Apostolo Paulo, Vida, Obra E Teologia
 9788598481173

Table of contents :
PAULO
APOSTOLO PAULO,
VIDA, OBRA E TEOLOGIA
APOSTOLO PA
VIDA, OBRA E T
ÍNDICE GERAL
APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
TESTEMUNHOS SOBRE PAULO NO CRISTIANISMO PRIMITIVO
QUESTÕES CRONOLÓGICAS DA BIOGRAFIA DO APÓSTOLO
Capítulo III PAULO, FARISEU DE TARSO
2. Paulo, fariseu da diáspora
A VOCAÇÃO DO APÓSTOLO DAS NAÇÕES
2. A comunidade cristã junto à sinagoga de Damasco
PAULO, MISSIONÁRIO E TEÓLOGO ANTIOQUENO
1. Visão panorâmica dos textos
2. O acordo de Jerusalém sobre a missão entre os gentios
4. Paulo e Pedro
5. A importância da comunidade antioquena para o cristianismo
O INÍCIO DA ATIVIDADE MISSIONÁRIA INDEPENDENTE
1. O caminho de Antioquia a Corinto
2. 1 Tessalonicenses como testemunho da teologia missionária antioquena
4. A permanência fundacional em Corinto
Capítulo VII PAULO EM ÉFESO E NA ÁSIA
2. Polêmica paulina contra os perigos que ameaçam as comunidades
3. Dificuldades e riscos
n
m
O ESPÍRITO DE LIBERDADE E A TEOLOGIA DA CRUZ
1. A unidade da primeira Carta aos Coríntios
2. Entusiasmo e cruz
5. Paulo, louco em Cristo
A MISSÃO PAULINA E AS COMUNIDADES DOMÉSTICAS
2. A capacidade integradora das comunidades
3. A cidadania celeste e o mundo transitório
4. O culto divino nas comunidades domésticas
A ÚLTIMA VISITA À MACEDÔNIA E À ACAIA
1. A viagem da coleta
PAULO E AS COMUNIDADES DA G ALÁCIA
1. Os desconhecidos gãlatas
2. A Carta aos Gaiatas e a retórica antiga
Capítulo XII A COMUNIDADE DE FILIPOS
2. A Carta aos Filipenses como compilação epistolar
3. A Carta da prisão
4. A Carta contra os judaizantes
A CARTA AOS ROMANOS, TESTAMENTO DE PAULO
l. As origens da comunidade romana
2. A unidade da Carta aos Romanos
3. A argumentação em Rm 1-8
LINHAS FUNDAMENTAIS DA TEOLOGIA PAULINA
2. O Deus único e sua criação
6. A comunidade escatológica
8. O futuro da fé como esperança no Senhor
Capítulo XV PAULO MÁRTIR
1. A entrega da coleta
2. O Apóstolo dos gentios e seu povo judeu
ÍNDICE DE TEXTOS BÍBLICOS E OUTRAS LITERATURAS
ANTIGO TESTAMENTO (Cânon Hebraico)

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ÜS> ACADEMIA

CR ISTÃ

A pó sto lo —

PAULO Vida, ObraeTeobgia

J .B ecker A presente obra de JüRGEN BECKER, Apóstolo Paulo, Vida, Obra e Teologia, é considerada por muitos especialistas de suma importância para a compreensão daquele que foi o teólogo mais importante de todo o cristianismo primitivo. Juntamente com outras obras já publicadas em português, como A Teologia do Apóstolo Paulo de JAMES D. G. Dl'NN e também A Teologia do Apóstolo Paulo de H e r m a n n R i d d e r b o s . este livro de J g r g e n B e c k e r oferece ao público brasileiro mais informações sobre os grandes temas da teologia paulina. J ü r g e n B e c k e r consegue sintetizar o pensamento paulino em três seções, captando grande parte daquilo que o Apóstolo escreveu para suas comunidades. A s seções são as seguintes: Teologia da eleição (1 Tessalonicenses), Teologia da Cruz (1-2 Coríntios) e Teologia da Justificação (Gálatas, Filipenses e Romanos). Partindo de uma abordagem histórica, B e c k e r interage com os “ chamados” temas tradicionais sobre o Apóstolo, como, por exemplo, sua vida antes de sua conversão (Paulo Fariseu de Tarso, Paulo e o Helenismo e Paulo como perseguidor da comunidade de Damasco) e também sua vocação para ser o Apóstolo das Nações. Pr. Paulo Cappelletti Bacharel em teologia pela Faculdade Teológica Batista, Presidente da Missão Cena em São Paulo e Diretor da Ed. Academia Cristã

nasceu em 1931. Estudou teologia em Hamburgo e em Heidelberg. Doutorado em Heidelberg em 1961. Desde 1969 é professor de Novo Testamento e judaísmo em Kiel. É conhecido por seus numerosos trabalhos sobre João Batista e Jesus, Qumran, a Ressurreição dos mortos no cristianismo primitivo e no comentário do Evangelho de João.

JüRGEN BECKER

APOSTOLO PAULO, VIDA, OBRA E TEOLOGIA

Todos que são beneficiados pelo que faço, fiquem certos que sou contra a venda ou troca de todo material disponibilizado por mim. Infelizmente depois de postar o material na Internet não tenho o poder de evitar que “ alguns aproveitadores tirem vantagem do meu trabalho que é feito sem fins lucrativos e unicamente para edificação do povo de Deus. Criticas e agradecimentos para: mazinhorodrigues(*)yahoo. com. br Att: Mazinho Rodrigues.

JURGEN BECKER

APOSTOLO PA VIDA, OBRA E T raemção: u j. Rabuske Revisão: Bruna Perrella Brito

2007

1

A C AD I

© Editora Academia Cristã © J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), Tübingen Título original:

Paulus, Der Apostel der Völker Supervisão Editorial:

Luiz Henrique A. Silva Paulo Cappelletti Layout, e arte final:

Pr. Regino da Silva Nogueira Tradução:

Irineu J. Rabuske Revisão:

Bruna Perrella Brito C apa:

James Valdana Assessoria para assuntos relacionados a Biblioteconomia:

Claudio Antônio Gomes B395

Becker, Jürgen Apóstolo Paulo, vida, obra e teologia. / Jürgen Becker; trad. Irineu J. Rabuske. São P aulo: Ed. Academia Cristã Ltda, 2007. Título original: Paulus, Der Apostel der Völker 14x21 cm: 704 páginas ISBN 978-85-98481-17-3 1. Bíblia - NT - Paulo 2. Bíblia - N T - Teologia 3. Bíblia - NT - Paulo - Teologia I. Título CDU-227.1.017 índice para catálogo sistemático: 1. Bíblia - NT - Paulo

227.1

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer forma ou meio eletrônico e mecânico, inclusive através de processos xerográficos, sem permis­ são expressa da editora (Lei nQ9.610 de 19.2.1998). Todos os direitos reservados à E d it o r a A c a d e m i a C r is t ã L t d a . Rua Marina, 333 - Santo André Cep 09070-510 - São Paulo, SP - Brasil Fonefax (11) 4424-1204 / 4421-8170 Email: [email protected] Site: www.editoraacademiacrista.com.br

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ÍNDICE GERAL APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA......................9 PREFÁCIO...............................................................................11 INTRODUÇÃO.......................................................................13 Capítulo I - TESTEMUNHOS SOBRE PAULO NO CRISTIANISMO PRIMITIVO........................................... 19 1. A correspondência paulina..............................................19 2. Outras fontes......................................................................26 Capítulo II - QUESTÕES CRONOLÓGICAS DA BIOGRAFIA DO APÓSTOLO.........................................33 Capítulo III - PAULO, FARISEU DE TARSO.....................57 1. Indicações biográficas....................................................... 57 2. Paulo, fariseu da diáspora................................................67 3. Paulo e o helenismo........................................................... 82 Capítulo IV - A VOCAÇÃO DO APÓSTOLO DAS NAÇÕES..............................................................................91 1. A situação das fontes e os problemas de sua interpretação...................................................................... 91 2. A comunidade cristã junto à sinagoga de Damasco.... 99 3. O perseguidor da comunidade de Damasco................ 103 4. A vocação do fariseu para Apóstolo dos gentios.......108 5. Autodesignações e autocompreensão de P aulo.........118

V - PAULO, MISSIONÁRIO E TEÓLOGO ANTIOQUENO.................................................................125 Visão panorâmica dos textos...........................................125 O acordo de Jerusalém sobre a missão entre os gentios................................................................................ 127 Pedro em Antioquia......................................................... 141 Paulo e Pedro.................................................................... 148 A importância da comunidade antioquena para o cristianismo....................................................................... 152 Paulo e Je su s..................................................................... 167

C a p ítu lo

1. 2. 3. 4. 5. 6.

VI - O INÍCIO DA ATIVIDADE MISSIONÁRIA INDEPENDENTE.................................185 O caminho de Antioquia a Corinto...............................185 1 Tessalonicenses como testemunho da teologia missionária antioquena................................................... 193 Esperança em crise...........................................................205 A permanência fundacional em Corinto...................... 213

C a p ítu lo

1. 2. 3. 4.

VII - PAULO EM ÉFESO E NA ÁSIA................ 221 Os acontecimentos em E feso.......................................... 221 Polêmica paulina contra os perigos que ameaçam as comunidades................................................................ 236 Dificuldades e riscos.........................................................246 A infra-estrutura no campo missionário paulino......258

C a p ítu lo

1. 2. 3. 4.

VIII - O ESPÍRITO DE LIBERDADE E A TEOLOGIA DA CRUZ....................................................269 A unidade da primeira Carta aos Coríntios................269 Entusiasmo e cru z............................................................283 A segunda Carta aos Coríntios como compilação epistolar.............................................................................309 Êxtase ou serviço de reconciliação................................ 317 Paulo, louco em Cristo.....................................................330

C a p ítu lo

1. 2. 3. 4. 5.

Capítulo IX - A MISSÃO PAULINA E AS COMUNIDADES DOMÉSTICAS..................................343 1. A realidade social das comunidades..............................343 2. A capacidade integradora das comunidades...............348 3. A cidadania celeste e o mundo transitório................... 352 4. O culto divino nas comunidades domésticas............... 357 Capítulo X - A ÚLTIMA VISITA À MACEDONIA E À A C A IA .......................................................................... 365 1. A viagem da coleta...........................................................365 2. O judeu-cristianismo contrário ao cristianismogentílico.............................................................................. 372 Capítulo XI - PAULO E AS COMUNIDADES DA G ALÁCIA......................................................................... 385 1. Os desconhecidos gálatas................................................ 385 2. A Carta aos Gálatas e a retórica antiga........................ 388 3. As raízes das idéias paulinas sobre a justificação......396 4. A Carta aos Gálatas como documento mais antigo sobre a Justificação.......................................................... 409 Capítulo XII - A COMUNIDADE DE FILIPOS.............. 431 1. A história da comunidade de Filipos.............................431 2. A Carta aos Filipenses como compilação epistolar....435 3. A Carta da prisão.............................................................445 4. A Carta contra os judaizantes....................................... 455 Capítulo XIII - A CARTA AOS ROMANOS, TESTAMENTO DE PAULO........................................... 467 1. As origens da comunidade rom ana.............................. 467 2. A unidade da Carta aos Romanos.................................477 3. A argumentação em Rm 1-8.......................................... 492 4. A justificação do homem pecador.................................. 501 Capítulo XIV - LINHAS FUNDAMEMTAIS DA TEOLOGIA PAULINA....................................................523 1. Enfoque e estrutura do pensamento paulino...............523

2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.

O O O O A O O

Deus único e sua criação........................................... 532 pecador, á lei e a morte.............................................. 541 Evangelho de Jesus Cristo..... .....................................558 crente, o Espírito e a vida........................................... 576 comunidade escatológica........................................... 587 compromisso da fé como amor..................................600 futuro da fé como esperançano Senhor....................613

XV - PAULO MÁRTIR..........................................627 1. A entrega da coleta......................................................... 627 2. O Apóstolo dos gentios e seu povo judeu.................... 636 3. O mártir a caminho de Roma........................................ 657 C a p ítu lo

ÍNDICE DE TESTOS BÍBLICOS E OUTRAS LITERATURAS................................................................. 665

Dedicatória (in memoriam)

A Editora Academia Cristã dedica esse livro ao nosso amigo Rev. Ronaldo Brito, pois muito nos ajudou nessa e em outras pu­ blicações e que, em meio a caminhada, "Deus para si" o tomou, mas apesar disso, sua fa­ mília: Silvana (esposa) e seus dois filhos, Hen­ rique e Bruna deram continuidade ao traba­ lho por ele iniciado o que nos permitiu a edição dessa obra.

APRESENTAÇÃO À EDIÇÃO BRASILEIRA A presente obra de J ü r g e n B e c k e r , Apóstolo Paulo, Vida, Obra e Teologia, é considerada por muitos especialistas de suma importância para a compreensão daquele que foi o teólogo mais importante de todo o cristianismo primitivo. Juntamente com outras obras já publicadas em português, como A Teologia do Apóstolo Paulo de Ja m e s D. G. Dunn e tam­ bém A Teologia do Apóstolo Paulo de H e r m a n n R id d e r b o s , este livro de J. B e c k e r oferece ao público brasileiro mais informa­ ções sobre os grandes temas da teologia paulina. J. B e c k e r consegue sintetizar o pensamento paulino em três seções, captando grande parte daquilo que o Apóstolo escreveu para suas comunidades. As seções são as seguintes: Teologia da eleição (1 Tessalonicenses), Teologia da Cruz (1-2 Coríntios) e Teologia da Justificação (Gálatas, Filipenses e Romanos). Par­ tindo de uma abordagem histórica, B e c k e r interage com os "chamados" temas tradicionais sobre o Apóstolo, como, por exemplo, sua vida antes de sua conversão (Paulo Fariseu de Tarso, Paulo e o Helenismo e Paulo como perseguidor da comunidade de Damasco) e também sua vocação para ser o Apóstolo das Nações. A partir da conversão de Paulo, B e c k e r começa a de­ linear as conseqüências e os efeitos da conversão do Apósto­ lo para a comunidade cristã primitiva. Continuando a refle­ xão sobre os "grandes feitos de Paulo", o autor passa a descrever a atividade missionária do Apóstolo, sua rela­ ção com as comunidades fundadas por ele e com as outras

comunidades (como Roma), suas estadias nas comunidades (Efeso, Corinto, Filipos etc), seus respectivos escritos para cada comunidade e as conseqüências positivas ou negativas. Outras duas questões que merecem ser destacadas são: A Carta aos Romanos como Testamento de Paulo e As linhas fundamentais da Teologia Paulina. Esta obra é uma contribuição valiosa para todos aque­ les que apreciam obras que são, ao mesmo tempo, enriquecedoras do ponto de vista acadêmico e polêmicas do ponto de vista teológico. Para aqueles que já possuem uma "inici­ ação" com a teologia paulina, este livro certamente acres­ centará conhecimento, pois há nele temas que em outras obras não são abordados; para aqueles que possuem um conhecimento menos profundo nesta área, esta obra tam­ bém será enriquecedora. Encerro repetindo as palavras de R. B u lt m a n n : A idéia que nós temos de Paulo determina a idéia que temos do cris­ tianismo primitivo e B e c k e r complementa este pensamento dizendo: A idéia que temos de Paulo determina também, de certo modo, a idéia que temos do próprio cristianismo em seu conjunto. São Paulo, 08 de fevereiro de 2007 Pr. Paulo Cappelletti

PREFÁCIO Este livro é resultado de uma pesquisa de longos anos da obra de Paulo. Esta pesquisa está centrada em três pon­ tos: o estudo da literatura, a discussão com os estudantes nas atividades letivas e a própria reflexão acerca dos proble­ mas das cartas paulinas. O livro não pode, pois, negar sua origem acadêmico-científica. Mesmo assim foi escrito de tal modo que não só exegetas do Novo Testamento possam recorrer a ele. Ele tem, pelo contrário, a intenção de cons­ truir pontes entre o mundo dos exegetas e todas aquelas pes­ soas que têm interesse em Paulo. Isto acontece por uma du­ pla razão: para a exegese, não é bom permanecer apenas em seu discurso técnico e, para a nossa época, é bom que Paulo não caia no esquecimento. Por causa desse objetivo, o modo de apresentação foi escolhido de tal maneira que, conforme for possível, as linhas mestras, que muitas vezes exigem bibliografia alta­ mente especializada, serão colocadas em primeiro plano. Para evitar que a imensa literatura sobre Paulo desemboque nas notas de rodapé, o que desestimula a leitura e, de fato, só seria inteiramente considerado por poucos leitores, esse apa­ rato erudito, após longa reflexão, foi completamente elimi­ nado. Confiando que cada colega especialista observará onde aprendi de outros ou a dele mesmo, ou onde sou de outra opinião, desisti da menção expressa dessas questões. Julguei mais importante apresentar um quadro geral de Paulo numa obra que o leitor possa ler como um livro especializado, aces­ sível à compreensão geral. Após longas hesitações, também renunciei à referências bibliográficas próprias. Como o próprio livro requer leitores

críticos, que cotejem outras apresentações do tema, é opor­ tuno lembrar que há boas apresentações de literatura pauli­ na, das quais gostaria de citar: G.

