Identidade e luta de classes
 8577430537, 9788577430536

  • Commentary
  • R. L.

Table of contents :
Sumário
Introdução
A identidade para além da cultura
Ameaças à cultura e à identidade camponesa
A reconstrução das identidades
O poder como cultura e identidade de classe
A identidade da militância do século 21
Os desafios da formação de quadros
Relações entre mística, ideologia e utopia
Mística: a força que se renova sempre
A afetividade: um princípio revolucionário
Referências bibliográficas

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O processo de expansão mundial do capital, permeado de crises e solavancos, propiciou grandes transformações econômicas e políticas, principalmente nas últimas décadas. Surgiram - decorrentes dessas mudanças - linhas de pensamento que buscaram interpretar a sociedade e o seu desenvolvimento a partir da negação da centralidade do trabalho no mundo atual, tendo a identidade - construção apenas cultural - como o ponto de referência com a individualidade se sobrepondo à coletividade e ao paradigma das classes sociais. Este trabalho procura, a partir da teoria marxista, centrada nas principais leis da dialética, analisar as mudanças que o capital impõe à sociedade nesta época. As várias identidades - de gênero, de idade, de etnia, de cultura, de subjetividade, vistas pelos pós-modernos como fundamentais - são compreendidas aqui como particularidades da totalidade, submetidas ao antagonismo e à luta entre as classes sociais. O movimento dessas contradições faz com que a unidade de contrários em luta carregue consigo a possibilidade da superação do sistema do capital, colocando a humanidade em outra ordem, justa, segura e solidária entre os seres humanos e as demais espécies colaboradoras para o desenvolvimento da humanidade. O desenvolvimento do projeto do capital no campo e como ele modifica o modo de vida dos camponeses e suas identidades culturais, tornando-as semelhantes a de seus opositores, é outro ponto importante do livro. Porém, ao mesmo tempo que ele

ADEMAR BOGO

IDENTIDADE E LUTA DE CLASSES

ADEMAR BüGO

IDENTIDADE E LUTA DE CLASSES

2• edição

EDITORA EXPRESSÃO POPULAR São Paulo - 20 1O

Copyright© 2008, by Editora Expressão Popular Revisão: Geraldo Martim de Azevedo Filho e Miguel Cavalcanti Yóshida Projeto gráfico, diagramação e capa: ZAP Design Impressão e acabamento: Cromosete

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Bogo, Adernar B675i Identidade e luta de classes/ Adernar Bogo-- 2.ed.- São Paulo : Expressão Popular, 2010 . 264 p.

Indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem .br. ISBN 978-85-7743-053-6 1. Cultura 2. Identidade camponesa . 3. Lutas de classes. 2. Classe operária. 1. Título .

coo 301 .2 301 .36 Bibliotecária: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora.

2ª edição: dezembro de 2011 1ª reimpressão: setembro de 2013

EDITORA EXPRESSÃO POPULAR Rua Abolição, 201 - Bela Vista CEP 01319-010 - São Paulo - SP Fone: (11) 3522-7516 / 4063-4189 / 3105-9500 editora.expressaopopular.com.br [email protected]. br

Para

Celi Tajfarel e Heloisa Fernandes

SUMÁRIO

1NTRO DUÇÁO ...... ............................................................... .. ..................... 9 As contradições do capital ............. .. .... ..... ... .............................. ................ 11 A resistência e a busca de alternativas .. .. ... ......... ... ... ... ..... ............... .. ..... .. .. 20 A necessidade do rompimento com a exploração ........ ....... ... ... .. .......... ...... 24 A IDENTIDADE PARA ALÉM DA CULTURA ........................................... 27

