Alcácer Quibir: Visão ou Delírio de um Rei 9789728799601

Raras vezes uma batalha teve um impacto tão determinante como o confronto entre marroquinos e portugueses na batalha de

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Alcácer Quibir: Visão ou Delírio de um Rei
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Alcácer Quibir – 4 de Agosto de 1578

Visão ou Delírio de um rei?

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BATALHAS

PORTUGAL

Luis Costa e Sousa

ALCÁCER QUIBIR 4 de Agosto de 1578

Visão ou Delírio de um rei?

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Índice

Título: A Batalha de Alcácer Quibir, 4 de Agosto de 1578. Visão ou Delírio de um Rei? Copyright © 2009, Luís Costa e Sousa e Tribuna da História – Edição de Livros e Revistas, Unipessoal Lda. Rua Pinheiro Chagas, 27 – r/c 1050-175 Lisboa Telefone: 213 150 438 Fax: 213 155 458 Correio electrónico: [email protected] Internet: www.tribunadahistoria.pt Proibida a reprodução, no todo ou em parte, por qualquer meio, sem autorização do Editor. Imagens da capa: Retrato de D. Sebastião, de Cristóvão de Morais (Museu Nacional de Arte Antiga); Batalha de Álcacer Quibir, gravura incerta na obra Miscelânia, de Miguel Leitão de Andrada; Arcabuzeiro, pormenor do painel “preparativos do Cerco” do mural a fresco da Escadaria Principal do Paço Ducal de Vila Viçosa (Fundação da Casa de Bragança) Imagens do verso da guarda: Retrato de D. Sebastião com armadura de Cristóvão de Morais, 1572 (Colecção particular, Espanha). Editor: Pedro de Avillez Paginação: O Portal da História/Nuno Silva Capa: Nuno Silva Revisão: Manuel Amaral Impressão e acabamento: Tipografia Peres, S.A. Acabado de imprimir em Agosto de 2009 Depósito legal: ISBN: 978-972-8799-60-1

1. Escrever de novo sobre Alcácer Quibir 2. Introdução 3. O retorno a Marrocos 4. Os Exércitos em confronto O exército português no século XVI O exército marroquino no século XVI 5. Os comandantes D. Sebastião Mulei Abdelmeleque 6. O Norte de África, finalmente De Lisboa a Alcácer Quibir As ordens de batalha 7. A Batalha de Álcacer Quibir O dia 4 de Agosto de 1578 “O minuto vitorioso” O meio-dia O fim 8. Conclusão 9. Apêndices Glossário Notas Bibliografia Índice remissivo



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Alcácer Quibir – 4 de Agosto de 1578

Visão ou Delírio de um rei?

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1. Escrever de novo sobre Alcácer Quibir…

D. Sebastião com armadura e bastão de comando. Quadro de Alonso Sanchéz Coelho e oficina, cópia de um original de Cristóvão de Morais, 1572-1578. Fundación Casa de Alba, Palacio de las Dueñas, Sevilha

Penso que sou um obcecado pela batalha de Alcácer Quibir. Talvez porque as derrotas militares propiciarem algo de romântico, convidando-nos à reflexão sobre aquilo que poderia «ter sido», em contraponto com o resultado objectivo – histórico – que prevaleceu. Toda a investigação a que me dedico começou por querer saber um pouco mais acerca dessa estrondosa derrota que sucedeu há uns longos quatrocentos e setenta e tal anos. Mero interesse mórbido, poder-me-ão dizer. Porquê ocupar-me de um acontecimento de repercussões tão negativas na nossa história, para mais sobejamente estudado por inúmeros autores? Mais uma entrada a somar às 3780 da Bibliografia geral sobre D. Sebastião de Vítor Amaral de Oliveira... A minha intenção foi escrever um livro sobre uma batalha, um pouco à maneira de George Duby. Em quase metade do texto, tentei expôr aquilo que me parece ter sucedido no dia 4 de Agosto de 1578 com todo o detalhe possível, hora a hora, minuto a minuto. Mas este livro não é uma apologia à guerra. É certo que a guerra também é um jogo, mas um jogo violento no qual estão em causa dezenas, centenas, milhares de vidas. E, se no calor da leitura é possível partilhar alguma da adrenalina daqueles momentos em que os soldados sentiram a vitória próxima, não devemos esquecer o horror do rescaldo da batalha. Miguel Leitão de Andrada viveu-o, caminhando por entre tanto «sangue que em algumas partes dava pelo artelho», entre os gritos e lamentos dos feridos por debaixo dos mortos feitos em pedaços, «cristãos e mouros abraçados, chorando e morrendo, uns sobre a artilharia, outros braços e tripas arrastando». Existe um número substancial de descrições da batalha escritas por testemunhas presenciais. Foi esta a base de que me servi para elaborar todo o texto. Procurei dar a palavra aos veteranos da batalha. Miguel Leitão de Andrada, Jerónimo de Mendonça, o capitão castelhano Luís de Oxeda, outros anónimos mas nem por isso menos cruciais, com todos eles pretendi estabelecer um diálogo com quase quinhentos anos de intervalo. Alguém me perguntou o que mais me tocou enquanto investigava na biblioteca entre as páginas doslivros e manuscritos; sem dúvida que foi o ter conhecido todos estes personagens. Os principais textos sobre Alcácer Quibir são conhecidos desde há muito, e foram estudados por diversos autores de envergadura que se têm ocupado do tema sebástico. Contudo, algumas destas «relações», sobretudo as que foram publicadas nos últimos anos, carecem ainda de uma análise aprofundada. A Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’EL-Rei D. Sebastião, em particular, apresenta diversos elementos que, intercruzando-se com os demais relatos, pode contribuir para a compreensão da forma como de facto decorreu a batalha, afastando certas considerações pré-concebidas. Tentei seguir o fio da batalha segundo vários pontos de vista, cada um deles fruto da posição que as diversas testemunhas oculares ocuparam no decurso dos combates. Conforme o leitor se vai aproximando do dia da batalha, vão surgindo cada vez maior número de depoimentos destes homens, intercalados com o texto científico mais clássico. Não são rigorosas transcrições do texto original, muitas vezes pretendem ouvir-se como uma reflexão do personagem, cujo sentido geral procurei extrair do texto original. Não tentei escrever um romance, apenas pretendi tornar a leitura mais acessível, até porque a referência bibliográfica à fonte se mantém na forma de nota de rodapé. A relação escrita pelo médico pessoal de Mulei Abdelmeleque – conhecida como Lettre d’un médecin Juife a son frére – é uma peça fundamental que nos dá a perspectiva dos momentos cruciais da batalha pelo lado marroquino. Esta visão do outro corrobora muitos dos factos descritos pelos autores cristãos de diversas nacionalidades, nada menos que 7 portugueses, 3 espanhóis, e 2 italianos. Mas certamente que outras ainda se hão-de descobrir, contrariando muitas das asserções que agora se apresentam. Pois não será assim que se escreve a história?

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2. Introdução

Ceuta A cidade, a primeira pedra do edifício imperial português foi conquistada em 21 de Agosto de 1415. Gravura incerta na obra Civitates orbis terrarum de Georgius Braun.

Durante todo o século XVI, o Mediterrâneo foi um dos principais palcos onde se desenrolou um confronto directo entre os dois grandes impérios da altura, a Espanha dos Habsburgo e a Turquia otomana. Hoje não temos a noção da gravidade da situação políticomilitar que então se desenhava nesse espaço geográfico, onde se jogava nada menos que o domínio sobre o norte de África. De facto, os soberanos cristãos da península Ibérica pretendiam levar a reconquista ao outro lado do Mediterrâneo, recuperando o território que antes havia estado sob o domínio latino durante o império romano. Tratava-se de reestabelecer o Mediterrâneo como uma ponte, em vez de uma fronteira entre realidades completamente distintas, como acontece nos nossos dias. Desde a conquista de Ceuta em 14151, que Portugal intensificou progressivamente a sua presença nas costas do norte de África. A expansão lusitana no que hoje constitui Marrocos ocupou um lugar de destaque no reinado de Afonso V, como o indica o seu próprio cognome – O Africano. Este rei conquistou Alcácer Ceguer (1458), Arzila e a famigerada Tânger (ambas em 1471), onde havia fracassado o infante D. Henrique em 1437. Esta sucessão de conquistas, que se intensificou no primeiro quartel de quinhentos, ocorreu em clara competição com os seus vizinhos ibéricos que recusavam aos portugueses o direito à conquista de mais posições no norte de África. Foram vários o incidentes que sucederam, nomeadamente com a posse das Canárias, que os portugeses entendiam pertencer-lhes pela posição geográfica que ocupavam na rota que então desenhavam pela costa de África. Demarcadas definitivamente as zonas de influência dos dois reinos cristãos pela Convenção de Sintra de 1509, o estrondoso insucesso da expedição a Mamora2 em 1516 levou D. Manuel a abandonar a construção de mais fortalezas. Foi o fim de um esforço militar que atingiu o seu zénite com a batalha dos Alcaides em 15143 – um dos raríssimos encontros campais antes de 1578 – e um importante raid à cidade de Marraquexe em 1515, a mesma cidade de onde partiriam mais tarde os xarifes sádidas à conquista de todo o Norte de África Ocidental. E assim, iniciado o lento ocaso português sobre as suas possessões norte-africanas, são os castelhanos que assumem um papel preponderante, embora virados para o Mediterrâneo oriental. Para os portugueses, a situação militar vai deteriorar-se rapidamente a partir dos anos 30 de quinhentos, quando os xarifes sádidas iniciam uma guerra sem tréguas aos cristãos, congregando as simpatias locais. A retracção dos portugueses culminou com a queda da fortaleza de Santa Cruz em 1541, depois de um prolongado cerco durante o qual os sádidas revelaram dominar todo o tipo de armamento moderno, dos quais se destacavam pesadas peças de artilharia de assédio. A derrota de Santa Cruz teve um profunto impacto na moral dos portugueses. Somando a grave situação militar ao peso nos recursos humanos e financeiros necessários à continuação da guerra de África, outros pontos fortificados são imediatamente abandonados por se julgarem indefensáveis. Esta era uma medida, que havia sido maturada com antecedência, não havia sido posta em prática por diversas razões. Era o reavivar da discussão que se havia iniciado logo no ano de 1415 depois de conquistada Ceuta – devia-se manter ou abandonar a praça? Em todo o caso, o prestígio militar dos portugueses ficou necessáriamente abalado, como muitos receavam. Ao invés, o prestígio dos xarifes aumentou dramáticamente, como prova o desintegrar de numerosas alianças entre os cristãos e chefes locais – os chamados

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A luta no Mediterrâneo ocid ental durante o século XVI Viena 1529 Áustria

SUÍÇA

Reino de frança

VENEZA Reino de navarra

HUNGRIA

PARMA

Avinhão

IMPÉRIO OTOMANO Mohacs 1526

Andorra TOSCANIA coroa de aragão

Portugal coroa de castela

GENOVA PRESÍDIOS DA TOSCANIA

Alpujarras 1568-1571

1508 1510 1550 1508 1513 1541

1507 1534 1541

Pinhão de Velez

Arzila

1501 1505

Orão 1509

Melila

Salé

Alcácer Quibir 1578 Fez REINO DE FEZ

Safim

1519 1529

Mers el Kebir

Mamora

Mazagão

Mogador 1506 1507 1516 1533 1541

Tânger

Watassids SÁDIDAS

REINO DA SARDENHA

Um «espinho» na zona de influência castelhana: Argel

1508 1563 1564

Larache

1515 Azamor

1514 1562

REINO DE NÁPOLES

Lagos

Os principais «ninhos» do corso muçulmano na costa atlântica do Magreb

Tlemeen 1543

ZAYANID Apoio a Mulei Abdelmeleque 1576

1510 1512 1515 1555

Mostaganen 1558 Argel

Bougia

REINO DA SICÍLIA

Tunes Madia REINO DE TUNES Cairuão 1539

Sousse 1537 Malta 1565

Kerkena 1510 Jerba

Marraquexe 1515

Prevesa 1538

1535 1542 1551 1570 1573 1574

1510 1560 1510 1552

Santa Cruz do Cabo Guer Tripoli

O «ferrolho» do mediterrâneo central: Tunes, Tripoli, Malta e Sicília

Lepanto 1571

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As expedições Ibéricas ao Norte de África Ano Portugal 1501 Ataque a Mers el-Kebir 1503 Ataque a Alcácer Quibir 1505 Construção de Sta. Cruz do cabo Guer 1506 Construção de Mogador 1507 Conquista de Safim 1508 Cerco de Arzila Ataque a Azamor 1509 - 1510 Cerco de Arzila 1512 - 1513 Conquista de Azamor 1514 Construção de Mazagão 1515 Ataque a Marraquexe Derrota de Mamora 1516 Cerco de Sta. Cruz do cabo Guer 1519 - 1522 - 1529 - 1533 Cerco de Sta. Cruz do cabo Guer 1534 Cerco de Safim 1537 - 1539 - 1541 Perda de Sta. Cruz do cabo Guer Abandono de Azamor e Safim 1542 - 1543 - 1550 Abandono de Arzila e Alcácer Ceguer 1551 - 1552 - 1555 - 1558 - 1560 - 1562 Cerco de Mazagão 1563 - 1564 - 1565 - 1570 - 1571 - 1573 - 1574 - 1576 Abdelmeleque sobe ao poder 1578 Batalha de Alcácer Quibir

Espanha Conquista de Mers el-Kebir Conquista de Pinhão de Velez

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O sultão otomano Murat III e o rei castelhano Filipe II Os protagonistas dos principais confrontos militares no Mediterrâneo em finais de quinhentos

Conquista de Orão Conquista de Bougia eTrípoli Derrota em Jerba e Kerkena Cerco de Bougia Batalha dos Alcaides Cerco de Bougia Ataque a Argel Derrota em Argel Perda de Pinhão de Velez Perda de Pinhão de Argel Conquista de Tunes Ataque a Sousse Sousse, Sfax e Monastir tributárias Ataque a Cairuão Derrota em Argel Perda de Tunes Conquista de Tlemcem Conquista de Tunes Perda de Tripoli Perda de Bougia Ataque a Mostaganem Conquista de Jerba Perda de Jerba Ataque a Pinhão de Velez Conquista de Pinhão de Velez Cerco de Malta Perda de Tunes Vitória naval de Lepanto Conquista de Tunes Conquista de Bizerta Perda de Tunes e Bizerta -

mouros de pazes – que permitiam alguma forma de auto--suficiência entre as guarnições das praças. Ao mesmo tempo que os portugueses perdiam inexoravelmente terreno face aos seus inimigos, os castelhanos tomam o protagonismo da ofensiva. A década de 30 marca um período de intenso esforço militar. Carlos V parecia decidido a implantar-se sólidamete no outro lado do Mediterrâneo, e para tal organizou duas expedições que se revelaram cruciais na definição de quem dominaria o norte de África Oriental. A luta travava-se então contra os otomanos e os potentados locais seus subsidiários, em particular os reinos de Tunes e Argel. De um ponto de vista estratégico, o controle do triângulo formado pela Sicília, Tunes e a ilha de Malta permitia o domínio efectivo do acesso ao Mediterrâneo Ocidental, um espaço vital tanto para espanhóis como para portugueses. Tunes foi conquistada em 1535, mas o remate desta formidável conquista se saldou por uma estrondosa derrota. Argel, autêntico espinho cravado nas intenções expansionistas de Carlos V, foi atacada em 1541. Avassaldos pela demonstração do enorme poder militar castelhano, os muçulmanos observavam a frota despejar mantimentos e soldados. Contudo teve lugar uma enorme tempestade que varreu por completo os navios e destruiu as trincheiras dos sitiantes. Um contra-ataque dos muçulmanos escorraçou definitivamente os cristãos, que apressadamente reembarcaram nos destroços da frota. Apenas a presença de Carlos V entre os soldados de uma força recuada que protegeu a retirada evitou um maior descalabro, mas o imperador esteve em risco de perder a vida. Argel continuaria a lançar a instabilidade no Mediterrâneo central. A situação manteve-se num impasse e, depois da morte de Carlos V, o seu filho Filipe II foi forçado a novo esforço militar, tentando contrariar a ofensiva dos turcos que então se desenhava. Entre 1550 e 1570 as derrotas castelhanas sucedem-se, e apenas em 1571 uma frota coligada entre Espanha, Veneza e os Estados Pontifícios – onde ainda estavam presentes

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os cavaleiros da ordem de Malta – obtém uma retumbante vitória na batalha de Lepanto, que se feriu ao largo da Grécia então sob domínio otomano. Foi, contudo, uma vitória estritamente naval porque em terra os castelhanos foram batidos praticamente em toda a linha desde a década de 50. E a partir de 1574, com a passagem definitiva de Tunes para mãos islâmicas, foi finalmente forçado o ferrolho de entrada no mediterrâneo central, o que teve como consequência a Turquia assumir o controlo definitivo do Magrebe Oriental. Argel, Tunes e Tripoli tornaram-se os principais pontos de apoio ao corso muçulmano, devastando as costas da Europa Mediterrânica desde a Sicília até Portugal. Não são poucas as referências de cronistas portugueses a estes ataques. E embora sem objectivos territoriais imediatos para além de uma intenção de levar a razia5 ao território cristão, não deixavam por isso de constituir uma ameaça real à vida das populações cristãs, nomeadamente do sul de Portugal. Exaustos os dois principais adversários, e na necessidade de desviar preciosos recursos militares para outros teatros de operações, a Turquia e a Espanha procuraram entender-se. Preocupado com a situação nos países baixos, Filipe II aceitou o facto de o Magrebe ficar definitivamente inserido na esfera de influência do Islão. Por seu lado, aos otomanos não mais interessava um avanço para o Magrebe Ocidental, que aliás sempre se revelou avesso a qualquer intervenção externa. Atingiu-se assim no Mediterrâneo o ponto de equilíbrio entre as duas potências. O alívio da pressão exercida pela Turquia e Castela sobre aquela região, deixa um espaço vazio que Portugal e Marrocos tentarão preencher. E da mesma forma que a dinastia dos xarifes sádidas de Marrocos procura afirmar a sua independência face à Turquia através da intensificação do combate contra o infiel, também Portugal procura renovar o seu prestígio dentro do conjunto dos países europeus, particularmente em relação a Castela. O combate contra os mouros, erguendo uma barreira contra o expansionismo turco no Mediterrâneo Ocidental, parecia o meio mais apropriado de alcançar uma nova notoriedade internacional6. É que para a Europa os turcos constituíam uma séria ameaça. A Hungria cristã tinha sido varrida em sucessivas campanhas militares, e os otomanos só tinham suspendido o seu avanço para ocidente em virtude da morte do sultão Solimão, quase às portas de Viena. O século XVI foi uma época crucial para o pequeno reino português, que oscilou entre a enorme auto-confiança incutida pelo advento do império, e uma crise que se foi agudizando com o passar dos anos. Esta crise terá sucedido por vários motivos, e sobre eles escreveram um Camões ou, quatrocentos anos mais tarde, um Fernando Pessoa. No século passado, o orientalista David Lopes afirmou que foi milagre ter sucedido uma expansão por meio-mundo, protagonizada por um país cuja população não excedia um milhão de habitantes saído poucos anos antes de uma longa guerra contra o poderoso vizinho castelhano. E, de facto, podemos considerar que uma causa directa para o declínio português se prendeu com o insuportável fardo imposto sobre os seus limitados recursos, esforço esse necessário para manter uma presença que se estendia desde o norte de África até à China. Quase poderíamos afirmar que Portugal ficou exangue neste processo. Por meados do século, no auge duma crise que entretanto tomava graves contornos económicos em virtude de várias situações problemáticas. A crise no abastecimento de cereais, por exemplo, causou períodos de grande penúria como aconteceu no ano de 1575. Mas a par de uma situação já de si extremamente gravosa pelas implicações no próprio tecido demográfico – gerador de tensões sociais, sem dúvida – surge um novo problema, este de carácter político. A falta de um herdeiro masculino para o trono português era causa de grandes preocupações, que aparentemente se estendiam aos diferentes extractos da população. E à

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Argel A cidade de Argel foi crucial em todo o conflito entre castelhanos e otomanos. Embora tributário da Sublime Porta, a sua importância conferiu-lhe elevado grau de autonomia. Enriqueceu com o corso, tornando-se talvez o principal entreposto de escravos de toda a região.

O fracasso de Argel A derrota de Mamora e o assalto fracassado a Argel são dois momentos cruciais da presença Ibérica no norte de África. Em 1516 os portugueses tentaram controlar mais um porto na costa, a foz do rio Cebu. D. Manuel enviou uma frota de 200 navios com cerca de 8.000 homens, levando elementos pré-fabricados em madeira para a construção de uma fortaleza provisória. A escolha do local de implantação da estrutura não foi feliz, e depois de um cerco apertado, durante o qual os sitiantes utilizaram pela primeira vez um número substancial de peças de artilharia, os portugueses retiram-se, abandonando mais de 1.200 mortos no local. Este desaire marcou o fim da expansão portuguesa no norte de África. Com o insucesso da expedição a Argel, ficou irremediávelmente comprometida a presença dos castelhanos no Magrebe ocidental. Estratego perspicaz e bem informado, Carlos V bem se apercebia da importância vital da cidade. Apesar de Tunes se encontrar nas mãos dos castelhanos desde 1535, a sua posse nunca seria consolidada sem o controlo do reino de Argel. Embora subsidiário dos sultões otomanos, este potentado não deixava de exercer uma notável autonomia, e a sua economia dependia, em boa parte, da

actividade dos corsários muçulmanos aí instalados. A partir de 1516 os irmãos Barbarroxa estabeleceram--se com o apoio dos turcos, a quem naturalmente interessava a desestabilização que o corso provocava. Dois anos depois (1518) o notável comandante naval Khair a-Din Barbarossa dava início à construção de um ancoradouro destinado a acomodar os navios da sua temível frota. E muitos cristãos capturados no Mediterrâneo acabaram vendidos no mercado de escravos de Argel, conforme podemos ler no relato do português João Mascarenhas4, também ele vítima dos piratas argelinos. Não conseguindo eliminar este ninho de corsários, cuja importância cresceu com a subida de tom da luta entre otomanos e castelhanos, a navegação no Mediterrâneo era continuamente colocada em risco, e a costa desde a Itália até Portugal era sujeita aos ataques frequentes dos muçulmanos. Argel desempenhou assim um papel de relevo no contexto estratégico no Mediterrâneo quinhentista. O exílio de Abdelmeleque inciou-se por Argel, e foi daqui que depois partiu à conquista do trono com o apoio de janízeros argelinos. Este contingente desempenhou um papel crucial no decurso da batalha de Alcácer Quibir.

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excepção do partido que não enjeitava a possibilidade de absorção pela coroa castelhana, e que ilustrava aquilo que Camões havia escrito sobre aqueles que julgavam servirem os portugueses «mais para ser mandados do que para mandar», a maioria dos portugueses entendia que juntar as duas coroas era algo impensável. E como escrevia desapaixonadamente o embaixador castelhano pelo ano de 1554, aos olhos dos portugueses o nascimento de D. Sebastião tinha-os livrado do jugo escravizante dos castelhanos, que os primeiros teimavam em considerar seus inimigos7. O nascimento de um herdeiro masculino ao trono em 1554 afastou, pelo menos no futuro próximo, o espectro da União Ibérica. Ardentemente desejado por todos, o rei D. Sebastião foi visto como um sinal promissor, congregando à sua volta todos aqueles que aspiravam a uma alteração do negro curso dos acontecimentos. A tarefa do jovem rei estava, contudo, extremamente dificultada, pois a sociedade portuguesesa encontrava-se dividida por uma profunda fractura. O partido pró-castelhano, cuja cabeça era a avó de D. Sebastião, viúva de D. João III, detinha as rédeas do poder e adiou até que lhe foi possível a subida ao trono do neto. Cultivados apoios, compradas vontades, a regente estendeu a influência castelhana. Mas, apesar de todos os esforços empreendidos, os portugueses não estavam preparados para qualquer espécie de união com os seus poderosos vizinhos. Muitos portugueses sentiam-se preteridos nos cargos por figuras da confiança e conveniência de D. Catarina. E o aportuguesamento dos costumes decidido nas Cortes de 1562-63 espelham a vontade, apoiada em larga base, de afastar uma influência que para muitos se tornava insuportável. O duque de Aveiro, que viu o ducado que lhe fora atribuído em 1547 confirmado pelo novo rei8, tornou-se muito próximo do monarca. Tão próximo que correu boato de que o rei poderia casar com a filha de D. Jorge de Lencastre. E o duque levou a lealdade ao seu soberano muito a sério. Foi-lhe entregue o comando de um esquadrão de cavaleiros na batalha de Alcácer Quibir, no flanco oposto ao que D. Sebastião ocupava. Traduz a plena confiança depositada no duque, que aliás perdeu a vida no fragor da luta. Outra figura de enorme relevo é Lourenço Pires de Távora, um nobre que soube movimentar-se pelos meandros da complexa situação política portuguesa, sobretudo durante as regências na menoridade do jovem príncipe. Veterano da guerra no norte de África e Índia foi embaixador em vários locais e encarregue de difícies missões, como a pretendida eleição do cardeal D. Henrique para papa. Outra incumbência de capital importância foi a tentativa de forjar um tratado de auxílio militar entre D. João III e o rei de Fez. Apesar do fracasso de ambas as iniciativas, o seu prestígio e influência mantiveram-se e, como conhecedor das movimentações políticas e militares no norte de África, toma parte nas discussões sobre o rumo a tomar quanto ao futuro da presença em Marrocos. Defende o abandono de algumas posições acompanhado pelo reforço das restantes, e esta opinião transparece no resultado das Cortes de 1562-63. Em todo o caso, as suas opiniões movimentam-se dentro dos «interesses estratégicos e económicos e do prestígio de Portugal»9. Por essa razão esteve na primeira linha do afrontamento ao aumento da influência castelhana durante o governo da regente, aliando-se ao cardeal D. Henrique. E o cardeal substituiu D. Catarina na regência em boa parte devido às movimentações do seu aliado diplomata. Talvez por essa razão fosse nomeado capitão de Tânger no ano seguinte, 1564, aproveitando o profundo conhecimento da política local que havia adquirido ao longo da carreira. A política de abandono de posições do norte de África era o reflexo do agudizar da crise em Portugal e no império. Como reacção a este declínio, desenvolveu-se uma corrente de opinião defendendo que as causas mais profundas se deviam, em grande medida, à importação de hábitos orientais de ostentação e luxo, responsáveis por uma decadência moral da

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Os Jesuítas

Em 27 de Setembro de 1540, o papa Paulo III, pela bula Regimini Militantis Ecclesiae, aprova a constituição da nova ordem também denominada Companhia de Jesus, então contando apenas 10 membros, dos quais o mais importante era, sem dúvida, Inácio de Loiola. A Companhia de Jesus surgiu com o objectivo missionarista de espalhar a fé cristã. Como Inácio de Loiola e os outros membros da Companhia tinham frequentado a Universidade de Paris, pensaram abrir junto das Universidades residências, onde se formariam os novos membros da Companhia. E assim terá nascido a vocação da ordem para o ensino. Os jesuítas perceberam que a chave da conversão das populações se encontrava na educação das crianças. Em 1548 Inácio de Loiola abriu o primeiro Colégio da Companhia em Messina, na Sicília, que inspirou todos os outros. Aproveitando o esforço expansionista dos portugueses e espanhóis, os jesuítas vão estar presentes nos espaços geográficos que estes países colonizaram. Mas ciosos da sua independência face ao poder político, a ordem não pretendia estar subjugada a um governante da envergadura de Carlos V. Portugal era, assim, terreno mais fértil para a expansão da Companhia de Jesus. Diogo de Gouveia havia informado o rei português da existência de uma ordem religiosa recentemente fundada que poderia levar a cabo a conversão dos povos da Índia. Entusiasmado, D. João III, fez da fixação desta ordem um dos principais objectivos do seu reinado. E em 1546 foi criada a Província de Portugal, a primeira da ordem. Graças a numerosos benfeitores, com destaque para a família real, o crescimento da Companhia de Jesus em Portugal foi extraordinariamente rápido. Em 1542, foi fundado o Colégio de Jesus (Coimbra). Seguiu-se em 1551 o Colégio do Espírito Santo (Évora) e, em 1553, a casa professa de S. Roque (Lisboa). Em Portugal, os jesuítas deram as suas primeiras aulas públicas no Colégio de Santo Antão em Lisboa, inaugurado em 1553. Em 1559, foi fundada a Universidade de Évora pelo cardeal D. Henrique, tio de D. Sebastião, que a entregou à Companhia. Progressivamente, a rede foi-se estendendo às principais cidades do País: Braga (1560); Bragança (1561); Funchal e Angra (1570). Os jesuítas portugueses foram educadores, confessores e pregadores dos reis e da corte. D. Sebastião foi o primeiro rei portugês formado na militância da Companhia. sociedade. Esta leitura dos acontecimentos tinha raízes óbvias numa atitude contra-reformista, em grande medida defendida pelos jesuítas que se haviam implantado em Portugal durante os anos de 1530-40. Mas também obedecia ao crescer de uma nova ofensiva dos otomanos que se desenhou a partir dos anos 50, e culminou com as operações militares que levaram à perda de Tunes em 1574. Esta recente ordem religiosa supra-nacional, ansiosa por ascender aos círculos de poder, congregou muitos daqueles que se ressentiam da crescente influência castelhana que se observava na corte portuguesa. O tio do rei, o cardeal D. Henrique, defendia como tantos outros retomar velhos hábitos antigos, moralmente aceitáveis. Ele próprio um jesuíta, rápidamente procurou nomear como tutores do príncipe dois seus correlegionários. Estes

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D. Catarina de Aragão e D. Henrique Os «chefes de partido» na luta de poder em Portugal durante as regências de D. Sebastião. Quadro de António Moro, 1552, Museu do Prado, Madrid. Quadro de autor desconhecido. Galeria dos Uffizi, Florença.

imprimiram na criança uma atitude militante que esteve na base de toda a sua formação, influenciando profundamente as suas decisões durante a vida de adulto. O zelo religioso de D. Sebastião resultante desta educação, está bem patente na sua decisão de alterar o ponto de gravidade da expansão portuguesa, optando por uma renovada intervenção no norte de África. Mas este redireccionamento era também desejado por largas franjas da sociedade portuguesa, como se verificou no apoio entusiástico à heróica defesa da praça de Mazagão em 1562. Do sul de Portugal, que vivia de perto a ameaça dos corsários muçulmanos, muitos tomaram a iniciativa de responder aos apelos do capitão da praça, mesmo antes da intervenção da regente. De Tavira, por exemplo, foram enviados

voluntários em barcos fornecidos pelos habitantes, ajuda que inclusivamente mereceu uma bandeira própria sob a qual estesvoluntários combateram ao longo do cerco. As decisões tomadas nas Cortes de 1562-63, vivendo ainda a euforia da recente vitória, expressaram um desejo inequívoco de concentrar os esforços da nação contra um inimigo que se encontrava geográficamente mais próximo. Podemos descortinar na escrita de autores como Diogo do Couto ou Camões, esta atitude de antagonismo face ao inimigo religioso, profundamente enraizada entre os portugueses desde a guerra da «reconquista». E se a disciplina marcial podia ser vista como uma forma de purgar uma sociedade moralmente doente, restaurando os valores cristãos que haviam sido postos de lado pela

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Mazagão, lugar do cerco de 1562 A muralha leste da vila, vendo-se a porta do Mar e o baluarte de S. Sebastião.

Os arquitectos militares e o cerco de 1562 a Mazagão

O cerco de Mazagão de 1562 foi um dos momentos militares mais altos da presença dos portugueses no norte de África. Fundada em 1514, pode-se dizer que foi objecto de uma segunda fundação com as obras que dotaram esta praça de um perímetro fortificado moderno. Considerada uma das fortalezas mais bem defendidas, o traçado geral teve como autor Benedeto de Ravena, o reputado engenheiro militar de Carlos V. É obra de referência na história da arquitectura militar portuguesa de quinhentos. Assim, desde o início que a vida da fortaleza de Mazagão está ligada a figuras de relevo da arquitectura. De facto, e para além do papel de Ravena, também esteve envolvido nas obras de construção da cintura moderna Miguel de Arruda. E outra figura de vulto da arquitectura nacional esteve ligada ao cerco de 1562. Era ele Isidoro de Almeida, arquitecto reputado, engenheiro militar conceituado, e tratadista consumado. Neste âmbito, traduziu o tratado de arquitectura de Albrecht Dürer e escreveu um tratado sobre arte militar. O Convento de S. Domingos (Coimbra) foi a sua obra de arquitectura civil mais conhecida, e esteve presente na junta encarregue das obras de modernização das fortificações de Tânger. O seu papel na defesa de Mazagão foi determinante. Dirigiu a defesa dos baluartes e o fogo de contra-bateria – foi sob a sua orientação que foi destruída uma das peças mais pesadas dos sitiantes – e comandou com sucesso as operações de contra-minagem. Decorridos três meses, o pai daquele que seria o futuro aliado dos portugueses, levantava o cerco.

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esmagadora riqueza oriental, certamente que factores como a ameaça islâmica no Mediterrâneo contribuíram para a revitalização da velha ideia de construir um império no Algarve de além-mar. Profundamente influenciado pela rígida moral contra-reformista dos seus mentores, D. Sebastião vai abraçar este ideário. E se a muitos esta moralização aparecia como uma meta inatingível, sem viabilidade no mundo que entretando se havia construído sobre o comércio do Oriente, outros apoiaram sem reservas os planos militares do rei. Rodeado por figuras importantes da nobreza como o duque de Aveiro D. Jorge de Lencastre, aglutinaram-se ainda à sua volta uma juventude nobiliática ansiosa por ganhar proeminência, como prémio por feitos militares fulgurantes contra o inimigo do outro lado do estreito. Cristóvão de Távora, por exemplo, era um dos filhos do influente Lourenço Pires de Távora, entretanto retirado da corte. Com o tempo, o jovem fidalgo tornou-se o principal valido10 do rei, demonstrando assim a complicada teia de influêncais que se estendia no seio da sociedade de então. Por seu lado, os castelhanos nunca haviam perdido por completo a esperança de uma união entre as duas coroas… mas evidentemente sob a sua tutela. É um facto que Carlos V confidenciava aos seus mais estreitos conselheiros que ambicionava Lisboa para capital de um império ibérico. Durante as negociações para o contrato de casamento entre os filhos de D. João III e Carlos V – D. João de Portugal e D. Joana de Castela – os negociadores castelhanos levantaram mesmo a ideia dos benefícios de uma União Ibérica. A influência castelhana em Portugal, sobretudo na corte portuguesa, era enorme, e só assim se compreende semelhante sugestão. O próprio embaixador castelhano em Lisboa mais fazia as vezes de um espião, relatando tudo o que pudesse vir a interessar ao seu soberano com extrema minúcia, conforme podemos verificar pelo teor da correspondência entre os dois11. E se não parece muito credível que Filipe II de Espanha tivesse arquitectado um para se apoderar do trono português, sem dúvida que pretendia assumiir o papel de cabeça da família, subalternizando sistemáticamente os portugueses em assuntos que, em primeiro lugar lhes diziam respeito. A escolha do melhor partido com quem o sobrinho deveria casar, é um caso exemplar. Alterando as noivas ao sabor das suas conveniências, procurou inviabilizar qualquer contrato de matrimónio fora da sua esfera de influência. Foi preciso o rei português pôr um ponto final no assunto para terminarem as interferências do monarca castelhano. Mas a expedição a Marrocos foi o ponto alto na discórdia entre os dois monarcas. No decurso do encontro no mosteiro de Guadalupe12, os argumentos dúplices de Filipe II – que efectivamente não pretendia apoiar o sobrinho na guerra em África –irritaram de tal forma o jovem e orgulhoso D. Sebastião, que na última noite do encontro se retirou para os seus aposentos com a intenção de no dia seguinte voltar a Portugal para declarar guerra ao tio. Foi a intervenção de Alexandre Farnese, o prestigiado general ao serviço dos castelhanos, que impediu uma eventual crise diplomática grave entre os dois países13. Por outro lado, a proposta do soberano portugês para o seu eventual casamento a infanta castelhana Isabel Clara Eugénia, aparece como mais um expediente destinado a obrigar o tio a facultar a ajuda prometida à expedição. No final, não teve lugar nem casamento nem ajuda militar. Não era tolerável a intervenção de Filipe II em assuntos que apenas diziam respeito a Portugal, como seja a definição dos objectivos estratégicos da sua política externa. As tentativas de dissuadir o rei português mais se assemelhavam aos conselhos de um pai para o seu filho, pretensão certamente insuportável para a personalidade do monarca português. Mas a sublinhar a contrariedade que constituía a expedição portuguesa nos planos de

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D. Joana de Áustria, mãe de D. Sebastião Retrato de António Moro, 1551, Museu do Prado, Madrid.

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O Mosteiro de Guadalupe O mosteiro de Guadalupe, onde D. Sebastião se encontrou com Filipe II numa cimeira. O rei português pretendia vincular o tio a uma ajuda substancial à expedição que pretendia levar ao norte de África.

A mesa dos reis em Guadalupe

Filipe II, este não permitiu que qualquer dos generais de envergadura solicitados pelo sobrinho participasse na expedição. No encontro de Guadalupe, o duque de Alba recusou pessoalmente o convite, alegando a sua idade avançada. Curioso argumento para quem, dois anos depois, liderou o exército que invadiu Portugal. Em resumo, verificando que falharam todas as tentativas de dissuadir o sobrinho, o monarca castelhano recusou-se liminarmente a prestar qualquer auxílio militar oficial – e substancial. Foi proibido o levantamento público de voluntários espanhóis, e que não seriam poucos, segundo se depreende das palavras dos cronistas. Os homens que desejavam integrar a expedição portuguesa apenas puderam passar a fronteira pelo Alentejo ou por Porto de Santa Maria, e mesmo assim só em pequenos grupos isolados. A situação chegou ao extremo quando Filipe II mandou prender os oficiais que tomaram a iniciativa de levantar tropas em Espanha. D. Sebastião queixou-se disso ao embaixador castelhano, conforme D. Juan da Silva relata numa carta para o seu soberano. Esta missiva está datada de 11 de Junho de 157817, portanto nas vésperas da saída da frota expedicionária, que teve lugar no dia 24 do mesmo mês. Ficou inviabilizada, assim, uma participação de peso por parte de uns dos mais reputados soldados da Europa. O terço de castelhanos que participou na batalha consistia apenas nos voluntários que se dirigiram por inciativa própria a Portugal. E não foram os escassos 500

D. Sebastião parece ter chegado ao encontro de Guadalupe com o único fito de obter a ajuda militar do tio, que considerava crucial para o êxito da expedição. Os soldados castelhanos eram dos mais reputados – talvez os melhores – de toda a Europa. Permitiriam por certo, poupar muito dinheiro às sobrecarregadas finanças portuguesas, escusando a contratação de mercenários, cujo soldo era extremamente elevado. E as galés de Filipe II eram absolutamente fundamentais para o apoio das operações de assalto à fortaleza de Larache. Na bagagem do monarca português vinham diversas iguarias gastronómicas, constituídas fundamentalmente por peixe, de que D. Sebastião era grande apreciador. Aliás a abundância, diversidade e qualidade do peixe que se encontrava no porto de Lisboa era reconhecida, onde chegavam a pescar embarcações provenientes da Galiza14. Foram apresentados aos castelhanos azevias, besugos e linguados fritos, e os inevitáveis mariscos – lagostas e ostras – que para espanto dos anfitriões chegaram vivos ao mosteiro. A comitiva trazia ainda uma especialidade culinária, as empadas de salmonetes15. Segundo uma receita de 1680, eram cozinhados da seguinte forma: Deixava-se o peixe marinar durante duas horas em azeite e vinagre, com alguns temperos. Depois de amassada a massa, faziam-se as empadas do tamanho dos salmonetes que, depois de polvilhadas com pimenta, se levavam ao forno a cozer16. soldados enviados com o capitão Aldana, já a coluna se havia internado pelo interior do sertão marroquino, que apagaram esta manifesta falta de vontade em apoiar a expedição. Pode-se situar a política de Filipe II no meio de dois extremos. Se não devemos ler uma intenção maquiavélica de deixar o sobrinho lançar-se numa expedição suicida, também a falta de ajuda castelhana não foi inocente. Porque, de facto, não interessava a Filipe II que D. Sebastião conseguisse uma vitória militar no norte de África, como aquela que o soberano português esperava obter.

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3. O retorno a Marrocos

As Muralhas de Marraquexe com a Atlas ao fundo Foi sobre estas muralhas que se lançaram cerca de 2.000 portugueses em 1515. E foi do interior destas muralhas que partiram os xerifes sádidas à conquista do Norte de África ocidental, que culminou com a derrota portuguesa de Alcácer Quibir.

