falando também de despersonalização. No conjunto de FNT usadas nos debates parlamentares, as genéricas, como o senhor, os senhores 174 situar-se-iam no polo oposto das institucionais, como senhor deputado, senhora deputada. Se no caso do tratamento institucional o alocutário beneficia de uma legitimação enquanto ator com plenos direitos no cenário discusivo, se no caso do tratamento profissional e / ou académico o mesmo alocutário é reconhecido enquanto membro de uma categoria social de prestígio, o tratamento genérico redu-lo a uma entidade quase abstrata, situada fora das regras do funcionamento institucional do discurso parlamentar. As análises das secções anteriores mostram que os atos agressivos se relacionam também com diferentes graus de não reconhecimento do outro, que vão da desinstitucionalização – mais frequente no corpus romeno, em que os locutores tratam os alocutários pelo nome – à despersonalização, usada nos três sub-corpora, em que os alocutários são referidos com FNT genéricas. No entanto, veremos que o funcionamento discursivo da despersonalização tem as suas particularidades em debates brasileiros, portugueses e romeno. Por outro lado, o(s) senhor(es) codifica a nível discursivo a distância interlocutiva entre locutor e alocutário, descrevendo um distanciamento, que pode ser associado à deferência nas interações quotidianas – O senhor tem horas? –, mas nos debates parlamentares este distanciamento serve sobretudo para descrever cenários antagónicos. Vejamos o exemplo (362), em que o locutor usa sete vezes a FNT o senhor e apenas três vezes Sr. Ministro para se dirigir ao alocutário. O fragmento representa na sua totalidade um FTA em relação à imagem política do alocutário e do executivo, o locutor passando da apresentação factual: “falhou a execução do Orçamento do Estado”, “não conseguiu formular um Orçamento exequível”, à afirmações insultuosas: “é preciso descaramento”. Aliás, a desinstitucionalização e a despersonalização do alocutário vão para além da designação através das FNT, o locutor expressando-a claramente: “não demonstrou aqui o perfil de um Ministro da Economia, do Emprego, das Obras Públicas, dos Transportes” e reforçando-a através de uma analogia com uma profissão situada num registo diferente: “a maioria o enviou aqui para simular, para fazer uma pantomina teatral”.

Não encontrámos nos debates incluídos no sub-corpus português nenhuma ocorrência das formas femininas, a senhora e as senhras, o que pode indicar uma especialização das formas masculinas no caso do discurso parlamentar. 174

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(362) O Sr. Carlos Zorrinho (PS): — O senhor1 representa um Governo que falhou a execução do Orçamento do Estado para 2012, que nos vai fazer pagar mais 2500 milhões de euros no próximo ano, que criou 175 000 novos desempregados. O senhor2 representa um Governo que não conseguiu formular um Orçamento exequível para 2013, como dizem todos os especialistas de todos os quadrantes políticos. Por isso, Sr. Ministro, é preciso descaramento para fazer aqui este discurso. Nós já sabíamos que o senhor3 era um ministro remodelável, mas, hoje, percebemos que a maioria o enviou aqui para simular, para fazer uma pantomina teatral, para animar uma bancada que está completamente em desagregação.[...] O senhor4 não demonstrou aqui o perfil de um Ministro da Economia, do Emprego, das Obras Públicas, dos Transportes… [...] É inaceitável, Sr. Ministro, que, nesse discurso, não tenha tido uma réstia de palavras de esperança, uma réstia de solução para as áreas que o senhor tutela, em particular para a área do emprego. O senhor5 fez uma epifania sobre o vazio, ou não, o senhor não fez uma epifania sobre o vazio, o senhor6 fez uma epifania sobre 1 milhão de desempregados [...] Acontece, Sr. Ministro, que o tempo não parou e o último ano e meio não foi uma festa, o último ano e meio foi uma tragédia para o País [...] o senhor7 é um dos rostos dessa tragédia e desse desaire! (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

Observamos o mesmo fenómeno no exemplo (363), em que as seis ocorrências da FNT coletiva os senhores se relacionam com FTAs: “sacrificam o dia-a-dia de milhões de trabalhadores”, “enchem a boca com palavras”, “impuseram aumentos tarifários”, “pacto de agressão que [...] assinaram com a troica”, “O que [...] estão a fazer é a distribuir pobreza”, desinstitucionalizando e despersonalizando os representantes do executivo e da bancada da maioria parlamentar. Aliás, os dois exemplos, (362) e (363), são ilustrativos para o funcionamento das FNT o senhor e os senhores nos debates portugueses, a configuração de atores antagónicos. (363) O Sr. Bruno Dias (PCP): — É este o sacrossanto mercado que os senhores1 erguem no altar em que sacrificam o dia-a-dia de milhões de trabalhadores, de centenas de milhares de micro, pequenas e médias empresas? É esta a «concorrência» que os senhores2 prometem como meio caminho andado para a riqueza e a felicidade de todos?! [...] Os senhores3 enchem a boca com palavras como «mudança», «reforma», «modernidade». [...] Isto porque os senhores4, em 13 meses, impuseram aumentos tarifários de 25% a 140% nos transportes, acabaram com o passe para os estudantes e eliminaram centenas de ligações de transportes públicos. Não venha dizer que este pacto de agressão que os senhores5 assinaram com a troica, e que estão a impor ao povo, serve para criar riqueza! O que os senhores6 estão a fazer é a distribuir pobreza para que alguns possam concentrar riqueza.(Reunião plenária de 21 de março de 2012)

No sub-corpus brasileiro, os usos de o senhor e os senhores são diferentes. Ao contrário do que notamos nos exemplos dos debates portugueses, no discurso

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parlamentar brasileiro estas FNT podem ter também o seu valor prototípico, de expressar deferência em relação ao alocutário. Em (364) há ocorrências da FNT o senhor em contextos neutros: “tem os mecanismos para pedir a apuração”, “A empresa que [...] citou ganhou a licitação”, “trouxe várias novidades sobre essa empresa”, mas também em contextos que podem ser valorizantes para a imagem do alocutário: “o que [...] trouxe aqui pode nos ajudar ainda”. Notamos a mesma situação em (365), o senhor sendo empregue em contextos diferentes, que não parecem ameaçar de forma explícita a imagem do alocutário. Numa perspetiva intralinguística, esta será uma diferença significativa entre os valores da FNT o senhor nas duas variedades de português analisadas: se em português europeu aparece sobretudo em FTAs, servindo para representar a nível discursivo atores do descordo, em português brasileiro o senhor parece manter o seu valor de expressar deferência. Na nosssa opinião, neste caso não se trata de uma FNT que reflete a posição social numa hierarquia social bem definida na sociedade brasileira175, mas sim de uma forma de deferência entre pares, que advém do caráter formal da interação. (364) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA - Deputado Nelson Bornier, estou absolutamente à disposição para responder às suas perguntas, para esclarecer. E aproveito para agradecer ao senhor as questões que levantou aqui. Certamente, o senhor, como Deputado, tem os mecanismos para pedir a apuração das questões que levantou. [...] Certamente, o que o senhor trouxe aqui pode nos ajudar ainda mais a apurar, como disse, suas preocupações. [...] A empresa que o senhor citou ganhou a licitação com preço 36% menor do praticado pela Rufolo. Mas o senhor trouxe várias novidades sobre essa empresa, que certamente serão objeto de apuração não só do Ministério. [...] Para concluir, em relação às perguntas que o senhor fez, eu, como disse aqui, acho que o grande salto que nós demos nesse processo de reestruturação, ao aprimorar os procedimentos... (Audiência Pública N°: 0497/12 DATA: 08/05/2012) (365) O SR. DEPUTADO FERNANDO FRANCISCHINI - A segunda pergunta, Ministro. [...] O que o senhor tem feito de parceria com o Ministério Público, com a AGU? O senhor está requisitando que eles entrem com ações civis públicas, que o TCU bloqueie essas verbas, que esse dinheiro possa voltar, doa a quem doer, apartidariamente falando, seja do PSDB, do DEM, do PT, do PSB, seja de qualquer partido? Se o senhor está fazendo isso, é um avanço enorme. Ministro, ouvi o senhor dizer que os 2,5% são um dado que o jornalista colocou, e que o senhor não o achou. [...] O senhor fez 33 edições de sorteio, fiscalizou 1.821 Municípios nos 8 anos do Governo Lula, o que deu uma média de 228 Municípios por ano. Então, o senhor fiscalizou, por sorteio, 4% dos Municípios do nosso País. [...] Essa fiscalização por sorteio é a mais importante, Ver Poulet (2008), que fala de senhor1 (forma de respeito, usado em certas famílias pelos membros mais jovens para se dirigirem aos pais ou aos avós) e de senhor2 (marca de poder, usados pelos subordinados no tratamento dos chefes). 175

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porque é aquela que vai ver se a obra existe, que vai ver parede como aquela que o senhor mostrou, de um posto de resíduos, e que caiu porque foi maquiada. [...] O senhor fez uma identificação quanto ao mensalão, Ministro - essa é uma pergunta que a imprensa inteira do nosso País quer fazer para o senhor -, em cima desse último relatório da Polícia Federal. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

Outra diferença entre o português brasileiro e o português europeu prende-se com o uso das formas femininas. Se nos debates da Assembleia da República – as que integram o nosso corpus – não há ocorrências de a senhora, nos debates do Congresso Nacional, esta FNT é empregue pelos locutores (47 ocorrências). No entanto, em alguns casos, como no exemplo (366), podemos observar que o locutor hesita entre três FT, Dra. Ministra, V.Exa e a senhora, mostrando uma flexibilidade que não existe no sub-corpus português. Situada no mesmo registo da deferência institucional com Sra. Ministra e V.Exa, a FNT a senhora teria aqui sobretudo uma função anafórica e não funcionaria de forma independente. (366) O SR. DEPUTADO ANTHONY GAROTINHO - Sra. Ministra, é muito bom saber que estamos preocupados com a pesca no Brasil. [...] Então, entra aqui a minha primeira pergunta: o Deputado Luiz Sérgio está mentindo? A segunda pergunta é a seguinte: V.Exa. disse que não conhecia o contrato — agora, a senhora deve conhecer, até porque explicitou vários pontos do contrato. Agora, que V.Exa. conhece o contrato, o que a senhora acha dele? V.Exa., se fosse Ministra, teria feito esse contrato? Ou o seu antecessor se equivocou e fez algo que não deveria? (Audiência Pública N°: 0594/12 DATA: 16/05/2012)

No que diz respeito aos usos da FNT coletiva os senhores, observamos também diferenças notáveis em relação ao sub-corpus português. Em (367) o discurso do locutor critica os representantes do poder de forma aparentemente indireta: “Não para criticá-los, mas para mostrar que o Brasil pode ser melhor ainda”, apontando factos relacionadas com a governação do país: “receberam 3,9% do PIB” e fazendo avaliações: “condições em que [...] encontraram o País foram tão fantásticas”, “surfaram na onda”, ameaçando, portanto, a imagem dos adversários políticos. No entanto, notamos aqui uma tentativa de atenuar o FTA, através da afirmação inicial, em que o objetivo da intervenção não é de criticar, atenuação que não se encontra nos debates portugueses que analisámos. O exemplo (368) situar-se-ia aos antípodas de (363), porque as ocorrências da FNT os senhores aparecem num contexto de valorização dos alocutários, de FFA: “quero encerrar com uma palavra de agradecimento”, numa lógica discursiva inclusiva criada através da FT pronominal todos nós, que abre um espaço para o consenso: “Todos nós, em conjunto, temos o mesmo objetivo”. Aliás, neste caso o binómio

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nós176 / os senhores não serve para descrever atores antagónicos, mas sim para criar um acordo entre a instância política e a instância adversária. (367) O SR. DEPUTADO DUARTE NOGUEIRA - Mas nós da Oposição estamos procurando nos aprimorar bastante, para qualificar o debate. Não para criticá-los, mas para mostrar que o Brasil pode ser melhor ainda do que os senhores estão fazendo, porque as condições em que os senhores encontraram o País foram tão fantásticas, que o Brasil poderia estar muito melhor do que se encontra agora. Os senhores surfaram na onda. [...] V.Exa. se referiu ao veto do Governo anterior que, para preservar o País ainda naqueles momentos difíceis de manter o real, de enfrentar a crise fiscal, de enfrentar crises quase que anuais, coisas que os senhores não tiveram, ao longo desses quase 9 anos... Os senhores governam o Brasil há mais tempo que o PSDB: 9 anos. E o que acontece? Os senhores receberam 3,9% do PIB. (Audiência Pública N°: 1963/11 DATA: 23/11/2011) (368) O SR. JORGE HAGE SOBRINHO - Por fim, quero encerrar com uma palavra de agradecimento pela oportunidade que me deram com esse convite de vir aqui compartilhar com os senhores as ações de fiscalização, uma vez que são tão responsáveis por elas quanto nós. Nós no nosso papel no Executivo; os senhores como Comissão de Fiscalização da Câmara com as competências que têm. Todos nós, em conjunto, temos o mesmo objetivo: cada vez mais aprimorar a gestão de recursos públicos e reduzir a incidência de irregularidades e de ilícitos. Os senhores podem permanentemente continuar contando com a Controladoria para o fornecimento de informações e para a apuração dos casos que quiserem nos encaminhar. Nós continuaremos encaminhando para V.Exas., como sempre fizemos, os nossos relatórios. (Audiência Pública N°: 0399/11 DATA: 04/05/2011)

2.4.7 Tratamento genérico: doamnelor şi domnilor As FNT genéricas em romeno seriam domnule [o senhor], doamnă [a senhora], domnilor [os senhores] e doamnelor [as senhoras]. Uma particularidade do corpus romeno é a ausência das FNT alocutivas genéricas individuais, tanto a masculina, como a feminina. Aliás, a única ocorrência, em (369), não é de facto uma forma de tratamento, sendo uma exclamação impessoal que expressa o descontentamento Şerbănescu (2007: 364), usada com alguma frequência no discurso oral coloquial. (369) Domnul Relu Fenechiu: - Eu nu-l cunosc pe domnul Graţian, sau Graţiani, cum îi ziceţi dumneavoastră, nu ştiu dacă a fost cumva la infrastructură sau la CFR marfă, cu toate că discutam de CFR marfă pe vremea noastră. Dacă există astfel de situaţii, mi-aş fi dorit ca doamna Boagiu, aşa cum a anunţat la 176

Ver também nós consensual, supra 2.2.4. Nós vs. os outros.

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începutul mandatului, să declanşeze o anchetă şi să-i bage, domnule, pe toţi la puşcărie. (Reunião da Câmara dos Deputados, 21 de novembro de 2011) [O senhor Relu Fenechiu: - Eu não conheço o senhor Graţian, ou Graţiani, como o senhor o chama, não sei se esteve em Infraestrutura ou em CFR Marfă, embora se trate de CFR Marfă naquela altura. Se este tipo de situações existem, queria que a senhora Boagiu, tal como avisou no início do seu mandato, começasse um inquérito e os metesse todos na prisão, pá.]

As ocorrências encontradas no sub-corpus romeno são as FNT genéricas coletivas, doamnelor şi domnilor [senhoras e senhores] e domnilor [senhores], apresentando diferenças significativas no que diz respeito aos seus valores discursivos. Doamnelor şi domnilor [senhoras e senhores] tem nos debates selecionados sobretudo um papel fático, sendo um meio discursivo através do qual o locutor procura (re)estabelecer o contacto com o público. A função fática de doamnelor şi domnilor [senhoras e senhores] prende-se também com a posição que esta FNT ocupa na estrutura da intervenção do locutor. Em posição inicial, junto com outras formas de tratamento – normalmente institucionais –, doamnelor şi domnilor [senhoras e senhores] integra o ritual discursivo imposto pelas normas regimentais, de reconhecimento da audiência: “Domnule prim-ministru, stimaţi membri ai Guvernului, doamnelor şi domnilor” [Senhor primeiro ministro, prezados membros do governo, senhoras e senhores] e tem um valor de deferência neutra, que teria em qualquer tipo de discurso. Aliás, é uma FNT que se pode encontrar em discursos muito variados, como conferências de imprensa, conferências científicas, palestras universitárias, etc. A qualificação genérica, apesar de não ratificar a identidade institucional dos alocutários, não parece ter um efeito de reduzir a deferência no caso desta FNT, mas sim de expressar um distanciamento formal entre o orador e o seu público. No discurso parlamentar, este valor de deferência neutra, de cortesia protocolar e distante mantém-se em todos os contextos, como em (370) e (371), acrescentando-se, no caso dos empregos que ocorrem no meio das intervenções, uma função de organização textual, que é a introdução de novos argumentos no debate, como em (372). (370) Domnul Petru Basa: - Vă mulţumesc, domnule preşedinte. Domnule prim-ministru, stimaţi membri ai Guvernului, doamnelor şi domnilor, ca un răspuns la moţiunea pe care am ascultat-o mai devreme, aş intitula aceasta moţiune sau aş da o denumire... ca ea ar fi un gest simbolic, un joc de imagine şi un teatru absurd. Şi vă şi explic de ce. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Petru Basa: - Obrigado, senhor presidente. Senhor primeiro-ministro, prezados membros do Governo, senhoras e senhores, em resposta à moção que acabámos de ouvir há pouco, intitularia esta moção ou daria um nome... porque seria um gesto simbólico, um jogo de imagem e um teatro absurdo. E explico porquê.]

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(371) Domnul Emil Boc: - Orice zi de azi înainte este o zi în care scad şansele alianţei socialiste de a câştiga următoarele alegeri. Pentru că lucrurile sunt foarte simple, doamnelor şi domnilor. În economie, lucrurile încep să se mişte în direcţia bună. Sunt semne încurajatoare şi o parte dintre ele vi le-am prezentat şi o să le reproduc foarte pe scurt. De fapt, acest lucru îi deranjeaza pe cei din alianţa socialista. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Emil Boc: - A partir de hoje, cada dia é um dia em que diminuem as esperanças de a coligação socialista ganhar as próximas eleições. Porque as coisas são muito simples, senhoras e senhores. Na economia, as coisas começam a evoluir no bom caminho. Há sinais encorajadores, já apresentei uma parte deles e vou repeti-los brevemente. De facto, é isso o que incomoda os da coligação socialista.] (372) Doamna Raluca Turcan: - Autorii acestor rânduri sunt profesori consacraţi de la Universitatea Sorbona, Universitatea Strasbourg şi Universitatea Bucureşti. Ne aflăm, doamnelor şi domnilor, în faţa unui plagiat evident, constatat de toate comisiile, mai puţin de cea numită de însuşi autorul plagiatului. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [A senhora Raluca Turcan: - Os autores destas linhas são professores destacados da Universidade da Sorbonne, da Universidade de Estrasburgo e da Universidade de Bucareste. Estamos, senhoras e senhores, perante um plágio evidente, verificado por todas as comissões, menos a que foi nomeada pelo próprio autor do plágio.] (373) Doamna Raluca Turcan: - Doamnelor şi domnilor, sistemul de învăţământ a fost grav decredibilizat atunci când descoperirea cazului de plagiat al premierului Victor Ponta nu a produs nicio consecinţă pentru plagiator. [...] Victor Ponta reprezinta exemplul total descurajant pentru orice elev bun, pentru orice student serios, care îsi doreste ca succesul şcolar sa fie bazat pe merit. (Reunião da Câmara dos Deputados, 2 de outubro de 2012) [A senhora Raluca Turcan: - Senhoras e senhores, o sistema de ensino foi gravemente descredibilizado quando o plágio do primeiro ministro Victor Ponta não produziu nenhum efeito para o plagiador. [...] Victor Ponta representa o exemplo totalmente desanimador para qualquer bom aluno, para qualquer estudante sério, que quer que o seu desempenho escolar seja baseado no mérito.]

No caso da FNT coletiva domnilor [senhores], notamos que o valor discursivo é diferente, operando uma codificação marcada dos alocutários em (374): “Nu, domnilor!” [Não, senhores!] “Nu, domnilor, aşa ceva nu este posibil” [Não, senhores, isso não é possível], “Da, domnilor, s-a schimbat piaţa muncii” [Sim, senhores, o mercado de trabalho mudou], em (375): “Aţi făcut foarte bine, domnilor” [Fizeram muito bem, senhores], “haideţi, domnilor, să vă arăt moşia” [senhores, mostro-lhes a

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quinta], em (376): “Domnilor, conceptul de comasare a spitalelor a apărut...” [Senhores, o conceito de fusão hospitalar surgiu...]. Se em alguns contextos pode-se privilegiar uma interpretação mais agonal desta FNT, por exemplo em (374), em que o orador contrapõe as suas medidas e ideias às políticas públicas desenvolvidas pela oposição quando estava no poder, construindo assim um cenário de disputa política com base em pressupostos ideológicos opostos, os outros exemplos não indicam necessariamente uma leitura adversária de domnilor [senhores]. Mesmo quando esta FNT é usada em intervenções que constituem, no seu conjunto, a nível microtextual, ela não aparece em FTA, o que constitui uma diferença em relação ao sub-corpus português, por exemplo em (363). (374) Domnul Emil Boc (primul-ministru al Guvernului României): - Autorii moţiunii invocă la pagina 8 faptul că nu înţeleg urgenţa adoptării acestui proiect. Pentru alianţa socialistă amânările şi politica lui Sfântu′ aşteaptă reprezintă calea de modernizarea României. Nu, domnilor! Nu, domnilor, aşa ceva nu este posibil. Aţi amânat în anii când aţi fost la putere reformele statului şi aţi dus România pe marginea prăpastiei. [...] Da, domnilor, s-a schimbat piaţa muncii. România a intrat în Uniunea Europeană şi avem nevoie să ne adaptăm la dinamismul şi competitivitatea existentă în Uniunea Europeană. Vrem să recuperăm decalajele care ne despart de Uniunea Europeană, trebuie să facem reforme, inclusiv pe piaţa muncii. (Reunião conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado, 16 de março de 2011) [O senhor Emil Boc (Primeiro Ministro do Governo da Roménia): - Os autores da moção dizem na página 8 que não entendem a urgência na adoção deste projeto de lei. Para a coligação socialista, os adiamentos e a política do Dia de São Nunca representa a maneira de modernizar a Roménia. Não, senhores! Não, senhores, isso não é possível. Adiaram as reformas do Estado quanto estiveram no poder e trouxeram a Roménia à beira do precipício. [...] Sim, senhores, o mercado de trabalho mudou. A Roménia entrou na União Europeia e precisamos de nos adaptar ao dinamismo e à competitividade existentes na União Europeia. Queremos recuperar os atrasos que nos separam da União Europeia, temos de fazer reformas, inclusive no mercado de trabalho.] (375) Domnul Vasile Mocanu: - Aţi făcut foarte bine, domnilor, lansând această moţiune. Ne-aţi oferit prilejul de a arăta că portocaliul a devenit culoarea falimentului agriculturii româneşti. Iar dacă nu credeţi, haideţi, domnilor, să vă arăt moşia, să vedem împreună ce dezastru colosal aţi lăsat în urmă. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de outubro de 2012) [O senhor Vasile Mocanu: - Fizeram muito bem, senhores, em deixar esta moção. Deram-nos a oportunidade de mostrar que o laranja se tornou a cor da falência da agricultura romena. E se não acreditarem nisso, senhores, mostrolhes a quinta, para vermos juntos o desastre que deixaram para trás.]

