Biopirataria - A pilhagem da Natureza e do conhecimento

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ColeçAo Zero i Esquerda C oordinadores: (’.mío Eduardo Arame« c In í C am argo C osta

- Desafortunados David Snmv e I a k Anderson - Desorganizando o consenso lérnando 11,Hilad (org.) - Diccionario de bolso do alnunaque Philosophien /ero IVesquerda Pauto Fdtrardo Arantes - Oj drreiios do antiv-alor Francisca de fj/ótira - Km defeca tío socialismo Fernanda I latid.:d - Estados e moedas no desenvolvimento d.WPaltóes Jasé Lüh Fron (arg.) - íícnpolftica do cao» Ignacio Rantonet - P, inclusive no período - segundo semestre de 2 0 0 0 - cm que este prefácio foi escrito. ** Professor na Faculdade dc Fdueaçáo da USR

tura ocidental. Nn índia, comandou protestos contra a introdução de culturas transgenicas que envolveram a queima de cereais tirados dos estoques da M onsanto C orporation. É líder de um movimento inspirado cm Gandhi - o Satyagraha ("luta pela verdade") da Se­ mente - que tem por objetivo promover práticas agrícolas tradicio­ nais c sustentáveis e a reserva c troca de sementes selecionadas pelos lavradores sem recurso aos mecanismos do mercado. Entre outras ações, Shiva já questionou na justiça as patentes concedidas a pro­ dutos baseados em conhecim entos tradicionais da índia, na tentativa de reverter alguns dos piores abusos da “biopirataria” 1, c entrou com um mandado no Supremo Tribunal da índia para que fossem sus­ pensos os experimentos de campo com algodão transgcnico, com base em que sua segurança não havia sido suficicntemente estabele­ cida pelos dados em píricos disponíveis^. Dirige a Fundação d c Pes­ quisa em C iência, T ecnologia e E cologia, cm Nova Délht, trabalha como consultora para questões científicas e ambientais na R ede d o Terceiro M undo (Third W orld N etw ork), c c uma figura de proa no movimento que procura desenvolver uma estrutura legal para os direitos de propriedade coletivos, com o alternativa para os sistemas dc direitos dc propriedade intelectual atualmente em vigor'. Ao final deste prefácio, o leitor encontrará uma lista dos livros c artigos mais importantes de sua autoria. Há tres temas aos quais Shiva sempre retorna ein seus escritos e que fornecem a chave para a compreensão de suas análises e pro­ postas4. Eles v io constituir a estrutura Ja exposição a seguir, que

1 No livro, Shiva discute o caso dc biopirataria envolvendo a árvore nim c as parentes concedidas a alguns de seus produtos. O questionamento legal, submctklo ao Serviço Europeu de Patentes, conseguiu a anulação das paten­ tes para produtos do nim concedidas ao Departamento dc Agricultura dos Estados Unidos e à multinational W.R. Grace Corporation. (Cf. T h e Tim es o f India N ew s Service, 12/5/2000.) 1 Cí. D. Normilc, “Agrobiotcchnology: Asia gets a taste on genetic food fights"1. S cien ce, 31/8/00. ' Cf. S. Tilahun c S, Edwards (orgs.), T he m ovem ent fo r co llectiv e in tellectu al rights. Adis Abeba c Londres, The Gaia Foundation, 1996. 4 "lemas feministas são também recorrentes na obra dc Shiva, entre os quais os efeitos específicos, sobre as mulheres, da introdução dc modelos tecno­ lógicos na agricultura, na medicina, etc., e a contribuição tios movimentos dc mulheres na luta cm torno da semente e questões conexas.

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procura situar as teses do livro tio contexto da obra de Sjhiva com o uni to d o e indicar sua relação com v irias questões que entraram cm pauta no brasil nos ii]timos tempos. f\ .K sêmenic. Ao ser inserida no sistema de agricultura dom i­ nado pelo capital, a natureza tia semente se transforma, de recurso capaz de se regenerar em mercadoria. 2, G õ r á rcdudoiiisin. O aiiihceim cnroqtic informa os modelos V tecnológicos na agricultura - quer os da Revolução \%rdc, quer os da qgrobiotecnologja - representa apenas um tip o d e conhecimento cientifico, aquele resultante da ciência reducionista. 3. Modelos alternativos de agricultura. Existem modelos de agricultura informados por tipos não reducionistas de conhe­ cim ento cientifico, particular mente tipos de conhecim ento que estão cm continuidade direta com formas tradicionais, locais, dc conhecim ento.

A semente Nos parágrafos finais deste livro, lemos: A semente tornou-se o lugar c o símbolo da liberdade nesta época dc manipulação e m onopólio de sua diversidade. |.,.J A semente (...) ê pequena. (...) Na semente, a diversidade cul­ tural converge com a diversidade biológica. Questões ecoló­ gicas çombinam-sc com a justiça social, a par. e a democracia, O que faz da semente uma entidade Ião especial é a multiplicidade de facetas dc sua natureza. As sementes m o , ao mesmo tempo: (a) Entidades biológicas: cm condições adequadas, elas se de­ senvolvem, dando origem a plantas adultas que produzem coisas úteis para o homem, p. í x ., cercais. (b) Partes dc sistemas ecológicos. (c) Entidades desenvolvidas e produzidas por práticas humanas - e que têm assim um papel em práticas e instituições humanas. (d) O bjetos dqygnhecimcnto hu ma nejíc invest igaçâo c mp írica - (i) Com o entidades liioTógicns, elas sSo sujeitas a análises genéticas, fisiológicas, bioquímicas, celulares, ctc.; (ii) Conui partes dc sistemas ecológicos, a análises ecológicas; e (íii)

Com o produtos dc práticas humanas, a análises de seus papeis e efeitos cm sistemas sociocconòm ieos e culturais. lais com o usadas na agricultura, as sementes são sem pre todas estas coisas. Entretanto, o que elas são conete tamen te, isto é, om od o com o elas são cada uma dessas coisas varia sistematicamente com o con texto sociocconôm ico em que a agricultura í praticada. As sementes usadas na agricultura podem ser, c irndictonalmcnrc têm sido, entidades biológicas que se reproduzem rotinciramcnte de uma safra para outra. Neste contexto, elas são recursos regenerativos, sobre os quais muita coisa se pode afirmar. Elas constituem partes integrais de ecossistemas sustentáveis; geram produtos que satisfa­ zem necessidades locais; são parte da herança comum da humanidade e compatíveis com os valores culturais e organização social locais; foram selecionadas por um número enorme de lavradores ao longo das séculos com métodos informados por conhecimento local. Num outro contexto, l>em mais familiar nas sociedades modernas, as se­ mentes são iwsredíforwj: objetos comprados e vendidos no mercado; "propriedade'’ cujos usuários podem não ser os donos, cujo uso é intcgralmeme ligado à disponibilidade de outras mercadorias (p. ex., insumos químicos c maquinaria para o cultivo c a colheita), c que, em certos Casos, podem ser patenteadas e reguladas de outras maneiras, de acordo com o sistema de direitos de propriedade intelectual; são de­ senvolvidas por dentistas em laboratórios de universidades, O N Gs e empresas privadas, c normalmente produzidas em grandes empresas capital-intensivas. Neste contexto, elas não podem ser entendidas apeiijs com o o produto “ natural” das plantas, apenas - e às vezes de forma alguma - com o parte da colheita, ou com o entidades que se regene­ ram anualmcntc na seqiiência das safras. Recorrendo a estudas pioneiros dc K loppaiburg5, Shiva descreve os mecanismos de transformação da semente, de recurso regenera­ tivo cm mercadoria. l:,ste processo J c mcrcantilização teve início com o aparecimento dos modelos tecnológicos na agricultura, ou seja, de formas de agricultura baseadas na mecanização c no uso de insumos químicos - fertilizantes, inisticidas, herbicidas, etc. Tais mo­ delos ganharam força com a disseminação das monoculturas, com

' J.R , Kloppenhorgjr., First llresced : t iie p ítlilia ileto tw m y o fp h tn l h ioteebMy2-2ÍWt) (íàimbrklge, Cambridg.c Universil 1'ress, ItíSlí).

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o emprego de sementes híbridas c , mais rcCcntcmentc, de sementes traiisgênieas. O funcionamento das sementes com o mercadoria é asse­ gurado, no caso das híbridas, pelo fato de elas não se reproduzirem satisfatoriamente com o sementes, precisando assim ser adquiridas anualinentc no mercado; no caso das transgcnicas, pelo sistema dc di­ reitos de propriedade intelectual que, cm alguns países, permite con­ tratos cm que o agricultor fica legatmente impedido de utilizar para semeadura o fruto de uma colheita anterior proveniente de sementes adquiridas da firma vendedora. A mcrcantilização baseia-se assim na quebra da unidade da semente, dc um lado com o geradora de uma colheita, dc outro com o reprodutora de si mesma. Liga-se dialéticamente com a transformação tias relações sociais na agricultura na dire­ ção dc um crescente domínio do íJgiibusittess e da agricultura em grande escala voltada para exportação e, num certo nível dc análise, está inequivocamente a serviço dos interesses das multinacionais. Seus defensores, entretanto, sustentam que a m crcantilizaçã» proporciona um aum ento dc eficiência na agricultura c, acima dc tudo, que os métodos a ela associados permitem tinia produção muito maior dc cereais necessários para alimentar a crescente população do planeta. Shiva reconhece, naturalmente, que a utilização dos mé­ todos da RV fez com que aumentasse dramaticamente a produção mundial de alimentos nas quatro últimas décadas, tanto assim que agora prodicí-se comida suficiente para alimentar todas as pessoas tio mundo. Mas o fundamental é que, apesar cie todo esse avanço, a fome continua a assolar vastas regiões do planeta. A conclusão inelutável é a de que, para assegurar boa alimentação para todos, não é suficiente produzir quantidades adequadas de comida, o ver­ dadeiro problema é com o fazer para que ela chegue á boca dqs fa­ mintos. N as palavras de um economista da Universidade federal de Viçosa (M G ), jo s é M aria Alves da Silva: [... |para acabar com a fome, é preciso antes dc tudo aumentar a capacidade de distribuição de renda. Sem aumentar a cqiiidade econôm ica, sem efetivas medidas dc com bate à pobreza, o aum ento da produção agrícola pode implicar aum ento d desperdício alimentar que já ocorre cm larga escala nos países subdesenvolvidos, fato que é prudente mente omitido nos dis­ cursos dos defensores dos transgênicos.6 * José Maria Alves da Silva, “Os transgemeos c a sociedade rural", FoIIm dc Sdo fU tilo, 18/9/2000, p. A3.

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Shiva qucstkma a necessidade da RV c denuncia suas consequências nefastas.' De acordo com ela, a RV não era necessária para aumentar a produtividade, uma vez que desenvolvimentos dos métodos tradicio­ nais teriam sido suficientes (como veremos a seguir), sem falar do exa­ gero nos ganhos de produtividade alegados, dado que Se referem a urna única cultura, tendo sido cottscguidos cm detrimento de outros produ­ tos da agricultura tradicional. Quando o conjunto completo é levado em conta, resulta que os métodos tia agricultura tradicional são mais eficientes que os da monocultura. Além disso, a implementação dos métodos da RV levou â extinção da agricultura tradicional de pequena escala, à perda do conhecimento que a informa, e provocou desloca­ mentos sociais, os quais por sua vez deram origem i fome e à violência entre as comunidades afetadas. O meio ambiente se degradou, houve perda de biodiversidade, crescendo por outro lado a dependência cm relação aos movimentos do capital internacional. Resumindo, diz Shiva: F.m vez de abundância, o Punjab deparou-se com solos arruina­ dos, culturas infestadas por pragas, terras infértilizadas em vir­ tude de alagamento, agricultores endividados c descontentes [...], conflito e violência. (...) A fragmentaçãoc colapso ambien­ tais e étnicos estão infimamente ligados entre st c são uma parte intrínseca de unta política de destruição planejada da diversidade na natureza c na cultura, com vistas â instituição dn uniformidade exigida pelos sistemas de gerenciamento central.* De acordo com as previsões de Shiva, consequências deste tipo serão exacerbadas pela disseminação de culturas transgenicas, além dos riscos que estas trazem para a saúde humana, a biodiversidade e o meio ambiente.* Sua argumentação tem com o pano de fundo a Cf. Slnvíi, Tire crioln ice o f th e grten rtv olu lton , onde a argumentação c aprese tuada em detalhe. ‘ Shiva. T he vtolen ce o f tb e grceii rtvoiítlioH , p. 12 c 24. Observe-se que o Punjab é o estado indiano onde as implementações da RV são amplamcmc consideradas exemplares. ’ Embora o presente livro trate de tais riscos, uma anilisc mais completa e bem documentada encontra-se cm B ctliilg ott d tv m h y . Eles também são discutidos por Marcelo l.cite em O saliin en toi tninsgfiueoí (São Piuilo, M rliF olltíi, 2000), lista literatura não deixa sombra dc dúvida solve serem as questões envolvendo os iransgémcos bem mais complexas do que sugere a declaração do ministro da .Agricultura, Praimi dc Montes: “Por que vamos dar unia ele babaca c não pro­ duzir transgénicos? 'lemos que produzir o que o mercado quer comprar. Este m o e um país de babacas." (Cf. Folha de S Jo R iida, 17/7/00, p.A2.)

tese de que existem , ou podem existir, formas de agricultura alta­ mente produtivas, ecologicam ente sustentáveis, protetoras da bio­ diversidade c compatíveis com a estabilidade c diversidade sociais c culturais. A semente ¿ a chave para aquilo que ¿possível. As formas alternativas de agricultura dependem da semente com o recurso re­ generativo, csão incompatíveis com sua mercantilização, Isto explica a combatividade em seus escritos (especialmente neste livro) e nas atividades na luta contra o sd jrá to sd cp ro p ried a d e intelectual apli­ cados a seres vivos, incluindo as sementes, c contra a biopiraiaria, a apropriação livre e gratuita, Icgalmenie sancionada, de sementes e conhecimentos tradicionais para a exploração comercial que, por sua vez, contribui para solapar a manutenção das semen tes enquanto recursos regenerativos. A semente é assim um símbolo fundamentai nas lutas contem po­ ráneas. Como mercadoria, ela simboliza a disposição c o poder do mercado, reforçados pelas inovações técnicas e mecanismos legais, de penetrar domínios que até agora haviam resistido a tal invasão.’1’ Com o recurso regenerativo, ela simboliza as possibilidades do for­ talecim ento local, ela autogestão, de toda a população ser bem ali­ mentada, da preservação da diversidade cultural c biológica, da sustentabilidade ecológica, de alternativas à uniformidade das insti­ tuições neoliberais e da genuína democracia. Aqui no Brasil, a introdução dos transgênicos vem suscitando intensa controvérsia, c são puncos os dias cm que os jornais não trazem alguma notícia, análise, ou artigo de opinião sobre o tema. Na argumentação dos opositores predominam, de maneira geral, as considerações sobre os riscos para a saúde humana e o meio ambien­ te. litis considerações, com o vimos, estão presentes também na crí­ tica de Shiva que, entretanto, pode-se dizer, é mais radical - naquele sentido etim ológico de ir às raízes. É mais radical porque ve a dis­ seminação dos transgênicos com o apenas um elemento de um pro­ cesso socioeconómico muito mais amplo, centrado na mercantilização ela semente e da agricultura, de maneira geral. Os resultados nefastos

10 Cf. R.C. Lewomin e J.-lí Ferian. "The political economy o f agricultural research: the ease o f hybrid com ”, in C.R, Carroll, J.H . Vandermecr e ÜM. Russet (orgi-). AfyrjceoJoyy (Nova York , McGraw-Hill, 1990), e R.C. I.cw oniin, "T h e maturing of capitalist agriculture: farmer as proletarian” (Monthly Review5 0(3), 1998).

deste processo já ficaram evidentes com a RV (bem antes, portanto, do aparecimento dos transgcnicos) e n lo deverão mudar enquanto a criação e comercialização das sementes transgénicas estiverern nas máo$ das grandes empresas, quer se concretizem, quer não, os riscos para a saúde humana c ambiental. Sc no debate brasileiro há uma voz em consonância com a dc Shiva, com certeza é a do MST. Devido ao tratamento a ele dispen­ sado pelos grandes meios dc com unicação, o M ST é mais conhecido pelas ocupações de terras c edifícios públicos, pela violência dos choques com forças policiais e pistoleiros a serviço de latifundiários e, já num outro plano, pela luta em prol da reforma agrária. Para o MST, entretanto, a reforma agrária náo é apenas uma questão de posse ou propriedade da terra, mas está indissoluvelmente ligada ã valorização do meio ambiente c da biodiversidade, em oposição ao modelo tecnológico, à monocultura e i mcrcantilizaçáo das semen­ tes. Isto fica l>cni claro no documento " O M ST c o meio ambiente”, cujo subtítulo não poderia ser mais explícito: “A Reforma Agrária c nma maneira de cuidar do meio ambiente”" . Vejam-se por exemplo as seguintes passagens: A luta do M ST por Reforma Agrária é também uma luta pela preservação da vida e da natureza. Entendemos que, uns áreas conquistadas pela luta dos traba­ lhadores rurais sem terra c transformadas em assentamentos, devemos buscar o desenvolvimento rural, |N]csse desen­ volvimento rural integral devemos desenvolver os fundamen­ tos do processo económ ico c social através da eliminação da exploração dos trabalhadores e utilização raciona), com sustcutnbilidade, dos recursos naturais disponíveis nas áreas de Reforma Agrária, estimulando a prática da cooperação nas suas mais diferentes fornias. Nosso relacionamento com o meio 1

11 Este documento é dc autoria de um grupo de técnicos e dirigentes orga­ nizado pela direção da CONCRAB - Confederação das Cooperativas dc Re forma Agrária do brasil, na prática o setor nacional dc produção do MST. A YcrsãD eletrônica pode ser obtida com o coordenador do grupo, Ulcnar J. berrara, no endereço concrabé^uol.com.bt, Aproveitamos a oportunidade para agradecer a Klrtiar pela contribuição, a Angela Mendes de Almeida c Dulcinéia IVtvan, que nos colocaram cm contato com c1c,a Renata Menascbe C Sue Branford.

ambiente deve ter uma concepção socioambicntal, sendo o ser humano o centro da natureza c o principal elemento para n sua preservação c uso. Devemos evitar práticas predatórias dos recursos naturais (terra, Agua, fauna c flora) e utilizar técnicas dc conservação. Com bater o uso dc agrotóxicos que atentam contra a vida humana e os bens da natureza, desen­ volvendo e aplicando métodos alternativos de produção C de controle de insetos e ervas daninhas. Mencionaremos mais adiante algumas das iniciativas do M ST visando n implementação destes princípios na prática.

Ciência reducionista As práticas que envolvem a semente com o recurso regenerativo, seus desenvolvimentos c usos c a maneira com o os agricultores se relacionam com ela sáo informadas por uni tipo dc conhecim ento diferente daquele associado à semente com o mercadoria c, mais amplnmcnte, aos modelos tecnológicos na agricultura. Quer se trate da KV, quer da agrobtotecnologta, este conhecimento exemplifica, se* gnndo Shíva, apenas um tip o d c con h ecim en to cien tífico , denomi­ nado por ela “ciência reducionista”. Uma característica da ciência reducionista é fornecer com preen­ são dos fenóm enos «xcíusivam enle em termos de suas estruturas subjacentes e componentes moleculares, de seus processos e intera­ ções e das leis que os governam, abstraindo dc suas relações com a vida c a experiência humanas, bem com o de suas relações sociais c económicas. Desta forma, seus objetos são em si mesmos, nas pala­ vras dc Sltiva, “mortos, inertes, sem valor” (cap. 2). O “cxclusivamenie" é fundamental nesta caracterização, sendo a ciência reducionista criticada não pelo que inclui, em termos dc conhecimento, mas pelo que deixa dc fora, N o que diz respeito ãs sementes, ela investiea aquilo que pode ser conseguido por manipulações de seus com po­ nentes moleculares e suas interações co m outros objetos dc seu do­ mínio, com o os herbicidas, mas ignora os efeitos na saúde lunnana ç no meio ambiente possivelmente causados ao se introduzirem tais sementes inodi ficadas iiã agricultura c os efeitos sociais decorrentes do contexto sociocctinõmico de tal introdução, A ciência rcducio-

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pjsta tende também a tratar os fenómenos de maneira fragmentada, como conjunto de aspectos que podem ser investigados individual­ mente. Uma culheila, p, ex., é considerada fonte de um produto (um cereal) e investigada enquanto tal, ignorando-se a possibilidade de que possa ser também fonte de forragem para o gado, expressão de valores culturais, meio de fomentar a biodiversidade, etc. Finalmen­ te, na medida em que articula oenlemli mento abstraindo das relações sociais entre os fenômenos, reduzindo a semente a suas estruturas subjacentes, a ciência reducionista contribui para ocultar a transfor­ mação fundamental por que passa a semente ao ser incrcantilizada. Há uma ligação fundamental deste tipo de ciência, diz Shiva, com n lógica «ia expansão do mercado. Sua prít ica não tem outra jusu ficativa, c ele carece de aplicabilidade fora da lógica do mercado.11 A aplicação da uência reducionista dã origem a unia “quádrupla vidência"1 Primeiro) a violência contra os snnostos beneficiários do conhecimento (lavradores pobres e suas famílias). As condições cm que eles podem manter suas formas de agricultura são solapadas, de tal maneira que eles deixam de ser produtores dos próprios alimentos, tomando-« consumidores que precisam «Jqüirj-fqs, frtqücntementcsejMli$pur dos meios para isto,em virtude do deslocamento social. {Segundo) contra os portadores de formas não-rcdncionistas de ciência? À concessão de “monopólio” ao conhecimento obtido pela ciência reducionista e de proteção especial por meio dos direitos de propriedade intelectual aos produto* porcia informados desvaloriza o conhecimento dos portadores dc outras formas, tradicionais c agroecológicas de conhecimento, bem como as atividades por elas informadas. A ciência reducionista também não coloca barreira al­ guma aos projetos sociais e económicos que exploram livremente tais formas de conhecimento (biopirataria), ou que diminuem sua relevância prática, e, assim, a autonomia de seus portadores. (" Terceiro,.“a pilhagem do conhecimento", ou violência contra o próprio conhecimento. Esta forma liga-sc dirctamente à segunda c

11Algutnas das controvcrsias a que podem dar origem la it tests sao discutidai |wi I I. I accy tm "As sememes e o ennhedmento que etas incorporsun" (SJo

/InJrj ci>i l\?rtptcliva t4 (A), julliti tic 2000).

11 l \ic icma t alx>rdado com a maxima clareia no artigo de Shiva “ReduciolliM sr teiur as epistemological violence”.

consiste na afirmação de que o conhecimento náo-rediicionisca sim­ plesmente não é conhecimento. Em nome do “conhecimento cien­ tifico'" bem estabelecido, o conhecimento tradicional é não apenas desvalorizado, mas também explorado, suprimido, distorcido c con­ siderada não merecedor de tnvestigaçãocmpírica c aperfeiçoamento. ( Qunrtol “a pilhagem da natureza”, ou violência contra o objeto do conhecimento. Projetos informados pela ciência reducionista tendem a “destruir a integridade inata da natureza c assim a despojam de sua capacidade regenerativa” e a destruir a biodiversidade e a herança ge­ nética das regiões onde são aplicados. Nas palavras da autora: A agricultura sustentável baseia-se na reciclagem dos nutrienM do solo. Isso implica devolver ao solo parte dos nutrientes que dele sc originam c que sustentam o crescimento das plan­ tas, A manutenção do eid o nutritivo e, com isso,da fertilidade do solo, baseia-se na inviolável lei do retomo, que reconhece a terra como fonte de fertilidade. O paradigma da Revolução Verde na agricultura substituiu o fic io dc nutrientes regene­ rativo por fluxos lineares de insumos na forma de Ícrtilizaiues químicos adquiridos das fábricas c produtos representando mercadorias agrícolas comercializadas- A fcrtilidaife não era, mais uma propriedade do solo, mas de produtos químicos. A Revolução Verde esteve csscnciahnente baseada em sementes milagrosas que requeriam fertilizantes químicos e não gera­ vam retom o das plantas ao solo (cap. 3). Shiva é uma crítica radical dos modelos tecnológicos dominantes na agricultura e do conhecimento qnc os informa. As quatro violências por c b denunciadas são decorrência não dc formas particulares de uti­ lização desse conhecimento, mas de sua própria uaiureza. O conheci­ mento reducionista serve necessariamente aos interesses da agricultura capital-intensiva e mesmo em condições sociocconômicas favoráveis não pode contribuir para projetos favoráveis à justiça social. Observan­ do náoapcnas a persistência da fome e da desnu triçãoem grande escala, apesar da produção de comida suficiente para todos, além das outras consequências descritas acima, Shiva sugere ser a motivação da RV (c agora, da introdução dos transgênicos) náo tanto a solução do problema da fome, agravada pelo aumento da população, mas sim a transfor­ mação capitalista da agricultura.

Form as alternativas d e agricultura e os tifros d e con hecim en to qu e as inform am A ciência reducionista fornece apenas um tipo de conhecim ento científico, diz Shiva. Há outros tipos, associados à semente enquanto recurso renovável, e estes informam diversos métodos de agricultura, frequentemente agrupados sob o rótulo “agroccologia”. A investi­ gação agroecológica, por um lado, não despreza a contribuição da ciência reducionista, recorrendo de inúmeras maneiras a o conheci­ mento das estruturas subjacentes, à química e à bioquímica das plan­ tas, solos c i nsumos da produção agrícola. Mas, por outro lado, situa os fenómenos da agricultura c, portanto, a semente, integralmente em seu contexto específico ecológico c social. Ela investiga as rela­ ções e interações entre os organismos c seu meio ambiente, consi­ derado com o um tudo mais ou menos auto-regulador do qual o organismo é parte integral. Desta forma, ela permite identificar as potencialidades que as coisas (p. ex„ sementes) têm em virtude de seu lugar em sistemas agroccológicos. Diferentemente da ciência reducionisra, a agroccologia não abstrai as dimensões sociais, humanas c ecológicas das coisas. Seu foco reside cm objctos-agroecossistcmas produtivos c sustentáveis c suas partes constituintes (sementes, plañ­ ías, microorganismos, etc.) - cujas potencialidades não podem ser reduzidas àquelas identificadas ¡vor métodos reduciojlistas. Produzir uma colheita é visto com o parte de um processo de gerar e manter ngroecossistemas produtivos c sustentáveis.14 O sucesso empírico da agroccologia é um fundamento essencial para a contestação do monopólio do conhecimento feito cm nome da ciencia reducionista. Em sua análise, Shiva destaca os pontos fortes do conhecimento tradicional que, cm contraste com o universalismo da ciência reducionista, tem unia natureza local, isto é, responde às peculiaridades de cada agroecossisteim em que está inserido, assu-1

11 P ara ..... a hreve introdução ã agroeeolcgjft, cnfariiando sua sólida lvise empírica, sua adequação ás necessidades de pequenos lavradores e Comuni­ dades rurais c sua relação com os métodos agrícolas tradicionais c o conhe­ cimento que os inform a, ver Miguel Altieri, A groccolog ia: a d in âm ica firorlt/lm i d a agricu ltora su íten tilv ei (Porto Alegre, Universidade Fet1eT.il tio Rio Grande do Sul, ISSS). Cf. também H. I.aeey, Valores e tiíi v id ad f a a tU fk a (São Pauto, D hcu rto E ditorial, 199S, tap, ó).

m iada assim diferentes formas em diferentes lugares, A agricultura tradicional, informada por tais conhecimentos, desenvolveu práticas ■quase sempre ecologicamente adequadas, mantendo, p. ex., solos férteis por milénios, e incorpora métodos de controle de pragas c mo­ léstias que funcionam por meio de arranjosc combinaçõesdc diferentes culturas, liem com o processos de seleção que deram origem a um re­ servatório genético rica mente diversificado e modos de organização social em harmonia com os processos naturais. Claramente, ao longo dos séculos, sementes autóctones, obtidas por meio dc polinização em campos abertos, foram aperfeiçoadas como resultado das práticas de seleção adotadas i>clos lavradores locais. O conhecimento tradicional, além do maU, 6 passível dc aperfeiçoanaento, por meio de pesquisas visando sua articufação, sistematização c avaliação empírica, das quais os lavradores locais participam, ao lado de “especialistas“, que con ­ tribuem com o conhecim ento das estruturas, processos e interações subjacentes aos sistemas agroccológicos. Também no que sc refere a práticas agrícolas alternativas é grande a proximidade entre as ideias defendidas neste livro c as do MST, Recorrendo de novo a “O M ST c o meio ambiente”, veja-se agora: O analfabetismo, a violência, o desmatamento, a contamina­ ção dos alimentos e das águas, a destruição dos solos, a into­ xicação dc trabalhadores c toda uma geração de sem -terra são as marcas que o modelo agroquímico deixou c continua dei­ xando em nosso país. F.m diversos assentamentos de Reforma Agrária organizados pelo MST, no entanto, este quadro já mudou. Produz-se se­ mentes, insumos agrícolas e alimentos de um novo jeito, pau­ tado pela agroecologia. Podemos destacar o intenso esforço dos assentados em produzir sementes tios produtos agrícolas, resgatando variedades amiga* mente utilizadas c mais adaptadas a cada região, mas que foram descartadas pelas indústrias produtoras de sementes híbridas. Os assentados produzem até sementes orgânicas (sem venenos c adubos químicos) de hortaliças, sendo esta a base para a pnxluçâo total mente orgânica c natural tlc verduras, legumes c frutas. Estas sementes são comercializadas por uma das cooperativas do MS I (Cooperal/RS), sob a marca Bionatur.

Um outro documento, “ M $T, m eio ambiente e produtos pauta­ dos na agroeeologia'*, \ relaciona várias outras iniciativas desta na­ tureza, incluindo a produção de arroz orgânica no assentamento Santa Fé, etn Águas Claras (RS), de sementes de milho crioulo em assentamentos no extrem o oeste de Santa Catarina, de erva-mate orgânica em Santa Maria do Oeste (PR ), erc. Talvez se possa dizer que estas iniciativas representam ainda uma pequena proporção do total de assentamentos no país. M as, levando etn conta as dificulda­ des, a penúria por que passaram e passam os sem -terra, não é possível deixar de admirar e aplaudir o que já se conseguiu. O docum ento descreve ainda um projeto de rcflorestam ento numa região do Pontal do Paranapanema onde, durante anos, pre­ dominou a pecuária extensiva. ^ Uma das atividades do projeto é particularmentc interessante e consiste cm estabelecer um flu x o g en ético (corredor) entre tris áreas de florestas nativas classificadas com o Mata Atlântica d o Interior, a principal possui 3 3 .0 0 0 hectares, a segunda 4 0 0 hectares c a terceira 3 0 0 hectares [...]. Entre as áreas de M ata Atlântica, existe o assentamento de trabalhadores rurais. O projeto consiste no plantio de árvores exóticas e nativas na área pertencente aos assentamentos, para que potencialize trocas genéticas das diversas espécies animais e vegetais que constituem as três áreas, form ando ao longo do tempo um corredor de migração das espécies animais (principalmemc aves e insetos) além de facilitai a transmissão de materiais genéticos das árvores nativas que constituem este ecossistema. Shivn desenvolve seu trabalho cm estreito contato com com uni­ dades dc pequenos lavradores na índia. Entre estas c os assentamen­ to« do MST, há incontáveis diferenças ecológicas, culturais, sociais e políticas. Mas existe também, com o vimos, um fundo significativo dc pontos cm comum e, desta forma, a possibilidade dc que os mo-1

11 Valem também para este as indicações dadas acima com referência a "O M ST e o mck> ambiente". ,fcTrata-« dc uma parceria envolvei ido a COCAMP/MST (Cooperativa dc Comer­ cialização c Prestação dc Serviços dos Assentados da Reforma Agrária do Pontal), uma ONC (IPÍl - Instituto tic Pesquisas Ecológicas), o Instituto Florestal dc São Paulo c a Escola de Agricultura tia Universidade dc Sâo Paulo (liSALQ).

vimcntos venham a se beneficiar mutuaincnte com «ma troca de experiências. Podc-sc assim ver o mundo de Shiva c o mundo do M ST com a duas florestas, e o presente livro com o «ma pequena trilha que, esperamos, dará origem a um corredor de idéias, contri­ buindo para o enriquecimento da diversidade cultural e biológica dos dois países.

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V andana S hiva; uma S ileçào

Reductionist science as epistemological violence, út A. Nandy (org.), Scien­ ce, hegemony and violence. Nova Délbi, Oxford University Press, 1988.

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Pirataria através das parentes A segunda chegada de Colombo

Em 1 " dc abril dc 1492, os monarcas católicos Isabel dc Castilha c Ecrnando dc Aragão concederam a C ristó v ã o Colonibo os privilégios dc “descoberta c conquista”. Um ano depois, cm 4 de maio de 1 4 9 3 ,o Papa Alexandre VI, por meto dc sua "llula de D oarão", concedeu à rainha Isabel c ao rei IVrnando todas as ilhas c territórios firmes "descobertos c por descobrir, cem léguas a oeste e ao sul dus Açores, em direção à índia” c ainda não ocupadas ou controladas por qualquer rei on príncipe cristão até o Natal dc 1492. ('orno disse Walter Ullmann cm M edieval Hipalism: O papa, com o vigário dc Deus. comandava o mundo corno íe o c e fosse um instrumento cm suas mãos; apoiado pelos canonistus, considerava o mundo corno sua propriedade, po.lend o dele dispor com o lhe aprouvesse.

