Ação Afirmativa Ao Redor do Mundo 9788580332919

Ação Afirmativa ao Redor do Mundo: Um estudo empírico sobre cotas e grupos preferenciais Thomas Sowell apresenta uma nov

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Ação Afirmativa Ao Redor do Mundo
 9788580332919

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Créditos
Folha de rosto
Citação
Sumário
Prefácio à Edição Brasileira
Capítulo 1 | Uma Perspectiva Internacional
Capítulo 2 | Ação Afirmativa na Índia
Capítulo 3 | Ação Afirmativa na Malásia
Capítulo 4 | Ação Afirmativa no Sri Lanka
Capítulo 5 | Ação Afirmativa na Nigéria
Capítulo 6 | Ação Afirmativa nos Estados Unidos
Capítulo 7 | O Passado e o Futuro
Mídias Sociais

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Coleção Abertura Cultural

Copyright © 2004 by Thomas Sowell Originalmente publicado pela Yale University Press. Copyright desta edição © 2017 É Realizações Título original: Affirmative Action Around the World: An Empirical Study     Editor  |  Edson Manoel de Oliveira Filho Produção editorial e projeto gráfico  |  É Realizações Editora Tradução do prefácio  |  Matheus Perez Preparação de texto  |  Tomoe Moroizumi Revisão  |  Rebeca Michelotti Capa  |  Pedro Lima Produção de ebook  |  S2 Books     Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem permissão expressa do editor.       ISBN 978-85-8033-291-9     É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda. Rua França Pinto, 498 · São Paulo SP · 04016-002 Caixa Postal: 45321 · 04010-970 · Telefax: (5511) 5572 5363 [email protected] · www.erealizacoes.com.br

Os fatos são obstinados, e quaisquer que sejam nossos desejos, nossas inclinações ou o imperativo de nossas paixões, eles não podem alterar o estado dos fatos e da evidência.                                                    John Adams

Sumário

Capa Créditos Folha de rosto Citação Prefácio à Edição Brasileira Capítulo 1 | Uma Perspectiva Internacional Capítulo 2 | Ação Afirmativa na Índia Capítulo 3 | Ação Afirmativa na Malásia Capítulo 4 | Ação Afirmativa no Sri Lanka Capítulo 5 | Ação Afirmativa na Nigéria Capítulo 6 | Ação Afirmativa nos Estados Unidos Capítulo 7 | O Passado e o Futuro Mídias Sociais

Prefácio à Edição Brasileira                   Qualquer país que considere a criação de políticas que garantam grupos preferenciais ou cotas no mercado de trabalho, no ensino superior ou na obtenção de benefícios sociais certamente encontrará forte reação tanto a favor de tais propostas quanto contra. Entre os conflitos que se seguem, tanto nas ruas como no cenário político, opiniões e princípios radicalmente divergentes são muito mais comuns do que, com efeito, o exame dos fatos a respeito do que realmente aconteceu quando tais políticas foram adotadas em outros países ao redor do mundo. Tais grupos preferenciais e cotas – por vezes chamados de ação afirmativa em alguns países, e por nomes diferentes em outros lugares – são frequentemente baseados em condições sociais da atualidade ou em traços históricos peculiares a determinada nação. Tanto as particularidades do passado quanto as do presente

costumam suscitar fortes emoções em ambos os lados da discussão. As reações geradas por esse debate, porém, não são capazes de esclarecer o que de fato acontece, uma vez que as políticas de ação afirmativa se tornam realidade. Qualquer um pode especular sobre o que acontecerá no futuro caso a ação afirmativa seja aprovada ou rejeitada. No entanto não é possível ter certeza. O máximo que se pode saber é quais foram os resultados quando as políticas de ação afirmativa foram adotadas no passado, como é o caso de diversos países. As peculiaridades históricas e sociais de uma nação são diferentes das de outras. Mas é notável que várias das consequências que se seguiram à adoção da ação afirmativa sejam as mesmas, apesar dos diferentes contextos nas diferentes regiões do mundo. Muitas pessoas – talvez a maioria – que são contra a ação afirmativa ou a favor dela são principalmente contra ou a favor de sua teoria. A questão factual do que realmente acontece como resultado das políticas de ação afirmativa não tem despertado quase nenhuma atenção. Suposições, crenças e justificativas dominam as controvérsias sobre esse assunto em todo o mundo. Este livro aborda a questão empírica sobre o que exatamente ocorre ou não sob a ação afirmativa – e quem ela beneficia ou prejudica. Ação Afirmativa ao Redor do Mundo: Um Estudo Empírico Sobre Cotas e Grupos Preferenciais é fruto de diversos anos de pesquisa, que inclui duas viagens ao redor do globo. Em todos os países pesquisados, muitos tinham

opinião sobre o assunto, mas esta pesquisa se concentrou em fatos concretos, que podiam ser documentados. O que a pesquisa revelou foi a existência de um padrão de consequências surpreendentemente similares que se seguem à introdução de políticas de ação afirmativa. Isso a despeito de todos os diferentes contextos em que essas políticas foram adotadas. Tais padrões foram sintetizados no primeiro capítulo deste livro, e as condições específicas de cada país foram explanadas nos capítulos posteriores. Se a experiência de outros países levar à reflexão tanto dos que são a favor da ação afirmativa no Brasil quanto dos que são contra, este livro terá cumprido seu propósito.   Thomas Sowell Instituto Hoover Universidade Stanford

AÇÃO AFIRMATIVA AO REDOR DO MUNDO

Capítulo 1

| Uma Perspectiva Internacional

                Enquanto grassam controvérsias nos Estados Unidos sobre políticas de “ação afirmativa”, poucos americanos parecem notar a existência ou a relevância de políticas similares em outros países do mundo. Em vez disso, os argumentos pró e contra tendem a invocar história e tradições que são tipicamente americanas. No entanto, grupos preferenciais e cotas existem em outros países com histórias e tradições totalmente diferentes – e, em alguns deles, tais políticas foram implantadas muito antes do que nos Estados Unidos. O que nos dizem as experiências desses outros países? Há padrões, considerações e resultados comuns? Ou é singular a situação americana? Ironicamente, um pleito ou suposição de singularidade nacional é uma das características mais comuns nos numerosos países onde grupos preferenciais e cotas

existem sob uma diversidade de nomes. A situação especial dos maoris na Nova Zelândia, com base no Tratado de Waitangi de 1840, é mencionada tão apaixonadamente em defesa do tratamento especial lá existente quanto a posição singular dos intocáveis na Índia ou dos negros nos Estados Unidos. Raciocínios visivelmente disparatados têm sido usados em diferentes sociedades para programas que partilham características bastante semelhantes e, com frequência, conduzem a resultados muito similares. Alguns grupos preferenciais existem para minorias, alguns para maiorias, outros para os desvalidos e ainda outros para os mais afortunados, que se consideram merecedores da manutenção de suas vantagens comparativas sobre outros membros da mesma sociedade. Hoje em dia, são os programas para os menos afortunados que recebem a denominação de ação afirmativa nos Estados Unidos, ou são chamados de “discriminação positiva” no Reino Unido e na Índia, “padronização” no Sri Lanka, “reflexos do caráter nacional” na Nigéria e preferência aos “filhos da terra” na Malásia e na Indonésia, bem como em alguns estados da Índia. Grupos preferenciais e cotas existem também em Israel, China, Austrália, Brasil, Ilhas Fiji, Canadá, Paquistão, Nova Zelândia e nos países sucessores da União Soviética. [1]

Por mais espraiados que tenham se tornado os programas de ação afirmativa, seus promotores dificilmente revelam coragem suficiente para proclamar que os grupos preferenciais e as cotas são desejáveis em princípio ou

como características permanentes da sociedade. Pelo contrário, esforço considerável tem sido despendido para descrever tais políticas como “temporárias”, mesmo quando, de fato, elas insistam não só em permanecer como em crescer. A ação afirmativa oficial ou as políticas de grupos preferenciais têm de ser diferenciadas de quaisquer preferências ou preconceitos puramente subjetivos que possam existir entre indivíduos ou grupos. Esses sentimentos subjetivos podem, é claro, influenciar políticas, porém aqui o foco principal é jogado sobre as políticas concretas de governo e suas consequências empíricas – não sobre suas racionalizações, esperanças ou promessas, embora estas últimas considerações não sejam de todo ignoradas. Todavia, em sua essência, este é um estudo do que acontece na realidade, em vez de uma exploração filosófica de questões que têm sido amplamente – se não mais que amplamente – exploradas alhures.

PREFERÊNCIAS LIMITADAS E TEMPORÁRIAS

A ressurgência de grupos preferenciais em sociedades comprometidas com a igualdade dos indivíduos perante a lei tem sido acompanhada de declarações de que tais preferências seriam não só temporárias como também limitadas, e não profundas e duradouras. Isto é, elas seriam supostamente delimitadas no tempo e nos objetivos, enquanto as políticas de tratamento igualitário

prevaleceriam fora do domínio fixado para uma assistência especial aos membros de um grupo particular. Na Índia, por exemplo, um ministro do governo, que demandou padrões mais baixos para a entrada dos intocáveis e dos membros de tribos em situações desvantajosas na universidade, adicionou uma cláusula recomendando o “abrandamento na admissão, mas não na aprovação ou na graduação”.[2] Da mesma forma que ele era favorável à limitação do objetivo do tratamento preferencial, outros o eram pela duração da limitação. Como defensor da reserva de certo número de empregos para integrantes de grupos especificados na Índia, disse: “Até mesmo o mais firme apoiador da reserva concordou que esta seja uma disposição transitória”.[3] Foram os próprios líderes dos intocáveis que propuseram um prazo de dez anos para ela, de modo a evitar oposição política e conflito social.[4] Isso foi em 1949 – e a reserva continua em vigor até hoje. Raciocínio semelhante foi aplicado nos Estados Unidos tanto para o emprego como para a admissão em faculdades e universidades. Inicialmente, foi proposto que deveria haver “ampliação do esforço para levar” aos indivíduos de minorias informação e encorajamento à admissão em empregos e em faculdades situados em locais onde eles poderiam antes não se sentir bem-vindos, mas com a provisão de que não lhes seriam proporcionadas preferências especiais ao longo de todos os processos ulteriores de aceitação e progresso. Quase a mesma argumentação surgiu na Malásia – como também a posterior

extensão do tratamento preferencial, desenvolvida apesar dessa consideração: Conquanto a aprovação, supostamente, não deva ter qualquer relação com a etnia, todas essas graduações têm que ser submetidas a um comitê de revisão da avaliação, comitê este com forte representação malaia. Membros do magistério têm reportado diversos exemplos em que os graus têm sido elevados de forma unilateral, aparentemente para fins de “balanceamento étnico”.[5]

Políticas com resultados semelhantes vêm sendo praticadas de forma menos gritante. Durante a era da União Soviética, os professores eram pressionados a dar gradação especial aos estudantes da Ásia Central,[6] e a denominada “graduação afirmativa” também ocorreu nos Estados Unidos, para evitar altas taxas de reprovação entre os estudantes de minorias que ingressaram na universidade mediante padrões mais baixos de admissão.[7] Na Índia, tais práticas eram conhecidas como “notas de favor”.[8] Resultados similares podem ser obtidos indiretamente quando são abertos cursos de estudos étnicos de graduação mais fácil e que atraem de forma desproporcional os membros de determinado grupo étnico. Mais uma vez, isso não é peculiar aos Estados Unidos. Existem programas de estudos para os maoris na Nova Zelândia e estudos especiais para os malaios em Cingapura. Também no mercado de trabalho, a crença de que preocupações especiais com grupos preferenciais pudessem ser confinadas a um estágio inicial revelou-se utópica. A expressão “ação afirmativa” surgiu nos Estados Unidos num decreto do presidente John F. Kennedy, demandando que “a

ação afirmativa assegurasse que os candidatos fossem empregados e que trabalhassem sem consideração de raça, cor, credo ou origem nacional”.[9] Em suma, não deveria haver absolutamente cotas ou preferências, apenas uma preocupação especial para garantir que aqueles que tinham sido discriminados no passado não mais o fossem no futuro – e que passos concretos fossem dados para que tudo e todos ficassem alertas quanto a isso. No entanto, da mesma forma que as preferências acadêmicas, inicialmente limitadas em seus objetivos, continuaram a se expandir, o mesmo aconteceu com a ação afirmativa no mercado de trabalho. Um decreto posterior do presidente Lyndon Johnson, em 1968, continha as fatídicas expressões “cronogramas e objetivos” e “representação”. Ainda não se tratava de cotas explícitas, porque as diretrizes de 1968 se referiam a “objetivos e cronogramas para a imediata conquista de igual e total oportunidade de emprego”. Mais tarde, um decreto do presidente Richard Nixon, em 1970, especificou “procedimentos orientados para resultados”, e finalmente, em dezembro de 1971, outro decreto de Nixon aclarou que os “objetivos e cronogramas” eram para “fazer crescer materialmente a utilização de minorias e de mulheres”, e que por “subutilização” deveria ser entendido “a menor existência de minorias e mulheres em determinada categoria de trabalho do que se poderia razoavelmente esperar em função de suas disponibilidades”. A ação afirmativa passava a ser então um conceito numérico, fosse ele chamado de “objetivos” ou de “cotas”.

Numa sociedade e num sistema de governo muito diferentes, a meio mundo de distância – no Paquistão –, as tentativas para restringir as políticas de ação afirmativa aos seus limites iniciais também se revelaram infrutíferas. Lá, as políticas preferenciais começaram em 1949 como medida “explicitamente” temporária a ser descontinuada em cinco ou dez anos.[10] Os principais beneficiários deveriam ser os bengalis pobres do Paquistão Oriental que eram “subrepresentados” nos negócios, nas profissões e entre os militares, enquanto até mesmo a administração do Paquistão Oriental estava em grande parte nas mãos do Paquistão Ocidental.[11] No entanto, as políticas preferenciais continuaram por décadas após o prazo fixado através de repetidas prorrogações.[12] Mesmo depois da separação do Paquistão Oriental, em 1971, para se tornar o Bangladesh independente de hoje, tais políticas encontraram no Paquistão clientelas suficientes para sua continuidade, depois que os beneficiários iniciais se foram. O inglês Lorde Scarman expressou uma opinião que é comum a todos os que iniciam ação afirmativa em muitos países: Podemos – e no caso atual devemos – aceitar que a lei penda em favor de um grupo à custa de outros, defendendo-a como expediente temporário no processo de balanceamento que tem de ser exercitado quando e onde houver desigualdade econômica e social.[13]

Contudo, esse pronunciamento confiante pressupôs um grau de controle que se mostrou ilusório em um país atrás do outro. Além do mais, “quando e onde houver desigualdade econômica e social” abarca, praticamente,

todo o mundo e toda a história da humanidade. Um programa “temporário” para eliminar uma condição que existe há séculos é quase uma contradição de termos. A igualdade de oportunidades pode ser obtida dentro de um período plausível de tempo, mas isso é totalmente diferente da eliminação da desigualdade de resultados. Mesmo uma igualdade aproximada de “representação” dos diferentes grupos em ofícios, instituições e níveis de rendas diversos tem sido um fenômeno bastante raro – ou inexistente –, exceto quando tais resultados numéricos são impostos artificialmente por cotas. Um volumoso estudo acadêmico sobre grupos étnicos em todo o mundo deixou claro, ao discutir a “representação proporcional” desses grupos, que, “ao longo dos tempos, poucas sociedades, se é que houve alguma, se aproximaram dessa descrição”.[14] Outro estudo internacional sobre sociedades multiétnicas fez referência à “universalidade da desigualdade étnica” e destacou que tais desigualdades eram multidimensionais: Todas as sociedades multiétnicas exibem uma tendência de os grupos étnicos se engajarem em diferentes ocupações, possuírem níveis (e, frequentemente, tipos) diversificados de educação, receberem pagamentos distintos e ocuparem posições diferentes na hierarquia social.[15]

Um estudo de âmbito mundial sobre as Forças Armadas também concluiu que “os militares estão muito longe de, mesmo grosseiramente, refletirem as sociedades multiétnicas” das quais provêm.[16] Em certa oportunidade, cerca de metade dos pilotos da Força Aérea da Malásia vinha da minoria chinesa.[17] Na Rússia czarista, 40% do alto

comando do Exército tinham origem na minoria étnica germânica que representava apenas 1% da população do país.[18] Grandes disparidades semelhantes são encontradas em muitos países do mundo e ocorrem por séculos e séculos.[19] Com bastante frequência, os superrepresentados nas funções de alto nível foram minorias que, embora não tivessem poder para excluir outras, possuíam capacitações específicas. Os alemães, por exemplo, predominaram entre os que estabeleceram as principais fábricas de cerveja nos Estados Unidos, criaram a famosa cerveja Tsingtao na China e fundaram cervejarias na Argentina, na Austrália e no Brasil, entre outros países. Similarmente, os judeus predominaram na manufatura de roupas na Espanha medieval, no Império Otomano, na Argentina, nos Estados Unidos e em outros países. Em síntese, a representação equilibrada de grupos, considerada norma, é difícil ou impossível de ser encontrada em qualquer lugar, enquanto a desigual, que é vista como desvio a ser corrigido, permeia as mais distintas sociedades. As pessoas são diferentes – e isso ocorre há séculos. É difícil imaginar como elas poderiam não ser diferentes, uma vez que uma gama enorme de distintos fatores históricos, culturais, geográficos, demográficos e outros dá forma a habilitações, hábitos e atitudes particulares a grupos diferentes. Qualquer política “temporária” cuja duração é definida pelo objetivo de conseguir alguma coisa, que jamais foi alcançada antes em lugar algum do mundo, poderia ser mais adequadamente caracterizada como eterna.

GRUPOS PREFERENCIAIS E NÃO PREFERENCIAIS

Da mesma forma que não podemos pressupor controle continuado sobre o objetivo e a duração das políticas preferenciais, também não podemos predizer com facilidade o que realmente acontecerá com o grupo ou grupos indicados para usufruírem de vantagens. Nem os grupos dos preferenciais nem os dos não preferenciais são blocos inertes que podem ser movidos de lá para cá ao bel prazer do grande projeto de um terceiro. Ambos se confrontam com leis e políticas como incentivos e condicionantes, não como predestinações, e reagem à sua maneira. Tais reações incluem reclassificações de si próprio, alterações nos esforços e nas atitudes em função das conquistas, e mudanças de postura em relação aos membros de outros grupos.

CLASSIFICAÇÃO E RECLASSIFICAÇÃO

Uma das reações dos integrantes dos grupos não preferenciais tem sido conseguir a reclassificação como membros dos grupos preferenciais. Isso pode ser feito individual ou coletivamente. Alguns indivíduos de ancestralidade mista que foram considerados e se autoidentificaram como membros do grupo A podem decidir por si mesmos se reclassificar como membros do grupo B quando este último tiver direito a tratamento preferencial, e os integrantes do grupo A não. Nos Estados Unidos, durante a era do Jim Crow,[20] alguns negros de pele clara “passaram” por brancos para escapar

das desvantagens legais e sociais associadas à classificação de negro. Mais tarde, durante a época da ação afirmativa, brancos com traços fisionômicos de índios americanos e de outras minorias preferiram se reclassificar para aproveitar as políticas preferenciais voltadas aos grupos em desvantagem. Desta forma, indivíduos louros e de olhos azuis se apresentaram com documentos oficiais a fim de demonstrar a existência de algum antepassado distante de outra raça. O número de indivíduos que se declararam índios americanos no censo dos EUA durante a era da ação afirmativa cresceu a uma taxa que ultrapassou qualquer expectativa que pudesse ser feita de crescimento biológico de uma população. Além do mais, o detalhamento dos dados do censo mostrou que a quantidade de índios americanos aumentou com o tempo dentro da mesma etnia – uma impossibilidade biológica que se tornou possível graças à reclassificação dos mesmos indivíduos. Por exemplo, o número de índios americanos com idade entre 15 e 19 anos em 1960 era um pouco abaixo de 50 mil. Porém, vinte anos mais tarde, quando essas mesmas pessoas deveriam estar com idade entre 35 e 39 anos, existiam mais de 80 mil índios americanos.[21] Em outras palavras, mais de 30 mil pessoas da mesma etnia, que não tinham se identificado como índios americanos em 1960, o fizeram em 1980, causando um crescimento étnico de mais de 60%. Um caso parecido ocorreu entre os aborígines da Austrália. Um estudo naquele país revelou que houve “um

acréscimo de 42% na população aborígine entre os censos de 1981 e de 1986”[22] – quase uma impossibilidade demográfica para cinco anos, salvo pela reidentificação das mesmas pessoas com diferentes rótulos étnicos. Como um acadêmico australiano observou: O aumento dramático das quantidades tem muito a ver com a confiabilidade dos registros, com o crescimento do matrimônio dentro da família e com a crescente disponibilidade de subsídios substanciais para os descendentes de aborígines… A definição de “aborígine” abrange muitas pessoas de ascendência predominantemente não aborígine que poderiam, com igual ou maior justificativa genética, se identificarem como não aborígines.[23]

A história foi quase a mesma na China, onde, nos anos 1990, mais de 10 milhões de chineses se proclamaram com status de minoria étnica, de modo a gozarem de tratamento preferencial, por exemplo, a admissão nas faculdades. Até mesmo as draconianas restrições chinesas para que os casais não tivessem mais que um filho não se aplicavam às minorias étnicas da mesma forma que recaíam sobre a maioria Han, o principal grupo étnico da China: O Artigo 44 estipula que, “de acordo com disposições legais”, as áreas autônomas podem formular suas próprias medidas de planejamento familiar. Assim sendo, casais das minorias urbanas, em geral, podem ter dois filhos, enquanto os Han urbanos estão restritos a um. Minorias rurais podem ter dois, três, quatro ou mais filhos, dependendo de sua etnia e de sua localização.[24]

Como um funcionário do Comitê Estatal Chinês para as Questões de Nacionalidade comentou: “Algumas pessoas tentariam de tudo para mudar sua nacionalidade porque queriam desfrutar da possibilidade de ingressar na

universidade com notas menores, ou ficar em melhores condições que seus colegas por ocasião das promoções”. Como em outros países, os indivíduos com ancestralidade mista tinham a opção da escolha da identificação. Alguns “retraçaram suas genealogias por centenas de anos para provar que possuíam sangue de minoria” e, assim, poder reclamar seus benefícios.[25] Outra resposta individual às políticas preferenciais tem sido o uso de alguém de ancestralidade com qualificação genuína de “fachada” para a obtenção de tratamento preferencial nos negócios, tais como contratos com o governo ou outros benefícios desejados. Tal prática tem sido tão difundida na Indonésia e na Malásia que ganhou a denominação de “empresas Ali-Babá”, onde Ali é o indivíduo nativo que, ostensivamente, possui o negócio e, portanto, está habilitado legalmente aos benefícios governamentais, enquanto Babá é a pessoa não nativa (normalmente um chinês naqueles países) que, na realidade, controla a empresa e paga Ali pelo uso de seu nome e de sua ancestralidade.[26] Arranjos semelhantes foram descobertos nos Estados Unidos e em outros lugares. As políticas antissemitas na Polônia, durante os anos entre as duas grandes guerras mundiais, levaram alguns negócios no país a serem operados por gentílicos poloneses de fachada.[27] Décadas mais tarde, com políticas preferenciais em vigor no Quênia, africanos serviram de “fachada” para negócios de propriedade asiática, da mesma forma que operaram como disfarce em Serra Leoa para atividades cujos donos eram libaneses.[28]

Os membros de alguns grupos não preferenciais podem também se reclassificar coletivamente. A Décima Quarta Emenda à Constituição da Índia, como a de mesmo número à Constituição dos Estados Unidos, determina o tratamento igualitário para os indivíduos, mas a Constituição indiana estabelece exceções explícitas para o benefício dos intocáveis, dos grupos tribais em desvantagem que não pertençam ao sistema hindu de castas e de “outras classes atrasadas”. Esta última provisão, em especial, deu ensejo para que muitos outros grupos se incluíssem nas “outras classes atrasadas”. No final, essa classificação multifária fez com que mais pessoas conseguissem os cobiçados direitos a tratamento preferencial do que os intocáveis ou os membros de grupos tribais para os quais os benefícios foram criados. Em 1997, esforços organizados foram feitos na Índia na busca de tratamento preferencial para os 15 milhões de eunucos lá existentes,[29] embora, por motivos óbvios, eles não fossem descendentes de outros eunucos e, portanto, não pudessem herdar as desvantagens históricas do grupo. A reidentificação de indivíduos e de grupos, assim como a ampliação das preferências de determinados grupos para outros, levam as políticas preferenciais para bem longe das justificativas iniciais em que se baseavam. Nenhum sofrimento histórico dos negros nos Estados Unidos pode justificar benefícios preferenciais para mulheres brancas ou para imigrantes recém-chegados da Ásia ou da América Latina, que, eventualmente, não são brancos, mas cujos antepassados jamais sofreram discriminação nos Estados

Unidos. De maneira semelhante, a dolorosa história e a continuada opressão dos intocáveis na Índia dificilmente podem legitimar benefícios preferenciais para maiorias locais de determinados estados, como Assam, Maharashtra e Andhra Pradesh. Mesmo assim, essas maiorias locais e membros de “outras classes atrasadas” ultrapassam em quantidade os intocáveis e, com frequência, se posicionam melhor para tirar vantagens das preferências. Desta forma, as cotas para funções no governo ou para ingresso na universidade não têm sido normalmente preenchidas pelos intocáveis, ao passo que raramente isso tem acontecido com os membros de “outras classes atrasadas”.[30] O alastramento de benefícios coletivos para grupos não apenas dilui tais benefícios – em especial quando mais da metade da população do país acha que tem direito a eles, o que ocorre na Índia e nos Estados Unidos – como também deixa os beneficiários iniciais em situação pior depois que os termos da competição são alterados. Por exemplo, nos Estados Unidos, onde decisões sobre contratações e promoções estão sujeitas a revisões de agências governamentais para a investigação sobre discriminação, critérios objetivos podem ser cada vez mais utilizados pelos empregadores para se autoproteger juridicamente, mesmo que a relevância de tais critérios para o emprego seja questionável. Se esses critérios são satisfeitos com mais frequência por um dos grupos preferenciais do que por outro – se mulheres brancas conseguem se graduar mais nas universidades em relação aos homens negros, por exemplo –, então um dos grupos

preferenciais, no cômputo geral, pode não ficar em melhor situação do que a que existia antes do benefício. É possível ter, inclusive, a situação agravada. Esse caso não é peculiar aos Estados Unidos. Um relatório oficial na Índia, em 1980, ressaltou que o progresso de um grupo preferencial tendeu a empurrar outro “para trás”, criando “maior tensão entre vizinhos estruturais nessa hierarquia do que entre o nível mais alto e o mais baixo”. Essa situação permaneceu nos anos 1990, quando embates violentos em diversos estados indianos se tornaram mais comuns entre grupos pobres competidores do que entre estes grupos e as castas de elite.[31] Em 2001, houve uma manifestação no estado de Rajasthan em virtude da inclusão de novos grupos entre as classes atrasadas, e a demanda foi por “cotas fixas separadas para os atrasados originais”, de modo que “os novos participantes” não fossem capazes de reduzir os benefícios existentes desfrutados por aqueles para os quais tinham sido criados.[32] Pleitos de “cota dentro de cota” foram criados para lidar com tal situação.[33] Como as políticas de ação afirmativa são destinadas a compensar desvantagens econômicas existentes, seu objetivo é minado quando os benefícios de tais políticas se destinam desproporcionalmente para aqueles indivíduos dentro dos grupos indicados que estão em situação menos desvantajosa – ou talvez estejam em posição mais favorável do que os integrantes da população geral do país. No estado indiano de Tamil Nadu, por exemplo, a mais elevada das chamadas “classes atrasadas” com direito legal

a preferências totaliza apenas 11% de toda a população dessas “classes atrasadas” do estado, mas recebe cerca da metade de todos os empregos e admissões à universidade reservados para as citadas classes.[34] Na Malásia, onde existem preferências para a maioria dos nativos “filhos da terra”, os estudantes malaios cujas famílias estão dentro da faixa dos 17% de maior renda recebem mais da metade das bolsas escolares distribuídas aos malaios como um todo.[35] No Sri Lanka, o ingresso preferencial nas universidades para os jovens das regiões mais atrasadas do país parece, da mesma forma, ter beneficiado principalmente os estudantes das famílias mais ricas dessas regiões.[36] Isso não deveria surpreender, nem se trata, necessariamente, de uma questão de corrupção. O acesso preferencial à educação ou a empregos é apenas um dos fatores para que se consiga educação ou empregos. Obviamente, aquelas pessoas que possuem mais dos outros fatores necessários têm maior capacidade para transformar o acesso preferencial em sucesso real. A prosperidade préexistente proporciona mais desses outros fatores. Aqueles proprietários americanos de negócios de minorias que participam do programa preferencial chamado “negócios reservados” [set-asiders], amparados pela Seção 8(a) da Lei dos Pequenos Negócios, conseguem uma renda média que não apenas é superior à média das receitas do grupo de onde provêm, como também é superior à média dos americanos de modo geral.[37] Um estudo acadêmico sobre grupos preferenciais na Índia observou que as preferências que beneficiam os membros mais afortunados

dos grupos menos afortunados “derivam sua legitimidade do compromisso nacional pela melhora das condições dos mais inferiores”, enquanto, ao mesmo tempo, “solapam tal compromisso pela divulgação de uma imagem de preferência irrestrita por aqueles que não estão distintamente em piores condições que os não beneficiários”.[38] A especificação do escopo e da duração das políticas de ação afirmativa tem se mostrado ilusória, assim como a designação dos beneficiários segundo o racional de tais políticas. As duas tentativas padecem por supor conhecimento e controle bem mais abrangentes do que alguém tem sido capaz de exercer, em qualquer país em que programas preferenciais foram instituídos. Igualmente tem sido superestimada a medida de quão benéficas para os grupos implicados, ou para o país como um todo, são as atitudes resultantes de tais programas. Tais atitudes tendem a responder mais a incentivos do que a racionalizações.

INCENTIVOS

Tanto os grupos preferenciais quanto os não preferenciais modificaram seu comportamento e atitude em resposta às políticas preferenciais e à lógica de tais políticas. Enquanto os membros dos grupos oficialmente preferidos, que já têm os fatores complementares necessários para que seja tirada vantagem completa das preferências, podem fazê-lo, os que carecem desses fatores frequentemente têm menor incentivo para obtê-los, uma

vez que o direito às vantagens age como substituto das conquistas. O desenvolvimento de habilitações para o emprego, por exemplo, pode perder ênfase. Como o líder de uma campanha por políticas preferenciais no estado indiano de Hyderabad ressaltou: “Será que não temos direito a empregos só porque não somos qualificados?”.[39] Um nigeriano, da mesma forma, escreveu sobre a “tirania das habilitações”.[40] Na Malásia, onde grupos preferenciais existem para a população majoritária, “os estudantes malaios que se consideram com o futuro assegurado não são pressionados pelo bom desempenho”.[41] Nos Estados Unidos, um estudo das universidades de negros revelou que mesmo os estudantes que planejavam fazer pós-graduação mostraram pouca preocupação com a necessidade de se prepararem “porque acreditavam que certas regras seriam simplesmente reservadas para eles”.[42] Tanto os grupos preferenciais como os não preferenciais podem relaxar em termos de esforços – os primeiros, porque o trabalho a todo vapor é desnecessário, e os outros, porque o engajamento máximo pode ser em vão. Depois que a Jamaica se tornou independente da Inglaterra, muitos brancos que lá viviam não mais se interessaram em competir por cargos públicos porque “sentiram que chegara a hora do homem negro e questionaram se deveriam se esforçar, uma vez que o trabalho cobiçado e o respeito nacional iriam para os negros, independentemente de suas qualificações”.[43] Como as políticas de ação afirmativa são quase sempre encaradas, por defensores e por críticos, como transferência

de benefícios de um grupo para outro, pode haver também perda de benefícios no total quando ambos os grupos não dão o melhor de si. Aquilo que poderia ser um jogo de soma zero se transforma, então, num de soma negativa. Em alguns países tem ocorrido a completa debandada física dos grupos não preferidos no despertar de políticas preferenciais que reduziram suas perspectivas. O êxodo dos chineses da Malásia, dos indianos das Ilhas Fiji, dos russos da Ásia Central, dos judeus de grande parte da Europa préguerra e dos huguenotes da França do século XVII, em reação à discriminação, drenou todos esses países de capacitações e talentos muito necessários. Em síntese, as políticas preferenciais representam não apenas a transferência de benefícios de um grupo para outro, mas podem também resultar em perda no total, quando os dois grupos reagem com uma contribuição menor do que a possível para a sociedade como um todo. Nem todos os incentivos são econômicos ou mesmo tangíveis. As honrarias estão entre os mais poderosos dos incentivos em muitas situações, particularmente quando perigos e morte têm de ser enfrentados, e onde o dinheiro é menos relevante do que o sentimento de honra, como no caso dos militares. Também em circunstâncias não tão dramáticas, as honrarias e o respeito dos pares desempenham papéis importantes, não só como recompensa pelas conquistas, mas também como fatores que, antes de tudo, tornam essas conquistas possíveis. A cooperação e a colaboração entre colegas pode ser essencial numa variedade de profissões, desde acadêmicas

até policiais – e essa cooperação e colaboração podem ficar comprometidas pelos grupos preferenciais. Por exemplo, os professores provindos de minorias em campi americanos queixaram-se de que, por serem tratados como professores da “ação afirmativa” por seus colegas, a interação intelectual e nas pesquisas foi prejudicada, fato que, por sua vez, reduziu o desenvolvimento como acadêmicos desses membros do magistério provenientes de minorias.[44] Isso pode constituir uma desvantagem séria para o desabrochar do potencial desses professores. Nas situações de vida ou morte, como as encaradas por policiais, bombeiros e militares, a confiança mútua é ainda mais importante. Ainda assim, sargentos negros da polícia em Chicago, que ultrapassaram na promoção policiais brancos que tinham tirado notas mais altas nos exames – em decorrência de decisão judicial –, se veem tachados de “sargentos de cota” toda a vez que cometem erros.[45]

RELAÇÕES INTERGRUPO

Afora as perdas para a economia como um todo em virtude da falta de incentivos tanto para os grupos preferenciais quanto para os não preferenciais, existem as perdas sociais resultantes dos ressentimentos intergrupos, que podem ser ainda mais sérios. E tais ressentimentos não são produzidos simplesmente pela transferência de benefícios. Quando teve início uma forte reação política antagônica à ação afirmativa nos Estados Unidos, muitos

profissionais da mídia a descartaram, caracterizando-a rapidamente como causada por “homens brancos irados” ressentidos com as perdas dos vários benefícios concedidos aos negros e a outras minorias – dito de outra forma, apenas uma reação emocional de pessoas aborrecidas por perderem um pouco de seus muitos privilégios. Mas tal ressentimento não era, de forma alguma, proporcional à transferência intergrupos de benefícios, porque teria que ser muito maior contra os asiático-americanos, que deslocaram uma quantidade bem maior de brancos das universidades de prestígio e de muitas profissões de alto nível, em especial nas áreas da ciência e da tecnologia. Em numerosas universidades de prestígio dos Estados Unidos, os brancos “perderam” mais cargos para asiáticoamericanos do que para negros, e, ainda assim, não houve qualquer reação antagônica a esses americanos de ascendência asiática. As extraordinárias conquistas acadêmicas e em outros campos destes últimos foram reconhecidas de forma generalizada e amplamente respeitadas. Não se tratava de ressentimento em relação à transferência de benefícios, mas sim à base de tais transferências. Especialmente entre os americanos, a ideia de que alguns têm de ser tratados como “mais iguais que outros” é irritante. Foi esse sentimento de irritação da população que líderes dos movimentos de direitos civis dos anos 1960 foram capazes de mobilizar, a fim de apoiar seus esforços para a destruição das leis do Jim Crow no Sul do país, levando a maioria dos membros de ambas as Casas do

Congresso, dos dois partidos políticos, a aprovarem os marcos conhecidos como Lei dos Direitos Civis, de 1964, e Lei dos Direitos de Voto, de 1965. Foi esse mesmo ressentimento americano contra o privilégio especial que reagiu tão fortemente às históricas palavras do reverendo Martin Luther King Jr., no Memorial de Lincoln, em 1963, que expressaram seu sonho de um país onde as pessoas fossem julgadas “não pela cor da pele, mas pela firmeza do caráter”. Foi depois que o próprio movimento dos direitos civis começou a se afastar desse conceito de tratamento igual para todos os indivíduos, na direção do outro conceito dos resultados equalizados para grupos, que o antagonismo contra a ação afirmativa se estabeleceu e cresceu com os anos. Existe ainda outro sentido em que os ressentimentos contra as preferências para outros grupos não são proporcionais aos benefícios transferidos. Um observador das políticas preferenciais na Índia notou o ressentimento desproporcional contra as vagas reservadas para as “castas tabeladas” (scheduled castes – SC), eufemismo oficial para os intocáveis: … ouvimos inúmeras histórias de pessoas que tinham sido privadas de nomeações em favor de outras que tiraram notas mais baixas nos testes relevantes. Não há dúvida de que isso ocorre, porém se todas essas pessoas estivessem, de fato, pagando o preço pelas nomeações de Castas Tabeladas, haveria bem mais pessoas SC nomeadas do que na realidade existem. Para ilustrar: suponha-se que trezentas pessoas se qualificaram para dez cargos disponíveis. Os nove primeiros são nomeados por mérito, mas a décima vaga é reservada, de modo que as autoridades percorrem a lista dos

qualificados para encontrar um requerente SC. Encontram um no 140º lugar da lista, e ele é nomeado. Em consequência, todos os 131 candidatos entre ele e a lista do mérito se sentem prejudicados. Mas o SC não ocupou 131 cargos, ocupou apenas 1, embora as 131 pessoas preteridas se considerem pagando o preço da preferência. Ademais, os 158 restantes frequentemente também se ressentem da situação, acreditando que suas chances, de alguma maneira, foram reduzidas com a existência de reservas para SC.[46]

Também nos Estados Unidos, aqueles que se ressentem dos grupos preferenciais podem ser algum múltiplo do número dos que de fato perderam alguma coisa que conseguiriam na ausência de tais preferências. Num notório processo contra a ação afirmativa instaurado na Suprema Corte, em 1978, por Alan Bakke – um estudante branco que não conseguiu ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia –, nenhum dos dois lados da disputa pôde estabelecer com segurança se Bakke seria ou não admitido na ausência das políticas de ação afirmativa que privilegiavam estudantes de minorias com menores qualificações acadêmicas que ele. O processo de admissão era suficientemente complicado para não deixar claro se outro estudante branco ou asiático-americano poderia ingressar no lugar de Bakke. Em outras palavras, não ficou provado que Bakke tinha, na verdade, perdido alguma coisa em função da ação afirmativa; contudo, a sensação de ter sido lesado levou-o a conduzir o caso até a mais alta corte do país. Uma das coisas que não permitem que a ação afirmativa seja um processo de soma zero é que uma pequena transferência de benefícios pode causar ressentimentos enormes entre mais pessoas do que as que na realidade perderam alguma coisa.

Além do mais, tais mágoas não terminam com as ações políticas ou jurídicas. Na Índia, onde as políticas de preferências têm história mais extensa que nos Estados Unidos, elas também causaram consequências mais amargas. Quarenta e duas pessoas morreram em tumultos por causa de vagas reservadas para os intocáveis numa escola de medicina do estado de Gujarat – eram apenas sete vagas.[47] Isso foi parte de uma tendência nacional para a violência contra os intocáveis, em meio a reações adversas contra políticas preferenciais em geral.[48] Entrementes, menos de 5% das vagas reservadas na escola de medicina para os intocáveis em Gujarat foram realmente preenchidas num período de anos. Estudos sobre a admissão geral às universidades, em várias partes da Índia, revelaram situação semelhante, ou seja, o não preenchimento de muitas vagas reservadas para os intocáveis.[49] Apesar disso, transferências insignificantes de benefícios levaram a sentimentos de indignação que, repetidamente, irromperam com força letal. Em nenhum outro lugar essa mágoa resultou em maior violência do que na nação vizinha da Índia, o Sri Lanka, assolada por décadas de guerra civil, na qual o grupo não preferencial – os Tamils – buscaram a secessão e a independência como nação. Essa história trágica será abordada no Capítulo 4. É suficiente mencioná-la aqui entre outros exemplos de polarização intergrupo provocada pela ação afirmativa. Fica evidente que tal ação não resultou em processo de soma zero no Sri Lanka. A devastação material, política, econômica e social provocada pela longa guerra

civil no país, indubitavelmente, deixou todos os segmentos da população em piores condições do que estariam com a ausência dos grupos preferenciais e das reações a que tais privilégios levaram.

TENDÊNCIAS

Mesmo onde os dados estatísticos sobre o progresso dos grupos aquinhoados com tratamento preferencial são adequados – e quase sempre eles não existem –, permanece sendo um desafio determinar quanto do progresso se deve às políticas de preferências e não a outros fatores que estejam operando ao mesmo tempo. As simples comparações “antes e depois” não funcionam porque isso seria supor que nada mais havia mudado quando, na verdade, a própria dinâmica do estabelecimento de programas de ação afirmativa normalmente reflete alterações que já estavam se processando antes do início dos grupos preferenciais. Dificilmente existe uma situação estacionária à qual determinada “alteração” é adicionada. Com frequência, é exatamente o surgimento de grupos recém-instruídos e com mobilidade vertical ascendente que provoca demandas por políticas de preferências. Um estudo em Bombaim, por exemplo, revelou “marcante progresso dos maharashtrianeses ocorrido antes das severas medidas políticas adotadas pelo governo estadual” para promover a contratação preferencial dos maharashtrianeses nativos.[50] Em parte, tal fato refletiu prévio e “enorme crescimento das matrículas escolares no estado de Maharashtra” e uma

“expansão rápida do ingresso nas faculdades” – também anteriores às preferências.[51] Da mesma forma, na Malásia, o número de crianças que frequentavam as escolas públicas secundárias cresceu cerca de 73% apenas nos cinco anos que precederam imediatamente a Nova Política Econômica, a qual aumentou as cotas preferenciais para os malaios.[52] Igualmente, no Sri Lanka houve uma “expansão rápida das oportunidades educacionais nas áreas dos cingaleses” depois da independência[53] – e antes das reivindicações por tratamento preferencial para eles. Um crescimento similar de classe nativa recémeducada na Polônia, na extinta Tchecoslováquia e na Lituânia, durante os anos entre as duas grandes guerras mundiais, levou a pleitos de políticas de preferências, sob a forma de cotas para grupos, de modo a livrá-los da competição com os judeus[54] em igualdade de condições, posto que estes últimos eram mais educados, experientes e estavam estabelecidos nas posições que a classe recentemente instruída aspirava. Da mesma forma, na Nigéria, foi o crescimento recente, no Norte do país, de uma classe educada que causou demandas por políticas preferenciais para ajudá-la a competir com os nigerianos do Sul, que predominavam nas universidades e em muitos cargos relevantes.[55] Esse mesmo quadro de uma classe educada emergente, anterior às políticas de preferências que provocaram, pode também ser encontrado na Indonésia, na província de Quebec do Canadá e em muitas regiões da África Subsaariana.[56]

Nos Estados Unidos, a proporção da população negra que frequentava as universidades dobrou nas duas décadas que precederam a revolução dos direitos civis ocorrida nos anos 1960,[57] e isso se refletiu no crescimento ocupacional dos negros. Enquanto é muitas vezes citado o fato de que a proporção de negros em profissões e em outras ocupações de nível elevado cresceu substancialmente nos anos seguintes à aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964, é quase totalmente ignorado o fato de o crescimento dos negros em tais ocupações ter sido ainda mais substancial nos anos que precederam a aprovação daquela lei.[58] Progresso dramático foi também evidenciado durante as mesmas décadas nos níveis socioeconômicos mais baixos da população negra americana. A percentagem de famílias negras com renda abaixo da linha oficial de pobreza caiu de 87% em 1940 para 47% em meados dos anos 1960 – tudo isso antes da legislação sobre os direitos civis da década de 1960 e muito antes das políticas de ação afirmativa da década de 1970. Entre 1960 e 1970, a taxa de pobreza entre as famílias negras caiu mais dezessete pontos percentuais e, depois da década de 1970, quando foram adotadas as cotas, essa taxa decresceu apenas um ponto percentual.[59] A impressionante diferença entre o mito político e a realidade econômica tem muitas implicações. Entre elas, aquilo que deveria ser visto como conquista extraordinária dos negros americanos é encarado como exemplo de benemerência e liberalidade do governo – e razão pela qual a ação afirmativa é absolutamente necessária para o

progresso dos negros. Os efeitos dessa interpretação equivocada incluem os ressentimentos dos brancos e seu questionamento sobre o porquê de os negros não poderem progredir como quaisquer outros grupos, quando, de fato, é exatamente isso que eles têm feito. Aliás, é também ignorado o fato de que as rendas dos asiático-americanos e dos mexicano-americanos também cresceram substancialmente – tanto em termos absolutos quanto relativos às da população geral – nos anos que precederam a aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964 e sua evolução para políticas de preferências.[60] Qualquer avaliação das políticas preferenciais tem de levar em conta as tendências preexistentes, em vez de supor um mundo estático com “alteração” adicionada.

RESUMO E IMPLICAÇÕES

Malgrado os argumentos altamente variáveis para o estabelecimento de grupos preferenciais e cotas em determinados países ao redor do mundo, a lógica dos seus incentivos e condicionantes tem a propensão de produzir consequências similares em sociedades bastante distintas. Além disso, tanto os incentivos como as consequências tendem a ser ignorados nas discussões políticas sobre tais programas, que focam em suas justificativas e em seus benefícios presumidos, enquanto deixam de lado os efeitos empíricos reais. Nos Estados Unidos, os resultados míticos – a ação afirmativa com base no crescimento econômico dos negros, por exemplo – suplantaram com tal inteireza os

fatos que os poucos que debatem essa política acham absolutamente desnecessário checar a evidência histórica. Para alguns defensores da ação afirmativa, é tudo uma questão de ser a favor da ajuda aos menos afortunados, com os “detalhes” sendo deixados para que outros os considerem e analisem. Todavia, mesmo um olhar de relance sobre o que os programas de ação afirmativa, na verdade, fizeram em vários países revela que o fracasso na consecução de seus objetivos pode ser o menor dos problemas que eles criaram. Relações intergrupos perniciosas e perigos reais para o tecido da sociedade foram também produzidos pela ação afirmativa em alguns países. Isso deve ficar penosamente claro quando apreciarmos os “detalhes” nos capítulos seguintes.

Capítulo 2

| Ação Afirmativa na Índia

                A Índia é a maior sociedade multiétnica do mundo – e também a mais fragmentada socialmente. Uma terra de mais de uma centena de línguas e de uma centena de dialetos, onde mesmo o idioma mais falado no país só o é por menos de um terço da população; a Índia também é segmentada em fortes divisões de castas, religiosas, regionais e étnicas – segmentação esta que se expressa por uma ampla diversidade de modos: dos estilos de vida radicalmente diferentes aos banhos de sangue nas ruas. A Índia também tem tido políticas de ação afirmativa por mais tempo que qualquer outra nação, iniciadas na época da colonização inglesa e depois institucionalizadas na Constituição, quando o país se tornou independente em 1947.[61] A Décima Quarta Emenda à Constituição da Índia, da mesma forma que a emenda de mesmo número à

Constituição dos Estados Unidos, prescreve tratamento igual para os indivíduos. Diferentemente da constituição dos Estados Unidos, no entanto, a emenda indiana explicita uma exceção para políticas direcionadas à ajuda de segmentos desafortunados de sua população – a ação afirmativa, ou “discriminação positiva”, como é conhecida por lá. Essas provisões de exceção deveriam, originalmente, expirar em vinte anos, porém têm sido prorrogadas vezes sem fim[62] – e estendidas. Em síntese, nos dias de hoje existem dois tipos de políticas de preferências na Índia: para minorias nacionais consideradas desvalidas e para vários grupos locais em seus respectivos estados. As políticas para as minorias foram explicitamente concebidas para lidar, a princípio, com as severas inaptidões sociais e a discriminação enfrentadas pelos intocáveis da Índia. Grupos tribais que estão à margem da corrente social principal do país também foram incluídos, de modo bastante análogo ao dos intocáveis. Para outros que pudessem enfrentar desvantagens semelhantes, uma categoria abrangente denominada “outras classes atrasadas” foi incluída na exceção constitucional das provisões do tratamento igualitário. Esta última categoria proporcionou uma brecha pela qual outros grupos numerosos conseguiram acesso preferencial aos empregos e a outros benefícios. Estatisticamente, os membros da categoria abarcante das “outras classes atrasadas” suplantam hoje o número de intocáveis e de membros de grupos tribais juntos. Os intocáveis (“castas tabeladas” ou “dalits”) constituem cerca

de 16% da população total do país, e os membros dos grupos tribais perfazem outros 8%. Entretanto, esses dois grupos muito pobres e historicamente proscritos são de longe ultrapassados pelos integrantes das “outras classes atrasadas, que chegam a 52% de todos os indianos”.[63] Evidentemente, essas “outras classes atrasadas” não são, na prática, frutos de uma reflexão tardia que pudesse ter acontecido na mente dos que formularam as exceções constitucionais aos requisitos do tratamento igualitário na Índia.

CASTAS TABELADAS E TRIBOS TABELADAS

As políticas de preferências de âmbito nacional foram direcionadas para a elevação dos níveis socioeconômicos das castas tabeladas e das tribos tabeladas, por intermédio da “discriminação positiva” nos empregos, nas admissões à universidade, na representação parlamentar e em outros benefícios projetados para sobrepujar os padrões históricos de discriminação e atraso. Virtualmente, seja qual for a definição, a discriminação contra os intocáveis (“classes tabeladas”) está entre as piores sofridas por qualquer grupo em qualquer sociedade. Embora a intocabilidade tivesse sido oficialmente abolida por mais de meio século e o termo “intocável” banido do discurso oficial e polido, as mesmas pessoas enfrentavam persistente discriminação sob a nova designação de “castas tabeladas”, “harijans” (filhos de Deus, uma denominação a elas dada por Mahatma Gandhi) ou “dalits” (os oprimidos).

Os intocáveis tinham sido proscritos, no sentido literal, por não serem enquadrados em nenhuma das quatro categorias de castas reconhecidas pela religião hindu. Em virtude de o tipo de trabalho predominante entre eles, como o curtimento do couro, ir frequentemente contra os preceitos do hinduísmo, havia séria controvérsia se eles poderiam ou não ser considerados hindus. Embora eles próprios, historicamente, se considerassem hindus, muitos se converteram a outras religiões que não tinham o estigma das castas.

HISTÓRIA

As proibições relativas a qualquer tipo de contato físico com as castas hindus eram, historicamente, apenas algumas das restrições impostas aos intocáveis, complementadas por severas punições para qualquer violação. Em alguns lugares, os intocáveis não podiam nem permitir que sua sombra se projetasse sobre hindus de castas, e tinham que tocar tambores quando estivessem entrando numa comunidade hindu, a fim de alertar os outros para que se mantivessem distantes.[64] Não podiam tirar água do mesmo poço usado pelos hindus de casta – e, em alguns locais, ainda são proibidos na prática, apesar do direito legal de fazê-lo. Dois incidentes envolvendo poços mostram a persistência dos tabus de classe no final dos anos 1970. Num dos episódios, uma menina intocável que tirara água de um poço reservado para as castas hindus teve suas

orelhas decepadas.[65] No outro incidente, em local onde os intocáveis tinham permissão para tirar água do mesmo poço utilizado pelos hindus de casta, uma mulher intocável colocou seu pote sobre o de uma mulher hindu, causando uma revolta na qual um intocável foi morto.[66] Incidentes semelhantes foram denunciados para a organização Human Rights Watch nos anos 1990,[67] e, em 2001, a publicação indiana The Hindu reportou: “Ataques contra dalits (a maioria deles orquestrados por coletividades que representam interesses de castas superiores) e até mesmo massacres de homens, mulheres e crianças pertencentes aos patamares mais baixos da ordem social são, de fato, uma característica regular na maioria das regiões do país”. [68]

Em 1991, a revista India Today reportou que, numa vila a cerca de 150 quilômetros de Delhi, “um trabalhador rural dalit ousou ter um caso de amor com a filha de um proprietário de terras de casta elevada” e, como resultado, “os amantes e o intermediário dalit foram torturados, enforcados em praça pública e queimados por agentes da família da moça na presença de cerca de quinhentos habitantes da vila”.[69] Esse testemunho de quinhentas pessoas afasta o fato do reino dos incidentes isolados, uma vez que seus perpetradores obviamente não temiam punição nem represália. Tudo isso revela alguma coisa sobre a sociedade, não só sobre seus membros. Apesar de tal comportamento não permear toda a Índia, tampouco se confina a incidentes isolados. Estatísticas governamentais sobre atrocidades contra

intocáveis jamais caíram abaixo dos 13 mil por ano durante a década de 1980 e ultrapassaram os 16 mil em 1984.[70] Longe de arrefecerem com o tempo, tais atrocidades oficialmente registradas escalaram para mais de 20 mil anuais na década de 1990.[71] Essa escalada da violência tem sido associada aos antagonismos contra as preferências oficiais dadas aos intocáveis e à competição entre outros receptores de preferências, como as “outras classes atrasadas”. Embora tivesse sido pequena a crítica pública à ação afirmativa na Índia antes dos anos 1970,[72] ela aumentou com os anos e foi acompanhada de violência também crescente. Um estudo de 1997 concluiu que “o sistema de cotas eliminou qualquer boa vontade que as castas superiores pudessem ter pelas mais baixas”, em parte por causa de uma “superestimação contumaz do alcance e da efetividade” das políticas de preferências – as quais, na realidade, beneficiam apenas estimados 6% das famílias de intocáveis. [73]

A despeito de tais horrores, as restrições contra os intocáveis ou dalits vêm amainando de forma irregular, por décadas, em toda a Índia – mais nas cidades do que no campo e mais nas repartições públicas do que nos templos religiosos. Como um estudo de 1997 reportou: “O estigma social de casta e tribo está ausente no relacionamento do dia a dia dos centros urbanos, mas, na Índia rural, pertencer a uma casta tabelada ou a uma tribo tabelada ainda é um ônus social”.[74] Mesmo assim, em alguns lugares, estudantes universitários intocáveis são socialmente aceitos

como companheiros de quarto de hindus de casta.[75] Em outros contextos, segundo um relatório de 1999 da Human Rights Watch, as mulheres dalits foram “violentadas como forma de retaliação” por homens de castas superiores quando surgiram movimentos organizados entre os intocáveis para que fossem colocadas em vigor as leis do salário mínimo ou outras reivindicações.[76] A Índia é uma nação de contrastes gritantes, tanto nisso como em outros aspectos. Um sinal desses contrastes está no Sexto Relatório Anual da Comissão para Castas Tabeladas e Tribos Tabeladas em 2001, que revelou que três estados eram responsáveis por cerca de dois terços de todas as milhares de atrocidades cometidas contra os intocáveis, enquanto existiam estados em que nenhuma fora praticada.[77] Ao passo que os intocáveis são, em muitos lugares, por demais economicamente dependentes, impotentes e sobrepujados em quantidade para que possam fazer muita coisa em sua defesa, em outros, onde foram capazes de reagir, a resposta tem sido extrema, tanto em termos políticos quanto físicos. O estado de Bihar, em particular, tem primado pela violência e contraviolência envolvendo as castas tabeladas. Depois que duas famílias de intocáveis foram assassinadas em 1987, vilarejos vizinhos, habitados por membros de classes superiores, foram atacados por quase mil homens armados com porretes, lanças e outras armas. Os moradores foram arrancados de suas casas, retalhados e jogados em fogueiras pelos agressores que bradavam, “Nós nos vingaremos” e “Vida longa para o Centro Maoista Comunista”. Embora os agressores

portassem armas de fogo, preferiram esquartejar suas vítimas.[78] As quatro castas clássicas da religião hindu estão fragmentadas em, literalmente, milhares de castas e subcastas locais, as quais, na realidade, circunscrevem a vida social das pessoas. Nos tempos coloniais, os ingleses tinham uma lista ou tabela com os nomes dessas castas que eram consideradas intocáveis. Daí a expressão “castas tabeladas”, eufemismo de dalits. A palavra “intocável” começou a ser empregada no início do século XX e foi banida das leis e do linguajar educado no final do mesmo século. Quaisquer que sejam as origens do status de pária para determinadas ocupações ou modos de vida, com o passar dos séculos o estigma social adquiriu vida própria e passou a ser aplicado para aqueles cujos ofícios e modos de vida eram completamente diferentes. Por exemplo, o Dr. B. R. Ambedkar, que se tornaria conhecido líder dos intocáveis, foi despejado de um hotel na Índia quando voltou ao seu país depois de receber o título de PhD pela Universidade Columbia, tão logo suas origens de proscrito foram descobertas.[79] O sistema de castas também acompanhou os indianos no exterior, um tanto atenuado nos países mais distantes, mas com forma bastante robusta naqueles próximos à Índia. No vizinho Ceilão, por exemplo, os intocáveis não podiam ocupar assentos nos ônibus, pelos idos de 1930: … Havia recusa em se conceder aos harijans o direito de se sentarem nos ônibus. No final, foi necessária a intervenção do governo para

que tal direito fosse usufruído, o que provocou violência em 1930-31 e uma greve de motoristas e trocadores de ônibus. Antes, os harijans tinham que permanecer de pé na parte traseira do ônibus, ou ficar sentados ou acocorados no corredor, mesmo que pagassem o preço normal da passagem. Foram necessárias décadas para que os vellalas aceitassem essa mudança, e a maioria o fez com indisfarçável relutância. A discriminação contra os harijans estendeu-se para a entrada nos cafés e “casas de refeições”, para o acesso às instalações públicas dos vilarejos, como poços e cemitérios, e para as roupas que eles usavam – o direito de calçar sapatos foi frequente motivo de brigas.[80]

Historicamente, os intocáveis eram, como se pode constatar, uma minoria oprimida. Muitas pessoas achavam que os dalits não eram absolutamente hindus[81] porque (1) não estavam entre as quatro varnas designadas pela religião hindu, e eram literalmente proscritos no sentido de estarem fora – e abaixo – dos enquadrados no sistema de castas, e (2) algumas de suas ocupações envolviam a confecção de produtos oriundos da matança de animais, violando os preceitos hindus. Só em tempos relativamente recentes, segundo a escala de medidas da história, surgiu, nas primeiras décadas do século XX, uma preocupação difundida quanto aos infortúnios experimentados pelos intocáveis. Mas tal preocupação retardada não foi totalmente provocada por considerações humanitárias. Durante o período final da era colonial, quando os indianos batalhavam para conseguir a independência da Inglaterra, a inclusão ou a exclusão dos intocáveis nas fileiras dos hindus tinham profundas implicações para o balanceamento político do poder entre hindus e muçulmanos na Índia pósindependência. Foi, portanto, a política que ditou a

classificação dos intocáveis e levou os das castas superiores a aceitarem os dalits como companheiros hindus para propósitos políticos, mesmo que eles ainda não pudessem entrar em muitos templos. Nesse clima de opiniões variadas, o Dr. B. R. Ambedkar procurou ganhar qualquer concessão possível, e Mahatma Gandhi fez do destino dos intocáveis uma questão moral. Todavia, mesmo para Gandhi, a preocupação central era com a continuação da classificação dos intocáveis como parte do eleitorado hindu. Quando os ingleses criaram um eleitorado especial para os dalits em 1932, Gandhi prometeu uma greve de fome até a morte, a menos que a decisão fosse revertida. Na crise nacional provocada por tal fato, um meio-termo foi encontrado pelo qual não haveria eleitorado separado para os intocáveis, mas eles continuariam tendo assentos reservados na legislatura. Esse episódio histórico algumas vezes tem sido pintado como uma greve de fome contra o princípio da intocabilidade, e não como ele realmente foi – um esforço desesperado para evitar que o voto hindu fosse rachado. Contudo, a atenção crescente para os intocáveis e seus problemas consequentes do episódio conduziu a várias tentativas de melhora de suas condições. Em alguns estados foram aprovadas leis para garantir-lhes igual acesso às instalações públicas, inclusive templos hindus, como também ingresso preferencial em cargos do governo. Em síntese, políticas de preferências para os intocáveis começaram à época da colonização britânica e foram mais tarde expandidos depois que a Índia alcançou a independência nacional.

