Filosofia do Estilo

Table of contents :
OdinRights
Nota do tradutor
Apresentação
Prefácio
Prefácio à segunda edição
Primeira Parte
Segunda Parte

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DADOS DE ODINRIGHT Sobre a obra: A presente obra é disponibilizada pela equipe eLivros e seus diversos parceiros, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudíavel a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

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EDITORA RESPONSÁVEL Ione Valadares

CONSELHORESPONSÁVEL Adriano Naves de Brito Anita C. Azevedo Resende Denize Elena Garcia da Silva Lisandro Nogueira Maria Zaira Turchi Noé Freire Sandes

Copyright © 2016 Irapuan Costa Junior Proibida a reprodução total ou parcial deste livro sem autorização do editor (sanções previstas na Lei n. 9.610, de 20 de junho de 1998).

Preparação de originais e revisão: Vera Maria Tietzmann Silva Projeto e arte-final de capa: Luciana Oliveira e Paula Projeto gráfico e diagramação: Alanna Oliva

Todos os direitos desta edição reservados à Cânone Editoração Ltda Av. Sucuri, Qd. 137, Lt. 29, sala 9, Setor Jaó 74674-010 - Goiânia-GO - Brasil Telefone/Fax: (62) 3093 7082 www.canoneeditorial.com.br

NOTA

O

DO TRADUTOR

filósofo e historiador americano Will Durant (18851981), em seu livro História da filosofia, no capítulo dedicado ao filósofo britânico Herbert Spencer (1820-1903), afirma ter sido ele “o mais claro expositor de doutrinas que a história conhece; sobre os mais complexos problemas escreveu em termos tão lúcidos que, por uma geração, o mundo inteiro passou a interessar-se pela filosofia”. Pesquisando os ensaios de Spencer, entre os vários que escreveu para revistas e jornais de seu tempo, encontrei um denominado Philosophy of style, que logo me chamou a atenção. O livreto, um opúsculo de cerca de 50 páginas, trata de uma teoria e das regras consequentes para bem se fazer entender e poderia ter como subtítulo “como escrever com eficiência”. Num raciocínio simples, se Spencer escrevia tão claramente e bem, por certo teria algo a nos ensinar para melhor nos comunicarmos com quem nos ouvisse, se falássemos, ou com quem nos lesse, se redigíssemos algo para seu conhecimento. Alguém poderia objetar que Spencer, cultor de sua língua materna, o inglês, escreveu Philosophy of style para os usuários desse idioma, e suas regras pouco teriam a ver com o português, língua diversa e de diferente raiz. A leitura desta pequena obra mostra que não é bem assim. O princípio da economia na linguagem, desenvolvido por Spencer e traduzido em regras para a composição literária, é universal. Aplica-se a qualquer língua estruturada, quaisquer que sejam suas raízes. Tal é o motivo desta tradução: levar aos profissionais da pena e da voz algumas ferramentas do pensamento detectadas por Spencer e que, usadas numa composição retórica, façam-na de mais claro e efetivo entendimento.

Philosophy of style foi publicado originalmente na Inglaterra, em 1860. Optamos por traduzir, entre várias, a segunda edição americana, de 1917. Tanto a primeira edição feita nesse país em 1892, quanto a segunda, de 1917 (Editadas por Allyn & Bacon – Boston), tiveram como editor-chefe Fred N. Scott (1860-1931), famoso professor de retórica na Universidade de Michigan. As edições americanas foram acrescidas de uma longa notacomentário de Scott, e de anexos de outros autores americanos, que julgamos desnecessário incluir. O texto puro de Spencer fala por si mesmo. Mantivemos, contudo, as notas de rodapé, de autoria de Scott, pois nos parecem úteis. Acrescentamos algumas outras, identificadas como notas do tradutor (N. do T.). Agradeço a minha mulher, Suely Costa, ao jornalista Euler de França Belém e a Edgar Welzel pela paciente leitura e revisão, e à editora Ione Valadares pelas valiosas orientações editoriais. Peço antecipadas desculpas pelos erros cometidos, meus e de mais ninguém. E fico muito grato a quem apontá-los. Irapuan Costa Goiânia, março de 2016

APRESENTAÇÃO

Filosofia do estilo, um clássico esquecido

É

a palavra que alça os humanos acima do reino animal. Sabemos, até pela simples observação de nossos animais domésticos, que também eles, como nós, se comunicam com seus donos e entre si, seja para manifestar necessidades físicas (fome, sede, frio) ou de sobrevivência (marcação de território, rituais de acasalamento), seja para suprir carências afetivas, exigindo atenção e carinho. Nós, humanos, criamos outros usos para a linguagem que ultrapassam esse nível básico. É pela palavra que damos forma ao nosso mundo interior, povoado de desejo e imaginação, mas também de frustração e medo. As infinitas modulações dos sentimentos que abrigamos em nosso íntimo não cabem no leque limitado de expressões com que os animais dão voz às suas necessidades. A palavra humana, portanto, se ergue a um patamar mais alto, o da manifestação estética. Somos todos poetas, então? Evidentemente não, mas todo ser humano é sensível à palavra poética. Mesmo quem não tem o dom literário, sabe reconhecer na palavra do outro um eco de seus próprios sentimentos, de suas próprias emoções. O poeta dá voz aos sentimentos coletivos. Desde a Antiguidade, as peculiaridades da linguagem estética, que conhecemos como estilo, vêm despertando a atenção dos filósofos. Até hoje são basilares duas obras de Aristóteles, a Retórica e a Poética. Por isso, não é de estranhar que um filósofo britânico do século XIX, Herbert Spencer (18201903), também tenha escrito sobre esse tema. Spencer, que conheceu grande popularidade e sucesso financeiro em vida – algo bastante incomum para filósofos de

qualquer tempo ou país –, era o que se poderia denominar de scholar, um intelectual aberto a toda forma de saber. Ele não apenas tomou conhecimento das novas ideias que passaram a circular em seu tempo com as obras de pensadores revolucionários, como, por exemplo, Darwin e Marx, mas abriuse à sua influência, desfazendo a ideia comum que se tem do filósofo como um ser enclausurado em sua torre de marfim, alheio ao que se passa a seu redor. De fato, em seus escritos, inclusive nesta breve Filosofia do estilo, podem-se vislumbrar traços do procedimento científico que preside os estudos das ciências naturais, certamente inspirados na leitura de Darwin. No terreno dos estudos literários, pode-se dizer que Spencer antecipa, em procedimento, a vertente formalista que viria algumas décadas depois, abrindo caminho para os estudos estruturais na literatura, que tiraram o foco avaliativo das impressões subjetivas do crítico para centrá-lo no texto em análise. Outro filósofo, William James, assim reconheceu a importância desse olhar novo trazido por Spencer a todos os campos do conhecimento a que se dedicou: “Spencer ampliou a imaginação e libertou a mente especulativa de inúmeros médicos, engenheiros, advogados, físicos, químicos e dos leigos em geral”. Um legado, sem dúvida, precioso. Filosofia do estilo não nasceu como livro, mas como um breve ensaio, acompanhado, em algumas edições, de outro estudo, Um ensaio sobre estilo, de autoria de T. H. Wright. Ainda que exista disponível uma edição fac-similar do texto de Spencer de 1898, acompanhado apenas das notas de seu editor, Irapuan Costa Junior optou por traduzir a segunda edição americana de 1917, sem o ensaio de Wright. Nesta edição os parágrafos são numerados, traço mantido na tradução, e as notas do editor foram acrescidas, quando necessário, de outras incluídas pelo tradutor. Spencer ilustra sua argumentação com abundantes exemplos colhidos tanto da fala coloquial, como de textos literários, a maioria deles excertos de poemas ingleses. Nestes, o tradutor manteve as citações originais, fazendo-as

acompanhar de sua tradução livre – expediente muito adequado tanto aos leitores que dominam como aos que não dominam o idioma inglês. Inédito em língua portuguesa, Filosofia do estilo é um clássico que ficara esquecido e que hoje é bem-vindo às estantes dos estudiosos brasileiros da língua e da literatura. Vera Maria Tietzmann Silva Goiânia, agosto de 2016

PREFÁCIO

O

presente livro pode ser considerado o segundo de uma série – sendo o primeiro Principles of success in literarure, de Lewe – que tem por objeto despertar uma discussão útil sobre os princípios da crítica literária no âmbito de atuação dos professores de retórica. Como no anterior, este projeto compreendeu uma introdução biográfica e crítica, um índice e umas poucas notas – estas destinadas a provocar discussões ou fornecer pistas para futuras investigações, e não para exibir na totalidade o resultado das pesquisas do editor. Ao ensaio de Spencer, que constitui a parte principal do livreto, foi adicionado, como comentário a Filosofia do estilo, um artigo de T. H. Wright, publicado originalmente na Macmillan's Magazine, vol. XXXVII, pág. 78, posteriormente republicado na Popular Science Monthly, vol. XII, pág. 340. Nos apêndices encontra-se uma nota publicada em Power of sound, de Gurney, que critica a teoria de Spencer sobre o efeito da estrutura rítmica, um longo excerto de Primeiros princípios, de Spencer, que aborda a evolução da literatura. Esses textos poderão ser úteis quando os originais não puderem ser prontamente consultados. Acreditando que Filosofia do estilo só pode ser compreendido no contexto da filosofia de Spencer como um todo, a introdução é predominantemente bibliográfica. As referências aos artigos de Spencer em revistas irão em parte suprir a falta de livros. Artigos sobre a vida e a personalidade de Spencer não são muito numerosos. O melhor esboço biográfico é o encontrado em Popular Science Monthly, vol. VIII, pág. 620. Relatos mais breves são encontrados em Men of the Time, Brockhaus, Conversations – Lexikon e no recente artigo de W.

H. Hudson saído na Arena, de fevereiro de 1892. Discussões e críticas sobre as posições filosóficas de Spencer são, por outro lado, bastante numerosas. Uma apreciação favorável, dando um breve resumo dos trabalhos de Spencer até 1874, está disponível no artigo de E. L. Youmans, intitulado “Herbert Spencer e a doutrina da evolução”, na Popular Science Monthly, vol. VI, p. 20. Um perfil cuidadoso da filosofia spenceriana, de um ponto de vista decididamente diferente está em Journal of Speculative Philosophy, vol. I, pág. 6, artigo do Dr. W. T. Harris. A crítica de T. H. Green em Contemporary Magazine, vol. XXXI, p. 25 e 745, e vol. XXXXII p. 82, é bem conhecida. A melhor apresentação do assunto, fora dos trabalhos originais, está, certamente, em Cosmic philosophy, de John Fiske. Fred N. Scott Ann Arbor, Michigan, 9 de fevereiro de 1892

PREFÁCIO

À SEGUNDA EDIÇÃO

Esta segunda edição dá a oportunidade de corrigir alguns erros tipográficos menores e de inserir algumas referências que recentemente chegaram ao meu conhecimento. Aproveito este prefácio para juntar à lista de trabalhos críticos e ensaios o recente trabalho do Prof. W. H. Hudson, Introduction to the philosophy of Herbert Spencer (N. Y. 1894). Fred N. Scott

PRIMEIRA PARTE Causas do poder da linguagem que dependem da economia de energia mental

O PRINCÍPIO 1.

DA

ECONOMIA

Comentando sobre a aparente incoerência entre o poder de argumentação de seu pai e sua ignorância da lógica formal, Tristam Shandy1 diz: “Era objeto de justa admiração por parte de meu digno tutor e mais dois ou três membros daquela culta sociedade, o fato de um homem que pouco sabia além dos nomes de suas ferramentas ser capaz de manejá-las com a destreza com que o fazia”. A pretensa dedução de Sterne, de que o conhecimento dos princípios do raciocínio não faz um bom pensador e nem mesmo é essencial a ele, é uma conclusão sem dúvida verdadeira. O mesmo ocorre com a gramática. Como o Dr. Latham, censurando os exercícios escolares habituais em Lindley Murray,2 acertadamente observa: “A vulgaridade grosseira é uma falta que deve ser afastada. Mas o afastamento adequado deve dar-se pelo costume – não pelas regras”. De mesma forma, não há dúvida de que uma boa composição depende muito menos do conhecimento de suas leis do que da prática e da natural aptidão de seu autor. Mente clara, imaginação rápida e ouvidos sensíveis chegam ao ponto de dispensarem os preceitos da retórica. Quem no dia a dia ouve e lê sentenças bem estruturadas tem a tendência natural de usar sentenças semelhantes. E onde houver alguma idiossincrasia mental – onde houver uma memória verbal deficiente ou um senso inadequado de dependência lógica, ou ainda pouca percepção da ordem ou falta de engenhosidade na composição, nenhuma quantidade de instrução irá remediar tal defeito. Contudo, pode-se esperar algum resultado prático de uma familiaridade com os princípios do estilo. O esforço para conformar-se às regras pode ensinar algo, ainda que lentamente. E se nada mais fizer, como facilitar uma revisão, o conhecimento do objetivo a alcançar – uma ideia clara do que constitui o belo ou do que seja defeito – não deixará de ter alguma utilidade.