Cartasde privilégios c patentes transformaram, assim,atos d cjãrau rú tcu iiflM aikiJiv iiu u O s povose nações colonizados

não pertenciam ao papa, que, entretanto, os "doava”, e essa jurisprudência amónica fez dos monarcas cristãos da Europa os governantes de todas as nações, "onde quer que sc encontrem c qualquer que seja o credo que adotem". O princípio da “ocupa­ ção efetiva” pelos príncipes cristãos, a “vacância” das terras a qnc sc referiam, e o “dever” de incorporar os "selvagens" eram componentes das cartas de privilégios e patentes. A Bula Papal, a carta de Colombo c as patentes concedidas petos monarcas europeus estabeleceram os fundamentos jurí­ dicos e morais da colonização e do extermínio dc povos não* europeus. A população nativa americana declinou dc 72 milhões cm 1492 para menos dc 4 milhões poucos séculos mais tarde. Quinhentos anos depois dc Colombo, uma versão secular do mesmo projeto dc colonização está em andamento por meio das patentes e dos direitos dc propriedade intelectual (DPI). A Bula Papal foi substituída pelo Acordo Geral sohrc Tarifas e Comércio {G en eral A grcew ent ort Tariffs a n d Tradc, GATT). O princípio da ocupação efetiva pelos príncipes cristãos foi Substituído pela ocupação efetiva por empresas transnadonais, apoiadas pelos governantes contemporâneos. A vacância das terras foi substituída pela vacância de formas de vida e espécies, modificadas pelas novas biotecnologias. O dever de incorporar selvagens ao cristianismo foi substituído pelo dever dc incorporar economias locaise nacionais ao mercado global, e incorporar os sistemas não-ocidentais de conhecimento ao red u cio n ism o da ciência e da tecnologia mercantilizadas do inundo ocidental. A criação da propriedade por meio da pirataria da riqueza alheia permanece a mesma dc 5 0 0 anos atrás. A liberdade que as empresas trnnsnacionais estão reivin­ dicando por meio da proteção aos DPI, no acordo do GATT sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Com ércio {Trade R c la ted In telled u a l Property Rigbts, TRIPs), é a liberdade que os colonizadores europeus usufruíram a par­ tir de 1492. Colombo estabeleceu um precedente quando tra­ tou a licença para conquistar povos náo-curopeus como um

írm ouuçAo

direito natural dos europeas. Os títulos de terra emitidos pelo Papa por intermédio dos le is e rainhas europeus foram as primeiras patentes. A liberdade do colonizador foi construída sobre a escravidão e subjugação dos povos detentores do di­ reito original à terra. Essa apropriação violenta foi convertida em “natural” definindo-se o povo colonizado como parte da natureza, negando-se a ele, assim, sua humanidade c liberdade.1 O livro de John l.ocke sobre a propriedade' legitimou essa mesma operação de saque c roubo durante o processo do cercam etito [eitclosurc] das terras comunitárias feudais [cotnntOHSJ na Europa. Luckc formulou claramente a liberdade de construir do capitalismo como liberdade dc roubar, A prof priedade i gerada extraindo recursos da natureza c misturan­ do-os ao trabalho. Mas esse “trabalho” não é físico, é trabalho na sua forma “espiritual”, como a expressa no controle do capital. Segundo l.ocke. apenas os detentores de capita] tç-m o direito natural de possuir recursos naturais, e este revoca ok direitos comuns de outras pessoas, anteriormente estabeleci tios. O capital é, dessa forma, definido com o uma fonte d' liberdade que, ao mesmo tempo, nega a liberdade à terra, à • florestas, aos rios c ã biodiversidade, que o capital rcivindic i com o seus, e a outros seres humanos cujos direitos se baseiam no sen trabalho. A devolução da propriedade privada ao povp é vista como expropriação da liberdade dos detentores dp capital. Assim, camponeses e povos tribais que exigem de volta os seus direitos e acesso a recursos ião considerados ladrões. Essas noções eurocéntriens dc propriedade c pirataria são as bases sobre as quais as leis dc DPI do GATT c da Organização Mundial do Comércio {OM C) foram formuladas. Quando os europeus colonizaram o resto do mundo pela primeira vez, sentiram quecra seu dever "descob rírc conquistar”, “subjugar, ocupar c possuir". Parece que os poderes ocidentais ainda são

1Jnhii l.ocke,Two Irtitliie i o fC o ir r u in r u I , ¿iliiaiio por Pcicr Casictt (Cam­ bridge Univcrcity IVtss, 1967),

acionados pelo impulso colonizador de descobrir, conquistar, deter c possuir tudo, todas as sociedades, lodosas culturas, As colônias foram agora estendidas aos espaços interiores, os “có­ digos genéticos” dos seres vivos, desde micróbios c plantas até animais, incluindo seres humanos. John M oore, um paciente de câncer, teve as linhagens de suas células patenteadas por seu próprio médico. Em 1 9 % , a M yriad P barm aceu tical, uma companhia sediada nos Estados Unidos, patenteou o gene do câncer de mania nas mulheres para obter o monopólio dos diagnósticos c testes. As linhagens de células tios H ag abai da Papua Nova Guiné c dos Guarní do Panamá foram patenteadas pelo Secretário do Comércio dos listados Unidos. O desenvolvimento c a troca de conhecimento que ocor­ rem naturalmente foram, de fato, criminalizados pelo E cotiotitic E spionage A ct (Ato de Espionagem Econômica), que se tornou lei nos Estados Unidos cm 17 de setembro de 1996, e outorga às agências de inteligência norte-americanas o poder de investigar as atividades normais de povos no mundo todo. O Ato considera os DPI das grandes empresas norte-aincrica­ nas como vitais à segurança nacional. A pressuposição de terras não-ocupadas, terra itulliits, está agora sendo estendida à “vida não-ocupada”: sementes e plan­ tas medicinais. A apropriação de recursos nativos durante a colonização foi justificada pela alegação de que os povos in­ dígenas não “melhoravam" sua terra. Como John Winthrop (158 8 -1 6 4 9 ) escreveu: Os nativos cm Nova Inglaterra não cercam suas terras, nem tem habitações fixas, nem gado domesticado para melhorar suas terras, então nada mais possuem que o Direito Natural a essas terras. Portanto, se lhes deixarmos o suficiente para Uso próprio, poderemos Icgalmente tomar o resto ,i

2 John Winthrop, “Life and letters", citado cm Djclal Kadir, C alu m bas an d tbe Eitds o fth t Parth (Berkclcy. Universa) of California Press, 1992), p. 171.

A mesma lógica é agora utilizada para tomar a biodiversi­ dade dos proprietários c inovadores originais, definindo suas sementes, plantas medicinais e conhecimento médico como parte da natureza, com o não-cicncia, e tratando as ferramentas da engenharia genética com o o padrão de “melhoramento". A definição do cristianismo com o única religião, e de todas as outras crenças e cosmologias com o primitivas, encontra seu paralelo na definição da ciência ocidental mcrcantilizada como única ciencia, e todos os outros sistemas de conhecimento como primitivos. Quinhentos anos atrás, bastava ser uma cultura não-cristá para perder quaisquer possese direitos. Quinhentos anos depois de Colombo, basta ser uma cultura não-ocidental com uma visão de mundo característica c sistemas de conhecimento diversos paia perder quaisquer posses e direitos. A humanidade dos ou­ tros foi anulada então e seus intelectos estão sendo anulados agora. Territórios conquistados foram tratados como despovoa­ dos nas patentes dos séculos X V e XVI. Pessoas foram naturali­ zadas como “nossos súditos". Na sequência dessa conquista por meio da naturalização, a biodiversidade é definida conto na­ tureza - as contribuições culturais c intelectuais dos sistemas de conhecimento não-ocidentais são sistematicamente apagadas. As patentes de boje têm uma continuidade com aquelas concedidas a Colombo, Sir John Cabot, Sir Humphery Gilbert e Sir Walter Raleigh. Os conflitos desencadeados pelo tratado do GATT, pelo patenteamento de formas de vida c de conhe­ cimentos indígenas e pela engenharia genética estão assenta­ dos cm processos que podem ser resumidos c simbolizados com o a segunda chegada de Colombo. No coração da “descoberta” de Colombo estava o trata­ mento da pirataria com o um direito natural do colonizador, necessário para a salvação do colonizado. No coração do tra­ tado do GATT e suas leis de patentes está o tratamento da biopirataria com o tini direito natural das grandes empresas ocidentais, necessário para o "desenvolvimento” das comuni­ dades do Terceiro Mundo. A biopiratariaé a “descoberta” de Colombo 500 anos de­ pois de Colombo. As patentes ainda são o meio de proteger

essa pirataria da riqueza dos povos não-ocidentais como um direito das potências ocidentais. Por meio de patentes e da engenharia genética, novas co­ lônias estão sendo estabelecidas. A terra, as florestas, os rios, os oceanos c a atmosfera tem si do todos colonizados, depauperados e poluídos. O capital agora tem que procurar novas colônias a serem invadidas c exploradas, para dar continuidade a seu pro­ cesso de acumulação. Essas novas colônias constituem, em minha opinião, os espaços internos dos corpos de mulheres, plantas c animais. Resistir à biopirataria é resistir à colonização final da própria vida - do futuro da evolução conto também do futuro das tradições não-ocidentais de relacionamento com c conheci­ mento da natureza. É uma luta para proteger a liberdade de evolução dc culturas diferentes. É a luta pela conservação da diversidade, tanto cultural quanto biológica.

Conhecimento, criatividade e direitos de propriedade intelectual

O que c criatividade? Essa é a questão central dos debates atuais sobre o pntenteamentoda vida. Ta! patenteamento cerca a criatividade inerente aos sistemas vivos, os quais sc repro­ duzem e multiplicam em liberdade auto-organizada, cerca os espaços internos de mulheres, plantas e animais, e cerca tam­ bém os espaços livres da criatividade intelectual ao transfor­ mar o conhecimento gerado publicamente cm propriedade privada. Os DPI sobre formas de vida supostamente recom­ pensam c estimulam a criatividade. Seu impacto na verdade é o oposto - sufocar a criatividade intrínseca às formas de vida e à produção social de conhecimento.

C ria tiv id a d es d iv ersas

A ciência é uma expressão cta criatividade humana, tanto a individual cotno a coletiva. Uma vez que a criatividade tem diversas exprcssõcs^considero a ciência como uma iniciativa pluralista que engloba diferentes "maneiras de conhecer”. Para

mim, ela [tão sç restringe a ciencia ocidental moderna, mas i ocluí o$ sistemas dç conhecimento de diversas culturas cm diferentes períodos da histó ri a. Trabalhos recentes na história, filosofia e sociologia da ciencia revelaram que os cientistas não trabalham de acordo com um método científico abstrato, lançando teorias com base na observação direta c neutra._As afirmações científicas uño são mais vistas da perspectiva dc tint modelo verificad onista, mas com o emergindo do com­ promisso dc unia comunidade especializada de cientistas com metáforas c paradigmas pressupostos, que determinam o sen­ tido dos termos c conceitos constituintes, bem corno O $tátn$ da observação c do fato. Essas novas concepções da ciência, baseadas na sua prática, não nos dei riam qualquer critério para distinguir as afirmações teóricas de ciências autóctones nãoocidentais das afirmações da ciência ocidental moderna. A predominância desta última mesmo nas culturas não-oeiden­ ta is tem mais a ver com a hegemonia cultural c econômica do Ocidente do que com neutralidade cultural, O reconhecimen­ to das diversas tradições dc criatividade í uni com ponente essencial para manter vivos diferentes sistemas de conheci­ mento. isso é particularmente importante neste período de violenta destruição ecológica, no qual a mínima fome de co­ nheci mento c discerni men to ecológico pode tornar-se um elo vital para o futuro da humanidade neste planeia. Os sistemas de conhecimento autóctones são de um modo geral ecológicos, enquanto o modelo dominante de conheci­ mento científico, caracterizado pelo reducionismo c a frag­ mentação, não está equipado para levar cm consideração inte­ gralmente a complex idade das inter-rd ações na natureza. Essa insuficiência torna-se particularmente significativa nç> domí­ nio das ciências dia vida, que lidam com seres vivos. A criati­ vidade nas ciências da vida tem que incluir três níveis: 1. A criati vid ade i itere ntc aos seres vivos, que lh es pcrmi te evoluir, recriar-sc c rcgcncrar-se. 2, A criatividade dc comunidades indígenas que desenvol­ veram sistemas de conhecimento para conservar e utilizar a rica diversidade biológica do nosso planeta.

3. A criatividade dos cientistas modernos nos laboratórios de universidades ou grandes empresas, que descobrem manei­ ras de usar os seres vivos para gerar lucro. O reconhecimento dessas diferentes criatividades é essen­ cial para a conservação tanto da biodiversidade quanto da diversidade intelectual - através de culturas c dentro do mun­ do universitário.

D ireitos d e p ro p ried a d e in te le c tu a l e a d estru içã o d a d iv ersid a ­ d e in telectu a l

Como justificativa para os DPI, alega-se que eles estimu­ lam e recompensam a criatividade intelectual. Conhecimento e criatividade foram, todavia, definidos dc maneira tão estreita no contexto dos DPI, que a criatividade da natureza e dos sistemas de conhecimento não-ocidentais é totalmcnte igno­ rada. DPI teoricamente são direitos de propriedade de pro­ duções da mente. Por toda parte, pessoas inovam c criam. Sc os regimes dc DPI refletissem a diversidade das tradições de conhecimento que respondem pela criatividade c inovação nas diferentes sociedades, seriam necessariamente pluralistas - re­ fletindo também os estilos intelectuais dc outros sistemas dc propriedade c dc direitos - levando a uma incrível riqueza de permutações t combinações» Da manei ra como sao discuti dos atualmente cm plataformas globais, como o GATT c a Convenção sobre Biodiversidade, ou como são impostos unilatcralmcnte pela cláusula especial 301 1 do U.S. T radeA ct (Lei do Comércio dos Estados Unidos), os DPI são a prescrição para a monocultura do conhecimento. Esses instrumentos são usados para universalizar o regime dc patentes norte-americano por todo o mundo, o que inevitavelmente le­ varia a um empobrecimento intelectual e cultural, ao sufocar outras maneiras dc saber, outros objetivos para a criação do co­ nhecimento e outros modos dc compartilhá-lo. O acordo sobre os TR I Ps do Ato Fina! do GATT bascia-sc em um conceito de inovação cxcrcmamentc restrito que, por

definição, tende a favorecer as corporações transnacionais em detrimento dos camponeses c povos das florestas do Terceiro Mundo cm particular. À primeira restrição é a mudança dc direitos coletivos para direitos privados. Conforme declara o preâmbulo do acordo, os DPI são reconhecidos apenas como direitos privados. Isso exclui todos os tipos dc conhecimento, idéias c inovações que acontecem nas “terras comunitárias intelectuais” - nos povoados entre os lavradores, nas florestas entre os povos tribais, c até mesmo nas universidades entre os cientistas. O acordo sobre os TRIPs é, portanto, um mecanis­ mo para a privatização das “terras comunitárias intelectuais” c a desintelectualização da sociedade civil. A mente se torna um monopólio das grandes empresas. A segunda restrição dos DPI é que eles são reconhecidos apenas quando o conhecimento c a inovação geram lucro e não quando satisfazem necessidades sociais. Segundo o Artigo 2 7 .1 , para serj.>atentcávcl, uma inovação deve ter potcncialmente uma aplicação industrial. Isto imediatamente exclui to­ dos os setores que produzem c inovam fora do modo de organização industrial. O lucro e a acumulação dc capital são os únicos fins da criatividade; o bem social não é mais reçonhecido. $ob o controle das corporações, ocorre a “desíndustrializaçáo” das produções em pequena escala nos setores informais da sociedade. Negando-sc a criatividade da natureza e de outras culturas, mesmo quando esta criatividade é explorada para sc obter um ganho comercial, os DPI passam a ser outro nome para o roubo intelectual e a biopirataria. Ao mesmo tempo, a reivindicação pelo povo dos seus direitos habituais e coletivos ao conheci­ mento c aos recursos transforma-se cm "pirataria” e “roubo”. A U.S. Trade C om m ission (Comissão Internacional do C o­ mércio dos Estados Unidos) alega que a indústria norte-ame­ ricana está perdendo entre 100 c 3 00 milhões de dólares por ano devido à “fraca” proteção da propriedade intelectual nos países do Terceiro Mundo1. Quando sc leva cm conta o valor 1 Vjndani Sluv.l, Monocultura o f tfx Ktinit (I.omlrcs: Zed Books, 1993).

da b io d iv e rsid ad e e d as tra d iç õ e s in te le c tu a is do T e rc e iro M u nd o utilizad as liv rem en te por interesses c o m ercia is n os Es­ tad os U n id o s, são o s E stad o s U n id o s - e n ão países c o m o a índ ia - que se d ed icam à pirataria. E m b o ra m uitas d as p a te n te s d os E sta d o s U n id o s estejam baseadas na biod iversid ad e e no c o n h e c im e n to d o T e rce iro M u n d o , assum e-se, e rro n e a m e n te , q u e , sem a p ro te çã o dos D P J,a c ria tiv id a d e p erm a n ece en terra d a . C o m o afirm a R o b ert S h erw p o d : ‘‘A criativ id ad e hu m ana é um vasto recu rso n a cio ­ nal p ara q u alq u er país. C o m o o o u ro nas m o n tan h as, p erm a­ n ecerá en terrad a, se não hou ver estím u lo ã e x tr a ç ã o . A p ro ­ te ç ã o da p ro p ried ad e in telectu al 6 a ferra m en ta que libera esse re cu rso ” ." Essa in te rp re ta çã o da criativ id ad e, lib erad a so m e n te q u a n ­ d o se estab e le ce m regim es fo rm ais de p ro te ç ã o d os D P I, é a n egação to tal da criativid ad e na natu reza c da criativ id ad e gerad a por m o tiv os que não o Lucro nas so cied ad es industriais e n ão-in d u striais. É a n eg ação d o papel da in ov ação nas cu l­ turas trad icio n ais c n o d o m ín io pú blico- De fa to , a in te rp re ­ ta ç ã o d o m in an te d o s D PI leva a um a d isto rçã o extra o rd in á ria d a co m p re en sã o d a criativid ad e c , co n se q u e n te m e n te, da c o m ­ p reensão da h istória da desigualdade c da pobreza. A desiguald ade e c o n ô m ic a e n tre os países indu strializad os ricos e o s países p o b res d o T e rc e iro M u n d o ò o p ro d u to de 5 0 0 an o s de c o lo n ia lism o e a c o n tín u a m a n u ten çã o c cria çã o d e m ecan ism o s de e x tr a ç ã o da riqu eza d o T erceiro M u n d o. S e g u n d o o p ro g ram a d e desenvolvi m e n to da O N U , e n q u a n to 5 0 b ilh õ es de d ó la re s fluem an u alm cn te d o M orte para o Sul cm term os de ajuda, o Sul perd e 5 0 0 b ilh õ e s a cada an o em p agam en to s d e ju ro s de dívidas c e m virtude de p reços inju stos d as m e rca d o ria s d ev id o a c o n d içõ e s desiguais de co m ércio . Em vez de p erceber q u e a desigualdade estru tu ral d o sistem a e c o n ô m ic o in tern acio n al está nas raízes da pobreza d o T e rc e i-1

1Rohm Sherwood, tníeVcctml Profxrty and Economic ¡ycvtlofwtenl (BotilJ « , San iT.nitiiQi, c Oxtord; Vfcitvitw Press).

ro M u n d o , os d efen so res d os D PI e xp lica m a pobreza c o m o o resu ltad o da falta de criativ id ad e, q u e , por sua vez, dizem estar en raizad a na fa lta de p ro te çã o aos D P I. Por e x e m p lo , n o seu liv ro In telle c tu a i P rop erty a n d E co ttom ic D ev elo p m en t, S h erw o o d relata duas h istó rias, um a real c o u tra in te iram em e im aginária. N as palavras d o autor, d a s servem p ara esta b e le ce r um co n tra ste en tre a m aneira d e p en ­ sar d e indivíd uos co m u n s cm um país sem p ro te ç ã o e a de um país co m p ro te çã o efetiv a. Um representante de uma fábrica de bombos dus listados Unidos, que durante alguns anos fui vizinho tio autor na região mais afastada de Nova York, percebeu, ao visitar um cliente, que seria interessante produzir um certo tipo de válvula de pressão. Apesar do ceticismo da esposa,ele passou parte das noitese fins de semana projetando a tal válvula, requereu e obteve unta pa­ tente do projeto. Fez unia segunda hipoteca da sua casa c mais tarde oliteve um empréstimo bancário, graças principalmcntc á força da patente. Montou um pequeno negócio, empregou uma dúzia de pessoas e contribuiu para o efeito multiplicador antes da sua válvtila ser suplantada por outros tipos uus 2 0 anos mais tarde. O homem nunca |iensou muito sobre propriedade inte­ lectual. F.le simplesmente assumiu que poderia obter uma pa­ tente e montar um negócio a partir dela. Em Lima, Peru, o jovem Carlos (um personagem fictício em qualquer país em desenvolvimento) ganha um magro sustento soldando silenciadores de reposição etn caminhões e carros. F.le pensa cm um grampo para simplificar a instalação do silenciador. Sua esposa encara a ideia com ceticismo. Ele de­ veria passar suas noites c fm sdc semana projetando e desen­ volvendo o grampo? Vai precisar de ajuda para fabricar um protótipo. Deveria envolver seu amigo metalúrgico? Precisará de dinheiro para comprar metal e ferramentas. Deveria usar o que está guardado embaixo do colchão? Ou deveria pegar o ônibus e ir ate o outro lado da cidade para pedir um em­ préstimo ao marido de sua irmã? A resposta a cada unia dessas perguntas tende forteinentc a um não, devidoa unia proteção fraca da propriedade intelectual. Sem |iensar muito sobre pro­ priedade intelectual, sua esposa,o cunhadoe o próprio Carlos

sabem, com o uma questão de senso comum, que sua itiéia é vulnerável, e que é provável que outros se apoderem dela, Carlos náo ptxlc pressupor que sua idéia seja protegida. Nesta história, a falta de confiança na possibilidade de pro­ teger sua idéia muito provavelmente levaria Carlos a uma res­ posta negativa para cada uma das suas perguntas. Se a história de Carlos for multiplicada muitas vezes, a perda de oportunida­ des no país é devastadora. Quando um sistema efetivo de pro­ teção se toma uma realidade, aumenta a confiança na possibi­ lidade de bens intelectuais terem valore poderem ser protegidos. Então, o hábito mental da inventividade e da criatividade, que está no cerne do sistema tle proteção da propriedade intelectual, irá se espalhar pelas mentes das pessoas/ A falácia de q u e as pessoas sáo criativas ap en as q u an d o o b tem lucros e p o d em g aran ti-los pela p ro te ç ã o d o s D PI é cen tral na id eolog ia d esta in stitu ição. Isso nega a criativid ad e cien tífica d aqu eles qtte n á o sáo estim u lad o s p ela b u sca d o lu ­ c ro . N ega a criativ id a d e das socied ad es tra d icio n a is c da c o ­ m unidade cie n tífic a m o d e rn a , on d e a livre tro ca de idéias c a p ró p ria co n d içã o d e criativ id ad e, n áo sua an títese.

P aten tes c o m o b lo q u e io s d a liv re tro ca N ã o e x iste p ra tica m cn rc evid ên cia d e q u e as patentes de fato estim ulem a in v e n çã o . E stud os c o m o “T h e M a k ín g o f A m erican Industrial R e se a rch ” de L eo n ard R c ic h , p u blicad o cm 1 9 8 5 , sugerem q u e a s patentes são utilizadas para b lo q u ea r a entrad a de o u tra s em presas n o m ercad o. Por e x e m p lo , cm p arte co m o resu ltad o d a e x te n sã o da p ro te ç ã o a variedades d e plantas c da d isp o sição d os tribu nais d o s E stad os Unidos d e esten d er p aten tes a o rg a n ism o s, o n ú m ero d e co m p an h ias in d ep en d en tes de sem en tes no m u nd o in te iro tem c a íd o c o n ­ sid eravelm en te n as últim as décadas. G ig an tes d a indú stria p e ­ tro q u ím ica e farm a cêu tica vem se ap ro p rian d o d o c o m é rc io p. 196-97.

SS

d e sem entes. Esses o lig o p ó lio s co m freq u ên cia retard am , cm vez d e acelerar, o p ro cesso d c invenção. Um sistem a d c p aten tes fo rte n ào é a p rin cip al razão d o d ese n v o lv im e n to e c o n ô m ic o , m esm o em países in d u strialm en te d esenvolvid os. E m 1 9 7 7 , C .T . T ay lor c A. S ilb crsto n realizaram , n o R e in o U n id o , um estu d o so b re 4 4 em p resas indu striais e m ostraram q u e o im p a cto das p atentes na ta x a e d ireção d e in v en ções e in o v açõ es é, no to d o , e x trem a m en te pequ ena em to d as as áreas analisad as, c o m e x c e ç ã o d as ind ú s­ trias q u ím icas secu nd árias (n ã o básicas). E dw in M an sficld estu d ou as indústrias n o rte-a m erica n a s u tilizan d o dados d c 1 9 8 1 - 8 3 . C o m b a se e m um a a m o stra a lea ­ tó ria d e 1 0 0 em p resas d e 1 2 indú strias, a p ro te çã o d c p aten tes n ão se revelou essencial p ara eq u ip am en to e lé tric o , e q u ip a ­ m e n to de e scritó rio , a u to m ó v e is, in stru m en tos, m etal p rim á­ rio , b o rra ch a c indústrias tê x teis. E m o u tra s três indústrias (p e tró le o , m aq u in aria e p ro d u to s m etálico s fab ricad o s), estin io u -sc que a p ro te çã o d c p a ten tes era essencial para o d esen ­ vo lv im en to c in tro d u çã o d c c e rc a de 10 a 2 0 % das suas in­ venções. N as indú strias q u ím ica s c farm acêu ticas, as p aten tes fo ram julgadas essenciais p ara 8 0 % das invenções. Assim sen d o , as p aten tes irão são necessárias para g erar um clim a dc invenção c criativid ad e. Elas são m ais im p o rta n tes co m o ferram entas de c o n tro le d c m ercad o. D c fa to , a e x is tê n ­ cia de patentes en fraq u ece a criativid ad e social da com u n id ad e cien tífica rep rim in d o o in te rcâ m b io livre en tre cien tistas. As patentes sã o a fo rm a m ais p o d ero sa d c p ro te ç ã o d o s DPI. O n d e quer que as p aten tes sejam associad as à pesquisa cien tífica, o resu ltad o é o fim d a com u n ica çã o . E m b o ra os cien tistas nunca tenham sid o tão ab ertos q u a n to im ag in a a m itologia p opular, a am eaça à co m u n ica çã o cien tífica re p re ­ sen tad a por cien tistas tra b a !liand o cm em p re e n d im e n to s c o ­ m erciais p ro teg id os p o r p aten tes está sc to rn a n d o um m o tiv o d c p reocu p ação im p o rta n te. C o m o diz Em anuel E p stcin , fa­ m oso n u cíco b ió lo g o : No passado, trocar idéias ir refle (idamente era a coisa mais natural do mundo cmre colegas, para compartilhar as últimas

descobertas, recém-saídas do contador de cintilografia ou de uma célula dc eletroforese, para mostrar uns aos outros esbo­ ços de artigos c dessa forma agir com o companheiros numa pesquisa cheia de cniusiasmo. Isso tf não acontece mais. Q ualquer cientista da UCD (Uni­ versidade da Califórnia cm Davies) com uma nova e promis­ sora cultura para (o melhoramento da safra)... há de pensar duas vezes antes dc falar sobre isso com qualquer uma das duas empresas privadas de genética dc plantas agrícolas dc Davies - ou mesmo com colegas que, por sua vez, poderiam falar com essas pessoas, Eu sei que esse tipo de inibição )á está acontecendo no campus.4 R e fle tin d o so b re o fim da abertu ra c ien tífica n o co m p le x o u n iv ersid ad e-in d ú stria, M a rtin K enny ob serv a: ... o medo de perder a prioridade ou ver o próprio trabalho transformado cm mercadoria pode silenciar os que presumivel­ mente são colegas. Ver algo que se produziu transformado em produto ã vcntla por alguém sobre quem não se lem controle pode fazer uma pessoa se sentir violada. O trabalho dc amor é convertido cm simples mercadoria - o trabalho agora £ um item a ser trocado conforme seu valor de mercado. O dinheiro se tonta o árbitro do valor dc um desenvolvimento científico.5 A ab ertu ra, o livre in te rcâ m b io de idéias e in fo rm a çõ es e o livre in te rcâ m b io d c m ateriais e té c n ic a s são d ecisivos para a criativ id ad e c prod u tivid ad e da com u n id ad e cien tífica . Ao introduzir o sigilo na ciên cia, o s D PI e a associada m ercu ntilizaçáo c privatização d o c o n h e c im e n to irão p ô r fim à co m u n id ad e cie n tífic a c , p o rta n to , a o seu po ten cial d c cria ti­ vidade. O s DPI exp lo ra m a criativ id ad e ao m esm o te m p o que acabam co m sua p ró p ria fo n te . S a b em o s que os reserv atório s não reabastecid o s log o acabam secan d o . O bom senso n os diz q u e q u an d o as raízes de tuna á rv o re n ã o são nutridas ela m o rre. 1

1 linianucl Fpstcm, ctad o cm Kenneth Martin, B iotechnology: The Univer&tyhtthtslrial C om plex (New Haven e Londres: Yale University Press), p, 109-10. ' Martin Kenny, citado ent B iotechnology: '¡1m U m venity-hutuilruil C om plex.

O s D PI são u m m e ca n ism o eficien te de co llie r o s p ro d u tos da criativid ad e social. E les sã o um m ecanism o in eficien te para criar c alim en tar a á rv o re d o co n h ecim en to .

A m ea ças à árv ore d o co n h ec im en to Por m eio de processos sutis, as raízes da árvore d o co n h eci­ m ento cien tífico estão definhando, ao m esm o tem po que seus frutos são rapidam ente colhidos para a o b ten ção de lucros. O p ro cesso m ais sig n ificativ o é o que D avid E hrcnfetd ch am o u dc “e sq u ecim e n to ”. E n q u a n to algum as d isciplinas c esp ecializações geram lu c ro através da m e rca n tiliz a çã o , ou tras são negligenciad as, m esm o sen d o essenciais para as bases d c um sistem a dc co n h ecim e n to . O s D PI levam a um a m udança d c d ireção da pesquisa, vo ltan d o -a para os alvos d c m aior interesse co m ercia l. À m edida que a b iolog ia m o lecu la r se to r­ na a fonte principal de té c n ic a s para a indústria da b io te c n o ­ lo g ia , o u tra s d is c ip lin a s d a b io lo g ia d efin h a m c m o rre m . E stam os à beira d c p erd er nossa habilid ad e de d isting u ir um a planta ou anim al d c o u tro e d c esq u ecer co m o as esp écies conh ecid as interagem e n tre si c co m seu m e io am bienteAs m inhocas, por exem p lo, estão entre as espécies cruciais para nossa sobrevivência. A agricultura depende da fertilidade do solo, c a fertilidade d o solo depende cn o rm cm cn te das m i­ nhocas. Elas m elhoram a fertilidade da terra dep ositando nela m atéria fecal e aum entand o sua perm eabilidade ao ar c à água. Em 1 8 9 1 , C h arles D arw iu publicou seu ú ltim o tra b a lh o , resultante d c um estu d o d c um a vida in teira sob re m in h o cas, ond e escreveu: É possível duvidar de que existam muitos outros animais que tenham desempenhado um papel táo importante na história do mundo como o destas criaturas de organização inferior.*1

6Clin rica Darwin, V ie Fonitítion o f Vegetttble Moirtí Tf&ough the Action o f Wormt with ObtervhitioHt o f V icir Habits (l.ondres: Murray, 1891).

N o e n ta n to , c o n fo rm e relata D avid E h rciife ld , as pessoas treinadas c m e co lo g ia de m inhocas e stã o d esa p a recen d o : No momento cm que escrevo isto, existe apenas um único cientista trabalhando ativameme e familiarizado com a taxíononiia das minhocas na América do Norte, lile se encom ia cm uma pequena universidade privada dc lowa. Uma outra taxionomista dessa espacie animal trabalha na Universidade dc Pono Rico, nu s foi treinada na Espanha apenas rceentemente. Um terceiro taxionomista, treinado pela sua mãe, vem trabaIhatidoctn uma agência de correios no Oregon. A quarta c última pessoa na América do Norte, acima do M éxico, que tem tim conhecimento especializado sobre taxionomta dc minhocas çstá atualmente ganhando a vida como advogado da polícia cm New Brunswick, no Canadá. Não existem mais estudantes dc pósgraduação cm taxionomia de minhocas nos Estados Unidos e Canadá. Cinqücnta anos atrás, pelo menos cinco cientistas ame­ ricanos, mais seus estudantes, trabalhavam nesse campo. A si­ tuação não é diferente etn outras partes do mundo: a Austrália, durante muito tempo conhecida pela pesquisa sobre minhocas, agora não faz nenhuma; o Britisli Mii.scum abandonou a ta­ xionomia de minhocas, c assim por diante. O exemplo das minhocas não é atípico. Quanto mais avanços fazemos, mais esquecemos. De que serve nossa tecnologia dis­ pendiosa cm um mar de ignorância?7 Ião logo as priorid ad es se d eslocam da necessidad e social pai a o re to rn o p o ten cia l d c um investim ento, q u c é o principal critério d c uma pesquisa c o m e rciai m ente o rie n ta d a , vertentes inteiras d c co n h e c im e n to c aprend izad o são esq u ecid as e e n ­ tram cm e x tin çã o . E m b ora esses diversos cam p o s possam não ser co m crcia lm cn tc lucrativos, eles sáo so cia lm en te n ecessá­ rios. C o m o um a socied ad e que e n fre n ta p roblem as eco ló g ico s, precisam os d c ep id e m io lo g ía , d c e co lo g ia c de b io lo g ia e v o ­ lutiva c d o d esenvo lv im ento . P recisam os dc esp ecialistas em d eterm in ad os grupos ta x io n ô m ico s, c o m o m icró b io s, insetos David Ehrenídd, Brgmiting Agam {Nova York and Oxford: Oxford Univenity Press I99á), p. 7 0 -7 1.

e plantas, p ara resp o n d er à crise da e ro sã o da biod iversid ad e. N o m o m en to cm que ig n o ra m o s o útil e o n e cessá rio , c nos co n c e n tra m o s apenas n o lu crativo , estam os d estru in d o as c o n ­ d içõ es sociais para n c ria ç ã o d a diversidade in telectu al.

