A Guerra Fria Lusófona: o Brasil e o Colonialismo português em Angola e Moçambique (1961-1974) 9786525023465

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A Guerra Fria Lusófona: o Brasil e o Colonialismo português em Angola e Moçambique (1961-1974)
 9786525023465

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A GUERRA FRIA LUSÓFONA O BRASIL E O COLONIALISMO PORTUGUÊS EM ANGOLA E MOÇAMBIQUE (1961-1974)

Editora Appris Ltda. 1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda. Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.

Catalogação na Fonte Elaborado por: Josefina A. S. Guedes Bibliotecária CRB 9/870

Alves, Tiago J. J. A474g A guerra fria lusófona: o Brasil e o colonialismo português em Angola 2022 e Moçambique (1961-1974) / Tiago J. J. Alves. 1. ed. - Curitiba: Appris, 2022. 271 p.; 23 cm. – (Ciências sociais. Seção história). Inclui bibliografia. ISBN 978-65-250-2346-5 1. Portugal - Colônias. 2. Portugal - Política internacional. 3. Brasil Relações exteriores. I. Título. II. Série. CDD – 946.9

Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

Editora e Livraria Appris Ltda. Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês Curitiba/PR – CEP: 80810-002 Tel. (41) 3156 - 4731 www.editoraappris.com.br Printed in Brazil Impresso no Brasil

Tiago J. J. Alves

A GUERRA FRIA LUSÓFONA O BRASIL E O COLONIALISMO PORTUGUÊS EM ANGOLA E MOÇAMBIQUE (1961-1974)

FICHA TÉCNICA EDITORIAL Augusto V. de A. Coelho Marli Caetano Sara C. de Andrade Coelho COMITÊ EDITORIAL Andréa Barbosa Gouveia - UFPR Edmeire C. Pereira - UFPR Iraneide da Silva - UFC Jacques de Lima Ferreira - UP ASSESSORIA EDITORIAL Manuella Marquetti REVISÃO Isabela do Vale Poncio PRODUÇÃO EDITORIAL Raquel Fuchs DIAGRAMAÇÃO Danielle Paulino CAPA Eneo Lage COMUNICAÇÃO Carlos Eduardo Pereira Karla Pipolo Olegário LIVRARIAS E EVENTOS Estevão Misael GERÊNCIA DE FINANÇAS Selma Maria Fernandes do Valle COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS DIREÇÃO CIENTÍFICA Fabiano Santos (UERJ-IESP) CONSULTORES Alícia Ferreira Gonçalves (UFPB)

Jordão Horta Nunes (UFG)

Artur Perrusi (UFPB)

José Henrique Artigas de Godoy (UFPB)

Carlos Xavier de Azevedo Netto (UFPB)

Josilene Pinheiro Mariz (UFCG)

Charles Pessanha (UFRJ)

Leticia Andrade (UEMS)

Flávio Munhoz Sofiati (UFG)

Luiz Gonzaga Teixeira (USP)

Elisandro Pires Frigo (UFPR-Palotina)

Marcelo Almeida Peloggio (UFC)

Gabriel Augusto Miranda Setti (UnB)

Maurício Novaes Souza (IF Sudeste-MG)

Helcimara de Souza Telles (UFMG)

Michelle Sato Frigo (UFPR-Palotina)

Iraneide Soares da Silva (UFC-UFPI)

Revalino Freitas (UFG)

João Feres Junior (Uerj)

Simone Wolff (UEL)

Dedico este livro às professoras que fazem parte da minha vida: Minha mãe Eni, minha tia Ide e minha madrinha Idália Aos meus afilhados Lucas, Rosa, Benício e Murilo Às minhas sobrinhas Luana e Ângela Às minhas irmãs Tatiana e Vanessa Ao mestre Rangel Farias Ao professor Aníbal Pagamunici (in memorian) E ao meu pai Valdir J. Alves (in memorian)

AGRADECIMENTOS Quero agradecer as pessoas e instituições que facilitaram meu caminho na produção deste livro. Aos funcionários dos arquivos, pela presteza. Aos professores, servidores e estudantes dos Programas de Pós-Graduação em História da UEM, da UFSC e da UFPR, pelos aprendizados. Aos professores Francisco Carlos Palomanes Martinho (USP), Reinaldo Lindolfo Lohn (UDESC), Marçal de Menezes Paredes (PUCRS), Susan de Oliveira (UFSC) e Sílvio Marcus de Souza Correa (UFSC), pelas importantes observações, sugestões e críticas ao texto que serviu de base para o presente livro. Aos colegas do Instituto de História Contemporânea (IHC) e ao professor Pedro Aires Oliveira (UNL), pelos positivos diálogos em Lisboa. Ao professor Waldir Rampinelli (UFSC), pela consistente e fraterna orientação no doutorado. Ao professor Alexandre Busko Valim (UFSC), pelas sugestões para a finalização da capa e do título, e por toda generosidade. Ao professor Sidnei J. Munhoz (UEM/UFSC), por ter despertado meu interesse pela pesquisa científica e por ser uma inspiração. Ao professor Reginaldo B. Dias (UEM), um importante interlocutor na minha trajetória acadêmica e meu orientador durante o mestrado. Ao professor Odilon Caldeira Neto (UFJF), pelas profícuas intersecções. À professora Roseli Boschilia (UFPR), pela eficiente supervisão e acolhimento no pós-doutorado. Ao brother Evágrio Balfer, por suscitar meu interesse pela África. Aos meus amigos e minhas amigas, pela fraternidade e lealdade. Agradeço a equipe da Editora APPRIS, pelo profissionalismo. À Laísa B. Benetti e aos meus familiares, por me ajudarem a evoluir. Por fim, reforço meus agradecimentos aos professores Francisco, Odilon e Sidnei, por conta da produção do prefácio e das apresentações que engrandecem este trabalho. A pesquisa que deu origem a esta obra foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.

PREFÁCIO A Guerra Colonial portuguesa (1961-74) já foi tema de inúmeras investigações nas áreas das assim chamadas Ciências Humanas. No plano interno, referente a seu impacto junto ao Estado Novo português, muito se falou dos crescentes constrangimentos internacionais sofridos pelo regime de António Oliveira Salazar e, a partir de 1968, de Marcello Caetano. Das votações em plenário da ONU, incluindo neste caso não apenas as novas nações africanas recém independentes, mas também os Estados Unidos da América e países europeus, Portugal passou praticamente toda a “longa década de 1960” a defender uma política ultramarina crescentemente injustificável aos olhos da opinião pública internacional1. O acontecimento culminante desses dissabores, para um país com raízes históricas tão fincadas no catolicismo, terá sido o episódio do encontro do Papa Paulo VI, em 1.º de julho de 1970, com representantes dos movimentos independentistas de Angola, Moçambique e Guiné. Do ponto de vista dos movimentos independentistas, vasta literatura, parte dela com ares de ufanismo, exacerbou o papel preponderante dos partidos que se instauraram no poder pós independências em 19752. Aos poucos, uma historiografia mais crítica preocupou-se em destrinchar as razões do conflito e os motivos de sua continuidade por mais de uma década. Longe dos argumentos evocativos anteriores, esta literatura, grosso modo, percebeu uma série de fatores que permitiram ao Exército português certa estabilidade nos teatros de guerra, exceção feita à Guiné, o “Vietnã português”. Em linhas gerais, esses trabalhos deram ênfase à forte “africanização” das Forças Armadas metropolitanas, que chegaram à casa dos 40% de seu contingente, além da opção militar por um enfrentamento de “baixo impacto”3. A perspectiva da “longa década” considera o período iniciado com o impacto da candidatura à presidência da República do general Humberto Delgado e se estende até a queda do regime e a consequente Revolução dos Cravos. Sobre o tema, ver: BRITO, José Maria Brandão de; SANTOS, Paula Borges dos (coord). Os Anos Sessenta em Portugal: duas governações, diferentes políticas públicas? Lisboa: Afrontamento, 2020. 2  MATEUS, Dalila Cabrita. A guerra colonial e o 25 de Abril. In: VARELA, Raquel (coord.). Revolução ou transição? História e memória da Revolução dos Cravos. Lisboa: Bertrand Editora, 2012. p. 33-55. 3  PINTO, António Costa. O fim do império português. Lisboa: Livros Horizonte, 2001; MENESES, Filipe Ribeiro de. Diplomacia, Defesa e Guerra. In: BRITO, José Maria Brandão de; SANTOS, Paula Borges. Os Anos Sessenta em Portugal: Duas governações, diferentes políticas públicas? Porto: Edições Afrontamento, 2020, p. 51-77; CANN, John P. Contra-insurreição em África. O modo português de fazer a guerra, 1961-1974. Atena: São Pedro do Estoril, 1998; JERÓNIMO, Miguel Bandeira (org.). O Império Colonial em Questão (Sécs. XIX e XX). Lisboa: Edições 70, 2010; NORRIE, MacQueen. A guerra colonial. In: ROSAS, Fernando; OLIVEIRA, Pedro A. A transição falhada. 1 

No Brasil, alguns estudos já demonstram maturidade e conhecimento acerca da África contemporânea, em particular a de língua portuguesa. Alguns deles versam sobre as antigas colônias hoje nações independentes4, enquanto outros privilegiam o impacto do processo independentista junto à ditadura militar brasileira5. Combinando bibliografia pertinente e um volume significativo de fontes primárias, o trabalho de Tiago João José Alves apresenta, entretanto, novidades aos estudos sobre o problema africano. É que o autor realiza uma reflexão em perspectiva tripartite, abarcando África, Brasil e Portugal. Nos pronunciamentos, portanto, de jornalistas e políticos brasileiros acerca da crise portuguesa, lê-se também uma clara preocupação para com a África e seu futuro pós-independência. Fundamental ainda neste trabalho foi a percepção de que a diplomacia africana do Itamaraty não resultou de uma invenção do general Ernesto Geisel, como parece crer uma leitura algo apressada. Essa atitude apenas confirmava uma tendência pretérita da diplomacia brasileira, ainda que não linear. Assim, se durante o governo Castelo Branco afirmava-se o apoio ao colonialismo, já com Costa e Silva as prioridades da política externa brasileira se alteravam gradativamente. Na chegada de Médici no poder, o compromisso nacional-desenvolvimentista afastava o Brasil de sua antiga metrópole. A viagem do chanceler Mário Gibson Barbosa à África, em novembro de 1972, foi definitiva para a mudança de rumo. As nações africanas mostravam-se irredutíveis contra a insistência portuguesa em permanecer na África. E o ministro brasileiro ouviu, em Lagos, que os obstáculos para a conclusão dos contratos entre a Petrobrás Lisboa: Bertrand, 2004, p. 263-300; NETO, Sérgio; TORGAL, Luís Reis. Uma nova Política Colonial nos Anos 60? Os últimos Brasís em África. In: BRITO, José Maria Brandão de; SANTOS, Paula Borges. Os Anos Sessenta em Portugal: Duas governações, diferentes políticas públicas? Porto: Edições Afrontamento, 2020, p. 217-44. 4  HERNANDEZ, Leila M. G. L. A itinerância das ideias e o pensamento social africano. Anos 90. UFRGS, v. 21, p. 195-225, 2017; HERNANDEZ, Leila M. G. L. Elites africanas, a circulação de ideias e o nacionalismo anticolonial. África Passado e Presente, v. 1, p. 20-9, 2010; HERNANDEZ, Leila M. G. L. Movimentos de resistência na África. Revista de História. USP, v. 141, p. 141-50, 1999. BITTENCOURT, Marcelo. Da traficância à independência angolana. Tempo Presença. Rio de Janeiro, Ano 27, n. 340, p. 9-13, 2005; BITTENCOURT, Marcelo. Memórias da Guerrilha: a disputa de um valioso capital. História Oral. Rio de Janeiro, v. 2, p. 91-110, 1999; BITTENCOURT, Marcelo. Criação do MPLA. Estudos Afro-Asiáticos. Rio de Janeiro, v. 32, n. 32, p. 185-208, 1997. MARÇAL, M. Paredes. A construção da identidade nacional moçambicana: sua complexidade e alguns problemas de pesquisa. Anos 90. UFRGS, v. 21, p. 131-61, 2007. 5  CARVALHO, Thiago. O Brasil e o fim do Império português. In: JERÓNIMO, Miguel Bandeira; PINTO, António Costa (org.). Portugal e o fim do colonialismo. Lisboa: Edições70, 2014, p. 155-78. PENNA FILHO, Pio; LESSA, Antonio Carlos Moraes. O Itamaraty e a África: as origens da política africana no Brasil. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 39, p. 57-81, jan.-jul., 2007.

e a Nigerian Oil Corporation residiam na posição política brasileira favorável ao colonialismo português. A mudança de rumo estava decretada6. Também nos três lados da contenda luso-afro-brasileira, o autor percebe as dificuldades e ambivalências de cada um desses contendores. Se, por um lado, elites conservadoras portuguesas no Rio de Janeiro ou São Paulo recusavam a descolonização, por outro, grupos opositores do Estado Novo, propagandeavam pelo fim do Império e a queda da ditadura. Na África, a crescente africanização do exército português mostrava que as escolhas das populações locais não se dirigiam necessariamente para um campo específico. Também em Portugal, a crítica ao colonialismo foi lenta, mesmo entre as correntes de oposição à ditadura lusa7. O 25 de Abril, assim, embora não tenha determinado a aspiração brasileira na África, facilitou em parte a sua política africana. Mesmo que com algum incômodo do governo de Lisboa, já em democracia, com a tentativa de “ingerência” dos militares brasileiros no calendário da transição das novas nações luso-africanas8. Portanto, os entremeios dessas relações nem claras entre os países de língua portuguesa dos continentes africano, americano e europeu ganham novas luzes e abrem outras perspectivas de análise. Uma delas não poderia deixar de referir pensando no caso específico do Brasil. Em sendo um fato que a concepção desenvolvimentista dos generais brasileiros permitiu a adoção de políticas que, em larga medida, vinham ao encontro das ambições autonomistas na África, como se terá dado o evidente abandono, a despeito de argumentos em contrário, das opções africanistas e lusitanistas da diplomacia brasileira com o avanço do neoliberalismo dos anos 1990? Uma tese de excelência apresenta novidades e instiga e novas reflexões. É este o caso do livro de Tiago Alves que em boa hora chega ao público leitor. Francisco Carlos Palomanes Martinho Professor livre-docente do Departamento de História da USP; pesquisador do CNPq CARVALHO, Thiago. O Brasil e o fim do Império português. In: JERÓNIMO, Miguel Bandeira; PINTO, António Costa (org.). Portugal e o Fim do Colonialismo. Dimensões Internacionais. Lisboa: Edições 70, 2014, p. 158-60. 7  PINTO, António Costa; MONTEIRO, Nuno G. A Identidade Nacional Portuguesa. In: PINTO, António Costa (coord.). Portugal Contemporâneo. Lisboa: Dom Quixote, 2005, p. 51-65. 8  MAGALHÃES, José Calvet de. O Brasil e a Revolução Portuguesa de 1974. In: CERVO, Amado; MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das Caravelas: as relações entre Portugal e Brasil (1808-2000). Brasília: EdUNB, 2000; MARTINHO, Francisco C. P. Revolução portuguesa e a ditadura brasileira. In: LEONÍDIO, Adalmir; ALMEIDA, Antônio Ribeiro de; ANDRADE, Everaldo; PUNTONI, Pedro (org.). 2016 golpe e democracia no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2020, p. 227-41.

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APRESENTAÇÃO Para preservar seu Império Colonial na África, o Estado Novo português recorreu ao uso da força militar para reprimir os movimentos nacionalistas que irromperam contra o colonialismo. Tendo como teatro de operações Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, contabilizando 13 anos de conflito, o Brasil, como ex-colônia portuguesa, foi instado a tomar posição. De um lado, um articulado lobby lusitano instalado em território brasileiro, auxiliado pela diplomacia portuguesa, procurou aproximar o país da manutenção do colonialismo português. Do outro lado, nacionalistas e antisalazaristas cobraram da ex-colônia portuguesa uma postura crítica e proativa favorável às independências. Nesses marcos, o presente livro aborda a política africana do Brasil para as guerras coloniais em Angola e Moçambique entre 1961 e 19759, com ênfase na política externa da ditadura. Analisei as políticas dos governos brasileiros, suas deliberações e suas posições sobre essas guerras10, considerando seus interesses na região. Naquele então, o mundo estava mergulhado no universo da Guerra Fria. Mesmo com riscos e ameaças, um confronto direto global não ocorreu, ou seja, não chegou a um ponto de guerra “quente” entre a União das Repúblicas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA). Isso não anulou a existência de guerras regionais, intervenções, golpes militares, lutas de independência nacional e revoluções, processos inseridos no amplo arcabouço da Guerra Fria11. Apesar de o Estado Novo português ter como lema a ideia de estar “Orgulhosamente sós”, buscando superar a bipolaridade soviética e estadunidense, Portugal foi tragado pelo arcabouço da Guerra Fria. Os impasses em Angola e Moçambique podem ser vistos como um deslocamento das tensões desse conflito global para outras regiões, atingindo diretamente a África12. EUA, URSS, incluindo também Cuba e China, envolveram-se na teia dos conflitos anticolonialistas africanos. Ainda sob esse contexto, Angola, Moçambique, Portugal e Brasil foram acometidos por características Em Angola a guerra começou em 1961, em Moçambique no ano de 1964. Existem várias denominações para as guerras em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique: Guerra de Independência, Guerra Colonial Portuguesa, Luta Armada de Libertação Nacional. Talvez o mais adequado seja Guerra Colonial do Ultramar de Libertação, pois abrange os dois lados do conflito. 11  Para maior compreensão, conferir um dos mais importantes trabalhos em português sobre a temática: MUNHOZ, Sidnei J. Guerra Fria: História e Historiografia. Curitiba: Editora Appris, 2020. 12  HALLIDAY, Fred. Génesis de La Segunda Guerra Fria. México: Fondo de Cultura Económica, 1989, p. 29. 9 

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semelhantes: propagandas, anticomunismos, comunismos, polícias políticas, prisões, exílios e resistências. No Brasil, o golpe civil-militar de 1964 levou ao poder uma coalisão conservadora, antirreformista e anticomunista que permaneceu no poder durante três décadas. Em Portugal, o golpe militar de 1926 amparou um regime corporativista, autoritário, anticomunista e colonialista que perdurou até 1974. Vale salientar que apesar de serem ditaduras, ambas resguardavam diferenças em suas concepções e foram erguidas em contextos distintos13. Em Angola e Moçambique, mas também em GuinéBissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe14, as colônias africanas receberam modelos societários baseados na opressão, exploração, dependência, racismo e repressão. Nessa teia, o Estado Novo (1933-1974) português procurou seduzir e conquistar os governos brasileiros para tê-los como aliados na manutenção de seu Império Colonial na África. Já os movimentos nacionalistas africanos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique tentaram angariar a solidariedade do Brasil, uma ex-colônia portuguesa. Dessa forma, não é possível analisar a política africana do Brasil dessa etapa sem considerar o peso português e a contrapressão africana. O estudo privilegia as posições do Estado brasileiro e da diplomacia, compreendendo quais foram suas opiniões, diretrizes e posições sobre os movimentos, atores e a guerra, desvelando o envolvimento do Brasil nessa questão. Não desconsidero outras esferas e personagens da sociedade civil, interessados na problematização do colonialismo e do anticolonialismo. Por fim, faço um breve sobrevoo sobre as linhas gerais das relações Brasil/Portugal/África; o percurso do Estado Novo e a sustentação de seu Império Colonial na África; os impactos e os decursos das guerras em Angola e em Moçambique; os perfis da diplomacia brasileira e a política externa do Brasil; os posicionamentos de setores da sociedade civil brasileira a respeito das guerras; as pressões oriundas dos movimentos nacionalistas africanos, do lobby português, do Estado Novo, dirigidas ao Brasil. Por meio do uso de diversos tipos de fontes e de ampla bibliografia, o trabalho lança luz sobre um tema importante das relações triangulares entre Brasil, África e Portugal. Espero que a obra suscite novos diálogos, questões, problemas e que inspire novas pesquisas.

Por exemplo: numa certa altura, o Brasil tinha como lema a modernização, enquanto Portugal tinha como prerrogativa a ruralidade. 14  Na Ásia, Portugal possuía as colônias Timor Português, Macau, Goa, Damão e Diu. 13 

CRONOLOGIA

1926 Maio 28. Golpe militar em Portugal encerra a I República. 1928 Oliveira Salazar assume a pasta do Ministério das Finanças. 1930 Julho 30. Fundação da União Nacional, base de sustentação do Estado Novo português. 1933 Abril Instituição da Constituição de Portugal, considerado o documento fundacional do Estado Novo português. Incorporação do Acto Colonial à Constituição portuguesa. Salazar se tornar presidente do Conselho de Ministros. Agosto 29. Criação da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE). Setembro 23. Criação do Estatuto do Trabalho Nacional, através do Decreto-Lei n.º 23 048.

Outubro 25. Criação do Secretariado de Propaganda Nacional. 1936 Maio 19. Criação da Mocidade Portuguesa. Setembro 30. Criação da Legião Portuguesa. 1945 Outubro 22. Substituição da PVDE pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). 1949 Entrada de Portugal na OTAN. 1955 Dezembro 14. Ingresso de Portugal na ONU. 1961 Fevereiro 23. O Conselho de Segurança da ONU condena a política colonial de Portugal.

Março A UPA revolta-se contra a presença portuguesa em Angola, atacando civis e militares. Agosto 24. Primeiras operações da Guerra Colonial. 1963 Revoltas começam a ocorrer pela independência de Guiné-Bissau. 1964 Fevereiro A Frelimo inicia a luta armada em Moçambique. Março 13. Comício de João Goulart no Rio de Janeiro. 19. Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo. 31. Início do golpe contra João Goulart. Maio 13. Brasil rompe relações diplomáticas com Cuba. Abril 4. Ranieri Mazzilli nomeia Vasco Leitão da Cunha como ministro do MRE. 9. Começo do estado de exceção no Brasil. 11. O general Castello Branco toma posse, eleito pelo Congresso Nacional. Setembro 19-27. Léopold Senghor, presidente do Senegal, visita o Brasil.

1965 Março 19. Joaquim Moreira da Silva Cunha é o novo ministro Ultramarino, substituindo António Augusto Peixoto Correia. Maio Primeira missão comercial brasileira à África Ocidental (Senegal, Libéria, Camarões, Gana, Nigéria e Costa do Marfim). Junho 18. Brasil assina acordo sobre o uso de energia nuclear com Portugal. Setembro 4. Roberto Campos, ministro do Planejamento do Brasil, viaja para URSS, o objetivo foi o estabelecimento de cooperação econômica. 1966 Janeiro 17. Juracy Magalhães assume o MRE. Março Formação da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola), liderada por Jonas Savimbi. 18. MPLA abre nova frente de combate no Leste de Angola. Junho 17. É inaugurada a primeira linha aérea da TAP, com voo direto Lisboa-Rio de Janeiro. Setembro Segunda Missão comercial do Brasil à África Ocidental (África do Sul, Moçambique, Angola, Gana e Costa do Marfim), essa missão foi até outubro.

7. São assinados acordos de cooperação técnica, comercial, cultural e econômica, entre Portugal e Brasil. 24. Restabelecimento do regime de deportação para o Tarrafal, muitos dos presos eram dos movimentos de libertação de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. 1967 Março 14. Primeira recepção oficial a autoridades estrangeiras na sede do Itamaraty. Abril 22. Dia da Comunidade Luso-Brasileira é instituído. Março 15. Costa e Silva torna-se presidente do Brasil, José de Magalhães Pinto assume o MRE. Maio 13. Castello Branco realiza visita oficial a Portugal. 1968 Junho 21. Brasil estabelece relações diplomáticas com a República Democrática do Congo. Julho José de Magalhães Pinto visita Portugal. O MPLA passa a ser a única força reconhecida pela OUA. Setembro 27. Marcello Caetano é o novo presidente do Conselho de Ministros, Salazar estava sem condições físicas para governar.

Novembro 27. A política colonial portuguesa é repudiada na ONU. 1969 Abril 21. Marcello Caetano retorna de visita oficial à Guiné, Angola e Moçambique. Junho 1. Delfim Netto, ministro da Fazenda do Brasil, lidera uma missão econômica de estudo do ultramar português. 6. O MPLA abre a frente do Bié. Julho 8. Marcello Caetano, presidente do Conselho de Ministros de Portugal, visita o Brasil. Outubro 22. O Congresso Nacional brasileiro é reaberto, Médici é eleito presidente da República. 31. Mário Gibson Barboza é indicado como ministro do MRE. Novembro 24. É criada a Direcção Geral de Segurança (DGS), com o intuito de substituir a PIDE. 1970 Junho 12. Gibson Barboza faz visita oficial a Lisboa. 1971 Em Portugal, manifestações são feitas contra a Guerra Colonial.

Setembro 10. Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, realiza visita ao Brasil. Agosto 21. O MPLA forma um Governo no Exílio. 1972 Abril 10. Américo Tomás, presidente da República portuguesa, faz visita ao Brasil, em virtude das comemorações do 150º aniversário da Independência do Brasil, trazendo em sua comitiva, os restos mortais do imperador D. Pedro I. Setembro 6. Marcello Caetano realiza outra visita ao Brasil, participando do encerramento das celebrações do 150º aniversário da Independência. Dezembro 14. Resolução da ONU pede a abertura de negociações entre Portugal e os movimentos nacionalistas. 1973 Maio 14. Médici realiza viagem oficial a Portugal. Julho 15. Manifestação em Londres contra a política colonial do Governo português e contra a programada visita oficial de Marcello Caetano. Agosto 6. Regresso de António de Spínola da Guiné.

Setembro 24. O PAIGC proclama, em Madina do Boé, a independência da Guiné-Bissau. Outubro Choque do Petróleo. Novembro 7. Baltasar Leite Rebelo de Sousa substitui Joaquim da Silva Cunha, passando a ser o novo ministro do Ultramar. 1974 Fevereiro 23. Publicação da obra “Portugal e o Futuro”, do general António de Spínola. Março 5. Condenação de Portugal na ONU. 15. Geisel assume a presidência da República, Azeredo da Silveira é o novo ministro do MRE. Abril 27. Após a Revolução dos Cravos, Brasil é o primeiro país a reconhecer o governo da Junta de Salvação Nacional. Maio 22. Portugal reconhece como interlocutores, os seguintes movimentos: o PAIGC (Guiné), o MPLA, a UNITA e a FNLA (Angola) e a Frelimo (Moçambique). Junho 26. Assinatura em Argel do acordo entre o PAIGC e o governo português que fixou a data 10 de Setembro de 1974 para a independência da Guiné-Bissau.

Julho 16. Brasil reconhece o Estado independente da Guiné-Bissau. Agosto 15. Brasil reestabelece relações diplomáticas com a República Popular da China. Setembro 6. Assinatura em Lusaka, do acordo que fixou para o dia 25 de Junho de 1974 a data da proclamação da independência de Moçambique. 10. Reconhecimento da Independência da Guiné-Bissau. 1975 Janeiro 14. Assinatura do Acordo de Alvor, assinado pelo MPLA, FNLA, UNITA e pelo governo português, estabelecendo a data de independência de Angola para o dia 11 de Novembro de 1975. Junho 25. Independência de Moçambique. 27. Brasil assina Acordo Nuclear com a Alemanha. Julho 5. Independência de Cabo Verde. 12. Independência de S. Tomé e Príncipe. Novembro 10. Brasil tem voto favorável, na Assembleia Geral das Nações Unidas, em torno do debate que considera o sionismo racista. Também vota a favor da condenação do Apartheid. 11. Independência de Angola. 28. Independência de Timor Leste

Dezembro 31. Brasil cria embaixadas em Angola, Moçambique e São Tomé e Príncipe.

LISTA DE ABREVIATURAS E LISTA DE SIGLAS AERP – Assessoria Especial de Relações Públicas Arena – Aliança Renovadora Nacional Bird – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento Cacex – Carteira de Comércio Exterior CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais CEA – Centro de Estudos Africanos CEE – Comunidade Econômica Europeia CEAA – Centro para Estudos Afro-Asiáticos CEI – Casa dos Estudantes do Império Ciex – Centro de Informações do Exterior CONCP – Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas Coremo – Comitê Revolucionário de Moçambique CNS – Conselho Nacional de Segurança DGS – Direcção Geral de Segurança DOPS – Departamento de Ordem Política e Social EUA – Estados Unidos da América FNFI – Faculdade Nacional de Filosofia FUA – Frente de Unidade Angolana FMI – Fundo Monetário Internacional FNLA – Frente Nacional para a Libertação de Angola Frain – Frente Revolucionária Africana para a Independência Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique GAPS – Grupo Formado no Seio do Partido Socialista Português Grae – Governo Revolucionário da República de Angola no Exílio Mabla – Movimento Afro-Brasileiro de Libertação de Angola MAC – Movimento Anticolonialista

MFA – Movimento das Forças Armadas Mina – Movimento para a Independência de Angola MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros MDB – Movimento Democrático Brasileiro MRE – Ministério das Relações Exteriores – Brasil Olas – Organización Latinoamericana de Solidaridad OML – Organização Mundial das Nações Lusas ONU – Organização das Nações Unidas Otan – Organização do Tratado do Atlântico Norte OAS – Organisation Armée Secrète OUA – Organização da Unidade Africana PAIGC – Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde PEC-G – Programas de Estudante-Convênio de Graduação PAA – Repartição da Política África Ásia PCA – Partido Comunista Angolano PCB – Partido Comunista Brasileiro PEA – Repartição da Política Europa América PEC-PG – Programas de Estudante-Convênio de Pós-Graduação PCP – Partido Comunista Português PEB – Política Externa Brasileira PEI – Política Externa Independente PLUAA – Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola Pide – Polícia Internacional e de Defesa do Estado PVDE – Polícia de Vigilância e Defesa do Estado RAS – República da África do Sul RDA – República Democrática da Alemanha Renamo – Resistência Nacional Moçambicana SNI – Serviço Nacional de Informações SNI – Secretariado Nacional de Informação UDN – União Democrática Nacional Udenamo – União Democrática Nacional Africana de Moçambique

Unam – União Nacional Africana de Moçambique Unami – União Nacional Africana de Moçambique independente Ugean – União Geral dos Estudantes da África Negra UNE – União Nacional dos Estudantes Unita – União Nacional para a Independência Total de Angola UPA – União dos Povos de Angola URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

SUMÁRIO 1.

PORTUGAL ESTADO IMPÉRIO, ANGOLA E MOÇAMBIQUE NA ERA DAS DESCOLONIZAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 O Estado Novo em Portugal de Salazar a Caetano: “nada contra a Nação, tudo pela Nação” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 O colonialismo como sustentáculo da pátria portuguesa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 A diplomacia portuguesa e o atuante lobby lusitano no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 O Estado Novo diante do despertar do nacionalismo africano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Angola, Moçambique e a independência nacional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 O modo português de fazer a guerra e a defesa do mundo ocidental . . . . . . . . . . . . . . . . 80

2.

A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA ÁFRICA E PORTUGAL . . . 91 Nuances da diplomacia brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Brasil e Portugal para além da política, uma união familiar e sentimental . . . . . . . . . 104 A política externa brasileira para a África e o desenvolvimento nacional . . . . . . . . . . 119 O capitalismo Made In Brazil e o comércio africano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 A presença cultural brasileira em Angola e Moçambique . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134

3.

O BRASIL COMO OBSERVADOR DO PROBLEMA COLONIAL PORTUGUÊS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 A política africana do Brasil na aurora da guerra colonial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 Anticolonialistas ou terroristas em Angola e Moçambique? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 Entre celeumas e clamores: brasileiros e as guerras em Angola e Moçambique . . . . 156 A diplomacia brasileira e o risco comunista na África . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170

4.

O BRASIL COMO PROTAGONISTA NA GUERRA COLONIAL . . . . . . . . . . 175 O Brasil na Guerra Fria Lusófona: a atuação da PIDE contra os anticolonialistas . . 175 A Guerra Colonial e as diretrizes do Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 196 A Comunidade Afro-Luso-Brasileira como alternativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 O despertar da Revolução dos Cravos e as independências de Angola e Moçambique . 218

CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239 FONTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245

1. PORTUGAL ESTADO IMPÉRIO, ANGOLA E MOÇAMBIQUE NA ERA DAS DESCOLONIZAÇÕES Durante o Estado Novo, Portugal manteve seu status de país atlântico, ultramarino e colonial, tornando-se um Estado Império15. Oliveira Salazar mitificou a missão civilizacional portuguesa, arquitetou as instituições e formulou as ideias para que tal projeto atravessasse as eras do fascismo e da democracia. Seu sucessor, Marcello Caetano, prosseguiu no mesmo caminho, apesar do discurso reformista. Os dois presidentes do Conselho de Ministros promoveram o colonialismo e fizeram a guerra colonial para preservá-lo. Sem colônias Portugal pereceria, assim pensava Salazar e os salazaristas, tese que se tornou uma bússola do regime. O Império Colonial e a salvaguarda das colônias simbolizavam a preservação de Portugal e do Ocidente. Por sua vez, a política externa portuguesa foi utilizada como um projetor das políticas colonialistas de Portugal, enquanto consulados e embaixadas serviram de interlocutores. No Brasil, um lobby de cariz lusitano cultivou e reverberou esse projeto, contando com o sustentáculo da diplomacia portuguesa, utilizada oficialmente para atender aos propósitos salazaristas e marcellistas, seja na informação ou na contrainformação. Diplomacia e lobby se tornaram o elo forte de propaganda e de sustentáculo do salazarismo no Brasil. O Estado Novo em Portugal de Salazar a Caetano: “nada contra a Nação, tudo pela Nação” Desde o surgimento de sua carreira política, por meio de seus pensamentos, textos e discursos, António de Oliveira Salazar ajudou a formular as bases do Estado Novo. Uma de suas orações destaca a pedra fundamental desse edifício: “Nada contra a Nação, tudo pela Nação”. A frase foi extraída Ver: PIMENTA, Fernando Tavares. Perspectivas da historiografia Colonial Portuguesa (Século XX). In: RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (org.). Outros combates pela história. Coimbra: Imprensa da universidade de Coimbra, 2010, p. 56. 15 

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de seu discurso realizado em 21 de outubro de 1929, quando Salazar ocupava o cargo de ministro das Finanças de Portugal. Com esse arcabouço Salazar “estabeleceu a Nação como raiz e origem do poder16”. Em discurso de 1929, a imagem de “nação” abrangia uma extensão territorial que englobava a Metrópole, suas Colônias e Ilhas. Simulava-se uma única realidade histórica, integrada e harmonizada. Os contrastes e as divergências entre os indivíduos, famílias, grupos privados e públicos, não podiam separá-los ou opô-los, sob o risco de afetar os interesses coletivos. A noção de Estado Nacional estava acima de tudo e de todos, como apareceu noutro discurso de Salazar, feito em 193617. A maturação do Estado Novo foi precedida por um regime de exceção que, com um golpe militar, pôs fim ao projeto republicano inaugurado em 1910. A República, proclamada a 5 de outubro de 1910, substituiu a Monarquia, tornando-se a terceira República da história europeia. No novo regime, Portugal alcançou o banimento da dinastia real de Bragança, o encerramento dos títulos nobiliárquicos, a separação da igreja do Estado, o fim do ensino religioso, a inclusão de nova bandeira e de novo hino nacional, a legalização do divórcio e do direito à greve, a aprovação de uma nova lei de imprensa e de uma nova Constituição (1911)18. Guiada pelo Partido Republicano, depois do fim da Monarquia, divergências internas afetaram a organização da nova República. Além das cisões que sofreu o partido, a própria estrutura governativa minou a estabilidade estatal. Entre 1910 e 1926, houve a sucessão de sete parlamentos, oito presidentes e 50 governos, suscitando diversos motins militares. Engessada, vivenciando uma crise política, enfrentou uma ampla oposição, agrupando sindicalistas, operários, monarquistas, católicos clericais, nacionalistas conservadores, militares, integralistas e fascistas. Com essas forças, os grandes interesses econômicos do capitalismo luso (financeiro, agrário, comercial e industrial) endossaram o golpe. Foi então que no dia 28 de maio de 1926, Gomes da Costa fez uma sublevação de tropas em Braga, passando pelo Porto, até chegar a Lisboa. O parlamento foi dissolvido, instaurou-se uma ditadura militar. O golpe de 28 de maio de 1926 renegou os fundamentos do liberalismo, do BRAGA DA CRUZ, Manuel. Salazar e a Política. In: ROSAS, Fernando; BRANDÃO DE BRITO, José M. (org.). Salazar e o Salazarismo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989, p. 61. 17  SALAZAR, Oliveira. Discurso de Oliveira Salazar “Tudo pela Nação”, Braga, 7 de janeiro de 1949. Disponível em: https://rutube.ru/video/1cf496ea5f8f9c3a20a0fdd3ae2cba7c/. Acesso em: 5 nov. 2014. 18  Teófilo Braga foi o primeiro presidente da República. A Constituição foi aprovada no dia 21 de agosto de 1911, inspirada na Constituição de 1822, subordinou o executivo ao legislativo, promoveu eleições para presidente da República via Congresso e afirmou os direitos individuais do povo português. 16 

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parlamentarismo e da democracia. Usou como fundamento a “ressurreição nacional” e a moralização do Estado19. Encerrou a margem de autonomia das colônias, estabelecendo novas cláusulas: Bases Orgânicas da Administração Colonial (1926), Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique (1926) e Código do Trabalho dos Indígenas (1928)20. O fim da autonomia colonial atendia à burguesia metropolitana, descontente com o fim do monopólio português sobre suas colônias. O novo regime reuniu um emaranhado de seguimentos políticos, “geneticamente uma plataforma de todos os vencedores do golpe de maio de 192621”. Nessa heterogeneidade de grupos, representadas numa Junta Militar, Salazar ergueu um modelo de regime para suplantar essa crise22, tornando-se ministro das Finanças23 em abril de 1928, no Governo de José Vicente de Freitas. Salazar divulgou um cânon de devoção e sacrifício pela nação. Ao lado desse perfil, transmitiu uma imagem de homem silencioso, humilde, metódico, “reservado, puritano e provinciano24”, entregue à nação. Reuniu as qualidades de político e de doutrinador, interagindo ideia e ação, mudando o sistema político, criando uma nova e duradoura mentalidade na sociedade lusitana. Filho de uma família rural do campo, da freguesia de Vimieiro, cidade de Santa Comba Dão (Viseu), Salazar estudou em Seminário e concluiu direito na Universidade de Coimbra. Aderiu à militância católica e ao Partido Católico, participou do Centro Católico Português. Suas primeiras atividades políticas ocorreram no Centro Acadêmico de Democracia Cristã (CADC). Na pasta de Finanças, Salazar desenvolveu uma política de contenção de despesas públicas e de aumento das receitas, amenizando o deficit econômico. Promoveu o aumento do valor do escudo e eliminou a dívida pública, fazendo com que os capitais retornassem ao país. Num plano de austeridade e de rigoroso controle financeiro, atenuou o deficit do país, o que lhes rendeu prestígio e autoridade. Seu suposto êxito foi associado à resolução do problema financeiro de Portugal e à mediação dos interesses sociais e econômicos na passagem da crise mundial de 1929, SCOTT, Ana Silvia. Os portugueses. São Paulo: Editora Contexto, 2010. As retaliações corporais, o uso da palmatória, as rusgas (captura de “indígenas” que fugiram) persistiram até 1959. Ver CASTELO, Cláudia. “Novos Brasis” em África desenvolvimento e colonialismo português tardio. In Varia Historia. Belo Horizonte, v. 30, n. 53, maio/ago., 2014, p. 515. 21  ANTUNES, José Freire. Kennedy/Salazar: o leão e a raposa. Lisboa: Dom Quixote, 2013, p. 73 22  FIGUEIREDO, António de. Portugal: 50 anos de ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 68. 23  Ele havia ocupado a pasta por um breve período de duas semanas, em 1926. 24  PINTO, António Costa. O Estado Novo português e a vaga autoritária dos anos 1930 do século XX. In: MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes; PINTO, António Costa (org.). O corporativismo em português: Estado, política e sociedade no salazarismo e no varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 36, 37. 19  20 

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tendo conseguido “equilibrar o orçamento de estado e reduzir as despesas nacionais25”. Da pasta de Finanças, Salazar prosseguiu em sua carreira política, tornando-se também ministro das Colónias em 1930. Em 1933, aprovou o Acto Colonial, um dispositivo que reestabeleceu o princípio de unidade entre as Colônias e a Metrópole, confirmando o colonialismo como a “essência orgânica da Nação Portuguesa”. Com o auxílio da União Nacional (UN), quadros passaram a gerenciar a máquina e a administração pública. A UN buscou base popular e procurou esvaziar e enfraquecer o processo eleitoral. Para Salazar, o Estado devia coordenar e unir todas as frações de poder: serviços, autarquias, atividades particulares e públicas, sociedade, domínios coloniais. Não podia ser violento e devia ter um executivo forte26. O salazarismo não deu ênfase no protagonismo às massas e à opinião pública, procurou, sobretudo, torná-las passivas27. Inspirou-se no fascismo, sem possuir um caráter mobilizador, deixando de criar organizações de massa, usando novos instrumentos, com o uso da igreja, das elites locais e provincianas28. Em julho de 1932, no Governo de Óscar Carmona, presidente de Portugal, Salazar chegou à Presidência do Conselho dos Ministros, substituindo Domingos Oliveira. Sagrou-se o primeiro chefe de Governo desalinhado das correntes liberais e republicanas, fato que não ocorria desde 1834. Em 1933 foi aprovada uma nova Constituição. A censura foi regulamentada, o comunismo foi proscrito formalmente, a maçonaria foi proibida legalmente e o direito de reunião passou a ser regulado. Rejeitou-se o liberalismo, o partidarismo e o parlamentarismo. O Estado tornou-se corporativo, nacionalista e organicista, baseado na família, nos munícipios e nas corporações, acrescido de uma máquina forte e de um executivo independente do legislativo. O Estado corporativo desenhou-se com a aprovação do Estatuto do Trabalho Nacional, de 23 de setembro de 1933, inspirado na Carta del Lavoro do fascismo italiano. Passou a controlar os sindicatos nacionais, interferindo no campo dividido entre patrões e trabalhadores. Em vez do mercado, procurou-se a regulação corporativa29. Nas Casas do Povo, regidas pelo Instituto Nacional do Trabalho (INT), o Estado Novo expandiu seus tentáculos até as vilas e aldeias portuguesas, vigiando e controlando GOMES, Francisco Manuel. Memórias de uma guerra inacabada: Portugal, os Estados Unidos e o processo de descolonização angolano. Lisboa: Edições Colibri, 2006, p. 36. 26  SALAZAR, Oliveira. Discursos. v. 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1939, p. 77-78. 27  BRAGA DA CRUZ, 1989, p. 65. 28  MARTINHO, 2007, p. 23. 29  RAMOS, Rui. História de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009, p. 644. 25 

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os campesinos e os pescadores. Contando com uma estrutura bicéfala do poder executivo, constituído pelo presidente da República e pelo presidente do Conselho dos Ministros, a alternância de poderes do Estado Novo foi facilitada, dando à UN fôlego e homogeneidade30. O general Óscar Carmona foi reeleito presidente sucessivamente até 1951. O general Craveiro Lopes (1951-1958) e o almirante Américo Tomás (1958-1974), candidatos oficiais, alternaram-se no poder facilmente. Salazar e Caetano tornaram-se os únicos presidentes do Conselho. Como base social, o regime assentou-se sob os interesses econômicos e financeiros da burguesia-aristocrática31. Ergueu a soberania estatal acima das necessidades individuais, isentando a oligarquia capitalista dessa normativa, outorgando sobre os trabalhadores o controle de seus direitos e interesses, tendo como justificativa a nação. Banqueiros, proprietários, industriais, administradores, militares e a Igreja Católica foram os maiores beneficiados dos resultados adquiridos pelo sistema político instalado. A propaganda, crucial para a sustentabilidade do regime, ficou inicialmente a cargo do jornalista António Ferro, ideólogo e um dos diretores do Secretariado da Propaganda Nacional (SPN)32. O SPN ajudou a difundir e a cimentar o arcabouço ideológico, padronizar as atividades artísticas e culturais, controlar os órgãos de imprensa, promover a formação e o controle da população, difundindo os valores salazaristas. Para exercer a investigação, a vigilância e a repressão, criou-se, em agosto de 1933, a Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado (PVDE), e um Tribunal Militar Especial, direcionado para julgar crimes políticos por meio de processos sumários. Posteriormente, a PVDE tornou-se a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (Pide), reunindo 2.000 integrantes fixos e possuindo 10.000 colaboradores. A Pide usou métodos como a tortura, as prisões e os assassinatos, atuando no Continente e no Ultramar33. O medo, a delação e a perseguição foram mecanismos para persuadir e aterrorizar seus inimigos, suas determinações ocorriam sem julgamentos prévios, criando um clima de vigilância. Sistemas prisionais foram criados, como a prisão do Aljube e de Caxias, a Fortaleza de Peniche, em Portugal, Nesse formato de Estado, existia um Presidente da República, um Parlamento (Assembleia Nacional) e um Presidente do Conselho de Ministros. Mas, na realidade, as instituições respondiam ao comando do Conselho. 31  PIMENTA, Fernando Tavares. Portugal e o Século XX: Estado-Império e descolonização (1890-1975). Lisboa: Edições Afrontamento, 2010, p. 65-68. 32  Foi sucedido, em 1945, pelo Secretariado Nacional de Informação (SNI). 33  SCOTT, 2010, p. 336. 30 

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e a Colónia Penal do Tarrafal, na Ilha de Santiago (Cabo Verde), criada em 1936. Como suporte organizativo e paramilitar, foram criadas em 1936 a Legião Portuguesa, uma milícia para defender os valores nacionais e a pátria, e a Mocidade Portuguesa, direcionada para organizar a juventude34. Seus integrantes usavam camisas verdes e faziam saudações romanas. A Legião Portuguesa, chefiada pelos militares, reuniu, até 1939, 53 mil membros, e a Mocidade Portuguesa, ligada ao Ministério da Educação, agrupou estudantes dos liceus, escolas técnicas e colégios, chegando aos 30 mil membros35. Com esses alicerces, formou-se o Estado Novo, que englobava a chefia pessoal do Estado, a monopolização da atividade política legal por uma organização cívica de sustentação do governo e a articulação social a partir de associações profissionais e locais36. Fé e nacionalismo foram dois importantes pilares. Com diversas matrizes (nacionalismo, colonialismo, corporativismo), o Estado se amparou no poder mobilizador e entusiasta, preferindo a aceitação passiva no lugar da doutrinação ideológica e do ativismo político. Para ganhar efetividade e consistência, se tornou autoritário, agregando o conservadorismo católico, o pensamento militar de perfil positivista e um tipo de radicalismo nacionalista influenciado pelos fascismos37. Desde Lisboa se estabeleceu a reconstrução e a manutenção do Império Ultramarino, depositando nas colônias a base da influência lusa no cenário internacional. Há de se considerar que Portugal é um dos menores países da Europa, agregado pelos arquipélagos da Madeira e dos Açores, contabilizando uma área total de 89.000 km². No Século XX, reuniu uma vasta região imperial que abarcou três Continentes – África (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Forte de São João Baptista de Ajudá), Ásia (Macau, Goa, Damão e Diu) e Oceania (Timor). O contingente além-terra o deixava 20 vezes maior que seu território tradicional. Foi Afonso Costa, antigo primeiro-ministro republicano, que popularizou a tese de que Portugal não era um país pequeno. Uma frase de sua autoria se popularizou e foi absorvida pelo salazarismo: “Portugal não é um país pequeno... Os que sustentam isso esquecem as províncias ultramarinas que fazem, com o território metropolitano de Portugal, um todo uno e indivisível38”. 34  35  36  37  38 

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PIMENTA, 2010, p. 72. RAMOS, 2009, p. 638. RAMOS, 2009, p. 627. MARTINHO, 2007, p. 11. Ver: ANTUNES, José Freire. O fator africano: 1890-1990. Lisboa: Bertrand Editora, 1990, p. 50.

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Ancoradas no peso da tradição, o Estado Novo possuía duas vertentes: uma moderno-conservadora e outra universalizante. A primeira garantia que o país trilhasse seu próprio curso, independentemente do que ocorria no mundo. A segunda refletia na demonstração de Portugal como guardião da fé cristã, dos valores Ocidentais, além de sua presença e preservação do espaço colonial39. Para atravessar o tempo, misturou o resgate de um passado glorioso com a refundação de uma nova sociedade, tendo como pilares a pátria, Deus, o cristianismo, a família e o trabalho. Salazar e os salazaristas foram anticomunistas sistemáticos, antiliberais e antidemocratas, rebuscando-se na construção de uma imagem de “originalidade” do modelo português e de sua colonização, particularmente na África40. Durante a primeira metade do Século XX, desenvolveu uma “ideologia pastoral”, romantizando o estilo de vida rural, a simplicidade como herança do medievo, a crença católica e o amor à terra. Organizou concursos para eleger a “aldeia mais portuguesa de Portugal”, reforçando que a gente do campo carregava “dentro do peito a alma de Portugal41”. Durante o Estado Novo, Portugal era essencialmente rural, com a maior parte da população vivendo e trabalhando no campo, enquanto a pobreza perfilava pelo país. Estava entre os mais atrasados do continente europeu. Em 1963, a renda per capita era de US$ 300 dólares, a mais baixa da Europa42. Com matérias-primas baratas e salários baixos, tornou-se espaço ideal de investimentos externos. O capitalismo português fundava-se na iniciativa privada, mas foi controlado pelo Estado, o principal detentor do estabelecimento dos níveis de salários e de investimentos. Foram os grupos empresariais Companhia de União Fabril, Espírito Santo, Borges e Irmão, Banco Português do Atlântico, BNU, Fonsecas e Burnay, Champalimaud que se consagraram como empresas fortes, possuindo ligação com o poder e obtendo privilégios43. A partir de 1950, foram criados os Planos de Fomento, traçando objetivos econômicos, em consonância com a dinâmica do capitalismo europeu, gerando fôlego para o crescimento industrial44. MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. A bem da Nação: sindicalismo português entre a tradição e a modernidade (1933-1947). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 402. 40  TORGAL, Luís Reis. O Estado Novo, fascismo, salazarismo e Europa. In: TENGARRINHA, José. História de Portugal. Bauru: EDUSC, 2000, p. 317, 329. 41  DE MESQUITA, Abílio. Livro de Leitura para a 4ª classe. Porto: Educação Nacional, [196?]. (governo de Marcelo Caetano), p. 86. 42  ARAGÃO, Augusto. 42 anos de fascismo em Portugal. In: Paz e Terra 10: 43 anos de fascismo em Portugal. São Paulo: Paz e Terra, 1969, p. 17. 43  RAMOS, 2009, p. 691. 44  ROLLO, Maria Fernanda. Diplomacia europeia: desígnios e meios da Integração europeia de Portugal (19451986). Revista Esboços, Florianópolis, v. 21, n. 32, p. 66-91, out. 2015, p. 78. 39 

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Os Planos buscaram fomentar a produção de energia, o refinamento de petróleo, a produção de celulose, adubos, papel, aço e ferro. O 1º impulsionou o desenvolvimento das infraestruturas e da indústria de base; o 2º proporcionou abertura da economia portuguesa ao capital estrangeiro e suas indústrias se direcionaram para os mercados de exportação45. A emigração ou o exílio são outros pontos a serem considerados. Nos anos de 1960 a 1974, quase um milhão e meio de portugueses emigraram para França, países da Europa Ocidental, Estados Unidos da América, República da África do Sul, Austrália, Venezuela, Brasil, e um número menor para Angola e Moçambique. Fugiram da pobreza, do desemprego, da repressão. Um número significativo de homens, artistas, intelectuais, fugiu do recrutamento militar ou da repressão estatal46. Trabalhadores do campo também migraram, principalmente para Lisboa, vivendo em condições de miséria. Aos poucos foi ruindo a estrutura agrária baseada na mão de obra barata, as terras ficaram sem braços para o trabalho. O fortalecimento dos laços comerciais com a Europa Ocidental, como a entrada de Portugal na Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), em 1960, a vinda de investimentos externos, a industrialização promovida pelos Planos de Fomento, fizeram com que o modelo agrário perdesse seu status dominante. A burguesia e a aristocracia da província perderam poder, foi nesse período que ascendeu a burguesia industrial, uma elite financeira e comercial47. A hegemonia econômica da burguesia agrária portuguesa sucumbiu na década de 1960, mas sua hegemonia ideológica só entrou em declínio no final da mesma década48. Na economia metropolitana aumentaram os impostos, foram criadas taxas comerciais sobre alguns produtos, os investimentos em educação e saúde foram diminuídos, não se expandiu a produção agrícola, a tecnologia não foi incorporada à produção, o país continuou dependente de importações49. Governando por “decreto”, Salazar se confundia com o próprio Estado Novo. Porém, no dia 7 de setembro de 1968 caiu de sua cadeira na sua casa GÓMEZ, Hipólito De La Torre. O Estado Novo de Salazar. Alfragide: Texto, 2011, p. 87. Ver: FONTES, Jorge. Exílio e oposição ao Estado Novo português no Brasil. In: CABREIRA, Pamela Peres; FONTES, Jorge (coord.). Diálogos entre Brasil e Portugal: ensaios de história contemporânea (coordenação). São João de Meriti: Desalinho Publicações, 2020. No capítulo, Fontes aborda as ondas de exílios de portugueses que emigraram para o Brasil. Parte dos desertores, refratários e faltosos, que se recusaram a participar da guerra colonial, também emigrou. Ver também: CARDINA, Miguel. A deserção à Guerra Colonial: história, memória e política. Revista de História das Ideias. Coimbra, v. 38, 2ª Série, 2020, p. 181-204. 47  PIMENTA, 2010, p. 116. 48  SANTOS, Boaventura de Sousa. O Estado e a Sociedade em Portugal (1974-1988). 2. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1992, p. 17. 49  GOMES, 2006, p. 38-39. 45  46 

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em São João do Estoril, contraindo um hematoma cerebral. Foi submetido à cirurgia, dias depois sofreu uma trombose. Afastado do governo, faleceu no dia 27 de julho de 1970. A imprensa pró-salazarista, no Brasil e em Portugal, buscou mitificá-lo. No mesmo dia, a manchete do Diário de Notícias noticiou que Portugal estava de luto e que havia deixado de viver “um dos mais ínclitos portugueses da história de Portugal50”. Aventino Fernandes Lage, no Diário do Paraná51, o definiu como “um homem ímpar, um homem fora do comum, que fez da sua vida um autêntico sacerdócio, renunciando a todas as tentações e grandezas que o poder oferece para cuidar exclusiva e apaixonadamente do reerguimento de sua Pátria”.52 Com o adoecimento de Salazar, sua sucessão ocorreu no dia 17 de setembro de 1968. Américo Thomáz reuniu o Conselho de Estado, quatro nomes foram indicados: Correia de Oliveira, Gomes de Araújo, Antunes Varela e Marcello Caetano. Consensualmente, o escolhido foi Caetano: catedrático em Direito, ministro das Colónias (1944-1947), presidente da Câmara Corporativa (1950-1955) e ministro da Presidência (1955-1958). Ao contrário de seu antecessor, nascido em Lisboa, Marcello Caetano provinha da classe média urbana. Em seu discurso de posse, em 27 de setembro de 1968, Caetano se comprometeu em assegurar a defesa do Ultramar, combater o comunismo e ser fiel à doutrina de Salazar. Mesmo com a Revisão Constitucional de 1971 e a revisão da Lei Orgânica do Ultramar de 1972, a situação colonial continuou a mesma53. A elevação de Caetano ocorreu sincronicamente com a ascensão da burguesia industrial que encontrou no capital financeiro a fonte de sua expansão e de sua hegemonização econômica. Essa burguesia utilizou como referencial o fornecimento de crédito às pequenas e médias indústrias, associando essas camadas ao seu capital e subalternizando ramos da burguesia agrária. Algumas das reformas feitas por Caetano pretendiam “complementar a nível ideológico e político a hegemonia económica que a grande burguesia industrial-financeira tinha vindo a conquistar a partir de uma posição subalterna no bloco no poder, mas confrontaram-se com a rigidez da matriz organizativa do Estado”.54 Diário de Notícias, 27 de julho de 1970. O Diário do Paraná fazia parte do grupo Diários Associados, liderado por Assis Chateaubriand. Mais adiante discuto o alinhamento desse órgão com o salazarismo. 52  Diário do Paraná, 31 de julho de 1970. 53  SOUTO, Amélia Neves de. Caetano e o ocaso do ‘império’: administração e guerra colonial em Moçambique durante o Marcelismo (1968-1974). Porto: Edições Afrontamento, 2007, p. 41-43. 54  SANTOS, 1992, p. 18-27. 50  51 

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Com retórica reformista, Caetano aplicou poucas mudanças: autorizou o retorno de Mário Soares do exílio, nomeou José Guilherme de Mello e Castro para a liderança da União Nacional (que a partir de 1970 passou a ser chamada de Acção Nacional Popular). Seu discurso procurava transparecer maior liberalização e autonomia na estrutura administrativa, porém, sem colocar em risco a unidade nacional. No período marcellista, em novembro de 1969, também foi extinta a Pide, transformada em Direcção Geral de Segurança (DGS) pelo Decreto n.º 49401. A DGS passou a ser um serviço nacional do Ministério do Interior, contemplando como área de atuação a parte continental, as colônias e as ilhas. Possuía rede de informantes infiltrados nas populações europeias e africanas, procurando conhecer a fundo suas aspirações, medos, prestando serviço exclusivo ao regime55. Em entrevista concedida ao jornal O Globo, Caetano reafirmou que seu governo combatia a “oposição minoritária, mas, muito combativa e audaciosa, formada por grupos revolucionárias de várias tendências”.56 Apresentando-se como reformista, Caetano tinha histórico de participação no regime. Foi Presidente da Câmara Corporativa, dirigente da Mocidade Portuguesa e da União Nacional, foi ministro da Presidência. Tornou-se um importante pensador, doutrinador e construtor do regime. Durante sua passagem pelo Conselho de Ministros, a violência e a vigilância estatal da DGS não foram suprimidas. As limitações impostas pela censura não foram eliminadas. A censura que passou a ser chamada de “exame prévio” continuou a usar os mesmos métodos coercitivos. Caetano está entre um dos mais importantes herdeiros políticos de Salazar. O Estado Novo foi preservado e a guerra colonial foi levada às últimas consequências. Como pronunciou Marcello Caetano em 1969: “Portugal não pode ceder, não pode transigir, não pode capitular na luta que se trava no ultramar”.57 O colonialismo como sustentáculo da pátria portuguesa Com a perda do Brasil, em decorrência da Independência de 1822, a tese de estabelecer um “novo Brasil em África” passou a ser professada, Sá da Bandeira entonou esse horizonte58. A África se tornou uma fonte SOUTO, 2007, p. 166, 179. O Globo, 27 de agosto de 1972. 57  CAETANO, Marcelo. Razões da presença de Portugal no Ultramar: excertos de discursos proferidos pelo presidente do Conselho de Ministros, professor doutor Marcello Caetano. Lisboa: Oficinas Gráficas da S.E.I.T, 1971, p. 28. Discurso realizado no Palácio das Necessidades, 6 de outubro de 1969. 58  Ocupou diversos ministérios e foi presidente do Conselho de Ministros de Reino de Portugal, durante a Monarquia Constitucional. 55  56 

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de esperança, uma promessa de futuro e as elites políticas que se formaram entre 1875 e 1925 adotaram o colonialismo como uma referência59. A ocupação definitiva do interior da África ocorreu na segunda metade do Século XIX. Em 1875, foi criada a Sociedade de Geografia de Lisboa, com o intuito de realizar expedições de exploração geográfica e científica na África, visando planificar uma política colonial. Antônio Enes e Mouzinho de Albuquerque promoveram a ocupação efetiva de Moçambique a partir de 1895, derrotando a resistência africana. Em Angola, a conquista territorial começou na atual província do Huambo, em 1901, avançando em campanhas violentas na atual província do Bengo, enfrentando a resistência da etnia cuanhamas. Apenas em 1917, na província de Moxico, quando os últimos vestígios de resistência foram eliminados, a efetiva ocupação terminou60. A África surgiu como uma nova possibilidade, um terceiro ciclo de colonização61, tornando-se ainda o espaço ideal para o avanço da Revolução Industrial62. Externamente, acrescentou-se o propósito de levar civilização aos africanos, tendo como pressuposto a causa moral de levar e proteger a cultura Ocidental. Internamente, abarcou um caráter regenerativo e da garantia de futuro para a nação. Vários foram os nós que costuraram os mitos que o Império Colonial Português teceu para afeiçoar a mentalidade nacional: obrigação moral, garantia de grandeza, modo de estar no mundo, sacrifício eurocêntrico, motivo de orgulho, prestígio e admiração63. O modus operandi foi baseado no ultracolonialismo, baseado no trabalho forçado e na extração de riquezas64. Com a presença portuguesa na África, as colônias atenderam os objetivos de reconstrução nacional de Portugal. Tornaram-se mercados de produtos portugueses e fornecedoras de matéria-prima abaixo do preço mundial. As rendas obtidas com as exportações de bens e de serviços ajudaram a diminuir o deficit da balança comercial lusa. Angola e Moçambique MARTINS, Fernando. A questão colonial na política externa portuguesa: 1926-1975. In: ALEXANDRE, Valentim (coord.). O Império Africano: séculos XIX e XX. Lisboa: Edições Colibri, 2008, p. 139. 60  RODRIGUES, Miguel Urbano. Sobre alguns aspectos do colonialismo português. In: Paz e Terra 10: 43 anos de fascismo em Portugal. São Paulo: Paz e Terra, 1969, p. 102-103. 61  Os dois Impérios anteriores estão representados no Império do Oriente e na possessão do Brasil. 62  CORREIA, Pedro Pezarat. O ‘ciclo africano do império’ e o seu fim. O impacte da descolonização. In: Actas do colóquio internacional Expo 98. Portugal na Transição do Milénio. Lisboa: Fim de Século Edições, 1998, p. 358-359. 63  TELO, 1998, p. 330-332. 64  PENNA FILHO, Pio. A África Contemporânea: do colonialismo aos dias atuais. Brasília: Hinterlândia Editorial, 2009, p. 25. 59 

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receberam um contingente de colonos brancos65, o que ajudou a atenuar os conflitos sociais e econômicos em solo metropolitano, protelando uma reforma agrária. Para incrementar a mística e o simbolismo do colonialismo, a partir da década de 1930 produziu-se um imaginário do regime sobre o passado de descobertas de Portugal. O patriotismo, o culto às navegações, às conquistas e à evangelização, pilares da ideologia nacional, tornaram-se arquétipos da maneira portuguesa de estar no mundo e de se preparar para o futuro. Ergueu-se uma “mística imperial”, mobilizadora do orgulho e da defesa das colônias. A propaganda foi difundida nos programas escolares, meios de comunicação social, publicações de revistas, coleções e nas grandes exposições e congressos coloniais66. Controlar o espaço geográfico, o corpo, os comportamentos, pensamentos e ações dos “indígenas”, denominação dada aos africanos, foram atitudes tomadas pela ação “civilizatória” portuguesa67. Oliveira Martins foi um dos primeiros a desenvolver a teoria do “darwinismo social” em Portugal. No livro O Brasil e as Colónias Portuguesas, o autor considera o negro uma criança adulta que precisa ser civilizada. No fundo, o velho paradigma escravista retornava como guia mítico, entretanto, com roupagens “científicas”. Na República e na primeira fase do Estado Novo, principalmente durante a II Guerra Mundial, homens como Norton de Matos e Armindo Monteiro, dois dos principais ideólogos do colonialismo, apresentaram matrizes inclusivas. Para Norton de Matos, o objetivo final de Portugal era constituir uma única nação, formada pela Metrópole e por suas Colônias. Armindo Monteiro pensava que a colonização cumpria a missão histórica de unificar os territórios ultramarinos e as populações portuguesas. O negro foi visto como um objeto, entregue à miséria, à superstição, à ignorância, dando O principal destino preferencial dos portugueses que imigraram, até 1950, continuava sendo o Brasil. Até o século XX, boa parte da população portuguesa destinada às colônias estava composta por degradados (exilados, criminosos), no século XX, a colonização passou a ser agrícola, com incentivos do Estado. Mas foi a partir da década de 1950 que a colonização adquiriu um objetivo étnico, de levar os brancos às colônias, investindo na consolidação dos colonatos (SOUTO, 2007, p. 97). Em Angola, os colonos passaram de 172000 em 1960 para 335000 em 1974, tornando-se a segunda maior comunidade branca da África; em Moçambique houve um salto de 97000 para cerca de 200000 (RAMOS, 2009, p. 684). 66  ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, novas Áfricas: Portugal e o Império (1808-1975). Porto: Afrontamento. 2000, p. 188, 189. Como parte das atividades que fortaleceram essa “mística”, em 23 de junho de 1940 foi inaugurada em Lisboa a Exposição do Mundo Português, precedida pela Exposição História da Ocupação e pelo Congresso Histórico da Expansão Portuguesa no Mundo, atividades realizadas em 1937. 67  MENESES, Maria Paula G. O ‘indígena’ africano e o colono ‘europeu’: a construção da diferença por processos legais. E-cadernos CES. Coimbra. Identidades, cidadanias e Estado, n. 07, 2010, p. 73. 65 

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ao Estado Novo a missão de civilizá-los. Depois da II Guerra Mundial, com o desenvolvimento econômico de Angola e Moçambique, o aumento da emigração para as colônias e o começo da guerra colonial, houve mudanças nos referenciais. Foi incluída a tese lusotropicalista e foram promovidas reformas (ver mais adiante), que não dirimiram os resquícios racistas nos discursos e nas práticas promovidas68. Na ótica de uma missão civilizadora, o ensino nas colônias voltava-se para a disseminação dos valores e dos conhecimentos portugueses, pouco se ensinava sobre a vida local. As missões católicas reforçavam tais objetivos. De forma geral, em todos os graus, o número de estudantes era baixo, a maioria da população negra ficava distante das salas de aula. O ensino superior, chamado de Estudos Gerais Universitários, chegou a Angola e Moçambique apenas em 196369. Toda a informação que transcorria pelas colônias era controlada pelo Estado que, por sinal, fornecia boa parte das notícias por meio das agências portuguesas de imprensa, cinema e radiofusão. A Agência Noticiosa Lusitana e a Agência Nacional de Informações eram dois importantes canais de veiculação de notícias. Por sua vez, o papel da imprensa em Angola e em Moçambique era fazer jus à política colonial e aos interesses dos colonos brancos70. Para a conformação do arcabouço legal do colonialismo e de uma intersecção na vida dos africanos, foram criados decretos, cartas e estatutos. Foi aprovado o Estatuto Político, Social e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique, no documento, reforçava-se a inferioridade jurídica do “indígena”, denominando-o como não cidadão71. Em 1929, há uma reformulação do código do indigenato, com o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas das colónias portuguesas de África72. Nele são considerados “indígenas” todos os indivíduos de “raça negra” e seus descendentes, concedendo a esses indivíduos a possibilidade de assimilação. Para adquirir o status de assimilado, exigia-se ser maior de 18 anos, falar a língua portuguesa corretamente, profissão, arte ou ofício, garantir seu sustento e de seus dependentes, estar em dia com o serviço militar, bom comportamento, ilustração e ALEXANDRE, Valentim. A África no Imaginário Político Português (Séculos XIX-XX). In: HESPANHA, Antonio (org.). O Imaginário do Império. Lisboa: Edições Cosmos, 1995, p. 41-46. 69  MATEUS, Dalila Cabrita. A luta pela independência: a formação das elites fundadoras da Frelimo, MPLA e PAIGC. Lisboa: Editorial Inquérito, 1999, p. 34. 70  FERREIRA, Eduardo de Souza. O Fim de uma Era: o colonialismo português em África. Lisboa: Sá da Costa, 1977, p. 161, 167, 186. 71  Aprovado por meio do Decreto n.º 12.533, de 23 de outubro de 1926 (Boletim Oficial n.º 48). 72  Aprovado pelo Decreto n.º 16.473, de 6 de fevereiro de 1929. 68 

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domínio dos hábitos necessários para o ingresso no direito público e privado73. O Acto Colonial de 1930 reforçou o papel da missão portuguesa, reiterando que estava na “essência orgânica” de Portugal: “desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações que neles se compreendam”.74 Com a Carta Orgânica do Império Colonial Português75 e a Reforma Administrativa Ultramarina de 1933, foi avigorado o ideal de tutela protecional dos “indígenas” como um dever dos governos coloniais e dos colonos brancos. Em 1954, houve uma alteração no Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique76. O documento continuou requerendo os velhos requisitos para a mobilidade étnica dos “indígenas”, retirando o termo que exigia o “abandono de usos e costumes da raça negra”.77 Na década de 1960, o trabalho forçado foi eliminado e pretendeu-se suprimir a discriminação, permitindo a nacionalidade portuguesa aos africanos, em termos práticos, essas mudanças foram superficiais e formais78. O indigenato demarcou a separação entre os indivíduos negros e seus descendentes do restante da sociedade. Foi um regime de apartheid velado. A única maneira de “igualar-se” ao europeu ocorria pela dita assimilação, que perdurou de 1926 a 1961. Vale frisar que dificilmente se alcançava a promoção de assimilado. Em 1950, Angola contava com apenas 30 mil e Moçambique com 4350 assimilados. A condição do colono branco continuou superior. Seus salários rurais e urbanos eram de duas a seis vezes maiores que os de assimilados e indígenas, ocupando igualmente os melhores cargos. Das pessoas que sabiam ler, calculando toda a população, em Moçambique, no ano de 1955, a porcentagem ia de 4% a 6%. Em Angola, no levantamento de 1966, o número ia de 12% a 13%79. No contexto da Guerra Fria, com os debates sobre anticolonialismo, autodeterminação e as denúncias de que o Estado Novo possuía um perfil antidemocrático, o regime promoveu mudanças. Em 1951, o termo Colônia foi substituído por Província Ultramarina, o conceito de Império Colonial caiu em desuso e o Acto Colonial foi revogado. Foi aprovada no mesmo ano MENESES, 2010, p. 84. Acto Colonial, Artigo 2, 1930. 75  Aprovada pelo Decreto n.º 23.228, de 15 de novembro de 1933. 76  Aprovado por Decreto-lei de 20 de maio de 1954. 77  NEVES DE SOUTO, Amélia. Caetano e o ocaso do ‘império’: administração e guerra colonial em Moçambique durante o Marcelismo (1968-1974). Porto: Edições Afrontamento, 2007, p. 28. 78  MATEUS, 1999, p. 23. 79  FIGUEIREDO, 1976, p. 37, 38, 79. 73  74 

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uma concessão de crédito de 455 milhões de dólares, em conjunto com a Administração de Cooperação Econômica. O Governo anunciou a realização de Planos de Fomento em Angola e Moçambique, promoveu a construção de barragens, ampliou as redes rodoviárias e ferroviárias, modernizou os portos e realizou distribuição de terras, criando os colonatos e incentivando a colonização interna80. O primeiro Plano de Fomento (1953-1958) buscou consolidar as plantações e a indústria leve, o segundo (1959-1964) abriu o mercado colonial para o capital estrangeiro81, procurando construir empreendimentos baseados em tecnologia. Angola e Moçambique tornaram-se colônias compensatórias: forneciam açúcar, chá, café, Portugal ainda possuía o monopólio dos transportes marítimos e aéreos. Com o desenvolvimento científico/tecnológico internacional, o combate à malária e o melhoramento das condições de vida, a população branca dobrou nas colônias82. Houve uma política de emigração de portugueses pobres, principalmente camponeses, recebendo uma propriedade com casa, animais e sementes. Foi uma maneira de povoar e garantir a presença portuguesa, servindo ainda de propaganda da aparente harmonia entre brancos e negros. Com o passar dos anos, apesar da tese salazarista de que sem colônias Portugal não sobreviveria, as estatísticas confirmaram que na década de 1960 o ultramar não provia as principais receitas comerciais. A Comunidade Econômica Europeia (CEE) já tinha se tornado o principal parceiro comercial de Portugal, abarcando 39% das importações e 21% das exportações, sendo que o Império agrupava 14% das importações e 25% das exportações. Em 1973, a CEE representa 45% das importações e 48% das exportações, enquanto o Império apenas 10% das importações e 15% das exportações. Por isso, basicamente, as colônias desempenhavam o papel de fornecedoras e de compradoras de produtos portugueses. Em regra, a África, com seus grandes contingentes de minerais (cobalto, urânio, manganês etc.) como também minerais preciosos (ouro, prata, diamantes), sempre reluziu interesse nas potências internacionais. Em geral, sua exploração ocorreu via comércio, investimentos estrangeiros e presença de proprietários estrangeiros, integrando-se ao sistema capitalista interFIGUEIREDO, 1976, p. 168-169. O Decreto-Lei 46312 acabou com as barreiras legislativas que impediam a entrada de capital estrangeiro, está associado ao peso que a guerra causou nas finanças nacionais, fazendo com que Salazar repensasse as linhas econômicas nos territórios africanos, abrindo para os investidores estrangeiros. 82  FIGUEIREDO, 1976, p. 202-203. 80  81 