Antes de mais, é preciso sublinhar a importância do poder militar como forma de afirmação do poder político. Potências de pequena dimensão com mais largas aspirações, como a Inglaterra quinhentista, procuraram o reconhecimento internacional – leia-se europeu, em primeiro lugar – através de expedições militares comandadas pelo soberano em pessoa. Foi o caso da curta campanha em França no primeiro quartel de quinhentos, que Henrique VIII comandou pessoalmente. E quando Carlos V decide liderar as campanhas militares ao norte de África, contra a opinião de alguns dos seus conselheiros mais próximos, fá-lo certamente na expectativa de um reconhecimento no quadro político europeu, sabendo o valor do prestígio militar quando adquirido em luta contra o inimigo religioso. Assim sendo, não devemos ficar surpreendidos ao ver D. Sebastião comandar pessoalmente a expedição de 1578, à semelhança do que já havia feito quatro anos antes na sua primeira deslocação a Marrocos. E muitos anos depois ainda podemos observar um Gustavo Adolfo da Suécia liderarando as suas campanhas militares, onde aliás perderá a vida ao comandar uma carga de cavalaria durante a batalha de Lützen (1632). Para além do mais, a situação política em Marrocos era, ao contrário daquilo que muitas vezes tem sido escrito, propícia a uma intervenção dos portugueses. Até ao advento dos xarifes, a zona da África do norte onde hoje se integra o actual Marrocos dividia-se em dois blocos principais, o reino de Fez a norte, e a região que orbitava em torno da cidade de Marraquexe situada no sul. Depois de um prolongado conflito que durou até ao terceiro quartel do século XVI, os governantes de Marraquexe estenderam a sua autoridade a todo o território. Apesar do poder unificado dos xarifes, guerras civis estalaram pelo meio, a mais importante das quais se encontrava em curso na segunda metade dos anos setenta. De facto, em 1576 Mulei Abdelmeleque18 – o Mulei Maluco das crónicas portuguesas – assumia o poder em Marrocos com o auxílio dos turcos de Argel. Anteriormente exilado em Istambul, o golpe de estado que liderou pode ser visto como uma tentativa dos otomanos para estender a sua influência ao Magrebe Ocidental19. Estes acontecimentos sucedem numa altura em que existiam já contactos entre Filipe II e o sultão otomano Murad III no sentido do estabelecimento de tréguas. Contudo, a ajuda prestada pelos otomanos ao novo «xarife» não era contrária aos interesses da Sublime Porta20. É preciso não esquecer que dois anos antes uma imponente esquadra turca havia retomado as cidades de Tunes e Bizerta – Abdelmeleque integrou esta expedição21 – pelo que é fácil deduzir que a entourage dirigente dos otomanos pretendia manter a pressão no Magrebe Ocidental. Certamente no intuito de ajudar nas negociações em curso com os cristãos, colocando mais um escolho à já difícil vida dos cristãos no norte de África. Inicialmente, o xarife destronado pediu auxílio a Castela – que naturalmente recusou – procurando de seguida atrair o interesse do soberano de Portugal para a sua causa. Este foi aliciado com a cedência da fortaleza de Arzila, que havia sido abandonada pelos portugueses em 1550. Assim, a situação interna em Marrocos, dois anos depois da ascensão de Mulei Abdelmeleque ao poder, não se encontrava de forma alguma estabilizada, como muitas vezes somos levados a crer. E só o simples facto de o sultão deposto se encontrar em território marroquino, primeiro sob protecção dos espanhóis e depois dos portugueses, alimentava graves insubmissões que o novo xarife ainda procurava submeter. De facto, quando Abdelmeleque decidiu partir de Marraquexe a 20 de Abril de 1578, não pretendia apenas recolher gente para fazer facer à expedição portuguesa, que sabia estar em preparação. Depois de calcorrear o reino, entrou na região de Tarudante. O seu objectivo era reprimir um importante foco de revolta a favor do seu rival, que entretanto

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Tumulos dos xarifes sádidas em Marraquexe

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havia surgido nas imediações da cidade22. Para além deste núcleo de revoltosos no sul do país, Abdelmeleque também suspeitava de que se encontrava em preparação uma possível traição por parte de Dogali, alcaide dos soldados andaluzes23, que antes o havia auxiliado durante a sua luta pelo poder. A forma encontrada para eliminar esta ameaça, foi deixar na região do Sus todos os chefes andaluzes suspeitos, vigiados por soldados xarracas24 comandados pelo seu próprio filho25. Certamente que não lhe convinha eliminar definitivamente o prestigiado alcaide, pelo menos antes de resolvida a campanha crucial que se avizinhava. De facto, as tropas andaluzas que Dogali comandava já haviam feito pender a balança a seu favor, e o xarife não desejava que agora acontecesse o contrário. Assim, as várias tensões referidas reflectiam a falta de uma consolidação efectiva do poder do novo xarife, dando um crédito indiscutível à intervenção portuguesa naquele que parece ser o seu principal objectivo estratégico, impor em Marrocos um poder político subsidiário aos interesses dos portugueses. O apoio de Portugal ao destronado Mulei Mahamet26 seria certamente prestado mediante certas contrapartidas, como muitos cronistas o fazem entrever. O reconhecimento de alguma forma de soberania portuguesa, que no fundo se enquadrava no conceito das antigas alianças com os mouros de pazes, mas num âmbito evidentemente alargado a todo o território, poderia ser uma possibilidade. Mas para o rei português, estabelecer qualquer tipo de protectorado no norte de África, cruzava-se com a necessidade de eliminar o poder dos xarifes impregnado pela jihad, que antes havia tornado impossivel qualquer tipo de entendimento entre cristãos e muçulmanos. E tal só poderia acontecer, na opinião de D. Sebastião, no decurso de uma campanha militar enfrentando directamente – e vencendo – o pestigiado Abdelmeleque. O mesmo objectivo estratégico envolveu a conquista de Tunes por Carlos V (1535). Depois de tomada a cidade foi reposto no poder Mulei Hazme. Este assinou um tratado com os espanhóis onde se comprometia a pagar un tributo anual, admitindo ainda a presença de uma guarnição castelhana no porto de Goleta. E em 1543, no rescaldo de uma batalha campal vitoriosa, os castelhanos conseguem a submissão da importante cidade de Tlmecen. Este último caso apresenta contornos próximos daquilo que D. Sebastião poderia ter pretendido como desfecho da expedição de 1578.

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4. Os exércitos em confronto Durante o século XVI, especialmente a partir do terceiro quartel, encontramos um interessante paralelo entre as realidades de Portugal e Marrocos, que consiste num processo de renovação das práticas militares. Com a chegada ao poder por parte da dinastia dos xarifes sádidas, assiste-se à progressiva introdução em Marrocos de um aparelho militar com carácter regular inspirado no exército otomano. E em Portugal, a evolução da prática militar também se procura ajustar aos modelos mais recentes em vigor na Europa. As duas formas de fazer guerra irão confrontar-se em 1578, na batalha de Alcácer Quibir. Estes dois modelos militares não constituem novidade no campo de batalha quinhentista. Os otomanos faziam uso de uma forma de combater característica que evoluiu ao longo de vários anos, tendo atingido a sua forma clássica por meados do século XVI27. Do lado português, D. Sebastião pretendia adoptar a chamada milícia moderna, que era seguida pelos castelhanos. Estes haviam desenvolvido um novo sistema militares desde as guerras em Itália, ainda em fins de quatrocentos, até às campanhas da Flandres, já na segunda metade de quinhentos. Enquanto se combatia na Europa segundo modelos militares cada vez mais sofisticados, Portugal e Marrocos praticaram uma forma de guerra adaptada às suas realidades particulares, na periferia do espaço geográfico do Mediterrâneo ond se desenrolava o confronto entre a Espanha dos Habsburgos e a Turquia otomana.

O exército português no século XVI

Morrião, peito de couraça e arcabuz Este era o armamento dos soldados comuns das ordenanças. O capacete e o mosquete – ou o pique – eram distribuídos universalmente; os melhor equipados dispunham ainda de couraça e espada. Colecção Rainer Daehnhardt e Museu Militar, Lisboa.

Como vimos, o confronto entre a Espanha e a Turquia ocupou, durante largos anos, todo o espaço mediterrânico. E com o fim das hostilidades entre as duas superpotências quinhentistas Portugal e Marrocos vão tentar, por sua vez, preencher o vazio de poder então criado. Optando por uma postura agressiva, os dois países foram obrigados a proceder à reorganização profunda dos respectivos aparelhos militares que permitisse apoiar uma política de alargamento territorial continuada. No caso português, as reformas militares levadas a cabo durante o reinado de D. Sebastião parecem todas ter como objectivo final a intervenção no teatro de operações do norte de África. Desde D. Manuel até D. João III são várias as tentativas de renovação do sistems militar em vigor. Decorrendo o ano de 1508, publicaram-se dois alvarás que no seu conjunto são designados por ordenanças manuelinas, e que reorganizaram a guarda pessoal do rei em moldes modernos, regulamentando o armamento, regime de treino e enquadramento dos soldados por um corpo fixo de oficiais. A guarda pessoal funcionaria como núcleo de forças com base de recrutamento mais alargado. Logo nesse mesmo ano de 1508, são organizadas três companhias tendo em vista a intervenção em Marrocos, treinados por capitães como Gaspar Vaz, João Fernandes e Pêro de Morais. A guarda real de D. Manuel foi destacada do conjunto, sendo treinada por outro capitão veterano de Itália, Cristóvão Leitão. O novo sistema foi posto à prova no teatro de operações africano, tal como os castelhanos então o faziam no decurso das suas próprias campanhas no Magrebe oriental. Em Agosto, estas tropas participam num primeiro assalto fracassado ao castelo de Azamor. Em Setembro encontram-se entre os socorros enviados a Arzila por ocasião do ataque dirigido pelo rei de Fez, e em Outubro de 1513 são de novo enviados a Azamor, que desta feita é finalmente conquistada. Em 1514 teve lugar a batalha dos Alcaides, onde as companhias de ordenanças desempenharam um papel de relevo protegendo a retirada da cavalaria e sustendo o contra-ataque adversário.

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A Infantaria portuguesa em finais do século XVi A soldadesca em acção pintada em finais de quinhentos. Painel “Desembarque” do fresco da escadaria princiupal do Palácio Ducal de Vila Viçosa. Fundação da Casa de Bragança.

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Também na Índia, com o governo de Afonso de Albuquerque, se revela ser necessário a reformulação do sistema militar, tornando-o mais apropriado à nova realidade expansionista, com um vincado cunho territorial. Este movimento será acompanhado pela introdução de uma nova estrutura militar desde pelo menos 1510. É nesta altura que vemos pela primeira vez referência ao emprego de gente de ordenança no Oriente, organizada por Albuquerque em unidades cuja estrutura orgânica inclui oficiais conhecedores da arte militar moderna. A nova estrutura militar não tardará a ter o seu baptismo de fogo em Setembro de 1512, durante a conquista de Goa28. O capitão Pêro de Mascarenhas e os fidalgos que actuam como cabos de esquadra comandam uma batalha de gente da ordenança manobrando no campo de batalha segundo tácticas modernas directamente retiradas dos manuais militares da época. Em 1515, os soldados da ordenança marcam novamente presença nas expedições militares no Oriente e em Marrocos, sofrendo aqui uma pesada derrota em Mamora. Talvez este revés fosse uma das razões para que no ano seguinte D. Manuel procedesse à extinção do seu corpo da guarda, o que na prática marca um fim prematuro para o processo de implementação da estrutura militar das ordenanças. Também na Índia, com o desaparecimento de Albuquerque do governo, foram extintas pelo seu sucessor as companhias de ordenança anteriormente criadas. Assim, torna-se aparente que não foi possível ao sistema usufruir do amadurecimento necessário à sua consolidação. Por duas vezes, primeiro em 1526, depois em 1549, D. João III tentou introduzir um sistema militar centralizado; e uma vez mais será notória a incapacidade do rei – o poder central – para levar a cabo uma reforma profunda do sistema militar tradicional, até porque as resistências são muitas. Mas as companhias de ordenança, longe de ficarem esquecidas, são pontualmente reactivadas. Será especialmente notório nas praças fortificadas do norte de África, onde era evidente uma penúria crónica de soldados nas guarnições. A falta de soldados portugueses para preencher os seus efectivos obrigava a frequentes recrutamentos em Espanha, especialmente na Andaluzia, o que acabava por contornar o problema. O recrutamento de mercenários era, aliás, um expediente frequentente utulizado durante o século XVI. E esta é uma situação que se vai repetindo ao longo do tempo, em virtude do crescente agravamento da situação militar no teatro de operações marroquino. No decurso de outras acções militares específicas podemos observar o emprego em campanha de tropas utilizando formas modernas de fazer a guerra. No oriente, os cronistas relatam diversas acções militares nos anos de 1530 e 1535, onde os soldados portugueses manobram em formações ordenadas segundo figuras como o caracol, até ao emprego do fogo de arcabuz por descargas controladas. Outra acção de relevo, embora pouco referida, ocorre em 1541 quando um pequeno exército português enviado a socorrer o reino cristão da Abissínia desenvolveu, durante mais de um ano, uma notável campanha militar terrestre29. O comandante do contingente, Cristóvão da Gama, revela dominar vários aspectos da arte militar moderna. Para além de um enquadramento orgânico regular dos soldados disponíveis, adoptou em batalha dispositivos defensivos modernos – fortificações de campo temporárias guarnecidas por soldados espingardeiros, artilharia. Chegamos finalmente ao reinado de D. Sebastião, época crucial no que concerne à alteração radical do sistema militar tradicional. Como já se expôs, no Portugal de meados do século XVI ressurgia o movimento favorável a uma reorientação no império que tivesse como o centro de gravidade o norte de África. O renascer do «partido da expansão africana» tornou-se mais perceptível depois das Cortes de 1562-63, que deixaram expressa esta mesma vontade. Em apoio desta estratégia, o novo rei deixou claro o seu interesse particular com a reestruturação do poder militar do reino. Assim, para sustentar a nova

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A guerra das «fronteiras de África»

Damião de Góis havia comparado a guerra que se vivia nas praças de África com a que os polacos praticavam nas fronteiras contra os tártaros, guerra irregular, cuja condução descentralizada ficava a cargo dos comandantes locais. Também no caso dos otomanos eram os cavaleiros akinci e os archeiros azap (mais tarde seriam equipados com armas de fogo) que, às ordens dos governadores combatiam neste regime de raids e emboscadas. Nas praças portuguesas do norte de África os capitães das praças dirigiam as operações de guerra, sempre com carácter isolado e de objectivos limitados. Raras eram as operações conjuntas entre contingentes de várias praças, até porque a rede fortificada havia sido praticamente desmantelada desde as últimas conquistas de D. Manuel. Mas mesmo na época áurea da presença portuguesa em Marrocos, a colaboração entre capitães reduziu-se a menos de meia dúzia de situações, das quais a batalha dos Alcaides (1514) e o ataque a Marraquexe (1515) foram exemplos. Do lado marroquino, a guerra também se praticava de forma descentralizada, embora as operações de cerco estivessem a cargo do poder central representado pelo sultão de Fez, e depois pelos xarifes sádidas. Eram os líderes tribais que faziam a guerra continuada de razias que acabou por confinar os cristãos no interior dos muros das suas fortalezas. Mas aqui, com a única excepção da queda de Santa Cruz do Cabo Guer, os portugueses eram práticamente invencíveis, como o demonstraram durante o épico cerco de Mazagão em 1562. política, procurou adoptar formas de organização orgânica e táctica actualizadas. Este é um momento em que se pretende que o império passe a assumir um carácter mais territorial, procurando aumentar a extensão dos domínios ultramarinos através de novas conquistas. Assim, o governo d'O desejado empenha-se num movimento geral de reforço do poder real, no qual o exercício do controlo régio na condução da guerra ocupa um lugar privilegiado. Um dos aspectos fundamentais da reestruturação militar do reino prendia-se com a necessidade de controlar as fontes de recrutamento, situação comum à quase totalidade dos países europeus. Efectivamente, no decurso do século xvi, os principais estados da Europa procuram reformular o sistema militar vigente de forma a obter a sua subordinação ao poder central, seja o estado ou o monarca. A Espanha, em particular, para manter a sua situação de ascendente nos territórios sob a sua influência, necessitava de um fluxo permanente de soldados para alimentar os exércitos nos diversos teatros de operações. O motor da implementação de novas atitudes e modelos militares, seja no domínio da arte militar na sua vertente táctica, ou no âmbito da fortificação, está naturalmente associado à própria existência de conflitos que forçam a introdução de novos métodos de combate. No caso português, a expectativa de uma intervenção militar despoletou um esforço institucional sem precedentes, cuja durabilidade – apesar das críticas posteriores da historiografia nacional – pedurou, inalterável, por quase cem anos. O reinado de D. Sebastião foi extremamente profícuo na produção de legislação de carácter militar, indicando uma clara intenção de reorganizaão da estrutura militar do reino. As leis promulgadas contemplavam a normalização do armamento, passando pela fortificação costeira, a construção naval e, por fim, a introdução de um sistema militar que permitisse enquadrar numa estrutura orgânica fixa os soldados recrutados no reino.

O Caracol A figura do caracol no tratado de Martim Afonso de Melo.

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Neste âmbito, de novo se procuram instituir o sistema das ordenanças, cujo objectivo seria introduzir e controlar um sistema de recrutamento e adestramento dos soldados com base na população do reino. Na prática, resume todo o esforço legislativo feito desde a época de D. Manuel numa única série de diplomas publicados entre 1568 e 1574, que reestruturaram por completo o poder militar do reino de acordo com um sistema único e coerente. Em Portugal seguiu-se de perto a prática do país vizinho, uma vez que a supremacia militar pertencia, então, aos seus exércitos. Numa perspectiva estritamente militar, as ordenanças sebásticas adoptam a orgânica militar de base do sistema castelhano, a companhia, designada também como bandeira ou capitania. A implementação destas companhias de ordenança tem o seu início oficial a 6 de Março de 1568 – ainda durante a regência do cardeal D. Henrique – com a criação, no Porto, de companhias com o efectivo de trezentos homens, regime que se estendeu, ainda nesse mesmo ano, ao Oriente. Em 1570, o Regimento dos Capitães-Mores generalizou o levantamento das capitanias à totalidade do território, agora designadas como companhias. Reduziu-se o seu efectivo de trezentos para duzentos e cinquenta soldados, fixando definitivamente uma orgânica idêntica para todo o país. Esta lei restabeleceu também um regime de adestramento obrigatório para os soldados, fixando a periodicidade dos exercícios de campo. Destes exercícios, designados por alardos30, existem registos nas obras de cronistas como João Cascão e Pêro Roiz Soares. Este último descreve-nos um destes exercícios militares que teve lugar em 31 de Outubro de 1571, provavelmente envolvendo todas as companhias de ordenanças da capital, e que deveria procurar colmatar a fraca assiduidade dos exercícios em relação ao que havia sido regulamentado. A jornada ao Alentejo e Algarve de 1573 permitiu ao soberano avaliar a implementação das reformas em território nacional, no que respeita ao recrutamento imposto desde 1568 e em particular pelas ordenanças de 1571. Apesar da visão negativa imposta por grande parte da historiografia, estas revelaram-se um sucesso, dado a enorme quantidade de tropas disponibilizadas nas diversas revistas levadas a cabo nos cerca de dois meses que durou a jornada; nada menos que cerca de cento e vinte e duas companhias foram inspeccionadas, o que corresponderia a mais de vinte mil homens. E não só de números se fazia este sucesso, uma vez que a gente do sul de Portugal mostrava estar acostumada às movimentações no terreno em formação regular – fossem suíças33, fossem as manobras em caracol cerrado. O que demonstra que os exercícios preconizados pela nova lei tinham, de facto, lugar. E se a qualidade destes soldados não impressionasse um observador atento, algumas das companhias presentes nos alardos34 demostraram grande à-vontade nas manobras colectivas em formação ordenada, manuseando tanto as armas brancas – as picas – como as modernas armas de fogo – os arcabuzes e mosquetes. Alguns dos oficiais encarregues da observân-

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cia das «ordenanças» também pareciam dominar estas grandes formações de soldados aliás apropriadas dos grandes encontros campais que se diz que os portugueses não dominvam em absoluto. O alcaide da cidade de Faro, Rui Barreto, apresentou os seus homens de forma exemplar; e seria, de facto, do sul do país de onde iriam sair os principais contingentes destinados à fatal expedição de 1578. Mas será a primeira expedição levada a cabo pelo rei me Junho de 1574 às cidades de Tânger e à recém devolvida Arzila que podem ser vistas como o primeiro teste in situ a estas reformas. Embora com o diminuto efectivo de quatro companhias de ordenanças, o baptismo de fogo destes soldados – e, em particular dos seus oficiais – devia dar origem a um núcleo que havia de enquadrar o grosso dos efectivos a recrutar para outra expedição de objectivos alargados. Este havia de ter lugar num futuro próximo e, nas palavras do próprio rei, a expedição serviria para que esta gente «se exercitasse nesta guerra, e do exercício dela sairiam Capitães e soldados experimentados com que melhor se pudesse prosseguir e fazer ao diante»35. Certamente satisfeito com a observância das novas leis, o rei promulgou no ano seguinte nova legislação sobre as ordenações de 1571. Pocurou-se aligeirar o encargo das populações com os exercícios periódicos agravando, ao mesmo tempo, as penas pelo incumprimento das disposições do regimento, nomeadamente no que respeitava às faltas dos soldados ou inexistência de armas. O novo documento é promulgado pouco antes da primeira jornada de D. Sebastião a África de 1574, e certamente que o rei pretendia dar novo fôlego ao sistema de forma a conseguir os efectivos militares necessários. De facto, o levantamento da gente para esta jornada inicia-se a 2 de Junho de 1574, estando prevista a sua conclusão a 20 do mesmo mês, portanto apenas um mês depois da publicação da nova legislação. E embora essa primeira expedição tenha tido uma prestação modesta, sem dúvida que acicatou o apetite militar de D. Sebastião. No seu horizonte estavam, sem dúvida, intenções de muito maior âmbito.

O regime de treino das ordenanças

Não foram as ordenanças sebásticas que introduziram o primeiro regime de treino para os soldados. As chamadas ordenanças manuelinas já o haviam feito, e Afonso de Albuquerque também estabeleceu um regime de adestramento para os soldados da Índia. Contudo, apenas com D. Sebastião se traduziu esta necessidade num regulamento formal que o rei procurou fazer implementar por todo o território continental. De facto, procedeu a diversas vistorias dos exercícios que se realizavam periódicamente, embora sem a assiduidade que o rei desejava. A sua jornada pelo Alentejo e Algarve em 1573 foi uma medida inédita, nada menos que a primeira revista de tropas a nível nacional na história portuguesa. As ordenanças de 1571 impunham que os soldados se exercitassem todas as semanas, no Domingo ou dia santo. Os melhores atiradores deviam receber de prémio «um tostão de preço, entre os besteiros meio tostão. E o lanceiro que levar sua lança, e espada mais limpa, e melhor tratada haverá meio-tostão»31. As companhias observavam um exercíco geral em cada mês, e deviam realizar-se dois alardos gerais por ano, a somar ao que já se encontrava em vigor. Em 1574 foi abolido o terceiro exercício para – na letra da lei – escusar a «muita opressão do povo»32.

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O exército marroquino no século XVI Não é possível falar do exército de um qualquer território islâmico sem deixar de referir a influência militar dos otomanos. O seu longo amadurecimento atingiu o zénite na primeira metade do século XVI. Podemos apreciar o poder desta máquina de guerra, se tomarmos consciência de que os otomanos literalmente varreram todos os reinos cristãos do leste europeu até à Austria, chegando mesmo às portas de Viena. Expulsaram os portugueses do Mar Vermelho. Verdadeiros campeões do Islão o alrgamento da área de influência dos otomanos, confrontou-os com os interesses de outros estados islâmicos, como os sultões mamelucos e os persas. Ainda assim, muitos tentaram copiar a estrutura do seu exército, com maior ou menor êxito. Os xarifes sádidas foram aqueles que, talvez, reproduziram com maior fidelidade – e êxito – o aparelho militar otomano, embora introduzindo algumas alterações substanciais. De tal maneira que no seu auge, os sàdidas conseguiram abarcar zonas de África tão remotas como o reino do Songai.

Arcabuzeiros, mosqueteiros e piqueiros (págs. 32-33) Uma visão pormenorizada dos soldados portugueses de finais de Quinhentos. Painel “Preparativos do cerco” do fresco da escadaria princiupal do Palácio Ducal de Vila Viçosa. Fundação da Casa de Bragança.

O aparelho militar Otomano O sistema militar otomano constitui, na história moderna, um caso de assinalável sucesso. As características particulares do novo exército otomano assumiram mesmo contornos revolucionários, como o caso da criação de um corpo de soldados regular organizado em ortas, unidades fixas com treino militar instiuído – de alguma forma percursores dos regimentos seiscentistas europeus – e levam-nos a pensar se não terá sido esta instituição que forçou a entrada do país na idade moderna. O aparelho militar Otomano compreendia dois sistemas de recrutamento diferenciados, que correspondiam por sua vez a dois tipos de tropas distintos. O primeiro sistema, o kular, qapu kulari ou kapi kulu, era constituído pelas tropas regulares que formavam os regimentos de soldados directamente dependentes do sultão. O segundo sistema tinha um carácter feudal, e dele faziam parte os cavaleiros que, em tempo de guerra, forneciam contingentes de tropas a troco de um montante que recebiam do estado, o timar. Os homens que integravam o kular eram provenientes da população não-muçulmana, como seja cristãos dos territórios sob controlo otomano e prisioneiros de guerra. Estes homens, submetidos a um treino intenso e exigente, prestavam serviço como cavaleiros de elite, os sipahi da Porta36, ou então integrando o famoso corpo de infantaria dos janízeros. Outros especialistas faziam parte deste corpo escolhido, como os técnicos da artilharia e engenharia militar, muitas vezes europeus renegados ou mercenários de diversas origens. As tropas feudais tinham origem nos estados vassalos, e era a partir destes contingentes que se formavam os grandes corpos de cavalaria. Os cavaleiros que integravam estas levas, designados timariots37, deviam-se fazer acompanhar por certo número de cavaleiros – os jebeli – à semelhança dos escudeiros que integravam as hostes dos senhores feudais da Europa. O sultão podia ainda convocar os azap e akinci oriundos das fronteiras das diversas províncias do império, onde praticavam uma guerra irregular idêntica à razia das fronteiras portuguesas de África. Na ordem de batalha otomana, as componentes mais disciplinadas do exército – o corpo kular – ocupavam lugar no centro do dispositivo e tinham um papel essencialmente defensivo, pelo menos nas fases iniciais dos combates. A infantaria era constituída pelas ortas38 de janízeros, enquanto a cavalaria do sultão – os sipahi da Porta – tinha como missão proporcionar apoio directo à infantaria. Além destas tropas, a infantaria irregular – os azap – desdobrava-se pela frente da vanguarda do exército absorvendo o primeiro choque

O Exército otomano em marcha Cavalaria otomana e infantaria dos janízaros marcham contra a fronteira húngara em 1566. A disciplina na marcha e a frugalidade eram características destes exércitos.

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inimigo, de forma a permitir o contra-ataque decisivo dos janízaros apoiados pelos cavaleiros do corpo pessoal do sultão. A artilharia reforçava este dispositivo, na frente ou atrás da infantaria, guarnecendo um elaborado sistema defensivo onde se encontrava o sultão. A cavalaria feudal, ao contrário, tinha um papel dinâmico. Os timariot, ou seja, a cavalaria recrutada pelo sistema feudal, tinha a seu cargo desencadear o ataque, enquanto os akinci, a cavalaria irregular, se estendiam pelos flancos com a missão de envolver o inimigo. Não era invulgar o reforço destes efectivos numa das alas do exército, em posição de emboscada, ou flanqueando o adversário. A maior parte da cavalaria manobrava de forma descentralizada, tomando a iniciativa ou reagindo aos movimentos dos adversários. Os ataques iniciais efectuados pelos timariots destinavam-se a romper a frente contrária, ou então a provocar no inimigo uma reacção que o encaminhasse para o centro do dispositivo. O envolvimento, a cargo da cavalaria irregular, destinava-se a impedir o esforço concentrado das forças do adversário. Tradicionalmente, a cavalaria era a arma dominante no exército turco. Contudo, a infantaria vai assumindo um papel de maior relevo e, de facto, são as ortas de janízeros que mais impressionam os observadores ocidentais, demonstrando uma disciplina, coesão e espírito de corpo sem paralelo nos exércitos cristãos. O lugar central que os janízeros ocupam na ordem de batalha reflecte, pois, um novo protagonismo das tropas apeadas no exército otomano, em paralelo com o que então começava a suceder nos exércitos europeus do século XVI. É corrente associar aos otomanos o uso da forma semi-lunar para a organização do exército. Na verdade, esta ordem de batalha era usada tradicionalmente nos exércitos árabes desde o século VIII, ou em situações em que uma das partes usufruía de superioridade numérica. A principal inovação introduzida na ordem de batalha dos otomanos parece, contudo, associar-se com a qualidade das tropas empregues, cuja espinha dorsal consiste nas tropas regulares e altamente disciplinadas kular.

O exército Sádida Como escreveu alguém, algures, durante todo o século XVI vive-se em Marrocos uma longa revolução militar39.

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Ordem de batalha em meia-lua, na prática A formatura em meia-lua não era apanágio dos exércitos otomanos. Como podemos ver no plano para a batalha de Lepanto, a esquadra cristã desenvolvia esta mesma figura.

Janízeros Estes soldados surpreenderam os europeus não só pela sua disciplina, mas também pela higiene que demonstravam nos acampamentos. Pormenor de uma miniatura turca da época.

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É um facto que, com a ascensão dos xarifes sádidas a partir do primeiro quartel do século XVI, se assiste à progressiva introdução de novos meios e métodos de fazer a guerra, uma vez que o principal alicerce do poder da nova dinastia se encontra fundamentado na potência do seu aparelho militar. A lenta proliferação de armas de fogo entre as populações de Marrocos, introduzidas no país por diversas vias como a venda ilegal ou através da imigração dos andaluzes expulsos da península que traziam as novidades tecnológicas da Europa contribuiu em grande medida para o sucesso da contenção dos portugueses. Em última análise conferiu aos sádidas o prestígio militar necessário para consolidar a resistência aos cristãos em torno de si. A Turquia desempenha um papel equívoco. Se por um lado os otomanos se apresentavam como os grandes campeões do Islão frente aos cristãos, a sua progressão pelo Mediterrâneo entrou em conflito com a vivência autónoma dos povos da ponta ocidental do Magrebe, fruto de várias particularidades uma das quais estará relacionada com o poder regional dos morábitos40. Podemos aperceber a importância deste poder paralelo – ou descentralizado – no contexto da luta entre Mulei Abdelmeleque e Mulei Mahamet. Quando este último foi expulso de Marraquexe, em Julho de 1576, refugiou-se no Atlas onde logo procurou obter a ajuda dos «morabitos» da yazullyya, a irmandade que havia apoiado os sádidas no passado. Mas independentemente da influência dos «morábitos», a preponderância da máquina militar dos otomanos, tantas vezes vitoriosa no campo de batalha contra os cristãos, foi de facto exercida desde cedo no seio da nova dinastia. Sem dúvida que o exército que Abdelmeleque levou a Alcácer Quibir contém os elementos fundamentais da ordem de batalha

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Capacete e arcabuz mameluco do século XVI. A armaria proveniente do império seria, era utilizada pelo exército sáfida (Furusiyya Art Foundation).

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otomana. Os cronistas são unânimes ao avaliar a origem otomana na formatura lunada ou semi lunar do exército marroquino, designando-a como ordem turquesca41. Todavia, não será apenas a forma do exército em meia-lua que permite traçar um paralelo indiscutível com o modelo militar otomano. Os exércitos dos primeiros califados e a ordem de batalha dos mamelucos adoptam igualmente a ordem de batalha em crescente42. É sobretudo na criação de um núcleo de tropas permanentes com carácter regular que reside a principal influência otomana. Os soldados dos exércitos sádidas gozavam de larga experiência militar obtida nas guerras civis que empreenderam contra os seus rivais no norte. Designados por mazagania43, estes soldados veteranos recebiam soldo e estavam directamente dependentes do sultão. Estavam equipados com as armas mais modernas, que tanto podiam incluir peças de artilharia de bronze – as mais reputadas da época – como arcabuzes cujo calibre era superior ao dos portugueses, em particular os importados da cidade de Argel que disparavam uma bala com 80g de peso44. Este corpo regular era constituído por soldados de diversas origens, desde os andaluzes oriundos do antigo reino de Granada, aos «gazulas» naturais do Atlas, ou aos azuagos e xarracas do leste da Argélia. Mas o efectivo mais reputado consistia nos elches, ou seja, nos cristãos convertidos ao Islão. Abdelmeleque estabeleceu a ponte entre as práticas militares de Marrocos, com a arte militar dos otomanos. Aspirando a apoderar-se do trono ocupado pelo sobrinho Mulei Mahamet45 aproveitou o exílio entre os otomanos para tomar contacto com a sua arte militar. Participou em numerosas expedições, desde a famosa batalha naval de Lepanto até à expedição contra Tunes de 1574, na qual comandou pessoalmente um dos navios de remo da frota otomana. Assim, não foi por mero acaso que o exército que irá construir tivesse o seu nervo nos soldados turcos oriundos do reino de Argel. Se por um lado a principal força do exército sádida reside na mazagania46 é aqui que se encontra também uma das suas debilidades, dado a diversidade de origem das tropas que a constituem. No exército otomano o corpo de soldados do sultão era formado por homens dedicados ao seu serviço desde muito jovens, escravos capturados ou arrebanhados sobretudo dos reinos cristãos vassalos. Não se deve entender escravo no sentido pejorativo do termo, pois o título «kul» possuía uma conotação dignificante, até porque eram estes os servidores do sultão que mais privilégios detinham47. Os mercenários contratados pelos xarifes, principalmente aqueles oriundos do norte de África como os gazulas, asseguravam uma lealdade muito limitada, e existiam tensões entre as tropas regulares, sobretudo devido à crescente importância dos elches e turcos sobre os restantes soldados, o que provocava a inveja dos seus pares. Os andaluzes, por exemplo, tinham mantido o monopólio da fabricação e utilização da artilharia até ao último quartel do século XVI48. Ressentiram-se, por essa razão, da perda da preponderância que haviam gozado, e o seu alcaide acabou por ser executado por envolvimento no envenenamento de Abdelmeleque. Os próprios mercenários recrutados no leste do norte de África – os zouaoua ou azuagos, como eram designados pelos cronistas cristãos – foram exterminados pelo sucessor de Abdelemeleque, depois de várias tentativas de revolta.

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5. Os comandantes D. Sebastião Nascido em Lisboa a 20 de Janeiro de 1554, D. Sebastião foi o décimo sexto rei português, e o penúltimo da dinastia de Avis. O seu pai D. João de Portugal casou com D. Joana de Espanha. O contrato de casamento foi ratificado a 13 de Março de 1543, mas só a 5 de Dezembro D. Joana veio para Portugal. Na expectativa durante 10 anos, sem herdeiros portugueses vivos, em finais de Maio de 1553 o reino acolhe com enorme alegria – e alívio – a notícia da gravidez de D. Joana. Os acontecimentos conhecem novo momento de tensão. Filho do rei D. João III e D. Catarina, D. João de Portugal nunca gozou de uma saúde de ferro. Em Julho de 1541, durante as negociações para o seu casamento esteve às portas da morte. E em Outubro de 1543, já casado com D. Joana, caíu uma vez mais doente; na tarde de 3 de Janeiro de 1554 morreu com apenas 17 anos de idade. D. Joana regressou a Castela, ainda o filho não havia completado 5 meses, ao abrigo de uma das cláusulas do casamento. Porém, todo o processo foi dirigido de forma melindrosa para os portugueses, não sendo estes ouvidos ou informados da decisão dos castelhanos de repatriar a viúva. D. Sebastião foi aclamado rei com apenas 3 anos de idade, mas a governação efectiva só veio quando completou 14 anos. Até lá, a regência esteve a cargo, primeiro do seu tio D. Henrique, depois da sua avó D. Catarina. O jovem rei, colérico e voluntarioso, herdou estas duas facetas do temperamento do pai. Da sua mãe chegou-lhe uma veia ascética e melancólica. E numa criança que não conheceu qualquer dos pais, que também não contou com o afecto da família próxima, não parece surpreeendente a sua vocação para as coisas da guerra. Era um ávido leitor de literatura militar, provavelmente conhecedor dos autores de referência da altura como Girolamo Cataneo ou Francisco de Valdés, mantendo trocas de impressões regulares com «gente da guerra». O primeiro tratado militar português impresso data do seu reinado. É o Quarto Livro das instruções militares, cujo autor foi o arquitecto-engenheiro militar-tratadista Isidoro de Almeida49. Exercitava-se regularmente em toda a espécie de disciplinas marciais, destinadas a dotá-lo da resistência física que lhe permitisse desempenhar um papel activo numa futura campanha militar. E foi ele o grande motor da expedição, o que motivou o duque de Alba, o grande general ao serviço dos castelhanos, a declarar que a vitória em África constituiria uma consagração pessoal do monarca português. Mas no final, com o desastre de Alcácer Quibir, foi o projecto imperialista ibérico de Filipe II que prevaleceu.

Mulei Abdelmeleque

D. Sebastião O rei-soldado com 17 anos. Retrato de Cristóvão de Morais, 1571. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Em 1557 morreu Mulei Mahamet Xeque50, que dos seus 4 filhos nomeou seu sucessor Mulei Abdalá. A lei que regulava a sucessão entre os primeiros sádidas determinava que, na morte do herdeiro escolhido pelo anterior sultão, a coroa deveria passar para o tio mais velho de seu pai. É evidente que os presumíveis herdeiros corriam perigo, sobretudo numa sociedade em que a letra das leis de sucessão era raramente cumprida, e por isso os eventuais pretendentes frequentemente escolhiam o exílio para salvarem a vida. Foi o que aconteceu com Abdelmeleque e os seus quatro irmãos. Receando pela vida, fugiram das perseguições do irmão Abdalá exilando-se em Argel, o que colocava

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em jogo uma terceira força, os otomanos. De facto, a presença do presumível sucessor ao trono sádida neste território sob tutela da Porta não era, de todo, desagradável aos otomanos, que ficavam com um importante trunfo sobre o novo sultão. Viam assim o caminho aberto para o alargamento da sua influência em direcção à ponta ocdental do Magrebe. Em 1574 morria Mulei Abdalá, designando como herdeiro o seu filho Mulei Mahamet que adoptou o nome real de al-Mutawakkil. Como entretanto também tinha morrido o mais velho dos quatro irmãos exilados, a lei de sucessão determinava ser Abdelemleque a suceder ao irmão. Durante o exílio preparou-se para um eventual retorno a Marrocos, certamente na mira de recuperar a coroa. Fez numerosas amizades em Argel, entre muçulmanos e cristãos. Um deles foi André Gaspar Corso, que terá um papel de relevo no rescaldo da batalha de Alcácer Quibir, como agente do monarca castelhano. Passou depois a Constantinopla, onde absorveu a extraordinária cultura dos otomanos. O conhecimento da sua arte militar foi uma das facetas que procurou dominar, notabilizando-se nas campanhas militares que entretanto tiveram lugar. Já o advento da morte do sobrinho levou-o a pugnar pelo seu direito à sucessão, causa que o sultão Murad III não enjeitou entevendo a possibilidade de finalmente colocar no trono de Marrocos um sultão que lhe fosse favorável. Estava assim lançada a luta sucessória ao trono.

Mulei Mahamet al-Mutawakkil al-Maslükh e os «andaluzes» de al-Dogali

Mulei Mahamet era filho de Mulei Abdalá51, que o nomeou sucessor no sultanato. Os seus três tios apressaram-se a procurar exílio em Argel, mas o futuro Mulei Mahamet tratou de encorajar o assassínio do mais directo rival, o seu tio Abdelmume52, em plena mesquita da cidade de Tlemcen. Governador de Fez em 1574 por altura da morte de seu pai Abdalá, foi reconhecido como sucessor e rápidamente procurou afirmar-se na capital dos sádidas, Marraquexe, onde confirmou a sua entronização. Não conseguiu, contudo, evitar uma sangrenta luta sucessória, que é representativa das complexas tensões entre as etnias e imigrados que viviam no Magrebe ocidental – andaluzes, renegados e turcos. A este propósito, deve-se referir o papel fulcral desempenhado pelos descendentes do reino de Granada, cujos últimos representantes haviam sido recentemente expulsos depois da revolta das Alpujarras. Concentravam-se no norte de Marrocos e apoiaram Mulei Mahamet, então governador de Fez, a principal cidade desta zona do Magrebe Ocidental. Sem dúvida o alcaide dos andaluzes, Dogali, procurava recuperar a influência perdida. E será a sua deserção para o lado de Abdelmeleque que lhe deu a vitória in extremis na batalha de Khandoq er Rihan (1576), que valeu a este último o trono sádida. Mas os dias da influência dos andaluzes estavam no fim. A nova élite militar foi organizada segundo o sistema militar otomano, com o qual Abdelmeleque havia tomado contacto durante os anos de exílio em Argel e Istambul. Os elches dominavam a guerra moderna, e por serem convertidos ao Islão a sua lealdade era mais consistente, dependendo directamente do sultão. E assim, para a batalha que se avizinhava contra Mulei Mahamet, o alcaide Dogali planeava nova mudança de campo. Assim, a batalha Alcácer Quibir pode inserir-se, pois, no contexto das guerras civis de sucessão ao trono sádida. De facto, em História tudo pode depender do ponto de vista.

Os textos militares: uma teia de relações

Para além de uma forma de afirmação social, os tratados militares impressos constituíam uma forma priviligiada de transmitir o conhecimento durante o renascimento, fosse relativo a assuntos militares, ou versando arquitectura ou pintura. O primeiro destes textos militares impressos em Porutgal e da autoria de um portugês foi o Quarto Livro das Instruções Militares. Isidoro de Almeida, tratadista completo, escreveu sobre arquitectura e guerra, projectou edifícios civis e militares, esteve nas guerras de Itália e no cerco de Mazagão de 1562. Outros textos portugueses existiram, embora na forma manuscrita. São eles o Regimento de Guerra de Martim Afonso de Melo, anterior ao texto de Isidoro, e as Anotações ao Quarto Livro das Instruções Militares de Isidoro de Almeida, de Luís Álvaro Seco. Um aspecto de grande relevância no Regimento de Guerra consiste na existência de tabelas – taboada, como refere Martim Afonso de Melo – com algumas semelhanças com as publicadas em 1524 no tratado do italiano Battista della Valle, uma obra de referência para o século XVI. As anotações de Luís Álvaro Seco destinar-se-iam a esclarecer certos assuntos do Quarto livro das instruções militares, incluindo matéria não constante do livro impresso. À semelhança do Regimento de Guerra ou de outras obras espanholas, como o texto de Carrion Pardo, o manuscrito de Álvaro Seco pretende oferecer indicações práticas sobre a organização das componentes tácticas de um exército. Este texto é ainda uma peça fundamental no quadro da tratadística nacional, na medida em que faz referência a dois teóricos de origem espanhola, D. Diego de Alava y Viamont e Juan de Carrion Pardo. Podemos assim traçar uma filiação directa com os textos internacionais de referência nesta época, dando-nos alguma perspectiva sobre as fontes utilizadas pelos autores dos textos teóricos militares em Portugal no final do século.

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Elche ou Renegado Este era o aspecto de um elche no Marrocos quinhentista. Na cabeça podemos ver um barrete, provavelmente idêntico ao usado pelos mouros do contingente de Mulei Mahamet. Gravura publicada na obra de José de Esaguy, Marrocos, Lisboa, 1933.

Brasão de Abedelmeleque Publicado na relação de frei Luís Nieto.

Mulei Abdelmeleque subiu ao trono em 1576, de uma decisiva vitória sobre o sobrinho conseguida com o concurso dos soldados «andaluzes» que desertaram do campo do xarife Mulei Mahamet. Podia estar satisfeito, e em breve encetou a maior reforma militar desde o início da dinastia, importando muitos dos costumes otomanos para o norte de África. Murad III sentia-se confiante pois tinha em seu poder preciosos reféns, nada menos a mulher e o filho do maluco. Estava-lhe, assim, garantinda a simpatia – ainda que forçada – do novo xarife. Mas muitos dos sectores da multifacetada mas conservadora sociedade do norte de África ocidental não acolheram de braços abertos a revolução nos costumes que o novo sultão preparava.