2.

3.

Nenhuma teoria geral sobre a expressão parece ter sido ainda enunciada.3 As máximas contidas em obras de retórica e composição literária apresentam-se em forma não organizada. Aparecendo como dogmas isolados – como generalizações empíricas, nem são claramente compreendidas, tampouco muito respeitadas, como deveriam sê-lo, se tivessem sido deduzidas de algum primeiro princípio comum. Dizem que “a concisão é a alma do talento”. Ouvimos estilos serem condenados por complicados ou prolixos. Blair afirma que cada parte inútil de uma sentença “interrompe a descrição e oblitera a imagem”; e também, que “longas sentenças fatigam a atenção do leitor”.4 Lorde Kaimes observa que, “para dar maior força a um período, deve-se, sempre que possível, fechá-lo com a palavra que for mais forte”.5 São princípios básicos já estabelecidos que os parênteses devem ser evitados e que, no inglês, deve-se preferir palavras de origem saxã às de origem latina.6 Embora influentes, essas verdades aqui dogmaticamente expressas seriam mais influentes se transformadas em algo semelhante a uma ordenação científica. Neste e noutros casos, o convencimento será muito reforçado se entendermos o porquê dessa verdade. E podemos estar certos de que a compreensão do princípio geral, do qual resultam as regras da composição, não apenas vai fazer-nos acolhê-las com maior força, como vai revelar-nos outras regras de origem semelhante. Buscando algum indício da lei que subjaz a essas máximas presentes, vemos projetar-se diante de muitas delas a importância de economizar a atenção do leitor ou do ouvinte. Apresentar as ideias de forma a que possam ser apreendidas com o mínimo esforço mental é o desiderato para o qual apontam a maioria das regras citadas acima. Quando condenamos um escrito por ser verborrágico, confuso ou intrincado – quando elogiamos este estilo por ser fácil e

criticamos aquele outro como cansativo, estamos assumindo, avisada ou desavisadamente, aquele desiderato como nosso padrão de julgamento. Considerando a linguagem como um aparato de símbolos para a transmissão do pensamento,7 podemos dizer que, como num aparelho mecânico, quanto mais simples e melhor conectadas suas partes componentes, melhor será o efeito produzido. Em ambos os casos, qualquer força absorvida pela máquina é subtraída do resultado. Um leitor ou ouvinte tem, a cada momento, apenas uma limitada capacidade mental disponível; para reconhecer e interpretar os símbolos a ele apresentados, consumirá parte dessa capacidade; para ordenar e combinar as imagens, vai consumir outra parte; e apenas a parte remanescente será usada para conceber o pensamento transmitido. Assim, quanto mais tempo e atenção se requerer para receber e compreender cada sentença, menos tempo e atenção poderão ser alocados para a ideia contida naquela sentença; e de maneira menos vívida será a percepção dessa ideia. 4.

Percebemos claramente como, na verdade, a linguagem pode ser considerada um estorvo para o pensamento, embora instrumento necessário a ele, se lembrarmos a força comparativa com que ideias simples são transmitidas por sinais.8 “Saia do quarto!” é menos expressivo do que apontar para a porta. Colocar um dedo sobre os lábios é muito mais forte do que falar “Cale a boca”. Um sinal feito com a mão diz mais do que pronunciar “Venha cá”. Nenhuma frase pode expressar tão bem a surpresa quanto um arregalar de olhos e um levantar de sobrancelhas. Um dar de ombros perde em significado, se traduzido em palavras. Além disso, deve-se notar que, empregando linguagem oral, os efeitos de maior força9 são obtidos pelas interjeições, que resumem em sílabas orações completas. E, em outros casos, em que o costume nos permite expressar pensamentos por palavras isoladas, como cuidado!

olha! sai! perder-se-ia muita força se as diluíssemos em expressões específicas. Deduzimos, pois, que, considerada a metáfora de que a linguagem é o veículo do pensamento, temos razões para pensar que sempre se perde algo da eficácia do veículo pelo atrito e pela inércia; e que na composição literária a melhor coisa a fazer, senão a única, é reduzir ao mínimo possível o atrito e a inércia. Perguntemo-nos então se poupar a atenção do ouvinte ou leitor não seria o segredo do efeito, com a correta escolha e colocação das palavras, a melhor disposição das orações em um período, a ordem mais apropriada das orações principais e subordinadas, o emprego cuidadoso dos símiles, das metáforas e de outras figuras de linguagem, e até mesmo da sequência rítmica das sílabas.

ECONOMIA 5.

NO

USO

DAS

PALAVRAS

O maior poder do inglês saxão, ou melhor dizendo, do inglês não latino, chama de imediato nossa atenção. As várias razões especiais a que se pode atribuir esse fato reduzem-se a uma razão geral – economia. A mais importante delas é a associação precoce. O vocabulário infantil de um falante nativo do inglês é quase totalmente saxão. Uma criança diz I have (eu tenho), e não I possess (eu possuo) – I wish (eu quero), não I desire (eu desejo) ; ela não reflects (reflete) , ela thinks (pensa) ; não clama por amusement (diversão) , mas quer play (brincar) ; chama uma coisa de nice (bonita) ou nasty (nojenta) e não pleasant (agradável) ou disagreable (desagradável). Os sinônimos aprendidos nos anos posteriores nunca serão tão íntima e organicamente conectados com os seus significados como acontece com essas palavras originais usadas na infância; e, assim, a associação fica menos forte. Mas em que sentido uma associação forte entre uma palavra e uma ideia difere de uma associação fraca? Simplesmente na maior facilidade e rapidez na ação sugerida. Nada além disso. Ambas as palavras, se

estritamente sinônimas, evocarão a mesma imagem. A expressão – it is acid deve afinal dar origem ao mesmo pensamento dado pela expressão – it is sour, já que acid e sour significam ambas ácido, azedo. Mas como o termo acid só foi aprendido mais tarde e não foi tão frequentemente seguido pelo pensamento que simboliza, ele não provoca aquele pensamento tão rapidamente como o faz o termo sour. Se lembrarmos com que esforço e lentidão as ideias apropriadas seguem as palavras pouco familiares de uma língua estrangeira, e como a crescente familiaridade com essas palavras traz maior rapidez e facilidade de compreensão; e se levarmos em conta que esse mesmo processo deve ter ocorrido com as palavras de nossa língua materna na infância, veremos claramente que os primeiros aprendizados e as palavras mais usadas irão, em iguais condições, evocar imagens com menos perda de energia e tempo do que seus sinônimos de aquisição mais tardia. 6.

A superioridade adicional característica do inglês saxão na sua comparativa brevidade segue obviamente o mesmo conceito geral. Se é uma vantagem expressar uma ideia no menor número de palavras, também será vantagem sua expressão no menor número possível de sílabas. Se frases cheias de circunlóquios e expletivos desnecessários distraem a atenção e diminuem a força da impressão produzida, deverão também fazê-lo as articulações acessórias. Para a percepção de cada vogal e de cada consoante necessita-se de certa dose de esforço, mesmo que pareça imperceptível. Se, como é sabido, é cansativo ouvir um orador de prosa confusa, ou ler um manuscrito de má caligrafia, e se, como é fora de dúvida, a fadiga é um resultado acumulado da atenção necessária para perceber sílabas consecutivas, deduz-se que, nestes casos, cada sílaba absorve sua dose de atenção. E será assim quando as sílabas forem de difícil percepção, sendo-o também, mas em grau menor, quando de fácil percepção. Logo, a brevidade das palavras saxãs se converte em sua maior força. Contudo, há que se registrar uma

retificação. Pode ser que muitas vezes uma palavra polissílaba seja mais vantajosa, se der corpo à parte mais importante da ideia que se quer transmitir, especialmente quando se quer passar emoção. Seria mais enérgico dizer “it is magnificent” (magnífico) do que “it is grand” (grande). A palavra vast (vasto) não tem a mesma potência que stupendous (estupendo). Chamar uma coisa de nasty (nojenta) não faz o mesmo efeito que chamála de disgusting (repugnante). 7.

Parece haver várias causas para essa excepcional superioridade de certas palavras longas. Podemos atribuí-la em parte ao fato de que um epíteto volumoso, que encha a boca, indique, pelo seu próprio tamanho, extensão ou força; testemunhe, pela pompa da fala altissonante das sesquipedalia verba;10 e quando se deve indicar grande poder ou intensidade, esta associação de ideias vem em socorro do efeito. Outra causa mais se deve ao fato de que uma palavra de várias sílabas admite articulação mais enfática, e como essa ênfase é um sinal de emoção, vai nela implícita a inesperada expressividade da coisa indicada. Outra causa está em que uma palavra longa (cujas últimas sílabas se adivinham tão logo pronunciemos as primeiras) permite à consciência do ouvinte deter-se por mais tempo na qualidade anunciada de uma coisa; e onde, como em todos os casos mencionados, se chama a atenção para essa qualidade anunciada, resulta vantajoso mantê-la em mente por um intervalo considerável. Evidentemente as razões apontadas para se preferirem as palavras curtas não cabem aqui. Para fazer essa generalização inteiramente correta, devemos afirmar, então, que, se em certas sentenças que expressam sentimentos, a palavra que implica mais especialmente esse sentimento pode, com vantagem e em muitos casos, ser uma palavra polissílaba ou latina, na imensa maioria dos casos, cada palavra servindo apenas como degrau para chegar à ideia expressa por toda a sentença, deveria, se possível, ser monossílaba ou saxã.

8.

9.

10.

Uma vez mais, a causa frequente da força das palavras saxãs ou outras palavras primitivas – seu caráter imitativo – pode de maneira similar ser incluída na causa geral. Tanto essas palavras onomatopaicas, como splash (respingo) , bang (estrondo) , whiz ( zumbido) , roar (rosnado) , quanto as analogicamente imitativas, como rough (áspero) , smooth (macio) , keen (agudo) , blunt (rombudo) , thin (fino) , hard (duro) , crag (penhasco) etc. têm uma maior ou menor semelhança com a coisa simbolizada; e, levando aos sentidos impressões ligadas às ideias evocadas, elas poupam parte do esforço necessário à atração dessas ideias, liberando mais atenção para as ideias mesmas. A economia da energia mental do ouvinte ou leitor que resume as várias causas da força do inglês saxão pode também ser encontrada na superioridade das palavras específicas sobre as genéricas. Substantivos concretos produzem impressões mais vívidas que substantivos abstratos e devem, sempre que possível, ser usados no lugar destes últimos – eis uma máxima perfeita da composição.11 Como afirma o Dr. Campbell,12 “Quanto mais gerais os termos, mais fraca a imagem; quanto mais especiais, mais brilhante ela é”. Devemos evitar sentenças como: “Quanto mais cruéis e bárbaros os hábitos, a cultura e as diversões de uma nação, mais severas serão as prescrições de seu código penal”. No seu lugar, deve-se usar: “Na mesma proporção em que se deliciam com batalhas, lutas de touros e combate de gladiadores, os homens usarão como punição enforcamentos, queima na fogueira e tortura”.13 Essa superioridade das expressões específicas deve-se claramente à economia dos esforços necessários à tradução de palavras em pensamentos. Como não pensamos em coisas gerais, mas sim em particulares, e como, seja qual for o tipo de

coisa mencionada, nós a representamos trazendo à mente elementos individuais desse mesmo tipo, deduz-se que, quando se emprega uma palavra abstrata, o leitor ou ouvinte tem que buscar em seu acervo particular uma ou mais imagens, para que possa criar para si a imagem mencionada. Realizar essa ação toma tempo e dispêndio de energia; e se, empregando um termo específico, pode-se sugerir de pronto uma imagem apropriada, não só se ganha em economia, como se obtém uma impressão mais vívida.14

O PRINCÍPIO SENTENÇAS 11.

12.

