Estrutura da linguagem poética

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Editora Cultrix Editora da Universidade de São Paulo

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ESTRUTURA DA LINGUAGEM POÉTICA

Jean Cohen

A análise estrutural dos procedimentos característicos da linguagem poética revela, neles, um caráter paradoxal: apresentam-se como violação sistemática da linguagem comum. Entretanto, esta negatividade é o instrumento de que o poeta se vale para pôr em ação um mecanismo universal de compensação — a metáfora —, que permite à poesia transmitir um significado de outra ordem e cumprir assim sua função específica. A análise que Jean Cohen empreende aqui da estrutura da linguagem poética é de capital importância para os que se interessem por questões de teoria literária, notadamente estudantes das Faculdades de Letras.

EDITORA CULTRIX EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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ESTRUTURA DA LINGUAGEM POÉTICA Jean Cohen A poesia constitui uma forma específica de linguagem, destinada a desempenhar uma função específica de comunicação. , . Essa especificidade é de ordem estrutural. A poesia difere da pro­ sa, não pela substância sonora ou ideológica, mas pelo tipo particular de relações que institui en­ tre os elementos do sistema linguístico. Tais relações se desenvolvem em dois níveis: o nível fónico, onde formam o que se chama verso, e o nível semântico, onde constituem aquilo a que a antiga retórica chamava figuras. Ora, a aná­ lise de conjunto desses procedimentos revela um caráter paradoxal comum: apresentam-sc eles co­ mo uma violação sistemática das leis da lingua­ gem comum, como se o poeta tivesse por único propósito baralhar a inteligibilidade da mensa­ gem.

Essa negatividade da linguagem poética au­ menta regularmente da idade clássica para a ida­ de moderna. Trata-se de uma negatividade que o poeta busque por amor dela própria ou se ’ trata antes do instrumento necessário de uma nova inteligibilidade? Jean Cohen adota esta segunda hipótese. As figuras poéticas só são ne­ gativas numa primeira etapa, destinada a pôr em ação um mecanismo universal de compensa­ ção, a metáfora, que permite à poesia transmitir um significado de outra ordem e cumprir assim sua função específica. Com base nesse enfoque fecundo, Jean Cohen estuda em Estrutura da Linguagem Poética temas de capital importân­ cia para os que se interessem por questões de teoria literária: o problema poético; o nível fó­ nico e versificação; o nível semântico e a predi­ cação; a determinação c a coordenação; a ordem das palavras em poesia; e a função poética. A presente edição de Estrutura da LinCUAGEM Poética, que foi traduzida por Álvaro Lorencini e Anne Armchand da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Manha, S. , e publicada pela Cultrix com o presugioso apoto da Editora da Universidade de Sao Paulo.

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ESTRUTURA DA LINGUAGEM POÉTICA

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ísclDãoe o lUBiNesiui rasem •2 Rua Vbconda da PI rajá, 605 co Lj 0 - Ipanama R TeL: 2512-7693

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5 Rua Voluntários da Pairia, 35 5 Botatogo Tel.: 2226-4106

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FICHA CATALOGRAFICA (Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte, Câmara Brasileira do Livro, SP)

C628e

Cohen, Jean. Estrutura da linguagem poética; tradução de São Paulo, Álvaro Lorenclni e Anne Arnichand. Cultrix, Ed. da Universidade de São Paulo, 1974.

Bibliografia. 1. Francês — Versificação

2. Poética

I. Título.

CDD-808.1 -446 -801

74-0432

índices para o catálogo sistemático: 1. 2. 3.

Poesia : Teoria literária Poética : Retórica : Literatura Versificação : Francês : Linguística

801 801.1 446

Obra publicada com a colaboração da UNIVERSIDADE DE SÂO PAULO

Reitor: Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÀO PAULO Presidente: Prof. Dr. Mário Guimarães F.erri Comissão Editorial:

Presidente: Prof. Dr. Mário Guimarães Ferri (Instituto de Biociências). Membros: Prof. Dr. Antonio Brito da Cunha (Instituto de Biociências), Prof. Dr. Carlos da Silva Lacaz (Faculdade de Medicina), Prof. Dr. Pérsio

de Souza Santos (Escola Politécnica) e Prof. Dr. Roque

Spencer Maciel de Barros (Faculdade de Educação).

