Dialogos Agroecologicos

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DIÁLOGOS AGROECOLÓGICOS Conhecimento Científico e Tradicional na Conservação da Agrobiodiversidade no Rio Cuieiras (Amazônia Central)

Convênio 076/2006, Projeto etnobotânico e manejo florestal no entorno de Anavilhanas

Manaus, 2009

IPE - Instituto de Pesquisas Ecologicas Copyright © 2009 Todos os direitos reservados. Organizadores Thiago Mota Cardoso Mariana Gama Semeghini Capa, projeto gráfico, diagramação e produção Áttema Design Editorial • www.attema.com.br Ilustrações

Ana Luiza Melgaco Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

D536

Diálogos agroecológicos: conhecimentos científico e tradicional na conservação da agrobiodiversidade no rio Cuieiras (Amazônia Central) / [Organizadores: Thiago Mota Cardoso, Mariana Gama Semeghini; ilustrações Ana Luiza Melgaco].---Manaus : Instituto de Pesquisas Ecológicas, 2009. 160 p. : il. Este livro apresenta resultados de pesquisas/diálogos entre pesquisadores e educadores do projeto ETNO” Isbn: 978-85-86838-02-6 1. Conservação da natureza – Amazônia. 2. Etnobotânica. 3. Agroecologia. 4. Povos tradicionais. 5. Agrobiodiversidade. I. Cardoso, Thiago Mota II. Semeghini, Mariana Gama. III. Melgaco, Ana Luiza. CDD 19. ed. 581.61098111

Rua Barroso, 355, 2º andar, salas G/H • Centro CEP 69.010-050 • Manaus • AM • Brasil Tel.: 55 (92) 3622.1312 • Tel./Fax: 55 (92) 3633.3637 • [email protected]

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Sumário Apresentação.................................................................................. 04 Agradecimentos............................................................................. 06 Introdução: Um convite ao tema.......................................... 07 O Rio Cuieiras: Os habitantes e seu ambiente........................18

Mariana Gama Semeghini Thiago Mota Cardoso

A Roça.......................................................................................40

Thiago Mota Cardoso Os quintais agroflorestais........................................................ 55

Caroline de Oliveira Bruno Scarazatti

Plantas cultivadas..................................................................... 71

Thiago Mota Cardoso A floresta: Usos e Significados................................................ 83

Marilena Altenfelder de Arruda Campos Leonardo Pereira Kurihara

Educação agroecológica e socioambiental........................... 97

Mariana Gama Semeghini Oficina agroflorestal.............................................................. 108

Marcio Menezes Jailton Cavalcanti Mariana Gama Semeghini Leonardo Pereira Kurihara Thiago Mota Cardoso

Meliponicultura: Uma ferramenta de educação socioambiental................................................ 125

Leonardo Pereira Kurihara Considerações Finais................................................................... 133 Bibliografia Consultada............................................................. 139 Currículos dos autores............................................................. 146

Diálogos Agroecológicos

Apresentação O rio Cuieiras é habitado por populações tradicionais e indígenas que vivem do extrativismo, da caça, da pesca, da agricultura, do turismo e artesanato. A área insere-se em um mosaico de unidades de conservação, no baixo rio Negro, de extrema importância para conservação da biodiversidade. Porém , pouco valor foi dado por gestores das áreas protegidas e cientistas à população humana que habita a região e manejam os ecossistemas. Valor no sentido humano, cultural e também no sentido de considera-los como protagonistas e sujeitos que possam ter interesses na conservação da biodiversidade. No início de 2005, encaminhamos o projeto “Etnobotânica e Manejo Agroflorestal no Entorno da Estação Ecológica de Anavilhanas (ETNO)” ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), projeto aprovado e que teve inicio em dezembro do mesmo ano (Convênio 076/2005). O projeto teve como objetivos: i) Obter e gerir informações sobre o conhecimento etnobotânico das comunidades ribeirinhas, visando a aplicá-las ao manejo sustentável da paisagem; ii) Desenvolver alternativa agroflorestal, considerando as dimensões sociais, ecológicas e econômicas das comunidades envolvidas; iii) Incentivar o envolvimento e organização social, desenvolvendo as bases sociais para o manejo da paisagem; iv) Viabilizar o acesso da informação, capacitação e educação ambiental de forma participativa e com perspectiva de gênero. O projeto está em sua fase final, o que não significa término, mas sim o fim de uma etapa para novos caminhos se abrirem. Durante sua execução, o projeto ETNO desdobrou-se dois caminhos de atuação: um através da assessoria aos grupos de mulheres agricultoras e artesãs de São Sebastião e Nova Canaã (Coana) e outro na assessoria e apoio a praticas agricolas e artisticas da comunidade 4

Rio Cuieiras, Amazônia Central

indigena Nova Esperança, dentre outras ações que se integram. Estas duas linhas de atuação fazem parte do projeto Agrobiodiversidade que abre uma nova etapa de atuação do IPÊ na região. A continuidade das atividades já conta com apoio do SEBRAE, do Programa Demonstrativo para Povos Indigenas (Pdpi), projeto Corredores Ecológicos e do récem aprovado Ministério do Desenvolvimento Agrário (Mda), o que em si, já demonstra a importância e a qualidade dos resutlados do projeto ETNO no contexto local e amazônico. Este livro apresenta resultados de pesquisas/diálogos entre pesquisadores e educadores do projeto ETNO, de forma a apresentar os sistemas agrícolas do rio Cuieiras e como, diante de tais conhecimentos, os técnicos definiram suas metodologias para atuar em campo. Este trabalho, portanto, caminha no campo da etnoecologia e da pesquisa-ação agroecológica, sendo uma visão dos técnicos sobre este processo. A escrita se desenvolve entre a linguagem técnica e a não-formal de modo a possibilitar sua leitura por um público mais amplo. Boa leitura! Organizadores

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Diálogos Agroecológicos

Agradecimentos Aos moradores do rio Cuieiras, por nos receberem com tamanho carinho em suas casas, fazendo-nos compreender que é no diálogo olho-a-olho, na relação sincera e no saber-fazer cotidiano que bons caminhos são trilhados. Importante para os que trilham na esperança da sustentabilidade. Às organizações parceiras, um agradecimento sincero, por possibilitarem estas vivências e acreditarem nas potencialidades dos projetos locais. Em especial, ao nosso financiador o Fundo Nacional do Meio Ambiente (Fnma) e a Simone Gallego da gerência de projetos, por nos acompanhar nesta jornada. Às comunidades de São Sebastião, Três Unidos, Nova Canaã/Coana, Nova Esperança, Boa Esperança e Barreirinhas. Ao Grupo de Pesquisas em Abelhas, ao Laboratório de Etnoepidemiologia e Etnoecologia Indígena do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ao Arboreto/ UFAC e aos pesquisadores do Pacta. À Gislene Carvalho do Grupo de Pesquisas de Abelhas (GPA/Inpa). A todos os queridos membros do IPÊ. Ao Rafael Illenseer, Oscar Sarcinelli, Sarita de Moura, Marco Antonio, Nailza Pereira, Christina Tofoli, Jefferson Barros, Sherre Nelson, Eduardo Badialli, Hercules Quelu e Francisco (Chiquinho), membros do IPÊ no Rio Negro.

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Introdução: um convite ao tema

Thiago Mota Cardoso

Cronistas, viajantes, naturalistas, literários das mais diversas vertentes e, mais recentemente, cientistas e políticos empreenderam descrições da Amazônia e dos amazonidas recheadas de mitos e de construções “teóricas” preconceituosas. Tais descrições inserem os nativos no patamar da natureza (dentro da visão ocidental que separa e hierarquiza as categorias de natureza e cultura), ao lado de animais e plantas, tidos, nesta perspectiva, como seres primitivos e selvagens, objetos passíveis de dominação e exploração. Além de enxergarem esta vasta região com o olhar homogenizador e biologizante, os colonizadores fizeram de sua visão uma forma de ocupação do espaço, apropriação dos recursos e de controle das mentes e corpos nativos presentes desde épocas pré-colombianas. A estratégia consciente e inconsciente do colonizador era e permanece sendo a de desfigurar, desvalorizar e, em última instância, tornar invisível estes povos, enquanto sujeitos sociais portadores de territórios, economias, organização social, conhecimentos e direitos próprios e particulares afim de melhor empreender a dominação e exploração dos espaços e recursos (naturais e humanos)1. O projeto consistia em eliminar a diversidade existente em prol de um sistema social-econômico-político homogêneo em favor do Estado, da Igreja e da apropriação mercantil da natureza. Percebemos isto na escravização e extermínio impiedoso dos povos indígenas e nos diversos ciclos econômicos do extrativismo e agricultura colonial. 1 Inúmeros autores realizaram trabalhos críticos sobre este tema, ver Porto-Goncalves (2001), Godim (2007) e Almeida (2008).

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Diálogos Agroecológicos

Atualmente, o projeto colonizador tenta desqualificar e invisibilizar os povos tradicionais amazônicos e seus parceiros (ambientalistas e indigenistas) de forma a fazer avançar a agricultura convencional, a pecuária e demais tipos de exploração predatória dos recursos. Tal empreendimento conta com apoio de parte do Estado, que, além de financiar o projeto, proporciona infraestrutura física, jurídica, política e ideológica, justificando-o como a única forma de desenvolvimento para a região, bem como um modo de tirar a Amazônia do suposto vazio demográfico, subdesenvolvimento, atraso e primitivismo, assim, eliminando as diversas formas de ver o mundo (cosmologias) e de caminhar rumo a outros tipos de desenvolvimento. Propondo bloquear a expansiva destruição do capital natural da Amazônia, grupos ambientalistas trataram primeiramente de indicar como principal agente destruidor o modelo de vida agrícola e extrativista das populações locais, defendendo a ideia da incompatibilidade entre as sociedades humanas e as florestas tropicais. Outros grupos enxergam estes povos como parceiros na conservação, porém creem que os mesmos, por não possuírem conhecimentos adequados, devem ser guiados a adotarem técnicas e conhecimentos supostamente mais viáveis ao ambiente local. Uma terceira vertente, socioambientalista e indigenista, enxerga os amazonidas como pessoas que vivem em harmonia com a natureza, como parte dela. Estas visões de mundo, apesar de terem um caráter mais positivo, convergem com as dos antepassados colonizadores, os quais não concebiam o outro como sujeito social ativo, construtor de suas realidades, portadores de contradições, mas, sim, como elementos inertes, passivos e sem sujeição histórica. Ainda neste campo, a agroecologia, concebida como alternativa e como uma ciência capaz de se contrapor à agricultura monocultural, propõe uma “transição agroecologica”, que 8

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seria a mudança de um estágio mais insustentável para um mais sustentável no campo, envolvendo transformações tecnológicas e adoção de práticas mais “racionais”. A agroecologia corresponde a um avanço na forma de se tratar o uso dos solos e o contexto socioeconômico tendo em vista a sustentabilidade, porém, ao se aplicar sem o devido diálogo e entendimento do contexto dos povos tradicionais, os extensionistas podem gerar uma série de inconvenientes. De certo modo, muitos agroecólogos invisibilizam e desvalorizam o saber e saber-fazer dos agricultores tradicionais. Desta forma, sem intenções negativas, muitos agroecólogos propõem a substituição tecnológica no sentido de “modernizar” os sistemas agrícolas tradicionais, assim, visando à transição agroecológica, como exemplo, os sistemas agroflorestais, mecanização, criação “racional” de abelhas e peixes e acesso irrestrito à economia de mercado. Quando existe a proposta de diálogo entre saberes, a agroecologia dá primazia ao saber científico, capturando parte/ fragmento do saber tradicional útil, preocupado mais com o conteúdo do que com a forma deste saber, e deixa de perceber o conhecimento tradicional em sua inteireza e profundidade. Esta crítica não objetiva negar o valor da agroecologia como alternativa aos modelos dominantes, pelo contrário, buscamos trabalhar tendo em vista a construção de uma agroecologia amazônica para conservação da biodiversidade e valorização da sociodiversidade, ampliando nossa visão com novos conceitos. Não seriam também os sistemas agrícolas dos povos tradicionais componentes dos tipos de agricultura ecológica-alternativa que precisam ter investimentos sérios? A “monocultura da mente”2 em detrimento da diversidade de formas de ver e acessar o mundo é um empreendimento violento 2

Ver Shiva (2003).

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Diálogos Agroecológicos

que vem sendo implantado, de forma não tão pacífica, mas gerando resistências. O desenvolvimento técnico-científico aprofundou e alargou tal avanço monocultural para além das fronteiras. Segundo Shiva (2003), os fatores que levam à perda de diversidade e dos saberes tradicionais estariam ligados ao modo como a ciência ocidental é disseminada: ela desconsidera todo conhecimento tradicional local. De todo modo, a ciência é disseminada de uma forma que não leva em conta os conhecimentos tradicionais e atua como se eles não tivessem nenhum valor epistêmico. Tornando os saberes locais invisíveis, as ciências invadem como se fossem o único conhecimento disponível. Para a autora, os conceitos das ciências são frequentemente tomados de uma civilização que não se relaciona com a natureza de um modo sustentável, desta forma, a sociedade ocidental com sua ciência reducionista trabalha a serviço das indústrias, [...] produz monoculturas insustentáveis na natureza e na sociedade. Não há lugar para o pequeno, para o insignificante. Diversidade orgânica é substituída por atomismo fragmentado e uniformidade. A diversidade então [...] deve ser manejada de fora, pois ela não pode mais se auto-regular e autogovernar. Aquilo que não couber na uniformidade deve ser declarado inapto (Shiva, 2003).

O desrespeito às culturas tradicionais e os impactos à diversidade biológica parecem estar intimamente ligados. Na medida em que o sistema econômico dominante não valoriza as diversidades socioambientais, uma minoria passa a ditar as regras em um processo que contribui para concentrar os conhecimentos, os recursos e o poder. São inúmeras as consequências perversas de tal modelo. Para este livro ateremo-nos a uma proposta de diálogo intercultural, com a finalidade de caminharmos para a conservação da diversidade biológica nos agroecossistemas, tendo como pressupostos a simetria 10

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de valor e a diferença de forma entre os saberes científicos e tradicionais no campo da agroecologia. *** Vários estudos apontam para a ideia da persistência de sistemas agrícolas tradicionais ancorados na diversidade ecológica e genética e integrados, desse modo, formando mosaicos a outros espaços florestais, cujo processo de diversificação é também fruto da intencionalidade dos agricultores e agricultoras. Esta construção intencional da diversidade resulta de uma dinâmica interativa entre elementos socioculturais e bioecológicos específicos de cada lugar, como bem colocou Emperaire (2005), as espécies e as variedades cultivadas são, [...] objetos biológicos que atendem a critérios culturais de produção, de denominação e de circulação, em constante interação com as sociedades e os indivíduos que os produzem e os modelam. São objetos cuja existência se insere em tempos e em espaços definidos por exigências biológicas, mas que são também parte da vida cotidiana e constantemente readaptados a um contexto ecológico, econômico e sociocultural.

A construção da agrobiodiversidade tem o sentido ativo de geração, amplificação e manutenção da diversidade e, portanto, o seu manejo associa as populações indígenas e caboclas ao papel de mantenedoras e geradoras da diversidade de plantas. Este processo nativo de conservação da agrobiodiversidade e os saberes associados se apoiariam nas dinâmicas espaço-temporais dos agroecossistemas, em um continuum roça-capoeira-floresta-quintais. Entende-se, também, que a construção da agrobiodiversidade está assentada em processos mais amplos de uma “construção social da natureza” (DESCOLA; PÁLSSON, 1996), em que os indígenas, ao infligirem uma perturbação na paisagem, buscariam dar condições para o pleno desenvolvimento e crescimento de plantas, 11

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com a perpetuação de relações do tipo social/espiritual e não de sujeito/objeto. Um exemplo destas relações pode ser visto entre as agricultoras indígenas do rio Cuieiras e as mandiocas e roças, especificamente com a “mãe” da roça. Uma entidade, ao mesmo tempo, material e espiritual que determina relações, pensamentos e sentimentos na prática agrícola. As perdas da agrobiodiversidade3 e de conhecimentos revestem-se de importância especial no caso da Amazônia, onde se localizam importantes focos de diversificação de plantas cultivadas, entre as quais, a mandioca. Justamente, na Amazônia, a erosão genética vem ocorrendo desde o início da colonização europeia com o genocídio e etnocídio indígena, e sendo acelerada, nas últimas décadas, devido à integração destes povos ao mercado, à perda territorial e a políticas públicas inadequadas. Uma das principais formas tradicionais de conservação da agrobiodiversidade ou de etnoconservação é a complementaridade entre os espaços, a pluriatividade, as redes de circulação de plantas e objetos biológicos, como sementes, manivas, etc. Alguns trabalhos mostraram que os processos de diversificação e manutenção das plantas cultivadas estavam ligados aos mecanismos de troca entre vizinhos, parentes, aliados e amigos e a formas de manejo seletivo de sementes e materiais. Associados a processos de etnoconservação, vêm aumentando os interesses teórico e prático em prevenir uma possível perda de diversidade e em proteger o patrimônio de conhecimentos, bem como em proteger os direitos 3 A estes recursos podemos denominar “agrobiodiversidade”, que foi definida na Convenção de Diversidade Biológica, como: “Um termo amplo que inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, e todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas: as variedades e a variabilidade de animais, plantas e microorganismos, nos níveis genéticos, de espécies e ecossistemas, os quais são necessários para sustentar funções chaves dos agroecossistemas, suas estruturas e processos” - Decisão V/5, da CDB (WOLFF, 2004).

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intelectuais de povos indígenas e das comunidades tradicionais. Estratégias de conservação ex situ da agrobiodiversidade estão em andamento e as estratégias in situ e on farm, estimuladas desde a conferência de Leipizig, em 1996, começam a ser consideradas como eficazes na conservação dos recursos genéticos, tendo em vista o manejo das espécies e variedades no agroecossistema, permitindo adaptação e evolução contínuas. Entretanto, segundo Emperaire (2005, 2006), os principais instrumentos de conservação, sejam in situ ou ex situ, privilegiaram abordagens mais centradas nos recursos fitogenéticos do que nas condições de produção destes, focando mais em objetos biológicos finalizados do que nos processos globais de produção. Atualmente, estimula-se o manejo comunitário da agrobiodiversidade e se ressalta a importância do papel das mulheres agricultoras na conservação. Diante desta constatação e seguindo as recomendações da Convenção da Diversidade Biológica, novas concepções de conservação se afirmam e apoiam formas locais de manejo dos recursos, tendo como uma das prioridades a garantia territorial e o delineamento de projetos de etnodesenvolvimento e educação libertadora. Entretanto, as populações locais não estão sendo devidamente recompensadas e respeitadas, mesmo diante das inquestionáveis evidências do papel desempenhado pelas mesmas na conservação dos recursos fitogenéticos. Assiste-se, portanto, a uma ampliação da noção de conservação, embora esta ainda permaneça no campo dos técnicos e cientistas. *** Valorizar as praticas agricolas tradicionais e assessorar os sujeitos sociais que as mantém para que possam inovar contantemente e manter a resiliência ecológica e cultural constitui o objetivo maior 13

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dos trabalhos dos educadores e pesquisadores que escreveram os textos deste livro. Em 2004, o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) iniciou os contatos com as comunidades locais tendo em vista a conservação da biodiversidade e a valorização da sociodiversidade. Através de um programa de intervenção, buscou-se desenvolver ações para entender o uso dos recursos naturais e atuar nesse contexto. Observamos, então, que a agricultura é a atividade produtiva que estrutura a organização familiar e economia local e, também, que pode estar ocorrendo uma erosão da diversidade agrícola e dos conhecimentos tradicionais, bem como o parcial ou total abandono dos agroecossistemas na área do projeto. Aprofundando as reflexões, no âmbito do projeto ETNO, verificamos os prováveis fatores de ganho e perda de diversidade nas comunidades locais. Quanto aos fatores de incremento, poderíamos citar o intercâmbio de espécies e variedades entre as famílias, a

Participantes da oficina de educação agroflorestal

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esporádica migração de agricultores de outras regiões que trazem novas variedades, a dinâmica ou ciclos dos sistemas agrícolas de pousio, os saberes locais e práticas de manejo. Alguns fatores que contribuem para a perda seriam a redução ou abandono da área de cultivo, escolha de espécies e variedades comerciais, seleção de variedades adaptadas, imigração para zona urbana, processo de escolarização uniformizada com modificações dos valores pelos mais jovens. Na área do presente estudo, esta situação é complexa, haja vista estarmos lidando com comunidades pluriétnicas que migraram do alto-médio Rio Negro para a proximidade de um grande centro urbano, Manaus, e que, por isso, estão recriando as suas formas de manejo do espaço e dos recursos genéticos. Ressalta-se que estas comunidades situam-se dentre um mosaico de unidades de conservação, que pressupõe leis restritivas de uso dos recursos e do espaço, e possuem forte ligação com o extrativismo madeireiro, o que compete com a prática da agricultura, levando esta última ao abandono completo. Ao mesmo tempo, estas famílias mantêm contato intenso com outros grupos sociais indígenas e caboclos que vivem no rio Cuieiras e no baixo rio Negro, bem como com o mercado de Manaus. O conjunto de informações teórico-práticas que as populações locais apresentam sobre os fenômenos naturais oferece uma rica e desconhecida fonte de informação a respeito de como manejar, conservar e utilizar os recursos vegetais de maneira mais sustentável. Este conhecimento etnobotânico está baseado na experiência e seu registro é transmitido geralmente pela tradição oral. Estudos foram realizados com vistas a evidenciar tais saberes e aplicá-los em ações de extensão e manejo agroflorestal. Os resultados estão descritos neste livro e são parte do esforço de compreensão do contexto local. As pesquisas objetivam descrever e analisar aspectos etnobotânicos e ecológicos da agrobiodiversidade: a) levantamento etnobotânico dos quintais agroflorestais; b) mapeamento participativo 15

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das áreas de cultivo e extrativismo; e c) estudo etnoecológico concernente à fauna de caça. O projeto teve apoio do Laboratório de Etnoepidemiologia e Etnoecologia Indígena do INPA e foi articulado com o programa “Populações tradicionais, agrobiodiversidade e conhecimentos tradicionais associados na Amazônia brasileira” (PACTA) do consórcio CNPq/IRD/UNICAMP/ISA. A educação ambiental e organização social visa à construção de ações e pensamentos críticos a respeito do uso dos recursos naturais e do território, procurando envolver os jovens e mulheres no projeto. A educação socioambiental afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. As ações de educação e organização social buscam fazer a “ponte” entre os estudos etnobotânicos e as alternativas trabalhadas, assim, fortalecendo a organização social das comunidades e contribuindo para a segurança alimentar e qualidade dos alimentos tradicionais. A meta de educação agroecológica considera que as agroflorestas e o extrativismo florestal são partes da história de manejo dos ecossistemas pelos povos indígenas e tradicionais, que, no entorno de suas casas e em seus roçados, consorciam uma diversidade de plantas que lhes fornecem frutos, madeira, sementes e substâncias medicinais, além de acessarem os recursos florestais dos quais obtêm essências, frutos, gomas e madeira. Porém, muitas vezes, todo o potencial ecológico e produtivo de um sistema agroflorestal (SAF) não é conhecido, nem aproveitado pelos comunitários. Portanto, construir agroecossistemas sustentáveis, promovendo a ligação destes com as famílias e o mercado justo, pode ajudar na manutenção da diversidade e qualidade de vida local. Neste enfoque, os técnicos exercem o papel de facilitadores do processo e da organização do conhecimento, identificando os saberes e as práticas que os ribeirinhos possuem, assim, dialogando com 16

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os conhecimentos científicos, busca-se levantar soluções conjuntas. A proposta metodológica fundamenta-se na participação da comunidade, caracterizando um processo pedagógico dinâmico e interativo. O método pedagógico dialógico construtivista busca, simultaneamente com a capacitação técnica, a valorização dos saberes tradicionais. Por fim, o diálogo é a principal ferramenta na agroecologia, devendo ser simétrico e sem preconceitos. Deve-se partir da premissa que o outro é um sujeito interessado e, como nós, possui suas potencialidade e contradições. Este viés deve passar à margem das ações utilitárias, onde os técnicos formulam as propostas e aplicam nas comunidades, propostas enviesadas, recheadas de poder. Como exemplo, colocamos os projetos que buscam obter o aumento de renda das famílias no mercado, sem o diálogo necessário para se compreender o que significa necessidade, pobreza e desenvolvimento para estas pessoas, bem como o que preconizam como qualidade de vida. Talvez seja esta a grande pergunta que nos fizemos durante todo este trajeto: O que é qualidade de vida? Para mim? E para o outro? Como conciliarmos nossas visões e interesses?

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O Rio Cuieiras: Os habitantes e seu ambiente

Mariana Gama Semeghini Thiago Mota Cardoso

No rio Cuieiras, existem seis comunidades, sendo quatro indígenas, uma mista (parte indígena e parte não-indígena) e uma ribeirinha (Figura 1). Todas estão localizadas na beira do rio, algumas na margem esquerda, outras na margem direita. Algumas mais próximas à foz do rio e outras mais distantes, sendo umas mais populosas que outras. Porém, todas mantêm uma intensa relação entre si, assim como com os recursos naturais da região no tocante à alimentação, saúde e moradia. O presente texto mostra um breve retrato destas comunidades, com informações sobre a população, história, origem das famílias e principais atividades econômicas, bem como as características do ambiente conforme denominam os moradores. Esta pesquisa foi realizada entre 2006 e 2007, pelo IPÊ, através de um levantamento socioeconômico em cada comunidade, onde foi utilizada a metodologia do Diagnóstico Rural Participativo (DRP). As técnicas foram complementadas através de reuniões, palestras e visitas às residências dos comunitários. Em visitas posteriores, foram aplicados questionários em cada casa, nos quais foram registrados: número de moradores por casa, nome, idade e escolaridade, além de outras informações relevantes. Aproveitou-se, então, para aprofundar alguns temas desenvolvidos pelo DRP, através de entrevistas semiestruturadas. 18

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Figura 1 – Imagem de comunidade ribeirinha do rio Cuieiras. Foto: Thiago M. Cardoso

Onde fica? O rio Cuieiras é um afluente do rio Negro pela margem esquerda, corre em seu médio curso, numa direção geral norte-sul. Sua foz dista cerca de 50 quilômetros de Manaus (Figura 1 e 2). As comunidades ribeirinhas situam-se na zona rural deste município, no estado do Amazonas. O rio Cuieiras se situa no Corredor Ecológico da Amazônia Central, na Zona Núcleo da Reserva da Biosfera e no Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, sendo uma área de grande relevância para conservação da biodiversidade.