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nacional. O colonialismo africano foi útil, para Walter Rodney, resolveu os grandes impasses do capitalismo no Século XX. Como exemplo: a) Crise de 1929; b) Segunda Guerra Mundial83, enviando cerca de 500.000 africanos para lutarem com os aliados. No pós-guerra, a África contribuiu com a reconstrução europeia. Assim como as potências europeias não introduziram o capitalismo na África, Portugal não fez o mesmo em Angola e Moçambique. O colonialismo europeu, de modo geral, apenas injetou alguns elementos como o trabalho assalariado que substituiu a produção e a distribuição do modelo comunalista. Não gerou entre os africanos uma classe proprietária de capital e de fábricas. Tampouco criou um contingente de trabalhadores urbanos que fornecesse condições para a ampliação da industrialização84. O controle colonial afetou a África, desestabilizando sua organicidade. A desorganização econômica, social e cultural ocorreu em decorrência da implantação de sistemas judiciários e educacionais, de impostos pessoais e do trabalho forçado85. Contrariando esse cenário, os homens do Estado Novo garantiam o oposto. Franco Nogueira86, na condição de ministro dos Negócios Estrangeiros, em 1967 afirmou que: Nós sozinhos, primeiro do que ninguém, levamos à África a noção de direitos humanos e de igualdade racial. Nós sozinhos, praticamos o princípio do plurirracialismo, que agora todos consideram ser a mais perfeita expressão de fraternidade humana e progresso sociológico [...] As nossas províncias africanas são mais desenvolvidas, mais progressivas em todos os campos do que qualquer território recentemente independente em África, a sul do Saara, sem exceção.87

Porém, esse mundo foi contestado por seguimentos da comunidade internacional e pelos movimentos nacionalistas. Para esses setores, a realidade colonial destoava da propaganda do regime. O primeiro grande sinal bateu às portas de Portugal: em 1950, Jawaharlal Nehru e a União Indiana começaram a reivindicar os territórios de Goa, Damão e Diu, o chamado Durante a Segunda Guerra Mundial, Portugal alcançou autossuficiência em gêneros essenciais graças aos excedentes provenientes das colônias. Depois da guerra, as colônias continuaram favorecendo Portugal. Calcula-se que em 1959 foram contabilizados 50 milhões de dólares de café e mais de 20 milhões de dólares de diamantes, atenuando o deficit financeiro de Portugal que era de 135 milhões de dólares. Para fortalecer a economia, Portugal também contava com reservas de ouro (ANTUNES, 2013, p. 88). 84  RODNEY, Walter. How Europe underdeveloped Africa. Washington: Howard University Press, 1982. 85  PARADA, Mauricio; MEIHY, Murilo Sebe Bon; OLIVEIRA DE MATTOS, Pablo de. História da África Contemporânea. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2013, p. 49. 86  Alberto Franco Nogueira foi chanceler do dia 4 de maio de 1961 a 5 de outubro de 1969. 87  NOGUEIRA, 1967, p. 154-155 apud FERREIRA, 1977, p. 5. 83 

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Estado Português da Índia. Como um dominó, as reivindicações independentistas se alastraram para a África. A diplomacia portuguesa e o atuante lobby lusitano no Brasil O Atlântico sempre foi um canal para Portugal. A geografia nativa do país favoreceu uma circulação entre a terra e o mar, movimentando-se entre a Europa e o Atlântico. A estratégia internacional portuguesa se baseou num contraponto entre o solo e a água. Houve etapas que a Europa foi o espaço prioritário, noutras, o Atlântico foi privilegiado88. Utilizando o mar como vetor, o Estado Novo, de maneira geral, afastou-se das questões europeias, consolidando-se como um país atlântico, ultramarino e colonial. Durante a Guerra Fria, alcançou posições fundamentais: ingressou na segurança do Atlântico, entrou na Otan, participou na cooperação econômica europeia, porém, recusou a integração política; por fim, defendeu seu Império Colonial89. No Pós-Guerra, em Portugal receava-se o avanço dos EUA na Europa e do comunismo impulsionado pela URSS. O Estado Novo via uma Europa frágil, dividida, impotente, volúvel, influenciada pelo liberalismo e pelo comunismo. Para os policy makers da política externa portuguesa, havia duas exceções: 1) A Inglaterra, vista como uma nação forte, componente da Commonwealth e com extensão até o Mediterrâneo e o Oriente Médio, regiões estratégicas para a Europa; 2) O mundo Ibérico, composto por regimes tradicionais, católicos, avessos ao comunismo/liberalismo. É curioso que no alvorecer da Guerra Fria, a partir de 1947, as democracias não priorizaram o combate ao salazarismo. Em 1948, o Governo trabalhista inglês distinguiu que o regime português não podia ser considerado fascista. Em 1960, Eisenhower, presidente dos EUA, declarou que em países com instituições frágeis, ditaduras ao estilo salazarista eram necessárias90. Foi depois de 1950 que as críticas começaram a pulular. Portugal oferecia uma posição consistente contra o comunismo, e seu território – peninsular e insular – garantia um espaço de manobra para a defesa do Atlântico Norte, tal como foi demarcado na concessão da base dos Açores aos EUA. No cenário internacional, o pedido de ingresso de Portugal MOREIRA DE SÁ, Tiago. Política Externa Portuguesa. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015, p. 37. TEIXEIRA, Nuno Severiano. Breve ensaio sobre a política externa portuguesa. Relações Internacionais. Lisboa, n. 28, p. 51-60, dez. 2010, p. 52. 90  RAMOS, 2009, p. 668. 88 

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na Organização das Nações Unidas (ONU) foi feito em 1946, contando com a adesão dos EUA e da Inglaterra. A URSS foi contra a admissão. Depois da recusa, Portugal conseguiu entrar no organismo no dia 14 de dezembro de 1955. As relações entre o país e a organização foram ritmadas por tensões91. Tempos depois, cumprindo as formalidades da ONU, seu secretário-geral requereu junto às autoridades portuguesas informações sobre os territórios africanos que não possuíam Governo autônomo, levando em consideração o Artigo 73° (Capítulo XI) da Carta das Nações Unidas. Em resposta oficial, encaminhada ao secretário-geral da ONU, nos idos de 1956, Salazar afirmou que “Portugal não administra territórios que possam ser incluídos na categoria indicada pelo Artigo 73°”. Com o fortalecimento da presença afro-asiática na ONU, na esteira das independências que ocorreram entre 1955-1960, juntamente à pressão dos países comunistas, o colonialismo passou a ser criticado contundentemente92. Na 15ª Assembleia Geral da ONU, Nikita Kruschev, líder da URSS, e Kwame Nkrumah, presidente de Gana, criticaram o colonialismo português, conseguindo a aprovação de três resoluções forçando o país a dar explicações sobre seus territórios e a cumprir o Artigo 73°93. Como efeito, Adriano Moreira, na pasta do Ministério do Ultramar, promoveu mudanças para melhorar a imagem de Portugal. Em 1961 foi abolido o Estatuto Indígena, prometendo direitos iguais para os africanos, foi instituído um novo código de trabalho rural e extinto o trabalho forçado nas colheitas de algodão. Na década de 1960, sem o apoio dos EUA e da Inglaterra, Portugal buscou apoio da França e da República Federativa da Alemanha (RFA). Adotou a teoria de que a URSS possuía uma estratégia de cerco da Europa pelo Sul, tendo a África como cobiça94. A lógica da divisão bipolar da Guerra Fria e a ampliação da Guerra Colonial reforçaram o lema do Estado Novo de estarem “Orgulhosamente sós” em sua batalha pela defesa do mundo Ocidental e pelo combate ao comunismo na África. Em 1966, Franco Nogueira, em seu livro de memórias, sintetizou esse preciosismo: RAMPINELLI, Waldir José. As duas faces da moeda: as contribuições de JK e Gilberto Freyre ao colonialismo português. Florianópolis: Editora da UFSC, 2004, p. 75. 92  Nesse período, foram aprovadas várias resoluções contra a política portuguesa do ultramar: Resolução 1.514/XV: condenação do colonialismo; 1.541/XV: realizar relatórios sobre as colônias; 1.542/XV: considerou como territórios não-autônomos: Cabo Verde, Guiné, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Goa, Macau e Timor; 1.654/XVI: reforça a declaração sobre independência dos países e povos coloniais; 1603/XV: subcomitê para investigar Angola; 1.742-XVI: deplora a não contribuição de Portugal com o comitê; 1.807-XVII: reprova atitude portuguesa; 1819/XVII: sanções do CS a Portugal para coagir o país; CS/4.835 condena massacres e repressão em Angola (RAMPINELLI, 2004, p. 79-80). 93  ANTUNES, José Freire. O fator africano: 1890-1990. Lisboa: Bertrand Editora, 1990, p. 52-54. 94  TELO, 1998, p. 336-337. 91 

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Nunca encontrámos, no decurso de nossa história, uma aliança em que se pudesse confiar sem reservas. Pelo auxílio britânico, efectivo como muitas vezes foi, não raro houve de pagar um preço leonino; quanto à Espanha, temos de estar em guarda permanente porque nunca nos perdoou nem nos perdoará a nossa independência; e a cada imperialismo que surge – seja a Rússia, sejam os Estados Unidos – é um novo inimigo que surge também, que procura subordinar-nos na metrópole e conquistar-nos no ultramar. São amigos a França e a Alemanha, e acaso mais desinteressados que outros; mas nunca chegarão a extremos para nos defender. Resta o Brasil. Mas o Brasil cresce, cresce, e já se lhe descobrem objetivos ou desígnios imperiais, aliás ingénuos no que respeita ao nosso ultramar. Que nos reservará o futuro?95

A França de Charles de Gaulle e a República Federal da Alemanha (RFA) de Konrad Adenauer apoiaram Portugal. Entre 1959 e 1961, realizaram mais de 20 acordos de cooperação militar, econômica e financeira. Tais acordos modernizaram a indústria da defesa nacional portuguesa, incluindo a fábrica de Braço de Prata, as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (Alverca), os estaleiros e as fábricas de explosivos. A hidrelétrica de Cabora Bassa e as indústrias em Angola e Moçambique também contaram com a técnica alemã. Da RFA ainda veio a ajuda militar, como o envio dos caças (Fiats e Sabres), de armamentos (G-3, metralhadoras, munições, explosivos), de veículos (Unimog), aviação de transporte (Dornier DO-27), lanchas e corvetas. Da França vieram os helicópteros (Alouette, Pumas), aviões de apoio tático (T-6, usados na guerra da Argélia), meios de transportes táticos (Noratlas, Broussard), equipamentos de artilharia e armas pesadas (morteiros, por exemplo). Esses países faziam a mediação de contatos internacionais, colaboravam com apoio discreto nos organismos internacionais e forneciam equipamentos sobressalentes, além de auxílio técnico96. Os EUA, durante a presidência de Lyndohn Johnson, amenizaram as pressões sobre a política africana portuguesa e na Otan Portugal contou com relativa complacência. Entre 1963 e 1968, os EUA destinaram 33 milhões de dólares em forma de auxílio militar e mais 54,9 milhões em ajuda econômica a Portugal, o que beneficiou o relacionamento político e militar. Essa ajuda foi acompanhada de uma ampliação da presença dos EUA em Angola e Moçambique. Outros dois fatores contribuíram: Portugal facilitou as leis para a presença estrangeira e a empresa norte-americana Gulf Oil 95  96 

NOGUEIRA, Franco. Um político confessa-se (Diário: 1960-1968). Porto: Livraria Editora Civilização, 1987, p. 195. TELO, 1998, p. 341. 51

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havia descoberto petróleo em Cabinda, em 1966. Até o final dos anos de 1960, mais de 30 empresas dos EUA estavam nas colônias portuguesas. Em 1968, 100 milhões de dólares foram comercializados entre EUA e Angola; e 28 de milhões entre Moçambique e EUA97. Por fim, acordos com a Rodésia e com a República da África do Sul (RAS) foram fundamentais para a presença econômica e militar de Portugal na África Austral (ver mais adiante). À luz do tempo presente, pode-se afirmar que o colonialismo português se transformou na “variável mais importante da política externa da ditadura”.98 Entre 1926 e 1975, o problema colonial virou uma fatalidade, a política externa foi subordinada à política colonial99. A diplomacia, por sua vez, tornou-se numa ponta de lança dessa política. Para alinhavar seus objetivos com os interesses do Estado Novo, o acesso à carreira diplomática possuía um filtro ideológico. A partir do Decreto n.º 29 511, de 31 de março de 1939, Salazar definiu seus dispositivos. Os concursos públicos permaneceram, mantendo-se uma tradição iniciada na República, o que não impediu a incidência da seleção dos candidatos. Para a admissão, o candidato precisava ser do sexo masculino, ter entre 21 e 35 anos, possuir licenciatura em Direito, Economia ou Histórico-Filosóficas. Devia assinar um termo de compromisso com o sistema constitucional vigente, prometer não compor nenhuma organização secreta, colocando-se à disposição da luta contra comunismo. Havia ainda um período comprovatório de dois anos para a efetivação. Os diplomatas estavam impedidos de repassar notícias, opiniões, informações, críticas e comentários publicamente a respeito de política externa e interna, salvo autorização do ministro dos Negócios Estrangeiros100. O sistema buscou recrutar seus embaixadores principalmente nas universidades e nas Forças Armadas (FFAA). As embaixadas de Madrid, Londres, Paris, Roma, Vaticano e Rio de Janeiro, por exemplo, foram geridas durante muito tempo por indivíduos não formados na carreira diplomática. Somente a partir de 1960 que Salazar começou a se sentir mais seguro e passou a direcionar os postos importantes aos embaixadores de carreira. Nesse período, o corpo diplomático havia se gestado no interior do próprio Estado. SCHNEIDMAN, Witney W. Confronto em África: Washington e a queda do Império Colonial Português. Lisboa: Tribuna, 2005, p. 147. 98  PINTO, 2007, p. 27. 99  MARTINS, Fernando. A questão colonial na política externa portuguesa: 1926-1975. In: ALEXANRE, Valentim (coord.). O Império Africano: séculos XIX e XX. Lisboa: Edições Colibri, 2008, p. 144-145; DE OLIVEIRA, César. Oliveira Salazar e a Política Externa Portuguesa: 1932/1968. In: ROSAS, Fernando; BRANDÃO DE BRITO, José M. (org.). Salazar e o Salazarismo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989, p. 73. 100  OLIVEIRA, Pedro Aires. O corpo diplomático e o regime autoritário (1926-1974). Análise Social, v. XLI, n. 178, 2006, p. 151, 152. 97 

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Para o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) ocorreu o mesmo, Marcelo Mathias (1958-1961) e Franco Nogueira (1961-1969), por exemplo, possuíam formação diplomática101. A maior parte do corpo diplomático acolheu o golpe militar e o salazarismo. O setor que deu voz à manutenção do colonialismo foi o “africanista”. Com Franco Nogueira, entusiasta e principal ideólogo dessa matriz, os diplomatas africanistas acreditavam que [...] a perda do império era geralmente equacionada em termos trágicos: sem as colónias, seria a própria soberania económica e política de Portugal que estaria comprometida, pois o país deixaria de ter capacidade de sobreviver como nação independente no contexto peninsular e europeu.102

Os africanistas monopolizaram os postos-chave do MNE e as embaixadas politicamente mais sensíveis (Washington, Londres, Paris, Nova Iorque/Nações Unidas, Pretória) até a debacle do regime. Os “europeístas” buscaram puxar o leme da política externa para a Europa, sem êxito. Na África, a rede diplomática portuguesa, com seus consulados e embaixadas, juntamente à PIDE/DGS, selou uma frente que rendeu sucesso a Portugal na guerra contra a subversão. Essas instâncias ajudaram levantando informações e constituindo-se em frentes de vigilância e de propaganda. Levantando as fontes da diplomacia portuguesa referentes ao Brasil, foi possível chegar à conclusão semelhante. Os consulados e embaixadas presentes em território brasileiro foram peças importantes. O motivo: angariar adesão e apoio do Brasil, uma ex-colônia, aos objetivos colonialistas. A possibilidade de ter o Brasil, seus intelectuais, políticos e personalidades contra o colonialismo possuía feição negativa. Disso decorreu o empenho do corpo diplomático português, que contou com a ajuda do lobby lusitano, para evitar a aproximação do Brasil com as teses anticolonialistas. Esse lobby foi considerado pela diplomacia portuguesa um dos elementos básicos da atuação de Portugal no Brasil, em decorrência de sua quantidade e considerável força política e econômica. Possuía influência cultural (Gabinete Português de Leitura, Liceu Literário, Misericórdias, Beneficências Portuguesas) e chegou a controlar 50% do comércio bancário do Rio de Janeiro e de São Paulo. Além de agrupar influentes chefes (Albino de Souza Cruz, António de Souza Baptista, Silva Raínho etc.)103. Consulados e embaixadas OLIVEIRA, 2006, p. 165. OLIVEIRA, 2006, p. 162. 103  PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apontamento. Informação para sua excelência o senhor Presidente do Conselho, Secreto, Lisboa, 22 de junho de 1969. 101  102 

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foram extensões dos anseios estatais lusitanos. As fontes levantadas nos arquivos portugueses comprovam que o conjunto de ações foi pensado de forma oficial. Caetano, igual a Salazar, procurou “assegurar que o Governo brasileiro não adoptaria uma posição contrária aos interesses portugueses em África”.104 Já em 1960, o periódico Portugal Livre, dirigido por Cláudio Abramo, denunciou que Salazar tentou colocar um infiltrado da Pide na Embaixada do Brasil em Lisboa, com o objetivo de averiguar seus debates e percursos. Apesar de não ter uma confirmação, o artigo chama a atenção de uma hipótese não duvidosa105. A diplomacia brasileira reconheceu a ofensiva da diplomacia portuguesa num anteprojeto da Comissão de Planejamento Político do Itamaraty sobre as relações Brasil/Portugal, no ano de 1967. No documento, afirmou-se que Portugal tinha como trunfo oferecer ou conquistar para a segurança de sua política colonial o apoio ativo ou não do Brasil. Isso ocorria, continua o documento, primeiro, por causa das relações sentimentais estabelecidas entre as duas nações; segundo por conta do desenvolvimento do Brasil, uma prerrogativa para justificar a presença lusitana na África; terceiro, em decorrência da existência de uma influente colônia portuguesa, um poderoso instrumento político106. Como primeira sondagem, a diplomacia portuguesa fez um mapeamento a respeito do posicionamento de intelectuais, artistas, políticos, órgãos de imprensa, grupos, líderes, analisando se eram contrárias ou favoráveis ao Estado Novo. O segundo passo foi recolher declarações na imprensa e no parlamento, avaliar livros, artigos e entrevistas, acompanhar atividades realizadas por esses indivíduos e grupos quando Portugal ou o Ultramar fossem citados. Esse material era recolhido e enviado para diversos órgãos e ministérios. Feito isso, julgava-se ter uma radiografia dos “amigos” e dos “inimigos” de Portugal. Foi uma forma de se precaver de críticas, além de permitir o fortalecimento dos laços com os simpatizantes. Com as informações levantadas, a diplomacia podia efetuar atividades de contrainformação, construindo outra versão dos fatos, contando, muitas vezes, com a ajuda do lobby português estabelecido em território brasileiro. Entre 1964 e 1975 houve, inclusive, a troca de informações sobre elementos suspeitos entre os órgãos de inteligência brasileiro e português (ver adiante). AMARAL, Thiago de Almeida Carvalho. Do Lirismo ao Pragmatismo: a Dimensão Multilateral das Relações Luso-Brasileiras (1974-1976). Lisboa: Colecção Biblioteca Diplomática do MNE, 2009, p. 28. 105  Portugal Livre, agosto de 1960. 106  Ministério das Relações Exteriores, Comissão de Planejamento Político. Relações do Brasil com Portugal, Secreto, 10 de Agosto de 1967. 104 

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Usualmente, os informes apontavam se o grupo/indivíduo podia ser considerado ou não aliado de Portugal. Aos adversários: a proibição ou apreensão de uma obra, um alerta à comunidade lusa no Brasil, a realização de investigações pela Pide. Aos aliados: o oferecimento de viagens a Portugal e ao Ultramar, a publicação e a divulgação de livros, a oferta de banquetes, comendas, a ajuda em campanhas eleitorais. A cooptação podia ser simbólica ou financeira. Para interceder nessas ações, o Estado Novo contou com esse lobby que reunia empresários, políticos, personalidades, intelectuais107. O lobby pretendia propagar os interesses da colônia estrangeira e apoiar o Estado Novo, procurando influenciar o processo de formulação e execução da política externa brasileira108. Tinha como intuito entusiasmar a mídia e os centros do poder político, reconhecendo a ideologia estadonovista de que o emigrante era o legítimo agente da tradição expansionista ibérica. Reconhecendo ainda que a emigração tinha sido um ato heroico, um destino, logo, o indivíduo não se desgarrava da nação portuguesa, buscando-se sempre a tornar mais forte109. Penso que o trabalho dos consulados e embaixadas esteve interligado com as ações dessa comunidade portuguesa. A diplomacia fazia o trabalho de levantamento de informações, dando seu crivo, suas impressões, ou apenas repassava os materiais coletados, já o lobby atuava como um grupo de pressão. São diversos os casos em que grupos e indivíduos receberam a pecha de antilusitano. A avaliação sobre a revista Visão, feita pela Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, foi de que o órgão normalmente não era agradável em relação a Portugal e sua política ultramarina110. O livro de Perry Anderson “Portugal e o fim do ultracolonialismo”, lançado pela editora Civilização Brasileira, foi acusado de ser tendencioso e de proceder um violento ataque contra Portugal e sua política africana. Para solucionar esse impasse, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro procedeu da seguinte maneira. Levando em consideração um pedido de apreensão A colônia portuguesa se organizou no Brasil em 1837, com a fundação do Real Gabinete Português de Leitura. Atingiu sua plenitude com uma resolução do 1º Congresso dos Portugueses do Brasil que constituiu a Federação das Associações Portuguesas no Brasil, inaugurada em 10 de junho de 1932. 108  MACHADO DOS SANTOS, Luiz Cláudio. As relações Brasil-Portugal: do tratado de amizade e consulta ao processo de descolonização lusa na África (1953-1975). 2011. 333 f. Tese (Doutorado em História). Universidade de Brasília, Brasília, 2011, p. 9, 11. 109  MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 53, 139. 110  Ministério dos Negócios Estrangeiros, Embaixada de Portugal, Processo 4,12/65, nº1218, Rio de Janeiro, 7 de julho de 1965. 107 

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do livro Delirante Brasil?, de Pierre Rondière, em Portugal, pela embaixada do Brasil em Lisboa, por ser considerado um título que afetava a imagem do país, sugeriu-se a mesma atitude para o trabalho de Anderson em território brasileiro111. Ou seja, as autoridades portuguesas atenderam um pedido da diplomacia brasileira e consideraram que o favor precisava ser devolvido. Um editorial do jornal O Estado de S. Paulo foi criticado por considerar que os “laços especiais” mantidos entre Brasil e Portugal afetavam o desenvolvimento das relações do país com a África. O editorial foi visto como um aceno favorável à ofensiva do Brasil na África112. Os comentários feitos no artigo de Estácio de Lima, professor da Universidade Federal da Bahia, publicado no jornal A Tarde, foram considerados “azedos”, e Estácio teria feito declarações “desagradáveis” sobre a política racial portuguesa na África113. Dentro das embaixadas portuguesas, instaladas em território brasileiro, havia um Conselheiro de Imprensa, pelo menos é o que se comprova na embaixada do Rio de Janeiro. O Conselheiro tinha como tarefa ler as matérias sobre Portugal e questionar aquelas que depreciassem o Estado Novo. Feito esse levantamento, as matérias eram encaminhadas aos Serviços de Informação e órgãos do regime, conforme está documentado. Um exemplo desse tipo de conduta foi um editorial publicado no Jornal do Comércio, intitulado “Brasil e Portugal”. Em documento do MNE, afirma-se que a embaixada de Portugal no Rio informou que o texto quis salientar que a situação em Angola, Moçambique e Guiné Bissau não era, a rigor, colonial. Porém, salientou que havia um erro e que a publicação afirmava que a situação era colonial. O Conselheiro de Imprensa encaminhou pedido de esclarecimento ao diretor do jornal e ele se desculpou pelo erro, justificando lapso de composição114. O caso anterior demonstra que, com os jornais de maior proximidade política, as embaixadas solicitavam pedidos de esclarecimentos e de alterações, constituindo-se numa forma de “patrulhamento”. Já no jornal Portugal Democrático, órgão da oposição antisalazarista, esse tipo de pedido era inviável e impensável. Quanto às posições explicitamente favoráveis aos interesses portugueses, a diplomacia também sistematizou a listagem desses aliados, PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Embaixada de Portugal, Processo 4,12/66, nº549, Muito Urgente. Rio de Janeiro, 22 de abril de 1966. 112  PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Consulado Geral de Portugal. PEA 72DEB4/911. Política do Brasil em África. São Paulo, 10 de outubro de 1972 113  Ministério dos Negócios Estrangeiros, Consulado de Portugal. Processo 72DPP/154, Confidencial, Urgente. Salvador, 21 de setembro de 1972. 114  PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna. Processo 331.63, PO287. Lisboa, 9 de dezembro de 1964. 111 

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buscando favorecê-los. Ao publicar o livro A Amazônia Brasileira e uma possível Lusotropicologia, Gilberto Freyre viu seu trabalho ser elogiado por valorizar a “acção portuguesa nos trópicos”, “aplicando sua doutrina geral sobre a criação por Portugal de uma civilização luso-tropical”.115 Quando um parlamentar se pronunciava a favor de Portugal, a diplomacia repassava seu discurso para circular na imprensa lusitana. O discurso do deputado federal paranaense Ivan Luz (PRP) serve de exemplo. Na ocasião da visita do presidente do Senegal, Leopold Senghor, Luz proferiu um discurso exaltando as relações luso-brasileiras. Para o deputado, o “mundo camonesmo” era um só, único espaço capaz de trazer harmonia e paz aos mundos divididos pelo ódio. E que os inimigos de Portugal promoviam uma ativa propaganda para confundir a opinião pública mundial sobre os verdadeiros objetivos da manutenção da ordem nas colônias116. O discurso do deputado Anísio Rocha sobre a reunião do Conselho de Segurança da ONU também foi endossado. O parlamentar disse que Portugal jamais perturbou a paz na África e que apenas protegia a região das ações de “bandoleiros extremistas vindos do Congo”.117 Em outro caso, o consulado de Portugal em Recife solicitou junto ao ministro Franco Nogueira o envio de documentação acerca da evolução da ação subversiva nas “províncias” portuguesas. O consulado alegou que não possuía as publicações da Agência Geral do Ultramar e do Ministério do Ultramar. O consulado almejava repassar a Clóvis Wanderley Filho, oficial do exército, que publicava artigos no Jornal do Commercio sobre a política ultramarina portuguesa. Seus artigos, em regra, salientavam a justeza da posição portuguesa ante o risco comunista e valorizavam suas intervenções na África. Para Clóvis Wanderley, Portugal promoveu uma missão civilizatória nas colônias, a que chamou de “Unidade na diversidade”, cooperando também com a defesa do “mundo livre”. Por esses motivos, Filho merecia atenção especial e o recebimento de publicações para reforçar sua propaganda salazarista.118 PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção-Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna. Processo 381,63, PO296. Lisboa, 28 de dezembro de 1964. Não quero diminuir a extensa obra de Freire, este autor não pode ser lido exclusivamente como um ideólogo da dominação lusitana que mascarou o racismo português. Sua obra é maior que isso... 116  PAA Processo POL/64, encaminhado ao Senhor Dr. João de Deus Bataglia Ramos, Embaixador de Portugal no Rio de Janeiro. Brasília, 29 de setembro de 1964. 117  PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Embaixada de Portugal. Processo 4,12/65, n.º 2278, Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1965. 118  PAA Consulado de Portugal. PO 218, Processo 9,4. Recife, 23 de abril de 1965. 115 

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Boas impressões foram causadas pelo General Macedo Soares, ministro do Comércio e da Indústria do Brasil, no embaixador português Manuel Fragoso. Para Fragoso, Soares estava no rol de aliados do Estado Novo. Como o Brasil tinha interesse na compra de cobre no Ultramar, Fragoso sinalizou a possibilidade de vendê-lo ao Brasil e ainda viabilizar a participação de capitais brasileiros na pesquisa e exploração de minas119. Ainda no ambiente parlamentar, alguns deputados mereceram destaques nos documentos da diplomacia portuguesa. O deputado Francisco Gama Lima foi reconhecido como um fiel aliado, considerado um entusiasta da obra civilizatória portuguesa120. Flávio Portela Marcílio, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, foi congratulado pela Embaixada de Portugal do Rio de Janeiro por ter feito declarações positivas sobre a realidade das “Províncias Ultramarinas”, depois de visitá-las. Marcílio disse que precisou ver a realidade dos fatos para contrapor a campanha antiportuguesa promovida pela ONU e pelos movimentos “terroristas” africanos. Constatou que nas “províncias”, Portugal possuía o controle assegurado, desenvolvendo-as e garantindo-lhes autonomia e estatutos próprios. Para ele, o Brasil deveria ver a continuação do território português em suas “províncias”, evitando “condenações injustificadas contra Portugal”, oriundas, muitas vezes, de organizações “subversivas e terroristas”.121 Em Portugal e nas Colônias, os convidados ou visitantes próximos das ideias do Estado Novo podiam ser recebidos com cumprimentos de boas-vindas, banquetes, passeios turísticos, pagamentos de suas estadias e de passagens de avião. Era uma forma de cooptar e estreitar os laços com os aliados. Essas viagens possuíam diversas finalidades, podendo ter caráter técnico ou não. Daso Coimbra, Presidente da Comissão Parlamentar Luso-Brasileira de Brasília foi um dos beneficiados.122 Em 1973, o parlamentar brasileiro se destacou diante dos olhares da diplomacia portuguesa por defender Portugal num discurso feito no congresso nacional. Para o deputado, o Brasil havia sido o mais belo fruto produzido pela árvore lusitana, metáfora pronunciada pelo próprio Salazar na década de 1960. Em seu discurso, Coimbra alertara PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Embaixada de Portugal. N.º geral 4652, n.º A-25. Rio de Janeiro, 16 de junho de 1967. 120  PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Embaixada de Portugal. Processo 9,142, n.º 1333. Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1970. 121  PEA Embaixada de Portugal. Processo 9,2142 N.º 321, Declarações do Deputado Flávio Marcílio, Brasília, 7 de março de 1972. 122  Ver imagens 9 e 10. 119 

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sobre o perigo representado pelos “movimentos de libertação”, depositários de ideais exógenos e fomentadores da intriga internacional. Por esses motivos, a “pátria mãe” (Portugal) ingressou justamente numa luta para defender suas populações nativas e fomentar a paz mundial. Apesar da justeza dessa batalha, para o parlamentar, Portugal sofria calúnias, insultos, sendo crucificado por lutar pela civilização lusa123. Para Daso Coimbra, a unidade ao redor da língua e da cultura portuguesa era a maior arma de Portugal contra o “terrorismo124”. No mesmo ano, Angelo Ferreira, diretor do Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar, ratificou o convite feito ao deputado Daso Coimbra para visitar Portugal e o Ultramar125. Dois documentos comprovam o pagamento da viagem de avião e da estadia de Daso Coimbra pelo Estado português. Num bilhete, Daso Coimbra agradece a emissão da passagem de avião Luanda/Rio de Janeiro/Brasília pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros126. Num ofício do Hotel Infante de Sagres foi possível confirmar a cobrança de uma fatura no valor de 2.061$00 escudos, referente à estadia do parlamentar127. No mesmo ano, Daso Coimbra declarou que a África seria a região do futuro e que a Comunidade Lusíada iria ser a quarta potência global128. Ao senador João Batista de Vasconcelos Torres foi dado o pagamento do trajeto Rio-Lisboa-Rio pela Varig, pago pela Embaixada de Portugal no Rio, reembolsado pelo governo português, conforme documento recolhido no arquivo do MNE129. Em outro caso, Fernandes Pinto Bastos, advogado, auxiliar do gabinete do sistema previdenciário da Guanabara, foi a Lisboa para conhecer o sistema prisional português. A Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro sugeriu que fossem “dispensadas ao visitante as maiores facilidades e atenções”.130 Já o jornal O Comércio, de Lourenço Marques, noticiou a missão diplomática brasileira chefiada pelo marechal João Carlos Barreto. Acompanhado do brigadeiro Augusto Teixeira Coimbra, do doutor João Kessier Coelho de Souza e do engenheiro Rubens Milvio Moreira de Almeida Torres, o périplo, a convite do Governo português, passou por Angola e Moçambique. A missão fez uma declaração sobre a viagem, endossando uma imagem positiva a respeito das colônias: Câmara dos Deputados, discurso do deputado Daso Coimbra, sessão da Câmara dos Deputados, 3 de outubro de 1973. 124  O Globo, 26 de março de 1974. 125  PEA Ministério do Ultramar, Gabinete dos Negócios Políticos. Processo 337. Lisboa, 21 de dezembro de 1973. 126  PEA Hotel Tivoli, 26 de fevereiro de 1974. 127  PEA Hotel Infante de Sagres, 8 de março de 1974. 128  Folha de S. Paulo, 17 de fevereiro de 1974. 129  PEA Embaixada de Portugal. Processo 4,12/66 Nº319. Lisboa, 16 de março de 1966. 130  PEA Processo 336,3 PO 244, Lisboa, 27 de abril de 1965. 123 

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De facto, em ambas as Províncias percebe-se de pronto um grande surto de trabalho e progresso não só no campo econômico como também no educacional, e em franca harmonia com os nativos do continente africano, sem discriminação ou preconceitos raciais.131

Barreto reforçou a tese de boas impressões, de assimilação do nativo e da comunhão entre negros e brancos. Nos contatos militares, conversou com chefes das FFAA de Portugal sobre as operações no Norte das duas províncias. Segundo Barreto: Pelo longo e minucioso relato que nos proporcionaram os senhores brigadeiro António Augusto dos Santos, chefe do Gabinete Militar do Comandante em chefe das Forças Armadas em Moçambique, e o general Andrade Silva, comandante em chefe em Angola, concluiu-se do equilíbrio actualmente reinante em tais regiões, que sobretudo pela sua fisionomia topográfica, infelizmente absorvem vultuosos contingentes como é natural em guerrilhas.132

Quanto ao risco de uma vitória dos guerrilheiros, Barreto afirmou que a implantação “de um regime agressivo à civilização cristã” poderia se tornar uma ameaça ao outro lado do Atlântico, afetando à índole da população brasileira e portuguesa. Publicações podiam ser originadas depois dessas viagens de brasileiros, com relatos a partir daquilo que o interlocutor presenciou. Newton Carneiro, deputado federal da Arena, publicou pelo Departamento de Imprensa Nacional seu discurso sobre sua viagem a Angola. Carneiro afirmou que das “províncias ultramarinas”, Angola tinha maior ligação com o Brasil, ouvindo suas rádios, lendo seus livros e revistas, admirando seus ídolos. Percebeu que não existia discriminação racial e que a administração portuguesa estava incluindo o “prêto” nos círculos da sociedade angolana, retirando-o de seu “despreparo social e cultural”.133 Junto desse trabalho da diplomacia, documentos coletados no Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros evidenciam que havia um controle sobre o trabalho dos diplomatas portugueses que estavam no Brasil. Buscou-se ajustar suas orientações por meio de reuniões, encontros e acompanhamento dos trabalhos dos consulados e embaixada. 131  132  133 

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ANTT: PIDE/DGS Del A Dinf 11.32. D/4 NT 1862, O Comércio 29 de Outubro de 1965. Diário, Lourenço Marques, 29 de Outubro de 1965. CARNEIRO, Newton. Visitando Angola. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1966.

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A ligação da diplomacia com políticos, intelectuais, artistas, imprensa e organizações não era improvisada, contava com uma linha operacional expressa para que os objetivos tivessem sucesso nesse relacionamento. Em apontamentos feitos sobre uma reunião dos cônsules portugueses de carreira, realizada no Brasil, na Embaixada do Rio de Janeiro, de 24 a 29 de abril de 1967, emitiu-se um relatório. Os assuntos foram elencados, dentre os eixos abordados na reunião: 1) Interesses comerciais portugueses no Brasil; 2) Interesses econômicos (turismo, imigração portuguesa no Brasil, cooperação técnica na indústria, comércio bancário); 3) Divulgação da cultura portuguesa no Brasil; 4) Questões consulares e de colônia; 5) Problemas políticos134. Buscava-se acabar com o sentimento antiportuguês, divulgar a colônia portuguesa aos brasileiros, renovar os quadros diretivos, elevar o nível cultural das atividades associativas, reanimar a influência política no Brasil, promover a distribuição de condecorações pelos diversos Estados brasileiros. A diplomacia portuguesa estava preocupada com a sobrevivência da cultura portuguesa no Brasil, receosa de que outras nações a ultrapassassem. Havia o receio de perder sua influência política e econômica sobre o país. De começo, foi frisada a preocupação com a penetração de outras nações, reforçando que a repartição responsável sobre esse tema reuniu as informações necessárias para evitar esse transborde. Um amplo dossiê, dividido por nações e suas respectivas influências nos Estados brasileiros foi elaborado, incluindo informações sobre a presença dos EUA, França, Japão, Inglaterra, Áustria, Alemanha, Nigéria, Senegal, Índia, Gana, Israel, Itália, Espanha etc. A penetração senegalesa, nigeriana e ganesa, no Estado da Bahia, foi vista com preocupação, já que 50% da população baiana era negra, o que aumentaria o interesse nessa influência. O documento ressaltou que com frequência embaixadores do Senegal, Nigéria e Gana visitavam a Bahia, por isso, precisava-se de atenção ao “ligeiro movimento de captação das áreas extremistas, esquerdistas e negras da população, orientadas pela actividade do Instituto de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia”.135 O referido relatório evidencia o trabalho desenvolvido pela diplomacia portuguesa para fortalecer as relações de Portugal com o Brasil, evitar a perda de influência e fortalecer sua preponderância política, econômica e cultural. PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Serviços Gerais, Processo 211,10 / RPA 11. Lisboa, 2 de junho de 1967. 135  PEA Relatório da Reunião com os Cônsules de carreira no Brasil, Confidencial, Embaixada de Portugal, Rio de Janeiro, 24 a 29 de abril de 1967. 134 

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Afora os dossiês e os encaminhamentos, havia um controle sobre o próprio papel dos funcionários da diplomacia portuguesa. Um exemplo desse controle foi percebido num maço de documentos sobre a atuação do vice-cônsul de Curitiba, Joaquim Ferreira Gomes. O vice-cônsul foi acusado de estar ligado a elementos de oposição ao governo português. Em ofício encaminhado pelo consulado de Santos ao embaixador João de Deus Battaglia Ramos, da embaixada do Rio de Janeiro, o cônsul Diamantino Real desmentiu as acusações ao vice-cônsul. Segundo ele, o senhor Joaquim Ferreira Gomes era considerado um dos mais eficientes defensores de Portugal. A acusação, para Real, portanto, não tinha fundamento, tratava-se de uma intriga. Ele citou que quando Humberto Delgado esteve em Curitiba, o oposicionista de Salazar136 conseguiu marcar uma entrevista na televisão do Paraná, mas o vice-cônsul se articulou e obteve êxito no cancelamento da entrevista. Mesmo assim, Delgado obteve uma conferência na Universidade do Paraná, a convite do centro acadêmico, atividade que Gomes não conseguiu impedir, o que não significou concordância do vice-cônsul com sua realização. Na ocasião, alguns estudantes, Delgado, Antonio Falcão Marques Ferrer e outro oposicionista pronunciaram palavras hostis contra o governo português137. Posteriormente, Alexandre Silva S. Lôbo, presidente do Centro Português de Curitiba, remeteu um documento a Salazar, levantando as atividades políticas de Joaquim Ferreira Gomes. Segundo Lôbo, Gomes estava prejudicando o “bom nome de Portugal” e a “expansão da cultura lusitana” em Curitiba. Que o mais sensato era ter próximo desse vice-consulado homens que pudessem “ilustrar a causa portuguêsa, com o assessoramento de bons portuguêses”, entretanto, notava-se o contrário138. Também foi aprovado um documento do Centro Português de Curitiba (Luso-Brasileiro) declarando que Gomes tinha se tornado “persona non grata” à família lusíada curitibana. Não foi possível averiguar se Gomes havia ou não se aproximado de setores oposicionistas, podendo ser, na realidade, um jogo de forças e de poder promovido pelo grupo contrário ao vice-cônsul. O que se sobressai é que a própria comunidade portuguesa organizada tratava de filtrar seus pares, independente ou não, da possibilidade de disputas internas de poder. Além dos esforços promovidos pela comunidade portuguesa instalada no Brasil, percebe-se a movimentação de outros atores que simpatizavam Fez oposição ao Governo de Salazar, chegou a se candidatar para a presidência nas eleições de 1958. PEA Consulado de Portugal, processo 104/1/62-63, Confidencial, Urgente, Santos, 20 de maio de 1964. 138  PEA Presidência do Conselho, gabinete do presidente, ofício n.º 2385/64. Documento Anexo: Curitiba, 2 de junho de 1964. 136  137 

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com os postulados salazaristas. Dessa admiração surgiram homenagens. Em Maringá, estudantes da primeira turma do curso de economia, da Faculdade Estadual de Ciências Econômicas, solicitaram que Salazar fosse o patrono da turma de 1965. Em documento enviado ao presidente do Conselho, assinado por Farid Curi, pela comissão de formatura, os estudantes reconheciam que Salazar foi o “baluarte da Economia e Finanças de Portugal”, dando ao país progresso econômico. Noutro documento, Farid Curi sustenta que Maringá era um polo com atuação exemplar da comunidade portuguesa. Curi procurou justificar a importância de Salazar concordar em fornecer seu nome, pois o gesto fortaleceria a imagem de Portugal na opinião pública139. Salazar atendeu ao pedido e transmitiu seus votos de “felicidades pessoais” e seu “sensibilizado agradecimento pela atenciosa lembrança140”. A Agência Rademaker solicitou o consentimento de Salazar para atribuir a um grupo de edifícios construído pela Maros – Empreendimentos Imobiliários, o nome de “Conjunto Professor Oliveira Salazar”, localizado na Guanabara141. Antonio Henrique ofereceu a Salazar o título de cidadão honorário do Estado da Guanabara142. Esses gestos mostram que o salazarismo reverberou no Brasil e que o trabalho da colônia portuguesa surtiu efeito. Na década de 1970, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro elaborou um documento alertando o ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a importância de retomar a experiência de promoção de viagens de parlamentares brasileiros ao ultramar. O documento reconhecia que esse programa realizado na década de 1960 foi exitoso. Sua interrupção durante 1966 e 1971 causou queda de prestígio nas câmaras e diminuiu a reverberação da publicidade dada pelos parlamentares que visitavam o Ultramar. O documento mostrou preocupação com o avanço da ofensiva africanista proveniente do Itamaraty que afetava os interesses portugueses. Portanto, retomar um roteiro de viagens, com criteriosa escolha dos parlamentares, poderia servir como antídoto contra as campanhas antiportuguesas. O documento da embaixada reforçou o pedido de intensificação de viagens de parlamentares brasileiros às colônias e anexou uma lista dos nomes mais indicados. Os critérios utilizados para melhor avaliar os candidatos que poderiam voar foram os seguintes: a) tendências políticas; b) simpatia pela causa portuguesa; c) importância na cena parlamentar brasileira; 139  140  141  142 

PEA Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Maringá, Maringá, 14 de agosto de 1964. PEA Presidência do Conselho, 28 de novembro de 1964. PEA Processo 331,1 PO 437, Lisboa, 30 de setembro de 1964. PEA Cunha Bueno – Advogado, São Paulo, 29 de agosto de 1972. 63

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c) pertencimento à “Comissão Especial” destinada a elaborar leis para a integração socioeconômica e cultural dos povos da língua portuguesa. A lista foi dividida em três grupos: 1º Grupo - Senador José Sarney (ARENA, Maranhão) - Deputado Arnaldo Prieta (Secretário-Geral da ARENA, Rio Grande do Sul) - Deputado Thales Ramalho (Secretário-Geral do MDB, Pernambuco) - Deputado Dayl de Almeida (ARENA, Rio de Janeiro, presidente da Comissão Especial) - Deputado Grimaldi Ribeiro (ARENA, Rio Grande do Sul) - Deputado Daniel Faraco (ARENA, Rio Grande do Sul) 2ºGrupo - Senador Franco Montoro (MDB, São Paulo) - Deputado Geraldo Guedes (ARENA, Pernambuco) - Deputado Flexa Ribeiro, ARENA, Guanabara) - Deputado Parsifal Barroso (ARENA, Ceará) - Deputado Faria Lima (ARENA, São Paulo) - Deputado Pedro Faria (MDB, Guanabara) 3ºGrupo - Senador Accioly Filho (ARENA, Paraná) - Deputado Alberto Hoffmann (ARENA, Rio Grande do Sul) - Deputado Lomanto Júnior (ARENA, Bahia) - Deputado Daso Coimbra (ARENA, Rio de Janeiro) - Deputado Adalberto Camargo (MDB, São Paulo)

O documento conclui que com a aprovação do MNE, a Embaixada transmitiria aos referidos parlamentares um convite em nome do governo português143. Ou seja, a diplomacia portuguesa no Brasil fazia a mediação, chegando a cobrar do MNE esse tipo de ação para fortalecer e preservar a imagem de Portugal em território brasileiro. Obviamente que esse tipo de pedido 143 

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PAA Embaixada de Portugal. Processo 9,22 N.º 132. Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1972.

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podia ser uma espécie de barganha entre a Embaixada e os parlamentares, sendo até motivada por interesses domésticos do próprio lobby português. Ocorre que independente da justificativa, do real interesse da diplomacia, a defesa do “bem da nação” lusitana foi o argumento utilizado para solicitar essas viagens aos parlamentares mais próximos de Portugal. Em vias conclusivas, saliento que a diplomacia portuguesa foi fundamental para fortalecer os laços do Brasil com Portugal, o que não evitou a efervescência de setores contrários ao salazarismo e à guerra colonial. Além de selecionar os “amigos e os inimigos”, o trabalho da diplomacia, aliado às ações da colônia portuguesa, buscou fazer propaganda das realizações e dos fundamentos do Estado Novo. Como se pode ver, foram vários os meios para alcançar esses fins. O Estado Novo diante do despertar do nacionalismo africano Durante o Estado Novo, várias foram as leituras feitas sobre o perfil de suas colônias. A partir de 1930, foi potencializada e centralizada a exploração econômica, as atividades de gestão e os investimentos coloniais. Houve valorização do ideal do Império Colonial por meio da propaganda e do ensino. Dois expoentes da política colonial, Norton de Matos e Armindo Monteiro, pensavam que o africano compunha uma raça primitiva, supersticiosa, ignorante e miserável, cabendo a Portugal elevá-los à civilização. Para Matos, a inferioridade poderia ser resolvida com o tempo, via fusão do africano com o português. Para Monteiro, a imperfeição africana condenava-o ao eterno atraso. Depois de 1950, o Estado Novo buscou dar uma imagem positiva e grandiosa da presença portuguesa na África. O africano era considerado “primitivo”, mas podia se tornar membro (distante e rejeitado) do “mundo português”. Acreditava-se que os africanos deveriam ser incorporados e reconhecidos pelos portugueses, com a ressalva de comporem um estrato inferiorizado. Os nativos precisavam aceitar a presença portuguesa e copiar o modelo português (vestir, arquitetura, educação, religião, língua, trabalho), foi a chamada assimilação (discutida anteriormente). Ao pensar a África, o Continente não foi apenas o berço da humanidade, em seu território formaram-se grandes reservas de minerais estratégicos e de minerais preciosos, o que gerou a cobiça dos impérios144. Por um lado, o interesse econômico ajudou a fomentar a presença europeia, por outro lado, desde a chegada dos europeus, houve resistência contra 144 

ZIEGLER, Jean. Saqueo en África. Ciudad de México: Siglo XXI, 1979. 65

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a subjugação. Historicamente, etnias, comunidades e Estados renegaram a dominação. Apenas a Libéria e a Etiópia se mantiveram independentes, o que não anula as diversas formas de aversão à invasão colonialista. Apesar da ocupação europeia, já ocorriam disputas internas entre os africanos. A cobiça europeia foi, inclusive, beneficiada pelos históricos conflitos entre etnias locais. Isso significa que diante da submissão houve resistência, rendição e até aceitação. Por meio da transmissão oral da literatura, das canções populares, os africanos mantiveram suas próprias línguas. A cultura não se manteve ilesa, mas foi relativamente preservada. No Século XX o processo de luta contra a dominação colonial se fez presente, principalmente por meio da resistência intelectual e poética145. No final da primeira metade do Século XX, houve um resplandecer dos povos na construção de movimentos libertadores. Uma dessas inspirações foi o fato de que na II Guerra Mundial os afro-asiáticos forneceram soldados, matérias-primas e territórios e, em troca, tiveram a promessa da autonomia. Com a derrota das Forças do Eixo146, imposta pelos Aliados, a sensação de que o colonialismo havia chegado ao fim foi contagiante, embora não tenha ocorrido. O mito de que o homem branco era invencível sucumbiu, um estímulo para a luta dos povos afro-asiáticos147. Depois da II Guerra Mundial, EUA e URSS deliberaram suas posições a respeito do colonialismo. Nos EUA configuraram dois debates. De um lado, os EUA sustentaram a importância do avanço das independências. Do outro, uma corrente eurocêntrica, tendo John Foster Dulles (secretário de Estado) à frente, tinha receio de que as independências pudessem significar o fortalecimento do projeto comunista. Até a ascensão de John Kennedy, os EUA privilegiaram a ajuda aos países europeus. Já os soviéticos se engajaram na descolonização148. Africanos e asiáticos estabeleceram canais de diálogo e de mudança, pondo em ação movimentos e organizações com propostas de transformação. No pós-guerra, irromperam conflitos armados e revoluções, algumas de caráter socialista (China, Coréia e Vietnã), outras de feição nacionalista (Índia e Indonésia). Na década de 1950, na região do Magreb-Machreck, surgiram intervenções do nacionalismo árabe (Egito, Iraque, Argélia), seguidas de mobilizações que se deslocaram para a África Subsaariana, na 145  146  147  148 

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FERREIRA, 1977, p. 151-153. Alemanha, a Itália e o Japão. RAMPINELLI, 2004, p. 22. ANTUNES, 1990, p. 47.

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década de 1960. Essas mobilizações foram acompanhadas pelo avanço de conferências, congressos e organismos unitários que deram organicidade à luta pela autonomia. Em 1954 foi realizada a Conferência de Colombo, reunindo Índia, Paquistão, Indonésia, Birmânia (atual Mianmar) e Ceilão (atual Sri Lanka). Em 1955, ocorreu a Conferência de Bandung, reunindo 29 países afro-asiáticos, tendo como eixo a luta pela independência, o desenvolvimento econômico e a quebra da bipolaridade da Guerra Fria. A Conferência de Bandung condenou o colonialismo, a discriminação racial, sustentou a cooperação técnica e econômica entre os países do polo e propôs o desarmamento atômico. Não se tornou um bloco porque não atuou como árbitro internacional nem alcançou organicidade coletiva149. Em 1961, na Iugoslávia, foi organizada a I Conferência dos Países Não Alinhados, fortalecendo a pauta “neutralista” que tinha como prerrogativa a participação das nações do “terceiro mundo” nas decisões globais e a construção de uma nova ordem política e econômica. Especialmente na mobilização de africanos, o Pan-africanismo e a Negritude, movimentos de origem extra-africana, catalisaram as elites e as vanguardas africanas, procurando dar novos significados ao papel do negro e da África no cenário internacional. Um sentimento de solidariedade entre africanos e povos de ancestralidade africana ganhou vida. Nessa altura, com exceção da Etiópia, do Haiti e da Libéria, países governados por negros, a vida de pessoas de origem africana possuía Governos europeus. Líderes como Kwame Nkrumah (Gana), Sékou Touré (Guiné), Julius Nyerere (Tanzânia), Modibo Keïta (Mali) e Leopold Senghor (Senegal), dialogaram com tais movimentos, aspirando a unidade e a autonomia de seus povos. Diversos sindicatos e igrejas cristãs também contribuíram com a criação de uma plataforma descolonizadora, inspirando a organização de grupos. A onda de independências africanas começou em Gana, ao se tornar independente da Inglaterra, em 1957. Com Nkrumah na liderança do país, em 1958 foram organizadas duas conferências. Em abril, foi realizada a I Conferência dos Estados Africanos Independentes, em Acra, a bandeira independentista foi reforçada, trazendo como novidade o propósito da cooperação africana em nível governamental. Em dezembro, foi a vez da Conferência dos Povos Africanos, reunindo delegados de 62 organizações nacionalistas. Contou com saudações de Nikita Kruschev (URSS) e Chou En-Lai (China), dando sinais de que países socialistas passariam a contribuir com essa causa. 149 

PENNA FILHO, 2009, p. 52. 67

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Na sequência desses acontecimentos, a Guiné alcançou sua autonomia diante da França e 1960 foi considerado o ano africano, pois, diversos países tornaram-se independentes. Camarões, Congo-Brazzaville (atual República Democrática do Congo), Gabão, Togo, Costa do Marfim, Daomé (atual Benin), Alto Volta (atual Burkina-Faso), Nigéria, Senegal, Mali, Somália, Colgo-Leopoldville (depois Zaire, atualmente República Democrática do Congo etc). Entre 1961 e 1966, foi a vez de Uganda, Ruanda, Burundi, Quênia, Lesoto e Botswana. Em 1962, a África contava com 36 Estados independentes, o correspondente a 87% de sua superfície. Esse reflorescimento africano se fez presente nos assentos da ONU, dos 119 países membros, a África contava com 35 cadeiras. Como desdobramento desse crescimento, foi criada no dia 25 de Maio de 1963, em Addis Abeba, Etiópia, por iniciativa do Imperador etíope Haile Selassie, a Organização da Unidade Africana (OUA). Sua formação contou com a assinatura de representantes de 32 governos de países africanos independentes. Nesse panorama, táticas globais procuraram questionar a ordem da Guerra Fria. Dentre esses espaços, destacaram-se o Movimento dos Não-Alinhados, o Grupo dos 77150 e a Organização dos Países Produtores de Petróleo151 (Opep), espaços que reuniram nações em desenvolvimento, incluindo diversos países africanos152. A onda independentista não pôde ser contida. As contradições do colonialismo foram expostas, os movimentos nacionalistas amadureceram, a ONU abarcou a pauta do direito à autodeterminação. Portugal promoveu reformas para atenuar as críticas, tentando evitar que essa onda chegasse às suas colônias. A mudança de um modelo retórico e de exploração predatória dos recursos naturais e humanos para um colonialismo modernizador começou a desenhar-se no final dos anos 1950. Promoveu a abertura à modernização econômica e à industrialização de Portugal153. Outra maneira encontrada pelo Estado Novo acabou favorecendo independentistas. Como forma de neutralizá-los, parte da elite cultural das colônias foi levada para a Metrópole com o intuito de realizar Foi criado em 15 de junho de 1964 a partir da “Declaração Conjunta dos Setenta e Sete Países”, elaborada na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Tendo como membros diversas nações em desenvolvimento. 151  Países com ricas reservas de petróleo (Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela) decidiram criar a Opep para garantir maior controle sobre os preços do petróleo. 152  OGWU, Joy Uche Angela. La cooperación Sur-Sur: problemas, posibilidades y perspectivas en una relación emergente. Nueva sociedad. Buenos Aires, n. 60 mayo-junio, p. 27-38, 1982, p. 2-4. 153  CASTELO, 2014, p. 13. 150 

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estudos superiores. Foi o caso de Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Mário de Andrade, Lúcio Lara, Marcelino dos Santos e Eduardo Mondlane, lideranças que desempenharam papel importante na luta anticolonial. A formação desses quadros e dirigentes ocorreu principalmente nas cidades de Lisboa, Coimbra e Porto, entre 1945 e 1965. A influência cultural, política e organizativa, recebida em Portugal, deu experiência teórica e prática para esses futuros ativistas. Foram três tipos de influências: a) Associativas – Casa dos Estudantes do Império (CEI), Associações Acadêmicas, Centro de Estudos Africanos, Clube Marítimo Africano e Casa de África; b) Político-orgânicas: Partido Comunista Português (PCP), Movimento Unidade Democrática Juvenil, Movimento Anticolonialista (MAC); c) Político-culturais: marxismo, neorrealismo, negritude154. Esses espaços serviram de base para a formação desses futuros líderes e militantes. Em suas sedes eram realizadas atividades desportivas, culturais, sociais e recreativas, colóquios, debates, conferências, concursos literários, além da publicação de poemas e contos155. Parte dessa intelectualidade participou dos dois importantes congressos de escritores e artistas: o 1º e o 2º Congresso de Escritores e Artistas, realizados em 1956, na cidade de Paris, e em 1959, na cidade de Roma. Outro passo dado pelos nacionalistas africanos foi a realização da primeira Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). Organizada pelo MPLA (Movimento Popular de Libertação Nacional), PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde) e Goa League (Liga de Goa), o encontro ocorreu entre os dias 18 e 20 de abril de 1961, em Casablanca156. A CONCP estabeleceu como eixo a luta contra o colonialismo, o combate ao racismo, ao tribalismo e ao regionalismo, a instituição da completa independência, o retorno da vivência cultural, o estabelecimento de sociedades com regimes socialistas157. O Estado Novo ignorava a tendência internacional anticolonial e considerava seu projeto colonial especial. Por sua vez, a sociedade civil portuguesa ficou desinformada e distante dos problemas nacionais. MATEUS, 1999, p. 65. Entre 1922 e 1933, surgiram diversos movimentos em Angola e em Moçambique sustentando o ressurgimento das culturas africanas, como exemplo os jornais Angolense, O Farol do Povo, O Brado Africano. Esses órgãos foram proibidos por Lisboa, diversos editores foram afastados, silenciados e a censura vetou as publicações e a imprensa. Viriato da Cruz, em 1948, juntamente a assimilados angolanos, fundou a revista Mensagem, um importante veículo poético e cultural de Angola. 156  O documento completo contendo as resoluções pode ser visualizado no site: http://casacomum.net/cc/ visualizador?pasta=04357.009.001#!1. 157  MATEUS, 1999, p. 179. 154  155 

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As oposições ao salazarismo estacionaram numa inércia durante longo período. A única organização que se posicionou pela autodeterminação, antes da guerra colonial, foi o Partido Comunista Português (PCP). A resolução foi aprovada no V Congresso, em novembro de 1957158, proclamando o reconhecimento “incondicional do direito dos povos das colônias da África, Ásia e Oceania, dominadas por Portugal, à imediata e completa independência”.159 Nas eleições presidenciais, Norton de Matos, candidato em 1949, não questionou o colonialismo. Toda a campanha de Humberto Delgado, em 1958, também não tocou no problema africano, só em 1961, quando se exilou, que o político assumiu posição favorável à autodeterminação. O primeiro agravo contra o Estado Novo, proveniente de seus territórios coloniais, entretanto, não surgiu na África, veio da Índia. Desde 1953, o governo da União Indiana já demonstrava sinais de descontentamento com a presença portuguesa. No mesmo ano ordenou o encerramento de sua embaixada em Lisboa e bloqueou suas fronteiras com os territórios portugueses160. Sucessivamente outras ações foram feitas pela União Indiana. A derradeira ocorreu quando em 1961, Portugal sofreu uma derrota, os territórios de Goa, Damão e Diu foram ocupados militarmente e definitivamente incorporados à União Indiana. Na África, a insistência promovida pelo governo português, de fazer crer que angolanos, guineenses, cabo-verdianos, são-tomenses e moçambicanos podiam se sentir portugueses, não barrou a revolta. Em 1962, mesmo depois do alvorecer dos levantes em Angola, a brasileira e salazarista Margarida Lopes de Almeida insistiu na tese de Portugal uno, indivisível, multirracial, pluricontinental: - Negro, que constróis com o branco o Futuro, tu o que és? - O que sou? Sou angolano e, como tal, português. E tu, mestiça morena, donairosa e sedutora, és o que? - Sou portuguesa, de Moçambique, senhora.161

Desde a década de 1920 era orientação internacional dos Partidos Comunistas a posição anticolonialista. Resoluções do V Congresso do Partido Comunista. Disponível em http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=02969.020.004#!1. Acesso em: 20 maio 2015. 160  MARTELO, David. A espada de dois gumes: as Forças Armadas do Estado Novo (1926-1974). Mem Martins: Publicações Europa-América, 1999, p. 172. 161  LOPES DE ALMEIDA, Margarida. Cantiga de Roda. Lisboa: [s.n.], 1962. 158 

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Palavras, gestos e reformas foram incapazes de conter a luta anticolonial. Antes da aurora dos levantes, os nacionalistas até tentaram negociar com o governo português. Em 1960, líderes angolanos propuseram uma mesa redonda com Salazar para discutir os dilemas das colônias, indicando uma solução pacífica para o problema, caso isso não ocorresse, o Estado português seria responsabilizado. Salazar foi irônico, em declaração no Diário da Manhã, afirmou que não criaria “Nem mesa redonda nem mesa quadrada”. Outra tentativa partiu do PAIGC, em novembro do mesmo ano, salientando que o caráter da luta dependeria dos rumos tomados pelo Estado Novo. Em dezembro, Mário de Andrade deu o ultimato, afirmando que o recurso passaria a ser a luta armada162. A insurreição, a revolta, o levante foram os caminhos escolhidos e a guerra se tornou inevitável163. As Forças Armadas portuguesas foram à África, defenderam um modelo considerado justo e harmonioso, baseado na formação multirracial e na abrangência pluricontinental. A ação empreendida passou a ser considerada cívica e histórica. Angola, Moçambique e a independência nacional Houve dois momentos da colonização portuguesa na África. O primeiro, de 1930 a 1960, centrado na modernização das colônias, na extração dos recursos naturais e no uso do trabalho forçado. O segundo momento se deu com a guerra, baseou-se no esforço de construção de “sociedades multirraciais”, acrescentando população branca. Em regra, o Governo português se preocupou mais com o crescimento da economia de cima para baixo, do que com o desenvolvimento humano. Tardiamente passou a se preocupar com a educação, saúde pública e com programas de desenvolvimento, a pensar na melhoria de vida dos próprios africanos. Esse novo padrão foi resultado das transformações da década de 1960, das orientações da cooperação técnico-científica internacional e de estudos de pesquisadores sociais e agrônomos portugueses164. Mesmo com medidas progressivas, o saldo negativo do colonialismo não foi quitado, foram diversas violações e ações compulsórias que minaram a consciência dos africanos. Dentre elas, a violação dos direitos de posse CORREIA, 1998, p. 363. O general Costa Gomes, em 1961, propôs que a solução para o problema do ultramar deveria ser política e não militar. Depois foi a vez de António de Spínola propor esse tipo de negociação (GOMES, 2006, p. 16). 164  CASTELO, 2014, p. 507, 508. 162  163 

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e uso da terra, o pagamento compulsório de impostos, condicionado ao trabalho por tempo variável, a cultura forçada do algodão, o recrutamento coercitivo para explorações agrícolas ou industriais de proprietários europeus. Os negros foram vistos como fonte de trabalho, sendo vitimados pelo racismo. A recusa ao trabalho podia ocasionar tortura, assassinato e deportação definitiva ou temporária para campos de trabalho. Como efeitos dessa estrutura, negros e negras foram estereotipados, seus valores morais, culturais e éticos foram negados, desencadeando dissolução social e cultural. Impossibilitada a negociação entre as partes, a luta pela libertação nacional foi inaugurada nas colônias portuguesas em Angola, no ano de 1961. Três datas simbólicas e controversas (há uma disputa em torno de qual data melhor representa o start) deram a largada165. O primeiro levante ocorreu dia 4 de janeiro, na Baixa de Cassange, localizada na província de Malange. No conflito, o Império português sentiu a ira de trabalhadores das fazendas de algodão da Companhia Geral de Algodões de Angola (Cotonang). Os trabalhadores se recusaram a colher algodão, em resposta aos baixos salários, às duras condições de trabalho e ao peso das imposições coloniais. Em resposta, muitos deles foram assassinados, outros fugiram para o Congo. Reivindicada pelo MPLA, por seminaristas do Seminário de S. Domingos e por integrantes da UPA, a segunda revolta ocorreu no dia 4 de fevereiro. Foi uma ousada ação que pretendia libertar os presos independentistas da Cadeia do bairro São Paulo, da cadeia da 7ª esquadra da PSP e da Casa de Reclusão, e ainda ocupar a Emissora Oficial de Angola, a Estação dos Correios e a Companhia Indígena, em Luanda. Nos embates, do lado dos independentistas morreram 40 pessoas, do lado estatal morreram seis policiais e um cabo do exército. Autoridades portuguesas responderam com torturas, prisões, assassinatos e ações vingativas dos brancos contra os negros. O jornal Diário de Lisboa afirmou que “eram estrangeiros na sua maioria os componentes do grupo que assaltou as prisões de Luanda” e que sequer sabiam falar português166. Simultaneamente, Henrique Galvão e outros oposicionistas do salazarismo sequestraram o paquete Santa Maria, com direção do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL). A intenção era causar ressonância política internacional, pois se acreditava que Henrique Galvão iria desembarcar em 4 de fevereiro em Angola. A terceira revolta aconteceu no dia 15 de março, impulsionada pela UPA, e realizada PIMENTEL, Irene, O 4 de Fevereiro e o início da guerra colonial. 2 de fevereiro de 2011. Disponível em: http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=47211&op=all. Acesso em: 20 fev. 2017. 166  Diário de Lisboa, 5 de fevereiro de 1961. 165 

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por integrantes dos povos bacongo, uma chacina foi promovida contra os colonos brancos no Norte angolano. Do Norte e da fronteira, a revolta se espraiou para Cuanza-norte, Malange, Uíge, Zaire e Luanda. 800 colonos brancos e cerca de 6000 negros que trabalhavam para esses colonos foram assassinados. A hipótese da data escolhida pela UPA está na coincidência com os debates que estavam a ocorrer em Nova Iorque, sobre a condenação do colonialismo português167. Essas revoltas provocaram a resposta de Portugal, que empreendeu uma ação militar. Numa intervenção no dia 13 de abril de 1961, depois dos incidentes, Salazar resumiu a principal tarefa de Portugal – “Para Angola, rapidamente e em força”. Meses depois, declarou que seguiria na defesa da “dignidade nacional”: Sejam quais forem as dificuldades que se nos deparem no nosso caminho e os sacrifícios que se nos imponham para vencê-las, não vejo outra forma que não seja a decisão de continuar. Esta decisão é imperativo da consciência nacional que eu sinto em uníssono com os encarregados de defender lá longe pelas armas a terra da Pátria. Esta decisão é nos imposta por todos quantos, brancos, pretos ou mestiços, mourejando, lutando, morrendo ou vendo espedaçar os seus, autenticam pelo seu mesmo martírio que Angola é terra de Portugal.168

O Estado Novo investiu em infraestrutura, como construção de estradas, combinado com as citadas reformas de Adriano Moreira. Houve a abolição do estatuto do indigenato, o regulamento de ocupação e concessão de terrenos, a organização das regedorias, a criação dos Institutos do Trabalho, Previdência e Ação Social de Angola e de Moçambique, do Código do Trabalho Rural e a criação do Espaço Económico Português de livre circulação de mercadorias, capitais e pessoas. O trabalho forçado e as culturas obrigatórias foram substituídas pelo trabalho salarial169. Essas alterações não evitaram os impasses. Acrescentam-se outros pontos: a descentralização administrativa não ocorreu, o diálogo com as oposições foi inviabilizado, as elites africanas continuaram distantes das decisões, a liberalização e a democratização não se concretizaram. Na primeira Conferência Nacional do MPLA, a insuficiência das reformas promovidas No mesmo dia dos ataques, aprovou-se uma moção do Conselho das Nações Unidas condenando a situação em Angola. Os EUA e a URSS foram favoráveis a proposta da Libéria. 168  Correio do Sul, 20 de Julho de 1961. 169  CASTELO, 2014, p. 519. 167 

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foi realçada na abertura feita por Agostinho Neto. Para Neto, as medidas anunciadas pelo Governo português não resolveriam o “sofrimento do Povo, a repressão policial e militar, a exploração econômica, a opressão social, o obscurantismo e todos os males do colonialismo”.170 Fazer a guerra tornou-se estratégia crucial para a sobrevivência do Estado Novo e os africanos que se engajaram na luta anticolonial nunca foram considerados independentistas ou nacionalistas, foram tratados como “terroristas”, também chamados de “turras”. Durante a guerra, os negócios não pararam. Em Angola a produção e extração de itens como café, diamantes, ferro e petróleo tiveram um crescimento inédito. A RFA coordenou um consórcio de extração mineral no Cassinga, na província de Huila, empresas dos EUA participaram de concessões de diamantes a partir de 1969, a petrolífera Gulf Oil estendeu suas atividades no enclave de Cabinda. Em Moçambique, por meio da construção da hidrelétrica de Cabora Bassa, selou-se uma possibilidade de cooperação econômica entre Moçambique, Rodésia e RAS, o acordo pretendia fornecer energia a essas regiões. França, Suécia, RFA, França e Portugal fizeram negócios e parcerias financeiras171. Nesse contexto, em 1955 foi criada a União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), que posteriormente, em 1958, deu origem à União dos Povos de Angola (UPA), e em 1962, se transformou em Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Foi um movimento que reuniu negros bacongos, residentes no Congo Belga (Léopoldville/Kinshasa), tendo Holden Roberto como principal líder. A UPA foi o primeiro partido nacionalista de Angola e o primeiro a praticar a luta armada, desde 1960 seus militantes já realizavam treinamentos militares no Congo Belga. Holden Roberto participou da 1ª Conferência Pan-Africana, em Gana, 1958, tendo estabelecido contato com outros líderes nacionalistas das colônias francesas, britânicas e belga, incluindo Frantz Fanon. Também angariou apoio dos EUA, inclusive da Central Intelligence Agency (CIA). Tinha como princípio o estabelecimento de uma nação para negros, defendendo a expulsão de brancos, mestiços e negros assimilados, conforme concepção tribalista e racista172. A fratricida divisão entre os movimentos foi visceral. Do ponto de vista militar, não foi difícil para as tropas portuguesas obter o controle da situação, graças à divisão entre os movimentos nacionalistas e seus desentendimentos. 170  171  172 

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Primeira Conferência Nacional, Alocução de Abertura, por Agostinho Neto, 1 de dezembro de 1962, MPLA. ANTUNES, 1990, p. 79. PIMENTA, 2010, p. 97, 106.