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(376) Domnul Petru Movila: - Domnilor, conceptul de comasare a spitalelor a apărut pe vremea ministrului Bazac, dar nimeni nu s-a ridicat atunci să tragă un semnal de alarmă că nu e bine, că sistemul sanitar va ajunge la cod roşu. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de maio de 2011) [O senhor Petru Movila: - Senhores, o conceito de fusão hospitalar surgiu durante o mandato do ministro Bazac, mas ninguém veio nessa altura para dar um sinal de alarme e dizer que não estava bem, que o sistema de saúde chegaria ao código vermelho.]

A análise comparativa de cinco categorias de formas de tratamento nominais – tratamento institucional, tratamento relacional; tratamento profissional e académico: professor, engenheiro, doutor etc., tratamento pessoal: (o senhor / a senhora) + nome / apelido / nome & apelido; tratamento genérico: o senhor, a senhora, os senhores, as senhoras em português e, em romeno: domnule [senhor], doamnă [senhora], domnilor [senhores], doamnelor [senhoras] – revelou as seguintes particularidades dos seus usos em debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos: i) notamos uma preferência clara nos debates portugueses pelo tratamento institucional, em detrimento do tratamento relacional, pessoal ou genérico, ao passo que nos debates romenos e brasileiros os locutores usam um leque mais variado de apelativos ou designativos, mostrando mais flexibilidade no tratamento dado aos interlocutores; ii) a estrutura das FT institucionais apresenta diferenças entre as duas variedades do português: em português europeu a estrutura mais usada no tratamento institucional seria senhor / senhora + CARGOMASC / CARGOFEM (+ nome e apelido), sendo. portanto, facultativos, o nome e o apelido, ao passo que no português do Brasil a estrutura mais frequente é: (senhor / senhora) + CARGOMASC / CARGOFEM (+ nome / apelido / nome e apelido), sendo opcionais tanto os apelativos senhor, senhora, como o nome e o apelido; para exemplificar, em português europeu há uma preferência pelas fórmulas senhor deputado, senhora deputada, ao passo que no português brasileiro são mais comuns as fórmulas deputado, deputada; iii) em romeno a estrutura do tratamento institucional é domnule/doamnă + CARGOMASC (+ apelido / nome e apelido), visto que na língua comum e também nos discurso institucionais há uma certa preferência para usar os cargos na forma masculina; portanto: doamnă deputat [senhora deputado], e não doamnă deputată [senhora deputada]; iv) só em português brasileiro e em romeno as FNT institucionais podem ser precedidas por adjetivos qualificativos, como ilustre deputado, nobre deputado, stimate [prezado], distins [prezado]; v) do ponto de vista da sua função discursivo textual das FNT institucionais, podemos distinguir entre o papel de marcador conversacional – em posição inicial identificam o alocutário, em posição mediana mantêm e reforçam o contato, em posição final

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funcionam como moldura metadiscursiva e o seu papel de marcador textual, servindo sobretudo para introduzir novos argumentos no debate; no que diz respeito ao tratamento relacional, observamos que os parlamentares romenos têm uma preferência clara pelas FNT coleg(i) [colega(s)] para os usos alocutivos e delocutivos – com valores consensuais, mas também conflituais –, ao passo que nas duas variedades da língua portuguesa as FNT colega(s) e amigo(s) são usadas de maneiras diferentes: quase inexistentes no sub-corpus português e têm empregos diferentes no sub-corpus brasileiro; o tratamento académico ou profissional aparece com mais frequência no sub-corpus brasileiro, sendo usado no caso de altos funcionários públicos, tento um caráter pontual no sub-corpus português – encontramos apenas três usos delocutivos: o Professor Cavaco Silva, o Engenheiro Sócrates, o Professor Adriano Moreira – e em romeno sendo preferido no caso de parlamentares que são também professores ou médicos; a configuração das relações interlocutivas numa esfera de proximidade, através do uso do tratamento pessoal, é uma caraterística dos sub-corpora brasileiro e romeno – com mais frequência em romeno do que em português brasileiro –, não havendo ocorrências de FNT pessoais no sub-corpus português; se nos debates brasileiros os locutores usam a mesma FNT pessoal para um determinado alocutário ou delocutário, nos debates romenos são frequentes as flutuações no tratamento do mesmo alocutário ou delocutário; no que diz respeito ao tratamento genérico, observamos que no português europeu a FNT os senhores e em romeno a FNT domnilor são usadas para criar relações agónicas, conflituais, ao passo que em português brasileiro os senhores aparece também em contextos de valorização da imagem dos outros; nos debates romenos, a fórmula doamnelor şi domnilor [senhoras e senhores] tem sobretudo um papel fático, servindo para (re)estabelecer o contato do locutor com o público.

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2.5 A negociação do tratamento Enquanto mecanismos linguísticos que configuram a identidade de si e dos outros, as formas de tratamento assumem o lugar de destaque no discurso político, através do seu poder de designação. Aliás, como veremos, constrói-se uma técnica de descredibilização, de ataque aos adversários políticos através da deturpação designativa, que visa a criação de rótulos de identificação, veiculados pela comunidação social. Não são apenas as formas de tratamento que designam os outros um fator de maior relevância para a construção identitária no palco político. A designação de si torna-se também importante, na medida em que identifica o(s) locutor(es) enquanto membros de grupos, adeptos de ideologias, representantes de círculos eleitorais, regiões, etc. (ver supra 3.2. A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo). Em segundo lugar, se as relações sociais funcionam de forma dinâmica, é normal que as formas de tratamento reflitam a dinâmica discursiva, sofrendo mundanças tanto do ponto de vista da escolha dos termos por parte dos locutores – lembramos aqui as dez FNT delocutivas para designar o primeiro ministro nos debates romenos177 às quais podemos acrescentar quatro ou cinco FPN – , como do ponto de vista do significado que se pode dar a cada um destas formas de tratamento em determinados contextos. E devemos também tomar em consideração a reação dos locutores – sejam eles alocutários ou terceiros – face às FT que são usadas. Pelo seu valor de cunhar ou de fixar identidades, as FT valorizam ou desvalorizam os atores do discurso político, sendo alvo de um escrutínio por vezes muito cuidadoso por parte dos locutores. Por conseguinte, consideramos o estudo da manifestação desta atenção – reflexões metadiscursivas, estratégias de negociação (aceitação ou rejeição), mediação por terceiros (o presidente) – importante para qualquer estudo sobre as FT. Nas secções seguintes concentrar-nos-emos nos aspetos acima mencionados, analisando diferentes manifestações da negociação da identidade178 veiculada através do tratamento elocutivo, alocutivo e delocutivo. 177 Domnul prim-ministru Emil Boc [o senhor primeiro ministro Emil Boc], domnul prim-ministru Boc [o senhor primeiro ministro Boc], premierul Emil Boc [o primeiro ministro Emil Boc], domnul premier Boc [o senhor primeiro ministro Boc], primul-ministru Boc [o primeiro ministro Boc], premierul Boc [o primeiro ministro Boc], domnul Emil Boc [o senhor Emil Boc], domnul Boc [o senhor Boc], Emil Boc [nome + apelido], Boc [apelido]. 178 Usamos o conceito de negociação da identidade na aceção que se lhe dá na psicologia social: “The concept of identity negotiation is based on the assumption that people enter their social interactions with certain goals in mind and try to establish mutual identities that enable them to attain these goals. A process of negotiation ensues and, if successful, a working consensus emerges that defines the identity that each person is to assume during the interaction. From then on, the interaction proceeds smoothly until the participants have achieved their goals or one partner decides not to honor the identity that he or she has negotiated”. (Swann 1987, nosso negrito). No que diz respeito às formas de tratamento do português europeu, Oliveira (2005; 2009) usa o termo negociação para descrever o seu funcionamento em sincronia e a sua evolução diacrónica

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2.5.1 Tratamento elocutivo Os múltiplos valores referenciais de nós podem ser problemáticos para os participantes nos debates parlamentares (ver supra 2.2. A imagem de si: o tratamento pronominal elocutivo), rejeitanto os locutores as interpretações demasiado gerais, que os possam englobar em grupos dos quais querem, de facto, distanciar-se. É o caso dos exemplos (378) e (379) em que – em apartes, é verdade – nós1, o nós genérico, é posto em causa: “Todos nós?! Quem?” ou até rejeitado por um dos locutores: “«Nós», não!”. O contexto esclarece a atitude do locutor, que rejeita a associação a um nós genérico, associado ao grupo que adotou o Memorando de Entendimento com a troika, cujas consequências foram uma série de medidas de austeridade extremamente impopulares em Portugal. Este início de uma possível negociação de significado não continuará em nenhum dos dois debates, pois os apartes, como já vimos na primeira parte do volume, ficam uma espécie de voz off (Marques 2005) na interação. No entanto, estes exemplos mostram a importância que os locutores dão às formas de tratamento e aos efeitos discursivos que o seu semantismo pode ter. Sendo a pertença a um grupo – partidário, ideológico, de ação, etc. – uma das componentes identitárias importantes nos debates políticos, os locutores tentam gerir associações coletivas que lhes possam prejudicar a imagem junto dos eleitores. (378) O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — O Memorando de Entendimento é uma condição necessária. O Memorando de Entendimento tem pressupostos que todos nós, antes da sua assinatura, já considerávamos úteis e necessários. O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Todos nós?! Quem? O Sr. Hélder Amaral (CDS-PP): — É verdade que todos pedimos reformas estruturais. É verdade que todos as enunciávamos e até tínhamos poucas dúvidas na forma de as implementar. (Reunião plenária de 21 de março de 2012) (379) O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — Quando se fala em políticas de alternativa importa, em primeiro lugar, desmistificar algumas das premissas que são apresentadas pelo PCP. Comecemos pela questão da troica. Em primeiro lugar, não foi a troica que pediu para vir para Portugal. Fomos nós que pedimos a ajuda… O Sr. Bernardino Soares (PCP): — «Nós», não! O Sr. Nuno Filipe Matias (PSD): — … depois de seis anos em que o endividamento público passou de 90 para 174 000 milhões de euros. Aplausos do PSD e do CDS-PP. Alguém se lembra? Parece que o Partido Socialista, infelizmente, continua a querer esquecer-se! (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

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2.5.2 Tratamento alocutivo Se no caso do tratamento elocutivo os locutores rejeitam FPT coletivas que sugiram uma afiliação indesejada a um grupo político – seja grupo partidário, seja grupo de ação –, as negociações das FT alocutivas têm outros pressupostos: desejo de proteger a imagem pessoal ou do outro, prerrogativa de impor uma linguagem protocolar nos debates. Os três exemplos que selecionámos dos sub-corpora brasileiro e romeno mostram como representantes de cada uma das categorias de participantes na interação se questionam sobre as FT alocutivas usadas: o locutor em (380), o alocutário em (381) e o moderador em (382). Em (380) o locutor apercebe-se que se enganou no apelido do seu interlocutor direto e corrige de forma explícita o erro: Estou chamando “V.Exa. de Fernando Mesquita por engano”. A resposta do alocutário mostra que não foi ofendido, usando até o humor para aceitar a correção: “É Francischini. Mas dando solução, tanto faz”. Não sendo uma negociação propriamente dita, mas a correção de um lapso por parte do locutor, este fragmento indica uma atitude de cooperação dos participantes envolvidos na interação. Por um lado, o locutor mostra uma preocupação pela imagem do alocutário, corrigindo o seu erro e, por outro lado, o alocutário reage de forma descontraída, aceitando a correção. (380) O SR. MINISTRO ALEXANDRE PADILHA - [...] Posso afirmar que há um conjunto de ações que já são realizadas, e que não têm uma rubrica orçamentária específica. Por fim, nobre Deputado Fernando Mesquita, V.Exa. fez um conjunto de sugestões para dar seguimento e andamento ao processo de controle e fiscalização. Saiba que todas as medidas... Estou chamando V.Exa. de Fernando Mesquita por engano. O SR. DEPUTADO FERNANDO FRANCISCHINI - É Francischini. Mas dando solução, tanto faz. (Audiência Pública N°: 0252/11 DATA: 12/04/2011)

Em (381) a situação é diferente, dado que o locutor quebra as normas protocolares de tratamento, usando um pronome que constrói um quadro discursivo conflitual e que desvaloriza a imagem dos outros (ver supra 2.3.3. Você(s), dumneata e voi). Voi expressa um grau zero da deferência e não sugere através do seu semantismo o respeito devido ao alocutário (e, como podemos observar, exigido pelo mesmo). O alocutário reclama numa intervenção o uso de uma FPT inadequada, voi [vocês] em vez de dumneavoastră [os senhores], mas o seu ato de protesto não terá resposta nem do locutor, nem do moderador. Aliás, o facto de este possível início de negociação que visa reestabelecer as normas de tratamento não ter continuação indica, ao contrário do exemplo anterior, a falta de cooperação entre os participantes no debate.

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(381) Doamna Lia-Olguţa Vasilescu: Vă mulţumesc, domnule presedinte. Îmi dau seama că nu v-am lăudat degeaba. Trec peste faptul că ni s-a adresat cu „voi”, nu cu „dumneavoastră”, trec peste faptul că m-a făcut mincinoasă pentru ceva ce puteţi găsi pe Google, domnule ministru. Nica cere schimbarea sefilor Poliţiei de la Neamţ si Giurgiu – septembrie 2009, simplu. (Reunião do Senado, 6 de dezembro de 2011) [A senhora Lia-Olguţa Vasilescu: - Muito obrigada, senhor presidente. Vejo que não lhe fiz elogios em vão. Deixo de lado o facto de nos ter tratado por “voi” e não por “dumneavoastră”, deixo de lado que me chamou mentirosa por uma coisa que se pode encontrar no Google, senhor ministro. O ministro Nica pede a substituição dos chefes de Polícia de Neamţ e Giurgiu em setembro de 2009, é simples.]

O terceiro exemplo é ilustrativo para o papel regulador assumido pelo moderador da reunião, que neste caso faz uma avaliação metalinguística, tentando impor as regras discursivas protocolares. A correção feita visa os uso inadequado do tratamento profissional: “mă adresez domnului director Antochi” [dirijo-me ao senhor diretor Antochi] em vez do tratamento institucional, exigido pelas normas parlamentares. Como esta consideração metadiscursiva é feita no fim da intervenção do locutor, não podemos, porém, avaliar o seu efeito junto do mesmo, mas a implicação do moderador mostra uma preocupação para o uso da linguagem e a sua autoridade poderá garantir emendas futuras por parte dos intervenientes. (382) Domnul Valeriu Tabără: - Şi mă adresez domnului director Antochi. În 2010, am avut aproape dezastru sectorul de păsări. [...] Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: - [...] Domnule deputat, în primul rând domnul Antochi este deputat, nu este director. Şi aş vrea să vă adresaţi cu această expresie când vorbiţi cu un coleg de-al dumneavoastră care este în alt grup parlamentar. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de outubro de 2012) [O senhor Valeriu Tabără: - E dirijo-me ao senhor diretor Antochi. Em 2010, tivemos quase um desastre no setor de criação de aves. [...] O senhor Valeriu Ştefan Zgonea: - [...] Senhor deputado, em primeiro lugar, o senhor Antochi é deputado, não é diretor. E queria que usasse esta expressão de tratamento quando falar com um colega seu que pertence a outro grupo parlamentar.]

Os exemplos (383) e (384) ilustram a estratégia da deturpação designativa – pessoal ou institucional –, usada com o intuito de descredibilizar o delocutário. Sendo um dos mecanismos de descortesia positiva (Culpeper 1996), a deturpação do nome ameaça a imagem do alocutário – mas também de delocutários, como veremos na

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secção seguinte –, tentando, ao mesmo tempo, impor um rótulo identitário, que, no caso do discurso político, pode tornar-se de uso geral, através da influência dos média179. Em (383), um deputado da oposição usa FNT ministro do desemprego para se referir ao Ministro da Economia e do Emprego, sugerindo assim a falta de capacidade do governante para resolver os problemas da sua pasta e promover políticas para estimular o emprego. Notamos, portanto, que o FTA visa exclusivamente a imagem política do alocutário, e que ninguém da sala sanciona este uso, por se situar dentro dos limites do contrato de comunicação do discurso político, que aceita as ameaças à imagem política ou institucional. Quem reage é o próprio locutor, que tenta defender a sua imagem política e institucional, usando um argumento que os deputados qualificam nos debates como “passa-culpas”, invocando o legado do governo anterior. Podemos avaliar a eficácia deste rótulo identitário irónico através das retomas por parte de outros locutores – mais dois deputados da oposição – e pelos comentários que surgiram na imprensa portuguesa. (383) O Sr. Basílio Horta (PS): — Mas como a prioridade do Governo não é a retoma económica, como a prioridade do Governo é aumentar impostos, cortar salários e viver num momento permanente de contracção, obviamente o Sr. Ministro deixa de ser Ministro do Emprego para passar a ser «ministro do desemprego». […] O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — […] O Sr. Deputado Basílio Horta falou sobre o desemprego e afirmou que eu seria o «ministro do desemprego». Pois, se sou «ministro do desemprego», o legado é do governo que nos precedeu. […] A Sr.ª Rita Rato (PCP): — O Sr. Ministro fala-nos de precariedade, mas a precariedade tem conduzido este País para o fim! O Sr. Ministro é o «ministro do desemprego e da falência do País»! […] O Sr. Miguel Laranjeiro (PS): — Foram 80 000 novos inscritos em apenas um mês, menos 39% de ofertas de emprego disponíveis, em comparação homóloga, e menos 23,7% de ofertas recebidas, ao longo do mês, nos centros de emprego!! Sr. Ministro, por isso, o senhor arrisca-se a ser o «Ministro do Desemprego»… (Reunião plenária de 26 de outubro de 2011)

A mesma situação ocorre em (384), sendo o mesmo membro do governo chamado, em outra reunião plenária, “Ministro da Propaganda”. Aliás, este novo exemplo de deturpação designativa – desta vez não do nome, mas sim do cargo político – pode indicar uma certa preferência por esta estratégia de descredibilizar os adversários 179 Um dos casos que apresentamos nesta secção, a designação “ministro do desemprego” foi analisada na imprensa portuguesa: Diário de Notícias: http://www.dn.pt/politica/interior.aspx? content_id=2083841 [último acesso a 15.07.2015] e RTP: http://www.rtp.pt/noticias/ index.php?article=492917&tm =9&layout=121&visua l=49 [último acesso a 15.07.2015].

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políticos. Notamos que neste caso se registam reações coletivas da sala, por parte da bancada da maioria, mas não têm efeito junto do locutor, que repete a expressão: “O senhor passou a ser o «Ministro da Propaganda» do Governo PSD / CDS”. (384) O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Economia e do Emprego, o senhor, hoje à tarde, deve ter mudado de pasta: passou da pasta da economia para a pasta da propaganda! Protestos do PSD. O senhor passou a ser o «Ministro da Propaganda» do Governo PSD/CDS, que até é capaz de vir aqui dizer que é virtual a crise profunda que assola a coligação PSD/CDS — até é capaz de vir dizer isso! —, que até é capaz de vir aqui encenar, novamente, a rábula do passa-culpas com o Partido Socialista… (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

2.5.3 Tratamento delocutivo Em (385), os destinatários indiretos da mensagem sancionam a FNT usada pelo locutor: “O senhor Carlos Zorrinho”, questionando a escolha do tratamento pessoal em vez do tratamento institucional: “«Senhor Carlos Zorrinho»?!”. Lembramos que nos debates portugueses há uma maior rigidez no que diz respeito às FNT empregues, sendo o tratamento institucional largamente preferido pelos locutores. Neste contexto, o admoestar do público produz efeitos imediatos, pois o locutor emenda o seu enunciado: “O Sr. Deputado Carlos Zorrinho” e usa a FNT adequada: “Sr. Deputado”. Neste caso podemos considerar que a negociação foi bem conseguida, a rejeição da FNT por parte da bancada socialista determinando o locutor a usar o tratamento adequado. Aliás, notamos que neste caso o público pode ter também um papel regulador, fiscalizando a linguagem do interveniente. (385) O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — O senhor Carlos Zorrinho disse que era preciso descaramento. Vozes do PS: — «Senhor Carlos Zorrinho»?! O Sr. Ministro da Economia e do Emprego: — O Sr. Deputado Carlos Zorrinho disse que era preciso descaramento. Também acho que é preciso descaramento, Sr. Deputado. Como sabe, o primeiro Governo a cortar as rendas da energia foi este — cortámos 2000 milhões de euros nas rendas da energia. (Reunião plenária de 18 de outubro de 2012)

No exemplo do sub-corpus brasileiro, o locutor tenta ridicularizar o deputado Vanderlei Macris, um dos parlamentares mais ativos da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, fazendo um jogo de palavras entre o seu apelido, Macris e a expressão má crise: “ajudo a explicar que o nome dele é Vanderlei Macris e não Macrise”. O delocutário reage: “Tentam impingir a mim uma crise permanente”, “É

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uma piada, Deputado?”, mas o locutor defende-se, negando o seu propósito difamatório, através de explicações: “Não, porque V.Exa. sempre requer uma CPI”. O episódio não evolui e o FTA não ganha outras dimensões, o que demonstra uma certa capacidade dos locutores de gerir as situações conflituosas. No entanto, notamos que o locutor usa a descortesia para ameaçar a imagem pessoal do delocutário, saindo do contrato do debate político, que aceita as ameaças à imagem pública, mas rejeita ameaças à imagem pessoal. (386) O SR. DEPUTADO PAULO TEIXEIRA - Sr. Presidente, Deputado Sérgio Brito; Deputado Lira Maia, Presidente da Comissão de Agricultura; Sras. e Srs. Deputados, e todos que nos assistem aqui, inicialmente queremos comungar da preocupação dos Deputados que apresentaram o requerimento, Deputado Vanderlei Macris - e por conhecê-lo há muitos anos ajudo a explicar que o nome dele é Vanderlei Macris e não Macrise, como alguém disse aqui. O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Tentam impingir a mim uma crise permanente, mas não é o caso. O SR. DEPUTADO PAULO TEIXEIRA - É Macris! Gostaria também de... O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - É uma piada, Deputado? O SR. DEPUTADO PAULO TEIXEIRA - Não, porque V.Exa. sempre requer uma CPI, desde o início deste ano todos os dias requer uma CPI, mas achamos que o Brasil está vencendo a crise internacional... O SR. DEPUTADO VANDERLEI MACRIS - Não é verdade. O SR. DEPUTADO PAULO TEIXEIRA -... como já o fez em 2009 e o fará em 2011, com as políticas que estão sendo adotadas pela Presidenta Dilma Rousseff, mas o cenário exterior é de uma "má crise", o cenário europeu e americano, mas haveremos de superá-la aqui se o Brasil conseguir adotar todas as políticas que vem adotando. (Audiência Pública N°: 1245/11 DATA: 24/08/2011)