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6. O Norte de África, finalmente De Lisboa a Alcácer Quibir

O Paço da Ribeira e o Cais da Rainha O cais de onde D. Sebastião embarcou na galé real a 15 de Junho de 1578. Pormenor de uma gravura incerta na obra Civitates orbis terrarum de Georgius Braun.

O objectivo oficial da expedição portuguesa era a captura do porto de Larache, que então servia como uma importante base operacional aos corsários muçulmanos. A ameaça islâmica era bem real, como o havia demonstrado a revolta que recentemente havia ocorrido na Andaluzia. Foram necessários três anos para subjugar a rebelião das Alpujarras (1568-71), que estalou depois de uma pragmática de Filipe II proibindo o uso da língua árabe e inibindo certos costumes, como o uso de trajes de origem islâmica. Foi a seguir à noite de Natal de 1568 um grupo de mouriscos entrou em Granada, a antiga capital islâmica, lançando a semente da rebelião. Nos três anos seguintes, os castelhanos enfrentaram cerca de 30.000 revoltosos numa guerra que tomou proporções assustadoras, chegando-se mesmo a recear que a própria Espanha voltasse a cair nas mãos do infiel. Milhares de voluntários apoiaram entusiásticamente os revoltosos, turcos e berberescos vindos do reino de Argel. E a proliferação do corso pelo Mediterrâneo, que dificultava substancialmente a navegação dos cristãos, deixava antever a facilidade com que os muçulmanos podiam colocar em terras cristãs um contingente militar apreciável. Receava-se, assim, a ocorrência de outras situações semelhantes, ou mesmo um desembarque de turcos nas costas da Andaluzia, que se sabia estarem a preparar uma substancial frota. Filipe II considerou o norte de África, pelo menos até aos desaires de Tripoli (1552) e Tunes (1574), como um importante teatro de operações caro aos interesses estratégicos dos castelhanos. Foi a observância desses mesmos interesses que o levou a abandonar a coligação que obteve a retumbante vitória naval de Lepanto contra os otomanos. Filipe de Espanha tinha, de facto, outros objectivos mais amplos, nada menos que retomar o velho sonho de Carlos V de se apoderar do sempre incómodo reino de Argel. Apenas as pressões do Papa, ciente de que a aliança ficaria condenada com a saída da Espanha, acabaram por surtir efeito. As forças militares castelhanas voltaram a integrar uma última expedição da Santa Liga, que contudo foi derrotada por uma frota comandada – precisamente – pelo sultão de Argel53. Em meados de 1577 D. Sebastião solicita um encontro com o seu tio, Filipe II, no sentido de este lhe proporcionar um auxílio militar à projectada expedição a Marrocos, que o monarca português já havia estimado em cinco mil soldados e cinquenta galés. O elevado número de galés – navios imprescindíveis no apoio ao desembarque de tropas – pretendido pelo rei português, não deixava margem para dúvidas de que a tomada do porto de Larache continuava a figurar nos planos do monarca português. Em todo o caso, a perspectiva estratégica havia de ser mais ampla dado a largeza de meios empregue, e provavelmente o rei trazia no seu íntimo o projecto manuelino que pretendia estabelecer uma qualquer forma de controlo sobre o norte de África Ocidental. Para a expedição de 1578 a Marrocos foi reunida uma frota considerável que contava cerca de 750 navios, entre os quais 5 galeões e cerca de outros 50 bem armados54. Para ter uma ideia da sua enorme dimensão, pode-se comparar a frota portuguesa de 1578 com outras expedições navais de grande envergadura; Tunes (1534) contou com cerca de 300 velas, a expedição a Argel (1541) não terá contado com mais de 200, e a grande armada de 1588 destinada à invasão da Inglaterra contou com um número ainda menor, cerca de 130 navios.

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O embarque Desde o dia 5 de Junho que o comandante da frota D. Diogo de Sousa, obedecendo à ordem do rei, se encontrava embarcado no galeão capitania da frota. A sua presença a bordo do navio destinava-se a abreviar os preparativos para a saída da expedição, e D. Sebastião planeava ele próprio embarcar no dia 15 de Junho. O galeão S. Mateus que era um navio com mais de setecentas toneladas construído recentemente na Índia, possuía uma impressionante colecção de armamento; eram sessenta peças de artilharia, incluindo «30 esperas reforçadas, leões e cães»55. A guarnição ordinária era constituída por 180 marinheiros, bombardeiros e outra gente da obrigação do navio, isto para além de 100 homens de armas56. Na manhã de sábado 14 de Junho de 1578, juntou-se toda a corte no paço da Ribeira. Homens e cavalos acotovelavam-se pelas ruelas adjacentes, e era tão grande o concurso de gente da nobreza de Portugal, que parecia que aí se encontrava todo o exército que se preparava para partir para África. Apareceu finalmente D. Sebastião, envergando um elegante gibão de seda azul bordada a ouro, que montou a cavalo para logo se dirigir ao cais da Rainha, onde se encontrava ancorada a galé Real com o seu capitão Pêro Peixoto da Silva57. O rei pretendia abreviar o mais possível a partida, e por essa razão instalou-se com armas e bagagens no navio, declarando que até a frota partir só havia de sair para ouvir missa. E para o provar, mandou que lhe trouxessem de comer, e que após isso iria demandar a Igreja Maior para benzer o estandarte. Sentiu, finalmente, que toda a máquina que afanosamente construíra ao longo de um par de anos se encontrava, finalmente, em pleno movimento; agora sim, já não será possível voltar atrás, terá pensado. Não havia passado muito mais que uma hora, quando a longa comitiva onde estava presente toda a aristocracia do Reino seguiu pela rua da Padaria58. A longa coluna, entusiasticamente aclamada pelo povo que se concentrava ao longo do percurso, chegava pouco depois à Sé. Aí, o arcebispo de Lisboa – frei João da Silva provincial da Ordem de S. Domingos – recebeu a comitiva, guiando-os em seguida para a igreja. No interior, os membros da

A bula de cruzada

A 21 de Novembro de 1577 D. Sebastião escreveu uma carta ao embaixador português em Roma, João Gomes da Silva, onde lhe pedia para comunicar ao papa Gregório XIII Março de 1578 como data provável para o início da expedição. Em Dezembro, o Papa atribuiu uma contribuição monetária a pagar durante 2 anos, e que totalizava 150.000 cruzados. Assim, uma contribuição que havia sido autorizada em finais de 1474, no auge das campanhas militares africanas de D. Afonso V, apenas foi efectivada… 97 anos depois. Também D. Manuel havia sido agraciado pelo papa Leão X com uma bula de cruzada quando pretendeu fundar a fortaleza de Mamora. Assim, à semelhança do que haviam feito os seus antecessores, Gregório XIII lançava um breve a 28 de Janeiro de 1578, no qual louvava o projecto de D. Sebastião e lhe concedia uma bula de Santa Cruzada. A 8 de Fevereiro já se procedia à impressão do documento no mosteiro de S. Vicente de Fora por ordem do comissário da bula, D. Afonso Castelo Branco.

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comitiva real foram enchendo as naves, e em breve acotovelavam-se os fidalgos ricamente vestidos, emprestando um aspecto grandioso a toda a cerimónia. Estimulado por este quadro que tanto tinha de festivo como de solene, o imaginário do jovem rei fervilhava enquanto as palavras do arcebispo ecoavam pelo edifício mandado erguer pelo primeiro monarca português. Para D. Sebastião, a empresa era como que uma segunda fundação do reino; em boa hora havia mandado embarcar a espada e o escudo de D. Afonso Henriques na galé Real, pensou. E ao mesmo tempo que o rei discorria nestes pensamentos, o provincial da Ordem de S. Domingos rematava finalmente o sermão: «Pois todos nós temos duas principais obrigações; como cristãos fazer a guerra aos infiéis, e como vassalos seguir o nosso rei.»59 Logo trouxeram a bandeira, que frei João da Silva benzeu com muita solenidade, para depois se vestir com ela a haste. Ao erguer a bandeira verificou-se, com grande embaraço, que o pano se encontrava vestido ao revés, com o crucifixo e o escudo real para baixo. Surpreendido, o alferes mor hesitou; murmurou para si mesmo, «estivéssemos nós entre os gentios, e havia isto de ser tido por muito adverso prognóstico para a jornada que se avizinha»60. D. Sebastião, que se encontrava atento ao lado de D. Luís de Meneses, não podia deixar de notar o múrmúrio do alferes. Avançou e agarrou a bandeira, com se de alguma forma a sua mão pudesse afastar qualquer mau-presságio. Passou-a depois ao alferes, que pretendeu sacudir a estranha impressão levantando o estandarte ao alto; mas, na precipitação, caiu o pano da bandeira no chão, para logo ser de novo erguido por D. Luís. Logo seguiram para fora da igreja, por entre a enorme multidão. Entre esta mole de gente que não queria deixar de assistir à passagem do rei, estava Pêro Roiz Soares. Este homem mais tarde deixaria no seu Memorial a descrição do «reboliço de guerra»61 que então se fazia sentir por toda capital. Na frente da comitiva que agora descia em direcção ao rio, seguia a bandeira, com D. António, prior do Crato pelo lado direito e o duque de Aveiro na esquerda e logo atrás o rei. A coluna seguia com ordenança de três em três, ou seja, dividida em fileiras de três homens cada uma. Chegados à Ribeira, esperavam-nos um ajuntamento de muitas mulheres que, ao avistar o estandarte real seguido do rei, clamaram com grandes gritos, dizendo: Vitória, Vitória, Vitória. Do campo de Santa Clara vinha o coronel D. Miguel de Noronha com o seu terço, onde havia feito um último alardo62 geral antes do embarque. Era uma última demonstração das companhias de ordenanças da capital, perante o povo da cidade de Lisboa. E com com a mesma ordenança de três em três, os tambores rufando na frente marcando o compasso da marcha, por sua vez desceram os soldados através da cidade velha em direcção ao cais onde aguardavam os batéis. No cais, o rei já não voltou a entrar no paço, embarcando logo na sua galé. Por aí ficou supervisionando as operações até à noite, tratando de mandar os fidalgos acomodar-se nos barcos. Passaram os dias e a frota teimava em não levantar ferro. O porto de Lisboa estava «coalhado de velas», nas palavras de Miguel Leitão de Andrada, que como outros tantos jovens fidalgos não quiseram deixar de acompanhar a expedição. Natural de Pedrógão Grande, na altura estudava em Coimbra onde fácilmente convenceu dois colegas amigos, também eles naturais da Beira, a integrar a expedição que se preparava em Lisboa. E assim, estes três fidalgos puseram-se a caminho da capital do reino, e no dia 15 de Junho vamos encontrá-los «já com as esporas vestidas para a viagem», mal acomodados num navio cujo proprietário era parente de um dos companheiros de Andrada63. Devia ser um extraordinário espectáculo. A grande azáfama nos cais, os homens esperando

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D. Sebastião O rei nas vésperas da partida para Marrocos, já usando a barba tal como referido nas descrições da batalha. Obra anónima (escola austríaca), cópia de um original de autoria de Alonso Sánchez Coelho e da sua oficina, século XVI. Kunsthistoriches Museum, Viena.

Itinerário de Lisboa a arzila

LISBOA Manhã de 2 de Junho

LAGOS 26-27 de Junho

28 de Junho - 7 de Julho CADIZ

7-10/11 Julho

TANGER

CEUTA

ARZILA 10-28 Julho

pelos batéis que continuamente os levavam para as naus e urcas de transporte, uma mole de embarcações que cobria todo o Tejo. O embarque era uma operação demorada, porque para além dos cerca de 20.000 homens da expedição, havia que carregar também os mantimentos e outros aprestos necessários. Mas os ventos não se apresentavam favoráveis à navegação. Ansioso, D. Sebastião dormiu sempre vestido na expectativa de largar vela, só saindo da embarcação para ouvir missa, como havia anunciado. Finalmente, a 24 de Julho, chegou o dia da partida. Era grande a alegria e festa, clamando as trombetas, soando as charamelas, pifaros e tambores, e outros instrumentos belicosos64. Conforme os navios iam levantando ferro, troavam as peças de artilharia em ruidosas salvas sucessivas, saudando os navios que se afastavam para o largo. No meio desta alegre confusão, uma bala atingiu acidentalmente um marujo que seguia num «batel» que fazia o transbordo dos soldados que ainda se acotovelavam nas margens. Era, «contudo, maravilha não acontecer algum desastre no porto», onde se apinhavam perto de mil embarcações65. O dia foi passando até toda a frota se fazer ao largo, concentrando-se em Belém. Apenas no dia seguinte levantou ferro a galé real, acompanhada por mais três galés que lhe serviam de escolta66. A saída da embarcação do rei, talvez a sublinhar a impaciência de D. Sebastião, ficou marcada por um último incidente. Ao fazer a volta para tomar a direcção do mar, a

galé foi arrastada pela corrente. E ao manobrar para recuperar o rumo o esporão da proa atingiu uma nau flamenga67, embora sem resultado de maior. A frota navegou calmamente para sul, fazendo escala em Lagos, e chegou a Cádis no dia 28. Aqui esperaram que se lhes reunissem as embarcações que traziam o «terço» da gente do Algarve comandado por Francisco de Távora. Por essa razão, apenas no dia 7 de Julho a frota se fez novamente ao mar. No fim do dia, a armada chegava finalmente ao norte de África, ancorando em frente a Tânger. Mas a falta dos carros de bois, que ainda se reuniam em Portugal, impediu o desembarque nesta cidade como inicialmente se havia planeado. Assim, as tropas acabaram por se concentrar, três dias mais tarde, em redor da fortaleza de Arzila.

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Arzila Desembarcados na vila de Arzila, verificou-se que não era possível alojar a totalidade das tropas dentro da cintura amuralhada. O exército acampou junto dos muros, fortificando parcialmente o acampamento com trincheiras e carros. E aqui permaneceram por mais de duas semanas, aguardando a chegada das embarcações com a carriagem. No dia 20 terá sido convocado um conselho de guerra com os capitães, oficiais dos «terços» e outros homens que se tinham por práticos68. Reunidos na tenda do rei, ali determinaram onde devia ficar a maior força do exército, «se da picaria ou da arcabuzaria», e quantos homens cada coronel havia de levar no seu terço – havia que escolher os homens mais aptos. Outro assunto levantou ainda discussão, sobre a maneira de ordenar a forma dos esquadrões69; segundo alguns dos presentes, «mais do que convinha a gente que se tinha como prática das coisas da guerra»70. Mas a mais acesa troca de argumentos teverá tido lugar quando se discutiu a maneira de o exército encetar a aproximação ao objectivo oficial da expedição, ou seja, a tomada do porto de Larache. Embora muita da história contemporânea critique acesamente D. Sebastião por insistir nesta manobra, não era uma decisão desprovida de justificação, uma vez que se suspeitava que Larache havia sido largamente reforçada, como aliás outros portos ao longo da costa Atlântica do norte de África. O envio de uma pequena frota para Mazagão certamente que manteve Abdelmeleque na expectativa quanto às intenções dos portugueses. Contudo, o reverso da medalha foi tornar o desembarque em Larache uma operação extremamente

Arzila onde o exército acampou A torre de menagem do castelo após a sua restauração.

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delicada, uma vez que Abdelmeleque entendeu aumentar as guarnições dos principais portos – Larache incluído. Para além de quaisquer factores de índole estritamente militar, a geografia do local constituía um obstáculo só por si difícil de transpor. A fortaleza encontrava-se situada sobre um banco de areia, e a entrada da barra era estreita. A eventual existência de baixios limitava severamente a navegação, o que naturalmente condicionava o desembarque e apoio às tropas. Por outro lado, o desembarque na praia estava sujeito às condições da maré, e podia ser inviabilizado pela forte rebentação na praia73. Este facto não era negligenciável, pois impossibilitou o desembarque dos castelhanos em 1610 numa situação pacífica, depois de a praça lhes ter sido cedida pelo novo sultão. A somar aos inconvenientes decorrentes da topografia, a guarnição havia sido reforçada com 2.000 andaluzes e 2.000 mil azuagos escopeteiros, o que dificultaria ainda mais as operações. A praia favorecia uma eventual defesa com trincheiras, e no caso de se deteriorarem as condições atmosféricas a armada podia ser forçada a levantar ferro, «deixando meiagente em terra»74; como aliás havia sucedido em 1541 durante o malogrado assalto a Argel dirigido por Carlos V. E para comprovar a profusão de armamento que existia na fortaleza, mal a frota enviada pelo rei se aproximou de Larache os barcos foram imediatamente alvejados pela artilharia inimiga75. Por outro lado, uma marcha por terra poderia ser aproveitada como forma de adestramento do exército, como era prática corrente. Estava-se numa época em que o treino não consistia numa actividade sistemática que permitisse transformar um recruta inexperiente em soldado e as marchas e os acampamentos serviam, precisamente, este fim. Assim, embora esta decisão estivesse longe de ser acolhida pela unanimidade dos oficiais, obedeceu a uma apreciação pertinente das condições objectivas no terreno. O rei desesperava com o atraso na chegada das embarcações que traziam os carros de bois, porque certamente já acalentava o plano de marchar por terra ao encontro do inimigo. Apenas este atraso o impedia de realizar a marcha. E no dia seguinte, o exército sairia encontro ao inimigo76, que se sabia acampar perto da povoação de Alcácer Quibir.

A «lineamenta» do exército

Num texto escrito em 1573, Francisco de Valdés relata a sua experiência durante as guerras da Flandres. Na vépera de um encontro campal, o duque de Alba ordenou que os mestres de campo e sargentos-mores dos terços se juntassem em conselho de guerra; «e aqui se votou a forma e frente como lhes parecia que se deviam fazer os esquadrões»71. Os manuais militares do século XVI recomendavam ser desejável que os capitães e sargentos-mores possuíssem algum conhecimento de engenharia e geometria. Marcos de Isaba, um dos inúmeros teóricos que escreveram sobre arte militar durante todo o século XVI, descreve um oficial demonstrando como se havia de ordenar um exército: «Tomando um compasso, desenhou na mesa a forma de alojar e colocar em ordem de batalha um exército de 30.000 homens, com os seus «esquadrões» e respectivas mangas de arcabuzeiros. Determinou onde haviam de ficar 5.000 cavalos, posicionados de forma a poder cerrar fileiras ou retirar-se sem desordenar a infantaria; assinalou o lugar da artilharia, fez a praça de armas do exército, e repartiu a bagagem pelos lugares mais convenientes.»72

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Entretanto, a inactividade forçada havia sido aproveitada com alguns rebates falsos «para segurar e doutrinar os soldados»77. Certamente também serviu para «doutrinar» alguns dos oficiais dos terços, cuja inexperiência não era, aliás, situação invulgar na época, como se verificou no seio do exército castelhano que invadiu Portugal dois anos mais tarde78. Mas outros rebates se sucederam no acampamento cristão, desta vez a cargo de exploradores inimigos. No dia 23 vários milhares de cavaleiros mouros surgiram à vista do acampamento, seguindo-se uma escaramuça onde D. Sebastião liderou um corpo montado e outro com tropas apeadas. O rei estava sempre pronto a tomar parte nestes encontros, onde demonstrava uma agressividade que deixava muitos dos seus conselheiros preocupados. No dia 24 ou 25 de Julho, passadas portanto cerca de duas semanas depois de o exército se ter alojado em Arzila, chegavam finalmente as embarcações com a carriagem. Radiante, D. Sebastião pensou ter, finalmente, condições para fazer sair o exército, mas logo se lhe deparou mais um contratempo. Desembarcados os animais, verificou-se que estes não estavam em condições físicas para empreender a jornada pelo muito tempo que haviam permanecido no interior dos navios. E apenas na segunda-feira 27 de Julho se lançou bando para que todos os soldados se preparassem para iniciar a marcha por terra.

a marcha do exército ARZILA

Dia 29 de Julho: “os moinhos)

Dia 30-31: “Almenara”

A marcha A jornada desde Arzila até ao local onde teve lugar a batalha demorou seis longos dias, durante os quais o exército sentiu grandes dificuldades em progredir por um terreno difícil. A coluna saiu de Arzila terça-feira dia 29, pela manhã, e, depois de caminhar cerca de uma légua, fez acampamento num local que os cronistas designaram «dos moinhos»79. Na

1 de Agosto: “três ribeiro” LARACHE

Dia 2 de Agosto: “soveral de Larache” ponte romana

10.00h de 3 de Agosto Dia 3 de Agosto

Larache O objectivo oficial da campanha de 1578. Será cedida por Almançor a Filipe II no início do século XVII.

quarta-feira caminharam apenas outra légua O exército acampou numa eminência do terreno conhecido por Almenara80. Reunido um conselho de guerra, os oficiais queixaram-se das dificuldades sentidas durante a marcha. O rei, concordando com eles, decidiu retirar para Arzila onde o exército embarcaria para atacar Larache por mar. Assim, na mesma noite foi enviado a Arzila Afonso Correia com 40 cavaleiros, na esperança de ainda lá se encontrar a frota. Contudo, o capitão-mor D. Diogo de Sousa já havia partido nesse mesmo dia para Larache, seguindo as instruções do rei. Afonso Correia reuniu-se ao exército no dia seguinte, quinta-feira 31 de Julho, acompanhado por 500 soldados espanhóis comandados pelo capitão Francisco Aldana, que entretanto havia chegado a Arzila vindo de Espanha. Eram estes os reforços prometidos por Filipe II. O oficial castelhano trazia uma carta com recomendações do duque de Alba, e ainda uma celada – um capacete – com que Carlos V havia entrado em Tunes depois de conquistada a praça em 1534. E assim, o exército iniciou a marcha logo pela manhã de sexta-feira, 1 de Agosto. Ao fim de percorrer cerca de três léguas, tomou alojamento num local designado «três ribeiros»81.

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Vau do Mocazim Este seria o aspecto do vau que o exército teve de franquear no dia 3 de Agosto. A dificuldade do terreno é notória, e assim se explica que os cerca de 20.000 homens da coluna tenham dispendido grande parte da manhã para vencer este obstáculo. Postal com o título El-Ksar As margens do rio Loukkes.

Nessa noite, a boiada foi atacada pelos cavaleiros mouros que sempre acompanharam a marcha da coluna, e embora sem resultados de gravidade, houve que recolher os animais extraviados. Retomou-se a marcha para norte, ao longo de um dos rios que partia do alojamento – o Mocazim – até que chegaram a uma ponte romana. Esta estava guardada por um importante efectivo estimado em cerca de 4.000 ou 4.500 cavalos. Impedido de continuar, o exército inflectiu para sul e foi alojar-se num local que vemos designado nas crónicas por «Soveral de Larache». Esta era uma excelente posição, um alto fortificado por um lado com a ribeira, que reforçou pelos outros lados com uma trincheira escavada pelos gastadores. Reunido nessa noite novo conselho de guerra, decidiu-se enviar exploradores a procurar um vau no rio Mocazim que permitisse a passagem do exército. O vau foi localizado sem grandes dificuldades a cerca de um quilómetro abaixo da ponte romana, tendo pela esquerda uma ligeira elevação no terreno. O rei confirmou a sua decisão de inflectir e seguir directamente para Larache ao encontro da frota que aí se encontrava fundeada. Por volta das 10 horas do dia seguinte, o exército atravessou o rio Mocazim. Gastou-se grande parte da manhã nestes trabalhos, e por isso optou-se por seguir para novo alojamento, descendo ao longo do rio. No arraial contrário, Abdelmeleque foi informado de que os cristãos haviam transposto o rio. Imediatamente enviou o seu irmão com alguns milhares de cavalos ao encontro da coluna portuguesa, com o objectivo de estorvar a progressão dos inimigos. E na espectativa quanto às intenções do adversário, sem saber se os portugueses lhe dariam batalha nesse mesmo dia, ordenou o exército para o combate. A coluna militar dos cristãos prosseguia no seu caminho há uma ou duas horas – um

Ponte romana de Alcácer Quibir A ponte romana onde D. Sebastião pretendeu atravessar o Lucos, antes de se decidir por passar o rio a vau. A ponte ainda se encontrava visível perto do duar Adeb há perto de 20 anos.

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cronista refere que o exército havia «caminhado meia légua» – quando surgiram pela frente alguns milhares de cavaleiros, entre oito a dez mil lanças82. Rodearam a coluna até alcançarem o sopé de uma colina situada na retaguarda dos portugueses. Aparentemente, teriam intenção de atacar a retaguarda, onde marchavam dois terços às ordens do coronel Vasco da Silveira. Foi a primeira acção de combate formal entre os dois exércitos. Os soldados portugueses dos terços da retaguarda foram rapidamente organizados num único esquadrão, com atiradores desdobrados pelos flancos – «guarnecidos de mosqueteria», na linguagem técnica dos militares profissionais da época. Reforçou-se este dispositivo com uma peça de artilharia ligeira colocada em cada um dos ângulos da formatura. Os restantes «terços» ocuparam também os seus lugares na formatura. O rei tomou lugar na frente do dispositivo, «com a cavalaria junta em som de batalha»83. A eficácia deste dispositivo parece ter ficado demonstrada, embora os adversários certamente não procurassem um encontro formal. Ainda assim, a guarnição de mosqueteiros do esquadrão, encetou o fogo a longa distância, apoiados pelas duas peças. Foi o suficiente para deter os inimigos que se aproximavam. Alguns destes cavaleiros, cerca de dez, juntaram-se mesmo ao exército cristão. Esta deserção não deixa de ser curiosa, tendo em conta que o campo de Abdelmeleque se encontrava na proximidade. Repelido o ataque, os dois exércitos ficaram à vista um do outro. Passava do meio-dia, e o calor de Agosto abrasava os soldados cristãos, muitos deles pesadamente armados com couraças e capacetes de ferro. E assim se mantiveram os dois campos inimigos por cerca de duas horas, sem que de uma ou da outra parte tomasse a inciativa de atacar. Durante estas duas horas, no auge da canícula, «estiveram em ordem padecendo insofrível calor pelo tempo e pelo lugar»84. No lado português, muitos insistiam junto do rei para que se

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Ordem de marcha do exército de d. sebastião Na frentre seguiam 100 cavalos em exploração

O resto da cavalaria «caminhava pelos lados do exército segundo lhe parecia mais conveniente para segurança dele»

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O processo de «redobrar as fileiras» h Diego Salazar, um reconhecido tratadista espanhol, definia o processo de «redoblar as filas» da seguinte forma: A segunda fila entra na primeira, a quarta na terceira, e a sexta na quinta. E depois podem redobrar-se outra vez da mesma maneira, metendo uma fila na outra

Redobrar fileiras

Redobrar outra vez

«Redobrar fileiras»

A Infantaria dos «terços» caminhava ordenada em «esquadrão» repartidos na vanguarda, retaguarda e batalha com elas situadas em distância conveniente para poder ir a bagagem no meio

Na retaguarda cerca de 40 deviam recolher os soldados que ficassem para trás Para dar batalha, o «terço» dos «aventureiros» devia juntar-se com o «terço» dos castelhanos num único «esquadrão»

Na segunda linha, dos 4 «terços» de ordenanças deviam fazer-se 2 «esquadrões» talvez pelo processo de «dobrar fileiras»

Para marchar, os soldados eram organizados em colunas de companhias, devidamente ordenados em determinado número de fileiras, que dependia do efectivo disponível. As diferentes armas – arcabuzes e piques – ocupavam um lugar bem definido na coluna. Caminhavam ou com toda a arcabuzaria na vanguarda, ou a repartida metade na frente e a outra metade na retaguarda da coluna; no meio estavam as picas. Os tratados ainda determinavam o número de soldados que deviam existir em cada fileira, ou seja, a ordem da coluna. Esta podia ser de 3 e 5 soldados, a mais comum, ou ainda de 7 ou 9 soldados. A bandeira da companhia seguia na fila do meio. Para passar da coluna à formação de combate – «ordenar o esquadrão» – o método mais corrente era o processo designado como redobrar as filas. A coluna imobilizava-se, e a segunda fila ocupava lugar ao lado da primeira, a quarta ocupava lugar ao lado da segunda, e assim sucessivamente. Com estas filas dobradas, repetia-se a operação, redobrando as fileiras. Outra maneira de construir o «esquadrão» consistia em alinhar cada coluna, sucessivamente, ao lado umas das outras. Este método era, contudo, desaconselhado pelos teóricos por ser uma operação mais demorada93. Uma terceira maneira de distribuir os soldados em formatura era desenhar no chão a forma que se pretendia para o esquadrão, e revela a relação próxima entre arte e guerra durante o século XVI.

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Forma para biscoito O biscoito, versão quinhentista das rações de combate dos exércitos contemporâneos.

desse logo batalha ao maluco. Não ousando este atacar, demonstrava ter grande temor dos cristãos, diziam alguns. Contudo, entendeu-se que os soldados estavam cansados pelo trabalho de vadear o rio, e depois marchar nas horas mais quentes do dia. Cerca de meia légua mais para baixo, vendo que os cristãos se mantinham na expectativa, o maluco recolheu-se ao seu acampamento situado numa colina que acompanhava o rio Rur pelo lado esquerdo, um pouco acima da povoação de Alcácer Quibir85. O arraial dos mouros encontrar-se-ia perto de dois topónimos, Bedaoua e Chefira. Na cartografia actual, estes aduares86 situam-se num campo vagamente circular com pouco menos de um quilómetro de diâmetro, limitado na mão esquerda pelo Lucos, e na direita pelo seu afluente Rur87. Pelo seu lado, os portugueses retomaram a marcha. D. Sebastião foi tomar alojamento num ponto alto, dominando o rio Mocazim e a ribeira – na altura encontrava-se seca – que sai do rio Lucus e que um pouco mais abaixo entronca no rio Rur. O acampamento ficava fortificado por oeste com um cabouco grande que corria ao longo do rio por mais de uma légua. Para fortificar os outros lados usaram-se os carros de bois, e os gastadores88 abriram ainda uma trincheira larga. Dois engenheiros militares que acompanhavam a hoste, Nicolau de Frias e o arquitecto italiano Filipe Terzi, orientaram a construção das defesas. A solidez deste acampamento foi reconhecida pelos observadores inimigos, que entenderam que se os portugueses se mantivessem nessa posição, era impossível rompê-los89.

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A noite de 3 de Agosto Deviam ser talvez 4.00 horas da tarde quando no campo portugês se notou que os seus adversários começavam a dar mostras de se quererem retirar. A suspeita confirmou-se, começando as linhas dos mouros mais recuadas a abandonar o local. Foram seguidas, em lenta manobra, pelos restantes soldados da dianteira, ainda assim a coberto da cavalaria que ainda se desdobrava por todo o terreno. Os soldados portugueses mais bisonhos, aliviados por não serem obrigados a combater depois das pesadas fadigas do dia, retomaram a marcha prudentemente, mantendo a ordem que traziam desde que haviam partido de Arzila. A infantaria ia ordenada em esquadrões repartidos por três escalões, vanguarda, retaguarda e batalha, «alternando-se os terços na vanguarda um dia, na retaguarda noutro»90. As três linhas marchavam mantendo entre si uma distância conveniente de forma a permitir a bagagem viajar no meio, e ainda para facilitar o socorro entre si. Na frente ia o mestre de Campo D. Duarte de Meneses com a gente de cavalo de Tânger a proteger o trem da artilharia, e na dianteira ia mais afastado o adail com cem homens a cavalo, em missão de exploração. D. Sebastião caminhava por um lado do exército com o resto da cavalaria 91, e o duque de Aveiro pela outra ilharga. Atrás de todos iam ainda cerca de 50 cavaleiros a recolher todos aqueles que se extraviavam para que não caíssem nas mãos do inimigo. De facto, muitos mouros acompanhavam a marcha da coluna desde que o exército tinha saído do acampamento, sempre prontos a exercer alguma acção de flagelação ou a dificultar o progressão dos cristãos. A divisão de um exército em três linhas distintas era largamente utilizada pelos grandes generais europeus quinhentistas. Alexandre Farnese, o famoso duque de Alba, escreveu uma carta a D. Sebastião na qual, entre outras recomendações, defendia a ordem tripartida para o caso de o rei encetar uma marcha por terra. A tripartição de um exército – ou ordem redobrada, segundo a terminologia usada pelos teóricos militares da época92 – dificultava o envolvimento de uma coluna. E desta formatura tripartida podia-se rapidamente passar a uma formatura quadrada, uma das mais utilizadas pelos castelhanos e portugueses, utilizando um método designado por dobrar fileiras. A forma quadrada era considerada por alguns teóricos, em particular os hispânicos como Francisco de Valdés, como sendo a mais adequada à guerra em África. Neste teatro de operações, o adversário era invariavelmente superior em termos de efectivos de cavalaria, o que levava ao quase certo envolvimento do dispositivo militar dos cristãos. Atacado por todos os lados, um exército disposto com a forma do quadrado poderia resistir com igual potência em todas as frentes. A formatura quadrada havia sido considerada por D. Sebastião como a mais adequada para a marcha de aproximação ao exército mouro, conforme ele próprio transmitiu ao embaixador castelhano Juan da Silva. Nesta conversa, que teve lugar a 26 ou 27 de Julho, o rei expôs o seu plano, que previa levar 15 ou 14.000 soldados distribuídos por 4 esquadrões. Pretendia juntar o tercio dos mercenários castelhanos com os aventureiros portugueses de Cristóvão de Távora, fazer outro esquadrão com os alemães, e dos outros quatro terços de portugueses fazer dois esquadrões94. O exército dirigiu-se para um ponto alto situado perto da confluência do rio Mocazim com o Lucos, a cerca de 3 km do local onde se encontrava o arraial de Abdelmeleque. Foi decidido montar o acampamento neste ponto forte, protegido pelos rios e por um abouco paralelo ao Mocazim. Construiram-se algumas fortificações de campo para reforçar o acampamento sob a supervisão de Filipe Terzi e Nicolau de Frias, os dois principais arquitectos que acom-

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panhavam a expedição. Depois, os soldados extenuados alojaram-se, finalmente, ao mesmo tempo que se reunia um conselho de guerra para se decidir qual o movimento seguinte. Logo no início do conselho, o mestre de campo D. Duarte de Meneses sugeriu que se organizasse uma encamisada, ou seja, um ataque de surpresa ao campo inimigo a coberto da noite que entretanto caíra. O fronteiro, homem experimentado na guerra africana, sabia que o inimigo era vulnerável a estes ataques nocturnos. Para mais, sabia-se pelos poucos mouros que se haviam passado ao campo português, que no exército contrário reinava um clima de incerteza; o maluco95 vinha doente, e suspeitava-se ser de peçonha. Havia sido, com grande probabilidade, vítima de envenenamento, embora o seu médico pessoal dissesse que era uma mera congestão. Já no dia anterior, quando se preparava para montar a cavalo, Abdelmeleque tinha desfalecido à frente de todos, sendo logo assistido por este físico de origem judaica. A desconfiança entre os soldados era tal, que se levantavam fortes suspeitas quanto à lealdade de alguns contingentes de tropas que se dizia estarem propositadamente desarmados para se passarem para o partido do xarife no momento conveniente96. Informado, o maluco mandou anunciar por todo o arraial que todo o atirador que, ao outro dia pela manhã, não tivesse 50 balas e duas libras de pólvora perderia a vida97. Já se haviam trocado os capitães e alterado as ordens e as companhias, sem haver pessoa de qualidade no exército que não tivesse sido removida do lugar que tinha98. Apesar de todas estas vantagens, D. Sebastião não se decidiu por este estratagema, alegando que a cavalaria era pouca para se arriscar em empresas temerárias. Muitos retorquiram como podia el-Rei acusar alguém de temeridade, ele que se expunha ao perigo para além do que era aconselhado para a pessoa Real? Alguns dos presentes ainda murmuraram entre si que era mais ciúme de lhe poderem retirar a vitória do dia seguinte. Irritado, o rei rapidamente se sobrepôs, não admitindo qualquer contraditório à sua autoridade. E alguns mais próximos do rei concordaram com ele, por a fidalguia estar sempre irrequieta à procura de se sobressair para agradar a S. Alteza, devendo antes acatar as ordens reais e cumprir o que lhes era mandado. E não ensinava a milícia o grande valor da obediência e da disciplina? Conformaram-se os mais renitentes, que acabaram concordar com o abate de parte dos animais de carga, para que a carne fosse distribuida pelos soldados. Havia vários dias que os homens passavam grandes privações, e isto apesar de o mantimento que se ordenou a toda a gente de soldo contasse para seis dias. De facto, escasseavam as vitualhas. Cada soldado tinha saído de Arzila com nove arratéis de pão e três quartilhos de vinho, mais seis borrachas de água99. Mas no dia 29, quando abalou o exército, já não havia soldado que não levasse senão o biscoito, porque a saída havia tido lugar com bastante atraso. E embora o rei tivesse ordenado um reforço de biscoito para mais quatro dias, e o provedor-mor Luís César ainda mandasse levar provisões para mais dois, as dificuldades do trajecto fizeram os soldados consumir por completo a magra dieta100. O resto da noite passou-se sem sobressaltos de maior, com algumas demonstrações de mouros que se chegavam ao acampamento para disparar uma ou outra salva. Ainda assim, sabendo-se protegidos por uma posição de invejável valor defensivo, os soldados contentaram-se em usufruir do inesperado festim. Sabia-se lá o que os esperava no dia seguinte, mais valia aproveitar o momento presente e encher a barriga. Este era, por certo, o pensamento corrente entre a soldadesca. D. Sebastião correu o campo durante quase toda a noite, por entre os vivas que os homens lançavam à vista do seu jovem general, ou dos olhares mais circunspectos de outros, receosos pelo aproximar da batalha que sabiam o rei não querer evitar. A estes, lançava-se por vezes uma palavra de encorajamento, ou uma repreensão por não acreditarem que Deus estava com os portugueses nesta cruzada abençoada pelo próprio papa. Deteve-se, junto

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As 10.000 violas do exército

Já se escreveu sobre as hipotéticas 10.000 guitarras encontradas entre os despojos do exército derrotado, espelhando o ambiente de ligeireza com que os portugueses entraram em campanha. Contudo, para além de se tratar de um número inverosímil101, sublinhe-se que era de bom tom os fidalgos dominarem a música e a dança, para além das artes de carácter marcial. Devia-se saber tocar destramente um alaúde, da mesma forma que se devia esgrimir com excelência. Muitos tratados militares são inequívocos neste sentido, associando a música com a guerra. E o inverso era também verdade. Alguns dos tratados quinhentistas debruçaram-se sobre a música militar e o seu papel nas batalhas. Aliás, devemos sempre ter em consideração que o conhecimento humanista é visto como um todo, abarcando as disciplinas mais diversas desde as artes até à guerra. De facto, o renascimento trouxe para o domínio da erudição – das artes liberais, vistas no sentido clássico do termo – actividades antes consideradas meramente operativas como a arquitectura e a guerra. Aliás, a viola de mão desenvolveu-se em Espanha sobretudo a partir da segunda metade do século XV, e poderemos concluir que seria também tocado em Portugal, dado a relação privilegiada entre os dois países. Assim, é natural que no exército português, no qual se integrou a esmagadora maioria da nobreza nacional, se encontrem muitos destes fidalgos que, seguindo a moda, se fizeram acompanhar de um instrumento musical. E os próprios espanhóis presentes na batalha, a maioria deles voluntários – um deles, Gonçalo Chacon, tinha uma ascendência sufucuentemente ilustre para lhe permitir integrar-se precisamente no terço dos aventureiros – podem também eles levado a sua vihuela, tal como os portugueses. É que nem só de de guerra devia tratar o gentil-homem quinhentista. com alguns companheiros mais próximos, perto do local onde se alojavam os aventureiros, que entusiasticamente o receberam. Logo se tangiram alguns alaúdes. Domingos Madeira preparou-se para cantar mais uma das suas canções de mau agoiro, mas logo alguém se lhe sobrepôs com uma folia, ao som da qual o rei se afastou por entre os vivas lançados por estes voluntários de uma velha nobreza sedenta de uma renovada preponderância. Exaustos pelos acontecimentos desse dia, os membros desta pequena comitiva foram-se dispersando com o passar das horas, e quando o rei chegou à sua tenda reparou que apenas trazia consigo o seu valido Cristóvão de Távora. Era escassa audiência, mas que importava. Desembainhou a espada e no chão desenhou o exército para a batalha que pretendia dar ao maluco logo no dia seguinte. Ia ordenar os terços em 4 «esquadrões quadros de gente», e com a mesma forma ficaria o «batalhão de acobertados», à frente dos quais ele próprio havia de romper a batalha. A excitação na perspectiva do confronto tirava-lhe o sono, e só pouco antes de a manhã nascer finalmente decidiu entrar na sua tenda e deitar-se para repousar um pouco. Não tinha sequer passado uma hora, ainda antes de amanhecer, quando tornou a levantar-se para pedir que lhe fosse trazido o almoço. Quando o seu criado de câmara, Sebastião Resende, chegou, D. Sebastião conversava na sua tenda com Cristóvão de Távora. O sol começava a levantar-se102, mas o rei estava sentado na cama, já com o gibão de couro vestido, e o seu interluctor encostava-se a uma mesa onde se encontravam vários livros, alguns abertos. O jovem descortinou nuns longas tabelas numéricas que ocupavam toda uma folha, noutros desenhos com formaturas de soldados. D Sebastião lançou um olhar alegre ao

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Um acampamento para exército Acampamento de finais do século XV. Todo o perímetro está protegido por trincheiras, sendo mesmo visível uma fortificação regular temporária. Á excepção desta última, de cuja existência nenhum cronista nos permite fazer supor, todos os restantes trabalhos – e topografia – deveriam ter alguma semelhança com o acampamento português de 3 de Agosto.