B o rn k a m m , em: Die Religion in Geschichte und Gegenwart, v. 5.3. ed., 1961, cols. 166ss. R. B u l t m a n n , Zur Geschichte der Paulus-Forschung, in: Das Paulusbild in der neueren Forschung, Wege der Forschung, XXIV, 1964, p. 304ss. _______ , Theologie des Neuen Testaments, 9a ed., revista e ampliada por O . M e r c k , 1984 [ed. port.: Teologia do Novo Testamento. Ed. Teológica, 2003], H . H ü b n e r , Paulusforschung seit 1945. Ein kritischer Litera­ turbericht, in Aufstieg und Niedergang der römischen Welt II 25.4, 1987, p. 9ss. O. M e r c k , Paulusforschung 1936-1985, in: Theologische Run­ dschau 53 (1988) Iss.

O livro dirigi-se, contudo, a leitores que não somente recorram a outras apresentações de Paulo, mas que, antes de tudo, leiam por conta própria as cartas paulinas. Por isso, as referências às cartas do Apóstolo são constantemente inseridas no texto, juntamente com outras indicações de fon­ tes. Todas as indicações de fontes são feitas conforme as abre­ viaturas costumeiras. Sobre o seu uso, há informações na lis­ ta de abreviaturas no final da obra. Por fim, gostaria de agradecer expressamente às pessoas que ajudaram no surgimento dessa obra: com meu assistente, Dr. U. Mell, continuamente discutimos problemas concretos. A Sra. H. Meyer, como já tantas vezes, tem grandes méritos na elaboração do manuscrito. Minha esposa, a Sra. Meyer, e a Sra. L. Müller-Busse tiveram grande participação na penosa leitura das provas. A última também elaborou o índice remis­ sivo. Por fim, agradeço à Editora pela boa cooperação. Kiel, fevereiro de 1989. Jürgen Becker

INTRODUÇÃO É um bom sinal o fato dos estudos paulinos passarem por um período de florescimento na época atual, pois Paulo pertence ao período originário do cristianismo. Neste senti­ do, ele deve ser visto pura e simplesmente como a figura sim­ bólica do cristianismo gentílico da primeira geração cristã. Ele é igualmente, sem dúvida alguma, o mais significativo teólogo de todo o cristianismo primitivo. Assim sendo, não causa espanto que ele tenha deixado até hoje marcas pro­ fundas e longas na história do cristianismo. A história de sua influência dificilmente pode ser superestimada. O que constitui a grandeza histórica do Apóstolo? Para responder a essa pergunta, dever-se-á fazer referência a vá­ rios elementos: por um lado, a mudança que ocorreu em sua vida pessoal, que o obriga interiormente a "tornar cativo todo pensamento sob a obediência a Cristo" (2Co 10.5; cf. F1 3.8). Por outro lado, ele consegue elaborar a experiência missionária-eclesial no campo de tensão tanto do evangelho e do Espírito, quanto da fé, do amor e da esperança, de maneiras teologicamente tão fundamentais, que o que ele disse às co­ munidades foi, ao que tudo indica, visto como exemplo e como orientação para a caminhada. Além disso, dentro do contexto da grande contraposição entre cristianismo judai­ co e gentílico, que moldou a primeira geração do cristianis­ mo primitivo, com toda a sua familiar capacidade criativa e no horizonte universal em que ele se sentia ambientado, de­ fendeu, de modo tão coerente, o partido do cristianismo gen­ tílico, tornando-se, por excelência, o "Apóstolo dos gentios"

(Rm 11.13), o que por certo é a sua última auto-designação que chegou até nós. A esse terceiro ponto está relacionado o último elemento: Paulo agiu num ponto essencial da história do cristianismo. O que estava em pauta era a seguinte per­ gunta: o cristianismo deveria ser compreendido como ocor­ rera até então como parte do judaísmo ou deveria, de ma­ neira nova, defender sua autonom ia, apoiando-se no judaísmo e, ao mesmo tempo, estabelecendo uma relação tensa com este. Paulo, mediante sua teologia e missão, assu­ miu de maneira tão coerente a segunda opção, apesar de ser judeu de nascimento, que assegurou o futuro para sua cau­ sa. Em outras palavras: este futuro se condensou na figura de Paulo, sem que ele já estivesse subjetivamente ciente da direção que assumiria aquilo a que deu início. Essa relevância histórica do Apóstolo está vinculada ao motivo de muitos o considerarem de fato o fundador do cris­ tianismo. Tal avaliação, porém, não faz justiça a autocompreensão de Paulo, nem à história que vai de Jesus até à Igre­ ja cristã gentílica. Paulo sempre se apresentou como servo de Jesus Cristo e como Apóstolo do seu Senhor, um breve relance sobre as introduções de suas correspondências já ensina isto. Além disso, no Concílio de Jerusalém (G1 2.1ss.; At 15) todos estavam de acordo que o caminho antioquenopaulino já era a expressão histórica legítima da fé una que remontava a Jesus de Nazaré. A Igreja foi fundada na Pás­ coa. Paulo a encontra já existente e, num primeiro momen­ to, ele foi seu perseguidor. Outros querem, com os mais diversos motivos, relacio­ nar Paulo ao judaísmo de modo mais estrito do que tradicio­ nalmente costuma ser feito, principalmente pela exegese pro­ testante. Há teólogos que, observando a partir do holocausto, encontram, sobretudo em Rm 9-11, um ponto de vista pauli­ no que proporcione a Israel um caminho próprio para Deus. Isso afeta, obviamente, a interpretação da compreensão pau­ lina de salvação. Mas não é evidente que o mesmo que prevê um caminho especial de salvação para o Israel incrédulo,

também, no início da carta, exija que todos os judeus sejam arrolados no ateísmo dos povos como pecadores, e, para to­ dos os pecadores só consegue recomendar uma única saída: a justificação mediante a fé em Jesus Cristo. Há outros que querem ver o conteúdo da tradição e o conteúdo das catego­ rias hermenêuticas de Paulo em uma (quase) ininterrupta continuidade com o judaísmo, sobretudo, a compreensão da Lei pelo Apóstolo e sua doutrina da salvação orientada pela noção judaica de sacrifício expiatório. Deve-se perguntar: pode Paulo ter descaracterizado assim o judaísmo por ele conhecido, a ponto de atribuir-lhe uma justificação pelas obras baseada na Lei? Como quer que se entenda a compre­ ensão judaica e paulina da Lei, um ponto deve ser fixo: Pau­ lo não pergunta o que ele deveria exigir do judaísmo e como poderia justificar sua autocompreensão, mas qualifica tudo de maneira nova a partir de Cristo, desejando desdobrar devidamente esse conhecimento que se ancora em Cristo. De modo análogo, a pergunta primordial na teoria paulina da salvação deve ser: como o Apóstolo descreve a salvação em Cristo oferecida no evangelho e sua ação transformadora sobre as pessoas? Até que ponto é adequada ou central a noção de expiação? E bastante natural que no cristianismo atual Paulo seja valorizado com variadas atualizações e sistematizações. Isso em si é um bom sinal e um modo de proceder com o Apósto­ lo que deveria ser fomentado. Mas o Paulo moderno e o Pau­ lo histórico não devem contradizer-se. O último deve conti­ nuamente corrigir o primeiro. Por ser tão difícil deixar a realidade histórica à sua própria razão, e pelo fato de tudo o que é histórico ser rapidamente selecionado e instrumentali­ zado, o presente esforço de apresentar Paulo deve acentuar o Paulo histórico. Nenhuma época pode evadir-se da parci­ alidade e do egocentrismo, mas não deveria encontrar em tal auto-reflexão sua medida e finalidade, e sim deverá bus­ car freqüentemente o contato com o historicamente longín­ quo e desconhecido.

É evidente que, para isto, não há caminho ideal. Mesmo assim, existem instrumentos para a observação daquilo que é diverso e para evitar cobranças muito apressadas. Eviden­ temente, hoje as ciências sociais são um destes instrumentos, por ajudarem a descrever contextos históricos concretos. A redução a questionamentos só de ordem histórico-intelectual hoje não é mais aceitável. O que ainda se pode discutir é como aplicar as ciências sociais e como estabelecer sua cone­ xão com a dimensão ideológica da história. Não trataremos disso agora. Aqui, o interesse concentra-se mais em outro instrumento especificamente histórico, para o qual convém chamar a atenção. Trata-se da única maneira objetiva de ordenar a história: a cronológica. O respeito diante da sucessão histórica dos acontecimen­ tos deveria, na minha opinião, seguir uma apresentação dos fatos que valorizasse a ordem histórica. Concretamente: Paulo deve ser apresentado no seu desenvolvimento histórico até o ponto em que as fontes, de algum modo, permitam. O que significa, entre outras coisas, que uma epístola paulina deve ser interpretada em si mesma a partir do seu lugar histórico. A Carta aos Romanos não é pura e simplesmente um siste­ ma de coordenação pré-estabelecido ao qual devam ser ajus­ tados todos os outros enunciados do Apóstolo. A comunida­ de cristã de Tessalônica não conhecia a Carta aos Romanos, mas recebeu em 1 Tessalonicenses uma carta que - a princí­ pio, um diálogo bem sucedido entre autor e destinatários podia ser compreendida integralmente em si mesma. Igual­ mente, Paulo, ao escrever 1 Tessalonicenses, ainda não tinha Romanos em mente. Quem tem em mente de modo tão conseqüente o lugar cronológico e dialógico de uma epístola fará afirmações que indicam que Paulo, desde sua vocação até sua chegada a Roma como prisioneiro, não defendeu sempre a mesma teo­ logia sem nenhuma modificação. Antes, em algumas ques­ tões decisivas e fundamentais, passou constantemente por um desenvolvimento relacionado com suas próprias experiên­

cias, com o contato com as comunidades e com a história do cristianismo primitivo em geral. Compreender Paulo signifi­ ca olhar para o desenvolvimento e desdobramento de sua teologia. Significa reconhecer que o Apóstolo repensou e aprofundou questões fundamentais e soluções de problemas de modo renovado, o que muda os acentos teológicos ou os amplia e os insere em novo horizonte. O Apóstolo, no mo­ mento de sua conversão, não recebeu Romanos simplesmen­ te como conteúdo de seu conhecimento para toda a sua vida, apesar de afirmações fundamentais de sua teologia estarem enraizadas em sua conversão. Quem prestar atenção em quanto Paulo se transforma, consegue resgatar uma pessoa histórica e abandonará a idéia de um sistema doutrinal pre­ fixado e definitivo. O cristão Paulo, após sua conversão, du­ rante exatamente 30 anos, trabalhou como Apóstolo. Isso é um longo e substancioso tempo, dentro do quadro da dinâ­ mica da história do cristianismo primitivo. O que mais ainda deveria levar a supor que o próprio Paulo, dentro de deter­ minados limites, re-aprendeu a conhecer a si mesmo e a mensagem cristã. Quem põe ênfase em uma apresentação histórica, des­ pertará expectativas em relação à descrição dos adversários do Apóstolo. Por acaso, não é útil o exame atento das posi­ ções dos adversários, para a identificação do diálogo históri­ co? De fato, por esse motivo, o período que sucedeu a Se­ gunda Guerra Mundial foi também o período dos grandes e bem detalhados esboços dos adversários do Apóstolo, embo­ ra não exclusivamente, a correspondência com os coríntios estava no centro das atenções. As vezes, tinha-se a impres­ são - se um exagero for permitido - de que se poderia, por exemplo, reconstruir e detalhar melhor a teologia de Corin­ to do que o próprio Paulo teria sido capaz de fazê-lo. Para isso, dispomos apenas de restritas indicações do próprio Paulo e de sua bem seletiva e partidária discussão com seus adver­ sários. Com razão, avolumam-se recentemente as vozes que aqui colocam limites à possibilidade de reconstrução. Quem

dá importância ao significativo propósito de ouvir a outra parte também na reconstrução histórica e vê que no caso das fontes de Paulo tal exigência quase não pode ser atendi­ da terá precaução na caracterização dos adversários. Como seria diverso o quadro do catolicismo do tempo da Reforma, se só conhecêssemos a polêmica de Lutero, ou qual seria nossa imagem de Lutero se só conhecêssemos a disputa católica com ele! Quem aborda Paulo desse modo, historicamente, está diante de um outro problema que hoje novamente é muito discutido: a mensagem sobre a justificação é a excepcional percepção do Apóstolo que determina desde o início o seu pensamento teológico, ou ela pertence à fase tardia do pen­ samento paulino? A resposta a essa questão não se resolve num simples e claro sim ou não. Pois, por um lado há uma seqüência que se pode descrever com os temas Teologia da Eleição (1 Tessalonicenses), Teologia da Cruz (1 e 2 Coríntios) e Teologia da Justificação (Gálatas, F1 3; Romanos). Por outro lado, a linguagem da justificação tem em Paulo antigas e diversas raízes e o próprio Paulo, nas cartas, falando sobre a justificação não o faz sempre da mesma maneira, mas faz diversas acentuações. Ao final desta introdução, deve constar um juízo de Bultmann que, muitas vezes, é repetido: a idéia que temos de Paulo determina a nossa compreensão do cristianismo primitivo. Pode-se acrescentar: à medida que esse período inicial do cristianismo tem relevância fundamental para o cristianismo, a idéia que temos de Paulo determina também, de alguma maneira, a compreensão que temos do próprio cristianismo como um todo.