Notamos o uso de uma estratégia semelhante no exemplo romeno (387), quando o locutor emprega uma designação denigratória referindo-se ao ministro da Agricultura, chamando-o Ăla micu’ [O Pequeno], invocando a sua juventude e sugerindo assim, a incapacidade de desempenhar as funções governativas: “nu are experienţa şi priceperea necesară pentru a gestiona problemele agriculturii româneşti” [não tem a experiência e a competência necessárias para gerir os problemas da agricultura romena]. Este ato de descortesia positiva constitui também, num primeiro momento, uma ameaça à imagem pessoal do delocutário, pois a designação pejorativa Ăla micu’ [O Pequeno] é usada no registo popular, para referir o filho mais jovem da família, ou uma pessoa muito baixa, ambos os significados dificilmente aceitáveis quando alguém se refere a um alto dignitário. Num segundo momento, o locutor refere a imagem profissional do delocutário, baseando o seu FTA na ideia, bastante comum no

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discurso público romeno, que a juventude é sinónimo de falta de experiência e de incapacidade profissional. O presidente da reunião exercita a sua função de moderador e fiscaliza o discurso do locutor, sancionando a designação pejorativa: “nu folosiţi fraze care pot aduce atingere persoanei” [não usar palavras que possam ofender as pessoas], mas o locutor tenta defender-se, invocando a notoriedade do apelativo e pede desculpas – pelo malentendido, não pelo uso inadequado da FNT delocutiva – e não volta a usar a expressão: “Este de notorietate apelativul” [O apelativo é de notoriedade], “Îmi cer scuze dacă s-a înţeles altfel” [Peço desculpas se foi entendido de outra maneira]. (387) Domnul Tinel Gheorghe: - […] Realitatea zilelor noastre arată că actualul ministru (Ăla micu’) nu are experienţa şi priceperea necesară pentru a gestiona problemele agriculturii româneşti, mai ales într-o perioada atât de grea. Cu alte cuvinte, este prea mare pălăria pentru capul dumneavoastră la Ministerul Agriculturii, domnule Constantin. […] Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: - O să am o rugăminte la dumneavoastră, domnule deputat, să nu folosiţi fraze care pot aduce atingere persoanei. Da? Am o mare rugăminte la dumneavoastră. Ştii că este o rugăminte veche a mea şi a colegilor din Grupul parlamentar al PSD şi PNL, şi PD, şi UDMR, şi Progresist. O să am această rugăminte la dumneavoastră. Vă ştiu un om care respectaţi întotdeauna şi sunteţi un om de onoare. Vă mulţumesc mult. Domnul Tinel Gheorghe: - Este de notorietate apelativul. Deci nu l-am inventat eu. Îmi cer scuze dacă s-a înţeles altfel. Domnul Valeriu Ştefan Zgonea: - Vă mulţumesc foarte mult. (Reunião da Câmara dos Deputados, 9 de outubro de 2012) [Domnul Tinel Gheorghe: - A realidade dos nossos dias motra que o atual ministro (O Pequeno) não tem a experiência e a competência necessárias para gerir os problemas da agricultura romena, sobretudo num período tão difícil. Em outras palavras, o chapéu do Ministério da Agricultura é demasiado grande para si, senhor Constantin. […] O senhor Valeriu Ştefan Zgonea: - Queria pedir-lhe o favor, senhor deputado, de não usar palavras que possam ofender as pessoas. Sim? Peço-lhe este grande favor. Sabe que é um pedido que lhe faço. Sabe que é um pedido meu, antigo, mas também dos colegas do grupo parlamentar de PSD. PNL, PD, UDMR e Progresista. Far-lhe-ia este pedido. Conheço-o como uma pessoa respeitosa e como homem de honra. Muito obrigado. O senhor Tinel Gheorghe: - O apelativo é de notoriedade. Então, não fui eu quem o inventou. Peço desculpas se foi entendido de outra maneira. O senhor Valeriu Stefan Zgonea: - Muito obrigado.]

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Os próximos exemplos ilustram a deturpação designativa de FNT institucionais e as reações que provocam no debate. Em (388), uma deputada chama a atenção ao ministro por ter usado uma FNT pejorativa: “domnule fost ministru al administraţiei si internelor” [senhor ex-ministro da Administração e do Interior] que ameaça a imagem profissional do delocutário, o antigo ministro Cristian Davis, e justifica a sua posição, invocando que na política todos os cargos são temporários e que todos os que os ocupam serão, mais cedo ou mais tarde, ex. Esta sanção fica sem resposta porque o tempo regimental do locutor está esgotado, portanto é impossível avaliar o seu efeito. Notamos, mais uma vez, o papel regulador do público – desta vez de uma das deputadas – que tenta impor o uso da linguagem regimental. (388) Domnul Traian-Constantin Igaş (ministrul administraţiei şi internelor): -. Probabil o să le răspundeţi după această moţiune, domnule fost ministru al administraţiei si internelor. […] Doamna Lia-Olguţa Vasilescu: - Şi, în final, domnule ministru, vreau să vă amintesc un fapt. V-aţi adresat aici domnului senator David la modul peiorativ cu titulatura de „domnule fost ministru". Şi dumneavoastră veţi fi un fost. Nu ştiu dacă începând de astăzi sau de luna viitoare sau de anul viitor, asta rămâne să vedem. Cert este că toţi vom fi odată foşti. (Reunião do Senado de 6 de dezembro de 2011) [O senhor Traian-Constantin Igaş (Ministro da Administração e do Interior): Talvez responda depois desta moção, senhor ex-ministro da Administração e do Interior. […] Doamna Lia-Olguţa Vasilescu: - E, finalmente, senhor ministro, queria lembrarlhe um facto. Tratou de forma pejorativa o senhor senador David por “senhor ex-ministro”. O senhor será também um ex. Não sei se a partir de hoje ou do próximo mês ou do próximo ano, vamos ver. O certo é que todos seremos ex um dia.]

Não ocorre o mesmo em (389), pois um deputado designa um governante com a expressão “Mubarak do desemprego”, mas ninguém intervém para sancionar o locutor. A designação serve para justificar o facto de o membro do governo se recusar a ver a realidade do desemprego em Portugal, usando o locutor uma comparação com a atitude do presidente egípcio perante as revoltas do seu país. O insulto ao Secretário de Estado do Emprego advém também da comparação com um ator político que simboliza a tirania, a ditadura e os valores antidemocráticos. (389) O Sr. Pedro Mota Soares (CDS-PP): — Sr.ª Ministra, não vê a realidade?! Deixe-me que lhe diga que a Sr.ª Ministra não tem um Secretário de Estado do Emprego: a Sr.ª Ministra tem um «Mubarak do desemprego»! Na semana passada, o povo egípcio estava na rua e o Presidente egípcio dizia que estava tudo calmo e que as manifestações estavam a desacelerar...! (Reunião plenária de 16 de fevereiro de 2011)

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O número bastante reduzido de exemplos de negociações do tratamento – elocutivo, alocutivo e delocutivo – não nos permite tirar conclusões definitivas. Podemos, porém destacar duas constantes: tanto os moderadores, como os próprios locutores sancionam os desvios das normas regimentais – uso de voi em vez de dumneavoastră, do tratamento profissional em vez do tratamento institucional, designações insultuosas em romeno – e o emprego da deturpação designativa como estratégia de ameaçar a imagem dos alocutários e dos delocutários. No entanto, para uma análise mais pormenorizada das estratégias de negociação do tratamento seria necessário um corpus mais abrangente.

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Conclusões parciais A análise feita na segunda parte do volume, que se debruçou sobre os usos das formas de tratamento elocutivo, alocutivo e delocutivo em debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos, revelou algumas particularidades que se relacionam com: i) a estrutura e as ocorrências das formas de tratamento em cada um dos três sub-corpora; ii) os valores das formas de tratamento a nível discursivo-textual e do ponto de vista da construção de auto-imagens e de hetero-imagens e da configuração da distância interlocutiva. No que diz respeito à estrutura e às ocorrências, evidenciam-se nos debates brasileiros, o uso da expressão gente para o tratamento elocutivo – no plural, mas também no singural, em estruturas de tipo “a gente é humano” – e do pronome você para o tratamento alocutivo – mas também como pronome genérico –, o que era de esperar, sendo duas das caraterísticas da variedade brasileira do português. O romeno destaca-se, no caso do tratamento alocutivo pela ausência da fórmula Excelenţă, que verifica o seu uso restrito aos contextos diplomáticos. Por outro lado, Vossa Excelência é uma forma de tratamento muito frequente nos debates brasileiros, sendo também usada nos debates portugueses. É também uma caraterística do romeno o emprego de uma grande variedade de formas pronominais delocutivas – el, dânsul, dumnealui, domnia sa, Excelenţa Sa – sendo a riqueza dos pronomes e das locuções pronominais alocutivas, uma particularidade do romeno no conjunto das línguas românicas. No que diz respeito às ocorrências das formas de tratamento nominal, notamos uma inflexibilidade nas práticas discursivas dos locutores portugueses, que preferem as formas institucionais – senhor deputado, senhora deputada, senhor ministro, etc. –, ao passo que nos sub-corpora brasileiro e romeno se pode encontrar um leque mais variado de fórmulas apelativas e designativas, que abrangem o tratamento relacional – sendo prevalente em romeno a FT coleg(i) [colega(s)] –, académico e profissional, pessoal ou genérico. No que diz respeito aos valores das formas de tratamento, salientamos, em primeiro lugar o seu papel, a nível textual, de introduzir novos argumentos no debate e, ao nível da estrutura interacional, o seu papel de ratificar o alocutário – em posição inicial –, de manter ou de reforçar o contacto – em posição mediana – e de fechar a moldura metadiscursiva – em posição final –, valores encontrados em exemplos dos debates portugueses, brasileiros e romenos. As diferenças entre os três sub-corpora acentuam-se quando observamos com mais atenção as estratégias usadas pelos locutores para construir auto-imagens e heteroimagens. Em primeiro lugar, nota-se que nos debates brasileiros a expressão eu, como... é bastante frequente e serve para criar imagens de si que referem componentes identitárias variadas: políticas, profissionais, pessoais. Aliás, no corpus brasileiro encontramos uma afirmação de si explícita, que pode abranger nove dimensões, relacionadas com a atividade política, a vida profissional e pessoal (ver supra 2.2.1. Eu, nós e a gente). Nos subcorpora português e romeno a afirmação explícita do eu não é tão evidente.

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No que diz respeito à construção de auto-imagens coletivas através do pronome nós, os três sub-corpora permitiram-nos identificar treze valores: genérico (nós1), individual (nós2), interacional (nós3 e nós4), político (nós5, nós6, nós7, nós8, nós9 e nós10), nacional / regional (nós11, nós12) e polémico (nós13). Destaca-se uma maior diferença entre os três sub-corpora ao nível da construção da identidade regional: 4 ocorrências em debates brasileiros, 2 em debates romenos e nenhuma nos debates portugueses. Apesar das limitações evidentes do corpus, que advém quer da sua dimensão, quer da sua retextualização, consideramos que esta assimetria de usos poderia indicar padrões de práticas discursivas – coerentes com traços culturais do Brasil e da Roménia, países em que há identidades regionais fortes –, mas uma conclusão mais categórica deveria basear-se em análises mais rigorosas de estatística textual. Os pronomes pessoais são usados em todos os sub-corpora para criar cenários agonais, nos eixos nós vs. eles ou nós vs. vocês / os senhores. Aliás, o uso dos pronomes foi analisado em diferentes trabalhos que se debruçaram sobre o discurso político, o nosso não constituindo, portanto, uma exceção. A tensão entre a dimensão institucional, regimental dos debates parlamentares e a sua natureza conflitual intrínseca é evidente no caso dos varidos usos incongruentes de formas nominais ou pronominais de tratamento que têm valores prototípicos de deferência, de cortesia, mas que são usados em FTAs, em atos de crítica ou de insulto dos adversários políticos. Do ponto de vista da proxémica verbal, notamos uma maior distância nos debates portugueses – que advém da preferência pelo tratamento institucional – e uma maior proximidade entre os locutores brasileiros e romenos, que usam com mais frequência formas de tratamento relacional, profissional ou até pessoal. No subcorpus romeno observa-se uma preferência clara dos locutores pelas formas de tratamento relacional, mas a análise qualitativa dos exemplos mostra que há também muitas ocorrências de valores incongruentes, em que coleg(i) [colega(s)] não cria consensos, sendo usado em FTAs. No sub-corpus brasileiro são usadas com alguma frequência as formas de tratamento académico, sendo as mesmas quase inexistentes em debates portugueses. Embora recorrentes no dia-a-dia em Portugal, a sua falta em debates parlamentares mostra que neste contexto as normas regimentais têm precedência perante as regras quotidiana de cortesia.

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Conclusões finais Chegando ao fim deste percurso pelos debates parlamentares portugueses, brasileiros e romenos, queríamos fazer algumas considerações finais sobre o nosso estudo, destacar as contribuíções trazidas para área da análise do discurso parlamentar, bem como perspetivas futuras de investigação. Em primeiro lugar, a escolha de um quadro teórico abrangente, que se inscreve na linguística interacionista e na análise do discurso, permitiu-nos analisar os debates parlamentares de vários pontos de vista: a estrutura sequencial ternária, composta por abertura, corpo da interação, fecho (1.3 A estrutura sequencial do debate parlamentar), com a sua organização sub-sequencial e as particularidades de cada sub-corpus; os resultados da negociação conversacional, o seu impacto no sucesso geral da interação e o papel desempenhado pelos participantes (1.4 A negociação do turno de fala), a organização textual das perguntas parlamentares e as estratégias de proteção da imagem pessoal – diferentes graus de evitamento, vagueza lexical e textual – nas respostas (1.5 Responder às perguntas). Um dos resultados da análise comparativa que fizemos na primeira parte deste volume, A arquitetura do do discurso parlamentar, mostra uma preferência dos locutores romenos e brasileiros pelos atos rituais – saudações, agradecimentos – na tomada de palavra, ao passo que nos debates portugueses a interação tem um caráter mais protocolar e os locutores têm a tendência de entrar ex abrupto no assunto. Deste ponto de vista, o discurso parlamentar português revelar-se-ia mais formal e mais próximo das normas regimentais do que o discurso parlamentar brasileiro ou romeno. Na nossa opinião, o facto de os locutores optarem por um estilo comunicativo desprovido de atos rituais – aliás, muito frequentes em conversas quotidianas, como mostra Carreira (2005: 306-316) – leva-nos à conclusão que no caso dos debates parlamentares portugueses as normas do género discursivo têm mais peso para os locutores do que os seus hábitos comunicacionais e culturais. Um outro resultado foi a descrição de padrões de negociação conversacional – com relações complexas entre três ou quatro locutores –, destacando-se a falta de importância do sucesso da negociação para o sucesso da interação, o que explica os constantes desacordos sem resolução em debates parlamentares e a sua dimensão agonal, conflitual. Ou seja, a “cristalização do desacordo” faz parte do ritual dos debates parlamentares, que servem para marcar sem equívocos posições políticas antagónicas. O quinto capítulo da primeira parte deste trabalho relevou que nos três subcorpora o papel essencial das perguntas e das respostas é de funcionar como mecanismos no trabalho de figuração (facework) – ameaçar a imagem pública dos outros, proteger a imagem de si – e não de solicitar e de oferecer informações. Parafraseando as sábias palavras do político americano Robert McNamara, podemos afirmar que nos debates analisados, os locutores não respondem às perguntas que lhes foram feitas, mas sim às perguntas que gostariamo que lhes tivessem feito.

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A análise das formas de tratamento, desenvolvida nos cinco capítulos da segunda parte, permitiu-nos observar a dinâmica das auto-imagens e das hetero-imagens veiculadas pelos locutores e destacar particularidades da construção da identidade parlamentar em cada sub-corpus. Por exemplo, a afirmação mais pujante do eu individual nos debates brasileiros (2.2.2 Eu, como...), a criação de múltiplas auto-imagens coletivas, relacionadas com a situação de comunicação, com os cargos políticos, com as pertenças partidárias, com as convicções ideológicas, mas também com a identidade regional ou nacional (2.2.3 Nós), a tensão entre o ritual regimental e a dimensão agonal nos usos incongruentes de formas pronominais e nominais de tratamento. Do ponto de vista comparativo, alguns dos resultados da nossa análise são: i) a rigidez na seleção das formas de tratamento em português europeu e a maior flexibilidade em português brasileiro e romeno – que observámos também no caso do discurso empresarial em Manole (2011: 4337-4349); ii) a preferência em romeno pelo tratamento relacional, ao passo que em português europeu é prevalente o tratamento institucional – em português brasileiro não notámos uma preferência clara por uma categoria de formas nominais, havendo um leque variado de usos; iii) a maior frequência do tratamento académico e profissional nos debates brasileiros em comparação com as reuniões parlamentares portuguesas. No que diz respeito às particularidades registadas em cada sub-corpus, salientamos, por exemplo, nos debates do Parlamento da Roménia, usos de vocativos e de interjeções, que confirmam a hipótese de Pop (2006) sobre o style communicatif interjectif do romeno e, neste caso, o facto de este estilo se manter mesmo no caso de um género discursivo com maior grau de formalismo. Portanto, no caso dos debates parlamentares romenos, os hábitos culturais comunicacionais parecem ter mais peso do que as normas do género discusivo. Aliás, no caso do discurso parlamentar romeno, a oralidade parece encontrar o seu lugar de destaque nos documentos escritos – por exemplo nos textos das moções de censura –, o que mostra, por um lado, a prevalência das normas de conversação quotidianas, em detrimentro do rigor imposto pelo protocolo regimental. Nos debates brasileiros, é usual o tratamento por você ou o emprego das formas relacionais, o que indicaria uma preferência pela construção de distâncias interlocutivas mais próximas do que nos debates portugueses. Aliás, Johnen (2008) observou também a preferência pelos termos de tratamento que expressam menos distância interlocutiva em português brasileiro em outro sub-género do discurso político, em debates eleitorais. Portanto, no caso dos debates parlamentares brasileiros, notamos também uma maior aproximação dos hábitos culturais do que das normas regimentais típicas para este sub-género do discurso político. O discurso parlamentar revela-se como um campo de investigação muito fértil, que pode ser explorado de diferentes pontos de vista, com instrumentos variados. Esperamos que presente estudo tenha contribuído para o enriquecimento da área, despertando no futuro o interesse por outras análises dos debates parlamentares.

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Aliás, a relevância das investigações sobre o discurso parlamentar prende-se também, usando de novo a terminologia garrettiana, com o seu fructo, com a sua importância fundamental para o cidadão comum, na medida em que as palavras (da) política(s) têm a capacidade de gerir realidades nas sociedades em que são veiculadas. Ou, como escrevia Virginia Woolf numa crónica publicada em 1932, após uma visita na The House of Commons, uma das câmaras do parlamento britânico: “The days of single men and personal power are over. [...] Mr. MacDonald is addressing not the small separate ears of his audience in the House of Commons, but men and women in factories, in shops, in farms on the veldt, in Indian villages. He is speaking to all men everywhere, not to us sitting here.” (Woolf, This is the House of Commons, nosso negrito)

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5. Entrevistas, artigos e notícias ENTREVISTA de Aldina Marques no PÚBLICO: http://www.publico.pt/politica/ noticia/debates-na-assembleia-da-republica-estao-mais-agressivos-e-musculados1595625 [última consulta 02.09.2015] ENTREVISTA de João Galamba do Público: http://www.publico.pt/suppublica/jornal/joao-galamba-somos-filhos--da-madrugada-19046498 [última consulta 02.09.2015] DIÁRIO DE NOTÍCIAS: “Basílio Horta diz que Santos Pereira "vai passar a ser ministro do desemprego": http://www.dn.pt/politica/ interior.aspx?content_id=2083841 [último acesso a 15.07.2015] RTP: “Oposição chama "ministro do desemprego" a Santos Pereira” http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=492917&tm=9&layout= 121&visual =49 [última consulta 02.09.2015]

6. Sites E-DEMOCRACIA: Fórum no site da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional do Brasil: http://edemocracia.camara.gov.br/web/reg./wikilegis/-/wikilegis/ contri buicao/730341 [última consulta 02.09.2015] FÓRUM JURÍDICO: http://www.htforum.com/forum/threads/questao-de-direito.33695 [última consulta 02.09.2015]

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7. Dicionários Academia Română (2010) DOOM - Dicţionarul Ortografic, Ortoepic şi Morfologic al Limbii Române, editia a II-a, revizuită şi adăugită. Bucureşti: Editura Univers Enciclopedic Gold. Instituto António Houaiss da Língua Portuguesa (2007) Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 3 vol. Lisboa: Temas & Debates. *** Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Versão online: http://priberam.pt/dlpo/ [última consulta 02.09.2015]

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Résumé en français Cet ouvrage, Le débat parlementaire en portugais (Portugal, Brésil) et en roumain : approche pragmatico-discursive, propose une analyse comparative du discours politique portugais, brésilien et roumain à partir d’un corpus de débats parlementaires qui se sont déroulés en 2011 et 2012. Le cadre théorique est constitué principalement par l’analyse du discours, plus concrètement l’analyse conversationnelle, la construction de l’ethos, la politesse linguistique (les termes d’adresse et de délocutifs), ainsi que des ouvrages qui se sont penchés sur le discours parlementaire et sur le langage flou (ou vague). Un préambule politico-juridique qui fait une comparaison des systèmes politiques portugais, brésilien et roumain précède les deux parties de l’analyse linguistique – l’architecture du discours parlementaire et le « tratamento 1 » dans le discours parlementaire –, chacune avec cinq chapitres. Dans ce résumé, nous proposons une présentation détaillée du travail, avec l’objectif de faire connaître notre recherche aux lecteurs francophones : les prémisses théoriques, les particularités du corpus, l’analyse comparative des aspects concernés – la structure séquentielle des débats, la négociation du tour de parole, le fonctionnement de la paire adjacente conversationnelle question / réponse, l’usage stratégique du langage flou, la construction de l’ethos individuel et collectif, les termes d’adresse et les délocutifs dans la construction discursive des images des autres –, aussi bien que les résultats obtenus. Cette approche théorique nous a permis de dégager quelques spécificités de chaque sous-corpus : les débats portugais sont plus proches du protocole parlementaire. La structure micro-séquentielle est plus rigide, vu l’usage quasi exclusif des formes nominales d’adresse institutionnelles. Dans les débats brésiliens et roumains, il y a plus de flexibilité dans la construction micro-séquentielle, car les actes rituels conversationnels sont plus fréquents. Les formes d’adresse et des délocutifs plus variés : institutionnels, mais aussi relationnels, académiques, professionnels ou génériques. 1 « En portugais, le terme utilisé pour « adresse » est celui de « tratamento » (comme en espagnol « tratamiento »), ce qui a de l’importance pour l’optique adoptée, puisque si, en français (comme en anglais), c’est l’allocutaire qui est ciblé, en portugais, comme en espagnol, le terme a une extension plus grande et renvoie à la manière de désigner quelqu’un, l’allocutaire, certes, mais aussi le locuteur et le tiers absent – en tant qu’interlocuteur – de l’espace interlocutif, mais dont on parle. Ce « tratamento » ne se restreint pas aux pronoms de deuxième personne (tu / vous, en français), et aux termes d’adresse ayant, dans la plupart des cas, une fonction d’apostrophe ; le « tratamento » comprend aussi d’autres modes de désignation, relevant de différentes catégories grammaticales et ayant des extensions discursives variables » (Carreira 2009 : 30).