Breve histórico A história de ocupação de toda a região do rio Negro não difere, em termos gerais, da que ocorreu em toda a Amazônia, que foi baseada na exploração dos recursos naturais e violência física e cultural contra as populações nativas (Tabela 1). Os colonizadores e atuais promotores do “desenvolvimento” ignoraram os processos ecológicos característicos de seus ecossistemas, bem como os mesmos se inserem e se integram ao conhecimento, modo de vida e territorialidade das populações locais. 19

Diálogos Agroecológicos

Figura 2 – Localização das sedes das comunidades do rio Cuieiras.

O modelo de desenvolvimento implantado foi centrado nos ciclos econômicos dos recursos naturais, intimamente ligados à atividade extrativista. Este modelo de desenvolvimento ainda tem provocado muitos conflitos e grandes transformações sociais, culturais e nas paisagens. O empreendimento etnocida e genocida praticado pelos colonizadores portugueses e pelas elites luso-brasileiras objetivava, desde o século XVII, adentrar territórios indígenas tendo em vista o aprisionamento e migração de mão-de-obra escrava e a formação dos núcleos missionários. A penetração portuguesa foi feita com base no trabalho indígena e na comercialização de produtos da floresta. Juntamente a este ciclo e com a extensão do domínio territorial e sobre os recursos naturais, passa a economia extrativista, inicialmente com as drogas do sertão, a ser o principal objetivo econômico da metrópole e das elites nacionais. As disputas territoriais envolvendo outros estados criaram a necessidade de ocupar a região do rio Negro e controlar as sociedades locais por meio de empreendimentos econômicos e regimentos militares, o que ainda vem ocorrendo na região. 20

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Tabela 1 – Diagrama histórico da região

Séc XVIII - Drogas do sertão - Descimentos e escravização - Missões

- Esvaziamento do BRN - Etnocídio e genocídio Indígena

Séc IXX - Cabanagem - Exploracão de madeira, vegetais e fauna -Barco a vapor

-Esvaziamento do BRN -Resistência de indígenas e caboclos

- Inicio ciclo da borracha - Entrada de Nordestinos - Mao-de-obra indígena

-Re-ocupação do BRN -Crescimento de Manaus

Séc XX 1910-20

- Crise da borracha

1920-30

-”Novos” produtos Extrativistas (castanha, Balata, sorva, fibras) -Agricultura tradicional

1930-50

-Soldados da borracha -Prisioneiros no Cuieiras

1950-70

-”Novos” produtos extrativistas -Termino do ciclo da seringa -Zona Franca de Manaus -Intensificação da atividade madeireira -Migração dos seringais e médio/ Alto rio Negro (atuais comunidades) -Urbanização e crescimento de Manaus

1950-70

-Extrativismo (areia, pedra) -Exploracão da Acariquara -Criação das Unidades de Conservação -Intensificação do turismo -Propostas de desenvolvimento sustentável -Migração do Médio e Alto rio Negro -Urbanização e crescimento de Manaus -Conflito entre UC’s e comunidades locais -Solicitacão de Terra Indígena -Criação do PDS Cuieiras-Apuau

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Diálogos Agroecológicos

No final do século XIX, a exploração da borracha atingiu o rio Negro, estabelecendo-se até meados do século XX, devido à vasta demanda decorrente das duas Grandes Guerras Mundiais. Esse período representou um novo ciclo de exploração e maus tratos aos índios, que continuaram a ser levados à força para os seringais. Do encontro entre os nordestinos que vieram explorar a seringa, e que falavam português, com os índios e caboclos amazonenses resultou uma intensa miscigenação e complexa troca de experiências, mudanças culturais e inovações. No século XIX, introduziu-se a navegação a vapor com o estabelecimento de uma linha no rio Negro que ia até Santa Isabel, o que possibilitou uma retomada no extrativismo. A demanda da lenha, no baixo rio Negro4, para alimentar as fornalhas dos barcos a vapor gerou uma nova atividade econômica, a exploração madeireira, que se intensificou nos anos 70 do século passado graças ao intenso crescimento urbano de Manaus. Esta atividade perdura até os dias atuais. É um produto da floresta intensamente demandado pela construção civil, cuja extração gera impacto ambiental considerável e é realizada sob condições sociais precárias5. Relatos recentes, narrados pelos moradores mais antigos do rio Cuieiras, informam que, durante os anos 40-50 do século passado, o governo enviava e mantinha prisioneiros comuns para o trabalho forçado na extração de madeira na região. Esta madeira era utilizada basicamente para abastecer os fornos e fornecer energia elétrica para os moradores de Manaus. Esta atividade deixou marcas visíveis na paisagem. Na década de 50, começam a chegar ao rio Cuieiras famílias pertencentes aos povos Barés e Tukanos, que migraram do alto rio Negro para Manaus e as populações de caboclos oriundos principalmente dos antigos seringais situados no médio e baixo rio Negro, dentre outros rios afluentes do Solimões e das cidades de Manaus e Novo Airão. 4 Ver livro de Victor Leonardi (1999), Os Historiadores e os Rios. Publicado pela Editora da UnB. 5

Relatório do Projeto Etnobotânica (IPÊ, 2007) e em Cardoso et al. (2008).

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Neste período, a atividade econômica predominante, além da caça, pesca, agricultura e coleta para subsistência, foi o extrativismo do látex e de gomíferas, a venda da carne e pele de animais silvestres e de madeira, que merece destaque. Nessa época, a principal espécie explorada era a Acariquara para servir de postes à iluminação pública, como salienta Cardoso et al. (2008). A partir de 1990, surgem novas atividades econômicas como a implantação de hotéis de turismo e chegada de turistas nas comunidades. Também, nessa década, organiza-se o movimento indígena e é reconhecido oficialmente um importante conjunto de Terras Indígenas no alto rio Negro e em Roraima e criadas várias Unidades de Conservação de Uso Indireto no baixo rio Negro. No médio e baixo rio Negro, há processos de ordenamento territorial ainda em curso.

Demografia e configuração territorial Entre 2006 e 2007, a população total do rio Cuieiras consistia em 274 pessoas, distribuídas em 96 famílias. As comunidades mais populosas são Nova Canaã e São Sebastião, como se verifica na Figura 4.

Figura 4 – Número de famílias das comunidades do rio Cuieiras. Fonte: IPÊ, 2007

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As comunidades indígenas foram formadas fundamentalmente por grupos de famílias provenientes do médio e alto rio Negro, bem como não-indígenas de outras localidades, com predomínio de pessoas da etnia Baré e representantes das etnias Karapano, Tukano, Tikuna e Satere-Maue. Algumas famílias chegaram entre as décadas de 50 a 70, no entanto, o principal grupo familiar que compõe a comunidade de Nova Esperança chegou na década de 80 (Figura 5). A comunidade indígena Três Unidos foi fundada em 1991, por um grupo da etnia Kambeba, que vivia no rio Solimões. Estas comunidades indígenas são formadas por famílias que migraram em busca de melhores condições de vida e consideram a região do Cuieiras e baixo rio Negro como território tradicional de seu povo. Os primeiros moradores das comunidades de São Sebastião e Nova Canaã estabeleceram-se na década de 60 (Figura 6), então, constituindo-se como comunidades nos anos 80 e 90. O processo histórico de ocupação do espaço foi fortemente influenciado pelas políticas estatais, de acordo com Cardoso (2008). Segundo relato

Figura 5 – Moradores da comunidade Nova Esperança. Fonte: Marilena A.A.Campos

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dos atuais moradores, o estado incentivou os habitantes ribeirinhos, que antes viviam em colocações relativamente isoladas, a formarem núcleos ou centros comunitários e a viverem concentrados nestes espaços para, desta forma, receberem os benefícios das políticas públicas - como escola e saúde. Atualmente, uma comunidade é formada por unidades familiares que podem optar por ocupar uma área no centro comunitário ou em área florestal. Muitos moradores, principalmente os que vivem mais isolados, chamam de comunidade apenas a área compreendida pelo centro comunitário. Separam claramente o que seria a unidade doméstica e o que seria comunidade. O estar em comunidade significa, para estes, estarem “inscritos“ em determinado centro comunitário no qual a pessoa, além de ter direito de usufruir dos benefícios estatais, participaria das atividades lúdicas, recreativas e religiosas. A Figura 7 mostra a origem da população do rio Cuieiras. Mais da metade da população de adultos das comunidades indígenas Barreirinha, Boa Esperança e Nova Esperança é originária de Santa

Figura 6 – Moradores da comunidade São Sebastiao. Fonte: Arquivo IPÊ

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Figura 7 – Origem da população do rio Cuieiras. Fonte: IPÊ, 2007

Isabel e parcela significativa de São Gabriel da Cachoeira. Famílias indígenas da comunidade Nova Canaã também vieram desta região, enquanto os primeiros moradores da comunidade indígena Três Unidos vieram do Solimões. No entanto, do total da população do rio Cuieiras, Santa Isabel corresponde a 12% e São Gabriel menos de 6% da origem dos moradores, enquanto quase um terço (30%) é nascido no próprio rio e 18% em Manaus. As localidades de Novo Airão e do rio Unini também têm destaque: No rio Negro, os deslocamentos de pessoas, grupos e famílias são relativamente comuns e frequentes. Porém, há poucos estudos sobre os fatores que motivam esta mobilidade (educação, saúde, família, recursos naturais, criação de unidades de conservação e conflitos fundiários), a conexão entre território e migração e outras visões do mundo que ligam a territorialidade à ideia de região e de fronteira. Estes assuntos subsidiam aspectos centrais que deveriam estar contemplados na agenda de discussão dos diversos agentes das administrações federais e estatais para levar a sério um ordenamento territorial com base nas diferenças culturais dos povos que residem nessa região. 26

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Percebe-se que esta dinâmica territorial envolve, ainda, um contínuo urbano-rural, onde os grupos deixam locais mais isolados para viver em áreas mais próximas ou nos próprios centros urbanos como Manaus e Novo Airão. Alguns familiares continuam vivendo na cidade, os jovens, principalmente, para estudarem e trabalharem. Para retirar a aposentadoria e o salário, no caso de funcionários públicos, é necessário se deslocar, todos os meses, para a cidade. Além disso, há uma rede de relações entre as diversas comunidades e grupos familiares no rio Negro, em função do parentesco, intercâmbios culturais e de recursos naturais (fundamentalmente agrícolas) que perpassam o conceito de migração, assim como a dicotomia entre a cidade e interior, urbano e rural. Em geral, as famílias se estabeleceram inicialmente em “sítios” e terrenos isolados entre si. A partir da década de 80, conformaramse como comunidades e passaram a reivindicar alguns direitos e benefícios junto ao poder público, no que concerne à posse da terra e atendimento à educação e saúde. As comunidades do rio Cuieiras, São Sebastião e Nova Canaã têm associações registradas; Nova Esperança está em processo de regularização. De forma geral, estas comunidades têm buscado articulações e apoios com instituições, fator que vem desempenhando um papel fundamental nas conquistas obtidas, embora muitas solicitações ainda não tenham sido atendidas. No final da década de 90, as quatro comunidades indígenas do rio Cuieiras junto às famílias indígenas de Nova Canaã e as comunidade de Terra Preta e São Tomé, localizadas no rio Negro, começaram a se mobilizar e se articular com movimentos indígenas do Amazonas e nacionais. A partir desse momento, foram reconhecidas como comunidades indígenas pela Fundação Nacional do Indio (FUNAI), conquistando o direito à assistência à saúde diferenciada, implementada pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), em convênio com a 27

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Confederação das Organizações Indigenas da Amazonia Brasileira (COIAB), nesse período. A partir de 2000, passam a reivindicar também a demarcação de uma Terra Indígena (TI), solicitando à FUNAI um estudo para identificação e delimitação. O objetivo deste território é garantir a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas, onde a disponibilidade de recursos naturais conservados é um fator intrínseco, pois é determinante para a manutenção das atividades produtivas (agricultura, caça, pesca e coleta, principalmente) e, em última instância, do conhecimento. A possibilidade da criação de uma TI incentivou a mobilização das comunidades não-indígenas da região, encabeçada pela comunidade de São Sebastião, para a reivindicação de direitos sobre a terra e regularização fundiária da área, junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Esta articulação resultou na criação do Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Cuieiras-Apuaú. Em 1995, foi criado o Parque Estadual do Rio Negro - Setor Sul (PAREST), que se destaca em virtude de seus atributos naturais (vegetação e fauna), bem como em decorrência de seu imenso potencial turístico. No entanto, no processo de criação e delimitação, prevaleceram fatores políticos sobre os fatores biológicos, físicos e sociais. As perspectivas da população local não foram consideradas na época. Após seu estabelecimento, o parque foi esquecido completamente e sua gestão não foi implementada, por conseguinte, ações básicas como a arrecadação da terra ao INCRA não foram realizadas. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) mantém uma reserva biológica no rio Cuieiras, acima de uma base de treinamento da Polícia Federal. A falta de diálogo entre as partes governamentais é flagrante na região, cada órgão vem realizando seus próprios programas e agendas de forma sobreposta. No que se refere ao ordenamento territorial, esta lacuna na comunicação entre instituições e entre estas 28

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e as comunidades vem submetendo-as a uma situação de incerteza e indefinição permanente quanto ao cenário fundiário, gerando conflitos socioambientais e impossibilidade de se levar adiante projetos que visem ao uso sustentável da biodiversidade e melhoria da qualidade de vida das mesmas6. Ressalta-se que em todos os casos descritos, as comunidades tradicionais não participaram dos processos de planejamento e execução do ordenamento. E verifica-se, no rio Cuieiras, um “excesso” de ordenamento estatal, nos níveis estadual e federal.

Educação e saúde Todas as comunidades possuem uma escola e um posto de saúde, em parte construídos pelos órgãos municipais responsáveis Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) e em parte estabelecidos em locais improvisados. Na maioria das comunidades há também um chapéu de palha, onde acontecem reuniões comunitárias, uma igreja e ainda um pequeno comércio. A partir de agosto de 2007, foi implantado o ensino fundamental (5ª. a 8ª. série) “itinerante” por módulos concentrados das disciplinas escolares, nas escolas das comunidades Nova Canaã e São Sebastião devido ao número de alunos. Antes, atendiam somente o ensino básico (1ª. a 4ª. série), contando com somente um(a) professor(a) em cada; sendo, portanto, classes multisseriadas. As escolas das comunidades de Boa Esperança, Nova Esperança e Três Unidos continuaram com o ensino básico e, em Barreirinhas, não há escola. Atendendo a reivindicações que vinham desde 2000, a educação indígena e diferenciada foi implementada em junho de 2007, através do Núcleo de Educação Indígena da SEMED. A maioria dos professores é falante da língua geral (Ñheengatu), porém, com exceção de 6

Ver Cardoso et al. (2008).

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Três Unidos, cuja língua é Kambeba, e dois professores indígenas são responsáveis tanto pelo ensino indígena como regular. Os professores de Nova Canaã, Nova Esperança e Boa Esperança dividem o espaço na escola com professores não indígenas, que estão vinculados ao Distrito Rural e que ministram aulas em português e matemática. Os postos de saúde mais equipados estão na comunidade São Sebastião, implantado pela SEMSA, e em Três Unidos, onde o atendimento à saúde é realizado pela FUNASA. Ambas estão localizadas próximo à foz do rio Cuieiras. Em todas as comunidades do rio Cuieiras, há um agente de saúde que, em geral, já fazia parte da comunidade e foi escolhido pelos moradores e, com exceção de São Sebastião, todos são indígenas, vinculados, portanto, ao convênio de saúde da FUNASA. A doença mais comum é a malária, ocorrendo com intensidade em períodos específicos, como a vazante. Alguns moradores sofrem de hipertensão e, além da malária, são recorrentes surtos de gripe e diarreia, esta última, muitas vezes, em decorrência do consumo da água do rio. Nas comunidades Três Unidos, São Sebastião e Nova Esperança, há poços artesianos, o que pode diminuir o risco de contaminação pela água. Ainda assim, devem ser realizadas análises sobre a qualidade da água regularmente.

A pluriatividade como estratégia de uso dos recursos Cada família do rio Cuieiras realiza o processo de apropriação do ambiente seguindo uma certa estratégia. Esta estratégia pode ser definida como a forma particular que cada uma reconhece, busca e organiza seus recursos produtivos, seu trabalho e recursos financeiros com o objetivo de manter e reproduzir suas condições materiais e imateriais de existência7. Estas estratégias são elaboradas mediantes 7 O conceito de estratégia e múltiplos usos junto a populações tradicionais pode ser visto na recente publicação de Victor Toledo e Narciso BarreraBassol (2008).

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conhecimentos sobre os elementos e dinâmica do ambiente (como épocas de frutificação, dinâmica das águas, clima, períodos reprodutivos de peixes etc.), bem como por processos de tomada de decisão baseados no histórico agroextrativista da família e do contexto socioeconômico e fundiário. Boa parte dos povos tradicionais na Amazônia e no Cuieiras não poderia ser muito diferente, apresentam estratégias produtiva e extrativa baseadas em intercâmbios (ecológicos, econômicos e sociais). Intercâmbios realizados de diversas formas e com distintos elementos do ambiente de maneira a garantir um fluxo ininterrupto de bens, matéria e energia. Isso significa uma produção baseada no princípio da diversidade de recursos, paisagens e de práticas produtivas, ou seja, os múltiplos-usos do ambiente e a pluriatividade. Além das atividades de subsistência, agricultura, coleta, caça e pesca, desenvolvem-se atividades econômicas com objetivo de geração de renda, dentre as quais se destacam: extração de madeira, produção de artesanato e outras vinculadas ao turismo, venda de farinha e prestação de serviços (Figura 8). Neste último, incluem-se carpintaria, diárias na agricultura e, no caso das comunidades do rio Negro, serviços temporários em Manaus.

Figura 8 – Principais atividades econômicas realizadas pelos moradores das comunidades do rio Cuieiras (% de famílias em cada atividade). Fonte: IPÊ, 2007

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Quase a metade das famílias tem roça (46,5%), e uma pequena parcela comercializa o excedente da farinha (15%), a maioria desenvolve esta atividade para consumo próprio. Ressalta-se, a relação direta entre o extrativismo e a agricultura. Como menos da metade das famílias tem roça, percebe-se que a extração madeireira (35%) e produção de espeto (18,5%) são atividades significativas, sendo que apresentam maior destaque nas comunidades de Nova Canaã e São Sebastião. Na região do rio Cuieiras, o esforço de trabalho familiar na exploração madeireira gera o abandono ou diminuição dos espaços agrícolas. O turismo e o artesanato representam uma importante oportunidade de desenvolvimento sustentável com envolvimento comunitário. O gráfico corrobora este potencial, pois verifica-se que um quarto das famílias (26%) está envolvida nesta atividade. Destacam-se as comunidades de Nova Esperança e Três Unidos com a produção de artesanato, que recebem visitas de grupos de turistas regularmente, e algumas famílias de outras comunidades cujo principal trabalho consiste em guia e barqueiro. Mas esta prática ainda ocorre de forma desigual, sem que as comunidades sejam partes ativas nas decisões e nos ganhos econômicos do turismo. Os benefícios estatais constituem uma renda importante para muitas famílias através do programa bolsa família e aposentadoria. Funcionários públicos, vinculados às escolas (professoras, merendeiras e condutores da escola), e agentes de saúde (dos postos de saúde) também têm representação significativa neste quesito. Algumas famílias mantêm pequenos comércios nas comunidades, o que representa apenas 2% da fonte de renda nesta região. O mapeamento participativo, construído pelo IPÊ, em parceria com as comunidades, mostrou que a área de uso dos recursos por estas comunidades é abrangente, e alguns locais são procurados por 32

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todas as comunidades. As comunidades identificam limites bem definidos e usam principalmente a área do rio Cuieiras e igarapés, concentrando-se nas proximidades das comunidades e no repartimento do rio Branquinho e rio Cuieiras, área que foi apontada como farta em peixes e caça. O rio Negro é utilizado somente pelas duas comunidades mais próximas à boca do rio Cuieiras, São Sebastião e Três Unidos. As áreas de pesca e caça, assim como os esforços dedicados para cada atividade, variam muito devido à disponibilidade de recursos em função do regime de água. A pluriatividade dos agentes econômicos se inter-relaciona a uma complexa rede de relações socioculturais de trocas de saberes, de saber-fazer, de trabalhos coletivos comunitários e de trocas de produtos, informações e conhecimentos. Os resultados da inter-relação social entre as formas de produção e a cultura tradicional moldam redes sociais de produção pouco segmentadas, relativamente curtas e com um alto nível de interdependência entre si, através das trocas e comercialização intracomunidades e das comunidades com os intermediários (denominados na região como “aviadores” ou “regatões”). Esta região beneficia-se ainda pela relativa proximidade da cidade de Manaus, principal centro consumidor da região e de Novo Airão. A proximidade dos centros consumidores exerce grande pressão sobre as atividades produtivas na região, afinal são quase 2 milhões de consumidores. De forma geral, esta proximidade dos mercados consumidores apresenta vantagens e desvantagens para o desenvolvimento da região. As vantagens relacionam-se principalmente com a certeza de acesso a mercados para os produtos do baixo rio Negro, mas, por outro lado, também estimula a produção/ extração de produtos ilegais, como é o caso do extrativismo madeireiro, da caça e da mineração. 33

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As relações de troca entre comunitários, comunidades e comerciantes se dão quase que totalmente sem a mediação da moeda, num sistema de troca e doação em que a moeda serve apenas como referência de valor e onde a economia se subordina as relações sociais de reciprocidade determinam o vetor e intensidade das relações econômicas. As trocas geralmente são entre gêneros alimentícios (produtos agrícolas e extrativismo florestal) por bens alimentícios processados em outras comunidades, por bens básicos provenientes das cidades (bens/produtos de necessidade básica) e por equipamentos destinados a facilitar o trabalho dos comunitários no interior. Nota-se uma grande influência deste modo típico de vida sobre as atividades econômicas estabelecidas na região. O saber-fazer e as formas de acesso, manejo e exploração dos recursos naturais locais obedecem a saberes e técnicas de produção tradicionais, idealizadas com baixo investimento de capital, baixa produtividade e pequena escala produtiva, mas respeitando os ciclos ecológicos e a sazonalidade da produção.

O ambiente segundo os moradores8 Os habitantes do rio Cuieiras vivem em ecossistemas de água preta, conhecidos pela oligotrofia, baixa produtividade e grande diversidade de fauna terrestre e aquática. As atividades econômicas dos povos que habitam a bacia do Rio Negro estão diretamente ligadas à sazonalidade das precipitações e aos períodos de seca e enchente. O período chuvoso, na região de estudo, vai de janeiro a abril, sendo março e abril os meses mais chuvosos com médias de 294.7 e 289mm. O período seco vai de junho a setembro, sendo o pico da estação seca em agosto, com média de 63.3mm. O período de cheia do rio Negro vai de maio a 8

Informações extraídas de Cardoso (2008) e Arruda Campos (2008).

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julho, sendo junho o mês que o rio Negro alcança sua cota máxima. O período seco vai do fim de setembro até o início de janeiro. O mês com a menor cota foi novembro. O clima dominante é tropical-chuvoso com temperatura em torno de 26°C. Os aspectos topográficos estão diretamente associados com tipos específicos de vegetação, de solo e de manejo humano. A terminologia utilizada no rio Cuieiras inclui palavras como baixo (área alagada), barranco (área intermediária) e terra alta ou terra firme (platô) (Figura 9). No sentido da terra alta para as posições mais baixas do relevo, há uma diferenciação na morfologia do solo, com aumento gradual na quantidade de areia e, consequente, modificação da vegetação. A percepção da variação dos tipos de solo e das unidades de paisagem no gradiente altitudinal pode ser colocada vis-à-vis ou até com mais detalhe do que a utilizada na literatura científica sobre a região norte de Manaus. Assim como em quase toda a calha do rio Negro, a construção da infraestrutura doméstica e a realização da agricultura no rio Cuieiras ocorrem na terra alta ou terra firme, isso em virtude da variação das inundações e impossibilidade de se praticar atividades agrícolas nos solos extremamente empobrecidos das áreas mais baixas.

