Bases da Formação Territorial do Brasil: O território colonial brasileiro no "longo" século XVI [2 ed.]
 9788539102167

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rata-se de um estudo singular no âmbito da geografia brasileira, que busca explicar os primór­ dios da colonização portuguesa no Novo Mundo, abordando o processo de instalação e consolidação do domínio lusitano na América do Sul. Ciente de que as formas espaciais são explicáveis pelos processos sociais que lhes deram origem, o autor encaminha sua anãlise da avaliação mais geral das motivações da expansão européia, passando pelas particularidades da história de Portugal, até chegar à singularidade da formação brasileira. Um exercício comparativo com a instalação das colónias hispano-americanas permite esclarecer algum as generalidades de uma via colonial de desen­ volvimento do capitalismo na América Latina, na qual o recurso ao trabalho compulsório emerge como um traço característico comum. No que diz respeito à história brasileira, a leitura geográfica empreendida permitiu destacar aspectos não enfatizados por boa parte da historiografia mais recente, pouco atenta à dimensão territorial. Tal enfo­ que resultou numa proposta de periodização da época colonial de formação do Brasil, estabelecida com base na geografia política. As práticas de relacionamento dos colonizadores com o espaço, notadamente as formas de domínio territorial e os tipos de assentamento rea­ lizados nos séculos XVI e XVII, constituem o objeto final desse estudo que a editora Annablume tem a satisfação de reeditar na comemoração dos 20 anos de sua redação.

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O território colonial no "longo" século XVI 2a edição

GEOGRAFIAS

e

ADJACÊNCIAS

C o o rd ern açã o : A n to n io C arlos R o b e rt M oraes

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o r a e s

BASES DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL O território colonial brasileiro no “longo” século XVI

Infothes Informação e Tesauro

Sum ário

A813

Moraes, Antonio Carlos Robert; Bases da formação territorial do Brasil: o território colonial brasileiro no “longo” século XVI. 2*. Edição. / Antonio Carlos Robert Moraes. - São Paulo: Annablume, 2011. (Geografias e Adjacências) 432 p.; 14x21 cm. ISBN 978-85-391-0216-7

1. G eografia. 2. Geografia H um ana. 3. Geografia Política. 4. Território. 5. H istória do Brasil. 6. H istória da G eografia Brasileira. I. Título. IL Série. III. O território colonial brasileiro no “longo” século XVI CDU 911.2 CDD 910 Catalogação elaborada po r W anda Lucia Schmidt - CRB-8-1922

BASES DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO BRASIL O TERRITÓRIO COLONIAL BRASILEIRO NO “LONGO” SÉCULO XVI Coordenação de produção Capa Imagem da capa

Finalização:

Ivan Antunes Carlos Clémen Memorial Indígena de Goiás, de Siron Franco. Foto de W erner Rudhart, 1999. (Arquivo Revista ícaro). Vinícius Viana

Conselho Editorial Eduardo Penuela Canizal Norval Baitello Júnior M aria Odila Leite da Silva Dias Celia Maria M arinho de Azevedo Gustavo Bernardo Krause Maria de Lourdes Sekeíf (in memoriam) Cecília de Almeida Salles Pedro Roberto Jacobi Lucrécia D’Alessio Ferrara r“ edição: 2000 2* edição: 2orr

© A ntonio Carlos Robert Moraes ANNABLUME e d ito ra . comunicação Rua M.M.D.C., 217 . Butantã 05510-022. São Paulo . SP . Brasil Tel. e Fax. (orr) 3822-6764 - Televendas 3032-2754 www.annablume.com.br

N O T A À 2 a E D IÇ Ã O

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A PRESEN TA ÇÃ O

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IN T R O D U Ç Ã O

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P r i m e i r a Pa r t e

A E X P A N S Ã O E U R O P E IA E A F O R M A Ç Ã O D A E C O N O M IA -M U N D O C A P IT A L IS T A C a p ítu lo 1 A E U R O P A N O “L O N G O ” S É C U L O X V I (1460-1640) C a p ítu lo 2 G E O G R A F IA D A A C U M U L A Ç Ã O P R IM IT IV A C a p ítu lo 3 A E X P A N S Ã O U L T R A M A R IN A E A E C O N O M IA E U R O P É IA C a p ítu lo 4 A P R O D U Ç Ã O D O E S PA Ç O IB E R O -A M E R IC A N O

31 50

72 91

S e g u n d a Pa r t e

A EXPANSÃO DE PO R T U G A L E A FO RM A ÇÃ O D O IM P É R IO C O L O N IA L L U S IT A N O C a p ítu lo 5 A T E R R IT O R IA L ID A D E N A F O R M A Ç Ã O D O ESTADO PO R TU G U ÊS

121

C apítulo 6 O C A R Á T E R DA EX PANSÃO L U S IT A N A E D O IM P É R IO C O L O N IA L

151

T e r c e i r a Pa r t e

A F O R M A Ç Ã O D O S T E R R IT Ó R IO S C O L O N IA IS IB E R O -A M E R IC A N O S C apítulo 7 G E O G R A F IA DA IN STA LA Ç Ã O IB É R IC A N A A M É R IC A C apítulo 8 T R A B A L H O C O M P U L S Ó R IO E O R G A N IZ A Ç Ã O S O C IA L DAS C O L Ó N IA S C apítulo 9 A D IM E N S Ã O T E R R IT O R IA L N A S F O R M A Ç Õ E S L A T IN O -A M E R IC A N A S

N O T A À 2 a E D IÇ Ã O 185

236

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Q u a r t a Pa r t e

BASES DA F O R M A Ç Ã O T E R R IT O R IA L D O BRASIL C apítulo 10 G E O G R A F IA DA IN STA LA Ç Ã O P O R T U G U E S A N O BRASIL C apítulo 11 O BRASIL “H IS P Â N IC O ” (1 5 8 0 -1 6 4 0 ) C apítulo 12 A C O N S O L ID A Ç Ã O DA S O B E R A N IA P O R T U G U E S A

367

U M A L E IT U R A G E O G R Á F IC A D A H IS T Ó R IA D A A M É R IC A P O R T U G U E S A

409

B IB L IO G R A FIA C ITA D A

417

289 330

ÍJ a s e s d a F orm ação T errito ria l do B rasil. O te rr itó r io c o lo n ial b ra sile iro n o “lo n g o ” sé c u lo X V I foi a p re s e n ta d o c o m o tese d e d o u ­ to ra m e n to d e A n to n io C a rlo s R o b e rt M o ra e s n o P ro g ra m a d e P ósG ra d u a ç ã o e m G e o g ra fia H u m a n a d a F a c u ld a d e d e F ilo so fia, L etras e C iê n c ia s H u m a n a s d a U n iv e rsid a d e d e São P au lo e m 1991. E ssa p e s ­ q u is a foi o rie n ta d a p o r A rm a n d o C o rrê a d a Silva e a b a n c a d e d efesa c o n to u c o m a p a rtic ip a ç ã o d o s p ro fe sso re s C a rlo s G u ilh e rm e M o ta, F e rn a n d o N o v ais, Jo ão M a n o e l C a rd o s o d e M ello e M ilto n S an to s q u e a trib u íra m a n o ta m á x im a c o m d is tin ç ã o p a r a o tra b a lh o . U m a p rim e ira ed içã o e m liv ro d a tese foi p u b lic a d a e m 2000 p e la e d ito ra H u c ite c , n a co leção E s tu d o s H istó rico s. T ra ta -se d e u m e s tu d o s in g u la r n o â m b ito d a g eo g rafia b ra s ile i­ ra , q u e b u sc a ex p lic a r os p rim ó rd io s d a c o lo n iz a ç ã o p o rtu g u e s a n o N o v o M u n d o , a b o r d a n d o o p ro c e sso d e in s ta la ç ã o e c o n s o lid a ç ã o d o d o m ín io lu sita n o n a A m é ric a d o Sul. C ie n te d e q u e as fo rm a s e s p a ­ ciais sã o explicáv eis p e lo s p ro c e sso s so ciais q u e lh es d e ra m o rig e m , o a u to r e n c a m in h a su a an á lise d a av aliação m a is g eral d a s m o tiv a ç õ e s d a e x p a n sã o e u ro p é ia , p a s s a n d o p elas p a rtic u la rid a d e s d a h is tó ria d e P o rtu g a l, até c h e g a r à sin g u la rid a d e d a fo rm a ç ã o b ra sile ira . U m e x e r­ cício c o m p a ra tiv o c o m a in sta la ç ã o d a s c o ló n ia s h is p a n o -a m e ric a n a s p e r m ite e sc la rec er a lg u m a s g e n e ra lid a d e s d e u m a via c o lo n ial d e d e-

II

NOTA À 2* EDIÇÃO

s e n v o lv im e n to d o c a p ita lism o n a A m é ric a L atin a, n a q u a l o re c u rs o ao tra b a lh o c o m p u lsó rio e m e rg e c o m o u m tra ç o c a ra c te rístic o c o m u m . N o q u e d iz re sp e ito à h is tó ria b ra sile ira , a le itu ra g eo g ráfica e m ­ p re e n d id a p e rm itiu d e s ta c a r asp e c to s n ã o e n fa tiz a d o s p o r b o a p a rte d a h is to rio g ra fia m ais re c e n te , p o u c o a te n ta à d im e n s ã o te rrito ria l. T al e n fo q u e re su lto u n u m a p ro p o s ta d e p e rio d iz a ç ã o d a é p o c a c o lo ­ n ia l d e fo rm a ç ã o d o B rasil, esta b e le c id a c o m b ase n a g e o g ra fia p o lí­ tica. As p rá tic a s d e re la c io n a m e n to d o s c o lo n iz a d o re s c o m o espaço, n o ta d a m e n te as fo rm a s d e d o m ín io te rr ito r ia l e os tip o s d e a s s e n ta ­ m e n to re a liz a d o s n o s sé c u lo s X V I e X V II, c o n s titu e m o o b je to final d e sse e s tu d o q u e a e d ito ra A n n a b lu m e te m a satisfação d e re e d ita r n a c o m e m o ra ç ã o d o s 20 a n o s d e su a red ação .