DA

ECONOMIA APLICADO

ÀS

Passando agora da escolha das palavras para sua sequência, vemos que o mesmo princípio geral continua válido.15 Temos a priori razões para acreditar que para cada oração existe uma ordem de palavras mais eficiente do que outra qualquer; e que essa ordem é aquela em que os elementos da proposição se apresentam na sequência em que com mais facilidade podem ser compreendidos. Assim como em uma narrativa os acontecimentos devem ser contados na ordem em que sucedem, para que a mente não tenha que avançar ou retroceder para entender como se conectam, também em um grupo de frases a disposição deve ser tal que elas possam ser entendidas segundo sua sucessão, sem cada uma aguardar a seguinte, assim também em toda frase a disposição em série das palavras deve ser a que indica os constituintes do pensamento na ordem que melhor se presta à sua construção. Para examinar devidamente esta afirmação e preparar o caminho para aplicá-la, devemos analisar o ato mental que concebe o significado de uma série de palavras.16

A maneira mais simples de fazê-lo é verificando a colocação adequada do substantivo e do adjetivo. É melhor colocar o adjetivo antes do substantivo ou depois? Deveríamos dizer, como em francês un cheval noir (um cavalo negro) ou como falamos em inglês a black horse (um negro cavalo) ? É provável que a maioria das pessoas cultas diga que é indiferente o uso de uma ou de outra forma. Por força de hábito, a preferência ficará com a nossa forma de expressão. Já os que fazem uso da outra forma hão de preferi-la. E concluir-se-á que esses juízos instintivos carecem de valor. Há, contudo, uma razão filosófica para que se favoreça o costume da língua inglesa. Se a expressão é “um cavalo negro”, imediatamente após o entendimento da palavra “cavalo” aparece ou tende a aparecer na mente uma imagem que corresponda a essa palavra, e, nada ainda tendo indicado qual espécie de cavalo, a imagem evocada será muito provavelmente de um cavalo castanho, por ser a imagem mais familiar. Acontece que, quando se completa a expressão com a palavra “negro”, há uma obstrução do processo de pensamento. Ou há que se suprimir a imagem de um cavalo castanho, já presente no pensamento, e trocá-la pela de um cavalo negro; ou então, se a imagem do cavalo castanho ainda não se completou na mente, esse processo deverá ser interrompido. Em qualquer caso, surge um obstáculo. Já se a expressão usada for “um negro cavalo”, nenhum engano se provoca. A palavra “negro”, que indica uma qualidade abstrata, não evoca qualquer imagem definida. Apenas prepara a mente para conceber algum objeto dessa cor; e fica suspensa a atenção até o objeto ser conhecido. Assim, fazendo com que o adjetivo preceda, transmite-se sempre a ideia de maneira direta, enquanto a precedência do substantivo pode levar a equívocos, perturbando a mente mais do que a outra forma, sendo por isso, de mais força.17 13.

Pode-se alegar que adjetivo e substantivo estão de tal forma unidos, que na prática considera-se que são expressos no mesmo momento, e que ao ouvir a frase “um cavalo negro” não

há tempo de imaginar um cavalo de outra cor antes que surja a palavra “negro” para interromper essa imaginação. Contudo, não é fácil, introspectivamente, afirmar se isso se dá ou não dessa maneira.18 Mas fatos colaterais sugerem que não é assim. Um deles é a tendência que temos de antecipar palavras ainda não pronunciadas. Se as ideias do ouvinte se mantêm em descompasso com as expressões de quem fala, como sugere a objeção, dificilmente ele poderá antecipar o fim de uma frase ao tempo em que ela está ainda sendo dita, mas isso com frequência acontece.19 Fosse a suposição verdadeira, a mente, em vez de se antecipar, estaria sempre em atraso. Se não percebêssemos o significado das palavras tão logo são pronunciadas, sucede que a perda de tempo com cada uma delas produziria uma acumulação de atrasos que deixaria o ouvinte completamente perdido. Admitindo-se ou não a força dessa réplica, dificilmente pode-se negar que a formação correta de uma imagem será facilitada apresentando seus elementos na ordem em que devem ser mostrados,20 mesmo que a mente nada construa até que tenha recebido a todos. 14.

15.

O que aqui foi dito com respeito à sucessão do adjetivo e do substantivo é também aplicável, mudando os termos, ao advérbio e ao verbo. E sem mais explicações, está claro que no emprego de preposições e outras partículas, a maioria dos idiomas está, de maneira mais ou menos espontânea, de acordo com esta lei. Analisando de maneira análoga as divisões de uma sentença, concluímos não só que o mesmo princípio se aplica, como também que são bem marcantes suas vantagens. Na disposição do sujeito e do predicado, por exemplo, vemos de saída que, como o predicado determina o aspecto sob o qual será concebido o sujeito, deve então precedê-lo; e logo se

percebe o efeito impactante que produz essa disposição. Tomese o muito citado contraste entre “Grande é Diana de Éfeso” e “Diana de Éfeso é grande”. Quando se usa a primeira disposição, a palavra “grande” suscita aquelas vagas associações de uma natureza imponente, a que está associada e prepara a imaginação para que revista de elevados atributos o que vem a seguir; e quando as palavras “Diana de Éfeso” são ouvidas, toda a imaginação apropriada que pode, no instante, ser invocada, é usada na formação da imagem: a mente é levada diretamente, sem erro, para a impressão pretendida. Quando, ao contrário, se segue a ordem inversa, a ideia “Diana de Éfeso” se forma sem referência especial à sua magnitude; e quando se agregam as palavras “é grande” deve, de novo, formar-se a ideia; daí surge uma perda de energia mental e uma correspondente diminuição de efeito.21 Os versos seguintes, de “O Velho Marinheiro”, de Coleridge, mesmo incompleto como oração, ilustra este princípio: Alone, alone, al , al alone Alone on a wide wide sea And never a saint took pity on My soul in agony (Só, só, totalmente só, totalmente Só em um mar imenso, imenso E nenhum santo se compadeceu De minh’ alma em agonia) 16.

Sem dúvida, aplicar-se-á o princípio, da mesma forma, quando o predicado for um verbo ou um particípio. E como se ganha efeito colocando em primeiro lugar todas as palavras que indicam qualidade, conduta ou condição do sujeito, aqui o verbo de ligação deve também preceder. É verdade que o hábito

geral de nossa língua resiste a essa ordem de predicado, verbo de ligação e sujeito; mas podemos prontamente encontrar exemplos da força adicional obtida ao segui-la. Veja-se a passagem de Júlio César: “Then burnst his mighty heart” (Então arde seu poderoso coração), onde se dá prioridade à palavra que junta predicado e verbo. Em uma passagem contida em “The Battle of Flodden Field” a mesma disposição se emprega com grande efeito:22 The Border slogan rent the sky! A Home! A Gordon! Was the cry; Loud were the clanging blows: Advanced – forced back – now low, now high, The pennon sunk and rose; As bends the barks masts in the gale When rent are rigging, shrouds, and sail It wavered ’mid the foes. (O brado de Border fendeu os céus! Um dos nossos! Um Gordon! Foi o grito. Claros eram os ressonantes golpes: Avançou – recuou – ora abaixo, ora acima, O pendão se alçava e se abatia Como se inclina do barco o mastro na tormenta Quando se desgarram aparelhos, abrigos e velas Navegava entre os inimigos.) 17.

Seguindo ainda esse princípio, é óbvio que, para produzir o máximo efeito, não só as principais divisões de um período deveriam seguir essa ordem, como suas subdivisões também teriam que estar dispostas do mesmo modo. Em quase todos os casos, o predicado é acompanhado de algum limite ou determinação chamado de complemento. Em geral, também, as

circunstâncias do sujeito – seus complementos – têm de ser especificadas. E como elas devem determinar o modo como deverão conceber-se os atos e as coisas a que se referem, deve-se dar precedência a elas. Lord Kaimes diz ser esta a ordem preferível, ainda que não justifique. Diz: “Quando se coloca uma circunstância no começo do período, ou perto do começo, a transição dela ao principal é agradável; é como galgar, ou subir”. Para ilustrar, seria desejável exibir uma sentença com uma composição como essa que mencionamos. Segue então uma delas: “Seja o que for na teoria, é evidente que na prática a ideia francesa de liberdade é – o direito de cada homem de ser chefe dos demais; pelo menos na prática, se não na teoria”. 18.

19.

20.

Neste caso, se as duas primeiras orações, até a palavra “prática” inclusive, que são as que modificam o objeto, se colocassem no fim, e não no começo, muito perderiam de sua força; vejamos: “A ideia francesa de liberdade corresponde ao direito de todo homem de ser chefe dos demais – pelo menos na prática, senão também em teoria”. O mesmo ocorre quando nos referimos às condições sob as quais um ato é praticado. Observe-se o efeito, se as colocamos por último: “Como seria imenso o estímulo para o progresso, se as honras que hoje se tributam à riqueza e aos títulos se dirigissem exclusivamente às ações elevadas e seu mérito intrínseco”. Vejamos agora o efeito superior obtido com sua colocação no começo: “Se as honras que hoje se tributam à riqueza e aos títulos se dirigissem exclusivamente às ações elevadas e seu mérito intrínseco, como seria imenso o estímulo para o progresso!”.

21. O efeito de conceder prioridade ao complemento do predicado, tanto quanto ao próprio predicado, é mostrado com elegância na maneira como começa “Hyperion” Deep in the shady sadness of a vale Far sunken from the healthy breath of morn, Far from the fiery noon, and eveś one star, Sat grey haired Saturn, quiet as a stone23 (Nas profundezas da sombria tristeza de um vale Distante, escondido do hálito sadio da manhã, Longe do ardente meio-dia e da solitária estrela vespertina, Jaz o grisalho Saturno, imóvel como uma pedra.) Deve-se observar aqui não apenas que só o predicado sat ( jaz ) precede o sujeito Saturn (Saturno), mas também que os três versos em itálico, que constituem o complemento do predicado, situam-se antes dele; e que também a estrutura desse complemento segue a mesma ordem, estando de tal modo composto cada verso, que os qualificativos se colocam antes das palavras sugerindo imagens concretas. 22.

A correta sucessão dos termos principais e subordinados em um período depende da mesma lei. O respeito à economia de atenção do ouvinte, que, como vimos, determina a melhor ordem para a colocação de sujeito, verbo de ligação, predicado e seus complementos, pede que o elemento subordinado preceda o principal, se estiverem ambos presentes. Contendo, como acontece, a oração subordinada, alguma ideia modificativa ou explicativa, sua prioridade previne toda falsa interpretação da oração principal; e por isso mesmo, poupa o esforço mental necessário para corrigir uma interpretação equivocada. O

seguinte exemplo ilustra isso:24 “O segredo que antigamente se guardava dos debates parlamentares, acredita-se ainda necessário na diplomacia; e sendo secreta a diplomacia, a Inglaterra poderá ver-se um dia comprometida por seus ministros, e sem o saber, em uma guerra que lhe custará centenas de milhares de vidas e centenas de milhões ao seu tesouro; isso, a despeito de os ingleses se rotularem um povo autogovernado”. As duas orações subordinadas, terminadas com vírgula e ponto e vírgula respectivamente, marcam quase que por completo o significado da oração principal com que conclui o período; o efeito ficaria perdido se fossem colocadas no fim, em vez de no início. 23.

24.

O princípio geral da correta composição dos períodos, que mostramos em sua aplicação para as divisões principais, também se aplica às seções menores em que podem ser divididas as seções maiores desses mesmos períodos. Em todo período de alguma complexidade, o complemento do sujeito contém várias orações, e o do predicado, outras; e estas podem colocar-se em maior ou menor conformidade com a lei de fácil apreensão. É claro que com estas, como acontece com os componentes maiores, a ordem deve se dar do menos ao mais específico; do abstrato ao concreto. Devemos agora, contudo, apontar uma condição a mais para se atingir a composição adequada de um período, também ela ditada pelo mesmo princípio geral: a condição de que palavras e expressões mais próximas no sentido sejam colocadas também mais próximas entre si. Evidentemente, cada palavra, frase, orações menores e divisões principais de cada proposição modificam outras palavras, orações e divisões. Quanto maior o lapso entre a menção de um elemento qualificativo e o elemento qualificado, mais tempo o indivíduo estará exercitando-se em ter o elemento qualificativo em mente, mantendo-o pronto para

uso. E quanto mais numerosas as modificações a serem lembradas simultaneamente e aplicadas corretamente, maior será a energia mental a ser despendida e menor o efeito produzido. Assim, em iguais condições, ganhar-se-á força ordenando os componentes de um período de maneira a fazer essas suspensões em um qualquer instante em menor número; e, ainda, de maneira a torná-las as mais breves em duração. Mostremos um exemplo de combinação defeituosa: “Uma notícia em um jornal moderno, ainda que provavelmente verdadeira, seria motivo de chacota, se citada como testemunho em um livro; mas uma carta com uma bisbilhotice da corte é considerada documento histórico, se escrita alguns séculos atrás”. Uma reordenação desse texto, feita de acordo com o princípio antes mencionado, aumenta seu efeito, como se vê a seguir: “Mesmo que provavelmente verdadeira, uma notícia de jornal moderno, citada como testemunho em um livro, provocaria chacotas; mas uma carta com uma bisbilhotice da corte, escrita alguns séculos atrás, é considerada documento histórico”. 25.