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Même si du point de vue de la configuration politique les débats parlementaires portugais et roumains sont plus proches – voir les caractéristiques du régime semiprésidentiel dans les deux pays –, d’un point de vue linguistique, au moins en ce qui concerne les aspects analysés ici, nous observons une proximité plus évidente entre les débats roumains et brésiliens. L’ouvrage commence avec un préambule politico-juridique, qui fait une comparaison entre les systèmes politiques du Portugal, du Brésil et de la Roumanie, mettant l’accent sur le rôle et l’organisation des parlements respectifs. Tenant compte du fait que le discours ne peut être analysé que dans le contexte de sa production, connaître les systèmes politiques dans lesquels fonctionnent les trois parlements choisis pour notre recherche est une étape fondamentale, même si elle se situe dans le champ de la linguistique. En analysant le débat parlementaire brésilien, portugais et roumain, nous ne comparons pas seulement deux langues (le portugais avec deux de ses variétés), mais aussi trois systèmes politiques différents, qui sont le résultat de l’évolution historique de ces pays et de l’organisation du pouvoir législatif d’après les normes constitutionnelles. Dans ce préambule, nous nous concentrons surtout sur la relation entre le pouvoir exécutif et le pouvoir législatif, qui sera un des critères utilisés pour la création du corpus. Ainsi, dans le régime parlementaire il y a un équilibre et une interdépendance entre le pouvoir législatif et le pouvoir exécutif. Le gouvernement est responsable devant le parlement, alors que l’exécutif peut dissoudre le parlement ; pour gouverner, l’exécutif doit avoir la confiance de la majorité du pouvoir législatif. Le postulat principal du régime présidentiel, créé aux États-Unis et adopté dans les pays de l’Amérique Latine, y compris au Brésil, est la séparation stricte des pouvoirs. L’exécutif et le législatif sont élus par suffrage universel et ils ont tous les deux le même degré de légitimité populaire pour justifier leurs décisions politiques. Le parlement – ou « congrès », selon la terminologie américaine ou brésilienne – peut contrôler l’activité du gouvernement parmi plusieurs mécanismes légaux : l’audience publique des ministres dans les commissions parlementaires permanentes ou spéciales, la création des Commissions Parlementaires d’Enquête. Le régime semi-présidentiel, adopté par plusieurs pays européens, a été théorisé par le juriste français Maurice Duverger (1980). Il s’agit d’un système mixte avec trois caractéristiques principales : le Chef d’État est élu au suffrage universel direct ; il a des prérogatives considérables ; le gouvernement est responsable devant le parlement et peut le dissoudre. Ce régime est donc une variante du régime parlementaire, qui présuppose des prérogatives élargies du Chef d’État (le Président de la République). En ce qui concerne la situation politique actuelle des trois pays étudiés, Neto & Lobo (2012) et Verheijen (1999) soulignent que le Portugal et la Roumanie ont des régimes semi-présidentiels, alors que le Brésil est une fédération présidentialiste. Selon la Constitution brésilienne, un ministre de l’État peut comparaître devant la Chambre des Députés ou du Sénat à la demande du législatif ou par initiative propre. Plus fréquentes sont les audiences publiques devant les commissions de spécialité de

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chaque chambre, pendant lesquelles le ministre doit répondre aux questions des députés ou des sénateurs concernant les décisions du gouvernement, les politiques adoptées ou tout problème d’actualité qui est de sa compétence. Dans les régimes politiques semi-présidentiels, comme le Portugal ou la Roumanie, les rapports entre le parlement et le gouvernement sont différents. Le parlement portugais examine le programme du gouvernement qui est également sujet à des débats en séance publique. Le premier ministre se présente devant l’Assemblée de la République tous les quinze jours pour répondre aux questions des députés, alors que chaque ministre le fait au moins une fois par session législative. En outre, chaque groupe parlementaire peut utiliser le mécanisme d’interpellation au gouvernement pour poser des questions spécifiques sur les politiques sectorielles de chaque ministre. Dans le parlement roumain, quelques aspects de la relation avec le gouvernement sont abordés en séances communes du Sénat et de la Chambre des Députés : les débats sur le programme de gouvernement et la liste des ministres, l’octroi de confiance, les motions de censure, la motion simple, l’engagement de la responsabilité du Gouvernement sur un programme politique, sur une déclaration de politique générale ou sur un projet de loi. L’organisation institutionnelle des débats parlementaires – surtout la prise de parole – est aussi un aspect important que nous présentons dans le préambule, afin de mieux comprendre les règles du rituel interactionnel présentées dans la première partie de l’étude. D’après le règlement de l’Assemblée de la République du Portugal, les travaux se composent par des réunions plénières et des réunions des commissions parlementaires. La prise de parole se déroule en conformité avec les règlements, qui définissent des normes claires concernant la durée des interventions, la thématique et les mesures prises en cas de dérapage. Les Présidents des chambres ont le rôle de modérateurs pour les prises de parole, étant responsables pour le déroulement en bonnes conditions des débats, pouvant accorder ou retirer la parole, rappeler les normes, etc. L’ordre d’intervention des orateurs doit être visible pour l’hémicycle. D’après le Règlement de la Chambre des Députés du Congrès National Brésilien, les députés peuvent parler pendant cinq minutes au sein du débat sur tout projet. La durée des interventions peut être prolongée par le président (par la moitié du temps), s’il y a moins de trois députés à prendre la parole. Entre autres, ce que les députés ne peuvent pas, ce sont: s’écarter de la question du débat, utiliser un langage inapproprié, et excéder la durée stipulée par le règlement. Les règles de prise de parole sont similaires dans les deux chambres du Parlement Roumain. Les secrétaires dressent des listes avec les parlementaires qui s’inscrivent à prendre la parole ; les parlementaires prennent la parole dans l’ordre de leur inscription sur la liste, avec le consentement du président de la Chambre ; la parole peut être donnée aux ministres présents dans n’importe quelle étape des débats, et /ou chaque fois qu’ils la sollicitent ; personne ne peut prendre la parole sans l’accord du président ; ceux qui prennent la parole parlent à la tribune ou d’un autre endroit où il y a un microphone installé.

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La disposition spatiale des parlementaires dans les salles de réunions peut influencer le déroulement de l’interaction verbale ; selon Ilie (2006 : 192), le « cadre spatial » de la Chambre des Communes du Royaume-Uni, avec les parlementaires de l’opposition installés en face de ceux du pouvoir favorise un ton de débat plus agressif. La salle des réunions plénières de l’Assemblée de la République du Portugal est semicirculaire – d’où le nom hémicycle – et la disposition des députés est convenue entre le Président de l’Assemblée et les représentants des groupes parlementaires. Toutes les places des députés sont situées face à la tribune du Président, et les places réservées aux membres du Gouvernement se situent face aux députes, ce qui peut favoriser la confrontation verbale (Marques 2010 : 82). La disposition des places dans les deux chambres du Parlement de la Roumanie est semi-circulaire, « similaire à une salle de théâtre ou un amphithéâtre » et les orateurs (parlementaires, membres du gouvernement et autres invités) parlent debout à la tribune ; cette disposition ne semble pas encourager les confrontations verbales directes, comme dans le cas du parlement du Royaume-Uni (Ilie 2010 : 200). Néanmoins, on peut constater que les débats contradictoires ne manquent pas au Parlement Roumain, vu que les locuteurs visent un auditoire plus large, présent ou non dans la salle (journalistes, électeurs, etc.). La première partie de l’ouvrage est dédiée à ce que nous appelons « l’architecture du discours parlementaire », c’est-à-dire l’ossature, les éléments clé à partir desquels s’organisent les interactions verbales de ce sous-genre discursif. Dans un premier moment, nous définissions le discours parlementaire et ses rapports avec le discours public et le discours politique. Dans les quatre chapitres suivants, nous adoptons une approche graduelle – qui vise des éléments macro-, meso- et micro- de l’interaction : la description du corpus, la construction séquentielle du débat parlementaire, la négociation du tour de parole, le fonctionnement de la paire adjacente question / réponse. Le premier chapitre de cette première partie – Approches linguistiques du discours parlementaire – contient deux sous-chapitres : État de l’art et Quelques définitions. Avant de proposer une définition pour le discours parlementaire, il nous a semblé nécessaire de faire une présentation des études linguistiques qui se sont penchées sur ce type de discours. Premièrement, nous faisons un bilan des études les plus importantes dédiées au discours parlementaire en linguistique anglophone et francophone, pour continuer avec des sous-sections qui présentent exclusivement des recherches sur les discours parlementaires portugais, brésilien et roumain. Le discours parlementaire a été, surtout dans la dernière décennie, l’objet de nombreuses études, surtout en linguistique – plus particulièrement dans l’analyse (critique) du discours, la pragmatique, la rhétorique – d’expression anglaise. Cette situation converge avec la constatation d’Ilie (2006 : 188), qui affirmait que malgré la visibilité des institutions législatives, l’intérêt scientifique pour l’analyse de ce type de

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discours est très récent, avec une seule exception notable, le discours parlementaire britannique. Bien qu’il y ait des études antérieures, c’est dans les années 2000 que les recherches connaissent un développement tout à fait extraordinaire, avec la publication de plusieurs volumes et études, et ce, en employant des méthodes interdisciplinaires, qui intègrent les approches linguistiques aux perspectives des sciences politiques et de la sociologie. Compte tenu de la diversité des approches théoriques utilisées et le nombre des parlements analysés ici, nous opterons pour une présentation chronologique des volumes ou des numéros thématiques dédiés au discours parlementaire, en continuant avec les études publiées dans des revues ou volumes collectifs à thématiques variées. Le volume Racism at the Top. Parliamentary Discourses on Ethnic Issues in Six European States (2000), édité par Ruth Wodak et Teun van Dijk s’interroge sur le racisme dans le discours parlementaire de six pays européens. Quelques années plus tard est publié le volume Cross-cultural perspectives on parliamentary discourses (2004) édité par Paul Bayley, contenant des travaux dédiés à quelques parlements européen et au Congrès Américain. Parmi les aspects analysés, nous retenons : les insultes dans les parlements britannique et suédois (Ilie 2004 : 45-86), les interruptions dans les parlements britannique et italien (Bevitori 2004 : 87-109), le rapport entre texte et contexte dans le discours parlementaire britannique (van Dijk 2004 : 339-372), etc. Paul Chilton a coordonné en 2002 un volume thématique de la revue Journal of Language and Politics sur le débat parlementaire, avec des articles qui se sont penchés, entre autres, sur le discours nationaliste (Grad Fuchsel & Martin Rojo 2002 : 31-70), le métadiscours (Ilie 2002 : 71-92), ou la connaissance (van Dijk 2002 : 93-129). En 2010 paraît un numéro thématique de la revue Journal of Pragmatics sur les discours parlementaires et extra-parlementaires, coordonné par Cornelia Ilie. Les neuf articles proposent des réflexions sur les termes d’adresse (Ilie 2010b : 885-911), le discours pseudo-parlementaire sous la censure communiste (Frumuşelu & Ilie 2010 : 924-942), les métaphores et l’argumentation (Santibáñes 2010 : 973-989), etc. Dans la même année, Cornelia Ilie édite le volume European parliaments under scrutity (2010), qui contient onze chapitres consacrés au discours parlementaire de l’Europe : l’identité parlementaire (van Dijk 2010 : 29-56), la co-construction de l’identité dans le discours parlementaire (Ilie 2010c : 57-78), la construction du locuteur dans le discours parlementaire portugais (Marques 2010 : 79-107), les interruptions dans les débats du parlement autrichien (Zima et al 2010 : 135-164), les « questions au gouvernement » dans l’Assemblée Nationale française (Lorda-Mur 2010 : 165-189), etc. En ce qui concerne les travaux publiés dans des revues ou ouvrages collectifs, nous avons retenu des analyses sur le processus de transcription des débats parlementaires : le système Hansard du parlement britannique (Slembrouck 1992 : 101-119), avec ses problèmes de précision (Mollin 2007 : 187-210), avérés utiles pour la description des particularités des corpus. En ce qui concerne l’analyse du discours parlementaire portugais, nous avons mentionné l’ouvrage pionnier de Marques (2000), dédié exclusivement à ce genre discursif, consacré à l’organisation énonciative de l’interpellation au gouvernement. Après la publication de cet ouvrage, la linguiste portugaise a continué l’analyse du

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discours parlementaire, avec des travaux sur les procédés discursifs de l’intensité (Marques 2004 : 205-224), les apartés (Marques 2005 : 193-216), les stratégies de documentation dans la polémique parlementaire (Marques 2007a : 99-124), l’arrogance et la construction de l’ethos des politiciens (Marques 2007b : 1-10), la politesse linguistique et l’image de d’autre (Marques 2008 : 277-296), la construction du locuteur entre la sphère publique et la sphère privée (Marques 2010a : 79-108), la voix des autres (Marques 2010b : 1-12), la valeur argumentative des expressions idiomatiques (Marques 2010c : 263-273), l’émotion et l’argumentation dans le discours parlementaire portugais (Marques 2012 : 117-132). Au Brésil, les analyses linguistiques se sont penchés sur la configuration des relations discursives au Congrès, à partir d’une réflexion sur les apartés (Waldek 1996 : 299-308), la dynamique des échanges verbaux et leur relation avec les rapports de pouvoir (Abreu 2005 : 329-356), la systématisation du discours parlementaire (Gomes Paiva 2007 : 83-127), les stratégies rhétoriques employées par un député fédéral pour se défendre des accusations de ne pas avoir respecté le règlement parlementaire (da Cunha 2010 : 19-31), les discours pour la défense de l’immunité parlementaire (Paes dos Santos 2010 : 133-148), etc. Grâce surtout au projet de recherche « Discursul parlamentar românesc : tradiţie şi modernitate. O abordare pragma-retorică » [Le discours parlementaire roumain : tradition et modernité] développé par un collectif de la Faculté des Lettres de l’Université de Bucarest coordonné par Liliana Ionescu-Ruxăndoiu, les études sur le discours parlementaire roumain sont assez nombreuses. Les résultats du projet ont été révélés dans plusieurs articles publiés dans un numéro thématique de la Revue roumaine de linguistique (IV/2010), dans les actes des colloques annuels du Département de Linguistique de la Faculté des Lettres de Bucarest et dans les actes du colloque international « Parliamentary Discourses across Cultures : Interdisciplinary Approaches » (23-24 septembre 2011, Bucarest), édités par Liliana Ionescu Ruxăndoiu et al (2012). L’approche pragma-rhétorique, qui a permis aux chercheurs de croiser diverses théories sur l’interaction verbale, s’est avérée très fertile, les analyses mettant en évidence des aspects très variés concernant la dynamique langagière, en diachronie et en synchronie, au sein du Parlement de la Roumanie. Il en est ainsi des études sur la communication bona-fide et non bona-fide (Constantinescu 2010 : 69-70), l’usage de l’humour en tant que stratégie d’impolitesse (Constantinescu 2011 : 69-79), l’attaque ad hominem (Constantinescu & Roibu 2010 : 101-113), le positionnement discursif et l’argumentation (Ionescu-Ruxăndoiu 2009a : 435-442), la modalisation (IonescuRuxăndoiu 2009b : 271-277), l’impolitesse in absentia (Ionescu-Ruxăndoiu 2010a : 59-72 ; Ionescu-Ruxăndoiu 2010b : 343-351), les stratégies de l’impolitesse (Ionescu-Ruxăndoiu 2011a : 283-291), les formes nominales d’adresse dans le discours parlementaire de la fin du XIXe siècle et du début du XXe (Ionescu-Ruxăndoiu 2011b : 271-280), évaluation de dicto (Roibu 2011 : 281-287), l’agression verbale dans le passé et aujourd’hui (Roibu & Constantinescu 2010 : 354-364), les manifestations d’émotion et d’impolitesse dans le discours de condamnation du communisme (Ştefănescu 2010a : 73-100), les tropes

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conceptuels (Ştefănescu 2010b : 381-396), l’approche ethno-méthodologique dans l’analyse du débat parlementaire (Ştefănescu 2011 : 289-303), le positionnement discursif et la persuasion (Vasilescu 2010 : 365-380), le cadre théorique pour l’analyse de l’identité parlementaire (Vasilescu 2011a : 305-314). Cet état de l’art montre bien que le discours parlementaire est un domaine de recherche très riche, abordé par les linguistes avec des instruments différents dans le cadre de l’analyse du discours (y compris l’analyse critique du discours, surtout dans la linguistique anglo-saxonne), la nouvelle rhétorique, la pragmatique. Les approches que nous avons présentées sont hétérogènes aussi bien du point de vue théorique que du point de vue des corpus utilisés, vu qu’on y trouve des recherches synchroniques et diachroniques de discours parlementaires nationaux, européens et américains, y compris du Parlement Européen, le seul législatif supranational élu démocratiquement. Nous n’avons pourtant pas trouvé d’analyses contrastives – ni intralinguistiques, entre le discours parlementaire en portugais européen et en portugais brésilien, ni interlinguistiques, entre le roumain et le portugais – ce qui nous a motivée pour l’approche comparative que nous proposons dans cette recherche. Le deuxième sous-chapitre, Quelques définitions, se propose de définir le discours parlementaire en fonction de ses relations avec le discours public et le discours politique, et, en même temps, de décrire ses sous-genres, ses acteurs et la configuration de l’identité (des) parlementaire(s). Le discours parlementaire est d’abord défini en tant que sous-genre du discours politique, qui, à son tour, est un type de discours public. Cette relation catégorielle, discours parlementaire → discours politique → discours public, est nécessaire, d’après nous, afin de délimiter l’objet de recherche et d’établir des critères d’analyse viables, ayant comme point de départ les caractéristiques typiques du genre discursif à étudier : le cadre de déroulement du discours, les acteurs, les stratégies (et les effets) du discours, etc. Pour faire cette classification triadique – discours public – discours politique – discours parlementaire –, nous avons dû clarifier quelques termes-clé qui forment les relations dichotomiques suivantes : « espace public » vs. « espace politique », « espace public » vs. « espace privé », « discours sur la politique » vs. « discours politique ». Le discours public se situe dans ce qu’on appelle couramment « espace public » ou « sphère publique », et il contient des messages véhiculés par les médias, quelle que soit leur nature : presse écrite, radio, télévision et, plus récemment, internet, avec ses formes déjà bien stabilisées – forums, réseaux sociaux, communautés en lignes – redéfinissant la manière dont on communique de nos jours. Or, une des composantes du discours public est le discours politique, qui se sert des médias pour arriver au public cible, les citoyens. Nous avons aussi fait la distinction entre le « discours politique », qui porte sur les affaires d’État, et les autres types de « discours sur la politique » portant sur les aspects les plus divers de la vie politique, pouvant inclure des informations sur les acteurs politiques, mais sans relation avec l’activité publique qu’ils mènent (par exemple un événement de la vie privée d’un homme politique ne se situerait pas au

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sein du discours politique, étant classifiée plutôt comme un fait divers). Dans la lignée des études de van Dijk (1997 : 13-14), nous considérons fondamental le rôle du « contexte » pour la définition du « discours politique ». En tant que sous-genre du discours politique, le discours parlementaire a une dimension publique, donnée par son exposition médiatique des journalistes qui assistent aux séances, par la création des chaînes de télévision spécialisées qui transmettent les interventions et les débats, par la publication dans des journaux officiels de documents issus des parlements (y compris les comptes rendus des débats). Les portails des parlements contiennent aussi l’activité de chaque parlementaire : propositions de loi et résolution, interventions en séance publique et en commissions, rapports, questions, et, dans les pays où il est obligatoire, la déclaration du patrimoine. Comme tout discours, dit Charaudeau (2005 : 40), le discours politique se construit au carrefour d’un « champ d’action » et d’un « champ d’énonciation », le résultat étant ce qui est appelé un « contrat de communication ». Autrement dit, le discours politique se configure à l’intersection du faire et du dire. Les acteurs qui participent au contrat de communication politique ne sont pas « des personnes en chair et en os » mais des « catégories abstraites, désincarnées et détemporalisées » (Charaudeau 2005 : 42). C’est pour cette raison que l’auteur préfère parler d’« instances » plutôt que de personnes : l’instance politique – celle qui détient le pouvoir ; l’instance adversaire – formée aussi par le même type d’acteurs que l’instance politique, mais s’opposant à celle-ci et ayant une autre relation avec le pouvoir ; l’instance médiatique – qui sert de canal transmetteur, mais ayant son indépendance pour critiquer l’instance politique ; l’instance citoyenne. Le discours parlementaire est un sous-genre du discours politique, qui est produit et qui fonctionne dans le lieu de la gouvernance. Si nous appliquons le cadre théorique de Charaudeau (2005), qui décrit le dispositif du contrat de la communication politique, nous pouvons considérer que le discours parlementaire est composé de phénomènes langagiers oraux et écrits provenant principalement de l’instance politique, représentée par les députés et sénateurs du pouvoir, et par l’instance adversaire, composée par des membres de l’opposition. L’activité complexe qui se déroule en milieu parlementaire détermine l’organisation de différents types de séances, réunions, audiences, etc. Les particularités pragma-rhétoriques des interactions verbales entre parlementaires permettent de classifier ce type de discours en plusieurs sous-genres. Ainsi, du point de vue de la rhétorique 2 , le discours parlementaire est un « genre délibératif », avec des éléments des genres « épidictique » et « judiciaire », ces derniers 2 Il s’agit des genres oratoires de la rhétorique d’Aristote, qui en décrit trois, à partir de trois éléments : l’orateur, le sujet traité, l’auditeur. Le genre délibératif sert à conseiller ou déconseiller, le genre judiciaire à défendre ou à accuser, l’épidictique à faire des éloges ou à blâmer (Plantin 2005 : 284-285).