JEAN COHEN

ESTRUTURA DA LINGUAGEM POÉTICA A esta perspectiva eu chamo Transposição. — Estrutura, outra. Mallarmé

Tradução de Álvaro Lorencini e Anne Arnichand

EDITORA CULTRIX SÃO PAULO

EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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Título do original:

STRUCTURE DU LANGAGE POÉTIQUE © Flammarion, 1966

MCMLXXIV

Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela

EDITORA CULTRIX LTDA. Rua Conselheiro Furtado, 648, fone 278-4811, S. Paulo, que se reserva a propriedade literária desta tradução. Impresso no Brasil Printed in Brazil

à memória de meu pai.

S U M ÁR I O

Introdução: Objeto e mctodo

1 1 Capítulo

I

27

O Problema Poético Capítulo

II 46

Nível Fónico: A Versificação Capítulo

Nível Semântico:

III

87

A Predicação

Capítulo

IV

112

Nível Semântico: A Determinação

Capítulo Nível Semântico:

Capítulo A Ordem

das

V

133

A Coordenação

VI 148

Palavras Capítulo

VII

A Função Poética

161

Bibliografia

183

SUMÁRIO DOS QUADROS

I. Pausas métricas não pontuadas II. Rimas não categoriais

71

III. Epítetos impertinentes (1)

99

IV. Epítetos impertinentes (2)

101

V. Epítetos impertinentes de cor VI. Epítetos redundantes

VII. Epítetos

pertinentes

(1)

redundantes

VIII. Epítetos redundantes (2)

IX. Epítetos anormais X. Epítetos invertidos

XI. Epítetos não valorativos invertidos

10

59

108 120

121 122 122

153 155

INTRODUÇÃO

OBJETO E MÉTODO

A poética é uma ciência cujo objeto é a poesia. Esta palavra, poesia, tinha na época clássica um sentido inequívoco: designava um gênero literário, o poema, ele próprio caracterizado pelo uso do verso. Mas hoje, pelo menos entre o público culto, a palavra tomou um sentido mais amplo, consequente de uma evolução que parece ter começado com o romantismo e que podemos analisar aproximadamente da maneira seguinte. No início, o termo passou, por transferência, da causa para o efeito, do objeto para o sujeito. Assim, ‘‘poesia” designou a impressão estética particular normalmente pro­ duzida pelo poema. Tornou-se comum então falar em “sentimento”, ou em “emoção poética”. Depois, por recorrência, o termo aplicou-se a todo objeto extra-literário suscetível de provocar esse tipo de sentimento: primeiro às outras artes (poesia da música, da pintura, etc.), depois, às coisas da natureza. “Dizemos de uma paisagem, escreve Valéry, que ela é poética, dizemo-lo de uma circunstância da vida, dizemo-la às vezes de uma pessoa 1.” Aliás, desde então, a extensão do termo continuou: hoje ele engloba uma forma parti­ cular de conhecimento, e até uma dimensão da existência. Não queremos em absoluto contestar os empregos modernos da palavra “poesia”. Não cremos que o fenômeno poético se limite às fronteiras da literatura e que seja ilícito indagar-lhe as causas

(D

Propos sur la poêsie, Plêiade, p.

1362.