Fazendo essas mudanças, algumas suspensões são evitadas e outras abreviadas; assim como há menor probabilidade de se fazerem inferências apressadas. A passagem citada a seguir, de Paraíso perdido, proporciona um belo exemplo de período bem composto, tanto ao priorizar os membros subordinados quanto ao evitar longos e numerosos parênteses e ainda ao estabelecer correspondência entre a sequência das orações e dos fenômenos descritos, que, diga-se de passagem, é um requisito de fácil entendimento que resulta em efeito. As when a prowling wolf, Whom hunger drives to seek new hunt for prey, Watching where shepherds pen their flocks at eve, In hurled cotes amid the field secure,

Leaps oér the fence with ease into the fold: Or as a thief, bent to unhoard the cash Of some rich Burger, whose substantial doors, Cross-barr´d and bolted fast, fear no assault, In at the window climbs, or oér the tiles: So climb the first grand Thief into Godś fold; So since into his Church lewd hirelings climb. (Como quando um lobo que ronda, A quem a fome força buscar novo lugar de caça, Espiando onde os pastores guardam à noite seu rebanho, Nas vedadas cercas de um campo seguro, Salta o tapume com facilidade, alcançando a malhada, Ou como o ladrão que, inclinado a pilhar a riqueza De algum abastado cidadão, cujas sólidas portas, Trancadas e cedo aferrolhadas, não temem assalto, Galga a janela, ou o telhado, Assim galgou o primeiro grande Ladrão ao rebanho de Deus Assim desde então à sua Igreja devassos mercenários galgam.) 26.

O emprego comum de períodos em que todos os elementos descritivos e limitativos, ou a maioria deles, precedem os descritos e limitados, dá origem ao que se chama estilo invertido, designação que, contudo, não se limita apenas a esta estrutura, mas é constantemente usado onde a ordem das palavras simplesmente foge ao usual. O nome mais apropriado para este caso seria estilo direto, em contraste com o outro, o estilo indireto: sendo a particularidade de um conduzir cada pensamento, etapa por etapa, com pouca possibilidade de erro, e a do outro, obter o pensamento correto por meio de aproximações sucessivas.

27.

28.

A superioridade da forma direta do período sobre a indireta, subentendida em cada uma das conclusões deduzidas, não deve, contudo, afirmar-se sem reservas. Ainda que até certo ponto seja desejável que as cláusulas modificadoras de um período precedam as modificadas, contudo, como conduzir cada cláusula modificadora custa um esforço mental, segue-se que se seu número e o tempo gasto em conduzi-las for grande, chega-se a um limite em que mais se perde do que se ganha. Em igualdade de condições, a composição deveria ser tal que não se sugerissem imagens concretas até serem apresentados todos os seus componentes. Contudo, como se mostrou há pouco, quanto menos matéria se levar em conta por vez, e mais curta a distância até sua apresentação, tanto melhor. Assim é que se indaga se maior esforço mental será imposto por vários e longos parênteses ou pela correção de equívocos sucessivos. Essa indagação pode às vezes ser decidida levando-se em conta a capacidade das pessoas receptoras. É preciso uma mente perspicaz para perceber mais facilmente os pensamentos expressos na ordem direta, cujas orações são mais intrincadas. Reter as preliminares apresentadas na elucidação de uma ideia a ser ainda exposta e aplicar todas elas na formação dessa ideia, quando for sugerida, demanda boa memória e considerável poder de concentração. Para quem possua essas faculdades, parecerá melhor o método direto; já para alguém de memória reduzida e pouca concentração parecerá o pior. Exatamente como parecerá a um homem vigoroso mais fácil transportar de uma vez quarenta quilos de pedras de um lugar a outro, em vez de fazê-lo pedra por pedra, a uma mente ativa pode ser mais fácil reter juntas todas as modificativas de uma ideia e formá-la diretamente, de uma vez, quando mencionada, do que conceber primeiro de maneira imperfeita essa ideia, aportando então a ela, um por um, os detalhes e as limitações que vão sendo mencionados. Se para um garoto a única maneira de transportar

quarenta quilos de pedras é de fazê-lo por partes, para uma mente fraca, a única maneira de formar uma concepção composta pode ser o de aportar separadamente cada uma de suas partes. 29.

30.

Pode-se deduzir que o método indireto – de transmitir um significado por aproximações sucessivas – é o que melhor se adapta ao homem inculto a partir do uso que esse homem dele faz. A forma de expressão usada por um selvagem, quando diz: “Água, me dá”, mostra o tipo mais simples da composição aproximativa. Nos pleonasmos, bastante recorrentes entre os pouco instruídos, vê-se essencialmente a mesma estrutura. Um exemplo: “Os homens, eles estavam lá”. Ainda, a velha forma possessiva: “O rei, sua coroa” se ajusta a semelhante ordem de pensamento. Além disso, o fato de que o modo indireto seja considerado o mais natural leva à conclusão de que ele é espontaneamente empregado pelo povo, ou seja, pelas mentes menos disciplinadas. Muitos casos há, porém, em que nem a ordem direta, nem a indireta é a melhor; sendo então preferível uma ordem intermediária. Quando é grande o número de circunstâncias e qualificativos presentes no período, o mais sensato caminho é não enumerá-los todos antes de introduzir a ideia a que se referem, nem colocar primeiro essa ideia e deixá-la remodelada para se adaptar às particularidades mencionadas em seguida, mas fazer um pouco de cada coisa. Tomemos um exemplo: É conveniente evitar uma composição tão exageradamente indireta como esta: “Chegamos ao final de nossa jornada, afinal, com não pouca dificuldade, depois de muita fadiga, por estradas profundas e mau tempo.” Mas transformar essa oração em outra completamente direta tampouco produzirá um efeito satisfatório, como se vê: “Afinal, com não pouca dificuldade,

depois de muita fadiga, por estradas profundas e com mau tempo, chegamos ao fim da jornada”. 31.

32.

O Dr. Whately, de quem tomamos a primeira dessas duas construções,25 propõe o seguinte: “Afinal, depois de muita fadiga, por estradas profundas e com mau tempo, chegamos, com não pouca dificuldade, ao fim de nossa jornada”. Aqui observamos que introduzindo a palavra “chegamos” um pouco mais cedo na oração, diminuímos o trabalho de antecipar tantas particularidades, e a modificação subsequente “com não pouca dificuldade” resulta uma adição mais fácil ao pensamento. Mas podemos melhorar a composição antecipando ainda um pouco a palavra “chegamos”; especialmente se, ao mesmo tempo, os qualificativos forem reordenados conforme o princípio já exposto, de que os elementos abstratos do pensamento devem vir antes dos mais concretos: “Afinal, com não pouca dificuldade e depois de muita fadiga, chegamos, por estradas profundas e mau tempo, ao fim da jornada”. Esta última composição se lê com comparativa suavidade; isto é, com menos entraves de suspensões e reconstruções de pensamento – com menos esforço mental. Antes de nos despedirmos desta parte de nosso estudo, devemos ainda lembrar que, mesmo quando nos dirigimos a mentes privilegiadas, o estilo direto não se mostra apropriado para comunicar ideias de caráter complexo ou abstrato. Se a mente está desocupada, pode ser muito capaz de acolher todas as orações preparatórias de um período e usá-las de maneira efetiva; mas se alguma sutileza no argumento chamar sua atenção, se alguma faculdade mental for ativada na tentativa de apreender a corrente de pensamento do orador ou escritor, pode acontecer que a mente, incapaz de levar a cabo os dois processos ao mesmo tempo, venha a falhar, levando os elementos do pensamento à confusão.

O PRINCÍPIO DA ECONOMIA APLICADO FIGURAS DE LINGUAGEM 33.

34.

35.

ÀS

Levando agora em consideração as figuras de linguagem, vamos encontrar a mesma lei geral dos efeitos.26 Ao longo de todas as regras estabelecidas para a sua escolha e seu uso correto, vamos encontrar o mesmo requisito fundamental – a economia de atenção. As figuras de linguagem se empregam, principalmente, porque se prestam bem a essa finalidade. Levar a mente mais facilmente à concepção desejada é, em muitos casos, seu principal, quando não seu único objetivo. Comecemos com a figura chamada sinédoque. A vantagem às vezes obtida usando a parte pelo todo é devida à mais conveniente ou mais precisa apresentação da ideia. Se, em vez de escrever “uma frota de dez navios”, escrevermos “uma frota de dez velas” sugeriremos mais facilmente a imagem de um grupo de barcos no mar; isto porque as velas constituem as partes mais visíveis dos barcos nessa circunstância,27 enquanto a palavra “navios” provavelmente nos levasse a lembrar barcos atracados. Dizer “todas as mãos às bombas” é mais sugestivo que dizer “todos os homens às bombas”, pois sugere a imagem dos homens na atitude especial esperada, poupando esforços. Levar “uns cabelos encanecidos com tristeza à sepultura”, é outra expressão cujo efeito tem a mesma causa. O ocasional fortalecimento de imagem produzido pela metonímia pode ter a mesma justificativa. “A baixa moralidade do foro” é uma frase mais breve e mais significativa do que a literal que substitui. A crença na superioridade final da inteligência sobre a força bruta é transmitida de forma mais concreta, portanto mais objetiva, se substituirmos esses termos

abstratos por pena e espada. Dizer: “cuidado com a bebedeira”, por evocar uma imagem menos específica, é menos efetivo do que dizer “cuidado com a garrafa”. 36.

37.

O símile é usado em vários casos, principalmente com a ideia de adorno, mas onde quer que acrescente força a uma passagem, o faz pela economia. Eis um exemplo: “A ilusão de que os grandes homens e os grandes acontecimentos ocorreram mais frequentemente nos velhos tempos do que agora, se deve em parte à perspectiva histórica. Assim como em uma fila de colunas equidistantes, as mais distantes parecem coladas umas às outras, assim os objetos muito visíveis do passado parecem tanto mais compactamente grupados, quanto mais são remotos”. Para expressar literalmente a ideia assim transmitida teríamos que empregar várias orações, e os primeiros elementos da composição estariam enfraquecidos, enquanto a imaginação se ocupava adicionando outros. Mas pela ajuda de uma comparação, todo o esforço se salva; a imagem instantaneamente se forma, produzindo seu efeito por completo.

38. Quanto à posição do símile,28 vê-se que o que se disse a respeito da ordem de adjetivo e substantivo, sujeito e predicado, orações principal e subordinadas etc. também aqui se aplica. Qualquer qualificativo deve preceder qualquer coisa qualificada, e obter-se-á força colocando o símile antes do objeto ao qual se refere. Que essa é a melhor alternativa pode-se ver na seguinte passagem de “Lady of the lake”:29 As wreath of snow, on mountains’ breast,

Slides from the rock, that gave its rest, Poor El en, glided from her stay, And at the monarchś feet she lay. 30 (Como um diadema de neve, no seio da montanha, Escorrega da rocha, onde repousava, A pobre Ellen, deslizada de seu apoio, Foi cair aos pés do monarca.) Se invertermos esses versos, veremos que o efeito diminui consideravelmente. Casos há, contudo, mesmo que o símile seja singelo, em que ele pode, com vantagem, colocar-se por último, como nesses versos de Life drama, de Alexander Smith: “I see the future stretch All dark and barren as a rainy sea”, (Vejo o futuro estender-se Todo escuro e ermo como um oceano chuvoso.). A razão para isso parece ser que uma ideia tão abstrata quanto a que desperta a palavra “futuro” não se apresenta à mente de uma forma definitiva, e assim a chegada subsequente ao símile não ocasiona reconstrução do pensamento. 39.