Figura 9 – Horizonte topográfico e unidades de paisagem no rio Cuieiras. Cardoso (2008)

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Fonte:

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Tipos de vegetação No baixo, distinguem-se as seguintes unidades de paisagem: a campina, a restinga, a praia, o igapó e o chavascal. A campina corresponde aos campos de gramíneas com pequenos e troncudos arbustos de até dois metros e que são alagados periodicamente. Os solos são arenosos e afundam. As principais espécies indicadoras da paisagem são a macacarecuia, rabo de lontra e capins. Dá-se o nome de caranazal e arumazal as subunidades paisagísticas da campina, respectivamente em referência à presença dominante da palmeira caranã e ao arumã. Tirirical e arrozrana são concernentes à campina com predominância de capins. O igapó é também chamado localmente de várzea. É a vegetação que alaga durante a época das cheias dos rios. Algumas espécies são indicadoras locais desta vegetação, como o macucu, japiranga e breieiro. O solo é um barro meio enlameado, como dizem os mroadores A vegetação chamada de queimado refere-se ao igapó que passou por incêndios antropogênicos devido à folhagem e raízes secas presentes no solo, no tempo em que se fazia carvão na região. Nas restingas, a vegetação é mais alta do que a campina, com cerca de dez a vinte metros e o solo é arenoso e mais compacto. A restinga pode ser subdividida em restinga alta e restinga baixa, esta alaga em qualquer enchente e a vegetação é mais aberta; enquanto na alta a vegetação é mais fechada. O chavascal corresponde aos charcos, às áreas permanentemente alagadas. São paisagens situadas nas margens dos igarapés, em áreas próximas às cabeceiras. A vegetação é mais baixa e aberta do que na mata alta, predominando como espécies indicadoras o tarumã, samambaias, palha branca, bussú, buriti e patauá. Estas quatro últimas espécies dão nome às subunidades de paisagem, como o palhau, bussuzal, buritizal e patauazal. O solo arenoso enlameado do chavascal é alagado intermitentemente e possui pequenos córregos. 36

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Na terra alta ou terra firme, distinguem-se as seguintes unidades de paisagem: a caatinga, campinas alta, a mata alta ou mata virgem, a capoeira, a roça, o sítio e o quintal. A caatinga é percebida por sua semelhança com o chavascal. Os solos são arenosos, não se prestando para agricultura e a vegetação é de menor porte se comparada com a mata alta. As árvores são mais finas, tendo o umiri como espécie indicadora, além das samambaias e bromélias. A campina alta, em semelhança com a campina do baixo, possui vegetação predominante de gramíneas com arbustos baixos, porém apresenta árvores de menor porte com cerca de dez metros. A mata virgem ou mata alta é o tipo de paisagem que predomina no rio Cuieiras. A estrutura florestal é percebida pela mata mais fechada com pouco cipó e de grande porte, com árvores chegando a 40 metros. As principais espécies indicadoras são árvores como o roxinho, itauba, acaricoara, angelim, cumaru, sucupira, uxi coroa, uxi liso, piquia, bacaba marupá-branco, abiurana, cajuí, arabazeira, cedrinho, bacabinha e cipós, como o cipó titica, cipó d’água, cipó jabuti-escada.

Tipos de solo No rio Cuieiras, encontram-se solos dos tipos barro, areia e terra. Os solos barrentos, ou barro, são facilmente reconhecidos nas regiões de terra firme, pela sua consistência mais dura e granulação mais fina, sendo denominados, a depender da coloração, como barro vermelho, barro amarelo, barro branco e tabatinga, sendo este último um tipo de barro branco mais endurecido. Os solos arenosos, localmente denominados de areia, são reconhecidos pela sua textura granulosa. As terras são reconhecidas pela sua origem da natureza ou relacionadas com sítios arqueológicos. São denominadas respectivamente de terra preta e terra preta legítima. Os solos também são percebidos enquanto uma mistura entre um tipo e outro. O solo areiusco é percebido pela textura mais 37

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arenosa no horizonte mais superficial (cerca de 20cm), com barro mais abaixo. Outros exemplos referem-se à mistura no nível superficial/horizontal, como o areiusco com terra preta, barro vermelho com areia, areiusco com barro amarelo. Outro tipo de solo percebido é a piçarra, fruto da mistura entre barro amarelo e pedras, sendo considerado um tipo de solo raro na região. Quanto à consistência, os solos podem ser duros ou fofos. Os solos duros são os que possuem maior consistência e não afundam, ao contrário, os fofos afundam quando se anda sobre a superfície. Em se tratando da umidade, os solos podem ser enlameados, quando apresentam alta concentração de água ficando com textura de uma lama; secos, quando possuem baixa concentração de água; e liguentos, que são solos úmidos e bem agregados. A história e a intensidade de uso do solo é um atributo relevante na caracterização e escolha do solo para a agricultura, podendo ser classificados em terra velha ou nova. A nova corresponde a solos oriundos da derrubada da mata virgem ou de capoeiras altas, enquanto a velha se refere ao uso sucessivo de um mesmo espaço ao longo dos anos. Os agricultores locais deduzem a fertilidade do solo pelo processo sucessional da vegetação, chamam de terra fraca ou cansada o solo das capoeiras novas; e terra forte ou descansada o de capoeiras alta. Este critério de classificação não se refere à terra preta legítima, que é considerado um tipo de solo que “sempre dá”. A sucessão ecológica ou o pousio é utilizado como uma forma de restaurar a fertilidade do solo após um ciclo de cultivo. A sucessão na perspectiva local funciona da seguinte forma: após a derrubada da vegetação e plantio de mandioca, o espaço passa a ser denominado de roça, a roça nova passa então por etapas de manejo e controle, com o cultivo predominante de mandioca, tornando-se roça madura e velha após 1 a 3 anos. A roça então é deixada ao processo de sucessão ecológica. O espaço passa 38

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a se chamar capoeira nova. Este estágio vai até cerca de 7 anos. A idade não é o critério mais utilizado para identificar as capoeiras, mas sim a estrutura da vegetação e a presença de espécies indicadoras. A capoeira nova pode também ser chamada de capoeira baixa e capoeira fraca. É percebida como uma mata bem fechada, com muitas ervas, arbustos e cipós. São identificadas espécies indicadoras como embaúbas, lacre, vassourinha e piriquiteira. Esta paisagem é tida como uma fase do sistema agrícola em que os solos estão cansados ou sem fertilidade. O próximo estágio é chamado de capoeira velha, madura, alta ou capoeirão, que corresponde a um tipo de vegetação de maior porte em que o solo já está descansado. As árvores já são maiores e grossas e a mata é mais aberta. São identificadas espécies características como a goiaba-de-anta, murici, lacre e pepino-do-mato. Observa-se também a presença de espécies de mata alta, como a itaúba, cedrinho e acariquara começando a aparecer.

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Diálogos Agroecológicos

A Roça

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Thiago Mota Cardoso

A roça está presente no imaginário do brasileiro, possuindo múltiplos significados de acordo com a diversidade cultural existente. Em geral, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, onde persiste uma forte (pelo menos aparente) separação entre a vida no campo e nas cidades, o termo remete à noção do rural, do lugar onde se expressa a agricultura familiar, do autossustento, dos contos e narrativas e da tranquilidade proporcionada pelo campo e pelas relações nele estabelecidas. As expressões “morar na roça” ou “eu vim da roça” podem significar tanto que o sujeito vive no interior como que trabalha com agricultura de mandioca, milho, feijão, dentre outras plantas. Neste contexto, a roça, para uns, significa o atraso diante de um progresso industrial-tecnológico-urbano inevitável; para outros, a possibilidade de ser livre, de ter segurança alimentar e qualidade de vida de acordo com as tradições e/ou como reação à modernidade. A roça constitui-se como o espaço por excelência da agricultura na Amazônia e, no rio Cuieiras, não poderia ser diferente. 9 Inspirado na dissertação de mestrado do autor, intitulada “Etnoecologia, construção da diversidade agrícola e manejo da dinâmica espaço-temporal em roças indígenas do rio Cuieiras, Baixo Rio Negro”, defendida em 2008, pelo Programa Integrado de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.

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É um espaço que nasce de um distúrbio (o corte e queima da floresta) e visa à segurança alimentar de uma família, de uma comunidade local ou de uma região. Na Amazônia, a roça é simplesmente o espaço cultivado. A roça pode estar na cidade, como na floresta. Ao escutarmos “vamos à roça”, isso significa, em poucas palavras, ir ao lugar onde se planta o alimento, o lugar onde se aplicam os saberes e técnicas necessárias para a produção e reprodução de bens ao mesmo tempo materiais (o alimento) e imateriais (os significados). No rio Cuieiras, assim como em todo rio Negro, a roça é o principal espaço cultivado e a mandioca brava a sua planta estruturadora (Figura 10). Este espaço deve ser visto como parte de um sistema agrícola mais amplo, integrado à floresta, aos quintais e a outros locais próprios para o cultivo. A roça é o locus de manutenção da diversidade agrícola. Deve-se, também, considerar que a implantação de uma roça possui significados culturais profundos produzidos dos estreitos laços entre a agricultura e as plantas.

Figura 10 – Roca recém aberta. Fonte: Thiago Mota Cardoso

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Fazendo a roça A roça é manejada em um ciclo que imitaria em estrutura as fases de sucessão ecológica da floresta. Podemos observar as seguintes fases do sistema agrícola: seleção da área de cultivo, derrubada e queima da vegetação, cultivo, colheita e abandono. A última fase é considerada, hoje, como uma fase de manejo de capoeira ou agrofloresta. As duas primeiras fases são de trabalho masculino, enquanto que a fase de cultivo e colheita, bem como o processamento dos produtos obtidos, é de cuidado feminino ou de ambos. As crianças geralmente ajudam as mulheres nesta fase.

Seleção da área de cultivo Escolher um lugar para fazer a roça é uma questão que envolve tempo e muita observação. Os roçados são implantados em terra firme e, geralmente, próximos à residência da família horticultora. Os saberes sobre a interação solo-vegetação-plantas são considerados variáveis importantes na decisão de onde se abrir um roçado, pois, como diria um agricultor, “toda planta tem ciência, não pode chegar e forçar plantar no local que não é para ela”. O agricultor pode decidir implantar um roçado em mata virgem ou numa capoeira nova ou madura. De certa forma, há uma preferência em realizar o roçado tanto em capoeira alta como capoeira baixa, sendo a média de idade das capoeiras derrubadas de 12 anos, mas boa parte está entre 7 e 10 anos. Percebe-se localmente que a capoeira alta possui boa fertilidade e não dá tanto trabalho para derrubar a vegetação quanto a mata alta, que possui árvores de maior diâmetro e dureza. Outro motivo para escolher a capoeira alta em relação à baixa e à mata alta se deve à fertilidade do solo. Uma boa produção de mandioca e com maior velocidade de crescimento das raízes se deve ao aumento da fertilidade ao longo do processo de sucessão. O solo passa de “fraco”, na etapa de capoeira baixa, para “descansado” ou “forte” de uma capoeira alta, e este momento é reconhecido como o ideal para a 42

Rio Cuieiras, Amazônia Central

implantação do roçado. Uma das preferências pela capoeira baixa se deve à decisão em se intensificar a agricultura em áreas de terra preta legítima. Os únicos motivos que levam os agricultores a preferirem cultivar a mata alta são a maior fertilidade dos solos, que permite o cultivo de espécies e variedades de maior exigência como a banana, cana, cará, dentre outras, além da mandioca e também pelo menor trabalho disponibilizado para capinas. Um critério fundamental para escolha da área onde se localizará o roçado é o tipo de solo (Tabela 2), que muitas vezes é escolhido baseado nas plantas disponíveis. O conhecimento local permite selecionar as plantas cultivadas a um tipo de solo específico e a adaptação das mesmas a um determinando substrato é explicitada através dos termos “dá bem” e “não dá bem”. A mandioca é considerada uma espécie generalista, que pode ser cultivada em qualquer tipo de solo, menos no arenoso, sendo sua produtividade percebida como mais ligada aos estágios de sucessão, no qual, a vegetação foi derrubada com a premissa de que a “maniva dá bem em terra boa e não em terra fraca”. Tabela 2 – Tipo de solo e principais plantas cultivadas

Tipo de solo

Principais plantas cultivadas* Dá bem

Não dá bem

Terra preta

Mandioca, abacaxi, banana, cará, batata-doce, cana, pimentas, feijão de praia, frutíferas e palmeiras em geral

-

Barro

Mandioca, cará, batatadoce, abacaxi, banana, cubiu, açaí-do-pará, pupunha, pimenta

Melancia, cana, caju, feijão de praia

Areiusco

Mandioca, caju, abacaxi, tucumã, pupunha, pimenta

Banana, melancia, gerimum, cana, cubiu, feijão de praia, laranja, limão

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Diálogos Agroecológicos

As variações da estrutura e da textura do solo influenciam diretamente na adaptação dos cultivos. Segundo as agricultoras, algumas plantas como a banana, a melancia e o gerimum necessitam de um solo mais úmido e compacto, e “não dão bem” em solos com superfície arenosa, como o tipo areiusco. E aduzem que este solo, sob incidência constante dos raios solares, aquecer-se-ia e “queimaria” estas plantas.

Derruba e queima Após escolha da área, o agricultor inicia a fase da broca ou roçagem e derruba da área, realizando este trabalho sozinho ou através de ajuris10. A roçagem é realizada com terçados e tem como meta cortar todas as ervas, cipós, arbustos e paus mais finos. A derrubada ocorre logo em seguida. Como forma de economizar tempo e energia, os agricultores fazem um corte bastante profundo em árvores de menor porte e, logo depois, derrubam com machados ou moto-serras as árvores maiores, e passam a derrubar a vegetação circundante, geralmente no sentido centro à periferia do roçado. A broca ou roçagem, quando feita numa vegetação secundária, é realizada comumente no início do verão, entre os meses de julho e agosto, e é deixada para secar antes da queima por 15 a 30 dias, enquanto que uma vegetação de mata alta exige três meses para secar, sendo derrubada entre maio e junho. O último processo, essencialmente masculino, é a queima. É considerada uma boa queima quando o fogo queima bem toda a vegetação e é feita na época certa. Uma má queima, geralmente, é feita no início das chuvas, o fogo então não consegue se espalhar pela vegetação úmida e o agricultor não poderá obter bons 10

Organização coletiva do trabalho, conhecido também como mutirão.

44

Rio Cuieiras, Amazônia Central

rendimentos. No caso de uma má queimada, o agricultor pode juntar os restos de vegetação que não foram queimados num montículo, chamado coivara, e realizar outra queima. A queimada é realizada para disponibilizar adubo para as plantas e retirar as ervas adventícias.

Obtenção das plantas e plantio O primeiro momento desta fase é a obtenção das plantas. Algumas espécies são protegidas do fogo e mantidas para enriquecer o roçado. Faz-se aceiro ao redor de espécies que não resistem ao fogo, como a bacaba, bacabinha e o pequiá e outras como o tucumã e pupunha, dessa forma, após a queimada, estas conseguem resistir e são mantidas no roçado. Outras plantas crescem espontaneamente no roçado após a queima e são mantidas, como o ingá, goiaba de anta, cubiu, cará e mandioca. A goiaba de anta é deixada no roçado como futura atratora de animais de caça. As principais formas das mulheres obterem as espécies com reprodução vegetativa, que são as plantas típicas de roça (mandioca, cará, batata-doce e banana), são através de roçados antigos, fazendo a muda de parte da planta para o roçado novo. Outra forma é através de doações realizadas por vizinhos ou parentes ou incorporando plantas oriundas de bancos de sementes nas capoeiras. A parte utilizada para propagação da mandioca é denominada de maniva (Figura 11). As mulheres, após a colheita, em um roçado antigo, selecionam as mandiocas de maior interesse agronômico e podem descartar as que não tiveram vigor produtivo após sucessivos replantes. O momento certo de colher a mandioca é quando ela está madura, depois da floração. Após este momento, a mandioca é mantida em solo e, na necessidade de se produzir farinha ou outros itens alimentares, é retirada a sua raiz e as manivas são deixadas em feixes, com a ponta enterrada na terra sem deixar secar. 45

Diálogos Agroecológicos

Geralmente, são obtidas sementes e mudas dos quintais e sítios (cupuaçu, biriba, goiaba, abiu) para posterior plantio. Também, podem ser obtidas sementes no mercado de Manaus (gerimum, melancia). A transferência de plantas como açaí-da-mata, bacaba e uxi das capoeiras e da mata alta igualmente contribui para manter o roçado mais enriquecido. Usualmente, estas frutas são retiradas da floresta, consumidas e suas sementes são germinadas nos quintais em mudas para posterior transferência para os roçados ou, também, para doação. O plantio da mandioca deve ser realizado logo após a queima e no ápice do verão, pois, como relatam as agricultoras, se plantar maniva nas chuvas encharca a maniva e pode dar bicho, que “tora tudo”. Muitas agricultoras “plantam de qualquer jeito”, como dizem, enquanto que muitos obedecem aos ciclos lunares, devendo plantar a

Figura 11 – Roca recém aberta. Fonte:Thiago Mota Cardoso

46

Rio Cuieiras, Amazônia Central

mandioca e outras frutas quando a lua estiver na crescente: “para crescer bem as batatas” ou caruda (cheia) “para dar mandioca grossa”. O plantio da mandioca é feito pela mulher e filhos, podendo ter a ajuda dos homens e dos parentes. Geralmente, planta-se do centro do roçado para a beira próximo à mata, mas também se pode realizar o cultivo de um lado diretamente a outro da roça. As manivas cortadas de 15 a 30 centímetros são colocadas horizontalmente em covas, com cerca de 30-50cm de distância uma da outra. Duas técnicas são utilizadas a mergulho e a cavada, na primeira, as manivas são inteiramente enterradas; na segunda, as pontas ficam de fora. Após plantio da mandioca, um pouco antes do período das chuvas, em novembro e dezembro, ocorre o plantio dos abacaxis de forma aleatória. Nas coivaras, devido à cinza, ao carvão desfeito e ao calor, são plantadas as pimentas, cubius, canas, carás, bananas, gerimum e batata-doce, plantas de maiores exigências agronômicas. A pimenta e o cubiu são plantados jogando-se as sementes de forma aleatória na coivara. As bananas são colocadas de preferência nas bordas do roçado, pois podem formar uma barreira contra a entrada de predadores das plantas, como veados (Mazama sp.) e bandos de porcos do mato (Tayassu tajacu). A mandioca brava estrutura a organização espacial do roçado. As agricultoras distribuem as manivas tendo como base a taxonomia local, ou seja, o reconhecimento dos atributos e tipo distintivo de cada variedade e suas características agronômicas. O primeiro critério de distribuição das manivas é a cor do tubérculo, segundo as agricultoras, não se deve misturar as mandiocas brancas com as amarelas. Após esta distinção, as variedades podem ser distribuídas através de dois modelos baseados na percepção distintiva das partes aéreas: em banda (segmentado) e o misturado. Quando começam a maturar as mandiocas de menor duração em solo, a agricultora inicia a colheita e imediatamente o replante dos 47

Diálogos Agroecológicos

clones. Quando o replante é realizado, a agricultora corta as manivas em tamanhos maiores do que quando ocorre plantio em novas áreas. Também é necessário colocar na cova quatro manivas da mesma qualidade ou de qualidades diferentes ao invés de duas do plantio inicial, que, conforme as agricultoras, aumenta a possibilidade de “vingar” as manivas de indivíduos mais vigorosos em solos mais “fracos”. O trabalho de colheita e replante ocorre até o momento em que a agricultora percebe que o solo já está cansado e com invasão constante de muitas ervas adventícias, neste momento, as mandiocas colhidas terão suas manivas cortadas e arrumadas em feixes. Após o início das chuvas, a agricultora pode, caso decida construir um sítio, plantar frutíferas arbóreas. O plantio pode ocorrer tanto da roça nova como na roça velha. Algumas plantas como o açaí-do-pará, o cupuaçu, o abacate, a manga e o umari são plantadas em áreas sombreadas pelas folhas das primeiras mandiocas. Outras não são tão exigentes quanto à presença direta do sol, como os ingás e o tucumã. O cupuaçu e o ingá são semeados de forma aleatória, jogandose a semente no espaço, o que pode contribuir para a diversificação destas plantas. A pupunha deve ser plantada um pouco distante de outras frutíferas, pois o crescimento de suas raízes é considerado um dificultador do crescimento das plantas vizinhas. Após o “abandono”, ficam as frutíferas que serão manejadas com técnicas adequadas para o manejo agroflorestal.

Manejo de espécies espontâneas A limpeza das ervas espontâneas no terreno, através da capina ou roça, é reconhecida como uma das mais importantes práticas agrícolas no rio Cuieiras. É plenamente conhecida que o crescimento constante, principalmente durante a época das chuvas, de jurubebas, capins navalha, tiririca, dentre outros, “atrasa a roça”, como relatam, no sentido de diminuir a produtividade do roçado e atrapalhar o trabalho de cultivo. 48

Rio Cuieiras, Amazônia Central

As agricultoras relatam que as principais ameaças ambientais às plantas manejadas no roçado são os animais silvestres e insetos, que constantemente penetram no espaço cultivado, chegando a eliminar algumas plantas. Insetos como as formigas saúvas (Atta spp.) e gafanhotos são combatidos constantemente em muitos roçados. Os vertebrados, principalmente os mamíferos, são considerados os grandes “vilões” do roçado. Caso a agricultora abandone temporariamente o espaço para realizar uma viagem, no seu retorno, pode se deparar com o roçado todo destruído pelas capivaras (Hydrochoerus hydrochoeris), porcos do mato (Tayassu tajacu) e cutias (Dasyprocta agouti). A forma de controle local destes animais é através da caça. Os espaços agrícolas no rio Cuieiras são os principais espaços de caça, responsáveis por boa parte da biomassa de mamíferos e aves consumidos na região. Os caçadores frequentam constantemente a roça para fazer espera de algum animal de interesse alimentar. A roça neste caso funcionaria como uma grande ceva para os caçadores.

Manejo da capoeira Após os ciclos de cultivo na roça, o espaço é “abandonado” para que o solo recupere a fertilidade tornando-se capoeira. Porém, como se observa no rio Cuieiras e em outras regiões da Amazônia, as capoeiras não são consideradas apenas uma fase de descanso, mas sim como uma fase do sistema agroflorestal indígena que proporciona diversos usos e a manutenção de sementes. Os principais recursos utilizados da capoeira são os frutos de palmeiras, medicinais e madeira para lenha e venda. Algumas espécies são tiradas para abastecer as casas de forno e as caeiras de carvão, outras podem ser vendidas para atravessadores da região ou trocadas por itens alimentares e utensílios domésticos. Muitas agricultoras conseguem obter manivas de mandioca, parte da cana e banana 49

Diálogos Agroecológicos

nas capoeiras. A capoeira não é importante apenas pelo uso direto das espécies, mas também por conter espécies e variedades, conformando um importante banco de sementes. As agricultoras relatam a germinação de sementes de mandioca e cará em roças cultivadas em área de antigo cultivo: “As vezes que nós fazemos a roça na capoeira sempre nasce maniva de semente. Ela nasce assim, sem raiz e ela vai pro fundo. Não tem batata não como as manivas plantadas. Só tem batatinha na ponta. Dá na capoeira porque é roça dos antigos. As sementes já ficaram no chão. Aguenta mesmo, você pode fazer uma roça na capoeira, ai com um mês você vai ver, maniva pra lá, prá cá...tudo de semente. Tudo sem nome, ninguém sabe o que é que é. Se ela for boa nós vamos cuidar dela”. “A maniva fica na capoeira. Deixando na terra ela não aguenta, mas a semente fica. Deixando a roça, com uma ano e meio a mandioca já fica com frutinha, aquela semente abre e cai, fica na terra. Olha esta capoeira do Dadico, quando derrubamos já tinha semente crescendo rapidinho. Quando tem semente que a roça ta bem madura, já da as frutinhas, ai cai e abre igual fruta, igual seringueira que cai em fevereiro, com a maniva é igual. Depois que vamos derrubar embrolha (brota) as sementes”.

Diversidade agrícola na roça Cultiva-se uma ampla diversidade de espécies e variedades (qualidades), entre anuais e perenes, em estágios variados de domesticação na região com destaque para as 70 variedades de mandioca (5 mansas e 65 bravas) (Tabelas 3 e 4). Ao contrário dos quintais, onde predominam espécies frutíferas, ornamentais, condimentares e medicinais, nos roçados do rio Cuieiras, as espécies, como a mandioca, presente em 100% dos roçados, o cará, a banana e abacaxi, são as mais frequentes e as que possuem maior diversidade. A mandioca é a espécie estruturadora 50

Rio Cuieiras, Amazônia Central

dos roçados e a mais utilizada localmente, podendo ser considerada uma “espécie cultural chave”. Tabela 3 – Lista das plantas cultivadas no rio Cuieiras11

Nome Científico

Qualidades Roça Quintal Sítio

Mandioca

Manihot esculenta

70



Cará

Dioscorea spp.

5



Banana

Musa sp.

12



Abacaxi

Ananas comosus  

2



Ingá

Inga sp.

4

Cana

Saccharum officinarum

5

Açaí-dopará

Euterpe oleracea

 

Pimenta

Capsicum spp.

