A inserção de "a gente" no quadro pronominal do português 9783865278494

Este livro é o resultado de uma pesquisa sobre a pronominalização de nominais, particularmente, sobre o percurso históri

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A inserção de "a gente" no quadro pronominal do português
 9783865278494

Table of contents :
SUMÁRIO
Índice de quadros, tabelas, gráficos e figuras
Abreviaturas
Convenções
1. INTRODUÇÃO
2. REVISÃO HISTÓRICO-DESCRITIVA
3. PERSPECTIVAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS
4. ANÁLISE EM TEMPO REAL DE LONGA DURAÇÃO
5. ANÁLISE LINGÜÍSTICA E SOCIAL DE NÓS E A GENTE: TEMPO REAL DE CURTA DURAÇÃO
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Glia Reginados SantosLopes: A inserqiio de a genie no quadro pronominal do portuguk

LINGU~ STICA IBEROAMERICANA Vol. 18 DIRECTORES:

Gerd Wotjak y Eberhard Ggirtner Centro de Investigaci6n Iberoamericana Universidad de Leipzig Maria Teresa Fuentes Morin Universidad de Salamanca

CONSEJO DE EDACCION:

Valerio Biez San Jos6; Ignacio Bosque; Henriqueta Costa Campos; Ataliba T. de Castilho; Ivo Castro; Violeta Demonte; Luis Fernando Lara; LGcia Maria Pinheiro Lobato; Elena M. Rojas Mayer; Rosa Virginia Matos e Silva; Ram6n Trujillo; Mirio Vilela

CBlia Regina dos Santos Lopes

A inserggo de agente no quadro pronominal do portuguQ

Iberoamericana

Vervuert

2003

978-84-8489-061-4 (Iberoamericana)

Printed by Publidisa

indice de quadros, tabelas, grrificos e figuras Abreviaturas e convenqBes Introduqiio Revisiio hist6rico-descritiva Perspectivas te6rico-metodol6gicas Pressupostos funcionalistas: o process0 de gramaticalizaqito Perspectiva estruturalista: panorama geral da distinqiio entre nomes e pronomes Nomes x pronomes: o posicionamento no sintagma nominal Pressupostos formalistas: uma tentativa de formalizaqiio dos traqos intrinsecos Da necessidade dos traqos seminticos na configuraqgo das classes 0 s traqos de gCnero nos nomes substantivos e nos pronomes pessoais A especificaqito de pessoa 0 traqo de numero Pressupostos variacionistas: uma teoria da mudanqa lingiiistica Mudanqa em progress0 em tempo real e em tempo aparente Modelos interpretativos da mudanqa em progresso: o comportamento do individuo e o comportamento da comunidade 0 s corpora AnUise em tempo real de longa duraqgo A indeterminaqito no portuguCs arcaico Anhlise dos traqos de gsnero, numero e pessoa em dados quantitativos: a cronologia de a gente Varihveis independentes: o gCnero, o numero e a pessoa Resultados do percurso hist6rico de gente + a gente A perda da subespecificaqiio do traqo de numero: a descaracterizaqito de gente como substantivo A mudanqa na especificaqito formal e semintica de gCnero Manutenqito da pessoa formal e mudanqa da pessoa semintica na pronominalizaqiio de a gente Descriqito dos traqos de genera, nfimero e pessoa: correlaqiio

1

vii 5 9 17 18 21 23

28 30 32 34 35 37 41 42 45 55 55 65 66 68 72 75 80

A inserqso de a gente no quadro pronominal do portuguCs

4.4.1. 4.5. 4.5.1. 4.5.1.1. 4.5.1.2.

4.5.1.3. 4.5.1.4. 4.5.1 -5. 4.5.1.6. 4.5.2. 4.5.2.1. 4.5.2.1.1. 4.5.2.1.2. 4.5.2.1.3. 4.5.2.2. 4.5.2.2.1. 4.5.2.2.2. 4.5.2.2.3.

5. 5.1. 5.1.1. 5.1.2. 5.1.3. 5.1.4 5.1.5. 5.2. 5.3. 5.4.

com nds e a gente Anhlise dos traqos nos dados de fala Anhlise geral do percurso hist6rico de gente + a gente: tempo real de longa duraqiio Fatores linguisticos Posiqlo no sintagma nominal Posiqlo de determinanteslqualificadores dentro do sintagma nominal em relaqlo ao substantivo gente elou i forma pronominal cristalizada a gente Tipos de C-modificaqlo Graus de referenciabilidade Tempo verbal Deixis/anBfora/catBfora Fatores extralinguisticos: a gente no tempo e no espaqo 0 tempo: marcaqlo cronol6gica do processo de gramaticalizaqlo 0 s sCculos XVII - XVIII: a fase embrionlria do processo de gramaticalizaq20 0 sCculo XIX: fase de transiqiio 0 sCculo XX: a consolidaqlo do processo de gramaticalizaqlo 0 espaqo: diferenqas intercontinentais A vertente moqambicana: a forma pronominal a gente j l inserida no sistema Vertente portuguesa: gramaticalizaqlo mais lenta A vertente brasileira: gramaticalizaqgo mais acelerada Anhlise lingiiistica e social de nds e a gente: tempo real de curta duraqiio Fatores linguisticos e extralinguisticos Paralelismo corn P4 Tipologia semilntica do sujeito Saliencia f6nica Tempo verbal Sexo e faixa e t s a 0 estudo em tempo aparente Tempo real: estudo de tendencias Tempo real: estudo de painel

A inser~sode a gente no quadro pronominal do portuguCs

6. 7.

ConsideraqBes finais ReferCncias bibliograficas

iv

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

indice de quadros, tabelas, grlficos e figuras Quadro Quadro Quadro Quadro Quadro

Quadro Tabela Tabela Tabela Tabela Figura Figura Figura Figura Figura Figura Tabela

Tabela Tabela

Disting5o entre nomes e pronomes: posig5o no sintagma nominal (SN) Traqos morfo-semlnticos de gtnero, numero e pessoa de gente e a gente Modelos interpretativos da mudanga lingiiistica: o individuo e a comunidade Corpus do portuguCs arcaico utilizado na anilise quantitativa de homem como indefinido Corpus do sdculo XI11 ao XX utilizado na anilise quantitativa de gente + a gente em tempo real de longa dura950 Distribuiqzo dos inqudritos utilizados Possibilidade de substituiqio por ningu&m/algu&m:homem como indefinido no portugues arcaico Tipologia semlntica do sujeito: homem como indefinido no portugub arcaico Colocaqilo do sujeito na frase em relaqgo ao verbo: homem como indefinido no portuguts arcaico Posig5o no SN: homem como indefinido no portuguts arcaico Percurso histbrico de gente (substantivo) + a gente (pronome) Percurso histbrico de gente + a gente: vhrias possibilidades interpretativas ao longo do tempo Presenga do trago de numero no substantivo gente Presenga do trago de nlimero no substantivo homem 0 trago de pessoa com o substantivo gente 0 traqo de pessoa com a forma pronominal a gente PosigZo do item no SN: Substantivo gente x forma pronominal a gente (variante de nds) no periodo de XVIII a XX Posigilo do item no SN: Substantivo gente x a gente no periodo de XI11 a XX Tipos de C-modificaq50: Substantivo gente x a gente

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portugues

Tabela

4.14.

Tabela

4.15.

Tabela Tabela Tabela Tabela Tabela Figura Quadro

4.16. 4.17. 4.18. 4.19. 4.20. 4.21. 4.22.

Tabela Tabela Tabela Tabela Quadro Figura Quadro

4.23. 4.24. 4.25. 4.26. 4.27. 4.28. 5.1.

Figura Tabela Figura Quadro

5.2. 5.3. 5.4. 5.5.

Tabela Figura Tabela Quadro Tabela Tabela Tabela Figura

5.6. 5.7. 5.8. 5.9. 5.10. 5.1 1. 5.12. 5.13.

com "interpretaqgo ambigua" de XI11 a XX Graus de referenciabilidade: substantivo gente x forma pronominal a gente (variante de nds) de XVIII a XX Graus de referenciabilidade: substantivo gente x a gente (incluindo variante de nds, sujeito indeterminado e casos duvidosos) de XI11 a XX Tempo verbal: dados do sCculo XIX Tempo verbal: dados do portugues do Brasil Deixis/anBfora/catbfora: de XVIII a XX Fase hist6rica: de XVIII a XX Fase hist6rica: de XI11 a XX Percurso hist6rico da pronominalizaqiio de a gente Grupos considerados relevantes por ordem de seleqiio nas diferentes fases Fatores selecionados no period0 de XVII a XVIII Fatores selecionados no sCculo XIX Fatores selecionados no sCculo XX Modalidade diat6pica: todos os dados Grupos considerados relevantes por ordem de seleqiio A gramaticalizaqiio de a gente nos textos portugueses Grupos de fatores selecionados na rodada geral, subamostra de PB e PE Uso de n6s e a gente nas diferentes amostras de PB DCcada: dados do PB Uso de a gente nas tres amostras de PB Grupos de fatores selecionados nas amostras de PB (dCcada de 70, recontato em 90 e nova amostra) Paralelismo com P4 em tempo real de curta duraqiio Presenqa de P4 na vizinhanga de a gente Tipologia semdntica em tempo real de curta duraqiio Niveis da saliencia f6nica Saliencia f6nica em tempo real de curta durag3o Tempo verbal em tempo real de curta duraqso Sexolfaixa etaria em tempo real de curta duraqiio Tempo aparente: uso de a gente no portugues falado culto do Brasil

vi

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

5.14. Uso de a gente no PB em tempo real: estudo de tendCncias Figura 5.15. Estudo de tendencias - uso de a gente entre os homens nas duas dCcadas (PB) Figura 5.16. Estudo de tendCncias - uso de a gente entre as mulheres nas duas dCcadas (PB) Figura 5.17. Estudo de painel do uso de a gente - comportamento individual dos homens Figura 5.18. Estudo de painel do uso de a gente - comportamento individual das mulheres

Figura

148 150 151 152 153

A inserq50 de a gente no quadro pronominal do portuguCs

vii

Abreviaturas 0 Cancioneiro da Ajuda. Cr6nica de DJoiio I de Ferniio Lopes. Crdnica de DPedro I de Ferniio Lopes Oitavo Rei destes Regnos. As Cantigas de DJoan Garcia de Guilhade, trovador do se'culo XIII. Cantigas de Santa Maria. A Histhria dos Cavalleiros da Mesa Redonda e da Demanda do Santo Graal. Compila~amde todalas obras de Gil Vicente. Manuscrito Noticidrio Maranhense, descri~iiodo Maranhiio, suas contendas e peregrinas circunstdncias de 1685. Orto do Esposo, Texto ine'dito dofim do skculo XIV ou comeqo do W. Virge'u de Consola~om. Vida e Feitos de Jtilio Char.

CA. CDJI. CDP. CJGG. CSM. DSG.

OE. vc. VFJC.

AC. AR. DID H1 H2 H3 inq. M1 M2 M3 NURC-RJ

+ + + + + + + + + + +

Amostra complementar (ou nova amostra - dCcada de 90) Amostra recontato Dihlogo entre informante e documentador Homem da primeira faixa ethria (de 25 a 35 anos) Homem da segunda faixa ethria (de 36 a 55 anos) Homem da terceira faixa ethria (+ de 56 anos) inquCrito Mulher da primeira faixa ethria (de 25 a 35 anos) Mulher da segunda faixa ethria (de 36 a 55 anos) Mulher da terceira faixa ethria (+ de 56 anos) Projeto de Estudo da Norma Lingiiistica Urbana Culta do Rio de Janeiro Primeira pessoa do singular

A inserg80 de a gente no quadro pronominal do portugu&s

P2 P3 P4 P6 PA PB PE PnB PoA scc SN [+fern] [-fern] [+PI] [+PI] [+eul [-eul [$ eul

Segunda pessoa do singular Terceira pessoa do singular Primeira pessoa do plural Terceira pessoa do plural Portugues africano (Moqambique) PortuguCs do Brasil Portugues Europeu Portugues no Brasil Porto Alegre SCculo Sintagma nominal feminino masculino singular plural Primeira pessoa Segunda pessoa Terceira pessoa

A inserg50 de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Cena: Beatriz (DPborah Bloch) e AntBnio (Luis Fernando Guimarcies) no apartamento: Beatriz - Anda, AntBnio, a gente tci atrasada. AntBnio - Ncio, atrasada ncio. Atrasado. Quando tern homem no meio, prevalece o masculino. Beatriz - Eu sei, AntBnio. Acontece que eufalei "a gente", "a gente" kfeminino, eu posso muito bem falar: "A gente estci atrasada". AntBnio - Ncio, tudo bem. Vocl e Diana podem estar atrasadas, agora eu e o Clatidio estamos atrasados, no masculino. Beatriz - Tci, tci, tci, tci. Niio vamosjcar discutindo o sex0 dos atrasados, que a gente vaificar mais atrasada ainda. Na cena seguinte, o casal se encontra corn Diana (Fernanda Torres) e Clciudio (Marcos Nanini) ao entrarem no elevador. Diana - Mas a gente tci atrasada? AntBnio - Atrasado, p6, no masculino! Diana - Ai, criatura! 0 sujeito gente tci concordando corn o adjetivo atrasado, e gente 6 feminino, entendeu? Entcio, ncio importa se tern homem no meio, porque homem tambim P gente, ncio k? Por mais atrasado que o homem p a r e p Clciudio - Tambdrn ncio precisa engrossar, nP! Diana - Agora, voc&vai concordar corn ele, vocl nunca concorda comigo. Clciudio - Eu ncio disse que vou concordar corn ele. Diana -Agora vocl vai concordar comigo sd porque eu disse que vocl concorda corn ele, sd para discordar de mim. Clciudio - Mas eu ncio vou concordar corn vocl. Diana - Claro! Vocl vai dizer que P o sujeito gente que ncio concorda corn o adjetivo atrasada. Diana - Por que eu ncio posso dizer que "a gente tci atrasada "? CIciudio - Porque a gente nrTo tci, o jlme comeca daqui a meia hora e a gente tern tempo de sobra... (Episddio "Meninos & Meninas" da SPrie "A Comkdia da Vida Privada" de Luis Fernando Verissimo, levado ao arpela Rede Globo de Televiscio).

Este trabalho visa ao estudo da inserqilo de a gente no sistema pronominal do portugues, inserqilo essa vista como um processo de mudanqa em tempo real de longa duraqilo (do portugues arcaico ao portugues contemporfineo). Diversos estudos (cf. Omena, 1986; Freitas et alii, 1991; Monteiro, 1991; Lopes, 1993) mostraram que o substantivo gente cristalizado na forma a gente passou a fazer parte do nosso sistema pronominal como indicador da primeira pessoa do plural, em variaqilo com o pronome nds. Falta, entretanto, identificar o que determinou este processo de gramaticalizaqio (cf. Heine & Reh, 1984; Lehmann, 1982; Traugott & Heine, 1991; Hopper & Traugott, 1993; Martelotta et alii, 1996, entre outros), que ser6 aqui chamado, para sermos mais especificos, de pronominalizaqio, uma vez que um nome passa a pronome. 0 interesse pel0 tema justifica-se, em um nivel mais amplo, pela necessidade de melhor conhecer e descrever a hist6ria da lingua portuguesa e, em um nivel mais especifico, pela necessidade de explicitar as causas das mudanqas ocorridas no nosso sistema pronominal, identificando os fatores de ordem discursivo-pragmittica e os de natureza sintittico-semiintica que atuam na alteraqgo categorial de nome para pronome, mais precisamente, na mudanqa de gente, como sin6nimo de as pessoas, para a gente, variante de nds. 0 simples levantamento dos dados na amostra diacr6nica utilizada possibilitou verificar que houve perdas e ganhos em termos de propriedades formais e semfinticas dos dois itens. Assim, neste trabalho, propae-se um levantamento dos fatores lingiiisticos e extralingiiisticos que poderiam dar conta do processo de gramaticalizaqzo do substantivo gente. Cabe ressaltar que serzo adotados alguns pressupostos da teoria gerativa e da teoria funcionalista para a definiq2io de nossas hip6teses e para a explicaqilo dos resultados, fazendo-se uso ainda da tkcnica variacionista' - Pacote de Programas computacionais VARBRUL - (Sankoff, 1988), dentro da perspectiva te6rico-metodol6gica da Sociolingiiistica quantitativa laboviana. Este estudo, que ora se apresenta, est6 dividido em cinco seqaes. Na primeira e na segunda, introdut6rias, faz-se uma breve revis50 bibliogrhfica dos estudos sobre o percurso evolutivo de gente + a gente.

' 0 pacote de programas computacionais VARBRUL (=VARiaBle RULe), utilizado em trabalhos de cunho variacionista, permite o tratamento estatistico dos dados coletados, indicando freqiiCncias butas, pesos relativos, etc.

6

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Na terceira, apresentam-se os modelos te6ricos adotados para a formulaq50 das hipbteses, discutindo-se a possibilidade de se adotar uma proposta te6ricometodol6gica eclktica. Defende-se que flexibilizar a aplicaq50 de diferentes correntes lingiiisticas (Funcionalismo, Gerativismo e Teoria da VariaqBo) pode contribuir, no que tange A inserq5o de novas formas no sistema pronominal, para uma descriqso mais eficaz da gramitica do portuguCs. Nos pressupostos funcionalistas, sub-item desse terceiro capitulo, por exemplo, discutem-se alguns noq6es bisicas sobre gramaticalizaq50. Ao pressupor que houve mudanqa categorial, apresentam-se tambCm alguns pressupostos estruturalistas, que auxiliam na identificaqso de caracteristicas bisicas e essenciais para a distinqzo dos nomes substantivos e dos pronomes, em particular, os pessoais. Definem-se, nos pressupostos formalistas, as propriedades formais e semiinticas do substantivo gente e da forma pronominal a gente, na tentativa de formalizar um sistema de traqos primitivos minimo que dC conta desse processo evolutivo. Nos pressupostos variacionistas, discute-se a concepq50 de mudanqa formulada pela sociolingiiistica laboviana (Weinreich et alii, 1968; Labov, 1994). Defende-se, pois, que toda mudanqa implica um period0 de variaq5o e que, quando implementada, acaba por produzir reflexos no sistema lingiiistico e social. Para se chegar a resultados mais confiiveis, no que diz respeito h anilise da mudan~a lingiiistica em curso, torna-se imprescindivel observar os dados em tempo real de longa e de curta duraqgo e em tempo aparente. Apresentam-se, no item 3.5., os corpora diversificados que foram utilizados nas diversas anilises parciais sobre 1) o uso do vocibulo homem como pronome indefinido no portuguCs arcaico 2) o percurso hist6rico de gente + a gente em tempo real de longa duraqgo e 3) a variaq5o entre nbs e a gente em tempo real de curta duraqgo. A partir da discuss50 dos pressupostos te6ricos e das hipoteses levantadas em outros trabalhos, s5o apresentados, no capitulo 4, as anilises na longa d u r a ~ l o . Primeiramente, procura-se estabelecer uma relaqTio entre a perda, no portuguCs arcaico, da forma homem como pronome indefinido e o uso pronominal do substantivo gente, cristalizado na forma a gente, mostrando resultados de uma anilise quantitativa. Em um segundo momento, apresenta-se, com base nos corpora de escrita (skculo XI11 ao XX) e de fala (skculo XX), a descriq50 e interpretaq5o dos resultados relativos aos traqos de gCnero, n6mero e pessoa, verificando a atuaq5o dessas propriedades no processo de gramaticalizaq50 do subs-

tantivo gente. Ainda no capitulo 4, C descrita a analise quantitativa do percurso hist6rico de gente para a gente em tempo real de longa duraqiio, junto com a discuss50 de outros fatores lingiiisticos e extralingiiisticos que teriam interferido na mudanqa categorial. Por fim, no capitulo 5, apresentam-se os resultados da anhlise lingiiistica e social da variaq5o entre nds e a gente em tempo real de curta duraqiio, com base em um corpus constituido por entrevistas do Projeto NURC-FLT feitas na dCcada de 70 e na dCcada de 90, com os mesmos informantes e com informantes diferentes. Conjugam-se, nessa seqgo, os estudos de painel (anhlise do comportamento dos mesmos individuos) e o de tend@ncias(anhlise do comportamento da comunidade) em dois periodos de tempo dentro da proposta de Labov (1994). E s6.

Revisgo hist6rico - descritiva

Em um estudo intitulado Sobre "Formas de Tratamento" na Lingua Portuguesa, Cintra (1972), embora n5o faqa comentiirios sobre a forma a gente - considerada por muitos gramiticos como "forma de tratamento" - discute alguns aspectos hist6ricos que podem auxiliar na identificaqzo das possiveis causas da pronominalizaq50 do vocitbulo gente em portugues, e no seu enquadramento como uma mudanqa interna e externamente encaixada. Segundo o autor (1972: 13), uma caracteristica peculiar ao sistema do portugues atual C "a extraordiniiria variedade e freqiisncia de emprego dos tratamentos de tip0 nominal". Em outras linguas tambCm C possivel identificar, num emprego ocasional, formas nominais de tratamento, mas a sua utilizaq50, no portugugs, C regular e abundante: 0 francts cobre com urn simples vous, o espanhol corn um usted, o italiano com um lei quase todo o campo dentro do qua1 empregamos os tratamentos nominais, e ainda a maior parte daquele em que nos servimos dos pronominais voc& e V.Ex.a (eles pr6prios antigos tratamentos nominais, hoje decaidos semgnticamente e total ou quase totalmente gramaticalizados.(Cintra, 1972:14)

Para ele, as formas de tratamento do portugues europeu atual dividem-se em 3 niveis (formas de intimidade, como tu; formas do tratamento igualitiirio ou de superior para inferior, sem intimidade, voc2, e fonnas de cortesia, K Exa., o senhor, etc.), ao passo que em outros sistemas, como o frances, o italiano ou o castelhano, opi3em-se dois planos: formas de intimidade x formas de cortesia. Cintra mostra ainda que o atual sistema de tratamento difere daquele encontrado nas primeiras fases da lingua portuguesa, fases estas em que n50 havia tratamentos do tipo nominal - pel0 menos n50 localiziiveis nos textos. A oposiq5o se estabelecia basicamente deste modo: tu/vds (plano da intimidade) vs. vds (plano de cortesia ou distanciamento), como at6 hoje em fiances. Esporadicamente, j i no sCculo XV, s%oidentificadas algumas formas nominais, entre elas, Vossa Merci. Essa ultima, recolhida nas atas das cortes de 1331, s6 aparece nas cr6nicas de Fern50 Lopes na boca de estrangeiros, principalmente, castelhanos. Outras formas como Vossa AIteza (1455) e Vossa Senhoria (1442) s5o empregadas ainda com o valor de uma express50 substantiva e por castelhanos que se dirigem ao rei de Portugal.

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A inserqlo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

0 autor atribui a expans50 das express8es nominais como formas de trata-

mento, e sua especializaq30, A hierarquizaqzo da sociedade portuguesa a partir da Alfarrobeira (1449), que "represents a vit6ria da facq3o palaciana de D. Afonso V; o triunfo da corrente senhorial sobre os principios da centralizaq50 rCgia" (Serr30, 1985:97). Cintra (1972:21) esclarece que h5 uma "tendencia a considerar a utilizaq3o de cada um deles (tratamentos nominais) como apropriada s6 para determinada ou determinadas camadas de entre aquelas em que se dividia a referida sociedade". As formas nominais de tratamento sofiem um processo de especializaq30 j B nos fins do skculo XIV. 0 autor descreve esse processo de mudanqa o correlacionando a um processo de hierarquizaq50 cada vez maior da sociedade. Vossa rnerce, que aparece como tratamento para o rei por volta de 1460, deixa de &-lo em 1490. A degradaq50 hierirquica - ou a ascendencia da nobreza? - C progressiva, e a express50 passa a referir-se a duques, depois a infantes, a fidalgos e, no sCculo XVI, jB C usada por Gil Vicente para patr8es burgueses. Vossa Senhoria tambkm sofre, em menor escala, o mesmo processo de perda gradativa de reverencia. Comeqa como tratamento ao rei, passa a ser empregado para fidalgos da nobreza e se estabelece num nivel superior a Vossa MercE. Vossa Alteza se especializa como tratamento ao rei no sCculo XV. A especializaqZio dos vk-ios tratamentos, nessa Cpoca, n5o 15 exclusiva a Portugal e ocorre em diversas regi8es da Europa. Entretanto, na Peninsula IbCrica, tal fen6meno C regulamentado no govern0 de Filipe I1 pelas "leis das cortesias", que estabelecem os limites do emprego de cada tratamento e s5o publicadas, na Espanha, em 1586 e depois, em Portugal, em 1597. A marcaq50 cronol6gica desse processo de gramaticalizaq20 das formas nominais de tratamento C o que mais interessa no estabelecimento de correlaq8es. Em primeiro lugar, a forma v6s "corno tratamento cortes universal e finico, apt0 para ser utilizado em qualquer circunst2ncia, mesmo em alocuq8es dirigidas ao rei, s6 esteve em Portugal em vigor at6 aos principios do sCculo XV" (Cintra, 1972:46). A partir dessa $oca, surgiram, ao lado de vds - para a referencia ao rei, depois aos fidalgos e, por fim, a qualquer pessoa - diversas formas nominais que sofreram uma acelerada degradaq30 semhtica, mas acabaram por ocupar o plano das formas de cortesia. No sCculo XVIII, vbs, empregado para um finico interlocutor, tido como traqo arcaizante - fala de pessoas velhas e provincianas - praticamente cai em desuso.

Revisgo hist6rico - descritiva

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Para o lugar que o v6s deixou vago no sistema, apresentou-se o vocC (...) semelhante pelas origens As referidas fbrmulas, mas muito mais evoluido dos pontos de vista semilntico e fonktico, estava o caminho aberto para a progressiva invasgo e expansgo das outras formas substantivas que levam o verbo para a 3a pessoa. (Cintra, 1972:35-38) As causas da degradaqzo do vds como forma de cortesia precisam ser identificadas em termos das modificaqaes operadas no sistema. Depreende-se, na implementaqBo dessa mudanqa, tanto um encaixamento social quanto linguistico. A ampliaqzo e especializaqzo do emprego de formas nominais como tratamento de cortesia esth intimamente ligada, num primeiro momento, h consolidaq80 de uma sociedade dividida em grupos. Tal propagaqzo, em um esthgio inicial, foi impulsionada pela corte e a nobreza a ela ligada (ambas saidas da revoluq5o de 1383-1385) que adotaram e degradaram o emprego inicial das formas nominais de tratamento cortts. Em termos linguisticos, a perda do tratamento por v6s e a sua substituiqgo por um tratamento que conduzia o verbo para 3a pessoa foi certamente favorecida por uma tendzncia para simplificar, num sector em que a gramatica portuguesa se apresenta particularmente complexa: a flexgo verbal, extremamente rica em formas bem diferenciadas. (Cintra, 1972:36) Redirecionando a revis30 hist6rico-descritiva mais particulannente para o nosso objeto de estudo, resgatamos aqui a etimologia da forma gente. 0 substantivo gente origina-se do substantivo latino ggns, gzntis: "raqa", "familia", "tribo", "o povo de um pais, comarca ou cidade". Meyer-Liibke (1935), no verbete 3.735, gens, - gnte faz refertncia a homo gentis (pessoa da familia). Em Corominas (1980), encontram-se abonaqaes desde o skculo XI11 at6 o skculo XV, havendo predominio do uso plural (las yentes) no espanhol. Em portuguts, h i exemplos do substantivo, tanto no singular, quanto no plural, em textos do skculo XI11 ao XV, como se pode ver nestes trechos extraidos das Cantigas de Santa Maria (sCculo XIII): (1)

(2)

No que o moqo cantava I o judeu meteu mentes, e lev6-o a ssa casa, I poi se foram as gentes. mas o monge Ila cuidou fillar, mas disse-11' a gente.

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A inserq8o de a gente no quadro pronominal do portugui?~

A partir do stculo XVI, a forma singular ganha terreno, e o plural entra, gradativarnente, em desuso, embora ainda se encontrem exemplos do tip0 at6 o sCculo

XIX. (3)

Juiz - Agora vamos n6s jantar (Quando se disp5em para sair, batem ti porta). Mais um! Estas gentes pensam que um juiz C de ferro! Entre, quem C? (SCc. XIX, 0juiz de Paz na roqa, Pena 1815-1848).

Corominas (1980) afirma que a forma plural do substantive, no espanhol, fica relegada ao estilo eclesi~stico(el apbstol de las gentes). Vasconcellos (1906), Huber (1986) e Nascentes (1953), ao cornentarem as particularidades da concord5ncia no portugub arcaico, referem-se a casos de concordincia semiintica, quando o sujeito, formalmente no singular - mas com significado plural ou coletivo -, leva o predicado para o plural: (4)

(5)

Se esta gente... NIo queres que padeqam vituperio... (SCc. XVI, Lusiadas, I, 38,3-5). a gente da terraperdem suas casas e suas roupas e non as querem mais recobrar... (SCc. XV, Livro da Cartuxa, Dias 1982:45).

Corominas (1980) referenda esse aspect0 ao afirmar que tal uso era corrente na Idade MCdia. A concordincia com o plural pode, segundo Vasconcellos (1906), ser um recurso, entre tantos outros no portuguCs arcaico, para expressar a impessoalidade do sujeito. (6)

nehtia persoa nom dB a mym molesta, mas toda gemte te lamga de ssy com nojo que de ty ham. (SCc. XV, Livro de Esopo, Vasconcelos 1906, XXIII).

Aparentemente, a concordiincia semiintica n2o se processava apenas com relaqiio As propriedades de n6mer0, mas tambCm no que se refere ao genera, uma vez que "tambtm gentes se liga por vezes, no sentido de homens, a predicado masculino" (Huber, 1986:280). Observe-se ainda o exemplo: (7)

E por jsto disse Salamom: hi hb huii caminho que aos homEes parece bemdereito, mCs na fim leuaos ao Inferno, ca muytas hi ha de gentes de que he dauer doo, que cujdam estar em camjnho de saude, e som

Revisgo hist6rico - descritiva

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a u y a d ~a perdiqon. (SCc. XIV, Do "Castello perigoso ", Vasconcelos, 1959:50).

A relaq5o com o vochbulo homem, seja funcionando como substantivo, seja como pronome indefinido, no portuguCs arcaico, t tema recorrente nas gramhticas hist6ricas, principalmente quando se apresentam os recursos possiveis de indeterminaq50 do sujeito. Essa transiq50 nome -+ pronome C mencionada tambtm por Said Ali (197 1:116): Tem de comum estes dois pronomes [Homem - uso comum no portuguts primitivo at6 o sic. XVI e a gente - usado principalmente na linguagem da atualidade] o mostrarem visivelmente que se originaram cada qua1 de um substantivo; ou melhor, sgo nomes que assumem cartiter pronominal quando usados, ngo jb na acepq50 prbpria, mas para indicar agente vago e indetenninado. Mais recentemente, as gramhticas normativas, que raramente explicam fenbmenos jh consagrados na linguagem coloquial, n5o apresentam uma posiq5o coerente e ~ n i c aquando se referem A forma a gente. A classificaq50 6, em geral, controvertida, pois ora consideram a gente como "f6rmula de representaq50 da 1" pessoa" (Cunha & Cintra, 1985:288), ora como forma de tratamento (Bechara, 1967:117; Almeida, 1985:172), ou ainda como pronome indefinido (Said Ali, 1971:116 e Melo, 1980:122), comenthrios apenas em notas de rodapC. 0 carater genCrico e globalizante que a gente herdou do substantivo gente levou diversos pesquisadores a analisar esse uso da forma como um recurso para indeterminar o sujeito (Rollemberg et alii, 1991 e Cunha, 1993). Entretanto, n3o se pode, no atual esthgio evolutivo, considerar a gente como pronome indefinido, mas sim como pronome pessoal, uma vez que, como aponta Nascentes (1953:170), nas classes incultas no Brasil, o verbo deixa de estabelecer a concordiincia formal para fazer concordiincia semhntica com a primeira pessoa do plural, pois "a pessoa que estii falando tem em mente a sua pessoa e as mais, com ela associadas": "a gente vamos hoje"; "a gente tinhamos de voltar ".

GENTE [NOME GEN~RICO]

+

A GENTE [PRONOME INDEFINIDO]

+

A GENTE [PRONOME PESSOAL]

A inserqlo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

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Tambtm, entre falantes ditos cultos, C possivel localizar urn paralelismo estrutural entre a a gente e nds. (8)

a gente andava de bicicleta, era o esporte predileto nosso (NURC-PoA, Inq. 045).

Considerar a gente como variante de nds, implica admitir que a forma nds, tradicionalmente entendida como "plural de eu", pode apresentar vhrias possibilidades de compreenstio: eu+tulvoce^, eu+elelela, eu+vdslvoc~s, eu+eles, eu+todos. E o que Benveniste (1988) convencionou denominar de "eu-ampliado". A forma plural refere-se a um conjunto de pessoas com quem se fala, admitindo tambCm um valor indeterminado, abrangente, genCrico e ate difbso. A diferenciaggo semhtica coaduna-se com uma distinqb formal, uma vez que o sentido express0 e os radicais das formas eulnbs e tulvds s5o completamente distintos. A introduqiio de formas como voct?(s)la gente ratifica a idCia de que a pluralizaqiio do eultu por ndslvds niio se processa pela jung8o de elementos iguais, como se percebe no exemplo: (9)

Havia uma tradiqlo, desde a copa do mundo de cinqifenta, pel0 menos aquele pessoal que assistiu e se lembra daquilo. Ah, at6 nds sairmos perdendo. EntFio, acho que foi o jog0 mais emocionante. 0 Brasil estava jogando ma1 (NURC-PoA,inq. 18).

0 falante emprega a forma nds para se referir a ele pr6prio (o EU), ao interlocutor (TU/VOC@, aos jogadores que participam da partida, aos torcedores, enfim, a todos os brasileiros. Seguindo a perspectiva funcionalista, Omena & Braga (1996:82) procuram mostrar a gramaticalizaqcib de a gente aplicando os cinco principios que Hopper (1991) aponta como primeiras etapas no process0 de gramaticalizaqclo de formas: 1) layering 2) diverge^ncia 3) especializaqio 4) persist2ncia 5) decategorizaqio

Revisgo hist6rico - descritiva

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0 primeiro deles diz respeito 3 coexistencia de variantes dentro de uma mesma 5rea funcional. Como estudos anteriores ja mostraram (cf. Lopes, 1993; Omena, 1986; etc.), a substituiq50 de nds por a gente ainda 1150 se processou por completo, e ambas as formas ainda est2o em competiq50, principalmente, no portuguh falado no Brasil. 0 principio da diverggncia esth relacionado 3 manutenq5o do item lexical original (substantivo gente que conserva ainda sua integridade fonoldgica e semsintica: muita gente, esta gente, etc.). A especializaciio refere-se i limitaqzo das opqbes que caracterizam a construq50 gramatical emergente, podendo chegar a um esthgio de obrigatoriedade em certos contextos. Omena & Braga (1996) enfatizam, por exemplo, o uso mais significativo de a gente como adjunto adverbial entre os falantes n5o-cultos. A manutenq50 de alguns traqos semsinticos da fonna original, como a referencia indeterminadora de gente que permanece na forma pronominal, corresponderia, dentro da proposta de Hopper (1991), ao principio dapersist&cia. Por 6ltim0, a decategorizaqiio "estipula que as formas em processo de gramaticalizaciio tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfol6gicos e os privilCgios sinthticos caracteristicos das categorias plenas e a assumir os atributos das categorias secundhrias" (Omena & Braga, 1996:Sl). Reighard (apud Menon, 1996), ao discutir a hierarquia das categorias, propbe que as categorias lexicais primhrias (substantivo, verbo e adjetivo) passariam para uma categoria gramatical secundhria (auxiliar, determinante, pronome) que poderia passar para uma categoria tercihria (cliticos, afixos). As autoras concluem que o substantivo gente esta realmente se gramaticalizando, sendo esta gramaticalizag%o"uma mudanqa cujo inicio n5o se pode precisar" (Omena & Braga, 1996:82). E C justamente esse um dos nossos objetivos: mapear na diacronia o percurso histdrico desse processo, identificando o seu inicio, sua fase de transiqzo, e, por fim, apontando as causas desse processo de gramaticalizaqtio da forma a gente.

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A inserqilo de a gente no quadro pronominal do portuguts

xamento na estrutura social. Deve-se considerar, ainda, que a maneira mais eficaz de se explicar o processo hist6rico da lingua e a variaq%oinerente ao sistema C combinando fatores internos e externos (sociais). Dessa forma, ser%oadotados alguns pressupostos da teoria gerativa e da teoria funcionalista para definiqgo de nossas hip6teses e explicaq20 dos resultados, fazendo-se uso da tCcnica variacionista (Pacote de Programas VARBRUL), dentro da perspectiva te6rico-metodol6gica da Sociolingiiistica quantitativa de base laboviana.

3.1. Pressupostos funcionalistas: o processo de gramaticalizaqilo Para se afirmar que a gente esti se gramaticalizando, cabe antes tentar compreender em que consiste a gramaticalizaqiio. Muitos estudos sobre o fen6meno ti2m sido produzidos nesta dCcada e por isso talvez seja dificil uma revisgo completa de toda a bibliografia disponivel. N%ose trata, entretanto, de um fen6meno novo, Meillet (19 12, apud Castilho, 1997:10) jh tinha cunhado o termo gramaticalizaq%o,como C lugar comum dizer, mas houve, nos cltimos anos, um incremento nas pesquisas, principalmente, de base fincional (cf. Heine & Reh, 1984; Lehmann, 1982; Traugott & Heine, 1991; Hopper & Traugott, 1993; Martelotta et alii, 1996, entre outros). Castilho (1 997), revisitando o tema, ressalta, no entanto, que a gramaticaliza$20 C um fendmeno que vem sendo estudado por diferentes correntes tebricas, embora nem sempre se saiba claramente qual delas subjaz aos in6meros estudos realizados. 0 principal ponto da discuss%on%oC chegar A conclus~ode que C o discurso, como privilegiam os funcionalistas, ou a gramhtica, como apregoam os formalistas, que desencadearia os processos de gramaticalizaq%o,mas que haveria processos cognitivos anteriores que ativariam as potencialidades dos itens lexicais. Concebe-se, pois, o lCxico "como o m6dulo central da lingua, em que est%odepositados itens j9 marcados por propriedades gramaticais, discursivas e semilnticas" (Castilho, 199759). A questto C por demais complexa e n%oC objetivo de nosso trabalho resolve-la. 0 que se pretende aqui C compreender as raz6es postuladas para o desencadeamento do processo, tentando aplich-las em nosso objeto de estudo. Hopper & Traugott (1993) apontam a diversidade de sentido do termo gramaticalizag50, enfatizando que o fen6meno pode ser estudado dentro de uma perspectiva histbrica, na qual, em geral, se prefere o termo gramaticaliza~fio,ou

Perspectivas Tebrico - Metodolbgicas

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numa perspectiva sincrbnica, na qua1 o termo gramaticizaqiio C o preferido. A perspectiva histbrica, que mais nos interessa aqui, ve a gramaticalizaqgo como um subconjunto da mudanqa lingiiistica, "um tipo de mudanqa sujeita a certos processos gerais e caracterizado por certas conseqiiCncias, tais como a mudanqa na gramhtica" (Traugott & Heine, 1991:3). A gramaticalizaq80 ocorreria quando um item lexical se torna, em certas circunstlncias, um item gramatical ou quando itens gramaticais se tormam mais gramaticais. E n3o C s6 isso: interessa saber inclusive como formas gramaticais surgem, como sgo usadas, dando forma As linguas. E o que C "tornar-se mais gramatical"? Martelotta et alii (1996:46) respondem a esta pergunta ao afirmarem que "dizer que um item se torna mais gramatical significa dizer que ele passa a assumir posiqbes mais fixas nas sentenqas, tornando-se mais previsivel em termos de us~''. H i um processo continuo de regularidade e previsibilidade no momento que o item perde a eventualidade criativa do discurso para ser regido por restriqbes gramaticais. E como se os elementos lexicais fossem perdendo suas potencialidades referenciais de representar aqbes, qualidades e seres do mundo biossocial e fossem ganhando a funqBo de estruturar o lCxico na gramhtica, assumindo, por exemplo, funqbes anafbricas e expressando noq6es gramaticais como tempo-modo, aspecto. Um exemplo recorrente, no portugues, C a passagem de vocibulo a morfema que ocorreu com o auxiliar modal haver de contruqbes latinas do tip0 amare habeo que se tornou morfema de futuro no portugues [re/ra] de amarei. Na bibliografia referente ao tema, encontramos diferentes tipologias, principios ou fases da gramaticalizaq50. Hopper (1991), como j i mencionado, apresenta 5 principios: estratificaqao (='layering'), divergsncia, especializaqiio, persistcncia e decategorizaqiio. Lehmann (1982) tambCm elenca cinco principios: paradigmatizaq50, obrigatoriedade, condensaqiio, coalesdncia, fixa$20. Entretanto, apesar da diversidade terminolbgica, percebe-se que as propostas se complementam e convergem para principios mais gerais. Castilho (1997) propbe os seguintes: a analogia, a reanAlise, a continuidade/gradualismo e a unidirecionalidade. Discute-se, pois, o que pode ser considerado como essencial para explicar o processo de gramaticalizaqgo morfossintitica. Concordamos com Castilho (1997) quando diz que a gramaticalizaqgo pressupbe continuidade e gradualismo. Meillet (1912, apud Castilho, 1997)j i considerava a gramaticalizaq50 como um processo inacabado, sem fim, sendo dificil precisar suas fases ou processos evolutivos. Parece que, na maioria dos casos,

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A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portugues

um item dito gramaticalizado n20 assimila de forma completa e acabada as propriedades, sejam morfossinthticas, sejam semiinticas e at6 mesmo discursivas, da categoria da qua1 passam a fazer parte. 0 principio da persistencia de Hopper (1991:124), confirma tal perspectiva, quando se postula que "alguns traqos do significado lexical original de um item tendem a aderir A nova forma gramatical, e detalhes de sua histbria lexical podem refletir-se na sua distribuiq20 gramatical". A gramaticalizaqiio de ille (pronome demonstrativo latino) para ele (pronome pessoal do portugub) exemplificaria bem tal posiq2o. 0 pronome pessoal ele mantCm a propriedade de flex20 de gCnero (ele/ela) e numero (ele/eles) dos demonstrativos. 0 s pronomes pessoais "legitimos" nlo sofrem flexlo de generolnumero (eu/nds, tu/vds), pois s2o itens lexicais diferentes, e n2o a variaqlo de um mesmo item. Considera-se que as formas de primeira e segunda pessoas teriam uma maior dimens20 pragmhtica, no sentido de serem os verdadeiros vochbulos dCiticos situacionais. As formas de terceira pessoa s2o em geral menos situacionais e mais textuais, ou seja, anafbricos. AlCm disso, a forma & (de ille) caracteriza-se, como apontou Benveniste (1988), como a "n2o-pessoa" em oposi@o As verdadeiras pessoas do discurso (quem fala - eu - versus quem ouve tu). Pode-se dizer, ainda, que a forma de terceira pessoa se comporta mais fieqiientemente como elemento anafbrico do que dCitico, o que C mais raro para as outras pessoas. Enfim, como aponta Castilho (1997:37), a inserqlo de ele no sistema pessoal "cinde o quadro em dois tipos distintos de pronomes, com reflexos na sintaxe e em sua interpretaqgo semintica". 0 gradualism0 ou a persistencia tambCm jh foram verificados com a forma a gente por Omena & Braga (1996) e Menon (1996), uma vez que a forma pronominal herdou a referencia indeterminadora, genCrica e a no950 coletiva do substantivo gente, no920 que tambCm pode ser expressa pel0 nds. Falta-nos precisar, e esse C nosso intuito, que outras propriedades da "classe-origem" se mantiveram e quais traqos da "classe-destino" n2o foram completamente adquiridas pela forma gramaticalizada a gente. Um process0 sintagmhtico da gramaticalizaq20 freqiientemente discutido na literatura especifica sobre o assunto, e que nos interessa em particular, C o que Croft (1993) chama de rigidificaqao da posiq2o dos vochbulos na ordenaqIo da fiase. Lehmann (1982) o cunhou de fixaqao e Heine & Reh (1984) o chamam de permutaqlo. Em sintese, tem-se a fixaqlo da posiqlo sinthtica de um elemento que era formalmente livre (Croft, 1993). Lehmann (1982a), ao comentar a variabilidade sintagmhtica, argumenta que hh gramaticalizaqlo "forte" quando um

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

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item que se podia mover livremente nas estruturas passa a ocupar lugares gramaticais fixos. No caso de a gente, Menon (1996:623) afirma que houve uma "cristalizaq~o"da forma que passou a assumir urn carater pronominal, pois "ngo poderia mais sofrer expansgo ou concordfincia ou receber adjetivaqgo ou determinaq%07'. Em principio, se estamos pressupondo que na gramaticalizaqb de gente (nome) + a gente (pronome), houve mudanqa categorial, C precis0 definir, primeiramente, as propriedades de cada uma das classes e depois verificar as que se mantiveram e as que se alteraram.