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présents en moindre degré (Ilie 2006 : 190). Le genre épidictique est mis en scène surtout dans les sessions solennelles d’ouverture de la législation, dans les sessions au cours desquelles des personnalités importantes de la vie publique et politique internationale s’adressent au parlement, mais il peut se retrouver aussi dans des situations plutôt délibératives. Le genre judiciaire peut s’intégrer dans le discours parlementaire, quand son objectif est d’accuser ou de se défendre. La composante rhétorique principale du discours parlementaire est sa nature délibérative : dans leurs interventions, les parlementaires se proposent de convaincre les auditeurs à voter ou à ne pas voter, d’influencer leurs décisions sur des projets législatifs, de critiquer ou de défendre des décisions politiques, etc. Du point de vue de l’organisation institutionnelle de l’interaction verbale, les discours parlementaires se classifient aussi en plusieurs sous-genres : la déclaration politique, l’interpellation au gouvernement, la motion simple, la motion de censure, l’audience publique, les sessions solennelles, etc. Chaque sous-genre a des particularités qui doivent être prises en compte dans les analyses. Par exemple les sessions solennelles présupposent un langage cérémonieux et l’absence d’échanges verbaux conflictuels, alors que l’interpellation au gouvernement se fonde sur la confrontation entre l’interpellateur et l’interpellé. Il est très important dans la construction du corpus de délimiter le sous-genre à analyser, pour mettre en parallèle des faits de langues comparables. Nous devons aussi faire quelques remarques concernant les rôles et les positions des participants aux débats parlementaires. Ainsi, en faisant une déclaration politique ou un discours à la tribune du parlement, le locuteur vise un public très varié. Premièrement, il s’adresse à l’allocutaire direct, le seul qui peut répondre et avec lequel le dialogue est possible en temps réel. Mais, grâce à l’intervention de l’instance médiatique, le locuteur produit son message dans un milieu où d’autres destinataires indirects 3 peuvent le recevoir. Nous classifions ces destinataires indirects en deux catégories, présents et absents, en fonction de leur présence physique dans la salle de débats. Les destinataires indirects présents sont les autres collègues et les adversaires politiques, les journalistes et les autres personnes qui assistent aux débats, alors que les destinataires indirects absents sont les médias, dans leur intégralité, et l’électorat. Une remarque s’impose en ce qui concerne la catégorie que nous avons appelée destinataires indirects absents : bien qu’ils ne soient pas présents physiquement dans la salle de débats, leur présence est récupérée au niveau discursif dans les interventions des locuteurs. D’ailleurs, Perelman & Olbrechts-Tyteca (20086 : 22) considèrent qu’en ce qui concerne les débats parlementaire, l’auditoire doit être défini en fonction des intentions de l’orateur, et non pas en fonction de critères matériaux, vu que l’orateur cherche à convaincre non seulement ceux qui l’écoutent dans la salle, mais aussi l’opinion publique du pays. Ilie (2010 : 69) parle de la catégorie de « overhearers » [ceux qui entendent par hasard], avec deux sous-catégories, « bystanders » [spectateurs] et « eavesdroppers » [les oreilles indiscrètes]. 3

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Les acteurs du discours parlementaire sont des individus complexes, porteurs d’identités variées. Selon Charaudeau (2002), l’identité est intrinsèque aux sujets du discours, portant sur une composante personnelle et sur une composante de positionnement. À son tour, l’identité personnelle a une double dimension : l’identité psychosociale, externe, se définit par des traits comme l’âge, le sexe, le statut social, etc. ; l’identité discursive, interne, est décrite à l’aide des modes de prise de parole, des catégories locutives, etc. L’identité de positionnement porte sur la position du sujet « dans un champ discursif en rapport avec les systèmes de valeur qui y circulent » (Charaudeau 2002 : 300). D’après van Dijk encore (2010 : 37-38), « les identités politiques sont des identités sociales dans le domaine politique 4 », qui peuvent être classifiées en deux catégories : identités politiques professionnelles (celles des membres des institutions politiques, comme le parlement, le gouvernement, les partis politiques) et identités politiques relationnelles (celles des membres de l’opposition, des activistes). En prenant la parole dans les réunions plénières, les parlementaires assument leur identité sociale (de genre, âge, nationalité, etc.), mais aussi – ou plutôt – leurs identités politiques professionnelles et relationnelles (en tant que députés ou sénateurs, membres de la majorité qui détiennent le pouvoir, ou de l’opposition, membres d’un parti avec une idéologie). D’autres analyses nuancées du discours parlementaire montrent des mécanismes complexes de co-construction identitaire (Ilie 2010), de construction de l’instance élocutive à travers la deixis sociale (Marques 2000 ; Marques 2010) ou à travers le (méta)positionnement discursif (Vasilescu 2010 ; Vasilescu 2011a). Ce cadre théorique de l’analyse des identités est utilisé dans la deuxième partie de notre étude, qui se penche sur les formes de « tratamento » dans la construction de l’image de soi et des images des autres. Le deuxième chapitre de la première partie – Le corpus – est consacré à la présentation et à l’analyse du corpus utilisé dans notre recherche. Or, en général, les choix pour compiler un corpus posent quelques problèmes, dont le plus important est « la pertinence […] en relation avec les présupposés théoriques » (Charaudeau 2009). Par exemple, vu que nous avons décidé de travailler avec les comptes rendus officiels des séances parlementaires, il serait impossible de faire une analyse concentrée sur les marques de l’oralité, tenant compte que cet aspect se perd lors des transcriptions de ces débats. D’autre part, vu que « les corpus politiques […] sont tout entier référentiels : c’est dans leur nature, leur vocation, leur raison d’être, de renvoyer au monde réel. » (Mayaffre 2005 : 4), nous nous sommes confrontée avec le défi de construire un corpus homogène à partir de discours produits en contextes extralinguistiques très différents – historiques, juridiques, politiques –, ce qui nous a obligée à faire des délimitations très strictes dans la sélection des données. Pour cette raison, nous avons décidé d’analyser seulement un sous-genre institutionnel du discours parlementaire, notamment les débats dans lesquels le pouvoir législatif exerce la fonction de contrôle du pouvoir exécutif. 4

« Political identities are social identities in the political domain. » (van Dijk 2010 : 37).

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Pour faire la délimitation et la sélection du corpus pour notre recherche, nous avons alors utilisé un critère temporel et un critère de contenu. Vu que notre objectif est de faire une analyse du discours parlementaire contemporain, nous avons effectué un découpage temporel, en sélectionnant des débats qui se sont déroulés en 2011 et 2012. Les années 2011 et 2012 correspondent à la fin de la 11e législature (2009–2011) et à la première moitié de la 12e législature de l’Assemblée de la République du Portugal (2011–2015). La même période correspond aussi aux deux premières années de la 54e législature du Congrès National du Brésil (2011–2015). En ce qui concerne le Parlement de la Roumanie, les années 2011 et 2012 correspondent à la dernière année de la 5e législature (2008–2012) et à la première année de la 6e législature (2012–2016). Après ce découpage temporel, nous avons fait une autre délimitation, qui concerne le contenu des séances parlementaires ; ainsi, notre analyse s’est concentrée sur les réunions dans lesquelles le pouvoir législatif exerce sa prérogative de contrôler l’activité du pouvoir exécutif. Dans une première étape, nous avons sélectionné les onze interpellations au gouvernement qui se sont déroulées au sein de l’Assemblée de la République du Portugal en 2011 et en 2012 ; dans une deuxième étape de recherche, nous nous sommes concentrée sur la création de corpus comparables constitués par des séances du Congrès National du Brésil et du Parlement de la Roumanie. Ainsi, nous avons compilé un corpus de onze audiences publiques qui ont eu lieu à la Commission de Vérification Financière et de Contrôle de la Chambre des Députés du Congrès National du Brésil et onze séances du Parlement de la Roumanie, dans lesquelles les députés et les sénateurs ont débattu des motions simples ou des motions de censure. Notre démarche continue sur les caractéristiques des comptes rendus officiels, surtout en ce qui concerne leur rapport avec l’oral et l’écrit. Dans les parlements portugais, brésilien et roumain, il y a des services spécialisés en sténographie et en transcription, qui assurent la préservation du contenu des débats. Néanmoins, le travail que ces « bénédictins de l’écrit » (Abélès 2001 : 277-283) – syntagme que l’ethnologue français utilise pour appeler les sténographes, les rédacteurs et les autres fonctionnaires des parlements qui travaillent dans ce domaine – ne se limite pas à une transcription fidèle de ce qui se passe dans les séances. D’après Rodrigues de Oliveira (2013), dans les comptes rendus du législatif brésilien il s’agit plutôt d’un travail de rétextualisation, qui peut influencer la perception que le lecteur se fait du style de l’orateur. En plus, l’adaptation du discours au registre formel opère une vraie « décaractérisation » du style de l’orateur et privilégie certains usages de la langue. Les trois séances que nous avons choisies pour cette étude exploratoire sont : i) l’audience publique du Ministre Carlos Lupi au sein de la Commission de Vérification Financière et Contrôle [Comissão de Fiscalização e Controle] de la Chambre des Députés du Congrès National du Brésil (du 10 novembre 2011) ; ii) l’interpellation du gouvernement sur la politique de santé à l’Assemblée de la République du Portugal (séance plenière du 12 octobre 2011, en présence du Ministre Paulo Macedo) ; iii) la motion simple contre la Ministre des Transports et de l’Infrastructure Anca Boagiu à la Chambre des Députés du Parlement de la Roumanie (du 21 novembre 2011).

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Une des questions que nous nous sommes posée en travaillant avec les transcriptions de l’oral a été leur « qualité » en tant que corpus pour l’étude linguistique, notamment pour l’analyse du discours. À notre avis, il est important de savoir dans quelle mesure ce corpus d’« oral transcrit » est ou non une représentation « fidèle » des faits de langue de l’interaction en face à face des débats parlementaires. Cette question s’articule avec des problématiques variées de recherche, notamment la création et l’utilisation des corpus oraux, la transcription de l’oral, la sélection du corpus pour l’analyse du discours, la représentation du discours, mais aussi les rapports entre l’oral et l’écrit, etc. En ce qui concerne la tradition des études sur les transcriptions parlementaires, notre analyse fait suite à des recherches sur le rapport oral / écrit dans des transcriptions de séances des parlements italien (Cortelazzo 1985), français (Cabasino 2001 ; Cabasino 2010 ; Serverin & Bruxelles 2008), britannique (Slembrouck 1992 ; Mollin 2007), brésilien (Rodigues de Oliveira 2013). Nous tenons aussi mentionner quelques particularités des débats parlementaires en tant que genre discursif, notamment les aspects qui concernent l’oralité. Comme d’autres études antérieures l’ont démontré (Cabasino 2001 ; Cabasino 2010), les débats parlementaires sont par excellence un genre hybride, englobant des éléments de l’oral spontané, mais aussi de l’écrit verbalisé (les parlementaires lisent à la tribune officielle des documents et des discours préparés d’avance, par exemple des déclarations politiques, des interpellations, des motions, etc.). Presque tous les échanges verbaux (sauf les apartés) se déroulent selon un rituel institutionnel très bien défini dans les règlements parlementaires, présenté au début de chaque séance par le président. À la différence d’un dialogue face à face en contexte informel, dans une séance parlementaire, l’ordre d’intervention des orateurs, le temps de parole et le sujet sont connus d’avance. Grâce à cette caractéristique, Francesca Cabasino (2001 : 2010) affirme que le débat parlementaire est un « dialogue en différé ». Dans notre analyse nous avons identifié plusieurs types de modifications : i) des corrections / suppressions de contenu ; ii) des corrections grammaticales ; iii) des reformulations dont l’objectif est de clarifier le message ; iv) des substitutions pour rendre le message plus formel ; v) des modifications du tour de parole. Il devient, donc, problématique de faire une analyse de ce type de discours en s’appuyant exclusivement sur les comptes rendus officiellement. L’objectif de ceux-ci n’est pas d’offrir une version fidèle des débats, faite selon les règles de la transcription linguistique, mais d’enregistrer le contenu informationnel. Si ces comptes rendus peuvent sembler un corpus idéal « tout prêt », cette analyse (et les études précédentes mentionnées au début de notre travail) montre qu’il s’agit plutôt pour un linguiste d’un « cadeau de grec ». D’ailleurs, Sandra Mollin est très catégorique en ce qui concerne ce type de corpus, en affirmant qu’il est « le cauchemar du linguiste » (Mollin 2007 : 204). Donc, ces « bénédictins de l’écrit » font un travail très important de reformulation, compression, correction, suppression du contenu des débats oraux, afin de les rendre les plus clairs possible pour la publication. Loin d’être un

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« cauchemar », ce corpus présente, certes, ses particularités, qui peuvent constituer des « imperfections » pour l’analyse linguiste. Il est donc essentiel de prendre en considération le rapport oral / écrit présent dans ce type de corpus et de faire une estimation de son impact pour l’étude linguistique. Dans notre recherche, nous utiliserons un corpus de comptes rendus produits par les services institutionnels de transcription. Tout en étant consciente de ses lacunes, nous nous abstiendrons de faire trop de généralisations sur le langage, et nous nous limiterons à proposer des analyses qualitatives pour les données, sans inclure des statistiques, certainement biaisées par la retextualisation opérée par les transcripteurs. Le troisième chapitre de la première partie, La construction séquentielle du débat parlementaire, propose une description des séances contenues dans du corpus, et identifie les trois types de séquences proposés par Kerbrat-Orecchioni (1990 : 220) pour la configuration d’un schéma global des interactions verbales : la séquence d’ouverture, le corps de l’interaction (qui peut contenir un nombre indéfini de sousséquences, en fonction de la typologie de l’interaction) et la séquence de clôture. Ces trois types se retrouvent aussi dans les débats parlementaires. La séquence d’ouverture, ainsi que la séquence de clôture, sont très ritualisées, par rapport au corps de l’interaction. D’après Kerbrat-Orecchioni (1990 : 220), ces deux séquences encadrantes « ont une fonction essentiellement relationnelle, et une structure fortement stéréotypée », alors que « les sections constitutives du [corps de l’interaction] ont une organisation plus aléatoire et polymorphe ». Les fonctions de la séquence d’ouverture, regroupées sous le cadre général de la fonction phatique, sont très diverses, vu que dans cet épisode initial les participants établissent le contact et le canal, se légitiment réciproquement en tant qu’interlocuteurs, proposent le(s) thème(s) de discussion, définissent le déroulement de l’interaction. C’est dire que « la phase d’ouverture comporte de nombreuses négociations, explicites et implicites, en ce qui concerne les identités, la relation, le but de la rencontre, son type et son style, et parfois, son existence même » (KerbratOrecchioni 1990 : 221). Nous avons dégagé quelques particularités des séquences d’ouverture dans chaque sous-corpus. Ainsi, dans l’Assemblée de la République du Portugal, les ouvertures sont plus protocolaires, le président suit avec rigueur les normes des règlements ; dans les débats brésiliens le président donne une description très détaillée des règles sur l’usage du temps et l’ordre des intervenants ; dans les réunions du Parlement Roumain, il y a des sous-séquences non-canoniques (par exemple des vœux), mais aussi des réactions institutionnelles vis-à-vis des événements internationaux. Dans ce type de séquence, le rôle du président est fondamental, les épisodes de négociation conversationnelle étant assez rares. Les étapes standard de la séquence d’ouverture sont : la salutation, la présentation du quorum, la déclaration d’ouverture

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de séance, la lecture des affaires courantes, la présentation de l’ordre du jour, la présentation des règles de débat et l’attribution de la parole ; d’autres sous-séquences ou actes rituels ont un caractère ponctuel : les vœux, l’invitation, la négociation du tour de parole, la sollicitation de clarifications. Le corps de l’interaction est la séquence la plus longue du débat parlementaire et contient cinq sous-séquences : i) l’exposé (de l’interpellation, de la position du ministre, de la motion simple ou de censure) ; ii) la réponse détaillée (du représentant du gouvernement) ; iii) les questions des intervenants (identifiables seulement dans le sous-corpus brésilien) ; iv) la session de questions et réponses ; v) la conclusion. Bien évidemment, chaque débat a ses particularités d’organisation quant au sujet, au nombre et à l’ordre des intervenants –, mais les cinq sous-séquences sont constamment présentes dans tout le corpus. Si dans la séquence d’ouverture c’est le président de la séance le protagoniste, pendant l’exposé, le rôle principal est joué par le premier orateur. En ce qui concerne le rapport entre l’oral et l’écrit, cette sous-séquence se caractérise essentiellement par un style écrit oralisé, vu que les intervenants font souvent une lecture des documents préparés en préalable. Une autre caractéristique est, malgré la linéarité des interventions, l’utilisation des apartés ou des interruptions comme mécanismes pour déstabiliser ou renforcer le discours des autres. Ces stratégies constituent des moments de dynamique interlocutive (pseudo)interactive. La réponse détaillée est un exemple de ce que Miche (1995 : 241) appelle des « interventions réactives », c’est-à-dire des répliques aux discours antérieurs. Dans les débats parlementaires, les intervenants disposent du temps nécessaire pour formuler les réponses, vu que la thématique des séances est annoncée auparavant. Les épisodes de verbalisation de l’écrit sont dominants, mais nous avons aussi observé une certaine intensification des apartés, ainsi qu’une diversification de leur typologie : commentaires ironiques, questions rhétoriques, évaluations négatives des discours des autres. Nous n’avons pas remarqué des différences notables par rapport à la première sous-séquence, l’exposé. Une particularité du corpus brésilien est la séquence des questions des intervenants, réservée aux députés qui ont formulé l’interpellation aux ministres. Dans ce cas les « questions » sont en effet des structures présentatives complexes, utilisées par les locuteurs pour exprimer leurs points de vue sur les interventions antérieures, les raisons de la convocation de l’audience publique, etc. La session de questions et réponses est le moment le plus interactif des réunions, qui constitue ce que Kerbrat-Orecchioni (2014) appelle la « zone de turbulence » d’une interaction verbale. En effet, dans cette sous-séquence il y a plus de locuteurs, qui en revanche disposent de moins de temps pour présenter leurs discours, les interventions sont en général plus courtes et le degré d’interactivité plus élevé. Néanmoins, cette sousséquence n’est pas une interaction complètement spontanée, vu que le déroulement des tours de parole obéit aux règlements parlementaires ; d’ailleurs, le président maintient son rôle de modérateur.

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Nous avons en ce sens analysé dans le corpus portugais une interaction complexe, dans laquelle plusieurs voix se superposent : i) celle des locuteurs qui prennent la parole d’après les règlements (la parole est donnée par le président de la séance) ; ii) celle des locuteurs qui peuvent gagner le droit de parler (la parole est donnée par un autre locuteur, et non par le modérateur) ; iii) celle des locuteurs qui n’ont pas le droit d’intervenir, mais qui se manifestent en apartés, etc. Par conséquence, l’interaction n’est point linéaire, elle a une structure multistratifiée, composée par un échange central – le fil conducteur du débat – et par d’autres échanges périphériques, qui ont le rôle de soutenir ou de critiquer l’intervention des locuteurs de la première catégorie. Le corpus brésilien illustre une typologie d’interaction hors norme. L’usage du locuteur-pivot ou le locuteur-pont : seulement le président a un dialogue direct avec les deux intervenants, tandis que ceux-ci communiquent à travers un troisième locuteur. En ce qui concerne le corpus roumain, nous avons sélectionné un exemple d’allocution in absentia, dans lequel deux intervenants s’adressent au ministre absent. En effet, dans ce cas il ne s’agit pas simplement d’un artifice rhétorique, mais d’une réponse tardive. Vu que la succession des intervenants est très clairement stipulé dans l’ordre du jour et que parfois les agendas surchargés ne permettent pas aux membres du gouvernement de rester dans la salle pendant toute la réunion, ces situations de « dialogue en différé » (Cabasino 2001 ; Cabasino 2010) sont assez fréquentes. La dernière sous-séquence du corps de l’interaction est la conclusion, un épisode à durée variable, qui contient l’argument final présenté par les membres du gouvernement et la conclusion proprement dite du débat. Cette sous-séquence présente des particularités dans chaque sous-corpus : dans les débats portugais, elle est plus proche de la réponse détaillée, ayant un degré d’interactivité très réduit (l’orateur est interpelé en apartés, mais son intervention n’est pas interrompue) ; dans le sous-corpus brésilien, elle continue de façon organique la sous-séquence antérieure – la session de questions et réponses – soit du point de vue thématique, soit du point de vue de l’organisation interactionnelle et du degré d’interactivité ; dans les débats roumains, la conclusion a un caractère principalement linéaire, l’orateur présentant son discours sans interruptions ou apartés ; le degré d’interactivité est très proche de celui de l’exposé. Dans la clôture, la troisième séquence interactionnelle, le modérateur reprend son rôle principal. La caractéristique principale de cette dernière séquence est l’usage d’actes rituels – formules stéréotypées de clôture, remerciements, vœux, informations sur la séance suivante – et la présence minimale de la négociation conversationnelle. Même s’il n’y a pas de grandes différences entre les trois sous-corpus, nous avons observé une préférence des orateurs roumains pour certains actes rituels, comme les remerciements ou les vœux. Le quatrième chapitre de la première partie s’intitule La négociation du tour de parole, contient trois sous-chapitres – Le rôle du modérateur, Stratégies de négociation, Une