APRESENTAÇÃO

A n to n io C arlo s R o b e rt M o ra es fev ereiro d e 2011.

E / s t e trab a lh o — o rig in aria m e n te te s e d e doutorado d e fe n ­ d id a e m 1991 n a F a c u ld a d e d e F ilosofia, L e tra s e C iências H u m an as da U n iv e rsid a d e d e São P a u lo 1 — não é ob ra d e um historiador de ofício. M in h a form ação acad êm ica p erco rre u os cam pos da geografia e d as ciên cias sociais, e m am b o s e n fatizan d o o estudo da m eto d o lo ­ gia. N a v e rd a d e , o q u e b u sco n o en sa io ap resen tad o é, m ed ian te a revisão d e um a bibliografia do c a m p o da história, esclarecer algum as q u e stõ e s teó ricas o riu n d as d e d iscu ssõ es m etodológicas praticadas na investig ação geográfica. O o b je tiv o m aior perseg u id o é fortalecer e se d im e n ta r u m a p e rsp e c tiv a h istó rico -d ialética nesse cam po d e p es­ quisa, q u e a p o n ta para o e n te n d im e n to da geografia com o um a m o­ d a lid a d e d e ab o rd ag em h istórica, d ed ica d a à análise dos processos sociais d e form ação dos territórios. Isto é, a visão da geografia h u m a­ na com o u m a h istó ria territorial. T al pro p o sição associa-se ao d e se jo d e gerar u m a efetiva c o n trib u i­ ção geográfica ao c o n h e c im e n to d a form ação social brasileira. P o rtan1

A proveito para agradecer a profunda avaliação efetuada pela banca examinadora da tese, constituída pelos professores Carlos G uilherm e Mota, Fernando Novais, João M anuel C ardoso de M ello, M ilton Santos e Armando Corrêa da Silva. Na p resen te versão, te n to incorporar alguns dos ensinam entos propostos pelos examinadores. li

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APRESENTAÇÃO

to, acim a da m e ta d e aprim orar as fe rra m e n ta s teóricas da geografia, o q u e p re te n d o é utilizá-las em te n ta tiv a s d e in te rp re ta ç ã o do Brasil. A ssum o, d e início, um a m otivação b ásica d e co rte “n acio n al” , razoa­ v e lm e n te solitária na área nessa é p o c a d e ce rto fascínio p ela globali­ zação. E n te n d e r geograficam ente o país, em sua form ação e nos p ro ­ cessos atuais, é o horizonte q u e a lim e n ta a p ro p o sta e m tela, n u m c o n tex to teórico no qual o recurso à h istó ria e m e rg e co m o im posição do m éto d o adotado, pois trab alh o fu n d a m e n ta d o nas o rien ta çõ es g e­ néricas o riu n das da teoria social d e M arx. A p rópria a titu d e de explicitação d a m eto d o lo g ia e m p re g a d a ta m ­ b ém se configura, para m u ito s, no p re s e n te , com o um a p o stu ra “a n ­ tig a” n u m p e río d o m arcado p ela in d e te rm in a ç ã o e v a g u id a d e dos en fo q u es “pós-m odernos” . C o n tu d o , acred ito q u e a coerência d e q u a l­ q u e r investigação científica re p o u sa n a ex p lícita ad esão a paradigm as d efin id o s no plano dos m étodos. C la ra m e n te , no caso do e s tu d o aqui intro d u zid o , é a referência m eto d o ló g ica q u e c o n stitu iu o critério b á­ sico d e seleção da bibliografia revisada. A afin id a d e d e p re ssu p o sto s teóricos aparece, nesse sen tid o , com o e le m e n to d elim itad o r do alcance do u n iv erso bibliográfico co n sid erad o n a p e sq u isa e fe tu a d a . M esm o assim , lacunas d essa ordem serão se m p re in ev itáv eis e m trabalhos q u e trate m tem áticas am plas com o a analisada. E a ilusão d e u m controle bibliográfico “ex a u stiv o ” , fu n d a m e n ta l­ m e n te , explica a dem ora na p u b licação d o trabalho. N a sua a p re s e n ­ tação com o tese, e m 1991, e u o afirm ava com o ain d a “in c o m p le to ” , dadas as lacunas já ali id en tificad as. N a época, salien tav a a análise do u n iv erso da cu ltu ra com o a g ran d e a u s e n te d a p esq u isa, e p ro p u n h a a redação futura, para co m p letar o trab alh o , d e u m ca p ítu lo so b re tal tem ática em cada um a das q u atro p a rte s do tex to , a saber: n a p rim e i­ ra, “O R en ascim ento e a A b ertu ra d o M u n d o ” ; n a seg u n d a , “P a rti­ cularid ad es da R enascença P o rtu g u e sa ” ; na terceira, “A A m érica no Im aginário R en ascen tista” ; e, na ú ltim a , “A C o n stru ção T eórica do B rasil” . P or razões variadas, o p ro je to não foi efe tiv a d o , e o te x to v em agora a p úblico sem tais acréscim os q u e , sem dúv id a, e n riq u e ­ ceriam m u ito a argum entação desen v o lv id a. Q u an to à ilusão da exaustividade bibliográfica, algum as obras ap o n ­ tadas n aq u ela apresentação foram incorporadas n a p re s e n te versão, com o as re fere n tes ao “ D e b a te B re n n e r” e à te m ática d a “p ro to -in dustrialização” . A literatura utilizada so b re o início d a colonização da A m érica hispânica foi ta m b é m e n riq u e c id a . F in a lm e n te , a p a rte so­ bre o Brasil foi a q u e sofreu m aiores ad içõ es e m odificações, e m rela­

APRESENTAÇÃO

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ção ao e x p o sto n o te x to original d a te se . C o n tu d o , m esm o assim , t e ­ nho hoje co n sc iê n cia d e q u e vo u p u b lic a r u m trab alh o , com certeza , ainda m ais d efasad o do q u e a q u e le , e m fu n ção m e sm o da am p la p ro ­ dução e d ita d a n a ú ltim a d éc ad a a re s p e ito d o te m a en focado, e s tim u ­ lada e m p a rte p e lo q u in to c e n te n á rio dos vários e v e n to s q u e q u a lifi­ cam a ex p a n são u ltram arin a e u ro p é ia , e q u e são o b je to d e an álise do p re s e n te e s tu d o , e, em p arte , p o r u m e n fo q u e rev isionista re c e n te q u e te m p ro b le m a tiz a d o certas in te rp re ta ç õ e s d a m atéria tratad a, a té h á pouco tid as co m o “in q u e s tio n á v e is ” .2 E n fim , o te x to agora e n tre g u e p ara p u b licaç ão é, com p o u cas m o ­ dificações, a in d a o m esm o d a v ersão original d e fe n d id a no início d a década. T ra ta -se, p o rtan to , d e m ais u m a d essas te s e s q u e , d ep o is d e “d esc an sare m ” alg u n s anos à e s p e ra d e “a p rim o ra m e n to s” , acabam se n d o e d ita d a s q u a s e com a form a p rim itiv a e m q u e foram red igidas. T odavia, c a b e sa lie n ta r q u e as “ p o u cas m o d ificaç õ es” in tro d u zid as en v o lv eram u m esforço m aior d o q u e d ão a p e rc e b e r, im p lican d o le ­ v a n ta m e n to s e re flex õ es trab alh o sas.3 N o geral, a re le itu ra c o n te m ­ po rân ea d o te x to n ão acarreto u g ra n d e s d isco rd ân cias eom os ju ízo s e arg u m en to s básicos ap re se n ta d o s q u a n d o d a d efesa. U m ag rad ec im e n to , ao final, vai p ara a F u n d a ç ã o d e A m paro a P e s ­ quisa d o E s ta d o d e São P au lo (F a p e s p ), q u e fin an cio u m in h a e sta d a em P ortugal, e ao C e n tro d e E s tu d o s G eo g ráfico s d o In s titu to N a cio ­ nal d e In v estig ação C ien tífic a q u e m e ac o lh e u n e sse país. São P au lo , o u tu b ro d e 1999.

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Pode-se exem plificar tal ten d ên cia com a interp retação da história inglesa d e ­ senvolvida por Alan M acFarlane, q u e aponta a inèxistência d e um a sociedade cam ­ ponesa típica nesse país já na Id ad e M édia, problem atizando portanto a carac­ terização v igente do feudalism o, e, com m aior ênfase, toda a discussão sobre a “transição” revisada no presente trabalho (ver: F am ília, propriedade e transição so­ dal: a origem do individualism o inglês e A cultura do capitalismo'). M esm o assim persistiram lacunas significativas no q ue im porta à revisão da biblio­ grafia brasileira publicada nos últim os anos, e gostaria d e assinalar os trabalhos mais recentes d e E valdo Cabral de M ello e o m inucioso estu d o de L uiz F elipe d e A lencastro sobre Angola.