7

Umari

Poraqueiba paraensis

 

Tucumã

Astrocaryum aculeatum

 



Cubiu

Solanum sessiliflorum

4



Graviola

Annona muricata

 

Batata Doce

Ipomoea batatas

3

Abacate

Persea americana

Cupuaçu

• •















• •











 





Theobroma grandiflorum

 





Gerimum

Curcubita pepo

 



Feijão de praia

Phaseolus vulgaris 

 



11

Excluindo plantas medicinais ornamentais

51



Diálogos Agroecológicos

Nome Científico

Qualidades Roça Quintal Sítio

Planta da roça*

 -

6



Ariã

Calathea alluia

 



Mangarataia

Zingiber officinalis

 



Pupunha

Bactris gasipaes

3

Bacaba





Oenocarpus bacaba





Jambo

Eugenia jambos





Tajá

Colocasia antiquorum

Caju

Anacardium occidentale





Cacau

Theobroma cacao





Manga

Mangifera indica



Biriba

Rollinea mucosa





Melancia

Citrullus vulgaris



Mamão

Cacaria papaya







Baraturi

Theobroma bicolor





Cucura

Pourouma cecropiaefolia





Inajá

Maximiliana maripa

Buriti

Mauritia flexuosa



Abiu

Pouteria caimito





Laranja

Citrus sinensis





Goiaba de anta

Bellucia grossularoides











52

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Científico

Qualidades Roça Quintal Sítio

Taioba

Xanthosoma sagittifolium

Açaí-domato

Euterpe precatoria

Urucum

Bixa orellana

Piquiá

Caryocar villosum

Cebolinha

Allium cepa



Mari-mari

Cassi leiandra



Jaca

Artocarpus heterophyllus



Uxi

Duckesia verrucosa



Maracujá

Passiflora sp 



Milho

Zea mays 



Cedrinho

Erisma uncinatum

• • •



• •











Bacabinha Oenocarpus mapora





Jenipapo

Genipa americana





Araticum

Annona montana  





Limão

Citrus limonia





Araçá

Psidium guineensis





Goiaba

Psidium guajava





Fonte: Cardoso, 2008

No rio Cuieiras, nenhuma variedade é amplamente cultivada. As de maior frequência são as variedades tracajá, aladim e nara justamente por terem maior produtividade para a produção de farinha e comercialização. As espécies de ciclo mais curto são manejadas nos primeiros estágios dos roçados, onde, após dois ou três anos de cultivo e 53

Diálogos Agroecológicos

posterior “abandono”, pode começar a predominar as espécies arbóreas cultivadas, que têm suas sementes ou partes transferidas dos quintais, da floresta, trazidas do mercado e/ou incorporadas durante a sucessão natural. As espécies frutíferas arbóreas estão presentes nos roçados de 63% das famílias. Observa-se, também, em certa medida, uma preferência por unidade familiar no uso de cada planta e a escolha por espécies comercialmente mais valoradas (açaí, graviola, cupuaçu, tucumã, abacate) e muitas espécies se encontram em poucas unidades familiares. Tabela 4 – Qualidades de mandioca no rio Cuieiras.

Mandioca Brava Maniva tracajá grande Maniva açaí

Maniva olho roxo

Maniva aladim

Maniva uiwa branca

Maniva surubim

Maniva nara

Maniva seis meses creme

Maniva oro

Maniva seis meses

Maniva paca

Maniva catatau

Maniva capivara

Maniva nara amarela

Maniva tartaruga

Maniva roxinha

Maniva supiá

Maniva maturacá

Maniva jurará

Maniva índia

Maniva arrozinho

Maniva piriquito

Maniva tracajá pequeno Maniva pixuna

Maniva amarelão

Maniva olhuda

Maniva nanica-pixuna

Maniva pretinha

Maniva uia-pixuna

Maniva língua-de-pinto

Maniva uiwa amarela

Maniva maimaroca

Maniva branca

Maniva macielzinho

Maniva jacundá

Maniva baixinha

Maniva preta

Maniva arroz

Manivas sem nome

Maniva nanicão

Maniva mata porco

Manivas de semente

Maniva arauari

Maniva antinha

Maniva caroço

Maniva índio

Mandioca Mansa Macaxeira preta

Macaxeira branca

Macaxeira roxa

Macaxeira vermelha

Fonte: Cardoso, 2008

54

Macaxeira manteiga

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Os quintais agroflorestais

Caroline de Oliveira Bruno Scarazatti

Na região amazônica, as comunidades locais desenvolveram sistemas integrados de subsistência envolvendo atividades como a pesca, a caça, os cultivos agrícolas de curto e longo prazo e a coleta de produtos vegetais. O quintal agroflorestal faz parte deste sistema cuja interação dos recursos naturais e o manejo dos mesmos respondem diretamente à necessidade das populações locais. Os quintais agroflorestais podem ser definidos por serem, “uma área de produção, localizada perto da casa, onde é cultivada uma mistura de espécies agrícolas e florestais, envolvendo, também, a criação de pequenos animais domésticos (galinhas, patos, porcos, gatos e cachorros) ou animais domesticados (paca, capivara, porco do mato)”12

É conhecido na Amazônia como “quintal”, “sítio”, “pomar”, “horta familiar” ou “terreiro”, sendo este último o nome pelo qual a maioria dos moradores do rio Cuieiras o chama. O quintal é também a área de lazer da família e de intercâmbio dos vizinhos. Um espaço onde as brincadeiras das crianças acontecem, e momentos

12

Ver Manual Agroflorestal da Amazônia, de Dubois (1996).

55

Diálogos Agroecológicos

de descontração e relaxamento são usufruídos por todos, sentados à sombra das árvores. A escolha das espécies plantadas num quintal agroflorestal pode ocorrer em função de diversos objetivos, sendo a produção de frutos para a alimentação um dos principais. Enquanto a roça garante os alimentos de base, como mandioca, milho, feijão entre outros, o quintal é responsável por uma alimentação complementar, fornecendo frutos ricos em vitaminas e sais minerais. A grande diversidade de plantas de uso múltiplo, característica dos quintais, garante a seus proprietários um papel significativo quanto à segurança alimentar. Isso porque a variedade de espécies cultivadas assegura um cardápio contínuo de alimentos ao longo do ano. Além das frutíferas, espécies de valor medicinal, ornamental, cultural e de uso na confecção de artesanatos, também, fazem parte deste mosaico de plantas. Portanto, são diversos os produtos gerados e consumidos de um quintal. Em alguns casos, a produção de excedentes pode até significar um ganho econômico extra, mesmo que pequeno. O quintal também funciona como um campo de experimentação de novas espécies e técnicas (propagação vegetativa, podas, enxertias, entre outras), as quais, por ventura, poderão ser utilizadas, em maior escala, em outras unidades de produção. É válido ressaltar a contribuição positiva dos quintais com a manutenção da fertilidade do solo, na medida em que melhora a eficiência do processo de ciclagem de nutrientes, por sua vez, estimulada pela deposição do lixo orgânico gerado pelo consumo dos moradores (restos de alimentos, cascas, ossos, cinzas). O quintal agroflorestal também presta serviços ambientais como proteção e conservação da estrutura física do solo, incremento e manutenção da biodiversidade local, entre outras vantagens quanto ao aproveitamento do espaço e 56

Rio Cuieiras, Amazônia Central

de recursos naturais como água, luz e nutrientes do solo, conforme observados por alguns autores.13 Nas comunidades indígenas e ribeirinhas do rio Cuieiras, os quintais agroflorestais se fazem presentes. A maioria de seus moradores cultiva seu quintal e demonstra dar grande importância para este espaço. Dentro deste contexto, o presente estudo objetivou realizar um levantamento e descrição dos quintais agroflorestais localizados no rio Cuieiras, estudando-se as principais espécies componentes destes sistemas, bem como a relação de uso por suas comunidades.

Diversidade cultivada Foram levantadas informações etnobotânicas em nove quintais agroflorestais, contabilizando um total de 43 famílias e 82 espécies. O número de espécies registradas em cada quintal variou entre 11 a 50 representantes. A família com maior número de espécies foi a Arecaceae (palmeiras), com 12 espécies registradas, seguida das Rutaceae e Myrtaceae, ambas com 5 representantes. Na sequência, as Solanaceae e Euphorbiacea aparecem com 4 representantes cada. O restante das outras famílias foi representado apenas por uma ou duas espécies. Do total de famílias registradas, 73% foram classificadas como alimento (Figura1). Nas Solanaceae, por exemplo, a maioria das espécies são herbáceas condimentares (pimentas). Das Euphorbiacea, foram registradas a macaxeira (Manihot esculenta) e mandioca (Manihot esculentum) para alimentação, pinhão-branco (Jatropha curcas) para uso medicinal e seringueira (Hevea sp) como espécie arbórea nativa de ocorrência natural (não plantada), classificada como outros usos. 13

Pinho (2008); Lok e Mendes (1998). 57

Diálogos Agroecológicos

As plantas utilizadas como temperos e condimentos, apesar de servirem como alimentos, foram classificadas à parte, como condimentares, totalizando 6% das espécies registradas. As plantas de uso medicinal somaram 11% do total, com diversos tipos de utilizações para combate às enfermidades. Outros tipos de usos, como obtenção de madeira, sombreamento, uso ornamental, ou mesmo àquelas espécies de ocorrência espontânea (não plantada) corresponderam a 11% do total de registros. Como exemplos de espécies espontâneas foram encontradas: Imbaúba (Cecropia sp.), Seringueira (Hevea sp.), Maçaranduba (Manulkara huberi) e Cumaru (Dipteryx odorata), todas estas aproveitadas para obtenção de madeira, mesmo que não tenha sido esta a intenção. Algumas espécies têm potencial para artesanato, como a Cuieira (Crescentia cujete), o Babaçu (Orbignya phalerata), Tucumã (Astrocaryum aculeatum) entre outras. Os moradores locais denominam também algumas espécies como “árvores do mato”, pois não relacionam a sua identificação com alguma utilidade ou uso específico. Dentre os quintais visitados, as espécies mais comumente cultivadas são: o Cupuaçu (Theobroma grandiflorum), em 100% dos quintais, o Açaí-do-pará (Euterpe oleracea), Cajuí (Anacardium giganteum), Ingá (Inga sp) e Pupunha (Bactris gasipaes), encontrados em 89% dos quintais. Em seguida, aparecem a goiaba (Psidium guajava), Jambo (Eugenia jambos), Manga (Mangífera indica) e Mari-mari (Cassi leiandra) em 79% dos quintais. O Biribá (Rollinea mucosa), o Cará (Dioscorea spp), a Castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), a Cebolinha (Allium cepa) e a Jaca (Artocarpus heterophyllus), também, foram encontrados em 67% dos quintais estudados (Tabela1). Das espécies cultivadas, as frutíferas são predominantes em 56% dos quintais. 58

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Diversidade de alimento ao longo do ano Segundo Dubois (1996), “um bom quintal deve fornecer produtos úteis o ano todo e, portanto, devem reunir um grande número de espécies e variedades, escolhidas de tal maneira que, em qualquer época do ano, a família possa colher no quintal alimentos, frutas e plantas medicinais”.

Para um bom planejamento de espécies que ofertem alimentos ao longo do ano, devem-se anotar os períodos de frutificação de espécies sazonais, criando um calendário que possa ser completado através do cultivo de espécies que produzam com maior frequência. A partir disso, foi constatado que as espécies frutíferas, principalmente as arbóreas, apresentaram as produções mais variadas ao longo do ano (Tabela 1). No entanto, mudanças no comportamento fenológico das árvores podem ocorrer ocasionalmente em função de variações climáticas ou no meio ambiente, por exemplo, assim como a seca ocorrida em algumas regiões amazônicas, em 2005. Tabela 5 – Principais espécies cultivadas nos quintais agroflorestais (excluindo medicinais e ornamentais) e época de frutificação e alimento.14

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Ananas comosus (L.) Merril.

Mar

Abacaxi

Épocas de Frutificação Fev

Espécie Jan

Nome Comum

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

14 Primeiramente, é preciso esclarecer que este levantamento foi feito com base em literatura e trabalhos de outros autores que estudaram plantas comestíveis na região Amazônica, e que o ideal seria realizar um estudo em diferentes épocas do ano para acompanhar a frutificação das espécies e avaliar a distribuição e oferta de alimentos de maneira mais real ao longo do tempo.

59

Diálogos Agroecológicos

Espécie Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Épocas de Frutificação

Nome Comum

Abacate

Persea americana Mill.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abiu

Pouteria caimito (Ruiz   & Pav.) Roem & Schult.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Abóbora

Curcubita pepo L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Açaí-daMata

Euterpe precatoria var. precatoria Martius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Açaí-dopará

Euterpe   oleracea Mart.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acerola

Malpighia glabra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Andiroba

Carapa guianensis Aubl

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Araçá

Psidium guineensis Swartz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Araçá-Boi

Eugenia stipitata Mc Vaugh

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

60

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Espécie Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Épocas de Frutificação

Nome Comum Araticum

Annona montana

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Azeitonado-mato

Rapanea ferruginea (Ruiz & Pav.) Mez

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Babaçu

Orbignya phalerata Martius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bacaba

Oenocarpus bacaba Martius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bacaba de Leque

Oenocarpus distichus Matius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bacabinha

Oenocarpus mapora Martius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Banana

Musa X paradisiaca

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bananamaçã

Musa x sapientum

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Batata Doce

Ipomoea batatas (L.) Lam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Biribá

Rollinea mucosa (Jacq.) Bail

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

61

Diálogos Agroecológicos

Espécie Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Épocas de Frutificação

Nome Comum

Buriti

Mauritia flexuosa Linneus filius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cacau

Theobroma cacao L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Café

Coffea spp.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cajuí

Anacardium giganteum   Hanc.ex Engl.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cana

Saccharum officinarum

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cará

Dioscorea spp.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Castanhado-Brasil

Bertholletia excelsa H & B.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cebolinha

Allium cepa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Chicória

Eryngium foetidum L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cubiu

Solanum topiro

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cuieira

Crescentia cujete L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cumaru

Dipteryx odorata (Aubl.) Willd

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cupuaçu

Theobroma grandiflorum (Willd. Ex. Spreng.) L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

62

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Imbaúba

Cecropia spp.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Feijão

Phaseolus vulgaris L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fruta-Pão

Artorpus altilis (sol.ex park.) Fosb

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Goiaba

Psidium guajava L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Graviola

Annona muricata L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hortelã

Menta spp

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Inajá

Maximiliana maripa (Aublet) Drude

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ingá

Inga sp

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Inhame

Dioscorea spp.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jaca

Artocarpus heterophyllus Lam.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jambo

Eugenia jambos L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jenipapo

Genipa americana L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jerimum

Curcubita spp.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jan

Espécie Fev

Épocas de Frutificação

Nome Comum

63

Diálogos Agroecológicos

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Laranja

Citrus sinensis   Osbeck

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Limão

Citrus limonia   Osbeck

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Limãogalego

Citrus aurantifolia Swingle, var.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maçaranduba

Manulkara huberi (Huber) Standl.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Macaxeira

Manihot esculenta Crantz.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mamão

Cacaria papaya L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mandioca

Manihot esculentum

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Manga

Mangífera indica L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Manguita

Mangífera indica L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maracujá

Passiflora sp

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Marimari

Cassi leiandra   Benth.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maxixe

Cucumis anguria L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jan

Espécie Fev

Épocas de Frutificação

Nome Comum

 

64

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Espécie Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Épocas de Frutificação

Nome Comum Milho

Zea mays

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Muirapiranga

Eperua schomburgkiana Benth.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pataua

Oenocarpus bataua var bataua Martius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pepino-do- Ambelania mato acida Aubl.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pimenta

Capsicum spp.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pimentade-cheiro

Capsicum sativum

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Piquiá

Caryocar Villosum (Aubl.) Pers.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pitanga

Eugenia uniflora L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pupunha

Bactris gasipaes kunth

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Seringueira Hevea sp

Tangerina

Citrus nobilis Lour, var. deliciosa

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Diálogos Agroecológicos

Espécie Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Épocas de Frutificação

Nome Comum

Tomate

Solanum lycoper-sicum.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tucumã

Astrocaryum aculeatum G. F. W. Meyer

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tucumã-i

Astrocaryum acaule Martius

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Urucum

Bixa orellana L.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Uxi

Duckesia verrucosa (Ducke) Cuatr.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com base nas espécies frutíferas mais cultivadas nos quintais, pôde-se perceber uma lacuna de possível escassez na produção entre os meses de maio a julho. A escolha das espécies e o manejo empregado pelo produtor são fundamentais para o suprimento alimentar ao longo do tempo. Plantas como a mandioca (Manihot esculentum), macaxeira (Manihot esculenta), abóbora (Curcubita pepo), cará (Dioscorea spp.), inhame (Dioscorea spp.), abacaxi (Ananas comosus), banana (Musa spp.), batata-doce (Ipomoea 66

Rio Cuieiras, Amazônia Central

batatas), entre outras, são bastante importantes para o suprimento alimentar. Isto demonstra que o proprietário do quintal pode planejar sua oferta de alimentos, consorciando espécies para obter colheitas o ano todo. Algumas espécies condimentares e medicinais oferecem maior oferta para seu uso durante o ano, como as pimentas (Capsicum spp.), cebolinha (Allium cepa), urucum (Bixa orellana), hortelã (Menta spp.), capim-cidreira (Cymbopogon citratus), boldo (Coleus barbatus), entre outras. Maior abundância entre estas categorias de uso pode ser justificada pelo método de uso, o qual ocorre muitas vezes pela extração de folhas, cascas, raízes, entre outras partes da planta.

Manejo dos quintais As áreas dos quintais estudados foram estimadas pelos seus proprietários durante as entrevistas, variando de 240 a 3.000m² (Tabela 6). Não existe uma limitação bem definida quanto ao tamanho dos terrenos, muito embora seja comum o fato dos quintais não excederem um hectare de área na Amazônia. A comunidade indígena de Três Unidos foi uma exceção quanto ao uso do espaço, onde o quintal apresentou-se como o maior de todos em relação aos demais quintais visitados (>10.000m2). Neste caso, o quintal serve para toda a comunidade (não havendo divisões), a qual deriva praticamente de uma única raiz familiar (Figura 12). As ocupações das terras ocorreram e continuam ocorrendo através de apropriação de posseiros em praticamente 100% dos casos. Os processos de legalização em nome dos proprietários, em geral, não existem ou estão em andamento. Cerca de 90% dos quintais era floresta quando os moradores se apropriaram das áreas, o restante era considerado como “capoeira”. A idade dos quintais variou entre 1 a 25 anos. 67

Diálogos Agroecológicos

Tabela 6 - Quintais visitados nas comunidades do Rio Cuieiras, área, número de espécies e idade dos quintais

Quintais estudados/ Comunidade

Área aproximada (m²)

Nº de espécies/ quintal

Idade dos quintais (anos)

Boa Esperança

700

18

4

Nova Canaã

2500

31

12

Nova Canaã

2800

50

6

Nova Esperança

2500

35

1

São Sebastião

750

23

11

São Sebastião

3000

32

26

São Sebastião

240

11

15

São Sebastião Três unidos

3000

22

25

> 10000

50

20

Fonte: Caroline e Cardoso (2006)

Nos quintais, 90% das famílias visitadas têm criação de animais. As criações mais comuns são galinhas, patos e cachorros. Quando perguntado sobre o plantio de plantas que não se desenvolveram, as mais citadas foram cacau e acerola devido à ocorrência de pragas. As formas de plantio mais comuns foram realizadas em 90% dos casos, por meio de sementes. Em seguida, 40% dos plantios foram feitos com estacas (ramos) e 5,5% foram realizados por outros meios, como pelo recebimento de mudas doadas, transplantadas, entre outras. Estas informações interagem com aspectos culturais, uma vez que foi verificada a presença de espécies vindas de outras regiões do país, revelando, em muitos casos, troca de materiais genéticos trazidos por famílias de imigrantes. Árvores frutíferas como Mangueiras (Mangífera indica), Jacqueiras (Artocarpus heterophyllus) e Jambeiros (Eugenia jambos), também, são exemplos de espécies exóticas que se adaptaram muito bem ao local e, hoje, apresentam grande importância na alimentação destas pessoas. 68

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Figura 12 – Quintal com presença de Casa de farinha Fonte:Thiago Mota Cardoso

Quanto às práticas de manutenção do quintal, foi constatado que 100% dos proprietários realizam a poda; 22%, eventualmente, fazem aplicação de produtos tóxicos para combater pragas ou doenças; 10% usam adubação química, mas 90% usam adubos orgânicos para melhorar a produção das espécies. Não existem orientações técnicas para estas práticas de manejo, as quais ficam a critério do conhecimento e bom senso dos proprietários para decidirem quando e como realizarem estas atividades. A prática de manutenção e “limpeza” dos quintais é comum entre os moradores. Todas as famílias entrevistadas fazem capinas anuais e retiram as folhas dos locais mais próximos à casa. Esta ideia está ligada principalmente à prevenção de acidentes com animais peçonhentos: “[...] estamos sempre cortando, podando galho pra fica mais bonito. É que a gente tem que corta mesmo as plantas, se não fica feio,... aquele coqueiro ele cortou, tava perigoso cair na nossa cabeça” (L., Boa Esperança). 69

Diálogos Agroecológicos

A prática de usar as folhas como adubo é comum. Em 90% dos casos, esta prática é realizada com a intenção de melhorar a produção e os aspectos físicos e biológicos das espécies: “[...] esses cupuaçus tão estragados por que eles não gostam assim no limpo [...] eu acho né. Porque aqui no quintal a gente varre tudo todo dia, vai [...] limpa. E eles não gostam. É tem que ser assim, folhas delas mesma no chão, porque é um adubo pra eles né” (O., Nova Canaã).

Os problemas mais comuns, observados por 20% dos entrevistados, com relação à presença de pragas e doenças, foram: formigas, vassoura-de-bruxa e erva de passarinho. Outros fatores limitantes ao cultivo nos quintais, constatados em 40% dos casos, foram relacionados à perda da qualidade do solo em razão da diminuição de fertilidade ocasionada por lixiviação, erosão e alagamentos nos períodos de chuvas. Estas informações contribuem para um entendimento geral sobre como é pensado e realizado o cultivo de plantas em quintais agroflorestais na Amazônia, desse modo, revelando características culturais, preferências de usos, sucessos e insucessos destas experiências. Este conhecimento, combinado com orientações técnicas, poderia trazer benefícios para a melhoria do planejamento da produção, resultando em benefícios para a subsistência familiar, qualidade do cultivo, maior oferta de alimentos, ou mesmo para a geração de excedentes, então, possibilitando a criação de alternativas econômicas e de complemento de renda.

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Plantas cultivadas

15

Thiago Mota Cardoso

Ao realizar uma intervenção na paisagem a fim de implantar uma roça, o agricultor ou agricultora estará construindo um espaço agrícola e, ao mesmo tempo, a riqueza de plantas cultivadas com as quais se relacionará. Esta prática realizada há séculos, na Amazônia, significou um processo coevolutivo (gente-paisagemplanta) com domesticação conjunta da paisagem e de muitas espécies de plantas úteis. A manutenção das plantas cultivadas nas roças, quintais e outros espaços tem o sentido ativo de geração, amplificação e manutenção da diversidade e, portanto, o seu manejo associa as populações indígenas e caboclas ao papel de mantenedoras e geradoras da diversidade de plantas. As plantas cultivadas possuem importância ímpar na vida das famílias do rio Cuieiras, são fontes de alimento, servem para embelezar a casa, espantar maus espíritos, fortalecer laços de amizade e para curar, além de poderem ser comercializadas e transformarem-se em fonte de renda.

15 Inspirado na dissertação de mestrado do autor, denominada “Etnoecologia, construção da diversidade agrícola e manejo da dinâmica espaço-temporal em roças indígenas do rio Cuieiras, Baixo Rio Negro” e no livro Cultivando Diversidade (no prelo).

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Diálogos Agroecológicos

A relação com as plantas pode ser definida como do tipo social/espiritual e não de sujeito/objeto. Um exemplo destas relações pode ser visto entre as agricultoras do rio Cuieiras e destas com as mandiocas e as roças, especificamente com a mãe da roça. Uma entidade ao mesmo tempo material e espiritual que determina relações, pensamentos e sentimentos na prática agrícola.