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Ordem de batalha do exército de d. sebastião A Primeira linha ou vanguarda O «terço» dos castelhanos estava na mão esquerda 11 companhias com cerca de 2 100 homens. Era coronel D. Alonso de Aguilar, sargento mor D. Luís de Córdova. No meio estava o «terço» dos «aventureiros». Com cerca de 7 companhias perfazendo 1 400-1 500 homens, tinha um coronel Cristóvão de Távora como e Pêro Lopes sargento-mor. As cinco primeiras fileiras estavam salientes em relação aos outros «esquadrões», defendendo a artilharia. As 4 bandeiras de Italianos do coronel Thomas Stuckeley guarneciam este «esquadrão» pela esquerda. Outros 600 atiradores, soldados de Tânger comandados pelo capitão Alexandre Moreira guarneciam a direita dos «aventureiros». As 12 companhias de alem~es do coronel Martim de Borgonha, com 2 700 homens, fechavam a mão direita da vanguarda

Ala esquerda 600 cavalos pesados comandados pelo rei, 25 filas a 24 homens cada uma

jovem que chegava. Interessam-vos os assuntos da milícia? Se assim for, leitura não vos faltará, pois aí tendes o livro de Cataneo de Novara que os maiores generais trazem consigo para a guerra. E se não entenderdes o italiano, ali dentro guardo o manuscrito de mestre Isidoro de Almeida, que o próprio dele me fez oferta. Mas logo falou para o seu valido: «Senhor D. Cristóvão, aproveitemos o repasto que nos traz o jovem Resende. Nasce o dia, e devemos retemperar forças para os grandes trabalhos que hoje nos esperam!»

As ordens de batalha Abdelmeleque acampava nas imediações de Alcácer Quibir desde o dia 24 de Julho. Depois de instalado o acampamento a cerca de 10 km da povoação, aí permaneceram até que no primeiro dia de Agosto chegou a notícia de que o exército cristão havia saído de Arzila. Dissipadas finalmente as dúvidas quanto às intenções do inimigo, Abdelmeleque dirigiu-se no dia seguinte para Alcácer Quibir, onde fez uma última revista às forças de que dispunha. É impossível assegurar qual o efectivo do exército marroquino pois as fontes são discordantes. A maior parte dos cronistas coevos aponta um número excessivo de soldados, que chegam a ultrapassar os 100.000 homens. As estimativas mais realistas parecem oscilar entre 30.000 e 40.000 homens – 38.000 segundo o mestre de campo D. Duarte de Meneses e 36.500 segundo o genovês Conetaggio. Num curioso documento otomano dirigido ao Bey de Argel, estimam-se as forças do maluco em 40-50.000 homens, um quantitativo que parece não destoar muito dos números avançados pelo português e pelo genovês. Mas são os efectivos de cavalaria que apresentam os valores mais díspares, entre 10.000 e 60.000 cavalos. O próprio dispositivo de desdobramento da maior parte destas tropas, dado o carácter irregular dos cavaleiros muçulmanos, impedia um cálculo rigoroso, pelo que a tendência seria exagerar o seu quantitativo. No caso do exército português os números são relativamente fiáveis. Com toda a certeza que chegavam aos 17.000 homens, talvez 20.000 se contarmos com os gastadores, isto é, os

B Segunda linha, ou «batalha» Era coronel Vasco da Silveira, sargento-mor o capitão Bezerra castelhano. Os «terços» de Lisboa e Estremadura formaram um «esquadrão» de 5 000 homens em vinte bandeiras, guarnecido por duas mangas soltas de atiradores. Onde se deveria situar outro esquadrão igual ficou uma praça livre, fechada pela esquerda com as carretas cada uma com 4 ou 5 arcabuzeiros em defesa

A

B

C

Ala direita Outro «esquadrão» com cerca de 300 «acobertados» comandado pelo duque de Aveiro. Os cerca de 200 fronteiros das praças de Tânger e Mazagão ficaram avançados e algo desviados em relação ao grosso do exército, por imcumbidos da missão de exploração. Os 250 cavalos e 400 atiradores do contingente de Mulei Mahamet seguiam atrás do duque de Aveiro

C Terceira linha, ou retaguarda O «terço» do Algarve, comandado por Francisco de Távora, na mão esquerda, o «terço» do Alentejo, comandado por D. Miguel de Noronha, na mão direita. Entre os 2 «esquadrões» foi deixada uma praça aberta destinada à bagagem. Fechando este espaço tomou lugar um corpo de mosqueteiros. Duas peças ligeiras de artilharia reforçavam o dispositivo, talvez posicionada nas «quinas dos esquadrões»

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O quadrado e os «esquadrões quadros de gente» «Entre as figuras de esquadrões que ha a gente española aprova (...) os quais acomodão como pode ser a qualquer sítio que se offerece tendo as demais por desnecessarias e impertinentes e são estas quadro de gente, quadro de terreno; porlonguado de gran frente, e porlonguado de gran fondo e estes 2 ultimos tambem se nomaeão e entende polos sobrenomes.» Luís Álvaro Seco, Anotações ao Quarto Livro das Instruções militares de Isidoro de Almeida

A formatura em forma quadrada era defendida como a mais adequada para lutar contra um inimigo que usufruísse de uma superioridade numérica em termos de cavalaria. Esta tese era defendida na literatura militar hispânica, e os castelhanos tinham larga experiência no teatro de guerra do norte de África a apoiá-los. O primeiro texto militar português da época, o Regimento de Guerra de Martim Afonso de Melo, também revela a experiência do autor na guerra com os marroquinos, e o «esquadrão quadro» é aí defendido como a formatura de eleição. É curioso notar que portugueses e castelhanos, ambos com longa experiência de guerra em Marrocos, dominam vertentes diferentes da arte militar; os primeiros eram considerados insuperáveis na defesa das praças, enquanto os segundos eram praticamente invencíveis nos encontros campais. O processo utilizado para construir os esquadrões envolvia «as quatro primeiras espécies de aritmética e a primeira regra de três, e tirar raízes quadras»115, e podiam atingir um elevado grau de complexidade. Este processo exigia aos coronéis dos terços grande agilidade de cálculo, tarefa que estes homens entregavam de bom grado aos sargentos-mores. Era a estes oficiais que cumpria ter um «entendimento perfeito da arte militar, não somente por longa prática e experiência, mas também na sua vertente teórica, ou seja, o modo de juntar e dividir diligentemente os números»116… fazer contas, em suma, coisa de que alguns fidalgos, muitas vezes iletrados, eram incapazes.

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trabalhadores braçais. Embora inferior ao total dos inimigos era ainda assim, um efectivo de respeito, e isto ao contrário do que vemos muitas vezes escrito nas muitas análises que se têm feito da batalha. E quando comparados com os 28.000 homens da primeira expedição de Carlos V a Tunes (1534), os cerca de 22.000 homens em Argel (1541) ou os 27.000 da segunda expedição a Tunes (1573) – já durante o reinado de Filipe II – não encontramos grande disparidade entre os números envolvidos nestas várias campanhas. O exército português que foi a Marrocos em 1578 era aquilo que hoje podemos designar um corpo heterogénio, constituído por soldados das mais diversas proveniências. Como aliás era vulgar com os exércitos quinhentistas. Basta referir que o exército castelhano que Filipe II enviou a invadir Portugal (1580) contava com soldados espanhóis, italianos, e alemães. Mas o principal alicerce do corpo expedicionário de D. Sebastião, consistia nos homens levantados por todo o reino à custa do sistema das ordenanças, posto em prática havia sete anos. Esta expedição aparece, assim, como um exemplo quase único na história militar portuguesa. De facto, a sua preparação foi objecto de reformas militares que se estenderam ao longo de todo o reinado de D. Sebastião, que havia tornado a expansão no norte de África como um desígnio nacional. Quanto aos restantes contingentes, consistiam na sua maior parte em mercenários. Foram recrutadas 12 companhias de mercenários com cerca de 2.800 alemães e valões veteranos das guerras da Flandres, a eles se juntava um contingente de soldados voluntários castelhanos, 8 a 11 companhias que segundo os vários cronistas traziam entre 1.600 e 2.200 homens. Outros mercenários integraram o exército português, um pequeno contingente de 4 companhias com um total de 600 italianos que fortuitamente aportou em Portugal. Outra forma de integrar «soldados práticos» na expedição, foi conseguido através do expediente de mandar retirar alguns veteranos da guarnição de Tânger e Arzila, substituindo-os por outros das levas levantadas no reino; curiosamente, tendo solicitado o mesmo à praça de Ceuta, o seu capitão escusou-se a prestar auxílio. A todos estes soldados mercenários e recrutas das ordenanças, juntou-se aquilo que se pode considerar a nata do exército, entre 800 a 1400 fidalgos voluntários e veteranos dos teatros de operações de todo o império, e em conjunto com os veteranos contratados constituíam a componente de choque do exército português. O efectivo nacional da força expedicionária deveria integrar 12.000 homens organizados em 4 terços ou coronelias de 12 companhias cada, cujo efectivo tinha começado a ser recolhido por todo o reino a partir de 1577. Mas, no final, apenas foi possível levantar cerca de 9.000 e principalmente no sul do país, provavelmente reduzindo o número de companhias de cada terço para 10. O norte de Portugal, fortemente afectado pela peste de 1569, pelo catastrófico ano agrícola de 1574 e ainda pela fome que se lhe seguiu em 1575, opôs forte resistência ao recrutamento e não correspondeu às expectativas do rei. Até porque, em grande medida, era no sul de Portugal onde mais se sentia o apelo da guerra contra o infiel que periodicamente devastava as povoações do Algarve. O cerco de Mazagão em 1562 é um exemplo do voluntarismo destes homens. A população da costa sul havia respondido entusiasticamente aos pedidos de socorro do capitão da praça, como os habitantes de Tavira que enviaram prontamente reforços às suas custas. No que respeita ao treino militar da gente da ordenança, este parece ter começado em Lisboa desde inícios de 1578. A 22 de Janeiro, o embaixador espanhol D. Juan da Silva fazia alusão a uma saída do rei para o campo de Stº Amaro ou Alvalade, locais onde se costumavam realizar os alardos na capital. D. Juan notava que, por esta altura, os soldados já começavam a perder «o medo ao arcabuz»103, indicando que o adestramento tinha lugar há algum tempo com alguns resultados positivos no comportamento militar desta gente bisonha, «arrancada à terra e ao arado».

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O exército de D. Sebastião Infantaria

Na vanguarda do exército português estava a gente «mais escolhida e honrada de todo o exército»104. Como defendiam os teóricos da época, «quando se combater contra muitos inimigos mal armados se deve pôr na fronte a força toda. Gente mal armada e pouco destra não haveria de prevalecer muito tempo contra soldados práticos e bem armados serão assim com mais facilidade vencidos»105. Assim o aconselhava o reputado Farnese na carta que o capitão Aldana entregou a D. Sebastião. Assim, na vanguarda encontravam-se os mercenários de diversas origens. Os tudescos – alemães e flamengos – com o seu comandante Martim da Borgonha; os italianos comandados pelo aventureiro inglês Thomas Stukeley; e os castelhanos cujo coronel era D. Alonso de Aguilar com D. Luís de Córdova como sargento-mor. Para além destes, também aí se encontravam destacados os soldados provenientes da guarnição da cidade de Tânger, gente prática armada com arcabuzes. No meio de todos estes soldados ficavam os aventureiros, altamente moralizados, verdadeira elite dentro da élite. Eram, como vimos, veteranos das diversas praças de África e Oriente, nobres sem posses para sustentarem cavalo, e outros que para agradar ao rei se juntaram a este corpo apeado. A frente deste esquadrão ficaria uns 30 metros avançada em relação aos restantes, o que se explica quer pela proeminência do seu coronel Cristóvão de Távora – o principal valido do rei – e ainda pelo facto de defender a artilharia, que seguia na frente da vanguarda do exército. Pelos lados dos aventureiros ficavam as «mangas de arcabuzaria», como era costume na época; os italianos na esquerda, 5 ou 6 soldados distribuídos por 11 fileiras, e do lado direito «igual número de arcabuzeiros dos soldados velhos de Tânger que seriam pouco mais de quinhentos arcabuzeiros»106. Inicialmente, pretendeu-se que a disposição da vanguarda devia consistir em 2 esquadrões, um construído com os soldados do terço dos tudescos, outro com o efectivo dos terços dos aventureiros e castelhanos. Mas, no dia da batalha, os nobres portugueses não aceitaram misturar-se com os castelhanos – há que referir que muitas rixas aconteceram em Lisboa, precisamente entre portugueses e castelhanos – e assim a vanguarda ficou dividida em 3 esquadrões distintos. Estes, desdobrados em linha recta e guardando pouca distância entre si, apresentavam-se me «forma prolongada»107 ou «prolongada de grande frente», termos que na época designavam a tipologia militar mais indicada para dificultar o envolvimento por parte dos inimigos. Um dos métodos preconizados para formar esquadrões «em ordem prolongada» era precisamente, e segundo um autor português da época108, fazer alinhar três esquadrões por uma frente em linha recta. A disposição da segunda e terceira linhas de batalha do exército português está envolvida numa certa confusão, fruto das descrições contraditórias da maioria dos cronistas. De facto, a maior parte das relações da batalha foram escritas por veteranos que estiveram na vanguarda do exército. O exército não adoptou a formatura planeada, e a precipitação com que se escalonou na sua disposição definitiva, certamente que terá contribuído para muitos dos cronistas confundirem as posições relativas dos terços que se encontravam atrás da primeira linha. Como se verá adiante, ainda os terços da retaguarda não haviam terminado a construção da sua formatura e já a cavalaria inimiga, que havia envolvido todo o exército, iniciava o assalto precisamente na retaguarda da coluna. Os esquadrões que aqui seguiam mantiveram a formatura que traziam em marcha, não ocupando a posição prevista que deveria ser ao lado dos outros treços da segunda linha.

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Os dois terços que marchavam nesta segunda linha, designada pelos cronistas por batalha, tinham por coronel Vasco da Silveira. Vasco da Silveira trazia sob as suas ordens muita da gente recrutada a norte e Estremadura, e o capitão Bezerra castelhano comandava os soldados de Lisboa e arredores. O capitão Bezerra substituía Diogo Lopes de Sequeira, que havia adoecido, e os dois terços juntaram-se num único corpo «em forma não muito engrossada», «num esquadrão de vinte bandeiras, que tinha perto de cinco mil homens»109. Quem nos dá conta destes detalhes, que evidenciam notável conhecimento militar, foi um homem que acompanhou o coronel Vasco da Silveira e que com ele combateu. O seu nome perdeu-se, mas ficou o manuscrito para a posteridade, nada menos que uma das mais valiosas relações que nos chegaram sobre a batalha de Alcácer Quibir. Ao lado do «esquadrão da batalha» abria-se uma praça. Esta situava-se um pouco atrás do terço dos castelhanos (que se encontrava na vanguarda) e na frente do terço de Francisco de Távora110 (na retaguarda do dispositivo). Este espaço vago destinar-se-ia, inicialmente, a ser ocupado por um esquadrão formado pelos dois terços da retaguarda. Tal não sucedendo, o espaço ficou por preencher, convertendo-se então numa praça para os pagens e cavalos, e onde a cavalaria se poderia reformar em caso de necessidade. Na linha da batalha encontravam-se os soldados menos adestrados e de menor confiança, «a gente bisonha» do exército. O duque de Alba, na carta que Francisco Aldana entregou a D. Sebastião a 31 de Julho, recomendava «guarnecer o corpo da «batalha» com mangas soltas de arcabuzaria»111, sabendo que aqui se deveria encontrar o corpo de soldados mais frágil. Estes atiradores destinavam-se a manter o inimigo à distância, como preconizava a teoria militar de então. De facto, os principais cronistas mencionam a existência de «mangas soltas de arcabuzeiros» em apoio do esquadrão da batalha, apenas ficando a dúvida sobre se eram duas ou quatro, ambas as situações aceitáveis à luz dos testemunhos presenciais112. A carriagem consistia em cerca de 500 carros, 100 com a alimentação dos soldados que consistia em «biscoito», 200 com cevada, pólvora e munições, 40 com «outras tantas pipas de água», 5 com o dinheiro dos soldos para os soldados, e os restantes distribuídos pelos terços113. Seguiam ao longo dos esquadrões, na mão esquerda, defendidos por alguns atiradores, talvez cinco por cada carro. Esta parece ser a localização mais provável em virtude da precipitação com que a formatura do exército foi completada. Embora estivesse previsto rodear o dispositvo com os carros, muitos dos quais haviam sido preparados para esse fim, é evidente que se tornava necessário proteger, em primeiro lugar, a «praça dos pagens» das investidas da cavalaria dos adversários. No lado oposto, o exército estava devidamente protegido por vários batalhões de cavalaria, um dos quais o contingente de Mulei Mahamet. A principal desvantagem deste dispositivo consistia no facto de os carros favorecerem a desordem das tropas do corpo de batalha, por se recear «se acolherem a eles alguns fracos que os vissem perto»114, conforme vaticinado pelo experiente capitão Aldana. A forma da retaguarda deixa transparecer alguma urgência no finalizar da formatura do exército. Como vimos, não se adoptou a forma planeada, e realmente a terceira linha desdobrou-se de forma diversa da segunda linha, embora tal não fosse de esperar por as duas apresentarem o mesmo efectivo de soldados e o mesmo número de terços. O plano de formatura aprovado em conselho de guerra, previa o exército desdobrado em apenas duas linhas a dois esquadrões cada uma. Como já se referiu, esta figura geométrica regular, de evidente filiação na teoria militar quinhentista, não teve lugar por os combates se iniciarem prematuramente, surpreendendo os portugueses quando ainda procediam à movimentação das tropas. Assim, atrás da praça vaga que os terços de Francisco de Távora e D. Miguel de Noro-

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nha haviam de ocupar, foi construída uma «terceira ordem de batalhões»117. O terço de Francisco de Távora, com os soldados recrutados no Algarve, ficava pela mão esquerda, enquanto que o terço com os Alentejanos do coronel D. Miguel de Noronha ficava pela direita. Endurecidos pelos diversos rebates que regularmente sovam pela costa sul de Portugal, estes soldados da retaguarda – em particular os Algarvios de Francisco de Távora – eram o que se poderia chamar a gente mais «destra e prática» de todos os que haviam sido levantados pelas ordenanças; a prová-lo estes homens foram os primeiros a entrar em batalha, e os últimas a render-se. No intervalo entre os dois esquadrões ficava a bagagem, junto da qual ainda se acotovelavam todos os não-combatentes. E a fechar o espaço livre entre os dois terços rapidamente se desdobraram entre 300 a 500 mosqueteiros pela frente, nas palavras de um veterano da batalha, «para nos não entrar o inimigo»118. Houve, portanto, a intenção de proteger as linhas mais recuadas do exército, ou seja, «ficar em resguardo». A retaguarda foi ainda reforçada com dois ou três esmerilhões, peças de artilharia ligeira, um expediente destinada aumentar a potência de fogo na linha mais recuada do exército; o que leva a crer que, de facto, a formatura foi completada sob pressão dos acontecimentos.

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Os acobertados ou couraças Este deveria ser o aspecto dos acobertados portugueses. A armadura de aço era vulgarmente substituída por tecido, embora coexistissem os dois tipos de protecção. Landeszeughaus Graz (Áustria).

Cavalaria

Embora a principal componente dos exércitos quinhentistas consistisse naquilo que então se designava por «infantaria ordenada», nem por isso o contingente de cavalaria havia perdido a sua importância. Pelo contrário, a cavalaria marcava ainda presença em todos os exércitos da época, embora com efectivos proporcionalmente muito diminutos em relação aos das tropas apeadas. A cavalaria prestava serviço exercendo diversas funções, que genericamente se podem definir como a exploração, a perseguição, ou a escaramuça. Contudo, nos encontros formais – as batalhas campais – ainda desempenhava um papel activo integrado na própria formatura do exército. Um novo tipo de cavalaria armada com armas de fogo procedia à flagelação das linhas inimigas, mas a cavalaria pesada – os acobertados – continuava a poder decidir um encontro através da tradicional acção de choque, tal como acontecia desde a época medieval. E se no campo de batalha europeu este tipo de acção encontrava cada vez mais dificuldades, pela cada vez maior eficácia das armas de fogo e treino dos soldados, já no norte de África os cavalos «acobertados» tinham sido introduzidos com grandes resultados, contra-atacando as grandes massas de irregulares que periodicamente flagelavam as praças portuguesas. A cavalaria pesada marcou presença no exército que D. Sebastião levou a Marrocos, «cavalos encobertados de couraças à antiga usança portuguesa»119, e o seu efectivo atingia quase metade do total de cavalaria que o rei levou para a batalha. Desdobrada pelos dois flancos do exército em alas, guardariam cerca quinze ou vinte passos entre os batalhões de cavalaria e os esquadrões de infantaria, isto de acordo com as recomendações dos tratadistas mais reputados e populares de quinhentos, como os italianos Battiste della Valle 120 e Girolamo Cataneo121. D. Sebastião comandava pessoalmente a ala esquerda, onde se encontrava o maior efectivo destes «cavalos encobertados», que assim também se destinavam «para defesa da pessoa real»122. O batalhão somava 600 homens distribuídos por 25 fileiras, com 24 cavaleiros cada uma. Do lado oposto estava o duque de Aveiro, outro favorito do rei, na frente de outro contingente de cavalos pesados distribuído por fileiras um pouco mais delgadas, totalizando mais de trezentos de homens123. Neste mesmo lado direito, atrás do batalhão do duque,

estava o pretendente ao trono Mulei Mahamet com o seu magro efectivo; eram cerca de 250 cavalos e 400 arcabuzeiros. Mais problemático é destrinçar a localização e efectivo total dos cavaleiros oriundos da praça de Tânger, que eram liderados pelo mestre de campo general D. Duarte de Meneses. Antes de os combates se iniciarem seguiam na frente do exército, enviados em exploração. Ao chegar à vista dos inimigos, certamente tomaram lugar no dispositivo, provávelmente chegados ao lado direito e «mais dianteiros que o batalhão do duque»124. O seu total devia somar entre os 200 a 600 cavalos.

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O exército de Abdelmeleque A ordem de batalha adoptada pelo exército sádida em Alcácer Quibir encontra paralelos notáveis com as tácticas clássicas dos otomanos. Desde logo, a forma semi lunar do campo marroquino era na altura associada com a chamada «ordem turquesca»125. A própria topografia permitia acentuar o avanço dos flancos em relação ao corpo principal, porque embora o local da batalha seja plano erguia-se no meio uma pequena colina atrás da qual os mouros ficaram parcialmente a coberto da vista dos adversários.

Artilharia

Abdelmeleque dispunha de 24 canhões de campanha, incluindo três peças pesadas fundidas durante a viagem sob a sua supervisão pessoal. Era um procedimento corrente entre os otomanos, porque o enorme peso destas «peças de artilharia grossas» 126 dificultava sériamente o seu transporte. A escolha do lugar onde havia de ficar instalada a artilharia obedeceu não só a toda a experiência adquirida durante décadas de luta contra os portugueses, mas também ao conhecimento do dispositivo otomano, no qual os canhões reforçavam a linha principal de defesa onde se encontrava a infantaria mais escolhida. É preciso não esquecer que depois de colocados em posição, os canhões eram praticamente inamovíveis. Um comandante cuidadoso devia, pois, escolher criteriosamente a posição da bateria, e Abdelmeleque era, sem dúvida, um general de inegável talento militar. Foi no topo da colina referida – «uma topetada de pouca subida»127 – que foram colocados canhões, depois encobertos com uma ramagem128 que camuflou a posição, mantendo as peças fora da vista dos cristãos. Para além de ficarem práticamente invisíveis, a sua localização altaneira tornaria mais difícil a temida resposta da artilharia portuguesa. E de facto assim aconteceu, embora também tenha tido o efeito perverso de, da mesma maneira, dificultar a pontaria dos artilheiros muçulmanos. Esta era uma variante da prática otomana de encobrir a artilharia com uma primeira linha de tropas, estratagema que o pai do xarife, Mulei Mahamet Xeque, já havia utilizado alguns anos antes na batalha do oued129 Derna (1545).

Infantaria

As tropas apeadas, cujo total oscilaria entre os 15 a 20.000 homens, distribuíam-se por três linhas. Tal como na ordem de batalha dos otomanos, foram colocados no centro do exército as tropas regulares da mazagania. Na frente, encontravam-se os contingentes em quem o xarife menos confiava, na direita 3.000 atiradores andaluzes e 3.500 ou 4.000 gazulas pelo lado esquerdo, comandados pelo alcaide Guifer130. Estes soldados da primeira linha deviam absorver o primeiro embate do inimigo, à semelhança dos azap irregulares do exército otomano. Logo atrás estavam as tropas regulares de maior valor, cerca de 4.000 azuagos comandados pelo alcaide Hasem ou Azan, na sua maioria equipados com armas de fogo, mas sobretudo 1.000 turcos de Argel e 2.500 elches atiradores, aqueles em que o Abedelmelque depositava maior confiança. Estes últimos, comandados por Mahamet Tabâ, natural de Marselha131, tinham na frente os andaluzes, enquanto os azuagos se encontravam na retaguarda dos gazulas. No centro do exército estava o próprio Mulei Abdelmeleque debaixo de um pequeno pavilhão de brocado, ocupando uma praça com 35 ou 40 metros de lado, onde ainda tomavam lugar as tendas dos principais chefes e dos altos dignitários e membros da família

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a ordem de batalha do exército de abdelmelque

A reserva, constituída por cerca de 4 000 homens que haviam regressado de Larache

O posto de comando situava-se numa praça de 40 passos de largo, onde se encontrava Abdelmelque recolhido numa liteira

2.ª linha, com 2 500 «elches» na esquerda, 4 000 «azuagos» na direita, 1 000 turcos de Argel e 1 000 cavalos nas alas

1.ª linha, 3 000 «andaluzes» na esquerda e cerca de 3 500 «gazulas» na mão direita

Na frente os «espaquis», cerca de 1 000 arcabuzeiros montados que se intercalavam entre os andaluzes e os gazulas

A artilharia, cerca de 24 peças, encontrava-se no topo de uma pequena colina situada na frente do exército, perfeitamente camuflada com vegetação

Pelos flancos distribuía-se a maior parte da cavalaria para cima de 10 000 cavalos, que deviam envolver o exército cristão. Na esquerda encontravam-se os contingentes provenientes do reino de Fez, no lado contrário aqueles que haviam sido recrutados no sul. Estes últimos não puderam realizar a manobra prevista dado a coluna inimiga seguir ao longo do rio Rur.

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real. Rodeavam-no cinquenta turcos «moços de estribeira», e a Ahl al-Rikab, a sua guarda pessoal comandada por Ali Muça. Consisitia esta guarda em 100 «renegados escopeteiros» e 100 alabardeiros132 turcos «piqués e zulaques»133. Adoptando as designações dos otomanos – peiq e solaq134 – não deixa quaisquer dúvidas quanto à sua profunda influência no exército do maluco. Na frente desta praça estavam trombetas e tambores pequenos, anafis e outros instrumentos, que ruidosamente encorajavam os soldados, com muita gritaria à mistura. Atrás dos músicos alguns cavaleiros traziam doze bandeiras de cores diferentes, e uns cabos com crinas de cavalos135. Estas eram, sem qualquer dúvida, insígnias turquescas e para além do valor estimativo que o «maluco» lhes atribuía, certamente recordado do tempo que havia passado entre os otomanos, significavam um reconhecimento implícito da autoridade da Sublime Porta. Os homens da terceira e última linha do centro do exército, comandada por Hazem, guardavam a al-mahala136, isto é, as bagagens. Encontravam-se aqui os mouros irregulares – a «morisma de Roma, como eram chamados os homens que de cada vez se levantavam para a guerra»137 – e uma vez mais estamos perante uma cópia do modelo otomano, que distribuíam os soldados irregulares azap não só na vanguarda, mas também pela retaguarda, onde guardavam a bagagem138. Este Hazem, Açarian ou Hacercon, como outros cronistas também o designaram, havia sido chamado de Larache com os cerca de 4.000 homens de reforço à praça que ali já não eram necessários. O valor militar destes irregulares era reduzido, tendo em conta que se tratava de bandos que muitas vezes se integravam nos exércitos com o único fito de pilharem o campo de batalha, independentemente do partido onde tomavam lugar. Por essa razão, os xarifes sádidas não se inclinavam a utilizar estes contingentes de tropas no receio de se verem obrigados a entregar armamento moderno a gente de temperamento volúvel. E de facto, na fase inicial quando a sorte dos combates pendeu para o lado dos portugueses, estes os alarves da retaguarda saquearam a própria bagagem que deviam guardar.

Cavalaria

Em todas as descrições da batalha, os cronistas são unânimes ao apresentar a infantaria em posição defensiva no centro do exército, atrás da artilharia, e a cavalaria distribuída pelas alas procedendo ao envolvimento do exército cristão; uma vez mais, na observância do modelo táctico otomano. As alas de cavalaria evoluíam fora do alcance das armas contrárias e, tal como os akinci otomanos, destinavam-se ao envolvimento do inimigo. Assim, os cavaleiros aqui destacados desdobraram-se em torno do exército português que progredia no terreno, ainda antes de iniciados os combates. Surpreendidos, os portugueses viram as pontas do exército contrário sairem detrás da colina, rodeando-os por todos os lados de tal maneira que o campo cristão ficou sujeito a ser atacado por todas as partes ao mesmo tempo139. A cavalaria distribuía-se por duas alas, flanqueando o corpo principal onde se encontravam as tropas apeadas. Comandava o lado esquerdo «Mahamet Zarco»140, e compreendia as levas do sul do país com os alcaides de Marraquexe, «Ulendeta e Rehamina»141. A mão direita, considerado o local mais prestigiado na ordem de batalha árabe desde o tempo dos primeiros exércitos dos califados142, era dirigida pelo irmão do xarife, Mulei Amet143 – o futuro al-Mançor. Concentrava-se neste lado toda a «cavalaria do Algarve»144, constituída pelo somatório dos vários contingentes oriundos do noroeste do país. Seria aqui que tomavam lugar os cavalos pesados145, equipados com capacete, cota de malha, escudo de couro e uma lança com 25 palmos146. A estes ainda se juntavam quatro mil atiradores provenientes da cidade de Fez.

Cavaleiros mouros Embora a imagem seja datada do século anterior, o grosso do contingente de cavalaria de Abedelmeleque bem poderia ter este aspecto. É visível um cavaleiro envergando uma coura, tipo de protecção também utilizado no século XVI pelos sádidas.

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Na sua esmagadora maioria, os cavalos de Abdelmeleque consistiam em tropas irregulares sem soldo, que apenas recebiam mantimentos para uma campanha específica. Usavam sobretudo lanças compridas de 45 ou 50 palmos, mas também dardos de arremesso, ou ainda arco e flecha147. É impossível saber ao certo qual o número destes cavaleiros irregulares, podendo ser estimados entre 10.000 a 20.0000 homens. O seu total não deveria ultrapassar em muito o efectivo das tropas apeadas, como era costume nos exércitos sádidas148, embora os veteranos cristãos da batalha falem invariavelmente de «uma cavalaria inumerável». Mas os homens que adiantam estas dilatadas estimativas acotovelavam-se em formações compactas, nas quais cada soldado não ocupava mais que um metro de frente. Ao observar grandes massas de cavalaria «tendidas à larga»149, é natural que sobrevalorizassem o seu efectivo, como aliás era vulgar suceder quando os cronistas europeus descreviam os exércitos otomanos. Em cada flanco da infantaria estacionavam dois corpos com 1.000 cavalos escolhidos, certamente cavalaria pesada. Este era outro elemento crucial do esquema táctico utilizado pelos turcos; cada um destes corpos deveria apoiar o centro do dispositivo, da mesma forma que os europeus protegiam os «esquadrões de piqueiros» com mangas de atiradores150. Por fim, na frente da vanguarda encontravam-se os espaquis, que como vimos eran os atiradores a cavalo. Designados com uma terminologia idêntica aos spahis otomanos, são mais uma prova da influência da sua escola militar sobre o exército de Abdelmeleque. Desdobravam-se por toda a extensão da vanguarda, misturados com os andaluzes e gazulas. Distribuiam-se por filas de 15 a 20 cavaleiros em cada uma – em cadena151, nas palavras de alguns cronistas, referindo-se talvez à forma como evoluiam no terreno. Eram um elemento fundamental do exército sádida, talvez a principal inovação militar introduzida no norte de África pelos xarifes. Esta era uma cavalaria de carácter regular, que fazia parte integrante da mazagania. Eram os que primeiro travavam batalha152, desempenhado um papel idêntico ao dos timariots feudais otomanos que, soando o sinal para o início do assalto, imediatamente atacavam as linhas contrárias. Comandados por «Amet Lataba e Hozen ou Hacem de Macedónia natural de Esclavónia»153, o efectivo dos arcabuzeiros montados varia consideravelmente nas estimativas dos cristãos – entre 1.000 a 6.000 – o que certamente traduz a importância que se atribuía a estes cavaleiros. Durante a batalha efectuaram tanto os ataques de provocação, logo no início dos combates, como acções de flagelação aos soldados cristãos isolados que não dispunham do apoio de armas de fogo. Consistiam, essencialmente, em «renegados, andaluzes e turcos», e dominavam de forma exemplar o tiro efectuado a cavalo, provávelmente manobrando no terreno segundo os método do caracol que na altura já se encontrava em desuso na Europa. Hoje ainda podemos observar estas evoluções nas fantasias com que o turista é brindado no Marrocos contemporâneo.

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7. A batalha de Alcácer Quibir O dia 4 de Agosto de 1578

A Batalha de Alcácer Quibir numa gravura francesa da época O impacto internacional da batalha foi muito importante, não só devido à morte do rei, como pelo cosmopolitanismo dos contingentes participantes.

No campo dos mouros, Abdelmeleque acordava com o nascer do sol. Sentia-se com uma disposição invejável, tendo em consideração as provações por que havia passado nas últimas semanas. Desde que havia saído de Marraquexe a 20 de Abril, tinha calcorreado o seu recém-conquistado reino levantando tropas para fazer face aos cristãos. Mas esta saída prematura tinha, todavia, como principal objectivo calar uma importante revolta em favor do negro154 que havia estalado perto de Tarudante. Bem sabia que os andaluzes nunca o haviam perdoado por se rodear dos elches, agora aproveitavam-se da presença dos cristãos para, finalmente, se vingarem. De facto, suspeitava-se que o Dogali, alcaide dos andaluzes, planeava mudar de campo caso Mulei Mahamet e os portugueses dessem batalha O Dogali pensava que tinha nas mãos o poder de erguer ou abater o xarife a seu bel-prazer. Mas tal poder só cabe a Deus como ele o há-de reconhecer, agora que com outros cadi ficou em Marraquexe guardado pelo seu filho Said. Depois de expulsos os portugueses decidir-se-ia a sua sorte. Pensava ter controlado a situação, mas quando chegaram à cidade de Salé os acontecimentos precipitaram-se. Hamet trazia as tropas de Fez e do al-gharbia, e tudo parecia correr com a bênção de Alá. Foi então que tornou a sentir vómitos e febre, como uma semana atrás. Ao terceiro dia vieram os tremores e um torpor na língua; depois disso de nada mais se lembrava. Apesar de recuperada a consciência, o resto da viagem foi-lhe extremamente penoso. Finalmente, acamparam perto de Alcácer Quibir. No primeiro dia de Agosto, chegava a notícia que o rei português já havia deixado Arzila e marchava ao seu encontro. Mandou que se levantasse o campo para mais perto da vila, onde aguardaram mais notícias dos cristãos. Finalmente, no dia 3 de Agosto, os portugueses chegavam perto da ponte romana ao norte de Alcácer, e preparavam-se para transpor este último obstáculo. Enviou três alcaides com uma parte da cavalaria para se juntar ao seu irmão Hamet, que se encontrava de guarda à ponte. Entre estes estava o respeitado al-Mançor que D. Sebastião havia de enfrentar pessoalmente no dia seguinte, e muito provávelmente foram estes cavaleiros que arremeteram contra a coluna dos portugueses que acabava de atravessar o vau um pouco a sul da ponte. Outros mouros tomavam posição mais atrás, na expectativa, numa colina sobranceira ao terreno onde se movimentavam as tropas. Chegava entretanto o seu irmão para falar sobre «o negócio da batalha». Vinha algo desmoralizado, porque a manobra contra a retaguarda dos cristãos havia sido rechaçada com uma facilidade desconcertante. Parecia que podiam desbaratar a cauda dos cristãos, mas os cães possuíam tiros compridos que lhes chegavam de longe, e muitos dos nossos logo se recusaram a investir; e uns poucos, que se encontravam na frente já não voltaram e juntaram-se ao traidor. Abdelmeleque recomendou-lhe que se mantivesse ao largo, fora do alcance dos tiros do inimigo, e quando avistasse os cristãos rodear-lhes-ia o campo para desferir o ataque pela retaguarda. O sinal do início da batalha seria dado pelo primeiro disparo da bombarda grossa que o próprio Abdelmeleque executaria. Pelo lado oposto, o cadi Mahamet Zarco devia executar a mesma manobra de envolvimento. O cadi Abrahem Sufiane manter-se-ia atrás, com os restantes cavalos para qualquer eventualidade Mais entusiasmado, Ahmed

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ITINERÁRIO DE MULEI ABDELMALEQUE DE MARRAQUEXE A ALCÁCER QUIBIR

Beja

Lagos

Cádis

Alcácer Ceguer Arzila

Tânger

Ceuta

Larache Alcácer Quibir

Mamora Salé

Fez

Azamor Mazagão

Safim Aguz Mogador

Marraquexe

Tarudante Santa Cruz do Cabo de Guer (Agadir)

retirou-se para o local combinado. Ainda assim, não confiava inteiramente nele, receando que ao primeiro desaire lhe fugisse, desamparando-o. Depois deste breve encontro montou a cavalo, ainda que os seus conselheiros e médicos o tentassem dissuadir. Foi preciso desembainhar a espada para os afastar; era necessária a sua presença pessoal junto das tropas, não fossem outros mais passar-se para o lado do negro155. No limite da resistência física, ainda organizou o corpo principal do exército, des-

Salé Salé, frente a Rabat, era um conhecido ninho de corsários berberescos. Foi em Salé que se fez a concentração dos contingentes do sul de Marrocos com os do noroeste do país. Foi também perto de Salé que Abedelmeleque dirigiu a fundição das bombardas mais pesadas presentes na batalha.

dobrando os vários contingentes para a batalha que parecia iminente. Finalmente, exausto, recolheu-se à sua liteira para alívio de todos os que o rodeavam. A noite passou-se em sobressalto. Corria pelo acampamento a notícia de que os andaluzes não traziam munições para evitarem combater no dia seguinte, o que parecia confirmar as suspeitas de que tencionavam trocar de campo. Mudaram-se por isso os capitães dos contingentes das diferentes etnias para frustrar eventuais planos de deserção. Ainda bem que o Dogali estava preso. No dia seguinte, os andaluzes e gazulas haviam de combater, sim, porque os elches, turcos e azuagos, em que depositava toda a confiança, não os deixariam abandonar o seu posto durante o combate. D. Sebastião estava furioso. Depois de ter almoçado, havia convocado o conselho de guerra para logo de manhã. Reunidos os oficiais e o pretendende Mulei Amet, para seu espanto, muitos defendiam adiar a batalha para daí a um dia ou dois. Isto apesar de quinhentos mouros terem chegado ao acampamento para se juntarem ao partido do xarife. Traziam informações preciosas sobre o grave estado de saúde do Maluco, e a notícia da sua morte iminente corria pelo campo contrário. Sabia-se agora do descontentamento dos andaluzes pela prisão do se alcaide Dogali, que se encontrava detido em Marraquexe, e como planeavam mudar de campo se houvesse briga. Assim, o rei ficou estarrecido com as objecções que se levantavam. Acaso não haviam sido estes mesmos conselheiros que diziam em Lisboa que tudo seriam facilidades? Que o maluco não se atreveria a esperar os portugueses, e que todos os mouros estavam ansiosos

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A cavalaria ligeira portuguesa em Alcácer Quibir

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Dos cavalos ligeiros presente em Alcácer Quibir, para além dos jinetes, fariam parte outro tipo de cavaleiros designados como «à ligeira estardiotes». Eram, provavelmente, os famosos arcabuzeiros montados introduzidos no campo de batalha quinhentista pelos castelhanos, conhecidos entre os castelhanos por herruelos. O seu aparecimento no efectivo das praças portuguesas do norte de África parece suceder a par com a introdução de cavalaria pesada, e será uma das muitas inovações militares de D. Sebastião. Alguns anos depois, em 1613, verificamos que em Mazagão se encontravam estacionados 60 destes cavaleiros, um efectivo igual ao contingente de jinetes da praça, o que demonstra a utilidade que se reconhecia aos atiradores montados. Não temos notícia explícita da presença de arcabuzeiros a cavalo em Alcácer Quibir, para além da referência aos «ligeiros à estradiota» menccionados por um dos cronistas anónimos da batalha160. Já na primeira jornada do rei a África quatro anos antes, é referido a presença destes cavaleiros nas várias escaramuças que tiveram então lugar à volta de Tânger. Não será, pois, descabido concluir que a 4 de Agosto de 1578 estivesse também presente um certo número destes cavaleiros Os jinetes estão invariávelmente associados com as guarnições das praças portuguesas no Norte de África. Durante o reinado de D. Sebastião foram complementados pelos atiradores montados e por acobertados. Mais ligeiramente protegidos que estes últimos eram ainda assim altamente flexíveis, porque combinavam poder de choque assinalável, e armados com dardos de arremesso ou pistolas podiam combater à distância

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O discurso do rei segundo Frei Bernardo da Cruz

O rei montava um cavalo acobertado, e envergava uma armadura de tons azulados guarnecida com motivos dourados. Seria, talvez, a armadura representada num quadro que se encontra no Palácio de las Deñas em Sevilha, réplica do original do pintor Cristóvão de Morais, Não se vê representado o elmo, mas na ilustração do veterano Miguel Leitão de Andrada o rei, de armadura completa cobrindo peito, braços e pernas, parece usar um elmo fechado. Para poder falar de cara descoberta aos soldados, terá levantado a viseira da celada: Nesta forma em que me vedes armado, espero ser vosso igual na sorte e avantajado na alegria do cometimento: e certifico-vos que se me buscardes, vos hei-de aparecer diante de toos os esquadrões, e se não me achardes, entendei que andarei entre os inimigos; por isso tende-me por companheiro fiel, que tanto hei-de aventurar a minha pessoa na conservação das vossas vidas, como por honra da vitória.172 pela volta do xarife, que ali estava a seu lado. Mas agora, à vista do campo contrário, levantavam-se todas as dúvidas do mundo com medo de lutar contra um inimigo em número superior. Acaso os portugueses não estavam habituados a isso? Justificaram-se os outros, dizendo que o exército inimigo era mutio mais numeroso que o esperado; as deserções em massa prometidas não haviam acontecido, e por isso o mais prudente seria juntarem-se à frota, em Larache. A artilharia, que constituía um embaraço para a marcha, podia deixar-se no local, enterrada ou desmantelada para não servir aos mouros. E para evitar a perseguição da coluna, a marcha podia ser encetada de noite, para não alertar o inimigo. Estes argumentos tiveram o efeito contrário, acicatando a irritação de D. Sebastião. Perder a artilhariara sem dar batalha? E o prestígio, que com ela se perderia? A campanha ficava comprometida, ninguém seguiria o xarife que contava com tão dúbia ajuda de homens que fugiam ao encontrar os seus inimigos. Embaraçados, argumentaram ainda que a morte de Abdelmeleque deveria estar para breve. Adiar a batalha para daí a um dia ou dois podia trazer uma vitória fácil, porque era de esperar que na ausência do prestigiado líder o exército inimigo se desintegrasse. As posições extremavam-se cada vez mais. Esperar que a vitória lhes caísse nas mãos sem trabalhos! Que se desenganassem, não tinha vindo para conquistar Larache, mas sim para dar batalha ao maluco! No final, pressionado para não dar combate na altura de maior calor, o rei encontravase inclinado a adiar a batalha para a tarde, mas Francisco Aldana opôs-se formalmente, dizendo que se perdiam se não dessem logo batalha. Os oficiais mais experimentados na guerra, apesar de inicialmente terem desaconselhado a marcha por terra, também eram da mesma opinião que o capitão castelhano. De facto, não era possível o exército manter-se no alojamento por faltarem os víveres, e retirar em frente ao inimigo era tentar o desastre, por animar os mouros a atacar. E assim, dando o conselho, por terminado, D.Sebastião mandou logo o mestre de campo D. Duarte de Meneses que tirasse a gente dos alojamentos. Francisco Aldana devia ordenar a infantaria para a batalha156; a cavalaria ficaria a seu cargo. Pelas 7.00 da manhã o acampamento fervilhava de actividade. O rei estava reunido com o duque de Aveiro e com o mestre de campo para dar forma aos esquadrões de cavalos.