INTRODUÇÃO

*» MA

C om eçar pelas palavras talvez não seja coisa vã. As relações e n tr e os fenôm enos deixam marcas no corpo da linguagem. As palavras cul­ tura, culto e colonização derivam do mesmo ver­ bo latino colo... Colo significou, na língua de Roma, eu moro, eu ocupo a terra... Colo é a m a­ triz d e colonia en q u an to espaço que se está ocu­ pando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar. A l f r e d o B o s i , Dialética da Colonização Geografia e História

P

arte-se do e n te n d im e n to da G eografia H um ana com o ciên ­ cia social q u e te m p o r o b je to o pro cesso u n iv ersa l de apropriação do e sp a ço n atu ra l e d e co n stru ç ão d e u m esp aço social pelas d iferen tes so cie d a d e s ao longo d a história. D e fe n d e -s e q u e tal processo é passí­ vel d e se r id e n tific a d o n u m co rte o n to ló g ico d o real, isto é, q u e se m a n ife sta n a realid ad e co m d e te rm in a ç õ e s específicas, atu an d o com o u m e le m e n to p articu larizad o r dos fe n ô m e n o s e situações, em si um a m e d ia ç ã o na an álise d o s m o v im e n to s históricos. S endo esse processo re s u lta n te exclusivo d o trab alh o h u m an o , e ap reen d e n d o o trabalho co m o ato teleológico d e incorporação e criação d e valor, acata-se q u e a form ulação categorial m ais precisa e g en é rica para expressá-lo deva se r a d a valorização do espaço T o d a so cied ad e p ara se re p ro d u zir cria form as, mais ou m enos d u ­ ráveis, n a su p erfície te rre stre , daí sua co n d ição d e processo universal.1*

1 A fundam entação teórica q u e sustenta essa proposição encontra-se em Antonio C arlos R obert M oraes & W anderley M essias da C osta. Geografia crítica. A valoriza­ ção do espaço. Uma síntese da formulação central desenvolvida pode ser obtida em Id em . A geografia e o processo de valorização do espaço. In: Milton Santos (org.). N ovos rumos da geografia brasileira. is

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INTRODUÇÃO

F orm as q u e o bedecem a u m d ad o o rd e n a m e n to sociopolítico do g ru ­ po q u e as constrói, que re sp o n d e m fu n c io n a lm e n te a u m a sociabili­ d ad e v ig en te, a qual ta m b é m re g u la o uso do esp a ço e dos recursos n ele co n tidos, definindo os seu s m odos pró p rio s d e apropriação da natureza. D aí o caráter p le n o e ex clu siv o d e p rocesso social, co m a n ­ dado p elas ações e decisões em a n a d a s do m o v im e n to das sociedades. Tais form as — q u e ex p re ssa m u m a q u a n tid a d e d e valor (trab alh o m orto) incorporado ao solo — su b sta n tiv a m n a p aisag em (congelam , em certo sen tid o ) relações sociais específicas, to rn a n d o -se q u alid ad e s dos lugares.2 Assim , de u m m o d o angular, c o n c e b e -se a história com o um a progressiva e reiterad a apropriação e transform ação do p lan eta , re su ltan d o n u m a cum ulativa an tro p o m o rfização d o esp aço terrestre. D o m esm o m odo q u e os d em ais processos sociais, a valorização do espaço ta m b é m se tran sfo rm a h isto ric a m e n te . S uas m an ife sta çõ es concretas ocorrem guiadas p elas d e te rm in a ç õ e s gerais do m o d o d e produção em q u e estão co n tid as. A te m p o ra lid a d e s u b m e te a esp acialidade, e o processo u n iv ersa l d e valorização d o espaço torna-se, em si m esm o, denso d e p articu larizaçõ es te m p o ra is e espaciais. Vale salientar q u e a lógica geral do m o d o d e p ro d u ç ão n ão aplasta, c o n tu ­ do, a d iv ersid ad e e a sin g u la rid a d e irre d u tív e l dos lugares. Isto é, a dom inância d e certas relaçõ es sociais d e p ro d u ção específicas (h isto ­ ricam en te dadas) não ex p lica — e m si m esm a — os processos co n c re ­ tos d e valorização do espaço. A sin g u larid ad e a b so lu ta das d ife re n te s porções da superfície te rre s tre im p õ e -se com o u m im p erativ o no d eslin d am en to d esse processo. Isso fo rn ece u m c o n te ú d o próprio à perspectiva assum ida d e análise geográfica (da to talid a d e). O im p erativ o espacial im p õ e-se, e m p rim eiro lugar, pela v arie d a­ d e dos quad ros físicos do p lan eta . A d iv e rsid a d e local é in icialm en te natural. A este substrato natu ral diversificado so b re p õ e m -se h eran ças espaciais tam b ém d esig u a lm e n te ac u m u la d as nos d ife re n te s p o n to s da su p erfície da Terra. O trab a lh o m o rto fixa-se ao solo se le tiv a m e n ­ te, exponencializando as sin g u larid ad e s locais. A valorização do e sp a ­ ço articula estes dois fatores, e a in d a associa à d in âm ica local os e s tí­ m ulos ex teriores, pelo fato d e q u e os lugares — p o r in te rm é d io das pessoas — se relacionam . D e sse m odo, espacializar é d e im ed iato par­ ticularizar, pois as d eterm in a çõ es o riu n d as das características do m eio (natural e construído) a cab am d a n d o às relações próprias d e um m o d o

2

Ver M ilton Santos. Por uma geografia nova e Pensando o espaço do homem.

INTRODUÇÃO

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d e pro d u ção to n alid a d e s locais esp e cíficas e m cad a lugar. P o r isso q u e a form ação eco n ô m ico-social é vista, n e s s e sen tid o , se m p re co m o u m a re alid ad e localizada tem p o ra l e e sp a c ia lm e n te . O lugar s e n d o p osto, assim , com o m ed iação . A e sp a cialid ad e co m ó e le m e n to p articu larizad o r dos fe n ô m e n o s históricos. E m face d e s s e e q u a c io n a m e n to , a valorização do esp aço p o d e ser a p re e n d id a co m o p ro cesso h isto ric a m e n te id e n tific a d o d e form ação d e u m território. E s te en v o lv e a relação d e u m a so cied ad e esp ecífica com seu esp aço , n u m in terc âm b io c o n tín u o q u e h u m an iza essa locali­ d ad e , m ateria liz an d o sin c ro n ic a m e n te as form as d e so ciab ilid ad e re i­ n a n te s n u m a p aisag em e n u m a e s tru tu ra territo rial. O valor fix ad o vai to rn an d o -se u m a q u a lid a d e d o lugar, o q u a d ro corográfico s e n d o cada v e z m ais o re su lta d o d e ações sociais, o b ras h u m an as q u e s u b v e rte m as características n atu ra is originais. As c o n stru ç õ es e d e stru iç õ e s reali­ zadas passam a fazer p arte d a q u e le espaço, q u alificando-o para as apro­ priações fu tu ras. A co n stitu iç ão d e u m territó rio é, assim , u m p ro c es­ so cu m u lativ o , a cad a m o m e n to u m re su lta d o e u m a p o ssib ilid a d e — u m co n tín u o e m m o v im en to . E n fim , u m m o d o parcial d e ler a história. A ssim , e n q u a n to a valorização do esp aço a p a rec e co m o o h o rizo n ­ te teó rico g e n é ric o d e indagação, a fo rm ação territo rial d e se n h a -se com o u m o b je to em p írico , o a ju ste d e foco n a q u e la ó tica a n g u lar d e se ca p ta r o m o v im e n to histórico. U m a ab o rd ag em q u e b u sca a p re e n ­ d e r a valorização d o esp aço e m m an ife sta çõ es sin g u lares sin cro n ica­ m e n te analisadas. D o p o n to d e v ista ep istem o ló g ico , tran sita-se da v ag u id ad e d a categ o ria esp aço ao p reciso co n ceito d e territó rio . E n e s ­ te, ou m elh o r, e m sua produção, às d e te rm in a ç õ e s m ais esp ecificam e n te eco n ó m icas se associam as in ju n ç õ e s do u n iv erso d a política. N a h isto ricid ad e p le n a dos processos sin g u lares b ro ta a p o ssib ilid ad e d e in d icar os a g e n te s d o processo, os su jeito s co n creto s d a p ro d u ção do espaço .3 O s usos d o solo, os e sta b e le c im e n to s, as form as d e o cu p a­ ção e as h iera rq u ias e n tre os lugares ex p re ssa m ta m b é m os re su ltad o s d e lutas, h eg e m o n ia s, violências, e n fim , atos políticos. A p ro d u ç ão do esp aço se n d o v ista com o p rocesso teleo ló g ico , s u s te n ta d o e m p ro je­ tos e g u iad o p o r co n cep çõ es. P o rta n to , a co n stru ção d o s territó rio s en v o lv e re p re se n ta ç õ e s, discursos, co n sciên cias. E n fim , a co n stitu iç ão do territó rio p o d e se r u m rico c a m in h o para

3 Ver A ntonio Carlos R obert Moraes. Ideologias geográficas. Espaço, cultura e política no B rasil.

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a análise d a form ação histórica d e u m país, p o is a q u a lid a d e d e su a in ércia o “p rá tic o -in e rte ” com o co n c e itu o u M ilto n S antos — to r­ na-o d ep o sitário n ão a p e n as d e valores eco n ó m ico s m as ta m b é m d e pro jeto s q u e p o r d ife re n te s vias se h e g e m o n iz a ra m n a so cied a d e e m foco. O fato d e u m a c e rta d iretriz se in sc re v e r n o esp aço é ta m b é m u m prova m aio r d e su a h eg e m o n ia , n a o b jetiv açã o das form as p o d e se ca p ta r a vitória dos d esígnios e co n c ep çõ e s q u e a idealizaram . A form ação te rrito ria l é, p o rta n to , u m dos e le m e n to s d e fin id o re s d a p a rtic u la rid a d e , p e n sa d a n a escala das “p e c u lia rid a d e s .n acio n ais” . E n fim , o d e se n v o lv im e n to histórico faz-se so b re e com o esp aço te r­ restre, e, n e sse sen tid o , to d a form ação social é ta m b é m territorial, pois n e c e ssa ria m e n te se espacializa.4 Valorização d o esp aço e form ação territorial, dois níveis d e abor­ d ag em d e u m m e sm o processo. D e u m lado, as d e te rm in a ç õ e s g e ­ néricas, fo rn e c e n d o os m acroindicadores q u e d e lim ita m g ra n d es p e ­ ríodos e ilu m in a n d o suas lógicas e stru tu ra is d e fu n c io n a m e n to . D e outro, a m alh a fina d o d ese n ro lar das c o n ju n tu ra s, p e rm itin d o id e n ti­ ficar v o n ta d e s e a titu d e s indiv id u alizad as, in te re sse s específicos, e n ­ fim , m o v im e n to s singulares. T em -se , assim , dois p lan o s d e análise e reflexão, e m cuja u n ião se d e se n h a o p ro jeto d e u m a G eografia in terp retativ a, social e histórica. O território: conceito e objeto

G om o visto, o territó rio é u m esp aço social, q u e não p o d e e x istir sem u m a so c ie d a d e q u e o crie e q u a lifiq u e , logo in e x iste com o reali­ d a d e p u ra m e n te natu ral, se n d o co n stru íd o com b ase n a apropriação e tran sfo rm ação dos m eios criados p ela n atu reza. Assim , o territó rio é u m p ro d u to so c ia lm e n te p ro d u z id o , u m re su l­ tad o h istórico d a relação d e u m g ru p o h u m a n o co m o esp aço q u e o abriga. T al característica d iferen cia esse co n c e ito n a com paração com o u tro s c o m u m e n te utilizados p ela geografia (com o região ou p aisa­ gem ), q u e p o d e m m an ifestar-se ad jetiv ad o s p o r fe n ô m e n o s naturais. O territó rio é, p o rtan to , u m a ex pressão d a relação so cied ad e/esp aço , s e n d o im p o ssível d e se r p e n sa d o se m o recu rso aos processos sociais. C o n tu d o , tal co n c eito — e m se u uso c o n te m p o râ n e o — re m o n ta

M ilton Santos. Sociedade e espaço. A categoria form ação econômico-social com o teoria e com o m étodo. In: Espaço e sociedade.

