Ideias Em Perspectiva

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TheNotebooks of Paul Brunton

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PAUL BRUNTON (1898-1981)

IDEIAS EM PERSPECTIVA The Notebooks ofPaul Brunton

Traduzido por um grupo de voluntários. Coordenado e revisado por: MARISA GONTIJO MACHADO FLORA LISSANDRELLO U L A CANÇADO ALMEIDA

A Editora Pensamento agradece o idealismo do grupo de tradutores, cuja dedicação tornou possível esta edição.

EDITORA PENSAMENTO São Paulo

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ESTE LIVRO FOI DEDICADO àquele Sábio do Oriente sob cuja ordem foram escritas estas páginas: a alguém de incrível sabedoria e de incessante beneficência. Ademais, envolvi este livro em tecido cor de laranja-vivo, assim como envolveste o teu corpo em tecido da mesma cor — a cor de Sannyasi — a marca daquele que renunciou ao mundo, como tu o fizeste. E , se as cartas dadas pelo destino convidaram-me a vestir tecido de outro matiz, se me ordenaram a misturar-me e a mesclar-me com o mundo e a ajudar a prosseguir o seu trabalho, estejas certo de que, em algum lugar nas profundezas do meu coração, reuni todos os meus desejos num pequeno monte e tudo ofereci ao Poder Superior Inominado.

-P.B

Sumário

Introdução dos editores americanos

11

1

A BUSCA A escolha da Busca — Caminho independente — Grupos organizados — Autodesenvolvimento — Estudante/Instrutor 19

2

PRÁTICAS PARA A BUSCA O longo caminho da formiga — Trabalhando em si mesmo

3

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RELAXAMENTO E RETIRO Pausas intermitentes — Tensão e pressões — Relaxamento do corpo, respiração e mente — Centros de retiro — Solidão — Apreciação da Natureza — Contemplação do pôr-do-sol

33

40

4

MEDITAÇÃO ELEMENTAR Local e condições — Pensamentos errantes — Prática da atenção concentrada — Pensamento meditativo — Imagens visualizadas — Mantras — Símbolos — Afirmações e sugestões * » . . 49

5

O CORPO Higiene e purificações — Alimento — Exercícios e Posturas — Respirações — Sexo: importância, influência, efeitos | | 65

6

AS EMOÇÕES E A ÉTICA Elevar o caráter — Reeducar os sentimentos — Disciplinar as emoções — Purificar as paixões — Refinamento e cortesia — Evitar o fanatismo 77

7

O INTELECTO Natureza — Serviços — Desenvolvimento - Treino semântico — Ciência — Metafísica — Pensamento abstrato . \+ V* )£? 90

8

O EGO Que sou eu? — O pensamento-do-eu — A psique . . . *^ . .

9

10

102

DO NASCIMENTO AO RENASCIMENTO A experiência de morrer — Após a morte — Renascimento — Tendências passadas — Destino — Liberdade — Astrologia . . . . . . . 113 A CURA DO EU Carma, relação com a saúde — Força-de-vida na saúde e na doença — Drogas e bebidas na relação corpo-mente - Corpo etérico e corpo astral na saúde e na doença — Desordens mentais — Psicologia e psicanálise y^^má^^kM^àUmá^ . . . 126 7

11

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N E G A T I V O S : SOMBRA ESCURA SOBRE O MUNDO OS ^ ego - Presença no mundo - E m pensamentos, S S t o " s e paixões violentas - Seu dano visível e invisível

1

REFLEXÕES

24

A PAZ DENTRO DE VOCÊ Seja calmo — Pratique o desapego — Busque uma Quietude mais profunda . . . . * *. . 316

147

25

A MENTE-DO-MUNDO NA MENTE INDIVIDUAL Seu encontro e intercâmbio — A iluminação que permanece — Santos e sábios 4» • • • #B5 327

157

26

AS ARTES NA CULTURA . • Apreciação - Criatividade - Genialidade - A experiência da arte e o misticismo - Reflexões sobre a pintura, a escultura, a literatura, a poesia e a música 169

AIDÉIA-DO-MUNDO A divina ordem do universo — A mudança como atividade universal — Polaridades, complementaridades e dualidades do universo - A verdadeira ideia sobre o homem • • • • • • • • • • 343

27

A MENTE-DO-MUNDO Deus como Indivíduo Supremo - Deus como Mente-em-Atividade Como Logos Solar -i

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a FXPERIÊNCIA HUMANA Situação - Acontecimentos - Uções - Crise mundial na velhice - Reflexões sobre a juventude

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Reflexões

O ORIENTE Encontros com o Ocidente - Povos, lugares, e práticas orientais Ditos dos filósofos - Escolas de filosofia 179 OS SENSITIVOS Experiências áuricas e psíquicas — Intuições — Seitas e cultos

193

17

O IMPULSO RELIGIOSO Origem — Reconhecimento — Manifestações — Religiões tradicionais e religiões menos conhecidas — A conexão com a filosofia 207

18

A VIDA REVERENTE Prece - Devoção — Adoração — Humildade — Entrega — Graça: real e imaginária 217

19

O REINO DA RELATIVIDADE A consciência é relativa — O sonho, o sono e o estado de desperto — O tempo como passado, presente e futuro — O espaço — Um ponto de vista duplo - O vazio como fato metafísico 228

20

O QUE É A FILOSOFIA? Definição - Totalidade - Equilíbrio - Realização no homem

242

21

O MENTALISMO A mente e os cinco sentidos — O mundo como experiência mental — O mentalismo é a chave para o mundo espiritual 271

22

A INSPIRAÇÃO E O EU SUPERIOR Intuição, o começo - Inspiração, o fim - Sua presença - Vislumbres H 285

23

CONTEMPLAÇÃO AVANÇADA O caminho longo da formiga - O caminho direto do pássaro - Exer«fcjoi para a prática - Quietude contemplativa - "Por que Buda sor4 ~~ i Caminho Celestial - O exercício Caminho da Serpente - O vazio como experiência contemplativa 300

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28

O SOLITÁRIO A Mente-em-si-mesma - A Mente Única - Como Absoluto . . . J . .

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35*

Introdução dos Editores Americanos

Ideias em Perspectiva é uma visão panorâmica representativa de mais de 7.000 páginas de anotações guardadas por Paul Brunton para publicação póstuma. É a peça introdutória de um trabalho muito mais amplo ao qual Dr. Brunton se referiu como seu Sumário. Unhamos o plano original de iniciar este projeto com um conjunto de sete a dez volumes. Milhares de cartas espontâneas, entretanto, vindas de todos os lados do mundo, nos impeliram a acelerar a'publicação — e muito trabalho resta para ser feito de nossa parte, antes que a amplitude, a profundidade e a beleza raras do material contido nestes cadernos possam ser adequadamente apresentadas ao público. Embora estejamos felizes em atender a tantos pedidos sinceros, queremos fazer isso de um modo que melhor possa servir ao projeto maior que ainda temos em mãos. Algumas observações preliminares devem ajudar a minimizar o risco de os cadernos serem julgados de maneira imprópria, por estarem sendo apresentados prematuramente, de forma demasiado breve. Pára colhermos a safra espiritual máxima a partir desses "pensamentos-sementes" — especialmente os que foram escritos depois de abril de 1963 — devemos tentar apreciar um estado de mente e coração que é raro em qualquer século. Plotino nos dá um dos melhores relatos da realização desse estado quando escreve: O Princípio-Intelectual é uma atividade autoconcentrada, mas a Alma tem dois aspectos: um interior, concentrado sobre o Princípio-Intelectual, e outro fora dele, voltado para o exterior. Através do primeiro aspecto, ela mantém a semelhança com a sua fonte; através do segundo, mesmo em sua dessemelhança, ela ainda chega à semelhança em virtude da açâo e da produção. Em sua açáo, a Alma continua a contemplar, e sua produção gera formas — intelecções independentes, por assim dizer — com o resultado de que todas as suas criações são representações da Intelecção divina e do Intelecto divino, moldados segundo o arquétipo do qual todas são emanações e imagens. Tais criações, quanto mais próximas de seu arquétipo, mais verdadeiras são, sendo que a mais distanciada conserva alguma débil semelhança com a fonte. - v. 3-7., tradução de MacKenna

Seria um erro pensar que mesmo um sábio aja com a onisciência da Mente Divina (Princípio-Intelectual). Mas podemos pensar que um sábio desde que ele às vezes expresse os pensamentos dessa Mente Divina com a qual se tornou internamente sintonizado - produza essas "intelecções independentes" ou intuições espirituais, e as traduza para a linguagem contemporânea. A Mente-do-Mundo (Princípio-Intelectual, Deus) usa esses indivíduos espiritualmente maduros, enobrecidos e purificados, como veículos através dos quais pode moldar imagens de si mesma em nosso mundo. Os aforismos e máximas filosóficas que esses sábios nos apresentam dão-nos algum vago reflexo, ao menos, do que está acontecendo nas profundezas do Mistério - profundezas das quais temos conhecimento, mas nas quais somos incapazes de penetrar sem a ajuda de uma sabedoria superior. 11

Quando quer que esses escritos tenham sido criados, a tarefa de "organizá-los" prova ser intransponível. Milhares de mentes verdadeiramente grandes e inspiradas descobriram, ao ler os Upanishads hindus, por exemplo, que é impossível reduzir a totalidade das intuições espirituais "apreendidas" neles a qualquer espécie única de conjunto sistemático. Quem quer que a tenha sinceramente tentado abandonou a tarefa considerando-a irrealizável, apesar de alguns terem descoberto, através de seu esforço ao executá-la, que a mente que sistematiza friamente está num plano inferior ao da mente que descobre, em momentos de reverência. O tipo de ordem coerente e lógica que julgamos tão importante para a preservação da nossa sanidade no mundo dos sentidos é inadequada no campo dessa revelação: essa ordem é transcendida — ainda que certamente não contradita — pela inimaginavelmente grandiosa Ordem Divina, da qual nossos melhores pensamentos nada mais são que ténues representações. Exigir que o superior se amolde às leis do inferior é privar-nos de nosso próprio Melhor. A mente receptiva, introvertida e aquietada do sábio espelha perfeitamente os poderes da Mente Divina, que se desdobra temporalmente em tudo o que é verdadeiro ou real no nosso mundo. Quando existem condições adequadas, o sábio pode descobrir que está sendo usado para anunciar externamente o que está sendo pensado de modo indivisível na Mente mais ampla e indivisa, com a qual está internamente unificado e externamente em harmonia. A ideação da Mente Divina permanece indivisível e inteira, mas sua representação no nosso mundo — através do sábio que escreve ou fala sob a sua inspiração — se amolda às leis da temporalidade e à linguagem contemporânea. Embora o que o sábio nos dê através de sua fala ou escrita não deva ser equiparado à Inteligência indiferenciada da Consciência universal viva, é na verdade um reflexo preciso dessa Inteligência em termos mais acessíveis às nossas mentes espiritualmente mais jovens. Uma sabedoria em ação, cuja profundidade não pode ser calculada, toma-se vagamente, disponível para nós; algo do seu plano fundamental toma-se disponível para guiar nossas aspirações diárias. Esse sábio, como você lerá na seção 25, permanece — ou mais precisamente torna-se — inteiramente humano, e realiza no seu ser e na sua vida a possibilidade que temos de alcançar esse enobrecimento e auto-aperfeiçoamento. O sábio completamente desenvolvido, que em certo sentido é o mais simples e em outro o mais complexo dos seres humanos, modela uma herança que é muito mais do que um legado intelectual — ainda que, é claro, também o inclua. Não se trata de uma doutrina sistemática, estritamente formulada, rígida, toda ela num único nível, mas sim um Modo de Ver e de Ser multifacetado e aberto ao novo — uma Visão que se desenvolve e se completa dentro de nós como nossos próprios eus melhores, tomando-se Real. Ao assumirem sua herança espiritual, esses pioneiros da humanidade asseguram a realização final de uma semente semelhante dentro de cada um de nós. Podemos perceber que tudo o que é bom e nobre no nosso Intimo está sendo alimentado pelo Conhecedor interior que afirma a si mesmo através das palavras por ele faladas e escritas. Umas poucas observações são também necessárias, tanto em relação à forma destes escritos quanto à estrutura da sua organização por categorias. Por todo o período de trinta anos durante o qual se absteve de publicar novo material, P.B. aprofundou e ampliou sua pesquisa nos assuntos espirituais, e escreveu diariamente. Seu método de escrever envolvia, para cada parte do material, um mínimo de três estágios bem definidos. Era seu costume, durante anos, primeiro lançar no papel breves anotações, enquanto uma intuição era nova e vital. Essas notas manuscritas eram mais tarde organizadas por tópicos, datilografadas e fichadas 12

como "Ideias Esboçadas". P.B. voltava com regularidade ao material desse estágio e revisava muitas de suas notas, colocando-as em forma mais literária. As versões revisadas eram então novamente datilografadas e fichadas por tópicos em cadernos intitulados "Ideias Intermediárias". Um segundo exame e revisão literária se seguiam, depois dos quais o material "final" era datilografado, e então incluído em cadernos intitulados simplesmente "Ideias". A qualquer momento, um novo material para cada estágio poderia ser encontrado no seu gabinete de trabalho. A preferência de P.B. por essa forma de escrever está mais bem expressa num de seus próprios verbetes, escritos provavelmente em 1980: A poesia atinge seu apogeu quando leva o homem para a beleza espiritual. Essa é também, na verdade, a missão de todas as outras artes. Escrever um livro que irá sustentar um único tema por trezentas páginas é uma realização intelectual admirável, mas não é realmente a minha forma; abandonei isso há muito tempo. O homem tem de expressar-se à sua própria maneira, a maneira que está de acordo com sua natureza inata. Prefiro escrever uma única ideia sem nenhuma referência às que vêm antes ou às que virão em seguida, e escrevê-la de um modo concentrado. O único livro que eu poderia preparar agora seria um livro de máximas, com ideias sugestivas. Não tenho a paciência de continuar sempre dizendo a alguém numa centena de páginas o que poderia ser dito em apenas uma.

Na época em que os atuais editores foram convidados para o projeto, mais de 7.000 páginas, datilografadas em espaço simples, dessas "intelecções independentes" haviam sido produzidas — junto com cerca de 3.000 páginas de material de pesquisas relacionadas com elas. Durante seus dois últimos anos de vida, P.B. concebeu o atual sistema de classificação e começou a treinar alguns estudantes para introduzir nas novas categorias as anotações que já existiam. Desde sua morte, em 27 de julho de 1981, temos levado a cabo a reclassificação, fazendo o máximo possível para seguir suas diretrizes. O leitor deve ficar bem ciente de que, enquanto os escritos são de um sábio, a "organização" é, em grande parte, trabalho de estudantes. Muitas vezes uma passagem se ajusta a mais de uma categoria, e tivemos de escolher a que nos parecia mais apropriada. Em alguns casos, a classificação é reconhecidamente arbitrária e deve ser considerada como tal. O mesmo é verdade com relação ao conteúdo do presente estudo. Um trabalho para publicação não-especialízada tem sempre de encarar a dificuldade de prever o nível do seu público leitor, e não há dúvida de que outras pessoas poderiam ter selecionado outros escritos da volumosa lista de possíveis escolhas. As anotações consistem em paras* como eram chamados por Paul Brunton. dirigidos a uma variedade de tipos de pessoas e a muitos níveis diferentes de desenvolvimento dentro de tipos - semelhantes. Dentro do mesmo espírito, tentamos apresentar uma amostragem do material real: os conselhos são oferecidos a muitos tipos diferentes e a muitos níveis diferentes. Onde contradições aparentes surjam, considere primeiro que o conselho pode ser para alguém de nível diferente ou de tipo diferente do seu. Tome o que for pertinente e valioso para você: outros podem beneficiar-se com aquilo que não o atrai ou que não se aplica ao seu nível atiial. A pontuação e o uso de letras maiúsculas estão quase inteiramente como nas anotações. Apesar de sabermos que os livros normais sobre regras de estilo ditariam a necessidade de muitos "melhoramentos", deixamos a vasta maioria dos * Paras: itens que representam reflexões independentes (N.T.)

itens (paras) intatos. Ern geral, optamos pela autenticidade, em vez de impormos nossas próprias preferências estilísticas. Introduzimos pequenas modificações somente naqueles casos, relativamente poucos, onde, especialmente nos estágios das "ideias esboçadas" e "intermediárias", chegávamos a um acordo de que Paul Brunton aprovaria nossas modificações, por estarem esclarecendo o sentido pretendido por ele ou exprimindo mais suavemente esse sentido — processo no qual cada um de nós frequentemente trabalhou com ele no decorrer de seus dois últimos anos de vida. Sempre que há discordância entre nós, os itens permanecem como foram escritos, a fim de que os leitores debatam entre si sobre o que teria feito P.B. Fizemos três concessões úteis ao "duende" da coerência. A ortografia inglesa foi mantida e obedeceu ao Oxford English Dictionary, com a seguinte exceção: quando o O.E.D. cita duas ortografias corretas das quais apenas uma aparece no Webster s Third International, escolhemos o verbete comum a ambos. Aplicamos também as regras da Universidade de Chicago sobre o uso da virgula para séries, naquelas séries em que virgulas já apareciam nas anotações. Finalmente, instituímos uma colocação congruente de hífens nas palavras compostas. Esperamos que os leitores de Paul Brunton perdoem nossas falhas pessoais manifestadas neste volume e nos seguintes, e se solidarizem com a nossa sinceridade em tentar fazer o melhor e o mais perfeito trabalho que podemos. Somos gratos a P.B. pela sua graça e orientação, e pela oportunidade de trabalhar com este material. Estamos também profundamente agradecidos pelo amplo apoio moral e clerical que nos está sendo dado por muitos amigos do "WisdonVs Goldenrod Center for Philosophic Studies". Informações adicionais sobre o andamento destas anotações de P.B. podem ser obtidas escrevendo para: Paul Brunton Notebooks WisdonVs Goldenrod Ltd. 5801 route 414 Valois, NY 14888

14

IDEIAS EM PERSPECTIVA

§ O modo de usar um livro de filosofia não é esperar compreendê-lo na primeira tentativa, e, consequentemente, nâo é ficar desencorajado quando o fracasso em compreendê-lo for frequente. Usando dessa cautela, o leitor deve cuidadosamente prestar atenção a cada frase ou parágrafo que traga uma resposta intuitiva no sentimento profundo do coração (que não deve ser confundida com uma aquiescência intelectual do mecanismo lógico da cabeça). Tão logo e todas as vezes que isso acontecer, o leitor deverá interromper a leitura, colocar momentaneamente o livro de lado e render-se apenas às palavras catalisadoras. Que essas palavras trabalhem à sua própria maneira sobre ele. Precisa apenas estar quieto e receptivo, pois é a partir dessa atitude que finalmente pode perceber que uma porta se abre para o seu ser interior e uma luz brilha onde antes não havia nenhuma. Quando o leitor passa por essa porta e entra nessa luz, o restante do livro será fácil de compreender.

-P.B. Se você sente que os princípios abordados nestas páginas são verdadeiros, lembre-se então de que a maior homenagem que você pode prestar à Verdade é usá-la. A paz espiritual é dada como um prémio àqueles que aspiram sabiamente e que trabalharão incansavelmente para realizar a sua aspiração. -PB.

17

1

A BUSCA

A escolha da Busca - Caminho independente - Grupos orga nizados - Autodesenvolvimento - Estudante/instrutor

A Busca do Eu Superior nada mais é que o estágio final da longa procura da felicidade pelo ser humano.

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Quando um homem sente imperiosamente a necessidade de respeitar a si mesmo, ele ouviu um tímido sussurro do seu Eu Superior. Dai em diante começa a procurar meios e maneiras de merecer esse respeito. Isso inicia a sua Busca.

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O ponto central dessa Busca é a abertura interior do coração do ego para o Eu Superior. f. § J Essa Busca não é para aqueles que sentem falta de uma reunião social todas as manhãs de domingo, onde podem exibir suas boas roupas e ouvir boas palavras. É para aqueles que sentem falta na vida de alguma coisa grande à qual possam se dedicar; que não conseguem descansar satisfeitos ocupando-se apenas de ganhar seu pão com manteiga ou de gastar o tempo em prazeres. Que causa, que missão pode ser maior do que cumprir o propósito superior da vida sobre a terra? §

Estamos aqui sobre a terra empenhados numa missão sagrada. Temos de encontrar o que os teólogos chamam de alma, o que os filósofos chamam de Eu Superior. É algo que está ao mesmo tempo à mão, e contudo bem distante, pois é a fonte secreta da nossa corrente-de-vida, da nossa individualidade e da nossa consciência. Mas porque nossa energia-de-vida está continuamente se escoando através dos sentidos, porque nossa individualidade está continuamente identificada com o corpo, e porque nossa consciência nunca se contempla a si mesma, o Eu Superior necessariamente se esquiva de nós por completo.

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Há quatro objetivos que a filosofia apresenta à mente do homem: (1) conhecer-se; (2) conhecer o seu Eu Superior; (3) conhecer o Universo; (4) co19

ohecer a sua relação com o universo. A investigação desses objetivos constitui a Busca.

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.'-J. É esse Ideal que dá uma importância secreta a cada fase da nossa experiência de vida. Ê esse objetivo que investe de grandeza olímpica homens e mulheres desconhecidos e despercebidos. Ê esse Pensamento que redime, exalta e glorifica a existência humana.

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, Uma vida humilde, dedicada a um grande propósito, torna-se grande.

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Este não é simplesmente um assunto para uma pequena elite interessada em auto-ajuda espiritual. É uma verdade séria, importante para todos os homens em toda parte.

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Há uma grande tendência por parte dos estudantes de misticismo, dos praticantes de Yoga e dos que estão à procura da verdade espiritual de considerarem a sua Busca como algo completamente â parte da vida em si, do mesmo modo que o colecionador de selos e o jardineiro amador consideram o seu hobby especial como algo que pode ser acrescentado à sua rotina de vida. Esse é um erro fundamental. A Busca não é nem um hobby sério nem uma distração agradável proveniente da monotonia do prosaico viver diário. É, na verdade, o próprio viver. Os que não compreendem isto, caem, como resultado, em excentricidades, egocentrismos, complexos de superioridade, sectarismo, fúteis esforços para converter os despreparados ou antagónicos, e tentativa de impor aos outros o que não é adequado para eles. Os que separam a Busca da sua existência do dia-a-dia fecham o campo mais importante do seu crescimento ulterior. Tendem a tornar-se sonhadores e perdem o controle das coisas práticas. Entretanto, quando qualquer dessas faltas é mencionada àquele que procura, ele raramente percebe que se aplica a ele em pessoa, mas normalmente acredita que se aplica somente a outros aspirantes. Isso acontece porque ele se considera mais avançado do que realmente é.

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O trabalho começa com você — com algum impulso que surge em você ou com algum sentimento, pensamento, ideia ou algum objeto visto; ou com uma pessoa, com um instrutor, ou com um livro, com uma palestra, com a Natureza ou com uma criação artística. Mas, venha isso do interior ou do exterior, tem de ser aceito por você. Se você pergunta, porém, por que justamente então o trabalho acontece, a resposta só pode ser: porque a Fonte de todas as coisas assim o quis. A intuição que o trouxe aos portões desta Busca é, como todas as intuições autênticas, uma centelha que você pode restringir através da dúvida, da hesitação e da aceitação de sugestões negativas de fontes externas, ou que você pode expandir através da fé, da obediência e da aceitação de sugestões positivas dos que já se dedicaram à Busca e chegaram ao final dela. §

20

A jornada do estudante inicia-se a partir do ponto da consciência onde ele se encontra. Ele pode repetir a história de alguns outros viajantes que procuram aqui e ali, neste e naquele culto, o alimento que irá minorar sua fome interior. Podem ser gastos anos em tal procura, mas quer ela termine dentro de um desses cultos, quer fora de todos eles, um dia algo lhe acontece. De repente, sua mente é iluminada pela compreensão e seu coração preenchido de paz. A experiência logo passa, mas a lembrança dela perdura. Tomou-o tão feliz que ele anseia por repeti-la. Mas, ah! Isso é algo que ele parece incapaz de fazer quando quer. Se acontecer de novo, assumirá a Busca no lugar onde ela realmente deve ser assumida dentro dele mesmo. Deixará de olhar aqui e ali e começará a trabalhar com real seriedade em si próprio. Terá de purificar seu caráter, praticar meditação regularmente e estudar trabalhos inspirados.

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Quando esse vago anseio por algo que a vida mundana não pode satisfazer torna-se insuportável, pode ser um sinal de que o aspirante está pronto para essa Busca.

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Podemos, primeiro, ser atraídos para essa Busca a fim de encontrar um meio de fugir de nossos sofrimentos, sejam mentais ou físicos; mas aos poucos nos tornamos conscientes de que essa atitude negativa não é suficiente, de que devemos também realizar positivamente o propósito misterioso da existência humana. § 1 ;* J O aspirante pode chegar a uma avaliação verdadeira da vida depois de ter experimentado tudo o que vale a pena experimentar. Esse é o caminho mais longo e mais doloroso. Ou pode chegar a ela ouvindo os ensinamentos dos videntes espirituais e acreditando nesses ensinamentos. Esse é o caminho mais curto e mais fácil. A atração do primeiro caminho, entretanto, é tão grande, que geralmente é o único seguido pela humanidade. Até mesmo quando os indivíduos aderem ao segundo caminho, é que na maioria das vezes tentaram o outro em encarnações anteriores, e só o deixaram porque a dor veio a ser demais para eles. •f § fc^ A ocupação principal do homem é tornar-se consciente do seu verdadeiro propósito na vida; todas as outras ocupações são secundárias em relação a esse interesse principal.

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Depois de realizado o trabalho para ganhar o sustento ou satisfazer a ambição, há normalmente um excedente de tempo e força que em parte pode e deve ser dedicado à satisfação de necessidades superiores. Dificilmente se encontra um homem cuja vida seja tão intensa que não lhe deixe um pouco de tempo para sair da existência mundana e se voltar para uma lembrança espiritual. Contudo, a atitude comum por toda parte é não ver muito além do trabalho, do prazer, da família, dos amigos e das posses, e contentar-se com isso. Não há ímpeto de procurar o lado espiritual e, como erroneamente se pensa, intangível da vida. Não se faz esforço algum para organizar o dia de modo a encontrar tempo e energia para pensamentos sérios, para o estudo, a oração e a meditação. Não se sente necessidade alguma de procurar a verdade ou de conseguir um instrutor.

É a vida interior irreconciliável com a Vida no mundo? Disciplinas e práticas místico-religiosas baseiam-se normalmente nessa irreconciliabilidade fundamental. O ensinamento tradicional em geral também o afirma. Contudo, se isso é verdadeiro, "então", como Ramana Maharshi uma vez me disse ceticamente, **não há esperança para a humanidade".

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§

Qualquer pessoa que esteja disposta a fazer um esforço sério pode chegar pela sua própria inteligência, auxiliada, se quiser, pelos escritos dos que têm mais tempo disponível e mais capacidade para isso, a uma compreensão valiosa desses assuntos abstratos. 0 estudo intermitente desses escritos, a leitura regular desses livros ajudá-la-ão a manter seu pensamento próximo de princípios verdadeiros. A pessoa obterá inspiração de suas páginas, conforto de suas frases e paz de suas ideias. Essas afirmações acendem a energia mental cinética de algumas poucas pessoas sensíveis e as inspiram a fazer algo valioso de suas vidas. O que essa energia escreve em suas mentes é, consequentemente, escrito em suas atividades. Os temperamentos extremamente nervosos, mentais e artísticos, que afluem numerosos a esses caminhos espirituais são, dentre todos os outros, os mais predispostos a se extraviarem. Eles ficam fascinados pelos mundos maravilhosos do estudo e da experimentação que se lhes abrem. Tendem a ignorar a potência vital de viver esses ensinamentos, preferindo apenas falar sobre eles. Pois a atitude oposta de ter de trabalhar com matéria pesada revela o poder real da alma. A resistência dessa matéria torna a realização mais difícil, porém mais duradoura.

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§

A protelação pode ser perigosa. Mais tarde pode ser tarde demais. Cuidado para não ser arrastado para aquele vasto cemitério onde os homens enterram suas aspirações parcialmente nascidas e suas esperanças paralisadas. §

A Busca não é um empreendimento inconstante, algo a ser começado hoje e largado amanhã, mas é o mais durável compromisso da vida de um homem. Deve ser o seu propósito de vida mais sagrado, a mais nobre razão da sua existência, e tudo o mais deve ser feito em função dela. Não nos aproximamos de Deus através de nossos joelhos, ou através do corpo inteiro prostrado no chão, mas no fundo de nossos corações. Não sentimos Deus com as nossas emoções mais do que o conhecemos com os nossos pensamentos. Não! — sentimos a presença divina naquela profunda quietude sobrenatural onde nem os sons do clamor da emoção nem os do esforço intelectual podem entrar. § | £ Naquele silêncio sagrado ele consagrará sua vida à Busca. E ainda que ninguém, exceto ele mesmo, ouça essa consagração ou dela saiba, ela será um compromisso tão obrigatório quanto qualquer juramento solene feito numa loja maçónica reunida. §

O principal inimigo da Busca é a indecisão. O mundo está abarrotado de gente que sofre desse defeito. Assim, nosso maior dramaturgo tomou-o como tema para sua maravilhosa peça, Hamlet. Um pouco mais de decisão por parte do príncipe da Dinamarca, e a série de tragédias do final da peça teria sido evitada. Mas, nesse caso, a peça não teria transmitido a lição que Shakespeare desejava — a de como Hamlet foi torturado pela sua própria indecisão. A Fé sábia vence. O tolo de hoje é o homem sábio de amanhã — se permite que seus erros o ensinem. O que importa não é o que ele é capaz de fazer, mas o que na verdade faz. O pássaro da vitória finalmente pousa nos ombros do homem que ousa. I § „. Ninguém que sinta que sua fraqueza interior ou as circunstâncias exteriores o impedem de aplicar esses ensinamentos deve abster-se de estudá-los. isso seria não somente um erro, mas também uma perda por parte dele. Pois, como o Bhagavad Gita verdadeiramente diz, "um pouco desse conhecimento evita muito perigo". Mesmo uns poucos anos de estudo de filosofia trarão beneficio definido à vida do estudante. Ajudá-lo-ão de todos os modos, inconscientemente aqui na terra, e muito seguramente ajudá-lo-ão depois da morte, durante sua vida na existência que se segue. Os que se recusam a procurar a verdade última porque acreditam ser ela inatingível e porque perderam a esperança de algum dia encontrá-la, traem-na.

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A verdade superior só pode ser passada adequadamente aos que estão lificados para recebê-la, àqueles cujas mentes estão suficientemente maduras ra recebê-la sem confusão, e cujo julgamento é suficientemente desenvolvido para ver o seu valor.

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•§ I

Deve haver certa maturidade ética antes que um homem esteja mesmo disposto a ouvir tal ensinamento, e deve haver certa maturidade intelectual antes que ele seja capaz de aprendê-lo. Deve haver a vontade de analisar, a capacidade de tomar uma atitude imparcial, a força de renunciar à visão vulgar das coisas e o desejo de percorrer a estrada da verdade inexoravelmente, até a sua última e lógica conclusão. A fonte da procura não deve ser consciente ou inconscientemente enlameada pelo desejo egoísta. Não se sugere que essas qualificações preliminares tenham de estar presentes na sua perfeição e totalidade — este será o resultado final, e não as primeiras tentativas, dentro da Busca — mas, sim, que devam estar presentes em grau suficiente para constituir marcante contribuição disciplinar para a vida Interior. §

Não se trata apenas de um caminho a ser seguido, mas de um caminho a seguido com bom humor e afabilidade. §

Aqueles cujas emoções são fortemente dominadas por problemas pessoais psicológicos estariam mais bem preparados para a Busca se primeiro tivessem suas vidas ordenadas, ou se primeiro passassem por um reajustamento pessoal.

Quando suas atitudes são neuróticas, histéricas ou psicopáticas, é uma impertinência imprudente ousarem considerar-se candidatos à investigação dos mistérios divinos.

O sacrifício exigido do aspirante é nada menos que o de seu próprio ego. Se ele pretende atingir os graus superiores do caminho, deve abandonar o pensamento e o desejo do ego, deve dominar suas reaçóes emocionais a acontecimentos, pessoas e coisas. Cada vez que aquieta em meditação silenciosa os pensamentos agitados, ele está abandonando o ego; cada vez que, com uma decisão crucial, põe os desejos de lado, está abandonando o ego; cada vez que disciplina o corpo, as paixões, as atividades, está abandonando o ego. Exige-se dele o máximo antes de lhe ser dado o máximo; isso força-o a começar pela auto-humilhação e, o que é pior, a terminar pela autocrucificação. Todo aspirante tem de passar por essas provações — não há como escapar delas. São o que a Luz no Caminho cita como: "os pés sendo banhados no sangue do coração". Assim, a Busca não é para os fracos. § Há somente um Dever para os homens: realizar a divindade interiormente. A adesão servil a quaisquer deveres pessoais, sociais ou raciais que nos são impostos de fora deve ceder e ser eliminada sempre que entra em conflito com esse Dever superior. Ao chamado dessa irresistível voz interior, o príncipe Gautama Buda pisoteou os "deveres" dourados de sua posição real e partiu para a selva como um errante sem lar. § Entrar nessa Busca não é uma questão agradável nem fácil. O aspirante tem de começar com a convicção de que é uma pessoa muito imperfeita e de que, antes de poder entrar em esferas espirituais, deve primeiro preparar-se para essa entrada trabalhando arduamente para separar-se dessas imperfeições. Antes de começar a Busca, ele gostava muito de si mesmo — agora descobre que se odeia muito. Antes de começai a Busca, tinha diferentes inimigos aqui e ali — agora tem um só inimigo, que é ele mesmo. Até então apoiava o ego identificando-se com ele doravante deve negar o ego, e tentar afirmar o eu mais elevado. | g P

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Você pode estar familiarizado com o conteúdo de centenas de livros sobre misticismo e contudo não estar familiarizado com o misticismo em si. Porque ele diz respeito à intuição, e não ao intelecto. § Meu dicionário Webster define o místico como "aquele que confia principalmente na meditação para alcançar a verdade". Essa é uma boa definição em nível de dicionário, mas não é suficientemente boa, porque não vai suficientemente longe. Pois todo místico verdadeiro confia também na oração, na autonegação purificadora e num mestre.

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§ | Quando um homem se cansa de ouvir alguém dizer-lhe que tem uma alma, e parte para adquirir experiência própria em primeira mão, torna-se um místico. Mas, infelizmente, poucos homens chegam a esse ponto. §

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Deve ser claramente compreendido que defendemos aqui somente a busca filosófica, o caminho do Bodhisattva, que é triplo. A busca mística é mais simples, não é tripla. Requer apenas uma única qualificação — a prática da meditação. Mas dá um único fruto — paz interior — ao passo que a busca tripla produz um fruto triplo: (1) paz, (2) habilidade intelectual para instruir outros, (3) serviço. Se, por esse motivo, a filosofia exige esforço maior do que o misticismo, ela o compensa por seu resultado maior. E enquanto o resultado místico é fundamentalmente um benefício individual, o resultado filosófico é tanto individual quanto social.

Se esse ideal benevolente tiver sido estabelecido desde o inicio, então o aspirante não se desviará dele no fim. Ele se retirará do limiar do Silêncio eterno e retomará sua roupagem humana, para que possa guiar com compaixão aqueles que ainda buscam, tateiam, tropeçam e caem. §

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o Não temas! Neste exato momento começa a fazer o Trabalho no qual teu espírito se glorifica; Milhares de forças invisíveis esperam para ajudar, Não temas, Começa! Começa!

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m * Essa auto-identifícação incorreta é não só um erro metafísico mas também um hábito mental. Podemos corrigir o erro intelectualmente, mas teremos ainda de lidar com o hábito. Tão profundamente arraigado está, que só um esforço total pode conseguir alterá-lo. Esse esforço é chamado Busca.

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Que a alma existe, que é algo diferente do eu habitual do homem, e que mora dentro dele, são afirmações sempre básicas e comuns à autêntica experiência mística de toda escola e religião.

Ele não será o primeiro aspirante, nem o último, que continua a adorar o ego na ilusão de ter começado a adorar o Eu Superior.

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Alguns têm a ilusão de que o caminho é muito trilhado. Não é. 'Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos.** O viajante deve aprender a andar resignadamente em solidão parcial. A luta pela verdade certa e a busca da alma divina são levadas avante por todo homem, e devem ser feitas em um isolamento auste ro quando ele alcança o nível filosófico. Nenhum progresso de multidão e nenhuma salvação de massas são possíveis aqui. Não há e não poderia haver algo como uma seita em filosofia. Cada um de seus discípulos tem de aprender que há somente um único caminho para si, e esse caminho depende de sua história passada e de características presentes que

constituem a sua individualidade. Tentar colocar-se à frente dessa individualidade única, impor o dever espiritual de outras pessoas sobre si mesmo é, como aponta o (Sita, um erro perigoso. A filosofia tenta levar um homem a realizar sua própria divindade por si mesmo. Consequentemente, tenta levá-lo ao pensamento independente, ao esforço pessoal e ao desenvolvimento intuitivo. Este nâo é o caminho popular nem o caminho fácil; nâo oferece conforto gregário ou apoio de rebanho. Mas é o único caminho para quem procura a verdade absoluta. Ainda que o estudante solitário possa sofrer certas desvantagens, ele também goza de certas vantagens definidas. Em todo caso, o homem na verdade nunca escapa de sua solidão essencial. Ele pode levar ao extremo seus esforços sociais para evitá-la, e empreender esforços pessoais a ponto de criar ilusões, mas a vida desaba sobre ele de alguma forma e um dia força-o a voltar-se para si mesmo. Até onde ele imagina ter alcançado a felicidade com outros, ou através deles, até no campo do amor e da amizade, uma desarmonia física, uma mudança mental, uma vacilação emocional podem finalmente surgir e quebrar o encanto, levando-o mais uma vez de volta ao isolamento.

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Significa isso que o aspirante não deva procurar um guia, não deva de maneira alguma aceitar uma mão amiga? Não! Simplesmente significa que, se ele compreende que a escolha de um instrutor pode mudar sua vida toda para melhor ou para pior, e se busca orientação bem qualificada, ele deve ter discernimento, o que significa que não deve aceitar impulsivamente o primeiro guia que encontrar. Deve refletir sobre o assunto e dar-lhe a mais completa atenção. Ê um procedimento bem adequado e saudável ser prudente antes de entregar sua vida a um instrutor ou sua mente a um credo. Ele não deve aceitar o primeiro instrutor que encontrar ou a primeira doutrina que ouvir. Melhor seria seguir o conselho prático de Confúcio aos compradores: "Antes de comprar, tente três locais." Não; ele pode ter de tentar trinta locais antes de encontrar um instrutor realmente competente, ou uma doutrina completamente verdadeira. Essa procura requer paciência e autodomínio, mas quanto mais continuar, maior será a probabilidade de alcançar o seu objetivo.

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E verdade que o eu mais elevado pode guiar e mesmo ensinar, de dentro, o aspirante, e que no final é o único verdadeiro guia e instrutor. Mas também é verdade que uma suposição prematura de auto-suficiência pode desviar perigosamente o aspirante. Na realidade, o eu mais elevado irá dirigi-lo a algum outro agente humano para ajuda quando ele estiver suficientemente pronto. Autoconfiança e independência são qualidades valiosas, mas podem ser levadas longe demais e, assim, transformar-se em defeitos. O estudante que permanece sendo o seu próprio guia e seguindo a sua própria inspiração semficardando passos em falso ou desperdiçando anos, tem sorte.

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J • Não há contradição entre aconselhar os aspirantes num momento a buscar um mestre e seguir o caminho do discipulado, e noutro aconselhá-los a buscar interiormente e seguir o caminho da confiança em si mesmos. Os dois conselhos podem ser facilmente conciliados. Pois se o aspirante aceitar o primeiro, o mestre gradualmente irá levá-lo a tornar-se cada vez mais autoconfiante. Se aceitar o segundo, o seu eu mais elevado o conduzirá a um mestre. §

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É óbvio que há perigos nesse caminho da auto-orientação. presunção, desenvolver a arrogância e até imaginar uma voz interior. Aqui a virtude redentora do equilíbrio deve ser ardentemente procurada, e a qualidade protetora da humildade deve ser cuidadosamente cultivada.

A verdade é que quase todos os aspirantes precisam da ajuda de guias humanos experientes, bem como de livros, quando estão procurando intensamente o Espírito, e ao menos de livros quando estão apenas começando a procurar.

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É realmente necessário partir para alguma terra santa, ou para algum local sagrado, ou ir em busca de algum guru distante? A resposta verdadeira é que nada disso é necessário. O que você procura está precisamente onde você se encontra agora. A santidade e o ensinamento podem ir ao seu encontro ai. É muito difícil para você acreditar nisso?

§f Mas só se pode ter o direito de praticar essa autoconfiança se se paga por ela com a moeda da autodisciplina. Nenhum daqueles que procuram deve ser tão tolo a ponto de rejeitar a mão estendida de um valioso mestre. Na verdade, sua fraqueza e ignorância são tais que ele precisa de toda a ajuda que possa obter de todos os homens fortes e sábios do seu tempo, bem como daqueles do passado, através de seus escritos. Mas a base da sua relação com esse mestre não deve ser por isso de total servidão e paralisia intelectual, nem de proibição totalitária de estudar com outros mestres ou em outras escolas. 0 aspirante deve manter sua liberdade de crescer e sua independência de escolher, se pretende manter o respeito a si mesmo.

Essa injunção de o indivíduo ser ele próprio deve ser seguida com discernimento, não às cegas. Por que não seguir o curso dos pensamentos de outro indr duo, se forem bons, verdadeiros e belos?

A reunião de um pequeno grupo de estudantes sinceros pode ser de grande ajuda a cada participante, desde que haja entre eles uma afinidade espiritual básica. Se isso estiver faltando mesmo a um membro do grupo, essa reunião pode bem resultar em mais confusão do que em esclarecimento, ou poderá fazer com que alguns ou todos esqueçam que na Busca cada um anda só. A § f Uma escola deve existir não somente para ensinar, mas também para investigar; não para formular prematuramente um sistema finalizado, mas para permanecer criativa, para continuar testando teorias mediante sua aplicação, e c rando ideias através da experiência. §

A verdadeira espiritualidade significa a aplicação do conhecimento obtido do aprendizado, bem como a observância das leis da vida interior nos diferentes graus em que cada um, individualmente, possa fazê-lo. Não significa aderir a um grupo ou a uma sociedade, e conversar infrutiferamente sobre ela ou tagarelar com curiosidade sobre lideres espirituais.

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buscador em um aleijado que tenta escalar uma montanha de difícil acesso. O objetivo final não pode ser encontrado pelo yogi por ele estar preocupado apenas consigo mesmo, e não com o universo inteiro. Não pode ser encontrado pelo filósofo, por ele estar ocupado apenas com o conhecimento teórico do significado desse objetivo de toda a existência. Pode ser encontrado apenas por aquele dominou tanto o yoga como a filosofia, e que então está disposto a dar o _ seguinte e a sacrificar seu ego no altar da realização última. Porque o estágio final dessa escalada exige que o insight adquirido pelo conhecimento filosófico da natureza verdadeira do ego seja aplicado a toda a vida de pensamento, de sentimento e de conduta — não através de algum súbito gesto dramático, mas através do trabalho incessante feito durante cada momento de cada dia. Essa vigília perpétua é realmente uma forma de concentração contínua, isto é, de yoga, e é impossível para aqueles que não treinaram com êxito suas mentes na disciplina yogi. Essas são as razões por que devemos ver o yoga e a filosofia como as duas pernas necessárias para apoiar um homem que pretende entrar na prática sempre renovada para atingir a realização. É a escalada final para o cume.

Não há quantidade de viagens que leve alguém à verdade ou a um contato com um Adepto, caso as outras condições estejam faltando.

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A reeducação moral exigida pela filosofia não é mera esperança piedosa de escola dominical. £ uma necessidade prática, devido às mudanças psicológicas e à sensitividade nervosa desenvolvida pelas práticas de meditação. Sem ela, esses exercícios podem revelar-se perigosos para a mente, o caráter e a saúde. As virtudes especialmente exigidas são: inofensividade no sentimento e na ação; veracidade no pensamento e na palavra; honestidade para consigo mesmo e para com os outros; controle sexual; humildade.