PREFERÊNCIAS NA PRÁTICA

O censo de 1991 mostrou que o índice de alfabetização era de apenas 37% entre os membros das castas tabeladas e de 30% entre os das tribos tabeladas.[82] Na educação superior, a maioria dos intocáveis e dos integrantes das tribos atrasadas não conseguiu preencher as cotas e preferências às quais tinham direito, mesmo quando o governo concedia bolsas de estudo. Um trabalho sobre bolsas para intocáveis revelou a razão: O dinheiro para bolsas de estudos… dificilmente pode induzir os realmente muito pobres a frequentarem o ensino superior e, caso alguns se aventurem a nele ingressar, a continuarem até o fim do curso. Somente os que têm alguma outra fonte confiável de recursos podem tirar proveito dessas bolsas. Uns poucos inquiridos foram suficientemente francos para admitir que esse dinheiro lhes garantia uns trocados no bolso enquanto seus pais faziam uso da maior parcela dos gastos em educação.[83]

Entre as consequências desta situação estão (1) muitas vagas reservadas que não foram preenchidas, (2) vagas preenchidas que o foram, desproporcionalmente, pelos membros mais afortunados dos grupos mais desvalidos, e (3) membros desses grupos que frequentaram o ensino superior, normalmente tendo optado por instituições menos exigentes, especializadas em cursos mais fáceis (e de menor remuneração), levaram mais tempo para se formar e desistiram muito mais que os outros estudantes. As cotas ou reservas não utilizadas têm sido uma realidade comum por muito tempo, especialmente impressionante nos níveis universitário e de pós-graduação.[84]

Estudos dos anos 1960 e 1970 revelaram que os estudantes das classes tabeladas preencheram menos da metade das vagas reservadas para eles nas universidades, em geral, e nas faculdades de medicina e de engenharia, em particular.[85] Algumas instituições não tiveram um único estudante, seja das castas tabeladas, seja das tribos tabeladas.[86] Tal situação tem persistido. Em 1997, The Times of India citou o chairman da Comissão Nacional para Castas Tabeladas e Tribos Tabeladas e sua declaração de que nenhuma das universidades de elite da Índia, nem nenhum instituto de engenharia preencheram suas cotas para membros das castas tabeladas.[87] Em 2001, o governo central solicitou às universidades e às escolas de medicina “a garantia de que a cota total de vagas reservadas seria preenchida” e sugeriu a organização de “treinamento especial” para estudantes com origens em castas e tribos tabeladas.[88] Essas cotas não preenchidas na educação superior não são resultado de critérios rígidos de admissão. Graus de aprovação explicitamente mais baixos para membros de castas e tribos tabeladas são comuns nas universidades e nos institutos técnicos indianos.[89] Nenhum dos estudantes preferencialmente admitidos em seis escolas de engenharia altamente seletivas conseguiu acompanhar os cursos, e a maioria não atingiu médias de conceitos suficientes para prosseguir nos estudos em tais instituições.[90] Para o país como um todo, integrantes das castas e tribos tabeladas – combinados – não chegaram a alcançar 3% das graduações

em engenharia e em medicina,[91] embora, juntos, perfizessem cerca de um quarto da população da Índia. Não só na educação superior, como também na fundamental e na secundária, a necessidade de recursos complementares, para capacitar os que realmente fazem uso das preferências e cotas, limita os benefícios que membros das castas e tribos tabeladas recebem. Mesmo quando o governo proporciona educação primária gratuita, os custos dos livros e do restante do material escolar podem não estar dentro das possibilidades das pessoas muito pobres. Em termos de educação secundária, especialmente os estudantes rurais nem sempre têm uma escola próxima, de modo que aqueles cujos pais não podem bancar o transporte ou a mudança para outro local – em função dos custos da alimentação e do alojamento – possuem poucas chances reais de adquirir tal educação, independentemente de políticas de preferências. Talvez o custo maior do envio de jovens para o ensino secundário e superior seja a perda de mão de obra nas fazendas e a generalizada diminuição da renda, em particular entre os mais miseráveis que lutam muito para compatibilizar despesas com receitas. Tais desvantagens educacionais podem levar a desvantagens ocupacionais. Padrões de cotas não utilizadas existem nos empregos governamentais em parte por causa das dificuldades de aprovação nos testes específicos. Segundo um estudo de 1948: Quando o Estado de Orissa conduziu um teste conjunto para diversos de seus serviços, 133 candidatos foram aprovados – ou seja, obtiveram notas suficientes para dar-lhes direito à nomeação. Embora 18% das vagas dos serviços estivessem reservadas para as castas

tabeladas, apenas um candidato SC foi aprovado, e ele passou em 105º lugar no teste.[92]

Ainda existiam vagas reservadas não preenchidas de empregos para intocáveis nos anos 1990.[93] Além do mais, as funções que foram ocupadas estavam concentradas no fim da lista segundo necessidade de habilitação. Apesar de os intocáveis constituírem 16% da população, eles eram, em 1964, quase a metade dos garis e cerca de apenas 10% dos empregados da Classe A do governo.[94] Tampouco eram todos os cargos que ocupavam devido, necessariamente, às cotas, já que estes totais incluem aqueles que satisfizeram os requisitos normais para se qualificarem ao emprego. Em síntese, o benefício global verdadeiro das cotas e preferências sobre o bem-estar das castas e tribos tabeladas é problemático, independentemente do amargor e do ressentimento que tal “discriminação positiva” pode provocar entre outros grupos em relação a elas. Não é só em funções governamentais e na educação que os benefícios não são aproveitados. O mesmo acontece com os subsídios para a habitação, programas de saúde, auxílio-maternidade e outros que deixam de ser utilizados com tanta frequência que os gastos do governo com tais programas têm sido muitas vezes menores que os orçamentos alocados para tanto.[95] Em todos esses casos, fatores complementares são necessários para o uso real das cotas e das preferências. Por vezes, eles podem ser dinheiro, em outros casos, um bom passado educacional, outras vezes, capacitações e experiência para o emprego, e

ainda em outras, apenas a informação sobre o que está disponível. Em função da necessidade de recursos complementares, não é de admirar que os mais prósperos das castas tabeladas fiquem com a parte do leão dos benefícios.[96] Os chamars, por exemplo, começaram uma ascensão econômica durante a Segunda Guerra Mundial, quando houve uma súbita procura por produtos de couro.[97] No estado de Maharashtra, os chamars estão entre os mais bem situados. Um estudo mostrou que eles constituem 17% da população e 35% dos estudantes de medicina.[98] No estado de Haryana, recebem 65% de todas as bolsas escolares reservadas às castas tabeladas para a graduação universitária e 80% para a graduação em dois anos.[99] Enquanto isso, 18 dos 37 grupos intocáveis em Haryana não conseguiram usufruir sequer uma das bolsas. No estado de Madhya Pradesh, os chamars eram 53% dos estudantes das castas tabeladas nas escolas estaduais.[100] Em Bihar, só duas das doze castas tabeladas do estado – uma delas, os chamars – supriam 61% dos estudantes de classes tabeladas nas escolas, e 74% nas faculdades.[101] Em Uttar Pradesh, segundo a Economic and Political Review, os chamars “praticamente monopolizaram a cota dalit”.[102] Em 2002, Uttar Pradesh aprovou uma portaria estadual que subdividiu as cotas das castas tabeladas, limitando assim a porcentagem das vagas nos empregos governamentais para os chamars.[103] Entretanto, no início de 2002, a Suprema Corte barrou a implementação dessa portaria.[104]

No estado de Tamil Nadu, várias castas menos afortunadas constituíam 12% das atrasadas, enquanto as mais afortunadas delas perfaziam 11%. Mesmo assim, a despeito da quase igualdade no número de pessoas, as castas mais afortunadas do grupo recebiam mais de quatro vezes o dinheiro per capita para as bolsas e totalizavam 44% dos estudantes de tais castas admitidos para o estudo de engenharia, comparados aos 2% dos estudantes das classes menos afortunadas da categoria.[105] Tal disparidade entre grupos preferenciais na utilização dos benefícios é encontrada também em outras regiões da Índia, tanto para as castas como para as tribos tabeladas.[106] Desigualdades semelhantes entre as “outras classes atrasadas” levaram à demanda de políticas de “cota dentro de cota” para evitar que as mais avançadas destas classes – amplamente conhecidas como “a nata das camadas” – recebessem a parcela maior das cotas em detrimento daquelas chamadas “classes mais atrasadas”. No que concerne aos assentos nas legislaturas reservados para os intocáveis, a situação é novamente a de uma parcela desproporcional indo, em princípio, para os mais afortunados. Enquanto os membros de 65 subcastas de intocáveis tinham direito a assentos legislativos no estado de Andhra Pradesh, só 5 delas eram, de fato, representadas no legislativo estadual.[107] As pessoas que não nasceram intocáveis ocupavam a maioria dos assentos reservados para eles no estado de Rajasthan. Em certa ocasião, 16 dos 28 legisladores que estavam nessa situação naquele estado tinham adquirido certificados de intocáveis

por serem adotados.[108] A identificação de intocável vem sendo também utilizada por estudantes como meio de garantir o ingresso nas escolas de medicina e de engenharia,[109] entre outros estratagemas de reclassificação, a fim de auferir vantagens dos grupos preferenciais e das cotas. Apesar de programada para expirar em dez anos, a reserva de assentos nas legislaturas tem sido repetidamente prorrogada.[110]

PREFERÊNCIAS LOCAIS

Enquanto as castas e tribos tabeladas têm direito legal a preferências em âmbito nacional, existem também grupos que, dentro de seus respectivos estados, gozam de tais benefícios. Neste último caso, o racional não é o mesmo do empregado para a criação de preferências e cotas nacionalmente. O status nativo local de “filhos da terra” tem sido conferido para proporcionar consideração especial, particularmente em estados onde os forasteiros têm claramente suplantado os locais na competição livre do mercado de trabalho ou nos exames para ingresso nas universidades e admissão nos empregos governamentais. Nos estados de Assam, Maharashtra e Andhra Pradesh, por exemplo, tal domínio dos forasteiros tem desencadeado movimentos políticos e violência de turbas. Onde foram instituídas leis para preferências locais, o “local” não tem significado simplesmente a pessoa que reside no estado, porque alguns grupos – marwaris e bengalis em Assam, por exemplo – vêm residindo no estado [111]

por gerações. O que de fato significa, embora o estado não permita que seja dito, é preferência étnica. Como um comitê do legislativo de Assam apontou: Na ausência de uma definição precisa da expressão “pessoa local”, o Comitê teve que basear sua análise no lugar de nascimento em Assam como parâmetro para tal pessoa. Esse parâmetro é inquestionavelmente inadequado e enganoso, e um entendimento claro deveria existir no governo e em outros órgãos envolvidos na matéria sobre o que se quer dizer com a expressão “pessoa local”. [112]

No estado de Maharashtra, uma diretriz especificou não apenas as pessoas “locais”, mas também as que falam o idioma marathi – isto é, etnicamente mahastrianesas. No estado de Andhra Pradesh, onde 86% dos habitantes falavam a mesma língua e onde o grupo que buscava preferências era da mesma raça, religião e cultura do grupo cujo desempenho superior se queria compensar, fazer a distinção entre os dois grupos exigiu muita habilidade e arte – mas foi feita.[113] Em todos esses casos, foi grande o número de evidências de que os grupos nativos menos bem-sucedidos simplesmente não tinham as habilitações, a experiência ou as posturas que permitissem que se apresentassem e suplantassem os competidores. Em Maharashtra, por exemplo, os próprios maharashtrianeses preferiam comprar dos comerciantes indianos do Sul do que com seus coestaduanos. Em Andhra Pradesh, até o líder local que pleiteava as preferências reconheceu que o grupo rival tinha qualificações superiores:

Sim, é verdade que eles também são mais qualificados que nós para muitos dos cargos. Talvez tenham melhor qualificação, mas por que o mérito é tão importante? Podemos ser um pouco ineficientes. Mas a medida é necessária para que nossa gente consiga empregos. Será que não os merecemos só porque não somos tão qualificados?[114]

No estado de Karnataka, um líder político local advogou inflexivelmente preferências específicas enquanto desempenhou função pública. Porém, dez anos depois, expressou opiniões bem diferentes: … os forasteiros chegam quando as pessoas locais são preguiçosas e apáticas. Se estas últimas forem ativas e empreendedoras, os de fora não vêm. Muitos kannadigas não gostam de sair de seus vilarejos. Em especial para trabalhos particulares de enfermagem, no Exército, na limpeza urbana, na carpintaria, nas pedreiras e na construção os kannadigas parecem não ter interesse. Eles não gostam de executar trabalhos manuais porque os consideram inferiores.[115]

Enquanto as disparidades estatísticas são muitas vezes encaradas como necessidade para a ação afirmativa, as razões para tais disparidades em geral não inspiram investigação séria, ao passo que muita atenção é devotada às suas supostas injustiças. A situação descrita para Karnataka não é única.

ANDHRA PRADESH

O estado de Andhra Pradesh é produto de uma das reorganizações internas que ocorreram em diversas oportunidades depois que a Índia se tornou independente. Durante a era colonial britânica, a cidade de Hyderabad era a capital do estado de Hyderabad – governado por um

príncipe indiano. Nesse meio-tempo, pessoas étnica e culturalmente muito semelhantes viviam no estado vizinho de Madras, onde o governo era inglês. Depois da independência do país, quando houve a absorção do estado de Hayderabad, cujo mandante era um príncipe, tornou-se compreensível a reorganização territorial que reuniu essas pessoas bastante similares no recém-criado estado de Andhra Pradesh. Embora os dois povos coincidissem em termos de raça, língua e religião, suas diferenças históricas, particularmente devidas aos tipos distintos de governo a que estiveram submetidos, criaram disparidades sociais, econômicas e políticas muito sérias. Como em quase todo o subcontinente indiano, as pessoas que viviam sob governo nativo tendiam a não conseguir a mesma educação, ou se modernizar, como as que viviam sob mando britânico. Por exemplo, 17 mil das 22 mil vilas de Hyderabad não tinham escola.[116] Era amplamente sabido, antes da criação do novo estado, que o povo conhecido como andhras, que vivera sob governo inglês, se tornara mais avançado – na agricultura, na educação e na modernização em geral – do que os telangananos, que tiveram como mandantes príncipes indianos em Hyderabad. Consequentemente, foram criadas em 1956 várias “salvaguardas” para garantir aos telangananos, entre outras coisas, representação numérica no governo e nas instituições educacionais por um prazo que deveria se encerrar em 1969.[117] Não obstante, quando chegou a ocasião do término das cotas e das preferências,

em janeiro de 1969, pleitos foram feitos por sua prorrogação e expansão. Acontecera que, nos anos decorridos, os andhras haviam suplantado os telangananos um após o outro sempre que os dois povos entraram em conflito. A cidade de Hyderabad, como capital do novo estado, transformou-se em centro de disputa e de confrontação. Embora ela estivesse situada em região telanganana, os andhras que migraram para lá se saíram muito bem e formaram na capital o que ficou conhecido como “colônias andhras”. Por volta de 1961, um quarto dos habitantes de Hyderabad eram migrantes. Conquanto a maioria dos indianos fosse analfabeta, e assim permaneceria por mais algumas décadas, grande parte dos andhras migrantes era alfabetizada e milhares deles tiveram acesso à educação superior. Os migrantes pouco capacitados da cidade provinham em geral de outras partes da região telanganana, enquanto os migrantes andhras ocupavam os cargos da administração e outras funções de colarinho branco ou da classe média. Os fazendeiros andhras seguiram a antiga prática de comprar terras dos telangananos e torná-las mais produtivas. A “revolução verde” foi concretizada pelos andhras, o que não ocorreu com os telangananos.[118] Sintetizando, os telangananos foram vencidos de várias formas em seu próprio campo, a despeito das cotas preferenciais conhecidas como “salvaguardas”, e ficaram compreensivelmente inquietos em relação ao futuro, caso as ditas salvaguardas expirassem em 1969 como previsto.

Os estudantes universitários começaram a organizar protestos que foram se espalhando para outras áreas e escalando para ataques de turbas a ferrovias e a instalações governamentais. Os funcionários do estado prometeram substituir os “forasteiros” por telangananos locais nos cargos do governo, mas a Suprema Corte de Andhra Pradesh decidiu que eles haviam extrapolado sua competência. Mais tarde, a Suprema Corte da Índia anulou a decisão da corte estadual, permitindo que os funcionários locais dessem prosseguimento às preferências. Isso causou seis meses de violência entre as forças contendoras de Andhra Pradesh. Os telangananos começam então a reivindicar seu próprio estado separado, que lhes concederia inconteste direito de estabelecer as próprias preferências e cotas, mas o governo central da Índia viu nisso a ameaça de outros estados começarem a se fragmentar em inúmeros enclaves étnicos com pretensões de se transformarem também em estados. Embora fosse legal para um estado o estabelecimento de preferências e cotas para favorecer os nativos à custa dos “forasteiros”, no caso em pauta, os lados oponentes estavam dentro do mesmo estado. Envolvidos por rixas políticas e pela violência nas ruas, chegou-se a um meio-termo, embora tivesse sido necessária uma emenda constitucional. As preferências e cotas para pessoas locais foram então oficialmente permitidas dentro de uma região de um estado. Isso deu aos telangananos o que eles queriam sem precisar fragmentar o estado.

Apesar de a situação em Andhra Pradesh ter sido finalmente resolvida sem a persistência dos atritos violentos ocorridos em outros estados indianos, essa inusitada situação realça o fato de que as diferenças de língua e religião, que causaram tantos desentendimentos em outros estados, não são necessárias, tampouco suficientes, para causar polarização intergrupo. O que o problema de Andhra Pradesh teve em comum com o conflito intergrupo em outros estados – e nações – foi que um grupo foi incapaz de competir com outro e, por conseguinte, voltou-se para a política e para a violência, a fim de obter as preferências e cotas que queria.

ASSAM

No estado de Assam, o desenvolvimento econômico de um moderno setor comercial e industrial foi em grande parte obra de pessoas de fora que podem ser retraçadas até os tempos da Índia britânica. Os ingleses importaram trabalhadores chineses de lugares tão remotos quanto Cingapura, pagando-lhes quatro ou cinco vezes o que pagavam aos assameses locais.[119] Mais tarde, na Índia pós-colonial, outros migrantes continuaram ganhando mais que os assameses.[120] Os comentários dos que empregaram trabalhadores locais assameses foram pouco favoráveis, tanto dos ingleses na época colonial quanto dos próprios indianos durante a fase posterior à independência. Os homens marwaris de negócios consideravam seus empregados assameses apáticos, inconfiáveis, incertos e

refratários a muitas horas de trabalho,[121] da mesma forma que os ingleses nos tempos coloniais se queixaram da “indolência e incapacidade” dos assameses e de sua “total falta de espírito empreendedor e diligência”.[122] Os marwaris constituem um grupo empresarial que se originou no estado ocidental de Rajasthan. Sob governo inglês, eles começaram a migrar para todas as partes do subcontinente indiano, frequentemente começando como vendedores pobres para depois chegarem à prosperidade como mercadores, fabricantes, banqueiros e em outros papéis industriais e comerciais. No estado de Assam, os marwaris foram fator importante para a abertura da região ao comércio, tornando-se, no processo, o grupo dominante na atividade. Os marwaris permaneceram como grupo separado em Assam, com suas próprias instituições beneficentes, hospitais, escolas, jornais e outros. Sua língua continuou sendo o hindi, e não o assamês.[123] Outro grupo cuja história em Assam resultou em forte contraste com a dos assameses nativos foi o dos bengalis. Eles incluíam tanto hindus quanto muçulmanos de Bengala, onde a terra era muito mais escassa do que em Assam. Ao chegarem a Assam nos dias coloniais, os bengalis se apossaram avidamente das abundantes terras devolutas, derrubaram florestas e trataram o solo com muito mais cuidado, energia e sucesso que os assameses. Os bengalis não foram só bem-sucedidos na agricultura e nas profissões, as autoridades inglesas também confiavam neles para o preenchimento de funções de responsabilidade na burocracia colonial. Da mesma forma, aproveitaram bem as

oportunidades educacionais criadas pelos britânicos, ao passo que os assameses foram lentos na percepção da necessidade de educação. Diferentemente de muitos outros na Índia, os assameses raramente eram trabalhadores agrícolas sem-terra, e sim, em geral, fazendeiros com extensões de terra rica e fértil. Sofriam, contudo, ao verem outros chegarem e ultrapassá-los em sua própria região. Como os assameses demoraram para tirar vantagem das oportunidades educacionais, os bengalis conseguiram ser bem mais representados nas instituições de ensino e nos cargos do governo. Desta forma, a língua empregada na educação e nas atividades governamentais se tornou o bengali, e não o assamês. Em consequência, os assameses que eventualmente procuraram se instruir depararam com a desvantagem da língua. Todavia, já em meados do século XIX, eles conseguiram que as autoridades britânicas mudassem o idioma das escolas de bengali para assamês. [124]

A atividade política para reverter o desequilíbrio criado pela competição desigual em outras regiões tornou-se padrão para os assameses nos anos e gerações que se seguiriam. Em resposta aos seus receios e ressentimentos em relação aos bengalis e a outros, pelos idos de 1920, as autoridades inglesas procuraram restringir o fluxo de migrantes para Assam.[125] Como em outros locais da Índia, os conflitos étnicos foram travados com base nas desavenças de línguas em Assam. A permissão para o emprego de ambos os idiomas nas instituições estatais implicaria igualdade de oportunidades para os vários grupos do estado, mas se o

assamês fosse usado com exclusividade, a língua proporcionaria o tratamento preferencial que os assameses queriam para fortalecer o privilégio que já recebiam nos empregos do governo e que buscavam nos empregos privados. Durante os anos 1960, empregadores marwaris foram denunciados por políticos assameses por não contratarem número suficiente de empregados locais. Tais queixas foram acompanhadas por levantes e incêndios criminosos. Os assameses também eram favoráveis ao socialismo, que, em Assam, significaria o confisco dos negócios cuja propriedade era de grupos forasteiros que dominavam a economia local. Por volta de 1972, tanto os assameses quanto os bengalis se rebelavam em função do problema não resolvido do idioma. Quando os estudantes bengalis receberam permissão para responder às questões dos exames universitários em sua língua própria, irromperam levantes, incêndios dolosos e saques em diversas cidades de Assam, e tropas tiveram que intervir para restabelecer a ordem.[126] Uma vez mais, em 1983, assameses e membros das tribos locais atacaram bengalis e mataram 4 mil deles, deixando sem casa cerca de 250 mil pessoas.[127] Assam se tornou tão instável que não foi possível realizar lá o censo de 1981 – ou nas décadas desde então.

MAHARASHTRA

A violência empregada para a concretização de pleitos de preferências étnicas não se restringiu a Assam. Em

Maharashtra, um movimento paramilitar chamado Shiv Sena fez uso da intimidação e da força contra vários “forasteiros” que dominavam a economia de Bombaim (a capital de Maharashtra), da mesma forma que vários outros de fora dominavam a economia de Assam. Tal intimidação e força foram também dirigidas contra autoridades políticas e comerciantes privados de quem era demandada prioridade para a contratação de maharashtrianeses. Quando a apresentação destas demandas foi feita a um funcionário da India Oil, por exemplo, elas foram acompanhadas da observação: “Você está dentro do escritório, mas seus barris de petróleo estão lá fora”.[128] O histórico das pressões por políticas de preferências na cidade de Bombaim (agora renomeada Mumbai) e no estado ao redor de Maharashtra foi bem parecido com o de Assam: os nativos locais simplesmente não eram páreo para os forasteiros, que eram preferidos como empregados e muito mais bem-sucedidos como empresários. Na realidade, até mesmo defensores dos locais admitiram tacitamente que eles não se igualavam em desempenho aos de fora, e usaram isso como argumento para o tratamento preferencial: Se você tem duas plantas, uma com raízes sólidas e folhas amplas, e outra com raízes fracas e folhas pequenas, elas não podem absorver a água, os nutrientes do solo e a energia do Sol com a mesma eficiência. A planta mais fraca necessita de mais atenção para que possa alcançar a outra e, um dia, produzir lindos frutos.[129]

Empresários do estado vizinho de Gujarat constituíam o maior grupo de executivos de negócios em Bombaim, na

metade do século XX, e eram mais da metade dos gerentes então cadastrados.[130] Os maharashtrianeses quase não existiam nesses níveis elevados e também não eram muito procurados como empregados porque era consenso geral que eles careciam de capacitações e atitudes produtivas. Tudo isso se transformou em fontes de ressentimento em relação à “discriminação” contra os nativos locais pela ação de um editor ambicioso chamado Bal Thackeray, que também fundou o movimento Shiv Sena para corrigir essas desigualdades. Em 1965, a revista que Thackeray editava publicou uma série de reportagens sobre o domínio dos “forasteiros” nas posições econômicas de destaque em [131]

Bombaim.[132] Essas revelações não só causaram crescimento vertiginoso na tiragem da revista como criaram uma atmosfera na qual o movimento Shiv Sena pôde nascer e florescer. Operando de forma bastante semelhante aos paramilitares que levaram Mussolini e Hitler ao poder, o Shiv Sena se tornou uma força na política e nas ruas. Ele apresentou candidatos a cargos eletivos, organizou boicotes e recorreu à violência e a assassinatos, em particular contra “forasteiros”.[133] Com origem em Bombaim, o Shiv Sena, com os anos, se transformou em força política dominante em todo o estado de Maharashtra e, no começo do século XXI, ocupava quinze assentos no Parlamento nacional da Índia. Seu tema principal da preferência nas contratações e das cotas para maharashtrianeses se expandiu e passou a incluir agitação antimuçulmana, oposição à propriedade estrangeira da Air India, recusa em permitir um jogo de

críquete entre as equipes da Índia e do Paquistão que teria lugar em Maharashtra – em suma, qualquer questão que apelasse para a xenofobia contra uma crescente lista de “inimigos”. Nesse meio-tempo, políticos ligados à identificação de grupos cresciam em outros estados e localidades, e, nacionalmente, um partido extremista hindu aumentava sua estatura e desafiava o Partido do Congresso que prevalecia na Índia havia trinta anos, desde a independência em 1947. Este Partido Bharatiya Janata, mais conhecido como BJP, deixou de lado emoções tais como as provocadas pelo fato de os muçulmanos terem invadido a Índia em séculos passados, formou uma aliança política com o Shiv Sena e, no fim, acabou se tornando o partido governante da Índia. Na esteira da ascensão do Shiv Sena, os maharashtrianeses começaram a ser empregados em maior número e em posições de maior destaque do que antes. Contudo, como mencionado no Capítulo 1, tal crescimento foi precedido por considerável aumento da quantidade de maharashtrianeses instruídos, antes mesmo da criação do Shiv Sena, de modo que não é fácil determinar quanto de seu progresso se deveu especificamente à organização do tratamento de preferências por ele fomentada. O que pode ser claramente atribuído ao Shiv Sena é a escalada da polarização em Maharashtra entre os nativos, que quase não constituíam maioria, e os diversos outros grupos étnicos e religiosos, que se dispuseram a reagir. Um correspondente da prestigiosa revista inglesa The Economist reportou em 1993, de Bombaim:

O assassinato, a pilhagem e o incêndio provocado que tiveram início em 6 de janeiro logo se alastraram do gueto muçulmano para os enclaves dos privilegiados. Primeiro, a polícia foi chamada, depois as forças paramilitares e, então, em 9 de janeiro, o Exército – ainda assim, a carnificina se espalhou. Nesta semana, a estação ferroviária foi inundada por milhares de famílias tentando escapar da cidade. No aeroporto, houve brigas quando os ricos descobriram que os voos estavam reduzidos por causa de uma greve de pilotos.[134]

Com mais força, e algumas vezes com características ainda piores, a violência estouraria para além de Bombaim nos anos seguintes. Numa série dessas sublevações, morreram mais de mil pessoas – e a Far Eastern Economic Review publicou que estimativas não oficiais contabilizavam milhares. Acrescentou, citando The Times of India: Tais estatísticas não dão ideia do verdadeiro horror causado pelas hordas “parando veículos e colocando fogo em seus ocupantes”; dos “homens ensanguentados, recém-esfaqueados, que chegavam aos hospitais”; do condutor de riquixá “que enganara um casal muçulmano levando-o para uma emboscada fatal”; dos “vizinhos que causavam mortes terríveis de velhos amigos”; das mulheres enlouquecidas por verem “crianças jogadas em fogueiras, maridos esquartejados, filhas seviciadas, filhos arrastados para longe”; e das 150 mil pessoas escorraçadas da cidade.[135]

Não só pessoas fugiram da cidade. Mais de um milhão de empregos também foram embora, quando os negociantes passaram a considerar Bombaim um local de risco. Se os maharashtrianeses ganharam tantos empregos com as preferências e as cotas quanto perderam com o êxodo dos empregadores é uma questão que talvez jamais seja respondida. Todavia, tais considerações não dissuadiram o Shiv Sena a diminuir a pressão em sua retórica e simbolismo antimuçulmanos. Um de tais atos de

simbolismo, em 1995, foi a troca do nome da cidade de Bombaim para aquele que ostentara séculos atrás, antes das conquistas inglesas – mais precisamente, antes das conquistas muçulmanas. Outros nomes de cidades e vilas também foram trocados para os que tinham antes da chegada dos muçulmanos. Sobre Bal Thackeray, a revista Asiaweek afirmou: “Embora não detenha cargo eletivo, ele agora é amplamente reconhecido como o líder mais poderoso em Maharashtra, o estado mais rico da Índia”.[136] A revista Time publicou: “As autoridades ficaram tão temerosas que a prisão do líder hindu desencadeasse levantes de multidões que ele não foi tocado, mesmo depois de proclamar em 1992 que tropas de seu Shiv Sena tinham demolido a disputada mesquita em Ayodhya, provocando violência em âmbito nacional”.[137] A desordem, sangue vital de um movimento extremista como o Shiv Sena, drenou os recursos econômicos de Bombaim (Mumbai). Apesar da longa predominância daquele destacado centro industrial e comercial da Índia – 40% de todos os impostos diretos no país eram lá coletados –, muitas empresas estrangeiras passaram a dar preferência a Bangalore, Hyderabad e Madras para a instalação de seus quartéis-generais, e mesmo as companhias domésticas começaram a ser relocadas. Em 1998, as receitas dos impostos e da aduana decresceram pela primeira vez em Bombaim.[138] Nada disso parece ter amortecido a propensão para as explosões simbólicas – por exemplo, “o saque e o

lançamento de esterco de vaca em lojas do McDonald’s”. [139]

No entanto, há sinais de que o Shiv Sena vem perdendo apoio. Em 2001, Bal Thackeray foi finalmente preso por sua participação na destruição de uma mesquita que ele havia publicamente admitido nove anos antes. Não obstante, o sucesso político de movimentos xenófobos locais em busca de tratamentos preferenciais em várias partes da Índia promoveu xenofobias de outros tipos, inclusive a antiocidental. O estado de Uttar Pradesh, por exemplo, baniu oficialmente as comemorações do Dia dos Namorados, e gangues no estado de Orissa atacaram cristãos: Bíblias foram queimadas, padres e freiras atacados, igrejas danificadas, capelas incendiadas. Graham Satines foi queimado com seus filhos até a morte. Padre Christudas desfilou humilhantemente nu pelas ruas de Dumka, e uma freira em Bihar foi obrigada a beber urina humana.[140]

Tolerância, desculpa ou mesmo recompensa para a xenofobia sem lei só têm feito com que ela se expanda, fique mais radical e mais horrenda. Em dezembro de 2002, o extremado BJP obteve vitória eleitoral com larga margem no estado de Gujarat.

GRUPOS NÃO PREFERENCIAIS

Apesar da quantidade relativamente pequena de benefícios para os intocáveis e grupos tribais pobres, todo o sistema de preferências e cotas pesa fortemente sobre grupos não preferenciais, especialmente sobre os indivíduos

das castas mais elevadas que não possuem fontes independentes de renda ou de riqueza e que, portanto, dependem do acesso à educação para chegarem a cargos profissionais e no governo. A extensão progressiva das preferências e das cotas para numerosos grupos, em particular para “outras classes atrasadas” que estão em melhor situação para tirar proveito de tais preferências, significa que pelo menos três quartos da população da Índia são membros de grupos preferenciais oficiais. Enquanto a minoria restante é geralmente constituída de pessoas de castas superiores, o fato de pertencer a elas não se traduz automaticamente em privilégio econômico. Se, de modo geral, os brâmanes são mais prósperos que os intocáveis, também há brâmanes pobres e intocáveis afluentes. Essas jovens pessoas dos grupos não preferenciais que dependem da educação para o sustento do tipo de vida requerida para a manutenção de sua posição na sociedade podem, assim, se ver em situação desesperadora e recorrer a medidas extremas. Depois que o governo nacional, eleito em 1989, expandiu as cotas, houve reações violentas dos grupos não preferenciais: Estudantes atearam fogo às próprias vestes; outros lideraram campanhas de protesto em todo o país; trens foram descarrilados e veículos, queimados; a polícia abriu fogo e manifestantes foram mortos.[141]

Há muito mais coisa envolvida aqui do que o simples melodrama “rico versus pobre”. A maioria dos realmente muito pobres é pouco afetada pelas preferências e cotas instituídas em seu nome, mas que vão primordialmente

para outros. Tampouco são afetados os muito ricos pelo inconveniente do menor acesso aos cargos públicos, em especial porque podem ser nomeados para funções bem mais elevadas se assim o desejarem. Além disso, a capacidade de os ricos proporcionarem aos seus filhos a mais requintada das educações primária e secundária praticamente garante que tais jovens obterão elevadas notas nos exames de admissão às universidades, não sendo eles, por conseguinte, os que serão sacrificados para a abertura de vagas aos membros dos grupos preferenciais. Em síntese, nem os ricos nem os pobres são grandemente afetados pelas preferências e cotas. São os que estão entre os dois que sofrem as maiores perdas ou auferem ganhos, segundo a amplitude da categoria em que por ventura estão classificados ou se as suas circunstâncias individuais são mais ou menos bafejadas pela sorte. Quanto aos genuinamente ricos, parece que vêm se saindo bem. Como um estudo concluiu: Os vinte e cinco por cento mais ricos são agora proprietários de terras que não possuíam uma geração antes. E o nível da inquietação rural cresceu proporcionalmente ao empobrecimento das famílias das castas tabeladas.[142]

Preferências e cotas não são meramente um jogo de soma zero, como a imagem rico versus pobre poderia sugerir. Existem custos para a sociedade como um todo, suportados, em alguma medida, por todos os grupos que a constituem. Entre tais custos estão quaisquer perdas de eficiência que podem resultar da colocação de pessoas menos qualificadas em determinados cargos, do ingresso

delas em universidades para as quais não estão preparadas e nas quais dificilmente se formarão. Custos mais sérios são os causados pela crescente hostilidade intergrupos, bem como pelas violências e mortes a que normalmente tal hostilidade conduz.

RESUMO E IMPLICAÇÕES

Como país de história mais longa no que diz respeito a preferências e cotas com o propósito de fazer progredir os grupos mais pobres e em maior desvantagem, a experiência da Índia é particularmente relevante para a história das consequências reais de tais programas, e não de suas esperanças ou argumentações. Muito do que aconteceu na Índia prenunciou o que ocorreu mais tarde em outros países que seguiram o rastro indiano com políticas de ação afirmativa. O registro é particularmente claro na Índia em virtude das estatísticas detalhadas que estão sendo colocadas à disposição para consulta sobre os inúmeros subgrupos do país. Enquanto as estatísticas nos Estados Unidos, por exemplo, são mantidas sobre categorias genéricas de negros, brancos e hispânicos, na Índia as quatro castas amplas de hindus são subdivididas em muitas subcastas, que são a realidade viva em localidades específicas do país. Assim, é mais fácil ver como os benefícios reservados para intocáveis acabam sendo distribuídos desproporcionalmente para os intocáveis mais prósperos. Mesmo com a existência de provas de que as preferências e cotas nos Estados

Unidos – e na Malásia e no Sri Lanka, dentro deste contexto – também beneficiam primordialmente os membros mais afortunados desses grupos mais desvalidos, as estatísticas do governo americano não detalham a população negra em classes distintas (ou subgrupos étnicos como os indianos ocidentais) para se constatar quem ganhou e quem perdeu. Não se deve brigar contra os propósitos fundamentais dos programas de ação afirmativa que pretendem ajudar os grupos em flagrante desvantagem. Nem há a menor razão para que se duvide de que a Índia tinha – e continua tendo – alguns grupos das pessoas mais pobres e mais oprimidas do mundo. Porém, a menos que se fique contente com simplesmente “fazer alguma coisa” sem levar em conta as consequências reais, é difícil fugir à conclusão de que a ação afirmativa na Índia produziu benefícios mínimos para os mais necessitados, e ressentimentos e hostilidades máximos contra eles por parte de outros. A necessidade de contribuições suplementares – quer financeiras, quer culturais – vindas dos próprios membros dos grupos nomeados como beneficiários, a fim de tornar efetivas as cotas e as preferências, só fez garantir que os benefícios fossem desproporcionais para os indivíduos e subgrupos que já eram mais afortunados, e não para os que mais precisavam deles. Os dados crus mostram essa triste realidade repetidas vezes. A despeito da ênfase nas disparidades intergrupos como mola propulsora das políticas de ação afirmativa na Índia, essas políticas em si demonstraram grandes disparidades na distribuição dos benefícios. Tal fato não

passou em branco entre os próprios indianos. Oponentes da ação afirmativa têm argumentado no Parlamento que “seções das castas atrasadas já são ricas e não precisam de ajuda para competir”.[143] A Suprema Corte da Índia, em 1992, manteve a exclusão dos indivíduos e grupos mais afortunados das cotas para as “classes mais atrasadas”. Em 1999, a mesma Suprema Corte anulou uma lei de cotas no estado de Kerala, que declarava não haver “nata das camadas” entre aquelas com preferências asseguradas pelo estado. As continuadas controvérsias legais e políticas na Índia sobre o que fazer a respeito da enviesada distribuição dos benefícios das cotas de grupos, que vão de modo tão desproporcional para os que não precisam tanto deles, mostram pelo menos a consciência pública sobre tal viés – uma conscientização que ainda não se espraiou pelos Estados Unidos, onde existe polarização similar. Malgrado as conversas sobre preferências temporárias e limitadas, o fato é que elas têm persistido e se ampliado, a ponto de se aplicarem agora a três quartos da população da Índia,[144] embora as cortes indianas limitem as cotas a 50% das vagas disponíveis. Ademais, como um exaustivo estudo acadêmico sobre os grupos preferenciais na Índia concluiu, as cotas para as “outras classes atrasadas” não são apenas maiores que as destinadas aos intocáveis e povos tribais, como também “jamais deixam de ser preenchidas”.[145] Tais fatos são conhecidos por décadas, mas não levaram a quaisquer abordagens alternativas para ajudar os

que estão no fundo da escala socioeconômica. Em função da enorme medida de pensamentos intelectual, jurídico e político envolvidos na avaliação da ação afirmativa na Índia, é difícil acreditar que exista uma solução prontamente disponível. Nem parece politicamente possível dar fim a tais programas, a despeito dos crescentes alertas de que eles levarão a uma volumosa onda de violência contra os intocáveis como beneficiários presumidos. Tampouco têm escapado da violência os integrantes das “outras classes atrasadas”. Depois que o estado de Gujarat ampliou as cotas para os membros de tais classes em 1985 de 10 para 28%, ocorreram sublevações nas quais “275 pessoas morreram numa orgia de incêndios dolosos e assassinatos”. [146]

Nem aliados nem críticos da ação afirmativa parecem dispostos a recuar. Mesmo onde as cortes e os funcionários enjeitaram os critérios falaciosos, eles simplesmente se esconderam por trás de subterfúgios em vez de desaparecerem. Padrões objetivos têm sido compensados com padrões subjetivos com mais frequência, claramente empregados como contrapesos para a produção dos mesmos resultados de representações de grupos que seriam alcançados com explícitos critérios falaciosos. Por exemplo, os candidatos a ingresso numa escola de medicina em Tamil Nadu podiam receber 75 pontos do total de 275 por atributos, tais como esportes, atividades extracurriculares, “aptidões” e “habilidades gerais” – constatados em entrevistas que duravam aproximadamente três minutos por requerente. Além do mais, as notas desses

candidatos nas entrevistas demonstraram aquilo que um tribunal indiano chamou de padrão “perturbador” de discrepância em relação às notas dos outros critérios.[147] Em suma, qualquer que seja o atrativo de um critério subjetivo ou “de nuances”, o fato é que ele se presta para compensar qualificações deficientes por critérios objetivos. Em outro caso que chegou às cortes indianas, ficou evidente que “muitos estudantes cujos desempenhos nos testes universitários não eram em absoluto satisfatórios nem possuíam históricos escolares meritórios” receberam, apesar disso, “notas muito altas nas entrevistas”, enquanto “grande número de estudantes com conceitos elevados nos testes universitários e com desempenhos muito satisfatórios em séries anteriores tinham tirado notas baixas nas entrevistas”.[148] Se bem que o raciocínio inicial para a ação afirmativa, ou “discriminação positiva” na Índia, fosse para ajudar os mais pobres e os mais discriminados em relação a outros grupos, tais preferências e cotas rapidamente se espalharam para “outras classes atrasadas” e para muitos grupos locais – tais como os de Assam, Andhra Pradesh e Maharashtra – cujo problema principal eram sua inadequação e seu ressentimento de outros grupos que se saíam bem melhor na educação e na economia. Nem o objetivo nem o arrazoado para os grupos preferenciais e as cotas puderam ficar confinados ao que inicialmente eram. No curto prazo – o que significa dizer, dentro do horizonte do mandato dos funcionários eleitos – o mais politicamente conveniente a fazer é continuar estendendo

as preferências para mais grupos e para mais setores da sociedade e da economia. Isto é, de fato, o que vem sendo feito. No longo prazo, seriam necessárias mudanças culturais dentro dos grupos indicados como beneficiários para fazer com que os mais pobres dentro deles utilizassem de fato os benefícios teoricamente colocados à sua disposição. No entanto, não há caminho político a ser percorrido que seja capaz de dizer às pessoas que elas devem mudar. Nem seria fácil para os intocáveis e outros se ajustarem a condições cambiantes que promovessem seu próprio progresso ou o de seus filhos. Dinheiro para o material escolar, transporte para escolas muito remotas e despesas para a vida de internato em escolas e faculdades não estão ao alcance dos desesperadamente pobres. Igualmente difíceis de proporcionar são os pré-requisitos culturais – alfabetização dos pais, livros em casa, ou a simples noção da necessidade de educação suficientemente grande para sobrepujar os frutos competidores do trabalho dos filhos nas famílias que vivem no limite da subsistência. Pais analfabetos ou pouco instruídos são também menos capazes de orientar seus filhos sobre suas opções educacionais. Além do mais, a apatia resultante da desesperança não se evapora imediatamente quando um novo mundo de oportunidades e de pré-requisitos aparece. Mesmo um advogado fervoroso dos intocáveis e das políticas preferenciais voltadas para eles tem conclamado os estudantes intocáveis das escolas de medicina e de engenharia a abandonarem sua “indiferença”.[149]

Os efeitos cumulativos dessas desvantagens são impressionantes. Além disso, os modos de atenuar a carga não são politicamente palatáveis. Além da necessidade de dizer para grupos já em desvantagem algumas verdades desagradáveis, o estadismo da liderança política ainda teria que encontrar uma maneira de dizer para os contribuintes a também desagradável verdade de que seria necessário mais dinheiro para cobrir os custos complementares que os mais pobres simplesmente não podem bancar – e dizer para os indivíduos e grupos mais afortunados que não há desculpa para que eles absorvam benefícios mais urgentemente necessitados por outros. A julgar pelo propósito da atividade política, não surpreende que isso não venha sendo feito. Até para os intelectuais à margem do processo e sem necessidade de lutar por uma reeleição, existem tarefas desafiadoras. O primeiro desafio é abrir mão da fácil indulgência que cerca o melodrama moral e olhar para as consequências empíricas reais da ação afirmativa, em vez de cogitar sobre seu racional ou sua visão. É muito mais fácil condenar uma realidade social pesarosa do que determinar o que pode ser feito, numa situação quase impossível, a fim de melhorar as coisas por incrementos sem piorar outras. O trato sério de tais problemas significa abandonar as atitudes fáceis de “se sentir bem”, por exemplo, adicionando pontos às notas de candidatos menos afortunados ao ingresso nas universidades e subtraindo pontos daqueles com mais possibilidades – nada que modifique as realidades fundamentais ou as consequências

que, no final, advirão de tais realidades, inclusive fracassos estrondosos de estudantes em situações nas quais são suplantados. Qualquer preocupação cuidadosa com o sucesso dos estudantes em desvantagem social na educação superior tem que começar anos antes de eles chegarem à universidade. Isto quer dizer que mesmo os esforços mais bem-sucedidos para lhes prover o fundamento educacional de que necessitam – sucesso não muito fácil de alcançar – talvez só deem resultados no nível universitário uma década mais tarde. Todavia, quantos políticos, ativistas ou intelectuais se dispõem a esperar tanto tempo? E se, nesse meio-tempo, está à mão o caminho mais fácil dos grupos de preferências e das cotas, que incentivo existe para os estudantes em desvantagem se submeterem à penosa autodisciplina e ao trabalho duro necessários à quebra de velhos padrões de comportamentos e atitudes, de modo a ficarem em condições de aproveitar as oportunidades em horizonte muito distante? A Índia não é o único país em que os grupos preferenciais demonstraram “indiferença” para com a difícil tarefa de se preparar para satisfazer os padrões dos outros. O mesmo tipo de desinteresse entre grupos que receberam tratamento preferencial tem sido observado nos Estados Unidos, na África do Sul e na Malásia. Por que os indianos teriam que ser diferentes? Um pequeno mas encorajador sinal veio de uma pesquisa de opinião entre os garis intocáveis de várias vilas. Ao passo que a maior parte não vê alternativas melhores disponíveis para eles mesmos, a maioria alimenta a

esperança de que seus filhos se eduquem para trabalhos melhores.[150] Esta perspectiva de longo prazo entre pessoas oprimidas envergonha as conveniências de curto prazo com frequência encontradas entre os melhores colocados na escala social da política e da academia. Preferências e cotas podem produzir melhoras estatísticas imediatas em determinados grupos, por mais inconsistente que seja a posição que tais pessoas possam ocupar – particularmente como estudantes universitários incapazes de concluir o curso. A igualdade do “faz de conta” resultante de sua presença física pode ser tanto um arremedo como um obstáculo para a conquista autêntica. Como a Índia irá resolver esses problemas é uma questão sem resposta fácil e que, obviamente, tem que ser encontrada pelos indianos. O que fica evidente são as lições que os outros podem aprender com a experiência da Índia na ação afirmativa. Tem sido dito que os que se recusam a dar atenção à história serão forçados a repeti-la. Muita da história da ação afirmativa na Índia já começa a ser repetida em outros países.

Capítulo 3

| Ação Afirmativa na Malásia

                A Malásia é um país com cerca de 23 milhões de habitantes e um dos mais prósperos do Sudeste Asiático. Na população desse país, 50% são malaios, 24% chineses e 7% indianos.[151] Tempos atrás, a minoria chinesa era muito maior – e, em certa ocasião, excedeu em tamanho a população malaia; isso foi em 1948, quando a Malaya colonial tinha 45% de chineses, 43% de malaios e 10% de indianos.[152] Muita história correu por trás dessas estatísticas, como também por trás das estatísticas de hoje. A maior taxa de fertilidade dos malaios em comparação com a dos chineses e indianos minoritários[153] sinaliza que a maioria malaia está garantida no futuro.

HISTÓRIA

O que hoje chamamos de Malásia é uma combinação de territórios que foram governados pelos ingleses por cerca de um século e meio. Durante a maior parte da era colonial, que terminou com a independência em 1957, a parte central e mais desenvolvida desses territórios era a península malaia, na extremidade da qual se encontra a ilha de Cingapura, um dos portos destacados da Ásia. Quando a colônia conhecida como Malaya evoluiu para a nação independente da Malásia, absorveu tanto Cingapura como alguns territórios na ilha de Bornéu, a Leste, que eram partilhados com a Indonésia. A maior parte da grande ilha de Bornéu pertence à Indonésia, cuja outra grande ilha – Java – flanqueia a Malásia pelo Sudoeste. Enquanto os dois maiores grupos étnicos na Malásia são constituídos por malaios e chineses, existe também uma pequena minoria indiana – na sua maior parte, tâmils – e outros povos indígenas que, juntos com os malaios, formam os bumiputeras, ou “filhos da terra”, para os quais foram criadas provisões especiais pelo governo. Se bem que os malaios sejam quase metade da população da Malásia, todos os bumiputeras somados chegam a 61% dos habitantes da nação.[154] Em tempos passados, a cambiante demografia do país teve muito a ver com as mudanças na estrutura política. A primeira dessas alterações demográficas teve início no princípio do século XIX, quando começaram a chegar imigrantes da China. A Malaya governada pelos ingleses foi apenas um dos países do Sudeste Asiático para os quais grandes quantidades de chineses se mudaram durante a era do

imperialismo europeu.[155] Esses imigrantes chineses eram tipicamente pobres e analfabetos e, assim, partiram bem de baixo, trabalhando duro em tarefas sujas e servis que as pessoas nativas da região normalmente desdenhavam. Na Malaya governada pelos ingleses, os chineses proporcionavam a maior parte da mão de obra das plantações de seringueiras para a produção de borracha, enquanto os indianos predominavam entre os trabalhadores nas minas de estanho, já que a Malaya se tornou, e continuou sendo por muito tempo, o maior produtor mundial das duas matérias-primas. O capital e a gerência para tais empresas eram supridos pelos ocidentais, e a força de trabalho vinha dos chineses e indianos, o que deixava pouco espaço para os malaios no desenvolvimento dos setores modernos de seu próprio país. No entanto, os malaios eram proprietários de terras e, por isso, muitos ficavam em condições de rejeitar as tarefas mais árduas e inferiores, que eram desempenhadas pelos imigrantes chineses e indianos extremamente pobres. Quando alguns malaios trabalharam ao lado dos chineses nas plantações de seringueiras, sua produção foi menos da metade da dos orientais.[156] Com a continuação do fluxo de chineses ao longo dos anos e das gerações, a população desses imigrantes na Malaya cresceu de estimados 100 mil em 1881 para mais de um milhão apenas cinquenta anos mais tarde.[157] Por volta de 1941, os chineses já ultrapassavam os malaios na Malaya britânica.[158]

Embora os chineses partissem bem de baixo da escala social e econômica, sua frugalidade permitia que eles subissem verticalmente naquela escala pelo estabelecimento de pequenos negócios, normalmente lojas de varejo. Enquanto, em 1911, mais da metade dos chineses da Malaya trabalhavam na agricultura e nas minas, vinte anos mais tarde só 11% ainda estavam nessas ocupações.[159] Todavia, mesmo progredindo economicamente, os chineses permaneceram separados e distintos em termos sociais dos malaios nativos. Os dois grupos falavam idiomas diferentes, professavam religiões diversas e tinham estilos de vida totalmente distintos. O modo comedido de vida dos chineses, por exemplo, era bastante diferente da vida dos malaios, conhecidos por serem esbanjadores e propensos a contrair dívidas motivadas por celebrações sociais.[160] As taxas de crescimento da população e de mortalidade infantil entre os chineses eram aproximadamente a metade das encontradas entre os bumiputeras.[161] Em virtude das acentuadas diferenças culturais entre os vários grupos na Malásia, não é de admirar que tenha havido pouquíssimos casamentos e vizinhança inter-raciais na Malaya colonial ou na nação independente da Malásia. Com o passar dos anos e das gerações, os chineses aprimoraram seus negócios na Malaya, criando, ao longo do processo, indústrias completamente novas. Além das incontáveis pequenas lojas de varejo, eles também entraram em grandes empreendimentos. Por exemplo, por volta de 1920, as minas de propriedade chinesa produziam

cerca de dois terços do estanho na Malaya, embora os europeus tivessem mais tarde ultrapassado essa produção. [162]

Entretanto, o varejo continuou sendo dominado pelos

orientais, que chegaram a ter 81% das lojas do país.[163] Apesar de os chineses terem começado na Malaya muito mais pobres que os malaios, suas rendas cresceram com os anos até serem o dobro da receita média dos nativos. A maioria do capital investido no país tinha origem estrangeira, porém a participação acionária nas empresas domésticas era primordialmente chinesa. A Malásia exibe em escala nacional padrões já vistos nos estados indianos de Assam, Maharashtra, Andhra Pradesh e Karnataka – pessoas locais suplantadas no desempenho por forasteiros, seja na educação, na força de trabalho, nos negócios ou na indústria. Tal situação provocou os mesmos ressentimentos explosivos surgidos na Índia e em outros países, e desaguou em demandas semelhantes por políticas de preferências para os que não podiam competir com os de fora. Os malaios já desfrutavam de tratamento preferencial sob o governo colonial inglês. Os não malaios experimentavam severas restrições quanto à propriedade de terra na Malaya, e o governo colonial proporcionava educação gratuita para os malaios, enquanto deixava que os outros educassem seus filhos como pudessem. Os malaios tinham também prioridade nos cargos da burocracia colonial. A despeito das preferências, entretanto, os chineses continuavam sobrepujando os malaios. Maior porcentagem de crianças chinesas completava os estudos,

embora seus pais e responsáveis tivessem que arcar com os custos das escolas particulares.[164] As tensões inter-raciais estavam entre os maiores desafios enfrentados pela colônia britânica da Malaya quando ela se tornou a independente Federação da Malaya em 1957. Mais tarde, depois da adição de Cingapura e de outros territórios, ela passou à nação hoje conhecida como Malásia. A Constituição do país garantia supremacia política para os malaios nativos, tanto diretamente quanto pelo voto de maior peso nas áreas rurais, onde os malaios predominavam, do que o voto nas cidades, onde os chineses eram maioria. Àquela altura, a quase equivalência das populações malaia e chinesa fez com que os malaios se inquietassem com a manutenção de sua supremacia no futuro. Os chineses já demandavam igual tratamento para todos os cidadãos da Malásia, ao passo que os malaios queriam expandir o tratamento preferencial para si e para outros povos indígenas como os bumiputeras ou “filhos da terra”. A contenda inter-racial foi resolvida por uma das mais extraordinárias decisões políticas: Cingapura foi expelida da Malásia em 1965 – uma das raras vezes em que um país, voluntariamente, abriu mão de parte de seu território. Como Cingapura possuía uma vultosa população chinesa, sua separação deixou a Malásia com confortável maioria malaia, objetivo precípuo da manobra. A partir de então, os malaios passaram a contar com inconteste controle político do país.