C apítulo I

TESTEMUNHOS SOBRE PAULO NO CRISTIANISMO PRIMITIVO 1 . A correspondência paulina Paulo é o único personagem do cristianismo primitivo do qual, a partir de seu próprio testemunho direto, podemos tomar conhecimento histórico e teológico mais detalhado. Deve-se isso às cartas que enviou às suas comunidades. Em­ bora elas estejam desde o tempo da igreja primitiva no câ­ non do Novo Testamento, chegando, assim, até nós como testemunhos pessoais do Apóstolo, o próprio Paulo não as julgava capazes de tal efeito sobre o cristianismo como um todo, ao longo dos séculos. Esse legado, portanto, não foi proposital. Ele escrevia suas cartas por ocasião de proble­ mas concretos e para comunidades determinadas, e, via de regra, como substitutivo para a sua presença em suas comu­ nidades. Elas são, pois, primeiramente e principalmente, cons­ truídas a partir do cotidiano e da especificidade das comu­ nidades. Paulo jamais tomou a pena ou ditou a um escriba com a finalidade de estabelecer aquilo que, conforme a sua concepção, deveria ter valor teológico para todos os tempos e para todas as comunidades. Contudo, já como autor dessa correspondência ocasio­ nal, Paulo se destacou claramente do cristianismo daquele tempo. Jesus foi um profeta do discurso oral, dele não existe nem mesmo uma assinatura ou uma pequena carta, como

por exemplo, a de Bar Kochba, o líder da segunda revolta anti-romana do judaísmo. O mesmo ocorre com outras per­ sonagens nominalmente conhecidas da primeira geração cris­ tã - como o círculo dos Doze; Tiago, o irmão do Senhor, Es­ têvão e seu círculo; Barnabé ou os numerosos colaboradores de Paulo, que igualmente não nos deixaram literatura no sentido mais geral e amplo do conceito. O início do cristia­ nismo é não-literário. Exceções, como por exemplo, a conhe­ cida carta de ICo 7.1 da comunidade de Corinto, confirmam essa impressão geral. O mesmo vale para as cartas de reco­ mendação, que os super-apóstolos em 2Co 3.1 podem apre­ sentar. De maneira geral, chega-se à seguinte conclusão: nesse período primitivo do cristianismo não há a necessidade de apresentar a mensagem cristã de forma literária. O evange­ lho é uma proclamação oral da mensagem de salvação, como se poderia formular com Lutero. Assim sendo, as palavras de Jesus, suas ações e seu des­ tino só serão registrados no final da primeira geração cristã. Isto é, somente após a morte dos apóstolos (antes de tudo Pedro, Tiago, Paulo) surge também a forma escrita, comple­ mentando a até então praticamente soberana tradição oral. Para tanto, a reconstruída fonte de ditos (logia) a partir de Mateus e Lucas, a fonte dos sinais (semeia) de João e o Evan­ gelho de Marcos são os testemunhos mais antigos que se podem reconhecer em referência à tradição de Jesus. Ao lado dessa incipiente produção literária, porém, surge também a redação de cartas, escritos didascálicos e apocalipses, como provam a literatura não-paulina na parte final do cânon neotestamentário e os pais apostólicos. Diferentemente da primeira geração cristã (com exceção de Paulo), na segun­ da e terceira geração deparamo-nos com uma produção de literatura cristã considerável em seu volume e nível de pro­ dução. Essas observações acerca de uma fase produtiva, inicial­ mente não-literária e depois literária de uma comunidade e de sua história, encontram analogias estruturais em outros

sistemas comunitários. Da proximidade cronológica do cris­ tianismo primitivo, pode-se citar o surgimento da gnose, por exemplo. Aqui, é preciso prevenir contra um mal-entendi­ do: esses dados não permitem tirar conclusões concretas so­ bre os indivíduos dizendo, por exemplo, que Barnabé ou Pedro, não sabiam escrever. Eles apenas permitem a seguinte conclusão: à exceção de Paulo, na primeira geração cristã nin­ guém se sentiu na obrigação de escolher a forma escrita como recurso de pregação. Paulo constituiu a grande exceção. Graças a essa posição excepcional do Apóstolo, possuí­ mos, com suas cartas, os testemunhos mais antigos do cristi­ anismo. E possível que Paulo tivesse consciência dessa sua posição especial. Isso, porém, não é diretamente observável em suas cartas. Seria fora de propósito - como já foi obser­ vado - atribuir-lhe que tenha previsto, mesmo que só remo­ tamente, o peso de sua correspondência no surgimento do cânon neotestamentário, nos futuros momentos cruciais da história da Igreja e na reflexão teológica no cristianismo em geral. Tal suposição seria errônea, porque ele, em consonân­ cia com o cristianismo da época, estava na expectativa imi­ nente do fim do mundo. Ele também não tinha a intenção de, como Cícero ou Sêneca, alcançar fama por meio de obras literárias permanentes. Paulo não pensa como um romano culto, nem como um artista da Antigüidade. As cartas eram, ao lado do envio de colaboradores, meios para o acompa­ nhamento de suas comunidades, como se pode, por exem­ plo, depreender muito bem da correspondência de Corinto. Ou, então, eram meios para abrir novos campos de missão, para o que a Carta aos Romanos nos proporciona o melhor exemplo. Como sua verdadeira obra, com a qual pensava apresentar-se diante de seu Deus no Juízo Final, ele sempre indicava apenas suas comunidades (lTs 2.1, 9-12,19s; ICo 3.5-17; 9.15-23; 15.10; G1 1.16; 3.1-5; Rm 1.13s; 15.14-29 etc.). Com elas, firmava-se ou não sua obra apostólica, e não com as cartas. Pois Deus não o havia encarregado de escrever, mas sim de realizar a missão junto aos povos mediante o

evangelho. Que suas comunidades, após sua morte, cairiam

consideravelmente na obscuridade da história, enquanto suas cartas, inesperadamente para ele, tornar-se-iam cartas ca­ nônicas que poderiam, ao longo de milênios, exercer uma influência histórica inestimável, ter-lhe-ia causado admira­ ção e talvez até perplexidade. Contudo, também não pode ser por acaso que as cartas paulinas tenham exercido e sigam exercendo esta influên­ cia. Ninguém considerou, por exemplo, que houvesse valor em conservar as cartas de recomendação dos "superapóstolos" das quais faz referência a segunda carta aos Coríntios. Ponderando os objetivos específicos e limitados que perse­ guem as cartas de Paulo é evidente que o Apóstolo conse­ guiu afrontar a situação historicamente limitada em que se encontrou de forma que as outras comunidades, desde aquele tempo até hoje, viram-se refletidas nelas e puderam ler e perceber seu conteúdo como orientação. Enfim: elas se en­ contraram com uma compreensão no cristianismo que se julgava de validade geral e que, pelo visto, conseguiu imporse com força persuasiva. Essa luz interior de suas cartas de­ monstrou-se, sem, sombra de dúvidas, decisiva na coleção e conservação de sua correspondência. Foge quase totalmente ao nosso conhecimento como essa coleção das cartas de Paulo ocorreu em detalhes. No cânon neotestamentário, há atualmente catorze cartas que são atri­ buídas ao Apóstolo: 7 g ran d es cartas: Rm ; 1 e 2 Co; G álatas; Ef; Fl; Cl 7 cartas m enores: 1 e 2 Ts; 1 e 2 Tm ; Tt; Fm ; Hb

Nem o número nem a ordem são originais. Essa coleção resulta mais como o produto final de diversas coleções me­ nores, provenientes da produção tanto paulina quanto póspaulina dessas epístolas. O estágio inicial da reunião das cartas paulinas deve-se imaginar mais ou menos da seguinte maneira: comunidades

às quais Paulo havia escrito uma ou mais cartas, ou nas quais havia agido por mais tempo, são respectivamente centros de cristalização de uma coleção. Elas colecionaram essas cartas e acrescentaram igual correspondência apostólica proveni­ ente de comunidades vizinhas, ou a qual se tinha acesso mediante contatos pessoais e profissionais. Colaboradores de Paulo também podem ter contribuído para a divulgação das cartas. Em todo caso, surgem dessa maneira, em diversos lugares, como, por exemplo, Roma, Corinto, também em Éfeso etc., diversas pequenas coleções, que divergiam em número de cartas, das quais nem sempre as partes eram iguais e cuja ordem também era diversa. Não eram vistas como coleções fechadas. Antes, procurava-se ampliá-las quando se ofere­ cesse a oportunidade. Certamente, havia também comuni­ dades que tinham uma só carta. Com o passar do tempo, houve também o intercâmbio e a reunião de coleções intei­ ras. Dessa maneira, as coleções se tornaram sempre mais amplas e unificadas, reduzindo-se, assim, a diversidade ini­ cial a poucos tipos. O atual corpus paulinum, como está no cânon, constitui a última etapa dessa atividade colecionadora. Há boas razões para se supor que as comunidades colecionadoras não só alinhavam os endereços das cartas a que tinham acesso, colocando talvez a carta a elas dirigida no início ou no final, mas que também interferiam no próprio texto das cartas. Sempre se chamou a atenção que a doxologia no final da Carta aos Romanos (Rm 16.25-27) não per­ tence à carta original: ela apresenta uma linguagem que imi­ ta a de Paulo, mas que é significativamente modificada e contém uma teologia que se aproxima da teologia dêuteropaulina presente em Efésios ou Colossenses. Não se poderia muito bem considerá-la como conclusão redacional de uma coleção de cartas? Da mesma forma, a parte ecumênica do endereço em ICo 1.2b provocou a suspeita dos comentaris­ tas, quando aí, após a comunidade de Corinto, um tanto posteriormente, também são nomeados todos os cristãos como

destinatários. Uma vez que Paulo concretamente só se diri­ ge a uma ou mais comunidades, mas não a toda cristanda­ de, faz mais sentido ver em ICo 1.2b um acréscimo de uma redação que colocou 1 Coríntios no início de uma coleção maior de cartas paulinas. Esse acréscimo quis dar a enten­ der que a coleção interessava a toda a cristandade. Pelo me­ nos mais duas passagens, importantes do ponto de vista de conteúdo, estão sob suspeita de serem acréscimos não-paulinos: ICo 14.33-36 e 2Co 6.14-7.1. Ambas as passagens rom­ pem o nexo contextuai e não harmonizam teologicamente com Paulo. Supõe-se que sejam provas da apropriação póspaulina das cartas do Apóstolo por parte do cristianismo pri­ mitivo. Mais complexo que essas questões redacionais é o pro­ blema constituído pela questão de se todas as epístolas, transmitidas sob o nome do Apóstolo, são realmente pro­ venientes dele mesmo. A antigüidade oferece numerosos exemplos de como sob a autoridade de pessoas mais im­ portantes circulavam escritos redigidos por discípulos. As­ sim, também nas cartas de Paulo se deve contar com a pseudo-epigrafia. Vias de regra, hoje, só se consideram Romanos; 1 e 2 Coríntios; Gálatas; Filipenses; 1 Tessalonicenses e Filemom como autênticas epístolas do Apóstolo. Quanto a Colossenses e 2 Tessalonicenses, as opiniões divergem. Nossa apresentação restringir-se-á a essa base segura e só citará as epístolas discutíveis de modo ocasional e a título de exem­ plo. Em seu conjunto, em todo caso, Efésios; Colossenses; 2 Tessalonicenses; 1 e 2 Timóteo; Tito e Hebreus estão teolo­ gicamente tão distantes das demais epístolas, que sua pseudonímia seja muito provável ou até mesmo segura. Supor que elas sejam (em parte) autênticas leva a problemas maio­ res do que sua exclusão dos testemunhos escritos imediatos de Paulo. Desde há algumas décadas, discute-se intensamente se ao menos algumas epístolas em sua forma atual não deveriam ser compreendidas como produto redacional da reunião de

diversas cartas de Paulo. É certo que Paulo escreveu mais cartas do que as que nós hoje conhecemos (cf. ICo 5.9). Por outro lado, podemos imaginar hipoteticamente que, numa coleção, não pudesse haver lugar para muitas cartas de uma só comunidade, a não ser que essa dominasse outras comu­ nidades. Também cartas pequenas e de pouco conteúdo teo­ lógico certamente não eram tão apropriadas para serem lidas regularmente no culto, quanto as maiores e de mais conteúdo. Tal leitura certamente era planejada, como já o demonstra a epístola mais antiga (lTs 5.27). Trata-se de motivos para reunir várias cartas numa só? Possíveis análi­ ses ainda não são provas. Portanto, só a análise das epístolas levará a questão avante. Também aí ocorrem problemas. Quantas transições brus­ cas podem-se atribuir a Paulo? Até que ponto ele se ateve a um formulário epistolar rígido? Uma carta mais longa su­ porta mais irregularidades do que uma pequena? Ao ditar uma epístola mais longa, tinha ele, desde o início, a estrutu­ ra pronta em mente? Ele dita sem interrupções? Uma coisa, em todo caso, é certa: quanto mais diversificado e complica­ do for imaginado o encaixe de cartas anteriores e fragmen­ tos de cartas para formar uma nova carta, tanto menos ve­ rossímil se torna tal tese, sendo ela marcada por demasiadas hipóteses difíceis de controlar. Inversamente, pode-se cogi­ tar com mais plausibilidade que, por exemplo, 2 Coríntios tenha sido composta pelos seguintes fragmentos independen­ tes: a) de 1.1-2.13; 7.5-16; 8s; b) de 2.14-7.4; c) de 10-13 (cf. cap. 8.3). Nesse caso, o trabalho a partir de diversas cartas teria resultado numa só, essencialmente a partir de interpo­ lação ou alinhamento de peças, que antes não tinham rela­ ção entre si. De qualquer modo, deve-se prevenir contra uma inflacionada reconstrução de cartas. Mais fácil de fundamen­ tar continua sendo a subdivisão de 1 Coríntios e Filipenses. Em todos os demais casos, é possível trabalhar melhor sem crítica literária. Ao invés, não há razão suficiente ou obriga­ tória para rechaçá-la a princípio, como procedimento metó­

dico no trato das epístolas. Deve-se isso às próprias epísto­ las; um corte como entre F1 3.1 e 3.2 ou um trecho com posi­ ção privilegiada e isolada, com estrutura e tema definido, como no caso de 2Co 10-13, carecem ser esclarecidos. Assim, a divisão literária de cartas paulinas permanece um instru­ mento (e não mais do que isso), que não se pode dispensar a priori, a partir de considerações gerais. No seu conjunto - assim se pode assegurar - a literatura criticamente observada do Apóstolo nos dá a possibilidade de descrever a ele, a sua obra e a sua teologia. Há muitos personagens mais conhecidos da antigüidade, tais como Só­ crates ou Aníbal, Solom ou Esquilo, dos quais podemos ter um retrato de pior qualidade. Também, no cristianismo não há nenhum outro personagem do qual possamos ter, nem mesmo aproximadamente, tanta informação quanto sobre o Apóstolo das nações. 2 . Outras fontes Tão certo quanto as cartas redigidas pelo próprio Paulo são de valor inestimável e prioritário para o conhecimento do Apóstolo, todo intérprete de Paulo se alegra também pelo fato de ter à sua disposição material proveniente de outras fontes. Aqui, é preciso, antes de qualquer coisa, fazer alusão ao livro dos Atos dos Apóstolos, que dedica mais do que a metade de seu texto a narrativas a respeito de Paulo. Além disso, a primeira carta de Clemente e a carta de Inácio de Antioquia citam os martírios de Pedro e Paulo (cf. XV.3). Mesmo assim, as duas citações são comparativamente escas­ sas. O mesmo vale para as epístolas dêutero-paulinas (Efésios; Colossenses; 2 Tessalonicenses; 1 e 2 Timóteo; Tito), que são testemunhos de como o paulinismo se desenvolveu após a morte do Apóstolo. Elas, porém, somente podem ajudar de maneira limitada a projetar luz histórica sobre Paulo (cf., por exemplo, 2Tm 3.11 em V.2). Essa avaliação é mais perti­ nente ainda acerca de escritos pertencentes aos apócrifos do

Novo Testamento, antes de tudo, acerca dos Atos de Paulo e da troca de correspondência entre Sêneca e Paulo. Os Atos de Paulo já são atestados por Tertuliano, Hipólito e Orígenes. Portanto, a partir de 150 d.C. estão divulgados em toda a Igreja. A troca de correspondência entre o filósofo Sêneca e o Apóstolo deixou seus primeiros vestígios somente 150 anos mais tarde. Jerônimo cita-a pela primeira vez em 392 d.C. Ambos os escritos relacionados com o nome do Apóstolo Paulo estão tão distantes da teologia paulina e tão claramen­ te longínquos de um conhecimento do tempo de Paulo, que são insignificantes para a interpretação de Paulo. O mesmo juízo deve ser feito sobre a restante literatura paulina apó­ crifa, como, por exemplo, a carta a Laodicéia e os Atos Len­ dários de Paulo. Também as judeu-cristãs e antipaulinas car­ tas pseudo-clementinas podem ser totalmente ignoradas. Faltam indícios extra-cristãos a respeito de Paulo, conforme a natureza do cristianismo primitivo. Manifestações rabínicas posteriores praticamente não têm valor. Percebe-se, assim, que os Atos dos Apóstolos se colocam, sem concorrência, em segundo lugar, ao lado das cartas de Paulo, para a descrição da vida do Apóstolo. Essa posição de Atos ocasionou grande significação e efeito: até hoje, a sua apresentação da vocação e das viagens de Paulo marca profundamente a consciência do Cristianis­ mo. Costumeiramente, o livro de Atos proporcionava e con­ tinua a proporcionar, até hoje, o quadro para uma biografia de Paulo, enquanto se introduz, de forma harmonizadora, as esporádicas indicações do Apóstolo a respeito do seu pró­ prio destino. Tal modo de proceder parecia estar autoriza­ do, uma vez que se confiava no cânon de Muratori que, pela primeira vez, indicava como o autor do terceiro evangelho e dos Atos, Lucas, o médico e o colaborador de Paulo na Ásia Menor e na Grécia (cf. Fm 24; Cl 4.14; 2Tm 4.11). Assim, também se esclarece, mais comodamente, a ampla ocupação com a pessoa de Paulo, bem como as "seções nós" em Atos. No entanto, entre a redação de Atos e o cânon de Muratori

há um lastro de exatamente 100 anos: a tradição cristã de cerca de 200 d.C. não necessariamente precisa refletir exata­ mente as circunstâncias históricas do séc. I, uma vez que nem o terceiro evangelho nem os próprios Atos nomeiam um autor, sendo possível que, a uma considerável distância desse tempo primordial, posteriormente se tenha combina­ do essa autoria. Assim sendo, somente os indícios internos de Atos podem decidir essa questão. Os Atos se apresentam como continuação do terceiro evangelho (At 1.1). Como esse não foi composto antes de 80 d.C. (Lc 21.20, 24 prevêem, com distanciamento, a destrui­ ção de Jerusalém), também para Atos não se pode admitir datação mais antiga. O livro dos Atos surge, portanto, na melhor das hipóteses, uma geração após Paulo. Com isso, pressupõe-se também uma situação eclesial que, a distância, lança o olhar sobre a geração cristã primitiva, descrevendo, por exemplo, uma estrutura comunitária presbiteral, tal como ela somente é atestada na época pós-paulina (At 20.17ss). Acima de tudo, há contradições menores e maiores entre Atos e Paulo, que são testemunhos claros de que Lucas, o compa­ nheiro de viagem de Paulo, não pode ter sido seu autor. Certamente, G1 1, o principal testemunho para a biogra­ fia paulina, não reproduz a vida de Paulo, nem de forma exaustiva nem livre, sem relação estrutural com a situação galática (cf. cap. 2). Quatro observações, porém, permitem, neste decisivo caso de teste, decidir em detrimento de Atos: 1) a controvérsia antioquena (cf. cap. 3) é passada por alto em Atos. 2) Em contrapartida, em Atos se sabe de um acordo no Concílio Apostólico do qual Paulo não tem conhecimento e nem teria aceito (cf. cap. 5.2). 3) Em Atos, noticia-se, além disso, a respeito de uma segunda permanência de Paulo em Jerusalém antes do Concílio (At 11.29s), que, conforme G11.1824, não pode ter acontecido. 4) Também a vocação do Após­ tolo em At 9 é compreendida, tanto sob o aspecto de conteú­ do quanto em seu aspecto conceituai, de modo bastante diverso da que aparece nos textos do próprio Paulo (cf. cap. 4.1).