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í li um grave equivoco julgar que o progresso místico passe principalmente por êxtases e enlevos. Pelo contrário, ele passa igualmente por corações partidos e emoções feridas, por sacrifícios dolorosos e renúncias melancólicas. Aquela mesma luz que revela a importância espiritual do homem também revela sua insignificância pessoal. Quando a luz sublime do Ideal brilha sobre o aspirante e ele tem a coragem de olhar para a sua própria imagem através dela, ele fará sem dúvida algumas descobertas humilhantes sobre si mesmo. Descobrirá que é pior do que acreditava ser e não tão sábio quanto pensava ser. Mas todas essas descobertas são para o bem. Porque somente então ele pode saber o que lhe é pedido e começar a trabalhar para o auto-aperfeiçoamento, seguindo as indicações dessas descobertas.

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Você não poderá compreender o mundo melhor do que compreende a si próprio. A lâmpada que pode íluminar-lhe o mundo tem de ser acesa dentro de você mesmo.

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O aspirante começa com uma atitude religiosa irrefletida e imatura, prossegue com os experimentos em meditação e com a experiência pessoal do misticismo ou com as abstrações racionais da metafísica, e termina na vida integral todo-abrangente e todo-transcendente da filosofia.

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í § 111

A prática do yoga como disciplina psicológica e o estudo da filosofia como reeducação mental são dois fundamentos no equipamento do homem que pretende explorar o mais alto. Nenhum deles pode ser excluído sem que transforme o 28

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O aspirante deve purificar seu coração do egoísmo e seus instintos físicos do animalismo, e então uma atmosfera favorável estará disponível para que a verdade se lhe torne conhecida. Essa afirmação pressupõe que a verdade já esteja presente e somente esperando para revelar-se. Essa é a argumentação da filosofia, e essa é a própria experiência do filósofo. A verdade primeiro vem a ele como "A Palavra Interior", o Logos interno, e mais tarde como "o segundo nascimento". Há dois caminhos traçados para a realização, segundo o ensinamento de Sri Krishna no Bhagavad Gita. O primeiro caminho é a união com o eu mais elevado — e não, como crêem alguns, com o Logos. Mas, porque o eu mais elevado é um raio saído do Logos, de qualquer maneira está tão perto do Logos quanto um ser humano pode estar. O segundo caminho tem seu objetivo último no Absoluto ou, como o chamei no meu último livro, no Grande Vazio. Mas um caminho não contradiz o outro, pois o percurso para o segundo caminho estende-se através do primeiro. Portanto, não há divisão nas práticas. Ambos os objetivos são igualmente desejáveis porque ambos põem o homem em contato com a Realidade. Seria bem adequado para qualquer indivíduo parar no primeiro, se desejasse; mas para aqueles que apreciam o ponto de vista filosófico, o segundo objetivo é mais desejável, porque inclui o primeiro.

Os estágios da Busca são distintamente bem definidos. Primeiro, a aspiração em direção ao crescimento espiritual manifesta-se no coração de um homem. Segundo, o sentimento de arrependimento por erros e pecados passados entristeceo. Terceiro, a submissão a uma disciplina ascética ou de auto-renúncia se segue como uma reação. Quarto, a prática de exercícios regulares de meditação é levada adiante.

O aspirante só saberá o que tanto a plenitude como a realização da vida ficam quando nascer, dentro de si, a consciência de que o Espirito é o seu próprio e verdadeiro eu. §

O caminho requer um empenho todo-abrangente. Exige a disciplina das emoções, assim como a purificação do caráter, extirpando dele o egoísmo; a prática da arte da meditação, assim como a devoção religiosa e a oração; a reflexão constante sobre as experiências da vida para aprender as lições ocultas por trás delas, e a constante discriminação entre os valores das coisas terrenas e espirituais. Esse autodesenvolvimento, coroado de atividade altruísta, fará surgir a tempo a graça do Eu Superior e, ocasionalmente, trará vislumbres de bem-aventurança, para encorajar os esforços do aspirante. Como observei no meu livro A Sabedoria do Eu Superior, não apenas uma, mas todas as funções do ser devem unir-se no esforço de alcançar a meta espiritual. *m § é m i Se a Busca pretende ser integral, como tem de ser para tornar-se verdadeira, deve continuar através de todas as quatro esferas de um ser humano: a emocional, a intelectual, a volitiva e a intuitiva. Esse caráter quádruplo faz dela uma questão mais complicada do que muitos místicos acreditam que seja.

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Todo indivíduo que possa encontrar no Eu Superior um instrutor direto não necessita de outro. Mas, porque o ego facilmente se insere até írrçsmo em suas investigações espirituais, e por causa da influência desse ego em suas revelações espirituais, o individuo ainda pode precisar de um instrutor externo para adverti-lo dessas armadilhas em seu caminho.

A necessidade de um guia espiritual é quase tão grande hoje quanto sempre o foi, e mudou muito pouco; mas o caráter da relação entre o discípulo e o guia tem de mudar. O antigo deixar-se guiar com fé cega deve dar lugar a um novo deixar-se guiar com fé inteligente.

O que importa não são tanto os pensamentos humanos que o instrutor emite, quanto o poder espiritual dentro do discípulo que é estimulado por esses pensamentos.

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Não finja ser diferente do que é. Se você é um na multidão, não se vista com mantos orgulhosos de Instrutor e não finja ser capaz de imitá-lo; a menos que se apoie na Verdade, você jamais a encontrará. Colocar-se no pedestal do prestígio espiritual antes que o Mestre ou Deus o tenham colocado aí, é fazer o primeiro movimento em direção a uma queda humilhante e dolorosa.

Poucos aspirantes são suficientemente desenvolvidos para que se justifique receberem atenção e instrução pessoal de um mestre. Todos eles podem, entretanto, buscar sua bênção. Ele não a negará; porém, tal é a potência dessa bênção, que i s vezes pode dar resultado contrário ao desejado pelos aspirantes. Pode trazer sofrimento ao ego na remoção da fraqueza interior, como um prelúdio de luz interior. Os aspirantes deveriam, portanto, parar e refletir antes de pedir essa bên-

ção. Somente uma sinceridade profunda a respeito da Busca deveria motivar essa aproximação. o É quase impossível descobrir a Verdade sem a orientação de um Instrutor. Essa é a tradição antiga do Oriente, e terá de se tomar a tradição moderna do Ocidente. Não há como fugir. A explicação dessa afirmativa está na natureza sutíl da Verdade. Assim, no Ocidente, homens de inteligência tão aguçada e caráter tão elevado como Spinoza, Kant, Hegel e Thoreau chegaram a um passo da Verdade. Não puderam entrar totalmente porque faltou-lhes um Guia. Mesmo na índia, a maior mente que aquela terra de Pensadores já produziu, o ilustre Shankara, reconheceu publicamente o débito que tinha para com seu Instrutor, Govindapada. Se parece ocorrer uma oportunidade de tornar-se discípulo de um mestre, não deixe de primeiro verificar se ele é digno de ocupar tal posição. Não teste sua suposta posse de poderes ocultos ou dons de cura; em vez disso, verifique se é mestre de si mesmo antes de desempenhar esse papel na vida de outros. Está ele livre da concupiscência do sexo, da ganância pelo dinheiro, da vontade de ter fama, da paixão da ira e do desejo de poder? Se não, ele pode ser notável, extraordinário, inteligente, fluente, sensitivo, amigo, ou qualquer outra coisa, mas esteja certo de que não é competente para guiar discípulos para o reino dos céus.

Seis são os deveres desse instrutor: (1) instruir o estudante num conhecimento novo, (2) corrigir os erros do conhecimento que ele já tem, (3) desenvolver sua mentalidade de maneira equilibrada, (4) impedi-lo de cometer o mal, (5) encorajá-lo com compaixão, e (6) abrir-lhe o caminho místico através de ajuda ativa na meditação.

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Pelo menos três qualificações são exigidas de um instrutor espiritual: total competência, pureza moral e altruísmo compassivo. Somente quem já triunfou sobre o mal em si próprio pode ajudar os outros a fazerem o mesmo. Somente quem já descobriu o espírito divino em si mesmo pode guiar os outros a fazerem sua própria descoberta desse espírito. O ensinamento que não tem origem na experiência pessoal jamais pode ter a eficácia daquele que dela se origina.

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É essencial que um preceptor espiritual viva de acordo com os elevados preceitos que transmite; se é incapaz de fazer isso, deve descer de seu alto posto e sentar-se entre os alunos — de preferência na fila de trás. O estudante ocidental dos divinos mistérios é muito ávido e muito propenso a sair correndo e tentar ensinar seus companheiros antes de ter completado os seus estudos e antes da t compreendido inteiramente a verdade deles através da experiência. As ra óbvias são muitas: um amor pelas luzes da ribalta e um sentimento de super dade são apenas duas delas. Quão diferente é isto daquela modesta humildade de Lao Tzu, cujos seguidores cresceram, de uma única pessoa no tempo em que estava vivo, para muitos milhões depois da sua morte. "O Sábio usa roupa ra, mas leva uma jóia em seu peito", é a sua bela declaração. "Saber, mas w 11

como se não soubesse, é o máximo da sabedoria", é outra de suas declarações de profunda compreensão espiritual.

§ l A verdade não pode ser obtida sem um mestre. O fato de Buda a ter obtido sem essa ajuda não invalida a verdade desse princípio Poiã o aparecimento de um Buda é fenómeno raro nesta terra. A massa da humanidade é composta de mortais que estão lutando na escuridão mental, não de Budas enviados para iluminá-los e, portanto, destinados a serem auto-ilurninados.

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PRÁTICAS PARA A BUSCA

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O homem mais provável de tornar-se seu instrutor e o mais capacitado para isso é aquele para o qual você é levado, não tanto pela experiência e sabedoria, bondade e poder que possa ter, mas por alguma atração intuitiva. Pois isso é sinal de uma relação anterior em outras vidas na terra. A confiança pessoal e a dependência intelectual que gera são em si sinais de que vocês foram instrutor e discípulo em antigas reencarnações. Ê melhor aceitar ser guiado por essa atração, porque o homem sob cuja orientação você esteve trabalhando anteriormente é o homem que o destino lhe indicará para retomar o mesmo trabalho. Você pode adiar o reinício desse relacionamento, mas por fim não poderá evitá-lo. Nesse assunto, o destino terá a última palavra. § | k> * Seja no momento em que é aceito, seja mais tarde, o discípulo experimenta um devaneio extático de comunhão com a alma do instrutor. Há uma sensação de espaço preenchido de luz, de ego liberado de escravidão, de paz como a lei da vida. O discípulo compreenderá que essa é a real iniciação vinda das mãos do instrutor, e não a iniciação formal. O discípulo provavelmente ficará tão arrebatado com a experiência, que desejará que ela aconteça todos os dias. Mas isso não é possível. Só pode acontecer a longos intervalos. É, antes, para ser tomada como sinal da maravilhosa relação que surgiu entre eles e como indício da realização final. §

• Quando um homem finalmente se encontrou, quando não tem mais nenhuma necessidade de um Símbolo humano exterior, mas passa diretamente para a sua própria realidade interior, ele pode colocar-se ombro a ombro com seu instrutor na mais antiga, mais longa e mais grandiosa das lutas.

- O longo caminho da formiga - Trabalhando em ti mesmo

Se o homem não é orgulhoso demais para começar do ponto onde se encontra, em vez de fazê-lo de algum outro onde já esteve ou gostaria de estar, se concorda em subir um degrau de cada vez, poderá alcançar seu objetivo bem mais rápido do que provavelmente o fariam os menos humildes ou mais pretensiosos.

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O Caminho Longo representa os primeiros estágios pelos quais devem passar todas as pessoas que buscam a sabedoria superior; elas não podem saltar para o ponto mais alto. Esses estágios serão, portanto, sempre valiosos.

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O aspirante à iluminação tem, em primeiro lugar, de elevar-se, saindo do pântano dos desejos, das paixões, do egoísmo e do materialismo em que está mergulhado. Para atingir esse propósito, ele precisa passar por uma disciplina purificadora. É verdade que alguns indivíduos abençoados pela graça ou pelo carma recebem a iluminação espontaneamente, sem ter de passar por essa disciplina. Mas esses são poucos. A maioria de nós tem de fazer um árduo trabalho para desembaraçar-se das profundezas da natureza inferior, antes que possa olhar para o céu que brilha lá no alto.

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Uma compreensão intelectual não é suficiente. Essas ideias podem transformar-se em verdades somente através de uma completa autodisciplina, que conduza à liberação das paixões, ao domínio das emoções, à transformação da moral e à concentração dos pensamentos. O aspirante terá de desenvolver a veneração religiosa, a intuição mística, valor moral, a inteligência racional e a capacidade de ser ativamente útil, a de fazer evoluir uma personalidade mais integral. Assim ele se toma instruíra adequado para a descida do Eu Superior na consciência em via de despertar.

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Muitos yogis criticarão esse caminho triplo para a realização. Dirão que somente a meditação será suficiente. Depreciarão a necessidade de conhecer a metafísica e zombarão do apelo para a ação inspirada. Mas, para mostrar que não es32

introduzindo aqui nenhuma ideia própria inovadora, posso salientar que no Budismo há uma reconhecida disciplina tríplice de realização, que consiste em: (1) dhyana (prática da meditação), (2) prajna (compreensão mais elevada), (3) sila (conduta de autonegação). § É uma falha da maior parte dos meus escritos ter eu deixado de mencionar, ou ter mencionado de forma por demais breve e ligeira, certos aspectos da Busca, de modo que ideias erradas prevalecem agora a respeito de meus pontos de vista nesses assuntos. Não toquei nesses aspectos, ou não o fiz suficientemente, em parte porque supus que o meu trabalho fosse o de lidar, como um especialista, basicamente apenas com a meditação, e em parte porque tantos outros autores lidaram com eles tão amiúde. Há necessidade agora de mudar a ênfase, colocando-a nesses pontos negligenciados. Eles incluem a reeducação moral; a construção do caráter; a oração, a comunhão e a adoração no sentido religioso não-sectário, menos externo e mais voltado para o intimo; a mortificação da carne e dos sentimentos como disciplina temporária, mas indispensável; e o uso da imaginação criativa nos exercicios contemplativos como ajuda à realização espiritual.

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Há um ponto de vista que rejeita a ideia de que a privação e a pobreza absoluta sejam os únicos caminhos para a espiritualidade, e a substitui pela ideia de que é melhor uma vida simples e de poucas posses. A vida de total pobreza é normalmente inadequada e antiestética. Precisamos ter posses suficientes para conseguir eficiência na maneira de viver, bem como ter um lar bem-arrumado para viver a bela vida. Quão mais propício ao sucesso na meditação é, por exemplo, um lar bem-ordenado, um ambiente elegante e refinado, um aposento ou um local ao ar livre, sem barulho e sem perturbações! Mas essas coisas custam dinheiro. Por mais que o aspirante possa saturar-se nos anos de sua juventude com o desprezo idealista pelos valores mundanos, descobrirá em tempo que mesmo as coisas importantes para a sua vida espiritual interior geralmente só podem ser obtidas se ele tiver dinheiro para comprá-las. Privacidade, solidão, silêncio e tempo livre para estudo e meditação não são gratuitos e seu preço éalto.

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Viver uma vida mais simples não é o mesmo que viver uma vida empobrecida. Nossas necessidades não têm fim, e é economia de energia espiritual reduzi-las em certos pontos. Mas isso não quer dizer que todas as coisas belas devam ser jogadas pela janela simplesmente porque não são funcionais ou indispensáveis. O que os estudiosos antigos traduziram do Yoga Sutra de Patanjali como "não-aceitação de presentes", Mahadevan traduziu como "não-possessão". A diferença de significado é importante. A ideia é claramente a de evitar fardos que mantenham a atenção ocupada com o cuidado que lhes é dispensado. s O que se quer realmente dizer com renúncia do mundo? Eu lhes direi. É aquilo a que o homem chega quando confrontado com a morte certa, quando sabe 34

que dentro de uma hora ou duas terá deixado o mundo dos vivos - quando dita seu último testamento dispondo de todos os seus bens terrenos. f|&.§ Não é o mundo, mas sim o nosso relacionamento mental e emocional com ele que intercepta o nosso caminho, e é a esse relacionamento que devemos renunciar; e isso precisa apenas ser corrigido. Podemos permanecer exatamente onde estamos, sem fugir para um ashram ou convento, desde que façamos uma mudança interior.

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Há certa loucura nessa ideia de que fomos colocados no mundo para nos separarmos dele!

A inabilidade em acreditar na presença de um poder divino no universo, ou em detectar essa presença, deve ser superada através de um processo triplo. A primeira fase alguns indivíduos ultrapassam "ouvindo" a verdade diretamente proferida por uma pessoa iluminada, ou lendo escritos inspirados. A segunda fase consiste em refletir constantemente sobre as Grandes Verdades. A terceira consiste em introverter a mente em contemplação.

O aspirante deve ser observador, deve entender os altos e baixos da natureza humana, dos motivos humanos e do egoísmo humano. Ele deve proceder assim porque isso irá ajudá-lo a conhecer os outros e a si mesmo, a fim de servi-los melhor e de proteger a sua Busca.

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§ -I Aquele que se inicia nessa Busca terá muito que fazer, pois terá de vencer a fraqueza de seu caráter, terá de pensar imparcialmente, de meditar com regularidade e de aspirar incessantemente. Acima de tudo, terá de se treinar na disciplina da rendição do ego. Mostre-me um homem que seja regular e persistente na prática diária do estudo, da reflexão e da meditação, e você me estará mostrando um homem decidido a quebrar os grilhões da carne e destinado a penetrar na esfera do espirito, embora anos possam decorrer e vidas possam passar antes que o consiga. Ele aprendeu a perguntar, a buscar e a encontrar. 4 § Como prefácio dessa leitura reflexiva, o estudante deve colocar seu coração numa atitude de humildade e de oração. Ele precisa da primeira porque ela é a divina graça que irá fazer seu próprio esforço dar frutos nofinal.Precisa da segunda porque tem de pedir essa graça. E, por mais obscuramente que ele possa às vezes entrever o significado do livro, sua própria fé reflexiva na verdade registrada em suas páginas e na orientação interior do seu eu mais elevado o ajudará a avançar no caminho. Essa sublime determinação resulta na graça do Eu Superior em compreensão iluminada-

Desde o primeiro momento em que o estudante puser os pés nesse caminho interior, até o último, quando o tiver terminado, será periodicamente assediado por testes que irão provar o material de que ele é feito. Essas provas lhe são enviadas para verificar sua coragem, para mostrar o quanto ele realmente vale, e para revelar a sua foiça e fraqueza verdadeiras, e não as que ele acredita ter. As dificuldades que encontra provam a qualidade da sua realização, e revelam se a sua força interior pode resistir a elas, ou se sucumbirá; os sofrimentos que experimenta podem gravar lições no seu coração, e as provações pelas quais passa podem purificá-lo. A vida é, aò mesmo tempo, instrutor e juiz. | § Todo ato deve ser levado para dentro do campo da atenção consciente e realizado com deliberação.

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A disciplina do eu, a observância da conduta ética, a prática da meditação mística — tudo isso é necessário quando se busca a experiência mais elevada que leva ao insight. i § A aspiração, apenas, não é suficiente. Ela deve ser secundada pela disciplina, pelo treinamento e pelo esforço.

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.Quem deseja triunfar deve aprender a suportar. Das intuições — que são os primeiros guias da mente que busca —, às profundas concentrações de êxtase — que são as últimas experiências do místico iluminado —, há certas obstruções que devem ser removidas progressivamente, caso venham a aparecer. Elas podem ser classificadas em três grupos: as que pertencem às paixões desenfreadas do homem, as que pertencem às suas emoções autocentradas e as que pertencem ao seu pensamento preconceituoso. Através de uma auto-análise critica, de uma autonegação purificadora e de um autotreinamento ascético, a disciplina filosófica gera uma profunda sinceridade moral e intelectual que as desgasta, e prepara aquele que busca para um avanço real. i*. § * O neófito pode tropeçar e cair, mas ainda é capaz de voltar a levantar-se; pode cometer erros, mas ainda é capaz de corrigi-los. Se se aferrar à sua Busca através de circunstâncias desanimadoras e longas demoras, sua determinação não terá sido em vão. Ainda que a determinação nada mais faça, pelo menos atrairá a investida da graça. Quando for acometido por dúvidas, como acontece com a maioria, ele deve agarrar-se firmemente â esperança e renovar sua prática até que esse estado de ânimo desapareça. É uma arte difícil essa de guardar fidelidade ao símbolo, em seu centro sereno, mesmo que por alguns minutos. Essa arte só pode ser aprendida pela prática. Todas as vezes que ele dela se desvia e entra na agitação, no egotismo ou na ansiedade, e se dá conta do fato, deve voltar imediatamente. É uma arte que tem de ser aprendida através de esforço constante e depois de frequentes fracassos, essa de manter-se ligado aos fatos espirituais da existência. Ele deve continuar a Busca com determinação ininterrupta, 36

mesmo se suas dificuldades e fraquezas o tomam incapaz de continuá-la com determinação inabalável. Isso envolve a disposição de manter em vista o propósito essencial da sua Busca, aconteça o que acontecer. Ele tem de decidir-se a continuar sua jornada a despeito dos reveses que possam surgir de sua própria fraqueza, e sem se deixar desviar pelos infortúnios que possam surgir de seu próprio destino. É grande a necessidade de suportar pacientemente no meio de períodos difíceis, mas vale a pena persistir e ter esperança, através da lembrança de que o ciclo de mau carma irá chegar ao fim. A questão é manter-se firme. Isso, entretanto, não significa resignação letárgica diante de qualquer coisa que aconteça. O neófito tem de manter a sua existência, lutando para aproveitar ou criar até mesmo as menores oportunidades.

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A pessoa não deve dedicar-se à Busca apenas estudando meta fisicamente ou apenas sentando-se em meditação. Ambas as modalidades são necessárias mas ainda não suficientes. A experiência tem de ser observada com reflexão e a intuição tem de ser procurada cuidadosamente. Acima de tudo, o aspirante precisa estar determinado a lutar fielmente pelos ideais éticos da filosofia e a praticar sinceramente seus ensinamentos morais. § Mesmo que aprenda todas essas verdades, ele só as terá aprendido intelectualmente. 'Elas têm de ser aplicadas no ambiente, têm de ser profundamente sentidas no coração e, finalmente, têm de ser consideradas como sendo a Consciência de onde se originaram.

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Faça disso um hábito, até que se tome uma tendência, ser bondoso, gentil, magnânimo e compassivo. O que você pode perder? Alguma coisa de vez em quando, um pouco de dinheiro aqui e ali, uma hora ocasional ou uma discussão? Mas veja o que você pode ganhar! Mais desapego do ego pessoal, mais direito à graça do Eu Superior, mais encanto no mundo interior e mais amigos no mundo exterior.

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Não é somente indesejável, por causa dos outros, que um homem se ocupe de um serviço espiritual de maneira prematura, sem estar purificado, mas é por certo perigoso para o seu próprio bem-estar.

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A única determinação autêntica para o serviço espiritual, se não vem de um mestre, tem de vir de dentro do Eu Superior do indivíduo. Se vem do ego, trata-se de uma intrusão desnecessária na vida de outras pessoas, que pouco bem lhes fará, por melhor que seja a intenção. 1 § # «Ao reencarnar, o homem veio com a responsabilidade pela sua própria vida, não pela de outras pessoas. Elas foram e continuam sendo responsáveis por suas próprias vidas. O fardo nunca foi, em momento algum, transferido para os seus ombros por Deus. §

Entender a misteriosa linguagem do Silêncio e trazer essa compreensão de volta ao mundo das formas através de um trabalho que expresse a vitalidade criativa do Espirito é um modo pelo qual você pode servir à humanidade.

a consumação desse desenvolvimento, poderá inverter os papéis. Se, no seu entusiasmo inicial, ele se tomar um reformador ou um missionário mais do que uma pessoa que procura, irá tropeçar nos dedos dos próprios pés.

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. o aspirante deve examinar-se para descobrir até onde seus interesses egoístas ocultos entram em sua atividade altruística. §

Ê inútil que qualquer indivíduo que tenha complicado a própria vida comece a corrigir a vida dos outros. É arrogante e impertinente que qualquer indivíduo se ponha a aperfeiçoar a humanidade, quando ele próprio, lamentavelmente, precisa de aperfeiçoamento. O tempo e a força que ele se propõe a dar nesse serviço serão mais bem empregados nele próprio. Misturar-se com o processo natural da vida de outros homens, estando ele nessas condições, é pescar em águas turbulentas e fazer-se de tolo. Somente quando ele já tiver bom controle sobre si mesmo haverá pelo menos uma possibilidade de prestar um verdadeiro serviço. O homem cuja própria vida interior e exterior está repleta de fracasso não deve zombar do ensinamento, tagarelando constantemente sobre seu desejo de servir à humanidade. Esse serviço deve começar primeiro no ponto mais próximo, isto é, no seu próprio eu.

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Se ele puder conservar seus motivos realmente puros e evitar que seu ego seja envolvido, poderá encontrar uma maneira de prestar serviço. Mas poucos homens podem fazê-lo.

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Não que ele não deva interessar-se por outras pessoas ou não deva tentar ajudá-las, mas deve lembrar-se de que bem pouco pode fazer por elas enquanto ele próprio é ainda tãò pequeno.

Se começa a achar que ele próprio é o autor do serviço, o benfeitor dessas pessoas, volta a afirmar o seu ego. Isso atuará como uma barricada entie ele e o poder impessoal superior. A eficácia espiritual da sua atividade começará a reduzir-se. §

A questão final consiste na graça do Eu Superior; por isso o aspirante não pode prejulgar os resultados da sua Busca. Deve deixar que eles cuidem de si mesmos. Isso tem uma vantagem, que é livrá-lo de cair nos extremos de um desencorajamento indevido, por um lado, e, por outro, de uma exaltação indevida. Isso lhe diz que mesmo que possa não ser capaz, nesta encarnação, de atingir a meta de união com o Eu Superior pela destruição do ego, pode certamente fazer algum progresso em direção à sua meta, enfraquecendo o ego. Esse enfraquecimento não depende da graça; está perfeitamente dentro dos limites da sua própria competência, da sua própria capacidade.

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Essa invulnerabilidade interior parece estar muito distante para ser praticável. Mas a principal importância de buscá-la está na directo que ela dá ao pensamento, ao sentimento e à vontade. Mesmo que não pareça provável que o aspirante consiga tão alto padrão na encarnação atual, é provável que consiga dar dois ou três passos rumo à sua realização. §

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(r. § . A ajuda ou a esmola oferecida a partir do sentimento de unidade do doador com o sofredor é duas vezes dada: uma como benefício físico e outra como bênção espiritual que o acompanha. §

Distingue-se o serviço filosófico pela competência prática e pela ausência de egoísmo. §

Devo deixar bem clara a diferença que existe entre ajudar as pessoas e agradá-las. Muitos me escrevem dizendo que meus livros os ajudaram, quando o que querem realmente dizer é que meus livros agradaram às suas emoções. Só ajudamos quando elevamos a mente do homem um grau acima, não quando confirmamos seu estado atual, "agradando-o". Ajudar é auxiliar o progresso de um homem; agradar é permitir que seus grilhões o escravizem. Aquele que procura tem de viver primeiro para o seu próprio desenvolvimento e, segundo, para o desenvolvimento da sociedade. Só quando tiver conseguido 38

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prazeres, sem a compensação do repouso silencioso e do recolhimento interior. Sua atividade está correta no seu devido lugar, mas deve ser deixada lá, e não deve invadir esses momentos preciosos em que ele deveria aconselhar-se com seu ser mais elevado. Portanto, a prática periódica de quietude mental é uma necessidade, e não um luxo ou passatempo. A escola esotérica chinesa chama-a de "purificação da mente".

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RELAXAMENTO E RETIRO

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Pausas intermitentes - Tensão e pressões - Relaxamento do corpo, respiração e mente - Centros de retiro - Solidão - Apreciação da Natureza - Contemplação do pôr-dosol

. Aceitemos o convite, sempre aberto, da Quietude; experimentemos sua singular doçura e atendamos à sua instrução silenciosa. §

Que o praticante se retire uma vez ao dia pelo menos, não apenas das atividades exteriores do mundo, mas também de seus próprios conflitos interiores. § Nesses períodos de retiro, devemos viver com Princípios, tornar nossas mentes limpas e nossos corações puros, pôr em ordem os pensamentos confusos e estar onde a pressa e a pressão não estejam.

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Um retiro desse tipo não é para ser considerado um feriado, embora por acaso sirva também a esse propósito, mas um modo de vida. Não é simplesmente um meio de preencher o tempo ocioso ou de descansar, inerte, num intervalo entre atividades, mas sim um esforço criativo de transmutar a si mesmo e aos próprios valores.

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M Praticar retiro de maneira filosófica é muito diferente de praticá-lo como forma de fuga. No primeiro caso, o homem está lutando para obter domínio mais amplo sobre si mesmo e sobre a vida. No segundo, está se tomando um desertor inerte, perdendo o seu controle sobre a vida.

O que a filosofia propõe não é nem uma vida unicamente devotada ao retiro monástico, nem uma vida inteiramente dedicada aos afazeres diários, mas antes uma combinação sensata e equilibrada das duas, uma mistura na qual o primeiro ingrediente necessariamente está em menor proporção que o segundo. §

SÁÃ A sabedoria exige equilíbrio. O homem moderno, todavia, leva uma vida

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Se esses afastamentos ocasionais do mundo lhe são benéficos, se ele sai deles com a vontade mais forte, a mente mais clara e o coração mais calmo, se eles o capacitam a organizar seus pensamentos sobre assuntos mais profundos e a reunir suas forças para a vida mais elevada, seria então tolice interpretar isso como escapismo. Í' ' § Se o homem deve encontrar o ponto mais alto em si mesmo, a melhor forma de começar essa busca é retirar-se pára o campo e trabalhar em alguma atividade em que não tenha que lutar egoisticamente ou competir ferozmente com outros. Trabalhando assim menos ambiciosamente e vivendo mais simplesmente, ele terá uma oportunidade melhor de cultivar a tenra planta da aspiração. Afastando-se assim da agitada atmosfera das cidades, o que ele perder em riquezas materiais ganhará em riqueza interior. Entretanto, se ele seguir fielmente seus ideais, descobrirá que a mesma voz interior que sugeriu o afastamento virá também algumas vezes incitá-lo a retomar por algum tempo e aprender a parte de sua lição que está faltando. Muitas das necessárias lições de vida podem ser aprendidas em humilde retiro, em pequenas comunidades rurais, mas não todas as lições. As outras só serão aprendidas nas buliçosas metrópoles e nas sociedades dos homens. f # § * » Porque a maioria de nós tem de passar a vida nesta terra e na sociedade humana, não podemos trilhar o caminho do escapismo. Não podemos entrar para mosteiros ou sentar em ashrams. E porque alguns de nós preferimos a filosofia ao escapismo, também não queremos fazê-lo. Pois acreditamos que aquilo de que os ascetas realmente procuram escapar não é do mundo, nem da sociedade, mas de si mesmos; acreditamos que o nosso principal trabalho na vida é refazermo-nos. Quando entramos em retiro ocasional e por tempo limitado, assim o fazemos para aquietar a mente, liberar o coração, ampliar nossas perspectivas e refletir sobre a vida — não para fugir dela e nos acocorarmos ociosamente durante anos a fio.

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•Aquele que vive uma vida nobre em meio às coisas do mundo é superior àquele que vive uma vida nobre num mosteiro.

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* Precisamos fazer esses retiros ocasionais para nos purificarmos interiormente, descobrir outras forças e reunir nova inspiração, estudar a nós mesmos, meditar e compreender a verdade. §

desequilibrada. Está engajado em incessante atividade, quer de trabalho, quer de 41

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Há uma real necessidade de equilibrar nossa extrema tendência para a açffo com alguma quietude, de compensar nosso excessivo fazer com um mais profundo ser.

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O ritmo rápido da vida moderna e o movimentado alarido das cidades modernas impedem-nos de encontrarmos a nós mesmos. Precisamos sentar-nos como se estivéssemos no deserto, completamente sós, rodeados pelo silêncio, e diminuir o ritmo dos pensamentos, até que nos intervalos entre eles comecemos a perceber quem é o pensador. Mas não podemos ter pressa; precisamos ser pacientes. Ele não está lá fora, bem à frente, mas profundamente escondido no interior. No interior há uma luz nofinaldo túnel escuro § " Quantos de nós nos encontramos exaustos pelas ansiedades físicas, pelas frequentes tensões nervosas e pelo tumulto irrequieto de nosso tempo! Nossa tendência é ficar enredados em nossas próprias atividades, é multiplicá-las por dúzias, é ficar eternamente ocupados com isto e aquilo. Somos, de certa forma, as vitimas irracionais da nossa vida-de-superfície, escravos inconscientes de suas atividades e desejos, as marionetes dançantes de seus interesses e posses. Não há nenhum movimento real e livre de nossas vontades, apenas um movimento aparente. Basta somente olharmos asfisionomiasdos homens e mulheres de nossas metrópoles para compreendermos quão carente de repouso espiritual a maioria deles está. Já nos tornamos tão extrovertidos que deixou de ser natural volver a mente sobre si mesma; tornou-se artificial dirigir por algum tempo a atenção para o intimo. Tudo isso nos leva a desperceber os valores mais importantes, e nos conserva no nível de meros animais reprodutores e de pensamento superior, ou pouco mais. Todos querem viver. Poucos querem saber como viver. Se as pessoas permitem que o trabalho tome tanto do seu tempo que nada lhes sobre para a oração devocional, para a meditação mística ou para o estudo metafísico, elas serão tão culpadas por esse desperdício de vida como o serão se permitirem que prazeres passageiros tomem seu tempo. Os que não têm ideal mais elevado do que a busca do divertimento e a procura do prazer podem considerar a devoção religiosa sem sentido, os estudos metafísicos desinteressantes, as meditações místicas uma perda de tempo e as disciplinas morais repulsivas. Os que não têm essa vida interior de oração e meditação, de estudo e reflexão, pagarão necessariamente, nas emergências ou crises, o alto preço de sua extroversão incorrigível. As necessidades da vida exterior têm o direito de ser satisfeitas na parte que lhes cabe, mas não de dominar toda a atenção de um homem. As negligenciadas e despercebidas necessidades da vida interior também devem receber a atenção que lhes é devida. £ bem verdade que o homem precisa comer, encontrar abrigo, vestir roupas e se divertir. E também é verdade que, se um destino afortunado não o tiver poupado da necessidade, terá de trabalhar, negociar, fazer planos ou jogos de azar para obter o dinheiro para essas coisas. Mas tudo isso não é motivo suficiente para que ele passe pela vida sem outros pensamentos na cabeça além dos relativos às necessidades do corpo ou aos empreendimentos financeiros. Há ainda espaço para outro tipo de pensamentos: aqueles relativos à coisa sutil, indefinível e misteriosa que é a sua alma divina. Os anos estão passando e ele não pode permitir-se tal desperdício de tempo, não pode dar-se ao luxo de ser tão extrovertido à cus-, ta de perder o contato com sua vida interior. 42

É bastante mau ser uma pessoa doente, mas é pior estar doente e acreditar que se está bem. Todavia, as pessoas totalmente extrovertidas encontram-se nessa condição, porque consideram a extroversão completa como o estado adequado para uma vida saudável normal! 0 fato é que permitir que sejamos sorvidos por esse redemoinho de ação ininterrupta, sem intervalos de repouso interior e quietude física, é não apenas sem valor, como também pouco saudável. Uma supressão tão completa da vida interior e uma imersão tão completa na vida exterior perturbam o equilíbrio da Natureza, e isso pode manifestar-se como doença. Pouco familiar e cansativo, pouco prático e inconveniente como na maioria das vezes é, o exercício da meditação não atrai o homem moderno. Em tempos passados, era uma espécie de dever agradável. Nos tempos atuais, é uma espécie de remédio amargo. Entretanto, ainda precisamos dele; de fato mais ainda que o homem medieval. Quanto mais sofremos das doenças psíquicas e físicas geradas pela nossa extroversão incessante e pelo nosso materialismo desequilibrado, tanto mais se torna imperativo ingerir esse remédio valioso. Temos de ser guiados aqui pela importância de efetuar uma cura, e não pela importância de agradar nosso paladar. A meditação fornece ao homem um santuário longe dos tormentos do mundo, e aqueles que não se dispõem a entrar nesse santuário por sua própria iniciativa, estão sendo levados a fazê-lo pela rude experiência da própria vida contemporânea. Eles estão sendo forçados a buscar novas fontes de paz curadora. Eles necessitam muito dela. Há apenas um retiro seguro para as emoções atormentadas destes tempos turbulentos, e esse retiro está dentro deles mesmos, dentro da bela serenidade que o místico pode encontrar sempre que quer. O mundo testemunhará inevitavelmente uma reação em larga escala contra a sua própria extroversão excessiva, e então uma busca interior por desapego mental surgirá. Para isso há, esperando, a mensagem e a panaceia da meditação moderna. A meditação tem de ser restituída a seu correto lugar no programa humano. Somente os que provaram sua maravilha sabem quão árida, quão pobre é uma vida da qual ela está sempre ausente. Só os que se tornaram peritos nessa arte conhecem o imenso prazer de se recostarem na maciez aveludada da meditação e deixarem que se soltem os fardos que carregam. Os benefícios da meditação aplicam-se tanto à vida mundana como à busca espiritual. Imagine o que significa poder dar completo descanso ao nosso mecanismo mental, poder sustar todos os pensamentos à nossa vontade e sentir o alívio profundo de relaxar todo o ser — corpo, nervos, respiração, emoções e pensamentos! Aqueles cujos nervos não podem suportar a tensão extrema da existência moderna encontrarão ampla cura ao valer-se da quietude mental. A necessidade de praticar a meditação é obrigatória para nós enquanto seres que se tomaram conscientes de que são humanos, e não meros animais. Entretanto, poucos homens reconhecem alguma vez essa obrigação. Muitos deles ou não percebem sua importância ou, percebendo-a, tentam forjar um álibi ao sugerir a si mesmos que estão ocupados demais cumprindo outras obrigações e, consequentemente, não têm tempo para a meditação. Mas o fato é que são por demais preguiçosos para se desligarem do estado usual de Indiferença complacente em relação á alma. Precisamos descobrir um equilíbrio saudável entre trabalho e retiro, entre atividade e contemplação, entre prazer e reflexão, e não permanecer vítimas das convenções vigentes. Uns poucos minutos despendidos todos os dias na prática da meditação serão mais querecompensados.Devemos não apenas introduzi-la como parte normal do nosso dia, mas também como uma parte importante. Precisamos reorganizar nossas vidas diárias de forma que possamos encontrar tempo para o desapressado cultivo da alma através do estudo, da reflexão e 43

da meditação. Esses intervalos periódicos de afastamento da infindável preocupação com assuntos externos são uma necessidade espiritual. Precisamos aprender a inserir o novo elemento de introversão e a nos voltar para dentro, deixando fluir nossos recursos reflexivos mais refinados e liberando nossas possibilidades mais profundas. Saber que o homem tem uma alma sagrada, e saber dessa realidade com certeza inabalável, é a primeira recompensa da oração correta e da meditação filosófica. A verdadeira alma do homem está escondida e oculta de seus sentidos e de seus pensamentos. Mas a ele é possível, através desses métodos, despertar uma faculdade superior — a intuição — por meio da qual pode alcançar e conhecer sua alma e ser por ela amorosamente recebido.

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§ l - I I Dissipamos diariamente nossas energias mentais e atiramos nossos pensamentos aos ventos volúveis. Corrompemos o potente poder da Atenção e permitimos que ela se desperdice diariamente nas mil futilidades que preenchem nosso tempo. | p l * •*> § .# O ego inventa incessantemente uma "obrigação" após outra para manter o homem tão envolvido em atividades, geralmente triviais, que ele nunca está suficientemente quieto para prestar atenção à presença e à voz do Eu Superior dentro de si. Até mesmo muitos dos chamados deveres espirituais são invenção sua: não lhe são pedidos pelo Eu Superior. km § Visto que todos os exercícios de meditação só podem ser bem-sucedidos na proporção em que o praticante consegue ficar completamente relaxado, a importância dessa habilidade deve ser notada.

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Nós realmente nos relaxamos das tensões e lutas somente quando nos relaxamos na quietude interior da presença divina. Declarar silenciosamente as verdades metafísicas sobre nossa vida pessoal, afirmá-las calmamente no meio de nossa vida ativa, e deliberadamente reconhecê-las acima do redemoinho de nossa vida emocional é alcançar o verdadeiro repouso.

.É mais sábio ir à nascente da fonte, diretamente para a origem de todas as energias. Lá, nossa mente ou corpo, fatigados, podem encontrar sua mais vivificante recuperação.

i O stress da vida moderna tornou a necessidade de um descanso mental regular não apenas aconselhável, mas vital. A menos que nossa excessiva atividade externa seja contrabalançada por um pouco de orientação interior, seremos assolados pela neurastenia.

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§ < s O isolamento externo de aspirantes espirituais pela vida inteira é impraticável nos dias de hoje. É também indesejável. O ideal do ashram era adequado à sociedade primitiva, mas não à nossa sociedade complexa. O que é realmente i

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necessário agora é a fundação de "Casas de Retiro", onde pessoas do mundo possam passar um fim de semana, uma semana, ou mesmo um més, numa atmosfera sagrada sob a orientação proveitosa de um experiente diretor espiritual.

S ll § A vida no ashram deixa de impor qualquer teste real de caráter que não seja pueril. A exposição aos ácidos corrosivos das tensões e tentações, dos conflitos e perigos do mundo, logo testaria a qualidade não-mundana do caráter daquele que vive no ashram, e logo mostraria o valor real de suas realizações piedosas. Uma vida monástica que não contenha perigos, lutas e atividade construtiva também não contém valor intrínseco, nem resultado válido além do descanso temporário que oferece. Não se submete a riscos, mas também não ganha prémios. Tendo encontrado um lugar onde possa descansar por um tempo, um ambiente adequado à prece e à meditação, que ele comece e termine cada dia com um solene e silencioso apelo ao Eu Superior para orientação, esclarecimento e ajuda para dominar o ego. Que ele dispense então à meditação tanto tempo quanto sua capacidade permitir, repetindo-a duas ou mesmo três vezes durante o dia.

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Há hoje maior necessidade de retiros filosóficos do que de comunidades monásticas, de semi-isolamento do mundo do que seu completo abandono, de períodos limitados e temporários de relaxamento longe de atividades pessoais. §

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• O verdadeiro lugar de paz em meio ao tumulto da vida moderna tem de ser encontrado dentro de si mesmo, através da moderação exterior e da meditaçã interior. Ram Gopal: "Em muitos dos ashrams que visitei na índia, pude claramente observar que a grande maioria das pessoas que girava em tomo da figura central de um determinado sábio tinham todas elas tímidas e covardes expressões de quem escapa, fugindo da vida. Estavam enveredando pela saída fácil, sentando-se aos pés desses santos. Essa atitude negativa ajudava-os apenas a adiar o que o verdadeiro buscador enfrenta corajosamente."

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Há necessidade de locais de retiros espirituais onde os leigos, que não desejam tornar-se monges ou freiras, possam ir por um dia, um fim de semana, um més ou dois, para buscar a verdade, estudar e meditar numa atmosfera sem distrações §

Há, naturalmente, algumas exceçOes a este preceito. Um homem idoso, exemplo, que sente ter executado seu trabalho principal na vida, tem todo o reito de descansar, retirar-se do mundo e reconciliar-se com Deus em solidão e repouso.

i o coração é o meu ashram. 0 eu mais elevado é o mestre que nele habita. § | > A mais profunda solidão nem sempre abriga os homens mais santos. A renúncia ao mundo trabalha melhor quando trabalha no coração, o que infelizmente não é algo visível. Para tornar-se um verdadeiro devoto nem sempre é necessário deixar que seu traje a rigor fique coberto de teias de aranha. § l '2 Sozinho e em silêncio, com a mente e o corpo quietos, seria improvável e mesmo difícil ficar nervoso, instável, impaciente e agitado.

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Todavia, um homem não pode benefíciar-se dessa vida mais solitária, nem achá-la prazerosa, a não ser que tenha mais provisões interiores do que a maioria, ou a não ser que procure ativamente obtê-las.

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Enquanto ele ainda está lutando para alcançar a luz, quanto mais conhecidos tiver e quanto mais movimentarem sua vida, menos tempo e oportunidade terá de conhecer e encontrar a si mesmo — se o seu relacionamento com eles for habitualmente egoísta. Se não for, mas envolver a prestação de alguma espécie de serviço altruísta que abrande o seu ego, o resultado será melhor e mais favorável para essa finalidade. Mesmo assim, é uma vida desequilibrada, e dia virá em que terá de tirar férias desses relacionamentos e dispor de solidão e tempo para sua própria necessidade interior de meditação, reflexão ou estudo.