Percepção das plantas cultivadas As plantas cultivadas são identificadas e classificadas por suas propriedades morfológicas e atributos agronômicos, utilitários e mágicos, que fornecem as bases necessárias para a seleção das espécies e

Figura 13 – Variedades ou qualidades distintas de mandioca. Cardoso

72

Fonte: Thiago Mota

Rio Cuieiras, Amazônia Central

variedades, bem como para o manejo dos espaços agrícolas. Este sistema vem sendo construído individual e coletivamente de acordo com as experiências, aprendizados e interações culturais desenvolvidas ao longo das diversas histórias de vidas encontradas na área. O critério mais utilizado para a classificação e descrição das plantas cultivadas no rio Cuieiras integra a dimensão da inversão do trabalho humano sobre os vegetais e paisagem expresso na forma de como são cultivados, se plantados, semeados ou de forma espontânea e na proximidade com o espaço doméstico. Quanto maior a dependência da propagação/manutenção em relação ao ser humano, mais a planta é vista com proximidade ao meio doméstico. O grau de interação vai do espaço doméstico ao florestal. Assim, os agricultores distinguem as plantas cultivadas em três grupos: mato ou mato bruto, planta do mato e plantas. A categoria mato ou mato bruto envolve alguns vegetais que podem ser reproduzidos e manejados, porém que não dependem diretamente da mão humana para sua propagação e manutenção ao longo do tempo. Podendo, por isso, serem incorporados à roça espontaneamente, disseminados por aves, mamíferos ou insetos, transplantados da floresta ou protegidos durante a derrubada e queima da vegetação. Dentro desta categoria, encontramos os paus, mato, frutinhas do mato e cipó. As plantas do mato referem-se aos vegetais que podem ser retirados da floresta ou da capoeira e serem cultivados, entretanto não estão totalmente sob controle humano. São, por sua vez, ordenadas em famílias como as palmeiras e as fruteiras da mata. As palmeiras possuem grande importância no dia-a-dia das pessoas, sendo utilizadas, na alimentação, para fabricação de artesanatos e construção. As palmeiras da mata são transplantadas de unidades de paisagem como os chavascais, no caso do buritizeiro, da floresta, como o açaí-do-mato e a bacabeira, são mudados nos quintais e, depois, transplantados para o 73

Diálogos Agroecológicos

roçado. Outras palmeiras nascem sozinhas como o inajá e a bacabinha, e são protegidas do fogo durante a derrubada da capoeira e utilizadas como alimentação e artesanato. As frutas da mata correspondem principalmente a vegetais arbóreos, que são transplantados da floresta para serem cultivados, são árvores como o uxi, mari-mari, pequiá e baraturi, muito apreciados pelas suas frutas. As plantas, ao contrário das plantas do mato, são todos os vegetais domésticos de ciclo anual ou perene cultivados nas roças, quintais, terreiros, sítios e espaços experimentais. Os agricultores e agricultoras são sabedores que, em boa medida, estas plantas dependem da mão humana para o cultivo, manutenção e propagação, estando estritamente vinculadas aos domínios do espaço doméstico. Estas plantas possuem grande significado para as famílias, sendo consideradas como parte da casa, sendo percebidas, nomeadas e manejadas de forma individual ou em seu conjunto, considerando a história particular de cada planta, os aspectos agronômicos, a estética e o sentimento que produzem em quem a cria. Uma categoria importante de planta, porém pouco cultivada nas roças e muito cultivada nos quintais, são as plantinhas medicinais, compostas por um conjunto de ervas e arbustos como capim-santo, amor-crescido e urucu. O urucu também faz parte do grupo dos temperos, que inclui a cebolinha, chicória e coentro. O tucumã, a pupunha e o açaí-do-pará são considerados tipos de palmeiras que podem ser semeados, mudados e até protegidos na derrubada e queima da capoeira e são muito utilizados. A categoria que possui maior número de representantes é a das frutas, sendo composta pelos tipos fruta de batata e fruta de raiz. As frutas de batata correspondem aos tubérculos, como a batata-doce, o cará, a taioba, a mangarataia e o ariã, sendo consideradas parentes. As chamadas frutas de raiz são todas as plantas de porte arbóreo ou arbustivo portadoras de “raiz de verdade” e que dependem da mão humana para sua 74

Rio Cuieiras, Amazônia Central

existência. São geralmente selecionadas para formarem os espaços agroflorestais dentro do processo de sucessão da roça e são muito apreciadas para alimentação, medicina, atração de caça, adubo e sombreamento. As principais espécies deste grupo são a mangueira, abacateiro, cupuzeiro, biribá, jambo e graviola. Algumas frutas não fazem parte destas duas categorias como o cubiu e os ingás, muito utilizados para alimentação. As pimentas também são consideradas frutas, sendo cultivadas sete variedades tanto as ardosas quanto as mansas. As canas, as bananas, o mamoeiro e os feijões correspondem a grupos que não se inserem em nenhumas destas categorias. São consideradas plantas que se criam e possuem enorme importância na alimentação local. São cultivadas algumas plantas que podem ser consideradas mágicas, como os tajás, que possuem o poder de se transformarem em animais, e as plantas-da-roça, que podem cuidar do roçado para que as plantas cresçam bem. Segundo as mulheres indígenas, existem diversas qualidades e tipos de planta-da-roça, como o abano-da-roça ou espelho, que são cultivadas com o objetivo de arejar as plantas para que cresçam com força, o jabuti, que, cultivado no centro da roça, serve para dar força e produtividade no roçado. Algumas destas plantas são associadas a entidades espirituais, como a mãe-da-roça. Dentre as plantas cultivadas, a mandioca é a que mais se aproxima do meio de vida doméstico, tanto por sua preferência na culinária como pelos seus aspectos agronômicos e simbólicos. Existem dois tipos de mandioca: as mandiocas doces ou macaxeiras e as mandiocas amargas (Figura 13). A percepção desta diferença pode ser vista no seguinte relato: “A macaxeira é igual a mandioca, a diferença é que ela é branca e doce e a mandioca é amarga. Quer matar uma pessoa, cozinha a mandioca e dá, ela morre na horinha. Macaxeira não, o tucupi não é forte, é doce. Como eu sei quando é macaxeira e mandioca? Ela (a mandioca) não amo75

Diálogos Agroecológicos

lece, ela empedra, a mandioca pode ferver o dia todinho que ela não amolece, ela fica dura. Macaxeira pode ferver uma vez que ela espoca”.

A mandioca ocupa quase todo o espaço; enquanto a macaxeira, quando cultivada, fica apenas em um canto da roça. A identificação local das variedades de mandioca se apoia em critérios como a cor do tubérculo, tempo de maturação e resistência no solo e características das partes aéreas, atributos utilizados para identificação, seleção e organização das mandiocas no espaço cultivado.

O alimento na mesa A importância da mandioca para as famílias do rio Cuieiras está expressa na diversidade cultivada e nas formas de classificação desta espécie. Além disso, como nas demais áreas do rio Negro, o cultivo e processamento da mandioca brava é realizada de forma altamente engenhosa, tendo uma diversidade de produtos e subprodutos alimentares que fazem parte do cotidiano das famílias. O processamento da mandioca envolve a utilização de artefatos confeccionados de forma artesanal, como os paneiros, cumatás, balaios e tipitis elaborados com tala de arumã (Ischonosiphon spp.), aturás com cipó-titica (Heteropsis flexuosa) e abanos feitos com folha do tucum (Astrocaryum tucuma). Em algumas fases do trabalho, é utilizado um ralador movido a motor (caititu) e artefatos de madeira. O forno de metal é suportado em estrutura de pau-a-pique. A mandioca, após ser retirada do solo, é carregada em um aturá, que são cestos cargueiros levados às costas. Uma parte é levada ao rio ou a um tanque (caixa d’água) e deixada a amolecer, outra parte é levada à casa de forno para ser descascada. Para se produzir a farinha, primeiramente, descasca-se a mandioca brava. Ralam-se estas no caititu, que é um ralador com um cilindro de metal, que gira através de um motor movido a gasolina ou por tração manual. 76

Rio Cuieiras, Amazônia Central

A polpa ralada é espremida no cumatá, onde a manicuera ou tucupi escorre. Neste momento, também, é separada a goma ou tapioca através de decantação. O tucupi pode ser bem cozido, virando um líquido bem apreciado para cozinhar peixes e elaborar condimentos com pimenta. A massa ralada é misturada à massa de mandioca puba. Esta última é obtida colocando-se, como dito anteriormente, as raízes de molho na beira do igarapé próxima à residência ou à casa de forno, ficando de três a quatro dias. São retiradas, descascadas geralmente no local e trazidas à casa de forno. São esmigalhadas no ralo e misturadas à massa de mandioca ralada. Após este procedimento, a massa é posta no tipiti ou na prensa para secar. O tipiti é um tubo elástico trançado com arumã e a prensa é em forma de caixa onde se coloca a massa ensacada, que é pressionada por uma alavanca. O tipiti é pressionado pela mulher, quando vai saindo todo o líquido que estava misturado à mandioca puba. Seca a massa no tipiti ou na prensa, esta é esmigalhada e peneirada. A mulher vai colocando a massa e mexendo de forma circular para torrar a massa e fazer a farinha. Esta farinha é a preferida localmente e também pelo mercado local, a farinha é bem amarela. São produzidos outros tipos de farinha na região. Para fazer farinha seca a mulher pega a massa ralada e a espreme no cumatá, sem agregar água, até escorrer o tucupi e formar a goma. A massa é seca no tipiti e peneirada e, então, posta no forno sem misturar com a massa puba. É feita uma farinha fina utilizando-se apenas a tapioca. A farinha d’água é feita unicamente de massa puba. A massoca é uma farinha bem fina, que é feita de massa puba com pouca massa ralada. Após passar no tipiti, esta massa é colocada para moquear em cima do fogo. No dia seguinte, é retirada e colocada no forno para torrar. Esta farinha é utilizada em mistura com água, como uma bebida, ou no caldo do peixe. 77

Diálogos Agroecológicos

O beiju da tapioca é feito através da extração do tucupi da massa ralada. A goma depositada no fundo da vasilha é pego e colocada no forno aquecido, onde é mexida até encaroçar, juntamente com a tapioca. Depois, coloca-se a tapioca para torrar até dar a liga e formar um disco grande. O beiju pode ser servido cortado em pedaços, comido com peixe ou banana. Destacamos que são produzidas outras variedades de beijus. Tem um beiju que é feito enrolado na folha da bananeira, chamado de pé-de-moleque. Apesar de muitas mulheres ainda saber fazer o beiju para caxiri, como no alto curso do rio Negro (Ribeiro, 1995), esta prática não é mais realizada, pois o caxiri deixou de ser feito ritualmente. Outro alimento feito com a goma é o arubé. Um molho feito com a mistura de pimenta e goma da tapioca. Mujeca é o alimento elaborado com a farinha e tapioca. Neste é feito um ensopado de peixe engrossado com tapioca ou farinha, temperado com sal e um pouco de pimenta e consumido com beiju. Outro prato muito apreciado é o mingau. As mulheres muitas vezes fazem mingau de tapioca pela manhã. Há também o mingau de farinha puba e o mingau de banana. O tucupi ou manicuera é um líquido muito apreciado. Este pode ser engarrafado junto com pimenta ardosa ou de cheiro, dando um molho muito apreciado para comer com peixe assado ou cozido. Um prato especial, que raramente é feito na região, é a quinhapira. Um prato típico do alto rio Negro, que consiste em cozinhar peixe na água, misturando pimenta torrada, formando um molho bem apimentado. A quinhapira é servida com beiju. O chibé é uma bebida feita da mistura da farinha com água. É considerado o “refresco do rio Negro” ou como bebida para “matar a fome”, sendo servido durante a lida na roça ou coletivamente durante alguma reunião ou assembleia. Por fim, essas são algumas poucas receitas elaboradas pelas mulheres indígenas do rio Cuieiras, fruto do conhecimento 78

Rio Cuieiras, Amazônia Central

tradicional sobre as técnicas e preparação do alimento utilizando as muitas variedades de mandioca brava encontradas na região. Muitos outros alimentos, não registrados neste trabalho, envolvem a utilização de outras raízes, frutos, peixes, pimentas, dentre outros elementos da agrobiodiversidade. Diversas destas receitas podem estar se perdendo pela influência dos alimentos industrializados e hábitos de consumo urbano.

Relação entre a agricultora e a mandioca Algumas plantas cultivadas possuem um status muito particular, principalmente a mandioca, sendo que o manejo destas requer um conjunto bem definido de requisitos simbólicos para sua efetivação. Persiste uma forte interação entre as mulheres agricultoras e estas plantas, onde as primeiras protegem as plantas e proporcionam sua manutenção e propagação no espaço, além de protegê-las contra as plantas adventícias que crescem espontaneamente na roça; em troca, recebem uma boa produtividade e longevidade no sistema produtivo. Esta estreita dependência entre as plantas cultivadas e os que as mantêm permite estabelecer uma relação que vai além dos aspectos utilitários da alimentação. A mandioca está presente nos mitos e seu plantio exige cuidados especiais.

A narrativa dos Baré16 postula que a mandioca nasce de uma adolescente chamada Mani, que, após sua morte, é enterrada pela sua mãe e de seu corpo brota o “tronco” da mandioca, que passa a se chamar de maniva. Este surgimento não é visto como um gesto de tristeza, mas sim de recompensa por um tratamento dado. 16 A narrativa dos Baré sobre a origem da mandioca está registrada em livros e livretos escolares do Amazonas e tido como uma “lenda”. O mito da Mani é tido como de origem tupi (CÂMARA CASCUDO, 1954), sendo, provavelmente, inserido no alto rio Negro por missionários católicos, que aprenderam dos Pareci.

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Diálogos Agroecológicos

“As manivas nasceram da terra, de gente. Foi de uma índia esta maniva, ela foi uma índia, ai um dia ela adoeceu e morreu, dai outras pessoas enterraram ela, passaram quase seis meses e foram ver a sepultura, tinha nascido um pé de maniva encima da sepultura da índia, por isto agente chama direto de maniva, porque a índia se chamava mani. Maniva de mani, a índia mani morreu, aí tirava parte dela e espalhava. Isto foi aqui perto de Manaus mesmo. Antigamente não existia mandioca, só milho branco, depois que esta índia morreu apareceu a mandioca. Esta é a parte Baré. Para os Karapano eu não sei não. Eu não conversava com os velhos Karapano”. “O nome da maniva é mani. Filha do tuxaua. Ela é filha do tuxaua, que morreu e enterraram, aí quando enterraram começou a brotar a maniva dos olhos dela e, como o nome era mani, deram o nome do que brotou dos olho dela. A mani moça bonita, cunhãporanga. Lá para Santa Isabel tinha esta história. Tem gente que contava, mas eu não ligava, dizia que era mentira, mas não, é claro que é verdade né, mas não no nosso tempo”.

Mani se transforma na batata da mandioca e, com o tempo, cresce dela as manivas, vistas como parte de Mani, que vai ser guardada, protegida e propagada. Os processos envolvidos na propagação da mandioca encontram-se mediados por uma relação concebida entre sujeitos. A relação estabelecida entre a mulher e a planta, durante o plantio, os cuidados com a roça e o beneficiamento são pensados em um tipo de interação consanguínea entre mãe e filha. Falam em “criar” a mandioca “como se cria uma filha”. Segundo as agricultoras, a mulher deve cuidar das plantas como se cuida das crianças e dos adolescentes. Dá-se um nome, cuida-se, têm-se carinho. A noção do cuidado se mostra bem presente na perspectiva feminina. Conforme relatos obtidos, as adolescentes, desde cedo, aprendem as práticas e conhecimentos relativos às plantas cultivadas e, ao mesmo tempo, são 80

Rio Cuieiras, Amazônia Central

co-responsáveis no cuidado com os irmãos mais novos, no cuidado com o alimento e com o espaço doméstico. Esta noção de cuidados em relação aos filhos mais novos possui sua correspondência na relação que a mãe-da-roça possui com a mandioca e com outras plantas. A mãe-da-roça, também conhecida como dona da roça ou capuã (língua geral), é uma figura, no nível espiritual, que está presente nos roçados para criar as plantas e dar condições para seu crescimento, é a mãe e criadora das plantas. Para alguns indígenas entrevistados, o dono da roça seria São Tomé, uma figura masculina oriunda da influência do cristianismo dos colonizadores no pensamento indígena, que substituiu a figura espiritual indígena pela figura de um santo. Este mito sustenta que, em suas andanças por estas terras, o apóstolo São Tomé teria ensinado os índios a cultivarem a mandioca e a prepararem a farinha (HOLANDA, 2000; NOGUEIRA PINTO, 2002). Uma prática associada à figura da mãe-da-roça e que atualmente está em desuso é o banho das manivas. A agricultora, neste caso, pode colocar as manivas num paneiro ou num aturá17 e, após, banhálas com água morna. Desta forma, as mandiocas crescerão mais vistosas e darão mais batatas. Banha-se “como se faz numa criança”, dizem. Uma condição necessária para uma prática eficaz na agricultura e a uma boa produção é estabelecer uma relação direta, harmoniosa e permanente com a mãe-da-roça através dos cuidados estabelecidos com as plantas, durante o seu cultivo e propagação, como proteger e manter indivíduos frágeis, tentar manter variedades raras, evitar queimar os talos e folhas logo após o arranque ou evitar de deixar as manivas ao sol. A mulher também não pode entrar menstruada na roça, pois, ao invés da maniva crescer, vai pra baixo da terra. 17 Artefatos confeccionados com cipó ambé ou titica, muito utilizados para carregar manivas no plantio e as raízes na colheita.

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Diálogos Agroecológicos

Uma condição essencial na relação entre a agricultora com as plantas seria manutenção de condições individuais para um bom plantio, segundo relatos, “cada um teria uma mão para planta” e que diante disto algumas plantas dão bem para umas pessoas e, para outras, não. E, algumas vezes, não dão bem no primeiro plantio e é guardada para o próximo, pois, a depender da relação que estabelece com a mãe-da-roça, poderá ou não obter boa produtividade futura. Percebe-se, desta forma, que não se joga maniva fora por qualquer motivo, isto só deve ocorrer quando a mesma for plantada e replantada no mínimo duas vezes. São as relações de reciprocidade/troca que conformam a ecologia simbólica entre as mulheres indígenas do rio Cuieiras e as plantas cultivadas, principalmente a mandioca, num vínculo estreito entre pessoa e pessoa, entre sujeitos. Este modo de relação de reciprocidade pensada sobre as plantas pode ser identificado como do tipo animista que, como infere Descola (1996a), é um modo de conceber o mundo no qual os seres naturais, de aparências diferentes, são dotados de um princípio espiritual e atributos sociais próprios. De acordo com esta concepção, os humanos podem estabelecer relações de sociabilidade com essas plantas.

82

Rio Cuieiras, Amazônia Central

A floresta: Usos e Significados

Marilena Altenfelder de Arruda Campos Leonardo Pereira Kurihara

A floresta é a paisagem que predomina no rio Cuieiras e é muito importante para garantir a vida de todas as espécies. Os seres que estão ali vivem em dependência mútua entre si e com o ambiente. Da floresta vem o sustento e diversos alimentos como as frutas, as raízes, o mel e a caça que abastecem as famílias locais. As florestas fornecem também remédios e madeiras para construir casas, móveis, canoas e barcos. A floresta significa vida e garantia de vida para todos, por isso é importante para o homem conhecer seus recursos e possibilitar sua sustentabilidade. Além desses aspectos utilitários, a floresta tem um significado simbólico para os moradores dessa região. Nestas paisagens, vivem, além de animais e plantas, outros seres com os quais os moradores estabelecem diferentes tipos de relações, figuras ao mesmo tempo animais-espírito-gente, como os encantes, visagens e a curupira.

O mosaico de paisagens Quando pensamos na floresta, imaginamos logo uma mata, mas, na verdade, além da mata, a floresta é formada por um conjunto de diversas paisagens que são identificadas e diferenciadas pelos moradores do rio Cuieiras e são elas: 83

Diálogos Agroecológicos

As matas: compõem unidades de paisagens definidas pelos caçadores, como floresta de terra firme. A mata alta é percebida pela mata mais fechada, com pouco cipó e de grande porte, com árvores chegando a 40 metros. As principais espécies indicadoras são árvores como o roxinho, itauba, acaricoara, angelim, cumaru, sucupira, uxi coroa, uxi liso, piquia, bacaba marupá-branco, abiurana, cajuí, arabazeira, cedrinho, bacabinha e cipós, como o cipó titica, cipó d’água, cipó jabuti-escada. Algumas destas plantas, como o uxi e a bacaba, são transplantadas para os sítios e roças para cultivo. É a área propícia para a agricultura devido à estrutura florestal e aos tipos de solos, com predomínio dos tipos barro e areiusco. É onde mora ou transita a maioria dos animais. A mata baixa: é vagamente definida apenas como tendo um porte arbóreo mais baixo comparativamente ao da mata alta. Os igapós: (também chamados de várzea) são florestas alagadas que, durante a seca, permanecem fora d’água, e, no pico da cheia, estão completamente alagadas, formando um solo que é um barro meio enlameado. As frutas do igapó, como o macucu e japiranga, servem de alimento para os animais como paca, tatu, veado etc. A vegetação chamada queimado refere-se ao igapó que passou por incêndios antropogênicos devido às folhagens e raízes secas presentes no solo, no tempo em que se fabricavam carvão na região para venda. A caatinga: os solos são arenosos, não se prestando para agricultura e a vegetação é de menor porte se comparada à mata alta. As árvores são mais finas. Caracterizada pela presença da árvore chamada Breu. A campina: possui vegetação predominante de gramíneas com arbustos baixos. Dá-se o nome de caranazal e arumazal às subunidades paisagísticas da campina, respectivamente em referência à presença dominante da palmeira caranã e do arumã, extraídos para a construção das casas e fabricação de artefatos domésticos e 84

Rio Cuieiras, Amazônia Central

artesanais. Tirirical e arrozrana referem-se a campina com predominância de capins. Já a campina alta apresenta árvores de menor porte com cerca de dez metros. As restingas: a vegetação é mais alta do que na campina, com cerca de dez a vinte metros e o solo é arenoso e mais compacto. A restinga pode ser subdividida em restinga alta e restinga baixa. Esta alaga em qualquer enchente e a vegetação é mais aberta, enquanto na alta a vegetação é mais fechada. O chavascal: corresponde aos charcos, às áreas permanentemente alagadas. São paisagens situadas nas margens dos igarapés em áreas próximas às cabeceiras. A vegetação é mais baixa e aberta do que na mata alta, predominando como espécies indicadoras o tarumã, samambaias, palha branca, bussú, buriti e patauá. Estas quatro últimas dão nome às subunidades palhau, bussuzal, buritizal e patauazal. O solo arenoso enlameado do chavascal é alagado intermitentemente e possui pequenos córregos. É o ambiente preferido para se caçar antas e pacas. Em virtude da característica do solo, esta paisagem não é considerada boa para a agricultura. Também, existe uma percepção das mudanças na paisagem, como no caso da sucessão ecológica. Uma área de roçado, hoje, transforma-se em sítio ou capoeira após o término da colheita e, com o passar do tempo, a capoeira se transforma em floresta novamente; modificando a classificação da paisagem. Essa percepção dos moradores sobre a heterogeneidade espacial indica a existência de formas de classificação das áreas ecológicas, desse modo, revelando um modelo nativo de compreensão da paisagem estreitamente relacionado aos saberes sobre a floresta. Cada uma dessas paisagens percebidas se distingue por apresentar um conjunto integrado de atributos localmente percebidos, tornando, assim, a identificação da paisagem uma construção coletiva e individual que depende da construção simbólica e da história de 85

Diálogos Agroecológicos

socialização das pessoas com o ambiente, ou seja, de experiências e vivências de cada morador ao longo do tempo.

Usos da floresta Recursos Vegetais18 A coleta e o extrativismo de espécies vegetais são importantes componentes do sistema de produção que, associados à agricultura de corte e queima, à caça, à pesca e à pequena criação, contribuem significativamente para o sustento e vida cotidiana das famílias locais, fornecendo complementos alimentares, essências da farmacopeia e dos materiais que servem para construção das casas, do mobiliário e utensílios. Entende-se que o extrativismo e a coleta dependam de duas lógicas econômicas diferentes, a primeira regulada pelo mercado externo e a outra pelas necessidades da unidade doméstica. Neste contexto, designa-se o termo extrativismo aos sistemas de exploração dos produtos florestais destinados ao comércio regional, nacional e internacional; e as atividades de coleta aos produtos limitados ao consumo familiar e/ou a troca. A área do rio Cuieiras apresenta uma história de intensa exploração madeireira, seja por ter afetado as populações de espécies de alto valor econômico não-madeireiro e, portanto, o uso destas pelas comunidades locais. A área é caracterizada por uma alta diversidade específica, porém, aparentemente, apresenta uma baixa densidade de espécies úteis. O extrativismo na região ocorre principalmente visando a atender a demanda madeireira da cidade de Manaus. Atualmente, esse extrativismo se resume a três formas: através do beneficiamento 18 Designa-se o termo extrativismo aos sistemas de exploração dos produtos florestais destinados ao comércio regional, nacional e internacional; e as atividades de coleta aos produtos limitados ao consumo familiar e/ou a troca.

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

da madeira, atividade conhecida popularmente como “madeira serrada” (pranchas, tábuas e compensados); com a venda de varas (árvores jovens utilizadas como pau-escora na construção civil); e na retirada de madeira para confecção do espeto, um utensílio muito utilizado na região como acessório da culinária; cada atividade com grau diferenciado de intensidade de extração. Dentre as atividades extrativistas desenvolvidas na região, a prática da “madeira serrada” é a mais lucrativa. Segundo relatos de madeireiros locais, a madeira e seus derivados: pranchas, tábuas e compensados são amplamente comercializados, gerando fluxos monetários consideráveis. Na maioria das vezes, essas atividades são coordenadas por empresários de serrarias de Manaus ou donos de barcos, que enviam suas embarcações e, muitas vezes, “serradores” para retirada da madeira, utilizado-se mão-de-obra local barata para o trabalho “pesado”. A madeira serrada sempre foi uma atividade muito praticada na região, os madeireiros afirmam que, hoje, as árvores de maior porte e de interesse econômico se encontram cada vez mais no centro da floresta, estando mais difíceis e raras de serem encontradas. Neste sentido, a exploração da madeira começa a ocupar o espaço das tradicionais formas de acesso aos recursos da biodiversidade e da agrobiodiversidade. Gerando uma perda do etnoconhecimento e, por conseguinte, uma diminuição ou abandono completo das práticas agrícolas, que são importantes elos para segurança alimentar e autossuficiência das famílias locais. Apesar de poucos registros de extrativismo não-lenhoso, é comum, na região, a atividade de coleta de produtos destinados ao consumo familiar e/ou troca local. Comumente praticada nas florestas de terra-firme, capoeiras ou antigos sítios, a coleta é uma atividade bastante realizada pelas comunidades. Suas práticas dependem de vários fatores, como calendário de trabalhos agrícolas, força de trabalho disponível, situação financeira e preferências individuais. A coleta é um importante componente do sistema de produção que associa a agricultura de corte e queima à caça, à pesca e, às 87

Diálogos Agroecológicos

vezes, à pequena criação e contribui significativamente para a vida cotidiana das famílias locais. Esta atividade demonstra causar um impacto ambiental. Tabela 7 – Espécies vegetais utilizadas para coleta e extrativismo

Nome Local

Nome Científico

Partes Utilizadas

Ambiente

Açaí do mato

Euterpe precatoria

Frutos

Mata e Capoeira

Bacaba

Oenocarpus bacaba

Frutos

Mata e Capoeira

Buriti

Mauritia flexuosa

Frutos

Buritizal

Breu

Protium heptaphyllum

Resina

Mata

Castanha

Bertholletia excels

Sementes

Mata e Capoeira

Mari

Poraqueiba sp.

Frutos

Mata e Quintal

Pajurá

Couepia bracteosa

Frutos

Mata

Patauá

Oenocarpus bataua

Frutos

Patauazal

Piquiá

Caryocar villosum

Fruto/ Semente

Mata

Uixi

Endopleura uchi

Fruto

Mata

Cipó-titica

Heteropsis spp.

Raízes aéreas

Mata e Igapó

Bussu

Manicaria saccifera

Folhas

Igapó e Restinga

88

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Local

Nome Científico

Partes Utilizadas

Ambiente

Angelim

Hymenolobium sp

Tronco

Mata

Cedro

Cedrela sp. 

Tronco

Mata

Cedrinho

Erisma uncinatum 

Tronco

Mata

Copaíba

Copaifera spp.