3.2. Perspectiva estruturalista: panorama geral da distinqilo entre nomes e pronomes Cfimara Jr. (1970), numa tentativa de hierarquizar os critCrios para definir as classes gramaticais, opBe trCs grandes classes morfo-semanticas (nomes, pronomes e verbos) que se subdividiriam em termos funcionais em elementos determinados e determinantes. A combinaq%odo critkrio m6rfico com o semdntico deveu-se, basicamente, ao fato de tanto os nomes quanto os pronomes, em termos gerais, admitirem flexgo de gCnero e numero (ele/ela; eles/elas, aquele(s)/aquela(s)). Considera-se, entretanto, que o gCnero C uma propriedade imanente ao substantivo: Mateus (1974, apud Laroca, 1994) diz que o status morfo16gico do gCnero do substantivo C lexical, isto C, evidenciado no lCxico e no dicionhrio, ao contrtirio do adjetivo que teria status morfol6gico flexional. Dentro dessa perspectiva, a distinqgo entre as duas classes seria mais semdntica que morfol6gica, pelo car6ter representativo (simb6lico) do nome, em oposiqgo ao cartiter indicativo ou mostrativo (dCitico) da outra classe. Outras propriedades peculiares, ainda segundo Cdmara Jr., estabeleceriam o contraste. Embora ngo necessariamente expressas pela flex%o,os pronomes apresentam trCs caracteristicas privativas: a noqgo de pessoa gramatical, situando a referencia do pronome em funqgo do falante (eu, nbs), do ouvinte (tu/voc8, vds/vocGs), ou fora da alqada dos dois (ele/ela, eles/elas); a noq%ode caso - variaqgo de forma de acordo com o caso (eu nominativo x me/mim acusativo e genitivo) - e o gCnero neutro - referencia a entidades inanimadas (isso/aquilo).

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A inserqgo de a genre no quadro pronominal do portuguCs

Com relaqlo As propriedades sinaticas, Barrenechea (1963) nlo vC necessidade de considerar a classe dos pronomes como uma classe hncional A parte, porque, segundo ela, as palavras de significaqlo pronominal se enquadram, de acordo com a funqlo sinthtica, em uma das tres subdivis6es funcionais propostas por Ciimara Jr. (substantivos, adjetivos e adverbios). Apesar de os pronomes e os substantivos exercerem as mesmas funq6es sinthticas (ndcleo do sujeito, complementos e sintagmas preposicionados), hh pel0 menos urna diferenqa fundamental em termos de comportamento sinthtico: os pronomes, principalmente os pessoais, ao contrhrio dos nomes, n50 podem ser antecedidos por determinantes e funcionam, em geral, como nlicleos isolados no sintagrna nominal (SN). Certamente nZo C no nivel oracional que melhor serlo identificadas as diferenqas entre a classe dos nomes e a subclasse dos pronomes pessoais, porque ambas exercem funq6es sinthticas equivalentes (Alarcos Llorach, 1970), fato que tem levado alguns autores a nlo julgarem necesshio postular uma classe A parte para os pronomes (Barrenechea, 1963). Se em termos oracionais as distinq6es nlo sZo estabelecidas, num nivel hierarquicamente mais baixo, no SN, as posiq6es ocupadas e as funq6es exercidas slo diferentes. Em primeiro lugar, jh se pode rever a concepqlo tradicional que define o pronome como substituto do nome. Na verdade, h i diversos pontos que precisam ser discutidos. A idCia de substituiqgo ngo se aplica a toda a classe de pronomes, sendo restrita a alguns deles. Formas pronominais que se caracterizam como determinantes, particularmente os possessivos, n%opodem substituir um nome: (Maria/ela/aquela/algu~rn/*rninha foi A festa). Outro aspect0 que merece atenqlo C o fato de a dita substituiqlo nlo ser necessariamente do nome, mas de todo o SN. Caso o SN tenha como ndcleo apenas um nome, a substituiqZo sera exclusiva; caso contrhrio, o pronome tomarti o lugar de todo o sintagma: a) Patricia viajou x ela/algutm viajou; b) Aquela esperta menina de tr&sanos viajou sozinha x ela/algutm viajou sozinha; c) A casa de Luzia C velha x A sua casa C velha. A substituiq50 apenas do nome em (b) torna agramatical a oraq8o: "*Aquela esperta ela/algu&rnde trgs anos viajou sozinha". A quest50 C por demais complexa. Em primeiro lugar, porque n8o se pode considerar a classe dos pronomes como um todo, mas C necesshrio discutir cada uma das suas subclasses, observando, inclusive, outras subclassificaq6es nas pr6prias subclasses. Em segundo lugar, 6 imprescindivel discutir as fungees e-

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

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xercidas por pronomes e nomes dentro do SN, tentando estabelecer disting8es. E, por fim - e talvez seja esse o ponto mais importante -, observar a releviincia das posiq6es ocupadas e hnq6es exercidas pelos nomes e pronomes dentro do SN para a discuss20 sobre referenciabilidade nominal e pronominal.

3.2.1. Nomes x pronomes: o posicionamento no sintagma nominal 0 s problemas advindos da utilizaqiio de diferentes criterios para a definigzo de cada uma das classes de palavras nas gramtiticas tradicionais do portuguss niio constituem novidade para professores e lingiiistas (Barrenechea, 1963; Ciimara Jr., 1970; Azeredo, 1992; Monteiro, 1992; Schneider, 1973; Basilio, 1987 e 1995, Perini, 1995, entre outros). Para caracterizar as subclasses dos pronomes em oposigiio ao nome substantivo, adotam-se os criterios morfossint6ticos. Dentro do SN, C precis0 distinguir o nccleo, "constituinte que pode desempenhar a fungzo de toda a construg20" (Barrenechea, 1963), dos modificadores e/ou dos determinantes. Estes Gltimos podem ser constituintes que se ap6iam nos nGcleos sem conectivos (modificadores diretos) ou com conectivos (modificadores indiretos). Outro aspect0 distinto, a ser levado em conta, C a posiqiio dos determinantes em relag20 ao n6cleo do sintagma. Enquanto os nomes substantivos admitem maior liberdade quanto a anteposig20 elou posposiq20 de um modificador ( a ~ u e l agente esperta), i s formas pronominais imp8em-se algumas restriq8es (eu prburia, *este/o eu). Nesse momento, discutem-se as razaes para o estabelecimento de uma distin920 entre a anteposiqzo de determinantes/modificadores e a sua posposiqiio. Considera-se que alguns determinantes/modificadoresque antecedem o nGcleo do SN ou, nos termos de Perini (1999, os elementos da 6rea esquerda, ocorrem em posig6es mais fixas por pertencerem a classes fechadas, como os artigos, os demonstrativos e os possessivos. A dita 6rea da direita, ou melhor, os modificadores pospostos ao n6cleo constituem uma classe aberta de itens. Perini (1995: 101) afirma que urn dos fatores que facilitam a anllise da Area esquerda C que a maioria das funqbes s%oocupadas por itens especializados; assim, nosso s6 pode ser Possessivo, aquele s6 pode ser Determinante, etc. Isso nos fornece uma sCrie de pontos de referencia para analisar sintagmas. Essa facilidade, entretanto, 6 muito dimi-

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

nuida na Area direita: embora haja tamb6m ai itens especializados, a norma 6 a polivaltncia funcional. Conseqiientemente, as dlividas de anhlise sgo muito mais freqiientes. Na proposta do autor, a Brea esquerda compreende, em termos de SN mhximo (= todas as posiqties possiveis), 10 posiqi3es (6 fixas e 4 variiveis), mas apenas 7 hnqaes, pois s6 uma posiqgo varitivel C ocupada por vez. Embora as 6 hnqties sejam fixas (ngo permutiveis) quanto A sua ordenaqgo no sintagma, elas ngo tCm presenqa obrigat6ria. S2o elas: (Det)erminante (0, este, aquele, algum) (Poss)essivo (meu, nosso, etc.), (Ref)orqo (mesmo, prdprio, certo); (Qf) Quantificador (poucos, vbrios, diversos), (PNE) Prbnticleo externo (mero, pretenso, meio, etc. [classe aberta]) (PNI) Prk-nticleo interno (mau, novo, velho, grande). As posiqi3es variitveis (PV), que ocorrem no interval0 das posiqi3es fixas, podem ser ocupadas pel0 (Num)erador (outro, dois, trzs, et~.).0 esquema do autor para um SN mhximo 6 o seguinte: [Det

10s

PV4

Poss

PV3

Ref

meus

tres

mesmos

PV2Qf PVl

Pne

supostos

Pnl (NQcleodo SN)]

velhos amigos]

Observa-se que os pronomes, por pertencerem a uma classe gramatical fechada, ocupam mais comumente a Brea esquerda e nZo sZo tZo facilmente permuthveis. E por essa raz5o que, nos pronomes pessoais, a determinaqgo, quando ocorre, C mais comum por posposiq%oque por anteposigb e limitada a certas palavras, que hncionam, nas palavras de Perini (1995), como intensificadores, quantificadores, numeradores, ou reforqo,: eu mesmo, somente voc8, nds trzs, nds prbprios. Existem ainda outros aspectos a considerar antes de estabelecer urna oposiqiio entre as hnqties/posiqi3es que nomes e pronomes podem assumir no SN. Em primeiro lugar, n2o serZio levados em conta, como determinantes/modificadores, nem o item todo/a(s), nem certos advdrbios que "modificam substantives", como C o caso de somente em contextos do tipo Somente Andrc! percebeu a situado (Perini, 1995:342).

Perspectivas Teorico - Metodol6gicas

25

Com rela@io ao termo todo/a(s) - o predeterminante de Perini (1995:108) -, deve-se levar em conta que se trata de um "termo que nZo pertence B estrutura do SN", pel0 fato de poder ser "transportado para posiq6es ngo-contiguas ao que seria o restante de seu S N . No seu estudo sobre os quantificadores indefinidos, Castilho (1993:229) conclui que o indefinido todo, do ponto de vista sintagmitico, apresenta um comportamento sinthtico muito peculiar, pois C o 6nico da classe que pode figurar na 6ltima posiqgo prbnominal possivel num SN, isto 6, a posiqgo mais distante do nucleo, "mostrando assim que esse indefinido marginal evidencia um grau minimo de conexidade com o nome". Observem-se os exemplos: Todos n6s fomos sair. N6s todos fomos sair. N6s fomos todos sair. Tal item, por sua liberdade de movimentaqgo, invalidaria qualquer proposta, pois pode vir anteposto e posposto B maioria dos itens, inclusive aos pronomes: Todos nos ...modas elas...lelas todas... Todos estes livros/Todos aqueles...Iaqueles todos.../Todos meus livros... Outros modificadores atipicos, que nZo sergo considerados aqui, sgo certos advCrbios que estranhamente podem funcionar como modificadores de substantiVOS.

Somente eu.../Talvez voc&....lNem ele.... Feitas essas ressalvas, os traqos utilizados para caracterizaqgo dos pronomes face aos nomes substantivos sZo, em suma: 1. ser nucleo isolado no SN [f nucleo isolado]; 2. admitir um determinantelrnodificador anteposto [kdetteanteposto]; 3. admitir um determinantelmodificador posposto [+detfeposposto]; 4. admitir simultaneamente determinantelmodificador anteposto e posposto [+detF" simultbnea]; 5. funcionar c m o deterrninante [ f dette].

26

A inser~iiode a genre no quadro pronominal do portuguCs

Descritivamente, poder-se-ia dizer que os pronomes, principalmente os pessoais, ao contririo dos nomes, n50 podem ser antecedidos por determinantes e funcionam, em geral, como nficleos isolados no SN. Pode-se dizer "a menina falou", mas "*a ela falou", ou "*o eu falei" seriam agramaticais. 0 s pessoais admitem um determinante posposto, que se restringe a adjetivos (mesmo, prdprio) e a numerais: "eu mesmafiz isso, nds mesmosfizemos tal coisa, nds tr&sfomos ao cinema". Quanto a esse aspecto, considera-se ainda a diferenqa que se estabelece entre as formas P1 e P2 no singular e no plural. A restriqilo quanto aos determinantes nas formas do singular (eu, tu/voc&) C bem maior que com as formas plurais. Nessas idtimas, C possivel a determinaqilo com numerais (nds tr&s,vocb quatro) e de lexias do tipo (tr2s de nds). Com formas no singular, s6 6 possivel a modificag50 pelos adjetivos mesmo e prbpria (eu mesma, eu prdpria). Enquanto os pronomes pessoais nilo podem ser determinados e devem ocorrer isolados no SN (*o/este eu; *este eu), os demonstrativos varihveis (este(s)/esta(s); aquele(s)/aquela(s)) tambtm n5o podem ser determinados, mas lipodem funcionar como nlicleo isolado no SN e como determinantes (*o livro). vro; este k o meu livro; Proptie-se que os indefinidos, por sua vez, sejam divididos em dois subgrupos: 1) os que variam em gCnero e, i s vezes em nlimero, como 15 o caso de algum(a)/alguns/algumas, nenhum(a) e 2) aqueles que silo nilo-varihveis, como algukm, ningukm, nada, algo. 0 s indefinidos varihveis silo, em geral, determinantes (Almns/vdrios rapazes estavam aqui). 0 s n8o-variiveis funcionam, fieqiientemente, como nficleo isolado no SN (Ninmkm chegou), s5o raramente antecedidos por determinantes (*/?este ninmkm fez isso/a~uelealaukm perguntou por vocb), mas podem ser seguidos por qualificadores (Niio vejo ninmkm &ressante nessa festa). 0 s demonstrativos, com genero neutro, (isso, aquilo) apresentam comportamento similar ao dos indefinidos n5o-variiveis. 0 quadro' a que se chega C o seguinte:

'

0 uso de valores (+) (= positivos) ou (-) (= negativos) no quadro 1150 significa dizer que h i presenga (+) ou ausencia (-) exclusiva de uma determinada propriedade postulada por uma ou outra subclasse, mas sim que h i maior ou menor tendencia de tal propriedade o-

correr, ou nlo, com a categoria x ou y. 0 fato de uma caracteristica ser marcada negativamente nlo quer dizer que a subclasse de pronomes corn tal valor nunca funcione na posi$80 postulada, mas, certamente, ocorre "menos" que uma subclasse marcada positivamente.

27

Perspectivas Tebrico - Metodolbgicas

I Pessoais

I

I Nucleo iso-

lado detteantepost0 det" posposto detqaO simul-

Quadro 3.1.

I I

I I

( Demons- I Indefinidos 1 lndefinidos I Possessives I Nomes

I + I

+

-

-

+

+

-

I

1 trativos 1 variiveis I nfo-varii- I

-

I

I

I

I veis + I

+

-

-

+

+

+

+

-

+ +

-

-

+

I

I

+

Distinqio entre nomes e pronomes: posiqfo no SN.

Observa-se que os pessoais e os indefinidos/demonstrativos nco-varidveis apresentam os mesmos traqos, pois tendem a ocorrer como nucleos isolados no SN. Entretanto, niio h i problema em consideri-10s com os mesmos traqos quanto A posiqiio no SN, porque os traqos de gCnero, ncmero e pessoa dos pronomes pessoais determinariam as diferenqas. As formas pessoais, em geral, siio marcadas, ou para pessoa, como o eu/tu; nds/vds, ou para gCneroInt~mero,como ele/ela/eles/elas; logo a distinqiio continua existindo. 0 s pronomes pessoais se oporiam aos demonstrativos pelo traqo [+dte] versus o traqo [-dte]. 0 s demonstrativos e os indefinidos variiveis apresentam os mesmos traqos. Perini (1995), por exemplo, considera ambos como determinantes. 0 s possessivos constituem, dentro da categoria de pronomes, a unica subclasse que apresenta traqo positivo para [deteanteposto]. Observa-se, por esse quadro, que diversas subclasses compartilham as mesmas propriedades, niio permitindo, portanto, a sua individualizaqiio. Proptie-se, entiio, limitar a classificaqiio aos traqos que lhes siio privativos, nos termos de Barrenechea (1963), diferenciando uma subclasse da outra. Nesse caso, poderse-ia dizer que os pessoais seriam [-dete] e os possessivos, [+detteanteposto]. 0 s demonstrativos/indefinidos variiveis niio tCm uma propriedade privativa, por isso adotaremos os traqos [-det'e anteposto] e [+dete]para estabelecer oposiqiio com os pessoais que tambCm siio[-detteanteposto], embora sejam [-dete]. 0 s nomes substantivos siio os unicos que apresentam valor positivo para todas as posiq6es. A unica propriedade que lhes C privativa C a de poder receber simultaneamente um determinante anteposto e outro posposto, sendo assim a propriedade que permitiri diferencii-10s dos pronomes: [+detesimultiineos]. Ainda que esse quadro niio dC conta de maneira eficiente da distinqiio entre os pronomes, dois aspectos siio evidentes. 0 primeiro C que os pronomes pessoais

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A inserqgo de a genie no quadro pronominal do portuguCs

nao hncionam como determinantes, sendo nticleo do SN - mais freqiientemente, mas ngo necessariamente, isolados. 0 s nomes, por outro lado, embora tambCm sejam mais freqiientemente n6cleos do SN, apresentam todas as possibilidades de serem determinados e sao os 6nicos que podem ser exclusivamente anlivro ~ l ) . tecedidos e seguidos por modificadores de forma simultiinea (Nenhum pronome apresenta tal caracteristica. Observe-se que, quanto mais determinado, mais caracteristicas de nome adquire, no sentido de ser mais referenci6vel. E uma espCcie de distribuiqgo complementar: quanto mais isolado no SN, mais legitimo C o pronome e, quanto mais determinado, mais nominal C o item.

3.3. Pressupostos formalistas: uma tentativa de formaliza@io dos traqos intrinsecos Parece pertinente sistematizar, ainda, a distinqiio entre as duas classes, tendo em vista a identificaqzo de traqos intrinsecos. Desse modo, no final da anhlise, poder-se-6 referendar a posiqgo de que realmente houve uma mudanqa no sistema, no momento em que o substantivo gente, ao assumir, em certos contextos, determinadas propriedades, passou a fazer parte de outra classe (perdeu caracteristicas lexicais, tomando-se mais gramatical). Como, em principio, o lCxico deve ser minimamente especificado, levam-se em conta, nesse momento, os traqos primitivos de gCnero, nlimero e pessoa, procurando enfocar a evoluqgo diacrdnica de a gente em hnqgo do sistema de traqos proposto. Kerstens (1993:45) postula a existzncia de traqos para caracterizar as propriedades referenciais dos pronomes pessoais e dos determinantes no holandCs. Na configuraqzo dos "cp-features", prop6e propriedades interpretativas do tip0 U = utterance (dCitico, contexto enunciativo); S = 'speaker (falante); F =female (sexo feminino), ao lado dos traqos meramente gramaticais, como n = number (n6mero) e G = gender (gCnero), mostrando, por exemplo, que "o pronome de primeira pessoa do singular ik, "eu", tem a propriedade de ter um referente singular (-n), que deve ser identificado atraves do contexto discursivo (+U), mais especificamente, atravCs do falante". Nos pronomes pessoais, ao contririo dos determinantes em que os "9-features" estariam distribuidos em dois distintos subconjuntos, h(ead) = {iU, +-S] e ~(omplement)= { f n,kG), estabelece relaq6es de infersncia que poderiam governar a distribuiqgo dos traqos por regras de redundiincia, como "(a) f S + +U; (b) f F + +G; (c) f G + -U; (d) f G + -

+

+

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

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n"(p.47). A partir dessas regras, o autor reduz os traqos dos pronomes hij (ele, no holandCs) = [-U, -n, +G, -F] e zij (ela) = [-U, -n, +G, +F], respectivamente, a [-F] e [+Flypois, de acordo com (b) um pronome que C especificado para (fF) tem necessariamente gCnero (G), dai se poder eliminar o traqo de gCnero (G). Conforme postulado em (d), urn pronome que C especificado para gCnero (+G)C singular (-n), e assim por diante. Ressalte-se que tais regras, eficientes para o holandQ e talvez para o inglb, n5o d5o conta do sistema pronominal do portuguCs, entre outras razBes, pel0 fato de se ter, por exemplo, duas formas (eledelas) para a terceira pessoa do plural, o que invalidaria (d). Discute-se, pois, a proposta de Rooryck (1994) e Martins (1997), adaptando-a i~ perspectiva deste estudo. Rooryck (1994:209) estabelece que, para cada atributo, ou seja, para cada traco, hS um determinado valor que pode ser positivo [+XI, negativo [-XI, ausente (n%oser especificado) ou pode ter uma atribuiq50 especifica [pessoa: 1" 1. Para melhor compreender a proposta, faz-se necesslrio apresentar o sistema a ser adotadoladaptado, bem como as nogBes de "subespecificaq50 a", "traqos n5o-varihveis" ou "[$traqo]". Cabe definir os dois tipos de traqos subespecificados discutidos em Rooryck, (1994): os varikveis (a-traqo) e os n5o-varihveis (4 traqo). 0 s primeiros n5o representam um valor neles pr6prios, ou melhor, a notaqgo 'a atributo' deve ser entendida como a possibilidade de um item poder assumir valor "+" ou "-", sendo sintaticamente subespecificado. A raiz "alun-", por exemplo, seria marcada formalmente como [afem], uma vez que tanto C compativel sintaticamente com o feminino, quanto corn o masculine. (o aluno estci aborrecido ou a aluna estci aborrecida). Uma raiz como "janel-" seria, ao contrhrio, marcada como [+fern], porque formalmente s6 ocorre em construqBes do tipo: a janela estci quebrada e nunca *o janelo estci quebrado. Quanto ao nfimero, tanto "alun-", quanto "janel-" seriam codificados como [apl], porque s5o compativeis com "singular" e corn o "plural". 0 pronome de 3" pessoa ele/ela seria subespecificad0 para "gCnero" e para "ncmero" [afem, apl], por conta das suas possibilidades formais: ele/ela/eles/elas. Rooryck (1994:209) conclui que, se urn determinado elemento x apresenta os valores [ a pessoa, a gCnero, a n~imero],quer dizer que x C sensivel a qualquer valor de pessoa, gCnero, ncmero. 0 s traqos subespecificados n5o-vari6veis (&ago) s5o considerados como "traqos neutros, pois n5o tem valor positivo ou negativo para um dado traqo, mas simplesmente marcam a audncia de um valor especifico". Concretamente, isso

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A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

significa, em termos de sistema de traqos, que um traqo dado tem uma especificaqlo sem um valor. Rooryck (1994:230) defende que os valores default podem ser representados como um [$traqo] e chega a postular que o masculino e o singular podem ser considerados como traqo $, por ter interpretaqlo default (genirica) ou por um determinado traqo poder ser interpretado tanto como masculino quanto feminino, tanto singular quanto plural. Tal postura simplifica a descriqlo dos traqos, principalmente no caso da terceira pessoa, a qual, em geral, C atribuida a especificaq80 [-eu,-tu]. Como se trata da "n2o-pessoa" (Benveniste, 1988), e por funcionar, nas linguas romiinicas, como "pessoa default", concordando com sujeitos nlo-referenciais", pode-se postular a subespecificaqlo de traqo neutro: [$eu]. Procurando uma representag20 econdmica em termos de sistema de traqos, propee-se, no caso do genero, a distinqlo biniiria, partindo do traqo "fem(inino)" como forma marcada e representando o c'masculino" - forma n2o-marcada por excelsncia em portuguCs - por [-fern]. 0 s itens lexicais teriam como representaqlo do gCnero formal as indicaqees: [+fern] ou [-fern]. Com relaqlo aos traqos de n~mero,optou-se pela oposiqlo: [+pl] (= plural) ou [-pl] (=singular). Para o atributo "pessoa", propee-se a utilizaqlo do traqo [eu] que seria mais ou menos marcado: [+eu] e [-eu]. Embora, A primeira vista, pareqa que tal oposiq2o nlo d l conta do sistema, porque tanto "tu" quanto "ele" seriam eventuais candidatos ao traqo [-eu], defende-se que a noq2o de pessoa remete A situaqlo lingiiistica, A enunciaqlo, ao intercdmbio verbal, que pressupee duas pessoas: o locutor e o interlocutor (ou alocuthio). A dita terceira pessoa estii fora deste eixo dial6gico: C o que Benveniste (1988) chamou de "n8o-pessoa", pois pode ser o pr6prio objet0 da enunciaqlo, o enunciado. Por essa razlo, codifica-se [+eu] para 1" pessoa, [ x u ] para a 2"pessoa (pronomes pessoais "legitimos") e [$eu] para a "nlopessoa" (a dita 3" pessoa).

3.3.1. Da necessidade dos traqos semPnticos na configuraqlo das classes Antes de especificar sistematicamente os traqos referentes aos nomes e aos pronomes pessoais, faz-se necessiuio justificar a necessidade de postular a existencia de traqos semfinticos para cada um dos atributos formais propostos (ggnero, nzimero e pessoa), levando-se em conta a n3o-correspondencia obrigat6ria entre forma e sentido.

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

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Reconhecer a existencia de uma relaqgo entre forma e significado e tentar expliciti-la C um dos principais objetivos da lingiiistica. Estudos anteriores discutem o "ngo-isomorfismo total entre forma e interpretaqgo nas linguas naturais" (Pereira, 1987:8), mostrando que a) a leitura atribuida a um item isolado ngo C sempre a mesma em todas as estruturas sentenciais de ocorrencia - dependendo inclusive da sua relaqgo com determinadas predicaqaes - e b) certas regras sinthticas corroboram a interpretaqSio semdntica dos fen6menos lingiiisticos. Pode-se discutir melhor a falta de correlaq50 total entre os dois planos atraves da anilise, por exemplo, do genero em portuguk. 0 g&neroformal pode estar presente na estrutura sinatica, embora a informaqgo do gznero semdntico possa estar ausente. Em a mesa limpa ou o prato sujo, apesar dos traqos formais de genera, ngo h6 infonnaqgo de sex0 (genero semdntico). Quando se diz A cobra foi capturada ou as pessoas est60 atrasadas, tem-se a concorddncia com o feminino, apesar de ngo se ter necessariamente cobra pmea ou pessoa do sexo feminino. Nos substantivos em que h i uma certa correlaq5o entre forma-sentido, como C o caso dos variiveis (aqueles que admitem os dois gCneros) com o traqo [+animado], do tipo o(a) aluno(a), o(a) pato(a) o genero semdntico faria parte do significado lexical dos itens. Com relaqgo aos atributos de pessoa e nlimero, tambCm pode-se dizer que h6 incompatibilidade entre os dois planos. Numa fiase como "a gente andava de bicicleta, era o esporte predileto nosso" (NURC-PoA, inq. 045), verifica-se que, embora o verbo esteja na terceira pessoa do singular [geu, -PI], a interpretaqgo semdntica para a gente seria primeira pessoa do plural [+EU, +PL]. Considera-se, pois, em principio, que os traqos devergo ser desmembrados em dois atributos, um formal e um semdntico. Para facilitar a distinqgo entre os dois planos, representam-se sempre as notaqaes da interpretaqgo semilntica em mahculas, [FEM], [EU], [PL], com os possiveis valores (+), (-), (a)ou (g). Considera-se importante ressaltar que os traqos semdnticos s6 sergo codificados lexicalmente quando n5o houver correspondencia entre os dois planos. Se um determinado traqo formal esti necessariamente relacionado ao mesmo traqo semintico, n5o seri necessirio codificar separadamente essa interpretaqgo como traqo semlntico.

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portugues

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3.3.2. 0 s traqos de gCnero nos nomes substantivos e nos pronomes pessoais N%oseri possivel, no limite deste trabalho, dar conta da identificaq80 dos traqos de todos os substantivos, e nem C esse o nosso objetivo. Nos substantivos varihveis com o traqo [+animado], hh, em geral, uma correspondCncia entre o traqo formal e o semintico, como 6 o caso de menin-, estudant-, garot-, pat-, gat-, etc., em que se pode caracterizar [afem] o traqo formal, porque C compativel tanto com o masculino, quanto com o feminino. Em termos seminticos, seria tambCm [aFEM]. Entre os substantivos animados invarihveis, h i casos de isomorfismo entre os traqos formais e os seminticos, como C o caso de vaca [+fern], rei [-fern], pai [-fern]. Em outros, o gCnero semiintico C "neutro", isto 6, refere-se genericamente aos dois sexos. Incluem-se, nesse liltimo grupo, formas como pessoa [+fern] e [$FEM], vitima [+fern] e [$FEM], povo [-fern] e [$FEM], multidLio [+fern] e [$FEM]. 0 s outros substantivos do tip0 cadeir[+fern], cirvore [+fern], vida [+fern], c b [-fern] n%os5o codificados quanto ao gsnero semintico, porque os traqos [-human01 e [-animado] bloqueiam tal especificaqlo. Observe-se como se comporta o substantivo gente, dentro desse quadro, analisando o exemplo abaixo: (1)

...quem govemava, e mandava era elle Epifanio e Manoel Congo, e que todos os dias de manhl mandava reunir a gente e contava o n~merodella (SCc. XIX, Insuneiqgo Negra e Justiqa, 1987:48-49, fala de Miguel Crioulo).

Este exemplo evidencia a n%o-correlaqlo obrigat6ria entre o traqo formal e o semintico. 0 fato de a gente, substantivo, ser [+fern], co-ocorrendo com o pronome della, tambCm [+fern], n b implica que o seu significado seja [+FEM], pois a gente, no exemplo, se refere a um agrupamento de pessoas de ambos os sexos; no caso, o rCu e seus companheiros escravos. Percebe-se que, apesar de o substantivo gente ter o traqo formal [+ fem], o gCnero semintico n8o C especificado, porque a sua cornbinaqgo corn formas sintiticas de feminino n5o esclarece o sex0 do seu referente, ou seja, a linica predicaq%opossivel [+fern] n%oaciona interpretaq20 de gCnero, n%oimpondo restriq5o no que diz respeito ao sex0 dos referentes. 0 zero, nesse caso, marca a falta

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

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de um valor especifico (default) para o genero semintico. Logo, a matriz lexical do substantivo gente seria [+fern, 4 FEM]. Nos pronomes pessoais, as formas de terceira pessoa ele/ela; eles/elas s%osubespecificados formal e semanticamente: [afem]. No que se refere As outras formas pronominais, o genero formal C $. Semanticamente, no entanto, pode-se considerar que hB uma subespecificagiio do trago: [aFEM], porque formas pronominais como eu, tu/voc& nds/a gente podem combinar-se com adjetivos no masculino elou no feminino, dependendo do sex0 do referente. (2)

Chiquinha - Deixe-me ver se posso acabar este vestido para vesti-lo amanhg, que 6 Domingo de Phscoa. (Cose). Eu C que sou a vadia, como meu pai disse. Tudo anda assim, ai, ai! (suspirando) (SCc. XIX, Judas em shbado de aleluia, Pena 1815-48:165).

(3)

Ngo sou rico, jh estou velho. (S6c. XIX, Caiu o Ministkrio, Cafezeiro 1980:197).

A postulaqiio da existencia de urn "gCnero semintico" para esses itens pronominais, sem a presenqa do genero formal "positivo" ou "negativo", reforga a necessidade de se separarem os dois planos. No primeiro exemplo, sabe-se que o eu C uma mulher, porque o adjetivo vadia esth no feminino, C seu co-referente. JB em (3), os adjetivos rico e velho, no masculino, informam que o falante C homem. Percebe-se, desse modo, que a variaq50 de gCnero assumida pelos adjetivos em coocorrCncia com o pronome de la pessoa acionaria uma interpretaggo s e m h tica, embora o gCnero formal seja zero. Em outras palavras, se o item C [$fern], o gCnero formal do adjetivo concorda com o seu gCnero semintico. 0 contraste de gramaticalidade, nos exemplos abaixo, evidencia a mudanqa nos traqos morfo-seminticos propostos para gente [+fern, $FEM] + a gente [+fern, aFEM]: a) b) c)

d)

Toda a gente da minha aldeia ficou arrasada corn as inundaqties. *Toda a gente da minha aldeia ficou arrasado corn as inundaq6es. A gente ficou arrasada com as inundaqties (eu + alguddtodo mundo, mas com referencia exclusiva a mulheres). A gente ficou arrasado com as inundaqties. (eu + alguddtodo mundo, referindo-se a um grupo misto elou a um grupo exclusivo de hornens).

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A inserqiio de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Por enquanto, pode-se dizer que a passagem da agramaticalidade de (B) para gramaticalidade de (D) deu-se pela perda da especificaqgo do traqo formal de gCnero presente no substantivo e neutro nos pronomes pessoais "legitimos": [+fern] > [Qfem]. Semanticamente a passagem do gCnero neutro [QFEM] para o subespecificado [aFEM] tamb6m referenda a pronominalizaq50 da forma, na medida em que, como se viu, os pronomes pessoais "legitirno~'~, apesar de terem gCnero formal zero, s5o subespecificados quanto ao gCnero semintico.

3.3.3. A especificaqiio de pessoa Como foi discutido, seguindo orientaqgo de Rooryck (1994), a especificaqgo de pessoa semintica corresponderh ti atribuiqgo de valores positivos e negativos ao atributo [EU], entendendo [+EU] a inclus5o do falante e [-EU] a exclus%odo falante e inclus50 do ouvinte. Com rela950 it terceira pessoa, achou-se mais conveniente march-la com o traqo Q ou "traqo neutro", uma vez que, nesse caso, tem-se, como propee o autor, "falta de um valor ou traqo", isso tanto para os nomes quanto para os pronomes de terceira pessoa. Pode-se considerar P3 como [-eu, -tu] como faz Aronoff (1993) e Anderson (1982), mas marcar com Q significa que a terceira pessoa, como aponta Benveniste (1988), B a "n5o-pessoa" por natureza, porque esti fora do eixo falante-ouvinte e necessariamente implica a exclus5o das verdadeiras pessoas do discurso: quem fala e quem ouve. 0 traqo I$ para P3 tambCm se justifica pel0 fato de se querer enfatizar que o traqo [pessoa] caracteriza mais os pronomes do que os nomes (segundo visgo estruturalista). Na Gramdtica Razoada de Port Royal (Amauld & Lancelot, 1660), chega-se a dizer que os pronomes de terceira pessoa s50 0s verdadeiros "pronomes", no sentido de "substituir o nome". Ora, tanto os pronomes de terceira quanto os nomes compartilham o traqo Q para pessoa. Segundo essa proposta, o substantivo gente teria os traqos [Qeu, QEU], ao passo que a forma pronominal a gente teria mantido o traqo formal de pessoa [Qeu], porque continuou a se combinar com verbos em P3 (a gente tern uma paisagem bonita no Rio),mas o traqo semintico se alterou para [+EU], uma vez que passou a incluir o falante "a gente, dentro da nossa cabeqa.. (NURC-RJ, AC.01). Em sintese: gente [$eu, $EU] > a gente [Qeu, +EU]. "

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3.3.4. 0 traqo de numero Com rela950 ao numero, os nomes podem ocorrer tanto no singular, quanto no plural, o que leva seguinte oposiqgo sembntica: "um elemento" versus "mais de um elemento". Em principio, um substantivo pode ser subespecificado quanto ao n h e r o formal e semiintico: [apl,aPL] (o livro "um elemento" x trZs livros "+ de um elemento"). 0 substantivo gente apresentava, no entanto, outro comportamento - similar ao que ocorre compovo, gmpo, rnultidgo e com os substantivos coletivos: era subespecificado quanto ao numero formal [apl], j6 que podia ocorrer tanto no singular quanto no plural, mas s6 apresentava a possibilidade de interpretaqgo semdntica [+PL] ("Quando viu o rnundo qua1 o eu jci vi,/e viu as gentes que eran enton" (= mais de uma pessoa) (SCc. XIII, CA, Vasconce10s 1990). Curioso C o fato de esse comportamento ter se alterado para gente, e ngo para os substantivos do mesmo grupo. Gente, no process0 de mudanqa, perdeu a possibilidade de ocorrer sob a forma plural (perdeu a propriedade da flexgo de numero, que C caracteristica b6sica dos nomes), mas manteve o n6mero semdntico [+PL] ("Tern rnuita gente aqui" = Tern muitaspessoas aqui). Pode-se, no entanto, postular que o traqo formal de numero passou a ter um valor default, pois, como afirma Rooryck (1994:221), "o 4 numero implica que o traqo de numero pode ser semanticamente interpretado tanto como singular quanto como plural". Em termos de matrizes morfo-sembnticas de numero, houve, portanto, antes da pronominalizaqgo, dois estigios evolutivos do substantivo: [apl, +PL] [+PI, +PLI. Nos pronomes pessoais, h6 uma certa correlaqgo entre os traqos formais e semhticos de ndmero. Para uma forma no singular, a interpretaqgo C, em geral, singular; para a forma plural, a interpretaqgo C, quase sempre, plural, logo: eu [-PI, -PL]; nbs [+PI, +PL]. Talvez seja mais coerente dizer que isso ocorre com os pronomes pessoais "ditos legitimos", ou seja, ocorre com os pronomes pessoais que tCm traqos fortes de pessoa [eultu], apresentando uma forma para o singular e outra lexicalmente diferente para o plural [nbs/v6s]. H6 de se considerar, entretanto, que a entrada de ele(a)/(s) e vocZ(s) quebrou a simetria no quadro dos pronomes pessoais, pois a representaqiio dos traqos nesses casos C [apl, aPL]. 0 caso de a gente C mais complexo, porque, ao deixar de ser subespecificado quanto ao numero formal, tornando-se [$pl] e nao mais [apl], a interpretaqiio semgntica tambCm pode ter assumido urn valor neutro ou default. 0 a gente pronominal designa, mais comumente, urn todo abstrato, indeterminado e genirico,

'

A inserq%ode a gente no quadro pronominal do portuguCs

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representando o conjunto base "ser-pessoa", perdendo, gradativamente, o sentido de "+ de um". 0 que reforqa a hip6tese do [QPL] C que a forma cristalizada a gente, cuja refersncia conceptual C uma massa indeterminada de pessoas disseminada na coletividade - com o eu necessariamente incluido - herdou, justamente, a possibilidade combinat6ria com o singular, e niio com o plural. AlCm disso, a gente pode ser usado por eu. 0 process0 talvez tenha sido o seguinte: gente para a gente [apl, +PL] + [Qpl, +PL] (nome) + [$PI, $PL] (pronome) ou [Qpl, +PL] para falantes que usam "a gente +P4" (a gente vamos). A agramaticalidade da subespecificaqZo para a gente em (H) e (I) e gramaticalidade para gente no portugues arcaico em (E) e (F) comprovam isso: PortuguCs arcaico: la fase: [apl, +PL] (substantivogente) e)

fl

Sobre as armas e caualos que tem as gentes dos conqelhos siio feitas tantas e tam boas ordennag8es que niio saberia hy al diujsar. (SCc. XV, Livro da Cartuxa, Dias 1982). [...I a geral gente sera ysto proueytosso gerto non mas antes non proueytosso. (idem).