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às ciências naturais “m o d ern a s” . A p esar d e u m a origem ancestral com o figura a d m in istrativ a-m ilitar ro m an a (o territorium ), sua retom ada pela geografia n o final d o sé c u lo X IX d á-se m e d ia n te o co n teú d o esta­ b ele c id o n o p ro cesso d e siste m atiz açã o dos e stu d o s da n atureza se­ g u n d o o m o d elo “c ie n tífic o ” co n sag rad o n e sse século. T rata-se, b a­ sic a m e n te , d e u m co n c e ito e m p re g a d o a m iú d e p ela botânica e pela zoologia o ito cen tistas,5 p ara d e sig n a r a “área d e d om ínio” d e um a es­ p é c ie v e g e ta l ou anim al. N e s s e se n tid o q u e se fala de um “território das araucárias” no Brasil m erid io n al, ou d a “territorialidade dos lo­ bos” q u e d e m arcam o e sp a ço sob co n tro le d e cad a alcatéia. É e s te c o n te ú d o q u e foi assim ilad o p o r F ried rich R atzel, q u e o in co rp o ra ao esc o p o c o n c e itu a i d a su a an tropogeografia, reco n ceitu an d o -o . N a ótica ratzelian a, o territó rio é u m esp aço qualificado pelo d o m ín io d e u m g ru p o h u m a n o , s e n d o d efin id o p e lo controle político d e u m d a d o âm b ito esp acial.6 S e g u n d o e le, n o m u n d o m oderno co n s­ titu e m áreas d e d o m in açã o “e s ta ta l” e, m ais re cen tem e n te , “estatal nacional” .7 P o d e -s e dizer, p o rta n to , q u e o exercício de um a soberania im p õ e u m a te rrito ria lid a d e a certas parcelas d elim itad as da su perfície te rre stre . E sse processo, d e “form ação dos territó rio s”, é afirm ado por R atzel com o p a rte su b stan cial d a “tríp lic e repartição” do o b jeto antropogeog ráfico .8 O territó rio teria e m su a g é n e s e um m o v im en to d e ex p a n são e co n q u ista d e esp aço s, o q u e o localiza tam bém n u m lugar im p o rta n te no u n iv erso d e p re o cu p aç õ es d a geografia política e da g eopolítica.9 C o m a d esp o litização d a reflex ão geográfica, sub jacen te à h e g e ­ m onia d a geografia regional fran ce sa ,10 o co n c eito d e território foi pra-

5 Para um a visão d e síntese da evolução desses cam pos no período, consultar Pascal Acot. H istória da ecologia. 6 Ver F. Ratzel. O solo, a sociedade e o E stado. 7 Sobre a forma “estatal nacional” d e dom inação política, ver J. R. Recalde. La construcción de las naciones. 8 Segundo esse autor, tal disciplina estudaria a “influência das condições naturais sobre os grupos hum anos” , as “m igrações dos povos” , e a “formação dos territó­ rios” , vista com o coroam ento dos dois processos anteriores. Ver A ntonio C. R. M oraes. A antropogeografia d e Ratzel: indicações. 9 Sobre o tem a, e reforçando a distinção e n tre os cam pos mencionados, ver Wanderley M. Costa. Geografia política e geopolítica. 10 Sobre esse processo, consultar A ntonio C. R. M oraes. Geografia. Pequena históna crítica. Sobre as vinculações e interesses políticos da “escola alemã” , ver do m es­ mo autor A génese da geografia moderna.

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ticam en te banido desse ca m p o d e investigação, pois sua d e n s id a d e política explícita conduzia as análises p ara te m a s “perigosos” e in o ­ portu n o s em face da p e rsp e c tiv a “não id eo ló g ica” d a escola p o ssib ilista. E m decorrência d essa a titu d e , tal co n c e ito é deixado, d u ra n te boa p arte do século XX, com o fe rra m e n ta q u a se exclusiva das teorias geopolíticas e jurídico-adm inistrativas. E m tais cam pos, o territó rio é trabalhado com o um “su p o sto ”, u m a base em pírico-factual com a qual se inicia a teorização p ro p o sta. P ara a g eo p o lític a e o direito, o te rritó ­ rio “nacional” é visto co m o u m a u n id a d e política, económ ica e ju risdicional." O reg ate d esse conceito p ela G eografia ocorre n o âm b ito d a rep o litização do ternário d a d iscip lin a s u b ja c e n te ao m o v im e n to d e re ­ novação do p en sam en to geográfico a p a rtir dos anos 60.1Z N e sse m o ­ m ento, um a orientação m e to d o ló g ic a m arx ista vai h eg em o n izar-se, p ro pondo u m a reflexão e sse n c ia lm e n te e c o n ó m ic a e política q u e re a ­ bilita a ce n tralid ad e do co n c eito d e territó rio n a análise d o esp aço te r­ restre.1123 N e ssa orientação p re v a le c e u m a co n c ep çã o q u e qualifica o território p elo seu uso social, com o fica b e m ilu strad o n a s e g u in te p a s­ sagem d e M arx: “o q u e faz com q u e u m a região d a T erra seja u m terri­ tório d e caça, é o fato das trib o s caçarem n e la ” .14 Vale assinalar q u e , nessa visão, o uso p re ssu p õ e a apropriação e o d om ínio, o q u e (ap esar das e v id en te s diferenças d e m éto d o ) não a c o n tra p õ e e stru tu ra lm e n ­ te à concepção ratzeliana, a n te rio rm e n te m en cio n a d a. C ab e tam b ém lem brar o u tro re sg ate do co n c e ito em tela, ocorrido em tem p o s m ais recentes, te n d o p o r c e n tro a reflex ão antropológica. Tal leitura assim ila o território a U m esp aço d e re ferê n cia cultural, q u e se qualifica portan to por u m significado a e le atrib u íd o por u m dad o

11 A própria instituição dos regim es constitucionais reforça esse enten d im en to , e to­ das constituições nacionais norm atizam sobre a m atéria, identificando e q ualifi­ cando o território sobre o qual deverão ser aplicadas as suas orientações legais. Para uma análise, no caso do Brasil, ver M ichel Tem er. O território nas constituições brasileiras. 12 A obra paradigmática desse processo é a d e Yves L acoste. A Geografia Serve, Antes de Tudo, para F azer a Guerra — o n d e o autor propõe o abandono do conceito mais em pregado até então nesse cam po disciplinar, qual seja, o d e “região”, p or ele avaliado como um “conceito-obstáculo” . 13 Ver, como exemplificação, o tex to de F. Indovina & D . C alabi. Sobre o uso capita­ lista do território. 14 K. Marx. Formações económicas pré-capitalistas, p. 87.

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g ru p o ou se g m e n to social.15 N e ssa ótica o território in screv e-se no cam ­ p o d o s processo s d e id e n tid a d e so cietária, co m o re fe re n te d e form as d e co n sc iê n cia do esp a ço e, m esm o , d e au to co n sc iên cia gru p ai (nos g ru p o s q u e se id en tific a m p ela relação com u m d a d o espaço). P ara essa co n c e p ç ã o antro p o ló g ica, d iv ersas te rrito ria lid a d e s ex e rcitam -se so b re p o n d o -se n u m m e sm o esp aço , ro m p e n d o co m a id éia d e “e x ­ c lu siv id a d e ” p re s e n te n as visões a n te rio re s.16 E n fim , p o d e -s e co n sid e ra r q u e h o je co n v iv em , n o s d e b a te s das c iên c ias h u m an as, os vários e n te n d im e n to s do c o n c e ito a p re s e n ta ­ dos. N e s s e q u ad ro , a co n c eitu açã o a q u i assu m id a p a rte , com o visto, d a visão d o esp aço co m o d im e n sã o d a re alid ad e, v e n d o o territó rio com o u m a su a m an ifestação co m o o b je to em p írico . N e s s e se n tid o , o te rritó rio é a n te s d e tu d o u m a escala d e an álise d a so c ie d a d e e da relação so cied ad e/esp aço , isto é, u m reco rte analítico q u e objetiv a u m a visão a n g u lar esp e cífica d a história. E m tal e n te n d im e n to , o territó rio e m e rg e co m o u m a to ta lid a d e para a geografia, u m e sp a ço d o ta d o d e u m a h isto ricid ad e própria, q u e co rresp o n d eria à esp a cialid ad e d e u m a d a d a “ form ação e c o n ó m ic a e social” .17 E m o u tras palavras, to d o territó rio te m u m a história, q u e explica su a conform ação e su a e s tru tu ra atu al. P ara a p re e n d ê -la é necessário eq u a cio n á-la com o u m processo; d aí o e n u n c ia d o d a form ação terri­ to ria l co m o o b je to d e p esq u isa. U m o b je to d e an á lise h istó rica retro sp ec tiv a , u m a v ez q u e b u sca u m a g é n e s e d e co n ju n to s espaciais co n te m p o râ n e o s, q u e no p assad o n ão n e c e ssa ria m e n te p o ssu íam u n i­ d a d e e integ ração . T o m am -se , p o rtan to , os territó rio s atu ais com o re ­ su lta d o s d e u m a h istó ria cu ja lógica é a trib u íd a p o stfestu m . O e sm iu ç a m e n to d o s processos d e form ação territo rial ind ica q u e seu s re su ltad o s são co n stru çõ es bélicas, ju ríd icas e ideológicas. O co m ­ p o n e n te m ilitar im p õ e -se n a m e d id a e m q u e o d o m ín io espacial d ev a se r co n c retiza d o e m a n tid o c o n tin u a m e n te , e o ex ercício d a so b era­ nia im p lica u m p o d e r e fe tiv o so b re os esp aço s d e su a jurisd ição . C o n ­ tu d o , os territó rio s não se m a n tê m ap e n as p e lo recu rso à força e à