Ulteriores observações revelam o mesmo quadro: em Atos praticamente não se sabe nada acerca das relações ten­ sas e problemáticas entre Paulo e a comunidade de Corinto (At 18). Inversamente, o discurso de Paulo no areópago de Atenas (At 17) quanto sua permanência naquela cidade não tem vestígios em Paulo. O discurso lucano, além do mais, contradiz, em muitos aspectos, a teologia de Paulo. Especi­ almente chocante é que Atos prive o missionário dos gentios do título de Apóstolo, que pertence ao núcleo de sua autocompreensão, fazendo dele, simultaneamente, um judeu-cristão fiel à Lei (At 16.1-3; 18.8; 21.26s; 26.2ss), quando Paulo exatamente - apesar da descendência judaica - vive e repre­ senta um conseqüente cristianismo gentílico. Paulo prova­ velmente se sentiu deveras incomodado quando lhe foi im­ posta a circuncisão de Timóteo (At 16.3; cf. G1 2.3; 5.11; 6.12, 16; F1 3.4-7). Essas indicações deveriam bastar para reforçar um juí­ zo: o autor de Atos, que ao menos viveu cerca de uma gera­ ção após Paulo, não conheceu Paulo pessoalmente. Total­ mente independente das grandes diferenças entre a teologia paulina e lucana, das quais aqui praticamente não se tratou, ele apresentou tais diferenças, não harmonizáveis, com as informações paulinas, como acima foi apresentado, sendo impossível que se trate de um discípulo de Paulo ou de um companheiro de viagem do Apóstolo dos gentios. Nem mes­ mo utilizou uma epístola paulina! Provavelmente, nem co­ nhecia essa correspondência. Seu conhecimento baseia-se na tradição geral da Igreja ("lenda de Paulo") como ela já se desenvolveu nos tempos do Apóstolo, tendo em G11.23s seu mais antigo testemunho. Dessa tradição, o autor dos Atos aferiu, ao lado de notícias biográficas (por exemplo, At 13.9; 16.37-39; 18.3; 22.3; 23.6) da tradição da perseguição (por exemplo, 9.1s, 22.4s), acontecimentos locais em estilo lendá­ rio (por exemplo, 18.1ss) e descrição de rotas de viagem (At 16-18), principalmente lendas da sua atividade taumatúrgica (por exemplo, 13.8ss; 14.8s) e narrativas curiosas isoladas

(por exemplo, 19.13ss). Ele constrói ou combina considera­ velmente essa tradição, sem ser historiador no nosso sentido atual do termo. Seu material, para uma atual apresentação de Paulo e de sua obra, não pode ser utilizado pura e sim­ plesmente. Primeiro, é preciso separar a parte lucana da apresentação do conhecimento geral da Igreja sobre Paulo, para, então, examinar esse conhecimento da Igreja quanto à sua fidelidade histórica. A participação do autor de Atos na descrição de Paulo certamente não consiste somente na coleção de tradições iso­ ladas, nem só na remodelação literária das mesmas ou na sua interligação. Bem mais, Atos mostra (juntamente com o terceiro evangelho) um esboço teológico próprio que se en­ raíza na situação eclesial do final do primeiro século e que quer estar a serviço dessa Igreja. A apresentação de Paulo nos Atos insere-se nesse interesse. Por essa razão, Paulo não é descrito como pessoa biograficamente significativa dos iní­ cios da Igreja, nem como teólogo de destaque da primeira geração cristã, mas é caracterizado como ator decisivo no desenvolvimento do cristianismo, desde a comunidade pri­ mitiva de Jerusalém até a Igreja espalhada pelo mundo todo. Essa é a razão porque só se alude de passagem ao martírio de Paulo (20.25, 38; 21.13) e, inversamente, a permanência do Apóstolo na capital do Império Romano aparece como final glorioso dos Atos. Por isso mesmo, nenhum discurso paulino nos Atos valoriza a teologia do grande missionário. Discursos são colocados na boca de Paulo para mostrar em que direções vão os acontecimentos eclesiais, segundo a vi­ são de Atos. Continua em discussão se a tradição eclesial em torno da pessoa do Apóstolo circulava só oralmente como tradi­ ção isolada, ou se talvez, em casos isolados, já preexistia de forma escrita, como narrativa estruturada. Provavelmente, essa questão nunca será definitivamente esclarecida, já que o autor de Atos refundiu consideravelmente o material pre­ existente. Seria inclusive um empreendimento impossível, tal

como querer, por exemplo, reconstruir a fonte Q a partir de Lucas, sem poder levar em conta Mateus. Assim, a distinção de fontes em Atos sempre volta a enfrentar dificuldades con­ sideráveis. Contudo, há observações suficientemente claras no texto, que sugerem ser possível supor uma fonte antioquena (base em 6.1-8.4; 11.19-30; 12.25-15.35), bem como uma lista das paradas das viagens de Paulo (base em At 13ss). De qualquer forma, nos casos isolados a análise se tornará mais clara. Mesmo assim, deve-se dizer claramente que uma exata delimitação das fontes já não é mais possível. Não obs­ tante, quando aparecem certas passagens que plausivelmente pertenceram a estas fontes, teremos a impressão de que Lu­ cas conheceu um estrato de maior importância histórica que o próprio livro de Atos. Deve estar claro que, diante dessa situação, o autotestemunho do Apóstolo deve prevalecer sobre os dados de Atos. Essa frase, contudo, não pode permanecer sem comentário: por um lado, as analogias mostram como as indicações au­ tobiográficas de Lutero, Bismarck ou Barth não estão livres de problemas e não estão isentas de erros, a tal ponto que não se possa assumi-las sem crítica. Deve-se levar seriamen­ te em conta que, em anos posteriores, Paulo tenha interpre­ tado sua vocação também à luz de sua vida transcorrida. Entre sua vocação e a interpretação em F1 3, há um quarto de século de vida turbulenta! Dever-se-ia então ter claro que as indicações biográficas de Paulo, que conhecemos somen­ te a partir de Atos, não conhecemos do próprio Paulo. Enu­ meremos apenas as indicações que podem gozar de certa plausibilidade histórica, mesmo que, em casos isolados, seu valor histórico seja discutível: conforme Atos, Paulo nasceu em Tarso (9.11 etc.), recebe o duplo nome de Saulo-Paulo (13.9) e possui, por meio de sua família, a cidadania de Tar­ so e a romana (22.25-29). Ele foi instruído por Gamaliel em Jerusalém (22.3) e é formado profissionalmente na manufa­ tura de linho e couro (18.3). Também sua visão de Cristo logo diante de Damasco (At 9), no que tange à indicação de

lugar, em G1 1.17, só pode ser conjeturada. A assim chama­ da primeira viagem missionária a partir de Antioquia (At 13s) igualmente não é citada em G1 ls. Alguns lugares da missão paulina em At 13-21 não são citados na correspon­ dência paulina. O encontro do Apóstolo com Gálio, procôn­ sul da Acaia, diante do tribunal de Corinto (At 18.12ss), tão importante para a colocação na cronologia absoluta, não é aludido por Paulo em nenhum lugar. Naturalmente, faltam nas cartas paulinas, indiscutivelmente, autênticas alusões à prisão em Jerusalém, ao processo, ao envio a Roma e à per­ manência naquela cidade (At 21-28), e à morte de Paulo (cf. 20.25,38; 21.13). Com toda a prioridade que cabe ao autotestemunho paulino, Atos não deverá ser relegado. Seu estilo narrativo, dramático e lendário inexoravelmente colocará o historia­ dor diante de limites na busca da verdade histórica. Mesmo assim, quem está disposto, por exemplo, a definir o processo diante de Gálio como piedosa invenção? Pode tratar-se de uma criação interpretativa de Atos, no intuito de reunir to­ das as tradições que lhe eram conhecidas na primeira per­ manência de Paulo, em uma cidade (assim, por exemplo, At 18). Neste caso, as tradições isoladas seriam já atemporais e sem valor para a cronologia (cf. cap. 2)? Enfim, só se irá avan­ te mediante o cansativo caminho das ponderações diferen­ ciadas dos argumentos em cada caso isolado. Tanto a rejei­ ção geral quanto a supervalorização de Atos não são de muita valia na busca pela verdade histórica.

C apítulo II

QUESTÕES CRONOLÓGICAS DA BIOGRAFIA DO APÓSTOLO O suporte decisivo para a cronologia da vida paulina é, sem dúvida, fornecido por G1 1-2. Mesmo sendo esse texto tão fundamental e valioso para esta questão, ele não deixa de apresentar problemas desagradáveis: ele trata somente do período que vai da vocação até o final da fase antioquena, não fornecendo absolutamente nenhuma notícia sobre o período autônomo da missão paulina. Além disso, argumenta continuamente ante os gálatas, citando, por isso, somente o que nesse empreendimento lhe é útil. Paulo, portanto, não elabora um currículo neutro dos dados de sua vida para os seus futuros biógrafos, mas é partidário, numa disputa que ele pretende vencer: ele quer salientar sua autonomia e inde­ pendência de Jerusalém e trata de confirmá-las com o papel histórico desempenhado pelos jerosolimitanos na vida do Apóstolo. Guiado por essa idéia fundamental, ele acentua ou omi­ te o que serve ou não a esse propósito. Assim, a respeito de sua permanência em Antioquia ele não refere nem quando e nem como lá chegou, nem como de lá partiu, nem o que ocor­ reu durante os longos anos compreendidos entre o Concílio Apostólico (G1 2.1ss) e o incidente de Antioquia (2.11ss). Inversamente, menciona sua visita de catorze dias a Pedro em Jerusalém (G1 1.18ss), provavelmente só por sentir-se na obrigação de esclarecer seu relacionamento com Jerusalém.

Entre os demais objetivos de sua apresentação, isso certa­ mente não era tão importante, já que não torna a citar o episódio. Ele também se vale da disputa com Pedro (G12.14ss) para dar forma à entrada temática na argumentação objeti­ va com os gálatas. Ele salta, pois, imediatamente para a situa­ ção atual dos gálatas. Em 2Co lls s , além disso, o próprio Paulo deixa perceber a possibilidade de quanto ele deixou de mencionar em G1 2s, enquanto, naturalmente, 2 Coríntios também, por orientação temática, reúne apenas os sofri­ mentos do Apóstolo e as revelações que teve (em sua totali­ dade?). De sua missão independente em Antioquia, Paulo não noticia absolutamente nada em Gálatas (exceto a mis­ são na Galácia), apesar de ele, na época da redação de Gála­ tas, poder lançar um olhar retrospectivo sobre uma obra ad­ mirável. Essa atividade substancial do Apóstolo das nações é omitida porque era evidente que a realizava com indepen­ dência de Jeru-salém. Para o tempo após a partida de Antioquia, só temos à disposição indicações esparsas do Apóstolo em suas epísto­ las, em que os depoimentos acerca da coleta para os pobres em Jerusalém têm papel especial. Em todos os depoimen­ tos, é preciso distinguir se Paulo relembra os acontecimen­ tos ou se está comunicando planos de viagem. Que ele, comprovadamente, tenha alterado seus planos, ou seja, tenha sido obrigado a modificá-los, é atestado por diversas vezes: doença (G1 4.12ss), perseguições, prisões e execuções (cf. somente ICo 4.9-13; 15.32; 2Co 1.5-10; 4.7-12; 11.23ss: F1 1.7; lTs 2.2) tinham o mesmo papel que uma viagem não planejada a Corinto, por exemplo, (cf. cap. 7.1). Por isso mesmo, nem sempre é possível harmonizar todos os dados. Eles também são de tal modo secundários que sua coorde­ nação, muitas vezes, é hipotética, deixando em aberto a interpretação em certos pontos. Para esses depoimentos, devemos recordar, além disso, em referência a G1 1, que Paulo, obviamente, não escreveu pensando em seus bió­ grafos futuros. Por fim, com os depoimentos biográficos

de Romanos encerra-se definitivamente o autotestemunho do Apóstolo. Quem, pois, quiser olhar mais de perto o autotestemu­ nho paulino deverá, primeiramente, dedicar-se a G1 ls. A seção decisiva para a estrutura cronológica da vida pauli­ na inicia-se em 1.13s ("Ouvistes certamente...."), a qual fala da época judaica de Paulo. Além da indicação temporal ge­ nérica ("outrora"), não chegamos a saber nada referente à cronologia nem diretamente referente ao ambiente geográfi­ co da sumariamente esboçada fase farisaica de sua vida. Um único período (1.15-17), introduzido com a indicação tem­ poral da ação divina ("quando"), fala da vocação; de uma não realizada ida a Jerusalém, da ida à Arábia, i.e., ao reino de Aretas IV, a sudoeste de Damasco, com as cidades de Petra, Gerasa e Filadélfia (hoje: Amã); e do retorno a Da­ masco. Desse retorno, pode-se concluir que a vocação ocor­ reu em Damasco, o que Atos sabidamente confirma. O obje­ tivo da afirmação do Apóstolo é claro: no primeiro período, como cristão, marcado pelo centro geográfico Damasco/ Arábia, Paulo não tinha nenhum contato com Jerusalém. Sua atividade nesse tempo, está além de qualquer possibilidade de apresentação. A suposição de uma atividade missionária é grande, mas o possível êxito ficou sem ressonância nas fon­ tes. Isso ainda não quer dizer, porém, que se deva supor um fracasso. Sem Gálatas, por exemplo, nada saberíamos das comunidades naquela região, a não ser por meio de ICo 16.1. Paulo também chamou a atenção das autoridades, pois Are­ tas, rei dos nabateus, mandou persegui-lo (2Co 11.32). Uma seguinte seção (1.18-20) inicia-se com a primeira das três indicações "em seguida" (cf. 1.21; 2.1). À expressão "em seguida", acrescenta-se uma indicação temporal, ("após três anos"), um verbo de movimento e um objetivo geográfi­ co ("subi a Jerusalém"). Trata-se da primeira visita do Após­ tolo a Jerusalém, uma visita particular de exatamente duas semanas a Pedro. Por ocasião da mesma visita, Paulo viu também Tiago, o irmão do Senhor. Todos os exegetas, com