POLÍTICAS E PREFERÊNCIAS

Os partidos políticos importantes da Malásia têm sido partidos étnicos – a Organização Nacionalista Unificada da Malásia (UMNO) é o maior deles, e a Associação Chinesa Malaia e o Congresso Indiano Malaio representam os principais grupos étnicos. Em outros países ao redor do mundo, os partidos políticos que, como os acima citados, apresentam-se como representantes de grupos étnicos têm sido causadores de polarização. Contudo, na Malásia, esses três partidos formaram uma coalizão conhecida como Partido da Aliança, procurando pacificar todos os segmentos da sociedade. As acomodações mútuas resultantes da coalizão política foram desafiadas por outros grupos étnicos, cada um reivindicando mais para seu respectivo grupo. Não obstante, nenhum desses grupos étnicos mais militantes conseguiu abalar os partidos da coalizão governamental, os quais têm mantido o poder na Malásia desde a independência, e os primeiros-ministros do país têm sido, invariavelmente, de etnia malaia. As políticas do governo têm conseguido manter um rumo intermediário entre os direitos iguais para todos – política e constitucionalmente inatingível na Malásia – e as demandas extremadas por um estado islâmico e pela supressão das atividades econômicas chinesas. O compromisso inicial contemplou a continuação e a expansão das preferências para os malaios no governo, com vários reconhecimentos simbólicos da supremacia dos nativos e uma elevação das taxas principalmente sobre os negócios chineses e forasteiros, recursos coletados para emprego, em

sua

maior

parte,

em

benefício

dos

malaios.[165]

Entrementes, os chineses, indianos e outros passaram a contar com razoável liberdade de ação na economia, e o ingresso na educação universitária foi por padrões de desempenho iguais para todos. Com a admissão nas universidades condicionada apenas aos resultados dos exames, os malaios só conseguiram 20% das vagas, e a maioria dos estudantes não malaios era chinesa.[166] Na Força Aérea do país, em 1969, mais da metade dos oficiais era de chineses.[167] Outra característica do panorama político malaio vem sendo constituída pelos draconianos poderes emergenciais do governo, em grande parte legado dos dias coloniais, quando os ingleses tiveram que combater movimentos guerrilheiros comunistas. Então, essas leis poderiam ser invocadas – e eram – sempre que o governo desejasse reprimir qualquer questionamento público às políticas raciais do país. Tal limitação severa à liberdade de expressão serviu também para frear a espécie de demagogia racial que despedaçou outros países multiétnicos. A continuada e claramente visível posição inferior dos malaios – salvo o domínio político – era deprimente para o orgulho e aspirações dos nativos, e proporcionou combustível político para os que desejavam atacar os compromissos da coalizão liderada pela UMNO. No entanto, quando a coalizão obteve vitória apertada nas eleições de 1969, alguns chineses foram celebrar nas ruas – o que deu início a levantes de malaios enfurecidos que mudaram por completo o destino do país.

Turbas malaias atacaram chineses e os mataram às centenas, deixando também sem teto milhares deles.[168] Para acalmar os malaios e evitar mais derramamento de sangue, o governo lançou um abrangente conjunto de programas chamado Nova Política Econômica (NPE), com o objetivo de alcançar o que denominou de “balanceamento racial”. Nas palavras de uma publicação oficial do governo: Se o balanceamento racial no campo do emprego é para ser conseguido de modo que a proporção das diversas raças nos cargos dos principais setores da economia reflita a composição racial da força de trabalho, a fim de que todos os grupos raciais se beneficiem por completo do pleno emprego e as diferenças existentes na renda per capita entre as várias raças diminuam, então serão necessárias movimentações intersetoriais de ordem considerável na mão de obra, bem como movimentações para atividades de maior produtividade dentro dos setores.[169]

Sob a Nova Política Econômica, as preferências que já existiam para os empregos no governo foram estendidas para os empregos no setor privado, inclusive para as empresas estrangeiras que operavam na Malásia. Além disso, a NPE estabeleceu como meta a transferência de 30% de todas as ações corporativas da Malásia para malaios – quer individualmente, quer para o governo agindo em nome da população malaia. Na ocasião em que tal objetivo foi fixado, os malaios eram donos de menos de 2% das ações corporativas do país.[170] A meta dos 30% não foi alcançada em 1990, mas, em 1995, a propriedade de ações por malaios chegou a 21%.[171] Contudo, a composição daqueles que se beneficiaram acabou polarizada nas elites,

cujo apoio governante:

político

era

importante

para

a

coalizão

As pessoas malaias de negócios, quase todas ligadas politicamente à UMNO, receberam prioridade na obtenção de crédito, de licença e de contratos com o governo. Como parte da estratégia para aumentar a participação malaia na economia moderna, o governo forçou os chineses estabelecidos e as empresas estrangeiras a se reestruturarem de tal forma que pelo menos 30% de suas ações fossem propriedade de malaios – ou de agências do governo agindo “em prol” da comunidade malaia ou de negociantes privados malaios. As empresas que não se ajustaram a tal reestruturação se viram em dificuldades cada vez maiores para renovar licenças ou obter contratos com o setor governamental em expansão. A maneira normal de chegar a essa reestruturação foi disponibilizar no mercado novas ações para a compra por malaios a preços abaixo do par.[172]

Programas de empréstimos governamentais também foram criados para oferecer créditos privilegiados aos malaios. Preferências educacionais para os malaios também foram grandemente expandidas. A NPE proporcionou numerosas oportunidades para funcionários e aliados dos partidos da coalizão governante, especialmente da dominante UMNO. Por exemplo, políticos desse partido eram normalmente proprietários de empresas que recebiam tratamento especial do governo. Um relatório do Banco Mundial sobre a expedição de licenças para habitações na Malásia a denominou de “rota fácil para a riqueza instantânea” dos políticos.[173] Enquanto os membros do Parlamento e das assembleias legislativas estaduais tinham oportunidades especiais para se beneficiarem da NPE, também eram oferecidas vantagens para funcionários de escalões

inferiores do governo e dos partidos governantes, bem como aos seus aliados. Acesso preferencial às licenças para táxis e caminhões para os malaios tornou-se, na prática, prerrogativa dos malaios membros da UMNO ou dos protegidos de funcionários desse partido. Além do mais, as pessoas que se opunham claramente à coalizão governante podiam ver os benefícios do governo negados ou descontinuados para si ou para suas localidades.[174] Os empréstimos preferenciais que permitiam aos malaios a abertura de um negócio com frequência se transformaram em doações por causa do sentimento difundido de que “empréstimos não eram para ser pagos”. Isso era especialmente verdade quando “os devedores, encontrados em grande parte entre as fileiras dos mais fiéis integrantes locais do partido governante, eram considerados quase intocáveis”.[175] O mesmo acontecia com as Corporações de Desenvolvimento Econômico Estatal. Das 314 empresas estabelecidas pelas CDEEs, menos de um terço conseguiu obter lucro em 1982, 125 operaram no vermelho e 86 nem se dignaram a apresentar relatórios.[176] Em suma, as políticas de preferências na Malásia, como em outros países, tenderam a beneficiar principalmente aqueles que já estavam bem ou tinham boas conexões. Mesmo os empreendedores chineses ligados a políticos malaios se beneficiaram do programa de habitação governamental.[177] Igualmente, o programa do país para a erradicação da pobreza tendeu “a beneficiar os que estavam em situação relativamente boa nas áreas rurais”. [178]

Embora a contratação preferencial de malaios para cargos governamentais já existisse desde a época colonial, a predominância malaia nas ocupações administrativas e não profissionais não se estendeu para os ramos científico, profissional e técnico do governo, onde os chineses e os indianos continuaram a dominar por algum tempo, mesmo depois da independência.[179] Tal predominância de chineses na economia privada e nas funções governamentais que exigiam maior grau de capacitação científica, técnica ou profissional era muito flagrante para passar despercebida. A Malásia não era um país pobre como a Índia. O problema dos malaios não era a fome ou a pobreza extrema, mas sim o de serem claramente ofuscados por forasteiros. A NPE foi projetada para remediar esse embaraçoso desequilíbrio étnico nas instituições educacionais e na economia. Como muitas outras políticas de preferências, a NPE foi inicialmente concebida para ser temporária. Deveria expirar em vinte anos, porém, como aconteceu na Índia e no Paquistão, se alongou bem além do prazo previsto. Num sentido formal, a NPE terminou em 1990 como planejado, mas foi substituída pela Política de Desenvolvimento Nacional, que deu continuidade aos programas anteriores sob novo nome. Quando, no ano 2000, um grupo político chinês sugeriu que as preferências e cotas de fato terminassem, respostas iradas do público malaio e do governo malaio fizeram com que a proposta fosse retirada.

DIFERENÇAS EDUCACIONAIS E MUDANÇAS

Do ponto de vista educacional, os malaios se atrasaram em relação aos chineses, não só quantitativa como também qualitativamente. No nível universitário, os estudantes malaios se matriculavam em cursos menos exigentes e poucos tinham qualificações para se especializar em matérias que requeressem conhecimento matemático ou científico.[180] No ano acadêmico 1962-63, por exemplo, estudantes malaios na Universidade da Malaya foram ultrapassados em quantidade por chineses nas faculdades de agronomia, artes, engenharia e ciências. Nas duas últimas faculdades, os malaios foram sobrepujados até por estudantes da pequena minoria indiana.[181] Nas especialidades matemáticas, científicas e tecnológicas, as disparidades entre chineses e malaios eram particularmente extremas. Nos anos 1960, 1.488 estudantes chineses se bacharelaram em ciências enquanto os bacharéis malaios foram apenas 69. Na engenharia, foram 408 os formandos chineses, ao passo que os malaios, apenas 4.[182] Embora o governo assegurasse aos “outros malasianos” que a NPE, para fazer progredir os bumiputeras nativos, não afetaria adversamente as minorias,[183] as mudanças tiveram um efeito particularmente desfavorável na educação. Entre as alterações nas regras, houve a imposição da língua malaia como meio de instrução nas escolas e faculdades, e o fim do ingresso nas universidades do país com base no desempenho individual. As duas mudanças causaram impacto devastador sobre as gerações mais novas de chineses e indianos.

Com a nova política de admissões, o número de estudantes chineses que frequentavam a Universidade da Malásia decresceu absolutamente entre 1970 e 1980,[184] a despeito do aumento no número total de universitários durante aquela década.[185] O número de formandos com ascendência chinesa nas instituições de ensino superior do país declinou durante a década de 1970,[186] apesar de ter mais que dobrado o número total dos que concluíram os cursos.[187] A conversão das escolas públicas de língua inglesa em escolas de língua malaia começou em 1970 com o primeiro grau da escola primária. A cada ano, um novo grau era convertido até que o processo foi completado em 1982. Os chineses e os indianos, acostumados por longo tempo à educação em inglês e raramente fluentes em malaio, se viram em dificuldade para ingressar nas escolas patrocinadas pelo governo e dominar matérias ministradas em outra língua. Enquanto 72% dos estudantes malaios, com seis anos de frequência escolar, foram aprovados num teste de redação em língua malaia em 1991, só 33% dos estudantes chineses e 19% dos indianos passaram. Em matemática, o resultado foi favorável para 87% dos estudantes malaios, mas apenas para 57% dos chineses e 50% dos indianos.[188] Em vista do histórico anterior de sucessos na educação, em especial dos chineses, os novos resultados refletiram claramente os problemas criados pela política do novo idioma, e não deficiências acadêmicas dos estudantes.

Com os chineses e indianos enfrentando grandes obstáculos para ingressar nas universidades da Malásia, muitos começaram a procurar outros países para sua formação superior. Por volta de 1980, dezenas de milhares de estudantes da Malásia deixaram o país para cursar universidades no exterior. Três quintos deles eram chineses. [189]

A maioria dos estudantes indianos também deixou a

Malásia em busca de educação superior.[190] Até no nível secundário, mais de 10 mil estudantes saíram da Malásia para estudar na vizinha Cingapura,[191] onde o ensino ainda era ministrado em inglês. Alguns dos que estudaram no exterior lá permaneceram.[192] Um reversão parcial na política da língua ocorreu em 1993, quando o primeiro-ministro da Malásia anunciou que a instrução em inglês no nível universitário seria permitida nos campos da ciência, tecnologia e medicina[193] – campos em que, aparentemente, era difícil encontrar malaios em quantidade suficiente para substituir os chineses e os indianos, e onde havia uma escassez de pessoal altamente qualificado.[194] Em agosto de 2001, o governo anunciou que a admissão à universidade seria de novo baseada no desempenho individual.[195] Todavia, esse sistema “do mérito” estabeleceu dois caminhos distintos para o ingresso nas universidades, sendo o mais fácil aberto apenas aos estudantes malaios. O resultado final foi que a parcela malaia nas admissões universitárias aumentou em relação ao que era sob o sistema de cotas raciais.

DIFERENÇAS ECONÔMICAS E MUDANÇAS

As preferências expandidas para os bumiputeras ou “filhos da terra” tiveram lugar durante um período de rápido crescimento da economia da Malásia. Entre 1971 e 1990, o crescimento econômico anual do país teve média de 6,7% – que depois escalou para a média de 8,7% ao longo dos cinco anos seguintes. Durante todo aquele período, a renda per capita dos malaios mais que triplicou.[196] A taxa oficial de pobreza declinou de 52% em 1970 para 17% em 1990 e caiu abaixo de 10% por volta de 1995.[197] Em síntese, a crescente preferência pelos “filhos da terra” ocorreu durante uma fase de clima econômico inusitadamente favorável. Isso permitiu que os malaios nativos tivessem incremento econômico tanto absoluto quanto relativo, sem que os chineses sofressem um declínio absoluto na economia, como aconteceu nas instituições educacionais. Antes de a NPE entrar em vigor em 1971, a renda dos malaios era um pouco menor que a dos chineses. Vinte e oito anos mais tarde, houve alterações aparentemente modestas nas rendas relativas. No entanto, as estatísticas oficiais usaram definições cambiantes com o passar do tempo, fazendo comparações inexatas. As estatísticas apenas sugerem, não definem, em parte porque os dados anteriores são para malaios e chineses na “Malásia peninsular” e os dados posteriores comparam bumiputeras – que incluem alguns indígenas não malaios – e abarcam toda a Malásia, inclusive comunidades da ilha de Bornéu. É comparada a média quadrática e não a média aritmética, simplesmente porque não estão disponíveis os dados desta

última para os derradeiros planos de cinco anos. Entretanto, as taxas relativas mostram pequena ou nenhuma diferença entre as porcentagens das médias aritméticas ou quadráticas durante os anos em que ambas estavam disponíveis. De qualquer forma, consulte a Tabela 1.   Tabela 1: Renda Média Mensal de Malaios e Chineses

  Ano

Malaio

Chinês

Porcentagem

1970

172 dólares

394 dólares

44%

1973

209 dólares

461 dólares

45%

1976

237 dólares

540 dólares

44%

1979

309 dólares

659 dólares

47%

  O que esses dados sugerem é que as mudanças nas rendas relativas de chineses e malaios depois que a Nova Política Econômica foi instituída não foram dramáticas. A renda dos malaios em relação à dos chineses cresceu três pontos percentuais durante a década de 1970 e a dos bumiputeras cresceu cinco pontos percentuais durante uma fase posterior com ano-base diferente (Tabela 2). Contudo, isso não quer dizer que o crescimento total foi de 8%. No ano comum às duas tabelas – 1979 – há uma diferença de 5% entre os percentuais das duas tabelas, de modo que os dados das duas não podem ser simplesmente somados porque não são comparáveis no mesmo ano.   Tabela 2: Renda Média Mensal de Bumiputeras e Chineses

 

Ano

Bumiputera

Chinês

Porcentagem

1979

296 dólares

565 dólares

52%

1984

384 dólares

678 dólares

57%

1990

940 ringgit

1.631 ringgit

58%

1995

1.600 ringgit

2.895 ringgit

55%

1997

2.038 ringgit

3.738 ringgit

55%

1999

1.984 ringgit

3.456 ringgit

57%

  Fontes: Fourth Malaysia Plan: 1981-1985 (Kuala Lumpur, Departamento de Imprensa Nacional, 1981), p. 56; Fifth Malaysia Plan: 1986-1990 (Kuala Lumpur, Departamento de Imprensa Nacional, 1986), p. 99; Buku Tahunan Perangkaan: Yearbook of Statistics, Malaysia 2001 (Departamento de Estatística, 2001), p. 226.

  Existiram diversos outros fatores em ação, além dos grupos preferenciais, durante o período considerado, que podem ter influenciado quaisquer mudanças ocorridas nas rendas. Entre 1970 e 1995, a economia malaia evoluiu de uma economia em que a maioria das pessoas trabalhava na agricultura e na exploração das florestas para uma em que menos de um quinto das pessoas ainda o faziam.[198] Uma vez que os chineses já eram predominantemente urbanos no início desse período, foi entre os malaios que a composição urbano/rural se alterou substancialmente. De sua parte, isso mudou as rendas relativas dos dois grupos, uma vez que as receitas urbanas têm sido consideravelmente superiores às rurais na Malásia, como em outros países. Por conseguinte, um simples deslocamento das pessoas do campo para as cidades faria crescer a renda malaia como uma porcentagem da renda

chinesa em âmbito nacional, houvesse ou não políticas de ação afirmativa e que essas tivessem ou não impacto considerável sobre o malaio mediano. A emigração de profissionais chineses e de capital chinês da Malásia na esteira da NPE é outro fator de magnitude desconhecida em seus efeitos sobre as rendas relativas de chineses e malaios. Entre 1976 e 1985, estimase que 12 bilhões de dólares de capital saíram da Malásia, mais da metade de propriedade de chineses.[199] Se os chineses que emigraram eram mais prósperos do que os que ficaram, coisa bastante provável, então as rendas relativas dos dois grupos foram ainda mais afetadas, como efeito indireto das políticas de preferências. Separar os efeitos das políticas de preferências e das cotas é complicado na Malásia, como em outros países, pelo fato de que uma elevação considerável no nível educacional dos grupos preferidos precedeu tais políticas. O número de crianças que frequentavam as escolas secundárias do governo aumentou 73% nos cinco anos anteriores a 1970 – isto é, antes que a Nova Política Econômica escalasse as preferências para os malaios. Tal número saltou outros 86% durante a década de 1970 e outros 56% durante a de 1980. A expansão das matrículas no ensino superior durante esse período complica ainda mais qualquer tentativa de avaliar quanto das mudanças nas rendas se deveu mesmo às preferências para os “filhos da terra”. Seguramente, as mudanças na política não tiveram lugar num ambiente imutável. [200]

Na Malásia, como em outros países, os principais beneficiários das cotas e das preferências foram os que já eram mais afortunados. Um estudo empírico anterior sobre os efeitos da NPE concluiu que “no máximo 5%” dos malaios se beneficiaram com tais políticas.[201] Dentro da população malaia, a parcela da renda dos 10% do topo cresceu significativamente.[202] O Dr. Mahathir bin Mohamad, líder político malaio que depois seria primeiro-ministro, reconheceu o fato de que foram as elites, e não as massas, que tiraram proveito das políticas de preferências para os bumiputeras, e o admitiu com todas as letras, bem como procurou justificá-lo: Estes poucos malaios, porque eles ainda são muito poucos, ficaram ricos não por causa deles mesmos, mas em virtude da política de um governo apoiada pela enorme maioria de malaios pobres. Pode parecer que os esforços dos malaios pobres foram para enriquecer uns poucos selecionados de seu próprio povo. Esses malaios pobres ganharam muito pouco. Porém, se uma pequena quantidade de malaios não enriquecer, os malaios pobres não ganharão coisa alguma. Serão os chineses que continuarão vivendo em grandes casas e encarando os malaios como apenas preparados para dirigir seus automóveis. Com a existência dos poucos malaios ricos, os mais pobres podem dizer que seu destino não é apenas o de servir aos ricos não malaios. Do ponto de vista do ego racial, e este ego ainda é forte, a imprópria existência de magnatas malaios é essencial.[203]

Com o passar das décadas, os malaios começaram a transitar em áreas onde eram antes muito subrepresentados. Em função da crescente prosperidade do país, combinada com a transformação de uma economia agrícola em uma economia comercial e industrial, a demanda por pessoas mais preparadas e mais capacitadas

abriu oportunidades para os malaios, sem reduzir o número absoluto de chineses nas mesmas profissões. Por exemplo, os malaios constituíam apenas 4% de todos os engenheiros da Malásia em 1970, antes de a NPE entrar em vigor, mas a taxa cresceu para 24% uma década mais tarde e, então, para 35% por volta de 1990. Ainda assim, mesmo em tal ocasião, os chineses ainda eram 58% de todos os engenheiros. Cinco anos depois, os malaios cresceram para 38% e os chineses caíram para 55%, e mesmo assim os dois grupos aumentaram em quantidades absolutas, com o total de engenheiros crescendo cerca de 50% entre 1990 e 1995. A história foi quase a mesma na profissão médica. Os malaios eram só 4% dos doutores da Malásia em 1970, mas, em 1995, chegaram a 28% – e, de novo, naquela oportunidade, existiam bem mais doutores malaios e chineses em números absolutos.[204] No ano de 2000, a distribuição dos principais grupos étnicos nas diversas ocupações profissionais era a seguinte:   Tabela 3: Ocupações Profissionais, 2000

   

Bumiputeras

Chineses

Indianos

Arquitetos

1.258

1.677

48

Contadores

2.673

11.944

883

Engenheiros

15.334

18.416

1.864

Médicos

4.592

3.827

3.689

Advogados

3.118

3.861

2.588

 

Fonte: Buku Tahunan Perangkaan: Yearbook of Statistics, Malaysia 2001 (Departamento de Estatística, 2001), p. 215.

  Apesar de o objetivo de aumentar a parcela do capital de propriedade dos malaios não ter sido alcançado em 1990, como originalmente planejado, a troca de propriedade das ações entre diferentes grupos étnicos foi visível. A parcela dos malaios cresceu de 2% em 1969 para 19% em 1990. Nesta última porcentagem estavam incluídos cerca de 5% de propriedade do governo em nome dos bumiputeras. Ao mesmo tempo, os chineses possuíam 46% do capital das corporações – pouco mais que o possuído por malaios e forasteiros juntos. Por volta de 1995, no entanto, a parcela chinesa caíra para 41% enquanto a dos malaios crescera para 21%, com os forasteiros detentores de 28%. Mesmo assim, todos eles eram proprietários de mais capital, em números absolutos, visto que o capital corporativo na Malásia havia crescido à taxa de 11% ao ano.[205] Em resumo, uma economia malaia rapidamente crescente, em particular em seus setores modernos e industriais, permitiu que os malaios progredissem, tanto em termos absolutos como em relação aos chineses, sem que os chineses tivessem que sofrer declínios absolutos em rendas, ocupações ou propriedades de capital. Apenas nas instituições governamentais, os chineses experimentaram perdas absolutas como resultado das políticas preferenciais para os malaios. Tal fato se mostrou coerente com os padrões encontrados ao redor do mundo, onde as políticas de preferências tiveram seus efeitos mais fortes dentro do governo ou das instituições controladas por ele.

Uma pesquisa de 1971 mostrou que a maioria dos malaios médicos, advogados, engenheiros e de outras profissões liberais foram empregados pelo governo, enquanto os chineses das mesmas profissões o foram pelo setor privado.[206] Ademais, dentro do governo, o progresso malaio deu-se à custa do chinês. Entre 1969 e 1973, 98% dos novos empregados do governo foram malaios. As próprias Forças Armadas assinalaram 99%.[207] Enquanto os efetivos das forças policiais e das Forças Armadas na Malásia se expandiram vigorosamente entre 1969-70 e entre 1974-80, o número de não malaios nas duas corporações declinou absolutamente.[208] Da mesma forma, nas universidades controladas pelo governo, como já foi mencionado, o número de estudantes chineses caiu em termos absolutos entre 1970 e 1980,[209] mesmo com o crescimento da quantidade total de estudantes.[210]

CINGAPURA

Embora Cingapura seja uma cidade-estado independente, sua experiência é relevante para a Malásia, não só por ter feito parte daquele país no início dos anos 1960, como também porque os dois principais grupos étnicos – malaios e chineses – constituem a grande maioria de sua população. Por volta de 1995, 77% das pessoas de Cingapura eram chinesas, 14% malaias e 7% indianas.[211] Cingapura é um dos principais portos do Sudeste Asiático, processando cerca de um quarto das exportações malaias, além de suas próprias. Cingapura é também uma das

nações mais prósperas daquela região do globo terrestre, com um Produto Interno Bruto per capita mais que cinco vezes maior que o da Malásia. Diferentemente da Malásia, Cingapura não tem políticas de preferências e, na realidade, tenta promover uma identidade cingapuriana genérica para os membros de todos os grupos. Todas as crianças no país aprendem em inglês, que é o principal idioma do governo e dos negócios, embora a maioria dos cingapurianos não fale inglês em casa,[212] e sim chinês, malaio ou tâmil. Em Cingapura, como na Malásia, os malaios foram suplantados em desempenho pelos chineses tanto na escola como nos negócios. Mas isso não foi, pelo menos visivelmente, motivo para mudança na política governamental de dispersar famílias malaias entre as famílias chinesas nos projetos habitacionais. No entanto, alguns malaios expressam preferência por vizinhos chineses “porque acham que os chineses não se intrometerão ou interferirão em sua vida pessoal ou familiar”. Alguns pais e crianças malaios “escolhem escolas onde há muitos chineses e poucos malaios, na expectativa de que o estudante aprenda bons hábitos escolares com os chineses e evite a companhia malaia”.[213] Tanto os pais malaios quanto os chineses admitem tais diferenças. Como um estudo demonstrou: Alguns pais observam com orgulho que seus filhos têm, em sua maior parte, amigos chineses porque se misturam com colegas estudantes chineses na escola e fogem da companhia malaia na vizinhança. No processo de tentar obter mobilidade vertical ascendente pela educação, não é apenas a criança não estudiosa que deve ser evitada, mas a criança malaia em geral, uma vez que a aversão aos

estudos é um atributo considerado pelos malaios (como também pelos não malaios) para caracterizar os malaios como grupo étnico. [214]

Ao mesmo tempo que tais opiniões são descartadas em certos locais como “estereótipos”, as pessoas que as expressam estão em contato diário com os grupos em questão, enquanto as que as desconsideram com frequência estão bem distantes do cenário. Ademais, os mesmos pontos de vista são partilhados pelos dois grupos étnicos citados. Apesar de Cingapura e Malásia seguirem políticas totalmente diferentes no que se refere a grupos étnicos, ambas têm por muitos anos evitado a deflagração de violência intergrupo do tipo que tem empestado a Índia e outros países. O fator comum por trás da paz relativa entre chineses e malaios nos dois países não pode ser a ação afirmativa, porque Cingapura não a adota. O que os dois governos têm em comum são restrições severas à liberdade de expressão, evitando que indivíduos sigam a carreira de agitadores raciais ou fomentadores de inimizades intergrupo. Esses países têm tido também longos períodos de prosperidade econômica. Um pequeno mal-estar ocorreu em 2001 quando o primeiro- -ministro de Cingapura constatou que os malaios de seu país estavam em melhores condições que os da Malásia. Mais malaios cingapurianos tinham nível secundário elevado e mais educação superior que os malaios do país vizinho. Consequentemente, maior porcentagem de malaios em Cingapura detinha funções

administrativas ou cargos profissionais.[215] Evidentemente, os malaios tinham se saído melhor como minoria sem ação afirmativa em Cingapura do que como maioria com preferências e cotas na Malásia.

RESUMO E IMPLICAÇÕES

A ação afirmativa na Malásia produziu, em alguns aspectos, resultados semelhantes aos da Índia e de outros países com políticas preferenciais, mas resultados bastante diferentes em outros aspectos. Da mesma forma que os beneficiários reais das preferências e cotas para intocáveis na Índia foram estimados em não mais que 6% dos membros do grupo indicado para receber os privilégios, também na Malásia a estimativa foi de não mais que 5% para os beneficiários de tais programas. Nos dois países, aquelas pessoas que eram inicialmente mais afortunadas foram as mais beneficiadas. Nos dois países – e em outros – as preferências supostamente temporárias se estenderam além do prazo previsto para sua conclusão. Semelhantemente, a “indiferença” notada entre os estudantes intocáveis com ingresso preferencial na educação superior da Índia foi também identificada na Malásia: “Os estudantes malaios, que percebem que têm o futuro garantido, sentem-se menos pressionados pelo bom desempenho”.[216] Até mesmo o primeiro-ministro Mahathir bin Mohamad, na função há muito tempo e um dos advogados e arquitetos das políticas de ação afirmativa do país, disse em agosto de 2002:

A obtenção de bolsas de estudos e de vagas nas universidades no país e no exterior é considerada questão de direito e não tem sido mais valorizada. Na verdade, aqueles que conseguem tais oportunidades educacionais, por alguma razão desconhecida, parecem antipatizar com as próprias pessoas que criaram tais oportunidades. Pior ainda, parecem não apreciar as oportunidades que conseguiram. Tornam-se mais interessados em outras coisas, em detrimento de seus estudos. Nos negócios, a vasta maioria encara as oportunidades a ela proporcionadas como algo a ser explorado para o retorno mais rápido do investimento. Já bem cedo, as oportunidades são vendidas para que se transformem em sonolentos parceiros de acordos cinicamente conhecidos como “Ali Babá”, nos quais o Ali simplesmente obtém as licenças, permissões, parcelas ou contratos e, imediatamente, os vende para não malaios, principalmente chineses. Nada aprendem dos negócios e se tornam ainda menos capazes de negociar e de lucrar por meio de suas atividades.[217]

O Dr. Mahathir declarou: “Fico desapontado porque consegui muito pouco em minha tarefa principal de tornar meu povo vitorioso, de fazer dele um povo que inspire respeito”.[218] Em outros aspectos, a Malásia tem tido um dos mais bem-sucedidos programas de ação afirmativa do mundo, onde o êxito é apenas definido em termos do progresso relativo do grupo beneficiário e da prevenção da violência generalizada presente na Índia e em outras regiões. Mas a Malásia vem pagando o preço de outras formas. As leis draconianas do estado de sítio têm sufocado as críticas públicas às políticas de preferências e às políticas

raciais de modo geral. Os padrões educacionais declinaram nas universidades do país depois que o ingresso nelas e a contratação de professores não mais se basearam em desempenhos individuais, mas na filiação a grupos. Desenvolveu-se a escassez de pessoal altamente qualificado nos campos tecnologicamente sofisticados, à proporção que membros daqueles grupos que anteriormente se destacavam nesses campos eram sistematicamente mantidos fora das universidades e, com frequência, deixavam o país em busca de educação superior e não retornavam. No entanto, como outros países que promoveram políticas de preferências e cotas, a Malásia o fez em nome da “unidade nacional”,[219] por mais que não tenha sido obtida a unidade almejada e muita insatisfação tenha sido criada. Embora o grau de sucesso da ação afirmativa na Malásia possa ser comparado favoravelmente, hoje em dia, com o de programas similares em outros países, ela não é historicamente singular. Sucesso semelhante, no sentido de beneficiar um determinado grupo a qualquer preço, foi conseguido com o apartheid na África do Sul e com as leis raciais nazistas na Alemanha. O que precisa ainda ser alcançado é “sucesso” similar nas nações democráticas com liberdade de expressão. Além disso, mesmo na Malásia, os benefícios preferenciais se desviaram desproporcionalmente para aqueles que já eram mais afortunados. Nem está claro, depois de mais de trinta anos de tais políticas, se os mais afortunados beneficiários malaios chegaram ao ponto de

poderem competir em igualdade de condições com membros das minorias chinesa e indiana. O primeiro-ministro Mahathir, que havia declarado em 1966 que os malaios tinham que estar preparados para competir em termos iguais com outros grupos,[220] realçou em agosto de 2000: “Existem alguns que acham que podem progredir por conta própria. Estão enganados. Sem a ajuda do governo, os que pensam ser suficientemente fortes cairão de cara no chão”. Além do mais, ele estava bem consciente dos perigos explosivos de se permitir que agitadores raciais instigassem os vários grupos do país uns contra os outros, criando uma “conflagração” que “engolfaria a todos”.[221] A história de muitas sociedades multiétnicas do mundo mostra que não se trata de paranoia vazia – em particular onde os privilégios de um grupo despojaram demais os privilégios de outros, como nas Ilhas Fiji, no Sri Lanka, na Índia, em Ruanda e em grande parte da Europa Central e Oriental pré-guerra, onde a inveja em relação aos judeus e a aversão a eles causaram uma febre que culminou em ampla cooperação com o Holocausto, administrado pelos nazistas, mas com assustadora colaboração de outros do Leste Europeu. Se existe uma lição da história da ação afirmativa na Malásia, é que os extraordinários crescimento e prosperidade, combinados à abominável repressão ao direito de expressão, podem tornar programas de preferências viáveis politicamente e suprimir violência maciça intergrupo. Porém, dizer que o país como um todo está em melhores condições com a ação afirmativa seria

ignorar muitas consequências contraproducentes. O fato de a vizinha cidade-estado de Cingapura, que não tem programas de ação afirmativa, ter experimentado igualmente extraordinária prosperidade e vivenciado também formidável repressão ao direito de expressão – do mesmo modo que tem sido governada por um partido político que está no poder desde a independência, décadas atrás – sugere alguns outros fatores responsáveis pela paz racial entre chineses e malaios. Nenhuma das duas experiências serve como guia para a paz racial em países onde prevalecem a liberdade de expressão e outros direitos democráticos. Todavia, a experiência da Malásia é bastante relevante para a difundida crença em alguns países de que os desequilíbrios étnicos só podem ser resultantes de discriminação contra um grupo sub- -representado – e que qualquer sugestão de que isso se deve a fracassos do próprio grupo em conseguir as mesmas qualificações dos outros é o mesmo que “acusar a vítima”, talvez até de racismo. Ninguém na Malásia dispôs-se a discriminar malaios ou a fazê-los de vítimas. Quando o ingresso nas universidades se fundamentava no desempenho individual, essas universidades eram dirigidas por malaios que se reportavam a um governo também administrado por malaios. Ainda assim, os estudantes chineses predominavam em muitas áreas da universidade, e até as minorias indianas supriam mais estudantes em alguns campos do que a maioria malaia. Simplesmente não existiam suficientes malaios qualificados.

Mesmo depois da imposição de preferência para o benefício dos “filhos da terra”, não existia ainda número suficiente de malaios capacitados nos campos científico, médico e tecnológico para satisfazer o governo da Malásia, dominado por malaios, levando a uma reversão na política da língua em 1993. Uma volta, em 2001, ao ingresso nas universidades baseado no desempenho individual fortalece ainda mais a conclusão de que até o governo dominado por malaios considerou inadequadas as capacitações dos estudantes malaios. O fato de que alguns grupos são menos qualificados que outros não pode ser arbitrariamente desconsiderado como mero “estereótipo” ou “intuição” de estranhos. Tampouco são as diferenças de desempenho limitadas ao rendimento acadêmico. De acordo com o The Straits Times, publicado em Cingapura, em janeiro de 2002, o primeiro-ministro Mahathir “lamentou o fato de que os bumiputeras não demonstram seriedade na consecução dos projetos governamentais porque tendem a vendê-los a um segundo, terceiro, e até mesmo a um quarto parceiro. Segundo o primeiro-ministro, cerca de 85% dos projetos não foram completados”.[222]

Capítulo 4

| Ação Afirmativa no Sri Lanka

                A nação insular do Sri Lanka, localizada a cerca de 30 quilômetros da costa Sudeste da Índia, alonga-se por 400 quilômetros de Norte a Sul e por 210 quilômetros de Leste a Oeste. Sua população é de 19 milhões de habitantes; aproximadamente três quartos dela são de cingaleses, e a minoria principal, os tâmils, constitui menos de um sexto dessa população. A partir de meados do século XX, o Sri Lanka passou por uma das mais extraordinárias – e catastróficas – mudanças na relação entre as populações majoritária e minoritária. Antiga colônia britânica do Ceilão, o Sri Lanka conseguiu a independência em 1948 com um futuro promissor visualizado não só por seu próprio povo como também por observadores externos. Havia fundamento para tal otimismo. Embora os cingaleses e os tâmils diferissem em etnia, língua e religião – e raramente casassem entre si

–, eram dadas muitas provas de boa vontade através das linhas sociais que os dividiam. As elites dos dois grupos eram ocidentalizadas, cosmopolitas, falavam inglês e estavam acostumadas a trabalhar com os funcionários públicos e os homens de negócios britânicos. Ambas as elites tendiam a viver juntas em enclaves ocidentalizados e separadas das massas mais tradicionais de seus respectivos grupos. Além disso, os líderes políticos do país estavam comprometidos com um estado secular e democrático, reconhecendo os direitos dos cidadãos, independentemente de etnia ou religião. Este padrão de “viva e deixe viver” não se confinava às elites e à política. Malgrado os embates históricos entre cingaleses e tâmils em séculos passados, não ocorrera uma única rixa racial entre eles durante a primeira metade do século XX.[223] Existiam outros grupos populacionais no país dentre os quais se destacavam os muçulmanos e os cristãos. As relações entre os diversos grupos étnicos e religiosos no Sri Lanka foram descritas por um acadêmico americano como “cordiais e não afetadas pelo tipo de fricção que existe entre hindus e muçulmanos na Índia”. Não era inusitado, por exemplo, o aparecimento de budistas em festivais hindus ou celebrações cristãs. Como um acadêmico do Sri Lanka descreveu a situação: Em contraste gritante com outras partes do Sul da Ásia (inclusive a Birmânia), em 1948 o Sri Lanka era um oásis de estabilidade, paz e ordem. A transmissão do poder foi tranquila e pacífica, reflexo do tom moderado da linha dominante no movimento nacionalista do país. Mais importante, via-se muito pouco das divisões e amargores que grassavam nos países recém-independentes do Sul da Ásia. De modo

geral, a situação parecia proporcionar uma impressionante base para o início sólido da construção da nação e da regeneração nacional. [224]

Ainda assim, tudo mudou radicalmente no período de uma década depois da independência, como resultado da politização das diferenças intergrupos e da instituição das políticas de preferências. O fundamento para tais políticas foi o fato familiar de que os diferentes grupos não eram proporcionalmente representados nas universidades, nas profissões ou nos negócios. Mais especificamente, a minoria tâmil se posicionava mais favoravelmente em todos esses aspectos do que a maioria cingalesa. Da mesma forma que em diferenças similares de outros países, as razões remontavam à história.

CONTEXTO HISTÓRICO

Uma sucessão de conquistadores europeus chegou ao Ceilão com o passar dos séculos – primeiro os portugueses (1597-1658), depois os holandeses (1658-1796) e, finalmente, os ingleses (1796-1948). Os dois primeiros invasores conquistaram as regiões costeiras da ilha, mas os britânicos, no final, dominaram toda ela, embora não de uma só vez. Uma consequência duradoura dessa história foi que diferentes regiões do país experimentaram ocidentalizações de tipos diversos durante períodos distintos e, portanto, resultaram culturalmente diferentes entre si. Tais diversidades existiram dentro das próprias populações cingalesa e tâmil, como também entre elas.

Os tâmils se concentraram na parte Norte da ilha, geograficamente menos promissora e menos próspera devido ao clima seco e à ausência de recursos naturais, enquanto os cingaleses viveram onde o solo era mais fértil e o regime de chuvas, mais favorável. Quando os vários conquistadores estabeleceram escolas missionárias cristãs, os tâmils rapidamente tiraram partido da educação como maneira de sobrepujar suas circunstâncias geograficamente desvantajosas. Durante a época do mando inglês, os americanos também organizaram uma escola missionária que acabou se chamando Jaffna College, localizada na região Norte, onde os tâmils estavam concentrados. Os educadores americanos deram maior ênfase que as escolas inglesas à matemática e à ciência. Isso significou que os tâmils foram particularmente bem preparados em matérias que iriam lhes permitir a entrada nos campos das ciências, da engenharia e da medicina nos anos futuros. As históricas vantagens na partida causaram consequências pertinazes no Ceilão, como em outras partes do mundo. Tampouco os tâmils foram o único grupo a se beneficiar da educação ocidental. O mando colonial holandês muito anterior deixou como parte de seu legado um grupo cingalês misto conhecido como “burghers” (muitos eram parcialmente holandeses), cuja assimilação antecipada da cultura ocidental permitiu que eles prosperassem em eras coloniais posteriores, inclusive a dos ingleses, quando trabalharam no serviço público colonial. Por volta de 1870, esse grupo de burghers eurasianos constituía a grande maioria dos médicos e cirurgiões

empregados pelo governo colonial, embora os burghers totalizassem menos de 1% da população do Ceilão.[225] Conquanto descendessem de holandeses e de cingaleses, a maior parte dos burghers passou a falar inglês depois da imposição do mando britânico, uma vez que tal idioma facilitava o emprego por parte das autoridades inglesas. Por volta de 1911, menos de 10% dos cingaleses ou dos tâmils falavam inglês, em comparação com mais de três quartos dos burghers. A geografia complicou as diferenças culturais dentro dos grupos cingalês e tâmil. Como ocorre com frequência em outras regiões do mundo, os habitantes das áreas montanhosas resistiram aos invasores por mais tempo que os das planícies. Foi só em 1815 que os ingleses conquistaram as montanhas de Kandyan ao Sul do Ceilão. Culturalmente, isto significou que os cingaleses das terras planas e baixas se ocidentalizaram antes dos cingaleses de Kandyan. Depois que os britânicos dominaram as montanhas de Kandyan, começaram a importar tâmils da Índia para trabalhar nas plantações lá existentes, de propriedade de ingleses. Resultou então que passaram a existir no Ceilão dois grupos culturalmente diferentes de tâmils, frequentemente conhecidos como “tâmils do Ceilão” e “tâmils indianos”. Separados geográfica e culturalmente, esses dois grupos tâmils pouco interagiram entre si ou causaram impacto um sobre o outro. Os “tâmils indianos” – ainda assim chamados passados cem anos de seu estabelecimento no Ceilão – constituíam a mais pobre, a mais isolada e a mais despreparada parcela da população

do país e, geralmente, eram de casta mais baixa que os “tâmils do Ceilão”. Contra tal pano de fundo histórico, dificilmente surpreende que subsistissem no século XX grandes diferenças na representação relativa desses grupos e subgrupos no nível universitário, nos negócios e nas profissões. Com a passagem dos anos e a difusão da educação entre os tâmils do Ceilão e os cingaleses, a minúscula minoria dos burghers foi suplantada nos empregos do governo por esses grupos maiores. Além do mais, entre os diversos grupos, a oportunidade e o grau de sua ocidentalização, de sua educação e de sua capacidade de falar inglês nos tempos coloniais refletiram-se nos padrões educacionais e de emprego por gerações, estendendo-se bastante pela era pós-colonial do Sri Lanka. Pelos idos de 1921, metade dos advogados no Ceilão era de cingaleses, 46% deles das terras planas e 4% das montanhosas, apesar de os habitantes das montanhas corresponderem à quase metade da população das planícies. Os tâmils do Ceilão, que eram quase a metade dos cingaleses das terras montanhosas, proporcionavam, apesar disso, 28% dos advogados, mesmo constituindo só 12% da população total daquela época.[226] Porém, não havia um único advogado tâmil indiano, embora, naquela oportunidade, existissem em maior quantidade que os tâmils do Ceilão.[227] A história era parecida na profissão médica. A minoria dos tâmils do Ceilão produziu mais médicos que qualquer outro grupo – 44% de todos os doutores e de todas as

outras práticas médicas, comparados aos 34% de cingaleses (apenas um décimo dos quais eram de cingaleses das terras montanhosas). Os burghers supriam outros 12% – e, novamente, nenhum deles era tâmil indiano.[228] Padrões semelhantes persistiram através dos anos. No Ceylon University College, em 1942, 30% de todos os estudantes eram tâmils do Ceilão, quantidade quase três vezes superior à porcentagem de sua representação na população.[229] Embora os mais elevados escalões do serviço público colonial fossem ocupados por ingleses, e os cingaleses fossem maioria entre os funcionários públicos nascidos no Ceilão, os tâmils do Ceilão ainda assim eram superrepresentados comparativamente à sua porcentagem na população.[230] Com o passar dos anos, os cingaleses começaram a ganhar terreno quanto à educação em inglês, e, por volta de 1946, existiam 205 médicos cingaleses contra 115 tâmils.[231] Mesmo assim continuava havendo maior representação dos tâmils do Ceilão em vista de sua proporção na população total do país. Naquele mesmo ano, dois anos antes da independência, os tâmils do Ceilão ocupavam 30% das posições no governo do país e 40% das funções judiciárias.[232] Em concordância com seus registros educacionais, os tâmils saíam-se muito bem, especialmente nos campos científico e técnico.[233] Em 1948, ano da independência, 40% dos engenheiros do departamento nacional de irrigação eram tâmils.[234] Embora a vasta maioria dos tâmils indianos permanecesse como trabalhadores da lavoura, já pela

segunda metade do século XX existiam outros imigrantes da Índia que chegaram ao Ceilão com outras finalidades. Enquanto muitos destes últimos trabalhavam em ocupação de menores capacitações, tais como operários, serventes e condutores de riquixá, uns tantos se transformaram em comerciantes, homens de negócios e prestamistas. Eles tipicamente provinham de grupos com história empresarial na Índia, como os gujaratis e os chettiares. Nos negócios, como por todos os lados, os cingaleses foram eclipsados pelas minorias, bem como pelos europeus. A certa altura, 40% de todo o crédito concedido por donos de casas de penhores no Ceilão era suprido por chettiares. Cerca de 90% de todo o arroz importado no país era importado por indianos – e o restante por europeus. Em 1945, a estimativa era da existência de 750 empresas chettiares no Ceilão, com um capital agregado de 7,5 milhões de libras esterlinas.[235] O varejo, o atacado e o comércio de têxteis estavam, em grande parte, nas mãos dos indianos.[236] Nada disso passou em branco, muito menos pelos políticos que buscavam questões para mobilizar os eleitores. Já durante o mando colonial britânico, leis aprovadas em 1938 começaram a restringir os negócios indianos e tais restrições foram ainda mais estreitadas nos anos seguintes.[237] A despeito delas, entretanto, um político cingalês ainda se queixava em 1955 de que “nas cidades e vilas, nas lojas e nas butiques, a maior parte do trabalho está nas mãos das pessoas que falam tâmil”.[238] O cenário estava montado para a ação afirmativa.

AÇÃO AFIRMATIVA E SEU RESULTADO

Quando o Ceilão conseguiu a independência em 1948 e, mais tarde, mudou de nome para Sri Lanka, suas posições de poder, de riqueza e de prestígio estavam principalmente nas mãos das elites educadas, que falavam inglês, frequentemente cristãs, tanto de cingaleses quanto de tâmils. Não obstante, a grande maioria da população do país era constituída por budistas que falavam cingalês, enquanto a maior parte dos membros de sua minoria principal era de hindus que falavam tâmil. Por mais historicamente compreensível que tal situação pudesse ser, sua viabilidade política era outra história. No Sri Lanka, como em outros países, havia crescente quantidade de pessoas recém-preparadas em busca de emprego em posições dominadas por outros grupos – especialmente como empregados do governo –, e esse grupo de recémeducados fez pressão política por cotas e grupos preferenciais.[239] De início, o número crescente de cingaleses preparados mas que não falavam inglês liderou uma reação contra a cultura, o idioma e a religião ocidentais.[240] Os budistas se ressentiam do papel predominante desempenhado pelas escolas missionárias cristãs subsidiadas pelo governo na educação dos cingaleses. Havia também considerável demanda para que as questões do estado não fossem mais conduzidas em inglês, mas na “linguagem própria” do povo. Como tantos outros lemas políticos, o pleito pela “linguagem própria”, em vez do inglês, escondia mais coisas do que revelava. Não havia

“linguagem própria” do povo cingalês como um todo, mas dois idiomas diferentes falados pelos dois maiores grupos populacionais. Embora tal reivindicação já fosse feita no início dos anos 1940, antes da independência, quando significava a transição para as duas línguas dos grupos principais do país, a mudança para o inglês ainda não havia sido implementada no início dos anos 1950, em grande parte devido à cautela do primeiro-ministro D. S. Senanayake, que sentiu o potencial explosivo de questões como idioma e religião num país recém-independente e politicamente dividido. Em meio à crescente agitação sobre o problema da língua, um ambicioso membro do governo, Solomon Bandaranaike, partiu para a oposição em 1951, criando seu próprio partido, dedicado à rápida implementação da política da “linguagem própria”. Àquela altura, isso ainda significava as duas línguas dos dois grupos étnicos mais importantes do país, porém, em resposta às progressivas demandas da maioria cingalesa, houve veloz transição, em apenas alguns anos, para o pleito de “só o cingalês” como a língua do Sri Lanka. Da mesma forma que em outros países, como a Índia, por trás da questão do idioma havia o problema do acesso aos empregos, especialmente aos do governo. Com tal objetivo, uma mudança do inglês para ambas as línguas indígenas, como idioma oficial do governo, e uma competição aberta pelos cargos do funcionalismo público poderiam ter significado o deslocamento de uma elite de língua inglesa por uma elite, em sua maior parte e desproporcionalmente, tâmil.

A figura principal para a transformação de um ressentimento geral contra as antigas elites e contra o que elas representavam, num programa específico de tratamento preferencial para a língua cingalesa – que representaria o acesso privilegiado da população cingalesa aos empregos e à educação – foi Bandaranaike. Da mesma maneira que muitos líderes de grupos militantes de outros países, o próprio Bandaranaike não representava em absoluto todos aqueles em nome dos quais falava com tanta estridência. Ele era um aristocrata cristão cingalês educado em Oxford (seu padrinho era o governador britânico da colônia), que cresceu falando inglês e era incapaz de falar cingalês. Porém, como outros políticos cingaleses de seu tempo, Bandaranaike se converteu ao budismo, passou a se esforçar para falar cingalês e se tornou defensor extremado da cultura, do idioma e da religião cingaleses.[241] Seus objetivos não eram religiosos nem ideológicos. Ele queria ser primeiro-ministro – e conseguiu. Em 1956, Bandaranaike foi eleito numa vitória esmagadora que varreu as antigas elites tão completamente do cenário político que apenas ele e um membro do Gabinete do novo governo haviam antes desempenhado função pública. A nova administração de Bandaranaike produziu uma legislação que especificava “só o cingalês” como idioma oficial do Sri Lanka – língua não apenas do governo como também da comunicação obrigatória entre as empresas e outras instituições com os órgãos governamentais. Da mesma forma que na Índia e na

Malásia, a política sobre o idioma no Sri Lanka tornou-se foco de desavenças intergrupos em vista de sua potencialidade para influir profundamente sobre as oportunidades educacionais e econômicas. Contudo, tendo atingido a função de primeiro-ministro por empunhar a bandeira dos ressentimentos intergrupos, Bandaranaike tentou então moderar as políticas antitâmils, mas só conseguiu despertar uma onda de protestos por parte de outros demagogos cingaleses com ambições políticas próprias, entre os quais o futuro presidente J. R. Jayawardene.[242] A representação desproporcional dos tâmils nas instituições de ensino superior persistiu por algum tempo, a despeito do tratamento preferencial em favor dos estudantes cingaleses. Esta super- -representação era particularmente expressiva na engenharia e na ciência médica, em que os estudantes da minoria tâmil eram 48 e 49%, respectivamente, de todos os estudantes. Os cingaleses se concentravam principalmente nas ciências humanas, enquanto os tâmils, nas exatas.[243] Todavia, uma série de políticas de preferências e de cotas em benefício dos cingaleses foi progressivamente reduzindo as possibilidades dos tâmils na educação e no emprego. As escolas missionárias cristãs constituíram também alvo prioritário. Em 1960, o governo encampou mais de 2 mil escolas particulares “para garantir a igualdade de oportunidades educacionais para todas as crianças, independentemente de raça, religião, situação econômica ou status social” e para proporcionar a espécie de educação

“que seja nacional nos propósitos, objetivos e metas, e tenha conformidade com as aspirações culturais, religiosas e econômicas do povo”.[244] No nível universitário, os cingaleses podiam conseguir o ingresso por meio de critérios inferiores aos que eram solicitados dos tâmils.[245] No funcionalismo público, em 1963, o governo começou a enviar empregados cingaleses para preencher cargos na região Norte, onde os tâmils estavam concentrados. Um ano mais tarde, o governo instituiu a aposentadoria obrigatória para os funcionários que não fossem capazes de falar o cingalês.[246] A Constituição do Sri Lanka foi modificada para eliminar a seção que garantia direitos às minorias.[247] As perspectivas declinantes na educação e no emprego que, então, estavam diante dos tâmils – especialmente dos jovens que almejavam educação universitária e carreiras profissionais – provocaram protestos. Apesar de pacíficos, de acordo com a tradição estabelecida por Gandhi na Índia, tais protestos, na excitada atmosfera fomentada pelos políticos cingaleses e pelos monges budistas, resultaram em ataques de turbas cingalesas a tâmils. Apesar da ausência de sublevações raciais entre os dois grupos na primeira metade do século XX, certa quantidade delas irrompeu de 1956 a 1958,[248] mas foram apenas as primeiras de uma sucessão de levantes sangrentos e letais que iriam ocorrer nos anos seguintes. Trens e automóveis foram parados por multidões enfurecidas, seus passageiros atacados e alguns queimados vivos. Tais cenas horripilantes iriam se repetir

muitas vezes no deflagrar de revoltas com o passar dos anos. As reações políticas dos tâmils, de início, incluíram demandas relativamente modestas pelo uso de sua linguagem própria nas comunicações oficiais e, depois, por alguma autonomia nas regiões onde se concentravam. Tais pleitos constituíam respostas ao deslavado favoritismo do governo central para com os cingaleses e ao enfraquecimento político dos tâmils, que incluía até privação dos direitos dos tâmils indianos e pressão sobre eles para que “retornassem” para uma Índia que muitos deles jamais haviam visto. Bandaranaike chegou a um acordo com os tâmils, comprometendo-se a respeito de alguns assuntos, mas as reclamações políticas dos cingaleses evitaram que o acordo entrasse em vigor. Em 1959, um extremista budista cingalês assassinou Bandaranaike, alegando que ele traíra a causa. Como em outros países, a ilusão de ser capaz de controlar os eventos foi esmagada. Os partidos políticos cingaleses de todo o espectro ideológico aproveitaram a carona dos direitos dos grupos e tentaram ganhar desta forma os votos dos cingaleses. A privação dos direitos dos tâmils indianos significou que o voto tâmil era na ocasião tão inexpressivo que podia ser desconsiderado, deixando apenas o problema de como competir pelos votos da maioria cingalesa. A despeito das políticas de admissões preferenciais no nível universitário e da tentativa de reduzir a vantagem educacional dos tâmils nas escolas, os estudantes tâmils continuaram muito presentes nas esferas das ciências

exatas. A próxima tentativa para alterar tal situação foi a chamada “padronização”. Em vez de fundamentar as decisões sobre admissões nas notas reais obtidas pelos estudantes, cada um deles recebeu um percentual de “padronização” com base na sua nota relativa a outros estudantes do mesmo grupo étnico. Essas preferências foram mais tarde suplementadas por cotas. Em 1972, foi introduzido um “sistema de cotas de distrito” para alocar o ingresso universitário em função da população de cada distrito. Como os cingaleses e os tâmils se concentravam em distritos diferentes, essas cotas eram, na verdade, étnicas. Sob tal sistema, a proporção de estudantes tâmils universitários nas ciências exatas caiu de 35% em 1970 para 19% em 1974. Como os trabalhadores tâmils das lavouras na região de Kandyan eram contabilizados como parte da população, mas dificilmente fariam uso das vagas reservadas nas cotas do distrito, ficou particularmente fácil para os cingaleses daquela área o ingresso na universidade. Muitos dos estudantes assim preferencialmente admitidos eram “das classes afluentes”, segundo um estudo sobre essas políticas e seus efeitos.[249] Os protestos emitidos pelos acadêmicos contra as cotas e preferências foram em vão, já que as normas para o ingresso nas universidades eram determinadas por autoridades políticas do nível do Gabinete.[250] O desvanecimento das chances educacionais foi especialmente sério para os tâmils por causa de sua concentração numa região do Sri Lanka com condições

geográficas pobres para permitir o progresso econômico sem base forte na educação. Como as tentativas para salvaguardar as oportunidades no nível nacional foram inúteis, os tâmils procuraram obter maior autonomia em sua própria região do país, notavelmente da Península de Jaffna, ao Norte. Depois que apelos, protestos e campanhas de desobediência civil fracassaram na obtenção da autonomia que os tâmils almejavam, teve início a guerra de guerrilha – e as exigências dos tâmils então se intensificaram para incluir uma nação deles, independente e separada. A liderança moderada entre os tâmils deu lugar a uma militante e extremada que, no final, chefiou um grupo guerrilheiro denominado Tigres Tâmils, formado em 1975. O Sri Lanka estava então na rota da guerra civil. Foi uma guerra repleta de atrocidades de ambos os lados. Ademais, uma quantidade considerável de tâmils que viviam em regiões onde a maioria era cingalesa acabou selecionada como alvo para a violência de turbamultas. Cento e cinquenta pessoas foram mortas e 20 mil ficaram sem teto nas rebeliões de 1977.[251] Mas tudo isso foi só um prelúdio para novos levantes em 1981 e outros ainda piores em 1983 – revoltas que se caracterizaram pela atividade deliberadamente organizada de gangues cingalesas, com a indiferença ou cumplicidade de parte da polícia e das Forças Armadas.[252] Tampouco foram tais explosões de violência devidas apenas a desordeiros. Depois das rebeliões de 1981, o presidente Junius Jayawardene disse: “Lamento que alguns membros de meu partido tenham expressado no Parlamento e fora dele palavras de encorajamento para a

violência, assassinatos, violações e incêndios dolosos que foram cometidos”.[253] Em julho de 1983, ocorreram “cinco dias de saques e carnificinas contra os tâmils que viviam no Sul e contra suas propriedades e suas lojas”. Foi uma perturbação de grandes proporções que começou em Colombo, capital do país: Reportou-se que cerca de 3 mil tâmils foram mortos, 60% dos tâmils de Colombo se tornaram refugiados e a maioria da comunidade tâmil de negócios da capital, responsável por mais da metade da infraestrutura comercial da cidade, foi devastada. Muitos cingaleses incendiaram seus próprios locais de trabalho, objetivando, em especial, as fábricas de confecções de propriedade de tâmils. Grande parte do distrito atacadista de alimentos em Colombo ficou destruída. A suntuosa e vitoriana estação de estrada de ferro no centro da cidade foi transformada em morgue para receber os corpos.[254]

Não apenas os números mas também a natureza das atrocidades sugeriram os níveis do ódio que havia se desenvolvido no país outrora pacífico e harmonioso. Por exemplo, um ônibus foi parado e o motorista obrigado pela multidão a entregar um passageiro tâmil. Ele apontou para uma mulher que, imediatamente, foi arrastada para a rua e teve a barriga rasgada com cacos de garrafas quebradas e as vestes incendiadas. As pessoas “dançavam e batiam palmas” em torno da vítima enquanto ela morria em agonia. [255]

Entrementes, nas áreas tâmils, selvageria semelhante era infligida aos cingaleses que lá viviam. Além do mais, o Exército cingalês enviado para as regiões tâmils mostrou-se igualmente desdenhoso em relação às vidas dos civis que encontraram. Depois de emboscado por guerrilhas, o

Exército por vezes se lançou em assaltos indiscriminados sobre civis tâmils. The New York Times de 7 de agosto de 1983 publicou: Soldados do Exército do Sri Lanka retiraram vinte civis de um ônibus e os executaram há duas semanas em represália a um ataque da guerrilha tâmil que causou a morte de treze soldados, confirmou hoje um porta-voz do governo.[256]

Esse também não foi um episódio isolado. Um ano mais tarde, The Economist de Londres reportou: “Continuam os ataques esporádicos de vingança por parte de soldados e policiais”.[257] Os tâmils começaram a fugir, não só das áreas com maioria cingalesa, mas também do Sri Lanka como um todo. Por volta de 1985, a vizinha Índia recebeu 40 mil refugiados tâmils.[258] Outros emigraram para sociedades europeias ou para outras derivadas do continente europeu, como a Austrália, a Grã-Bretanha e países escandinavos. [259] Os Tigres Tâmils, por sua vez, assumiram o controle de facto das áreas setentrionais entre 1977 e 1987, combatendo o Exército cingalês e atacando os tâmils que a eles se opunham, matando no processo mais pessoas do mesmo grupo étnico que o próprio Exército cingalês.[260] À medida que os incidentes assumiam grande escala, a Índia ia sendo atraída para o conflito. O estado indiano de Tamil Nadu, bem em frente ao Sri Lanka, tornou-se base de treinamento para os guerrilheiros tâmils que retornavam ao país natal para lutar pela independência. Em agosto de 1987, o Exército indiano interveio diretamente, desembarcando 50 mil soldados como força de paz nas

regiões tâmils do Norte do Sri Lanka – uma iniciativa que enraiveceu as populações cingalesas e foi, no começo, bem recebida pelos tâmils. A missão das tropas indianas era assumir a missão de manutenção da ordem, que deveria ser executada pelo Exército e forças policiais do Sri Lanka, e desarmar a guerrilha tâmil, mas esta última resistiu vigorosamente, o que custou ao Exército indiano cerca de quatrocentas vidas no primeiro ano. Engajado nas hostilidades, as próprias brutalidades e atrocidades do Exército indiano alienaram muitos tâmils, enquanto sua presença em território do Sri Lanka – ostensivamente, a convite do presidente Jayawardene, mas que, na realidade, não tinha escolha em função dos tamanhos relativos dos dois países – provocou a formação de terroristas cingaleses, opositores tão ferrenhos a qualquer esforço pela paz quanto seus correspondentes tâmils no Norte. Os terroristas cingaleses mataram mais de duzentos defensores do acordo internacional que ratificara a intervenção das tropas indianas e por pouco não foram bem-sucedidos num atentado contra a vida do próprio presidente Jayawardene.[261] Uma tentativa de assassinato não fracassada foi a do terrorista suicida tâmil do Sri Lanka, que explodiu a bomba que matou a si e o primeiro-ministro Rajiv Gandhi, na Índia, em 1991. O Sri Lanka atingiu então o estágio em que as questões iniciais que haviam deflagrado o conflito jaziam havia muito tempo sob enorme camada de ódios, desconfianças, vinganças e represálias mútuas. Talvez o fato mais pernicioso de todos tenha sido a criação de organizações

extremistas de assassinos tanto entre cingaleses quanto entre tâmils – organizações com interesse especial na continuação do conflito e dispostas a matar os que desejassem a reconciliação. Uma disposição na Constituição de 1978 reconheceu os direitos de idioma dos tâmils, mas isso não conseguiu restabelecer o status quo ante. Foi, numa expressão muito usada na Segunda Guerra Mundial, “muito pouco e muito tarde”. A guerra civil prosseguiu por décadas. Levando-se em conta as vidas perdidas, o que, de fato, conseguiu a ação afirmativa no Sri Lanka? Pelos idos de 1973, os cingaleses já haviam sobrepujado os tâmils do país em termos de educação e renda[262] e, é claro, já estavam em situações bem melhores nos dois aspectos que os tâmils indianos, muito antes da instituição dos grupos de preferências e das cotas. Diferentemente da crença bastante difundida, não foi quando as disparidades econômicas eram maiores que a rixa intergrupo atingiu seu ápice. Ao contrário, os cingaleses e os tâmils conviviam pacificamente nos anos 1920, quando a minoria tâmil produzia mais médicos que a maioria cingalesa. Foi quando os cingaleses suplantaram os tâmils na quantidade de médicos, em 1946, que a primeira violência de turba irrompeu contra os tâmils, e foi uma década depois de os cingaleses sobrepujarem os tâmils na educação e na renda – com a ajuda das preferências e das cotas – que a maioria desencadeou os maiores e mais selvagens levantes contra a minoria. Em síntese, não foram as disparidades que conduziram à violência intergrupos, mas a politização de

tais disparidades e a promoção de políticas de identidade de grupos.