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Depois das insurreições de 1961, a FNLA (conhecida como UPA até 1962) e o MPLA estabeleceram um confronto irreconciliável. Num primeiro momento, o MPLA chegou a propor uma unidade, entretanto, Holden Roberto preferiu que a FNLA seguisse distante. Com suas origens na etnia dos bacongos, a FNLA estendia seus laços políticos e étnicos até o Congo, essa ligação foi reforçada com a ascensão ao poder do líder Mobutu Seko, que possuía laços familiares com Roberto. O MPLA, por sua vez, não possuía esses mesmos atributos, restando apenas o apoio internacional. As disparidades entre esses movimentos se acirraram com os combates na região dos Dembos, entre 1962 e 1963, e a reconciliação não ocorreu. Um dos motivos para que a UPA mudasse de nome para FNLA foi transparecer um caráter genuíno para seu movimento. Holden Roberto ainda declarou o Governo Revolucionário da Angola no Exílio (Grae), nomeando Jonas Savimbi como ministro das Relações Exteriores desse governo. Savimbi, que possuía origem étnica nos ovimbundos, etnia que estava localizada no planalto central de Angola, tentou ampliar seus poderes na FNLA, porém, sem êxito. Dessa frustração, criou a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), tendo como membros as etnias do Sul – ngangela, chokwe e ovimbundo. Desse modo, em 1966, o divisionismo da luta angolana foi se alargando. Tais movimentos não unificaram o enfrentamento contra o colonialismo, o que facilitou a reação de Portugal. Em 1972, o general Costa Gomes fez um acordo cooperativo com Jonas Savimbi, decretando que a UNITA não seria atacada pelas tropas portuguesas, desde que concentrasse sua intervenção contra o MPLA na zona leste. Foi a chamada Operação Madeira173. A Unita enfrentou vários problemas como deserções de guerrilheiros que ingressaram nas forças portuguesas, dificuldade em recrutar novos adeptos, perda de apoio da população que se ausentou dos bairros controlados pelos portugueses, além da fraqueza operacional. Sem auxílio externo, a aliança com os portugueses garantiu sua sobrevivência. Em 1969, a Unita fez contato com a DGS em Gago Coutinho. A Unita também fez acordo com madeireiros na área de Cangumbe, assegurando que a região não seria prejudicada pelo MPLA. Quando a Zona Militar Leste (ZML) foi criada, em 1971, foi feito um acordo com a Unita. A organização conseguiu bloquear a ação e a instalação do MPLA em uma vasta região do Leste angolano174. MACQUEEN, Norrie. O Balanço Militar em 1974 nos Três Teatros de Operações. In: ROSAS, Fernando; MACHAQUEIRO, Mário; OLIVEIRA, Pedro Aires (org.). O adeus ao império: 40 anos de descolonização. Lisboa: Vega, 2016, p. 46. 174  ALMEIDA, Benjamim. Angola: o conflito na Frente Leste. Lisboa: Âncora Editora, 2011, p. 114-122. 173 

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Quanto à formação do MPLA, sua fundação ocorreu em 10 de dezembro de 1956, como expressão da unificação do Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUAA), do Movimento para a Independência de Angola (Mina) e do Partido Comunista Angolano (PCA). Porém, existem duas outras versões, uma de que o MPLA foi pensado em Tunes, em janeiro de 1960, e criado em Conakry, em junho de 1960. A outra versão alega que Amílcar Cabral e outros militantes foram a Angola e ajudaram a fundar o MPLA. Em dezembro de 1956, o próprio Cabral fez um depoimento atestando essa informação. Esse desencontro de datas está relacionado à disputa ocorrida entre a UPA e o MPLA, que buscava legitimidade e auxílio de aliados internacionais175. Em 1960, o MPLA formou seus primeiros grupos clandestinos em Portugal, encabeçados por Álvaro Santos. Seus principais dirigentes e quadros tinham origem na “elite crioula”, grupo intermediário entre os nativos africanos e os estrangeiros europeus, possuindo melhores níveis de riqueza e de educação176. Adotou como referencial o marxismo, tendo em Agostinho Neto sua principal liderança. Encontrou dificuldade para se afirmar no cenário internacional e na inserção territorial por conta de divisões internas e do bloqueio impulsionado pelas tropas portuguesas, UPA e FNLA. Cabinda, entre 1964 e 1966, foi o único território que o MPLA alcançou inserção militar, partindo de uma base de treino na República do Congo. Depois de Cabinda, a outra zona aberta se deu desde a Zâmbia chegando ao Leste177. As divergências internas não recaíram só sobre a FNLA, o MPLA também passou por divisões entre seus dirigentes. Sua base social estava assentada num contingente urbano, com predominância dos quimbundos e ovimbundos. Em 1974, Mário Pinto de Andrade, Daniel Chipenda e Agostinho Neto, dirigentes do MPLA, entraram em divergência. Chipenda aderiu à FNLA, Pinto de Andrade promoveu a “Revolta Activa”.178 O divisionismo em Angola resultou na formação de cinco grupos de guerrilha. O MPLA, a FNLA e a Unita eram os movimentos militarmente mais relevantes. Além deles, havia a Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) que sustentava a separação de Cabinda. No Leste de Angola, um grupo dissidente do MPLA assumiu a designação de Revolta de Leste. Havia ainda a Frente de Unidade Angolana (FUA), com a primeira fundação em 1961, reprimida pela ditadura e hostilizada pelo MPLA e pela FNLA. Em setembro de 1974, a FUA foi refundada pelo engenheiro Fernando Falcão179. BITTENCOURT, Marcelo. A criação do MPLA. Estudos Afro-Asiáticos. Rio de Janeiro, v. 32, 1997, p. 1. MATEUS, 1999, p. 41, 47, 56, 57. 177  PINTO, António Costa. O fim do império português. Lisboa: Livros Horizonte, 2001, p. 57. 178  MACQUEEN, 2016, p. 47. 179  PIMENTA, Fernando Tavares. O processo de descolonização de Angola. In: ROSAS, Fernando; MACHAQUEIRO, Mário; OLIVEIRA, Pedro Aires (org.). O adeus ao império: 40 anos de descolonização. Lisboa: Vega, 2016, p. 155, 158. 175  176 

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Em Moçambique, que tinha na agricultura a principal fonte de suas exportações (80%), com destaque para a noz de caju, a cana de açúcar, o algodão e o chá, o divisionismo militar não foi como em Angola. A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) passou por uma ruptura com a criação do Comitê Revolucionário de Moçambique (Coremo), com base na Zâmbia. A principal divisão em Moçambique foi na própria Frelimo, causada por diferenças étnicas e ideológicas. Esse divisionismo causou inúmeros expurgos, polêmicas e conspirações. A PIDE e a DGS exploraram essa condição, procurando aprofundar suas crises internas. Com o assassinato de Eduardo Mondlane, em 1969, na Tanzânia, o movimento ficou incerto, sua viabilidade entrou em risco. O problema de direção foi solucionado com a eleição de Samora Machel. A luta armada começou em 25 de setembro de 1964, na província de Cabo Delgado, com ataques militares a pontos administrativos e militares. Do lado brasileiro, o Consulado Geral brasileiro em Lourenço Marques, em telegrama secreto, com informações da Embaixada em Dacar, relatou que a Frelimo estava preparando suas intervenções para as semanas de abril e de março de 1964. As operações consistiriam na infiltração de “pequenos grupos e sabotadores que se dedicariam a guerrilhas”, oriundos de Tanganica, para atuarem em Moçambique180. Apesar das previsões, as ações acabaram ocorrendo depois. Fundada em 25 de junho de 1962, foi o resultado da fusão de três movimentos: União Democrática Nacional Africana de Moçambique (Udenamo), União Nacional Africana de Moçambique (Unam) e União Nacional Africana de Moçambique Independente (Unami). O I Congresso da Frelimo aconteceu em Dar-es-Salem, em setembro de 1962, estabeleceu como tarefas consolidar a organização e prepará-la para a luta armada. O primeiro núcleo da Frelimo foi estabelecido por José Oscar Monteiro, em Portugal. Com ações simultâneas, foi no dia 25 de setembro de 1964 que um ataque da Frelimo desfechou a guerrilha. Consistiu num assalto a um posto administrativo de Cabo Delgado, próximo da fronteira com a Tanzânia. No interior da Frelimo, havia dois grupos, um mais urbano, ligado a Eduardo Mondlane, que compreendia a necessidade de unificar Moçambique enquanto uma nação. O outro, mais tradicional, estava ligado a Lázaro Kavandame, chefe maconde, que levava em consideração as reivindicações étnicas. DEOc/600(88q) 602.77(88) Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Provável início de ações revolucionárias em Moçambique – Frelimo, Secreto, 25 de março de 1964. 180 

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Com a morte de Mondlane, assassinado pela Pide, Lázaro Kavandame se entregou, com receio de ser acusado da morte do outro líder da Frelimo, atenuando o conflito de direção181. A Frelimo começou a luta armada com 250 militantes treinados e armados. Em 1967, já tinha oito mil guerrilheiros. Sua intervenção se dava nas províncias de Cabo Delgado e Niassa, localizadas no Norte do país. Nessas regiões, os militantes da Frelimo desempenharam um papel ativo nas áreas de educação, saúde e economia. Essa espécie de programa social criou uma boa imagem da organização com a população camponesa. Externamente, o êxito dessas atividades serviu para alcançar apoio dos países do Leste, dos Países Baixos, Noruega, Dinamarca e Suécia182. A guerrilha moçambicana consistia em atacar o inimigo e depois recuar, beneficiando-se do conhecimento da região e do relacionamento com a população183. Quando a Frelimo começou as suas operações, Portugal estava mais preparado, possuindo aeroportos, fortificações e comunicação. Para dar cabo à guerrilha, a Frelimo formou seus primeiros quadros na Argélia e recrutou refugiados na Tanzânia, atuando no Norte, penetrando no Niassa e na Zambézia. Diferente do MPLA, desde sempre a OUA a reconheceu, recebendo ainda financiamento de países africanos, da URSS, da China e dos EUA. Para barrar sua presença no Norte de Moçambique, Portugal desempenhou a Operação Nó Górdio, uma contraofensiva organizada por Kaúlza de Arriaga184. A Frelimo resistiu, se manteve no Norte e avançou no Tete, chegando a atingir Manica e Sofala. Outra intervenção importante da Frelimo foi na barragem de Cabora Bassa, buscando mobilizar a opinião internacional sobre o problema colonial e ameaçando constantes sabotagens na obra apoiada pela África do Sul185. Na década de 1970, a Operação Nó Górdio e a Operação Fronteira buscaram fazer com que a Frelimo enfraquecesse no Norte, procurando proteger a fronteira setentrional com a Tanzânia, espaço de transporte e de refúgio de militantes. Coordenadas por Kaúlza de Arriaga, as operações não alcançaram os efeitos desejados, as forças da Frelimo não foram destruídas, apenas dispersadas, o que garantiu seu reordenamento em outras áreas186. AFONSO, Aniceto; MARTELO, David. A guerra de libertação em Moçambique, [20??]. Disponível em: http:// docplayer.com.br/16364205-A-guerra-de-libertacao-em-mocambique.html. Acesso em: 20 jan. 2015. 182  SCHNEIDMAN, 2005, p. 128. 183  VISENTINI, Paulo Fagundes. As revoluções africanas: Angola, Moçambique e Etiópia. São Paulo: Editora Unesp, 2012, p. 91, 92. 184  General português, comandou operações militares em Moçambique. 185  PINTO, 2001, p. 59-61. 186  MACQUEN, 2016, p. 50. 181 

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Em síntese, a Frelimo foi ativa durante seis anos nas provinciais de Niassa e Cabo Delgado. Com a morte de seu principal dirigente, Eduardo Mondlane, vivendo crises internas, conseguiu retomar êxito militar no centro-norte do país, entre 1972 e 1974. Porém, nunca obteve influência na região Sul de Moçambique. Quanto aos movimentos angolanos, eles também não atingiram a região Sul de Angola, espaço dos recursos agrícolas e das minas, onde boa parte dos colonos se encontrava187. Para combater a guerrilha, o Estado Novo encontrou algumas fórmulas. Criados em 1961, os Serviços de Acção Psicossocial buscaram dar coesão ao espírito da causa nacional. As deserções no interior dos movimentos compunham outro estímulo de propaganda, fazendo com que suas contradições internas fossem exploradas. A incorporação de africanos no exército português foi outro trunfo. Esses estímulos pretendiam desmoralizar os nacionalistas, inserindo a sensação de impotência, insegurança, instilando a discórdia e a propagação de notícias tendenciosas contra a guerrilha188. Já os aldeamentos cumpriram o papel de afastar a população dos guerrilheiros. A população foi confinada, retirada de suas casas e aldeias, sob a justificativa de serem protegidas e de habitarem áreas de desenvolvimento socioeconômico189. Internacionalmente, os EUA, no governo John Kennedy, pensaram num plano para a descolonização em Angola e Moçambique. Holden Roberto seria designado para dirigir Angola e Eduardo Mondlane governaria Moçambique. O plano previa um referendo ou processo eleitoral em 1967 para promover a independência em 1970. Paul Sakwa, autor do plano, projetou ajuda financeira a Salazar no valor de US$ 500 milhões para uma saída remediada, tendo relutância do líder português que declarou: “Portugal não está à venda190”. A administração Kennedy deu voto favorável às resoluções que condenaram Portugal, fornecendo ajuda financeira para UPA/FNLA e Frelimo. Kennedy foi o primeiro presidente dos EUA a assumir publicamente a defesa da libertação de Angola191. Depois de 1963, a política estadunidense mudou quando Portugal passou a chantagear diplomaticamente os EUA sobre o uso da base de Lajes nos Açores192. Lyndon Johnson, ao assumir CHALIAND, Gerard. A luta pela África. São Paulo: Brasiliense, 1980, p. 42. SOUTO, 2007, p. 172, 173. 189  VISENTINI, 2012, p. 93. 190  PINTO, 2001, p. 18-25. 191  GOMES, 2006, p. 17-19. 192  Para influenciar a opinião pública estadunidense, o governo português contratou a empresa Salvage & Lee para promover uma imagem positiva. A produção midiática buscou sensibilizar a elite política, os formadores de opinião, a comunidade luso-americana, o Congresso e a imprensa dos EUA do risco comunista instilado em suas colônias. 187  188 

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a presidência em 1963, diminuiu a interferência dos EUA no tema, agindo de forma dúbia. Proferiu gestos simbólicos de apoio ao governo português e demonstrou simpatia com a causa independentista nas reuniões da ONU. O financiamento dado a FNLA foi mantido193. Em 1965 o Governo dos EUA forneceu ilegalmente aviões B-26, entre 1963 e 1968 o Governo português recebeu US$ 33 milhões de ajuda militar194. Já Richard Nixon, de 1969 adiante, com o receio expansionista do comunismo na África, amparou o Estado Novo. Em 1974, a ajuda financeira americana foi uma porcentagem importante das despesas usadas nas guerras coloniais195. Em relação aos países socialistas, houve ajuda da Bulgária, China, Cuba, URSS, Coréia do Norte, Vietnã, Tchecoslováquia. Esse apoio consistiu na formação de quadros, no contributo logístico, político, militar e financeiro. O MPLA, depois de 1966, angariou apoio da URSS, do bloco socialista e da OUA. Che Guevara se encontrou com dirigentes nacionalistas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Avistou-se com Agostinho Neto, em Brazzaville, visitou a sede da Frelimo em Dar-es-Salam e foi recebido por Eduardo Mondlane, Cuba também enviou instrutores para auxiliarem na guerrilha196. A China apoiou Jonas Savimbi, liderança da FNLA. Savimbi discordava de Holden Roberto sobre o apoio dado à condução da luta armada pela FNLA, questionando a ligação com os EUA, pensando que caso alcançassem a independência, ficariam reféns de estrangeiros. Para alcançar uma libertação completa, em 1964 Savimbi rompeu com Holden Roberto, angariando ajuda da China na formação política e militar de suas tropas. Mao Tsé Tung concordou em ajudar Savimbi, ele foi à China, retornando, decidiu se infiltrar no leste angolano com seus quadros formados no país chinês. A partir de 1966 suas tropas começaram a atravessar a Zâmbia, ingressando em Angola, o intuito era combater o MPLA, cativar a população local, criar acampamentos, formar guerrilheiros197. Diversos países africanos foram leais à causa nacionalista nas colônias portuguesas, a saber: Marrocos, Tunísia, Gana, Guiné-Conakry, Líbia, Egito, Argélia, Senegal, Congo-Leopoldville, Zâmbia, Malawi (fazendo jogo duplo), Tanzânia. E quais as razões para a inflexibilidade do governo português? 193  194  195  196  197 

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GOMES, 2006, p. 17-19. PINTO, 2001, p. 28. GOMES, 2006, p. 17-19. MATEUS, 1999, p. 130. ALMEIDA, 2011 p. 108-110.

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[…] paradoxalmente, pelo atraso económico e pela vulnerabilidade do país – por um lado, porque o império era ainda essencial para sectores importantes da produção nacional, que necessitavam dos mercados coloniais protegidos (o que reduzia a relevância dos “europeístas” e “modernistas”, ainda minoritários), por outro lado, porque se tinha geralmente a convicção de que não seria possível substituir o controle político directo no ultramar por outras formas de influência (como a Grã-bretanha e a França procuravam fazer).198

Acrescenta-se o valor simbólico que as colônias desempenhavam na aura do modo de ser e de estar de Portugal. Quanto ao quesito militar, a estratégia do governo português alcançou êxito, impedindo que a guerrilha atingisse os núcleos urbanos e mais desenvolvidos, isso representou esforço econômico, social e militar em três frentes199. Nos três teatros havia uma situação desesperada para as autoridades portuguesas. Em Guiné-Bissau: uma situação desesperada para as autoridades portuguesas; em Moçambique: um panorama desafiante não crítico; e em Angola: uma situação relativamente tranquila.200 O papel da ONU na descolonização, embora insuficiente para promover uma solução imediata, por meio de suas declarações anticoloniais, ajudou a amadurecer as soluções aceitáveis pela comunidade internacional em 1974201. O conflito militar existente em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique recebeu diversas definições, todas elas procuraram dar um significado àquilo que ocorreu, dependendo de um referencial: as forças armadas, os nacionalistas, a guerrilha, o Estado português. Dentre esses títulos, encontram-se: guerra colonial, guerra subversiva, surto de aparência subversiva, guerrilha, conflito de baixa intensidade, guerra de independência. Não há consenso entre os historiadores sobre a unidade da guerra colonial e da luta anticolonial. Do lado colonialista, o que estava em jogo era a defesa de Portugal “uno e indivisível”. Mesmo em termos militares, embora cada teatro de operação apresentasse sua singularidade, essa visão impediu qualquer possibilidade de negociação individual. Pensar numa ALEXANDRE, Manuel Valentim. A descolonização portuguesa em perspectiva comparada. Versão da introdução à Mesa –redonda A descolonização portuguesa», no âmbito da III conferência internacional Flad-ipri– Portugal, The USA and Southern Africa/Portugal, os Estados Unidos e a África Austral, 2005 199  PINTO, 2001, p. 17. 200  MACQUEN, 2016, p. 57. 201  OLIVEIRA, Pedro Aires. A descolonização portuguesa: o puzzle internacional. In: ROSAS, Fernando; MACHAQUEIRO, Mário; OLIVEIRA, Pedro Aires (org.). O adeus ao império: 40 anos de descolonização. Lisboa: Vega, 2016, p. 76. 198 

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solução separada colocava em contradição a ideia de que as colônias eram províncias ultramarinas portuguesas. Nessa lógica, quase todos os movimentos nacionalistas eram inimigos em igual proporção, promovendo uma luta unificada contra o Estado Novo. Do lado independentista, a noção de uma única luta armada contra Portugal, resguardadas as discrepâncias ideológicas, chegou a ser compartilhada. A própria CONCP foi, inicialmente, um ensejo de reunir todos os movimentos numa só luta202. Penso que a despeito de partilharem o mesmo objetivo, os movimentos nacionalistas não se unificaram num procedimento de coordenação permanente das guerrilhas. E foi do Estado Novo que se distribuiu o grosso dos recursos financeiros e dos contingentes militares para o enfrentamento militar. Por isso, penso que foi uma guerra colonial promovida pelo Estado português contra lutas de independência coordenadas por vários movimentos. O modo português de fazer a guerra e a defesa do mundo ocidental Em linhas gerais, o Estado Novo estabeleceu a guerra como uma “luta imposta a Portugal, contra a civilização, a ordem estabelecida, a soberania nacional, contra os brancos e fomentada por estrangeiros comunistas203”, visando banir o país da África. Para permanecer na região, a doutrina portuguesa da guerra contrassubversiva começou a ser elaborada em 1960. A série de livros O Exército na Guerra Subversiva reuniu 5 volumes204, com escritos baseados nas experiências e nas doutrinas expostas pelos britânicos no Quênia e na Malásia, pelos franceses na Indochina e na Argélia e pelos estadunidenses no Vietnã. Produzidos por oficiais superiores, foram repassados no Instituto de Altos Estudos Militares205. Jean Larteguy, correspondente de guerra francês, enaltecia o sofrimento e o heroísmo das tropas francesas nas guerras da Argélia e da Indochina, tornando-se um referencial da Academia Militar de Portugal206. A formação de capitães milicianos possuía disciplinas variadas, como “ordem unida, preparação física, corridas de obstáculos, estudo do armamento e alguma preparação psicológica”. Os exercícios incluíam patrulhamentos, MACQUEEN, 2016, p. 44. SOUTO, 2007, p. 425. 204  Editado pelo Ministério do Exército, os cinco volumes foram assim publicados: Vol. 1: Generalidades, Vol. 2: Operações contra Bandos Armados e Guerrilhas, Vol. 3: Acção Psicológica, Vol. 4: Apoio às autoridades civis, Vol. 5: Administração e logística. 205  SOUTO, 2007, p. 219. 206  ALMEIDA, p. 35. 202  203 

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caminhadas, privação de sono, racionamento de víveres e água, montagem e desmontagem de acampamento. Usando armas G3, Dreyse e Madsen, treinavam respostas às emboscadas, tendo-a como principal tática da guerrilha por ser feita com pouco pessoal e ter eficiência. Os militares exercitavam cercos, batidas e assaltos do território inimigo207. Para sustentar a guerra, o aparelho militar sugou uma grande fatia do orçamento estatal. Em decorrência desses encargos financeiros, a política econômica foi aberta ao capital estrangeiro, dando ênfase na industrialização. As remessas dos emigrantes portugueses residentes em outros países europeus engrossaram o fornecimento de divisas. Esse processo industrial e de concentração de capital germinou os grandes grupos industriais ligados ao capital estrangeiro. Em meados de 1968, 36% do orçamento português foi gasto para defender Angola, Moçambique e Guiné-Bissau contra as guerrilhas208. John Cann, oficial superior e ex-professor do Command and Staff Collegedos Marines (EUA), analisou a organização, a instrução e as técnicas usadas pelos portugueses na guerra contra a guerrilha. Em seu trabalho, listou os desafios e as soluções buscadas pelo governo português para empreender uma guerra de baixa intensidade e com baixos custos: a) Reorientação das Forças Armadas de força convencional para contra subversão; b) Uso dos recursos humanos ultramarinos, fazendo com que as colônias arcassem com uma parte substancial da defesa; c) Tática de pequenas unidades, atuando no cotidiano da guerra, adaptando-se às condições da guerrilha, promovendo as ações num ritmo lento e com controle dos gastos; d) Difusão de um plano de desenvolvimento econômico e social da vida dos africanos para burlar os argumentos dos nacionalistas e dividir os custos da guerra; e) Uso de operações psicológicas para justificar a presença portuguesa. A infantaria ligeira “corporizava a política de Portugal de manter uma guerra moderada, com um ritmo lento, e financeiramente suportável”.209 Os nacionalistas tiveram como destaque a organização e a intervenção desde os países vizinhos, valorizando as zonas fronteiriças, intervindo com pequenos grupos que minavam estradas, pistas e realizavam emboscadas contra as tropas portuguesas210. Os militares portugueses, por sua vez, valorizaram as pequenas unidades de infantaria ligeira, indispensáveis para combater grupos ALMEIDA, 2011, p. 26, 30, 35. RAMOS, 2009, p. 679-680. 209  CANN, John P. Contra-subversão em África: como os portugueses fizeram a guerra em África (1961-1974). Lisboa: Prefácio, 2005, p. 34. 210  RAMOS, 2009, p. 683. 207  208 

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pequenos de guerrilheiros e, ao mesmo tempo, ganhar a simpatia da população, aproximando-se dela. Em decorrência de sua praticidade e eficiência, essa força contou com auxílio de operações psicológicas e de projetos sociais. Outros mecanismos e subterfúgios foram encontrados para dar eficiência às operações. A africanização da guerra (ocorrida no governo de Caetano), ao aliciar a população local, atenuou as pressões por recrutamento na Metrópole, diminuiu os gastos com transporte e garantiu mais credibilidade ao conflito por usar efetivo africano211. Outras ações passaram pela desestabilização das organizações nacionalistas com o ingresso de infiltrados e de agentes, além da absorção de guerrilheiros que abandonaram a causa e foram usados como exemplos. Assim, a guerrilha reduzia sua capacidade de ação e sua intervenção revolucionária foi relativamente freada212. Costa Gomes, Kaúlza de Arriaga e António de Spínolau, chefes militares portugueses, usaram táticas e estratégias semelhantes às utilizadas pelos EUA no Vietnã. Particularmente em Moçambique, Káulza de Arriaga promoveu os aldeamentos fortificados (strategic hamlets), reunindo as populações espalhadas para dificultar o acesso da Frelimo. A já citada incorporação de negros nas forças de combate portuguesas (Grupos Especiais de Pára-Quedistas e os Flechas)213. A realização de intervenções militares nas fronteiras de Guiné-Bissau (República da Guiné e Senegal), Moçambique (Tânzania e Zâmbia) e Angola (Zâmbia, Congo-Brazzaville e Zaire), da mesma forma que os EUA fizeram no Camboja e no Laos. A utilização de armas químicas (chemical warfare), o descarte aéreo de herbicidas em plantações214. Costa Gomes, por exemplo, fez isso nas plantações de mandioca que o MPLA possuía influência. Operações militares focadas na busca e destruição (search and destroy strategy), com forças transportadas por helicópteros215. As tropas portuguesas contavam com o suporte indispensável da PIDE/DGS. DAF/601.3(88q). Secretaria de Estado das Relações Exteriores, do Consulado em Lourenço Marques. Rendição grupo guerrilheiros no norte de Moçambique, Confidencial, 17 de abril de 1969. 212  CANN, 2005, p. 205-206. 213  As tropas especiais estiveram associadas ao processo de africanização dos conflitos. Os Flechas atuaram como uma espécie de tropa africana privada, reunindo desertores nacionalistas e homens das etnias locais. Foram criados por Óscar Cardoso, um ex-capitão miliciano. Os Grupos Especiais (GE) foram criados em Angola como a primeira experiência de força operacional africana autônoma com base local, dependente das FFAA, atuando como tropas auxiliares. Em Angola chegou aos 3mil homens. Em Moçambique, os GE surgiram mais tardiamente, servindo como tropa recrutada local, atuando nos espaços de formação, avançando no preceito de milícia local. Os Grupos Especiais de Pára-Quedistas (GEP) surgiram em 1970, criados por conta da intervenção de Jorge Jardim (COELHO, João Paulo Borges. Da violência colonial ordenada à ordem pós-colonial violenta: sobre um legado das guerras coloniais nas ex-colónias portuguesas. Lusotopie. Lisboa, n. 10, 2003, p. 184-187). 214  Desfolhantes (agente laranja), napalm e arsênio também foram utilizados. Os laboratórios do Hospital do Ultramar, em Lisboa, produziram o vírus do carbúnculo, uma bacilose que atacava humanos e animais, desenvolvendo pústulas e pneumonias (RIBEIRO, Jorge. Marcas da Guerra Colonial. Lisboa: Campo das Letras, 1999, p. 131-134). 215  ANTUNES, 1990, p. 84-87. 211 

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A intervenção portuguesa causou um genocídio. Massacre de populações, destruição de propriedades, envenenamento, ataques, deportações, confinamentos em aldeamentos. Dentre os exemplos, são comprovados os massacres das aldeias de Wiriyamu e Juwau (dezembro de 1973), as crianças metralhadas em Cabo Delgado por um helicóptero da Base de Mueda (outubro de 1973)216. Nesse quadro, incluem ainda deportações, assassinatos, estupros, extermínios, banditismo, pirataria, uso de armas contra povoados. Para Caetano, não se tratava de uma guerra colonial, em seu discurso no Palácio de São Bento, no dia 21 de fevereiro de 1970, afirmou: Não estamos a sustentar uma “guerra colonial” como a cada passo os inimigos de Portugal insinuam. Mas a defender a ordem, a harmonia social e o trabalho fecundo de territórios onde a grande massa da população mostra na vida quotidiana a sua determinação de permanecer portuguesa217.

Para o cardeal Gonçalves Cerejeira, respondendo ao apelo à paz feito pelo Papa Paulo VI, no dia 13 de maio de 1973, reforçou a missão de guerra: “Paz não significa pacifismo. Portugal não pode renunciar à sua vocação histórica e por isso deve fazer a guerra em África”.218 Para Franco Nogueira, em entrevista coletiva, realizada no Brasil, afirmou que o orçamento de Portugal não dependia da receita de suas colônias. Pelo contrário, tais recursos, por lei, não podiam se destinar a outros objetivos que não o do interesse econômico/financeiro local. Garantiu que se assegurava autonomia administrativa, auto-organização financeira e orçamentária, tanto em Moçambique quanto em Angola. Indagado sobre os custos da guerra, se recaiam apenas sobre Portugal, Nogueira disse que alguns serviços locais de segurança ficavam a cargo das próprias “províncias”, que esse valor estava estimado entre 5% e 10% do orçamento total para a defesa219. O Estado Novo também ergueu um importante mito, já citado, o de estar “orgulhosamente sós”, conforme discurso de Salazar, feito em fevereiro de 1965, reafirmado durante o Governo de Caetano: Portugal tem feito frente sozinho a esta luta, com o seu desgaste permanente em homens e recursos materiais. Ao esforço militar e à acção psicológica para neutralizar a propaganda do inimigo, tem unido o desenvolvimento económico e social 216  217  218  219 

JARDIM, Jorge; RIBEIRO, Jorge. Marcas da Guerra Colonial. Lisboa: Campo das Letras, 1999, p. 139-141. CAETANO, 1971, p. 30. CEREJEIRA, 1973 apud JARDIM; RIBEIRO, 1999, p. 105. O Globo, 10 de Junho de 1965. 85

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acelerado dos territórios, fortalecendo assim a sua posição. A guerra foi imposta a Portugal, não terminou e haverá que prever que continue. Mas a luta contra o terrorismo no Ultramar, suportada sem hesitações por todo o país, continuará enquanto for necessária para a preservação da integridade territorial de Portugal.220

Tratou-se de uma dissimulação, justamente por estar “discretamente” auxiliado pela RFA, França, África do Sul e Rodésia (com essas últimas selou o exercício Alcora, firmado em outubro de 1970). Alcora foi um acordo estratégico firmado entre Portugal, África do Sul e Rodésia (atual Zimbábue), abrangendo os domínios políticos, econômicos e militares. O acordo secreto pretendia preservar o regime português, mantendo o poder nas mãos dos brancos, incluindo a manutenção dos regimes racistas dos países aliados e o combate às guerrilhas221. Além dos acordos para a construção de hidroelétricas de Cunene e Cabora Bassa, operações militares foram acordadas.222 O aporte proveniente do exercício Alcora se deu pelo financiamento de armamento, blindados, concessão de helicópteros, pilotos, aviões, transmissões, auxílio logístico na manutenção e na coleta de informação. O projeto se consolidou num Plano de defesa da África Austral, sendo que Portugal precisou manter esse acordo de forma secreta por causa da imagem negativa da Rodésia e da África do Sul, causada pela propagação de políticas colonialistas e racistas. O exercício Alcora pretendeu conter o avanço dos movimentos nacionalistas negros, incentivados, naquela altura, pelos soviéticos e chineses. O risco comunista e a degradação da situação militar em Moçambique e em Angola foram aspectos que contribuíram para a formação do acordo. Ao lado desses fatores, somou-se um terceiro: a ameaça de que a OUA pretendia realizar uma ação coordenada contra os “Estados Brancos223”. Para a África do Sul, representou o esforço de assegurar um Governo de minoria branca no poder, resguardando o regime de apartheid. Para a Rodésia, em virtude das similaridades no modelo de regime, na língua e na cultura com a África do Sul, o auxílio rodesiano pretendia manter a presença sul-africana, considerada a maior potência econômica e militar da região. A aliança com Portugal trouxe a segurança PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apontamentos, Ponto IV, Situação Militar nas Províncias Ultramarinas Portuguesas, 1971. 221  AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos. Alcora - O acordo secreto do colonialismo: Portugal, África do Sul e Rodésia na última fase da guerra colonial. Lisboa: Editora Divina Comédia, 2013, p. 10, 11. 222  AFONSO e GOMES, 2013, p. 157. 223  BARROSO, Luís. Salazar, Caetano e o “Reduto Branco”: a manobra político-diplomática de Portugal na África Austral (1951-1974). Porto: Fronteira do Caos, 2012, p. 303. 220 

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de acesso ao porto de Beira e às estradas de ferro, com o intuito de se ligarem com o porto de Lourenço Marques. A presença de um governo hostil em Moçambique prejudicaria essas pretensões e ainda colocaria em risco o regime de minoria branco rodesiano224. Para Portugal, o relacionamento com os países da África Austral pretendia somar forças para barrar a descolonização e preservar a presença branca na África225. Em 1969, no programa Conversa em Família, Marcello Caetano afirmou que não existia nenhuma aliança, secreta ou ostensiva, com a África do Sul e com a Rodésia. Caetano não pretendia informar a população portuguesa, alheia da política e da guerra, mas amenizar a imagem de Portugal no contexto internacional226. A diplomacia brasileira sabia das relações entre a África do Sul, a Rodésia e Portugal. Em 1964, uma carta telegrama informou que Portugal estava “estreitamente ligado” à África do Sul por “diversos convênios, ostensivos e sigilosos, dizendo respeito a problemas econômicos, políticos e militares”. Mas o Governo português não desejava “juntar publicamente sua sorte à daquele país”.227 A visita de Ian Smith228 a Lisboa foi observada pela diplomacia brasileira, que notou na ida do líder rodesiano o interesse do governo português em fortalecer a corrente de segurança entre Angola e Moçambique229. Outro documento reconheceu que a aliança com os dois países africanos buscava frear o avanço do nacionalismo africano230. Essa não foi a única alternativa encontrada pelo governo português para dar cabo à sua guerra. Fascistas da agência internacional Aginter Press foram aliados e encontraram em Portugal abrigo para suas militâncias, em virtude do caráter colonial e autoritário do regime. A agência começou a trabalhar em 1963, coordenando ações secretas em Portugal, países da Europa, África e América Latina. Suas atividades se dividiam em operações secretas ou de cobertura, era, na realidade, uma rede terrorista internacional, de caráter fascista e anticomunista. Também chamada de “Internacional Negra”, atuou nas décadas de 1960 e 1970, congregava elementos AFONSO; GOMES, 2013, p. 30, p. 39, p. 41-42. BARROSO, 2013, p. 351. 226  AFONSO; GOMES, 2013, p. 143. 227  DAF/DEOc/800(64b) 800(88) 800(88m) 800(80g) Mercado comum da África Austral, do Consulado em Luanda, 1 de dezembro de 1964. 228  Ian Smith foi primeiro-ministro da Rodésia do Sul, antes da declaração unilateral de independência, de 1964 a 1965, e depois quando o país passou a se chamar Rodésia. 229  DEOc/DAf/600(88) 910.1(88) Política ultramarina de Portugal, Embaixada de Lisboa, Confidencial, 10 de Outubro de 1964. Ver imagem 6. 230  Ministério das Relações Exteriores, Comissão de Planejamento Político. Relações do Brasil com Portugal, Secreto, 10 de Agosto de 1967. 224  225 

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de extrema-direita europeia, como ex-membros das forças armadas alemãs, espanholas e italianas e ex-militares franceses que atuaram na guerra da Argélia. O diretor da agência de imprensa era Yves Guillou, mas também possuía outros nomes, como Yves Guérin-Sérac e Robert Leroy231. Em Portugal, membros da Organisation Armée Secrète232 (OAS) e seguidores mantinham boas relações com a extrema-direita portuguesa e com o Estado Novo. Dos vichyitas, foram para Portugal Jean Haupt (comandante da marinha de Vichy Valentin), Ploncard d’ Assac (católico conservador e criador da Voz do Ocidente). Existem controvérsias sobre a criação da Aginter Press, provavelmente, suas atividades começaram a existir a partir da década de 1960. Em 18 de abril de 1970, foi criada, em Portugal, a Agência Noticiosa e Editorial. Na escritura encontrada no 17º Cartório Notarial de Lisboa, a sociedade foi feita entre Yves Felix Marie Guillou (Yves Guillou ou Guérin-Sérac) e Jean Joseph Marie Guillou (Jean Guillou), com sede na capital portuguesa. Yves Guérin Sérac chegou a Portugal no ano de 1962, nos marcos da diáspora da OAS, havia atuado na Guerra da Argélia, da Indochina e da Coreia. Em Portugal, foram recebidos por pares. Instalados em Portugal, passaram a colaborar com a Pide e com a Legião Portuguesa233. Franco Nogueira sempre impediu que a Aginter Press se relacionasse diretamente com a diplomacia, mesmo assim, havia contato com as FFAA e com a rede diplomática portuguesa. A rede estabeleceu como missão a cruzada internacional anticomunista, firmando acordos com o Governo português. Em 1966, Barbieri Cardoso (Pide) deu a Yves Guérin-Sérac a tarefa de coordenar operações internacionais no Congo Brazzaville, na Operação Zona Leste. O acordo previa atividades de espionagem, contraespionagem e guerra subversiva em países africanos. Em 1967, o pacto foi renovado, os países atingidos pela Operação foram o Senegal, Guiné Conacri, República Democrática do Congo, República Popular do Congo, Zâmbia e Tanzânia. Os gastos com as operações totalizaram 800 mil euros anuais, previam criar e fomentar divergências no MPLA, incentivar as divergências da Frelimo, separar Amílcar Cabral do PAIGC, defecção dos mandingas. Os membros da agência eram treinados no solo português, faziam cursos de guerra subversiva, que continham fases de treinamento como preparação, guerra e propaganda, guerrilha e terrorismo, libertação parcial e insurreição generalizada234. JESUS, José Duarte de. A guerra secreta de Salazar em África. Alfragide: Dom Quixote, 2012. Fundada por Pierre Lagaillarde, mais 50 outras pessoas, em Madri, em 11 de Abril de 1961. Forma de responder ao referendo sobre a independência da Argélia em 1961, que posteriormente desencadeou os Acordos de Evian, em 1962. 233  JESUS, 2012, p. 77-79. 234  JESUS, 2012, p. 87, 94, 95. 231  232 

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Outra atividade promovida pela rede anticomunista foi a transmissão pela Rádio Portugal e pela Emissora Nacional de Rádio Difusão (EN) do programa Voz do Ocidente, que atingia a África Oriental, África do Sul, Europa, Ásia Oriental, EUA e África Ocidental. Como a audiência era composta por indivíduos de extrema-direita, a programação cumpria o papel de dar coesão e ativar a rede dos exilados fascistas italianos e franceses, dos colaboracionistas do regime de Vichy, dos nazistas alemães, então espalhados pelo mundo. O enfoque da programação estava nos debates sobre colonialismo, nacionalismo, mundo ocidental, salazarismo e anticomunismo235. Em 1974, a imprensa brasileira transmitiu uma notícia proveniente do jornal O Século, que informava sobre o desmantelamento da Aginter pelas forças armadas portuguesas. A embaixada brasileira solicitou checar a veracidade do informe de que Yves Guérin-Sérac estaria vivendo em Salvador, Bahia236. Sérgio Côrrea do Lago também informou a presença do senhor Dante Vecchi circulando por Angola. Segundo Côrrea, o cidadão de origem italiana trabalhava como jornalista, fotógrafo, autor de livros e documentários, elaborando publicações de propaganda contra os movimentos nacionalistas, a serviço de Portugal. Segundo o cônsul brasileiro, ele vivia no Hotel Continental, mas que sua verdadeira ocupação era a instrução de unidades selecionadas do exército e de paraquedistas. Côrrea do Lago descreveu sua ficha: fascista de alguma expressão, depois de 1943 cooperou com alemães nas operações contra a resistência italiana. Depois serviu com os franceses na Argélia e escrevia, juntamente a sua mulher, num jornal da extrema direita francesa237. Essa informação do cônsul brasileiro realça a presença de “mercenários de guerra” participando do conflito português. Mesmo com todo o aparato e investimento militar, a guerra chegou ao fim. Em meados de 1969, o Estado Novo, que antes sempre solucionou suas crises, ingressou na agonia final de sua forma organizativa, aprofundando sua crise de legitimidade e de hegemonia238. Ao passo que o regime reverberava uma imagem adulterada da guerra, uma realidade encenada, paulatinamente foi se desenrolando a politização das Forças Armadas portuguesas e o esgotamento do enfrentamento militar. Na trama da guerra, as constantes baixas, o enfraquecimento do ânimo e da moral, o sofrimento, JESUS, 2012, p. 47, p. 61-63. 510.1(F42) 622(F42) N.º 294 Portugal. Passaportes falsos. Organização de extrema-direita. Cidadão francês Guérin Serac. Salvador. Embaixada de Lisboa, Confidencial, 27 de maio de 1974. Ver imagem 11. 237  DAF/DNU/DEOc/600.3(88m) (96) Instrução anti-guerrilha em Angola. Do Consulado em Luanda, Confidencial, 29 de fevereiro de 1964. Ver imagem 3. 238  SANTOS, 1992, p. 17-27. 235  236 

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a dor, foram causas imediatas. Em Portugal, setores da sociedade civil portuguesa engrossaram o caldo das críticas à guerra colonial, politizando muitos combatentes e cidadãos portugueses. O contato com a realidade africana chocou os militares e demonstrou a inconsistência dos discursos metropolitanos que atestavam que a guerra era benéfica. Finalmente, o Governo foi incapaz de encontrar uma solução para a crise que se arrastava e se aprofundava239. A vitória militar não foi alcançada pelos movimentos nacionalistas, mas a independência foi conquistada. Quanto aos números de soldados portugueses, 125 mil soldados foram mantidos, numa média anual, nos três campos de guerras africanos: 54 mil em Angola, 31 mil em Moçambique e 20 mil na Guiné-Bissau. O ápice do contingente chegou a 148 mil combatentes240. A guerra fez 8.300 mortos durante 13 anos. Desses mortos em combate, em Angola, 208 foram recrutados na África e 1.098 na metrópole, em Moçambique, 454 em solo africano e 1.027 em Portugal. Na Guiné-Bissau foram mortos 1.240, 255 recrutados no local e 985 na Metrópole241. Portanto, há um número de africanos a ser contabilizado que foram mortos nas fileiras portuguesas, devido ao processo de africanização242. Das forças nacionalistas, fala-se de 18.000 mortos em Angola e de 10 a 15.000 em Moçambique. Entretanto, os efeitos da violência ordenada, elaborada e conduzida de cima para baixo, fez com que Angola e Moçambique se tornassem sociedades militarizadas com a vulgarização da presença de equipamentos bélicos e de seu manuseamento, o alastramento da cultura do uso de armas e da violência para sanar tensões, desenrolando conflitos abertos. O campo, especialmente, tornou-se zona de guerra com milícias e guardas rurais, especialmente nas aldeias de Angola e nas zonas setentrionais de Moçambique. Isso significa que a guerra colonial não foi unicamente um confronto de ocupação circunscrito num tempo determinado, seus efeitos ultrapassaram os 13 anos de conflito, estabelecendo o germe de conflitos civis243. Portanto, é possível pensar que o conflito não terminou nos anos de 1974 e 1975244. GOMES, 2006, p. 108-110. GOMES, 2006, p. 107. 241  Segundo José Brandão, os números são esses de mortos: 1 general, 2 brigadeiros, 3 coronéis, 15 tenentes-coronéis, 22 majores, 100 capitães, 40 tenentes, 300 alferes, 900 sargentos e furriéis, 1600 cabos e 5000 soldados e marinheiros (BRANDÃO, José. Cronologia da Guerra Colonial: Angola-Guiné-Moçambique, 1961-1974. Lisboa: Prefácio). 242  PINTO, 2001, p. 52. 243  COELHO, 2003, p. 177, 188. 244  Em Angola durou de 1975 a 2002, em Moçambique foi de 1977 a 1992. 239  240 

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Nos anos da guerra colonial, a diplomacia brasileira coletava informações, promovia estudos e pesquisas de caráter político, econômico e comercial em Angola e Moçambique, projetando sua futura efetiva penetração na região. Joayrton Martins Cajú, cônsul em Angola, expressou esse anseio brasileiro: Considerando, Senhor Ministro, o interesse potencial que o Continente africano, nomeadamente o ultramar português deverá representar para o Brasil de amanhã, já com a casa em ordem, seja como mercado importador de nossos produtos ou, muito mais, do nosso “know how”, perguntamos se já não seria tempo de, através de um planejamento cuidadoso e inteligente, irmos marcando a nossa presença, ainda nominal, estabelecendo representações diplomáticas em algumas das recém – independentes nações africanas245.

E essa foi a diretriz seguida pela diplomacia e pelo Governo brasileiro: aproximar-se da África, colocando-a como tática da estratégia brasileira de se tornar potência média.

245 

(600(88m) Nº 98, Considerações sobre Angola, Secreto, Luanda, 2 de maio de 1968. 91

2. A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA PARA ÁFRICA E PORTUGAL Pensar nos perfis da diplomacia brasileira, durante os governos militares, é fundamental, pois o Itamaraty foi o principal canal utilizado pelo Brasil para pensar e formular políticas para a África. As orientações brasileiras não ocorreram ocasionalmente, mesmo não sendo consensuais, seguiram um plano geral. A partir de 1964, com o novo regime, foi estabelecida a soberania do capital monopolista. A integração motivada pelo capital internacional promoveu concentração e centralização de capitais. A monopolização do mercado, promovida por conglomerados, ingressou na economia, indústria, agricultura e nos seguimentos bancários brasileiros246. Esse processo dinamizou a concentração e a centralização do capital; empreendeu a monopolização dos mercados; aprofundou a internacionalização da economia brasileira, seguindo basicamente duas direções – a abertura do país às empresas estrangeiras e a busca de mercados externos para as exportações de capital e de manufaturas do Brasil247. Com esses traços configurados, o Estado assumiu a função de propulsor do desenvolvimentismo nacional, integrado ao capitalismo internacional. Ao Itamaraty coube a missão de projetar o Brasil internacionalmente. Como o Brasil, durante a década de 1970, foi reconhecido como potência média pelos que dirigiam o poder, o país buscou ter maior poder de decisão e de participação no cenário internacional. A aquisição de ciência e de tecnologia, o incremento do comércio exterior, a influência sobre outras regiões e o controle de fontes de matérias-primas passaram a ser motivações em política externa. A África, por meio da cooperação Sul-Sul, ajudou a endossar esses canais. MACIEL, David. Ditadura militar e capital monopolista: estruturação, dinâmica e legado. Lutas Sociais. São Paulo, v. 18, n. 32, jan./jun., p. 64,65, 2014. 247  OLIVEIRA, Francisco de. A economia da dependência imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1984 apud MACIEL, David, 2014. 246 

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Ao pensar as relações externas do Brasil com a África, é necessário levar em consideração a influência do Estado Novo nesse enlace. É por isso que, antes de analisar a política externa brasileira para a África, elucido as relações entre Brasil e Portugal. Há outro tópico relevante, decorrente dessas preocupações: as pressões impostas pela diplomacia estadunidense, induzindo o Brasil interferir nas negociações da guerra colonial. Esses exames ajudam a entender os princípios e as motivações dos procedimentos tomados pelo Brasil para a África. Por fim, analiso a política africana, no intuito de ter uma dimensão dos significados e das razões que levaram o Brasil a penetrar no Continente. O Estado instaurado pelo golpe civil-militar outorgou superpoderes ao Executivo, a máquina estatal foi ampliada, aumentando sua competência de intervenção e de planejamento econômico. Foram expandidos o setor produtivo estatal e a promoção de investimentos públicos em infraestrutura, ocorrendo o estabelecimento de gigantes empresas monopolistas248. O Governo deposto, do presidente João Goulart ( Jango), seguia como orientação internacional a Política Externa Independente (PEI), implantada no Governo de Jânio Quadros. A PEI pretendia consolidar a presença brasileira no mercado internacional, principalmente nos países socialistas, na África e na América Latina. Na Ásia, na África e na América Latina, o Brasil se interessava na exportação de produtos industrializados, enquanto nos países socialistas, buscava-se a diversificação dos mercados de produtos básicos e o suprimento de créditos. João Augusto de Araújo Castro, ministro das Relações Exteriores do Governo de João Goulart, promoveu uma diplomacia que pretendia dar aos países em desenvolvimento um papel mais proeminente no controle da ordem internacional. Procurou transpor o binômio EUA/URSS. Ao chefiar a delegação brasileira na XVIII sessão da Assembleia Geral da ONU, em 1963, proferiu um discurso a favor das nações em desenvolvimento. Em sua fala, sustentou o trinômio “Desenvolvimento, Desarmamento e Descolonização249”. Na Assembleia, enfrentou o problema do colonialismo, sustentando a erradicação dessa barreira para o desenvolvimento livre das nações250. Naquele então, Araújo Castro MACIEL, 2014, p. 66. XVIII Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, 1963, Ministro João Augusto de Araujo Castro In: CORRÊA, Luiz Felipe de Seixas (org.). O Brasil nas Nações Unidas: 1946 – 2006. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007, p. 184. 250  Mesmo durante a aplicação da PEI, entre 1961 e 1964, em praticamente todas as votações que atingiam Portugal, o Brasil se absteve. As críticas ao colonialismo ocorriam propriamente no campo do discurso. Destacamos duas exceções que a delegação brasileira votou pelo sim, afetando Portugal. Em prol da Resolução 1.699, 248  249 

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afirmou: “a descolonização total é, essencialmente, a finalidade por atingir no mundo inteiro em matéria de territórios e povos a quaisquer títulos dependentes”251. Por meio das Reformas de Base, uma das metas do governo era reformular a desigual estrutura agrária do Brasil, procurando a abertura de novos mercados para o comércio interno e o incremento de matérias-primas e de produtos alimentícios252. As Reformas ainda previam a consolidação do desenvolvimento econômico autônomo, a distribuição de terras e o controle do capital estrangeiro, propiciando a manutenção do monopólio de setores centrais da economia nacional253. Na trajetória do Governo Jango, a sociedade brasileira se dividiu em dois blocos. Num polo estavam aqueles que lutavam pelas Reformas de Base. Eram seguimentos dos trabalhadores do campo e da cidade, estudantes, setores dos militares. Reunia aqueles que pressionavam João Goulart para que a divisão da riqueza fosse radicalizada e que o presidente abandonasse a conciliação de classes. Noutro polo, agrupavam-se os contrários às Reformas de Base. Setores das classes médias, a elite e os políticos conservadores, aqueles que se nutriam do medo do comunismo e defendiam os valores cristão-ocidentais. Ambos possuíam atributos heterogêneos254. Reunidos num difuso bloco social e político – empresários, militares, banqueiros, industriais, latifundiários, comerciantes, políticos, magistrados, setores da classe média, estavam contra Jango255. Nesse amplo bloco, dois institutos ajudaram a fazer oposição a Jango: o Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o Ipes (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais). Os institutos contavam com a adesão de corporações estadunidenses e do capital privado nacional. Tais institutos pretendiam “disseminar os valores do capitalismo, do livre mercado e do anticomunismo na sociedade brasileira”.256 O fortalecimento do nacionalismo brasileiro anti-imperialista que solicitava esclarecimentos de Portugal a respeito de seus territórios, aprovada na XVI Sessão da Assembleia Geral da ONU, a 19 de dezembro de 1961; e a favor da Resolução 1.742 (The Situation in Angola), aprovada na XVII Assembleia Geral da ONU, a 30 de janeiro de 1962, que previa o direito de autodeterminação e a independência de Angola (DÁVILA, Jerry. Hotel Trópico: O Brasil e o desafio da descolonização africana, 1950-1980. São Paulo: Paz e Terra, 2011, 120-121). 251  CORRÊA, 2007, p. 183. 252  MARINI, Ruy Mauro. Subdesenvolvimento e revolução. Florianópolis: Insular, 2012, p. 117. 253  FERREIRA, Jorge. A estratégia do confronto: a Frente de Mobilização Popular. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 24, n. 47, p. 181-212, 2004. 254  REIS FILHO, Daniel. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 36-37. 255  REIS FILHO, 2014, p. 53. 256  FERREIRA, Jorge; GOMES, Angela de Castro. 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 27. 95

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e o risco da ascensão das classes populares fomentaram a unidade da burguesia, que recebeu apoio do grande capital e do governo estadunidense257. Desse modo, é possível reconhecer o papel preponderante dos EUA, sem negar a ausência de uma “engenharia” nacional. Os EUA atuaram na formulação, no fomento financeiro e nas campanhas de desgastes do presidente. Caso ocorresse uma resistência, estariam à disposição dos militares258. Para evitar um confronto, Jango se exilou no Uruguai. O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, no dia 2 de abril de 1964, declarou vaga a presidência da República. Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu interinamente a presidência. Lyndohn Johnson saudou a vitória do movimento civil-militar e reconheceu o novo Governo. Por intermédio de Dean Rusk, secretário de Estado, os EUA sinalizaram que aumentariam a ajuda financeira ao Brasil259. No dia 11 de abril de 1964, o Congresso Nacional elegeu como presidente da República Castello Branco: anticomunista convicto, alinhado aos ideais estadunidenses, homem de trânsito nos setores empresariais e políticos do país. Para os militares, não se travava de um golpe ou de um motim militar, e sim de uma “Revolução” que estava livrando o Brasil do “caos”, do “nepotismo”, da “subversão” e do “movimento comunista internacional”. Os militares contaram com a adesão de civis e da opinião pública. A União Democrática Nacional (UDN) forneceu lideranças, como os governadores estaduais Magalhães Pinto (Minas Gerais) e Carlos Lacerda (Guanabara). Instituições como o Conselho Superior das Classes Produtoras, as Associações Comerciais estaduais, a Sociedade Rural Brasileira, entre outras, foram outras apoiadoras. Sem a desestabilização (propaganda ideológica, mobilização da classe média etc.) o golpe teria sido difícil, sem a iniciativa militar, impraticável260. Setores das oposições ficaram receosos do que surgiria, como foi o caso de Doutel de Andrade (PTB), que chegou a desconfiar que os militares pudessem instalar um regime do “tipo salazarista”.261 ALMEIDA, Lúcio Flávio Rodrigues de. Geopolítica do Brasil e o debate teórico-ideológico sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Lutas Sociais. São Paulo, v. 18, n. 32, jan./jun., 2014, p. 40. 258  Por meio da “Operação Brother Sam” (Ver: FICO, Carlos. O golpe de 1964 e o papel do governo dos EUA. In: FICO, Carlos; FERREIRA, Marieta de Moraes; ARAUJO, Maria Paula; QUADRAT, Samantha Viz. Ditadura e democracia na América Latina: balanço histórico e perspectivas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008, p. 66-68. 259  Correio da Manhã, 4 de abril de 1964, p. 1. 260  FICO, 2004, p. 55. 261  Última Hora, 24 de agosto de 1965. 257 

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Nuances da diplomacia brasileira No novo regime, o poder militar foi colocado acima dos partidos políticos e adquiriu capacidade de decisão política. Os militares intercediam em nome do crescimento do Brasil, da estabilidade e da proteção contra a ameaça comunista. Apesar das FFAA estarem no centro decisório, houve participação de civis. Os tecnocratas cuidaram da economia, os magistrados conduziram os ministérios da Justiça e da Educação e os militares gerenciaram as áreas estratégicas – transportes, energia e comunicação262. Junto à modernização das FFAA, durante o pós-guerra, foi idealizada a Escola Superior de Guerra263 (ESG). Com Golbery do Couto e Silva como o principal mentor intelectual, a ESG abrigou oficiais, incorporando o princípio de defesa da segurança nacional, Golbery do Couto e Silva acreditava na defesa da lealdade à nação, reconhecendo no Estado o papel de planejador e de combatente do comunismo. Tendo como lema a “Segurança e o Desenvolvimento”, a ESG propagava a abertura ao capital externo e o favorecimento da iniciativa privada264. O Itamaraty, por sua vez, contou, em sua maioria, com ministros profissionais de carreira265, contando com o controle do Executivo, por meio da figura do presidente, sobre o Ministério das Relações Exteriores (MRE)266. Enquanto o Executivo definia a política externa, o MRE a executava, orientação denominada de “insulamento burocrático”. No interior do Itamaraty, o pretexto de segurança nacional foi usado para invadir a privacidade de funcionários e expurgar diplomatas. O decreto n.º 63.888, de 20 de dezembro de 1968, estabeleceu a Comissão de Investigação Sumária. Criada pelo ministro Magalhães Pinto, presidida pelo diplomata NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do regime militar brasileiro. São Paulo: Editora Contexto, 2014, p. 73. A ESG congregava oficiais superiores militares e altos funcionários civis. Anticomunista em sua gênese, quando o risco de uma guerra atômica no mundo se exauriu, a ESG incorporou a batalha da guerra contrarrevolucionária, baseando-se na noção bipolar do globo. A matriz ideológica da Escola se baseava na Doutrina de Segurança Nacional (DSN), a DSN deu sustentação ideológica ao regime militar, garantindo suporte e coesão a ele (COMBLIN, Joseph. A Ideologia da Segurança Nacional: o poder militar na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977). 264  McCANN, Frank D. e FERRAZ, Francisco César Alves. A participação conjunta de brasileiros e norte-americanos na Segunda Guerra Mundial. In: MUNHOZ, Sidnei; TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Relações Brasil-Estados Unidos: séculos XX e XXI. Maringá: EDUEM, 2011, p. 154. 265  Juracy Magalhães (1966-1967) e Magalhães Pinto (1967-1969) foram os únicos ministros que não provinham de carreira profissional. O órgão que estabeleceu a missão de formar os diplomatas brasileiros foi o Instituto Rio Branco, criado em 1946. A criação do IRB proporcionou maior racionalização e burocratização para o MRE. 266  As Constituições de 1946 e 1967 deram aos presidentes o poder de manter ou não relações com outros países, estabelecer tratados, atos internacionais e convenções. 262 

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Antônio da Câmara Canto, por meio de depoimentos e documentos, a Comissão investigou durante três semanas os funcionários suspeitos267. Em 1969, decidiu cassar 44 funcionários do Itamaraty268. As acusações da Comissão atingiram os chamados: alcoólatras, homossexuais, desequilibrados emocionalmente, simpatizantes do comunismo e indisciplinados. Os afastamentos, as cassações (chamadas de aposentadorias), as remoções e as repreensões atingiram funcionários, servidores administrativos, diplomatas e oficiais de chancelaria. As chancelarias mantiveram particularidades na intervenção no cenário internacional e na elaboração da política externa, inclusive com diferentes nomenclaturas e perfis. É preciso demarcar essa multiplicidade, do contrário corrobora-se a noção de um regime homogêneo. O perfil de cada chancelaria dependia das diretrizes de cada governo. Portanto, está equivocada a premissa que desconhece rupturas, inflexões ou substituições em política externa nesse período269. Agindo conjuntamente, o MRE e as FFAA foram os dois principais atores da política externa e de concentração do poder decisório. Os militares foram hegemônicos no mando político, no domínio defenderam o crescimento econômico, edificando governos tecnocráticos. Consequentemente, a diplomacia brasileira se adequou a essas circunstâncias e interesses. No primeiro governo, Castello Branco (1964-1967) ergueu os principais pilares do regime. Baseando-se nos preceitos da ESG, o Estado estabeleceu uma guerra interna, com o uso de ações policiais e de contra insurgência. Seu governo editou quatro Atos Institucionais, criou o Serviço Nacional de Informações (SNI), instaurou eleições indiretas para presidente da República e governadores, dissolveu partidos políticos270. Castello Branco aplicou a agenda liberal e de mercado. Vasco Leitão da Cunha271 adotou uma política externa baseada na “fidelidade cultural e política Correio da Manhã, 15 de março de 1969, p. 2. Entre os diplomatas cassados estavam Angelo Regattieri Ferrari, Arnaldo Vieira de Mello, Jenny de Rezende Rubim, João Batista, Telles Soares de Pina, José Augusto Ribeiro, José Leal Ferreira Junior, Marcos Magalhães Dantas Romero, Nísio Batista Martins, Raul José de Sá Barbosa, Ricardo Joppert, Sérgio Maurício Corrêa do Lago, Vinicius de Morais e Wilson Sidney Lobato. A lista de expurgos do Diário Oficial inclui outros funcionários do Itamaraty. Maiores detalhes podem ser lidos em: Diário Oficial da União (DOU), 30/04/1969, Seção 1, p. 10-12. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOU/1969/04/30. Acesso em: 20 mar. 2016. 269  MARTINS, Carlos Estevam. A evolução da política externa brasileira na década 64/74. Estudos CEBRAP. São Paulo, v. 12, abr./jun., p. 54-98, 1975, p. 55. 270  Mediante a implementação dos Atos Institucionais, o Estado adquiriu um feitio tutelar, sustentando seu perfil militar. A estrutura repressiva contra as oposições começou a ser arquitetada a partir do Governo Castello Branco. 271  Permaneceu como ministro do Itamaraty de 15 de abril de 1964 a 17 de janeiro de 1966. 267  268 

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ao sistema democrático ocidental”272, ganhando o título de Interdependência, por considerar o papel do Brasil na “segurança coletiva” do hemisfério e da preferência ao relacionamento com os EUA273. Juracy Magalhães274, seu sucessor, manteve diretivas relativamente semelhantes. Fazendo uma digressão, saliento que em 1961 foi atribuído ao Itamaraty o encargo de administrar os Escritórios Comerciais do Brasil noutros países. No regime militar, com a criação do Concex (Conselho de Comércio Exterior), por meio da Lei n.º 5.025, de 10 de junho de 1966, a política de comércio exterior passou a ser elaborada e decidida por esse conselho, executada pelo Itamaraty. Enquanto “as repartições Diplomáticas e os Consulados, as Autarquias e Sociedades de Economia Mista” trabalhavam conjuntamente para fornecerem ao Concex as informações úteis275. Em novembro de 1966, o Decreto n.º 59.067 elencou duas áreas de competência do MRE: a) “Participação e negociação dos atos internacionais relativos ao comércio exterior”; b) “Organização e implementação da promoção no exterior276”. O comércio exterior não tinha fronteiras, isso cabia também para os relacionamentos técnicos e financeiros. Mesmo sob o cariz anticomunista, o Brasil se relacionou comercialmente com os países comunistas277. Ao incluí-los, separou-se o comércio do debate ideológico da Guerra Fria. A Interdependência buscava ampliar as relações comerciais e atrair mais investimentos externos. Seguindo a política castellista, buscou-se restaurar a confiança empresarial, o ingresso de capital estrangeiro e o relacionamento com organismos financeiros internacionais278. Preceitos da PEI, como o neutralismo, o nacionalismo e a independência, foram remodelados, o Brasil passou a integrar Mensagem ao Congresso Nacional, 27 de maio de 1965, p. 41 (Biblioteca da Presidência da República). Na XIX Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU, Vasco Leitão da Cunha saiu em defesa da autodeterminação dos povos e se declarou contra os resquícios do colonialismo. Entretanto, tocou no assunto de uma maneira genérica, sem criticar o colonialismo português (Discurso do Ministro Vasco Leitão da Cuinha, XIX Sessão Ordinária da Assembleia Geral da ONU, Nova Iorque, 3 de dezembro de 1964; CORRÊA, 2007). 274  Ministro do Itamaraty de 17 de janeiro de 1966 a 15 de Março de 1967. 275  Lei n.º 5.025, de 10 de junho de 1966, Presidência da República Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. A Lei pode ser visualizada no seguinte endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5025.htm. Ela foi promulgada pelo Decreto n.º 59.607, de 28 de novembro de 1966, que também pode ser visto nesse endereço: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D59607.htm. 276  ALTEMANI DE OLIVEIRA, Henrique. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 113, 114. 277  China e Cuba ficaram fora dos relacionamentos comerciais do Brasil. O país rompeu as relações diplomáticas com Cuba no dia 13 de maio de 1964. Tal decisão fez Lyndon Johnson anunciar o retorno de capitais estadunidenses para o Brasil, suspendidos anteriormente. 278  Discurso de Castello Branco pelo rádio e TV, dando um balanço do primeiro trimestre de atividades do governo revolucionário. Rio de Janeiro, 15 de julho de 1964, p. 66 (Biblioteca da Presidência da República). 272 

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a Junta Americana de Segurança da Organização dos Estados Americanos (OEA). O Brasil abandonou o multilateralismo e a perspectiva global de política externa, privilegiando a diplomacia hemisférica e bilateral. Já a relação com os EUA teria sido baseada numa aliança automática. Com o fim dessa temporada, críticas vieram da imprensa, que avaliou negativamente o ocidentalismo; de parte das FFAA, contrárias à completa submissão aos EUA; e do empresariado, descontente com os rumos econômicos. O fato de Castello Branco ter desnacionalizado a economia, gerando recessão, afrontou parte da classe média e do empresariado. A despeito da contrapartida tão esperada dos EUA, ela não foi suficiente. As exportações foram mantidas nos índices (U$$ 1,4 a 1,7 bilhões de dólares ao ano); os empréstimos/investimentos dos EUA representaram decréscimo; e o endividamento externo saltou de 3,9 para 5,2 bilhões de dólares279. Algumas mudanças nas diretrizes do Brasil ocorreram com a ascensão de Costa e Silva (1967-1969), sucessor de Castello Branco. Eleito pelo Congresso Nacional, seu mandato começou no dia 15 de março de 1967. Costa e Silva afirmou que o regime não podia ser considerado uma ditadura, caso o fosse, não existiria sucessão. Mesmo assim, garantiu que usaria “a força todas as vezes que a força for necessária e útil aos interesses maiores da nacionalidade”.280 Para explicar o porquê dos atos agenciados pela força estatal disse: “se [o Estado] teve de aplicar medidas punitivas e restritivas, dessa forma procedeu com o intuito de defender a democracia”.281 Para os militares, essas ações pretendiam sanar e renovar uma sociedade que, no seu interior, possuía opositores com “ideologias fanáticas e deificadoras do totalitarismo”. Para refrear a recessão econômica de seu antecessor, Delfim Netto, ministro da Fazenda, elaborou orientações que buscavam diminuir os juros, ampliar o crédito, incrementar as finanças para empréstimos e investimentos, impulsionar as exportações282, além de atrair capitais e ajuda técnica de outros países. O foco passou a ser o desenvolvimento e o crescimento industrial (incentivado e organizado pelo Estado). Foi no Governo Costa e Silva que ocorreu o nascimento de uma burocracia interligando o público e o privado. CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012, p. 400-404. 280  AI 5 - Discurso proferido por ocasião do almoço de confraternização das FFAA, em homenagem ao Presidente da República, 26 de dezembro de 1968, p. 478 (Biblioteca da Presidência da República). 281  Continuar o trabalho de Castello – Discurso proferido perante o Congresso Nacional, depois de ter sido eleito Presidente da República, 03 de outubro de 1966, p. 168 (Biblioteca da Presidência da República). 282  REIS FILHO, 2014, p. 66. 279 

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Para se confrontar com o conjunto das oposições, Costa e Silva baixou o Ato Institucional n.º 5 (AI-5)283. Aplicado no dia 13 de dezembro de 1968, o AI-5 fortaleceu o aparato autoritário e deu ao presidente o poder de fechar o Legislativo, suspender os direitos políticos, promover a intervenção federal em estados e municípios, demitir/aposentar funcionários públicos. Munido de força, o presidente fechou o Congresso e cassou vários parlamentares. Internacionalmente, depois da Crise dos Mísseis de Cuba (1962), e com o fim da guerra da Argélia, a bipolaridade Leste-Oeste foi abrandada. O governo reconheceu essa conjuntura e negou o alinhamento com os EUA284. Costa e Silva disse que o governo estava atento [...] às novas perspectivas de cooperação e de comércio resultantes da própria dinâmica da situação internacional, que evoluiu da rigidez de posições, características da «guerra fria», para uma conjuntura de relaxamento de tensões.285

Com José de Magalhães Pinto286 à frente do Itamaraty, o lema do MRE passou a ser a “Diplomacia da Prosperidade”. Traços da política externa anterior, como as concepções de bipolaridade, de segurança coletiva, interdependência e ocidentalismo, foram atenuados ou suprimidos. Quanto à segurança, passou a ser entendida como resultado do desenvolvimento. A política externa do Brasil girou em torno “de motivações econômicas, de maneira a assegurar a colaboração externa necessária à aceleração do [...] desenvolvimento”.287 Depois do intervalo da Junta Militar288, o regime prosseguiu com a posse de outro general, Emílio Médici (1969-1974), que assumiu a presidência no dia 30 de outubro de 1969. Internamente, para reprimir as oposições radicais, foi utilizada a Operação Bandeirantes (Oban). Criada em 1969, O pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, afrontando as FFAA, foi uma motivação para a promulgação do AI-5. O deputado havia defendido a não participação do povo nos desfiles militares de 7 de setembro. Logo depois, Márcio Moreira Alves foi cassado. 284  O Brasil teve divergências com os EUA na questão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear. O Brasil defendeu o direito de países produzirem e utilizarem artefatos atômicos para fins pacíficos. 285  A Diplomacia da Prosperidade – Discurso proferido no Palácio do Itamaraty, 05 de abril de 1967, p. 196 (Biblioteca da Presidência da República). 286  Ocupou o cargo de 15 de março de 1967 a 31 de agosto de 1969. 287  A Diplomacia da Prosperidade – Discurso proferido no Palácio do Itamaraty, 05 de abril de 1967, p. 195 (Biblioteca da Presidência da República). 288  Estabelecida no dia 31 de agosto de 1969, foi composta pelo General Aurélio de Lira Tavares (Ministro do Exército), pelo Almirante Augusto Rademaker (Ministro da Marinha) e pelo Brigadeiro Márcio de Sousa e Melo (Ministro da Aeronáutica). A Junta foi criada para impedir que Pedro Aleixo, um vice-presidente civil, assumisse a presidência. Costa e Silva estava afastado do poder, em decorrência de uma enfermidade. 283 

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foi uma estrutura de informações e investigações de combate às oposições. Entre 1970 e 1974, foi substituída pelos Destacamentos de Operações de Informação/Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). O regime ostentou os avanços na área econômica. Durante o chamado “Milagre Econômico”, o país expandiu seu PIB, conseguiu conter a inflação, obteve crescimento econômico e aumentou suas exportações. Fundou-se ainda num processo de incentivo financeiro na indústria automobilística e na fabricação de bens eletrodomésticos, promovido pelo capital multinacional289. Via Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), a agência estatal de propaganda, consignas otimistas e entusiasmantes pretendiam criar uma atmosfera de progresso e estabilidade. Pra frente, Brasil, Ninguém mais segura este país estavam entre as mais populares. No sequencial desenvolvimento do momento, a indústria petroquímica nasceu, as telecomunicações se desenvolveram, houve expansão de rodovias e do complexo hidrelétrico. O Brasil aumentou a produção no campo, por meio da mecanização e das grandes propriedades, tendo incremento dos manufaturados na exportação. Houve uma redistribuição das responsabilidades econômicas na sociedade brasileira. As estatais cuidavam da infraestrutura, da produção e distribuição de energia e das indústrias de aço e máquinas-ferramenta (indústrias de bens de capital). As multinacionais produziam os automóveis e eletrodomésticos (bens de consumo duráveis). Ao capital privado nacional ficou a produção de autopeças e de bens de consumo popular. O Estado passou a ocupar a missão de regular e financiar o desenvolvimento. Juntamente, fez-se surgir uma cultura dos megaprojetos: a hidrelétrica de Itaipu, a rodovia Transamazônica e a ponte Rio-Niterói acenavam que o Brasil havia se transformado num grande canteiro de obras. A veloz industrialização trouxe consigo urbanização e mobilidade social. Empregos nas áreas de serviços e nas indústrias manufatureiras foram criados. Desse processo, uma nova classe de industriais despontou, a classe média se consolidou e as populações das regiões pobres migraram para as regiões ricas290. A expansão capitalista e o desenvolvimento, comparados aos períodos anteriores, foram inegáveis, entretanto, discute-se que o desfrute VASCONCELLOS, Gilberto Felisberto. Gunder Frank: o enguiço das ciências sociais. Florianópolis: Editora Insular, 2014. 290  LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Mudanças sociais no período militar (1964-1985). In: REIS FILHO, Daniel Aarão; RIDENTI, Marcelo; SÁ MOTTA, Rodrigo Patto. A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. 289 

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do capital não se tornou totalmente acessível aos mais pobres291. Esse caminho adotado pelo Estado partiu do estímulo à crença de ver na modernização a melhor alternativa. Cultivou-se a crença de que por meio da industrialização e da urbanização, o país conteria o subdesenvolvimento e solucionaria os problemas nacionais292. Quanto à política externa, Mário Gibson Barboza293, o novo ministro do Itamaraty, tratou de canalizar as diretrizes do MRE, condicionando-as às metas e planos do governo, buscando tornar o Brasil uma potência média. No desenrolar de tal estratégia, o Itamaraty foi transferido para Brasília, com o argumento de que se reorganizasse sua estrutura e modernizasse seus métodos de trabalho294. O Estado buscou dar mais eficiência e entrosamento entre o Itamaraty e os planos nacionais. Do Palácio do Itamaraty, a Diplomacia do Interesse Nacional passou a irradiar a política externa desse período. No discurso oficial, Gibson afirmou que daria ao Brasil maior poder de atuação na comunidade internacional. Entre os aliados estavam os países desenvolvidos, mas principalmente os países em desenvolvimento que almejavam quebrar a disparidade política e técnica entre nações ricas e pobres295. Quanto à inserção internacional, cobrou-se maior atuação do MRE na promoção das exportações para que as receitas dos produtos tradicionais que o Brasil já produzia fossem asseguradas. Como desmembramento, procurou-se ampliar a pauta de exportação de manufaturas e de semimanufaturas. Por meio da rede de missões diplomáticas e repartições consulares, buscou-se que o MRE auxiliasse na implantação de uma política científica e tecnológica. Médici definiu que o Brasil vivia um surto de comercialização de seus produtos e de diversificação dos compradores. A pauta de exportações recebeu grande atenção dos estrategistas, o Brasil alcançou um nível de desenvolvimento que permitia essa expansão. Para isso, deu incentivos fiscais, promoveu o fornecimento de crédito para a produção exportável, ajudou na expansão das indústrias de exportação, criou a Companhia Brasileira de Entrepostos e Comércio, regulamentou as trading companies e instalou Em 1964, 10% dos ricos controlavam cerca de 39% da renda nacional, esse mesmo percentual passou a controlar, em 1984, cerca de 48%. 292  BORGES NETO, João Machado. Ruy Mauro Marini: dependência e intercâmbio desigual. Crítica Marxista. Campinas, n. 33, p. 83-104, 2011, p. 84. 293  Foi empossado no dia 31 de outubro de 1969 e permaneceu até o dia 15 de março de 1974. 294  Mensagem ao Congresso Nacional, 1973, p. 108 (Biblioteca da Presidência da República). 295  Mensagem ao Congresso Nacional, 1973, p. 77-78 (Biblioteca da Presidência da República). 291 