total razão, estão de acordo de que a indicação temporal "em seguida" se refere à vocação do Apóstolo, sendo, portanto, dependente da frase que inicia com "quando", no v. 15. Com isso, o tempo desde a vocação, determinado geograficamen­ te por Damasco e Arábia, pode ser calculado em três anos. Mais exatamente, 2+1, já que, naquele tempo, computavase o início e o final de ano integralmente. Segue, no v. 21, uma indicação que causa admiração: "Em seguida (o segundo "em seguida") fui às regiões da Sí­ ria e da Cilicia". Essa indicação temporal refere-se, sem dú­ vida alguma, à permanência em Jerusalém. Paulo a conclui, não retornando a Damasco, mas à Síria e Cilicia, portanto, à sua pátria. Para Paulo, é decisivo, em relação aos gálatas, o fato de novamente viver longe de Jerusalém. Igualmente, é claro que essa indicação geográfica se distingue dos aconte­ cimentos de G1 2, tanto que lá Paulo está agindo em outro lugar, ou seja, em Antioquia. Portanto, deve-se considerar Síria (do Norte) e Cilicia a região da cidade natal paulina Tarso, e não a região Síria dos arredores de Antioquia. Nisso encaixa-se Atos posteriormente (cf. 11.25s. e 9.30). O v. 21 omite somente o novo distanciamento de Jerusalém, mas nada diz a respeito do espaço de tempo existente entre esse perío­ do sucessivo e a anterior visita a Jerusalém. Também não se refere acerca de mais uma mudança de domicílio de Paulo. Em todo caso, a descrição do Concílio apostólico em G1 2.1ss pressupõe que Paulo esteja residindo em Antioquia, de modo que deve ter havido uma ulterior mudança de domicílio. Essa mudança de lugar deve ter ocorrido bem antes do Concílio apostólico, supondo que Paulo só aos poucos se tenha torna­ do o porta-voz de Antioquia, como se pressupõe em G1 2, já que Barnabé tinha direitos de precedência no papel e na liderança em Antioquia e precisava ser removido do seu lu­ gar de primazia. Paulo, evidentemente, também não quer descrever com o v. 21 todo um espaço de tempo, mas somente o seu início, porque com os w . 22-24 ele continua com a apresentação de

uma descrição da situação, que vale para todo período, que vai desde sua vocação até o Concílio apostólico, no qual Paulo, |>ela .primeira vez, encontrou-se pessoalmente com toda a comunidade primitiva. Durante todo esse tempo, constata o Apóstolo, não havia contatos pessoais entre ele e a comuni­ dade de Jerusalém, sendo ele conhecido aos de Jerusalém só tle ouvirem falar. A partir dessa circunstância, Paulo pode saltar as demais indicações a respeito do tempo entre a pri­ meira visita privada a Jerusalém e a segunda, agora visita oficial, como representante da comunidade de Antioquia. lissas indicações não fazem parte do assunto. Esse é, antes ile tudo, o tempo que ele transcorreu em Antioquia. E, mes­ mo desse período antioqueno, interessam somente os dois .icontecimentos que têm por tema os contatos entre Jerusa­ lém e ele. Tudo o mais é eliminado pelo próprio objetivo da seção. Pelo, visto, Paulo silencia, deliberadamente, em G1 2.11ss o resultado da disputa com Pedro, por ocasião do incidente antioqueno. Isso é um indício de que a disputa, provavelmente, teve um final negativo para ele. Daí, origi­ na-se o pouco interesse de Paulo em noticiar a respeito de Antioquia e Barnabé, mais do que o estritamente necessá­ rio. Pode-se ponderar se já não formava parte da lenda ge­ ral sobre Paulo (indício é justamente G1 1.22-24), já surgida durante o tempo de vida do Apóstolo, que muitas comuni­ dades sabiam do longo período de atividade de Paulo em Antioquia, uma vez que o Concílio apostólico rapidamente se tornara tema de conversa no cristianismo nascente e, com isso, Paulo se tenha tornado conhecido como antioqueno e protagonista da missão junto aos gentios. Isso pressuposto, então, Paulo não tinha necessidade de descrever, detalha­ damente, aos gálatas quando e como ele havia chegado à Antioquia e lá atuado. A próxima indicação de tempo em toda a seção intro­ duz o relato do Concílio apostólico: "Em seguida (o terceiro "em seguida"), quatorze anos mais tarde subi novamente a

Jerusalém..." Essa introdução do fato responde não só nos distintos elementos e na formulação precisa do início do re­ lato sobre primeira visita a Jerusalém em 1.18, mas refere-se também, explicitamente, a essa, por meio da expressão "no­ vamente". Em razão disso, devem-se contar os catorze anos (novamente 13+1) a partir dessa primeira visita, uma vez que apelar para a vocação no v. 13s seria uma retomada muito ampla, não havendo nem mesmo uma alusão a essa possibilidade. Paulo quer dizer o seguinte: entre minha vocação e o Concílio apostólico, de conhecimento geral, eu estive uma vez em Jerusalém em caráter particular, a saber, três anos após minha vocação e, depois disso, somente ca­ torze anos mais tarde, por ocasião do Concílio apostólico. Outras viagens a Jerusalém não houve. Teoricamente, também seria possível imaginar 2.1 de­ pendente de 1.21, isso é, do imediatamente anteposto "em seguida". Isso, porém, não é recomendável: G1 2.1 e 1.18 são claramente paralelos e 1.21 não fornece indicação de tempo à qual 2.1 poderia referir-se. G1 1.21 (justamente) não diz: "Em seguida, fui por X anos às regiões do norte da Síria e da Cilicia". Uma vez que 1.21 apenas designa o início de um novo período de tempo, o "em seguida" também pode so­ mente ser catorze dias após (inclusive tempo de viagem) a visita a Pedro. Com essa proposta, portanto, não restaria praticamente outra data a não ser a que é fornecida em G1 1.18. É comum ignorar que, tal como na vocação em G1 1.15, também a visita de Pedro em Antioquia inicia com um "quan­ do" a narrativa. Ele introduz o primeiro dos três períodos iniciados por "quando" (vv. 2-12b,14), que, a princípio, arti­ culam a apresentação do conflito antioqueno. Com isso, fal­ ta uma conexão temporal entre o Concílio e a visita. Paulo agora está interessado não mais em fases temporais, e sim na confirmação objetiva do seu evangelho autônomo, em uma situação difícil diante de Pedro. Seria de todo imaginável que Paulo - uma vez que, na seção como um todo, recorre à

retórica clássica (cf. cap. 11.2), comprometido com a narratio do discurso forense - com 2.1 lss abandonasse a ordem cro­ nológica e, por razões práticas, colocasse a questão decisiva no final, fora da ordem cronológica. Mas já na narratio a su­ cessão histórica na antiguidade é, em geral, a ordem costu­ meira, sendo o seu abandono uma exceção. Decisivo é, em todos os casos, que haja fortes motivos de conteúdo que fa­ vorecem a possibilidade de situar o incidente de Antioquia após o Concílio de Jerusalém (cf. cap. 5.3). A partir das considerações feitas até aqui, resulta o se­ guinte esquema para a cronologia relativa: Duração

Indicações de conteúdo

X anos

Paulo, fariseu, Vocação, permanência em Damasco e na Arábia.

2 + 1 anos

13 + 1 anos X anos

Gl

1.13s 1.15-17

IaVisita a Jerusalém. Após 14 dias, partida para Síria e Cilicia.

1.18-20 1.21

Chegada em Antioquia, sem dúvida, antes do Concílio. 2aVisita a Jerusalém: Concílio apostólico.

2 .1-10

Visita de Pedro a Antioquia.

2 .11-21

A partir dessa base, vale a pena dar uma primeira olha­ da em Atos. Se Lucas descreve o Apóstolo como antigo ini­ migo do cristianismo, que já estava presente na lapidação de Estêvão e já simpatizava com a perseguição, isso está em contradição com as indicações paulinas a respeito de sua relação com Jerusalém e com a afirmação de que ele era pes­ soalmente desconhecido aos cristãos de Jerusalém, até o momento do Concílio. Somente a partir da vocação de Paulo

em Damasco, temos base histórica segura. Atos confirma essa vocação, assim como a indicação do lugar (At 9). A transi­ ção da Cilicia para Antioquia Lucas descreve biograficamente com mais pormenores (cf. cap. 5.1), mas não contribui, mes­ mo assim, para melhor fixação do momento histórico. Lucas descreve, então, em At 13s, de modo típico e episódico uma viagem missionária de Barnabé e Paulo (a assim chamada primeira viagem missionária), que pertence ao período antioqueno. Paulo, em G1 1, não faz nenhuma referência a esse respeito. Devido a seu princípio expositivo, ele também não é obrigado a isso. Há indícios (cf. cap. 5.1) que sugerem que se deva questionar o tantas vezes manifestado ceticismo acer­ ca do enquadramento histórico dessa atividade missionária. Parece preferível deixar essa viagem em seu lugar histórico, em vez de situá-la cronologicamente num período posterior. Nesse momento, Lucas nos ajuda a cobrir o período antioqueno de Paulo, antes do Concílio apostólico. A partir de G1 2.11ss, sugere-se que Paulo tenha se retirado de Antioquia, após a disputa com Pedro. Embora Atos dê um motivo di­ verso para a separação entre Barnabé e Paulo (15.36ss), si­ tua, mesmo assim, essa separação logo após o Concílio, fa­ zendo Paulo iniciar, imediatamente, sua missão independente (a assim chamada segunda viagem missionária), que, pela primeira vez, leva-o à Europa, tendo como centro Corinto, onde permanece por certo tempo (At 15.36-18.17). Neste caso, a rota de viagem pode ser muita bem perfilada com a ajuda de 1 Tessalonicenses (cf. cap. 6.1). Mas, dessa maneira, estamos fora do período temporal que cobre G1 lss. Trata-se agora de procurar outros fatores de ordenação, que permitam reconhecer outros encadeamen­ tos cronológicos, para a ulterior vida do Apóstolo. A isso pertencem, em primeiro lugar, as afirmações de 1 e 2 Coríntios, Gálatas e Romanos, que falam a respeito da assim cha­ mada viagem da coleta. Elas permitem reconhecer uma pro­ gressão da atividade de coleta, fornecendo, com suas indicações de lugar e tempo, a possibilidade de reconstruir

uma permanência do Apóstolo em Éfeso, com a subseqüente viagem via Macedônia a Corinto. O documento literário mais antigo para a coleta encon­ tra-se em ICo 16.1-4. Daí, pode-se extrair que, em Corinto, uma coleta já estava basicamente organizada, mas a comu­ nidade havia perguntado como deveria, em detalhes, reali­ zá-la. Paulo respondeu de Éfeso (ICo 16.2): em Corinto, de­ ver-se-ia proceder da mesma maneira como ele havia determinado (recentemente) na Galácia, ou seja, durante um tempo mais longo, pôr à parte um pouco de dinheiro, sem­ pre no primeiro dia da semana, para que a coleta não se iniciasse somente com a sua chegada. Se o resultado fosse considerável, Paulo mesmo queria, junto com os enviados da comunidade, entregar a oferta em Jerusalém. Caso con­ trário, o resultado financeiro deveria ser levado para lá sem a presença dele. Dessas indicações, pode-se concluir: uma vez que Paulo precisa regulamentar, posteriormente, como Corinto deve coletar, evidentemente não foi ele quem, pes­ soalmente, organizou a coleta. Assim, o portador da carta perdida de ICo 5.9, provavelmente também escrita em Éfe­ so, deve ter tomado a iniciativa por ordem do Apóstolo. Uma vez que, em Corinto, houve anuência para a coleta, mas se pedia conselhos de como proceder, deve ter transcorrido um tempo muito exíguo entre a determinação da coleta e o pedi­ do de orientação (ICo 16.1). Paulo recebe o pedido de orien­ tação pouco antes da redação de 1 Coríntios em Éfeso (ICo 16.7s), onde quer passar o inverno, já que aí seu trabalho missionário, nessa época, está florescendo. Que antes disso Paulo nem sempre se sentisse bem em Éfeso, encontra-se provas em ICo 15.32, na qual há uma indicação formulada, já a certa distância, de que em Éfeso, em perigo de vida, ele teria 'Tutado com feras". Um homem com direito de cidadania romana, porém, em casos normais, não pode ser condenado a isso, faltando também uma luta "com feras" na lista de 2Co 11.23-29. Paulo, certamente, não a teria omitido da lista de suas perseguições. Portanto, resta

o sentido figurado da afirmação, como compreensão mais plausível. Conforme isso, Paulo teria corrido sérios riscos de vida, causados por adversários (cf. Rm 5.1). Importante é também, em ICo ló.lss, que Paulo, nesse tempo, ainda não havia planejado formalmente uma gran­ de viagem a propósito das coletas. Ele deixa em aberto se ele próprio, acompanhado por enviados da comunidade de Corinto, deve ir a Jerusalém ou se deixará essa viagem so­ mente ao encargo da comunidade em Corinto. A última pos­ sibilidade mencionada é condicionada pela antecipação no v. 3, em outros casos, o caminho mais comum. Diante disso, que Paulo queira acompanhar a viagem, é a exceção. Em todo caso, Corinto deve realizar a coleta até a sua próxima visita. Através da Macedônia, talvez passando lá o inverno, virá a Corinto para um período maior de tempo (16.5-7). ICo 16.1 também fornece uma indicação com relação às comunidades da Galácia: lá Paulo já havia dado uma ori­ entação, que Corinto também deveria adotar. Por que Paulo não dá notícias do exemplo de Efeso? Não seria mais natural tomar seu atual lugar de permanência como exemplo ou re­ meter à vizinha Macedônia (2Co 8s), para indicar como lá se procede, em vez de recorrer à distante Galácia? Acaso, em At 20.4, não há na lista de acompanhantes de Paulo a Jerusalém também dois representantes da Ásia, portanto tam­ bém de Efeso? Por que Paulo não fala da coleta feita em Efe­ so e na Ásia? Essas questões somente poderão ser satisfatoriamente respondidas mediante uma prévia e mais atenta análise de G1 2.10. Essa observação acerca da coleta - a única referên­ cia a ela em Gálatas - é bastante genérica. Após esse versícu­ lo, os esforços acerca da coleta voltam-se para o acordo es­ pecial entre os cristãos de Jerusalém e os antioquenos (Paulo e Barnabé). Naquele tempo, no Concílio apostólico, esses dois antioquenos se haviam comprometido a levantar recursos em seu campo missionário gentio-cristão, portanto também em Antioquia e em sua região de influência, para o sustento

material dos pobres da comunidade de Jerusalém. Paulo re­ conhece estar ainda comprometido com esse acordo, após ter partido de Antioquia, se bem que sua missão universal, independente de Antioquia, não poderia ter sido levada em conta no acordo de Jerusalém. Mesmo a disputa com Pedro e com as pessoas da parte de Tiago não o fará voltar atrás (G1 2.11ss). Ele se sente comprometido por toda a vida. A Carta aos Romanos confirma plenamente essa atitude (Rm 15.27b). A combinação de ICo 16.1 e G1 2.10 permite ver que a realização da coleta na Galácia iniciou-se com mais desen­ voltura e com menos problemas que em Corinto, sobrepu­ jando-se, consideravelmente, à coríntia. Terá Paulo, pessoal­ mente, estado à frente de sua organização na Galácia? Tomando-se literalmente ICo 16.1 ("... as normas que esta­ beleci ..."), isso seria bem possível. Alhures, Paulo não terá estabelecido essas normas de como se deveria proceder na coleta? Isso é provável. Pelo visto, Paulo apenas fez campa­ nha para a coleta em todos os lugares, deixando a sua exe­ cução a cargo das comunidades, que decidiam, de modo autônomo, como a fariam, levando cada uma as suas ofer­ tas por meio de enviados, até Jerusalém. Somente na Galá­ cia, onde ele mesmo havia organizado a coleta, o procedi­ mento era diferente antes da consulta dos coríntios. Por isso, Paulo pôde propor aos coríntios o modelo dos gálatas como comparação, sem fazer referência a Efeso. Há, porém, mais um ponto em comum entre os corínti­ os e os gálatas, que até pode ser generalizado: Paulo certa­ mente não introduziu a coleta em Corinto, durante sua per­ manência, por ocasião da fundação da comunidade. Nesse caso, em Corinto não teria havido incertezas sobre como se deveria proceder quanto a coleta. Semelhante deve ter sido o curso dos acontecimentos na Galácia: talvez Paulo tenha estado na Galácia uma segunda vez, após sua permanência inicial de fundação da comunidade, ocorrida na primeira viagem missionária independente (cf. cap. 6.1). Em G1 4.13,

possivelmente se faz alusões a isso, e At 18.23 e 19.1 talvez o confirme. Essa possível segunda visita só pode ser inserida após a volta do Apóstolo de sua primeira viagem à Europa, situando-se, portanto, no início do seu período efesino. Conforme ICo 16.1, a coleta na Galácia ainda não está concluída. A situação altamente polêmica de Gálatas está em franco contraste com a menção natural e sem problemas da coleta geral em 2.10. A Carta aos Gálatas, escrita após 1 Coríntios, não deixa de mencionar a coleta, apesar da pre­ cária situação na Galácia. Se tivesse havido uma interrup­ ção da coleta na Galácia, Paulo certamente não teria mencio­ nado o tema em G1 2.10. É mais aceitável, portanto, a suposição de que os gálatas concluíram sua coleta antes da infiltração dos judaizantes (cf. caps. 10.2 e 11.1), levando-a por sua conta - como era de esperar - até Jerusalém. Isso ocorreu antes da redação de Gálatas, enquanto Paulo ainda se encontrava em Éfeso. Por isso, em 2Co 8 e em Rm 15.26 Paulo não menciona mais essa coleta. Paulo havia, portan­ to, regulamentado a coleta na Galácia, totalmente no senti­ do do que consta em ICo 16.1-3. Como passo seguinte, 2Co 8s nos põe em situação de podermos reconhecer um estágio mais avançado da coleta nas comunidades. Quanto a isso, a tantas vezes considerada separação entre esses dois capítulos do ponto de vista crítico literário, pode ser ignorada (cf. cap. 8.3), já que em ambos a situação acerca da coleta é a mesma. Entrementes, Paulo encontrava-se na Macedônia e relatou às comunidades de lá que Corinto estava há exatamente um ano realizando uma coleta, que deveria ser enviada a Jerusalém (2Co 9.2s). Isso incitou os macedônios a se associarem à iniciativa dos corín­ tios, mesmo sem serem exortados a tanto por Paulo (2Co 8.3). Tito é então enviado, com dois irmãos da Macedônia, até Corinto, para levar, a bom termo, a bem sucedida coleta coríntia, porque, caso contrário, Paulo estaria em má situação por ter exaltado em demasia o fervor dos coríntios (2Co 8.6, 11,16-22; 9.4).