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Um português renegado havia desertado do campo contrário, o alcaide Raposo157, e trazia informações sobre o dispositivo inimigo. Frente ao lado esquerdo estava o maior peso dos contrários, os andaluzes e os elches e turcos. Também aí se encontrava o irmão do maluco, Amet, com muitos milhares de cavalos que podiam manobrar à vontade pela vasta planura. Era o local mais perigoso, e por essa razão o rei decidiu assumir o comando dos cavalos acobertados da mão esquerda, frente à maior força de cavalaria dos mouros. Com estes 600, mais os 300 couraças do duque e os 600 fronteiros de Tânger, ficavam com proporção 2-1-2, «fazendo amparo ao exército como os baluartes das cinturas fortificadas»158. E era ordená-los em esquadrões quadros de gente. O batalhão do duque ficaria com fileiras um pouco mais delgadas159. Quanto aos fronteiros, deviam seguir na frente, para logo que avistassem o campo inimigo se colocarem no rosto do batalhão de D. Jorge. Definidas as tipologias da formatura, teve depois lugar o laborioso processo de construção dos esquadrões. O método generalizado que se utilizava para «ordenar um esquadrão», compreendia diversas operações aritméticas cujo objectivo era organizar os soldados disponíveis segundo uma forma geométrica préviamente escolhida. Os oficiais veteranos das praças de África, habituados à velha guerra irregular das fronteirras, olhavam com desconfiança estes modos da nova milícia, oriundos de Itália e de outros lugares onde a guerra florescia161. Mas bem sabiam que el-Rei estava de todo afeiçoado aos usos e estilos estrangeiros, e aos termos novos que se lhe apresentavam162, em detrimento das velhas formas de combater que eram hábito dos portugueses, e que tantas vitórias lhes tinham dado. D. Sebastião começou a ordenar a gente de cavalo, realizando as operações aritméticas necessárias que ainda hoje podemos encontrar descritas em pormenor nos tratados militares da época. Da soma dos cavalos acobertados tirou a raíz quadrada, que achou ser 24; este seria o «número de cavalos com que o esquadrão havia de ficar por fronte e outros tantos pelo lado direito, esquerdo e por retaguarda»163; dos 24 que sobraram do total, juntou-os perfazendo uma vigésima quinta linha, sabendo pela literatura militar «que não era defeito a um esquadrão sobrar ou faltar uma fileira»164. Se a teoria era de simples execução para um pupilo de Pedro Nunes como havia sido o rei, já a prática de pôr o batalhão de cavalos em ordem se revelou tarefa mais árdua. Os nobres cavaleiros procuravam a todo o custo ocupar um lugar mais honroso nas linhas da frente, e transformá-los em mera peça de uma grelha geométrica era uma situação que levantava grandes susceptibilidades. São várias as referências a um D. Sebastião agressivo com numerosos fidalgos que, melindrados por se verem preteridos por outros, se afas-

Guião de comando, estandarte real e guião de D. Sebastião O estandarte real português foi descrito em pormenor por um dos cronistas mais credíveis da batalha; «estandarte de duas pontas de damasco carmesim, guarnecido de prata, com um crucifixo bordado de uma parte, e da outra com as armas reais de Portugal»181 Quanto ao guião do rei teria em fundo as suas cores, o branco e o verde. Sabemos que o guião de Tânger era parecido, e muitos confundiram os 2 guiões durante a batalha por esta razão182. Por essa razãp podemos supor que ambos traziam pintada a cruz de Cristo, um tema corrente para os guiões de comando portugueses.

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taram da companhia do rei integrando o «esquadrão» comandado pelo duque de Aveiro. Encarregado de «meter a infantaria em ordem como se assentara», Francisco Aldana havia-se dirigido em primeiro lugar para a vanguarda. Aí, os aventureiros escandalizados não queriam consentir que os castelhanos se lhes juntassem, como havia planeado. Em vão se tentava pôr os soldados nos seus lugares. Sem êxito, porque todos queriam ficar na frente, e para aí se dirigia a maioria destes fidalgos sem receber qualquer ordem dos oficiais165. O rei chegava entretanto, e logo os soldados, com grande alegria pela presença real, recuaram para o receber abrindo «como em meia-lua»166. De espada na mão, D. Sebastião interpelou-os: - Hoje é dia de porfia, e todos devem cumprir o que lhes mandam fazer, sem mais obedecendo às ordens dos seus capitães. Ao que os aventureiros da frente responderam: - Pois não haviam os castelhanos troçado dos portugueses, atrevendo-se a vender carne da boiada trazida de Portugal, a alto preço? El rei bem o sabia, que no alojamento de Almenara167 tinha mandado castigar um deles por haver jarretado um boi na sua frente168. O rei aquiesceu, tanto mais que o coronel dos aventureiros era Álvaro Pires de Távora, irmão de D. Cristóvão. Mas enquanto se determinava a querela a favor dos aventureiros, surgia nova disenção entre o capitão Aldana e o sargento-mor D. Luís Fernandes de Córdova. Este último, cioso das suas pregorrativas, não acatava as ordens do capitão castelhano que não possuía qualquer antecedente nobiliárquico. E no calor da discussão sobre o número de arcabuzeiros que havia de haver nas mangas de atiradores, Aldana puxou da espada. O valido do rei, Cristóvão de Távora, impediu o confronto, e a breve trecho se lhe juntou o rei, repreendendo severamente o fidalgo169. Eram estes os homens que D. Sebastião tinha de dirigir, e não fosse a sua mão de ferro, rápidamente o exército se tranformaria numa mole ingovernável. Fora da vista dos outros, o rei desabafava com o seu companheiro: - Talvez a D. Cristóvão lhe parecesse mal a forma como tratava os fidalgos, mas «convém que na guerra a milícia tenha uma só cabeça a cargo das coisas militares, porque na resolução e presteza necessárias que nas acções de guerra, não deve ficar a execução em muitos pareceres»170. O campo de batalha de Alcácer Quibir Esta seria, talvez, a perspectiva tirada do local do acampamento português de 3 de Agosto. Para lá do ribeiro (canto inferior direito da gravura), que se encontrava seco, desenvolve- se o campo raso. Ao longe uma colina – «uma topetada de pouca subida» – atrás da qual se encontrava o grosso do exército de Abdelmeleque. No topo desta proeminência estava escondida a artilharia, enramada com vegetação. Aguarela de Alberto de Sousa, Museu Militar, Lisboa.

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Elmo e couraça Um elmo supostamente pertencente à armadura de D. Sebastião do conhecido retrato de Cristóvão de Morais no museu de Arte Antiga em Lisboa. Era do tipo borgonhesa mas fechado com visor. Mais arejado e portanto adequado a clima quente, poderia ser idêntico ao elmo que o rei levou para a batalha. A armadura é da colecção de Rainer Daehnhardt.

Impaciente, querendo el-rei abalar pelo adiantado da hora, correu finalmente todos os «esquadrões, visitando por último o batalhão do duque. Aí, depois de um breve discurso feito às tropas da vanguarda, deixou o alojamento nas «horas em que o sol começava de tomar força»171. Eram cerca das nove horas da manhã.

“O minuto vitorioso”173 Deixando para trás o alojamento, o exército cristão saiu na direcção do «campo largo direito a Alcácer, atravessando uma grande planura entalhada entre o rio Mocazim e o Lucos174. Na verdade, entre estes dois rios estava o Rur, um pequeno afluente do Lucos. E foi ao longo

deste ribeiro que o exército portugês caminhou, inflectindo para a esquerda. Os portugueses afastavam-se cada vez mais do cabouco onde haviam acampado na noite anterior, seguindo ao longo do Rur, com o seu flanco direito assim protegido. Impedia-se, assim, qualquer envolvimento por parte de um inimigo que se sabia ter uma indiscutível superioridade numérica em cavalaria. D. Sebastião seguia na frente da primeira fila do esquadrão de cavalos. Sem mouros à vista – estes deveriam encontrar-se a cerca de dois quilómetros mais á frente – o rei recolheu-se ao coche que se encontrava por detrás do terço dos castelhanos, na frente da carriagem. Chamou Cristóvão de Távora para junto de si: - D. Cristóvão, ainda não se avista o campo do maluco, mais vale não cansar os cavalos e pedir que nos tragam que comer.

a batalha de ALCÁCER QUIBIR, 4 de agosto de 1578

1 O acampamento cristão foi erguido entre o rio Mocazim e o Uarrur, um afluente do Lucos na altura seco ponte romana

El Adeb

rio

aa

el rharbia sella

tal

5 Na manhã do dia 4 de Agosto, atravessou o rio Rur, tomando posição perto de Yebinar e Suaquen. Nestes locais foram escavadas sepulturas com mortos da batalha

U

VA

Kahanna

2 O arraial de Abdelmeleque estava «encerrado entre os dois rios», o Lucas e o Rur

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4 Seguindo o curso do rio inflectiu pouco depois sobre a mão esquerda, para o «largo do campo» onde se encontravam as forças de Abdelmeleque

2

Rio RUR

3 Na manhã de dia 4 de Agosto, o exército abandonou esta posição, afastando-se do Mocazim e do Uarrur, marchava então com o Rur sobre o flanco direito

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Alcácer Quibir – 4 de Agosto de 1578

Abdelmeleque encontrava-se na expectativa, aguardando a iniciativa dos cristãos. O seu exército encontrava-se estacionado perto de Suaquen, hoje um pequeno lugarejo que se situa perto de Alcácer Quibir, um pouco a norte dos actuais topónimos Chefira e Bedaoua175. Sentia a morte aproximar-se e, não confiando no temperamento inseguro do irmão, bem quisera não dar batalha; temia que se passassem para o lado do sobrinho os mouros que sabia serem-lhe afeiçoados176. Com os inimigos tão próximos nem se colocava a questão de recusar o desafio, e assim resolveu-se a ultimar os preparativos para o inevitável encontro177. Impunha-se uma última demonstração perante os seus soldados; era preciso causar grande impressão e, após uma refeição ligeira vestiu-se a rigor, à moda otomana. Apareceria tal como avia entrado na cidade que Deus havia designado principal do reino, Marraquexe, depois de derrotar o negro em Kandoq er Rihan. Envergou uma «marlota à turquesca» de cor verde com as mangas forradas de veludo vermelho, e uma pequena touca com plumagem e três pedras preciosas. Pegou na espada que lhe havia sido oferecida pelo sultão Murad, e prendeu-a juntamente com um punhal. Eram duas armas esplêndidas, magníficos exemplares de fabrico otonano, ostentando os punhos ricamente ornamentados com pedras de rubis e turquesas. Por fim, colocou os seus anéis nos dedos e, embora a custo, montou um cavalo ruço queimado178, cuja sela estava coberta de um tecido verde guarnecido com fios dourados. Passava pouco depois das 10 horas quando passou a última revista ao exército. Ao fundo avistavase já uma longa nuvem de poeira que anunciava a chegada ds cristãos. Os portugueses tinham deixado para trás o Lucos há não muito tempo – talvez pouco mais de uma hora – quando se divisaram, ao longe, os primeiros mouros, surgindo pelos lados. Na frente, Miguel Leitão de Andrada observou a manobra dos cavaleiros inimigos, «estendendo as pontas do exército em redor do nosso de modo que nos vinham a rodear em forma de meia-lua, tomando-nos a todos no meio»179. Avisado o rei, este apressou-se a montar a cavalo e, com o seu companheiro e alferes do guião real, dirigiram-se para a testa da coluna. «Infinita é a mourisma que se descobre» exclamou o alferes, ao que o rei retorquiu, «não devem ser tantos como vos parece180. Reparai como cavalgam à larga sem qualquer ordem, e mal armados como estão não hão-de resistir à nossa arremetida». O exército de Abdelmeleque encontrava-se por detrás de uma pequena elevação que lhes permitia ficar parcialmente encobertos da vista do adversário. Ao longe, «os que estavam mais chegados» – os slodados das primeiras linhas do exército de Abdelmeleque – «não eram divisados do nosso campo»183, e os portugueses apenas se puderam aperceber que a cavalaria contrária surgia pelos lados da colina, «adelgançando-se e alargando-se»184 muito pelo largo. O objectivo era envolver o exército português, mantendo-se fora do alcance da artilharia. Fora da vista dos cristãos estavam também as peças de artilharia, no topo da colina para não receber dano dos inimigos, e encobertas com ramagem solta. Os esquadrões da frente suspenderam a marcha a pouco mais de seiscentos metros do exército inimigo. No terço dos aventureiros, a meio da vanguarda, tomava lugar na terceira fileira Miguel Leitão de Andrada, «o terceiro da parte direita»185 O sargento Pêro Lopes verificava a posição de cada um, medindo a distância entre os soldados com a alabarda. Passou pelo companheiro de direita de Andrada, chegou ao pé dele e empurrou-o, dizendo, um passo entre soldados, senhores. O sargento continuou em frente, prosseguindo ao longo da fileira. Os dois homens acertaram as suas posições, e depois olharam um para o outro: - Já que seremos companheiros neste dia, melhor será conhecermo-nos. Andrada ficou a saber o nome do companheiro, Francisco de Medeiros, e deram as mãos prometendo ajudarem-s se dar depois novas daquilo que lhes sucedesse186. Tentaram descor-

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tinar o que se passava adiante. Os soldados da fileira em frente estavam a sete passos, e a igual distância encontrava-se a primeira fila da vanguarda; era «o rosto do exército». Tal como os seus companheiros tinham uma clara perspectiva do campo; os mouros estavam defronte, a menos de um quarto de meia légua, esperando-nos num campo tão largo quanto a vista alcançava, e era grande o ruído dos seus tambores e outros instrumentos, e a gritaria deles187. Os mouros pareciam ser todos atiradores, enquanto que os portugueses estavam armados sobretudo com piques. Miguel comentava este facto com o seu companheiro, parece muita lenha e pouco fogo, não vos parece D. Francisco? Na fila da frente, voltou-se um dos soldados. Era Gonçalo Chacon, um dos muitos castelhanos que se juntaram à expedição. Companheiros, a pica é a rainha das batalhas188, e vereis que tenho razão quando chegarmos perto daqueles que nos esperam lá adiante. Nos lados do esquadrão de Andrada os alemães e castelhanos tomaram por sua vez posição, algum tanto recuados em relação aos aventureiros. Por detrás da linha da frente tocavam as caixas – os tambores – que davam o sinal para cerrar fileiras tocando em rápida sucessão arma, arma, ao que os soldados bisonhos recrutados no centro e norte de Portugal respondiam, movendo-se pesadamente. A bagagem estava logo atrás, aguardando que se completasse a construção de um esquadrão com as 20 bandeiras de Vasco da Silveira e João Bezerra. Na retaguarda, o coronel Francisco de Távora e D. Miguel de Noronha observavam com inquietação os cavalos do inimigo que completavam o envolvimento. Agora que a coluna se encontrava imobilizada, não tardaria muito que os mouros arremetessem. Como os soldados da frente ainda não haviam terminado a manobra, havia que tomar providências imediatamente, reforçando já a frente dos seus 2 esquadrões com mosqueteiros e os 4 esmerilhões que traziam diante189. O maluco encontrava-se recolhido na sua liteira quando chegou o alcaide Mustafá Chibli190, pedindo para disparar sobre os cristãos que agora ao alcance das peças de artilharia. Não teve forças para se dirigir à bateria, e ordenou que se começasse com a bombarda grande, aquela a que ele próprio costumava pôr fogo para dar início à batalha191. Á maneira dos otomanos, que também começavam a combater logo a seguir aos primeiros disparos da artilharia. Na frente, um D. Sebastião impaciente preparava-se para dar ordem de marcha, mal se completasse a formatura. Depois de dirigir umas breves palavras às tropas, o rei mandou dar a Avé Maria, e abalou para diante da primeira fileira «quanto seria uma lança» – talvez cerca de 20 metros192. O padre Alexandre Valeraggio da Companhia de Jesus ergueu um crucifixo, a cuja vista toda a gente se pôs de joelhos 193, e logo de se começaram a levantar os homens da vanguarda. Na segunda linha, o coronel Vasco da Silveira acabava de ordenar o seu esquadrão, e agora aguardava que no seu lado direito tomasse lugar o outro esquadrão feito com os terços da retaguarda. O exército começou a movimentar-se, as várias filas dos esquadrões da vanguarda retomando a marcha, uma após outra. Vendo os cristãos tomarem a iniciativa, os mouros em frente também fizeram o mesmo, de maneira que pouco a pouco os dois exércitos se foram aproximando um do outro194. Terá sido neste preciso momento que disparou a primeira peça inimiga, ao que se seguiram os estrondos dos restantes canhões. Os portugueses foram completamente surpreendidos pelo fogo da artilharia contrária, por ainda não se esperar reacção dos mouros195, tanto mais que a bateria se encontrava encoberta. Caiu um pelouro junto do rei, e no terço dos aventureiros Miguel Leitão de Andrada e Jerónimo de Mendonça viram outra bala acertar e derrubar alguns homens, «entre os quais acabaram Gregório Sarnache de Noronha, e João Brandão de Almada»196. Os soldados da segunda linha observaram horrorizados os primeiros projécteis despedaçarem homens e cavalos197. E embora a artilharia inimiga não causasse grande número de baixas, «porque a mais dela foi por alto»198, estas «gentes que nunca se havian visto en

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casos semelhantes, nem saído das suas casas e lavores»199, foram logo tomados pelo pânico, estendendo-se por terra uns, alguns outros abandonando o seu posto200. Quanto aos soldados da vanguarda, mercenários experientes ou veteranos das praças do norte de África e Índia e voluntários da nobreza fortemente moralizados, não se deixaram intimidar. Como o demonstraram o coronel Álvaro Pires de Távora e o capitão Pêro Lopes, que embora cansados por marcharem há quase duas horas, afastaram sem mais detença dois pelouros que caíram perto de si depois de fazer alguns ressaltos pelo chão201.

Começa a batalha Eram cerca das 11.00h, e a batalha havia finalmente começado. Alvejados pela artilharia, a vanguarda dos cristãos estacou. D. Sebastião mandou logo recado ao capitão Pêro de Mesquita para trazer a artilharia e assentar bateria entre os «aventureiros e os castelhanos202. Demoravam-se os artilheiros, perturbados pelo sobressalto deste início de batalha inesperado; havia que desatrelar os canhões dos cavalos que os puxavam, que «iam ainda caminhando»203, tarefa ainda para mais dificultada pelo fogo inimigo. O primeiro disparo de uma bombarda grossa204, com mais de 5 metros e pesando para cima de 10 toneladas foi o sinal para os mouros atacarem. Ainda ecoava do estrondo desta primeira peça, quando os mouros das alas arremeteram logo de seguida205. O combate começou na retaguarda com o ataque da cavalaria que já havia cercado o exército cristão, infiltrando-se sobretudo pelo flanco esquerdo mais exposto. Sem dar tempo a que os terços de D. Francisco e D. Miguel ocupassem a posição que lhes estava destinada, os mouros investiram sobre eles, pensando que aqui se encontrava a maior fraqueza do exército206. A formatura prevista, geométricamente perfeita, não pôde por isso ser construída. Mas o co-

A batalha de Alcácer Quibir numa gravura alemã da época Esta gravura é, talvez, um dos principais documentos sobre a batalha. Parece retratar com fidelidade o terreno, mostrando a topetada com a bateria de canhões no seu topo, camuflados com ramagem.

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ronel Francisco de Távora já havia tomado as suas precauções. Que importava o que havia sido decidido no conselho. Na peleja é que se havia de ver a fortaleza de cada um. Estava preparado para receber os mouros e combateria com a ordem que trazia em marcha. Ao mesmo tempo que se inicava a peleja nas linhas mais recuadas, também os espaquis arremetiam por sua vez sobre a vanguarda empunhando os seus arcabuzes. E as balas de artilhartia voavam sobre os soldados portugueses da frente, mas o facto de a artilharia se encontrar assestada no topo da pequena colina dificultava a pontaria dos bombardeiros muçulmanos. E os soldados das fileiras da frente usavam armas fortes – armaduras – que os protegiam dos arcabuzes inimigos. Reina alguma confusão no campo português. Febrilmente, os artilheiros procuram pôr os canhões em posição. Não havia tempo de fazer trincheiras ou colocar gabiões207 e, sob a supervisão do balio de Leça Pêro de Mesquita, os gastadores juntaram-se aos artilheiros para acelerar a instalação da bateria. O arquitecto Filipe Terzi deslocava-se por entre as peças de esquadro em punho, fazendo os cálculos necessários à trajectória do tiro. Finalmente, embora precáriamente dispostas, dispararou a primeira peça. «Outros disparos se sucederam, e alguns mouros de cavalo se revolviam de maneira que mostraram receber dano, e ficaram mortos por cima dos quais passou depois o esquadrão dos ventureiros208». Terá sido ao quarto tiro, talvez de uma das 12 peças de campanha compradas nos Países Baixos209, e provavelmente dirigido pelo próprio Terzi, «que vimos um pelouro dos nossos dar-lhes na pólvora, e o estrondo e fumo assegurou-nos que lha haviamos queimado toda210». Enquanto a artilharia dos dois lados disparava, D. Sebastião percorria a vanguarda do exército acompanhado por Cristóvão de Távora e D. Jorge Telo, que levava o guião verde do rei. «Andávamos por todo o campo, e el-rei não parava, dando ordem a muitas coisas. Depois de começarem as bombardas a fazer o seu ofício, voltámos ao batalhão da gente

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de cavalo da banda esquerda. O alferes-mor do estandarte real, D. Luís de Meneses, encontrava-se na frente. O rei aproximou-se e deu-lhe ordem para que se mantivesse quieto no seu lugar até ele próprio dar instruções em contrário. Chamou-nos de novo, e os três cavalgámos até onde se encontrava o batalhão duque de Aveiro, na mão direita, a quem deixou a mesma recomendação211». Leitor ávido de toda a literatura militar, D. Sebastião estava certamente familiarizado com a táctica dos otomanos que era escrupulosamente seguida por Abedelmeleque. Bem conhecia as campanhas do imperador Carlos V, e sobretudo as guerras que os húngaros perderam por investir sem ordem sobre o inimigo212. Estava por isso determinado em escolher o melhor tempo para arremeter213, e não se deixar levar pela provocação. «O maluco julgava-o inexperiente, mas pela fé de Cristo não iria ver o fim da batalha. Os mouros ainda estavam apenas a tiro de canhão, e desejava-os mais perto para cair sobre eles com maior força214». Chegado de novo à ala esquerda, Francisco Aldana informou-o de que já havia escaramuça com os terços da retaguarda e aconselhava o rei a ir «dar calor àquela gente». E como el-Rei andasse tão desejoso de pelejar, de novo partimos os três a animar os soldados. Foi ao chegar perto dos terços de D. Miguel e D. Francisco que, no primeiro recontro, lhe mataram um cavalo215. Na frente combatia-se rijamente. Os atiradores montados que haviam saído de entre as fileiras da frente descarregavam os mosquetes sobre os soldados da vanguarda. Atrás destes, os andaluzes e os gazulas, avançaram decididamente. Começou entre uns e outros uma furiosa troca de tiros, sucedendo-se as descargas de arcabuzaria. De um lado estavam uns largos milhares de mouros, entre os quais os andaluzes com longa experiência no manejo das armas de fogo, que executariam grandes descargas intervaladas. Contudo, os seus adversários eram todos eles veteranos dos campos de batalha mais exigentes da época. As guarnições de atiradores dos castelhanos e alemães mantinham uma cadência de fogo sem comparação com os disparos dos inimigos. Mas no esquadrão dos aventureiros, os soldados assistiam ao ritmo de fogo arrasador dos companheiros; porque este nosso terço era guarnecido com mangas de arcabuzaria com os fronteiros de Tânger, destríssimos e excelente pelas guerras que têm travado nestas partes de África216. Era um fogo contínuo que chovia sobre os adversários. Avançava a primeira fileira, cerca de uma dezena de atiradores. Disparavam todos juntos e, depois de se recolherem à retaguarda, a segunda linha tomava o seu lugar. Enquanto os primeiros recarregavam as armas,

Canhão com artilheiro a fazer pontaria Artilheiro calculando o tiro por meio de um quadrante. Gravura alemã.

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as descargas continuavam na frente217. E assim, esteve o negócio por um tempo igual218, sem que os mouros pudessem tirar partido da sua superioridade numérica. Os cristãos não se decidiam passar ao ataque, aguardando a ordem do rei que ainda não tinha voltado da retaguarda. E na ausência de reacção por parte dos adversários, ou fosse antes por excessiva confiança, ou ainda porque «vinham furiosos para encontrar os cristãos»219, os mouros procuraram encurtar a distância que os separava dos inimigos, trazendo-os para longe do apoio das linhas mais recuadas. Terá sido por essa altura que D. Sebastião, depois de verificar que as tropas de D. Miguel de Noronha e D. Francisco de Távora davam boa conta de si, regressou, finalmente, à sua posição na primeira linha do esquadrão cavalos da esquerda. Vendo os inimigos tão próximos, o rei decide que é o momento indicado para atacar. E chamando Sebastião Gonçalves Pita envia-o logo ao mestre de Campo, no lado oposto, com ordem de atacar. O tempo passa sem que Sebastião Gonçalves volte. Ao lado do rei, Cristóvão de Távora bem tentava descortinar os esquadrões da direita. «Diabo, o pó e fumo da artilharia do maluco nos tira a vista220, pensou para si mesmo; junto com a fumarada das surriadas de arcabuzaria nem se vê o outro lado. Desta forma, não havia maneira de saber se o recado havia chegado a D. Duarte221». No lado direito estava ainda firme o esquadrão do duque de Aveiro, também sob o fogo intenso da artilharia e dos atiradores inimigos; súbitamente, veio um pelouro de bombarda, que matou o cavalo a António Pereira, na primeira fila222. Os cavaleiros estavam ansiosos, e apenas a presença prestigiada de D. Jorge de Lencastre impedia que se lançassem desordenadamente sobre os adversários. O rei impacienta-se. Os mouros encontravam-se perigosamente perto sem qualquer protecção, por terem deixado a sua artilharia para trás. Um ataque em bloco de toda a vanguarda, apoiado pelos batalhões de cavalos seria decisivo. Outros fidalgos davam-se também conta desta situação. Pêro Peixoto, que andava solto discorrendo pelo campo dando recados, chegava perto do rei. «Gritou pedindo para el rei nos mandar arremeter, porque aquelas bombardas inimigas que atiravam já eram nossas223». O rei envia um novo mensageiro aos esquadrões na direita. É o próprio Pêro Peixoto que se dirige a galope ao encontro de D. Duarte de Meneses, com ordem para que começasse a pegar nos Mouros devagar224. No extremo direito, veio outro pelouro pelo ar que acertou na quarta fileira, matando D. Diogo de Meneses, senhor do Louriçal. O duque de Aveiro aguardava as ordens do rei, mas tinha cada vez mais dificuldade em manter as fileiras coesas, e começavam a ouvir-se as primeiras vozes pedindo que se desse Santiago! Mas em vão o rei esperava pela resposta do mestre de campo. Nenhum dos mensageiros terá chegado ao seu destino, talvez abatido por algum tiro perdido das descargas e disparos da artilharia que se sucediam. Nova descarga dos inimigos têm lugar. Logo atrás de D. Sebastião, Jorge Albuquerque – que estava na primeira fileira do batalhão – «começou a altas vozes a dizer-lhe que desse Santiago, antes que os mouros disparassem de novo»225. No centro da vanguarda, eram os aventureiros que mais deviam sentir o peso das descargas dos arcabuzeiros, e alguns já pediam ao capitão que os mandasse arremeter mesmo sem a ordem de el-rei, porque os alcançavam já muitos pelouros226. O esquadrão encontrava-se saliente em relação aos restantes, e o fogo inimigo atingia impiedosamente os soldados que aguardavam com cada vez maior impaciência a ordem de atacar. E na primeira fila, Bernardim Ribeiro Pacheco bradava alto que acabasse de dar Santiago, porque não estivessem a morrer assim inutilmente227 Álvaro Pires de Távora, cumpria o melhor que lhe era possível as estritas ordens do rei, ajudado por Pêro Lopes que sargenteava o terço. Ainda conseguia, a custo, ter um pouco

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rer, porque hoje não é dia de outra coisa! 231. Mas ouvindo o toque dos aventureiros para arremeter, logo ganhou outro ânimo. Deu ordem para a primeira fileira de arcabuzeiros se pôr de joelhos e a segunda e terceira em pé, intercalando os soldados entre si. Desceu do cavalo, e ele próprio se juntou aos seus homens de espada na mão. Agora hão-de ver como os portugueses combatem em África!. Finalmente deu ordem para disparem todos juntos uma única descarga232. A massa desorganizada de inimigos que se encontra uma escassa dezena de metros mais à frente, sofre os efeitos desta descarga repentina de quase quarenta arcabuzes. A terrível precisão destes veteranos faz cair outros tantos mouros no chão varados pela terrível fuzilaria. E aproveitando o resultado favorável da troca de tiros, os aventureiros avançam. Vendo os que companheitros das duas filas da frente começaram finalmente a caminhar, Miguel Leitão de Andrada terçou a sua pica; com a mão esquerda aferrou-a, deixando o conto – a ponta – sete palmos para trás para poder sustentar com firmeza233 a comprida lança de 5 metros. Depois seguiu os da frente a passo, acompanhado pelo seu companheiro Francisco de Medeiros e os demais da fileira. Vendo o esquadrão na sua esquerda avançar, é a vez de os italianos dispararem toda a escopetaria sobre os mouros com grande ímpeto e valor234. Os voluntários castelhanos não querem ficar para trás e avançam por sua vez; os mercenários alemães, «que por irem mais armados e ser gente de mais sossegada compleição»235 foram os últimos a seguir na peugada dos companheiros. Os andaluzes e gazulas, que acabavam de sofrer as sucessivas descargas dos cristãos, não se haviam ainda recomposto quando, por entre o fumo dos arcabuzes, se apercebem de que uma impressionante floresta de lanças avança lentamente sobre si. Eram 11.30h, «havendo-se começado a batalha às onze»236.

Nas alas do exército português de mão na gente, mas na dianteira os aventureiros pediam insistentemente para que se arremetesse. Temendo que se desordenassem, gritava em frente dos homens com uma alabarda nas mãos: - Senhores! Hoje é dia de cada um fazer o que lhe mandam, e ficar no lugar que lhe deram! Havemos de esperar pela ordem de el-rei, e matarei o primeiro que se desmande! 228. Os fidalgos aventureiros insistem novamente com o coronel, pretendendo ir ganhar a artilharia dos mouros que se encontrava a umas poucas dezenas de metros229. Alguns destes homens como D. Martinho de Castelo Branco, D. António de Meneses, Bernardim Ribeiro Pacheco, Miguel Teles de Moura, D. Manuel Rolim, no calor do entusiasmo estão prestes a lançar-se sobre os inimigos que os massacram, disparando mesmo na sua frente. Álvaro Pires de Távora compreende que não é possível conter por mais tempo os homens, e envia Pêro Lopes ao capitão da guarnição de arcabuzeiros para apoiarem a investida: - Não podemos deixar-nos morrer aqui sem dar Santiago! É mandar recado a Alexandre Moreira para dar uma carga de arcabuzaria nos mouros, e de seguida arremetemos. Tocaram os tambores arma arma; com o inimigo próximo, os caixas rufavam em rápida sequência, cinco batidas, pausa, cinco batidas – em «tempo dobrado». Na terceira fila, Miguel Leitão de Andrada, vê os seus companheiros da frente «baixarem as picas para arremeter», e dado o sinal da batalha, assim nós poucos e juntos investimos os inimigos, que também se vinham chegando230. Na frente da manga do lado direito, ainda não tinha chegado Pêro Lopes, o capitão Alexandre Moreira está deseperado; sejam todos testemunhas em como desmonto para mor-

Manuseamento do pique “Deve-se saber arvorar com graça [o pique], como se costuma entre os soldados velhos. Sendo necessário nos esquadrões, mover-se com ele arvorado, deve levá-lo com um coto na mão, rodeado com braço.

Na mão esquerda do exército, o rei português aguardava com crescente impaciência novas do mensageiro enviado a D. Duarte. Depois do início de pânico entre os soldados do esquadrão da batalha, Francisco Aldana desesperado com o comportamento destes homens, havia mesmo sugerido que abandonasse o campo de batalha. «Diferente juízo faço eu da misericórdia de Deus», retorquiu calmamente D. Sebastião237. E calmo se manteve até que, «dizendo-se a el-rei que os aventureiros baixavam os piques para arremeter»238, julgou que era altura para se empenhar na refrega. A frente dos aventureiros estava saliente relativamente ao resto da vanguarda, e viam-se os soldados preparandose para investir, pondo os piques em posição horizontal. Sem mais notícia de D. Duarte de Meneses o rei decide-se atacar imediatamente os mouros em apoio do esquadrão que já iniciava a marcha. Gritou Santiago, Santiago! A eles que são canalha!239. Baixou o visor do elmo, pegou na pesada lança e, segurando as rédeas com a mão esquerda, fez avançar o seu cavalo. Primeiro num passo lento, as vinte e cinco fileiras do «esquadrão real» moveram-se uma a uma, depois todo o bloco iniciou um trote até perto do inimigo. Faltavam uns poucos metros. Puxou a lança para debaixo do braço assentando-a firmemente no apoio da couraça, inclinou-se um tanto para a frente e lançou-se a galope. Atrás de si, os pesados cavaleiros acobertados largaram também à rédea solta, fazendo estremecer o chão sob o peso do ferro com que iam protegidos. Todo o batalhão seguiu o rei como se de uma só peça se tratasse, troando os ares numa avalanche assustadora que logo embateu nos mouros com tanto ímpeto, rompendo com tal fúria, que os abria por todas as partes, matando e ferindo

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quantos achavam diante240. E «desta maneira, em toda a parte por onde a nossa gente de cavalo passou, ficou o campo coberto de mouros e bandeiras derribadas»241. Confrontados com a violentíssima carga liderada por D. Sebastião, os cavalos comandados por Mulei Amet cediam lugar aos portugueses por onde quer que estes os acometiam. Sem armas defensivas, mal podiam conter o ímpeto dos acobertados portugueses, muito bem armados e encavalgados em montadas espanholas maiores e mais esforçadas que os cavalos mouriscos242. E sem o apoio da cavalaria, também se retiram muitos dos atiradores de pé que estavam na frente, «fazendo meter os arcabuzeiros muito dentro da cavalaria com morte de muitos deles, misturando-se todos em notável confusão243. No centro do exército mouro, mais precisamente na al-mahala onde se encontrava o estado-maior muçulmano, assistia-se com crescente preocupação a este início pouco auspicioso. O médico de Abdelmeleque observava, aterrado, o desenrolar dos combates. Começaram de uma parte e de outra a pelejar rijamente. «E os acobertados dos cristãos nos investiram com tal ferocidade que a nossa gente se retirou para detrás das bandeiras del Rei, e sem dúvida nos pareceu que estávamos perdidos244». Também no extremo direito o duque de Aveiro tomava a iniciativa. Alguns cavalos mouros já ultrapassavam o esquadrão dos tudescos e haviam chegado muito perto do batalhão de D. Jorge, atacando-o pelo flanco exposto – «mais ao ginete que de rosto». Já lhe derribavam homens e cavalos245 quando, sem mais notícia do rei, decidiu carregar na frente dos seus cavaleiros dando com tanto ímpeto nos mouros que os fizeram retirar todos, fugindo em roldão de costas viradas246. No exército muçulmano vive-se uma situação preocupante. Com o seu flanco direito em debandada, o centro do exército sofria agora, desapoiado, a intensa pressão da vanguarda onde se encontrava «a gente mais escolhida e honrada» dos cristãos. E ao verificar que as descargas dos arcabuzes não detêm os inimigos, tendo ainda avançado muito para além do apoio da segunda linha, os primeiros mouros começam a retroceder, cedendo terreno. Com os mouros na sua frente esboçando a retirada os aventureiros redobram os esforços. Na terceira fileira, Miguel de Andrada vive estes momentos em que se parece desenhar a vitória dos portugueses: «e com tal fúria os investimos com as picas baixas que os arrancamos e fizemos fugir, e dos mouros muitos não pararam senão em Fez247». Embora a progressão deste primeiro e principal corpo do dispositivo se fizesse de forma desigual, a vanguarda dos mouros perdeu a coesão. Os fugitivos abandonam algumas das suas bandeiras248, deixando-as espalhadas pelo chão. Os fidalgos portugueses das fileiras da frente aceleram o passo, ultrapassando os demais terços que também avançavam pelos lados. Na excitação do momento empenham-se na perseguição ao inimigo em fuga, desfazendo a formatura do esquadrão. Largam os pesados piques, inúteis no combate corpo-acorpo, e precipitam-se já de espada na mão sobre os contrários. Adiantando-se ainda mais no terreno, os aventureiros das cinco primeiras filas alcançam finalmente os mouros em retirada. Alguns destes ainda tentam reagir aos portugueses, fazendo-lhes frente. O capitão João de Mendonça Furtado viu um mouro que vinha na sua direcção com o arcabuz assestado; e antes que o seu adversário disparasse, o português desferiu-lhe com a alabarda um violento golpe, deixando-o logo estendido no chão. Terá sido a primeira baixa do exército de Abdelmeleque no corpo-a-corpo que se seguiu249. Enquanto os mouros cedem terreno frente aos aventureiros, os castelhanos e os alemães também progridem mais atrás. Animados, arremeteram esforçadamente tal como os companheiros, surpreendendo os inimigos e imprimindo um movimento claramente ofensivo a toda a linha de vanguarda do exército português.

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A morte de Mulei Abdelmeleque

Cuba perto do duar Suaken O monumento que marca o local onde Abedelmeleque terá morrido, no centro da «praça com 40 passos de lado». Nas escavações dos anos 30, foram descobertas balas de ferro no seu interior. O xarife teria sido, afinal, morto por atiradores portugueses?

Os aventureiros mais adiantados, cerca de 300, abriam caminho por entre os mouros levando-os de vencida à lança e espada250. Aproximam-se agora do topo da pequena colina onde se encontra a artilharia inimiga; um pouco mais adiante está a liteira do xarife. Os mouros não dispunham de qualquer tropa de reserva para fazer frente ao inimigo que se aproxima inexoravelmente local onde se encontra Abdelmeleque. Os cavalos da mão direita tinham sido desbaratados pela carga dos cavalos comandados por D. Sebastião e as restantes reservas combatiam na retaguarda dos portugueses; pelo lado esquerdo o duque de Aveiro empenhava-se a fundo em perseguição do inimigo, também aqui em retirada. É o momento crítico para os muçulmanos. Ao lado da liteira, encontrava-se o médico judeu do xarife que presencia os acontecimentos. «Cada vez maior número de fugitivos corria pela al-mahala, dirigindo-se para a retaguarda. Mais atrás, ouviu-se grande gritaria. Pouco depois chegava um renegado com a notícia que assaltavam a bagagem, e logo de seguida os elches da guarda dispararam alguns tiros sobre alguns que já se viam roubar as nossas tendas». Eram cerca de quatro mil irregulares, provavelmente berberes oriundos das cabildas251 dos arredores, e que se haviam integrado no exército apenas com o fito de proceder ao saque do campo vencido. O próprio alcaide da al-Mahala, o genovês Hazem, julgou a batalha perdida. Reunido rápidamente o mais que pôde da bagagem do xarife, trocou o rico traje que envergava por uma pobre djelaba e juntou-se aos fugitivos. Muitos destes refugiaramse na vila de Alcácer Quibir, alguns quilómetros para sul, outros não pararam senão na cidade de Fez252. Incrédulo, Abdelmeleque não queria acreditar na rapidez e dimensão do desbarato. Saíu da liteira e, olhando para um lado e para o outro, só via a sua gente fugir. Virou-se para trás. Verificou que já não dispunha de qualquer ajuda, uns tinham fugido por temor do fogo inimigo, outros por se encontrarem empenhados no combate. E sem proferir uma palavra, dirigiu-se furioso para o seu cavalo. O capitão da guarda Mostapha Pique e o médico seguiram-no, tentando ajudá-lo. Mas os cristãos encontravam-se no topo da colina a poucas dezenas de metros, e alguns atiradores – eram talvez da os homens da guarnição de Tânger – já se lhes juntavam. Viam-se bandeiras ser derrubadas e depois brandidas por aventureiros que haviam chegado junto dos canhões. O xarife preparou-se para montar. Pôs o pé no estribo, e com a mão segurou-se à sela. Ouviram-se os estampidos dos arcabuzes. O médico, que de um lado o ajudava a montar a cavalo, encarou-o. Foi tomado de um tremor que o fez cerrar os dentes e perdeu os sentidos253. Acorreu o capitão da guarda, que segurou no corpo desfalecido. Sem conseguirem articular qualquer palavra, os dois homens apenas trocaram um olhar aterrado. Mulei Abdelmeleque estava morto. A menos de 20 metros, quase em cima da bateria de artilharia dos mouros, os aventureiros assistiram a esta cena, exultando. Ouviram-se gritos clamando «vitória, vitória, vitória», ao que logo outros – um deles seria Miguel de Andrada – acrescentaram, «vitória, vitória, vitória, o maluco é morto».