Oleo

Mata

Itaúba

Mezilaurus itauba

Tronco

Mata

Louro

Ocotea sp

Tronco

Mata

Pau -roxinho

Peltogyne venosa spp

Tronco

Mata

Matá Matá

Eschweilera apiculata

Tronco

Mata

Acariquara

Minquartia guianensis

Tronco

Mata

Fonte: Caroline e Cardoso (2006)

Os animais A maioria das espécies da fauna mora ou transita pela floresta, são inúmeros animais de pelo e de pena que se alimentam e se abrigam por lá, como o coatá, o tatu canastra, a onça, o tamanduá bandeira, tucanos, araras, sem esquecer também dos insetos, das cobras, do jabuti e, claro, do curupira. 89

Diálogos Agroecológicos

Quem é o curupira? “O curupira é a mesma coisa que a mãe da mata, ela que é a chefe da mata, chefe dos animais, porque se ela quiser faz a gente se perder, não deixa a gente matar nada, o cara passa e não encontra. Se o cara não apronta, ela não mexe não, pode até vê, mas não mexe não. Ela é dona da mata, das caças” (frase de um caçador).

Muitos dos animais da floresta são caçados pelo homem para alimentação e também para o preparo de alguns remédios. Ao longo de um ano de estudo, foram registradas as espécies e o número de animais capturados por 19 caçadores do rio Cuieiras, totalizando 681 animais caçados (Tabela 8). Sendo que as principais espécies foram a queixada, a paca, a cutia e os tatus. Tabela 8 – Principais animais caçados no rio Cuieiras

Nome popular

Nome científico

No de capturas

Queixada

Tayassu pecari

174

Paca

Agouti paca

163

Cutia

Dasyprocta aguti

74

Tatu

Gêneros Cabasous e Dasyous

51

Jacaré-tinga

Caiman crocodylus

28

Guariba

Alouatta seniculus

26

Catitu

Pecari tajacu

25

Mutum

Mitu sp.

23

Jaboti

Geochelone carbonaria

19

Jacu

Penolope jacquacu

14

Nambu

Tinamidae

13

Jacaré-açu

Melanosuchus niger

10

Veado

Mazama spp.

9

Anta

Tapirus terrestris

7

90

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome popular

Nome científico

No de capturas

Jacamim

Psophis leucoptera

6

Macaco-prego

Cebus apella

6

Tucano

Ramphastos sp.

6

Arara

Ara sp.

5

Papagaio

Amazona sp.

5

Cuxiu

Chiropotes satanás

4

Quati

Nasua nasua

3

Maguari

Ciconiidae

2

Mergulhão

Podicipediformes

2

Aracuã

Ortalis sp.

1

Coatá

Ateles paniscus

1

Gavião

Accipitridae

1

Maracajá

Leopardus pardalis

1

Pato-do-mato

Cairina moschata

1

Parauacú

Phitecia pithecia

1

Total

-

681

Fonte: Arruda Campos (2008)

A floresta é um espaço frequentado principalmente por homens e é visitada regularmente, ao longo de todo o ano, para a caça e extração de madeira. Neste espaço, é comum realizar esperas em frutíferas e caçar animais que o caçador já desconfie que estejam no local. Quando a caçada vai ser realizada nas matas de terra firme, o caçador percorre normalmente uma trilha pré-existente. Nestas caçadas, o percurso é feito a pé e o caçador já sabe a caça que deseja matar antecipadamente pelo rastro ou cheiro do animal. Porém, no Cuieiras, dificilmente, o caçador vai até o “centro da mata”, que fica 91

Diálogos Agroecológicos

a uma distância de duas a três horas de caminhada, não percorrendo mais do que 30, 40 minutos dentro da mata. O extrativismo realizado no rio Cuieiras (seja animal ou vegetal) não é uma atividade “irracional”, pelo contrário, o acesso aos recursos naturais envolve muita disciplina, às vezes, normas e está submetido a uma economia simbólica de acesso à natureza. A relação que os moradores estabelecem com os animais não é apenas de subsistência, e sim uma relação vital, cheia de significados, valores e interesses. Os animais e também as plantas são mais do que recursos da natureza, há uma relação simbólica, onde se destaca a presença de um “dono dos bichos”, o curupira. Dessa forma, os pressupostos nativos trabalhados no rio Cuieiras sustentam que as relações estabelecidas entre e pelos moradores com os animais estão inseridas sobre bases cosmológicas, que sustentam um processo mais amplo de socialização da natureza pela cultura, evidenciado na maneira em como os moradores identificam e se relacionam com os animais. Os moradores aplicam categorias sociais (características do convívio entre as pessoas) para pensar e significar a relação entre humanos e não-humanos. Além disso, também apresentam influências do naturalismo ocidental, presente na educação escolar e religiosa que muitos tiveram acesso e na vivência que alguns moradores tiveram em Manaus, depois que saíram de suas terras e no convívio exclusivo de suas comunidades. O fato dos animais estarem sob a proteção da “mãe da mata” torna a relação que os caçadores estabelecem com esses animais uma espécie de tentativa de acordo de estabelecer laços de afinidade e reciprocidade com o Curupira. O comer não necessariamente significa um ato predatório no sentido cosmológico, mas pode ser uma troca que implica a atividade de caça ao cumprimento de determinados cuidados e regras, como não 92

Rio Cuieiras, Amazônia Central

comer comida requentada, não caçar muito, não caçar quando tem sonho ruim etc. Os moradores atribuem aos animais características humanas. Assim, o animal também possui alma, espírito e intenção. A importância que isso assume é percebida no conjunto de regras que são seguidas com a finalidade de evitar que certas situações desagradáveis ocorram, como no caso dos tabus demonstrados a seguir: Tabela 9 – Principais tabus encontrados entre os caçadores do rio Cuieiras

Espécie

Explicação do tabu

Condições

Preguiça

O comportamento vagaroso pode causar lentidão em quem a come.

Qualquer pessoa.

Tamanduá bandeira

O macho pode ser o curupira

Qualquer pessoa

Mambira

Muito pitiú (cheiro ruim).

Qualquer pessoa

Parauacú

Provoca assadura no bebê.

Pós-parto.

Faz mal para o bebê. “Vinga” na criança

Gravidez, pósparto.

Carne “reimosa”.

Infecção, malária, doenças

Anta, macacos, queixada, paca. Paca

Fonte: Arruda Campos (2008)

Os tabus encontrados revelam uma intricada concepção epistemológica (ontológica e cosmológica) nativa e indicam maior vínculo com os aspectos simbólicos do que com os conceitos adaptacionistas (Tabela 9), podendo estar relacionados indireta93

Diálogos Agroecológicos

mente com a conservação, pois acabam limitando a pressão de caça sobre determinadas espécies.

A floresta humanizada No plano classificatório, as unidades de paisagens do rio Cuieiras podem ser organizadas em três esferas, basicamente: o espaço habitado pela família, que compreende a casa e sua extensão, as roças, quintais, capoeiras, casa de forno e o espaço habitado coletivamente, como as comunidades; os espaços florestais, que são como a mata alta, campinas, chavascal etc., os espaços aquáticos, como o rio, igarapés, lagos e sua parte mais profunda. Assim como na classificação dos animais e das plantas cultivadas, observa-se um gradiente de acordo com o grau e socialização destes espaços. Todos estes devem ser compreendidos como sociais na medida em que elementos da práxis humana, sejam simbólicos, políticos, de gênero, históricos e condutas, estejam em operação. Os habitantes do rio Cuieiras veem a residência e seus prolongamentos como o espaço de socialização por excelência. Na roça, é cultivada uma alta diversidade de plantas, muitas destas retiradas da floresta. A roça é o palco de interações entre as mulheres com a mandioca e a figura mítica da mãe-da-roça. É o espaço da reciprocidade, em oposição ao espaço da predação, que é a floresta. Esta última é vista como um lugar bruto, tomado de perigos e acessado com temor. Nestas paisagens, vivem, além de animais e plantas, outros seres, figuras ao mesmo tempo animais-espírito-gente, como os encantes, visagens e a curupira. Esta, por sua vez, é considerada como mãe-das-caças. As profundezas das águas também são percebidas como os espaços onde vivem, além dos peixes e outros animais, os encantados e organismos vorazes, como a cobra-grande e peixes medonhos. 94

Rio Cuieiras, Amazônia Central

No Cuieiras, não se encontram figuras míticas que teriam criado/cultivado o que chamamos de floresta. Esta, juntamente com os animais e vegetais, foi criada pelo Deus cristão. Porém, muito destes seres mantêm elementos que permitem estabelecer laços sociais com os humanos. Em todas as unidades de paisagem, ocorrem processos intersubjetivos de socialização de diversos tipos entre humanos e destes com não-humanos. Uma desta se dá entre o caçador e o curupira, na floresta, e entre a mulher e a mãe-da-roça, que geram condutas e regras, como visto em Cardoso (2008) e Arruda Campos (2008). Outro tipo de relação decorre da noção de manso e brabo, em todos os espaços, pode haver seres mansos e brabos. O posicionamento de um humano ou de um não-humano a uma das duas categorias vai decorrer da relação do classificador com o “outro”, uma relação de identidade e alteridade. Desta maneira, pode-se dizer que, no rio Cuieiras, não persiste no pensamento nativo uma imperativa concepção dualista entre natureza e sociedade, sendo esta um objeto estático a serviço da segunda. Ao contrário, a natureza é vista, pelos grupos sociais locais, como parte da vida social, e não como externa e oposta a esta. Pode-se afirmar, como metáfora, que o habitante do rio Cuieiras caminha pela floresta da mesma forma que um cidadão urbano caminha entre prédios e automóveis, percebendo os elementos da paisagem como familiares e portadores de alguma sujeição no mundo. Utilizada neste texto como forma de diálogo com a ecologia, a noção de paisagem é substantivamente produzida pelos sujeitos sociais do rio Cuieiras, portanto não é um conceito e nem uma realidade dada a priori. O que está em jogo são epistemologias distintas, o que nos convida a qualificar o diálogo entre os conhecimentos tradicionais e aqueles da ciência ecológica sobre outros patamares. E isto é relevante quando tratamos de realizar tentativas de diálogos 95

Diálogos Agroecológicos

intercientíficos e interculturais durante projetos de etnodesenvolvimento ou de conservação da biodiversidade, que, muitas vezes, não têm sucesso justamente porque os saberes tradicionais não são levados a sério em sua completude e complexidade. O contexto do rio Cuieiras nos leva a concluir, ainda, que persiste uma noção de paisagem como sendo produzida pela cultura. Esta forma de percepção está ligada à forma como estes veem o mundo, em particular, quanto às relações humanas e dos humanos com os não-humanos. É importante salientar que, apesar das formas comuns de conceber a paisagem, as distintas trajetórias históricas da região resultam em distintas formas de acessá-la, questão que exige melhores estudos.

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Educação agroecológica e socioambiental

Mariana Gama Semeghini

As mulheres desempenham papel fundamental na agricultura e manejo dos recursos naturais, estando associados conhecimentos que desenvolveram e mantêm sobre diversidade, plantio, colheita, uso e beneficiamento das plantas cultivadas. Em um encontro da Food and Agriculture Organization (FAO), a agrobiodiversidade foi apontada como um dos recursos mais importantes que as comunidades indígenas e tradicionais têm controlado e acessado, destacando-se o papel crucial que as mulheres desempenham, conservando as sementes, os saberes e, na culinária local, sendo chamadas de “parceiras na conservação da agrobiodiversidade” devido à importância que assumem no contexto global de segurança alimentar19. A manutenção do conhecimento e das práticas culturais na agricultura podem significar efetivamente uma melhoria na segurança alimentar, pois promovem a produção de agrobiodiversidade por processos agroecológicos intrínsecos, onde prioriza-se o consumo familiar. Justamente na Amazônia, porém, a erosão genética e dos conhecimentos tradicionais tem sido acelerada nas últimas décadas20. As populações indígenas e tradicionais, detentoras e geradoras da maior parte dos recursos fitogenéticos na Amazônia brasileira, 19

Ver Jianchu e Yongping (2002).

20

Emperaire (2002).

97

Diálogos Agroecológicos

sofrem cada vez mais sob a influência de dinâmicas como a invasão de terras, integração no mercado, desenvolvimento de uma agricultura periurbana, mudanças de hábitos alimentares, escolarização infantil uniformizada e especialização produtiva. Esses fatores causam erosão em seus sistemas de produção local e nas formas de seleção e de gestão dos recursos biológicos associados. No rio Cuieiras, a exploração madeireira contribui para a erosão dos conhecimentos etnobotânicos e das práticas tradicionais de manejo da floresta. A especialização produtiva desvia parte da mão-de-obra familiar fazendo com que a agricultura seja abandonada, com isso contribuindo com a insegurança alimentar. Uma estratégia viável para manter a agricultura e a agrobiodiversidade na região pode ser o fortalecimento de grupos de mulheres e a comercialização em mercados de produtos agroecológicos. Portanto, vincular a produção da agricultura familiar e todo este conjunto de práticas e conhecimento à geração de renda, o que incentiva as mulheres e agricultores a se voltarem para os espaços agrícolas, enriquecendo-os com maior diversidade de plantas e variedades. Este fator pode reverter a situação relatada precedentemente.

Proposta conceitual Nas últimas décadas, diversas iniciativas vêm sendo criadas e desenvolvidas com o intuito de construírem-se formas alternativas de desenvolvimento, que valorizem e incorporem as especificidades regionais, que incluam os agroecossistemas e a cultura, pautadas em relações sociais justas, conservação ambiental e na participação da sociedade civil e das comunidades locais. Muitas destas iniciativas estão relacionadas a produtos da sociobiodiversidade, que são gerados a partir da biodiversidade e vinculados ao conhecimento tradicional e base cultural das comunidades locais. Esse novo momento indica condições oportunas para 98

Rio Cuieiras, Amazônia Central

a diversificação da base produtiva regional, além de estimular a geração de trabalho e melhorar a distribuição de renda, bem como qualificar profissionais na região amazônica. Sua importância aparece como vital para se contrapor aos padrões tradicionais de desenvolvimento que se impõem na região. As organizações de grupos de agricultores, extrativistas, artesãos e mulheres, em sua maioria, visam ao desenvolvimento dos sistemas agroecológicos e agroflorestais e ao uso sustentável dos recursos da sociobiodiversidade, que envolve não causar impactos na paisagem, aproveitamento das potencialidades locais através da identificação de cadeias produtivas da economia familiar, valorização do conhecimento tradicional e sua integração a novas tecnologias de sistemas produtivos, fortalecimento da organização social, das redes de produção, beneficiamento e comercialização. Os grupos de mulheres com iniciativas de geração de renda vêm se destacando como uma possibilidade de desempenhar papel marcante em busca do desenvolvimento local ao apropriarem-se de um espaço de negócio que se denominou “negócio sustentável”, apresentando uma relação importante com a manutenção da biodiversidade, identidade territorial e formas de aproveitamento dos recursos naturais existentes, sem,

Figura 14 – Coletividade. Foto: Arquivo IPÊ

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Diálogos Agroecológicos

no entanto causar grandes impactos ambientais. Esta proposta de desenvolvimento consiste na construção de uma identidade comum entre os atores sociais que valorize os produtos e serviços da sociobiodiversidade e busque transformações nas relações produtivas e nas relações sociais dentro de um espaço rural determinado, visando à melhoria das condições de vida e autonomia das populações rurais. Importante frisar que a chave para a construção de um desenho territorial que se traduza efetivamente em uma unidade de desenvolvimento é o protagonismo local, a partir do fomento ao empreendedorismo, constituição e fortalecimento de redes de atores locais capazes de liderar o processo de mudanças. No processo de organizações, o passo inicial é consolidar a base da organização comunitária, trabalhar valores de coletividade (Figura 14), união e cooperação por meio de uma metodologia que almeje o protagonismo e autonomia das populações locais, dentro do arcabouço teórico-metodológico da agroecologia. O próximo passo, cujo processo pode ocorrer de forma concomitante, consiste na formação e capacitação de técnicas de produção, aquisição de equipamentos, conhecimento em gestão, informática, contabilidade, mercado, economia solidária e desenvolvimento do produto.

Metodologia de trabalho A linha de ação adotada pelo IPÊ com os diversos grupos sociais (comunidades, mulheres, agricultores, artesãos), no baixo rio Negro, busca fortalecer suas organizações produtivas e desenvolver produtos da agrobiodiversidade, aliados à identidade territorial, conservação ambiental, segurança alimentar e melhoria da qualidade de vida das famílias, voltados à comercialização com base na economia solidária. A metodologia utilizada para alcançar estes objetivos é participativa e construtiva, prevalecendo o diálogo entre o conhecimento 100

Rio Cuieiras, Amazônia Central

tradicional e conhecimento técnico/científico, valorização do conhecimento local e empoderamento destes grupos. São usadas técnicas de sensibilização, mobilização, integração e organização dos grupos em conversas informais, reuniões, diagnósticos e planejamentos participativos, oficinas, atividades lúdicas, dinâmicas e intercâmbios. Portanto, a relação com estes grupos está baseada na parceria, no caminhar coletivo e participativo, em um processo cujos grupos se apropriam, empoderam e são protagonistas desta construção. Com isso, quebra-se a forma assistencialista, hierárquica e/ou de imposição de modelos e projetos predominantes nas relações instituição e comunidades. Percebe-se que este pensamento assistencialista foi também incorporado pelas próprias comunidades, quando esperam que as instituições que se aproximam venham ensinar tudo, trazer tudo pronto, “mastigado”, os materiais, técnicas, mercado consumidor etc., partindo-se do princípio de que não tem conhecimento e não são capazes de se organizar. Inicialmente, esperava-se do IPÊ uma postura assistencialista, de levar às comunidades materiais, equipamentos e técnicas, estabelecendo a relação assistencialista, o que, em um primeiro momento, pode ter representado certa resistência e desconfiança. No entanto, o que se pretende alcançar com a metodologia participativa é a autonomia e empoderamento das comunidades e dos grupos, e não criar uma dependência destas com a instituição. Durante o processo, os grupos entenderam o papel do IPÊ e a proposta de parceria e diálogo.

Artesãos A venda de artesanato constitui a principal fonte de renda nas comunidades indígenas Três Unidos e Nova Esperança. Estas comunidades trabalham com artesanato desde 2003 e o grupo de artesãos é composto por homens, mulheres e jovens. O artesanato é simples, constituindo-se basicamente de colares, brincos, pulseiras com sementes e alguns produtos com fibras. Algumas mulheres detinham o 101

Diálogos Agroecológicos

conhecimento sobre o artesanato e repassaram ao grupo, comercializando com alguns grupos de turistas que recebem periodicamente. A comunidade Nova Esperança mostrou interesse em criar uma associação para receber recursos destinados ao desenvolvimento de projetos para a comunidade e comercializar o artesanato (Figura 15). No entanto, não tinham conhecimento sobre os procedimentos para formalizar uma associação. O IPÊ assessorou este processo, que envolveu reuniões comunitárias, elaboração de projetos em conjunto, oficinas sobre associativismo e elaboração de estatuto, bem como intercâmbios com outras associações comunitárias de artesãos em Novo Airão. Foram, para tanto, elaborados e aprovados dois projetos junto à coordenação de agroextrativismo do MMA com a comunidade. O primeiro foi executado em conjunto entre a comunidade e o IPÊ, no segundo semestre de 2008, e teve o objetivo de subsidiar a organização da comunidade para a criação da associação. O segundo projeto visa ao aprimoramento do artesanato e organização, por meio de oficinas de capacitação; aquisição de equipamentos para beneficiamento de sementes e intercâmbios.

Figura 15 – Produção de artesanato. Fonte: Marilena A.A.Fampos

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Grupos de mulheres Desde o início da atuação do IPÊ nas comunidades, verificouse a necessidade de se estimular a organização social, e este fator foi apontado como demanda pelas mesmas. Em duas comunidades, São Sebastião e Nova Canaã, houve grupos de mulheres, chamados de “clube de mães”, que foram ativos e possuíram espaços próprios dentro da comunidade com o intuito de trocar conhecimentos e experiências; produzir alimentos, artesanato e costura, para suas famílias, eventos na comunidade e comercialização; fortalecer amizades. No entanto, estes grupos desmobilizaram-se e diluíram-se, principalmente pelo desinteresse em trabalhar em conjunto. A atuação do IPÊ na região focou-se inicialmente em estimular e incentivar a reativação destes grupos, a partir de uma demanda apresentada pelas mulheres. Em um primeiro momento, estas reuniões buscaram identificar demandas e aspirações, definir o objetivo do grupo, por que e qual a vantagem em se organizar desta forma, como seria esta organização e relacionar produtos que poderiam ser confeccionados pelo grupo. Nesta questão, foram avaliadas: a disponibilidade dos materiais, afinidade e conhecimento das mulheres vinculados às técnicas de produção, demanda deste produto no mercado local, onde se destaca o potencial para o turismo. Os produtos indicados foram relacionados à culinária regional (pratos típicos, doces, geleias, bombons), artesanato (com sementes e fibras), costura e bordados em panos/camisetas. Foi apontado que alguns destes itens necessitariam de capacitação externa, porém, muitas mulheres têm conhecimento. Na comunidade Nova Canaã, as mulheres optaram por trabalhar com crochê nas bordas de panos de cozinha, pois era um dos itens produzidos no período em que o clube era ativo. Embora não se 103

Diálogos Agroecológicos

apresente como um produto direto da agrobiodiversidade, consistiu um importante passo inicial para a mobilização e organização do grupo. As mulheres que detinham mais experiência e conhecimento da técnica repassavam às outras e às jovens que se inseriram ao grupo. Passaram a comercializar na própria comunidade e em outras próximas. Assinalamos que havia um recurso inicial proveniente da venda do espaço do clube quando este foi desativado, e uma parte foi investida na aquisição de linhas e panos. Uma delas ficou responsável por trazer o material de Manaus, para ser distribuído entre as mulheres, e decidiu-se que metade do valor da venda dos panos ficaria para o clube. Porém, observou-se que havia uma grande lacuna na organização destes grupos, que era preciso focar e sensibilizar para os valores e princípios de cooperação, união, coletividade e liderança, pois entende-se que esta base deve estar sólida para o sucesso do grupo. Planejou-se uma oficina de associativismo/cooperativismo e intercâmbios com outros grupos de mulheres, então, objetivando-se estimular a organização. Na comunidade Julião, localizada na RDS do Tupé, há um grupo de mulheres que produz doces, geleias e balas (doces cobertos com chocolate), com frutas regionais. No final de 2008, realizou-se um intercâmbio com este grupo, que foi à comunidade São Sebastião, no rio Cuieiras, e relatou sua história, mobilização e organização, dificuldades e conquistas. Neste dia, houve uma oficina de produção de geleias e balas, pelo grupo do Julião, que ainda mostrou uma forma de aproveitar a casca de cupuaçu como artesanato. Participaram mulheres das comunidades São Sebastião, Nova Canaã e Boa Esperança. As mulheres do Julião reforçaram a importância da cooperação, necessidade de perseverança e força de vontade. Destacaram os desafios de se organizar em um grupo comunitário e como os enfrentaram, relatando ainda a repercussão que o grupo ganhou, ao gerar, de forma coletiva, produtos confeccionados a partir de frutos regionais aliados ao conhecimento da população local. Atualmente, 104

Rio Cuieiras, Amazônia Central

recebem visitas de grupos de turistas e encomendas de seus produtos, inclusive para outros estados. As mulheres do rio Cuieiras contaram um pouco de suas dificuldades e seu processo de organização. Os valores relacionados ao associativismo foram compartilhados entre mulheres que vivem realidades muito similares, em locais próximos, o que permite que se vislumbre a possibilidade de sucesso e geração de renda por meio da coletividade (associações ou cooperativas), aliada à comercialização de produtos locais. Houve troca de receitas de doces e as sementes das frutas foram levadas por algumas mulheres para serem plantadas em seus quintais. Algumas mulheres da comunidade São Sebastião passaram a produzir geleia de cubiu, uma fruta antes pouco valorizada. Enriqueceram seus roçados ao espalharem sementes destas frutas. Desta forma, percebe-se a relação direta entre o desenvolvimento dos produtos da agrobiodiversidade com vistas à comercialização e à diversificação das espécies nos quintais e roçado, que constitui um dos princípios da agroecologia. Em outro momento, houve um novo intercâmbio, onde as mulheres do rio Cuieiras foram conhecer o espaço do grupo da comunidade do Julião, a cozinha onde trabalham, as embalagens que utilizam, como conservam os doces e como realizam a divisão de tarefas. Neste encontro, as mulheres do Cuieiras ministraram uma oficina sobre produção de bolsas com garrafas pet. Em junho de 2009, aconteceu uma oficina de “Sensibilização para Produção Cooperada” para as mulheres do rio Cuieiras, que teve o objetivo de fortalecer a organização dos grupos de mulheres e abordou valores como cooperação, coletividade, união, criação de produtos, planejamento e divisão das etapas de produção, de forma lúdica e participativa, por meio de dinâmicas e trabalhos em grupo. Foi ministrada por uma consultora e teve a participação de mulheres indígenas e ribeirinhas de três comunidades: Três Unidos, São Sebastião e Nova Canaã. 105

Diálogos Agroecológicos

Em uma das atividades da oficina, as mulheres juntaram-se em grupos para discutir e responder duas questões:

1) Em que precisamos melhorar? • Termos diálogos • Sermos humildes • Crer e ter fé que vai dar certo • Termos respeito pelas situações • Não reclamar muito • Termos criatividade no trabalho • Buscar mais apoio • Mais união • Mais comunicação • Participar mais de cursos e oficinas (mais conhecimento) • Ouvir mais opinião dos colegas • Ter mais criatividade • Ter mais ação

2) Em que somos fortes? • Somos inteligentes e organizadas porque temos coragem • Somos responsáveis • Somos fortes porque temos Deus no coração • Somos fortes porque temos fé em Deus • Somos fortes porque gostamos de trabalhar • Somos fortes porque pensamos sempre positivo • Somos fortes porque estamos sempre dispostas a trabalhar e porque somos alegres • Somos fortes porque temos paciência para enfrentar o que vem pela frente • Somos fortes porque somos humildes 106

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• Somos fortes na saúde • Somos decididas • Assumimos os nossos compromissos • Temos força de vontade • Temos paciência umas com as outras • Temos vontade de aprender e ensinar • Coragem e disposição de vencer • Responsabilidade • Manter a inteligência de reverter qualquer situação Após a oficina, o grupo de mulheres da comunidade São Sebastião passou a produzir regularmente biscoitos, balas e geleias com frutas regionais. O passo seguinte consistiu na elaboração de uma logomarca a partir de ideias e desenhos das mulheres. Inicialmente, os desenhos foram de frutas e árvores, mas depois perceberam que não era suficiente para representar o grupo. Seria importante aparecer mulheres na logomarca e uma planta nascendo, que representaria tanto a relação com os produtos da floresta, da agrobiodiversidade, como com a esperança. Ademais, ainda, idealizou-se que esta planta estaria saindo das mãos das mulheres, o que remeteria à união e coletividade do grupo.