Que a coleta em Corinto se tenha prolongado, tendo talvez, no entretempo, inclusive sido suspensa, pode-se per­ ceber na improvisada visita intermediária de Paulo, vindo de Éfeso (2Co 2.3s, 9; 7.8-12), e na "carta das lágrimas" (2Co 2.1-4), da qual Tito é portador (2Co 12.18). Com isso, não só estavam superados os planos do Apóstolo, inicialmente anun­ ciados em ICo 16, ao menos nessa forma, mas também se esclarece porque a coleta, pelo visto, já por um ano inteiro (2Co 8.10; 9.2), só avançava com dificuldades, necessitando de especial animação por parte do Apóstolo (2Co 8s). Paulo também precisa escrever tão detalhadamente em 2Co 8s acer­ ca disso, porque sua situação em relação aos coríntios torna­ ra-se ainda mais delicada, uma vez que os macedônios haviam decidido enviar uma coleta juntamente com a de Acaia, o que até aí cada província fazia isoladamente. Paulo, portan­ to, nem foi até a Macedônia para lá recolher a coleta. O Apóstolo visitou, sim, a Macedônia, mas para, através da Macedônia, ir a Corinto, para lá levar a termo a coleta e, eventualmente, ir junto até Jerusalém (ICo 16.4). Que Pau­ lo, a princípio, não queria levar consigo uma coleta feita na Macedônia transparece também em 2Co 1.16, onde Paulo insinua planos de viagem modificados em relação a ICo 16, mas dos quais nada resultou: segundo esses planos, só os coríntios deveriam acompanhá-lo até à Judéia. Mas agora, em sua permanência na Macedônia, configurou-se a nova situação descrita. Paulo podia dizer com maior certeza. Mes­ mo antes de chegar a Corinto, que se uniria a Jerusalém (2 Co 8.18-24), o que ele já havia declarado em 2 Co 1.16 com mais firmeza que em ICo 16.4. Ele devia animar os coríntios a serem doadores mais generosos (2Co 9.5ss). Rm 15.26 mos­ tra que os coríntios não defraudaram Paulo, de forma que este - todavia, em Corinto - pôde anunciar à comunidade romana, que após levar a coleta dos Macedônios e dos Acaios (nenhuma outra província é citada), viajaria a Roma. Essa coleta proveniente da Grécia como um todo, mas não especificamente das regiões missionárias paulinas, não

se ajusta à lista dos acompanhantes da viagem de At 20.4: a companhia de dois membros provenientes de comunidades da Ásia praticamente não é compreensível, se Efeso e seus arredores não participaram da coleta. Mas, em contraparti­ da, Paulo, em 2Co 8s, não deveria ter dito que ele já trazia consigo a coleta recolhida na Ásia, se esse fosse o caso? Ele não deveria ter mencionado também os dois companheiros de viagem da Ásia, à semelhança dos dois enviados da Macedônia? Enfim, deveria ele em Rm 15.26 ter silenciado so­ bre a Ásia em relação à comunidade romana, sobretudo se agora o casal Áquila e Priscila, de Efeso, novamente retorna a Roma e lê a carta (Rm 16.3) e se, entre os leitores, também se encontra alguém como o primeiro a ser batizado na Ásia (Rm 16.5b)? Considerando-se, ainda, que na lista de At 20.4 faltam Filipos e Corinto, por exemplo, e que o nome de Gaio, de Derbe, não se enquadra nos dados paulinos, ver-se-á, com ceticismo, a lista de Atos, não tentando harmonizar com ela os dados paulinos, mas julgando estes últimos em si mesmos como mais confiáveis. Por outro lado, Lucas menciona ape­ nas de passagem a entrega da coleta em Jerusalém (At 24.17). Isso, certamente, é uma (proposital?) falsa avaliação. Mas Lucas tem razão nesse ponto, uma vez que, também confor­ me o resultado paulino, não houve uma viagem de coleta longamente planejada e abrangente. Trata-se agora, como próxima tarefa, de recolher indi­ cações das epístolas que possam dar maior precisão a via­ gem Efeso-Macedônia-Corinto. Em princípio, essa rota cor­ responde ao anúncio de ICo 16.5-7. Mas Paulo não pôde manter esse plano, por causa de uma imprevista persegui­ ção, com perigo de morte, na Ásia (2Co 1.8-10). Como esse perigo acaba de ocorrer e é comunicado como novidade aos coríntios, ele não pode ser identificado como sendo o de 1Co 15.32, pois aquele remonta mais ao passado e é conhecido em Corinto. Por outro lado, a prisão descrita em Filipenses deve ser o mesmo fato que ainda continua em F1 1 (s/c!), es­ tando já superado em 2Co 1. Portanto, F1 1 foi escrito antes

de 2Co 1 e a situação precária ao final da estadia de Paulo em Éfeso aparece duplamente documentada. Deve-se refe­ rir, de passagem, que Filipenses, como um todo, silencia a respeito de qualquer coleta. A explicação pode ser tirada da própria história da coleta: Paulo, estando em Éfeso, não quer permitir a coleta de dinheiro macedônio para Jerusalém. E, certamente, não há engano em supor que Paulo tivesse que abandonar as mudanças de planos intermediários em relação a ICo 16 (2Co 1.8s), exatamente por causa da prisão quase culminada em morte em Efeso, e que, após a liberta­ ção, tenha viajado relativamente rápido, quase em fuga (?), em direção a Trôade (2Co 2.12), permanecendo lá por algum tempo, partindo então para a Macedônia (2Cor 2.13). Para lá, Tito levou a Paulo boas notícias de Corinto, com o que Paulo escreveu a assim chamada carta de reconciliação (2Co 1.1-2.13; 7.5-16), não partindo logo para Corinto, mas per­ manecendo ainda na Macedônia. Essa situação, em seu todo, combina bem com a situação de 2Co 8s, de tal maneira que seja qual for a decisão crítico-literária - esses dois capítulos devem pertencer à carta da reconciliação. E igualmente ad­ mirável que a viagem como tal praticamente harmoniza no­ vamente com o antigo plano de ICo 16. Esses dados e sua ordem cronológica, auferidos unica­ mente de Paulo, por sua vez concordam amplamente com At. Mesmo assim, aqui a época inicial do período efesino logo traz problemas: At 18.18-23 descreve uma rota de via­ gem, iniciando por Corinto e tendo como destino a Síria (i.e ., Jerusalém, que se encontra na província romana da Síria, cf. 20.3; 21.3). Paulo viaja do porto oriental de Corin­ to, Cencréia, vinculado por um voto a Aquila e Priscila, rumo a Éfeso, fazendo uma pregação naquela sinagoga, e, apesar dos rogos dos efesinos, navega para Cesaréia, indo de lá a Jerusalém. A viagem de retorno, por Antioquia, Galácia e Frigia, termina em Éfeso (19.1). Três indicações nessa apresentação encontram confirmação em Paulo: a transferência do casal para Éfeso (ICo 16.19 etc.), a per­

manência paulina em Éfeso (ICo 16.8) e a (relativamente provável) visita a Galácia (G1 4.13). Além desses dados, porém, há, nesse reduzido trecho, consideráveis problemas. A rota da viagem é tão ampla quan­ to vazia de conteúdo. Por meio do voto (At 18.18ss), que deverá ser cumprido em Jerusalém (cf. 21.23ss), Lucas quer, mais uma vez, apresentar claramente Paulo como um fiel judeu-cristão e, principalmente, quer motivar a viagem a Je­ rusalém. Que Paulo, apesar das insistências, não permanece em Éfeso certamente é, silenciosamente, condicionado ao voto, que torna necessário, em breve, tomar o caminho a Je­ rusalém. Além disso, Paulo torna-se o primeiro missionário de Éfeso, o que, conforme melhores informações do próprio Lucas (At 19.1ss), ele de fato não foi. Essa viagem a Jerusa­ lém colide com os dados de G1 ls, conforme os quais Paulo, até a redação de Gálatas, esteve somente duas vezes (visita a Pedro e Concílio apostólico) em Jerusalém. Igualmente, nem Lucas nem Paulo admitem identificar a visita a Jerusalém de 18.22 com uma outra, seja com uma das duas de G1 ls, seja com a visita mais tardia para a entrega da coleta. Com isso, essa viagem a Jerusalém é resultado de uma construção lucana. Com isso, deve-se também eliminar Cesaréia na ida e Antioquia na volta, como paradas da viagem. Ambos os lu­ gares são construções sucessivas de ordem geográfica, em função do termo da viagem, i.e., Jerusalém. Paulo também, em lugar nenhum, deixa transparecer que, depois de sua re­ tirada de Antioquia (G1 2.1 lss), tenha tornado a visitar esse lugar. Pelo contrário, desde G1 2.1 lss ele evita essa cidade junto ao Orontes. Além disso, a rota de viagem AntioquiaGalácia-Frígia(18.23)-Éfeso (Ásia) deve ser comparada com os dados de 16.6. Também em 19.1, o "planalto" é objetiva­ mente idêntico com 18.3, expresso apenas, em termos mais gerais. Do que surge a tese: o texto anterior a Lucas (Vorlage), pelo visto, falava de uma transferência de Corinto para Éfeso, que Paulo e o casal Áquila e Priscila realizaram jun­ tos. Logo no início de sua permanência em Éfeso, Paulo

visitou comunidades anteriormente fundadas por ele na Fri­ gia e na Galácia. Isso está em consonância com os dados extraídos de Paulo, caso se veja alusão às duas visitas em G1 4.13. Infelizmente, também a permanência de Paulo em Éfeso, conforme At 18.18-19.40, permite perceber pouco daqui­ lo que o próprio Paulo nos dá a conhecer. 19.10,22 confir­ mam, mesmo assim, para os acontecimentos de At 19, uma permanência de dois anos em Efeso, aos quais se deve acres­ centar um ano para At 18.18ss, chegando-se, com isso, a um total de três anos. Também a retirada forçada de Efeso, con­ forme Atos, conduz Paulo através de Trôade à Macedônia e Acaia (20.1). Além do mais, uma viagem assim já havia sido planejada anteriormente por Paulo (At 19.21s). Uma per­ manência de três meses em Corinto é acrescentada (20.3). Inicia-se então a viagem a Jerusalém, para a qual não mais há a possibilidade de confirmação nas cartas paulinas. Com isso, conseguimos dois suportes para estabelecer a cronologia da vida paulina: um, com base em G1 ls, e outro, por meio das observações acerca do tema da coleta e corres­ pondentes indicações no ambiente. O primeiro suporte es­ tende-se, com os acréscimos que nos vêm de 1 Tessalonicenses, desde a vocação até a permanência de fundação em Corinto. O segundo iniciou-se com a transferência de Corin­ to para Efeso, estendendo-se até a partida de Corinto (ter­ ceira visita) rumo a Jerusalém. Ambos os suportes podem ser relacionados entre si, a título de experiência, com o auxí­ lio de At 18.11: conforme essa passagem, Paulo esteve, em sua permanência de fundação, por 18 meses em Corinto, na­ vegando então ao longo da costa asiática (18.18s). Esse tem­ po de permanência pode ser confirmado apenas de forma não muito exata. Ainda assim, o Apóstolo diz que ele, para não se tornar peso para a comunidade, teve dificuldades para prover o seu próprio sustento (2Co 11.7-9; ICo 9.15-18). Com isso, uma permanência muito reduzida é uma possibilidade que fica excluída. O tamanho da comunidade, ao final da

primeira visita, sugere uma permanência mais longa em Corinto (cf. cap. 6.4). Pode-se agora tentar articular essa cronologia relativa com a cronologia absoluta. Aqui Paulo, infelizmente, nos é de nenhuma valia. A diferença da obra histórica lucana (Lu­ cas e Atos), ele está pouco interessado em dados da história universal. Sua única menção ocasional dessa ordem, em 2Co 11.32, é inaproveitável para nossos propósitos. Paulo aqui cita o etnarca de Aretas, que o perseguiu em Damasco. Aretas IV, cujo etnarca estava ao encalço de Paulo, reinou de 9 a.C. até 40 d.C. E evidente que a permanência paulina em Damasco esteja colocada antes de 40 d.C. Por ora, está claro, contudo, que a época mais antiga para a vocação do Apóstolo corresponde ao surgimento da comunidade de Damasco, que, por sua vez, deve ser coloca­ da a uma considerável distância da morte de Jesus, da expe­ riência pascal e da morte de Estêvão. A data da morte de Jesus é colocada, hoje, pela maioria, na primavera do ano 30 d.C. (a menos provável é 27 d.C.). O último ponto fixo da vida do Apóstolo é dado com as circunstâncias de seu mar­ tírio romano (lClem 5), o que, sem provocar protestos, pode ser colocado na época de Nero. Nero imperou de 54 a 64 d.C. Sua perseguição aos cristãos (64 d.C.) é um ponto de referência para estimar que Paulo dificilmente pode ter mor­ rido depois dela. O mais provável é que isso tenha ocorrido antes. Essa cronologia aproximada da vida de Paulo pode, con­ tudo, ser melhorada por meio de At. Mesmo que Lucas culti­ ve, com insistência, o horizonte histórico do surgimento do cristianismo, alguns de seus sincronismos são totalmente fal­ sos, enquanto outros, por sua vez, não são muito aproveitá­ veis, pela impossibilidade de sua fixação histórica. Seu méri­ to especial, para a cronologia do Apóstolo das nações, contudo, está em que, por meio de At 18, com a ajuda do processo de Paulo diante de Gálio, possamos chegar, com relativa certeza, à cronologia absoluta.