2' fase: [$pl, +PL] (substantivogente)

g) h)

Muita gente gosta de fazer isso. *Muitas gentes gostam de fazer isso.

3' fase: [$pl, $PL] (pronome a gente)

i) j)

*As gentes comem mal. A gente come mal.

Em suma, a matriz de traqos morfo-sembnticos seria a do quadro abaixo.

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Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas A GENTE

GENTE

TRACOS

[Q fern] [aFEM] [@Pll [apl] NUMERO [QPL] r+PL] [Qeul [Qeu] PESSOA [+EU] [QEU] Quadro 3.2. Traqos morfo-semlnticos de g2ner0, nhmero epessoa degente e a gente.

GBNERO

FORMAL SEMANTIC0 FORMAL SEMANTIC0 FORMAL SEMANTIC0

[+fern] [QFEM]

Interessante notar, com esse quadro, que niio hh mudanqas de (+) para (-) ou vice-versa, o que parece sugerir uma escala para mudanqas de valor. Martins (1997) propGe, por exemplo, que as mudanqas histbricas ocorrem no sentido de reduzir o nfimero de traqos subespecificados (a), ou apenas reduzir seu grau de subespecificaqiio de (a) -+ (4). 0 item deixa de ter valor aberto, perdendo a sensibilidade ao context0 e passa a ser neutro (opaco) em relaqgo ao atributo. Em sintese, as propriedades que devem ser levadas em conta para estabelecer distinqgo entre as classes sgo, no plano morfolbgico, as marcas de pessoa, gCnero e ndmero; no plano semiintico, o carhter referencial dos substantivos, designando os seres ou entidades do universo biossocial, o carhter dCitico e anafbrico dos pronomes; no plano sintiitico, a posiqiio dos elementos no SN e as diferentes fbn~Gessinthticas exercidas.

3.4. Pressupostos variacionistas: uma teoria da mudanqa lingiiistica Com o advent0 da Sociolinguistica, h i uma mudanqa de perspectiva com relaqgo Zi concepqiio de lingua, mais especificamente com relaqiio ao objeto de estudo da Linguistica. A contradiqgo entre a concepqgo de lingua como um sistema homogCneo e aut6nomo e a no950 de mudanqa lingiiistica foi talvez o estopim que desencadeou esse novo olhar sobre o objeto. Se o sistema lingiiistico C homogeneo, aut6nom0, constituido por unidades invarihveis e articuladas, ou seja, se C sincronicamente "perfeito", por que mudaria? A contradiqiio entre mudanga e sistema, que se discute com base principalmente em Weinreich et alii (1968), Labov (1994) e Lucchesi (1998:178), fez com que a "dimensiio sbciohistbrica do fen6meno lingiiistico" ganhasse um novo status nas anhlises lingiiisticas neste final do milenio.

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A inserqiio de a gente no quadro pronominal do portuguCs

E basicamente a partir dos estudos sociolingiiisticos instaurados por Labov que se procura superar a perspectiva, at6 ent5o reinante, de que o sistema C o dominio da invariincia. Defende-se, pois, que a variaqiio C inerente As linguas e que ela, na verdade, n%o C aleatbria, mas sistemitica e predizivel tanto estrutural quanto socialmente. Dessa forma, h i de se considerar na anhlise lingiiistica a inter-relay50 de fatores internos e externos ao sistema. Um dos aspectos mais interessantes dessa perspectiva C a possibilidade de se observar a dinamicidade da mudanqa em progress0 quando se estudam fendmenos varihveis num determinado momento e nas diferentes faixas ethrias, o que se convencionou chamar de estudo da mudanqa em tempo aparente. 0 estudo da mudanqa lingiiistica, ou os caminhos que ela tende a seguir, podem ser prediziveis, antes mesmo de a mudanqa estar concluida. A observaq20 de processos em curso atraves de uma anhlise distribucional e quantitativa das variiveis por faixas etirias (tempo aparente) possibilita a inferhcia de fendmenos que operaram no passado. Entretanto, h6 de se considerar que os estudos em tempo aparente podem, na verdade, como discutido em Labov (1994), indicar apenas uma variaqiio estivel constituida por um padriio caracteristico de gradaqiio ethria que se mantCm em cada geraqgo, n%orepresentando realmente mudanqas na comunidade de fala. Por isso, para melhor caracterizar os fendmenos de mudanqa lingiiistica, aliamse B analise em tempo aparente os estudos em tempo real, seja, nos termos de Mattos e Silva (199 1, 1995, 1997), de longa duraqiio, analisando-se atravCs de sCculos um periodo dilatado de tempo, seja de curta duraqiio, em que se comparam duas fases discretas de tempo, como duas dtcadas. 0 s estudos apresentados em Labov (1994), limitados As anilises de fendmenos fonCtico-fonolbgicos, procuram dar conta da mudanqa lingiiistica levando em conta o tempo real de curta duraqgo, tendo em vista o que denomina de estudo de painel (panel study) e estudo de tendencias (trend study). 0 primeiro consiste no recontato dos mesmos falantes em periodo posterior e o segundo na constituiqiio de uma nova amostra representativa. As observaq6es em tempo real, ou seja, a observ5ncia de uma comunidade de fala em dois pontos discretos de tempo, podem, conjugadas As anhlises em tempo aparente, vir a facilitar a identificaqzo do tip0 de mudanqa lingiiistica que est6 em jogo, permitindo estabelecer os esthgios de sua evoluqiio com relativa certeza e confirmando as possibilidades levantadas em tempo aparente. Deve-se considerar, no entanto, que estudos em tempo real levantam uma sCrie de pro-

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

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blemas metodol6gicos e at6 mesmo a falta de continuidade, de interesse e de financiamento para um projeto que demandari um largo period0 de tempo. Em termos metodol6gicos, as observaqijes em tempo real exigem a comparaqiio do comportamento lingiiistico de falantes em dois (ou mais) momentos temporais distintos. Ora, o primeiro problema relacionado a essa quest50 estb na dificuldade de se confrontarem pesquisas em comunidades de fala realizadas muitas vezes por equipes com perspectivas e mCtodos diferentes. 0 segundo refere-se & incompatibilidade entre a perspectiva da linguistica hist6rica tradicional, calcada em anilises qualitativas e em textos escritos, e a perspectiva tedrica de estudos mais recentes baseados em anilises quantitativas e em textos orais. Em qualquer investigaqiio diacrdnica ou dingmica, a primeira tarefa do pesquisador C buscar estudos prCvios que sustentem e fundamentem os prop6sitos de sua pesquisa e que evidenciem as variiveis que atualmente siio utilizadas. Tradicionalmente, na linguistica histbrica, as anilises eram baseadas em dados escritos registrados em documentos que foram preservados por critkrios n b ling u i s t i c ~e~ sim , de outra natureza. Para determinar a dimensiio temporal da mudanqa, existem procedimentos rigorosos em termos da organizaqiio de uma amostra representativa, principalmente quando se esti lidando, por exemplo, com uma ampla populaq%ourbana. 0 controle pelo investigador da hist6ria sociolinguistics da comunidade C imprescindivel para que uma mudanqa lingiiistica externamente motivada niio seja confundida com uma mudanqa interna. Alteraqijes demogrificas bruscas, migraq6es acentuadas, entre outros fatores, certamente interfeririam nos resultados. Labov defende, pois, que, no lugar de usar o passado para explicar o presente, como se faz na linguistica hist6rica, hb de empregar estratkgia oposta: fazer uso do presente para interpretar o passado, colocando em cena um estudo prCvio, repetindo-o sempre que possivel, para que enfim se possa dizer se o processo de mudanqa observado tem continuidade em tempo real ou se permanece o mesmo tip0 de variaqiio identificada em tempo aparente. Tal perspectiva subjacente ao principio do uniformitarismo (uniformitarianism principle), defendido por Labov, leva em conta que, atravds da observaqfio do desenvolvimento de um fen& meno lingiiistico no presente, pode-se inferir um processo que ocorreu no passado, pois a mudanqa C constante: por isso o exame atento do presente pode evidenciar que muito do passado estb conosco. 0 s fatores que produzem mudanqas, niio s6 no lmbito lingiiistico, mas tambCm no da vida humana, n%osgo abruptos e repentinos, mas atuam lentamente, num processo continuo, e C por isso que a

40

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

mudanqa linguistica requer a observaqlo de dois ou mais esthgios de uma lingua. Na trajet6ria da mudanqa, h i estigios intermediirios em que formas em conflito se distribuem irregularmente entre falantes e ouvintes num process0 que pode aparentemente durar stculos (cf. capitulo 4 em que se discute a entrada de a gente no lugar deixado pelo homern indefinido). H i diversas dificuldades em se fazer um trabalho atravCs de um longo periodo de tempo, principalmente no que diz respeito A interpretaqlo dos dados hist6ricos e A pr6pria qualidade do corpus. AlCm de nlo haver registros de fala, s6 sendo possivel analisar textos escritos, "0s documentos representam o verniculo dos seus escritores, refletindo uma variante padrlo que nlo corresponde a urn falante nativo7'(Labov, 1994:1I), altm dos efeitos da hiperconeqlo, mistura de dialetos, erros do escriba, problemas na leitura dos manuscritos, falta de tratamento filol6gico adequado, etc. Labov (1994:ll) considera ingCnua a tentativa de alguns pesquisadores de localizarem textos que "tenham maior probabilidade de aproximaqlo com a lingua falada", como cartas, pegas teatrais e textos literirios. Uma perspectiva sociolingiiistica exigiria informaqaes precisas sobre a posiqlo social dos escritores e sobre a estrutura social da comunidade e por essas e outras raz8es os documentos escritos slo limitados para o estudo da mudanqa lingiiistica. Entretanto, mesmo consciente de que 1) os dados retirados de textos escritos podem ser ruins ou pobres em termos de uma real distribuiglo sociolinguistica, 2) o estudo hist6rico estarh baseado em observaq8es de um recorte incompleto do passado, 3) os documentos escritos nlo representam, nem por aproximaqlo, a fala de um determinado periodo hist6ric0, e enfim, mesmo levando-se em conta todos os problemas advindos de um estudo nu longa duraqiio, mudanqas sist2micas - como a pronominalizaqlo de nominais que se prop8e analisar aqui levam stculos para se processar, por isso necessitam de observaq6es mais amplas de cada periodo de tempo para que se tenha certeza do valor significativo de cada fase hist6rica e de seu alcance. Toma-se imprescindivel determinar se houve realmente mudanqa no tempo ou se a "mudanga postulada" n b C resultado de simples flutuaqlo de comportamento. Se, por um lado, a falta de uma distribuiqiio equilibrada e homogCnea de um corpus numa dada sincronia pretCrita pode ser um fator negativo em termos sociolingiiisticos, por outro, o fato de se trabalhar com corpora m~ltiplosou diversificados, como cartas oficiais e pessoais, peqas teatrais, prosa literhria, poesia religiosa, etc., pode fornecer uma vislo mais ampla do objeto de estudo. Tal

Perspectivas Te6rico - Metodologicas

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perspectiva, alCm de poder representar diferentes estratos sociais, dh maior confiabilidade As conclus8es, uma vez que, dependendo do texto (religioso, literhrio, niio-literhrio), os resultados podem niio ser os mesmos. Parte-se, pois, do pressuposto de que a mudanqa lingiiistica niio C uma mudanga nos hhbitos individuais, mas sim a difusiio de novas formas individuais numa vasta comunidade e a adoqiio dessas formas como convenq8es novas e obrigatbrias (Labov, 1994:47). Para se chegar a resultados mais confihveis no que diz respeito A anhlise da mudanqa lingiiistica em curso, torna-se imprescindivel observar os dados em tempo real de longa e de curta duraqiio e em tempo aparente.

3.4.1. Mudanqa em progresso em tempo real e em tempo aparente Alem de procurar delinear uma sCrie de pressupostos tebrico-metodolbgicos para o estudo da mudanqa em progresso em tempo real, especialmente pela apresentaqiio de modelos de comportamento linguistic0 do individuo e da comunidade, Labov (1994) mostra que, em diversas anhlises sociolingiiisticas de mudanqa sonora, a mudanqa geracional, muito mais que a mudanqa comunithria, aparece como modelo bhsico nesse subsistema da lingua. A quest50 que se coloca, pois, 6 a de saber se a distribuiq20 por niveis ethrios - que sistematicamente ocorre em tempo aparente - representa, ou niio, mudanga em progresso. Sabe-se que a disposiqiio ethria n2o representa necessariamente uma "mudanqa na comunidade como um todo", mas, simplesmente, a repetiqso de um modelo em todas as geraq8es (Hockett, 1950, apud Labov, 1994:73). Labov (1994), apropriando-se de terminologia sociolbgica, prop8e duas estratCgias bhsicas para a realizaqiio de estudos longitudinais: o estudo de tendencias (trend study) e o estudo de painel (panel study). A opq20 por um ou outro tipo, ou ainda, a conjugaqiio dos dois caminhos para anhlise da mudanqa depende muitas vezes das dificuldades de se organizarem os corpora e de se retomar A comunidade para repetir o mesmo estudo com os mesmos informantes depois de um lapso de tempo. 0 s dois estudos pressupaem a reaplicaq20, passado um certo ntimero de anos, de um mesmo estudo, a partir dos mesmos critkrios de distribuig20 da amostra populacional, o mesmo tipo de entrevista, enfim, identicos mCtodos e tCcnicas de recolha de dados em dois marcos de tempo distintos. Em termos comparativos, a diferenqa bhsica entre os dois tipos propostos esth na localizaq20 dos mesmos

A inserq2o de a gente no quadro pronominal do portuguQ

42

individuos que foram sujeitos a um estudo anterior, exigida num estudo de painel e n5o prevista num estudo de tendgncias. Prop8e-se, pois, a correlaq50 dos dados de tempo aparente com os de tempo real para que se tome possivel, segundo Labov (1994:77), reconstruir a cronologia das vbrias etapas da mudanqa e correlacionb-la i s caracteristicas sociolingiiisticas de cada estbgio. Com essa correlaqlo C possivel verificar como certos usos estigmatizados num determinado estbgio cronol6gico podem passar a ser aceitos como norma da comunidade em outro (Trudgill, 1974).

3.4.2. Modelos interpretativos da mudanqa em progresso: o comportamento do individuo e o comportamento da comunidade Para interpretar dados em tempo real de curta duraqgo, tendo em vista estudos de painel ou de tendgncias, Labov (1994) prop8e os quatro padr8es apresentados na tabela a seguir, na tentativa de associar a rela950 entre o comportamento do individuo e o da comunidade e observar "como os individuos mudam ou n5o mudam durante suas vidas e como comunidades mudam ou n%omudam atravCs do tempo". Individuo

Comunidade

-

ilidade estfivel estivel laq50 etiria instivel estAvel anqa geracional estivel instivel 4. - Mudanga cornunitaria instivel instivel Quadro 3.3. Modelos interpretativos da mudanqa lingiiistica: o individuo e a comunidade.

A partir da correlaq50 entre individuo e comunidade, a interpretagio dos mode10s leva em conta os seguintes pontos:

a)

b)

No pad60 estabilidade (modelo I), n20 h i mudanqa de comportamento nem no individuo, nem na comunidade. Nesse caso, n%oexiste, segundo Labov, nenhuma variaqtio para analisar, "a situaq5o C estbvel, invariante e homogCnea". No padr2o por gradaqiio etsiria (modelo 2), o individuo muda seu comportamento lingiiistico atravks do seu tempo de vida, por isso

Perspectivas Tebrico - Metodolbgicas

c)

d)

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diz-se que ele C instaivel, mas a comunidade como um todo permanece estaivel, com o mesmo comportamento. Na mudanqa geracional (modelo 3), o individuo mantCm o seu comportamento lingiiistico, mesmo mudando de faixa ethria. Crescimentos regulares nos valores de frequencia da varihvel particular adotada pel0 falante s2o incrementados pelas geraqaes, o que acaba por disseminar a mudanqa lingiiistica para a comunidade. Esse modelo C considerado por Labov o tip0 mais comum de mudanqa lingiiistica, principalmente em termos sonoros e morfol6gicos. Na mudanqa comunitairia (modelo 4), ocorre urna alteraqgo de frequencia de uso ou de aquisiqzo de novas formas tanto pel0 individuo quanto pela comunidade de forma simult6nea. Tal modelo C tipico de mudanqa lexical (Payne 1976, apud Labov, 1994) e considerado um modelo bhsico para a mudanqa sinthtica (Sankoff et alii, 1976 e Amauld, 1980, apud Labov, 1994).

Parece 6bvio dizer que modelos te6ricos asseguram o carhter cientifico dos estudos, mas sua aplicabilidade C relativa, urna vez que a realidade lingiiistica C complexa e multifacetada. Entretanto, quanto mais um escopo te6rico C posto a prova, mais chances se tem de reavalih-lo e rediscuti-lo, o que o toma muitas vezes mais eficaz. 0 pr6prio Labov jh anuncia algumas dificuldades de interpretaqgo dos mode10s e de sua correla@lo com estudos de tempo real e tempo aparente. Para Labov, mudanqas comunitairias e mudanqas geracionais nZo sgo, em termos de facilidade de interpretaq5olidentificaq50, ti40 transparentes como os outros padraes. Com relaqgo As observaqaes em tempo aparente - distribuiqgo das varihveis lingiiisticas atraves das faixas ekirias - verifica-se a possibilidade de se identificar urna distinqtio entre geraqaes. Poderia haver entzo duas possibilidades de interpretaqtio: a simples variag%oetairia ou a mudanqa em progresso, embora nem sempre seja possivel distinguir qua1 das duas esth atuando. E preciso decidir, pois, se hh mudanqa real em progresso ou urna simples mudanqa regular do comportamento lingiiistico com a idade que se repete a cada geraqso (gradaqlo etairia), quando urna relaqso significante entre idade e urna varihvel lingiiistica C identificada. 0 s limites das observaqaes em tempo aparente impedem que se identifique com maior precido a existCncia de mudanqa

A inserq50 de a genre no quadro pronominal do portugu&s

44

comunithria, pois o delineamento de uma curva pode apenas estar sugerindo uma variaqiio estbvel. Um estudo de painel permite, por outro lado, detectar se o falante muda de comportamento, o que pode ocorrer tanto na gradaqiio etiria quanto na mudanqa comunitbria, ou se o individuo se mantCm estbvel, niio diferenciando a estabilidade da mudanqa geracional. Cria-se o impasse pel0 fato de o estudo de painel niio fornecer uma visiio da comunidade como um todo, exceto pel0 comportamento dos mesmos individuos, ou seja, de parte dela. Para Labov, um estudo de tendCncias possibilitaria com maior eficbcia a recolha de dados para a mudanqa lingiiistica pela distinqiio de todos os quatro modelos. Por incluir dois estudos sucessivos de tempo aparente, detecta-se o comportamento insthvel de individuos e distingue-se comunidade esthvel de insthvel. Entretanto, ainda hb limites, pois tal estudo niio produz nenhurna informaqiio do comportamento dos individuos atraves do tempo. Na tentativa de sanar ou amenizar tais obsticulos, propBe-se, neste trabalho especifico - e em outros em que se tiver a mudanqa lingiiistica em tempo real de curta duraqiio como enfoque -, a conjugaqiio dos dois estudos, o de tendCncias e o de painel. Em suma, reconhece-se que a maior contribuiqiio da concepqiio de mudanqa discutida sob a Cgide dos estudos labovianos e de seus pares (Weinreich et alii, 1968) estb na identificaqiio de elementos sociais atuando na mudanqa lingiiistica. 0 s principais pressupostos sobre a natureza da mudanqa lingiiistica levarn em conta, em sintese: 1.

2.

3.

Nem toda variabilidade e heterogeneidade na estrutura da lingua envolve mudanqa, mas toda mudanqa envolve variabilidade e heterogeneidade. A generalizagiio de uma mudanqa lingiiistica atravCs da estrutura lingiiistica niio C nem uniforme, nem instantgnea, nem aleatbria, e envolve a covariaqiio de mudangas associadas num largo period0 de tempo (constraints/transition). A mudanqa lingiiistica se inicia quando a generalizaqiio de uma alterniincia particular num dado subgrupo se propaga paulatinamente por toda a comunidade de fala. Ela niio esth confinada a um grupo discreto como a familia.

Perspectivas Te6rico - MetodoMgicas 4.

5.

6.

7.

8.

45

Como a mudanqa lingiiistica C encaixada (embedding) na estrutura lingiiistica, a propagaqiio de traqos caracteristicos de variaqiio na fala C gradualmente generalizada para outros elementos do sistema (actuation problem). A mudanqa ocorre em gramhticas individuais da comunidade falante. Fatores sociais e lingiiisticos est5o inter-relacionados no desenvolvimento da mudanqa lingiiistica. 0 individuo pode ter maior ou menor consciCncia social da mudanqa e fazer avaliaqaes subjetivas, chegando a ter, nos estigios finais, um reconhecimento social aberto com reaqaes negativas e esterebtipos que incentivam uma certa preservaqiio das formas conservadoras (evaluation problem). A combinaqiio de observaqaes em tempo aparente e em tempo real de longa e de curta duraqiio constitui o mCtodo hndamental de anilise da mudanqa em curso. L

3.5. 0 s corpora Para dar conta do mapeamento diacr6nico do percurso histbrico da forma pronominal a gente no portuguCs do Brasil e de Portugal, identificando as suas fases evolutivas, foram utilizados diversos tipos de corpora. Por ser uma analise da mudanga lingiiistica em tempo real de longa e de curta duraq30 e em tempo aparente, como discutido nos pressupostos variacionistas, fez-se necesshrio acompanhar a mudanqa categorial do nome gente para pronome a gente a partir de virias Cgides tebricas e amostras diferenciadas, sejam de lingua escrita ou lingua falada. Na verdade, para se atingir o objetivo maior de determinar a cronologia da pronominalizaqiio de a gente, conjugaram-se e associaram-se vhrias anhlises parciais com corpora mGltiplos e diversificados. Nas anhlises em tempo real de longa duraqiio, foram utilizados textos escritos do sCculo XI11 ao sCculo XX. A escolha da documentaqiio seguiu os critCrios adotados por Mattos e Silva & Lucchesi (1993) na organizaqiio do Projeto PROHPOR (Programa para a Histbria da Lingua Portuguesa). Defende-se que a seleqiio de textos para estudos lingiiisticos deve levar em conta

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portugues (1)

(2)

(3)

"ediq6es filologicamente confibveis" para que as anblises diacrhicas produzidas, com base na amostra proposta, "nfio venham a ser comprometidas pela falta de rigor na constituiqfio de sua base empirica" (Mattos e Silva & Lucchesi, 19935); a representatividade da documentaqfio relativa ao periodo hist6rico abrangido tendo em vista um criterioso "seriamento cronol6gico dos textos". 0 intuit0 maior C "fixar urn acervo minimo necessiirio para a an& lise dos processos lingiiisticos situados nesse lapso de tempo" sem, C 6bvi0, ter a pretensfio de "esgotar toda a documentaqgo remanescente desse periodo da lingua"; a diversidade dos tipos de textos disponiveis (documenta~~o poCtica, documentaqgo em prosa literiiria, cartas pessoais, cartas ofi-ciais, peqas teatrais, etc.) para que, "atravCs da diversidade de registros, se possa entrever a variaqgo sociocultural que condiciona os usos lingiiisticos" (cf. Romaine, 1982, apud Mattos e Silva & Lucchesi, 1993:5).

Ressalte-se que os textos selecionados para o estudo em tempo real de longa duraggo foram divididos em duas grandes amostras. A primeira delas C constituida por uma documentag50 relativa ao periodo que vai do sCculo XI11 ao XVI, ou seja, textos referentes ao portugues arcaico. Tal amostra serviu de base para a anhlise que visa a estabelecer uma relaggo entre o desaparecimento do uso de homem como pronome indefinido no portuguCs arcaico e a emergencia da pronominalizaqlo do substantivo gente. Postula-se, pois, que a forma a gente, ao se pronominalizar, passa a preencher a lacuna deixada no sistema pel0 homem indefinido. A partir do sCculo XVI, o voc6bulo homem deixa de ser usado como pronome, interrompendo aparentemente o processo de gramaticalizaggo desse substantivo. 0 nfimero de dados levantados e a documentaggo do sCculo XI11 ao sCculo XVI, incluindo, neste 6ltimo s4cul0, textos produzidos jh no Brasil, estgo listados a seguir:

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

Skculo

Tipo de texto PoCtico

XI11

1

XI11

1 PoCtico

XI11

Titulo do texto

I Cantips de Santa Maria. In: I METTMANN,W. (ed. de), 1972. I 0 Cancioneiroda Ajuda, In:

Modalidade

47 Nlirnerot ocorr&ncias

1 VASCONCELOS, C. M. de (ed. de), I I 1 1990. 1 Pottico IAs Cantigasde D. Joan Garcia de Gui-

Ihade, In: NOBILING, 0.(ed de), 1907. Ficcional A Histdria dos Cavalleiros da Mesa em prosa Redonda e da Demanda do Santo Graal, In: REINHARDSTOETTNER, K. von, 1887. Livro das Aves, In: ROSSI, N. et alii Prosa (ed. de), 1965. literhria Orto do Esposo, In: MALER (ed. de), Prosa religiosa 1964. Textos Arcaicos, In: VASCONCEProsa literhria LOS, J. L. de (ed. de), 1959.

XV

Prosa Virgku de Consolaqom,In: VEIGA, A PE 65 B. (ed. de), 1959. litertiria Cticoreligiosa XV Prosa 0 Livro de Esopo, In:, VASCONCEPE 19 literaria LOS, J. L. de (ed. de), 1906. Cticoreligiosa XV Historio- Vida e Feitos de Julio Cesar, In: MAgrafia TEUS, M. H. M. (ed. de), 1971. XV Historio- Crbnica de D. Pedrol de Fern60 Lopes Oitavo Rei destes Regnos, In: grafia PERES, D.(ed. de), 1979. XVI Historio- Tratado da Provincia do Brasil, In: GANDAVO, P. M., 1965. grafia Teatro XVI Auto de VicenteAnes Joeira, In: BERARDINELLI, C. (ed. de), 1963. XVI Copilaqam de Todalas Obras de Gil Teatro Vicente,In: VICENTE, G., 1562. XVI Livro das Saudades: Histdria de meProsa ) litertiria nina e moqa, In: RIBEIRO, 1557. 2uadro 3.4. Corpus do portuguCs arcaico utilizado na anhlir ! quantitativa de homem corn indefinido.

I

A inserqBo de a gente no quadro pronominal do portugu&s

48

A segunda amostra comeqa nas origens do portuguCs como lingua escrita (s6culo XIII) indo at6 a atualidade (s6culo XX). 0 s textos escritos desse vasto periodo foram utilizados na andlise da cronologia de (a) gente, visando a identificar as propriedades do substantivo gente que se perderam e as que se mantiveram no process0 de gramaticalizaq20 dessa forma. Nesse coyus, alkm do fator temporal, levou-se em conta a distribuig50 diat6pica intercontinental, contrapondo-se dados do portuguCs europeu, portuguQ do Brasil e do portuguQ africano, este filtimo representado por um texto de autor mo~ambicano.Estabeleceu-se t a m b uma diferenp entre textos escritos por portugueses no Brasil (PnB) e textos escritos por brasileiros (FB). Essa distribui920 espaqo-temporal foi feita para verificar 1.

2.

3.

em que periodo hist6rico (s6culo) a gramaticaliza$io de a gente se inicia; se o a gente pronominal se configura com maior ou menor intensidade de uso nos territ6rios para onde o portuguCs foi transplantado; se o emprego de formas pronominais e de tratamento no portuguCs europeu C mais conservador que no portuguCs do Brasil.

Ressalte-se que, quando era possivel identificar o sex0 da personagem litertiria ou teatral, especialrnente a partir do s6culo XIX-XX, a vari6vel genera foi controlada. Observe-se o corpus deste periodo: SCculo

Tipo de texto

XI11

Poktico

XI11

Pottico

XI11

Pottico

XI11

XIV

Titulo do texto

Modalidade

Numeral

Cantigas de Santa Maria, In: METTMANN, W . (ed. de), 1972. 0 Cancioneiro da Ajuda, In: VASCONCELOS, C. M . de (ed. de),

PE

ocorr&ncias 15

PE

14

As Cantigas de D. Joan Garcia de Guilade, In: NOBILING, 0. (ed. de),

PE

01

PE

08

PE

01

1990.

1907. Ficcional A Histdria dos Cavalleiros da Mesa em Prosa Redonda e da Demanda do Santo Graal, In: REINHARDSTOETTNER, K. von, 1887. Prosa A mais antiga versclo portuguesa dos Literhria Didlogos de Sclo Gregbrio.In: religiosa MATTOS E SILVA, R.V., 1971.

Perspectivas Tebrico - Metodolbgicas Textos Arcaicos, In: VASCONCELOS, J. L. de (ed. de), 1959. "Narrativas dos Livros de Linhagens"; "Crcinica Geral de Espanha de 1344"; "Crcinica da Conquista do Algame"; "Crcinica da Tomada desta cidade de Lixboa aos Mouros"; "Coronica do Condestabre" (fragmentos) In: MAGALHAES,I. A de. (org.). Histbria e Antologia da Literatura Portuguesa - s&culoXIII e XIV.

PE

02

PE

04 07 06

Prosa Orto do Esposo, In: MALER, B. (ed. religiosa de), 1964. Historio- Livro dos Conselhos de El-Rei D. Duarte (Livro da Cartuxa).In: DIAS, grafia J.J.A. (ed. de), 1982. Virgku de Consolaqorn,In: VEIGA, Prosa literaria A. B. (ed. de), 1959. tticoreligiosa Prosa "Castello Perigoso" (fragrnento) In: literaria VASCONCELOS, J. L. de. Textos Arcaicos, 1959. Prosa 0 Livro de Esopo. In: VASCONCEliteriria LOS, J. L. de (ed. de), 1906.

PE

06

PE

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01

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PE

51

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PnB

15

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Prosa literaria Historiografia

XIV

XIV

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1997.

XIV XV XV

XV XV

Cticoreligiosa

XV XV

XV XVI XVI XVI XVI XVI

,

Historio- Vida e Feitos de Julio Cesar, In: MAgrafia TEUS, M. H. M. (ed. de), 1971. Historio- Cr6nica de D. Jo60 I de Fern60 Lografia pes. In: AMADO, T . (ed. de), 1980. Historio- Crdnica de D. Pedro I de Fern60 Lografia pes Oitavo Rei destes Regnos, In: PERES, D. (ed. de), 1979. Teatro Auto de VicenteAnes Joeira, In: BERARDINELLI, C., (ed. de), 1963. Teatro Copila~amde Todalas Obras de Gil Vicente, In: VICENTE, G., 1562. Prosa Livro das Saudades: Histbria de meliteraria nina e moca, In: RIBEIRO, B., 1557. Historio- Tratado da Provincia do Brasil, In: grafia GANDAVO,P. M., 1965. Teatro 0 Auto de Srlo Louren~ode J. An-

50

XVI XVII XVII XVII

XVII XVIII XVIII XVIII XVIII XVIII

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs chieta, In: CARDOSO, A. P. S. J. (ed. de), 1977. Carta de Tomb de Souza. In: SOUZA, Carta oficial T. de, 1551. Carta CaraveNas que levam socorro ao Braoficial sil: nomeaqo de capitiies, In: ACIOLI, V. L. C. (ed. de), 1630. Carta Carla do Bispo, vice-rei de Portugal, oficial ao governador do Brasil, Diogo BoteIho, In: CASTILHO, B. P. de., 1607. Historio- Ediqiio do Manuscrito Noticiario Magrafia ranhense, descriqiio do Maranhiio, sum contendas e peregrinm circunstcincias de 1685, In: BERNARDO, C. P., 1996. Poesia Escritos de Gregdrio de Matos. In: BARROS, H. (ed. de), 1986. 0 Verdadeiro Me'todo de Estudar, In: VERNEY, A., 1746. Teatro Vida de D. Quixote, Esopaida e Guerras do Alecrim. In: SILVA, A J da, 1733. Teatro A Vinganqa da Cigana, In: CALDAS BARBOSA, D., 1794. Carta Carta do conde D. Marcos de Noronha, In: ARCOS, M. de N. e B., 1753. Carta Carta sobre osfianceses em Fernando de Noronha, In: GALVEAS, Conde das, 1736.

XVIII

Poesia

XIX

Teatro

XIX

Romance

XIX

Teatro

XIX XIX

Romance Romance

XIX

Pmcsm aiminak

XIX

Romance

Viola de Lereno. In: CALDAS BARBOSA, D., 1798. Frei Luis de Sousa, In: GARRETT, A., 1843. Bom Crioulo, In: CAMINHA, A., 1885. Teatro Complete, In: QORPO SANTO, 1829-83. Dom Casmurro, In: ASSIS, M., 1900. Memdrias de um Sargento de Milicim, In: ALMEIDA, M. A., 1855. Insurrei~iioNegra e Justiqa. Transcriqiio dos autos crimes de 1838. Eurico, o Presbitero, In: HERCULANO, A., 1844.

PnB

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Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

I

1

I PE 17 BRANCO, C., 1887. 11 PB "Como se Fazia urn Deputado (1882)" Teatro XIX In: CAFEZEIRO, E. (ed. de), Coletdnea Teatro Fran~aJunior, 1980. 03 PB "Caiu o Ministkrio (1883)", In: Teatro XIX CAFEZEIRO, E. (ed. de), Coletinea Teatro Franqa Junior, 1980. 04 PB "As Doutoras (1887)", In: Teatro XIX CAFEZEIRO, E. (ed. de), Coletdnea Teatro Franqa Junior, 1980. 06 PB Teatro "Direito por Linhas Tortas (1871)", XIX In: CAFEZEIRO, E. (ed. de), Coletinea Teafro Fran~aJunior, 1980. 09 PB Teatro "0 Juiz de Paz da Roqa", In: PENA, XJX L. C. M.. As Melhores Comtdias de Martins ~ e n a 18 , 15-48. PB 02 "As casadas solteiras", In: PENA, L. Teatro XIX C. M., As Melhores Comtdias de Martins Pena, 1815-48. 07 PB "0s dois ou o InglCs Maquinista Teatro XIX (1842)", In: PENA, L. C. M., As Melhores Comtdias de Martins Pena, 1815-48. 05 PB "Judas em sibado de aleluia (1844)", Teatro XIX In: PENA, L. C. M., As Melhores Comtdias de Martins Pena, 1815-48. 43 Romance Deus no Pasto, In: BORBA FILHO, XX H., 1972. PE 16 Romance 0 Delfim, In: PIRES, J. C., 1971. XX 71 PB Romance Membrias da guerra, In: SILVA, A., XX I 1 1986. I I XX ( Teatro ( 0 Simpbtico Jeremias, In: TOJEIRO, ( PB ( 10 I G., 1918. I I XX 1 Teatro I A Vida Tem T r b Andares. In: CUPB 1 08 NHA, H., 1938. 17 Romance A jangada de Pedra, In: SARAPE XX MAGO, J., 1986. 74 PA Romance Portagem, In: MENDES, O., 1981. I XX Quadro 3.5. Corpus do sbulo XI11 ao XX utilizado na aniliie quantitativa de gente + a gente em tempo real de longa duraqBa XIX

I Romance I A queda dum anjo, In: CASTELO

Pelo fato de a fonna pronominal a gente ser basicamente uma forma utilizada na interlocugZio, deu-se preferencia a obras teatrais que poderiam, at6 certo ponto, reproduzir caracteristicas da oralidade. Mesmo assim, reconhece-se que niio foi

52

A inserq5io de a gente no quadro pronominal do portugu&s

tarefa ficil localizar um nfimero significativo de ocorrCncias desse tip0 em textos escritos. AS vezes, em obras completas de um determinado autor de teatro ou em romances literhrios, n5o se identifica um misero dado sequer, o que prejudicou, e muito, a anilise quantitativa dos dados. Em rodadas parciais, por exemplo, com dados exclusivos de cada sCculo ou de cada modalidade, o programa computacional VARBRUL - que possibilita dar um tratamento estatistico aos dados coletados, calculando fieqiiCncias e pesos relativos de cada fator - n%oconcluia o processamento das rodadas, pel0 fato de se ter um n ~ m e r opequeno de dados e ctlulas vazias. Ressalte-se ainda que, em algumas tabelas em que se apresentam os resultados das anilises estatisticas, ser%oapresentados os resultados do nivel 1 (peso dos fatores isolados em relaqio ao valor de aplicaqgo), ao lado dos pesos relativos finais quando houver uma discrepdncia significativa entre os percentuais de freqiiCncia e os pesos relativos. Tais discrepdncias ocorrem tambCm, na maioria dos casos, pel0 pequeno n6mero de dados em determinada ctlula ou por interferCncia de algum fator no process0 interativo. Deve-se considerar, no entanto, como afirma Labov (1994), que resultados baseados em uma pequena quantidade de ocorr2ncias podem n%o ter releviincia estatistica, mas, mesmo assim, valem como indicios para hip6teses a serem confirmadas. Para o 6ltimo estudo em tempo real de curta duraqZio e tempo aparente, organizou-se um corpus constituido por entrevistas do Arquivo Sonoro da Fala Culta do Rio de Janeiro do Projeto de Estudo da Norma Lingiiistica Urbana Culta VURC), para analisar, nos dados de fala do sCculo XX (quando a gramaticalizaq5o j i esti implementada), a variaq5o entre a gente e nds, tentando traqar os caminhos da mudanqa. Esse estudo n50 se limita a identificar os fatores internos e externos que estariam influenciando a substituiq20 de nds por a gente, pois diversos estudos variacionistas sincr6nicos jB discutiram exaustivamente a quesGo (cf. Omena, 1986; Lemos, 1991; Lopes, 1993; Machado, 1995, entre outros). 0 que se pretende t observar o comportamento do individuo e da comunidade em dois momentos distintos, atraves do confront0 da fala dos mesmos informantes (e de outros informantes) do Projeto NURC-RJ na dCcada de 70 e na dCcada de 90. Para esse tip0 de anilise em tempo real de curta duraqgo, seguindo orientaqgo laboviana, foram utilizados trCs corpora do Projeto NURC-RJ, coletados em Cpocas distintas. 0 primeiro, constituido de entrevistas feitas na dCcada de 70, engloba 10 inqukritos, 5 de informantes do sex0 feminino e 5 de informantes do

Perspectivas Te6rico - Metodol6gicas

53

sex0 masculino, corn a seguinte distribuiqiio por faixa ekiria: 2 entrevistas de cada sex0 para a faixa et6ria 1, de 25 a 35 anos; 2 para a faixa etaria 2, de 36 a 55 anos e 1 para a faixa etiria 3, de 56 anos em diante. 0 segundo conjunto de dados corresponde a novas entrevistas realizadas na dCcada de 90 com os mesmos informantes da dCcada anterior para o estudo de painel (panel study). Tal amostra C chamada de Amostra Recontato ou Ddcada de 90 - recontato. A terceira amostra, composta por 8 novas entrevistas gravadas entre 1992 e 1996, serve para o estudo de tendtncias (trend study).

1 Faixa IDCcada 70

( DCcada 90

IDCcada 90

1

Quadro 3.6. Distribui~fodos inquCritos utilizados (NoInq. = ndmero do inquCrito e Q" oco. = quantidade de ocorr&ncias).

Organizou-se, tambCm, urn corpus corn dados do portuguts europeu, organizado a partir das entrevistas do Portugub Fundamental (Nascimento et alii, 1987). Para que fosse possivel a comparagiio entre o Portuguts do Brasil e o de Portugal, selecionaram-se entrevistas de falantes com nivel superior completo, de ambos os sexos e seguindo a mesma distribuiqBo etaria proposta para o Projeto NURC. Tal corpus faz parte da rodada corn todos os dados de fala do sCculo XX e da rodada exclusiva do portuguts europeu, em que sera feita a anilise em tempo aparente.

Aniilise em tempo real de longa duraqgo

4. ANALISE EM TEMPO REAL DE LONGA DURACAO 4.1. A indeterminag50 no portugues arcaico A passagem de nome a pronome talvez n5o possa ser considerada um tip0 de gramaticalizaq50 produtiva em termos de diversidade de itens lexicais em que tal fenbmeno ocorre. Particularmente, tem-se noticia da "pronominaliza~50"do substantivo homo latino que se tornou pronome indefinido em diversas linguas rominicas e depois pronome pessoal em outras poucas. Hfi opiniaes divergentes, entretanto, sobre a origem vulgar desse uso. Maurer (1959), em sua Gramcitica do Latim Vulgar, n5o inclui homem entre os pronomes indefinidos, e defende tal posiq5o afirmando em nota: Omitimos homo (franc& on, etc.) desta lista de indefinidos, pois que ngo existe evidCncia rominica antiga suficiente para demonstrar a sua origem no latim vulgar. 0 seu emprCgo na Peregrinatio e em outros textos mais ou menos populares n5o C prova do seu cariiter vulgar comum. Hofinann (Stolz-Schmals, pig. 485) registra Cste uso como tardio e raro em latim. Meillet (Linguistique historique et ling. gknkrale, piig. 227) coloca-o no romance. Note-se que n5o C rumeno e no Ocidente o seu uso n5o 6 geral. Ribeiro (1914), contrfirio 5 posiq5o anterior, defende que ja no Baixo Latim o substantivo homo era empregado como uma das forrnas de se indeterminar o sujeito. As linguas romkicas herdaram tal uso do substantivo: a chamada indeterminaq50 do "agente do verbo", por meio das variantes de homo (no espanhol tinha-se hombre/ome; no italiano, uomo; no portugues, homem/ome e variantes; no franc&, on; no valaquio, omul e no provenqal, om/hom). Essas formas assumem verdadeiro carfiter pronominal e equivalem ao man do alem5o. Dado o objetivo de nosso estudo, as consideraqaes do autor s5o um testemunho merecedor de citaq5o integral: 0 Francez C a unica lingua romanica que no period0 actual ainda conserva vigente este mod0 de expressgo: applica-o elle a ambos os generos, a ambos os numeros - On doit Etre bon. On doit Etre bonne. On se battit en dksesptrks.