RESUMO E IMPLICAÇÕES

A história do Sri Lanka na segunda metade do século XX representa a mais clamorosa, trágica e dolorosa refutação à arraigada suposição de que é possível controlar o curso dos eventos – suposição implícita nas políticas de ação afirmativa ao redor do mundo. O curso real que os eventos tomaram no Sri Lanka não foi antevisto por ninguém e piorou, no cômputo geral, a situação de todos os grupos, pois o país sofreu repetidas sublevações raciais, guerra civil, atrocidades, difundido terror e assassinatos dos líderes nacionais do país, sem contar a morte do primeiroministro da Índia causada por um extremista tâmil, em consequência da intervenção do Exército indiano. Tal registro de carnificinas e atrocidades seria chocante em qualquer país, mas foi especialmente surpreendente naquela entre as nações do mundo com um dos melhores históricos quanto à tolerância intergrupos. No mínimo, o Sri Lanka demonstrou que a complacência não se apresenta quando se trata de relações raciais ou étnicas, isto porque, mesmo gerações de coexistência pacífica podem se deteriorar rapidamente quando se combinam ao mesmo tempo as circunstâncias favoráveis e os demagogos certos. Nem são tais acontecimentos facilmente barrados uma vez iniciados. Até as concessões que poderiam produzir a paz no passado

seguramente não resultam em efeito algum depois que muitas experiências amargas endurecem os dois lados e produzem extremistas com interesse especial pela continuação da disputa, já que ela fortalece seus poderes, e não há preocupação com os resultados sociais que poderiam advir do conflito. Em setembro de 2000, The New York Times reportou o seguinte cenário sobre a morte banalizada em Jaffna: Uma jovem que andava de bicicleta próximo de sua casa foi atingida por um estilhaço de granada que decepou sua artéria femoral. Uma vaca, que pastava preguiçosamente, foi morta por uma granada errática. Um menino de cinco anos de idade, cuja avó o mandara ao armazém para comprar suco de frutas, foi atingido na espinha dorsal por um estilhaço de granada que explodiu em uma árvore próxima. Duas pessoas morreram quando os disparos de um ataque atingiram uma casa para idosos.[263]

O mesmo relato também descreveu: Um pequeno e queixoso cartaz colado em todos os cantos da cidade pergunta, “Não poderíamos parar com esta loucura?”.

Parar tal loucura não era tão simples como começá-la, como fora feito havia cerca de meio século por um homem que nem era fanático racial, mas que queria ser primeiroministro e decidiu que o caminho mais fácil para tanto era o da instigação do conflito intergrupos. O resultado final foi a guerra civil que perdurou por décadas e na qual uma pequena nação insular experimentou mais mortes do que os Estados Unidos durante os prolongados anos da Guerra do Vietnã. As eleições de 2001 no Sri Lanka levaram ao poder um partido comprometido com a tentativa de negociação da

paz com os líderes políticos tâmils.[264] Na repulsa mundialmente generalizada aos ataques de 11 de Setembro de 2001 contra os Estados Unidos, muitos governos forasteiros prometeram parar com o levantamento de fundos em seus respectivos países para financiar os Tigres Tâmils, que vinha fomentando uma guerra civil na qual já tinham morrido, no Sri Lanka, aproximadamente 64 mil pessoas.[265] No início de 2002, os Tigres Tâmils anunciaram um cessar-fogo e o fim dos homens-bomba. Seu líder emergiu da selva, pela primeira vez em mais de uma década, comprometendo-se a lutar pela paz. Pelo fim daquele ano, um acordo entre o governo e os Tigres Tâmils colocou em marcha um processo para o acerto final de suas diferenças. Foi o primeiro sinal de esperança em cerca de meio século. Quase no final do ano, The New York Times publicou: As inesperadas concessões ao fim da segunda rodada de negociações alimentaram as esperanças por uma solução permanente para a guerra de dezenove anos que já matou 64.500 pessoas. Mas um acordo final pode estar anos distante, como admitiram os líderes dos dois lados e os moderadores noruegueses que conduzem tais negociações.[266]

Capítulo 5

| Ação Afirmativa na Nigéria

                Assim como muitas nações que emergiram da era colonial, a Nigéria jamais foi um país antes dela. Seu próprio nome fora dado pelos governantes britânicos. Mais importante, era um amálgama de muitas e diversificadas comunidades da África Ocidental – fato que teria as mais fatídicas implicações para seu futuro como um Estado multiétnico. As regiões reunidas pela hegemonia inglesa não eram apenas etnicamente diferentes, mas também distintas em termos econômicos, culturais e geográficos. As conquistas islâmicas no Norte estavam em progresso quando os conquistadores britânicos intervieram. As tribos muçulmanas fulá haviam submetido as tribos hauçá do Norte, mas não as ioruba e os ibó do Sul, quando o governo inglês se estendeu sobre todas. Embora fossem os maiores grupos étnicos da Nigéria, e ainda o são, existem muitas outras tribos, algumas ocupando

exclusivamente um território, outras dispersas entre grupos tribais maiores. Embora esses diversos grupos sejam chamados de “tribos” na Nigéria, eles não são, em absoluto, pequenos bandos de pessoas. Algumas tribos chegam a milhões de integrantes espalhados por áreas mais extensas que algumas nações da Europa. A Nigéria possui população maior que qualquer país da África, e um em cada oito africanos é nigeriano. Internamente, a Nigéria é fragmentada pela língua, pela religião e pela etnia. O maior dos grupos étnicos é constituído pelas tribos hauçá-fulá da região Norte, que totaliza cerca de 28% da população do país. Em seguida – com cerca de 18% da população – vêm os ibós, com os iorubas, da região Sudoeste, perfazendo o total de 17% da população.[267] No total, existem centenas de tribos menores. Estão envolvidas mais do que diferenças demográficas ou mesmo culturais. As divisões tribais são acompanhadas por alienações e hostilidades profundamente sentidas entre muitos desses grupos. Um levantamento de 1970 feito por estudantes nigerianos que frequentavam cursos em Edimburgo constatou que, entre os iorubas, mais de 40% dos homens e mais de 60% das mulheres excluíam qualquer possibilidade de amizade com um hauçá. O casamento com um hauçá era considerado impossível por mais de 80% dos homens e por mais de 90% das mulheres. Entre os ibós, proporções similares não admitiam o casamento com hauçás – ou com iorubas.[268] Tal alienação tem implicações sociais, econômicas e políticas. Um estudo de 1997 estimou

que o crescimento econômico da Nigéria teria sido quase o dobro da taxa de então se sua diversidade étnica fosse igual à média da taxa das nações africanas, em vez de ser quase o dobro dessa média.[269]

HISTÓRIA

Geograficamente mais aquinhoada que outras partes da África Subsaariana, a região da África Ocidental hoje conhecida como Nigéria abrange o Rio Níger e seus afluentes, facilitando o desenvolvimento de cidades e vilas, que vem sendo por longo tempo mais comum nessa região do que na maior parte da África tropical. Cerca de metade da população da Nigéria vivia nessas comunidades urbanas antes do início do século XX. O país também possuía os maiores e mais complexos sistemas políticos indígenas que as outras regiões da África Subsaariana, e tinha progredido mais em outros aspectos. Por exemplo, o ferro foi fundido na área que hoje é a Nigéria cinco séculos antes de Cristo.[270] O islã chegou às regiões Norte do país há cinco séculos, enquanto a região do Sudeste, habitada pelos ibós, tornou-se predominantemente cristã na esteira da atividade missionária inglesa e, mais tarde, da hegemonia política britânica. A região Sudoeste, habitada pelos iorubas, tornouse aproximadamente metade islâmica e metade cristã, ao mesmo tempo que as religiões africanas endógenas continuaram sendo praticadas. Em séculos passados, os povos do litoral da região eram mais poderosos e mais avançados que os do interior, como na maior parte das

regiões do mundo. A exemplo do que ocorria em todos os rincões da África Subsaariana, esses povos litorâneos perseguiam e escravizavam seus irmãos menos afortunados do interior – neste caso, os ibós. Os ibós foram descritos por um acadêmico que alimentava grande simpatia pelos africanos como mal saídos do estágio da selvageria no começo do século XX. Tal descrição não buscou denegrir os ibós, e sim acentuar seu rápido avanço mais tarde do mesmo século.[271] Os ingleses se envolveram com a África Ocidental no século XIX, quando trataram da proteção e do progresso de vários interesses britânicos, inclusive de seus missionários e mercadores, por meio do estabelecimento de esferas de influência. A decisão histórica inglesa de banir o tráfico internacional de escravos em 1808 levou não apenas à proscrição de tal comércio do Império Britânico, mas também à sua supressão em outras regiões, entre as quais suas principais fontes na África Subsaariana. Se os funcionários coloniais perceberam isso ou não desde o início, o fato é que essa medida implicou envolvimento político-militar inglês de longo prazo na região, já que seus navios passaram a patrulhar a costa atlântica da África para prevenir e interceptar o transporte de escravos para o Ocidente. Embora relutantes quanto às despesas com o estabelecimento e a administração de uma colônia, os britânicos, não obstante, foram sendo atraídos pelos conflitos políticos e militares locais entre os vários contendores africanos. No final, a esfera inglesa de influência evoluiu para mando britânico no século XX –

embora para o “governo indireto”, por meio das autoridades indígenas locais. O que os ingleses tentaram foi o que pode ser chamado de imperialismo de orçamento barato, deixando, ao máximo possível, as sociedades locais, estruturas políticas e culturas tais como eram. A despeito dessa agenda conservadora, no entanto, a presença britânica por si só teve influência transformadora e revolucionária. Não desejando arcar com os altos custos do preenchimento de alto a baixo dos cargos na administração colonial com pessoas da Inglaterra, os ingleses contrataram nigerianos locais como serventes e para outras funções subordinadas. Isto, por sua vez, significou a criação de toda uma classe de africanos com educação no idioma inglês, familiarizada com os conceitos ocidentais e experiente na maneira ocidental de fazer as coisas. Essa classe tendeu a criticar as instituições e autoridades indígenas africanas – e, por fim, a criticar também as autoridades britânicas e seu mando colonial.

DIFERENÇAS DE GRUPOS

O mando inglês também teve efeitos importantes sobre as relações entre os vários povos da Nigéria. Alguns desses povos foram mais receptivos que outros à educação ocidental então oferecida pelos missionários, levando a grandes disparidades nas quantidades de povos indígenas educados nas diversas regiões. As autoridades muçulmanas do Norte, por exemplo, não quiseram missionários cristãos

criando escolas em sua área. Como, praticamente, todas as escolas na Nigéria eram missionárias àquela época, isso deixou o Norte bem atrasado em relação ao Sul, tanto na educação moderna quanto nas habilitações e experiências econômicas dela decorrentes. Além do mais, depois que os britânicos estabeleceram sua hegemonia sobre as várias tribos africanas, ficou mais seguro para as pessoas de determinada região da Nigéria viajar e mesmo se fixar em territórios que antes da era colonial eram considerados inimigos. A consequência foi um grande influxo de nigerianos sulistas para o Norte, não só para preencher os cargos da administração colonial, mas também para abrir negócios e ocupar funções modernas no setor privado. Um dos grupos particularmente propenso a tirar proveito das oportunidades que lhe haviam sido conferidas pela educação ocidental foi o dos ibós do Sudeste da Nigéria, grupo outrora humilde e atrasado[272] que começou então a galgar os degraus da escada ocupacional, frequentemente acima de seus antigos superiores. Estes últimos, em particular no Norte, não acharam a menor graça nessa reversão social. Quando a Nigéria se aproximou da independência, em 1960, as invejas e fricções intergrupos retardaram a formulação de uma Constituição e a criação de um Governo – o que, por sua vez, atrasou a própria independência. Os ingleses estavam dispostos a conceder a independência mesmo antes que os grupos étnicos na Nigéria estivessem preparados para recebê-la, mas eles tinham primeiro que aparar as arestas de seus desencontros com uma Constituição.

Apesar de ter sido o grupo dos ibós o que provocou o maior ressentimento devido ao seu progresso, o dos iorubas era o que possuía a maior renda per capita de todos eles. A região Sudeste, onde se originaram os ibós, tinha terra menos fértil e, por muito tempo, foi a mais atrasada no nível econômico e na urbanização, fato que levou muito ibós ambiciosos e ocidentalmente educados a migrar para outras áreas em busca de melhores oportunidades. Resultou assim que muitos ibós se viram misturados com outros povos hostis a eles. As autoridades nortistas, por exemplo, insistiam para que os ibós vivessem em comunidades separadas e enviassem suas crianças para escolas segregadas.[273] Em meados do século XX, com a aproximação da independência, a renda per capita na região ocidental (ioruba) era o dobro da do Norte (hauçáfulá), e a da região Sudeste (ibó) ficava mais ou menos no meio das duas. Essas diferenças econômicas refletiam parcialmente o fato de que a diversidade educacional entre as tribos e regiões permaneceu extrema durante toda a era colonial. Por volta de 1912, por exemplo, existiam menos de mil estudantes nas escolas básicas do Norte da Nigéria, onde vivia mais da metade da população do país, ao passo que havia cerca de 35 mil estudantes nas escolas primárias das regiões do Sul. À proporção que crescia a educação ocidental em todas as regiões da Nigéria, persistiam as enormes disparidades. Em meados de 1957, quando existiam aproximadamente 185 mil crianças matriculadas nas

escolas de educação básica nas regiões do Norte, havia 2,3 milhões nas outras regiões, cujas populações combinadas não chegavam ao total daquelas do Norte. Discrepâncias semelhantes ocorriam e persistiam na educação secundária e na superior. Já em 1951, apenas uma de cada 16 milhões de pessoas da região Norte tinha formação universitária. Praticamente todos os estudantes nigerianos em instituições de ensino superior domésticas ou no exterior eram do Sul do país. No ano acadêmico de 1959-60, às vésperas da independência, os nigerianos do Norte eram apenas 9% de todos os alunos da Universidade de Ibadan. Entre o número bem maior de estudantes nigerianos que receberam educação superior no forasteiro, só 2% eram hauçá-fulá em meados de 1966, seis anos depois da independência. Tais diferenças na educação superior tiveram reflexos nas disparidades ocupacionais, especialmente nas profissões qualificadas. Dos 160 médicos nigerianos do início dos anos 1950, 76 eram iorubas, 49 ibós e apenas 1 provinha do grupo hauçá-fulá, o maior da população do país.[274] No Exército, três quartos dos fuzileiros eram hauçá-fulá, enquanto quatro quintos dos oficiais eram sulistas. Até 1965, metade do corpo de oficiais era constituída especialmente por ibós.[275] Mesmo na região Norte, os nigerianos do Sul suplantavam os locais em muitas ocupações cobiçadas, as quais não eram só as que requeriam habilitações médicas ou técnicas,[276] mas também as burocráticas e de meia-qualificação nos correios, bancos e ferrovias; os sulistas também se sobressaíam no

comércio,

no

artesanato,

como

mercadores

e

como

operários nas fábricas do Norte da Nigéria.[277] Entre os funcionários seniores da Nigéria Setentrional, mais de quatro quintos eram de expatriados – na maioria europeus, mas alguns de outros países africanos – e cerca de um terço dos nigerianos em tais posições eram sulistas. Tal dependência de forasteiros era muito diferente da situação encontrada nas regiões Sul e Leste do país, em cada uma das quais os nigerianos eram aproximadamente três quartos dos funcionários públicos seniores.[278] Do espólio da independência, vieram os cargos governamentais até então desempenhados por europeus e, enquanto se proclamava uma política de “nigerização” de tais cargos, na região Norte essa política foi mais especificamente de “setentrionalização”. Lá, a ênfase foi por expelir os nigerianos sulistas dessas funções, mesmo que isso significasse substituí-los temporariamente por expatriados europeus, em virtude da escassez de nigerianos nortistas qualificados.[279]

INDEPENDÊNCIA NACIONAL

Os pleitos pela independência surgiram primeiro nas regiões Sul e Leste da Nigéria, enquanto os funcionários nigerianos nortistas resistiram o quanto puderam, a fim de conseguirem alguma garantia constitucional de que o aparato administrativo do país não seria dominado por funcionários de outras regiões. O Norte da Nigéria, onde vivia a maioria da população do país, era a região

politicamente dominante do país, mas o aparato do governo central necessário para implementar a política – ou seja, a burocracia – claramente não seria ali se a contratação para as posições governamentais tivesse que ser feita apenas com base nas qualificações individuais. Tais cargos eram importantes não só como meio de controle da aplicação de qualquer política pela qual os líderes optassem, mas também como fonte de clientelismo que garantisse a continuação no poder dos políticos que o detivessem na oportunidade. Tanto a resistência nortista em relação a uma independência antecipada como sua insistência na representação dos grupos nas posições do governo federal colocaram os líderes daquela região em conflito com os líderes e povos de outras. Todos entendiam a grande importância do que estava em jogo naquele conflito e os dois lados reagiram com hostilidade e amargura. Como um líder nortista mais tarde confessou: “Tínhamos que ensinar as pessoas a odiar os sulistas, a olhá-los como se as estivessem privando de seus direitos”, de modo a ganharmos o apoio da população nortista.[280] Outro portavoz nortista disse: O Sul, com suas muitas escolas e faculdades, está produzindo centenas de pessoas acadêmica e tecnicamente qualificadas para as funções públicas. O brado comum de hoje tem sido de “nigerização” dos serviços públicos. É da maior importância que o serviço federal seja totalmente representativo de todas as unidades que constituem a federação. Agora, o que encontramos na Nigéria atual? Existem 45 mil homens e mulheres na Administração Federal. Não pude conseguir a quantidade de nortistas nessa administração, mas duvido muito que ela chegue mesmo a 1%…[281]

Sintetizando, a posição nortista dava mais importância à representação dos grupos do que às habilitações individuais. Um defensor de tal representação chegou a rejeitar o que chamou de “tirania das capacitações”.[282] Não se tratava simplesmente de uma questão a ser acertada na arena política depois da independência. Os temores nortistas e a dominação do Sul no aparato administrativo do governo levaram a oposição a uma independência antecipada sem garantias prévias de representação na burocracia para os nigerianos do Norte. Por outro lado, isso provocou hostilidade do Sul contra os líderes nortistas. Em 1953, depois que uma moção apresentada na Câmara dos Deputados, sediada em Lagos, no Sul, solicitando que os ingleses concedessem a independência em 1956, foi rejeitada pelos membros nortistas, estes membros foram depois cercados por grupos de ibós e iorubas que os chamaram de “ladrões”, “escravos dos homens brancos” e “hauçás estúpidos”.[283] Mais tarde, quando os advogados da independência antecipada submeteram sua proposta ao povo do Norte, a reação veio sob a forma de levantes fomentados pelos líderes políticos nortistas, nos quais dezenas de pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas.[284] Num esforço para acalmar a situação, os britânicos organizaram uma conferência em Londres na qual ficou decidido permitir maior autonomia regional. Como resultado, entre janeiro de 1954 e agosto de 1958, mais de 2 mil sulistas foram despedidos da Administração Federal e instados a irem para o Sul. Mas eles não puderam ser imediatamente

substituídos por nortistas qualificados; daí a grande quantidade de expatriados que foram contratados. Antes de 1954, não existia um único nigeriano nortista no quadro administrativo dos Serviços Públicos do Norte. Logo depois da política de “setentrionalização”, cinco foram nomeados e, por volta de 1958, havia pouco mais de trezentos, mas ainda não fora possível, com eles, substituir todos os sulistas outrora despedidos. Se bem que tais grupos preferenciais fossem inicialmente limitados aos cargos governamentais, eles começaram depois a se espraiar pelo setor privado em consequência das ações do governo nortista. As empresas europeias no Norte da Nigéria, que tinham propensão para empregar sulistas para cargos de responsabilidade, viramse sob pressão política para contratar nortistas. Ademais, o próprio governo local proporcionou empréstimos aos homens de negócios do Norte do país que tentavam competir com os nigerianos do Sul, que se saíam muito melhor. Ironicamente, um dos próprios defensores políticos da “setentrionalização” empregava ibós em vez de nortistas para seus negócios particulares.[285] Aparentemente, a crença de que os nigerianos do Sul eram mais eficientes não era só uma “intuição” ou um “estereótipo”. Não causa surpresa que, em função da hostilidade intergrupos, a primeira década da independência do país tenha sido marcada por levantes, tramas e golpes. O primeiro censo da Nigéria teve que ser anulado, em meio a acusações de fraude. No início de 1966, o primeiro-ministro foi assassinado no curso de um golpe militar. Como ele era

da região muçulmana do Norte e a maioria dos líderes do golpe eram oficiais das Forças Armadas do Sul cristão, o assassinato disparou uma reação fatídica na qual o novo governo militar foi alvo de forte rebelião e acabou derrubado num contragolpe de julho do mesmo ano, liderado por oficiais muçulmanos das Forças Armadas. Em meados de setembro, a reação contra os ibós tomou a forma de novas e mais sangrentas sublevações no Norte: Soldados nortistas caçaram tropas ibós em seus quartéis e mataram quantidades delas a golpes de baioneta. Turbas muçulmanas aos gritos caíram sobre os quartéis ibós de todas as cidades nortistas, assassinando suas vítimas com porretes, lanças envenenadas e armas de fogo. Dezenas de milhares de ibós foram mortos nos massacres sistemáticos que se seguiram.[286]

Depois desses eventos traumáticos, mais de um milhão de ibós fugiram do Norte para se juntar aos irmãos de etnia no Sudeste do país. Eles então decidiram separar tal região da Nigéria, onde não mais se sentiam seguros, e formar seu próprio país independente, que chamaram de Biafra. Esse fato desencadeou uma guerra civil que durou dois anos. O governo nigeriano bloqueou essa área do interior, a fim de evitar que alimentos e suprimentos militares chegassem lá. Os ibós, então, definharam até a morte à taxa de milhares por dia.[287] Ao todo, mais de um milhão de pessoas morreu em Biafra por uma combinação de fome, ações militares e epidemias. Biafra entrou em colapso e foi reabsorvida pela Nigéria. Depois desse episódio catastrófico, e após todos os anos de hostilidade intergrupos que o precederam, a Nigéria

assumiu uma política de reconciliação. A economia devastada na região Sudeste foi reconstruída, e pessoas ibós, militares e políticas, foram reabilitadas, inclusive alguns funcionários do antigo governo de Biafra. Anos mais tarde, até o líder eLivros de Biafra foi perdoado, em 1982. Os ibós, de modo geral, reassumiram seus papéis como elementos prósperos na sociedade nigeriana. O Governo Federal Militar que tomou o poder com o golpe de julho de 1966 lá permaneceu até 1979, quando uma nova Constituição foi formulada, estipulando o retorno do mando civil. A nova Constituição foi concebida para mitigar a política étnica pela reorganização de regiões políticas numa tentativa de partir os blocos étnicos. Apesar disso, nas eleições de 1979, realizadas sob a nova Carta Magna, cada um dos cinco candidatos recebeu uma maioria absoluta de votos em pelo menos um estado, e menos de 5% da votação em outro estado ou estados.[288] Uma vez que os maiores grupos étnicos da Nigéria vivem em estados diferentes, esse padrão de votação espelhou a continuação da extremada polarização étnica. O que também persistiu foi a grande atuação do governo na economia e uma corrupção desmedida ao desempenhar esse papel. Num país muito pobre, o controle do governo central sobre a maior parte da riqueza do país torna desesperada a luta pelo domínio desse governo e descarada a utilização desse controle. Apesar de não ser a única neste caso particular, a Nigéria é normalmente classificada entre as nações mais corruptas do mundo, e, há alguns anos, uma pesquisa internacional a qualificou como

a nação mais corrupta do globo.[289] A corrupção financeira em larga escala e difundida – 30 milhões de dólares roubados por um só governador, por exemplo – tem sido igualmente acompanhada por grande fraude eleitoral, em função da qual investigações de anos mais tarde revelam que um candidato “derrotado” na verdade venceu a eleição por mais de um milhão de votos.[290] Nesse meio-tempo, o pagamento do funcionalismo se atrasa, a inflação dispara e o Produto Interno Bruto do país decai. Com a confiança do povo em seus representantes eleitos também declinante, armou-se o cenário para outro golpe militar em 1983, parte de uma história de longos períodos de regimes militares e curtos períodos de governo civil na Nigéria. Mesmo durante suas mais ou menos legítimas atividades, o governo nigeriano tem servido como instrumento para esfolar um grupo étnico em benefício de outro. Em 1961, por exemplo, a região Norte foi responsável por apenas 9% dos impostos de renda de pessoas físicas e recebeu 45% de todo o dinheiro distribuído para as regiões pelo governo federal. Ao passo que a região Oeste recolheu 64% deste imposto e recebeu menos de um quarto dos fundos regionais.[291] Em essência, os iorubas vêm sendo esbulhados financeiramente em prol dos hauçás-fulá.

PREFERÊNCIAS E COTAS

Além das várias maneiras informais com as quais, em níveis nacional e estadual, o governo nigeriano vem praticando o favoritismo para com um grupo étnico sobre

outro, sistemas mais formais de preferências étnicas e cotas têm sido impostos sob a alegação de que numerosas atividades têm que “refletir o caráter federal do país”. Isso representa preferência étnica em termos regionais. Segundo uma disposição da Constituição de 1979, “a composição do Governo da Federação e de qualquer de seus órgãos deve ser organizada de modo a refletir o caráter federal da Nigéria e a necessidade de promover a lealdade nacional, assegurando dessa forma que não haja predomínio de pessoas de uns poucos estados ou de uns poucos grupos étnicos ou seccionais naquele governo ou em qualquer de suas agências”.[292] Mesmo antes da formulação dessa disposição constitucional, esforços especiais eram despendidos para recrutar nortistas, a fim de preencher cargos em ramos civis do governo nacional e nas Forças Armadas. Com o intuito de reparar os desequilíbrios regionais – e, portanto, étnicos – na educação, o governo federal organizou instituições universitárias e pré-universitárias de reforço nas regiões mais atrasadas em termos de educação. Então estabeleceu uma Câmara Conjunta de Admissões e Matrículas para controlar o ingresso nas universidades do país, usando cotas étnicas. Além disso, princípios similares de balanceamento regional e étnico foram aplicados à vasta gama de atividades e projetos governamentais: Com o enunciado do princípio do caráter federal, políticos e defensores da etnia, bem como empreendedores étnicos observam agora com assiduidade cada aspecto da vida de modo que neles não seja negado qualquer possível benefício resultante da implementação do conceito. Daí a razão de demandas sobre a sede de indústrias do

governo, a construção de estradas, hospitais e escolas nas várias partes da federação em conformidade com o princípio do caráter federal. A ênfase é dada ao equilíbrio da localização de projetos socioeconômicos entre o Norte e o Sul. Na realidade, o projeto do ferro e aço do país foi retardado em virtude das reivindicações pelo balanceamento da localização de projetos nacionais significativos. Semelhantemente, a construção da refinaria de petróleo em Kaduma, uma área em que não é produzido o óleo cru, é motivada em parte pelo princípio do equilíbrio etnor-regional. A localização de hospitais especializados patrocinados pelo governo seguiu o mesmo princípio do balanceamento que inspirou a fixação dos locais das universidades federais.[293]

A exemplo de outros países, os benefícios colocados à disposição pelo processo do balanceamento étnico foram primordialmente coisas do interesse e da preocupação dos membros mais afortunados dos vários grupos étnicos, tal como a admissão às universidades, em vez da educação obrigatória universal e gratuita para os pobres. Na Nigéria, os grupos de preferências se concentram naqueles aspectos que servem aos interesses de pessoas que já abandonaram os métodos tradicionais de vida e ingressaram nos setores modernos da economia e da sociedade, com pouca atenção para os que ficaram para trás.[294] O princípio do “caráter nacional” tem sido estendido às promoções, à admissão nas escolas e até para a convocação para a seleção nacional de futebol.[295] As hostilidades intergrupos têm sido particularmente agudas naqueles setores modernos, como nas cidades, onde grupos locais indígenas e não indígenas têm se confrontado: Os habitantes nativos urbanos se ressentem com os migrantes e, com frequência, buscam o tratamento preferencial com respeito à administração e ao planejamento urbanos. Os habitantes não

indígenas, por outro lado, sentem-se alienados e relutam em participar do desenvolvimento da cidade. Isso é especialmente evidente nas cidades do Norte nigeriano e em Lagos, onde os “filhos da terra” regularmente ameaçam os “forasteiros”.[296]

Uma vez que o princípio do “caráter nacional” é administrado pelo governo federal, esses programas de ação afirmativa têm fortalecido o papel do governo central vis-à-vis o dos estaduais e municipais, que perderam muito do seu poder de taxar e, portanto, viram-se obrigados a depender do dinheiro recebido do Tesouro Nacional para o grosso de suas receitas. Além disso, pleitos regionais e étnicos competidores pelos recursos do citado tesouro têm tornado coisas ordinariamente muito corriqueiras, como um censo, em questões de acaloradas controvérsias e de acusações e contra-acusações amargas de corrupção e fraude. Portanto, longe de tornar menos perigosas ou de acabar com as tensões intergrupos, a administração e a aplicação do princípio do caráter nacional tornaram-se elas próprias matérias de contendas intermináveis. A autonomia regional permitiu que a tribo ou grupo étnico dominante de cada região exercitassem o favoritismo para seus próprios integrantes nas questões dos empregos governamentais, subsídios e outros benefícios. Como isso se fazia, essencialmente, através de preferências e cotas para a população majoritária de cada região, ficou difícil para outros grupos desafiarem politicamente tais programas. Contudo, com a concentração do poder no governo federal, maiorias regionais balanceadas de forma mais imparcial poderiam competir com maior efetividade umas contra as outras pelos favores dos que detinham o poder no governo

central. Quer resultasse ou não em maior equidade, a verdade é que isso causou conflitos maiores.

RESUMO E IMPLICAÇÕES

Grupos étnicos territorialmente separados e politicamente polarizados têm sido a fórmula para o desastre em muitos países do planeta. Alguns deles degeneraram em guerra civil, casos do Sri Lanka e da Iugoslávia, outros se separaram, devido ou não à ação militar, como a Tchecoslováquia, a União Soviética e, em primeiro lugar, o Paquistão da Índia e, depois, Bangladesh do Paquistão. A guerra civil na Nigéria pode ser incluída nesse padrão geral, mas sua reunificação depois da secessão foi um dos resultados mais favoráveis, apesar da persistente fragilidade de sua unidade nacional. Com um histórico desses, torna-se complicado avaliar os efeitos dos grupos de preferência e das cotas. Em função das diferenças de educação e culturas entre as diversas tribos na Nigéria, teria sido uma política de oportunidades iguais para todos – com a inevitável predominância dos nigerianos sulistas nas posições mais ambicionadas, mesmo no Norte do país – politicamente viável? É difícil imaginar como tal situação não conduziria a reivindicações políticas por grupos preferenciais e cotas – e às recriminações, imprecações e polarizações entre os diferentes grupos. Talvez um país com longa história de preocupações nacionais sobre as diversidades regionais ou tribais, ou com uma tradição de tratamento igualitário para todos, pudesse

ter evitado as tragédias que arruinaram a Nigéria; mas ela não era um país desses. A própria ideia de transformar regiões tão diversificadas do Império Britânico na África Ocidental em um só país foi uma decisão tardia e talvez impensada. Já em 1899, os primeiros colonizadores recomendavam a partição do território da Nigéria em duas províncias separadas. Nos anos imediatamente seguintes à independência em 1960, algumas regiões ameaçaram a secessão antes que os ibós realmente se separassem para formar a infeliz nação de Biafra.[297] Se o objetivo dos grupos de preferências e cotas era criar um senso de unidade nacional, como frequentemente proclamado, não há provas de que eles, de fato, concorreram para a consecução de tal propósito ou mesmo encaminharam o país para aquela direção. Como um estudo de 2001 concluiu: “Os nigerianos raramente classificam outras pessoas pela riqueza ou profissão, e sim pela etnia”. Isso é mais que um hábito nacional. Tem implicações políticas. Como um estudo anterior ressaltou: [298]

Para o nigeriano médio, só é bom líder político aquele capaz de ajudar os membros de sua família às expensas de outras famílias, de promover a causa de sua tribo à custa da causa nacional e, se necessário, de defender os erros de um “irmão” em detrimento da própria justiça.[299]

Em outubro de 2001, o presidente da Nigéria admitiu a existência dos continuados embates étnicos e considerou necessário reenfatizar o direito de qualquer cidadão nigeriano “viver e desfrutar da cidadania plena em qualquer região do país”. Conclamou todos os nigerianos “a não

verem qualquer compatriota como um assentado – em nosso país onde ele ou ela são cidadãos por nascimento –, a fim de que não tenhamos justificativa para demandar que ele ou ela deixem nossa vizinhança de acordo com nossos caprichos”.[300] Nem tinham tais embates étnicos arrefecido meses mais tarde, quando um correspondente em Lagos reportou: Gangues de jovens armados com facões, espadas, arcos e flechas ganharam ontem as ruas de Lagos, num terceiro dia de conflitos étnicos nos quais, pelo menos, 55 pessoas foram mortas. Juntando as posses que puderam, milhares de pessoas deixaram suas casas enquanto colunas de fumaça se elevavam da favela da cidade… Soldados foram deslocados ontem para ajudar na contenção da violência que começou sábado com lutas tribais entre iorubas e hauçás nas empobrecidas áreas nortistas de Idi Araba e Mushin.[301]

As estimativas sobre o número de mortos nas contendas intergrupos entre 1999 e o início de 2002 ficam entre 6 mil e 10 mil.[302] Se é difícil isolar os efeitos das preferências e cotas na conturbada história da Nigéria, é bem mais clara a constatação de que a polarização de grupo, que precedeu e causou as preferências e as cotas, tem provocado efeitos letais em tempo de paz e de guerra civil, e sob governo militar ou civil. Tanto rancor e tanta mágoa tinham sido produzidos na Nigéria antes que as políticas “que refletiam o caráter nacional do país” fossem instituídas, que tanto essas políticas como os desastres que se seguiram podem ser vistos como consequências da mesma polarização básica. Esta situação é um pouco diferente daquela de um

país onde uma maioria opta por conceder preferências e cotas a uma minoria, seja por um senso de culpa, medo ou magnanimidade. Em tais países, a boa vontade pode prevalecer, pelo menos inicialmente, e a polarização subsequente pode ser mais tarde atribuída aos efeitos das próprias políticas. Todavia, na Nigéria, tanto as políticas quanto os peçonhentos políticos que as conceberam estiveram inextricavelmente entrelaçados desde o começo, numa situação que se desenvolveu com a inevitabilidade de uma tragédia grega. Só na esteira de repetidos desastres foram tomadas providências para abrandar a polarização étnica através da reestruturação política direcionada para o requisito de que candidatos demonstrassem apoio político em diferentes regiões do país – isto é, entre diferentes grupos étnicos. Que tais esforços em grande parte fracassaram até agora é menos importante no longo prazo que o fato de o problema ter sido identificado, condição necessária para quaisquer ações que possam ter sucesso no futuro. Enquanto não se pode dizer que as preferências criaram polarização étnica na Nigéria, como aconteceu no Sri Lanka, é legítimo que se pergunte se tais preferências diminuíram ou acentuaram as fricções e hostilidades preexistentes entre as muitas minorias do país – num país sem maioria. A prestigiosa Economist Intelligence Unit,[303] em Londres, fez a seguinte avaliação: Várias explicações foram dadas para o acentuado aumento da violência sectária e comunitária na Nigéria desde 1999. Tem sido dito que a agitação provém da liberação de raiva e frustração reprimidas por anos de regime militar autocrático. A inquietação no país também

cresceu quando as relações historicamente frágeis entre os nortistas, predominantemente muçulmanos, e os sulistas, em sua maioria cristãos, foram ainda mais esgarçadas pela introdução da sharia (lei islâmica), inclusive a punição severa para os transgressores em muitas partes do Norte. Porém, a razão mais amplamente aceita para a duradoura perturbação na Nigéria é a desconfiança entre os mais de 250 grupos étnicos que constituem o país, muitos dos quais se consideram nacionalidades separadas. A persistência da desconfiança racial reflete o fracasso da “construção de nação” na Nigéria, onde a lealdade é em sua maior parte devida ao grupo étnico e não à nação. [304]

Do ponto de vista daqueles que desejam auferir algumas lições da experiência da Nigéria, claramente o espetáculo de grupos étnicos organizados em diferentes partidos políticos – cada um deles exclusivamente dependente dos votos de seu grupo e todos lutando pelas benesses da generosidade do governo – não deve encorajar emulação em lugar algum. Não é crucial o fato de um grupo conceder a maioria de seus votos para dado partido. Isso acontece em muitos países, inclusive nos Estados Unidos, sem produzir partidos étnicos como os existentes no Sri Lanka e na Nigéria, onde tais partidos insultavam, hostilizavam e tratavam os outros partidos como demoníacos – e conduziram esses países à guerra civil. O que também tem que existir para produzir tragédias semelhantes é uma preocupação tão exclusiva com as lutas intergrupos que os ataques a outros grupos não provocam reação da parte dos votantes afetados por tal polarização. Essa situação existiu no sul da América do Norte durante a época em que a “supremacia branca” era ostensivamente proclamada nas campanhas eleitorais. Porém, na ausência

de tais condições extremas, os partidos fundamentados numa variedade de questões e de eleitorados têm tendido a depreciar ou descartar os conflitos interétnicos que possam lhes custar votos do público em geral. O que salvou os Estados Unidos do destino da Nigéria foi que a tática da polarização política ficou por mais de um século confinada a uma só região do país, e a desaprovação dos muitos outros americanos limitou até onde essa tática podia ir. Onde não houve essa desaprovação à polarização ilimitada, os americanos também tiveram uma guerra civil, embora entre dois grupos que não eram racial ou etnicamente diferentes, mas territorialmente separados. Na Nigéria, não houve essa preocupação com a polarização ou mesmo com a violência direcionada contra outros grupos étnicos. Por exemplo, durante as sangrentas irrupções de violência no Norte da Nigéria que mataram dezenas de milhares de ibós em 1966, os iorubas não expressaram qualquer preocupação, quer sob o ponto de vista humanitário, quer em relação aos danos para o país como um todo.[305] A Índia não teve uma guerra civil definida entre grupos territorialmente separados, embora vivenciasse a escalada da violência em todo o país, no rescaldo da polarização entre muitos grupos, inclusive nos anos recentes com os políticos hindus fazendo os muçulmanos de alvos. Malásia e Cingapura escaparam do destino da Nigéria e do Sri Lanka, em parte por não terem grupos étnicos territorialmente separados, e evitaram o fado da Índia essencialmente pelo banimento da liberdade de expressão sobre questões

étnicas. Contudo, onde não operam quaisquer desses condicionantes e contrapesos, a Nigéria tem sido doloroso exemplo do que pode acontecer. O que fica evidente da experiência é que a repetida ideia de que as tentativas para equalizar os resultados por meio de grupos preferenciais e cotas fortalecem a “unidade nacional” tem sido tão falsa na Nigéria como em outros países. O objetivo da unidade nacional como fundamento de políticas “que refletem o caráter nacional do país” tem proporcionado aos vários grupos alguma coisa pela qual lutar, em vez de alguma coisa para uni-los. A suposição básica de que o grau de desigualdade econômica, ou outra qualquer, não tem apenas correlação com o grau de antagonismo intergrupos, como é a principal causa dele, pode parecer plausível para alguns e ser aceita sem questionamento por outros, mas não se encaixa nos fatos da Nigéria, nem de outros países. Ao passo que a região nativa dos iorubas tem apresentado longa superioridade no nível econômico sobre a região habitada pelos ibós, a hostilidade dos hauçá-fulá em relação aos novos emergentes ibós, que, historicamente, possuem nível econômico mais próximo do das tribos nortistas, tem sido bem mais áspera do que em relação aos prósperos iorubas. Além do mais, foi precisamente quando os ibós começaram a diminuir o fosso econômico entre eles e os iorubas, durante o final da década de 1940, que as hostilidades entre ibós e iorubas irromperam e aumentaram.[306] Nos anos 1990, quando os katafs, que antes se colocavam atrás dos hauçás em termos econômicos, começaram a encurtar

essa distância, as relações entre os dois grupos se tornaram mais polarizadas que nunca, a ponto de “o menor desacordo tender a explodir em violência”. O mesmo fenômeno tem sido observado entre outras tribos e grupos étnicos nigerianos.[307] Padrões similares existiram igualmente em outros países africanos, bem como na Ásia, na Europa e no Ocidente. No Sri Lanka, por exemplo, o sucesso desproporcional dos tâmils nas instituições educacionais e nas ocupações profissionais foi ainda maior na pacífica primeira metade do século XX do que na segunda metade tragicamente sangrenta. Lá, como na Nigéria e em outras regiões, não foram as diferenças econômicas ou outras que provocaram a polarização e a violência, mas a politização de tais diferenças. As rixas intergrupos dentro de várias regiões da Nigéria têm levado à criação de mais estados – no começo, uma dúzia em 1967 e, então, trinta e seis em 1996.[308] Tendo experimentado as letais consequências de crescentes conflitos resultantes da heterogeneidade étnica, a Nigéria tem procurado desenvolver maior homogeneidade dentro de enclaves separados para diminuir o perigo da polarização que ameaçou despedaçar o país.

Capítulo 6

| Ação Afirmativa nos Estados Unidos

                As ações afirmativas por parte do governo dos Estados Unidos da América do Norte enfrentam um problema não encontrado em muitos outros países. Tanto a Constituição Americana quanto estatutos como a Lei dos Direitos Civis de 1964 obrigam o tratamento igual para os indivíduos. Defensores dos grupos de preferências e cotas oficiais nos Estados Unidos, por conseguinte, têm tentado, frequentemente, negar que existem de fato grupos preferenciais e cotas. Em vez disso, tais políticas têm sido descritas como correções ou prevenções da discriminação, ou como promotoras da “diversidade”, cujos benefícios sociais são amplamente afirmados ou supostos, sem serem, na realidade, testados ou demonstrados.[309] A evolução histórica da ação afirmativa nos Estados Unidos seria difícil de entender caso não tomássemos consciência, primeiro, dos obstáculos jurídicos que tais

políticas tiveram que ultrapassar para se tornarem aceitáveis tanto nos tribunais americanos como nas arenas políticas. Os grupos preferenciais e as cotas nos Estados Unidos evoluíram de leis que inicialmente procuravam banir a discriminação contra indivíduos – inclusive de leis que repudiavam explicitamente o princípio dos grupos de preferências e das cotas. A legislação central desta evolução foi a Lei dos Direitos Civis de 1964, e o grupo principal cujos pleitos proporcionaram o ímpeto e o racional desta lei foi o constituído pelos negros. Todavia, assim como em outros países, essas políticas se espraiaram para bem além dos beneficiários iniciais. Os negros são apenas 12% da população americana, mas os programas de ação afirmativa se expandiram com os anos para incluir não só outros grupos raciais ou étnicos, mas também mulheres, de forma que eles agora contemplam a maioria substancial da população dos EUA. Em outras palavras, o fracasso em conseguir representatividade estatística entre os empregados pode ser considerado discriminação no emprego para uma ampla faixa de grupos, deixando-se aos empregadores a responsabilidade de provar o contrário. Políticas oficiais de grupos de preferências remontam à história antiga da América do Norte. A discriminação religiosa existiu em grande parte da América colonial. Leis diferentes se aplicaram aos brancos e aos negros livres do Sul de antes da Guerra Civil, e continuadas distinções entre negros e brancos persistiram durante a longa era do Jim Crow, que teve início após aquela guerra e se estendeu até

depois da metade do século XX. Tampouco foram os negros o único grupo racial discriminado nas leis e nas políticas em benefício da maioria branca. A população nativa de índios americanos também ficou sujeita a leis diferentes – e piores – do que as da maioria branca, da mesma forma que imigrantes chineses e japoneses. No entanto, ironicamente, a primeira política preferencial oficial para uma minoria racial nos Estados Unidos surgiu nos anos 1830, bem antes que fossem repelidas as leis que estabeleciam a discriminação racial. Os índios americanos receberam status para emprego preferencial na Agência para as Questões dos Índios.[310] Em vez de tentar seguir os detalhes das leis e políticas cambiantes que afetaram os vários grupos religiosos, raciais, étnicos e outros, em diversas ocasiões da história americana, podemos apreciar em linhas gerais o que aconteceu com os negros americanos, porque esse é o grupo utilizado com mais frequência como justificativa para as políticas de ação afirmativa, por mais que tais políticas tenham sido amplamente aplicadas a outros. Embora essa história seja bastante simples, o desafio é desemaranhar os mitos que se entrelaçaram com ela.

MITOS VERSUS HISTÓRIA

Numa história dirigida para justificar os atuais movimentos e programas políticos, os negros têm sido vistos como um grupo cujas disparidades sociais e econômicas de hoje são consequências diretas da

escravidão e dos maus-tratos recebidos no passado, bem como dos continuados racismo e discriminação do presente. Sejam as receitas mais baixas dos negros, comparadas às de outros americanos, sejam suas taxas mais altas de mortalidade infantil, sejam seus menores índices de casamento e de participação na força de trabalho, ou outras patologias sociais, a crença é que a causa geral vem sendo o comportamento dos brancos. Convenientemente, a ascensão socioeconômica dos negros na segunda metade do século XX tem sido atribuída às leis e políticas que combateram a discriminação a eles infligida pelos brancos, na tentativa de reparar as iniquidades passadas. Todas essas explanações muito difundidas sobre as patologias sociais entre os negros americanos são, em sua quase totalidade, demonstravelmente falsas. Os negros foram, de fato, maltratados – de início, escravizados por mais de dois séculos e, depois, sujeitados à deslavada discriminação oficial por mais um século, no Sul, onde a maioria dos negros sempre viveu. Nem o resto do país se livrou quer do racismo, quer da discriminação. Tampouco a pobreza inicial dos negros, nem a elevação posterior da maioria deles acima do nível daquela pobreza seguiram o caminho preconizado pelos que promovem políticas preferenciais. Os fatos históricos contradizem muito a visão que hoje impera. Embora aspectos como a participação bem menor dos negros na força de trabalho e as taxas inferiores de casamentos sejam hoje frequentemente atribuídas à “herança da escravidão”, o fato é que os negros tinham

taxas de participação na força de trabalho bem maiores e índices de casamentos ligeiramente mais altos que os brancos no final do século XIX, quando havia passado apenas o período de uma geração depois da abolição da escravatura.[311] E isso continuou sendo verdade com o avançar do século XX. Os padrões drasticamente diferentes presentes hoje tiveram início depois dos anos 1960. É indubitável que a discriminação racial contribuiu para que os negros tivessem, historicamente, receitas menores que os brancos. Mas acusar esse fator é muito diferente do que dizer quanto e de que forma isso contribuiu. Não se pode supor simplesmente que os negros teriam rendas parecidas com as dos brancos na ausência da discriminação racial, uma vez que os diversos grupos de brancos americanos tiveram receitas bem diferentes umas das outras em vários períodos da história. Além do mais, alguns grupos de não brancos nos Estados Unidos – chineses, japoneses, indianos asiáticos e negros barbadianos – obtiveram rendas superiores às dos americanos brancos. Ademais, uma das formas mais sérias de discriminação contra os negros tem sido, historicamente, a discriminação pelo governo em suas alocações de recursos para a educação. As diferenças nos gastos por aluno, entre brancos e negros, especialmente no Sul durante a era do Jim Crow, estão extensivamente documentadas. A educação inferior asseguraria diversidade nas rendas mesmo na ausência de discriminação por parte do empregador. Não queremos negar que exista esse tipo de discriminação, seja no setor público ou no privado, mas simplesmente realçar algumas

das dificuldades na determinação de sua natureza e de sua magnitude – dificuldades que são também negligenciadas quando se deseja fazer correspondência entre as disparidades estatísticas nas rendas ou nos empregos com a discriminação do empregador. Apesar de as simples diferenças quantitativas na educação não serem o único critério da discriminação racial contra os negros, as diferenças a esse respeito, em termos históricos, têm sido suficientemente dramáticas para tornar desnecessária a análise também das diferenças qualitativas. Basta dizer que os negros sempre estiveram atrasados na educação em relação aos brancos na maior parte da história americana. Ainda em 1940, os homens não brancos completavam apenas 5,4 anos em média de escolaridade, comparados aos 8,7 anos dos brancos. Para os jovens adultos entre 25 e 29 anos de idade, a diferença era de 4 anos. Vinte anos mais tarde, a diferença em anos de escolaridade entre homens negros e brancos dentro daquela faixa etária encolheu para menos de dois anos. Por volta de 1970, caiu para menos de um ano – 12,1 anos em média de escolaridade para os jovens homens negros e 12,7 anos para os correspondentes brancos.[312] Em suma, a educação dos negros melhorou substancialmente, tanto em termos absolutos quanto em termos relativos à educação dos brancos, nas décadas que precederam a legislação sobre direitos civis dos anos 1960 e as políticas de ação afirmativa que tiveram início nos 1970. Que mudanças econômicas acompanharam tal aprimoramento na educação dos negros? Por volta de 1940,

87% das famílias negras tinham renda abaixo do nível de pobreza. Em 1960, a taxa despencou para 47% das famílias negras.[313] O impressionante declínio de quarenta pontos percentuais ocorreu numa ocasião em que não existia legislação federal importante sobre direitos civis. Mas foi uma oportunidade não só de melhora na educação dos negros, mas também de êxodo maciço deles do Sul – mais de três milhões de pessoas[314] –, escapando tanto das leis do Jim Crow como das atrasadas escolas sulistas para negros. Em suma, aqueles foram tempos em que uma vasta quantidade de negros saiu da pobreza – “por esforço próprio”, como se costuma dizer. No início dos anos 1960, também foram sendo implantadas leis federais importantes sobre os direitos civis. Enquanto a porcentagem de famílias negras com renda abaixo do nível da pobreza continuava declinando, para 30% durante aquela década não estava claro que fatores contribuíam mais para isso. Mas não se pode imaginar, arbitrariamente, que tudo se deveu às leis de direitos civis, como acontece com frequência em várias discussões políticas. Embora muitas vezes seja repetido que o número de negros nas ocupações profissionais e em outras de alto nível aumentou nos cinco anos seguintes à aprovação da marcante Lei dos Direitos Civis de 1964, é praticamente ignorado o fato de que a quantidade de negros que alcançou tais posições foi ainda maior nos cinco anos que antecederam a aprovação daquela lei.[315] Ao passo que o papel da legislação e das políticas sobre “oportunidades iguais” dos anos 1960, exemplificado

com apuro pela Lei dos Direitos Civis, pode ser debatido, os efeitos das políticas federais de ação afirmativa que tiveram início nos anos 1970 são claramente menos sugestivos. Durante a década de 1970, a taxa de pobreza entre as famílias negras caiu de 30 para 29%.[316] Mesmo que a totalidade desse declínio de um ponto percentual fosse arbitrariamente atribuído à ação afirmativa, isso ainda não seria parte significativa da história da ascensão econômica dos negros, por mais que se quisesse provar que a ação afirmativa fora politicamente crucial para tanto. Esse fato nem deveria surpreender, já que as preferências e cotas na Índia e na Malásia beneficiaram principalmente os que já eram mais afortunados, ao invés dos que estavam na pobreza. Nos Estados Unidos, a ação afirmativa também tem sido uma bênção para os já bafejados pela sorte. Um estudo com base em amostragem aleatória das minorias beneficiárias dos contratos do governo reservados pela Administração dos Pequenos Negócios mostrou que mais de dois terços desses beneficiários realizavam, cada um deles, lucros superiores a um milhão de dólares. Entre eles, um negociante negro com capacidade para administrar a compra de todas as ações da multibilionária empresa Viacom do ramo da mídia. Este empresário fora antes um funcionário público da Comissão Federal de Comunicações (FCC) e tinha conhecimento minucioso de como funcionavam na mídia os programas reservados para minorias. Tais programas beneficiaram igualmente ricos atletas negros como Lou Brock, Julius Erving e O. J. Simpson.