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agências do Banco do Brasil nas “praças” comerciais do globo. Como eixo central dessa política, instituiu taxa de câmbio flexível, propiciando maior abertura nacional para a economia internacional296. Esse expansionismo comercial Made in Brazil possuiu ligação direta com o capital estrangeiro. A economia, durante o quinquênio 1968-1973, cresceu ao redor de 11% ao ano. Isso possibilitou o forjar de um amplo mercado doméstico via substituição de importações. No topo das exportações, os produtos manufaturados representavam 36%, em 1971, contra 5% das exportações de 1964. Em dólares, de 1967 a 1973, o Brasil saltou de US$ 1,5 bilhão para US$ 6,2 bilhões. Destaque para o aumento das exportações para os países africanos, que tiveram um crescimento de 1,05% a 5,24%, durante a mesma data297. A exportação de capitais brasileiros e os empréstimos públicos ao exterior, muitas vezes associados “a grupos financeiros estrangeiros”, foram maneiras encontradas para que o país participasse na partilha global. Sob a lógica do expansionismo comercial, o Brasil buscou sua parcela de influência noutras regiões (América Latina, África). O expansionismo brasileiro pretendia alcançar novos mercados, mas outros interesses motivavam o Estado brasileiro. Por exemplo, o empenho em controlar fontes de matérias-primas (ferro, gás, petróleo), a tentativa de estabelecer “zonas de influência” e a vontade de exportar capitais nacionais, nalgumas vezes associados a grupos estrangeiros298. Não por acaso, Médici criticava a concentração de poder no cenário internacional nas mãos apenas dos países desenvolvidos, defendendo regras mais flexíveis para o comércio. Em seu mandato, foram assentadas as estruturas para a formulação do Pragmatismo Ecumênico e Responsável, política aplicada no governo seguinte, de Ernesto Geisel. Essa estratégia aspirava expandir a influência e a presença do Brasil no cenário internacional. Ernesto Geisel (1974-1979), sucessor de Médici, assumiu a presidência da República no dia 15 de março de 1974, por meio de eleição indireta. Prometeu mudanças, garantindo que realizaria uma “distensão lenta, gradual e segura”. O choque do petróleo, a crise econômica e os juros da dívida externa forçaram uma revisão das estratégias do Brasil. O país estava distante dos países ricos, das decisões do sistema financeiro internacional. Mensagem ao Congresso Nacional, 1974, p. 10-11 (Biblioteca da Presidência da República). SPEKTOR, Matias. Origens e direção do Pragmatismo Ecumênico e Responsável (1974-1979). Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília, v. 47, n. 2, p. 191-222, 2004, p. 198-199. 298  MARINI, 2012, p. 34-35. 296 

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A crise internacional causou recessão nos países industrializados e encareceu as importações brasileiras. Com isso, parte dos investimentos externos e das importações de produtos brasileiros sofreu retração. Por meio do Pragmatismo Ecumênico e Responsável, o Brasil encontrou um espaço de manobra no exterior. A cooperação Sul-Sul passou a ser um complemento às relações Norte-Sul, diversificando a atuação do Brasil na Europa, África, Ásia e Oriente Médio. Como alongamento, o Brasil aprofundou as relações com os países árabes, manteve o comércio com os países socialistas e estabeleceu relações com a China. O país rejeitou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, sinalizou seu apoio ao movimento de descolonização afro-asiático, incluindo a participação como observador do Movimento dos Países Não-Alinhados. Reconheceu a Revolução dos Cravos de 1974, abandonou seu tradicional apoio ao Estado de Israel, condenou o apartheid e manteve a política de exportações. As transformações promovidas por Azeredo da Silveira299, ministro do Itamaraty, foram decisivas para os novos rumos tomados pelo Brasil. À frente do MRE, Azeredo da Silveira: 1) Se aproximou de Araújo Castro e Ítalo Zappa, diplomatas que propunham a renovação na atuação do Itamaraty; 2) Centralizou em seu gabinete as diretrizes do MRE; 3) Rejuvenesceu postos do Itamaraty e comandos de embaixadas; 4) Oxigenou a capacidade de elaboração da chancelaria, por meio da troca de opiniões entre o ministro e as embaixadas, indo além do intercâmbio informativo das correspondências300. A política externa de Geisel e Azeredo da Silveira resultou na relativa quebra da ideologia da Guerra Fria, que diminuíam a diversificação e a energização das relações do Brasil com o mundo301. Internamente, o modelo de desenvolvimento industrial continuou dando às empresas privadas o papel promissor, com a garantia de financiamento e de incentivo por parte do Estado, principalmente na sustentação da infraestrutura302. Em resumo, é possível afirmar que o regime militar, desde seu alvorecer, adotou um modelo de capitalismo interligado ao capital privado nacional e estrangeiro, aliando isso à intervenção estatal. O projeto “desenvolvimentista”, apesar de não ter sido maturado no governo Castello Branco, passou a ser a tônica dos governos subsequentes. A principal ambição foi tornar Permaneceu no Itamaraty de 15 de março de 1974 a 15 de março de 1979. SPEKTOR, 2004, p. 218-220. 301  PINHEIRO, Letícia. Política Externa Brasileira (1889-2002). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004, p. 45. 302  Papel do Estado na Industrialização – Na instalação do XI Congresso dos Industriais Latino-Americanos, 5 de maio de 1975 (Biblioteca da Presidência da República). 299  300 

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o Brasil uma potência média. O que moveu o Brasil nas tribunas internacionais, no estreitamento das relações e na diversificação das parcerias, foi o interesse de proporcionar o almejado desenvolvimento nacional. Ao Itamaraty coube a responsabilidade de projetar o Brasil internacionalmente e executar a política externa. Em nenhum momento, mesmo nas desarmonias, os sucessivos governos não desconstruíram a ideia de continuidade. Para os militares, a “Revolução” começada em 1964 manteve uma linha evolutiva. A corrida pelo expansionismo comercial, a busca de aquisição de ciência e tecnologia, por maior poder de influência e decisão, tornaram-se as pretensões do país no cenário internacional. Esse panorama ficou claro, especialmente depois do Governo de Costa e Silva. Destaco ainda a aspiração brasileira de hegemonizar o Atlântico Sul, fundamental motor nessa ambição estatal impulsionada conjuntamente com setores da iniciativa privada. Brasil e Portugal para além da política, uma união familiar e sentimental As afinidades entre Brasil e Portugal, na segunda metade do Século XX, foram marcadas pela harmonia, com oscilações entre respaldos declarados ou reservados. Ocorreram poucos contratempos nesse relacionamento303. Desde a década de 1940 até 1980, foram numerosos os tratados comerciais, os acordos sobre cultura, turismo e transportes, as convenções ortográficas, as cooperações técnicas, cinematográficas, científicas e econômicas, as declarações conjuntas, as visitas oficiais. Portugal se interessava no estreitamento desses vínculos, já que a amizade com o Brasil representava uma aliança valiosa na manutenção imperial. O Estado Novo professava que as colônias representavam o suspiro de sobrevivência de Portugal, elas se tornaram extensão das mercadorias e dos capitais portugueses, garantindo o fornecimento de matérias-primas e bens alimentares304. O Brasil possuía características que aguçavam os interesses lusos: possuía imigrantes portugueses, foi colônia de Portugal, possuía expressão na América Latina, Um exemplo de incidente ocorreu em 1959, quando o General Humberto Delgado, candidato de oposição a Salazar, se refugiou na Embaixada brasileira em Lisboa e conseguiu asilo político no Brasil, garantido pelo embaixador Álvaro Lins. Essa atitude criou problemas entre Álvaro Lins e Juscelino Kubitschek. O ápice do distanciamento ocorreu durante os governos de Jânio Quadros e João Goulart, por conta da adoção da PEI como modelo de política externa, contudo, não houve ruptura. 304  RAMPINELLI, 2004, p. 31. 303 

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integrava a ONU305, ligava-se ao Atlântico Sul306 e podia ser um intercessor de Portugal no relacionamento com os EUA. Das diversas artimanhas, o Governo português usou subterfúgios emocionais para explicar sua relação com a ex-colônia. Para Salazar, o Brasil era a semente, plantada e semeada pelas mãos colonizadoras portuguesas, que deu a mais bela árvore. O estadista chegou a dizer que Portugal foi a “velha árvore reverdecida” da qual o Brasil se desprendeu e desenvolveu novas “ramagens e troncos”. Para o presidente do Conselho, o Brasil, na história portuguesa, podia ser considerado “uma das suas páginas mais belas e a sua mais extraordinária realização [...] a fonte inicial da sua vida, a Pátria da própria Pátria”.307 Transcendia-se, assim, a universalidade das relações em política externa, tornando-se uma conjugação de vínculos familiares e sentimentais. O Governo português promoveu uma campanha para conquistar a adesão dos governos brasileiros. Depois da década de 1950, o salazarismo utilizou basicamente três meios para estreitar essa meta. O primeiro foi o acolhimento do antropólogo Gilberto Freyre, levando o escritor pernambucano a Portugal e às colônias portuguesas. O recifense visitou Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e Moçambique, a convite do ministro das Colónias de Portugal, Sarmento Rodrigues. Essas viagens resultaram na publicação de livros308 que sustentavam a teoria luso-tropicalista. Entre 1930 e 1940, Portugal viveu um período de afirmação de sua presença na África. Nesse período, a tese de Freyre ainda não tinha sido apropriada. A partir de 1950, com os debates, pressões e transformações do pós-guerra, o governo deu nova roupagem ao seu domínio. Foi nesse momento, de afirmação plurirracial e pluricontinental, que o pensamento de Freyre foi incorporado. Seus livros foram inclusos nos currículos do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU). O Instituto, criado por Adriano Moreira, formava os futuros administradores coloniais. O lusotropicalismo buscava O Brasil participou da fundação da ONU em 1946, e desde 1949 possui distinção no organismo, realizando o discurso de abertura das sessões anuais da Assembleia Geral da ONU. 306  Ver: GONÇALVES, Williams. As relações luso-brasileiras nos anos 1950. Tensões Mundiais. Fortaleza, CE. v. 5, n. 8, p. 265–290, 2009. 307  Comemorações Centenárias — Nota oficiosa publicada nos jornais de 27 de Março — Discursos de Salazar, Vol. III, p. 44-46, 1938. 308  Dentre as obras de Freire que buscam corroborar o luso-tropicalismo, destacam-se: O Mundo que o Português criou (1940), Aventura e Rotina (1953), Um Brasileiro em Terras Portuguesas (1953), Novo Mundo nos Trópicos (1972) e O Luso e o Trópico (1962). Não pretendo reduzir o trabalho e a importância de Gilberto Freyre, considerado um dos maiores sociólogos do Século XX. Minha intenção é demonstrar que sua teoria luso-tropical foi utilizada pelo Estado Novo, com o intuito de fazer propaganda de sua suposta virtude colonizadora. 305 

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capturar a experiência colonizadora portuguesa nos trópicos. Na sociedade lusotropical, para Freyre, reunia-se: a) miscigenação; b) influência cristã do colonizador; c) o uso correto das possessões pelo colonizador; d) forte papel da mulher no mundo que o português criou; e) caráter missionário e civilizador da obra portuguesa309. O Estado Novo bradava ter constituído no Brasil uma nação equalizadora das diferenças culturais, econômicas e sociais, com democracia racial, fruto da miscigenação e da mobilidade social. Intelectuais e políticos portugueses argumentavam que Portugal não podia ser considerado racista, pois não usava métodos violentos e tradicionais colonialistas310. A teoria de Freyre foi endossada pelos EUA, França, Alemanha e Reino Unido. Além de importantes personagens estadunidenses, como Dean Acheson, George Kennan e George Ball, que viam no luso-tropicalismo uma prova de tolerância racial311. Porém, Freyre recebeu críticas. O cabo-verdiano Baltasar Lopes, em 1956, o angolano Mário Pinto de Andrade, em 1955, e o guineense Amílcar Cabral, em 1968, refutaram suas teses. No Brasil, Raquel de Queiroz foi a principal interlocutora das críticas312. Freyre é visto como “um evidente e consciente aliado da causa colonialista lusa, um teorizador a serviço da política portuguesa, cujo álibi foi o luso-tropicalismo”.313 No Brasil, o jornalista Alves Pinheiro314 foi um dos principais propagadores da tese luso-tropicalista e da ideia de democracia racial. Para Pinheiro, em Angola, onde trabalhou como enviado do O Globo, não existia discriminação racial, Portugal teria erguido uma verdadeira civilização, edificando modernas e radiosas cidades. Segundo o jornalista, a obra portuguesa desempenhou uma ação integradora e dignificadora na África315. Em seus textos, Alves Pinheiro se alinha com o discurso luso-tropicalista: “Existe em Angola uma autêntica democracia racial, onde todos, indistintamente, prêtos, brancos e mulatos, têm acesso às posições e à participação na vida LEME, Rafael Souza Campos de Moraes. Absurdos e milagres: um estudo sobre a política externa do lusotropicalismo (1930-1960). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p. 36-37. 310  MEDINA, João. Gilberto Freyre contestado: o lusotropicalismo criticado nas colónias portuguesas como álibi colonial do salazarismo. Revista USP. São Paulo, n. 45, p. 48-61, março/maio, 2000, p. 51. 311  LEME, 2011, p. 84. 312  Ver: MEDINA, 2000. 313  MEDINA, 2000, p. 60. 314  Na década de 1960, Alves Pinheiro trabalhou em Portugal e em Angola, escrevendo crônicas para o jornal de Roberto Marinho. Tornou-se amigo de Salazar, passou a enaltecê-lo e a promover uma campanha de elogios para as ações do Estado Novo, condenando as lutas independentistas. Escreveu os livros Corpo e Alma de Portugal (1961), Angola: Terra e Sangue de Portugal (1963). 315  O Globo, 12 de julho de 1967, p. 2. 309 

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pública”.316 Alves Pinheiro comparava Angola com o Brasil, chamando-a de “êste outro Brasil”, “o Brasil emergindo do outro lado do Atlântico”. Em uma crônica, intitulada “Admire-se esta incomparável democracia racial”, Alves Pinheiro resume o papel da miscigenação racial: Repare-se como o negro convive com o branco e como ele se sente senhor de si, e integrado nas raízes portuguesas. Fala o português, vive, ama, gosta, odeia como português. Olhem-se a pujança e o milagre da miscigenação. Estas mulheres negras, mulatas, brancas queimadas dêste sol tropical, que é uma festa permanente de luz. E estamos apenas começando a admirar a obra de civilização que os portuguêses empreenderam aqui, obra que é o orgulho de uma raça e a glória de um povo.317

A professora e declamadora Margarida Lopes de Almeida fez algo parecido, reverberou o ideal de democracia racial e de pertencimento de angolanos e moçambicanos a um único universo luso. Em 1962, indagada sobre sua viagem a Angola, Margarida Lopes de Almeida disse que lá qualquer nativo podia subir os degraus da escola e da cidadania. Em palestra realizada no Liceu Literário Português, chamou de “abutres” aqueles que tentavam lançar negros contra brancos, uma medida para tirar Portugal da África e se aproveitar das riquezas construídas pelas mãos lusitanas318. O segundo meio encontrado por Portugal, pretendendo ganhar o apoio brasileiro, foi pela aproximação diplomática. Talvez a maior conquista portuguesa tenha sido a assinatura do Tratado de Amizade e Consulta, aprovado durante os governos de Salazar e Getúlio Vargas319. Assinado em 16 de novembro de 1953, pressupunha que todos os assuntos, americanos ou ibéricos, precisavam passar pelas decisões de Rio de Janeiro e Lisboa. João Neves da Fontoura, defensor do ideal lusófilo, entre os anos de 1940 e 1950, ocupou cargos importantes, como o de embaixador em Lisboa e ministro das Relações Exteriores no Rio de Janeiro. O chanceler foi um articulador na consolidação do Tratado320. Como fidelidade ao Tratado, o Brasil sustentou a conservação dos territórios portugueses de Goa, Damão e Diu, na Índia. O Globo, 22 de junho de 1964, p. 2. O Globo, 12 de julho de 1967, p. 2. 318  O Globo, 15 de agosto de 1961. 319  A política externa do governo Juscelino Kubitschek foi favorável ao colonialismo português, para ilustrar essa devoção, o presidente chegou a favorecer o café luso, proveniente de Angola, em detrimento do café brasileiro (RAMPINELLI, 2004, p. 19). 320  Assis Chateaubriand, Francisco Negrão de Lima, Pio Correia, Frank Moscoso, Donatello Grieco, Odette de Carvalho e Sousa congregam a franja lusófila da diplomacia brasileira (RAMPINELLI, 2004, p. 46-47). 316  317 

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O terceiro meio consistiu no papel político exercido pelas colônias portuguesas no Brasil, como o Real Gabinete Português de Leitura, a Federação das Associações Portuguesas e pela Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. Esses organismos pressionavam o Congresso, o Ministério das Relações Exteriores e os meios de comunicação, para se aproximarem de Portugal321. Feitas essas considerações, avanço para as relações bilaterais a partir de 1964. Vasco Leitão da Cunha afirmou que confiava plenamente na solução que Portugal daria para o problema das colônias portuguesas na África. Salientou que o Brasil jamais tomaria qualquer ação hostil à sua “Pátria-mãe322”. Juracy Magalhães, em reunião com Salazar, garantiu normalizar as relações entre os países, retraídas durante a PEI. Cunha Bueno, deputado federal do Partido Social Democrático (PSD), afirmou que a amizade do Brasil com Portugal estava desgastada, mas seria retomada com intensidade. Nas palavras do deputado: No instante em que não só o Brasil como todo o mundo livre comemoram a vitória da democracia, quero ressalvar a importância do facto de haver sido varrido do território nacional o espectro do comunismo [...] ressalto que a vitória dos democratas brasileiros significa a segurança de que as nossas relações com Portugal, que estiveram temporariamente ameaçadas, se restabelecerão agora com maior amplitude.323

Em Portugal, vários diários receberam bem a queda de João Goulart e a ascensão dos militares. As declarações de Carlos Lacerda e Ademar de Barros, a respeito da alteração da política exterior do Brasil sobre os territórios ultramarinos, foram reafirmadas324. O monarquista A Voz declarou que a queda de Goulart constituiu uma “medida sensata, provavelmente o único gesto sensato que teve desde que assumiu o poder”.325 O Diário da Manhã, órgão oficial do Estado Novo, relatou: Somos testemunhas de uma luta que tem o mais profundo significado, uma vez que de um lado se situam os defensores das instituições históricas do Brasil e do outro os que se empenham na obra de subversão, à sombra da bandeira vermelha. 321  322  323  324  325 

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GONÇALVES, 2009, p. 269. Jornal do Brasil, Edição 01645, 1 de setembro de 1965, p. 3. Diário de Lisboa”, n.º 14.850, Ano 44, Sábado, 18 de Abril de 1964, p. 1, 7, Casa Comum. Folha de S. Paulo, 6 de abril de 1964. A Voz, 2 de abril de 1964.

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Outros, talvez, participam do combate sem saber precisamente porque lutam, enganados por sua própria dialética. Estes, entretanto, não contam.326

Américo Thomaz, presidente de Portugal, enviou mensagem saudando Castello Branco, reconhecendo suas virtudes. Na mesma mensagem, garantiu plena confiança nos rumos do país327. Saudou e felicitou o novo Governo, que merecia a confiança do povo328. Castello respondeu, afirmando que os povos do Brasil e de Portugal se confundiam e se aproximavam de modo especial, que era seu desejo estreitar a união entre esses dois povos329. O Governo português esperava que, com a subida de um regime anticomunista, o risco de perder a aliança com o Brasil estaria eliminada. No dia 30 de outubro, Castello concedeu entrevista coletiva à imprensa nacional e estrangeira. Indagado sobre as relações luso-brasileiras, disse que estavam assentadas em uma amizade inalterável, numa ligação histórica, de natureza especialíssima. Sobre a política ultramarina, pontuou que embora o Brasil sustentasse a autodeterminação, deixaria sob o controle de Portugal a resolução desse assunto. Afirmou ainda que “no espírito de suas tradições históricas”, tal como fez com a formação da alma nacional brasileira, Portugal já havia dado provas de sua capacidade civilizatória330. Na reaproximação entre Brasil e Portugal, em junho de 1965, Franco Nogueira, veio ao Brasil para realizar um programa de atividades no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Dentre as atividades, foi inaugurada a estátua de D. João VI, montada na Praça XV, no Rio de Janeiro, a 10 de junho de 1965, Dia de Portugal. O monumento foi uma doação trazida de Portugal, que buscou simbolizar a amizade entre as duas nações. A inauguração da estátua fez parte das comemorações dos 400 anos da cidade de Rio de Janeiro331. No Governo Castello Branco, em 7 de setembro de 1966, os ministros Juracy Magalhães (MRE) e Franco Nogueira (MNE) selaram alguns acordos que pretendiam estreitar as amizades entre Brasil e Portugal. Foi compactuado um “Acordo Básico de Cooperação Técnica332”, procurando Diário da Manhã, 2 de abril de 1964. Folha de S. Paulo, 16 de abril de 1964. 328  Ver imagem 1. 329  PAA 922 Mensagens trocadas entre os chefes de Estado de Portugal e do Brasil, 16 de abril de 1964. 330  PAA Entrevista Coletiva do Presidente Castello Branco à imprensa nacional e estrangeira. Palácio das Laranjeiras, 30 de outubro de 1964. 331  Jornal do Brasil, Edição 01575, 11 de junho de 1965, p. 2. 332  Celebrado em 07/09/1966, passou a vigorar em 16/12/1967. 326  327 

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“promover e estimular o progresso técnico-científico e o desenvolvimento econômico e social” de ambos os países333. Na ocasião, foi assinado um “Acôrdo de Comércio334” que contemplava os territórios brasileiros e portugueses do Continente, das Ilhas Adjacentes e das colônias. A iniciativa pretendia diversificar o intercâmbio comercial entre Brasil e Portugal335. Foi ratificado um pacto de troca de notas entre o Banco do Brasil e o Banco de Portugal, sugeriu-se a facilitação de acordos de complementação industrial, entre empresas portuguesas e brasileiras, a promoção de feiras, exposições comerciais, industriais, agrícolas e artesanais. Um artigo considerou a necessidade de simplificar a criação de zonas francas para produtos do Brasil e de Portugal, incluindo as colônias. Por último, foi instituída a “Comissão Econômica Luso-Brasileira”, reunindo representantes do Governo e da iniciativa privada336. Com o pretexto de difundir a integração entre os povos de língua portuguesa, e para garantir a preservação e o desenvolvimento da cultura luso-brasileira, em 1966 foi assinado um “Acôrdo Cultural”.337 O acordo enalteceu as vantagens nos mais variados campos (educação, letras, ciências, artes, técnicas e esportes). Para avançar na questão econômica, aprovou-se uma “Declaração sôbre Cooperação Econômica”. As intenções buscavam organizar uma Comunidade Luso-Brasileira, a qual contemplava os territórios continentais, ilhéus e ultramares de Portugal. Ficou definida a realização de estudos sobre Brasil e Portugal (Ilhas, Continente, Colônias), com o incentivo de projetos de complementação industrial. Os dois governos deveriam assegurar a instalação em seus territórios de empresas oriundas de uma das partes ou de capital associado (brasileiro e português), assegurando o mesmo tratamento dirigido à indústria nacional e aos seus produtos. Como barganha, Portugal considerou criar consórcios ou associações entre empresas brasileiras e portuguesas para a extração de riquezas minerais em seus respectivos territórios. Era uma forma de ligar o Brasil ao ultramar português. Na esteira dos acordos, Juracy Magalhães BRASIL. Acordos entre Brasil e Portugal: Acôrdo Básico de Cooperação Técnica entre os governos dos Estados Unidos do Brasil e de Portugal. 1966. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1966/b_25. Acesso em: 9 jan. 2015. 334  Celebrado em 07/09/1966, passou a vigorar em 21/04/1968. 335  BRASIL. Revogação dos Acordos Comerciais Anteriores e Aplicação Provisória das Disposições do Novo Acordo de Comércio: Nota brasileira. 1966. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1966/b_30. Acesso em: 12 jan. 2015. 336  BRASIL. Acordo de Comércio entre os Estados Unidos do Brasil e Portugal. 1966. Disponível em: http://dai-mre. serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1966/b_26. Acesso em: 10 jan. 2015. 337  BRASIL. Acôrdo Cultural entre o Brasil e Portugal. 1966. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1966/b_27. Acesso em: 10 jan. 2015. 333 

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se comprometeu em levar o respaldo do Brasil na ONU à política portuguesa na África: “Estamos principalmente interessados no desenvolvimento de uma cultura ocidental democrática na África e esta é a maneira pela qual vêm atuando há séculos os portuguêses naquele continente”338. Em 1968, durante sua passagem em Lisboa, Juracy Magalhães afirmou que o Brasil jamais votaria a favor de propostas que hostilizassem Portugal339. Apesar desses avanços, Franco Nogueira desconfiava do verdadeiro interesse brasileiro, como demarcou em suas memórias: Mas os acordos que assinámos apesar de tudo – cultural, de colaboração económica, etc. – causaram alguma impressão, e na verdade traduzem algum apoio do Brasil à nossa política. Mas há no Rio uma reserva mental: querem aproveitar-se de nós e mostrar uma amizade que nos anestesia para, à custa desta, e na aparência desta, conseguirem os seus desígnios em Angola. Há no Brasil uma incipiência imperial, talvez ingénua no momento, mas para nós com algum perigo340.

No Governo de Costa e Silva, as boas relações entre Portugal e Brasil foram mantidas. Simbolicamente, em 22 de abril de 1967, foi estabelecido o Dia da Comunidade Luso-Brasileira. Para justificar a criação da data comemorativa, Costa e Silva afirmou que portugueses e brasileiros eram um “só povo em sangue e em espírito”. Nessa etapa, a Comissão de Planejamento Político do MRE elaborou um documento com densos diagnósticos sobre as relações bilaterais com Portugal. Em documento secreto, o Itamaraty prosseguiu com a leitura de que se não existissem projeções de Portugal na África, as relações do Brasil com essas duas regiões seriam mais maleáveis. No Itamaraty se discutia que Portugal, em decorrência de suas condições econômicas, geográficas e sociais, dependia do controle sobre os territórios ultramarinos ou, no mínimo, de um regime associado a esses territórios. No documento em questão, afirmou-se que apenas “as correntes comunistas, pouco numerosas, mal organizadas e condenadas à clandestinidade”, opunham-se a essa bandeira341. A orientação de Portugal seguia pressionando o Brasil para que se alinhasse às suas posições. Noutra visita de Franco Nogueira ao território O Globo, 8 de setembro de 1966, p. 8. Diário de Notícias, 1 de outubro de 1968. 340  NOGUEIRA, 1987, p. 188. 341  Relações do Brasil com Portugal, Comissão de Planejamento Político, Ministério das Relações Exteriores, Secreto, 10 de agosto de 1967. 338  339 

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brasileiro, dessa vez em 1967, um episódio simbolizou essa relação baseada no sentimentalismo. Carlos Sylvestre de Ouro Preto, chefe da Divisão Política do Itamaraty, relatou num telegrama o descontentamento do governo português com um editorial do jornal Correio da Manhã342. O diplomata assegurou que os termos do editorial, intitulado “Amizade e Clareza”, ao debater a visita do chanceler português ao Brasil, constrangeram Franco Nogueira. O texto teria analisado as relações luso-brasileiras de maneira “inamistosa e caluniosa”. Sylvestre de Ouro Preto garantiu que o editorial tivesse sido escrito por algum articulador da extrema-esquerda. Nesse editorial, foi afiançado que os acordos de setembro de 1966 possuíam cláusulas secretas. A pior delas estaria num suposto pedido do governo português solicitando o envio de tropas brasileiras para as colônias. O diplomata disse que essas afirmações eram absurdas, caluniosas e ofensivas. Como o editorial teria magoado o chanceler Franco Nogueira, Carlos Sylvestre solicitou uma nota pública de esclarecimento sobre essas acusações. Na esteira das possibilidades de barganhas ofertadas pelo Estado Novo ao Brasil, o jornal Portugal Democrático denunciou que Salazar cogitou oferecer 200 mil postos de trabalhos para brasileiros que quisessem viver em Angola e Moçambique. A matéria alertou que por trás da despretensiosa proposta de emprego, o Governo português pretendia usar esses brasileiros na limitação da entrada de guerrilheiros em suas colônias343. Na busca de comprovação dessa hipótese, não encontrei evidências. Em 1967, Franco Nogueira realizou uma visita ao Brasil que gerou interesse nos EUA. Em reunião de esclarecimentos, diplomatas portugueses e estadunidenses344 discutiram novamente as relações entre Brasil e Portugal. Nogueira relatou que havia encontrado brasileiros preocupados com a situação de outros países na América Latina. A preocupação estava no risco de expansão da subversão e da guerrilha. Para Nogueira, a infiltração de comunistas na maior parte dos jornais e das universidades era um perigo. Eugene Rostow, subsecretário de Estado dos EUA para Assuntos Políticos, respondeu que o marxismo como sistema intelectual tinha perdido força global, exceto nas universidades da América Latina345. Relações Políticas Brasil-Portugal. Visita ao Brasil do Ministro Franco Nogueira. C/DEOc/DAI/920. (42) (88), Secretária de Estado das Relações Exteriores, Embaixada do Brasil em Lisboa, Secreto-Urgentíssimo, 1967. 343  Portugal Democrático, São Paulo, número 128, ano XII, abril de 1968, p. 3. 344  Alberto Franco Nogueira, Vasco Vieira Garin, Antonio Ressano Garcia, Eugene Rostow, Joseph Palmer, Walter Stoessel, Ward Allen, George Landau, Roberth Funseth. 345  Memorandum of Conversation, November 17, 1967, Secret. Opening The Archives: Documenting U.S.-Brazil Relations, 1960s-80s, Brown Digital Repository/Universidade Estadual de Maringá. 342 

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Na conversa, os portugueses lamentaram ver esforços contrários à cooperação entre Brasil e Portugal. Nogueira comentou que quando Portugal convidava deputados ou senadores para visitarem seus territórios na África, os oficiais da Embaixada dos EUA persuadiam esses parlamentares a não se declararem favoravelmente a Portugal. Interessante observar que EUA e Portugal se preocupavam com o avanço do comunismo no Brasil, por isso, o governo luso usou a justificativa de combate ao comunismo na África, no intuito de ganhar ajuda estadunidense e brasileira. Ainda sobre as críticas da imprensa brasileira ao apego do Brasil às posições de Portugal, o Jornal do Brasil apresentou um editorial considerando que Portugal deveria admitir que prejudicava o Brasil contra o fluxo das forças históricas, ao cobrar apoio brasileiro à colonização. Segundo o editorial, o Brasil era uma nação forte e respeitada, por isso, não podia se isolar na escuridão da defesa do colonialismo346. Em julho de 1968, foi a vez do chanceler brasileiro ir a Portugal, ratificando as afinidades entre os dois países. Num encontro entre Franco Nogueira e Magalhães Pinto, aprovou-se a expansão do intercâmbio cultural e das trocas comerciais347. No mesmo ano, Magalhães Pinto se encontrou com o embaixador português no Rio de Janeiro e garantiu que o maior desejo do Governo brasileiro era defender Portugal dos ataques que lhes eram dirigidos. E que apesar do Brasil ter posições próprias, nunca ignoraria os interesses de Portugal, pois, uma posição explicitamente antiportuguesa não seria rentável348. Em 1969, Marcello Caetano realizou uma visita ao Brasil. Para Caetano, a afeição entre as duas nações não podia permanecer no nível das “promessas de amizade e intenções”.349 Nos Governos de Médici e Geisel, a política de acordos com Portugal foi mantida. Caetano veio ao Brasil em 1969350 e em 1972, Américo Thomaz esteve nas comemorações dos 150 anos da Independência, Rui Patrício351 fez várias visitas ao país, Médici e Gibson Barboza estiverem em Portugal em diversas ocasiões. Jornal do Brasil, n.º 74, 31 de março de 1967. Diário de Lisboa, Edição 16355, 1 de julho de 1968, p. 24. 348  PEA Embaixada de Portugal, Apontamento, Conversa com o Chanceler Magalhães Pinto, Secreto, 3 de junho de 1968. 349  Jornal do Brasil, n.º 77, 7 de julho de 1969, p. 4. 350  DEIc/430.1(88)(42) 920(42)(88) Secretaria de Estado das Relações Exteriores, visita do Professor Marcelo Caetano. Agenda das Conversas, Secreto, 27 de junho de 1969. Comunicado Conjunto luso-brasileiro, em decorrência da visita de Marcello Caetano ao Brasil, 22 de julho de 1969. 351  Foi chanceler do MNE de 15 de janeiro de 1970 a 25 de abril de 1974. 346  347 

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Em 1969, Jarbas Gonçalves Passarinho, ministro do Trabalho e da Previdência Social, e Marcello Caetano, na ocasião ministro interino dos Negócios Estrangeiros, assinaram um “Acôrdo de Previdência Social”.352 O acordo buscou regulamentar os sistemas de previdência dos trabalhadores que se transladavam de um país para o outro353. Na década de 1970, avançava o debate para a consolidação da Comunidade Luso-Brasileira, reiterando a unidade entre os valores históricos, morais, culturais, linguísticos e étnicos que aproximavam Brasil e Portugal. Com a morte de Salazar, em 27 de julho de 1970, o governo brasileiro decretou três dias de luto. No decreto oficial, Médici considerou os laços culturais e de amizade entre as duas nações e lamentou o falecimento de Salazar, considerado um “eminente estadista”.354 No dia 7 de setembro de 1971, na cidade de Brasília, Mário Gibson Barboza e Rui Patrício assinaram uma convenção que delineava os direitos comuns de brasileiros e de portugueses355. Um estatuto assegurava direitos e deveres iguais a brasileiros e portugueses, desde que não ofendessem a soberania nacional e a ordem pública do Estado em que estavam, se isso ocorresse, perdiam seus direitos. Tratava-se de reforçar o veto contra a circulação de ideias contrárias aos respectivos regimes. Entretanto, para os indesejados serem extraditados, era necessário um pedido formal do governo de sua nacionalidade356. No dia 10 de janeiro de 1971, os dois ministros assinaram uma “Declaração Conjunta” que reforçava o modo especial das relações entre o Brasil e Portugal. Essa amizade, considerada privilegiada, estava irmanada “pelo sangue, pela história, pela cultura, pela língua comum, pela mesma concepção de vida, por uma tradição de amizade, colaboração e respeito mútuo nunca interrompida”.357 Um ponto também foi utilizado para condenar as ações “terroristas” desenvolvidas internacionalmente. Esse tópico buscou reprovar, ainda que nas entrelinhas, as atividades dos nacionalistas na África e dos revolucionários na América Latina. Na declaração assinada por Brasil e Portugal, firmou-se a seguinte resolução: BRASIL. Acôrdo de Previdência Social entre os governos da República Federativa do Brasil e de Portugal. 1969. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1969/b_61. Acesso em: 20 jan. 2015. 353  Aprovado em 17/10/1969, passou a vigorar em 01/12/1970. 354  Diário do Paraná, 28 de julho de 1970, p. 3. 355  BRASIL. Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses. 1971. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1969/b_61. Acesso em: 21 jan. 2015. 356  Assinado em 07/09/1971, passou a vigorar em 22/04/1972. 357  BRASIL. Declaração conjunta Brasil/Portugal. 1971. Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1971/b_80. Acesso em: 22 jan. 2015. 352 

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Exprimiram, em consequência, seu total repúdio à ação terrorista que se manifesta nos diversos continentes, condenando-a como um retrocesso na civilização dos povos e na vida internacional e um crime de lesa-humanidade; e concordaram em que, para além das medidas que se integram no domínio da soberania interna é também dever dos Governos adotar medidas urgentes, no plano internacional, para prevenir e reprimir a violência em tôdas as suas formas e combater todos os atos de terrorismo, através de uma estreita colaboração dos Estados, de forma a que se possa garantir o respeito pelos fundamentais direitos da pessoa humana358.

Durante a presidência de Médici, em 1972 foi declarado juntamente a Portugal o “Ano da Comunidade Luso-Brasileira”, como parte das celebrações pelos 150 anos da independência do Brasil. Em 1972, com a visita de Américo Thomaz, presidente de Portugal, os restos mortais do imperador D. Pedro I foram trazidos para o Brasil. O MRE, por meio da Secretaria de Relações Exteriores, comentou sobre a aprovação de uma declaração conjunta359. Ressaltou-se a unidade espiritual dos dois povos, reforçando o caráter especial de suas relações e de seus princípios defendidos, como a igualdade jurídica dos Estados, a não intervenção, a solução pacífica das controvérsias, o repúdio ao preconceito racial, a condenação da violência e o respeito aos direitos do homem. Na sequência da declaração, se confirmou que ambas as nações usariam seus esforços para fortalecer o sistema de segurança coletiva e o combate aos esquemas de poder dos oligopólios políticos. Na vinda de Caetano, em 1972, o presidente do Conselho de Ministros recebeu do governo brasileiro insígnias da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, a antiga ordem criada pelo próprio Dom Pedro I. Ao se dirigir a Marcello Caetano, Médici proferiu as seguintes palavras: Homem de pensamento e homem de ação, Vossa Excelência nunca perdeu de vista, no curso das investigações teóricas e doutrinárias, com que enriqueceu as letras jurídicas e politicas da nação lusitana, o essencial sentido dos valores humanos.360 BRASIL. Declaração conjunta Brasil/Portugal, 1971. Visita do Presidente Américo Thomaz ao Brasil, Projeto de Declaração Conjunta. Telegrama nº 149, 430. (88) (42) 920.(42) (88), 6 de 25 de Abril de 1972, Secreto-Urgentíssimo. 360  Saudação ao Presidente do Conselho de Ministros de Portugal, Marcelo José das Neves Alves Caetano, 6 de setembro de 1972, p. 83 (Biblioteca da Presidência da República). 358  359 

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No mesmo testemunho, foram robustecidos os laços luso-brasileiros, por causa da convenção sobre igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses, aprovada na passagem de Américo Thomaz, assim como a reafirmação do Tratado de Amizade e Consulta. As indecisões da diplomacia brasileira, no que se diz respeito ao problema colonial português, foram motivo de pauta no jornal Folha de S. Paulo361. A matéria informou que Gibson Barboza teria levado às autoridades de Lisboa as apreensões dos africanos quanto à presença portuguesa no Continente. O ministro frisou que havia sido um compromisso assumido com os africanos. Indagado por jornalistas sobre o teor da conversa que realizou com Rui Patrício, Barboza se recusou a dar maiores detalhes, apenas declarando que os vínculos naturais que o Brasil possuía com Portugal não impediriam sua aproximação com a África. O ministro desmentiu que possuía comprometimento estreito com Portugal e que isso prejudicaria as relações com a África, argumentando que o Brasil só possuía compromisso com os seus próprios interesses. Por outro lado, quando Américo Thomaz e Marcello Caetano passaram pelo Brasil, numa entrevista feita para Marques Gastão, jornalista português, Gibson teceu elogios. Sobre a expectativa da nação brasileira com a visita de Thomaz, Gibson Barboza afirmou que se esforçaria “para demonstrar na pessoa do superior mandatário da nação portuguesa o grande carinho e apreço pelo grande Portugal”.362 Sobre Caetano, Gibson garantiu sua admiração sem limites pelo líder português: [...] pela sua cultura, pelo seu saber de humanista, não conheço ninguém na minha vida com uma cultura que me tenha impressionado tanto como o Professor Marcelo Caetano. É uma inteligência que galvaniza pela clareza, pela justeza de mestre, do português e do político. Não é apenas uma cultura humanista; é a qualidade da inteligência sutil, final e arguta. Um tipo de inteligência cheia de sedução e percepção.363

Na passagem de Médici por Portugal, em 1973, o presidente fez questão de agradecer as boas vindas de Américo Thomaz, dizendo que Portugal possuía “afinidades de espírito e de aspirações” com o Brasil. Durante sua passagem, trocou condecorações com autoridades portuguesas e se reuniu 361  362  363 

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Folha de S. Paulo, 14 de fevereiro de 1973, p. 3. Correio da Manhã, 18 de março de 1972, p. 3. Correio da Manhã, 18 de março de 1972, p. 3.

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com Marcello Caetano364. No encontro com Caetano, Médici afirmou que o Brasil não estava em condições de estabelecer uma zona de livre comércio entre as duas nações365. O Governo brasileiro esclareceu que não podia assinar o acordo de livre comércio não por ter divergências com Portugal, mas por ter dificuldades de ordem técnica. Existia ainda uma preocupação de que essa parceria pudesse prejudicar o comércio brasileiro na Alalc (Associação Latino-Americana de Livre Comércio). Sobre o problema na África, o Governo brasileiro reiterou que respeitava a justificativa portuguesa e que considerava a guerra um problema interno de Portugal. Ponderou que não era possível apoiar os africanos, em virtude do uso de métodos violentos por parte dos nacionalistas. De forma equilibrada, Gibson Barboza afirmou que todos os conflitos precisavam ser resolvidos pela via pacífica das negociações, a crise entre portugueses e africanos não podia fugir dessa regra366. No Brasil, algumas vozes continuavam protegendo explicitamente os interesses portugueses. Em passagem pelas colônias, Antonio Henrique da Cunha Bueno, deputado federal da Aliança Renovadora Nacional (Arena), disse que Portugal realizava uma obra grandiosa na África. A realidade angolana surpreendeu o deputado, que chegou a afirmar que num futuro próximo o país se tornaria o grande Portugal da África e que estava estampado nos sorrisos e comentários dos angolanos o apreço pela “pátria-mãe”.367 Com Geisel no poder, Azeredo da Silveira, o novo ministro do Itamaraty, apresentou mudanças nas posições do Brasil (ver mais adiante). Mesmo assim, as pressões portuguesas sobre os brasileiros continuaram. Quando Rui Patrício veio ao Brasil participar da posse de Geisel, ele concedeu uma entrevista ao Jornal do Brasil. Na entrevista reafirmou a política portuguesa na África, expondo que Portugal não abriria mão das colônias. O chanceler criticou as visões da imprensa e dos documentos da ONU. Para Patrício, esses pontos de vista não refletiam a verdadeira realidade africana, já que compunham uma campanha antiportuguesa. Assim, os brasileiros deveriam visitar in loco esses territórios para compreenderem sua verdadeira realidade. Quanto aos interesses brasileiros nesses territórios, Rui Patrício elencou a manutenção da língua portuguesa e razões de ordem econômica, geográfica, estratégico-militar. Para comprovar que o Brasil se equivocaria, caso votasse a favor das resoluções da ONU condenatórias do colonialismo português, 364  365  366  367 

Folha de S. Paulo, 15 de maio de 1973, p. 4. Folha de S. Paulo, 16 de maio de 1973, p. 4. Folha de S. Paulo, 19 de maio de 1973, p. 3. Folha de S. Paulo, 28 de fevereiro de 1974, p. 3. 119

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Patrício inverteu a lógica do debate. Para ele, as resoluções anticolonialistas da ONU foram equivocadas, que a declaração favorável aos movimentos de libertação recaía no erro de reconhecer grupos sem nenhuma ligação com as aspirações dos povos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Seguindo o raciocínio, disse que as resoluções negavam o princípio de não intervenção, já que a ONU propunha ingerência nos territórios portugueses. Patrício concluiu que a tradição anticolonialista do Brasil seria reluzente se o país votasse contra essas resoluções da ONU368. O ministro ainda disse que, caso os movimentos de libertação nacional se apossassem do poder, a língua portuguesa desapareceria. Por isso, Portugal pretendia salvar o idioma e garantir a unidade territorial e econômica daquelas regiões, advertindo sobre o perigo de Angola cair nas mãos de uma potência hostil ao Brasil. Para desqualificar os movimentos de libertação, afirmou que eles eram compostos por uma maioria de cubanos e de estrangeiros. Atacando a ONU, afirmou que a organização contrariava a verdadeira vontade dos povos africanos: continuarem governados pelos portugueses369. José Hermano Saraiva, embaixador de Portugal no Brasil, criticou a diplomacia brasileira. Ao visitar a cidade de Londrina, no Norte paranaense, chamou de ignorante a política africana do Brasil que não reconhecia a diferença entre o colonialismo português e o francês, além de não querer enxergar que os africanos preferiam a presença portuguesa. Para ele, a ocupação francesa se interessava na exploração econômica e no enriquecimento370. Mas vozes contestavam essa linha. Um editorial do Jornal do Brasil traçou uma clara denúncia do governo português, garantindo que o governo de Marcello Caetano ficaria isolado. Para o Governo do Brasil, o editorial defendia a sustentação explícita do anticolonialismo, do contrário, o país correria o risco de cair numa inimizade com os países africanos371. Sobre as votações brasileiras a respeito do colonialismo nas Assembleias Gerais da ONU, há um panorama quantitativo. Em todas as resoluções aprovadas, de 1965 a 1973, quando as questões envolviam os territórios portugueses na África, o Brasil se absteve ou votou contra as resoluções que afetavam Portugal372. Como exemplo: a abstenção em duas votações Jornal do Brasil, 15 de março de 1974, p. 12. Jornal do Brasil, 17 de março de 1974, p. 12. Kurt Waldheim, secretário geral da ONU, em sua visita ao Brasil, insistiu que Portugal devia cumprir a resolução que exigia a concessão de independência aos territórios africanos ocupados. Ele se reuniu com Gibson Barboza e com Médici (Jornal de Brasília, 13 de março de 1973). 370  Folha de S. Paulo, 2 de abril de 1974, p. 4. 371  Jornal do Brasil, 26 de março de 1974, p. 8. 372  DÁVILA, 2011, p. 120-121. 368  369 

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na condenação às políticas de Portugal e da África do Sul, em 1973, e na resolução sugerida pela ONU que definia a suspensão da representatividade das colônias portuguesas pela delegação de Portugal373. Somente em 1974, talvez porque estava claro que as independências se tornariam vitoriosas, o país votou contra Portugal, reconhecendo o pleno direito das nações africanas374. O Governo português desejava ter do Brasil um auxílio nos termos portugueses. Sem Portugal como intermediário, o Brasil poderia ter ido além e ter sido mais atuante na África. O estilo dúbio fez com que a possibilidade de ocupar um papel progressivo no Atlântico Sul se enfraquecesse, inclusive, essa postura gerou desconfiança entre os nacionalistas africanos. Os governos do Brasil esperavam que o Governo de Portugal encontraria uma solução para o problema colonial. Quiçá por isso, e para não prejudicar as relações com Portugal, o Brasil não definiu uma política mais direta e em prol da libertação das colônias, quando o fez, foi apenas verbalmente. De modo conclusivo, é possível assegurar que dois fatores prejudicaram as relações do Brasil com a África. Primeiro – o apego a Portugal, tão disseminado por intelectuais, diplomatas, intelectuais, jornalistas e imigrantes. Segundo – a opção de creditar a Portugal a solução dos impasses. A política externa brasileira para a África e o desenvolvimento nacional Depois de um considerável distanciamento375, a “redescoberta” africana ocorreu quando políticos e intelectuais, nas décadas de 1940/1950, vislumbraram na Ásia e na África novos canais de diálogo376. No Governo de Jânio Quadros, ademais de reconhecer a dívida moral/histórica, a África foi compreendida FERREIRA, Walace. Revisitando a África na Política Externa Brasileira: distanciamentos e aproximações da “independência” à “década de 1980”. Universitas Relaçõoes Internacionais. Brasília, v. 11, n. 1, jan./jun., 2013, p. 65. 374  Na XXIX Assembleia Geral da ONU, dezembro de 1974, foram aprovadas resoluções que condenavam o colonialismo, o apartheid e a discriminação racial, e reconheciam o direito à autodeterminação na África. Ver: NASCIMENTO, Abdias do. Brazil, Mixture Or Massacre? Essays in the Genocide of a Black People. Dover: Majority Press, 1989, p. 192. 375  Ver: FERREIRA, 2013, p. 58-59. 376  Bezerra de Menezes, Álvaro Lins, Oswaldo Aranha, Affonso Arinos, San Tiago Dantas, Gilberto Amado, José Honório Rodrigues, Adolpho Justo Bezerra de Menezes, Tristão de Athayde e Eduardo Portella, entre outros, passaram a defender a retomada da comunicação com o continente africano. Esses indivíduos não chegaram a criar um bloco, mas, suas opiniões foram escutadas pela opinião pública e pelo poder estatal. Em 1957, na Divisão Política do Itamaraty (DPo), Sérgio Corrêa do Lago elaborou um memorando que deu ênfase na aproximação do Brasil com a África e com a Ásia. O memorando sugeriu dois encaminhamentos – a realização de uma missão para a África e Ásia, por seguinte, a elaboração de um relatório que pudesse ampliar o conhecimento do Brasil sobre essas regiões. A visitação e a coleta de dados e informações, na ótica de Corrêa do Lago, ampliariam as capacidades de elaboração e execução de uma política para a África e para a Ásia. 373 

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como esfera de influência natural do Brasil e um ponto de inflexão diante da Guerra Fria. Para essa reaproximação, Quadros estabeleceu uma reforma administrativa no Itamaraty. Esse rearranjo criou a Divisão da África; incluiu nos Relatórios do Itamaraty uma parte exclusiva para os assuntos africanos; formalizou um grupo de trabalho para estudar e avaliar as condições de abertura de missões diplomáticas e consulares nos novos Estados africanos; conjeturou parcerias econômicas e culturais; criou embaixadas em Gana, Nigéria e Senegal; Raymundo Souza Dantas foi indicado para ser embaixador em Gana (o primeiro negro da história do país); estabeleceu os Programas de Estudante-Convênio de Graduação e de Pós-Graduação (PEC-G e PEC-PG). Quanto aos Consulados Gerais em Lourenço Marques e em Luanda, cabe uma observação, apesar de ser divulgado amplamente que foi durante o governo de Jânio Quadros que esses Consulados foram instituídos, na verdade, eles foram criados durante o Governo de Juscelino Kubitschek377. Essa reaproximação veio acompanhada de um discurso “culturalista” que robustecia os laços históricos do Brasil com a África e sua importância simbólica/cultural. Esse discurso fomentava a tese de familiaridade e história em comum378. Contudo, esses supostos laços históricos e raízes semelhantes não atestavam conhecimento palpável e profundo das realidades africanas379. No regime militar, com o intuito de estabelecer e consolidar mercados que fornecessem matérias-primas e adquirissem serviços e produtos manufaturados brasileiros, apostou-se na cooperação Sul-Sul. Nos anos de 1970, o Brasil revigorou sua política africana. Foram múltiplos os fatores Decreto n.º 50.245, de 28 de janeiro de 1961, estabeleceu o Consulado Geral do Brasil em Luanda, substituindo o Vice-Consulado Honorário do Brasil. O Decreto n.º 50.247, de 28 de janeiro de 1961, criou o Consulado Geral do Brasil em Lourenço Marques, substituindo o Consulado Honorário. O ministro das Relações Exteriores era Horácio Lafer. Por meio do Decreto n.º 50.848, de 24 de junho de 1961, o Brasil também estabeleceu o Consulado Honorário de Nova Lisboa, província de Angola. Em 24 de Junho de 1961, por meio do Decreto n.º 50.846, o governo brasileiro ainda criou o Consulado Honorário em Quelimane, província de Moçambique. Esses sim foram criados durante o governo de Jânio Quadros. Vale salientar que o Consulado Honorário do Brasil em Lourenço Marques fora criado durante o Governo do Presidente Getúlio Vargas, pelo Decreto n.º 34.209, de 13 de outubro de 1953. Ver: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-50245-28-janeiro-1961-389761-publicacaooriginal-1-pe.html http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=180727&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB. 378  SARAIVA, José Flávio Sombra. O lugar da África – a dimensão atlântica da política externa brasileira de 1946 a nossos dias. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1996. 379  LECHINI, Gladys. O Brasil na África ou a África no Brasil? A construção da política africana pelo Itamaraty. Nueva Sociedad. Buenos Aires, Nº 32, jul-dez, p. 55-81, 2008, p. 58. 377 

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que causaram a aposta nessa cooperação: a crise do petróleo, a crise econômica internacional, a consolidação da indústria nacional, o excedente da produção, a condição de potência regional, a busca por participação no cenário multipolar, o interesse comercial das elites. A política externa é o campo que representa os interesses e objetivos do Estado no plano internacional. A acepção e a execução são atributos do próprio Estado. Dessa forma, mesmo que empresários, parlamentares e acadêmicos possam colaborar ou pressionar sua formulação e execução, o Estado, tradicionalmente, é o ator legítimo de representação da nação e dos indivíduos380. A partir de 1964, o Brasil manteve alguns descompassos entre a política interna e a política externa, pois não há união automática e linear entre ambas. Esse ponto de partida permite explicar como um regime anticomunista possuiu ligações comerciais com países comunistas, reconhecendo a independência de regimes marxistas381. Na cooperação Sul-Sul dos anos 1970, desatou-se um espaço privilegiado da política externa do Brasil para a África. Como marcha dessa política – visitas, missões, estudos, mostras culturais e artísticas, assinaturas de acordos de cooperação e fortalecimento das relações comerciais compuseram o itinerário brasileiro. No primeiro governo militar, apesar de Castello Branco ter adotado uma orientação pró-EUA/Europa, a África não ficou ausente. Os estrategistas se inspiraram na tese das “quatro janelas para o mundo”, de Golbery do Couto e Silva. O general acreditava na existência de quatro veredas para o Brasil: o relacionamento luso-brasileiro e latino, a defesa do catolicismo e o auxílio do país na proteção do Ocidente contra o comunismo382. Para Golbery, Portugal e suas colônias ocupavam uma posição louvável. Madeira, Açores e Cabo Verde representavam polos de segurança no Atlântico Norte; Angola e Moçambique, no Sul da África, formavam uma espécie de “equador lusitano”; Guiné-Bissau era o equivalente a Dacar; Goa, Damão e Diu, Macau e Timor, representavam posições dianteiras numa região “turbulenta e hostil383”. A África foi apresentada como uma região do globo vulnerável aos interesses comunistas. Sob o filtro geopolítico da ESG, a África foi vista como aliada na segurança coletiva do Atlântico. Nem por isso, os diplomatas possuíam um perfil ideologizado. Otávio Berenguer, Rangel de Castro e Wladimir Murtinho 380  381  382  383 

ALTEMANI DE OLIVEIRA, Henrique. Política Externa Brasileira. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, p. 3. Esses foram os casos de Guiné-Bissau, Moçambique e Angola. SARAIVA, 1996, p. 116-117. DO COUTO E SILVA, Golbery. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1967, p. 201. 123

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são exemplos de diplomatas mais pragmáticos, mas minoritários. Nessa altura, foi o setor ocidentalista e defensor da tese de Interdependência que angariou maior influência384. Durante a passagem de Castello, dois presidentes africanos visitaram o Brasil – Leopold Senghor, do Senegal (19 a 25 de setembro de 1964), e Maurice Yaméogo, da República do Alto Volta (novembro de 1965), atual Burkina Fasso. Senghor trouxe em sua visita o propósito de interrogar a posição de apoio do Brasil ao colonialismo, solicitando a intermediação do país nas negociações385. Antes de vir ao país, Senghor pediu a Vinicius de Morais que intermediasse a sua visita386. Em encontro com Senghor, Castello empregou uma retórica anticolonialista, afiançando seu apoio à autodeterminação dos povos. Castello Branco entendia que os países europeus e os EUA eram “amigos tradicionais” do Brasil, mas reconhecia a importância de aproximar o país da Europa Oriental, da Ásia e da África. Seu intuito buscava novos mercados para o comércio brasileiro e estabelecimento de boas relações políticas com outras nações, baseadas na “confiança e respeito mútuo”.387 Castello assegurou que a África não tinha sido esquecida, propagandeando a realização de uma missão feita em 1966 que avaliou as possibilidades de intercâmbio com a África Austral. A referida Missão visitou a África do Sul, Moçambique, Angola, Gana e a Costa do Marfim388. Um ano antes, outra missão, então chefiada por Mário Borges da Fonseca389, havia sido enviada para a África Atlântica. A missão passou por Senegal, Gana, Libéria, Nigéria, Camarões e Costa do Marfim390. A missão de 1965 foi coordenada pelo Itamaraty e contou com a participação de associações de empresas privadas, como a Confederação Nacional das Indústrias, a Federação das Indústrias de São Paulo, a Associação Nacional da Indústria, a Confederação Nacional do Comércio e a Confederação Rural, com representantes da Petrobrás, do Ministério da Indústria e do Comércio, a Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do Brasil, a Comissão Executiva da Borracha, o Instituto do Açúcar e do Álcool e o Instituto do Mate. SARAIVA, 1996, p. 110. DÁVILA, 2001, p. 145. 386  Folha de S. Paulo, 10 de setembro de 1964, p. 7. 387  Mensagem ao Congresso Nacional, 27 de maio de 1965, p. 99 (Biblioteca da Presidência da República). 388  Mensagem ao Congresso Nacional, 1 de março de 1967, p. 144 (Biblioteca da Presidência da República). 389  Vice-secretário para Assuntos Econômicos do Itamaraty. 390  As duas missões proporcionaram a venda de roupas, arroz, sapatos, óleos vegetais, enlatados, alcançando a cifra de mais de 2,5 milhões de dólares (SARAIVA, 1996, p. 116; CERVO, 2012, p. 407). 384  385 

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Depois de Castello, Costa e Silva, em discurso sobre a Diplomacia da Prosperidade, comprometeu-se em apoiar a ONU na busca da paz e da segurança, na liquidação do colonialismo e na conquista do desenvolvimento social e econômico. Entretanto, não houve definição de uma política para as colônias portuguesas391. Em entrevista concedida a uma rádio de Los Angeles, em 1967, indagado sobre o envolvimento do Brasil na questão ultramarina portuguesa, Costa e Silva respondeu que durante seu encontro com Salazar, sequer esse tema foi levantado. Costa e Silva afirmou: “Esse tão falado apoio que êle precisa do mundo todo para a sua política, se êle tivesse tão grande interesse, êle teria provocado a manifestação do futuro Presidente do Brasil. Pois não tocou nesse assunto”. Costa e Silva desmentiu que fez declarações em prol do colonialismo luso. Para ele, Portugal tinha o direito de continuar colonizando, mas que o Brasil não possuía esse espírito e não concordava com esse perfil, tanto é que tinha se tornado independente392. Porém, foi veiculada uma declaração de Costa e Silva no jornal francês Combat, este teria dito que a subversão no ultramar recebia influência da China e da URSS, e que o Brasil arcava com fato análogo393. Costa e Silva assumiu o compromisso de direcionar a diplomacia “em torno de motivações econômicas, de maneira a assegurar a colaboração externa” para o desenvolvimento nacional. Em relação à África, o Brasil promoveria saídas para os dilemas do comércio e desenvolvimento. Uma dessas soluções buscava impulsionar as relações bilaterais394. A retórica em prol da descolonização política e econômica foi utilizada pelo Governo, avaliando que a descolonização traria oportunidades de livre cooperação e comércio entre as nações “subdesenvolvidas”395. Para empreender tal caminho, o governo criou uma divisão especial, a Secretaria Geral Adjunta para a África e Oriente Médio, promovendo a abertura de missões na África396. O uso de navios da Lloyd397, em parceria com as empresas privadas, foi uma maneira de levar o Brasil pelos mares. Em busca de fretes e abertura de novos mercados, algumas linhas internacionais foram PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Processo 336,3, PEA 67, Lisboa, 26 de abril de 1967. Ministério dos Negócios Estrangeiros, Embaixada de Portugal. Processo 4, 12/67, n.º 629, Relações Luso-brasileiras, Rio de Janeiro, 31 de março de 1967. 393  Jornal do Comércio, 25 de janeiro de 1966. 394  A Diplomacia da Prosperidade. Discurso proferido no Palácio do Itamaraty, Brasília, 5 de abril de 1967, p. 195, 198 (Biblioteca da Presidência da República). 395  Contraditoriamente o Brasil votou com Portugal e África do Sul, contra as resoluções da ONU que condenavam o colonialismo (SARAIVA, 1996, p. 129). 396  Mensagem ao Congresso Nacional, 1 de março de 1968, p. 137 (Biblioteca da Presidência da República). 397  Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro. 391  392 

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abertas na costa africana398. Costa e Silva ajudou a fortalecer as bases do nacional-desenvolvimentismo ao outorgar à diplomacia e ao Estado o papel de impulsionador do crescimento e da expansão. A defesa da ampliação dos mercados externos, da conquista de preços bons e estáveis para os produtos brasileiros, da atração de ajuda técnica e de capitais399, compuseram passos dados em seu governo. Com Médici e Gibson Barboza, as relações entre o Brasil e a África se aprofundaram. Houve incremento nas negociações comerciais, nos intercâmbios e na cooperação em geral. É preciso compreender que esse foi um processo gradual. Gibson Barboza fez críticas às relações internacionais entre as nações, considerando que o subdesenvolvimento não se tratava de um problema disjunto ou acidente histórico. Que o paternalismo das nações ricas sobre as pobres prejudicava o desenvolvimento e que o crescimento nacional estava em pauta400. Os interesses do Brasil na África foram divididos em duas regiões. Com a África do Norte, pretendia-se tornar o intercâmbio “mais ativo e diversificado”, mantendo-se distante das disputas e diferenças entre as nações dessa região. Com a África Subsaariana, coube destaque aos países da África Ocidental. O Brasil reforçou, junto aos países dessa região, a importância de ampliar mercados e de proteger conjuntamente os produtos primários de exportação401. A escalada do nacionalismo autárquico do Brasil encontrou na África uma ampla e necessária possibilidade de atravessar a crise de 1970, na tentativa de manter o “Milagre”. Nesse ínterim, Portugal mudou o discurso que impedia o acesso do Brasil ao mercado africano de suas colônias, passando a incentivar esse contato. Portugal pretendia associar seu colonialismo ao êxito do Milagre Econômico402. O ponto culminante ocorreu com a visita de Gibson Barboza, em julho de 1972, a Togo, Senegal, Costa do Marfim, Gana, Daomé, Nigéria, Camarões, Gabão e Zaire. A viagem foi realizada por empresários e representantes do Governo, coordenada pela Confederação Nacional da Indústria. O périplo trouxe acordos de cooperação econômica, comercial, cultural e técnica, ampliando as trocas comerciais. Gibson Barboza chegou a afirmar ao Ministro Sawadogo, da Costa do Marfim, que 1972 Mensagem ao Congresso Nacional, 22 de outubro de 1969, p. 40 (Biblioteca da Presidência da República). A Diplomacia da Prosperidade. Discurso proferido no Palácio do Itamaraty, Brasília, 5 de abril de 1967, p. 196, 198 (Biblioteca da Presidência da República). 400  SARAIVA, 1996, p. 132. 401  Mensagem ao Congresso Nacional, 31 de março de 1972, p. 84 (Biblioteca da Presidência da República). 402  DÁVILA, 2011, p. 179. 398  399 

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entraria para a história como o ano da África para o Brasil403. O discurso culturalista foi mais uma vez evocado, dessa vez, por Gibson Barboza. Ao se referir à presença do Brasil na África Atlântica, o ministro disse que sua visita pretendia “lançar as bases de formas mais positivas de relacionamento com povos de que estamos tão próximos, pelo espírito e pelas afinidades de sentimento e cultura”.404 Na África, o Brasil buscou projetar “a imagem de um poder tropical e industrial”, oferecendo produtos e serviços de média e baixa tecnologia405. A necessidade de exportar produtos e serviços, e de importar petróleo, foram impulsionadores. Os estrategistas brasileiros reconheceram que a distância entre a costa nordestina e a costa africana possuía apenas 1.600 milhas, isso serviu de estímulo. A partir de 1970, empresas brasileiras de construção civil passaram a atuar na África. Norberto Odebrecht (construção de estradas, hidroelétrica e hotéis em Angola), Andrade Gutierrez (built-operate-transfer – construção e gerenciamento de minas de ouro no Zaire e estradas em Camarões) e a Mendes Júnior (Estradas na Nigéria e Mauritânia, Aeroporto da Mauritânia e a Estrada Transmauritana)406. Depois de 1974, Azeredo da Silveira e Geisel aclararam as posições do Brasil em relação ao colonialismo. Na Assembleia Geral das Nações Unidas, do ano de 1975, o Brasil votou pela condenação do Apartheid na África do Sul. Havia motivos para esses rearranjos. No dia 24 de novembro de 1973, 17 países da África negra (exportadores de petróleo) sancionaram o Brasil, promovendo embargo do óleo. O bloqueio foi uma resposta às históricas posições do Brasil diante da África Austral. A própria crise do petróleo encareceu as importações brasileiras, causando recessão nos países industrializados, diminuindo os investimentos externos e as importações de produtos nacionais. O Brasil ainda buscou ampliar os fornecedores de produtos primários e matérias primas, aumentar os mercados consumidores, transferir tecnologia, a África foi o cenário ideal. O Brasil aprofundou a internacionalização de sua economia, incorporando capital externo em diversos ramos. A vinda de empresas estrangeiras para a indústria pretendia auxiliar na substituição das importações, porém, tomou outro rumo. Essa tendência fez com que a indústria nacional se transformasse Correio da Manhã, 29 de fevereiro de 1972. Correio da Manhã, 18 de abril de 1972, p. 3. 405  SARAIVA, 1996. 406  Outras empresas que atuaram na África: Rabello, Ecel, Transcon, Geotécnica, Reflorenda, Consulbrás, Ecisa, Braspetro, Themag, CPRM, Cicol, Iesa e Paranapanema (SARAIVA, 1996, p. 155). 403  404 

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numa plataforma de exportação das transnacionais. Na década de 1970, houve um processo de estatização da dívida externa, representado pelo aumento do valor de empréstimos realizados pelo setor público junto ao capital privado. Para permanecer de pé, essa estrutura se tornou dependente de recursos externos, sintetizando o ciclo da internacionalização do capital no Brasil407. Nesse rumo, Geisel promoveu uma estrutura comercial própria na África, estabelecendo trading companies (Interbrás, Cobec e Cotia), formando novas redes de comércio. Em 1976, a Interbrás (Petrobrás Comércio Internacional S.A.) atuou como subsidiária da Petrobrás, produtos da marca Tama foram comercializados. Empresas privadas e estatais passaram a intervir na África, como a estatal Cobec (Nigéria), o Banco do Brasil instalou agências na Nigéria, Costa do Marfim, Senegal, Gabão e Angola408. Para a Nigéria, o Brasil exportou chuveiros, ônibus, veículos da Volkswagen, carnes. O jogador de futebol Pelé chegou a fazer propaganda da Pepsi-Cola e da Tama, divulgando os produtos feitos no Brasil como os mais indicados para o mundo tropical409. Como resultado, o saldo das exportações brasileiras para a África viveu um salto: de US$ 60 milhões de dólares exportados em 1970, em 1975 passaram a ser 670 milhões. Penso que as relações com a África foram balizadas pelas motivações econômicas e comerciais, já que os governos brasileiros procuraram manter distanciamento dos assuntos políticos. Politicamente, o maior mérito do Brasil, no governo Geisel, foi estabelecer relações diplomáticas com as ex-colônias portuguesas (Angola, Guiné-Bissau, Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe). Vale frisar que apesar do empenho brasileiro, nenhuma visita presidencial tinha sido realizada à África até 1983, data que João Batista Figueiredo passou por alguns países africanos. O capitalismo Made In Brazil e o comércio africano Em boa parte das relações internacionais no eixo Norte-Sul, os assuntos predominantes giram em torno do comércio, das finanças (dívida externa, empréstimos), da reforma do sistema monetário global, do papel das multinacionais, da transferência de tecnologia, da troca de fontes de informação410. 407  408  409  410 

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OLIVEIRA, 1984 apud MACIEL, 2014, p. 68-69. SARAIVA, 1996, p. 147. DÁVILA, 2011. OGWU, 1982, p. 7.

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O modelo econômico adotado pelo Brasil na década de 1970 impulsionou o interesse brasileiro de ingressar na rota Sul-Sul. Tal modelo trouxe basicamente duas consequências. Primeira: maior valorização e diversificação do comércio exterior, o país precisava adquirir bens de produção e petróleo. Segunda: com o crescimento econômico do país, pôde se estabelecer um mercado de exportação noutras regiões. A África entrou nesses dois imperativos: se tornou um potencial mercado para o fornecimento desses itens e passou a ser um comprador dos produtos brasileiros. Abriram-se novas embaixadas na África, ampliaram-se as missões, as visitas, as assinaturas de acordos bilaterais de cooperação técnica e comercial. Multiplicaram-se os canais de comércio e os investimentos em projetos de desenvolvimento411. Independente do volume dessas trocas, a África foi uma aposta comercial do governo brasileiro. Para expandir as exportações brasileiras houve o empenho de agentes empresariais que buscaram pautar e direcionar a política externa. Diversas multinacionais brasileiras se fortaleceram e conformaram verdadeiros monopólios. Esses grupos possuíam origem estatal (Petrobrás, Companhia Vale do Rio Doce, Embraer etc.) e privada (Mendes Júnior, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa etc.), agregando também empresas do ramo industrial e bancário412. Como exemplo disso, no dia 20 de agosto de 1970, alguns empresários criaram a Associação de Exportadores do Brasil (AEB), associação privada que representava as empresas exportadoras de mercadorias e serviços. A AEB atuou junto aos órgãos públicos e privados buscando ampliar a presença brasileira no comércio exterior413. Na África, prevaleceram as exportações de itens manufaturados, mas o Brasil ampliou a venda de serviços, de tecnologia, de bens de capital direcionados à construção de obras de engenharia (represas hidrelétricas, rodovias, ferrovias, saneamento, telecomunicações, agropecuárias)414. O eixo escolhido pelo Brasil foi o mercado comprador de produtos e de serviços de média e baixa tecnologia, aptos à realidade geográfica e econômica africana415. Apesar das exportações de produtos manufaturados predominarem as transações comerciais, as empresas de construção pesada (empreiteiras) transnacionalizaram suas operações. Inaugurando seus primeiros contratos LECHINI, 2008, p. 60. CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Empresários, ditadura e política externa brasileira. Revista Continentes (UFRRJ), Rio de Janeiro, ano 3, n. 4, p. 112-137,2014b, p. 133. 413  Ver: http://www.aeb.org.br/caderno.asp?id=2. 414  LECHINI, 2008, p. 61. 415  SARAIVA, 1996, p. 134. 411  412 

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no exterior, no ano de 1969, essas firmas conformaram grandes conglomerados. Esses empresários e suas organizações consolidaram seus poderes, influenciando nas decisões das agências estatais416. Por sua vez, o Estado deu proteção e proporcionou incentivos com isenções, empréstimos e auxílio da diplomacia. Entre 1964 e 1967, apesar da retração desse setor, houve uma estabilização das atividades, garantindo a centralização de capitais (fusões de empresas, incorporações e aquisições). De 1968 a 1977, a demanda cresceu, e essas empresas de engenharia viveram um período favorável: compraram máquinas, equipamentos, tratores, instalações, houve contratação de engenheiros, especialistas e operários417. Entre 1969 e 1975, período que as empresas brasileiras de engenharia lançaram seus negócios para o exterior, foi um momento de busca e de verificação do mercado externo, contabilizando alguns contratos. No Brasil se vivia o ápice da construção de obras públicas, mesmo assim, as empreiteiras nacionais já vislumbravam a ampliação do mercado externo. As independências alcançadas pelos países africanos, a distribuição de linhas de crédito pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), na África, e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na América Latina, além das linhas de financiamento ofertadas pela Cacex-BB, suscitaram o empenho dessas empresas. A experiência técnica adquirida proporcionou uma elevada capacidade financeira para que elas pudessem levar seus negócios para o exterior. Passaram a ter porte de grandes empresas, o que facilitou a capacidade de executar obras fora do país418. Com o auxílio do Estado, penetraram em áreas geográficas de interesse do Brasil. Em países da África, foram oferecidos manufaturados, capitais, tecnologia; e firmados acordos verticais de cooperação, garantindo uma rota própria no circuito comercial internacional419. Apesar de Geisel ter privilegiado a exportação de manufaturados e de serviços, foi no seu Governo que houve uma política econômica que beneficiou a presença das empresas de engenharia no exterior420. CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. A Ditadura dos Empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, 1964-1985. 2012. 584 f. Tese (Doutorado em História) – Curso de Doutorado em História Social, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012. 417  CAMPOS, 2012. 418  CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. O processo de transnacionalização das empreiteiras brasileiras, 1969-2010: uma abordagem quantitativa. Tensões Mundiais. Fortaleza, v. 10, n. 1819, p. 103-123, 2014a, p. 120. 419  CAMPOS, 2014a, p. 121. 420  CAMPOS, 2014a, p. 114. 416 

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Preocupado com a autonomia do Brasil, o governo português ativou mecanismos para seduzir a diplomacia brasileira, buscando interromper o curso autônomo definido por Gibson Barboza para chegar ao mercado africano. Portugal ofereceu a Delfim Netto a isenção de impostos para o mercado brasileiro em Angola e Moçambique e apresentou a oferta dos campos de petróleo de Angola a Petrobrás. O Itamaraty preferiu não aceitar esses benefícios, preocupando-se com o risco de se envolver militarmente na guerra colonial421. Quando Angola completou quatro anos de sua independência, a Petrobrás ingressou no país, e em 1984, a Odebrecht começou a construção da hidrelétrica de Capanda (província de Malange) em consórcio firmado com a Technopromexport (Rússia). A hidrelétrica de Capanda foi o primeiro projeto da Odebrecht na África422. Com as bases fortificadas, as empresas brasileiras ingressaram definitivamente no cenário africano423. Como o Governo português estava procurando ofertar possibilidades comerciais em suas colônias, em 1965, António Mariano de Carvalho, presidente da Associação Comercial de Luanda, veio ao Brasil para retribuir a visita que representantes de associações empresariais brasileiras tinham feito a Angola em 1962. Mariano de Carvalho demonstrou o interesse angolano no setor de implementos, nos materiais agrícolas pesados, no ramo dos aparelhos eletrodomésticos e na produção da indústria automobilística brasileira, para ele, naquele então: Qualquer daqueles setores [...] encontraria um mercado fabuloso em Angola, sobretudo pela sua ampla aceitação. Trata-se de uma possibilidade que, acredito, interessará ao Brasil. De nossa parte, possuímos diversos produtos que também devem merecer a aceitação dêste país424.