Em Portuguez a palavra gente presta-se a uso identico: Quando a gente tern tuttor ou padrinho. (Ribeiro, 19 14:332) (grifo nosso)

A inserqzo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

56

Diversos gramhticos e filblogos apontam esse emprego de homem como pronome no portuguCs arcaico (cf. Vasconcellos, 1906; Huber, 1986; Mattos e Silva, 1989). Vasconcellos (1906: l l l ) elucida que nos textos do Fabulbrio portugugs (Livro de Esopo), datado por ele como do sCculo XIV, ha variaqgo de uso de homem como pronome e como substantivo. Argumenta o autor que [blasta s6 um salto, para passar, de homem, como substantivo e sujeito logico, para homem, como pronome e sujeito meramente grammatical. A ideia geral, contida em homem, tornou-se indefinida. - Sgo numerosos os exemplos d' este uso em portuguCs antigo. 0 s principais aspectos apontados por Vasconcellos (1906) que levam a interpretar o substantivo como pronome indefinido sZo estes: a)

a auszncia de artigo:

(1)

"o ma1 que homem faz" (SCc. XV, Livro de Esopo, Vasconcelos 1906:33-XLV) (= pronome). "por nhGa gram tribulaqom que o homem aja" (S6c. XV, Livro do Esopo, Vasconcelos 1906:33-XLV)(= substantivo).

(2)

b)

a possibilidade de ser substituido por "ningukm", "alguCm", etc.:

(3)

"ela nom poderia achar homem (= ningudm, algukm) que a tanto amasse" (idem).

Ressalte-se, entretanto, que o pr6prio fil6logo nZo considera esses recursos plenamente confihveis, pois, em diversos casos, como no prbprio exemplo (3), a interpretaqgo t ambigua. Silva Dias (1959, apud Mattos e Silva, 1984) afirma ser possivel localizar esse uso de homem, no portuguCs arcaico, equivalendo ao on do franc&, at6 o s6culo XVI. A partir dessa Cpoca, o vochbulo homem passa a ser empregado apenas como substantivo. A partir dessas coloca@ies, poder-se-ia dizer que o substantivo homem teria iniciado um process0 de perda de suas caracteristicas lexicais, tornando-se "mais gramatical" ao ser empregado no portugues arcaico tambCm como pronome indefinido e, nesse caso, estar-se-ia diante de um fen6meno de gramaticalizaqZo. Castilho (1997:37) comenta que, alCm dos demonstrativos, as expressaes nomi-

Anilise em tempo real de longa duraqgo

57

nais podem ser fontes de gramaticalizaqiio dos pronomes pessoais, "para a pessoa indeterminada (cf. Lat. Homo > Port. Arc. Ome, Fr. On), para a primeira pessoa (cf. Port. a gente em lugar de eu/nds) ou para a segunda pessoa (cf. Vossa Merce -+ VocE)". Entretanto, se for levado em conta o fluxo diacr6nico dos mecanismos linguisticos proposto por Giv6n (1979), qua1 seja, DISCURSO > SINTAXE > MORFOLOGIA > MORFOFON~MICA> ZERO, homem, empregado como indefinido, talvez tenha percorrido todo o ciclo, pois deixou de ser utilizado como tal no portuguCs e outra forma, o substantivo gente, se gramaticalizando como a gente pronominal, estaria reiniciando o ciclo. Tentar-se-a, pois, partindo dos postulados de autores como Hopper (1991) e Traugott & Heine (1991), descrever esse process0 evolutivo para tentar verificar se os pariimetros que caracterizam a gramaticalizaq30 se aplicariam, ou ngo, ao fen6meno em questzo. Para tentar estabelecer uma relaqzo entre o desaparecimento do uso de homern como pronome indefinido no portugues arcaico e a emergencia da pronominalizaqgo do substantivo gente, realizou-se uma analise quantitativa com base em um corpus constituido de textos do sCculo XI11 ao sCculo XVI, incluindo nesse hltimo sCculo textos produzidos j6 no Brasil. Buscou-se identificar os fatores lingiiisticos e extralinguisticos que teriam determinado essa variaqgo de uso. Foram levantados 458 dados, identificando-se 316 ocorrCncias de homern como substantivo, 96 como pronome e 46 ocorrCncias consideradas de "interpretaqiio duvidosa ou ambigua" por apresentarem caracteristicas tanto de substantivo como de pronome. (4)

(5)

ca eu cujdo que nunca este home foy rey senam de dormir (Stc. XIII, DSG.,Reinhardstoettner 1887:46) (substantivo). ...porque n8 pode homZ partir-se de sy mesmo, ca, en qualquer raz6 que seja senhor da sua culpa ou peccado, a conciencia nfica se dele parte (SCc. XV, VC, Veiga 1959:77)(pronome indefinido, homE = algutm, se).

(6)

Que certo C que homem, que esti em perigo, de todalas cousas h6 receo (Stc. XV, VFJC, Mateus 1971:70) (interpretaqgo ambigua, pois homem pode ser interpretado como pronome indefinido, equivalendo a "algutm", ou pode ter o seu pr6prio sentido referencial).

Em um primeiro momento, realizaram-se rodadas contrapondo apenas os dados de substantivo aos de pronome, excluindo-se os casos considerados de interpretaqso ambigua, para que os ambientes morfossint6ticos e semiintico-discursivos

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

58

fossem mais evidentes. Observem-se os ambientes em que uso de homem como pronome sZo mais fieqiientes no period0 de XI11 a XVI, excluindo-se, por ora, os dados de interpreta~Zoduvidosa: Grupo: I NO/Total 1 FreqiiCncia I Peso Relativo Pode ser substituido 1 0781080 1 97% 1 .lo0 INiio pode ser substituido I 00213 14 1 1% 1 .13 Tabela 4.1. Possibilidade de ser substituido por ningu6m/algutm: homem como indefinido no portuguCs arcaico. Valor de aplicaqio: homem pronominal.

1

Com relaq5o a esse primeiro grupo selecionado, houve, como parece 6bvio supor, maior favorecimento para o uso de homem como forma pronominal nos contextos em que era possivel a sua substituiqzo por pronomes indefinidos do tip0 ningubm/algubm, com 97% e, praticamente, (.100) de peso relativo. Tal recurso, apontado por Vasconcellos (1906), mostrou-se o mais relevante em todas as rodadas realizadas. Observem-se dois exemplos em que o vochbulo homem empregado como pronome n5o pode ser substituido por algudm/ninguim: (7) (8)

pode muy bem aprehender home"e"ne Senhor (SCc. XIV,OE,Maler 1964:25,1. 24). Este pesar foi por hiia I bestiola que muit'amava el rei, que sigo tragia I e a que mui bem criava, a que chaman doneea 10s galegos, e tirava corn ela aves das covas, 1 e de taes ome vee. Eno pouco e no mutio, I en todo lles faz mercee.. . (SCc. XIII, CSM, Mettmann 1972:257 v. I).

I

Grupo: 1 NOITotal I FreqiiCncia Peso Relativo Interpretaqb Impessoal (indeterminada) I 0591060 1 98% 1 .87 I Leitura genkrica I 0371120 1 31% 1 .29 Tabela 4.2. Tipologia semlntica do sujeito: homem como indefinido no portugu8s arcaico.

1

Embora se considere a referenciabilidade como uma propriedade semintica inerente aos nomes, n5o hh como negar que artificios sinthtico-discursivos determinam sobremaneira os graus de referencia que um determinado item pode assumir. 0 nome pode ganhar ou perder gradativamente a sua referenciabilidade, tornando-se genCrico ou nZo-referencial no momento em que a entidade fisica

An6lise em tempo real de longa duraqlo

59

deixa de ser individualmente especificada, referindo-se genericamente a toda uma classe. A perda gradativa da referzncia, enveredando pela generalidade, pode atingir um alto grau de indefinitude e abstraq5o. Talvez, ao alcanqar esse patamar, o nome ja esta se descategorizando como classe por assumir referencia zero, perdendo sua principal propriedade semiintica. Observem-se os exemplos: (9)

...Mas quando ujo que o home boo dormja, pensou, como ho spertarya (SCc. XIII, DSG., Reinhardstoettner 1887:46) [+ referencial ou refe-

(10)

rente especifico]. ...A terceyra era a uoz de que todo homem que a ouuja, perdia o sem e a forqa dos braqos e do corpo de de todollos menbros (Stc. XIII, DSG., Reinhardstoettner 1887:42) [genbrico].

(1 1)

...que oraq6 deue primeiro seer fecta que toda outra cousa que homZ quer fazer (SCc. XIV, OE, Maler 1964:189) [irnpessoal ou indeterrni-

nado].

(12) (13)

...certas

cousas deue home" leer. (idem) [impessoal ou indeterrnina-

do].CARATERES!

...que nunca homem viu na gram bretanha (Stc. XIII, DSG., Reinhardstoettner 1887:43) [impessoal ou indeterrninado].

Em (9), a presenqa do artigo definido (0) e do adjetivo (bom) funcionam, nesse caso, para designar um individuo especifico identificavel, alkm de outras pistas como o tempo pretkrito de referencia especifica, o discurso narrativo, etc. Ja em (lo), a leitura C genCrica, porque o referente n5o C necessariamente um individuo identificado. N2o ha uma indicaq50 da existencia de homem especifico e conhecido pel0 falante, mas sim a de "qualquer homem". A presenqa do quantificador universal "todo" referenda ainda mais o cariter genCrico do item. Nos exemplos (1 l ) e (12), pode-se ver ai um maior grau de indeterminaq50 de homem, podendo-se parafiasear: (1 1) "coisa que algu&m/ningu&m/sequer fazer " e (1 2) "nunca ningu&m/se viu nu gram bretanha ". Entretanto, nem sempre C tarefa facil, determinar, exatamente, em que contextos uma express50 nominal passa a ser genkrica, e em que momento a generalidade se amplia de tal forma que a express50 passa a ser considerada indeterminada. 0 s fatores de ordem pragmhtico-discursiva e sintitico-semiintica facilitam a interpretaqgo, mas a ambigiiidade pode persistir. A partir desses aspectos, tem-se, como hipdtese para analise do uso do substantivo homern como pronome no portuguzs arcaico, que o emprego do substan-

60

A inserq5io de a gente no quadro pronominal do portuguCs

tivo como indicador da indeterminaqzo do sujeito ocorre quando hh perda da referenciabilidade. Na analise dos dados, verificou-se que o emprego referencial foi categ6rico (100 %) para o substantivo (23 1 ocorr~ncias).Confrontando-se todos os dados, observou-se que os casos considerados de interpretaqso ambigua tiveram um indice maior de fkeqiiencia e peso relativo como sujeitos genbricos. Silva Dias E. (1959:94, apud Mattos e Silva, 1984:232) explica ser comum o emprego de hornem e pessoa, ainda no sCculo XVI, para expressar "o que acontece geralmente", ou seja, quando se faz uma generalizaqso. Opondo os dados de hornern, como pronome indefinido, Aqueles em que ha ambigiiidade interpretativa, evidenciou-se maior favorecimento de uma leitura impessoallindefinida para o pronome (59163 - 94% - -80)e interpretaqiio generica nos casos considerados ambiguos ou "em transiq507'(47/78 - 53% - .75). Tais resultados confirmam a hip6tese inicial da existencia de uma hierarquia quanto ao grau de referenciabilidade (referencial/especifico > genbrico > impessoal/indefinido). 0 emprego de hornem, no portugues arcaico, esth diretamente relacionado A perda da referencia do nome substantivo que, ao ser utilizado como pronome, pode admitir uma Ieitura impessoal. Em um esthgio intermedihrio desse processo, o item assume urn carhter genkrico. 0 gradualism0 detectado se coaduna perfeitamente corn a continuidade pressuposta para itens lexicais em processo de gramaticalizaq50. Ao se identificarem trCs usos hncionais distintos do mesmo item (substantivo, "interpretaqgo ambigua" e pronome indefinido) correlacionados diretamente a uma gradual perda de referenciabilidade ou processo de indeterminaqzo, podem ser detectadas as diferentes fases de realinhamento categorial.

I NO/Total \ FreqiiEncia

(GGpo:

\ Peso Relati- I VO

Entre o auxiliar e o verbo principal Posposto ao verbo principal Anteposto ao verbo (auxiliar ou princi-

Ipal)

Tabela 4.3.

I

0331039 0201045 0401187

85% 44% 21%

.9 1 .91 .26

ColocayHo do sujeito na frase em relaylo ao verbo: homem como indefinido no portuguCs arcaico

I

Veiga (1959), ao discutir as vhias maneiras de indeterminar o sujeito em um texto do sCculo XV (Yirgk de Consola~orn),comenta que o pronome indefinido

Anhlise em tempo real de longa duraggo

61

homem, embora n3o tenha posiq3o rigida na fiase, tende ii posposiqiio quando vem junto a infinitivo e genindio: (14) (15)

Peor cousa he cuidar home a mentira (SCc. XV, VC, Veiga 1959: 39) (posposto ao infinitivo). Aquel que trage a cruz deve morrer ao mildo, ca en tragendo horn&a cruz e marteyrar si meesmo (SCc. XV, VC, Veiga 1959:31) (posposto ao genindio).

Veiga (1959:LXVI) afirma que, nas locuq6es de verbo auxiliar mais infinitivo, "encontra-se o pronome interposto ou anteposto a elas", sendo que a anteposiq30 C menos freqiiente. (16) (17) (18)

que as n6 pode home enteder (Sic. XIV, OE, Maler 196453) (interposiglo do item na locuqlo). que bem podia homem ver (Stc. XV, VFJC, Mateus 1971) (interposigBo do item na locug8o). Mais ligeyramente pode home lidar e contradizer... (SCc. XV, VC, Veiga 1959:26, II,58) (interposiggo do item na locugtio).

Observando-se a tabela acima, vC-se que as considera~6esde Veiga (1959) n30 se restringem 21 obra em questgo, uma vez que a interposiqzo do pronome indefinido homem apresenta altos indices de fieqiiCncia e peso relativo no conjunto de textos analisados do portugues arcaico (85% - .91). Ressalte-se que a interposi$50 do pronome na locuq3o verbal C um fentimeno que ocorre do sCculo XI11 ao XV, mas no sCculo XVI nZo foi localizado nenhum dado do tipo, nem como pronome, nem como substantivo. Ressalte-se que, dessas 39 ocorrCncias de homem entre o auxiliar e o verbo principal, localizaram-se 17 dados - todos de pronome - com marcas de negaq3o em estruturas do tip0 nom/nCo/no" + auxiliar + homem +verbo. Observem-se alguns exemplos: (19) (20) (21) (22) (23) (24) (25)

N6 pode home partir-se de sy meesmo (Stc. XV, VC, Veiga 1959). Nom podia om' alh ir (SCc. XIII, CSM, Mettmann 1972). ca em aquel tempo nom podia homem achar (SCc. XIII, DSG.,Reinhardstoettner 1887). que nom podia homem achar rem (idem). nom veera homem ueje auentura (idem). que non pode homem leuar hua (idem). n90 deue home porem leixar de per ellas (SCc. XIV, Maler 1964).

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

que as nZo pode home enteder (idem). Ca n6 deve horn&colhar o que nZo deve colijqar (SCc. XV, VC, Veiga 1959:90).

Em todos os exemplos localizados, C latente a equivalencia semintica ao indefinido ninguim, o que pode ter favorecido, nesse periodo, a pronominalizaqiio de homem. Evidencia-se ainda que das 96 ocorrCncias de homem empregado como pronome, identificou-se apenas um dado de objeto indireto (28)

Todas estas cousas nom lhe abastavam, ante sofiia que lhe fezessem mais honra do que convinha fazer a homem (Skc. XV, Mateus 1971).

e 1 de objeto direto: (29)

Assim se cobriu Cesar em chorando, mais nom achou homem em toda sua hoste que o ajudasse a chorar (idem).

Nos dados restantes, 97% do total, homern pronominal ocorre na posiqiio de sujeito. Dos 310 dados de substantivo, apenas em 55% (171 ocorri$ncias) o vocibulo homern ocorre como sujeito. Embora o substantivo na posiq8o de sujeito ocorra em um n6mero significative de dados, o percentual de frequCncia, como se ve, C proporcionalmente menor se comparado ao uso de homem como pronome nessa posiqiio. No que se refere A posiqiio do sujeito em relaqiio ao verbo, verifica-se uma certa distribuiqgo complementar, pois enquanto o substantivo homem aparece predominantemente anteposto ao verbo, o pronome ocorre corn altos indices de frequencia entre o auxiliar e o verbo principal. Dos 171 dados de homem (substantivo) na posiqiio de sujeito, 1431171 (83%) aparecem antepostos ao verbo; 22117 1 (12%) pospostos ao verbo e apenas 061171 (3%), interpostos A locuqiio verbal (entre o verbo auxiliar e o principal). Entretanto, dos 94 exemplos de homem, como sujeito pronominal, identificaram-se 39/94 (41%) ocorri2ncias de anteposiqiio ao verbo, 22/94 (23%) de posposiqiio e 35/94 (37%) de interposiqiio ii locuqgo verbal. Com relaqiio A posposiqiio do pronome indefinido ao infinitivo e genindio, confirmam-se tambCm as consideraqties de Veiga (1959). Apesar dos poucos dados - 24 ocorrsncias de formas infinitivas -, 12 estavam associadas ao pro-

Anhlise em tempo real de longa duraqgo

63

nome, 09 delas eram pospostas ao infinitivo e apenas 03 antepostas. Com o genindio, os 02 dados localizados vinham antes do pronome. Grupo: Isolado no SN Tabela 4.4.

I NO/Total I Freqiiencia 1 0891118)

75%

I Peso Relativo 1 .90

PosiqHo no sintagma nominal: homem como indefinido no portuguCs arcaico

A principio, apesar de os pronomes e os substantivos exercerem as mesmas fung6es sintiticas (nccleo do sujeito, complementos e sintagmas preposicionados) o que j i levou alguns autores a considerarem desnecessirio se tomar a classe dos pronomes como uma classe funcional A parte -, h i pel0 menos uma diferenga fundamental em termos de comportamento sintitico: os pronomes, principalmente os pessoais, ao contririo dos nomes, n5o podem ser antecedidos por alguns determinantes e funcionam, em geral, como nccleos isolados no SN. Podese dizer: "a garota estudou", enquanto "*a ela estudou", ou "*o eu estudei" seriam agramaticais. 0 s tipos de determinaq50 que podem ocorrer, nesses casos, est5o restritas aos adjetivos (mesmo, prdprio), a numerais (eu mesmafiz isso, nds mesmos fizemos tal coisa, nds tr6s fomos ao cinema), a um ncmero restrito de "advirbios" (somente vocg, apenas nds) e ao predeterminante (Perini, 1995) todos/todas (todos nds, todos eles, voc6s todas). 0 s indefinidos n5o-variaveis, por sua vez, n5o funcionam como determinantes de nome (*Algu&mrapaz estava aqui); ocorrem, em geral, isolados no SN (Alguirn chegou), n5o podem ser determinados por outros determinantes (*este algue'm fez isso), mas podem ser seguidos por qualificadores (Quero algu6m interessante para namorar). 0 s resultados da tabela acima confirmaram tais postulados. 0 s resultados numiricos indicaram altos indices de freqiiencia do uso de homem como pronome quando ocorria isolado no sintagma nominal (75% - .90). A presenga de um modificador posposto ao item favorece, ao contririo, um uso como substantivo. 0 s exemplos de qualificadores pospostos a homem indefinido (pronome) localizados no corpus restringem-se, praticamente, a orag6es relativas, como mostram os exemplos a seguir: (30) (3 1) (32)

com' ome que aduz (Stc. XIII, CSM, Mettmann 1972). nom havia homem que esto visse (S6c. XV, CDP, Peres 1979). ela nom poderia j6 nunca achar homem que a tanto amasse (Stc. XIV, Livro de Esopo, Vasconcelos, 1906).

64

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Pressupor que o substantivo hornern tornou-se mais gramatical significa "dizer que ele passa a assumir posiq6es mais fixas nas sentenqas, tornando-se mais previsivel em termos de uso" (Martelotta et alii, 1996:46). Croft (1993) chama esse tipo de comportamento de rigidificaqso da ordem da palavra na sentenqa, Lehmann (1982) o cunhou de fixaqBo e Heine & Reh (1984) o chamam de permutaqgo. Em sintese, tem-se a fixaqzo da posiqZo sintiitica de um elemento que era formalmente line (Croft, 1993). Lehmann (1982a), ao comentar a variabilidade sintagmiitica, argumenta que h i gramaticalizaqZo "forte" quando um item que se podia mover livremente nas estruturas passa a ocupar lugares gramaticais fixos. Analisando-se os fatores de forma conjunta, percebe-se que, como um todo, a combinaqZo dos ambientes lingiiisticos mais propicios ao uso de hornern como indefinido, em relaggo ao emprego do mesmo item como substantivo, indica um process0 de gramaticalizaq20. A expressgo nominal passou a ter uma mobilidade estrutural mais restrita em termos de sua posiqgo com relaqZo ao verbo. NZo s6 com relaqzo ao verbo, mas at6 mesmo dentro do sintagma nominal sua mobilidade se rigidificou (Croft, 1993). A forma pronominal passou a ocorrer sistematicamente isolada no SN, deixando de ser modificada por quantificadores, determinantes, possessivos, locuq6es prepositivas, etc. Perdem-se, assim, as principais propriedades sintiticas do nome, categoria plena, assumindo-se propriedades de outra categoria, a dos pronomes, que no caso C secundiiria, como os auxiliares e determinantesnos termos de Reighard (apud Menon, 1996). Outro aspect0 a ser considerado C a estreita relaqZo entre a gradativa perda da referenciabilidade do substantivo ao se "pronominalizar7'e a sua posiqZo no sintagma nominal. Ora, se o nome vem antecedido ou seguido por determinantes, quantificadores, qualificadores, possessivos, mais chances ele teri de ser interpretado como [+especifico], [+definido], [+determinado], assumindo, assim, um cariiter referencial. Por outro lado, se o item ocorre sozinho no sintagma nominal, a leitura genCrica acaba por se impor. Ressalte-se, no entanto, que a pronominalizaqiio ou gramaticalizaq50 do substantivo hornern n5o se efetivou, pel0 menos no portugub. 0 uso de hornern como sujeito indeterminado ou como pronome indefinido C uma caracteristica do portuguts arcaico. A variaqgo nominal versus pronominal foi interrompida e nZo se consolidou como uma mudanqa lingiiistica. Entretanto, concordamos com Lichtenberk (1991:38) quando afirma que "a variaqgo C uma necesshria conseqiitncia do gradualism0 da mudanqa lingiiistica". Mesmo que n2o se possa afirmar, com Mauer (1959), que o uso de hornern como indefinido C geral para as

Anhlise em tempo real de longa duraqIo

65

linguas romiinicas, C fato que, durante um considerhvel period0 de tempo, quase 400 anos, as duas estruturas coexistiram no portugubs, embora a estrutura pronominal, aparentemente mais nova, nTio tenha se mantido.

4.2. AnBlise dos tragos de gCnero, numero e pessoa em dados quantitativos: a cronologia de a gente Com o objetivo de descrever a evoluqiio diacr6nica de a gente a partir das especificaq8es das entradas lexicais (0s traqos primitivos) do substantivo gente e da forma pronominal a gente, realizaram-se, utilizando-se dois tipos de corpora, anilises quantitativas: a primeira, com base em dados do sCculo XI11 ao sCculo XX, procurava verificar o percurso hist6rico da mudanqa categorial do substantivo gente para o pronome a gente; a segunda buscava analisar, nos dados de fala do sCculo XX (quando a gramaticalizaqiio ji se efetivou), a variaqiio entre a gente e nds. Para a anhlise do percurso hist6rico em tempo real de longa duraqTio, consideraram-se, na varihvel dependente, as ocorrbncias de gente e a gente. Cabe ressaltar que a variante a gente niio C necessariamente a forma pronominal, porque o substantivo, antes de se "cristalizar" como a gente pronominal, ocorria precedido, ou niio, de artigo definido. A identificaqTio de que se tratava do substantivo ou do pronome d6-se pel0 cruzamento com o grupo de fatores "interpretaqiio sem5ntica". Postulam-se, para esse grupo, trbs possibilidades interpretativas:

a)

como sin8nimo de "pessoas"

(33)

eu conheqo bastante gente que mora em casa, aqui no Rio nIo, geralmente o pessoal mora em apartamento (NURC-RJ, AC.012, MI).

b)

como variante de "n6s" [+especifico]

(34)

e no entanto, graqas a deus, todos, eu assim h i criada, dentro duma casa com muito respeito e ela tambCm, meu pai tambCm era a mesma coisa, a gente la em casa nIo ouvia nada, credo! (PE, inq. 248, M3).

c)

como sujeito indeterminado ou ''no's" [+genkrico]

A inserqfo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

(35)

apesar de eu dar aula pra segundo grau e, teoricamente, a gente espera que os alunos mais maduros, nC, vocC ainda pega muita, muita infantilidade (NURC-RJ, AC.01, HI).

Ressalte-se, entretanto, que estabelecer uma distinq50 entre "variante de nds" e "sujeito indeterminado ou genkrico" nem sempre pareceu muito fhcil. De inicio, obedece-se a dois critkrios bhsicos: 1) se o item em quest50 pode ser substituido por nds/eu, considera-se variante de nds [+especifico]; 2) se o item n5o pode ser substituido pelas formas pronominais nds/eu, mas por se "indeterminador" ou voc2 "genkrico", considera-se sujeito indeterminado ou nds [+genkrico]. Tal critkrio, no entanto, n5o se mostrou sempre eficaz, porque a interpretaq50 6, hs vezes, ambigua, e o pr6prio pronome nds pode ser empregado como sujeito genB rico. 0 fato de o sujeito impessoal e o sujeito pronominal genkrico n5o serem estritamente referenciais e serem apenas minimamente diferentes torna a codifica@o imprecisa (Cardinaletti & Starke, 1993). Analise-se o exemplo abaixo, que apresenta ambiguidade: (36)

Hoje em dia, quer dizer, quando a gente revC isso, a gente relembra essas coisas, a gente vC que realmente dB, d9 uma certa revolta nC, pa, vocC ter que ter passado por uma situaqfo dessa, nC.

Como variante de nds, podemos interpretar que o falante esth se referindo a uma situaqiio particular vivida por ele e, nesse caso, ele estaria compartilhando com outras pessoas sua revolta, num sentido genkrico ('eu + os outros'). Ao mesmo tempo, pode-se ver ai um maior grau de indeterminaqgo do sujeito, podendo-se parafrasear a declaraq50: "quando reve isso, relembra essas coisas, g vi5 que realmente dB...". Com o intuit0 de desfazer a ambiguidade, criaram-se, como se verh adiante, diversos grupos para controlar o grau de determinaq50 do referente e observar certas caracteristicas gramaticais que podem facilitar a interpretaq50.

4.2.1. Variiiveis independentes: o gCnero, o nCmero e a pessoa Tomando por base a discuss50 feita sobre as propriedades de ghero, n ~ m e r oe pessoa de nomes e pronomes, foram testados os seguintes grupos de fatores, tanto nos dados de escrita do sCculo XI11 ao XX para anhlise do percurso substanti-

Anblise em tempo real de longa duragBo

67

vo -,pronome, quanto na anhlise dos dados de fala do sCculo XX , opondo nds a a gente: I. a) b) c) d) 11.

a) b) c) d)

ConcordPncia externa ao SN (corn o predicativo) As opqaes postuladas para o predicativo seriam estas: [+fern, $pl] = feminino singular; [+fern, +pl] = feminino plural; [-fern, $pl] = masculino singular; [-fern, +pl] = masculino plural; ConcordPncia interna ao SN As opqaes postuladas para a concordsncia interna foram estas: [+fern, $pl] = feminino singular; [+fern, +pl] = feminino plural; [-fern, $pl] = masculino singular; [-fern, +pl] = masculino plural;

111.

Co-referentes pronominais Postula-se outro grupo de controle para tentar delimitar cronologicamente a passagem da correlaq30 de (a) gente corn formas de terceira pessoa (P3) para formas de primeira pessoa do plural (P4).

a)

Possessivos de 3" pessoa (seu, sualdele, dela)

(37)

Non sei eu ja no mundo conselho prender; (e) mais de mil cuidos j B no coragon cuidei; ca, pro mia vida mais podesse durar, vergonha i 9 d'assi antr' as gentes andar, per0 (que) de min nen &nenhum sabor ei; e sequer non ei (ja) razon que lhes ap6er, quando me preguntan [por] que ei tan trist' andar (Stc. XIII, CSM, Mettrnann 1972:771, V. I).

b)

Possessivos de lapessoalplural (nosso, nossa)

(38)

a gente dentro da nossa cabega...(NURC-RJ, AC.01, H 1).

IV.

Pessoa verbal

A inserqiio de a gente no quadro pronominal do portuguCs Nosso objetivo 6 tentar verificar at6 que sCculo o uso corn a terceira pessoa do plural se fez presente e a partir de que Cpoca a correlaqiio corn a primeira pessoa do plural se inicia. A nossa principal hip6tese C a de que a concordlncia corn P4 (ou 1" pessoa do plural) seria uma maneira de cristalizar na sintaxe a interpretaq80 semdntica de "eu + alguCm".

a)

3"pessoa do singular

(39)

Aqui no Rio, de repente a gente jci tern urn preconceito contra isso (NURC-RJ, AC.012, Ml).

b)

lapessoa do plural

(40)

nds niio tinhamos nada que ir para 16 fora do concelho, mas pediram, a gente fomos (PE, inq. 0893, HI).

c)

3" pessoa do plural

(41)

Quen viu o mundo qua1 o eu j6 vi, e viu as gentes que eran enton (SCc. XIII, CA, Vasconcelos, 1990).

d)

infinitivo nSo flexionado (sem marca de pessoa)

(42)

Lourenqo, nunca ir6 a logar u tu non faqas as gentes riir (SCc. XIII, CJGG, Nobiling 1907:39, v.802).

4.3. Resultados do percurso hist6rico de gente -+a gente Nesta seg2o seri desenvolvida a anhlise dos resultados obtidos no processamento dos dados pel0 programa VARBRUL. Por ora, apresentar-se-20 apenas os resultados obtidos com o corpus em que se contrapaem as ocorriincias de (a) gente, como substantivo e como pronome, ou seja, a cronologia de (a) gente. 0 s resultados da anilise das amostras de fala do sCculo XX, que opaem a gente a nds ser5o apresentados em outra seg2o. Nessa anhlise, obteve-se um total de 914 dados, sendo 692 ocorriincias de (a) gente como substantivo (76%) e 171 como forma pronominal (18,7%), ressaltando-se que desse n6mero houve 146 dados de a gente como variante de nds

An6lise em tempo real de longa durag8o

69

[+especifico] (16% do total geral) e 25 de a gente como sujeito pronominal indeterminado ou nds genkrico (3% do total). Isolaram-se tambCm 51 dados (6%) que apresentavam ambigiiidade interpretativa, podendo assumir tanto uma "leitura substantiva" quanto pronominal. Quanto ti distribuiqzo por sCculo, levantaram-se 39 dados do sCculo XIII, 34 do XIV, 174 do XV, 92 do XVI, 65 do XVII, 60 do XVIII, 212 do XIX e 238 do XX. Quanto A diferenciagzo diat6pica, obteve-se um total de 407 dados em textos escritos por autores portugueses (doravante, portuguCs europeu = PE), 363 em textos de autores brasileiros (portuguCs do Brasil, PB), 74 em um texto de autor moqambicano (portuguCs afiicano, PA) e 70 dados identificados em textos escritos por autores portugueses jh no Brasil (Portugues no Brasil, PnB). Com essa quantificaq50 da cronologia de (a) gente em tempo real de longa duragso, percebeu-se, na anhlise dos resultados, que o process0 de pronominalizaqZo do substantivo gente foi lento e gradual, uma vez que s6 foram localizadas ocorrCncias de a gente como pronome no sCculo XVIII. Antes disso, h9 exemplos esporhdicos em que a forma a gente apresenta ambigiiidade interpretativa, ou seja, tanto pode ser considerada sin8nimo de "pessoas" quanto variante de nds. Observem-se os exemplos abaixo: SCculo XVI:

(43)

TambCm h6 muita infinidade de mosquitos pmqipa1me"nteao longo dalgfi I Rio antre hiias aruores q[ue] se cham80 manges n8o pode nenhfia pessoa esperallos e pello matto quando n8o h6 virag5o sZo muj sobeios e perseguem muito a gente (Gsndavo 1965:235).

SCculo XVII: (44) ...E os tigres, em tanta cantidade (por n8o haver descampados), que, em se metendo fia rCs no mato, n8o sae, e o mesmo risco corre a gente, se

n8o anda acompanhada, e pelos rios e lagos dos jaguar& ... (Bernardo 199628).

SCculo XIX: (45) Rosinha - A prima Maricota disse-me que era uma coisa de par a gente

de queixo caido (Cafezeiro, 1980:165).

Nesses trCs exemplos, parece que a acepqZo semhtica intrinseca ao substantivo gente, ou seja, a nogzo genCrica de pessoa, comega a sofier uma mudanqa. 0 trago semintico de pessoa comeqa a deixar de ser [$EU] e se altera para [+EU],

70

A inserq2o de a gente no quadro pronominal do portuguCs

pois a interpretaqiio "inclua o falante" torna-se mais nitida. Nesses casos, considera-se que o referente pode ser "todo mundo (todas as pessoas), inclusive o eu". Tais ocorrCncias, escassas no portuguCs arcaico, comeqam a se tornar fieqiientes a partir do sCculo XVI. Localizou-se apenas um exemplo no XIII; entretanto, a partir do sCculo XVI em diante, a incidCncia de exemplos dessa natureza tornase mais significativa. Identificaram-se 2 casos de interpretaqiio ambigua no XVI, 2 no XVII, 9 no XVIII e 36 no XIX. Observem-se alguns desses exemplos nos textos mais antigos: SCculo XIII:

(46)

0jograr por tod' aquesto 1 non deu ren, mas violou como x' ante violava, I e a candea pousou outra vez ena vyola;! mas o monge lla cuidou fillar, mas disse-11' a gente: I "Esto vos non sofreremos." A virgem Santa Maria... (CSM, Mettmann 1972:27 V. I).

SCculo XVI:

(47)

Quanto mais se chega a fim do mundo, atodo andar, tanto a gente C mais ruim! (Vicente 1562:230).

secuio XVII:

(48) (49)

e o mesmo risco come a gente, se n2o anda acompanhada (MNM, Bernardo 1996:28). onde multiplica menos a gente que no Maranhgo (MNM, Bernardo 1996:97). Percurso hist6rico

X Ill

Figura 4.5.

- +-

X IV substantive

xv

X

v

-pronome

I

XVll

-

"6s

X

v

Ill

-emprego

X IX ambiguo

Percurso hist6rico de gente (substantivo) > a gente (pronome)

XX

71

Anilise em tempo real de longa duragiio

Na figura 4.5., a linha "emprego ambiguo" em ascendencia do sCculo XVI em a pardiante, representa a freqiiencia desses casos de leitura d ~ b i aEvidencia-se, . tir do XVII, um crescimento progressivo de exemplos dessa natureza, o que pode refletir um periodo de transiq2o entre o uso, at6 aquele momento, da forma em quest50 exclusivamente como substantivo, e o inicio do emprego efetivo como pronome, que ocorre a partir do sCculo XIX. Esse periodo transitbrio instaura-se entre o sCculo XVII e o XIX. Ressalte-se que a ascendencia da curva dos casos considerados ambiguos coincide com uma curva descendente do emprego de gente como sinbnimo de pessoas (emprego como substantivo). Do mesmo modo, conforme se configura a intensificaqso do emprego de a gente como forma pronominal do sCculo XIX em diante, a interpretaggo ambigua deixa de se fazer presente. Nos estudos funcionalistas sobre gramaticalizag20, revigorados nas dCcadas de 80 e 90, autores como Lichtenberk (1991) retomam a discuss20 sobre o problema da transiqiio (Weinreich et alii, 1968) e defendem ser o gradualism0 inerente aos fenamenos de gramaticalizag20 estudados. Postula-se, inclusive, que a tentativa de segmentar a gramaticalizaqBo em fases ou em unidades discretas 6 arbitrhria por ser um fenbmeno continuo e n2o um process0 que possa se extinguir. Ao se analisarem os diferentes estados da lingua, neste estudo, observa-se uma perda gradativa e n5o instantsnea dos tragos formais atravCs dos sCculos. Isso pode referendar a perspectiva da dinamicidade da mudan~avista como um continuum, e n5o uma mera sucess2o de sistemas homogeneos e unit6rios. Figura 4.6.

I

Percurso hist6rico de gerzte > a gente: vhrias possibilidades interpretativas ao longo do tempo Percurso hist6rico d e gente > a gente

100% 80% 60% 40% 20% 0%

npronome

= suj.

ind.

I

q emprego ambiguo pronome = n6s substantivo XI11

xv

XVII

XIX

Ainda deve-se levar em conta que, no portugues arcaico, a idCia de indefinig50 pronominal era representada pel0 substantivo homem, que se reduziu a om 'ne > omen > ome, deixando de ser utilizada, com esse sentido, no sCculo XVI, como

A inserqiio de a gente no quadro pronominal do portuguCs

72

p6de ser visto em 4.1. A forma a gente, como pronome, n5o era empregada nessa fase da hist6ria do portugues, e pela n2o-coexistencia de uso do nome e pronome, nesse periodo, os resultados s2o quase sempre categ6ricos.

4.3.1. A perda da subespecificaqiio do traqo de numero: a descaracterizaqiio de gente como substantivo Com relag20 A concordincia intema no SN, estabeleceu-se o controle da presen$a do trago de numero no substantivo gente, ji que a forma pronominalizada n20 C determinada no interior do sintagma nominal. 0 intuit0 6, pois, marcar cronologicamente a perda da flex50 de numero para o substantivo, tentando confirmar a evolug5o de gente > a gente quanto aos tragos propostos: [apl, +PL] > [+ply +PL]> [+ply+PL]. 0 s resultados obtidos, apresentados na figura 4.7, evidenciarn que a subespecifica@iodo numero formal [apl] se faz presente at6 o sCculo XIX.

120

,

XI11

Figura 4.7.

Presenqa do traqo de numero no substantivo gente

XIV

XV

XVI

XVII

XVIII

XIX

XX

Presenqa do traqo de niimero no substantivo gente: evoluqlo hist6rica da perda da flexio.

Aparentemente o trago formal de numero, registrado na sintaxe, se perdeu com o tempo. Tais resultados podem evidenciar que o substantivo gente apresentava com nitidez as propriedades caracterizadoras do nome por ser empregado com a subespecificagZio de numero [apl], ou seja, podia ser usado tanto no singular (es-

Anhlise em tempo real de longa duraq3o

73

ta gente) quanto no plural (estas gentes). 0 s dados confirmam o primeiro estigio dos traqos propostos para o n6mero [apl, +PL]. No sCculo XVI, tem-se o inicio da segunda fase postulada [$pl, +PL], pois h i um percentual significativo de 74% de ausencia do traqo de numero. Ressalte-se que - a partir desse periodo, em que coincidem outros fatos relevantes j i apontados, tais como 1) o desaparecimento do emprego de homem como indefinido; 2) a incidencia dos casos de a gente com ambigiiidade interpretativa (figura 4.5) e 3) o uso de a gente como forma pronominal no sCculo XVIII - a perda do traGo de n6mero C acelerada, atingindo 100% no dculo XX. Observe-se que, paulatinamente, o traqo [4pl] (uso de gente apenas no singular) ganha terreno ao longo do tempo, firmando-se como uso categ6rico no sCculo XX. 0 s exemplos abaixo elucidam o uso subespecificado do traqo de n6mero na primeira fase postulada que vai do sCculo XI11 ao XVtXVI. [apl, +PL]:

(50) (5 1)

Quen viu o mundo qua1 o eu jh vi, e viu as gentes [+PI] que eran enton (Stc. XIII, CA, Vasconcelos 1990:~.6692). e aque a gente [-PO vem ao doo de Rachel (SCc. XIII, CSM, Mettmann 1972).

Como dizem Heine & Reh (1984:42), uma simplificaqzo no processo de gramaticalizaq50 pode envolver a perda de uma distinqzo gramatical que continua semanticamente presente. A perda da subespecificaqzo de niimero n5o significa que a pluralidade C semanticamente irrelevante; significa apenas que C gramaticalmente irrelevante. Pode-se, em suma, estabelecer um paralelo entre os dois fen6menos: a pronominalizaqzo interrompida de homem e a gramaticalizaqiio de a gente. No percurso hist6rico de gente > a gente, verificou-se que o processo de pronominalizaqzo do substantivo gente foi lento e gradual, uma vez que s6 foram localizadas ocorrencias de a gente como pronome no sCculo XVIII. Ressalte-se que, a partir do sCculo XVI, localizaram-se mais intensamente exemplos em que a forma a gente apresenta ambigiiidade interpretativa, ou seja, em que tanto pode ser considerada sin6nimo de "pessoas" quanto variante de nds. No portuguCs arcaico, a forma a gente nzo era empregada como pronome. E nesse period0 que se processa a gramaticalizaqzo do substantivo homem (om 'ne

A inserpgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

74

-,omen -+ ome), que tem seu ciclo de fluxo diacr8nico interrompido no sCculo XVI, quando deixa de ser empregado como pronome indefinido no portugues. Cabe ressaltar que, no period0 arcaico, embora seja apenas utilizada como substantivo, a forma gente perde gradativamente a subespecificaq50 de n6mero na medida em que se pronominaliza, ou seja, perde uma das principais propriedades do substantivo, que C a presenqa do traqo de n6mero formal. A presenqa do traqo de n6mero [+PI] C alta no sCculo XI11 e diminui bruscamente at6 o s k u lo XVI. A partir dessa fase, o uso com o traqo [-PI] se intensifica, e gente comeqa a deixar de ser [apl]. Enfatiza-se que essa mudanqa coincide justamente com a perda do uso de homem como pronome. Com o emprego nominal, o process0 C o inverso. A presenqa do traqo de n6mero plural C categ6rica para o substantivo homem - tornando-se significativamente mais freqiiente na medida em que o uso de homem como pronome toma-se mais raro, isto C, no sCculo XVI. Tal fato pode ser verificado observando a figura 4.8.:

80 60 40

[+PI1

rn [-PI1

20

0 XI11 Figura 4.8.

XIV

xv

XVI

Presenqa do traqo de nitmero plural no substantivo homem (uso n l o pronominal).