Como se desenvolve o conceito de identidade .... ....... ....... .... ...... .............. 31 Identidade biológica ...... ... .... .... ..... .. ... ...................................... .......... .. ..... 37 Identidade histórica ... .... ... .. .... ..... ........ .... .. ... ... .... .. .. ... ..... ..... .......... .. ......... 41 Identidades ameaçadas ............. ... .. ... .. .... .... .. ... ..... .... .. ... .... ... .... ......... ........ 53 Identidades feridas ..... ...... .... .... .... ............ .. ......... ............ ............ ... .. ...... ... 60 Identidades modificadas .. .. .. .................. .. ....... ... .... .... .... ...... .. ...... ........ .... .. 7 4

AMEAÇAS À CULTURA E À IDENTIDADE CAMPONESA. .................... 91 Dissolução e afirmação da história ... ... ... ....... ..... .... .. .. ... ...... ..... ......... .... ..... 97 Dissolução e afirmação da identidade ...... .... .................................. .... ... ..... 101 Dissolução e afirn;iação do equilíbrio cultural .. ...... ... .. ...... ............... .... ... ... 106 Dissolução e afirmação da tradição .... ... ....... ..... ... .. ... ... ..... ..... .... ..... ..... ...... 108 Dissolução e afirmação da consciência ... .............. ........... ..... ... ... ... .. .......... 112

A RECONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES ................ ..................... ..... ..... 117 Da luta de resistência para a identidade de projeto ..... .. .. ....... .... .. ... ..... ...... 119 Do combate ao revisionismo para a identidade revolucionária ..... .............. 124 A coragem de investir-se e inventar-se como identidade de luta .... ..... ..... ... 136 A construção coletiva da identidade e da classe ...... ... ... .... ....... ... ... ..... .... .... 138 A causa como identidade educadora ... .. .......... .. ......... ........ ..... ..... ... ........... 147

O PODER COMO CULTURA E IDENTIDADE DE CLASSE ............ ... .. . 151 A cultura é um cultivo de alto risco .. .... ..... ..... ...... ....... ..... .... ....... :.... ... ...... 155 A cultura popular é também a construção do poder .............. ...... .. .. ........ .. 159 As características do poder de natureza proletária ..... .. .. ... .......... ... ... ........ .. 168 Quais são as tarefas fundamentais da luta pelo poder? ......... .... .......... ... ..... 174

A IDENTIDADE DA MILITÂNCIA DO SÉCULO 21... ........................... .. 179 A organização é a base da transformação .................. ..... ... .. .. ... ..... .... .. .... ... 180 . • · ......... ....... .............. ..... .. ... . 182 A estrutura orgânica para envo 1ver a m il1tanc1a

INTRODUÇÃO

O objetivo faz a organização ............. ............ .. .... ...... .... ....... ..... ..... .. .. ..... ... 184 Homens e mulheres, militantes de nosso tempo .... ... .. ............. ..... ...... .... ... 186 Características que deve ter a militância deste século ........ ..... .. ... .. ...... ... .. .. 188

OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO DEQUADROS ................................. ... .. 193 Atualização na forma permanente e no conteúdo da organização ............... 199 Combater a espontaneidade .... .... .. ......... ... ...... .... .... ..... ..... ........ ... ... ... ..... .. 201 Tornar a ética, a moral e os valores referências da prática .... .... ...... .. ...... ... .. 206

RELAÇÕES ENTRE MÍSTICA, IDEOLOGIA E UTOPIA ......................... 211 As raízes históricas da utopia ... .............. .... .. ..... ... .. .. •· ••••· •••••••••· •••••·· ··· ··· ··· · 212 A ideologia corno conteúdo da causa ..... ........ .. ... ........ ..... . •• ••• ••·•·•••··•·· •••· ··· 214 A mística, força que liga o que é com o que ainda será ..... ... ...... ... ......... ... .. 218

AAFETMDADE: UM PRINCÍPIO REVOLUCIONÁRIO ... .................... 237 CONCLUSÃO ..... ......... .. ... ................................................................... ......... 249 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................. .. .................... ..................... 255