Mariano de Carvalho procurou acalmar os ânimos sobre a realidade angolana, sustentando que a colônia havia se modificado, vivendo um clima livre do “terrorismo”. Em compensação, a construção civil havia ganhado fôlego, o escudo angolano valorizou-se e Angola apresentava crescente desenvolvimento. Apesar da igualdade geográfica entre Brasil e Angola, DÁVILA, 2011, p. 184, 185. Ver: http://odebrecht.com/. 423  Entre 1969 e 2010, foram assinados 23 contratos em Angola e 5 em Moçambique. As empresas de engenharia executaram obras rodoviárias, barragens e hidrelétricas, empreendimentos já experimentados no mercado brasileiro, que compuseram os meios de transportes e de energia típicos do Brasil (CAMPOS, 2014a, p. 118). Até 1984, 150 empresas brasileiras de engenharia assinaram 444 contratos no exterior, em mais de 50 países (CAMPOS, 2012). 424  O Globo, 18 de junho de 1965, p. 14. 421  422 

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o que poderia dificultar as trocas no setor agrícola e de minérios, o pool comercial estaria no recebimento e na negociação dos produtos em comum, no Brasil e em Angola425. Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros, em 1972, em passagem pelo Brasil, afirmou garantir a concessão de direitos de exploração de petróleo em Angola. O ministro chegou a interromper o encaminhamento das concessões, no aguardo de uma resposta da Petrobrás426. Vale salientar que o primeiro carregamento de petróleo bruto extraído em Angola, e enviado para Portugal, ocorreu em 1968, foram 16.500 toneladas extraídas pela companhia Angol, destinadas à refinaria Sacor, de Lisboa427. Por meio das conversações entre o Consulado do Brasil em Luanda e diretores da Brasafro, Corrêa do Lago garantiu que Franco Nogueira pretendia abrir os portos francos de Luanda, Lourenço Marques e Macau ao Brasil, fortalecendo essas possibilidades comerciais428. O deputado Flávio Marcílio429 (Arena), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e do Grupo Brasileiro da União Interparlamentar, afirmou que Angola e Moçambique revestiam-se como as portas de entrada do Brasil na África. Segundo o parlamentar, Angola e Moçambique reuniam “potencialidade como mercado consumidor irradiador de consumo”, mas que era necessário burlar o jogo das nações comunistas que exportavam o terrorismo para essas “províncias”430. Do seu retorno de Angola e Moçambique em 1972, Nestor Jost, presidente do Banco do Brasil, declarou que o Brasil estabeleceria como prioridade o relacionamento comercial com Portugal e suas colônias. Segundo ele, por meio do Banco do Brasil seria possível promover financiamento a “prazos universais”, estabelecendo também linhas de créditos às colônias, com o intuito de garantir a realização de importações431. Diversas empresas brasileiras manifestaram o interesse de se instalarem nas colônias portuguesas, encaminhando ofícios e agendando reuniões com representantes da diplomacia brasileira. Para essas empresas, O Globo, 18 de junho de 1965, p. 14. O Globo, 11 de setembro de 1972, p. 8. 427  DEOc/DAf/DPB/844.42(88) (88m). Petróleo de Angola para Lisboa. Da Embaixada em Lisboa, 22 de outubro de 1968. 428  DAf/DEOc/DPC/DIPROC. Comércio Brasil-Angola. Pôrto Franco, Confidencial, 19 de abril de 1964. 429  Também foi presidente da Câmara dos Deputados em 1973-1975, 1979-1981, 1983-1985. 430  O Globo, 6 de março de 1972, p. 14. 431  O Globo, 22 de janeiro de 1972, p. 10. 425  426 

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a comercialização de produtos com Angola e Moçambique estreitaria o comércio luso-brasileiro. As empresas interpelavam o Itamaraty para realizarem levantamentos de ordem técnica. Algumas delas se colocavam prontas para expandir seus negócios por lá, divulgando sempre suas ofertas e possibilidades de exportações. Depois de enviadas as ofertas e os pedidos de esclarecimentos à Secretaria de Estado das Relações Exteriores, o Itamaraty repassava aos Consulados em Luanda e em Lourenço Marques para avaliação e tomada de providências. A Bundy Tubing S.A Indústria e Comércio, por exemplo, questionou junto à Secretaria de Estado das Relações Exteriores se em Luanda existiam oficinas de montagem, de fabricação de automóveis e geladeiras, de peças/ acessórios432. A firma Dactilo Ltda manifestou interesse em exportar artigos de escritório para Luanda433. Empresas encaminharam ofícios ao Itamaraty informando o tipo de produto que possuíam e podiam exportar, como foi o caso da Associação dos Criadores de Guzerá do Brasil, sediada no Rio de Janeiro. A Associação informou que possuía 1000 cabeças de gados reprodutores puros a serem exportados, que podiam produzir carne e leite434. A White Martins S.A. remeteu seu folder ilustrado que reunia informações sobre seus produtos a serem exportados, apresentando a relação de preços, em dólares, das mercadorias expostas435. A conformação de consórcios luso-brasileiros foi outra tentativa de estreitar os laços entre empresários brasileiros e portugueses, como por exemplo a Profabril/Montor e Asplan/Coba. Esses consórcios disputaram um plano diretor de Angola436. Igualmente, a Lasa, integrante do grupo Cruzeiro do Sul, também entrou na disputa. A concorrência promovida pelos planos diretores fez com que empresas brasileiras se lançassem nessa disputa em Angola e Moçambique. Nesse vai e vem, um caso é curioso. Na década de 1970, suspeitava-se do favorecimento português às empresas brasileiras, uma forma de barganhar DAf/DIPROC/665.15(88m) 665.96(88m). Ao Consulado em Luanda. Montagem ou fabricação de automóveis e geladeiras em Angola. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 19 de outubro de 1965. 433  DAf/DIPROC/DPC/16 811(42) (88m) /801.22. Ao Consulado em Luanda. Comércio entre Brasil e Angola. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 31 de agosto de 1965. 434  DIPROC/11/5/801.1 843.1(88m) (42). Para o Consulado em Luanda. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 13 de abril de 1966. 435  DIPROC/Df/801.1(88m). Ao Consulado em Luanda. Promoção Comercial White Martins S.A. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 8 de novembro de 1967. 436  APr/DEOc/614. (88q). Ao Consulado em Luanda. Concorrência para Plano Diretor da cidade de Luanda. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Confidencial-Urgente, 6 de fevereiro de 1970. 432 

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as relações Brasil/Portugal. Em 1972, a S.A. Paulista de Construções e Comércio venceu uma concorrência pública internacional, em Moçambique, para construir uma estrada de mil quilômetros, parte do projeto rodoviário de consolidar 10 mil quilômetros até 1980. Porém, empresas concorrentes pressionaram a anulação da decisão, acusando de favorecimento político e de desconsideração dos critérios técnicos. O Itamaraty exigiu que o Consulado do Brasil interferisse em defesa dos interesses brasileiros, garantindo a idoneidade da empresa437. Por cima, esse exemplo ilustra a responsabilidade assumida pelo Estado brasileiro de advogar em nome do capitalismo nacional, promovendo as transações, os contatos e realizando as soluções para os impasses438. Algumas transações circulavam plenamente, como foi o caso da venda de transmissores e receptores para Angola, produzidos pelas empresas brasileiras A.J. Eletrônica Ltda e Produtos Elétricos Brasileiros S.A, sediadas em São Paulo e Rio de Janeiro respectivamente. A fábrica de cervejas Reunidas, presente em Lourenço Marques e Luanda, pretendeu estabelecer entendimentos com a Cervejaria Caracu, do Brasil, para assumir o controle acionário dessa organização439. E também houve disputa empresarial nos mercados coloniais. Em 1969, Frank Gevert, diretor da Tecnostral S.A, Indústria e Tecnologia, fábrica de máquinas eletrônicas para seleção de café, caju e grãos, comunicou o Itamaraty que uma concorrente de sua firma estava espalhando boatos sobre sua empresa em Angola e Moçambique. A informação dizia que a Tecnostral tinha sido comprada e não tinha mais condição de suprir o mercado africano. Gevert desmentiu, garantindo que sua representante, a Godinhos Ltda, continuava presente em Luanda prestando toda assistência necessária e que a empresa não havia sido vendida ou fechada440. Além das missões oficiais promovidas pelo Estado, ocorreram viagens empresariais para Angola e Moçambique. Tanto as missões oficiais DPr/DECc/DAf. Ao Consulado Geral em Lourenço Marques. Concorrência pública internacional. Construção de estradas. Adjudicação a empresa brasileira. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Confidencial-Urgente, 28 de julho de 1972. 438  A diplomacia brasileira auxiliou nas missões, visitas, na promoção das empresas, na defesa das empresas. O Itamaraty adotava alguns critérios para sustentar a promoção ou a defesa de algumas empresas, como as referências cadastrais, a pontualidade, a idoneidade, o volume de capital. 830.(846) (A20). Consulado Geral do Brasil em Lourenço Marques. Intercâmbio comercial Brasil-Moçambique, Confidencial, 10 de abril de 1974. 439  DAf/DIPROC/DPC/17/811(88m) (42). Ao Consulado em Luanda. Intercâmbio Comercial Brasil-Angola. Retransmissores e Receptores. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 20 de setembro de 1965. 440  DFR/801.22 801.1(88m). Ao Consulado em Luanda. Esclarecimentos da empresa Tecnostral S.A. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 21 de maio de 1969. 437 

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quanto as privadas pretenderam realizar levantamentos para a promoção dos produtos brasileiros. Para ajudar principalmente a indústria manufatureira, o Governo brasileiro criou facilidades, retirando impostos, dando incentivos de crédito, fomentando o aumento da produção para dar conta da demanda internacional. Mario Camara, representando a Companhia Soutex de Roupas, fabricante dos produtos Demillus, fez uma viagem de negócios a Luanda. Adolho Justo Bezerra de Menezes, Secretário Geral Adjunto para Promoção Comercial, pediu o apoio e a colaboração de Joayrton Martins Caju, cônsul do Brasil em Luanda, para fazer com que a viagem de Camara fosse proveitosa441. João Rizzo, da Laza-Engenharia e Prospecções, visitou o norte de Moçambique para participar de um concurso aberto pelos Serviços de Geologia e Minas para realizar levantamento geofísico e geológico. A empresa brasileira tinha intenções de abrir uma filial se fosse conveniente e lucrativo, para assim realizar extração em jazidas minerais442. Em entrevista ao jornal angolano O Comércio, Victoriano de Melo, diretor do Bureau Brasileiro de Exportação, organização privada que assessorava 12 indústrias de São Paulo, comentou os objetivos de sua missão em Angola. Em sua opinião, produtos como eletrodomésticos, vestuário, ferragens e equipamentos para a construção civil se destacavam no comércio exterior brasileiro. De Angola, Victoriano de Melo constatou que o Brasil podia importar cimento e principalmente petróleo443. Sob a faixa do mercado ultramarino, o Governo estabeleceu um Grupo de Trabalho para investigar o intercâmbio comercial luso-brasileiro, buscando reunir o maior número de informações e dados. Por exemplo: a relação das importações, com a discriminação de produto e procedência; a relação das exportações, discriminadas por produto e destino; a evolução da renda interna e sua repartição; o controle das importações; as principais organizações importadoras nas principais cidades e os setores com os quais esses grupos trabalhavam; quais eram as indústrias de maior expressão; quais setores de produção que tinham apoio e incentivo do governo português; o envio de anuários do comércio exterior; Esses itens fizeram parte APR/801.1(88m). Ao Consulado em Luanda. Promoção comercial. Viagem de negócios. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 7 de outubro de 1968. 442  Diário, 12 de agosto de 1969. 443  O Comércio, 4 de dezembro de 1970. 441 

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dos exames procedidos pela diplomacia brasileira a respeito do comércio com Angola e Moçambique444, um levantamento que buscava melhorar o intercâmbio do Brasil com as colônias portuguesas. Porém, apesar do entusiasmo, o balanço feito sobre as transações entre Brasil e as colônias portuguesas, durante a década de 1960, continuava negativo. Em 1968, em Moçambique, o Brasil ocupava apenas 0,1% do mercado. Entre os compradores de produtos moçambicanos, o Brasil figurava nas estatísticas com uma tonelada apenas. Os produtos brasileiros exportados reuniam máquinas, aparelhos e material elétrico; matérias têxteis e obras, material de transporte. Quanto às importações, sobressaíram produtos de origem vegetal, como castanha de caju, chá e copra (polpa seca do coco), materiais têxteis, produtos minerais e alimentícios445. Durante a década de 1970, esse cenário melhorou, a venda de produtos fabricados no Brasil cresceu em média 47,6% ao ano. Para acompanhar essa demanda, o governo brasileiro adotou algumas medidas, como o “[…] fornecimento de uma tecnologia não sofisticada e adaptada às condições locais, firme apoio [...] à descolonização, campanha contra o apartheid, reconhecimento de afinidades étnicas e culturais”.446 O Brasil encontrou na África uma oportunidade para se desenvolver e suprir suas deficiências econômicas internas. Ao consolidar a industrialização, alcançou autonomia relativa, isso explica o interesse brasileiro pela expansão de suas exportações. A presença cultural brasileira em Angola e Moçambique Para expandir seus interesses, transparecer uma imagem positiva, exportar os produtos feitos no Brasil, a cultura foi um importante veículo. Por sua história, o Brasil possuía elementos de sobra para lançar-se à África: tinha laços culturais, étnicos e históricos, havia rompido os grilhões impostos por Portugal, sem envolvimento em conflitos armados internacionais, inaugurava os debates da Assembleia Geral da ONU e dominava bem o discurso culturalista. O próprio discurso que embalou a venda dos produtos DEOc/890. (42)(88) 811. (42)(88). Ao Consulado Geral em Lourenço Marques. Intercâmbio luso-brasileiro. Mercado ultramarino. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Confidencial-Urgente, 5 de julho de 1965. DAF/DIPROC/811(42) (88m)88. Ao Consulado em Luanda. Intercâmbio comercial entre Brasil e Angola. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Confidencial, 29 de julho de 1966. 445  APR/DEOc/DAf/830.0(00) (88q) 830.0(88q) (00). Da Embaixada em Lisboa. Comércio Exterior de Moçambique, 26 de setembro de 1968. 446  MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 310. 444 

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brasileiros para a África, justificando a boa acomodação de itens indicados para países tropicais foi um trunfo. Algum país no mundo possuía melhor garoto propaganda para vender seus produtos na África? Pelé, negro, o rei do futebol, esporte idolatrado no mundo inteiro, foi uma das cartadas do capitalismo brasileiro. Mas nem só de vendas e de missões comerciais viveram as relações Brasil/África. Especialmente com Angola e Moçambique, ocorreram exposições de gravuras, desenhos, livros, apresentações musicais, remessa de discos, palestras, comemoração de datas importantes do calendário brasileiro etc. O Estado procurou financiar essas atividades culturais, as verbas não eram vultosas nem ocorreram constantes e grandiosas movimentações culturais, pois essa não foi uma preocupação central. Essas finanças eram investidas na organização e realização de eventos culturais ou repassadas aos Consulados447. Doações de discos de música, de pinturas e de poesias brasileiras arranjavam parte das ações empreendidas pelos Consulados448. As colônias portuguesas também ensejaram iniciativas semelhantes. Em 1965, o Círculo de Cultura Musical de Moçambique patrocinou um concerto musical com o pianista Nelson Freire, um dos músicos brasileiros mais aclamados do período449. Outra atividade que compôs esse itinerário cultural foi a comemoração da Independência do Brasil. Considerando a situação delicada das colônias, desde 1964, o Brasil realizou festividades em Angola e Moçambique, com o intuito de contribuir com o abrandamento da situação política. No dia 7 de setembro, em 1964, o Consulado brasileiro em Luanda estabeleceu um cronograma de atividades em Angola: uma missa com o Arcebispo de Luanda, uma atividade desportiva para disputar a “Taça Amizade com o Brasil” e um banquete oficial com 200 convidados, no Club Naval de Luanda. Na ocasião do banquete, o músico e compositor Izio Gross, com 20 músicos brasileiros, se comprometeu em executar a Rapsódia Luso-Brasileira450. Em Moçambique, no ano de 1969, o Consulado brasileiro em Lourenço Marques DDC/DO/542.6(88m). Ao Consulado em Luanda. Autorização de saque. Despesas com atividades culturais em 1966. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 17 de fevereiro de 1966. Nesse documento, o Consulado foi autorizado a sacar US$500,00 (quinhentos dólares). 448  DEC/DAf/540.36(88m). Ao Consulado em Luanda. Remessa de Discos. Secretaria de Estado das Relações Exteriores, 28 de dezembro de 1967. 449  N139/540.36(88q). Consulado Geral dos Estados Unidos do Brasil. Apresentação do pianista brasileiro, Nelson Freire. Lourenço Marques, 5 de agosto de 1965. 450  CT 95. O dia 7 de setembro de 1964 em Luanda. Do Consulado em Luanda, Confidencial-Urgente, 22 de junho de 1964. 447 

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promoveu diversas atividades. Promoveu uma reunião cívica, fez o hasteamento da Bandeira Nacional e uma palestra sobre o Brasil. Organizou também uma sessão cultural, na Sociedade de Estudos de Moçambique, com exibição do documentário “Brasil – Retrato de um País”, uma reunião no Hotel Cardoso, com o Governador-Geral e o chefe das Forças Armadas de Moçambique, autoridades civis, militares e eclesiásticas451. Esses atos comemorativos possuíam uma contradição: comemorava-se a Independência do Brasil, em colônias portuguesas na África, mas não se questionava o imperativo de Portugal contra a autonomia dessas regiões. Interessante observar que as administrações coloniais participavam das comemorações da Independência brasileira. Difícil apontar com precisão um único propósito para essa exportação cultural. Como o governo brasileiro não assumiu uma postura contundente favorável à independência, pode-se garantir que foi uma forma de apresentar uma imagem positiva do Brasil. Pode-se até conjecturar que, no seio do Itamaraty, existia uma avaliação que reconhecia a possibilidade de o Brasil ocupar um papel protagonista caso Portugal perdesse suas colônias, portanto, essa investida cultural tinha sentido. Sem cometer teleologia, de fato, com o término das guerras, o Brasil se tornou um dos principais parceiros dos países africanos que compartilham a língua portuguesa.

Nº 348/541.7(88q). Comemorações do Dia 7 de Setembro. Consulado do Brasil em Moçambique, 11 de setembro de 1969. 451 

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3. O BRASIL COMO OBSERVADOR DO PROBLEMA COLONIAL PORTUGUÊS Foi por meio das fontes diplomáticas que pude fazer um levantamento da política externa do Brasil. Aqui abordo as análises, caracterizações e deliberações impulsionadas pela embaixada brasileira em Lisboa, pelos consulados em Lourenço Marques (Moçambique) e em Luanda (Angola) e pelo Itamaraty. As chancelarias do Brasil possuíram múltiplas formas de atuação, a diplomacia foi heterogênea e ecoou o perfil de cada governo. A diplomacia e parte da imprensa possuíam uma avaliação negativa dos movimentos nacionalistas: foram considerados terroristas, teleguiados do comunismo internacional, ameaçadores da ordem e da paz. Ao lado da retórica anticolonialista nos fóruns internacionais, essa foi a definição básica da diplomacia brasileira, apenas com o advento das independências que o discurso foi amenizado. Em território nacional, o lobby português engrossou a campanha a favor do Estado Novo e buscou influenciar políticos e empresários, trazendo-os para o campo pró-Salazar e pró-Caetano, além de denunciar as guerrilhas. Na contramão, setores da sociedade civil se posicionaram contra o salazarismo e foram solidários com a luta pela independência na África. A política africana do Brasil na aurora da guerra colonial Penso que o leitor terá um importante panorama ao compreender a política brasileira durante o alvorecer da guerra colonial, por isso, faço uma digressão. Em 1963, uma matéria de capa do jornal Portugal Democrático estampava uma imagem de Jânio Quadros com a seguinte chamada “Salazar tem do mundo uma concepção medieval452!”. Na entrevista, Quadros criticou o salazarismo. Questionado sobre sua passagem por Lisboa, em 1961, Jânio disse que não encontrou Salazar para evitar qualquer tipo de contato com “as autoridades fascistas”. Apontado pelo próprio jornal 452 

Portugal Democrático, abril de 1963. 139

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como o criador da “política africana do Brasil”, Quadros disse que foi “uma consequência lógica de dignidade e independência” para tirar o Brasil da submissão internacional. Quadros garantiu que desde o começo da guerra em Angola, o compromisso brasileiro sustentou a autodeterminação453. Franco Nogueira criticou Jânio Quadros, por conta da propaganda feita de que o Brasil tinha uma postura anticolonialista por natureza. Em seu livro, Nogueira disse o seguinte: Primarismo de ideias, ignorância de pasmar quanto a coisas elementares, vocabulário tosco, conceitos demagógicos e infantis – e tudo isto envolto na inconsistência e na irresponsabilidade. É afirmativo, não tem dúvidas, e mostra a audácia dos ignorantes.454

Em 1963, Assis Chateaubriand chamou de “estúpida” a política africana do Brasil e acusou Quadros de leviandade. Ao tecer suas considerações sobre o valor ultramarino para o Brasil, disse: “aquele mundo nos pertence tanto quanto aos portugueses”.455 Chateaubriand compunha o grupo que valorizava o papel português na manutenção do mundo lusitano tal como estava constituído. De certo que quando começou a guerra colonial, em 1961, o cenário brasileiro abrigava o dissenso, as matrizes da PEI não foram consensuais. De um lado, desde o Itamaraty, os governos de Jânio Quadros e de João Goulart sustentavam o incremento da presença brasileira na África, buscando mediar os temas relacionados à descolonização. Do lado oposto, nem todos concordavam com isso e com o envolvimento do país na questão colonial portuguesa, outros ainda estavam a favor da vitória de Portugal. O cônsul Jorge Kirchhofer Cabral, do Consulado de Roterdã, por exemplo, expôs discordâncias com as diretrizes da PEI, elaboradas inicialmente por Affonso Arinos de Mello Franco, ministro do Itamaraty456. Kirchhofer representou uma voz contrária à aproximação do Brasil com a África, considerando “inconvenientes” as novas diretrizes do Itamaraty. Desacreditou que o Brasil tivesse valor econômico, vulto político e riqueza cultural-científica para intervir no cenário internacional. Para o diplomata, o país continuava subdesenvolvido, subadministrado e empobrecido. Portugal Democrático, abril de 1963. NOGUEIRA, 1987, p. 68. 455  Diário de São Paulo, 30 de abril de 1963. 456  Relações diplomáticas com a África negra. N.º 42, Confidencial. Consulado geral do Brasil, Rotterdam, 25 de março de 1961. 453  454 

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Entre 1961 e 1964, políticos, acadêmicos e entidades também criticaram a PEI. O deputado federal Eurípedes Cardoso de Menezes, fez propaganda para a política ultramarina portuguesa. Garantiu que a ofensiva anticolonial promovida contra Portugal se baseava no argumento da distância física entre o Continente e o Ultramar. Menezes pretendia dizer que desse modo todas as ilhas e arquipélagos deveriam promover suas independências, citando os casos de Alaska (EUA), Fernando de Noronha (Brasil), Açores e Madeira (Portugal). Em sua opinião, só dessa maneira a ONU e o Itamaraty promoveriam uma política coerente em nome da “não intervenção” e da “autodeterminação dos povos”. O sistema lusitano foi considerado pelo deputado como “a única solução humana e cristã para as dificuldades africanas”.457 Para Eurípedes Cardoso, o Governo brasileiro e seguimentos do parlamento estavam sendo influenciados pela política soviética. Num discurso na Câmara dos Deputados, em 1963, disse: É preciso dizer aos ventríloquos de Moscou na ONU – Portugal não tem colônias; [...] É preciso repetir à quinta-coluna soviética, aos traidores da Pátria, infiltrados nesta casa, no Poder Executivo e, sobretudo, no Itamaraty: Portugal não tem colônias!.458

O general Danilo Nunes, deputado estadual da UDN pela Guanabara, produziu o opúsculo “E Portugal há de vencer”, criticando o governo brasileiro e a ONU: [...] a posição do govêrno brasileiro em relação à atitude de Portugal, quanto à Angola, é inconcebível. Justamente quando Portugal, atacado por todos os lados reunia o que lhe restava em forças para se defender, o Govêrno do Brasil armou seu braço para golpeá-lo, votando contra êle na Organização das Nações Unidas. O nosso govêrno sabia que não estava, na realidade, defendendo nenhum princípio democrático porque, se realmente a ONU acreditasse em “autodeterminação”, não teria permitido o esmagamento da Hungria pelos bolcheviques em 1956.459 Câmara dos Deputados. Sobre a política Ultramarina de Portugal. Discurso pronunciado na Câmara dos Deputados, Deputado Eurípides Cardoso de Menezes, 5 de outubro de 1961. 458  Processo 4,11/63. Discurso do deputado Eurípedes C. de Menezes, Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, 28 de Julho de 1963 459  NUNES, Danilo. E Portugal há de vencer!... Deputado Estadual da União Democrática Nacional: 1962. 457 

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Inspirada em palestra promovida por Danilo Nunes, a Associação Comercial do Rio de Janeiro endossou a crítica contra a ONU e a posição brasileira. Para a entidade não existia consciência nacionalista em Angola e em Moçambique, pois os africanos resguardavam fidelidade aos portugueses460. O Brasil estava cometendo um grave erro ao considerar Portugal como “vilão e algoz” no problema em Angola, ao contrário disso, para Danilo Nunes, o país estava construindo um mundo de “doçura e justiça”.461 Para manter sua base de apoio, o Governo português promoveu desde a década de 1960 até 1974 a promoção de viagens de autoridades, intelectuais e personalidades brasileiras para visitarem as colônias. Foi uma maneira de mostrar in loco uma realidade distinta daquela oferecida pelos movimentos nacionalistas e pela ONU. Embarcando em aeronaves da Transportes Aéreos Portugueses (TAP), essas viagens podiam ser financiadas pelo governo português, podendo incluir escalas e banquetes em Lisboa ou nas colônias. Cabia aos anfitriões a escolha dos lugares de interesse que os brasileiros podiam conhecer e visitar. Em geral, quando retornavam ao Brasil, alimentavam um sentimento de descoberta de uma verdade escamoteada. A passagem por Moçambique e Angola de Silva Ribeiro, vice-prefeito de São Paulo, serve de exemplo. Em matéria publicada no Diário de Notícias, disse que “Em Angola e Moçambique [viu] algo inteiramente diverso do que noticiários comprometedores fazem chegar ao Brasil”. O vice-prefeito ficou perplexo, garantindo que aquilo que viu nas duas colônias o deixou emocionado, comovido e orgulhoso462. Nessa altura, a política oficial do Brasil para a guerra colonial foi baseada nos preceitos elaborados pelo Itamaraty. Em documento preparatório da delegação do Brasil para a XVI Sessão da Assembleia Geral da ONU, Affonso de Arinos de Mello Franco discutiu amplamente a questão angolana. Antes da Assembleia, o anteprojeto brasileiro foi submetido à diplomacia de Portugal, EUA e Inglaterra. A reação de Portugal foi direta: nenhum diálogo transnacional, desinteresse em resolver o problema colonial por fora da força e reafirmação da tese de “Províncias Ultramarinas”463. Para Affonso Arinos, a autodeterminação dos povos, dentro dos moldes da ONU, Correio da Manhã, 20 de agosto de 1963. NUNES, Danilo. E Portugal há de vencer!... Deputado Estadual da União Democrática Nacional: 1962. 462  Diário de Notícias, 23 de fevereiro de 1963. 463  DNU/DSOc/DAf/600. (38a) Secretaria de Estado das Relações Exteriores, da Delegação do Brasil junto à XVI Sessão da Assembléia Geral da ONU – Nova York, 29 e 30 de março de 1961, A Questão de Angola. Confidencial/Urgente. 460  461 

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constituía um passo importante. Caso o Brasil ficasse ao lado da África do Sul e de Portugal, o país teria seu prestígio destruído e não poderia disputar ou conseguir postos de importância na ONU, como no Conselho de Segurança. Affonso Arinos afirmou que a defesa da independência da Angola buscava o bem do Brasil e jamais o mal para Portugal. Como diretrizes para a Assembleia, o documento estabeleceu: 1) Que a delegação brasileira não deveria tomar iniciativas, essas seriam mal recebidas por Portugal ou prejudicariam o Brasil; 2) O Brasil deveria seguir o grupo moderado, liderado pelos EUA e pela Inglaterra, defendendo a evolução da autodeterminação de Angola; 3) Se distanciar das discussões, a não ser que buscassem amenizar paixões, ou defendessem Portugal de “inúteis agravos”; 4) Alinhar a opinião do Brasil junto a jornais, Congresso e TV, deixando explícita a posição moderada do país464. Ao mesmo passo que Mello Franco partilhou as pretensões brasileiras com Portugal, buscou receber alguns líderes angolanos. Em visita de Mário de Andrade, do MPLA, o líder angolano previu enorme intercâmbio entre Brasil-Angola, depois que seu país alcançasse a independência. O ministro brasileiro admirou a inteligência do líder, e notou superioridade, quando comparado a Holden Roberto, líder da UPA465. Em sua intervenção na Assembleia, o chanceler advogou em nome da libertação de Angola e da Argélia, afirmando que o Brasil, como antiga colônia, manteria uma conduta anticolonialista e antirracista, mesmo sendo “amigo” de Portugal e da França. Exigiu que os dois países garantissem a autodeterminação de suas respectivas colônias, e que nada deteria a libertação da África466. Nesse interim, o ingresso de produtos industriais brasileiros na África compôs um dos principais interesses do Brasil. Durante o governo Jânio Quadros, o MRE intermediou a presença de empresários brasileiros na África. A Companhia Kirongozi, sediada em São Paulo, solicitou a colaboração do Itamaraty para vender seus produtos nos países africanos e pediu acompanhamento nas concessões e companhias de caça existentes DNU/DSOc/DAf/600. (38a) Secretaria de Estado das Relações Exteriores, da Delegação do Brasil junto à XVI Sessão da Assembléia Geral da ONU – Nova York, 29 e 30 de março de 1961, A Questão de Angola. Confidencial/Urgente, p. 4-5. 465  DNU/Daf, 604. (04) Secretaria de Estado das Relações Exteriores, da Delegação do Brasil junto à XVI Sessão da Assembléia Geral da ONU – Nova York, 29 e 30 de março de 1961, Confidencial/Urgente. Questão de Angola. Visita do líder angolano Mário de Andrade à Delegação brasileira. 466  CORRÊA, 2007, p. 154. 464 

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nas “províncias portuguêsas ultramarinas” (assim chamadas no documento do MRE)467. O MRE prontamente atendeu à solicitação. Jorge Alves de Lima, proprietário da Kirongozi, atuou na África como caçador profissional e empresário, administrando empresas de safari em Moçambique e em Angola468. Durante a implementação da PEI, a diplomacia brasileira produziu diagnósticos e prognósticos sobre o tema colonial. Francisco Negrão de Lima, embaixador em Portugal de 1959 a 1963, formulou análises e projeções especialmente para Angola. O diplomata permaneceu em Angola do dia 24 de maio de 1961 ao dia 7 de abril, acompanhado pelo cônsul Frederico Carlos Carnaúba, pelo professor Thiers Martins Moreira e pelo secretário Alberto Vasconcellos da Costa e Silva. A viagem cumpriu uma determinação do ministro das Relações Exteriores e do presidente da República. No Relatório sobre a viagem, foi traçado um panorama geral da situação angolana, sendo essa uma das primeiras análises brasileiras sobre o assunto. Do ponto de vista econômico, o documento reconheceu que todas as cidades, zonas e obras visitadas representavam grande crescimento econômico. O café, os diamantes, o açúcar e o algodão receberam destaque na economia angolana e proporcionaram o desenvolvimento urbano no país469. Segundo o relatório, mesmo nas cidades em guerra ou criadas há poucos anos, isso se constatava. Negrão de Lima afirmou que “nem o presente abandono das casas pelas famílias, nem a apatia do comércio, nem a condição de verdadeira praça de armas conseguem ocultar”.470 Mas apontou que as rebeliões no país causaram o êxodo de famílias para Portugal, a desvalorização do mercado imobiliário, a redução das vendas no comércio e a diminuição das exportações. O relatório aponta descaso do governo português: falta de obras, de alfabetização e de investimentos públicos. Por conta de sua variedade de solos e climas, da riqueza mineral e hidroelétrica, o documento via em Angola um “oásis” de benesses econômicas. A miscigenação foi observada, considerando que imigrantes portugueses, pobres e analfabetos, foram para Angola e passaram a viver os mesmos dilemas da população negra, inclusive morando nos muceques (favelas). Por isso, verificou-se concorrência no mercado de trabalho, restando aos negros a ascensão apenas via exército, SSE/DAf/840. (88q) (142) 801.23(88q) Carta telegrama nº 19, Colocação de produtos industriais brasileiros na África, 4 de maio de 1962. 468  Ver: http://www.kirongozi.com Acesso em: 22 dez. 2014. 469  DEOc/DAf/650. (88m) 650(88g) Da Embaixada em Lisboa, Carta-Telegrama, Progresso econômico de Angola e Moçambique, 12 de Janeiro de 1968. Ver imagem 7. 470  600.(88m) Angola, Nº226, Confidencial, Lisboa, 20 de Junho de 1961, p. 2. 467 

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polícia ou baixo funcionalismo. Quanto aos mestiços, fruto da primeira geração de portugueses que se instalou no país, foram considerados a elite cultural do país. Apontados como autodidatas, inteligentes, conhecedores da vida e da cultura dos nativos, dos problemas territoriais, reconheciam-se como angolanos, mas se sentiam frustrados com a falta de reconhecimento e participação na vida pública. Por isso, o documento criticou o suposto divórcio entre as estruturas de poder e de parte dessa elite culta. Com esse isolamento, parte da elite cultural do país criou a Associação dos Naturais de Angola, a Sociedade Cultural e as Ligas Africanas, entidades que agrupavam brancos, mestiços e negros. Interessados em valorizar a cultura africana, todos se reconheciam negros e africanos. Da Associação dos Naturais de Angola, surgiram dois líderes “autonomistas” – Mário Pinto de Andrade e Viriato da Cruz471. Sob a premissa de que as condições do terreno para as operações militares clássicas eram adversas, vislumbrava-se uma luta prolongada. Os revoltosos estavam munidos apenas com catanas e armas de fogo primitivas, enquanto as forças do governo possuíam armamento moderno. Enquanto Adriano Moreira, Ministro do Ultramar, afirmava que o apoio externo para defender Angola seria desnecessário, Negrão de Lima sustentou que o contingente militar estava aquém. A opinião de Negrão de Lima acerca do regime português é curiosa. Por um lado, categoriza-o como um regime autoritário, por outro, acredita que o descrédito dado pelo regime aos movimentos populares em Angola enfraquecia uma causa em que supostamente a maioria da nação se empenharia em defender. Tais constatações geram dubiedade, Negrão de Lima foi um crítico do autoritarismo português? Talvez não, pois quando substituiu o embaixador Álvaro Lins, questionado sobre sua missão em Portugal, Negrão de Lima respondeu o seguinte: “não trago programa, vim amar Portugal”.472 Outra questão: o embaixador apoiava uma intervenção patriótica de Portugal em Angola? Essa suposição foi desconstruída mais adiante, quando o embaixador esclareceu que o uso de armas não solucionaria a questão de Angola. Negrão de Lima concluiu que o atraso na resolução dos conflitos no Norte angolano provavelmente incitaria novas ondas insurrecionais no Sul, no planalto, ou até mesmo greves, sabotagens, resistências passivas. A respeito de Portugal, prognosticou que o país suportaria o peso da guerra, graças às boas reservas em divisas. Entretanto, salientou que o comércio exterior português e a vitalidade estatal estavam comprometidos com a luta em Angola. 471  472 

600.(88m) Angola, N.º 226, Confidencial, Lisboa, 20 de junho de 1961. SOARES, João Clemente Baena. Sem medo da diplomacia. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2006, p. 30. 145

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O enfraquecimento das exportações de algodão e café angolanos e a diminuição das importações de vinhos e tecidos para Angola afetavam diretamente a economia portuguesa. Para ele, reformas econômicas e sociais não resolveriam o problema em Angola, a saída deveria ser política. Exemplificou essa realidade ao salientar a desilusão da população com as pequenas reformas administrativas. Afirmou que Angola estava preparada para a autonomia de seu território. Para a comissão brasileira, Angola possuía bons portos, excelentes cidades, densidade demográfica e boas estradas, qualidades vitais para a sua autodeterminação. Por isso, a intenção de Portugal, de conservar Angola como uma peça de seu sistema unitário, não possuía sentido, pois em Angola já se forjava uma nação. Restava admitir Angola como um país “de cultura luso-afro-brasileira, na linha do legítimo interesse de Portugal, do Brasil e da África”.473 Mas não via com bons olhos o estabelecimento de um governo da UPA, que expatriasse os brancos e mestiços, transformando Angola numa “África do Sul às avessas”. Para ele, a alternativa estava na democratização do território e na preparação, via autonomia e federalização, de sua independência completa. Como resolução brasileira, o país não deveria tomar uma atitude definitiva, garantindo um diálogo amistoso com Portugal. Negrão de Lima ficou impressionado com a presença brasileira em Angola. Descreveu que líderes de movimentos, como a Frente de Unidade Angolana (FUA) e o MPLA, buscavam exemplos e bebiam de doutrinas brasileiras. Que nos acervos das livrarias angolanas os volumes brasileiros representavam 30% a 40% das obras. As revistas brasileiras, mesmo chegando atrasadas, estavam entre as mais disputadas nos quiosques. Nas rádios, a música brasileira dominava. As elites negras, mestiças e brancas em Angola recebiam mais influência da cultura brasileira que da lusitana. A FUA, cujos líderes fizeram contato e até se reuniram com os representantes brasileiros, representava uma dessas organizações simpáticas com o Brasil. Foi descrita como um grupo plurirracial, próximo das ligas africanas, composto por democratas liberais e socialistas, e muito influenciado pela cultura brasileira474. Intelectuais, médicos, advogados, engenheiros, veterinários, dentistas, comerciantes e funcionários, a maioria de angolanos brancos, compunham os integrantes da FUA. Eles compartilhavam o sentimento de que Angola deveria ser controlada pelos angolanos e que o país possuía mais importância e riqueza quando comparada com a própria metrópole. 600.(88m) Angola, N.º 226, Confidencial, Lisboa, 20 de junho de 1961, p. 18. A FUA teve como presidente, em 1961, o empresário Fernando Falcão. Vários integrantes da FUA foram presos pelo Estado Novo. 473  474 

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Dividiam ainda a opinião de existência de uma elite negra, mestiça e branca, em reais condições de cuidar dos rumos do país. Como modelo de nação, o relatório aponta que a FUA desejava transformar Angola num país semelhante ao Brasil, numa nação não racial. “Novo Brasil” se tornou uma das principais consignas da FUA, ecoada por nativos, filhos e netos de angolanos. Negrão de Lima afirmou que existia uma obsessão, partilhada entre os líderes, por tudo o que vinha do Brasil. Depois de sucessivos encontros com a FUA, Negrão de Lima relatou que a Frente pretendia estabelecer negociações com a UPA e defender a constituição de uma sociedade não racista, do “tipo Brasil”. Algumas propostas da FUA atraíram Negrão de Lima, como a defesa da legalização dos partidos, da realização de debates livres e de eleições democráticas. Políticas que na visão de seus líderes poderiam suspender a luta armada e que foram explicitamente defendidas pela FUA e acolhidas por Negrão de Lima. Para o embaixador, o mesmo deveria ser aplicado em Moçambique, pois para ele, essas saídas democráticas melhorariam a imagem de Portugal internacionalmente475. A FUA foi o movimento que recebeu maior atenção do embaixador, advogava pelo direito de a população angolana decidir seu destino, recorrendo a uma solução pacífica do impasse, via abertura das negociações. Sua solução passava pela construção de uma pátria multirracial e pela formação de um governo autônomo que garantisse a liberdade do povo angolano476. A alternativa póstuma da independência de Angola, sustentada por Negrão de Lima, baseou-se no estabelecimento de uma comunidade afro-luso-brasileira. Para o embaixador, essa comunidade beneficiaria Portugal e Brasil, ao manter laços com o Ocidente, alijando-se propostas radicais baseadas na filosofia da negritude. Certamente, Negrão de Lima elucidava uma ascensão do protagonismo brasileiro no pós-guerra colonial. Quanto à receptividade e a expectativa dos movimentos nacionalistas angolanos com o governo brasileiro, tais perspectivas foram constantes. Em 1963, quando da instalação do Governo Revolucionário da República de Angola no Exílio (Grae), seu representante em Argélia, Johnny Eduardo, pediu a ajuda brasileira. Num comunicado remetido a Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Johnny Eduardo externou sua preocupação na formação de quadros que coordenariam os rumos de Angola. Levando em consideração os “laços fraternos e linguísticos” com o Brasil, estimado como um país “irmão”, Johnny Eduardo pediu a liberação de bolsas 475  476 

600.(88m) Angola, N.º 226, Confidencial, Lisboa, 20 de junho de 1961. 600.(88m) Angola, N.º 226, Anexo (Elucidário), confidencial, Lisboa, 20 de junho de 1961, p. 2. 147

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de ensino secundário e técnico para estudantes angolanos e a realização de uma reunião com o governo brasileiro para tratar de assuntos de comum interesse477. As exigências dos movimentos nacionalistas preocuparam o Governo brasileiro. Nas atualizações sobre as impressões do Brasil sobre Angola, outro levantamento foi feito pela Divisão da África em 1963, como complemento dos dados de setembro de 1962. João Clemente Baena Soares, chefe da Divisão da África, explanou seus entendimentos acerca das decisões que o Brasil deveria tomar. Sem esperar mudança na intransigência portuguesa, Soares mostrou preocupação no comportamento do Brasil com os movimentos nacionalistas, o país não podia adiar seu compromisso com os independentistas, já que eles começavam a partilhar um sentimento de descrença sobre o Brasil. Como parte das iniciativas, sugeriu duas medidas – a criação de uma Embaixada em Léopoldville, com o fito de estabelecer contatos diretos com os nacionalistas e acompanhar a corrida dos acontecimentos; e a concessão de bolsas de estudo478. Durante o Governo de Goulart, Sérgio Corrêa do Lago expressou preocupação com a improvisação e a falta de planejamento em política internacional. Citando os equívocos da Bélgica e da Inglaterra na África, que não evitaram crises políticos-militares, queria melhorar o programa e a atuação do Brasil. A capital apreensão de Sério Corrêa estava na possibilidade de que Angola poderia alcançar a independência e o Brasil não estaria preparado para lidar com a circunstância. Por isso, alertou que a rede de informações do Brasil em Angola possuía falhas, que os meios humanos e materiais do Consulado estavam precários e que faltava planificação. Sua proposta partiu de um cunho culturalista, Corrêa do Lago salientou o dever histórico, moral e humanitário do Brasil em ajudar outra população de expressão portuguesa, preservando assim a língua e a cultura compartilhada com os angolanos. O valor da “democracia racial” foi outro pilar que embasou o diplomata, que evocou a tradição multirracial e democrática brasileira, alimentando que isso deveria ser cultivado em Angola. Como medidas preliminares, sustentou: 1) a reestruturação da rede de coleta de informações sobre Angola e a realização de sondagens e de entrevistas em Léopoldville; 2) o aumento das pesquisas e estudos sobre Angola, a partir DEOc/DOP Embaixada do Brasil em Argel, Comunicação do Representante do Governo Revolucionário da Angola (anexo), n.º 19, confidencial, 3 de outubro de 1963. 478  DAf/13 600. (88m) Memorandum para o Senhor Secretário Geral Adjunto para AEAf. Observações sobre os movimentos nacionalistas angolanos, 19 de abril de 1963. 477 

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das missões diplomáticas e das repartições consulares; 3) A realização de uma inspeção do Secretário-geral Adjunto para a Europa Ocidental e África a Luanda; 4) Efetivação da Embaixada em Léopoldville; 5) Estabelecimento de diálogo entre a Secretaria de Estado, Embaixada em Lisboa e o Consulado em Luanda; 6) Atualização da biblioteca do Itamaraty relacionada à África; Quanto às medidas básicas, sugeriu pela criação de um objetivo nacional permanente que considerasse o princípio da autodeterminação, da independência e da solução pacífica da controvérsia em Angola. Como parte dessas ponderações, considerava que o Brasil deveria impedir a aprovação de sanções na ONU contra Portugal e de uma intervenção estrangeira em Angola. E que em Angola, o regime não poderia ser racista contra os brancos, perseguir e destruir a Igreja Católica, eliminar a língua e a cultura portuguesas, expulsar os europeus e mestiços do país. O Brasil só poderia apoiar um regime democrático, unitário e contrário aos choques “tribais”. A ajuda brasileira deveria se pautar: na formação dos quadros profissionais e administrativos de Angola; na assistência técnica; no estabelecimento de comunicações; no aumento do intercâmbio comercial; e na exportação da cultura brasileira. Em nenhuma hipótese o Brasil deveria ser conivente com uma operação militar, mesmo que promovida pela ONU, e que o país não deveria assumir uma postura antilusitana, mas sim pró-lusitana. Sérgio Corrêa procurou demonstrar toda a sua preocupação com o problema angolano. Elucidou duas probabilidades como desfecho – Portugal seria provavelmente atropelado pela descolonização e Angola eventualmente se tornaria independente. Advertiu sobre o risco que correria o Brasil ao não reconhecer a grandeza de sua responsabilidade. Para ilustrar sua angústia, Corrêa do Lago parafraseou o poeta português Fernando Pessoa: “não perder o que não souberam ter”. Em política internacional, na sua visão, a improvisação constituía graves erros, poderia custar vidas humanas, destruição de propriedades, patrimônios e, inclusive, o desprestígio, caso incorresse em omissão479. A diplomacia brasileira estava consciente da inevitabilidade da expansão das lutas de libertação nacional. Sérgio Corrêa sabia disso. Três meses depois de suas advertências às autoridades brasileiras, uma comunicação, remetida pela Embaixada do Brasil em Dacar, informou que uma ação revolucionária pela libertação de Moçambique estava prestes a ocorrer. A Embaixada em Dacar comunicou que pequenos grupos e sabotadores AEAf/DAf 600. (88m) Definição do objetivo nacional permanente, planejamento e execução de política brasileira face a possibilidade de uma Angola independente, ofício nº 30, secreto/urgente, Luanda, 31 de janeiro de 1964. 479 

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estavam se infiltrando em Moçambique. Essa penetração foi orquestrada pela Frelimo e tinha o objetivo de instalar a insurreição militar. Argélia, URSS e China foram apontadas como as financiadoras desse movimento480. A informação secreta da Embaixada em Dacar estava correta. Em 1964, Moçambique ingressou num clima de pré-insurreição. Guerrilheiros da Frelimo se instalaram nos distritos de Niassa e Cabo Delgado e prepararam os levantes militares. Diversas operações ocorreram simultaneamente no Norte moçambicano, mas o ataque a um posto administrativo de Cabo Delgado, em 25 de setembro de 1964, foi considerado o marco da guerra481. A nação brasileira, por se tratar de uma ex-colônia portuguesa, despertou nos nacionalistas africanos, quase que naturalmente, a sensação da inevitável solidariedade do Brasil. No Governo Juscelino Kubitscheck482, quando o MPLA soube que o presidente brasileiro visitaria Portugal483, o movimento decidiu enviar um telegrama ao presidente. Num tom intimidante, salientou que a garantia de relações amigáveis entre o povo brasileiro e a África livre dependeria exclusivamente da ausência de apoio do Brasil ao colonialismo português484. Em 1962, foi a vez de Jango ser cobrado. Um telegrama assinado pelo secretário-geral do PAIGC, Amílcar Cabral, denunciou os massacres e as prisões que sofreram os nacionalistas em Guiné-Bissau. O presidente do PAIGC, Rafael Barboza (Zain Lopes), havia sido preso pela Pide na mesma ocasião. No telegrama, o líder africano solicitou a tomada de medidas junto ao Governo português para que se evitassem novos massacres485. Pois bem, no ciclo dos governos de Quadros e Goulart, em síntese, as análises e posições do Brasil são cautelosas tanto em relação aos movimentos de libertação quanto à ligação com Portugal. Os líderes e guerrilheiros não foram tratados como “terroristas” e a guerra empreendida pelos portugueses DAf/DEOc/600(88q) 600.77(88) Carta Telegrama. Provável início de ações revolucionárias em Moçambique – Frelimo, Secreto, ao Consulado Geral em Lourenço Marques, 25 de março de 1964. 481  AFONSO, Aniceto; MARTELO, David. A Guerra De Libertação Em Moçambique. Disponível em http://www. eceme.ensino.eb.br/cihm/Arquivos/PDF%20Files/101.pdf. Acesso em: 27 dez. 2014. 482  Como afirmou Rampinelli em suas pesquisas, o período em que Juscelino Kubitschek (1956/1961) governou o Brasil, a política externa brasileira foi de complacência com o império colonial português. Donatello Grieco, ministro do Itamaraty, chegou a dizer que “Tocar em Portugal era tocar no Brasil” (RAMPINELLI, Waldir José. A política internacional de JK e suas relações perigosas com o colonialismo português. In Lutas Sociais nº 17/18 - 2º sem. 2006 e 1º sem. 2007). 483  JK foi visitou Portugal a convite do governo luso para participar das celebrações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique. 484  Relações entre o povo brasileiro e África. Pasta: 07073.131.360. (s.d.), Sem Título, Casa Comum. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34239. Acesso em: 31 mar. 2015. 485  Pedido a João Goulart para se posicionar a respeito de Rafael Barbosa. Pasta: 07070.117.161. PAIGC. (1962), Sem Título, Casa Comum. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37613. Acesso em: 31 mar. 2015. 480 

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não foi condenada explicitamente. Para Jerry Dávila, a PEI cedeu às pressões portuguesas, sucumbiu ao mito da democracia racial, se esmoreceu com as investidas do lobby português e do corpo diplomático português. Este autor cita a crítica feita por Ciro Freitas Vale, em 1961, e dirigida a Afonso Arinos, para endossar as limitações da PEI. Na crítica, Vale se queixou da abstenção do Brasil sobre a descolonização de Angola e rejeitou o uso do conceito de “Províncias Ultramarinas”486. Claro, o Brasil preferiu manter uma postura flexível diante das agitações na África. De um lado, para não prejudicar os vínculos de afetividade com a comunidade portuguesa, por outro, para não aventar uma imagem negativa frente às novas nações africanas. De qualquer maneira, apesar de não ter votado contra Portugal em todas as votações da ONU, o Brasil não votou a favor, gesto que tem um significado de rejeição. A diplomacia portuguesa, anos depois do final do ciclo da PEI, fez uma avaliação negativa dos dois Governos. Por um lado, salientou que durante os mandatos de Jânio e de Jango, as correntes ideológicas inimigas de Portugal dominaram a política externa. Que as classes dirigentes possuíam pouca ligação com o mundo lusitano, que o Brasil pretendia assumir a chefia do “terceiro mundo” e que, por afinidades étnicas, almejava ter boas relações comerciais e políticas com a África. Seria o nascimento do “imperialismo brasileiro”. Já o Itamaraty, nessa lógica, foi considerado o maior inimigo de Portugal, enquanto Santiago Dantas e Afonso Arinos seus porta-vozes na ONU. Ilustrou ainda que poucos brasileiros se mantiveram tradicionais e fiéis aos princípios lusitanos (exemplos citados: Theophilo de Andrade, Vitorino Freire, Eurípedes Cardoso de Menezes, David Nasser, Levy Neves). E que a imprensa, em sua maioria, promoveu hostilidades contra Portugal. O apontamento elucidou que essa atmosfera só foi alterada com a ascensão do regime militar, por conta de seus dirigentes serem mais apegados às tradições portuguesas e possuírem ideologias políticas conservadoras487. Anticolonialistas ou terroristas em Angola e Moçambique? Para o establishment brasileiro, os movimentos nacionalistas afrontavam o Ocidente, atingiam a soberania portuguesa e colocavam em risco a “tranquilidade” colonial. Isso explica o uso da noção de afrontamento da ordem para definir os movimentos nacionalistas em Angola e Moçambique. Em outras palavras, DÁVILA, 2011, p. 113-115. PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apontamento. Informação para sua excelência o senhor Presidente do Conselho, Secreto, Lisboa, 22 de junho de 1969. 486  487 

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a ação desses movimentos suscitava dois riscos: 1) a transposição do controle português sobre seus territórios, por meio do “terrorismo”; 2) a instalação de regimes comunistas alheios aos interesses ocidentais, afetando a segurança do Atlântico Sul e a presença branca na região488. Sob a forma de repasse de informações e notícias, o termo terrorismo foi largamente utilizado pela diplomacia brasileira instalada em Angola, Moçambique e Lisboa, servindo para descrever as movimentações guerrilheiras. Em alguns casos, o termo se associava à propagação do comunismo, em outros, buscou ilustrar o transtorno gerado pelos movimentos anticolonialistas. O embaixador do Brasil em Portugal, Bolitreau Fragoso, depois de visitar Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, em 1965, a convite de Franco Nogueira, clarificou sua compreensão do papel português nas colônias africanas. Considerou positivo o papel desempenhado pelas forças portuguesas que estavam combatendo o “terror” na África, em Luanda, declarou que: Ao encontrar em Carmona aquêles que em 1961 souberam provar o seu amor a esta terra portuguêsa, impedindo que se alastrassem as ondas de terrorismo, reencontrei o espírito comum dos portuguêses e brasileiros e consolidei minha fé no futuro dêste grande território, que tanto se assemelha a meu país489.

Fragoso concedeu entrevista ao O Globo e comentou como foi sua experiência. O diplomata disse que visitou o Ultramar, retirando de seu vocabulário qualquer expressão que denotasse colonização. Para ele [...] como o Brasil elas estuam de vida e progresso; como o Brasil elas são um elo precioso dessa cadeia de uma comunidade que, dividida, em três continentes, mas unificada pela língua e pelas tradições culturais, se diria caprichosamente espalhada para melhor cumprir o alto destino de dilatar o império da língua portuguesa.

O denominador comum da língua ajudou a edificar uma espécie de bloco para o embaixador, reunindo as colônias, Portugal e o Brasil. Fragoso estendeu esse denominador para a paisagem física e humana, reconhecendo que tanto na metrópole quanto no ultramar, ele se sentia em casa, como se estivesse no Brasil. Com isso, fez um comparativo: Se por exemplo, Ouro Prêto é tipicamente uma cidade do interior português, em Angola e Moçambique, eu encontrei outras tantas 488  489 

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Ver imagem 8. O Globo, 19 de junho de 1965, p. 18.

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réplicas de cidades lusitanas e brasileiras. Lobito, jovem graciosa e progressista, lembra qualquer cidade do litoral brasileiro.490

As declarações do diplomata afirmavam juízos próximos da argumentação promovida pelo Estado Novo. Primeiro: Fragoso reconheceu que a ordem e a calmaria foram subvertidas pelos nacionalistas, reforçando o estigma de que os africanos instalaram o “terrorismo”; Segundo: considerou que os portugueses residentes em Angola acertaram ao terem reprimido as rebeliões de 1961; Terceiro: ratificou que a presença portuguesa em Angola forjou uma nação multirracial, como o Brasil. Quarto: consoante com o governo de Castello Branco, Fragoso salientou a existência de uma “comunidade” já estabelecida por conta da língua e da cultura compartilhadas. Afastando-se dos olhares brasileiros desde Lisboa, partindo para Luanda, nota-se um discurso semelhante. Quando se realizaram as cerimônias de Corpus Christi em Angola, no dia 28 de maio, Sérgio Corrêa do Lago afirmou que desde que o “terrorismo” eclodiu, tinha sido a primeira cerimônia cristã realizada. Para ele, a procissão, que reuniu 50 mil pessoas, foi uma “autêntica demonstração espontânea de fé em Deus e em Portugal”.491 Evocando o imperativo de manter a fé em Portugal, Corrêa do Lago reforçou a necessidade de confiar no projeto do Estado Novo para solucionar os conflitos na África. Corrêa do Lago denominou as ações guerrilheiras como “atentados”. Em Angola, informou que [...] o movimento terrorista realizou dois ataques de alguma envergadura na última quinzena, tendo-se registrado umas 10 baixas nas Fôrças Armadas, bem como o desaparecimento de quase uma dúzia de civís, entre homens, mulheres e crianças.492

Em Moçambique não foi diferente. Luiz Parente de Melo, cônsul geral em Lourenço Marques, alertou numa carta telegrama sobre a possibilidade de a Frelimo efetivar um ato “terrorista”, em represália à mudança na direção do Governo Geral de Moçambique. Em tom especulativo, Parente de Melo cogitou que o atentado poderia ocorrer no dia 10 de junho, dia de Portugal, ou na inauguração do estádio Salazar, durante o jogo entre Brasil e Portugal493.

O Globo, 9 de agosto de 1965, Vespertina Geral, p. 23. DAf/640.48(88a). Do Consulado em Luanda, Corpus Cristi em Luanda. Significado político, 29 de maio de 1964. 492  Situação político-militar em Angola. DAf/DEDc/INU/600. (88m), 20 de julho de 1964. 493  DEOe/DAf/PCInf/600(88q). Do Consulado Geral em Lourenço Marques. Terrorismo em Moçambique, Luiz Parente de Mello, Secreto, 2 de julho de 1968. 490  491 

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José Barreiros, cônsul brasileiro em Moçambique, esperava que mesmo com as dissidências entre os dirigentes da Frelimo, e pela imprensa local desconsiderar novos ataques, os “terroristas” poderiam surpreender. O alvo, no começo ou durante sua edificação, seria o empreendimento hidrelétrico de Cabora Bassa. Para Barreiros, depois que o governo português assinou contrato com a Zamco (Zambeze Consórcio Hidroelétrico Limitada), as operações “terroristas” haviam aumentado em Moçambique. Por isso, o governador geral de Moçambique, Baltazar Rebello de Souza, solicitou junto ao ministro do Ultramar, Silva Cunha, o aumento de forças militares no Norte da “província”.494 José Barreiros alertou o Itamaraty sobre a ligação da Frelimo com grupos estrangeiros, tanzanianos, zambianos e chineses, para o cônsul a Frente servia apenas para a incorporação de adeptos e para circulações financeiras495. Quanto à disseminação da violência, não há dúvidas de que ela tenha sido incrustada por ambos os lados, mas há que se considerar o nível e a proporção, o propósito e o âmbito. Não se pode comparar a resistência africana com a reação portuguesa. Talvez essa diferenciação de tratamento para os dois lados da guerra tenha um fundamento, historicamente a diplomacia sancionou o conceito de que Angola e Moçambique eram “Províncias Ultramarinas”496. Logo, as ações desferidas pelo Estado Novo possuíam foro legítimo e legal, alcançavam o status de manutenção da ordem em seus próprios territórios. As informações e análises da diplomacia brasileira generalizavam o perfil dos movimentos, negando a especificidade de cada um, desconhecendo suas maneiras de intervir e de se organizar. Assim, há uma carência de detalhamento das ocorrências, da multiplicidade dos atores e dos movimentos. Tal leitura classificava os movimentos nacionalistas como destruidores da paz e da ordem que imperava nas colônias. Há algumas exceções, como a carta telegrama remetida por Luiz Parente de Melo. Ao relatar que uma granada teria explodido na cozinha da Sociedade dos Antigos Combatentes de Lourenço Marques, Parente de Melo especulou: 1) que estaria em curso uma operação subversiva para distribuir armas aos negros; 2) que a ação poderia ser o resultado da falta de coordenação e direção sobre a população indígena; DAf/600(88g) 430.1(88q (88m). Do Consulado Geral em Lourenço Marques. Terrorismo em Moçambique. Viagem do Governador Geral a Angola, José Barreiros, Confidencial, 4 de novembro de 1969. 495  DAf/600 (88g). Do Consulado Geral em Lourenço Marques. Terrorismo em Moçambique. José Barreiros, Confidencial, 17 e 24 de novembro de 1969. 496  Também inclusas Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. 494 

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3) que a operação podia ter sido promovida pela Unar497 (União Nacional Africana da Rumbézia), já que à Frelimo não interessava o “terrorismo” urbano. Parente de Melo afirmou que os dirigentes da Frelimo sabiam que esse tipo de método não tinha utilidade, suscitava a fúria e a reação policial498. Num telegrama enviado por Corrêa do Lago, há outro caso. Esmiuçando sua análise sobre a Frente Progressista Popular de Angola (FPPP), depois de visitar Cabinda, Corrêa do Lago afirmou que a frente possuía discrepâncias com a UPA. Estava pela formação ou reconstituição do reino do Congo, não alimentava ódio contra os brancos, renunciava ao “terrorismo” e aceitava negociar. Para o cônsul, tratava-se de um movimento “puro e isento de infiltrações estrangeiras, [...] restaurador do tradicionalismo”.499 Mesmo com exceções, a categorização das forças oficiais como as defensoras da ordem e os movimentos nacionalistas como os promotores do terror foi o eixo dos comentários e dos discursos da diplomacia brasileira. Como exemplo há um documento enviado pelo cônsul brasileiro em Luanda, Francisco José Novaes Coelho, para a Secretaria de Estado das Relações Exteriores. Em 1970, com base nas informações concedidas pelo chefe das FFAA de Angola, Coelho relatou que os “raptos, ataques e intimidações ao povo pacífico”, haviam diminuído exponencialmente. Para Coelho, isso significava: 1) os nacionalistas se esquivavam dos embates diretos com as tropas portuguesas; 2) revelavam a ânsia em recrutar novos quadros. Coelho questionou os meios utilizados pelos nacionalistas para a formação de novos quadros, para ele os anticolonialistas coagiam a população, atestando “a crueldade, a falta de princípios morais”. Para o cônsul, essas atitudes os desprestigiavam, causando repúdio da população africana. No momento que o cônsul informou o número de mortos dos dois lados da guerra em Angola, há essa diferenciação entre “terrorista” e “forças da ordem”: “no período em aprêço foram causadas 130 mortes aos terroristas e 41 feridos confirmados. As fôrças da ordem sofreram 4 mortos”.500 Existia uma guerra em curso, mas para a diplomacia brasileira, existiam duas forças, dois projetos antagônicos: os nacionalistas promoviam a desordem, A UNAR defendia a realização de negociações com Portugal para obter a independência do território entre o Rovuma e o Zambeze. 498  DEOc/DAf/600(88g). Do Consulado Geral em Lourenço Marques. Terrorismo em Moçambique, 2 de julho de 1968, Confidencial. 499  DAf/DEOc/600 (88M). Do Consulado em Luanda. Movimentos nacionalistas angolanos. FPPP. Secreto, 8 e 20 de julho de 1965. 500  600(88m) Consulado do Brasil em Luanda. Situação militar em Angola. Novembro de 1970, Francisco José Novaes Coelho, 28 de dezembro de 1970. 497 

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enquanto a cirurgia portuguesa representava o esforço de reestabelecimento da ordem. Essa complacência com as tropas portuguesas e de condenação das fileiras nativas hegemonizou a postura da diplomacia. A reviravolta só ocorreu quando a Revolução dos Cravos floresceu. Solicitações de ajuda não faltavam, os dirigentes revolucionários africanos insistiam nisso. Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos fizeram um apelo na quarta comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, encarregada dos debates sobre os territórios autônomos. Os líderes pediram aos países da América Latina, “especialmente o Brasil”, para considerarem justas e legítimas a luta de seus povos pela independência. Para contrapor, o Governo de Portugal distribuiu um comunicado qualificando esses movimentos de “terroristas”501. Pensando numa conjectura, é provável que as principais fontes utilizadas pela diplomacia brasileira se encontrassem na grande imprensa de Angola, Moçambique e Portugal, tendo, portanto, uma linha favorável ao Estado Novo. Conversas com as autoridades coloniais e militares portugueses foram, comprovadamente, outros recursos usados pela diplomacia502. Mesmo assim, a diplomacia, em vários documentos, apontava a carência de dados, decorrente da censura promovida pelas autoridades portuguesas503. O Governo brasileiro tinha receio de se embrenhar em posições solidárias, apesar da retórica anticolonialista nas tribunas da ONU. Com o risco de causar repulsa ou estremecimento das relações Brasil/Portugal, havia também o receio de prejudicar a relação do regime com a comunidade lusa residente no Brasil; e de temer demonstrações patrióticas nas colônias portuguesas contra a solidariedade anticolonialista. Um episódio ilustra esse último temor, quando o Consulado Geral em Lourenço Marques repassou a notícia de que manifestantes patriotas repudiaram o apoio sueco dado a Frelimo, com anexos dos jornais Diário de Notícias. Segundo os relatos, estivadores e maquinistas realizaram protestos contra a presença de dois navios suecos localizados no porto de Lourenço Marques. Empunhando a bandeira portuguesa, cerca de três mil pessoas se dirigiram para o Consulado da Suécia repulsando a atitude do governo europeu, exigindo a imediata exoneração do cônsul honorário sueco504. Diário do Paraná, 18 de outubro de 1972, p. 7. Como atesta o documento: DEOC/DAf/DNU/600 (88M) 600 (88q) 602.77 (88). Da Embaixada em Lisboa. Atividades terroristas em Angola e Moçambique. Comunicados das Fôrças Armadas Portuguêsas, Claudio Garcia de Souza, Secreto, 8 de julho de 1968. 503  DEOe/DAf/PCInf/600(88q). Do Consulado Geral em Lourenço Marques. Terrorismo em Moçambique, Luiz Parente de Mello, Secreto, 2 de julho de 1968. 504  N406/600(88g). Do Consulado Geral em Lourenço Marques. Manifestações de estivadores de Lourenço Marques contra a Suécia, 23 de outubro de 1969. 501  502 

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Quanto à imprensa portuguesa na África e em Portugal, os jornais buscavam estigmatizar o inimigo. No Notícias, editado em Lourenço Marques, um boletim das FFAA de Moçambique foi publicado com uma chamada dizendo que “bandos terroristas” haviam sido detectados. O boletim descreveu que populações nativas eram forçadas a prestar auxílio e fornecer alimento aos guerrilheiros, depois de terem sido submetidas ao “terror” e ao “banditismo”. Entretanto, na região de Naquidunga, os “terroristas” que tinham atacado uma plantação de arroz foram surpreendidos pela população que, com o apoio da polícia administrativa nativa, expulsou o “bando”.505 No Diario de Noticias, de Lisboa, uma matéria de capa criticava a realização de uma audiência privada do Papa Paulo VI, a 1 de julho de 1970, com Amílcar Cabral (PAIGC), Agostinho Neto (MPLA) e Marcelino dos Santos (Frelimo). O jornal fez a chamada: “Surpresa e profunda mágoa em toda a nação portuguesa. Insólito e lamentável, o papa recebeu terroristas responsáveis pela chacina de milhares de cristãos”.506 Como resposta, o embaixador Eduardo Brasão, a pedido de Marcello Caetano, protestou junto ao papa Paulo VI pela decisão de receber os líderes africanos. O episódio contou com a denúncia do jornal brasileiro Diário do Paraná, que endossou o repúdio ao gesto do papa. Theophilo de Andrade afirmou que na trama das guerras na África existiam dois lados. Um lado, o português, que tinha relações com Roma desde a Idade Média, tendo um Governo católico, o outro, o africano, que agregava chefes de grupos terroristas, sem governo, comunistas e que não professavam o catolicismo e o cristianismo. Para Andrade, o papa estava com as melhores intenções, mas não sabia que esses africanos eram bandoleiros que matavam pessoas e assaltavam aldeias. Para o articulista, a culpa foi da Secretaria da Santa Sé que provavelmente estava infiltrada por comunistas507. Desde Portugal, o Estado Novo, contando com o engajamento da mídia, procurou reforçar uma imagem que ilustrava os nacionalistas como disseminadores do caos, da desordem, da violência e do terror. Os líderes e integrantes dos movimentos, terroristas para Portugal, deveriam ser extirpados das colônias. Ironicamente, Salazar, ao argumentar o porquê do seu desinteresse em visitar os territórios portugueses, escreveu num bilhete: “E a tão desejada visita a Angola? Pois parece-me bem deixá-la para o momento em que, dominado ou expulso o último terrorista, ali possamos celebrar o heroico 505  506  507 

Notícias, 6 de julho de 1965. Diário de Notícias, 5 de julho de 1970. Diário do Paraná, 9 de julho de 1970. 157

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esforço de defesa”.508 Marcello Caetano seguiu o mesmo ideário, perguntado sobre a possibilidade de negociar com os movimentos africanos, ponderou: Iríamos negociar com gente que se guerreia entre si segundo várias obediências, soviética ou chinesa, que confessa dar-lhes uma fôrça que não têm, entregar-lhes um território que lhes não pertence, pôr, à sua mercê homens, mulheres e crianças que êles não respeitariam?509

Caetano, nos anos de 1970, reforçou em seus discursos a impossibilidade de negociar. Ele tinha suas razões: acreditava que os movimentos não alcançariam êxito militar, condenava as ligações com o comunismo internacional. Temia também a expulsão da população branca que regressaria e incharia Portugal.Estabeleceu uma única saída para o imbróglio: os “terroristas” deveriam retornar às suas terras e se reintegrarem ao mundo português. As soluções políticas só podiam acenar para um futuro português, pensado e construído por mãos portuguesas, com o fito de preservar a “alma” portuguesa510. No ciclo histórico da guerra em Angola e Moçambique, ocorreu uma sintonia entre as posições portuguesas e a maneira com que a diplomacia e o governo brasileiro trataram os movimentos anticolonialistas. O estigma de promover o comunismo e o terror na África foi carregado pelos nacionalistas. A diplomacia brasileira sustentou a permanência de Portugal nas rédeas do controle das colônias, sem que uma solução imediata fosse apontada tal como a independência total desses territórios. Entre celeumas e clamores: brasileiros e as guerras em Angola e Moçambique Apesar de priorizar as posições do Governo e da diplomacia do Brasil sobre os conflitos na África, faço um panorama das posições de setores da sociedade civil. Os relacionamentos e os intercâmbios ultrapassaram as relações entre os Estados, movimentos sociais e redes internacionais formaram outro capítulo importante. Debates sobre democracia e autoritarismo entraram em pauta, ocorrendo um incremento de análises e posicionamentos de organizações, partidos e movimentos. (1966), “O último terrorista”, António de Oliveira Salazar, 13 de abril de 1966. Pasta: 06772.069, Casa Comum, Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_78208. Acesso em: 19 maio 2015. 509  O Globo, 25 de Novembro de 1970, p. 1. 510  SOUTO, 2007, p. 51-53. 508 

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Do lado de Portugal, declaradamente fiéis aos propósitos lusitanos, o Brasil reuniu “grupos de pressão” da colônia portuguesa, parte da grande imprensa, políticos, jornalistas511. Do lado da África, diversos intelectuais, jornalistas e grupos abrigaram posições antisalazaristas e africanistas, como o jornal Portugal Democrático, o MABLA e a outra parcela da grande imprensa. No grupo a favor de Portugal, a colônia portuguesa no Brasil consolidou “grupos de pressão” (formados por organizações e entidades) que desempenharam influência no processo de decisão dos órgãos estatais. Visando a aprovação de seus interesses, criados na década de 1930512, esses lobbies exerceram influência direta nas decisões do país entre 1950 e 1970513. Marchando em prol das reivindicações pontuais (interesses empresariais, estatuto jurídico dos emigrados), o lobby se tornou uma voz ativa das pretensões do governo português514. O salazarismo cooptou esses setores, por meio de comendas, banquetes, viagens gratuitas e outras benesses. Assegurados esses privilégios, o lobby tinha como principal objetivo influenciar a mídia, políticos, empresários, figuras públicas etc. O discurso de Salazar, do dia 23 de maio de 1959, fortaleceu o interesse de aproximar o Brasil de Portugal no Atlântico Sul. Assim, desatou-se uma expedição portuguesa de reverberação das vantagens que o Brasil poderia ter com essa parceria: estabelecimento de portos francos em Luanda e Loureço Marques, tratamento especial para as publicações brasileiras, disponibilização de bases angolanas à Marinha do Brasil515. Na grande mídia, parte da imprensa promoveu uma campanha de difamação dos movimentos nacionalistas. A campanha contou com a colaboração dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand516, e do O Globo, Por exemplo: o governador Carlos Lacerda, os deputados Eurípedes Cardoso de Meneses, Newton Carneiro, Plínio Salgado, Conceição da Costa Tavares, o almirante Pena Boto, os jornalistas Theophilo de Andrade, Alves Pinheiro, Pedro Calmon, Margarida Lopes D’Almeida. 512  Com o intuito de dignificar a presença de Portugal no Brasil, em 14 de maio de 1837, 43 emigrantes portugueses que viviam no Rio de Janeiro decidiram “criar uma biblioteca para ampliar os conhecimentos de seus sócios e dar oportunidade aos portugueses residentes na então capital do Império de ilustrar o seu espírito”. Fundava-se então o Real Gabinete Português de Leitura. Em 1931 o Real Gabinete organizou o 1º Congresso dos Portugueses do Brasil, aprovando a criação da Federação das Associações Portuguesas, avançando na consolidação da colônia lusitana no Brasil. A entidade estabeleceu como propósito a unificação dos movimentos da colônia, agrupando 80 associações, tornando-se a porta-voz dos portugueses no Brasil. Sua inauguração ocorreu no dia 10 de Junho de 1932, Carlos Malheiro Dias se tornou o primeiro presidente da entidade. Para saber mais, ver: http://www.realgabinete.com.br/portalweb/In%C3%ADcio/ORealGabinete.aspx. 513  MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 4-5. 514  MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 10. 515  MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 105. 516  O fervor com que Chateaubriand defendeu o Estado Novo fez com que Salazar o presenteasse com seu nome numa Avenida em Portugal (MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1994). 511 

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de Roberto Marinho, assumindo uma posição favorável ao colonialismo517. Diversos colunistas trabalharam nos órgãos dos Diários Associados para a promulgação de ideias pró-salazaristas e pró-marcellistas. A dualidade “terrorismo” contra “civilização” foi um dos recursos utilizados para fazer propaganda favorável ao Estado Novo. Certos de que nas colônias imperava-se a harmonia entre negros e brancos, tais jornais trataram como inimigos todos aqueles que “denegriam, atacavam e combatiam” a presença portuguesa na África. É o que sustentava, por exemplo, o artigo do comendador Aventino Fernandes Lage 518. Theophilo de Andrade, outro colaborador dos órgãos de Assis Chateaubriand, se tornou um dos principais articuladores dessa frente. Discutiu os fatos políticos em Portugal, as motivações da guerra, os perfis políticos dos dirigentes portugueses, a organização da sociedade. Na revista O Cruzeiro e nos demais jornais do grupo, negou que Portugal fosse um Estado fascista. O motivo: o país admitia a existência de oposição política e garantia as “liberdades essenciais” dos indivíduos, mas por se encontrar numa guerra “insuflada, apoiada e financiada por Moscou, Pequim, Havana e Argel”, precisou endurecer o controle. Comparando os ocasos autoritários do Brasil e de Portugal, Theophilo de Andrade afirmou que a reabertura política devia estar condicionada à segurança nacional. Sem a garantia de que a guerrilha e a subversão estivessem sufocadas e controladas, os Estados não podiam retornar à democracia liberal. Dessa maneira, ele fortalecia um denominador comum entre Portugal e o Brasil: a luta anticomunista519. Os Diários Associados disponibilizaram seções a um dos maiores propagandistas do Estado Novo: Augusto de Castro, um dos comissários da “Exposição do Mundo Português”, de 1940 e um dos diretores do jornal Diário de Notícias. Em seus artigos, Augusto de Castro buscou engrandecer a missão portuguesa, tornando-a universal, redentora de uma Europa confusa e dispersa, defensora dos valores ocidentais. Para Augusto de Castro, Portugal vivia um destino inelutável, pois o mundo Ocidental pereceria sem a fortaleza portuguesa, já que a Europa não poderia continuar livre e protegida sem a África520. Augusto de Castro falava de uma “personalidade portuguesa”, de uma “universalidade portuguesa”, que sofreram desdenho, Para Jerry Dávila (2011, p. 39, 42), entre 1950-1960, quase todos os jornais brasileiros eram pró-Portugal: O Globo, Correio da Manhã, O Jornal, Tribuna da Imprensa, Diário da Noite e Jornal do Brasil. Nesses jornais ecoavam reportagens contrárias ao salazarismo: O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias. 518  Diário do Paraná, 6 de agosto de 1971, p. 2. 519  Diário do Paraná, 23 de julho de 1969, p. 2. 520  Diário do Paraná, 14 de dezembro de 1968, p. 2. 517 

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mas que passaram a ser compreendidas historicamente, graças à inabalável unidade nacional. Para ele, essa integração garantiu a formação de uma verdadeira civilização, um refúgio único para a sobrevivência da Europa. A nação portuguesa possuía uma missão oceânica e intercontinental, unificadora e defensora do próprio país, sentimento presente no próprio subconsciente da alma portuguesa521. Reverenciando e referenciando o mundo católico, rural e hierárquico, Salazar reconstituiu o significado de ser português, dando bases sólidas e harmônicas a esse modelo, um escudo e uma espada para enfrentar um mundo considerado temível e desvairado. Com isso, resgatou-se no foro íntimo e na consciência dos portugueses a verdadeira causa portuguesa: “sua contribuição histórica ao avanço determinado e resoluto de um Ocidente, inquisitivo e aquisitivo, no rumo da unificação do mundo sob suas armas, interesses e convicções”.522 Na direção de toda essa responsabilidade, Portugal contava com a maestria e a habilidade de Salazar, considerado por Aldo Trippini o único “homem forte” da Europa. O jornalista não relutou em concluir que Salazar estabilizou a economia portuguesa, baixou o custo de vida e consolidou o Escudo (moeda portuguesa). Quanto aos levantes na África, Trippini enalteceu a escolha de Salazar, concluindo que o primeiro-ministro: [...] se negou a curvar-se ante os ventos de mudança nos territórios coloniais. Quando outras nações deixaram a África, Salazar fez o voto de que jamais abriria mão dos “direitos da pátria” sobre Angola e Moçambique, territórios riquíssimos em minérios523.