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Não é pelo fato de considerar a companhia da maioria das pessoas desagradável que ele procura a solidão, que se afasta da sociedade; não é porque está aborrecido, amargo e cético na sua atitude para com elas, mas porque esse trabalho interior requer intensa, ininterrupta, imperturbada e firme concentração. Existe somente um isolamento real, que é o de sentir-se separado do poder mais alto.

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Há imensa diferença entre a solidão ociosa, morbidamente introspectiva, e a solidão internamente ativa, criativa, aqui defendida.

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"Que ele seja devotado àquela quietude de coração que brota do intimo, que não interrompa o êxtase da contemplação, que veja através das coisas, que esteja bastante só." Esse é o conselho de Buda ao estudante da vida superior.

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.. O homem que não aprende a estar sozinho consigo mesmo não pode aprender a estar sozinho com Deus. §

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< O homem tem de criar sua própria solidão interior onde quer que vá.

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Há sempre algum sentimento de mistério nos recantos silenciosos e profundos da floresta. Há sempre algum sentido mágico de singularidade em suas sombreadas veredas cobertas de folhas. Há velhice em seus verdes abrigos e em seus troncos musgosos, paz solene em seus recessos apartados. Há grande beleza nas pequeninas flores que adornam seus leitos de grama, e na canção alegre que desce dos ramos. É um local de contentamento, esse lar de dignidade e decrepitude, essa floresta. §

Os sábios se dirigirão para as montanhas para descansar, do mesmo modo como retornarão a elas dos confins da terra, quando estiverem cansados do mundo. Pois são almas antigas, de muitas vidas, e suas propensões matusalénicas encontrarão ambiente adequado nessas alturas tão velhas. Irão sentar-se então sobre os penhascos, fitarão o topo dos picos desafiadores e sorverão a paz, como uma abelha sorve o pólen de uma flor.

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/ Homens cujas emoções podem responder à grandiosidade e sublimidade da Natureza em toda a sua multiplicidade de expressões, naflorestae na montanha, no rio e no lago, no mar e no céu, e na beleza das flores, não são materialistas, mesmo que assim se denominem. Inconscientemente, eles oferecem sua devoção à Divina Realidade, mesmo que possam chamá-la por algum outro nome^ São João da Cruz, sempre que se encontrava no mosteiro de Iznatoraf, subia para o pequenino sótão no campanário e lá permanecia por longo tempo, olhando fixamente, através da minúscula janela, para o vale silencioso. Quando era prior do eremitério de El Calvário, na Andaluzia, um dos exercidos que ensinava aos monges era sentar e contemplar onde houvesse uma vista de céu aberto, colinas, árvores, campos e plantas crescendo, e invocar a beleza dessas coisas para glorificar a Deus. Sabemos através de seus escritos que ele fazia da contemplação sem imagens o último estágio de todos esses exercícios.

§ 1 I I / O declínio do sol à tarde traz sua própria beleza, declama sua própria poesia. Vale a pena ficar à espera no curto período que precede a pausa sagrada da Natureza, quando podemos compartilhar sua paz com a nossa alma, seu mistério com a nossa mente e sentir sua afinidade com o nosso eu. À medida que o lusco-fusco se intensifica, há uma mudança de perspectiva, e verdades básicas são vislumbradas ou tornam-se mais claras. 0 coração e seus sentimentos também são influenciados — purificados, enobrecidos e enriquecidos. §

À medida que ele contempla, quanto mais a atenção se torna concentrada, tanto mais ele penetra em pensamentos cada vez mais refinados, reverenciando não apenas o sol visível exterior, mas também a alma invisível interior. §

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Deixo o tempo desdobrar-se e escoar-se penetrando na sua ongem, enquanto, minuto após minuto, no lusco-fusco que se adensa, as montanhas desaparecem lentamente, o quarto também, os olhos se fecham, a contemplação termina, o Vazio domina e ninguém fica para relatar. §

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MEDITAÇÃO ELEMENTAR

Local e condições - Pensamentos errantes - Prática da atenção concentrada -Pensamento meditativo - Imagens visualizadas - Montras - Símbolos Afirmações e sugestões

A verdade de que se necessita para uso imediato e provisional pode ser aprendida em livros e com instrutores; mas a verdade da revelação última só pode ser aprendida a partir da própria pessoa e dentro dela, através da meditação.

§f A meditação não deve ser considerada um fim em si mesma, mas um dos instrumentos através dos quais ofimverdadeiro pode ser alcançado. Um dos valores da meditação é que ela leva a consciência a um nível mais profundo, deixando assim que o homem viva a partir do seu centro, não apenas da sua superfície. O resultado é que as reações sensoriais físicas não dominam totalmente a sua visão, como fazem com a de um animal. A mente começa a dirigi-las. Isso conduz cada vez mais ao autocontrole, ao autoconhecimento e à autopacificação.

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É um principio de filosofia que aquilo que você pode saber é limitado por aquilo que você é. O homem profundo pode conhecer uma verdade profunda, mas um homem superficial nunca poderá fazê-lo. Esta é, na realidade, uma das razões da filosofia para adotar a prática da meditação. A meditação é meramente uma forma de prática simples, que a maioria dos ocidentais não compreende por não estar muito familiarizada com ela. Que poderia ser mais simples do que dizer isto: se você olhar dentro do seu coração e da sua mente de forma suficientemente profunda e durante um tempo suficientemente longo, para penetrar abaixo do tumulto de desejos que diariamente distraem sua atenção, você poderá então descobrir a paz.

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A meditação é um meio de desviar a atenção de seus objetos sempre mutáveis, capacitando então a força mental assim libertada a estudar sua própria origem §

Quando a mente está distraída pelo ambiente à sua volta, fica impedida de perceber a si mesma. Isso é fácil de se compreender. Quando está distraída pelo corpo, está também impedida de obter essa percepção. Isso é um pouco mais difícil, mas ainda possível de se compreender. Mas quando a mente é desviada, pelos seus próprios pensamentos, de cuidar de si mesma, esta é, de todas as situações, a mais difícil de ser compreendida.

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O verdadeiro estado de meditação é alcançado quando existe a percepção da percepção, sem a intrusão de quaisquer pensamentos. Mas essa não é a condição última. Além dela há o estágio em que toda a percepção desvanece sem a perda total de consciência que isso normalmente traz.

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A meditação terá sido realizada com êxito quando todos os pensamentos se extinguirem, e quando a presença da Divindade for sentida dentro desse vazio. / A filosofia não ensina as pessoas a anularem suas mentes; não diz "esvaziem-se de todos os pensamentos e se tomem inertes e passivos." Ensina a redução de toda a atividade do pensamento a um único pensamento-semente, e esse pensamento será uma pergunta como "O que sou eu?" ou uma afirmação como "O divino está comigo". É verdade que o despertar da consciência do Eu Superior significará, na primeira delicada experiência, o encerramento dos últimos pensamentos, a extrema imobilidade da mente. Mas esse estágio passará. Repetir-se-á novamente sempre que a pessoa mergulhar no transe mais profundo, na absorção meditativa de maior enlevo. E deve então vir por si mesmo, induzido pela graça do eu mais elevado e não pela força do eu inferior. Por outro lado, a mera anulação mental é uma condição arriscada, a ser evitada pelas pessoas prudentes que buscam o caminho. Ela envolve o risco da mediunidade e de se ser possuído. § A meditação, num certo sentido, é um esforço. Procura primeiro aproximar, abrindo caminho através da selva de pensamentos descabidos, e, em segundo lugar, entrar, cedendo passivamente à sua influência irradiadora, no próprio âmago do ser, no próprio centro da psique, que é, na realidade, o espírito divino. No primeiro estágio, uma vontade resoluta é necessária ao aspirante para vencer e banir os ávidos intrusos que, de outra forma, destruiriam suas chances de êxito. No segundo estágio, o exercício da vontade seria, ele próprio, destrutivo, pois requer-se então uma atitude oposta — a rendição total do ego.

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O simples fato de se anular a mente, o simples fato de parar os pensamentos por alguns minutos, não é por si mesmo, se desacompanhado dos outros esforços da busca quádrupla, suficiente para conceder qualquer estado místico. Um alto clérigo de uma ordem mística, que praticou esse black-out mental durante vários anos, confessou-me particularmente que não havia conseguido nenhuma consciência mais elevada como resultado. O esforço geral na meditação não deve er anular a mente, mas tomá-la concentrada, placidamente equilibrada, e silenciosa. Se o vazio sobrevêm às vezes, como pode ocorrer, que seja por si mesmo, e não como resultado do nosso esforço. Mas então isso significaria o cessar do 50

pensamento, que é um estágio muito avançado, ao qual poucos chegam. Uma tentativa positiva para induzir ao vazio poderia induzir ao tipo errado de vazio, que é negativo e mediúnico, e nada tem de espiritual. Se, entretanto, ele vem por si mesmo, como um subproduto da meditação correta, então isso não será um mero vazio, mas uma total serenidade que se satisfaz em si mesma e considera os pensamentos como uma perturbação inferior.

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O principiante deve ser advertido de que certas formas de se praticar a concentração, tais como visualizar diagramas ou repetir afirmações, bem como esvaziar a mente para buscar orientação interior, não devem ser confundidas com a verdadeira forma de meditação. Isso não tem outro objetivo senão submeter o ego ao Eu Superior, e não utiliza nenhum outro método senão o da aspiração devota, da devoção amorosa e da quietude mental.

# § I ;Pf Nenhum dos métodos elementares do Yoga, tais como o controle da respiração ou o mantra, leva a um controle mental permanente, mas eles preparam o caminho e tornam mais fácil a adoção daquelas práticas que de fato levam a esse resultado.

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Se na meditação ele desce suficientemente fundo através dos níveis de consciência, atingirá uma profundidade na qual o mundo fenomênico desaparece da consciência, onde o tempo, os pensamentos e o lugar deixam de existir; onde o eu pessoal se dissolve e parece não mais ser. Se não houver nenhuma perturbação causada por uma intrusão violenta vinda do mundo físico, essa fase de completa quietude interior, livre de pensamentos, pode continuar por um longo período; mas, no final, a Natureza reclama o meditador e o traz de volta a este mundo. Trata-se apenas de uma experiência, com a transitoriedade de todas as experiências. Mas dará a sua contribuição para o Estado final, que é o estabelecimento permanente no âmago do ser, quer seja nas profundezas de uma meditação silenciosa, quer seja no meio do tumulto e atividade do mundo. # § j | . Ele precisa lembrar-se da diferença entre um método e uma meta: não são a mesma coisa. Tanto a meditação quanto o ascetismo são treinamentos, mas não são as metasfinaispropostas para os seres humanos.

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Seria um grave erro acreditar que ele deva continuar com qualquer exercício específico ou tema escolhido, com qualquer declaração especial, análise ou pergunta, não importa o que aconteça no decurso de uma aessão. Pelo contralto; se a qualquer momento ele sentir o surgimento de sentimentos mais profundos, de aspirações mais fortes ou de paz notável, ele deve parar o exercício ou abandonar o método e entregar-se inteiramente ao visitante interior. Não deve ter nenhuma hesitação ou temor em considerar-se livre para agir assim.

O único meio de aprender o que a meditação significa é pratica-la e continuar praticando. Isso envolve um afastamento diário do ciclo da rotina e da atividade. St

de cerca de três quartos de hora, se possível, e a prática de algum exercício com regularidade. A forma desse exercício depende parcialmente da sua preferência. Pode ser qualquer um dos exercícios formais estabelecidos em livros publicados, ou pode ser um assunto tirado de uma sentença de algum escrito inspirado, cuja verdade tenha impressionado a mente com muita força; pode ser uma qualidade de caráter da qual sentimos urgente necessidade; ou pode ser uma aspiração puramente devocional de comungar com o Eu Superior. Seja o que for, o apelo pessoal deve ser suficiente para despertar o interesse e prender a atenção. Sendo esse o caso, podemos continuar revolvendo o tema incessantemente em nossos pensamentos. Quando isso tiver sido feito adequadamente, o primeiro estágio (correta concentração) é completado. Infelizmente, a maior parte desse período é gasta em livrar-se de ideias irrelevantes e de lembranças perturbadoras, de modo que resta pouco tempo para a pessoa se aprofundar na concentração propriamente dita! A cura é a prática constante. No estágio seguinte, há um esforço de vontade para se fechar lá fora o mundo dos cinco sentidos, suas impressões e imagens, enquanto ainda se retém a linha do pensamento meditativo. Aqui procuramos aprofundar, manter e prolongar a atitude concentradora e esquecer o ambiente externo ao mesmo tempo. A multiplicidade de sensações — ver, ouvir, etc. — usualmente impede-nos de atender ao ser interior, e nesse estágio você tem de se treinar a corrigir essa atitude, abstraindo a atenção deliberadamente dos sentidos. Sentir-nos-emos, na parte preliminar desse estágio, como se estivéssemos batendo a uma porta invisível, no outro lado da qual estivesse o misterioso objetivo da nossa aspiração.

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Durante esse breve período ele terá de empreender uma estranha tarefa — separar-se do mesquinho e do passional, dos acontecimentos da sua carreira pessoal e dos relacionamentos familiares, e procurar unir-se às verdades grandiosas, aos princípios impessoais do ser espiritual. Ele deve compreender e aceitar completamente a importância de cumprir com pontualidade seu compromisso não-escrito, quando chegar a hora da meditação. Se ele tem o cuidado de honrar sua palavra nos compromissos sociais ou profissionais, ele deve, pelo menos, ter o mesmo cuidado em honrá-la nos compromissos espirituais. Só quando ele vier a considerar, reverentemente, o Eu Superior como a outra parte, oculta e silenciosa, com a qual irá se sentar, só quando ele vier a considerar como assunto sério a impossibilidade de estar presente na hora predeterminada, poderá a prática desses exercícios trazer os frutos do sucesso. Trata-se de uma experiência curiosa, experiência que acontece com frequência demais para não ter significado, o fato de um obstáculo ou outro surgir para bloquear a realização desse compromisso sagrado, ou alguma alternativa atraente se apresentar para tentá-lo a não o cumprir. O ego se ressentirá com essa perturbação de seus hábitos costumeiros e resistirá a esse esforço de penetrar em suas origens. O aspirante deve resistir a essa resistência. Não deve aceitar nenhuma desculpa de si mesmo. Sentar-se para meditar na hora marcada é uma decisão da qual ele não deve afastar-se debilmente, não importa que pressão sofra de fora ou surja de dentro de si mesmo. Afastar-se de outras pessoas para encontrar a necessária solidão, ou parar de fazer o que estiver fazendo para cumprir a promessa feita a si mesmo pode requerer dele toda a suafirmeza,mas nofinalvalerá a pena.

Você começa sua meditação lembrando seu propósito espiritual e, consequentemente, afastando todos os pensamentos sobre seus próprios assuntos ou sobre os assuntos do mundo, e prestando atenção apenas ao pensamento único sobre o Eu Superior. * § Não importa quão limitado possa ser o tempo disponível, se cinco ou cinquenta minutos; aborde-o com o sentimento deliberadamente induzido de total disponibilidade. Não traga nenhuma atitude de pressa ao trabalho, ou ela contrariará seus esforços desde o inicio.

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Não é possível dominar a arte da meditação sem adquirir a virtude da paciência. A pessoa tem de aprender, primeiramente, como sentar-se com a imobilidade de uma estátua, sem movimentos irrequietos e sem mudanças; e, em segundo lugar, como suportar o período de espera quando a inquietação da mente zomba da imobilidade do corpo.

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Em teoria, a melhor hora para a meditação seria ao despertar, porque a mente então está em seu momento de máxima calma. Na prática, pode ser que isso não ocorra se os sonhos a tiverem perturbado, ou se um início de atividade muito cedo for necessário ou inevitável. Além disso, pode haver afinidade individual com horas especiais, tais como o crepúsculo ou a meia-noite, as quais, então, tomam a meditação mais atraente. $ :| * f 0 aspirante que está realmente determinado, que quer fazer progresso rápido, deverá utilizar a primeira hora da manhã, quando a aurora saúda a terra. Essa hora deve ser reservada para se meditar sobre o Supremo, para que, em última análise, uma aurora espiritual possa derramar sua luz bem-vinda sobre a alma. Por esse simples ato inicial, seu dia é amenizado antes que comece. Entretanto, dos poucos que procuram a Verdade mais elevada, menor número ainda está pronto a fazer esse sacrifício de seu tempo, ou está disposto a privar-se do conforto da cama. A maioria dos homens está disposta a sacrificar algumas horas de seu sono para desfrutar da presença de uma mulher e satisfazer sua paixão por ela; mas pouquíssimos homens estão dispostos a sacrificar algumas horas de sono para desfrutar da presença da divindade e para satisfazer sua paixão pela realização em Deus. §

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Mas num outro plano de ser há uma qualidade curiosa e mais elevada durante as meditações praticadas antes das primeiras horas da madrugada, enquanto ainda está escuro. Esse é um horário recomendado em certas escolas de misticismo hindu e sufi. E um erro comum acreditar que, pelo fato de nenhum fruto parecer surgir a partir do exercício, e nenhum sentimento e nenhuma experiência dele resultarem, o tempo a ele dedicado seja perdido. Esse é o motivo pelo qual tantos o abandonam após curta ou longa tentativa. Mas como pode o ego saber que até mesmo o simples ato de se sentar como um mendigo à porta do Eu Superior, em humildada,

paciência e perseverança resignadas, é um ato de fé para o qual a recompensa é certa, mesmo que a forma dessa recompensa possa não o ser?

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Sentar-se para meditar com a secreta expectativa, a semi-oculta esperança u o desejo plenamente consciente de um vislumbre fabuloso, de uma transformação repentina ou de um resultado rápido é dar acesso ao ego, bloqueando assim o caminho para o plano destituído de ego do Eu Superior.

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Para a meditação ou para o louvor, é uma postura adequada voltar-se para o Leste, onde nasce o sol, para o Oeste, onde ele se põe, ou para o Sul, onde é mais forte. Mas o Norte é menos desejável, não apenas porque não tem sol, mas também porque é a direção da qual vêm os poderes que estão ativos no corpo durante o sono. A posição do corpo não deixa de ter sua influência nos primeiros estágios da meditação. Todos os músculos devem estar relaxados, todos os membros à vontade, todos os dedos em descanso e a mandíbula descontraída. Qualquer tensão física dificulta o inicio da contemplação.

o qual, por reação, desperta certa força, a Energia-Espírito, que age durante um curto espaço de tempo para preparar o aspirante para uma contemplação mais profunda e concentrada.

Uma ajuda é bhakti, o amor. 0 amor é essencial à meditação; é uma força de coesão que consiste em devoção e reverência. O objetivo é tornar-se unido. O êxito na meditação é tornar-se um com o Eu Superior (a unidade). A meditação deve ser um profundo anseio para se retomar ao lar, ao lugar que lhe pertence no universo.

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m m m O aspirante não precisa ficar perturbado ou confuso se, depois de decorrido certo tempo da sessão e, tendo atingido certa profundidade de concentração, houver um desaparecimento momentâneo da consciência. Isso será um prólogo, bem como um sinal, do ingresso no terceiro estado, a contemplação. O efeito imediato desse lapso é um tanto parecido com o que se segue a um sono profundo sem sonhos. Há um delicioso despertar dentro de uma mente muito silenciosa, emoções suavemente serenadas e nervos profundamente relaxados. §

Por causa do magnetismo inferior da aura de outras pessoas captado durante o dia, a ablução das mãos, dos pés e do rosto é prescrita pela religião islâmica antes da prece e recomendada no misticismo filosófico antes da meditação.

Que se deve fazer com os olhos durante a meditação? Para os principiantes, é melhor fechá-los completamente e, assim, evitar as impressões visuais do mundo exterior, que distraem. Para praticantes um pouco mais avançados, é melhor começar com olhos fechados e, num momento apropriado, um pouco mais tarde, entreabri-los, dirigindo o olhar para baixo, alguns pés adiante, e mantê-los assim até que o período da meditação termine. Mas é mais fácil, para proficientes altamente avançados, passar rapidamente pelas posturas anteriores de olhos fechados e semicerrados e, então, no momento que lhes é indicado pela orientação interior, manter os olhos totalmente abertos até que o período de prática tenha terminado, ou até que tenha uma orientação em contrário. Essas são as regras gerais que governam os três principais graus. §

Há quatro pontos principais no corpo que podem ser usados para prender a atenção dos olhos caso estes devam permanecer abertos ou entreabertos durante a meditação. São eles: primeiro, o umbigo; segundo, a ponta do nariz; terceiro, o espaço entre as sobrancelhas ou a base do nariz; e quarto — mais precisamente um exercido chinês — no chão, um pouco à frente dos pés, o que situa os olhos mais ou menos entre os pontos indicados para o segundo e terceiro exercícios. §

Não é suficiente sossegar a mente: o sentimento do coração deve ser estimulado e dirigido em aspiração e devoção, cálido e forte, em direção ao Eu Superior,

A meditação pode ser usada erroneamente. Deixa então de ser uma ajuda em direção à libertação espiritual do homem para ser um outro cativeiro, que o mantém afastado dela. £ erroneamente usada quando o objetivo é ganhar poderes ocultos. Estes apenas fornecem alimento à exaltação do ego. £ erroneamente usada quando o objetivo é tornar-se um profeta, instrutor ou reformador que influenciará ou liderará pessoas. Isso apenas fornece alimento para a ambição espiritual do ego, que é a mesma força que a da ambição do mundo, trabalhando em nível mais elevado. £ § f •: m, O ego está-tão absorvido consigo mesmo, que o tempo da meditação, que deveria ser o de seu gradual esvaziamento, permanece sendo apenas um outro campo para sua própria atividade. £ necessário alertar o principiante em meditação para os erros e perigos em que está sujeito a cair. O maior erro é deixar de compreender as contribuições do ego para sua própria experiência mística; o maior perigo é deixar-se dominar por uma passividade mediúnica sob a crença de que seja passividade mística. §

Há certas pessoas que, por nascimento e temperamento, pertencem ao tipo de médium espirita. Até que tenham fortalecido sua natureza mais elevada, purificado seus sentimentos e obtido suficiente conhecimento, essas pessoas devem evitar a meditação. O risco de serena usadas por espíritos inferiores, até mesmo de obsessão, está presente. §

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Aqueles cujas mentes estão neurótica ou psicoticamente desordenadas agirão melhor se fizerem primeiro algum tratamento, antes de iniciarem um processo de meditação. § Demasiada atenção é dada com excessiva frequência ao papel da meditação propriamente dita. Trata-se de uma prática necessária, mas que significa apenas parte do trabalho global a ser feito. Equilíbrio, reverência, conhecimento, virtude e a percepção alerta durante as atividades ou a despeito delas são também parte do trabalho. É necessário dizer certas palavras de cautela para o principiante em meditação. Ele está tentando penetrar nas partes desconhecidas do seu ser, num veículo não apenas moldado por si mesmo, mas moldado a partir de si mesmo. Se o material tiver falhas ou o método for impreciso, o resultado será desapontador e poderá até ser danoso. Além disso, a própria jornada está coberta de certos riscos e perigos para o homem cujas emoções são indisciplinadas, cujas paixões são desgovernadas, cuja ambição é explorar outras pessoas, cujo julgamento critico é pobre e cujo conhecimento é restrito. O caminhante deve, portanto, salvaguardar-se através de uma preparação suficiente e equipamento adequado antes de começar sua jornada, através de uma disciplina preliminar que ajuste sua mente e caráter ao esforço.



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Se ele pode entrar no estado de contemplação a qualquer momento em que queira fazê-lo, e pode sustentá-lo pelo período que desejar, ele é definido como um "adepto" em meditação.

A primeira parte do exercício requer que ele expulse todos os pensamentos, sentimentos, imagens e energias que não pertençam ao assunto, à prece, ao ideal ou ao problema que ele tenha escolhido como tema. Não se deve permitir a intromissão de nada mais na consciência ou, tendo-se intrometido algo pelo velho desassossego da mente, que seja imediatamente apagado. Essa expulsão deve ser sempre acompanhada de uma expiração de ar. Cada retorno da atenção ao tema selecionado deve ser acompanhado de uma inalação de ar. •

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Quando os pensamentos estão irrequietos e difíceis de controlar, há sempre algo em nós que está cônscio dessa irrequietude. Esse conhecimento pertence ao "eu" oculto, que permanece como uma testemunha tranquila de todos os nossos esforços. Devemos, portanto, procurar percebê-lo e identifícar-nos com ele. Se o conseguirmos, então a irrequietude passa por si mesma e os pensamentos borbulhante s se dissolvem num Pensamento único.

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Exclua todos os pensamentos que não aquele que é o ponto de concentração. Se, como é provável, você enfraquece e permite que se intrometam, renove a batalha e os expulse pela força de vontade. Retome ao seu foco várias vezes, se necessário. §

Não basta procurar imobilidade para a mente e o corpo apenas: a atenção e a intenção devem ser dirigidas ao mesmo tempo àquele Eu Superior que transcende o corpo e a mente. §

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O aspirante deve fechar-se num quarto durante alguns minutos, diariamente, com a feroz determinação de domar sua mente, que salta por todos os lados como um macaco. Deve escolher um tópico e, então, manter seus pensamentos rigidamente fixados nele. Deve concentrar ali toda a sua atenção e tentar, primeiro, provocar e, em seguida, desenvolver uma linha de pensamento lógica e sequencial sobre esse tópico. Ele tem de desgastar a resistência da mente através de uma prática diária e infatigável desse tipo.

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Se a característica divagadora de todos os pensamentos desvia a atenção e derrota o esforço de meditar, tente outra forma. Questione os próprios pensamentos, procure sua origem, remonte ao seu ponto inicial e reduza cada vez mais o seu número. Descubra qual o interesse pessoal, qual a emoção de impulso ou desejo do ego que os faz surgir, e empurre de volta essa causa para mais perto do vazio. Dessa forma, você tende a separar-se dos pensamentos propriamente ditos, mcusa-se a identificar-se com eles e retoma para mais perto da sua identidade mais elevada.

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Esse trabalho de impelir a atenção para dentro, de volta à sua própria origem, juntamente com o senso do "eu", deve ser acompanhado do ato de pensar somente até que este último possa ser interrompido ou pare por si mesmo. Esse trabalho é, então, continuado por uma procura silenciosa e firme. Quando a necessidade de procura chega a um fim, a pessoa que busca se desvanece e o "eu" se toma puro "Ser", encontrou sua origem. Nessas sessões diárias, é seu trabalho desviar-se da atenção difusa, que é o seu estado normal, para a atenção concentrada, que é indispensável ao progresso, e sustentá-la.

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O estado de concentração adquirido durante uma intensa atividade mundana difere' do que é adquirido durante a meditação mística, no ponto em que o primeiro é usualmente dirigido às coisas externas e à experiência dos prazeres dos sentidos, enquanto o segundo é dirigido para o ser interior e rejeita os prazeres dos sentidos. Assim, os dois estados estão em pólos opostos — um pertence no homem que busca o ego, e o outro ao homem que busca o Eu Superior.

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Outros experimentam o estado no qual está o yogi, quando estão de tal modo absorvidos no conteúdo de um livro que nem ouvem quando se fala com eles, quando estão tão perdidos numa linha de pensamento que o ambiente que os rodeia é totalmente banido; quando o imaginado é o real; quando o sentimento do transe e a mente suspensa são as únicas coisas que existem, separadas da rnahda de física. Mas há esta diferença vital - que sua absorção total usualmente concerne a um assunto pessoal ou mundano, enquanto a do yagi concerne Àquilo que transcende a ambos.

Stefan Zweig, o romancista austríaco, quando ainda jovem, visitou o escultor Rodin e observou-o a trabalhar em seu estúdio de Paris. Escreveu a respeito dessa visita: "Aprendi mais naquela tarde em Meudon do que em todos os meus anos de escola. Pois desde então eu soube como todo o trabalho humano deve ser feito para ser bom e valer a pena. Nada jamais me impressionou tanto quanto esta compreensão de que um homem pode esquecer-se tão completamente do tempo, do lugar e do mundo. Naquela hora, eu apreendi o segredo de toda a arte e de toda a realização terrena — a concentração, a reunião de todas as forças de um indivíduo para o cumprimento, com êxito, de sua tarefa, grande ou pequena;, a capacidade de dirigir sua vontade, tantas vezes dissipada e dispersa, para uma única coisa." ;

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Quando a concentração atinge um estado eficaz, as incansáveis ondas mentais se acalmam e as perturbações emocionais se aquietam. Esse é o momento psicológico em que o místico naturalmente sente exaltação, paz e uma transcendência da condição terrena. Mas é também o momento psicológico em que, se ele é sábio, deve recusar-se a festejar com satisfação pessoal essa realização e, penetrando ainda mais profundamente, esforçar-se para compreender o caráter interno da fonte da qual esses sentimentos surgem, esforçar-se para compreender a Mente pura.

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O uso disciplinado da imaginação promoverá a conquista de ideais através da imaginação, mas o uso desenfreado da fantasia a retardará.

O pensamento deve parar, mas se pára no nível do pequeno ego, disso pode resultar apenas uma experiência psíquica ou uma possessão mediúnica. Se, entretanto, pára num nível mais profundo, após correta preparação e suficiente purificação, o vazio da mente pode ser preenchido por uma compreensão clara da identidade com o Eu Superior.

Ficar intensamente absorvido numa verdadeira ideia espiritual pode, caso ela penetre a uma profundidade suficiente, colocar o indivíduo em comunicação com a Mente Universal. Isso, por sua vez, capacita-o a receber intuitivamente aquilo que não pôde ser encontrado intelectualmente.

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Esse hábito da reflexão diária persistente sobre as grandes verdades, de pensar sobre a natureza ou sobre os atributos do Eu Superior, é muito compensador. De meras ideiem intelectuais que são no início, começam a receber calor, vida e força.

t Os instintos do corpo quanto ao alimento tornaram-se tão pervertidos pelos prolongados hábitos artificiais, tão entorpecidos pelo assim chamado velho e civilizado "costume", que o sistema do corpo não reage mais aos alimentos como deveria. Para se restabelecerem os instintos adequados e se descobrir o que é realmente uma dieta natural.para o homem, é necessário um jejum ou uma série de jejuns. O jejum dá ao corpo a oportunidade de purificar suas reações dietéticas e recuperar seus verdadeiros instintos. Não é necessário que seja extremado ou longo, exceto nos casos crónicos piores e em que haja menos esperança. É mais fácil, mais cómodo e da mesma forma efetivo que se façam jejuns curtos, durando cada um deles de um a quatro dias, e espaçados por intervalos de uma semana i um mês. Sempre que se tiver sede pode-se tomar um copo de água morna com uma colher (das de chá) de suco de lima não adoçado, para ajudar a dissolver os depósitos tóxicos que revestem os órgãos internos. , J >

• , * § * W A prática da meditação é indesejável quando se jejua, pois pode facilmente levar ao estado de mediunidade ou a alucinações. Mas, por outro lado, a oração pode e deve ser ampliada durante o jejum. Geralmente, excelentes resultados podem suceder-se. K

Quem entra nesse regime renovador deve primeiro munir-se to suficiente a respeito do assunto, pois é provável que passe por dificuldades e complicações, que fique desanimado e até mesmo o abandone. Deve saber que rumo o regime geralmente toma e o que pode esperar dele. Deve aprender especialmente sobre as alternâncias de sentimentos, o aumento e a queda de vitalidade, o aparecimento de diferentes sintomas e as maneiras corretas de lidar com eles. Em certas ocasiões, crises de cura se manifestarão, e constituirão seu problema mais difícil. O processo de dissolver e eliminar dos tecidos celulares os materiais em fermentação e deterioração tornar-se-á muito forte nessas horas, e os indícios exteriores disso podem perfeitamente atemorizar o indivíduo, fazendo-o crer que o sistema todo esteja errado, que ele nunca devia ter tentado segui-lo. É então que necessitará do apoio tranquilizador daqueles que percorreram todo o caminho e perceberam com alegria os incríveis benefícios que os aguardam no fim — a cura de suas indisposições e o rejuvenescimento de seus órgãos. Portanto, é melhor, antes de começar essa mudança radical dos regimes convencionais, e especialmente antes de um jejum, que ele aprenda mais sobre as experiências de outros que seguiram esse novo caminho. Isso ele pode fazer lendo a literatura sobre o assunto. Não estará tateando no escuro, mas saberá para onde está indo e o que está fazendo. § | h Í ^ S Os que realmente aspiram a um tipo de vida superior não terão outra alternativa senão proporcionar uma qualidade superior ao corpo que têm de habitar, e cujos nervos e cérebro condicionam o seu próprio pensar. Esses aspirantes terão de deixar de ser descuidados quanto ao material que serve de alimento ao corpo. § I A intolerância de alguns oponentes fanáticos e agressivos para com os que comem carne, fumam e tomam álcool é, em si mesma, uma atitude perniciosa que, de forma diferente, os lesa tanto quanto esses maus hábitos lesam os viciados.

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Não é suficiente comer frugalmente; o aspirante deve também ser coerente ao comer, se quiser permanecer bem. Ele não deve comer de maneira correta por vários meses ou anos e depois, de súbito, mergulhar em alimentação errónea por um período. Pois assim pode perder em poucos dias ou semanas a saúde que ganhou, tão forte pode ser a reação. Permanecerfielá sua dieta regular é uma das regras básicas que deve seguir. Todavia, amigos e parentes podem insistir para que abandone aquilo que a experiência lhe ensinou ser o melhor para seu próprio corpo e mente, e o aspirante precisará de muita força de vontade para resistir a esses apelos. Ser-lhe-á exigida umafidelidadeobstinada à sua resolução inicial de que nada nem ninguém o fará quebrar a dieta.

. f '** § Aquelas primeiras refeições após um período de jejum são excelentes para que se aprenda quais alimentos são realmente indesejáveis ou prejudiciais ao próprio corpo. Nessa ocasião, o instinto do corpo está muito mais claro e não-deturpado, enquanto a capacidade para responder ao seu conselho é muito maior. Os maus hábitos de alimentação e de vida, tais como a glutonaria e o tabagismo, podem então ser quebrados mais facilmente. Ê necessário, porém, que o individuo fique com toda a sua atenção muito concentrada para notar as respostas físicas a cada bocado.

m A eliminação da carne de uma dieta correta tem uma base inteiramente cientifica. Essa espécie de alimento contém ácido úrico venenoso em excesso, purina tóxica em excesso para que seja o componente saudável de tal dieta. Além disso, deteriora a flora intestinal. Isso não afetará trabalhadores braçais saudáveis, que têm resistência suficiente para eliminar essas toxinas mas afetará tipos sedentários mais frágeis.

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"Gtrtas*\ de Thomas Jefferson: "Imagino que deva ser a quantidade de alimento de origem animal ingerida. . . que torna seus caracteres insensíveis à civilização. Suspeito que a reforma deva ser executada nas suas cozinhas e não nas suas igrejas, e que os missionários desse género conseguiriam mais do que aqueles que se esforçam para amansá-los através de preceitos de religião ou filosofia."

Se os homens crêem que precisam comer carne porque esta é necessária à vida, que ao menos antes retirem dela o sangue, como o primeiro bispo da mais antiga igreja cristã, São Tiago, determinou ser um dever cristão, e como Moisés, líder poderoso e sábio daqueles que escaparam da escravidão do Egíto, determinou ser um dever hebreu. Desse modo, reduzirão a possibilidade de doença física e aperfeiçoarão suas possibilidades de progresso moral. Os que necessitam da autoridade adicional de um texto bíblico para essa dieta sem sangue, podem consultar o Génese, 1:29. Não é por nada que tantos rituais de magia negra requerem o uso de sangue, uma oferenda de sacrifício adequada apenas às teorias negras do universo, mas não à manutenção do corpo humano. É ainda menos adequado ao propósito da manutenção do corpo quando o sangue é permeado de horror psíquico, de medo e angústia, gerados inicialmente no período de espera no abatedouro e, depois, mais intensamente, no próprio local manchado de sangue.

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§ Momentos antes de um animal ser morto num abatedouro, ele se encontra cercado pelos gritos aterradores e pelas cenas amedrontadoras dos assassinatos passados, presentes e prestes a acontecer. Seu próprio pavor, então, permeia mentalmente o seu corpo de influências prejudiciais, enquanto o choque subsequente de sua própria morte causa a passagem involuntária de um pouco de urina paia o corpo. Esse ácido úrico é espalhado na carne pelo sangue e, então, permeia fisicamente o corpo de material venenoso. § Alimentar-se de carne e, em grau menor, de produtos animais, tende a manter a consciência humana limitada a uma perspectiva influenciada por propensões animais." Para a consciência tornar-se verdadeiramente humana, precisa livrar-se da dependência desses alimentos e produtos cuja substância celular está naturalmente impregnada dessas propensões.

No homem, o instinto assassino é indiretamente conservado vivo através do seu apetite por carne.

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Os homens suplicam ao Senhor, com preces lamentosas, por ajuda compassiva ou perdão benevolente e, no entanto, nem por um momento pensam em eles próprios terem misericórdia para com as criaturas inocentes que são criadas e abatidas para seu proveito. f

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|. %• * § Uma vez que a matança de animais é realmente desnecessária ao homem, ela é um crime moral, uma vergonha antiga sobre nações inteiras, que os profetas e santos, videntes e instrutores têm censurado e contra a qual têm advertido.

ois, sob a Lei da Recompensa, os culpados - embora inconscientes - têm tido de sofrer punição. Se suas preces ao Poder Mais Alto, pedindo misericórdia, permanecem sem resposta, que se lembrem de como eles próprios não demonstraram nenhuma misericórdia. § . Não negamos mas, pelo contrário, aceitamos totalmente a perícia e a eficácia dos métodos do hatha yoga. São habilmente planejados para atingirem seus objetivos específicos e podem atingi-los. Mas o que realmente negamos é, primeiro, que sejam adequados ao homem ocidental moderno e, segundo, que sejam seguros para o homem ocidental moderno. E fazemos essas negações com base tanto na teoria como na prática. Esses métodos são extremamente antigos; são na verdade remanescentes de sistemas atlantes. A mentalidade e as características físicas das raças para as quais foram originalmente prescritos não são idênticas à mentalidade e ás características físicas das raças euro-americanas brancas. A evolução tem trabalhado ativamente durante os milhares de anos entre o aparecimento dos homens antigos e o aparecimento dos modernos. Mudanças importantes se desenvolveram na estrutura nervosa e nas formações do cérebro da espécie humana. De acordo com os velhos textos que nos chegaram de uma antiguidade imemorial, o estado de transe constitui o ponto máximo da realização do hatha yoga. Mas é um tipo de transe totalmente inconsciente. Isso ouvimos dos lábios de *hatha yogis que se aperfeiçoaram no sistema. Na verdade, mentalmente, ele nada mais é que um sono extremamente profundo obtido deliberadamente e por vontade, embora fisicamente confira propriedades extraordinárias, durante aquele período, ao corpo em si. Mesmo quando o transe é tão prolongado que o yogi pode ser enterrado vivo sem comida ou bebida por vários dias ou semanas, ele está durante todo esse período bem inativo mentalmente e bem inconsciente do seu próprio eu. Seu batimento cardíaco e sua respiração ficam então extremamente lentos, na verdade imperceptíveis aos sentidos humanos, .embora perceptíveis a instrumentos elétricôs delicados como o cardiógrafo. Em que esse estado difere da hibernação animal? Nos climas nórdicos, certas espécies de répteis, de roedores, de ursos, de lagartos, de marmotas e de morcegos recolhem-se a lugares afastados, a cavernas nas montanhas ou a buracos protegidos sob o solo, quando chega o frio e o alimento se toma escasso, e passam todo o inverno num estado de sono profundo e suspensão temporária das funções vitais. Nos climas tropicais, certas espécies de cobras e crocodilos fazem exatamente o mesmo quando chegam os meses mais quentes. É especialmente interessante notar que pássaros como o tinamu caem num transe cataléptico rígido sob o choque do terror, tornando-se tão imunes à dor quanto ficam os hatha yogis no mesmo estado. Em ambos os casos, há apenas uma condição hipnótica e não espiritual. Seu valor para a iluminação mental, sem se cogitar de progresso moral, é nulo. O homem do século XX tem melhores coisas a fazer com seu tempo e energia do que gastar vários anos e árduos esforços simplesmente para imitar esses animais e pássaros. Esse transe beneficia os animais que não podem obter alimento e, portanto, é para eles um procedimento sensato. Mas como pode o homem demonstrar sua superioridade espiritual sobre eles se segue o morcego em sua caverna nos montes, deixa que caia sobre si o mesmo torpor que cai sobre o morcego, e permite que toda a faculdade consciente entre em estado de comi? Bm termos de consciência, de avanço espiritual» a hibernação do hathê yoga nada tem a oferecer ao homem que seja de alguma forma comparável no que os sistemas

superiores de yoga têm a oferecer — a menos, é claro, que ele desdenhe os frutos da evolução mental e sinta prazer no retomo atávico ao estado desses yogis de asas longas, os morcegos, e daqueles místicos de quatro patas, os roedores! Devemos portanto lembrar-nos de que há diferentes tipos de estado de transe e procurar apenas os mais elevados, se quisermos fazer um progresso real, e não ilusório.

Testemunhamos hoje o fato de que por toda a Europa e a América surgiram escolas de hatha yoga. Isso é para ser bem recebido, por várias razões. A maioria dos instrutores são ocidentais que estudaram, geralmente por períodos curtos, com um guru indiano que veio para o Ocidente e, em raros casos, com um guru na própria índia. Vale a pena repetir neste contexto que o médico diretor do hospital de Rishikesh (que, situado no sopé do Himalaia, é o maior centro para treinamento de yogis na índia) me informou que passaram por suas mãos mais de trezentos casos de yogis — ou melhor, candidatos a yogis — que haviam prejudicado a saúde ou se tomado insanos pela prática de determinado exercício de respiração ligado usualmente ao hatha yoga, mas também ao raja yoga elementar. Refiro-me ao exercício conhecido como "prender a respiração". Os que o praticam imprudentemente correm o risco de prejudicar seus pulmões, romper vasos sanguíneos ou danificar irremediavelmente o cérebro — além da possibilidade de ficarem fora de si ao menos temporariamente. A questão que surge, portanto, é: por que esse exercício foi incorporado ao sistema yoga! E por que atraiu tantas pessoas? A resposta à segunda questão é que a maioria dos que tentaram praticá-lo o fizeram por ter lido ou ouvido dizer que esse é um caminho rápido para a realização espiritual, ou, mais frequentemente, que leva à aquisição de poderes ocultos. A resposta à primeira questão é que, se o exercício é executado corretamente, pela pessoa certa e sob supervisão competente, o perigo é eliminado. Como essas condições nem sempre estão presentes, os perigos existem. Não há dúvida de que, no decorrer dos próximos dez ou vinte anos, estaremos ouvindo a respeito de vários casos, no Ocidente, de danos que esses estudantes das escolas de yoga que aqui têm surgido causam a si mesmos, a menos que tenham a sorte de conseguir um instrutor totalmente responsável e bem-informado. Mesmo afora os exercícios de respiração, há perigos nas posturas de hatha yoga. O vice-cônsul americano em Calcutá, por exemplo, contou-me que durante um ano e meio sofreu de um torcicolo que fez sua cabeça ficar semivoltada para a esquerda. Isso aconteceu por tentar praticar uma das contorções do hatha yoga, embora estivesse fazendo o exercício sob a orientação de um guru indiano! E quando o torcicolo ocorreu, seu guru foi totalmente incapaz de reparar o dano, e tampouco o foram os médicos que ele pôde contatar na ocasião. Mas voltando ao exercido respiratório: prender a respiração é benéfico se o indivíduo experienciou uma visitação da graça ou uma elevação da consciência. Essa retenção capacita-o a prolongar o vislumbre que resulta da visitação ou que pode provir da meditação. Inversamente, prender a respiração leva quase diretamente à contenção do movimento do pensamento, que é também, obviamente, um dos objetivos do yoga. Mas como a Natureza força o homem a retomar a respiração após algum tempo, os pensamentos começam a se mover de novo. Sem dúvida, se o exercido é repetido muitas vezes, o controle dos pensamentos torna-se mais fácil. Ora, os textos de yoga que vêm dos tempos antigos dão números precisos para o período de retenção. Com os pulmões cheios, ela deve ser igual a quatro vezes o tempo de inspiração. Com os pulmões vazios, deve ser igual a apenas duas vezes esse tempo.