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typologie des interruptions – et propose une analyse partielle du phénomène complexe de la négociation dans les interactions verbales. Selon Kerbrat-Orecchioni (2005 : 112), la négociation du tour de parole est « locally managed » (gérée au niveau local) par les locuteurs et elle a un caractère ponctuel dans les interactions. Nos analyses montrent que ces épisodes sont assez fréquents, vu que les locuteurs « luttent » pour avoir plus de visibilité dans les débats ; les stratégies conversationnelles, présentes de façon homogène dans les trois langues observées, sont les interruptions et les chevauchements. Le premier sous-chapitre montre le rôle du modérateur aussi bien du point de vue interactionnel, que du point de vue des règlements parlementaires. Responsable pour le bon déroulement des travaux, le modérateur est comparé à l’orchestrateur qui assure la « circulation fluide de la parole » Détrie (2010 :145). Le sous-chapitre Une typologie des interruptions se propose de faire une classification des interruptions en fonction de ses effets discursifs. D’après Ilie (2005 : 315), les interruptions dans les débats parlementaires peuvent être analysées en fonction de quatre oppositions dichotomiques : i) verbales vs. non-verbales ; ii) individuelles vs. collectives ; iii) institutionnelles vs. non-institutionnelles ; iv) neutres (qui n’expriment pas une attitude envers l’interlocuteur) vs. non-neutres (qui expriment des attitudes positives ou négatives envers l’interlocuteur). Notre analyse révèle des situations hybrides : des interruptions non-institutionnelles faites par le modérateur, avec l’objectif soit d’évaluer de façon négative les discours des autres soit de protéger son image personnelle. Les interruptions montrent aussi la tension évidente entre la dimension institutionnelle du débat parlementaire et sa dimension agressive. Le cinquième chapitre de la première partie, Répondre aux questions, est consacré au fonctionnement de la paire adjacente question / réponse dans les débats parlementaires. Dans le premier sous-chapitre « Ne pas répondre aux questions parlementaires est une stratégie... », nous nous penchons sur les considérations métalinguistiques / métacommunicatives des locuteurs concernant la qualité des réponses. D’un point de vue pragmatique, ne pas répondre aux questions signifie ne pas respecter une ou plusieurs des maximes conversationnelles constitutives du principe de coopération : la maxime de quantité, la maxime de qualité, la maxime de relation et la maxime de manière (Grice 1975). Les exemples analysés montrent que ne pas respecter ces maximes crée les prémisses de débats agressifs. Le deuxième sous-chapitre propose Une typologie des questions parlementaires. Du point de vue fonctionnel, les questions dans les débats parlementaires peuvent être classifiées en trois catégories : i) questions informatives ; ii) questions directives ; iii) questions évaluatives. Quant à la structure des questions elle s’avère être très complexe, étant en effet une séquence argumentative qui peut inclure des phrases différentes du point de vue pragmatique : interrogatives, déclaratives et exclamatives. Un de nos exemples analysés montre une question d’une durée de quelques minutes

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qui est en fait un exposé plutôt argumentatif, avec une introduction et plusieurs séquences à structure binaire exemplifiant des attitudes contraires de l’interlocuteur pendant ses mandats (de député de l’opposition ou de ministre). La question en cascade est un autre type de question, qui contient un nombre variable d’interrogations portant sur le même sujet ou sur des sujets connexes. Le sous-chapitre suivant, Stratégies d’éviter les questions, continue l’analyse de la paire adjacente question / réponse dans le contexte parlementaire, prenant cette fois comme objet la réponse. Nous utilisons ici les modèles explicatifs proposés par Clayman (2001) – des stratégies « ouvertes » vs. des stratégies « cachées » – et par Rasiah (2010) – évitement total, significatif, moyen et subtil – pour décrire certains comportements discursifs dans nos trois sous-corpus. Nous nous concentrons seulement sur l’évitement total, situation dans laquelle le locuteur refuse de façon implicite ou explicite de répondre à une question. Le premier exemple montre un évitement total implicite se manifestant par une critique successive de la question : affirmer que le destinataire est autre institution, critiquer la politique des adversaires, évaluer négativement le discours des adversaires. Le deuxième évitement total implicite se fait par une non-réponse, qui porte sur des sujets différents, alors qu’un troisième évitement montre la situation explicite, dans laquelle le locuteur refuse catégoriquement de répondre, tout en argumentant son choix par des évaluations négatives des discours des autres. Clayman (2001 : 421) considère ces derniers cas de figure – l’évitement total explicite – des situations particulières, vu qu’elles créent une rupture significative de l’étiquette conversationnelle, même dans les débats les plus acharnés. Le dernier sous-chapitre se penche sur Le flou et l’imprecision. Nous analysons quelques exemples d’imprécision lexicale (Channell 1994 : 18, Wang 2005, Zhang 1998, Cheng & Warren 2003), mais aussi d’imprécision textuelle (Gruber 1993). Dans un premier moment, nous présentons quelques réflexions métalinguistiques des locuteurs sur le flou et l’imprécision, pour illustrer que ce phénomène est évalué négativement dans les débats. Néanmoins, les analyses suivantes montrent que l’imprécision lexicale, tout comme l’imprécision textuelle sont assez présentes dans le discours parlementaire. Parmi les moyens pour exprimer l’imprécision lexicale, nous avons identifié : i) pour le portugais, les marqueurs d’atténuation ou les quantificateurs flous utilisés avec les nombres : « qualquer coisa como 2700 milhões de euros » [quelque chose comme 2,7 milliards d’euro], « quase 30% do orçamento anual » [presque 30% du budget annuel], « mais de 9500 milhões de euros » [plus de 9,5 milliards d’euro], ou, ii) pour le roumain, l’usage des indéfinis : « ceva » [quelque chose], « cineva » [quelqu’un], des adjectifs vagues comme « mult » [beaucoup] ou « puţin » [peu], ou des atténuateurs comme « în general » [généralement], des substantifs sans article défini : « miniştri » [ministres], « oameni » [personnes], le nous générique, « cum facem noi de obicei » [comme nous faisons d’habitude]. D’autres exemples montrent l’imprécision de type textuel (Gruber 1993), en fonction des intentions des locuteurs et des expectatives des interlocuteurs et / ou de l’auditoire. Gruber met en relation l’imprécision textuelle, d’un côté, avec la politesse linguistique

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et la tension entre protéger l’image de soi et menacer l’image des autres (c’est-à-dire des adversaires politiques) et, d’un autre côté, avec la grande diversité idéologique des destinataires du message politique. Un des exemples, tiré du sous-corpus roumain, analyse la réponse de la ministre de l’éducation sur l’affaire du plagiat du premier ministre Victor Ponta. Au niveau pragmatique, nous avons détaché plusieurs types d’évitement (soit total, soit partiel), tandis qu’au niveau lexical, le mécanisme le plus caractéristique de cette intervention est l’usage des euphémismes pour éviter les questions problématiques, tel : « abateri de la etică » [violations de l’éthique] au lieu de « plagiat » [plagiat]. D’une façon générale, ce chapitre consacré au fonctionnement de la paire adjacente question / réponse, rend évidente dans les trois sous-corpus une particularité du discours parlementaire par rapport aux interactions quotidiennes : la complexité textuelle et argumentative de la question parlementaire et la préférence pour l’évitement, le flou ou l’imprécision. La deuxième partie de l’ouvrage, structurée aussi en cinq chapitres – Considérations théoriques, L’image de soi : le « tratamento » pronominal élocutif, L’image des autres : le « tratamento » pronominal allocutif et délocutif, L’image des autres : le « tratamento » nominal allocutif et délocutif et La négociation du « tratamento » – est consacrée à l’analyse des termes d’adresse et des formes élocutives et délocutives servant à la création des autoimages et des hétéro-images. Dans le premier chapitre, Considérations théoriques, nous faisons des précisions sur le terme de « tratamento » utilisé en linguistique d’expression portugaise, et ce, par rapport à « adresse » et « désignation », termes préférés en linguistique francophone, et « adresare » et « referire », termes employés dans l’espace roumain. Nous avons également considérée nécessaire une présentation comparative de l’inventaire des termes d’adresse, aussi bien que des formes délocutives et élocutives en portugais européen, en portugais brésilien et en roumain. Ainsi, dans l’acception de Carreira (2009), le « tratamento » est donc un concept avec une signification plus large que l’« adresse » en français ou « adresare » en roumain, la superposition sémantique se limite seulement à la désignation de l’allocutaire. Cette différence terminologique trouve son origine dans les critères utilisés pour définir les trois termes. Si « adresse » et « adresare » sont définis selon des critères syntaxiques – le vocatif étant sa marque définitoire –, « tratamento » est défini suivant des critères sémantiques, incluant les moyens linguistiques pour la désignation des autres et, d’après Carreira (1997), pour la définition de soi-même aussi, sans tenir compte de la fonction syntaxique. Le « tratamento » serait l’équivalent des deux termes utilisés en linguistique roumaine : « adresare », pour l’allocution, et « referire » (Guţu Romalo 2005 : 126-132), pour l’élocution et la délocution.

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Dans ce qui suit, nous présentons l’inventaire des termes de « tratamento » en portugais et en roumain. D’ailleurs, les deux langues romanes se distinguent par leur richesse de formes pronominales, verbales et nominales. Pour une classification de la totalité des formes, nous employons, d’un côté,un critère morphologique, proposé par Cintra (19862), qui distingue entre le « tratamento » pronominal, le « tratamento » nominal et le « tratamento » verbal et, d’un autre côté, un critère pragmatico-discursif, suivant Carreira (1997), qui distingue entre les formes de « tratamento » élocutives, allocutives et délocutives, en fonction du rôle des participants dans une interaction verbale. Pour l’élocution (la désignation de soi), les deux langues disposent de formes pronominales et verbales. En portugais, on utilise le binôme eu / nós, et en roumain les pronoms eu / noi. Dans toutes les deux langues, les formes du pluriel peuvent être employées pour exprimer le pluriel dit « de modestie » ou « de majesté », ce qui est le cas dans des discours / textes académiques ou dans des discours publics. En portugais brésilien – dans la variété européenne aussi, dans des contextes informels – le syntagme nominal a gente est également utilisé (Castilho 2010 : 477 ; Neves 2011 : 469470). Les formes nominales élocutives sont une des caractéristiques du langage enfantin (quand un enfant parle de soi-même) : A Ana quer chocolate. au lieu de (Eu) quero chocolate. // Ana vrea ciocolată. au lieu de (Eu) vreau ciocolată. Même si le « tratamento » élocutif ne dispose pas d’un inventaire de formes assez généreux, il est très important dans la construction de l’image de soi individuelle ou collective. Vu que les interactions verbales sont aussi une manière de « présentation de soi » (Goffman 1973), l’usage d’une forme pronominale peut indiquer la préférence pour un certain type d’image personnelle. En ce qui concerne le discours parlementaire portugais, le rôle du pronom nós [nous] dans la configuration de l’identité politique a déjà été analysé par Marques (2000), qui en a dégagé six valeurs référentielles et discursives : nós1 (exprime l’identité partidaire et représente une voix institutionnelle), nós2 (désigne les Portugais en général), nós3 (indique le pays dans sa dimension institutionnelle), nós4 (exprime le je et le tu, c’est-à-dire un référent strictement interactionnel), nós5 (usage polémique, exprime la non-adhésion du locuteur aux discours des adversaires politiques) et nós6 (« de modestie »). L’inventaire du « tratamento » allocutif est bien plus complexe : systèmes ternaires pronominaux (tu, você, o senhor en portugais européen et tu, dumneata, dumneavoastră en roumain), une richesse presque illimitée des formes nominales et la possibilité d’exprimer par des désinences verbales le tutoiement et le vouvoiement (2ème personne du singulier vs. 3ème personne du singulier en portugais européen ; 2ème personne du singulier vs. 2ème personne du pluriel en roumain). Cependant, il faut mentionner qu’en portugais brésilien le pronom tu n’est pas très commun (du moins dans la version standard de la langue) et que le binôme você / o senhor est plus fréquent pour le tutoiement et le vouvoiement. À ces systèmes pronominaux allocutifs, on peut ajouter aussi une série de locutions d’origine nominale – en portugais Vossa Excelência et Vossa Senhoria, en roumain Excelenţa Voastră – qui ne sont pas employées dans les interactions quotidiennes, mais qui trouvent leur place dans certains contextes

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institutionnels, comme le protocole parlementaire ou diplomatique. D’ailleurs, Vasilescu (2011 : 23) considère qu’en roumain on peut parler d’un politeness continuum de quatre termes pronominaux allocutifs – tu, dumneata (mata), dumneavoastră, domnia voastră –, la locution domnia voastră étant préférée dans le discours public ou académique. À notre avis, en roumain, il y a un système de cinq formes pronominales – tu, dumneata(mata), dumneavoastră, domnia voastră, Excelenţa Voastră – utilisées dans des contextes très variés, qui vont de l’intimité à la plus haute cérémonie. En employant des formes pronominales allocutives, les locuteurs roumains, portugais et brésiliens peuvent exprimer une variété très riche de relations interlocutives, définies selon un axe dit horizontal – familiarité / distance (membres de la famille, amis, etc. / inconnus dans la rue, vendeurs dans les petits commerces, etc.) – ou selon un axe vertical – de la hiérarchie sociale / égalité sociale (en fonction de l’âge, de la profession ou des institutions sociales comme l’église, la justice, etc. / des rapports entre ceux qui ont la même profession, qui ont le même âge, etc.). Si tu en portugais du Portugal et en roumain est le pronom employé dans l’intimité et dans les relations interlocutives avec une distance sociale minimale, si o senhor / a senhora et dumneavoastră expriment un haut degré de politesse dans des interactions quotidiennes, si les locutions pronominales Vossa Excelência, domnia voastră et Excelenţa Voastră sont résérvées aux contextes institutionnels et protocolaires, les utilisations de você et dumneata sont plus problématiques. Premièrement, il y a des usages divergents du pronom você au Portugal et au Brésil. Dans la variété européenne du portugais, você est employé dans des interactions distantes entre pairs (par exemple, des collègues de travail) ou dans des relations asymétriques, quand le supérieur s’adresse à un inferieur, tandis que dans la variété brésilienne, você est largement préféré dans le registre oral ; il s’est généralisé parmi toutes les couches sociales et dans des contextes variés, formels ou informels et des relations sociales qui impliquent de différents degrés de distance ou de rapprochement. Deuxièmement, on peut affirmer que le pronom você (avec ces valeurs dans la version européenne du portugais) et le pronom roumain dumneata ont des similitudes en ce qui concerne leurs usages. À l’opposé du Brésil, au Portugal il serait inapproprié d’employer você pour des interlocuteurs avec lesquels on a une relation formelle ou institutionnelle, vu qu’il exprime une politesse « moyenne » ou « inégalitaire ». Il y a aussi des différences diatopiques considérables pour les valeurs de você au Portugal et pour dumneata en Roumanie. En ce qui concerne leurs usages auprès des jeunes, on peut presque observer la disparition de dumneata dans les milieux urbains roumains mais, par contre, une certaine croissance des usages de você au Portugal, et ce, probablement à cause de l’influence brésilienne, présente quotidiennement dans les médias portugais. Dumneata n’a pas une forme correspondante au pluriel, alors que le pluriel du pronom você est vocês. Troisièmement, nous avons également fait des précisions pour la distinction entre você et vocês. Même si du point de vue morphologique vocês est le pluriel de você, les

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valeurs sémantiques et pragmatiques des deux formes ne convergent pas totalement ; le pluriel a une valeur informelle, neutre, étant en effet le pluriel de tu, vu que le pronom vós ne s’emploie plus dans la version standard de la langue portugaise. Finalement, nous avons aussi mentionné que les équivalences formelles entre les formes pronominales allocutives du portugais et du roumain – par exemple, tu avec des formes identiques dans les deux langues ou vós et voi qui ont la même origine latine – n’impliquent pas des équivalences pragmatico-discursives. En roumain on observe dans les dernières années une tendance de généralisation du tutoiement, tandis qu’au Portugal ce phénomène est plus réduit dans le cas des générations plus âgées, qui sont plus conservatrices. Néanmoins, il s’agit surtout d’une différence d’échelle, vu que les locuteurs plus jeunes préfèrent un « tratamento » plus informel, Gouveia (2008 : 97), Slama-Cazacu (2010 : 297-305). En ce qui concerne le « tratamento » verbal allocutif, au Brésil on utilise seulement la 3ème personne du singulier, indépendamment du contexte (Fala português ?), alors qu’au Portugal l’opposition entre la 2ème et la 3ème exprime la distinction entre tutoiement et vouvoiement (Falas / Fala português ?). Au pluriel on emploie la 3ème personne dans les deux variétés du portugais, aussi bien dans des contextes formels et informels (Falam português ?). Cependant, on doit prendre en considération qu’en portugais brésilien le sujeito nulo [sujet omis] est moins fréquent qu’en portugais européen. Par exemple, on entend le plus souvent : Você fala português ? et Vocês falam português ? au lieu de Fala português ? ou Falam português ?. En roumain, on utilise la 2ème personne du singulier dans des contextes informels : Vorbeşti portugheză ?, et la 2ème personne du pluriel pour le vouvoiement : Vorbiţi portugheză ?. Au pluriel, le « tratamento » verbal est la 2ème personne, sans aucune distinction de déférence : Vorbiţi portugheză ? peut signifier Voi vorbiţi portugheză ? ou Dumneavoastră vorbiţi portugheză ?. Le « tratamento » nominal allocutif peut avoir en portugais et en roumain une grande variété de formes, en fonction des facteurs qui définissent la situation communicationnelle et du fonctionnement des relations sociales : âge, position sociale, profession, titre, genre, type de relation entre le locuteur et l’allocutaire, etc. KerbratOrecchioni (1992 : 21-22) propose neuf catégories de noms d’adresse ou appellatifs qui peuvent être utilisés au vocatif (d’après notre cadre théorique ce sont des formes de « tratamento » nominales allocutives) : i) anthroponymes, ou noms « personnels » ; ii) noms de parenté ; iii) appellatifs du type monsieur / madame ; iv) titres (nobiliaires ou autres) ; v) noms abstraits, comme Votre Excellence, Votre Grâce, Votre Honneur ; vi) noms de professions ; vii) noms qui expriment une relation interpersonnelle, comme camarade, collègue, voisin ; viii) termes affectueux, comme mon chou, chéri, loulou et ix) expressions injurieuses, comme espèce de. Plus tard, la même linguiste (2010a : 20-21) donne une classification plus concentrée, avec les catégories suivantes : i) noms personnels ; ii) termes comme monsieur, madame, mademoiselle ; iii) titres, comme capitaine, chef, patron, avec une valeur honorifique, incluant aussi des noms abstraits, comme Votre Excellence, Votre Honneur ; iv) noms de professions et de fonctions ; v) termes relationnels qui expriment une relation affective (ami), professionnelle (collègue) et de

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parenté (maman) ; vi) labels, comme dans l’exemple suivant : [salut] mec /mon gars / jeune homme... ou vous là-bas avec le sac en plastique ; vii) termes affectifs, à valeur négative (termes injurieux) ou positive. Dans notre analyse, nous utiliserons aussi bien la deuxième classification pour décrire les formes de « tratamento » allocutif, que les formes délocutives, vu que les critères sémantiques de Kerbrat-Orecchioni (2010a : 20-21) peuvent être appliqués au concept de « tratamento », dans son acception de désignation des autres, interlocuteurs ou tiers. Dans ce qui suit, nous faisons quelques considérations sur l’expression du « tratamento » nominal en roumain et en portugais (brésilien et européen). En ce qui concerne les anthroponymes, en roumain il est encore habituel de désigner quelqu’un en employant le patronyme avant le prénom, par exemple Popescu Cristian, au lieu de Cristian Popescu, surtout dans les formulaires, ou encore d’appeler avec cette formule les élèves à l’école. Pour les personnalités publiques, on utilise le prénom suivi du patronyme – l’ancien président roumain est Traian Băsescu –, l’inversion Băsescu Traian étant une stratégie ironique, qui a pour objectif de « changer le scénario », en plaçant celui qui détient la plus haute fonction politique de l’État dans la bureaucratie quotidienne ou scolaire. Quant à la deuxième catégorie, les équivalents de monsieur, madame et mademoiselle, il y a des différences considérables entre le portugais et le roumain, surtout pour ce qui est du « tratamento » des femmes. Premièrement, si en portugais on ne peut pas employer le patronyme pour les femmes – Senhora Vieira [Madame Vieira] est une forme de « tratamento » assez bizarre –, en roumain doamna Popescu [Madame Popescu] est une formule très usuelle dans les interactions quotidiennes. Deuxièmement, en portugais il y a trois équivalents possibles pour madame, notamment, senhora, dona, senhora dona – en ordre ascendant du degré de déférence exprimé –, alors qu’en roumain on utilise la forme nominale doamnă. Néanmoins, il est possible d’exprimer en roumain trois degrés de politesse par trois combinaisons entre l’appellatif doamna, le prénom et le patronyme : doamna Maria, doamna Popescu, doamna Maria Popescu. L’usage de doamna au vocatif doamnă est aussi possible ; d’ailleurs, en roumain les prénoms et les patronymes peuvent être employés avec des formes vocatives, dans des contextes très colloquiaux : Maria, vrei să vii la mine?, Marie, vrei să fii la mine?, Popescu, vrei să vii la mine?, Popescule, vrei să vii la mine? En ce qui concerne le « tratamento » pour les hommes, en portugais et en roumain on utilise les prénoms et / ou les patronymes précédés par la forme nominale senhor et domn (domnule en vocatif). Ces formes nominales s’emploient avec la 3ème personne du singulier en portugais, et avec la 2ème personne du pluriel en roumain. En ce qui concerne les titres, nous mentionnons qu’en roumain il n’y a pas un « tratamento » spécial pour les diplomés, alors qu’en portugais on utilise doutor et doutora (par écrit l’abréviation dr., dra si on n’est pas titulaire d’un doctorat). En milieux universitaires, au Portugal et en Roumanie, il est possible de combiner le titre académique doutor / doctor avec le titre professionnel professor / profesor, quand on s’adresse ou on désigne un professeur des universités. On utilise senhor / domn avec les

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fonctions politiques, les formules senhor deputado / domnule deputat, senhor ministro / domnule ministru étant la forme préférée dans les débats parlementaires. En portugais brésilien, le « tratamento » allocutif nominal présente quelques particularités par rapport au portugais européen, la plus évidente étant l’usage des noms et des titres en structures détachés : Ana Maria, você deve estar ao corrente.... En contextes plus formels, on utilise des structures comme : Senhor Antônio / Senhor Matos, o senhor deve.... Nous avons aussi donné des exemples avec des titres en syntagmes détachés : Doutor, o senhor pode dizer-me se meu caso é grave ?, Deputado, o senhor pretende candidatar-se novamente?. La forme seu, abréviée de senhor est très courante dans le langage familier : Seu Matos / Seu Antônio, o senhor deve.... Du point de vue morphologique, les formes nominales délocutives – qui désignent des tiers – sont pronominales, nominales et verbales. Seule la 3ème personne du singulier (pour désigner un tiers) et du pluriel (pour deux ou plusieurs tiers) peut être employée, et il n’y a pas de mécanismes linguistiques pour exprimer par des désinences verbales plusieurs valeurs de déférence en délocution. Le roumain est une exception entre les langues romanes grâce à son inventaire de formes pronominales délocutives qui permet l’expression de plusieurs degrés de politesse : le pronom personnel el, les pronoms « de politesse » (terminologie utilisée dans la linguistique roumaine) dânsul et dumnealui, et les locutions pronominales domnia sa et Excelenţa Sa (celle-ci à valeur honorifique). Dans certaines régions du pays, le pronom dânsul peut fonctionner comme pronom personnel – c’est-à-dire faire référence à un substantif commun – et c’est la raison pour laquelle sa classification n’est pas consensuelle en linguistique roumaine. Gruiţă (2011 : 61-84) montre que dânsul a une valeur de politesse, étant intégré dans le système ternaire el – dânsul / dumnealui - domnia sa (dânsul et dumnealui seraient situés sur le même plan), selon Pană Dindelegan (2010 : 108-111) ce pronom exprime un degré réduit de politesse, ou même un « degré zéro » (Vasilescu 2005 : 212-218), mais dans d’autres travaux dânsul est considéré un pronom personnel (Irimia 2008 : 109). Ayant comme point de référence le politeness continuum que Vasilescu (2011b) propose pour les pronoms allocutifs, nous avons dressé une classification similaire pour les formes pronominales délocutives du roumain, avec cinq degrés progressifs de politesse : el/ea, dânsul/dânsa, dumnealui/dumneaei, domnia sa et Excelenţa Sa. Après une présentation minutieuse des formes de « tratamento » élocutives, allocutives et délocutives en portugais (européen et brésilien) et en roumain, nous nous sommes proposé de discuter dans le deuxième sous-chapitre, Questions problématiques, le destinataire in absentia et la délocution in praesentia. Ces deux phénomènes sont le résultat, d’un côté, de la configuration multi-stratifiée des destinataires du discours parlementaire et, d’un autre côté, de sa dimension polémique. Du point de vue de la structure, la dynamique interactionnelle des débats parlementaires a une configuration au moins ternaire, ne se limitant pas au binôme locuteur / interlocuteur. Même dans les interactions directes, on peut dégager deux