15 Ver, por exem plo: A lecsandro J. P. Ratts. Fronteiras invisíveis: territórios negros e indígenas no Ceará. 16 C om o exem plificação, pode-se consultar: Paul L ittle. Cosmografias superpostas, ter­ ritórios fractais. 17 N o sen tido afirm ado por D avid H arvey de ver “as formas espaciais en q u an to pro­ cessos sociais, do m esm o m odo q u e processos sociais são espaciais” (A justiça social e a cidade, p. 11). ' ''

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violência, e n v o lv e n d o ta m b é m instâncias d e leg itim ação do d o m ín io e d o p o d e r praticados, o q u e re d u n d a e m form as ju ríd icas d e re co ­ n h e c im e n to dos d ireito s d e so b e ra n ia (in tern a e /o u e x te rn a m e n te aos espaços e m q u estão ). N e ss e s e n tid o o territó rio é ta m b é m u m a co n s­ tru ção política, q u e d e v e se r re ite ra d a p o r m eio d e pacto s e d isp u ta s sociais.18A té p o r isso, a form ação territorial a p re s e n ta a in d a u m a face­ ta d e e strita elaboração ideológica, re su lta n d o e m c o n stru c to s d iscu r­ sivos q u e co m an d a m ta n to a co n sciên cia dos lu g ares q u a n to su a p ro ­ d u ção m a te ria l.19 N a h istória m o d ern a, os territó rio s estata is (e estata is nacionais) ap a rec em co m o u n id ad es políticas, económ icas e c u ltu ra is básicas das form as d e organização social v ig en tes. As p ró p rias relações in te rn a ­ cionais c o n te m p o râ n e a s e a ch a m a d a “globalização” p re ssu p õ e m a ex istên c ia d e E sta d o s e d e p aíses, e e ste s tê m p o r p re ssu p o sto a d e li­ m itação d e espaços, e m cu jo s co n to rn o s vivem se u s h a b ita n te s, n u m ideário n o q u a l a v o n ta d e geral d ev e ria in stitu ir e leg itim a r os gover­ nos.20 E ste s a tu am e m q u ad ro s legislativos d efin id o s in te rn a m e n te aos países, m a n ip u la n d o u m a ec o n o m ia ta m b é m e stru tu ra d a e m term o s ain d a b a sic a m e n te “nacio n ais” , e e x p ressan d o -se e re lacio n an d o -se atrav és d e in stitu içõ e s e m su a m aioria originárias e /o u circu n scritas a cada territó rio estab e lecid o . E sta rep artição do m u n d o e m territórios esta ta is e stru tu ra -se no p róprio processo d e difusão das relações capitalistas d e produção, q u e cria u m a e c o n o m ia -m u n d o h o je e fe tiv a m e n te global. E m to d o s os q u a d ra n te s d a T erra, e s te p ro c esso instala u m a lógica territorial, p ri­ m eiro p o r im p ério s e p o ste rio rm e n te p ela m u ltip licação d e E stados, n u m c o n te x to no qual a d istin ção e n tre o c e n tro e a p eriferia fica se m ­ p re b e m dem arcada. A form ação d o “A ntigo S iste m a C o lo n ial” ap a­

A questão federativa, o regionalism o, e a municipalização, p or exem plo, ilustram bem o co n teú d o d e tais contratos sociais d e o rd en am en to político do p o d er no espaço, q u e expressam pactos territoriais. Uma discussão d esse tem a, no âm bito d e um setor especifico do E stad o brasileiro, p ode ser encontrada em : A ntonio G. R. Moraes. Federalismo, políticas públicas e planejamento da educação no B rasil. 19 Ver A ntonio C . R. M oraes. H istoricidade, consciência e construção do espaço. So­ bre o tem a, ver ainda Paul AUies. llinvention du territoire. M ichel Foucault afirma q u e a noção d e “população” te m por an te c e d e n te a d e ­ marcação do território, pois ela se constitu i dos h abitantes d a q u ele âm bito espacial dem arcado (ver Antonio G. R. M oraes. F oucault e a geografia). A própria noção de cidadania”, oriunda da R evolução Francesa, se exerce n o âm bito d e espaços polí­ ticos delim itados.

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re ce com o a organização dos esp aço s p eriférico s n u m período inicial d e sse m o v im e n to d e m u n d ialização . E ssa “europeização do m u n d o ” , co n fo rm e d efin iç ão d e E e rn a n d o N o v a is, avança nesse p erío d o na A m érica, p o r m eio d a criação d e territó rio s coloniais. P o d e -se co n sid erar q u e os p ro cesso s d e form ação territorial en v o l­ v e m sem p re , e m alg u m n ív el e e m a lg u m m o m en to , um a faceta d e colonização (e m s e n tid o am p lo ), ex p re ssa n a d ifu são do m odo d e vida d a so cied a d e q u e o e m p re e n d e o u e m su a ex p an são d iretam en te p o ­ lítica (com a co n q u ista d e “n o v as” terras). C o n tu d o , a expansão da E u ro p a no “longo” séc u lo X V I, e m s e u re b a tim e n to no espaço am e­ ricano, a p re s e n ta p e c u lia rid a d e s h istó ricas q u e serão d iscu tid as no d ec o rre r do p re s e n te e s tu d o . N a colonização d a Am érica conform am se processo s d e o cu p ação q u e e x p a n d e m o esp aço económ ico e u ro ­ p e u p o r m eio d e in stalaçõ es p ro d u tiv as h isto ricam en te singulares, isto é, q u e g eram form ações sociais esp ecíficas d o p o n to de vista da h istó ­ ria com parada. E sses territó rio s coloniais, an ex o s espaciais dos E sta ­ dos m etro p o litan as, re p re s e n ta m form as particu lares de valorização d o espaço, c o n s titu in d o assim u m tip o esp ecífico d e padrão geográfi­ co p eriférico (variado e ú n ico , ao m e sm o tem p o ). A colonização am erican a in icia-se co m a instalação de enclaves, q u e a tu am com o bases d e d ifu são do p rocesso. E s te s evoluem para regiões, q u a n d o passam a ab arcar esp a ço s m ais d ilatad o s, q u e abrigam asse n ­ ta m e n to s e fluxos p e rm a n e n te s e con so lid ad o s. T ais conjuntos regio­ nais, e m suas articu laçõ es e co m p lex izaçõ es, acabam por conform ar efetivos territórios n a A m érica colonial, q u e ap resen tam um a divisão in te rn a do trab alh o co m zonas d e p ro d u ç ão especializadas. T ais orga­ n izações espaciais, d o tad as d e in stalaçõ es e assen tam en to s (e d e fu n ­ dos territoriais), com su a lógica d e disp o sição das atividades e e q u ip a ­ m e n to s no espaço, e m e rg e com o u m d o s e le m e n to s significativos da “h eran ça co lonial” d as fo rm ações p eriféricas. E n fim , os territó rio s coloniais a tu aram com o as bases da co n stru ­ ção dos territó rio s n acio n ais na A m érica L atin a. P o r isso, e n te n d e r a d in âm ica q u e p re sid iu su as form ações, e c o n h e c e r os arranjos sociais gerados e m cada caso, ap a re c e m com o p re ssu p o sto para a explicação d a história das so cied a d es latin o -am erican as. O território brasileiro e sua história

A form ação b rasileira é e x e m p la r n o se n tid o m encionado no tó p i­ co anterior. P aís d e d im e n sõ e s c o n tin en tais, o Brasil é u m dos poucos