Ainda assim, quando alguns membros do Congresso se opuseram publicamente a esses programas, o congressista Charles Rangel, do Harlem, comparou-os a Hitler e considerou qualquer tentativa de redução da ação afirmativa um ataque a todos os negros.[317] Na verdade, durante o período de 1967 a 1992 – a maior parte do qual na era da ação afirmativa –, os 20% do topo da lista de negros com maiores rendas viram suas parcelas de receitas crescer quase que na mesma proporção que seus correspondentes brancos, enquanto as parcelas das rendas dos 20% do final da lista decresceram mais que o dobro em relação às dos seus correspondentes brancos. Em síntese, a era da ação afirmativa nos Estados Unidos assistiu ao favorecimento dos negros mais afortunados, enquanto os menos afortunados perderam em termos de suas participações nas rendas. Nem os ganhos nem as perdas podem ser levianamente atribuídos à ação afirmativa, tampouco essa ação pode pleitear a responsabilidade pelo progresso dos negros de baixa renda quando, na realidade, esses negros se atrasaram. Como as minorias de imigrantes têm direito à ação afirmativa, mesmo que, obviamente, não tenham sofrido, no passado, discriminação nos Estados Unidos, os integrantes da família Fanjul, de Cuba – donos de uma fortuna que ultrapassa 500 milhões de dólares –, receberam contratos governamentais reservados para os negócios das minorias. [318]

[319]

A maioria absoluta do dinheiro pago a empreiteiras de propriedade de “minorias”, em Washington, D.C., durante o período de 1986 a 1990, foi para homens de negócios

europeus vindos de Portugal. Empresários asiáticos imigraram para os Estados Unidos e também conseguiram acesso preferencial aos contratos do governo.[320] Esses resultados demonstram, mais uma vez, quanto a realidade da ação afirmativa se afastou do seu propósito de remediar a discriminação passada. Apesar de a ação afirmativa ter começado como um programa primordialmente direcionado para beneficiar os negros, a maior parte dos “negócios de propriedade de mulheres e de minorias” favorecida pelas preferências governamentais não tem os negros como donos. Mais do quádruplo dos negócios são de propriedade de hispanoamericanos e asiático-americanos do que de negros, e em treze vezes mais dos negócios os donos são mulheres. E, mesmo dentro da grande categoria dos “negócios de propriedade de mulheres e de minorias”, algumas evidências sugerem que a vasta maioria deles não recebe coisa alguma dessas preferências, ao passo que um número relativamente pequeno consegue o grosso dos benefícios. Em Cincinnati, por exemplo, a lista de vendedores identifica 682 de tais empresas, mas 13% delas recebem 62% de todos os contratos preferenciais e 83% do dinheiro. Em âmbito nacional, apenas cerca de 0,25% das empresas de propriedade de minorias está cadastrada para tratamento preferencial pela Administração dos Pequenos Negócios. Mesmo assim, entre essa insignificante fração de empresas, 2% delas recebem 40% do dinheiro.[321] Um benefício especial foi criado para os índios americanos que administram cassinos nas reservas

indígenas. Porém, mais uma vez, a distribuição dos recursos experimenta o mesmo viés que muitos outros contextos. Cinco estados, com quase a metade do total da população de índios do país, recebem menos de 3% das receitas provenientes de cassinos, perfazendo cerca de 400 dólares por índio. Enquanto isso, três estados, que só abrigam 3% da população dos índios, recebem 44% das receitas acima citadas – uma média de 100 mil dólares por índio. Um cassino da Califórnia arrecada mais de 100 milhões de dólares por ano, ou seja, cerca de 900 mil dólares por índio. Trata-se de receitas, não de lucros, e muitos investidores não índios auferem lucros dos cassinos dos índios.[322]

EVOLUÇÃO DA AÇÃO AFIRMATIVA

A Lei dos Direitos Civis de 1964 não foi apenas uma lei que estabeleceu direitos iguais para os indivíduos, pois tanto nos debates no Congresso, que antecederam sua aprovação, como nas disposições particulares da própria lei foi explicitamente repudiado o conceito de grupos de preferências e cotas. O termo “discriminação”, que por vezes tem significados muito diferentes para diversas pessoas, foi especificamente definido na Lei dos Direitos Civis de 1964 como ações intencionais de um empregador contra indivíduos, distintas das consequências totalmente dissimilares de testes particulares ou outros critérios sobre grupos diferentes. O principal advogado da Lei, o senador Hubert Humphrey, asseverou:

O requisito expresso da intenção é formulado para que fique absolutamente claro que as discriminações inadvertidas ou acidentais não violam o espírito da lei ou devam resultar em ações judiciais. Significa simplesmente que o acusado tem que demonstrar a intenção de discriminar.[323]

Ao acompanhar o trâmite da Lei dos Direitos Civis de 1964 através do Senado, o senador Humphrey garantiu aos seus colegas “não ser necessário que o empregador chegue a qualquer equilíbrio racial em sua força de trabalho por meio do tratamento preferencial a qualquer indivíduo ou grupo”.[324] Realçou que a subseção 703 (j) sob o Título VII da Lei dos Direitos Civis “é acrescentada para expressar claramente esta ideia”.[325] Tal subseção estabelece que nada no Título VII requer que um empregador “garanta tratamento preferencial a qualquer indivíduo ou grupo por conta de qualquer desequilíbrio que possa ocorrer” com respeito ao número de empregados de tal grupo “em comparação com o número total ou porcentagem de pessoas de tal raça, cor, religião, sexo ou origem nacional em qualquer comunidade, Estado, seção ou outra área”. Enquanto a Lei dos Direitos Civis claramente não criou a ação afirmativa nos Estados Unidos, não fica muito evidente o que ou quem especificamente o fez. Em parte, isso se deve ao fato de os grupos preferenciais e as cotas terem evoluído por incrementos e até sub-repticiamente. A própria expressão “ação afirmativa” significa coisas diferentes em ocasiões distintas. No contexto americano, tem havido o que pode ser chamado de ação afirmativa genérica e conhecido como ação afirmativa altamente específica. A ação afirmativa

genérica distingue-se de uma política de adesão passiva a um princípio de não discriminação enquanto se espera resolver os problemas particulares à medida que surjam. Assim, a Lei Nacional das Relações de Trabalho de 1935 requeria que os empregadores empreendessem “ação afirmativa” para garantir aos empregados livre escolha por votar ou não para serem representados por um sindicato. Tais ações poderiam incluir a afixação, nos locais de trabalho, de cartazes com as leis federais relevantes sobre o assunto e/ou o anúncio do término de quaisquer atividades ou políticas antissindicais em que porventura a administração tivesse se engajado no passado. Dizendo de outra forma, não era considerado suficiente apenas “cessar e desistir” de qualquer atividade antissindical e aquiescer passivamente às novas leis federais, concedendo aos trabalhadores o direito de optar pelo dissídio coletivo; era necessário proclamar afirmativamente esse direito e repudiar quaisquer políticas preexistentes cujos efeitos persistentes pudessem intimidar os trabalhadores quanto ao exercício de seus direitos. Similarmente, nas aplicações muito posteriores desse princípio aos grupos raciais e a outros, não era considerado suficiente que o empregador meramente cessasse ou desistisse da discriminação. Era necessário que ele assumisse “ação afirmativa” para assegurar que os grupos previamente excluídos se tornassem conscientes das novas oportunidades que então se abriam para eles, a fim de que tomassem providências práticas para se preparar e se candidatar a tais oportunidades. A ação afirmativa podia

também contemplar esforços voluntários, tanto dentro como fora dos locais de trabalho, por empregadores ou outros, a fim de aconselhar e treinar pessoas para as novas circunstâncias favoráveis do emprego, da admissão às universidades e de outros benefícios. Essa ação afirmativa genérica vem contando há muito com mais amplo apoio do público em geral, tanto de conservadores quanto de liberais na arena política, do que a ação afirmativa mais específica sob a forma de grupos de preferências e cotas.[326] Em suma, tem havido abundante suporte entre a população americana para os esforços que buscam elevar os grupos menos afortunados aos padrões existentes, mesmo entre aqueles que se opõem completamente ao rebaixamento de tais padrões para esses grupos. O primeiro emprego oficial da expressão “ação afirmativa” num contexto racial ou étnico ocorreu no Decreto n. 10.925, de 1961, do presidente John F. Kennedy, em que ele disse que os contratantes federais deveriam “assumir a ação afirmativa para assegurar que os candidatos fossem empregados e que os empregados, nos seus trabalhos, fossem tratados sem considerações de raça, credo, cor ou origem nacional”. Este primeiro de uma série de decretos de diversos governos, claramente não estabelecia grupos preferenciais ou cotas. Ao contrário, determinava que os empregadores contratassem e promovessem sem considerações de categorização de grupos – e que tornassem tal fato evidente para todos. Tratava-se de ação afirmativa genérica.

O próximo desenvolvimento importante na evolução da ação afirmativa foi a criação da Agência Federal de Enquadramento de Contratos no Departamento do Trabalho dos EUA, pelo Decreto n. 11.246, de 1965, do presidente Lyndon Johnson. Em maio de 1968, tal agência expediu diretrizes contendo as fatídicas expressões “metas e cronogramas” e “representação”. Porém, até então, não existiam as cotas, já que as diretrizes de 1968 falavam de “metas e cronogramas para a pronta consecução da total e igual oportunidade de emprego”. No entanto, por volta de 1970, durante o governo Nixon, novas diretrizes fizeram referência aos “procedimentos orientados para resultados”, as quais sinalizaram mais fortemente o que estava por ocorrer. Em dezembro de 1971, foram editadas diretrizes decisivas que deixaram patente que “metas e cronogramas” significavam “aumentar materialmente a utilização das minorias e das mulheres”, e que “subutilização” queria dizer “ter menos minorias ou mulheres numa determinada classificação de emprego do que seria razoável se esperar em vista de sua disponibilidade…”.[327] Requereu-se dos empregadores a confissão de “deficiências na utilização” de minorias e de mulheres sempre que tal paridade estatística não pudesse ser alcançada em todas as categorias de empregos, como primeiro passo para a correção de tal situação. A responsabilidade por provar – e remediar – foi deixada para o empregador. A “ação afirmativa” transformou-se decisivamente num conceito numérico, fosse com o nome de “metas”, fosse com o de “cotas”. A ação afirmativa com

esse sentido específico foi, portanto, um produto da década de 1970. Muitos viram a emergência da ação afirmativa, no sentido de grupos de preferências e cotas, como uma deturpação posterior da intenção inicial de igualdade de oportunidade da lei. Contudo, mesmo antes da aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964, já existiam desenvolvimentos que prenunciavam o desvio para preferências e cotas. Além disso, esse desvio estava em consonância com a visão social principal do problema dos negros americanos. Se as diferenças econômicas entre grupos eram supostamente estranhas e/ou sombrias, então o remédio óbvio era acabar com elas. É possível que o fato de elas serem encontradas em países de todo o mundo e ao longo de séculos de história – frequentemente em escala maior que as entre brancos e negros americanos – seja do conhecimento de alguns acadêmicos, estudiosos e leitores, mas estes são ainda uma fração insignificante da população, e certamente pequena demais para ter qualquer influência política ou mesmo intelectual sobre crenças generalizadas. Enquanto a Lei dos Direitos Civis de 1964 era debatida no Congresso, ocorreu um notório problema estadual em Illinois, onde a Motorola Company foi julgada por ter violado leis estaduais contra a discriminação ao se recusar a empregar um candidato negro que não passara no teste a que foi submetido. Um avaliador de um órgão estadual considerou o teste “injusto para os grupos culturalmente desprovidos e em desvantagem”.[328] A acusação então não

era que o indivíduo havia sido submetido a um teste não requerido de outros, mas que o grupo ao qual pertencia tinha menos chances de ser aprovado no citado teste. A questão se a lei deveria focar em indivíduos ou em grupos foi levantada em nível estadual ao tempo em que a lei federal dos direitos civis estava sob apreciação no Congresso. Os que apoiavam a Lei dos Direitos Civis descartaram o caso de Illinois como uma extravagância que dificilmente resultaria em processo legal normal por se considerar que o avaliador “fora longe demais” ou que tudo aquilo era apenas para desviar a atenção dos debates no Congresso sobre a lei antidiscriminação, um “red herring”[329] no dizer americano.[330] Mas quando um dos críticos da lei, o senador John Tower, pelo Texas, introduziu uma emenda especificando que o empregador “pode aplicar qualquer teste de desenvolvimento de capacidade profissional a qualquer candidato a emprego” e usar tal teste para tomar decisões de contratação e promoção, o senador Humphrey disse: “Esses testes são legais. Não há necessidade de legalizá-los uma segunda vez”. Também afirmou: “O caso da ,

Motorola tem sido discutido, discutido e amaldiçoado”.[331] [332]

A despeito de tão clara história legislativa, a Suprema Corte dos EUA decidiu mais tarde, no caso Griggs versus Duke Power Company (1971), que testes e outros procedimentos que “agem como ‘freios embutidos’ para grupos minoritários” não poderiam subsistir, mesmo que “neutros na aparência ou neutros em termos de intenções”

quando “não tiverem relação com a avaliação da habilitação para o emprego”.[333] Esta última disposição significou que os empregadores tinham que “validar” quaisquer testes que usassem com possibilidade de produzir impacto totalmente dissimilar sobre grupos minoritários. Um requisito aparentemente inocente como este escondia processos de validação estatística custosos e complicados, expostos a intermináveis ações na justiça, que tornou simplesmente proibitiva para alguns empregadores a realização de testes. [334]

A decisão no caso Griggs não foi o único exemplo de interpretação da Lei dos Direitos Civis de 1964, por parte dos tribunais, exatamente daquilo que a lei e seu histórico legislativo claramente não significavam. Outra sentença da Suprema Corte dos EUA relativa ao assunto foi a exarada em 1979 no processo movido por um empregado branco chamado Brian Weber contra a Kaiser Aluminum, por ter sido rejeitado para o programa de treinamento profissional, sob a alegação de que não tinha tempo suficiente, mesmo que empregados negros menos antigos tivessem sido matriculados no programa. A rejeição ocorreu em função do plano de ação afirmativa da empresa – um plano “voluntário” estabelecido pela companhia para reter seu status de contratada do governo. Weber processou a Kaiser Aluminum argumentando que ela violara a Lei dos Direitos Civis de 1964 ao fazer discriminação com base na raça. A Seção 703 (a) da lei declara ilegal para um empregador “discriminar contra qualquer indivíduo com respeito à sua compensação, termos, condições ou privilégios no emprego

em função da raça, cor, religião, sexo ou origem nacional do indivíduo”, e a Seção 703 (d) é mais específica ao estipular ser ilegal “discriminar contra qualquer indivíduo” no “aprendizado ou outro treinamento”. Malgrado linguajar tão claro, a Suprema Corte votou contra o pleito de Weber de discriminação. Escrevendo em nome dos votos majoritários da Corte, o juiz William J. Brennan rejeitou “uma interpretação literal dessas palavras”. Argumentou que o “espírito” da lei tem como “preocupação principal” o problema econômico dos negros, de modo que ela não obsta “ação afirmativa temporária e voluntária tendente a eliminar manifesto desequilíbrio racial em categorias de empregos tradicionalmente segregadas”. Sem dar qualquer consideração ao fato de que tais cotas raciais não eram nem voluntárias nem temporárias, aquela interpretação ignorou tanto o palavreado quanto a história legislativa da Lei dos Direitos Civis de 1964, que rejeita discriminação contra alguém de qualquer cor, bem como repudia a ideia de correção de “desequilíbrios” raciais. O afastamento completo de Brennan da letra do estatuto legislativo foi descrito por um dos opositores daquela sentença como recordação das grandes escapadas de Houdini.[335] O caso Weber transformou-se tanto em marco jurídico como em modelo político para dribles na lei, citando-se tal arrazoado como ação terapêutica ou “diversidade” – e em modo de se retirar a questão do campo da discriminação patrocinada pelo governo, que seria a violação da Décima Quarta Emenda, argumentando-se que as cotas e os grupos

preferenciais da ação afirmativa, criadas pelos empregadores para a manutenção de sua habilitação aos contratos governamentais, eram “voluntários” e “privados”. Embora o caso Weber tenha constituído o ponto máximo para os advogados das preferências e cotas, a Suprema Corte continuou indo e vindo em termos da legalidade ou ilegalidade de determinados programas de ação afirmativa. A vacilação judiciária foi sinalizada não só por decisões diferentes em casos muito semelhantes – os mesmos nove juízes invalidaram uma cota para a Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia no caso Bakke, apenas um ano depois de terem aprovado as cotas para o treinamento profissional do caso Weber –, mas também por decisões apertadas (5 a 4) e por outras em que não foi obtida maioria para a sentença como um todo, mas apenas maiorias de diferentes juízes para seções distintas que compunham a grande decisão. Conciliar tratamento igual para os indivíduos com grupos de preferências não foi fácil. A despeito do zigue-zague das decisões judiciárias com o passar dos anos, a tendência geral foi na direção de definições mais elásticas de “discriminação”, levando a mais e mais cotas e preferências “terapêuticas”. Nas controvérsias surgidas em torno das políticas e das ações judiciais referentes à ação afirmativa, muita confusão foi estabelecida entre a ação afirmativa genérica, tal como os esforços para “ampliar o alcance”, e a ação afirmativa mais específica representada pelos grupos de preferências e cotas. Na realidade, grande parte da confusão foi cultivada pelos defensores da ação afirmativa que censuravam a

noção de que nada deve ser feito para ajudar os menos afortunados – o que, evidentemente, não é o caso. A questão real é o que deve e o que não deve ser feito, por quem, por qual razão e por quanto tempo. Perguntas que permanecem sem resposta. Mesmo em 2003, a Suprema Corte dos EUA declarou no caso Grutter versus Bollinger que “todo o uso da raça por parte do governo tem que ter um ponto final lógico”. Ainda assim, o Supremo Tribunal não impôs tal limite de tempo nem proporcionou qualquer critério para que alguém pudesse avaliar quando esse limite era alcançado.

EXTENSÕES DA AÇÃO AFIRMATIVA

A exemplo de outros países, a ação afirmativa nos Estados Unidos não só evoluiu como se espalhou. Espraiouse para uma sucessão de grupos, para uma faixa mais ampla de atividades e indústrias, e o significado das palavras assumiu também maior elasticidade, tanto que “discriminação”, por exemplo, agora abrange aspectos que ninguém consideraria discriminação quando a Lei dos Direitos Civis de 1964 foi aprovada.

EXTENSÕES DE “DISCRIMINAÇÃO”

Como a discriminação frequentemente serve de predicado para preferências e cotas nas leis e políticas americanas, a definição do termo tem se inclinado para a expansão com o tempo, juntamente aos grupos e atividades

para os quais a ação afirmativa tem sido sucessivamente estendida. O ato “intencional” que constituía a discriminação, como descrito pelo senador Hubert Humphrey quando vitoriosamente liderou o esforço para a aprovação da Lei dos Direitos Civis de 1964, passou há muito tempo a ser substituído por conceitos mais expansivos e mais vagos e por padrões de provas bem diversificados e cambiantes. A mudança mais decisiva na responsabilidade pela prova tem sido fazer com que o acusado refute um caso prima facie de discriminação, baseado em disparidades estatísticas de resultados de grupos. Estas últimas podem ser disparidades, por exemplo, em resultados de testes ou na “representação” de grupos entre empregados de um negócio ou de estudantes admitidos na universidade. A decisão Griggs pela Suprema Corte dos EUA transferiu o ônus da prova para os empregadores sempre que houvesse graus diferentes de aprovação em testes aplicados a segmentos distintos da população. Isso ficou conhecido como “princípio do impacto totalmente dissimilar”, que foi aplicado não apenas aos testes como também a outros critérios, como títulos acadêmicos ou registros criminais, quando esses critérios levaram a proporções distintas de grupos diferentes que estavam sendo admitidos. As políticas dos órgãos da administração federal codificaram e estenderam o princípio de que desempenhos inferiores de A eram para ser encarados, em princípio, como culpa de B, cabendo a este último provar o contrário para não ser acusado de discriminação. Diretrizes baixadas pela

Comissão para Oportunidades Iguais no Emprego declararam que “uma proporção de seleção para qualquer raça, sexo ou grupo étnico que seja menor que quatro quintos da parcela do grupo com maior proporção será em geral considerada pelos órgãos do governo como prova de impacto adverso” do processo de seleção.[336] A redefinição de “discriminação” foi quase sempre acompanhada de negativas de que aquilo representava rebaixamento de padrões. Argumentou-se que ninguém estava sendo forçado a empregar pessoas que não fossem “qualificadas”. Mas tal palavra evitava a verdadeira questão que era se uma pessoa de menor qualificação deveria ser empregada em detrimento de outra de maior qualificação simplesmente por conta dos respectivos grupos a que pertencessem. A palavra “qualificado” meramente homogeneizou os requerentes que atingissem qualquer padrão mínimo arbitrariamente fixado por um terceiro. Se o critério fixado fosse a resposta certa de metade das questões de um teste, então alguém que acertasse 51% das questões faria igualmente parte do conjunto dos “qualificados” quanto aquele que respondesse certo a 99% delas. Mais importante, um empregador que admitisse proporcionalmente menos candidatos negros “qualificados” do que candidatos brancos “qualificados” poderia ser acusado de incorrer em discriminação racial, mesmo que a média das notas dos negros fosse substancialmente menor. Além do mais, isso não era oficialmente considerado política de preferências raciais, mas apenas aplicação da lei antidiscriminação.

Uma das mais descaradas aplicações desse princípio foi a “normalização de raças” nos testes. O Serviço de Emprego dos EUA, por exemplo, reportava para os empregadores as escalas de percentis dos candidatos a empregos, sem informar que se tratava de percentis separados de acordo com o grupo racial ao qual o candidato pertencia. Assim, um candidato negro situado no 90º percentil entre seus colegas negros poderia ter uma nota absoluta inferior ao candidato branco classificado no 80º percentil entre os brancos. No Sri Lanka, a mesma prática recebeu a inócua denominação de “padronização” e compensava o desempenho médio superior dos estudantes tâmils quando comparado ao dos estudantes cingaleses. Nos dois países, era simplesmente uma forma disfarçada de preferência por grupos. Quando uma prática clandestina de normalização de raças foi descoberta e se tornou uma controvérsia pública nos Estados Unidos, ela foi banida pela Lei dos Direitos Civis de 1991. No entanto, o tipo de pensamento que envolvia não foi afugentado e persistiu com outras roupagens. Ademais, o fato de tal prática ter podido ser secretamente imposta – e persistir sem ser detectada por décadas[337] – dá bem a medida das dificuldades para se tentar banir a ação afirmativa e especialmente para se fazer uma redução “matizada” nela, “corrigi-la, não exterminá-la”,[338] como alguns têm dito. Qualquer coisa diferente do inequívoco banimento da ação afirmativa dá margem a tais subterfúgios. Na verdade, até mesmo banimentos claros de grupos preferenciais para ingresso nas faculdades e

universidades do Texas e da Califórnia deram ensejo à busca por critérios subjetivos, tais como os já utilizados na Índia para contornar as limitações aos grupos preferenciais naquele país. Adicionalmente, leis têm sido aprovadas para o ingresso na universidade de 10% dos melhores alunos de suas turmas na escola secundária, sem levar em conta as enormes discrepâncias de qualidade entre tais escolas – e, mais particularmente, o padrão muito baixo das escolas secundárias em que muitos dos estudantes de minorias se formam. Estudantes com nota composta no SAT[339] abaixo de 900 têm ingressado na Universidade do Texas porque estão entre os 10% dos primeiros de suas escolas, enquanto estudantes com notas centenas de pontos acima – alguns com mais de 1.500 – foram rejeitados.[340] Na Califórnia, a procura por critérios não acadêmicos para assegurar a admissão à Universidade da Califórnia tem significado, na prática, o uso de tais critérios para o ingresso de mais hispânicos, mas não de asiático-americanos que satisfazem os mesmos critérios não acadêmicos e ainda possuem credenciais estudantis superiores.[341] É a normalização de raças com outro nome. A facilidade com que as acusações de discriminação podem ser assacadas só com base em estatísticas e a dificuldade ou impossibilidade de se provar o contrário quando o ônus dessa prova é transferida para o empregador proporcionam incentivos para que os homens de negócios, por exemplo, sediem suas empresas longe de concentrações de negros. Se os empregos perdidos pelos

negros em função de tais decisões de localizações de firmas são maiores ou menores que os por eles ganhos por conta das preferências raciais é outra pergunta empírica raramente feita e muito menos respondida. Aqui, como em outros países, a ação afirmativa tende a ser debatida em termos de suas justificativas e objetivos, e não de suas consequências reais.

EXTENSÕES PARA NOVOS GRUPOS

A argumentação para remediar ou evitar os efeitos da discriminação se estende bem além dos vários grupos raciais ou étnicos originalmente usados como motivo para a implantação de políticas de ação afirmativa. O maior desses novos grupos – na realidade, maior que todos os outros juntos – é o das mulheres. E, é claro, nos Estados Unidos a maior parte dessas mulheres é constituída de brancas. Se bem que o racional tenha se afastado muito da “herança da escravidão”, as práticas da ação afirmativa não mudaram consideravelmente em relação àquelas usadas em situações envolvendo negros. As mulheres passaram a ter direito a cotas no emprego e a negócios reservados como outros grupos. A necessidade de prova específica de dano prévio também específico foi igualmente contornada, neste caso com a expressão “telhado de vidro” (glass ceiling) – ou seja, uma discriminação que não pode ser vista, mas que pode ser simplesmente suposta como base para o tratamento preferencial.

As mulheres tiveram até história fictícia criada para elas, da mesma forma que houve história fictícia sobre a ascensão dos negros acima do nível da pobreza. Na verdade, a história socioeconômica das mulheres nos Estados Unidos é muito diferente da história socioeconômica dos negros – e ainda mais radicalmente distinta da história contada pelos que buscam ação afirmativa para as mulheres. Ao contrário da mais ou menos contínua ascensão dos negros dos mais baixos para os mais altos níveis de educação e dos níveis inferiores de ocupação para os elevados, durante o século XX as trajetórias educacional e ocupacional das mulheres variaram consideravelmente. Conquanto a explicação convencional para que as mulheres se atrasassem na economia em relação aos homens seja a discriminação, e sua ascensão em tempos mais recentes tenha sido creditada aos movimentos do feminismo ou da “liberação feminina”, que começaram nos anos 1960, e às leis e políticas do governo em resposta a tais esforços, a fria verdade é que as mulheres estavam, em muitos aspectos, mais bem representadas nos altos níveis ocupacionais nos anos 1930, ou mesmo antes, que nos anos 1960. Dificilmente isso se deveu a movimentos que ainda não tinham começado naqueles idos, e muito menos à ação afirmativa que teve seu início nos anos 1970. Diferentemente do que ocorreu na história dos negros, a parcela percentual de mulheres nos empregos, profissões e ocupações técnicas decresceu nas décadas intermediárias do século XX – para crescer mais tarde. Um padrão

semelhante de queda seguida de aumento pode ser visto nos percentuais de mulheres entre os formandos em faculdades e universidades cujas especializações eram necessárias àquelas ocupações. A representação feminina nas ocupações técnicas e profissionais declinou em 9% de 1950 a 1968.[342] Em 1902, a quantidade de mulheres listadas no Who’s Who era maior que o dobro da de 1958.[343] As mulheres eram 34% das bacharelandas em 1920, mas apenas 24% em 1950. Recebiam pouco mais de 15% dos títulos de doutor em 1920, mas pouco menos de 10% em 1950.[344] Na matemática, a parcela feminina de doutores caiu de 15 para 5% num período de décadas, e na economia, de 10% para 2%.[345] Houve declínios semelhantes no doutorado feminino nas ciências humanas, no direito e na química. Não houve um único ano durante os anos 1950 e 1960 em que as mulheres alcançassem parcelas de todos os títulos de mestre ou de todos os títulos de doutores que conseguiram nos anos 1930.[346] Se as disparidades estatísticas entre homens e mulheres são devidas à discriminação por parte dos homens, então essa extraordinária história sugere que os homens, inexplicavelmente, se tornaram mais discriminatórios em relação às mulheres durante a primeira metade do século XX e abrandaram mais tarde na segunda metade, causando uma reversão na tendência. Não obstante, essa questão totalmente desconcertante – e politicamente inconveniente – nem é levantada em discussões em que a história educacional e ocupacional das

mulheres no início do século XX é ignorada, e tendências são traçadas para períodos a partir dos anos 1960. Tal abandono dessa embaraçosa história anterior tem sido a regra, e não a exceção, nos debates sobre discriminação contra as mulheres e sobre a presumida necessidade de ação afirmativa para sobrepujar essa discriminação. Na realidade, essa queda e a posterior ascensão das mulheres em relação aos homens na educação e nas ocupações estão mais fortemente correlacionadas com tendências demográficas do que políticas, legais ou ideológicas. Como as mulheres começaram a ter menos filhos – tendência que começou no século XIX e continuou até os anos 1930 –, elas se tornaram mais bem representadas nos níveis elevados da educação e das ocupações profissionais. Então, quando as taxas de natalidade começaram a crescer de novo, dos anos 1930 aos 1950,[347] as mulheres passaram a ter menor representação nos campos referidos. O papel dos homens nisso tudo foi principalmente o de pais das crianças nascidas de mulheres. Se tal período de retrocesso ocupacional relativo se deveu à ação dos homens como empregadores, então fica difícil entender por que a mesma tendência ocorreu na contratação de professores para instituições femininas de ensino administradas por mulheres.[348] Ex-alunas dessas instituições, quando retornavam para reuniões de turma em períodos posteriores, com frequência se surpreendiam ao constatar maior número de professores masculinos do que em seus tempos de estudante.

Depois que a taxa de natalidade começou a declinar de novo nos anos 1960,[349] houve renovado surto de crescimento na representação das mulheres nos segmentos educacional e das profissões. O papel crucial do casamento e da criação dos filhos no nível econômico das mulheres pode também ser visto no detalhamento da população feminina como um todo naquelas que se tornaram e nas que não se tornaram esposas e mães, naquelas cujas carreiras decorreram com continuidade e nas que as interromperam para assumir responsabilidades domésticas. Voltando-se a 1971, as mulheres entradas nos trinta anos que tinham permanecido solteiras e trabalharam continuadamente desde a escola secundária ganhavam ligeiramente mais que os homens com as mesmas características.[350] Mulheres acadêmicas que jamais haviam se casado tinham renda média um pouco superior em 1968-69 – antes da ação afirmativa – do que os homens acadêmicos que também nunca tinham se casado.[351] Diferenças substanciais de renda entre homens e mulheres refletem o fato de que a maioria das mulheres se casa, tem filhos e interrompe a carreira em prol das responsabilidades domésticas com mais frequência que os homens. Ocupações diferentes possuem taxas distintas de obsolescência de suas respectivas habilitações, de modo que a interrupção de carreiras em determinados campos é mais perniciosa que em outros. Por exemplo, um físico perde cerca da metade do conhecimento dele ou dela caso se afaste por um período de seis anos, mas seria preciso mais de um quarto de século para que um historiador

sofresse perda semelhante.[352] As mulheres têm a inclinação a se especializar em profissões em que as interrupções na carreira são mais fáceis de acomodar – por exemplo, no magistério em vez da engenharia da computação. Outro fator de discrepância nas rendas entre homens e mulheres é que os homens tendem a se especializar em ocupações perigosas que pagam melhores salários. Enquanto os homens constituem 54% da força de trabalho, eles respondem por 92% das mortes relacionadas ao emprego.[353] Outras inumeráveis diferenças economicamente relevantes entre os sexos existem, mesmo entre homens e mulheres que “se parecem” superficialmente[354] e cujas rendas diferentes não podem ser, por conseguinte, atribuídas à discriminação do empregador. Quanto ao efeito dos movimentos de “liberação feminina” e da legislação do governo no aumento da renda das mulheres em relação à dos homens, não há evidência de tal tendência para as mulheres que trabalharam em tempo integral, ano após ano, no período de 1960 a 1980. O que aconteceu durante esse período foi que mais mulheres trabalhavam nas condições acima tanto em [355]

termos absolutos quanto relativos aos homens.[356] Isso não tem nada a ver com o modo pelo qual os empregadores tratavam as ditas mulheres ou com o sucesso da “liberação feminina”. Um aumento significativo na relação das receitas entre mulheres e homens começou nos anos 1980[357] – durante o governo Reagan –, ocasião que não é exatamente

aquela em que a maioria das feministas reivindicaria que sua influência começou a ser sentida. Enquanto as mulheres constituem o maior grupo para o qual a ação afirmativa foi estendida, existem outros que se beneficiaram de ampliações semelhantes do princípio – e que igualmente estão muito afastados do racional da “herança da escravidão” ou de argumentações com base nos efeitos persistentes da discriminação passada. Entre eles, além dos vários imigrantes da América Latina, da Europa e da Ásia, estão também os esquimós, a quem foi garantido status preferencial na Virgínia, onde é duvidoso que muitos de seus ancestrais viveram, muito menos sofreram discriminação. Até para as mulheres, o argumento dos “efeitos persistentes” da discriminação passada tem muito menos peso do que, por exemplo, para os negros ou índios americanos. Uma vez que as mulheres descendem tanto de homens quanto de mulheres, não há prova de que quaisquer desvantagens experimentadas por suas mães, avós, etc., tiveram maior impacto sobre as condições socioeconômicas do que as correspondentes vantagens desfrutadas por seus pais, avôs e outros ancestrais masculinos. Extensões sucessivas do princípio da ação afirmativa para mais e mais grupos afetaram adversamente negros e brancos. Por volta de 1970, os negros eram dois terços de todas as pessoas dos grupos raciais ou étnicos com direito legal à ação afirmativa, porém, um quarto de século mais tarde, eles eram apenas 49% de tais grupos.[358] Mais ainda, isso não leva em consideração o efeito da extensão da ação

afirmativa às mulheres, na sua maioria, mulheres brancas. Com a inclusão das mulheres, o que a ação afirmativa significa é a discriminação legalizada contra a população residual não preferencial, na sua maioria homens brancos. Nada disso leva em conta os usos ilegais e semilegais da ação afirmativa que ocorreram nos Estados Unidos e em outros países. Empresas de minorias preferencialmente agraciadas com contratos governamentais, por exemplo, podem, de fato, repassar a outros o trabalho verdadeiro para a realização dos contratos, coletando, na essência, direitos de exploração (royalties) por permitirem que firmas não minoritárias aluguem suas condições de minoritárias a fim de conseguirem contratos do governo. As empresas “AliBabá” encontradas na Malásia e na Indonésia têm suas correspondentes em companhias americanas ostensivamente de propriedade de negros, mas que, na verdade, servem de “fachada” para brancos. Um grande júri de Baltimore passou meses ocupado desmascarando essas fachadas, e uma investigação sobre as “empresas de negócios em desvantagem” em Indianapolis acabou descredenciando mais de um terço das firmas que possuíam essa habilitação. No nível individual, empregos, promoções e contratos do governo podem ir para pessoas com traços diminutos de algum ancestral minoritário – um empresário com 1/64 de descendência de índio cherokee foi agraciado com um contrato reservado na Califórnia – ou para outras que, com descaramento, reivindicam fraudulentamente situação minoritária.[359]

A extensão sucessiva de status preferencial para mais grupos, tanto legal quanto ilegalmente, não apenas dilui os benefícios que deveriam ir para os grupos que se ajustam mais acertadamente ao racional do programa, como altera de tal forma os termos da competição que pode contribuir para desvantagens ainda maiores dos grupos genuinamente menos afortunados. Por exemplo, onde os grupos preferenciais têm que ser mascarados como políticas antidiscriminação, os empregadores são incentivados a empregar critérios de emprego e promoção que podem passar incólumes pelos tribunais, de modo a se evitar acusações de discriminação – sejam ou não tais critérios os melhores para avaliar a capacidade para o desempenho das funções em tela. Critérios objetivos, como diplomas e certificados de formação, adquirem assim peso maior do que teriam em outra situação. Como em outros países, os genuinamente não bafejados pela sorte – digamos, homens negros de guetos – provavelmente não possuirão essas credenciais, ao passo que as mulheres, tendo também direito legal à ação afirmativa, podem preencher esses requisitos. Se as vantagens que os homens negros conseguem sobre os homens brancos, como resultado da ação afirmativa, suplantam as desvantagens que têm em relação às mulheres brancas é uma questão empírica, mas pergunta que dificilmente será formulada.

NEGÓCIOS PRIVADOS

Como acontece em outros países, nos Estados Unidos as empresas mais cerradamente controladas pelo governo tenderam a ter critérios de contratação distintos para grupos diferentes em maior medida que as empresas que operam mais livremente no mercado competitivo. Na América do Norte, os negros tinham maior probabilidade de ser discriminados em empresas reguladas pelo governo antes da era dos direitos civis e maiores chances de receber tratamento preferencial depois daquela era. A indústria de telefonia, anterior à divisão da American Telephone & Telegraph Company (A.T.&T.) em diversas empresas, foi um exemplo clássico de corporação altamente regulamentada com um monopólio nos seus mercados em todo o país. Por volta de 1930, existiam aproximadamente 235 mil telefonistas nos Estados Unidos, dos quais apenas 331 eram negros. Em todas as categorias de empregados da companhia telefônica, os homens negros constituíam 1,2% e as mulheres, 0,2%. Entre esses homens, muitos eram trabalhadores braçais que, por exemplo, cavavam buracos para a implantação de postes telefônicos, enquanto as mulheres eram, predominantemente, telefonistas.[360] Mesmo em 1950, as mulheres negras só detinham 1% de todos os empregos na indústria de telefonia em âmbito nacional. No Sul, poucas negras foram empregadas como telefonistas durante toda a década de 1950 e nem conseguiram atingir 1% em 1960. Entre 1950 e 1960, o número de telefonistas no Sul cresceu em 6.611 empregos, mas o aumento entre as telefonistas negras não passou de vinte empregos.[361]

Enquanto isso, fora do Sul, o número de telefonistas negras aumentou rapidamente na década de 1950 tanto em termos absolutos quanto em relativos às brancas. Na verdade, o aumento na quantidade de telefonistas negras em todo o país excedeu o aumento total no número de telefonistas em âmbito nacional. Sintetizando, houve alterações dramáticas no emprego de telefonistas negras durante a década de 1950, quase todas fora do Sul, com mais de dois terços do aumento na quantidade de telefonistas negras em apenas cinco estados – Nova York, Pensilvânia, Illinois, Michigan e Ohio.[362] Como essa situação pode ser explicada – e o que ela implica? Apesar de as operações da A.T.&T. em âmbito nacional, como o DDD, serem reguladas pela Comissão Federal de Comunicações (FCC), as companhias telefônicas individuais o eram por seus respectivos governos estaduais. Os anos que se seguiram imediatamente à grande guerra testemunharam mudanças nas atitudes raciais e na legislação estadual antidiscriminação[363] – fora do Sul. O número de telefonistas negras na cidade de Nova York, por exemplo, triplicou durante os anos 1950, embora o número total de telefonistas da cidade tenha permanecido inalterado durante o período. Exatamente o mesmo fenômeno ocorreu em São Francisco e em Detroit, só que nesta última a quantidade de telefonistas negras quintuplicou apesar do pequeno declínio no número total de telefonistas da cidade. Alterações assim gritantes não aconteceram em cidades sulistas como Atlanta, Birmingham, Dallas ou Nova Orleans, ou em cidades

consideradas na divisa entre o Norte e o Sul, como Saint Louis e Washington, D.C.[364] A questão aqui não é pleitear que essas políticas raciais de emprego foram consequências diretas de ordens das comissões reguladoras estaduais. Antes de 1970, as comissões dos serviços de utilidade pública geralmente não procuravam influenciar as políticas raciais de emprego das companhias que regulavam.[365] Em vez disso, o que queremos frisar é o fato de que a simples razão de ser empresa de utilidade pública regulada torna as preferências a favor ou contra determinado grupo menos caras do que seriam num mercado livre e competitivo. Para um monopólio regulado, quaisquer custos adicionais associados à discriminação contra requerentes qualificados podiam ser simplesmente repassados para os usuários. Dessa forma, não custava quase nada discriminar os negros em épocas anteriores, como também, praticamente, não tinha custo conferir-lhes tratamento preferencial em épocas posteriores. Em outras palavras, os serviços de utilidade pública podiam espelhar as opiniões sociais imperantes com pequeno ou nenhum custo, fossem essas opiniões favoráveis ou contrárias à contratação de negros. Em certa medida, o mesmo raciocínio se aplica às organizações sem fins lucrativos, como instituições acadêmicas, hospitais e fundações. Portanto, não é de admirar que a maioria das faculdades e universidades americanas não tivesse professores negros estabilizados até 1940 e poucos professores negros e judeus nas instituições educacionais da Ivy League[366] até bem depois da Segunda

Guerra Mundial. Em 1936, só três PhDs negros eram empregados por todas as faculdades e universidades para brancos dos EUA. Em contraste, mais de trezentos químicos negros, para falar só dos químicos, estavam empregados àquela época na indústria privada.[367] Para as empresas particulares, esses químicos negros representavam lucros decorrentes de suas contratações. Porém, nenhum departamento de química de faculdade ou universidade tinha tal incentivo e todos esses departamentos podiam passar muito bem sem os químicos negros.[368] Décadas mais tarde, a evolução da ação afirmativa, junto das leis antidiscriminação ainda sobreviventes, criaram um dilema para muitos empregadores. Se não tivessem número “suficiente” de empregados negros, estavam sujeitos a processos por discriminação da parte de indivíduos negros, de grupos de direitos civis e de agências governamentais agindo em seu nome. Contudo, caso se engajassem na contratação preferencial de negros, poderiam ser processados por discriminação pelos brancos. As decisões dos tribunais legitimaram a ação afirmativa sob condições prescritas, depois supriram as empresas com um conjunto de diretrizes que podiam minimizar os riscos jurídicos. Por conseguinte, quando foram feitos esforços para terminar com os grupos de preferências e cotas, durante os anos 1980, por alguns do governo Reagan, o apoio das grandes corporações à continuação da ação afirmativa condenou tais esforços.[369] Além do mais, essas grandes corporações tendem a ter seus próprios funcionários e departamentos envolvidos com a ação

afirmativa, os quais possuem interesses inequívocos na continuação dessas políticas. No ano 2000, diversas corporações de vulto preencheram petições resumidas pelo prosseguimento da ação afirmativa na Universidade de Michigan.[370]

O MUNDO ACADÊMICO

Em lugar algum a ação afirmativa está mais entrincheirada do que no mundo acadêmico. Ademais, esse mundo tem importância especial como portal para a mobilidade social vertical ascendente. Vários argumentos têm sido utilizados para a admissão nas faculdades e universidades de estudantes negros, hispânicos e índios americanos mediante padrões mais baixos que os aplicados a estudantes brancos ou asiático-americanos. O principal entre eles é o pleito de que os critérios convencionais, como notas em exames e histórico acadêmico, não revelam a capacidade “real” dos estudantes nem suas possibilidades de sucesso. Com os anos, essa tem sido uma das reivindicações mais repetidamente estudadas – e repetidamente refutadas. Os estudantes negros com baixas notas nos exames não se saem melhor que os estudantes brancos com as mesmas notas baixas. Ao contrário, os estudantes negros tendem a ter desempenhos ligeiramente piores que os brancos com notas semelhantes – e isso é verdade em outros campos, não apenas entre estudantes de notas baixas.[371]

Outras reivindicações construídas como racionais para o ingresso preferencial de estudantes negros e de outras minorias ou não tendem a ser empiricamente testáveis ou não foram submetidas a qualquer tipo de teste empírico. Uma delas é que a “diversidade” aprimora a experiência educacional de todos os estudantes. Típico desse gênero de pleito foi o artigo que saiu em The Chronicle of Higher Education, intitulado “Por que a Ação Afirmativa Funciona em Michigan” – mas o artigo não proporciona nenhuma evidência empírica do “por quê” ou do “se” de fato “funciona” por meio de qualquer padrão definível, mas contém apenas declarações e incidentes não significativos. [372]

Com frequência é feito um pleito paralelo de que os estudantes negros têm que ser admitidos em número adequado para proporcionarem certa “massa crítica” no campus, de modo a permitir que os estudantes negros individuais se sintam suficientemente confortáveis e seguros em termos sociais e possam dar o melhor de si. Mais uma vez, a prova empírica em apoio a tal proposição não é pedida nem dada. É concebível colher dados em faculdades e universidades com relativamente poucos estudantes negros e em instituições comparáveis com número mais substancial de tais estudantes para que então se faça uma correlação de desempenhos. Mas nada disso foi feito pelos proponentes dessa teoria da “massa crítica”. Alternativamente, poder-se-ia comparar o desempenho acadêmico dos estudantes negros, em épocas passadas, quando só existiam poucos deles, com o desempenho

acadêmico de gerações posteriores nas mesmas instituições, já então com uma melhor aproximação da chamada “massa crítica”. Porém, isso também permanece sem ser feito. Tampouco há incentivo para que os proponentes da ação afirmativa realizem estudos como esses, já que suas assertivas não provadas são tão amplamente aceitas e repetidas. Alguns dados que poderiam ser relevantes para a teoria da “massa crítica” vêm da história da Dunbar High School só para negros, em Washington, D.C. Entre 1892 e 1954, o Amherst College admitiu 34 formandos daquela escola secundária. Desses, 25 se graduaram por Amherst – 74% dos admitidos – e desses 25, 21% foram Phi Beta Kappas.[373] Jamais houve em Amherst, durante aquele período, número suficiente de negros para que fosse constituída uma “massa crítica”. O contraste entre as conquistas acadêmicas desses pioneiros negros em Amherst e o generalizado fracasso acadêmico dos estudantes negros de uma época posterior é muito mais consistente com a teoria oposta de John H. McWhorter, professor negro da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que diz que uma subcultura anti-intelectual negra reduz os desempenhos dos estudantes negros a níveis bem inferiores aos de que são capazes.[374] Se é assim, então a “massa crítica” tende a ser academicamente contraproducente. Evidência adicional do potencial negativo de uma “massa crítica” vem de numerosos relatórios feitos por observadores de estudantes negros em escolas de todo o país, nos quais é dito que esses estudantes desenvolveram

o hábito de se referir aos companheiros negros que são academicamente orientados e concretizam conquistas como “cópias de brancos” – uma acusação que pode resultar em qualquer coisa entre o ostracismo social e a manifesta violência. Um estudo empírico recentemente publicado pela Agência Nacional de Pesquisas Econômicas revelou que “uma porcentagem maior de colegas negros tem um forte efeito adverso sobre as conquistas dos negros e, além disso, que tais efeitos se concentram na metade superior da distribuição de capacitações”.[375] Dito de outra forma, os estudantes negros com melhores aptidões saem-se pior com a presença de muitos estudantes negros. Outra parcela de evidência vem de um estudo sobre as consequências acadêmicas do grupamento por habilitações nas escolas, que concluiu: “O aprendizado em grupo homogêneo de estudantes parece ter uma influência positiva sobre os feitos dos jovens com grande capacidade pertencentes a minorias”.[376] Dito de outra forma, os jovens negros com maiores possibilidades melhoram consideravelmente quando colocados entre outros jovens de grande capacidade, em vez de serem educados na presença de outros estudantes com capacitações inferiores. Uma massa crítica intelectual produz resultados opostos aos de uma massa crítica racial. Ainda outro fragmento de prova pode ser tirado de um estudo sobre taxas de graduações em faculdades e universidades estaduais no Colorado. Este estudo mostra que, em geral, os brancos se graduaram em maiores taxas que os negros em grande parte das instituições estudadas.

Todavia, “nas duas oportunidades em que os negros se graduaram a taxas maiores que as dos brancos, tratava-se de quantidades extremamente pequenas de negros”.[377] Em síntese, foi precisamente onde não tinham uma “massa crítica” que os estudantes negros se saíram acentuadamente melhor. Tudo isso é mais consistente com a tese de McWhorter do que com a teoria da “massa crítica”. No entanto, não se trata de afirmar que tal ou qual prova é conclusiva, ou mesmo de escolher entre teorias competidoras os efeitos de uma “massa crítica” sobre estudantes negros de uma dada instituição. O mais fundamental aqui é que a suposição de que a “massa crítica” não só é academicamente benéfica como também essencial se transformou num dogma predominante sem que a evidência empírica fosse solicitada ou provida. Um dogma associado ao anterior é que “modelos” negros são essenciais para a educação dos negros – outra crença amplamente trombeteada para a qual raramente se solicita ou se oferece prova. Em 2003, bem depois de os “modelos” terem se transformado em mantra, uma pesquisa em estudos empíricos concluiu que “não existe evidência sistemática de que modelos do mesmo sexo ou da mesma raça/etnia têm efeito significativo sobre uma faixa de variáveis dependentes sobre as quais supostamente influenciam, inclusive opção profissional, aprendizado e sucesso na carreira”.[378] Por certo, a maioria dos estudantes da Dunbar High School que se saiu muito bem no Amherst College, entre

1892 e 1954, dificilmente viu um professor negro na faculdade. A ascensão espetacular da geração nissei, descendente dos japoneses que imigraram depois da Segunda Guerra Mundial, igualmente chegou aos Estados Unidos numa ocasião em que pouco provavelmente foi ensinada por professores ou catedráticos nipo-americanos, ou conheceu e mesmo viu qualquer cientista ou engenheiro de ascendência nipônica, uma vez que a maior parte de seus pais eram fazendeiros. Embora as preferências e cotas raciais nas admissões às faculdades e universidades americanas tenham começado nos anos 1960, normalmente sem muita discussão autêntica sobre os prós e os contras – e com descarte imediato de qualquer oposição, alguns desses críticos argumentaram bastante contra essas preferências frequentemente com lógica considerável e suporte empírico. Um dos mais convincentes de tais críticos foi o professor Clyde W. Summers da Faculdade de Direito de Yale. Como muitos outros opositores da ação afirmativa, o professor Summers escrevera em anos anteriores contra a discriminação dos negros, anos antes de ela se tornar uma posição popular a ser tomada.[379] Tampouco ficou ele em situação confortável quando se viu argumentando contra a ação afirmativa: Qualquer pessoa que tenha consciência de nossa brutal discriminação histórica contra grupos minoritários, e é sensível ao nosso continuado padrão de privações, faz força para acreditar em providências que prometam abrir as portas da oportunidade e proporcionar alguma recompensa pelas injustiças passadas. Questionar esse programa, no qual tantos depositam profunda confiança, inevitavelmente leva a

mal-entendidos, não importa o esforço despendido para que nos façamos compreender. Pior ainda, o que se escreve pode ser usado por aqueles que buscam pretextos para que não se faça nada e, assim, seja preservado o padrão presente de privações.[380]

Summers chamou as políticas de admissão preferencial de “solução irreal para um problema real”. Sua primeira objeção foi que elas, a começar pelas instituições de ensino superior do topo da elite, criariam um descasamento de amplitude nacional entre os estudantes de minorias e as instituições que frequentassem, acima e abaixo na escala hierárquica de valor e fama dessas instituições. Como sua especialidade era o Direito, ele ilustrou o que aconteceria com as políticas de admissão às escolas dessa especialidade: Se Harvard e Yale, por exemplo, admitem estudantes de minorias com notas nos exames de 100 a 150 pontos abaixo das normalmente requeridas para o ingresso de estudantes não minoritários, o número total de estudantes minoritários em condições de se formar em advocacia não aumentará por causa disso. Os estudantes que recebessem tal preferência passariam pelos critérios normais de Illinois, Rutgers ou Texas. Da mesma forma, estudantes privilegiados pela Pensilvânia atenderiam aos requisitos normais de Pittsburg; os beneficiados em Duke passariam nos testes da Carolina do Norte e os que gozassem de preferências em Vanderbilt entrariam pelos padrões normais em Kentucky, Mississippi e West Virginia. Desta forma, cada escola de Direito, mediante suas admissões privilegiadas, simplesmente tira estudantes minoritários de outras escolas cujos padrões de admissão são mais baixos. […] Em suma, a política de admissões preferenciais produz um penetrante efeito de transposição que faz com que grande número de estudantes minoritários frequente faculdades de Direito cujos padrões normais de admissão esses alunos não conseguem satisfazer, em vez de estudarem em faculdades de Direito em que ingressariam passando pelos critérios normais de admissão em tais instituições de ensino.[381]

Por causa desse “penetrante efeito de transposição”, estudantes universitários ver-se-iam em sérias dificuldades acadêmicas ao longo de toda a escala de valor e fama das faculdades de Direito e de outras instituições, pois estariam sistematicamente descasados com as instituições de todos os níveis que frequentassem. Colocado de maneira mais crua, muitos estudantes minoritários com todos os prérequisitos para o sucesso seriam artificialmente transformados em fracassos por causa do descasamento penetrante. Essa argumentação, durante décadas, permaneceria no âmago das objeções à ação afirmativa, mas as tentativas de obtenção de dados que pudessem confirmá-la ou refutá-la bateram num muro de recusas das autoridades acadêmicas em fornecer essas informações. Em vez disso, foi repetidamente afirmado que não estavam sendo admitidos estudantes “não qualificados” – uma declaração quase sem valor, pois tinha origem em pessoas que podiam arbitrariamente definir o que “qualificado” significava. A despeito do sigilo que envolvia os dados necessários ao esclarecimento de uma questão tão importante, alguns desses dados, de uma forma ou de outra, tornaram-se públicos. Quase que invariavelmente, eles minaram por completo a posição dos defensores acadêmicos da ação afirmativa. Na Universidade da Califórnia, em Berkeley, por exemplo, um estudo de 1988 revelou que a média composta de notas no SAT de postulantes negros ao ingresso foi de 952, acima da média nacional de 900, mas muito abaixo da

média de 1.232 para os estudantes brancos e de 1.254 para os asiático-americanos. Estudantes negros com médias no SAT como as acima não podiam ser considerados “não qualificados”, porém estavam seguramente descasados com as faculdades que frequentavam – e 70% deles não conseguiram se graduar por Berkeley. Malgrado a quantidade crescente de estudantes negros em Berkeley durante os anos 1980, o número de negros graduados declinou.[382] No M.I.T., a nota média no SAT de matemática dos estudantes negros ficou dentro dos 10% das notas mais altas em todo o país – mas dentro dos 10% mais baixos do Instituto. Cerca de um quarto desses extraordinariamente bem capacitados estudantes negros não conseguiram se graduar pelo M.I.T.[383] Na Universidade do Texas, onde a nota média no SAT dos estudantes negros ficou cerca de cem pontos abaixo da dos brancos, a média dos conceitos dos calouros negros foi de 1,97, comparada com a de 2,45 dos brancos.[384] Na Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown, a nota média dos estudantes negros no SAT para ingresso na faculdade ficou no 75º percentil – de novo, uma média dificilmente “não qualificada”, mas que ficou abaixo da nota de qualquer estudante branco admitido naquela instituição de ensino de elite.[385] Incidentalmente, o estudante que divulgou esses dados de Georgetown foi acusado de “racista” na mídia nacional, como também no próprio campus, a despeito da ausência de qualquer prova de racismo, a menos que a divulgação de dados seja

arbitrariamente assim definida, o que criaria um círculo vicioso para a argumentação. Como o professor Summers previu, os fracassos não se restringiram às instituições de elite. Foi desta forma que a San Jose State University teve 70% de seus estudantes negros reprovados, o mesmo que ocorreu em Berkeley,[386] embora seja duvidoso que os estudantes minoritários de Berkeley fracassassem na San Jose State. Tratou-se do efeito dominó do descasamento. Além do mais, esses custos da ação afirmativa não se cingiriam às reprovações acadêmicas desnecessárias entre os estudantes de minorias. Nos idos dos anos 1960, o professor Summers e outros anteviram que os estudantes negros que estivessem completamente descasados com suas respectivas faculdades e universidades não apenas achariam suas posições intoleráveis como passariam também a considerar insuportáveis os padrões e outros aspectos da vida acadêmica, o que desviaria seu foco para as cruzadas ideológicas no campus e fora dele. Demandas por cursos “relevantes”, departamentos de estudos negros e cotas para a contratação de professores negros independentemente de credenciais acadêmicas “irrelevantes” proliferaram em todo o país. Como em outras partes do mundo, a ilusão de se poder controlar o curso dos eventos de cima para baixo com a ação afirmativa foi penosamente dissipada. Cursos mais fáceis sobre estudos negros em alguns outros departamentos foram acompanhados por aquilo que

o professor David Riesman, de Harvard, chamou de “graduação afirmativa”. Muitos professores começaram a inflar as notas por todos os lados, reduzindo as reprovações e concedendo o conceito A à maioria dos estudantes. As ameaças dignas de crédito dos estudantes negros organizados também tenderam ao tratamento preferencial para as ofensas comportamentais.[387] Os estudantes brancos não ignoravam o que se passava. Como Summers e outros previram nos anos 1960, os brancos, que viam seus colegas negros de turma, consistentemente os últimos em termos acadêmicos, safarem-se em situações que não seriam toleradas em outros, começaram cada vez mais a manifestar atitudes negativas, a despeito das punições draconianas por atos e palavras que pudessem ser considerados “racistas”. Estudantes brancos promoveram desordens violentas em alguns campi contra estudantes negros com uma magnitude desconhecida no tempo em que não existiam programas preferenciais de ingresso ou critérios duplos nas universidades.[388] Mesmo na ausência da hostilidade aberta, os estudantes negros no M.I.T. se queixaram de que os outros estudantes não os consideravam parceiros proveitosos para os trabalhos em grupo ou para companheiros de estudo nos exames mais rigorosos.[389] Relatórios semelhantes chegaram de outras instituições – e não só de estudantes como também de professores negros. Os negros encarados como professores “de cota” reclamavam de serem menos convidados para colaborar nas pesquisas, o que era crucial para o progresso no

magistério.[390] Até os defensores acadêmicos da ação afirmativa começaram a comentar a respeito da crescente hostilidade nos campi em relação aos estudantes negros e cunharam a expressão “o novo racismo”.[391] No âmago da questão, tanto para estudantes como para professores negros, está o fato indiscutível de que a quantidade dos que possuem credenciais para frequentar as instituições seletivas está muito longe da necessária para preencher as cotas que se baseiam em sua “representação” na população como um todo. Já em 1969, os professores negros com título de PhD de universidades de renome e com muitos trabalhos publicados ganhavam mais que os professores brancos com as mesmas características.[392] A verdade é que não existiam muitos professores negros com tais credenciais. O problema não era de discriminação, mas simplesmente de número inadequado de negros com as qualificações necessárias. O mesmo ocorreu com os estudantes negros. Quando as escolas de Direito de elite começaram a admitir estudantes negros preferencialmente nos anos 1960, a quantidade total deles que satisfez os padrões usuais exigidos no SAT para tais escolas foi de 39 – em todo o país. [393]

Duas décadas mais tarde, eles eram apenas dezesseis.