Esses não são, contudo, os únicos casos em que essa é a melhor ordem. Como só é vantajoso colocar o símile antes do objeto quando a mente o levar adiante para ajudar a formar uma imagem desse objeto, acontecerá que, se por distância ou complexidade, ele não puder ser levado, não haverá vantagem. O soneto anexo, de Coleridge, é deficiente por essa razão: As when a child, in a long winterś night Affrighted, clinging to its grandmaś knees, With eager wondŕing and perturb´d delight Listens strange tales of fearful dark decrees, Mutter´d to wretch by necromantic spell; Or of those hags who at the witching time

Of murky midnight, ride the air sublime, And mingle foul embrace with fiends of hell; Cold horror drinks its blood! Anon the tear. More gentle starts, to hear the beldame tel Of pretty babes, that lov´d each other dear, Murde´d by cruel uncleś mandate fell: Evń such the shivŕing joys thy tones impart, Evń so, thou, Siddons, meltest my sad heart. (Como quando uma criança, em longa noite de inverno, Aterrada, agarrada aos joelhos de sua avó, Com ardente espanto e perturbado deleite Ouve estranhas histórias de amedrontadoras e escuras sentenças, Sussurradas aos miseráveis por necromânticos feitiços Ou daquelas bruxas que nos tempos dos sortilégios Na obscura meia-noite cavalgavam os elevados ares E se misturam em loucos abraços com os monstros do inferno, Frio horror bebe seu sangue! E logo a lágrima Docemente brota, ao ouvir a velha contar Que belas crianças, que muito se amavam, Caíram assassinadas, a mando de um cruel tio; Assim, tais prazeres terríveis trazem teus sons, Assim, derretes meu triste coração, Siddons.) 40.

Aqui, por excesso de tempo e acúmulo de circunstâncias, a primeira parte da comparação é esquecida antes de se chegar à segunda, sendo preciso voltar à leitura do soneto. Se a ideia principal fosse mencionada em primeiro lugar, menos esforço seria necessário para retê-la, e para modificar sua concepção de acordo com a comparação, do que para recordar essa

comparação e voltar às suas sucessivas características para completar a ideia final. 41. O Dr. Whately31 atribui a superioridade da metáfora sobre o símile ao fato de que “todos os homens se sentem mais gratificados colhendo uma semelhança por si mesmos do que a percebendo pela indicação de outrem”. Mas, depois do que foi dito, parece ser a grande economia obtida a causa mais provável. A exclamação presente em King Lear: “Ingratitude! Thou marble-hearted fiend,” (Ingratidão! Monstro do coração de mármore) perderia parte de seu efeito se mudada para: “Ingratitude! Thou fiend with heart like marble” (Ingratidão! Monstro de coração assemelhado ao mármore). E a perda resultaria em parte da presença do símile e em parte do número adicional de palavras necessárias. Quando a comparação é complicada, a maior força da metáfora, consequência de sua maior brevidade, torna-se muito mais evidente. Se, traçando uma analogia entre os fenômenos mentais e físicos, dizemos “passando através de um cristal, raios de luz branca se decompõem nas cores do arco-íris; então, atravessando a alma de um poeta, os raios incolores da verdade se transformam em brilhante poesia colorida”, claro é que recebendo os dois conjuntos de palavras como as duas metades da comparação, e levando ainda uma metade para a outra, despende-se uma considerável quantidade de atenção. A maior parte dela, porém, pode ser poupada, se pusermos a comparação em forma metafórica, da seguinte maneira: “A luz branca da verdade, atravessando a multifacetada e transparente alma do poeta, é refratada em irisada poesia”. 42.

Pode-se fartamente exemplificar o quanto pode ser transmitido em poucas palavras com o uso da metáfora e como o efeito assim obtido é marcante. De “A life drama”, pode-se citar a frase: “I spear´d him with a jest” (Eu o alfinetei com uma

burla), como um belo exemplo entre os muitos contidos no poema. Uma passagem de “Prometheus unbound”, de Shelley, mostra o poder da metáfora para obtenção dessa vantagem: Methought among the lawns together We wandered, underneath the young gray dawn, And multitudes of dense white fleecy clouds Were wandering in thick flocks along the mountains Shepherded by the slow unwil ing wind. (Parecia-me que juntos pelos relvados Passeávamos sob a cinzenta aurora que surgia, E multidões de brancas nuvens lanosas Estavam passando, em espessos rebanhos pelas montanhas Pastoreadas pelo vagaroso e desavindo vento.) Essa última expressão é notável pela distinção com a qual evoca os traços da cena, trazendo à mente, por assim dizer, a concepção desejada. 43.

Mas há uma limitação no eficiente uso da metáfora – ela precisa ser tão simples que possa ser entendida a partir de apenas uma sugestão. É evidente que se ela for obscura no seu entendimento ou na sua aplicação, não haverá nenhuma economia de atenção, mas ocorrerá o contrário. Assim, se a comparação é complexa, é de bom alvitre recorrer ao símile. Há, contudo, um tipo de figura de linguagem, algumas vezes chamada alegoria, mas que melhor seria talvez chamar de metáfora composta, que nos capacita a reter a concisão da forma metafórica mesmo quando a analogia é confusa. Isso é feito indicando a aplicação da figura no início, deixando que a mente prossiga em paralelo.32 Emerson se valeu desse recurso com bons resultados em Lectures on the Times:

The main interest which one aspect of the Times can have for us, is the great spirit which gazes through them, the light which they can shed on the wonderful questions, what we are and Whiter we tend? We do not wish to be deceived. Here we drift, like white sail across the wild ocean, now bright on a wave, now darkling in the trough of the sea; but what a port did we sail? Who knows? Or to what port we are bound? Who knows? There is no one to tell us but such poor weather-tossed mariners as ourselves, whom we speak as we pass, or who have hoisted some signal, or floated to us some letter in a bottle from far. But what know they more than we? They also found themselves on this wondrous sea. No; from the older sailors nothing. Over all their speaking trumpets the gray sea and the loud wind answer, Not in us; not in Time. (O principal interesse que podemos ter em alguns aspectos do Tempo é o grande espírito que se contempla através deles, a luz que podem lançar sobre as maravilhosas questões: O que somos? Aonde vamos? Não queremos ser enganados. Aqui somos arrastados, como brancas velas, através do selvagem oceano, ora brilhantes na crista da onda, ora escuros no fundo do mar; mas de que porto partimos? Quem sabe? A que porto corremos? Quem sabe? Ninguém há que nos diga, além de pobres marinheiros como nós, batidos pela tempestade, a quem falamos ao passar, que enviaram algum sinal ou fizeram flutuar de longe uma carta em uma garrafa. Mas o que sabem eles mais do que nós? Encontram-se também nesse encantado mar. Não; dos velhos marinheiros nada. Acima de suas trombetas, o mar cinzento e o forte vento bradam: Não aqui, não no Tempo.) 44.

A divisão entre símile e metáfora não é, de nenhuma maneira, algo definitivo. Entre um extremo, em que os dois elementos da comparação são completamente detalhados e a analogia indicada, e o outro extremo, em que a comparação é penas sugerida, em vez de estabelecida, há formas intermediárias, em que a comparação em parte se sugere, em parte se designa. Um exemplo: “Astonished at the performances of the English plow, the hindoos paint it, set it up and worship it; thus, turning a tool into an idol: linguists do the same with language.” (Espantados com o desempenho do arado inglês, os indianos o pintaram, elevaram e adoraram; assim, transformaram uma ferramenta em um ídolo: os linguistas fazem o mesmo com a linguagem). Há uma evidente vantagem em deixar o leitor ou ouvinte completar a imagem. E geralmente essas formas intermediárias são boas na medida em que concorram para isso; e desde que seja óbvio o modo dessa finalização. 45.

Passando por alto sobre o muito que se pode dizer igualmente sobre a hipérbole, a personificação, a apóstrofe etc., encerremos nossos comentários sobre a composição com um exemplo típico. O princípio geral enunciado diz que, em igualdade de condições, a força de uma forma verbal é expressiva na proporção em que o tempo e o esforço mental exigidos do leitor ou ouvinte sejam pequenos. Os corolários desse princípio geral foram ilustrados separadamente; mostrouse ainda que a relativa vantagem de um, entre dois modos de expressar uma ideia, é determinada pela observação de qual delas pede menor processo de pensamento para sua compreensão. Mas, embora a conformidade a requisitos particulares tenha sido exemplificada, nenhum caso de inteira conformidade foi ainda apresentado. Na verdade, é difícil encontrá-lo. O idioma inglês não permite comumente a ordem ditada pela teoria. Alguns exemplos, contudo, podem ser encontrados em Ossian.33 Eis um deles:

As autumn dark storm pours from two echoing hills, So towards each other approached the heroes. As two dark streams from high rocks meet and mix, And roar on the plain: Load, rough, and dark in battle meet Lochlin and Inisfail … As the troubled noise of the ocean when roll the waves on high, As the last peal of the thunder of the heaven Such is noise of the battle. (Como as escuras tormentas outonais que descem de duas encostas /ressonantes, Assim os heróis se aproximam um do outro. Como duas escuras torrentes caindo de altas rochas se encontram e /se misturam, E rugem na planície: Ruidosos, ásperos e sombrios em combate se encontraram Lochlin e /Inisfail … Como o turvado rumor do oceano quando correm as ondas no alto, Como o último estrondo do trovão dos céus Tal é o fragor da batalha.) 46.

Exceto pela posição do verbo nos dois primeiros símiles, em cada uma dessas sentenças se observa a melhor disposição teórica. O símile aparece antes da imagem modificada, os adjetivos antes dos substantivos, o predicado e o verbo de ligação antes do sujeito, e seus respectivos complementos antes deles. Se a passagem pode ser classificada de bombástica, isso nada prova; ou melhor, prova nosso exemplo. Pois o que é ser bombástico além de uma força de expressão bastante grande para a magnitude das ideias que se quer expressar? Toda a

conclusão a que se pode chegar é de que apenas em casos muito raros, e apenas para produzir um desfecho, todas as condições para uma efetiva expressão podem ser preenchidas.

SUGESTÃO 47.

COMO FORMA DE ECONOMIA

Passando a uma aplicação mais completa da doutrina que estamos equacionando, devemos agora notar que não apenas na estrutura das orações e nas figuras de linguagem a economia da energia mental do leitor ou ouvinte pode ser apontada como causa de força; mas na escolha dos arranjos das imagens menores, a partir das quais alguns grandes pensamentos são construídos, vamos encontrar as mesmas condições de efeito. Escolher os elementos típicos do sentimento, cena ou evento descrito que levam muitos outros consigo, e então, dizendo umas poucas coisas, mas sugerindo muitas outras, abreviar a descrição; eis o segredo de como produzir uma impressão intensa.34 Um extrato de “Mariana”, de Tennyson, vai ilustrar o que dissemos: All day within the dreamy house, The door upon the hinges creaked, The blue fly sung i´ the pane; the mouse Behind the mouldering wainscot shrieked, Or from the crevice peered about. (Todo o dia dentro da casa dos sonhos, As portas rangiam em seus gonzos, A mosca azul zumbia no cristal; o rato Atrás do carcomido madeirame guinchava, Ou desde a toca olhava em volta.)

48.

As várias circunstâncias aqui especificadas trazem muitas associações apropriadas. Nossa atenção raramente é atraída pelo zumbido de uma mosca na vidraça, a menos que tudo em volta esteja em silêncio. Quando os habitantes se movimentam na casa, os ratos ficam quietos; e apenas quando reina absoluta quietude eles se aventuram a sair de suas tocas. Assim, cada um dos fatos mencionados, e que pressupõem vários outros, chamam a estes com maior ou menor nitidez. E revivem os sentimentos de entorpecida solidão, a que estão ligados em nossa experiência. Se em vez de sugeri-los, fôssemos detalhálos, a atenção seria tão dissipada, que apenas uma leve sensação de melancolia seria provocada. Acontece o mesmo em outros casos. Seja qual for a natureza do pensamento a ser transmitido, a hábil seleção de umas poucas particularidades que conduzam ao restante é a chave para o sucesso. Na escolha das ideias, assim como na escolha das expressões, o objetivo deve ser levar o máximo de pensamentos com o menor número de palavras. 49.

Em muitos casos, o mesmo princípio pode ser ainda levado adiante, sugerindo indiretamente algum pensamento totalmente diferente, que se agrega ao já expressado. Assim, se dizemos: “A cabeça de um cidadão tradicional está tão cheia de mitos da antiguidade quanto o de uma doméstica está cheia de histórias de fantasmas”, é claro que além do fato afirmado, vai também embutida uma opinião sobre o pouco valor da educação clássica: e como essa opinião implícita pode ser percebida bem antes de ser traduzida em palavras, há um ganho na sua omissão. Em outros casos, ainda, obtém-se grande efeito com uma clara omissão, desde que fique óbvia a natureza da ideia omitida. Um bom exemplo temos em Heroes and hero-worship, de Carlyle. Depois de descrever a maneira pela qual Burns foi sacrificado à pura curiosidade dos janotas – gente que não veio por compaixão, mas apenas para vê-lo –, gente que buscava diversão e achou sua diversão enquanto a vida do herói se perdia por isso, o autor sugere assim um paralelo: “Richter conta que na

ilha de Sumatra existe uma espécie de besouro luminoso, um grande vagalume, que as pessoas cravam em varas de madeira e com elas iluminam os caminhos, à noite. Pessoas importantes podem assim viajar com uma agradável luminosidade, que muito admiram. Muita honra para os besouros! Mas…”

O EFEITO 50.