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no m u n d o atual a não te r seu territó rio ain d a p le n a m e n te co n stru íd o , sua área d e soberania e x c e d e n d o se u efetiv o esp aço económ ico, o q u e faz com q u e o país co n h e ça — a té na a tu a lid a d e — d inâm icas fro n ­ teiras d e povoam ento e situ açõ e s d e apropriação d e m eios n atu rais “originais” . Assim, a h istória b rasileira é u m c o n tín u o processo d e e x ­ pansão territorial (ainda e m curso), cuja g é n e se re m o n ta ao ex p an sio nism o lu sitano. D esse m odo, o p aís te m p o r a n te c e d e n te o signo da co n q u ista d e espaços, situação q u e m arca p ro fu n d a m e n te o se u d e ­ sen v o lv im en to . O im p erativ o da apropriação c o n sta n te e ex te n siv a do solo p o d e m esm o ser considerado u m dos fios co n d u to re s d a form ação b ra silei­ ra. D e sd e os prim órdios, o p ró p rio “se n tid o d a colonização” aq u i e s ­ tab ele cid o repousou em certas a p tid õ e s do territó rio apropriado: afi­ nal, d e início, são condições a m b ie n ta is d istin ta s da m e tró p o le q u e p e rm ite m a realização d e ex p lo raçõ es c o m p le m e n ta re s. E a colo n iza­ ção do Brasil im plicou a in teg ral m o n ta g e m d essas e stru tu ra s d e p ro ­ dução, n u m m ovim ento q u e sin cro n izo u o p o v o am en to , a ap ro p ria­ ção do solo e a exploração p ro d u tiv a p ro p ria m e n te dita. E m outros term os, trato u -se de u m pro cesso sim u ltân e o d e co n stru ção d e u m a so cied ad e e d e um território, d e u m a so cied a d e q u e tin h a n a c o n stru ­ ção do território forte e le m e n to d e id e n tid a d e . E m função disso, d ev e se co n sid erar tam bém o p ap e l d e s e m p e n h a d o p e la form ação te rrito ­ rial na arm ação da vida p o lítica d o país, com o realce das ideologias geográficas nos m om entos d e ru p tu ra ou crise in stitu cio n al. A prática das transform ações pelo alto — tão re co rre n tes na história do Brasil — não raro buscou legitim ação s u ste n ta n d o -se n o arg u m e n to da n e c e s­ sid ad e d e m anutenção da integridade territorial. Vale salien tar que o país te m sid o c o m u m e n te c o n c eb id o p o r suas elites com o u m espaço, cuja apropriação — erig id a com o p ro jeto n a ­ cional básico — sem pre leg itim o u a ação d o E stad o . E ste, a n te s d e tudo, teria p o r tarefa fu n d a n te a d efesa da so b eran ia sobre os fu n d o s territoriais e p o r m eta sua ocupação. É re c o rre n te na história do Brasil a prática d a tu te la do povo em n o m e da d e fe sa d a in te g rid a d e d o e s ­ paço, assim com o é co m u m a ex istê n c ia d e discursos em q u e lugares são to m ados com o atores sociais. N e sse q u ad ro , a q u e stã o d a co n s­ trução do território ad q u ire relev o ím par, pois in c id e no c e rn e das ar­ g u m en taç õ es legitim adoras da form ação nacional. É e m face d e tais p e rsp e c tiv a s q u e se to rn a e x tre m a m e n te in ­ tere ssan te problem atizar as visões acerca d a form ação territorial do Brasil. O recuo do m eridiano d e T o rd esilh as é c o m u m e n te a p re se n ta ­

INTRODUÇÃO

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do com o u m fe ito e stim u la d o r d o o rg u lh o nacional, logo com o u m a lim e n to rico para a d o u trin aç ão p atrió tica. T o d a a m itologização do b a n d e ira n te e d o b a n d e irism o b e m a te s ta m e sse fato. E x alta-se a h ie ­ rarquia e a im p e tu o s id a d e e su b lim a -se a v io lên cia e as m o tivações m en o s n o b re s d e sse s m o v im e n to s. N o s d iscu rso s historiográficos e geográficos, a c o n s q u is ta territo rial foi e x p re ssa b a sic a m e n te m e d ia n ­ te e sse p e rso n a g e m p arad ig m ático , q u e tin h a n a própria m o b ilid ad e espacial ex p a n siv a o se u e le m e n to caracterizad o r. A ssim , o p ro cesso d e ap ro priação d o e sp a ç o ex p rim e -se n u m tip o social esp e cífico — o b a n d e ira n te — ao q u a l co rresp o n d eria u m tip o d e organização social ta m b é m pecu liar: a b a n d e ira , sín te se d a m o tiv a­ ção e x p a n sio n ista fu n d a n te d o Brasil. N e s s a transposição, d o p ro c es­ so ao tipój a d o m in açã o espacial (e le m e n to d e causação) to rn a-se im ­ plícita no a rg u m e n to , p assan d o a s e r v ista co m o re su ltad o (m ais d o q u e m otivação) d a ação b a n d e ira n te . Ao c o n c e b e r a c o n q u ista com o u m a trib u to d o tip o social fu n d a n te d a n ac io n a lid a d e, tira-se a q u e s ­ tão territo rial d o c e n tro d a arg u m e n taçã o q u e vai co n stru ir a h isto ­ riografia nacional. E a h istó ria “b rasileira” n ão vai ser co n tad a n u m a ótica geop o lítica, a o cu p ação territo rial s e n d o tem atizad a fu n d á m e n ta lm e n te por m o tiv açõ es e s p e c ífic a m e n te eco n ó m icas.21 A visão dos “ciclos eco n ó m ico s” n o p rocesso d e fo rm ação d o país in tro d u z, ainda, u m ' re co rte regional q u e d eix a d e s c o b e rta a avaliação d o p aís com o u m todo. Assim , ap e sar d a c e n tra lid a d e a p o n ta d a , a q u e stã o territorial e m e r­ g e ep isó d ica nas g ra n d e s obras da h isto rio g rafia brasileira. G e ra lm e n ­ te en v o lta n u m a c o n c ep çã o ju risd icista, q u e — to m an d o -a com o h is­ tória d ip lo m ática — só a p re e n d e o p la n o d e legitim ação form al na definição das fronteiras. D e eixo m o tiv ad o r d a colonização, a co n q u ista d e espaços to rn a-se q u e s tã o m en o r, d e fin id a e m g ran d e p a rte na a re ­ na das rélações in tere u ro p éias. D a í se re m e stab e lecid as com o as g ran ­ d es d atas da h istó ria territo rial brasileira, as d a assin atu ra dos tratad o s d e M adri e S an to Ild efo n so . R e d u z -se a conform ação d o territó rio à confirm ação legal d e se u s lim ites, to rn a n d o a história territo rial u m e stu d o d o e sta b e le c im e n to das fro n teiras.

21 Aqui, o paralelo com a historiografia argentina é interessante, pois a história oficial desse país é contada em m oldes essencialm ente geopolíticos. Sobre este ponto, ver Silvina Palacios Q uintero. Geografia y educación pública en los orígenes delterritório y la nación (Argentina, 1863-1980).

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INTRODUÇÃO

E n fim , te m -se q u e a d im en são territorial recorta u m a d eterm in ação fu n d a m e n ta l d a h istória brasileira, p o ré m , ap esar d essa ev id ên cia, os estu d o s d ed ic a d o s a tal te m á tic a (histórico-geográfica, por e x c e lê n ­ cia) são b a sta n te raros e escasseiam d e form a absoluta q u an d o se avança para o p re s e n te . A ssim , c a b e re sg atar e s te o b jeto d e investigação, não só para avaliá-lo e m seu d e v id o n ív el d e im p o rtân cia, m as para fo rn e­ cer u m e q u a c io n a m e n to a ltern ativ o ao en c o n trad o n o trata m e n to dado à m atéria. R e to m a n d o a ótica d a particularização q u e p re sid e ao trabalho, cab e d estac ar as d u a s m ed iaç õ es q u e se q u e r e sc la rec er e interagir: fo rm a ­ ção territo ria l e situação colonial. P ara ta n to , h á q u e se to m ar a colónia com o u m te rritó rio e m co n stru ção , o b je to d e form as específicas d e valorização. N e ssa ab o rd ag em , d e im ed iato , rev ela-se p ro b lem á tico o tra ta m e n to d o p erío d o colonial brasileiro com o u m c o n ju n to h o m o ­ gén eo , q u e o b e d e c e ao m esm o ritm o e e x p ressa a m esm a dinâm ica, o q u e lh e co n feriria u m a co n d ição tipológica. N a v e rd a d e , o colonial não é u m tip o , m as u m m o v im e n to d o ta d o e m si d e periodização p ró ­ pria, a q u al re v ela características específicas a cada c o n ju n tu ra e m face dos variados e stím u lo s q u e lh e v ê m d e fora. C aracterísticas q u e ficam e v id e n te s q u a n d o se ex a m in a m as form as d e valorização do esp aço realizadas e m terras brasileiras ao longo d o p e río d o colonial. E n fim , as características o b serv ad as n e sse pro cesso n o século X V I não são as m e sm as nos sécu lo s X V II e X V III (e estas ta m b é m d ife ­ rem e n tre si), e su a análise fo rn ece u m critério d e periodização. D o p o n to d e v ista geográfico, h á q u e se d iferen ciar os c o n d icio n a n te s da instalação p o rtu g u e sa n a A m érica d o S ul, dos p re se n te s no p erío d o d e consolidação d o d o m ín io so b re tais terras, e ta m b é m dos q u e se m an i­ festam q u a n d o d o fu n c io n a m e n to p le n o d a exploração colonial e os da crise d e s te siste m a. São c o n ju n tu ra s d istin tas, cada u m a com seu s d e ­ te rm in a n te s e re su ltad o s próprios, q u e se u n ificam n a c o n tin u id a d e cu m u lativ a d a apropriaçâo/transform ação/construção d o espaço: o ter­ ritório colonial. Vale sa lie n ta r q u e a co n stitu iç ão do territó rio nacional brasileiro se fez calcada n essa heran ça espacial colonial. É so b re o territó rio d a co ­ lónia — c o n ju n to d e form as p elas q u ais se e stru tu ro u u m sistem a p ro ­ dutivo e u m a v ida social dos p o rtu g u e se s e m terras am ericanas — q u e com eça a ed ificação do esp aço nacional, após a em an cip ação política q u e cria o n ovo país. A p rim eira tarefa d a nação re c é m -in d e p e n d e n te foi e x a ta m e n te g aran tir a so b eran ia so b re as d ife re n te s regiões da a n ­ tiga colónia. A u n id a d e política nacional te v e d e se r e stab e lecid a so­