F ech a m en to d os d o m ín io s in telectu a is com u n s A árv ore d o c o n h e c im e n to tam bém d efin h a p elo q u e c h a ­ m ei de “ fe ch a m e n to d os d o m ín io s in telectu ais co m u n s’'. A in ov ação n o d om ín io p ú b lico ¿n e c e s s á ria para a in o v ação q ue e privatizada pelos D P I. A lóg ica d o rc lo rn o -d o -in v c stim c n to ligada aos D P I, e n tre ta n to , d eix a de rep or o a p o io p ú b lico ao d o m ín io p ú blico . G ra n d e parte da pesquisa de fu n d o su b ja­ ce n te a q u alq u er av a n ço p atcm eáv el receb e fin a n cia m e n to pú­ blico. N o entanto, os resultados são com freq ü ência em pregad os em pesquisa ap licad a visand o d escobertas p aten teáveis, cu jo re to rn o é o b je to de a p ro p ria çã o privada. O s m o vim en tos c o n tra o s T R IP s c p aten tes d a vida sâ o m o vim en tos para p ro teg er a criativid ad e da natu reza c de o u ­ tro s sistem as de c o n h e cim e n to . É da co n serv a çã o dessa c r ia ­ tividade que depende n o sso futuro.

A vida pode ser criada? A vida pode ser possuída? Redefinindo a biodiversidade

E m 1 9 7 1 , a G e n e ra l E le c tric e um d c seus fu n cio n á rio s, Aiiand M o h an tíh a k ra v a rty , en traram co m um p ed id o d c pa­ te n te nos Estados U n id o s para b a ctéria s d o tip o p seud om onas g e n eticam en te m o d ificad as, C h ak ravarty e xtra íra p lasm íd co s d c tr&s tipos de b a ctéria s e o s introd u zira cm um q u a rto tipo, (m in o d e e x p lico u : '“Eu sim p lesm en te em baralhei g en es, m o­ d ifican d o b a ctéria s q u e já e x istia m ". C h ak rav arty o b te v e a p aten te, co n ced id a co m base na tese de que o s m icro o rg an ism o s em quesrão n âo erairt p ro d u tos da natu reza, mas d c sua in te rv e n ç ã o e, p o rta n to , patenteáveis. Segund o relata A n d rew K im b rell, d estacad o ad vogad o norteam e rican o : “A o c h e g a r a essa d ecisão sem p reced en tes, o tri­ bunal p areceu n ã o se d ar c o n ta de que o p ró p rio in v en to r havia caracterizad o sua 'c r ia ç ã o ’ do m ic ró b io sim p lesm ente com o u m ‘cm baral h a r’ d c g en es, e n ão c o m o cri ação d e vi d a”. 1

1 Andrew Kitubrel], T he H um an B ody Shop (N ovj York: Harpcr-Collins Publishers, 19V3).

C o m base nessa ju stificativa d uvid osa, a p rim eira patente d e vid a foi co n ced id a c , apesar de plantas c anim ais n ã o serem p aten teáv eis segu nd o a lei n o rte-a m erica n a , o s E stad o s U nidos tem , desde e n tão , se apressado ern con ced er patentes para to d o tip o d e fo rm a d e vida. A tu alm en te, b em m ais q u e 1 9 0 an im ais g e n etica m en te m o d ificad o s, in clu in d o p eixes, vacas, ca m u n d o n g o s c p o rcos, e stão , por assim dizer, fazend o fila para serem p aten tead os p o r inú m ero s cien tista s e g ran d es em presas. Seg u n d o Kim breU : A decisão do Supremo Tribunal sobre Chakravarty estendeu-se A cadeia evolutiva acima, subindo a espiral de formas de vida cada vez mais complexas. O paténtenme nto de micróbios levou ttwxoravclmcnte ao patentea mento de plantas e depois animais.2 A b iod iversid ad e foi red efinida c o m o “in v e n çõ e s b io tecn ológicns” , para to rn a r o p ate n te a m e n to de fo rm a s de vida a p a re n te m e n te m en os co n tro v e rtid o . Essas p aten tes são váli­ das p o r 2 0 a n o s e, p o rta n to , co b rem g era çõ es de plantas c anim ais. N o e n ta n to , m esm o q u and o cien tista s em un iv ersi­ dades em baralham g e n es, eles n ã o "c r ia m " o o rg a n ism o que a seguir p aten teiam . R eferin d o -se ao caso Chakravarty', q u a n d o o tribu nal es­ tab eleceu p reced en tes a o d ecid ir que ele havia “pro d u zid o um a nova b actéria com ca ra cterística s n o tn d a m cn tc d iferen tes de q u aisq u er o u tras en co n tra d a s na n atu reza” , Key D ism u kcs, d ireto r de estud os d o C o rn w ittec o n V ision (a p ro x im a d a m e n ­ te : C o m issão para D ecisõ es E stratégicas) da A cad em ia N a cio ­ nal de C iê n cia s d o s E stad os U nid os, afirm o u : Que puto menos uma coisa fique clara: Anand Chakravarty não criou uma nova forma de vida; ele simplesmente interveio no processo normal de iroca de informação genética das bac­ térias, para produzir uma nova cepa com padrões metabólicos alterados. A bactéria “dele" vive c se reproduz de acordo com

zibut.

as leis que governam toda a vida celular. Avanços recentes nas técnicas de UNA recombinantc permitem uma manipulação bio­ química mais direta dos genes bactcrinnos que as utilizadas por Chakrnvarty, mas elas também são apenas modulações de pro­ cessos biológicos. Estamos iitcalculavelniente longe de ser capa­ zes de criar nova vida - c por isso eu sou profundamente grato. O argumento de que a bactéria de Charkravarty é obra dele e não da natureza exagera de maneira absurda o poder humano c manifesta a mesma presunçãoc ignorância de biologia que têm tido um impacto tão devastador na ecologia do nosso planeta. * Essa m a n ife sta çã o de p resu n ção e ig n o râ n cia to rn a -se a in ­ da m ais evid en te q u a n d o o s b ió lo g o s re d u cio n ista s q u e req u e­ rem p aten tes d e vida d eclaram q u e 9 5 % d o U N A é “ U N A Jjx o ” Ijttttk D N A ), o q u e na verd ad e sig n ifica q u e $ua fu n ção é d esco n h ecid a. Q u a n d o os e n g en h eiro s g e n ético s alegam que “co n s tro e m " vid a, freq u e n te m e n te têm q u e usar esse D N A lix o p ara o b te r o s resultad os. C o n sid erem o e x e m p lo da ov elh a ch a m a d a Tracy, um a “in v en ção b io tc c n o lá g ic a ” deis cien tista s da Pharm aceurical IV otein Ltd. (P P L). T racy é ch am ad a de “b io rre a to r de célu las de m a m ífe ro ” p o rq u e, pela in tro d u çã o de g en es hu m anos, suas glândulas m am árias foram induzidas a produzir um a pro­ teína, a alfa-l-an titrip sin a , para a indústria farm acêutica. C o m o afirm a R on Jam es, d ireto r da PPL: “A glândula m am ária é uma e x ce le n te fáb rica. N ossas ov elhas são p equ enas fáb ricas lniiudas p eram b u lan d o n os p astos c fazem um ó tim o tra b a lh o ”. E m b o ra d igam que as “ in v en çõ es b io te c n o ló g ic a s ” são cria çõ e s da en g en h aria g e n ética , o s cien tistas da PPL tiveram q ue usar D N A -lix o para o b ter g rand es p ro d u çõ es de a lfa -lan titrip sin a. Segu n d o Ja m e s : “ D eix a m o s alguns desses ped a­ ço s alea tó rio s de D N A n o g e n e, c s scn cia lm cn te d a m aneira c o m o D eus o fez ç isto au m en tou a p ro d u tiv id a d e". Ao rei- 1

1 Key DunjuJtcs, citado em Brian Belcher c Geoffrey I lawiin, A Patent ott U fa Otvttership o f Plant and Animal Research (Canadi: IDRC, 1991).

vind icar a p ate n te , e n tre ta n to , é o cien tista q u e se to rn a D eu s, o cria d o r d o o rg a n ism o p aten tead o. A lém d o m ais, as g e ra çõ e s futuras de a n im ais, é c la ro , não são “in v e n çõ e s" d o d o n o da p a te n te ; elas sã o o p ro d u to da cap acid ad e reg en erativ a d o org anism o. Assim , n a o o b sta n te a m etáfo ra d o s “e n g e n h e iro s " co n stru in d o “ m á q u in a s", d o s 5 5 0 óvulos de o v elh a in o cu la d o s co m D N A h íb rid o , 4 9 9 so b re v i­ veram . Q u a n d o e stes fo ra m tran sp lan tad os para m ães p o rta ­ d oras, apenas 1 1 2 co rd e iro s n asceram , d o s quais ap en as c in c o co n tin h am genes h u m an os in co rp o ra d o s em seu D N A . D esses, apenas trés apresen tavam a lfa -1 -a n titrip sin a n o leite , d ois dos quais p rodu ziam tres gram as d e p ro teín as p o r litr o de leite. M asT racy, que prod u z trin ta g ra m a s p o r Iit ro , é o ú n ico anim al e n tre o s 1 1 2 b io m o d ifica d o s a se to rn a r a ov elh a “ dos ov os d e o u ro ” da P P L U nía das ca ra cte rística s d a b io lo g ia rcd u cio n ista é d eclarar inúteis o s org a n ism o scsu n s fu n çõ es b aseand o-sc na ig n o ra n cia de sua estru tu ra c fu n ção. D essa m an eira, m uitas plantas c u l­ tiváveis e árv ores são con sid erad as “ d an in h as” .4 F lo re sta s c raças de g ad o são co n sid era d a s “d ispensáveis”, E o D N A cu ja fu n ção se d esco n h ece é ch a m a d o D N A -lixo . D a r p o r perdida a m aior parte das m o lécu las c o m o sen d o lixo d ev id o á nossa ign orân cia sign ifica n ão con seg u ir en ten d er p ro cesso s b io ló ­ gicos. O D N A -lix o d esem p en h a um papel essencial. O fa to de a p ro d u ção d e p ro te ín a s de T racy ter au m en tad o c o m a in tr o ­ d u ção de D N A -lix o ilustra a ig n o râ n cia d os cien tista s da P P U não seu co n h e c im e n to c criativid ad e. E n qu an to a en g en h aria g en ética é m old ad a n o d e te rm i­ nism o e na previsibilidad e, a m anipu lação hum ana d o s seres vivos caracteriza-se p elo in d eterm in ism o e a im p revisib ilid ad c. A lém da d istância e n tre a p ro je çã o e a p rática d o parad igm a da engen haria g e n ética , e x iste um a d istân cia en tre a a p ro p ria ­ çã o d e lu cros c b en e fício s, em rela çã o ã d o s p erig os c riscos.

4 V.iniLin.i Shiv.i, h tom tcu llu rcf o f f/w M hid (l andres; 7_cd ftooks, 1993).

Q u an d o os d ireito s d e p ro p ried a d e para fo rm as de vida silo reiv in d icad os, isto se faz sob a a leg ação de que cías sáo novas, in éd itas e in e x is te n te s n a u a tu re z a . E n tre ta n to , q u an d o ch ega o m o m en to de o s “ p ro p rietá rio s” assum irem a re sp o n ­ sabilid ade pelas c o n se q u ê n cia s de lib era r n o m cio am b ien te organism os g e n etica m e n te m o d ificad o s (O G M ), de rep en te, as form as de vid a de i sa ín de ser novas. Elas sã o natu rais c, p o rta n to , seguras, sen d o a q u e stã o da b iosseg u ran ça tratada co m o im p ro ced e n te / A ssim , p ara seren í p o ssu íd o s, os o r g a ­ nism os s a o trata d o s c o m o n ã o -n a tu ra is; q uando, o im p a cto e c o ló g ic o de lib erta r Q G tyts ¿ q u e stio n a d o pelos am b ien tal is­ las, esses m esm os o rg a n ism o s passam a ser naturais. Essas c o n ­ cep ções cttnihiantes d o ''n a tu ra ]” m ostram que a cien cia , que alega te r os níveis m áx im os de o b jetiv id a d e, é, na v erd ad e, lim ito su b jetiv a e o p o rtu n ista na sua ab ord ag em da natu reza. A inconsistência na con stru ção d o “ natural” está b em e x e m ­ p lificad a n o caso d a s p ro te ín a s h u m a nas p ro duzidas, p ela e n ­ genharia g e n ética p ara uso cm p ro d u to s de c o nsum o in fa ntil. A G en P h arm , um a co m p a n h ia de b io te c n o lo g ia , é a d o n a do p rim e iro to u ro de g a d o leite iro tra n sg cn ico , ch a m a d o H e r ­ m án. H erm án foi b io m o d ific a d o p elo s cien tistas da c o m p a ­ nhia ainda n o está g io e m b rio n a rio , para ser p o rta d o r de uní gene h u m an o que p erm ite a p ro d u çã o de leite c o n te n d o um a p ro te ín a hu m ana. E sse leite seria usado na c o m p o siç ã o d e uni p ro d u to d e co n su m o in fa n til. O gene m an ip u lad o c o org an ism o d o qual ele faz parte são tratad o s co m o n ã o -n a tu ra is no que diz resp eito à posse de H erm án c sua cria . E n tre ta n to , q u an d o se trata da seg u rança d o p ro d u to para cria n ça s c o n te n d o esse in g red ien te b io m o d i­ fica d o c e x tra íd o d o úbere d o s d escen d en tes de H e rm á n , a m esm a co m p an h ia d iz: “ E stam os fab rican d o essas p ro teín as e x atam en te da m a n eira c o m o elas são produ zidas na n a tu re ­ z a ”. Jo n a th a n M acQ u itty, superintendente da G en P harm , q u er

' Rural Dctwlopmtnt Foundation Intem alm nal C onw iuw que, Ontário. Ca­ nadá, jnnlio de 1993.

que a cred item o s que o p ro d u to infan til fe ito de p ro te ín a hum ana b io m o d ifiça d a d o leite de g ad o leite iro tra n sg ên ico é leite hum ano“ “O Icite h u m an o é o p ad rão d e excelencia» e as em p resas p ro d u toras têm a d icio n a d o (elem en to s hu m anos) cad a vez m ais ao lo n g o d os 2 0 ú ltim o s a n o s ". D esse p o n to de vista, vacas, m u lheres e cria n ça s s á õ ln ê r o s in stru m en tos para a p ro d u ção de m ercad o rias c a m ax im ização d o lu c ro .6 C o m o se a in co n sistên cia e n tre a c o n stru çã o d o natu ral c d o que é nov o nas esferas d e p ro te çã o d e paten tes c a p ro te çã o da saúde e d o am b ien te tuto fosse su ficien te, G e n P h a rm , a “d o n a ” de H erm án , m o d ifico u co m p le ta m e n te o o b je tiv o de produ zir u m to u ro tra n sg ên ico . A gora ela tem a u to riz a çã o é tic a com base em que, a o usar o to u ro transgênico c o m o re­ p ro d u to r, a versão m o d ifica d a d o g ene h u m an o d e la cto fe rin a p o d e b en e ficia r p acien tes co m câ n ce r ou A1DS. P aten tear seres vivo s estim u la d ois tip os de violên cia. P ri­ m e iro , fo rm as vivas sá o tratad as co m o se n ã o passassem de m áq u in as, n e g an d o -sc-lh e s assim sua cap acid ad e de a u to -o rg an ização. Seg u n d o , a o p erm itir o p a te n tca m en to de futuras g e ra çõ e s de plantas c an im ais, n eg a-sc aos seres vivos a ca p a ­ cidad e d e au to -rep ro d u çã o . O s seres vivos, a o c o n trá rio das m áquinas, se a u to -o rg a nizam . D ev id o a esta p ro p ried a d e, eles não podem ser tratad o s c o m o sim plesm ente “ in v e n çõ e s b io tc c n o ló g ic a s” , '‘co n stru io s g ê n ico s”, o u “ prod u tos da m e n te " q ue precisam ser p ro teg id o s c o m o “ propried ad e in te le c tu a l". O paradigm a da c o n stru çã o na b io tecn o lo g ia baseia-se n o pressu p osto de que a vida p o d e ser con stru íd a. As p a ten tes de seres vivos baseiam -se no p ressu p o sto de que a vida pode ser o b je to de posse porqu e foi co n stru íd a. A engen haria g en ética c as p aten tes de vida são a e x p ressã o final da m crcan tiliz a çâ o da c iê n c ia c da natu reza à qual d eram in ício as revo lu ções c ie n tífic a c indu strial. D e a c o rd o com a análise de C aro ly n M e rc h a n t cm H )c D ea th o fN a tu rc (A m o rte *

* Neu> S ãen tiít, 9 de j.meíro de 1993.

d a n atu rez a), a ascen são da c ie n c ia rcd u cio n ista p erm itiu q u e a natu reza fosse d eclarad a m o rta , in e rte e sem valor. F.m c o n ­ seq u ên cia, p erm itiu a e x p lo ra ç ã o e d o m in a çã o da natu reza, co m toral m en osp rezo pelas c o n se q u ê n cia s so ciais e eco ló g ica s d esta p o stu ra .7 A ascen são da c iê n c ia rcd u cio n ista estava ligada á m erca n tilização da ciên cia c resultou na d o m in a çã o de m u lheres c povos n ão -o cid en ta is. O s d iv erso s sistem as de c o n h e c im e n to dessas m u lh eres e p ovos n ã o fo ra m tra ta d o s c o m o form as le ­ gítim as de saber. T en d o a m e rca n tiliz a çã o c o m o o b je tiv o , o rcd u cio n ism o to rn o u -se o c rité rio da validad e cien tífica . F o r­ m as de saber e sistem as d e c o n h e c im e n to n ã o -re d u d o n ista s c e co ló g ico s fo ram d esv alorizad os c m arg inalizad os. O p arad igm a da e n g en h a ria g e n é tic a está ag ora an iq u ilan ­ d o o s ú ltim os rem an escen tes d o s p arad igm as eco ló g ico s, ao red efin ir seres vivos c b iod iversid ad e c o m o fe n ô m en o s “ c ria ­ d o s p elo h o m em ” . A ascen são d o parad igm a red u cio n ista da b io lo g ia , que serve aos interesses c o m ercia is da e n g en h a ria g e n ética , da in ­ d ústria d e b io tecn o lo g ia , foi d a m esm a con stru íd a. Isso foi fe ito p o r m eio de fin a n cia m e n to s b em c o m o de recom p ensas e re co n h e cim e n to .

A en g en h a ria g en étic a e a a s cen sã o d o p arad ig m a red u cio n ista d a b io lo g ia O rcd u cio n ism o na b io lo g ia tem m u itas facetas. N o nível das esp écies, esse rcd u cio n ism o atribui um v alor a apenas um a d elas - a hu m ana - c atribu i a to d as as o u tra s apenas um valor in stru m en tal. E le ten d e, p o rta n to , a d esprezar c levar á e x tin ­ ç ã o as esp écies q u e têm um v a lo r instrum ental b a ix o ou nu lo para o hom em . A m o n o cu ltu ra de esp écies c a ero sã o da b io ­ d iv ersid ad e são a co n se q u ê n cia inevitável d o p en sam en to rc"c.irolyn McfcharK,7HwD eathofN aíure: Wòttten, E tobgyandtbeScienlific R evuíutw n (New York: I lafptr 9i Rovi, 1980), p. 182.

d u cio n ista na b io lo g ia , esp ecialm en te q u a n d o ap licad o à sil­ v icu ltu ra, à ag ricu ltu ra c à p iscicu ltu ra. C h a m a m o s isso de re d u cio n ism o de p rim eira ordem . A b io lo g ia rcd u cion isra ca ra cteriz a se cad a vez m ais p elo re d u cio n ism o de segunda o rd em - o re d u cio n ism o g e n ético - a red u ção de to d o c o m p o rta m en to ou o rg a n ism o b io ló g ico , in clu in d o o h o m em , aos genes. O re d u cio n ism o d c segunda o rd e m am p lifica o s riscos e c o ló g ic o s d o re d u cio n ism o d c p ri­ m eira o rd e m , ao introd u zir novas qu e stõ e s, c o m o o p aten team e n to d c fo rm as vivas. A b io lo g ia red u cion ista tam bém é a ex p ressã o d o rcd u cio n ism o cu ltu ra l, na m edida em q u e d esv aloriza m uitas form as de co n h e c im e n to c sistem as éticos. Isso inclui to d o s o s sistem as n ã o -o cid e n ta is d c ag ricu ltu ra e m ed icin a, assim co m o tam bém to d as as d iscip lin as da b io lo g ia o cid en ta l q ue n ão se prestam a o re d u cio n ism o g e n é tic o c m o lecu lar, e m b o ra sejam neces­ sárias para um rela cio n a m en to sustentável c o m o m u nd o vivo. O re d u cio n ism o foi m u ito p ro m o v id o p o r August W cism a n n , q ue, há quase u m sécu lo , p o stu lou a to ta l sep a ra çã o das célu las rep ro d u tivas - a linhagem g erm in ativa - d o c o r p o fu n cio n al, ou so m a. Seg u n d o W eism ann , as célu las rep ro d u ­ tivas são isolad as já no cm h riã o inicial c m an tem essa existên cia segregad a até a m atu ridad e, q u an d o co n trib u e m para a fo r­ m a ção da p ró xim a g eração. Isso deu su sten tação à idéia d c que as características adquiridas não podiam ser herdadas. A “barreira d c W eism ann", na m aior parte in existen te, ainda é o paradigma usado para discutir a conservação da biodiversidade co m o sendo a conservação d o “ plasma germ inativo”. O plasma germ inativo, W eism ann havia sustentado an teriorm en te, estava divorciado d o m undo exterior. As mudanças evolutivas n o sen­ tido de um a m elh or aptidão - significando uma m aior capacidade de reprodu ção - eram o resultado de erros fortu itos que por acaso prosperaram na com p etição da v id a.8

' Robcrt Wesson, Bryonti S atãm l M ixtión (Cambridge, MA: The Mfl" Rrc», 1993), p. 19.

O clássico ex p erim en to de W cism ann de u m sécu lo atrás foi consid erad o a prova da não-hered itaried ad e d as características adquiridas. E le co rro u o rabo de 2 2 gerações de cam u nd ongos c observou que a g era çã o seguinte ainda nascia c o m rabos n o r­ mais. O sacrifício de centenas de rabos de cam u n d on g o apenas provou que esse tip o d e m u tilação n ão era hered itário.’ A tese d c q u e a in fo rm a ç ã o flui d o s g en es para o c o r p o foi re fo rça d a pela b io lo g ia m o lecu lar e pela d esco b e rta , n os an o s 5 0 , d o papel d o s á cid o s n u cleico s, fo rn e c e n d o à g e n ética m end clian a um a b ase m a teria l sólid a. A b io lo g ia m o le c u la r m o s­ tro u o s m eios de tra n sferir in fo rm a çã o dos gen es As p ro teín a s, m as n ão deu n en h u m a in d ica çã o - até rc c e n te m e n tc - d e q u a l­ q u er tran sferê n cia na d ire ç ã o o p o sta, A in fe rê n c ia de q u e n ão p o d eria e x is tir tra n sferê n cia algum a to rn o u -se o q u e E rancis C ric k d e n o m in o u o d og m a cen tra l d a b io lo g ia m o lecu lar. “Um a vez que a ‘in fo rm a çã o ’ tenha passado para as p roteínas, não pode m ais sair d c l á " .10 Isolar o g en e c o m o a “ m oléculaira s tra " é parte d o d eterm inism o biológico. O “dogm a cen tra l" d c que os genes, n a form a de D N A , fazem proteín as é o u tro aspecto desse d eterm inism o. Esse dogm a é preservado, em bo ra se saiba que o s genes n ão "fa z e m " nada. C o m o diz R ich ard L ew o n tin cm T h e D o ctrin e o f DNA (A d o u trin a d o D N A ): O DNA é uma molécula morta, uma das moléculas mais nãoreativas c quimicamente inertes do mundo. N ão tem o poder de se auto-reproduzir. Mais exata mente, cie é produzido, a par [ir de elementos materiais, por uma complexa maquinaria celular de proteínas. Enquanto frequentemente sc diz que o DNA produz proteínas, na verdade as proteínas (enzimas) é que produzem o DNA.

, J.W Rollare!, “Is WcisittJiln’s Birricr Ahsolulq?” ni M.W. Ho e ET. Saunders (orgs-), BfyOnd NeO^Danohutm: Introducción to tbc N tw E volutioiM ry

[Uradigm (l.ondon: Academíc Press, 1984), p. 291-315. Fraircis Crkk, i M OtM from Bíology”, Natunsl H istory 97 (novembro de 1988); 109.

Quando nos referimos a genes como auto-rcpliçantcs, os do­ tamos de um misterioso poder autônomo que parece colocálos acima dos materiais ordinários do corpo. Entretanto, se existe algo no mundo que poderia ser chamado de auto-re­ plicante, esse algo não é o gene c sim o organismo inteiro com o sistema com plexo.11 A en gen h aria g e n ética está n o s levando ao rcd u cio n ism o de segunda o rd e m , n ã o ap enas p o rq n c o s o rg a n ism o s sã o vis­ to s iso lad am en te d o m e io a m b ie n te , m as p o rq u e t»s gen es são v istos iso lad am ente d o o rg a n ism o c o m o um to d o . A d o u trin a d a b io lo g ia m o le cu la r está m o ld ad a na m ecâ­ n ica clássica. O d o g m a ce n tra l é a cu lm in a çã o d o p e n sa m e n to red u cio n ista. E xatam en te ao m esm o tem p o em que M a x P la n d t. N i eis llo h r, A lberr E in ste in , E jw in S ch rõ d in g e r e seu s b rilh a n tes co leg as reviam j i c o n c e p ç ã o n ew to n ia n a d o u n iv erso fís ic o , a b io lo g ia to rn av a-sc m ais rc d iic io n is ta .11 O rcd u cio n ism o n a b io lo g ia n ã o foi um a cid e n te , m as um paradigm a cuid ad osam ente planejado. C o n fo rm e registra Ltly E- Kays cm T h e M olecu lar Vision o f L ife (d v isã o m o lecu la r d a

v id a), a Fundação R ock efeller serviu de p atrono-m or tia biologia m olecu lar dos anos 3 0 aos anos 5 0 . O term o "b io lo g ia m olecu­ la r " foi cu nhad o cm 1 9 3 8 p o r W arrcii W cavcr, d iretor da D ivisão de C iências N aturais da Fundação R ock cfcllcr. O term o deveria cap tu rar a essência d o program a da fundação - sua ên fase nas d im en sões d im inu tas finais das en tid ad es b io ló g ica s. As reconfigu rações cognitivas c estruturais da b iolog ia que deram origem ao paradigm a reducionista foram m uito facilitadas pela econom icam ente poderosa Fundação R ockefeller. D urante o s anos d e 1 9 3 2 - 1 9 5 9 , a fundação injetou p o r volta d e 2 5 m i­ lhões d e dólares cm program as de biologia m o lc a il ar nos Estados U n id os, mais de um q u a rto d o total dos g astos da F u n d a çã o

11 Richard LcwoiUm, ‘Vire Doe trine o f DNA (Pcnjjuiu Hoolo, 199,1). lleyoiui N atural Selcctnm , p. 29.

so

cm ciên cias b io ló g ica s fo ra d a m ed icin a (in clu in d o , a p a rtir d o in ício d a d écad a d c 4 0 , som as e n o rm e s para a a g ric u ltu ra ).u O poder dos financiam entos da Fundação definiu as ten d ên ­ cias da biologia m olecular. D u rante o s doze anos que sc seguiram a 1 9 5 3 (a elu cid ação da estrutura d o D N A ), Prêm ios N ob cl foram ou torgad os a cientistas em in entes pela pesquisa cm biologia m o ­ lecular d o gene, e to d o s e x c e to um haviam sid o patrocin ados pela Fundação R ocltefellcr sob a d ireção de W eavcr.1* A m o tiv ação por trãs d o e n o rm e in v estim en to na nova agend a era d esen v o lv er as ciên cia s h u m an as c o m o um a estru ­ tura ex p licativ a co m p le ta c ap licad a d e c o n tro le so cia l, q u e estaria em basad a nas ciê n c ia s n atu rais, m éd icas c sociais. C o n ­ ceb id a n o final d o s a n o s 2Q. a n ov a ag en d a estava a rticu la d a em te rm o s d e um d iscu rso tc c n o c r á tic o co n tem p o râ n e o da en g en h aria hu m ana, a lm eja n d o reestru tu ra r as re la ç ó c s h u m a­ nas cm co n fo rm id a d e co m a estru tu ra so cial d o ca p ita lism o ind u striaL -N ^ ssa-aecn d a, a n o va b io lo g ia (in icia lm en te clia m ad nfpsicobiologia/ foi erg u id a s o b re o s a lice rce s das c iên cias físieasqtarSTêxplíçar çopi rigor c , fina lm en te, c o n tro la r qs niecan ism o s fu n d am en tais que g o v ern am o c o m p o rta m e n to hum a n o , co m ên fase p a rticiila rm en te fo rte ua h ered itaried ad e. A h ie ra rq u ia .e a desigualdade fo ra m , assim , "n a tu ta lis a d a s ”, C o in o afirm a L ew o n tin c m T h e D octritte o f D N A : A explicação naturalista consiste cm dizer que não apenas dife­ rimos nas nossas capacidades inatas, mas que essas mesmas capacidadessão iransmindas hiolitgicamente de geração a geração. Ou seja, das estão nos nossos genes. A noção original dc herança social t económica transformou-se em herança biológica.1* A un ião das m eras cognitivas c sociais na biologia rcd u cionista teve um a fo rte ligação histórica com a eugenia. Em 1 9 3 0 1' l.ily E. Kny, Tt>e Molecular Vum! o f Life: Ollfech. lhe Rockefeller Rmii(hiittm iincttlv Rise o f lire New Biology [Oxford, England: Oxford University Press, 1993), p. 6. Ibid., p- 8. 11 T/.v Duel rate o f

p. 22.