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entre os seres da natureza ou as circunstâncias da vida. É perfeita­ mente possível esboçar uma poética geral que procuraria os traços comuns a todos os objetos, artísticos ou naturais, suscetíveis de pro­ vocar a emoção poética2. Por razoes de ordem puramente meto­ dológica, julgamos preferível limitar desde o início o campo da pes­ quisa e considerar, em primeiro lugar, apenas os aspectos propria­ mente literários do fenômeno. Pretendemos analisar as fornias poéticas da linguagem, e somente da linguagem. Se conseguirmos resultados positivos, então será possível tentar estendê-los para além do domínio literário. Todavia, pareceu-nos metodologicamente ra­ zoável começar pelo especial antes de ir ao geral, e procurar a poesia onde ela se encontra, se não unicamente, pelo menos eminentemente, na arte em que nasceu e que lhe deu o nome, isto é, naquele gênero de literatura chamado poema. Contudo, a própria palavra “poema” não deixa de ser equívoca. Com efeito, a existência da expressão “poema em prosa”, que se tornou corrente, tira desta palavra a determinação sem ambiguidade que tinha quando era caracterizada por sua forma versificada. Sendo o verso uma forma convencional e estritamente codificada na lin­ guagem, o poema possuía uma espécie de existência jurídica incontestaye . Era poema ’ aquilo que era conforme às regras da versicaçao, prosa aquilo que não o era. No entanto, a expressão aparentemente contraditória de “poema em prosa” obriga-nos a dennir novamente a palavra. _• lin^em,.como se sabe, pode ser analisada a dois níveis, fôt e semantJC0 • poesia opõe-se à prosa por caracteres exiscodifLT amb°S osJníveis- Os caracteres de nível fónico foram sem cuia V n£meados- Chama-se “verso” toda forma de linguatamen?e v X-’apresenta estes caracteres. Por serem imediatituem ainda hn- 6 rigor/osam1ente codificados, para o público, consnão são únicos

A Cn^rí°

P°Çsia.

Mas, na realidade, tais traços

cíficos que conqtit° R1Ve semânt^co» Há igualmente caracteres espe. q constituem um segundo recurso poético da linguagem. (2) Como Mikel Dufrenne, por e Duírenne, no no penetrante tulado: Le Poétique, Paris, PUF, ^.exemp^ 1963. Porto Alegre, Globo, 1969.] (3) “Semântico” geralmente pelos linguistas no sentido de “lexical”. Adotamos c , tomado , r aqui, provisoriamenti•e> um sentido mais amplo que abrange também o significado 2o gramatical.

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Estes também foram objeto de uma tentativa de codificação, por parte daquela arte de escrever chamada “retórica”. No entanto, por razoes que seria preciso analisar, o código retórico foi considerado facultativo, ao passo que o verso permanecia obrigatório. O fato de a palavra “poética”, por oposição a “retórica”, ter designado du­ rante muito tempo as normas da versificação — e somente da ver­ sificação —, é uma prova do privilégio geralmente concedido aos meios propriamente fónicos da arte poética. Seja como for, o fato principal é que existem dois níveis de processos poéticos oferecidos à linguagem, e que estes níveis per­ manecem independentes. De tal modo que o escritor que visa a objetivos poéticos tem a liberdade de associá-los ou, pelo contrário, de empregar apenas um dos dois. Consequentemente, podemos dis­ tinguir três tipos de poemas: O primeiro, conhecido como “poema em prosa”, poderia chamar-se “poema semântico”. Com efeito, só atua nessa face da linguagem, deixando poeticamente inexplorada a face fónica. A este tipo, pertencem obras esteticamente consagradas, como Les chants de Maldoror ou Une saison en enfer, o que prova que os recursos semânticos bastam, por si sós, para criar a beleza procurada. Pelo contrário, na segunda categoria, que se poderia chamar “poemas fónicos”, porque só utilizam os recursos sonoros da linguagem, não se conta nenhuma obra literariamente importante. Pertencem-lhe apenas as produções de poetas amadores que nada mais fazem que acrescentar rima e metro àquilo que semanticamente é prosa. Daí, c nome pejorativo de “prosa versificada” para designá-las. Isso pa­ rece destacar, na hierarquia do rendimento poético, um privilégio que não dá vantagem à versificação. Mas nosso problema não é avaliar o rendimento poético comparativo desses dois níveis. Sejam quais forem seus valores respectivos, o fato é que eles têm sido sempre utilizados juntos pela grande tradição poética francesa e que, ' i as obras que nosso espírito relaciona unindo seus recursos, produzem imediatamente com o nome p. 701.

pronúncia arcaica, mas a dicção moderna tem geralmcntc renunciado a esta solução.