Os Diários Associados negaram contundentemente a existência de massacres promovidos pelas tropas portuguesas contra os africanos. Theophilo de Andrade negou que isso tenha ocorrido em Moçambique, como afirmavam, dizendo que se tratava de uma provocação contra Portugal524. Para ele, tratavam-se de notícias inventadas pelos “esquerdistas” que detestavam o regime e que não admitiam a presença lusitana na África525. Não obstante, Theophilo de Andrade se pronunciou contra o grupo africanista presente no seio do Itamaraty. Visto como uma herança dos tempos da PEI, o grupo foi considerado uma trava na relação Brasil/Portugal. Quando ocorreram os acordos entre Portugal e Brasil, em 1969, Theophilo considerou que: 521  522  523  524  525 

Diário do Paraná, 13 de fevereiro de 1969, p. 2. MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 53. Diário do Paraná, 28 de julho de 1970, p. 6. Portugal promoveu diversos massacres contra os moçambicanos: Mueda, Chawola, Wiriyamu e Juwau. Diário do Paraná, 18 de julho de 1973, p. 2. 161

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Tem havido, porém, dificuldades no segundo escalão, exatamente ao nível das negociações, porque o “grupo africano” que o sr. Jânio Quadros deixou no Itamarati, recusa-se a desencarnar, e forma ambiente de frieza em tôrno daqueles acordos, seja por oposição ao Estado português, como foi criado por Antonio de Oliveira Salazar, seja por identidade ideológica com o grupo comuno-árabe-africano-asiático, que se traçou por programa a expulsão do homem branco da África.526

Na propaganda pró-salazarista, o jornal O Globo guardou duas seções para fazer menções às realizações portuguesas. O espaço foi composto pelas colunas “Portugal Hoje” e “Lisboa todos os Dias”. As colunas levavam à comunidade lusa no Brasil notícias sobre política, cultura, economia e sociedade, em Portugal e em suas colônias, com uma cobertura especial sobre as guerras na África. Alves Pinheiro, jornalista responsável pelas duas colunas, mergulhou na condenação dos nacionalistas africanos de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. Quando se referiu ao Ultramar, destacou que significava a capacidade renovadora do “gênio de uma raça” que estava sempre se renovando e se adaptando ao longo dos séculos, antecipando-se no tempo e no espaço. Angola e Moçambique, com todas as suas virtudes civilizacionais e modernas, eram criações diretas desse povo e dessa raça – os portugueses. O Continente português e o Ultramar possuíam seus lugares na história, o primeiro representava o “grande santuário da Pátria”, o segundo “a dinamização, a nova era, o mundo português em explosão étnica, a pátria em sua vigorosa florescência”. Os negros, no imaginário de Alves Pinheiro, foram recuperados e valorizados pela colonização portuguesa, que procedeu com uma ação de “inspiração divina”. Em 1963, quando os debates contra o racismo se aprofundaram, Pinheiro desconsiderou as instituições comunitárias originais dos africanos, seus modos de vida, seus saberes: Arrancá-lo da treva, da selvajeria, de tudo o que há de mais primitivo, ter que ensinar-lhe desde as coisas mais elementares da vida, a comer, a vertir-se, a dormir, a viver como gente, dar-lhe o idioma comum, a mesma religião e a mesma fé, abrir-lhe tôdas as perspectivas da vida moderna; arrancá-lo da sua condição de bicho para a dignidade do homem. Dá-lhe a casa, a mobília, os instrumentos do trabalho, as luzes da alfabetização e todos os meios e oportunidades para elevá-lo ao europeu, a todos os povos libertados do bárbaro 526 

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Diário do Paraná, 12 de Julho de 1969.

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primitivismo. Partir com êle da cubata, da palhota, da senzala para a comunidade de uma vida humana e decente, tudo isto Portugal fêz sozinho, sem o auxílio de ninguém, não contando com ninguém, tendo quase todos contra si527.

Por esses motivos, o Ultramar representava para Pinheiro – “a nova epopeia lusíada”. Na contramão, os movimentos anticoloniais se tornaram os principais empecilhos da “cruzada” portuguesa. Alves Pinheiro condenou veemente seus objetivos e suas formas de atuação: eram “financiados pelo comunismo soviético interessado em enfraquecer a estrutura econômica da Europa e implantar o seu sistema em todo o continente europeu”.528 Alves Pinheiro comparou esses grupos com o cangaço brasileiro529: O terrorismo, de resto, é por último um sistema de ação muito semelhante ao nosso antigo cangaço, já sem ritmo agressivo e sem coordenação. Um singular estilo de guerrilhas que não passa de esporádicas ações de banditismo. Pois bem, na última quinzena quase não se assinalou a presença dos cangaceiros530.

O jornalista brasileiro, neto de portugueses, tinha consciência de sua missão: ser um dos principais porta-vozes do Estado Novo no Brasil. Quando a cólera açoitou os guineenses, disse que a doença se tornou uma aliada de Portugal, as populações evitavam ter contato com os guerrilheiros, para ele, prováveis agentes da epidemia. Por outro lado, ressaltou que Portugal estava vacinando todos os habitantes531. Por meio da republicação de um artigo do London Express, O Globo esclareceu que depois de 1961, Portugal reformou sua presença na África. Procurou melhorar a educação, a agricultura, a indústria, as relações de trabalho, corrigindo os equívocos das administrações anteriores. Segundo a notícia, em Angola escolas foram erguidas, produtos como diamantes, óleos, sisal e frutas foram vendidos, alcançando a cifra de 20 bilhões de cruzeiros em exportações. Que passados os anos da “Lei de Lynch”, momento que Revista das Classes Produtoras, Agosto de 1963, n.º 950, p. 46. O Globo, 29 de julho de 1964, p. 13. 529  Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, é considerado um dos principais líderes do cangaço, um modelo de movimento social que promovia o banditismo no Nordeste brasileiro. Para saber mais, ver: CHANDLER, Billy Jaynes. Lampião: o rei dos cangaceiros. São Paulo: Paz e Terra, 2003; HOBSBAWM, Eric. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra, 2010. 530  O Globo, 12 de julho de 1967, p. 2 531  O Globo, 7 de setembro de 1970, p. 30. 527  528 

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os portugueses responderam com violência e assassinatos aos protestos, Angola tinha voltado a viver e a respirar, e os negros podiam ascender. A matéria comentou que Álvaro Bastos, um agricultor negro, tinha se tornado um bem-sucedido proprietário, à beira de alcançar 90 milhões de lucros com a venda de café e que todos seus empregados eram portugueses532. Quanto aos culpados pela propagação do “terrorismo”, O Globo elegeu os comunistas como os principais agitadores, delegando aos soviéticos a responsabilidade central. Alves Pinheiro tinha certeza de que o embrião do alastramento da desordem e da violência teria sido programado em 1961: Em 1961, uma delegação de chefes terroristas esteve no Kremlin. Eram cinco indivíduos, inclusive Mário de Andrade, representantes do Movimento de Libertação dos Territórios sob o Domínio Português. Conferenciaram durante horas, com Kruschev. O “premier” russo assegurou-lhes apoio total: dinheiro, armas e munições. E foi assim que o terrorismo propagou-se pela África Portuguêsa. Até então, circunscrevia-se a Angola. A ajuda russa permitiu que irrompesse em Moçambique e na Guiné, mais recentemente em Cabo Verde.533

Alves Pinheiro também culpou os EUA pela situação, para ele, Portugal estava açoitado por soviéticos e estadunidenses534. Para o jornalista, o nacionalismo era “protegido, estimulado, exercitado, financiado por duas conhecidas potências interessadas em firmar sua influência na África”. Na mesma matéria, desmentiu as notícias que relatavam um suposto pedido de ajuda de Portugal aos EUA, sustentando que os portugueses não morriam de amores pelos estadunidenses535. Em outra matéria, acusou os EUA de terem se omitido na África, permitindo que a URSS e a China assumissem a liderança: “dominando ideologicamente e, de certo modo, economicamente, a maioria das repúblicas componentes da OUA. Na parte austral, os chineses. Na setentrional, os russos”. Pinheiro denunciou que David Newsen, Secretário de Estado Assistente para Assuntos Africanos dos EUA, chamou as “províncias” portuguesas de colônias e os portugueses residentes de “minorias brancas”. Para Pinheiro, a destreza do secretário pretendia agradar os países da OUA, cortejando o “terrorismo” e menosprezando Portugal536. 532  533  534  535  536 

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O Globo, 19 de junho de 1964. O Globo, 16 de dezembro de 1969, p. 6. Ver imagem 13. O Globo, 20 de setembro de 1968, p. 2. O Globo, 11 de julho de 1972, p. 2.

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Autoridades portuguesas procuraram condenar as lutas em curso na África. Em 1965, numa conferência dada à imprensa brasileira, Franco Nogueira alertou sobre o perigo eminente não só nas colônias lusas, mas em outros países africanos: “Moçambique tem por vizinho a Tanzânia, que está transformada em gigantesca base de subversão de grande parte da África Negra. A defesa tem de ser feita em todos os países ameaçados”.537 No campo da diplomacia portuguesa, durante quatro anos consecutivos, o embaixador português José Manuel Fragoso proferiu palestras no auditório da ESG, disseminando as posições salazaristas. Fortalecia, dessa forma, o campo pró-salazarista no Brasil. Na palestra de 1969, Fragoso frisou que “os atos de terrorismo registrados nas fronteiras de Portugal são obra de bandoleiros primários, que tentam provocar uma rebelião interna no país e tencionam a opinião pública contra o Governo português”.538 Para Fragoso, tanto em Angola quanto em Moçambique, “nunca houve rebeliões populares, mas a invasão pura e simples, através das fronteiras com Estados hostis, de guerrilheiros que neles gozam de santuário, treinados e municiados com dinheiro estrangeiro”.539 Em 1971, O Globo publicou as declarações de Marcello Caetano. O presidente do Conselho afirmou que “grupos subversivos” estavam buscando “converter os territórios africanos do país num inferno”, incentivando a “anarquia e o caos” em Portugal. Para Caetano, tais grupos recebiam financiamento de países e organizações estrangeiras540. A ajuda do grupo de Roberto Marinho ao colonialismo português pode ser vista noutra matéria do O Globo, justificando e assumindo publicamente seu compromisso histórico com o Governo português. Desde os primeiros abalos na Índia até os últimos suspiros de sua existência na década de 1970, O Globo ficou do lado de Portugal: Desde a sua fundação, O Globo vem demonstrando uma sensibilidade especial pelos assuntos portuguêses, os altos interêresses de Portugal, apoiando e defendendo todos os movimentos no sentido de uma melhor compreensão e convivência entre Portugal e o Brasil, entre portuguêses e brasileiros. Estêve, invariavelmente ao lado de Portugal, Diário, Lourenço Marques, 17 de junho de 1965. O Globo, 30 de julho de 1969, Matutina, Geral, p. 4. 539  PEA Imagem exterior e realidade nacional: aspectos de um problema actual da política externa portuguesa. Conferência pronunciada pelo embaixador José Manuel Fragoso na Escola Superior de Guerra, 21 de outubro de 1970. 540  O Globo, 16 de junho de 1971, p. 6. 537  538 

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no resguardo de sua soberania e integridade territorial. Foram memoráveis os pronunciamentos dêste jornal na apaixonante questão de Goa, Diu e Gamão. Solidarizamo-nos com os nossos irmãos lusitanos na sua luta pela preservação da Índia Portuguesa, a marca maior e mais gloriosa do seu gênio expansionista, nos séculos XV e XVI.541

Mais que um compromisso, o órgão chamou a responsabilidade de contribuir com a informação e a formação dos portugueses no Brasil, atuando na transmissão dos ideais, das notícias e dos posicionamentos do regime português. No Brasil, Salazar e Caetano contaram com emissário fiel e comprometido, que atualizou os emigrantes portugueses sobre os acontecimentos dentro de Portugal e em suas colônias. Desnublar a confusão presente na opinião pública brasileira a respeito das guerras na África foi outra pauta do jornal: O Globo foi o primeiro jornal, no mundo, a destacar um enviado especial com a incumbência de apurar o que se passava em Angola, subvertida pelo terrorismo, através de uma série de reportagens esclarecedoras, contribuímos para que a opinião pública se voltasse em favor da nação irmã. O mesmo ocorreu em relação a Moçambique. Em ambos os casos, atuou como emissário, o nosso companheiro Alves Pinheiro que, depois, de Portugal, durante mais de dois anos, manteve em O Globo sua coluna – “Lisboa Todos os Dias” – que era leitura obrigatória de todos os portuguêses do Brasil. Finalmente, sempre interessado em focalizar os efeitos postivios da vida portuguêsa e proporcionar à comunidade lusíada do país, informações constantes e atuais sôbre sua pátria, criamos a coluna “Portugal de Hoje”, também assinada por Alves Pinheiro e igualmente objeto da atenção dos portuguêses de tôdas as condições sociais que vivem em nosso país.542

A lógica era: o lobby propagava seu ideário nos diversos seguimentos da sociedade brasileira, esses espaços reverberavam as posições “desses grupos de pressão”. Com a transmissão das notícias, O Globo disseminou palavras repudiando os movimentos nacionalistas, tidos pelos editoriais como mercenários de guerra pagos pelas potências estrangeiras. Com a propagação de informações fidedignas no Brasil acerca do que ocorria em Portugal 541  542 

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O Globo, 29 de Julho de 1967, Matutina, O País, p. 20. O Globo, 29 de Julho de 1967, Matutina, O País, p. 20.

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e em suas colônias, a iniciativa de Roberto Marinho foi louvada pela colônia lusa. Suas organizações foram parabenizadas pela devoção ao mundo português. Num banquete no Clube Ginástico Português, o comendador Antônio Magalhães Bastos, da Ordem dos Cariocas Honorários, reconheceu que Marinho foi extremamente generoso, abrindo as portas de seu jornal para os portugueses e para a defesa desse ideal. Para o professor Kurt Adler, presidente da Ordem Cariocas Honorários, Roberto Marinho representava o elo simbólico da comunidade luso-brasileira543. O empenho e a dedicação de Alves Pinheiro igualmente fizeram com que ele caísse nas graças da comunidade lusa salazarista residente no Brasil. Um ano depois da explosão da guerra em Angola, já em 1962, Alves Pinheiro viajou para Lisboa a fim de realizar a cobertura do conflito e dos acontecimentos em Portugal e em Angola. Alves Pinheiro se tornou repórter de guerra, entrou no teatro de operações e misturou-se com as tropas portuguesas. Uma das retribuições da comunidade lusa foi o apoio recebido à sua candidatura à Assembleia Legislativa da Guanabara. Em um manifesto de portugueses em apoio a Alves Pinheiro, ressaltou-se que: Nas horas mais dramáticas do Ultramar, quando o terrorismo invadiu Angola e aqui, o Govêrno, e uma parte da opinião pública se voltavam contra Portugal, foi a primeira voz que se levantou a favor dos portuguêses. Não ficou, porém somente nisto. Compareceu ao teatro da luta como enviado especial de O Globo e, em Carmona, pegou em armas contra o terrorismo.544

No centro das projeções dos grupos pró-salazaristas, a ideologia usada como combustível reconhecia que o Estado Novo e Portugal eram os “doadores da mais genuína e adequada cultura que floresceu no Brasil”.545 Mesmo sem negar a miscigenação, essa leitura trouxe como resultado um relacionamento privilegiado com a colônia lusa. Os próprios portugueses residentes no Brasil reconheciam que eles não podiam ser considerados estrangeiros, pois foram acolhidos fraternalmente e se incorporaram à família brasileira546. A elite branca luso-brasileira também invocou superioridade, reforçando sua ligação histórica com Portugal para garantir uma imagem de dominação, especificidade e naturalidade em sua hegemonia. Essa ponte garantiu um “utilitarismo instrumentalizador da cultura 543  544  545  546 

O Globo, 3 de outubro de 1972, Geral, p. 14. O Globo, 4 de novembro de 1966, p. 6. MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 137. O Globo, 3 de outubro de 1972, Geral, p. 14. 167

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e da etnicidade a serviço dos interesses de grupos políticos conservadores brasileiros, do Estado salazarista português e da colônia lusa no Brasil”.547 O deputado Flavio Marcilio, na condição de presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, afirmou que o Brasil não podia apoiar as resoluções contra Portugal aprovadas na ONU. Para ele, o país não podia favorecer organizações “subversivas e terroristas”. Em sua opinião, Angola e Moçambique constituíam-se “continuação do território português”, integrando perfeitamente o espírito luso-brasileiro548. Contudo, vozes destoavam. Já em 1945, matérias nos periódicos do Partido Comunista Brasileiro (PCB) condenaram o salazarismo, como podem ser vistas no jornal Tribuna Popular. O jornal acusou de fascista o Governo português e que sua polícia possuía ligação com a Gestapo alemã549. O órgão Novos Rumos, do PCB, em 1961, no momento em que as tropas portuguesas chegaram a Angola, uma matéria informou que pelas ruas desfilavam “homens de uniforme verde e boinas azuis, portando suas metralhadoras: os paraquedistas de Portugal, criados à imagem e semelhança dos assassinos e torturadores do povo argelino”.550 Entre 1956 e 1975, o jornal Portugal Democrático reverberou a voz das oposições portuguesas instaladas no Brasil. O jornal foi fundado na cidade de São Paulo por um grupo de portugueses emigrados551. Em matéria especial, publicou declarações contrárias ao colonialismo. Um exemplo está na declaração do coronel Tito Avilez, professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro e do Instituto de Seleção e Orientação Profissional: Portugal vai perder as colónias ultramarinas a respeito de qualquer apoio ou não que o Brasil lhe possa dar eventualmente. A história não pode ser alterada no contexto mundial pela simples vontade dos portuguêses. Todos os povos do mundo têm o desejo natural de dirigir os seus próprios destinos. E êste é o caso das colónias portuguesas.552 MACHADO DOS SANTOS, 2011, p. 137. O Estado de S. Paulo, 20 de janeiro de 1972. 549  Tribuna Popular, 13 de setembro de 1945. 550  Novos Rumos, 19 a 25 de maio de 1961. 551  Alguns colaboradores do jornal – Portugueses: Adolfo Casais Monteiro, Fernando Lemos, Jorge de Sena, Carlos Maria Araújo, Paulo de Castro, Joaquim Barradas de Carvalho, Vítor Ramos e Miguel Tavares Rodrigues. Brasileiros: Manuel Bandeira, Raquel de Queirós, Álvaro Lins, Rubem Braga, Fernando Sabino e Murilo Mendes. 552  Portugal Democrático, São Paulo, número 128, ano XII, abril de 1968, p. 4. 547  548 

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O general Frederico Rondon, presidente do Instituto de Colonização Nacional, afirmou que a política externa brasileira tinha que ser “coerente sendo contra o colonialismo” na ONU, mantendo assim a tradição anticolonial do Brasil. Outras vozes contrárias ao colonialismo foram proferidas pelo professor Walnir Chagas, membro do Conselho Federal de Educação, e pelo professor Mário Pedrosa, da Escola Nacional de Belas-Artes. Para Chagas, “a política brasileira contrária ao colonialismo português na África é a única possível de quem já foi colónia e deixou de sê-lo, felizmente”. Enquanto Pedrosa disse que “a única posição do Brasil certa é não colaborar com o colonialismo português. Se o fizer, o Brasil estará negando-se a si mesmo e ao seu próprio destino”.553 Como contraponto ao lobby português no Brasil, o jornal Portugal Democrático buscou realçar que no seio dos portugueses emigrados existiam diferenças que os separavam. Como apontou Douglas Mansur da Silva, diversos […] exilados portugueses, ao chegarem no Brasil, se depararam com um discurso oficial, proferido por imigrantes portugueses, que “atribuía um papel “heroico” ao emigrante no suposto “destino migratório” do país, mas sobretudo, operava uma justaposição entre patriotismo e apoio ao governo – discurso que por sua vez posicionava os opositores do regime como “antipatriotas” ou “traidores”554.

Esses portugueses ainda contavam com a vigilância e o controle da embaixada de Portugal no Rio de Janeiro e dos consulados regionais, órgãos que se tornaram alicerces do Estado Novo no Brasil555. Em 1967, grupos de imigrantes portugueses556 escreveram uma carta a Bertrand Russell, presidente do Tribunal Internacional de Crimes de Guerras, pedindo o julgamento de Salazar como criminoso de guerra. Para as organizações, o Estado Novo promoveu uma política de genocídio, destruindo aldeias inteiras; realizou assassinatos em massa; organizou campos de concentração e campos de trabalho forçado; usou a tortura e a mutilação como métodos contra prisioneiros; causou o êxodo de cerca Portugal Democrático, São Paulo, número 128, ano XII, abril de 1968, p. 4. MANSUR DA SILVA, Douglas. A oposição no exílio e a memória da “resistência” ao Estado Novo em São Paulo”. In: PADILLA, Beatriz; XAVIER, Maria (org.). Revista Migrações. Número Temático Migrações entre Portugal e América Latina, Lisboa: ACIDI, n. 5, out., p. 239-254, 2009, p. 242. 555  MANSUR DA SILVA, 2009, p. 242. 556  Centro Republicano Português, jornal Portugal Democrático, Unidade Democrática Portuguesa, Democratas Portugueses do Rio de Janeiro e Democratas Portugueses do Recife. 553  554 

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de um milhão de angolanos, guineenses e moçambicanos, que tiveram que se refugiar nos dois Congos, em Zâmbia, Malawi, Tanzânia, Senegal e Guiné; utilizou armas condenadas pela Convenção de Genebra (napalm). Como provas, citaram os depoimentos feitos por oficiais do exército português ao Comitê de Descolonização da ONU, que desertaram por se negarem a colaborar com essas ações. Entre os nomes estavam: o major José Ervedosa, o tenente Mário Moutinho de Pádua e o alferes Manuel Alegre. Também reuniram vasta documentação reunida pelos seguintes movimentos: MPLA, Frelimo, PAIGC e FPLN557. Em 1968, o Portugal Democrático lançou uma nota alertando que o regime tentaria mitificar a imagem de Salazar, edificando- o como o “gênio tutelar da nacionalidade”. Como contraponto, afirmaram que: Dois milhões de portugueses emigrados; 150.000 soldados envolvidos em três guerras coloniais; uma série de Resoluções (desrespeitadas) da Assembléia geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas condenando uma política colonial criminosa; a expulsão de Portugal de numerosos organismos internacionais; uma economia arruinada; as riquezas pátrias nas mãos dos monopólios internacionais; uma rêde de bases militares estrangeiras cobrindo o território nacional; 40% de analfabetos; inexistência de tôdas as liberdades fundamentais enunciadas na Declaração Universal dos Direitos do Homem; perseguições sistemáticas a membros da Igreja considerados indóceis; assassínio de presos e adversários políticos; a mais alta taxa de mortalidade infantil e de tuberculose da Europa e a mais baixa renda per capita; o mais perfeito aparelho de terror policial; a menor percentagem de população universitária e a mais alta de condenados políticos558.

Para esse grupo de exilados, essa era a herança de Salazar, por isso, a alternativa estava no fim do Estado Novo e na construção da democracia em Portugal. Como diretrizes, num documento assinado por diversos grupos democráticos de imigrantes, algumas exigências foram dirigidas ao governo provisório que poderia substituir Salazar. A pauta exigiu a imediata anistia aos presos, perseguidos e exilados, a aplicação dos direitos da Declaração (1967) “Carta enviada pelas organizações democráticas portuguesas a Lord Bertrand Russell, presidente do Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, pedido de julgamento de Salazar como criminoso de guerra”, Brasil, agosto de 1967. Pasta: 09617.003.004, Casa Comum.org. Disponível em: http://casacomum.org/cc/ visualizador?pasta=09617.003.004. Acesso em: 23 nov. 2016. 558  Portugal Democrático, número 133, ano XII, setembro de 1968, p. 1. 557 

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Universal dos Direitos do Homem, o fim da restrição do direito de reunião e de associação, liberdade aos partidos e sindicatos, liberdade de expressão, reconhecimento imediato do direito à autodeterminação e à independência dos povos das colônias portugueses559. Vários intelectuais brasileiros560 também prestavam solidariedade a esses círculos instalados no Brasil. Num documento enviado a João Sarmento Pimentel (ligado ao Centro Republicano Português), o grupo expressou sua posição. Os signatários aproveitaram para criticar Salazar e Caetano: Somos democratas e, no salazarismo, combatemos um regime totalitário, que é, ao mesmo tempo, cruel, fanático e degradante. Não vemos como vencer e superar o salazarismo senão pela vitória das fôrças da democracia em Portugal. Tal vitória não poderá nascer, certamente, da transição de um Govêrno ditatorial para outro, sob o mesmo regime. Marcello Caetano foi o teórico ditatorial do corporativismo português, um dos principais e o mais astuto auxiliar político de Salazar e o homem que o regime corporativista podia colocar à testa do Govêrno para continuar o salazarismo sem Salazar, ou seja, perpetuar a ditadura existente pelos mesmos meios561.

Vamireh Chacon afirmou que a alternativa que o Brasil deveria escolher não era ficar “mal” com Lisboa, mas continuar bem com as “províncias” que caminhavam para a independência. Em última instância, entre optar pelo passado ou pelo futuro, o Brasil deveria escolher o caminho sem colonialismo562. No campo da grande imprensa, no Jornal do Brasil houve vozes renitentes contra o salazarismo. O escritor Rubem Braga, por exemplo, ao responder um português que o acusou de ser inimigo de Portugal, disse: Faço votos para que muito breve os colonialistas portuguêses tenham motivos bem maiores para aumentar seu pranto. Angola, Moçambique e outros territórios sob domínio lusitano marcham inevitavelmente para a libertação, e a intransigência cega do salazarismo não permite que êsses povos se libertem pacificamente como tem acontecido com outras antigas colônias européias na África e na Ásia. [...] Portugal Democrático, número 133, ano XII, setembro de 1968, p. 6. Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Paulo Duarte, Ulpiano Bezerra de Menezes, Eurípedes Simões de Paula, Ruy Galvão de Andrada Coelho, Sergio Buarque de Hollanda, António Cândido de Mello e Souza, todos ligados a Universidade de São Paulo (USP). 561  Pasta: 02240.018, São Paulo, 15 de Outubro de 1968. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_ dc_94206 (2015-9-10). 562  CHACON, Vamireh. Qual a política externa conveniente ao Brasil? Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1963, p. 40. 559 

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Dizer que sou “inimigo de Portugal” é uma tolice que nem mereceria resposta. Sou inimigo, lá, aqui e em tôda parte, ontem e hoje, de tôda ditadura e de todo o colonialismo. E tenho, confesso o mais sincero desprêzo por êsses jornalistas que vivem a defender os dogmas borolentos de uma ditadura qualquer em cujo côcho se cevam563.

Na eminência de Salazar ser substituído, outro artigo acusou Salazar de ter destruído as estruturas políticas da República, transformando Portugal num país pobre de agricultura e indústria. Quanto às colônias, em 1968, disse que: Portugal insiste em manter as colônias de Moçambique, Angola e Guiné – com uma população de 12 milhões de habitantes, dos quais apenas 500 mil são brancos. Salazar contrariou tôdas as resoluções das Nações Unidas que exigiam liberdade para as colônias, dizendo que a ONU é um organismo dominado por comunistas e africanos, e instrumento das grandes potências. Na realidade, as vantagens que Portugal tira da África são imensas: os territórios africanos possuem petróleo, diamantes, ferro, cobre e outros minerais564.

No Diário de Notícias, editado no Rio de Janeiro, vez ou outra foram publicadas notícias sobre as movimentações das oposições ao salazarismo. Em 1968, o jornal noticiou a inauguração da sede do Centro Republicano Português, no Rio de Janeiro, e o lançamento de um Manifesto escrito por republicanos lusos. O manifesto criticou Marcello Caetano, acusado de manter Portugal nas diretrizes salazaristas, e deu um ultimato: somente o povo poderia derrubar o “fascismo” português565. As vozes consonantes e destoantes sobre a questão do colonialismo ecoaram no Brasil, ocorreu uma disputa de ideias. Enquanto o “bloco” salazarista desmentia aquilo que considerava rumor, o “bloco” antisalazarista clamava pelo fim da ditadura e da guerra. A diplomacia brasileira e o risco comunista na África No Brasil, grupos conservadores consideravam a atividade comunista sinônimo de tumulto e desordem, recipientes das doutrinas e das diretrizes formuladas no mundo comunista e representavam uma recusa ao modelo capitalista e cristão. 563  564  565 

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Jornal do Brasil, 23 de março de 1965, p. 7. Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1968, p. 11. Diário de Notícias, 12 de outubro de 1968.

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Depois de 1964, parte do panorama elaborado pela diplomacia brasileira, a respeito dos movimentos anticoloniais africanos, foi fundamentado na ótica anticomunista. Isso ocorreu principalmente por causa da ligação que alguns movimentos possuíam com a China e com a URSS. Visualizando uma África controlada por países estrangeiros, China e URSS representavam o principal risco comunista na África e canalizavam um plano de dominação global. Para Sérgio Côrrea do Lago, a partir de 1955, a URSS passou a disputar o controle da África, e depois de 1959, a China entrou nessa jogada. O diplomata temia que o alcance chinês pudesse colocar em risco o predomínio europeu.566 Com o avanço da presença chinesa e soviética, outro tópico levantava a preocupação de Côrrea do Lago: o controle sobre as riquezas angolanas (materiais e estratégicas), ocasionando o afastamento do Brasil. Sustentou que o país deveria incluir a região como um dos principais interesses da defesa nacional567. Para a diplomacia brasileira, com a instalação de uma embaixada da China em Brazzaville, os africanos passaram a contar com um vigoroso pilar para combater o imperialismo, o neocolonialismo e o colonialismo568. Em Moçambique, também houve temores ao redor do avanço comunista. Ayrton Diniz repassou informações provenientes da PIDE e de Franco Nogueira de que navios soviéticos estavam próximos de águas territoriais moçambicanas, e que armas provenientes da URSS, da Argélia e da República Árabe Unida foram desembarcadas no Tanganica569. O embaixador brasileiro no Cairo manifestou preocupação com a expansão da luta anticolonial na África, afirmando que sua embaixada não desejava manter vínculos com elementos rebeldes ou desafetos ao Governo português570. O deputado Pedro Vidigal proferiu discurso contra o perigo comunista na África. Segundo Vidigal, o nacionalismo de certos povos africanos estava imbuído de um ódio contra os brancos europeus e recusava aceitar DAf/DEOc/DAO/DNU/SSN/600 (88m). Do Consulado em Luanda. Situação político-militar em Angola. Problemas com o Zâmbia (Rodésia do Norte). Infiltração da China em África). Confidencial, Luanda, 20 de abril de 1964. 567  DAf/DEOc/DNU/SSN/600 (88m). Do Consulado em Luanda. Angola, África, China e política mundial. Confidencial, 19 de abril de 1964. 568  DAO/DAF/DOR/920(55b) (85q). Do Consulado em Luanda. Infiltração da China Comunista na África (Congo Brazza), Confidencial, 22 de abril de 1964. 569  DAf/DOP/SSN/DI. Do Consulado Geral em Lourenço Marques, Movimentos subversivos no norte da Província, Confidencial, 23 de outubro a 23 de novembro de 1964. 570  PAA Processo 922-Brasil e 940,1(7)D, Encaminhando ao Director do Gabinete dos Negócios Políticos e ao Ministério do Ultramar. Confidencial. Lisboa, 9 de março de 1965. 566 

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a superioridade intelectual da civilização do Ocidente. Para ele, a África estava dominada pela epidemia dos tempos modernos – o nacionalismo e a febre da luta pela independência. Em sua opinião, as nações africanas que alcançaram o feito da independência se entregaram para a Rússia comunista571. O giro de Che Guevara pela África fez com que a diplomacia advertisse o governo brasileiro a respeito de suas intenções. Num relatório, cogitou-se que Guevara pretendia adquirir apoio na ONU para combater o isolamento de Cuba na OEA. Na África, Guevara fez contato com partidos sediados em Brazzaville (República do Congo), principalmente as organizações do Congo-Léo (República Democrática do Congo) e de Angola. Para o cônsul, Guevara procurava estabelecer na África “suas próprias táticas de guerrilha”.572 A viagem de Guevara durou três meses, ele chegou a Dar es Salaam, Tanzânia, em dezembro de 1964 e assumiu o compromisso com as lutas na África. Em 1965, Che Guevara visitou as sedes da Frelimo e se reuniu com Eduardo Mondlane. Cuba ajudou a Frelimo com o envio de quadros, alimentos, uniformes e armamento e ofereceu instrutores para auxiliarem nos campos da Frelimo na Tanzânia e em Moçambique, mas os dirigentes da Frelimo recusaram a proposta, argumentando que preferiam enviar seus guerrilheiros para treinarem no exterior573. Che Guevara se encontrou com Massemba Debat e com Agostinho Neto (MPLA) no Congo Brazzzaville, entre os dias 1 e 6 de janeiro de 1965, e com Sekou Touré e Amílcar Cabral (PAIGC), entre os dias 7 e 14 de janeiro, em Conacry. Jorge Risquet Valdéz, chefe da Columna Dos574, afirmou que nesses e noutros encontros as lideranças africanas solicitaram ajuda militar, que Che Guevara as acolheu, seguindo a estratégia geral de Havana575. Ademais da circulação de Che Guevara na África576, a diplomacia portuguesa sustentava que até 1969 havia “certa cordialidade” por parte das autoridades cubanas. Num apontamento do MNE, há a seguinte afirmação: Câmara dos Deputados, 16ª Sessão da 4ª Sessão Legislativa da 6ª Legislatura, 24 de abril de 1970. DAf/DAC/900.1(24h) 920(85g) (24h)1G430.1(24h) (85g). Do Consulado em Luanda. Política cubana na África. Congo (Brazza), 1 de fevereiro de 1965. 573  SOUTO, 2007, p. 210. 574  Coluna militar que auxiliou a luta guerrilheira em Brazzaville, Cabinda, Congo Leopoldville. Os cubanos interviram em Angola por meio da Operación Macaco, em Cabinda. 575  VALDÉS, Jorge Risquet. El segundo frente del Che em el Congo: historia del batallón Patricio Lumumba. Havana: Casa Editora Abril, 2006, p. 25. 576  DAf/DAC/900.1 (24h) 920(85q) (24h) 430.1(24h) (85g) Consulado dos Estados Unidos do Brasil, Carta-Telegrama. Do Consulado em Luanda, Política cubana em África, 1/11/1965. 571 

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Sabe-se que o PAIGC recebe de Cuba a sua principal ajuda em homens, que ali prestam serviço como guerrilheiros, técnicos, instrutores e médicos. A presença de cubanos tem sido assinalada, por vezes, em grupos de 10 a 20 indivíduos. Tem-se igualmente observado a presença de instrutores no seio do MPLA.577

Jorge Risquet comentou que Agostinho Neto se encontrou com Fidel Castro, em 1966, e que o líder cubano ofereceu toda ajuda necessária e possível para intensificar a luta contra o colonialismo português, incluindo a preparação de quadros militares em Cuba. Além dessa ajuda, Fidel Castro ofereceu vagas aos angolanos em cursos universitários de Cuba578. Da embaixada de Lisboa, Carlos Sylvestre de Ouro Preto reproduziu uma notícia que sustentava a influência de Pequim no Congo-Brazzaville e na Tanzânia. Nessa região, os instrutores chineses, auxiliados por cubanos, preparavam “terroristas” de quatro grupos linguísticos: português, espanhol, inglês e francês. Armas, material de guerra e de abastecimento, provenientes da China, foram desembarcados no porto de Pointe Noire e na Tanzânia, campos de treinamento de guerrilheiros eram coordenados pelos chineses579. Dessa forma, o anticomunismo compunha as preocupações dos governos brasileiros: o risco de subversão, da queda da soberania portuguesa, da ameaça à segurança estratégica do Atlântico Sul e da eminência do domínio comunista global.

PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apontamentos, Relações de Portugal com Cuba, Ponto I, 1971. VALDÉS, 2006, p. 184. 579  DAf/DAO/600.1(10). Da Embaixada em Lisboa, Penetração chinesa na África. Transcrição de Artigo. 5 de abril de 1968. 577  578 

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4. O BRASIL COMO PROTAGONISTA NA GUERRA COLONIAL O Brasil formulou algumas políticas para a guerra colonial, sendo que a Revolução dos Cravos influenciou a tomada de decisão no reconhecimento das independências africanas. Porém, diferente de outras abordagens que apontam no fim do Estado Novo a guinada brasileira, com base em documentação, sustento que o Brasil vinha maturando uma orientação de distanciamento antes mesmo da revolução. O Brasil na Guerra Fria Lusófona: a atuação da PIDE contra os anticolonialistas Desde o momento que as lutas de libertação nacional estremeceram a África, o intercâmbio político entre brasileiros, portugueses e africanos independentistas foi incrementado. Esse contato foi vigiado e reprimido. Sob a justificativa de resguardar a segurança nacional, no Governo de Castello Branco, brasileiros, portugueses e africanos que lutavam pela independência das colônias portuguesas foram interrogados e presos. Apesar do Brasil não ter enviado os presos às autoridades lusas, uma aliança foi selada entre organismos de vigilância brasileiros e a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (Pide) portuguesa580. Esse fato evidencia uma experiência colaborativa entre esses organismos. Dessa forma, o Brasil se envolveu num tema de interesse do Governo português, provavelmente o ponto em comum tenha sido a justificativa de combate ao comunismo.

Segundo a matéria do jornal Correio da Manhã, foram presos: Fidelis Cabral (Guiné-Bissau), Christoph Morais (Senegal), Paul Etammé (Camarões), José Maria Nunes Pereira (Brasil), Elói dos Santos (brasileiro), António Louro (Portugal), José Manoel Gonçalves (Angola), José Lima de Azevedo (Angola), Paulo dos Santos Matoso (Angola). Para depor foram chamados: Luiz Antônio Soares, Iracema Pinto do Amaral e Fernando Mourão, todos brasileiros. Correio da Manhã, 12 de agosto de 1964. 580 

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Diversos líderes de grupos e entidades do movimento negro brasileiro receberam influência das lutas de libertação africana, dos poemas de Agostinho Neto e do livro de Frantz Fanon, Os Condenados da Terra. O movimento negro estadunidense foi outra fonte de inspiração: Martin Luther King, Malcom X, Angela Davis e os Panteras Negras serviram de exemplo para esses brasileiros582. Nas décadas de 1960/1970, esses militantes pensaram nas significações de negritude, racismo e luta antirracista. Assim como o movimento negro, múltiplos foram os setores que se aproximaram da causa africana, alguns deles preferiam ficar no campo da denúncia e da informação, outros até planejaram ações diretas. Em 1961, militantes trotskistas do Birô Latino-americano da IV Internacional, ligados a Juan Posadas, estreitaram o intercâmbio com o PAIGC. A corrente trotskista quis obter um panorama da realidade africana e repassar suas publicações/resoluções sobre o problema colonial583. Em carta enviada a Amílcar Cabral, Molina (assinante da correspondência) solicitou o envio de publicações para que, no Brasil e na América Latina, os trotskistas pudessem ajudar a divulgar a causa africana. Esses materiais serviriam de base para a elaboração de um artigo a ser publicado nos periódicos da corrente na América Latina584. Nas colônias portuguesas, a receptividade com o Brasil, ademais da expectativa de angariar o apoio para as independências, desaguava também no campo da literatura. Líderes nacionalistas beberam nos mananciais brasileiros literários, como atestou Daniel Aarão Reis Filho585: 581

Alberti e Pereira elencaram esses organismos – RS: Grupo Palmares (1970); SP: Centro de Estudos de Arte Negra (1972), Associação Casa de Arte e Cultura Afro-Brasileira, Teatro Evolução (1974); BA: Bloco Ilê Aiyê (1974), Núcleo Cultural Afro-Brasileiro (1976); RJ: Sociedade de Intercâmbio Brasil-África (1974), Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (1975), Grupo de Trabalho André-Rebouças (1975), Centro de Estudos Brasil-África (1975). 582  ALBERTI, Verena; PEREIRA, Amilcar Araujo. O Movimento Negro Contemporâneo. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão. Revolução e Democracia (1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 643. 583  De acordo com a carta assinada por Molina, foram enviados ao PAIGC as seguintes publicações: Fourth International (órgão teórico do Comitê Executivo Internacional da IV Internacional), Frente Operaria e Voz Proletaria. Pedia-se também que os materiais dos movimentos nacionalistas fossem encaminhados aos seguintes militantes: Zulma Nogara (Partido Obrero Revolucionario-Uruguai), Antonio P. De Freitas (Frente Operária-Brasil), Dora Coledeski (Partido Obrero Revolucionario-Argentina), todos posadistas. 584  Envio de publicações do Movimento a que pertencem no Brasil e na América Latina. VI Congresso Mundial sobre a Revolução Colonial sobre Panafricanismo e sindicatos. (1961). Pasta: 04608.053.030. Sem Título, Casa Comum, 11 de setembro de 1961. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_38257. Acesso em: 13 abr. 2015. 585  Depois das independências de Angola e de Moçambique, alguns brasileiros se exilaram nesses países. Esse foi o caso de Daniel Aarão Reis Filho e de João Capiberibe que foram para Moçambique, e de Mário Osava e Maria do Carmo que foram para Angola. 581 

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Era muito grande a leitura de autores brasileiros, que foram relativamente importantes no amadurecimento político dessa gente toda, que liam esses autores brasileiros em Portugal. A literatura brasileira de sentido social, Jorge Amado (acima de tudo), o primeiro Jorge Amado, até “Gabriela, Cravo e Canela”, que era uma literatura de combate, de esquerda, que circulava em Portugal, e que jogou um papel muito importante, José Lins Rego, além de outros autores da literatura regional nordestina brasileira, que suscitaram muita crítica à ordem vigente no Brasil, e como obras literárias não eram censuradas, jogaram um papel muito importante no amadurecimento político daquelas lideranças586.

Ampliando essa rede de contatos, alguns intelectuais começaram a se comprometer com os ventos independentistas soprados da África. Fernando Albuquerque Mourão587 e José Maria Nunes Pereira588 se tornaram ativistas e estabeleceram uma ponte lá e cá. Ambos estudaram em Portugal e tomaram contato com lideranças africanas. Fernando Mourão, enquanto trabalhava como jornalista no Estado de S. Paulo, impulsionou o Movimento Afro-Brasileiro de Libertação de Angola (Mabla), fundado em 1961. José Nunes Pereira transformou sua residência, no Rio de Janeiro, numa espécie de quartel da luta anticolonial. Por lá passaram José Lima de Azevedo (MPLA), que estava exilado em Gana, José Manuel Gonçalves (angolano) e Fidelis Policarpo Cabral D´Almada (PAIGC). Brasileiros e estrangeiros apoiaram ou compuseram o MABLA. A lista de colaboradores do MABLA possuía grande extensão ideológica, cultural, étnica e religiosa589. A saber, em São Paulo: Miguel Urbano Rodrigues, Alexandre Pereira, Augusto Aragão, Maria Herminia Tavares, João Ziccard, Virginia Maestri, Delio Vichi, Américo Orlando da Costa, José Alves da Costa, Victor Cunha Rego, Manuel Myre Dores, Fernando Lemos, Sylvio Band, todos próximos do Partido Comunista Português e do periódico Portugal Democrático. REIS FILHO, Daniel Aarão. Entrevista com o historiador Daniel Aarão Reis Filho. Diálogos (Maringá. Online), v. 19, n. 2, p. 871-894, mai.-ago./2015, p. 875. Entrevista concedida a Tiago João José Alves. 587  Brasileiro, foi ainda jovem para Portugal, estudou na Universidade de Coimbra e na de Lisboa, onde participou como dirigente da associação de estudantes africanos em Portugal, chamada pelo Estado Novo de Casa dos Estudantes do Império (CEI). A CEI se tornou um celeiro dos independentistas, por lá passaram Amílcar Cabral, Marcelino dos Santos, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane, Samora Machel, entre outros. 588  Ajudou a fundar Centro de Estudos Afro-Asiáticos (CEAA) da Faculdade Candido Mendes, estudou em Portugal de 1947 a 1962, trabalhou no birô do MPLA. 589  DOS SANTOS, José Francisco. Movimento Afro-brasileiro pró-libertação de Angola (MABLA) – um amplo movimento: relação Brasil e Angola de 1960 a 1975. 197 f. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010, p. 49-50. 586 

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Por meio da rede de contatos com o MABLA, africanos que vieram ao Brasil para estudar na Faculdade Metodista de São Paulo, como Paulo Matoso, Jacinto Fortunato, Francisco Raimundo Sousa e Santos. Angolanos que vieram estudar em outras faculdades: José Lima de Azevedo, Fernando Costa Andrade, Alberto de Almeida, os irmãos David Costa Lopes, Igor Costa Lopes e Rui Costa Lopes, Brasão Farinha, José Marinha Valadares, Mateus da Silva (FNLA). Os moçambicanos Orlando Dourado e Soares Guedes, o camaronês Paul Koume Ewane, o guineense Fidelis Cabral590. Acadêmicos da Universidade de São Paulo (USP) também endossavam a lista: Ruy Galvão Andrada Coelho, Dirceu Lino Matos, Lourival Gomes Machado, Eurípides Simões de Paulo, Florestan Fernandes, Fabio D’Mattia, Sergio Buarque de Hollanda, Oliveiros Ferreira, Antonio Candido, Mario Shemberg, Rocha Barros. Jornalistas como Vladmir Herzog, Ydeo ONaga (ligados a revista Visão), Samuel Weiner (Última Hora), Júlio de Mesquita Filho, Ruy Mesquita, Cláudio Abramo, Perseu Abramo, Fernando Pacheco Jordão (O Estado de S. Paulo). No Rio de Janeiro, além de José Maria Nunes Pereira, Antonio Louro (português), José Manuel Gonçalves e José Lima de Azevedo. Políticos como Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Afonso Arinos, San Tiago Dantas, Miguel Arrais, Cid Franco, Abreu Sodré. Estudantes ligados a Organização Revolucionária Marxista Política Operária (POLOP): Emir Sader, Renato Pompeu, Eliana Salvia Trindade, Luis Roberto Salinas. Boris Fausto, Yara de Oliveira, entre outros. O MABLA pressionou a União Nacional dos Estudantes (UNE) para que a entidade abraçasse a bandeira independentista. O movimento procurou sensibilizar a sociedade brasileira sobre os dilemas dos africanos, atuando principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro. Agrupou homens e mulheres que almejavam o fim da dominação colonial portuguesa e possuiu uma rede de conexões que ia do PCB a UDN, do PAIGC ao MPLA591. Outros espaços que reuniram partidários da causa africana e também opositores do regime salazarista foram os Centros de Estudos. O Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO, UFBA, 1959), o Centro de Estudos Africanos (CEA, USP, 1965) e o Centro para Estudos Afro-Asiáticos (CEAA, Cândido Mendes, 1973) se enquadram nessa lista. No leque de indivíduos que colaboraram com a edificação de uma política africana, está George Agostinho da Silva, fundador e primeiro diretor do CEAO. Foi solidário à luta pela descolonização, repousando-se 590  591 

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Ver imagem 2. DOS SANTOS, 2010, p. 48.

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num emaranhado de crenças milenaristas. José Honório Rodrigues lecionou no Itamaraty e ajudou a formar diplomatas que se tornaram opositores do salazarismo592. Rodrigues pensava que a fonte que ligava o Brasil com a África tinha origem na democracia racial, também foi um árduo defensor da reaproximação das duas regiões593. As relações entre Senegal e Brasil se tornaram outro vetor que dinamizou essa rede. Por volta de 1963, o Senegal encaminhou uma política consistente de pressão para que o Brasil apoiasse a descolonização. Ao mesmo passo, o Governo de Leopold Senghor procurou combater as concepções freyrianas de lusotropicalismo e de democracia racial, evidenciando suas falências. O Estado brasileiro já possuía Embaixada em Dacar, estabelecida em 1961, além disso, fez um acordo com o Senegal para que o país enviasse estudantes africanos para estudar no Brasil. Para preencher a totalidade das bolsas oferecidas, o Senegal concedeu passaportes a estudantes das colônias portuguesas. Foi nessa brecha que vários nacionalistas aportaram em território brasileiro594. José Lima de Azevedo e Fidelis Cabral foram dois desses estudantes. Em carta enviada a Amilcar Cabral, Filomena Ramos da Cruz procurou repassar os interesses de José Lima de Azevedo no Brasil. Filomena, juntamente ao seu companheiro José Maria Nunes Pereira, representava o birô do MPLA no Brasil. A militância deles comprovava que a transmissão de ideias e a colaboração entre africanos e brasileiros transpassavam as águas do Atlântico. Existia uma sensação de que o Brasil vivia uma fase “nacionalista”, já que experimentava a PEI, e que muitos políticos brasileiros estavam do lado dos africanos. Ciente disso, Filomena informou que a Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, tinha interesse em noticiar os problemas das colônias portuguesas. A jornalista Ana Arruda Callado foi o canal que promoveu uma campanha a favor da luta anticolonial. Callado já havia feito uma reportagem sobre o MPLA, mas a quantidade de informações foi considerada insuficiente para ela. Por isso, Filomena da Cruz solicitou o envio de informações, fotografias de líderes, militantes, guerrilheiros, comandantes, o que enriqueceria o conhecimento do Brasil sobre assunto. José Lima de Azevedo tinha o interesse de formar no país um Comitê de Solidariedade à Guiné, Filomena repassou a Cabral esse anseio. Filomena fez uma lista dos destinatários que esses materiais deveriam ser enviados, incluindo a própria Ana Arruda (Tribuna da Imprensa), 592  593  594 

Ovídio Melo é um dos exemplos. DÁVILA, 2011, p. 37. DÁVILA, 2011, p. 147. 181

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Newton Carlos (Jornal do Brasil), Francisco Julião (Deputado Federal e diretor do jornal A Liga) e Eduardo Portela (Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, do Ministério da Educação)595. Em resposta, Amilcar Cabral agradeceu o intermédio, dizendo que já havia lido o artigo de Ana Arruda e que reconhecia o ânimo e as boas intenções da jornalista. Amilcar Cabral se comprometeu em enviar os materiais solicitados e sugeriu alternativas para a difusão da causa nacionalista: Pensamos que talvez seja mais fácil mobilizar as pessoas à roda de coisas simples mas concretas. Por exemplo, em torno da necessidade de ajudar os feridos dos combates, de assistir aos órfãos dos militantes de nosso Partido, de difundir o carácter e a atividade do nosso Partido, de dar a conhecer a sua história, a situação actual do nosso povo e a sua vida, organizar uma luta contra a repressão colonialista, etc596.

No Brasil, Fidelis Cabral, que se formou em direito na USP597 graças a uma bolsa cedida pela Universidade de Dacar, enviou uma carta a Amilcar Cabral, propondo se tornar um correspondente no país: […] sempre desejei contribuir de algum modo para o sucesso da causa que os senhores estão defendendo, e a maneira mais lógica que me pareceu de dar esta contribuição, era actuar aqui como uma espécie de representante seu, escrevendo constantes artigos para os jornais, difundindo notícias acerca das atividades e progressos do PAIGC, em fim, interessando o povo brasileiro na nossa luta.598

Para Fidelis Cabral, a faculdade de direito tinha garantido “um modo de vida honesta e independente”,599 mas ele queria ir além e se comprometer com a luta de seus compatriotas. Fidelis Cabral solicitou ser o representante Comunica que recebeu no Brasil os dois comunicados enviados pela CONCP sobre os acontecimentos na Guiné, os quais entregou à jornalista Ana Arruda do jornal Tribuna da Imprensa. Sugere que os partidos e movimentos políticos comuniquem com a mesma jornalista, a qual “está decidida a levantar uma campanha jornalística” a favor do PAIGC. Refere à falta de elementos sobre a luta de libertação para apresentar nos meios políticos e ao público em geral. Sugere a criação do Comité Brasileiro de Solidariedade à Guiné. Pasta: 04613.069.106. (1963), Casa Comum, Sem Título. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc36188. Acesso em: 13 abr. 2015. 596  Sem Título, Casa Comum 28 de Junho de 1963. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36098. Acesso em: 13 abr. 2015. 597  Fidelis cursou o último ano do curso no Brasil, depois se tornou o primeiro-ministro da Justiça de Guiné-Bissau. 598  Fidelis Cabral, Cidade Universitária, São Paulo, Brasil, Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_36012 (2015-4-13), 6 de Março de 1963. 599  Comunica que terminou o curso de Direito, na Universidade de S. Paulo, e coloca-se à disposição do PAIGC, como representante do partido no Brasil. Solicita o envio de informações e propaganda sobre a luta de libertação na Guiné, a pedido da imprensa brasileira. Pasta: 04613.069.051, Casa Comum, Sem Título, 6 de março de 1963. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36012. Acesso em: 13 abr. 2015. 595 

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do PAIGC no Congresso de Estudantes dos Países Subdesenvolvidos, realizado em Salvador600. Amilcar Cabral, em nome do PAIGC, autorizou sua participação601. A colaboração de Fidelis se ampliou para a promoção de propaganda e de informação no Brasil e no Cone Sul, conforme atesta outra declaração, dessa vez assinada por Aristides Pereira, membro do Bureau Político do PAIGC602. Antes de sua prisão, por passagem pelos Estados do Rio de Janeiro, da Guanabara e de São Paulo, Fidelis Cabral reconheceu que foi um sucesso sua missão de propaganda. Jornais deram cobertura, com exceção do jornal O Globo, que para Fidelis representava um “símbolo da reacção e fascismo de um certo governador”. No Rio e em São Paulo, Fidelis proferiu diversas conferências e participou de programas de TV e de Rádio. Em Brasília, estava agendada uma reunião com João Goulart. No Pernambuco, Miguel Arraes o esperava, garantindo colaborar com seu périplo pelo Nordeste603. O jornal O Semanário reproduziu uma matéria sobre a passagem de Fidelis Cabral pelo Brasil. Na entrevista concedida ao jornal, Cabral fez um apelo: Se as autoridades governamentais e os sindicatos brasileiros puderem oferecer-nos bolsas de estudo, sobretudo para a formação de especialistas em mecânica e enfermagem, estarão prestando inestimável contribuição a um povo que tenta libertar-se hoje do mesmo opressor de que o Brasil se livrou há mais de um século604.

O projeto de obtenção de bolsas de estudos, ademais das campanhas de solidariedade, tinha se tornado uma necessidade, os nacionalistas careciam de quadros e essa se tornou uma boa maneira de suprir esse deficit. Cabral comparou a luta desempenhada em Guiné-Bissau com a situação já vivida Congresso dos estudantes dos Países Sub-desenvolvidos a realizar em Salvador (Bahia). Solicita credencial que o habilite o pronunciamento em nome do País. Pasta 04613.069.125. (1963), Sem Título, Casa Comum, junho de 1963. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36260. Acesso em: 13 abr. 2015. 601  Declaração assinada por Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, acreditando Fidelis Cabral de Almada como representante do PAIGC no Congresso dos Estudantes dos Países Sub-desenvolvidos, no Brasil. Pasta: 07067.093.129. “Declaração”, Casa Comum, 28 de junho de 1963. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_42033. Acesso em: 15 abr. 2015. 602  Envio de segunda via de declaração certificando Fidelis Cabral de Almada para a missão de informação e propaganda do PAIGC no Brasil e outros países sul-americanos. Reunião de quadros no interior. Pasta: 07065.085.002, Sem Título, Casa Comum, 9 de dezembro de 1963. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_35853. Acesso em: 14 abr. 2015. 603  Relata o êxito que foi a sua [Fidelis Cabral de Almada] passagem pelo Rio [de Janeiro], Guanabara e São Paulo, nomeadamente a cobertura dos orgãos de comunicação social às conferências realizadas e a recepção por membros do Governo brasileiro. Pasta: 04611.060.024 (s.d.), Sem Título, Casa Comum. Disponível em: http:// hdl.handle.net/11002/fms_dc_34437. Acesso em: 14 abr. 2015. 604  O Semanário, n.º 371, 6 a 9 de fevereiro de 1964, p. 6. 600 

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pelo Brasil, que suportou o domínio português durante séculos. Fernando Albuquerque Mourão, em correspondência enviada a Mário de Andrade, relatou seu esforço em obter bolsas para jovens do PAIGC e do MPLA. Mourão havia estabelecido contatos com o analista político Datus Carryer Proper, ex cônsul em Luanda, que estava em São Paulo, e conversado, em Washington, com Georg Higt, que trabalhava no setor de colônias portuguesas. Depois das negociações, Mourão foi chamado ao Consulado dos EUA em São Paulo e recebeu a notícia de que o Departamento de Estado havia concordado em ofertar bolsas a estudantes africanos. As bolsas seriam conferidas pelo The African American-Institute605. Mourão tentou intermediar a vinda de Mário Pinto de Andrade para lecionar na USP, como está evidenciado no ofício enviado pelo professor Oliveiros Ferreira. Ferreira informou Mourão que o Conselho de Professores da Cadeira de Política havia concordado com a participação de Mario de Andrade na disciplina “A ideia da Revolução Brasileira”.606 Nessa mesma efervescência, o grupo formado por Fernando Mourão, José Manuel Gonçalves, José Maria Pereira e José Lima de Azevedo pretendia aprofundar a colaboração com a luta africana. Como o grupo havia se aproximado dos deputados Leonel Brizola e Oswaldo Pacheco da Silva, uma das ações pretendia estabelecer uma campanha de boicote aos produtos portugueses no Brasil. Alcançando o apoio do MRE, o grupo aspirava enviar medicamentos para o MPLA e vetar as transferências monetárias realizadas pelos portugueses que viviam no Brasil607. Esses exemplos demonstram que os laços de solidariedade se estendiam entre brasileiros, portugueses e africanos. A campanha interna, feita por brasileiros, os próprios documentos do PAIGC, mas também do Itamaraty, confirmam que o Grae, o MPLA, a Frelimo e o PAIGC realizaram missões de propaganda e informação no Brasil608. Companheiro, no Brasil, aflito notícias eventual assassinato Mário de Andrade. Comunica obtenção bolsas do The African-American Institute, para jovens do MPLA e PAIGC. Pasta: 04308.007.005. Sem Título, Casa Comum, 19 de abril de 1965. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_82782. Acesso em: 16 abr. 2015. 606  Hipótese trabalho para Mário de Andrade na FFCL da USP. Pasta: 04308.007.005. Sem Título, Casa Comum, 19 de abril de 1965. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_82782. Acesso em: 16 abr. 2015. 607  BITTENCOURT, Marcelo. As relações Angola-Brasil: referências e contatos. In: CHAVES, Rita; SECCO, Carmen; MACÊDO, Tania (org.). Brasil/África: como se o mar fosse mentira. São Paulo: Editora UNESP. Luanda: Edições Chá de Caxinde, 2006, p. 79-109. 608  (1964), Envio de segunda via de declaração certificando Fidelis Cabral de Almada para a missão de informação e propaganda do PAIGC no Brasil e outros países sul-americanos. Reunião de quadros no interior. Pasta: 07065.085.002. Casa Comum, 22 de fevereiro de 1964. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/ fms_dc_35853. Acesso em: 19 jul. 2014. 605 

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Os gestos superavam as palavras e os debates, agrupavam ações desafiadoras, afrontando o regime português. Com o golpe efetivado, o Estado brasileiro tomou posturas reais contra essa interconexão, promovendo a investigação e a prisão de líderes nacionalistas e de apoiadores da causa. Fidelis Cabral foi um dos presos, teve sua residência danificada e suas correspondências violadas. Na prisão, foi humilhado e sofreu maus tratos609. Para ser solto, foi preciso uma intervenção do presidente do Senegal, Leopold Senghor, que enviou um telegrama ao embaixador do Brasil em seu país, Frederico Chermont Lisboa, exigindo sua libertação610. O governo respondeu que Fidelis Cabral tinha sido libertado 48 horas depois de sua prisão e que já havia partido para a África611. Senghor foi o primeiro presidente africano a visitar o Brasil pós-1964, em setembro. A missão pretendia pressionar o Governo brasileiro para que o Brasil se tornasse um intermediário nas negociações entre Portugal e os movimentos nacionalistas. Senghor também questionou as posições do Brasil, passando pelos “apelos morais e sentimentais” até duras pressões sobre Castello Branco612. O poeta angolano Fernando Costa Andrade também foi preso613 e expulso do país. Fernando Costa estava estudando arquitetura e ajudava a sensibilizar o povo brasileiro pela causa de libertação. A União Geral dos Estudantes da África Negra (Ugean) promoveu uma campanha pela libertação de Fidelis Cabral614 e de Fernando Costa Andrade. Com a prisão de José Manuel Gonçalves, estudante angolano, e do jornalista Fernando Albuquerque Mourão, a entidade veio novamente pedir a solidariedade dos “amantes da paz e da liberdade”. Considerando que as prisões possuíam teor antidemocrático e arbitrário, a Ugean solicitou que fossem enviados telegramas de protestos a Leitão da Cunha, Castello Branco e Carlos Lacerda. A Ugean advertiu que “a vida de patriotas angolanos e de simpatizantes da Revolução Angolana” estava em perigo. MOREL, Edgar. O golpe começou em Washington. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 136. Foi informado da detenção de Fidelis Cabral, responsável do PAIGC, durante uma missão de informação no Brasil. Solicita a intervenção do Embaixador junto ao Governo para que ele seja libertado. Pasta: 04612.064.045, Sem Título, Casa Comum, abril de 1964. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35756. Acesso em: 21 abr. 2015. 611  Acusa recepção da carta sobre o pedido de libertação de Fidelis Cabral, preso no Brasil e informa que este foi libertado 48 h depois, seguindo por iniciativa própria para África. Pasta: 04612.064.046. Sem Título, Casa Comum, 6 de maio de 1964. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35760. Acesso em: 21 abr. 2015. 612  DÁVILA, 2011, p. 145-146. 613  Foi em sua prisão no Brasil que o poeta escreveu os seguintes versos: “Não há sonho com mais asas que o sonho encarcerado”. ANDRADE, Fernando. Poesias com armas. Lisboa: Sá da Costa, 1975. 614  Depois de libertado, Fidelis partiu para Dacar no dia 20 de abril de 1964. 609  610 

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No mesmo documento, relatou-se que na manhã do dia 21 de junho, membros do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e agentes da Pide entraram no: […] alojamento do estudante brasileiro José Maria Pereira, donde o saquearam. José Maria Pereira foi imediatamente encarcerado juntamente com Antonio Louro, portugues anti-Salazarista e com alguns companheiros que ocasionalmente se encontravam presentes. Estes companheiros, foram brutalmente agreditos, durante os prolongados interrogatorios a que foram submetidos pela polícia do fascista Lacerda no Rio de Janeiro. Simultaneamente, as mesmas autoridades fizeram pressão sobre a esposa de José Maria Pereira, a estudante angolana e militante de nossa organização Filomena Ramos da Cruz Pereira, que se encontra em estado avançado de gravidez, no intuito de a encaminharem para as garras da Gestapo portuguesa [PIDE]. No Rio de Janeiro, receia-se uma nova prisão do estudante angolano, militante de nossa organização, Jose Lima de Azevedo, contra quem são dirigidas constantes ameaças. Comunicado sobre prisões de angolanos no Brasil, União Geral dos Estudantes da África Negra Sob Dominação Colonial Portuguesa (UGEAN).615.

