Ensaios sobre consciência e emancipação 8577430316, 9788577430314

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Ensaios sobre consciência e emancipação
 8577430316, 9788577430314

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POPULAR

MAURO Lurs 1As1

ENSAIOS SOBRE CONSCIÊNCIA E EMANCIPAÇÃO

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ENSAIOS SOBRE CON SCIÊN CIA E EMANCIPAÇÃO

2ª edição

EDITORA EXPRESSÃO POPULAR

São Paulo - 20 11

SUMÁRIO

Copyright© 2007, by Editora Expressão Popular Revisão: Miguel Ca11alcanti Yoslúda e Geraldo Martins de Azevedo Filho Projeto gráfico, diagramação e capa: ZAP Design. Impressão e acabamento: Graplúum Arte da capa: Detalhe da obra de Pá11el Filôno11, 1923.

111, l,11·io ...................................................................................................... 7

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

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lasi, Mauro Luis Ensaios sobre a consciência e emancipação./ Mauro Luis lasi. -2.ed . -São Paulo: Expressão Popular, 2011. 176p. Indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem.br. ISBN 978-85-7743-031-4

1

1s operários sentem que o complexo da 'sua' organização se transformou

0

nu m aparelho tão enorme que acabou por obedecer a leis próprias, íntimas .'t sua estrutura e ao seu complicado funcionamento, mas estranhas

à massa

que adquiriu consciência de sua missão histórica de classe revolucionária. Sentem que a sua vontade de poder não consegue se exprimir, em sentido nítido e preciso, através das atuais hierarquias institucionais. Sentem que também em sua casa, na casa que construíram tenazmente com esforços pacientes, cimentando-a com sangue e com lágrimas, a máquina trai o ho mem, o funcionalismo esteriliza o espírito criador e o diletanti smo bana l e verbalista tenta encobrir em vão a ausência de conceitos precisos acerca das necessidades da produção industrial e a nenhuma compreensão da psicologia das massas operárias. Os operários se irritam com essas condições de fato, mas são individualmente incompetentes para as modificar: as palavras e as vontades de cada um dos homens são coi sas muito pequenas em confronto com as leis férreas inerentes à estrutura funcional do apa relho sindical. 24

Q...erocesso de consciência não é linear, pode e muitas vezes regridÊ . ~nteriores. Se analisarmos bem o depoimento de Gramsci, e nem precisaríamos voltar a 1919 para obter um exemplo, podemos ver que se reapresentam elementos da primeira forma de consc1enc1a. Outros determinam as normas, o como, o quando: as relações são predeterminadas e individualmente nada podemos fazer a não ser nos submeter. O mais complicado é que agora uma parte da própria classe passa a ter um status, uma estabilidade e um poder que não tinha. Antes vivíamos para denunciar a miséria ... hoj e

!4

G ram sci, A ntoni o. "Sindi catos e co nsel hos, L'Ordine Nuovo, 11/9/ 19 19", in Escritos políticos, vol. 11, p. 41.

32 33

EN SA IO S

SOB ll.E

CONSC IÊ NC IA

E

MAUR O

EMA NC IPA ÇÃO

vivemos dela. Abrimos mão de nosso desejo para nos rendermos à satisfação da sobrevivência imediata. Alguns ganham muito bem para isso. A consciência nessa fase é ainda prisioneira das aparências, ainda se alimenta da vivência particular e das inserções imediatas e não encontra nesse âmbito os elementos necessários à sua superação. Cristalizada nessa fase, acabará por reforçá-la aquilo que inicialmente pensava estar negando. Lukács, em seu estudo sobre a consciência de classe, afirma que: Na verdade, essas hesitações, e até incertezas, são um sintoma de crise da sociedade burguesa. Enquanto produto do capitalismo, o proletariado está submetido às formas de existência de seu produtor. Essas formas de

Lu, s

I A SI

,111,as. Essa contradição pode levar o indivíduo em seu processo ili · umsciência para um novo patamar: a busca da com reensão il ,1, ca usas, o desvelar das aparências e ; anilise da essência do l1111cionamento da sociedade e suas relações. Buscar saber como l1111 r iona a sociedade para saber como é possível transformá-la. É 11,1própria constatação de que a sociedade precisa ser transformada 111 w se supera a consciência da reivindicação pela da transformação. ' l indivíduo transcende o grupo imediato e o vínculo precário com 111·:t lidade dada, busca compreender relações que se distanciam no 11 111 po e no espaço, toma como sua a história da classe e do mundo. l1,1,sa a conceber um sujeito coletivo e histórico como agente da 11 ,111sformação necessária.