Tais observaq8es podem nos fazer supor que a lacuna deixada no sistema por homem pronominal possibilitou e facilitou a emergencia do uso de (a) gente como pronome. 0 avanqo da mudanqa do traqo de n6mero de gente (de [apl] + [$pl]) pode tambCm ter sido o fator que bloqueou o avanqo da mudanqa envolvendo o vochbulo homem.

Anhlise em tempo real de longa duraqgo

75

4.3.2. A mudanqa na especificaqiio formal e semantics de gcnero AlCm da mudanqa com relaqiio ao traqo de n6mer0, propbs-se que, com a gramaticalizag50 do substantivo gente, tenha havido tambCm uma alteraqgo nos traqos formais e seminticos de gtnero. Naquela altura, discutiu-se que a matriz lexical minimamente especificada do substantivo n%o teria correlaqiio entre forma e sentido, e a sua caracterizaq30 seria a seguinte: [+fern, $FEM]. 0 traqo formal [+fern], nesse caso, n%oimp6e restriq6es quanto ao sexo dos referentes, uma vez que gente se refere a um grupamento de pessoas [+genCrico]. No process0 de pronominalizaqiio do substantivo, a forma a gente pronominal teria a seguinte especificaggo: [$fern, aFEM], uma vez que a gente, apesar niio ter gdnero formal como os outros pronomes pessoais, apresenta subespecificaqgo semintica quanto ao gtnero: [aFEM]. Falta, entretanto, descrever as possibilidades de concordincia com adjetivos no predicativo, analisando-as empiricamente ao longo do tempo. Como discutido no item 2, RevisZo histdrico-bibliogrb..ca, gramiticos e fi16logos mais antigos (cf. Huber, 1986; Vasconcellos, 1906) afirrnam ser comum no portuguts arcaico a concordincia semintica, seja de niimero, quando o sujeito esth formalmente no singular, mas o seu significado C plural, o predicado aparece no plural, seja de genero, quando a forma C feminina, como pessoa, cousa ou gente, mas C tratada como masculino. Observe-se, nos exemplos abaixo, a variaq%odos traqos de genero e nfimero em predicativos relacionados ao substantivo gente: [+fern, $PI]

(52)

...haver g;ente de serviqo, se estg fosse tiradg dos matos (SCc. XVII, MNM, Bernardo 1996).

[+fern, +PI]

(53)

e suas Rentes forom logo juntas com el (SCc. XV, CDJ I, Amado 1980:146)

A inserqBo de a gente no quadro pronominal do portugui2s

+PI] Vertasilimis fez folgar sua gente ao pC do monte que vinham can sad^ (SCc. XV, VFJC, Mateus 1971)

No periodo arcaico, mais precisamente entre o sCculo XI11 e o XV, h i uma grande variedade de concordhcia no predicativo, envolvendo basicamente o plural. Isso porque, como discutido na seq3o anterior, gente era subespecificado quanto ao ncmero. Foram identificados 23 dados nesse periodo, 8 deles apresentando concordincia com um adjetivo no feminino-singular [+fern, $pl], 6 no masculino-plural [-fern, +pl] e 9 no feminino-plural [+fern, +pl]. Verifica-se, como era esperado, que a combinaq30 do substantivo gente com formas sintiticas que apresentassem os traqos [+fern] t a mais fieqiiente (17/23,73%), havendo apenas uma certa variaq30 de ncmero (15123, 65% para [+pl]). A partir do stculo XVI, essas possibilidades de concordincia v3o paulatinamente diminuindo em termos de fi-eqiiencia de uso. Nos stculos XIX e XX, a concordiincia torna-se categ6rica para o feminino singular. Com a forma gramaticalizada a gente, a especificaq30 positiva de genero formal [+fern] do substantivo desaparece, tornando-se [$fern]. No que se refere interpretaqgo semintica, o traqo [$FEM], que n3o esclarecia necessariamente o sex0 do referente, com a pronominalizaq30 passaria a ser semanticamente subespecificado [aFEM]. A partir dessa mudanqa de propriedade, a combinaqgo formal no predicativo com formas no masculino e no feminino teria relaq30 direta com o sex0 do referente. Entretanto, o fato de a gente pressupor "o falante e mais alguCmW,ou seja, a noq3o de pluralidade intrinseca a essa forma, "variante de nds", permite virias possibilidades interpretativas ao se estabelecer a concordincia corn adjetivo em estruturas predicativas. A combinaq3o com formas no feminino singular elou plural s3o restritivas. No primeiro caso - femininosingular - o emissor C necessariamente um individuo do sex0 feminino; no segundo - feminino-plural - h i mais de um emissor, ambos tambtm do sex0 feminino. Com o masculino, a interpretaqgo C mais neutra. No singular, o referente pode ser um individuo do sex0 masculino, um grupo misto ou uma referencia genCrica e abrangente. No masculino-plural a referencia tambCm pode ser a grupos mistos e a duas ou mais pessoas do sex0 masculino.

Anilise em tempo real de longa duraq5o Obsewem-se alguns exemplos: (55) (56)

(57)

a gente anda cercado de gente (NURC-RJ, inq. 147, MI). [referente generic0 = as pessoas do Rio de Janeiro]. porque a gente j i esti acostumado com o quarto da frente...fica eu com meu marido (NURC-RJ, AC.020, M2). [referente especifico = ela + o marido]. a gente sempre sai muito junto (NURC-RJ, inq. 147, Ml). [referente especifico = ela + namorada do irmlo].

Analisando-se os resultados, verificou-se que ocorrencias predicativas desse tipo s6 foram localizadas no sCculo XX. Foram identificados os 6 exemplos citados a seguir, 2 deles estabelecendo concordiincia com o feminino singular, 1 corn o feminino plural, 2 corn masculino plural e 1 no masculino singular: [+fern, 4~11 a gente 6 obrigada a aturar umas tantas coisas na vida (5 8) (SCc. XX, 0 Simpcitico Jeremias, Tojeiro 1918:27). [personagem do sexo feminino] E o Abel insistiu: Eu ca n5o posso esquecer certas coisas. A gente anda (59) a ser explorada. E p6em a gente de lado como bichos. T&mnojo da gente. Mais nada! (SCc. XX, Mendes 1981:127). [personagem do sexo masculino (Abel Matias - negro desempregado].

(60)

(61) (62)

[+fern, +pl] a gente tem que sair juntas ... e nossos homensficam ai (S6c. XX, Silva 1986:23). [duas personagens do sexo feminino] [-fem,+pl] a gente ficava la... juntinhos num banco (SCc. XX, Silva 1986:23). [personagem do sexo masculino]. Pra qu6 querem a gente civilizados? Agora mesmo , Jo5o Xilim vai a sair a barra com cinco anos em cima das costas (SCc. XX, Mendes 1981:67). [pensamento do personagem Marcelino - sexo masculino]

A inserg50 de a gente no quadro pronominal do portuguCs

(63)

[-fern, $plI a gente anda enganado e nem sabe (Stc. XX, Mendes 1981:113). [pensamento do personagem Jollo Xilim - sex0 masculino]

Esses exemplos, embora em nhmero reduzido, relativos ao skculo XX, confirmam as hip6teses levantadas. 0 s dados da amostra de fala, em rnaior nhmero, poder2o vir a ser mais elucidativos. Em (59) a combinaqiio corn um adjetivo no feminino-singular (explorada) tendo como referente um personagem do sexo masculino (Abel) parece invalidar as hip6teses de concordiincia formal com o pronome a gente. Esse tipo de combinaqb poder-nos-ia levar a considerar que (a) gente, nesse caso, C um substantivo, mas C ineghvel que o personagem "Abel" esti se incluindo entre "as pessoas exploradas e tratadas como bicho7', pois, em uma fala anterior, a h a : "0s brancos fazem o que querem corn a gente. E a gente C que estamos na nossa terra". 0 emprego do verbo em P4 - 6nico exemplo do corpus - e a co-referCncia pronominal com o possessivo nossa referendam a posiq2o de que se trata do emprego pronominal, e n2o nominal, de (a) gente. Recuando um pouco no tempo, mais precisarnente retrocedendo ao sCculo XIX, localizam-se, em textos literirios de autores brasileiros, ocorrCncias de mesma natureza, que, por esse tipo de combinaq30 formal de gCnero, foram consideradas como ocorrCncias de interpretaq30 ambigua, embora estivesse clara a inclus80 do falante no contexto: uso pronominal de (a) gente. Observem-se os exemplos:

(64)

(65)

(66)

Mas, Deus C grande! Pensava Bom-Crioulo. Deus sabe o que faz: g gente n5o tinha remCdio sen50 obedecer calada, porque marinheiro e negro cativo, afinal de contas, vCm a ser a mesma cousa. (SCc. XIX, Caminha 1895:42). E com pouco Bom-Crioulo escancarava a janelinha do quarto, recebendo em cheio, no rosto, a frescura matinal (...) Veio-lhe B mente o grumete: - Aleixo ainda se lembraria dele? Sim, porque neste mundo a gente vive enganada... Quanto mais se estima uma pessoa, mais essa pessoa trata com desprezo. E afinal ele, Bom-Crioulo, n8o caira do ctu... (Sic. XIX, Caminha 189549). Consumia-se em reflexSes pueris, verberando o procedimento de Aleixo, uivando pragas que ningutm escutava(...) NBo atinava com aquilo. Talvez alguma praga injusta... Era horroroso! Levar um homem a noite inteira sem dorrnir, pensando numa cousa, noutra, e, ainda por cima, o diabo de umas coceiras que punham a ,qente doida!

Anklise em tempo real de longa duraqfio (67)

79

(Stc. XIX, Caminha 1895:71). Homem, isto assim As pressas... Voc&bem vC ... quando a Eente nfio estk previnida. (SCc. XIX, Direito por linhas tortas, Cafezeiro 1980:90 - fala de personagem masculino).

Todos esses trechos de personagens masculinos do sCculo XIX apresentam concordincia com o feminino-singular, embora a leitura "inclua o falante" - emprego pronominal de (a) gente - seja a mais provivel. Postula-se, pois, que o sCculo XIX configura-se como um periodo de "transiq50", em que a forma pronominal a gente mantCm ainda propriedades formais da classe-origem, traqos de genero [+fern, $pl], n5o tendo assumido completamente as caracteristicas da nova categoria da qua1 passa a fazer parte. Tais observaqbes condizem com a concepqzo de transiq50, discutido em Weinreich et alii (1968) e Labov (1994), que prevC que a generalizaqgo de uma mudanqa lingiiistica ngo C uniforme e instantinea, mas envolve a covariaqgo de mudanqas associadas num largo periodo de tempo. Aparentemente, no sCculo XIX, ou quem sabe antes disso, h i um estigio intermediirio entre o uso nominal de gente e pronominal de a gente, evidenciado pela manutenq50 desses traqos formais de gCnero tipicos do nome. Mais uma vez C possivel estabelecer correlaqbes. 0 substantivo gente perde a possibilidade de combinar-se com outras formas sint5ticas quanto As propriedades de n6mero a partir do momento em que a forma pronominal a gente comeqa a ganhar terreno. A passagem de gente nominal para a gente pronominal deuse pela perda da especificaq50 do traqo formal de gCnero presente no substantivo [+fern] e neutro no pronome [$fern]. 0 traqo formal de gCnero no substantivo n5o acionava a interpretaq50 semintica de genera, pois a combinaq50 com formas sintiticas no feminino ngo esclarecia o sex0 do referente [$ FEM]. No processo de mudanqa, o genero semintico de a gente se torna subespecificado [aFEM], porque formas pronominais como eu, tu/voct?, eIe/ela tendem a combinar-se com adjetivos no masculino elou no feminino, dependendo do sex0 do referente. Quando h i o traqo de n6mero plural (nds/a gente, vds/voc6s, eles), a concordincia com o masculino parece ser a mais produtiva, principalmente nos casos em que o falante se refere a um grupo misto de pessoas, ou naqueles em que a referencia 6 genkrica.

A inserqlo de a gente no quadro pronominal do portugub

80

4.3.3. ManutenqBo da pessoa formal e mudanqa da pessoa semQntica na pronominalizaqBo de a gente Na sistematizaqiio dos traqos de pessoa, postulou-se que a forma pronominalizada a gente teria herdado o traqo formal [$eu] do substantivo, pois continuou, pelo menos entre os falantes escolarizados, a se combinar com formas verbais de P3 - a "pessoa default" de Rooryck (1994) ou a "60-pessoa" de Benveniste (1988). Entretanto, em termos de pessoa sem5ntica, houve uma mudanqa interpretativa na medida em que passa a compreender o "eu-ampliado": o traqo deixou de ser [4EU] alterando-se para [+EU] na forma pronominal. Tal postulaqiio pode ser referendada por dois indicios sinthticos. 0 primeiro seria a concordincia verbal com P4, frequente no portuguQ niio-padr5o e o segundo seria a coreferencia pronominal com nosso(s)/nossa(s). Observem-se os exemplos abaixo: (i) (ii) (iii) (iv)

A gentei (aquela gente) pegou a comida delailjla mailjcomida. (a gente = nome) A gentei pegou a comida delailljla suai.4 comida. (a gente = pronome) A gentq (aquela gente) pegou a nossalilj comida. (a gente = nome) A gentei pegou a nossail*, comida. (a gente = pronome)

Defende-se aqui que os pronomes/formas seu/dele podem, ou niio, ser coreferentes da forma nominal (a) gente. E possivel interpret6-10s referindo-se ao SN, embora a leitura "a comida C de outra(s) pessoa(s)" tarnbCm seja gramaticalmente possivel. Em (iii), a linica possibilidade interpretativa C a niio coreferenciabilidade para que a forma (a) gente tenha uma leitura nominal e niio pronominal. E nesse ponto especifico que se insere a mudanga linguistica categorial: para entender a gente como pronome, as formas seu/dele niio podem ser seus co-referentes, como evidencia o exemplo (ii), ao passo que com a forma nosso apenas a co-referencia C gramaticalmente correta, como se ve em (iv). 0 s resultados confirmam a hip6tese de que a co-referencia com pronomes/formas de P3 do tipo sua/dela e de P4 (nossa) esth em distribuiqiio complementar: os primeiros em paralelismo com o substantivo gente e o segundo, o possessivo nossa, com a forma pronominalizada a gente. Durante o period0 em que (a) gente C utilizada apenas como substantivo, do sCculo XI11 ao XVIII, fo-

An8lise em tempo real de longa duraqgo

81

ram registradas 21 ocorrGncias de co-referencia com formas de P3 (seu/dele), como nos exemplos a seguir: Non sei eu ja no mundo conselho prender; (e) mais de mil cuidos j8 no coraqon cuidei; ca, pro mia vida mais podesse durar, vergonha i 8 d'assi antr' as gentes andar, nenhum sabor ei; pero (que) de min nen e sequer non ei 68) razon que lhes apGer, quando me preguntan [por] que ei tan trist' andar. (Sic. XIII, CSM, Mettmann 1972:771, V.1). a gente da terra perdem suss casas. (69) (SCc. XV, Livro da Cartuxa, Dias 1982). (70) ali faziam comer a Zente e assi mantinham g peleja. (SCc. XV, VFJC, Mateus 1971).

(68)

A partir do sCculo XIX, com o inicio da pronominalizaq80 de a gente, a coreferencia com o possessivo nossa comeqa a ser implantada. Localizou-se 01 exemplo no sCculo XIX e 19 no sCculo XX - todos associados ao pronome. (7 1)

a gente vai mudar as nossas coisas para o temeno. (SCc. XX, Mendes 1981:118).

Com rela920 aos traqos de pessoa das formas verbais, verificam-se, na figura 4.9., indices relativamente significativos de concorddncia do substantivo com verbo na terceira pessoa do plural, (P6) at6 o sCculo XIX. Percebe-se, no entanto, que, do mesmo mod0 como foi observado quanto Q perda da subespecificaq5o de n6mero [apl], h i um acelerado decrCscimo em termos dos indices de frequencia at6 chegar a 0% no sCculo XX. Nos sCculos XIII-XIV e XV, a frequzncia do uso de gente com P6 supera as outras possibilidades (tern-se 68% para P6 contra 19% para P3 no period0 de XIII-XIV e 7 1% contra 28% no XV). Essa fase coincide, como se viu na figura 4.7, com os altos indices da presenqa do traqo [+PI] com o substantivo. A partir do skculo XVI, tal comportamento se inverte e a combinaq20 corn P3 passa a ter indices de freqiiencia cada vez maiores em relaq2o B P6.

82

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Pessoas verbais corn o substantivo gente 100% 75% 50%

25% 0%

XIII-XIV Figura 4.9.

XVI

X v I11

XX

0 traqo de pessoa corn o substantivo gente.

Com relaq5o i fonna pronominal a gente, observa-se que a combinaq50 com P3 C a mais freqiiente - 75% no sCculo XIX e 89% no sCculo XX -, superando a combinaq50 com fonnas verbais sem marca de pessoa (infinitivolgenlndio) 2.5% no XIX e 10% no XX - e a concordincia com P4 - 1% no sCculo XX. A figura 4.10. tambtm registra as ocorrsncias de a gente consideradas de interpretaqlo ambigua no period0 de XVI-XVIII e XIX. Nos dois periodos n5o ha dados de P6. Ressalte-se que, pel0 fato do corpus ser constituido por textos escritos, o indice de concordincia de a gente corn P4 foi bastante baixo, n5o deixando, entretanto, de ser confirmada a hip6tese de que a concordgncia corn P4 t uma maneira de cristalizar formalmente na sintaxe a interpretaqgo semintica "eu + algutm", ou melhor dizendo, o traqo semintico [+EU] proposto para o pronome a gente. 0 exemplo identificado foi o seguinte. (72)

E a gente t que estamos na nossa terra (Stc. XX, Mendes 1981:127).

83

Analise em tempo real de longa duraqzo

Pessoas verbais corn a f o m pronominal agente

100 80 GO

40

P3

dnmrca

np4

20

0 Figura 4.10. 0 traqo de pessoa com a forma pronominal a gente

4.4. Descriqiio dos traqos de gCnero, nlimero e pessoa: correlaqiio com no's e a gente A partir do que foi observado na cronologia de gente > a gente com base em urn corpus que foi organizado para dar conta da gramaticalizaq50 de a gente em tempo real de longa duraqBo, pretende-se estabelecer, neste momento, uma anilise em tempo real de curta duraqBo, procurando verificar, agora com dados de fala, os caminhos da mudanqa. NBo mais seri estabelecido um confront0 do substantivo gente com a forma pronominalizada a gente, mas no atual estigio do process0 seri focalizada a oposiq80 entre o uso de nds e o de a gente. Seguindo orientaqzo laboviana, foram utilizados trCs corpora do Projeto NURC-W, coletados em Cpocas distintas. 0 primeiro, constituido de entrevistas feitas na dCcada de 70, engloba 10 inquCritos (5 de informantes do sexo feminino e 5 do sexo masculine, com a seguinte distribuiqzo por faixa etiria: 2 entrevistas de cada sexo para a faixa etiiria I , de 25 a 35 anos; 2 para a faixa etaria 2, de 36 a 55 anos e 1 para a faixa etiria 3, de 56 anos em diante). 0 segundo conjunto de dados corresponde a novas entrevistas realizadas na dCcada de 90 com os mesmos informantes da dCcada anterior para andise do estudo de painel (panel study). Tal amostra C chamada de Amostra Recontato. A terceira amostra, composta por 8 novas entrevistas, 2 de homens da faixa etiria 1, 2 de mulheres

84

A inserq5o de a gente no quadro pronominal do portugu&s

da faixa ethria 1 e 1 de cada sex0 nas demais faixas ethrias, serve para o estudo de tendencias (trend study). Utilizou-se tambCm um corpus corn dados do portugues europeu, organizado a partir das entrevistas do PortuguCs Fundamental. Para que fosse possivel a cornparag50 entre o PortuguCs do Brasil e o de Portugal, selecionaram-se entrevistas de falantes com nivel superior cornpleto, de ambos os sexos e seguindo a mesma distribuig50 ethria proposta para o Projeto NURC. Tal corpus fari parte da rodada com todos os dados de fala do sCculo XX e na rodada exclusiva do portugues europeu, em que serl feita a anhlise em tempo aparente.

4.4.1. An5lise dos traqos nos dados de fala Iniciar-se-8 a anilise dos resultados dos corpora de fala do sCculo XX tendo em vista os tragos de gCnero, nemero e pessoa, do mesmo mod0 que foi feito com o corpus de lingua escrita que serviu de base para a anilise em tempo real de longa duraq50, quando se procurou traqar a cronologia de a gente. Antes de se apresentarem os resultados propriamente ditos, faz-se necesshio levantar as principais hip6teses que justificam a inserg20 desses grupos postulados, lembrando ainda das observaqbes mais relevantes feitas a partir da anhlise dos dados na longa duraq5o. A hip6tese norteadora C a de que, com a entrada no sistema da forma gramaticalizada a gente, a especificag50 positiva de genero formal [+fern] do substantivo teria se perdido, tornando-se [$fern]. Entretanto, no que diz respeito 5 interpreta~sosem2ntica, a forma a gente pronominalizada passaria a ser semanticamente subespecificada [a FEM], tendo uma certa relaq5o com o traqo formal presente em predicativos. 0 fato de a gente, variante de n6s, pressupor "o falante e mais alguCm" permitiria viirias possibilidades interpretativas ao se estabelecer a concordincia com adjetivo em estruturas predicativas. A combinaq50 com formas no feminino singular elou plural s2o restritivas: no primeiro caso - feminino singular -, o emissor C necessariamente um individuo do sex0 feminino; no segundo - feminino plural -, h l mais de um emissor, ambos tambCm do sex0 feminino. Com o masculino, a interpretag20 C mais neutra. No singular, o referente pode ser um individuo do sex0 masculino, um grupo misto ou uma referencia genCrica e abrangente. No masculino-plural, pode-se fazer referencia a grupos mistos e a duas ou mais pessoas do sex0 masculino.

An6lise em tempo real de longa duraq50

85

Na an6lise em tempo real de longa duragilo, confirmou-se a gramaticalizaqilo de a gente que passa, a partir do sCculo XX, a comportar-se como os outros pronomes pessoais (eu, tu/voc$ ele/ela), ou seja, toma-se subespecificado semanticamente quanto ao genero [aFEM], tendendo a combinar-se com adjetivos no masculino elou no feminino, dependendo do sexo do referente. Quando h6 o traqo de n6mero plural, contudo, a concordincia com o masculino parece ser a mais produtiva, principalmente nos casos em que o falante se refere a um grupo misto de pessoas ou quando a referencia C genkrica. Com os dados de fala, alCm de considerar os grupos de fatores concordincia externa ao SN ou concordincia com o predicativo, concordPncia interna ao SN, co-referentes pronominais e pessoa verbal, jh descritos em 4.2., foram levados em conta mais dois grupos de fatores: o sex0 do informante e o referente sob a perspectiva do predicativo. Este 6ltimo foi subdividido nos seguintes fatores:

a)

ReferCncia genkricalabstrata: quando o falante reporta-se a uma categoria generalizada, do tip0 os jovens, o povo, etc., ou a um grupo indeterminado de pessoas.

(73)

C inerente a todo mundo...monnente i s pessoas de mais idade porque

(74)

com tudo que est6 acontecendo a gente se sente muito insegurs (NURCRJ, AR. 140, M3). que geralmente a gente C obrigadc a ver (NURC-RJ, inq. 052, H2).

b)

Referente misto, incluindo homens e mulheres: diferente do referente generic0 ou abstrato, considera-se como misto quando, no context0 discursivo, fica implicit0 que o falante tem em mente um grupo de pessoas especifico que necessariamente engloba homens e mulheres.

(75)

nesse ponto 16 em casa a gente 6 muito cuidadoso (NURC-RJ, AC.014, H2). porque a gente esti acostumadc, eu com meu marido (NURC-RJ, AC.020, M2).

(76)

A inser~fiode a gente no quadro pronominal do portugu&s c)

Referente inclui apenas pessoas do sexo ferninino:

(77) (78)

nds tramos meninas...nfio Cramos casadg (NURC-RJ, AR.02, M3). a gente sempre sai juntg e tal (NURC-RJ, inq. 003, Ml).

d)

Referente inclui apenas pessoas do sexo rnasculino:

(79)

na Cpoca a gente era...era...novo (NURC-RJ, AC.01, Hl).

Com base no cruzamento do grupo referente com o grupo concordiincia externa ao SN, verificou-se, nos dados de PB, que, quando o referente 6 sd feminino (inclui apenas pessoas do sex0 feminino), o resultado mostrou-se categdrico para a concord8ncia no predicativo com o traqo formal [+fern], seja no singular, seja no plural, combinando-se tanto com nds quanto com a gente. Dos 6 exemplos localizados, hh 4 no feminino-plural e 2 no feminino-singular, sendo 4 com sujeito nds e 2 corn sujeito a gente. Com o pronome nds prevalece o plural. Observe-se que o referente 6 sempre feminino em todos os exemplos localizados: Referente s6 feminino corn traqo formal no predicativo [+fern]: (80) (8 1) (82) (83) (84) (85)

nds tramos meninas ...niio tramos casadg (NURC-RJ, AR.02, M3). depois de casad? nds fomos uma vez ... (NURC-RJ, AC.20, M2). nds d u g...sabe...ent5io ela disse...bom ...realmente 6...isso 6 uma coisa que precisa ser levada em conta (NURC-RJ, inq. 373, M3). nds todas afiliads a Mundial (NURC-RJ, AR. 373, M4). a gente sempre sai juntas e tal (NURC-RJ, Inq. 03, MI). na hora a gente fica revoltad? (NURC-RJ, AC.020, M2)

Localizou-se apenas um dado em que o referente incluia somente homens. A concordhcia predicativa C masculino-singular e o sujeito C a forma a gente, como pode ser visto no exemplo 6nico: Referente s6 rnasculino com traqo formal no predicativo [-fern] : (86)

mas na Cpoca a gente ...era...era...novg (NURC-RJ, AC.0 1, H 1).

Anhlise em tempo real de longa durapgo

87

Quando o referente poderia incluir homens e mulheres, sem ser considerado gen e r i c ~ou abstrato, os resultados aparecem em distribuigiio complementar. A forma a gente ocorre combinando-se com o rnasculino-singular (4 dados) e a forma nds, com o masculino-plural (10 dados). Niio se localizou nenhum exemplo em que houvesse combinaq50 com o feminino, nem no singular, nem no plural. Tais resultados confirmam o que j6 havia sido observado na longa durag5o: quando o referente C urn grupo misto de pessoas, a concordiincia com o masculino - forma geral ntio-marcada por excelCncia - prevalece. Interessante observar tambCm o traqo de n6mero: o singular formal favorecendo o uso de a gente e o forma i nds. plural formal combinando-se ?

Referente misto, incluindo ambos os sexos: (87) (88) (89) (90) (91) (92)

nesse ponto 16 em casa a gente C muito cuidadosg (NURC-RJ, AC.014, H2). nds somos magnificamente bem tratados (NURC-RJ, AC.018, H3). nds almopamos juntos (NURC-RJ, AC.020, M2). porque a gente est6 acostumad~,eu com meu marido (NURC-RJ, AC.020, M2). o primeiro ano depois de casados nds moramos com meus tios-avb (NURC-RJ, inq.71, H3). todos nds registrados somos filiads ao INPS (NURC-RJ, inq. 164, HI).

Nos casos considerados de referencia gentrica e abstrata, predomina a ocorrencia de a gente. Dos 15 exemplos localizados, 14 deles eram com a forma a gente. Com relac50 ao predicativo, a forma n b marcada (masculino-singular) ocorre com maior fieqiiencia: foram 10 casos contra 04 no feminino-singular, todos, como se disse, com a forma a gente. Num iinico exemplo, o pronome nbs aparece combinado a um predicativo com o traqo masculino plural: "doutra maneira nem se justifica viver, ficamos par ad^" (PE, inq. 0977, M2). Observem-se os outros exemplos:

[+fern,4 ~ 1 1 e a gente que seja erradg nC? (NURC-RJ, AR.02, M3). (94) a gente quando tb casadg...hh muito tempo sem empregada (NURC-RJ, AR.02, M3).

(93)

88

A inser~8ode a gente no quadro pronominal do portugu2s a gente ngo esth acostumad3nC? (NURC-RJ, AC.020, M2). pessoas de mais idade porque a gente se sente muito insegura (NURCRJ, AR. 140 M3). [-fern, 4plI

(97) (98) (99) (100)

se a gente vai preparado para isso, o filme (PE, inq. 194 Hl). a gente era muito novo.. . (NURC-RJ,AC.0 1, H 1). primeiro porque a gente era novg (NURC-RJ, AC.01, HI). foi o governo que a gente ...o governo que a gente era mais feliz...mais

alegre...menos ...menos preocupado... (NURC-RJ, inq. inq. 18, H3). (101) de maneira que a gente era roubadg... (NURC-RJ, inq. 18, H3). (102) a gente fica preocupadg (NURC-RJ, AR.52, H3). (103) que a gente n8o esth acostumadg a ver (NURC-RJ, inq. 96, HI).

Ao estabelecer o cruzamento dos grupos sexo do informante e referente, verificou-se uma relativa distribuiqgo complementar. Com os dados dos homens, h i favorecimento do uso de a gente quando o referente for generic0 (19 em 20) e do uso de nds com referente misto (13 em 14). Nos dados das mulheres, a distribuiq5o n5o 6 t5o equilibrada. Com referente genCrico tambCm predomina o emprego de a gente (4 em 4), mas, quando a referCncia C mista (inclus50 de homens e mulheres), usa-se tanto a forma nds quanto a gente, havendo urn certo predominio para o primeiro (4 em 7). No cruzamento entre o sexo do informante e a concordPncia externa ao predicativo, novamente os homens aparecem com escolhas mais precisas, categ6ricas e aparentemente em distribuiqgo complementar: uso de a gente com o predicativo no masculino singular (12112) e o emprego de nds combinado a um predicativo no masculino plural (717). Com relaq5o ao traqo de nGmero no predicativo, as mulheres aparecem com os mesmos resultados que os homens: a forma a gente com o masculino singular (313) e a forma nds com o masculino plural (414).O predicativo no feminino s6 ocorre entre as mulheres, seja empregando a gente, seja empregando nds como sujeito. Isso pode confirmar a postulaq5o da perda tatal do traqo de genero feminino quando da pronominalizaq50 da forma a gente, uma vez que o traqo [+fern] s6 seri utilizado pelas mulheres, como se viu acima, quando o referente incluir apenas mulheres ou quando genCrico e abstrato. Mesmo sem apresentar distribuiqgo t5o equilibrada quanto aquela observada entre os homens, verifica-se tambCm entre as mulheres uma relag50 entre o traqo de n6mero e o uso de nds e a gente: h i predominio de a gente com o feminino-singular (5 em 6) e de n6s com o feminino-plural(3 em 4).

Anhlise em tempo real de longa duraqgo

89

0 s resultados globais tambCm confirmam a distribuiqzo postulada quanto 30 nlimero: a combinaq30 de a gente esth para o singular, assim como a de nds esth para o plural. Quando o traqo de nlimero se associa ao de genera, os resultados s3o categ6ricos: na rodada geral, na qual foram agregados os dados de PB a PE, ocorreram 17 casos de masculino plural, todos com sujeito nds, e 16 de masculino singular, todos com sujeito a gente. Como o traqo de genero masculino C a forma niio-marcada no portugues, o que vai determinar a diferenqa das formas co-variantes C o traqo de nlimero. Com a forma marcada [+fern] os resultados jh n5o siio categ6ricosYpois h i variaqiio: a combinaq20 com o feminino plural favorecendo o uso de nds (75%), e o feminino singular favorecendo a gente (83%). Pode-se concluir, pois, que a forma nds, por pressupor necessariamente "eu + alguCm", leva mais freqiientemente o predicativo para o plural, porque o conceit0 de "mais de um" C inerente 6 sua estrutura conceptual. A fonna a gente, no entanto, embora tambCm inclua "o falante e mais alguCm" C uma forma genCrica por natureza e herdou do substantivo gente, do qual deriva, o traqo formal de n6mero singular. Por essa raz30, em oposiq30 ao pronome ribs, a forma gramaticalizada a gente tende a se combinar com predicativos no singular [$pl], que se caracterizam como forma n5o-marcada de n~meroem portuguh. 0 predicativo no masculino C bem mais geral que o predicativo no feminino. Se juntarmos as ocorrCncias de masculino em oposiqb As de feminino, independente do nlimero, ou seja, masculino plural e masculino singular, contrapondoos ao feminino singular e plural, verificaremos maior emprego do masculino (forma n3o marcada) tanto com nds quanto com a gente, predominando o uso corn o segundo: 26 dados, 15 para a gente e 11 para nds. Com o feminino, localizaram-se 10 dados, 6 para a gente e 4 para n6s . 0 uso do feminino, como se viu, depende do sexo do falante, uma vez que s6 foi identificado entre as mulheres, seja para se referir a mulheres seja com o sentido abstrato. Com relaq3o ao traqo de pessoa, ressalte-se que, embora no corpus, por se tratar de falantes cultos, n5o se tenha localizado a concordincia de a gente com verbo em P4, o que C comum entre falantes n5o escolarizados (Omena, 1986), foi possivel verificar, atraves de outras pistas formais, que a forma a gente traz na sua estrutura conceptual a inclus3o do falante, ou o trago semhtico [+EU]. Apesar de a gente n3o ter alterado o traqo formal do substantivo [Deu], a interpretaqiio semintica [+EU] pode ser identificada no context0 discursivo ou mais precisamente pela co-referencia pronominal com a forma possessiva nossa, como mostram os exemplos abaixo:

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portuguts (104) a m... imagem assim mem6ria ...a gente guarda algumas coisas ... (NURC-RJ, AC.01, Hl). (105) dentro da nossa cabeqa acho que a gente (NURC-RJ, AC.01, Hl). (106) sai no nosso diploma que a gente tem condiq6es (NURC-RJ, AC.01, Hl). (107) a gente mantenha pel0 menos a nossa cultura (NURC-RJ, AR.52, H3). (108) mas a nossa n8o era nlo porque a gente n8o 6 muita crianqa demais (NURC-RJ, inq. 11, M 1). (109) ent8o a gente levou t6 levando o cacete dos nossos filhos (NURC-RJ, AC.96, H2). (1 10) 0 nosso diretor trabalhou com a gente (NURC-RJ, AC.164, H2). Apesar de n5o ocorrer em concordiincia direta com a gente, formas verbais com desinencias de P4 aparecem, no corpus, em estruturas paralelas, como as que seguem: (1 11) A gente passeou ...almo~amosjuntos (NURC-RJ, AC.20, M2). (1 12) Nds botamos de uma vez, temos que pagar parcelado ...ah nZio tem problema a gente parcela (NURC-RJ, inq. 164, Hl). (1 13) N A mesmos ushvamos esse expediente, verificava se a gente podia se vestir, numa loja de roupa de crianqa. Se n8o encontrasse, C que a gente

recorreria (NURC-RJ, AR. 96, H2). (1 14) mas nisso os bancos n8o falam, eles agem sem dizer h gente, nds sabe-

mas como? Atravts da imprensa, atravts de informaqBes que v8o sendo dadas (NURC-RJ, AR. 373, M4).

Em suma, conclui-se que a pronominalizaq50 gradual de a gente foi acionada, principalmente, por uma mudanqa ocorrida, por volta do sCculo XVI, nas propriedades de nlimero do substantivo gente. Embora o plural de gente hoje seja ainda uma virtualidade sistemica, o uso mais geral- diferente do encontrado nos primeiros tempos da lingua portuguesa - 6 o singular. Talvez essa perda gradativa da subespecificaq50 de numero do substantivo gente tenha sido preponderante no bloqueio da pronominalizaq50 de homern que tambCm ocorre por essa kpoca. Com relaq5o As mudayas nas propriedades de genero, obsewa-se que ao se pronominalizar, a forma a gente perde sua especificaG50 formal de genera e passa a se comportar como os outros pronomes de l a e 2" pessoas. Isso quer dizer

Anhlise em tempo real de longa duragSio

91

que o genero formal de adjetivos em co-ocon-Cncia com o pronome concorda com o genero sem2ntico do pronome. Empiricamente, constatou-se que: a) b)

c) d) e)

A concordhcia com o masculino C mais produtiva quando o referente C [misto] ou [genkrico]. A concord2ncia corn o feminino C mais produtiva quando o referente C [mulheres exclusivo], prevalecendo a combinaq3o com a gente no singular e nbs no plural. Com referente [misto], homens utilizam preferencialmente nbs, e mulheres nbs ou a gente. Com referente [genkrico ou abstrato] prevalece o uso de a gente concordando com o masculino singular, entre homens e mulheres. Entre homens e mulheres, a concordhcia com o masculino singular favorece a gente e com masculino plural favorece nbs.

Essa correlaq30 entre referente e marcas de concordlncia em predicativos relacionados a formas pronominais evidencia que, na ausencia de especificaq50 do traqo formal, a concord2ncia C estabelecida com o traqo semintico. Por isso, como o pronome a gente C formalmente [@fem,$pl],o genero-nfimero formal do adjetivo concorda com o seu genero-n6mero semhtico, que C [aFEM,@PL],por isso prevalece a concordincia sintitica com o singular, seja combinado ao masculino em referencias genkricas ou abstratas, seja combinado ao feminino em referCncia exclusiva a mulheres [+genkrico]. Na medida em que o pronome nbs C formalmente [@fem,+pl],o genero-n6mero formal do adjetivo concorda com o seu gtnero-nfimero semhtico, que C [aFEM,+PL], por isso prevalece a concord2ncia sintitica com o plural, seja combinado ao masculino em referencia a grupos mistos, . seja combinado ao feminino em referencia exclusiva a mulheres [+especifico].

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

92

4.5. Anilise geral do percurso hist6rico de gente real de longa duraqiio

+ a gente: tempo

Realizada a anilise dos resultados concernentes B mudanqa hist6rica das propriedades de gCnero, nlimero e pessoa de (a) gente como nome e como pronome, apresentar-se-30, nessa seq30, os outros fatores de ordem discursivo-pragmitica e os de natureza sintitico-sembntica que teriam atuado na mudanqa de gente, como sin6nimo de as pessoas, para a gente, variante de nbs [+especifico]. Realizaram-se preferencialmente rodadas binirias, ora agrupando as ocorrCncias consideradas de interpretaq30 duvidosa ao pronome a gente, ora isolando-as para melhor controlar o fen6meno. Nas subamostras parciais, agruparam-se as tais ocorrCncias ambiguas ao uso pronominal pel0 fato de haver um n6mero muito pequeno de dados, o que dificultaria o processamento do programa estatistico. Esti-se considerando como subamostra a reuni3o dos dados relativos ao 3 3 3

a

SCculo XX; SCculo XIX; SCculos XVII-XVIII; PortuguCs do Brasil; PortuguCs de Portugal; PortuguCs de Moqambique.

0 s resultados mais significativos destas rodadas ser3o apresentados no exame dos fatores lingiiisticos. A descriqiio sera feita da seguinte forma. Apresentamse os grupos de fatores postulados, observando: 1) a descriqso e exemplificaq30 dos fatores condicionantes, 2) as hip6teses preliminares, 3) a interpretaqzo lingiiistica dos resultados estatisticos obtidos. No item fatores extralingiiisticos, ser3o indicados os condicionantes apontados em cada uma das subamostras. Para lapidar e tornar precisa a descriqiio do percurso hist6rico na longa duraq30, ser3o apresentados, concomitantemente, os resultados, do sCculo XI11 ao XX, da anhlise computacional que re6ne os dados de a gente com interpretaqgo ambigua aos casos em que tal forma j6 pode ser considerada pronome. Nessas rodadas, considerou-se como a gente n3o-substantivo todas as ocorrCncias pronominais de a gente, seja variante de nds [+especifico], seja como sujeito indeterminado ou nbs [+genCrico], ou ainda os casos ditos de "interpretaq30 ambi-

AnBlise em tempo real de longa duraqTio

93

gua". Denominou-se a gente pronominal exclusivamente quando a forma a gente C interpretada apenas como variante de nds.