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alcácer quibir: a primeira fase da batalha, entre as 10 e as 11 horas da manhã 4 Os cerca de 4 000 homens em reserva que guardavam a retaguarda e bagagem do campo de Abdelmeleque são atacados por alguns milhares de «alarves». Estes, vendo a sorte das armas inclinar-se a favor dos cristãos, descem das colinas sobranceiras onde se encontravam para saquear o campo 3 Os cavaleiros comandados pelo irmão do «xarife», Ahmed, são rapidamente postos em fuga pela tremenda carga dos «acobertados» de D. Sebastião. Muitos retiram-se na direcção de Alcácer Quibir com a notícia da derota. Um deles é o próprio Mulei Amet.

5 Abdelmeleque morre vítima de uma síncope ou atingido por um dos atiradores que acompanhavam os «aventureiros». O impeto do ataque levou cerca de 300 deles a escassos metros da liteira onde jaz o «xarife» apoderando-se de 2 estandartes inimigos. Eram cerca de 11.00h.

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Desvairados de alegria e alvoroço, viam os inimigos fugirem desordenadamente. Ao mesmo tempo assistiam à morte do rei inimigo, e o rebuliço no campo quando levaram em braços o corpo inanimado do xarife para a liteira de onde há pouco havia saído254. Muitos destes aventureiros ficaram convencidos de que tinha sido, atingido por algum pelouro dos nossos arcabuzeiros, como o viram os nossos dianteiros que quase a ele chegaram. E tão perto esteve Andrada do maluco, que podia aperceber-se que o xarife trazia vestida uma marlota com mangas verdes, «que me pareceram de veludo reclamadas»255. Morto o Abedelmeleque, tenta-se desesperadamente encobrir o sucedido. O capitão da guarda pediu um pano com o qual tapou o corpo e levaram-no discretamente de volta para a liteira, dizendo que havia desmaiado. O médico ficou a seu lado, fingindo que lhe dava de beber, enquanto um dos lacaios turcos simulava receber ordens que depois transmitia aos alcaides. A maioria dos muçulmanos não se apercebeu desta situação dramática embora, no meio da confusão que se instalou, alguns dos renegados que julgaram a batalha perdida passaram para o lado dos cristãos confirmando a notícia de que o maluco acabava de morrer256.

O meio do dia

Cristóvão de Távora, coronel dos «aventureiros»

2 Os «aventureiros» avançam sobre os «andaluzes» e «gazulas», incapazes de suster a arremetida. Atrás seguem os castelhanos e alemães. Vendo que na vanguarda baixam os piques para «acometer», D. Sebastião decide apoiar a investida e carrega à frente de um «esquadrão» de 600 cavaleiros.

6 Na mão direita, os cavaleiros liderados por Abrahem Sufiane não puderam proceder ao completo envolvimento do campo inimigo dado a proximidade do rio Rur e o escalonamento da cavalaria inimiga em 3 «esquadrões». Ainda assim, os portugueses também aqui fazem retroceder o mole de inimigos em desordem

1 Passava algum tempo depois das 10.00h quando o disparo de uma bombarda com mais de 10 toneladas que se inicia o ataque dos muçulmanos. Os cavalos que rodearam o exército cristão carregam sobre os «terços» da retaguarda. Na frente, os «espaquis» descarregam os seus arcabuzes enquanto os «andaluzes» e «gazulas» se lançam impetuosamente ao encontro do inimigo. Mas se na retaguarda os soldados recrutados no ALentejo e Algarve resistem energeticamente, na vanguarda os atiradores critãos retribuem com um fogo nutrido as investidas dos inimigos. O exército português mantém-se imóvel, e os mouros das primeiras filas arriscam-se mais para a frente

Agora que o xarife morrera à vista de todos os que se encontravam no local crucial da batalha, os aventureiros mais adiantados empenham-se a fundo num último esforço. «Estávamos no cimo do cabeço onde quase ganhámos a artilharia. D. Álvaro esforçava os seus diante de todos257, e assim os mais adiantados prosseguiram adiante, chegando tão perto da liteira onde o maluco estava morto. E de cinco pendões que junto dela estavam foram tomados dois pelos portugueses258». Subitamente, um estampido. E logo o pelouro do tiro de campo que acabava de disparar, «que vinha em chapeletas»259, atingiu uma perna de Álvaro Pires de Távora260. Ferido com gravidade, o capitão dos aventureiros caiu no chão. Um pouco mais longe estava o sargento Pêro Lopes que, ao ver o seu oficial atingido e com a perna esfacelada pelo impacto, correu imediatamente em seu auxílio. Ainda assim, os soldados continuaram a sua corrida em direcção da liteira onde jazia Abdelmeleque. Miguel Leitão de Andrada encontrava-se entre os homens da frente, indo assim com esta alegria aclamando a vitória261 para arrancar o maluco de onde estava, cortar-lhe a cabeça e espetá-la numa pica, o que havia de rematar a nossa arremetida e ter o maior efeito sobre os mouros262. Neste transe, Pêro Lopes apercebe-se de que estes poucos homens se tinham adiantado demasiado dos seus companheiros por um largo espaço, «quanto seriam dois jogos de bola»263. Internados profundamente entre os inimigos, encontravam-se muito para além do apoio ds linhas mais recuadas, porque o esquadrão não tinha seguido, como um todo, os soldados que se encontravam mais adiante264. De facto, os fidalgos portugueses das cinco primeiras filas, na ânsia de chegar em primeiro lugar ao centro do dispositivo inimigo, desfizerão a formatura265. E com o coronel nos braços a esvair-se em sangue, Pêro Lopes cuidou que «com atalhar o brio dos soldados livrava de trabalho o fidalgo ferido»266. Em vão D. Álvaro protestou, incitando o seu sargento a continuar a investida e deixá-lo ali267; contudo, Pêro Lopes retorquiu: - Senhor, temos quase ganha a artilharia do inimigo e com ela duas bandeiras268. Será melhor recuar e refazer as fileiras e a vós, a quem devo obrigação, poderei assim salvar a vida. Levantou-se, e pegando na alabarda tentou impedir a passagem do resto do terço gritando o mais alto que podia, «ter, ter!» A esta ordem, os soldados foram parando, mas como

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os que iam na frente não retrocedessem, gritou novamente «retira, retira». Aproximou-se do alferes abandeirado, e dirigindo-se ao tambor que seguia a seu lado ordenou-lhe que tocasse a retirar. E com o rufar da caixa assim «se quebrou o esquadrão por detrás e, sem fazer mais detença, os homens começaram a retirar»269. A arremetida dos aventureiros foi suspensa na sua fase mais crítica, no momento crucial em que perseguiam os inimigos em retirada. Interrompido o ataque, os aventureiros mais adiantados pararam em grande desordem, sem saber porquê, ou o que havíamos de fazer, nem o que se passava no nosso campo270. Com uma enorme frustração viram os mouros fugir desbaratados daquela banda271, afastando-se impunes a procurar a protecção dos companheiros das linhas mais recuadas. Encontravam-se agora isolados no centro do dispositivo inimigo, desacompanhados dos atriradores das mangas que lhes ficavam em guarnição. O resto do terço já retirava, e embora os castelhanos e alemães progredissem ainda seguiam muito atrás, sem possibilidade de dar qualquer apoio. Na al-Mahala, os alcaides que ainda acompanhavam o xarife apercebem-se do desconcerto dos portugueses. Ao longe distinguia-se claramente o «baralhar dos piques»272, e logo compreendem que a arrancada da dianteira inimiga tinha sido miraculosamente detida. Rápidamente procuram reunir todos os homens que encontram. «Vinha ainda a nossa arcabuzaria retirando, quando o alcaide Sufiane chamou a si os elches da guarda, os alabardeiros, e os piques273; empunhou um dos doze estandartes que estavam na frente da liteira do xarife e, montando a cavalo, acometeu rijamente os cristãos274». Exaltados com o exemplo de Abrahem Sufiane, logo se lhe juntaram outros como o

Os momentos finais da Batalha de Alcácer Quibir Chegado da retaguarda, D. Sebastião juntou-se ao coronel Martim da Borgonha que resistia na frente de um esquadrão improvisado com os últimos soldados válidos. O rei trocou ainda o seu cavalo – que se encontrava ferido – pelo de Jorge de Albuquerque, partido de seguida para uma derradeira investida. Gravura inserida no livro de Miguel Leitão de Andrade, Miscelânia.

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filho do alcaide Mahamet Zarco – que comandava a ala esquerda – o alcaide Muselin e o próprio médico judeu de Abdelmeleque275, engrossando as fileiras do corpo que contraatacava. Entretanto, a carga dos cavalos da ala esquerda havia levado D. Sebastião até muito perto da bateria inimiga, onde os aventureiros se preparavam para se apoderar dos canhões. De súbito, por entre os mouros que fugiam, surgiu o alcaide Sufiane na frente das tropas que apressadamente arrebanhara. Este Avaliou a situação com um relance; os cristãos estavam em completa desordem, os cavalos misturados com outros peões, esperando o que só Deus poderia adivinhar. Ergueu a bandeira no alto e com o grito Allah u Akbar arremeteu sobre infiéis. Mais atrás estavam em posição os 100 atiradores renegados da guarda. O seu alcaide gritou uma breve ordem, e logo estes homens descarregaram uma salva com os seus pesados mosquetes. Sem dar tempo para qualquer reacção aos inimigos, outros tantos alabardeiros turcos arremeteram furiosamente, com os renegados logo seguindo na sua peugada ao encontro dos cristãos ainda vacilantes. Surpreendidos, os cavaleiros portugueses que se encontravam dispersos em volta da artilharia, não puderam resistir ao ímpeto e fúria de tantos, e retiraram em desordem276. E perto do topo da colina, portanto em posição privilegiada para ter a noção dos movimentos das tropas, Miguel de Andrada e os seus companheiros viram os cavalos do rei serem empurrados para o lado direito do exército277. A retirada dos cavaleiros de D. Sebastião deixou o flanco da vanguarda à mercê dos mouros. Atento, Sofiane abandonou a perseguição aos acobertados e rodeou os aventureiros portugueses mais adiantados que se encontravam desviados das mangas de arcabuzaria278, cercando-os completamente. Estes poucos portugueses ali ficaram sem bandeira, desamparados dos companheiros que voltaram para trás, deixando-os sós, furiosamente apinhoados279. Com a retirada das linhas recuados do terço que os acossava de perto, muitos dos mouros que fugiam recuperaram ânimo e voltaram-se para fazer face aos que antes os perseguiam; mais atrás, os elches e azuagos abriram as fileiras e deixaram passar livremente os restantes fugitivos. Cerrando novamente, avançaram sobre os aventureiros para dispararem sobre os nossos uma terrivel carga de escopeteria280. Os espaquis precipitam-se de novo na refrega e desferem, por sua vez, sucessivas descargas sobre os portugueses281 cercados e sem atiradores que pudessem responder ao fogo inimigo. Alvejados à distância, Andrada e os companheiroos cerraram ainda fileiras … e ali resisitmos a pé quedo, recebendo quanto dano podeis imaginar, até que este nosso terço, ao menos a dianteira dele, foi todo desfeito e mortos quase todos, sem nunca os mouros se chegarem a medir connosco suas espadas282. Com os soldados da frente do esquadrão completamente envolvidos pelos inimigos e dizimados pelas descargas dos arcabuzes e mosquetes, a vanguarda dos cristãos cede ao crescente número dos que se vão juntando na perseguição. Os mouros que haviam dirigido o contra-ataque encontravam-se agora ocupados com o que restava do «rosto da vanguarda», enquanto mais atrás, aqueles que até há pouco retiravam frente aos portugueses «tornaram de novo à escaramuça, seguindo logo os desordenados aventureiros»283. Asssim pressionados, os restos do terço foram obrigados a retirar precipitadamente para o lado direito, sobre os alemães que ainda progrediam. No mesmo lado dos alemães, a gente de cavalo que seguia o guião do duque foi cair sobre a mão esquerda284. De facto, tal como havia sucedido no lado esquerdo, o batalhão de Jorge de Lencastre também se encontrava disperso depois de uma impetuosa carga sobre os mouros, vulnerável por isso ao um contra-ataque, como veio a acontecer. E os cavaleiros, empurrados pela mole de inimigos que surgia de todos os lados, caíram sobre

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o esquadrão dos tudescos, que por sua vez se foram misturar com os aventureiros em fuga285. Voltemos de novo ao lado esquerdo do dispositivo português. O rei procurava agora refazer o seu batalhão de cavalos na praça de armas, entre a vanguarda e a batalha. Contudo, não podendo aguentar o aperto da cavalaria inimiga que o pressionava de perto, acabou por se encostar á mão direita, sobre os terços dos castelhanos e aventureiros que retiravam. Estes homens, agora entrados pelos cavalos que assim recuavam, acabaram por cair sobre o esquadrão da batalha que se encontrava imóvel, mais atrás. Foi sobre estes soldados bisonhos que desabou uma autêntica torrente de homens e cavalos em fuga. Encontrava-se aqui a gente das ordenanças de menor valia, pouco dada aos exercícios bélicos. E embora na véspera tivessem dado boa conta de si, o fogo da artilharia dos mouros havia-os intimidado logo no início da batalha. E agora, vendo os seus retirarem precipitadamente frente aos inimigos que convergem em cada vez maior número, não puderam resistir ao impetuoso choque. Desfizeram completamente as fileiras da dianteira, os soldados procurando desesperadamente abrigo entre os carros que bordejavam o lado esquerdo da praça de armas. Desesperado, o coronel Vasco da Silveira «quis dar uma volta ao esquadrão»286 para se inteirar da dimensão do desastre. Chamou o seu pajem e esporeou o cavalo. Foi rodeando o esquadrão a galope, e quando chegou ao rosto já o achou de todo desordenado, do qual desbarato sou testemunha de vista, e com tamanha confusão, sem os mouros terem chegado a ele287. Nesta mesma altura, empurrado pelos mouros, D. Sebastião chega à frente do corpo da batalha; D. Jorge Telo não queria acreditar no que via; quando el-rei tornou a demandar os esquadrões, ficou mudo de espanto pela desordem em que encontrou o esquadrão de Vasco da Silveira, enquanto chegavam outros fidalgos atraídos pelos guiões que aí estavam, que era o estandarte real e os dois guiões, o seu e do duque288. Ainda assim, muitos dos cavaleiros que se haviam dispersado nas cargas iniciais reagrupavam-se em torno dos estandartes – os guiões – dos três batalhões de cavalos. E nem tudo eram más notícias. Um destes homens, D. António, prior do Crato, chegou sem lança com a espada ensanguentada na mão, trazendo a boa nova de que o maluco havia sido morto289. Porém, nesse mesmo instante, ali surgiu também o capitão da artilharia, Pêro de Mesquita, e o comendador Jerónimo da Cunha. O capitão Mesquita vinha muito ferido com uma grande cutilada pelo rosto, e ambos pediam que se mandasse socorrer a artilharia, que apenas uma mão cheia de artilheiros defendia contra os inimigos que a procuravam tomar290. Rapidamente reunidos os cavaleiros que se iam recolhendo ao estandarte real, «que seriam pouco mais de duzentos»291, D. Sebastião lançou-se novamente sobre os mouros. As guarnições das peças defendiam-se o melhor que lhes era possível, mas sem poderem contar senão consigo próprios, os artilheiros estavam prestes a ser submergidos pelos adversários. Chegou o rei de rompante, ao mesmo tempo que o duque de Aveiro surgia pelo flanco direito. Num breve encontro os cavaleiros portugueses pelejaram com redobrado vigor, infligindo muito dano aos inimigos, e obrigarando-os a largar a presa que julgavam ter já na mão. E depois de afugentados os inimigos, o rei chegou ao pé dos canhões onde finalmente se reuniu com o duque de Aveiro292.

A resistência Parecia que a carga de cavalaria liderada pelo rei e D. Jorge tinha reestabelecido a situação. Na al-mahala, junto da liteira onde jazia Abdelmeleque, o médico do xarife assistia, uma vez mais, à derrota dos cavaleiros mouros frente «aos acobertados dos cristãos», que os fizeram retroceder em completa desordem por largo espaço até às suas linhas mais recuadas293.

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Cavaleiro português da segunda metade do século XVI Este oficial anónimo de alta patente, como nos indica a banda escarlate com que está vestido, representando possivelmente o infante D. João, pai de D. Sebastião, bem poderia representar também um jovem coronel como era Álvaro Pires de Távora, comandante do Terço dos aventureiros, no auge dos seus 24 anos – a mesma idade que o próprio D. Sebastião.

Porém, um mensageiro chegou nessa altura ao pé de D. Sebastião com a informação de que o inimigo estava prestes a romper os terços da retaguarda. De facto, a cavalaria portuguesa concentrava-se toda no centro do exército, deixando os flancos desprotegidos. Aproveitando-se rapidamente da situação, o alcaide Abrahem Sufiane contornou o campo e acabou por se meter entre o rio Rur e os portugueses, donde se lançou ao ataque da retaguarda. Cumpria finalmente as ordens que Abdelmeleque havia dado no início da batalha, e que não havia tido lugar pela proximidade do Rur que impediu este envolvimento. Decidido a acudir á retaguarda, D. Sebastião reuniu talvez metade da cavalaria que se encontrava junto consigo e com o duque. Seriam cerca de 100 cavalos entre os quais se encontravam, por certo, os fidalgos e gente de maior qualidade294. Antes de prosseguir deixou

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a cargo de D. Jorge a missão de defender a artilharia. Enquanto o rei se afastava, o duque de Aveiro e o Mestre de Campo Duarte de Meneses procuravam ordenar a cavalaria e a infantaria, onde se concentravam os sobreviventes dos terços da vanguarda295. Mas a ida do rei para as linhas mais recuadas do exército dividiu o pouco que restava da cavalaria e os mouros, atentos, concentraram aqui o seu ataque principal. Arremetendo pelo lado direito, alguns largos milhares de cavalos, reforçados por dois mil arcabuzeiros296 rápidamente ultrpassaram as precárias defesas improvisadas. O duque, não podendo resistir com tão pouca gente – provavelmente menos de 100 cavalos – ao peso de tamanha multidão, foi forçado a retirar-se sobre uma parte do esquadrão dos tudescos que lhe estava pelo lado direito, desordenando os piqueiros297. A artilharia foi definitivamente perdida, e com ela caiu morto o balio Pêro de Mesquita seu capitão, depois de a ter defendido valorosamente lutando ombro a ombro ao lado dos artilheiros298. Os portugueses ainda tentaram, num último esforço, recuperar os canhões. «O D. Jorge de Lencastre olhou em redor, e apenas vislumbrou umas escassas dezenas de homens dispersos; só então se deu conta dos dois ferimentos que trazia. Que importava, havia de morrer no posto que el rei lhe havia confiado299». Cavalgou até ao pé de D. Duarte de Meneses e perguntou-lhe se já havia voltado o rei300. O mestre de campo não sabia, mas logo acordaram em tentar recuperar as peças que já se encontravam em poder dos inimigos. Juntos com uns poucos que o duque conseguiu persuadir que os seguissem, entre eles o coronel castelhano D. Alonso de Aguilar, lançaram-se numa desesperada carga. Na frente, o duque esporeava furiosamente o cavalo. Desferindo sucessivos golpes com o seu rapier, forçava a passagem por entre os inimigos cada vez mais numerosos, entrando tanto por eles que acabou por deixar muitos entre si e os companheiros301. Era um combate desigual. O duque e mais 12 ou 15 cavaleiros ficaram separados do seu guião. Isolado no meio dos inimigos ainda se defendeu com a energia do desespero. Foi logo alvejado pelos numerosos atiradores que aí se encontravam, e um pelouro dos pesados mosquetes que equipavam os mercenários argelinos esfacelou-lhe uma perna, atirando-o do cavalo abaixo. Sem se poder levantar, foi rapidamente trucidado por várias dezenas de mouros que logo o rodearam302. Alguns dos companheiros ainda conseguiram sair de dentro da mole de inimigos. Alonso de Aguilar foi um deles, e ao retirar recebeu uma lançada em pleno rosto, com o que caiu no chão. O seu filho D. Pedro, que cavalgava a seu lado, correu a ajudá-lo. Desmontou, para tentar remover a ponta de ferro que permanecia encravada na face do castelhano. Cerrando os dentes, o pai ainda conseguiu gracejar: - Tende cuidado que não saia toda a carne presa ao pau do assador!303 Ferido de morte, deparando-se com o desbarato irremediável dos soldados, lançou-se de novo a cavalo logo seguido por D. Pedro. Ainda o ouviram gritar, enquanto pai e filho se envolviam à espadeirada numa última arremetida por entre os mouros: - Nunca queira Deus que se veja a Casa de Aguilar voltar para trás!304 Entretanto, finalmente livres da cavalaria inimiga, os mouros convergiam agora à vontade sobre a vanguarda onde os aventureiros faziam barreira aos escopeteiros montados. Eram poucos os atiradores que os guarneciam, e embora entre estes estivessem uns poucos dos fronteiros de Tânger sobreviventes e italianos, a troca de tiros era demasiado desproporcionada. Em vão os piqueiros arremetiam contra os assaltantes de lança em punho, porque os atiradores montados viravam costas num momento, para logo a seguir voltarem e descarregarem os arcabuzes305. Foram caindo a maior parte dos oficiais de nomeada. D. António, primo do rei, foi aprisionado; foi morto o capitão Alexandre Moreira, que lutou diante dos soldados até

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alcácer quibir: a segunda fase da batalha, entre o meio dia e as quatro da tarde 1 O coronel dos «aventureiros» é antingido, provocando a desorientação de alguns oficiais que ordenam a retirada deixando os soldados da frente isolados no centro do dispositivo inimigo; apercebendo-se da hesitação dos portugueses alguns alcaides reunem a guarda pessoal do «xarife» e contra-atacam. Os terços que avançavam «apertados pelos inimigos», precipitamse uns sobre os outros acabando por desordenar a segunda linha do exército. Na frente os 300 portugueses agora completamente cercados são exterminados. Estamos perto do meio-dia.

2 D. Jorge de Lencastre e D. Duarte de Meneses congregam alguns cavalos para defesa dos esquadrões da vanguarda enquanto o rei, julgando a retaguarda em risco, para lá se dirige com reforços. Contudo, é na frente que os inimigos desenvolvem o principal esforço. Os poucos cavaleiros cristãos são dispersados, e o duque de Aveiro é morto na refrega.

4 Regressado da retaguarda D. Sebastião ainda desfere mais um ataque sobre os inimigos. Embora ferido por um disparo, os inimigos são postos em fuga, permitindo aos alemães reagruparemse para a defesa final da primeira linha do exército. Desfeita finalmente a vanguarda o rei retira-se para a última linha do exército. Ordenados em dois «esquadrões» reforçados com mosqueteiros, os soldados comandados por oficiais como Francisco de Távora combateram ininterruptamente - e com assinalável êxito desde o início da batalha. Mas o fim aproxima-se. A presença de D. Sebastião ainda galvanizou os soldados por mais algum tempo. Mas por volta das 16.00h a resistência é finalmente vencida após uma investida de todas as forças inimigas

3 Os restos da vanguarda sofrem o embate de toda a infantaria enquanto a cavalaria converge sobre a segunda linha já fragilizada pela retirada dos «terços» da frente. Perdida a coesão da formatura o «esquadrão» da batalha fragmenta-se em várias bolsas de soldados que agora resistem encarniçadamente, defendendo-se atrás das carretas da bagagem convertidas em redutos fortificados. Mas o desbarato da cavalaria portuguesa na frente permite a Abrahem Sufiane completar o envolvimento do exército cristão pela mão direita intensificando a pressão.

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o atingirem mortalmente perto da artilharia, então já nas mãos dos mouros. Os soldados castelhanos foram também dizimados. O coronel Thomas Stukeley combatia apeado na frente dos seus soldados italianos, depois de morto o seu cavalo com um tiro de arcabuz306. Defendia-se furiosamente, brandindo um montante, a despeito de os soldados lhe rogarem que se entregasse para que todos salvassem a vida; recusou, até que um dos seus próprios homens o abateu pelas costas para que pudessem, enfim, entregar as armas307. Finalmente os mouros romperam a vanguarda desfazendo-a totalmente308, precipitandose em seguida sobre a bagagem que ficava logo adiante. Os soldados cristãos remanescentes chegavam também perto da fila de carros estacionados ao longo da mão esquerda, procurando aí alguma protecção. Num último esforço, o coronel Martim de Borgonha ainda refez as fileiras num esquadrão improvisado com os alemães que lhe restavam. Juntou rápidamente alguns italianos e outros soldados numa manga de atiradores, e ordenou um fogo nutrido sobre os inimigos que se encontravam ocupados a pilhar o avultado despojo309. Os mouros foram completamente surpreendidos pela desenvoltura dos mercenários, e dispersaram em desordem. Na retaguarda, D. Sebastião constatava, com surpresa, que os terços de D. Miguel de Noronha e Francisco de Távora resistiam com segurança. A gente do Algarve a cargo de Francisco de Távora era constituída por homens de muito esforço, e defendiam-se valorosamente310. Ninguém havia mandado pedir auxílio, disseram-lhe. Talvez tivesse sido um estratagema dos renegados; alguns deles eram portugueses ou espanhóis, falam a nossa língua, que ardam no inferno! 311 Chegavam, entretanto, alguns soldados dispersos que gritavam que os mouros tomavam a bagagem. Adivinhando de que estava iminente o desscalabro na frente, o rei deu rápidamente meia-volta e dirigiu-se para lá. Ao passar pela linha da batalha deu-se conta que o esquadrão do coronel Vasco da Silveira se encontrava inactivo. Chamou o coronel e deu ordem para que o seguisse312. Mas os homens deste terço vinham quase todos à força, sem vontade nem experiência de guerra. E se fossem homens! – queixava-se D. Vasco – Muitos deles eram pouco mais que crianças, alguns nem dez anos de idade haviam de ter313. E assim todos amontoados, pelejando frouxamente desde o início, recusaram-se sair ao campo ajudar os seus companheiros, por mais que os seus capitães os incitassem e empurrassem com aspereza314. Não havia tempo a perder. E, de facto, o improvisado esquadrão de D. Martim era agora ameaçado por um «grosso tropel» de mouros, que uma vez mais progredia pela esquerda. Na frente deles, o alcaide Almançor encorajava os cavaleiros quando viu o rei português aproximar-se. Julgou que seria presa fácil com tão diminuta guarda a acompanhá-lo. Mas D. Sebastião era um oponente de peso. Um fidalgo deu-lhe a sua lança e o rei arremeteu furiosamente, e de tal forma atingiu o adversário que o lançou por terra morto315. Outro alcaide que seguia atrás de Almançor, um certo Coliman com igual reputação de grande guerreiro, foi também rapidamente batido, impiedosamente derrubado com alguns violentos golpes de espada vibrados por um D. Sebastião que parecia invencível no corpo-acorpo. Entretanto, os atiradores que acompanhavam esta tropa tomam o rei como alvo e disparam sobre ele. Foi atingido por uma bala debaixo do braço, enquanto o cavalo caiu ferido de morte atirando-o para o chão. Os mouros lançam-se sobre a presa, mas os cavaleiros cristãos que o escoltam estão atentos. E D. Sebastião também se defende como um leão. Um castelhano escreverá mais tarde «que o viu a pé com a sua espada na mão desenbainhada obrando mais prodigios de valor que o próprio Cid»316. Vendo o perigo iminente que o rei corria um dos fronteirios de Tânger desmontou, cedendo-lhe a montada317. E de novo a cavalo, D. Sebastião lançou-se contra os inimigos acom-

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panhado pela escassa centena de cavalos que o seguiam. E «tão denodadamente carregou» sobre os mouros que os levou de vencida por um largo espaço, deixando muitos mortos espalhados pelo campo318. Depois deste episódio dramático, o rei regressou finalmente à frente do exército. Cristóvão de Távora trazia-o amparado pelo braço esquerdo, que se via estar ensanguentado até à mão da rédea319. Acompanhava-os o embaixador de Castela D. Juán da Silva e vinham os três sem lanças, montando todos cavalos ruços. Disseram-lhe que niguém sabia do duque que havia desaparecido entre os mouros. Certamente tinha morrido, e os esquadrões da frente haviam sido destroçados. Era um anti clímax, depois da euforia por terem conseguido desembaraçar-se de tantos inimigos. E D. Sebastião terá talvez sentido, nesse momento, todo peso da batalha. Ele que fora em socorro da retaguarda, voltava agora para onde deixara o duque de Aveiro. E querendo com bom animo remediar as coisas o não podia fazer320. Ainda assim alguns soldados continuavam a pelejar naquela banda, junto da bagagem, no esquadrão que o coronel alemão congregara ao qual se haviam juntado o que que restava da manga dos atiradores fronteiros321. O rei reuniu-se aos aventureiros sobreviventes, que também se haviam incorporado neste esquadrão322. O seu cavalo trazia uma arcabuzada no pescoço e cruzou-se com D. Jorge de Albuquerque, tão ferido, que já se não podia ter na sela, nem apear-se do cavalo. Vendo o rei, logo lhe ofereceu o seu cavalo ao dizendo-lhe, «o meu cavalo é mui bom para vossa alteza se servir, e salvar nele». Enquanto alguns soldados desmontavam D. Jorge, os mouros lançavam o último assalto aos sobreviventes. Durante mais algum tempo, o coronel Martim da Borgonha ainda defendeu cara a vida fazendo voltear o seu montante sobre os inimigos, enquanto o remanescente do esquadrão era finalmente consumido pelas sucessivas vagas de inimigos. Talvez na memsa altura, na frente da vanguarda perto do local onde se havia iniciado o drama dos portugueses, Miguel Leitão de Andrada caminhava por entre os mortos e feridos que se amontoavam sobre os canhões. «E já neste tempo, que seria pelo meio-dia, era tudo desfeito, e acabado em grande espaço ao redor donde me achava.»323

O fim O desbarato da cavalaria portuguesa na frente permitiu a Abrahem Sufiane, que agora liderava o contigente montado na direita dos cristãos, completar finalmente o envolvimento. Sem a oposição dos esquadrões inimigos, infiltrou-se finalmente entre o exército cristão e o rio, intensificando assim a pressão. Enquanto os soldados que ajudavam Jorge de Albuquerque fogem à vista dos inimigos que convergem deixando o infeliz esvaindo-se no chão324, o rei é obrigado recolher-se mais atrás, junto do esquadrão comandado por Vasco da Silveira. Na sua frente, a vanguarda acaba de ser destroçada, e com a sorte das armas inclinando-se definitivamente para o lado muçulmano, a maioria dos partidários de Mulei Mahamet desertaram. Inicialmente combateram com valor ao lado dos cristãos, mas o pragmatismo desses homens leva-os a juntar-se ao campo contrário, gritando, «viva quem vence»325. Quando chegou ao pé do esquadrão da batalha, os terços da vanguarda acabavam de desaparecer na derradeira defesa contra o inimigo que convergia de todos os lados. Mas ainda assim, o rei não dava sinal de fraqueza. Cavalgou decididamente na direcção de Vasco da Silveira e preparou-se para desmontar, determinado a oferecer uma última resistência junto do esquadrão da batalha, combatendo ao lado dos soldados. Os seus companheiros pretenderam impedi-lo, mas replicou prontamente:

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- As vitórias as dá Deus a quem O serve, e não é perdido aquilo que tem remédio!326 Apenas a vista dos cavaleiros inimigos que se aproximavam vindos da vanguarda, impediu D. Sebastião de cumprir este seu desígnio. Depois de finalmente submeterem os soldados da frente, preparavam-se agora para o assalto à segunda linha dos cristãos. Era preciso acometê-los quanto antes! Chamou para junto de si Cristóvão de Távora e D. Jorge que ainda trazia o guião real; logo se juntaram outros cavaleiros, e o rei gritou para todos, segui-me, senhores327. Assim, uma vez mais à frente de uns poucos cavaleiros que ainda conseguiu reunir, o rei português dá um último e furioso assalto sobre os mouros. E depois de uma breve arrancada vitoriosa, desapareceu finalmente neste ataque o que restava da cavalaria portuguesa, mortos e dispersos os últimos homens. O esquadrão da batalha desarticula-se frente às sucessivas investidas do inimigo. O capitão Aldana, que ali se encontrava neste último transe, pelejou esforçadamente dando com o seu esforço exemplo aos soldados, até acabar finalmente por tombar328. Sem liderança, os sobreviventes acolheram-se em desordem no meio da bagagem. Alguns ainda ofereciam uma resistência desesperada, aproveitando os próprios carros como redutos de defesa329. Completamente cercados, estes pobres homens sem experiência de guerra e que nunca haviam saído de suas casas330, defendiam-se agora com redobrado valor… «e mais duros de vencer foram alguns magotes de pouca gente, do que o corpo da batalha quando estava todo inteiro»331. Enquanto caíam um a um estes últimos redutos, «ouviram-se grandes vozes bradar que os mouros tomavam a pólvora»332. Certos da vitória, o saque à bagagem tinha já lugar, conduzido por «grande multidão de bárbaros e alarves que agora desciam dos outeiros em redor»333. Súbitamente acendeu-se uma labareda num dos carros onde se transportavam os barris de pólvora. Logo o fogo se propagou aos restantes fazendo-os explodir, «com um estrondo tão horrendo como é de imaginar que faria o estouro de tamanha quantidade de pólvora»334. Alguns dos carros onde se levavam armas sobressalentes também voaram em pedaços e vencedores e vencidos viram, com horror, algumas largas dezenas de piques elevarem-se no ar, para logo descerem empalando homens e animais de ambos os campos. Muitos soldados haviam procurado refúgio por entre a carriagem, como o capitão Aldana temia, e foi com espantoso estrondo que voaram muitos mouros e cristãos335. Esta terrível explosão provocou uma enorme e obscuríssima nuvem, que culminou de forma apocalíptica o fim da segunda linha do dispositivo, sem se saber se aconteceu por acaso ou por qualquer outra via336. À vista deste verdadeiro inferno, o rei abandonou precipitadamente o corpo da batalha. Acompanhavam-no menos de uma dezena de fidalgos, entre os quais se encontravam D. Afonso de Portugal, D. Nuno de Mascarenhas e o sempre presente D. Cristóvão de Távora337. Enquanto D. Sebastião recuava para a retaguarda, o alferes-mor vagueava isolado pelo campo de batalha. Com o estandarte claramente visível à distância, atraíu as atenções dos inimigos que logo se abateram sobre ele. Um turco arremeteu e deu-lhe um golpe de maça que lhe acertou no braço direito, mas D. Luís de Meneses ripostou com uma violenta estocada que deixou o adversário estendido no chão338. Mas foi súbitamente atingido por dois tiros de mosquete que atravessaram o peitoral da armadura. O cavalo, também atingido, perdia rapidamente as forças, enquanto D. Luís ainda lutava desesperadamente ao mesmo tempo que gritava, «defendei, senhores, a bandeira do rei». Encontrava-se perto da retaguarda, e o capitão dos gastadores, Gonçalo Ribeiro Pinto, acorreu de espada e rodela nas mãos para diante de D. Luís de Meneses, defendendo-o valorosamente dos mouros que acorriam em cada vez maior número.

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Luís de Brito passava perto dali à procura do rei, quando ouviu os pedidos de ajuda. O capitão dos gastadores e o alferes estavam prestes a sucumbir aos assaltos furiosos dos mouros, quando irrompeu de espada na mão arremetendo direito ao estandarte. Já os dois portugueses jaziam no chão quando Luís de Brito saltou do cavalo. Desferindo estocadas pelos assaltantes, recuperou a bandeira e tornou a montar. Todavia, os mouros não largam a presa e ainda procuram lançar as mãos à bandeira. Mas de novo a cavalo Luís de Brito segurava obstinadamente na haste que os mouros lhe tentavam tirar, ao mesmo tempo que tomava as rédeas. Na confusão, a haste é arrancada, mas o português consegue salvar o pano do estandarte enrolando-o no braço esquerdo. E abrindo caminho à força de furiosas cutiladas, consegue finalmente desembaraçar-se dos inimigos339. Mas voltemos ao rei. Montando o cavalo cedido por D. Jorge de Albuquerque, D. Sebastião dirige-se para a retaguarda do exército acompanhado pelos poucos cavaleiros que entretanto se lhe juntaram. Os mouros já se haviam assenhorado do campo, e cruzavam as imediações em grupos que tratavam de liquidar qualquer resistência que encontrassem. Detectando este pequeno grupo de cavaleiros, imediatamente se lançaram contra eles. Mas protegido por alguns fidalgos a cavalo que faziam barreira em volta do rei, esta diminuta tropa continuou, pelejando com os mouros que tentavam atalhar-lhes o caminho340. Prosseguiram lentamente pela mão esquerda do exército, com as costas viradas para os esquadrões; desta forma impediam o serem acometidos por detrás, mas foram perdendo alguns dos companheiros na contínua escaramuça, juntando-se-lhes outros que entretanto apereciam341. O rei e aqueles que o acompanham vão abrindo caminho por entre os numerosos inimigos que os tentam cercar. Os fidalgos não os deixam aproximar-se do seu rei. Na feroz troca de cutiladas, vão caindo vários cavaleiros cristãos, mas à custa de elevado número de mouros que vão cobrindo o chão por onde passaram estes poucos portugueses342. Avistaram os terços cercados por grande multidão, mas parecia que Francisco de Távora e Miguel de Noronha ainda se defendiam valorosamente. Exausto, D. Sebastião levantou a viseira do elmo. Olhando para os seus companheiros, apontou na direcção dos dois esquadrões: - D. Francisco de Távora tem da gente bisonha a do Alentejo e Algarve, que são homens de muito esforço, e fez com eles rosto e corpo para se defender343 com muito valor. Olhai, senhores, tivéssemos nós mais desta gente, e o nosso campo nunca poderia ter sido entrado pelos inimigos como foi! Os mosqueteiros que cingiam destes 2 esquadrões disparavam «com maravilhosa presteza»344 fazendo um fogo ininterrupto que mantinha o adversário à distância; os esmerilhões que aí se encontravam em bateria desde o início da batalha estariam cobertos com mantas molhadas, expediente usado para evitar o sobreaquecimento provocado pelos disparos contínuos. Sustentavam com êxito a retaguarda do exército português desde o início dos combates. O rei e os seus companheiros chegaram. D. Sebastião perdia sangue desde que tinha sido atingido, e todo o lado esquerdo da couraça estava ensanguentado até à coxa. Pediu água, e logo um soldado lhe trouxe uma borracha de couro um pouco de água. Tirando o capacete, bebeu duas ou três largas goladas, e verteu a que sobrou por entre a couraça e o corpo, refrescando-se do calor345 provocado por mais de três horas a combater, sem descanso, no pico do verão marroquino. O coronel Miguel de Noronha chegou perto do rei muito animado, e logo lhe deu conta do esforço e acerto com que se pelejava ali. Francisco de Távora, disse-lhe, para além de fazer muito dano aos inimigos pela forma como orientava a defesa, havia impedido um dos alferes do «terço» de entregar a bandeira aos mouros. D. Francisco arremeteu de espada

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na mão, e matou-o com muitas cutiladas deixando-o estendido no chão. Pegou depois na bandeira deu-a outro soldado para que a defendesse346. E tudo isto à vista de todos, e com os mouros ao pé dele sem serem suficientemente fortes para o poderem impedir! Preparava-se para voltar de novo à batalha347. Animados pela presença de D. Sebastião, toda aquela gente espantada e cheia de medo começou, com grande clamor, a chamar pelo rei348. Juntam-se-lhes também alguns poucos cavaleiros que deambulavam dispersos pelo campo. Mas alertados pelo clamor que ouvem, os mouros apercebem-se da presença de do rei português naquele que é o último núcleo de resistência organizada. Os elches, carregando na frente de uma larga multidão de alarves, cerraram com os esquadrões. Mas embora duramente apertados, estes soldados recobraram ânimo pela presença do rei; de novo encorajados pelo seu coronel combateram desesperadamente «detendo a fúria dos mouros»349. O embate foi sustido com grandes perdas dos adversários, ficando estendida no campo a maior parte dos assaltantes. E mais tempo haveria de se prolongar a resistência se, logo de seguida, não viessem novos reforços, «uma grande multidão de inimigos descansados»350, qual enxurrada impossível de conter. Sem dar tempo aos portugueses para se recomporem, fazem uma nova investida. Na frente dos seus soldados, espada na mão, D. Francisco de Távora ainda gritava como um louco: - Mostrai aos infiéis como estas relíquias do exército, à vista del rei, são bastantes para lhe recuperarem o perdido!351. Embora os portugueses se defendessem desesperadamente, não era possível resistir à imensa massa que desabava sobre este último reduto. Subitamente, uma bala trespassou D. Francisco deitando-o por terra, morto352. Com a morte do coronel português, o desânimo invadiu os soldados sobreviventes. E com tão desordenada fúria se encarniçaram os alarves, que rapidamente toda defesa se desmoronou. Tombou o barão de Alvito combatendo esforçadamente, para logo de seguida ser aprisionado o mestre de campo D. Duarte de Meneses juntamente com o coronel D. Miguel de Noronha353. Morreram ou ficaram captivos muitos outros cavaleiros de nomeada, enquanto o rei português fugia a cavalo com outros quatro companheiros, entre os quais se encontrava o seu privado Cristóvão de Távora354. «Eram quatro ou cinco horas da tarde, havendo-se começado a batalha às onze»355.