[394]

Ao nível das faculdades, em 1995, o número de estudantes negros que conseguiram a nota 650 ou mais alta no SAT oral de inglês foi menor que 700 em âmbito nacional.[395] A maioria das instituições da Ivy League exige pelo menos a nota 650 nesse exame oral do SAT. Mas não existem estudantes negros em número suficiente em todo o

país com nota 650 no SAT de exame oral de inglês para ingressar nas oito instituições da Ivy League proporcionalmente à sua “representação” na população geral, muito menos nas outras instituições de elite de costa a costa. Se bem que as notas e médias no SAT tivessem sido ridicularizadas com fatores de predição pelos advogados da ação afirmativa, estudos estatísticos anteriores mostraram que a posição dos estudantes negros de Direito ficava em média no 8º percentil.[396] Ou seja, 92% dos seus companheiros de classe tinham melhor desempenho acadêmico nas escolas de Direito. Além disso, um número desproporcionalmente grande de graduados negros em escolas de Direito não passou nos Exames da Ordem dos Advogados, o mesmo ocorrendo com quantidade também desproporcional de graduados negros em escolas de Medicina nos Exames do Conselho de Licenciamento Médico.[397] Em presença de provas tão concretas, na Medicina, no Direito e em outras esferas do saber, os defensores da ação afirmativa têm argumentado que os advogados, médicos e outros profissionais negros são tão necessitados nas comunidades negras que ainda vale a pena a admissão preferencial em faculdades, escolas de graduação e escolas técnicas.[398] Mas essa argumentação tampouco foi confrontada com o fato de muitos doutores não negros trabalharem em hospitais de cidades do interior sem evidência de que os pacientes negros tenham sido prejudicados com isso.

Um exemplo repetidamente singularizado ao longo dos anos para justificar a ação afirmativa foi o do jovem negro Patrick Chavis, que ingressou pelas cotas preferenciais na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, em Davis, onde Allan Bakke foi inicialmente rejeitado. Chavis foi praticar a Medicina numa comunidade negra, ao contrário de Bakke, que foi trabalhar como anestesista em Minneapolis, depois de se graduar pela mesma escola de Medicina na qual ingressou em razão da histórica decisão da Suprema Corte no caso que leva seu nome. O senador Edward Kennedy, por Massachusetts, estava entre as muitas pessoas que exaltaram Chavis como um dos exemplos do que a ação afirmativa era capaz de fazer. O Comitê de Advogados para os Direitos Civis fez a usual comparação entre Chavis e Bakker – evidentemente favorável a Chavis – em 1997, apenas duas semanas antes de a Junta Médica da Califórnia suspender a licença de Chavis para praticar a Medicina devido à morte suspeita de um de seus pacientes. [399]

A Junta citou a “incapacidade de Chavis para realizar algumas das tarefas mais básicas requeridas de um médico”, segundo um juiz de causas administrativas que ordenou a suspensão emergencial da licença de Chavis para praticar a Medicina.[400] Um ano mais tarde, depois de uma investigação mais completa sobre o tratamento que o médico dispensava a diversos pacientes, a licença de Chavis foi cassada.[401] Aqueles que vinham antes usando Chavis como exemplo mudaram para a posição que um caso isolado não provava coisa alguma. Infelizmente, Chavis não foi um caso

isolado. Planos para o uso de padrões duplos, de modo a manobrar os estudantes negros através das escolas de Medicina já me tinham sido relatados em 1969 e publicados num livro meu em 1972.[402] Quatro anos mais tarde, o professor Bernard Davis, da Faculdade de Medicina de Harvard, reportou na New England Journal of Medicine que os estudantes negros de lá e de outras escolas de Medicina estavam recebendo diplomas “em base caritativa”. Disse ele, “É cruel admitir-se estudantes com pouquíssimas chances de satisfazer padrões razoáveis” e que era “mais cruel ainda abandonar-se tais padrões e permitir-se que pacientes sob cuidados paguem por nossa irresponsabilidade”.[403] A única resposta a essas revelações foi o previsível dilúvio de denúncias de “racismo” contra o professor Davis. As discussões sobre as políticas de admissão às faculdades normalmente acontecem como se a questão fosse a distribuição de benefícios a vários requerentes, quando na verdade é a da seleção daqueles requerentes que podem melhor dominar a espécie e o nível do trabalho acadêmico numa determinada instituição. Os que veem o problema como distribuição de benefícios a requerentes fazem objeção aos “critérios de admissão que beneficiam primordialmente os estudantes brancos de classe média”. [404]

Focar arbitrariamente nos diferentes grupos de candidatos é ignorar aqueles que têm mais coisas em jogo – no caso da Medicina, as pessoas que necessitam de tratamento médico. Também em outros campos, é ignorar os terceiros que serão muito influenciados pelo que fazem

as instituições de ensino superior e por quão bem o fazem. Considere-se as faculdades de Engenharia, que não têm tanta coisa em jogo quanto as milhões de outras pessoas cujas vidas dependem da qualidade da Engenharia aplicada nas pontes sobre as quais transitam, ou nos aviões em que voam, ou nos equipamentos com que trabalham. As faculdades e universidades não foram criadas para distribuir benefícios a requerentes, mas para desenvolver mentes e formar capacitações que sirvam à sociedade como um todo. Os critérios que valem são aqueles que permitem que as instituições cumpram essa responsabilidade. Tal responsabilidade não pode ficar subordinada à impossível tarefa de equalizar possibilidades de sucesso acadêmico para pessoas nascidas e criadas em circunstâncias que prejudicaram seu desenvolvimento, mesmo que isso tenha acontecido independentemente da vontade dessas pessoas e, por conseguinte, não por culpa delas. Se fôssemos capazes de entender tudo o que aconteceu com Patrick Chavis desde o momento em que nasceu, talvez o julgássemos com menos severidade. Mas o papel das instituições acadêmicas não é o de representar Deus julgando almas individuais. É, entre outras coisas, o de providenciar para que pessoas como Patrick Chavis não terminem com um bisturi na mão e um título de “Dr.” antecedendo seus nomes para atraírem pacientes inocentes à morte.

ESTUDOS EMPÍRICOS

Enquanto muitas suposições cruciais que estão por trás das preferências e cotas são amplamente aceitas sem que qualquer prova seja solicitada ou oferecida, existem alguns estudos empíricos relevantes sobre tais suposições. No entanto, a mesma aceitação acrítica que permitiu conclusões favoráveis à prevalência da ação afirmativa sem evidências deu ensejo também a que estudos feitos de maneira questionável fossem aceitos como provas quando chegavam a conclusões simpáticas à continuação dos grupos preferenciais e das cotas. Um desses exercícios em defesa da ação afirmativa e que foi recebido com elogios generalizados no mundo acadêmico foi o livro de 1988, The Shape of the River [A Forma do Rio], escrito pelos dois ex-reitores William Bowen e Derek Bok, de Princeton e Harvard, respectivamente.[405] A premissa do livro é que a admissão de candidatos negros com qualificações inferiores às solicitadas de outros em faculdades e universidades não produziu os maus resultados proclamados pelos críticos da ação afirmativa. Os autores mobilizaram e apresentaram volumosas estatísticas, numa tentativa de demonstrar que tais estudantes foram bem-sucedidos academicamente e mais tarde na vida. Infelizmente, as muitas estatísticas, tabelas, gráficos e equações não são sobre estudantes negros que ingressaram com qualificações inferiores às de outros. Eles se referem a estudantes negros em geral nas instituições consideradas, inclusive estudantes negros admitidos segundo critérios idênticos aos dos estudantes brancos.

Esse estudo muito elogiado é Hamlet sem o príncipe da Dinamarca. As controvérsias sobre preferências e cotas na admissão às faculdades não são sobre o ingresso ou não de qualquer negro no ensino superior, mas precisamente sobre a admissão daqueles estudantes negros específicos que não satisfazem os padrões normais aplicados a outros estudantes nas instituições que frequentam. A falha de Bowen e Bok em não separar esses estudantes levanta a primeira de muitas dúvidas sérias sobre o trabalho deles – especialmente porque outros estudos o fizeram e chegaram ao oposto do que Bowen e Bok anunciam ter descoberto. Submergir estudantes negros que foram admitidos com qualificações inferiores num mar de estatísticas amplas sobre estudantes negros em geral é particularmente suspeito, ainda mais quando os dados brutos que estão por trás dos números publicados não estão disponíveis a outros estudiosos que poderiam detalhar as estatísticas de modo diferente e chegar às informações-chaves que aqueles autores excluíram. Os acadêmicos que tiveram suas solicitações de acesso aos mesmos dados absolutamente negadas realçaram que Bowen e Bok “examinaram registros de estudantes que jamais estiveram antes disponíveis a pesquisadores”.[406] Se a decisão de colocar tais disposição apenas dos dois antigos defensores afirmativa já levanta questões, o modo com estatísticas foram então usadas enevoa ainda mais Bowen-Bok.

dados à da ação que as o estudo

A amostragem utilizada nesse trabalho consiste em 24 instituições privadas de educação superior e apenas 4 públicas, quando, na verdade, só 9% dos estudantes negros frequentam as instituições privadas, que constituem a maior parte da amostra de Bowen-Bok. [407] Além do mais, outras minorias como hispânicas e asiáticas foram omitidas no estudo. Quanto aos estudantes negros da amostragem, 64% tinham pelo menos um dos pais formado em faculdade – mais de cinco vezes a proporção entre todos os jovens negros com idade para frequentar curso superior.[408] Em síntese, Bowen e Bok utilizaram uma amostragem altamente atípica de estudantes minoritários que frequentavam faculdades e universidades também altamente atípicas – e disso tiraram ilações sobre as políticas de admissão da ação afirmativa em geral, a despeito de uma advertência pro forma feita no prefácio contra isso.[409] Mais especificamente, Bowen e Bok negam os pleitos dos críticos da ação afirmativa de que os estudantes minoritários admitidos com padrões inferiores (1) não se saem tão bem quanto os outros estudantes, (2) com frequência não sobrevivem para se graduarem e (3) não têm sucesso nas carreiras pós-faculdade. O problema crucial visualizado pelos críticos é que os estudantes minoritários que ingressam em instituições de elite graças a critérios inferiores ficam descasados, diferentemente de não qualificados, e poderiam ser mais bem-sucedidos em outras instituições direcionadas para estudantes de seus níveis de capacitação acadêmica, muitas das quais boas faculdades e

universidades. Em suma, o argumento é que não faz sentido fracassar numa instituição renomada quando se pode ser vitorioso numa outra de boa qualidade, embora não tão afamada. Como Bowen e Bok respondem a tais críticas às políticas de admissões preferenciais? Antes de tudo, The Shape of the River redefine preferências e cotas como “admissões sensíveis à raça”, e Bowen e Bok dizem que são contra as “cotas” – o que aparentemente significa que eles são contra a palavra “cotas”, já que fazem a argumentação usual pela representação numérica e afirmam (sem provas) que a educação se beneficia da “diversidade”. Sua descoberta mais triunfal é que os estudantes negros “se formam em taxas maiores quanto mais seletiva é a escola que frequentam” (grifo no original).[410] A implicação é que o descasamento, antes de mais nada, não prejudica as perspectivas de formatura dos estudantes negros. Mas um exame mais atento mostra uma história bem diferente. Como os próprios Bowen e Bok dizem alhures: “Tem havido um estreitamento bem mais pronunciado no fosso entre negros e brancos nas notas do SAT entre candidatos às faculdades mais seletivas”.[411] Isso pode ser visto com mais clareza em dados de outras pesquisas que mostram que a distância nas notas compostas do SAT entre negros e brancos foi de 95 pontos em Harvard, mas de 184 em Duke e 271 em Rice.[412] A questão central não trata de quão seletiva é a faculdade, mas de qual é a largura do fosso entre as qualificações de seus estudantes negros e os

critérios normais da instituição, como indicados pelas qualificações dos outros estudantes. Um estudo sobre diferenças raciais entre estudantes de faculdades e universidades estaduais no Colorado revelou que, embora em geral uma porcentagem mais alta de brancos em relação aos negros tenha se formado num período de seis anos, 50% dos negros e 48% dos brancos tinham se graduado naquele período na Universidade do Colorado, em Denver, onde a diferença nas notas do SAT era apenas de trinta pontos. Ou seja, onde a diferença foi pequena nas notas do teste, ela foi insignificante nas taxas de graduação. No Colorado, aconteceram também menores diferenças nas notas do teste em instituições de ensino situadas mais abaixo na escala de valor e fama. No campus de Boulder da Universidade do Colorado, onde a diferença nas notas do teste entre negros e brancos foi maior que 200 pontos, apenas 39% dos estudantes negros se formaram, comparados aos 72% dos brancos.[413] Claramente, as preferências raciais foram maiores em Boulder, onde foram admitidos 75% dos candidatos tanto negros quanto brancos, malgrado a diferença de 205 pontos nas notas do SAT. Enquanto isso, no campus de Denver da Universidade do Colorado só foram aceitos 68% dos requerentes negros, comparados aos 82% dos brancos, o que acabou por constituir um corpo discente com diferenças diminutas entre negros e brancos nas notas do teste – que veio a se refletir em diferenças também muito pequenas nas taxas de graduação.

Um estudo feito sobre cinco escolas estaduais de Medicina chegou a padrões similares. Entre as cinco, as maiores diferenças entre brancos e negros nos testes específicos para admissão em faculdades de Medicina aconteceram na escola da Universidade Estadual de Nova York, no Brooklyn, e a menor foi na faculdade da Universidade de Washington. A diferença racial na porcentagem dos estudantes que depois passaram pelos Exames do Conselho de Licenciamento Médico dos EUA foi, em consequência, maior na SUNY Brooklyn (vinte pontos percentuais de diferença) e menor na Universidade de Washington (nove pontos percentuais). Até mesmo isso abranda a distinção entre as instituições como causa do problema, já que 25% dos estudantes negros de Medicina da SUNY Brooklyn nem se submeteram a exames do conselho, comparados aos 10% que não o fizeram da Universidade de Washington.[414] Embora os negros, de modo geral, tivessem uma taxa maior de demissões nos programas médicos de residência do que outros grupos, aqueles negros com credenciais acadêmicas comparáveis às dos brancos tiveram taxas de demissões de tais programas também comparáveis. Apesar de os médicos negros obterem certificados do conselho com uma frequência que é apenas metade da dos brancos, aqueles médicos negros que tiraram notas comparáveis às dos brancos no SAT específico para ingresso nas faculdades de Medicina receberam, na verdade, certificados do conselho com maior frequência que a dos brancos.[415] Isto é, o fator crucial para o sucesso ou fracasso dos estudantes

negros não tem sido o grau de seletividade das instituições, mas menor ou maior largura do fosso nas qualificações entre os negros e outros estudantes. Contudo, Bowen e Bok consideram os resultados de sua amostragem “muito mais conclusivos”[416] que outros estudos – embora aparentemente não tão conclusivos para que os dados brutos possam ser apreciados por outros pesquisadores. Mesmo assim, seus resultados não apenas diferem do que outros têm descoberto em seus estudos, como também diferem dos padrões nacionais: Negros com notas no SAT entre 851 e 1.000 se formam a uma taxa de 77% nas faculdades cuja média total no SAT é de 900. Em contraste, negros com notas entre 700 e 850 no SAT se graduam nessas mesmas escolas à taxa de 56%, enquanto os negros com notas no SAT abaixo de 700 têm apenas 38% de probabilidade de graduação. [417]

As instituições comparadas por Bowen e Bok diferem em mais aspectos além das notas do teste. O mais seletivo grupo de instituições – Yale, Stanford, Princeton e semelhantes – possuía efetivos médios de estudantes em torno de 3 mil, enquanto o grupo menos seletivo de instituições – Michigan, Penn State, University of North Carolina, em Chapel Hill, etc. – possuía efetivos da ordem de 13 mil estudantes. Na realidade, a maior quantidade de estudantes em qualquer campus do primeiro grupo era menor que a quantidade média de estudantes nos campi do segundo grupo. Ademais, mesmo o grupo menos seletivo na amostragem Bowen-Bok não era constituído absolutamente de instituições medíocres. Elas aparecem com regularidade

em várias listas de universidades americanas de ponta, e ninguém as considera “medianas”. Nesse contexto, o que os dados de Bowen e Bok mostram é que, dentro de uma faixa bem estreita de instituições, os negros que frequentam escolas de elite, cujos efetivos médios em estudantes são menores que um quarto dos de outro conjunto de instituições de elite, se graduam a taxas maiores. Isso pode ser mais significativo na comparação de instituições grandes e pequenas, particularmente para estudantes que necessitam de ajuda especial de professores mais do que qualquer outra coisa. Um estudo bem conhecido sobre estudantes de cursos superiores demonstrou que a satisfação deles com o corpo docente é inversamente proporcional ao tamanho da faculdade ou da universidade.[418] Dados de outras fontes reforçam a importância do tamanho da faculdade na taxa de sobrevivência dos estudantes negros. Por exemplo, 13% dos estudantes negros de Stanford não se formaram num período de seis anos, comparados aos 42% que fracassaram no mesmo período na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Existiam então quase três vezes mais estudantes em Berkeley que em Stanford e a relação estudantes/professor em Berkeley era mais que o dobro da relação em Stanford. De forma semelhante, 12% dos estudantes negros que frequentavam Yale não conseguiram se formar num período de seis anos, comparados aos 41% que fracassaram na Universidade de Michigan, em Ann Arbor. Aqui, mais uma vez, a relação estudantes/professor em Michigan era mais

que o dobro da relação de Yale, e existiam quatro vezes mais estudantes em Ann Arbor.[419] As conclusões do estudo Bowen-Bok são mais solapadas ainda pela natureza de sua amostragem das instituições, bem como pela amostragem atípica dos estudantes. Como elas fazem comparações entre conjuntos distintos de instituições de elite com diferentes médias de notas no SAT, mas todas elas com notas acima da média nacional, isso cria o que os estatísticos chamam de problema de “faixa restrita”. Não se pode apreciar a importância geral de algum fator examinando-se a diferença que ele produz numa amostragem onde existe apenas uma faixa limitada de variação do dito fator. Por exemplo, podese julgar que há pouca correlação entre a altura e o desempenho dos jogadores profissionais de basquete, mas tais tipos de jogadores formam um grupo muito mais alto que a maioria das outras pessoas, então, o fato de um jogador de 2,11m ser tão bom quanto um de 2,2m não desmerece o valor da altura no basquete. Ninguém contrataria um anão para jogar na liga profissional de basquete por causa daquela baixa correlação altura/desempenho entre os jogadores profissionais existentes. Bowen e Bok realçam que mesmo os estudantes negros de notas mais baixas se formam a taxas maiores na sua amostragem das instituições mais de elite que em outras instituições de elite daquela amostragem.[420] Essa poderia ser uma prova de maior peso caso não fosse (1) baseada em amostragem tão atípica de estudantes e

instituições e (2) contestada por tantas evidências fundamentadas em outras estatísticas que não foram guardadas com tal sigilo. O que torna a ação afirmativa tão necessária, segundo Bowen e Bok, é que (1) sem ela, poucos estudantes negros ingressariam nas faculdades e universidades mais elitizadas e porque (2) essas instituições específicas são o portal para as profissões de alto nível nas quais os negros estão, no presente, mal representados; de modo que, se isso não acontecer, as perspectivas para o futuro desses jovens negros serão desoladoras. Um crítico parodiou essa argumentação sugerindo que “É Yale, ou cadeia”.[421] Enquanto as faculdades de renome forem capazes de matricular uma parcela desproporcional dos estudantes negros mais bem qualificados, não será surpresa se tais estudantes se saírem bem depois da graduação. A única pergunta significativa que resta é se tais estudantes não se sairiam melhor em outras instituições cujos critérios de admissão satisfizessem. Muitas faculdades menos famosas têm suplantado instituições de mais renome no que se refere a bacharéis que depois atingiram as mais lucrativas posições entre os PhDs, ou passaram a figurar no Who’s Who in America.[422] No caso dos estudantes negros há toda uma história de sua frequência em escolas só para negros – nenhuma delas situada na camada superior da escala de valor e fama – durante gerações. Hoje em dia, as escolas para negros só matriculam cerca de um quarto de todos os negros que frequentam o ensino superior, mas respondem por 40% de

todos os diplomas em Ciências e em Engenharia recebidos por estudantes negros em âmbito nacional. Das dez instituições em que os estudantes negros continuam recebendo a maioria dos títulos de PhD em Ciências, seis são instituições para negros.[423] Aparentemente, não se trata, afinal de contas, de “Yale or jail”. Com efeito, nenhuma das instituições na grande amostragem BowenBok estava entre as dez maiores fontes de PhDs negros, e só uma – a Universidade de Michigan – estava entre as dezoito maiores fontes.[424] Mais uma vez, notável não é o fato de a tese Bowen-Bok ser inconsistente com os fatos empíricos, mas sim o de ela ser tão vastamente aceita sem que fatos relevantes sejam questionados ou voluntariamente apresentados.

RESULTADOS PÓS-AÇÃO AFIRMATIVA

Em 1995, preferências raciais e cotas para admissão no ensino superior foram banidas pelo Conselho de Administração da Universidade da Califórnia e, em 1996, um referendo em todo o estado confirmou o banimento. No Texas, o Quinto Circuito da Corte de Apelações acabou, em 1996, com os ingressos preferenciais na Faculdade de Direito da Universidade do Texas. Nos dois estados, as previsões foram de consequências terríveis. O presidente Bill Clinton disse que o banimento na Califórnia dos grupos de preferências iria “voltar a segregar” as universidades. [425]

Jesse Jackson, igualmente, falou sobre um “radical retorno da segregação de nossas faculdades e redução na

oportunidade”[426]

e

chamou

o

banimento

da

ação

afirmativa de “limpeza étnica”.[427] A mesma mensagem foi repetida por muitos outros. O que, de fato, aconteceu? A matrícula de negros no principal campus da Universidade da Califórnia – o de Berkeley – caiu substancialmente. O mesmo ocorreu em outro campus importante do sistema, o UCLA. Todavia, isso não representou reduções semelhantes no número total de calouros negros que foram matriculados no sistema da Universidade da Califórnia como um todo. Além do mais, o sistema da UC não é o único sistema universitário patrocinado pelo estado na Califórnia. Existe também o da California State University que, na realidade, matricula mais estudantes.[428] Dentro do sistema geral da UC, a matrícula de calouros negros declinou de 917 em 1997 para 739 no ano seguinte, mas subiu de novo para 832 em 2000 – uma queda de 9% no período – para depois alcançar 936 em 2002. Enquanto houve, no cômputo geral do sistema UC, um declínio somente temporário e relativamente modesto, no campus principal de Berkeley a queda foi muito mais acentuada, de 222 em 1996 para 122 em 1999, e a recuperação foi apenas para 142 em 2002. Na UCLA, o declínio de 230 calouros negros, da mesma forma, jamais foi recuperado e, em 2002, existiam apenas 161 deles no campus. Não obstante, em outros campi do sistema UC – Santa Barbara, Riverside, Irvine, Santa Cruz – houve aumento no número de calouros negros.[429] O que isso significou foi que os estudantes se

redistribuíram por si mesmos dentro do sistema da Universidade da Califórnia, sem que houvesse, em absoluto, queda no número total entre 1996 e 2002. A história foi quase a mesma no sistema da California State University, onde existiam mais calouros negros matriculados em 2002 do que em 1996, antes do fim da ação afirmativa[430] – fato que recebeu extraordinariamente pequena atenção e não provocou comentários de vulto por parte da mídia, a qual publicara à exaustão as histéricas declarações anteriores sobre a iminente “volta da segregação” no ensino superior. Na Universidade do Texas, houve igualmente um declínio na matrícula de calouros negros no campus principal em Austin, mas um crescimento em quase todos os outros campi. Em 1996, existiam 1.497 estudantes negros frequentando o campus de Austin e a queda foi para 1.298 em 2000 – um declínio de 12%. Porém, no sistema da Universidade do Texas como um todo, o número total de estudantes negros cresceu de 5.250 para 5.657.[431] Apesar de o número total de estudantes no sistema ter crescido no mesmo período, o fato é que os estudantes negros aumentaram sua representação de 4,6 para 4,8% do total. Em síntese, a despeito dos muitos e frenéticos relatórios e predições horrorosas publicados pela mídia sobre a perda de “acesso” das minorias à educação superior, no rescaldo do banimento da ação afirmativa, houve alterações muito modestas nos números absolutos e nas proporções dos estudantes negros nos sistemas universitários estaduais da Califórnia e do Texas – e, no final, um aumento. A mudança mais substancial foi na

redistribuição dos estudantes negros entre os campi dentro daqueles sistemas. A questão central, no entanto, não é quantos negros estão no campus em dado momento, mas quantos efetivamente se formam. É possível que mais estudantes de minorias se graduem, uma vez que eles não estão mais tão descasados com as instituições que frequentam. Dados existentes sobre variações nas diferenças entre notas nos exames e entre taxas de graduação já apontam nessa direção. Contudo, dados sobre a sobrevivência para a formatura ainda não estão disponíveis – e talvez jamais venham a estar, se tais dados convalidarem aquilo que os críticos da ação afirmativa vêm dizendo há décadas. Ao passo que existem mais dados disponíveis para que sejam feitas comparações entre negros e brancos do que entre outros grupos raciais ou étnicos, há também vasta quantidade de dados sobre os asiático-americanos. Todavia, os proponentes da ação afirmativa tendem a evitar a discussão sobre esses asiático-americanos, mesmo que a experiência deles possa ser relevante para o teste de muitas teorias que estão por trás da ação afirmativa. De fato, a experiência do grupo étnico em questão, com frequência, contradiz redondamente muito do que dizem os aliados das preferências e cotas. Por exemplo, as diferenças entre negros e brancos nos graus dos testes quase sempre são creditadas às polarizações culturais nos testes, favorecendo os estudantes brancos de classe média. Entretanto, uma porcentagem mais elevada de estudantes asiático-

americanos do que entre os brancos consegue notas acima de 700 no SAT de matemática. A despeito da ênfase nas rendas mais baixas das famílias dos estudantes negros como justificativa para suas notas mais baixas, os estudantes asiático-americanos provindos de famílias de pouca renda tiram notas mais altas no SAT de matemática que os negros de famílias abastadas.[432] Pleitos de testes culturalmente polarizados são também feitos para dar suporte à teoria de que esses testes subestimam o desempenho futuro dos estudantes negros. Se bem que tais pleitos tenham sido repetidamente refutados para os estudantes negros, eles acabaram se revelando verdadeiros para os estudantes asiático-americanos, que suplantam os brancos de mesmo QI em instituições acadêmicas e, mais tarde, nas carreiras.[433] Mas aqueles que apoiam a alegação não comprovada de que os negros se sairão melhor do que indicam suas notas e que, por conseguinte, devem ser admitidos em faculdades e universidades mediante notas menores que os brancos, jamais utilizaram o fato empiricamente verificado de que os asiáticoamericanos têm desempenho melhor que os brancos com as mesmas notas e que poderiam argumentar por cotas maiores para eles. Por fim, tem sido frequentemente utilizada a argumentação de que as objeções à ação afirmativa são devidas a “homens brancos enraivecidos” que se ressentem do fato de os negros ocuparem as vagas que iriam normalmente para eles. Na verdade, os asiáticosamericanos tiram mais vagas que os negros em algumas

das faculdades e universidades renomadas – e, em particular, nas escolas de Engenharia. Eles já ultrapassaram os negros em sete das oito instituições da Ivy League e em todos os nove campi da Universidade da Califórnia, assim como em Stanford, na Universidade de Chicago e na Cal Tech, entre outros lugares. Ainda assim, não há tanta reação contra os asiático-americanos que ingressam no ensino superior sem o benefício de grupos de preferência e cotas. Isso sugere que o ressentimento não é em relação aos lugares, mas ao processo. Mais uma vez, entretanto, não se trata de um conjunto de provas contra outro, mas de um conjunto de crenças que se tornaram prevalentes sem que provas fossem pedidas ou dadas.

RESUMO E IMPLICAÇÕES

Nos Estados Unidos, como em outros países, a argumentação para a ação afirmativa tem pouco a ver com sua operação real ou com suas consequências. Supostamente uma maneira de compensar o dano causado por discriminação passada, as preferências e cotas estabelecidas pelas políticas de ação afirmativa não requerem que o indivíduo beneficiário nem o grupo de onde tal indivíduo provém demonstrem qualquer prejuízo específico resultante de discriminação anterior. Desta forma, imigrantes recentes da Ásia e da América Latina têm direito aos benefícios da ação afirmativa embora, obviamente, não tenha havido discriminação passada contra os indivíduos ou seus antepassados nesse país,

simplesmente porque eles não viviam aqui. Além do mais, mesmo entre os negros, os benefícios da ação afirmativa para os milionários são mais demonstráveis que os para os negros realmente pobres. As justificativas produzem apoio político, mas as políticas produzem resultados bastante afastados delas. Os custos da ação afirmativa pouquíssimas vezes são tão minuciosamente analisados quanto os dos benefícios reais ou supostos. Entre os custos, estão os rebaixamentos de padrões de desempenho para a obtenção de resultados numéricos. Ademais, esses padrões são algumas vezes tornados mais baixos para todos, a fim de que sejam evitados embaraços políticos ou ações judiciais em virtude de patentes padrões duplos para grupos favorecidos. Os sistemas de notas podem mudar para aprovado/reprovado ou pode ocorrer uma inflação das notas em todos os níveis. Os pré-requisitos de forma física podem ser reduzidos para permitir a contratação de mais mulheres, mas se eles forem rebaixados para todos, isso pode levar à contratação tanto de homens como de mulheres com força inadequada para ocupações de vida ou morte como bombeiros, soldados e policiais. Na realidade, é possível que venham a existir mais homens de baixo desempenho que mulheres nessas condições em alguns campos depois que os critérios se tornarem mais elásticos para conceder o direito de candidatura de mais mulheres. Além das hostilidades entre grupos, criadas ou exacerbadas pelas preferências ou cotas em outros países, a ação afirmativa nos Estados Unidos transformou os negros

que, em grande parte, ascenderam dos níveis de pobreza por conta própria, em pessoas que devem seu progresso à ação afirmativa e a outros programas do governo. Mais que isso, tal percepção não está confinada aos brancos. Ela foi cuidadosamente cultivada por políticos negros e líderes dos direitos civis que buscam capitalizar os créditos pelo progresso bem como solidificar eleitorados condicionados à dependência de tais políticos, bem como do governo. Neste contexto, tem havido uma moratória virtual no reconhecimento das conquistas dos negros, a menos que sejam coletivas, marcos políticos ou sirvam aos interesses ideológicos ou políticos correntes. Assim, a despeito de muitos escritos e dedos acusadores contra o abismo dos desempenhos educacionais dos estudantes negros dos guetos, tem havido, na melhor das hipóteses, indiferença entre as organizações e movimentos negros em documentar exemplos de escolas para negros que têm sido academicamente bem-sucedidas.[434] Tampouco tem havido muito interesse no fato de que algumas escolas bastante comuns do Harlem terem se saído tão bem em testes aplicados em toda a cidade, nos anos 1940, quanto as escolas das classes de trabalhadores predominantemente brancos do lado Leste menos desenvolvido de Manhattan – muito menos no fato de que uma escola de negros em Washington suplantou a maioria das escolas secundárias de brancos do Distrito de Columbia nos idos de 1899.[435] Enquanto a ascensão de muitos indivíduos proeminentes do lado Leste menos desenvolvido de Manhattan foi justamente exaltada, houve pequeno ou nenhum interesse

nos negros que fizeram a mesma coisa, porque isso representaria uma digressão na política de queixas e demandas. A desonestidade transparente com a qual foram instituídas e mantidas as preferências e cotas – uma desonestidade que penetrou no tribunal mais elevado do país, como o caso Weber, entre outros, demonstra – tem produzido cinismo e amargura. Como insulto adicionado à injúria, ares de superioridade moral da parte dos que perpetraram o engodo concorrem para o irritante sentimento de prejuízo experimentado pelos integrantes dos grupos não preferenciais. O fato de tudo isso ter feito relativamente pouco em benefício das pessoas genuinamente pobres dos guetos e bairros em todos os Estados Unidos é parte da dolorosa ironia da situação. Muitos defensores da ação afirmativa ignoram ou descartam fatos incômodos em favor de suposições mais palatáveis. Desta forma, as taxas mais altas de reprovações dos negros em Exames de Ordens de Advogados e em Exames de Conselhos de Licenciamento Médico são tomadas como provas de que existe algo de errado com os exames. Poucos sócios negros nas grandes bancas de advocacia significa que há algo de errado com essas empresas de advocacia[436] – e por aí vai. A própria possibilidade de que as políticas preferenciais possam estar colocando algumas pessoas em situações em que são reduzidas as suas chances de sucesso é afastada arbitrariamente do domínio das possibilidades. A ação

afirmativa continua sendo julgada por seus propósitos, não por seus resultados.

Capítulo 7

| O Passado e o Futuro

                Se o estudo da história é uma das maneiras de evitar repeti-la, existe muito da história das políticas de ação afirmativa ao redor do mundo que jamais deve ser repetido. Em muitos países, tais políticas se transformaram em formas de produzir benefícios relativamente pequenos para uns poucos e problemas enormes para a sociedade como um todo. Tanto os advogados quanto os críticos de tais políticas tenderam a superestimar os benefícios que foram transferidos. Ademais, a distribuição das benesses dos grupos preferenciais e cotas com frequência demonstra as mesmas disparidades que as desigualdades sociais mais amplas que elas, supostamente, deveriam remediar. Permitir que milionários negros nos Estados Unidos tenham acesso privilegiado à compra de licenças para a exploração de estações de rádio não reduz as desigualdades entre americanos nem beneficia as pessoas

que vivem em guetos. A ação afirmativa faz tão pouco pelos pobres da América como faz para os de todas as partes do mundo. A taxa de pobreza entre os negros havia sido reduzida pela metade antes da existência da ação afirmativa e, depois disso, pouca coisa mudou. Sejam quais forem as peculiaridades de países específicos, os padrões gerais que emergiram num país atrás do outro sugerem fortemente que incentivos e condicionantes semelhantes tendem a produzir consequências similares entre os seres humanos em circunstâncias altamente disparatadas. O fato de muitas dessas consequências não terem sido antecipadas pelos que promoveram os grupos de preferências e as cotas cria um contraste doloroso com a confiança e as assertivas avassaladoras com as quais essas políticas normalmente começaram. Aqueles que imaginaram estar dirigindo o curso dos eventos descobriram que tinham simplesmente aberto as comportas e que os acontecimentos estavam tomando um rumo completamente diferente daquele que fora visualizado. A extensão das preferências de grupos a novos grupos e de atividades a novas atividades é apenas um sintoma de que as comportas estão sendo abertas. Todo o arrazoado por trás das preferências e cotas espraiou-se também. A França aprovou uma lei estipulando que todos os partidos políticos tivessem igual número de candidatos masculinos e femininos.[437] No Paquistão, vagas foram reservadas nas instituições educacionais para os filhos dos “desportistas”, dos oficiais militares, dos empregados do governo,

advogados, doutores e empregados na universidade.[438] A Sociedade Americana de Editores de Jornais mantém estatísticas sobre as porcentagens de jornalistas de minorias – que vão até a segunda casa decimal –, lamentando um declínio dos “jornalistas de cor”, que caiu de 11,86 para 11,64% em um ano, e expressando satisfação quando a taxa cresceu de novo para 12,07% um ano mais tarde.[439] Muitas vezes, suposições abarcantes sobre o passado e afirmativas indiscriminadas sobre o futuro têm servido como substitutas da difícil tarefa de analisar fatos desagradáveis. Tais fatos incluem a história amarga de aumento da violência intergrupo onde a ação afirmativa existe há mais tempo, na Índia, e a guerra civil aberta, no Sri Lanka. Tem havido também uma dimensão moral nessas ilusões – a saber, a hipótese de que hoje podemos ressarcir os indivíduos pelo que foi feito a grupos no passado, que podemos consertar, atualmente, males feitos a pessoas que estão mortas há muito tempo. Por maçante que possa ser o reconhecimento, todo malefício perpetrado em gerações passadas, e há séculos, permanecerá sendo mal indelével e irrevogável, a despeito de qualquer coisa que possamos fazer agora. Atos de expiação simbólica entre os vivos meramente criam novos males. A ilusão da compensação de desvantagens com muita frequência ignora a realidade de que os indivíduos que provavelmente recebem o ressarcimento quase sempre são os que estão em situação menos desvantajosa, mesmo quando os grupos a que pertencem experimentam

infortúnios. No Paquistão, por exemplo, as cotas em favor das pessoas dos distritos menos desenvolvidos acabaram privilegiando “os candidatos relativamente bem de vida tanto das regiões atrasadas como das desenvolvidas”.[440] De modo inverso, aqueles indivíduos que terminam prejudicados por causa da expiação simbólica possivelmente são os que desfrutam de posição menos vantajosa entre o segmento da população não preferida, mesmo que esse segmento como um todo seja mais afortunado que o grupo que recebe as preferências. Os brancos preteridos na admissão às faculdades de elite onde os negros ingressam com menos qualificação dificilmente são Rockefellers ou Vanderbilts; é mais provável que sejam Bakkes ou Grutters. A mesma situação pode ser encontrada em outros países. Quando a ação afirmativa foi instituída em Bombaim para aumentar o número de maharashtrianeses entre os executivos de negócios da região, as maiores perdas nessas posições executivas não ocorreram entre os dominantes gujaratis, mas entre os menos representados indianos do Sul.[441] Na Malásia, a determinação de que os negócios assumissem sócios malaios foi mais facilmente contornada pelas empresas chinesas e estrangeiras mais fortes: Tanto as empresas chinesas quanto as estrangeiras começaram ativamente a solicitar laços com os malaios politicamente influentes querendo alugar seus nomes a bom preço, sem que eles assumissem funções executivas depois que se tornassem proprietários e diretores das companhias… As pequenas empresas, predominantemente manufatureiras, que não tinham a prerrogativa de tais caminhos para

driblar o Estado, foram as mais afetadas pelos novos condicionantes governamentais.[442]

VOCABULÁRIO DA AÇÃO AFIRMATIVA

A dificuldade de enfrentar as consequências reais das políticas de ação afirmativa se deve não apenas a uma falta de familiaridade com a história de tais políticas, ou com a escassez de estatísticas em determinado país, mas pode ser também creditada às palavras e aos conceitos que obscurecem e confundem. A preferência por uma política em relação a outra não pode nem ser seriamente discutida quando as palavras assumem disfarces camaleônicos e mudam de significado durante o curso dos debates. Expressões como “um campo de ação nivelado” [a level playing field] podem ter significados diametralmente opostos quando não se faz distinção entre diferenças de desempenhos e favoritismo. Quer sejamos a favor ou contra a ação afirmativa, suas consequências têm sido muito sérias para ser ignoradas ou escondidas por trás de uma neblina de palavras com significados vagos e cambiantes.

DISTINÇÕES OBSCURECIDAS

No contexto da ação afirmativa, obscurecer a distinção entre diferenças de desempenho e favoritismo serve ao objetivo político de oferecer uma justificativa para a intervenção governamental com preferências e cotas para determinados grupos, como forma de compensar supostos favoritismos ou “vantagens” desfrutados por outros grupos.

Contudo, caso queiramos seriedade na confrontação das realidades, nosso vocabulário não pode confundir diferenças de desempenho com favores ou vantagens. A expressão “um campo de ação nivelado” pode significar tanto (1) que a existência do mesmo desempenho representa o recebimento da mesma avaliação ou recompensa, independentemente do grupo do qual o indivíduo provém, quanto (2) resultados iguais ou probabilidades estatísticas de sucesso iguais para grupos diferentes. É uma questão de preferência semântica a opção por uma dessas definições, mas de simples clareza e honestidade não escolher as duas, nem ficar vagueando para lá e para cá, no curso da discussão, entre esses conceitos muito diferentes. Quando fica evidente que a pessoa com quem se debate adota o primeiro significado e, ainda assim, usa a expressão com o segundo, a fraude é notória. Entre os defensores da ação afirmativa, “um campo de ação nivelado” tem sido frequentemente usado para descrever não regras imparciais aplicáveis a todos, mas uma torcedura deliberada das regras para a produção de uma equalização preconcebida de resultados. Tais definições cambiantes servem para que se evite fatos que desafiam o dogma central que está por trás de muitas discussões sobre discriminação e sobre ação afirmativa – isto é, que as diferenças estatísticas entre grupos se devem ao modo com que outros tratam esses grupos, e não às diferenças de desempenho dos próprios grupos. Porém, há diferenças nas atuações entre os grupos existentes em todo o mundo.

As pessoas das classes socioeconômicas mais elevadas tendem a tirar maiores notas nos testes intelectuais, seja na China, nas Filipinas ou nos Estados Unidos.[443] As pessoas de algumas regiões geográficas normalmente se saem melhor que as de outras: os indonésios da ilha de Java têm tirado notas mais altas que os das ilhas mais exteriores; os filipinos de Manila, em relação aos de outras partes do país; os paquistaneses do Punjab, comparados aos de outras regiões do Paquistão; e os tâmils da Península Jaffna consistentemente suplantam as notas dos cingaleses que predominam no resto do país.[444] Nos Estados Unidos, as diferenças regionais nas notas em testes de inteligência aplicados nos soldados americanos durante a Primeira Guerra Mundial por vezes pesaram mais que as diferenças raciais, uma vez que brancos de alguns estados sulistas tiraram notas inferiores às dos negros de alguns estados nortistas.[445] Na realidade, as diferenças em notas de testes entre gerações distintas de um mesmo grupo têm sido, em vários países, maiores que as entre negros e brancos americanos.[446] Nos países onde os estudantes das minorias têm sobrepujado dramaticamente os estudantes das populações majoritárias que controlam as instituições educacionais, como no Sri Lanka e na Malásia, não se trata, evidentemente, de questão de discriminação ou polarização. Tampouco podem ser as rendas acima da média dos nipo-americanos atribuídas a qualquer capacidade que eles têm para discriminar ou conseguir de outra forma vantagens sobre os americanos brancos.

Desempenhos econômicos superiores da parte de minorias têm sido comuns ao redor do mundo – não apenas nos países aqui estudados. Alemães na Rússia, armênios na Turquia, libaneses na África Ocidental, italianos no Brasil, indianos em Fiji e judeus por toda a Europa Oriental são algumas das minorias que se saíram extraordinariamente bem em termos econômicos, sem possibilidade alguma de fazer discriminação contra as populações majoritárias dos respectivos países. Em suma, a desconsideração automática da evidência de que um grupo tem melhor ou pior desempenho que outro, apelando-se para “polarização nos testes”, “racismo coberto”, ou qualquer outra explicação conveniente, pode parecer plausível dentro das fronteiras de um país, porém não contra o pano de fundo de grandes e numerosas diferenças de desempenho em países de todo o mundo. É comum dizer que grupos foram “excluídos” de várias instituições ou atividades porque não satisfazem os requisitos de tais instituições ou atividades com tanta frequência quanto os membros de algum outro grupo, ou porque nelas não se saem tão bem. Mas quando se faz referência aos malaios como grupo “espoliado” na Malásia[447] e aos não malaios como tendo “privilégios”,[448] parece que, por certo, ninguém realmente pensa que existam ou direitos civis de natureza inferior para os malaios ou atividades econômicas em que alguém possa bloquear o acesso dos malaios dentro da Malásia. Porém, é difícil saber se tais declarações representam apenas modos corriqueiros de expressão verbal ou uma crença séria sobre

o mundo real, especialmente quando um colaborador inglês do jornal The Guardian descreve a situação na Malásia anterior à Nova Política Econômica da seguinte forma: Os malaios estão realmente à margem de sua própria sociedade, dificilmente encontrando lugar na vida econômica, pequeno papel na mídia e não muito mais na vida intelectual e acadêmica. Portanto, a ação que normalmente seria inadmissível, intervenções nas esferas econômica, cultural e educacional, para dar aos malaios a chance de recuperar terreno, teve que ser permitida. Empresas e governos forasteiros que bloqueavam o acesso dos malaios podem ser similarmente tratados.[449]

Quando se diz que outros “bloquearam” o progresso dos malaios na Malásia, a implicação clara parece ser que o resultado se deve à ação de outros, e não ao que os malaios deixaram de fazer. Dito de outra forma, implica que não foi da falta de quaisquer capacitações, experiência ou outras habilitações da parte dos malaios a responsabilidade por eles não terem alcançado as mesmas conquistas que os outros na Malásia. Mas, se tais declarações sobre o mundo real foram levadas à sério, é sinal que não houve tentativas para especificar em que consistiu aquele bloqueio. É inquestionável que existem razões para que um grupo se destaque em relação a outros em determinados campos. Nem são tais razões necessariamente inatas ou devidas por mérito pessoal. Os tâmils no Sri Lanka, por exemplo, foram educados nos tempos coloniais em escolas missionárias americanas que enfatizavam mais a matemática e a ciência que as escolas missionárias inglesas onde estudaram os cingaleses. Os chineses que emigraram para a Malásia saíram de circunstâncias no Sul da China

onde por muito tempo tiveram necessidade do trabalho duro e da frugalidade para sobreviver, enquanto a cultura malaia se desenvolveu em circunstâncias mais amenas que lhes permitiram um modo de vida mais despreocupado. Muita da mesma distinção poderia ser feita entre os indianos que se estabeleceram em Fiji e os fijianos nativos. Muitas influências podem estar por trás de outras diferenças entre outros grupos de países distintos. Mas isso não torna tais diferenças menos reais ou automaticamente as transforma em simples resultado de discriminação por parte de outros. As palavras podem confundir as excentricidades do destino com os pecados do homem. Filosoficamente, podemos achar injusto, em algum sentido cósmico, que um grupo esteja mais bem preparado para determinada competição com outros grupos, mesmo que tal vantagem venha apenas de uma adversidade prévia. Embora uma consideração dessas possa ser debatida abstratamente em seminários, a questão empírica em assuntos de política pública é se um grupo suplanta outro ou meramente é mais recompensado pelo mesmo (ou menor) desempenho. No mínimo, essas são questões diferentes, mesmo que as discrepâncias sejam nubladas ou confundidas por palavras e expressões sobre os maiores “acesso”, “vantagens”, “oportunidades” e coisas do gênero de um grupo. Uma queixa comum em países de todo o mundo é que alguns grupos têm menor “acesso” ao crédito, o que não lhes permite, por exemplo, abrir negócios ou comprar casas. Contudo, programas de governo e organizações privadas de

empréstimos têm experimentado perdas devastadoras quando emprestam a grupos de pouco ou negado “acesso” o crédito numa economia de mercado. Na Malásia, para exemplificar, “dos 55 mil empréstimos concedidos aos negócios malaios, apenas 6 mil foram saldados”.[450] Nos Estados Unidos, quando o Bank of America criou um programa subsidiário especial para emprestar às pessoas do “mercado subprime” – o das pessoas de mais baixa categoria para o crédito –, ele perdeu centenas de milhões de dólares e anunciou que suas agências “cessarão imediatamente a concessão de empréstimos subprime”.[451] Quando as pessoas com histórico comprovado de inadimplência em seus empréstimos não são mais autorizadas a contrair empréstimos com a frequência de outras, ou então não recebem as taxas mais baixas concedidas às boas pagadoras, isso é negação da igualdade de “oportunidade” ou um reflexo das perspectivas desiguais de inadimplência? Quando estudantes ou trabalhadores não se saem tão bem quanto outros ou não progridem tanto quanto seus correspondentes, isso significa uma falta de “acesso” prévio ou uma falta posterior de conquistas? Essas não são perguntas semânticas e sim perguntas sobre o mundo real. Nublar as realidades de tais situações com palavras tendenciosas não facilita a determinação seja das causas, seja dos remédios. A doutrina vastamente aceita de que o favoritismo prévio determina o futuro, da mesma forma, não resiste a um exame pormenorizado. O claro favoritismo do governo colonial inglês ao prover educação gratuita aos malaios não

evitou que os chineses sobrepujassem os nativos em termos educacionais, quer durante a era colonial, quer nas primeiras décadas após a independência. Somente as preferências e cotas da ação afirmativa permitiram que os malaios aumentassem suas parcelas de representação nas universidades. Mesmo assim, até esse aumento quantitativo não levou a desempenho qualitativo suficiente para satisfazer ao governo malaio, o qual começou a tomar providências para permitir que outros grupos ingressassem nos programas universitários necessários para suprir as capacitações científicas e técnicas que os malaios ainda não conseguiam proporcionar.

ESCONDENDO SUCESSOS ASIÁTICOS

Não apenas fatos particulares, mas também grupos inteiros de pessoas, têm sido escondidos atrás de uma neblina de palavras. Por exemplo, no estudo Bowen-Bok sobre a ação afirmativa na educação superior dos Estados Unidos, os estudantes negros, admitidos nas faculdades e universidades americanas segundo padrões mais baixos, foram ocultados dentro de um grupo maior de estudantes negros que incluía os que haviam satisfeito os requisitos exigidos para os estudantes brancos. Apesar de o estudo Bowen-Bok ter sido amplamente aceito como prova de que a ação afirmativa “funciona”, não se permitiu que aqueles para os quais ela supostamente funciona aparecessem separadamente em qualquer lugar da volumosa estatística apresentada naquele estudo. O desempenho dos estudantes

negros que ingressaram nas instituições de ensino superior mediante os mesmos critérios que os brancos não prova coisa alguma sobre a ação afirmativa. Muitas outras comparações estatísticas entre brancos e negros feitas pelos que defendem as políticas de preferências e cotas com frequência omitem outros grupos étnicos, cujos dados estão prontamente disponíveis e cujas experiências poderiam servir como verificação das teorias sobre as causas das diferenças entre negros e brancos. Se a premissa central da ação afirmativa é que os grupos não podem, por esforço próprio, ascender para a paridade dentro da sociedade americana quando possuem uma história de pobreza e de baixo status ocupacional, e são indelevelmente diferentes na cor da pele, então a história dos sino-americanos e dos nipo-americanos pode ser relevante para testar empiricamente essa crença, uma vez que os dois grupos fizeram, de fato, aquilo que era considerado impossível. No começo do século XX, os imigrantes japoneses trabalhavam na agricultura e eram empregados domésticos em escala maior que a dos negros.[452] Só depois da Segunda Guerra Mundial, a geração mais nova de nipoamericanos passou a desempenhar ocupações bem diferentes e subiram os degraus da escada socioeconômica. Em 1979, os homens nipo-americanos já auferiam rendas mais elevadas que os homens brancos.[453] As discrepâncias socioeconômicas correntes entre negros e brancos, que são rotineiramente creditadas à discriminação racial ou à polarização cultural, podem

parecer bem diferentes se forem analisados dados que mostram que os asiático-americanos têm, na maioria das vezes, as mesmas “vantagens” sobre os brancos que os brancos têm sobre os negros. Por exemplo, as solicitações dos brancos para compras parceladas de residências são aprovadas em quantidades maiores que a dos negros, mas as dos asiático-americanos recebem bem mais aprovações que as dos brancos.[454] Os negros tendem a perder mais os empregos que os brancos em épocas de crises econômicas, mas os brancos, nas mesmas circunstâncias, perdem mais empregos que os asiático-americanos.[455] O fato de os brancos tirarem maiores notas que os negros no SAT de matemática tem sido tomado como evidência da polarização cultural do teste, mas o fato de os asiáticoamericanos saírem-se melhor que os brancos no mesmo teste[456] não tem merecido o menor comentário. As maiores taxas de mortalidade infantil entre as mulheres negras têm sido apontadas como culpa da sociedade que não provê igual acesso ao tratamento pré-natal, mas o fato de as mulheres sino-americanas apresentarem menor taxa de mortalidade infantil em comparação até com as brancas americanas – a despeito de não contarem com o tratamento pré-natal de mesma frequência[457] – também tem passado em silêncio. Os asiático-americanos são um manifesto embaraço para os que usam os argumentos costumeiros em defesa da ação afirmativa. Portanto, esse grupo étnico ou é ignorado ou mergulhado em estatísticas de maiores agregados. Esses maiores agregados incluem os “não brancos”, em que os

asiático-americanos são engolidos pelo número bem maior de negros americanos. Mais recentemente, os sinoamericanos e os nipo-americanos foram colocados junto aos samoanos, aos havaianos, aos vietnamitas e a outros sob a mesma categoria abrangente dos “Insulares Asiáticos e do Pacífico”, cuja heterogeneidade é sinalizada pelo fato de os nipo-americanos terem aproximadamente o dobro da renda dos samoanos – assim como receitas mais altas que as dos brancos americanos.[458] Esse enterro dos fatos inconvenientes em agregados estatísticos heterogêneos não é peculiar aos Estados Unidos. No Canadá, a categoria abrangente popular é a das “minorias visíveis”, que submerge a minoria japonesa altamente bem-sucedida junto com outras de não tanto sucesso. Na Inglaterra, as pessoas de ascendência chinesa são mergulhadas na categoria abrangente “negro”, juntamente com indianos, paquistaneses e outros. Essas são apenas algumas maneiras pelas quais as palavras são usadas para obliterar a evidência que poderia ser perigosa para o esclarecimento da razão social que está por trás da ação afirmativa, perigosa sob o ponto de vista dos que a defendem. Um estudo da Nova Zelândia diz: “Ressentimento amargo quanto ao sucesso dos imigrantes asiáticos está expresso” num documento de governo expedido pelo Ministério para o Desenvolvimento dos Maoris.[459] Em todos esses países, os fatos sobre o sucesso asiático são ameaças mortais para a visão social usada para explicar o fracasso dos outros e para demandar tratamento

preferencial como compensação para as hipotéticas falhas da sociedade. Um relatório oficial, intitulado Ethno-Racial Inequality in the City of Toronto, declara: “Combinando todos os grupos não europeus, a taxa de pobreza familiar é de 34,3%, mais que o dobro das taxas para europeus e canadenses”.[460] Em outras palavras, isso é apresentado como uma diferença racial juntando-se “todos os grupos não europeus”. No entanto, um detalhamento dos índices de pobreza familiar dos muitos grupos europeus e não europeus mostra que os canadenses de ascendência nipônica em Toronto têm taxas menores de pobreza que os canadenses de ascendência inglesa, francesa, alemã, polonesa e húngara naquela cidade.[461] Numa retórica clássica, que contorna as conquistas, diz o relatório: “Os japoneses estão entre os grupos mais privilegiados na cidade”.[462] Quem quer que conheça a história da severa discriminação racial contra os japoneses no Canadá – inclusive internamento mais longo durante a Segunda Guerra Mundial que o dos nipoamericanos[463] – certamente encarará o vocábulo “privilegiado” como novilíngua orwelliana. É quase a mesma história quando se trata das rendas médias das famílias em Toronto. Tais rendas médias familiares das pessoas de ascendência britânica que vivem em Toronto estão acima da média das rendas familiares da cidade como um todo, mas as dos nipo-canadenses na mesma cidade são mais elevadas que as dos ingleses.[464] Nas muitas outras discrepâncias entre os vários grupos de Toronto estão as diferenças nas porcentagens de famílias

que contemplam casais de pais e não uma só pessoa com tal atribuição – 41% entre os negros e 91% entre os japoneses[465] – e quão recentemente eles chegaram ao Canadá, bem como suas idades médias, seu conhecimento do inglês e outros fatores. Claramente, aqueles que combinam “minorias visíveis” no Canadá estão em condições de enterrar diferenças sociais que são extremamente relevantes e evidência empírica que é altamente inconveniente para os que tentam explicar diferenças no sucesso dos grupos pela discriminação racial. Nada tem sido mais comum, em países ao redor do mundo e ao longo dos séculos de história registrada, do que as grandes disparidades no sucesso ou no fracasso de grupos distintos – tenham esses grupos a mesma cor ou cores diferentes. A tentativa atual de atribuir o mesmo fenômeno em determinados países às barreiras contra os não brancos tem que não só ignorar toda essa história, como também enterrar os fatos estatísticos sobre as minorias asiáticas.

RELAÇÕES INTERGRUPOS

Entre os arrazoados mais notáveis para os grupos preferenciais e cotas está o pleito de que isso promove uma sociedade mais coesiva – sendo “unidade nacional” uma expressão popular na Índia, na Malásia e na Nigéria, por exemplo[466] –, malgrado uma história de crescentes ressentimentos, polarizações, violência e até guerra civil entre grupos, no rastro de tais políticas em numerosos

países. Tampouco Índia, Malásia e Nigéria são os únicos países em que a ação afirmativa é promovida como meio para melhorar as relações intergrupos. O registro autêntico das políticas de identidade grupal está em contraste gritante com os benefícios míticos da “diversidade”, asseverados à exaustão, mas raramente testados de modo empírico e jamais provados. Na Índia, por exemplo, o número de pessoas mortas na violência intergrupos durante a década de 1980 foi quatro vezes maior que na década de 1970.[467] Na Nigéria, a expressão “unidade nacional” apareceu repetidamente nos pronunciamentos oficiais justificando grupos preferenciais, mesmo enquanto membros de diferentes tribos se massacravam mutuamente antes, durante e depois da guerra civil no país. A despeito da incessante repetição da palavra “diversidade” e de dogmas abrangentes sobre seus benefícios sociais, os países que sofreram com as rixas intergrupos, as quais têm com tanta frequência acompanhado a politização das diferenças entre os grupos, passaram a ter grandes problemas na tentativa de criar enclaves de homogeneidade como meio de reduzir as contendas internas. A Índia e a Nigéria dividiram estados ou províncias existentes em unidades políticas menores, nas quais alguns grupos minoritários anteriores possam constituir maioria. Em suma, os que padeceram as mais severas consequências das políticas de identidade de grupos mudaram para a redução local da “diversidade” como modo de tornar menos perigosas a polarização e a violência.

Uma suposição correlacionada, mas igualmente não provada, é que as disparidades em rendas e riqueza concorrem para as rixas intergrupos. Como corolário, as reduções em tais disparidades supostamente reduziriam os ressentimentos, a hostilidade e a violência que resultam de tais ressentimentos. Raramente – se é que alguma vez o foi – essa difundida suposição foi sujeitada ao escrutínio empírico. Entre os países aqui estudados, todas as evidências apontam para a direção contrária. Na Malásia, na Nigéria e no Sri Lanka, houve bem menos violência entre grupos na primeira metade do século XX, quando as discrepâncias entre eles eram maiores, e bem mais quando tais disparidades foram politizadas e as políticas de identidade de grupos, promovidas. Também nos Estados Unidos, os grandes levantes nos guetos ocorreram durante os governos que fizeram publicidade e dramatizaram com simpatia as queixas dos negros – em especial no governo do presidente Lyndon Johnson. Além do mais, tais levantes declinaram de forma abrupta com a eleição de Richard Nixon para presidente, e sublevações importantes nos guetos foram praticamente desconhecidas durante os oito anos do governo Reagan, quando as políticas de identidade de grupos foram ignoradas ou encaradas com franzir de sobrolhos. Nesse particular, mais uma vez, o mesmo padrão foi encontrado em outros países, onde não foram as disparidades, mas a polarização delas e a promoção de políticas de identidade de grupos, que se tornaram precursoras das hostilidades e violência intergrupos.