4.5.1. Fatores lingiiisticos

4.5.1.1. PosiqBo no sintagma nominal Perini (1995:3 14), ao tentar definir as classes de palavras em portugu2s com base no seu potencial funcional, ou seja, "a partir do conjunto de funqBes sinthticas que uma palavra pode desempenhar", estabelece para a classe dos substantivos uma subdivis50 em dois tipos, determinada pel0 fato de um item poder ou n5o coocorrer com outro elemento do SN. Entre os substantivos do tipo 1 estariam os "pronomes" da gramitica tradicional que n%ottm a propriedade de coocorrer com outro termo dentro do SN, logo *o ele/*este ele/*nosso ele seriam agramaticais. No tip0 2, estariam n5o s6 muitos ''substantivos" tradicionais (Patricia, trabalho, mesa, etc), mas alguns "pronomes substantivos", como (tudo (de bom), algudm (carinhoso), etc.) que podem ocorrer acompanhados de outro elemento no SN. Dessa forma, pode-se dizer, sem discutir pormenores da proposta de Perini (1995), que esse traqo poderia ser relevante na distinq50 de subclasses de substantivos. Alarcos Llorach (1970: 144) tambCm utiliza o mesmo argument0 para distinguir nomes de pronomes, ao defender que em um grupo sintagmatico, o nome funciona geralmente como termo nuclear e C suscetivel de ser determinado por qualquer termo adjacente (0s livros brancos, os livros de geografia, os livros que compraste); entretanto com os pronomes a detenninaqiio estB limitada a uns poucos signos que indicam identidade, singularidade, pluralidade: eu mesmo, somente tu, todos nds, eles juntos, e t ~ . ~

En el grupo sintagmhtico, el nombre finciona generalmente como termino nuclear y es susceptible de ir determinado por cualquier tkrmino adyacente (...) 10s libros blancos, 10s libros de geografa, 10s libros que compraste);mientras com 10s pronombres la determinaci6n estd limitada a unos pocos signos que indican identidad, singularidade,pluralidade: yo mismo, tu solo, todos nosotros, ellos juntos, etc) (Alarcos Llorach 1970:144)

94

A inserg80 de a gente no quadro pronominal do portugu&s

A partir do que foi discutido, postula-se como hip6tese que, no process0 de pronominalizaqiio, a forma substantiva gente perde gradativamente seus privilCgios sintiticos de categoria nominal, como o fato de poder ser determinada por anteposiq80, posposiqiio ou anteposiq50-posposiqiio simultsnea de especificadores dentro do SN, passando a assumir um dos atributos caracteristicos dos pronomes pessoais que C o de n5o poder ser determinado no SN, ocorrendo preferencialmente isolado no sintagma nominal. A possibilidade de determinaqiio do nome, ao lado da impossibilidade de determinaq50 do pronome pessoal, seria o principal fator que oporia uma classe A outra, determinando sua referenciabilidade. Para tentar controlar de forma eficaz tal propriedade distintiva, postulou-se o seguinte grupo de fatores que indicaremos a seguir:

4.5.1.2. PosiqIo de determinanteslqualificadores dentro do sintagma nominal em relaqHo ao substantivo gente elou h forma pronominal cristalizada a gente a)

sem determinantes/qualificadores ou modificadores: o item em quest50 C nlicleo isolado no SN;

(1 15) ...sempre a gente anda se enganando!(= pronome) (S6c. XIX, Qorpo Santo 1829-83: 357). (1 16 ) ele 6 gente? (= substantivo) (SCc. XIX, Qorpo Santo 1829-83: 380).

b)

o item n5o C nficleo, mas sim modificador (termo determinante); Niio foram localizados, em nosso corpus, dados de gentela gente como termo determinante, nem do substantivo, nem do pronome.

c)

anteposiq5o de um determinante ao nlicleo gentela gente;

(1 17) A dona mantenente, logo que foy roubada, fo[i] ss'ende com sa gente (=substantive) (SCc. XIII, CSM, Mettmann 1972: 57.49).

d)

posposiq5o de um determinante ao nlicleo gentel a gente;

Anhlise em tempo real de longa duraqgo

95

(1 18) Fugia dos artistas e intelectuais como o diabo da cruz, gente chata sernpre falando de movimentos estkticos (=substantive) (SCc. XX, Borba Filho 1972).

e)

anteposiqiio e posposiqilo simultlnea teslqualificadores ao nlicleo gentela gente;

de

determinan-

(1 19) Um frCmito de instintiva covardia, como uma corrente elCtrica, vinha A face de toda aquela gente abespinhada (=substantive) (SCc. XIX, Caminha 1895:13). (120) e, ainda por cima, o Diabo de umas coceiras que punham a gente doida! (=interpretaqgo arnbigua) (SCc. XIX, Caminha 1895:70-71).

o item gente e/ou a gente faz parte de uma locuqiio adjetiva (Nlicleo + da gente)

f)

(12 1) expulsas dos contos e dos versos, meteram-se no coraqaio da gente e falam de dentro para fora. (=interpretaqTLo duvidosa) (SCc. XIX, Assis 1900:114-115). (122) o instrumento favorito da gente do oficio... (=substantive) (SCc. XIX, Almeida 1855:11).

0 s resultados confirmaram a hip6tese postulada. Na rodada geral, verificaram-se altos indices de frequ2ncia para a gente pronominal isolado no sintagma nominal (67%). A presenqa de urn determinante/qualificadorposposto ou simultanearnente anteposto e posposto ocorre mais fieqiientemente corn substantive gente (99%). Grupo:

.

Isolado no SN ( 0 X 0 ) Constitui locu@o adjetiva (Nome + de X) Determinantelqualificadorposposto (X + Dette)

NO/Total

Freq.

1381205 0061088 0011090

67% 7% 1%

Tabela 4.11. Posiq%odo item no SN. Substantivo gente x forma pronominal a gente (variante de nds [+especifico]) no periodo de XVIII a XX (PE, PB e PA) - Valor de aplicaqito: a gentepronominal

A inserqso de a gente no quadro pronominal do portugu&s

96

NO/Total Grupo: Freq Isolado no SN ( 0 X 0 ) 1651232 71% Constitui locuq8o adjetiva (Nome + de X) 0141096 15% Determinantelqualificador posposto 0011090 1% Anteposiq50 e posposi~50simult2nea de determi0011122 1% nantelqualificador I Tabela 4.12. Substantivo gente x a gente (incluindo variante de n6s [+especifico], sujeito indeterminado ou nds [+genCrico] e interpretaqlo ambigua) no period0 de XI11 a XX (Todos os dados reunidos) - Valor de aplicaqlo: a gente nlosubstantivo

I

I

E importante enfatizar tambCm indices relativamente altos com a gente pronominal em locuq6es adjetivas, como ocorre nos exemplos abaixo: (123) Tern la uma branca que sabe a vida da gente. (= a nossa vida) (SCc. XX, Mendes 198159). (124) Ngo C os pCs da gente que pisa este terreno? (=nossos pCs) (SCc. XX, Mendes 1981:119).

(125) Tern nojo da gente. (=de nds) SCc. XX, Mendes 1981:127). Tais ocorrencias n50 deixam de ser casos em que o item fica isolado no sintagma, s6 que em sintagmas preposicionais. 0 controle desse tipo de estrutura preposiqi70 + a gente tem como objetivo examinar todas as posiq6es possiveis que a forma pronominalizada a gente pode ocupar, verificando, inclusive, se tal forma ocupa todos os espaqos ou os mesmos espaqos do pronome nds, quando passa a integrar o quadro dos pronomes pessoais. Construq6es do tipo "m5e da gente , casa da gente , filho da gente" correspondem a complementos nominais ou adjuntos adnominais, e as suas probabilidades de ocorrencia tomam-se mais altas a partir do momento em que a gente se pronominaliza efetivamente. N5o h i uma contraparte possessiva para a gente, como h i a forma nossa para o pronome nds: Quando tal uso se imptie, o falante (o usuiirio da lingua) utiliza a estrutura "da gente ", que assume esse valor possessivo. N5o s6 com relaq%oAs estruturas possessivas, mas em outros contextos C possivel observar que o pronome forte nds tem uma contraparte fraca nos, mas a gente, talvez por ter-se originado de um nome, n%oapresenta, pel0 menos ainda, uma contraparte fraca. Observem-se os exemplos: (i)

Ele nos deu/ Ele deu-nos (fi-aco). Ele deu pra nds (forte).

An6lise em tempo real de longa duraqBo (ii)

*Ele a gente deu/ Ele deu ci gente. Ele deu pra gente (forte).

A posposiq20 de um determinante/qualificador a um nficleo no SN, como discutido, C um dos fatores que determinam a oposiqgo de nomes a pronomes pessoais, em funqgo de serem raros os casos em que os pessoais s5o seguidos por determinantes no grupo sintagmitico. A simultaneidade de determinantes ao nficleo tambkm foi apontada como propriedade praticamente exclusiva dos nomes. A finica ocorrencia do corpus considerada de interpretaqzo ambigua foi identificada em um texto do sCculo XIX - Cpoca de transiqgo em que ocorre o maior n6mero de ocorrCncias ambiguas. Observe-se o exemplo extraido do livro Born Crioulo que mistura o discurso do narrador com o pensamento de um personagem masculino: (126) Seu desejo era sair como um doido por ali fora, meter-se num banho e ficar n78guaum ror de tempo agachado, nu em p&lo.Parecia uma maldiggo! Rebentavam-lhe feridas: havia uma grande aberta no joelho esquerdo. Ngo atinava com aquilo. Talvez alguma praga injusta...Era horroroso! Levar um homem a noite inteira sem dormir, pensando numa cousa, noutra, e, ainda por cima, o Diabo de umas coceiras que punham a gente doida!

(Stc. XIX, Caminha 1895:71). Ressalte-se, ainda, que, na anilise quantitativa referente ao uso pronominal do substantivo homern no portuguCs arcaico, constatou-se o mesmo comportamento que se verifica aqui: maior tendencia do emprego pronominal quando o item ocorria isolado no SN. Diversos autores (Heine & Reh, 1984; Croft, 1993; Lehmann, 1982a; Martellota et alii, 1996; entre outros) afirmam que um item lexical torna-se mais gramatical quando passa a ocupar posiqBes mais fixas na sentenqa, perdendo a .possibilidade de mover-se livremente nas estruturas. Evidencia-se, pois, que, nominais ao se pronominalizarem, tendem a ocorrer isolados no sintagma nominal, estabelecendo assim usos funcionais distintivos e restritos.

4.5.1.3. Tipos -deC-modificaq50 Outro grupo de fatores, relacionado A posigTio no SN, C o tipo de modificador interno ou externo que nomes e pronomes admitem. Convencionou-se chamar de

98

A inserq80 de a gente no quadro pronominal do p o r t u g d s

C-modzjka~a"~, adotando-se tenninologia utilizada por Cardinalletti & Starke (1993). Partindo de propriedades morfolbgicas, sinthticas, sembticas e discursivas, os autores discutem a teoria da tripartig50 (clitico >fraco >forte) dos pronomes pessoais, estabelecendo um confionto hierhrquico entre os que chamam de pronomes deficientes (0s cliticos e os fiacos) e os pronomes fortes. Em suas generalizagdes, discutem que, quanto mais um elemento C deficiente, mais ele tende a ser reduzido morfologicamente, derivando-se, em geral, de contrapartes fortes, como ocorre, por exemplo, com loro (fiaco) de a loro (forte) do italiano. '

Nom Nom No

regaleri reglaeri 1.would.give

mai mai never

lor0 (to) them

tutto. tutto everything.

a loro. (5.1.1.)

0 que interessa discutir, com base em Cardinaletti & Starke (1993), 6 que formas ditas deficientes, por sua prbpria redug50 morfol6gica, estariam mais sujeitas a restrigdes sintiiticas. Formas deficientes, por exemplo, n5o podem: 1) sofrer deslocamento ou ocorrer em uma sCrie de posig6es perifkricas (ser clivada, deslocada A direita ou A esquerda, ou ocorrer isolada); 2) ser coordenadas; 3) ser cmodificadas. Com relag20 A c-modificaqio, os autores afirmam que os pronomes fortes podem ser modificados por advCrbios ou por modificadores associados a todo o sintagrna nominal, mas n50 por modificadores intemos ao SN. Pronomes deficientes, por sua vez, n5o aceitam nenhum tipo de modificador. Observem-se os exemplos do franc& apresentados no texto:

Pronomes fortes: *rapide lui (*ele rhpido) Seulement lui (somente ele) Pronomes fiacos: *rapide il * Seulement il Aproveitando, ou melhor, direcionando essa discuss50 para os propbsitos deste estudo, poder-se-ia dizer que, em termos distribucionais, os pronomes fortes seriam sintaticamente "mais livres" que suas contrapartes fiacas, alCm de permitirem modificadores extemos ao SN. Entretanto, hii de se considerar que, comparados aos nomes, os pronomes fortes seriam sintaticamente "menos livres".

Aniilise em tempo real de longa dura~zo

99

Com base nessa discussZo levantada em Cardinaletti & Starke (1993), tentouse controlar quais os tipos de c - r n o d z ~ c a p ?interna ~ e externa ao SN que o nome (gente) e a forma pronominalizada a gente admitiriam. 0 s fatores postulados foram os indicados abaixo: a)

0 item n5o C modificado:

(127) 0 mar amanhz estii de desafiar a gente, disse-me a voz de Escobar, ao pC de mim (=ambiguo) (SCc. XIX, Assis 1900:131-132).

b)

0 item C modificado por sintagma preposicionado:

(128) a gente da mais alta sociedade pratica atos ou h i priitica dos atos identicos (= ambiguo) (SCc. XIX, Qorpo Santo 1829-83:331).

c)

0 item C modificado por advCrbio:

(129) Lagoa, para a gente daqui, quer dizer; coraqgo, refiigio da abundiincia (= ambiguo) (SCc. XX, Pires 1971:129).

d)

0 item C modificado por oraqiio adjetiva:

(130) Capitu enxugou-as depressa, olhando a krto para a gente que estava na sala (= ambiguo) (SQ. XIX, Assis 1900:134-135). (13 1) tem gente que fica fora por causa do CR (NURC-RJ, AC.01, HI).

e)

Modificador interno ao SN:

(132) Mas isto p6e a gente tonta (=ambiguo) (SCc. XIX, Almeida 185531). (133) que queriam renovar hfias gentes ssa eigreja (=substantive) (SCc. XIII,CSM, Mettrnann 1972:42.13).

0 s resultados, com dados do substantivo gente x forma pronominalizada a gente (variante de nbs [+especiJico]) no period0 de XVIII a XX, confirmaram as observaq6es j6 feitas corn relaqgo A posiqgo de gente e a gente no sintagma nominal. HA maior probalidade de a forma pronominalizada ocorrer isolada no SN (1411244, 58%). 0 s outros tipos de modifica$io postulados (por sintagma pre-

100

A inserg80 de u gente no quadro pronominal d o portugu&s

posicionado, por advCrbio, por oraqgo adjetiva, por modificador interno e oraqZo adjetiva ao mesmo tempo) mostraram-se categoricos para o substantivo. Cabe ressaltar, contudo, que na subamostra em que se confrontaram os dados de gente substantivo aos de a gente com "interpretaqgo ambigua" (excluindo-se a leitura variante de nds [+especifico]), C possivel localizar dados dessa natureza, como pode ser visto na tabela a seguir. Grupo: NO/Total Freq. N2o-modificado 0301133 23% Modificado por advkrbio 0011006 17% Modificado intemamente no SN 0041456 1% Modificado por Sprep 0011054 2% Modificado por oraq2o adjetiva 0011025 1% Tabela 4.13. Tipos de C-modificaqiio: substantivo gente x a gente com "interpretaqiio ambigua" no period0 de XI11 a XX (PE, PB e PA) - Valor de aplicaqgo: a gente interpretaqiio ambigua'

Mesmo com baixos indices de freqiitncia para modificadores como sintagmas preposicionados (2 %) e oraqgo adjetiva (I%), verifica-se que, numa fase de transiqgo, correspondente aos sCculos XVIII e XIX, C possivel localizar modificadores variados para ocorrZncias de (a) gente consideradas dcbias. Isso porque tal forma ainda ngo se tinha pronominalizado completamente e apresentava caracteristicas mais de nome que de pronome.

4.5.1.4. Graus de referenciabilidade Do mesmo mod0 que os nomes podem perder ou ganhar referenciabilidade, a depender de certas caracteristicas gramaticais, como discutido por Muromatsu (1995), os pronomes tambCm podem ganhar ou perder referCncia, definitude, generalidade e impessoalidade. Propde-se, pois, controlar a referhcia, os graus de indeterminaqgo de gente e a gente, utilizando-se a proposta de hierarquia da indefinitude adaptada de Giv6n (1979) e Croft (1993). 0 s fatores postulados estgo organizados a partir de uma gradaqgo da referenciabilidade dividida em dois extremos: do grau miiximo de definitudeireferenciabilidade discutido em (a), ao

'

E importante lembrar que a gente "interpretaqZo urnbigua" exclui as ocorr&nciasconsideradas como variante de nds e sujeito indeterminado. Estabelece-se, pois, uma oposiq5o entre o uso substantivo e os casos ditos duvidosos, que aparentemente ja aparecem com urn uso pronominal, mas nHo se tern certeza corn relaqHo a essa leitura.

Anhlise em tempo real de longa duraqgo

101

grau minino de definitudelrefenciabilidade proposto em (d). Em um nivel intermedi8ri0, estariam os itens discutidos em (b) [+definido][+referencial][- especifico] e (c) [- definido] [+referencia11[-especifico]. a)

[+definido] [+referencia11 [+especifico]: o falante tern uma pessoa especifica em mente contextualmente explicitada. Observe o exemplo em que a locutora determina precisamente para o ouvinte, ao final do trecho, o referente.

(134) porque a gente jh esth acostumado com o quarto da frente...fica eu corn meu marido (NURC-RJ, inq. 20, M2). Mesmo concordando com Lambrecht (1994:79), que afirma n50 ser completamente isom6rfica a correlaq50 entre identificabilidade e n5o-identificabilidade de um referente e a definitude e indefinitude gramatical associados a um nome designando aquele referente, hh maiores chances de o substantivo gente ter valor positivo para os traqos [definido, referencial, especifico] quando: 1) o item ocorrer precedido por determinantes, como possessivos, demonstrativos, etc., que o especificam (minha gente, esta gente); 2) o item for modificado por adjetivos ou estruturas paralelas (locuq8es adjetivas, oraqaes relativas, aposto). (135) A

destes reynos ouverom

(S6c. XV, Livro da Cartuxa ,Dias 1982:106).

(136) todo ele sentiu-se vibrar; oferecia-se ao castigo sem medo, imphvido e sereno, odiando intimamente, 15 no fundo de sua natureza humana, gquela gente que o cercava exultando, talvez, com a sua desgraqaV(S6c. XIX, Caminha 1895:55.). Em (1 35), a presenqa de "destes reynos" determina o referente, que n5o 6 "qualquer povo", "qualquer grupamento de pessoas", mas um conjunto especifico de pessoas que vivem no seu reino. Em (136), o demonstrativo "aquela" e a restritiva "que o cercava" limitam a abrangencia do referente. Ressalta-se que apenas as pessoas que se encontravam naquele lugar especifico presenciaram o fato.

102

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

b)

[+definido][+ referencial] [-especifico]: Quando o falante tem um individuo ou um grupo em mente, que n5o C conhecido pel0 ouvinte.

(137) eu conheqo bastante gente que mora em casa, aqui no Rio ngo, geralmente o pessoal mora em apartamento (NURC-RJ, AC. 012, MI). Neste enunciado, embora a relativa "que mora em casa" determine, aparentemente, a refertncia, o falante faz uma afirmaqgo genCrica que abarca "todos os que moram em casa", ou seja, um grupo grande de pessoas, uma categoria ampla e generalizada. A presenqa do intensificador bastante n5o chega a especificar o referente, mas apenas o materializa, fazendo-o visivel em nosso espaqo mental como uma massa homogtnea, mas n5o individualizada. No enunciado abaixo, com a forma pronominal a gente, subentende-se que o falante refere-se, incluindo-se nesse grupo, "As pessoas que vivem no Rio", "aos cariocas em geral", em oposiq8o "aos moradores de outras cidades, como Nova York, etc."

(1 38) 0 pessoal fala que o Rio C uma cidade violenta mas, a diferenqa 6 que a

gente fala o que acontece aqui e em outros lugares, por exemplo, Nova York, em determinados pontos 6 t8o violento quanto o Rio ou, de repente, at6 mais, e neguinho ai nem comenta isso, n6 (NURC-RJ, AC.12, MI).

c)

[-definido] [+referencia11 [-especifico] : corresponde a um grau de determinaq80 intermediario entre o "referen[cial ntio-definido" discutido em (b) e o ''nso-referencial'' = referential], ou grau mhximo de indeterminaqtio e abstraqgo proposto em (d) . Nesse caso, a atualizaqtio da identidade individual n8o C essencial para a mensagem.

Observe-se que, no exemplo abaixo, 6 estabelecido um paralelo entre as gentes de um determinado tempo-espaqo "que eram entom" e as (gentes) "que agora som".

(1 39) Quen viu o mundo qua1 o eu ja vi, e viu as gentes que eram enton, e viu aquesa que agora son

An9lise em tempo real de longa duraq8o

103

(SCc. XIII, CA, Vasconcelos 1990:610). (140) Eu acho que 2 brasileiro, a gente tern aquela fama de acomodado (NURC-RJ, AC.012, MI). Em (140), verifica-se que o SN "o brasileiro" - elemento em relaq5o anafbrica com a gente - explicita a n2o-especificidade do referente, que C, nesse caso, um grupo amplo de pessoas. d)

[-definido] [- referencial][- especifico]: grau miximo de indefinitude da hierarquia, C abstrato e genkrico. No uso pronominal, o a gente estaria num grau miximo de indeterminaq20 quando n5o h i elementos no context0 para explicitar a refer$ncia, englobando o "eu" + "todo mundo" ou "qualquer um". 0 pronome, nesses casos, pode ser substituido por "verbo + SE", o que reforqaria o esvaziamento da referencia.

(141) Bern limpeza, t9 ah, pel0 trauma, pela neurose que a gente tern (= que se tern) de seguranqa, serviqo, assim de policiamento (NURC-RJ, AC.012, MI). Com o substantivo gente, considera-se "n5o-referenciivel" quando o item denota apenas uma "qualidade", "propriedade", n5ose referindo a ninguCm especificamente. Observe-se o exemplo abaixo: (142) VocEs s5o capazes de botar na praia este boi morto? N5o senhor! Deus nos livre. Ele C gente? Qual gente! Isto C urn monte: 6 urn monturo que est6 aqui. (=substantive) (SCc. XIX, Qorpo Santo 1829-83:380).

Nota-se que, com a pergunta "ele C gente?'e a resposta indignada "Qual gente!", o falante p6e em d ~ v i d ase um corpo morto tem as qualidades e atributos necessirios para ser caracterizado como "ser-humano". Obsemem-se os resultados nas tabelas a seguir:

A inserq8o de a gente no quadro pronominal do portugues

104 Grupo:

[+definido,+referential, -especifico] [-definido, +referential, -especifico] [+definido,+referential, +especifico] [-definido, -referential, -especifico]

NO/Total

-

0711286 0401302 0261152 0081097

--

-

-

-

Freq. 25% 13% 17% 08%

Tabela 4.14. Graus de referenciabilidade: substantivo gente x forma pronominal a gente (variante de nds [+especifico]) no periodo de XVIII a XX (PE, PB e PA) - Valor de aplicaqlo: a gente pronominal

Grupo:

[+definido,+referential, -especifico] [-definido, +referential, -especifico] [+definido,+referential, +especifico] [aefinido, -referential, -especifico]

NO/Total

Freq.

09813 13 31% 0741336 22% 0271153 18% 02211 11 20% Tabela 4.15. Graus de referenciabilidade: substantivo gente x a gente (incluindo varian-

te de nds [+especifico], sujeito indeterminado ou nds [+gen&ricoj e interpretacrlo ambkua) no periodo de XI11 a XX (PE, PB e PA) - Valor de aplicaqlo: a gente nlo-substantivo

0 que se mostrou relevante, nesse caso, foi o fato de a gente ser [+referential, -

especifico], n5o importando tanto se C [+I ou [-I [definido]. Observou-se que os indices foram muito baixos para [+referencial][+especifico] (17% e 18%). No grau miximo de indefinitude da hierarquia, postulado como [-definido][referencial][-especifico], as freqiiencias foram baixas (08%) no caso de a gente pronominal.

4.5.1.5. Tempo verbal Em outros estudos sobre a variaqso sincr8nica entre nds e a gente, seja com base em corpus de falantes com pouca escolaridade (Omena, 1986), seja com base no de falantes cultos (Lopes,1993), verificou-se que o presente do indicativo e as formas nominais favoreceriam o uso de a gente, enquanto o futuro e o pretkrito perfeito favoreceriam a presenqa de nds. Para justificar tal correlaq50, Lopes (1 993:73-4) afirma que

...esta relaq8o tempo verbal/pronome ocorre em hnq3o da interferencia de outros fatores, como: a saliencia Rnica, o gtnero discursivo e a determinaq80 dos referentes. A interdependencia dos fatores parece-nos 6bvia, uma vez que o fa-

Anilise em tempo real de longa duraq5o

105

lante, ao narrar um acontecimento, refere-se a um evento passado (marcado temporal e cronologicamente), alCm de determinar as pessoas envolvidas na a$30 narrada. Conseqiientemente, h i um favorecimento 5 presenqa de n d ~ narra: q3o = referente [+determinado], [+tempo], [+saliCncia]. Em contrapartida, ao descrever aq6es habituais ou fieqiientes, o falante n50 marca temporalmente seu discurso, nem determina os agentes envolvidos e, por isso, o emprego da forma a gente C mais usual: descriq5o = referente [-determinado], [-tempo], [saliente].

Como as obsewaq6es em tempo real podem calibrar e confirmar as possibilidades levantadas no tempo aparente" Labov (1994: 63), estabeleqa-se o confronto, obsewando as tabelas a seguir:

IGru~o:

I

Presente do subjuntivo Infinitivo

NO/Total1

Frea. 1

314

75%

008/009

89%

Presente do Indicativo PretBrito imperfeito

0231040 57% 0051023 22% Tabela 4.16. Tempo verbal: dados do s6culo XIX. Substantivo gente x a gente (incluindo

variante de nds [+especifico], sujeito indeterminido ou nds [+generic01 e interpretaq%oambigua) (PB e PE) - Valor de aplicaqgo: a gente niosubstantivo

Grupo:

Presente do subjuntivo InJinitivo

Presente do Indicative Pretkrito imperfeito PretBrito perfeito

NO/Total 0061009 0081012 0531086 0061025 0051012

Freq. 67%

67% 62% 24% 42%

Tabela 4.17. Tempo verbal: dados do portuguSs do Brasil. Substantivo gente x a gente (variante de nds [+especifico]) no periodo de XVIII a XX. Valor de aplicag%o:a gente pronominal

0 aspect0 mais interessante a ser enfatizado, por ora, C que o tempo verbal somente foi considerado fator relevante na anhlise em tempo real de longa dura~cib,na subamostra do s&culoXIX - periodo hist6rico em que a pronominalizaqZo C mais nitidamente detecthvel - e na subamostra do portugut?~do Brasilvariedade do portugu2s em que o uso de a gente, como pronome, C mais significativo. Isso pode sugerir que a combinaq50 de a gente com formas verbais menos marcadas formal e semanticamente (presente e infinitivo), combinaqgo esta

106

A inserqBo de a gente no quadro pronominal do portugu&s

constatada em estudos sincr8nicos, teve inicio no stculo XIX, period0 que marca o inicio da gramaticalizaq50 de a gente. Essa continuidade ou similaridade entre presente e passado permite aplicar o principio do uniformitarismo, discutido por Labov (1994:21), que preve que "o conhecimento do processo que operou no passado pode ser inferido pela observaqso do desenvolvimento do processo no presente". Tais freqiiencias de uso com o infinitivo e presente do indicativo tambtm podem ser consideradas indicios, como aponta Heine & Reh (1984) e Omena & Braga (1996), de um uso "mais obrigat6rioWem certos contextos sintiiticos do que em outros. A incidCncia do uso de a gente com formas n5o-finitas pode estar relacionada com o processo de mudanqa discutido em Duarte (1995) sobre a perda do Principio Evite o Pronome no portugues brasileiro. A autora mostra que, com a reduq5o do paradigma flexional de seis formas para tres, basicamente, e com a substituiq50 de nds por a gente, o portugues brasileiro estii deixando de ser urna lingua de sujeito nulo do grupo pro-drop, passando a ser urna lingua de sujeito pleno (n5o pro-drop). Nesse estudo, embora n2o tenha focalizado a quest50 do uso do pronome pleno em sentenqas infinitas, Duarte (1995) observou certa tendencia para o preenchimento do sujeito pronominal nesses contextos, "que provavelmente favoreceriam um PRO em linguas pro-drop "aut~nticas",sugerindo urna preferencia pel0 infinitivo pessoal que permite a express50 do sujeito pronominal. (i)

(ii)

VocC comeqa a pensar como seria bom [vocC morar com aquela pessoa...]. E muito mais fhcil [vocC ir de metre] (Duarte1995:36, nota 7).

A postulaq50 de um grupo de fatores para controlar o valor deitico dos itens pode parecer paradoxal, urna vez que a deixis C urna propriedade atribuida a pronomes e n5o a nomes. 0 nome tem um cariiter referencial e serve para designar um objeto, um ser ou urna idCia. 0 s pronomes pessoais, principalmente os de primeira e segunda pessoas, s5o deiticos por se situarem na dimens20 pragmitica da linguagem, hncionando como indicadores dos participantes de um ato de fala. Se um nome se pronominaliza, como se defende aqui, o item, no caso o

Anhlise em tempo real de longa duraqgo

107

substantivo gente, deixa de se referir a uma entidade fisica e genCrica e passa a ter uma dimens50 pragmhtica. A forma pronominal a gente pressupae, assim como o pronome nbs, que o falante, alCm de si prbprio, inclui uma infinidade de pessoas - o chamado euampliado de Benveniste (1988) - eu + voc6, eu + ele, eu + voc6s, eu + eles, eu + todo mundo, eu + qualquer urn, etc. Pressupondo a incluszo do eu, a gente tem um valor dditico porque remete ii situaqzo lingiiistica, n5o sendo necesshrio, em principio, urn antecedente no discurso que explicite o(s) referente(s). 0 valor positivo ou negativo para o atributo semgntico [EU], muito mais que indicar apenas a pessoa, indica, nas palavras de Kerstens (1993:45), que o referente (qualquer um) deve ser identificado atravCs do context0 enunciativo, ou seja, agrega a informaq50 de pessoa a uma propriedade dditica. Quando se tern apenas o trago [+EU, $PL], a referdncia C fixada atraves do enunciado, isto C, pragmaticamente, mas certas pistas gramaticais podem auxiliar na identificag50 do referente (o traqo de genero num predicativo, por exemplo, informa se o falante C homem ou mulher). Entretanto, quando o traqo [fEU] se associa ao traqo [+PL], a gama interpretativa se amplia, porque a pluralidade nos pronomes de P1 e P2 abre o escopo de abranghcia referencial que, muitas vezes, nem o contexto enunciativo, nem o sinthtico podem resolver. Hh de se considerar, no entanto, que o elemento alia deve ser referido contextualmente pelo falante, por isso formas pronominais com o trago [+EU] ainda podem ter um carhter anaf6rico ou catafbrico. Com rela~goao substantivo gente, parece ser possivel postular que a complacencia categorial (nome [+referencia11 pronome [+d&tico]) tenha sido viabilizada pel0 fato de gente pressupor "mais de uma pessoa" ou um conjunto base "ser-pessoa" no qua1 qualquer falante (o eu) pode ser incluido. Consideram-se ainda outros aspectos. Para postular este grupo parte-se da hip6tese de que os pronomes de P1 e P2 se distinguern dos pronomes de P3, porque s5o dziticos situacionais, mais do que textuais, e possuem referencial aut6nomo, ou seja, a interpretaq50 referencial C automitica, dispensando antecedente. Com P3, o referente C, em geral, inferido por meio do termo antecedente (express50 referencial); logo, seria considerado dCitico textual (ou anafbrico) por se reportar a nomes, n5o a referentes. Assumindo tal perspectiva de graus de referencialidade, os pronomes de primeira e segunda pessoas seriam mais referenciais que os de terceira pessoa pel0 fato de se referirem diretamente ou ao falante ou ao ouvinte, n5o necessitando de antecedente que licencie sua interpretag50. Por serem dkiticos situacionais, s5o dotados de certa autonomia referencial. Se

108

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguts

fosse estipular uma hierarquia de referencialidade, dir-se-ia que as formas de primeira e segunda estariam mais pr6ximas dos nomes (express8es referenciais) que as formas de terceira pessoa, por serem estas "referencialmente lines": Nome [+referencia11

>

1" e 2" pessoas

>

3" pessoa [-referencia11

Dentro dessa perspectiva, e pel0 fato de a gente ter-se originado de uma express3o referencial forte (um nome), pretende-se verificar o seu comportamento dentro da hierarquia de referencialidade, se mais pr6xima do nome ou do pronome de terceira pessoa. 0 s fatores postulados foram

a)

item assume cariter dCitico

(143) X: ai, mas de qualquer maneira tenho que me separar de ti. Ja estou farta de ti e tu de mim. B: ah, ngo quer dizer que a gente vb trabalhar para o mesmo sitio. X: 6 que assim n8o arranjamos noivo, ngo sei porqut ...sabes que a gente s6 tem jeito C para arranjar noivas aos outros! Mas nbs a encaixamonos nos ditos. (= pronome) (PE, inq. 122, Ml). (144) Negreiro - ...Vem gente...Serb o inglts? (Esconde-se) (= substantivo) (Stc. XIX, A s casadas solteiras, Pena 1815-1848). Em (143), a forma a gente se refere a eu + interlocutor (nclo-eu), no caso, o inforrnante B. As indicaqaes dial6gicas s5o precisas nesse exemplo, pois o falante se reporta ao momento da enunciaq30, interagindo intensamente com o interlocutor ao dizer: "tenho que me separar de ti ...estou farta de ti e tu de mim", etc. Em (144), verifica-se que o falante aponta ou refere-se As pessoas que estavam entrando em cena, dai termos considerado um valor deitico para o substantivo. Ressalte-se que as raras ocorrdncias de substantivo gente com valor deitico s3o exemplos interjectivos, mais precisamente vocativos, localizados em peqas teatrais, como se vC abaixo. (145) Adeus, minha gente, adeus (SCc. XIX, Pena 1815-48). (146) Bravo, minha gente! (idem).

Anhlise em tempo real de longa duraq8o

(147) Muita vez eu rapava fome de c8o. Tinha outros rapazes como eu, filhos de outras mulheres negras iguais. Entlo a gente ia nas lojas e roubava -coisas para comer e at6 coisas que a gente n"a precisava para nada (SCc. XX, Mendes 1981:25).

Neste enunciado, hh um antecedente nominal, "outros rapazes como eu, filhos...", indexado ao pronome.

(148) porque a gente jB esth acostumado com o quarto da fi-ente... fica eu corn meu rnarido (NURC-RJ, inq. 20, M2). Em (148), ao contrhrio de (147), o referente, embora tambtm esteja explicito, t apresentado a posteriori. 0 s resultados indicam que o emprego deitico t praticamente categ6rico para o pronome, o que pode referenda a posiqb de que, por substituir uma forma de primeira pessoa, a gente seria muito mais situational que textual. A gente se pronominaliza na medida em que vai, paulatinamente, sendo empregada com valor deitico. NO/Total Freq. Grupo: 0561066 DEitico 85% 0271202 Anafbrico 13% 004107 1 Catafbrico 06% Tabela 4.18. DCixislanhforalcatPfora: substantivo gente x forma pronominal a gente (variante de nds [+especifico]) no periodo de XVIII a XX (PE, PB e PA) - Valor de aplicaqiio: a gente pronominal

110

A inser@o de a gente no quadro pronominal do portuguCs

4.5.2. Fatores extralingiiisticos: a gente no tempo e no espaqo

4.5.2.1. 0 tempo: marcaqlo cronoldgica do process0 de gramaticalizaqZio AlCm dos aspectos j6 discutidos em 4.3., verificou-se, na rodada geral, que operiodo histbrico foi selecionado como fator relevante tanto na amostra que excluia os dados com ambigiiidade interpretativa (tabela 4.20), quanto naquela que os agrupava as ocorrCncias de a gente pronominal (tabela 4.19). NO/Total Freq. 56% 1211218 0241170 14% 02% Stculo XVIII 001/051 Tabela 4.19. Fase hist6rica: Substantivo gente x a gente (variante de nds [+especifico]) no periodo de XVIII a XX (PB, PE e PA) - Valor de aplicaq5lo: a gente pronominal Grupo: Stculo XX SCculo XIX

Verifica-se, nessa tabela, que s6 h i ocorrencias de a gente pronominal a partir do seculo XVIII. Antes disso, entre o periodo de XI11 e XVII, hA apenas os tais dados ambiguos; por isso os outros skculos ngo constam da tabela. Como aponta Cintra (1972:38) e no seculo XVIII que formas pronominais como v6s, empregad0 para um 6nico interlocutor, caem em desuso, deixando "o caminho aberto para a progressiva invasgo e expansgo das outras formas substantivas que levam o verbo para a 3" pessoa". Comparando-se as ocorrCncias de a gente pronominal com as de gente substantivo, observa-se que somente no sCculo XX o uso de a gente se consolida como pronome, apresentando freqiiencias acima da mCdia (56%). Antes disso, mais precisamente entre os stculos XVIII e XIX, o uso de gente como substantivo C mais significativo. Quando, entretanto, as ocorrencias de interpreta~so duvidosa sso agrupadas As ocorrencias de a gente pronominal, o perfil diacranico da implementa@o da mudanqa de gente > a gente C mais nitido, como pode ser visto na tabela 4.20. e na figura 4.2 1.:

Anilise em tempo real de longa duraqgo

I Grupo: -

SCculo XX Seculo XIX SBculos XVII-XVIII SCculo XVI S6culos XIII-XV

I

I

NO/Total 1411238 06612 12 0121125 0021092 0011247

Freq. 59% 31% 10% 02%

111

(

Peso Relativo .89 .67 .87 .08 .06

0% Tabela 4.20. Fase hist6rica: substantivo gente x a gente (incluindo variante de nds [+especifico], sujeito indeterminado ou nds [+genCrico] e interpretaqlio amblgua) no periodo de XI11 a XX. Valor de aplicaqio: a gente niosubstantivo

Analisando-se a tabela, nota-se que, embora os percentuais de fieqiiencia de a gente (pronome) sejam relativamente baixos antes do sCculo XX, os pesos relativos do periodo de XVII-XVIII (.87) e XIX (.67) indicam ser o stculo XVII a fase em que se inicia, ainda que timidamente, a pronominalizagiio do substantivo gente. Pelo fato de 1) as ocorrencias de a gente pronominal terem sido identificadas a partir do sCculo XVIII; 2) os dados ambiguos terem se efetivado a partir do sCculo XVII e 3) o grupo "fase hist6ricamser selecionado pel0 programa estatisticoyisolaram-se os dados por periodo hist6ric0, considerando tres grandes fases: 1) sCculos XVII-XVIII; 2) sCculo XIX; 3) sCculo XX. Como pode ser visto no quadro abaixo, pel0 pr6prio process0 gradual de intensificagiio do uso de a gente como pronome do sCculo XVII em diante, niio houve coincidencia completa entre os grupos de fatores selecionados nessas tr2s subamostras:

A inserq8o de a gente no quadro pronominal do portuguCs

112

P e r c u r s o h i s t 6 r i c o d a p r o n o m i n a l i z a ~ 5 0d e a gente 100

98

100

75

50 25 0 X Ill-X

v

XVI

XVII-XVIII

m g e n t e (norne)

ma

X X

XIX

g e n t e (pron.)

Figura 4.21. Percurso hist6rico da pronominalizaq50 de a gente SCculos XVII-XVIII Eu-ampliado 2. Graus de referenciabilidade 3. DCixis/anbfora/catifora 1.

1.

2. 3.

SCculo XIX D&ixis/anafora/catifora 1. Tipologia sem%ntica 2.

SCculo XX C-modificado Modalidade do portugu&s PosiqBo no SN D&ixis/an6forafcatBfora

Posiq60 no SN 3. Sexo 4. 5. Tempo verbal 6. Graus de referenciabilidade Quadro 4.22. Grupos considerados relevantes por ordem de seleqgo nas diferentes fases 4.

Observa-se que o Gnico grupo coincidente nas trCs subamostras foi o "cariter dCitico ou anafbrico" do item. Ao contririo do sCculo XX, em que h i apenas uma ocorrCncia com ambigiiidade interpretativa, nos sCculos XVII-XVIII e XIX - fases consideradas de transiqgo pel0 significativo n ~ m e r ode dados dessa natureza (47 exemplos) - verifica-se que houve coincidencia com rela950 ao grupo "graus de referenciabilidaden. Entre os sCculos XIX e XX, o grupo coincidente foi "posiqZo no S N . Pode-se conjecturar que o sCculo XIX C o periodo decisivo nesse processo de gramaticalizaq50 e define realmente uma fase transitbria, ora apresentando caracteristicas semelhantes a uma etapa bem inicial do processo de gramaticalizaq80 (stculos XVII-XVIII), ora selecionando aspectos do periodo em que o processo se efetivou (sCculo XX).