O rei morreu? Na confusão dos últimos combates que tiveram lugar em defesa da retaguarda do exército português, o rei encontrou-se escoltado apenas por Cristóvão de Távora, o conde de Vimioso D. Afonso de Portugal, o coronel Vasco da Silveira, D. Jerónimo Lobo e D. Nuno de Mascarenhas. Desviando-se do campo que finalmente se rendia, acabou por se juntar a uma pequena coluna de soldados desarmados que fugiam para o passo do rio356. Mas, depois de desbaratados os últimos terços, logo um grande númerode alarves cercou estes poucos sobreviventes em fuga. E, avistando o guião real, percebem que um personagem importante se encontra ao seu alcance357. Junto do rei, Cristóvão de Távora não tem dúvidas de que foram descobertos; Senhor, a rendição é a única maneira de preservar a vossa vida. Os portugueses avistam um renegado se destaca do magote, tentando acalmar os ânimos dos companheiros. Na verdade, desperta-lhes a cobiça para o elevado resgate de que poderiam auferir, caso se poupem as vidas dos cristãos. O mesmo homem aproxima-se depois do pequeno grupo de fugitivos, pedindo que entreguem as armas. Cristóvão de Távora suplica ao rei que se renda. Mas, apertando a espada na mão, D. Sebastião não se deixa convencer, respondendo:

Pavilhão do Sultão otomano Esta poderia ser a cena em que Sebastião de Resende se oferece para trazer o corpo de D. Sebastião à presença de Almansor

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- Senhores, a liberdade real só se há-de perder com a vida358. Ao ouvirem estas palavras, os seus companheiros entendem que o rei não pretende render-se. Percebendo que todos chegaram ao fim, D. Afonso de Portugal não quer sobreviver ao seu rei, e com um grito rouco lançou-se sobre os mouros, de espada estendida. D. Sebastião ainda consegue dizer-lhe: Conde! Morrer sim, mas devagar! 359 E investiu por sua vez sobre os inimigos, rompendo por entre eles; seguiram-no D. Cristóvão, D. Jerónimo Lobo e D. Nuno de Mascarenhas e talvez ainda Luís de Brito360. O elche acompanhou-os na esperança de acautelar a vida do rei; Vasco da Silveira seguiu logo atrás, pelejando valorosamente e atravessando-se na frente dos que já carregavam contra o rei, impedindo a sua progressão361. Montando cavalos mais ligeiros os inimigos rodearam o grupo, tomando-lhe a dianteira362. E ao ver os companheiros furiosos com a fuga dos prisioneiros, o renegado preferiu salvar a vida abandonando os portugueses. Neste transe, Vasco da Silveira foi entretanto, capturado. A esperança de salvar a vida do rei reside na rendição de todos, e Cristóvão de Távora toma a iniciativa de tentar parlamentar. Atando um lenço branco na ponta espada como sinal de rendição, dirigiu-se para os mouros que pareciam chefiar o grupo. Gritou sultão, sultão, querendo com isso significar que mais atrás se encontrava o rei português363. Desconfiados, os mouros não estão com contemplações, e quando D. Cristóvão se aproximou, foi prontamente aprisionado. Dirigiram-se então para o pequeno grupo de cavaleiros. Já vários mouros seguravam Luís de Brito, que os viu avançar sobre o rei e tentarem agarrar-lhe o braço com que empunhava a espada, sem lha poderem tirar da mão364. D. Sebastião acutilou-os desesperadamente, desembaraçando-se deles para de novo conseguir fugir. Por seu lado, enquanto se debatia tentando libertar-se Luís «viu o rei libertar-se dos captores, para logo se afastar a galope para o rio, no cabo do campo de batalha»365. Já aprisionado, ainda lançou um último olhar na direcção do rei; «viu-o ir um pedaço desviado, sem que mouro algum o seguisse, nem aparecerem outros diante que o pudessem encontrar para lhe impedir de tomar o caminho que levava366. Aqui o relato torna-se algo confuso, não se sabendo quem terá testemunhado o que se passou a seguir. Em todo o caso, parece certo que vendo fugir um cativo valioso, alguns dos mouros certamente esporearam os cavalos para o perseguir. Rapidamente alcançaram o fugitivo e rodearam-no, de forma a poder cortar-lhe qualquer possibilidade de fuga. Completamente cercado, o rei encontra-se sozinho. Vários agarraram o rei, e segurando-lhe o braço conseguiram arrancar-lhe a espada. E enquanto lutavam pela posse da espada e do elmo, chegou entretanto um xeque367 chamado Laudi ou Lauby368. Surpreendidos, afastam-se precipitadamente, dando passagem ao velho, que os invectivava à medida que abria caminho por entre eles: «Cães, dando-lhes Deus tão grande vitória, querem agora lutar entre vós por um prisioneiro369». Furioso por ver a cobiça apoderar-se dos companheiros – ou por não poder tomar parte na captura de um refém que renderia elevada recompensa – dirigiu-se, de alfange na mão, em direcção de D. Sebastião que se debatia. Os seus algozes procuravam cortar a correia do elmo. Na confusão, ferem o rei com um golpe no queixo. Não ia sofrer esta última afronta sem responder. Lembrou-se de quando havia sonhado que havia de ser feito prisioneiro por curto espaço de tempo370. Estava então na altura… «que um belo morrer toda a vida honra»371. Reunindo as forças que lhe restavam puxou para si o mouro que já brandia o seu capacete na mão; levou a mão esquerda ao estoque372, desembainhou-o, e trespassou mortalmente o adversário373. Rodeado de mouros que o agarravam, estes já disputavam violentamente entre si o captivo. E terá sido nessa altura que o xeque, afastando violentamente os mouros,

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desferiu um violento golpe de espada sobre a cabeça descoberta do rei. D. Sebastião caiu desampardao no chão, provávelmente já moribundo; passada a surpresa inicial, os restantes alarves deram largas à sua frustração acabando de o matar, despojando depois o corpo de tudo quanto trazia. Mais atrás, D. Nuno de Mascarenhas presenciou o final do seu rei. De longe, conseguiu ainda descortinar um prisioneiro, que também testemunhara a morte, rasgar um pedaço da própria camisa e atá-lo ao pescoço do cadáver374. Mas teria sido mesmo assim, ou foi o próprio D. Nuno que assinalou o corpo de D. Sebastião? 375 Logo a seguir ao desfecho da batalha, o novo xarife lançou pregão para que lhe fossem levados todos os fidalgos capturados, sob pena de morte dos infractores. E assim, logo ao alvorecer do dia 5 de Agosto começaram a chegar os primeiros prisioneiros, que Mulei Amet al-Mançor mandou encerrar numa tenda bem guardada situada a cerca de 60 passos da sua376. Os portugueses captivos perguntavam-se qual teria sido a sorte do seu rei, esperançados de que havia escapado com vida. Chegavam mais prisioneiros. Um deles foi o duque de Barcelos, envergando ainda o seu traje de combate, uma coura de anta377 com mangas de malha, calças de camurça e botas. Tinha apenas onze anos de idade, e por essa razão D. Sebastião não havia consentido que participasse na batalha. Estava ferido numa sobrancelha, e o mestre de campo D. Duarte de Meneses logo se aproximou dele, confortando-o pela dura prova porque havia passado. O duque contou-lhe como tinha sido ferido durante ao ser capturado. E depois, já na presença do rei mouro, como ele o havia interpelado em tom irónico se tinha vindo para matar mouros, ao que havia respondido: - Eu vim acompanhar el-rei, meu senhor, a servi-lo e fazer o que ele me mandasse378. D. Duarte abraçou amigávelmente D. Teodósio, dizendo, respondestes bem, senhor duque. Foi talvez por esta altura – seriam quatro horas da tarde379 – que apareceu D. Nuno de Mascarenhas, foi prontamente interrogado pelos restantes fidalgos, que lhe perguntaram se havia visto El-Rei, ou sabia que era feito dele. Não quiseram acreditar ao ouvi-lo dizer que vira morrer o rei, já no fim da batalha; e como! Se Jorge de Albuquerque, que foi encontrado ferido depois de dar o cavalo a sua alteza, o viu ir desviado do campo para o lado do rio, sem mouros que o seguissem! 380 Desconcertado, afastou-se dos companheiros. Pouco depois chegou-se a ele o moço de câmara do rei, Sebastião Resende, que tinha ficado intrigado com as palavras de D. Nuno. Este, como que para se libertar do fardo, relatou-lhe as circunstâncias trágicas da morte do soberano português, e onde havia ficado o corpo assinalado. Sebastião Resende viu a oportunidade de obter a sua libertação do cativeiro. E dirigindo-se para a entrada, pediu a um dos turcos na frente da tenda para ser recebido por Almançor. Pouco depois, com uma escolta de cerca de dez cavaleiros turcos da guarda381, partiu numa azémola para o local indicado por D. Nuno de Mascarenhas. Miguel Leitão de Andrada abriu os olhos com o ruído de inúmeros disparos e grande gritaria. Apesar dos sobressaltos do dia anterior, uma enorme fadiga tinha-o feito adormecer profundamente. Mas agora que a algazarra tomava conta dos mouros julgou, num primeiro momento, estar de volta à batalha. Acordou repentinamente com a imagem do seu captor, que se havia aproximado com grande excitação. Dirigindo-se-lhe em árabe, puxou-o para o obrigar a levantar-se. Ainda estremunhado, sem compreender uma palavra, Andrada olhou em volta; e logo um árabe o elucidou: - Diz o teu amo que vás ver o teu rei, que vai por ali382. Rapidamente de pôs de pé e saiu para o exterior. Seria pelas oito ou nove horas da noite,

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e o sol já se começava a pôr. Seguiu na direcção da tenda do novo xarife, e só então compreendeu que o alvoroço dos mouros era de alegria. Surgia aos seus olhos um pequeno cortejo; vejo passar diante de mim, espaço de cinco ou seis varas, um pequeno cavalo castanho com o corpo de El-Rei atravessado de bruços na sela. Sebastião Resende, seu moço de câmara, montava nas ancas do cavalo, segurando-o383. Atrás seguiam muitos mouros alvoroçados, que disparavam para o ar, lançando ao mesmo tempo grandes gritos de júbilo. O seu captor empurrou-o para a frente. Certamente pretendia que Andrada identificasse o cadáver384. Tentou aproximar-se para levantar a cabeça do corpo, mas a comoção causada pelo triste espectáculo impediu-o. E o estranho cortejo continuou para a tenda de Almançor, para onde haviam sido chamados os fidalgos cativos mais importantes, entre os quais estavam D. Duarte de Meneses, D. Teodósio, D. Miguel de Noronha, o corregedor da corte Belchior Amaral e D. Duarte Castelo Branco. Numa esteira colocada à entrada da tenda já jazia o corpo de Mulei Mahamet, quando finalmente chegou Resende. O novo xarife saiu da tenda, ao mesmo tempo que os portugueses, estupefactos, viram o turco que trazia a azémola deixar cair D. Sebastião aos pés de Almançor. O corpo, coberto de sangue, suor e terra385, trazia uma profunda ferida na testa acima da sobrancelha386. O corpo do rei tinha sido encontrado nu, e o seu moço de câmara havia-o vestido com algumas peças de vestuário que trazia, uns calções de racha arenosa. Cobriu-lhe depois o tronco com um gibão de Holanda branco387. O xarife contemplou longamente o triste espectáculo, perdido nas suas próprias reflecções; pois também os poderosos príncipes se encontram sujeitos, como o pobre e humilde, aos transes da fortuna, passando pelas vaidades e conquistas tão ligeiramente, quanto fácil é de se consumir a sua carne e voltarem ao pó os seus ossos388. D. Duarte de Meneses não conseguiu conter as lágrimas, e enquanto chorava convulsivamente o Almançor ordenou que levassem o cadáver para junto dos restantes prisioneiros. Os turcos pegaram nos braços e arrastaram o corpo. D. Duarte, súbítamente arrancado à sua dor, logo protestou que assim se levam os facínoras de crimes atrozes, não como El-Rei que não se havia perdido cobardemente, mas pelejando com o valor que haviam visto! 389. Foi violentamente afastado por um renegado. Mas este, talvez algo perturbado pela manifestação de dôr, logo acrescentou, como que confortando o português: Recompõe-te, porque para o teu rei já não há remédio; deves saber que é a usança de guerra perderem uns para ganharem outros. E também nós perdemos o melhor rei que jamais haveremos de ter390. Anoitecia. Ordenou-se que se acendessem luzes para que os fidalgos portugueses pudessem identificar o cadáver de D. Sebastião, que entretanto havia sido lavado. Seria um quadro do maneirismo mais tétrico e sombrio. Entre estes fidalgos encontrava-se o capitão castelhano Luís de Oxeda, que saindo para a frente dos restantes observou longamente as feridas no corpo; «uma muito grande sobre a cabeça no lado direito, que parecia haver sido causa da sua morte»391 – seria o golpe vibrado pelo xeque Laudi? A face evidenciava outros ferimentos mais pequenos, talvez resultado da vingança dos alarves. O castelhano apercebeu-se ainda de um «arcabuzaço de soslaio, debaixo de um braço» – sem referir o lado – isto para além de outro ferimento num dos dedos da mão. Seria o tiro de arcabuz que havia lançado o rei por terra, deixando-o com «o braço esquerdo ensanguentado até à mão de rédea»392. Em todo o caso, nenhuma peça da armadura que D. Sebastião envergava foi recuperada. Como um cronista refere, «o certo é que acharam-se depois da batalha milhares de coisas que nela se perderam, resgatando-se tudo o que se quis comprar a dinheiro. E embora o estandarte real tenha sido recuperado em Fez por alguns portugueses, das armas reais não apareceu uma só peça, nem houve quem a visse ou desse fé dela»393.

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Reconhecimento do cadáver de D. Sebastião Quadro alusivo à morte do rei de Caetano Moreira da Costa Lima, de c. 1888. Museu Nacional Soares dos Reis, Porto.

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Ou o rei escapou com vida envergando a sua armadura ou, como Miguel Leitão de Andrada nos relata, as armas foram vendidas ao desbarato, ou mesmo escondidas, para evitar represálias do xarife pela morte de tão importante refém. Como nos relata com espanto Miguel Leitão de Andrada, «todas as nossas armas e espadas levaram esse caminho, sem em nada se aproveitarem delas»; como aliás ele próprio verificou, ao ver as suas arams serem vendidas a um ferreiro «por cinquenta e dois réis»394. Quanto ao número de mortos, o total difere consideravelmente nas estimativas dos diferentes cronistas. O cálculo que parece mais fidedigno será aquele apresentado pelo médico judeu de Abdelmeleque, que dá um número total de baixas para os dois exércitos de cerca de quinze mil homens. Destes, terão morrido entre oito a onze mil cristãos395, dos muçulmanos certamente para cima de três mil homens396, até um máximo que não é possível contabilizar, mas que eventualmente poderá chegar até aos sete mil mortos397. Apenas conseguiram escapar da batalha cerca de 50 cavaleiros portugueses398, a esmagadora maioria dos quais fronteiros de Tânger. O que não será de espantar dado estes homens serem profundamente conhecedores do território, por largos anos de experiência nas inumeráveis escaramuças que tinham lugar contra as guarnições das praças portuguesas.

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8. Conclusão

Martírio de São Sebastião. Quadro de Gregório Lopes, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

Raras vezes uma batalha teve um impacto tão determinante e fulgurante como o confronto entre marroquinos e portugueses no dia 4 de Agosto de 1578. A derrota dos portugueses trouxe a breve trecho a anexação por parte do poderoso vizinho castelhano, culminando um longo percurso preparatório durante o qual se cultivaram simpatias e compraram vontades. Desenvolveu-se em Portugal um sentimento de inevitabilidade quanto a uma união Ibérica. E deu os seus frutos quando a sociedade portuguesa, irremediavelmente fragilizada pelas perdas humanas de 4 de Agosto – e no seu amor-próprio – sucumbiu finalmente à invasão militar formal. Do lado islâmico, pelo contrário, a dinastia Sádida consolidou o seu domínio do norte de África muçulmano, iniciando pouco depois um curto mas notável período de afirmação, tanto no continente africano como em relação aos reinos europeus. Assim, parece evidente o papel de cada um dos soberanos na história dos dois países. Enquanto Almançor se eleva, D. Sebastião precipita-se nas profundezas. Uma educação defeituosa ter-lhe-à.exacerbado as facetas mais mórbidas do comportamento humano. A consanguinidade valeu-lhe uma tontice irrecuperável. Por fim, a sua coroação precoce tornou-o um déspota impermeável à opinião alheia, por mais acertada que fosse. Levado à caricatura, este é o D. Sebastião que grande parte da historiografia nos transmitiu. Contudo, e deixando de parte uma intenção política que deve ser contextualizada, não parece possível que um monarca que instituiu o sistema militar que será a base do exército português por mais de um século, apresente este rol de características negativas. Também sobre a batalha existem muitos aspectos a rever, e por essa razão procurei reformular algumas das ideias pré concebidas que é vulgar encontrar – ainda hoje – por toda a história sebástica. À luz das crónicas e relações publicadas desde a obra lapidar de Queirós Veloso, cotejando estas fontes com outras sobejamente conhecidas, é possível corrigir numerosas asserções e conclusões do historiador relativamente à condução da batalha. E ao contrário do que se supõe, a arte militar no Portugal de quinhentos não é aquele deserto estéril que é corrente afirmar-se, e o reinado de D. Sebastião é particularmente fértil no que respeita à introdução de formas de combater actualizadas. Se a campanha de 1578 encerra erros, não é contudo possível negar o imenso planeamento da intervenção. Por um lado a reforma das instituições militares foi gizada desde a sua vertente institucional até à aplicação no terreno. Temos um rei profundamente comprometido com o aparelho militar, que deveria sustentar uma política expansionista naquele que se julgava ser o teatro de operações mais favorável. De facto, parece evidente que as reformas militares de D. Sebatião se dirigiram para este objectivo nacional definido nas Cortes de 1562-63, e não apenas como uma obsessão pessoal do monarca. Nunca havia sido feito em Portugal um esforço legislativo desta dimensão, e se comparado com a conquista de Ceuta, o primeiro marco visível do edifício imperial português quinhentista, a vantagem de um planeamento atempado encontra-se do lado da campanha militar de D. Sebastião. Também a situação política em Marrocos era favorável à intervenção dos portugueses. Depois de dois anos de guerra civil, o poder estava longe de se encontrar consolidado, como prova uma importante revolta que estalou em Tarudante poucos meses antes do desembarque do corpo expedicionário português. As reformas militares sebásticas foram de tal ordem que, no rescaldo da invasão de 1580, Filipe II se apressou a suspendê-las pelo perigo que consitiam para o domínio do país; mas quando foi necessária gente para alimentar as frentes militares da Flandres o monarca ten-

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tou, embora debalde, reinstítuí-las. E, oitenta anos depois, foram as ordenanças sebásticas o alicerce do exército que levou a cabo a longa e duríssima campanha da Restauração. A instituição das novas ordenanças proporcionou, sem qualquer dúvida, grande parte do efectivo militar que esteve presente em Alcácer Quibir. Situação de facto inovadora na história militar portuguesa, como já se referiu, levar a cabo a preparação de uma campanha militar com tão grande antecedência. Mas argumenta-se que o pilar quantitativo do exército consistia em soldados de fraco valor militar, arrebanhados à força dos campos. Mas seria assim, de facto? É certo que metade dos terços tiveram uma prestação titubeante, mas que dizer dos soldados do sul do país, que combateram desde o primeiro assalto até ao final da batalha? Mas ainda assim é corrente afirmar-se que o total de tropas pretendendidas esteve longe da realidade do recrutamente. De facto, D. Sebastião planeou levar 12.000 homens da ordenança distribuídos por 4 terços, e apenas embarcaram 9.000. Contudo, não nos devemos esquecer que pouco antes de concluído o levantamento dos soldados, o rei foi aconselhado a prescindir do concurso dos chamados homiziados – insistindo na vertente moral da guerra que se pretendia mover. Estes homens fugidos à justiça, que se refugiavam no outro lado da fronteira, deviam formar um dos quatro terços portugueses, pelo que uma simples operação aritmética nos permitirá perceber onde ficaram os 3.000 homens que faltaram. D. Sebastião pretendeu levar a cabo uma moralização da sociedade através da sua militarização, cujo objectivo último parece ter sido, sempre, a intervenção no norte de África. Mas não foi decisão de uma só pessoa; largas franjas da sociedade expressaram este desejo de uma alteração no centro de gravidade da expansão durante as Cortes. O cerco de Mazagão havia tido lugar ainda há pouco, e os portugueses mobilizaram-se espontâneamente, enviando reforços à praça por conta própria, demonstrando que a defesa de África se mantinha bem viva no imaginário colectivo. Assim, parecia que o país estava pronto o passo decisivo que o rei pretendia levar a cabo: retomar as conquistas no norte de África. Afirmação pessoal do poder régio? Certamente, mas estamos a falar de um rei que foi, mesmo antes de nascer, desejado por todos. Afirmação pessoal de um rei que, por isso mesmo, se identifica com grande parte das forças do país. Afirmação em relação ao poderoso vizinho que não havia desistido da absorção, como se torna evidente durante as negociações para os casamentos do monarca português, nas quais a possibilidade da União Ibérica foi avançada sem quaisquer rodeios. Filipe II não conseguiu esconder o incómodo pela efectivação da expedição, que por várias vezes tentou fazer fracassar. Quando se esquivou a contribuir com os recursos militares; quando recusou a participação de generais de nomeada; quando impediu o recrutamento de voluntários em Espanha. Como é evidente, a solidariedade entre os dois estados irmãos esteve, sempre, dependente das vantagens que cada um poderia daí retirar … como, aliás, é perfeitamente compreensível, até porque não existem dádivas inocentes no contexto das relações internacionais. A ajuda a um qualquer estado está sujeita às contingências dos interessses particulares. E no caso castelhano, para além das tréguas que então se negociava com o turco, a eventualidade de uma nova expansão dos portugueses em Marrocos não seria simpática. Recentemente batido no norte de África, o prestígio de Filipe II – e a posição de chefe de família, que tentava transmitir – ficaria irremediávelmente abalada com o ascendente decorrente de uma vitória militar incontestável de D. Sebastião contra o infiel. Quem sabe se o sobrinho não iria procurar alargar-se, depois, sobre a zona de influência castelhana? Embora a batalha liderada por D. Sebastião tenha resultado numa pesada derrota para os portugueses, de consequências desproporcionadamente negativas, as decisões tomadas no

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decurso da campanha não estiveram desprovidas de razoabilidade, tendo em consideração os diversos obstáculos que foram surgindo. Situações como a demora em Cádis, ou a permanência em Arzila por mais de 2 semanas foram fruto da ausência de um trem adequado para o transporte da impedimenta do exército. Houve que esperar a chegada da carriagem, cuja recolha se tornou mais difícil e demorada do que o esperado. A decisão de fazer marchar o exército por terra parece também obedecer a uma apreciação pertinente das condições decorrentes da topografia do local do desembarque, e do efectivo da guarnição. E quanto ao desenrolar do combate propriamente dito, mais do que a tão celebrada falta de comando, parece antes haver uma sequência de circunstâncias desfavoráveis – algumas delas fortuitas – que determinaram a derrota do exército. Do ponto de vista táctico, a formação que primeiramente se planeou para o exército, reflecte uma observância da evolução da práctica militar ao longo do século XVI, durante o qual se começa a vulgarizar o uso de formações mais extensas e com menor profundidade. A adopção de uma solução de recurso, que aliás não é contrária aos princípios militares da época, não impede, todavia, o desenvolvimento de um movimento ofensivo por parte do exército. E foi um sucesso fortuito, o coronel dos aventureiros ser atingido, que acaba por impedir a continuação do movimento ofensivo dos terços da vanguarda, eventualmente impedindo a vitória do exército português. O fracasso parece situar-se mais ao nível das chefias, em particular dos veteranos de África. Parece, ao fim ao cabo, estarmos em presença de um conflito entre duas formas de combater, a tradicional com carácter irregular, e uma moderna, essencialmente regular. Por fim, não deve constituir surpresa ver D. Sebastião, pessoalmente, no comando do exército em campanha. Noutras ocasiões, outros soberanos procederam da mesma forma, dando largas às suas tendências bélicas. Henrique VIII passou a França em 1513 para comandar um exército de cerca de vinte mil homens; também Carlos V se encontrou na frente de perto de vinte e cinco mil homens quando do cerco de Tunes (1535); esteve também presente no malogrado cerco de Argel, em 1541; e já no século XVII, Gustavo Adolfo comandou pessoalmente a maioria das expedições militares desenvolvidas durante o seu reinado. Foi morto em Lützen (1632) quando liderava um ataque de cavalaria; tal como D. Sebastião morreu em combate. A presença do rei foi fundamental, impondo a disciplina entre os soldados, entre os próprios oficiais, ou ainda moralizando as tropas. Como escreverá mais tarde Luís Mendes de Vasconcelos, tratadista português de finais de quinhentos e início de seiscentos: «Convém que a milícia tenha uma só cabeça, que no tempo da paz e da guerra, tenha a seu cargo as coisas militares, porque assim como a resolução e presteza, que nas acções de guerra são mais necessárias que em outra alguma, pedem não ficar a execução em muitos pareceres».

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9. Apêndices: Os três funerais de D. Sebastião A noite de 4 de Agosto em Arzila, ou o nascer do Sebastianismo? Logo no próprio dia da batalha se levantaram as primeiras dúvidas sobre o destino do rei derrotado. Era já noite cerrada quando alguns cavaleiros chegaram frente às portas da fortaleza de Arzila. Estes três ou quatro homens tentaram, em vão, que a guarnição da praça lhes abrisse as portas. Terá sido então que, aterrorizados pela perspectiva de serem aprisionados tão perto do refúgio, declararam que vinha com eles D. Sebastião, fugido do campo de batalha. Julgando recolher o rei, os soldados põem de lado todos os receios de se tratar de um qualquer ardil dos mouros para se apoderarem da cidade, e os três homens entram para o interior do recinto. Embora com algumas contradições, os cronistas sugerem que os fugitivos mantiveram o embuste. Um dos recém-chegados trazia a cara escondida com uma capa, que parece era o principal399. Avisado o capitão da praça, Pêro de Mesquita, logo ordenou que se acendessem alguns archotes para receber o que julgava ser a pessoareal. O embuçado avançou assim por entre os soldados que erguiam archotes à sua passagem, enquanto os companheiros guardavam dele respeitável distância400. Embarcado num dos barcos que não haviam seguido para Larache encontrava-se o corregedor Diogo da Fonseca. Informado do que acontecia, dirigiu-se rapidamente para onde os fugitivos se haviam recolhido secretamente – nos aposentos do capitão da fortaleza segundo uns, ou uma casa da cidade. O engano teria sido desfeito nessa altura. O homem que se havia feito passar pelo rei seria um certo Diogo de Melo, e trazia um ferimento ligeiro na orelha direita, portanto nada que se assemelhasse aos ferimentos que D. Sebastião sofreu no decurso da batalha401. Desculpando-se, os quatro alegaram que não haviam dito que se encontrava ali o rei, mas sm que vinham de onde ele estava. Estes homens embarcaram num dos navios da armada – parece que envolta em secretismo – que se encontrava em Arzila, alguns dizem que na manhã do dia seguinte, outros que de noite402. O episódio deverá ter sucedido pouco mais ou menos da forma descrita, embora os relatos não coincidam em vários detalhes. Em todo o caso estava lançada a ideia de que D. Sebastião escapara com vida à chacina, até porque logo se espalhou entre a guarnição de Arzila que o embuçado da noite de 4 de Agosto era, de facto, o rei. Em Portugal, por volta do dia 19 de Setembro de 1578, um homem que se dizia ter estado presente na batalha de Alcácer – barbeiro de profissão – «trazia uma borracha na mão» afirmando que a cerca de uma légua de Arzila o rei bebera a água desse nesmo cantil. Sublinhava que quando se cruzara com D. Sebastião, o rei não podia correr qualquer perigo porque ele próprio seguia a pé em segurança, «quanto mais el-Rei que ia a cavalo»403 portanto não podia ter sido morto nem feito prisioneiro. Estava este homem certo daquilo que afirmava, ou tratar-se-ia do episódio sucedido na retaguarda do exército, já no final da batalha, junto do terço de D. Francisco de Távora?

Alcácer Quibir: O primeiro funeral Apenas no dia 7 o suposto corpo de D. Sebastião foi encerrado num caixão. A urna foi construída a partir da liteira onde o rei português havia viajado até ao local da batalha, fechando depois os lados com painéis de madeira. Belchior Amaral foi encarregado da tarefa de dar sepultura ao rei, e para tal ordenou

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a dois fidalgos, Fernão da Silva e Martim de Castro dos Rios que procedessem a nova identificação. Este último não compareceu devido à gravidade dos ferimentos que havia sofrido na batalha – um tiro havia-o atingido na face, e a bala saíra por detrás da orelha – enquanto o outro, ao observar o cadáver já em adiantado estado de decomposição com o rosto muito inchado, afirmou não o reconhecer. Um cortejo no qual se incorporaram Fernão da Silva e Martim de Castro, acompanhou a urna improvisada até Alcácer Qubir. Chegados à casa do alcaide Abrahem Sufiane, outra identificação foi solicitada, a qual se revelou impossível de realizar pelo inchaço que desfigurava as feições do cadáver. Depositado então a urna, e ajudados por um dos mercenários alemães que havia servido no exército, foi espalhada por cima do corpo areia e cal que se acreditava poder acelerar a eliminação dos tecidos moles. Fechado o caixão, algumas palavras foram proferidas, e D. Sebastião foi entregue à terra. No fim deste singelo funeral, Belchior do Amaral foi libertado para que pudesse levar as notícias do desfecho da batalha. Na segunda-feira seguinte, dia 12 de Agosto, partiu para Arzila. Conhecedor das intenções do novo xarife no sentido de deixar as praças portuguesas em paz, sossegou o capitão Pêro de Mesquita. Depois de acalmados os ânimos em Arzila, partiu no dia seguinte para Tânger, onde de novo transmitiu as novas da derrota do exército e morte de D. Sebastião. Cerca de 5 anos mais tarde, acompanhará todo o trajecto do corpo do rei através de Portugal, então já sob a dominação castelhana.

Ceuta: O segundo funeral A presença de Filipe II parece logo surgir na pessoa de André Gaspar Corso, um mercador genovês residente no norte de África. É um nome que vai acompanhar todo o processo de resgate do corpo de D. Sebastião, aliás em concorrência com o representante do então sucessor de D. Sebastião o cardeal D. Henrique. Frei Roque, um religioso da Ordem da Santíssima Trindade que residia em Ceuta, foi completamente ultrapassado pelo genovês. De facto, este último efectuou uma viagem a Espanha para negociar directamente com Filipe II o resgate do cadáver do rei, ainda antes do início das diligências do enviado do novo rei de Portugal. André Gaspar Corso também tratou pessoalmente da libertação do embaixador castelhano, que se encontrava captivo, e foi ainda o genovês que trouxe o corpo do monarca português para Ceuta. O próprio Almansor pretendia entregar o corpo em Castela, o que ilustra bem qual o seu interluctor preferencial. Certamente que a iniciativa do novo xarife não se devia apenas às suas próprias diligências, antes davam resposta às solicitações do soberano castelhano que lhe seriam transmitidas pelo genovês – este consituindo-se, assim, num autêntico procurador de Filipe II. Autorizada a tranferência do cadáver para Ceuta, a cerimónia de exumação contou com a presença de D. Duarte Castelo Branco, meirinho mor, D. Jorge de Meneses, Luís César e o coronel D. Miguel de Noronha404. O pequeno cortejo contou ainda com a presença do antigo embaixador castelhano em Lisboa, D. Juan da Silva, que vindo de Larache viajou aos ombros dos mouros405 devido aos ferimentos sofridos na batalha que ainda o incomodavam – dos quais, aliás, o embaixador nunca recuperou completamente. Ainda assim, é curioso o tratamento que foi dado a um captivo… ou não houvesse um estreito concerto de interesses entre os soberanos marroquino e castelhano. Naturalmente que existe uma intromissão de Filipe II no sentido de impedir que o corpo voltasse a Portugal. O xarife negociou a entrega do corpo ao genovês, apesar da oferta

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feita pelo cardeal-rei de uma substancial soma de 60.000 cruzados. O auto de entrega do corpo em Ceuta, que ocorreu ea 4 de Dezembro de 1578, não deixa margem para dúvidas. A pedido «da Magestade El Rey Catholico» Almansor só autorizava a entrega do corpo na fortaleza de Ceuta, e isto apesar de outra carta que havia recebido «de El Rey de Portugal» que solicitava também a entrega do cadáver aos seus representantes. E, da leitura da carta onde se lavrou o auto de entrega do corpo, terá sido a solicitação de D. Henrique que impediu a transferência do corpo do rei portugês para Castela: E chegada uma carta da Católica Majestade e outra da Majestade del Rei de Portugal, em que lhe pediam o quisesse resgatar para o levar para Portugal, me mandou o não levasse para Castela (como primeiro me havia mandado) 406. Em Ceuta, o corpo ficou sepultado na capela de S. Tiago da igreja da Trindade, sendo depois transladado para a capela-mor da Sé da cidade.

A Sé de Ceuta

A velha torre de menagem de Arzila Terá sido este o local onde pernoitou o suposto impostor que se fez passar por D. Sebastião. Alguns dias antes, o malogrado monarca havia ocupado estes mesmos aposentos pertencentes ao capitão da praça. Aguarela de Alberto de Sousa, Museu Militar, Lisboa.

Ceuta desempenha um papel equívoco em todo o processo. O capitão desta fortaleza portuguesa já se havia recusado a fornecer soldados para o exército de D. Sebastião, situação que apenas se explica por uma estranha inclinação em seguir directivas emanadas por Filipe II. É conhecida a influência castelhana nesta fortaleza, talvez por esta cidade ser, em grande medida, abastecida a partir da Andaluzia. Aliás, o capitão da cidade irá reconhecer em 1580 o monarca castelhano como soberano legítimo de Portugal, porventura com receio de um corte abrupto na imprescindível ajuda que vinha do exterior. A família Vila Real, que detinha o senhorio de Ceuta, encontrava-se entre aqueles que reconhecerão Filipe II como sucessor do cardeal rei D. Henrique407. Assim, com a cidade de Ceuta presa nas suas redes de influência, o soberano castelhano sabia que o corpo não sairia dali sem a sua ordem expressa. E é em vão que o cardeal-rei D. Henrique escreverá a 8 de Janeiro de 1579 ao capitão D. Rodrigo de Meneses, no sentido de proceder ao repatriamento das ossadas de D. Sebastião. Em suma, enquanto reinou o Cardeal D. Henrique, o monarca castelhano impediu, de facto, a passagem a Portugal do corpo de D. Sebastião. Só como Filipe I de Portugal, depois de se apoderar do trono português, é que Filipe II de Castela promove o regresso do corpo do rei.

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A procissão e o terceiro funeral em Belém O processo de trasladação do corpo de D. Sebastião foi organizado como uma verdadeira operação de relações públicas. Sem qualquer dúvida que o agora monarca ibérico pretendia demonstrar que se tratava dos ossos do seu malogrado sobrinho, o que servia como plena justificação da união entre as duas coroas. Nos Açores, último pedaço de território leal ao seu rival D. António, prior do Crato, tinha ganho uma importante e crucial vitória militar. De facto, há poucos meses ferira-se a batalha naval de Vila Franca do Campo – em finais de Julho – na qual uma frota francesa sob o comando de Filipe Strozzi havia sido decisivamente batida frente aos Açores. Agora, pretendia encenar o espectáculo que lhe confirmaria a legitimidade aos olhos de todos os portugueses. Efectivamente, a tarefa de subjugar o último foco de resistência do pretendente português ao trono não se concretizara. Assim, urgia encetar uma manobra que permitisse vincular os portugueses ao novo soberano, e a transladação do corpo de D. Sebastião para Portugal poderia servir precisamente este fim. Filipe II encontrava-se em território portugês havia quase um ano. Acompanhado por um substancial séquito, chegara a Portugal no dia 5 de Dezembro de 1580. Seguiu para Tomar a 16 de Março onde um mês depois foi aclamado rei. A 27 de Maio deixou a cidade e dirigiu-se para a capital. Daqui deu ordem ao duque Medina Sidónia para se dirigir a Ceuta com uma pequena frota de quatro galés, a fim de trazer as ossadas aí sepultadas há quase 5 anos. Desembarcados em Faro a 7 de Novembro de 1582, foram feitas cerimónias fúnebres após as quais se organizou um enorme cortejo que iria calcorrear metade do reino até Lisboa. Neste cortejo integraram-se nove dignitários, trinta e três capelães, doze moços de câmara, e muitos outros criados. Juntaram-se ainda os bispos de Ceuta e do Algarve, para além de Belchior Amaral, que já havia tratado das inumações e exumações do corpo de D. Sebastião no norte de África. Nem a noite trazia descanso a esta enorme exibição fúnebre, destinada com toda a certeza a deixar evidente a morte do desejado perante os povos de Portugal. O cortejo prosseguia o seu caminho à luz das tochas acesas que transportadas por criados, tornando a coluna visível para os habitantes dos lugares circundantes. Com a urna em evidência no dorso de dois animais de carga, continuaram por Tavira, depois para Beja, chegando a Évora a 9 de Dezembro. Na sé desta cidade, o arcebispo D. Teotónio de Bragança preparava uma nova cerimónia. Na capela maior encontrava-se uma urna «pequena forrada toda de veludo roxo com cravação dourada»408, onde repousavam outras ossadas da realeza. Tratava-se de uma filha de D. Manuel, a infanta D. Maria nascida em 1511 fruto do seu segundo casamento, e do príncipe D. Manuel, filho do rei D. João III. Outros corpos também se encontravam aqui, que poderiam ser outros filhos deste último rei, a infanta D. Brites409 e os infantes D. Filipe e D. Dinis410. Existe alguma discrepância sobre o que se passou de seguida. Na assistência, o cónego da sé Jerónimo de Almeida assistiu, com alguma surpresa, a depositarem-se os restos mortais destes quatro infantes – que se encontravam sepultados no convento de N.ª Sr.ª do Espinheiro – dentro da urna onde vinha o rei D. Sebastião. Contudo, os representantes da nunciatura apostólica de Lisboa relatavam por escrito ao Vaticano a mesma cena, mas omitindo a mistura das ossadas. E nos Jerónimos, onde teve lugar a cerimónia final, descreveram-se nove corpos em caixões brancos, em vez dos quatro referidos pelo cónego da sé de Évora411. Em todo o caso, as urnas deixaram a Évora no dia 11 desse mês, e o cortejo dirigiu-se a Almeirim onde se lhe juntou nova urna com o corpo do cardeal rei D. Henrique.

A Sé de Évora

O resto da viagem parece ter sido efectuada de barco pelo Tejo, e o cortejo chegou finalmente a Belém no dia 20 de Dezembro de 1582. Filipe II, que adiava consecutivamente o seu regresso a Castela, saiu do paço pela manhã desse mesmo dia ao encontro do cortejo. Na terça-feira dia 21, realizaran-se as exéquias solenes por três dias412. O corpo terá sido sepultado no transepto da igreja dos Jerónimos, embora exista controvérsia quanto a este local inicial de inumação413. O caixão com o corpo do pai de D. Sebastião foi também sepultado em Belém e Filipe II assistiu pessoalmente à cerimónia, acompanhado pela corte portuguesa e pelo cardeal-arquiduque Alberto de Áustria, vice-rei de Portugal. A 27 o monarca castelhano ordenou às Cortes um juramento de fidelidade, que teve lugar a 13 de Janeiro no paço de Ribeira414. Era o fim de enorme movimentação que, como atrás se referiu, se destinava a apresentar aos portugueses a morte de D. Sebastião como um facto consumado. Esse era, sem dúvida, um objectivo primordial para Filipe, ainda com o foco de resistência nos Açores, por subjugar, e com a perspectiva de a França e Inglaterra se manterem activas no assunto da sucessão ao trono português. Aparentemente, o prudente monarca castelhano parecia não confiar inteiramente que as ossadas sepultadas em Ceuta pertencessem, de facto, a D. Sebastião… por isso, nada como jogar pelo seguro. A dificuldade na identificação do corpo, a ausência de alguém que afirmasse, sem qualquer dúvida, ter visto o rei morrer,

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O túmulo de D. Sebastião na Igreja dos Jerónimos, em Lisboa

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Glossário Acobertado Designação da cavalaria pesada, também se usava o termo couraça. O cavaleiro envergando armadura completa, montando um cavalo com protecção em ferro ou tecido. Aduar Plural do árabe dar (no singular, dur) cujo significado lato é «casa». Designa um aglomerado de tendas417. Alardo Do árabe ard (al-ard). O alardo era uma parada ou revista militar. Alarve Do árabe al-arab. Designação das populações de língua árabe418. Alcaide Ver Cadi Al-Mahala Do árabe al-Mahalla, que em Marrocos significa exército. Pode ser também associado ao local onde se encontra o sultão e a sua guarda419. Andaluzes Os habitantes do Andalus, o território da península Ibérica ocupado pelos muçulmanos. A designação estendeu-se aos seus descendentes, os últimos dos quais expulsos depois da última revolta durante os anos 70 de quinhentos420. Arraial Alojamento de um exército Arcabuz Arma de fogo portátil Arcabuzeiro Atirador.

tudo isto terá contribuído para a construção do espectáculo que teve lugar em Portugal nesse final do ano de 1582. E, aparentemente, a manobra do soberano castelhano surtiu efeito. De facto, no ano seguinte, a campanha que levou finalmente à submissão definitiva dos Açores contou não só com os soldados portugueses incorporados no terço de Portugal, mas ainda com voluntários agregados numa companhia aventureiros415; ostentavam a mesma designação do corpo de elite que D. Sebastião havia levado a Marrocos… cinco anos antes. Finalmente, em 1682 teve lugar a trasladação dos restos mortais de D. Sebastião para o actual jazigo na igreja dos Jerónimos, situado na capela direita do transepto. Dentro do antigo caixão de madeira, encontravam-se as ossadas encerradas num saco de linho atado com um pano preto; foram recolhidas noutro saco e depositadas dentro do novo mausoléu, onde foi gravado o conhecido epitáfio: «Este túmulo encerra – se é verdadeira a fama – Sebastião, ceifado pela morte nos areais de África. Não se diga que se engana quem acredita que o rei está vivo: Se morreu pelo Divino, foi-lhe a morte segunda vida»416.

Azuago Mercenários oriundos de Argel e Tlemcen, regiões a leste de Fez. Bey (palavra turca actual, cuja forma antiga era beg). Administrador de um distrito, sendo no fim do império otomano um título honorífico. No Egipto o título era dado pelo khedive em nome do sultão. Na Tunísia tornou-se o título do soberano. Cabilda Do árabe qabila. Tribo421. Cadena Termo castelhano, que significa cadeia. Eram filas com 15 a 20 cavaleiros em cada uma, que evoluiriam de forma idêntica ao caracol dos europeus. Cadi Do árabe qadi, deu origem à palavra portuguesa alcalde (alcaide). Juiz islâmico. Também se associa a um cargo honorífico422, comandante de tropas. Carriagem Carros de tracção animal onde se transportava a bagagem dos exércitos. Coura Também designada por coura de anta. Era uma forma de protecção aligeirada que substituía frequentemente a armadura de ferro e a cota de malha. Reporta-se aos escudos árabes de lamth ou dant característico da região do Sudão, feitos com a pele de um animal, uma espécie de antílope. O geógrafo Edrisi já referia estes escudos extremamente leves, muito comuns entre os cavaleiros do Magrebe.