SI

c anos subsequentes, a Fundação R o ck cfcllcr patrocin ou di­ versos p ro jetos v o ltad o s para a eu g en ia. Q u a n d o a “ nova ciên ­ cia d o h o m e m " foi inaugu rad a, e n tre ta n to , a m eta d o c o n tro le so cia l pela p ro cria çã o seletiv a d e ix a ra d e s e r so cia lm cn te le ­ gítim a. E x a ta m e n te p o rq u e a velh a e u g enia havia p erd id o sua va­ lid ad e cie n tífic a , c rio u -se esp aço p ara u m n o v o p ro g ram a que p ro m e tia d a r fu n d am en to s só lid o s ao estu d o da h ered ita rie­ d ad e c d o co m p o rta m en to hu m anos. U m o rq u estra d o ataq u e físico -q u ím ico a o g ene foi in icia d o n o m o m e n to d a história cm q u e se to rn a ra in aceitável d e fe n d e r o c o n tro le social ba­ sead o cm p rin cíp io s cu g c n ico s g ro sseiro s c te o ria s raciais o b ­ soletas. O pro gram a de b io lo g ia m o lecu lar, p o n iic io d o.estudo de sistem as b io ló g ico s sim ples c d e análises d a estru tu ra de p ro teín as, prom eteu uni cam in lio m a isg a ra n tid o , em bo ra m u ito m ais le n to , para o p la n eja m en to social b a sea d o cm p rin cíp ios de s e le çã o cu gen ica m ais firm e s,1* O rcd u cio n ism o foi e sco lh id o c o m o o parad igm a p referi d o p ara o c o n tro le ec o n ó m ic o c p o lític o d a d iversid ade na n atu re m e na socied ad e. O d eterm in ism o c o rcd u cio n ism o g e n é tic o s cam inham J o a la d o . M a s d izer q ue os g en es tem im p o rtâ n cia p rim o ral é m ais id eolog ia q u e c iê n c ia . G e n e s n ão sao eiitícfodes d ep en d en tes e sim partes d ep en d en tes d e um a en tid a de q u e to rn a efetiv os. Todas as p artes d a célu la interag em e as o in b in a çõ e s de genes sã o pelo m en os tã o im p o rta n te s q u a n to seus e fe ito s individuais na c o n s tru ç ã o de um org anism o. E m te rm o s m ais am plos, um o rg a n ism o n ão pode ser tra ­ ta d o sim p lesm en te c o m o o p ro d u to d e d iversas pro teín as, cad a um a prod u zid a a p artir d o g en e co rresp o n d en te. O s g en es tem e fe ito s m ú ltip los - c a m aioria das cara cte rística s d ep en d e d e g e n es m ú ltiplos. E n tre ta n to , a causalidade lin ear c rcd u cio n ista d o d eter­ m in ism o g en ético p erd u ra, e m b o ra os p ró p rio s p ro cesso s q u e '* The M olecular Visiuir o f U fe: C altech, The R ixkefellcr I'oimddtmn and the Rite o f the New B h loj;y, p. 8-9.

to rn am a en g en h a ria g e n ética possível se o p o n h a m aos c o n ­ ce ito s de “m o lé cu la s-m e stra s” c “ d og m a c e n tra l”. C o m o res­ salta R o g e r Lew i li: Sítios de restrição* promotores* operadores, operotts c reforma­ dores desempenham seus papéis. Não apenas o DNA gera RNA (Acido ribonucleico), mas o RNA, assistido por unia enzima apro­ priadamente chamada transcriptase reversa, gera D N A 17 A fragilidade do poder te ó rico e e x p lica tiv o d o reducionism o é com pensad a p elo seu poder ideológico assim co m o tam bém pelo respaldo e co n ô m ico e político que lhe é co n ced id o . Alguns b ió lo g o s fo ram b em lon g e na e x a lta ç ã o d o g en e acim a d o o rg an ism o e n o re b a ix a m en to d o p r ó p r io o r g a n isrno a m era m áq u ina. O ú n ico p ro p ó sito dessa m áq u in a é a p ró p ria sob rev iv en cia e re p ro d u çã o , ou talvez, c o lo c a d o d e fo rm a m ais p recisa, a so b re v iv ê n cia e rep ro d u çã o d o D N A q u e , co m o sc a firm a , p ro g ram a c “d ita ” o fu n cio n a m e n to d a m áq u ina. Nas palavras de R ich a rd D aw k in s, um o rg a n ism o é um a “ m áquina de so b rev iv ên cia ” - um “ ro b ô d esa jeita d o ”, co n s tru íd o para ab rigar seu s gen es, essas “m áq u inas d c a u to p re sc rv a ç â o ” que têm c o m o p rop ried ad e in eren te p rim o rd ia l o “e g o ísm o ”. O s g en es e stã o iso lad o s d o in u nd o e x te rio r, c o m u n ic a n d o -s c co m d c apenas p o r vias indiretas e to rtu o sa s, m a n ip u la n d o -o por co n tro le rem oto. O s genes estão dentro d c m im e de v o cê; cies nos criaram , co rp o e mente.. is a preservação deles é a razão v i­ tim a da nossa e x is tê n c ia .14 Esse re d u cio n ism o tem im p lica çõ es e p iste m o ló g ica s, é ti­ cas, e co ló g ica s e so cio e co n ó m ica s. E m term os e p iste m o ló g ico s, ele con d u z a u m a visão m cca n ícista do m undo c d c stia rica diversid ade de form as dc vida. F az-nos e sq u e c e r que os org an ism o s vivos organizam a si p ró p rio s. R o u b a m -n o s a cap acid ad e d e re v e re n cia r a vid a -

11 Kogcr Lcwin, ,LHov* Mammalian RNA Return* ta its Genome”, Science 219 . 7-8.

i raduz-sc ua lib erd ad e to tal das c o rp o ra ç õ e s tra n sn a cio n a is de im pingir p ro d u to s p erig osos às pçísons, O .D ia M u nd ial d o A lim en to , 1 6 d e o u tu b ro de 1 9 9 6 , foi celeb rad o p o r 5 0 0 o rg an izaçõ es d e 7 5 países e x ig in d o o b o i­ co te d a so ja g e n e tica m e n te m o d ificad a e to le ra n te ao h erb icid a g lifo sa to , que a M o n sa n to vende so b o nom e R ou n d u p . A M o n sa n to m o d ifico u por en g en h aria g e n ética os g rão s de soja para au m en tar suas vend as de h e rb icid a s.315 Isso tam bém foi assu m o de g ran d e d eb a te na W orld f o o d S u m m it (C o n fe rê n c ia de C ú pu la M u nd ial so b re o A lim en to ), reali/.ada em llo m a , c m nov em bro de 1 9 9 6 . A M o n s a n to ale­ gou q ue a sua so ja era d istin ta e original para o b te r um a p a ­ te n te , m as a firm a ag ora que a nova soja é indistinguível da co n v e n cio n a l, para p o d er m isturar o s d ois tip o s a n te s d e c n %'iá-la a o s m ercad o s eu ro p eu s. O s cid ad ãos estão e x ig in d o qu e a soja g e n eticam e n te m o d ificad a seja ro tu lad a, em n o m e d os seus “d ireito s de s a b e r " c “d ireito s de e sc o lh e r". T an to a so ja c o m o o alg o d ão são m o n o p ó lio s d a M o n s a n ­ to , desde que a em p resa a d qu iriu , por 1 5 0 m ilh õ es d e d ó lares, e m m aio de 1 9 9 6 , a A gracciu s, q u e tem am plas p aten tes de esp écies para to d a a s o ja e o alg o d ão tran sg ên icos. Essas pa­ ten tes são co n ced id a s ten d o c o m o ju stificativa a novid ad e, m as essa nov id ad e é negada fren te à resistência d o co n su m id o r c à p re o cu p ação co m a seg u rança de p ro d u tos g en etica m en te m o d ificad o s. C o m o té cn ica , a en g en h aria g en ética é m u ito sofisticad a. N o e n ta n to , c o m o te cn o lo g ia para usar b iod iversid ad e d e m a­ n eira sustentável visando atender às necessidades hum anas, ela é inadequad a. A m o n o cu ltu ra tran sgenica reduz a b iod iv ersi­ d ad e a o elim in ar cu ltu ras variadas, que p ro p o rcio n a m fo n tes variadas de nu trientes. Além d o m ais, nov os riscos à saúde são introduzidos pelas culturas transgênicas. O s alim entos derivados de plantas gencti-

1,1The Híittle of the Bem, "Spicc of Life" (outubro 1996).

cim e n te m odificadas têm o potencial de i ntroduzir novas alergias. Tam bém trazem o risco da “poluição biológica”, de novas vulne­ rabilidades a doenças, de um a espécie se tornar dom inante cni um ecossistem a e da transferência de genes entre espécies. Em um e x p e rim e n to rea liz a d o n o R e in o U nido p e lo D r, Ja m e s B isb o p , genes de e sco rp iã o foram in tro d u z id o s c m um vírus para fazer um in seticid a d estin ad o a elim in a r lagartas. O vírus tra n sg cn ico é c o n sid era d o segu ro so b a a leg ação de q u e n ão irá cru zar a b a rre ira e n tre esp écies d e seu a lv o , m esm o q ue existam in ú m ero s e x e m p lo s d e vfnis c org a n ism o s cau sa­ d ores de d o en ça s e n c o n tra n d o novas esp écies-alv o. A ev id ên ­ cia cien tífica tam b ém m ostra q u e a en g en h aria g e n ética pode cria r “sup erv íru s" resisten tes a pesticidas. A co m p la cê n cia em re la çã o a q u estões de b iod iversid ad e não se ju stifica , p o rta n to , co m base na evid ên cia c ie n tífic a d isponível. R e ce n te m e n te , foi d ada a u to riz a çã o para a p rim eira e x ­ p eriên cia c o m cu ltu ras g e n etica m e n te m o d ificad as na índ ia. E las inclu em o to m a te tra n sg cn ico c o m B t c a b n issica h íb rid a . J ã existe su ficien te ev id en cia c ien tífica de que a m o d ific a ç ã o g e n ética co m B t c o n trib u i p ara a resistência c , p o rta n to , n ão é um a via sustentável de c o n tro la r pragas e d o e n ç a s d e p lantas. O s b en e fício s p ro m etid o s pelas cu ltu ras e a lim en to s tran sg c n ic o s s á o ilu s ó rio s ,c m b o ra s c u s riscos p o ten cia is sejam reais. A ilusão da cn g c n lia r ia g c n é tic a , n o e n ta n to , n ão a tin g e apenas o nível de sistem a na p ro d u çã o c co n su m o de a lim en to s. A tinge tam b ém o nível c ie n tífic o . A en g en h aria g en ética faz suas p r o ­ m essas co m base n o red u cio n ism o c n o d eterm in ism o g e n éti­ c o . E n tre ta n to , a m b o s o s p ressu p o stos s ã o re fu ta d o s pela p ró p ria pesquisa cm b io lo g ia m olecular.

C eleb ra n d o e co n serv a n d o a v ida N a era da engenharia genética c das patentes, se co lo n iza a própria vida. A açã o eco ló g ica na era da b iotecnolog ia envolve m anter livre a auto-organização dos sistemas vivos - livre das

m anipulações tecnológ icas q u e d estroem as capacidades d c auto-restauração da saúde c auto-organização dos seres vivos c livre das m anipulações legais que destroem as capacidades das com unidades dc buscar suas próprias solu ções para o s problem as hu m anos na riqu eza da b iod iv ersid ad e que n os foi d oad a. E x istem duas ve rte n te s n o m eu tra b a lh o atual que re sp o n ­ d em à m an ip u lação e m o n o p o liz a çã o da vida. P or m e io da N iw dan ya* um a red e n a cio n a l para e sta b e le ce r b an co s d e s e ­ m entes co m u n itá rio s a fim de p ro teg er a diversid ade d c se ­ m entes nativas, estam os ten ta n d o c ria r um a altern ativ a à visão tran sgêniea da vida. Por m e io d o tra b a lh o para p ro te g er as "te rr a s co m u n itárias in te le ctu a is” - seja n a fo rm a d o S aty ag ra h a d a S e m e n te, lan çad a p e lo m o v im en to d o s lav rad ores, ou na fo rm a d e m o v im en to p elo s d ireito s in telectu ais c o le ti­ vos, q ue in iciam os c o m a R ed e d o T e rce iro M u n d o - ten tam o s c o n stru ir um a altern a tiv a para o parad igm a d o c o n h e c im e n to , c d a p r ó p r ia vid a, c o m o p ro p ried a d e privada. E essa lib erd ad e da vid a c lib erd ad e d c viver q ue cad a vez m ais v e jo c o m o o e le m e n to ce n tra l d o m o v im en to e c o ló g ic o , à m edida que n os a p ro x im a m o s d o fim d o m ilên io . E , nessa lu ta, frc q iicn tcin cn te m e in sp iro nr? p o em a p alestin o " O s g u a r­ diães das sem en tes” : Q ueim em nossas terras queimem nossos sonhos derramem ácido sobre nossas canções cubram com serragem o sangue do nosso povo massacrado abafem com sua tecnologia os gritos dc tudo o que ê livre, selvagem e indígena. Destruam Destruam nossa relva e solo Arrasem cada fazenda e cada povoado que nossos ancestrais construíram

cada árvore, cada lar cada livro, cada lei c toda equidade c harmonia. Achatem com suas bombas cada vale; apaguem com suas censuras nosso passado nossa literatura; nossas metáforas Dcspofcm as florestas e a terra até que nenhum inseto pássaro palavra encontre um lugar para se esconder. Façam isso e mais até Nao icnio sua tirania Nunca desespero Porque guardo uma semente uma pequena semente viva que protegerei e plantarei nova mente,

A semente e a terra

A reg en eração é p a rte d a essência da vida c i o p rin cíp io cen tral que guia as socied ad es su sten táv eis; sem reg en era çã o n ã o p o d e haver su stcn tab ilid ad c. A socied ad e industrial m o ­ d ern a, co n tu d o , não tem te m p o para pensar em reg en era çã o e, p o rta n to , n ão tem esp a ço para viver de fo rm a regen erativa. Sua d esv alo rização d os p ro cesso s reg en erativ o s é a cau sa ta n to d a ç ris c e c o ló g ic a c o m o da c rise d c su stcn tabilid ad c. N o Rig V eda, o h in o tos tró p ic o s), o s ab oríg en es au stralian os fo ram equ ip arad os a seus cães sem iseivagens.6 S e n d o a n im ais, os nativos a u stralian o s e a m e rica ­ n o s, os african o s c o s a siá tico s, não possuíam d ireito algum c o m o seres hu m anos. Suas terras podiam ser usurpadas c o m o terra ttu lliu s - te rra s d estitu íd as de pessoas, v acan tes, d esp er­ d içad as e n áo usadas. A m o ralid ad e das m issões ju stifico u a a p ro p ria çã o m ilita r de recu rso s p o r to d o o m u nd o para servir ao s m ercad os cap italistas. O s h om en s eu ro p eu s fo ram assim cap azes de d escrev er suas invasões c o m o d esco b erta s, sua pi­ rataria e ro u b o c o m o c o m e rc io , e o e x te rm ín io c a escravatu ra co m o m issão civilizad o ra. As m issões científicas conspiraram com as missões religiosas para negar d ireitos ã natureza. A ascensão da filosofia m ecan id sta que sobreveio á em ergência da revolução científica estava basea­ da na destruição de co n ceito s de um a nat ureza auto-regenerativa, auto-organizada, que sustentava toda a vida. Para Prancis b acon , c h am ado o pai ela ciência m oderna, a natureza não era m ais a mãe e sim a m ulher a ser conquistada p o r uma m ente m asculina agressiva. C o m o ressalta C aro iy n M crch an t, essa tran sfo rm ação da natu reza, d e m ãe viva c nu triz cm m atéria in erte, m o rta e m anip u láv el, co n v eio ad m irav elm en te a o im perativo de e x ­ p lo ra çã o d o ca p ita lism o cm d esen vo lv im en to . À im agem da n atu reza nutriz agia c o m o um o b stá cu lo cu ltu ral à e x p lo ra ç ã o da n atu reza. “N ã o se m ata um a m ie , n ã o se re m e x e m suas cn tran lias, nem se m u tila seu c o r p o sem re lu tâ n cia ”, escrev e M crch a n t. E n tre ta n to , as im agens de suprem acia e d o m in a çã o criad as pelo p ro g ram a b a c o n ia n o e a revo lu ção c ien tífica e li­ m inaram todas as restriçõ e s c fu n cio n aram co m o san çõ es c u l­ tu rais para o d esp o ja m e n to da natureza. A elim in ação de e x p lic a ç õ e s anim istas e org ân icas d o c o s ­ m os rep resen to u a m o rte da natu reza - o e fe ito m ais ab ran -

' ibid. 4 ib,d.

g e n te da re v o lu çã o c ie n tífic a . À m ed id a q u e a n atu reza era a g o ra vista c o m o um sistem a de p artícu las m o ü a S v iflc rtc s , m o v id as p o r fo rça s e x te rn a s c m vez d e internasy a -p ró p x ia estru tu ra m ecân ica p o d ia leg itim a r a m a n ip u la ç ã o d a natu reza. A lém d isso , c o m o e stru tu ra c o n c e itu a i, a o rd e m m ecán ica es­ tava associad a a um a estru tu ra d e valores b asead a n o p o d er, to ta lm e n te co m p a tív el c o m o s ru m o s to m a d o s p elo c a p ita lis­ m o c o m e rc ia l.7 O c o n s tr u to da te rra in e rte foi d o ta d o d e um sig n ifica d o n o v o c sin istro n a m ed id a cm q u e o d esen v o lv im en to n eg ou a cap acid ad e p rod u tiva da te rra e c rio u sistem as ag ríco la s que n ã o p o d iam se reg en erar o u se sustentar. A ag ricu ltu ra su stentáv el b aseia-se na reciclag em d o s n u ­ trie n te s d o so lo . Isso im p lica d ev o lv er a o so lo p arte d o s n u ­ trie n te s q u e d ele se o rig in am c q u e sustentam o c re sc im e n to das p lantas. A m a n u te n çã o d o c ic lo n u tritiv o , e , c o m isso, da fe rtilid a d e d o so lo , b aseia-se na inviolável lei d o re to r n o , q u e re c o n h e c e a te rra c o m o fo n te d e fe rtilid a d e . O p arad igm a da R e v o lu çã o V erde (R V ) tia ag ricu ltu ra su b stitu iu o c ic lo reg e­ n e ra tiv o d e n u trien tes p o r flu x o s u n id irecio n a is d e in su m o s, n a fo rm a de fe rtiliz a n tes q u ím ico s a d q u irid o s das fá b rica s, c p ro d u to s , co n stitu in d o m e rca d o ria s a g ríco la s c o m e rc ia liz a ­ das. A fertilid ad e não era m ais um a p ro p ried a d e.d o s o lo , m as de p ro d u to s q u ím ico s. A R V b a seo u -se cssc n c ia lm c n te cm se ­ m en tes m ilagrosas que req u eriam fertiliz a n te s q u ím ico s e n ã o geravam re to rn o das plantas a o so lo .* A te rra foi m ais um a vez vista c o m o um re c ip ien te v azio, d esta vez para c o n te r insu m os in te n siv o s d e água tle irrig a ç ã o c fe rtiliz a n tes q u ím ico s. A a ti­ vidade residia nas sem en tes m ila g ro sa s, q u e tra n sce n d ia m os c ic lo s d e fertilid a d e da natu reza. Km te rm o s e c o ló g ic o s , n o e n ta n to , a te rra e o s o lo n ã o estavam vazios c o c re s c im e n to d as varied ades de plantas d a Carolyn Merchant, T he D eath o f N atu re: W om en, E colog y an d th e S cien tific R evolution (Nova York: Harper S i Row, 1980). * Vantiaju Shiva, V ie V iolence o f th e G reen R evolution (Penang: Thire) World Network, 1991).

KV n ã o o c o rre u ap en a s g raças aos p a c o te s d e fe rtiliz a n te s or violação de patentes.14 Ja c k D oy le tem razão a o co m e n ta r q u e as p a ten tes d izem resp eito m e n o s à in ovaçã o f l u c -a o te rritó r io , c podem agir c o m o in stru m en to s d(£ c o n q u is ta ,re i vin d ican d o acesso e x c lu ­ sivo à criativ id ad e c in ov ação ''¿"m on o p olizan d o , dessa m a n ei­ ra, o s d ire ito s à p o s s e ," O s lav rad ores, q u e são o s g u ard iões do g crm o p la sm a , tem que ser esp o lia d o s p ara p erm itir q u e a nova co lo n iz a ç ã o aco n teça . C o m o n o ca so da co lo n iz a ç ã o da te rra , a co lo n iz a ç ã o de p ro cessos d c vida terá um sério im p a cto na ag ricu ltu ra d o T e rce iro M u n d o. Prim eiro, irá m inar a estrutura cultural c ética das socied ad es agrícolas. Por exem p lo , com a in trod u ção d c pa­ tentes, as sem entes - q ue até agora tem sid o tratadas c o m o pre­ sen tes c tro cad as liv rem ente en tre lavradores - to rnar-se-ão m ercad orias patenteáveis. H ans Leenders, am ig o S e c re tá rio -G e ­ ral d a A ssociação In te rn a cio n a l d c C u ltiv a d o res d c Plantas para a P ro te çã o d c V ariedades d c P lantas, p ro p ô s a a b o liçã o d o d ir e ito d o a g ricu lto r de gu ard ar sem en tes. D iz ele: Embora na maioria dos países lenha sido uma tradição o agri­ cultor guardar sementes da sua própria colheita, nas novas circunstâncias c injusto que os agricultores possam usar essa semente c obter uma colheita com fins comerciais sem paga­

14“Biotechnology and Genetic Diversity".

1' AlUrtd I Itinvft.

mento tie roy alties; a indústria de sementes terá que lurar arduamente por uma proteção m elhor.’* E m b o ra a e n g en h a ria g e n ética e a b io te c n o lo g ia ap enas m u dem d e lugar gen es e x iste n te s cm vez d e cria r n o v o s g en es, essa h ab ilid ad e d e m u d ar de lugar c sep arar é trad u zid a c o m o p o d er e d ire ito d e p o sse. O p o d er de p o ssu ir u m a p arte passa e n tã o a sig n ificar o c o n tro le d o o rg a n ism o in te iro . A lém d isso , a e x ig ê n c ia da co n v e rsã o d e un ia h era n ça c o ­ m um cm m e rca d o ria p o r parte das g rand es em p resas, e de q u e o s lu cro s g erad o s p o r essa tra n sfo rm a çã o sejam tra ta d o s c o m o d ireito s de p ro p ried a d e, terá sérias im p lica çõ es p o lítica s e e c o ­ n ô m icas para o s lav rad ores d o T e rce iro M u n d o . E le s serã o ag ora fo rça d o s a u m a in te ra ç ã o ein três níveis c o m as g rand es em p resas, q u e e x ig em o m o n o p ó lio tie fo rm a s d e vid a e p r o ­ cesso s d e vida p o r m e io de p aten tes. P rim eiro , os lavrad ores sáo o s fo rn e ce d o re s de g erm o p la sm a d as em p resa s tran sn ac io n a is ; seg u n d o , eles se to rn a m co m p e tid o re s n o to c a n te à in o v ação e aos d ire ito s a recu rso s g e n érico s; e te rc e iro , eles sáo co n su m id o re s d o s p ro d u to s te c n o ló g ic o s c in d u striais d es­ sas em p resas. Em o u tra s palavras, a p ro te ç ã o d e p a te n te s tra n s­ fo rm a lav rad ores c m fo rn e ced o res d e m a téria -p rim a g rátis, os desabilita co m o com petid ores c o s torna totalm ente dep end entes de su p rim en to s in d u striais p ara en tra d a s tã o v itais c o m o se­ m entes. O ap elo fre n é tic o por p ro te ç ã o d e p ate n te s na a g ri­ cu ltu ra é , na v e rd a d e , u m e s tra ta g e m a p ara c o n t r o la r os recu rso s b io ló g ico s ag rícolas. A rgum enta-se q u e as p aten tes são v itais para a in o v a çã o , no e n ta n to , elas sã o essenciais a p e­ nas para as in o v a çõ es lucrativas para as g rand es em presas. A final de co n ta s, o s lavrad ores inovaram d u ra n te sécu lo s, ass im e o m o a s in stitu iç õ es p ú b licas d u ran te décad as, sem d ireitos de p ro p ried ad e o u p ro te ç ã o de patentes. A lem d o m ais, a o c o n trá rio d o s d ireito s a variedades de p lantas, as novas p a te n te s tem sid o d efin id as d e m a n eira am -

, l H im I-rentiers, “Reflections on 25 Years of Service to the International Seed Trade Federation", Seedsman's Digeartes, tudo isso utilizando uma única concessão múltipla.17 A p ro te çã o de p a ten tes im plica a e lim in a çã o dos d ireitos d os lavrad ores so b re recu rso s, e n ten d en d o -se p o r recu rso s os gen es c as caracte rística s, m in a n d o assim o p ró p rio fu n d a m en ­ to d a ag ricu ltu ra. P or e x e m p lo , n os Estados U n id os, foi c o n ­ c e d id a u m a p a te n te a u m a e m p re sa d e b io t e c n o lo g ia , a Su n g en e, para um a varied ad e de girassol que co n té m um a lto te o r de á cid o o lé ico . O req u e rim en to co n c ed id o re feria -se ã caracte rística (isto é, a lto te o r de ácid o o lé ic o ) c n ão apenas aos genes responsáveis pela exp ressão dessa c a ra c te rístic a . A Su n gene n o tifico u a o s cu ltiv ad ores de girassol q u e o d esen ­ v o lv im en to de q u alq u er varied ade co m alto te o r d e ácid o o lé i­ c o será consid erad a um a v io la çã o da sua patente. O m arco d o p aten tearn en to de plantas foi o ju lg a m en to n o rte -a m e rica n o d e 1 9 8 5 , ag ora fam oso co m o e x p a r te H ibb erd , em que o g e n eticista m o lecu lar K en n cth H ib b crd c c o ­ in ven tores ob tiveram a co n c essã o de patentes para cu ltu ras de te cid o , sem en tes e a p lan ta in teira de uma linhagem de m ilh o que havia sid o selecio n a d a a partir de culturas d e t e c id o .'“ O req u erim en to de H ib b crd incluiu m ais de 2 6 0 re iv in d ica çõ es 1

1' Citado era First tl>c Seed, p. 266. 11 First tlv Sted, 266.

sep arad as, que d eram a o g c n e tic ista m o lecu la r o d ire ito de exclu ir terceiros d o ap roveitam en to desses 2 6 0 aspectos. E n ­ q u an to o caso H ibberd ap aren tem en te gera um nov o c o n te x to legal para a com p etição em presarial, o m aior im p acto será sen­ tid o na co m p etição en tre lavradores c a indústria de sem entes. C o m o ressaltou K lo p p cn b u rg , c o m o caso H ib b erd , a r­ m o u -se um a estru tu ra ju ríd ica q u e p erm ite à indú stria d e se­ m entes realizar um a das suas m ais an tig as c acalen tad as m eras: fo rçar to d o s o s lav rad ores a co m p ra r sem en tes a cad a a n o cm vez de o b tê -la s p o r re p ro d u çã o . As p aten tes industriais p er­ m item q u e o s o u tro s usem o p ro d u to m as lhes nega o d ireito de p ro d u zi-lo . Um a vez q u e sem en tes produ zem a si m esm as, um a p a te n te vigorosa para sem en tes im p lica q u e um a g ricu lto r q u e co m p ra sem en tes p aten tead as teria o d ire ito de usá-las p ara a p lan tação , m as n ã o d e rep ro d u zi-las, reservand o um a parte d a co lh e ita para o rep la n tio . S c a M in u ta D unkel do G A T T fo r im p lem en tad a, o a g ricu lto r que reserva c rcp lan ta sem en tes de um a varied ad e d e p lan ta parem ead a ou p ro teg id a estará v io lan d o a lei. O s D PI são um a ten ta tiv a d e tira r d o s lavrad ores, c d as m u lh eres, o q u e é d a n atu reza c de ch am ar essa invasão de m e lh o ra m e n to c p ro g resso . V io lê n cia c pilhagem co m o in s­ tru m e n to s de g e ra çã o d c riqu eza são essenciais à co lo n iz a ç ã o da natureza e d o s n o sso s c o rp o s p o r m e io das novas te c n o lo ­ gias. O s q u e são e x p lo ra d o s tornam-se crim in o so s, o s que e x ­ p lo ram reivind icam p ro te ç ã o . O N o rte tem q u e s e r p ro teg id o d o Sul para p od er c o n tin u a r seu ro u b o in in terru p to da d iv er­ sid ad e g en ética d o T e rc e iro M u n d o . As guerras das sem en tes, as g u erras co m ercia is, a p ro te ç ã o de p aten tes e o s D PI n o G A T T são reiv in d icações d e p ro p ried ad e por m e io d a sep a­ ra ç ã o e frag m en tação. Sc o sistem a de d ireitos q u e o s E stad os U n id os e x ig e fo r im p lem e n ta d o , a tra n sferê n cia de fundos d os p aíses p o b res para o s países rico s to rn a rá a crise d o T e rce iro M u n d o dez vezes p io r .15 l'T Rural Ailvancemait Faundaiion International, B ioJii/trsrty, UNICF.D c G A TT, Ottawa, C tn u U , 1991. SI

O s E stad os U n id os icm acu sad o o T e rc e iro M u n d o de p i­ rataria. As estim ativas p o r p erd as d e ro y a ities são d e 2 0 2 m i­ lh ões d e d ó lares por a n o para p ro d u to s q u ím ico s ag rícolas c 2 ,5 b ilh õ e s an u alm en te para p ro d u to s fa rm a cêu tico s.20 Em um lev an tam en to realizad o cm 1 9 8 6 p e lo D ep a rta m en to de C o m e rc io dos E stad o s U n id os, as co m p a n h ia s n o rte -a m e rica ­ nas reclam aram q u e haviam p erd id o 2 3 ,8 b ilh õ es de d ólares anual m en te po r cau sa de um a p ro te ç ã o inadequada ou in eficaz da p ro p ried ad e intelectu al. N o c n tn m o , co n fo rm e m ostrou unia eq u ip e da Fundação In te rn a cio n a l para o P rogresso Rural d o C a n a d á , se as co n trib u içõ e s d o s lavrad ores e povos tribais sã o levadas cm co n ta , os papéis se invertem co m p le ta m e n tc; os E stad o s U n id os d everiam aos países d o T e rc e iro M u n d o 3 0 2 m ilh õ es de d ó lares em ro y a ities a g ríco la s c 5 ,1 b ilh ões de d ó lares cm ro y a ities de p ro d u to s farm acêu tico s. Em o u tras palavras, co n sid era n d o apenas esses d ois scrores industriais, os E stad os U n id os deveriam a o T e rce iro M u n d o 2 ,7 bilhões de d ó l a r e s , É para im p ed ir q u e essas dívidas sejam levadas c m c o n ta que passa a ser essencial e sta b elecer as fro n te ira s da criativ id ad e p o r m eio da reg u lam en tação dos D P I. Sem isso, é im possível a co lo n iz a çã o dos p ro cessos reg en erativ os da re­ n o v ação da vida. N o en ta n to , se p erm itirem que tam b ém isso a c o n te ç a cm nom e da p ro te ç ã o d e p aten tes, in ovação c p ro ­ gresso , a p ró p ria vida será co lo n iz a d a . E x iste m , n o m o m en to , d uas ten d ên cia s q u e refletem vi­ sões d istin tas d e co m o as sem en tes nativas, o co n h ecim e n to in d íg en a c os d ireitos d o s lavrad ores d everiam ser tratad o s. Por um lad o , há iniciativas cm várias partes d o m u n d o que re co n h e ce m o valor in trín se co das sem en tes c da b iod iversi­ d ad e, b em co m o as co n trib u içõ e s dos lavrad ores á in o v a çã o ag ríco la e con serv ação de sem en tes, c veem as parentes c o m o um a am eaça ta n to à diversidade g en ética q u a n to aos lavrad o­ res. Em nível g lo b a l, as p latafo rm as m ais im p ortan tes que tro u ­ x e ra m á to n a a q u e stã o d os d ir e ito s d os lavrad ores sã o a

^ Ibid. *' ibtd.

C o m issã o so b re R ecu rsos F ito g cn é tico s d a FA O {F o o d a n d A g ricu ltu ra O rg a n iza tiv a )*1 c o K cy sto n c D ia lo g u e .11 Hm nivel lo ca l, co m u n id ad es p o r to d a a A sia, Á frica e A m érica L atina e stã o to m an d o p ro v id en cias para salvar c reg en era r suas se­ m entes nativas. N a ju d ia , p o r e x e m p lo , esta b e le ce m o s um a red e ch am ad a N a v d a n y a , d ed icada à co n se rv a çã o das sem entes nativas. A p esar dessas in iciativas, e n tre ta n to , a ten d ên cia d o m i­ nante co n tin u a a ser a e lim in a çã o da d iversid ade vegetal local c sua su b stitu içã o p o r variedades p aten tead as. A o m esm o tem ­ po, agencias in te rn a cio n a is, so b a p ressão das co rp o ra ç õ e s de sem entes, e stão s o lic ita n d o co m urg en cia reg u lam en tações dos DPI q u e negam a o s lavrad ores seus in te le cto s c d ireitos. A revisão d e m a rço d e 1 9 9 1 da C o n v e n çã o In tern a cio n a l para a P ro te çã o de N ov as V ariedades de P lantas, p o r e x e m p lo , p e r­ m ite q u e países exclu am a isen ção d os lavrad ores - o d ireito de gu ard ar e rep la n ta r sem en tes - a c rité rio d eles.'24 Lm o u tro d esen v o lv im en to q u e leva à p riv atização d e re ­ cu rsos g e n érico s, o G ru p o de C o n su lto ria so b re Pesquisa A grí­ co la In te rn a cio n a l fez um a d ecla ra çã o so b re p o lítica em 2 2 de m aio d e 1 9 9 2 , p erm itin d o a privatização c o p a te n tca m cn to de recu rso s g e n ético s m antid os em b a n co s de g en es in tern a­ cion ais.'35 A p ressão m ais fo rte a fav or da in tro d u çã o de pa­ tentes vem d o G A T T , e sp ecia lm en te co m re la ç ã o a o a co rd o sob re o s T R IP s e a a g ricu ltu ra ,3*

tm tj .itxIA^Railiurc Organisation (FAC). Jnicrnaiion.il Undertaking on rl.ntt Genetic Resources, DOCC8-V1I REP/4 e S, Roma, ItAlia, 19*3, M Keystone International Dialogue on Plant Genetic Resources, Final Con­ sensus of Third Plenary Session, Keystone Center, Colorado, 3 1 ik nuio-4 de innlio, 1991. 'G en etic Resources Action International (GRAIN), “Disclosures; UPOV veils ou t", Barcelona, Espanhn, 2 dc dcr.cmbro dc 1990. ' V.iinlana Slliva, “Biodiversity, Biotechnology and Rush", T hird W atld N ettt'itri; E arth Sum m it liriefin gs (Poung: Third World Network, 1992). " Vandam Shiva, “ GATT ami Agriculture“, T he |Bombay] O bserver (1992).