Anhlise em tempo real de longa duraqgo

113

Tal observaq30 esth de acordo com oproblema da transip7o (Weinreich et al., 1968) considerado um dos mais relevantes na discuss30 da mudanqa lingiiistica. Como previsto nesse clissico texto sobre teoria da mudanqa, a generalizaq30 de uma mudanqa lingiiistica n3o C instantsnea, mas gradual, e por isso C necesskio detectar a distribuiqgo dessa continuidade entre dois esthgios observados da mudanqa em progresso. Como defende Weinreich et alii (1968), 6 sempre possivel descobrir um esthgio intermedihrio que define a etapa pela qua1 uma dada estrutura A passa a B num continuum inintempto de variaqgo e mudanqa. 4.5.2.1.1. 0 s s6culos XVII - XVIII: a fase embrioniria do process0 de gramaticaliza~%o Observem-se, na tabela abaixo, os grupos de fatores selecionados no periodo: Freq. Peso Relativo i) ~ i - a u de s incluslo do 'eu' NO/Total Todo mundo ('eu' exclusivo) 0011111 01% .26 70% 1.OO Todo mundo ('eu' inclusivo) 0071010 ii) Graus de referenciabilidade .15 09% [+definido, +referential, -especifico] 0031032 .70 0091065 14% [-definido, +referential, -especifico] iii) DCixislanfIforalcatfIfora 75% .96 0031004 DCitico 29% .95 0021007 Catafbrico .28 03% 0011035 Anafbrico Tabela 4.23. Substantivo gente x a gente (incluindo variante de n6s [+especifico] e interpretaglo ambigua) no periodo de XVII - XVIII - Valor de aplicaq8o: a gente nlo-substantivo

Nesse periodo, foram identificados 125 dados no total, sendo 113 do substantivo gente (90%) contra apenas 12 (10%) de a gente n3o-substantivo. Desses 12 dados, localizaram-se, no sCculo XVII, apenas duas ocorr2ncias (exemplos 154 e 155) consideradas ambiguas e nenhum exemplo de a gente como variante de nds [+especifico]. No sCculo XVIII, localizou-se um exemplo de a gente pronominal (exemplo 156) e 09 casos de interpretaqzo duvidosa. 0 n6mero pouco significativo de dados, nesse periodo, n3o permite uma anilise muito apurada, mas possibilita, pel0 menos, verificar que algumas tendzncias comeqam a se delinear. Observem-se os exemplos:

A inserqlo de a gente no quadro pronominal do portuguCs Seculo XVII (a gente = interpretasgo ambigua) (149) e o mesmo risco come a gente, se n8o anda acompanhada (= ambiguo) (MNM, Bernardo 1996:28). (1 50) onde multiplica menos a gente que no Maranhi50 (= ambiguo) (MNM, Bernardo 1996:97). SCculo XVIII (a gente = variante de n6s [+especifico]) (15 1) Amor ao fraco faz ser valente transforma a gente no qu'ele qyer... pois quando cremos (=pronome) (Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:291). SCculo XVIII ( a gente = interpretasgo ambigua) (152) Quisera, porkm, que a gente reconhecesse que o silogismo vale dez ... (Verdadeiro Mdtodo de estudar, Verney 1746:167-68). (1 53) Quando a gente tem nhanhl Que lhe seja bem fiel, E como no Reino dizem caiu a sopa o me1... (Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:65). (1 54) Estava jogando as escondidas, tambCm a gente h6 de brincar (Silva 1733:158). (1 55) Deixai que isso C bom para dar um alegrBo a povo. A gente vem concorrendo cada vez mais. (Silva 1733:162). (156) Com a turba multa da gente me perdi de meu senhor Xanto (Silva 1733:166). (157) Se a gente lhes d6 trella, ni5o se calllo ( A vinganqa da cigana, Caldas Barbosa 1794:37-8). (1 58) Amor quando entre o peito Parece o vai consolar Mas travesso em pouco tempo Faz a gente palpitar (Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:78).

Anblise em tempo real de longa durag5o

115

(159) Que importa murmure a gente (Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:113). Pasma-se a gente de v&-las sem os poder retratar (Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:248). Com relaq30 ao grupo de fatores graus de inclus3o do "eu", o primeiro a ser selecionado nesse periodo, postulou-se um grupo para controlar os diferentes niveis de abrangsncia na no@o do "eu-ampliado", noq3o esta proposta inicialmente por Benveniste (1988) e discutida em diversos trabalhos variacionistas (Bastos, 1988; Freitas et alii, 1991; Monteiro, 1991; Lopes, 1993). Na passagem do singular para o plural, formas de primeira pessoa acabam por acrescentar ao eu os contornos vagos e indefinidos das outras pessoas do discurso. 0 dito "euampliado" de Benveniste pode englobar, al6m do "eu", verdadeira pessoa do discurso, o 'n3o-eu' (interlocutor) e as outras pessoas, definidas ou n30 (alia). Dado o cariter generic0 da forma a gente, os diversos estudos apontados, que analisavam a oposiqso entre nbs e a gente (vide referencia acima) jii mostraram sua maior frequencia de uso quando h6 um grau minimo de inclus3o do eu e, consequentemente, um grau miiximo de indeterminaqso. Neste estudo, por estar-se opondo o substantivo gente A forma pronominal a gente, tentou-se verificar a partir de que Cpoca e em que contextos a forma substantiva podia ser interpretada como "inclua o falante". Por essa raz30, alCm dos fatores tradicionalmente utilizados (eu + voce^(s); eu + ele(s) e eu + voce^(s) + ele(s)) para formas pronominais, inseriram-se, na tentativa de dar conta do emprego nominal de gente e dos casos ambiguos, dois novos fatores: todo mundo exclusivo (quando o referente do substantivo gente excluia necessariamente o "falante") e todo mundo inclusive (quando o referente n3o excluia necessariamente o "falante"). Observem-se os exemplos: (160) Gosto de amar, vou amando, Que importa murmure a gente, Se a gente que assim murmura, (= substantivo: todo mundo exclusivo) Talvez ngo seja inocente! (Stc. XVIII, Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:113). (16 1) Amor, o travesso Amor Fugia nuzinho em pele, Cai aqui, cai acolb

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Gentes de bem pegou nele (=substantive: todo mundo inclusivo) (SCc. XVIII, Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:324). (162) Ou sejam presos ou soltos Teus lindissimos cabelos, Pasma-se a gente de vC-10s Sem os poder retratar (=ambiguo: todo mundo inclusivo) (SCc. XVIII, Viola de Lereno, Caldas Barbosa 1798:248). (163) Contudo, se houvera caminho por terra, muita daquela mocidade daria ao tempo o que C seu, passando para o Parh, onde multiplica menos a gente que no MaranhBo, clima tBo fecundo, que se todos podessem ter mod0 de vida, bastaria para povoar toda a America (= ambiguo: todo mundo exclusivo) (SCc. XVII, MNM, Bernardo 1996:97). No primeiro exemplo, o substantivo gente apresenta uma referencia genCrica e ampla; necessariamente "exclui o falante", pois afirma niio se "importar" com o fato de "a gente", n2o ele, "murmurar". Em (161), contudo, a referencia niio "exclui" necessariamente o falante, ja que C possivel que "ele esteja entre (as) gentes de bern". No exemplo (162) ha duas interpretaqaes possiveis, embora nas duas a referencia seja "inclusiva". Em primeiro lugar, o referente pode ser o eu + qualquer urn, entendendo que o poeta fica "pasmo ao ver os lindissimos cabelos da amadam,e nesse caso ter-se-ia um a gente pronominal. A segunda interpretaqso seria a de que "as pessoas" em geral, inclusive ele, "ficariam pasmos". Tal grupo foi selecionado, ou melhor, os fatores todo mundo exclusivo versus todo mundo inclusivo apresentaram variaqiio apenas nessa subamostra com dados do period0 de XVII a XVIII, porque, a partir dessa fase inicial- prenhcio da pronominalizaqiio de a gente -, os resultados serge sempre categ6ricos para o pronome quando a presenqa do "eu" (falante) estiver pressuposta, seja eu + voce^(s), seja eu + ele(s), ou ainda, eu + voce^(s) + ele(s) ou eu + qualquer um. 0 s resultados indicaram favorecimento para a forma '"pressupostamente" pronominal quando se poderia interpretar que o referente C genCrico, todo mundo, mas a inclusiio do falante n3o esti descartada, ao passo que a "exclusiio do falante" favorece o emprego de (a) gente como substantivo. Quanto aos graus de referenciabilidade, ressalte-se que s6 houve co-existencia do emprego nominal ou pronominal da forma (a) gente nos ditos niveis intermediArios de determinaqiiolreferencialidade [+definido][+referencial][-especifico]

Anllise em tempo real de longa dura~go

117

e [-definido][+refererencial][-especifico], havendo favorecimento para a forma pronominal no segundo nivel, que constitui, em termos cornparativos, maior grau de indeterminaqgo e generalidade. Nos dois extremos da escala, com todos os valores positivos (grau mkimo de referencialidade) e com todos os valores negativos (grau minimo de referenciabilidade), os resultados foram categ6ricos para o substantivo gente. Buscando generalizaqties,pode-se anunciar, como period0 inicial do process0 de pronominalizaqTio do substantivo gente > a gente, os skculos XVII e XVIII. Consideram-se estes dculos como uma fase embrionfiria, porque neles a quase totalidade dos dados de a gente, que nZo foram muitos, apresenta ambigiiidade interpretativa. Tal fase se caracteriza pel0 uso da forma cristalizada "a gente", pressupondo, mesmo que genericamente, 1) a possibilidade de incluir o falante; 2) um referente [-definido, -especifico] e 3) um carhter deitico. 4.5.2.1.2.0 sCculo XIX: fase de transiqgo Observem-se os grupos de fatores selecionados no sCculo XIX:

118

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portugu&s

Tabela 4.24. Grupos de fatores selecionados no s6culo XIX: Substantivo gente x a gente (incluindo variante de nds [+especifico] e interpretagfio ambkua) (PE + PB). Valor de aplicaqfo: a gente nfo-substantivo.

Como foi observado, C no sCculo XIX que a gramaticalizaq20 de a gente comeqa a se delinear com maior clareza. Ao contririo do periodo anterior (sCculos XVII-XVIII), o n ~ m e r ode dados da forma pronominal 6 mais significativo. Dos 212 dados levantados, nesse periodo, localizaram-se 30 de a gente pronominal, 24 deles considerados como variante de nbs [+especifico] e 6 como sujeito indeterminado ou nds [+genCrico]. Identificaram-se ainda 36 ocorrencias de a gente que apresentavam ambigiiidade interpretativa. Comparando-se as fiequencias relativas ao uso de (a) gente como substantivo e como pronome, verifica-se maior intensificaqso do uso pronominal no sCculo XIX, pois 3 1% dos 2 12 dados s2o de a gente pronominal (66 ocorrCncias), contra 69 % (146 ocorr2ncias) do emprego como substantivo. Na fase anterior, como se viu, 90,4% (1 13 ocorrencias de um total de 125) s5o da forma substantiva e apenas 9,6% (12 ocorrencias) s2o de a gente n2o-substantivo4. Referenda a determinag20 do sCculo XIX como "marco" da gramaticalizaq80 o fato de se ter identificado uma certa coincidencia com relag20 aos fatores selecionados tanto no periodo anterior quanto no posterior. Coincide com o periodo antecedente (sCculos XVII-XVIII) a selepio do grupo graus de referenciabilidade e com o sCculo subsequente (sCculo XX) o grupo posiqiio do elemento no SN. Ressalte-se, ainda, a sele~20exclusiva, em termos de fase histbrica, do tempo verbal e do gtnero (sexo). Quanto ao primeiro, C importante enfatizar que os resultados sZio semelhantes aos que jB foram apresentados nos estudos sobre a variaqzo sincrbnica de nds e a gente em dados de fala no portugues do Brasil. Quanto ao segundo fator, causa uma certa estranheza o fato de o genero (sexo) ter sido considerado relevante em um corpus de lingua escrita, em que a referencia ao sex0 do "locutor" C eventualmente indicada em textos muito especificos, como C o caso das peqas teatrais e dos romances. 0 fato 15 que o genero foi selecionado na subamostra do sCculo XIX e em todas as vertentes do portugues analisadas (moqambicana, brasileira e europkia), apresentando resultados praticamente identicos, ou seja, maior favorecimento Lembramos que a denomina~bn50-substantivo se deveu ao fato de se ter localizado para o periodo de XVII-XVIII apenas um exemplo de a gente pronominal, sendo que os 11 exemplos restantes foram considerados de interpretaqgo arnbigua.

Anhlise em tempo real de longa duraglo

119

para o uso da nova forma, a gente pronominal, entre as mulheres. No s6culo XIX, como pode ser visto na tabela 4.24., os escritores, sejam os de teatro, sejam os romancistas, faziam com que suas personagens femininas utilizassem mais incisivamente a forma a gente pronominal (64%), contra um uso mais timido pe10s personagens rnasculinos (35%). E conveniente lembrar os principios basicos apontados em Labov (1990) sobre a varihvel sex0 (gCnero): Numa estratificaglo sociolingiiistica esthvel, os homens usam, com uma freqiiCncia maior, as formas "nlo-padrlo"; Na maioria dos fen8menos de mudanga lingiiistica, slo as mulheres que inovam, usando formas "nlo-padrlo". Pressupondo que a gramaticalizaqiio de a gente tenha dado um salto significativo a partir do skculo XIX, e mesmo sendo dificil predicar quem deu inicio a uma efetiva mudanqa lingiiistica, parece - pelo menos 6 o que os resultados indicam - que foram as mulheres que deram o primeiro passo na introduqiio dessa nova forma. Cabe ainda sistematizar os resultados identificados no skculo XIX que foram apresentados na tabela 4.24: a) b) c)

d)

Como se observou, nos resultados gerais e nas tres fases histbricas analisadas, o emprego deitico da forma a gente C um dos fatores mais importantes no process0 de gramaticalizaqiio5. A forma pronominal a gente tem um emprego mais generic0 que especifico. A posiqiio de a gente no SN torna-se mais fixa e rigida. A forma passa a ser utilizada a partir do skculo XIX como nficleo isolado no SN, comportando-se como um verdadeiro pronome pessoal. Ha maior probabilidade de ocorrer a forma pronominal a gente entre personagens do sex0 feminino. 0 s personagens rnasculinos, se-

Pode parecer contradit6rio que a gente seja, ao mesmo tempo, [+dCitico]e [-especifico]. Entretanto, a seleqIo sistemkica do grupo que controlava o carhter d&itico/anafbricodas formas ocorreu, certamente, pela incidCncia de dados retirados de peqas teatrais, principalmente a partir do sBculo XVIII.

A inser@o de a gente no quadro pronominal do portuguCs

f)

ja no teatro, seja na literatura, utilizam a nova forma com menor freqiiencia. Tempos verbais associados A interpretagzo genkrica (presente do subjuntivo, presente do indicativo e formas infinitivas) j i no skculo XIX aparecem com mais fkeqiisncia combinadas A forma pronominal a gente. E o cariter genkrico e indetenninado que a forma a gente herda do substantivo de origem: referente [-especifico].

4.5.2.1.3.0 seculo XX: a consolidagi40 do processo de gramaticalizagIo

Analisem-se as tabelas abaixo com os grupos de fatores selecionados na subamostra do skculo XX:

Tabela 4.25. Grupos de fatores selecionados no sCculo XX. Substantivo gente x a gente incluindo variante de nds [+especifico], sujeito indeterminado ou nds [+genkrico]e interpretaqlo ambigua (PE, PB e PA). Valor de aplicaqlo: a gente nlo-substantivo.

Mesmo sendo dados de escrita, os resultados do skculo XX evidenciam a efetivag8o do processo de gramaticalizaq80 de a gente. Nessa subamostra, foram levantados 238 dados, sendo 97 da forrna substantiva (41%) e 141 (59%) da forma pronominal, incluindo, nesse 6ltim0, 121 ocorrencias de a gente (variante de nds [+especifico]), 19 exemplos considerados como sujeito indeterminado ou nds [+genkrico] e apenas 1 exemplo de interpretagzo duvidosa:

Anhlise em tempo real de longa duraq2o

121

(164) Lagoa, para a gente daqui, quer dizer coraq50, refiigio da abund2ncia..."( a gente = interpretaq20 ambigua, pois o falante pode estar se incluindo "entre as pessoas daqui" ou ainda pode estar querendo dizer que "as pessoas daqui", n2o necessariamente ele, acham que "Lagoa quer dizer coraq20, refiigio da abundiincia... (SCc. XX, Pires 1979: 129).

Embora se identifiquem vestigios das propriedades nominais do substantivo gente na forma pronominal a gente, jB C possivel estabelecer a distinqiio de duas classes bem definidas. Ao pronominalizar-se, a gente passa a ter uma posiqiio mais fixa no SN, tendendo a ocorrer, como acontece mais freqiientemente corn os outros pronomes pessoais, isolado no sintagma nominal e sem modificadores internos. A sua variabilidade sintbtica diminui (Heine & Reh, 1984). Percebese, com isso, que houve um process0 de decategoriza~iZo(Hopper, 1991), uma vez que a forma gramaticalizada perde privilkgios sinthticos da classe original. Seguem os exemplos em que a gente ocorre como n6cleo de locuqgo adjetiva (X + da gente), assumindo valor possessivo no lugar de nosso(a). (165) E o pior C que andam estragando a vida da gente. (= a nossa vida) (SCc. XX, Borba Filho 1972:16). (166) Tern 1s uma branca que sabe a vida da gente ... (= a nossa vida) (SCc. XX, Mendes 198 1:59). (1 67) NIo t os p6s da gente que pisa este terreno? (= os nossos pks) (SCc. XX, Mendes 1981:119). (168) Tem nojo da gente. (= nojo de n6s) (S6c. XX,Mendes 198 1:127).

AlCm dos aspectos morfossintBticos, hB de se leva em conta que, embora mantenha do substantivo a possibilidade de se combinar com verbo na terceira pessoa do singular, o fato de pressupor a inclusiio do falante evidencia um emprego deitico e ngo anafbrico. Ressalte-se, ainda, que essa pronominalizaqilo do substantivo parece configurar-se com maior intensidade nos territ6rios para os quais o portugues foi transplantado: Brasil, com 69% de freqiiencia de uso, e Moqambique, com 59%. Em Portugal os indices siio relativamente baixos: 18%.

122

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

4.5.2.2. 0 espago: diferengas intercontinentais A separaglo geogrifica naturalmente e inevitavelmente propicia a separaqlo linguistics, embora n b seja condiglo necessiiria para divergCncia lingiiistica, uma vez que, dentro do mesmo espaqo geogrhfico, com pessoas que frequentam as mesmas escolas, assistem aos mesmo meios de comunicaqlo, as formas lingiiisticas se tomam diferenciadas. (Labov, 1994:9).

Stio recentes os trabalhos variacionistas que analisam as diferenqas linguisticas entre as variedades brasileira, portuguesa e africana do portugues. A tradiq2o dialectoldgica tem defendido uma unidade superior da lingua portuguesa no Brasil e em Portugal, reconhecendo sensiveis diferenqas principalmente na pron6ncia e no vocabulhrio (cf. BolCo, 1961 e Silva Neto, 1963, apud Cunha 1975:26). H i posiq6es mais radicais que defendem a existencia de duas linguas diferentes (Ribeiro, 1933, apud Tarallo, 1994:87), mas tal discuss50 s6 poderh ser fundamentada a partir de estudos mais sistemhticos, ntio apenas sobre aspectos fonCtico-fonol6gicos e lexicais, como fazia at6 ent5o a dialectologia, mas pel0 aprofundamento maior sobre diferenqas morfossinthticas. Nesse momento, dois aspectos despertam interesse. 0 primeiro, mais geral, diz respeito ao fato de alguns autores (Teyssier, 1990) defenderem que as diferenqas ditas "dialetais" s8o mais s6cio-culturais, mais precisamente determinadas pela escolarizaq20, do que geograficas, pel0 menos levando-se em conta as diferenqas entre regi6es brasileiras. Portanto, transplantando tal posiq8o para espaqos territoriais mais distantes (Brasil x Portugal x Moqambique), poder-se-ia pressupor que ntio se encontrariam diferenqas gramaticais significativas em textos escritos de autores representativos da literatura brasileira, portuguesa e africana de express20 portuguesa (mais precisamente moqambicana), porque estariam baseados na norma padrtio culta. 0 outro ponto, mais especifico, seria o fato de diversos autores constatarem uma diferenqa de emprego de pronomes e fonnas de tratamento da 2" pessoa, ao compararem, pel0 menos, as duas modalidades (brasileira e portuguesa). 0 que se ressalta como diferenqa significativa C o emprego de voci na interlocuqtio. No portugues de Portugal, voci mantCm-se como forma de tratamento, porque C empregado entre interlocutores de faixas ethrias e estatutos identicos, mas que n2o tern intimidade, sendo muito frequente nas relaq6es profissionais (Faraco,

AnSllise em tempo real de longa duraqBo

123

1996:63). No portuguss do Brasil, aparentemente, o emprego como forma de tratamento deu lugar a um emprego pessoal, pois o uso de voc2 no lugar da forma tu tem se generalizado, sendo empregado, portanto, ao contrih-io da variante europCia, como forma de intimidade, como tratamento de igual para igual ou de superior para inferior. Grosso modo, em termos comparativos, pode-se afirmar que, no que se refere ao emprego da forma de tratamento vocg, a variante portuguesa C mais conservadora do que a variante brasileira, j6 que mantCm, pel0 menos, uma caracteristica "arcaizante7' da forma original Vossa Merck, da qua1 se deriva, que C o fato de ser ainda hoje uma forma de tratamento formal n30 intimo. Sobre o uso de a gente como variante de nds [+especifico] n30 se tem conhecimento de estudos realizados com dados do portuguss europeu, embora o tema venha sendo trabalho sob vertentes regionais (Monteiro, 199 1; Rollemberg et alii, 1991; Lopes, 1993; Machado, 1995) e s6cio-culturais (AlbAn et alii, 1986; Omena, 1986; Freitas et alii, 1991) no portuguss brasileiro. 0 s resultados dessas pesquisas indicam que a forma a gente passou a integrar o sistema pronominal em substituiq30 A forma nds, principalmente, mas n5o exclusivamente, entre falantes mais jovens. Com base nessas consideraq6es7formulam-se as seguintes hip6teses: 1.

2.

3. 4.

A diversidade geogr6fica que separa o portuguCs do Brasil, de Portugal e de Moqambique n30 se restringe apenas a diferenqas de pron6ncia ou vocabul6ri0, estabelecendo-se inclusive em termos morfossint6ticos. As diferenqas entre as vertentes europCia, brasileira e moqambicana nlo seriam tlo evidentes em um corpus constituido por textos escritos em funq5o da ado950 da norma padr5o entre os autores em geral; 0 emprego de formas pronominais e de tratamento no portuguCs europeu C mais conservador do que no portuguCs brasileiro; A vertente moqambicana do portuguQ apresenta mais semelhanqas com o portuguCs europeu do que com o portuguk brasileiro pel0 fato de 1) Portugal ter efetivamente iniciado o process0 de colonizag50 de Moqambique a partir de 1918, quando, segundo Gonqalves (1996: 16), "o govemo portuguss comeqou a preocupar-se em lanqar um sistema de educaq5o mais s61ido7'; 2) Moqambique ter se mantido como colBnia portuguesa at6 a dCcada de sessenta deste

A inserqiio de a gente no quadro pronominal do portugucs

sCculo; 3) o portuguCs padr5o europeu ser norma de refersncia e a h i c a lingua utilizada nas escolas moqambicanas (Gonqalves, 1996: 17). Observem-se os resultados da subamostra do stculo XX: Freq. NO/Total Grupo: PortuguCs de Moqambique 0441074 59% 69% 0911131 PortuguCs do Brasil PortuguCs de Portugal 18% 0061033 Tabela 4.26. Modalidade diat6pica: substantivo gente x a gente (incluindo variante de nds [+especifico], sujeito indeterminudo ou nds [+genCrico] e interpretacrio amb&ua) no seculo XX. Valor de aplica~lo:a gente nlo-substantivo

Verifica-se que, nesse caso, em termos percentuais, a modalidade brasileira do portuguCs aparece com indices mais elevados que a moqambicana (69% contra 59%) e a europkia (18%). Aparentemente a inserq5o de a gente no sistema pronominal se processa de forma mais acelerada no PortuguCs do Brasil do que no de Portugal. E, contrariando as perspectivas apontadas, a vertente moqambicana esth mais pr6xima da vertente brasileira do que A europCia. A partir dessa anilise em que se verificou 1) maior freqiisncia de uso de a gente pronominal em PB e PA; 2) seleq5o do grupo "modalidade diat6pica9'e 3) seleq5o do fator gCnero (sexo) no stculo XIX, isolaram-se os dados em hnq5o das trCs variedades da lingua: 1) portuguCs de Moqambique; 2) portuguCs de Portugal; 3) portuguCs do Brasil. Como pode ser visto no quadro 4.27., n50 houve coincidCncia completa entre os grupos de fatores selecionados nessas trCs subamostras: PortuguCs do Brasil (PB) PortuguCs de Portugal (PA) (PE) , 1. Gsnero (sexo) 1. GCnero (sexo) 1. GCnero (sexo) 2. Posiq2o no SN 2. Pessoa verbal 2. Tipologia sembtica 3. D~ixislanlfora~'catifora 3. Tipologia sembtica 3. C-modificaq20 4. Funq20 sintatica 4. C-modificaq'io 5. Ti~ologiasem2ntica 5. s6culo ~ u a d r o4.27. Grupos considerados relevantes por ordem de seleqlo PortuguCs de Moqambique

Observa-se que dois grupos foram coincidentes nas trCs subamostras: o gCnero e a tipologia semlntica do sujeito, se referencial, genkrica ou im-

Andlise em tempo real de longa durag5o

125

pessoal/indeterminada. Com relaqiio ao gtnero, aspect0 mais interessante a ser discutido em funqiio de ter sido selecionado em primeiro lugar nas tres amostras, ressalte-se que o mesmo favorecimento para o uso entre as mulheres de a gente pronominal no sCculo XIX C tambCm verificado nos dados relativos ao portugues de Moqambique (75%) e ao portugues do Brasil (74%). No portugues de Portugal, os indices de fieqiiencia aparecem baixos tanto para os homens (12%) quanto para as mulheres (2 1%). Antes da anilise dos resultados das subamostras, 6, contudo, relevante mencionar que, por razaes de natureza histbrico-social, niio houve homogeneidade na organizagiio desses corpora. Em primeiro lugar, h i de se considerar que dados de Moqambique s5o relativos apenas ao sCculo XX, quando o pais, jB independente, passou a adotar o portuguds como lingua oficial. No que se refere ao portuguts do Brasil, os textos escritos no period0 colonial siio praticamente produzidos por portugueses, por isso foram considerados como textos no e niio do Brasil, ou seja, somente entraram nessa rodada, que ora se apresenta, textos realmente escritos por brasileiros, datando do sCculo XVIII. 0 s dados de Portugal, por sua vez, percorrem toda a cronologia proposta (do sCculo XI11 ao XX), apresentando, no entanto, ncmero irrisbrio de ocorrencias de a gente pronominal: apenas 20 exemplos, nos quais se incluem 7 dados de a gente como variante de nds [+especifico]; 12 como interpretagiio ambigua e 1 de sujeito indeteminado ou nds [+genCrico]. Feitas essas consideraqces, ressalte-se que os resultados dessas amostras heterogeneas n5o serso comparados, mas dar-se-5 enfase As rodadas parciais realizadas, tecendo comentirios genCricos sobre cada uma delas. 4.5.2.2.1. A vertente moqambicana: a forma pronominal a gente jh inserida

no sistema Como se apontou, os dados de PA correspondem a textos do sCculo XX. Foram levantadas 74 ocorrdncias: 44 de a gente pronominal (59%) e 30 do substantivo (41%). Uma amostra tiio reduzida permite apontar algumas tenddncias que precisam ser estudadas mais a fundo. Entretanto, ainda que niio seja possivel fazer generalizaqaes, pode-se dizer que, pel0 fato de o process0 de gramaticalizaq20 do substantivo gente ter ganhado forqa a partir do sCculo XIX, a gente aparece nos textos moqambicanos como uma forma pronominal. Com relaqiio aos fatores testados, verificou-se que

126

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portugu6s

a)

b)

as mulheres tendem a usar mais a forma a gente que os homens, pel0 menos as personagens femininas identificadas nas obras liter6rias; a forma pronominal ocorre preferencialmente em contextos referenciais especificos. Observe-se que tal comportamento C determinado principalmente por estarmos analisando reproduqaes de di6logos na escrita, em que o personagem (fQlante) explicita o referente, especificando no discurso as pessoas envolvidas numa detenninada situaqao defala. 0 s exemplos a seguir evidenciam isso:

(169) Tu vai embora, Juza?

Vamos amanh8. E a gente n8o volta mais. Eu hoje fui no doutor Ferreira para escrever isso mesmo no papel. A gamboa fica para vocB. Deixa disso, ela precisa de porrada e logo anda direita. Ta bem, mas a gente vai embora. (Sic. XX, Mendes 1981:143). (1 70) Calhou, mas de ti e que eu gostei. E depois de uma breve pausa, diz num murm6rio: Eu gosto de vote^, assim tanto como o tamanho deste mar. Agora ... a gente vai morrer, os dois. (Sec. XX, Mendes 1981:145).

c)

em termos estruturais, a forma a gente tende a ocorrer isolada no SN (sem ser modificada).

4.5.2.2.2. Vertente portuguesa: gramaticalizaqiio mais lenta Como afirmado anterionnente, os resultados obtidos a partir da subamostra de PE precisam ser analisados numa perspectiva diversa em funqgo de, por um lado, o corpus ser historicamente mais abrangente, j6 que C possivel se localizarem textos escritos desde o sCculo XIII; por outro, h6 apenas 20 exemplos de a gente pronominal, 5% de um total de 407 ocorrencias, contra 387 dados do substantivo gente. Esse n6mero reduzido inviabilizaria an6lises por periodos hist6ricos, pois localizaram-se 01 exemplo de a gente ambiguo no periodo de XI11 a XV, 01 no sCculo XVI, 05 no periodo de XVII-XVIII, 07 no XIX e 06 no XX. Ressalte-se, ainda, que desses 20 dados de a gente, apenas 08 foram realmente considerados como pronome, variante de nds [+especifico] ou [+genCrico], sendo o restante, 12 dados (60%), tido como de interpretaqiio ambigua.

Anhlise em tempo real de longa duraqBo

127

A gramaticalizaqIo de a gente nos textos portugueses: localizaqSo temporal do processo 100

98 I

25

I--

--

-

---

90

1

-

:

10

7

-

' 76

I .

. --.

-

82

-

a

18

i

XIII-xv

XVI +a

Figura 4.28.

XVII-XVIII gente (pron) 4 - g e n t e

XIX

XX

(nome)

A gramaticaliza~iiode a gente nos textos portugueses

Essa discrepgncia com relaqZo ao ncmero de ocorrencias do pronome, no entanto, nZo invalida o que se tem observado at6 agora sobre a marcaq5o cronol6gica do inicio do processo de pronominalizaqZo pel0 fato de a fase hist6rica ter sido selecionada como fator relevante, apresentando resultados semelhantes ao que foi visto na an6lise geral e nas parciais. A figura 4.28. confirma o processo gradativo apontado: Percebe-se que a "quantidade" de dados de a gente pronominal nos textos escritos por portugueses n5o interferiu na anilise qualitativa, uma vez que a configuraqZo ascendente do traqo que marca a entrada de a gente C idCntica ao que foi observado com todos os dados reunidos. Entretanto, esse ncmero reduzido em PE, ao con&6rio do que se ve em PA e PB, pode sugerir que, embora a gramaticalizaqso tenha se iniciado na mesma fase histbrica, h6 uma diferenqa de intensificaqZo desse emprego pronominalizado em relaqzo &sdistintas origens nacionais dos autores. Verifica-se que, nos textos escritos por portugueses, o emprego da nova forma pronominal (a gente) C menos significative, ou menos intenso que nos textos de autores das outras localidades. A fase hist6rica parece ser um fator mais poderoso do que a origem do autor do texto analisado, mas percebemse comportamentos lingiiisticos distintos em fun930 dessa varihvel: textos portugueses apresentando um comportamento mais conservador em termos da im-

A inserqso de a gente no quadro pronominal do portuguCs

128

plementaqso da mudanqa e textos brasileiros e moqambicanos tendo um comportamento mais inovador no que se refere i freqiihcia de uso da nova forma pronominal. Com relaq5o aos outros grupos selecionados, observem-se os seguintes aspectos: a)

b) c) d)

e)

h6 maior favorecimento para o uso pronominal entre os personagens do sex0 masculine, o que destoa dos resultados das outras subamostras que indicam favorecimento da forma nova entre as mulheres; maior tendencia ao uso de a gente com formas na terceira pessoa do singular; maior tendcncia ao emprego de a gente pronominal em sujeitos genkricos; confirmando-se o que se observou nas anblises anteriores, a forma pronominal tende a ocorrer isolada no SN sem ser modificada por nenhum elemento intemo; com relaq5o ao skculo, verifica-se que o uso de a gente C gradualmente intensificado a partir dos stculos XVII-XVIII.

4.5.2.2.3. A vertente brasileira: gramaticalizaqiio mais acelerada Ao contrbrio do que se verificou na anhlise dos dados do portuguCs europeu, os indices de freqiisncia, no portuguCs do Brasil, s5o significativamente altos para a forma pronominal a gente, indicando que a vertente brasileira apresenta comportamento mais inovador que a vertente europkia, pelo menos no que se refere ao emprego da nova forma gramaticalizada. A polarizaq50 entre os fatores fica nitidamente delineada, evidenciando contextos especificos para o uso pronominal que se op6em aos contextos tipicos do emprego do substantivo. Nessa rodada, como nas outras apresentadas aqui, em que se incluem na variante pronominal os dados ambiguos e os sujeitos indeterminados ou (variante de n6s [+genkricou, foram identificadas 363 ocorrCncias, sendo 210 (58%) do substantivo gente e 153 (42%)da forma a gente pronominal. Ressalte-se que os dados concementes ao portuguCs brasileiro est5o localizados no period0 de XVIII a XX. Antes disso, ou seja, nos skculos XVI e XVII, foram identificados 70 ocorrencias: 65 (93%) de gente e 5 (7%) casos ambiguos, que foram excluidos dessa rodada por fazerem parte de textos escritos no Brasil por portugueses e n5o por brasileiros.

Anllise em tempo real de longa duraqgo

129

Em sintese, podem-se destacar algumas tendencias quanto A vertente brasileira identificada a partir de textos escritos. a)

b)

As personagens femininas aparecem, tambCm nessa subamostra, empregando a gente, forma inovadora, corn altos indices em termos de fieqiiencia (74%). A forma a gente, como um pronome pessoal, tende a ocorrer ou como n6cleo isolado no SN, ou como n6cleo de uma locuq5o adjetiva, assumindo posiq6es menos livres.

Observem-se alguns exemplos desse 6ltimo caso: (171) muito amigos da gente, enquanto precisam de n6s, s6 enquanto precisam, mas depois - adeus, hein! (Stc. XIX, Caminha 1895:25). (1 72) E o pior t que andam estragando a vida da gente (Stc. XX, Borba Filho 1972:20). c) d)

e)

Por passar a incluir o falante, em termos de concepqZo semZintica, ha maior probalidade do uso deitico que anafbrico ou catafbrico. Por passar a constituir o leque de pronomes pessoais retos, em substituiq50 A forma rids, a gente passa a ser utilizado com maior freqiiencia como n6cleo do sujeito. Como ja se verificou quanto A posiqzo no SN, pode-se dizer que, ao contririo do nome, a forma pronominal passa a ocorrer tanto em posiq6es gramaticais mais fixas quanto em determinadas hnq6es sintaticas, ao passo que o substantivo C sintaticamente mais livre para ocorrer em posiq6es e funq6es mais variadas. Pelo seu carater indeterminador, h i maior tendencia a se empregar a gente como uma forma impessoallindeterminada.

An6lise lingiiistica e social de n6s e a gente

131

5. ANALISE LINGU~STICAE SOCIAL DE N& E A GENTE: TEMPO REAL DE CURTA D U R A C ~ O Para a anilise geral dos fatores estruturais e sociais em tempo real de curta duraq50, foram realizadas preferencialmente rodadas binirias, opondo a forma a gente ao pronome nds com a seguinte distribuiq50: 3

a a 3

Todos os dados de fala do sCculo XX reunidos. Todos os dados de fala do sCculo XX do portugues europeu. Todos os dados de fala do sCculo XX do portugues brasileiro. Dados da dCcada de 70 (PB). Dados da amostra de recontato, dCcada de 90 (PB). Dados da nova amostra, dCcada de 90 (PB).

0 s resultados da rodada geral baseiam-se nos dados de a gente (388 ocorrencias) x nds (377 ocorrencias), localizados em um corpus de fala do portugues europeu e portugues brasileiro no sCculo XX. Na amostra geral de PB, foram localizados 668 dados, 376 de a gente (56% do total) contra 292 (44%) de nds. Na amostra relativa ao portugues de Portugal, identificaram-se apenas 76 ocorrencias, sendo 12 (16%) de a gente e 64 (84%) de nds. 0 s resultados referentes A fala culta em Portugal ficaram prejudicados por dispormos apenas das entrevistas transcritas no volume do PortuguEs Fundamental, em que se encontram poucos inqukritos de informantes com nivel superior e de pessoas do sexo feminino, dificultando o nosso trabalho em termos de uma distribuiq50 equilibrada das entrevistas, o que nZo ocorre em PB em fUnqZo da riqueza e da disponibilidade do corpus do Projeto NURC. 0 quadro a seguir apresenta e confronts os ambientes considerados mais favorhveis ao uso de (a) gente na rodada geral e nas rodadas exclusivas de cada modalidade (brasileira e portuguesa):

132

A inserqiio d e a gente no quadro pronominal d o portuguCs

Todos os dados (PE + PB) PB PE 1 . Paralelismo corn P4 1. Paralelismo corn P4 1. Paralelismo com P4 2. Tempo verbal 2. Tempo verbal 2. SaliCncia f6nica 3. DCcada 3. DCcada 4. Tipologia semlntica do sujeito 4. Tipol. semlntica do sujeito 5. Sexolfaixa-etbria 5. Salitncia finica 6. SaliCncia f6nica 6. Sexolfaixa-etbria 7. Modalidade diat6pica I Quadro 5.1. Grupos de fatores selecionados na rodada geral, subamostra de PB e subamostra de PE

1

I

I

Pelo predominio de dados relativos ao portuguCs do Brasil, houve uma coincidCncia quase total entre os grupos de fatores selecionados na rodada geral e em PB. 0 6nico grupo presente na amostra geral e ausente na amostra relativa ao portuguCs do Brasil foi justamente modalidade diatdpica. Interessante observar que j i na anilise da variaqHo entre o uso substantivo e pronominal de a gente em tempo real de longa duraqHo, com base em textos escritos, verificou-se que a vertente brasileira apresentava um comportamento mais inovador que a vertente europkia com relaq5o ao uso pronominal de a gente. Concluiu-se que o processo de gramaticalizaq50 de a gente no portuguCs do Brasil estb em um estigio mais avanqado de implementaqHo se comparado ao do portuguCs europeu. Com base no corpus de lingua oral, os resultados n5o foram diferentes. A modalidade diatbpica, selecionada na rodada geral, ratifica tal postulado. 0 s resultados indicam que a substituiqHo de nds por a gente encontra-se, realmente, num estitgio mais acelerado no portuguCs do Brasil (56%, .55) do que no portuguCs de Portugal (12%, .22), pel0 menos entre informantes considerados cultos. E necessirio ressaltar que, na descriqgo dos fatores, se d i prioridade aos resultados mais elucidativos da an5lise em tempo real de curta duraqHo de acordo com o que $ preconizado por Labov (1994), comparando-se a relevincia de cada fator nas 3 amostras: dkcada de 70, informantes recontatados em 90 e novos informantes em 90. Pretende-se, com tal confionto, testar a "hip6tese da taxa constante" (Constant Rate Hypothesis) defendida por Kroch (1989, 1994), que prevC que, em um processo de mudanqa, uma forma inovadora aparece em todos os contextos ao mesmo tempo e progride a uma "taxa constante" em termos probabilisticos, implementando-se mais rapidamente nos contextos lingiiisticos mais favorbveis. A Cnfase na curta duraqHo se deve, tambkm, ao fato de a variaqHo de nds e a gente j B ter sido exaustivamente estudada dentro da perspectiva da Sociolingiiis-

Anilise lingiiistica e social de n6s e a gente

133

tica Quantitativa Laboviana (cf. Omena, 1986; Albin et alii, 1986; Monteiro, 1991; Cunha, 1993; Lopes, 1993; Machado, 1995). Outro aspect0 evidenciado no quadro C que, do mesmo mod0 que o period0 hist6rico mostrou-se relevante na anilise de a gente em tempo real de longa duraqgo, as dCcadas de 70 e 90, controladas na curta duraqzo, foram selecionadas na rodada geral e na amostra relativa a PB. Na amostra relativa Q dCcada de 70, identificaram-se 252 ocorrencias, sendo 105 (42%) de a gente e 147 (58%) de nds. Na amostra da dCcada de 90, com os rnesmos informantes recontactados, dos 197 dados levantados, 106 (54%) foram de a gente e 91 (46%) de nds. A inversgo dos percentuais em relaqgo A dCcada de 70 mostra que a forma inovadora (a gente) suplanta a forma conservadora (126s)entre os mesmos informantes, evidenciando que o uso de a gente se torna mais frequente de uma dCcada para outra. Percebe-se, alCm disso, urn aumento significative dos percentuais de frequencia e pesos relativos entre uma dCcada e outra (de 42% e .15 em 70 para 54% e .61 em 90) no que se refere ao uso da forma a gente. 0 s resultados da nova amostra referente Q dCcada de 90 com informantes diferentes sugerem uma aceleraqZio da substituig20 de nds por a gente nos cltimos vinte anos, pois levantaramse 2 19 ocorrhcias, sendo 165 (75% e . 83) de a gente, contra apenas 54 (25%) tle nds. A figura 5.2. e a tabela 5.3. ilustram tal distribuiqZo: Uso de nds x a gente nas diferentes amostras do PB 75

I

Geral

I

Dtcada 70

I

DCcada 90 recontato

Nova amostra

Subamostras Figura 5.2.