Em todo caso, dever-se-ia tomar distância para a crono­ logia absoluta, das demais relações com a história universal, especialmente como Lucas as relaciona com a vida de Paulo, por mais seguramente que se possa utilizá-las como comple­ mento do suporte cronológico. Entre esses sincronismos não aproveitáveis, está "a grande fome" sob Cláudio (At 11.28). Ela não é atestada como "acontecimento mundial", mas como fato local. Também a perseguição da comunidade de Jerusa­ lém sob Herodes Agripa (At 12.1ss; 12.20ss), bem como a troca de cargo de procurador entre Félix e Festo (At 24.27), não são datáveis com segurança, independentemente de Lucas. Por fim, também não é totalmente isento de proble­ mas o edito de Cláudio, em razão do qual o casal Aquila e Priscila, conforme At 18.2, "recentemente" deixou Roma e se encontrou com Paulo em Corinto: as fontes antigas, sem Lucas, não podem ser tão seguramente interpretadas, para que a data de 49 d.C., com razão geralmente aceita, também esteja assegurada, independentemente de Lucas. Igualmen­ te, a vaga referência "recentemente" não garante uma cro­ nológica exata (cf. cap. 13.1). Lucius Junius Gallio, irmão mais velho do filósofo Sêneca e, como ele, nascido em Córdoba, na Espanha, foi pro­ cônsul da Acaia sob Cláudio, completando depois sua car­ reira política. Assim como seu irmão Sêneca, foi obrigado a escolher, sob Nero, a morte voluntária. Seu proconsulado na Acaia é atestado por meio de um edito imperial gravado em pedra e dirigido à cidade de Delfos (a assim chamada "ins­ crição de Gálio"). Seu governo também pode ser estabeleci­ do cronologicamente com bastante certeza, i.e., da primave­ ra de 51 até a primavera de 52 d.C. (possível fator de incerteza: um ano mais cedo). Deve-se observar que Lucas gosta de concentrar as tra­ dições locais na primeira visita a determinado lugar, organi­ zando-as de tal maneira a utilizar, como moldura narrativa, um episódio inicial e um acontecimento conclusivo, nela en­ quadrando todo o restante. Esse modelo de apresentação

aparece, por exemplo, em At 16-19, acerca das quatro cida­ des de Filipos, Tessalônica, Corinto e Éfeso. É necessário, portanto, fundamentar qual visita se deve atribuir a At 18.12­ 17 e - se for possível - quando, no decorrer da visita, o fato aconteceu. Para o processo diante de Gálio, só entra seria­ mente em questão a visita de fundação. Já a visita por oca­ sião da coleta é tão tardia na cronologia relativa, que uma coincidência com o processo diante de Gálio pode ser, com certeza, excluída. Também a visita improvisada com sua pre­ cipitada partida, em Paulo, tem outros conteúdos e é pouco apropriada para ser colocada em conexão com o processo. A visita de fundação, ao contrário, é cronológica e objetiva­ mente predestinada a ser sobrecarregada com esse episódio, pois, naturalmente, a separação de uma comunidade gentio-cristã com a sinagoga acontece muito cedo. Se, de outra forma, com o processo de separação, for possível relacionar a atividade da sinagoga coríntia diante de Gálio e contra Paulo, dever-se-á situar o processo paulino diante de Gálio o mais tardar para o final da primeira visita do Apóstolo a Corinto, eventualmente também um pouco antes, uma vez que Paulo não sofre importunação e não precisa abandonar a cidade. Com isso, resulta - pressupostos os 18 meses de perma­ nência paulina em At 18.11 - como época mais antiga para a permanência de Paulo, o outono de 49 até a primavera de 51, ou, o mais tardar, do outono de 52 até a primavera de 53 d.C. E admissível fazer uma média desses indicadores cro­ nológicos, com um grau de incerteza de um ano para mais ou para menos. Assim, para efeito de cálculo, é possível pres­ supor, para a primeira visita a Corinto, o outono de 50 até a primavera de 52 d.C., para que se possa subordiná-la a am­ bos os suportes da cronologia relativa. Com isso, a impreci­ são de cálculo torna-se maior ainda, pois também na crono­ logia relativa o enquadramento dos acontecimentos nem sempre pode seguir uma sucessão bem precisa. Mesmo as­ sim, ao final de todas essas considerações, deve-se admitir

que seja admirável o grau de exatidão com que nos podemos orientar acerca dos dados da vida de Paulo, em comparação a outros personagens da antiguidade. A seguinte tabela resume sinoticamente esses dados: Dados da vida de Paulo

Nascimento em Tarso Paulo, perseguidor dos cristãos Vocação, primeira missão na Arábia Primeira visita a Jerusalém (visita particular a Pedro: 14 dias) Início da atividade na (ao norte da) Síria e na Cilicia Paulo em Antioquia Visão, segundo 2Co 12.1-5 Missão com Barnabé (At 13s) Segunda visita a Jerusalém: Concílio apostólico Visita de Pedro a Antioquia Paulo se retira de Antioquia Primeira viagem missionária independente, passando, entre outros lugares através de Galácia - Filipos - Tessalônica, até Corinto Permanência de fundação em Corinto (primeira visita) 1 Tessalonicenses Paulo diante de Gálio Permanência em Efeso e na Ásia Visita à Galácia (segunda visita) Perigo, segundo ICo 15.32 1 Coríntios Segunda visita a Corinto (visita intermediária) "Carta das lágrimas" de 2 Coríntios Prisão/perigo de vida Carta a Filêmon "Carta da prisão" de Filipos Viagem de Efeso através de Trôade - Macedonia a Corinto (assim chamada viagem da coleta)

? 32 32 34/35 34/35 a partir de 36/37(?) 41 / 43 antes de 48 48 / 49 49 49 49-50 50-52 50/51 50/51 52-55/56 52 52/53 54 54 54 54/55 54/55 54/55 55/56

Carta aos Gálatas "Carta de reconciliação" 2 Coríntios Terceira Visita a Corinto (cerca de 3 meses) Carta aos Romanos Viagem de Corinto, com a coleta, rumo a Jerusalém Terceira Visita a Jerusalém (visita da coleta) Viagem do prisioneiro Paulo a Roma Permanência em Roma e martírio

56 56 56 56 56/57 57/ 58 58-60(?) 60-62(?)

Duas observações especiais são necessárias acerca do início e do final desse quadro sinótico. Primeiramente, deve­ se dizer algo referente à idade de Paulo: levando-se em con­ ta as penosas viagens que Paulo empreendeu nos últimos 30 anos de sua vida, as penalidades que padeceu com os casti­ gos e as perseguições (cf. apenas 2Co 11.23-29), pensando-se também em sua doença (2Co 12.7; G1 4.12ss) e na baixa ex­ pectativa de vida na antiguidade, ele deve ter tido - para as circunstâncias daquele tempo - bastante robustez física, para poder suportar tudo isso. Além disso, na época de sua voca­ ção, Paulo já havia concluído seu período de formação pro­ fissional, bem como sua formação farisaica. Daí, é possível e faz sentido supor uma idade entre 20 e 25 anos para a sua vocação. Isso leva a uma data de nascimento com tolerância de alguns anos para antes ou depois, em torno de 10 d.C., portanto, nos últimos anos do império de Augusto (morto em 14 d.C.). Essa suposição talvez encontre reforço em Fm 9. Aqui, Paulo se designa como um "homem velho" (latim: senex). Isso, na antiguidade, se considera a partir de aproxi­ madamente 50 anos de idade. Contudo, poder-se-ia tratarse também de uma avaliação subjetiva do Apóstolo acerca da diminuição de seu vigor físico. De nenhum proveito é a indicação de At 7.58, segundo a qual Paulo, como "jovem", teria assistido à lapidação de Estêvão. Isso deve ser total­ mente creditado à redação lucana e é muito impreciso. A segunda observação suplementar é que, a respeito do último período da vida de Paulo, apenas contamos com a

orientação - não verificável - que nos oferece Atos: ela indi­ ca dois anos de cativeiro em Cesaréia e mais outros dois anos em Roma (At 24.27; 28.30; acerca da viagem à Espanha (cf. cap. 15.3). E grande a suspeita de que se trate de cifras apro­ ximadas e arredondadas. Informações mais confiáveis, po­ rém, ninguém nos pode fornecer. Permanece, portanto, uma imprecisão cronológica insuperável.

C a p ít u l o I I I

PAULO, FARISEU DE TARSO 1. Indicações biográficas Paulo partilha com outros personagens da antiguidade o mesmo destino de ser conhecido apenas no período mais significativo e produtivo de sua vida. Pode-se tomar esse período em sentido amplo, desde sua vocação até a sua mor­ te, i.e., tendo em vista o Paulo cristão. Pode-se também redu­ zi-lo um tanto, concentrando-se nas viagens missionárias independentes, no tempo, portanto, do qual datam as epís­ tolas autênticas. Seja qual for a decisão, é totalmente certo e indiscutível que bem pouco podemos chegar a saber a res­ peito do judeu Paulo, anterior à sua vocação apostólica. Deve-se isso, antes de tudo, ao próprio Paulo, já que para ele sua vida, com base em sua vocação, divide-se em duas partes, em que o cristão Paulo repeliu praticamente todo o período judaico de sua vida. A vocação é por ele experimentada como profunda reorientação das motivações e crise de identidade, com o que a vida anterior se torna quase totalmente sem importância, tornando-se o período posterior à vocação a sua vida propriamente dita. Por isso, em Paulo, por sua própria vontade, a fase judaica de sua vida não é apresentada. Esta, de vez em quando e com pou­ cas e limitadas afirmações, serve de pano de fundo escuro, contrastando fortemente com o início da segunda fase, a sua vida propriamente dita. As mais importantes indica­

ções autobiográficas podem ser encontradas em ICo 15.9; 2Co 11.22; G1 1.13s; F1 3.5s; Rm 9.3s. Com isso, pelo pró­ prio Paulo é estabelecido um limite de informações, que deve ser respeitado. Pelo visto, os próprios contemporâneos de Paulo, em geral, não sabiam muito mais do que nós acerca de sua vida judaica, pois as poucas indicações dos Atos dos Apóstolos que nos são proporcionadas, além das do próprio Paulo, são tomadas da lenda geral paulina podendo ser rapidamente enumeradas. Essas indicações são tão escassas, que, na verdade, au­ mentam um pouco as pedras do mosaico biográfico, mas não permitem apresentar um quadro de conjunto satisfatório para o biógrafo. Compensa, então, escrever uma parte espe­ cial sobre Paulo como judeu? Os poucos detalhes biográficos apenas justificam tal tarefa. Deve-se, porém, para além des­ sa situação, tentar descrever o quadro religioso e cultural no qual o judeu Paulo viveu. Semelhante pesquisa permite que se possa esperar entender melhor certas declarações do cris­ tão Paulo. Os poucos dados biográficos podem ser recolhidos facil­ mente: a partir de sua família, Paulo pertence à sinagoga helenística de Tarso na Cilicia. Seus pais devem ter sido, por muito tempo, habitantes daquela "cidade não sem impor­ tância" (At 21.39). Deduz-se isso, em todo caso, a partir dos Atos dos Apóstolos (21.39; 22.3). Deve-se, certamente, con­ fiar nessas indicações. Em todo caso, não há nenhuma outra tradição contrária ou complementar, com exceção, talvez, da informação de Jerônimo (De viris illustribus 5), de que a família de Paulo, outrora, teria emigrado de Giscala da Galiléia. Observações das cartas paulinas, das quais mais tarde se tornará a falar, permitem atestar, indiretamente, esse ambiente helenístico-judeu. Bastam, por enquanto, três in­ dícios: a língua grega de Paulo não só está livre de fortes semitismos (portanto, dificilmente aprendida mais tarde, como língua estrangeira em Jerusalém), como também segue

com independência o estilo grego. Esse estilo grego de Paulo é tão fluente, parecendo impossível demonstrar, a partir do aspecto lingüístico de sua correspondência, que ele soubesse falar hebraico ou aramaico. Atos dos Apóstolos pressupõem esse conhecimento (At 21.40; 22.2; 26.14), mas as poucas palavras estrangeiras aramaicas em Paulo (abba Rm 8.15; G1 4.6 ou maranata ICo 16.22) não bastam para comprovar isso, já que se trata de palavras que pertencem ao domínio co­ mum do cristianismo primitivo. Assim é de supor que ele, desde a infância, fosse habituado a falar a língua comum da diáspora como língua franca. Além disso, deve-se mencionar que o nível de educação de Paulo, por um lado, está concen­ trado na versão grega da Bíblia (Paulo utiliza a Septuagin­ ta), sendo, por outro lado, significativamente determinado pela cultura geral helenística (cf. cap. 3.3). Paulo, enfim, como cristão, também visitou quase somente cidades helenísticoromanas, provavelmente também um reflexo de sua sociali­ zação em ambiente helenístico urbano. Isso, por sua vez, ajus­ ta-se à cidade helenística de Tarso, como lugar de sua juventude. Já é mais difícil de esclarecer se a casa paterna paulina tinha o direito de cidadania de Tarso e do Império Romano e que, com isso, Paulo tivesse herdado esse direito. Se o pri­ meiro direito é de importância quase secundária, pois Paulo, ao menos a partir de sua vocação, nunca mais permaneceu por mais tempo em sua cidade natal, já o direito de cidada­ nia romana, por sua vez, tem importância muito clara. De qualquer modo, ambos os direitos apenas são atestados pe­ los Atos dos Apóstolos, e, mais ainda, em textos que sofre­ ram uma forte influência do próprio Lucas (At 16.37s; 22.25ss; 23.27; cf. também indiretamente 25.10s; 21.25s; 28.19). Mesmo que esses textos não contenham uma tradi­ ção pré-lucana, a formulação técnica de Lucas não precisa necessariamente ser falsa: Lucas pode ter auferido sua infor­ mação a partir daquilo que era de conhecimento geral no cristianismo a respeito do Apóstolo dos gentios.

Chama a atenção ainda que o Paulo lucano, no decur­ so de um processo ou de um castigo, sempre apela com de­ masiado atraso a seu direito de cidadão romano. O próprio Paulo também poderia, por exemplo, mediante recurso a esse direito, ter-se ocupado melhor dos enumerados casti­ gos de 2Co 11.24ss. Naturalmente, pode-se pensar, e até é provável, que Paulo não tenha recorrido a esse direito, ou só o tenha feito excepcionalmente, porque ele compreendia essas perseguições conscientemente como participação com a cruz de Cristo (cf. apenas G1 6.17). Conhece-se, outrossim, casos na antiguidade em que o direito de cidadania roma­ na não poupava de flagelação e crucificação (cf. F. Josefo, Bellum II, 308). Também não há como progredir na questão sobre quantas vezes, realmente, na época de Augusto e imediatamente após, o direito de cidadania romana foi dado a pessoas da Ásia Menor: isso ocorria raramente, e mais raramente ainda, com judeus daquela província. Certamen­ te, eram os judeus que justamente entravam em conflito com os deveres de um cidadão romano, uma vez que isso compreendia também a participação no culto estatal. Mas o próprio Josefo é um exemplo conhecido de como também nesse ponto se pode encontrar arranjos, sem necessariamen­ te abdicar do judaísmo. Permanece assim a questão de se um procônsul romano poderia ter enviado a Roma, para conclusão de um proces­ so, um prisioneiro como Paulo, portanto um "peixe miúdo", comparativamente, sem significado para a administração romana, caso ele não tivesse sido forçado a isso, por causa da reivindicação dos direitos de cidadão romano por parte do próprio acusado. Sem tal pano de fundo, semelhante transferência da decisão por parte do procônsul poderia muito facilmente ser explicada como fraqueza no uso de suas próprias atribuições. Diversa é a situação, em todo caso, quan­ do pessoas significativas ou, por assim dizer, pessoas procu­ radas por mandado de captura, como líderes anti-romanos, mesmo sem cidadania romana, eram transportados a Roma,

para lá terem o seu processo. Assim, provavelmente é histo­ ricamente mais verossímil que Paulo, em seu processo dian­ te de Festo, tenha apelado para seu direito de cidadão roma­ no, do que a hipótese de que Lucas tivesse concluído isso somente a partir da viagem do prisioneiro (Paulo) de Cesaréia a Roma, que lhe era conhecida. Diferentemente de Tar­ so como sua cidade natal, a cidadania romana de Paulo não consta, pois, com plena certeza, mas é provável que o Após­ tolo gozasse desse direito. Tarso situa-se no curso inferior do Kidno, que a partir daí é navegável, tendo sido centro comercial na estrada que conduzia de Antioquia até a costa da Ásia Menor, portanto, às cidades gregas, e era, além disso, ponto de partida para o caminho rumo ao Mar Negro, sendo uma típica cidade de trânsito internacional daquela época. A partir de 66 a.C., quando a Cilicia se tornou província romana, Tarso alojava os administradores romanos, entre os quais também esteve Cícero. Nessa cidade, Antônio, pelo visto, encontrou-se pela primeira vez com Cleópatra. César e Augusto eram espe­ ciais benfeitores da cidade. Augusto permitiu que seu mes­ tre estóico Atenodoro reorganizasse a cidade. Ele, junto com Nestor, da academia platônica, e Lísias, o epicureu, são con­ tados entre os regentes da cidade. A cidade tem um passado cultural brilhante. Muitos filósofos conhecidos, gramáticos e poetas lá ensinavam. São, na sua maioria, representantes da cultura helenística, em parte com influência oriental. Estrabão (Geographica 14,5,13) elogia o fervor dos habitantes da cidade "pela filosofia e formação geral" e a compara, exageradamente, com Atenas e Alexandria. Também alhures a cidade é louvada e colocada em especial relevo como "gran­ de e afortunada" (Xenofonte, Anábase, I, 2.23). Ela pertence, especialmente, às localidades de formação estóica. Antípatro de Tarso foi, inclusive, por volta de 140 a.C., chefe de escola da Stoa. Foi seu discípulo o conhecido Painatios. Com isso, está caracterizado o clima intelectual da cidade: ela é um microcosmo do ambiente helenístico mediterrâneo. Uma

vez que os pais de Paulo se integraram na cidade (direito de cidadania), até onde isso era possível ao judaísmo da diáspora, Paulo respirou esse ambiente helenístico. Deve estar ligado a isso o fato de Paulo nunca se ter orientado muito em direção ao Oriente: a terra dos dois rios ou Arábia não esta­ va em seu campo de visão. Como judeu, não pensa mais em direção ao sul do que Jerusalém, concentrando-se, como helenista, na Ásia Menor, Síria e Hélade, reconhecendo, como cidadão romano, Roma como centro político do mundo. No final de sua vida, deseja ir à Espanha, o limite ocidental do mundo. Era próprio aos judeus melhor situados da diáspora, que seus descendentes, como eles mesmos, crescessem poliglotas. Lucas atesta, como acima já foi acenado, que Paulo tinha co­ nhecimentos de aramaico. O próprio Paulo se designa com sendo "hebreu, filho de hebreus" (F1 3.5; cf. 2Co 11.22), acen­ tuando com isso, antes de tudo, a fiel observância dos costu­ mes judaicos por parte de sua família. Certamente, fazia par­ te disso também o cultivo da língua aramaica, de tal modo que, a partir dessa conjectura, é possível, apesar dos seus bons conhecimentos de grego, supor em Paulo também certo co­ nhecimento de aramaico. Incerta é a possibilidade de se po­ der extrair de suas próprias palavras que Paulo também te­ nha sabido hebraico. Por causa de sua educação farisaica, isso poderia ser provável, uma vez que deveria ser capaz de ler e compreender o texto da Bíblia hebraica. De qualquer modo, Paulo, como cristão, em nenhuma ocasião traduziu, com cer­ teza, diretamente da Bíblia hebraica para o grego. Também suas comunidades utilizavam geralmente a Septuaginta. Paulo, em sua correspondência, via de regra, cita a Septuaginta como a memorizou nos tempos de escola, utilizando também, aqui e ali, o próprio texto da Septuaginta. Não é de nenhum modo aconselhável concluir das palavras "hebreu, filho de hebreus" que Paulo tenha nascido na Palestina ou mesmo em Jerusa­ lém. Expressões semelhantes possuem na antiguidade um sen­ tido muito amplo.