Refutamos tal conclusão por duas razões: primeiro, porque os versos falsos não constituem a maioria; segundo, porque mesmo quando isso acontece, é gcralmente com uma sílaba a mais ou a me­ nos. No caso do alexandrino, temos uma desigualdade que repre­ senta 1/12 do comprimento médio dos versos, desigualdade pequena demais para anular a impressão global da igualdade deixada pelo poema em oposição à prosa. Com efeito, a prosa alinha frases cujo comprimento apresenta variações comparativamente enormes. Uma frase de 60 sílabas pode seguir outra de apenas 5 ou 6. Tal variação é de origem alea­ tória, pois significados diferentes têm em geral significantes numeri­ camente diferentes. Acrescenta-se a isso uma regra implícita do discurso que tende a alternar frases curtas com frases longas. Aqui, também, o verso constitui uma inversão das regras da fala: exprime frases semânticas diferentes através de frases fónicas semelhantes. O ritmo vem apoiar essa impressão global de regularidade. O ritmo, diz Pius Servien, é “periodicidade percebida”. Ora, no verso francês, essa periodicidade é garantida a um duplo nível: Como se sabe, o acento l.° Pelo número igual de acentos. tônico em francês cai na última sílaba do grupo sintático. Tanto em Baudelairc como em Racine, o alexandrino é sempre constituído de quatro grupos, ou seja, quatro acentos: , I I I . I Chevcux bleus pavillon dc ténèbrcs tenducs. [Cabelos azuis pavilhão dc trevas estendidas.] Portanto, podemos definir o alexandrino como uma -divisão do poema em segmentos que oscilam pouco em torno de uma. forma canónica de 12 sílabas e 4 acentos.

2.° Pela distribuição regular dos acentos. Dois são fixos (rima e cesura), dois móveis, e alguns (cf. Grammont) interpretam tal mobilidade como a especificidade do verso francês. A verdade é que nossos poetas utilizaram pouco essa latitude. Em numerosos casos — seria preciso fazer a estatística —, a distribuição atual é re­ gular O-3-3-3), como no verso citado, ou simétrica em relação à cesura, segundo as fórmulas 2-4-2-4 ou 4-2-2-4. Por exemplo: 75

I . I I . I Voici dcs fruits, dcs jlcurs, dcs fetullcs cl dcs branches. [Eis aqui frutos, flores, folhas c ramos.]

Quando a dissimetria intervém, é apenas limitada. como 2-4-3-3, por exemplo:

Uma fórmula

i III Sois sage o ma Douleur et tiens-toi plus tranquillc [Comporte-se ó minha Dor c mantcnha-sc mais tranquila]

é relativamente regular, se a compararmos com a prosa, como faz o próprio Lote, que opõe a relativa igualdade das medidas de verso à anarquia acentuai da prosa, a qual comporta geralmcnte “pés” de 5,6,7 sílabas, e até mais. O que devemos concluir? Simplesmente que o ritmo do verso é feito de uma periodicidade aproximativa que satisfaz o ouvido. Segundo Paul Fraisse: “Uma estrutura é dita rítmica só se consi­ derarmos sua repetição pelos menos virtual”59. A impressão de repetição pode subsistir, mesmo que a estrutura não se repita exata­ mente. Ora, se admitirmos a aproximação para o ritmo, por que não admiti-la também para o metro? Entre uma sequência de doze sílabas e uma de onze, e mesmo de dez, o ouvido não percebe diferença ou, se for exercitado, percebe uma diferença relativamente pequena, Os alexandrinos parecem-lhe aproximativamente iguais, da mesma forma que os pés rítmicos parecem aproxiniativamente senielnantes. Homometria e homorritmia encontram-se na mesma situação e podemos, portanto, admitir as duas como fatores constituintes do versus. Todavia, esse aspecto aproximativo, digamos mesmo grosseiro, do versus é revelador. Com efeito, se o versus fosse provido de uma função própria, de natureza musical, sua imperfeição seria redibitória. Nenhum ouvido se satisfaria com tal aproximação. Mas essa não é sua função: ele apenas se encarrega de acentuar as se­ melhanças, por oposição às diferenças semânticas. Ora, já vimos que a diferença não é total. A língua tolera semelhanças, e embora a fala as corrija, nunca pode apagá-las completamcntc. A diferen­ ciação total é um polo do qual o discurso prosaico se aproxima tanto quanto pode, sem nunca atingi-lo. O escritor prosaico evita espon­ taneamente as rimas e aliterações, alterna frases longas e frases curtas, varia a construção verbal, mas não pode nunca eliminar toda a similitude entre as unidades sucessivas. (59)

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i

Lc- structures rythmiques, Éditions Erasme, 1956.