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A m ecan ização d o p a rto é evid en te n o a u m en to de cesa­ rianas. Sig n ifica tiv a m e n te , esse in éto d o , q u e e x ig e m a io r in ­ te rv e n ção por p arte d o m éd ico e m e n o r tra b a lh o d e p a rto por p arte d a m u lh er, é co n sid era d o algo q u e dá m elho r resu ltado. M as as cesarian as s ã o um p ro ced im e n to c irú rg ico e as ch an ces de co m p lica çõ e s são de duas a q u a tro vezes m aio re s q u e no caso de um p arto n orm aíT T Ias Forain m trodüzidaS c o m o m eio de dar ã luz bebés cm ris c a , mas q u an d o p raticad as ro iin c ira m ente p od em trazer am eaças d esnecessárias à saúde c a té m es­ m o à vida. C e rc a de um cm cad a q u a tro a m e rica n o s nasce agora de p arto cesa ria n o .* O B rasil tem um a das m aio res ta x a s de p arto cosaria iio d o Jiiu n d o ; um estu d o n a cio n a l d e p acien tes in scrito s n o sistem a de saúde pú blica m o strou um a u m e n to na p ro p o rçã o de p artos ce sa ria n o s de 1 5 % cm 1 9 7 4 para 3 1 % cm 1 9 8 0 . Em á rea s urbanas, c o m o a cidad e de S ã o P aulo, ob servam -se taxas elevad as de 7 5 % . Assim c o m o n o ca so da reg en era çã o das p lan tas, em que a agricu ltu ra passou das tecn o lo g ia s da RV para a b io te c n o lo ­ gia, um d eslo cam e n to p aralelo tam bém está o c o rre n d o com resp eito à rep ro d u çã o hu m ana. C o m a in tro d u çã o d e novas tecn o lo g ias de re p ro d u çã o , a tran sferên cia d o c o n h e c im e n to e habilid ad es da m u lh er para o m éd ico , das m u lheres para o s h o m en s, será acen tu a d a . Peter S in g er e D e a n c W ells, cm T h e

R ep rod n ctiv e R cv olu tion (A rev o lu çã o rep ro d u tiv a ) sugeriram *7 Nçil Postulan, T echn ology; T he S u n en der o f C ulture to T echnology (A. Knopf, 1992).

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Assim co m o a te cn o lo g ia tran sfo rm a a sem en te de recu rso vivo e ren ov áv el em m e ra m atéria-p rim a, eia d esv aloriza as \ m u lheres de m an eira sim ilar. Por e x e m p lo , a re p ro d u çã o é ¡ associad a á m ecan iz a çã o d o c o r p o fe m in in o , n o a u a l u m oo n fu n to de p artes frag m en tad as, fc tic h iz a d a s e substituíveis são ad m inistrad as p o r esp ecialistas m éd ico s. E m b o ra esta te n d en ­ cia te n h a avan çad o p articu larm en te n o R e in o U n id o , tam bém está se e sp alh an d o p elo T e rc e iro M u n d o .

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C o n stru in d o h u m an os

que a p ro d u ção d o esp erm a vale m u ito m ais q u e a p ro d u çã o d e óvulos, E les co n c lu e m q u e a vend a de esp erm a p ro v o ca um e sfo rço m u ito m aio r n o h om em que a d o a ç ã o de ó v u lo s ría m ulher, apesar da in v a sã o q u ím ica c m ecâ n ica i qual as m u ­ lheres são su b m e tid a s.25 E n q u an to , a tu a lm e n te , a fertiliz a çã o iit n itro c o u tra s te c ­ n ologias sao o fere cid a s p ara caso s a n o rm a is de in fe rtilid a d e , a fro n te ira e n tre n atu reza e n ã o -n a tu rez a é flu id a, c a n o rm a ­ lidade ten d e a ser red efin id a co m o a n orm alid ad e n o m o m en to cm que te cn o lo g ia s criad as p ara caso s a n o rm a is se d issem inam . Q u a n d o a gravid ez fo i tra n sfo rm ada p ela p rim eira vez em d o e n ça , o tratam en to p ro fissio n a l era reservad o a casos a n o r­ m ais, co n tin u a n d o o s n o rm ais a serem cu id ad os p ela p rim eira p ro fissio n al, a p arteira. E n q u a n to 7 0 % d os p a rto s d o R e in o l Inido cram co n sid era d o s su ficien tem en te n o rm ais para serem realizad os cm casa na d écad a de 3 0 , na d e 5 0 o m esm o p er­ centual foi co n sid era d o su ficien tem en te an o rm al para ser re a ­ lizad o cm h osp itais! As novas tecnologias de rep ro d u ção fornecem retóricas cicn tíficas contem poráneas para reafirm ar um persistente con ju n to de crenças profundam ente patriarcais, A idéia de m ulheres co m o recipientes c d o feto co m o algo criad o pela sem ente d o pai e por ele possuído, em virtude do d ireito patriarcal, leva lógicam ente á ruptura das ligações orgânicas entre m ãe e feto. E specialistas da área m éd ica , acred itan d o in c o rre ta m e n te que produzem e cria m b eb es, im põem s a is c o n h e c im e n to s às mães d otad as de saber. El es tra ta m seu p ró p rio c o n h e c im e n to c o m o infalível e o c o n h e c im e n to da m u lh er c o m o h isteria d es­ regrada - c , por m e io d e um co n h e c im e n to fra g m en tá rio c invasiv o, criam um c o n flito m ã e -feto em q u e a vida é atribu id a apenas ao fe to e n q u a n to a m ãe é reduzida a um c rim in o so em po ten cial que am eaça a vida d o scu b eb é. A equ iv ocad a c o n stru çã o d o c o n flito m á c -fe to , que fo i a base d a a p ro p ria çã o s d ireito s tias m u lh e re s, ligados às suas ca p a cid ades, regenerativas, sáo substituídos pelos d os m é iííc o sx o m o pçodu/ to re s c d o s casais in fé rte is c o m o co n su m id o re s. . ^ A m u lh er c u jo c o r p o é e x p lo r a d o c o m o m áq u in a n ã o é vista c o m o quem p recisa ser p ro te g id o d os m éd ico s e casais rico s. A o invés d isso, o co n su m id o r, o pai a d o tiv o , n ecessita ser p ro te g id o da m ãe b io ló g ic a , q u e foi red uzida a um a b a rrig a de alu gu ei, Isso é e x e m p lifica d o n o fa m o so caso d o b eb ê M ., d e 1 9 8 6 , em que M ary B eth c o n c o rd o u cm alugar seu ú te ro , m as, d ep ois d e e x p e rim e n ta r o q u e e ra ter um b eb e, quis d e­ v o lv er o d in h eiro e fica r c o m a cria n ç a . Um ju iz d e N o v a Je rs e y d eterm in o u que o c o n tra to e n tre um h o m em c um a m u lher, n o q u e d iz resp eito a o esp erm a d ele, é sag rad o c que a gravid ez c o d ar à luz não sáo. C o m e n ta n d o essa n o çã o de ju stiça n o seu liv ro S acred B o n d (L ig a çã o sa g ra d a ), Phyllis C h c s lc r d iz: “ É c o m o se esses esp ecialistas fossem m issio n á rio s d o sé c u lo X I X e M ary B eth fo sse u m a nativa e sp c c ia Jm c n tc te im o sa , que se recu sa a co n v e rtcr-se à civ iliz a çã o - e m ais, recu sa-se a te r seus re cu rso s natu rais p ilh ad o s sem luta^,,, í , O papel d o h om em c o tu c L x m d o r-ta m b é in foi lev ad o a ex tr e m o s ab su rd os c m um p ed id o d e p aten te req u erid a para a ca ra cte riz a çã o d a seq u ên cia g e n ica q u e c o d ific a a re la x in a h u m an a, um h o r m ô n io s in te tiz a d o e e sto c a d o n o s o v á rio s da *

** Phyllis Qic-Jtr, Sttem i Ik x iti M oiljerbooã U iiderSiegc (I xW

íp í :

Vir.igo, 1988),

m u lh er c q u e aju d a ha d ila ta d o , fa c ilita n d o assim o p ro cesso d e d ar à luz. U m a substância q u e o co rre naturaim ente n o co rp o das m u lh e re s d trata d a c o m o a in v e n çã o d e três cien tista s h o ­ m ens: Peter Jo h n H u d, H ugh D avid N ill e G eo ffrcy W illiam Tregear.í0 A propriedade d, dessa form a, adquirida por m eio da tecn o lo g ia invasiva c fragm enradora - c é essa ligação en tre te c ­ n ologia fragm entadora e co n tro le, de um lado, e a propriedade de recu rso s c pessoas, d o o u tro , q ue co n stitu i a base d o p ro je to p atriarcal d e co n h e c im e n to c o m o p o d er s o b re o s o u tro s. E sse p r o je to está basead o na a c e ita ç ã o d e três sep arações: a sep araçã o de m ente c c o r p o ; a s e p a ra çã o d e g ê n ero da a ti­ vid ade m ascu lin a c o m o in telectu al c a fem in in a co m o b io lógicaT p a sep a ra çã o d o su jeito c o b je to d o c o n h e c im e n to . Essas r e p a r a ç õ e s p erm item a c o n s tru ç ã o p o lític a de um a fro n te ira da criativ id ad e q u e d iv id e o h om em ativ o e pen san te da m u lher passiva c n ã o -p e n sa n te, c da natu reza. A b iotecn o lo g ia 6, atu alm ente, o instrum ento cultural d o ­ m inante para d em arcar a fro n teira en tre natureza c cultura por m eio d o s D PI e d efin ir o co n h ecim en to da m ulher c dos lavra­ d ores co m o parte da natureza. Esses con stru to s patriarcais sâo p ro jetad os co m o naturais, em bo ra n ão tenham nada de natural. C o m o ressaltou Claudia Von W erlliof, d o p o n to de vista d o m i­ nante, a natureza é tu do o que deveria estar disponível grátis, ou o m ais b arato possível, Isso inclui os prod u tos d o trabalho social. O trabalh o das m ulheres c dos lavrad ores d o T erceiro M u nd o é con sid erad o n ão-trab alh o , m era b io lo g ia, um recurso natu ral; seus produ tos parecem , assim , d ep ósito s n a tu ra is.1“

As fr o n teir a s d a p ro d u çã o e d a c r ia ç ã o A tra n sfo rm a çã o d e v alor cm d csvalor, tra b a lh o em n ã o tra b a lh o , co n h e c im e n to em iiã o -c o n h c c im c n to , é alcan çad a

Europcan 1’atcnt Office, requerimento n °: 8 3 3 075534. *' "Women and Nature in Capitalism".

p o r m e io d e d ois c o n s tru io s p o d e ro s o s: a fro n te ira d a p ro d u ­ ç ã o e a fro n te ira da criativ id ad e. A f ro n tei ra d a p ro d u ç ã o é u m c o n s tr u to p o líric o q u e e x clu i c ic lo s d e p ro d u çã o re g e n e ra tiv o s, ren o v áv eis, d o d o m ín io da p ro d u çã o . O s sistem as de co n ta b ilid a d e n a cio n a is, q u e sáo u tilizad o s p ara c a lcu la r cre s c im e n to p o r m e io d o p ro d u to n a ­ cio n a l b ru to , b aseiam -se n o p ressu p o sto de q u e , se o s p ro d u ­ to r e s c o n s o m e m o q u e p ro d u z e m , e le s , na v e r d a d e , n ã o p ro d u zem n ad a, p o rq u e fica m d o la d o de fo ra d a fro n te ir a da p ro d u çã o .12 Tod as as m ulheres que produzem para as suas fam í­ lias, crianças e a natureza sã o , dessa fo rm a, tratadas c o m o nãop ro d u tiv a s e e c o n o m ic a m e n t e in a tiv a s . A s d is c u s s õ e s na v o lv im em o a u e trata m d e queytóes d e biod iversid ad e tam bém se referem à p ro d u çã o para ço n su m o p ró p rio c o m o uni fracasso c o m e rc ia l.1 A nu to-su ficiencia no d o m ín io da e co n o m ia c , p o r­ tan to , vista c o m o uma d eficiên cia e co n ó m ica qu and o as e c o n o ­ m ias se lim itam a o m ercad o. A d esv alorização d o tra b a lh o das mui iteres , c d o trab a lh o realizad o em e co n o m ia s de subsistência no T e rce iro M u n d o , 6 o resultad o nam ral da fro n te ira da pro­ d u ção co n stru íd a p e lo p atriarcad o capitalista. A fro n te ir a d a c ria ç ã o faz c o m o c o n h e c im e n to o q u e a fro n te ira da p ro d u çã o faz c o m o tra b a lh o : ela e x clu i as c o n ­ trib u iç õ e s cria tiv a s das m u lh eres assim c o m o ta m b ém d o s c a m ­ p o n ese s e p o v o s trib a is d o T e rc e iro M u n d o e o s v e c o m o e n v o lv id o s cm p ro c e sso s b io ló g ic o s re p e titiv o s c n ã o -p e n sa n ­ tes. S e p a ra r p ro d u ç ã o de re p ro d u ç ã o , c a ra c te riz a r a p rim eira c o m o e c o n ô m ic a e a seg u nd a c o m o b io ló g ic a , são alg u n s d os p re ssu p o sto s su b ja ce n te s tra ta d o s c o m o n a tu ra is, m esm o q ue te n h a m sid o c o n stru íd o s social c p o litic a m e n te . E sse d e s lo c a m e n to p a tria rca l d a fro n te ira d a cria tiv id a d e

é in a d e q u a d o p o r várias ra z õ es. P rim eiro , o p re ssu p o sto de q u e a a tiv id ad e m a scu lin a é a v e rd a d e ira c r ia ç ã o p o rq u e a c o n -

U Marilyn Waring, If Women Counted (Nova York: Harper & Row; 1988). United Nation* Conference on Environment and development, "Agenda 21", adorada pelo plenário cm 14 de junlio de 1992 c publicada pela Secre­ taria do UNCED, Couches, Suíça.

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tc c c e x n ih ilo é eço]Q giç$ir ic a ic falso . N e n h u m a rte fa to te c ­ n o ló g ico " o u m e rc a d o ria in d u strial é fo rm a d o d o n a d a ; ne­ nhum p ro ce s s o ind u strial a c o n te c e on d e a n te * n ã o h av ia nad a. N atu reza c cria tiv id a d e , assim c o m o ta m b ém o tra b a lh o social Sãs p essoas, são con su m id as em q u a lq u er nível da p ro d u ç ã o industria) c o m o m a té ria -p rim a ou en erg ia . A s em en te b io te c ÍTOló g ica q u e é tra ta d a c o m o c ria ç ã o a ser p ro teg id a pelas p a ­ ten tes n ão p o d e ria e x is tir sem a sem en te d o s lav rad ores. O p ressu p o sto d e q u e a p e n a s a p ro d u çã o indu strial é v erd ad ei­ ram en te cria tiv a p o rq u e p ro d u z d o nada e sc o n d e a d e stru iç ã o e c o ló g ic a que a ac o m p a n h a , A fro n te ira p a tria rca l d a c ria tiv i­ d ade p erm ite que a d e stru iç ã o seja p erceb id a c o m o c ria ç ã o c a re g en era çã o e c o ló g ic a c o m o sen d o a base d o c o la p s o dos c ic lo s e c o ló g ic o s e d a crise de su steiitabilid ad e- S u sten ta i1 a vid a sig n ifica , a cim a d e tu d o , reg en era r a v id a; mas de a c o rd o com a visão p a tria rca l, reg en erar n ã o é c r iar, é a p en a s rep etir. Essa d e fin iç ã o de criativ id ad e ta m b ém ¿ falsa p o rq u e d eix a de v er que o tra b a lh o da m u lh e r c o d o p rq d u to r.d e subsisréiioia sig n ificam cria r filh o s e cu ltiv a r, ativid ad es q u e co n serv a m a ca p a cid a d e reg en era tiv a . O p re ssu p o sto de c ria ç ã o co m o red u çã o d a n ov id ad e ta m ­ bém é j a l s o ; re g e n e ra ç ã o n ão é m e ra rcp.eü ção. E la e n v o lv e d iv ersid ad e, e n q u a n to q u e c o n s tru ç ã o p ro d u z u n ifo rm id a d e . A reg en eração , d e fato, é o m o d o co m o a diversidade é produzida e renovada. E m b ora nenhu m p rocesso industrial a co n te ça d o n ad a, o m ito p a tria rca l d a cria tiv id a d e é p a rtic u la rm e n te in­ fu n d ad o n o c a s o das b io te c n o lo g ia s , cm q u e fo rm a s de vida são a m a té ria -p rim a da p ro d u çã o in d u strial.

R eco n stru in d o c o n e x õ e s A fo n te d o p o d e r p a tria rca l s o b re as m u lh e re s e a n atu reza resid e na sep a ra çã o c na fra g m en ta çã o . A n a tu rez a é d isso cia d a de c su b ju gad a à c u ltu ra ; a m e n te é d isso cia d a de e elevada acim a d a m a té ria ; a m u lh er é sep a ra d a d o h o m em e id e n tifi­ cad a c o m a n atu rez a c a m a téria . A d o m in a ç ã o das m u lh eres e da natu reza é um resu ltad o; a quebra ele ciclo s de reg en eração é o u tro . A d o e n ça e a d estru ição e co ló g ica em ergem dessa inter-

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rupçno dos ciclo s de ren o v a çã o da vicia c da saúde. As crises na saúde c na eco lo g ia sugerem q u e o pressuposto da habili­ dade cio hom em cíc co n stru ir totalm ente o m u nd o, inclu ind o sem ente c m ulheres, está c m questão. A natureza n ã o 6 o c o n s­ titu o essencializado, passivo q ue o pat ri arcad o p reten d e q u e seja. A e co lo g ia nos fo rça a reco n h ecer as desarmani.-is_ c Jtn rm o n ias cm nossas in terações com a natu reza. C o m p re en d er e p erceber co n e x õ e s e relaçõ es ê o im perativo e co ló g ico . A p rin cip a l c o n tr ib u iç ã o d o m o v im e n to e c o ló g ic o é a co n sciê n cia de q u e n ã o e x iste sep a ra çã o e n tre m e n te c c o r p o , o h u m an o e a n a tu reza. A n atu reza co n siste d c re la ç õ e s c c o ­ n e x õ e s q u e fo rn e c e m a s p ró p ria s c o n d iç õ e s p ara a n o ssa vida c saúd e. Essa p o lític a d c c o n e x ã o e re g e n e ra çã o fo rn e c e a a l­ tern ativ a à p o lítica d a s e p a ra ç ã o e fra g m en ta çã o q u e está c a u ­ sa n d o o co lap so eco ló g ico . É um a p o lítica d a^ olid aricd ad e co m a natureza. Ela im plica a traiisforiração.racíiqaljtia natu reza c da cu ltu ra, d c tal m aneira q ue cias se interp en etram , cm v ez d c se m anterem separadas c op ostas. A o in iciar um a p arceria c o m a natureza na p o lítica da reg en era çã o , as m ulheres e stã o sim ulta­ n eam en te recu p eran d o sua pró p ria atividade c criativid ad e, bem co m o as da natureza. N ã o existe nada essencialista nessa p o lítica porque ela está, na verd ad e, baseada na n egação da d efin ição patriarcal de passividade co m o a essência da m u lher e d a n atu ­ reza. E não há nisso absolu tism o algum , porqu e q natural ¿ c o n s ­ tru íd o p o r m eio d c relações diversas c o m d iferentes am bientes. A agricu ltu ra natural e o p a n o natural envolvem a criativid ad e hum ana c a sensibilidade da m ais alta ord em , c ria tiv id a d e c c o ­ n h ecim en to e m erg in d o cia parceria e da particip ação, n ão da sep aração. A p o lítica da parceria com a natureza da m aneira co m o está sendo m old ad a n o co tid ia n o das m ulheres e co m u n i­ dades é a po lítica d a re co n stru çã o d c c o n e x õ e s e da reg en eração p o r m e io d o d inam ism o c d a diversidade.

Biodiversidade e conhecimento popular

O s tró p ico s sâo o b e rço da diversidade b iológ ica do planeta, co m um a m u ltiplicidade d c ecossistemas sem igual.’ A m aioria d os países d o T erceiro M u n d o localiza-se nos tró p ico s c , sendo assim , 6 d o tad a de um a riqueza c m diversidade b iológ ica que vem sen d o rapid am ente devastada. As duas causas principais da d eterioração em gran d e escala dessa biodiversidade são: 1. D e s tru içã o d o s h a b ita is d ev id o a m e g a p ro je to s fin a n ­ cia d o s in te rn a cio n a l m en te - c o m o a c o n s tru ç ã o d c b arrag en s, ro d o v ias, m inas e aq u icu ltu ra s - em á re a s d c g ra n d e b io d iv e r­ sidade. A R e v o lu çã o Azul é um e x e m p lo d e c o m o zon as co sreiras, o n d e ab u n d am d ife re n te s fo rm a s d e vid a m a rin h a , c terras n o in te rio r co m g ra n d e d iv e rsifica çã o a g ríc o la , e stã o sen d o d estru íd as p ela cu ltu ra in ten siva de ca m a rõ es. 2 . A p ressão te c n o ló g ic a c e c o n ô m ic a para su b stitu ir d i­ versidad e p o r h o m o g e n eid a d e na silv icu ltu ra , na a g ricu ltu ra , na p iscicu ltu ra c n a c ria ç ã o d c a n im ais. A R e v o lu ç ã o V erd e ó um e x e m p lo da su b stitu içã o d eliberad a da d iv ersid ad e b io ló ­ g ica pela u n ifo rm id a d e c a s m o n o cu ltu ra s. 1

1Vandana Shiva, M onocultures o f the M in d (Londres: Zed books, 1993).

A d eterio ra çã o d a b io d iv ersid a d e d á in ício a um a re a çã o em cadeia. O d esap a recim e n to de um a esp écie está r e la d o n a d o com a extinção d c inúmeras outras, às quais c ia s e liga e c o logicántente nas tciasc cadeias alim entares. A crisedabiod iversidad c, entretanto, nãoé apenasum acrise d o desaparecim ento d cespécies, que servem de m atéria-prim a e têm o potencial de gerar incessan­ tem ente dólares para o s em preendim entos em presariais. Ela é, mais fundam entalm ente, um a crise que am eaça o s sistem as de su sten tação da vida e os m eio s dc subsistência de m ilh õ es dc pessoas nos países d o T e rc e iro M u n d o . A biod iversid ad e é um re cu rso d o povo. E n q u a n to o m u n ­ d o in d u strializad o e as so cied a d es aflu en tes d eram as co sta s à b iod iv ersid ad e, o s p o b re s n o T e rc e iro M u n d o d ep en d em c o n ­ tin u am en te dos recu rso s b io ló g ic o s para o b te r c o m id a , cu id ar da saúde, e x tra ir en erg ia e fib ra s, e c o n stru ir m o rad ias. A em erg en cia das n o v as b io te c n o lo g ia s m udou o sen tid o c v alo r d a b iod iversid ad e. E la foi co n v e rtid a , de base da sus­ te n ta çã o da vida para as co m u n id a d es p o b res, em b ase da m a­ téria-p rim a para em p resas p o d erosas. M e sm o q u e sc fa le cad a vez m ais de b iod iversid ad e g lo b a l c recursos g e n ético s g lobais, a b iod iversid ad e - co n tra ria m e n te à a tm o sfera ou aos o ce a n o s - n ão é um a te rra co m u n itá ria global n o sen tid o e c o ló g ic o . A biod iversid ad e existe cm países esp ecífico s e é utilizad a por co m u n id ad e s esp ecíficas. E la é g lobal apenas n o seu papel e m erg en te c o m o m a téria -p rim a para as m u ltin acion ais. O su rgim en to de n o v o s sistem as de p ro p ried ad e in te le c ­ tu al, e de um n o v o e a ce le ra d o p o ten cia l d c e x p lo ra ç ã o d a b iod iversid ad e, cria n ov os c o n flito s em rela çã o a ela - e n tre a p ro p ried ad e privada e a p ro p ried ad e co m u n itá ria , e n tre uso global e uso lo cal.

A q u em p erten c e a b io d iv ersid a d e ? A biod iversid ad e foi sem p re um recu rso local co m u n itá rio . U m recu rso é p ro p ried ad e co m u n itá ria q u an d o existem siste ­ m as so ciais que o utilizam seg u n d o p rin cíp io s d c ju stiça c sus-

tcncabilid ad e. Isso envolve a co m b in a çã o d e d ireito s e responsa b jlid ad cs e n tre os usu ários, a co m b in a çã o de u tilização e co n se rv a çã o , um sen tid o de co -p ro d u çã o co m a natu reza e d e dádiva e n tre o s m em b ros d a com u n id ad e. H á m u ito s nfveis em q u e a p ro p ried ad e de recursos e o c o n c e ito de co n h ecim e n to d c c acesso a eles d iferem e n tre os sistem as d e propried ad e privada e o s d c p ro p ried ad e c o m u ­ n itária. Sistem as de p ro p ried ad e co m u n itá ria reco n h ecem o v alo r in trín se co da riqueza da b iod iv ersid ad e; sistem as g o v er­ nad os pelos D PI vêem esse v a lo r c o m o cria d o pela e x p lo ra ç ã o co m ercia l. O s sistem as de p ro p ried ad e co m u n itá ria d c c o n h e ­ cim e n to e recursos re co n h e ce m a criativid ad e da natureza. C o m o afirm o u Jo h n Tod d , um b ió lo g o visio n ário , a b io d iv er­ sidade carreg a co n sig o a in telig ên cia de três b ilh õ es e m eio de an os de e xp erim en ta çã o com fo rm as d c vida. A p ro d u ção hu­ m ana é vista co m o um a c o -p ro d u ç ã o em q u e o hom em cria em h arm o n ia com a natu reza. O s sistem as d c D P I, a o c o n trá ­ rio , b aseiam -se na n eg a çã o d a cria tiv id a d e d o in u nd o natu ral. E n tre ta n to , eles usurpam a criativid ad e d o co n h e c im e n to a u ­ tó c to n e e m erg en te c as “ te rra s c o m u n itá ria s in te le c tu a is”. A lém d o m ais, desde que o s D PI são m ais um a p ro te çã o do in v estim en to de cap ital q u e um re c o n h e c im e n to d a c ria tiv i­ d ad e cm si, existe um a te n d ên cia à posse d o c o n h e c im e n to , e dos pro d u to s c p ro cessos que d ele na scem , a fim d e avan çar em d ireçã o às áreas de c o n c e n tra ç ã o d e cap ital e afastar-se d o s p ovos d esp rovid os d c cap ital. C o n h e c im e n to e recursos sã o , p o rta n to , sistem aticam en te usurpados dos g u ard iões e d o a d o ­ res o rig in ais, to rn an d o -se o m o n o p ó lio das m u ltinacionais. Por m eio dessa tend ência, a biodiversidade é transform ada dc d om ín ios locais com uns cm propriedade particular cercada. D e fato , o fecham ento dos “d om ínios com uns” é o ob jetivo dos DPI nas áreas de form as d e vida c biodiversidade. Esse fecha­ m ento é universalizado p elo acord o T R IP s d o G A T T c certas interp retações da C o n ven ção sob re Biodiversidade. Tam bém é o m ecanism o subjacente aos c o n tra to s de biop rospecção. A d esv alorização d o c o n h e c im e n to lo c a l, a n eg ação dos d ireito s locais e , sim u lta n ea m en te, a c ria ç ã o dos d ireito s m o-

n o p o lista s d e uso da d iversid ade b io ló g ica p ela a leg a çã o da n ov id ad e, e stã o n o c e n tro da p riv atização d o c o n h e c im e n to C da h iod iv ersid ad e. A rg u m en ta-sc às vezes q u e e x istem m o ­ n o p ó lio s m esm o em com u n id ad es tra d icio n a is, E n tre ta n to , n o caso d a ag ricu ltu ra, p o r e x e m p lo , as s em en tes e o c o n h e c i­ m e n to são tro ca d o s liv rem en te c o m o presen tes, D a m esm a fo rm a , o c o n h e c im e n to so b re p lan tas m ed icin a is é um recu rso lo cal co m u n itá rio . O s sistem as d e cu ra basead os em plantas p e rte n ce m a duas cate g o rias: o s p op u lares e os esp ecia liz a d o s, c o m o o A y u rd cv a, o S irfd b a e o U naiti. M e sm o o s sistem as esp ecializad os, no en ta n to , d ep end em d o c o n h e c im e n to popular, N o A yu rdcva clássico , o s d t a r a k a S a m b ita , m ódicos n a tiv o s, são a co n se lh a ­ dos da seg u in te m an eira: Sabendo pelos pastores, rapasuis, povos da floresta, caçadores c jardineiros, c conhecendo suas form as c propriedades, aprenda sobre erv asc plantas medicinais,“ A sabed oria pyurvóctica tam b ém faz p a rte d o c o n h e c im e n ­ to habitu al d as p essoas. As tra d içõ e s fo lc ló ric a s c o s sistem as m éd ico s esp ecializad o s su stentam -se m u tu a m en te, a o c o n trá ­ rio d o s sistem as m éd ico s ind u striais d o m in a d o s peias em presas farm acêu ticas, em que as pessoas n ã o c o n ta m c o m o su jeito s d o ta d o s d e co n h e cim e n to . O s sistem as m éd ico s n ã o -o c id e n tais ta m b é m d ifere m dos sistem as m é d ico s o cid en ta is no se n tid o de que seus m éd icos n ativ o s n ão p raticam um m o n o p ó lio c o m ercia l p o r m eio das suas ativid ad es. E m b ora eles possam n ã o tro c a r seu c o n h e c i­ m e n to liv re m e n te , d oam liv rem en te seu s b en e fício s. E les n ã o u tilizam c o n h e c im e n to para acu m u la r ilim itad a m e n te lu cros c riqu ezas privad as. P raticam o q u e na Ín d ia c h a m am os gy an d a a n - a dádiva d o saber. Pela su a p ró p ria ló g ica , p o r o u tro la d o , o s D PI ex p lo ra m c o n h e c im e n to cm n o m e d o lu c ro e im p ed em q u e o u tro s o u tilizem d u ra n te a validad e das p aten tes. U m a vez q u e o s DPI 1 1ChamhãSamhita, Sutra Srhaana, Cip. 1, S lo b p. 120-21.

c o m frcq ü ên cia sc b aseiam cm co n h e c im e n to s n ativ o s c in te r­ venção na biodiversidade até então presente nas “terras co m u ­ n itárias", eles representam u m fecham ento intelectual c m aterial. Por conseguinte, o p o vo deixa de ter acesso ao co n h ecim e n to e aos recursos vitais para sua sobrevivência c criatividade - e para a conservação da diversidade cultural c biológica. D uas ten d ên cia s H istóricas im p o rta n tes circu n d a m a q u e s­ tão d o co n h eci m ento. P or um lad o , re c o n h c c c -s c ca d a vez m ais q u e o p arad igm a ocid en ta l d o red u cion ism o m ecan icista está nas raízes das crises e c o ló g ic a s c de saúde e que o s sistem as n ã o -o cid e m a is de c o n h e c im e n to e stã o m ais aju sta d o s a o re s­ p eito pela vida. P o r o u tro lad o , p recisam en te q u a n d o os sis­ tem as de co n h e c im e n to a u tó cto n es p o d eriam sc a firm a r, o G A T T está usando o s D P I para re fo rç a r o m o n o p ó lio dos sistem as o cid en ta is e d esvalorizar os sistem as n a tiv o s, m esm o en q u an to o s e x p lo ra p ara esta b elecer m o n o p ó lio s d e D P I.

C o n h ecim en to in d íg en a e D PI O p a te n te a m e n to d e p ro d u to s c p ro cesso s d eriv ad o s de plantas basead o no c o n h e c im e n to n a tiv o sc to rn o u um im p o r­ tan te fo c o de c o n flito s n o d o m ín io d os D P I. O p a te n te a m e n to d o n im é um e n tre v á rio s exem p los. O n im , A z a d ira ch ta in d ica , um a b ela á rv o re n a tiv a da ín ­ d ia, tem sido utilizado há séculos co m o fo nte de biopesticidas c rem édios. Em algum as partes d o país, as pessoas iniciam o an o novo co m en d o o s tenros b roto s d o nim . Em o u tras regiões, ele é venerado co m o árvore sagrada. Por to d a a índ ia, as pessoas com eçam o dia usando o d atn n (escova de dentes) de nim para proteger os dentes c o m suas propriedades m edicinais e bnetericidas. C om unid ad es inteiras tem investido séculos de d ed icação, "TCSpíito e co n h ecim e n to na propagação, p ro te çã o e uso d o nim nos cam pos, aterros, propriedades rurais e terras com unitárias, H o je , essa h e ra n ça é rou bad a p o r m e io d o s D P I. D u ra n te sécu lo s, o m u n d o o c id e n ta l ig norou o nim e s u a s p ro p ried ad es: os co stu m e s d o s ca m p o n eses e m éd ico s in d ian os n ã o eram

consid erad os dignos de aten ção pela m aioria dos co lo n iz a d o ­ res b ritân ico s, fran ceses e portugueses. N os últim os an os, e n ­ tre ta n to , a crescen te o p o siçã o a o uso d e produtos q u ím icos na sociedade o cid en ta l, esp ecialm ente com relação a p e stic i­ das, gerou um sú b ito entusiasm o pelas p ropried ad es farm a­ cêu ticas d o nim . D esde 1 9 8 5 , em presas am ericanas c jap on esas obtiveram nos E stados U nid os m ais dc d oze patentes p ara s o ­ luções c em ulsões estáveis à base d c nim - c até m esm o para um a pasta dc dentes. Pelo m enos q u atro dessas p aten tes sáo propried ad e da W, R . G ra c e C o rp o ra tio n , dos E stad os Uni dos, três sáo dc outra com p an h ia n o rte-a m erica n a , a N ative Plant Instituto c dois sáo da T cru m o C o rp o ra tio n , d o Ja p ã o . T end o conq u istad o suas patentes, e c o m a perspectiva de um a licen ça a scr co n ced id a p ela ag ên cia EAP (E n v iron m en tal P ro tectio n A gen cy), a \VR. G ra c e co m eço u a fab ricar c com ercializar seus produ tos estabelecen d o um a base na índia. A com p an h ia p ro ­ cu rou vários fab ricantes p ro p o n d o a com p ra d a te cn o lo g ia lo cal, ou te n to u co n v c n c ê -lo s a parar d c m anu fatu rar pro d u tos com valor agregad o c , cm vez disso, fo rn ecer m atéria-p rim a. É provável q ue o u tras com p an h ias d eten toras d c p aten tes si­ gam os passos d a G ra ce . "E sp re m e r d in h eiro d o nim deve scr relativ am en te fá c il", observa a S c ia u e M agazin e . 5 O p criõ d ico Ag B io tcch n o lo g y N ew s referiu-se à fábrica d a W .R. G ra ce co m o a “ p rim eira in stalação de b iop esticid a e x traíd o da árvore nim no m u nd o” . Q uase todas as casas e p ovoad os da ín d ia, n o en ta n to , tem instalações d c b io p csticidas. A O rg an ização K had i das indústrias artesanais da índ ia c a C om issão de Indústrias d c Povoados usam c vendem p ro d u ­ to s derivados d o nim h á 4 0 anos. E m p reend ed ores privados tam bém lançaram pesticidas d c n im , co in o o Ind iara. A pasta d c d en te de nim tem sid o fab ricad a há d écad as pela C al cu ita C h em icals, co m p an h ia q u ím ica local. A ju stificativa para as patentes da G ra ce baseia-se na tese d c que seu p ro cesso de e x tra çã o m o d ern izad o con stitu i um a genuína in o v ação : ’ R. Stone, “A Biocidal Tree Llcjjiiis io Blossom”, Science (28 dc fevereiro dc 1992).