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plans de construction discursive : le plan immédiat, d’interaction face-à-face entre le locuteur et l’interlocuteur, et le plan symbolique, qui provient de la dimension publique de ce discours, auquel peut assister une myriade de destinataires (directs et indirects, présents ou non dans la salle). Au plan symbolique, les discours adressés à un allocutaire (par exemple à un ministre) sont en effet destinés à d’autres récepteurs : aux participants au débat, aux autres membres du gouvernement, aux journalistes ou, au « peuple ». D’après la terminologie de Goffman (1981, apud Kerbrat-Orecchioni 1990 : 86), nous pouvons caractériser le « peuple » en tant que destinataire ratifié, qui fait partie du plan symbolique de l’interaction et qui se configure au niveau discursif comme présence symbolique in absentia. Plusieurs exemples analysés dans les trois sous-corpus, portugais, brésilien, roumain, montrent les différentes références à ce « peuple », en tant que destinataire particulier dans les débats parlementaires. Un autre aspect problématique s’est avérée la délocution in praesentia, un trope communicationnel utilisé par les locuteurs quand ils font référence à un allocutaire présent comme s’il était absent, en l’excluant ainsi du cadre interactionnel. Détrie (2010 : 143-168) et Cabasino (2010 : 169-200) analysent ce phénomène dans des corpus tireés de débats de l’Assemblée Nationale, alors que Constantin de Chaney (2010 : 249-294) se penche sur les débats électoraux, et Giaufret (2010 : 201-224) sur les entretiens radiophoniques. Détrie (2010 : 152) observe une hésitation / alternance entre le discours adressé et non adressé (ou entre allocution et délocution), considérant le passage de la délocution vers l’allocution une stratégie de coopération. Quant à Giaufret (2010 : 205-206), il identifie trois degrés du fonctionnement (in)direct des formes nominales allocutives : formes directes, détachées (ex. Bonsoir, X), formes hybrides (ex. Bonsoir aux téléspectateurs d’itélé et aux auditeurs de France Inter) et formes indirectes, de délocution pour référer l’allocutaire (ex. Quelle est la réponse de Claude Allègre ?). Ces formes hybrides sont indirectes du point de vue syntactique, mais peuvent être directes du point de vue pragmatique. Ce phénomène a été identifié dans le sous-corpus roumain et notre analyse en identifie des formes allocutives et hybrides. Le troisième sous-chapitre se propose d’offrir quelques considérations sur l’(im)politesse parlementaire et le rôle des formes de « tratamento ». Les analyses d’autres chercheurs qui se sont penchés sur le fonctionnement de l’(im)politesse dans les débats parlementaires (Perez de Ayala 2001 ; Harris 2001 ; Marques 2008b) se situent dans l’approche « tournant discursif » (discursive turn) des études sur la politesse linguistique. D’ailleurs, l’importance du contexte pour la typologie discursive est fondamentale dans l’analyse du débat parlementaire, qui, à l’encontre des interactions quotidiennes, privilégie une relation conflictuelle entre l’instance politique et l’instance adverse (Charaudeau 2005 : 42) comme composante intrinsèque du contrat de communication (Charaudeau 2002 : 138-141). Perez de Ayala (2001) mentionne trois facteurs à prendre en considération pour l’analyse de la politesse dans les débats parlementaires : i) l’affinité politique ; ii) la présence du public ; iii) le règlement parlementaire qui établit les normes précises du rituel interactionnel des débats. D’ailleurs, l’auteur souligne que le résultat de la

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tension entre la dimension offensive des interventions des députés et la rigidité du règlement est une « hypocrisie parlementaire institutionnalisée », vu que les stratégies de minimiser les FTA (face threatening acts) servent à respecter les normes des règlements et non pas à protéger l’image des autres. Reprenant la théorie de Gruber (1993), Perez de Ayala opère une distinction nette entre l’image positive (positive face) du locuteur, telle que décrite par Brown & Levinson (1978/1987), et l’image publique positive (public positive face), celle-ci typique pour les politiciens, vu leur activité publique. Symétriquement, l’image publique négative (public negative face) est définie comme le droit de ne pas souffrir des offenses dans l’espace public, tandis que l’image négative (negative face) est, dans la tradition de Brown & Levinson (1978/1987), le droit d’avoir son territoire personnel. Dans les débats parlementaires, le travail de figuration (facework) se concentre sur l’image publique des locuteurs (en tant que membres d’un parti, du gouvernement, du parlement, etc.), les FTAs qui visent l’image personnelle (par exemple les attaques ad hominem : vie privée, famille, apparence physique, etc.) étant pénalisés par les règlements, car ils se situent hors du contrat de communication. S’il est vrai que les débats parlementaires ont une dimension conflictuelle et agressive, celle-ci doit se limiter seulement à l’activité politique et aux discours des autres en tant qu’acteurs politiques. Harris (2001) affirme que la classification ternaire de Lakoff (1989) – politeness, non-politeness et rudeness – n’est pas suffisante pour analyser les manifestations de l’(im)politesse dans les débats parlementaires, étant donné que les FTAs font partie du contrat de communication. Cette position sera reprise aussi par Marques (2008b : 294), qui parle d’une « ritualisation » du conflit. Catherine Kerbrat-Orecchioni (2010b) se penche sur un autre sous-genre du discours politique, le débat électoral, et propose cinq catégories – politesse, hyperpolitesse, non-politesse, impolitesse et polirudesse. Ces catégories permettent une analyse plus détaillée de l’impolitesse et de la politesse dans divers contextes politiques, y compris, à notre avis, dans le débat parlementaire. Ces cinq catégories permettent aussi une description des formes de « tratamento », surtout en ce qui concerne le rapport entre la valeur prototypique et la valeur contextuelle. Un exemple du sous-corpus portugais montre les interventions successives du président de la séance pour rappeler à un orateur la forme règlementaire : Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados [Monsieur le Président, Mesdames et Messieurs les Députés]. Cette tension visible entre la norme parlementaire et la ritualisation de la pratique polémique est une des composantes principales de notre analyse, surtout en ce qui concerne le comportement discursif des termes d’adresse ou des désignatifs honorifiques. Pour le discours parlementaire, l’étude du « tratamento » – élocutif, allocutif et délocutif – peut se révéler pertinent, étant une des manifestations privilégiées de la codification de la dynamique sociale au niveau linguistique. D’ailleurs, les auteurs qui se penchent sur cet aspect montrent des fonctions très variées des formes de « tratamento » dans des débats parlementaires :

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i)

intensifier des FTA par des choix stratégiques entre formes marquées et nonmarquées (Ilie 2005b) ; ii) évaluer de manière négative les adversaires politiques et leurs idéologies (Cabasino 2010a) ; iii) configurer la position discursive des locuteurs dans des situations de conflit négocié (Cabasino 2010b) ; iv) défier l’autorité institutionnelle (le président de la séance) et discréditer les adversaires politiques (Ilie 2010d) ; v) définir son identité sur l’axe institutionnel / personnel (Marques 2010a) ; vi) construire un cadre interlocutif grâce à son rôle phatique (Ionescu-Ruxăndoiu 2011) ; vii) véhiculer des identités individuelles ou de groupe (Săftoiu 2013). Détrie (2010 : 143-168) identifie quatre rôles des formes de « tratamento » dans les débats parlementaires : i) construire le cadre participatif ; ii) gérer le tour de parole ; iii) évaluer l’interlocuteur ; iv) marquer la cohésion et la continuité énonciative. Et, pour ce qui est des formes de « tratamento » et ses rapports avec l’agressivité verbale, Détrie (2008) identifie même une routine discursive : certaines formes injurieuses fonctionnent comme un prêt-à-penser typique pour la polémique parlementaire. On est, avec cette idée, très proche du « conflit ritualisé » décrit par Marques (2008b). Le deuxième chapitre de cette partie s’intitule L’image de soi : le « tratamento » pronominal élocutif et est consacré à l’analyse des pronoms je et nous. En tant que stratégies discursives de construction de l’image de soi, les pronoms de 1ère personne (je et nous) jouent un rôle important dans le discours politique ; vu que les interactions directes entre les hommes politiques et la totalité des électeurs sont impossibles, les images publiques favorables constituent une stratégie de communication politique indispensable. Ces images se construisent au carrefour des différentes hétéro-images – ce que les autres disent sur un individu – et des autoimages – ce qu’un individu dit de lui-même –, et passent ensuite par un processus de décodification fait par chaque électeur en fonction de son univers de croyances. Nous proposons ici une analyse détaillée de la construction des images de soi par l’usage des formes élocutives pronominales et essayons d’identifier les particularités de chaque sous-corpus. Nous adoptons une approche essentiellement qualitative, vu que les limitations du corpus rendent peu fiables les analyses quantitatives. Une particularité du corpus brésilien est, d’un côté, l’affirmation directe du je (eu, como…) –plus fréquente que dans les sous-corpus roumain et portugais – et, d’un autre côté, l’usage de nós et a gente. Dans les exemples analysés, les trois pronoms, eu, nós et a gente contribuent à la création des images de soi individuelles et / ou de groupe, ou à l’image collective du pays. Eu, en tant que mécanisme linguistique privilégié pour

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l’expression de l’image personnelle, est employé surtout dans des contextes suivants : rituel conversationnel « Eu gostaria de cumprimentar » [Je voudrais saluer], d’affirmation ou de renforcement de l’opinion personnelle : « Eu acho que nós precisamos envolver os três níveis de Governo » [Je crois que nous devons impliquer les trois niveaux du gouvernement], « Eu gostaria de defender aqui o INCRA histórico » [Je voudrais défendre ici l’INCRA historique], “eu gostaria também de dizer, Celso, que eu estive na sua posse” [Je voudrais dire aussi, Celso, que j’étais à votre / ta cérémonie d’investiture]. Avec ce pronom eu, le locuteur veut aussi affirmer son identité politique (sa composante professionnelle, non pas la composante idéologique), afin de défendre sa position sur le sujet débattu : « Eu fui Prefeito, e temos na área urbana... » [J’ai été préfet et nous avons dans la région urbaine…]. Nous identifions donc deux images individuelles : eu [je] comme intervenant dans le débat, et eu [je] comme acteur politique qui a l’autorité d’exprimer ses opinions. Une autre caractéristique du corpus brésilien consiste en la définition directe de soi, avec l’expression – d’ailleurs, assez fréquente (nous en avons identifié 13 types d’occurrences) – eu, como… [moi, en tant que…]. Les exemples analysés montrent que les locuteurs utilisent dans les débats cette expression pour exprimer différentes composantes de leur identité : i) l’identité nationale, Eu, como brasileiro [Moi, en tant que brésilien] ; ii) l’identité régionale, Eu, como cidadão nordestino [Moi, en tant que citoyen du nordest] ; iii) l’identité citoyenne, Eu, como cidadão brasileiro [Moi, en tant que citoyen brésilien] ; Eu, como qualquer cidadão brasileiro [Moi, comme tout citoyen brésilien] ; iv) l’identité politique professionnelle, Eu, como Ministro [Moi, en tant que ministre] ; v) l’identité politique idéologique Eu, como Líder do PSB [Moi, en tant que leader du PSB] ; vi) l’identité professionnelle, Eu, como profissional de saúde, da educação e da atividade física [Moi, en tant qu’expert en santé, éducation et activité physique] ; vii) l’identité de genre, eu como mulher que acredita na nossa força [moi comme femme qui croie en notre force]. Toutes ces images de soi sont utilisées par les locuteurs pour légitimer soit politiquement, soit professionnellement leur discours. Par exemple, l’identité nationale et l’identité régionale servent comme arguments dans les interventions sur l’unité du pays, l’identité citoyenne et l’identité politique sont des instruments préférés quand les locuteurs veulent se distancer du pouvoir ou du status quo, l’identité professionnelle sert à soutenir ses opinions sur des affaires sectorielles.

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Dans les débats politiques, nós [nous] peut avoir des valeurs référentielles très complexes, étant donné la nécessité des locuteurs de légitimer leur discours. L’option fondamentale pour nós, au détriment de eu [je] peut avoir son origine dans la dimension publique du discours politique, d’un côté parce que les locuteurs parlent au nom des groupes qu’ils représentent (partis politiques, institutions comme le gouvernement ou le parlement, les électeurs, etc.), et d’un autre côté parce que les débats sont organisés pour être vus et entendus par un auditoire très varié. Pour les débats parlementaires, on peut affirmer que nós constitue un choix naturel, vu que les députés et les sénateurs prennent la parole en tant que représentants de leurs circonscriptions électorales et non pas à titre personnel ; donc, un nós représentatif pourrait être une des valeurs référentielles dans notre corpus. Marques (2000 : 181184) affirme d’ailleurs que les parlementaires sont des porte-paroles qui représentent le peuple et le parti. C’est pour cette raison qu’il est important, quand on fait l’interprétation référentielle de nós, de prendre aussi en considération l’organisation du dispositif communicationnel du discours politique (Charaudeau 2005 : 42) : elle peut délimiter avec rigueur les acteurs impliqués dans la construction des images collectives. Un des résultats intéressants dans nos analyses est que nous avons identifié treize valeurs de nós, comme suit : Nós1 générique n’est pas lié directement à un référent qu’on peut identifier de façon claire et objective ; il sert à exprimer des opinions générales ou présentées comme générales. Marques (2000 : 194) parle de « usos doxais, com diferentes graus de abstracção, que corporizam a construção de um consenso muito amplo » [utilisations doxales, avec différents degrés d’abstraction, qu’incarnent la construction d’un consensus plus large]. Un des exemples analysés montre l’appel aux connaissances générales : « tendo todos nós o contexto, já muito conhecido » [ayant nous tous le contexte, déjà très connu] pour argumenter ses idées. Nós2 exprime le locuteur, étant très proche du nós « de majesté », présent, par exemple, dans les travaux académiques. Nós3 a une valeur référentielle qui fait un découpage du scénario interactionnel et sélectionne le locuteur et son allocutaire ; la structure référentielle du pronom est dans ce cas NÓS = EU + TU [NOUS = JE + TU]. D’un côté, ce nós vise surtout l’identité interactionnelle des locuteurs, d’un autre côté, dans les exemples identifiés, cette forme de « tratamento » élocutive est aussi une stratégie pour créer le consensus avec l’allocutaire. Nós4 se situe lui aussi au niveau interactionnel, mais, à la différence de nós3, il ne se limite pas au binôme EU-TU [JE-TU] et inclut les autres participants au débat, présents dans la salle. Il s’agit aussi d’une image collective qui met en scène une cohésion entre le locuteur, son / ses allocutaire(s) et les autres destinataires qui assistent au débat. Néanmoins, nos exemples montrent qu’il peut y avoir aussi différents types de groupes de participants qui créent des solidarités discursives (idéologiques ou non, parfois conjoncturelles) : les membres du même parti, les députés qui assistent aux débats, les journalistes, le public, etc.

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Le nós5 fait appel à l’identité politique, sa valeur référentielle étant assez générale, car il fait référence à la totalité de la classe politique : nós, políticos [nous, les politiciens]. Cette image collective a pour objectif principal la création d’un consensus entre l’instance politique et l’instance adversaire, et vise la réalisation de projets plus généraux : « Vamos todos defender Portugal » [Nous allons tous défendre le Portugal] ou plus concrets : « temos que promover mais e mais investimentos em obras de infraestrutura hídrica » : [nous devons promouvoir d’avantage plusieurs investissements d’infrastructure hydrique]. D’un point de vue stratégique, ce nós met en évidence l’identité politique professionnelle des locuteurs, vu qu’il apparaît dans des contextes qui portent sur des questions de gouvernement ou d’administration publique. Le deuxième nós politique, nós6, exprime l’adhésion du locuteur à une idéologie partidaire. Au contraire de nós5, qui exprime l’identité politique professionnelle, nós6 souligne l’identité politique idéologique. En ce qui concerne le fonctionnement contextuel de ce nós, nous avons observé qu’il peut dans certains cas être suivi par le nom du parti, alors que dans d’autres exemples le nom du parti est sous-entendu ou peut être déduit du contexte. Le référent de nós7 représente l’opposition ou, selon la terminologie de Charaudeau (2005 : 42), l’instance adversaire. Nós7 a une double valeur : d’un côté, une valeur consensuelle, vu qu’il sert à coaliser les membres de l’opposition, malgré leurs filiation politique – et de ce point de vue, nós7 est différent de nós6 (nous, le parti, peutêtre de l’opposition) ; d’un autre côté, un autre aspect qui dérive de cette différence est qu’il n’y a pas de nós7 défini selon des critères idéologiques. Enfin, nós7 peut avoir aussi une valeur essentiellement conflictuelle, vu qu’il crée une identité collective s’opposant au pouvoir (considéré comme agent de gouvernement et non pas comme un groupe idéologique). Nós8 dégage l’image des parlementaires en tant que porte-paroles de leurs électeurs (dans l’acception de Marques 2000) ; l’instance citoyenne (Charaudeau 2005 : 42) assume aussi un rôle important dans ce cas, surtout pour légitimer les propos du locuteur. Par rapport aux exemples antérieurs, la structure référentielle de nós8 n’est ici pas NÓS ≠ VOCÊS [NOUS ≠ VOUS], mais NÓS + OS OUTROS [NOUS + LES AUTRES], nous au nom des autres. Nós9 exprime une image collective institutionnelle. À notre avis, ce n’est pas par hasard que les ministres emploient ce nós8 quand ils prennent la parole en tant que responsables du gouvernement; dans ce cas, ils essaient de véhiculer une image d’efficacité administrative en s’éloignant de l’image du pouvoir. Même s’ils exercent le pouvoir, dans le débat ils ne peuvent pas se positionner en tant qu’agents du pouvoir, et ce, pour ne pas créer un ethos trop autoritaire. Si pour nós8 l’instance citoyenne est un moyen de légitimer le discours politique, en ce qui concerne nós10, elle devient la composante identitaire principale. Avec l’expression intégratrice todos nós [nous tous], le locuteur crée une image collective qui

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inclut tous les citoyens en tant que contribuables : « impostos que todos nós pagamos » [des impôts que nous payons tous]. Vasilescu (2011a) souligne l’importance de l’identité nationale dans la structure complexe de l’identité (des) parlementaire(s) et dégage quelques mécanismes discursifs de construction. Nos observations se sont exclusivement limitées à l’analyse de ces exemples où les locuteurs utilisent explicitement la forme élocutive nós. Comme dans le cas de nós10, qui présuppose une identification avec l’instance citoyenne, nós10 – nós, brasileiros [nous, les brésiliens] – le locuteur vise par son discours la création d’une adhésion populaire. Avec nós10 on se situe en plan symbolique, nous comme nation et non pas nous comme l’État. Nós11 évoque l’identité régionale (nous, de l’Ouest du pays), mais aussi au niveau des individus, alors que nós12 met en évidence l’identité nationale, faisant référence au pays dans sa dimension économique ou politique : « Nós somos o quinto maior mercado mundial de veículos » [nous sommes le cinquième plus grand marché mondial d’automobiles], « nós estamos fazendo superávits primário » [nous faisons un superavit primaire]. Dans cette dernière catégorie, nous identifions ce que Marques (2000 : 208-210) appelle nós polémico [nous polémique], c’est-à-dire un nós qui exprime en effet l’identité des autres : NÓS = VOCÊS [NOUS = VOUS] : dans ce cas il s’agit d’une valeur essentiellement exclusive, le je étant absent de la constellation référentielle. Finalement, nós13 est aussi un des marqueurs typiques de la dimension agressive fondamentale du débat parlementaire, qui vise la création d’acteurs antagoniques. L’analyse des formes de « elocutivo » eu, nós, a gente nous a permis de formuler quelques conclusions sur la construction de l’image de soi (individuelle ou collective) : − a gente est, comme prévu, une particularité du sous-corpus brésilien ; − pareil pour l’affirmation explicite de l’image de soi avec l’expression eu, como… [moi, en tant que…] ; − aussi bien eu que nós ont des valeurs référentielles très variées (voir les 9 valeurs du eu [je] dans le sous-corpus brésilien et les 13 valeurs de nós) ; − les classifications proposée pour l’identité parlementaire qui se limitent à un nombre réduit de composantes – nationale, institutionnelle, professionnelle, personnelle (selon Vasilescu 2011a) ; politique professionnelle et politique relationnelle (selon Van Dijk 2010) – doivent être reconsidérées pour inclure toute la richesse d’autres catégories, identifiées par nos analyses contextuelles (régionale, idéologique, interactionnelle); − de façon générale, nous pouvons classifier les 13 valeurs référentielles de nós dans les catégories suivantes : générique (nós1), individuel (nós2), interactionnel (nós3 et nós4), politique (nós5, nós6, nós7, nós8, nós9 et nós10), nationale / régionale (nós11, nós12) et polémique (en effet un trope désignatif qui projette l’image des autres, nós13) ;