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Ah! Em primeiro lugar, a capaddade das pessoas varia, e os exercícios têm de ser devidamente ajustados a elas. Por exemplo, os gurkas que habitam as montanhas do Nepal têm ombros largos e pulmões amplos, e podem inspirar muito mais ar que o escriturário meio encurvado de uma cidade ocidental. Em segundo lugar, os livros-textos de yoga, nos tempos que antecederam a imprensa, foram escritos com a intenção de serem explicados por um guru competente. Por isso. eram extremamente condensados, e o leitor atual terá de encontrar seu caminho através deles muito cautelosamente, se estiver trabalhando sozinho. Agora, voltando à retenção da respiração: não se pretendia que se brincasse com ela. O entusiasta ansioso de hoje atira-se ao trabalho muito drasticamente. Ele tenta executar o exerdcio completo enquanto o lê no texto traduzido. Tenta executá-lo imediatamente, e é aqui que surge o risco terrível. Nenhum principiante deve tentar o exercido completo de qualquer das respirações ou posturas de hatha yoga Elas devem ser distribuídas num período de três meses, sendo o aumento medido em segundos a cada dia, de forma que o exercido completo só seja atingido após trabalho diário — aumentando-se o desenvolvimento muito, muito lentamente. O exercício completo só é atingido após noventa ou cem dias. Essa é uma precaução necessária.

O ato de expirar o mais completamente possível, inalando apenas quando começar a primeira sensação de desconforto, ajudará o estudante a esvaziar a mente de seu tumulto e os nervos de sua agitação. Ele deve então descansar e respirar normalmente por vários segundos. Em seguida, deve inspirar o mais profundamente possível. O ar deve ser conservado nos pulmões até que isso se tome incómodo. Essa alternância completa um ciclo de respiração. Pode ser repetida diversas vezes, se necessário, mas nunca por um período superior a dez minutos. t •• § ** Outro exercido de respiração perigoso — não tanto físics quanto mentalmente — é aquele que prescreve a respiração através de narinas alternadas, de modo que uma narina é fechada por um dedo, e somente a outra usada até que se troque a posição. Esse exercido é um dos que ameaçam a sanidade. Eu enfatizaria, como regra, que toda pessoa que comece a ensinar hatha yoga a outras deve obrigatoriamente passar por um curso de pelo menos um ano de anatomia do corpo e, em seguida, de fisiologia do corpo. O trabalho tem de ter base cientifica, pois invade o domínio da medicina. Exercício de respiração revitalizador: (1) Fique em pé diante de uma janela aberta, coluna ereta, corpo reto, mãos apertandofirmementeos quadris. (2) Expire todo o ar impuro pela boca. (3) Faça três inspirações rápidas e curtas e expire tudo numa exalação longa. Faça uma pausa e respire normalmente. Repita três vezes (4) Inspire profundamente pelo nariz, começando a encher os pulmões pela parte mais baixa possível do abdómen e fazendo o ar subir pelos pulmões até que a parte superior esteja preenchida. (5) A mente deve concentrar-se atrás do umbigo, no plexo solar. Imagine um fluxo de energia branco-dourada saindo dali t trradiando-se por todo o corpo. (6) Contraia os lábios e solte todo o ar o mais vigorosamente possível. Enquanto faz isso, contraia o músculo do diafragma, movendo-o para cima. Faça uma pausa e respire normalmente Repita o exercido tfis vezes §

A pessoa a ser iluminada precisa adaptar-se à dupla ação da natureza sobre ela: i salda e à entrada do ar na respiração. Assim, sua fluminação, quando ocorre, precisa estar lá e aqui: na mente e no corpo. Os dois juntos formam o equilíbrio da vida dupla que somos chamados a viver: isto é, estar no mundo e, todavia, não ser do mundo. No prolongamento da expiração, não nos livramos apenas do pensamento negativo, mas também do mundanismo, do materialismo, do fato de nos mantermos ligados apenas a interesses físicos. Com a entrada do ar, inalamos a lembrança inspiradora e positiva do divino oculto no Vazio. Por isso estamos lá, na mente, e aqui, no corpo. Reconhecemos a verdade da eternidade, o ato dentro do tempo. Vemos a realidade do Vazio, e no entanto sabemos que o Universo inteiro provém dele.

Com exceção da criatividade artística, a experiência do amor humano talvez seja a coisa mais próxima da experiência do amor divino entre o coração e a alma. Deve, portanto, essa experiência ser encarada com mente respeitosa e elevada, e não com mente vulgar e degradada. A exploração barata e a animalização cínica do sexo no mundo atual do entretenimento, assim como sua estimulação deliberada nos atuais mundos da arte comercial, da literatura leve e da imprensa, são coisas nocivas com resultados nocivos. Centrar a atenção de jovens impressionáveis no lado físico do amor, como se ele fosse a totalidade do amor, influenciá-los a ignorar as necessidades da mente e o grito do coração, quando esses jovens se unem para o casamento ou por paixão, é espalhar infelicidade pessoal e promover naufrágio social. § aA impostura religiosa, que oferece mera pudicícia como se fosse pureza real, é seguida de perto pela impostura social, que rejeita ambas.

Apetites do corpo, provenientes de hábitos meramente físicos, tendem a misturar-se com emoções, que são de um tipo diferente e superior. Isso é especialmente verdadeiro a respeito de um apetite físico — o sexo. Se um homem pretende conhecer-se e dominar-se, precisará ter bem clara a diferença entre uma afeição sexual, que é emocional, e o desejo sexual, que é físico. Esse conhecimento é importante para todos os que empreendem a Busca.

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I § O tipo mais baixo de impulso sexual se preocupa apenas em encontrar, por qualquer meio e através de qualquer pessoa, alívio momentâneo e satisfação física. É biológico, o que o homem partilha com os animais para a continuação da espécie; entretanto, torna-se muitas vezes obsceno nele por sua combinação com a astúcia ou a fantasia. Num tipo mais elevado de impulso, está misturado com sentimentos românticos, estéticos e emocionais, e começa a deixar de estar confinado apenas à crua atração animal. Este é o estágio especificamente humano da vida sexual, em que não mais qualquer tipo de mulher seduz, mas apenas certos tipos: o amor de dois seres humanos um pelo outro, a resposta emocional entre eles, complementam agora o ardente desejo que têm dois animais um pelo outro. Na união sexual de dois seres humanos que atingiram esse segundo estágio, cada um é exortado a receber o outro ou a outra dentro de si, isto é, a apaixonar-se de novo como se fosse a primeira vez. A experiência pode ser, e geralmente é,

totalmente transitória. Mas sempre suscitará muito sentimento de enlevo e tema conduta. £ egoísta e, portanto, sujeita às oscilações e aos exclusivismos, ás ilusões e às explorações que o ego individual demonstra em suas relações sociais de modo geral. Com o crescimento evolutivo, o terceiro estágio marca uma mudança adicional no tipo de satisfação que o impulso sexual deseja. Afinidade cultural, moral e intelectual é a atração nesse nível. Os objetivo* mais elevados dos egos precisam harmonizar-se.

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.i A passagem do homem da animalidade comum para a humanidade espiritualizada envolverá necessariamente uma elevação de força do órgão reprodutor para o órgão pensante. O que era até então exteriorizado precisa agora ser interiorizado; o que era desperdiçado precisa ser conservado, e o que era gasto fisicamente precisa ser transformado espiritualmente.

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§ i / ,'• No momento em que uma criança é concebida, dois fatores contribuem poderosamente para a sua natureza física e para a sua história física. São eles o estado do pensamento do pai e a respiração da mãe.

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A filosofia reconhece que há diferentes estágios no caminho da conduta sexual, diferentes necessidades que precisam ser consideradas. Mas, uma vez que esses estágios e necessidades são graduados, isso não compromete as regras para o último grau. Aqui, para aqueles que desejam fazer tudo o que é necessário e todos os sacrifícios requeridos, não basta disciplinar os desejos sexuais, mesmo que severamente. Eles têm de ser extintos por um processo de sublimação completa. Enquanto a filosofia permite aos jovens, ou àqueles que não estão espiritualmente prontos, que sigam regras simples e disciplinas mais leves, ela recomenda às pessoas más velhas, ou aos espiritualmente prontos de qualquer idade, que sejam senhores da própria animalidade em todos os sentidos. Isso se aplica a pessoas legalmente casadas ou não. Não enfatiza uma regra, mas faz simplesmente uma recomendação. Cada um tem todo o direito de escolher o estágio que esteja ao alcance de suas forças. Mas deve aceitar os resultados da sua escolha, que são governados por lei.

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O homem que luta com a paixão do sexo na sua natureza e a vence, não só fisicamente mas também mentalmente, percebe que sua verdadeira natureza se toma bissexual, pois ele encontra dentro de si mesmo a mulher que anteriormente ele havia buscado fora. Ela, que deveria complementar sua mente e ser a companheira do seu corpo, a quem ele só poderia encontrar de forma imperfeita, ou não encontrar de modo algum, é então descoberta em seu próprio espirito, naquilo que é mais profundo que o corpo e a mente. A misteriosa dualidade que assim se desenvolve corresponde ao penúltimo estágio do seu progresso místico, pois no último estágio há unidade absoluta, identidade absoluta entre seu próprio ego e seu Eu Superior; mas no penúltimo estágio há uma comunhão amorosa entre os dois e, portanto, uma dualidade. Esse homem não tem necessidade de nenhuma mulher carnal, e se ele se casar será por razões diferentes das meramente conven cionais. Atingindo essa admirável liberação dos retrocessos que acompanham os encantos do sexo, e das falhas que alteram as promessas que este te, o homem alcança algo mais; entra no amor em mu estado mais exaltado, mais divino» mais

nobre e mais puro. Assim, sua natureza não está faminta de amor, como observadores superficiais podem imaginar, ou como os de mentalidade sensual podem crer, mas somente ele, e não os outros, sabe o que isso significa. Aparentemente, ele está sozinho, mas na verdade não está. Está consciente de uma presença amorosa sempre nele e em tomo dele, mas é um amor que já dissolveu todas as perturbações e problemas, todas as excitações e ilusões, todas as falhas e imperfeições. É difícil vencer o desejo sexual, e nem a repressão envergonhada nem a expressão sem pudor poderão fazê-lo. A fome e a indigestão são ambos estados insatisfatórios. O caminho do meio é o melhor, mas não é uma solução na verdadeira acepção da palavra.

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Por que tantas culturas primitivas na Ásia, África e América veneravam a serpente? Uma resposta completa conteria alguns dos mais importantes princípios da metafísica e uma das práticas menos conhecidas do misticismo — a elevação da força simbolizada pelo nome de "fogo da serpente". Os ocultistas avançados do Tibete comparam o aspirante que faz essa tentativa à serpente que é levada a subir por um bambu oco. Uma vez que se levantou, ela precisa ou ascender e atingir a liberdade no alto, ou cair diretamente no fundo. Assim, aquele que procura lidar com esse poder ardente mas perigoso ou alcançará o Nirvana ou se perderá nas profundezas escuras do inferno. Se um homem procura despertar a kundalini antes de ter-se livrado do ódio, ele apenas se tornará vítima de seus próprios ódios quando realmente a erguer, tirando-a de seu estado de adormecimento. Faria melhor se começasse pela autopurificação em todos os sentidos, se de fato pretende chegar ao fim em segurança e com êxito. A ereção do pênis lembra bastante a elevação da cobra. Ambos ficam eretos e rígidos pela sua própria força inata. Quando o fogo da serpente passa pela base do pênis em direção à medula espinhal, esta também se torna ereta e rígida. Todavia, o sexo não é o poder da serpente, mas a principal de suas várias expressões. Os yogis avançados da índia usam o assobio contido da serpente como símbolo da energia agressiva desse poder sexual. Em seus textos, eles representam o caráter triplo do processo por um triângulo contendo uma serpente enrodilhada. O intenso fogo do amor pelo eu mais elevado precisa ser aceso no coração "místico", aceso até que também se reílita fisicamente no corpo, até que a temperatura deste último se eleve apreciavelmente, até que a pele transpire profusamente. A respiração profunda é um elemento importante neste exercício. Ela fornece, em parte, o dinamismo para tornar efetivas as ideias dominantes do exercício. A outra parte é fornecida por uma sublimação deliberada da energia sexual, na qual essa energia, através da imaginação, é elevada dos órgãos da parte inferior do corpo para um estado purificado na cabeça. Os estranhos fenómenos de uma agitação misteriosa no coração e um tremor interno no plexo solar, da força sexual elevada através da espinha até a cabeça em intensa aspiração em direção ao eu mais elevado, acompanhada de respiração profunda, de uma consciência temporária de libertação da natureza inferior, são geralmente os precursores de um importante passo avante na vida interior do discípulo. Ele pode ser tomado de um duplo tremor. Fisicamente, seu diafragma pode pulsar violentamente, propagando-se o movimento como uma ondulação que sobe até a garganta. Emocionalmente, todo o seu ser pode convulsionar-se em soluços intensos. É essa mesma agitação do corpo, essa repercussão nervosa de uma elevação emocional superior, que se desenvolvia nos encontros dos primitivos mem74

bros da Sociedade de Amigos e que lhes deu o nome de Quakers*. A agitação do seu sentimento terá fim com a calma percepção da sua Alma. Sendo a atividade da kundalini basicamente mental e emocional, os tremores e palpitações do diafragma são simplesmente suas reações físicas. A necessidade de manter as costas eretas existe apenas neste exercício, e não nos yogas devocionais ou intelectuais, pois essa postura ereta permite que a coluna permaneça livre para a subida do "fogo da serpente". Este se move em espiral, exatamente como a ondulação de uma cobra, gerando ao mesmo tempo calor no corpo. Se o tremor continua por tempo suficiente e com suficiente violência, uma sensação de calor é gerada através de todo o corpo, e isso por sua vez gera profusa transpiração. Mas todos esses sintomas são preliminares, e os fenómenos místicos reais que envolvem o ato de se retirar de dentro do pensamento-do-eorpo começam somente quando os sintomas se acalmam. Esse exercício primeiro isola a força que reside na respiração e no sexo, depois a sublima e a reorienta. Os resultados, após acalmada a excitação inicial, são: (a) uma mudança liberadora na sua consciência do corpo, (b) um desenvolvimento fortalecedor do controle da vontade superior sobre os apetites animais, e (c) uma concentração da atenção e do sentimento tão perfeita quanto a concentração da serpente sobre a sua presa. Trata-se de um processo triplo com triplo resultado. Nesses momentos em que a força é levada para a cabeça, o homem sente estar libertado do domínio da animalidade; está então no ponto culminante da vontade superior. Poder e alegria o envolvem. A obtenção desse estado de contemplação profunda e sua sedimentação pela contínua repetição diária levam-no finalmente a uma impressão satisfeita e exaltada de estar pleno e completo e, portanto, livre de paixões e sedimentado na paz.

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A tentativa de se ganhar tudo ou nada, e de ganhá-lo de uma só vez, pode dar certo na bolsa de valores, mas dificilmente dará certo aqui. O aspirante não pode saltar bruscamente para essa enorme altura atravessando os estágios que se interpõem, mas deve caminhar laboriosamente, subindo passo a passo na sua direção. Existe, entretanto, uma forma de se tomar o reino por assalto, uma forma que pode ser realizada em seis meses. É o despertar do fogo da serpente. Mas. a menos que a natureza esteja bem purificada, essa pode ser uma forma altamente perigosa. Poucos estão prontos para eia, e instrutor algum ousa assumir a responsabilidade de fazer mergulhar, num jogo tão arriscado, a saúde, a sanidade, a moralidade e o futuro espiritual de seu discípulo, a menos que haja nele suficiente estabilidade sexual e firmeza de vontade. Há uma forma mais lenta, o yoga da auto-identificaçâo com o guru. Se praticado uma ou duas vezes ao dia. e combinado com a prática contínua de Mantrajapa, leva à mesma meta num tempo doze vezes maior, e é perfeitamente seguro. O discípulo deve entender que a meta a que ambas as formas levam não é a meta filosófica. Para atingir a meta filosófica, entretanto, é indispensável passar pela meta mística. De tudo isso podemos deduzir não só quão longa é a estrada, mas também quão grandiosa é a realização que concerne à filosofia. Nas extremidades opostas da espinha, opõem-se o humano e o animal

* Quaker = tremor. (N.T.)

As forças vitais são ora dissipadas irracionalmente, ora excessivamente estimuladas, até que a desafortunada vitima tome por uso normal o que é na realidade anormal e fora dos planos da Natureza. A punição tem de ser sofrida em algum momento e, espiritualmente, consiste em se permanecer cego para as verdades mais sutis — metafísicas e místicas.

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AS EMOÇÕES E A ÉTICA

O poder de controlar o sexo está em parte na mente, onde os meios para esse controle são a imaginação e a vontade unidas no nível intuitivo, e em parte no corpo, onde os meios são as restrições na dieta, o jejum, a limpeza interna e externa, e os exercícios físicos. §

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Elevar o caráter - Reeducar os sentimentos - Disciplinar as emoções - Purificar as paixões - Refinamento e cortesia Evitar o fanatismo

Uma parte importante da técnica de redirecionar as energias sexuais excessivas, viciosas ou pervertidas é fazer exercício físico regularmente. Sua ausência não pode ser suficientemente substituída pela dieta, pelo jejum ou pelo banho.

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"Como resultado dessas experiências, vi que a alimentação do celibatário deve ser limitada, simples, sem tempero e, se possível, crua. O ideal são frutas frescas e castanhas. A imunidade à paixão de que desfrutei quando vivia com essa alimentação tornou-se desconhecida para mim quando mudei essa dieta." — Gandhi O elemento masculino na mulher e o elemento feminino no homem precisam estar tão bem desenvolvidos e tão ativamente expressos quanto já o estão as polaridades sexuais físicas. E não só essas polaridades internas precisam realmente disso, como precisam que esse desenvolvimento seja feito até o ponto de se equilibrarem as polaridades externas.

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Na pessoa adequadamente desenvolvida, a força de um homem estará unida à ternura de uma mulher. Se algumas pessoas encontraram seu caminho para Deus pela aceitação do sexo, número muito maior de pessoas encontrou-o pela sua rejeição. §

Iniciamos e terminamos o estudo da filosofia através de uma consideração sobre a ética. Sem uma certa disciplina ética para começar, a mente distorcerá a verdade para satisfazer suas próprias fantasias. Sem um domínio de todo o caminho da filosofia, em sua total extensão, o problema do significado do bem e do mal não poderá ser solucionado.

A busca da perfeição moral é imensuravelmente superior à busca das sensações místicas. Suas recompensas são mais duráveis, mais essenciais e mais valiosas.

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A disciplina filosófica busca construir um caráter que nenhuma fraqueza poderá minar e do qual todas as características negativas foram eliminadas.

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Há cinco maneiras pelas quais o ser humano progressivamente vé o seu próprio eu, e há consequentemente cinco estágios éticos, gradativos, na sua busca. Primeiro, como materialista ignorante, ele vive inteiramente dentro da sua personalidade e, 'portanto, para o beneficio próprio, a despeito do grande dano causado a outros a fim de assegurar essa vantagem. Segundo, como materialista esclarecido, ele está envolvido na sua própria sorte, mas não a busca à custa de outros. Terceiro, como religioso, ele percebe a impermanéncia do ego e, com um sentido de sacrifício, nega sua vontade própria. Quarto, como místico, ele se toma consciente da existência de um poder mais elevado, Deus, mas o encontra apenas dentro de si mesmo. Quinto, como filósofo, ele reconhece nos outros a universalidade e a unidade da existência e pratica o altruísmo com alegria. §

Os preceitos morais que a disciplina filosófica oferece para uso na vida e guia na ação sábia, não são oferecidos a todos da mesma maneira, mas somente aos que estão comprometidos com a Busca. Não é provável que atraiam alguém que seja virtuoso meramente porque teme a punição do pecado, mas sim porque ama a virtude em si. Não é provável tampouco que atraiam alguém que não saiba onde se situam seus verdadeiros interesses pessoais. Não haveria nada de mal 76

em sermos inteiramente egoístas se, pelo menos, compreendêssemos totalmente o eu cujo interesse desejamos preservar ou promover. Pois assim não confundiríamos o prazer com a felicidade, nem o mal com o bem. Veríamos então que o autocontrole na terra em alguns sentidos 6, na realidade, urna sagrada auto-afirmação em outros, e que a parte oculta do eu é a melhor parte.

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Começamos a questionar a Natureza e teremos de arcar com as consequências. Mas não precisamos temer a maré progressiva do conhecimento. Seu efeito sobre a moral será unicamente o de disciplinar cada vez mais o caráter humano. Pois não é o conhecimento que toma os homens imorais; é a falta dele. Bases falsas criam suportes incertos para a moralidade. Esse grandioso aspecto da busca trata da correta conduta de vida. Procura tanto a reeducação moral do caráter do indivíduo para seu próprio benefício, quanto sua transformação altruísta para benefício da sociedade.

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Quanto mais o estudante vive, mais descobre que a verdadeira paz depende da firmeza com que governa seu coração, e que a segurança real depende da verdade com a qual governa sua própria mente. Quando deixa suas emoções em desordem, elas lhe trazem angústia, como consequência da felicidade que a princípio alegaram ser capazes de proporcionar. Quando permite que seus pensamentos sirvam às cegueiras do ego, eles o enganam, desviam ou lhe causam problemas.

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Os homens indagam: "O que é a verdade?" Mas, por sua vez, a própria verdade lhes pergunta: "Quem são vocês para indagar isso? Vocês possuem a competência, a capacidade, o caráter, o julgamento, a educação e o preparo para reconhecer a verdade? Se não possuem, vão primeiro adquiri-los, não se esquecendo da elevação do caráter."

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Sua conquista é libertar o homem dos defeitos que dificultam a obtenção de uma consciência mais elevada, e não dar-lhe posse da verdadeira consciência.

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Se você quiser alcançar um bom objetivo, deverá usar um bom método, pois nenhum outro trará o mesmo resultado.

/ O ato deve demonstrar o que é o homem; o feito deve delinear a atitude. Só assim o pensamento se toma vivo. g

O estudo da ética da filosofia não irá, naturalmente, capacitar o estudante a praticar por completo essas normas. Ele nem sempre será capaz de governar seus próprios complexos, controlar os próprios desejos ou dominar as próprias compulsões. No entanto, saber o que se espera dele e saber o que deverá fazer é um primeiro passo valioso nessa direção.

A atitude filosófica é curiosa e paradoxal, precisamente porque é uma atitude completa. Ela aborda a situação humana com mentalidade tão prática e fria quanto a de um engenheiro, mas comanda o seu movimento com uma sensibilidade para os ideais tão delicada quanto a de um artista. Sempre leva em conta os objetivos possíveis e imediatos, mas não está menos interessada nos irrealizáveis e distantes.

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f § A ação desinteressada não significa renúncia a todo trabalho que traga recompensa financeira. Como poderia então alguém ganhar a vida? Não significa renúncia ascética ou fuga monástica das responsabilidades pessoais. A atitude filosófica é a de que um homem deve cumprir todo o seu dever para com o mundo, mas de tal modo que não cause dano a ninguém. A verdade, a honestidade e a honra não serão sacrificadas por dinheiro. O tempo, a energia, a capacidade e o dinheiro serão usados com sabedoria para maior benefício da humanidade, e, acima de tudo, o filósofo pedirá constantemente que o Eu Superior o aceite como um dedicado instrumento de serviço. E certamente será aceito. Ele poderá encarar o que aconteceu de cinco maneiras diferentes, porém igualmente valiosas e necessárias: (a) como um teste, (b) como oposição de uma força adversa, (c) como um problema ao qual deverá adaptar-se psicologicamente, (d) como uma tentação ou tribulação a ser enfrentada e superada moralmente, (e) como uma extensão do carma anterior, a ser suportado de forma inteligente ou tratado de modo impessoal.

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Mas, enfim, essas qualidades são simples pré-requisitos negativos que tornam o homem receptivo para a realização espiritual. Não são a realização em si. 78

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A descoberta da relatividade moral não encoraja, entretanto, a lassidão moral. Se estivermos libertos das convenções humanas, será apenas porque temos de nos submeter em sacrifício aos ditames do Eu Superior. O desdobramento de estados progressivos do ser consciente não é possível sem que se abra mão do inferior para se chegar ao superior.

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i Buda não se dedicou a problemas mais profundos antes de haver entrado na ética prática. Ele ensinou as pessoas a serem boas e a fazerem o bem antes de ensiná-las a se aventurarem dentro da pantanosa lógica do labirinto metafísico. E mesmo depois de terem elas emergido com segurança de um terreno onde tantos se perdem totalmente, ele as trouxe de volta para os valores éticos, embora de tipo bem mais elevado, porque baseado numa total ausência de egoísmo. Pois o amor deve casar-se com o conhecimento, a piedade deve derramar seus cálidos raios sobre o frio intelecto. A iluminação de outros deverá ser o preço de sua própria iluminação. Essas coisas não são facilmente sentidas pelo místico, que frequentemente está por demais absorvido em seus próprios êxtases para perceber as misérias dos outros, nem pelo metafísico, quefrequentementeestá tão preso pela sua própria verbosidade à sua lógica dura e rigorosa para compreender que a humanidade não é meramente um substantivo abstraio, mas é composta de mdividuos de carne e osso. O filósofo, no entanto, descobre que essas bondosas neees»

sidades altruístas são parte essencial da verdade. Consequentemente, a salvação que ele busca — das garras da ignorância e das misérias resultantes que a acompanham — não é para si mesmo, mas para o mundo inteiro. §

Quanto mais viajo e observo, tanto mais venho a crer que os únicos homens que farão algo de valor na filosofia são aqueles que já fizeram algo de valor em suas próprias vidas. Os sonhadores e excêntricos apenas enganarão a si meamos; os fracassados e os que inventam álibis apenas se firmarão em suas fantasias. -

Cada pessoa que, por algum tempo, entra na nossa vida ou se envolve com ela em algum ponto, é um canal involuntário que nos traz o bem ou o mal, a sabedoria ou a tolice, a sorte ou a calamidade. Isto acontece porque estava predeterminado pela lei da recompensa. Mas a extensão em que ela afeta os nossos assuntos externos é parcialmente determinada pela abertura que lhe dermos, pela aceitação ou rejeição de sugestões dadas através da sua conduta, da sua palavra ou da sua presença. Em última análise, nós é que somos os responsáveis.

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I I§ f f A menos que se passe através dos portais dessa disciplina, não se poderá reà

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ceber a verdade, mas somente suas paródias, distorções e imitações.

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É bem verdade que os códigos morais, historicamente, são relativos, variando de acordo com o tempo, o lugar e assim por diante. Mas, se tentássemos fazer dessa relatividade uma base para a ação amoral, se agíssemos sob o princípio de que o errado não é pior que o certo e de que o mal não difere do bem, então a vida social em breve mostraria uma deterioração desastrosa, a ética da selva viria a ser sua lei dominante, e a catástrofe, no final, a alcançaria.

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A consequência primeira e imediata de se perceber a verdade filosófica é de caráter moral. Há um forte apelo ao intelecto e um apelo igualmente forte ao coração. Esses dois pontos de vista não se opõem. §

Não é suficiente querer melhorar o próprio caráter. Deve-se também saber como começar bem a tarefa e como continuá-la corretamente. De outra forma, o estudante tateia às cegas e cai nas velhas fraquezas, nos velhos erros, embora sob novas formas. § O estudante tem de descobrir quais as tendências irracionais que atuam sobre o seu caráter sem o seu conhecimento, e quais os impulsos falsos que emergem do seu eu subconsciente e resultam em ações danosas. § É verdade que o pensamento precede a ação, que as ações expressam os pensamentos e que governar a mente é governar toda a vida. Mas é também verdade que as batalhas do homem consigo mesmo prosseguem por estágios progressivos, e que é mais fácil impor a vontade do que mudar o sentimento. Portanto, a disciplina 80

do pensamento introspectivo deve suceder à vontade, e não precedê-la. Aconselhar a cuidar da vida interior, porque a vida exterior cuidará de si mesma, como muitos místicos fazem, pode ser plausível, mas também mostra falta de senso prático. O coração do homem não terá paz, assim como sua mente não terá equilíbrio, até que ele abandone os instintos inferiores e se entregue totalmente a este chamado não-terreno. Primeiro ele deverá abandoná-los externamente, nas ações; mais tarde deverá fazê-lo internamente, até mesmo em pensamentos. Isso, inevitavelmente, levá-lo-á à luta interna, à oscilação entre vitórias e denotas, a exaltações e desesperos. O caminho ascendente é longo, árduo, acidentado e vagaroso de ser trilhado. É sempre uma etapa de queixas e lamentações, de batalhas e quedas. Somente o tempo — o poder dominante — poderá levá-lo ao seu grandioso final. Somente quando as lições de nascimento após nascimento gravarem-se de forma profunda e inequívoca em sua mente consciente, através de uma espantosa repetição, ele poderá aceitá-las de modo cooperativo e resignado; e assim poderá pôr fim aos sofrimentos desnecessários do desejo, da paixão e do apego.

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Muitas pessoas discutem misticismo ou brincam com o psiquismo, enquanto ambos lhes prometem poderes maravilhosos que a maioria não possui, ou experiências maravilhosas que a maioria não tem. Mas quando essas pessoas chegam à filosofia e descobrem que ela exige delas uma renovação total de caráter. são tomadas de medo e recuam. A filosofia não é para elas, pois não se molda a seus desejos. H a lhes diz o que não gostariam de ouvir. Perturba-lhes a vaidade egoísta e inquieta-lhes a serenidade superficial, quando lança um potente foco de luz sobre sua natureza inferior, sobre seus motivos mais vis e suas torpes fraquezas.

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No inicio de cada tentação é oferecida uma escolha, como se a pessoa estivesse de pé numa encruzilhada e tivesse de tomar um caminho que a levasse para cima, até a paz e o bem-estar, ou um outro que a levasse para baixo, até o inferno. Nessa oferta é dada a possibilidade de escapar à tentação que se aproxima. Se a oportunidade for agarrada imediatainente, a tentação poderá ser evitada; mas se houver a mais leve condescendência para com a fascinante miragem, então a oportunidade está perdida. Portanto, deve haver uma rejeição instantânea.

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Do romance de Lord Beaconfield: "Ah", disse Coningsby, "eu gostaria de ser um grande homem." O desconhecido lançou-lhe um olhar perscrutador. Sua fisionomia era séria. Ele disse numa voz da mais solene melodia: "Nutra a sua mente com grandes pensamentos. Acreditar no heroísmo cria os heróis."

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Enquanto o aspirante não conseguir fazer um inventário de suas fraquezas e, consequentemente, enquanto deixar de construir no seu caráter os atributos necessários, grande parte da sua meditação será infrutífera, será um fracasso ou será até mesmo prejudicial.

§ Í j^-*f f O teste fundamental e a medida final da espiritualidade de alguém são pro;

vidos pelo seu caráter. E o seu caráter é testado e pedido pelas suas ações. §

Os que menosprezam a dificuldade da auto transformação, que prometem um caminho simples e fácil para se obter um resultado excelente prestam ao rebanho de aspirantes ingénuos somente um desserviço. O desejo de que seja verdadeiro pode trazer esses aspirantes para o caminho, mas, no final, um desapontamento irá lançá-losforadele.

A chave para a conduta correta é a recusa a identificar-se com a natureza inferior. A ilusão hipnótica de que essa natureza é a própria pessoa deverá ser destruída; o caminho para fazer isso é negar cada sugestão que venha dela, usar a vontade para resistir-lhe, usar a imaginação para projetá-la como algo estranho e exterior, usar os sentimentos para aspirar ao verdadeiro eu, e a mente para aprender a compreender o que ela é.

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O discípulo que deseja fazer um progresso real deve atacar, enfraquecer e, finalmente, destruir certos maus traços de caráter. Entre eles está o ciúme de seus condiscípulos. O ciúme não é apenas um pensamento desagradável, mas poderá ter consequências desastrosas. O ciúme sempre leva a estados de espirito encolerizados e a ondas de violência. Não só prejudica o outro discípulo como também o próprio pecador. É causado por um senso de possessividade desarrazoado em relação ao instrutor; esta possessividade não o deixa compreender que o amor deveria trazer-lhe, e não negar-lhe, a Uberdade.

reza animal - que é principalmente o que os semelhantes mostram? Se seus discípulos tivessem sido ensinados a odiar e não a amar os seus egos, como poderiam então amar a humanidade dominada pelo ego, no meio da qual eles próprios se encontravam? O mandamento - "Ama teu próximo" - sempre confundiu a mente dos que ouviam ou liam, uma confusão que força muitos a se recusarem a aceitá-la. E esses são os que não compreendem o seu significado, mas que o interpretam erroneamente como: "Gosta de teu semelhante." O significado correto desse antigo mandamento ético é: — "Pratica a compaixão no teu comportamento físico e exerce a boa vontade em tua atitude mental para com teu próximo," Todos podem fazer isto, mesmo sem forçar-se a gostar do seu semelhante. Portanto, esse mandamento não é totalmente impraticável, como alguns acreditam; muito pelo contrário. Quem imaginar que ele signifique o desenvolvimento de uma condição altamente emocional e sentimental, está enganado, pois emoções dessa ordem podem transformar-se facilmente em emoções opostas de ódio ou podem permanecer como estão. Isso não é amor, mas uma imitação de amor. O sentimentalismo é mero simulacro da compaixão. Ele se rompe quando submetido à tensão, enquanto a verdadeira compaixão continuará para sempre e nunca será eliminada. O verdadeiro amor pelo semelhante deve vir de um nível mais elevado que o emocional, e esse nível é o intuitivo. O que Jesus queria dizer era: "Que chegues de tal forma a uma percepção intuitiva do Poder Único Infinito do qual tu e teu semelhante recebem a vida que, como consequência, compreendas efetivamente a harmonia de interesses e a interdependência da existência." O que Jesus queria dizer, e somente o que poderia ter querido dizer, é demonstrado pelas últimas palavras desse mandamento — "como a ti mesmo*. O eu que reconheciam como sendo o verdadeiro era o espiritual, que deviam buscar e amar com toda a sua vontade — e era esse (não o frágil ego) que também deviam amar nos outros.. A qualidade da compaixão pode ser facilmente malcompreendida como mero sentimentalismo ou mera emoção. E ela de forma alguma é isso. As pessoas podem ser tolas e fracas quando ocultam dos outros a verdade sobre si próprias, enquanto uma verdadeira compaixão espiritual não tem medo de falar a verdade, nem tem medo de criticar tãorigorosamentequanto necessário, e tem a coragem de apontar as falhas, mesmo com oriscode ofender os que preferem viver se enganando. A compaixão mostrará suas falhas interiores, que por sua vez são refle tidas exteriormente sob a forma de um destino adverso. Quando o adepto vê os que estão sofrendo os efeitos de suas próprias emoções desgovernadas ou de seu próprio desejo e paixão descontrolados, ele não submerge com as vítimas nessas emoções, paixões e desejos, mesmo que se identifique com elas. Ele não pode permitir que esses sentimentos entrem em sua consciência. Se o adepto não se desligar dos próprios sofrimentos, é provável que dificilmente se desligue dos sofrimentos alheios. Consequentemente, é bem pouco provável que a compassividade emocional, surgida no coração do homem comum à vista do sofrimento, apareça exatamente da mesma forma no coração do adepto. Ele realmente não se considera separado. Curiosamente, tanto eles quanto o adepto são partes de uma única e mesma vida. Se ele não se lastima pelos próprios sofrimentos da maneira usual, egoística e emocional, como poderia lastimar assim os sofrimentos dos outros? Isso não significa que vá tomar-se frio e indiferente para com eles. Pelo contrário, o sentimento de identificação com o ser mais profundo de seus semelhantes será impedimento cabal à indiferença; a piedade que brota dentro dele toma uma forma diversa, forma bem mais nobre e verdadeira, porque a agitação emocional e a reação egoística estão ausentes dela. Ele com1

§ I •# •§**•$!• Se um homem toma-se frio, desapiedado, impenetrável, se se coloca totalmente à parte da vida e dos sentimentos dos outros homens, se está morto aos apelos da música e às belezas da arte, esteja certo de que é um intelectualista ou um asceta fanático — não um filósofo. i

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A formação de um bom caráter é o começo, o meio e o fim deste trabalho.

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O ciumento não mostra, através do ciúme, que ama aquele pelo qual demonstra essa emoção. Mostra somente que ama a si próprio. O que sente é possessividade egoísta. É o mesmo sentimento que manifesta por sua conta bancária. Isso de modo algum é amor.

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Que não basta aos homens pensarem a verdade, mas que também devam senti-la é uma afirmativa da qual a maioria dos cientistas, sendo orientados para o intelecto, discordariam. Mas os artistas, os místicos, os verdadeiros filósofos e os devotos religiosos a aceitariam. § O que Jesus queria dizer quando mandava que seus discípulos amassem seus semelhantes como a si próprios? Será que se referia àquela atitude sentimental, emocional, de acolher o companheiro, como as igrejas ensinam? Como poderia ele ensinar isso se, para transformar-se no que era, teve certa hora de repelir e virar as costas àquela parte de ri mesmo, a parte inferior — isto é, o ego e a natu-

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partilha dos sofrimentos dos outros mas nunca se deixa perder neles, e como nunca está preso ao medo ou à ansiedade pelos seus próprios sofrimentos, nffo poderá perder-se nessas emoções ou nas dores dos outros. A calma com que se acerca dos próprios sofrimentos nffo pode ser eliminada ao aproximar-se dos sofrimentos de outras pessoas. Ele adquiriu essa calma por um alto preço - é preciosa demais para ser jogada fora a troco de nada. E porque a piedade que sente em seu coração não está mesclada com excitação emocional ou temor pessoal, sua mente não se obscurece com esses excessos e é capaz de ver bem melhor o que precisa ser feito para aliviar os sofredores, do que uma mente obscurecida. Ele não faz alarde da sua piedade, mas sua ajuda é bem mais eficaz do que a daqueles que o fazem. O ideal altruísta é colocado, para os aspirantes, como um meio prático de usar a vontade para controlar o egoísmo e esmagar suas mesquinharias. Mas essas coisas devem ser feitas para treinai o aspirante a submeter o ego pessoal ao E u Superior, e não para tomá-lo subserviente a outras vontades humanas. A primazia do propósito deve ser a auto-realização espiritual, não o serviço social. Essa, acima de todas as outras, é a meta a ser mantida junto do seu coração, sem se imiscuir nos assuntos dos outros. Somente quando tiver prestado atenção adequadamente — e, até certo ponto, com sucesso — ao seu próprio problema é que terá direito de prestar atenção aos problemas de outras pessoas ou de imiscuir-se neles. Isso não significa, entretanto, que ele deva tornar-se rigorosamente centrado em si mesmo ou completamente egoísta. Pelo contrário, o desejo de proporcionar felicidade e a vontade de procurar o bem-estar da humanidade deve tornar-se um tema de dedicação solene em qualquer estágio crucial, em cada hora inspirada da sua busca. Mas a prudência e a sabedoria mandam aguardar um esforço ativo mais altruísta, até que se tenha elevado a um nível superior, até que tenha descoberto sua própria força interior, seu conhecimento e sua paz, e até que tenha aprendido a permanecer inabalável em meio às tempestades, às paixões, aos desejos e às ganâncias da vida comum. Assim, é melhor para o principiante guardar para si mesmo quaisquer pretensões a altruísmo, permanecendo silencioso e inativo nesse sentido. A dedicação deve ser cultivada, mas no segredo profundo do coração. Melhor que falar sobre essa dedicação ou que ter uma atividade prematura, é voltar a atenção para o trabalho de purificar a si mesmo, seus sentimentos, motivos, mente e ações. Da mesma forma que a palavra compaixão muitas vezes é confundida com sentimentalismo tolo e fraco, também as expressões ausência de ego, ausência de egoísmo e ausência de egocentrismo são interpretadas erroneamente. Elas costumam ser usadas para significar não-separatividade de outros indivíduos, ou a rendição dos direitos pessoais a terceiros, ou a omissão do dever para consigo mesmo a fim de servi-los. Isso muitas vezes é errado. O significado filosófico do egoísmo não se refere àquela atitude de separatividade para com outro ser do mesmo nível imperfeito que o nosso, mas refere-se à separatividade daquele único poder-de-vida universal que está por trás de todos os indivíduos, em nível mais profundo do que eles todos. Separamo-nos dessa mente infinita quando permitimos que o ego pessoal nos governe, quando permitimos que o eu pessoal impeça o eu universal uno de entrar no nosso campo de consciência. O erro está em nos separarmos, em consciência, desse profundo poder e desse profundo ser que está na própria raiz de todos os eus. §

O ensinamento de Jesus de amar o próximo como a si mesmo é impossível de ser seguido na sua totalidade enquanto o indivíduo não tiver atingido a altura onde habita o verdadeiro eu. A obediência a esse ensinamento significaria identiflcar-se com a dor física do semelhante e com o seu sofrimento emocional, de modo que fossem sentidos tão agudamente quanto os seus próprios. Seria impossível ao indivíduo tolerar isso quando entrasse em contato com toda espécie de sofrimento humano que obscurece a vida. Ele só poderia suportá-lo quando tivesse esmagado o poder que esse sofrimento tem de afetar-lhe os sentimentos e de perturbar-lhe o equilíbrio. Esse amor traria, portanto, um sofrimento intolerável. Identificando-se ativamente com os que estão sofrendo, forçando-se ao máximo a ter compaixão por eles, fica-se perturbado e enfraquecido. Isso não aumenta a capacidade de ajudar a quem sofre, só a diminui. Amar os outros é louvável, mas deve vir junto com o equilíbrio e a razão, para não se perder ineficazmente no ar. A sabedoria consiste em não permitir que o interesse por outros assuntos ou a compaixão por outras pessoas tirem o indivíduo do seu equilíbrio, da sua paz interior; a sabedoria consiste em controlar essas tendências quando ameaçam agitar sua mente ou perturbar seus sentimentos.

, O amor ao divino é o nosso dever primordial. Amar o semelhante é somente um dever secundário.

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t; i A consideração, a afeição e a amizade, a compaixão, a camaradagem e o amor não são sentimentos para serem descartados porque a pessoa assumiu a busca filosófica. Pelo contrário, poderão tornar-se degraus valiosos em seu progresso se os tratar e avaliar corretamente, se os purificar emocionalmente e se os enobrecer moralmente. §

Uma consequência desse hábito da compaixão é que uma compreensão imensa da natureza humana inunda todo o seu ser.

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O mandamento: "Amar o próximo como a si mesmo'* precisa de uma cuidadosa interpretação. O verbo "amar** tem significados inteiramente diferentes dependendo das pessoas. Não quer dizer que o estudante vá sentir-se muito mais afetuoso do que antes com cada um que encontre, não importa quem seja. Seu significado fundamental é o de que ele se identificará de tal forma com outra pessoa, coisa ou ideia, a ponto de sentir-se emocionalmente unido a ela e altmisticamente entregue a ela. Isso pouco tem a ver com gostar ou não gostar do objeto do seu amor. Gostar ou não gostar afeta as condições sob as quais o seu amor atua, pois gostar toma o procedimento mais fácil e não gostar torna-o mais difícil, mas sua qualidade essencial é a auto-identificação com o objeto amado e a resposta a ele sem identificar-se com o "eu". O amar começa e termina ao se abrir mão do ego em beneficio de outrem. §

A compaixão é o valor moral mais elevado, o sentimento humano mais nobre, o mais puro amor-à-criatura Ê a expressão social extrema da alma divina do homem. Pois ele é capaz de compartilhar seus sentimentos a de sentir algo por

um outro homem somente porque ambos estão, na realidade, ligados em harmonia pela presença dessa alma, em cada um.

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Aquele que consegue desapegar-se da emoção, mesmo quando continua a senti-la, toma-se o verdadeiro senhor dela. §

Não se pede que alguém se eleve acima de todas as emoções para obter a serenidade e a bênção dessa vida; antes, pede-se que se erga acima das emoções menos elevadas, pois é indispensável acalentar as mais elevadas. Na verdade, é com a reviravolta completa da sua situação quanto aos sentimentos que a passagem da vida terrena para a espiritual se mostrará melhor. Sem isso, somente com uma mudança meramente intelectual, o E u Superior nunca poderá ser realizado.

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O individuo se elevará acima da emoção pessoal para a serenidade perfei, de preferência a cair, sob sua influência, em monótona apatia.

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A mesma característica humana da emoção que escraviza e mesmo prejudica o indivíduo, quando ligada unicamente às coisas terrenas, exalta-o e o libera quando disciplinada e purificada pela filosofia. i " i § ê. # •* i i j Os que falam em se liberar das repressões morais da sociedade convencional estão certos em alguns casos, mas errados na maioria deles. Pois isso significa, principalmente, que querem ser livres para seguir os desejos sensuais sem impor a si mesmos qualquer disciplina. Eles não vêem que transcender esses desejos é a verdadeira auto libe ração.