DA

POESIA EXPLICADO

Antes de perguntar se a lei do efeito, até aqui explanada, esclarece a superioridade da poesia sobre a prosa, seria útil mostrar algumas causas suplementares da força nas expressões, ainda não mencionadas. Não são propriamente causas adicionais, mas antes causas secundárias, originadas naquelas já especificadas, delas resultantes por reflexo. Em primeiro lugar, devemos sublinhar que a excitação mental provoca espontaneamente o uso das expressões linguísticas que mostramos serem as mais efetivas. “Dê o fora daqui!”35 “Cai fora!” são formas de expressão de cidadãos irados em uma reunião tumultuada. Um viajante, descrevendo uma terrível tormenta que havia presenciado, poderia chegar a um clímax como: “Os cabos foram rompidos e o mastro veio abaixo”. O espanto pode ser ouvido na frase: “Nunca se viu coisa igual!” Todas essas sentenças são construídas, como se vê, em sentido direto. Além disso, todos sabem que pessoas irritadas usam figuras de linguagem. O povo xinga bastante por meio delas: “Animal”, “Bruto”, “Bandido de forca”, “Vilão degolador”,36 estas e outras metáforas, além de outros epítetos metafóricos, trazem-nos à memória as brigas de rua. Devemos também lembrar que a extrema concisão é outra característica da linguagem apaixonada. As sentenças geralmente são incompletas; as partículas, omitidas; frequentemente, palavras importantes são dispensadas, sendo preciso buscá-las no contexto. Uma grande admiração não se expressa numa proposição precisa, como: “Ela é bela!”, mas numa simples

exclamação: “Bela!”. Quem, lendo uma comunicação de um advogado, dissesse: “Vigarista!” pareceria zangado, enquanto se dissesse: “Ele é um vigarista!” pareceria apenas friamente aborrecido. Vemos assim que, semelhante ao que acontece com a ordem das palavras, no uso de figuras de linguagem e na extrema concisão, o discurso natural da excitação segue as condições teóricas de uma expressão energicamente eficaz. 51.

52.

Assim, as formas mais elaboradas de linguagem adquirem uma força adicional pelo recurso à associação. Sendo habitualmente ouvidas no dia a dia, em conexão com impressões mentais fortes, e sendo costumeiramente encontradas nos escritos mais difundidos, essas associações acabam por adquirir por si mesmas uma espécie de força. As emoções que muitas vezes são produzidas por pensamentos vigorosos apresentados sob essas formas são parcialmente despertadas pelas formas mesmas. Elas criam como que uma disposição emocional preparatória, e quando as ideias impactantes que se buscam são alcançadas, elas são percebidas de maneira mais vívida. O uso contínuo dessas formas de expressão, que são igualmente fortes por si sós quanto o são por suas associações, produz a composição particularmente notável que chamamos poesia. A poesia, como veremos, geralmente adota esses símbolos de pensamento e a maneira de usá-los em que instinto e análise concordam em escolher como sendo mais eficientes, e se torna poesia pela capacidade de fazê-lo. Se voltarmos aos vários exemplos mostrados, veremos que neles predomina a forma direta ou invertida da oração, o que é praticamente inadmissível na prosa. E isso se nota não apenas na frequência, mas também no que se pode denominar violência das inversões. Podemos ainda reconhecer a mesma verdade no uso abundante das figuras de linguagem. Metáforas, símiles, hipérboles e

personificações são as cores dos poetas, que têm a permissão de usá-las quase ilimitadamente. Consideramos “poética” a prosa que as usa com alguma frequência, e a condenamos como “florida” ou “afetada” bem antes que ela ocorra na proporção admitida em poemas. Além disso, note-se que na brevidade – outro requisito de expressões efetivas que a teoria aponta e que a emoção espontaneamente preenche – a fraseologia poética também difere da fraseologia ordinária. Períodos imperfeitos são frequentes; a elisão é permanente; e muitas das palavras menores, que seriam consideradas essenciais na prosa, são simplesmente dispensadas. 53.

54.

Assim a poesia, considerada como um veículo do pensamento, é especialmente imponente em parte porque obedece a todas as leis da fala eficiente, e em parte porque, ao fazê-lo, imita as naturais expressões da emoção. Quando a matéria do texto é a emoção idealizada, o veículo é a linguagem idealizada da emoção. Assim como um compositor musical faz uso das cadências em que se expressam nossos sentimentos de prazer e compaixão, de pesar e tristeza, e destes germes desenvolve melodias sugestivas das mais altas fases desses sentimentos,37 também o poeta desenvolve, a partir das expressões típicas com as quais os homens manifestam a paixão e o sentimento, aquelas formas de combinação verbal com as quais a paixão e o sentimento intensos possam ser expressos de maneira adequada. Há na poesia uma peculiaridade que muito contribui para esse efeito – peculiaridade que de fato se considera sua característica – ainda não levada em conta: referimo-nos à sua estrutura rítmica. Tal fato, embora pareça improvável, vai somar-se a outros sob a mesma generalização. Como as outras características que examinamos, também esta é uma idealização da linguagem natural fortemente emotiva, que se sabe mais ou

menos métrica, se a emoção não for muito violenta; e que, como as demais, representa uma economia na atenção de quem lê ou ouve. No tom peculiar e na maneira que adotamos ao recitar um poema, pode-se perceber sua relação com os sentimentos; e o prazer que o movimento ritmado nos dá é atribuído à relativa facilidade com que palavras metricamente arranjadas podem ser identificadas. 55.

Esta última afirmação será dificilmente aceita de saída; mas uma pequena explicação demonstrará sua razoabilidade. Pois se, como vimos, há um esperdício de energia mental no simples ato de ouvir articulações verbais ou na sua repetição silenciosa durante a leitura,38 – se as faculdades perceptivas devem estar em atividade para a percepção de cada sílaba – então, um modo de combinar as palavras que apresentem uma recorrência regular de certos traços antecipáveis pela mente irá diminuir a natural tensão produzida pela irregularidade da prosa.39 Como o corpo, ao receber uma série de golpes, deve manter os músculos contraídos para receber o mais violento deles, que não sabe quando virá, também a mente, recebendo uma série de articulações variadas, deve também manter sua percepção bastante ativa para captar as menos fáceis de perceber. E se os golpes acontecem numa certa ordem, e o corpo pode poupar suas forças, ajustando a resistência necessária para cada golpe, também as sílabas, estando ajustadas a um ritmo, permitirão à mente economizar suas energias, antecipando a atenção pedida por cada uma delas. 56. Por muito que pareça forçada essa ideia, uma pequena reflexão irá validá-la. O fato de sentirmo-nos confortáveis com a linguagem metrificada para ajustar nossas faculdades de percepção à força das articulações esperadas comprova-se pela frustração que experimentamos quando se interrompe a versificação. É como se ao fim de uma escada encontrássemos um degrau a mais ou a menos do aquele número que

esperávamos; é o que acontece também quando deparamos com uma falta de acento ou uma sílaba excedente. Em um caso, sabemos que há um ajustamento errôneo; no outro, mal podemos duvidar que ele exista. Mas se normalmente préajustarmos nossa percepção para o ritmo medido dos versos, a analogia física que fizemos aponta como provável que fazê-lo poupa nossa atenção. Daí que a linguagem metrificada é mais efetiva do que a prosa, porque nos permite fazer isso.40 57.

Dispuséssemos de espaço, valeria a pena indagar se tanto a satisfação que experimentamos com o ritmo, como a que sentimos com a eufonia não são devidas, pelo menos em parte, à causa geral.

1    Spencer se refere ao personagem do irlandês Laurence Sterne (1713-1768), em The Life and Opinions of Tristam Shandy, Gentleman, de 1759. Esse livro teve influência na obra brasileira Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. (N. do T.) 2   Referência ao maior gramático em língua inglesa da época, o americano – que viveu na Inglaterra – Lindley Murray (1745-1826). (N. do T.) 3    Falamos de trabalhos que se pretendem retóricos. Existem teo rias gerais sobre expressão literária desenvolvidas por Goethe, Schiller, Schlegel, Schopenhauer, Hegel, Vischer e muitos outros autores sobre estética. 4   Lectures on rhetoric and bel es lettres. Leitura xi. 5   Elements of criticism. Cap. 18, § 2. 6    Evidentemente, tal regra diz respeito às composições em língua inglesa. Deve-se invertê-la quando tratamos de línguas latinas, como o português. (N. do T.) 7    Ver o comentário feito pelo Sr. Wright abaixo, § 13: “O produto preciso da linguagem é mais ou menos isolado do agente que o usa, e considerado mais relacionado com a mente do leitor do que com a mente de quem escreveu”. Uma resenha crítica do princípio geral pode ser encontrada em Rhetoric, de A. S. Hill, p. 163 e 164. 8   Esse engenhoso paradoxo permanece na distinção artificial entre linguagem e outros modos de expressão. A linguagem em si nada é senão um sistema de sinais verbais. O

que Spencer quer dizer é: “A linguagem é uma forma inferior de expressão para ideias que são mais facilmente traduzidas por outras formas de expressão”. A linguagem, em certo sentido, é sem dúvida, “um estorvo para a expressão do pensamento”, e precisamente isso. Ela força pensamentos vagos e mal definidos ao recuo sobre si mesmos, compelindo-os a aceitar a forma organizada necessária para a expressão verbal ordenada. 9    “Efeitos de maior força” é uma expressão vaga no mais alto grau. Podem existir centenas de efeitos de maior força com todos os matizes de complexidade; obviamente nem todos corresponderão a interjeições. 10    Expressão latina que significa, literalmente, “palavras de pé e meio de comprimento”. Spencer se refere a trecho da Arte poética ou Epístola aos pisões (verso 97), de Horácio, em que se condena o uso das palavras longas e retumbantes. (N. do T.) 11   Deve-se sempre levar em conta, contudo, o propósito do escritor e a necessidade do leitor. Se a pretensão do escritor é tal que necessite recorrer a termos abstratos, expressões concretas estarão fora de lugar. Dos dois exemplos que se seguem no texto, pode-se questionar se o primeiro não traria, sem comparação, à mente legal ou científica, o mais alto grau de satisfação. 12   Philosophy of rhetoric, Livro III, Cap. 1, § 1. 13   A ilustração do Dr. Campbell vai mais diretamente ao ponto: “Considerai – diz o Senhor – como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam, contudo vos digo que nem Salomão, em toda sua glória, se vestiu como um deles. Se Deus, pois, assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé?”. Adotemos agora um pouco do insípido método dos modernos parafrasistas, substituindo alguns termos pelos mais gerais, um dos muitos expedientes usados para debilitação do texto, e observemos o resultado produzido por essa mudança. “Considere as flores quando crescem gradualmente de tamanho; não exercem qualquer tipo de trabalho, e mesmo assim eu lhe declaro que nenhum rei, qualquer que seja ele, nas suas mais esplêndidas roupas, se veste como elas. Se Deus, então, na sua divina providência, assim adorna os produtos vegetais que não vivem senão pouco tempo na terra e logo são entregues ao fogo, quanto mais não fará para lhe prover de vestimentas?” Como é desprovido de espírito o sentimento produzido por essa variante! A composição consolidada com termos específicos é muito mais expressiva em sua permanência do que qualquer outra descrição em que termos gerais são introduzidos em seu lugar ( Philosophy of rhetoric, Livro III, Cap. 1, § 1). 14    A psicologia dessa passagem não está livre de suspeita. A operação da mente quando pensa numa classe o faz de maneira distinta de quando pensa em um componente particular dessa classe. No último caso, o procedimento mental consiste em buscar uma imagem particular da coisa. No primeiro, a mente capta a função da imagem, deixando de lado as características particulares. O pensador treinado, quando pensa na classe “cavalo”, não escolhe um dos cavalos de seu acervo mental de imagens. Ele pensa no conceito de cavalo, e fazendo assim, ele se atém a uma concepção perfeitamente definida, sem deter na consciência um cavalo particular qualquer. A imagem particular estará sem dúvida presente, mas detalhes como altura, cor etc. são