( )s PÓS-MODERNOS, INDUZIDOS pelo processo de individualiza,, o humana cada vez mais crescente no capitalismo apegam-se ,to onceito de identidade com a clara intenção de colocá-lo em ckscaque, sobrepondo-o ao conceito de classe social. Sem dúvida, é 11 ma maneira sutil de reavivar o revisionismo metafísico, político e ld sófico do final do século 19, quando ocorreu a primeira crise de '.~cagnação do capitalismo. Naquele período (1873-1898) bastaram duas décadas e meia para que as várias correntes de pensamento, 11r então alinhadas ao marxismo, rompessem com ele e passassem ., defender a via da luta político-institucional pacífica, como meio para a transformação da sociedade capitalista. Ao contrário daqueles, este trabalho assume a tese da teoria mar-:ista centrada nas leis fundamentais da dialética, principalmente a da n gação da negação, quantidade e ualidade, unidade e luta dos conu:ários, abstrato e concreto etc. que nos possibilita ver as identidades de gênero, de idade, de etnia, de cultura, a subjetividade e quantas utras possam ser privilegiadas nas discussões atuais, no processo de transformação da sociedade - relacionadas e submetidas à identidade de classe - de exploradores e de explorados - e pela oposição e luta entre elas - de um lado as forças que impõem a ordem e de outro as que se colocam contra ela, procurando subvertê-la, negando-a, e ao mesmo tempo, como forma de superação, afirmando outra ordem. As identidades de classe possuem uma conexão estreita que possibilitam passar de um estado para outro através do movimento das contradições. A negação da negação coloca as contradições em

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estágios mais elevados de qualidade, quando as identidades trocam de condição como é o caso da classe trabalhadora que, ao negar a classe burguesa dominante, através do conflito e da não conciliação, assume o lugar de dominante com novas contradições tendo o Estado também como instrumento, mas, colocando acima dele a "ditadura do proletariado", ou se quisermos, a ordem democrática da maioria contra a minoria. A tese da afirmação da existência fundamental da classe é que orienta esta nova identidade. E não como fazem os revisionistas quando afirmam que: "A nova filosofia da História tem seu cerne na substituição da luta de classes pelo amor para o tempo como motor da história moderna (... )". A "nova metodologià' não vai além da substituição do que denominam de objetivismo de O capital, por um subjetivismo por eles proposto. A "nova éticà' nada mais é que a proposta de uma revolução passiva a partir da redução do comunismo a um estilo de vida alternativo que se pode afirmar no interior do capital (... )" .1 Isto porque, para que os dominados se emancipem, precisam formar e organizar a sua classe, reconhecer a existência de seu oposto que é a classe dominante, e, a partir disso, procurar, através da luta, ocupar o seu lugar, ultrapassar a natureza da dominação burguesa, minoritária, e instituir a democracia da maioria para a maioria, pondo em movimento a lei dialética da quantidade e quali9-ade. Uma classe é a condição para a existência da outra na luta da própria superação. Como não pode haver capitalismo sem classes, ao estabelecer a luta contra a classe dominante atual, a classe trabalhadora pretende ser vitoriosa, tornando-se dominante. Neste sentido, há, a partir da ruptura entre as duas grandes classes, um aprimoramento na organização, elevação do nível de consciência e melhora nas relações sociais e de solidariedade entre os componentes da classe, que mais adiante deverá também ser extinta. 1

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E LU TA DE CLASS ES

LESSA, S. Para além de Marx? Crítica da teoria do trabalho imaterial, p, 78.