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Quando os desejos e anseios de um homem, sua sede e ansiedade são tão fortes a ponto de perturbarem seu poder de raciocínio e de bloquearem sua capacidade intuitiva, ele fica impedido de encontrar a verdade. Nessas condições, fecha os olhos àqueles fatos que são desagradáveis ou contrários a seus desejos e os abre unicamente para aqueles que são agradáveis ou que servem a seus intuitos. O pensar se inclina facilmente aos desejos, de modo que a satisfação do interesse pessoal, mais que a busca da verdade universal, toma-se o seu real objetivo.

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A obrigação de responder à exigência do Eu Superior é imposta ao homem, para que se empenhe em elevar-se acima do nível animal do seu ser. Isso não poderá ser feito sobre uma base meramente emocional, mas exige que a vontade superior seja exercida. Ele terá, na verdade, de engajar-se numa guerra santa. » «m j § m -Mmm O refinamento na maneira de viver, de pensar, de falar e de agir não é apenas um valor positivo, mas, com seus resultados índiretos, contribuí realmente

para a busca espiritual. Os que o depreciam como mera superficialidade confun dem a ação imitada com a autêntica. Wʧ Um alto grau de refinamento nas atitudes morais, na conduta e na mente indica não só uma qualidade humana, mas também sensibilidade espiritual. § Ao praticar grande tolerância para com os outros, não precisamos deixar que eles se imponham a nós. Deveríamos considerar as circunstâncias e decidir com sabedoria até que ponto é prudente avançar e em que ponto parar; em suma, deveríamos usar o discernimento. ®; * 1 § « # | A bondade, o perdão e a compreensão de alguém deveriam chegar aos que parecem tê-lo julgado mal. Aquilo que sentem sobre ele parece-lhes ser a verdade. £ o melhor que conhecem. Por que culpá-los se as aparências os enganam? Se ele continuar a enviar-lhes pensamentos bondosos, na verdade se elevará além do próprio ego e dominará o próprio egoísmo. * f § Na medida em que você mantiver o ego à parte da sua reação a um inimigo, nesta mesma medida você estará protegido dele. O antagonismo dele devera ser enfrentado não só com calma e indiferença, mas também com um perdão positivo e um amor ativo. Esta é a única atitude coerente com um estágio elevado de compreensão. Esteja certo de que, se fizer assim, o bem afinal emergirá. Mesmo que esse bem seja apenas o desdobramento do poder latente para dominar a emoção negativa que você demonstra através dessa atitude, já será recompensa suficiente. Mas será mais que isto.

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Se algumas pessoas o consideram um personagem singular e outras um indi v/duo excêntrico, isso só acontece porque ele não conseguiu disfarçar suficientemente os seus interesses filosóficos num mundo não filosófico.

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É ilusória a ideia de que relações humanas totalmente harmoniosas possam ser estabelecidas entre seres humanos ainda dominados pelo egoísmo. Mesmo onde elas parecem estabelecidas, a verdadeira situação foi encoberta pelo mito romântico.

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* Nâo precisamos nos tomar menos humanos porque procuramos nos tomar homens melhores. O Bom, o Verdadeiro e o Belo irão aprimorar e não destruir nossas qualidades humanas., §

Quem quiser manter a paz interior imperturbada precisará viver acama do nível dos que não a têm. Isso só pode ser feito se obedecer aos preceitos práticos de Jesus e de Buda, se mantiver fora de sua esfera emocional todos os negitrvismos, como o ressentimento, a amargura, a tendência â discussão, o ciúme, o rancor

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e a vingança Essas emoções mais baixas devem ser definitivamente ultrapassadas se a calma filosófica tiver de ser o fato supremo e a sabedoria filosófica a diretriz da sua vida. Quando os outros homens mostram inimizade e mesquinhez, ele deve retribuir mostrando equilíbrio e generosidade. Quando falsamente investem contra o seu caráter ou invejosamente caluniam o seu trabalho, ele terá de abster-se de sentimentos ásperos e não deverá permitir que bloqueiem a sua boa vontade. Não deve sucumbir à tentação humana de revidar na mesma moeda. Pois está entregue a uma ascensão sagrada, e ceder seria regredir dolorosamente. Na verdade, a partir das desprezíveis ações dos outros, ele poderá ativar reações nobres que facilitarão sua ascensão. I S § . . wm Em seu próprio coração o discípulo não tem inimigos e sempre está pronto a fazer as pazes com os que agiram desse modo. Entretanto, mesmo os que o tratam como inimigo, mas que por ele não são considerados como tal, assim como os que lhe lançam um terrível olhar de inveja, serão instrutores úteis dos valores da existência. Depois de toda espécie de investidas violentas, ele poderá sentar-se calmamente sob uma árvore amiga e compreender melhor por que a fama é um dom de valor duvidoso, uma espada de dois gumes cuja lâmina mais afiada e cruel é o ciúme; por que é tão satisfatório ter inimigos mal-intencionados quanto amigos benevolentes, pois eles fornecem instrução prática de desapego e autopurificação, ensinamento sem preço, que nenhum amigo provavelmente lhe daria jamais; por que o homem, às vezes, fica em débito para com seus oponentes mais ferinos pelo benefício de uma crítica útil que, de alguma forma, se infiltra entre feias mentiras, enquanto seus melhores amigos o prejudicam com o silêncio; por que deve ficar contente por caminhar sozinho com a verdade e abster-se de pedir ao mundo aquela compreensão que este não tem competência para dar; por que a maior parte dos anseios humanos de felicidade, quando dependem dos outros, inevitavelmente termina em poeira melancólica e cinzas frias; e por que o ego finito oferece uma vida por demais limitada para a Mente infinita, da qual, como Jesus falou a seus ouvintes admirados, "não sabemos de onde vem nem para onde vai". A justiça sempre exige que a força seja usada a fim de concretizar suas decisões. Afilosofiacoloca a justiça como um dos princípios fundamentais na orientação da conduta pessoal e nacional. Portanto, para a filosofia, o pacifismo ou a não-violência não têm utilidade. í § A bondade que um homem pode expressar na sua relação com outro deriva, em última instância, de sua própria alma divina, e é um reconhecimento inconsciente, assim como um sinal, da mesma divina presença no outro. Além disso, no grau em que cada um se toma consciente do seu verdadeiro eu, nesse mesmo grau torna-se consciente dele nos outros. Consequentemente, a bondade do homem plenamente iluminado está muitíssimo além daquela do homem convencionalmente moral. §

A resistência ao mal é um dever social. Sua expressão mais forte, até agora, tem sido a guerra defensiva contra uma nação ofensora, criminosamente agres88

siva. Se a resistência é em si um mal, a guerra é a pior forma desse mal. O aparecimento da bomba atómica é um sinal de que um novo enfoque deverá ser encontrado hoje, de que a velha forma de guena defensiva não fará frente aos novos problemas que surgiram. Se o homem tiver de acabar com a guerra de uma vez por todas e encontrar a paz, ele terá de fazer isso tanto interior como exteriormente. Ele pode fazê-lo interiormente terminando com o domínio das emoções animalescas, agressivas, dentro de si mesmo, tais como a ganância, a raiva, a vingança e o ódio; e pode fazê-lo exteriormente abandonando a matança de seus companheiros, sejam humanos ou animais. Ele pode assumir qualquer preparação defensiva que lhe agrade, mas deve parar antes que venha a matar outros homens. A recusa em massacrar evocaria então poderosas forças espirituais, e se um número suficiente de pessoas as evocasse, o fim da guerra estaria assegurado. Entretanto, é improvável que esse caminho idealista atraia mais do que uma pequena minoria da humanidade, de modo que, se a guerra tiver de ser terminada de outra maneira, somente poderá ser pelo método político de um exército diplomático internacional dirigido por uma federação mundial de povos. Como não há hoje essa federação, a única possibilidade de vir à existência é através das árduas lições aprendidas com a destruição aterradora de uma guerra nuclear. Não há outra alternativa para semelhante guerra, a não ser a renúncia ao direito de matar. §

Se aquilo que é correto para as massas, com seus padrões limitados, não é correto para o discípulo, com seus padrões mais elevados, a recíproca também é verdadeira O código que ele deve aplicar à vida está muito além da compreensão e do alcance das massas. Tentar impô-lo a todos é criar confusão moral e socai e desequilibrar as mentes.

Natureza - Serviços - Desenvolvimento - Treino semântico Ciência - Metafísica - Pensamento abstraio

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A maioria de nós nos movemos de um ponto de vista para outro, seja ele inferior ou superior, porque nossos sentimentos para lá se moveram. O intelecto apenas registra e justifica esse movimento, mas não lhe dá origem.

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O trabalho feito pela reflexão original profundamente penetrante pode ir longe, pode descortinar muita coisa ainda desconhecida; mas não pode resolver o mistério do próprio pensador, a menos que este renuncie ao seu direito de fazê-lo e permita ao Eu mais divino assumir o controle em total silêncio. O intelecto, a razão e a inteligência não são, neste ensinamento, termos cambiáveis. O primeiro é a faculdade inferior do trio, o terceiro é a superior, o segundo é a intermediária. O intelecto é a reflexão lógica baseada numa coleção parcial e preconceituosa de fatos. A razão é a reflexão lógica baseada em todos os fatos disponíveis e imparcialmente coletados. A inteligência é o fruto de uma união da razão com a intuição. •*

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Um treinamento em lógica pode resguardar-nos de transgredir as regras da reflexão correta, mas não pode resguardar-nos da ignorância. í 5 g A lógica é sempre perseguida pela séria acusação de que suas assim chamadas "verdades" são falazes. Por exemplo, ela insiste na lei da contradição, a lei que declara não poder uma afirmação de fatos ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Mas o estudo cuidadoso das ilusões fornece conclusões que refutam essa lei. Não pretendemos, com esta crítica, declarar que a lógica seja inútil. Queremos apenas dizer aquilo que já escrevemos alhures, que ela é um bom servo mas um mau senhor.

Assim como .o caminho de retomo do intelecto governado-pelo-corpo para a intuição divina é necessariamente lento, da mesma forma a descida da mente originalmente pura do homem até a matéria foi um processo lento. A "Que90

da" não foi um acontecimento repentino; foi um emaranhamento gradual que se intensificou através das eras. Requer-se a consciência pura - o Eu Superior até mesmo para as operações materialistas do intelecto. Podemos dizer, portanto, que o Eu Superior jamais foi realmente perdido, pois está alimentando o intelecto com a vida necessária. Tudo isso tem continuado por eras indizíveis. No início, por um longo período, o homem possuía apenas um corpo sutil; mais tarde, porém, como seu intelecto continuasse mais inclinado para coisas exteriores do que antes, o corpo material aderiu ao homem. Essa situação curiosa tem surgido sempre que o intelecto não consegue realmente atuar na ausência do Eu Superior, ainda que se arrogue, falsamente, a supremacia do ser humano. Fingindo guiar e proteger o homem, ele próprio é rebelde e egoisticamente cego à orientação do E u Superior, e no entanto aprecia a proteção deste último. O ego-eu intelectual é, assim, soerguido pelo Eu Superior, e sem ele desmoronaria; finge, porém, ser auto-suficiente.

A reflexão correta não é apenas uma qualidade intelectual; é quase uma virtude moral.

§1 A inteligência é intelectualidade inspirada. Produz ideias bem arrazoadas e divinamente sugeridas. § # i # Com o poder de reflexão mais forte, todavia, vem também o orgulho intelectual e a vaidade egoísta. O praticante deve contrabalançá-los, tornando-se deliberadamente humilde perante o eu mais elevado. Não deve hesitar em orar a ele diariamente, de joelhos e com as mãos postas, suplicando sua Graça, oferecendo seu pequeno ego em sacrifício voluntário e pedindo orientação interior na sua escuridão.

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O pensamento frívolo e o raciocínio superficial são o caminho da escravidão, mas a reflexão consistente e o raciocínio profundo são o caminho da liberdade. § m f w •r•;!§! A reflexão racional pode contribuir de duas formas para o serviço da intuição mística e da experiência mística. A primeira e mais comum é uma forma nega tiva. Pode fornecer salvaguardas e restrições contra seus erros, contra seus exage ros, excentricidades e desperdícios. A segunda, e mais rara, é uma forma positiva e criativa. Pode conduzir o aspirante ao mais alto grau de intensidade do trabalho abstrato, e então permitir que um poder mais elevado remova esse trabalho i | •* § | "Refletir", disse Hegel — quando a senhoria se preocupou com a ausência dele ao serviço da igreja —, "é também Serviço Divino.*'



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A função mais primorosa do intelecto é apontar o caminho para essa consciência viva e real do Eu Superior, que está além dele próprio. Isso ele faz na senda

ascendente. Mas ele tem uma função adicional a desempenhar depois que essa consciência foi obtida com êxito, que é a de traduzir essa experiência em seus próprios termos, e dal em termos geralmente compreensíveis, tanto para seu próprio beneficio como para o de outras pessoas. :

1 § * O estudo intelectual destas verdades nffo é destituído de grande valor. Prepara o praticante para a sua compreensão final, nutre sua alma, fortalece sua vontade superior e encoraja suas esperanças mais sublimes. Além disso, uma reverência sagrada nasce por si mesma, à medida que ele medita sobre a imagem da inteligência universal, que assim se desdobra ante o seu olhar. § * * l Nesta pequena cabeça, primeiro temos de conquistar o mais vasto mundo. Deste canto obscuro, podemos dominar a vida.

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O aspirante filosófico transforma esses estudos intelectuais em atos de devoção.



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Por pretender a filosofia desenvolver uma psique totalmente consistente, ela não partilha dos pontos de vista fanáticos e extremos de alguns místicos medievais do Ocidente e de yogis indianos modernos, que banem da senda do aspirante toda atividade intelectual e que consideram o estudo não apenas inútil, mas até mesmo danoso. É verdade que, se um estudante permanecer sempre lendo, sem jamais digerir o que lê ou sem'jamais agir de acordo com o que lê, fará pouco progresso. No entanto, não se pode dizer que esteja perdendo seu tempo inteiramente, pois estará adquirindo informação. E se a sua leitura incluir trabalhos dos grandes mestres, ele também estará adquirindo inspiração. Se, além do mais, tiver aprendido a ler corretamente, estará adquirindo ainda uma terceira coisa, que é o estímulo para pensar e refletir por si mesmo. Sim! Um livro inspirado e um bom leitor, colocados juntos, não são necessariamente uma combinação não-espiritual, mas os requisitos que estabelecemos anteriormente devem ser lembrados. O que ele lê deve ser digerido. Ele deve aprender a pensar, a criar suas próprias ideias sob o estímulo daquilo que lê. Do contrário, quanto mais ele ler, tanto mais confuso poderá tornar-se com ideias e doutrinas contraditórias. E , repetindo, a leitura e o pensamento devem levar à ação, e não deixá-lo inutilmente suspenso no mundo dos sonhos e teorias. A filosofia não adota a atitude antiintelectual de tantos ascetas medievais e de seus herdeiros modernos, pois ela declara que a reflexão metafísica pode conduzir o pensador ao próprio umbral da intuição mística. Ela assegura que, perseverando na reflexão abstraia, ele pode conquistar a Graça do eu mais elevado e ser conduzido cada vez mais próximo da mais alta verdade. Mas há um pré-requirito para tão triunfante conquista. O pensador deve antes sujeitar-se a uma disciplina de autopurificação. Seus pensamentos, sentimentos e ações devem submeter-se a um treinamento prolongado e a um controle constante que eliminarão, ou pelo menos seduzirão, esses fatores que adulteram a sua reflexão ou impedem o aparecimento da verdadeira intuição. Seu caráter, portanto, tem de ser aperfeiçoado, seu instinto egoista tem de ser combatido, suas paixões têm de ser governadas, seus preconceitos têm de ser destruídos, suas tendências têm de ser corrigidas. Por não se terem submetido a essa disciplina é que muitas pessoas têm 92

sido desviadas, pela atividade pensante, para um materialismo infeliz. Pois a filosofia afirma que a reflexão do homem comum é corrompida pela sua natureza inferior, onde se acha completamente emaranhada. Ele deve, portanto, em grande parte libertar essa reflexão do cativeiro da natureza inferior, se ela tiver de levar a conclusões verdadeiras, se tiver de levar ao reconhecimento de suas próprias limitações, e se tiver de convidar a intuição a se erguer e a substitui-la no momento oportuno. Exatamente como a educação do intelecto e a prática da cortesia elevam um homem de uma ciasse mais baixa da sociedade para uma classe mais alta, também a purificação do pensamento, do sentimento e da vontade eleva a sua mente a um reino de percepção mais alta do que antes. Afilosofia,assim, acolhe e inclui a atividade metafísica no seu programa.

É falaz crer que a expressão intelectual clara e precisa seja inimiga da experiência mística arrebatadora e inspirada, e portanto incapaz de acompanhá-la. £ verdade que muitos místicos eram intelectualmente obstruídos e limitados, e que essa simplicidade tomou mais fácil sua ascensão. Mas não é verdade que esse desenvolvimento venha a ser o fim da história do homem. A vida em sua totalidade é que tem de ser experienciada, e que as leis universais forçam todos a experienciar afinal. O crescimento da inteligência — da qual o intelecto é uma parte limitada mas necessária — pode ser ignorado ou evitado apenas por algum tempo, mas não por todo o tempo. § Não superamos nossas dúvidas suprimindo-as, não fazemos frente aos nossos receios negando-os, e não refutamos a falsidade esquivando-nos das perguntas que porventura sejam inconvenientes. • /

§ tÉJÉI Se um homem pensar constantemente sobre essas verdades metafísicas, desenvolverá com o tempo a capacidade de percebê-las por intuição direta, em vez de percebê-las pela reflexão, em segunda mão. Mas, para fazer devidamente esse tipo de reflexão, a mente deve tornar-se firme, equilibrada, concentrada e facilmente desapegada do mundo. § # * H Quando a inteligência é aplicada tio completamente que permite uma visão total e não meramente parcial da existência; quando é aplicada tão persistentemente que permite um insight constante em relação às coisas em vez de um insighi esporádico; quando é aplicada tão desapegadamente a ponto de não se preocupai com preconceitos pessoais; e quando é aplicada tão calmamente que os sentimentos e paixões não podem alterar sua direção, então, e só então, o homem se toma realmente racional e capaz de averiguar a verdade intelectualmente.

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Como os dois lados da mesma moeda, quando pensamos em alguma coisa sempre o fazemos comparando-a com algo que não é ela; toda a nossa reflexão é portanto sempre e necessariamente dualística, e nlo pode esperar captar a Unicidade corretamente. Por isso a complementação lógica desses pensamentos exige que a reflexão desista da luta, cometa suicídio voluntário * éeixe que a própria Unicidade lhe fale, brotando do Silêncio. Mas isso não deve ser

feito prematuramente, ou a voz que vier será a voz dos nossos próprios sentimentos pessoais e nffo a d'Aquele do qual surge o sentimento em si. A reflexão deve primeiro cumprir, e cumprir ao máximo, sua própria função especial de levar o homem a uma autoconsciência reflexiva, antes que possa ceder justificadamente o seu lugar. E isso significa que ela primeiro deve estender-se o mais amplamente possível na consideração abstraía a respeito de si mesma. Isto é, deve aventurasse numa tarefa metafísica e em seguida abandoná-la. O místico comum raramente compreende isso. Ele está acertadamente ávido para matar seus pensamentos teimosos, mas está erroneamente ávido para matá-los antes que lhe tenham servido eficazmente na sua busca.

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Não há nada de novo nessa exigência da filosofia. Ela tem sido proclamada desde a Antiguidade por alguns daqueles que expuseram publicamente o que podiam ou queriam dizer a partir de sua iniciação filosófica. Sócrates falou das "noções incoerentes" que preenchiam as mentes humanas e que tinham de ser retiradas antes que outras mais divinas as pudessem substituir. Assim, ele exigia uma declaração adequada das definições de termos abstratos e gerais. Confúcio, que foi sempre mais propriamente homem prático do que pedante, disse entretanto: "É extremamente necessário retificar o nome das coisas. Se os nomes não estiverem corretos, a linguagem não estará de acordo com a verdade das coisas; se a linguagem não estiver de acordo com a verdade das coisas, a administração não terá êxito." A procura incansável de significados mais claros e de definições mais fáceis de serem expressas não deve ser confundida com mero purismo académico. Ela faz uso da precisão verbal apenas como meio de obter uma avaliação realista.

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O filósofo deve pedir a cada palavra que exprima totalmente uma definição cuja exatidão pode até horrorizar o homem comum. Ele deve tornar-se um caçador e vagar através das florestas do significado verbal para detectar o significado real. Não se apressará prematuramente à elocução. As palavras são banais para o homem comum, mas preciosas para ele. Sua estudada hesitação leva, entretanto, mais próximo da verdade. Essa disciplina de interpretação deve ser vigorosamente aplicada até que conduza a uma compreensão total de todos os conceitos que são os contrafortes essenciais na pesquisa filosófica. Pois, quando os homens se desviam na definição desses termos altamente importantes, certamente se desviarão em sua reflexão e dai serão desviados totalmente da verdade. v 4 § :) O estudo analítico de certos conceitos metafísicos, tais como Deus, a alma e o ego, é necessário. \Ss$

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A menos que ele inclua em seus estudos metafísicos uma apaixonada apreciação dos valores últimos e um profundo sentimento de reverência, eles não darão um fruto sadio nem perfeito. Em resumo, na sua reflexão deve ser inserido umricoconteúdo emocional, ético e intuitivo. §

O que toma insatisfatória a maior parte da metafísica vedántica é que ela _ imita à ontologia. 0 que toma insatisfatória a maior parte da metafísica ociden tal é que ela se limita â epistemologia. Ambas são unilaterais. Um sistema satisfatório completo deve começar primeiro com a epistemologia e em seguida terminar com a ontologia.

í §| O intelecto pode percebei o que pertence á realidade, mas não a própria realidade. O metafísico se ilude a ponto de pensar que viu o mundo em todos os seus variados aspectos, mas o que ele realmente viu foi o mundo em todos os seus aspectos intelectuais apenas. Além do mais, quando pensa que reuniu os resultados de uma ciência com outra, juntando-os num todo harmonioso, deixa de considerar que as limitações da capacidade humana são tais, e que a vastidão rapidamente crescente do conhecimento científico é tal, que nenhum homem poderia jamais combinar todos os numerosos resultados. Ele jamais poderia adquirir um conhecimento íntimo deles durante apenas uma vida. Jamais poderia, portanto, desenvolver uma filosofia completa do universo como um todo. O intelecto se realiza em termos práticos quando descobre que cada ideia que produz é incompleta e imperfeita, e portanto segue em frente para substituí-la por outra mais avançada, mas se realiza metafisicamente quando descobre que cada ideia que possa produzir será sempre e necessariamente incompleta e imperfeita. Na medida em que são quase inteiramente trabalhos metafísicos, estes dois volumes * não têm nenhuma opção senão apelar sobretudo para a razão, e só para ela. E expondo o sistema especial e incomparável chamado metafísica da verdade, como fazem, eles têm de começar, quando possível, de fatos verificáveis e não de meras especulações. Mas qualquer outra importância que atribuam ao raciocínio como instrumento para se chegar à verdade aplica-se apenas ao estágio especial para o qual ele é prescrito, que é o estágio da disciplina metafísica, e certamente não além dele. Embora o status conferido à razão em todos os sistemas metafísicos, a começar pela ciência, deva necessariamente ser primordial, seu status dentro do quadro mais amplo do ensino oculto integral só pode ser secundário. Esse ensinamento possui uma visão mais ampla, e não termina com a ciência nem se limita apenas ao ponto de vista racional. Como pode fazê-lo, quando a metafísica é apenas a sua fase intermediária? Devemos acertadamente honrar a razão ao máximo, mas não precisamos, por isso, aceitar a doutrina desarrazoada de que os limites da razão constituem os limites da verdade. Nossos sentidos podem perceber somente aquilo para cuja percepção foram criados. Nossa razão, analogamente, não pode captar aquilo para cuja captação não foi criada. Dentro de suas esferas legitimas de operação, os pronunciamentos, tanto do sentido quanto da razão, devem ser aceitáveis para nós, mas fora dessas esferas devemos procurar algo que transcenda a ambos. Mas a causa básica pela qual a razão é insuficiente reside no fato de que o intelecto — o instrumento com o qual trabalha — é ele próprio insuficiente. A razão é a organização correta da reflexão. Cada pensamento assim organizado depende, para existir, de um outro pensamento, e é incapaz de existir sem essa relação, isto é, está sujeito á relatividade. Daí se deduz que um pensamento não pode ser considerado pleno em si mesmo, e portanto a razão não pode conhecer o absoluto. O intelecto pode tomar em separado as formas da existência, pedacinho * Presumimos que o autor se refere a O Ensinamento Oculto Além â& Yogc e A sabedoria do Eu Superior.

por pedacinho, e dizer-nos no que consistem. Mas tal dissecação cirúrgica não pode dizer-nos o que a existência mesma é. Isso é algo que deve ser uma experiência; não um mero pensamento. Ele pode explicar o que entrou na composição de uma pintura, mas, como podemos entender, se refletirmos um pouco, não pode explicar por que sentimos o fascínio pela pintura. O intelecto analítico descreve a realidade em grau suficiente para dar alguma satisfação às nossas emoções ou à nossa inteligência, mas ele não toca, de forma alguma, essa ilusória e desnorteante realidade. O que dissecou não é o corpo vivo e palpitante, mas a imagem fria e morta desse corpo. Quando a razão nos diz que Deus e', ela não conhece Deus realmente. As antenas da pesquisa intelectual não podem penetrar no Eu Superior, porque a reflexão só pode estabelecer relações entre ideias, e portanto deve permanecer eternamente nos reinos das dualidades, das finitudes e das individualidades. Ela não pode captar o todo, mas apenas' partes. Por conseguinte, a razão que depende da reflexão é incompetente para compreender o misterioso Eu Superior. A compreensão profunda é para ser experienciada e sentida; o pensamento pode apenas indicar o que é provável e o que não é provável que ela seja. Daí o que disse Al Ghazzali, o sufi: "Definir a embriaguez, saber que é causada por vapores que sobem do estômago e nublam a base da inteligência, é diferente de estar embriagado. Assim descobri que o saber último consiste em experiências e não em definições." O fato de que a metafísica tenta explicar toda a existência apenas em termos intelectuais, e tenta forçar a natureza humana a entrar em moldes conceptuais, leva-a a suprimir ou distorcer, em ambos, os elementos não-intelectuais. A consequência é que a metafísica sozinha não pode alcançar uma compreensão adequada. Se insiste em exaltar seus próprios resultados, alcança então o equívoco. A metafísica prova a existência da realidade, mas é incapaz de penetrá-la. Na verdade, a metafísica deve, no final, criticar a aridez desértica de seu próprio meio de reflexão, e não cometer o erro de considerar a atividade do pensamento como a realidade última, quando ela própria é apenas um segmento da experiência e da existência humanas como um todo. O intelecto oferece uma realidade que jamais poderá ser uma realidade sentida, mas apenas uma realidade descrita e, além disto, descrita apenas em termos negativos. O trabalho intelectual pode tão-somente pintar o quadro da realidade; temos em seguida de verificar esse quadro, compreendendo-o dentro da nossa própria experiência. A função final do pensamento racional é revelar por que a razão não é competente para julgar a realidade e por que a reflexão não é competente para conhecer a realidade. No momento em que tentamos entender o que a realidade é, saímos da nossa profundidade porque nossa própria reflexão precisa mover-se numa sequência em série, que em si mesma nos impede de escapar de uma certa forma espaço-temporal que nos confina a um certo mundo de aparência. Assim como, por ter entrado na nossa experiência espaço-temporal, podemos segurar uma produção artística mas não a mente que está por trás dela, assim também, e pela mesma razão, podemos segurar a tela que, no entanto, nos intercepta a visão. Isso acontece porque só podemos pensar na existência como uma certa forma ou em relação a uma certa coisa; não na existência sem forma, sem corpo, infinita. Temos de localizá-la em algum ponto do espaço. Por serem o espaço e o tempo formas tiradas do conhecimento racional, por serem condições que só existem dentro da nossa consciência pessoal, não entram no conhecimento da consciência daquilo que está além tanto da reflexão racional como da individualidade pessoal.

Nenhuma ideia jamais exclui realmente outra, assim como ideia alguma jamais está fora da mente,.e todas as ideias, tudo aquilo que é visto, pode apenas teoricamente estar separado da mente que pensa e vê. Como psicólogos, pensávamos em separar aquele que vê daquilo que é visto, para que pudéssemos aprender afinal qual é realmente a natureza da mente pura; mas como filósofos, devemos agora fundi-los. A reflexão, por precisar sempre ter um objeto com o qual se ocupar, jamais pode penetrar o Eu Superior, pois aí só existe o Único. Devemos renunciar a pensamentos e coisas, se quisermos entrar no Absoluto. Por não haver mais, nesse estado último, nenhuma consciência de um observador individual e de um mundo observado, a distinção entre a mente individual e o corpo individual também cessa. Tudo, incluindo nossa individualidade separada, é esvaziado, por assim dizer. O nada resultante, entretanto, é realmente a essência de tudo. Não é o nada da morte, mas da vida latente. 0 pensamento humano não pode ir além, pois, quando se estabelece o "cstado-de-nsõ-dois" como o Real, o movimento lógico de um pensamento para outro só poderá prolongar a oscilação do "estado-de-dois" sobre a mente. Nesse ser puro não pode haver nenhum "outro", tampouco dois, daí ser chamado não-dual. A integridade do seu ser não pode realmente ser partida. Se o Eu Superior deve ser realmente experienciado, então deve sê-lo como uma realização do Ser Infinito. Dividir-se em conhecedor e coisa conhecida é habitar em dualidade. A antítese de conhecedor e coisa conhecida não pode nele entrar, da mesma forma que a oposição entre realidade e ilusão é inexpressiva para ele. A unicidade do seu ser é absoluta. O retomo a essa consciência, que considera o mundo apenas sob seu aspecto monístico, é a compreensão da verdade que o sábio possui. Quando a reflexão racional consegue perceber que não pode transcender a si mesma, que nada mais pode produzir senão um outro pensamento, ela terá atingido o seu ponto máximo e terá cumprido sua função própria. A verdade metafísica é a aparência intelectual da realidade, o conh cimento racional dela; mas não é a realidade em si, não é realização. Pois o saber necessita de uma segunda coisa a ser sabida; daí o conhecimento metafísico, sendo dual, jamais poder produzir realização, que é não-dual. A realidade deve manter-se de pé grandiosamente só, sem depender de nada e sem ter relação com ninguém; sempre foi, é, e sempre será. Foi essa inabilidade da razão humana para captar o supra-racional, o inefável divino, que Omar Khayyam tentou exprimir em seus belos quartetos tão malcompreendidos pelos leitores ocidentais. Se o Rubaiyat de Omar é apenas um ébrio refrão vindo de uma loja de vinhos, então o Novo Testamento é mera garatuja vinda de um canto qual quer do Império Romano. O cálice da linguagem é demasiado pequeno para conter o vinho do Absoluto. Um pensamento que enfoque a Mente como o Vazio é ainda "algo", tanto quanto um pensamento que contenha grandes montanhas e, portanto, nos impede de compreender o Vazio. Ora, quando captamos a natureza básica do ato de pensar do ser humano, e percebemos que esse ato só é possível com aformaçãode duas ideias contrárias ao mesmo tempo, da mesmaformaque o conceito da cor negra éformadopelo contraste com a cor branca, podemos então captar a razão fundamental pela qual esse ato de pensar jamais pode erguer-se até a consciência da unidade Absoluta Não podemos pensar na eternidade sem pensar também no tempo. Pois nossa concepção dela ou prolonga o tempo, até que a imaginação ralhe ou cesse, ou nega totalmente o tempo na noção da atemporalidade. Em nenhum dos dois casos com preendemos realmente a eternidade. Por quê? Porque o intelecto não pode apreender aquilo que está além de si mesmo. Nós humanos conhecemos algo por distúv gui-lo de outras coisas, por limitar sua natureza e por relacioná-lo com o seu oposto.

Mas o infinito nada mais tem de que possa ser distinguido ou com o que possa estar relacionado, e certamente nffo pode ser limitado de forma alguma. Nossa divisão anterior num dualismo de observador e coisa observada deve agora chegar a um fim. Mas nffo cometamos o erro de tomar este estágio pelo estágio final. Há ainda uma senda além, uma senda que leva ao supremo, onde observador e coisa observada se tomam um. 0 Real jamais pode ser formulado porque jamais pode ser pensado. Portanto, é bem claro que os meios comuns de conhecimento são incapazes de captá-lo. Mas esse conhecimento não é inútil. Porque, se a religião nos pode dar uma ideia simbólica e o misticismo uma ideia intuitiva do Infinito, o conhecimento metafísico pode dar-nos uma ideia racional dele. E possuir tal ideia impede-nos pelo menos de cair em erros acerca da realidade que está por trás dele. Se a metafísica jamais pode realizar a tarefa que se impõe — de conhecer a realidade — pode realizar a tarefa de conhecer o que não é a realidade. E esse serviço é inestimável. A função da razão é, em última instância, uma função negativa; ela não pode prover uma compreensão positiva do Eu Superior, mas pode prover uma afirmação clara do que Ele não é. A razão é capaz de demonstrar que o E u Superior não pode possuir nenhuma forma e não pode, de modo algum, ser imaginado. Todavia, podemos ter tanto a certeza quanto a satisfação de que nosso pensar é correto, mas não temos nem a certeza nem a satisfação de abraçar conscientemente aquilo com o que esse pensar lida. Podemos ter formado uma imagem mental correta de Deus, mas não estamos ainda na sagrada presença de Deus. Não devemos confundir a imagem com a realidade que ela representa. Quaisquer que sejam as descobertas que tenhamos feito até o presente, foram feitas apenas dentro das limitadas fronteiras do pensar racional. Exaltado e expandido quanto possa ser o nosso enfoque hoje, nada podemos fazer senão pensar na existência dessa realidade sem realmente vivê-la. O mero reconhecimento intelectual de.ssa Unicidade da Mente não é suficiente para tomá-la real para nós, assim como o mero reconhecimento intelectual da existência da Austrália não será suficiente para tornar a Austrália real para nós. No final, todas as nossas palavras a respeito do Eu Superior continuam sendo apenas palavras. Pois, assim como, para um homem que nunca tocou ou bebeu nenhum líquido, não há conversa que lhe tome adequadamente claro o que seja a umidade enquanto ele não puser o dedo num líquido ou beber um pouco dele, assim também toda explicação verbal realmente deixa de explicar o Eu Superior, a menos que o conheçamos por nós mesmos, dentro de nós e como nós próprios, e só então.

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Cabe normalmente à metafísica criticar pontos de vista superficiais sobre o mundo empírico, e corrigir os pontos de vista erróneos, enquanto procura construir uma interpretação racional, sistemática e acurada da existência como um todo. Isso é bom em si, pois será vantajoso para nós, e não desvantajoso, encontrar uma base metafísica para nossas crenças. Está bem claro, entretanto, que os sistemas metafísicos sozinhos não podem ser suficientes para o nosso propósito mais alto, pois, baseando-se em suposições, em raciocínio ou em imaginações pessoais, se eles parcialmente iluminam a humanidade, também parcialmente a desnorteiam pelas suas mútuas contradições. Por essa razão, entra a filosofia nesse ponto e oferece o que ela chama de "a metafísica da verdade". Essa metafísica é uma interpretação, em termos intelectuais, dos resultados obtidos de um insight místico direto concernente àquilo que é em si incapaz de ser apreendido pelo intelecto. Através desse insight superior, ela provê de forma ordenada as 98

razões, leis e condições da experiência supra-sensorial do Eu Superior; unifica e explica, as experiências que abrem caminho para essa consumação; e, finalmente, relaciona o todo com a vida prática diária da humanidade. Este é o sistema único que os sábios antigos intelectualmente construíram após terem realmente realizado o Eu Superior dentro da sua própria experiência. Esse ponto merece a máxima ênfase, pois ele distingue o sistema de todos os outros que trazem o nome de metafísica ou filosofia. Enquanto esses outros não passam de conjecturas inteligentes ou de expectativas fragmentárias do que a verdade última ou a realidade última possam ser, e portanto hesitem entre numerosos "se" e "mas", este sozinho 6 uma apresentação do conhecimento em primeira mão daquilo que eles são realmente. Ele elimina qualquer especulação. Assim como a ciência é uma intelectualização racional da experiência física comum, assim também a metafísica da verdade é uma intelectualização racional da experiência transcendental muito mais sublime. É, na verdade, um esforço para traduzir em pensamento convencional aquilo que está essencialmente além desse pensamento. Como se diz em linguagem intelectual, ela é científica em espírito, racional em atitude, cautelosa nas afirmações e fatual em tudo. É dedicada ao implacável desmascaramento do erro, à destemida remoção da ilusão e à perseverante busca da verdade até o extremo final — a despeito de considerações pessoais. Procura compreender a vida como um todo e não apenas alguns de seus aspectos especiais.

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A metafísica está voltada para uma consciência mais elevada, mas não pode tocá-la por si mesma. Fornece os conceitos mais verdadeiros dessa consciência mas, sendo apenas conceitos, eles apenas a simbolizam. Não devemos confundir duas coisas inteiramente diferentes: a percepção da unidade fundamental, que o sábio realizado possui, e o conceito de unidade fundamental, que o pensador metafísico possui. O sábio fará uso do conceito do metafísico ao procurar expi sar com clareza e tomar compreensível na comunicação com os outros o conteúdo dessa unidade por ele sentida. O metafísico nffo consegue ir além do seu conceito, por mais que se esforce, a menos que se eleve completamente acima da metafísica. Pois, quando ele tenta determinar o indeterminável, ele se limita a tartamudear uma série de palavras vazias e, finalmente, falha na sua tentativa, sendo suas últimas palavras puramente negativas. O metafísico toma-se totalmente desamparado quando confrontado com o problema de conceber seu próprio conceito último de realidade, pois só pode expressá-lo em termos negativos, o que equivale a um total fracasso em fazê-lo. O momento em que ele se esforça por determiná-lo em pensamentos afirmativos é o momento em que destrói completamente a realidade desse conceito, pois este toma-se então um mero pena entre os numerosos outros considerados pela sua mente. Assim como a fria se científica despoja de seu conteúdo a emoção artística mais calorosa, destruindo desse modo a própria emoção, assim também o processo de reflexão despoja da sua realidade a mais profunda experiência mística e elimina seu caráter transcendental. Pois a realidade está além da demonstração da razão e é inacessível a ela. A argumentação metafísica é um processo autodestrutivo, pois ela pode apenas revelar sua total inadequação para captar o Real, exceto sob a forma de pensa mento. Consequentemente, falham na sua tentativa os metafísicos vedânticos que proclamam que seu caminho de raciocínio discriminativo é. sozinho, suficiente para atingir a compreensão de Deus sem qualquer espécie de prática roo Eles não podem oferecer nada mais que meras palavras ruidosas, fala vazia que data

suas vitimas no mesmo ponto do reino da ilusão em que estavam quando, pela primeira vez, se sentaram aos pés desses gurus palradores. A tarefa final da metafísica, depois de terminado seu trabalho disciplinar e corretivo sobre as emoções pessoais e a experiência mística, é abolir a si mesma! Pois ela tem então de mostrar que todo o questionamento intelectual e todas as respostas intelectuais lidam com um nível de referência que é mera aparência. Quando a metafísica compreende que não pode tocar o Real, ela silencia suas próprias agitações e desdenha sua própria edificação. Uma metafísica genuína, portanto, será sempre autodestrutiva. A reflexão metafísica fabrica com o maior empenho modelos isolados e fragmentários do Real, e em seguida os reúne para fazer um todo harmonioso. Mas tanto no método que usa para atacar o problema do Eu Superior quanto no resultado que atinge, ela nunca chega além de meras representações, isto é, nunca chega ao Real propriamente dito. Ela atua dentro do âmbito de uma circunferência que no final a limita. Todo o esforço é como o esforço de um homem que tenta erguer a si mesmo pelos cordões dos sapatos — não pode ser feito. O E u Superior de uma metafísica não vivificada continuará sempre sendo uma simples construção mental.

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Sendo a maioria dos sistemas metafísicos realmente sistemas de especulação que envolvem frequentemente muito detalhamento lógico, deve-se reiterar que apenas o sistema da "metafísica da verdade" procura dirigir o movimento da reflexão ao longo das linhas que ele tem de seguir, se pretende atingir a verdade, e não, como a maioria dos outros sistemas, ao longo das linhas que quer seguir. A verdade de um sistema metafísico tem de ser garantida pela experiência mística da qual nasceu. Nenhuma outra garantia pode oferecer a mesma certeza e a mesma satisfação no final. Ao passo que todo homem pode ter qualquer opinião metafísica que lhe agrade, unicamente a "metafísica da verdade" exige que ele enfrente as necessidades inescapáveis impostas pelos severos fatos trazidos à luz pela experiência mística mais elevada. Só esse sistema é impessoalmente construído em conformidade com o modelo oculto de vida, ao passo que a metafísica especulativa é construída em conformidade com a experiência limitada e as tendências pessoais de seus construtores. Pode-se concisamente dizer que a metafísica se baseia na lógica, ao passo que a "metafísica da verdade" se baseia na vida. A metafísica da verdade é exposta de tal modo que o estudante crê que está avançando passo a passo exclusivamente pela dedução lógica de fatos comprováveis, e que sua reflexão racional sustenta as descobertas da experiência transcendental. Ele não apenas está fazendo isso mas, ao mesmo tempo, está avançando num caminho que se harmoniza com o seu próprio insight latente. Ela desperta em seus estudantes uma inteligência superior. Consequentemente, o senso de revelação súbita ou gradual pode com frequência acompanhar seus estudos, se ele for suficientemente intuitivo. A autêntica metafísica da verdade pode aproximá-lo da experiência mística da realidade. Então, o puxar do gatilho que colocará a experiência em movimento precisa ser apenas algo brando, talvez uma inspirada frase impressa, talvez um único encontro com alguém que tenha aprendido a viver no Eu Superior, ou talvez uma escalada às montanhas. Pois então a mente se toma como uma pilha de madeira seca, que necessita apenas de uma centelha para 100

incendiar-se numa fogueira ardente. A devotada atenção a seu curso de pensamento toma-se então, em si mesma, uma senda do yoga. .1 ? § í § . Por lidar a metafísica da verdade com idéias-raízes, e porque num universo mentalista tais ideias são potencialmente mais poderosas e mais importantes do que as materialistas, a metafísica da verdade toma-se o estudo mais valioso a que o intelecto humano pode se dedicar. Pois essas ideias lhe fornecem os modelos correios para moldar a existência física.

§ J A metafísica da verdade deve ser captada não apenas corretamente, mas também reverentemente. As conclusões às quais chega a razão podem ter força de persuasão apenas sobre ela própria, não necessariamente sobre o ser total e integral do homem. Temos definalmenteresolver os problemas da vida pela integração de toda a nossa natureza humana, e não meramente pelo julgamento de uma certa parte dela. Fazer da vida algo constituído apenas de conceitos racionais é reduzi-la, é fazer dela uma fria ab st ração e, assim, cair na falácia de tomar a parte pelo todo. Os conceitos metafísicos podem satisfazer plenamente as exigências da razão, mas isso não significa que satisfarão as exigências da totalidade do nosso ser. Satisfazem a razão por serem produtos da própria razão. Mas õ homem é mais do que um ser pensante. Sua estrutura integral exige o sentimento e o fato, tanto quanto o pensamento. Exige, pois, tanto a experiência da não-dualidade quanto o conceito sobre ela; tanto o sentimento quanto a ideia sobre ele. Enquanto o homem conhecer a vida apenas como uma parte limitada do seu ser, apenas como algo destituído de conteúdo emocional e divorciado da experiência física, ela permanecerá incompletamente conhecida, semi-apreendida, por assim dizer. É nesse ponto crucial que aquele que busca deve compreender as limitações da metafísica, e estar pronto para colocar de lado, como tendo cumprido seu propósito específico, aquilo que até esse momento tinha valorizado como uma senda da verdade.

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•« # § Nosso conselho é: estude a metafísica até o fundo e então fuja dela, antes de se tomar um mero metafísico! No momento em que começar a usar o jargão metafísico, você estará perdido.