Orientado para o polo das semelhanças, o verso nunca pode atingi-lo. Esforça-se apenas por aproximar-se dele o máximo pos­ sível. O poeta faz o que pode com o que tem. Não foi ele quem fez a língua. Se tivesse que refazê-la, é possível que o poeta francês, por exemplo, reservasse para si um repertório de rimas muito maior, assim como multiplicaria os monossílabos, ritmicamente mais manejáveis. Seja como for, o poeta está colocado diante de uma dupla exigência: por um lado, dizer o que tem para dizer, devendo para tal utilizar as palavras do léxico comum; por outro, fazer versos, isto é, garantir um máximo de semelhança entre as unidades do discurso. Sendo assim, ele divide os elementos do discurso de que dispõe em duas partes:

l.° Os fonemas: por sua combinação, eles compõem o léxico, contêm as significações. Portanto, o poeta só pode atuar nas seme­ lhanças contingentes que a língua oferece. Essa parte é necessaria­ mente pequena. A rima e a aliteração só afetam uma pequena mino­ ria de fonemas. É bem verdade que se pode ir muito longe na homofonia, por exemplo, nos dois versos seguintes: Gal, amant de la Reine, alia, tour magnanime Galammcnt dc Varènc à la tour Magne à Nimes. [Gal, amante da Rainha, foi, gesto magnânimo/Galantcmente da arena à torre Magna cm Nimes.]

Mas vê-se que o conteúdo aqui é sacrificado e que os versos foram fabricados especialmente para a rima. Forçar o sentido para satis­ fazer às exigências da versificação pode acontecer aos melhores poetas. Vimos que Valéry censurava Baudelaire por ter escrito: La servante au grande cccur dont vous étiez jalouse Et qui dort son sonimeil sous une humble pelouse. [A criada dc grande coração de que tinhas ciúmcs/E que dorme seu sono sob um humilde gramado.]

De fato, não se costuma enterrar as pessoas debaixo dos gramados. Porém, o sacrifício é limitado no caso: o sentido geral subsiste. Do mesmo modo, o poeta pode empregar o “chavão” para satisfazer o número, mas sem nunca exagerar.

2.° Uma serie de caracteres que podemos chamar “prosódicos”, sílaba e o acento. Um alexandrino é composto de doze sílabas e quatro acentos. Estes são os dois pilares que sustentam o eterno a

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retorno pelo qual o verso se opõe à evolução irreversível da prosa. E, apesar do caráter aproximativo do isossilabismo, por um lado, da irregularidade posicionai dos acentos, por outro, é incontestável que o ouvido percebe a semelhança, sendo sensível ao “ronronar” in­ cansável dos regimentos de alexandrinos. Isso é o essencial quando se coloca o verso na sua verdadeira perspectiva, que é estrutural e funcional. O verso foi criticado por sua monotonia. Verdadeiro contra-senso! O verso é monótono por natureza. Sua monotonia não agra­ da ao ouvido, mas isso não tem importância no caso. Pois o som, no poema, é um significante em toda a extensão. Homometria e homorritmia são significantes — naturais — de uma “homosscmia”. Ora, tal homossemia não existe no poema. Assim, quebra-se o parale­ lismo do som e do sentido, e nessa ruptura o verso desempenha sua verdadeira função. Se tal é a função do verso, podemos tirar certas consequên­ cias importantes no que diz respeito à dicção. Lamentaremos mais uma vez que os poetas não tenham anotado de que maneira queriam que os versos fossem ditos. Talvez confiassem no instinto do declamador, mas cometeram um erro. A experiência mostra, de fato, que a dicção variou consideravelmente no decorrer dos séculos. Pode-se distinguir principalmente duas maneiras de dizer, ou talvez seja preferível falar aqui de dois pólos da dicção: polo ex­ pressivo e polo inexpressivo. A dicção expressiva modula a voz segundo o