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:ONTRADIÇÓES DO CAPITAL 1~verdade que a reprodução histórica ampliada do capital exi1\ 11 1 riação e a expansão permanente de um mercado mundial NO locou em movimento contínuas e constantes inovações I" ndu oras da acumulação capitalista, que levaram a crises e 1 i1•nações, mas que não significa o fim das contradições e das 11 •1•1· n ias teóricas e práticas. Há reações e lutas que vão gerar, 111110 no passado, rupturas. () avanço desenfreado do capital, permeado de crises e sola111 ·os, propiciou grandes transformações econômicas e políticas, I" ild paimente nas últimas décadas; estas foram acompanhadas por 11111lundas m udanças ideológicas que afetaram a cultura e os valores 1 1 os morais também das classes exploradas. Diferentemente do 1 p u a r ditavam os pós-modernos, que o "Estado mínimo" neo11, ·1·:1 1 ampliaria as formas de democracia na sociedade civil, isso 11 ln o rreu; ao contrário, se acelerou ainda mais o processo de , 11111·•d ização e controle do poder, elevando com isso a qualidade 1l I onsequências, demonstrando mais profundamente a necessi1l 1 1• la classe trabalhadora de romper com a ordem estabelecida ht11, ar a formação da ordem oposta, pois, sem a organização 1 1,1 para o enfrentamento da luta dos contrários, eleva-se ainda 1111 grau de exploração e as consequências da dominação da , l,1\~ • ~xploradora. A primeira consequência a ser notada é que a sociedade orga11 t.1da pelo Estado-nação foi profundamente atingida na forma ,I, p1·oduzir a sua existência. As empresas transnacionais criaram , , ru próprio regime político e estabeleceram o domínio absolu11 obr os governos locais, determinaram a função do Estado e 2 111 1 tarizaram as relações de trabalho por meio da ordem rígida e .1 ~l lplinada. Com isso, nasceu o totalitarismo das empresas, que ,

\A N' r S, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.

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I DENTIDAD E E LUTA DE CLASS ES

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nas relações de produção e consumo, não apenas criam os objetos 3 para os sujeitos, mas também sujeitos para os objetos criados. O poder da técnica é, também, o poder dos grupos economicamente dominantes 4 de planejar e comandar o processo de descaracterização das categorias clássicas dos trabalhadores, da cultura e da identidade dos povos. No mundo dominado pelo consumo e, mais ainda, pelo consumo supérfluo de mercadorias, originadas em necessidades abstratas, pensadas pelas empresas, os objetos, não os seres humanos, se apresentam como sujeitos nas relações sociais. Soma-se a isto a velocidade com que circulam as informações, ultrapassando em muito a capacidade de seleção, de crítica, de rejeição ou de assimilação, levando a que, parte delas, se perca na circulação e outra parte se projete no imaginário social tornando-se prática sem reflexão - é o momento em que alguns impõem suas próprias intenções aos outros, seja na produção seja no consumo de tais inventos. As mudanças no controle das relações sociais, nas relações de trabalho e no modo de funcionamento do Estado que marcam o modo de produção capitalista contemporâneo, não poderiam ter ocorrido se não fosse a força do mercado. É através dele que as empresas se "intrometem" na vida privada e coletiva dos seres humanos e, em nome da "liberdade", vão desmanchando todas as resistências. Porém, "o que se chama de 'mercado livre' leva em seu 5 seio a serpente da contradição: uma nova forma de barbárie ( ... )", pois é com ele e graças a ele que a mais-valia, na produção, ganha sentido, e se converte em novas aquisições e investimentos. Os hábitos desenvolvidos pelos consumidores no mundo do consumo ganham status de criaturas com novas formas de comportamento e novos vícios, que se apoderam dos seres sociais, 3

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MARX, K. "Para a crítica da economia política'', p. 9. ADORNO, T. Indústria cultural e sociedade, p. 9. BUEV, F. F. Marx (sem ismos), p. 20.