As aspirações espirituais, os ideais morais, e até as experiências místicas são, elas mesmas, projeções invertidas do ego. Através delas, o "eu*' é capaz de expandir-ee em um "eu" maior, mais grandioso, mais feliz e mais forte do que antes. Se elas não são as próprias criações do ego, proporcionando-lhe abrigo ou disfarce, então elas são logo infiltradas e traídas, minadas ou permeadas, até que alimentem e nutram o mesmo eu do qual se esperava que se desviassem.

f Que sou eu? - O pensamento-do-eu - A psique

Tudo o que fazemos ou dizemos, tudo o que sentimos ou pensamos, no fundo está relacionado com o ego. Vivemos acorrentados ao seu pilar e movemo-nos num circulo. A busca espiritual é realmente uma tentativa de sairmos desse circulo. De outro ponto de vista, é um longo processo de descoberta do que está profundamente escondido pelo nosso ego, com seus desejos, emoções, paixões, argumentos e atividades. Tomando ainda um outro ponto de vista, é um processo que nos dissocia dessas coisas. Mas é* improvável que se possa persuadir o ego a, de boa vontade, deixar de exercer o seu domínio. Seus caminhos ilusórios e seus hábitos enganadores podem levar um aspirante à crença de que esteja alcançando um estágio elevado, quando está simplesmente andando num círculo. A forma de sair desse círculo é, ou procurar a fonte do ego, ou, caso isso seja difícil demais, associar-se bem de perto a um verdadeiro mestre e prestar-lhe completa obediência. O ego, sendo finito, não pode produzir um resultado infinito através de seus próprios esforços. Ele engendra seus pensamentos e emite seus desejos, dia após dia. Ambos podem ser comparados com teias de aranha que são renovadas ou ampliadas e que nunca desaparecem por muito tempo dos cantos escuros de um aposento, não importa com que frequência possam ser eliminadas. Enquanto se permitir que a aranha viva ali, elas reaparecerão. Ir ao encalço do ego em seu covil é exatamente como caçar a aranha e removê-la completamente .do aposento. Não há meio mais eficiente ou mais rápido de atingir o objetivo do que trazer à luz sua verdadeira fonte, oferecer o ego a essa Fonte, efinalmente,através da senda de afirmações e recolhimento, unir-se a ela. | £ § —' | i A prática do ponto de vista impessoal sob a orientação do mentalismo conduz, no devido tempo, à descoberta de que o ego é uma imagem formada na mente, uma construção mental, uma imagem com a qual estamos inextricavelmente entrelaçados. Mas essa prática começa a nos desatar e a nos libertar. I § iití»•* I Toda a sua reflexão sobre o ego é necessariamente incompleta, pois não inclui o próprio pensamento-do-ego. Tente fazer isso e ele escapa do seu controle. Somente algo que transcenda o ego pode compreendê-lo.

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| s H Se é para o ego se perpetuar, ele precisa entrar em todas as atividades da mente, e não simplesmente nas mais básicas. Isso é exatamente o que acontece. 102

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, O objetivo máximo da busca não é obter a iluminação pela destruição do ego, mas sim pelo seu aperfeiçoamento. É o exercício do egoísmo que deve ser destruído, não aquilo que o exerce. A soberania do ego é que deve ir embora, não o ego propriamente dito. § Se o aspirante está disposto a procurá-las, encontrará as ^rrrania atividades secretas do ego nos recantos mais insuspeitados, até mesmo no meio das suas mais grandiosas aspirações espirituais. O ego não quer morrer, e até dará as boas-vindas a essa grande redução de seu campo de ação, se esse for o único meio de escapar da morte. Visto qué o ego é necessariamente o agente ativo nessas tentativas de auto-aperfeiçoamento, ele estará na melhor posição para garantir que elas terminem como uma aparente vitória sobre si mesmo, mas não uma vitória real. Esta última só pode ser alcançada confrontando-o diretamente e, sob a inspiração da Graça, matando-o diretamente; isso é completamente diferente de confrontar e matar qualquer das suas bem variadas expressões de fraquezas e faltas. Elas não são, de modo algum, a mesma coisa. São os ramos, mas o ego é a raiz. Por isso, quando o aspirante se cansa dessa interminável batalha do Caminho Longo, batalha essa com sua natureza inferior, que mal é subjugada numa manifestação e já reaparece em outra, quando se enfastia de enganar-se naquilo que imagina serem realizações, muito mais agradáveis, do Caminho Breve, ele está pronto para tentar o último e único recurso. Aqui, depois de longo tempo, o aspirante chega ao próprio ego pela completa rendição deste e não pela preocupação com seus numerosos disfarces — que podem ser feios, como a inveja, ou atraentes, como a virtude.

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Nada que a própria vontade do aspirante possa fazer traz como consequência esse destronamento do ego. A vontade divina precisa fazer isso por ele. A sua desvantagem é o ego forte, o "eu" que intercepta o caminho, e que deve ser subjugado pelo sacrifício emocional no sangue do coração. Mas, uma vez afastado esse "eu", você sentirá tremendo alívio e ganhara a paz. §

O que ou quem está procurando iluminação? Não pode ser o eu mais elevado, pois ele é da natureza da Luz. Resta, então, somente o ego! Esse ego, objeto de tantas acusações e desabonos, é o ser que, transformado, conquistará a verdade e achará a Realidade, mesmo que o preço a ser pago seja, no finai, a sua completa rendição.

O egoísmo, que é a limitação da consciência à vida individual vista como separada da vida infinita, é a última barreira para a obtenção da unidade com a vida infinita.

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§ l< Como a cobra, que nunca morre com seu próprio veneno, o E u Superior nunca é enganado pelo poder, de seu próprio ego, de construir imagens, embora o ego o seja quase continuamente. § m& m .} mi * A autolisonja do ego afasta a maioria das sugestões de que suas intenções possam estar corrompidas, de que seu serviço não seja tão desinteressado como parece e de que sua humildade possa ser um pretensioso disfarce para a secreta vaidade. 'j&É * § :?• § § | Os obstáculos que impedem a difusão da filosofia entre as massas não são apenas a falta de cultura, a falta de tempo e a falta de interesse. O obstáculo mais poderoso de todos é aquele que afeta do mesmo modo todas as classes sociais — é o ego. A maneira teimosa como o estimam, a força apaixonada com a qual se agarram a ele, e a poderosa crença que lhe dão, unem-se para construir uma muralha contra os serenos enunciados da filosofia sobre o que ele é . As pessoas exigem, em vez disso, aquilo que desejam. Daí ser mais fácil fãlar-lhes, e mais fácil para elas aceitarem, que a vontade de Deus decide todas as coisas e que a submissão paciente a essa vontade é sempre o melhor caminho, do que lhes falar que seu cego apego ao ego cria grande parte de seus sofrimentos e que, se não abordarem a vida impessoalmente, não haverá outro caminho a não ser tolerar os penosos resultados de uma atitude errada. Esse é o caminho da religião. A filosofia, contudo, insiste em dizer a inteira verdade a seus estudantes, mesmo que sua voz calma e desapegada gele seus egos até os ossos. A aceitação do ponto de vista filosófico envolve a rendição do ponto de vista egoísta. Esse é um ajuste que só os moralmente heróicos podem fazer. Não precisamos esperar, portanto, que as pessoas tenham pressa para se tomarem filósofos. í f § Embora o ego alegue estar engajado numa guerra contra si próprio, podemos estar certos de que ele não tem a intenção de permitir que se atinja uma vitória real, mas somente uma pseudovitória. A simples mente consciente não é capaz de semelhante astúcia. Esta é uma das razões pelas quais, entre tantos buscadores espirituais, tão poucos conseguem realmente chegar à união com o Eu Superior, e é também uma das razões pelas quais mestres que enganam a si mesmos logo conseguem seguidores, enquanto os verdadeiros são deixados em paz, sem serem perturbados por essa avidez.

Até que o aspirante aprenda que seu inimigo é o próprio ego, com todas as atitudes emocionais e mentais que o acompanham, seus esforços para libertar-se espiritualmente caminham apenas num círculo.

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s •. § Quando o ego é forçado a ajoelhar-se no pó, humilhado aos seus próprios olhos, embora conceituado ou temido, invejado ou respeitado aos olhos dos ou-

tros homens, o caminho está aberto para o influxo da Graça. Esteja seguro de que esse ato do homem interior, de tornar-se completamente humilde, acontecerá repetidamente até que ele esteja purificado de todo o orgulho. t S # •* Em toda atividade humana o ego desempenha o seu papel, e enquanto essa atividade continuar, o ego contínua. Há muita confusão e muito desentendimento sobre esse ponto. Dizem-nos que devemos aniquilar o ego; também nos àiztm que o ego não existe. O fato é que se a atividade existe ele deve existir. O que deve ser feito, então, pelo aspirante espiritual? Ele pode submeter e,finalmente,terá de submeter o ego ao Poder Superior. O ego ainda está lá, mas é colocado no seu devido lugar. Então, por que nos dizem para aniquilar o ego, se isso é impossível? A resposta é que isso é possível, mas somente naquele que é o ponto mais profundo da meditação, o ponto chamado nirvikalpa em sánscrito, onde todos os pensamentos são apagados, todos os registros dos sentidos deixam de existir e nasce uma espécie de estado de arrebatamento. Nesse estado, o ego é incapaz de existir; torna-se inoperante, mas certamente não morre, ou ele não retomaria quando esse estado cessasse, como deve cessar. Realmente, não ajuda nada afirmar que o ego não existe, ou que, se existe, precisa ser aniquilado. O fato é que ele precisa ser levado em consideração por todos aqueles que procuram a vida superior; quaisquer que sejam as teorias que o aspirante nutra a respeito do ego, ele está lá, precisa ser reconhecido, precisa ser enfrentado. Parte da confusão é devida ao fato de que o ego é algo mutável; muda com o tempo e com a experiência, enquanto o Ser Infinito, o Supremo, é imutável. Nesse sentido, a realidade não pode ser atribuída ao ego, mas somente pode sê-lo naquele sentido supremo. Entretanto, estamos vivendo aqui embaixo, no tempo e no espaço, e ignorar esse fato é cultivai a surdez e o mutismo intelectuais.

A ilusão do ego permanece por trás de todas as outras ilusões. Se for removida, elas também o serão. § 4 « •! Os sufis falam de uma experiência que denominam aniquilamento {fana em persa), que significa o aniquilamento do eu pessoal. Não há dúvida d que na experiência mística sufi isso é o que se sente acontecer; mas se isso realmente acontecesse de modo cabal e completo, não desapareceriam as características da pessoa? Achamos que esse desaparecimento não ocom de fato, as características continuam. O que então aconteceu realmente, pois deve ter sido um acontecimento tremendo para ser comparado à aniquilação ou a morte? O segredo é que o que ocorreu foi uma mudança na atitude para com o eu pessoal. O eu pessoal permaneceu, mas a atitude para com ele foi modificada. A tirania do ego se desvaneceu, o que não é a mesma coisa que dizer que o próprio ego se tenha desvanecido. §

O ego não é realmente destruído - como, sem corpo e intelecto, emoção e vontade, poderia alguém agir neste mundo? - mas o -centro do ser muda-se do ego para o Eu Superior. §

Remova de um homem o conceito do ego e você removerá a terra firme debaixo de seus pés. Um abismo cada vez maior parece abrir-se sob ele. Isso lhe proporciona o maior pavor de sua vida, acompanhado de sentimentos de completo isolamento e terrível insegurança. Ele clamará então insistentemente pelo retomo do seu amado ego e pelo retomo à segurança uma vez mais — a menos que sua determinação de alcançar a verdade seja tão forte e tão exigente que ele possa resistir à prova, sobreviver ao teste e continuar até que a luz do E u Superior ilumine o abismo.

O ego não apenas é solicito em proporcionar ao aspirante um caminho espiritual para mantê-lo ocupado por vários anos e, assim, impedi-lo de ir ao seu encalço em seu covil; proporciona-lhe até uma iluminação espiritual para validar esse caminho. É necessário dizer que essa fluminação simulada é uma outra forma de auto-engrandecimento do ego?

Tenho dúvidas quanto à capacidade de alguém ser perfeitamente sincero, se suas ações não vêm dessa fonte mais profunda. A pessoa pode acreditar que é, e outros podem pensar o mesmo dela, mas visto que suas ações têm de provir do seu ego, que é ele próprio gerado pelo engano e mantido pela ilusão, como podem elas atingir um padrão que dependa da completa verdade e inteira realidade?

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O ego é arrogante, soberbo, presunçoso e auto-enganador. £ § ' i # Aquela velha raposa astuciosa, o ego, é bem capaz de engajar-se em práticas espirituais de toda espécie e de demonstrar aspirações espirituais em todos os graus de fervor.

* | § Se o ego puder enganar o aspirante a ponto de desviá-lo

da questão central de sua própria destruição para alguma 'questão lateral menos importante, certamente o fará. O número de êxitos nesse esforço é muito maior que o de fracassos. Poucos escapam de serem enganados. O ego usa os meios mais sutis para se inserir no pensamento e na vida do aspirante. Trapaceia, engana, exalta e avilta-o alternadamente; basta que ele o permita. Anatole France escreveu que é na habilidade de enganar a si mesmo que se revela o maior talento. É um hábito constante e uma reação instintiva defender o ego contra a evidência dos resultados infelizes de sua própria atividade. O aspirante precisará resguardar-se disso repetidamente, pois os próprios poderes do ego são pateticamente inadequados, e sua própria capacidade de prever está visivelmente ausente.

É tanto verdadeiro quanto falso que não podemos levar o ego conosco para a vida de iluminação mística. O ego, afinal, é um simples reflexo, extremamente limitado e frequentemente distorcido, do eu mais elevado. . . mas ainda é um reflexo. Se pudéssemos colocá-lo em correto alinhamento com o eu mais elevado e submetê-lo a ele, o ego não seria um obstáculo à vida iluminada. Ele não pode, realmente, ser destruído enquanto precisarmos de seus serviços durante o tempo 106

em que estivermos na carne; pode, todavia, ser subjugado e transformado num servo em vez de se permitir que continue a ser um mestre. Quando isso for entendido, apreciar-se-á melhor o ideal filosófico de um egoricamenteaperfeiçoado, dominado e plenamente desenvolvido, agindo como um canal para a inspiração e orientação do eu mais elevado. Um ego enfraquecido formará naturalmente um canal mais limitado para a expressão do eu mais elevado do que o faria um ego mais evoluído. O inimigo real a ser vencido não é a entidade ego, mas a prática do egoísmo.

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0 ego mente para si mesmo, mente para o homem que se identifica ele e mente para os outros homens.

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O ego inventa constantemente formas e meios de malograr o objetivo da busca. E ele faz isso mais infatigável e astuciosamente que nunca quando simula cooperar com a busca e compartilhar suas experiências.

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Muitos aspirantes submeter-se-ão a toda espécie de disciplina para o corpo, as paixões e a mente, mas não se submeterão à única disciplina que realmente importa. Eles se apegam aos seus preciosos egos como os crustáceos ao casco de um navio, e se desfarão de todas as outras coisas exceto dessa.

| O aspirante que tentar ao máximo separar-se de seu ego avançará ao máximo na Busca. Será uma luta lenta, longa, uma luta árdua, porque a falsa crença de que o ego é o seu verdadeiro eu segura-o com intensidade hipnótica. Toda a força de todo o seu ser tem de ser colocada nessa luta para eliminar o erro e estabelecer a verdade, pois essa crença não é um erro apenas do intelecto, mas também das emoções e da vontade. f § _ A consciência-do-Eu-Superior refle te-se para dentro do ego, o qual então imagina que tem sua própria percepção original, e não a percepção derivada. :

1 § * m « l Extraímos a verdadeira capacidade de viver do Eu Superior e o verdadeiro poder de pensar da mesma fonte. Mas confinamos ambos, capacidade e poder, a uma esfera fragmentária, pequena, e principalmente física. Dentro desse confinamento, o ego é entronizado, servido pelos nossos sentidos e alcovitado pelos nossos pensamentos. §

Se analisarmos o ego, verificaremos que ele é uma cole cão de memórias passadas, guardadas da experiência, e de esperanças ou medos futuros que criam expectativa em relação à experiência. Se tentarmos agarrá-lo, colocá-lo à parte, sozinho, verificaremos que ele não existe no momento presente, e sim no que passou ou no que está por vir. Na verdade, ele nunca existe realmente no AGORA, mas apenas existir. Isso significa que ele é um fantasma sem substancia, uma ideia falsa §

O eu-do-ego é a criatura nascida do próprio agir e pensar do homem, mudando e crescendo lentamente. O E u Superior é a imagem de Deus, perfeito, terminado e imutável. 0 que o aspirante deve fazer, se quer realizar-se, é deixar que um brilhe através do outro.

§ Se escrevemos sobre o ego como se ele fosse uma entidade especial e separada, algo fixo, uma realidade por direito inato, é somente pelas inevitáveis necessidades do pensamento humano lógico e das inexoráveis limitações da linguagem humana tradicional. Pois, de FATO, o "eu" não pode ser separado de seus pensamentos, visto que é composto por eles, e unicamente por eles. O ego é, em resumo, apenas uma ideia, ou uma peça que o processo do pensamento prega em si mesmo.

A persona, a máscara que o homem apresenta ao mundo, é apenas uma parte do seu ego. A natureza consciente, composta de pensamentos e sentimentos, é a segunda parte. O depósito oculto das tendências, impulsos, memórias e ideias — no princípio expressos e depois sepultados de novo, ou transferidos de vidas anteriores, e todos em estado latente — é a terceira parte.

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É tão difícil para o ego julgar-se honestamente e observar as suas ações a partir de uma perspectiva correta, como é, para um homem, erguer-se por seus próprios suspensórios. O ego simplesmente não pode fazê-lo; sua capacidade para encontrar desculpas para si próprio é ilimitada — mesmo a desculpa da retidão, mesmo a desculpa da busca da verdade. Tudo o que o aspirante pode esperar fazer é diminuir o volume das influências do ego e enfraquecer a sua força; mas livrar-se do ego inteiramente é algo que está além da sua capacidade. Consequentemente, um poder exterior precisa ser convocado. Existe apenas um poder assim disponível para ele, embora possa manifestar-se de dois modos diferentes — é o poder da Graça. Esses modos são: a ajuda direta do seu próprio eu mais elevado; ou a ajuda pessoal de um homem mais elevado, isto é, um instrutor iluminado. Ele pode buscar o primeiro a qualquer momento, mas não pode, justificadamente, buscar o segundo antes de ter trabalhado suficientemente em si mesmo, antes de ter avançado suficientemente para justificar isso.

rá então fervorosamente para ser libertado do ego, procurará avidamente des-iámtificar-se e desejará ardentemente ser tragado no nada de Deus. §

1 R Todos nós pensamos, vivemos, sentimos e nos identificamos com o "eu". Mas quem realmente sabe o que ele é? Para sabê-lo, temos de olhar dentro da mente, não para o que ela contém, como os psicólogos fazem, mas para o que ela é em si mesma Se perseveramos, podemos descobrir o "Eu" que está atrás do "eu". § Isso é feito através de voluntária e deliberada consideração da sua pessoa, como a terra que está ocupada com esses movimentos de espaço-tempo, e do observador escondido como o sol que permanece parado durante todo esse tempo. Essa é a individualidade mais elevada, que ele sempre deve preservar, ao passo que preservará a personalidade apenas intermitentemente. Assim, o "eu", no fim, não é excluído, mas reinterpretado de uma maneira que o transforma por completo. Quando um homem tiver avançado até esse ponto de vista de Testemunha, ele terá compreendido a diferença entre a frase descritiva: "Eu sou o grande César" e a concisa afirmação: " E u sou."

Seria errado acreditar que existem duas mentes separadas, duas consciências independentes dentro de nós — uma, a mente-do-ego, inferior; a outra, a mente-do-Eu Superior, mais elevada — com uma, ela própria inobservada, observando a outra. Existe apenas uma mente independente que ilumina; tudo o mais é somente uma imagem refletida e limitada dentro dela. O ego é uma série de pensamentos que dependem dela.

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Somente o tipo mais profundo de reflexão, ou o tipo mais elevado de experiência mística, ou a força propulsora da revelação de um profeta podem levar o homem à grande descoberta de que o seu ego pessoal não é o verdadeiro centro do seu ser.

* '§ # § I m Se pudéssemos imobilizar esse "senso de eu" que está por trás de tudo o que pensamos, dizemos e fazemos, e se assim fazendo pudéssemos separá-lo dos pensamentos, sentimentos e do corpo físico, descobriríamos que ele está enraizado e ligado ao Poder mais elevado que está por trás do mundo inteiro.

§ | fc| i l . O verdadeiro eu do homem está escondido num núcleo central de quietude, num vácuo central de silêncio. Esse núcleo, esse vácuo, ocupa em dimensão apenas um ponto minúsculo. Em toda a sua volta há um anel de pensamentos e desejos que constituem o eu imaginário, o ego. Esse anel está constantemente fermentando com novos pensamentos, constantemente mudando com novos dese jos e alternadamente borbulhando com alegria ou abatendo-se com tristeza. Enquanto o centro está sempre em repouso, o anel que o circunda nunca está; enquanto o centro proporciona paz, o anel a destrói.

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Um dia o aspirante se sentirá completamente cansado do ego; verá quão astuta e insidiosamente ele se imiscuiu em todas as suas atividades; como, mesmo nas atividades supostamente espirituais ou altruístas, esteve apenas trabalhando para o ego. Nessa aversão pelo seu eu terreno, o aspirante irá orar para libertar-se. Verá como esse ego o enganou no passado, como todos os seus anos foram monopolizados pelos desejos dele, como sustentou, alimentou e cuidou dele, mesmo quando pensava estar espiritualizando a si próprio ou servindo a outros. Ora108

Toda discussão travada de um ponto de vista egoísta é corrompida desde princípio, e não pode produzir uma conclusão totalmente segura. O ego põe seu próprio interesse em primeiro lugar e distorce todo argumento, palavra e mesmo fato para servir a esse interesse. §

Se o egoísmo do estudante for forte demais, a parte mais elevada da luz do Eu Superior será completamente incapaz de fluir para dentro da sua consciência, não importa quão fervorosa possa ser a sua aspiração por ela.

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tiSomos o ego que temos; sua existência é inevitável se o pensamento cósmico precisa ser ativado e se a evolução humana nele precisa ser desenvolvida. Por que ele se tornou, então, uma fonte de mal, de atrito, de sofrimento e de horror? A energia e o instinto, a inteligência e o desejo que estão contidos em cada fragmento individualizado da consciência, cada "eu" composto, não são originalmente maus em si; quando, porém, o apego a eles se torna extremo, o egoísmo se torna forte. Perde-se o equilíbrio, e as virtudes mais benévolas são expelidas, a compreensão de que os outros têm direitos, o sentimento de boa vontade e simpatia, a harmonização para o bem-estar comum — tudo vai embora. A natural e correta atenção às necessidades individuais amplia-se, chegando até à tirania. O ego então existe apenas para servir a si mesmo a qualquer custo, agredindo e explorando todos os demais. Mas, é preciso repetir: o ego deve existir, se existe uma Ideia-do-Mundo. Tem de ser, porém, colocado e mantido no seu lugar (o que não significa egoísmo inflexível). Ele precisa ajustar-se a duas coisas: ao bem-estar comum e à fonte do próprio ser. A consciência, considerada ou não, fala-lhe do primeiro dever; a intuição, ignorada ou não, fala-lhe do segundo. Pois, a relação entre o mal e o homem, ainda que ignorada ou mal-interpretada, não pode esconder o fato de que as energias e a inteligência usadas para o mal derivam, no começo, da natureza divina do homem. Elas são dádivas de Deus, mas se voltaram para o serviço que não é de Deus. Esta é a tragédia: que os poderes, os talentos e a consciência do homem sejam gastos tão frequentemente em ódio e guerra, quando poderiam trabalhar harmoniosamente para a Ideia-do-Mundo; que a própria desarmonia do homem lhe traga seu sofrimento e envolva outras pessoas. Cada onda de desenvolvimento, porém, deve seguir seu curso e, no fim, cada ego deve render-se. Aquele que se endurece dentro do egoísmo grosseiro e rejeita o seu lado espiritual mais suave toma-se o seu próprio Satã tentando a si mesmo. Através da ambição ou da avidez, através da antipatia ou do ódio que é instilado nos outros, ele terá de cair em destruição, no final, devido ao carma que ele cria, pelo seu próprio lado negativo.

O ego gira incessantemente em tomo de si mesmo.

Que ridículo espetáculo psicológico ver o ego orgulhando-se de sua espiritualidade! f § O ego trabalha arduamente o tempo todo - ou de forma ruidosa e óbvia, ou de modo secreto e insidioso.

O desejo de perpetuar a vida no ego contém todos os desejos possíveis. Isso explica por que a mais difícil de todas as renúncias que pode ser pedida a um homem é a renúncia ao seu ego. Ele prefere até mesmo sofrer mortificações da carne ou humilhações do seu orgulho a submeter-se a essa última e pior crucificação.

* § Mesmo uma conduta irreprovável e maneiras impecáveis pertencem ao ego, e não à iluminação. O homem acredita que está-se entregando ao seu eu mais elevado, quando está o tempo todo se entregando ao seu próprio ego.

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O ego se insinuará até mesmo no seu trabalho ou aspiração espirituais, de forma que o aspirante tomará dos ensinamentos somente aquilo que se adequar aos seus próprios fins pessoais, e ignorará o resto, ou tomará somente aquilo que se adequar ao seu conforto pessoal, e será contrário ao resto.

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Todos são crucificados pelo próprio ego.

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1

Quando o homem começa a perceber que a paixão é algo que surge dentro de si, e com a qual involuntariamente associa toda a sua individualidade, ele começa a perceber que o estudo metafísico do "eu" e a disciplina mística do pensamento podem ajudá-lo imensamente a libertar-se dela.

O ego não governa os homens apenas através dos desejos materialistas e animalescos que eles têm. Ele se encarrega também de suas aspirações espirituais, controlando-as ativamente!

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m O aspirante precisa aprender a encarar o surpreendente fato de que o ego humano se introduz até nas suas mais amplas aspirações pelo Divino. Mesmo aí, nessa atmosfera rarefeita, ele está à procura de si próprio, daquilo que quer, e sempre para a sua própria preservação. Isso ocorre simplesmente para ampliar a área de ação do ego, e não, usando as palavras de Aurobindo, para divinizá-lo.

O primeiro ato mental do homem é pensar em si mesmo como existindo. O homem é o criador do seu próprio "eu". Isso não significa que o ego seja unicamente sua invenção pessoal. O processo-do-mundo como um todo cria todas as coisas, incluindo o ego e a própria autocriação do ego. N Ú § f te Quando o próprio ego do aspirante se lhe toma intolerável com crescente frequência, ele pode tomar isso como um bom sinal de que está progredindo nesse caminho.

§

. Seria um erro acreditar que é o Eu Superior que reencarna. Ele não o faz. Mas o seu rebento — o ego — o faz.

§ 110

Ill

O ego é desafiador, astucioso e resistente até o fim. # # § O ego não reverencia nenhum outro Deus senão a si mesmo

0 ego é por natureza um enganador e, em suas ações, um mentiroso Pbk se ele revelasse as coisas como realmente são, ou falasse o que é profundam ^ te verdadeiro, teria de expor seu próprio eu como um arquiimpostor due I W ser o próprio homem e oferece a ilusão da felicidade.

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DO NASCIMENTO AO RENASCIMENTO

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§ A experiência de morrer - Apôt a morte - Renascimento Tendências passadas - Destino - Liberdade - Astrologia

Chega um tempo em que a pessoa prudente, sentindo intuitivamente, ou sabendo pelos médicos, que entrou nos últimos meses ou anos de vida, deve preparar-se para a morte. Toma-se necessária, claramente, uma retirada crescente da vida mundana. Suas atividades, desejos, apegos e prazeres cada vez mais devem ceder lugar à contrição, à veneração, à prece, ao ascetismo e ao recolhimento espiritual. É hora de voltar para casa.

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Todos os humanos passam pelos portais da morte, mas quais deles o fazem com conhecimento, conscientemente, e com calma? § ' m Que tipo de experiência de morte o homem provavelmente terá? E se morrer, como Ramana Maharshi morreu, como Ramakrishna morreu, e como morreram outros heróis do Espirito, conhecidos deste autor — alguns anónimos e obscuros, outros famosos — daquela terrível enfermidade contemporânea, o câncer? Posso apenas contar o que vi e ouvi quando me achava presente durante os últimos dias, compartilhando de modo privilegiado daquela inacreditável atmosfera. Para cada um veio uma visão, uma luz vista, primeiro muito longe, depois por tudo em redor; primeiro um ponto insignificante, depois um raio, e em seguida uma larga faixa, preenchendo finalmente todo o aposento. E com a Luz veio a paz: veio como um acompanhamento para a dor do câncer, uma compensação que, à medida que crescia, fazia crescer a paz e trazia o desapego, até que, para surpresa dos médicos, enfermeiras e família, as palavras triunfantes foram proferidas antes do ato final, proclamando a vitória do Espirito sobre a matéria, isso não quer dizer que não faz diferença se a pessoa morre tranquilamente durante o sono, sem outra causa que a velhice, ou se morre de câncer; que a paz e a dor são igualmente aceitáveis ás emoções de um homem iluminado. Não me refiro aqui ao asceta extremamente fanático. Para ele isso pode ser indiferente. §

Se há qualquer perda de consciência durante a mudança chamada morte, é apenas uma breve perda - tanto quanto uma noite de sono ou mais breve ainda. Muitos daqueles que partiram nem sequer sabem, naquele momento, o que realmente lhes aconteceu, e ainda acreditam estarfisicamentevivos. Pois se acham 112

II)

aparentemente capazes de ver os outros, de ouvir vozes e de tocar as coisas, exatamente como antes. No entanto, todas essas experiências são inteiramente imateriais, e ocorrem dentro de uma mente consciente que não tem cérebro carnal.

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Pensamos que o nascimento é o começo, e a morte o fim de tudo para nós. Os teólogos e os metafísicos têm discutido e debatido sobre isso desde os tempos mais remotos de que o homem pode recordar-se; portanto, quem somos nós para lhes dizer "certo" ou "errado"? Mas quando o barulho e o alarido de suas vozes destoantes se enfraquecem à distancia, quando as horas mais silenciosas do anoitecer nos envolvem gradualmente nas dobras de seu manto, é então que uma impressão estranha e sublime se apossa de nós, desde que o permitamos, e diz: "Meu filho, o que pensam e o que dizem realmente não importa. Estou a seu lado e jamais lhe fritarei. Sorria para a Morte, se quiser, ou tema-a — mas estou sempre com você."

0 homem moribundo deve cruzar os braços sobre o peito, com os dedos entrelaçados. Deve retirar sua mente de tudo o que seja terrestre, e elevá-la amorosamente até a mais alta aspiração. § Esta é a melhor forma em que um homem pode morrer — enquanto está descansando numa cadeira ou divã, ou dormindo numa cama, com uma expressão tranquila no rosto, como se estivesse vendo ou ouvindo algo de rara beleza, uma expressão de contentamento ao redor da boca. m § 4? * Que melhor morte do que ser levado para dentro do ser divino, perdido na sua paz e radiância! Que morte mais miserável do que ser arrancado violentamente dos apegos terrestres, enquanto se tenta agarrá-los!

ra e o corpo terreno se desfazem, logo ap< estado de consciência ao qual seu caráter faz jus.

simplesmente entra no

Diz-se que a morte nivela tudo. Isso é verdade só no que se refere ao lado visível dela, pois, no outro lado, cada um vai para o seu próprio estado de consciência — aquele para o qual se preparou. Desatado do corpo, ele entra para a atmosfera â qual pertence.

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1.

O indivíduo deve desenvolver a sabedoria e o autocontrole nesta vida, pois, se não o fizer, poderá sofrer após a morte. Poderá estar cheio de apetites animalescos, sem ter um corpo para satisfazê-los. A sabedoria e a disciplina capacitá-lo-ão a adaptar-se com relativa facilidade.

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j p ? ft A mente humana é compelida, por suas próprias características especiais, a criar uma imagem do mundo exterior de uma certa maneira, e de nenhuma outra. O tipo de mundo que ela vivência segue-se naturalmente ao tipo de percepções que exercita. Muitos planos diferentes de existência lhe estariam abertos, portanto, se essas características fossem abruptamente alteradas de muitos modos diferentes. Podemos estar — e na verdade estamos — vivendo ao lado de milhões de outras mentes humanas das quais estamos totalmente inconscientes, apenas porque elas não chegam até o atual restrito raio de ação de nossas percepções. A vida depois da morte num outro mundo não é meramente uma possibilidade teológica, mas uma probabilidade científica e uma realidade filosófica. i A morte é a entrada num novo modo de ser, uma forma renovada de vida, um outro período no qual a antiga experiência é assimilada e a próxima fase (reencarnação) preparada.

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.toa?* § | É um ensinamento conhecido, tanto na índia como na China, que, con-

A primeira experiência da morte não é a última, pois é seguida de uma segunda morte, após o devido intervalo de experiência adequada numa outra condição de ser.

centrando seus pensamentos, nos momentos que antecedem à morte, no nome do seu líder espiritual, com fé total, ardor indiviso e atenção profunda e sincera, o homem se livra de alguns ou de todos os tormentos purificadores que se seguem à morte, e a que ele, em caso contrário, teria de se submeter. Está escrito também que, se prefere concentrar-se no tipo de ambiente no qual seu próximo nascimento deve ocorrer, ele contribui para a sua possível realização.

que a alma do homem é o seu verdadeiro eu, ou até mesmo se cré que o poder do pensamento do homem é o seu verdadeiro eu, então não pode haver nenhuma objeção a ela, mas, ao contrário, total aprovação. O método de enterrar os corpos mortos é adequado apenas àquele que acredita que seu poder de pensamento é um produto do cérebro corporal, isto é, a um materialista

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Nossa habitual tendência de pensamento na terra será necessariamente a habitual tendência de pensamento com a qual iniciaremos a vida do espirito, embora não seja a mesma com a qual a terminaremos.

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Se você quer saber aonde irá depois da morte, eu lhe direi, pois já estive lá. Você não vai a parte alguma, a lugar algum. À medida que a consciência desta ter114

I § J r J[ |8 A cremação é um desafio definido e enfático. Se o indivíduo realmente cré

Nem iempre precisamos deplorar o fato de que temos de morrer. Como vou Goethe, "A Natureza está fadada a dar-me outra forma de existência do a atual não puder sustentar mais o meu espírito. O que devemos deplorar e morrer sem ter conhecido esses melhores momentos do viver, esses vislumbres do Eu Superior. M

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Para os que fizeram suficiente progresso na Busca, a morte nffo é uma experiência atemorizante. Uma vez efetuada a saída do corpo, o resto é agradável e tranquilo.

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0 homem que viveu egoisticamente e sem preocupação pelos direitos dos outros sofrerá estranhas visões no estado de após-morte. Aqueles a quem prejudicou seriamente aparecerão diante dele repetidas vezes, reprovando-o em alguns casos ou denunciando-o em outros. Isso continuará até tornar-se uma espécie de tormento mal-assombrado, inicialmente fatigando-o e mais tarde exaurindo-o a tal ponto que cairá num estado dominado pelo medo, sentindo-se desgraçado e doentio. No ponto mais profundo da sua miséria, um outro ser desencarnado será enviado para ajudá-lo, para levá-lo a reconhecer sua pecaminosidade e persuadi-lo a arre pende r-se. Essa entidade pode ser um parente que o ama, um místico avançado que tenha deixado o corpo temporariamente durante o sono, ou o seu anjo da guarda. Quando essa mudança de coração é efetuada, quando o homem se confessa, se arrepende e decide corrigir seu caráter, a perseguição cessará.

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A condição de após-morte de certos homens raros como Jesus, Buda e Krishna é necessariamente uma condição rara. Eles continuam o trabalho beneficente de impelir e ajudar os homens a se erguerem acima de suas naturezas inferiores, trabalho encetado quando se manifestaram corporalmente na terra, embora se deva entender que ele deixará de atingir o mesmo grau de aguda eficácia que o uso de um corpo físico lhe proporcionaria. Entretanto, o que ele perde em profundidade ganha em amplitude, pois, embora a realização pessoal seja rápida entre seus discípulos durante a sua vida, a influência popular sobre as massas só é capaz de espalhar-se após a sua morte, e o faz como as ondulações num lago. Somente um enfoque materialista do universo deixará de compreender que esses homens jamais morrem e que sua verdadeira existência continua, até mesmo quando não estão encarnados, e que seu poder de salvação ainda está disponível para os outros, mesmo então. Enquanto os homens invocarem sinceramente o seu nome ou venerarem a sua memória com reverência, eles continuarão a sua existência de espírito. Não morrem, não desaparecem realmente.

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A hereditariedade pode ser responsável pelo rosto, pela forma e pelo tipo nervoso de um homem, mas não pode responder pela sua capacidade de génio. Aqui é necessário introduzir algo bem diferente — o desenvolvimento do seu talento através de repetidas vidas terrenas. Não há nenhuma necessidade, para ninguém, de procurar saber quais foram suas encarnações anteriores. Se as recordações vierem, representam algo anormal. A natureza não deseja que sejamos estorvados no presente pela recordação do passado, quando o próprio passado se estende por tão longo tempo. Você não deve, portanto, preocupar-se acerca das encarnações anteriores, mas concentrar-se totalmente na atual, de fornia a tomá-la tão valiosa quanto possível. §

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Voltamos para esta nossa terra e não para alguma outra terra, porque é aqui que plantamos as sementes do pensamento, do sentimento e da ação, e portanto é aqui que devemos colher a sua safra. A natureza é ordenada e justa, consistente e contínua.

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Não há nenhuma prova direta e incontroversa da reencarnação, mas há uma evidência lógica a seu favor. Por que existiriam certas habilidades quase sem treinamento anterior? Por que possuiria eu, em tenra idade, as habilidades mentais de um escritor, ou alguma outra pessoa as habilidades de um músico? A hereditariedade apenas não pode justificá-las. Mas é perfeitamente justificável atribuirmos tais habilidades a uma memória subconsciente. Estou inconscientemente lembrando e usando outra vez as minhas capacidades de uma vida anterior. Isso só é possível porque eu sou mente. Só a mente pode ter continuidade. As capacidades, em qualquer campo, não podem surgir do nada. O indivíduo que as exibe as está repetindo a partir da sua própria memória mais profunda. Há a evidência da Natureza. Quando acordo pela manhã, retomo tudo o que eu tinha na véspera. Lembro-me da minha individualidade e uso os mesmos talentos literários de antes. De outra forma, eu jamais poderia escrever de novo, e um outro jamais poderia cantar. A base dessa reminiscência não é uma ocorrência física, mas mental.

Viajamos de um corpo para outro, com períodos de descanso adequados e necessários entre eles. De cada um colhemos experiências; em cada um aprendemos e desaprendemos, pecamos e sofremos, agimos corretamente e nos beneficiamos. No final, entre progressos e recaídas, há a plenitude e a satisfação da idade adulta amadurecida, purificada, deixando para trás a animalidade.

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0 postulado freudiano da mente Inconsciente como uma estrutura de memórias esquecidas e irrecuperáveis é um precursor da teoria da reencarnação. Ele prepara o caminho para a aceitação científica dessa teoria e deve inevitavelmente levar a ela. Por sua vez, lança luz sobre a doutrina do carma. Pois o ego que revive a partir de um nada aparente é a mente consciente que reaparece a partir do inconsciente. Quando a produção dessas energias-de-idéias (isto é, dessas tendências, samskaras) é levada ao repouso, elas não podem mais materializar-se num ambiente físico, num novo nascimento, e assim o homem se toma livre do carma e entra no Nirvana. Enquanto acreditar que ele é o corpo, ele precisará reencarnar no corpo

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Se o ensinamento da reencarnação é falso, então a justiça de Deus também é falsa. Não há outro modo pelo qual as situações trágicas da vida humana possam ser ajustadas equitativamente ou explicadas racionalmente na mente humana.

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Cada reencarnação desenrola sua história, em grande parte escrita de antemão, embora possa ser, e seja, pressionada pelo passado oculto. No entanto, algumas novas possibilidades também vêm com ela, através da introdução de novos ambientes, cenas, atos e acontecimentos. §

Tornamos a nascer enquanto o ego é ainda o nosso mestre e ocupamos uma forma boa ou má, intacta ou mutilada, saudável ou doentia, de acordo com nossos justos merecimentos sob a lei da Recompensa.

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A aliança oficial de um único grupo cristão com o Império Romano no reinado de Constantino foi fatal, primeiramente, aos assim chamados pagãos e, mais tarde, a quase todos os outros grupos da cristandade. Os últimos foram perseguidos, presos ou mortos, e seus escritos queimados. O imperador Magno Máximo até decretou a morte do Bispo de Ávila devido às suas crenças. O imperador Teodósio prescreveu a pena de morte para todos os seguidores do cristianismo maniqueu, que ensinava a reencarnação. O vigor com que o imperador Justiniano proscreveu e destruiu livros e documentos heréticos deixou poucos registros que permitisssem às gerações subsequentes saber o que outros cristãos haviam ensinado e acreditado a respeito da doutrina da reencarnação. Só no Oriente Próximo, Justiniano mandou matar mais de um milhão de hereges. Alguns séculos mais tarde, vários cónegos no serviço da Catedral de Orleans, na França, foram queimados vivos por abraçarem essas doutrinas. A difusão dessa simples ideia nas terras do Ocidente provavelmente dará inicio a questionamentos e inquirições sobre sua origem, história e ramificações doutrinárias. Isso pode levar, por sua vez, a descobertas surpreendentes sobre o que realmente teria acontecido, não apenas a essa doutrina, mas a outras de derivação oriental, que foram aniquiladas sem misericórdia.

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Os desejos, hábitos e maneira de pensar do ego instalaram-se através de muitas vidas terrenas. § Quando o homem olha para trás, para a longa série de vidas terrenas que pertencem ao seu passado, ele se impressiona novamente com a suprema sabedoria da Natureza e com a suprema necessidade desse princípio de encarnações sucessivas. Se tivesse havido apenas uma única vida terrena contínua, seu progresso teria tido um fim, ele teria atravancado o seu caminho com o seu próprio passado e não poderia ter avançado em novas direções. Esse passado o teria cercado como se .fosse uma parede circular. Quão acertada é a sabedoria e quão infinita é a misericórdia que, fazendo intervalos nesse circulo de necessidade, lhe dão a oportunidade, repetidas vezes, de um novo inicio; deixam-no livre para fazer novos começos! Sem essas interrupções nas suas sequências de vida, sem as vantagens de ambientes renovados, de circunstâncias diferentes e de novos contatos, ele não poderia ter-se erguido a níveis sempre mais elevados, mas teria apenas se estagnado ou caído em níveis inferiores. §

É-nos dada uma vida, um dia, um momento presente, um nível espaço-temporal consciente nos quais temos de nos concentrar de tal modo que não haja interferências nas atividades da Natureza em nós. No entanto, outras vidas, outros dias, outros momentos, outros níveis de consciência já existem, na mesma intensidade, neste exato instante, ainda que não os apreendamos, e aguardam nosso encontro e experiência através de uma necessidade predestinada.

0 desenvolvimento pessoal e as descobertas mentais feitas nas vidas passadas não têm de ser repetidas da mesma forma em cada nova encarnação. O que ocorre, entretanto, é uma rápida recapitulação ou destilação de toda a experiência histórica anterior, o que se faz durante a primeira metade da nova encarnação

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As tendências trazidas de vidas anteriores determinam o caráter e a conduta do homem, mas o impacto dos ambientes atuais sobre sua personalidade, a influência de sua última raça, religião, educação e classe sobre sua psique, as sugestões absorvidas desse período histórico, a leitura de jornais e a cultura artística modificam ou colorem ambos. - O que fomos no passado não é importante. O que somos agora é importante. O que pretendemos fazer de nós mesmos no futuro é de importância vital.

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A unidade entre o nosso caráter e o nosso destino é indivisível; a conexão entre o nosso modo de pensar e o curso dos acontecimentos é infalível.

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A cada dia basta o seu mal, dizem os apáticos, os indolentes e os inertes; e eles se recusam a olhar adiante. Eles indubitavelmente experienciam o mal. Se o tempo é simultâneo e o futuro já existe, para que fazer qualquer esforço? Essa objeção desesperadora, mas plausível, despreza o fato paralelo de que o futuro não está fixo por toda a eternidade; está sempre flutuando, porque está sempre sujeito a modificações pela intromissão de novos fatores, tais como um esforço intenso para alterá-lo ou uma interferência intensa de outra pessoa. O futuro existe, mas ao mesmo tempo o futuro muda.