1

existência são a desumanidade, a reificação. 25 O proletariado é, pela sua existência, a crítica, a negação dessas formas de vida. Mas, até que a crise

/\'l

objetiva do capitalismo esteja consumada, até que o próprio proletariado

INDIVÍDUO

t-;;;ha cons~guid~iscernir-completamente~ ~rise da reificação,

CONTRADIÇÕES DA CONSCIÊNCIA REVOLUCIONÁRIA E O

~

·como tal, apenas negativamente ascende acima de uma parte do que nega.

l loje o movimento se faz imperceptível.

Quando a crítica não ulcrapassa a simples negação de uma parte, quando,

( )s filhos estão mortos.

pelo menos, ela não tende para a totalidade, então não pode ulcrapassar o

() povo adormecido.

que nega, como, por exemplo, nos mostra o caráter pequeno-burguês da

l'cdro Tierra

maior parte dos sindicalistas. 26

A consciência em si, quando não "ultrapassa a simples negação de uma parte", acaba por se distanciar de sua meta revolucionária, busca, novamente, mecanismos de adaptação à ordem estabelecida. 27 Ela trabalha com os efeitos, com sintomas, e não com

25

26 27

Reificaçáo é o processo complementar à fetichização. Enquanto a ferichi zaçáo atribui poderes e características humanas às coisas, a reificação coisifica os seres humanos. Lukács, G. História e consciência de classe, pp. 91-92. Diríamos que a consciência patina no mecanismo da reivindicação. Um exemplo muito ilustrativo nos foi dado por uma declaração de Lula, então candidato às eleições presidenciais de 1989, quando afirmava: "Nós reivindicamos nossos direitos como trabalhadores, e reivindicamos o direito de se organizar em sindicatos livres. Depois reivindicamos o direito de organizar um partido político que organizasse os trabalhadores e hoje reivindicamos o direito de ser o presidente do país".

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/:'rnesto Che Guevara é chegada a tua hora 1·

o povo ignora se por ele lutavas.

Ferreira Gullar

Na etapa anterior, mesmo supondo o sujeito coletivo, o mo1, 11 básico da reivindicação é a satisfação de algo para o próprio l11divíduo. Quem luta por moradia, por exemplo, luta para ter 1111dc morar, se possível no mais curto espaço de tempo. Agora, a 11 .111 sformação da sociedade exige um outro sujeito: a classe. Na passagem da consciência em si para a consciência re11l 11cionária, ou para si, abre-se uma importante contradição. \ 11vsar de as alterações da consciência só poderem ser vivenciadas 35

M AU RO L u 1s I As 1

ENSA I OS SO BRE C ONSC I ÊN C I A E E MAN C IP AÇÃO

em nível individual, o processo de transformação que irá realizá-la é necessariamente social, envolvendo mais que a ação individual, a de classe. O amadurecimento subjetivo da consciência de classe revolucionária, se dá de forma desigual, depende de fatores ligados à vida e à percepção singular de cada indivíduo. Coloca-se assim a possibilidade de haver uma dissonância, que pode ou não se prolongar de acordo com cada período histórico, entre o indivíduo e sua classe, surgindo a questão do indivíduo revolucionário inserido num grupo que ainda partilha da consciência alienada. As mediações políticas consistem, em parte, no esforço de superar essa distância. O isolamento da pessoa dentro de seu grupo de inserção social é acompanhado por um intenso conflito interno. Dentro do indivíduo, a consciência nova ocupa, por assim dizer, uma área liberada, que faz fronteira com setores fortemente ocupados pelo inimigo, ou seja, as antigas relações sociais interiorizadas como valores, juízos e normas. Psicologicamente, o EGO se enfraquece diante das sempre presentes exigências dos impulsos básicos e de um SUPEREGO que foi criado pela interiorização de normas e padrões anteriores. O indivíduo afirma algo novo e aspectos de seu próprio universo sub"etivo são ~ontesta os. "\o A tomada de consciência, ou o amadurecimento de sua consciência, nem sempre é acompanhada das condições objetivas de realizar as tarefas que a história lhe impõe. Afirma Lukács: ~