Figura 16 – Logomarca criada pelo clube de mães

107

Diálogos Agroecológicos

Oficina Agroflorestal Marcio Menezes Jailton Cavalcanti Mariana Gama Semeghini Leonardo Pereira Kurihara Thiago Mota Cardoso

Este capítulo aborda a experiência e resultados da oficina sobre sistemas agroflorestais, realizada pelo Arboreto e o IPÊ no rio Cuieiras. Foram trabalhados conceitos de sustentabilidade, de sistemas agroflorestais, conceitos ecológicos para nortearem sistemas de produção mais sustentáveis. Para tanto foi utilizada a metodologia de educação agroflorestal desenvolvida pelo Arboreto/ PZ/UFAC, acompanhada de suas ferramentas didáticas. Também, foi estimulada a troca de experiências entre os participantes, tendo sido reservado um espaço para que cada um pudesse expor o seu trabalho na roça. A metodologia utilizada buscou ser coerente com a metodologia de educação agroflorestal construtivista, em que os conceitos são construídos de forma participativa, a partir da trajetória de vida de cada indivíduo e da coletividade. Os princípios ecológicos fundamentais que acompanharam a filosofia de trabalho foram: a) promoção da biodiversidade; b) conservação do solo e da água; c) ciclagem de nutrientes e d) plantas companheiras (sucessão natural). Outros princípios não-ecológicos igualmente importantes são a valorização do conhecimento tradicional, abordagem participativa, a promoção da autogestão comunitária, 108

Rio Cuieiras, Amazônia Central

a abordagem de gênero e a multidisciplinaridade e interatividade das ações propostas. O Programa de Formação dos Educadores Agroflorestais, idealizado e executado pelo Arboreto/Parque Zoobotânico/ Universidade Federal do Acre, tem por objetivo envolver os técnicos, despertá-los para atuarem em prol de uma agricultura mais sustentável, subsidiando-os de maneira que possam fomentar a agrofloresta no seu cotidiano profissional, numa abordagem educativa com os agricultores. Chamamos de educação agroflorestal porque se trata de um processo de apropriação do conhecimento pelos produtores, que devem ser considerados parceiros e protagonistas de seu próprio desenvolvimento. Usando os recursos locais e os fundamentos da própria natureza, buscamos desenvolver uma agricultura que, ao mesmo tempo, produza, traga benefícios para a família rural e proteja os recursos naturais. O fundamento é que o resultado da ação humana seja o aumento da vida no lugar e não a destruição dos recursos. A proposta de se trabalhar construindo o conhecimento a partir do que os próprios agricultores já sabem, pela vivência, da mesma maneira como os instrutores procuram fazer com os técnicos, os futuros educadores agroflorestais, causa tanto impacto quanto a proposta de se trabalhar com grande diversidade de espécies, com a terra coberta com muita matéria orgânica, buscando inspiração no ecossistema original do lugar, ou seja, na floresta exuberante, altamente biodiversa, dinâmica, para orientar nossas ações no ambiente, para fazer agricultura. O impacto do método no rio Cuieiras não foi muito diferente do que temos experienciado em outros cursos. Assim, certo desconforto, por parte dos participantes, foi percebido ao identificarmos, na avaliação, algumas contradições em seus depoimentos, apesar de que, no balanço geral, o curso tenha sido considerado muito bom. 109

Diálogos Agroecológicos

É importante frisar que a metodologia adotada demanda determinada flexibilidade na programação, de modo que os temas vão sendo trabalhados de acordo com a energia e ritmo do grupo. Assim, a estrutura do curso é previamente elaborada, sabendo-se quais os temas que deverão ser trabalhados e a forma de abordagem, mas são feitos ajustes na programação com o desenrolar do curso.

Relato dia a dia No primeiro dia, foi feita uma apresentação dos participantes: riscando um palito de fósforo e o mantendo aceso, o participante tinha que dizer quem era, o que fazia e o que gostava de fazer nas horas vagas, bem como de qual comunidade fazia parte e suas expectativas em relação ao curso. Fez-se uma breve apresentação do curso, contextualizando-o na proposta do Programa de Formação de Educadores Agroflorestais. Estabeleceu-se um tratado de convivência, ou seja, as regras básicas para o bom andamento do curso. A primeira atividade propriamente dita foi o “Desenho da comunidade ideal”, que foi realizado individualmente. A cada desenho, foram associadas 3 tarjetas com as principais ideias relativas ao mesmo, que visavam a inserir o que precisaria ter/ser em uma comunidade ideal (que se encontram no quadro a seguir). Todos os desenhos foram pendurados e apresentados, cada um pelo seu respectivo autor (Tabela 10). Tabela 10 – Desenhos elaborados.

Tema Citado Floresta, reserva, área de preservação Comunidade, coletivo, pessoas, família

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Tema Citado Acesso, ramal, rio/igarapé Criação de pequenos animais Cultivo orgânico, hortas Agricultura, culturas anuais Sistema agroflorestal Escola Posto de saúde Lazer Criação de abelhas Extrativismo Assistência técnica Políticas públicas Animais silvestres, caça Processamento caseiro de alimentos Artesanato Plantas medicinais Energia alternativa Igreja, religião, espiritualidade Supermercado

Sensibilização para o curso “Interdependência da vida, dinâmica da teia, o cego e a árvore” Ao ar livre, na sombra de uma árvore, os educadores contaram a história do sábio e o rei, de forma bastante descontraída. A essência 111

Diálogos Agroecológicos

desta etapa preliminar, representada pela fala de um dos personagens: “Tudo está ligado!!!”, foi rapidamente incorporada pelos participantes, que a repetiam coletivamente durante a narração da história. Em seguida, explicamos qual seria a etapa seguinte: a teia gigante. Os participantes teriam que atravessar os diversos buracos formados por uma grande teia de barbante amarrado nas árvores, sendo que cada buraco só poderia ser utilizado uma única vez. A atividade foi bastante divertida e descontraída. Quando todos atravessaram a teia, foram estimulados a fazer uma rápida avaliação dos seus objetivos, tais como trabalhar a união e organização do grupo, a capacidade de transpor obstáculos coletivamente e a identificação de lideranças. Ao atravessarem a teia, os participantes foram estimulados a se enxergarem em um mundo diferente: o “bosque das árvores sagradas”. Neste novo ambiente, todos foram privados da visão (vendados) e foram conduzidos em grupos pelos facilitadores através do bosque. Cada participante foi deixado alguns minutos em contato com uma

Figura 17 – Diversidade identificada

112

Rio Cuieiras, Amazônia Central

árvore, a qual deveria ser encontrada depois que as vendas fossem retiradas. O objetivo foi despertar uma nova visão para a árvore, senti-la através do tato e do olfato, reconhecer suas partes e suas formas. Iniciamos a manhã do segundo dia com a apresentação do tema “Estudando a paisagem”. Essa atividade permite aos participantes visualizar a evolução da paisagem no tempo e compreender a dinâmica da floresta e de um roçado. Compreender e gerar reflexão sobre as consequências da ação humana no ambiente, seja de forma sustentável ou não. Identificar e compreender os conceitos ecológicos fundamentais que a floresta nos mostra e que podem ser aplicados nos sistemas de produção para que sejam mais sustentáveis, mais produtivos e que conservem os recursos naturais (Figura 16). Os componentes do ecossistema florestal foram sendo fixados no flanelógrafo na medida em que os participantes foram falando, estimulados pela pergunta: “Como é o ambiente aqui, quando se chega em uma área ainda desocupada?”. No painel de feltro, foi montada a floresta, com seus diferentes tipos de árvores e plantas, animais, insetos, igarapés, peixes... Debatemos sobre o ciclo da água e o representamos com setas azuis. Com setas amarelas, representamos o ciclo de nutrientes e discutimos como ele acontece e que organismos e fenômenos estão envolvidos no processo. Representando no flanelógrafo a chegada do agricultor, conversamos sobre manejo dos recursos naturais. Fomos construindo juntos e fixando as figuras no flanelógrafo: o machado, a foice, a moto-serra, o fogo, os agrotóxicos... as árvores, os bichos e as setas dos ciclos da água e de nutrientes foram sendo retiradas. Com isso discutimos porque a terra, após desmatar para agricultura, só produz bem por dois ou três anos. Discutimos também sobre a regeneração natural e como ela pode ser nossa aliada na construção de sistemas de produção mais sustentáveis. Apresentamos o vídeo intitulado SAF - “Sabendo Aprender com a Floresta”. O vídeo é uma dramatização que conta a história de um 113

Diálogos Agroecológicos

seringueiro que vai dar um passeio pela mata com seu filho e lhe mostra como a floresta funciona e como se pode aplicar seus ensinamentos na agricultura, as lições que a natureza nos dá a partir dos quatro princípios fundamentais da floresta: a biodiversidade, a conservação do solo e da água, a ciclagem de nutrientes e a sucessão natural. Alguns depoimentos dos participantes: “O vídeo foi maravilhoso a dúvida que tinha esclareci ao ver o vídeo. A floresta é muito importante para nós, temos que saber valorizar, pois a floresta apresenta uma riqueza que eu não conhecia”. “Se a floresta for desmatada e queimada, todos os bichinhos do solo morrem”. “A vegetação protege o solo da força das águas da chuva e evita que as vitaminas presentes no solo sejam lavadas pela água”. “A terra precisa de alimento e as folhas e os galhos são o alimento das plantas”. “Um solo sem cobertura não tem vida”. “Tudo o que foi passado no vídeo é muito importante, principalmente a ação dos organismos no solo que transformará as folhas e galhos em vitaminas para as plantas”.

Iniciamos o terceiro dia com uma “prática de campo” para compreendermos a “sucessão natural”, princípio que rege a dinâmica da floresta, sobre o qual nos baseamos para elaborarmos as agroflorestas análogas ao ecossistema original do lugar, ou seja, a florestas biodiversas, estratificadas. Para realizarmos a prática, refletimos sobre o que é uma floresta, suas características, sendo apontados, com os técnicos, os aspectos que seriam estudados em três capoeiras de diferentes idades e um roçado recém-implantado, por 4 grupos distintos. A partir das características das florestas, listadas abaixo, preparou-se o roteiro para estudo no campo: 114

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Diversidade de árvores: maiores, menores, rasteiras; estratificação: camada de folhas, galhos e frutos; matéria orgânica: restos vegetais e animais; decomposição; fauna do solo; serapilheira; solo; mosaico de clareiras de diferentes idades: dinâmica. Assim, decidiu-se que seriam levantados no estudo das capoeiras e do roçado informações referentes a Tabela 11: Tabela 11 – Topicos estudados na analise dos espaços

Assuntos Animais

Tópicos • Vestígio de ocorrência • Tipos de espécies

Vegetação

• Número de espécies • Número de indivíduos por espécie • Estratificação (altura das espécies) • Camadas: textura, cor, estrutura, porosidade.

Solo

• Vida do solo • Temperatura e umidade

Serapilheira

• Espessura • Cobertura do solo

Raízes

• Profundida de ocorrência

Microclima

• Sensações (temperatura, umidade e luminosidade)

115

Diálogos Agroecológicos

Figura 18 – Sementes coletadas durante oficina

Na tabela que segue, encontram-se os dados levantados e apresentados pelos 4 grupos acerca do estudo das capoeiras e roçado, totalizando 25m2. Tabela 12 – Caracteristicas ecológicas dos espaços analisados

A1

A2

A3

A4

Roçado

Capoeira de 1,5 anos

Capoeira de 6 anos

Capoeira de mais de 20 anos

Vegetação:

Plantas e ervas

Baixa, fechada

média, mais aberta

alta, aberta

No. Espécies

Reduzido

Aumenta

Aumenta

Aumenta

Altura média:

2m

4m

Presença de insetos:

116

12m

30m

Rio Cuieiras, Amazônia Central

A1

A2

A3

A4

Capoeira de 6 anos

Capoeira de mais de 20 anos

Roçado

Capoeira de 1,5 anos

Serapilheira:

Tiririca, resto de cultura, folhas secas Cobertura do solo: 90% solo exposto

Folhas, galhos... Solo 100% coberto

Microclima

quente

quente

frescor

frescor

40%

30%

pouca

pouca

Luminosidade

Solo

Solo: primeira camada Textura: arenoso Porosidade: mais Cor: cinza Estrutura: pouco estruturado Segunda camada: Cor: amarelada Textura: argilo-arenoso Porosidade: pouca Estrutura: mais agregado

Raízes

Raízes concentradas na superfície

+ matéria orgânica

Textura: Arenoargilosa Escuro e clara Estrutura: agregado

Textura: Arenoargilosa Escuro e clara Estrutura: agregado

Grande presença de raízes finas

Em várias camadas

117

Textura: arenoarginosa Escuro e clara Estrutura: agregado Mais úmido sob matéria orgânica

Em várias camadas

Diálogos Agroecológicos

Diferenças entre as quatro áreas: A1

A2

Solo:

Compactado Mais seco Mais quente

A3

menos compactado (com mais vida) mais úmido mais fresco

Vegetação:

menos espécies

mais espécies

Serapilheira:

A4

Avanço na sucessão

menos matéria orgânica

mais matéria orgânica

Raízes:

menos raízes entremeadas

mais raízes entremeadas

Concluiu-se que não há competição entre plantas. Cada uma se desenvolve conforme o nicho propício encontrado e acabam preparando o ambiente para as espécies subsequentes. São outras as espécies que predominam nos diferentes estágios. Compreendeu-se, a partir do estudo das capoeiras, o processo da Sucessão Natural. A partir do estudo da capoeira e do roçado, discutiu-se sobre sucessão natural e buscou-se traçar um paralelo entre os sistemas produtivos e a estratégia da natureza. Então se compreendeu a proposta de agrofloresta sucessional. Para tanto, a aula foi ilustrada com as gravuras agroflorestais que compõem a mochila do educador agroflorestal (peles de cinco agroflorestas, com idade que varia de 3 a 4 meses até 40 anos). Os facilitadores mostraram então a cronosequência das 05 gravuras, mostrando a alta diversidade de espécies, a densidade 118

Rio Cuieiras, Amazônia Central

de indivíduos alta no início, diminuindo com o passar do tempo, e a ocupação do espaço vertical e horizontal. Como podemos usar a dinâmica sucessional em nosso sistema produtivo? Nas agroflorestas regidas pela sucessão natural, a alta densidade de plantio e a combinação de espécies de diferentes grupos sucessionais ocupando os estratos baixo, médio e alto durante suas fases de desenvolvimento, determinam uma estrutura e fisionomia da vegetação mais próxima ao ecossistema original do lugar. A classificação de espécies em grupos sucessionais leva em consideração principalmente o ciclo de vida da espécie e o estrato que ocupa. O manejo, através da poda e da capina seletiva, dinamiza a vida e promove a ciclagem de nutrientes, garantindo o vigor das plantas sem necessidade de insumos externos. Cada ecossistema foi mostrado de forma sequencial. O primeiro composto de todas as espécies, inclusive aquelas de futuro como castanha, pupunha e açaí, que foram plantadas juntas com as de ciclos mais curtos, que vai desde o milho e feijão até abacaxi e banana. A segunda gravura já mostra uma capoeira nova com destaque para o mamão já produzindo, a banana, o abacaxi e preparando a terra para as espécies de futuro que estão, ali, sendo “criadas” pelas espécies de ciclo menor. Na terceira, uma capoeira já bem fechada com espécies como açaí, pupunha, cajá, buriti, cacau, cupuaçu em plena produção. Já a quarta gravura se parece muito com a última, embora seja nítido que muitas espécies compõem a agrofloresta, embora com densidade menor e com as espécies ditas de “futuro”, como a castanheira, já produzindo A primeira atividade do quarto dia foi trabalhar o “conceito de sistemas agroflorestais” a partir do conhecimento que cada um tem a respeito do tema. Para isso foi lançada a seguinte pergunta: o que vocês entendem por sistemas agroflorestais? Separando os termos, sistema e agrofloresta, os participantes foram estimulados 119

Diálogos Agroecológicos

a pensar nas palavras separadamente. Após isso, separou-se a palavra agrofloresta, estimulando todos a pensarem de aonde vinha a palavra “agro” e “floresta”. As ideias foram apresentadas conforme pode se ver abaixo: • É a forma de aproveitar o espaço respeitando todas as características da planta. • É uma diversidade de culturas em uma mesma área. • É o cultivo adensado e consorciado em uma mesma espécie. • Agricultura + floresta. • É uma forma de reconstruir o que já foi destruído pelo homem. • É a forma de se produzir sem devastar o meio ambiente. • É um sistema consorciado que você cultiva e tira sustento para sobreviver sem prejudicar o meio ambiente. • Cultivo de várias culturas em uma mesma área. • É a junção de várias espécies numa área, onde possa haver um equilíbrio no meio ambiente (sistema sustentável). • Uma forma de usar a terra com sabedoria. • Sistema sustentável. Tudo está ligado. • São sistemas que buscam a sustentabilidade familiar sem ferir o meio ambiente. • É o conjunto de cultivo agrícola. • Conclusão: “Agrofloresta” trata-se de um sistema de produção onde se consorciam espécies agrícolas e florestais, baseado na sucessão natural, de forma a se alcançar a estrutura e função de uma floresta e obter produtos a curto, médio e longo prazos. Para fechamento da atividade fizemos uma discussão com os agricultores sobre os diferentes conceitos apresentados. Ressaltamos que os conceitos de agrofloresta estão sempre evoluindo, ou seja, não 120

Rio Cuieiras, Amazônia Central

existe um conceito definido para agrofloresta, pois os sistemas agroflorestais são dinâmicos, onde estão sempre entrando e saindo espécies, diferente dos monocultivos, que são estáticos e pouco contribuem com a melhoria da qualidade de vida do pequeno agricultor. Destacamos para os agricultores a importância das espécies da sucessão dentro da agricultura que preparam a área para vindas das espécies do futuro.

Proteção da terra Em seguida, iniciamos outra “prática de estimulação dedutiva” denominada “FT - proteção da terra”. A ideia que gira em torno dessa atividade procura despertar nos alunos, através de estimulação dedutiva, o que ocorre em diferentes ambientes quando as gotas da chuva entram em contato com a terra. Assim, foram preparados três canteiros, de forma participativa, onde todos colocaram seu esforço (capina, busca de matéria orgânica e água, delimitação da área, revolvimento do solo), com espaçamento de 1 x 1m2 a fim de começar a prática. Os canteiros seguiam com as seguintes características: o primeiro era um solo desnudo e limpo como se estivesse “varrido”. O segundo preenchemos toda a área com matéria orgânica numa altura de aproximadamente 15cm e, por fim, ateamos fogo e, no final, tínhamos o solo coberto somente com cinza. Na última parcela, um solo coberto com muita matéria orgânica. Em seguida, começamos com as perguntas de estímulo, como: “O que vocês acham que vai acontecer em cada uma dessas situações se chover, ou seja, se jogarmos água em cada uma delas?” Todos pareciam já ter conhecimento sobre o que aconteceria, embora algumas pessoas comentaram que, com a atividade, ficou mais visível entender o que acontecia quando a chuva batia diretamente no solo descoberto. No canteiro “queimado”, logo que jogamos o primeiro regador de água, a cinza migrou para o lado mais baixo, no canteiro desnudo, a água também teve o mesmo caminho. O último, 121

Diálogos Agroecológicos

cheio de material orgânico, e, após colocarmos vários litros d’água, não foi possível visualizar a água escorrendo.

Planejando agroflorestas Pela tarde, iniciamos sanando as dúvidas suscitadas pelas atividades da manhã. Fez-se mais um esclarecimento sobre sucessão natural. Em seguida, foi elaborada uma relação de espécies que complementaram a lista das espécies citadas no exercício anterior e, então, foi desvendada a FT - Tabela das árvores, onde informações sobre as espécies foram organizadas. Decidimos estudar mais sobre o comportamento das espécies agroflorestais. Construímos uma grande tabela, na qual foram listadas as espécies e algumas de suas principais características, tais como ambiente preferencial, altura quando adulta, tempo de vida aproximado, largura da copa e usos da espécie. Começamos pelo estudo das espécies de ciclo mais curto, como milho, arroz, feijão, abóbora, mandioca; em seguida, as semiperenes, como banana, cana e abacaxi; e, por fim, com as árvores frutíferas e madeireiras. Assim ficou claro para o grupo que, em uma agrofloresta, as espécies de diferentes ciclos de vida e que ocupam diferentes estratos são plantadas juntas, em alta densidade; e, com o passar do tempo, as de ciclo mais curto vão produzindo, morrendo e saindo do sistema, criando condições para que outras de desenvolvimento mais lento, de ciclo longo, possam vir a ocupar o espaço antes ocupado pelas de ciclo mais curto, como foi observado no estudo das capoeiras e nas gravuras agroflorestais nos dias anteriores.

Finalizando: Implantação de um módulo agroflorestal demonstrativo Primeiramente, escolhemos e delimitamos a área onde seria implantada a agrofloresta, no último dia. Analisamos em que condições 122

Rio Cuieiras, Amazônia Central

a área se encontrava e discutimos quais intervenções eram necessárias para dar início à implantação. Parte do grupo começou a fazer uma capina seletiva e a poda de algumas árvores maiores. Enquanto isso, outro grupo foi escolher as espécies que seriam plantadas a partir das sementes e estacas que estavam disponíveis (Figura 18). Mostramos todo o material, falando sobre as características de cada espécie para ajudar na decisão de plantá-las ou não. Quando o primeiro grupo terminou o preparo da área, todos se reuniram novamente para decidir como aquelas sementes e estacas seriam plantadas, ou seja, em que densidade, espaçamento etc. Em seguida, foi realizado o plantio. Na área, existia uma capoeira bem jovem. Nessa atividade, também, foi discutido com o grupo sobre a capina seletiva, onde ficou claro para os participantes a importância de deixar na área as espécies que podem melhorar a fertilidade do solo, que estão ali criando condições para que outras plantas possam recompor aquela paisagem. Ou seja, essas plantas estão “criando” as outras espécies de ciclo mais curto. E esse manejo foi conduzido por metade dos participantes, onde todos arrancaram o mato e podaram as espécies maiores, picando tudo e distribuindo sobre o solo, de forma a cobri-lo por inteiro. Alguns participantes em depoimento, durante a atividade, ficaram bem entusiasmados com aquela nova forma de trabalhar a terra e sua roça. Comentavam que aquilo parecia brincadeira, mas que fazia sentido, pois na floresta acontece daquela mesma forma e ela cresce e se multiplica, e o que estávamos tentando fazer era exatamente isso, imitar a floresta. Recapitulação e dicas para “pensar na hora de planejar e implantar uma agrofloresta”: • cada planta depende da outra para o seu desenvolvimento; • uma fase cria a outra; • quando cumpre seu papel, é transformada; • plantar em alta diversidade e alta densidade; 123

Diálogos Agroecológicos

• introduzir todos os grupos sucessionais, completos (todos os estratos); • nossa ação deve ser sempre no sentido de aumentar a vida no lugar; • ocupar todo o espaço do solo e todos os estratos; • não se orientar pelo mercado (a renda vem como consequência do aumento de vida do lugar); • solo sempre coberto; • conhecer bem a área para planejar; • manejo: observar as interações; • os animais, insetos e micro-organismos são os dinamizadores do sistema; • fazer experimentos e trocar experiências; • conservar as espécies nativas no sistema; • A capina seletiva e a poda são duas ferramentas importantes de manejo. Arranca-se o capim e os matos herbáceos velhos, sacodem-se bem as raízes e as deposita sobre o solo, de preferência com as raízes para cima. A poda deve ser feita de acordo com a estratificação e necessidade ao observar o vigor da planta. Plantas atacadas por insetos ou fungos mostram necessidade de manejo; • Quanto mais matéria orgânica sobre o solo melhor. Espalhar bem por toda a área, considerando que as partes mais lenhosas devem ficar preferencialmente em contato com o solo.