simplesmente descartadas. Ver, a respeito, Psychology, de Dewey, p. 204-213; Psychology, de James, I. cap. 12; How do concepts arise from precepts, de Dewey, no Public School Journal, nov. 1891; James – endereço na Psychology Revue. 15   Na questão geral da ordem das palavras nas sentenças, ver o admirável pequeno tratado de H. Weil The order of words in ancient languages compared with that of modern languages (traduzido por C. W. Super – Boston, 1887). 16   “Há ainda outro elemento a levar em conta, que é o efeito rítmico do estilo. Em seu ensaio, Spencer estabelece muito claramente a lei da sequência, mas eu concluo que ele deveria abrigá-la inteiramente na lei da economia; de qualquer forma, ele lida com o fato restringindo-se à inteligibilidade, deixando de lado a quase tão importante relação com a harmonia … Mas o estilo tem a ver com as emoções tanto quanto tem a ver com o intelecto, e a combinação das palavras e sentenças que será a mais econômica pode não ser a mais musical, como a mais musical pode não ser a mais efetivamente agradável. Para o clímax e para a variedade, pode ser necessário algum sacrifício da rápida inteligibilidade; assim, involuções, antíteses, suspensões, que perturbam a melhor ordenação do arranjo, podem ainda, em virtude de sua sutil influência ser consideradas como uma melhoria daquele arranjo”. Princípios de sucesso na literatura – Lewe, p. 143. 17    Duas falácias cercam esse argumento: (1) Que “o preconceito produzido pelo hábito” seja um fator que possa ser desconsiderado, pois é óbvio que se a ordem substantivo-adjetivo for aquela habitualmente empregada e prevista, a economia ditará que a ordem oposta deve ser evitada; (2) Que aspectos particulares de uma imagem visual concreta surjam na mente após a identificação da palavra “cavalo”. A imagem pode ser um som ou uma linha em movimento. “Veja-se o seguinte relatório de um de meus alunos: Eu sou incapaz de formar, com os olhos de minha mente, qualquer semelhança visual com uma mesa qualquer. Após várias tentativas, apenas posso perceber uma superfície turva, sem nada em cima ou em volta. Não percebo variações de cor nem limitações positivas de extensão, e mesmo não posso distinguir o que vejo de forma a determinar sua posição em relação à minha vista e nem lhe atribuir qualquer qualidade dimensional. Tenho a mesma posição quanto à palavra “cão”. Não posso vê-lo com os olhos da mente. Assim, não posso dizer como correr os olhos sobre ele, se não o vejo”. Psychology, de James – II, pág. 57, nota. Todo o capítulo deve ser lido. 18   Veja-se, para discussão dessa questão: La parole intérieure, de Victor Egger, capítulos 6 e 7; Psychology, de James, I, págs. 280, 281 notas. 19   Spencer falha ao não perceber como esse fato depõe contra sua teoria. 3   (1) Os franceses, acostumados à ordem substantivo-adjetivo, anteciparão o iminente “noir”, ou um outro adjetivo, tão logo ouçam a palavra “cheval”; assim, nesse caso, a nascente imagem do cavalo de cor errada não tenderá a ser produzida. A entonação peculiar do substantivo provavelmente dará a ele a indicação de que virá ou não um adjetivo em seguida. (2) No caso dos ingleses, a palavra “black” pode levar o ouvinte a uma antecipação de um substantivo que não seja “horse”; pode esperar uma imagem

de ovelha, homem, ou olho, na sequência, já que todas essas coisas podem possuir a qualidade de serem negras. 20   No artigo original, tal qual apareceu na Westminster Review, as seguintes palavras estão inseridas neste local: “e então, no formar a imagem correspondendo a uma flor vermelha, sendo a noção de vermelho uma das componentes a serem usadas nessa formação, a mente, apossando-se dessa noção antes da imagem específica ser sugerida fora dela, mais facilmente a forma, do que se a ordem for invertida”. 21    Note-se que este princípio não se aplica ao português, onde a ordem sujeitopredicado é preferida. (N. do T.) 22   Trata-se de uma passagem da obra Marmion, de Sir Walter Scott.(N. do T.) 23   Versos do poeta alemão Hölderlin (1770-1843). 24   Em Westminster Review foi dado o seguinte exemplo: “Aqueles que semanalmente vão à igreja, e ali demonstram uma quantidade de fé que não têm energia para criar em si mesmos, são pobres de espírito”. 25   Rethoric, Parte III, Cap. 2, § 12. 26    Sobre o tema geral das figuras de linguagem, ver o ensaio de Max Muller na Fortnightly, vol. 46, p. 617, em “Metaphor as a Mode of Abstraction”; English prose, de Earle, p. 234-253; Poetics, de Gumere, p. 83-132; Modern Language Notes, Vol. 1, p. 140, “The Classification of Rethorical Figures”, de C. B. Bradley. 27    Lembremo-nos que à época da redação do presente ensaio os navios à vela – os clippers – ainda não haviam sido aposentados pelos navios a vapor. (N. do T.) 28   Corretamente falando, o termo “símile” só é aplicável à ideia completa, incluindo as duas coisas comparadas e a comparação estabelecida entre elas. Mas como não existe nome para o componente ilustrativo da figura, parece não haver alternativa senão usar “símile” para expressá-lo. Este contexto mostrará, em cada caso, em que sentido se emprega a palavra. 29   São versos do poema “The Lady of the Lake”, de sir Walther Scott, Canto VI, Cap. XXVII. (N. do T.) 30   Compare-se a composição com a seguinte, de Othelo, de Shakespeare, Ato 5, cena 2: Of one whose subdued eyes, Albeit unused to the melting mood Drop tears as fast as Arabian trees Their medicinal gum. (De alguém, cujos olhos baixos, embora não acostumados a ternos sentimentos, derramam lágrimas tão rápido quanto as árvores da Arábia Sua goma medicinal.)

31   Rethoric, Parte III, Cap. 2, § 8. 32    Não raro ocorre em Shakespeare como, por exemplo, em Hamlet, ato IV, cena 2: “But such officers do the king best services in the end; he keeps them, as an ape doth nuts, in the corner of his jaw; first mouth´d be last swallowed. ” (Mas tais funcionários prestam ao rei os melhores serviços afinal; ele os guarda, como faz um macaco com as nozes, no canto de sua boca; primeiro os mastiga, e afinal os engole.) 33   Poemas folclóricos escoceses reunidos por James Macpherson (1736-1796). (N. do T.) 34  A seguinte sentença aparece, nesta altura, no texto da Westminster Review: “Assim, se dizemos que a nobreza real é intransferível, além da única ideia expressa, várias outras estão compreendidas, e como estas podem ser pensadas muito antes de serem postas em palavras, há um ganho na omissão dessas palavras”. 35   Put him out! é a expressão equivalente usada na Inglaterra. 36nbsp;  Evidentemente, são expressões inglesas. (N. do T.) 37   Para conhecer a opinião de Spencer sobre a relação da música com a melodia do discurso, ver seu ensaio “Origin and function of music”, publicado no volume Essays, scientifical, political and speculative; seu recente estudo sobre “A origem da música” , em Mind, de outubro de 1890 ; a discussão, por R. Wallaschek e J. McK. Cattel em Mind, de julho de 1891 ; e cap. 21 de Power of sound, de Gurney . 38    Muita discussão surgiu sobre este ponto. Ver Senses and intellect, de Bain, p. 345, 353; Studien über die Sprachvorstellungen; Revue Philosophique, vol. 16, p. 405; vol. 18, p. 685; vol. 19, p. 118. 39    A boa prosa está longe de ser totalmente irregular; possui um grande ritmo peculiar, de difícil definição, mas fácil de perceber, mesmo com um ouvido não treinado. Um operário, na leitura de um jornal, muitas vezes se queixará de que “a leitura não corre macia”. Estará tentando dizer que há um defeito no “ritmo” daquela prosa. Consultar a respeito a introdução de Specimens of English prose style, de Saintsbury, o ensaio sobre “Estilo na Literatura”, na Contemporary Review, vol. 47, p. 458, de Stevenson; “On the Physical Constituents of Accent and Emphasis”, em Transactions of the English phylological society for 1873-4, p. 113-164. 40    “O que representa o ritmo da dança para nossa energia muscular representa o ritmo da poesia e da música para nossa audição. Seu constituinte principal agradável é a regularidade com que ocorre e a consequente possibilidade de relaxamento de nossa atenção à acentuação ou ao arranjo dos acordes. Enquanto sílabas irregularmente lançadas juntas pedem certa quantidade de saltos entre pontos na percepção auditiva, a colocação das sílabas de maneira regular a curto e longo prazo nos leva a desviar a atenção de sua ênfase e aguardar a continuação da mesma sucessão harmoniosa fácil de acompanhar. Muitos fatos familiares se somam na justificativa desta explicação. Quando se tenta, pela primeira vez, acompanhar um ritmo inteiramente novo, só se consegue entrar na cadência, como se diz, após alguns minutos, isto é, tendo antes nosso

aparato auditivo se acomodado ao novo modo de recorrência”. – Grant Allen, em Phisiological aesthetics, p. 115 .    “Os próprios membros das orações e períodos não devem ser truncados e nem muito longos. E se são muito curtos, fazem com que o ouvinte tropece. Enquanto ele se apressa para seguir a escala ou o ritmo, do qual tem uma noção definida em sua mente, se subitamente se depara com uma pausa da parte do orador, necessariamente sofre como que uma sorte de tropeção, como consequência da súbita freada”. – Aristóteles, Rhetoric, III, 9.

SEGUNDA PARTE

Causas da força na linguagem que dependem da economia da sensibilidade mental

A LEI DA EXAUSTÃO MENTAL 58.

59.

E DA

RECUPERAÇÃO

Apenas uns poucos parágrafos serão devotados à segunda parte de nossa matéria, aqui apresentada. Para seguir com detalhes a lei dos efeitos, como aplicada às características maiores da composição, teríamos que extrapolar nossos limites. Mas podemos mostrar brevemente um aspecto que vai além do princípio até então delineado e sugerir algumas de suas aplicações mais amplas. Não examinamos aqui, até agora, nada além das causas da força na linguagem, que dependem da economia da energia mental. Vamos abordar brevemente as que dependem da economia da sensibilidade mental. Ainda que possa ser questionável tal divisão como psicológica, ela servirá para indicar o campo que nos resta para investigação. Vai sugerir que, além de examinar a extensão em que uma faculdade ou grupo de faculdades se comportam ao receber uma forma de palavras e construir a ideia que contêm, temos que considerar o estado em que tal faculdade ou grupo de faculdades vão se encontrar ao fim da ação. E como a recepção de sentenças e imagens subsequentes será influenciada por esse estado. Sem nos aprofundarmos por demais em um tópico tão vasto como o do exercício das faculdades e seus efeitos reativos, será aqui suficiente lembrar que cada faculdade (quando em estado normal de atividade) apresenta sua máxima capacidade ao iniciar seu exercício; e que a mudança nessa condição, que termina no que chamamos exaustão, começa também no início do exercício. Esta generalização, que nos é familiar nos exercícios corporais, e que no linguajar diário se reconhece verdadeira na mente como um todo, é igualmente verdadeira

para cada poder mental, do mais simples dos sentidos até o mais complexo dos sentimentos. Se cheiramos uma flor por muito tempo, deixamos de perceber seu perfume. Dizemos que um relâmpago brilhante nos cega, ou seja, que nossos olhos perderam, por um tempo, a capacidade de perceber a luz. Se provamos um pouco de mel, nosso chá parece estar sem açúcar. A frase “um rugido ensurdecedor” sugere que quando ouvimos um som muito intenso, ficamos incapacitados a perceber até os sons mais débeis. Para a mão que sustentou por certo tempo um objeto pesado, levantar um objeto leve dá a sensação de sustentar algo sem peso. Assim, a verdade mostrada nesses exemplos pode ser encontrada, e em termos extremos, em qualquer lugar. Pode mostrar-se que, como nas faculdades reflexivas, também nas de imaginação, da percepção do belo, do ridículo, do sublime, nos sentimentos, nos instintos, em todas as atividades mentais, qualquer que seja sua classificação – a ação cansa; e na proporção em que a atividade seja violenta, a consequente prostração será grande. 60.