Essa consciência não é nem a soma nem a média do que pensam, sentem etc. os indivíduos que formam a classe, tomados um por um. E, no entanto,

Na verdade, a vida cobra da pessoa uma postura para qual não foram 11 li •11nJizadas estruturas prévias para a sua realização. Ao contrário, toda

, l1,1g:1gem psíquica, cultural e moral está estruturada para agir contra a 11 , ra exigida pela nova consciência, que tenta se impor. O indivíduo i.1 ,tpto a aceitar a realidade, assumindo sua impotência diante de 11 l.1~·ôcs estabelecidas e predeterminadas. Por isso, o indivíduo que se 111111:1 consciente é, antes de tudo, um novo indivíduo em conflito. (~comum ouvir de militantes que passando por processos se1111 lh antes, pensam em "cuidar da vida". Produzimos algo como 11111:1 tentação de nos rendermos ao princípio do prazer, negando 1 •xigências de uma nova consciência, que se antagoniza com um 11111ndo e que se recusa a mudar de um SUPEREGO que ainda 1111.~ impõe velhas normas. "Pensar em mim mesmo" é o grito de l', 11 •rra do EGO contra o mundo. A sociedade capitalista, por mais hipócrita que isso possa pa11• ·cr, se autoproclama a sociedade da harmonia. O indivíduo em , 1111 Rito é isolado como se não expressasse unia contradição, mas losse ele mesmo a contradição, mais que isso, o culpado por sua •xistência. Enquanto isso, o alienado recebe o rótulo de "normal". O indivíduo sob essa contradição, com o grau de compreensão ,11 ·ançado e diante da realidade objetiva, que não reúne condições rn :1teriais para uma superação revolucionária, tem diferentes cal ninhos a trilhar. P~de buscar mediações políticas que construam j11 nto à classe os elementos que Lenin denominava de "condições ~ubjetivas", 29 ou, diante de insucessos nessas tentativas, caminhar para ansiedade e depressão. 1111

a ação historicamente decisiva da classe como totalidade é determinada, em última análise, por essa consciência. 28 !">1 i

A consciência assume uma dimensão que não tem como se realizar dentro dos limites do pensamento, arvorando-se, necessariamente, pelo campo da prática. 28

Lukács,

G., op. cit., pp. 64-65. 36

''' "A revolução não surge de toda situação revolucionária, mas somente nos casos em que as mudanças objetivas (... ) vêm se juntar a uma mudança subjetiva, a saber: a capacidade, no que concerne à classe revolucionári a, de conduzir ações revolucionárias de massa bastante vigorosas para destruir completamente (ou parcialmente) o velho governo." C onvé m ressaltar que, ao falar em condição ou mudança subjetiva, Lenin não está aludindo a aspectos do indivíduo, mas da classe, ou seja, confrontando elementos da realidade objetiva (histórica e da luta de classes) a elementos próprios da açáo dos sujeitos históricos, daí subjetivos. (Lenin, "A fa lência da Segunda Internacional ", ln "A questão do partido", Obras Completas, volume XXI , pp. 47-48)

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E NSA I OS

SO BR E

C O N SC I ÊNC I A

E

"'~ Sua consciência retorna a patamares anteriores, como a revolta.. isolada ou mes~ a ..alienação. Evidente que nunca se retorna ao mesmo ponto, e a eassagem pela consciência de classe dei~ ca_:: como, por exemplo, a justificativa mais elaborada, o discurso e ta~ lgumas posturas. Pode se manifestar, por outro lado, em ceticismo, hipocrisia ou outras manifestações. tlJ:lt A primeira fase da consciência guarda correspondência com a~guns comportamentos infantis. Diante das tarefas que se anunciam para a consciência que busca se assumir como revolucionária o indiví~uo pode trazer ainda esses elementos primários que be~ caracterizam essa encruzilhada entre a ansiedade e a depressão, ou, como no caso da criança a onipotência e a impotência. Assim, diz Lukács, _"ou a consciência torna-se espectador inteiramente passivo do m~v1mento das coisas, sujeito a leis e no qual não se pode de maneira n~nhuma intervir, ou considera-se como uma força que pode dommar a seu bel-prazer, subjetivamente, o movimento das coisas, em si despido de sentido". 3o