Embora o conhecimento tradicional tenha inspirado a pes­ quisa c o desenvolvimento que levaram à$ composições c pro­ cessos patenteados, estes foram consideradossuficicntemcnte novos e diferentes do produto original da natureza e dó mé­ todo de uso tradicional para permitir o patcntcamctito.4 E m resu m o, os processos são supostam ente nov os, um avan ço em relação i s técnicas indianas, Essa novid ad e, e n tre ­ ta n to , existe antes de m ais nada n o c o n te x to da ignorância do O cid en te. D u ran te os 2 .0 0 0 a n o s cm que os b iop csticid as e rem édios à base de nim são usados na índ ia, m uitos processos co m p lex o s foram desenvolvid os a fim de to rn á -lo s disponíveis para usos esp ecíficos, em b o ra os ingredientes ativos n áo te ­ nham sid o batizados co m n om es cien tífico s derivados d o la­ tim . O co n h ecim e n to e uso co m u n itá rio d o nim fo ram as principais razões dadas p elo C o m itê C entrai de Inseticidas Ind iano para n ão registrar prod u tos de nim com base na Lei so b re Inseticidas de 1 9 6 8 , O C o m itê alegou que m ateriais p rovenientes do nim são am p lam en te usados na ín d ia para d iversos fins desde tem p o s im em oriais, sem quaisqu er efeito s d eletério s c o n h e cid o s .’ A biodiversidade tem d iferen tes propriedades que podem ser utilizadas para satisfazer as necessidades hum anas. N o caso d o nim , saber que a árv ore tem p ropried ad es b iop csticid as é um m e taco n h ccim en to - um co n h ecim e n to de princípios - no d o m ín io p ú blico. D ad o esse c o n h e c im e n to , vários p rocessos tecn o ló g ico s podem ser em p regad os para p reparar inúm eros produ tos a partir d o nim . Estes são óbvios, nada têm de novo. N o nível d o m icro co n h e cim cn to - o co n h ecim e n to en v o l­ vido co m a m od ificação de processos técn ico s - a con cessão de D PI é ilegítim a p o r duas razões. Prim eiro, ela se ap rop ria indevidam enre da criativid ad e da natureza c de o u tras cu ltu ­ ras. S egu n d o, n o caso d o n im , isso leva à alegação im p ro cc- * * Carta ao professor Nargmdaswamy, organizador da Karnataka Ra jya Kaitha Sangha Partners’ Organization. 1 A EPA não acena a validade do conhecimento tradicional, e impôs uma série completa de testes de segurança cm um doí produto», Margosan-O.

d en te d e que a p ro p ried ad e b io p csticid a fo i c ria d a p e lo d e ­ te n to r da p a ten te. E la tra ta m eras m o d ifica çõ e s d c d e ta lh e c o m o um a fo n te d c c ria ç ã o , cin vez d c re c o n h e c e r que esp écies d eterm in ad as sáo a fo n te da cria ç á o d e p ro p ried a d es c c a ra c ­ te rística s esp ecíficas c que as com u n id ad es sáo a fo n te d o c o ­ n h e cim e n to q u e p erm ite o uso dessas p ro p ried ad es. A q u estão d o s D PI está estreita m e n to re la cio n a d a c o m a q u e stã o d o valor. Sc to d o valor é re c o n h e c id o ap en as q u a n d o asso ciad o a o cap ital, o tra b a lh o d c m o d ifica r te cn o lo g ia s passa a ser n ecessário para agregar valor. A o m esm o te m p o , rctira -sc o v alor das fo n tes (recu rsos b io ló g ic o s , b em c o m o o c o n h e c i­ m en to n ativ o ), que sã o reduzidas a m a téria -p rim a . M o d ifica r tecn o lo g ia s, e n tre ta n to , n ão cria valor. O valor d o p ro d u to d ep en d e da fo n te - neste ca so , o nim - c n ã o de co m o ele é p ro cessad o. A m esm a m o d ific a ç ã o d c té cn ica s a p li­ cad a a o u tra s esp écies n ão p ro d u z iria u m p esticid a. A so cie ­ dade é q u e é a fo n te d o c o n h e c im e n to d c q u e nim p ro d u z o p e sticid a, não o in v en tor da m o d ific a ç ã o e p iste m o ló g ica m e n te in sig n ifican te, m as te c n o lo g ic a m e n te p o d erosa. O s DPI perm item a privatização da biodiversidade c das “terras com unitárias intelectuais”. "B io p ro s p c c ç ã o ” é cada vez mais a palavra usada para d escrever essa nova form a d c fecha­ m ento.

B io p ro sp ec ç a o versu s co n h ec im en to p o p u la r A biodiversidade é protegida pelo floresci m em o da diversi­ dade cultural. U tilizando sistem as d c co n h ecim e n to indígenas, as cu ltu ras criaram econ om ias e sistem as de p rod u ção d escen­ tralizados que usam c reproduzem biodiversidade. As m o n ocu l­ turas, cm contrap artid a, que são produzidas e reproduzidas por m eio de um con trole centralizad o, con so m em biodiversidade. O d esafio da co n se rv a çã o da b iod iv ersid ad e co n siste cm am p liar o alcan ce da a çã o d e e c o n o m ia s baseadas n a d iv ersi­ d ade e d esce n traliz a ç ã o e red uzir o a lca n ce das eco n o m ia s basead as nas m o n o cu ltu ra s e na n ão -su sten tab ilid ad e. E m b o ra os d o is tip o s d e e co n o m ia utilizem b iod iv ersid ad e c o m o insu-

9S

m o , ap en as as basead as em diversid ade prod u zem d iversid ade. E co n o m ias de m o n o cu ltu ra produzem m o n o cu ltu ras. Q u a n d o sistem as a titó cto n es de c o n h e c im e n to c p ro d u çã o in terag em com os sistem as d o m in a n tes d e c o n h c ç jm e p ro c p ro d u çã o , é im p o rta n te p rever quem irá cre scer, se as o p çó cs fu turas cíõ sistem a a u tó cto n e ou as d o sistem a d o m in a n te. O co n h e c im e n to e o s valores d e qual sistem a irã o m o ld a r as o p ­ çõ e s futuras das diversas com u n id ad es? O Instituto M u nd ial de Recursos definiu essa b iop rosp ccção co m o a e x p lo ração de recursos genéticos c b ioq u ím ico s de valor com erciai.* A m etáfora foi em prestada d a p ro sp ecção d o ou ro c d o petróleo. E m b ora a biodiversidade esteja se to rn an d o rapi­ dam ente o o u ro c o p etró leo verdes das indústrias farm acêuticas e d e biotecnologia, sugerindo que o u so e valor da biodiversidade residem no prospector, ela c , na verdade, m antida pelas com u ­ nidades locais. Além d o m ais, essa m etáfora sugere que, antes da prospecção, o recurso jaz en terrad o, d esconhecid o, não usado, c d esprovid o de valor. Ao contrário d o ou ro ou d o s depósitos de p etró leo, e n treta n to , os usos e o valor da biodiversidade são con h ecid os pelas com unid ades, das quais se e x tra i c o n h e c im e n ­ to p o r m eio d o s c o n tra to s d e b io p ro sp ccçã o . A m etáfora da b iop rosp ccção esco n d e, dessa m aneira, o uso an terior, o co n h ecim en to e os d ireitos associados á biod iversi­ dade. Sistem as e co n ô m ico s alternativos d esaparecem c o pros­ pector ocid ental é p ro jetad o co m o a única fo n te para os usos m édicos c agrícolas da biodiversidade. Um a ve/, elim inadas as alternativas, os m o n op ó lios na form a de D PI parecem naturais. Q u an d o o c o n h e c im e n to a ltern a tiv o tro c a d o liv rem en te - c o m o o uso d o nim ou de plantas m ed icin a is - é o cu lta d o , tem -se a im p ressão de que as c o rp o ra ç õ e s c o m a p ro te çã o dos D P I sã o a ú n ica fo n te d e b io p csticid a s ou d a cu ra d o cân cer, p o r ex e m p lo . As reiv in d icaçõ es ex clu siv a s d o s valores agrega­ d o s c d ireito s m o n o p o lista s d a p ro d u çã o sã o leg itim ad o s na

* World Resources Inuicuie (1993).

ausencia de altern ativ as q u e , m esm o q u an d o m a n tid a s vivas, sáo vistas c o m o ilegítim as. A d isto rção de q u e uso c v alo r sáo apenas g e ra d o s pelas grand es em p resas o cid e n ta is tran sp arece na m a io ria tias a n á ­ lises o cid en tais d e b io p ro sp e c ç ã o . C o m o d ecla ra um d e fe n so r: À medida que aumenta o interesse da indústria pelos recursos genéticos c bioquímicos, c mais instituições de pesquisa c con ­ servação percebem que precisam ou usar ou enfrentar a perda da diversidade em seus países, ganharão importância os acor­ dos contratuais entre os coletores c supridores de amostras biológicas, e as companhias farmacêuticas e biotecnológicas. Por meio das relações que eles representam, esses contratos podein assegurar que uma parte do valor gerado pelo desen­ volvimento de produtos biologicamente derivados ou gene­ ticamente modificados c retido çelo país c povo que têm sido os guardiões da biodiversidade.' O co n c e ito d e agregar valor por m eio da b iop rosp ecção es­ conde a rem o ção c d estruição do valor de plantas c co n h ecim e n ­ to s nativos. À m edida que os genes de um a determ inad a planta ganham valor, a planta cm si torna-se dispensável, esp ecialm ente se os genes puderem ser replicad os in v itro. A m edida que c a ­ racterísticas úteis são identificadas por com unidades nativas, as próprias com unid ades - ju ntam ente com seus m odos d e vida e sistemas de co n h ecim en to - tornam -se dispensáveis. É im p o rta n te an alisar a b io p ro sp e cçã o n o c o n te x to do co m é rcio de m e rca d o ria s p aten tead as n os seto re s a g ríc o la c de saúde. As m esm as c o rp o ra ç õ e s que p ro sp ccta m te n d o cm vista a co m e rcia liz a çã o d a b iod iversid ad e tam b ém d estroem e co n o m ia s basead as em valores c sistem as d e c o n h e c im e n to a ltern ativ o s, co m o in tu ito de e xp a n d ir seus m e rca d o s de se­ m en tes, b io p csticid a s c p ro d u to s fa rm a cêu tico s. Q u a n d o se p ed e às co m u n id a d es nativas q u e vend am seu co n h e c im e n to às c o rp o ra ç õ e s , está se p e d in d o q u e vend am seu d ire ito in ato de co n tin u a r a p ra tica r suas tra d içõ e s n o 7 Susan Lai rd, “Contracts for Biodiversity Prospecting", in B iodn vn ily Prot-

peering. World Resource Institute (1994): 99.

fu tu ro c suprir suas necessidad es c o m co n h e c im e n to e recu rso s p ró p rios. Isso já a co n tece u n os casos das sem en tes n o m u n d o indu strializad o e d o s re m é d io s à base de plantas d eriv ad o s d o co n h e cim e n to d o T e rc e iro M u n d o . D o s 1 2 0 p rin cíp io s ativ os atu alm ente isolados de plantas superiores, c largam cntc utiliza­ dos na m edicina m oderna, 7 5 % têm utilidades que foram identi fica d a s p e lo s sis te m a s tra d ic io n a is . M e n o s de d o z e são sintetizados por m od ificações quím icas sim ples; o resto é e x tra í­ do dirctam entc de plantas e depois purificado.® D iz-se que o uso d o con h ecim en to tradicional aum enta a eficiên ciad e reco n h ecer as p ro p ried ad es m ed icin ais d c plantas cm m ais d c 4 0 0 % . Para e n co b rir a in ju stiça c im oralid ad e da b io p ro sp c c ç ã o , aco rd o s são feitos c o m o s países tio T e rce iro M u n d o visand o co m p en sá-lo s pelas suas co n trib u içõ e s. Por e x e m p lo , cm 1 9 9 2 , Eli Lilly pagou à Sham an P h arm aceu ticals, um a im p o rta n te co m p a n h ia d c b io p ro s p c c ç ã o , 4 m ilh õ es de d ó lares p elo s d i­ re ito s exclu sivos e m u nd iais d c co m ercia liz a çã o de d rog as antifú n g icas, derivadas d o c o n h e c im e n to de cu ran d eiros nativos. A H ca lin g Fo rcst C onservancy, um a subd ivisão sem fins lu c ra ­ tiv os da co m p an h ia S h am an , d ev olverá um a p arte d os seus ren d im en to s aos p ovos c g o v ern o s d os países o n d e a S ham an trab alh a, e m b o ra o m o n ta n te n u n ca seja revelad o. Para as grandes em p resas o cid en ta is, sistem as d e c o n h e c i­ m e n to nativos c d ire ito s d os p ovos a u tó cto n es n ã o e xistem . Assim , um a p u b licaçã o da ind ú stria fa rm a cêu tica , q u e d ep en d e fo rte m e n te d o co n h e c im e n to n ativo para m u itas das suas d ro ­ gas à base d c p lantas, m e n c io n a o s d ireito s da b iod iversid ad e d o T e rce iro M u n d o n ã o c o m o d ireito s in telectu ais de p ovos o u , d ireito s co n su ctu d in á rio s q u e ev olu íram d u ran te sécu los, m as co m o um d ire ito de p ro p ried a d e re ce n tem en te esta b e le ­ cid o , resu ltante d c um acid e n te g e o g rá fico . O m á x im o que um país em d esen v o lv im en to p o d e reiv in d icar pelas d rog as extraíd as das suas plantas e anim ais p o r e stra n g eiro s ê um a tax a g eo g ráfica.9 N o e n ta n to , alguns an alistas p ro p õ em que 1 1 Farnjworth, citado em B iod itv rtity Prospecting (1990): 119’ SCRIi; citado cm B h d à /ettily P rosptctm g (1992): 102-3.

h o m en s d e n e g ó cio , c ie n tista s e ad v og ad o s se reúnam p ara n e g o cia r aco rd o s. N em o s g o v e rn o s nem o s p o v o s d e países ricos em biod iversid ad e ap arecem nas d elib e ra çõ e s s o b re os co n tra to s de b io p ro sp e e ç ã o .10 Um d os esfo rço s m ais divuigados foi o a c o r d o de 1 9 9 1 e n tre a M e rck P harm aceu ticals e o IN B io (In stitu to N a c io n a l d e B iod iversid ad e d a C o s ta R ica ). A M e rck c o n c o rd o u em pagar ] m ilh ão d e d ó la res p elo d ireito de m a n ter e an alisar am o stras de plantas co le ta d a s nos p arq u es de flo resta rro p ical úm ida da C o sta R ica p elos fu n c io n á rio s d o IN B io . Esses d i­ re ito s in co n d icio n a is d e b io p ro s p c c ç ã o co n c ed idos a um a m ulrin a d o n a ! (com receita de 4 b ilh õ e s de d ó lares anu ais) cm tro c a de 1 m ilhão de d ó lares pagos a um p eq u en o ó rg ã o de co n se rv ação da n atu reza n ão resp eitam o s d ireitos das c o m u ­ nidades lo cais nem o g o v ern o da C o s ta R ica. Alem d o m ais, o a c o r d o n ão está sen d o fe ito e n tre as pessoas q u e vivem n os parques n acio n ais, o u cm sua v iz in h a n ça ; essas n ã o têm voz ativa na tran sação , n em g a ra n tia de b en e fício s. O a co rd o ta m ­ b ém n ão está sen d o fe ito c o m o g o v e rn o n a cio n a l. O a c o rd o é e n tre um a m u ltin acion al e um g ru p o de co n serv a çã o da n a ­ tu reza d esen vo lv id o p o r in icia tiv a d e um d estacad o b ió lo g o co n serv acio n tsta n o rte -a m e ric a n o , D an Ja n z e n . A in te n çã o d o a c o rd o M e r c k -IN B io 6 parar o flu x o g ra ­ tu ito d e recursos do Sul para o N o rte. C o m o diz Ja n z e n , os tem pos de exp loração c usurpação sem pagam ento de ro y a líies a o país hosped eiro são coisa d o passado. Para Ja n se n , a C osta R ica é um a em presa c o m 5 0 0 0 0 k m ' de terra, on d e existem 1 .0 0 0 km 2de “estufas”, as quais abrigam 5 0 0 .0 0 0 espécies. Essa co rp o ração tem 3 .0 0 0 .0 0 0 de “acionistas” . N o m o m en to , exis­ tem 1 .5 0 0 dólares anuais de P N B (P rod u to N acional Bruto) por acionista. A C osta R ica aspira a um padrão de vida q u e está norm alm en tc associado c o m 1 0 .0 0 0 - 1 5 .0 0 0 dólares anuais. C o m essa visão d e m u n d o , o IN B io co n sid era as p ro sp eeç õ e s co m erciais de m u ltin a cio n a is um a so lu çã o . E n tre ta n to , 1

111 Biodivtrsity Prospecting (19?1): 103.

em p rim e iro lugar, os que v end eram d ireito s de b io p ro sp e cçã o nu n ca tiv eram o d ireito à b iod iv ersid ad e, e aq u eles c u jo s d i­ re ito s e stã o sen d o vendidos e alien ad os por m e io da tra n sa çã o n ão fo ra m con su ltad o s nem tiveram a c h a n c e d c participar, A lém do m ais, e m b o ra as ta x a s d c b io p ro sp c c ç á o pudes­ sem s e r usadas para au m en tar a cap acid ad e cien tífica n o T e r­ c e ir o M u n d o , o que rca lm e n tc se cria é um a in stalação para a em p resa. O v alor c o rre n te n o m erca d o m u nd ial para plantas m ed icin ais id en tificad as g ra ça s às pistas dadas pelas c o m u n i­ dades n ativas foi estim ad o em 4 3 b ilh õ es d c d ólares. D esse m o n ta n te , em algum as o ca siõ e s, um a pequ ena fração é paga so b a fo rm a d c taxas d c p ro sp ecçáo , Esses pagam entos supos­ ta m e n te sã o destin ad os a o d esen v o lv im en to da cap acid ad e d c p esqu isa n o p a ís d e orig em . E n tre ta n to , qu and o a M e rc k fo r­ n eceu e q u ip am en to d c e x tr a ç ã o q u ím ica à U n iversidad e da C o sta R ica, p. c x ., ela asscg u ro u -sc d c q u e te ria uso co m ercial exclu siv o sob re ele. A capacid ade q ue se d esen v o lv e é , dessa m an e ira, co n tro la d a pela em presa fin a n cia d o ra c n ão fica dis­ p o n ível para o s in teresses n a cio n a is m ais am p los d o país d c o rig em . O u tr o p ro blem a re la cio n a d o co m a p ro sp e c ç á o da b io d i­ versidade c que as coletas de m aterial freq iien tcm cn te sao reali­ zadas co m o parte d c um a tro ca cien tífica, cm que as entidades científicas tem ligações co m as corp oraçõ es. N a m edida em que essa tro ca acon rccc livrem ente n o d o m ín io p ú blico, enqu anto os interesses com erciais que exploram e fazem a triagem d o m a­ terial têm interesses particulares no d esenvolvim ento d c produ­ to s p ro te g id o s p elo s D P I, e x iste um a g ran d e assim etria de d ire ito s n o s a rra n jo s para a p ro sp ecçá o d a biod iversid ad e. E m o u tro s casos, o fc rc c c -s e às co m u n id ad es lo ca is a o p o r ­ tu n id ad e d e p aten tear seus c o n h e c im e n to s c m p arceria co m co rp o ra ç õ e s o cid en ta is. O cap ital, e n tre ta n to , provém das in s­ titu içõ e s o cid en tais c os d ireito s sã o im ed ia ta m en te tra n sferi­ d o s p ara in teresses c o m ercia is p o d e ro so s, q u e co n tro la m o cap ira! c o m ercad o . A trair um p eq u en o n ú m ero d e g ru p os ou indivíd u os iso lad o s para a co rrid a d o o u ro pelas p aten tes d c fo rm as d c vida está sc to rn a n d o e sse n cia l, p o rq u e o s m ovi-

m en to s so ciais q u e dizem “n ã o " às p aten tes n o d o m ín io da b iod iversid ad e e stã o crescen d o . S erá que a ro ta d o p a te n te a m e m o p ro teg e o co n h e c im e n to nativo? Proteger esse con h ecim en to im plica um a con tín u a dis­ ponibilidade e acesso a ele por parte das g erações futuras, nas suas práticas diárias agrícolas e de cuidados co m a saúde. Se a organização e co n ô m ica q u e em erge baseada nas patentes destrói os estilos de vida c sistem as e co n ô m ico s nativos, o con h ecim en to nativo não está sen d o p rotegid o co m o herança viva. S c reco n h ccem os que o sistem a eco n ô m ico d om inante está nas origens da crise eco n ô m ica porqu e ignorou o valor ecológ ico dos recursos n atu rais, a e x p a n sã o desse m esm o sistem a n ã o irá p ro teg er n em o co n h e c im e n to n em a b io d iv ersid ad e nativas. P recisam os m u d ar p ara um parad igm a e c o n ô m ic o alter­ n ativ o q u e n ã o reduza to d o e q u a lq u er v alor a p re ço s de m e r­ c a d o c to d a e q u alq u er atividade hu m ana a o c o m é rc io . D o p o n to de vista e c o ló g ic o , essa ab o rd ag em im p lica re­ co n h e ce r o v alo r tia biod iversid ad e cm si. T o d a s as fo rm a s de vida tem um d ire ito in eren te à v id a; essa d ev eria ser a razão p rim o rd ial p ara p rev en irm o s a e x tin ç ã o de esp écies. N o nível s o c ia l, os v alores de b iod iv ersid ad e em d iferen tes c o n te x to s so ciais p recisam ser re co n h e cid o s. B osq u es sag ra­ d o s, sem en tes sagrad as c esp écies sagradas tê m sid o o s m eio s cu ltu rais de se tra ta r a b iod iversid ad e c o m o in violável - c nos d ão o m e lh o r e x e m p lo de co n se rv a çã o . O s d ireito s c o m u n i­ tá rio s à b io d iv ersid a d e, c as co n trib u iç õ e s d o s la v ra d o res c p o v os n ativ o s à e v o lu çã o c p ro te ç ã o da b io d iv ersid a d e, ta m ­ b ém p recisam se r re co n h e cid o s tra ta n d o seus sistem as de c o ­ n h e c im e n to c o m o a p o n ta n d o p ara o fu tu r o , c n ã o c o m o p rim itivos. A lém d isso , d ev em os re c o n h e c e r q u e o s v a lo res d isso ciad o s d o m erca d o , c o m o o d e fo rn e c e r s en tid o c susten­ to , n ão d ev eriam ser co n sid era d o s secu n d á rio s em re la çã o aos valores de m e rcad o . N o nível e c o n ô m ic o , se co n serv a r a b io d iv ersid a d e tiver o o b je tiv o d e m an ter a vid a c m vez de os lu cro s, é p re ciso e lim in a r o s in ce n tiv o s co n c e d id o s à d estru içã o da b io d iv ersi­ d ad e assim c o m o as p enalid ad es q u e passaram a e sta r a sso cia ­ te»

das à sua co n serv a çã o . S c a estrutura da biod iversid ad e guiar o p en sam en to e c o n ô m ic o c m vez do c o n trá rio , fic a evid en te q ue a assim cham ad a a lta prod u tivid ad e de sistem as h o m o g é ­ neos c u n ifo rm es é u m a m edida a rtificia l, m an tid a p o r m eio d e subsídios pú blicos. P rod utivid ad e c e fic iê n cia p recisam ser red efin id o s para re fle tir o s sistem as m ú ltip los de insum os c p ro d u to s que caracteriz a m a biod iversid ad e. A lém d isso , a lóg ica perversa de fin an ciar a co n serv a çã o da b iod iversid ad e co m um p equ en o p ercen tu al d e lu cro s g e ­ rados por sua d estru içã o sig n ifica leg itim ar a d estru içã o , e reduzir a co n serv açã o a algo para ser ap enas co n te m p la d o , cm vez de alg o que é a base da vida e da p ro d u ção. N em a su stcn ta b ilid a d c e c o ló g ic a nem a su stcm ab ilid ad e d e m e io s de vida podem ser g arantid as sem u m a s o lu çã o justa para a q u estão de qu em c o n tro la a b iod iversid ad e. A té re c c n te m e n te , com unidades nativas, especial m ente de m u lheres, d e­ senvolveram c conservaram a biodiversidade c fora m as guardiãs d o p a trim ô n io b io ló g ic o d este planeta. Seu c o n tro le , c o n h e ­ c im e n to c d ireito s p recisam ser fo rta lecid o s para que os ali­ c e r c e s d a c o n s e r v a ç ã o d a b io d iv e rs id a d e s eja m s ó lid o s e p ro fu n d o s. E sse fo rta le c im e n to deve ser fe ito p o r m e io de açõ es locais c g lobais. A g lo b alização d o s sistem as de p aten tes c d o s D P I é um a e x p a n sã o d o parad igm a e c o n ô m ic o q ue tem cau sad o a d e te ­ rio ração eco ló g ica e c o n trib u íd o para a e x tin ç ã o das esp écies, Q u an d o co m u n id a d es nativas são inseridas nesse p arad ig m a, o c o rre uma d estru içã o irreversível de um a d iv ersid ad e cu ltu ral que p o d eria te r fo rn e c id o o s v a lo res de u m a o rg a n iz a çã o e c o ­ n ô m ica altern ativ a. E x tra ir co n h e c im e n to das com u n id ad es nativ as por m eio da b io p ro sp e cçã o é o p rim eiro passo cm d ire ç ã o a o d esen v o l­ v im en to d e sistem as ind u striais e d ifica d o s s o b re a p ro te ç ã o aos D P I, q u e m ais c e d o ou m ais ta rd e co m ercializ a m m e rc a ­ d o rias produzidas u san d o o co n h eci m en to local c o m o insu m o, mas n ão se baseiam c m um a o rg an ização é tic a , c p istc m o ló g ic a ou e c o ló g ic a d esse sistem a de c o n h e c im e n to . O s p ro d u to res

IOJ

d e tais m ercad o rias usam fra g m en to s de b io d iv ersid ad e c o m o m atéria-p rim a, p ara ge ra r p ro d u to s b io ló g ico s p ro teg id o s p o r p aren tes, o s qu ais d estroem a b iod iv ersid ad e c o c o n h e c im e n to n ativ o , am b os e x p lo ra d o s. As q u e stõ e s da igu ald ad e, ju stiç a c co m p en sa çã o p recisam ser avaliadas d e m aneira siste m á tica , ta n to n o nível d a c a p ta çã o d o co n h e c im e n to n a tiv o q u a n to n o nivel da p o ste rio r a n iq u i­ lação desse co n h e c im e n to p e la co m ercia liz a çã o ag rcssiv a.d c p ro d u to s ind u strializad os na m ed icin a e na ag ricu ltu ra. Q u cstõ cs-clia v e p recisam ser lev antad as. Ê c o r re to d estru ir as fo n te s de p ro d u çã o c as o rg a n iz a çõ es a ltern ativ as? Essa d estru içã o p o d e ser co m p en sad a ? O p la n e ta , c as diversas co m u n id a d es q u e o h ab itam , p od em d ar-se a o lu x o d c ver a b iod iversid ad e c os m eio s de vida a ltern a tiv o s d ev orad os c o m o m a téria -p rim a de um a cu ltu ra e m p resarial g lo b a l, cen tra liz a d a , cap az d c p r o ­ duzir ap enas u n ifo rm id a d e cu ltu ra l e b iológ ica? As p aten tes, em últim a nnãlise, são sistem as d c p ro te ç ã o para o in v e stim en to d c ca p ita l sem a habilid ad e d c c o n tro la r o ca p ita l. C o m o tal, n ã o p ro teg em nem p ovos n em sistem as d c co n h e cim e n to . A b io p ro s p ccçã o não tem esp a ço para a c o m o d a ro resp eito p e lo s d ireitos de p o v o s e co m u n id a d es q ue n ã o q u e re m ver suas terras co m u n itá ria s cerca d a s. E n tre ta n to , para aq u eles q u e n ão aceitam a in ev itab ilid ad e desse fe ch a m e n to , e x istem altern ativ as à b io p ro sp c c ç ã o .

A rec u p era çã o d a b io d iv ersid a d e co m u n itária E x iste um m o v im en to e c o ló g ic o popular c re scen te cm d e ­ fesa da b iod iversid ad e a g ríco la c m ed icinal assim c o m o d o co n h e c im e n to d o p ovo. A p ro te ç ã o c recu p era çã o d a b io d i­ versidad e co m u n itária é, p rim o rd ia lm cn tc, um m o v im en to s o ­ c ia l c p o lític o q u e r e c o n h e c e a c ria tiv id a d e in tr ín s e c a ã diversidade d c fo rm a s de vid a. E la exig e sistem as d c p ro p rie ­ d ade co le tiv a n o to ca n te à p ro p ried ad e c uso da diversid ade b io ló g ica . Além disso, visa o esta b e le cim en to de “ te rra s c o -

m u m tárias in te le ctu a is” - um d o m ín io p ú b lico o n d e o c o n h e ­ c im e n to so b re os usos da biod iv ersid ad e n ão é m crca n tiliz a d o . A p rim eira d e m o n stra ç ã o p ú b lica em prol d a re cu p era çã o da b io d iv ersid ad e c o m u n itá ria a c o n te c e u na ín d ia n o D ia da In d ep en d ên cia, em 15 d e a g o sto de 1 9 9 3 , q u a n d o lavrad ores d ecla ra ra m que seus d ire ito s estavam p ro te g id o s p elo s S í Jw w * h ik G y an Sancid (d ireito s in te le ctu a is co le tiv o s). S eg u n d o os la v rad o res, q u alq u er c o m p a n h ia q u e u tilizar c o n h e c im e n to ou recu rso s lo cais sem o c o n s e n tim e n to das co m u n id a d es lo ca is estará p ra tica n d o a p irataria in te le c tu a l, c o m o n o caso das p aten tes so b re o nim . O s c o n c e ito s fo ra m m ais d esen v o lv id os p o r um a equ ip e in te rd iscip liiiar de esp ecialistas da R ed e d o T erceiro M u n do

Ç rbird W o rld N eU v ork ), um g ru p o in te rn a cio n a l de indivíd u os e o rg a n iz a çõ es jc r ç e ir o -n iu n u is ta s . A a firm a ç ã o e fetiv a d os d ire ito s d e p ro p ried ad e in te le ctu a l co le tiv a (D P IC ) cria um a o p o rtu n id a d e para a d e fin iç ã o d e um sistem a su i g en eris d c d ireito s cen trad o s no papel d o lavrad or na p ro teção e ap erfei­ ço am en to dos recursos fitogenéticos» O term o eficiência precisa ser rein terpretad o d c m aneira a lev arem consid eração o c o n te x to esp ecífico d c d iferentes países. S o m en te então a diversidade de sistem as de D PI poderia to rn a i-sc um a possibilidade; a diversi­ d ad e legal, po r sua vez, protege a diversidade biológica c cultural d e sociedades de lavradores através d o T e rce iro M undo. U m a diversidade d c DPI capaz de aco m o d ar um a pluralidade d c sis­ tem as, inclu ind o o s regim es baseados nos D P IC , refletiria d ife ­ rentes estilos dc produção e d issem in ação d c co n h ecim en to em d iferen tes co n tex to s. P aralelam ente ao sistem a de p ro teção efe­ tiv o d os d ireitos dos lavradores co m o cu ltivad ores de plantas, sistem as su ig en eris |XKÍcriam desenvolver d ireitos com u nitários n o d o m ín io das práticas m édicas nativas. A lém d isso, é p reciso e sta b e le c e r re la çõ es en tre os sistem as d o s D P IC , q ue refletem as preocu pações c o con h ecim en to de p ovos d o T erceiro M u n d o, e os sistem as dc D PI, que evoluíram segu in d o a tend ência ocidental favorável a procedim entos dc ap licação individual c ju ríd ica n ão-solid ários às necessidades das

culturas rurats. Um sistem a su ig en eris deve efetivam ente prevenir a exploração sistem ática dos recursos biológicos e conhecim entos d o Terceiro M u nd o, en qu an to m antém a livre tro ca de co n h eci­ m ento c recursos n o in terio r da$ com unid ades agrícolas. Sistem as sn i g en eris d e p ro te ç ã o a o s D P IC d evem n eces­ sariam en te basear-se na b io d e m o c ra d a - a c o n v ic ç ã o de que to d o c o n h e c im e n to e sistem a de p ro d u çã o que utiliza o rg a ­ nism os b io ló g ico s c igualm en te válid o . Em co n tra p a rtid a , o a c o rd o T R IP s b ascia-sc no c o n c e ito d e b io im p e ria lism o - a co n v icçã o d e q u e apenas o co n h e c im e n to e a p ro d u çã o das co rp o ra ç õ e s ocid en tais p recisam de p ro te ç ã o . Se n ão fo r q u es­ tio n a d o , o tra ta d o T R IP s irá to rn a r-se um in stru m en to para o an iq u ila m e n to de c o n h e c im enros, recu rso s e d ire ito s d os povos d o T e rc e iro M u n d o , esp ecia lm en te os que d ep end em tia b io d iv ersid ad e para su stentar-se - e que são os d o n o s c in ov ad o res o rig in a is n o uso da b iod iversid ad e.