Igualmente, em toda a natureza, pode-se perceber a lei de que todas as faculdades tendem sempre a retomar seu estado anterior. Não apenas depois de prolongado repouso voltam a ganhar seu poder original – as breves cessações de atividade as revigoram; mas, mesmo quando estão em ação, o resultante desgaste está sempre sendo compensado. Os dois processos, de desgaste e de recuperação, andam juntos. Isso acontece com as faculdades constantemente postas em ação, como os sentidos, ou os músculos de alguém que seja bastante forte: se a atividade é moderada, a recuperação se dá tão próxima do desgaste que a diminuição da energia é praticamente imperceptível; e apenas quando a atividade se prolonga por muito tempo, ou é muito violenta, ocorre de a recuperação ficar em maior atraso em relação ao desgaste, de modo a produzir uma perceptível prostração. Mas em todos os casos, contudo, se acontecer um gasto pela ação de qualquer

faculdade, um lapso de tempo é necessário para que ocorra uma completa recuperação na sua eficiência, um lapso de tempo proporcional à extensão do desgaste ocorrido.41

EXPLICAÇÕES ANTICLÍMAX 61.

62.

SOBRE

CLÍMAX, ANTÍTESE

E

Tendo em mente essas verdades gerais, estamos em condições de compreender certas causas do efeito na composição verbal, causas que em seguida iremos examinar. Cada percepção recebida – e realizada – implica algum desgaste em uma faculdade usada; ou, como diz Liebig,42 uma mudança de foco por parte do cérebro; e, assim, a eficiência das faculdades afetadas por esse desgaste fica diminuída temporariamente, embora às vezes apenas momentaneamente; a deficiência parcial que daí resulta deve afetar os atos de percepção e concepção que irão logo depois ocorrer. Podemos, então, esperar que a nitidez com que as imagens são realizadas irá, em muitos casos, depender da ordem de sua apresentação: mesmo quando uma ordem for tão conveniente para o entendimento quanto a outra. Variados fatos há que ilustram essa afirmativa e são por ela explicados. O clímax é um deles. O nítido efeito obtido colocando por último a mais impressionante de uma série de imagens, e a fraqueza – muitas vezes até ridícula – produzida pela inversão da composição, concordam com a lei geral mencionada. Como imediatamente após olhar o sol não distinguimos a chama de uma vela, enquanto olhando primeiramente a vela e depois o sol teremos visto os dois; assim, após a apreciação de um pensamento brilhante, profundo ou aterrador, não apreciaremos um que seja menos brilhante, menos profundo ou menos aterrador; contudo, se invertermos a

ordem, poderemos apreciar cada um deles. Na antítese, vamos também reconhecer a mesma verdade geral. A oposição de dois pensamentos que são um o reverso do outro em algum atributo relevante provoca um efeito marcante. E faz isso proporcionando um relaxamento momentâneo à faculdade acionada. Se, depois de uma série de imagens ordinárias que evocam, em grau moderado, o sentimento de respeito, de aprovação ou de beleza, se nos apresenta à mente uma imagem muito insignificante, muito indigna ou muito feia, a faculdade de respeito, aprovação ou beleza, nada tendo então com que se ocupar, tende a recuperar toda sua capacidade; e poderá em seguida apreciar uma imagem vasta, admirável ou bela melhor do que o faria em outras condições. De modo inverso, quando se há de produzir uma ideia de absurdo pela extrema insignificância, ela pode ser muito ampliada se for colocada logo após algo bastante impressionante: especialmente se a forma da frase é sugestiva de que algo ainda maior está prestes a ser apresentado. Uma boa ilustração do efeito obtido pela apresentação de uma ideia mesquinha a uma mente ainda não recobrada de um choque de uma ideia excitante aparece em uma passagem de Balzac, em que seu herói escreve a seguinte carta para a amante que o desprezou: MADAME: votre conduite métonne autant quél e máfflige. Non contente de me déchirer le coeur par vos dédains, vous avez líndélicatesse de me retenir une brosse à dents qui mes moyens ne me permettent pas de remplacer, mes propriétés étant grévées d ´hipotèques. Adieu, trop bel e e trop ingrate amie! Puissons-nous nous revoir dans un monde meilleur! CHARLES-ÉDOUARD. (SENHORA: sua conduta me espanta tanto quanto me aflige. Não contente de me despedaçar o coração com seu desprezo, tem ainda a indelicadeza de reter minha escova

de dentes que minha situação atual não permite substituir, por estarem minhas propriedades sob hipoteca. Adeus, muito bela e muito ingrata amiga! Possamos nós nos rever em um mundo melhor! CARLOS EDUARDO.) 63.

Vemos assim que também os fenômenos de clímax, antítese e anticlímax resultam do mesmo princípio geral. Por improváveis que pareçam essas variações de suscetibilidade, não podemos duvidar de sua existência quando contemplamos as variações análogas que ocorrem na suscetibilidade dos sentidos. Referindo-nos uma vez mais ao problema da visão, todos sabemos que um remendo negro em um fundo branco parece mais negro, como um remendo branco sobre um fundo negro parece mais alvo que em outro fundo qualquer. Como negrume e alvura são as mesmas na realidade, a única causa plausível para essa diferença reside na diferença da ação sobre nós, resultado dos diferentes estados de nossas faculdades. É simplesmente uma antítese visual.43

NECESSIDADE 64.

DE

VARIAÇÃO

Acontece que esta extensão do princípio geral da economia – esta posterior condição para uma composição de efeito, em que a sensibilidade das faculdades seja continuamente administrada com economia – inclui muito mais do que foi até aqui sugerido. Ela implica não apenas que certos arranjos e certas justaposições de ideias ligadas sejam os melhores; mas também que algumas maneiras de dividir e apresentar um assunto sejam mais impactantes que outras; e isso, também, sem considerar a sua coesão lógica. Isso mostra por que devemos passar do menos interessante para o mais interessante; e por que não apenas a composição

como um todo, mas cada uma de suas sucessivas partes deve rumar para um clímax. Ao mesmo tempo, deve-se evitar uma longa continuidade do mesmo tipo de pensamento, bem como uma repetida produção de efeitos semelhantes. Fiquemos em alerta para o erro cometido por Pope44 em seus poemas e Bacon45 em seus ensaios – o erro do constante emprego de formas de expressão fortes: ele nos indica que, assim como uma posição muscular mais cômoda vai se tornando cansativa, e terminamos por adotar outra, menos cômoda, também as orações mais bem construídas vão se tornando fatigantes, e sentimos como que um alívio quando se empregam outras, de classe inferior.46 65.

66.

Além disso, podemos concluir que devemos não apenas evitar combinarmos as palavras sempre da mesma maneira, por melhor que seja, como evitar formarmos nossas ideias e exemplos do mesmo modo, por mais didático que possa parecer, como ainda evitar qualquer adesão uniforme às mais amplas condições de efeito. Não devemos fazer com que cada seção de nosso assunto cresça em interesse; não devemos sempre correr em busca de um clímax. Como vimos, nas orações simples apenas raramente se aceita o cumprimento de todas as condições de efeito; assim, nas maiores seções de uma composição, nem sempre devemos nos submeter inteiramente aos princípios indicados. Devemos subordinar o efeito componente ao efeito total. Ao decidir na prática até que ponto seguir os princípios da composição artística, podemos ter em mente um fato já destacado – a adequação de certas composições verbais para certos tipos de pensamento. A constante variedade que a teoria pede na maneira de apresentar ideias irá, em larga medida, resultar de uma habilidosa adaptação da forma ao assunto.

Vimos como as sentenças indiretas ou invertidas são usadas de maneira espontânea por pessoas irritadas; e como seu modo de falar é também caracterizado pela brevidade e pelo uso de figuras de linguagem. Assim, esses recursos poderão, com vantagem, predominar nas passagens emocionais; e poderão crescer à medida que se intensificam as emoções. Por outro lado, para ideias complexas, as sentenças indiretas parecem ser o melhor veículo. Na conversação, o excitamento que produz a aproximação de uma conclusão esperada muitas vezes vai aparecer sob a forma de uma série de sentenças curtas, incisivas; enquanto, falando de um juízo já enunciado, geralmente fazemos períodos longos, enumerando pensamento sobre pensamento. Esses modos naturais de proceder podem servir como guias da escrita. Observação arguta e hábil análise podem, de certa forma, detectar posteriores peculiaridades de expressão produzidas por outras atitudes da mente; e prestando a devida atenção a todos os atributos, um escritor dotado de suficiente versatilidade pode realizar um trabalho totalmente organizado.

O REDATOR 67.

IDEAL

A espécie de composição que a lei do efeito considera perfeita seria aquela que uma pessoa altamente genial tenderia a produzir. Como chegamos à conclusão de que os tipos de sentenças teoricamente melhores são as normalmente empregadas pelas mentes mais esclarecidas e também as empregadas pelas mentes inferiores, quando movidas pela excitação, podemos concluir que a forma ideal de um poema, ensaio ou ficção é aquela que o escritor ideal desenvolve espontaneamente. Alguém cuja capacidade de expressão combinasse completamente com seus sentimentos iria inconscientemente usar aquela variedade na maneira de apresentar seus pensamentos que a Arte espera. Esse emprego constante de uma espécie de fraseologia que devemos combater

significa uma faculdade de linguagem subdesenvolvida. Ter um estilo específico significa pobreza de fala. Se lembrarmos que, em um passado distante, os homens dispunham apenas de verbos e substantivos para comunicar seus juízos, e desde então o crescimento tem sido no sentido de um maior número de ferramentas do pensamento e, consequentemente, rumo a uma complexidade e variedade maiores na sua combinação, podemos concluir que estamos agora, no tocante ao uso das sentenças, como o homem primitivo estava no uso das palavras; e a continuidade do processo desenvolvido até agora deve ainda produzir uma crescente heterogeneidade na nossa forma de expressão. Como agora, numa natureza refinada, a fisionomia, o tom de voz e sua cadência variam em conformidade com cada pensamento expresso, assim em quem possui um poder de linguagem altamente desenvolvido, o molde em que cada combinação de palavras se funde varia com o sentimento e estará de acordo com ele. 68.

Podemos deduzir que um homem bem favorecido pode escrever inconscientemente em todos os estilos, considerando a própria origem dos estilos. Por que Johnson é pomposo e Goldsmith, simples? Por que um autor é abrupto, outro rítmico e outro conciso? Evidentemente, em cada caso o modo habitual de expressão depende do equilíbrio habitual da sua natureza. Os sentimentos predominantes treinaram o intelecto, pelo uso, a representá-los. Mas enquanto longamente, de maneira inconsciente, a disciplina faz com que isso ocorra com eficiência, o intelecto, por falta de prática, permanece incapaz de agir da mesma forma com os sentimentos pouco ativos; e quando esses vêm à tona, as formas verbais apenas experimentam pequenas variações. Contudo, sendo o poder da fala desenvolvido por completo e se a habilidade da mente para expressar as emoções for total, a rigidez do estilo desaparecerá. O perfeito redator, ou escritor, se expressará como Junius quando ordenar a sua própria mente como a dele; quando se sentir como se sentia

Lamb, como ele vai se comunicar; cairá na rudeza de Carlyle, quando sua disposição for a dele; ora será rítmico, ora irregular. Aqui sua linguagem será simples, ali será florida; algumas vezes suas sentenças serão equilibradas e outras serão assimétricas; por um tempo haverá mesmice, e logo virá a variedade. Se seu modo de expressão naturalmente corresponder ao seu estado emocional, sairá de sua pena uma composição mudando na mesma proporção com que ele passa por sua mudança subjetiva. Ele então irá, sem esforço, agir em conformidade com aquilo que vimos serem as leis do efeito. E enquanto seu trabalho apresentar ao leitor a variedade necessária para evitar o contínuo exercício das mesmas faculdades, corresponderá também à descrição das produções bem organizadas, do homem e da natureza: será não apenas uma série de partes semelhantes simplesmente justapostas, mas um todo, feito de partes diversas, mas em mútua dependência.47

41    Para uma expansão desses conceitos, com muitos exemplos, veja-se Physiological aesthetics, de Grant Allen, capítulos 1 e 2. 42   Justus von Liebig (1803-1873): químico e biólogo alemão. (N. do T.) 43   Para esse assunto, ver o artigo “The law of contrast” , de E. B. Delabarre, publicado em Psychology, de James, vol. II p. 13-27. 44   Alexander Pope (1688-1744): poeta inglês. (N. do T.) 45   Francis Bacon (1561-1626): político e escritor inglês. (N. do T.) 46   Mas por que, se elas atingem seu objetivo, devem ser classificadas como inferiores? Seguramente, as orações “perfeitamente construídas” são as que preenchem seus propósitos numa ocasião particular e num dado contexto. 47   Esse é o princípio fundamental, que, na opinião do editor, Herbert Spencer deveria ter apresentado na abertura do presente ensaio. Ele poderia então ter exposto suas várias exceções, as regras opostas, os princípios suplementares e assim por diante, sob uma lei universal que tudo permeia.