in t r o d u ç ã o

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b re as in stitu içõ e s, e q u ip a m e n to s e circu ito s p re ex iste n tes. A herança colonial, n o q u e im p o rta à d im en são espacial, te v e sua influência in ­ teg ral n a defin ição d a no v a situação. As co n stru ç õ es, os assen tam en ­ tos d e população , os u so s d o solo, ap re se n ta v a m -se intatos — na for­ m a d e s e n h a d a p elo s in te re ss e s coloniais — e m face d o novo E stado. O te rritó rio colonial foi, assim , o su p o rte so b re o q u a l se iniciava a form ação territo rial d o p aís e m e rg e n te . P ara e n te n d e r e s te re su lta d o d e três sécu lo s d e ocupação — o ter­ ritório colonial b rasileiro — é n ecessário c a p ta r a lógica da valorização colonial d o espaço. Isto é , a p re e n d e r as d e te rm in a ç õ e s básicas q u e co m an d a ram e s te p ro cesso d e p ro dução d o esp aço no Brasil, o q u e re m e te à discussão d o p ró p rio caráter d a situ ação colonial. É n ecessá­ rio ta m b é m c o n h e c e r os d esíg n io s pró p rio s da geopolítica da C oroa p o rtu g u e sa e dos d ife re n te s atores q u e atu aram n o processo colonizador, assim com o os e stím u lo s e lim ites p o sto s p elas co n ju n tu ras in ter­ nacionais. N o p re s e n te e s tu d o , co m eça-se esta em p re ita d a , buscando avaliar os p erío d o s iniciais, os q u e reco b rem o p rocesso d a instalação dos por­ tu g u e s e s no Brasil, su a irradiação p io n eira, e o d a consolidação d esse d o m ín io . P ara tan to , n ec essita -se ind ag ar n ão a p e n a s acerca do in tu i­ to d o E sta d o co lo n izad o r (seu s o b jetiv o s e d eterm in açõ es), m as ta m ­ b é m a re sp e ito d o novo cen ário o n d e se p ro jeta su a ação (com sua v a rie d a d e e sin g u larid ad e, as qu ais d e v e m se r dem arcados p o r m eio d a an á lise co m p arativ a co m o u tros e s ta b e le c im e n to s coloniais a m e­ ricanos). S o b rep o n d o -se a tu d o isso, h á u m tempo (n o sen tid o braud e lia n o ) q u e d á as ch av es para o e n te n d im e n to d a dinâm ica d e todo e s te m o v im en to . E é n a te n ta tiv a d e se ca p ta r as d e te rm in a ç õ e s d esse tem p o eu ro ­ p e u q u e se inicia o trab alh o .

P rim eira P a rte

A EXPANSÃO EUROPÉIA E A FORMAÇÃO DA ECONOMIAMUNDO CAPITALISTA

C apítulo 1

A EUROPA NO “LONGO” SÉCULO XVI (1460-1640)

so cied ad es d a civilização cristã-eu ro p éia vivem um a ép o ­ ca d e p ro fu n d as tran sfo rm açõ es. U m p erío d o q u e a prudência teórica aconselha a d esig n ar com o d e transição, tal a m u ltip licid ad e d e forças e processos a tu an te s. A E uro p a, d u ra n te o longo século X V I,' realiza as p otencialidades geradas n a crise d a o rd e m feu d al e e s ta b e le c e as prem issas d e um a nova o rd em . N o flu ir histó rico d e c o n tin u id a d e s e rupturas gesta-se u m a m u d an ça d e se n tid o n a v id a d as so cied ad es européias. R om pem se as am arras d o m ed iev alism o , n asce a época m oderna. P or isso, m es­ m o te n d o a h istó ria com o u m a c o n tín u a transição e a variedade com o u m a d e suas q u alid ad e s, a ad jetiv ação em p re g a d a não p erd e sua efi­ cácia (nos lim ites d e q u a lq u e r caracterização periodizadora). A m u d an ça, a co n v iv ên cia d e d istin to s p ad rõ es e estruturas, a o p a­ cid a d e dos processos, a in d efin içã o das dom inâncias, são a essência m esm a da época. D a í a p recisão d o term o — transição. U m a era d e contornos p o u co nítidos, d e d iv ersid ad e d e form as. Passagem do m u n ­ do m ed iev a l para a m o d ern id a d e. D o p o n to d e v ista económ ico, a E u ro p a e m seu conjunto co n h ece um p erío d o d e ex p an são , após a lo n g a crise dos séculos XIV e XV.12 1 Ver Fernand Braudel. Q u ’est-ce qu e c’e st le X V Ièm e siècle?. 2 Os séculos XIV e XV recobrem , precisam ente, o período de crise do feudalismo. 31

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N o to can te aos ciclos d e longa duração, trata-se c la ra m e n te d e u m a fase d e florescim ento da ec o n o m ia.3 E s te d ese n v o lv im en to ec o n ó m ic o esco ra-se n u m a c o n ju m in â n cia d e elem en to s. G rande c re sc im e n to dem ográfico, alim e n ta d o p elo d iferencial positivo en tre preços e salários na fase d e estagnação. R e­ cup eração agrícola com re to m a d a d a área cu ltiv ad a e difusão d e aprim o ram en to s nas técnicas d e cultivo. E x p an sã o e in c re m e n to d a ativi­ d a d e industrial com o d e se n v o lv im e n to d e novos seto re s (m etalurgia, construção naval etc.). A vanço d a m in era ção e a u m e n to dos e sto q u e s d e m etais preciosos. D ifu sã o das técn ic as financeiras e g en eralização d o crédito. M ultiplicação das trocas e m elh o ria das relações te rre stre s e m arítim as. E nfim , u m a am p la tram a d e fatores q u e articu la o nasci­ m en to das econom ias nacionais, e q u e faz do sécu lo X V I a “ép o ca d e ativ am en to geral d e todas as circulações" .4 A clarificação do perío d o , com o d e slin d a m e n to d essa tram a, ali­

E ste modo de produção conhece seu apo g eu e n tre os séculos X I e X III, decaindo a partir daí. Tal crise m anifesta os lim ites d e reprodução do sistem a, o “bloqueio das forças produtivas feudais” (na expressão d e C harles Parain. A evolução do sis­ tem a feudal europeu). O não -ap rim o ram en to agrícola, fruto d o baixo nível de reinvestim ento, levou a um a progressiva q u e d a d e produtividade. S endo este o setor básico da economia a crise extravasou por toda a estrutura social, o q u e se espelha na profunda contração dem ográfica do século XIV. A q u ed a do lucro se ­ nhorial acompanha um processo de erosão do poder feudal a partir deste século. As respostas à crise estariam na base da “d erru b ad a das relações feudais d e produção” (ver Ruggiero Romano & A lb e rtõ T e n e n ti. Los fundam entos del mundo moderno. E dad Media Tardia, Reforma, Renacimiento, p. 20). E stes autores lem bram q u e a contrapartida da crise e da estagnação era a efervescência, e a superação inicia-se por volta de 1480. Para um quadro da Id ad e M édia, pode-se tom ar a síntese d e Hilário Franco Jr. Idade Média. O nascimento do Ocidente. 3 D e acordo com Pierre C haunu, teríam os a seg u in te sequência: de 1200 a 1350 um a fase A (de expansão económica); de 1350 a 1500 um a fase B (de crise); no decorrer do século XVI nova expansão; e em m eados do XVII nova crise. O autor ressalta a precoce recuperação portuguesa no século XV com o um a exceção no contexto europeu. Ver Expansão européia do século X III ao XV, p. 45 a 50. R obert B renner diz claram ente: “A partir de m eados do século XV na maior p arte da E uropa O cidental foram desaparecendo as condições q u e haviam originado a crise, iniciando-se um novo período de expansão económ ica” (L as raíces agrarias del capitalism o europeo, p. 324). 4 Pierre Vilar. Ouro e moeda na história (1450-1920), p. 210. R om ano & T e n e n ti afir­ mam qu e “a Europa m ercantil e n tre 1480 e 1560 está sob o signo da expansão”, criando no período “as prem issas d e um a circulação d e tipo m oderno” (op. cit., p. 288 c 285).

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m e n ta um d o s m ais ricos d e b a te s d o p e n s a m e n to histórico c o n te m ­ porâneo.5 A p esar d e to d a a p o lêm ica, há u m p o n to q u e m ere c e a c o n ­ cordância d o s estu d io so s: o séc u lo X V I v iv e a e n tra d a em c e n a das relações ca p ita listas d e p ro d u ção .6*A n tes, alg u n s ensaios hav iam -se m an ife sta d o e m F la n d res, nas cid a d e s d o n o rte da Itália e alhures. Agora, c o n tu d o , trata-se d e u m m o v im e n to m ais d en so , do instalar-se d e um novo m o d o d e produção: pro cesso len to , cu ja p le n itu d e só ocor­ rerá dois séc u lo s d ep o is com a rev o lu ção in d u strial. E sta e m e rg ê n c ia das relações ca p italistas faz-se, todavia, e m m eio a um a in stitu c io n a lid a d e ain d a d o m in a d a p elas form as d e p o d e r fe u ­ dais. A p assag em d e u m m o d o d e p ro d u ç ão a o u tro d esd o b ra-se com a convivência — m u ita s v ezes associada — d e relações p róprias da o rd em q u e se fin d a e da q u e em e rg e , além d e o u tras form as esp ecífi-

5 Pode-se apontar inicialm cnte a polêm ica estim ulada pela publicação da obra d e M aurice D obb, A evolução do capitalism o, em 1946. E ste autor defende a tese cen ­ tral d e q u e a g énese do capitalism o se d e u pela diferenciação interna dos produto­ res autónom os, q u e ao expandirem suas atividades anim am o assalariam ento. A contraposição principal a esta interpretação aparece nas afirmações de Paul Sweezy que, partindo da interpretação clássica d e H enry P irenne, enfatiza o papel do co­ mércio e do capital m ercantil. E ste d e b a te perm anece ativo, em suas linhas m es­ tras, até hoje, e várias argum entações podem ser encontradas nas coletâneas C api­ talismo. Transição e A transição do feudalism o pa ra o capitalism o. E stím ulos recentes a essa discussão podem ser identificados no d eb a te sobre a “proto-industrialização” (ver P. K riedte e t alli. Industrialización antes de la industrialización) e no propi­ ciado pelas críticas à interpretação desenvolvida por R obert B renner (ver T. H. Aston & C. H . Philpin [orgs.]. E l debate Brenner. Estructura de clases y desarrolto económico en la Europa preindustrial). 6 D eve-se observar q u e tanto D obb q u an to Sw eezy concordam neste ponto. O pri­ m eiro lem brando o fato de Marx ter sido explícito e enfático nesta datação (ver M. D obb. O p. cit., p. 156, n. 1), o segundo citando-o diretam ente: “O com ércio m u n ­ dial e o m ercado m undial inauguram , no século XVI, a história m oderna do capi­ tal” (P. Sweezy. U m a crítica, p. 49-50). E ric H obsbaw m , em estudo mais recente, conclui q u e a crise feudal avançou pelos séculos XIV e XV e q ue a expansão das relações capitalistas envolveu o XVI e X VII, acarretando “forte ruptura e n tre base e su p erestrutura da sociedade feudal”, ruptura q u e ele define com o o “com eço da era capitalista” (D o feudalism o para o capitalism o, p. 162). A. G u n d er Frank, para se tom ar um autor recente sim pático ao outro lado do debate, argum enta q u e o século XVI “testem u n h o u o prim eiro desenvolvim ento quantitativo e qualitati­ vo... d o capitalism o em seu estágio m ercantil e d e concentrada acum ulação na E uropa” (Acumulação mundial, 1492/1789, p. 85). Vê-se qu e a polêm ica diz respei­ to não à existência das relações capitalistas já nesse século, mas ao grau d e sua difusão e dom inância.