m vendo-os para lugares onde nem sempre querem ir. Os hábitos pr cisam ser alimentados diariamente. A publicidade encarrega-se 1 I • seduzir, convencer e diminuir as resistências. Ataca através da visão, da audição, do olfato, do paladar e do tato. O mercado exige qu as pessoas se dediquem a satisfazer as suas ansiedades consumi tas - é a consciência dominada pelo feitiço da mercadoria. A segunda consequência é a perda da capacidade de perceber 1.~ diferenças, tanto para questioná-las quanto para aceitá-las, ela 1 •presenta a crescente incapacidade de estabelecer referências de 1 m idade - estas necessitam da percepção das diferenças con1r. rias. E a perda ou erosão das referências de identidade, como 11de classe, afeta profundamente as possibilidades de avançar em ,lireção à emancipação humana. Pela propaganda, as mercadorias colocam-se em "desfile", es1lmulando os vícios que elas já estão disponíveis para o encontro om o dinheiro. "Desfilar", tornar-se visível, é o tempo necessário pnra que o feitiço produza a ansiedade no "consumidor", como 11m mediador entre a mercadoria na forma de valor de uso e a 111 ercadoria, na forma dinheiro. O ato de comprar transforma-se num verdadeiro prazer a s r satisfeito pelo grande "bordel" em que se tornou o mercado. ; mo se estivessem numa festança, os consumidores potenciais 11 ·mbriagam-se" e aceitam comprar aquilo que, de fato, querem e tnmbém aquilo que se arrependerão de terem aceitado comprar. .,om isso, as pessoas vão se tornando mais deprimidas, mais an~ustiadas e mais violentas; estas são as doenças epidêmicas dos L mpos atuais obcecadas pelo dinheiro. O dinheiro tem um valor abstrato e, por isso, detém o poder le encobrir todas as demais relações existentes nas mercadorias. s seres humanos transformam-se em meros serviçai~ do capital; na verdade, eles se tornam objetos mediadores entre o dinheiro e s objetos a serem comprados.

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Esse mundo das mercadorias não poderia existir sem o "teatro" do mercado. Ali, a moda, na qual não só se realizam as novas mercadorias, mas também se impõe um sentimento especial, alimenta o desejo do consumo e ameniza o arrependimento após a sua aquisição. Contudo, em seguida, tenderá a ser descartada por outra, mais moderna. Eis como se origina, se mantém e se renova o ciclo do consumo. Não foi à toa que, há três séculos, os comerciantes fizeram a afirmação de que eles seriam "o embrião do homem do futuro". De todo modo, não se deram conta de que eles próprios seriam submetidos ao capital e que, o "homem do futuro", se tornaria um mero objeto de uso "nas mãos" das mercadorias. O mercado se dinamiza pelas relações que as mercadorias estabelecem entre si, tendo as pessoas apenas como mediadoras. As mercadorias inventam e impõem sua própria linguagem que entrelaça os mais diversos idiomas, como se os objetos negociados guardassem dentro de si, o poder da fala. "( ... ) As pessoas, aqui, só existem reciprocamente, na função de representantes de mercadorias e, portanto, de donos de mercadorias". 6 É o mundo das relações entre as mercadorias, isto é, entre as coisas, sob o mercado. A unidade e luta dos contrários mostra-nos aqui que, para produzi-las, primeiro o ser humano tem de tornar a própria força de trabalho uma mercadoria e vendê-la a um explorador, que, após empregá-la na produção de objetos separa-os e, liberando-os para que estabeleçam novas relações sociais, deixando para trás uma quantidade de proletários com uma qualidade de consciência ainda mais alienada. De certo modo, a sociedade capitalista atual pode ser vista como uma grande indústria de produção de débeis mentais. Estamos entrando no terceiro estágio da negação humana. Fomos da ignorância para a imaginação, isto é, para a capacidade de conceber antecipadamente os objetos a serem produzidos pelo trabalho; na 6

Idem, p. 95.