L eg a liz a n d o a b io p ira ta ria O a co rd o T R IP s d o G A I T n ão é o resu ltad o d c n eg o cia­ çõ e s d em o crá tica s e n tre o p ú b lico m ais am p lo c os interesses co m e rcia is, ou e n tre países in d u stria liz a d o sc o T e r c e ir o M u n ­ d o. É a im p o sição de v alores c interesses das m u ltin a cio n a is d o O c id e n te ás diversas so cied ad es c cu ltu ras d o m u nd o. A estru tu ra d o a co rd o T R IP s foi co n c eb id a c m old ad a p o r trê s o rg a n iz a çõ es; C o m ité de P rop ried ad e In telectu a l (In tel­ lectu al Property C o m ittce, IP C ), Keidanrcn c U nião das C o n fe ­ d erações da Indústria c d os Trabalhadores (U nion o f Industrial and E m ployees C o n fcd e rations, I J N I Œ ) . O IP C é um a coalizão dc 12 grandes empresas norte-am ericanas; Bristol M yers, Du­ P ont, G eneral E lectric, G eneral M o to rs, H ew lett Packard, IB M , Jo h n so n & Jo h n so n , M e rck , M o n sa n to , Pfizer, Rockw ell e War­ ner. K eidanrcn é uma fed eração d e organizações eco n ó m icas do Ja p ã o c a UN IC E é reconhecida co n to a p orta-v oz o fic ia ! d os n e g ó cio s c da indústria da E u ro p a.

As m u ltin a c io n a is tem um in te resse o c u lto n o a c o r d o T R IP s . Por e x e m p lo , P fizer, Ilristo l M c y c r c M e rc k já possu em p aten tes de b io m a te ria is d o T e rc e iro M u n d o c o le ta d o s sem o p agam en to de ro y atties. Ju n to s , esses g ru p o s trab alh aram estreita m e n te para in tr o ­ d uzir a p ro te çã o da p ro p ried a d e in telectu al n o G A T T Ja m e s E n y a rt, d a M o n s a n to , co m e n ta n d o s o b re a e stra té ­ g ia d o IP C , a firm a : Uma vez que nenhum grupo comercial existente se encaixava de fato no projeto de lei, tivemos que criar um. [...] Urna vez criado, a primeira tarefa do IPC foi repetir o trabalho missio­ nário que realizamos nos Estados Unidos nos velhos tempos, desta vez com as associações industriais da Europa e do Japão, para convencidos de que um código era possível. (...| Con­ sultamos muitos grupos de interesse durante todo o processo. Não foi uma tarefa fácil, mas nosso GrupoTrilarcral foi capaz de deduzir das leis dos países mais avançados os princípios funda mentais para a proteção de todas as formas de proprie­ dade intelectual. [...] Alem de vender nossos conceitos em casa, fomos até G enebra, onde apresentamos nosso documen­ to aos membros da Secretariado G À TT Também aproveitamos a oportunidade para aprcscmá-lon representantesde muitos países cm Genebra. O que descrevi a vocês ahsoiulamente não tem precedentes no GATT. A indústria identificou um gran­ de problema no comércio internacional. Elaborou uma solução, tornou-a uma proposta concreta e vendeu-a ao nossoe a outros governos. J...J As indústrias e operadores do mundo comercial desempenharam, sinuiiiLiricamente, os papéis de paciente, diagnosticnduT c terapeuta.11 Ao u su rp ar esses papéis d c d iv erso s g ru p os so ciais, o s in­ teresses co m e rcia is d esalojaram p reo cu p a çõ es éticas, e co ló g i­ ca s e so c ia is d a su b stan cia d o aco rd o T R IP s . A n tes da R od ad a d o U m g u at, co n clu íd a em 1 9 9 3 , os DPI não haviam sido in­ clu íd os. C a d a país tin h a sitas p ró p rias leis n a cio n a is d c DEI

11Jnmeí Hnjarr, "A GATT] mel leaual Prnpiirty Code", L eaN on u elies (junho de 1390); 54-56.

ajustadas às suas co n d iç õ e s ¿tica s e so c io e c o n ó m ic a s. O m a io r im pulso cm d ireçã o à in te rn a cio n a liz a çã o das leis s o b re D PI foi d ad o p elas m u ltin acio n ais. E m b o ra os D PI s eja m apenas um d ireito legal, as m u ltin a cio n a is o s natu ralizaram . E la s pas­ saram , e n tã o , a u tilizar o G A T T para p ro teg er o q u e d efinem c o m o “seus d ir e ito s " e n q u a n to d o n o s de p ro p ried a d e in te le c ­ tual. N o s te rm o s de u m a rtig o d e 1 9 8 8 , “ E strutura B ásica para as D isp o siçõ e s d o G A T T so b re P rop ried ad e In te le c tu a l" (“B a­

sic Ira tn e tv o rk fo r G A T T P ro w sio n so n In tel Ice t u a i P rop erty " ), de c o -a u to ria d o C P I, d a K cin d a n rcn c da U N IC E : Devido ao fato de os sistemas nacionais de proteção da pro­ priedade intelectual diferirem entre si, os donos da proprie­ dade intelectual gastam tempo c recursos desproporcionados para adquirir e defender direitos. Esses donos também con­ sideram que o exercício dos direitos de propriedade intelec­ tual é dificultado por leis e regulamentos que limitam o acesso do mercado ou a liberdade de repatriar lucros.12 T od os o s e le m e n to s in d esejáveis d o P ro je to de Lei (E m e n ­ da) so b re Paten tes p od em ser e n c o n tra d o s nessa p u b lica çã o da ind ú stria. E les inclu em am p liar «a d u ra çã o , a m a té ria c o alcan ce d as p aten tes d e p ro d u to s, e n q u a n to reduzem as e x i­ gên cias para seu fu n c io n a m e n to c lice n cia m en to c o m p u ls ó ­ rios. E n q u an to a L-ci Ind iana de P atentes de 1 9 7 0 n ã o p e rm ite p aten tes para p ro d u tos fa rm a cêu tico s c a g ro q u ím ico s, o P ro­ je to de Lei (E m en d a ) so b re P aten tes, in tro d u z id o c m 1 9 9 5 p elo g o v ern o da índ ia para im p lem e n ta r o T R lP s da G A T T , m as re je itad o n o fin a l, p e rm ite a a p lica çã o de p a ten tes de p ro ­ d u to s c a co n cessã o d e d ire ito s exclu siv o s de co m e rc ia liz a ç ã o . Essa pressão pelas p aten tes de p ro d u to s está c la ra m e n te e x ­ pressa n o artig o da “ E stru tu ra B á s ic a ": Alguns países que concedem proteção para serviços mecânicos c elétricos negam proteção a novas substâncias. No caso de com postos quím icos, farm acêuticos e agroquím icos, por

“basic Framework for GATE Provisions on Intellectual Property" , expo­ sição elas opiniões das comunidades empresariais européias, japonesas c nor­ te-americanas, (unho, 1VX8.

exemplo, alguns países permitem patentear apenas um pro­ cesso específico de fabricação do produto, enquanto outros concedem proteção a o produto quando fabricado segundo aquele processo (proteção de produto-por-processo). Uma substância química, entretanto, pode quase sempre ser feita utilizando-se vias diferentes e raramente é viável patentear todas cias. Q uando a invenção reside cm uma nova c valiosa substância química, o patentcam cnio do processo é simples­ mente um convite a que outros fabricantes a imitem utilizan­ do-se um processo diferente, o que em geral d um exercício relativamente simples para um químico com petente.13 A n alo g am en te, a Lei Ind iana de P atentes c o n tém cláu su las de lice n cia m en to c o m p u lsó rio bem su bstanciad as para asse­ g u rar que o d ire ito fu n d am en tal d o p ú b lico aos a lim en to s e rem éd io s n ão seja ig n o ra d o p o r m o tiv o s d e lu cro . As m u lti­ n a cio n a is, e n tre ta n to , vêem essa p ro te ç ã o d os interesses pú­ b lico s o o ]iio d iscrim in a çã o . C o m o elas d eclaram : A concessão de um direito exclusivo é um elemento essencial de utn sistema de patentes efetivo. Entretanto, alguns pauses sujeitam as patentes cm certos domínios a um licenciam ento com pulsório a terceiras partes quando isto é requerido. Ali­ mentas, remédios e is vezes agroquímicos são alvas particu­ lares dessa forma de discriminação. Isso resulta em unt dano indevido aos direitos do seu d o n o .'4 N a ab ord agem das m u ltin a cio n a is, o d an o cau sad o p elo s d ire ito s e xclu siv o s de co m e rc ia liz a ç ã o e pelos m o n o p ó lio s aos d ire ito s fu n d am en tais d o s cid a d ã o s d c suprir suas necessidad es b ásicas não tem im p o rtâ n cia . As m u ltin acio n ais d efin em to d o s o s e le m e n to s d e in teresse p ú b lico n o s sistem as de D PI (p o r e x e m p lo , os sistem as d c e x ig ên cia s d c co n d içõ e s d c tra b a lh o c a s lice n ças co m p u lsó ria s) c o m o abusos. S eg u n d o as m u lti­ n a cio n a is, a realid ad e co m ercia l deveria ser a ú n ica co n sid e ­ ra çã o . O s lim ites é tic o s e o s im p era tiv o s so cia is c e c o n ô m ic o s sáo m eras b arreira s à sua e x p a n sã o c o m ercia l.

u lbid.

S o b a in flu ê n cia u n ilateral das tra n sn a cio n a is, fo rm a s d c vida são inclu íd as c o m o o b je to d e p aten tes. T e n d o a m aioria das em p resas d o IP C interesses em p ro d u to s q u ím ico s, fa rm a ­ c ê u tico s c ag ro q u ím ico s, e nas novas b io te c n o lo g ia s, elas e x i­ giram q u e o rg an ism o s b io ló g ic o s fossem in clu íd o s na p ro te çã o d c p aten tes. C o m o está d ecla ra d o na “ E stru tu ra B á s ic a ": Biotecnologia, o uso dc microorganismos para fazer produtos, representa um campo conexo, onde a proteção de patentes não tem acompanhado o ritm o dos rápidos avanços nas áreas de saúde, agricultura, tratamento dc resíduos c indústria. Os produtos da biotecnologia incluem as unidades básicas para a construção dc genes, hibridomas, anticorpos monoclonais, enzimas, produtos químicos, microorganismos c plantas. Em­ bora a biotecnologia tenha atraído grande atenção, muitos países negam a efetiva proteção dc patentes que é necessária ¡tara justificar investimentos cm pesquisase desenvolvimentos relevantes. Essa proteção deveria ser proporcionada tanto aos processos com o aos produtos bi ote enológicos, incluindo mi­ croorganismos, partes de microorganismos (plnsmídcos c ou­ tro* vetores) c plantas.1* A q u estão da p aten teab ilid ad e da vida n ã o se rela cio n a ap enas co m o c o m é rc io : é , p rim e ra m e n te , um a q u estã o ética c e co ló g ica in tim am en te ligada à in ju stiça social da b ío p ira ta ria. S c im p lem en tad o , o a c o r d o T R IP s p o d e ter im p lica çõ es trem en d as p ara a saúde d o m e io am b ie n te bem c o m o para a co n se rv a çã o da b iod iversid ad e.

"ibid .

Maltratando a vida

A d iv ersid ad e ú a c h a v e d a su stcn tab ilid ad c. É a b ase d o m u tu alism o e da re c ip ro c id a d e - a “ Ici d o re to rn o ” q u e tcm c o m o p rin cíp io o re c o n h e c im e n to d o d ireito de to d a s as esp e d e s à felicid ad e c ao n á o -so frim e n tó . E n tre ta n to , cssa lei, fu n d am en tad a na lib erd a d e c diversid ade é substituida pela lóg ica d o re to rn o d o s in v estim en to s. A en g en h aria g e n é tic a , a o m esn to te m p o c m q u e ag e p re d a to ria m e n te sob re a d iv er­ sid ad e b io ló g ica do m u n d o , a m ea ça agravar a crise e co ló g ica pela ex p a n sã o das m o n o cu ltu ra s c d o s m o n o p ó lio s. O acordo T R IP s do G A TT, a o perm itir o controle m o n o p o ­ lista de fo rm as de vida, tcm serias im p lica çõ es para a c o n s e r­ vação da biodiversidade e d o rucio am biente. O A rtigo 2 7 .5 .3 {b) d esse aoord o d eterm in a : Asparte* poden? excluir da patcnteabiiidadi: plantase animais, exceto microorganismos, e processos csscncialmenle biológi­ cos para a produção de plantas c animais, com exceção dos processos não-biológicos ou microbit»lógicos, Entretanto, as partes devem assegurar a proteção de variedades dc plantas ou por meio dc patentes, ou por um sistema m igen cris efetivo, ou por qualquer com binação desses. Essa providência deverá

ser rcviMa quatro anos depois de entrar cm vigor o Acordo que estabelece a O MC. O s i m p acto s eco ló g i CO& m ai s sign i ficativ o s d o T i l I Ps e stã o re la cio n a d o s a m u d an ças nas in te ra ç õ e s e c o ló g ic a s e n tre e s ­ p écies cau sad as pelas lib e ra ç õ e s c o m e rc ia is de org an ism o s p a ­ te n te a d o s e g e n e tic a m e n te m o d ific a d o s (O G M ). O T llI P s tam b ém afeta os d ireito s da b io d iv ersid a d e, o q u e , p o r sua vez, leva a tra n sfo rm a çõ es no c o n te x to so cio citltu ra l da c o n ­ serv ação , A lgun s d esses im p a cto s sã o : 1. A d issem in ação de m o n o c u ltu ra s, à m ed id a q u e as c o r ­ p o ra ç õ e s , co m o s D P I, ten ta m m a x im iz a r o s re to rn o s de in ­ v e stim en to s au m en ta n d o as p a rtic ip a ç õ e s no m ercad o . 2. U m aum ento da poluição quím ica, à m edida q u e as patentes de biotecnologia criam uni incentivo para culturas agrícolas gene­ ticam ente m odificadas e tolerantes a herbicidas c pesticidas. 3 . N o v o s risco s de p o lu içã o b io ló g ic a , à m ed id a q u e o r ­ gan ism o s g e n e tica m e n te m o d ifica d o s são lib era d o s n o m eio am b ien re, 4 . A e ro s ã o da ética d a c o n s e rv a ç ã o , ã m ed id a q u e o v alo r in trín se co d a s e s p é c ic s é s u b s titu íd o p o r uni valor in stru m en tal asso ciad o a o s D PI. 5 . A e ro sã o dos d i rei to s trad icio n ai s de com u iii d ades lo ca is à b io d iv ersid ad e c , em c o n s e q u ê n c ia , um e n fra q u e c im e n to d e suas cap acid ad es de co n se rv á -la .

D issem in a ç ã o d a s m o n o cu ltu ra s A co n se rv a çã o d a b io d iv ersid ad e req u er a e x is tê n c ia d e d iversas com u n id ad es co m sistem as a g ríco la s c m é d ico s d is­ tin to s , q u e utilizam esp écies d istin ta s iit silu . A d esce n tra liz a ­ ç ã o e c o n ô m ic a e a d iv ersifica çã o sã o c o n d iç õ e s n ecessárias para a co n se rv a çã o da b iod iversid ad e. O sistem a de e c o n o m ia g lo b a liz a d a d o m in a d o pelas m u l­ tin a c io n a is , o n d e o s T R IP s se e n c o n tra m a in d a m ais in filtra ­ d o s c co n s o lid a d o s, cria c o n d iç õ e s p a ra o e sta b e le c im e n to d a u n ifo rm id a d e .

D iferen tes variedades de cu ltu ras evolu íram de a co rd o com d iferen tes co n d içõ es am bientais c necessidades de cultivo. A va­ riabilidade g en ética desses cultivares é um seguro c o n tra pestes, d o en ças c estresses am bientais. Essa resistência é am p lificad a pe­ las práticas agrícolas trad icio n ais, co m o a cu ltu ra m ista. As e m p resas q u e o b te m D PI para p la n ta s e a n im ais p re ci­ sam m ax im izar o re to rn o d o s in v e stim en to s, e, para isto cada u m a d elas te n ta au m en ta r sua p a rticip a çã o n o m e rca d o . Um a m esm a v aried ad e de p lan ta a g ríc o la o u g a d o te n d e assim a ser d issem in ad a p o r to d o o m u n d o, lev a n d o à e x tin ç ã o c e n te n a s ele v aried ad es lo ca is d e cu ltu ras, c de raças de a n im a is d e c r ia ­ çã o . A d isse m in a çã o d as m o n o cu ltu ra s e a d e stru iç ã o da d i­ v e rsid a d e sã o um a s p e c to e sse n cia l d o s m e rc a d o s g lo b a is p ro te g id o s p elo s D P I. N o e n ta n to , m o n o c u ltu ras-são e c o lo g ic a m e n te instáveis, p ro p icia n d o a d issem in a çã o de d o e n ça s c pragas. P or e x e m p lo , cm 1 9 7 0 - 7 1 , os E stad o s U n id os tiv eram u m a ep id e m ia d e helm in to sp o ro se d o m ilh o , que dani fico u 1.5% d a c o lh e ita d ev id o à u n ifo rm id a d e g e n ética . 8 0 % d o m ilh o h íb rid o n o rte -a m e ri­ c a n o p la n ta d o cm 1 9 7 0 deri vava de um a ú n ica lin h ag em m a s­ cu lin a e stéril c o n te n d o o cito p la sm a T ., que to m a v a as plantas vu ln eráv eis a o H . v ia y d is , fu ngo ca u sa d o r da h e lm in to sp o ro sc. Isso d eix o u ca m p o s d ev astad os c o m p lan tas m u rch a s, c o l­ m o s q u e b ra d o s c a té espigas d efo rm a d a s ou e o m p lc ta m c n tc p o d re s c c o b e rta s p o r um p ó a cin z en ta d o . O s cu ltiv a d o res c as co m p a n h ia s de sem en tes usaram o cito p la sm a T. ap en as p o rq u e p ro m o v ia a p ro d u çã o rápid a c ren táv el de sem en tes de m ilh o h íb rid o d e alta p ro d u tivid ad e, t o m o escrev eu utn p ato lo g ista d a U niversidad e de Jo w a (EU A ) d ep o is da h elm in to sp o ro s e : “T am an h a e x te n s ã o d e a cre s h o m o g ê n eo s é co m o um p ra d o s e c o e sp era n d o p o r um a faísca p ara p egar fo g o ” . 1 S e g u n d o um e stu d o d e 1 9 7 2 d a N a tio n a l A cad em y o f

S cien ces (A cadem ia N a cio n a l d e C iê n c ia s ) sob re v u ln era b ili­ d ad e g e n é tic a de cu ltu ra s e c o n o m ic a m e n te im p o rta n te s;

1Jaelt Doylc, .Afíemí H am esí {Nova York: Viking, 198á), j\ 1.Í6,

ItS

A cultura do milho foi vitima da epidemia devido a uma pe­ culiaridade na tecnologia que projetou as plantas de milho da América, até tom á-las, em certo sentido, táo parecidas quanto gêmeos idênticos. Aquilo que tornou um exemplar suscetível, tornou todos susceptíveis. A d issem in ação d e m o n o cu ltu ra s de v aried ad es alta m e n te p ro d u tivas na ag ricu ltu ra , c de esp écies de c re sc im e n to ráp id o na silv icu ltu ra, foi ju stificad a com base no a u m en to da p ro ­ dutivid ade. A tra n sfo rm a çã o te c n o ló g ic a da b iod iv ersid ad e assim c o m o a co n c e ssã o d c D PI e m o n o p ó lio s de p aten tes - é ju stificad a p elo d iscu rso d o m e lh o ra m e n to e d o a c ré sc im o no v alo r e c o n ô m ic o . T ais te rm o s, e n tre ta n to , n ã o sã o n e u tro s; são c o n te x tu a is e ca rre g a d o s d c valor. M e lh o ra r esp écies d c ãrv ores significa um a co isa para u m a em p resa de p ap el, que precisa d c p o lp a de m ad eira, c o u tra para o lav rad or, que p recisa d e fo rrag e m c a d u b o v erd e. M e lh o ra r e sp écies de cu l­ turas sig n ifica um a c o isa para a indú stria de p ro cessa m e n to , c o u tra to tal m en te d ifere n te para o a g ricu lto r au to -su sten tad o . A ssim , a C argill - a m a io r c o m e rc ia n te dc cerea is c q u arta m aior em p resa d c sem en tes - exig iu D PI para p ro te g er seus in v estim en to s, alegan d o q ue co n stitu em um a n ecessid ad e s o ­ c ia l, um a vez que b en eficiariam os ag ricu ltores. E n tre ta n to , o s ag ricu lto res d c K arnatnka tiv eram a e x p e ­ riên cia o p o sta. E m 1 9 9 2 , q u an d o a C argil! e n tro u n o m ercad o d c sem en tes in d ian o pela p rim eira vez, suas sem en tes d e g i­ rassol fo ram um fraca sso to ta l. Em vez d os p ro m e tid o s 1 .5 0 0 q u ilo s p o r acre , cias produ ziam ap enas 5 0 0 . D a m esm a fo rm a , o so rg o híb rid o da C arg ill levou a um a queda n o ren d im en to d o s ag ricu ltores devido a o c u sto m u ito m aio r d os in su m o s. E m 1 9 9 3 , cm K arn atalta (ín d ia ), o c u sto d c p ro d u ção co m o so rg o da C arg ill foi d c 3 . 2 3 0 Rs/acrc (rú pias p o r a c rc ) c o re n d im en to fo i d c 3 . 6 0 0 Rs/acrc seg u n d o um lev an tam en to da R esearch F ou n d a tio n fo r S cien ce, T ech ­ n o lo g y a n d N a tu ral R esou rce F o licy (F u n d ação d c Pesquisa 1

1 Ibid.

pela C iê n cia , T e cn o lo g ia c P o lítica d e R e cu rso s N a tu ra is). Em co n tra p a rtid a , seg u n d o e sse m esm o lev a n ta m e n to , o c u sto de p ro d u çã o co m as sem en tes nativas foi de 3 0 0 Rs/acre e o re n ­ d im en to d e 3 .2 0 0 Rs/acre. As sem en tes híb rid as d eram um re to r n o de ap enas 3 7 0 Rs/acre e as n ativas de 2 . 9 0 0 Rs/acre.

In ten s ific a ç ã o d a p o lu iç ã o q u ím ica A p ro te çã o de p aten tes garan tid a pelas T R IP s irá e n c o ra ja r as in te rv e n çõ e s b io tc c n o ló g ic a s e a c e le ra r a lib era ç ã o d e o r ­ g an ism o s g e n e tica m e n te m o d ifica d o s. E n q u a n to o a p e lo das vendas da e n g en h a ria g e n ética se dã p o r m eio d a im agem “v e r­ d e ’' de um a ag ricu ltu ra liv re de p ro d u tos q u ím ico s, a m aioria das ap licaçõ es d a b io te c n o lo g ia im p lica m a io r u tiliz a çã o de a g ro q u ím ico s. O im p a c to dessas a p lica çõ es será m a io r n o T e r­ c e iro M u n d o , n ão ap en as p o rq u e ali a b iod iversid ad e nativa

é m aio r m as tam b ém p o rq u e o s m eio s d e vida lo ca is sã o m ais d ep en d e n te s da d iv ersid ad e b io ló g icaA m aio r p arte d a pesqu isa e in o v a çã o na b io te c n o lo g ia ag ríco la e stá sen d o e m p reen d id a p o r m u ltin a cio n a is q u ím ica s, Com o C ib a-G eigy, ICT, M o n s a n to e H o e ch st. Sua estra té g ia a c u rto prazo é au m en ta r o u so de p esticid as c h erb icid a s por m e io d o d ese n v o lv im e n to d e cu ltivares to le ra n te s a p esticid as e h erbicid as. V in te c sete co m p a n h ia s estão tra b a lh a n d o no d esen v o lv im en to d e re sistên cia a h erbicid as cm p ra tica m e n te to d as as cu ltu ras a lim e n ta res m ais im p o rta n tes. Para as m u l­ tin a cio n a is de sem en tes c p ro d u to s q u ím ico s, isso faz sen tid o d o p o n to de vista c o m e rc ia l, p ois é m ais b a ra to a d a p ta r a p lan ta a o p ro d u to q u ím ic o q u e o p ro d u to q u ím ico à planta. O cu sto d o d esen v o lv im en to d e um novo cu ltiv ar ra ra m en te ultrap assa os 2 m ilh õ es de d ó lares, e n q u a n to que o c u sto d o d esen v o lv im en to d e um n o v o h erbicid a exced e 4 0 m ilh õ es de d ó lares. A resistên cia a herbicid as c p esticid as tam bém irá au m en ta r a in te g ra çã o sem en tes-p ro d u to s q u ím icos e, cm co n se q u ê n cia , o c o n tro le da ag ricu ltu ra p elas m u ltin a cio n a is. Várias co m p a -

nhiíis ag ro q u ím icas de porre e stã o d esen v o lv en d o plantas co m re sistên cia ã m arca d e h e rb icid a que d a s p ró p rias produ zem . C rio u -se a soja to rn a d a re sisten te à A tra z im da C ib a-G eig y , au m en tan d o dessa fo rm a as vendas anu ais cm 1 2 0 m ilh ões d e d ó lares. Pesquisas estão se n d o real izadas para d esenvolver c u l­ tu ras resisten tes a o u tro s h e rb icid a s, co m o o G ist c o C lean da D u P o n t, e o R ou n dttp d a M o n s a n to , que são letais para a m aio ria das plantas h erb áceas c p o rta n to n ã o p od em ser d ir e ­ ta m en te aplicad as às cu ltu ras. O su cesso n o d esen v o lv im en to c vend a das cu ltu ras to le ra n te s a h erb icid as de m arcas d e te r­ m inad as rcsu ltarã em m a io r c o n c e n tra ç ã o e c o n ô m ic a na ãrea da ag ro in d ú stria, au m en ta n d o o p o d er das m u ltin acion ais. O M in isté rio d o M e io A m bien te da D in a m a rca , na sua av aliação d o risco am b ien tal de cu ltu ras a g ríco la s resisrentes a h erb icid as, a firm o u : O caso atual diz respeito a uma planta, que existe como erva daninha cm ouiras culturas, e é estreitamento relacionada a espécies selvagens. Conform e descrito abaixo, pode ocorrer unia troca de genes entre a colza e espécies aparentadas. A disseminação da resistência, especialmente combinações de resistência, dificultará a erradicação tia colza por um uso mí­ nimo tlc herbicidas, e a própria colza também surgirá como planta daninha, difícil de controlar em outras culturas. Os padrões cie uso de herbicidas provavelmente mudam. Neste caso particular, também foi introduzida a resistência a um herbicida (ttís/a) caracterizado pela sua eficácia contra prati­ camente todas as plantas daninhas de importância. Portanto, í tic se esperar que a transferência dos genes da resistência a plantas daninhas venha n causar uma disseminação gradual da resistência ao agente, e é provável que isso resulte ern au­ mento e maior difusão do uso de herbicidas.

N otw s fo rm a s d c p o lu iç ã o b io ló g ic a As estratégias de en g en h a ria g en ética para c o n fe r ir resis­ tên cia a h erb icid as, que e stã o d estru in d o esp écies d c plantas ú teis, p o d em a cab a r c ria n d o superplantns d anin has, E x iste

um a re la çã o e stre ita e n tre p lan tas d an in h as e cu ltu ras, espe* cia lm e n te n os tró p ic o s , o n d e as varied ades d an in h as c as cu l­ tiv a d a s tê m in te r a g id o g e n e t ic a m e n te d u ra n te s é c u lo s e h ib rid izad o liv rem en te p ro d u zin d o novas varied ades. O s g e ­ nes q u e co n fe re m to le râ n c ia a h erb icid a s, resistên cia a pragas, e to le râ n cia a o estresse, in tro d u z id o s p o r m e io d a en g en h a ria g e n ética nas p lan tas a g ríco las, p o d e m ser tran sferid as para p lan tas d an in h as vizinhas c o m o resu ltad o d a h ib rid iz a çá o na­ tu ra l/ Isso, p o r sua vez, cau sará um a u m en to n o u so de p ro ­ d u to s q u ím ico s, com to d o s os risco s a m b ien tais associad os. O s p erigos da tra n sferê n cia de g en es p a ra e sp écies selva­ g e n s re lacio n ad as são m aiores n o T e rc e iro M u n d o , p o is n ele re sid e a m aio r p a rte da b iod iversid ad e d o m u nd o. C o m o d e ­ cla ra u m gu ia d a U.S. A cad em y o f S cien ces (A cadem ia N o rte A m erican a de C iê n cia s), in titu la d o F ield teslin g g e n e tk a lly m o d ifie d org an ism s ("T estes de c a m p o para org an ism o s g e n e ­ ticam e n te m o d ifica d o s” ): A zona temporada da América do Norte, especialmente os Estados Unidos, inclui O território doméstico de muito poucas culturas, uma vez que a agricultura norte-americana sc baseia em grande parte em culturas oriundas de outros países. Essa escassez de culturas derivadas de fomes norte-americanas significa que existirão poucas oportunidades de hibridizaçáo entre as cul­ turase suas paremos selvagem nos Estados Unidos. Espcra-sc que a incidência de hibridizaçáo entre culturas genéticamente modifi­ cadas c parentes selvagens seja menor aqui do que na Ásia Menor, no Sudeste Asiático, no subcontinente indiano c na América do Sul, e maior cuidado deve ser tomado nestas regiões quando da introdução de ctilrur» geneticamente modificadas/ O rg an ism o s g e n etica m e n te m o d ifica d o s tam bém trazem n o v o s risco s de p o lu içã o b io ló g ica , C o in o disse I)r. P c tc rW ills:

’ IVter W h ta lct Ruth MíNally, "(jenetie Kiijçiiseering: Catastrophe of Uto­ pia", U .K ./frfnw íer(19S8): 172,

* U.S. Academy oí Sciences, Reid Teiting fím ttiatlfy Mudifiúd Orgattisnu: fiutntutork fû t D tiitiailf fb liÍ!if;t[m D .C : National Aeailcmy Press, 1989).

“ E xistem co n se q u ê n cia s sérias, e im previsíveis, d e con v erterse a á rv o re fito g cn é tic a d c D N A cm um a red e Ín teres p e cífica ”. E x p e rim e n to s recen tes estab eleceram que um a tra n sferê n ­ c ia cm g ran d e esca la d c ca ra cterística s con stru íd as sã o um a p o ssibilid ad e real. A polu ição b iológica tam bém pode o co rrer q u an d o espécies tião gen eticam en te m odificadas são introduzidas em ecossiste­ mas. POr exem p lo, cm 1 9 7 0 , a tilápia azul foi introduzida no lago E ffic, na F lórid a, constitu ind o m enos que 1 % d o peso total (biom assa) d c peixes n o lago. Por volta d c 1 9 7 4 , ela havia d o ­ m inad o ou tras espécies e representava 9 0 % da biom assa total. Em o u tro e x e m p lo d o fim d os an os 5 0 , o s b ritâ n ico s in ­ tro d u ziram um a p erca d o N ilo n o lag o V itó ria (Á frica o rie n ta l) para au m en tar a p ro d u çã o de p eixes. O s peixes n ativos eram p eq u en o s c d iv erso s, in clu in d o p o r volta de 4 0 0 esp écies de h a p lo cro m in o s, q u e pesam em to rn o de um a libra cad a c c o r ­ respond em a ce rca de 8 0 % da b iom assa ictio ló g ica d o lago. A p erca do N ilo é um p eixe ca rn ív o ro q u e p o d e ch eg a r a ter l ,8 0 m de co m p rim e n to e pesar 6 8 k g . D u ran te o s 2 0 a n o s subseqüentes, nada a co n tece u . E n tre ­ ta n to , n o in ício d a d écad a d c 8 0 , a p erca d o N ilo to m o u co n ta d o Lago V itó ria. A ntes de 1 9 8 0 , co rresp o n d ia a a p ro x im a d a ­ m ente 1 % da p esca ; por vo lta d c 1 9 8 5 , esse v alo r jã chegava a 6 0 % . A perca do N ilo passou a rep resen tar 8 0 % da biom assa ictio ló g ica d o lag o c os h ap lo cro m in o s, que an tes ocupavam o patam ar d os 8 0 % , atu alm en te co rresp o n d em a m en o s que 1 % . Segu n d o estim ativas de cien tista s, m etad e d o s h ap loeroirtinos d o lago V itó ria são h o je esp écies extin ta s, R cccn tetn cn tc, a pesca da perca d o N ilo tem dim inuído. As percas capturadas são sim ilares c m uitas con têm exem plares jo ­ vens nos seus estôm agos. Q u and o uma espécie co m eça a alim en ­ tar-se d o s seus próprios descendentes, isso é sinal d c instabilidade ecológica c consequente quebra da cad eia alim entar. Um e x e m p lo final é a in tro d u çã o d o ca m arão -g am b á para m elh o rar a p ro d u ção d o sa lm ã o k a k o u e e n o lago F la tb en d de M a n ito b a . À cabou ten d o o e fe ito c o n trá rio c , na v erd ad e, le ­ vou ao d eclín io dessa espécie de salm ão. O ca m arão -g am b á se

no

tra n sfo rm o u num p red ad o r voraz d o z o o p ta n c to n , um a im ­ p o rta n te fo n te a lim e n ta r d o salm ão. D ep o is da in tro d u ç ã o d esse ca m a rã o , a p o p u la çã o d c z o o p la u c to n caiu p ara 1 0 % d o sou nível an terior* A d eso va d o salm ão caiu de 1 1 3 .0 0 0 para 2 6 .0 0 0 em 1 9 8 6 , para 3 3 0 e m 1 9 8 7 e p ara 5 0 c m 1 9 8 9 * O n ú m e ro de salm õ es pescados caiu d e rn aisd e 1 0 0 ,0 0 0 cm 1 9 8 5 p ara 6 0 0 em 1 9 8 7 e z e ro cm 1 9 8 8 c 1 9 8 9 . O s org an ism o s g e n e tica m e n te m o d ifica d o s q u e e sta b ele­ cem p o p u laçõ es a u to -su sten tad as na natu reza p recisa rã o scr avaliados q u an to a o seu im p acto cm ou tro s organism os. Para tal, a b iologia m olecular red ucionista 6 inadequada. Ela pode classificar a co m p o siçã o genérica de um a esp écie, m a s o im pacto e co ló g ico é d eterm inad o pela natureza c m agnitude das intera­ ções e n tre genes, sua expressão cm d iferentes organism os c o m eio am biente. É preciso fazer perguntas eco ló g ica s sobre as interações das esp écies hospedeiras co m o u tro s organism os, seu papel nos processos eco ló g ico s e as consequências associadas das possíveis d iferenças exibid as pelos organism os transgênicos. O s peixes transgênicos liberados no am biente podem ser resistentes a fatores que regulam a população, co m o d oenças, parasitism o c p red ação. Tam bém podem passar seus tran sg en es a esp écies ap aren tad as c m u d ar a natu reza das rela çõ es p resa -p red a d o r.* M esm o q u e , a c u rto p razo , o s O G M m o strem ter p o u co im p a cto no m eio a m b ie n te , essa n ã o é razão para serm o s c o m ­ p la cen tes co m q u e stõ e s de b iosseg u ran ça. N a v e rd a d e, m u ito s O G M p o d em nu nca am eaçar um ecossistem a. E n tre ta n to , o s p o u co s que o fazem trazem sério s riscos de p o lu içã o b io ló g ica , esp ecia lm en te a lo n g o prazo.