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Meliponicultura: Uma ferramenta de educação socioambiental

Leonardo Pereira Kurihara

As florestas tropicais e sua rica biodiversidade estão ameaçadas, em maior grau, pelo estabelecimento de políticas econômicas de desenvolvimento que não levam em conta as características dos sistemas ecológicos. Visando contrapor esse cenário, torna-se necessário o incentivo a manejo de produção integrado com os ecossistemas florestais. A criação de abelhas sem ferrão (atividade denominada Meliponicultura) vem demonstrando ser uma alternativa interessante neste processo. São muitos os atributos oferecidos pelas abelhas nativas sem ferrao, que além de fornecerem produtos apreciados e utilizados pelas pessoas nos remédios caseiros, no complemento alimentar (como mel, pólen), e na confecção dos artefatos (cera e resinas) e que também ocasionalmente são vendidos, sendo fonte complementar da renda, essas abelhas ainda desempenham um importante papel dentro da cadeia trófica, sendo uma das principais responsáveis pela polinização, que determina a formação de frutos e sementes e dispersão de sementes. Poucos estudos se têm sobre as abelhas sem ferrão no baixo rio Negro, o manejo ainda é uma prática pouco conhecida na região. Porém, os produtos que as abelhas oferecem (principalmente mel e cera) são muito apreciados pelos moradores locais. Os “melgueiros/ 125

Diálogos Agroecológicos

meleiros” (pessoas que retiram o mel para consumo familiar ou comércio), geralmente quando encontram algum enxame na mata, promovem a retirada do mel destruindo os ninhos. Apesar de pouco conhecimento sobre a criação das abelhas sem ferrão, muitas famílias do baixo rio Negro demonstram interesse em aprender as técnicas para poder manejar essas abelhas. Neste contexto, o IPÊ, apoiado pelo projeto Corredores Ecológicos e pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, realizou em parceria com alguns levantamentos sobre os meliponinios da região e trabalhou na formação e capacitação de comunitários na tentativa de utilizar dessa intervenção como uma ferramenta educacional em prol da conservação e manejo da agrobiodiversidade.

As abelhas sociais As abelhas sociais são organismos importantes para as comunidades vegetais, elas são agentes polinizadores de diferentes espécies, contribuindo para o equilíbrio não só de muitas populações de plantas, como também de animais que vivem em ecossistemas naturais. Dentre estes agentes polinizadores, destacam-se espécies de abelhas da subfamília Meliponinae, também, conhecidas como abelhas sem ferrão, por ser um grupo que apresenta o ferrão atrofiado. Atualmente, são conhecidas 391 espécies dessas abelhas, distribuídas em aproximadamente 54 gêneros (Camargo e Pedro, 2007) . Essas abelhas se encontram distribuídas nas regiões tropicais e subtropicais, cerca de 70% das espécies conhecidas ocorrem nas Américas (CARVALHO et al., 2003; ROBIK, 1989). As abelhas sem ferrão possuem tamanhos, formas, coloração e hábitos os mais diversos. Dependendo de cada espécie, os ninhos contêm de 500 a 8.000 indivíduos (Nogueira Neto, 1997). Esses ninhos são encontrados, na grande maioria, em ocos de árvores, mas também são achados em cupinzeiros, cavidades na terra, buracos de formigas 126

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e nos mais diferentes lugares onde as abelhas possam encontrar espaços e segurança suficientes para o crescimento da colônia. Cada espécie possui uma característica específica para a entrada do ninho. Essas características variam de um simples orifício a um tubo de cera liso ou poroso. A finalidade é proteger o ninho e orientar as abelhas. Os principais materiais utilizados pelas abelhas para construção das entradas dos ninhos são própolis, cera e barro (Nogueira Neto, 1997?). As abelhas sem ferrão coletam pólen, néctar e água para alimento dos indivíduos da colmeia. O néctar dá origem ao mel e é o principal responsável pela fonte de energia das abelhas, enquanto o pólen é responsável pelo suprimento de proteínas da colmeia. O alimento (mel e pólen) é armazenado em potes de cera, muitas vezes, ovalados. Existem potes que guardam somente mel, outros que guardam apenas pólen e potes que guardam a mistura dos dois alimentos. As abelhas são as principais polinizadoras de nossa flora (Kerr et al., 2001). Segundo Robik (1989), as abelhas sociais Meliponinae (Apidae) são dominantes nas flores do dossel das florestas tropicais úmidas, influenciando diretamente a produção de frutos e sementes e, portanto, na regeneração natural. Ressalta-se que as abelhas sem ferrão, conforme os ecossistemas, são responsáveis por 40% a 90% da polinização da flora nativa (Kerr et al., 2001).

A dinâmica sociocultural e as abelhas sem ferrão do baixo rio Negro Os moradores do rio Cuieiras são grandes admiradores das abelhas e do seu mel, principalmente produzido pelas abelhas nativas que não utilizam o ferrão atrofiado como forma de defesa. Na região, quando os enxames são identificados, geralmente, são destruídos para coleta do mel, própolis e cera. Esses produtos são utilizados no combate às doenças pulmonares, infecção dos olhos e fortificantes. Além 127

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de ser adoçante natural e fonte de energia, o mel apresenta efeitos imunológicos, antibacteriano, anti-inflamatório, analgésico, sedativo e expectorante. A cera também é bastante utilizada, principalmente para calafetagem e confecção de cartuchos dos caçadores. A localização de enxames de abelhas sem ferrão na região do rio Cuieiras, na maioria das vezes, acontece em paralelo à realização de alguma atividade como a caça, pesca, roça ou extração madeireira. A época da cheia é o período de maior descobrimento de enxames, principalmente por ser a fase de maior intensidade de pesca e caça nos igapós. Na terra-firme o período de maior descobrimento de enxames ocorre entre os meses de agosto a outubro, período de derrubada dos roçados. Mas, segundo os moradores da região, está cada vez mais difícil encontrar novos enxames. Certamente em conseqüência do extrativismo constante dos ninhos pelos próprios moradores e ainda pela alteração do ambiente indisponibilizando ocos para nidificação e floradas para alimentação das colméias.

Figura 19 – Meliponario familiar. Fonte: Leonardo Kurihara

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As principais espécies de abelhas sem ferrão identificadas com potencial para o manejo são a Melipona seminigra merrillae, Melipona lateralis e a Melipona fulva. A primeira é conhecida localmente como abelha “uruçu boca de renda”. Apesar de ser uma espécie muito conhecida e manejada na região Amazônica, não é muito comum na região do rio Cuieiras. A segunda, a Melipona lateralis, é conhecida como “pinto de velho”, ou “nariz de anta”, devido ao formato da entrada de seu ninho. Essa espécie, apesar de ser difícil de ser manejada, apresenta um grande número de abelhas em seu enxame e muita produção de mel. A Melipona fulva, terceira espécie mencionada, conhecida também como “jandaíra”, é bastante comum na região, mas apresenta um enxame reduzido e uma baixa produção de mel quando comparada com as outras espécies.

A Meliponicultura no contexto do rio Cuieiras A Meliponicultura é a atividade de se manejar as abelhas sem ferrão em caixas padronizadas e técnicas adequadas a sua reprodução e produtividade. Na região do rio Cuieiras a atividade se iniciou basicamente pelo resgate dos enxames da natureza e transferência para caixas de madeira padronizadas na tentativa de “imitar um ninho natural” (Figura 19) e facilitar o seu manejo. Historicamente, as abelhas sem ferrão foram estudadas e, muitas vezes, manejadas por diversas populações indígenas. Hoje, o conhecimento, tradicionalmente adquirido, aliado às pesquisas científicas, vem promovendo um manejo cada vez mais eficiente. As espécies a serem criadas devem ser aquelas nativas do local. Assim, evita-se a possibilidade de introdução de animais exóticos e diminui a possibilidade de morte das colônias por dificuldade de climatização a nova localização. Investindo nas espécies da região, evita-se também a dependência de compra dos enxames. Além disso, a criação de abelhas nativas da região contribui para uma maior 129

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variabilidade genética das espécies, uma vez que a Meliponicultura possibilita o cruzamento entre as rainhas das colméias manejadas e machos de colméias da “natureza”. Assim, o grupo priorizou a criação das abelhas nativas da região, promovendo uma reflexão da importância dos animais nativos, principalmente para manutenção da paisagem. Os meliponários21 devem preferencialmente ser instalados em locais com abundância de plantas, de preferência de água limpa perto, protegido de ventos fortes e levemente sombreado. O rio Cuieiras, por se tratar de uma região onde a paisagem ainda apresenta um bom estado de conservação, a escolha dos locais para instalação dos meliponários foi fácil. Porém, os enxames implantados nas regiões de floresta densa apresentaram problemas de umidade. Observou-se também que os meliponários implantados próximos à casa de farinha, não apresentaram um bom desenvolvimento, principalmente por se tratar de uma área com bastante fumaça, carregada de cianureto (que e tóxico para abelhas). No rio Cuieiras, as técnicas referentes à Meliponicultura foram compartilhadas por meio de oficinas e intercâmbios. Ocorreram três oficinas participativas com um grupo de 25 pessoas, totalizando 40 horas/aulas. As oficinas foram realizadas em parceria com o GPA – Grupo de Pesquisas em Abelhas do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e tiveram como objetivo compartilhar os aspectos ecológicos das abelhas sem ferrão e as técnicas de manejo dessas abelhas. As caixas padronizadas para criação foram doadas num primeiro momento, sendo posteriormente confeccionadas em mutirões pelos próprios comunitarios. O grupo também teve a possibilidade de fazer um intercâmbio junto ao GPA no INPA e conhecer os espaços e as experiências do grupo e receber instruções técnicas. 21

Locais destinados para criação das abelhas sem ferrão.

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Aprendendo e compartilhando com as abelhas nativas A região do baixo rio Negro é composta na sua maioria por indígenas e os caboclos ribeirinhos. Os critérios que cada família utiliza na tomada de decisão do uso dos recursos está intimamente ligada a trajetórias históricas de cada família, a mão-de-obra disponível, acesso a territórios e objetivos econômicos. Essas famílias possuem sistemas complexos de acesso aos recursos naturais, estabelecidos historicamente por fatores culturais, ecológicos e socioeconômicos. Uma intervenção sem levar em conta esses fatores, certamente, terá uma linguagem diferente, distante da realidade local. Assim, buscou-se desenvolver uma intervenção baseada na troca dos saberes e, a partir disso, entendendo e dialogando com as diferentes visões, fomentar uma reflexão sobre conservação e manejo da agrobiodiversidade, utilizando-se da Meliponicultura como instrumento de educação e, ao mesmo tempo, como potencial econômico (seja monetário ou não-monetário), inserido nos sistemas agrícolas locais. As abelhas sem ferrão e a Meliponicultura demonstraram ser uma “ponte” interessante nesse processo de ensino/ aprendizagem. Do ponto de vista ecológico, as abelhas são exemplo de sustentabilidade, elas desempenham um importante papel dentro da cadeia trófica, sendo uma das principais responsáveis pela polinização, que determina a formação de frutos e sementes alem da dispersão de sementes (Bacelar-Lima et al., 2006). Os enxames também são sociedades complexas, dedicadas, servindo de modelo para a vida em comunidade. A intervenção proveu uma reflexão sobre a importância dos animais nativos, principalmente para manutenção da paisagem. O grupo também pode refletir sobre a sustentabilidade do manejo, não 131

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só do ponto de vista ecológico como também econômico, evitando dependências, principalmente do mercado. A intervenção também possibilitou ao grupo perceber não só a importância de manter as plantas para o bem-estar das abelhas e o manejo, como também a necessidade de se fomentar os pastos apícolas22, inserindo essas espécies importantes para as abelhas nos sistemas de cultivo. A intervenção, no primeiro momento, não teve como objetivo formar profissionais na área de Meliponicultura, com protocolos de manejos e meliponários padronizados, e sim aprender sobres as abelhas e seus benefícios, compartilhando técnicas e conhecimentos. Neste processo, “entramos” várias vezes na floresta, andamos pelos igapós, abraçamos árvores, medimos ninhos de abelhas, colhemos mel, espantamos insetos, às vezes crianças, todas “loucas” pelo mel. Muitas vezes, tivemos que lidar com a paciência, respeitar a sazonalidade do rio e esperar até quatro meses para transferir um enxame descoberto. Salvamos algumas abelhas, principalmente de formigas e “abelhas limão”. Matamos também alguns enxames, quando não, fomos cúmplices, não proporcionando o manejo ideal para eles. Nesta caminhada, investimos na troca de experiência, aprendendo com os erros e acertos, sem forçar, muitas famílias ficaram desestimuladas, às vezes indiferentes, outras empolgadas. Mas aprendemos com os erros e acertos. De tudo ficou a lição das abelhas e a possibilidade de criá-las, contribuindo ainda mais para a agrobiodiversidade da região.

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Floradas disponíveis na área onde as abelhas visitam para se alimentar.

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Considerações Finais As famílias indígenas do rio Cuieiras vieram migradas nos últimos sessenta anos da região do médio e alto rio Negro. Deslocaramse para Manaus em busca de melhores condições de vida diante das incertezas e violências do sistema extrativista, da falta de assistência médica e em busca de educação para os filhos e de acesso a bens de consumo. A realidade do sistema social-econômico-político tratou de marginalizar estas famílias no meio urbano, pressionando-as a ocuparem áreas florestais no entorno de Manaus, onde articularam formas tradicionais de produção num novo contexto. Os moradores do rio Cuieiras, ao ocuparem os espaços, ativaram as formas tradicionais de construção da paisagem e da diversidade agrícola, mantendo, até certo ponto, a resiliência cultural e ecológica frente às mudanças. As múltiplas estratégias de diversificação produtiva constituemse como uma importante forma de acessar a natureza. Envolvem a associação e integração espaço temporal de atividades como a caça, a pesca, as práticas agrícolas, as atividades extrativistas, entre outras, e cada uma dessas atividades produtivas é realizada de diversas formas baseadas nos saberes, práticas e visões de mundo. Com isso, suas atividades apresentam-se complexas, pois constituem formas múltiplas de relacionamento com os recursos, assim, diminuindo o impacto sobre um único recurso. Dessa maneira, o múltiplo uso é uma forma de manejo que gera diversas alternativas apresentando três características que indicam sua sustentabilidade, que são a manutenção de um alto nível de diversidade, alta resiliência e capacidade de se manter por um longo período de tempo. A mandioca é paradigmática no contexto agrícola do rio Negro, e no rio Cuieiras, não podia ser diferente, sendo considerada como “espécies cultural chave” pela sua importância alimentar e simbólica, sendo 133

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a planta estruturadora dos roçados. A manutenção da diversidade de plantas cultivadas em sistemas agrícolas centrados na mandioca, como praticado na bacia rio Negro, depende inteiramente da manutenção das roças ano após ano e da integração destes espaços com as florestas e outros espaços cultivados como os quintais. A manutenção de mais de um roçado e da dinâmica espaço-temporal dos mesmos significa a garantia da conservação das espécies de ciclos mais curtos, como mandioca, cará, batata-doce e banana, bem como uma maior autonomia e segurança do agricultor em relação à perda de material genético ou a uma má produção. Uma série de saberes e práticas (seleção dos espaços, derrubada e queima, obtenção dos recursos fitogenéticos, arranjo espaço-temporal, manejo da capoeira e de espontâneas) são necessários para a manutenção e propagação dos recursos fitogenéticos nos e entre os espaços. Os roçados são integrados a outros espaços produtivos como os quintais, capoeiras e florestas, formando um mosaico de vegetação com estruturas e composição heterogêneas, ademais, cada agricultora se integra através das redes sociais a outras agricultoras e ao mercado na obtenção de recursos fitogenéticos. A construção da agrobiodiversidade se apoia a elementos do conhecimento tradicional, como as formas de identificação e classificação das plantas, nas relações que as agricultoras possuem com as mesmas. Alguns elementos etnobiológicos, ligados a uma percepção “positiva” da diversidade, contribuem para que as agricultoras indígenas resistam à perda de plantas cultivadas e persistam na atividade agrícola. Evidencia-se que as agricultoras locais, possuidoras de um estoque elevado de espécies e variedades e de um saber íntimo sobre as plantas cultivadas, contribuem de forma fundamental neste processo de construção local da agrobiodiversidade. É importante salientar que os saberes descritos neste trabalho não são uniformemente distribuídos. Alguns homens possuem saberes mais acurados sobre a paisagem e sobre os primeiros momentos do roçado (derrubada, queima), enquanto as mulheres dominam os 134

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conhecimentos sobre o roçado e plantas cultivadas. Dentre estas mulheres, distinguem-se as maiores detentoras de diversidade e de saberes, sendo elas as detentoras de informações necessárias para a manutenção dos sistemas produtivos. São consideradas experts na agricultura pelo papel ativo que desempenham no manejo dos espaços e na manutenção e incorporação de novas espécies e variedades. Estas ampliam a diversidade regional e possibilitam a re-colonização dos espaços através da doação de recursos fitogenéticos a outras famílias, contribuindo para a resiliência do sistema. Entendido como um todo bioecológico e cultural, onde saberes e práticas definem o sistema produtivo, o sistema agrícola, como praticado pelos povos tradicionais no rio Negro, deve ser considerado patrimônio cultural das comunidades e os serviços ambientais e econômicos gerados localmente e para a humanidade serem reconhecidos nas políticas públicas de gestão territorial e ambiental, de desenvolvimento local e na conservação da agrobiodiversidade. Assim como exposto na Convenção da Diversidade Biológica e em outros tratados, legislações e publicações, as populações locais são responsáveis por manter e gerar a diversidade biológica e este repertório de saberes deve ser devidamente respeitado, protegido e até recompensado financeiramente para que se perpetue (como proposto pela FAO, em documento recente sobre pagamentos concernentes aos serviços ambientais da agricultura). Estratégias que visam à conservação dos recursos fitogenéticos devem passar pelo entendimento das perspectivas dos povos tradicionais e por uma discussão que envolva as suas representações. Dessa forma, a conservação passaria de uma problemática de conservação aplicada aos recursos biológicos à problemática ligada à conservação e à valorização de um patrimônio, em que o mais importante seria a manutenção das “condições para a sua produção e sua atualização”, e não o objeto biológico em si. 135

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É importante frisar que as comunidades pesquisadas localizam-se nas proximidades de Manaus, capital do estado e um grande centro urbano, e Novo Airão. Este é um dado importante, pois essas cidades exercem uma atração sobre os jovens e também sobre o direcionamento das atividades econômicas nas comunidades, com possíveis prejuízos para a continuidade dos agroecossistemas e para a conservação da agrobiodioversidade. Além disto, a menor disponibilidade de força de trabalho familiar pode limitar a manutenção de roçados agrobiodiversos. Esta escassez de mão-de-obra tem na migração dos jovens, para estudar, um de seus motivos. Este desinteresse dos jovens tem sido contrabalançado por uma maior participação dos homens no processo agrícola e pela promoção de mutirões. Ações de conservação e valorização das plantas cultivadas e dos saberes locais, na região do presente estudo, têm em vista que a persistência das agrobiodiversidade está estritamente relacionada à persistência dos roçados e dos saberes e práticas dos agricultores e agricultoras do rio Cuieiras. Está em início o projeto agrobiodiversidade do IPÊ, com apoio do Sebrae e do projeto Corredores Ecológicos, construído em parceria com as comunidades localizadas no rio Cuieiras. A base teórica em que o projeto se apoia foi sendo aprimorada ao longo do processo, a partir da aquisição de um conhecimento da região e realidade local, bem como do diálogo de saberes, ambos aportados pelos trabalhos de pesquisa, educação e extensionismo, que estão em desenvolvimento e apresentados neste livro. Esta construção levou tempo, pois foi trilhada por um caminho onde se priorizou a coletividade, participação e a apropriação pelos diferentes grupos comunitários envolvidos. Desta forma, as distintas percepções de tempo e espaço são compartilhadas e é respeitado o ritmo dos protagonistas. Este processo é regado por erros, 136

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aprendizado, paciência, perseverança, aprimoramento, frustrações e satisfações, que fazem parte da metodologia educativa. Além da relação entre instituição e grupos comunitários, foram estabelecidos vínculos pessoais de amizade e confiança, e compartilhados valores e sentimentos, os quais serão carregados por cada um. Este projeto terá continuidade, onde estão previstas pesquisas sobre o sistema agrícola e de artesanato local, com vistas à comercialização e implantação de sistemas agroflorestais; intercâmbios de experiências e conhecimentos entre grupos e associações de mulheres, agricultores e artesãos na Amazônia e participação em feiras regionais e nacionais; consolidação das organizações e redes locais, assim como uma linha de produtos da agrobiodiversidade. A continuidade desta proposta está embasada nos seguintes pontos: • Realizar estudos interdisciplinares com efetiva participação local visando a compreender os sistemas agrícolas tradicionais em toda sua complexidade. Estudos focados no entendimento do “ponto de vista” ou na compreensão dos indígenas e caboclos sobre os elementos da biodiversidade e sobre a paisagem; • Promover discussão com as comunidades locais sobre os sistemas de proteção dos saberes e da biodiversidade; • Ver a possibilidade de fortalecer os sistemas agrícolas locais, seus produtos e saberes, associados com a biodiversidade, difundindo o pedido através de uma associação do alto rio Negro, de reconhecimento como patrimônio imaterial no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (Ministério da Cultura), seguindo o decreto 3551/2000 derivado da conferência da UNESCO de 1989. Este mecanismo pretende assegurar a proteção destes bens imateriais, reconhecendo seu caráter dinâmico e sua dimensão identitária; 137

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• Discutir a viabilidade de se utilizar de instrumentos de desenvolvimento territorial como as indicações geográficas (IG), selos e certificações, visando a integrar a dimensão coletiva e local com a valorização econômica da biodiversidade. Seria interessante avançar e dar continuidade à noção de valorização econômica da agrobiodiversidade associada a mercados agroecológicos e de orgânicos; • Expandir localmente e regionalmente os espaços de atuação da sociedade civil, com a premissa de que o crescimento da participação democrática no manejo da diversidade agrícola depende da expansão dos espaços de ação autônoma da sociedade civil; • Fomentar, apoiar e fortalecer as iniciativas e espaços locais que visem à promoção e valorização da agrobiodiversidade, como as “feiras de troca” ou mercados locais da agricultura familiar. Para isto deve-se continuar o fortalecimento das organizações locais tendo em vista a crescente oferta de produtos da agrobiodiversidade no comércio justo; • Atuar na resolução da questão fundiária, entendendo e cartografando as territorialidades locais, geralmente baseadas num regime comunitário de propriedade e de uso dos recursos, como forma de garantir uma negociação clara sobre os direitos territoriais das populações do rio Cuieiras e do baixo rio Negro. Entende-se que a garantia do território é uma maior garantia de perpetuação da diversidade agrícola; • Compreender e fortalecer intercâmbios e as redes sociais de circulação de objetos biológicos e de conhecimentos; • Garantir investimento em programas de educação e tecnologia, adaptados localmente e que possam incentivar os jovens ao trabalho na agricultura, dando condições atrativas à permanência dos mesmos nas comunidades. 138

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Currículos dos autores • Bruno Scarazatti - Graduado em Engenharia Florestal pela Universidade de São Paulo (2004) e mestrado pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, INPA (2009). Tem experiência com manejo florestal madeireiro e não-madeireiro, extensão rural (principalmente agroecologia), sistemas agroflorestais, silvicultura e reflorestamento em projetos de adequação ambiental. Link para o currículo no CNPQ: /8643706943501455. • Caroline de Oliveira Silva - Graduada em Engenharia Florestal pela Universidade de São Paulo (2006). Mestre em Engenharia Florestal do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Tem experiência na área de Etnobotânica, Agrofloresta, Recursos Florestais e Engenharia Florestal. Link para o currículo no CNPQ: /5767385408044379. • Leonardo Pereira Kurihara - Graduado em Ciências Biológicas e mestrando em Agricultura nos Trópicos Úmidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Trabalhou com permacultura em comunidades do entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina - BA. Atualmente, é pesquisador do Instituto de Pesquisas Ecológicas, onde desenvolve um trabalho de extensão/comunicação em parceria com as comunidades da região do baixo rio Negro. Tem experiência na área de extensão rural, atuando principalmente nos seguintes temas: fortalecimento comunitário, permacultura, meliponicultura e agroecologia. Link para o currículo no CNPQ:/5701398778026993. E-mail: [email protected] 146

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• Marcio Menezes - Graduado em Engenharia Agronômica na UFAC, atuou pelo Arboreto, por 4 anos, desenvolvendo pesquisa participante e extensão agroflorestal junto a grupos de agricultores ecológicos. Foi membro da AVINA e, atualmente, é consultor do Ministério do Desenvolvimento Agrário em Manaus. Link para o currículo no CNPQ: /8688871636351402. E-mail: [email protected] • Mariana Gama Semeghini - Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002). Atualmente, é educadora ambiental do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), na região do baixo rio Negro, Amazonas. Tem experiência em projetos de pesquisa-ação em educação e uso sustentável dos recursos naturais junto a povos indígenas e ribeirinhos. Link para o currículo no CNPQ: /9255763440319262 E-mail: [email protected] • Marilena Altenfelder de Arruda Campos Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005) e mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (2008). Tem experiência na área etnoecologia, manejo de fauna e agricultura indígena. Ganhadora do Prêmio BECA de melhor dissertação de mestrado. Link para o currículo no CNPQ: /7798290986967702. E-mail: [email protected] • Thiago Mota Cardoso - Graduação em ciências biológicas pela Universidade Católica do Salvador (BA) e é mestre em ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, com dissertação sobre etnoecologia e agrobiodiversidade. Atua em projetos socioambientais pelo IPÊ- Instituto de Pesquisas Ecológicas, sendo coordenador do programa 147

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Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e gestor dos projetos Etnobotânica e Manejo Agroflorestal e Mosaicos de Áreas Protegidas. Foi consultor do PNUD em realização de Etnomapeamento Agroextrativista, na TI Pataxó. Tem experiência na área de ecologia, atuando principalmente nos seguintes temas: etnoecologia e etnobiologia, áreas protegidas, população tradicional e indígena, agrobiodiversidade, economia solidária e participação comunitária. Adquiriu experiências em gestão de projetos de conservação da biodiversidade e manejo dos recursos naturais. Ganhador do Prêmio FENEAD de Projetos Sociais. Link para o currículo no CNPQ: /4160103099571815. E-mail: [email protected]

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