A família tinha consciência de pertencer à tribo de Benja­ mim (Rm 11.1; F1 3.5). O nome judeu Saulo, somente aludi­ do pelos Atos dos Apóstolos (At 9.4,17; 22.7; 26.14 etc.), pode .icenar ao benjamita e primeiro rei de Israel. Judeus da diáspora portavam, costumeiramente, ao lado do nome semíti­ co, um segundo nome romano-helenístico acusticamente se­ melhante. Como pares de nomes semelhantes aparecem: Josué e Jasão ou Silas e Silvano. No mundo helenístico, Pau­ lo utiliza exclusivamente esse segundo nome. Paulo talvez tenha ainda tido uma irmã, casada em Jerusalém (At 23.16). Iíssa informação, porém, não é de nenhum modo segura, pelo fato de toda a seção dos Atos dos Apóstolos que trata da permanência de Paulo em Jerusalém até sua missão em Roma conter poucas notícias confiáveis (cf. cap. 15.3). Ele próprio nunca contraiu matrimônio (cf. ICo 9.5). Sua profissão, como ganha-pão, é indicada em At 18.3 como "fabricante de ten­ das". Isso ocorre em conexão com o casal Priscila e Aquila, que exerciam a mesma atividade. Paulo não confirma isso diretamente, mas fornece indícios (lTs 2.9; ICo 9.15,18; 2Co 11.9) que permitem, nesse caso, atribuir veracidade históri­ ca a Lucas. Em todo caso, não se deve compreender muito estritamente essa designação profissional. Isso vale de modo geral para a antiguidade. Assim, não se estará cometendo erro atribuindo à profissão paulina o artesanato em linho, muito mais do que o em couro. Tendas e coberturas de todos os tipos (p.ex ., para proteção contra o sol ou para barracas de mercado e cisternas) eram confeccionadas de linho ou de peles de animais. Tarso era de modo especial conhecida pela produção e utilização do linho. O próprio Paulo afirma ter pertencido ao partido dos fariseus (F13.5) e que seu zelo pela Lei superava o de muitos dos seus contemporâneos (G1 1.14). Paulo se compara, de modo geral, aos de sua idade, não se referindo, porém, entre os colegas, a discípulos de um rabi. Isso chama atenção para a possibilidade de ele ter compreendido seu farisaísmo não como profissão, mas somente como um enquadramento reli-

gioso. Isso também dá a entender F1 3.5s e At 22.3 (cf. 26.4) que falam de sua orientação farisaica. A típica série triádica (origem familiar, infância e educação) não tem por finalida­ de falar de uma educação em sentido institucional, mas as­ segura, conforme o costume helenístico, como Paulo deve ser avaliado quanto à família, infância e educação em sua reputação referente à origem e cultura, como cidadão adul­ to (um paralelo judeu-helenístico é, p.ex.: Filo, Vit Mos, I, 2). Paulo, ao que parece, não foi educado na interpretação fari­ saica da Lei por um rabi, para mais tarde ele mesmo assumir o cargo de rabi, mas foi educado na linha farisaica como orientação para a sua vida. Ele vivia conforme a doutrina do farisaísmo, que era um movimento leigo muito seguido. As­ sim, provavelmente já o fazia a sua família (At 23.6). De res­ to, em nenhum lugar se alude que Paulo outrora tenha sido um rabi ordenado. Isso também dificilmente seria possível devido à sua idade. Mesmo que a indicação em Sota 22, se­ gundo a qual uma ordenação só seria possível aos 40 anos, apenas seja uma referência de idade relativa, Paulo, mesmo assim, teria sido jovem demais para isso (cf. cap. 2). Conforme At 22.3; 26.5, ele recebeu parte de sua forma­ ção farisaica em Jerusalém junto a Gamaliel I, um dos gran­ des rabinos da época, seguidor da escola de Hillel. Isso não pode ser contrastado nas indicações paulinas. Lucas recolhe essas referências para situar Paulo em Jerusalém, uma vez que o faz estar presente na perseguição de Estêvão e o apre­ senta como perseguidor dos seguidores de Estêvão, inicial­ mente em Jerusalém (At 7.58; 8.1,3; 22.4s; 26.10s). Também ao seu esquema narrativo, não só deixa iniciar a Igreja em Jerusalém, mas também faz iniciar lá a primeira persegui­ ção. Não se tratava, por acaso, de uma notícia altissonante e excitante apresentar o futuro grande Apóstolo aos pés de um grande rabi? Essa relação não serve ao esforço lucano em entrelaçar a história do cristianismo com "os dados da história universal? Enfim, a figura lucana de Paulo, em seu conjunto, não é também de orientação judaica, devendo esse

aspecto ser considerado dentro da perspectiva que se aca­ bou de apresentar? Seja qual for aqui a decisão, é significati­ vo que Paulo, devido à sua formação farisaica, seja onde a tiver adquirido, mais tarde certamente pertenceu aos pou­ cos cristãos primitivos que possuíam uma formação "supe­ rior". O círculo dos discípulos de Jesus não podia ser conta­ do entre eles, mas citadinos helenistas como, por exemplo, o "administrador da cidade" Erasto (Rm 16.23). Sem prejuízo para essa última observação, Paulo mes­ mo apresenta, em relação aos Atos dos Apóstolos, uma ver­ são dos fatos, ao menos, parcialmente, diversa para a per­ manência em Jerusalém : na época da vocação, ele era residente em Damasco (conclusão a partir de G1 1.17). Tam­ bém, nos anos anteriores e posteriores, não esteve em Jerusa­ lém (1.17s), sendo pessoalmente desconhecido às comuni­ dades de Jerusalém , até vários anos após sua vocação (1.22-24). Tem-se interpretado essa última indicação no sen­ tido de que Paulo tenha apenas perseguido Estêvão, e não a comunidade em torno dos primeiros apóstolos. A essa co­ munidade, ele então poderia ter permanecido pessoalmente desconhecido. Somente ela permaneceu em Jerusalém após a perseguição. Mas como, diante das reduzidas circunstân­ cias em Jerusalém, também o grupo de Pedro deve ter toma­ do conhecimento de uma perseguição ao grupo de Estêvão e seguidores, Paulo não pode ter perseguido Estêvão, sem ter sido também conhecido pelo círculo dos apóstolos e seus se­ guidores. O até então reduzido grupo de cristãos de Jerusa­ lém e o primeiro martírio pós-pascal, que certamente impres­ sionou a todos os cristãos da cidade, não admite outra tese. Nesse caso, é preciso ater-se às palavras claras de G1 1.22-24: Paulo não estava em Jerusalém no tempo da perseguição de Estêvão. Ninguém, além disso, entenderia G11 de outra ma­ neira, a não ser que estivesse sendo pressionado pelo desejo de construir uma harmonização com At 7s. De G11.21, podese talvez depreender indiretamente que, antes da residência em Damasco, Paulo tenha habitado na Cilicia. Caso se

admita que o Apóstolo tenha, após sua vocação, escolhido a Cilicia como seu campo missionário por ser sua pátria de origem, isso encontra uma analogia na atitude missionária do grupo de Estêvão (cf. At 11.19-21). Eles escaparam da perseguição em Jerusalém, procurando sua pátria na diáspora judaica, para lá exercerem a atividade missionária. Com essas observações, contudo, ainda não há uma decisão definitiva e negativa a respeito da formação paulina junto a Gamaliel I. A indicação lucana ainda não adquiriu maior certeza, antes, tornou-se mais suspeita ainda. Ainda assim, Paulo pode ter estado junto a Gamaliel I e ter recebi­ do, ao menos, parte de sua educação farisaica no centro re­ ligioso do farisaísmo. Isso poderia ter ocorrido antes da ati­ vidade pública de Jesus e antes da existência de uma comunidade cristã. Com essa hipótese, pois, preserva-se que Paulo era pessoalmente desconhecido (até o Concílio Apos­ tólico) da comunidade de Jerusalém (G1 1.22). Assim sendo, nesse caso, não se pode decidir com certeza. Deixando-se a questão em aberto, ou dando um voto contra Lucas, não se pode apresentar Paulo como hillelita. Uma tão bela concre­ ção é por demais hipotética em seu princípio. Educação de orientação farisaica Paulo também poderia ter recebido, sem maiores dificuldades, em qualquer sinagoga maior da diáspora, portanto, também em Tarso. Jerusalém apenas teria acrescentado como que um "nível de Oxford". Tentou-se ainda caracterizar Paulo como hillelita, atri­ buindo-lhe o domínio das assim ch am ad as s ete regras d e interpretação de Hillel. Essas regras, porém, já não são ates­ tadas com certeza para Hillel, quanto mais, e com clareza suficiente, para Paulo. Insistir no rigor legal do Paulo précristão (cf. G11.14; F1 3.6) permite discutir se não é mais pro­ vável que Paulo deva ser entendido como adepto de outra escola do judaísm o da época, ou seja, dos shammaítas. A favor dessa tese, porém, o contexto histórico também não é bom: Paulo, nos textos citados, nem sequer descreve sua posição intra-judaica, antes, quer marcar o contraste em

relação à sua atual teologia cristã. Resta, portanto, o seguin­ te: sabemos que Paulo foi, anteriormente, um fariseu rigoro­ so quanto a Lei. Ulteriores suposições especiais são e perma­ necem questionáveis. Uma última informação biográfica talvez ainda se po­ deria extrair de G1 5.11 ("... se eu ainda prego a circuncisão, por que sou ainda perseguido?")- Relacionando-se a frase condicional, de modo histórico, com o período judaico do Apóstolo, pode-se, com referência à propaganda proselitista atestada em Mt 23.15, fazer do judeu Paulo um missionário sinagogal em favor da Lei. Essa conclusão, porém, não é ne­ cessária nem suficientemente segura nem respaldada por outras observações. A luta de Paulo contra simpatizantes batizados da sinagoga de Damasco (cf. caps. 4.2; 4.3) é mais um indicativo de que Paulo fazia distinção entre povo eleito e os gentios. Paulo é, pois, e isso deve ser retido como resultado, um fariseu rigoroso quanto à Lei, mas, ao mesmo tempo, um ha­ bitante de uma cidade helenista, que era um centro de forma­ ção helenista. Igualmente, o direito de cidadania romana da , família, de orientação farisaica, testemunha a favor de uma ! abertura ao Império Romano, o que, para uma parte do judaís­ mo da diáspora, certamente era típico. Paulo, portanto, inte­ gra dois mundos em sua pessoa: judaísmo e helenismo. Essas duas facetas ainda merecerão nossa atenção. 2. Paulo, fariseu da diáspora Para determinar o ponto de vista teológico de Paulo como judeu, faz sentido utilizar, como fio condutor, a única indicação do Apóstolo a respeito de si mesmo acerca desse tema. Não há nenhum motivo que possa levar a suspeitar de sua autodesignação como ex-fariseu, nem mesmo de vê-la como alternativa a um Paulo apocalíptico, por mais certeza que se tenha de que a cosmovisão de Paulo também tenha traços apocalípticos, como ainda será demonstrado.

Analisando as fontes judaicas a respeito do farisaísmo contemporâneo a Paulo, portanto, do farisaísmo que se es­ tende do tempo de Herodes até a época da conquista de Je­ rusalém por Tito em 70/71 d.C., a curiosidade histórica fica­ rá mais decepcionada do que satisfeita. O rabinismo, mais tarde, não só limitou drasticamente a tradição, como tam­ bém a elaborou a partir da ótica dos vencedores. Assim, o rabinismo, mais tarde, compreendeu a si mesmo como sen­ do a única ortodoxia judaica e, por isso mesmo, desqualifi­ cou, conseqüentemente, todas as outras correntes judaicas, sufocando grande parte dessas tradições. Ele também apre­ sentou a sua pré-história farisaica de tal modo que ela, pos­ teriormente, desembocasse diretamente na ortodoxia até dissipar em boa medida o pluralismo, visível ainda espora­ dicamente no farisaísmo anterior. Por fim, o rabinismo nem mesmo reconheceu essa história como continuidade e desen­ volvimento, conservando apenas antigas controvérsias e antigos episódios que lhe pareciam importantes para a in­ terpretação da Lei. Mas qual era a importância e quanto eram típicas para aquela época tais tradições, supondo que se lhes atribua confiabilidade histórica? Quem refletir sobre isso não se surpreenderá acerca da diversidade e contradição presen­ tes nas apresentações mais recentes do farisaísmo. Mesmo assim, algumas linhas mestras podem ser reco­ nhecidas: tal qual os essênios, também os fariseus têm sua origem no movimento assídico do séc. II a.C. Na época de Paulo, eles já há muito tempo estavam reunidos em corpora­ ções, com a finalidade de colocar o povo todo sob a ação santificadora da Torá, mediante a observação da Lei. Embo­ ra a eles também pertencessem sacerdotes e escribas, com certeza a maioria dos membros, contudo, era composta por leigos, que eram mais ou menos dependentes da interpreta­ ção da Torá feita pelos escribas. Indícios mostram que a uniformização da mentalidade farisaica é um produto tardio da história. Há para isso di­ versas indicações: na época herodiana, Hillel e Shammai,

.imbos com suas escolas, estavam em controvérsia com uma interpretação da Lei que, por um lado, era nomística e, por outro, orientada para a historicidade da vida. Parece ainda que uma parte dos fariseus de orientação radical políticonacional agiu, ao modo dos zelotas, entre Herodes e Tito, contra tudo o que fosse estrangeiro, embora a maioria, pro­ vavelmente, tenha se restringido somente à observância reli­ giosa da Lei. Na diáspora, por sua vez, alguns fariseus, entre outros grupos, devem ter multiplicado o número de simpati­ zantes das sinagogas, i.e., os assim chamados "tementes a I )eus", que eram adeptos do monoteísmo judaico, mas que iccusavam a circuncisão, bem como os prosélitos (Mt 23.25). I odas essas variações, mesmo assim, reconciliam-se na linha básica de orientação na Lei como única norma de vida para todo o Israel. A compreensão da Lei, porém, também passou por uma ovolução histórica, dentro da história geral do farisaísmo. Isso tem a ver com a compreensão fundamental da Lei, com