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111odernidade, passou-se da imaginação e do conhecimento para o 1 f) o da alucinação fetichizada do consumo, no qual as relações olldárias são substituídas pelas relações monetárias; mas, agora, 1v,1nça-se rapidamente para a negação da comunidade social, na 1p1al o indivíduo se basta, iludindo-se de que tudo o que precisa 1 !:, ao alcance da mão. 0

A possibilidade de adquirir uma mercadoria da moda, facilitada l' ·1 crediário, em qualquer loja, por qualquer ser que seja possuidor de renda suficiente, induz a pensar que "todos somos iguais" 1 om os mesmos direitos e deixando a impressão de que as classes o •iais foram desfeitas e eliminadas. Bastaria, então, apenas realizar 111t1.d anças no campo da ética e o mundo capitalista seria melhor. !' ra as pessoas são tratadas como clientes ou consumidores e não 1 orno sujeitos da história e de classes específicas. ob o capitalismo tardio, vivemos o tempo da inutilidade e d.is substituições de mercadorias supérfluas, as empresas existem para substituir o velho pelo novo. Mais adiante, quando já quase l' apagaram da memória os traços dos objetos antigos, eles retor11:lm, como se fossem novos, e, atraídos pelo estímulo afetivo da 111 mória, são adquiridos e consumidos. O "ridículo" do passado, 1c di tado, torna-se a moda do presente. Como nos disseram Marx • •ngels: (...) As relações rígidas e enferrujadas, com suas representações e concepções tradicionais, são dissolvidas, e as mais recentes tornam-se antiquadas antes que se consolidem. Tudo o que era sólido desmancha ri.o ar, tudo

O

que

era sagrado é profano e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.'' 7

Chegamos, assim, ao inevitável. A sociedade de consumo, moldada pela lógica do capital, torna-se consumição de si própria, ora exaurindo a natureza, ora diluindo-se na barbárie. Viver neste 1

MARX, K. e ENGELS, F. "Manifesto do Partido Comunista", p. 88.

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IDE NTIDADE E LU TA DE CLASS ES A DEMA A B OGO

modo de produção está se tornando um ato de alto risco. A civilização está criando o seu próprio contrário: a barbárie. A terceira consequência no atual estágio do capitalismo é a perda dos direitos. O capital impõe a ordem dos direitos do mercado: quem tem condições de comprar tem acesso aos direitos, quem não tem, deve sujeitar-se, aceitando a ideia de que as oportunidades existem, mas não são para todos. Seria o preço a pagar pela maioria para levar a prosperidade para a minoria. Os planos políticos e os sonhos utópicos são diluídos e engolidos pela ansiedade do encontro imediato com os objetos oferecidos. Os desejos inúteis8 comandam as escolhas. Assim, alimenta-se o fetiche, pelo qual a mercadoria adquire uma força que lhe é estranha, misteriosa, uma força sagrada, digna de devoção, é como se ela estivesse possuída de uma vontade própria, que passa a comandar a vida na sociedade capitalista. Mas o poder, as leis e as alianças políticas também são aprovadas e sustentadas pela força do dinheiro. Compra-se e vende-se apoio político. O velho etnocentrismo, que no passado mantinha os países colonialistas europeus como irradiadores de civilização, tornou-se, agora, imperialismo com mercado militarizado, graças ao qual são exportados mundialmente os preceitos, os vícios, as exigências jurídicas e as ordens. Assim, a cultura local sofre intenso bombardeio e destruição para ceder seu lugar à cultura transitória do consumo, que representa a imposição dos interesses do capital. Enquanto tudo se torna mercadoria, os poderes públicos articulam as reformas para satisfazer os interesses do imperialismo, gerando mais miséria e descontentamento social. A quarta consequência é a exaustão da natureza e a ameaça da identidade das espécies. Os últimos tempos confirmaram a previsão de Marx de que: 8

EPICURO, Carta sobre felicidade.

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A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele 1 burguesia

a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa estabelecer-se, ·xplorar e criar vínculos em todos os lugares. 9

Mas, ao mesmo tempo em que se expande, cria novas contradi1, •s que se desenvolvem como forças contrárias, assim, a burguesia pie mundo segundo os padrões do mercado numa grande indústria