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− l’application du dispositif de la communication politique de Charaudeau (2005) nous a permis d’identifier plusieurs types de « nous » politique, associés à l’instance politique, à l’instance adversaire ou à l’instance citoyenne ; − nous avons également pu identifier deux stratégies discursives principales qui résultent de l’emploi de nós : du nós consensuel, concentré sur soi-même, qui cherche l’adhésion vers son discours, mais aussi d’un nós conflictuel, qui se définit essentiellement par rapport à une relation d’opposition avec les autres ; − la pluralité référentielle de nós crée les prémisses pour des négociations du sens, quand les interlocuteurs désirent se délimiter de certains groupes. Et, finalement, nous pouvons aussi conclure, en citant Guespin (1985 : 45) qu’« Il est important d’étudier nous : important pour la linguistique générale comme pour le discours politique ». Le troisième chapitre est consacré à L’image des autres : le « tratamento » pronominal allocutif et délocutif. Le premier sous-chapitre analyse la forme pronominale Vossa Excelência [Votre Excellence] et ses usages congrus, neutres et incongrus. Les usages congrus surviennent dans des contextes de politesse positive, plus concrètement des FFAs, face flattering acts (selon Kerbrat-Orecchioni 1992). Nous observons que les FFAs visent l’image positive publique des interlocuteurs (en effet, dans les exemples identifiés, il n’y a que les membres du même parti, avec lesquels les locuteurs partagent des affinités idéologiques et politiques). Les usages neutres peuvent être observés dans des contextes sans marqueurs de politesse ou d’impolitesse : passer la parole, adresser des questions (surtout dans les interventions des présidents de séance : Vossa Excelência tem a palavra [Votre Excellence, vous avez la parole]). Les usages incongrus de Vossa Excelência surviennent dans des FTAs, qui : i) menacent l’image publique des adversaires politiques, accusés de calomnie « V. Exa. sabe disso e reproduz calúnias e infâmias » [Votre Excellence, vous savez ça et vous reproduisez des calomnies et des infamies] ; ii) cachent la vérité : « V. Exa. sabe disso. V. Exa. sabe disso » [Votre Excellence, vous savez ça. Votre Excellence, vous savez ça.] iii) mentent, « V. Exa. está mentindo » [Votre Excellence, vous mentez.]. Malgré la connotation négative et critique de ces énoncés, les locuteurs gardent le « tratamento » protocolaire, en employant la forme honorifique Vossa Excelência. Néanmoins, il y a une évidente contradiction entre ce haut degré de formalité et les valeurs des FTAs. A notre avis, la forme de « tratamento » fonctionne dans ce cas comme un catalyseur de l’attaque, à cause de la relation oxymoronique entre le terme d’adresse et le FTA : Vossa Excelência, grâce à sa valeur de déférence, crée certaines attentes sur l’énoncé de l’interlocuteur, alors que l’usage d’un FTA provoque une

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rupture discursive. D’ailleurs, cette dissonance évidente entre les termes d’adresse (ou les délocutifs) et les FTAs représente une des caractéristiques du fonctionnement de l’(im)politesse parlementaire : les locuteurs se situent au plus haut niveau de la déférence protocolaire du point de vue de l’adresse ou de la désignation, et, à la fois, sur un plan d’agressivité très fort. Le sous-chapitre prochain observe le sous-corpus roumain et les formes de vouvoiement dumneavoastră et domnia voastră. Dumneavoastră est une forme d’adresse très courante dans les débats parlementaires : 777 occurrences de dumneavoastrăSG et dumneavoastrăPL, quel que soit le type de discours prononcé par le locuteur. Comme dans le cas de Vossa Excelência, les exemples de dumneavoastrăSG et dumneavoastrăPL montrent une variété d’usages, neutres ou incongrus, suivant le contexte. Néanmoins, nous avons observé que les usages incongrus semblent être plus nombreux, ce qui constitue une caractéristique du souscorpus roumain. Le nombre réduit des occurrences de domnia voastră ne nous permet pas de faire trop de généralisations ; nous nous limitons simplement de constater que dans les exemples identifiés, les emplois contextuels montrent une évidente incongruence avec la valeur prototypique. En ce qui concerne le portugais, les occurrences assez rares de você(s) ne nous permettent pas de formuler des conclusions catégoriques ; le caractère périphérique de cette forme pronominale est évident, du moins en ce qui concerne les sous-corpus portugais et brésilien. Vocês est fréquemment utilisé dans des contextes de menace de l’image des autres, comme stratégie de délimitation de ses adversaires politiques : NÓS ≠ VOCÊS [NOUS ≠ VOUS]. Dans le sous-corpus brésilien, l’usage allocutif de você est plus fréquent que dans le sous-corpus portugais, où ce pronom est présent surtout dans les apartés. Même si cette forme de « tratamento » n’est pas la plus fréquente dans les débats de notre sous-corpus brésilien, elle semble avoir gagné sa place dans les interventions des députés, surtout dans des contextes de politesse positive, qui valorisent l’image de l’autre à travers des FFAs. Dans le corpus roumain, dumneata est employé seulement dans des séquences de discours rapporté et parfois dans les interactions directes avec un sens générique, alors que voi est par excellence la forme prototypique pour s’adresser aux adversaires politiques dans des contextes très agressifs ; l’opposition NOI ≠ VOI [NOUS ≠ VOUS] fonctionne aussi dans le souscorpus roumain. L’analyse des formes pronominales délocutives du sous-corpus roumain, El, dânsul, dumnealui, domnia sa et Excelenţa Sa, nous a permis de configurer la relation entre leurs valeurs prototypiques qui, sur l’axe de la déférence, peuvent être classifiées sur une trajectoire ascendante, entre le degré zéro de politesse (el [lui]) et le niveau le plus élevé de cérémonie diplomatique (Excelenţa Sa [Son Excellence]), et, en plus, sur trois degrés intermédiaires, avec des valeurs prototypiques ou incongrues. Comme dans le cas de l’allocution, la délocution est un espace privilégié pour construire des relations très variées de congruence et d’incongruence, décrivant la tension entre la composante protocolaire des règlements parlementaires et la « chaleur » des polémiques les plus

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acharnées. Nos exemples montrent des usages très différents des formes délocutives, qui comprennent des FFAs, valorisantes pour l’image du délocuté, mais aussi des FTAs qui menacent à des niveaux variés l’identité du délocuté : politique (idéologique et / ou professionnelle), professionnelle ou même personnelle. Notre analyse des formes de « tratamento » pronominales allocutives et délocutives ont pu montrer quelques particularités des trois sous-corpus : − premièrement, on peut observer une différence entre le roumain et le portugais (européen et brésilien) en ce qui concerne cette forme de « tratamento » qui exprime le niveau le plus haut de déférence, Vossa Excelência et Excelenţa Sa : si en portugais cette forme allocutive est utilisée avec une certaine fréquence, dans les débats roumains nous n’avons identifié qu’une seule occurrence délocutive, quand le locuteur parle de l’ambassadeur des États-Unis. D’ailleurs, l’absence de la forme Excelenţa Voastră était prévisible, vu que dans le langage courant elle est réservée exclusivement au « tratamento » des fonctionnaires diplomatiques ; − en portugais (européen et brésilien), Vossa Excelência a une gamme très variée d’usages, qui peuvent être classifiés en trois catégories : congrus, avec la valeur prototypique (dans des FFAs), neutre (en contextes fonctionnels, par exemple dans les échanges de gestion du tour de parole), incongrus (en FTAs, qui menacent l’image publique de l’interlocuteur). Ces usages révèlent une tension entre la rigidité protocolaire et la dimension conflictuelle des débats ; − le pronom roumain dumneavoastră – le singulier, ainsi que le pluriel – a seulement des usages neutres et incongrus, alors que la locution domnia voastră est employée exclusivement dans des contextes incongrus, ayant surtout une valeur ironique ; dumneata est réservé aux séquences de discours rapporté ; − en ce qui concerne le pronom você, nous avons observé : d’un côté, une différence significative de fréquence entre les débats portugais et brésiliens – une occurrence en portugais européen et 111 occurrences en portugais brésilien ; de l’autre côté, un grand nombre d’usages génériques de ce pronom et une fréquence réduite de ses emplois allocutifs proprement dits, même en portugais brésilien ; − il y a aussi des différences concernant les valeurs du pronom vocês : si dans le sous-corpus brésilien il peut avoir des valeurs consensuelles, dans le souscorpus portugais il est utilisé essentiellement pour marquer l’opposition entre les adversaires politiques, de type manichéiste NÓS ≠ VOCÊS [NOUS ≠ VOUS] ; − en ce qui concerne la série délocutive du roumain el, dânsul, dumnealui, domnia sa, nous avons observé que le pronom el a essentiellement des fonctions anaphoriques ou cataphoriques, étant moins employé que le « tratamento » délocutif proprement dit ; dânsul, qui est utilisé dans la langue courante comme pronom de déférence, ne survient dans les débats de ce corpus que dans des contextes neutres et incongrus ; dumnealui, caractérisé par Zafiu (2002) comme une « parenthèse ironique », est employé comme FTAs, mais aussi dans des contextes congrus avec sa valeur de déférence ;

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− domnia sa, la locution pronominale de déférence, a dans les débats de notre corpus seulement un usage congru, mais aussi différents usages incongrus, dans des énoncés ironiques ; − le pronom eles est en portugais un des moyens linguistiques employé pour instaurer des relations conflictuelles, sur l’axe NÓS ≠ ELES [NOUS ≠ ILS]. Le quatrième chapitre est consacré à L’image des autres : le « tratamento » nominal allocutif et délocutif. Premièrement, nous avons identifié six catégories de « tratamento » nominal : institutionnel, relationnel, professionnel, académique, personnel et générique. Le premier sous-chapitre se penche sur le type de « tratamento » institutionnel – le plus fréquent – pour en analyser sa structure interne, sa fonction discursivotextuelle et sa fonction interactionnelle. D’un point de vue syntaxique, nous avons identifié deux catégories de formes nominales de « tratamento », celles qui sont utilisées au vocatif (détachées), et celles qui sont employées comme sujet ou objet direct et indirect. D’un point de vue interactionnel, ces formes de « tratamento » peuvent être allocutives ou délocutives. En ce qui concerne la structure interne, nous avons observé une différence entre les pratiques discursives en portugais européen et en portugais brésilien : dans le premier sous-corpus, les formes institutionnelles de vocatif presidente, deputado(s), deputadas(s), ministro(s), ministra(s), secretário(s) do estado, membros do governo, etc. sont presque toujours précédées par les formules senhor(es) et senhora(s), tandis que dans le deuxième sous-corpus elles peuvent être utilisées sans senhor(es) et senhora(s), étant suivies fréquemment par le prénom ou par le prénom et le patronyme. Du point de vue du rôle qu’ont les formes de « tratamento » dans l’organisation textuelle, nous avons observé que la position topique dans une séquence discursive joue un rôle important : en position initiale, les formes nominales ratifient et légitiment l’interlocuteur, en position médiane elles entretiennent le lien interlocutif, alors qu’en position finale elles opèrent un bornage de l’intervention (voir aussi à ce propos les analyses de Détrie 2006) pour l’apostrophe nominale dans les débats parlementaires à l’Assemblée Nationale). Les formes nominales allocutives en position médiane peuvent avoir des fonctions discursives variées : soutenir les affirmations du locuteur, définir l’allocutaire direct en tant que destinataire d’une question, ou introduire de nouveaux sujets dans le débat. Le sous-chapitre suivant se penche sur le « tratamento » relationnel et les formes nominales amigo(s), colega(s) et irmão(s) [ami(s), collègue(e) et frère(s)] en portugais et prieten, prietenă, prieteni, prietene, coleg, colegă, colegi, colege [ami, amie, amis, amies, collègue, colleguè(s)] en roumain, formes qui expriment des relations sociales situées différemment, d’après Hall (1966), suivant une « distance personnelle et sociale ». Dans ce cas, une analyse quantitative s’est révélée pertinente, vu qu’elle a pu dégager des aspects typiques pour chaque sous-corpus : une prévalence de la forme allocutive

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coleg(i) dans les débats roumains, l’absence des formes relationnelles de « tratamento » dans le sous-corpus portugais, et une situation plus nuancée en portugais brésilien, où on a pu observer des usages des formes relationnelles plus variées. Il a néanmoins fallu aussi analyser les rapports entre le sens prototypique et la valeur contextuelle, vu que coleg(i) peut être fréquemment employé dans des FTAs. Dans le corpus roumain on peut D’ailleurs, voir que cette forme nominale, souvent accompagnée par des adjectifs qualificatifs stimaţi [distingués], fonctionne comme un passepartout allocutif et délocutif. De la même façon, dans le sous-corpus brésilien les formes nominales peuvent indiquer une préférence pour la création de relations interlocutives plus proches, mais quelques exemples montrent aussi la présence d’usages incongrus. En ce qui concerne les formes de « tratamento » allocutives professionnelles et académiques, nous avons également noté des différences entre les trois sous-corpus. Dans les débats portugais, ce type de « tratamento » est (très) peu fréquent – nous avons identifié seulement trois exemples d’emplois délocutifs des formes professor [professeur] et engenheiro [ingénieur]. Ce qui diffère des usages quotidiens des titres au Portugal. Cette conclusion soutient aussi les résultats du premier sous-chapitre, qui révèle la préférence dans les débats portugais pour la configuration des relations interlocutives exclusivement institutionnelles. Dans le corpus brésilien ces formes de « tratamento » sont plus fréquentes, et nous avons trouvé que les titres académiques comme doutor, doutora constituent le « tratamento » standard pour les hauts fonctionnaires publics. En roumain, le « tratamento » professionnel est fréquemment utilisé comme stratégie consensuelle pour des politiques sectorielles ; par exemple, dragi colegi profesori [chers collègues professeurs] est la forme allocutive employée dans une intervention sur la loi de l’éducation nationale. Dans le sous-chapitre qui suit, nous investiguons la sphère de l’identité personnelle : les allocutaires et les délocutés sont identifiés par leurs attributs personnels les plus évidents – leurs noms – avec ou sans autres mentions supplémentaires, institutionnelles ou professionnelles. Les trois sous-corpus révèlent quelques particularités définitoires. En premier lieu, il n’y a pas de formes de « tratamento » – allocutives ou délocutives – dans les débats portugais. En deuxième lieu, les usages dans les séances parlementaires brésiliennes et roumaines présentent plusieurs différences. Une première est que dans les débats brésiliens, les formes de « tratamento » personnelles formées par des appellatifs génériques comme senhor, senhora et prénom / prénom + patronyme sont exclusivement délocutives, tandis que dans le sous-corpus roumain il y a aussi des usages allocutifs. Une autre différence consiste dans les fluctuations de « tratamento » en roumain pour le même allocutaire ou délocuté, l’exemple le plus illustratif étant celui de délocution de l’ancien premier ministre Emil Boc : domnul prim-ministru Emil Boc [monsieur le premier ministre Emil Boc], domnul prim-ministru Boc [monsieur le premier ministre Boc], premierul Emil Boc [le premier ministre Emil Boc], domnul premier Boc [le premier ministre Boc], primul-ministru Boc [le premier ministre Boc], premierul Boc [le premier ministre Boc], domnul Emil Boc [monsieur Emil Boc], domnul Boc [monsieur Boc], Emil Boc, Boc. Si dans les débats

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brésiliens il y a aussi une grande variété de formes nominales, ce n’est pas le cas s’il s’agit de la même personne. Les structures les plus fréquentes identifiées dans le souscorpus roumain ont été : domnule [monsieur] + prénom + patronyme, domnule [monsieur] + patronyme, domnule [monsieur] + prénom, alors qu’en portugais brésilien des usages du prénom ou du patronyme sans autre appellatif ou désignatif sont possibles. Enfin, si le « tratamento » générique est utilisé dans les débats portugais surtout pour la création des identités antagoniques, nós ≠ os senhores, en portugais brésilien il est utilisé dans des contextes plus variés, alors qu'en roumain la formule doamnelor si domnilor [mesdames et messieurs] est préférée surtout dans des séquences neutres (par exemple celles de gestion du tour de parole). Pour ce qui est de notre analyse comparative du fonctionnement du « tratamento » nominal – les six catégories : institutionnel, relationnel, professionnel, académique, personnel et générique – elle permet de formuler les conclusions suivantes : − une préférence nette dans les débats portugais pour le « tratamento » institutionnel, au détriment du « tratamento » relationnel, professionnel, personnel ou générique, alors que dans les débats roumains et brésiliens les locuteurs utilisent une gamme plus variée d’appellatifs et désignatifs ; − des différences dans la structure des formes de « tratamento » institutionnel dans les deux variétés du portugais : si dans les débats au Portugal la structure la plus fréquente est senhor / senhora [monsieur / madame] + FONCTIONMASC / FONCTIONFEM (+ prénom & patronyme), le prénom et le patronyme étant facultatifs, dans les débats au Brésil la formule la plus fréquente est : (senhor / senhora [monsieur / madame]) + FONCTIONMASC / FONCTIONFEM (+ prénom / patronyme / prénom & patronyme), les appellatifs senhor, senhora [monsieur / madame] étant optionnels, ainsi que le prénom et le patronyme ; en portugais européen la formule courante est senhor deputado, senhora deputada, tandis qu’en portugais brésilien les formules les plus communes sont deputado, deputada ; − en roumain la structure du « tratamento » institutionnel est domnule / doamnă + FONCTIONMASC (+ patronyme / prénom & patronyme), vu qu’aussi bien dans le langage quotidien que dans les discours institutionnels on préfère l’usage de la forme masculine des fonctions : doamnă deputat [madame le député], et non pas doamnă deputată [madame la député]; − les formes institutionnelles de « tratamento » peuvent être précédées par des adjectifs qualificatifs seulement en portugais brésilien et en roumain, comme dans : ilustre deputado [illustre député], nobre deputado [noble député], stimate [cher], distins [distingué] ; − en ce qui concerne la fonction discursive des formes institutionnelles de « tratamento », on peut distinguer entre le rôle de marqueur conversationnel ; en position initiale ces formes identifient et légitiment l’allocutaire, en position médiane elles maintiennent le contact, en position finale elles fonctionnent comme

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une cadre métadiscursif ; on peut également distinguer le rôle de marqueur textuel, qui sert surtout à introduire des nouveaux propos dans le débat ; en ce qui concerne le « tratamento » relationnel, les parlementaires roumains montrent une préférence pour la forme coleg(i) [collègue(s)] dans les usages allocutifs et délocutifs – à valeurs consensuelles aussi bien que conflictuelles –, alors que dans les deux variétés de la langue portugaise, les formes colega(s) [collègue(s)] et amigo(s) [ami(s)] sont utilisées de façon différente : presque inexistantes dans le sous-corpus portugais, elles ont par contre des valeurs très variées dans le sous-corpus brésilien ; le « tratamento » académique et professionnel est moins fréquent dans le souscorpus brésilien, étant employé pour les hauts fonctionnaires publics ; il a un caractère ponctuel dans les débats portugais –seulement trois usages délocutifs identifiés : o Professor Cavaco Silva, o Engenheiro Sócrates, o Professor Adriano Moreira – alors qu’en roumain il s’utilise pour les parlementaires qui sont aussi professeurs ou médecins ; la configuration des relations interlocutives plus proches, grâce aux différentes utilisations des formes de « tratamento » personnel, est une caractéristique des sous-corpus brésilien et roumain, alors qu’en portugais européen ces formules sont absentes ; si dans les débats brésiliens et portugais les locuteurs utilisent la même forme de « tratamento », dans les débats roumains il y a plus de flexibilité pour celles destinées au même allocutaire ou délocuté ; en ce qui concerne le « tratamento » générique, nous avons observé qu’en portugais européen et en roumain les formes os senhores [messieurs] et domnilor [messieurs] sont employées pour créer des relations agonales, alors qu’en portugais brésilien os senhores [messieurs] survient aussi dans des contextes de valorisation de l’autre ; dans les débats roumains, la forme doamnelor şi domnilor [mesdames et messieurs] a plutôt un rôle phatique, qui sert à (re)établir le contact du locuteur (surtout le président de la séance ou l’oratoire) avec l’auditoire.

Le dernier chapitre, La négociation du « tratamento » montre des cas de négociation des formules élocutives, allocutives et délocutives. En ce qui concerne le « tratamento » élocutif, les stratégies de négociation se limitent à rejeter l’intégration dans certains groupes (nós não… [pas nous]), tandis que la négociation des formes allocutives et délocutives indique noramment la correction des dérapages par rapport à la norme protocolaire imposée par les règlements. Un bilan général de notre recherche sur le discours parlementaire portugais, brésilien et roumain peut être résumé de la façon suivante : en ce qui concerne le rituel interactionnel (séquences d’ouverture, corps d’interaction, séquence de clôture), les

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débats roumains et brésiliens se rapprochent par leur flexibilité conversationnelle (actes rituels, négociation conversationnelle, formes allocutives et délocutives plus variées), alors que les débats portugais sont plus rigides et conservateurs, obéissant aux normes des règlements. De ce point de vue, l’option des locuteurs pour un style communicatif plus proche du règlement nous fait conclure que dans les débats parlementaires portugais les normes discursives sont plus importantes que les habitudes culturelles communicatives. Un autre résultat concerne le fonctionnement de la négociation conversationnelle. On a identifié la cristallisation permanente d’un conflit ; en effet, le succès (ou l’échec) de la négociation n’a pas d’influence sur le déroulement de l’interaction, la dimension agonale intrinsèque des débats politiques étant une manifestation rituelle de cet type d’interaction. L’analyse de la paire adjacente question / réponse montre que le rôle essentiel de ces moyens linguistiques n’est pas celui d’obtenir et d’offrir des informations, mais plutôt de dynamiser le travail de figuration (facework), c’est-à-dire de menacer l’image publique des adversaires politiques et de protéger l’image de soi. D’un point de vue comparatif, l’analyse minutieuse du « tratamento » a révélé quelques résultats : i) une rigidité dans la sélection des formes allocutives et délocutives en portugais européen et une flexibilité en roumain et en portugais brésilien ; ii) une préférence en roumain pour le « tratamento » relationnel, tandis qu’en portugais européen les formes institutionnelles sont plus fréquentes – en portugais brésilien nous n’observons pas de préférence nette pour une catégorie ou une autre, vu une gamme très diversifiée d’usages ; iii) une fréquence du « tratamento » académique et professionnel dans les débats brésiliens par rapport aux séances portugaises et roumaines. En ce qui concerne les particularités de chaque sous-corpus, nous observons dans les débats roumains l’utilisation de fréquentes formes vocatives et interjectives, ce qui confirme la théorie de Pop (2006) sur un « style communicatif interjectif » de cette langue. Ce qui nous laisse conclure que les habitudes culturelles communicatives sont plus fortement conservées en roumain que l’obéissance aux règlements parlementaires, ce qui n’est pas le cas du portugais européen. D’ailleurs, l’oralité est très présente dans les documents parlementaires – même les plus formels, comme les motions de censure –, ce qui montre, encore une foi, la prévalence des normes conversationnelles au détriment de la rigidité du protocole institutionnel. Dans les débats parlementaires brésiliens, le pronom você et les formes de « tratamento » relationnel prévalent, ce qui peut indiquer une préférence pour des distances interlocutives plus proches que dans les débats portugais. D’ailleurs, Johnen (2008) a observé la même préférence dans un autre type de discours politique, les

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débats présidentiels. Dans le sous-corpus brésilien, il y a aussi – comme dans le souscorpus roumain – un éloignement des normes interactionnelles institutionnalisées. Nous pouvons donc conclure que les débats portugais sont plus proches du pôle institutionnel de l’organisation interactionnelle, tandis que les débats roumains et brésiliens sont plus proches des particularités culturelles de la communication.

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