A União dos Estudantes da Universidade de Londres escreveu uma carta endereçada ao Foreign Office solicitando que o Governo britânico interviesse no caso das deportações desses estudantes. A entidade criticou o Governo brasileiro por causa da repressão movida contra o movimento estudantil616. Na carta da entidade, José Azevedo, Fidelis Cabral, Fernando Andrade, Paul Ewane e Christophe Morais foram apontados como possíveis deportados pelo governo brasileiro. Do Consulado de Luanda, Sérgio Corrêa do Lago enviou um telegrama ao Itamaraty solicitando informações sobre as prisões de angolanos no Brasil. Ele havia escutado a notícia por meio de captação radiofônica. Apesar de não ter sido veiculada em agência oficial, a notícia informava que um grupo comunista, que possuía ligação com residentes angolanos, pretendia desencadear a revolução em Angola617. Comité Executivo da UGEAN. Pasta: 04514.005. (1964), “Comunicado sobre prisões de angolanos no Brasil”. Casa Comum, 8 de Setembro de 1964, Algerie. Disponível em: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_82571 Acesso em: 21 abr. 2015. 616  CANTARINO, Geraldo. 1964: a revolução para inglês ver. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 93. 617  DAF/500.1 500.31(88m). Plano comunista brasileiro para Angola, 29 de abril de 1964, Urgente, do Consulado em Luanda. Ver imagem 4. 615 

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Em Memorando que circulava pelo Itamaraty, havia uma descrição sobre as prisões e os presos. O documento salientava que o português José Lima de Azevedo desenvolvia atividades políticas no Brasil desde 1962, possuindo ligações com José Maria Nunes Pereira e com o Partido Comunista Português (PCP). Que Azevedo tinha estabelecido contato com a União Nacional dos Estudantes (UNE), por meio de José Manuel Gonçalves Rosa618 e Christophe Nascimento Morais. Com ajuda do padre Alípio de Freitas, liderança religiosa próxima das Ligas Camponesas no Nordeste, José Lima de Azevedo conseguiu emprego para trabalhar na redação do jornal A Liga619. José Lima de Azevedo foi preso, acusado de participar da elaboração de um plano de guerrilha pensado pela UNE. Fernando Costa Andrade, bolsista do Itamaraty e estudante de arquitetura, foi preso sob a acusação de ter ligação com grupos militares da oposição de esquerda. Ambos foram acusados de manterem conexões com o Grae, sendo liberados nos dias 20 e 22 de abril620. Para inflamar o alerta das autoridades brasileiras, um plano guerrilheiro elaborado pela UNE, para ser empregado em Angola, foi supostamente encontrado em documentos da entidade. Baseando-se nessa série de documentos apreendidos pelas autoridades brasileiras, o jornal português Diário de Notícias, no dia 28 de abril de 1964, publicou um dossiê reforçando a tese de que a entidade pretendia traçar guerrilhas em Angola. O jornal informou que Rosário Neto, do Grae, havia repassado a José Gonçalves, da UNE, uma descrição sobre a conjuntura e os movimentos presentes em Angola. Nos documentos, Rosário Neto reforçava a importância de estabelecer uma rede de contatos entre o Brasil e Angola. Marcos Jaimovich621, que fazia parte da União da Juventude Comunista (UJC), órgão de juventude do PCB, foi identificado como o “cérebro” da comunicação e da articulação internacional. Jaimovich foi acusado de desviar verbas da UNE para preparar células guerrilheiras na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI) No Memorando brasileiro, sua nacionalidade está descrita como portuguesa, na verdade, José Manuel possui nacionalidade angolana. O documento demonstra que o governo brasileiro reconhecia Angola enquanto uma colônia de Portugal (Guiné Portuguesa), por isso o descreveu como português. 619  Memorandum. 600.(88m) 7(88)(42)01, Confidencial, Rio de Janeiro, 14 de maio de 1964. 620  Plano comunista para Angola elaborado no Brasil. Daf/DCInt/DEOc/SSN 600. (88m) 500.31(88m/500.1), 27 de Maio de 1964. Confidencial-Urgente, Carlos Eiras, Secretário Geral Adjunto para Assuntos da Europa Ocidental, África e Oriente Próximo. 621  Antes do golpe, o líder comunista trabalhou com Oscar Niemeyer na construção de Brasília, depois do golpe, coordenou o escritório de Niemeyer em Paris. Entre as décadas de 1960 e 1970, Jaimovich ajudou a organizar as delegações brasileiras que participavam dos encontros e festivais de estudantes pelo mundo. 618 

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da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na FNFI estudava Anita Leocádia Prestes, filha de Luiz Carlos Prestes, que igualmente foi acusada de colaborar com o plano, apontada como a tesoureira do núcleo comunista na faculdade. O suposto plano revolucionário da UNE foi identificado no documento “Organização para a Revolução”, elaborado por Jaimovich, feito à máquina em papel timbrado da UNE, conforme descreve o dossiê do jornal. As ações guerrilheiras consistiriam na disseminação dos distúrbios em Luanda, Benguela e Muitá, em ataques em Marques de Carvalho, Malange e Luso, no naufrágio de um navio e na destruição de ferrovias e rodovias. Como parte das operações, a intervenção deveria aumentar a mobilização, os ataques, as emboscadas, a sabotagem, os atentados, estendendo a luta a Portugal e Moçambique. Por fim, estabelecer uma guerra econômica que interrompesse as importações e as exportações, cortando também as comunicações622. O Jornal da Semana, num programa de rádio dirigido por Artur Maciel, reforçava a mesma acusação sobre o papel da UNE na formação de um plano guerrilheiro. No script do programa, apresentado no dia 9 de maio de 1964, afirmou-se que sob o governo do ex-presidente João Goulart, os comunistas consideravam o Brasil um país já conquistado. Assim, os comunistas brasileiros se sentiam livres para “exportar” seu apoio aos angolanos623. O deputado Nina Ribeiro (Arena) levou até a assembleia legislativa parte do material apreendido na casa de Jaimovich e na FNFI, com o interesse de comprovar a atividade “subversiva” da UNE no Brasil e no exterior, demonstrando ainda as conexões da entidade com o PCB. Uma reportagem no programa “Noite de Gala”, da TV Rio, também foi veiculada, com o intuito de deteriorar a imagem da UNE624. Em entrevista realizada com a historiadora Anita Leocádia Prestes, ela afirmou que a UNE não projetou nenhuma intervenção guerrilheira e que ela sequer compunha a direção da entidade. Em sua opinião, mesmo com a demonstração solidária da entidade com os movimentos nacionalistas, se tratava de uma calúnia promovida pelos agentes da PIDE e pela repressão brasileira para facilitar a ofensiva contra os movimentos sociais. Ela, inclusive, disse que não sabia que havia sido citada nesses documentos e que desconhecia a existência de tal plano625. Diário de Notícias, 28 de abril de 1964. Jornal da Semana – 2 a 8 de maio de 1964, 315º, onda curta, 9 de maio de 1964. Disponível em: http://museu. rtp.pt/app/uploads/dbEmissoraNacional/Lote%2034/00006200.pdf. Acesso em: 2 maio 2015. 624  O Globo, 11 de maio de 1964, Vespertina, Geral, p. 18. 625  PRESTES, Anita Leocádia. Entrevista com a historiadora Anita Leocádia Prestes. Não publicada, 2015. Entrevista concedida a Tiago João José Alves, Florianópolis. 622  623 

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Voltando ao tópico sobre os presos políticos no Brasil, Luiz Jorge Rangel de Castro, chefe interino da Divisão da África, informou o Itamaraty sobre a repercussão negativa na África dessas prisões 626. A opinião pública e os movimentos nacionalistas ficaram estarrecidos com a notícia, temiam que dois dos presos, José Lima de Azevedo e Fernando da Costa Andrade, fossem entregues ao Estado Novo. Rangel de Castro informou que as Missões diplomáticas brasileiras precisavam de instruções urgentes, pois uma campanha atacava o governo brasileiro e que notas de protesto tinham sido enviadas por entidades nacionalistas africanas. O Grae endossava essa campanha de críticas ao Governo brasileiro. A Divisão da África se esforçou em descobrir se os presos estavam em território nacional, se haviam sido levados para outros Estados, ou se haviam deixado o país. Rangel de Castro tomou uma postura de sugerir que o governo brasileiro esclarecesse oficialmente o que estava ocorrendo e que deixasse claro que os presos não seriam entregues às autoridades portuguesas. A Pide possuía uma extensa rede de colaboradores, os chamados bufos, seus tentáculos estavam por todos os lados627, tendo como função o combate aos “crimes políticos” contra a segurança interna e externa de Portugal. Foi uma “instituição especializada na informação, vigilância, investigação e, sobretudo na repressão política”, intervindo contra os “adversários” do Estado Novo. Depois de 1961, uma de suas principais atribuições foi o combate aos movimentos de libertação. Sua atuação abrangeu parcerias com agências secretas e com polícias análogas de outros países, incluindo o Brasil628. Em 1959, com o asilo outorgado pela Embaixada brasileira em Lisboa ao ex-candidato de oposição Humberto Delgado, fato que suscitou um atrito com Álvaro Lins, embaixador que concedeu o direito, a Pide abriu sua primeira parceria com um organismo brasileiro. Foi aprovado um acordo de troca de informações entre a Pide e o Departamento Federal de Segurança do Rio de Janeiro629. Em documentação acerca das relações Brasil/Portugal, no Arquivo Histórico-diplomático do Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, confirmei que a Pide possuiu um agente para seguir Prisão de nacionalistas angolanos. Repercussões desfavoráveis na África. 600.(88m). Confidencial-Urgente, DAf/32, Secretário Geral Adjunto para AEAF, 15 de maio de 1964. 627  ALMEIDA, 2011. 628  PIMENTEL, Irene Flunser. A história da PIDE. Lisboa: Círculo de Leitores, 2016, p. 11, 108. 629  PIMENTEL, 2016, p. 126. 626 

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os ativistas da causa africana/antisalazarista no Brasil630. A tesouraria da Pide direcionava as finanças de seu “Fundo de Assistência” para o pagamento de uma média de 1.000$00 Escudos ao agente Pedro da Silveira631. Pedro da Silveira acompanhou as movimentações do Portugal Democrático e da Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), e de diversos políticos e militantes, dentre eles: Humberto Delgado, Filipe Viegas, José Maria Nunes Pereira, José Manuel Gonçalves Rosa, Fernando da Costa Andrade, Luiz Antônio Soares, Fidelis Cabral, Antero de Almeida, Roberto Claudio da Gama, José Lima de Azevedo, Tenente Colares, Padre Algemiro Munhões, Iracema Pinto de Aguiar, Cristovão Morais, entre outros. Pouco antes da ascensão de Castello Branco, Pedro da Silveira informou que Fidelis Cabral promoveu uma palestra no dia 4, na Associação Brasileira de Imprensa. Seu nome e o do professor Henrique Miranda foram indicados para compor a mesa diretora que criaria uma Associação Brasileira Contra o Colonialismo Português. O relato de Pedro da Silveira informou que o professor Miranda também fez um levantamento financeiro de 55 000.00 cruzeiros para ajudar Cabral632. Pedro da Silveira demonstrou ser o detentor das informações sobre os ativistas suspeitos que atuavam no Brasil, salientando que podia influenciar na decisão sobre seus paradeiros. O agente da Pide partiu da ideia de que o Governo brasileiro poderia colaborar com a repressão contra esses ativistas, chamados de “comunistas portugueses”. Na primeira semana do mês de abril de 1964, em decorrência do golpe, o agente da PIDE elaborou um Relatório Geral repassando as últimas informações sobre a “Oposição Portuguesa” e os “Movimentos Nacionalistas das Colônias Portuguesas” ao Ministro dos Negócios Estrangeiros português, Franco Nogueira. No Relatório Geral, afirmou que os “comunistas portugueses” (angolanos e guineenses entram especialmente nessa Um agente chamado Jorge também foi enviado ao Brasil, mas para acompanhar especificamente o ex-candidato à presidência de Portugal Humberto Delgado, espionado por ser considerado um dos principais adversários do salazarismo (PIMENTEL, 2016, p. 325). 631  Os seguintes documentos atestam isso, Pide: PEA, n.°481-CI (2), Seção Central, Secreto. Polícia Internacional e de Defesa do Estado, 20 de março de 1964. PEA, n.°1.437 CI (2), Seção Central, Secreto. Verba cativa na Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro. Polícia Internacional e de Defesa do Estado, 1 de agosto de 1966. Além desses documentos, há discussões sobre o aumento dos preços dos serviços prestados pelo agente e recibos que Pedro da Silveira remeteu para comprovar o recebimento de dinheiro para se manter no Brasil. Nos documentos levantados, Pedro da Silveira se fez presente no Brasil de 1963 a 1967. 632  ANTT: Associação Brasileira contra o Colonialismo português PIDE/DGS SC CI (2) 1831 NT 7141 Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna, Proc. 331,1 PO 180, SECRETO. Lisboa, 9 de março de 1964. Pedro da Silve documentação a Pide – Serviços de Segurança Entr.8854-REC.11/3/64, Secção Central. 630 

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categoria) possuíam ligações com comunistas brasileiros e com a UNE, o que facilitaria uma ação conjunta com o Governo brasileiro, em virtude do inimigo comum: As autoridades policiais brasileiras da Guanabara e Estado do Rio, devem estar interessadas nas suas atividades subversivas. Como estrangeiros, são passíveis de expulsão em consequência delas. Seria bastante conveniente fazer desparecer da atividade anti-portuguesa aqui no Rio, os elementos acima referidos [ José Lima de Azevedo, Fidelis Cabral, José Manuel Gonçalves Rosa, José Maria Nunes Pereira, Cristophe Morais]. Bastaria uma informação transmitida às autoridades brasileiras da Guanabara. Esta a sugestão633.

A hipótese que surge desse documento é que Pedro da Silveira foi o responsável pelo fornecimento dos indícios que permitiram a efetuação das prisões e das apreensões. Também se pode entender que a decisão de reprimir e acabar com a presença de “portugueses” indesejáveis no Brasil estava nas mãos do Estado português. Isso não significa que os agentes brasileiros não soubessem nada sobre o tema, até porque a presença de estudantes africanos e portugueses foi matéria pública. Ocorre que a Pide pode ter atuado como incentivadora da repressão, por ter associado esses indivíduos à luta comunista. Além disso, como Pedro da Silveira espionava todas as movimentações desses militantes, essas informações facilitaram o trabalho dos brasileiros. Após a liberdade dos angolanos e guineenses presos, Pedro da Silveira repassou novos informes sobre a situação de alguns desses ativistas: Até o momento, não houve mais notícias do José Manuel Gonçalves e de José Lima de Azevedo. Continuam escondidos algures. Quanto ao José Manuel Gonçalves [...], ele deve estar com receio de se descobrirem suas ligações com o destacado elemento comunista Jaimovith (Marcos), ativamente procurado pela Polícia como perigoso agitador. Quanto ao Lima de Azevedo, encontra-se igualmente ligado às atividades desenvolvidas pelo Padre Alípio de Freitas [...]. Em relação com o Christophe Morais e Fidelis Cabral, presos no seu apartamento [...], foram restituídos à liberdade dias depois634. PEA, n°7/64, n°708, Secreto. Embaixada de Portugal, Rio de Janeiro, 13 de Abril de 1964. O relatório foi elaborado no dia 7 de abril de 1964, a data acima se refere ao envio do documento ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. 634  PEA, Processo 7/64, n°866, Secreto. Relatório da pessoa mencionada no despacho n°18. Embaixada de Portugal, Rio de Janeiro, 4 de Maio de 1964. 633 

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A Embaixada portuguesa no Brasil repassava informações sobre intelectuais e políticos favoráveis e contrários ao regime português, e ainda intermediava as ações da Pide no Brasil, discutindo repasse de verbas, enviando as informações e relatórios ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, à Pide e ao Ministério do Ultramar. Alípio de Freitas, em entrevista concedida ao autor e ao historiador Diego Pacheco, confirmou que diversos ativistas anticolonialistas moraram em seu apartamento no Rio de Janeiro635, circulando por São Paulo, contando com a solidariedade da UNE. Porém, suas atividades eram limitadas em decorrência das dificuldades impostas pelos órgãos dos governos brasileiro/português. Para Alípio de Freitas, a ditadura brasileira sempre apoiou Portugal na luta contra os povos da África, por esse motivo, eles foram presos. Expressou que José Lima de Azevedo foi seu secretário por mais de um ano e que tinha um papel ativo na realização de conferências e bate-papos. Comentou que todos participavam de atividades, atuando em suas causas e que tinham um comportamento militante. Quanto ao plano guerrilheiro da UNE, pensa que foi “falcatrua” dos órgãos de repressão. Por fim, nos disse que um português frequentava sua casa, pedindo ajuda aos portugueses/africanos pobres, depois esses próprios ativistas descobriram que ele era um agente da Pide636. Resta saber o nome desse possível agente... Durante o regime militar, houve uma colaboração entre a Pide e o DOPS, baseada na troca de documentos e na detenção de suspeitos radicais. Inclusive, as prisões efetuadas em 1964 teriam contado com a ajuda do DOPS637. A parceria, na verdade, foi firmada inicialmente entre o Departamento de Polícia Política e Social638 (DPPS) do Rio de Janeiro e a Pide. Os detidos foram entregues ao Centro de Informação da Marinha (Cenimar), depois responderam Inquéritos Policiais Militares (IPM) presididos pelo capitão de corveta Hemir Soares e assim presos. Como aponta o jornal Correio da Manhã, eles ainda foram interrogados na presença de um agente da Pide, chamado Passos639. Portanto, tanto a matéria do Correio da Manhã José Maria Nunes Pereira, José Manuel Gonçalves, José Lima de Azevedo, Fidélis Cabral. FREITAS, Alípio de. Um padre e a revolução: uma conversa com o século XX, Revista Esboços, Florianópolis, v. 24, n. 37, p. 183-211, ago. 2017. Entrevista concedida a Diego Pacheco e Tiago João José Alves. 637  DÁVILA, 2011, p. 151. 638  Em 1964, a Lei estadual n.º 5454, de 27 de novembro de 1964, criou o Departamento de Polícia Política e Social (DPPS), subordinado à Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro. Somente com o Decreto n.º 15.330, de 10 de agosto de 1971, que o DPPS se tornou Departamento Autônomo de Ordem Política e Social (DOPS). Ver: http://www.aperj.rj.gov.br/g_dep_aut_ord_pol.htm. Acesso em: 19 mar. 2016. 639  Correio da Manhã, 12 de agosto de 1964. 635  636 

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quanto o próprio relatório de Pedro da Silveira sustentam que foi do Rio de Janeiro que partiram as ações contra africanos, brasileiros e portugueses simpatizantes da causa africana no Brasil. As visões cautelosas de Rangel de Castro atentaram o Governo brasileiro sobre os impactos que uma repressão contra defensores da causa independentista, especialmente os africanos, poderia trazer. No Brasil, a Pide, por meio de seus agentes, atuou na vigilância e no controle daqueles considerados inimigos do Estado português. Além da parceria firmada entre a DPPS e a Pide, órgãos de segurança pública do Brasil realizaram acordos e trocas de informações com as polícias portuguesas antes mesmo da ditadura. No Governo de Juscelino Kubitscheck, em telegrama endereçado ao senhor Neves Graça, diretor da Pide em Lisboa, o General Amaury Kruel, chefe de polícia do Distrito Federal, iniciou a comunicação telegráfica entre os serviços policiais português e brasileiro, esperando que o novo serviço pudesse POSSIBILITAR PRONTA SOLUÇÃO PROBLEMAS QUE NOS SÃO COMUNS VG AUGURANDO POSSA TAL INOVAÇÃO ESTREITAR AINDA MAIS OS LAÇOS QUE UNEM PORTUGAL VG DANDO MAIOR RAPIDEZ E EFICÁCIA A TROCA DE INFORMAÇÕES640.

Depois, durante os governos de Jânio Quadros e de João Goulart, em suma, as atividades realizadas por brasileiros que fossem relacionadas a Portugal eram vigiadas pela Pide. Comunicações, correspondências, reuniões, encontros, existia insegurança de que esses governos eram verdadeiros inimigos de Portugal. A indicação do Dr. Frederico Carlos Carnaúba para cônsul brasileiro em Luanda, por exemplo, suscitou preocupação nos círculos da Pide em Angola. Carnaúba foi acusado de ter sido escolhido por Quadros por “perfilhar ideias demo-socialistas e estar abertamente de acordo com a política” janista. Que o referido cônsul não tomou nenhuma ação a favor da política ultramarina, pois Carnaúba seria favorável à independência de Angola e apoiaria a oposição portuguesa. Teria avistado elementos suspeitos, como um dos exemplos o documento cita seu suposto encontro com Aires da Silva Almeida Santos, integrante do MPLA. Alivio Vieira, chefe da brigada ANTT: Acordo com o Departamento Federal de Segurança Pública do Rio de Janeiro para troca de informações Serviços de Segurança, Divisão de Informação, S.R. PIDE/DGS SC CI (2) 6341/A NT 7431 Pasta 4. PIDE Rádio, Dependência: Rio de Janeiro, n°5, palavras, 15 de Junho de 1957, às 12h.Recebido Posto PYZ2, 17/6/1957, às 00h25min, o Telegrafista Corôa. [Troca de informações telegráfica entre polícias de Portugal e Brasil, 1957]. 640 

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que assina o documento, salientou que para o encontro não pretendia falar sobre diplomacia, afirmando ter escutado uma declaração de Carnaúba contra Portugal: “e querem estes pitos ser considerados como civilizadores, quando eles deviam ser governados pelos pretos para que os educassem. Isto é próprio de selvagens e só dos portugueses poderia sair”.641 Na linha de receios com os governos da PEI, uma circular da PIDE proibiu a participação de angolanos na Bienal de Pintura em São Paulo: “Torna-se necessário impedir que alguém saia da Província para ali representar Angola”.642 E claro, no mesmo período, houve acordos entre as polícias brasileiras e portuguesas. O senhor Alberto J. Soares, inspetor da Divisão de Polícia Política e Social (DOPS/SP) do Departamento Federal de Segurança Pública do Brasil foi apontado como um fiel colaborador junto à Embaixada de Portugal. Soares colaborou com informações sobre a presença do general Humberto Delgado no Brasil. Foi reconhecido como um profundo conhecedor da personalidade de Jânio Quadros643. Ao visitar Portugal, a convite do Embaixador de Portugal no Brasil, Soares foi apresentado da seguinte maneira: Ascendência portuguesa (Ponte de Lima - Minho). Pessoa séria e correcta. Colaborador activo do Senhor Embaixador Português no Brasil, neutralizando ou combatendo todas as dificuldades que ali têm surgido provocadas pelo ex-general Delgado. Amigo e colaborador devotado de todos os elementos da colónia portuguesa que apoiam o Governo Português644.

Conforme foi apontado, consulados e embaixadas portuguesas colaboravam com o fornecimento de informações a Pide, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, ao Ministério do Ultramar, aos governadores gerais e às demais autoridades. Foi uma ampla rede de informação e contrainformação, ANTT: PIDE. Serviço N.° 298/63, Relatório n.° 597/63. Averiguação sobre as actividades do Consul do Brasil em Luanda, a fim de fornecer esclarecimentos quanto ao n.° 7 da informação, MUITO SECRETO, n.° 3/63-S.R [1963]. 642  ANTT: Polícia Internacional e de Defesa do Estado, delegação em Angola. CONFIDENCIAL. Circular n.° 38?63-S.R, 5 de setembro de 1963. 643  ANTT: Polícia Brasileira, PIDE/DGS SC CI (2) 565 NT 7023. 644  ANTT: Informação, 11 de outubro de 1960. 641 

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os Comandos Militar, Aéreo e Naval, os Governos de Distrito também recebiam informes, ofícios, circulares. Ou seja, mesmo sem a colaboração das polícias brasileiras, a Pide podia atuar por conta própria. Com base em informações do Consulado de Portugal em São Paulo, os angolanos Francisco Raimundo Sousa Santos e Paulo dos Santos Matoso Neto foram acusados de conspirarem contra o Governo português. Eles teriam promovido uma palestra no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo atacando a política portuguesa e fazendo propaganda anticolonialista. Teriam encaminhado um pedido junto do Governo brasileiro para que este intercedesse pela liberdade dos presos angolanos. Foram culpados de falta de idoneidade moral, intelectual e profissional, pois tinham sido expulsos da Faculdade de Teologia Metodista de São Paulo, mesmo assim, o Consulado português os havia acolhido, dando assistência material aos estudantes. Mas diante desse fato, considerado uma traição, a Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro decidiu emitir uma nota pública denunciando-os e retirando-lhes os empregos fornecidos no Consulado. O documento com essas informações foi repassado a Pide, ao Ministério do Ultramar e posteriormente enviado ao governador geral de Angola645. Já a passagem de Negrão de Lima em Angola, no ano de 1961, fez com que a Pide seguisse o embaixador brasileiro. A estadia de Negrão de Lima, no Hotel Continental, foi atentamente vigiada. Receava-se que ele e sua comitiva pudessem tomar contato com o “Movimento Separatista” na “zona Sul da Província”, era necessário, por isso, evitar esse encontro ocasional646. Os olhares da Pide filtravam até mesmo os cônsules brasileiros. Sérgio Corrêa do Lago, cônsul do Brasil em Luanda, foi acompanhado de perto. Em documento, afirma-se que apesar de ele ser visto como um indivíduo “escandaloso quando se embriaga, o que é frequente, tornando-se inconveniente e conflituoso com os próprios amigos”, deu “mostras de ser amigo” de Portugal647. Nuno Matias Ferreira, chefe do Gabinete do Ministério do Ultramar, reproduziu um telegrama do governo de Macau que informava o encontro entre o Coronel Florimar Campelo, ex-diretor do Departamento de Polícia Federal (DPF), com o diretor da Pide: Transmito a V. Exª o pedido da DGPIDE recebido através do capitão Lages Ribeiro chegado ontem a Macau: ‘Director ANTT: Ministério do Ultramar – Direcção Geral de Administração Política e Civil – Gabinete dos Negócios Estrangeiros, 4001/15.009.070, 30 de junho de 1961. 646  ANTT: Delegação da Pide, 25 de maio de 1961, assinado por Polónio Queiroz. 647  ANTT: Informação n.° 623-SC/CI (2), Confindencial, 28 de agosto de 1965. 645 

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PIDE pede avisar V. Exª Director-Geral PIDE Brasileira Coronel Florimar Campelo e esposa chegam Lisboa 12 corrente provenientes Roma devendo ser hóspedes648.

Em 1973, há outra demonstração de colaboração do DOPS de São Paulo, dessa vez com a DGS. Alcides Cintra Bueno Filho, delegado titular da delegacia, repassou ao inspetor Silvio da Costa Mortágua, da DGS, toda a propaganda proveniente de vários países sobre a propaganda política portuguesa apreendida pela delegacia649. Sílvio da Costa Mortágua agradeceu o envio dos documentos, afirmando que todos estavam endereçados à redação do Portugal Democrático, contendo notícias “falsas e tendenciosas” antilusitanas. Agradeceu a amabilidade prestada pelo delegado, pediu que, se possível, o DOPS continuasse enviando esse tipo de documentação, e disse que Bueno Filho podia dispor “incondicionalmente do amigo que o abraça” e que aguardava uma visita dele ao “Velho Continente”.650 Na África, a DGS também acompanhava a circulação de brasileiros. Um documento abordou a visita de estudantes de diversas nacionalidades que passaram por Angola. Dentre eles, Romulo Arroyo, natural de Porto Rico, ex-combatente no Vietnã, estudante de contabilidade; Raimundo Quirino Filho, aluno da Faculdade de Psicologia do Rio de Janeiro; Vera Lucia de Souza, aluna da Faculdade de Psicologia Infantil de São Paulo; Zélia Gontijo, aluna da Faculdade de Psicologia de Belo Horizonte e Elaine de Oliveira, aluna da Faculdade de Medicina de São Paulo, todos brasileiros, acompanhados e recebidos por Adelia Maria Correia Torrado, natural de Vila Real de Santo António, residente em Faro. Os estudantes chegaram em Lobito no dia 14 de novembro de 1970, num Peugeot. Todas as atividades, incluindo hospedagem em hotel, refeições em bares, restaurantes, passeios, deslocamentos para cidades vizinhas, contatos com locais, tudo foi mapeado pela DGS. A realização dessa visita estudantil teria sido financiada pela Circulaction Mundial C.A., da Venezuela, consistindo num concurso que fornecia viagens aos melhores estudantes que além de viajarem, deveriam levar consigo livros para serem vendidos. Os livros tinham dois objetivos: divulgar a cultura; se os estudantes atingissem uma pontuação de vendas, ganhariam bolsas. Os agentes levantaram quais eram os exemplares que estavam sendo vendidos: Divina Comédia, Dicionário Amador Português, PIDE. Delegação brasileira muito amiga ANTT: Ministério do Ultramar, Gabinete do Ministro, 1023/A/10/3 EC/MT, SECRETO, À Direcção-Geral da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, 9 de Outubro de 1967. 649  ANTT: Secretária de Estado dos Negócios da Segurança Pública, Departamento de Ordem Política e Social, 001/73, São Paulo, 2 de janeiro de 1973. 650  ANTT: Silvio da Costa Mortágua, Inspetor da DGS, Lisboa, 30 de janeiro de 1973. 648 

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Biblioteca do Lar, Enciclopédia Maravilhosa de Zoologia etc. Assim informou Virgilio Cunha, subinspector651. A princípio a viagem não causou preocupação, a única suspeita foi levantada por António Nunes Ribeiro, chefe da brigada, ao cogitar que a renda da venda dos livros poderia ser destinada aos “movimentos terroristas” de Angola. Por isso, para ele caberia ter precaução com a visita desses estudantes652. No final da década de 1960 e no começo da década de 1970, quando as organizações de esquerda radicalizaram a luta contra o regime brasileiro, os serviços de inteligência portugueses acompanharam de perto essas notícias. No maço “Serviços Brasileiros”, há documentos que buscaram interceptar essas movimentações. Num documento sem identificação, provavelmente da DGS, afirma-se que de acordo com informações de interrogatórios feitos com “terroristas” africanos presos na África Austral, brasileiros estavam recebendo treinamento em acampamentos na Argélia e na Coréia do Norte e que nesses locais “terroristas” da etnia bantu teriam sido treinados653. Há recortes de jornais e traduções de documentos que discutem a influência comunista no Brasil, informações sobre os integrantes da luta armada, notícias a respeito das prisões/exílios de militantes de esquerda, a respeito dos sequestros de embaixadores etc. No maço foram inclusos documentos traduzidos de diversas agências de notícias internacionais, incluindo textos da Intelligence Digest, caderno que reunia informações sobre as relações internacionais, da United Press International, L’Express etc. Documentos enviados do Rio de Janeiro também foram remetidos, porém, sem assinatura. Esse material podia ser destinado ao Gabinete de Estudos da Pide e da DGS, como se pode ver nos carimbos do gabinete em vários desses documentos, ou eram elaborados pelo próprio gabinete. Era uma forma de se acautelar e de se informar sobre a realidade brasileira. Tais colaborações podem ter sido realizadas a par das decisões ou encaminhamentos oficiais dos Governos brasileiros, partindo diretamente das próprias polícias. Isso não inviabiliza uma linha de continuidade colaborativa entre as polícias brasileiras e portuguesas, desde a década de 1950, além do efetivo envolvimento do Brasil nos assuntos de Portugal. ANTT: Direcção Geral de Segurança, Subdelegação do Lobito, Confindencial, N.° 662/70-D.INF.1ª.(1)SDLG. De Novo Redondo, 30 de novembro de 1970. 652  ANTT:Direcção Geral de Segurança, Subdelegação do Lobito, Confidencial, n.° 1481/70=D.INF/1ª.Sec.(1), 3 de dezembro de 1970. 653  ANTT: Serviços Brasileiros SA 146, 2634-9/21 Treino de Terroristas Brasileiros, 5 de janeiro de 1972. 651 

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A Guerra Colonial e as diretrizes do Brasil Desconfianças e especulações pautaram a participação do Brasil na guerra colonial. Qual era o verdadeiro interesse do país em Angola e Moçambique? Quais foram os acordos firmados entre Lisboa e Brasília? Houve alguma cláusula secreta? O Governo brasileiro chegou a colaborar com armas, tripulações, soldados e equipamentos? E a participação da sociedade civil? Essas questões foram suscitadas pela imprensa, por governos africanos, pelos movimentos nacionalistas e por agrupações políticas. Os Governos brasileiros desmentiram a hipótese de ajuda ou de participação no empreendimento português. O Itamaraty desembaraçou essas especulações tratando-as como boatos, mentiras, provocações, como parte da disputa ideológica e política. Sabe-se que o Governo Costa e Silva chegou a enviar um esquadrão naval brasileiro para Angola, realizando manobras com a Marinha portuguesa654. O jornal Tribuna da Imprensa informou que entre 23 de janeiro e 27 de fevereiro de 1967 seriam enviados dois contratorpedeiros e dois cruzadores655, com a participação de 310 aspirantes da Escola Naval que fariam treinamento. A Força Tarefa da Marinha de Guerra seria comandada pelo comandante-chefe da Armada, almirante-esquadra Murilo Vasco do Vale e Silva656. Segundo o porta-voz do Estado Maior das Forças Armadas do Brasil, as implicações político-militares tinham sido estudadas, entretanto, não se podia ter uma avaliação precisa de seus impactos657. Já a missão da Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra do Brasil, chefiada pelo Marechal João Carlos Barreto, passou por Angola e Moçambique, mas com o objetivo de estudar e observar os principais centros populacionais, industriais e agrícolas. Como relatou Ayrton Diniz, do consulado do Brasil em Lourenço Marques, embora tenha contido um “programa improvisado, decorrente da falta de instruções e de informações prévias”, a missão conseguiu recolher os aspectos gerais da “Província” de Moçambique658. Tudo sugere que a missão possuía caráter comercial/ financeiro, sem interesses militares, até mesmo porque a ESG abrangia a função geopolítica/geoestratégica. Ver imagem 5. Cruzadores Barroso e Tamandaré, Contratorpedeiros Pernambuco e Paraná. 656  Tribuna da Imprensa, 27 de dezembro de 1966. 657  A Tarde, 27 de Dezembro de 1966. 658  Consulado Geral dos Estados Unidos do Brasil, n.º 78 430.1(42) (88q) 522.4 Visita a Moçambique da missão da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra do Brasil, Lourenço Marques, 28 de outubro de 1965. 654  655 

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Outros convites de caráter militar foram feitos, todavia, recusados. O embaixador português José Manuel Fragoso apontou que em conversa com o chanceler brasileiro, o par alegou que essas manobras podiam ser “malevolamente” interpretadas como engajamento do Brasil no problema ultramarino português659. Uma operação militar estava agendada para ocorrer em 1968, no Nordeste brasileiro, mas Juracy Magalhães decidiu cancelá-la. Em seu livro autobiográfico, Gibson Barboza diz ter se oposto às outras aproximações do Brasil com Portugal que suscitassem envolvimento na questão colonial. Barboza disse que foi contrário à manobra militar que seria realizada entre as marinhas brasileira/portuguesa em Cabo Verde, acertadas entre a Embaixada de Portugal no Rio e o Ministério da Marinha do Brasil, sem consultar o Itamaraty. Barboza solicitou ao Almirante Adalberto de Barros Nunes, ministro da Marinha, que cancelasse as manobras. Em novembro de 1973, opôs-se à venda de blindados Urutu, fabricados pela Engesa, a Portugal, que poderiam ser usados nos cenários de guerras660. O possível fornecimento de aviões comprados pelo Brasil a Portugal também causou polêmica. Noticiada nos jornais Correio da Manha e Tribuna da Imprensa, em 26 de outubro de 1966, e difundida pela Rádio Portugal Livre, revelava-se a compra pelo governo brasileiro de 111 “aparelhos de reacção” (aviões), feitos na RFA, para serem revendidos ao governo português. Conforme a notícia, o negócio estava prestes a ser concluído e os aviões seriam usados na guerra colonial661. O Correio da Manhã informou que as negociações foram mediadas pela Embaixada brasileira em Bonn, em caráter sigiloso. Os aviões tipo Fouga-Magister possuíam origem francesa, mas a produção e o fornecimento feitos pela RFA. O texto reforçou a ideia de acordo entre Brasil e Portugal, salientando o interesse de Salazar no fornecimento dos 111 aviões e de tripulações brasileiras, devido à “grande versatilidade dos aviões, muito útil na guerra antiguerrilhas”. Os aviões podiam alternar entre altas e reduzidas velocidades, carregando duas metralhadoras calibre 7.5 mm e duas bombas de 111 libras, ou quatro foguetes de 555 libras662. Em troca, conforme a matéria do Correio da Manhã, o governo português concederia reservas de petróleo e de cobre em Angola ao Brasil. O país só havia entrado como mediador da compra para não prejudicar as relações PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, Embaixada de Portugal em Rio de Janeiro, n.º geral 2133, n.º 70, Chefe Política Europa, Rio de Janeiro, 24 de março de 1970. 660  BARBOZA, Mario Gibson. Na diplomacia, o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Record, 1992, p. 257. 661  ANTT: 2634-Cl (2) Emissão do dia 27 de Outubro de 1966, recebida na Pide no dia 31 de outubro de 1966. 662  Última Hora, 26 de outubro de 1966. 659 

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da RFA com o bloco afro-asiático, caso esta fornecesse os equipamentos a Portugal663. Sobre esse episódio, o Itamaraty publicou uma nota no Jornal do Brasil desmentindo essas notícias. A nota diz que foi estudada a aquisição desses aviões, porém, eles estavam equipados com o modelo de turbina Marboré, o que desinteressou as autoridades brasileiras, por isso, a compra foi suspensa. Em acordos firmados em 7 de setembro de 1966, versou-se sobre assuntos comerciais e econômicos, sem estabelecer qualquer tipo de cooperação militar664. Juracy Magalhães alegou que a carta dos africanos denunciando essas possíveis negociações fugiu de “tôdas as regras normais de comunicações entre governos”665. O fato noticiado na imprensa brasileira pode ter procedência, pois, a França e a RFA foram aliadas de Portugal na guerra colonial, fornecendo materiais de guerra. Quer dizer, não seria impensável uma cooperação entre França, RFA, com envolvimento do Brasil, ainda que discretamente. Outro ponto que não inviabiliza esse rumor, a transação ocorreu durante o governo de Castello Branco, interessado na reaproximação de Portugal. Já o retrocesso na negociação pode ter ocorrido por causa das acusações que o Brasil foi alvo. Esse imbróglio fez com que o Governo brasileiro mudasse de ideia para não criar uma imagem negativa na comunidade africana. Afinal, por que as autoridades deixaram para último plano a conferência do modelo das turbinas? Até que ponto essas peças estavam obsoletas para as FFAA brasileiras? Essas informações não foram relatadas na carta do Itamaraty. António Corrêa, no jornal Província do Pará, publicou uma matéria negando que Portugal tivesse pedido ajuda militar ao Brasil para reprimir o “terrorismo” em suas “províncias ultramarinas666”. Apesar de negar, o Governo português pediu a ajuda do Brasil. Foi quando o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) foram instados a não fornecerem a Portugal qualquer ajuda financeira, econômica e técnica, enquanto o país não alterasse a sua política em relação às suas colônias. Essa resolução foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, sob a Resolução 2184 (XXI Assembleia). A Secretaria de Relações Exteriores informou que num memorando do governo português foi feito um apelo para que os representantes do Brasil votassem contra qualquer alteração nos Estatutos do FMI e do BM que afetasse Portugal. A Secretaria sugeriu 663  664  665  666 

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Correio da Manhã, 26 de outubro de 1966. Jornal do Brasil, 27 de outubro de 1966. Correio da Manhã, 10 de janeiro de 1967. Província do Pará, 6 de outubro de 1965.

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que seus representantes usem como argumentação, partindo do disposto no artigo IV, seção 10, dos estatutos do BM, que apenas questões de natureza econômica podiam influenciar as decisões do banco. Como outra medida, recomendou que o Brasil utilizasse […] o argumento de pedido de concessão de ajuda econômico-financeira a projetos ou atividades que redundem em benefício das populações subdesenvolvidas e carentes de recursos externos, independentemente de conotações de ordem política que podem emperrar, como no caso presente, o desempenho equânime.667

A diplomacia acenou, nesse caso, favoravelmente a uma exigência portuguesa. Num apontamento do MNE de 1969, foi reconhecido o avanço do Brasil no problema além-mar, por conta de seus interesses no Atlântico Sul e da conscientização da ameaça comunista. Apesar de não cogitar o envolvimento militar brasileiro, o documento citou um possível interesse do chanceler Magalhães Pinto em aderir à posição portuguesa, desde que se obtivesse consenso na opinião pública do Brasil. O que, prossegue o documento, poderia ocorrer, caso a questão fosse bem esclarecida. O embaixador Fragoso salientou que a posição de Magalhães Pinto: a) estava cada vez mais próxima da tese portuguesa de “unidade nacional” ou “independência branca; b) que o Brasil estaria pronto a participar do desenvolvimento político e econômico do ultramar português por meio da Comunidade Luso-Brasileira; c) que a conjuntura brasileira estava favorável para incitar a participação do Brasil na “África Portuguesa”.668 Noutro apontamento, as FFAA foram elogiadas por serem mais compreensivas e preocupadas com o problema da infiltração comunista e com a subversão. Que os militares brasileiros perceberam que as independências africanas ocorridas até então eram fictícias e controladas pelos comunistas, portanto, reconheciam que o controle português na África era benéfico. E que Portugal deveria jogar peso sobre a diferenciação da África da África Austral, essa branca, ocidentalista, composta pela África do Sul669. DPF/DNU/DEOc/602.77(88) Secretaria de Estado das Relações Exteriores. FMI=BIRD. Ajuda aos territórios sob administração portuguêsa, Confidencial-Urgente, 29 de maio de 1967. 668  PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apontamento. Repartição política da Europa e América, 18 de junho de 1969. 669  PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apontamento. Informação para sua excelência o senhor Presidente do Conselho, Secreto, Lisboa, 22 de junho de 1969. 667 

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Afora as declarações oficiais do Brasil, recusando a participação e o envolvimento na guerra colonial, suspeitas e acusações insistiram que o auxílio brasileiro era real. Orientados pela OUA, embaixadores de Gana, Senegal e Argélia, e o encarregado de Negócios da República Árabe Unida interpelaram o Itamaraty para que fosse esclarecida a verdadeira posição do Brasil a respeito do colonialismo. Os diplomatas elencaram três pontos e exigiram explicações: 1) as declarações feitas em Lisboa por autoridades brasileiras que se relacionavam ao colonialismo na África; 2) a visita de navios da Marinha de Guerra do Brasil aos portos de Angola; 3) a possível implicação política da evolução do interesse econômico brasileiro em Angola e Moçambique; 4) a compra de aviões pelo Brasil para serem usados na guerra colonial. Para esses diplomatas, tais caminhos tomados pelo Brasil poderiam retardar o desenvolvimento progressivo de relações cordiais com a África. Os governos africanos destacaram benefícios recebidos pelo Brasil do governo português que demonstravam o engajamento brasileiro no tema colonial. Citando a assinatura de acordos em Lisboa pelo chanceler Juraci Magalhães; o oferecimento de franquias ao Governo brasileiro nos portos de Lobito e Luanda (Angola), Beira e Lourenço Marques (Moçambique); a troca de missões econômicas entre Brasil/Portugal; o envio de missões brasileiras às colônias portuguesas670. O MRE reagiu às conjecturas dos embaixadores africanos, garantindo que a) o Brasil se opunha ao colonialismo em todas as suas manifestações, que tinha votado a favor dos projetos discutidos na ONU que condenavam a colonização; b) a referida força tarefa da Marinha não tinha objetivos militares e políticos, tratando-se apenas de missão de instrução671; c) os interesses econômicos do Brasil em Angola e em Moçambique, frutos de Acordos de Comércio e de Cooperação Técnica e Industrial, procuravam ajudar Portugal a encontrar uma solução para o problema em suas “províncias” na África, em consonância com a criação de uma comunidade luso-africana. Por fim, alguns diplomatas brasileiros consideraram inaceitável o pronunciamento público dos diplomatas africanos. Ao terem enviado uma nota à imprensa, sem conhecimento da chancelaria brasileira, teriam quebrado o protocolo diplomático672. O Diário de Notícias e O Globo criticaram a ação tomada pelos diplomatas africanos. Última Hora, 7 de janeiro de 1967. A Marinha vinha realizando cruzeiros de instrução apenas nas costas brasileiras, mas, uma lei que permitia viagens de 30 dias sem pagamento em dólares, havia sido aprovada, o que facilitou a decisão do Brasil (Jornal do Brasil, 28 de dezembro de 1966). 672  Jornal da Bahia, 10 de janeiro de 1967. 670  671 

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O primeiro considerou a nota um “desaforo dos adolescentes Estados africanos” e que foi irrelevante “criticar e perturbar uma amizade [entre Brasil e Portugal] que se baseia no sangue, no sentimento e na cultura”.673 O segundo, depois de criticar a iniciativa africana, recebeu uma carta dos encarregados de imprensa da Argélia, República Árabe Unida, Gana, Senegal e Nigéria, replicando a posição do jornal. Endereçada a Roberto Marinho, diretor-redator chefe de O Globo, a carta lamentou as críticas formuladas. O documento considerou que Marinho foi “descortês” ao qualificar os diplomatas africanos de “péssimos” e que no texto não continha “ásperas censuras ao governo brasileiro” nem simbolizava “ingerência nos assuntos internos” do Brasil. Reiterou que a experiência dos novos Estados Africanos tinha reconhecimento universal e que contribuía com a diplomacia moderna e a evolução dos conceitos tradicionais do Direito Internacional674. Em 1967, uma matéria do jornal Correio da Manhã suscitou a existência de cláusulas secretas acordadas entre Brasil e Portugal, envolvendo pacto militar ultramarino. Tais disposições tinham decidido que caso Portugal precisasse da ajuda militar brasileira, ela estaria à disposição675. O Itamaraty desmentiu as acusações, reiterando que os acordos foram discutidos no congresso e aprovados pelo presidente da República, faltando apenas a troca dos instrumentos de ratificação676. A desconfiança foi gerada, pois os instrumentos do acordo Brasil/Portugal não tinham sido trocados. O Governo português fez uma declaração garantindo que os textos de todos os acordos, assinados em 1966, tinham sido publicados na íntegra, abordando apenas acordos culturais, econômicos e comerciais. No documento do Ministério dos Negócios Estrangeiros, afirmou-se: “O governo português não necessita e não deseja, e por isso nunca o solicitou nem mesmo ao Brasil, que forças estrangeiras cooperassem com as forças portuguesas em Angola”.677 No mesmo ano, Franco Nogueira também refutou a notícia: No Rio de Janeiro, o jornal Correio da Manhã publica um artigo de fundo miserável a mais não poder, em que ataca a política portuguesa e afirma a pés juntos e mãos postas que Correio da Manhã, 7 de janeiro de 1967. O Globo, 19 de janeiro de 1967. 675  Correio da Manhã, 13 de outubro de 1967. 676  O Globo, 15 de outubro de 1967. 677  PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. N.º Geral 5707, n.º 472, Embaixada de Portugal em Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1967. 673 

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nos acordos de 1966 o Brasil assumiu o compromisso de enviar tropas suas para Angola, se lhes pedíssemos. Isto é uma mentira, pura e crua678.

Receoso de uma pequena crise com o Brasil, Nogueira teceu suas opiniões sobre o imbróglio, salientando novamente o interesse brasileiro em Angola: São assim os brasileiros: tudo é motivo de melindre ou ressentimento. Praticar uma política com o Brasil choca-se com estas dificuldades: o mistério que sempre paira sobre quais são as forças políticas efectivas; o complexo colonial antiportuguês; instabilidade de instituições e governos; incerteza do Brasil quanto aos próprios objetivos que deseja prosseguir; influências exteriores antiportuguesas, em particular norte-americanas; e politização das relações luso-brasileiras, em termos de política partidária interna do Brasil. Assim, não se pode dar um passo. E já não falo de um incipiente imperialismo brasileiro visando Angola, de que teremos de nos defender679.

Integrantes do MPLA reforçaram as denúncias contra o Brasil. Mário de Andrade, durante sua intervenção na ONU, pronunciou-se dizendo que o Brasil forneceu armas, munições e aviões para combater os independentistas nas colônias portuguesas. O embaixador Pio Correia desmentiu. Na condição de ministro interino do Itamaraty, disse que o embaixador Sette Câmara refutou a fala de Mário de Andrade, considerada um boato sem fundamento. Câmara disse que o líder angolano usou como fonte os jornais Correio da Manhã e Tribuna da Imprensa, órgãos que chegaram a essa afirmação sem fundamentos680. Francisco Barros, representante do MPLA e membro do Secretariado Permanente da Organização de Solidariedade Afro-Asiática, também denunciou uma suposta ajuda militar e financeira do governo brasileiro a Portugal para a repressão da guerrilha angolana. Durante sua participação na I Conferência da Organización Latinoamericana de Solidaridad (Olas), em conferência de imprensa, declarou que desde setembro de 1966, Brasil e Portugal possuíam acordo secreto de assistência militar681. 678  679  680  681 

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NOGUEIRA, 1987, p. 261. NOGUEIRA, 1987, p. 261. Jornal do Brasil, 29 de novembro de 1966. El Mundo, 8 de agosto de 1967.

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Até mesmo a visita de um adido militar brasileiro a Cabo Verde causou imbróglio. Amílcar Cabral, em nome do PAIGC, dirigiu um telegrama ao ministro do Itamaraty demonstrando sua indignação contra o que ele chamou de “cumplicidade com a criminosa guerra colonial” contra o povo africano. Reiterando o desejo de estabelecer relações de amizade e cooperação com o “povo irmão” do Brasil, Cabral disse que nada faria a “luta heroica pela independência” parar. Para finalizar o telegrama, usou o grito feito por Dom Pedro I às margens do rio Ipiranga, que demarcava a separação do Brasil de Portugal: “Independência ou morte”.682 Mesmo assim, as lideranças africanas cobravam a solidariedade do Brasil. Em 1970, o embaixador de Gana solicitou a ajuda do Brasil para viabilizar a obtenção da autonomia das colônias portuguesas. Quist-Therson afirmou, logo após apresentar suas credenciais a Médici, que Gana esperava maior colaboração brasileira na causa independentista683. Em 1972, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos pediram aos países da América Latina, especialmente o Brasil, que contribuíssem com a “legítima” luta promovida por seus povos. Eles fizeram uso da palavra na quarta comissão da Assembleia Geral da ONU684. O jogo diplomático do governo brasileiro utilizava como subterfúgio a dubiedade. Acompanhando o compasso do bom relacionamento com o governo português, a diplomacia seguia noutra direção de denúncia do colonialismo. Nesse caminho, a diplomacia valorizou o tema da independência do Brasil nas colônias portuguesas, realizando eventos comemorativos no dia 7 de setembro. Uma habilidosa persuasão que criava uma imagem nostálgica da imagem da independência nacional sem reticências. Com instruções vindas do Itamaraty, o Consulado brasileiro em Lourenço Marques promoveu atividades comemorativas referentes à independência do Brasil, no dia 7 de setembro de 1969. Foi realizada uma reunião cívica, que reuniu os brasileiros residentes em Lourenço Marques, com uma cerimônia de hasteamento da bandeira nacional e uma palestra. Na sede da Sociedade de Estudos de Moçambique, foi exibido o documentário “Brasil, Retrato de um País”, apresentado pelo vice-cônsul interino, Nelson Gaio de Araújo. Realizou-se também uma reunião nos salões do Hotel Cardoso, contando com a presença do governador-geral da “Província de Moçambique”, do chefe 403A Telegrama ao Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, 22 de maio de 1970. 683  Jornal do Brasil, 16 de julho de 1970. 684  Jornal da Bahia, 18 de outubro de 1972. 682 

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das FFAA, dos membros do corpo consular, autoridades civis, eclesiásticas e militares685. O conjunto de atividades do dia 7 de setembro foi divulgado na imprensa moçambicana. O jornal Notícias, de Lourenço Marques, publicou uma matéria intitulada “Este teu nosso dia, Brasil”. O ideal luso-brasileiro, de uma única pátria, foi contemplado num artigo. Nas palavras do jornalista, o 7 de setembro foi o dia que “pertencendo a uma nação e a um povo, pertence afinal a toda uma comunidade, a toda uma única pátria – a Pátria Luso-Brasileira”. Mesmo tendo ganho “foro próprio e personalidade legal”, a matéria garante que nunca houve razão para o Brasil se afastar da “Pátria Mãe”, sempre glorificando-a686. Cuba também criticou e denunciou o governo brasileiro. Um telegrama proveniente da embaixada de Portugal em Havana informou que Carlos Lechuga, ex-embaixador de Cuba na ONU e ex-ministro da Cultura, promoveu críticas a Portugal e ao Brasil no jornal El Mundo. Lechuga teria comparado a intervenção dos EUA no Vietnã com as políticas e planos de Portugal na África. A guerra colonial estaria contando com o auxílio brasileiro para aliviar a situação militar, desnaturalizar o aspecto criminal e agressivo das operações, dividir as responsabilidades e atenuar pressões da opinião interna portuguesa. Essa teria sido a fórmula dos EUA aplicada à Ásia, dessa vez utilizada por Portugal na África. Tal plano luso-brasileiro estaria sendo organizado há meses. Incluía o envio de aviões e de pilotos brasileiros; acordos de colaboração entre as FFAA dos dois países; acordos comerciais; compra pelo Brasil de jactos alemães; concessão ao Brasil de exploração do petróleo em Timor e Angola e de portos em Moçambique; envio a Luanda de cinco navios de guerra e quatro mil infantes da Marinha687. Não tive acesso a essa edição de El Mundo para comprovar se a matéria foi realmente publicada. Pode ser que, na disputa da Guerra Fria, a embaixada portuguesa tenha elaborado esse telegrama para esquentar o debate político. Isso também cabe para a referida publicação de Lechuga, já que Cuba se posicionou contra a presença portuguesa na África e contra o regime brasileiro. Ou seja, o debate político e ideológico podia direcionar ou tencionar as posições da diplomacia, gerando provocações e denúncias, fundamentadas ou não. Ainda sobre o julgamento cubano, num debate sobre Consulado Geral da República Federativa do Brasil. Nº348/541.7(88q). Comemorações do dia 7 de setembro, Lourenço Marques, 11 de setembro de 1969. 686  Notícias, 7 de setembro de 1969. 687  PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros N.º Geral 1005 (1004), Embaixada de Portugal em Havana, 5 de fevereiro de 1967. 685 

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os territórios africanos sob a administração portuguesa, feito nos fóruns da ONU, em 1972, o embaixador cubano Ricardo Alarcon fez uma declaração acusando o Brasil de colonialista. Alarcon disse que O imperialismo mobiliza recursos adicionais para sustentar a estrutura colonial e anacrônica e introduzir novas formas neocolonialistas no continente africano. Para isso vale-se da cooperação de alguns vassalos latino-americanos, explicitamente o Brasil.

A crítica de Alarcon coincidiu com a missão comercial organizada por Gibson Barboza a nove países da África. O embaixador Sérgio Armando Frazão dirigiu uma carta 24 horas depois à Jeanne Martin Cisse, presidente do Conselho de Segurança, considerando as declarações de Alarcon “irresponsáveis” e “caluniosas”, um insulto ao Brasil. O périplo brasileiro pela África, segundo Frazão, havia sido bem recebido, “com amistosas manifestações oficiais e populares”, pois o Brasil possuía laços “étnicos, culturais e históricos” com aquele Continente688. Tudo indica que essas críticas foram feitas pelos atores da ditadura cubana, sem as devidas comprovações, como parte da disputa ideológica da Guerra Fria. De certo que as ações do Governo brasileiro causavam receios nos círculos africanos. A fomentação de uma comunidade que abarcaria África, Portugal e Brasil, a abertura dos portos, a realização de missões comerciais, os acordos firmados entre o MNE e o MRE, tornaram-se pontos delicados. As desconfianças e reservas tornaram-se reflexo da própria realidade que a diplomacia e o Governo criaram. Na imprensa brasileira, alguns setores não percebiam contradição entre o Brasil apoiar Portugal na ONU. Para Theophilo de Andrade, o movimento guerrilheiro pretendia expulsar o homem branco da África, sendo auxiliado pelos comunistas russos, chineses e cubanos. Por isso, o governo brasileiro deveria assumir a missão histórica de honrar aquilo que recebeu de Portugal: o sangue, a língua, as instituições humanas e generosas, contribuindo com a luta contra o “terrorismo”. Se o Brasil optasse por esse caminho, abriria as portas para a expansão comercial na África, concluiu Theophilo689. Além do apoio de parte da imprensa, brasileiros se posicionaram a favor da guerra e cooperaram com as tropas portuguesas. Em caráter 688  689 

Jornal do Brasil, 25 de novembro de 1972. Diário do Paraná, 10 de julho de 1969 e Diário do Paraná, 12 de julho de 1969. 207

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“solidário”, foram enviados donativos aos soldados. Uma comissão de senhoras de Recife angariou doações entre os portugueses residentes na cidade e as entregaram no Consulado de Portugal de Recife. Elas foram recolhidas para serem enviadas ao Natal dos soldados portugueses690. Num telegrama da embaixada de Portugal no Rio relatou-se que roupas e cigarros estavam sendo enviados do Brasil para o ultramar. Transportados no avião Transportes Aéreos Portugueses (TAP) 17, as encomendas estavam sob cuidado da ABI Portela, devendo ser retiradas e encaminhadas de Lisboa para as colônias691. A Federação de Indústrias de São Paulo (Fiesp) e o Centro de Indústrias de São Paulo (Ciesp) demonstraram interesse em contribuir com donativos à Cruz Vermelha Portuguesa, devido a um apelo da embaixada do Brasil em Lisboa. O diretor Octávio Mendes Filho salientou que Moçambique representava o baluarte contra a infiltração do comunismo na África Oriental e Angola a porta fechada para o comunismo soviético. O presidente da federação, Teobaldo de Nígris, declarou que o apelo sensibilizou a todos, por ter sido um pedido do embaixador Luís Antônio Gama e Silva692 que envolvia Portugal, país que promovia uma incansável luta em defesa dos princípios democráticos na África693. Dentre esses engajamentos, destaca-se o pedido do deputado federal Clovis Stenzel (Arena) que solicitou um “estágio de estudo e aperfeiçoamento” em guerra subversiva. Stenzel demonstrou seu interesse em recolher toda a documentação existente sobre a experiência portuguesa no combate à guerrilha na África para se especializar no assunto. Como parte desse aprendizado, encontrar-se com o coronel Hermes de Oliveira, com outros peritos do assunto e realizar uma viagem de estudos militares em Angola e Moçambique. Stenzel ocupava o cargo de suplente do ministério da Educação, possuindo relações diretas com as FFAA do Brasil. A embaixada de Portugal reforçou o pedido, salientando que seu retorno contribuiria com a conjuntura nacional e, eventualmente, Stenzel promoveria conferências e lições acadêmicas sobre suas visitas e estudos694. Embora não seja possível comprovar os levantamentos que advertiram o envolvimento do Brasil no problema colonial português, é certo que eles ANTT: Cota Atual, Arquivo Salazar, NE-30, cx. 409, pt. 31. Ministério dos Negócios Estrangeiros, Secretaria Geral, Processo 61,44 PR 14. Lisboa, 28 de dezembro de 1967. Assinado por Emílio Patrício 691  PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros, N.º Geral 334, n.º 39, Telegrama da Embaixada de Portugal no Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1966. 692  Embaixador do Brasil em Portugal de 1970 a 1974. 693  PAA, Ministério dos Negócios Estrangeiros N.º Geral 9703, Nº75, do Consulado de Portugal em São Paulo, 16 de novembro de 1970. 694  PAA Ministério dos Negócios Estrangeiros 926 922, Informação de Serviço, 20 de agosto de 1969. 690 

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não estão descartados. Difícil é comprovar a veracidade das denúncias feitas, entretanto, a hipótese de cláusulas secretas não está descartada. Quer dizer, Lisboa e Brasília podem ter concatenado algo nos bastidores sem constar nos documentos oficiais. Há também a hipótese de que nos documentos ainda não liberados possam ter maiores informações695. A outra hipótese que levanto é a de que o Brasil pode ter cogitado se comprometer em ajudar Portugal na guerra, porém, avaliou que esse envolvimento seria danoso para o avanço das relações com os países africanos. As críticas apresentadas internacionalmente, baseadas em presunções, teriam colaborado com esse retraimento. Não está rejeitada a hipótese de que as denúncias não passaram de especulações. Em certa altura, o Governo brasileiro se colocou como “mediador” do problema colonial, mesmo sem ter o aval do Governo português. Ao lado dessa inclinação, a proposta de criação de uma Comunidade Afro-Luso-Brasileira foi a principal orientação do país para essa amálgama, assunto tratado adiante. A Comunidade Afro-Luso-Brasileira como alternativa No Governo de Castello Branco, a guerra estava em curso, sua proposta para o assunto foi a criação de uma Comunidade Afro-Luso-Brasileira, reunindo Brasil, Portugal e suas colônias africanas. Castello Branco lançou publicamente a ideia durante a cerimônia de diplomação dos finalistas do curso de diplomatas do Instituto Rio Branco. Seu discurso ratificou que o Brasil continuaria comprometido com a política anticolonial por razões filosóficas, morais e pragmáticas. Que essa posição se manteria como um instrumento para a preservação da paz, evitando as guerras de libertação. Como consequência, auxiliaria o desenvolvimento brasileiro, extinguindo os privilégios de exploração econômica de matérias-primas pelas metrópoles, o que colocava o país em desvantagem no mercado mundial. No discurso, Castello fez uma ponderação: Entretanto, nossa política anticolonial se defronta com o problema dos laços afetivos e políticos que nos unem a Portugal. Talvez a solução residisse na formação gradual de uma comunidade Afro-Luso-Brasileira, em que a presença brasileira fortificasse economicamente o sistema. Pela lei nacional de arquivos há prazos para a liberação do acesso à documentação diplomática que é classificada de acordo com o seu grau de segurança. 695 

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Qualquer política realista de descolonização não pode desconhecer, nem o problema específico de Portugal, nem os perigos de um desengajamento prematuro do Ocidente696.

Penso que a proposta foi uma forma conveniente para manter boas relações com o governo português, não depreciar as relações com os movimentos nacionalistas e ainda alargar os interesses econômicos do Brasil na África. Não cobrou o fim da guerra colonial, nem se colocou pela independência da África, sugeria como mediação a liderança portuguesa, mas com abertura para a presença comercial brasileira. Foi uma saída para a preservação das relações triangulares entre Brasil, África e Portugal. O pronunciamento de Castello Branco causou um efeito negativo nos círculos portugueses por causa da inclusão do termo “afro” no projeto da Comunidade. A preocupação foi suscitada porque Leopold Senghor, durante sua passagem pelo Brasil, usou a mesma expressão. No documento do Gabinete dos Negócios Políticos, a diplomacia portuguesa refletiu: o adjetivo “afro” poderia se justapor à designação “luso-brasileira”. O documento segue com outras pontuações: primeiro que outros países africanos poderiam ser incorporados à Comunidade (Gabão, Chade, Senegal etc.), o que não interessava a Portugal; segundo que o termo causava embaraço porque transpunha o conceito de “territórios ultramarinos”. O documento afirmou que se o Brasil reconhecia que Angola e Moçambique constituíam-se possessões portuguesas, o uso do “afro” deveria ser retirado697. Depois de 1965, o termo “afro” caiu em desuso. Isso não significa que o governo brasileiro tenha abandonado seus interesses na África. Concluiu-se que transbordar Portugal poderia estremecer as relações com o país, e que o peso e a influência do Estado Novo barravam o acesso direto brasileiro às colônias. Simbolicamente, a exigência de exclusão do termo “afro” foi assumida pelo governo quando foi aprovado o dia da Comunidade Luso-Brasileira, em 22 de abril de 1967698. Na opinião de Américo Thomaz a criação da data significou um passo para todos que querem “construir, expandir e fortalecer” tal Comunidade. Costa e Silva declarou que a Comunidade Luso-Brasileira estava “impelida por objetivos de paz, de Discurso de Castello Branco na solenidade de entrega de diplomas aos alunos que concluíram o curso especial do concurso de provas para a carreira de diplomata, 31 de julho de 1964, p. 113, 114 (Biblioteca da Presidência da República. 697  ANTT: Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna, Proc. 922, Circular UL 87, CONFIDENCIAL, Lisboa, 12 de outubro de 1964. 698  A proposição da data comemorativa foi feita pelo deputado federal Daso Coimbra (PSD), sob o projeto n.º 2.244/1964. 696 

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convivência leal e de colaboração construtiva”.699 Disse que os portugueses não eram simples colonizadores, fundaram uma nova nação, por isso, Brasil e Portugal formavam “um só povo em sangue e espírito”.700 Em Portugal, o decreto-lei que sancionou o dia 22 de abril como o Dia da Comunidade Luso-Brasileira estabeleceu encaminhamentos a serem tomados: nos dias 22 de abril deveriam acontecer comemorações com premiações, conferências, manifestações cívicas e culturais; em Portugal as comemorações ficariam a cargo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do Ultramar e da Educação nacional; no Brasil e nas colônias africanas as Embaixadas de Portugal e serviços oficiais, juntamente às instituições das “mesmas comunidades”, organizariam as festividades701. Diversos políticos, intelectuais, diplomatas e jornalistas fizeram coro aos benefícios da criação de uma Comunidade Luso-Brasileira. Tornou-se consenso, nos meios próximos do governo português, que tinha sido a melhor proposição para a valorização das relações do Brasil/Portugal e a penetração comercial brasileira nas colônias. Para ancorar o tratamento do problema colonial como um assunto português, a diplomacia brasileira estabeleceu como princípio que era imprescindível para Portugal, devido suas condições geográficas, econômicas e sociais, a manutenção de seus territórios. Em 1967, a Comissão de Planejamento Político do Itamaraty elaborou um anteprojeto de resolução sobre as relações Brasil/Portugal que esboçava esse roteiro. O documento reconhecia que o domínio ultramarino possuía aspiração nacional, um ponto unânime entre os salazaristas e os antisalazaristas, restando apenas às correntes comunistas a discórdia702. Jose Garrido Torres, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), explanou o que pensava sobre a Comunidade. Para ele, os laços culturais com Portugal e África não bastavam, precisava-se avançar nos pontos políticos e econômicos. A África poderia fornecer matérias-primas para a produção de manufaturados no Brasil que seriam reexportados para o próprio Continente e Portugal. Em sua opinião, as economias não complementares brasileiras e portuguesas Diário de Lisboa, 22 de abril de 1967. Departamento Cultural e de Informações, Boletim Informativo, Divisão de Informação, n.º 74, 24 de abril de 1967. 701  Diário de Lisboa, 22 de abril de 1967. 702  Ministério das Relações Exteriores, Comissão de Planejamento Político. Relações do Brasil com Portugal, Secreto, 10 de agosto de 1967. 699 

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afetavam essas relações, por sua vez, a africana competia com o Brasil nas exportações para Portugal. Porém, esse panorama podia ser modificado, pois o Brasil havia se industrializado e o comércio poderia se expandir. Para ele, o fator político tinha se tornado o maior propulsor do desenvolvimento da Comunidade, o Brasil tinha crescido e não podia tolerar barreiras no outro lado do Atlântico Sul. Concluiu que a criação da Comunidade contribuiria com a contenção do avanço comunista703. Carlos Alberto Rodrigues, assessor do governador Ademar de Barros, diretor e editor da revista Ecos de Portugal, uma difusora dos assuntos luso-brasileiros, teceu suas considerações sobre a Comunidade. Para Rodrigues, as autoridades estavam adiando a sua criação. Sustentou que se fosse efetivada, representaria para o Brasil a venda de seus manufaturados na África. Como medida para consolidá-la, Rodrigues apresentou a ideia de construir um Mercado Luso-Brasileiro, tipo o Mercado Comum Europeu704. Boulitreau Fragoso, embaixador brasileiro em Lisboa, endossou essa perspectiva de avanço comercial. Declarou que em Angola e Moçambique, o Brasil seguramente encontraria “compradores potenciais para nossos produtos têxteis, maquinaria, aparelhos cirúrgicos, tornos, tratores, jipes, medicamentos e outros produtos”.705 O deputado Anísio Rocha afirmou que a parceria luso-brasileira incrementaria a colocação dos produtos industriais brasileiros na África. Mas que para ele era inconcebível que o Brasil ficasse indiferente com a propagação do comunismo na Ásia e na África negra, o que colocaria em risco a segurança das Américas. Por isso, o governo brasileiro deveria atender o chamado português e traduzir em fatos a Comunidade luso-brasileira706. Rebelo de Souza, governador-geral de Moçambique, disse que precisava abandonar a ideia de “paizinho lusitano e do filho jovem e rico brasileiro”. Pelo contrário, deveria se promover a unidade de pensamento, de interesse e de prosperidade para todos que falavam o idioma português707. ARA:BR:PJdeVOS:me. Limited Official Use, Department of State, Memorandum of Conversation, Formation of a Luso-Brazilian Commonwealth, 15 de março de 1966 (Brown Digital Repository/Universidade Estadual de Maringá). 704  Ecos de Portugal, dezembro de 1965, n.º 36. 705  Correio da Manhã, 17 de agosto de 1965. 706  O Globo, 26 de outubro de 1965. 707  Consulado Geral dos Estados Unidos do Brasil DEOc/DCInt/431.1 (88) 542.6(88) Para a Secretaria de Estado das Relações Exteriores, do Consulado Geral em Lourenço Marques, Confidencial, 4 de março de 1969. 703 

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Em 1969, um telegrama da Embaixada do Brasil em Lisboa levantou a hipótese de que o Estado Novo exporia sugestões palpáveis para o aprofundamento das relações luso-brasileiras com a formação de consórcios econômicos binacionais e na institucionalização da Comunidade Luso-Brasileira708. No mesmo ano, Luis Arrobas Martins, secretário de Finanças de São Paulo, participou de uma delegação comercial em Moçambique. A delegação visitou fábricas, bancos, sociedades comerciais, industriais, intelectuais, participou de coquetéis e visitou pontos históricos. Segundo telegrama destinado ao Departamento de Estado dos EUA, nenhum acordo havia sido firmado, nenhum novo produto introduzido e nenhum capital investido, se tratou apenas de uma viagem de passeio. A única proposta colocada durante a visita do secretário foi que Brasil, Portugal e as “províncias africanas”, a África do Sul e a Rodésia do Sul formassem um mercado comum. Essa, eventualmente, se tornaria uma comunidade lusitana, mas que agregaria os países da região709. Em 1972, Marcello Caetano afirmou que a Comunidade havia saído da “fase retórica” para uma “fase de realizações”, que a meta não havia sido alcançada, mas que nunca os dois países tinham ido tão longe710. No ano seguinte, durante a passagem de Médici por Lisboa, juntamente a Américo Thomaz, os dois assinaram um comunicado reforçando a fraternal amizade e as relações especiais entre Lisboa e Brasília. Reafirmaram também a fidelidade ao Tratado de Amizade e Consulta de 1953 e reforçaram o desejo de consolidar os princípios da comunidade luso-brasileira. Rui Patrício se comprometeu em facilitar a pesquisa e a exploração de petróleo pela Petrobrás em Angola711. Mesmo às vésperas da Revolução dos Cravos, políticos brasileiros insistiam na consolidação da Comunidade Luso-Brasileira. O senador Danton Jobim, no dia 22 de abril de 1974, discursou salientando que a Comunidade podia se converter numa ferramenta eficaz para dar ao Brasil projeção pluricontinental. Para o parlamentar, “só dentro da Comunidade Luso-Brasileira, como efetivo e ativo membro desse organismo”, o Brasil conquistaria autoridade e qualidade para atuar na África. Jobim seguia Secretaria de Estado das Relações Exteriores, DEOc/920(42)(88) Da Embaixada em Lisboa, Relações Luso-Brasileiras, Secreto, 27 de junho de 1969. 709  From AMCONSUL, Lourenço Marques to Department of State. Improving Luso-Brazilian Relations – São Paulo Junket to Mozambique, 12 de agosto de 1969 (Brown Digital Repository/Universidade Estadual de Maringá). 710  O Globo, 27 de agosto de 1972. 711  O Estado de S. Paulo, 19 de maio de 1973. 708 

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a mesma orientação do Governo: o Brasil não devia se intrometer nos assuntos portugueses. Houve certo consenso de que a Comunidade Luso-Brasileira foi exitosa e ganhou contornos reais. Seu escopo abrangeu acordos de cooperação, trocas, visitas, atuando nos campos político, cultural, científico, econômico, técnico e comercial. A Convenção Sobre Igualdade de Direitos e Deveres, entre brasileiros e portugueses, foi um dos alicerces que fortaleceu a Comunidade, além da ratificação do Tratado de Amizade e Consulta. Mesmo com os passos dados, houve críticas de que o Brasil devia ter se empenhado com maior afinco na sua edificação. A proposta para criar uma zona de livre comércio não aconteceu. Os dois países estudaram o assunto, mas nada foi concretizado, uma das justificativas foi o compromisso do Brasil com a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc)712. É curioso que a diplomacia portuguesa, ao endereçar um documento secreto ao presidente do Conselho, fez algumas considerações que também alertavam para as insuficiências da Comunidade. O documento afirmou que não haviam sido delimitados o âmbito e o escopo da Comunidade, que não se procurou estabelecer sua estruturação interna, nem seus propósitos no plano internacional. Que o próprio termo “comunidade luso-brasileira” tinha se revestido num conteúdo político e sentimental estritamente vocabular713. Ademais da criação da Comunidade Luso-Brasileira, nos moldes citados anteriormente, houve duas outras propostas. Uma delas pretendia reunir Brasil, Portugal, Angola, Cabo Verde, Damão, Diu, Goa, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor, denominada de Organização Mundial das Nações Lusas (OMNL). Como objetivo, pretendia “manter, prestigiar e desenvolver a cultura e a tradição lusas, a paz e a segurança e as relações entre si e as Nações em Geral”.714 O estatuto da Organização reuniu Azor Joel da Silva, secretário geral, Névio Barbosa, chefe do departamento financeiro, e João Batista Gervino, chefe do departamento de relações públicas gerais. A diplomacia portuguesa fez uma caracterização sobre a OMNL. O consulado de Portugal em São Paulo ficou incumbido de averiguar os seus objetivos e interesses. O informe relatou que Azor Joel da Silva tomou a iniciativa de organizáFolha de S. Paulo, 19 de maio de 1973. PEA Ministério dos Negócios Estrangeiros. Apontamento. Informação para sua excelência o senhor Presidente do Conselho, Secreto, Lisboa, 22 de junho de 1969. 714  Estatutos Sociais, Organização Mundial das Nações Lusas. 712  713 

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-la, sendo visto pelo consulado como “um jovem de côr que deseja agitar ideias e inciativas com vista a congregar os seus irmãos de côr, sem intuitos de reivindicação, mas apenas de promoção social”. O informe conclui que Azor não estava alcançando suas metas, pois “seus irmãos” não estavam colaborando como o esperado. Azor Joel convidou diversas “personalidades” para que ingressassem na OMNL, incluindo o ex-senador Padre Calazans, de quem Azor havia sido secretário. A embaixada no Rio de Janeiro interveio junto às pessoas procuradas pela OMNL para que não correspondessem ao apelo. O auditório da Fundação Casper Líbero seria o espaço para a realização de sua sessão inaugural, entretanto, o consulado de São Paulo procurou os diretores da fundação para que o espaço não fosse cedido. Segundo relato, eles prometeram anular o empréstimo do espaço715. Joaquim da Silva Cunha, ministro do Ultramar, repudiou a criação da OMNL, solicitando o envio da informação para Angola. A seguir sua opinião sobre o caso: A iniciativa parece integrar-se em certa concepção da comunidade luso-brasileira em que a chefia pertenceria ao Brasil e de que fariam parte, pé de igualdade, Portugal Metrópole e as Províncias Ultramarinas. Esta concepção é evidentemente inaceitável, não convindo, por isso, dar qualquer apoio à organização agora constituída716.