Outros países não apreciados neste livro demonstram padrões similares. Os alemães do Volga na Rússia coexistiram pacificamente por mais de um século com seus vizinhos russos, a despeito das maiores produtividade e prosperidade dos germânicos. Mas tal minoria próspera começou a ser acusada de “exploradora” depois da revolução bolchevista e passou a ser alvo de espoliação e violência. Indianos, paquistaneses e libaneses, da mesma forma, viveram pacificamente por anos entre os africanos cujos níveis econômicos não se comparavam aos das minorias – até que demagogos políticos fizeram dos asiáticos e mediterrâneos objetos de inveja, aversão, discriminação e violência. Foi quase a mesma história com os indianos em Fiji, com os judeus na Alemanha, com os armênios na Turquia e com outros grupos em diferentes regiões. Um estudo sobre as preferências e cotas no Paquistão concluiu: “Paradoxalmente, as políticas de redistribuição no Paquistão foram eficientes para o aumento da proporcionalidade etnorregional, mas fizeram pouco para restringir, e em alguns casos serviram para aumentar, o nível do conflito etnorregional no estado”.[468] Tal conflito escalou para a situação de guerra civil quando o Paquistão Oriental se separou, a fim de se transformar na nova nação de Bangladesh. Aqueles que se imaginam promovendo a harmonia intergrupos, com a tentativa de reduzir disparidades econômicas entre os grupos, raramente levam em conta se sua politização das diferenças pode ter efeito oposto. O que

acontece na realidade parece ter muito menos peso do que aquilo que as teorias imperantes dizem que ocorrerá. E isso não é apanágio dos políticos. Não foi um desses políticos cínicos na Índia, mas um sério acadêmico americano, que pesquisou os programas de ação afirmativa naquele país, quem disse: A política de discriminação compensatória não deve ser julgada apenas por suas qualidades instrumentais. Ela também é expressiva: por meio dela os indianos dizem a eles mesmos que espécie de povo são, e que espécie de nação. Tais políticas evidenciam um sentido de ligação e de destino compartilhado.[469]

Isso foi dito sobre uma política que tem, continuadamente, provocado levantes nos quais dezenas de pessoas – ou mesmo centenas – têm sido mortas. O “fraternal impulso que anima as políticas compensatórias”[470] recebeu muito crédito deste acadêmico, apesar do velho alerta que diz que o inferno está repleto de bem-intencionados. O movimento mais intolerante e violento da Índia – o Shiv Sena – começou como uma organização que buscava preferências e cotas para os maharashtrianeses em Bombaim. A concessão de tais cotas só fez fortalecer a posição e aumentar o poder do Shiv Sena. Ademais, seu sucesso na exploração da identidade de grupos levou-o a “defender” seu eleitorado nas ruas, tanto política como violentamente, contra a lista sempre crescente de “inimigos” – tâmils, muçulmanos, cristãos, forasteiros, entre outros. Da mesma forma que preferências e cotas tendem a se estender com o tempo para novos grupos e novas atividades, também o sucesso

nas políticas de identidade de grupos tende a expandir a lista de queixas e de “inimigos” necessários para que o movimento seja mantido viável, e seus líderes, poderosos. A progressão do movimento Shiv Sena, na Índia, para círculos concêntricos cada vez maiores e para mais expansivas noções de queixas é instrutiva. De início, os inimigos eram primordialmente as pessoas do Sul da Índia que viviam em Bombaim, onde eram economicamente mais prósperos que os nativos maharashtrianeses. Todavia, uma série de concessões nesse particular apenas aguçou o apetite do movimento por mais concessões em outros aspectos e por queixas sempre crescentes para manter seus seguidores incitados e preparados para o combate. Os muçulmanos, então, serviram de alvo para uma campanha cujos ápices foram os levantes e atrocidades letais em 1992 e 1993. De acordo com The Times of India, houve turbas “parando os veículos e queimando vivos seus passageiros” e “homens recém-esfaqueados chegando aos hospitais”, bem como “vizinhos que causaram mortes terríveis a amigos de muito tempo” e mulheres enlouquecidas por verem “crianças jogadas em fogueiras, maridos esquartejados, filhas seviciadas, filhos arrastados para longe”, enquanto mais de 100 mil pessoas fugiam de Bombaim.[471] Os diferentes grupos na Índia não contaram com a separação geográfica que facilita a guerra civil, como no Sri Lanka e na Nigéria, mas seguramente o ódio e a violência foram bastante semelhantes. A lista que não parou de se expandir de inimigos ou alvos passou a incluir forasteiros em geral e indianos que

seguiam costumes de fora, tais como a celebração do Dia dos Namorados; as lojas que vendiam cartões alusivos à data tiveram as vitrines espatifadas por vândalos. O Shiv Sena alertou que não toleraria a propriedade estrangeira da Air India e que não permitiria a realização de um jogo de críquete entre as equipes da Índia e do Paquistão em Bombaim. Além disso, o sucesso do Shiv Sena inspirou outros movimentos xenófobos em diversas regiões da Índia. Tentativas de apaziguamento ou neutralização desses movimentos redundaram em grandes fracassos e podem muito bem ter contribuído para seu continuado crescimento e para a escalada de sua virulência. O que um movimento precisa para a própria sobrevivência não é um conjunto de concessões recebidas no passado, embora elas possam ser celebradas, mas um catálogo de demandas ainda relevantes, de queixas ainda não mitigadas e de “inimigos” ainda por tratar. Isso é verdade tanto para os movimentos americanos de protestos como para os de identidade de grupos na Índia. A situação nos Estados Unidos não atingiu o mesmo estágio de violenta hostilidade, porém a existência da ação afirmativa na sociedade americana não tem tanto tempo quanto na Índia. Entretanto, um padrão bastante semelhante de políticas e queixas cada vez mais extremadas de identidade de grupos podem ser vistas nos Estados Unidos, caminhando na mesma direção geral de crescentes “inimigos”, de cada vez mais expansivas demandas e de polarização constantemente aumentada.

As primeiras reivindicações dos movimentos de direitos civis dos negros foram por igualdade de oportunidades no sentido claro e direto de serem tratados como qualquer outra pessoa. Só depois que tal objetivo ficou visivelmente ao alcance, surgiram novos pleitos por tratamento preferencial. Então, décadas depois de os movimentos negros de protesto terem demandado e recebido o tratamento preferencial, começaram as reivindicações por reparações pela escravidão de séculos passados, o que se transformou em grande campanha. Os inimigos iniciais dos movimentos negros de protesto – os brancos segregacionistas do Sul – se expandiram ao longo dos anos para incluir os lojistas coreanos e vietnamitas dos guetos, cujas mortes nos levantes têm sido praticamente ignoradas por grande parte da mídia, receosa da acusação de “racismo” em suas reportagens. A ideia de que a ação afirmativa promove boas relações entre os grupos permanece central para a defesa de tal política nos Estados Unidos e está implícita na palavra “diversidade” incansavelmente repetida. O estudo BowenBok sobre os efeitos da ação afirmativa nas faculdades e universidades credita ao programa o fato de que 56% dos estudantes brancos nas instituições estudadas relataram conhecer “bem” um ou mais colegas negros de turma, a despeito do fato de 86% dos brancos na sociedade americana em geral terem amigos negros e 54% reportarem possuir cinco ou mais amigos negros.[472] A diversidade não acrescentou coisa alguma. Pelo contrário, muitas faculdades e universidades americanas de elite fizeram relatórios de

crescente hostilidade racial entre seus estudantes durante a época da ação afirmativa.[473] O pleito mais plausível de que “o caráter estrutural cumulativo da desigualdade” significa que “um regime de igualdade formal tende a perpetuar disparidades que consideramos intoleráveis”[474] igualmente ignora uma larga porção da história sobre grupos que começaram em posições inferiores e depois se elevaram acima da média da sociedade mais ampla. Judeus, chineses, libaneses, indianos, japoneses, alemães, italianos e outros imigrantes fizeram isso em diversos países do mundo. Na América do século XX, muitos indivíduos subiram da faixa mais baixa dos 20% de menor renda para a mais alta dos 20% de maior receita durante o período de suas vidas – na verdade, em uma década –, tornando a própria noção de “classe” aberta a questionamento sério nesse contexto, quando se testemunha uma reviravolta tão rápida na ocupação por indivíduos das faixas de rendas. A noção de que se pode ler as injustiças do passado nas disparidades do presente se torna ridícula à luz de todas as minorias em numerosos países que prosperaram mais que as respectivas populações majoritárias desses países, sem qualquer possibilidade de discriminar contra essas maiorias e, muitas vezes, a despeito da persistente discriminação dessas maiorias contra elas. Seria muito conveniente se o presente recapitulasse tão nitidamente o passado, mas os fatos não cooperam para tanto. Nada disso nega que alguns grupos – intocáveis, na Índia, negros, nos Estados Unidos – não só experimentaram discriminação em

larga escala e sustentada por longo tempo, como também foram mantidos atrasados, mesmo que não possamos quantificar a extensão de tal atraso. O que o quadro mais amplo nos diz, todavia, é que não podemos usar automaticamente os grupos preferenciais e as cotas como compensação por discriminações passadas, nem podemos atribuir a eles a redução da violência resultante dessas discriminações do passado. Os capítulos precedentes mostraram, vezes sem conta, a violência intergrupos posta em prática por grupos majoritários que não sofreram discriminação de ninguém, receberam preferências e cotas, e cujo único problema real foi sua incapacidade de competir com minorias mais capazes e diligentes. Nem foram os intocáveis e os negros mais violentos quando experimentaram as maiores discriminações. A justiça poética poderia justificar essa consequência, mas essa justiça não necessariamente prevalece. Frequentemente, ouve-se dizer que as preferências “benignas” são muito diferentes da espécie de discriminação racial encontrada no Sul americano durante a era do Jim Crow, no apartheid da África do Sul dominada pelos brancos, ou no antissemitismo da era nazista. Mas todas as preferências de grupos são benignas para os que se beneficiam – e malignas para os que pagam o preço. A exclusão dos negros da Liga Principal de Beisebol dos EUA, antes que Jackie Robinson quebrasse a barreira da cor em 1947, foi sem dúvida benigna para muitos jogadores brancos que, de outra forma, não teriam saído das ligas

secundárias se tivessem que competir por vagas nas equipes principais com astros como Satchel Paige e Josh Gibson das ligas negras. Teria sido “benigno” o fato de tantos arianos terem ficado em condições de preencher as vagas abertas pelos acadêmicos e cientistas judeus que fugiram da Alemanha nazista? Mesmo olhando além das políticas preferenciais, a maioria dos danos e horrores infligidos às pessoas ao longo da história o foram para que alguém saísse beneficiado. Todos foram “benignos”, caso se considere apenas os efeitos para os beneficiários.

EVIDÊNCIA EMPÍRICA NA AÇÃO AFIRMATIVA

A proeminência de questões semânticas nas controvérsias suscitadas pelas políticas de ação afirmativa nos vários países espelha, em parte, uma carência de evidência estatística para o teste sobre as consequências das políticas e crenças. Por exemplo, depois de muitos anos de políticas de ação afirmativa em favor da minoria maori da Nova Zelândia, um jornal de Wellington reportou em novembro de 2000: “É extraordinário, mas parece que houve pouca ou nenhuma pesquisa sobre se o fato de se ensinar o currículo normal às crianças só em maori melhorou seus rendimentos educacionais”. O jornal acrescenta: “Ninguém sabe, porque parece que ninguém pergunta”.[475] Infelizmente, tal desinteresse nas consequências empíricas não se restringe à Nova Zelândia. Nos Estados Unidos, onde muitos grupos preferenciais procuraram se justificar como contrapesos para a

discriminação que, sem eles, prevaleceria, tal “discriminação” muitas vezes significa “sub-representação” estatística em ocupações ou instituições cobiçadas. A suposição implícita, tenazmente sustentada, é que as grandes disparidades estatísticas na “representação” demográfica não poderiam ter ocorrido sem discriminação. Esta suposição-chave é raramente testada em função de dados sobre disparidades de grupos nas qualificações. Para exemplificar, em 2001, existiam mais de 16 mil estudantes asiático-americanos com nota acima de 700 no SAT de matemática, enquanto menos de 700 negros tinham notas tão altas – ainda que a quantidade de negros sobrepujasse muitas vezes a de asiático-americanos.[476] Dados como esses não repercutem – ou são afogados num mar de estridentes afirmações de discriminação “disfarçada” como explicações para a escassez de negros em instituições e ocupações que requeiram base sólida em matemática. Crenças falsas não são pouca coisa, porque levam a soluções falsas. No campo da Medicina, há muito se admite que mesmo uma falsa cura, altamente inofensiva em si mesma, pode ser catastrófica caso substitua a cura real para uma doença letal. Os proponentes da ação afirmativa não podem buscar consolo para suas suposições falsas na argumentação de que suas intenções eram boas, porque o charlatanismo social, da mesma forma, toma o lugar dos esforços reais para lidar com problemas autênticos que ameaçam despedaçar uma sociedade. A despeito de uma orientação para que seja perguntado o que “nós” podemos fazer por “eles”, aqueles que desejam ver o progresso dos

negros em campos que necessitem de base matemática precisam confrontar esses negros com a necessidade de dominar a matéria, mesmo que isso signifique abrir mão de certas diversões e abandonar algumas atitudes como aquela que considera “agir como branco” o cumprimento dos deveres acadêmicos.[477] É claro que isso não capitaliza amigos nem votos. Mas a pergunta é se há interesse em resultados para outros ou se apenas se almeja um sentimento íntimo de satisfação. A justificativa moral mais forte para a ação afirmativa ocorre num país como a Índia, onde os indivíduos nascem, vivem e morrem na mesma casta. Ainda assim a justificativa é marcadamente fraca, mesmo na Índia – caso se julgue a ação afirmativa por suas consequências reais, e não por seus ideais, racionais e esperanças. Mesmo assim, na Índia como em outros países do mundo, tais políticas não são normalmente julgadas por suas consequências empíricas, quer pela maioria dos intelectuais, quer pela maioria dos políticos. Quando apreciada à luz do que realmente ocorre, o errado da ação afirmativa fica ainda mais claro na Índia que nos Estados Unidos ou em outros países, simplesmente por causa da maneira com que as estatísticas são lá organizadas. Os dados do governo americano são coletados em categorias amplas tais como negros, brancos e hispânicos. Os correspondentes na Índia seriam as quatro varnas da religião hindu – brâmanes, xátrias, vaixás e sudras (párias) – mas essas quatro categorias dilatadas e idealizadas, que se aplicam a toda a Índia, não são os

“grupos funcionais” socialmente relevantes nos quais as pessoas na verdade vivem, interagem socialmente e se casam em suas comunidades. Esses grupos onde se dá a interação social de fato são chamados jatis – e existem milhares deles na Índia em muitas comunidades dispersas pelas vastidões do país. O termo “casta” tem sido aplicada tanto às varnas quanto aos jatis, mas os dados estatísticos disponíveis tratam destes últimos.[478] A disponibilidade de estatísticas oficiais bem mais finamente detalhadas na Índia que nos Estados Unidos tem enormes implicações. Significa que os dados podem ser debatidos em termos muito mais específicos no país asiático do que nas categorias amplas usadas nos EUA. Na Índia, os efeitos das políticas de ação afirmativa podem ser rastreados não apenas até categorias gerais como a dos “intocáveis”, ou dalits, e sim mais especificamente até os chamars, de Maharashtra, ou de Haryana ou de Madhya Pradesh e então comparados aos de outros jatis da mesma categoria geral dos “intocáveis” naqueles estados. Foi assim que soubemos que os mais afortunados dos intocáveis, ou dalits, recebem a parte do leão dos benefícios, ou como “a nata das camadas” tende a conseguir uma parcela desproporcional das benesses em outros grupos. Das estatísticas dos Estados Unidos, não se pode identificar quanto dos benefícios da ação afirmativa vai para os negros das ilhas do Caribe ou para os negros descendentes das “pessoas de cor livres” que foram libertadas antes da Guerra Civil, muito embora outros estudos mostrem que

esses subgrupos tiveram histórias muito diferentes daquela da maioria dos negros.[479] Dados como os coletados numa variedade de fontes privadas nos Estados Unidos sugerem que os negros americanos mais bafejados pela sorte recebem uma porção desproporcional dos benefícios destinados aos negros americanos de modo geral, idêntico ao que ocorre na Malásia e com os mais afortunados dos intocáveis em relação à ação afirmativa na Índia. Porém, isso não é tão maciçamente demonstrado em termos estatísticos como na Índia. Assim, embora a justificativa moral para tal tipo de ação seja bastante forte nesse país, a justificativa empírica é mais fraca porque muito poucos dos intocáveis mais pobres são beneficiados, e os mais afortunados das “outras classes atrasadas” recebem bem mais que todos os intocáveis juntos. Isso porque essas “outras classes atrasadas” são mais numerosas e estão em melhores condições para tirar partido das preferências e cotas, pois possivelmente têm mais dos recursos complementares necessários. Nos Estados Unidos, ainda não existe uma conscientização tão difundida quanto na Índia de que os programas preferenciais para os menos afortunados acabam ajudando desproporcionalmente os mais afortunados e, por conseguinte, não há nos EUA número comparável de ações políticas ou legais sobre “a nata das camadas”. Nem na Índia nem em lugar algum, as políticas de ação afirmativa são simplesmente questão de redistribuição de benefícios. Tais programas também geram custos sociais

importantes que recaem sobre a população em geral. As perdas de eficiência estão entre esses custos, seja porque pessoas menos qualificadas são escolhidas em detrimento das mais preparadas, seja porque muitos membros altamente capacitados dos grupos não preferidos emigram de uma sociedade onde suas chances ficaram reduzidas. No entanto, o custo da ineficiência é apequenado pelo da polarização intergrupo e da violência e perdas de vida decorrentes. Distúrbios sangrentos e letais relativos à ação afirmativa na Índia são os exemplos mais óbvios, porém jovens brâmanes também têm morrido ateando fogo às próprias vestes em protesto contra as políticas que destruíram suas perspectivas. Como o país que adotou preferências e cotas para os menos afortunados há mais tempo, a Índia apresenta o quadro histórico mais claro de suas consequências, bem como o mais claro quadro estatístico. A história da Índia não encoraja qualquer outro país a seguir suas pegadas neste particular, muito menos a do Sri Lanka. A história do Sri Lanka é ainda mais deprimente para aqueles preocupados com o que realmente ocorre no rescaldo das políticas de ação afirmativa, diferentemente do esperado ou do que se tinha esperança que ocorresse. A muito merecida reputação do Sri Lanka de país de relações exemplares entre suas populações majoritária e minoritária, em meados do século XX, transformou-se amargamente ao longo de uma década de guerra civil marcada por atrocidades horrendas. Apesar de o Sri Lanka ser um país bem menor que os Estados Unidos, o número de pessoas

mortas na sua luta interna excedeu a quantidade total de americanos mortos durante os longos anos da Guerra do Vietnã. A história dos negros nos EUA foi praticamente virada de cabeça para baixo pelos advogados da ação afirmativa. A evidência empírica é clara ao mostrar que a maioria dos negros pobres saiu da pobreza por esforço próprio na década que precedeu a revolução dos direitos civis dos anos 1960 e o início da ação afirmativa nos anos 1970. Contudo, a falsa interpretação política do que ocorreu – por líderes e amigos dos negros – foi tão permeável que aquelas conquistas foram completamente soterradas na consciência pública. Em vez de merecerem o respeito que os outros grupos granjearam pelo esforço despendido para emergir da pobreza, os negros são geralmente encarados, por amigos e críticos, como aqueles que devem seu progresso à generosidade do governo. Dentro da própria comunidade negra, o possível término da ação afirmativa tem sido pintado como ameaça para dar fim a seu progresso econômico e social. Desta forma, os brancos se ressentem e os negros estão temerosos quanto a uma política que, na verdade, fez muito pouco, no cômputo total, para ajudar os negros de um modo geral ou os negros pobres em particular. Entre os estudantes negros das faculdades e universidades, os que ingressaram mediante padrões mais baixos enfrentam a possibilidade de altas taxas de reprovação, e os admitidos sob as mesmas condições dos outros têm seus diplomas

cercados de suspeitas em virtude dos padrões duplos para os estudantes das minorias em geral. Uma das defesas mais usadas dos grupos preferenciais e cotas é que existem precedentes para eles. Nas admissões às faculdades, por exemplo, tem havido preferência pelos atletas e pelos filhos de ex-alunos. Critérios de mérito não têm sido também universais em outras instituições. Por que, então, levantar objeções para as preferências raciais ou étnicas ou para as preferências pelas mulheres? Como argumento estratégico, tal pergunta transfere arbitrariamente o ônus da prova para os críticos da ação afirmativa, como se os demonstráveis custos sociais desse programa não necessitassem de justificativa. Mas, de todas as razões, a do precedente é uma das mais fracas. Tudo o que já foi feito de errado – do atravessar a rua distraidamente ou no local inadequado ao genocídio – teve precedentes. Qualquer justificativa ou crítica da ação afirmativa tem que ser baseada em suas consequências reais. Se tomarmos o argumento do precedente como conclusivo, então nada poderia ser corrigido até que houvesse perfeição em tudo o mais. Paralelismos verbais não são suficientes. Evidência clara sobre a magnitude das consequências empíricas de tais coisas, como as preferências aos ex-alunos, é necessária, mas raramente solicitada ou oferecida. Ninguém pergunta, por exemplo, o quanto abaixo dos padrões usuais de admissão estão os filhos de ex-alunos que ingressaram preferencialmente, comparado ao quanto foram rebaixados

os padrões para se conseguir o perfil racial requerido pela “diversidade”. Existe, todavia, alguma evidência empírica sobre as consequências das admissões preferenciais de indivíduos de grupos privilegiados. Quando o reitor da Universidade das Filipinas tinha poderes discricionários para admitir determinados estudantes sem consideração dos critérios acadêmicos usuais, os resultados foram que (1) a grande maioria dos admitidos dessa forma foi de pessoas ligadas “aos ricos e poderosos”, e (2) “os admitidos à discrição do reitor saíram-se pior que o resto dos colegas”.[480] Em Harvard, se voltarmos ao tempo em que mais da metade de todos os filhos de ex-alunos eram admitidos, os que ingressavam dessa forma respondiam desproporcionalmente pelos estudantes reprovados.[481] Malgrado os paralelismos verbais entre ação afirmativa e preferências para privilegiados, quando algum estudante rico de capacitação modesta não consegue passar numa faculdade de elite, isso não constitui nem uma tragédia pessoal tampouco social, em função da faixa de opções ainda disponíveis para tal estudante. Porém, com estudantes vindos de famílias de baixa renda, para os quais a educação pode ser o único tiro que lhes resta para uma vida melhor, a história é totalmente diferente. No que tange à importante questão do quanto de preferência existe – isto é, o quanto abaixo dos padrões usuais de admissão estão os filhos de ex-alunos versus os jovens de minorias que ingressam segundo preferências raciais –, um jovem de capacidade modesta oriundo de

família rica provavelmente teve a melhor educação que o dinheiro pode comprar, de modo que sua preparação acadêmica e suas notas nos testes têm possibilidade de ser sólidas, até excelentes. Mas um jovem de minoria que ingressa numa faculdade em que os outros estudantes tiraram notas compostas no SAT centenas de pontos mais altas faz frente a uma perspectiva bem mais dura. Se a única questão da ação afirmativa fosse a existência de outros benefícios imerecidos, então o argumento das admissões preferenciais de filhos de exalunos afluentes poderia fazer algum sentido. Mas quando as consequências das cotas raciais ou étnicas são a criação de fracassos artificiais entre os ostensivos beneficiários e a polarização na sociedade como um todo, então os paralelismos verbais não são suficientes.

TÁTICAS ENGANADORAS

Uma das consequências não quantificáveis, mas de forma alguma desimportante, da ação afirmativa tem sido uma desonestidade amplamente aceita que toma várias formas. A reidentificação de indivíduos e grupos, a fim de auferir benefícios ou cotas planejados para outros, tem acontecido comumente em vários países. Nos Estados Unidos, uma desonestidade especial foi necessária para compatibilizar grupos preferenciais e cotas com as disposições da Constituição Americana que estipulam direitos iguais entre os indivíduos. Isso envolve tanto a ocultação da existência de tratamento preferencial como

pleitos de que tal tratamento é apenas uma resposta terapêutica à discriminação existente. Essa constatação adiciona insulto à inteligência das pessoas além das injúrias que possam ter recebido, ou imaginaram receber, e só pode concorrer para aumentar a reação. Faz toda a diferença do mundo dizer que você não teve oportunidade na vida e dizer que determinado indivíduo ou instituição, com quem ou com a qual você lidou, o discriminou. Outra espécie de desonestidade largamente difundida, tanto na Índia quanto nos Estados Unidos, é a utilização de critérios nebulosos e não verificáveis para esconder grupos preferenciais nas admissões às faculdades e universidades, compensando-se automaticamente os melhores registros acadêmicos de membros de um grupo por meio da maior “liderança” e de outras classificações subjetivas de membros de outro grupo, membros esses que não ingressariam, em competição normal com outros estudantes, em terrenos universitários. Nos dois países, decisões judiciais restringindo a abrangência ou os prazos das preferências de grupos nas admissões às faculdades e universidades foram seguidas por esforços para dar grande ênfase aos critérios não acadêmicos em tais admissões. Como mencionado no Capítulo 2, a classificação dos estudantes mediante esses critérios não acadêmicos, na Índia, quase que invariavelmente resultou mais alta para aqueles que tinham registros acadêmicos inferiores e mais baixa para os estudantes com registros melhores. Nos Estados Unidos, fatores indistintos como “liderança” ou “adversidade avassaladora” igualmente

serviram como compensações automáticas, cujas validades ou invalidades não estão sujeitas a provas ou refutações. O banimento estadual da ação afirmativa nas universidades públicas da Califórnia e do Texas disparou uma onda de propostas criativas para critérios não objetivos de ingresso no ensino superior, fazendo eco para o que aconteceu na Índia décadas antes, onde o governo estadual de Mysore “subitamente demonstrou consideração inusitada pelas conquistas extracurriculares dos candidatos às escolas técnicas”.[482] Nada é mais fácil do que preparar razões para critérios não objetivos. Na Índia, o estado de Madras, por exemplo, um dos que apoiam a ação afirmativa, argumentou que tais critérios “evitariam que as criaturas insignificantes, que não têm personalidade, se tornassem engenheiros e médicos”.[483] Uma das desonestidades comuns no mundo acadêmico é a rejeição do corpo docente à ação afirmativa, mas só nas votações secretas; quando é necessária a opinião pública nas reuniões do magistério ou comentários para a imprensa, o corpo docente apoia a ação. Uma pesquisa do Roper Center de 1996, por exemplo, revelou que a maioria dos professores, em toda a nação, se opunha à ação afirmativa quanto às contratações para o magistério e quanto às admissões de estudantes. Ainda assim, é quase impossível chegar-se a uma votação do magistério contra essas políticas nas faculdades e universidades americanas. Discussões acaloradas já foram travadas sobre o uso ou não de votação secreta sobre esse assunto, uma vez que os

lados envolvidos sabem que os dois tipos de votação podem conduzir a resultados opostos. Tem havido também interpretação falsa da história como forma de fortalecer determinadas políticas. A falaciosa interpretação da história da ascensão dos negros e das mulheres nos Estados Unidos já foi descrita no Capítulo 6. A história da população aborígine na Austrália tem sido também enganosamente interpretada para a conquista de mais benefícios governamentais correntes.[484] Em país atrás de país, o engodo tem feito parte integral do caso da ação afirmativa. Uma das formas mais comuns de enganação é o uso de arrazoados que têm pouca ou nenhuma relação com o que está na realidade sendo feito. Nenhum sofrimento, passado ou presente, experimentado pelos negros americanos pode justificar a admissão de estudantes brancos numa escola secundária de elite de San Francisco em detrimento de estudantes sino-americanos mais bem qualificados que haviam se candidatado.[485] Contudo, uma vez autorizada uma política de cotas raciais, as comportas se abrem para coisas assim, totalmente afastadas dos racionais de concepção dessas cotas. Questões emocionalmente poderosas e politicamente explosivas com frequência produzem buscas desesperadas por um “terceiro caminho” para resolver problemas sem confrontar a realidade. Alguns chegam a autoelogios, argumentando que se trata de uma abordagem mais sutil e matizada. Porém, por mais matizado e sutil que seja o raciocínio do proponente, no final ele tem que enfrentar as realidades, que podem ser poucas, cruas e discretas. A

julgar pela persistência dos grupos preferenciais e das cotas, e pelo zelo com que eles têm sido expandidos em países ao redor do mundo, as sutilezas na tentativa de reformar ou reduzir a ação afirmativa podem levar a pouco mais que uma folha de figueira verbal a esconder a nua continuação das mesmas políticas como antes.

ALTERNATIVAS PARA A AÇÃO AFIRMATIVA

Preocupação com os menos afortunados é coisa bem diferente de imaginarmos poder fazer o que não podemos. Nem deve ser a humilde admissão de nossas inerentes limitações como seres humanos razão para que não façamos uma considerável quantidade de coisas que ainda podem ser feitas, malgrado tais limitações. Na América, pelo menos, a história demonstrou dramaticamente o que pode ser feito, porque já foi realizado. Os americanos só precisam olhar para trás, para o início do século XX, a fim de apreciarem o enorme progresso econômico e social que foi alcançado pelos mais pobres e, aparentemente, menos promissores segmentos da população. Nos primórdios daquele século, apenas cerca da metade da população negra dos Estados Unidos era capaz de ler e escrever. Os judeus viviam amontoados em favelas no lado Leste menos desenvolvido da cidade de Nova York, favelas mais apinhadas de pessoas que as da América de hoje. Um pouco mais tarde, durante a Primeira Guerra Mundial, os resultados de testes de inteligência aplicados aos soldados americanos levaram renomada autoridade

nesses testes a concluir que era um mito supor que os judeus eram altamente inteligentes.[486] A situação dos sino-americanos parecia tão sem esperança que uma expressão popular naqueles tempos para descrever quem estivesse enfrentando dificuldades extremas era de que tal pessoa “tinha a chance de um chinês”. Nem mesmo os mais otimistas previram, àquela época, o progresso que todos esses grupos iriam fazer meio século depois – antes que houvesse preferências ou cotas. Até entre os negros, que estão no centro das controvérsias atuais sobre ação afirmativa, o declínio da pobreza e a ascensão nas profissões foram ambos mais expressivos antes que o governo introduzisse a ação afirmativa nos anos 1970. Com todos esses grupos étnicos americanos – e outros –, o que aconteceu não foi uma transferência de benefícios do resto da população, mas uma contribuição crescente dessas minorias para a prosperidade progressiva da sociedade americana como um todo, da qual todos usufruíram, já que os menos preparados se educaram e os trabalhadores na agricultura e os empregados domésticos adquiriram habilitações e experiências para exercerem tarefas mais desafiadoras. Não se tratou de um processo de soma zero, enquanto a redistribuição é, na melhor das hipóteses, um desses processos, caso consiga de alguma forma evitar os efeitos da falta de incentivo e dos conflitos intergrupos. Por que um processo como o descrito, com registro comprovado de conquistas, é tão pouco apreciado ou mesmo notado – e algumas vezes descartado como a

política do “não fazer nada”? Talvez seja porque, quaisquer que sejam os benefícios econômicos e sociais, ele oferece pequena retribuição a políticos, ativistas e intelectuais, e àqueles que querem parecer moralmente superiores culpando a sociedade. Os heróis dessa ascensão de grupos são pessoas anônimas, não figuras públicas. Eis aqui uma história que merece ser repetida – mas apenas se o objetivo for o progresso dos menos afortunados, em vez do engrandecimento dos que deveriam ser seus guardiões, porta-vozes ou funcionários eleitos.

RESUMO E IMPLICAÇÕES

O enviesado padrão dos beneficiários dos programas de ação afirmativa deveria não só fazer com que se hesitasse em relação às consequências reais de tais programas, como também questionar a própria suposição sobre a qual se baseia a ação afirmativa. Supõe-se que uma distribuição desigual de rendas e de empregos desejáveis indica intenções discriminatórias para com os menos afortunados, intenções essas que têm de ser contrabalançadas com políticas preferenciais a seu favor. Porém, quando essas políticas bem-intencionadas demonstram o mesmo padrão enviesado que o das presumidas más intenções que elas deveriam contrabalançar, então fica difícil evitar a conclusão de que tem de haver o envolvimento de algo mais que intenções. Também não podem ser arbitrariamente banidos do debate, com expressões convenientes tais como “estereótipos” ou

“acusar a vítima”, as diferenças comportamentais e outras entre as próprias populações. A causalidade não é culpa, e se eles são ou não vítimas é exatamente a questão. A maioria malaia é “vítima” da minoria chinesa na Malásia? A maioria dos nigerianos nortista o é da minoria ibó? A maioria cingalesa, da minoria tâmil no Sri Lanka? E as numerosas maiorias locais, das minorias chettiar ou marwari nas várias partes da Índia? Serão as maiorias brancas do Canadá e dos Estados Unidos “vítimas” das minorias japonesas? Ou será que essas minorias simplesmente têm desempenho mais vitorioso nas competições do mercado e das instituições educacionais? O dogma de que as discrepâncias estatísticas demonstram discriminação supõe uma igualdade de desempenho praticamente impossível de encontrar no mundo real. Na verdade, alguns dos mesmos grupos supostamente discriminados em função de disparidades estatísticas mostram o mesmo padrão de domínio estatístico sobre populações majoritárias em áreas tais como a do esporte e a do entretenimento – campos em que talentos e esforços individuais podem produzir sucesso sem a necessidade dos pré-requisitos intelectuais, como educação superior, exigidos em muitos outros campos. Ainda assim, ninguém acredita seriamente que os maoris possam manter os neozelandeses fora das equipes desportivas a não ser que os ultrapassem em desempenho nos campos de esportes. Tampouco podem os jogadores negros de beisebol nos Estados Unidos evitar que os jogadores brancos consigam “home runs”, embora quatro dos cinco maiores batedores

de todos os tempos sejam negros. As disparidades estatísticas não provam coisa alguma sobre discriminação porque são comuns mesmo em situações onde aqueles que são estatisticamente dominantes não têm como discriminar. A responsabilidade pelos benefícios muito modestos da ação afirmativa, concentrados nos já mais afortunados e com pequena ou nenhuma vantagem para os verdadeiramente necessitados, tem sido atribuída ao zelo insuficiente, ou mesmo à má-fé, da parte dos que administram os programas de ação afirmativa. Assim, os fracassos ou inadequações desses programas podem ser tomados como razões para reformas, em vez de sintomas de concepções errôneas que deveriam servir de motivo para se dar fim a eles. Enquanto esse argumento pode parecer plausível para alguns quando discutem o fato de brancos gerenciarem programas para negros nos Estados Unidos, ele perde até a aparência de plausibilidade quando malaios administram programas preferenciais para malaios na Malásia, ou quando cingaleses administram políticas para os de seu grupo étnico no Sri Lanka. Mesmo nos EUA, os funcionários específicos que chefiam órgãos de direitos civis, como a Comissão para a Igualdade de Oportunidades no Emprego, têm sido quase todos negros, tal como ocorre com muitos – ou com a maioria – dos administradores de programas de ação afirmativa na indústria privada e no mundo acadêmico. A despeito da tendência em se considerar os grupos preferenciais e as cotas como transferências de benefícios – um processo de soma zero –, existem de fato muitas

maneiras pelas quais tais transferências podem se transformar em processos de soma negativa nos quais o que é perdido por um dos grupos excede o que é ganho por outro, deixando a sociedade como um todo em pior condição. Por exemplo, quando um grupo, no qual 80% dos estudantes que ingressam na faculdade conseguem se formar, perde vagas para outro, no qual apenas 40% atingem a graduação, então o primeiro grupo tem que perder 800 graduados para que o segundo consiga 400. Além do mais, tem sido comum em vários países do mundo, para os grupos cujos estudantes têm qualificações inferiores, a especialização em campos mais fáceis e de remuneração menor, bem como um desempenho acadêmico mais fraco.[487] Por conseguinte, o primeiro grupo pode perder 800 graduados fortemente concentrados na matemática, nas ciências ou na engenharia, enquanto o segundo grupo ganha 400 formados na maior parte em sociologia, educação e estudos étnicos. Isso nem leva em consideração a polarização intergrupo provocada pelos grupos de preferências e cotas e que pode tomar várias formas, inclusive a de levantes letais, como na Índia, ou a de guerra civil aberta, como no Sri Lanka. Em contraste, os ganhos concretizados pelos grupos menos afortunados, em virtude de seus membros se tornarem mais instruídos e mais bem equipados com habilitações, podem constituir não só benefícios para a sociedade em geral como também fontes de maior respeito para o grupo, da parte de outros, pois seus membros passam a ser vistos como contribuintes mais efetivos da

sociedade. No caso dos negros dos Estados Unidos, grande parte do seu progresso se deu dessa forma, mas a existência da ação afirmativa e das histórias específicas de horror que dela emergiram fizeram com que as conquistas autênticas dos negros passassem a ser subestimadas ou desconsideradas. A ação afirmativa tem significado quase uma moratória no reconhecimento dos feitos daqueles designados como beneficiários, por menos tangíveis que possam ser os benefícios que esses grupos tenham realmente recebido. Outra forma pela qual a ação afirmativa pode resultar num processo de soma negativa é pela debandada dos membros dos grupos não preferidos e a perda de suas contribuições para a sociedade como um todo. Um estudo das políticas preferenciais na Malásia relata a “emigração dos profissionais não bumiputeras e a evasão do capital chinês”.[488] Na África do Sul pós-apartheid, com a ação afirmativa para os negros, muitos funcionários brancos do governo pediram aposentadoria mais cedo e milhares de brancos têm emigrado anualmente.[489] Os que se situam na contramão das políticas preferenciais têm também emigrado de Fiji, da Ásia Central Soviética, da África Oriental e de outras regiões onde as capacitações e experiências desses emigrantes eram grandemente necessitadas. As consequências empíricas das preferências e cotas da ação afirmativa têm sido alvos de extraordinariamente pequena atenção – com dados brutos dispersos ou não existentes em alguns países – enquanto as controvérsias que cercam essas políticas têm sido discutidas à base das

visões e dos racionais que se encontram por trás delas, e da oposição dos críticos a tais antevisões e arrazoados. Palavras vagas, emocionais, confusas e desonestas, que são aspectos incidentais de muitas questões controversas, estão sempre presentes nos debates sobre ação afirmativa nos países ao redor do mundo. Poucos desses programas poderiam prosseguir com base em suas consequências empíricas. Tampouco são mais sólidos seus fundamentos morais. Alguns grupos em determinados países se imaginam com direito às preferências e cotas só porque são nativos “filhos da terra” – mesmo quando, de fato, não são indígenas, como os cingaleses no Sri Lanka e os malaios na Malásia não o são. Não obstante, o indigenismo adquiriu uma aura moral, não só entre os que reivindicam tal status, como entre os observadores e os acadêmicos. Por que um acidente da história e da geografia deve ter implicações morais que perduram por séculos é uma pergunta raramente formulada e muito menos respondida. Mesmo quando questões morais sérias cercam o mau tratamento passado ou presente de grupos, como os intocáveis na Índia e os negros nos Estados Unidos, os remédios propostos rapidamente se espraiam para bem além da reparação dos infortúnios que indicaram tal remédio. Não apenas a distribuição interna dos benefícios compensatórios guarda pequena relação – ou mesmo uma relação inversa – com o grau do malefício dentro do grupo afetado, como também esses benefícios se espalham para outros grupos bem distantes do objetivo do racional moral e

que excedem bastante em quantidade os grupos originalmente designados como beneficiários. Inúmeros princípios, teorias, hipóteses e assertivas têm sido utilizados para justificar os programas de ação afirmativa – alguns comuns a vários países do mundo, outros peculiares a determinados países ou comunidades. Notável é o fato de que raramente essas noções são empiricamente testadas, ou mesmo claramente definidas ou logicamente examinadas, muito menos sopesadas em relação aos dolorosos custos que muitas vezes impõem. Apesar dos pleitos abrangentes feitos em prol dos programas de ação afirmativa, um exame de suas consequências reais torna difícil o apoio a tais programas ou mesmo afirmar que esses programas foram benéficos no cômputo geral – a menos que se esteja disposto a dizer que qualquer quantidade de reparação social, por pequena que seja, vale o vulto dos custos e dos perigos, por maiores que sejam.

     

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[1] Ver, por exemplo, Rita Jalai e Seymour Martin Lipset, “Racial and Ethnic Conflicts: A Global Perspective”, Political Science Quarterly, vol. n. 4, p. 603, inverno de 1992-1993; Robert Klitgaard, Elitism and Meritocracy in Developing Countries. Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1986, p. 25, 45; Terry Martin, The Affirmative Action Empire: Nations and Nationalism in the Soviet Union, 1923-1939. Ithaca, Cornell University Press, 2001; Dorothy J. Solinger, “Minority Nationalities in China’s Yunnan Province: Assimilation, Power, and Policy in a Socialist State”. World Politics, vol. 30, n. 1, out. 1977, p. 1-23; Miriam Jordan, “Quotas for Blacks in Brazil Cause Hubbub”. Wall Street Journal, 27 dez. 2001, p. A6; Priscilla Qolisaya Pauaman, “A Post-colonial Reading of Affirmative Action in Education in Fiji”. Race, Ethnicity and Education, vol. 4 n. 2, 2001, p. 109-23; Matthew Hoddie, “Preferential Policies and the Blurring of Ethnic Boundaries: The Case of Aboriginal Australians in the 1980s”. Political Studies, vol. 50, 2002, p. 293-312; Mohammed Waseem, “Affirmative Action Policies in Pakistan”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XV, n. 2, jul. 1997, p. 223-44; “New Zealand: Landmark Decisions”. The Economist, 20 nov. 1993, p. 93; Rainer Knopff, “The Statistical Protection of Minorities: Affirmative Action in Canada”. Neil Nevitte e Alan Kornberg (orgs.), Minorities and the Canadian State. Cincinnati, Mosaic Press, 1985, p. 87-106. [2] A. K. Vakil, Reservation Policy and Scheduled Castes in India. New Delhi, Ashish Publishing House, 1985, p. 127. [3] Sham Satish Chandra Misra, Preferential Treatment in Public Employment and Equality of Opportunity. Lucknow, Eastern Book Company, 1979, p. 83. [4] Shri Prakash, “Reservations Policy for Other Backward Classes: Problems and Perspectives”. In: The Politics of Backwardness: Reservation Policy in India. New Delhi, Konark Publishers Pvt. Ltd., 1997, p. 44-45. [5] Gordon P. Means, “Ethnic Preference Policies in Malaysia”. In: Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (orgs.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing States. Boulder, Lynne Reinner Publishers, Inc., 1986, p. 108. [6] Nancy Lubin, Labour and Nationality in Soviet Central Asia: An Uneasy Compromise. Princeton, Princeton University Press, 1984, p. 162. [7] David Riesman, On Higher Education: The Academic Enterprise in an Age of Rising Student Consumerism. San Francisco, Jossey-Bass Publishers, 1980, p. 8081. Ver também Thomas Sowell, Black Education: Myths and Tragedies. New York, David McKay, 1972, p. 131-32, 140. [8] Editorial, “Reservations and the OBCs”. The Hindu, Índia, 4 abr. 2000. [9] Decreto n. 10.925. [10] Charles H. Kennedy, “Policies of Redistributional Preferences in Pakistan”. Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (orgs.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing States, p. 69. [11] Donald L. Horowitz, Ethnic Groups in Conflict, p. 242. [12] Mohammed Waseen, “Affirmative Action Policies in Pakistan”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XV, n. 2, p. 226, 228-29, jul. 1997. [13] Apud Alan Little e Diana Robbins, Loading the Law. London, Commission for Racial Equality, 1982, p. 6.

[14] Donald L. Horowitz, Ethnic Groups in Conflict, p. 677. [15] Myron Weiner, “The Pursuit of Ethnic Inequalities Through Preferential Policies: A Comparative Public Policy Perspective”. Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood: Managing Ethnic Conflict in Five African and Asian States. London, Frances Pinter, 1984, p. 64. [16] Cynthia H. Enloe, Police, Military and Ethnicity: Foundations of State Power. New Brunswick, Transaction Books, 1980, p. 143. [17] Ibidem, p. 75. [18] Ingeborg Fleischauer, “The German’s Role in Tsarist Russia: A Reappraisal”. Edith Rogovin Frankel (org.), The Soviet Germans, p. 17-18. [19] Numerosos exemplos documentados podem ser encontrados em apenas dois livros meus: Conquests and Cultures. Basic Books, 1998, p. 43, 124-25, 168, 221-22; Migrations and Cultures. Basic Books, 1996, p. 4, 17, 30-31, 118, 121-23, 126, 130, 135, 152, 154, 157-58, 162, 164, 167, 176-77, 179, 182, 193, 196, 201, 211-13, 215, 224, 226, 251, 258, 264-65, 275, 277-78, 289-90, 29798, 300, 305-06, 310, 313-14, 318, 320, 323-24, 337, 342, 345, 353-56, 358, 363, 366, 372-73. Se estendêssemos a pesquisa a disparidades estatísticas intergrupos, aumentaríamos exponencialmente o número de exemplos. [20] Prática sistemática da discriminação contra as pessoas negras. (N. T.) [21] Bernard Grofman e Michael Migalski, “The Return of the Native: The Supply Elasticity of the American Indian Population 1960-1980”. Public Choice, vol. 57, 1988, p. 86. [22] Matthew Hoddie, “Preferential Policies and the Blurring of Ethnic Boundaries: The Case of Aboriginal Australians in the 1980s”. Political Studies, vol. 50, 2002, p. 299. [23] Wolfgang Kasper, Building Prosperity: Australia’s Future as a Global Player. St. Leonard’s NSW, The Centre for Independent Studies, 2002, p. 45. [24] Barry Sautman, “Ethnic Law and Minority Rights in China: Progress and Constraints”. Law & Policy, vol. 21, n. 3, 03 jul. 1999, p. 294. [25] “Chinese Rush to Reclaim Minority Status”. Agence France Presse, 17 maio 1993. [26] Ver, por exemplo, “Indians: In the Red”. The Economist, 25 fev. 1989, p. 2526; Bob Zelnick, Backfire: A Reporter Looks at Affirmative Action. Washington, D.C., Regner Publishing Inc., 1996, p. 301-03. [27] Celia S. Heller, On the Edge of Destruction: Jews of Poland Between the Two World Wars. New York, Columbia University Press, 1987, p. 102. [28] Maria S. Muller, “The National Policy of Kenyanisation: Its Impact on a Town in Kenya”. Canadian Journal of African Studies, vol. 15, n. 2, 1981, p. 298; H. L. van der Laan, The Lebanese Traders in Sierra Leone. Haia, Mouton & Co., 1975, p. 141, 171. [29] “Indian Eunuchs Demand Government Job Quotas”. Agence France Presse, 22 out. 1997. Ver também David Orr, “Eunuchs Test the Political Potency”. The Times, London, 17 fev. 2000. Disponível em: http://www.thetimes.co.uk/pages/tim/2000/02/17/timfgnasio1001.html?1123027.

[30] Marc Galanter, Competing Equalities: Law and the Backward Classes in India. Berkeley, University of California Press, 1984, p. 64. [31] Human Rights Watch, Broken People: Caste Violence Against India’s “Untouchables”. New York, Human Rights Watch, 1999, p. 39. [32] “Rajasthan’s ‘Original Backwards’ Rally for Justice”. The Hindu, 28 de maio de 2001. (on-line) [33] “India: Mayawati Expels Three Leaders”. The Hindu, 22 jul. 2001. (on-line) [34] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 469. [35] Ozay Mehmet, “An Empirical Evaluation of Government Scholarship Policy in Malaysia”. Higher Education, Holanda, abr. 1985, p. 202. [36] Chandra Richard de Silva, “Sinhala-Tamil Relations in Sri Lanka: The University Admissions Issue – The First Phase, 1971-1977”. Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 133. [37] Dep. David Dreir, “‘Disadvantaged’ Contractors’ Unfair Advantage”. Wall Street Journal, 21 fev. 1989, p. A18. [38] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 552. [39] Myron Weiner, Sons of the Soil: Migration and Ethnic Conflict in India. Princeton, Princeton University Press, p. 250. [40] John A. A. Ayoade, “Ethnic Management of the 1979 Nigerian Constitution”. Canadian Review of Studies in Nationalism, p. 127, primavera 1987. [41] Donald L. Horowitz, Ethnic Groups in Conflict, p. 670. [42] Daniel C. Thompson, Private Black Colleges at the Crossroads. Westport, Connecticut, Greenwood Press, 1973, p. 88. [43] Carol S. Holzbery, Minorities and Power in a Black Society: The Jewish Community of Jamaica. Lanham, Maryland, The North-South Publishing Co., Inc., 1987, p. 420. [44] Ver, por exemplo, William Moore Jr. e Lonnie H. Wagstaff, Black Educators in White Colleges. San Francisco, Jossey-Bass Publishing Co., 1974, p. 130-31, 198. [45] Bob Zelnick, Backfire, p. 113. [46] Lelah Dushkin, “Backward Class Benefits and Social Class in India, 19201970”. Economic and Political Weekly, 7 abr. 1979, p. 666. Apesar de o exemplo ser hipotético, não está muito distanciado do que realmente ocorreu: “Embora 18% das vagas estivessem reservadas para Castas Tabeladas, apenas um candidato SC foi aprovado no exame, mas só no 105º lugar”. Marc Galanter, Competing Equalities, p. 425. [47] Barbara R. Joshi, “Whose Law, Whose Order: ‘Untouchables’ Social Violence and the State in India”. Asian Survey, jul. 1982, p. 680, 682. [48] A. K. Vakil, Reservation Policy and Scheduled Castes in India, p. 67; Ghagat Ram Goyal, Educating Harijans. Gurgaon, Haryana, The Academic Press, 1981, p. 21. [49] Suma Chitnis, “Positive Discrimination in India with Reference to Education”. Robert B. Goldmann e A. Jeyaratram Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 37; Padma Ramkrishna Velaskar, “Inequality in Higher Education: A Study of Scheduled Caste Students in Medical Colleges of Bombay”. Bombaim, Tata Institute of Social Sciences, 1986, p. 234, 236. (Tese de doutorado)

[50] Myron Weiner e Mary Fainsod Katzenstein, India’s Preferential Policies: Migrants, The Middle Classes, and Ethnic Equality. Chicago, University of Chicago Press, 1981, p. 54. [51] Ibidem, p. 54, 55. [52] Harold Crouch, Government and Society in Malaysia. Ithaca, Cornell University Press, 1996, p. 186. [53] K. M. de Silva, Sri Lanka: Ethnic Conflict, Management and Resolution. Kandy, Sri Lanka, International Centre for Ethnic Studies, 1996, p. 21. [54] Celia Heller, On the Edge of Destruction: Jews of Poland Between the Two World Wars. New York, Columbia University Press, 1987, p. 16-17, 107, 123-28; Ezra Mendelsohn, The Jews of East Central Europe Between the World Wars. Bloomington, Indiana University Press, 1983, p. 99, 105, 167, 232, 236-37. [55] Larry Diamond, “Class, Ethnicity, and the Democratic State: Nigeria, 19501960”. Comparative Studies in Social History, jul. 1983, p. 462, 473. [56] Donald L. Horowitz, Ethnic Groups in Conflict, p. 221-26; Myron Weiner e Mary Fainsod Katzenstein, India’s Preferential Policies, p. 4-5, 132; Myron Weiner, “The Pursuit of Ethnic Equality Through Preferential Policies: A Comparative Public Policy Perspective”. Robert B. Goldmann e A. Jeyaratram Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 78; K. M. de Silva, “University Admission and Ethnic Tensions in Sri Lanka”; Ibidem, p. 125-26; Donald V. Smiley, “French-English Relations in Canada and Consociational Democracy”. Milton J. Esman (org.), Ethnic Conflict in the Western World. Ithaca, Cornell University Press, 1977, p. 186-88. [57] U. S. Bureau of the Census, Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1970. Washington, Government Printing Office, 1975, p. 380. [58] Ver Thomas Sowell, Civil Rights: Rhetoric or Reality? New York, Willam Morrow and Co., 1984, p. 49. [59] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, America in Black and White: One Nation, Indivisible. New York, Simon & Schuster, 1997, p. 232. [60] Ibidem, p. 50. [61] Ver, por exemplo, Lelah Dushkin, “Backward Class Benefits and Social Class in India, 1920-1970”. Economic and Political Weekly, 7 abr. 1979, p. 661; Marc Galanter, Competing Equalities: Law and the Backward Classes in India. Berkeley, University of California Press, 1984, Capítulo 2. [62] Kanti Bajpai, “Diversity, Democracy, and Devolution in India”. Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific. Cambridge, Massachusetts, MIT Press, 1997, p. 53-54; John Echeverri-Gent, “Government and Politics”. James Heitzman e Robert L. Worden (orgs.), India: A Country Study. Washington, U.S. Government Printing Office, 1996, p. 437-38. [63] Partha S. Ghosh, “Positive Discrimination in India: A Political Analysis”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XV, n. 2, jul. 1997, p. 145. [64] Partap C. Aggarwal e Mohd. Siddig Ashraf, Equality Through Privilege: A Study of Special Privileges of Scheduled Castes in Haryana. New Delhi, Shri Ram Centre for Industrial Relations and Human Resources, 1976, p. 4; Richard F.

Nyrop et al., Area Handbook for India. Washington, Government Printing Office, 1975, p. 51. [65] Keesing’s Contemporary Archives, 8 dez. 1978, p. 29351. [66] Report of the Commision for Scheduled Castes and Scheduled Tribes, abr. 1979-mar. 1980, Second Report. New Delhi, 1981, p. 297. [67] Human Rights Watch, Broken People: Caste Violence Against India’s Untouchables. New York, Human Rights Watch, 1999. [68] “Caste and the Durban Conference”. The Hindu, 31 ago. 2001. [69] Doranne Jacobson, “Social Systems”. James Heitzman e Robert L. Worden (orgs.), India: A Country Study. Washington, U.S. Government Printing Office, 1996, p. 273. [70] Partha S. Ghosh, “Positive Discrimination in India: A Political Analysis”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XV, n. 2, jul. 1997, p. 146. [71] Partha S. Gosch, “Language Policy and National Integration”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XIV, n. 1, jan. 1996, p. 144; “Still Untouchable”. The Economist (edição dos EUA), 16 jun. 2001. [72] John R. Wood, “Reservations in Doubt: The Backlash against Affirmative Action in Gujarat, India”. Pacific Affairs, vol. 60, n. 3, p. 413, outono 1987. [73] Partha S. Gosch, “Language Policy and National Integration”. Etnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XV, n. 1, jan. 1996, p. 159, 160. [74] Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific, p. 54. [75] Partrap C. Aggarwal e Mohd. Siddig Ashrat, Equality Through Privilege, p. 49. Um estudo de 1981 relatou: “Quando instados a revelar se eles ou quaisquer outros de seus parentes tinham sofrido maus-tratos alguma vez em função de seu status de casta, as esmagadoras maiorias tanto na escola (78%) quando na faculdade (71%) responderam negativamente”. Suma Chitinis, A Long Way to Go, p. 147. [76] Human Rights Watch, Broken People, p. 31. [77] “Reservation Policy Not Implemented in Full”. The Hindu, India, 18 nov. 2001. (on-line) [78] Dennis Austin, Democracy and Violence in India and Sri Lanka. London, Pinter Publishers, 1994, p. 41. [79] Partrap C. Aggarwal e Mohd. Siddig Ashraf, Equality Through Privilege, p. 31. [80] K. M. de Silva, Managing Ethnic Tensions in Multi-Ethnic Societies: Sri Lanka, 1880-1985. Lanham, Maryland, University Press of America, 1986, p. 39. [81] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 26n. [82] Partha S. Ghosh, “Language Policy and National Integration”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XIV, n. 1, jan. 1996, p. 139. [83] Kusum K. Premi, “Educational Opportunities for the Scheduled Castes: Role of Protective Discrimination in Equalization”. Economic and Political Weekly, 9 nov. 1974, p. 1.907. [84] Suma Chitnis, “Positive Discrimination in India with Reference to Education”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to

Statehood: Managing Ethnic Conflict in Five African and Asian States. London, Francis Printer, 1984, p. 36-37. [85] Vide Suma Chitnis, “Positive Discrimination in India with Reference to Education”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 37; Padma Ramkrishna Velaskar, Inequality in Higher Education: A Study of Scheduled Caste Students in Medical Colleges of Bombay. Bombaim, Tata Institute of Social Sciences, 1986, p. 234. (Tese de doutorado) [86] P. R. Valeskar, op. cit., p. 236. [87] Partha S. Ghosh, “Language Policy and National Integration”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XIV, n. 1, jan. 1996, p. 142. [88] P. Sunderarajan, “India: Medical Colleges, Varsities Told to Follow UGC Norms”. The Hindu, 14 set. 2001. (on-line) [89] Partha S. Ghosh, “Language Policy and National Integration”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XIV, n. 1, jan. 1996, p. 158; Padma Ramkrishna Velaskar, Inequalities in Higher Education: A Study of Scheduled Caste Students in Medical Colleges of Bombay. Bombaim, Tata Institute of Social Sciences, 1986, p. 253, 335, 336 (Tese de doutorado); Marc Galanter, Competing Equalities, p. 63-64. [90] Suma Chitnis, “Measuring up to Reserved Admissions”. In: Vimal P. Shah e Binod C. Agrawal (orgs.), Reservation: Policy, Programs and Issues. Jaipur, India, Rawat Publications, 1986, p. 37-42. [91] Partha S. Ghosh, “Language Policy and National Integration”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XIV, n. 1, jan. 1996, p. 140. [92] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 425. [93] Partha S. Ghosh, “Language Policy and National Integration”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XIV, n. 1, jan. 1996, p. 142; Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific, p. 54. [94] Partha S. Ghosh, “Language Policy and National Integration”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XIV, n. 1, jan. 1996, p. 142. [95] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 64-65. [96] P. R. Velaskar, “Inequality in Higher Education”, p. 263. [97] Suma Chitnis, A Long Way To Go… New Delhi, Allied Publishers, Pvt. Ltd., 1981, p. 19. [98] Ibidem, p. 264. [99] Report of the Commission for Scheduled Castes and Scheduled Tribes, jul. 1978-mar. 1979, First Report, p. 188. Ver também Suma Chitnis, A Long Way To Go…, p. 16. [100] Suma Chitnis, A Long Way To Go…, p. 16. [101] Ibidem, p. 16, 320. [102] Pradeep Kumar, “Reservations with Reservations”. Economic and Political Weekly, 15 set. 2001, p. 3.505. [103] “UP Announces Ordinance on Quota”. The Statesman, India, 16 set. 2001. (on-line) [104] “Quota-Within-Quota Move Motivated”, The Hindu, 26 jan. 2002. (on-line)

[105] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 468-69. [106] Ratna Murdia, “Issues in Positive Discrimination Policies for Disadvantaged Groups”. The Indian Journal of Social Work, jan. 1983, p. 437; Suma Chitnis, “Education for Equality: Case of Scheduled Castes in Higher Education”. Economic and Political Weekly, ago. 1972, p. 1.676; Oliver Mendelsohn, “A Harijan Elite? The Lives of Some Untouchable Politicians”. Economic and Political Weekly, 22 mar. 1986, p. 504; Suma Chitnis, A Long Way To Go…, p. 16-18. [107] Upendra Baxi, “Legislative Reservations for Social Justice: Some Thoughts on India’s Unique Experiment”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (org.), From Independence to Statehood, p. 215-16. Ver também M. Satyanarayana e Rao e G. Srinivas Reddy, “Political Representation: National, State and Local”. In: B. A. V. Sharma e K. Madhusudhan Reddy (orgs.), Reservation Policy in India. New Delhi, Light & Life Publishers, 1982, p. 365-67; Pradeep Kumar, “Reservations with Reservations”. Economic and Political Weekly, 15 set. 2001. [108] B. Sivaramayya, “Affirmative Action: The Scheduled Castes and the Scheduled Tribes”. International Conference on Affirmative Action, Bellagio Conference Center. Bellagio, Italy, 16-20 ago. 1982, p. 2. [109] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 338. [110] Ibidem, p. 44, 46; Michael E. Brown e Sumit Garguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific, p. 53, 54. [111] Ver, por exemplo, Myron Weiner, Sons of the Soil: Migration and Ethnic Conflict in India. Princeton, Princeton University Press, 1978; Mary Fainsod Katzenstein, Ethnicity and Equality: The Shiv Sena Party and Preferential Policies in Bombay. Ithaca, Cornell University Press, 1979; Myron Weiner e Mary Fainsod Katzenstein, India’s Preferential Policies: Migrants, the Middle Classes and Ethnic Equality. Chicago, University of Chicago Press, 1981. [112] Myron Weiner e Mary Fainsod Katzenstein, India’s Preferential Policies, p. 102. [113] Myron Weiner, Sons of the Soil, p. 235-43. [114] Ibidem, p. 250. [115] T. M. Joseph e S. N. Sangita, “Preferential Policies and ‘Sons-of-the-Soil’ Demands: The Indian Experience”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XVI n. 1, jan. 1998, p. 86. [116] Myron Weiner e Mary Fainsod Katzenstein, India’s Preferential Policies, p. 68. [117] Allen W. Thrasher, “Language, Ethnicity, and Regionalism”. Louis R. Mortimer (org.), India: A Country Study. Washington, U.S. Government Printing Office, 1996, p. 215-16. [118] Myron Weiner, Sons of the Soil, p. 225-29; Myron Weiner e Mary Fainsod Katzensteiner, India’s Preferential Policies, p. 74-75. [119] Myron Weiner, Sons of the Soil, p. 88-89; Amalendo Guha, “Colonization of Assam: Second Phase 1840-1859”. The Indian Economic and Social History Review, dez. 1961, p. 292. [120] Myron Weiner, Sons of the Soil, p. 78.