S o la p a n d o a é tic a d a co n serv a çã o O s d ireito s de p ro p ried ad e intelectu al sob re fo rm a s de vid a são um a m a n ife sta çã o e x tre m a da visão in stru m en tal de ' Aline Kapuscinski ç F_M. H.ilkrinan, C anadi& t fo u r n al o f F isheries an d A quatic S cien ces, vol. 48 (1991): 99-107.

o u tras esp écies, q u e , p elo c o n trá rio , possuem um v alor in trín ­ seco segund o o p en sam en to d a é tica da co n serv a çã o . O valor in trín seco d c o u tra s esp écies c o n fro n ta o s h o m c n s c o m o dever e a responsabilidade p rim a fa d e d c não utilizar organism os com o objetos sem vida, sem valor c sem estrutura. Q u an d o o valor intrínseco das espécies é substituído p elo valor instrum ental em ­ butido nos D PI, o fundam ento é tico da conservação da biod i­ versidade e da com p aix ão por o u tras espécies é solapado. Essa co m p a ix ã o é a base d c relig iões am igas c o m o o b u ­ d ism o , o jain ism o e o liin d u ísm o, assim c o m o m o vim en tos m ais re cen tes, c o m o o s p ro te sto s c o n tra a e x p o rta ç ã o de b e ­ zerros vivos e a ca ça n o R e in o U n id o. T a n to as relig iões antigas q u an to os nov os m o v im en tos re fo rça m a cre n ça n o v a lo r in­ trín seco d as esp écies. O artig o 2 d o a c o r d o T R IP s p e rm ite a exclu são de patentes da vida co m b a se e m ju stificativas éticas c e co ló g ica s. A m aioria d os gru pos p reocu p ad os co m essas questões é tica s, n o en ta n to , nem seq u er sabe que tra ta d o s co m ercia s podem ter im p lica ­ çõ e s para seus p rin cíp io s é tico s fu ndam entais. P o rta n to , an tes q u e os T R IP s sejam im p lem en tad os, deveria ser o b rig a tó rio pu blicar as im p lica çõ e s c ou vir as o p in iõ e s d c g ru p os diversos. R o n Ja m e s , p o rta -v o z d a indú stria da b io te c n o lo g ia c “c ria d o r" de Tracy, insiste com veem ência que as patentes não constituem um a questão m oral porque não conferem o d ireito dc fazer coisa algum a. S ão eticam ente neutras; elas apenas im ­ pedem que ou tros utilizem um a inovação. E$$a evasiva ética, en tretan to , não contem pla o fato de que os DPI são reivindica­ ções de propriedade intelectual e que as patentes con ferem aos seus d on o sd ireito s exclusivos d c produzir coisas com base nessas reivindicações. Em essência, as patentes são reiv ind icações de p rop ried ad e baseadas na feitu ra d c algo nov o. Sem dúvida, a idéia dc possuir vida n ão é n o v a ; pessoas sã o d onas d o seu b ic h o d c estim a çã o , ou dc seu g ad o . E n tre ­ ta n to , o s D PI criam um n o v o c o n c e ito de p ro p ried ad e. N ã o é apenas o gene im p la n ta d o , ou um a g eração de an im ais, que está sen d o reiv ind icad o c o m o p rop ried ad e in telectu a l, mas a rep ro d u ção d o o rg a n ism o in te iro , in clu ind o g era çõ es futuras co b e rtas pela d u ra çã o da p atente.

A a lie n a ç ã o d o s d ireito s lo c a is A conservação da biodiversidade depende d os d ireitos de com unidades locais de fruir os resultados de seus esforço s. A alienação desses d ireitos cond u z rapidam ente à d eterioração da biodiversidade que, por $ua vez, am eaça a sobrevivência e c o ló ­ gica e o bcni-cstar econ ôm ico . O s DPI nas áreas de biodiversidade c form as de vida não são m era criação de novos d ireitos, eles tam bém envolvem a revisão d os direitos tradicionais que perm i­ tiram às com unidades locais serem os guardiães da biodiversida­ d e, com u m interesse na sua m anutenção c n o seu aproveitam ento. O s D PI para sem entes, vegetais c co n h ecim en to nativo aliena o s d ireitos das ooinu nidades locais e solapa o interesse que d a s têm de proteger a diversidade biológica. P or e x e m p lo , q u a n d o as florestas d os po voad os fo ra m c e r ­ cad as p elo s b ritâ n ico s na índ ia co lo n ia l, n cg ou -sc a o p o v o local o d ireito a esses recu rsos, E n q u a n to a p o lítica co lo n ia lista sob re florestas to rn o u -se a lic e n ç a para o d esm atam en to em g ra n d e escala das áreas flo resta is, o p o v o freq u e n te m e n te le ­ vou a cu lp a. C o m o observa G .B . P ant: A história da devastação de florestas pelos habitantes das m on­ tanhas foi repetida tuí n au seam pelos poderosos, a tal pomo que sc passou a acreditar firmemente nela. Com o uma justi­ ficativa para a política florestal, seus defensores alegam que, nos tempos pré-britâmeos, as pessoas não tinham direitos nem sobre o solo nem sobre as florestas. A política do Departamento Florestal pode ser resumida em duas palavras: abuso e exploração. O governo continuou a avançar, expandindo sua própria esfera e alcance c, ao mesmo tempo, restringindo o domínio dos direitos do povo. J...| A memória das fronteiras de San a s fi |anteriores à demarcação de 1880] ainda está fresca e vívida na mente dc todos os mo­ radores dos povoados, que a alimentam com um sentimento quase de reverência; eles acham simplesmente impossível aceitar a alegação do governo sobre as terras benap (não me­ didas cm registros de colonização) incluídas dentro das fron­ teiras de seus povoados c consideram cada avanço sobre esse limite nada menosque um abuso ou intrusão. Deixem as fron-

teir.is dc S an assi serem investidas de seu caráter real cm vez de se rem vistas com o apenas nom inais e, para eliminar apreen­ sões, deixem que as áreas cercadas por essas fronteiras sejam declaradas propriedade dos habitantes dos povoados c que todas as terras b en ap incluídas dentro dessas áreas sejam de­ volvidas às comunidades dos povoados, sujeitas a condições tais Como não divisibilidade, etc., conform e for melhor para o interesse público. É dc conhecim ento geral que uni grande número de petições foram enviadas pelos moradores dos po­ voados por iniciativa própria, cm torno dc 1906, pedindo ao governo que devolvesse as terras cercadas pelas fronteiras de San a ssi: os simples moradores dc povoados reiteram as mes­ mas exigências ainda hoje. P.ssa é a demanda mínima do povo c parece não haver outra solução racional c conclusiva. Não deveria ser esquecido o simples fato dc que o homem é mais precioso nesta terra que qualquer outra coisa, sem exceção das florestas, e , também, que a coerção não é substituto da razão c, por mais restritivas c rígidas que possam ser as leis, as florestas não podem ser preservadas no meio de vivos des­ contentamentos contra os desejos e sentimentos unânimes do povo. [...] A inteligência coletiva de um povo não pode ser tratada com desprezo e, mesmo que seja errática, somente pode voltar a si se lhe for dada a oportunidade dc com eter erros. Se as áreas dos povoados forem devolvidas aos mora­ dores dos povoados, as causas do con flito c antagonismo enire a política florestai c os moradores dos povoados tomarão o lugar da atual desconfiança, e a morador do povoado come­ çará a proteger as florestas mesmo que essa proteção envolva algum sacrifício ou desconforto físico,4 Essa a lie n a çã o d o s direi tos lo ca is foi a base do m o v im en to

S aty ag ra ba da Floresta dos anos 3 0 , q ue exp lo d iu atrav és do país c d o s H in ialaias, na índ ia cen tral c nas G h ats ocid en tais. M .K . G an d h i d esenvolveu a sa ty a g ra b a ("lu ta pela v e rd a d e "! c o m o um a fo rm a p acffíca d c n ã o -c o o p e ra ç ã o com leis e siste­ m as in ju stos. C o m o relata G .S . H a la p p a sob re o S aty ag raba da F lo re sta nas G h ats o cid en ta is: * * C.l? Pjuit, “The R«w t Problrm iti Kúm.iou”, GjiWoíirjri H iíbrínn ( 19921: p. 75.

O governo com eçou a prender os satyagrahis , que haviam chegado de fora, c alguns importantes lideres locais. Estes últimos despertaram as mulheres para a ação (.. .) O Satyagrahd da Floresta náo podia ser debelado pela força porque mo­ radores de povoados intei ros saíam aos milhares c disputavam entre si quem iria preso.7 Q u a n d o as sem en tes são p ro teg id as p o r p a te n te s ou d ire i­ to s de cu ltiv a d o r de plantas e as fo rça s de m e rca d o se alia m à p ro te çã o dos D PI para d eslo ca r o su p rim e n to das sem en tes d o lav rad o r para as g rand es em p resas, o s d ireito s d o s lavra­ d o res c o m o cu ltiv a d o re s e in o v ad o res são solap ad os e os in­ ce n tiv o s p ara a co n se rv a çã o nas u n id ad es ru rais se d esfazem , lev an d o a um a rápida d ete rio ra ç ã o g e n ética . E m 1 9 9 2 , n o d ia d o a n iv ersá rio d e G a n d h i, o m o v im en to S aty ag ra h a d a S e m e n te foi la n ça d o na ín d ia p ara resistir à a lie n a çã o d o s d ireito s dos a g ricu lto res às sem en tes e ã b io d i­ versid ad e a g ríco la p o r m e io d o tra ta d o T R lP s . À a lie n a çã o d os d ireito s lo ca is ta m b ém foi id en tifica d a c o m o p rin cip al razão da d e te rio ra çã o da b iod iversid ad e na E tió p ia , seg u n d o a N a­

tio n a l C o ttserv ation S trateg y : iàiv ci a política e as intervenções estratégicas e de regula­ mentação mais importantes em termos de impactos negativos no m eio ambiente tenham sido as imposições que corroeram cada vez miais, c de maneira cumulativa, os direitos de indi­ viduóse com unid ad« ao uso e administração de seus próprios recursos (,,.] Pelo fato de os agricultores náo terem qualquer controle sobre as árvores que pudessem plantar, eles ou não plantaram nenhuma ou, quando coagidos a faze-lo, não as mantiveram, nem cuidaram delas. Dessa maneira, mui la S m a ­ tas comunitárias que haviam sido plantadas com grande es­ forço físico náo deram quase retorno.*

7 G.S. Hnlappa, H istory o f Freedom M ovem ent in K arn ataka, voL II {Banga­ lore: Government of Mysore, 1969), 175.

* "National Conservuiion Strategy Action Plan for the National Policy on Natural Resources and the Environment*, National Conservation Strategy Secretariat, Addis Abelxi. vol. II (detembro dc 1994): 7, JZS

A b iod iv ersid ad e a g ríco la 6 con serv ad a apenas q u a n d o os ag ricu lto res têm c o n tro le to tal d as suas sem en tes. O s sistem as de d ireito s m o n o p o lista s de sem en tes, seja na fo rn ia de d ireito s d o s cu ltiv ad o re s ou d as p a te n te s, te rã o o m esm o im p a cto na co n se rv a çã o in lo c o de recu rso s fito g en étteo s q u e a a lie n a çã o d o s d ire ito s d e co m u n id a d es lo ca is tem tid o na d estru içã o da co b e rtu ra e d os cam p o s na E tió p ia, ín d ia e o u tra s reg iõ es ricas em b iod iversid ad e.

Fazendo as pazes com a diversidade

N estes tem p o s de “ lim p eza é tn ic a ” , à m edida q u e as m on o cu ltu ra s s c esp alham p o r to d a a socied ad e c a natu reza, fazer as pazes co m n diversid ade está rap id am en te se to rn a n d o um im p erativo para a sob reviv ên cia. As m o n o cu ltu ra s são c o m p o n e n te s esse n cia is da g lo b a li­ z a ç ã o , cu ja s prem issas são a h o m o g e n eiz a çã o e a d estru içã o d a d i v ersid ad e. O co n trol e global d a m atéri a-p rim a c d os m er­ c a d o s to rn a as m o n o cu ltu ra s necessárias. Essa gu erra c o n tra a d iversid ade n ão é in te ira m en te nova. A diversid ade é am eaçad a sem p re q u e co n sid erad a um o b stá ­ cu lo . A v io lê n cia e a g u erra têm suas raízes n o tra ta m e n to da d iv ersid ad e c o m o a m ea ça , p erv ersão c fo n te de d eso rd em . A g lo b a liz a çã o tra n sfo rm a n d iv ersid ad e em d o e n ç a e d eficiên cia p o rq u e ela n ão s e su b m e te a um c o n tro le cen tralizad o . H o m o g e n eiz a çã o c m o n o cu ltu ra alim en tam a v io lê n cia cm m u ito s níveis. As m o n o cu ltu ra s e stã o sem p re associad as á v io lê n cia p o lítica - o uso da c o e rç ã o , d o c o n tro le e da c e n tra ­ liz a çã o . S e m c o n tr o le c e n tra liz a d o c fo rça s c o e rc iv a s , e ste m u n d o tã o ric o em diversid ade n ão p o d e ser tra n sfo rm a d o etn estru tu ras h o m o g ên ea s e as m o n o cu ltu ra s n ã o p o d em ser

m antid as. As co m u n id a d e s c o s ecossistem as a u to -o rg a n iz a d o s c d esce n tra liz a d o s g eram div ersid ad e. A g lo b a liz a çã o g era m o ­ n o cu ltu ras co n tro la d a s pela c o e rç ã o . As m o n o cu ltu ra s tam b ém e stã o associadas à v io lê n cia e c o ­ ló g ica - u m a d e cla ra ç ã o d e g u erra c o n tra as d iversas esp écies d a natu reza. A v io lê n cia n ão ap enas leva as e sp écies à e x tin ç ã o m as tam b ém c o n tr o la e m an tém as p ró p ria s m o n o cu ltu ra s. M o n o cu ltu ra s n ã o sã o su sten táv eis, sã o v u ln eráv eis a o co la p so eco ló g ico - A u n ifo rm id a d e im p lica que a p e rtu rb a ç ã o d ê üííia p arte d o sistem a red u n d a em p e rtu rb a çã o de o u tra s partes. E m vez d e ser c o n tro la d a , a d esesta b iliz a çã o e c o ló g ic a ten d e a ser am p lificad a. A su sten tab ilid ad e está ligada e c o lo g ic a m e n ­ te à d iv ersid ad e, que fo rn e c e a a u to -reg u la çã o c a m u ltip lici­ d ad e d e in te r a ç õ e s c a p a z e s d e sa n a r u m a p e rtu rb a ç ã o e co ló g ica de q u alq u er p a rte de um sistem a, A v u ln erab ilid ad e d as m o n o cu ltu ra s está b em ilu strad a na ag ricu ltu ra. P or e x e m p lo , a R e v o lu çã o Verde (R V ) su b stitu iu m ilh ares d e varied ad es lo ca is d e a rro z p o r varied ad es u n ifo r­ m es d o instituto Internacional de Pesquisa d o Arroz {Interna­

tion al R ice R esearch In stitu ís -t IR R 1 ). A v a r ie d a d e 1 R -8 , lan çad a em 1 9 6 6 , fo i a ta ca d a por u m a b a c te rio s e em 1 9 6 8 * 6 9 e p elo vírus timgro e m

1970-71. Em 1977, a varied ad e IR -3 6

fot cu ltiv ad a sele cio n a n d o -se a re sistên cia p ara o ito g ran d es d o e n ças, in clu in d o a b a cterio se t o t i m g m . E n tre ta n to , se n d o um a m o n o cu ltu ra , foi su scetível a o a ta q u e de d ois n ov os víru s, o uraggedstunt” e o “w iltedstu n t n (que causam duas fo rm a s de nan ism o na p la n ta ).1 As variedades m ilagrosas dim inuíram a diversidade d as éwjjfô turas cuttivadas tra d ic io n a lm e n tc ;c o m a redução da diversidade, as novas sem entes tran sform aram -se em m ecanism os para a in­ tro d u ção e propagação de pragas c doenças. Variedades nativas são resistentes a pragas c d oen ças locais. M e sm o q u e ce rta s

1Vand.iiuShiva, TheVtoUive afilie Creen Revolitlien (Londres; Zed Books, 1991)» p. 89,

d o e n ça s o c o rra m , alg u m as das v aried ad es se rã o su scep tív eis, p o rem o u tra s te rã o a re sistê n cia n ecessária para sob reviv er. O q u e a c o n te c e na n atu reza tam b ém a c o n te c e na s o c ie d a ­ d e. Q u a n d o a h o m o g e n e iz a ç ã o é im p osta a d iv erso s sistem as so cia is por m eio d a in te g ra ç ã o g lo b a l, as re g iõ es c o m e ç a m a d e sin teg rar-se um a a p ó s a o u tra . A v io lê n cia in e re n te à in te ­ g ra ç ã o global ce n tra liz a d a , p o r sua vez,, g era v io lê n c ia e n tre suas vítim as. As c o n d iç õ e s da vida d iária passam a ser ca d a vez m ais co n tro la d a s p o r fo rça s e x te rn a s c o s sistem as d e g o v e rn o local s c d e te rio r a m ; as pessoas ap eg am -se às suas v árias id e n ­ tid ad es c o m o fo n te s d c seg u ra n ça c m um p e río d o de in seg u ­ ran ça. T ra g ica m e n te , q u a n d o a cau sa dessa in seg u ran ça é tão d istan te q u e n ão se p o d e id e n tific á -la , v á rio s p o v o s a n te s cm co n v iv ê n cia p a cífica c o m e ç a m a o b scrv a r-sc c o m m e d o . As m arcas da d iv ersid ad e to rn a m -se fra tu ra s; a d iv ersid ad e passa a ser e n tã o a ju stifica tiv a da v io lê n cia e da g u erra , c o m o vim os n o L íb an o , na ín d ia , em Sri L an k a, na Iu goslávia, n o S u d ã o , em Los A n geles, na A lem a n h a , na Itália c na F ran ça. A m ed id a q u e o s sistem as lo c a is c n a cio n a is de g o v ern o to rn a m -se in o ­ p eran tes sob o im p a cto da g lo b a liz a çã o , as elite s lo ca is ten tam a g arrar-se a o p o d e r m an ip u lan d o o s sen tim en to s é tn ic o s c re­ lig io so s q u e su rgem c o m o re a çã o . F.m um m u n d o ca ra c te riz a d o p ela d iv ersid ad e, a g lo b a li­ z a çã o so m e n te p o d e e fe tu a r-sc ro m p e n d o a estru tu ra pluralista d a so cied ad e ju n ta m e n te c o m sua ca p a cid a d e d c a u to -o rg a n iz açâo . N o nível p o lític o e cu ltu ra l, foi essa lib erd ad e d c au too rg a n iz a çã o q u e G a n d h i viu c o m o a base d a in te ra ç ã o en tre d ifere n te s so cied a d es e cu ltu ras. “ Q u e ro as cu ltu ra s de tod as as te rra s c o r re n d o so lta s o m ais liv rem en te possível, m as n ão q u e ro ser p iso te a d o p o r n en h u m a d ela s” , disse G a n d h i. A g lo b a liz a ç ã o n ã o é a in te ra ç ã o atrav és d as cu ltu ra s de so cied ad es d iv ersa s; é a im p o siçã o d e um a d eterm in a d a cu ltu ra às o u tra s. N em é ta m p o u c o a busca p o r uni e q u ilíb rio e c o ló ­ g ico em escala p la n e tá ria . É a p red a çã o d c to d a s as o u tra s e sp écies p o r um a cla sse , um a ra ç a , e frc q ü c n te m c n te um g ê ­ n e ro , d c u m a ú n ica e sp écie. O te rm o “g lo b a l” n o d iscu rso

d o m in a n te é o esp aço p o lític o o n d e o d o m in a n te local busca o c o n tro le g lo b a l, lib ertan d o -se d a resp on sab ilid ad e p elo s li­ m ites q u e em ergem dos im p erativ os da su sten tab ilid ad e e c o ­ l ó g ic a e d a ju s t iç a s o c i a l. N e s s e s e n tid o , “ g l o b a l ” n ã o re p resen ta « m interesse h u m an o u n iv ersa l; representaram in ­ te resse e um a cu ltu ra locais e p ro v in cia n o s q u e fo ram g lo b a ­ lizad os p o r seu alca n ce e c o n tro le , pela sua irresp on sabilid ad e e falta de re cip ro cid a d e. A g lo b alização o c o rre u em trê s o n d a s. A p rim e ira foi a co lo n iz a ç ã o da A m érica , da Á frica , d a Ásia e da Austrália pelos p o d eres eu ro p eu s d u ran te 1 ,5 0 0 anos. A segunda im p ôs a idéia o cid en tal d o “d esen v o lv im en to ” d u ran te a cra p ó s-co lo n ia l das ú ltim as cin c o d écad as, A te rc e ira on d a de g lo b alização , d esen cad ead a h á a p ro xim a d a m en te c in c o a n o s, 6 co n h ecid a c o m o a cra d o “ livre c o m é rc io ”. Para alguns co m en ta d o res, isso im p lica o fim da h istó ria ; para o T e rc e iro M u n d o , c a re p e tiçã o da h istória p o r m e io da re co lo n iz a çâ o . O im p acto de cad a on d a de g lo b a liz a çã o é cu m u la tiv o , m esm o en q u an to c r ia d e sco n tin u id a d e s n a s m e tá fo ra s e a to re s d o m in a n tes. C ad a vez que a ordem g lo b a l te n to u elim in a r diversid ade c im p or h o m o g en eid a d e, a d eso rd em e a d esin teg ração foram fo m en tad as, n ã o rem ovid as.

G lo b a liz a ç ã o I : co lo n ia lism o Q u a n d o a E u ro p a c o lo n iz o u as diversas terras c cu ltu ras d o m u n d o pela prim eira vez, tam b ém co lo n iz o u a natureza. A m u dan ça na p ercep ção da n atu reza d uran te as rev o lu çõ es c ie n tífic a c indu strial ilustra c o m o a “n atu reza” foi tra n sfo r­ m ada na m en te eu ro p éia: d e sistem a vivo a u to -o rg a n iz a d o r passou a m era m atéria-p rim a para a e x p lo ra ç ã o h u m an a, ne­ cessitan d o d c a d m in istra çã o c c o n tro le . Em inglês, a palavra resou rcc (recurso) originalm ente implica vida. Sua raiz etim ológica latina re&urgcrc significa “ ressurgir". Em outras palavras, resourcc significa auto-regeneração. A utilização

d o term o resource para denotar natureza tam bém im plica unta relação de reciprocidade entre a natureza e os hum anos.2 C o m a in d u strialização e o co lo n ia lis m o , o c o rre u um a m u ­ d an ça de sig n ifica d o , “ R ecu rso s n a tu ra is" passaram a ser insu m o sp arn a p ro d u çã o indu strial d e m e rc a d o ria s c o c o m é rc io c o lo n ia l. A natu reza fo i tra n sfo rm a d a etn m atéria m o rta c m a ­ n ip u lável. Sua cap acid ad e d e reg en erar-se c cre scer foi negada. A v io lên cia c o n tra a n atu reza, c o m a ru p tu ra das suas d e ­ licad as in te rc o n e x ô e s , foi um a p a rte n ecessária d a n eg a çã o de sua cap acid ad e d e a u to -o rg a n iz a çã o , E ssa v io lê n cia c o n tra a n atu reza, p o r sua vez, trad u ziu -se em vio lên cia na so cied ad e. Tudo que n ão fosse to ta lm cm e adm inistrado ou con tro lad o pelos hom ens curo|tcus era visto c o m o am eaça. Isso incluía a natureza, as sociedades n ã o -o cid cn ca isc as m ulheres. O q u e fosse auto-organizado era consid erad o selvagem , fora de c o n tro le c não-civilizado. Q u a n d o a auto-organização é percebida co m o caos, isso cria um c o n te x to favorável à im posição de u m a ordem coerciva e violenta visando o ap erfeiço am en to d o “o u tro ”, cu ja ordem intrínseca é en tão perturbada c destruída. A m aio ria das cu ltu ras n ã o -o d d e n ta is tem co n sid erad o sagrad o aq u ilo q u e é selvagem , v en d o sua diversid ade c o m o fo n te d e in sp ira çã o para a d e m o c ra c ia c a liberd ad e. R a b in ­ d ran ath T ag o re, o p o eta n a cio n a l da ín d ia, e screv en d o cm T ap o v an n o auge d o m o v im en to pela in d ep en d ên cia, c o n c e ­ beu a d em o cracia na socied ad e c o m o alg o q u e d eriv a dos p rin ­ c íp io s de d iversid ade n a n a tu re z a , c u ja e x p ressã o m áx im a e n co n tra -s e na floresta. O s d iv erso s p ro cesso s de re n o v a çã o sem p re o p era n tes na flo resta - v arian d o de esp écie para esp é­ cie , de estação p ara e sta çã o , na v isão, n o so m , e n os o d o re s sã o a fo rç a -m o m z d a cu ltu ra na so cied a d e indiana. O p rin cíp io u n ifica d o r de vida na d iv ersid ad e, d o p lu ralism o d e m o c rá tic o to rn o u -se assim o p rin cíp io d a civ iliz a çã o in d ia n a .'

1 Vandana Shivn, “Resources", nr Wolfgang Sachs, D evelopm ent D ictionary (Londres: Zed Rooks, 1992), p. 206. ' Rabindranath Tagore, “Tapovan" (Hindi). Tikamagarh, Gandhi Rhavan, s/d, p. 1-2.

1 JÍ

Tod a vez g u c os e u ro p eu s “d e sco b rira m ” o s povos nativos da A m érica» Á frica o u Á sia, o s id en tifica ra m c o m o sd v a g cn s q u e p recisav am ser red im id os p o r um a raça su p erior. Até a escrav id ão foi ju stificad a nestes term o s. A escrav ização d os a fric a n o s foi vista co m o a to d e b en e v o le n cia , tra n s p o rtá n d o o s “da in term in áv el escu rid ão da b arbárie selvag em ” à a d o ç ã o de um a “civ ilização s u p e rio r". O m e d o o cid en ta l d o selvagem c da d iversid ade q u e lhe é p ró p ria está e streita m e n te re la cio n a d o c o m o im p era tiv o da d o m in ação hum ana e o c o n tro le c su b m issão d o m u n d o na­ tu ral. A ssim , R o b e rt Boy le, o fa m o so cien tista que tam b ém foi d ire to r d a N ew E n g lan d C o m p a n y n o s a n o s de 1 7 6 0 , viu a ascen são da filo so fia m ecan icista c o m o um in stru m en to de p o d er n ão ap en as so b re a n atu reza, m as tam b ém sob re o s ha­ b ita n tes o rig in ais da A m érica. E le d ecla ro u e x p lícita m e n te suas in te n çõ e s d e livrar o s ín d io s da N ov a Ing laterra das suas n o çõ e s absurd as s o b re o s fe n ô m en o s da natu reza. B oy le atacou a co n c e p ç ã o ind ígena d e natu reza c o m o “ um tip o d e d eu sa ", c arg u m en to u que “ a v en era çã o c o m a qual o s h o m en s esrâo im bu íd os p o r aq u ilo que cham am natu reza é um o b stá cu lo d cs cn co ra ja d o r a o im p ério d o h om em so b re as criatu ras infe­ rio re s d e D eu s” .4 O c o n c e ito d e “ im p ério d o h o m e m ” substi­ tuiu e n tã o o da “ fa m ília -te rra ", o n d e o s seres h u m a n o s são in clu íd o s n o p lu ralism o da d iversid ade da natureza. Essa d im in u ição co n ceitu a i foi essencial para o s p ro jeto s d e co lo n iz a çã o e para o ca p ita lism o . O c o n c e ito de um a fam í­ lia -terra e x clu ía as possibilid ades de e x p lo ra ç ã o c d o m in a ç ã o ; a n eg ação d o s d ireitos da n atu reza bem c o m o das socied ad es que rev eren ciam a natureza foi n ecessária para fa cilita r a e x ­ p lo ra ç ã o sem fre io s c o lu cro. A d iv ersid ad e, c o m o am eaça, tev e q u e ser e lim in ad a d e um a visão de m u nd o cm que o s h o m en s eu rop eu s eram o p ad rão d efin id o r d o q u e é ser h u m a n o c te r d ireito s hu m anos. C o m o ob serv a A.W. C rosby : 4 Robert Boyle. citado cm Rrian Faslca, Scien ce an d Sexual HitriarcJry't C onfrontütioit iv itb W ornanandN tilnre (Londres: Wcideníckl and

Nichobon, 1381). p. 64.

Repetidamente, durante os séculos do imperialismo europeu, a noção cristã de que todos os homens são irmãos levaria à persegu ição dos não-europeus - aquele que é meu irmão peca na medida em que não é com o cu/ T o d a b ru talid ad e foi sa n cio n a d a co m b a se n o p ressu p o sto da su p erio rid ad e d o s h o m en s eu ro p eu s e seu statu s exclu siv o d c in teiram en te h u m an os. C o m o ob serva Basil D a v id so n , a ju stificativ a m oral da invasão c e x p ro p ria ç ã o de te rritó r io s e p osses de o u tro s p o v o s foi a su p o sta su p eriorid ad e "n a tu r a l" d o s e u ro p eu s em re la ç ã o às “ trilw s sem le is", aos “ p o v o s c o n ­ fusos c selvagens”/ N egar às ou tra s cu ltu ra s seus d ireitos p o r serem d iferen tes da ciíltu ra e u ro jjé ia iQ ^ c o n v c n ic o tc para tira r-lh es seu s rccu rs õ s T n q iie z a r X Ig reja a u to rizo u o s m o n a rc a sc u ro p e u s a atacar, co n q u ista r c su B jS g a T o s p ag ão s, a ca p tu ra r seus bens e te r r i­ tó rio s c a tra n sferir suas terra s e p ro p ried ad es. Q u in h e n to s an o s atrás, C o lo m b o lev ou essa visão p ara o N o v o M u n d o . D essa fo rm a, m ilh ões de pessoas e cen ten as de o u tra s esp écies vivas p erd eram o d ire ito d c e x istir d u ran te a p rim eira o n d a d e glo b alização .

G lo b a liz a ç ã o 11: " d esen v o lv im en to " A gu erra co n tra a d iversid ade n ão acabou com o c o lo n ia ­ lism o. A d cfin ição d c nações inteiras com o europeus incom p letos e d efeitu osos recn carn o u -sc na ideologia d o “d esenvolvim ento”, que postulou a salvação dessas nações pela g enerosa aju d a c aco n se lh a m e n to d o B a n co M u n d ia l, d o Fun d o M o n e tá rio In ­ tern acio n al (F M I) c d c o u tras in stitu içõ es fin an ceiras c c o r p o ­ raçõ es m u ltin acion ais. D esen v o lv im en to é u m a b e la palavra, que sugere e v o lu çã o d c d en tro para fo ra . Até m ead o s d o sécu lo X X , foi s in ô n im o ’ A.W. Croshv, The Colombian Exrtxmge (Westport, CT: Grecnwootl Press, 1972), p. 12. * tkuil Davulsou, Afrta) m H iítory (Nova York: Colher Uooks, 1974), p. 178.