A outra proposta foi formalizada numa mensagem dirigida ao Primeiro Festival Cultural Pan Africano, realizado na Argélia, em 1969. Entre os signatários da proposta estavam Caetano Veloso, Gilberto Gil, Oscar Niemeyer, Glauber Rocha, Paulo Silveira, Odete Lara, Amílcar Alencastro, Jorge Amado, entre outros. A proposta previa uma espécie de Commonwealth (africana, portuguesa e brasileira), associando livre e voluntariamente Angola, Guiné-Bissau e Moçambique como nações independentes717. Uma segunda proposta foi levantada, cogitando a participação do Brasil como “mediador” do problema colonial. Os EUA ansiavam esse envolvimento, inclusive para intermediar suas próprias relações com Portugal. Em encontro entre Pio Correia, secretário geral do MRE, Vasco Leitão da Cunha, embaixador do Brasil nos EUA, e Joseph Palmer, 2º assistente da PEA Embaixada de Portugal Procº4,12/67, n.º 900. Organização Mundial das Nações Lusas, Rio de Janeiro, 26 de maio de 1967. 716  PAA Ministério do Ultramar, Gabinete dos Negócios Políticos NN-2-10, 24 de agosto de 1967. 717  Tribuna da Imprensa, 30 de julho de 1969; Diário de Notícias 30 de julho de 1969. 715 

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Secretaria de Estado para Relações Africanas, Correia disse que pretendia dar ao Brasil um papel mais ativo nas relações internacionais, incluindo a África como cenário. Disse que estava buscando estabelecer melhores relações econômicas com a Rodésia do Sul e com a África do Sul. Palmer respondeu que a política dos EUA concordava com a autodeterminação das colônias africanas, que isso fazia parte da história dos EUA. Palmer sugeriu que Pio Correia discutisse com os portugueses, encorajando-os a promoverem maiores medidas de autogoverno na África Portuguesa visando a uma eventual autodeterminação718. Em conversa realizada entre o embaixador dos EUA em Portugal, William Tapley Bennett Jr.719, e Juracy Magalhães, Bennett expôs as apreensões dos EUA. A conversa ocorreu em 1966, em Lisboa. Magalhães disse que sabia do interesse que os portugueses tinham em usar a íntima afinidade com os brasileiros como meio para averiguar as intenções estadunidenses. O chanceler relatou que os portugueses possuíam ressentimentos a respeito da política dos EUA na África, já que essas ações teriam afetado os interesses lusitanos. Magalhães disse que os portugueses foram mais à frente das queixas usuais. Lamentaram que quando ajudaram os EUA com o fornecimento da base de Açores, mesmo depois da II Guerra Mundial, os EUA continuaram usando-a e Portugal nunca cobrou aluguel. Por outro lado, os EUA falharam ao atenderem os interesses portugueses e erraram nas diretrizes políticas voltadas à África. Salazar se queixava que os EUA produziam suas elaborações para a África sob a batuta de “professores” que não eram realistas e não possuíam conhecimento prático sobre a África e os africanos. Franco Nogueira também criticou os estadunidenses, dizendo que o presidente Kennedy teria feito uma autocrítica acerca da política norte-americana, reconhecendo que o país havia “errado” na África. Nogueira esperava mudanças na política dos estadunidenses em prol de Portugal. Ao Brasil caberia o papel de intermediário para Portugal barganhar posições dos EUA. Juracy Magalhães, na mesma conversa, demonstrou sensibilidade diante das demandas portuguesas, chegando a dizer que, em geral, os portugueses conseguiram manter a paz e a estabilidade em seus territórios na África, principalmente por causa da política multirracial. Para convencer os EUA da importância de Portugal, Magalhães afirmou que os estaduniAF/AFC/LHeyniger/dmh 4/20/66. Department of State, Memorandum of Conversation, Confidential, 14 de abril de 1966 (Brown Digital Repository/Universidade Estadual de Maringá). 719  Atuou como Embaixador entre 1966 e 1969. Durante a guerra civil na República Dominicana, foi embaixador dos EUA naquele país. 718 

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denses não percebiam o valor de Portugal na comunidade do Atlântico. O embaixador dos EUA respondeu. Reconheceu as diferenças entre os EUA e Portugal, dizendo que a nação de Salazar não compreendia as novas realidades na África e as variadas pressões oriundas da ONU e de outros espaços. Que a independência africana foi um fato novo, mas presente, e que se erros foram cometidos, resultaram do rápido surto de autonomia desses Estados. Ao responder as críticas de Salazar, os EUA reconheciam que os portugueses possuíam melhor e maior experiência que os americanos nos territórios africanos. Os EUA criaram um só álibi para responder duas demandas, uma dos portugueses, outra dos africanos. Nos organismos da ONU, quando moderavam as atitudes e ações extremas, desagradavam os Estados africanos mais radicais. Ao mesmo tempo, irritavam os portugueses quando tentavam encontrar uma forma ponderada como resolução. O embaixador garantiu que os EUA reconheciam que passavam por um duplo “vexame,” sempre no afã de acertar e agradar os dois lados. Contudo, jamais poderiam ser comparados com a URSS, pois não almejavam estabelecer um empreendimento comercial ou de outra natureza nesses territórios “naturais” dos portugueses, como chegou a pensar Franco Nogueira. Em resumo, a política dos EUA nesse período não pretendia forçar uma independência dos territórios portugueses, na verdade, até concordavam com uma “Commonwealth” lusitana720. Quanto ao Brasil, depositavam expectativa de que o país pudesse contribuir como mediador nesse imbróglio. Gibson Barboza, em seu livro, escreveu que no período que foi ministro do MRE, o Brasil possuía das alternativas: 1) fraturar as relações com Portugal, o que exigiria um enfrentamento direto contra o Estado Novo, conforme exigência das forças políticas africanas “mais extremadas”. 2) se alinhar com os interesses colonialistas, garantindo, como contrapartida, vantagens passageiras, pois, o desfecho das independências anularia isso e, para piorar, agravaria as relações amistosas e promissoras com a África negra. Barboza negou as duas vertentes, por considerá-las drásticas, pois se tratavam de escolhas simples e fáceis. A solução encontrada foi incluir o Brasil no esforço “mediador”. Mesmo sem contar com a solicitação de

Conversation with Brazilian Foreign Minister, H.E. Juracy Magalhães, September 9, 1966. Number A-74, Secret, Department of State, AmEmbassy Lisbon. Opening The Archives: Documenting U.S.-Brazil Relations, 1960s-80s, Brown Digital Repository/Universidade Estadual de Maringá. 720 

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Portugal, essa foi a política encontrada para alcançar uma solução “pacífica, ordenada e mutuamente consentida do problema”.721 Porém, no jornal Luta Democrática, a notícia de que Gibson teria declarado em Abidjan que o Brasil se ofereceria como “mediador” entre a África e Portugal, visando, eventualmente, à independência dos territórios, foi desmentida. Segundo o jornal, o próprio Itamaraty publicou uma nota oficial desmentindo o fato. Na verdade, indagado em entrevista coletiva, sobre esse caso, Gibson declarou: Mediação não se oferece. É solicitada pelas duas partes a um terceiro país, o qual, nesse caso, decide exercê-la ou não. O Brasil é amigo de Portugal e é amigo da África. Nosso desejo é de que o problema seja encaminhado pacificamente, através da amizade e do diálogo722.

Sondagem pode ser um subterfúgio presente nas relações internacionais. Gibson afirmou que a orientação geral pretendia colocar o Brasil como “mediador”. Entretanto, na altura dos acontecimentos, é provável que apesar de essa ser uma das ambições da diplomacia brasileira, era preciso testar se essa política tinha amparo e viabilidade entre os envolvidos. As declarações, discursos, reuniões e encontros tratavam de fazer essa exploração. Afinal, a vontade política possui distância da realidade e nem sempre é alcançada. Embora Marcello Caetano tenha sinalizado, em 1972, que “as portas de Portugal, metropolitano e de Ultramar” estavam abertas ao Brasil723, criticou a intervenção do Brasil como “mediador”. Em entrevista a Alves Pinheiro, afirmou que não aceitaria “a mediação do Brasil para solucionar os problemas das Províncias Ultramarinas de Angola, Guiné e Moçambique”. Na ocasião, salientou o valor das relações especiais entre Brasil e Portugal, mas reforçou que a política interna de seu país cabia somente aos portugueses724. Em 1974, após a Revolução dos Cravos, a própria OUA solicitou que o Brasil fizesse a mediação junto ao novo Governo português para que intercedesse a favor das independências de Angola e Moçambique e do reconhecimento da República de Guiné-Bissau725. O Jornal de Brasília afirmou que os africanos reconheciam no Brasil três fatores importantes, 721  722  723  724  725 

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BARBOZA, 1992, p. 255. Luta Democrática, 2 de novembro de 1972. O Globo, 27 de agosto de 1972. O Globo, 28 de dezembro de 1973. O Estado de S. Paulo, 5 de junho de 1974.

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por isso, solicitaram ajuda: 1) Que o Brasil se encontrava num estágio cultural, político e econômico capaz de promover uma ação diplomática de nível mundial; 2) Que se manteve isento na questão africana, quando parecia pender a favor do colonialismo; 3) Que a África prefere o Brasil a qualquer outra potência global para se associar política e economicamente726. Na rolagem dessas negociações, cogitou-se, até mesmo, o reatamento da criação de uma Comunidade Afro-Luso-Brasileira. António de Spínola enviou telegrama a Geisel, dizendo que a adesão portuguesa ao princípio da autodeterminação permitiria que as “novas nações da língua portuguesa” se juntassem ao Brasil e Portugal numa ampla comunidade internacional727. Em linhas conclusivas, ademais da proposta de criar uma Comunidade, a postura geral encontrada pelo governo brasileiro foi a de não se intrometer no tema da guerra colonial. Nem os movimentos nacionalistas nem Portugal solicitaram auxílio intercessor do Brasil nessa questão, as organizações africanas pediram o apoio brasileiro na luta pela independência, o que é diferente de solicitar um papel “mediador”. Somente depois da Revolução dos Cravos que essa solicitação foi contundente. Portanto, a orientação geral da diplomacia brasileira foi a de manter, no plano bilateral, a manutenção e o estreitamento de vínculos especiais com Portugal, principalmente no foro cultural, e internacionalmente conservar a tradição anticolonialista. Quatro alternativas foram discutidas na diplomacia brasileira: 1) defender o colonialismo lusitano; 2) apoiá-lo indiretamente; 3) incentivar a autonomia irrestrita das colônias; 4) propor uma solução intermediária, visando a um regime de autonomia parcial, fosse luso-africano ou luso-afro-brasileiro728. A quarta opção foi escolhida pelo Itamaraty, com o acréscimo de não se envolver num assunto lusitano e de aguardar o desenlaçar dos acontecimentos. Ainda que seja um exemplo, o pronunciamento do deputado federal Burlamarqui de Miranda ilustra a solução que foi hegemônica nas fileiras governistas e pró-salazaristas para o problema colonial. Para Burlamarqui, como o Brasil não devia intervir, deveria aguardar o exato momento de emancipação das colônias. Somente quando as condições estivessem maduras, Portugal, “com a sabedoria que lhe é peculiar”, certamente encontraria um segundo Pedro I, capaz de proclamar a emancipação sem lutas ou derramamento de sangue de seus territórios729. Na prática, foi esse o desfecho escolhido pelo Governo brasileiro. Jornal de Brasília, 5 de junho de 1974. Jornal de Brasília, 3 de setembro de 1975. 728  Ministério das Relações Exteriores, Comissão de Planejamento Político. Relações do Brasil com Portugal, Secreto, 10 de agosto de 1967. 729  Diário do Congresso Nacional, n.º 155, 21 de outubro de 1965. 726  727 

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O despertar da Revolução dos Cravos e as independências de Angola e Moçambique Antônio Spínola, comandante-chefe e governador de Guiné-Bissau, pretendia pacificar a região, proporcionando uma saída honrada para Portugal, atenuando também os custos militares. Spínola aspirava ganhar a simpatia da população local por meio do desenvolvimentismo e da negociação. Em 1972, fez um encontro secreto com o presidente do Senegal e apresentou-lhes uma proposta de transição pacífica para Guiné-Bissau. Spínola propôs a partilha do poder entre o PAIGC e as autoridades portuguesas por 10 anos. O general pressentia que a derrota militar era inevitável, crendo na via da negociação, Caetano pensou diferente, mantendo a postura de não negociar com “terroristas”.730 Spínola voltou a suscitar o debate conciliatório, publicando o livro Portugal e o Futuro, lançado no dia 18 de fevereiro de 1974. A obra trouxe como proposta a concessão de autonomia às colônias africanas dentro do espírito da portugalidade, do mundo que fala português, uma espécie de Commonwealth à portuguesa. O chefe de Estado seria o presidente da República portuguesa e os Estados africanos seriam independentes com seus governos próprios e eleitos. Depois de ler o livro, Marcello Caetano, no dia 21 de fevereiro, convocou os generais Spínola e Costa Gomes para uma reunião, dizendo-lhes que a publicação incitava um golpe de Estado. Caetano convocou um encontro militar, no dia 14 de março de 1974, com o intuito de reforçar a chancela das FFAA à defesa do ultramar. Costa Gomes e Spínola não compareceram ao evento, o que ocasionou suas demissões. Paralelamente, desabrocharam planos e ações para a efetiva derrubada do regime731. Em entrevista concedida ao historiador Waldir Rampinelli, Otelo Saraiva de Carvalho realçou que a tese de Spínola, naquela altura, já estava superada. Para Saraiva, os comandantes dos movimentos de libertação (MPLA, PAIGC) exigiam a independência total, nenhuma solução conciliatória seria bem recebida732. ANTUNES, 1990, p. 91. Houve movimentações de tropas fiéis a Spínola (Academia Militar em Lisboa, em Mafra, Lamego, Caldas da Rainha), sendo que o regimento de Caldas chegou a sair na madrugada do dia 16 de março com uma coluna. As tropas se dirigiram para Lisboa, mas acabaram desistindo da empreitada, por estarem sozinhas. A movimentação ficou conhecida como “Revolta das Caldas da Rainha”. 732  RAMPINELLI, Waldir. Por que a Revolução dos Cravos deixou de ser socialista? Entrevista com o tenente-coronel Otelo Saraiva de Carvalho. Lutas Sociais, São Paulo, NEILS/PUC-SP, v. 8, 2002, p. 5. 730  731 

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À parte do debate sobre o livro de Spínola, seu trabalho suscitou uma polêmica nas entranhas do Estado Novo, mobilizou a opinião pública e ajudou a espraiar o emaranhado político que Portugal havia penetrado. O livro foi exposto pelo próprio autor como uma meditação sobre a realidade portuguesa, procurando construir um ponto de equilíbrio que acolhesse interesses de portugueses e de africanos. Em minha opinião, a tese spinolista sustentava o mesmo ideário do Estado Novo: Portugal precisava do ultramar, do contrário permaneceria num patamar de “opção entre a pobreza dos subjacentes ou a absorção”, conforme suas próprias palavras. A diferença da proposição de Spínola, da orientação geral do Estado Novo, reside na eliminação da força e da proclamação unilateral do controle português sobre suas colônias. Para Spínola, os ideais de nação estavam acima de estatutos legais, tratava-se de sentimento e vivência, aquilo que podia ser viabilizado na Comunidade Lusíada. Em outras palavras, para Spínola, num Estado Confederado, esses Estados africanos poderiam continuar falando português e vivendo à portuguesa733. Ao pensar o Estado Novo como um regime que se negou a negociar com os nacionalistas, a acabar com a guerra, que foi às últimas consequências do projeto colonialista pela força, o livro de Spínola trouxe um contraponto. Daí reside sua importância histórica. De certa forma, a crise que conduziu à realização da Revolução de 25 de abril tem como antecedente imediato a publicação de Spínola. Foi uma espécie de fagulha que desencadeou um processo em marcha, mas creio que foi na própria guerra que surgiu o germe revolucionário que pôs fim ao regime. Há uma conexão entre os teatros de operações e o golpe de 25 de abril, os 13 anos de guerra na África compuseram o cenário que possibilitou a ação promovida pelos Capitães de Abril. Ônus financeiro, mortes, sofrimento, despedidas, saudades, insistência, manutenção de um projeto tido por parte do globo como antiquado, falido e vicioso.734 Esse foi o eixo que embalou o fim do Estado Novo, que politizou os militares

SPÍNOLA, Antônio de. Portugal e o Futuro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1974, p. 226, 227. A guerra causou mal-estar na vida das famílias portuguesas envolvidas no conflito. As mulheres amargaram a ausência de companheiros, pais, irmãos, filhos, partilhando seus traumas. Calcula-se que 140 mil militares desenvolveram Perturbação Pós-Traumática, doença conhecida como stress de guerra. Aponta-se que 30 mil homens tiveram fraturas, amputações, lesões, problemas auditivos, visuais ou algum tipo de paralisia. Foram comuns as doenças parasitárias, endêmicas, gastrointestinais, cardiovasculares, dentre outras enfermidades psicossomáticas. Como desdobramentos, casos de alcoolismo, depressão, fobia, pânico e suicídio se tornaram comuns. Por fim, há militares que teriam encontrado na escuridão e na violência da guerra o real significado de valores como coragem, bravura, companheirismo, ou seja, aquilo que seria o verdadeiro espírito da caserna. 733  734 

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que desencadearam a Revolução dos Cravos735. Isso denota que o sangue derramado nas guerras em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique ensejou o percurso derradeiro. Há um sólido debate que percebe na própria guerra o ambiente pedagógico das FFAA de Portugal sobre a falibilidade e a crueldade da empreitada. Essa tese é compartilhada entre os próprios capitães de abril. O Movimento das Forças Armadas736 (MFA) exerceu a liderança que efetuou a Revolução dos Cravos. Forjado no percurso do conflito colonial, de perfil estritamente militar, reuniu oficiais de patente intermédia, mantendo relativa distância de partidos/agremiações políticas. Traçou, desde sua origem, a derrubada da ditadura, prevendo a instauração de um governo de transição para a construção de um Estado democrático. Uma medida ministerial sobre a promoção e a abertura do quadro permanente do exército aos oficiais milicianos desencadeou descontentamento entre os oficiais de carreira, foi o decreto-lei n.º 353/73, de julho de 1973. O decreto permitia que oficiais milicianos se tornassem oficiais de carreira do quadro permanente, diminuindo de quatro anos para um ano o tempo de permanência e de formação na Academia Militar. Os capitães, então oficiais de carreira, indignaram-se com essa medida, organizando protestos corporativos e de contestação política. Em 1973, em Óbidos, os capitães estabeleceram o Movimento das Forças Armadas (MFA), ao passo que a ideia de derrubada do regime foi se amadurecendo com as redes e atividades promovidas por esses militares. Depois, em plenária realizada em Cascais, no dia 5 de março de 1974, foi elaborado o primeiro documento político/pragmático, intitulado “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação”. O manifesto levantou o debate sobre as condições de ofício dos militares, a situação do país e a solução de seus principais impasses737. O tempo se acelerou com os preparativos revolucionários. Depois de algumas tentativas, foi no dia 25 de abril que ela se consagrou. Com uma teia costurada, os militares avançaram em direção à derrubada do Estado Novo. Esse entrelaçado de ações e operações reuniu múltiplos preparatiLeva esse nome porque tem como um dos símbolos o cravo vermelho. Celeste Caeiro, ao se deparar com um soldado, lhes deu um ramalhete de cravos. Os cravos vermelhos ganharam as ruas de Portugal, se transformando no símbolo da Revolução de 25 de Abril. Desde 1974, estão presentes nas comemorações da data. 736  Com o desfecho da revolução, O MFA se dividiu em três frentes. Os oficiais moderados, de inclinação socialista, eram liderados pelo grupo dos nove, incluindo o major Melo Antunes, mentor do Programa do MFA. Os “gonçalvistas” que queriam alcançar o avanço da revolução numa perspectiva terceiro-mundista e de edificação de “democracias populares”, ao estilo do Leste Europeu. Por certo tempo, esse grupo contou com o apoio do Partido Comunista Português e do primeiro-ministro, coronel Vasco Gonçalves. A última corrente foi a dos “copconistas” (do COPCON, Comando Operacional do Continente), liderada por Otelo Saraiva de Carvalho. 737  MARTELO, 1999, p. 324. 735 

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vos. Dentre eles, a criação de um posto de comando, o destacamento de grupos militares, operações de escutas, rendimentos e prisões, ocupação de pontos e postos fundamentais (edifícios públicos, órgãos de comunicação social), sinais e senhas radiofônicas738. A derradeira ocorreu quando Salgueiro Maia e Marcello Caetano iniciaram as negociações. Com aval do MFA, Caetano fez contato com o general António Spínola para lhe entregar o poder, no Quartel do Carmo. Caetano e os membros do governo foram transportados em blindados para a Pontinha. Pouco depois, a Rede de Televisão Portuguesa (RTP) transmitiu o primeiro telejornal autônomo, reproduzindo o comunicado do MFA que anunciava a rendição do Governo. Contrariando as determinações do MFA, a população foi às ruas, ocupando a parte baixa da cidade. A exaltação e a felicidade não foram contidas. Num único dia, se desmoronava um projeto que durou meio século. Como saldo, sem considerar o quadro da guerra colonial, o 25 de abril contabilizou quatro mortos e dezenas de feridos, um resultado pacífico se comparado com outras revoluções. Da embaixada brasileira em Washington, João Augusto de Araújo Castro fez suas considerações sobre o episódio. Realçou que poucos choraram pela queda de Marcello Caetano, “um remanescente do regime salazarista, que não podia viver sem Salazar”. Dos EUA, Castro pontuou que o Departamento de Estado dos EUA tinha esperanças, inclusive ia encorajar Portugal a ter um governo mais realista, pragmático e moderno em relação aos territórios na África. Conclui que durante anos se vislumbrava a possibilidade de uma “política inovadora e criadora de Portugal nesse particular”.739 Para concretizar a queda da ditadura e a construção da democracia, os capitães construíram um programa básico com três Ds como princípios norteadores: descolonizar, desenvolver e democratizar. Internamente, o novo Governo promoveu o desmantelar dos organismos e instituições do regime deposto, a anistia dos presos políticos, a implantação de liberdades e de uma nova plataforma política econômica e social. Como descolamento dessas medidas, previu a formação de um Governo provisório civil; a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal, A difusão das canções “E depois do Adeus”, às vésperas da revolução, e “Grândola Vila Morena”, no dia 25 de abril, foram os códigos para as operações. 739  600(F42)601.3(F42) Embaixada do Brasil em Washington, Golpe de Estado em Portugal, Confidencial, Urgentíssimo, 25 de abril de 1974. 738 

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direto e secreto; e, externamente, a pacificação do problema ultramarino740. Com a Revolução de Abril, a Europa passou a ser o cenário estratégico inédito e incontornável; o mercado e a iniciativa privada tornaram-se pilares do desenvolvimento e reguladores da nova ordem econômica e social; a democracia parlamentar ergueu-se como estágio máximo, irreversível e culminante da harmonia política e social741. Quanto à descolonização, a princípio, houve um retraimento com a exclusão do item que previa o “reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação”, causa que constava nas primeiras versões do programa do MFA. A supressão foi causada por uma pressão promovida por Spínola. As negociações formais para a pacificação da guerra colonial só foram iniciadas depois. Em Dacar, com o PAIGC, sucedida por tentativas de acordo com a Frelimo, em Lusaca, e por negociações com o MPLA, a Unita, o FNLA, em Argel. As pressões internacionais, a urgência na resolução do impasse militar e a evolução dos acontecimentos em Portugal foram fatores que aceleraram o processo de independência das colônias portuguesas. Guiné-Bissau foi reconhecida como República por meio do Acordo de Argel, feito entre 25 e 29 de agosto de 1974, dando como data oficial da independência o dia 10 de setembro. Moçambique, depois de impasses com colonos brancos, obteve a independência no dia 25 de junho de 1975. O caso mais delicado foi o angolano. Os atritos por causa da existência dos três movimentos (MPLA, Unita, FNLA) e o microcosmo da Guerra Fria na região fizeram com que a negociação se desdobrasse. A independência foi proclamada no dia 11 de novembro de 1975. Há um rico debate sobre os equívocos e atrasos no processo de descolonização, seus prejuízos remanescentes nos novos países independentes e em Portugal, não cabe aqui aprofundá-lo. Desestruturação econômica, política, étnica, guerra civil, violência nas colônias e o regresso e a integração em Portugal de cerca de meio milhão de retornados são assuntos que se arrolaram no período pós-descolonização. E qual a avaliação do Brasil sobre os antecedentes, percursos e pautas da Revolução dos Cravos? Em 1973, a Embaixada de Lisboa elaborou um extenso informe repassando as impressões sobre o contexto português. O documento discutiu a REZOLA, Maria inácia. Um ano de revolução. In: ALMEIDA, Paula Cardoso (coord). Descolonização: a solução – descolonizar. Aveleda: Verso da História, 2015, p. 4-5. 741  ROSAS; BRANDÃO DE BRITO, 1989, p. 76-77. 740 

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situação interna, a política externa portuguesa, considerando suas variantes no conflito Leste-Oeste, Norte-Sul, abordou o tema do desarmamento e as relações de Portugal com a Europa/Brasil. É um documento importante. Seu conteúdo tem certo distanciamento dos laços de amizade com Portugal, trazendo prognósticos e diagnósticos do futuro português e de suas relações com o mundo. Reconheceu a divisão política no país, tendo sido causada por dois fatores: 1) a restrição de candidatos oposicionistas às eleições da Assembleia Nacional, forçando-os a abandonar o pleito; 2) o combate às oposições simbolizadas nos “comunistas, traidores da pátria” e “grupos contestatórios estudantis”.742 O documento considerou que o Governo suscitou “cinco anos de espera e de ilusões desfeitas” entre as oposições portuguesas. Tendo como embasamento as críticas provenientes de “hierarcas do regime e seus seguidores de extrema-direita”, fidedignos dos propósitos de Salazar, e de “liberais e esquerdistas”, interessados na renovação das estruturas político/sociais, da economia, da posição ultramarina e da política externa. Apontando que tais forças, em decorrência do extremismo de suas teses, promoveram uma paralisia comunicacional entre governo e oposição, impedindo a conciliação. A embaixada examinou que Spínola tornar-se-ia o personagem que encarnaria a “reformulação do cenário lusitano e das relações” portuguesas nas esferas ultramarina e internacional. Prevendo que, no ano de 1974, provavelmente essa tendência tivesse um desfecho. O documento fez uma “previsão” política, observando que Spínola se tornou uma das “forças renovadoras da vida pública portuguesa”.743 Quanto ao tema ultramarino, o documento discutiu que havia dissemelhança entre as posições brasileiras e portuguesas no tocante à África, que essas lacunas aumentariam com o desenvolvimento do jogo político. Que em compensação, a ajuda brasileira à política portuguesa era essencial, por isso, para conservá-la (assim descreve o texto), Lisboa iria seguir fazendo “pedidos, exigências, recriminações” e usando a influência da colônia lusitana do Brasil. Como diretriz e contraponto às pressões do bloco socialista e afro-asiático, o documentou sustentou que Portugal continuaria procurando adesão à tese de controle da rota do Cabo, de defesa do Atlântico Sul. Era 600(F42) 640(F42) 900(F42) Informações sobre Portugal (ano de 1973), Confidencial, Embaixada do Brasil em Lisboa. 743  600(F42) 640(F42) 900(F42) Informações sobre Portugal (ano de 1973), Confidencial, Embaixada do Brasil em Lisboa. 742 

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o fundamento do poder/posição como estratégia militar. Brasil, Argentina, Uruguai e África do Sul são avaliados como países vitais para concretizar esse objetivo, mas que apenas o último o havia contemplado. Quanto à luta contra os movimentos nacionalistas, o documento expressou que Portugal promovia uma “ativa política de investimentos públicos e de valorização econômico-social” das colônias. Avaliou que o objetivo dessa política era desencorajar a causa descolonizadora, fornecendo benefícios econômicos e sociais, atenuando a separação entre Ultramar e Metrópole. Para a embaixada brasileira, os dirigentes desses movimentos nacionalistas não percebiam que essa política constituía uma manobra política. Na verdade, essa orientação portuguesa não buscava contribuir com a independência ou autonomia econômica das colônias, mas, termina o texto, fortalecer o próprio colonialismo744. Como orientação geral, faz um alerta, sugerindo que o Brasil devesse ter certa precaução com Portugal, em virtude de seu isolamento internacional, ocasionado pela irredutibilidade na questão da autonomia de seus territórios. Portanto, “manter o apoio a essa posição radical poderia significar, para o Brasil, angariar a má-vontade de um importante conjunto de Estados – principalmente os africanos”. Como complemente, o texto atentou sobre a crise do petróleo, originada por causa do conflito israelense-árabe, o que devia agudizar a cautela brasileira. Finalmente, reconheceu que na hipótese de Guiné, Angola e Moçambique conquistarem a independência, o Brasil estaria na “ingrata” situação de ter apoiado, “até o fim”, a posição de intransigência de Portugal. De um jeito ou de outro, o documento avaliou que Portugal aceitaria a mudança de rumo da diplomacia brasileira em relação à sua política ultramarina. O documento também apontou que o Brasil vinha apoiando o colonialismo português e que finalmente teria a oportunidade de guinar se afastando integralmente dessa posição. Ao considerar a antecipação do debate presente nesse documento, uma conjectura pode ser feita: não foi a Revolução dos Cravos que possibilitou a efetivação da aspiração brasileira de se integrar aos países africanos de língua portuguesa. O 25 de abril apenas facilitou o desprendimento dos laços sentimentais/culturais com Portugal, porém, a maturação dessa política pode ser verificada anteriormente, tendo como base o próprio documento. O senador Danton Jobim (MDB), antes da revolução, num pronunciamento, fez alusão de que a política externa brasileira deveria mudar. Em 600(F42) 640(F42) 900(F42) Informações sobre Portugal (ano de 1973), Confidencial, Embaixada do Brasil em Lisboa. 744 

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sua fala, Jobim distinguiu a importância de Spínola e de seu livro Portugal e o Futuro. Para o senador, o livro possuía o “dom de iniciar o debate” sobre o colonialismo em Portugal e no Brasil, garantindo que as teses oficiais do governo português preconizavam seu isolamento internacional nessa questão. Jobim acreditava que o povo português esperava uma solução honrosa e realista, diferente do que vinha ocorrendo. Para encerrar, foi taxativo: as relações do Brasil com Portugal podiam prejudicar o entendimento brasileiro com os países da África negra745. Jobim foi, no Brasil, um simpatizante dos propósitos de Spínola e de seu livro. No dia 27 de abril, o Governo brasileiro foi notificado por telex da embaixada portuguesa sobre a instauração da Junta de Salvação Nacional (JSN), estabelecida pela Revolução dos Cravos. No mesmo dia, o encarregado de Negócios da embaixada do Brasil em Lisboa, Antonio Fantinato Neto, entregou a resposta brasileira a Freitas Cruz, chefe do Departamento Político do Ministério dos Negócios Estrangeiros, comunicando a decisão oficial. Em nota do MRE, o Brasil se tornava a primeira nação a reconhecer o novo regime português746. Esse reconhecimento não representou concordância pragmática do Brasil com o governo estabelecido pós 25 de abril. Ele pode ser explicado pelo interesse pragmático de se aproximar da África, percebendo que qualquer cisão com o novo regime poderia afetar essa estratégia. Há também outro aspecto, as relações históricas com Portugal e com o povo português (dos dois lados do Atlântico) endossaram essa tomada de decisão. A discordância programática do regime brasileiro gerou o receio dos rumos que a Revolução dos Cravos poderia trilhar, sua diplomacia percebia a presença socialista e comunista na disputa de sua direção747. Com a sua efetivação, também notou o interesse de intercâmbio político entre oposicionistas do regime nacional com o novo projeto erguido em Portugal. O socialismo e a liberdade, tidos como pontos que ligavam esses militantes com abril, ativaram a vigilância da embaixada do Brasil em Lisboa. Como Portugal recebeu brasileiros exilados, o Governo do Brasil enviou espiões e informantes, com o intuito de vigilarem seus passos. O CIEX passou a atuar do outro lado do Atlântico: se infiltrou na comunidade exilada, coletando informações. Outro passo foi dado para dar conta desse receio. Carlos Jornal de Brasília, 3 de abril de 1974. Correio Brasiliense, 28 de abril de 1974. 747  As greves e os prejuízos dos supermercados da rede Pão de Açúcar aguçaram as preocupações do governo brasileiro. A embaixada brasileira alertou as autoridades brasileiras sobre os ricos de nacionalização de investimentos privados estrangeiros, orientando a necessidade de tomar uma posição para proteger os interesses dos investidores brasileiros em Portugal (601.3(F42) 51.22(F42) (B46) Embaixada do Brasil em Lisboa, Ameaça sobre investimentos privados brasileiros, Confidencial, 18 de março de 1975. 745  746 

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Alberto da Fontoura foi nomeado novo embaixador brasileiro em Lisboa748, substituindo Gama e Silva. Carlos Alberto tinha experiência no assunto, havia sido chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), entre 1969 e 1974. A nomeação de Fontoura causou agitação nos meios políticos de Lisboa. O Grupo Formado no Seio do Partido Socialista Português (GAPS) distribuiu panfletos afirmando que sua nomeação era “um atentado contra a segurança do povo português”, que Fontoura era “um ex-agente da PIDE brasileira, aliado à CIA e fiel colaborador do regime português”. Para manifestar a indignação com essa decisão, convocou a população para se manifestar na frente da embaixada brasileira749. O Partido Popular Democrático (PPD) também protestou, exigindo do governo brasileiro a substituição de Fontoura de suas funções750. A embaixada do Brasil exprimiu preocupação com a segurança de Fontoura, levantando a necessidade de estabelecer contato com o general Costa Gomes sobre esses receios. Para driblar os protestos no aeroporto e em frente de sua residência, foi veiculada informação falsa na imprensa sobre o momento certo de sua chegada751. Até mesmo um plano de evacuação da embaixada e dos consulados gerais em Lisboa e Porto foi elaborado como precaução, conforme recomendação do secretário Agildo Séllos Moura. O plano pretendia servir de alternativa para garantir a segurança da missão diplomática brasileira752. Em Angola também foi criado um plano com o mesmo intuito. Brasileiros também se manifestaram contra a indicação de Fontoura, estudantes das universidades técnica e clássica de Lisboa fizeram um manifesto. Nele, afirmaram que enquanto a Junta Nacional de Salvação (JNS) extinguia a DGS, prendia seus chefes, dissolvia suas brigadas, o Governo brasileiro escolhia um homem que torturou, encarcerou e oprimiu estudantes, intelectuais, operários e camponeses brasileiros para ser diplomata. Antonio Fantinato Neto opinou dizendo que esses estudantes não tinham conseguido aprovação nos vestibulares brasileiros e eram elementos insatisfeitos com a vida no Brasil753.

Permaneceu no cargo de 1974 a 1978. Tribuna, 28 de maio de 1974. 750  Tribuna, 29 de maio de 1974. 751  619.(F42) 600(F42) Embaixada do Brasil em Lisboa, Segurança do Embaixador Fontoura, Secreto Urgentíssimo, 15 de maio de 1974. 752  305(F42)600(F42)940(F42) Embaixada do Brasil em Lisboa, Segurança da Embaixada, Plano de Evacuação, Secreto, 8 de agosto de 1975. 753  600(F42) 60021(B46) Embaixada do Brasil em Lisboa, Manifesto de Estudantes Brasileiros, Confidencial, Urgentíssimo, 8 de maio de 1974. 748  749 

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Outro protesto ocorreu contra a embaixada brasileira no dia 10 de abril, envolvendo militantes da Liga da União de Ação Revolucionária (Luar), do Movimento Socialista Português (MSP) e do Movimento da Esquerda Socialista (MES). Eles afixaram cartazes de Marighela, militante morto durante a ditadura brasileira, na sede da embaixada em Lisboa754. Para explicar as causas do surgimento do movimento militar que derrubou o Estado Novo, Carlos Alberto da Fontoura elaborou um documento meses depois755. Nele, o embaixador elencou alguns pontos que motivaram o surgimento da revolta, como o desinteresse dos majores e capitães que não pretendiam mais ir à guerra colonial ou a ela retornar, e estavam frustrados com o baixo soldo. Para ele, a influência esquerdista (comunista e socialista) dos “milicianos”, que requeriam igualdade de condições entre os oficiais de carreira, foi outro fator que desencadeou o golpe. Fontoura salientou que generais e coronéis (os segundos com poucas exceções) não participaram da revolução (planejamento e execução). Entretanto, para ele, Spínola e Costa Gomes, apesar de não terem encabeçado o movimento, por meio do gesto de não comparecimento ao “beija-mão” a Caetano, acentuaram seus questionamentos. Quanto aos civis, relatou que eles não tiveram participação efetiva no processo756. Para o adido aeronáutico brasileiro, em relatório especial, a ausência de uma solução honrosa para o problema ultramarino e o aumento das pressões políticas e sociais demarcam as origens do movimento revolucionário. No relatório, o adido apontou o aumento do custo de vida e da inflação757 como fatores que geraram descontentamento e críticas ao Estado Novo758. Sobre o intercâmbio político entre intelectuais e militantes brasileiros, Fontoura alegou que Plínio de Arruda Sampaio759 havia visitado Lisboa no mês de agosto de 1974. Em documento secreto ele supõe que Sampaio e Rui

600(F42) 691.7(B46) (F42) Afixação de Cartazes de Marighella na Embaixada, 11 de novembro de 1974. 600(F42)601.3(F42) G/SG/DE-1 Situação Política em Portugal, telegrama da embaixada brasileira, Confidencial/Urgentíssimo, 25 de abril de 1974. 756  600.(F42) S/SG/DE-I/DAF/DNU Situação Política Portuguesa, os cem dias do 25 de Abril, Confidencial, 7 de agosto de 1974. 757  Marcello Caetano reconheceu que o uma das causas do aumento da inflação foram as despesas militares (CAETANO, Marcello. Depoimento. Rio de Janeiro: Recordo, 1974). 758  Ministério da Aeronáutica, Estado Maior da Aeronáutica, Adido Aeronáutico à Embaixada do Brasil-Portugal. Relatório Especial, Secreto, 30 de abril de 1974. 759  Advogado, intelectual e político. Foi relator do projeto de reforma agrária durante o governo de João Goulart. Eleito deputado federal, teve seu mandato caçado no golpe de 1964. 754  755 

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Luis Gomes760 estavam viabilizando a contratação de “professores brasileiros esquerdistas”, “banidos ou caçados”, sobretudo em disciplinas de ciências sociais e econômicas. Fontoura alegou que diversos professores tinham sido afastados por causa de suas vinculações com o regime deposto ou destituídos por incompatibilidade com os estudantes de esquerda. Da Fontoura alertou que havia um “programa” intercambista, coordenado por um dirigente do PCP, que atendia aos conselhos do “comunismo internacional”. Tal programa pretendia conceder emprego a “intelectuais marginalizados” e promover a substituição de professores por militantes de fidelidade comprovada para “endoutrinação” de extrema esquerda. O embaixador citou os nomes de Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Caio Prado Jr., Mário Schenberg, Paulo Freire, Luis Hildebrando Pereira da Silva, Florestan Fernandes e Márcio Alves, como fortes candidatos para esse programa761. Noutro documento, Carlos Alberto citou o nome de Joaquim Barradas de Carvalho762 como um dos encarregados pela contratação de professores e pesquisadores “comunistas brasileiros” para trabalharem em universidades portuguesas763. Essas informações secretas foram repassadas ao Governo brasileiro, havia a preocupação de que esses militantes promovessem campanhas “hostis”. No final de 1974, o SNI elaborou um documento elencando os nomes de brasileiros que haviam viajado para Portugal e tinham desenvolvido atividades por lá. Esses dados foram cientificados por um adido brasileiro, sem a garantia que todos os citados tivessem se engajado politicamente ou combatido o Governo, apenas fazendo um alerta. Como parte dos informes, no documento consta que brasileiros oposicionistas procuraram as embaixadas de Buenos Aires, Havana e Paris para pedir asilo/refúgio político em Portugal, procurando lecionar em universidades e escolas, outros, e em maior número, sem destino certo. Alguns desses ativistas, conforme descreve o documento, estavam colaborando com grupos locais de extrema esquerda, e que essa afinidade podia comprometer as relações luso-brasileiras. Seguindo o informe do adido, inexistiam leis para proibir a entrada desses “elementos”, por isso, nada podia ser feito pelo Governo português. De fato, cidadãos brasileiros não precisavam de visto para o ingresso em Portugal, porém, o documento governamental acrescentou um fator políConselheiro de Estado e reitor da Universidade do Porto. 600.2(F42) 642.011(F42) 642.4(B46) DSI/G/SG/DEU Professores esquerdistas brasileiros em universidades portuguesas, Secreto, Lisboa, 16 de agosto de 1974. 762  Português, professor da Universidade de São Paulo de 1964 a 1969. 763  600.2(F42) 642.011(F42) 642.4(846) DSI Dados sobre Joaquim Barradas de Carvalho. Contrato de comunistas brasileiros por universidades portuguesas, Secreto, Lisboa, 22 de agosto de 1974. 760  761 

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tico: questões internas ligadas à política e à administração facilitavam ainda mais esse translado. Realçou que em decorrência da “desmobilização dos serviços de segurança portugueses (extinção da PIDE/DGS)”, o mecanismo de controle desse tipo de “elemento” desapareceu. Mas que, com a criação da Direção dos Serviços de Estrangeiros (DSE), esse argumento estaria anulado e perderia o sentido764. Ou seja, há uma culpabilização do novo regime português. Também citou a criação de um Comitê de Apoio aos Refugiados Antifascistas, espaço que fomentaria o acolhimento de sujeitos hostis ao regime vigente no Brasil. Esses documentos atestam que ademais da existência de uma política pragmática, o Governo brasileiro continuou procurando se blindar de críticas, o que podia prejudicar sua imagem e inviabilizar a ampliação de sua presença no cenário internacional. Internamente, o Governo Geisel continuou vigilante com a presença comunista no Brasil, atividade sempre monitorada, passando a se preocupar com a nova onda migratória. Com o fim do colonialismo português e do Estado Novo, houve emigração de turistas que vinham e ficavam definitivamente no Brasil, fugiam do desemprego, do caos econômico. Em 1972 e 1973, vieram 10 mil por ano. Entre 1974 e 1976 o número subiu para 30 mil anualmente. Calcula-se que cerca de 60 mil refugiados entraram no Brasil com visto de turista e milhares com visto de imigrante. Como medida para controlar esse êxodo demográfico, maiores eram as preocupações do governo brasileiro. Existia o receio de que o perigo da subversão se alastrasse a partir de Portugal, além do próprio inchaço demográfico. O grande número de imigrantes e o receio subversivo fez com que Geisel criasse um grupo de trabalho que contou com membros do MRE, do SNI e do Conselho Nacional de Segurança (CNS)765. Geisel foi orientado pelo GT a neutralizar os acordos que favoreciam a emigração, ter maior dureza na cobrança de vistos de turista, criar um formulário para ser preenchido pelos

DSI/MRE – CISA SNI/AC Ministério da Aeronáutica, Estado Maior da Aeronáutica, Subchefia de Coordenação, Seção de Informacoes. Subversivos em Portugal, chegados após a revolução de 25 de abril, Secreto, 20 de dezembro de 1974. 765  A embaixada brasileira, a pedido do SNI, também averiguou se diplomatas e funcionários de países Leste Europeu/URSS, recém-chegados em Lisboa, podiam ser agentes de “espionagem e subversão”. Carlos Alberto da Fontoura concluiu que informações fidedignas da embaixada dos EUA confirmaram a veracidade desse receio, que inclusive, vários desses indivíduos, reconhecidos por seu informante, serviram no Brasil e falavam português (Secretaria de Estado das Relações Exteriores, Telegrama n.º 822 à Embaixada Brasileira em Lisboa, Atividades dos serviços de espionagem e subversão de países do Leste Europeu, Secreto, 8 de Novembro de 1974; Embaixada do Brasil em Lisboa, Atividades dos serviços de espionagem e subversão dos países de Leste em Portugal, Secreto, 29 de Agosto de 1974). 764 

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visitantes, tendo como horizonte critérios de seleção desses imigrantes766. Aos consulados em Luanda e Lourenço Marques foram emitidos telegramas da Secretaria de Relações Exteriores exigindo a aplicação de normais mais estritas767. A diretriz procurava evitar a vinda de candidatos à imigração que solicitassem a permanência definitiva no Brasil, o que contrariava os “interesses da política imigratória brasileira”. Por isso, devia se evitar a vinda do “falso turista” que, segundo o MRE, podia aumentar com a vinda de cidadãos de origem não africana768. Ainda sobre a questão ultramarina, no alvorecer das independências, o Brasil até tentou atuar como “mediador”, porém, Portugal não recorreu à ajuda brasileira. Lisboa mantinha negociações diretas com os nacionalistas e politicamente não representava vantagem partilhar, ou até perder, o seu protagonismo na África para Brasília. Pelo lado brasileiro, as dúvidas sobre o desencadear do processo revolucionário português fizeram com que o Governo brasileiro tivesse cautela e esperasse seu resultado final. Por isso, a orientação oficial do Itamaraty foi de não participar nas negociações, enquanto as duas partes não solicitassem essa colaboração. O chanceler Azeredo da Silveira preferiu “esperar pra ver”.769 Depois do desenrolar da Revolução dos Cravos, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Guiné-Bissau, em 18 de julho de 1974770. O gesto teve como ponto de partida o encontro do embaixador Júlio Semedo, observador permanente da Guiné-Bissau na ONU, com o ministro Luís Paulo Linderbeg Sette, chefe interino da missão brasileira. Na ocasião, Semedo solicitou o apoio brasileiro ao pedido de ingresso de seu país no organismo771. Por meio de uma nota do Itamaraty, que ratificou o reconhecimento, foi expressa a satisfação brasileira de ver o ingresso de uma “nova nação irmã de língua portuguesa” na comunidade internacional772. Spínola agradeceu a solidariedade manifestada pelo Brasil, dando uma resposta semelhante DÁVILA, 2011, p. 219. DCI/DAF 511.141 65122(B460) Secretaria de Relações Exteriores ao Consulado em Luanda, Emigração de Portugueses de Angola para o Brasil, Confidencial, 16 de julho de 1974. 768  DCI/DAF 500(846) 511.141 Secretaria de Relações Exteriores ao Consulado em Lourenço Marques, Autorização prévia para a concessão de visto. Normas para a concessão de visto permanente, Confidencial, 16 de julho de 1974. 769  AMARAL, 2009, p. 55, 77. 770  Há cinco anos, na Assembleia Geral da ONU, o Brasil havia sido um dos cinco países que votaram contra o reconhecimento da independência da Guiné-Bissau, uma demonstração de que a política de apoio à descolonização africana foi gradativa. Ver imagem 12. 771  Jornal do Brasil, 19 de julho de 1974. 772  O Globo, 19 de julho de 1974. 766  767 

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às felicitações brasileiras. Spínola disse ter renovado a esperança de que as “novas nações de língua portuguesa” se juntassem ao Brasil e a Portugal numa “ampla comunidade internacional”.773 Para José Calvet de Magalhães, o ato, de reconhecimento imediato, se aproxima da decepção do Governo brasileiro com a negação de Lisboa do auxílio brasileiro na mediação do conflito774. A tese de Calvet, em minha opinião, carece de fundamento, pois, na sequência, o Brasil reconheceu as independências de Angola e de Moçambique, seguindo a orientação pragmática de Azeredo da Silveira. O Brasil reconheceu a independência de Guiné-Bissau e logo abriu uma embaixada no novo país, o exemplo foi seguido em Angola e em Moçambique. O Brasil retomou o diálogo com as colônias que estavam prestes a alcançar a independência, o chefe do Departamento da África e Oceania, o ministro Ítalo Zappa, propôs que fossem criadas Representações Especiais em Lourenço Marques e em Luanda. Zappa pretendia manter contato com os nacionalistas durante a transição, até a independência definitiva, mantendo os consulados já existentes para dialogar com o governo português. Zappa fez contato com os líderes, em dezembro de 1974, encontrando-se com Agostinho Neto (MPLA), Holden Roberto (FNLA), Wilson Santos (Unita) e Samora Machel (Frelimo). Zappa assegurou que o Brasil iria reconhecer o grupo que tomasse o poder, independentemente de sua matriz ideológica775. Samora Machel criticou o Brasil, considerando que o país deu apoio histórico a Portugal e se distanciou dos movimentos de libertação. Os líderes moçambicanos não concordaram com a criação da representação especial. Posteriormente, a Frelimo negou a presença de representantes oficiais do Governo brasileiro no ato da independência, realizado no dia 25 de novembro de 1975, enviando convites apenas a Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes776. O Itamaraty solicitou junto ao consulado em Lourenço Marques esclarecimento sobre o rumor de que seriam convidadas “representações de partidos progressistas”, incluindo o PCB, para a cerimônia de independência de Moçambique777.

Correio Brasiliense, 3 de setembro de 1974. MAGALHÃES, José Calvet de. Breve história das relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 124. 775  MAURO DA SILVA, 2007, p. 128, 129, 132. 776  PENNA FILHO, 2009, p. 175. 777  601(A20) MRE, Minuta de Telegrama, Cerimônia da Independência de Moçambique, Secreto, 3 de junho de 1975. 773  774 

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Em 1975, depois da aprovação das resoluções da XXX Sessão da Assembleia Geral da ONU que admitiu Moçambique, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe como membros, o enviado brasileiro deu congratulações em nome do Governo e expressou a convicção de que o Brasil e esses países tinham uma luta em comum. Essa unidade deveria se concretizar nos foros internacionais, na busca pelo desenvolvimento, o que reforçaria os laços culturais e históricos que uniam esses países. Em resposta, Joaquim Chissano, chanceler moçambicano, alegou que não existia mais razão para os moçambicanos alimentarem qualquer tipo de ressentimento, o país estava pronto para colaborar com todos que respeitassem sua soberania e independência. Em Angola foi diferente, os líderes acataram a proposta de Ítalo Zappa. A Representação Especial foi criada, e Ovídio de Andrade Melo assumiu o posto em Luanda, no dia 22 de abril de 1975. O posto aspirava dialogar com os líderes dos três movimentos e iniciar as negociações para estabelecer relações diplomáticas com o futuro Governo. O Itamaraty aguardou até as vésperas da independência angolana para decidir se reconheceria ou não o Governo que se instalasse em Luanda778. O presidente do Gabão, Omar Bongo, depois de assinar nota com o Brasil, sustentando a unidade territorial de Angola, cogitou a possibilidade de incentivar o Governo brasileiro a participar como intercessor. O jornal O Globo publicou uma matéria que expressou a posição do Governo sobre o parecer de Bongo. O pedido de Bongo, conforme o texto, atestou o acerto da política externa de Azeredo da Silveira no capítulo da descolonização angolana, a ponto de credenciar o Brasil para um procedimento diplomático dos “bons ofícios ou da mediação”. Entretanto, o editorial expressou que a diplomacia do Itamaraty percebeu o fenômeno divisionista angolano, de raízes “regionais e tribais, adubadas por ingredientes ideológicos e por interesses de influência externa”, mantendo uma posição de equidistância e equilíbrio. Isso significou que o governo brasileiro respeitava as decisões pós-25 de abril, condizentes à autonomia, reconhecendo e respeitando os três movimentos, rogando uma solução amistosa, sem a ocorrência de uma tragédia779. No dia 11 de novembro de 1975, transpassadas as negociações entre os movimentos nacionalistas e o Governo português, o Brasil reconheceu

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PENNA FILHO; LESSA, 2007, p. 71-73. O Globo, 16 de outubro de 1975.

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a independência de Angola. Geisel endereçou telegramas aos líderes dos três movimentos nacionalistas e ao presidente português Costa Gomes. Ao buscar uma razão externa para a guinada da política africana do Brasil, que desaguou no reconhecimento das independências de Angola e Moçambique, é possível encontrar vários argumentos. O fato de os três novos países reivindicarem o comunismo, contarem com a ajuda cubana, soviética ou chinesa, não impediu o Governo brasileiro de reconhecer suas independências e seus respectivos governos780. Francisco Carlos Teixeira da Silva sugere que, na década de 1970, os EUA viveram um período de problemas: fracasso na guerra do Vietnã, escândalo de Watergate, apoio às ditaduras no Subcontinente latino-americano. Esse contexto impôs uma mudança na política externa do país, que passou a ser promovida por Jimmy Carter. Na euforia de retomar a hegemonia global, e de enfrentar a URSS, os EUA promoveram uma política de combate às ditaduras na América Latina781. Washington chegou a advertir publicamente o governo Geisel, denunciando as violações contra os direitos humanos, imediatamente o Governo brasileiro formulou um contra-ataque. Geisel adotou medidas nacionalistas e autonomistas: estabeleceu um acordo nuclear com Alemanha, reestabeleceu relações com a China, condenou Israel na ONU e reconheceu as independências de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Portanto, as relações com a África compuseram esse esforço de afirmação da autonomia do país frente aos EUA, assumindo e reforçando a posição de potência regional. Além disso, entre 1975-1979 o petróleo somava 70% de todas as importações brasileiras. A África poderia ser uma fornecedora de petróleo e propiciar a associação da Petrobrás com as petrolíferas africanas782. Jerry Dávila acredita que a histórica imobilidade do Brasil ocorreu por causa da ligação étnica de brasileiros influentes com portugueses, gerando forte sentimentalismo nessas relações. O fornecimento de viagens, honrarias, medalhas, comendas e banquetes favoreciam ainda mais esse relacionamento783. Pio Penna Filho e Antônio Lessa deram uma explicação parecida. Para os autores, algumas motivações coadjuvantes fizeram com Isso não significa que tenha existido oposição ao gesto. O ministro do Exército, Sylvio Frota, por exemplo, foi contrário. 781  TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974-1985. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de A. Neves (org.). O Brasil Republicano: O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 250. 782  SARAIVA, 1996, p. 145-146. 783  DÁVILA, 2011, p. 119. 780 

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que Geisel, Azeredo da Silveira e Ítalo Zappa mudassem a política externa para a África. Em entrevista feita a Penna Filho, o embaixador Ovídio de Andrade Melo disse que pelo fato de Geisel não ter ascendência portuguesa, se sentiu motivado a romper os laços com Portugal. Já o ministro Azeredo da Silveira possuía ascendência africana, enquanto o embaixador Ítalo Zappa era italiano, ambos não abrigavam sentimentalismo com Portugal. Esses fatores, juntamente ao cenário internacional e com as necessidades internas, foram as principais causas784. Para Márcia Mauro da Silva, as novas ações promovidas por Azeredo da Silveira e Geisel “representam a materialização de inflexões identificadas como necessárias aos interesses do país pelos funcionários do Itamaraty, e que vinham sendo buscadas desde longa data”.785 Sem desconsiderar os fatores externos, e o papel de Silveira/Geisel, a autora argumenta que desde a PEI, funcionários do Itamaraty já elaboravam e exibiam essa política para o Brasil, fornecendo inspiração para a tomada de decisão. A política projetada por Azeredo da Silveira também tem antecedentes na política externa lançada por Gibson Barboza786, uma política conciliatória que havia buscado “intensificar as ‘relações luso-brasileiras’ e cultivar as relações com a África Ocidental”.787 Gibson Barboza usou três táticas para alcançar esse objetivo: 1) promulgou atos diplomáticos que fortaleceram os laços com Portugal (festividades dos 150 anos da Independência do Brasil, em 1972), promoveu a repatriação dos restos do imperador Pedro I, assinou um acordo dando quase os mesmos direitos aos brasileiros residentes em Portugal e aos portugueses residentes no Brasil 2) Visitou a África e assinou acordos culturais e comerciais; 3) Tentou colocar o Brasil como “mediador” dos conflitos na África788. Gibson Barboza promovia uma leitura que via no Brasil um representante em potencial no bloco internacional de organizações econômicas e políticas. Que o país partilhava vários problemas comuns à África, como a produção de café, cacau e utilização do oceano Atlântico. Por isso, demonstrava interesse de abrir os mercados africanos para as exportações brasileiras, mesmo que elas fossem limitadas789. Segundo PENNA FILHO; LESSA, 2007, p. 77. MAURO DA SILVA, Márcia. A independência de Angola. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2007, p. 22. 786  No governo Médici o Itamaraty também passou por um processo de fortalecimento enquanto formulador de política externa, ainda que limitado pela política interna (MAURO DA SILVA, 2007, p. 78-79). 787  DÁVILA, 2011, p. 181. 788  DÁVILA, 2011, p. 181, 182. 789  Monthly Trends Reports, February 11, 1972. Amembassy Brasilia, Department of State, Confidential. Opening The Archives: Documenting U.S.-Brazil Relations, 1960s-80s, Brown Digital Repository/Universidade 784  785 

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Barboza, a orientação geral brasileira, durante sua chancela, buscou separar o Portugal colonial do metropolitano. Com o metropolitano foram realizados planos de fortalecimento das relações bilaterais (comemorações, intercâmbios, igualdade de direitos e deveres), visitas, missões, acordos, convênios. Com o colonial seguiu-se uma orientação de não se emaranhar na teia da guerra. Nessa direção, citou o cancelamento das manobras em Cabo Verde; a proibição de venda de armamentos a Portugal; a negação do termo “províncias ultramarinas”; o impedimento da exploração pelo Brasil do petróleo de Cabinda e da abertura de entrepostos comerciais em Angola e em Moçambique; a oposição à Comunidade Afro-Luso-Brasileira, o que para ele, envolveria o Brasil na trama da guerra790. Durante o Governo de Médici, a diplomacia se voltou para o desenvolvimento do parque industrial do Brasil e da venda de seus produtos. Sabia-se que o Brasil possuía uma indústria com tecnologia mediana, que produzia essencialmente manufaturados. Nesse interim é que surgiu o interesse no mercado tropical africano, espaço de laços culturais e históricos, região carente de produtos desse perfil. O monopólio dos militares foi interrompido com o advento da crise internacional dos anos 1970, pois vetou o crescimento acelerado da economia nacional, dando margem para a reflexão sobre a abertura política e incorporação de empresários e diplomatas nos centros decisórios. No Governo Geisel, os juros da dívida externa estavam elevados, em decorrência da crise internacional. O Brasil estava impossibilitado de penetrar nas decisões do sistema financeiro, tinha dificuldades para comercializar seus produtos (têxteis, calçados, siderúrgicos), tendo constantes controvérsias com os EUA e com a Europa. Estrategistas brasileiros reconheceram a distância do Brasil, em relação aos países ricos, e perceberam que a tese de bipolaridade poderia gerar mais isolamento791. Assim, a criação de novos parceiros motivou o reconhecimento das independências de Angola e Moçambique. O adido militar português fez uma análise, poucos dias antes da Revolução dos Cravos, dos rumos que Geisel/Azeredo dariam à política externa do Brasil. A avaliação se aproximou daquilo que se materializou. Nuno Luiz Azevedo e Pinho792, em seu relatório mensal, avaliou que Geisel seguiria Estadual de Maringá. 790  BARBOZA, 1992, p. 259, 260. 791  GONÇALVES, Williams da Silva; MIYAMOTO, Shiguenoli. Os militares na política externa brasileira: 1964-1984. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, 1993, p. 215, 227, 230. 792  Da embaixada portuguesa em Brasília, adido naval, militar e aeronáutico. 237

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numa política de esquecer as vinculações de raiz histórica, tradicional ou de ordem ideológica, priorizando os interesses reais do país. Por isso, daria ênfase no caráter econômico, procurando expandir e desenvolver o Brasil793. Com a Revolução dos Cravos, a diplomacia portuguesa manteve alguns de seus resquícios, não acompanhando integralmente os novos ventos vindos de Lisboa. Dois pontos tiveram continuidade: o receio com o expansionismo brasileiro no Continente africano e o esforço de criar na África “novos Brasis”. O temor com o expansionismo brasileiro foi sintetizado no relatório da II Reunião dos Gerentes dos Postos Consulares de Carreira no Brasil, realizado em Brasília de 11 a 16 de março de 1974. Apesar de ter ocorrido antes do 25 de Abril, ele foi remetido depois, no dia 27 de junho de 1974. O relatório trouxe como principal divergência o futuro do ultramar. Com o rápido crescimento econômico do Brasil, uma “mentalidade ufanista e expansionista” ganhou força, buscando transformá-lo numa grande potência econômica. A África surgia, nessa avaliação, como “espaço exterior da expansão brasileira”. Como desdobramento desse objetivo, previa-se que para o próximo ano, o Brasil se aproveitasse da ligação com Portugal para abrir caminho na África794. O cônsul geral de Portugal, depois de visitar diversas autoridades de São Paulo (governador, prefeito, generais, reitores, parlamentares), transmitiu ao MNE suas impressões e um balanço de seu trabalho político. Em suas intervenções, o cônsul garantiu que o grande objetivo português era o de construir nos territórios independentes “novos Brasis para Portugal e também para o Brasil”. Caberia, portanto, ao governo brasileiro, juntamente a seu par português, desempenhar um papel ativo e contribuir para preservar os “valores fundamentais que representam a maneira portuguesa de ser e de estar no mundo”. O ideal de comunidade entre os países de língua portuguesa ainda era alimentado, chamada agora de “luso-afro-brasileira”.795 Quanto à idealização de muitos colonos brancos, ou até mesmo de muitos portugueses e brasileiros, de replicar a descolonização brasileira, Cláudia Castelo, dialogando com Eric Morier-Genoud e Michel Cahen, trouxe um debate importante. O Brasil independente, à semelhança dos demais países da América Latina, era uma sociedade colonial e não uma sociePEA Defesa Nacional, Gabinete do ministro. N.º 645/GB Processo Co. 17 de abril de 1974. PEA RC.5282 7301/AM Ministério dos Negócios Estrangeiros, Relatório sobre os principais problemas de natureza política, cultural e econômica actualmente pendentes nesta embaixada, 27 de junho de 1974. 795  PEA 74DPG22, Consulado-Geral de Portugal, Reservado, 17 de setembro de 1974. 793  794 

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dade colonizada; os povos indígenas tinham sido eliminados ou grandemente reduzidos em número. Na “África portuguesa” (como no resto do continente africano), os nativos não foram eliminados, mas submetidos e explorados pelos colonizadores. Uma independência sob o domínio da maioria significaria o declínio ou a assimilação da minoria branca796.

Esse raciocínio ajuda a explicar a fuga maciça de colonos brancos. Os colonos retiraram-se em grande quantidade e dirigiram-se para Africa do Sul, Brasil e Portugal, sabotaram o maquinário, carros, equipamentos, carregaram consigo bens móveis, e essa evasão privou os países de técnicos797. O Governo brasileiro, na sequência do reconhecimento do novo governo português e das independências das ex-colônias africanas, deu asilo político a diversos membros do Estado Novo português. A lista inclui o próprio Marcello Caetano, além de agentes da DGS/PIDE. Aníbal de São José Lopes, ex-diretor da DGS em Angola, descrito como um sujeito “encantador” pelo cônsul Francisco José Novaes Coelho, escolheu o Brasil como refúgio, solicitando que sua presença fosse tratada da forma mais discreta possível798. Mais uma vez, o Governo brasileiro dava sinais de sua política dúbia, procurando manter boas relações com os dois lados da história: o afro e o luso799. Penso que o interesse comercial influenciou a tomada da decisão do Governo brasileiro no tema das independências de Angola e de Moçambique. Na sequência do 25 de Abril, a diplomacia seguiu na intermediação dos negócios do capital brasileiro. As mais variadas transações, missões, visitas, feiras, o capitalismo made in Brazil, agora sem os entraves lusitanos, abria um horizonte de negócios sem precedentes. Ansioso pelo sucesso da ampliação comercial, um caso simbolizou essa corrida. O Itamaraty foi solicitado para auxiliar na transação da venda de uma fábrica completa de televisores e de 250 kits de TV. Os sócios da empresa estavam empolgados para inaugurar a linha de montagem como forma de comemorar a Independência de CASTELO, 2014, p. 532. VISENTINI, 2012, p. 58. 798  600(F42)900.2(F42) (A) Consulado do Brasil em Luanda, Permanência no Brasil do doutor Aníbal São José Lopes, ex-Diretor da DGS em Angola, Confidencial, 15 de maio de 1974. 799  Setenta ex-agentes da PIDE também solicitaram a vinda ao Brasil para refúgio político. Não consegui documentação para averiguar se o pedido foi aceito, pois a Representação Especial em Luanda alertou sobre as implicações desse acolhimento, dando margem para aceitar ou não o pedido (Ver Anexo). É um tema importante para ser estudado. DAO/DSI/DAF Representação Especial do Brasil em Luanda, Expulsão da PIDE de Angola para o Brasil, Confidencial Urgentíssimo, 22 de maio de 1975. 796  797 

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Moçambique800. Pouco importava se a Frelimo adotava o socialismo como horizonte, o negócio era vender e exportar o sonho brasileiro de se tornar potência média, selando uma união entre o Estado e o capital.

Consulado Brasileiro em Lourenço Marques, Telegrama, 052340, Intercâmbio comercial Brasil-Moçambique. Apoio a exportador, Confidencial, 15 de abril de 1975. 800 

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma nação precisa de diferentes engrenagens para possuir sentido. Angola e Moçambique, ao terem se emancipado, herdaram problemas que se arrastaram mesmo com a descolonização. O idioma do ex-colonizador havia sido oficializado, parte da população continuou analfabeta, utilizando dialetos nativos. Diversas etnias foram unificadas de forma instantânea/ artificial, as estruturas tradicionais foram alteradas e renegadas. Um ambiente hostil, assentado na rivalidade, foi incentivado pelos colonizadores, causando conflitos de poder que prejudicaram a pacificação. O caso de Angola tem sido emblemático, com uma guerra civil que perdurou de 1975 a 2002. A falta de rede de transportes, a insuficiência de técnicos, médicos, engenheiros, administradores, de quadros em geral, a precariedade do ensino básico/ superior, tornaram-se empecilhos. A incorporação mecânica de matrizes comunistas que atravancaram a liberdade de pensamento e o diálogo. Como apontou Gerard Chaliand, em regra, os Estados africanos foram marcados por artificialismos. Artificialismo no traçado arbitrário de suas fronteiras, o que causou uma “balcanização” da África; a precedência do Estado em relação à nação; modelo estatal herdado da antiga Metrópole, economia voltada para o mercado externo, surgimento de neocolonialismos, divisões e antagonismos étnicos, carência das forças produtivas, baixa estratificação social801. Esses são alguns dos fatores que prejudicaram a consolidação e o desenvolvimento de muitos países africanos. Agostinho Neto fez uma avaliação dos rumos que os países africanos haviam tomado desde suas independências, considerando as lacunas e as barreiras ainda presentes, além da ligação com a antiga metrópole. Em sua opinião: Não encontramos em África um único país que não mantenha relações preferenciais com a sua antiga metrópole, até pela absorção dos valores culturais, inevitável num regime de tipo colonial. E mais, as formas de exploração não terminaram; por consequência, não terminaram também as formas de discriminação racial, mais ou menos acentuada. Nestes casos, a libertação ainda não é completa802. 801  802 

CHALIAND, 1980, p. 28. NETO, Agostinho. Quem É o Inimigo? Qual o Nosso Objectivo? Lisboa: Maria da Fonte, 1974, p. 18-21. 241

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Para Neto, a aparente independência política não resolveria o problema secular da dominação e da sujeição. Era preciso alcançar a libertação econômica e cultural, o respeito aos valores nacionais e a abolição da exploração, somente assim se alcançaria a “liberdade verdadeira”. E os países africanos, incluindo as ex-colônias portuguesas, cada qual do seu modo, percorreram caminhos de reconstrução nacional e de experimentação. Quanto ao Brasil, o interesse do Governo brasileiro centrou-se no mercado. A expansão comercial foi a opção preponderante. Aliás, compreender esse momento histórico contribui para o entendimento do contexto atual. Impossível não conectar o rápido crescimento e desenvolvimento de empresas como a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, para citar algumas, com essa penetração do capital nacional nessa região. No Tempo Presente, tem sido comum as inúmeras denúncias de corrupção803 envolvendo essas e outras empresas que participaram da divisão econômica da África. A maioria dessas empresas brasileiras iniciaram suas operações nas décadas de 1960/1970, contando diretamente com a ajuda do Estado brasileiro que intermediou e promoveu a entrada de produtos/empreendimentos nacionais. Saliento que o presente livro deixou algumas lacunas que podem ser trabalhadas em futuras pesquisas. Como exemplos: realizar uma abordagem mais detalhada sobre os relatos dos diplomatas brasileiros a respeito dos acontecimentos em Angola e Moçambique. Averiguar a documentação ultrassecreta ainda bloqueada no Itamaraty. Analisar a vinda de imigrantes que fugiram das ex-colônias portuguesas para o Brasil, buscando responder como foi esse intercâmbio, como essas pessoas retomaram suas vidas, quais suas memórias sobre os acontecimentos. Aprofundar o conhecimento sobre as diretrizes e impressões da diplomacia brasileira acerca da Revolução dos Cravos. Ao observar a política africana do Brasil, creio que houve momentos que o país titubeou para tomar uma posição clara e contundente, preferindo mediar suas posições, privilegiando o relacionamento com Portugal, sem prejudicar sua imagem com os países africanos. Enquanto na ONU o discurso foi favorável à autodeterminação dos povos, por fora dela não se debatia claramente o problema colonial português, dando a entender que esse assunto já tivesse sido contemplado. Mesmo com uma aliança entre Ver: Zero Hora: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2017/01/caso-odebrecht-leva-crise-a-pelo-menos-cinco-paises-9248236.html. Deutsche Welle: http://www.dw.com/pt-002/a-odebrecht-em-angola-corrup%C3%A7%C3%A3o-e-viola%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-humanos-denuncia-rafael-marques/a-36041611. Acesso em: 10 fev. 2017. 803 

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as polícias portuguesa/brasileira, com as denúncias de favorecimento do Brasil ao combate realizado pelo Estado Novo, não vejo a formação de um “pacto colonial” contra a África. Ou seja, o Brasil não entrou no mesmo universo conflitivo. Isso não anula que a proposta de Comunidade Afro-Luso-Brasileira tivesse esse cunho de manter as coisas do mesmo jeito, dando ao Governo português o domínio hegemônico. A própria proposta de mediação foi uma tentativa de resolver o impasse da guerra e abrir Angola e Moçambique para o relacionamento com o Brasil. Compreender a política africana do Brasil para as guerras em Angola/ Moçambique impôs a preocupação de entender o porquê das preferências brasileiras no que tange às relações internacionais, evidenciando as manobras, acertos, equívocos e limitações dessas orientações. Com isso é possível visualizar a persistência ou não das linhas gerais que privilegiaram determinados enfoques típicos nas relações com a África e com Portugal. Igualmente, possibilita o retorno do interesse sobre a história contemporânea de Portugal e da África, reaproximando-nos dessas regiões que seguem mantendo fortes vínculos com o Brasil. Por fim, é importante ampliar o conhecimento sobre os países de língua portuguesa que abrangem histórias e realidades tão diversas. A presente obra se inseriu nesse esforço.

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FONTES

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ARQUIVOS VIRTUAIS Biblioteca da Presidência da República Brown Digital Repository/Universidade Estadual de Maringá Centro de Documentação 25 de Abril Casa Comum Diário Oficial da União

JORNAIS E REVISTAS804 A Tarde (Brasil) Avante (Portugal) Correio da Manhã (Brasil) Correio Brasiliense (Brasil) Diário (Moçambique) Diário de Lisboa (Portugal) Diário de Notícias (Portugal) Os jornais utilizados no decorrer do livro foram consultados nos clippings elaborados pelo MNE e pelo MRE. Nos diversos maços e pastas continham recortes de jornais, por isso, coloquei nas notas de rodapés seus respectivos nomes com as datas das matérias utilizadas no livro. Por isso, não inclui os títulos das matérias, os nomes dos autores e os links de acesso exigidos pela ABNT, padronizando com o nome do jornal e a data. 804 

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Diário do Paraná (Brasil) Diário de São Paulo (Brasil) Ecos de Portugal (Brasil) El Mundo (Espanha) Estado de SP (Brasil) Folha de S. Paulo (Brasil) O Comércio (Angola) O Globo (Brasil) Jornal da Bahia (Brasil) Jornal do Brasil (Brasil) Jornal de Brasília (Brasil) Jornal do Comércio (Brasil) Luta Democrática (Brasil) Notícias (Moçambique) Novos Rumos (Brasil) Províncias do Pará (Brasil) Portugal Democrático (Brasil) Portugal Livre (Brasil) Tribuna (Portugal) Tribuna Popular (Brasil) Última Hora (Brasil) O Século (Portugal)

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DOCUMENTOS NÃO DISCUTIMOS A PÁTRIA: uma antologia de textos do Prof. Oliveira Salazar. Lisboa: 1961. O ESTADO NOVO: princípios e realizações. Lisboa: SPN Edições, 1937. CARNEIRO, Newton. Visitando Angola. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1966.

ENTREVISTAS FREITAS, Alípio de. Um padre e a revolução: uma conversa com o século XX. Revista Esboços, Florianópolis, v. 24, n. 37, p. 183-211, ago. 2017. Entrevista concedida a Tiago João José Alves e Diego Pacheco. PRESTES, Anita Leocádia. Entrevista com a historiadora Anita Leocádia Prestes. Não publicada, 2015. Entrevista concedida a Tiago João José Alves, Florianópolis. REIS FILHO, Daniel Aarão. Entrevista com o historiador Daniel Aarão Reis Filho. Diálogos (Maringá. Online), v. 19, n. 2, p. 871-894, mai./ago. 2015, p. 875. Entrevista concedida a Tiago João José Alves.

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IMAGENS Imagem 1 – Saudação do presidente Américo Thomaz ao presidente Castello Branco, 1964

Fonte: Ministério dos Negócios Estrangeiros

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Imagem 2 – Cartão de Imigração de Fidelis Cabral

Fonte: disponível em: www.familysearch.org Acesso em: 20 abr. 2016

Imagem 3 – Dante Vacchi, mercenário de guerra italiano contratado pelo governo português, 29 de abril de 1964

Fonte: Ministério das Relações Exteriores 262

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Imagem 4 – Suposto Plano Comunista para Angola elaborado no Brasil, 1964

Fonte: Ministério das Relações Exteriores 263

TIAGO J. J. ALVES

Imagem 5 – Notificação destinada ao ministro Franco Nogueira sobre a visita de uma esquadra brasileira a Angola, 4 de Janeiro de 1966

Fonte: Ministério dos Negócios Estrangeiros 264

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Imagem 6 – Relações do Brasil com a Rodésia, 19 de abril de 1966

Fonte: Ministério das Relações Exteriores 265

TIAGO J. J. ALVES

Imagem 7 – Informe sobre a situação econômica de Angola e Moçambique, 1968

Fonte: Ministério das Relações Exteriores

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Imagem 8 – “Terrorismo” em Angola e Moçambique, 1968

Fonte: Ministério das Relações Exteriores

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Imagem 9 – Bilhete de Daso Coimbra, relatando o pagamento de passagem de avião pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1974

Fonte: Ministério dos Negócios Estrangeiros

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Imagem 10 – Cobrança de estadia de Daso Coimbra, 1974

Fonte: Ministério dos Negócios Estrangeiros

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Imagem 11 – Pedido de informação sobre paradeiro de Guérin Serac em Salvador, 27 de maio de 1974

Fonte: Ministério das Relações Exteriores

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Imagem 12 – Ministério dos Negócios Estrangeiros – António de Spínola agradece o general Geisel, setembro de 1974

Fonte: Ministério dos Negócios Estrangeiros

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Imagem 13 – Jornal do Exército, Lisboa, março de 1961

Fonte: Ministério dos Negócios Estrangeiros

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