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Elche Do árabe ’ilj. Alguém que abandonou a sua religião original423.

Oued Curso de àgua (do árabe).

Esmerilhão Peça de artilharia ligeira

Pelouro Projéctil das armas de fogo, designando tanto as balas dos arcabuzes e mosquetes, como as balas das peças de artilharia.

Espaqui Do turco sipahi. Atirador montado dos exércitos muçulmanos do norte de África. Esquadrão Conjunto de soldados que funcionava como entidade autónoma, que era construído no campo de batalha segundo formas regulares, as mais vulgares o quadrado e o rectângulo. Deriva talvez da esquadra a unidade orgânica de mais baixo escalão das ordenanças (legislações militares quinhentistas), ou das semelhanças entre a construção geométrica da formatura, com o desenho geométrico de edfícios feito com o auxílio do esquadro. Fezi Oriundo da cidade de Fez. Fronteiro Homem que residia e prestava serviço nas praças do norte de África424. Gabião Cesto que se atulhava com terra, destinado às defesas estáticas. Gastadores Trabalhadores braçais que deviam erguer trincheiras ou outros trabalhos necessários tanto à defesa dos acamapamentos como aos sistemas de assédio às praças inimigas Gazula Confederação de várias tribos da zona do Anti-Atlas. Marlota Peça de vestuário árabe, comprida com as mangas ligeiramente curtas e largas. Mazagania Do árabe makhzaniyya. Tropas regulares que recebiam soldo425. Mestre de campo Oficial encarregue da organização do exército. Devia supervisionar a construção dos acampamentos, e a disposição das tropas no terreno para dar batalha. Contudo, estas tarefas recaíam a maior parte das vezes, sobre o sargento-mor, que de um modo geral não tinha ascendente nobre, mas era, frequentemente, um veterano experimentado. Morábito/Marabuto Os morábitos eram homens santos, que no norte de África deram origem a muitas confrarias como a yazullyya, a irmandade que havia apoiado os sádidas desde o início da ascenção desta dinastía durante a primeira metade do século XVI426. Mosquete Arma portátil com maior calibre que o arcabuz, com alcance superior. A sua principal desvantagem era o seu peso excessivo, que implicava o uso de um apoio – a forquilha – para efectuar o tiro. Mulei Do árabe Mawlây, que significa «meu Senhor». Título atribuído aos xarifes427. Ordenança (s) A designação tanto se refere à legislação militar – as ordenanças de 1571, por exemplo – como à organização dos soldados no terreno. Por exemplo, uma coluna com 5 soldados na testa repartidos por 5 fileiras designava-se por ordenança de 5 em 5.

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Pique/pica Lança comprida de origem grega – a pica macedónica – que podia atingir um comprimento de 5 metros. As ordenanças sebásticas de 1574 estabeleciam que os piques deviam ter «24 palmos ao menos», ou seja, cerca de 5,4 m. Porta Ver Sublime Porta. Razia Termo derivado do árabe. Designa uma incursão irregular através de território inimigo, cujo principal objectivo seria a pilhagem ou destruição de recursos. Os cronistas portugueses mencionam frequentemente a gazua, referindo acções individuais de roubo ou pilhagem a uma coluna. Os testemunhos oculares de Alcácer Quibir usam o termo gazua quando, no rescaldo da batalha, os mouros se espalharam pelo campo matando muitos dos feridos que jaziam. Renegado Ver elche. Saraqa Ver xarraca. Sublime Porta A desinação Porta ou Sublime Porta referia-se ao palácio Topkapi em Istanbul – a magnífica porta de entrada do palácio, onde apenas entravam os mais próximos do sultão – centro de decisão do estado otomano onde residia o sultão. Suíça/soisse Designava tanto uma formatura regular como a manobra ordenada dos soldados. O termo surgiu, certamente, por analogia às primeiras formaturas regulares que foram introduzidas pelos suíços, durante as guerras que os opuseram às aspirações territoriais de Carlos «o temerário», durante a segunda metade do século XV. Terço/tercio Unidade militar regular do século XVI. Os regulamentos castelhano e português determinavam que um terço deveria ter 12 companhias. Valido Favorito de um personagem importante. De uma forma geral, o termo designa os companheiros mais chegados do rei. Xarife Descendente de Maomé428. Xarraca Do árabe sharq, que significa oriente. Mercenários oriundos das regiões a leste da cidade de Tunes. Eram frequentemente contratados pelos sultões de Argel, e serviram também os sultões marroquinos, em particular os xarifes sádidas. Os cronistas cristãos designam-os por xarracas ou xartaquins. Xeque Do árabe shayqh. Chefe, ancião respeitável429. Zouaua Ver azuago.

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Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes 57 58 Frei Bernardo da Cruz, Chronica D’El-Rei D. Sebastião, v.2, Lisboa, 1903. 59 60 61 Miguel Leitão de Andrada, Miscelânea, Introdução de Miguel Marques Duarte, edição fac-similada da 2ª edição 1867, Lisboa, INCM, 1993. 62 Ver glossário. 63 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 64 Jerónimo de Mendonça, Jornada a África, v.1, Lisboa, 1904, e seguinte. 65 66 Luís de Oxeda, op. cit. 67 Franchi Conestaggio, «Relation de Franchi Conestaggio», in Henry de Castries, Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, 1ª série, França, v. 1, Paris, Ernest Ledoux, 1904. 68 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 69 70 71 Francisco de Valdés, Espejo y disciplina militar, Madrid, Ministério de Defensa, 1989 [1.ª ed.1578]. 72 Marcos de Isaba, Cuerpo Enfermo de la Milícia Española, 1594, ed. do Ministério da Defesa de Espanha, Madrid, 1991 [1.ª ed. 1594]. 73 Jerónimo de Mendonça, op. cit., e seguinte. 74 75 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’EL-Rei D. Sebastião, introdução e notas de Sales Loureiro, Europress, 1987. 76 Juan da Silva, op. cit. 77 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 78 Bernardino de Escalante, Diálogos del arte militar, Sevilha, 1583. 79 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit., e seguintes 80 81 82 Anónimo, Relação da batalha de Alcacer, que mandou um captivo ao Dr. Paulo Aº, in Henry de Castries, in «Les sources inédites pour l’histoire du Maroc», 1ª série, t. 1, dynastie saadienne, Paris, Ernest Ledoux, 1904. 83 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit., e seguinte 84 85 No árabe «al-Ksar al-kebir», ou seja, o «castelo grande». 86 Ver glossário. 87 Pierre Berthier, La bataille de l’oued El-Makkazem, ditte battaile dês trois Róis (4 Aout 1578), Paris, CNRS, 1985. 88 Ver glossário. 89 S. J. Francisco Rodrigues, História da Companhia de Jesus na assistência a Portugal, t. 2, v. 2, 1931. 90 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 91 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 92 Diego Salazar (1536), Girolamo Cataneo (1563), Francisco de Valdês (1571) ou Luís Mendes de Vasconcelos (1611), para mencionar apenas alguns autores. 93 Luís Mendes de Vasconcelos, op. cit. 94 Juan da Silva, op. cit. 95 Era uma das palavras que os portugueses utilizavam para designavam Abdelmeleque 96 Os portugueses designavam por xarife o pretendente que apoiavam, al Mutawakkil 97 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit., e seguinte. 98 99 As borrachas eram o equivelente aos cantis contemporâneos, onde os soldados transportam a àgua ou o vinho. 100 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 101 Queirós Veloso, op. cit,.e seguinte. 102 103 Juan da Silva, op. cit. 104 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 105 Luís Mendes de Vasconcelos, Arte Militar, Alenquer, 1611. 106 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 107 Luís de Oxeda, op. cit. 108 Luís Álvaro Seco, Anotações ao 4º Livros das Instruções militares, in A Faria de Morais, «Arte Militar quinhentista», Sep. do Boletim do arquivo Histórico Militar, 23º volume, Lisboa, 1953. 109 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguinte. 110 111 Luís de Oxeda, op. cit. 112 Luís de Oxeda e o autor da relação de rota de El Rei D. Sebastião feita por um captivo mencionam duas «mangas»; na relação Jornada de El Rei D. Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, introdução e notas de Francisco Salles de Loureiro, Lisboa, INCM, 1978, são mencionadas 4 «mangas». 113 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguinte. 114 115 116 Isidoro de Almeida, Os 4º Livro das Instruções Militares, in A Faria de Morais, Arte Militar quinhentista, sep. do Boletim do arquivo Histórico Militar, 23º volume, Lisboa, 1953. 117 Frei Bernardo da Cruz, Chronica D’El-Rei D. Sebastião, v.2, Lisboa, 1903. 55

Notas Ver José Loureiro dos Santos, Ceuta 1415, A Conquista, Prefácio, Lisboa, 2002. Ver mapa 1 3 João Paulo Oliveira Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues, A Batalha dos Alcaides, Lisboa, Tribuna da História, 2008. 4 João Mascarenhas, Esclave à Alger, Paris, ed. Chandeigne, 1993. 5 Ver glossário. 6 António Dias Farinha, Os Portugueses em Marrocos, Lisboa, 1999. 7 Maria Augusta Lima Cruz, D. Sebastião, Círculo de Leitores, Rio de Mouro, 2006. 8 Maria do Rosário Sampaio Themudo Barata de Azevedo Cruz, As regências na menoridade de D. Sebastião, v.1, I.N.C.M, Lisboa, 1992. 9 Maria Leonor Garcia da Cruz, As controvérsias ao tempo de D. João III sobre a política portuguesa no Norte de África, in Separata especial de Mare Liberum nº 13, 1997. 10 Ver glossário. 11 Juan da Silva, Correspondencia de D. Juan da Silva con Felipe II, relativa, en su mayor parte, á la de D. Sebastián al Africa, in Codoin, t.39, Madrid, 1861. 12 Esta cimeira teve lugar no mosteiro de Guadalupe, em 1576. Neste encontro, D. Sebastião pretendia comprometer Filipe II a prestar um apoio substancial à expedição a Marrocos. 13 José Pereira Baião, Portugal cuidadoso e lastimado com a vida e perda do senhor Rey D. Sebastião o desejado de saudosa memória, Lisboa, 1737. 14 Isabel M.R. Mendes Drumomd Braga, Do primeiro almoço à ceia, estudos de história da alimentação, Colares Editora, Sintra, s/d., e seguintes 15 16 17 Joaquim Veríssimo Serrão, Itinerários de El-Rei D. Sebastião (1568-1578), Lisboa, 2.ª ed. corrigida e aumentada, 1987 [1.ª ed. 1962]. 18 Mawlay Abd al-Malik al-Mutasim. 19 Norman Housley, The later Crusades, From Lyons to Alcazar 1274-1580, Nova Iorque, Oxford, 1992. 20 Ver Glossário 21 António de Saldanha, Crónica de Almançor, Sultão de Marrocos 1578-1603, Estudo crítico, introdução e notas por António Dias Farinha, Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1997. 22 Jornada de África del Rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, Livro Aberto, Lisboa, 2004. 23 Mercedes Garcia-Arenal, «Vidas Ejemplares: Sa’id Ibn Faray al-Dugali», in Relaciones de la Península Ibérica con el Magreb siglos XIII-XVI, actas do colóquio, Madrid, 1988. 24 Ver glossário. 25 Muhammad al-Saidj 26 Mawlay Muhammad al-Mutawakkil al-Maslükh. 27 David Nicolle, Armies of the Ottoman Turks 1300-1774, Londres, Osprey, 1988 [1ª ed. 1983]. 28 João Paulo Oliveira e Costa e Vítor Luís Gaspar Rodrigues, Conquista de Goa, 1510. Campanhas de Afonso de Albuquerque, V.1, Lisboa, Tribuna da História, 2008. 29 Luís Costa e Sousa, A Campanha da Etiópia 1341-43, 400 portugueses em socorro do Preste João, Lisboa, Tribuna da História, 2008. 30 Ver nota 12. 31 Regimento dos Capitães Mores… , in . 32 Id., ibid. 33 Ver nota 9. 34 Ver glossário. 35 Joaquim Veríssimo Serrão, op. cit. 36 Ver glossário. 37 Por relação com o timar. 38 Agrupamentos com uma orgânica regular, idênticos aos regimentos que se vulgarizam na Europa seiscentista. 39 Weston F. Coock, The hundred year war for Morocco: gunpowder and the military revolution in the early modern muslim world, Westview, 1994. 40 Mercedes Garcia-Arenal, op. cit. Ver glosario. 41 Luís de Oxeda, Relacion de la batalia de el-Ksar el Kebir, in Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, in Henry de Castries, Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, 1ª série, t. 1, dynastie saadienne, Paris, Ernest Ledoux, 1904. 42 David Nicolle, Armies of the Caliphates 862-1098, op. cit. 43 Ver glossário. 44 David Nicolle, The Janissaries, Osprey, London, 2000 (1ª ed. 1995). 45 Muhammad al-Mutawakkil 46 Ver glossário. 47 David Nicolle, The Janissaries, Osprey, op. cit. 48 Mercedes García-Arenal, Vidas ejemplares: Sa’id Ibn Faray al-Dugali, (m. 987/1579), un granadino en Marruecos, op. cit. 49 Ver caixa «Os arquitectos militares e o cerco de 1562 a Mazagão». 50 Mawlây Muhammad al-Shaykh. 51 Mawlay Abd Allah al-Ghalib. 52 Mawlay Abd al-Mum’min. 53 Maria Augusta Lima Cruz, D. Sebastião, Círculo de Leitores, Rio de Mouro, 2006. 54 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 1 2

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Relação de rota de El Rei D. Sebastião feita por um captivo, op. cit. Luís de Oxeda, op. cit. 120 Battiste della Valle, Vallo: Libro contenete apperteniente a capitanii, retenere et fortificare una cita com bastioni, Veneza 1539 [1.ª ed. 1524]. 121 Girlolamo Cataneo, Modo di formare com prestezza la moderna battaglie di piche, archibugieri et cavalleria, Brescia, 1571. 122 Luís de Oxeda, op. cit. 123 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 124 Relação de rota de El Rei D. Sebastião feita por um captivo, op. cit. 125 Luís de Oxeda, op. cit. 126 Jornada de África del Rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 127 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e Del Rei D. Sebastião, op. cit. 128 Um dos cronistas da batalha, testemunha presencial dos combates descreveu esta vegetação com detalhe, «montinhos de um mato baixo de tamargueiras, que há por aquele campo de longo do rio, de uma rama espinhosa, de modo de carrapetos» 129 Ver glossário. 130 Jornada de África del Rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 131 Ou aragonês. 132 Jornada del-rei D. Sebastião a África/Crónica de D. Henrique, op. cit. 133 Sebastián de Mesa, Jornada de África por El Rey Don Sebastián y Union del Reyno de Portugal ala Corona de Castilla, Barcelona, 1630. 134 «Solak», esquerdinos e «Peyk», “mensageiros”. Ian Heath, Armies of the middle ages, v.2, Sussex, WRG, 1984. 135 Jornada del-rei D. Sebastião a África/Crónica de D. Henrique, op. cit. 136 Sebastián de Mesa, op. cit. 137 Luís de Oxeda, op. cit., p.19 138 David Nicolle, Armies of the Ottoman Turks 1300-1774, op. cit. 139 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e Del Rei D. Sebastião, op. cit. 140 Muhammad Zarqun. (Mercedes Garcia-Arenal, op. cit.). 141 Anónimo, Lettre d’un Medecin Juif a son Frére, in Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, 1ª série, t. 1, dynastie saadienne, Paris, Ernest Ledoux, 1904. 142 David Nicolle, Armies of the Caliphates 862-1098, op. cit. 143 Mawlây Ahmad al-Mansûr al-Dhahabî. 144 Lettre d’un Medecin Juif a son Frére, op. cit. 145 A. Dzubinsky, “L’Armee et la flotte de guerre marocaines á l’époque de lees sultans de la dynastie saadienne”, in Hesperis-Tamuda, vol. XIII, 1972, fasc. unique. 146 Luís de Mármol Carvajal, Primera parte de la Descripcion general de Affrica, con todos los successos de guerras que a auido entre los infieles, y el pueblo Christiano, y entre ellos mesmos desde que Mahoma inue[n]to su secta, hasta el año del señor mil y quinientos y setenta y uno / por el veedor Luys del Marmol Caravaial, 1573, e seguinte. 147 148 A. Dzubinsky, op. cit. 149 Sebastián de Mesa, op. cit., e seguinte 150 151 Ver glossário. 152 Luís de Oxeda, op. cit. 153 Jornada de África del Rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 154 Al-Mutawakkil era, muitas vezes, designado como «o negro». 155 Anónimo, Relação de rota de El Rei D. Sebastião feita por um captivo. 156 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 157 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 158 Juan de Carrión Pardo, Tratado de como se devem formar los quatro esquadrones em que milita nuestra nación Espanola, Lisboa, 1595. 159 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguinte. 160 161 162 163 Luís Álvaro Seco, op. cit., e seguinte. 164 165 Miguel Leitão de Andrada, op. cit., e seguinte. 166 167 Este local foi o alojamento do exército nos dias 30 e 31 de Julho. A coluna abandonou o local no 1º dia de Agosto. 168 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit, e seguinte. 169 170 Luís Mendes de Vasconcelos, op. cit 171 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 172 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 173 José de Esaguy, O minuto vitorioso de Alcácer Quibir, Lisboa, Agência Geral das Colónias, 1944. 174 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 175 Pierre Berthier, op. cit. 176 Jerónimo de Mendonça, op. cit., e seguinte. 177 178 Lettre d’un Medecin Juif a son Frére, in Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, 1ª série, t. 1, dynastie saadienne, Paris, Ernest Ledoux, 1904. 118 119

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179 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 180 Luís de Oxeda, op. cit. 181 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 182 Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano, op. cit. 183 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e d’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 184 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 185 Miguel Leitão de Andrada, op. cit., , e seguinte. 186 187 188 Juán de Carrion Pardo, op. cit. 189 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 190 Luís de Oxeda, op. cit., e seguinte. 191 192 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 193 Jerónimo de Mendonça, op. cit., e seguinte. 194 195 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e d’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguinte. 196 197 Luís de Oxeda, op. cit. 198 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 199 Luís de Oxeda, op. cit., e seguinte. 200 201 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 202 Esteban Rodríguez Amaya, Una Relación Desconocida de la Expedición á Africa Del Rey Don Sebastián, V. N. de Famalicão 203 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e d’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 204 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 205 Esteban Rodríguez Amaya, Una Relación Desconocida de la Expedición á Africa Del Rey Don Sebastián, V. N. Famalicão, 1948, e seguinte. 206 207 «Cestones», no texto original (Id., ibid.). Ver Glossário. 208 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 209 Canhão de campanha com calibre apreciável. Estes 12 canhões tinham sido adquiridos nos Países Baixos, onde era grande a fama dos fundidores de peças de artilharia. 210 Anónimo, Relação da batalha de Alcacer, que mandou um captivo ao Dr. Paulo Aº, in Henry de Castries, Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, 1ª série, t. 1, dynastie saadienne, Paris, Ernest Ledoux, 1904, e seguinte. 211 212 Na batalha de Mohács em1526. 213 Relação da batalha de Alcacer, que mandou um captivo ao Dr. Paulo Aº, op.cit. 214 José Pereira Baião, op. cit. 215 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op.cit. 216 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 217 Martim Afonso de Melo, op. cit., p. 326. 218 Frei Bernardo da Cruz, op. cit., e seguinte. 219 220 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 221 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 222 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 223 224 225 226 227 228 229 230 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 231 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op.cit. 232 Martim Afonso de Melo, «Regimento de guerra», in D. António Caetano de Sousa, Provas do livro IV da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, v. 4 – provas, Coimbra, Atlântida, 1948. 233 Martín de Erguiluz, op. cit., p. 166 234 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 235 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 236 Jerónomo de Mendonça, op. cit. e seguinte. 237Luís de Oxeda, Op. cit. 238 Crónica do xarife Mulei Mahamet e d’el-Rei D. Sebastião, op. cit. 239 Luís de Oxeda, op. cit. 240 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 241 242 243 244 Lettre d’un Medecin Juif a son Frére, Id., ibid. 245 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit.

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246 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 247 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 248 Luís de Oxeda, op. cit. 249 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 250 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 251 Ver glossário. 252 Lettre d’un Medecin Juif a son Frére, op. cit., e seguinte. 253 254 Miguel Leitão de Andrada, op. cit., e seguinte. 255 256 Luís de Oxeda, op. cit. 257 Jerónimo de Mendonça, op. ci.t, e seguinte. 258 259 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguinte. 260 . 261 Miguel Leitão de Andrada, op. cit., e seguinte. 262 263 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 264 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 265 Luís de Oxeda, op. cit. 266 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 267 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 268 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 269 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 270 Miguel Leitão de Andrada, op. cit., e seguintes. 271 272 273 Peiks 274 Lettre d’un Medecin Juif a son Frére, op. cit., e seguintes. 275 276 277 278 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 279 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 280 Luís de Oxeda, op. cit., e seguinte. 281 282 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 283 Jerónimo de Mendonça, op. cit., e seguinte. 284 285 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 286 287 288 289 290 291 292 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 293 Lettre d’un Médecin Juif a son Frère, op. cit. 294 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 295 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 296 D. Duarte de Meneses, op. cit. 297 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 298 Jornada de África del rei D. Sebastião Escrita por um Homem Africano, op. cit. 299 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 300 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 301 302 303 Bernardino de Escalante, Diálogos Militares, Sevilha, Andrea Pescioni, 1583. 304 Jerónimo de Mendonça, op cit. 305 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 306 Filippo Terzi, Lettere di Fillippo Terzi, op. cit., e seguinte. 307 308 Luís de Oxeda, op. cit., e seguinte. 309 310 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 311 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 312 Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano, op. cit. 313 Bartolomé Bennassar, «Les soldats perdus de D. Sebastien devant les inquisitions Espagnole et Portugais», Actas do 1.º congresso luso-Brasileiro sobre a inquisição, coord. Maria Helena Carvalho dos Santos, Lisboa, Universitária, 1989. 314 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 315 Luís de Oxeda, op. cit. 316 Relación Desconocida de la Expedición á Africa Del Rey Don Sebastián, op. cit.

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317 Luíd de Oxeda, op. cit. 318 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’EL-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 319 320 321 Luis de Oxeda, op. cit. 322 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguinte. 323 324 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 325 Luís de Oxeda, op. cit. 326 Luís de Oxeda, op. cit. 327 Esteban Rodríguez Amaya, op. cit. 328 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 329 Lettre d’un Médecin Juif a son Frère, op. cit. 330 Luís de Oxeda, op. cit. 331 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 332 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’EL-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 333 334 335 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 336 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 337 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 338 José Pereira Baião, op. cit. 339 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 340 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguintes. 341 342 343 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 344 Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano, op. cit. 345 Luís de Oxeda, op. cit. 346 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 347 Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano, op. cit. 348 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit., e seguinte. 349 350 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 351 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 352 Franchi Conestaggio, Relation de Franchi Conestaggio, in Henry de Castries, Les sources inédites pour l’histoire du Maroc, 1ª série, t. 1, dynastie saadienne, Paris, Ernest Ledoux, 1904. 353 Luís de Oxeda, op. cit. 354 Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano, op. cit. 355 Jerónimo de Mendonça, op. cit. 356 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. 357 Luís de Oxeda, op. cit. 358 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit., e seguinte. 359 360 Quais eram os fidalgos que acompanharam o rei na sua fuga? Cotejando as diferentes relações, apenas fica a dúvida sobre Luís de Brito. Contudo, a forma como descreve a captura do rei leva a crer que, também ele, se encontrava entre os últimos companheiros de D. Sebastião. 361 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit., e seguinte. 362 363 Frei Bernardo da Cruz, op. cit., e seguinte. 364 365 Bernardo da Cruz acrescenta que o local «onde depois foi achado morto» D. Sebastião, era «longe da direcção para onde Luís de Brito o viu galopar pela última vez». 366 367 Ver glosário 368Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit., e seguinte. 369 370 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 371 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 372 Punhal. 373 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 374 Queirós Veloso, op. cit. 375 O curso dos acontecimentos que aqui se tenta reconstituir tem por base o autor da Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit, que refere «quatro fidalgos que somente se acharam nos últimos transes [da vida de D. Sebastião] tivemos juntos os três que ficaram vivos, numa casa da judiaria de Fez, sem faltar mais que Cristóvão de Távora de que não houve novas de que não houve novas, onde particularmente confrontámos e examinámos as informações». 376 Luís de Oxeda, op. cit. 377 Ver glosário 378 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit., e seguinte. 379 380 Frei Bernardo da Cruz, op. cit.

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381 António de Saldanha, op. cit. 382 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. e seguintes 383 384 385 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 386 Luís de Oxeda, op. cit. e seguintes 387 388 389 390 391 392 Crónica do Xarife Mulei Mahamet e D’El-Rei D. Sebastião, op. cit. As armaduras de qualidade eram, de um modo geral, imunes ao impacto das balas provenientes das armas de fogo portáteis. Os locais mais vulneráveis consisitiam nos pontos de articulação das peças, e a ligação do braço direito com o peito da armadura era crítico, por se encontrar frequentemente exposto quando o cavaleiro brandia a arma a desferindo cutiladas. 393 Jornada del-rei dom Sebastião a África/Crónica de dom Henrique, op. cit. 394 Miguel Leitão de Andrada, op. cit. 395 O autor da Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano refere 8.000, Luís de Oxeda 10.000. 396 Jornada de África del Rey dom Sebastião escrita por um Homem Africano, foram mortos 2000 mouros, «no primeiro acometimento», enquanto segundo Conestaggio acrescenta 1.000 a este valor. 397 Segundo Jerónimo de Mendonça morreram 18.000 muçulmanos, embora este valor respeite, por certo, ao total de baixas dos dois lados. Subtraindo-lhe o total de cristão mortos (8-11.000), ficamos com um mínimo de 7.000 muçulmanos mortos. 398 Frei Bernardo da Cruz, op. cit. 399 Jerónimo de Mendonça, op cit. e seguinte 400 401 António de Herrera, Historia gerneral del mundo, Madrid, António Madrigal, 1601. 402 António Machado Pires, D. Sebastião e o Encoberto, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1982. 403 Pedro Roiz Soares, Memorial, leitura e revisão de Pedro lopes de Almeida, Coimbra, 1953. 404 QueirósVeloso, op. cit. e seguinte 405 Nas palavras do próprio Juán da Silva. 406 407 Isabel M.R. Mendes Drumond Braga, Paulo Drumond Braga, Ceuta Portuguesa (1415-1656), Instituto de Estudios Ceutíes, Ceuta, 1998. 408 Frei Manuel do Santos, História Sebástica, Lisboa, 1735, pp. 480 e segs. 409 José Pereira Baião, Portugal cuidadoso e lastimado com a vida e perda do senhor Rey D. Sebastião o desejado de saudosa memória, Lisboa, 1737. 410 J. T. Montalvão Machado, O Rei Dom Sebastião na Igreja dos Jerónimos, Lisboa, Associação dos Arqueólogos Portugueses, 1971. 411 Visconde do Botelho, O Encoberto nos Jerónimos, Lisboa, 1972, p. 61. 412 José Pereira Baião, op. cit. 413 António Belard da Fonseca, D. Sebastião antes e depois de Alcácer Quibir, V.1, Lisboa, 1978 414 Pedro Roiz Soares, Memorial, op. cit. 415 João Pedro Vaz, Campanhas do Prior do Crato. Entre reis e corsários pelo trono de Portugal, Tribuna da História, Lisboa, 2004. 416 Justino Mendes de Almeida, O epitáfio de D. Sebastião nos Jerónimos, in «Colóquio O Sebastianismo, política, doutrina e mito», Colibri, Lisboa, 2004 417 António de Saldanha, op. cit. e seguintes 418 419 420 421 422 423 424 425 426 427 428 429

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ÍNDICE REMISSIVO A

Abdelmume 43c Abissínia 29 Abrahem Sufiane 75, 96, 98, 100, 103, 101, 105, 119 Acobertados ver cavalaria pesada D. Afonso I, rei de Portugal 47 D. Afonso V, rei de Portugal 46 D. Afonso Henriques ver D. Afonso I Aguilar, D. Alonso de 63, 66, 102 Aguilar, D. Pedro 102 Akinci, cavaleiros 30c, 34, 36, 72 al-Mahala 72, 94, 95, 98, 100 al-Mançor ver Mulei Amet al-Mutawakkil ver Mulei Mahamet Alava y Viamont, D. Diego de 42c Alba, duque de ver Toledo y Pimentel, Fernando Álvarez de Albuquerque, Afonso de 29, 32 Albuquerque, Jorge de 91, 105, 108, 112 Alcácer Ceguer 7, 10c, Alcaides, batalha dos 7, 10c, , 27, 30c, Aldana, Francisco 21, 53, 66, 68, 79, 82, 83, 89, 93, 106 Alentejo 20, 30, 32c, , 63c, , 96c, 108 Alferes mor do Reino ver Meneses, D. Luís de Algarve 31, 32c, 49, 63c, 65, 68, 72, 96c, 104, 108, 122 Ali Muça 72 Almada, João Brandão de 85 Almeida, Isidoro de 18, 41, 42c, 62 Almenara 53, 82 Alpujarras, revolta das 43, 45 Alvito, barão de ver Silveira, D. João Lobo da Amaral, Belchior 112, 119, 120, 122 Amet Lataba 73 Andaluzia 29, 45, 121 Andrada, Miguel Leitão de 5, 47, 79c, 84, 85, 92, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 105, 112, 113 Angra 15 Anotações ao Quarto Livro das Instruções Militares de Isidoro de Almeida 42c, 64c Argel 10c, 11, 12, 13c, 23, 39, 42, 43c, 45, 51, 62, 65, 70, 71c, 117

Argélia 39 Arruda, Miguel de 18c Arzila 7, 10c, 23, 27, 32, 49, 50-52, 53, 59, 60, 62, 65, 75, 117, 118-119, 120 Áustria, Alberto de, arquiduque-cardeal 123 Aveiro, duque de ver Lencastre, D. Jorge de Azamor 10c, 27 Azap, archeiros 30c, 34, 70, 72

B

Barcelos, duque de ver D. Teodósio Barbarroxa ver Khair a-Din Barbarossa Barreto, Rui 32 Bedaoua 58, 84 Beja 122 Belém 48, 122-124 Bezerra, João 63, 67, 85 Bizerta 10, 23 Borgonha, Martim da 63c, 66, 104, 105 Braga 15 Bragança 15 Bragança, D. Teotónio de, arcebispo de Évora 122 D. Brites, infanta de Portugal 122 Brito, Luís de 108, 110 Bula da Cruzada 46c

C

Cádis 49 Camões, Luís de 12, 14, 17 Caracol 29, 31, 73 Carlos V, imperador alemão 11, 13c, 15c, 18c, 19, 23, 25, 45, 51, 53, 65, 89, 117 Cascão, João 31 Castela o m.q. Espanha 7, 11, 12, 19, 20, 23, 27, 29, 30, 41, 45, 53, 61c, 105, 116, 120, 121, 123 Castelo Branco, D. Afonso 46 Castelo Branco, D. Duarte 112, 121 Castelo Branco, D. Martinho de 92 Cataneo, Girolamo 41, 69 D. Catarina de Habsburgo, rainha de Portugal 14, 16, 41 Cavalaria ligeira 78c

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Cavalaria pesada 61, 63c, 69, 78, 79, 80, 82, 93, 94, 96c, 98, , 100 Cebu, rio 13c César, Luís 60, 121 Ceuta 7, 65, 115, 120, 121, 122, 123 Ceuta, sé 121 Chacon, Gonçalo 61c, 85 Chefira 58, 84 China 12 Coimbra 15, 18c, 47 Colégio de Jesus 15c Colégio do Espírito Santo 15c Colégio de Santo Antão 15c Coliman, alcaide mouro 104 Companhia de Jesus 15, 15c, 85 Conetaggio 62 Constantinopla ver Istambul Córdova, D. Luís Fernandes de 63c, 66, 82 Correia , Afonso 53 Corso, André Gaspar 42, 120, 121 Cortes de 1562-1563 14, 17, 29, 115, 116 Cortes de Tomar de 1581 123 Couto, Diogo do 17 Culinária 21c Cunha, Jerónimo da 101

D

Derna, batalha do oued 70 D. Dinis, infante de Portugal 122 Dogali 25, 43c, 75, 77 S. Domingos, convento 18c S. Domingos, Ordem de 46, 47 Duby, George 5 Dürer, Albrecht 18c

E

Elches 39, 43c, 70, 71c, 75, 77, 80, 95, 98, 99, 109 Espinheiro, convento de N.ª Sr.ª do 122 Estados pontifícios ver Santa Sé Estandarte real 46, 47, 89, 101, 106, 108, 113 Évora 15, 122 Exército otomano 27, 34-36, 39, 70 Exército sádida 36-39, 70, 73

Alcácer Quibir – 4 de Agosto de 1578

F

Farnese, Alexandre 19, 59, 66 Faro 32, 48, 122 Fernandes, João 27 Fez, rei de 14, 27 D. Filipe, infante de Portugal 122 Filipe II, rei de Espanha 11, 12, 19, 20, 21, 21c, 23, 41, 45, 53, 65, 115, 116, 120-123 Flandres 27, 51c, 65, 115 Fonseca, Diogo da 119 Frias, Nicolau de 58, 59 Funchal 15c, Furtado, João de Mendonça 94

G

Galiza 21c Gama, Cristóvão da 29 Gazulas 39, 70, 71c, 73, 77, 89, 93, 96c, Góis, Damião de 30c Goleta 25 Gouveia, Diogo de 15c Granada 39, 43c, 45 Grécia 12 Gregório XIII , papa 46c Guadalupe, mosteiro de 19, 20, 21c Guarda real 27 Gustavo Adolfo, rei da Suécia o m. q. Gustavo II Adolfo 23, 117

Visão ou Delírio de um rei?

Islão 12, 34, 37, 39, 43c Istambul 23, 42, 43c Itália 13, 27, 81 Itália, guerras de 27, 42

J

Janízeros 13c, 34, 36 Jerónimos, igreja e convento dos 122, 123, 124 Jesuítas ver Companhia de Jesus Jihad 25 D. Joana, infanta de Castela 19, 41 D. João, infante de Portugal 19, 41 D. João III, rei de Portugal 14, 15c, 19, 27, 29, 41, 122

K

Khair a-Din Barbarossa 13c Khandoq er Rihan, batalha de 43 Kular 34, 36

L

H

Habsburgo, dinastia 7, 27 Hacem de Macedónia 73 Hazem 72, 95 D. Henrique, cardeal, rei de Portugal 14, 15, 15c, 31, 41, 120, 121, 122 D. Henrique, infante de Portugal 7 Henrique VIII, rei de Inglaterra 23, 117 Hungria 12

Lagos 49 Larache 21c, 45, 50, 51, 53, 54, 71c, 72, 79, 119, 121 Laudi, xeque 110, 113 Leão X, papa 46c Leitão, Cristóvão 27 Lencastre, D. Jorge de, duque de Aveiro 14, 19, 47, 59, 63c, 69, 79, 82, 89, 90, 91, 94, 95, 101, 102, 103c, 105 Lepanto, batalha de 10c, 11, 39, 45 Lisboa, arcebispo de ver Silva, frei João da Lobo, D. Jerónimo 109, 110 Loiola, Inácio de 15c Lopes, David 12 Lopes, Pêro 63c, 84, 88, 92, 93, 97 Lucos, rio 58, 59, 83, 84 Lützen, batalha de 23, 117

I

M

Ibérica, península 7 Igreja Maior ver Sé de Lisboa Índia 14, 15c, 29, 32c, 46, 88 Inglaterra 23, 45, 123 Isaba, Marcos de 51c Isabel Clara Eugénia, infanta de Castela 19

Madeira, Domingos 61 Magrebe 12, 13c, , 23, 27, 37, 42, 43c Mahamet Tabâ 70 Mahamet Zarco 72, 75, 98 Malta 10c, 11 Mamora 7, 10c, 13c, 29, 46c D. Manuel, infante de Portugal 122

141

D. Manuel I, rei de Portugal 7, 13c, 27, 29, 30, 31, 46c, 122 Mar Vermelho 34 D. Maria, infanta de Portugal 122 Marraquexe 7, 10c, 23, 30c, 37, 43c, 72, 75, 77, 84 Marrocos 7, 12, 14, 19, 23, 25, 27, 29, 30c, 36, 37, 39, 42, 43c, 45, 64c, 65, 69, 73, 115, 116, 124 Marselha 70 Mascarenhas, João 13 Mascarenhas, D. Nuno de 106, 109, 110, 111, 112 Mascarenhas, Pêro de 29 S. Mateus , galeão 46 Mazagania 39, 70, 73 Mazagão 10c, 16, 18c, 30c, 42c, 50, 63c, 65, 78c, 116 Medeiros, Francisco de 85, 93 Medina Sidónia, duque de ver Pérez de Gúsman, Alfonso Mediterrâneo, mar 7, 11, 12, 13c, 19, 27, 37, 45 Melo, Diogo de 119 Melo, Martim Afonso de 42c, 64c Mendonça, Jerónimo de 5, 85 Meneses, D. António de 92 Meneses, D. Diogo de 91 Meneses, D. Duarte de 59, 60, 62, 69, 79, 91, 93, 102, 103c, 109, 112, 113 Meneses, D. Jorge de 121 Meneses, D. Luís de, alferes mor do Reino 47, 89, 106, 108 Meneses, D. Rodrigo de 121 Mesquita, Pêro de 88, 89, 101, 102, 119, 120 Messina 15 Mocazim, rio 54, 58, 59, 83 Morábitos 37 Morais, Cristóvão de 79 Morais, Pêro de 27 Moreira , Alexandre 63c, 92, 93, 104 Mostapha Pique 95 Moura, Miguel Teles de 92 Mouros de pazes 11, 25 Mulei Abdalá 41, 42, 43c Mulei Abdelmeleque, xerife 5, 23, 37, 41-43, 70, 76c, 77, 95

142

Mulei Amet 72, 74, 111, 72, 94, 96c, 111 Mulei Hazme 25 Mulei Mahamet, xerife 5, 25, 37, 39, 41, 42, 43, 43c, 63, 68, 69, 70, 75, 105, 112 Mulei Maluco ver Mulei Abdelmeleque Murad III, sultão otomano 23, 42, 43, 84 Muselin 98 Mustafá Chibli 85

N

Noronha, Gregório Sarnache de 85 Noronha, D. Miguel de 47, 63c, 68, 85, 90, 104, 108, 109, 112, 121 Novara, Cataneo de 62

O

Oliveira, Vítor Amaral de 5 Ordenanças manuelinas 27, 29 Ordenanças sebásticas 31, 32, 32c, 65, 68, 116 Oxeda, Luís de 5, 113

P

Pacheco, Bernardim Ribeiro 91, 92 Pardo, Juan de Carrion 42 Paris, Universidade de 15 Paulo III, papa 15c Pedrógão Grande 47 Pereira, António 90 Pérez de Gúsman, Alfonso, duque de Medina Sidónia 122 Pessoa, Fernando 12 Pinto, Gonçalo Ribeiro 108 Pita, Sebastião Gonçalves 90 Porto de Santa Maria 20 Portugal, D. Afonso de, 2.º conde de Vimioso 106, 109

Q

Quarto Livro das Instruções Militares 41, 42c

R

Raposo, alcaide 80 Ravena, Benedeto de 18c Recrutamento 27, 29, 30, 31, 65, 116 Regimento de Guerra 42

Alcácer Quibir – 4 de Agosto de 1578

Regimento dos Capitães-Mores 31 Regimini Militantis, bula 15c Rehamina 72 Resende, Sebastião de 61, 62, 112 Ribeira, paço da 46, 123 Rios, Martim de Castro dos 119 Rolim, D. Manuel 92 Roque, frei 120 S. Roque, casa professa de 15 Rur, rio 58, 71c, 83, 96c, 101

S

Said 75 Salé 75 Santa Cruz do Cabo Guer 7, 31 Santa Liga 45 Santa Sé 11 Sé de Lisboa 46 Sebastianismo 118 Seco, Luís Álvaro 42c, 64c Sequeira , Diogo Lopes de 67 Sicília 11, 12, 15c Silva, frei João da, arcebispo de Lisboa 46, 47 Silva, João Gomes da 46c Silva, D. Juan da 20, 59, 65, 105, 121 Silva, Fernão da 119 Silva, Pêro Peixoto da 46, 91 Silveira, D. João Lobo da, 4.º barão de Alvito 109 Silveira, Vasco da 55, 63c, 67, 85, 101, 104, 105, 106, 109, 110 Sintra, Convenção de 7 Sipahi da Porta 34 Soares, Pêro Roiz 31, 47 Soldados andaluzes 25, 39, 43, 51, 70, 71c, 73, 75, 77, 80, 89, 93, 96c, Soldados xarracas 25, 39 Solimão, sultão otomano 12 Songai, reino do 34 Sousa, D. Diogo de 46, 53 Stukeley , Thomas 63c, 66, 104 Suaquen 84 Sublime Porta ver Turquia Suiça 31

Visão ou Delírio de um rei?

T

Tânger 7, 14, 18c, 32, 49, 59, 63c, 65, 66, 69, 78c, 80, 89, 95, 102, 105, 113, 120 Tarudante 23, 75, 115 Tavira 16, 65, 122 Távora, Álvaro Pires de 82, 88, 92, 97 Távora, Cristóvão de 19, 59, 61, 63c, 66, 83, 89, 90, 97, 105, 106, 109, 110 Távora, Francisco de 49, 63c, 68, 85, 88, 90, 103, 104, 108, 109, 119 Távora, Lourenço Pires de 14, 19 Telo, D. Jorge 89, 101 D. Teodósio, duque de Barcelos 111, 112 Terzi, Filipe 58, 59, 89 S. Tiago, capela de 121 Timariots 34, 36, 73 Tlemcen 43c Toledo y Pimentel, Fernando Álvarez de, 3.º duque de Alba 20, 41, 51, 53, 59, 68 Trindade, igreja da 120, 121 Tripoli 10c, 12, 45 Tunes 10c, 11, 12, 13c, 15, 23, 25, 39, 45, 53, 65, 117 Turquia 7, 12, 23, 27, 37, 42, 72

U

Ulendeta 72 Universidade de Évora 15

V

Valdés, Francisco de 41, 51c, 59 Valeraggio, Alexandre 85 Valle, Battista della 42, 69 Vaz, Gaspar 27 S. Vicente de Fora, mosteiro de 46 Veneza 11 Viena 12, 34 Vila Franca do Campo, batalha de 122 Viola espanhola 61c

X

Xarifes sádidas 7, 12, 27, 30c, 34, 36, 72

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