[121] Ibidem, p. 128-29. [122] Ibidem, p. 92, 105. [123] Ibidem, p. 103-04. [124] Ibidem, p. 107. [125] Ibidem, p. 109. [126] Ibidem, p. 118-19. [127] Myron Weiner, “The Political Demography of Assam’s Anti-Immigrant Movement”. Population and Development Review, vol. 9, n. 2, jan. 1983, p. 279. [128] Mary Fainsod Katzenstein, Ethnicity and Equality, p. 142. [129] Ibidem, p. 28. [130] Myron Weiner e Mary Fainsod Katzensteiner, India’s Preferential Policies, p. 52. [131] Ibidem, p. 48. [132] Mary Fainsod Katzensteiner, Ethnicity and Equality, p. 48-49. [133] Ibidem, p. 69, 106, 142. [134] “The Fire of India’s Religions”. The Economist, 16 jan. 1993, p. 2. [135] “Devils and Enemies”. Far Eastern Economic Review, 7 jul. 1994. [136] “Demagogue of Hate”. Asiaweek, 22 dez. 1995, p. 52. [137] “A Hindu Hero Feels the Heat”. Time, edição internacional. Tóquio, 24 fev. 1997, p. 15. [138] “Bombay has Spun out of Control”. Businessweek, 19 out. 1998, p. 2. [139] “Ugly Intolerance”. The Hindu, 8 maio 2001. (on-line) [140] “What is ‘Indian’?”. The Hindu, 11 mar. 2001. (on-line) [141] Dennis Austin, Democracy and Violence in India and Sri Lanka, p. 43. [142] Ibidem, p. 42. [143] “Singh Faces Revolt Over Caste Scheme: The Indian Government Has Been Rocked by the Violent Response to Increased Job Quotas for Backward Castes”. The Independent, London, 11 set. 1990, p. 12. [144] As “outras classes atrasadas” sozinhas são 52% da população da Índia; os intocáveis, 16%; e os povos tribais, 8%. [145] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 64. [146] John R. Wood, “Reservation in Doubt: The Backlash against Affirmative Action in Gujarat, India”. Pacific Affairs, vol. 60, n. 3, outono 1987, p. 408. [147] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 451. [148] Ibidem, p. 451n. [149] A. K. Vakil, Reservation Policy and Scheduled Castes in India. New Delhi, Ashish Publishing House, 1985, p. 147. [150] C. L. Sharma, Social Mobility Among Scheduled Castes. New Delhi, M. D. Publications, 1996, p. 105-07. [151] Obtido de Buku Tahunan Perangkaan: Yearbook of Statistics Malaysia 2001. Ketua Perangkaan, Malaysia, Departamento de Estatística, 2001, p. 20, 28, 29. [152] Lennox A. Mills, Southeast Asia: Illusions and Reality in Politics and Economics. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1964. [153] The Economist Intelligence Unit, Malaysia, Brunei, p. 14.

[154] Obtido de Buku Perangkaan, p. 28. [155] Ver o estudo clássico de Victor Purcell, The Overseas Chinese in Southeast Asia. 2 ed. Kuala Lumpur, Oxford University Press, 1980. [156] P. T. Bauer, Reality and Rhetoric: Studies in the Economics of Development. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1984, p. 7. [157] Victor Simpao Limlingan, Overseas Chinese in ASEAN: Business Strategies and Management Practices. Pasig, Metro Manila, Filipinas, Vita Development Corp., 1986, p. 29. [158] Ibidem, p. 30. [159] Donald R. Snodgrass, Inequality and Economic Development in Malaysia. Kuala Lumpur, Oxford University Press, 1980, p. 38. [160] D. G. E. Hall, The History of Southeast Asia. London, The Macmillan Company Ltd., 1981, p. 835. [161] Buku Perangkaan, p. 42; K. S. Jomo, “Whither Malaysia’s New Economic Policy?”. Pacific Affairs, vol. 63, n. 4, inverno 1990-1991, p. 475. [162] Victor Purcell, The Chinese in Southeast Asia, 2 ed., p. 283n. [163] Yuan-li Wu e Chu-hsi Wu, Economic Development in Southeast Asia. Stanford, Hoover Institution Press, 1980, p. 51. [164] Donald R. Snodgrass, Inequality and Economic Development in Malaysia, p. 242. [165] Ibidem, p. 8. [166] Mohamed Suffian bin Hashim, “Problems and Issues of Higher Education Development in Malaysia”. In: Yip Yat Hoong (org.), Development of Higher Education in Southeast Asia, Tabela 8, p. 63, 64. [167] Gordon P. Means, “Ethnic Preference Policies in Malaysia”. In: Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (orgs.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing States. Boulder, Lynne Reinner Publishers. Inc., 1986, p. 105. [168] Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific. Cambridge, Massachusetts, MIT Press, 1997, p. 254. [169] Mid-Term Review of the Second Malaysia Plan, 1971-75. Kuala Lumpur, The Government Press, 1973, p. 76, 78. [170] Sumit Ganguly, “Ethnic Policies and Political Quiescence in Malaysia and Singapore”. In: Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific, p. 260-62. [171] Eighth Malaysia Plan, 2001-2005. Kuala Lumpur, Economic Planning Unit, 2001, p. 64. [172] Harold A. Crouch, Government and Society in Malaysia. Ithaca, Cornell University Press, 1996, p. 37-38. [173] Ibidem, p. 39. [174] Ibidem, p. 36-43. [175] Ibidem, p. 40, 41. [176] Ibidem, p. 202. [177] Ibidem, p. 39.

[178] K. S. Jomo, “Whither Malaysia’s New Economic Policy?”, Pacific Affairs, vol. 63, n. 4, p. 469-99, inverno 1990-1991. [179] Bee-lan Chang Wang, “Government Intervention in Ethnic Stratification: Effects of the Distribution of Students Among Fields of Study”. Comparative Education Review, fev. 1977, p. 110. [180] Donald R. Snodgrass, Inequality and Economic Development in Malaysia, p. 249-50. [181] Firdaus Hj. Abdullah, “Affirmative Action Policy in Malaysia: To Restructure Society, to Eradicate Poverty”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XV, n. 2, jul. 1997, p. 209. [182] Mohamed Suffian bin Hashim, “Problems and Issues of Higher Education Development in Malaysia”. In: Yip Yat Hoong (org.), Development of Higher Education in Southeast Asia, Tabela 8, p. 63-64. [183] Mid-Term Review of the Second Malaysia Plan, 1971-1975, p. 85. [184] Tai Yoke Lin, “Inter-Ethnic Restructuring in Malaysia, 1970-1980: The Employment Perspective”. Robert B. Goldman e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood: Managing Ethnic Conflict in Five African and Asian States. London, Frances Pitner, Ltd., 1984, p. 50. [185] Ibidem, p. 349. [186] Ibidem, p. 352. [187] Ibidem, p. 349. [188] Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific, p. 259. [189] Fourth Malaysia Plan, 1981-85. Kuala Lumpur, National Printing Department, 1981, p. 350. [190] Ibidem, p. 490-91. [191] Ibidem, p. 489. [192] K. S. Jomo, “Whither Malaysia’s New Economic Policy?”. Pacific Affairs, vol. 63, n. 4, p. 475, inverno 1990-1991. [193] Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific, p. 257-58. [194] Ao defender sua mudança de política, o primeiro-ministro Mahathir disse: “Não podemos deixar que a eficiência e a capacidade de nosso povo sejam inferiores às de outros países”. Deutsche Presse-Agentur, 20 jun. 1995, on-line, que também reportou: “níveis declinantes de realizações em ciência e tecnologia” e que “muitos empregadores preferem agora graduados em instituições estrangeiras. No mínimo, esses jovens possuem um bom domínio do inglês”. O Financial Times de Londres também publicou que “uma escassez de mão de obra qualificada é identificada pelos investidores forasteiros” como “o único grande problema de um ambiente de negócios atraente nos outros aspectos” na Malásia e que os negócios forasteiros estavam pagando aumentos substanciais nos salários para conseguir e manter engenheiros capacitados. Financial Times, 19 jun. 1996. (on-line) [195] The Economist Intelligence Unit, Malaysia, Brunei, p. 15.

[196] Ishak Shari, “Economic Growth and Income Inequality in Malaysia, 19711995”. Journal of Asia Pacific Economy, vol. 5, n. 1, 2000, p. 113. [197] Ibidem, p. 119, 120. [198] Ishak Shari, “Economic Growth and Income Inequality in Malaysia, 19711995”. Journal of Asia Pacific Economy, vol. 5, n. 1, 2000, p. 114; Edmund Terence Gomez, Chinese Business in Malaysia: Accumulation, Accommodation and Ascendence. Honolulu, University of Hawaii Press, 1999, p. 69. [199] Edmund Terence Gomez, Chinese Business in Malaysia, p. 70. [200] Harold A. Crouch, Government and Society in Malaysia, p. 186. [201] Mavis Puthucheary, “Public Policies Relating to Business and Land, and the Impact on Ethnic Relations in Peninsular Malaysia”. Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 163. [202] Ibidem, p. 164. [203] Mahathir bin Mohamad, The Malay Dilemma. Singapura, Asia Pacific Press, 1970, p. 44. [204] Eighth Malaysia Plan 2001-2005. Kuala Lumpur, Malásia, Economic Planning Unit, 2001, p. 84. [205] Seventh Malaysia Plan 1996-2000. Kuala Lumpur, Malasia, Economic Planning Unit, 1996, p. 86. [206] Donald R. Snodgrass, Inequality and Economic Development in Malaysia, p. 107. [207] Gordon P. Means, “Ethnic Preference Policies in Malaysia”. In: Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (org.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing States, p. 105. [208] Tai Yoke Lin, “Ethnic Restructuring in Malaysia, 1979-80: The Employment Perspective”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 48. [209] Ibidem, p. 50. [210] Fourth Malaysia Plan, 1981-1985, p. 349. [211] Michael E. Brown e Sumir Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific, p. 234. [212] Tania Li, Malays in Singapore: Culture, Economy, and Ideology. Cingapura, Oxford University Press, 1989, p. 115. [213] Ibidem, p. 134. [214] Ibidem. [215] “Our Malays are Happier Than Yours”. The Economist, 3 fev. 2001, p. 43. [216] Donald L. Horowitz, Ethnic Groups in Conflict, p. 670. [217] “Not One But Two Malay Dilemmas”. The Straits Times, Cingapura, 1º ago. 2002, on-line. [218] “Mahathir’s Change of Heart?”. Business Week (Edições Internacionais), 29 jul. 2002, p. 20. [219] Government of Malaysia, The Sixth Malaysia Plan 1991-1995. Kuala Lumpur, Percetakan Nasional Malaysia Berhad, 1996, p. 69. [220] Gordon P. Means, “Ethnic Preference Policies in Malaysia”. In: Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (orgs.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing

States, p. 114. [221] “Discriminating Policies”. Wall Street Journal, 11 set. 2000, p. A44. [222] “Race-based Awarding of Contracts Hurting Malaysia”. The Straits Times, Cingapura, 8 jan. 2002, p. 14. (on-line) [223] Um distúrbio entre muçulmanos e hindus em 1915 foi a única nódoa nesse histórico da primeira metade do século XX. [224] K. M. de Silva, “Historical Survey”. K. M. de Silva (org.), Sri Lanka: A Survey. Honolulu, The University of Hawaii Press, 1977, p. 84. [225] S. J. Tambiah, “Ethnic Representation in Ceylon’s Higher Administrative Service, 1870-1946”. University of Ceylon Review, abr.-jul. 1955, p. 127-28. [226] Ibidem, p. 130. [227] K. No. O. Dharmadasa, Language, Religion, and Ethnic Assertiveness: The Growth of Sinhalese Nationalism in Sri Lanka. Ann Arbor, University of Michigan Press, 1992, p. 228. [228] S. J. Tambiah, “Ethnic Representation in Ceylon’s Higher Administrative Services, 1870-1946”. University of Ceylon Review, vol. 13, 1955, p. 130. [229] W. Ivor Jennings, “Race, Religion and Economic Opportunity in the University of Ceylon”. University of Ceylon Review, nov. 1944, p. 2. [230] S. J. Tambiah, “Ethnic Representation in Ceylon’s Higher Administrative Service, 1870-1946”. University of Ceylon Review, abr.-jul.1955, p. 125-36. [231] K. No. O. Dharmadasa, Language, Religion, and Ethnic Assertiveness, p. 242. [232] Chandra Richard de Silva, “Sinhala-Tamil Ethnic Rivalry: The Background”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood: Managing Ethnic Conflict in Five African and Asian States. London, Frances Pinter, Ltd., 1984, p. 116. Ver também Chandra Richard de Silva, “Sinhala-Tamil Relations and Education in Sri Lanka: University Admission Issue – The First Phase”, ibidem, p. 136. [233] S. W. R. de A. Samarasinghe, “Ethnic Representation in Central Government Employment and Sinhala-Tamil Relations in Sri Lanka: 1948-81”, ibidem, p. 176. [234] Ibidem, p. 177. [235] C. Kondapi, Indians Overseas 1838-1949. New Delhi, Oxford University Press, 1951, p. 344. [236] H. P. Chattopadhyaya, Indians in Sri Lanka: A Historical Study. Calcutá, O. P. S. Publishers, Pvt. Ltd., 1979, p. 143-44, 146. [237] C. Kondapi, Indians Overseas 1838-1949, p. 344-47. [238] Walter Schwarz, Tamils of Sri Lanka. London, Minority Rights Group, 1983, p. 5. [239] Robert N. Kearney, Communalism and Language in the Politics of Ceylon. Durham, Duke University Press, 1967, p. 70-72. [240] Robert N. Kearney, “Sinhalese Nationalism and Social Conflict in Ceylon”. Pacific Affairs, verão 1964, p. 125-28. [241] Robert N. Kearney, Communalism and Language in the Politics of Ceylon, p. 80-81; William McGowan, Only Man is Vile: The Tragedy of Sri Lanka. New

York, Farrar, Straus and Giroux, 1992, p. 149-58. [242] William McGowan, Only Man is Vile, p. 158-61. [243] Chandra Richard de Silva, “Sinhala-Tamils Relations and Education in Sri Lanka: The University Admission Issue – The First Phase, 1971-7”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 138. Ver também intertítulo “Resumo e implicações” deste mesmo capítulo. [244] Robert N. Kearney, “Sinhalese Nationalism and Social Conflict in Ceylon”. Pacific Affairs, verão 1964, p. 130. [245] K. M. de Silva, “University Admissions and Ethnic Tension in Sri Lanka, 1977-82”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 98. [246] Robert N. Kearney, “Sinhalese Nationalism and Social Conflict in Ceylon”. Pacific Affairs, verão 1964, p. 135. [247] Chandra Richard de Silva, “Sinhala-Tamil Ethnic Rivalry: The Background”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 121. [248] Robert N. Kearney, Communalism and Language in the Politics of Sri Lanka, p. 84-86. [249] K. M. de Silva, “University Admissions and Ethnic Tension in Sri Lanka, 1977-82”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 100-01. [250] Chandra Richard de Silva, “Sinhala-Tamil Relations and Education in Sri Lanka: The University Admissions Issue – The First Phase, 1971-7”, ibidem, p. 128-31. [251] Walter Schwarz, The Tamils of Sri Lanka, p. 6. [252] S. J. Tambiah, Sri Lanka: Ethnic Fratricide and the Dismantling of Democracy. New Delhi, Oxford University Press, 1986, p. 20-21, 26. [253] Ibidem, p. 20. [254] William McGowan, Only Man is Vile, p. 97. [255] Ibidem, p. 98. [256] “Sri Lanka Confirms Report of Army Slayings”, New York Times, 7 ago. 1983, seção 1, p. 5. [257] “The Unloveliness of Civil War”. The Economist, 18 ago. 1984, p. 27. [258] “India and the Tamils”. The Economist, 19 jan. 1985, p. 35. [259] K. M. de Silva, Sri Lanka: Ethnic Conflict, Management and Resolution. Kandy, Sri Lanka, International Centre for Ethnic Studies, 1996, p. 22. [260] Ibidem, p. 43. [261] Mervyn de Silva, “Sri Lanka Rebels Defy Indian Force Mediation”. The Christian Science Monitor, 21 jul. 1988, p. 9. [262] D. John Grove, “Restructuring the Cultural Division of Labour in Malaysia and Sri Lanka”. Comparative Political Studies, p. 190-93, jul. 1986. [263] Celia W. Dugger, “Endless War Again Laps at Sri Lankan City”. The New York Times, 16 set. 2000, p. A1. [264] Chari Lata Joshi, “Try Again”. Far Eastern Economic Review, 20 dez. 2001, p. 24.

[265] Barbara Crossette, “The War on Terror Points a Country Toward Peace”. The New York Times, 3 mar. 2002, seção 4, p. 4. [266] “Tamil Rebels Yield in Talks with Sri Lanka”. New York Times, 4 nov. 2002, p. A9. [267] Larry Diamond, Class, Ethnicity and Democracy in Nigeria: The Failure of the First Republic. Syracuse, Syracuse University Press, 1988, p. 22. Esses dados se baseiam nos censos feitos pelas autoridades coloniais na década que precedeu a independência, e não no censo de 1963, que foi questionado e envolto em controvérsias desde então. Depois disso, não foram mais realizados censos devido à polarização interétnica. Ver ibidem, Capítulo 5. [268] Olatunde Bayo Lawuyi, “Ethnicity, Political Leadership and the Search for a Stable Nigerian Society”. Scandinavian Journal of Development Alternatives, set.-dez. 1992, p. 131. [269] William Easterly e Ross Levine, “Africa’s Growth Tragedy: Policies and Ethnic Divisions”. Quarterly Journal of Economics, nov. 1997, p. 1.224. [270] Harold D. Nelson, Nigeria: A Country Study. Washington, U.S. Government Printing Office, 1982, p. 4. [271] P. T. Bauer, West African Trade: A Study of Competition, Oligopoly and Monopoly in a Changing Economy. Cambridge, Cambridge University Press, 1954, p. 7. [272] “Os ibós, que agora desempenham importante papel no comércio nigeriano, estavam em estado quase selvagem tão recentemente quanto em 1910.” P. T. Bauer, West African Trade: A Study of Competition, Oligopoly and Monopoly in a Changing Economy. Cambridge, Cambridge University Press, 1954, p. 7. Nos séculos anteriores, os ibós foram com frequência escravizados por outras tribos. Robert Reinhart, “Historical Setting”. In: Harold D. Nelson (org.), Nigeria: A Country Study. Washington, U.S. Government Printing Office, p. 16. [273] Larry Diamond, Class, Ethnicity and Democracy in Nigeria, p. 26. [274] James S. Coleman, Nigeria: Background to Nationalism. Los Angeles, University of California Press, 1971, p. 142. [275] Donald L. Horowitz, Ethnic Groups in Conflict. Berkeley, University of California Press, 1985, p. 448, 451. [276] Northern Nigeria, Statistical Yearbook 1965. Kaduna, Ministério do Planejamento Econômico, 1965, p. 40-41. [277] Robert Nelson e Howard Wolpe, Nigeria: Modernization and Politics of Communalism. East Lansing, Michigan State University, 1971, p. 127; Bernard Nkemdirim, “Social Change and the Genesis of Conflict in Nigeria”. Civilizations, vol. 25, n. 1-2, 1975, p. 94; Okwudiba Nnoli, Ethnic Politics in Nigeria. Enugu, Nigéria, Fourth Dimension Publishers, 1978, p. 64. [278] John A. A. Ayoade, “The Federal Character Principle and the Search for National Integration”. Federalism and Political Restructuring in Nigeria. Ibadan, Nigéria, Spectrum Books, 1999, p. 111. [279] Larry Diamond, Class, Ethnicity and Democracy in Nigeria, p. 50.

[280] Kunlke Amuwo et al., Federalism and Political Restructuring in Nigeria. Ibadan, Nigéria, Spectrum Books, 1999, p. 53. [281] Ibidem, p. 52. [282] John A. A. Ayoade, “Ethnic Management of the 1979 Nigerian Constitution”. Canadian Review of Studies in Nationalism, p. 127, primavera 1987. [283] Kunlke Amuwo et al., Federalism and Political Restructuring in Nigeria, p. 54. [284] Sarah Kenyon Lischer, “Causes of Communal War: Fear and Feasibility”. Studies in Conflict & Terrorism, vol. 22, 1999, p. 340. [285] Kunlke Amuwo et al., Federalism and Political Restructuring in Nigeria, p. 58-59. [286] David Lamb, The African. New York, Random House, 1982, p. 308. [287] Ibidem, p. 309. [288] John A. A. Ayoade, “Ethnic Management of the 1979 Nigerian Constitution”. Canadian Review of Studies in Nationalism, primavera 1987, p. 140. [289] Barbara Crossette, “Survey Ranks Nigeria as Most Corrupt Nation”. The New York Times, 3 ago. 1997, Seção Internacional, p. 3. [290] Larry Diamond, Class, Ethnicity and Democracy in Nigeria, p. 311; John Kraus, “Economic Adjustment and Regime Creation in Nigeria”. Current History, maio 1999, p. 234. [291] A. Bamisaiye, “Ethnic Politics as an Instrument of Unequal Socio-Economic Development in Nigeria’s First Republic”. African Notes. Nigéria, vol. 6, n. 2, 1970-71, p. 99. [292] Okwudiba Nnoli, “Ethnic and Regional Balancing in Nigerian Federalism”. J. Isawa Elaigwu e R. A. Akindele (orgs.), Foundations of Nigerian Federalism: 1960-1995. Abuja, Nigéria, Conselho Nacional de Relações Intergovernamentais, 1996, p. 234. [293] Ibidem, p. 235. [294] Ibidem, p. 235-36. [295] Kola Olugbade, “The Nigerian State and the Quest for a Stable Polity”. Comparative Politics, p. 299, abr. 1992. [296] Obi Igwara, “Dominance and Difference: Rival Visions of Ethnicity in Nigeria”. Ethnic and Racial Studies, jan. 2001, p. 90. [297] Sarah Kenyon Lischer, “Cause of Communal War: Fear and Feasibility”. Studies in Conflict & Terrorism, vol. 22, 1999, p. 6, 340. [298] Obi Igwara, “Dominance and Difference: Rival Visions of Ethnicity in Nigeria”. Ethnic and Racial Studies, vol. 24, n. 1, jan. 2001, p. 88. [299] Apud Obi Igwara, p. 87. [300] “Nigeria: Government to Set Up National Security Commission”. Africa News Service, 1º de out. 2001. [301] “Thousands Flee Ethnic Blood-letting”. The Australian, 6 fev. 2002, p. 10. [302] “Country Report: Nigeria”. The Economist Intelligence Unit, London, 2002, p. 13.

[303] Ramo de pesquisas de negócios do grupo The Economist. (N. T.) [304] “Country Report: Nigeria”. The Economist Intelligence Unit, London, The Economist Intelligence Unit, 2002, p. 14. [305] Okwudiba Nnoli, Ethnic Politics in Nigeria, p. 245. [306] Ver, por exemplo, Okwudiba Nnoli, Ethnic Politics in Nigeria, p. 224-27. [307] Okwudiba Nnoli, “Ethnic and Regional Balancing in Nigerian Federalism”. In: J. Isawa Elaigwu e R. A. Akindele (orgs.), Foundations of Nigerian Federalism: 1960-1995, p. 227-28. [308] Eghosa E. Osaghac, “Managing Multiple Minority Problems in a Divided Society”. Journal of Modern African Studies, vol. 36, n. 1, 1998, p. 11. [309] Ver, por exemplo, Peter Schmidt, “How Michigan Won Corporate Backing for Its Defense of Affirmative Action”. Chronicle of Higher Education, 24 nov. 2000, p. A21-22. [310] Steven J. Novak, “The Real Takeover of the BIA: The Preferential Hiring of Indians”. Journal of Economic History, vol. I, n. 3, set. 1990, p. 639-54. [311] U.S. Bureau of Census, Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1970. Washington, D.C., U. S. Government Printing Office, 1975, p. 133; U. S. Bureau of Census, “Marital Status and Living Arrangements: March 1992”. Current Population Reports, série P-20, n. 468. Washington, D.C., Government Printing Office, 1993, p. 1, 2. [312] U. S. Bureau of Census, Historical Statistics of the United States: Colonial Times to 1970, p. 381. [313] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, America in Black and White: One Nation, Indivisible. New York, Simon & Schuster, 1997, p. 233. [314] Ibidem, p. 79. [315] Ver Thomas Sowell, Civil Rights: Rhetoric or Reality? New York, William Morrow and Co., 1984, p. 49. [316] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, America in Black and White, p. 233. [317] Jonathan J. Bean, Big Government and Affirmative Action: The Scandalous History of the Small Business Administration. Lexington, University of Kentucky Press, 2001, p. 79; Terry Eastland, Ending Affirmative Action: The Case for Colorblind Justice. New York, Basic Books, 1996, p. 139, 177-78. [318] William G. Bowen e Derek Bok, The Shape of the River: Long-Term Consequences of Considering Race in College and University Admissions. Princeton, Princeton University Press, 1998, p. 11. [319] Terry Eastland, Ending Affirmative Action, p. 17-18, 139. [320] Bol Zelnick, Backfire: A Reporter’s Look at Affirmative Action. Washington, Regnery Publishing, 1996, p. 299-300. [321] George R. La Noue, “Discrimination in Public Contracting”. In: Abigail Thernstrom e Stephan Thernstrom (orgs.), Beyond the Color Line. Stanford, Hoover Institution Press, 2002, p. 209-10. [322] Donald L. Bartlett e James B. Steele, “Wheel of Fortune”. Time, 16 dez. 2002, p. 47.

[323] U.S. Equal Employment Opportunity Commission, Legislative History of Titles VII and XI of Civil Rights Act of 1964. Washington, U.S. Government Printing Office, s./d., p. 3.006. [324] Ibidem, p. 3.005. [325] Ibidem. [326] O presente escritor conduziu o primeiro programa de verão para preparar estudantes negros de faculdades para o estudo de pós-graduação em Economia, nos idos de 1968. Tratou-se de ação afirmativa apenas no sentido genérico, porque os resultados finais foram avaliados pela administração de testes padronizados que, de modo geral, eram usados para testar outros que buscavam a pós-graduação nessa especialização. [327] Nathan Glazer, Affirmative Discrimination. New York, Basic Books, 1975, p. 49. [328] U.S. Equal Employment Opportunity Commission, Legislative History of Titles VII and XI of Civil Rights Act of 1964, p. 3.133-34. [329] Indício ilusório ou para desviar a atenção de determinado assunto. (N. T.) [330] Ibidem, p. 3.130-31. [331] Discussed, discussed, and cussed. Jogo de palavras na língua inglesa. (N. T.) [332] Ibidem, p. 3.136, 3.160, 3.161. [333] Apud Hugh Davis Graham, The Civil Rights Era: Origins and Development of National Policy 1960-1972. New York, Oxford University Press, 1990, p. 387. [334] Ver, por exemplo, Nathan Glazer, Affirmative Discrimination: Ethnic Inequality and Public Policy. New York, Basic Books, 1975, p. 57 [335] United Steelworkers of America v. Weber, 443 U.S. 193, 1979, 207n7, 222. [336] Harry Holzer e David Neumark, “Assessing Affirmative Action”. Journal of Economic Literature, vol. XXXVII, set. 2000, p. 487. [337] Dinesh D’Souza, The End of Racism: Principles for a Multiracial Society. New York, The Free Press, 1995, p. 306-07. [338] Mend it, not end it. Novamente, jogo de palavras no idioma inglês. (N. T.) [339] Scholastic Aptitude Test, exame a que se submetem os estudantes de escolas secundárias candidatos ao estudo universitário. (N. T.) [340] Ron Nissimov, “Students Run into ‘Top 10 Percent Law’”. Houston Chronicle, 4 jun. 2000, p. A1 ss. [341] Ver, por exemplo, Daniel Golden, “To Get Into UCLA, It Helps to Face ‘Life Challenges’”. Wall Street Journal, 12 jul. 2002, p. 1 ss. [342] John B. Parrish, “Professional Womanpower as a National Resource”. Quarterly Review of Economics and Business, fev. 1961, p. 58. [343] Beverly L. Johnson, “Marital and Family Characteristics of the Labour Force, March 1979”. Monthly Labor Review, abr. 1980, p. 51. [344] Diana Furchtgott-Roth e Christine Stolba, Women’s Figures: An Illustrated Guide to the Economic Progress of Women in America. Washington, American Enterprise Institute, 1999, p. 85-86. [345] U.S. Bureau of the Census, Current Population Reports, série P-60, n. 133. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1982, p. 3.

[346] Diana Furchtgott-Roth e Christine Stolba, Women’s Figures, edição de 1999, p. 86. [347] John B. Parrish, “Professional Womanpower as a Soviet Resource”. Quarterly Review of Economics and Business, outono 1964, p. 60. Ver também Diana Furchtgott-Roth e Christine Stolba, Women’s Figures, p. 57. [348] Helen S. Austin, “Career Profiles of Women Doctorates”. In: Alice S. Rossi e Anne Calderwood (orgs.), Academic Women on the Move. New York, Russell Sage Foundation, 1973, p. 153. [349] U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics of the United States, Colonial Times to 1970. Washington, D.C., Government Printing Office, 1976, p. 49. [350] “The Economic Role of Women”. The Economic Report of the President, 1973. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1973, p. 103. [351] Thomas Sowell, Affirmative Action Reconsidered. Washington, D.C., American Enterprise Institute, 1975, p. 32-33. [352] John M. McDowell, “Obsolescence of Knowledge and Career Publication Profiles: Some Evidence of Differences Among Fields in Costs of Interrupted Careers”. American Economic Review, vol. 72, n. 4, set. 1982, p. 761. [353] Diana Furchtgott-Roth e Christine Stolba, Women’s Figures, p. 33. [354] Ver, por exemplo, dados em Thomas Sowell, The Vision of the Anointed: Self-Congratulation as a Basis for Social Policy. New York, Basic Books, 1995, p. 38-40; Idem, Civil Rights, p. 91-108; Chinhui Juhn, Relative Wage Trends, Women’s Work, and Family Income. Washington, D.C., American Enterprise Institute, 1996. [355] Ver U.S. Bureau of the Census, Income, Poverty, and Wealth in the United States: A Chart Book, Current Population Reports, série P-60, n. 179. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1992, p. 8. [356] Diana Furchtgott-Roth e Christine Stolba, Women’s Figures, p. 92. [357] U.S. Bureau of the Census, Income, Poverty, and the Wealth in the United States: A Chart Book, Current Population Reports, série P-60, n. 179. Washington, D.C., U.S. Government Printing Office, 1992, p. 8. [358] Bob Zelnick, Backfire, p. 300. [359] Ibidem, p. 301-02. [360] Bernard E. Anderson, The Negro in the Public Utilities. Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1970, p. 65, 76-77, 78. [361] Ibidem, p. 92, 96. [362] Ibidem, p. 88, 96. [363] Ibidem, p. 105-06. [364] Ibidem, p. 97-99. [365] Ibidem, p. 195. [366] Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Princeton, University of Pennsylvania e Yale. (N. T.) [367] Michael R. Winston, “Through the Back Door, Academic Racism and the Negro Scholar in Historical Perspective”. Daedalus, vol. 100, n. 3, verão 1971, p. 695, 705.

[368] Já no final dos anos 1960, lembro-me de ter sido entrevistado sobre nomeações acadêmicas que me teriam feito o primeiro professor negro dos Estados Unidos na American University, em Washington, e na University of Virginia, em Charlottesville – e realmente sendo nomeado como o primeiro profissional negro no U.S. Bureau of the Budget, precursor do atual Office of Management and Budget. [369] Bob Zelnick, Backfire, p. 58-60. [370] Peter Schmidt, “How Michigan Won Corporate Backing for Its Defense of Affirmative Action”. The Chronicle of Higher Education, 24 nov. 2000, p. A21. [371] Ver, por exemplo, Robert Klitgaard, Choosing Elites: Selecting the “Best and the Brightest” at Top Universities and Elsewhere. New York, Basic Books, 1985, p. 104-15; Richard J. Herrnstein e Charles Murray, The Bell Curve: Intelligence and Class Structure in America Life. New York, The Free Press, 1994, p. 280-81; Arthur R. Jensen, “Selection of Minority Students in Higher Education”. University of Toledo Law Review, primavera-verão 1970, p. 440, 443; Donald A. Rock, “Motivation, Moderators, and Test Bias”, ibidem, p. 536-37; Ronald L. Flaugher, Testing Practices, Minority Groups and Higher Education: A Review and Discussion of the Research. Princeton, Educational Testing Service, 1970, p. 11; Arthur R. Jensen, Bias in Mental Testing. New York, The Free Press, 1980, p. 47990. [372] Iham Kim e Anthony R. Miles, “Why Affirmative Action Works at Michigan”. The Chronicle of Higher Education, 20 abr. 2001, p. B13-B14. [373] Mary Gibson Hundley, The Dunbar Story (1875-1955). New York, Vantage Press, 1965, p. 75. [Phi Beta Kappa é a mais antiga sociedade de honra nas áreas de ciência e artes liberais dos Estados Unidos da América.] [374] John H. McWhorter, Losing the Race: Self-Sabotage in Black America. New York, The Free Press, 2000, Capítulos 3, 4. Um estudo empírico posterior que parece confirmar a tese de McWorther é Black American Students in an Affluent Suburb: A Study of Academic Disengagement, de John Ogbu. Mahwah, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 2003. [375] Eric A. Hanushek et al., “New Evidence About Brown v. Board of Education: The Complex Effects of School Racial Composition on Achievement”. National Bureau of Economic Research, Documento de trabalho 8741. Cambridge, Massachusetts, National Bureau of Economic Research, 2002. Abstract. [376] Ellis B. Page e Timothy Z. Keith, “The Elephant in the Classroom: Ability Grouping and the Gifted”. In: Camilla Persson Benbow e David Lubinski (orgs.), Intelectual Talent: Psychometric and Social Issues. Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1996, p. 208. [377] Robert Lerner e Althea K. Nagai, Racial Preferences in Colorado Higher Education: Racial Preferences in Undergraduate Admissions at the Public Colleges and Universities of Colorado. Washington, D.C., Center for Equal Opportunity, s./d., p. 9. [378] Stephen Cole e Elinor Barber, Increasing Faculty Diversity: The Occupational Choices of High-Achieving Minority Students. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 2003, p. 169.

[379] Ver Clyde W. Summers, “Admission Policies of Labor Unions”. Quarterly Journal of Economics, nov. 1946, p. 66-107. [380] Clyde W. Summers, “Preferential Admissions: An Unreal Solution to a Real Problem”. University of Toledo Law Review, vol. 1.970, n. 2 & 3, primavera-verão 1970, p. 380. [381] Ibidem, p. 384. [382] John H. Bunzel, “Affirmative Action Admissions: How it ‘Works’ at Berkeley”. The Public Interest, outono de 1988, p. 124, 125. [383] Arthur Hu, “Minorities Need More Support”. The Tech (M.I.T.), p. 8, 7 mar. 1987. [384] Charles J. Sykes, The Hollow Men: Politics and Corruption in Higher Education. Washington, D.C., Regnery Gateway, 1990, p. 47n. [385] Robin Wilson, “Article Critical of Black Students’ Qualifications Rails Georgetown U. Law Center”. The Chronicle of Higher Education, 24 abr. 1991, p. A33, A35. [386] Shelby Steele, The Content of Our Character: A New Vision of Race in America. New York, St. Martin’s Press, 1990, p. 138. [387] Ver meu Inside American Education: The Decline, the Deception, the Dogmas. New York, The Free Press, 1993, p. 155-58, 162-63. [388] Ver, por exemplo, “Racism, Cynicism, Musical Chairs”. The Economist, 25 jun. 1988, p. 30 ss. [389] Thomas Sowell, Inside American Education, p. 144. [390] Ver, por exemplo, William Moore Jr. e Lonnie H. Wagstaff, Black Education in White Colleges. San Francisco, Jossey-Bass Publishing Co., 1974, p. 130-31, 198. [391] Thomas Sowell, Inside America Education, p. 132-33. [392] Thomas Sowell, “Affirmative Action Reconsidered”. In: Education: Assumptions versus History – Collected Papers. Stanford, Hoover Institution Press, 1986, p. 83, 85-87. [393] Robert Klitgaard, Choosing Elites, p. 175. [394] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, “Reflections on The Shape of the River”. UCLA Law Review, vol. 46, n. 5, jun. 1999, p. 1.610n. [395] Bob Zelnick, Backfire, p. 125. Ver também Lino A. Graglia, “Professor Loewy’s ‘Diversity’ Defense of Racial Preference: Defining Discrimination Away”. North Carolina Law Review, abr. 1999, p. 1.513-15. [396] Robert Klitgaard, Choosing Elites, p. 162. [397] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, “Reflection on The Shape of the River”. UCLA Law Review, vol. 46, n. 5, jun. 1999, p. 1.586, 1.611-12. [398] Isto pressupõe implicitamente que os negros são, ou deveriam ser, representados por médicos, advogados, etc. de sua própria raça, quando não existe evidência alguma que os próprios negros desejem limitar desta forma seu acesso aos profissionais. [399] Jeff Jacoby, “How Affirmative Action Can Be Fatal”. San Francisco Chronicle, 20 ago. 1997, p. A21. Ver também Ron Joseph v. Patrick Davis, Before

the Medical Board of California, Department of Consumer Affairs, State of California, Case n. 06-97-73596, OAH N. 1997050498, 17 jun. 1997. [400] Julie Marquis, “Doctor Becomes Symbol of Affirmative Action Debate”. Los Angeles Times, 2 set. 1997, p. 1 ss.; Jeff Jacoby, “How Affirmative Action Can Be Fatal”. San Francisco Chronicle, 20 ago. 1997, p. A21. [401] Julie Marquis, “Liposuction Doctor Has License Revoked”. Los Angeles Times, 26 ago. 1998, p. A21. [402] Thomas Sowell, Black Education: Myths and Tragedies. New York, David McKay, 1972, p. 92-94. [403] Merill Sheils et al., “Minority Report Card”. Newsweek, 12 jul. 1976, p. 74. [404] Lani Guinier, “College Should Take ‘Confirmative Action’ in Admissions”. The Chronicle of Higher Education, 14 dez. 2001, p. B12. [405] Ver, por exemplo, o elogio citado em Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, “Reflections on the Shape of the River”. UCLA Law Review, vol. 46, n. 5, jun. 1999, p. 1.586, nota 12. [406] Ibidem, p. 1.589. [407] Ibidem, p. 1.594, 1.595. [408] Ibidem, p. 1.603. [409] William G. Bowen e Derek Bok, The Shape of the River. [410] Ibidem, p. 61. Ver também p. 259. [411] Ibidem, p. 21. [412] Bob Zelnick, Backfire, p. 132. [413] Robert Lerner e Althea K. Nagai, Racial Preferences in Colorado Higher Education, p. 6, 11. [414] Robert Lerner e Althea K. Nagai, Racial Preferences in Medical Education: Racial and Ethnic Preferences in Admissions at Five Public Medical Schools. Washington, Center for Equal Opportunity, s./d., p. 12-35. [415] Sally Satel, “Health and Medical Care”. In: Abigail Thernstrom e Stephan Thernstrom (orgs.), Beyond the Color Line: New Perspectives on Race and Ethnicity in America. Stanford, Hoover Institution Press, 2002, p. 143. [416] William G. Bowen e Derek Bok, The Shape of the River, p. 259. [417] John Perazzo, The Myths That Divide Us: How Lies Have Poisoned American Race Relations. Briarcliff Manor, World Studies Books, 1998, p. 183-84. [418] Alexander W. Astin, What Matters in College? Four Critical Years Revisited. San Francisco, Jossey-Bass, Inc., 1993, p. 326. [419] Tany Schevitz, “‘Little Fish in a Big Pond’”. San Francisco Chronicle, 6 maio 2001, p. A17. [420] William G. Bowen e Derek Bok, The Shape of the River, p. 259. [421] It’s Yale or jail. Outro jogo de palavras na língua inglesa. (N. T.) [422] Ver exemplos em Thomas Sowell, Inside American Education, p. 106-08. [423] Tamar Jacoby, “Color Blind”. New Republic, 29 mar. 1999, p. 25. [424] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, “Reflections on the Shape of the River”. UCLA Law Review, vol. 46, n. 5, jun. 1999, p. 1.619. [425] Jonathan Peterson, “Clinton Calls for ‘National Effort’ to End Racism”. Los Angeles Times, 15 jun. 1997, p. 1A.

[426] Timm Herdt, “4.000 Rally to Protest Proposition 209”. Ventura County Star, 28 out. 1997, p. A3. [427] George F. Hill, “Jesse Jackson Has It Backward”. Washington Post, 7 set. 1997, p. C7. [428] O sistema da California State University matricula aproximadamente o dobro dos estudantes em seus 23 campi que o sistema da Universidade da Califórnia, em seus oito campi. [429] Escritório do Presidente da UC, Serviços Acadêmicos dos Estudantes. OA&AS, REG004/006 e Relatórios dos Campi, Aprofo23/flowfrc 9402. Ver também Peter Schmidt, “U. of California Ends Affirmative Action”. The Chronicle of Higher Education, 25 maio 2001, p. A24; “Sweat, Not Blood”. The Economist, 20 abr. 2002, p. 30. [430] Disponível em: http://www.calstate.edu/AS/stat_reports/1996-1997/. [431] Reporting Package for the Board of Regents, fev. 2001, on-line. [432] The College Board, SAT Scores for Each Ethnic Group by Highest Level of Parental Education, 1994. Princeton, p. 16. [433] Ver James R. Flynn, Asian Americans: Achievement Beyond IQ. Hillsdale, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 1991. [434] Ver, para exemplos de tais escolas, Lance T. Izumi et al., They Have Overcome: High-Poverty, High Performing Schools in California. San Francisco, Pacific Research Institute, 2002, p. 9; Samuel Casey Carter, No Excuses: Lessons from 21 High-Performing, High-Poverty Schools. Washington, The Heritage Foundation, 2000, p. 43-44; Thomas Sowell, “Patterns of Black Excellence”. The Public Interest, primavera de 1976, p. 26-58. [435] Para a comparação entre as escolas do Harlem e as do lado Leste menos desenvolvido de Manhattan, ver os dados citados em Thomas Sowell, “Assumptions versus History in Ethnic Education”. Education: Assumptions versus History, p. 41. Para a história das escolas secundárias de negros de Washington que alcançaram notas mais altas nos testes padronizados que duas das três escolas de brancos em 1899, ver Henry S. Robinson, “The M Street School”. Records of the Columbia Historical Society of Washington, D.C., vol. LI, 1984, p. 122. A identidade das escolas envolvidas é estabelecida em Report of the Board of Trustees of Public Schools of the District of Columbia to the Commissioners of the District of Columbia: 1898-1899. Washington, Government Printing Office, 1900, p. 7, 11. [436] Ver, por exemplo, Jonathan D. Glater, “Law Firms Are Slow in Promoting Minority Lawyers to Partner Role”. The New York Times, 7 ago. 2001, p. 1 ss. [437] Judith Warner, “France Goes Nutty for Parity: Same Difference”. New Republic, 28 mar. 2001, p. 16. [438] Charles H. Kennedy, “Policies of Redistributional Preference in Pakistan”. Ethnic Preference and Public Policy in Developing Countries. Organizado por Neil Nevitte e Charles H. Kennedy. Boulder, Colorado, Lynner Rienner Publishers, Inc., 1986, p. 79. [439] “A Sigh is Just a Sigh”. Editor & Publisher, 15 abr. 2002, p. 8.

[440] Charles H. Kennedy, “Policies of Redistributional Preference in Pakistan”, p. 81. [441] Myron Weiner e Mary Fainsod Katzenstein, India’s Preferential Policies: Migrants, the Middle Classes, and Ethnic Equality. Chicago, University of Chicago Press, 1981, p. 52. [442] Edmund Terrence Gomez, Chinese Business in Malaysia: Accumulation, Ascendance, Accommodation. Honolulu, University of Hawaii Press, 1999, p. 71. [443] Robert Klitgaard, Elitism and Meritocracy in Developing Countries: Selection Policies for Higher Education. Baltimore, Johns Hopkins University Press, 1986, p. 19, 77; The College Board, SAT Scores for Each Ethnic Group by Highest Level of Parental Education, 1994. Princeton, p. 16. [444] Robert Klitgaard, Elitism and Meritocracy in Developing Countries, p. 77, 118; Charles H. Kennedy, “Policies of Redistributional Preference in Pakistan”. Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (orgs.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing States, p. 78; Robert Obserst, “Policies of Ethnic Preference in Sri Lanka”, ibidem, p. 146. [445] Otto Klineberg, Negro Intelligence and Selective Migration. Westport, Ct, Greenwood Press, 1974, p. 2. [446] James R. Flynn, “IQ Gains Over Time: Toward Finding the Causes”. The Rising Curve; Long-Time Gains in IQ and Related Measures. Washington, American Psychological Association, 1998, p. 25-66. [447] Donald R. Snodgrass, Inequality and Economic Development in Malaysia. Kuala Lumpur, Oxford University Press, 1980, p. 4. [448] Amy L. Freedman, “The Effect of Government Policy and Institutions on Chinese Overseas Acculturation: The Case of Malaysia”. Modern Asian Studies, vol. 35, n. 2, 2001, p. 416. [449] Martin Woollacott, “Malaysia’s Elite Tips Scale Too Far in its Own Favor”. The Guardian, 2 mar. 1995, p. 22. (on-line) [450] Sumit Ganguly, “Ethnic Policies and Political Quiescence in Malaysia and Singapore”. In: Michael E. Brown e Sumit Ganguly (orgs.), Government Policies and Ethnic Relations in Asia and the Pacific. Cambridge, Mass., MIT Press, 1997, p. 262. [451] “As Economy Slows, ‘Subprime’ Lending Looks Even Riskier”. Wall Street Journal, 16 ago. 2001, p. A1. [452] Compare Eric Woodrum et al., “Japanese American Behavior: Its Types, Determinants and Consequences”. Social Forces, jun. 1980, p. 1.237-38, com Daniel O. Price, Changing Characteristics of the Negro Population. Washington, D.C., Government Printing Office, 1969, p. 45. [453] Herbert Barriner, Robert W. Gardner e Michael J. Levin, Asian and Pacific Islanders in the United States. New York, Russell Sage Foundation, 1995, p. 235. [454] Ver, por exemplo, Paulette Thomas, “Blacks Can Face a Host of Trying Conditions in Getting Mortgages”. Wall Street Journal, 30 nov. 1992, p. A8. [455] Rochelle Sharpe, “Losing Ground: In Latest Recession, Only Blacks Suffered Net Employment Loss”. Wall Street Journal, 14 set. 1903, p. 14.

[456] John H. Bunzel, “Affirmative-Action Admission: How it ‘Works’ at U.C. Berkeley”. The Public Interest, outono 1988, p. 122. [457] National Center for Health Statistics, Health, United States, 1990. Hyattsville, Maryland, U.S. Public Health Service, 1991, p. 41. [458] Compare U.S. Bureau of Census, 1990 Census of Population, Asians and Pacific Islanders (1990 CP-3-05), Tabela 5; U.S. Bureau of the Census, 1990 Census of Population, Social and Economic Characteristics: United States (1990 CP-2-1), Tabela 6. Quanto ao ano 2000, mesmo a categoria ampla dos “Insulares da Ásia e do Pacífico” tem rendas familiares médias cerca de um quarto mais altas que a dos brancos. U.S. Bureau of the Census, Current Population Reports, Money Income in the United States: 2000 (P60-213), p. 4. No entanto, nenhum desses dados confronta diretamente a questão da discriminação de grupo, uma vez que são os indivíduos que são empregados ou não empregados, promovidos ou não promovidos, despedidos ou não despedidos. Uma vez que as famílias se diferenciam no tamanho de um grupo para outro, a média da renda familiar não proporciona nem mesmo uma classificação relativa acurada dos grupos em renda pessoal ou em renda per capita. Por exemplo, os hispânicos têm maior renda familiar do que os negros, porém receita per capita inferior (ibidem, p. 2, 4), sinalizando que os lares hispânicos têm mais pessoas. [459] Roger Sandall, The Culture Cult: Designer Tribalism and Other Essays. Boulder, Westview Press, 2001, p. 128. [460] Michael Ornstein, Ethno-Racial Inequality in the City of Toronto: An Analysis of the 1996 Census. Toronto, Escritório do Administrador da Cidade, 2002, p. 97. [461] Ibidem, p. 88-90. [462] Ibidem, p. ii. [463] Tomoko Makabe, “The Theory of the Split Labor Market: A Comparison of the Japanese Experiment in Brazil and Canada”. Social Forces, mar. 1981, p. 807. [464] Michael Ornstein, Ethno-Racial Inequality in the City of Toronto, p. 5. [465] Ibidem, p. 92-93. [466] Ver, por exemplo, Marc Galanter, Competing Equalities: Law and the Backward Classes in India. Berkeley, University of California Press, 1984, p. xiv; Kunlke Amuwo et al., Federalism and Political Restructuring in Nigeria. Ibadan, Nigéria, Spectrum Books, 1999, p. 108-09, 115, 124; Governo da Malásia, The Sixth Malaysia Plan 1991-1995. Kuala Lumpur, National Printing Department of Malaysia, 1991, p. 3; Seventh Malaysia Plan 1996-2000. Kuala Lumpur, Economic Planning Unit, 1996, p. 69. [467] G. Y H. Peiris, “Poverty, Development and Inter-Group Conflict in South Asia: Covariance and Casual Connections”. Ethnic Studies Report, Sri Lanka, vol. XVIII, n. 1, jan. 2000, p. 24. [468] Charles H. Kennedy, “Policies of Redistributional Preference in Pakistan”. In: Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (orgs.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing States, p. 87. [469] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 562.

[470] Ibidem, p. 367. [471] Roger Silverman, “Devils and Enemies”. Far Eastern Economic Review, 7 jul. 1994, p. 13. [472] Stephan Thernstrom e Abigail Thernstrom, “Reflections on the Shape of the River”. UCLA Law Review, vol. 46, n. 5, jun. 1999, p. 1.622. Ver também Terry Eastland, Ending Affirmative Action: The Case for Colorblind Justice. New York, Basic Books, 1996, p. 87. [473] Ver, por exemplo, Eastland, Thomas Sowell, Inside American Education: The Decline, the Deception, the Dogmas. New York, The Free Press, 1993, p. 132-33. [474] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 367. [475] David McLoughlin, “Lessons We Could All Learn”. The Dominion, Wellington, New Zeland, 22 nov. 2000, p. 13. [476] Dados do Conselho de Administração da Faculdade. [477] Ver, por exemplo, John Ogbu, Black American Students in an Affluent Suburb: A Study of Academic Disengagement. Mahwah, NJ, Lawrence Erlbaum Associates, 2003; John McWorther, Losing the Race: Self-Sabotage in Black America. New York, The Free Press, 2001. [478] Como um estudo acadêmico observou: “Uma vez que as varnas são categorias taxinômicas, e não grupos funcionais, tentativas para enumerar seus membros são inúteis”. Marc Galanter, Competing Equalities, p. 11n. [479] Thomas Sowell, “Three Black Histories”. Thomas Sowell (org.), Essays and Data on American Ethnic Group. Washington, The Urban Institute, 1978, p. 7-64. [480] Robert Klitgaard, Elitism and Meritocracy in Developing Countries, p. 102, 104. [481] David Karen, “Who Gets into Harvard? Selection and Exclusion at an Elite College”. Harvard University, 1985, p. 139, 158a. (Tese de doutorado em Sociologia) [482] Marc Galanter, Competing Equalities, p. 448. [483] Ibidem, p. 447. [484] Keith Windschuttle, “The Fabrication of Aboriginal History”. The New Criterion, vol. 20, n. 1, set. 2001, p. 41-49. [485] Ver, por exemplo, “A Hard Lesson in Diversity: Chinese Americans Fight Lowell’s Admissions Policy”. San Francisco Chronicle, 19 jun. 1905, p. A1 ss. [486] Carl Brigham, A Study of American Intelligence. Princeton, Princeton University Press, 1923, p. 190. [487] Ver, por exemplo, Suma Chitnis, “Positive Discrimination in India with Reference to Education”. In: Robert B. Goldmann e A Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood: Managing Ethnic Conflict in Five African and Asian States. London, Frances Pinter, 1984, p. 36; Nancy Lubin, Labour and Nationalism in Soviet Central Asia: An Uneasy Compromise. Princeton, Princeton University Press, 1984, p. 120-21; Mohamed Suffian bin Hashim, “Problems and Issues of Higher Education Development in Malaysia”. In: Yip Yat Hoong (org.), Development of Higher Education in Southeast Asia: Problems and Issues. Cingapura, Regional Institute of Higher Education and Development, 1973, p.

70-71; Chandra Richard de Silva, “Sinhala-Tamil Relations and Education in Sri Lanka: The University Admissions Issue – The First Phase, 1971-7”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 125-46; Sammy Smooha e Yochanan Peres, “The Dynamics of Ethnic Equality: The Case of Israel”. In: Ernest Krausz (org.), Studies of Israeli Society. New Brunswick, Transaction Books, 1980, p. 173; Thomas Sowell, “Ethnicity in a Changing America”. Daedalus, inverno 1978, p. 231-32; Thomas Sowell, The Economics and Politics of Race, p. 139-40. [488] Tai Yoke Lin, “Inter-Ethnic Restructuring in Malaysia, 1970-1980”. In: Robert B. Goldmann e A. Jeyaratnam Wilson (orgs.), From Independence to Statehood, p. 57. Ver também Gordon P. Means, “Ethnic Preference Policies in Malaysia”. In: Neil Nevitte e Charles H. Kennedy (orgs.), Ethnic Preference and Public Policy in Developing States, p. 114. [489] Kanya Adam, “The Politics of Redress: South African Style Affirmative Action”. Journal of African Studies, vol. 35, n. 2, 1997, p. 232.

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