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cas g e ra d a s n a tra n siç ã o .7 O p rocesso d e acum ulação p rim itiv a 8 do cap ital n o m e ia e s te m osaico q u e su p era o fe u d alism o e o b jetiv a as co n d içõ es prévias d e d o m ín io d o capitalism o.9 N o seu realizar-se tran s­ corre o p e río d o enfocado. As m u d an ça s o co rren tes são m ú ltip las e as form as d e transição v a­ riam e n o rm e m e n te no te m p o e n o espaço. H á u m a dinâm ica eu ro p éia e m curso, alterad o ra d as e stru tu ra s tradicionais, p o rém — com o alerta H o b sb aw m — não a p e n a s atu an d o e m re alid ad es díspares com o fa zen d o m ig rar o “país líd e r” d o m o v im e n to .10 A d iv ersid ad e regional

P e te r K riedte aponta bem : “O processo de acum ulação do capital m ercantil tinha já traços capitalistas, mas em m ed id a ainda maior estava m arcado por condições resultantes d o sistem a feudal” (Feudalismo tardio y capita/ mercantil, p. 20). E , fa­ lando já do século XVII, F ern a n d B raudel afirma: “E m resum o, a econom ia-m un­ do européia, em 1650, é a justaposição, a coexistência d e sociedades q u e vão d e s­ d e a sociedade já capitalista, a holandesa, até às sociedades servis e escravagistas, no fundo da escala” (A dinâm ica do capitalism o, p. 76-7). 8 A .G under F ran k argum enta q u e a acum ulação é prim itiva por se realizar em m eio a relações pré-capitalistas, distinguindo-a da acum ulação originária, na qual o avanço do capitalism o criaria relações não capitalistas, com o o escravism o m oderno por exem plo (op. cit., p. 23 e 44). P. Vilar precisa o prim eiro conceito: “Aplicamos esta denom inação a toda acum ulação d e capital q u e não está todavia fundada em rela­ ções capitalistas d e produção” (Crecimiento y desarrollo, p. 132). M. D obb distingue duas fases da acum ulação prim itiva: a prim eira d e aquisição d e bens (notadam ente a terra), e a segunda d e realização, com a transformação dessa riqueza em capital (A evolução..., p. 227 e Réplica, p. 66). A polêm ica apontada em nota an terior tom a contornos claros aqui, distinguindo bem os autores q u e acatam a d eterm inação já capitalista da acum ulação prim itiva dos q ue, com o John M errington, en ten d e m -n a com o um a “capitalização das rela­ ções feudais” (A cidade e o cam po na transição para o capitalism o, p. 192). G iuliano Procacci, aten tan d o para a existência d e comércio e vida urbana ao longo d e todo o perfodo feudal, situa os séculos XVI e XVII com o ainda inseridos na dinâm ica d este m odo d e produção, p orém ja apresentando “g érm en s capitalistas” (U m a si­ nopse do d eb ate , p. 137). Sweezy, H obsbaw m , e n tre outros, acatam a acum ulação prim itiva com o m om ento d e constituição do capitalism o, no dizer de D obb . “a n te ­ rior no tem p o ao florescim ento completo da produção capitalista” (A evolução..., p. 220, grifo m eu). E. H obsbaw m . O p. cit., p. 163. J. Parain, falando do surgim ento da p eq u en a pro­ dução in d e p e n d e n te , argum enta q u e “no curso do período declinante da socieda­ de feudal, as condições económ icas (em graus diversos conform e as regiões) po­ d em favorecer um a evolução q u e conduz da servidão à liberdade. M as e ste fenô­ m eno não se produz em todos os lugares ou pelo m enos não se produz no m esm o ritm o” (op. cit., p. 22). R. B renner, com entando a superação da crise feudal, d esta­ ca a variação da luta de classes no nível das regiões, pois “a base das im portantes

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e nacional d o s processos é in ten sa, m as articu lad a. N esse sen tid o , as “histórias eco n ó m icas regionais” tê m n o ap arecim en to das próprias relações cap italistas “u m a p o d ero sa in flu ê n c ia coordenadora” .1112Afi­ nal, sab e -se q u e e s te m o d o d e p ro d u ção av an ça na d esigualdade e na diferenciação , e e m m eio a esta alg u m s e n tid o geral é possível id e n ­ tificar. N o cam p o , a re n d a e m d in h eiro vai e sp a lh a n d o -se ao lado da p re s­ tação e m trab alh o e d o p a g a m e n to e m e s p é c ie , ao m esm o te m p o q u e se g en eraliza a m ercan tilização das te rra s c o m altos níveis d e tran s­ ferên cia d as p ro p rie d a d e s fundiárias. P ro p rie d a d e s alodiais e s e n h o ­ riais vão aju stan d o -se a u m a m esm a d in â m ic a d a vida m onetarizada. A vançam o a rre n d a m e n to e a Compra d e solares pela e m erg en te b u r­ guesia e m alg u n s p aíses, n o u tro s re to rn a m ou reforçam -se os vínculos feudais. O d esa lo ja m e n to dos c a m p o n e se s acirra-se, seja pela c o n c en ­ tração d a p ro p rie d a d e b u rg u esa, seja p e la reintegração da posse se ­ nhorial. E n fim , g en eraliza-se a d estin ação m ercan til da produção agrá­ ria, cad a v ez m ais u m a p ro d u ção d e v alo res-de-troca.36 E m algum as regiões tal m ó v el e stim u la o assalariam en to e a produção in d e p e n ­ d e n te , e m o u tras a lim e n ta a re to m a d a d a servidão. O que b e m atesta a m u ltip lic id a d e do q uadro. N as cid ad e s, e m crescim en to ac elera d o e m face dos p ad rões vi­ g en tes, ta m b é m se to rn a co m p lex a a v id a eco n ó m ica com a in ten sifi­ cação das trocas e u m rápido processo d e diferenciação social. H á um a veloz co n cen tração d e riq u ezas ta n to n a p ro d u ção quanto, esp ecial­ m e n te , no com ércio. Q u a n to à a tiv id a d e in d u strial ocorre tam b ém

contradições regionais qu e caracterizam a evolução económica européia no perío­ do seg uinte constituíram as diversas formas d e propriedade da terra” (op. cit., p. 257). E nfim , a questão da diversidade dos processos nesta escala não pode ser esquecida; há q ue se atentar sem pre para o q u e Pierre Ghaunu qualifica com o a “irredutível desigualdade regional do desenvolvim ento histórico” (op. cit., p. 203). 11 M . D obb. A evolução .... p. 35. E ste autor vai além ao dizer que, neste contexto, “o lançam ento de um país nos primeiros estágios da estrada para o capitalism o não é garantia de q u e ele com plete sua jornada” (p. 241). G. Bois observa q ue a crise num a dada região pode estim ular o avanço das relações capitalistas em outras (Contra la ortodoxia neom althusiana, p. 139). 12 Ver R. Brenner. O p. cit., p. 277 a 279. A te s e básica desse autor é a d e que as relações capitalistas se desenvolvem o nde a vitória senhorial levou à destruição da vida cam ponesa. Segundo ele, o triunfo do cam pesinato possivelm ente teria “cor­ tado as asas do capitalism o” (E structura d e clase agraria y desarrollo económ ico en la E uropa preindustrial, p. 65).

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g ran d e expansão, em alguns casos em processos in tern o s das co rp o ­ rações d e ofícios, em o u tro s e m oposição a estas. H á in g erê n cia d e ag en tes do capital m ercantil e associações d e artesão s ricos q u e p a s­ sam a d o m in ar os principais ram os d a produção p e lo controle dos esto ­ q u es d e m atéria-prim a e, p o ste rio rm e n te , dos próprios in stru m e n to s d e trabalho. A qui, o artesan ato tradicional vai co n v iv er com o siste m a puttin g -o u t e com a m an u fa tu ra;13 a su p eração dos lim ites d esta ú ltim a form a re p resen ta n d o a u ltrap a ssa g em m esm a da acum ulação p rim iti­ va.1415E m alguns setores, com o a m in era ção e a m etalu rg ia, as n e c e ssi­ d ad es técn icas do processo p ro d u tiv o im p õ e m o d e se n h o da g ra n d e indú stria, com especialização d e fu n ç õ es e m aiores in v e stim e n to s d e capital co n stan te . O assalariam en to avança e m m eio às restriçõ es e privilégios próprios da o rd e m fe u d al. N o p lan o do com ércio, pólo d in âm ico da eco n o m ia e u ro p é ia no século XVI (q u e subordina a p ro d u ç ão a se u s in tere sse s), o “ativam en to geral d e todas as circ u laçõ e s” e x p rim e u m a era d e apogeu. E xpo n en cializam -se os fluxos, d e s d e as trocas locais at