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Os acontecimentos inesperados que ocorrem conosco, sem aparente causa ou conexão com a nossa conduta, constituem a predestinação. As tendências e as circunstâncias sob cuja influência e sob cuja compulsão agimos de determinado modo constituem a necessidade. Os resultados dessas ações constituem o carma (a recompensa). Qual o homem que realmente domina o próprio destino? O grande homem pode conseguir modificá-lo, mas os fatores psicológicos e físicos com os quais o homem comum começa sua trajetória de vida já estão em seus genes, e qualificam tanto o seu caráter como a sua sina. Ele está à mercê dos acontecimentos até que aprenda o segredo de modificá-los e de influenciá-los.

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Tanto o benigno quanto o maléfico já estão incluídos nos decretos do destino para a criança ao nascer. Na proporção em que as sinas externas possam ser diretamente atribuídas às tendências internas, nessa proporção são elas controláveis e alteráveis. Quão ampla ou quão restrita é a parte da sua vida que está fora da sua livre escolha e controle é, em si, uma questão de predestinação. §

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Há compulsões cósmicas de que ninguém escapa e que permeiam o destino humano, pois são parte da Idéia-do-Mundo.

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Os que não têm consciência das penalidades em que incorrem pelo mau uso o poder de pensar e da vontade de agir necessitam urgentemente do ensinamento do carma. A predestinação é aquilo que nos é imposto por uma vontade externa, independentemente de nossos méritos ou deméritos. O carma é aquilo que nossa própria vontade inconscientemente nos impôs através da devolução de nossas ações.

O que foi decretado por um poder mais elevado terá de acontecer. Mas aquilo que um homem fez para si mesmo ele pode modificar ou desfazer. O primeiro é a predestinação; o segundo, o destino. 0 primeiro vem de fora do seu ego pessoal; o outro, de suas próprias faltas. A vontade evolutiva de sua alma é parte da natureza das coisas, mas as consequências de suas próprias ações permanecem, ainda que ligeiramente, dentro de seu próprio controle.

A Lei do Carma toma cada homem responsável pela sua própria vida. O materialista que nega o carma, e joga toda a culpa e carga sobre o ambiente e a hereditariedade, nega a responsabilidade. Ele começa e termina com uma ilusão.

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O carma não pode prevalecer numa parte especifica da nossa vida e não prevalecer nas demais, nem em um acontecimento especial de nossa vida e não nos demais. Não pode estar aqui mas não ali, no passado mas não no presente. Nem, indo além disso, pode limitar-se apenas a itens mais importantes e não aos de menor importância. Precisa estar sempre presente, ou então nunca. Se põe mais destino nos acontecimentos que vivenciamos do que seria cómodo para o ocidental, devemos lembrar-nos da outra faceta da verdade: a inteligência criativa e divina que existe na nossa humanidade mais profunda e a medida de liberdade que a acompanha.

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Ninguém consegue extinguir o carma meramente por negar intelectualmente a sua existência, como fazem os devotos de alguns cultos. Se, entretanto, eles primeiro enfrentassem seu carma com destemor, lidassem com ele e o utilizassem para o cultivo e desenvolvimento de si mesmos, e somente então, a partir do ponto de vista derradeiro, reconhecessem o estado de ilusão do carma, sua atitude estaria correta. Na verdade, sua tentativa de negar o carma prematuramente mostra uma disposição para rebelar-se contra a sabedoria divina, uma procura míope e egoísta da conveniência do momento, ao custo de uma permanente negligência para com o dever de crescer espiritualmente.
Tenha como regra definitiva, em cada caso isolado, verificar suas intui< através da luz da razão.

Mesmo quando a sensitividade à recepção telepática tenha sido desenvolvida, o ego ainda interfere astutamente na precisão da recepção. Tomará o fluxo de inspiração de seu senhor e, acrescentando-lhe o que essa inspiração jamais conteve, dar-lhe-á um colorido altamente pessoal e envaidecedor. Tomará a mensagem de orientação do eu mais elevado e, torcendo-a para tomar a forma de seu desejo pessoal, torná-la-á desencaminhadora. Tomará uma interpretação intuitiva ou_ psíquica de uma situação e, na sua ávida procura de satisfazer os desejos, confundirá a interpretação e se iludirá. Pela introdução de complexos emocionais muito fortes, o ego pode até mesmo criar sugestões absolutamente falsas e fazer supor que estejam emanando do seu senhor ou eu mais elevado.

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§ . Não importa o quanto tente, o místico não será capaz de expressar sua inspiração num nível intelectual superior àquele em que habitualmente se encontra Isso ficou suficientemente claro no passado, quando tentativas por demais ambi ciosas tomaram ridícula o que teria sido uma mensagem inspirada. £ por isso que o melhor profeta para atingir as classes instruídas é um homem instruído, que pos sui as qualidades mentais adequadas para fazê-lo, e é por isso que as massas não instruídas são mais suscetíveis às mensagens pregadas por alguém do seu próprio meio. O que é comunicado — e mesmo a própna linguagem com a qual isso e feito - sempre indica em que níveis de intelecto, caráter e experiência humanos o místico vive, como também indica que nível de consciência mística ele conseguiu tocar.

As revelações provém do Eu Superior; as mensagens nos são transmitidas e são bem verdadeiras na sua origem. Mas os desejos pessoais apoderam-se delas imediatamente, modificam-nas e moldam-nas de forma a se adequarem ao ego.

§ Devemos distinguir entre as teorias e doutrinas tecidas em torno da experiência do místico e as características significativas da experiência propriamente dita. Essas características são: a percepção clara de que há uma outra vida, e de que ela é mais profunda; uma presença sagrada dentro do coração; a certeza de haver encontrado o Real; e a alegria e o frescor que se seguem à impressão dessa descoberta. • § Í 'é Se a personalidade tiver se desenvolvido de maneira desigual, se suas forças não tiverem sido adequadamente harmonizadas entre si, e se imperfeições permanecerem no pensar, no sentir e no querer, então, no limiar da iluminação, essas imperfeições se tomarão ampliadas e excessivamente estimuladas pelo transbordante poder da alma, e acarretarão resultados psíquicos adversos.

» Todos os poderes psíquicos e ocultos ou são extensões da capacidade humana do^indivíduo ou extensõesjios seus sentidos animais. Eles ainda são meio*materialistas, porque estão ligados ao ego ou ao corpo. Todos os poderes verdadeiramente espirituais situam-se num plano bem mais elevado e bem diferente. Pertencem ao eu divino do homem. v § O místico procura reprimir toda a atividade do pensamento através de um esforço deliberado da vontade, e assim alcançar um sentido de unicidade com o ser interior que permanece por trás dessa atividade. Quando a prática do exercício é bem-sucedida, o objeto sobre o qual o místico se concentra desaparece do seu campo focal, mas a atenção permanece firmemente fixada e não vagueia em nada mais. Como consequência, sua consciência passa a convergir para um foco, e isso é verdade quer ele a sinta levada para um ponto infinitesimal dentro da cabeça, como resultado dos métodos mais comuns, quer a sinta inundada de santa alegria num ponto dentro do coração, como resultado de outros métodos.

§ 1 O individuo não pode obter da experiência mística comum informações precisas sobre assuntos tais como a evolução do universo, a natureza de Deus ou a história do homem. Isso porque falta realmente a essa experiência conteúdo intelectual. O único acréscimo de conhecimento digno de confiança que ele pode obter dela é uma resposta à questão "O que sou eu?" — uma afirmação da existência do homem como alma divina à parte de sua existência como corpo. Afora isso, sua experiência interior somente aperfeiçoa a qualidade e aumenta a intensidade da sua vida, não constituindo um caminho para algum novo conhecimento sobre o que se estende além dela.

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Provavelmente, são muitos os que rejeitarão essas críticas e reavaliações do yoga, porque elas provém de um indivíduo que é ocidental, e que portanto se su198

põe não saber do que está falando em assunto tão exótico. Vamos então aprender o que algumas competentes autoridades indianas dizem. Sua Alteza, o falecido marajá de Baroda, famoso pelo seu frequente relacionamento com os mais instruídos filósofos, estudiosos, eruditos e yogis indianos, e famoso também pelo apoio que lhes dava, disse em seu discurso de inauguração do Terceiro Congresso Indiano de Filosofia realizado em Bombaim, em 1927: "0 sistema do Yoga é, na sua essência, uma série de meios práticos a serem adotados como uma preliminar para a obtenção do conhecimento mais alto. . . o que o sistema do yoga pode ter para nos ensinar como preparação para a obtenção do verdadeiro insight filosófico precisa ser desassociado do fantástico e do mágico." E , no mesmo congresso, o presidente geral, Sri S. Radhakrishnan, não hesitou em declarar que "a tradição indiana reserva o primeiro lugar para o estudo da filosofia". >• § §|i _ Não precisamos procurar nossa defesa no testemunho das condições contemporâneas e dentro dos ashrams; ela existe nos escritos dos próprios místicos e remonta à Idade Média. Suso, Tauler, Guyon, Santa Teresa, São João da Cruz, Ramakrishna e outros, todos eles tiveram ocasião de observar as mesmas consequências tristes que também observamos, e em seus próprios escritos fizeram comentários mordazes sobre seus colegas aspirantes. Um dos mais lustres e avançados místicos medievais, John Ruysbroeck, criticou vigorosamente seus colegas místicos pelos defeitos que observou entre eles. Censurou os que confundiam mera preguiça com santidade meditativa, bem como aqueles que consideram todo impulso como divino (Ver em Mysticism, de E. Underhill, página 335, uma citação de Mme. Guyon criticando as experiências visionárias do misticismo.) 0 espanhol São João da Cruz escreveu: "É uma grande tolice, quando nos faltam a doçura e o deleite espirituais, imaginar que Deus também nos faltou; e imaginar que, porque temos tal doçura, também temos Deus* Quatro séculos atrás, outro místico espanhol percebeu o egoísmo sutil que estava por trás dessa atitude. Foi São Pedro de Alcântara, que escreveu que esses devotos da alegria espiritual "amam muito mais a si mesmos que a Deus". Nem mesmo os místicos genuínos, de elevada realização, estão totalmente livres dessa carga de egoísmo espiritual. Seus êxtases inefáveis os iludem pela sua própria doçura, impedindo-os de se preocuparem com os desgostos do mundo exterior. Isso frequentemente começa de modo muito inocente, porque o sentimento de alegria que se segue ao êxito na meditação é facilmente mal-interpretado como o fim da busca. Pode realmente ser o fim da maioria das buscas místicas, mas é apenas o inicio da busca suprema! Somente alguns, dentre os místicos mais sábios e mais adiantados, colocaram esse sentimento de alegria no devido lugar. O perigo foi percebido tão claramente por Buda que ek especificamente advertiu a seus discípulos que não parassem em nenhum dos quatro estágios de meditação enlevada, nos quais, disse ele, poderiam facilmente ser iludidos com o pensamento de que o objetivo havia sido alcançado. Isso também foi percebido por Sri Ramakrishna, o renomado yogi de Bengala. Ele uma vez revelou a um discípulo: "O êxtase místico não é o final." E repreendeu severamente seu famoso aluno, o monge Swami Vivekananda, quando este respondeu a uma ques tão sobre seu ideal na vida com as palavras: "Permanecer absorto em transe meditativo." O mestre exclamou; "Como você pode ser tão tolo? Vá além do transe é simples para você!" 9

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O místico encontra-se num plano mais elevado que o ocultista e que o médium. Os vários sistemas de ocultismo, de teosofia e de psiquismo são todos externos ao verdadeiro Eu do homem, e por isso o desviam do caminho estreito e reto. São contudo úteis e necessários àquelas naturezas egoístas e demasiado intelectualizadas que não podem aspirar às alturas rarefeitas da Verdade real. Todas as coisas — inclusive os fascinantes sistemas de conhecimento e prática que compreendem os ensinamentos ocultos antigos e modernos — que desviam o homem de se tomar verdadeiramente espiritual, desviam-no do caminho real. Somente quando todas as coisas e pensamentos objetivos tiverem desaparecido no sujeito, rio eu, ou no observador, poderá o homem alcançar seu propósito mais elevado. Todas as outras atividades simplesmente levam-no a desviar-se da verdade mais elevada. Por isso abandonei o estudo e a prática do ocultismo. Desisti dele de mau grado, pois o poder que ele promete não é para ser desprezado. Reconheço, contudo, que meu passado está eivado de erros e enganos. Supus que uma grande experiência pessoal do lado psíquico e misterioso da Natureza me aproximaria da Verdade. Na realidade, afastou-me dela. Uma vez desfrutei de frequentes vislumbres de grande bem-aventurança e de intenso estado de samadhi; tive então a infelicidade de entrar em contato com teósofos e com outros estudiosos desse género, que sutilmente substituíram minha felicidade interior real por sistemas e teorias intelectuais sobre os quais, daí em diante, eu teria de refletir. Ai de mim! E u era jovem e imaturo demais para saber o que estava acontecendo. A bem-aventurança se foi pouco depois, os samadhis se interromperam e fui lançado à praia do Finito, um infeliz e confuso trapo humano! Nenhuma promessa de futuras iniciações maravilhosas me ^seduzirá^a-cojnfiar minha^yida aos^çuidados de_um assim chamado guru que, ou não^capaz de me dar j m | vislumbre da consçiência-de-Deus, que apregoa possuir. ou não quer fazê-lo. Não me sinto disposto a seguir uma trilha que pode leyar-me a algum lugar no meio^o^jeseriõrprivado da razão, da esperança e da sorte.

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Se um homem passa um total de. seis horas por dia em práticas de meditação, como alguns que conheci, mas é incapaz de perceber a verdade sobre o caráter de outros homens com os quais é levado a estar em contato, então é absurdo acreditar que seja capaz de perceber a verdade sobre a Realidade Transcendental, mais intangível, inefável e imensuravelmente mais remota.

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JSerá melhor, e não pior para o aspirante, se ele trouxer para o seu caminho místico um método científico de abordagem, e uma vasta intimidade histórica com o misticismo comparado de muitos países^, um conhecimento científico da psicologia e uma experiência prática do mundo. Ele estará melhor e não pior se aprender antecipadamente e em teoria como será cada passo do canúnho para o Santo dos Santos.

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I § "Â i Se não houvesse nada mais que nossas ideias sobre as coisas, e se fosse impossível atravessar suas fronteiras, tudo o que poderíamos descobrir jamais passaria de uma investigação a partir de nossas próprias imaginações e concepções. Nesse caso, todas as coisas sagradas e divinas seriam destituídas de seu valor e significado. Mas a experiência mística entra aqui para nos mostrar um mundo que transcende os pensamentos, uma realidade que transcende as ideias.

Quanto mais viajo pelo mundo dos vivos e estudo as experiências deixadas pelos mortos, mais me convenço de que os poderes místicos, a devoção religiosa, a capacidade intelectual e a coragem da vida ascética nada possuem que se compare ao valor de um caráter nobre. Já não admiro mais um homem pelo fato de ele ter levado vinte anos praticando yoga ou estudando metafísica; admiro-o pelo fato de ele ter incorporado na sua conduta a compaixão, a tolerância, a retidão e a cqnfiabilidade.

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Se aqueles que até agora colocaram sua fé e atenção nas apresentações comuns do yoga colocarem ainda mais fé e maior atenção nos ensinamentos superiores aqui oferecidos, não precisarão perder nada do entendimento que tinham no começo, mas antes ampliá-lo-ão. Tampouco alguém está sendo obrigado a renunciar à meditação; os que me criticam por isso não só estão enganados, como também são injustos. O que realmente está sendo pedido é que se purifique a meditação, que se coloquem em segundo plano, como interesses secundários e transitórios, aqueles aspectos da experiência do yoga que não são fundamentais nem universais. Mas a meditação deve e precisa continuar, pois sem ela o Supremo jamais pode ser realizado. Que, apenas, ela seja corretamente dirigida. Consequentemente, os yogas inferiores não devem ser nem por um momento desprezados, mas é preciso reconhecer que são apenas métodos relativos, úteis somente num estágio específico. Assim, tomarão seu lugar como meios adequados que conduzem às práticas ultramístícas, e não devem ser confundidos com elas. O estado quietista obtido pelo yoga comum é alcançado pelo ato de se ausentar dos cinco sentidos. Mas as tendências mentais pré-natais ocultas, que são a origem secreta desses sentidos, ainda permanecem, e o yogi não se afastou delas pelo fato de sua atenção ter-se voltado para a desocupação do corpo. Assim, o estado de transe que ele atinge é somente uma inatmdade dos sentidos externa e temporária. Suas raízes internas habitam-no ainda, sob a forma de energias mentais que se vêm desenvolvendo desde tempos imemoriais. Sem um insight adequado que penetre a verdadeira natureza das operações sensoriais, que são fundamentalmente exteriorizações de operações mentais interiores, o yogi, quando pensa que as venceu, apenas se enganou a si mesmo. §

Uma vez que o místico é incapaz de atuar plenamente em seu intelecto, por que haveria ele de esperar atuar claramente naquilo que está além do intelecto? Por mais essencial que essa procura do eu espiritual deva obviamente ser, por mais esplêndida que a realização desse estado livre de desejos e repleto de paz deva parecer e sempre pareça, não pode, em si mesmo, constituir um objetivo adequado. Dois elementos importantes estão faltando nele. O primeiro e o conhecimento e o segundo é a compaixão. O primeiro mostraria precisamente qual é o lugar dessa realização no padrão feral da existência humana; o segundo colocaria essa realização em relação ativa com o resto da existência social. Enquanto esses elementos estiverem ausentes, esse estado pode compreender apenas pardal201

mente a ú mesmo, e só pode afetar outras pessoas negativamente. He mantém sua própria paz ao ignorar o sofrimento do mundo.

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O místico que se excede com êxtases efémeros paga por eles com profundos estados de depressão. Isso é digno de nota, mas não é tudo. Se não houver um embasamento metafísico concebido racionalmente para dar apoio firme e constante às suas intuições sobre a Verdade, ele poderá descobrir que essas intuições lhe dizem uma coisa este ano e o oposto no ano seguinte. Mas esse embasamento deve ser uma metafísica científica e não meramente especulativa, o que significa que deve ser, ela própria, irrefutável, reunindo os seus fatos não apenas com o intelecto critico, mas também com a intuição espontânea e, acima de tudo, com o insight. Tal sistema existe apenas na metafísica da verdade.

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Quando o mundo inteiro se encontra estendido diante deles, como ousam continuar a ignorá-lo, ou até a repudiá-lo como se fora uma invenção de Satã para enlaçá-los e seduzi-los? Precisamos investigar tanto o mundo que os nossos sentidos contatam quanto o eu que o está observando. Como pode o asceta obter o conhecimento do Todo, se abandona uma parte tão imensa desse Todo? Abandonar o mundo não leva à Realidade, mas à paz da mente. Homens pouco inteligentes, de cérebro fraco, precisam refugiar-se no misticismo e no yoga', apenas as mentes maduras e desenvolvidas podem penetrar na busca da investigação da Verdade. Isso significa, portanto, que os gurus geralmente não iniciam os discípulos nessa investigação prematuramente. È preciso que antes tenham desenvolvido seus egos e suas mentes em alto grau, e só depois devem ser ensinados a renunciar àquilo que foi cultivado com tanto esforço. Isto é evolução: embora a Verdade, de maneira ideal, seja atingível aqui e agora, tecnicamente só poderá ser alcançada no final do cerimonial da evolução, quando todo o ser do homem estiver altamente desenvolvido e maduro para receber a maior de todas as dádivas. Há três objetivos progressivos e importantes abertos para o místico. O primeiro é tornar-se_consciente da fímbria ou aura de sua alma divina, o Eu Superior. A maioria dos místicos, exultante pela sensação emocional da descoberta desse Eu Superior, pára aqui. O segundo é penetrar no centro sereno de sua alma e passar, durante o transe, para o vazio indiferenciado de sua essência, que é imaterial e que não pode ser percebida pelos sentidos. Os místicos mais desenvolvidos e mais inteligentes, que são naturalmente em número muito menor do que os já citados, não ficam satisfeitos enquanto não atingem essa realização. Baseados nessa experiência de desvanecimento do mundo é que muitos yogis metafísicos da índia fundamentam sua teoria de que o universo é uma ilusão. Para o yogi comum, isso é o ápice da realização e representa o objetivo da existência humana. Mas o transe em si é apenas temporário. Como é possível que uma auto-abstração mental, ainda que prolongada, um estado meramente temporário seja o objetivo último da humanidade? Esse é o problema que realmente foi exposto em O Ensinamento Oculto Além da Yoga. Tais teorias, todas elas, demonstram simplesmente que esses místicos têm suas limitações, por mais admirável que possa ser sua capacidade para entrar em estado de transe e sustentá-lo. O terceiro objetivo é levar o verdadeiro eu, o vazio essencial e a manifestação universal, a uma experiência unificada e harmoniosa, durante o estado normal de completamente desperto. Este 202

último é o misticismo filosófico. Sendo uma realização completa e complexa, exige naturalmente um esforço completo e complexo. Um cuidadoso estudo histórico e analítico de práticas místicas e de biografias místicas mostrará que são esses três diferentes objetivos que sempre têm sido buscados ou atingidos, qualquer que seja a religião exterior, o país ou a raça a que esses místicos possam ter pertencido. Assim, o relato do místico comum sobre o Eu Superior é autêntico, mas incompleto; sua experiência do Eu Superior é autêntica, mas insuficiente. Ele ainda tem de se submeter à experiência completa e inteira que o misticismo pode conceder. Mas então, se assim fizer, se se recusar a permanecer satisfeito com uma realização incompleta, ele deixará de ser um místico. Tornar-se-á um filósofo. * f § O místico bem-sucedido certamente entra em contato com o seu "eu" real. Mas se esse contato depende do transe de meditação, é necessariamente intermitente. Ele não pode conseguir um contato permanente, a menos que prossiga e amplie sua aspiração para chegar ao contato com o "eu" universal. Há. portanto, uma diferença entre o "eu" interior e o "eu" universal, mas é uma diferença apenas de grau, não de espécie, pois o último inclui o primeiro.

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O ideal místico de descobrir a relação do aspirante com o eu espiritual tem de ser ampliado para incluir o ideal metafísico de descobrir sua relação com o universo.

• Num momento como o atual, em que o mundo está passando por uma fase crítica de reconstrução geral, todo aquele que se opõe à razão, bem como todo aquele que propõe a superstição, está prestando um sério desserviço à humanidade

Seria um grave erro acreditar que o cumprimento de normas ascéticas e o aquietamento de pensamentos errantes fazem a consciência superior sobrevir. O que fazem é permitir que ela sobrevenha. Os desejos e as distrações são obstáculos à sua realização, e aqueles fatores simplesmente removem esses obstáculos. Isso toma possível o reconhecimento do que realmente somos por trás deles. Se, entretanto, não fazemos nada mais do que isso, o que é chamado yoga, obtemos somente uma realização inferior e frequentemente apenas temporária. Pois, a menos que nos empenhemos também na erradicação do ego, o que é chamado filosofia, não atingiremos o estado transcendental, superior e final.

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mm-« § Do ponto de vista da prática do yoga, o yogi gradualmente consegue levar seu campo de consciência a um único centro, o qual se localiza primeiro na cabeça e, mais tarde, no coração. Essa realização é tão extraordinária que ele experiência grande paz e exaltação como consequência - algo completamente diferente de seu estado normal. Para ele, isso é a alma, o reino dos céus, o Eu Superior. Mas do ponto ée vista da filosofia da Verdade, qualquer localização física do Eu Superior é impossível, porque o espaço em si está exclusivamente dentro da mente, e a mente está portanto além de quaisquer limites do aqui e do ali, e o Eu-Supenor-e-Menre-Pura (não individualizado) contém todos os corpos dentro dele sem ser por eles tocado. §

Pessoalmente, creio que Gandhi é um místico auto-realizado tanto quanto contemporâneos seus, como Ramana Maharishi, Aurobindo e Ramdas. Toda a sua vida e pensamento, seus escritos e discursos, seus feitos e serviços proclamam esse fato. Ele próprio declarou que sente "o indefinível poder misterioso que a tudo permeia" e que está "mais seguro de Sua existência que do fato de você e eu estarmos sentados nesta sala". Então, por que é que a visão de Gandhi sobre a guerra mundial diferia tão grandemente da de Sri Aurobindo, se ambos são homens divinamente inspirados? A resposta é que, em Gandhi, encontramos o exemplo perfeito dos defeitos do misticismo comum, da insuficiência da realização espiritual desse misticismo e da necessidade do misticismo filosófico. Nâo há por que duvidar, como muitos duvidam, de que ele fosse um santo genuíno voltado para o serviço genuíno da humanidade. Mas ele introduziu nesse serviço o desequilíbrio, o fanatismo e a impraticabilidade que caracterizam tantos santos através da história. Essa conclusão pode ser inaceitável para alguns, mas é inevitável. Místicos perfeitos não são o mesmo que seres perfeitos. Estão sujeitos a erros.

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Edgar Cayce não foi um místico, foi um médium. Embora tenha trazido muitos conhecimentos curiosos ou interessantes de suas experiências psíquicas, seria um erro considerar todos eles dignos de confiança, pois muitos médiuns podem ser induzidos em erro. §

à . I II experiência mística não produz uma cosmogonia; consequentemente,

A não nos diz algo novo sobre o universo ou sobre a relação de Deus com o universo, ainda que nos diga algo gloriosamente novo sobre nós mesmos — isto é, sobre o homem. Nessa experiência, não é o universo que revela os mistérios internos de sua própria natureza, mas o homem

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-9$'" Uma importante pergunta surge agora, embora um místico quase nunca imagine o desafio que representa a existência dela e, consequentemente, nunca busque a resposta para ela. Temos de investigar o que realmente acontece durante o esforço máximo daquele que medita, quando o pensamento é tão dominado que parece estar prestes a esvair-se. Entrará o indivíduo numa dimensão mais elevada da existência, como acredita? Ocorrerá realmente a auto-revelação da realidade oculta? Será que esse êxtase sensacional ou essa paz silenciosa, que começou a sobrevir, é o sinal característico de uma mudança revolucionária da gravidade espiritual, que passa das preocupações mortais para a vida eterna, da mera aparência para a realidade fundamental? Muitos místicos pensam que a simples eliminação de pensamentos durante a autoconcentração é uma realização suficiente. Então, o mundo é esquecido, e com ele todas as preocupações pessoais. Esse estado realmente surge a partir da extrema diminuição da atividade e ritmo do pensamento, com a consequente diminuição da atenção à própria personalidade do homem, com suas preocupações e afazeres variados, bem como ao mundo exterior com seus chamados insistentes e exigências constantes. Assim, esse estado é simplesmente um singular alívio dos fátuos humanos (quer de dor, quer de prazer, pois não há aqui nenhuma distinção entre os dois), da atenção ao mundo exterior e da pressão de manter um fluxo contínuo de pensamentos. O resultado é uma leveza deliciosa e uma paz reconfortante. Mas o sentimento de paz, sozinho, nlo é garantia de se ter conseguido a verdadeira realização. A paz é, reconhe-

cidamente, um de seus sinais. Mas há diferentes graus de paz, que vão a bilidade negativa do tumulo até o positivo domínio da mente conseguido pelo sábio. A interrupção dos pensamentos toca o limiar do estado transcendental, e nada mais do que isso. Quando escrevi em O Ensinamento Oculto Além da Yoga (página 309 da edição inglesa)* que o místico somente penetra a ilusão da realidade, referi-me às visões de formas e êxtases de emoção. Se, entretanto, o místico realmente consegue um contentamento sem excitação, sereno e sem visões, então esse contentamento é o Eu Superior, pois o místico toca o Vazio, onde não há formas nem pensamentos — ele toca a realidade. Reconheço isso. Mas essa tarefa é ainda incompleta, porque essa experiência que ocorre no transe é passageira; daí a necessidade de alcançar também um insight metafísico, para que haja permanência. O místico desenvolvido necessita do pensador não desenvolvido que está dentro dele, mas o negligencia; do mesmo modo, o pensador necessita do místico, mas o negligencia. Não basta chegar à Verdade por meio de sentimentos místicos: precisamos também chegar a ela por meio do pensar metafísico. A propensão de lutar por objetivos irrealizáveis, assim como a tendência a confundir apressadamente o simples reflexo da realidade com o Real, será então eliminada. A Verdade nunca poderá padecer por causa da atividade adequada da razão e experimentação humanas, mas apenas por causa de sua atividade inadequada ou desequilibrada. O momento em que o místico procura transmitir sua experiência aos outros, quando o seu transe, êxtase ou inspiração termina, é o momento em que ek tem de começar a analisá-la. Se lhe faltarem as qualificações intelectuais adequadas para fazer essa análise com objetividade científica e precisão, ele a transmitirá com imperfeição, insuficiência e, até certo ponto, de modo ineficaz. Isso é muito comum, infelizmente, porque a aversão pela atividade intelectual é uma das razões costumeiras pelas quais muitos homens têm aderido ao misticismo. Sem tais qualificações, o aspirante será incapaz de extrair o significado preciso de suas próprias experiências místicas, assim como de avaliar a correção de suas opiniões sobre elas; ao passo que, se possuir essas qualificações, será capaz de examinar qualquer experiência e qualquer opinião dessa espécie à luz de uma visão universal meticulosamente testada e sistemática. A imprecisão de seus conceitos, a frouxidão de sua atividade de pensamento, a confusão de seus fatos e o caráter sectário de sua concepção de vida, tudo isso se combina para tomar frequentemente insatisfatória a compreensão que o místico comum tem da verdade sobre sua própria experiência interior e para tomar frequentemente insustentável a sua avaliação das vangloriosas pretensões ocultas de outros homens. Precisamos fazer a distinção entre emoção exaltada e amor profundo. Aqueles cujas aspirações estão ainda na área da emoção podem zombar de qualquer outro caminho espiritual que não seja o da devoção; mas se um aspirante é realmente devotado ao Divino, como proclama, não deve fazer objeções à necessidade de aprender tudo o que pode a respeito do seu bem-amado, o que equivale a dizer que não deve ser avesso ao estudo da metafísica da verdade, por maia difícil e estranha que ela possa ser.

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Cuidado com as seitas e suas pretensões exageradas. SER não é aderir a um "-ismo". Todas as profissões religiosas prestam-se à hipocrisia, e esta nâo é uma exceção. Os místicos do século X X são frequentemente impostoras devotos, hrm20$

cando com a credulidade de seu séquito ignorante. Há entre eles um último reduto, forte, de homens nobres, que estão fazendo esforços árduos e genuínos para alcançar a sabedoria supra-humana que o misticismo promete aos devotos.

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O grande erro de todos esses ensinamentos Espirituais que prometem a felicidade terrena, tais como, o Novo Pensamento, a Unidade, a Ciência Cristã" e, especialmente, "o Poder do Pensamento Positivo" do Dr. Peale, é que não há lugar para a dor, a tristeza, a adversidade e o infortúnio na ideia que eles têm do mundo de Deus. JEles ignoram completamente a tremenda verdade proclamada por todo grande profeta, de que, por decreto divino, a sina humana mescla sorte, saúde, eventos, situações e condições boas e más; de que o sofrimento foi incorporado ao plano para evitar que o homem se tornasse plenamente satisfeito com urria existência voltada para os sentidos. Eles reivindicam apenas o lado agradável da experiência. Se essa reivindicação fosse atendida, eles seriam privados da oportunidade de aprender todas aquelas lições valiosas e necessárias que o lado desagradável da experiência fornece, e seriam assim privados da oportunidade de alguma vez obter um conhecimento integral da verdade espiritual. É o ego que constitui a fonte real de um ensinamento tão limitado. O desejo do ego de ser indulgente consigo mesmo, em vez de render-se, está na base da atração que esses cultos exercem em seus incautos seguidores. Esses cultos mantêm o aspirante cativo dentro do seu ego pessoal, e o limita aos desejos desse ego. É claro que o ego, nesse caso, está disfarçado sob uma máscara de espiritualidade.

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Visto que todas as coisas vieram da Fonte primeva, tudo aquilo de que eu realmente necessito pode vir diretamente dela para mim, se me coloco em perfeita harmonia com a Fonte e nela permaneço. Essa é a verdade que está por trás da falácia desses cultos. Para colocar-me dentro dessa harmonia não basta pronunciar as palavras, ou deter o pensamento, ou visualizar as coisas. Mais do que isso precisa ser feito — e é nada menos que todo aquele trabalho de dominar o ego que está compreendido na Busca. Quantos dos seguidores dos cultos chegaram a entender isso e todas as implicações disso com relação a seus desejos? Quantos tentaram dominar o ego? Se eles não conseguiram compreender a lei divina que governa essa questão, e agir de acordo com ela, por que deveria o poder divino estar às suas ordens para trazer-lhes o que querem? Se eles não procuraram e não conseguiram em grande parte aquele domínio das propensões animais, e aquela concentração profunda no centro da consciência que a Busca procura, não seria incongruente esperar alcançar esse poder com a sua voz?

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O IMPULSO RELIGIOSO

Origem - Reconhecimento - Manifestações - Religiões tradicionais e religiões menos conhecidas - A conexão com a filosofia

Sim, seguramente precisamos de religião, mas precisamos dela livre da superstição.

O buscador toma-se necessariamente um peregrino a procurar o seu destino numa Cidade Santa. Ele pode ser um metafísico ou um místico, um pensador profundo ou um conhecedor de orientalismos, mas não pode deixar de lado as reverências humildes e simples do sentimento religioso.

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Só tem o direito de falar sobre Deus aquele que conhece Deus, e não aquele que tem uma ideia, fantasia, crença ou imaginação a respeito de Deus. Só deveria escrever a respeito da alma, de seu poder, paz e sabedoria, aquele que nela vive a cada momento de cada dia. Mas, visto que esses homens são raros demais e difíceis de serem encontrados, a humanidade teve de aceitar substitutos. Esses substitutos são mortais falíveis e frágeis, agarrados que estão a sombras. Eis por que os religiosos discordam, discutem, brigam e se perseguem uns aos outros dentro e fora de seus próprios grupos.

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É injusto negar as verdades da religião ao nos empenharmos em mostrar suas superstições, ou depreciar seus serviços e contribuições ao bem-estar humano de modo a apontar suas perseguições. A demonstração pública de religião na igreja ou no templo não é atraente para todos os temperamentos. Alguns só conseguem descobrir sentimentos mais sagrados em privacidade. Os que pertencem ao primeiro grupo não deveriam impor sua vontade aos outros; os que pertencem ao segundo grupo não deveriam desprezar os seguidores újl comunhão convencional. Uma compreensão maior entre os dois grupos pode ser difícil de se alcançar, porém um pouco mais de tolerância seria um sinal de que o sentimento religioso é autêntico.

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O cético, o antropólogo e o filósofo do tipo de Bertrand Russell dizem que a religião surgiu porque o homem primitivo ficava aterrorizado com o poder de destruição da Natureza e se esforçava para aplacá-lo, ou às suas personificações, através da veneração e da adoração. Eles dizem, além disso, que o homem civilizado, tendo alcançado certo controle sobre as forças naturais, sente necessidade bem menor de práticas religiosas. Essa é uma visão errónea. As religiões foram instituídas por sábios que viram a necessidade de elas existirem como meio preparatório de educar a mente dos homens para as verdades mais elevadas da ciência e da filosofia.

Seus iniciadores deixaram atrás de si algum poder, que parcialmente foi responsável pela sua difusão profunda e ampla. Esse é o princípio vivificador que há por trás da difusão de cada religião histórica, um princípio cujos resultados nos fazem exclamar como Orígenes: "É um trabalho maior do que qualquer trabalho do homem." Devemos apreciar os grandes iniciadores, os grandes salvadores religiosos da raça humana, como Jesus e Buda, como instrumentos usados divinamente. O centro individual de poder que cada um deixou atrás de si no nosso planeta estendeu-se por muito tempo depois da sua morte física, continuou a responder de maneira útil aos que nele confiaram, mas foi diminuindo gradualmente e iráfinalmenteterminar depois que um período histórico tiver chegado ao fim. Nenhuma religião organizada perdura em sua forma original além de um período limitado. Todas as grandes religiões da antiguidade mais remota pereceram. Seus iniciadores eram reconhecidamente homens incomuns. Pertenciam aos níveis mais elevados de pensamento e de ser. Vieram de esferas de consciência superiores às da humanidade mediana. Esse é um fato altamente excepcional, mas não os transforma em deuses. Tampouco justifica que vivamos hoje no passado e que nos apoiemos naquilo que se está desvanecendo. Pois, apesar de todos os lapsos e regressões, a humanidade agora está atingindo a maioridade intelectual. Essa é uma das razões por que ela agora deve prover-se de seus próprios instrutores e deve reconhecer e apreciar os seus próprios sábios. Pois, na era vindoura, outras descidas desses seres superiores, como os dois mencionados, não podem ser esperadas. Não haverá outros Messias a não ser aqueles que evoluirão do nosso próprio meio.

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A linha geral do desenvolvimento interior para a raça humana é, no primeiro estágio, a ação correta, que inclui o dever, o serviço e a responsabilidade. No segundo estágio, aparece a devoção religiosa. Isso gera a adoração ao poder superior, o aperfeiçoamento moral e a comunhão sagrada. O terceiro estágio é místico, e envolve a prática da meditação para se obter uma comunhão mais íntima. O quarto estágio é o despertar da necessidade de compreender a verdade e de conhecer a realidade. O resultado final é o sábio, que integra em si mesmo o homem civilizado, o religioso, o místico e o filósofo.

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Os perigos e a decadência de toda religião começam quando seus símbolos são tomados como substitutivos de suas realidades, e quando o comparecimento às cerimónias públicas toma o lugar dos esforços para o desenvolvimento individual. s 208

Toda pessoa tem algum tipo de fé; isso inclui a pessoa cuja fé repousa no ceticismo. i É correto e adequado que uma casa destinada a um uso sagrado deva ser reservada para isso e mantida à parte de atividades profanas.

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A exibição de relíquias, a construção de santuários ou a criação de monumentos, estátuas, pinturas, e seitas para registrar o nome de um santo, de um profeta ou de um homem venerável são úteis para imprimir os seusfeitosna mente das pessoas que continuam vivas depois de ele ter partido, e talvez para inspirá-los a fazer com o próprio esforço algo no mesmo sentido. :

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Numa igreja com vitrais rosáceos pode-se sentir a forte atmosfera de verdadeira devoção de maneira tão aguda que instintivamente a pessoa cai de joelhos em humilde oração e se recorda de que o eu não é nada e Deus é tudo. 5' § t Deus é Mente, e os que na verdade o adoram devem fazê-lo mentalmente. As cerimónias ostentosas realizadas por profissionais remunerados capacitam homens e mulheres a obterem efeitos emocionais agradáveis, mas não os capacitam a adorarem a Deus. Um local se toma um templo sagrado quando elimina os sons de caixas acústicas, quando deixa de mostrar representações teatrais e quando fornece um lugar adequado onde seus visitantes possam envolver-se num silêncio imperturbado e numa comunhão interior com a sua própria Mente mais profunda. Os homens que imaginam que, se participam do ritual de um culto, cumprem com o seu dever religioso, estão se iludindo perigosamente. Ao atribuir um significado tão limitado a uma palavra tão nobre eles degradam a religião. Progredimos no campo da religião a tal ponto que, enquanto o homem antigo sacrificava o animal que vivia fora dele sobre o altar do Deus que ele adorava, o homem moderno compreende que tem de sacrificar o animal que existe dentro dele As formas exteriores de religião não são as suas formasfinais.Jesus ordenou a um convertido que adorasse "em espírito e em verdade", isto é, internamente. As duas fases da adoração — a externa e a interna - não estão no mesmo nível; a segunda se desenvolve a partir da primeira.

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A controvérsia entre os que acreditam que o ritual é indispensável e os que acreditam que ele é irrelevante quase sempre ignora quatro verdades que. uma vez compreendidas, desfazem a própria controvérsia - da maneira como normalmente é conduzida — por considerá-la fútil. A primeira é que qualquer método que adapte a verdade à limitação da inteligência existente nas massas é útil pam ema massas. O simbolismo artístico do ritual é um desses métodos. A segunda é que a idolatria, à qual o puritano faz objeção no ritual, reaparece no uso que ele próprio faz de imagens mentais, de atributos limitantes ou de termos antropomórficos através do pensamento, da fala e da literatura a respeito de Deus A terçai* ra verdade é que o método do puritano é obviamente adaptado a um grau mais

elevado de intelecto do que o do ritualista, e que um dia a adoração física terá de dar lugar, através da evolução, a uma adoração metafísica. A quarta verdade é que, desde que cada método ajuda grupos diferentes de indivíduos, seus defensores não o devem impor a um grupo para o qual esse método não seja adequado e não seja, portanto, de ajuda. Os diferentes níveis de mentes humanas devem ser reconhecidos. Se é incorreto, por parte do ritualista, interferir no processo do não-ri tu alista que já ultrapassou esse nível, este último precisa ser tolerante com o primeiro, que ainda tem algo a explorar no nível inferior.

A degradação, a falsificação, a comercialização e a exploração em que os homens, ao fazerem uso da religião institucionalizada, transformaram a missão de um profeta, mostram claramente qual a matéria de que foram feitos esses mesmos homens. O fato é que não estão prontos para que se lhes confie o poder que a institucionalização lhes dá. A religião está mais segura e saudável, e fará progressos mais genuínos se for deixada livre e não organizada, a fim de que seja a expressão espontânea de pessoas inspiradas. A religião é um assunto pessoal e privado e sempre degenera em hipocrisia quando transformada em assunto público. O fato é que não se pode organizar com êxito a espiritualidade. Ela é algo independente e pessoal, uma descoberta privada e não uma emoção de massa.

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^ § ' m i m É correto que as principais catedrais, templos e mesquitas da religião devam ser construídos com base em um projeto majestoso a fim de causar impressão nos que ali vão para adorar e a fim de expressar a fé daqueles que os erigiram. Tais estruturas não apenas simbolizam a importância da fé religiosa, mas também levam à humildade com a qual a adoração deve ser conduzida.

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$ j % Muitas pessoas meditaram tanto sobre o conceito que têm de Deus que se tomaram unas com o conceito, e não unas com Deus, enquanto inutilmente enganavam-se a si mesmas. 0 conceito nâo é a realidade.

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Igreja alguma pode manter sua espiritualidade primitiva, a menos que mantenha sua independência política. E isso, por sua vez, ela não pode ter quando aceita uma posição de preferência sobre outras igrejas como sendo aquela oficialmente reconhecida pelo Estado. Não foi o líder do ateísmo russo, mas o líder da própria Igreja Ortodoxa Russa, o falecido patriarca Segius, Metropolita de Moscou, quem admitiu que a separação entre Igreja e Estado no seu país, pelos bolchevistas, foi realmente "um retomo aos tempos apostólicos, quando a Igreja e seus servidores não julgavam ser o seu ofício uma profissão destinada a prover o seu sustento'*. Essas foram as suas próprias palavras.

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Os que pensam que, pelo fato de uma afirmação aparecer numa escritura sagrada, tal aparecimento acaba com toda a controvérsia posterior sobre a questão, estão se enganando a si mesmos. Tais pessoas baseiam sua irrestrita aquiescência no fato inegável de que os sábios antigos sabiam do que estavam falando, porém ignoram o outro fato de que o mesmo não ocorria com alguns de seus seguidores. Não sabem que essas escrituras foiam temperadas com interpolações 210

posteriores, ou mesmo adulteradas com acréscimos supersticiosos, e que consequentemente nem sempre são confiáveis. Mas mesmo se o fossem, ainda assim a mente humana deve manter-se livre, se pretende alcançar a verdade.

Quando a religião se identifica com uma organização eclesiástica e se esquece de si mesma como uma experiência individual, toma-se o seu próprio inimigo. A história tem provado repetidas vezes que a institucionalização entra apenas para corromper a pureza de uma religião.

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- A § _ Há algo na história sobre que se pode ponderar, e é que nas colinas albanesas, a uns poucos quilómetros de Roma, existiu outrora um Templo de Orfeu onde, há 3000 anos, os mistérios orféicos eram celebrados, e onde a religião orféica prevalecia, com suas doutrinas sobre a reencarnação, a dieta sem carne, a busca espiritual e a realidade interior. É discutível se as outras duas religiões que vieram depois dela nessa região tenham trazido mensagem melhor.

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verdades parciais para a unidade equilibrada da verdade completa, e desenvolvendo-se a faculdade do insight que penetra na realidade oculta. § J ' Há três coisas que o homem precisa saber para tornar-se espiritualmente instruído: a verdade sobre si mesmo, sobre seu mundo e sobre seu Deus. O místico, que julga ser suficiente conhecer somente a primeira e exclui as duas últimas, satisfaz-se em ser parcialmente instruído.

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O primeiro passo é o individuo descobrir que há uma Presença, um Poder, uma Vida, uma Mente, um Ser, incomparável, não criado nem obtido, sem forma, invisível e inaudível, em toda parte, e sempre o mesmo. O segundo passo é o individuo descobrir a relação desse Ser com o universo e consigo mesmo. I; : § Não é suficiente atingir o conhecimento da alma; qualquer místico pode fazê-lo. É necessário atingir o conhecimento claro, somente o místico filosófico pode fazê-lo. Essa ênfase na clareza é importante. Implica a remoção de todas as obstruções do sentimento, dos complexos da mente e das ofuscações do ego que a impedem. Quando isso é feito, eis que o aspirante vê a verdade como ela realmente é. No primeiro estágio do progresso, aprendemos a afastar-nos do mundo e a aquietar nossos pensamentos a seu respeito; esse é o estágio místico. Em seguida, reconhecemos ser o mundo nada mais que uma série de ideias dentro da mente; esse é o estágio ment alista-metafísico. Finalmente, retornamos à atividade do mundo sem reagir mentalmente às suas sugestões, trabalhando desinteressadamente, e sabendo que tudo é Um; esse é o estágio filosófico.

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°m A fé na veneração reverente e a prática dessa veneração, nas quais o aspirante foi iniciado pela religião, não devem ser abandonadas. A filosofia também necessita delas. Ele apenas terá de corrigi-las, de purificá-las e aprimorá-las. O aspirante deverá venerar a presença divina no seu coração, não algum ser distante e remoto, e deverá fazê-lo mais por um ato de pensamento concentrado e sentimento firme do que pelo recurso de métodos físicos, indiretos e externos. Com o filósofo, assim como com o devoto, o hábito da oração é diário. Mas, enquanto aquele ora com luz e calor, este ora apenas com calor. O coração encontra nessa veneração um meio de derramar seus mais profundos sentimentos de devoção, reverência, humildade e comunhão diante de sua fonte divina. Assim, vemos que a filosofia não anula a veneração religiosa, mas purifica e preserva o que nela existe de melhor. Ela anula, sim, as superstições, as explorações e as futilidades relacionadas com a veneração religiosa convencional. No final, a filosofia reconduz à religião aquele que busca, mas não a uma religião: à reverência por um poder supremo que ele havia descartado quando descartou as superstições que se enlaçavam em tomo desse poder. A filosofia é naturalmente religiosa e inevitavelmente mística. Consequentemente, conserva intacto aquilo que recebe da religião e do yoga, e não o fragmenta. Receberá, naturalmente, apenas os frutos sadios, e não os podres. 0 esforço filosófico não desdenha, por exemplo, a venera250

ção religiosa e a oração humilde, simplesmente porque seus elementos mais elevados as transcendem. Elas são, na verdade, parte desse esforço. Mas não são tudo, como pensam os defensores da religião. O místico não deve deixar de ser religioso simplesmente porque se tomou místico. Da mesma forma, o filósofo não deve deixar de ser místico e religioso simplesmente porque se tomou filósofo. É de vital importância saber disso. A filosofia não anula a religião, mas a conserva e a amplia.

< A ciência suprime o sujeito da experiência e estuda o objeto. O misticismo suprime o objeto da experiência e estuda o sujeito. A filosofia nada suprime: estuda tanto o sujeito como o objeto; na verdade, abrange o estudo de toda a experiência . ^ # § 1 /Embora a filosofia proponha afirmações de leis universais e verdades eternas, cada homem retira do seu estudo uma aplicação altamente pessoal, e ganha, por praticá-la, uma satisfação marcadamente individual. Embora seja a única Ideia que pode unir os homens em harmonia e unidade, ela se toma singular para cada novo adepto. E embora ela transcenda todas as limitações impostas pela forma intelecto-emoção e pelo egoísmo, ela inspira o poeta, ensina o pensador, dá perspectivas ao artista, guia o executivo e conforta o trabalhador.,, •I § A filosofia enfrenta o problema de educar cada aspirante individual que pretende compreendê-la. Não existe, em filosofia, educação de massa.

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* § I # # m A teoria da filosofia é adequada e está disponível a todos os que têm inteligência para captá-la, fé para aceitá-la e intuição para reconhecer sua suprema preeminência. A prática da filosofia é mais restrita, destinando-se àqueles que tenham sido suficientemente preparados por um crescimento interior prévio e pela experiência exterior, a ponto de estarem dispostos a impor a si mesmos os parâmetros éticos superiores, o treino mental e a disciplina emocional da filosofia. Vir despreparado para o esforço individual exigido, inapto para os pesados exercícios intelectuais e meditativos necessários, sem estar pronto para o instrutor ou o ensinamento, é encontrar perplexidade e sair desapontado. Uma tentativa prematura de ingressar na escola da filosofia levará o indivíduo a encontrar dentro de ai mesmo a dolorosa revelação dos desalentadores defeitos que têm de ser remediados antes que a tentativa possa tornar-se bem-sucedida.

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Ê função da filosofia eliminar o erro e estabelecer a verdade. Isso a afasta da concepção popular de religião. A filosofia, pela sua própria natureza, tem de ser impopular; por essa razão, ela geralmente não se desvia do seu caminho para difundir suas ideias pelo mundo. Apenas em épocas especiais, como a nossa, quando a história e a evolução já prepararam um número suficiente de indivíduos para formar um auditório modesto, a filosofia difunde dentre seus princípios os mais adequados para a mente da época. §

Tal ensinamento não pode comprazer-se em métodos de propaganda ou de sectarismo militante. Precisa viver discretamente e oferecer-se apenas àqueles que estejam intelectualmente preparados e emocionalmente dispostos a recebê-lo.

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Os aspirantes espirituais que seguiram René Guénon, bem como os poetas que seguiram T. S. Eliot, caíram na mesma armadilha que seus líderes. Pois, ao protestarem, e justamente, contra a anarquia da liberdade indisciplinada e ilimitada, tanto Guénon como Eliot recuaram até uma tradição formal e um mito fixo. Ambos tinham servido a seu propósito histórico e estavam sendo relegados. Ambos eram intelectuais brilhantes e naturalmente atraíram um tipo de leitor que lhes correspondia. Sua influência é compreensível, mas ela não condiz com a onda vindoura da Era de Aquário. Novas formas serão necessárias para satisfazer ao novo conhecimento, à nova perspectiva, aos novos sentimentos. O clássico pode ser respeitado, e até admirado; mas o criativo é que será seguido. § * S r O significado esotérico da estrela é "Homem Filosófico", isto é, alguém que viajou por todo o caminho quintuplo e equilibrou adequadamente os seus resultados. Esse caminho consiste na veneração religiosa, na meditação mística, na reflexão racional, na reeducação moral e no serviço altruístico. O significado esotérico do círculo, quando situado dentro do próprio centro da estrela, é o átomo do Eu Superior Divino dentro do coração humano. * § m & Quaisquer que tenham sido os motivos que ditaram a reserva exclusiva da sabedoria suprema em séculos anteriores, e as extraordinárias precauções que foram tomadas para guardá-la do resto do mundo, temos agora de reconhecer o fato dominante de que a humanidade vive hoje num meio cultural que mudou tremendamente. As velhas ideias perderam seu peso entre a população culta — exceto em casos individuais esparsos — e essa decadência geral passou, por ação reflexa, para as massas, embora em menor escala. Seja na religião, seja na ciência, na política ou na sociedade, na economia ou na ética, a história da prodigiosa tempestade que abalou o pensamento do homem até as suas bases é a mesma. A época é, na verdade, uma época de transição. Neste período momentoso, em que o destino ético da humanidade está em risco por terem sido derrubadas as sanções religiosas da moralidade, é essencial que algo surja para tomar-lhes o lugar. Este é o fato supremo e significativo que forçou os detentores dessa sabedoria a abrirem suas mãos, que os compeliu a iniciarem sua revelação historicamente incomparável, e que ilustra o provérbio de que a noite é mais escura pouco antes do alvorecer. Essa é a perigosa situação que demoliu uma política antiquíssima e necessitou de uma nova, cujas sublimes consequências para as gerações futuras podemos agora vislumbrar apenas indistintamente. § |A meta da auto-eliminação que é erguida à nossa frente refere-se apenas ao eu animal e ao eu humano-inferior. Certamente não se refere ao aniquilamento de toda a autoconsciência. A individualidade superior permanece sempre, mas é tão diferente da inferior que não faz muito sentido discuti-la em linguagem humana. Aqueles, portanto, que a compreenderam adequadamente, escrevem ou falam pouco a respeito de seus mistérios mais elevados. Se a finalidade de toda a existência, 252

na melhor das hipóteses, fosse apenas uma fusão, ou, na pior delas, um aniquilamento, o esquema seria deplorável e sem sentido. Seria indigno da inteligência divina e desabonador para a bondade divina. A consciência despida do pensamento, que parece a você menos atraente do que os riscos da vida aqui embaixo, é realmente uma ampliação tremenda do que o próprio pensamento tenta fazer O avanço espiritual vai, realmente, de um Menos para um Mais. Não há nada a temer nele, e nada a perder com ele - exceto segundo os parâmetros e valores dos ignorantes.

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•*. "mv § * Ê talvez a amplitude e a simetria do enfoque filosófico que o toma tão completamente satisfatório. Pois esse é o único enfoque que honra a razão e aprecia a beleza; cultiva a intuição e respeita a experiência mística; encoraja a veneração e ensina a oração verdadeira; impõe a ação e promove a moralidade. £ a vida espiritual totalmente amadurecida.

§ Í Não fugir à vida, mas organizá-la; essa é a meta prática da filosofia. Não retirar o aspirante de circulação, mas dar-lhe algo que mereça ser feito; esse é o ideal sensato da filosofia. O estudante de filosofia não cometerá o erro de usar a busca como uma desculpa para a ineficiência no cumprimento de seus deveres. Não há nada de espiritual em ser uma pessoa confusa. As pessoas que têm inclinação mística frequentemente se desculpam por executarem os deveres do mundo de maneira desleixada, desinteressada, desligada e sonhadora, porque se sentem superiores a esses deveres. Isso ocorre devido à falsa oposição que estabelecem entre Matéria e Espírito. Essa atitude não é filosófica. Supõe-se que o místico deva ser apático nos assuntos do mundo, se quiser ser um bom místico. 0 estudante de filosofia, pelo contrário, conserva o que há de mais valioso no misticismo, e todavia consegue manter-se alerta também no que diz respeito aos assuntos do mundo. S i tiver compreendido o ensinamento, e tiver treinado convenientemente, seu trabalho prático mais bem feito, e não menos, por ter ek aderido a essa busca. Ele sabe que é par feitamente possível equilibrar as tendências místicas com uma eficiência sólida colocará no seu trabalho o tanto de raciocínio e coração que ele exige.

l Não é suficiente negar o ato de pensar; isso pode acarretar um vazio mental sem conteúdo. Temos também de transcendê-lo» O primeiro caminho é odo yoga comum; o segundo é o do yoga filosófico. No segundo caminho, portanto, procuramos arduamente levar o pensamento a seu ponto mais abstrato e rarefeito, a uma culminância critica pela qual todo o seu caráter muda e ele se funde, por si mo, com a fonte mais alta da qual surgiu. Se isso é conseguido, produz um do agradável, às vezes de êxtase — mas o êxtase não é a nossa meta, como o é o misticismo comum. Conosco, a reflexão deve conservar-se leal a uma meta elevada, aquela de dissolver o ego na sua divina fonte. O pensar metafísico deve abrir seu caminho, primeiro para o alto, para um conceito cada vez mais abstrato; e, segundo, para dentro, pata uma absorção cada vez mais completa do mundo exterior. A consequência é que, quando disso resultar a iluminação, nlo ta se sob a forma de transe místico, de êxtase ou de intuição, seu caráter será m-

questionavelmente diferente e incomensuravelmente superior àquele que vem da mera esterilização do processo de pensar, que é o método doyoga comum.

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A atividade do pensamento analítico foi banida da maioria das escolas místicas. Consideram-na um obstáculo para a obtenção da consciência espiritual. E , em geral, é realmente assim. Pois, até que o intelecto possa ficar totalmente imóvel, essa consciência não pode tomar-se aparente. A dificuldade em fazer com que o intelecto fique bem passivo é, entretanto, enorme. Conseqúentemente, diferentes técnicas de concentração foram planejadas para superá-la. Quase todas envolvem o banimento do ato de pensar e a cessação do raciocínio. A escola filosófica utiliza qualquer dessas técnicas ou todas elas onde seja aconselhável, mas também utiliza uma técnica que é peculiarmente sua. Faz uso de conceitos abstratos que concernem à natureza da mente em si, e que são fornecidos por videntes que desenvolveram um profundo insight com relação a essa natureza. Permite ao estudante formular esses conceitos de um modo racional, mas vai conduzindo-o a estados de espírito cada vez mais sutis, até que se desvaneçam automaticamente e cesse o ato de pensar, enquanto o estado transcendental é induzido a surgir por si mesmo. Esse método é especialmente adequado, ou para os que já ultrapassaram as dificuldades elementares de concentração, ou para os que consideram o poder de raciocínio como uma vantagem a ser conservada, e não rejeitada. O místico convencional, sendo vitima de uma sugestão externa, apegar-se-á à visão tradicional da sua própria escola, que geralmente não vê nenhum beneficio no pensar racional e afirma que a realização espiritual através desse caminho é psicologicamente impossível. Nunca tendo sido instruído nele, e nunca o tendo experimentado, ele não está realmente em posição de julgar. t § m.0 Uma constante e contínua ponderação sobre as ideias aqui apresentadas é, por si só, uma parte do yoga do discernimento filosófico. Tal reflexão levará o estudante rumo à realização da sua meta tão naturalmente quanto o fará a atividade que lhe é associada, e que é igualmente necessária: a de suprimir completamente todas as ideias na quietude mental. Isso ocorre porque tais ideias não são meras especulações, mas o resultado de uma interpretação da experiência interior. Enquanto ideias como as aqui apresentadas crescem sob a água da sua reflexão e sob a luz solar do seu amor, tornando-se ramos produtivos do pensamento, elas começam gradualmente a fomentar a intuição. O movimento lógico do intelecto tem de parar subitamente ante o limiar da realidade, mas não devemos fazer essa interrupção deliberadamente ou em resposta à solicitação de algum homem ou de alguma doutrina. Ela deve vir por si mesma como a maturação final de um raciocínio longo e preciso, e como a culminância da descoberta intelectual e pessoal de que a compreensão da mente como essência só virá quando soltarmos as formas-idéias que ela toma e para ela dirigirmos a nossa atenção.

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O uso do pensar metafísico como parte do sistema filosófico é uma característica que provavelmente poucos yogis do tipo comum valorizam. Isso tamto é compreensível quanto perdoável. Eles estão totalmente imbuídos de que é 254

uma futilidade abordar de maneira meramente racional e intelectual a realidade, futilidade essa que também foi sentida e expressa nestas páginas. Até aí estamos de acordo. Mas quando eles passam a deduzir que o único caminho que resta é esmagar a razão e parar completamente o trabalho do intelecto, nossos caminhos divergem. Pois aquilo que a metafísica reconhecidamente não pode realizar por si mesma pode ser realizado, através de uma combinação da metafísica com o misticismo, muito melhor do que apenas pelo misticismo. A metafísica da verdade que aqui propomos, entretanto, jamais deve ser confundida com os muitos sistemas especulativos históricos que existem.

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Este é o paradoxo: que tanto a capacidade de pensar profundamente quanto a capacidade de deixar de pensar são necessárias para atingir essa meta.

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Não podemos permitir-nos dispensar o misticismo meramente porque nos ocupamos com a filosofia. Ambos são essenciais nessa busca, e ambos vitais, cada qual no seu lugar. O poder do místico de concentrar a atenção é necessário durante todo o estudo da filosofia. O poder do filósofo de raciocinar agudamente é necessário para dar ao devaneio do místico um conteúdo de compreensão do mundo. E nos estágios mais avançados, quando o pensar já fez o seu trabalho e o intelecto já descansou, deixamos de ser filósofos e ficamos absortos em transe místico, tendo levado conosco a idéia-do-mundo, sem a qual ele seria vazio. Nós só poderemos permitir-nos dispensar ambos, o misticismo e a filosofia, quando tivermos realizado perfeitamente o trabalho de ambos e quando, em meio à vida diária de constante atividade, pudermos conservar intatos o profundo insight e a atitude destituída de egoísmo que, agora, o tempo e a prática tornaram naturais. m |' § f # ' j S O erro dos místicos é anular prematuramente o raciocínio. Somente depois que o raciocínio tiver completado ao máximo sua própria tarefa, será psicologicamente cone to efilosoficamenteprodutivo imobilizá-lo no silêncio místico.

A mais elevada contribuição do misticismo é dar a seus devotos condições de terem vislumbres daquele grandioso substrato do universo que podemos chamar de E u Superior. Esses vislumbres revelam-nO na essência não-física e não-manifestada e pura que Ele, em última instância, é. Eles O separam das coisas, das criaturas e dos pensamentos que compõem este nosso mundo, e O mostram como Ele é no início, antes de o sonho-mundo aparecer. Assim, o misticismo, em seu ponto mais avançado, que é o samadhi Nirvikalpa, possibilita ao homem realizar o desaparecimento temporário do sonho-mundo e penetrar na compreensão da Mente, dentro da qual, e a partir da qual, o sonho emerge. O místico, na verdade, administra o serviço funerário do mundo físico como ele o conheceu até agora, mundo que inclui o seu próprio ego. Mas esse é o ponto mais distante a que o misticismo pode levá-lo. Trata-se de uma experiência rara e iluminadora, mas não é o fim. Pois a tarefa seguinte, que ele precisa empreender se pretende avançar, é relacionar sua experiência deste mundo, enquanto real, com sua experiência do Eu Superior, enquanto real. E isso ek só pode fazer estudando a natureza do mundo, desnudando seu caráter mentalista e introduzmdoo assim na mesma esfera da Mente, que é a sua origem. Se conseguir fazer isso e estabe

lecer essa relação corretamente, o homem terá terminado seu aprendizado, terá subido até a verdade última e ter-se-á tornado um filósofo. Dai por diante, não negará o mundo, mas o aceitará. O metafísico também pode executar essa tarefa e chegar a uma compreensão intelectual sobre si mesmo, sobre o mundo e sobre o Eu Superior. E ele tem esta vantagem sobre o místico; seu entendimento toma-se permanente, enquanto a concentração enlevada do místico tem de passar. Mas se ele não tiver passado pelos exercícios místicos, continuará tão incompleto quanto uma noz sem a sua castanha interna. Pois esses exercícios, quando conduzidos a seu resultado lógico e bem-sucedido no samadhi Nirvikalpa, fornecem o principio vivificante da única experiência que pode tomar reais os princípios metafísicos. De tudo o que falamos podemos perceber por que é perfeitamente correto para o místico procurar sua meta dentro de si mesmo sem dela desviar a atenção, podemos perceber por que ele tem de excluir as distraçOes e atraçOes da vida terrena, a fim de penetrar no recinto sagrado, e por que a solidão, o ascetismo, a meditação, o transe e a emoção representam os mais importantes papéis em sua experiência particular. O que ele está fazendo é correto e apropriado no seu estágio, mas não é correto nem apropriado como último estágio. Pois, no final, ele tem de se tomar metafísico, exatamente como o metafísico tem de se tomar místico, e exatamente como ambos têm de se tomar filósofos — pois somente o filósofo é capaz de infundir os pensamentos da metafísica e os sentimentos do misticismo nas ações da vida diária.

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m O ponto crucial de nossa critica não deve ser omitido. Nossas palavras são dirigidas contra a crença que iguala o critério de verdade com o sentimento não-verificado e não-purificado a respeito dela — não importa quão núsúco este possa ser. Não exigimos que o sentimento em si seja ignorado, ou que sua contribuição — que é o mais importante — em direção à verdade seja desprezada. Nossa critica não é dirigida contra a emoção, mas contra aquela atitude desequilibrada que estabelece a emoção quase como uma religião em si mesma. Pedimos apenas que a reação do sentimento pessoal não se erga como parâmetro único e suficiente do que é ou do que não é realidade e verdade. Quando falamos da validade insatisfatória do sentimento em fornecer por si mesmo prova suficiente de ter vivenciado o Eu Superior, referimo-nos, em primeiro lugar, é claro, à espécie de sentimento passional que lança o místico em transportes de alegria, e, em segundo lugar, a qualquer emoção forte que o desequilibra, levando-o a recusar-se a analisar fria e cientificamente a sua experiência. Três pontos podem ser observados aqui. Primeiro, o mero sentimento sozinho pode facilmente ser egoístico e distorcer a verdade; ou pode estar exaltado e exagerá-la; ou pode formular uma fantasia desejada em vez de uma realidade indesejada. Segundo, não há aqui nenhum meio de se conseguir certeza. A validade do sentimento, sendo apenas pessoal, só é aceitável como o são as oferendas de poetas e artistas, que podem falar em termos de realidade psicológica, mas não metafísica. Por exemplo, o místico pode olhar fixamente e ver o que ele pensa ser a realidade, mas uma outra pessoa pode não pensar assim. Terceiro, o caminho da objeçâo filosófica em avaliar apenas o sentimento como um critério da verdade, e de nossa insistência em verificar suas sugestões com a razão crítica, pode ser expresso da maneira mais breve por uma analogia. Sentimos que a terra é estável e imóvel, mas sabemos que ela se desloca no espaço traçando uma linha curva; sentimos que está fixa nofirmamento,mas sabemos que todo o sistema heliocêntrico tem seu próprio movimento no espaço. O 256

leitor deve ponderar sobre as implicações desses fatos. Não estão os anais do mistí cismo manchados por muitos exemplos de megalomaniacos que falsamente se arvoraram em messias, simplesmente porque sentiram que Deus os havia encarregado de fazê-lo? Eis por que o filósofo não se preocupa apenas com os efeitos emocionais da experiência interior, como acontece com o místico, mas também com a verdade a respeito desses efeitos.

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O filósofo se contenta com uma paz nobre e não cone atrás de êxtases místicos. Enquanto outros caminhos frequentemente dependem de um emocionalismo que finda com o desaparecimento do impulso original que o inspirou, ou que se desfaz com a dissolução dos primeiros êxtases entusiásticos, eis aqui um processo mais profundo e mais confiável. O que tem de ser enfatizado é que os aspirantes místicos, em sua maioria, sentem um êxtase inicial ou ocasional, e ficam tão emocionados com o acontecimento que naturalmente querem desfrutá-lo permanentemente. Isso é porque, em geral, estão enganados achando que o místico perfeito e bem-sucedido é aquele que conseguiu estabilizar o êxtase. O fato de o místico se contentar em permanecer apenas no nível do sentimento, sem fazer com que esse seu sentimento se tome também auto-reflexivo, explica em parte esse engano. Ele também surge por causa de instrutores incompetentes ou de ensinamentos superficiais, que levam os aspirantes místicos a lutar para executar o inexequível e a desejar atingir o inatingível. Nossa advertência é a de que isso não é possível, a de que, não importa por quanto tempo um núsúco possa desfrutar essas "doçuras espirituais", elas um dia certamente chegarão ao fim. A lógicarigorosados fatos exige ênfase neste ponto. Com excessiva frequência, o místico crê que essa é a meta, e que ele não tem mais nada com que se preocupar. Na verdade, ele consideraria quaisquer empenhos adicionais como uma negação sacrílega da paz, como uma queda degradante da exaltação dessa união divina. Por nada mais anseia a não ser pela felicidade de não ser perturbado pelo mundo e de poder passar o resto da vida em solitária devoção ao seu êxtase interior. Para o místíco-filósofo, entretanto, este não é o ponto de chegada, mas apenas o ponto de partida para um caminho ulterior. 0 que afilosofiadiz é que esse é apenas um estado místico preliminar, não importa quão extraordinário e beatífico seja. Há além dele um estado mais amadurecido — o da gnose. Se o estudante tem paroxismos de êxtase em certo estágio do seu processo interior, ele pode desfrutá-los por um tempo, mas não deve esperar desfrutá-los por todo o tempo. A meta verdadeira está além deles, e ele não deve se esquecer desse fato extremamente importante. Ele não encontrará a salvação final na experiência mística do êxtase, mas encontrará nela um passo excelente e essencial em direção à salvação. Quem considera extasiante a emoção mística como a mesma coisa que o insight transcendental absoluto está enganado. Esse engano é perdoável. Tio abrupto e extraordinário é o contraste com seu estado comum, que o estudante conclui que essa condição de enlevo superemocional é a condição na qual pode vivenciar a realidade. Rende-se ao enlevo, à alegria emocional que sente, convencido de que encontrou Deus ou a sua alma. Mas seus sentimentos agitados a respeito da realidade não são o mesmo que a serena experiência da própria realidade. Isso é o que o místico acha difícil de compreender. Todavia, enquanto não o compreende, não faz nenhum progresso genuíno além desse estagio. 1 257

O que a ciência denomina de "temperatura crítica", isto é, a temperatura de uma substancia quando ela está tanto no estado liquido como no gasoso, simboliza o que o misticismo filosófico chama de "experiência filosófica", isto é, o ponto em que a consciência do homem vivenda tanto o mundo exterior dos cinco sentidos como o mundo interior da alma vazia. O místico ou yogi comum é incapaz de manter os dois estados simultaneamente e, muitas vezes, sequer se dispõe a fazer isso, devido à falsa oposição que aprendeu a estabelecer entre eles.

Há uma diferença fundamental entre o escapismo místico e o altruísmo místico. No primeiro caso, o homem está interessado apenas em conseguir sua própria realização, e ficará satisfeito em parar por ai os seus esforços; no segundo caso, ele tem o mesmo objetivo, mas tem também a aguda aspiração de fazer com que suas realizações, uma vez materializadas, estejam disponíveis para o serviço da humanidade. £, pelo fato de tão profunda aspiração não poder ser armazenada por muito tempo para esperar essa materialização, ele até sacrificará parte do seu tempo, do seu dinheiro e energia para fazer o que puder, ainda que pouco, para iluminar os outros intelectualmente. Até mesmo se isso significasse nada fazer além de tomar o conhecimento filosófico mais acessível às pessoas comuns do que o foi no passado, já seria suficiente. Mas ele pode fazer muito mais do que isso. Ambos os tipos reconhecem a necessidade indispensável de se retirar deliberadamente da sociedade e de se isolar de suas atividades a fim de obter o recolhimento necessário para atingir intensidade de concentração, refletir sobre a vida e estudar livros místicos e filosóficos. Mas, enquanto o primeiro faria do isolamento algo permanente e vitalício, o segundo faria dele algo temporário e ocasional. £, por "temporário", queremos dizer qualquer período que vá de um dia a vários anos. O primeiro é um habitante da torre de marfim do escapismo; o segundo é meramente um seu visitante. O primeiro só pode encontrar felicidade na solidão, e deve retirar-se da perturbadora vida da humanidade para consegui-la; o segundo busca uma felicidade que permanecerá firme em todos os lugares, e faz daquele retiro apenas um meio para atingir esse fim. Cada um tem o direito de seguir seu próprio caminho. Mas numa época como a atual, em que o mundo todo está sendo convulsionado e a alma humana agitada como nunca antes, acreditamos pessoalmente que é melhor seguir o caminho menos egoísta e mais compassivo.

A vida não é exclusivamente uma questão de métodos de meditação. O estudo e a prática desses métodos são necessários, mas devem ser colocados em seu devido lugar. Tanto a união mística quanto o entendimento metafísico são passos necessários nessa busca, porque somente a partir deles é que o estudante pode subir até o grau ainda mais elevado do ser universal representado pelo sábio. Pois não apenas necessitamos de exercícios psicológicos para treinar o ser interior, mas necessitamos deles também para treinar o ponto de vista. O estudante, porém, não tem de permanecer no misticismo, como tampouco tem de permanecer na metafísica. Em ambos os casos, ele deve tomar tudo o que eles têm para lhe dar, mas batalhando através deles e saindo do outro lado, pois o misticismo da emoção não é o santuário habitado por ísis, mas apenas o vestíbulo do santuário. O metafísico que só pode ver a suprema faculdade do homem na razão ainda não refletiu suficientemente. Que siga adiante, e descobrirá que a própria realização 258

suprema da razão consiste em indicar além de si mesma aquele principio ou Mente de onde surgiu. O misticismo precisa do controle da disciplina filosófica; a metafísica precisa da vivificação da meditação mística. Ambos têm de frutificar em ação inspirada ou terão nascido apenas parcialmente. De nenhuma outra forma, senão através de atos, podem eles erguer-se até o elevado status dos fatos. A compreensão da finalidade para a qual o homem está aqui é a compreensão de uma vida unificada, amalgamada, em que todos os elementos da ação, do sentimento e do pensamento estão vigorosamente presentes. Contrariamente à crença dos místicos, não se trata de uma condição de profundo arrebatamento apenas, nem, contrariamente ao raciocínio dos metafísicos, de uma condição de clareza intelectual apenas, e menos ainda, contrariamente à opinião dos teólogos, de uma condição de completa fé em Deus apenas. Estamos aqui para viver, o que significa pensar, sentir e também agir. Não temos apenas de refrear o pensamento na meditação; temos também de fustigá-lo na reflexão. Não temos apenas de controlar a emoção em autodisciplina; temos também de liberá-la no riso, no descanso, na afeição e no prazer. Não temos apenas de perceber a transitoriedade e a ilusão da existência material; temos também de trabalhar, de servir, de lutar e caminhar vigorosamente, e, assim, justificar nossa existência física. Temos de aprender que, quando olhamos para o que realmente somos, estamos a sós na respeitosa solidão do Eu Superior; mas quando olhamos para onde estamos agora, vemos, não indivíduos isolados, mas membros de uma comunidade humana aglomerada. A marca da ..qualidade de um homem em vida, portanto, deve ser uma integral e inseparável atividade de coração, de cabeça e de mãos, ocorrendo dentro da misteriosa quietude e do silêncio do seu inspirador, o Eu Superior. O erro do místico inferior é estabelecer como* meta final a meditação em si; é parar no conceito de "largar" o mundo exterior, o que é bem um processo essencial do misticismo; é deixar sua capacidade de raciocínio cair em permanente estupor, simplesmente porque é certo fazer assim durante os momentos de quietude mental. Quando, entretanto, ele aprende a compreender que a antinomia da meditação e da ação pertence apenas a um estágio intermediário dessa busca; quando mais tarde ele chega à compreensão de que o desapego do mundo só deve ser procurado para permitir-lhe mover-se com perfeita Uberdade entre as coisas do mundo, e não para fugir delas; e quando,finalmente,percebe que a própria razão é dada por Deus para salvaguardar sua jornada e, mais tarde, levar sua compreensão para o nível da autoconsciência — ele terá então passado do segundo para o terceiro grau nessa maçonaria da sabedoria última. Pois aquilo que antes em obstáculo ao seu avanço agora o favorece. Esse é o paradoxo que ele tem de decifrar se deseja elevar-se das satisfações do misticismo para as percepções da filosofia. Se suas meditações alguma vez o distanciaram do mundo, elas agora aproximam-no dele! Se anteriormente ele podia encontrar Deus apenas dentro de si mesmo, agora ele nada mais pode encontrar que não seja Deus! Ele avançou do estado "X" de crisálida para o estado "Y" de borboleta. Se há alguma validade neste ensinamento, ela se encontra no apelo igual à vivência e à razão, pois aquela beatitude interior que ele finalmente traz é superior a qualquer outra que o homem mundano já sentiu, e embora seja di de toda a emoção violenta, paradoxalmente faz sombra a todas as emoções de gria violentas. Quando compreendemos que este ensinamento estabelece fato aquilo que o raciocínio mais sutíl indica na teoria, que ekrevelana própria vida do homem a presença daquele Eu Superior que a reflexão descobre proveniente de remota distancia, sabemos que aqui há finalmente alguma

adequada ao homem moderno. As agitações do coração e as preocupações da mente dão o seu último suspiro. §

O princípio do equilíbrio é um dos mais importantes dentre os princípios filosóficos.

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'í A base do universo é o seu equilíbrio. Somente assim podem os planetas girar em harmonia e sem colisão. O homem que da mesma forma se sintonizasse com a Natureza, com Deus, precisaria estabelecer o equilíbrio como base de sua própria natureza.

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A condição de equilíbrio exigida como preço da iluminação é atribuída também à correção da distorção de se permitir que o ego consciente dirija o homem inteiro, enquanto resiste às forças espirituais supraconscientes. Em outras palavras, exige-se equilíbrio entre o intelecto, que procura um controle deliberado da psique, e a intuição, que precisa ser atraída pela passividade e cuja manifestação espontânea precisa ser permitida. Quando um homem treinou para voltar-se com equanimidade do desejo de possuir para a aspiração de ser possuído; quando ele pode passar da atitude unicamente pessoal para a atitude que a transcende; quando a vontade de governar o seu ser e a sua vida para si mesmo e por si mesmo é contrabalançada pela disposição de permitir que ele mesmo e sua vida estejam em sossego, então o seu ser e a sua vida são trabalhados por forças superiores. Essa é também a espécie de equilíbrio e de integridade à qual a disciplina filosófica precisa levar o homem, de forma que a iluminação filosófica possa fazê-lo nascer de novo. Contudo, é da máxima importância notar que o princípio do equilíbrio não pode ser estabelecido adequadamente em nenhum homem até que cada um dos elementos dentro dele tenha sido totalmente desenvolvido. O fracasso em fazê-lo produz o tipo de homem que conhece a verdade intelectualmente, fala fluentemente sobre ela, e apesar disso age de modo erróneo. Um equilíbrio de faculdades imaturas e semidesenvolvidas é transitório pela sua própria natureza e nunca bastante satisfatório; ao passo que um equilíbrio de faculdades totalmente amadurecidas é necessariamente durável e sempre muito gratificante.

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Os que falam ou escrevem a verdade, mas não a vivem porque não conseguem, vislumbram o seu significado, mas não compreendem o seu poder. Não têm o equilíbrio dinâmico que surge após ter sido a vontade elevada ao nível do intelecto e dos sentimentos. É esse equilíbrio que aciona espontaneamente as forças místicas dentro de nós, e produz o estado que é chamado de "renascido". Esse é o segundo nascimento, que ocorre na nossa consciência, assim como o primeiro ocorreu no nosso corpo.

tualidade sem espiritualidade é paralisia humana; espiritualidade sem intelectualidade é paralisia mental. Nenhum homem deve submeter-se a condições tão suicidas. Todos os homens devem procurar e alcançar a integralidade. Envolver-se com um único aspecto da vida ou superar-se numa única direção termina por criar um homem algo insano, no sentido verdadeiro, não no sentido técnico da palavra. O remédio é reduzir aqui e acrescentar ali, cultivar os aspectos negligenciados, em especial o aspecto oposto. Como é sabido, é extremamente difícil para a maioria de nós, nas circunstâncias em que nos encontramos, realizar um desenvolvimento perfeito e um equilíbrio uniforme de todos os aspectos. Mas isso não é desculpa para aceitarmos as condições tais como são, sem fazer qualquer esforço para remediá-las. Para muitos aspirantes, a dificuldade em conseguirem um caráter tão equilibrado e admirável está na sua tendência deficaremobcecados por uma técnica específica que seguiram em vidas anteriores mas que não pode, por si só, enfrentar as condições atuais, muito diferentes. Temos de contrabalançar o hábito de viver apenas numa parte do nosso ser. Quando nos tivermos tomado harmoniosamente equilibrados no sentido filosófico, o coração e a cabeça trabalharão juntos para responder à mesma pergunta; o senso de eternidade que diminui nossa pressa e a instigadora premência do momento combinar-se-ão para fazer com que as decisões sejam tão sábias quanto práticas, e as intuições transcendentais sugerirão ou confirmarão os trabalhos do raciocínio. Nessa vida integral e completa, o pensamento e a ação, a devoção e o conhecimento não se engalfinham, mas fundem-se. Essa é a busca tríplice da inteligência, da aspiração e da ação. # § i I Essa harmonia perfeita entre os vários elementos da personalidade humana não pode ser conseguida com alguns em estado de semidesenvolvimento e outros em estado de desenvolvimento total. Todos deverão subir até o mesmo nível elevado. Mesmo a nossa compreensão sobre o que é o equilíbrio tem de ser corrigida. Para o propósito dafilosofia,ele não é o ponto intermediário entre dois entremos, mas a contrabalançadora união de duas qualidades ou elementos que necessitam um do outro.

O perigo de um caráter cujos aspectos não foram desenvolvidos de maneira homogénea é percebido quando estão muito ausentes a humildade, a reverência e a piedade, e muito presentes a critica, a argumentação lógica e o realismo. O intelecto toma-se então imperiosamente orgulhoso, arrogantemente confiante e de uma intolerância áspera. A consequência é que se perde muito de seu poder de coligir as verdades mais sutís em vez de apenas os dados exteriores.

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O equilíbrio de que a fé precisa é o entendimento; a tranquilidade precisa da energia; a intuição, da razão; o sentimento, do intelecto; a aspiração, da humildade; e o ardor, do discernimento*

É muito importante livrar-se de uma condição desequilibrada. A maioria das pessoas está nessa condição, embora poucas o saibam. Por exemplo, intelec-

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O equilíbrio interior não se estabelece colocando-se dois pólos opostos um contra o outro, tais como mesquinharia e esbanjamento, mas sim combinando-se duas qualidades necessárias, tais como bravura e precaução. §

vida manifestada não se toma menos real pelo fato de a menosprezarmos com o áspero cognome de "ilusão". Nossa existência ativa não precisa justificar-se perante os filósofos de pouca visão que acusam os ocidentais de caírem na armadilha de "Maya".

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§ ê Nem a ênfase budista no sofrimento, nem a ênfase hedonista na alegria são apropriadas para uma perspectiva verdadeiramente filosófica. Ambos têm de ser compreendidos e aceitos, visto que a vida nos compele a experimentar ambos.

§ lill íf. d Uma pessoa bem equilibrada não é necessariamente a que adota o ponto central entre dois extremos, mas aquela que se deixa levar pela calma interior. O necessário ajustamento é então feito de forma automática. Embora isso evite que ela cometa atos que pendem mais para uma direção do que para outra, ou adote valores exagerados, um caráter meramente moderado não é o melhor resultado. Mais importante é a rendição ao poder superior que está implícito no processo pelo qual a pessoa se toma verdadeiramente equilibrada.

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É bom para o asceta ou para o monge sentar-se ociosa e inativamente enquanto contempla a futilidade de uma vida devotada exclusivamente aos esforços terrenos, mas é mau que ele gaste toda uma valiosa encarnação nessa ociosidade, nessa contemplação, pois nesse caso está prendendo sua atenção a um único aspecto da existência e perdendo a visão de todos os demais. £ bom para o metafísico ocupar-se em observar as contradições lógicas envolvidas na existência do mundo e nas próprias descobertas da razão, mas é mau que ele perca toda uma encarnação prendendo sua atenção a um único aspecto. Ê bom para o mundano acumular dinheiro e aproveitar as boas coisas que este pode comprar, ter uma esposa e dotar seu lar de conforto, mas é mau que ele desperdice sua valiosa encarnação sem um propósito mais elevado, sem uma meta mais grandiosa. E isso não é tudo. 0 misticismo, a metafísica e o mundanísmo são inúteis, a menos que consigam dar ao homem uma base ética altruística para .o viver diário. O místico comum não vê que seu deslize ao perder o interesse pelo mundo à sua volta, sua indiferença em prestar um serviço positivo e prático à humanidade, em resumo, todo o seu "estar em outro mundo" não é uma virtude como ele crê que seja, mas um defeito. Os eremitas que saem do mundo turbulento para praticar a simplicidade; os monges que se retiram do mundo ativo para refletir sobre a evanescência das coisas; os derrotados que fogem de seu fracasso na vida, no casamento e nos negócios para a letargia que crêem ser a paz — todos eles demonstram que não compreenderam o propósito superior da encarnação: dar-lhes a oportunidade de tomar real, na consciência de vigília, sua natureza mais profunda. Não podem fazer isso desviando o rosto das experiências da existência humana, mas sim enfrentando-as corajosamente, dominando-as. Tampouco podem fazê-lo recolhendo-se nas alegrias da meditação. Os êxtases apaixonados do misticismo inferior, bem como as descobertas intelectuais da metafísica inferior, criam apenas a ilusão de 262

se estar penetrando na realidade. Pois o mundo, assim como o "Eu", tem de ser introduzido na esfera de influência da meditação para que a verdade inteira possa ser conquistada. A doutrina monástica e unilateral, que acusa as formas do mundo de serem transitórias, ilusórias, deve ser encarada e equilibrada pela doutrina filosófica que revela a essência do mundo como real e eterna. Não haverá então nenhuma desculpa para a letargia, para o derrotismo, para o escapismo. A uma perspectiva metafísica falta geralmente a centelha da vitalidade; a uma perspectiva mística falta geralmente a solidez do pensamento racional; e a ambos falta geralmente o ímpeto para a ação definida. Pode-se remontar à origem dos fracassos práticos da metafísica: o fato de que não envolve o exercício da vontade tanto quanto o do intelecto. Os fracassos intelectuais da metafísica são devidos ao fato de os homens que a ensinaram no passado nada saberem sobre a ciência, e ao fato de os que a ensinam no presente nada saberem sobre a meditação mística superior, ao passo que ambos tiveram geralmente pouca experiência dos duros fatos da vida fora da proteção do seu círculo. Os fracassos do misticismo são devidos às mesmas causas, bem como a outras que já apontamos. Finalmente, o fracasso dos metafísicos em produzir frutos práticos deve-se em parte ao fato de eles perceberem ideias sobre a verdade e não a verdade em si, assim como o fracasso dos místicos deve-se em parte ao fato de experimentarem sentimentos sobre a realidade e não a realidade em si. Os êxitos e os serviços do sábio, ao contrário, devem-se ao fato de ele perceber a verdade e sentir a realidade, e não apenas pensamentos ou sentimentos a respeito delas.

Não é apenas o equilíbrio dentro do ego que deve ser procurado, não apenas o equilíbrio entre a razão e a emoção, entre o pensamento e a ação, mas também, o que é muito mais importante, fora do ego: entre ele e o Eu Superior. 1 m § jr m De todos esses estudos, meditações e ações, o estudante emergirá gradualmente como um homem mudado interiormente. Ele chega à contemplação habitual de sua co-parceria com o universo como um todo, chega ao reconhecimento de que o isolamento pessoal é ilusório, e dá assim passos firmes no caminho último para tornar-se um verdadeiro filósofo. A compreensão da unidade oculta de sua própria vida com a vida do mundo inteiro se manifesta, finalmente, em infinita benevolência para com todas as coisas vivas. Assim ele aprende a submeter a vontade pessoal à vontade cósmica, a afeição egoísta e estreita ao desejo abrangente do bem-estar comum. A benevolência atinge o ponto de máxima florescência no seu coração, como uma flor de lótus à luz do sol. Desse elevado ponto de vista, ele não considera mais a humanidade como pessoas a quem ele serve desinteressadamente, mas, ao contrário, como pessoas que lhe dão a oportunidade de servir. Ele experimentará, de repente ou gradualmente, uma exaltação emocional que culminará numa mudança total do coração. Esse processo será marcado por . uma profunda reorientação do sentimento em direção às outras criaturas. 0 egoísmo fundamental que, sob formas claras ou encobertas, o motivou até aqui, será abandonado; o nobre altruísmo, que até aqui parecera um ideal impraticável e impossível, tornar-se-á praticável e possível. Pois uma profunda compaixão para com todos os outros seres habitará seu coração. Ele nunca mais poderá prejudicar alguém deliberadamente, mas, ao contrário, o bem-estar do Todo tom ar-se-a a sua preocupação. Segundo as palavras de Jesus, ele "nasceu de novo". Encontrará a mais elevada felicidade, depois de procurar a realidade e a verdade, em buscar o 2*3

bem-estar de todos os seres que cruzarem o seu caminho. A consequência prática disso é que ele será inevitavelmente levado a um esforço incessante para servi-los e esclarecê-los. Ele nffo será apenas um eco da vontade divina, mas permitirá que ela trabalhe ativarnente dentro dele. E com o pensamento vem o poder de fazê-lo, a graça do Eu Superior para ajudá-lo a conseguir rapidamente o que o eu inferior nlo pode conseguir. Ao servir os outros, ele pode esquecer em parte a sua perda da alegria-em-êxtase, e saber que ao eu liberado, que ele havia experienciado na meditação interior, precisa se equiparar o eu expandido em ação altruística.

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Na observação, um cientista; no coração, um devoto religioso; no pensamento, um metafísico; no intimo, um místico; e em público, um cidadão útil, honrado e eficiente — esse é o tipo de homem que a filosofia produz.

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