Uso de nds e a gente nas diferentes amostras de PB

A inserqBo de a gente n o quadro pronominal d o portugues

134

NO/Total Freq. DCcada DCcada de 70 1051252 42% 1061197 54% Recontato (dtcada de 90) 75% Nova amostra (dtcada de 90) 1651219 Tabela 5.3. DCcada: dados do PB. Valor de aplicaqgo: a gente

Peso Relativo .15 .6 1 .83

Aparentemente, a substituiq50 de nds por a gente se estB efetivando progressivamente. Verifica-se que os mesmos falantes, 20 anos depois, continuam implementando tal alteraq50, pois, como pode ser visto na tabela 5.3., os indices passam a ser cada vez mais altos para a gente. Tal comportamento dos falantes recontactados parece estar de acordo com o comportamento lingiiistico da geraq5o de 90, uma vez que, nos resultados da nova amostra, os indices s5o significativamente elevados para a forma n5o-padr5o a gente: 75%, .83. Figura 5.4.

Uso de a gente nas t r b amostras de PB U s o d e a g e n t e n a s tr&ss u b a m o s t r a s d o P B

Nova amostra V1

V)

o

DCcada 90 recontato

a gente

d

Dtcada 70 0

30

P.R.

60

90

5.1. Fatores lingiiisticos e extralingiiisticos 0 quadro 5.5. evidencia que, embora a ordem de seleq5o dos grupos de fatores n50 seja a mesma nos dois periodos distintos de tempo, os ambientes favorecedores ao uso de a gente s5o praticamente idCnticos nas trCs amostras:

Anhlise lingiiistica e social de nbs e a gente DCcada de 70

1. Paralelismo com P4 2. SaliCncia Gnica 3. Sexolfaixa etiria 4.

Recontato em 90

1.

2. 3.

Tipologia semhtica do 4. sujeito

Paralelismo com P4

Nova amostra de 90

1. Tempo verbal 2. Tipologia semhtica do 3.

sujeito Sexolfaixa ethria

135

4.

Paralelismo com P4 Tempo verbal Sexo-faixa ethia Tipologia semhtica do sujeito SaliCncia f6nica

5. Quadro 5.5. Grupos de fatores selecionados nas amostras de PB (dbcada de 70, recontat0 em 90 e nova amostra).

Para confirmar, ou n30, o postulado de Kroch (1994), apresenta-se a an6lise dos fatores relevantes, lingiiisticos e sociais.

5.1.1. Paralelismo com P4 Por nosso corpus ser constituido apenas de entrevistas de falantes cultos, niio houve, em nossos dados, ocorrencias de a gente com verbo na primeira pessoa do plural (P4). Entretanto, procurou-se controlar a presenqa, ou niio, do pronome nbs, da forma verbal em P4 ou de um pronome possessivo na vizinhanqa de a gente, que permitisse a interpretaqiio "inclua o falante", ou melhor, que licenciasse tal interpretaq3o.Observem-se os fatores postulados: a)

Presenqa de P4:

(173) A gente fomos, a gente vamos. (n8o houve dados em nosso corpus) (P4 no mesmo periodo). tem condiq8es de assinar uma plan(1 74) E sai no nosso diploma que a ta (NURC-RJ, AC. 01, H1)(P4 presente no pronome). (175)' a gente sabe, se o senhor for a falar e que peqa uma caralhota e que n8o diga a caralhota e que diga outra coisa qualquer e que seja por engano, nds sabemos (PE, inq. 248, M3) (P4 no periodo posterior). -

b)

Ausi5ncia de P4 (176) para para viajar, tem que pedir autorizaq80 do pai para averbar os filhos no passaporte, inclusivamente chegava-se ao apuro de ter que pedir autorizaqiio, se fosse necesshrio uma operaqiio ou qualquer coisa para que a crianqa fosse operada... isso... C, 6 uma tristeza, e a gente, a gente, n8o C n30 faz idCia do que se passa (PE, inq. 053, MI)). -7--

136

A inserqBo de a gente no quadro pronominal do portugu&s

Na verdade, apesar de esse grupo ter sido selecionado sistematicamente, ha de se lembrar que se trata de um grupo de controle, uma vez que parece 6bvio supor que a presenqa de traqos formais de P4 sergo mais fieqiientes com o pronome nds que com a forma a gente, como pode ser visto na tabela abaixo. 0 que interessa evidenciar aqui C que, mesmo n5o apresentando concordfincia verbal com P4, entre os falantes cultos a forma a gente ocorre em paralelismo com marcas formais de P4, evidenciando que a sua estrutura conceptual pressup8e a inclus5o do falante, ou o traqo semfintico [+EU]. Apesar de a gente n50 ter alterado o traqo formal do substantivo [aeu], a interpretaqgo semfintica [+EU] pode ser identificada no context0 discursivo e sintitico. DCcada 70 Recontato 90 DCcada 90 (AC) Grupo: NO/T % P.R. NO/T % P.R. N0/T % P.R. 07 Presenqa de P4 0101142 .17 0191087 22 .19 0281076 37 .07 AusCncia de P4 0951110 86 .76 1181124 95 .83 .89 0871109 80 Tabela 5.6. Paralelismo com P4 em tempo real de curta duraqlo. Valor de aplicaqHo: a gente

Observam-se, na tabela 5.6., indices de fiequencia e pesos relativos consideravelmente altos para ausCncia de P4 na vizinhanqa sintitica de a gente (86%, .89 na dCcada de 70; 80%, .76 na amostra recontato; 95%, .83 na nova amostra de 90). E interessante analisar que, embora os valores de frequencia e peso relativo estejam abaixo da mCdia para a presenqa dos traqos formais de P4 com a gente em todas as amostras, percebe-se um gradativo aumento percentual ao se comparar o comportamento linguistic0 dos mesmos informantes nas duas dCcadas controladas (70 e 90). Na tabela 5.6., v5-se que os valores de presenqa de P4 com a gente passam de 7% em 70 para 22% em 90. Ressalte-se que, embora haja uma acentuada diferenqa entre os percentuais de frequencia de uma dCcada para outra, os pesos relativos calculados pel0 VARBRUL sgo similares, confirmando a hip6tese da "taxa constante" de Kroch (1989:6). 0 autor afirma que, embora a taxa de uso das opq8es em competiq20 sejam geralmente diferentes nos contextos em cada period0 de tempo, a taxa da mudanqa seri constante. Na nova amostra relativa dCcada de 90 com outros informantes, os indices atingem o patamar dos 37%. Tal acrCscimo progressivo visualizado no grhfico a seguir pode sugerir que a interpretaqgo semhntica [+EU] esti cada vez mais presente em termos formais, mesmo entre falantes cultos que n2o costumam estabelecer a concordfincia de a gente com P4. Isso ocorre, principalmente, em estrutu-

Anhlise lingiiistica e social de nds e a gente

137

ras paralelas. 0 falante inicia um enunciado com a gente e encadeia uma sCrie de estruturas com a presenqa de P4, seja no verbo, seja em formas pronominais correlatas. Observem-se esses exemplos extraidos de entrevistas e reportagens de jomais: (177) 0 objetivo era preparar tudo para a chegada da Regina. A gente trabalhou A beqa e pesquisamos um monte de coisa. Para parecer que tudo foi feito de improviso, conta Alberto. (Jornal do Brasil, 19/08/97) (178) Maria Bartolomeu Silva (dona-de-casa): Nunca vi a cidade tZo desorganizada como agora. A gente nZo se sente seguro nas mas. Mesmo sabendo que refiescaria um pouco, torcemos para nZo chover, porque temos medo que as hguas inundem a cidade. Resultado: morremos de calor ... (Revista de Domingo do Jornal do Brasil, 08/02/98) Presenqa de P 4 na vizinhanqa sinthtica d e a gente

D k c a d a 70

DCcada 9 0 recontato

Nova amostra

Figura 5.7. Presenca de P4 na vizinhanqa de a gente

5.1.2. Tipologia semsntica do sujeito Ao se analisar o uso do substantivo homem como pronome indefinido no portugues arcaico, verificou-se que esse emprego esth diretamente relacionado com a perda da referencia do nome substantivo que, ao ser utilizado como pronome, assume um acepqso indeterminada. Em um esthgio intermedihrio do process0 gradual de perda de especificidade, o item assumiu um cariter genCrico antes de atingir o grau mhximo de indeterminaqzo. Na anhlise da cronologia de a gente em tempo real de longa dura~go,observou-se tambCm maior tendencia ao emprego de a gente pronominal como sujeito generic0 que como sujeito especifico.

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portugues

138

Pode parecer contraditbrio afirmar que uma forma como a gente sofreu um processo de impessoalizaq50/indeterminaq50, mas tornou-se uma variante do pronome pessoal nds, ao ocorrer em estruturas do tipo: (179) por isso, vamos conversar. Entre em contato com a gente, para nos contar o que aconteceu. Queremos saber os motivos que levaram a essa decisgo. (extraido de uma carta comercial da Diretoria da Editora Globo, maiol1998)

Na verdade, postula-se que a gente resultou do seguinte processo: gente [nome gen6ricol + a gente [pronome indefinido] + a gente [substituto virtual do pronome pessoal nds], porque a forma plural nds permite leituras interpretativas diversas que v5o desde uma determinaqzo precisa, como eu + vock ou eu + ele, atk um grau miximo de indeterminaq50 e generalidade: eu + todo mundo ou eu + qualquer urn. Em termos comparativos, os diversos estudos sincrdnicos (Omena, 1986; Monteiro, 1991; Lopes, 1993)jh demonstraram que ha a diferenciaqgo no emprego de nds e a gente em relag30 a um uso mais restrito ou mais genkrico. 0 falante utiliza preferencialmente o pronome nds para se referir a ele mesmo e mais o interlocutor (n20-eu), ou a n20-pessoa: referente [+perceptive11 e [+determinado]. No momento em que o falante amplia a referCncia, indeterminando-a, ha maior favorecimento para a forma a gente (Lopes, 1993:130).

Como se vC, n5o hh novidade em afirrnar que a forma a gente assume um carhter mais genkrico e indeterminado se comparada ao pronome nds. Entretanto, procura-se observar, nesta anilise em tempo real de curta duraq50, se essa generalidade assumida se torna t5o abrangente que tal express50 ji pode ser considerada indeterminada, impessoal. Postulou-se, pois, o grupo tipologia semiintica, j i testado nas duas outras anhlises - uso de homem como indefinido no portuguCs arcaico e cronologia de gente +a gente - para descrever o atual esthgio da mudanqa. No corpus de lingua falada, subdividiu-se a tipologia semantics do sujeito, considerando-se como a)

referente especifico: quando o referente era explicit0 ou determinado pel0 falante ou quando o falante faz aluszo a uma situaqgo vivida por ele e por outras pessoas que n5o foram especificadas no

Anhlise lingiiistica e social de n6s e a gente

139

discurso, mas hh indicios no context0 (tempo verbal, circunstanciadores temporais e espaciais, etc.) que especificam a referencia. minha mle e meu pai tinham carro, ent5o a gente se deslocava pro

clube (NURC-RJ, AC. 02, Hl). Eu vivia, eu e a Paula, a gente ficava (NURC-RJ, AC. 03, MI). nds, fui eu e meu marido, esperhvamos (NURC-RJ, AC. 20, M2). nesse ponto 15 em casa, a gente C muito cuidadoso (NURC-RJ, AC. 14, H2). nds somos cinco... a despesa C grande (NURC-RJ, AC. 14, H2). nds vamos 18 em Niter6i comprar peixe (NURC-RJ, AC. 14, H2).

referente genkrico: quando o referente abrange o emissor, o receptor (nzo-eu), e outras pessoas (n5o-pessoa), correspondendo a eu+ voce^(s)+ele(s)/ela(s). 0 referente torna-se genkrico no momento em que a entidade fisica deixa de ser individualmente especificada, referindo-se a toda uma classe. pessoas de mais idade, porque a gente se sente muito insegura (NURC-RJ, inq. 140, M3) [a gente = o grupo de pessoas de mais idade]. vocd vC a gente na Faculdade de Letras (NURC-RJ, inq. 11, M2). [a gente = a categoria de estudantes da Faculdade de Letras]. a gente ...aprendia a projetar uma viga ... (NURC-RJ, AC. 01, HI). [a gente = o conjunto de pessoas que fazem o curso de engenharia]. sai no nosso diploma que a gente tem condiq6es... (NURC-RJ, AC. 01, H1) [idem] leitura impessoal: quando a referencia genkrica atinge um grau

maior de indeterminaqgo e a forma a gente pode ser facilmente substituida por construq8es com o clitico "-se-". Ressalte-se que nem sempre k fhcil determinar com precis50 a diferenqa entre genCrico e impessoal. A distinq50, que se tentou determinar, diz respeito ao fato de, nos casos ditos genkricos, existir ainda um car6ter referencial por haver, mesmo que implicitamente, uma categoria ou grupo de pessoas. Nos exemplos acima hh o grupo dos idosos, dos estudantes, dos engenheiros, etc. Considerou-se como

A inserqiio de a gente no quadro pronominal do portuguCs

irnpessoal quando era possivel pressupor "indeterminag20 completawnos termos de Cunha (1 993).

(190) eu acho que... n8o... a gente n80, n8o... devia discriminar tanto as favelas (NURC-RJ, inq. 18, H3) [nfio se devia . .I. (19 1) como a gente v&no Uruguai (NURC-RJ, AR. 133, M2) [corno se v&. .I. (192) essas besteirinhas que a gente come (NURC-RJ, AC. 14, H2) [que se come]

Observem-se os resultados na tabela 5.8. Na analise dos resultados, verificam-se altos indices percentuais e de peso relativo para o emprego genkrico e impessoal de a gente e baixos indices para o emprego como referzncia especifica. Interessante observar que, comparando a tabela da dCcada de 70 com a dos informantes recontactados na dkcada de 90, verifica-se um progressivo acrCscimo das freqiiencias, taxas de uso (Kroch, 1989), no que se refere ao emprego de a gente com valor generic0 e impessoal/indeterminado. De 70 para 90, ve-se que a acepq30 impessoal de a gente aumenta de 76% para 96'36, e o emprego genCrico de 55% para 71%. Tais indices podem sugerir que o uso de a gente impessoal esti se firmando como o mais geral, enquanto i fonna nds caberia um uso referencial mais especifico. 0 s resultados da nova amostra referente i dCcada de 90 confirmam tal postulag30, pois o uso de impessoallindeterminado foi categ6rico para a gente.

Tabela 5.8.

Tipologia semlntica em tempo real de curta duraq?io

Aparentemente, configura-se de forma acelerada, nesse fim de skculo, pel0 menos no PB, um emprego funcional especifico para as formas nds e a gente, como ocorre nos processos de gramaticalizag20. A forma conservadora mantendo seu 0 s valores dos pesos relativos n%oforam indicados porque, como os indices de fieqiigncia s%ocategbricos, n%oh i como rodar o programa computacional que s6 processa regras variheis. Indicaram-se, entretanto, na tabela, as freqiiencias para que se pudesse comparar a mudanqa de comportamento linguistic0 entre uma dCcada e outra.

Anhlise lingiiistica e social de nds e a gente

141

uso em contextos de referencia especifica, enquanto a forma inovadora se vai tomando cada vez mais genkrica, impessoal e difbsa.

0 principio da saliCncia Gnica introduzido por Naro & Lemle (1977) e testado em diversos trabalhos variacionistas (Femandes & Gorski, 1986; Omena, 1986; Scherre, 1988; Lopes, 1993, entre outros) consiste, basicamente, no seguinte: Entre duas formas niveladas, que se opBem, C mais provhvel a manutenqlo dessa oposiqlo quando existe, entre elas, uma diferenciaqgo Gnica acentuada. Caso contrhrio, ou seja, quando for menor essa distinqlo, hit uma tendencia de se neutralizar a oposiqlo e prevalecer o uso de apenas uma das formas. (Lopes, 199357) 0 s trabalhos que analisaram a variaqtio entre nds e a gente costumam basear-se no quadro descritivo proposto inicialmente por Fernandes & Gorski (1986), fazendo algumas adaptaqaes da escala gradual preliminannente apresentada e discutida em Naro & Lemle (1977). A escala, ora apresentada, C subdividida em v&os niveis de diferenciaq30 6nica, entre P3 que se combina A forma a gente e P4 que estabelece concordincia com o pronome nds. Leva-se em conta, no nivel 1, um grau minimo de diferenqa fdnica que C estabelecida pel0 simples acrkscimo da desinencia verbal -mos, sendo a silaba tdnica a mesma em ambas as formas. TCm-se, nesse nivel, basicamente formas do pretkrito imperfeito. Conforme se aumentam os niveis, aumenta-se a diferenciaq50 entre P3 e P4. No nivel 2 n5o h i coincidencia entre a silaba t6nica das duas formas: a vogal temhtica k acentuada em P4,mas em P3 o acento recai no radical do verbo (formas do presente e alguns casos do pretkrito perfeito). 0 nivel3 j i engloba os casos dos monossilabos tbnicos ou oxitonos no singular, que ao receberem a desinencia -mos, passam a paroxitonos: presente do indicativo. No nivel 4, com o acrkscimo da desinCncia -mos, a vogal da 3" pessoa do singular desaparece no plural (pretkrito perfeito e em algumas formas do presente). 0 nivel 5 apresenta a maior saliencia, pois ha grandes diferenqas fonol6gicas entre P3 e P4. 0 s niveis 6 e 7, propostos por Omena (1986), n3o correspondem ao grau miximo de saliCncia, mas, ao contr&o, tCm os menores niveis de diferenciaqtio fbnica entre P3 e P4. 0 nivel 6 corresponde As formas do infinitivo (acrkscimo

A inserg80 de a gente no quadro pronominal d o portuguCs

142

da desinkncia -mos). No nivel7 tem-se a mesma forma para ambas Qspessoas: 6 o caso do genindio. Niveis 1 2

Exemplos

3

I

5

I

6 7

falavdfalhvamos faldfalamos trouxe/trouxemos disseldissemos soubelsoubemos estyestamos temltemos comedcomemos partidpartimos vailvamos foilfomos falou/falamos klsomos cantarlcantarrnos cantando

Quadro 5.9. Niveis d a salicncia f6nica

Omena (1986) e Lopes (1993) demonstram que a forma a gente C utilizada preferencialmente corn as formas verbais que apresentam menor grau de salikncia f6nica: silo os niveis mais baixos (nivel 1, basicamente do preterit0 imperfeito e niveis 2 e 3, do presente do indicativo). Realidade oposta ocorre com o pronome nds: quanto maior a diferenciagilo f6nica entre P3 e P4, maior a probabilidade do uso de nds: niveis mais altos da escala em que se concentra o pretCrito perfeito (4 e 5). Quanto ao genhdio (nivel 7) e infinitivo (nivel 6) verifica-se favorecimento para a gente. V$se uma relaqiio entre o principio da saliencia e o tempo verbal, inicialmente apontada por Fernandes & Gorski (1986), pois, pel0 fato de o presente e o preterit0 terem a mesma forma na 1" pessoa do plural, a desinkncia -mos tem sido cada vez mais utilizada pel0 falante para marcar o tempo preterito. Dai a maior utilizaqilo de nds nesse tempo, empregando-se a forma a gente no presente do indicativo para estabelecer uma oposigilo antes neutralizada pela falta de marcas formais entre os dois tempos. Como p6de ser visto nos quadros 5.1. e 5.5., o principio da saliencia fbnica mostrou-se fator relevante na explicaq5o do fenbmeno de substituiqiio de nds por a gente na anhlise geral corn todos os dados reunidos, tanto na amostra relativa Q dCcada de 70, quanto na amostra complementar realizada na dCcada de 90. A

Anilise lingiiistica e social de n6s e a gente

143

tabela 5.10. apresenta apenas os resultados das trCs amostras em tempo real de curta dura~a"o:

Tabela 5.10. SaliCncia f6nica em tempo real de curta dura~rio.Valor de aplicaqfo: a gente

Mesmo apresentando algumas discrephcias, confirma-se, no geral, a hip6tese inicial, pois, nos niveis de menor diferenciagiio finica (1 e 2), a forma a gente tende a ocorrer mais. 0 nivel 5, em que hii maior saliCncia finica entre as formas de P3 e P4, desfavorece a aplicaq8o da regra. Na comparaq80 das amostras, v&se que, se for analisado o comportamento dos mesmos individuos (decada de 70 e recontato), as f?eqiiCncias/pesos relativos apresentam valores aproximados (individuo mantCm o seu comportamento), com um ligeiro acrescimo, em todos os niveis, na amostra recontato. Interessante observar que os valores tornam-se ainda maiores na amostra com individuos diferentes (nova amostra 90) com freqii8ncias ainda mais altas nos trCs primeiros niveis. Isso talvez tenha ocorrido pelo fato de a gente estar se tornando cada vez mais usual, e os espaqos hncionais se tornem cada vez mais restritos, uma vez que os primeiros niveis referem-se ao preterit0 imperfeito e presente do indicativo e nos niveis 4 e 5 prevalece o preterit0 perfeito.

'

Indicam-se os pesos relativos do nivel 1 para facilitar a comparaqb entre as tres amostras uma vez que a saliencia Enica n50 foi selecionada na amostra do recontato 90.

144

A inser~gode a gente no quadro pronominal do portuguCs

Ressaltam-se ainda dois aspectos. Apesar do nGmero irris6rio de dados, notase que o genindio, categ6rico para a gente nos resultados de Omena (1986) com base em falantes semi-escolarizados, aparece, agora na dCcada de 90, entre falantes cultos corn 100% de uso para a forma inovadora. 0 infinitivo, controlado pel0 nivel 6, que ocorre na amostra geral com favorecimento para a gente, firma-se como uso categ6rico na dCcada de 90. A analise do tempo verbal, fator selecionado com reconencia nas diversas amostras, pode ratificar tais correla~ 6 e discutidas. s

5.1.4. Tempo verbal Nos diversos estudos sincr6nicos sobre a variaqzo entre nds e a gente, seja com amostras de fala de informantes cultos (Monteiro, 1991; Lopes, 1993) seja com amostras de falantes pouco escolarizados (cf. Omena, 1986; Fernandes & Gorski, 1986; Machado, 1995, etc.), o grupo tempo verbal C sistematicamente considerado relevante. Omena (1986) concluiu que o uso de a gente com o genindio C categ6rico e que o preterit0 imperfeito, o presente e as formas nominais tambCm favoreceriam o emprego dessa forma inovadora, enquanto o futuro e o preterit0 perfeito favoreceriam a presenqa da forma conservadora nbs. Fernandes & Gorski (1986) apontaram que a desinCncia n6mero pessoal -mos vem adquirindo a hnq5o de morfema pretkrito, em oposi~goao zero no tempo presente. Lopes (1993), corn base na amostra NURC, chega a conclus6es semelhantes ao que foi apontado nos dois trabalhos anteriores, que analisavam falantes corn menor grau de escolaridade. Ressalte-se ainda que, na anhlise da cronologia de gente + a gente em tempo real de longa duraq50, houve tambCm a seleq5o do tempo verbal nas subamostras relativas ao seculo XIX e nas referentes ao PB com resultados similares ao que se viu nos diferentes trabalhos sincr6nicos. As tabelas abaixo confirmam esses pressupostos.

Anilise lingiiistica e social de nbs e a gente

145

Tabela 5.11. Tempo verbal em tempo real de curta duraqlo. Valor de aplicaqlo: a gente

0 s resultados dessa tabela confirmam o que j i se havia discutido no item salisncia f6nica. Embora n5o haja discrepkcia nos pesos relativos, as fi-eqiiCncias mais altas para o uso de a gente ocorreram, como apontavam os trabalhos anteriores, com os tempos que se caracterizam por uma conotaq50 temporal menos restritiva e mais lata, como o presente do indicativo, o pretCrito imperfeito do indicativo e o infinitivo nos dois periodos de tempo distintos. 0 uso de nds associa-se a tempos verbais "com emprego bem especifico em termos semilntico e limitado a certas construq8es sintiticas"(Lopes, 1993:73), como C o caso do pretCrito perfeito do indicativo.

5.1.5. Sexo e faixa etaria Nos diversos trabalhos variacionistas, o gCnero tem sido fi-eqiientemente observado, apesar de nem sempre apresentar-se como fator relevante quando analisad0 isoladamente. Em Labov (1990), discute-se que, no process0 de variaqgo estivel, as mulheres ngo poderiam simplesmente ser consideradas como conservadoras, mas percebe-se que preferem e utilizam as formas "padr3o" de maior prestigio, evitando formas estigmatizadas. Entretanto, nos processos de mudanqa lingiiistica, ocorreria um fen6meno inverso, pois, nesse caso, as mulheres apresentam-se como inovadoras, introduzindo as variantes "n3o padr50". Deve-se considerar, no entanto, que o comportamento lingiiistico de homens e mulheres Indicam-se os pesos relativos do nivel 1 para facilitar a comparagb entre as trEs amostras, uma vez que o tempo verbal n%ofoi selecionado na amostra da dkcada de 70.

146

A inserq80 de a gente no quadro pronominal do portuguCs

n5o C sempre o mesmo nas diferentes segmentaqBes da sociedade, pois hh de se considerar a "interaq50 entre sexo e outras categorias sociais atravCs de urna anhlise multivariacionista" (Labov, 1990). 0 autor conclui que, nos casos de variaqgo estivel, h i urna diferenqa quantitativa quanto ao comportamento linguistic0 entre os sexos, urna vez que ambos utilizam as formas "n5o-padr509' em escalas diferentes, ou seja, uns mais que os outros. Por outro lado, no tocante Q efetiva mudanqa linguistica, os resultados mostram-se menos regulares, urna vez que n%oh i um meio de predicar, em nenhum caso, se foram os homens ou as mulheres que deram inicio Q mudanqa lingiiistica. No que se refere, particularmente, Q substituiq50 de nds por a gente, diversas pesquisas, com base em dados sincr8nicos de fala, j i mostraram divergencias quanto ao comportamento linguistic0 de homens e mulheres no que diz respeito ao uso da forma variante e da padr%o. Omena (1986:106) demonstrou que, na fala popular, h i urna leve tendencia das mulheres a empregar, mais do que os homens, o sujeito nds explicito, embora haja "indicios de que essa substituiq50 de nds por a gente ,na dCcada de 60, tenha se iniciado pelas mulheres". Quanto Q norma culta, Monteiro (199 I), Oliveira (1989) e Lopes (1993) apresentam urna situaq2o inversa, mostrando que a incidCncia do uso de a gente, entre as mulheres, C maior. Na anilise da cronologia de gente + a gente em tempo real de longa dura$50, verificou-se que o genero foi selecionado em diversas subamostras, apresentando resultados praticamente identicos: maior favorecimento para o uso da nova forma, a gente pronominalizada, entre as personagens femininas, seja no teatro, seja nas obras literhrias. Postulou-se, pois, que foram as mulheres que deram o primeiro passo na introduq50 dessa nova forma. Ressalte-se ainda que, adotando a vis%omultivariacionista discutida por Labov (1990), o genero costuma ser associado Q variivel faixa etiria p e l ~fato de, na maior parte dos estudos sincr8nicos, (Lopes, 1993 e Cunha, 1993), o genero nZo ser selecionado quando C visto isoladamente. 0 grupo sexo-faixa ethria foi sistematicamente selecionado nas diversas subamostras corn exceq20 do corpus exclusivo de PE. Observem-se os principais resultados nas tabelas a seguir:

Anllise lingiiistica e social de nbs e a gente

147

Tabela 5.12. Sexolfaixa ethria em tempo real de curta duraqlo. Valor de aplicaqlo: a gente: M = mulheres; H = homens; Faixa ethria: 1 (de 25 a 35 anos), 2 (de 36 a 55 anos), 3 (de 56 a 70 anos) e 4 (faixa 3 20 anos depois)

Verifica-se que, em todas as amostras apresentadas, as faixas etiuias mais jovens aparecem com os maiores indices de aplicaq3o da regra (us0 de a gente). No estudo de painel e de tendgncias, esses resultados serge retomados com maiores detalhes.

5.2. 0 estudo em tempo aparente No estudo sobre a variaqgo entre nbs e a gente no portuguCs falado culto do Brasil, Lopes (1993) verificou que, corn relag30 exclusivamente ii faixa ethria, a substituiqgo de n6s por a gente parece ser, entre os falantes cultos, um fen6meno de variaqgo e ngo de mudanga lingiiistica, uma vez que os dois grupos mais velhos (faixa ethria 2 e 3) revelaram um alto indice para a forma conservadora (nds). N2o se pode, entretanto, dizer com certeza que a figura a seguir ilustra urn perfeito padr3o curvilineo que caracterize uma variaqgo esthvel, por conta do comportamento muito similar das faixas etirias dos mais velhos. 0 aumento abrupt~no uso da variante inovadora (a gente) pelos mais jovens pode sugerir tambCm uma aparente mudanga lingiiistica em progresso. Labov (199454) discute que 'hem todas as varihveis comportam-se do mesmo jeito por todos os grupos sociais"; por isso C necesshrio que se "examinem esses grupos inovadores separadamente para ter uma visgo clara da principal direg3o e proporqgo do progresso da mudanqa aparente".

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portugucs

148

80

77 -. .....

-

..

..

- .. .. - .. ..I - -

-

-.

-

-

.

.

h 4

5

+a gente

,

I 6

I

I

0

I

I

F1

F3

F2 Faixa etiria

Figura 5.13.

Tempo aparente: uso de a gente no portugucs falado culto do Brasil: (Lopes, 1993)

Por essa raziio, seria interessante fornecer evidzncias em tempo real que decidissem se o fenameno em quest20 caracteriza realmente uma mudanga em progresso. 100

--5-

81

h

-

5 0 -

d

a 0

I

F1

I

F2

F3

Sexo-faixa e t i r ~ a

Figura 5.14.

Uso de a genie no PB em tempo real: estudo de tendcncias

Para Labov, o estudo de tendencias, em que se comparam duas amostras constituidas por individuos diferentes em duas Cpocas distintas, permite observar melhor o comportamento da comunidade.

Anhlise lingiiistica e social de nbs e a gente

149

Adotando-se tal orientaqiio, confrontaram-se os resultados da amostra de 70 com a nova amostra de 90 para verificar quais dos modelos propostos por Labov (1994) melhor caracterizariam o process0 de substituiq%ode nds por a gente. Ressalte-se que a amostra de 70 apresentada aqui n%oC a mesma do estudo de Lopes (1993), que considerou como nds as ocorrCncias de verbo em P4 com sujeito n30 preenchido, mas, mesmo assim, h i uma similaridade tanto no que se refere aos valores nos dois corpora quanto no que se refere ao perfil das curvas de distribuiq%o,como pode ser visto atravCs de confronto das figuras 5.13. com a 5.14. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que foram utilizados os pesos relativos do nivel 1 nessa figura para que fosse possivel estabelecer um confronto de valores do mesmo tip0 nas duas amostras. Embora na nova amostra da dCcada de 90 a faixa etiria tenha sido considerada relevante como fator isolado, na dCcada de 70 tal grupo n%ofoi selecionado; por isso os pesos relativos finais dessa fase n%o est%odisponiveis. Em termos de tempo aparente, a configuraqgo das curvas nos dois periodos apresenta o mesmo tip0 de traqado, o que n%odesfaz a ambigiiidade interpretativa discutida por Lopes (1993). Entretanto, em tempo real, quando as duas dCcadas s%ocomparadas, evidencia-se um crescimento na primeira faixa etiria, embora haja retraqgo nas demais faixas. Esse aumento do peso relativo entre os jovens poderia sugerir uma mudanqa em progresso. A anilise dos resultados que associam sexo ti faixa ethria podergo elucidar melhor essa quest2o.

5.3. Tempo real: estudo de tendCncias Aplicando os modelos interpretativos da mudanqa em progresso propostos por Labov (1994), prop6e-se um estudo de tendhcias que compara o uso de nds e de a gente em duas amostras com individuos diferentes (dCcada de 70 vs. nova amostra ou amostra complementar de 90). Tal confronto evidencia o comportamento da comunidade atravts do tempo. As figuras a seguir apresentam separadamente o comportamento de homens e mulheres distribuidos pelas trCs faixas etirias controladas na amostra NURC. Embora o grupo conjugado faixa etC riafsexo tenha sido considerado relevante nas duas amostras de 70 e 90 com individuos diferentes, indicam-se os pesos relativos no nivel 1, pois houve discrephcia entre os percentuais de freqiikncia e os pesos finais:

150

A inserggo de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Figura 5.15. Estudo de tendcncias do uso de a gente entre os homens nas duas dkcadas no PB

Em termos do comportamento da comunidade, as curvas de distribuiqzo do emprego de a gente nas duas amostras apresentam o mesmo padrzo linear nos dois periodos para os homens. Entretanto, em termos cornparativos, verifica-se um crescimento significative de .40 na primeira faixa e t h a de uma dCcada para outra. Tal diferenqa pode indicar que a substituiq50 de nds por a gente esth se implementando de forma acelerada entre os "homens jovens". Na segunda e na terceira faixas ethrias h i tambCm na dtcada de 90 um aumento de uso de a gente se comparado i ddcada 70, mas a diferenga nzo C t5o acentuada, principalmente, entre os mais idosos. Interessante observar que, se analisados isoladamente, os traqados das curvas de 70 e 90 em aclives podem sugerir, em tempo aparente, uma mudanqa em progresso p e l ~aumento relevante dos pesos relativos da geraqzo de mais velhos em direqzo aos mais novos. Entretanto, como as curvas de 70 e 90 observadas sZio praticamente identicas e paralelas, pode-se inferir que a comunidade mantCm o mesmo comportamento: os mais velhos usando menos a forma inovadora e os mais jovens usando-a com maior freqiiencia. Por isso, ter-se-ia um modelo de gradaqzo et6ria. Ressaltando, no entanto, que C ineghvel a intensificaqzo do uso de a gente em todas as geraq6es de uma dCcada para outra.

Anhlise lingiiistica e social de nhs e a gente Observe-se, na figura 5.16., o comportamento das mulheres:

100

r _ _ _

___

I - - - - - - - - - -

-

7

j -$-adtcada

70

a m o s t r a 90 0

I

M1

i

I

I

M2

M3

Sexo-faixa etdria Figura 5.16. Estudo de tendCncias do uso de a gente entre as mulheres nas duas dkcadas no PB

A superposiq80 das curvas relativas a mulheres distintas nas duas dCcadas evidencia mais claramente o modelo de gradaq8o ethia. Tal configuraq80 sugere que, 20 anos depois, a comunidade apresenta o mesmo comportamento com relaqgo ao uso de a gente. Com relaq8o gs geraqaes mais velhas, nota-se que n5o h i uma mudanqa significativa entre a segunda faixa et5ria e a terceira: ambas apresentam valores muito pr6ximos a .20. Como afirma Labov (1994:46), "o mod0 mais decisivo de interpretar os dados de falantes idosos C estudar as mudanqas nos mesmos individuos no tempo real". A ascendsncia abrupta da curva na direq8o das geraqaes mais jovens pode indicar, no entanto, uma mudanqa em progresso. Entre os homens jovens houve, de 70 para 90, urn aumento significative na comunidade, e entre as mulheres da mesma faixa o uso de a gente foi de 100% e 1.00 de aplicaq80 da regra, o que sugere um continuo e acelerado process0 de substituiq80 de nds por a gente. E necess5ri0, ainda, observar os dados sob outros ingulos numa perspectiva multivariada e corn base em um estudo de painel que mostre o comportamento dos mesmos individuos nas duas dCcadas.

152

A inserqgo de a gente no quadro pronominal do portugues

5.4. Tempo real: estudo de painel Visto o comportamento da comunidade no estudo de tendencias com individuos diferentes, observa-se, nesse momento, o comportamento dos mesmos individuos (estudo de painel) nas duas dCcadas (tempo real). Tanto na rodada geral quanto nas rodadas relativas 8 amostra PB, e 8s amostras da dCcada de 70 e de recontato 90, o sexo conjugado 8 faixa etaria foi selecionado como grupo relevante. Verifica-se - nas figuras 5.17. e 5.18., que evidenciam o comportamento individual das mulheres e homens em dois periodos de tempo - uma n5oestabilidade: o individuo apresenta, em determinadas faixas ethrias, mudanga de comportamento.

Figura 5.17. Estudo de painel do uso de a gente (comportamento individual nos homens e nas duas dCcadas)

Quanto aos resultados relativos aos homens, como pode ser visto na figura 5.17., o comportamento tambCm C insthvel, principalmente entre a primeira e a segunda faixas, em que h i um crescimento significative de (.53 para .67) e da terceira para a ultima faixa ethria (de .13 para .46). A segunda faixa ethria C praticamente esthvel (.40 na dCcada de 70 e .35 na de 90): o falante continua usando corn a mesma frequencia a fonna a gente no lugar de nds (manuteng50 do comportamento linguistic0 atravCs do tempo). Apesar de identificar um avango progressivo dos pesos relativos de uma dCcada para outra, que caracterizaria, no caso dos homens, uma mudanqa de comportamento do individuo, h i de se levar em conta que, com a exceq5o da primeira faixa ethria, que jh em 70 ultrapassa a mCdia com .53, os pesos relativos apresentados nas outras faixas ethrias est5o abaixo de

Anhlise lingiiistica e social de nbs e a gente

153

.50. Isso significa que o uso de a gente (forma inovadora) entre os homens C menor que o uso da forma conservadora (nds) na segunda e na terceira. Ressalte-se, ainda, que o comportamento das faixas etirias mais jovens C bastante similar ao comportamento das faixas ethias mais velhas. Como afirma Tarallo (1986), num process0 de variaq5o estivel as variantes coexistem numa "relag50 de contemporizaq50" com "0s grupos extremos - os jovens e os velhos apresentando o mesmo comportamento, contrastando com a populaq50 de meiaidade" (Naro, 1992:84). Nesta fase da vida, as press6es sociais advindas do ingresso no mercado de trabalho exigem um comportamento lingiiistico mais pr6ximo do padr5o. Nas outras duas fases - antes de ingressar e ao se retirar do mercado de trabalho - estas press6es da sociedade diminuem, por isso prevalecem formas "n5o-padr5o". Em outro estudo em tempo real sobre diftongaq50 de uma vogal seguida pel0 arquifonema I S / no dialeto carioca (Callou, 1998), o comportamento dos homens t semelhante ao que se postula aqui, com exceq5o da faixa 3. A autora afirma que "falantes mais jovens do sexo masculino n5o mantem o mesmo comportamento 20 anos depois, embora adultos o faqam". Na figura apresentada pela autora, a faixa 1 apresenta valores em torno de .40, que passam de .50 quando esses falantes entram na meia-idade. Como nos nossos resultados, hit uma estabilidade nos homens adultos, com valores em torno de 40. 98

...........................

..................................

Ccada d e 7 0 -Recontat0 90 M l/M2

M2/M3 M 3 /M 4 Sexo-faixa ethria

Figura 5.18. Estudo de painel do uso de a gente (comportamento individual das mulheres nas duas dkcadas)

Com relaq5o As mulheres, nota-se que, na passagem da primeira para a segunda faixa etiria, o uso de a gente diminuiu (de .98 para .77). Na passagem da segunda para a terceira faixa ethria, no entanto, h i o inverso: um aumento considersvel de emprego da forma inovadora (.26 na dCcada de 70 e .52 na de 90). Obser-

154

A inserqfo de a gente no quadro pronominal do portugues

va-se que as mulheres idosas apresentam-se esthveis, pois os pesos relativos em 70 s3o muito pr6ximos aos valores de 90 (.28 e .29). Diferentemente dos homens, as mulheres n5o mudam de comportamento quando atingem a senilidade. A instabilidade evidenciada nas primeiras faixas etirias, particularmente, quando as "jovens mulheres" tornam-se "mulheres maduras", pode ser justificada pelas pressbes sociais advindas do ingress0 no mercado de trabalho que exige, de certa forma, um comportamento linguistic0 mais prbximo do padr3o. Outro aspect0 a ser considerado diz respeito ao fato de os nossos resultados, com relaq3o As mulheres, apresentarem o mesmo tip0 de configuraq50 apresentad0 por Callou et alii (1996) no estudo em tempo real sobre o apagamento do R final no dialeto carioca, seja nos verbos, seja nos n3o-verbos. 0 s autores comentam que o apagamento do R diminui da primeira para a segunda faixa et6ria e aumenta da segunda para a terceira. As mulheres idosas, contudo, silo esthveis. (Callou et alii, 1996:69) Embora analisem fenamenos fonkticos, enquanto o nosso objeto esteja na alqada do subsistema morfossintitico, o comportamento lingiiistico das mulheres C, por assim dizer, identico, o que reforqa e ratifica as conclusbes sobre a instabilidade no cornportamento individual das mulheres e delineia um padrzo de gradaqso ethria. Em sintese, percebe-se que a substituiqzo de nds por a gente, embora esteja sendo implementada de forma acelerada nos 6ltimos vinte anos no portuguCs do Brasil, caracteriza-se, dentro dos modelos interpretativos de Labov (1994), como um padr5o de gradaqzo etiiria, pois se configura, no estudo de tendCncias, um comportamento estivel da comunidade, e, no estudo de painel, um comportamento instivel dos mesmos individuos. Deve-se ressalvar que tais consideraqbes gerais n3o dZio conta, inclusive, da diferenciaq30 entre o comportamento especifico de homens e mulheres nas diferentes faixas ethrias. 0 s modelos preditivos de Labov (1994), na realidade, fornecem algumas pistas, mas nTio conseguem desvendar a complexidade do comportamento linguistico-social, nem do individuo, nem da comunidade. As figuras do estudo de painel delinearam uma diversidade no comportamento de homens e mulheres nas diferentes faixas et&ias. 0 s grificos n3o apresentam a mesma configura@o na comunidade como um todo. As conclusbes parci-

Anhlise lingiiistica e social de nds e a gente

155

ais sobre o comportamento dos mesmos individuos (estudo de painel) mostraram, em suma, que a)

b)

homens jovens e idosos apresentam comportamento instivel 20 anos depois, mas os adultos mostraram-se estiiveis ao mudarem de faixa ethria; mulheres jovens e adultas apresentam comportamento instiivel 20 anos depois, mas as idosas mostraram-se estiveis ao mudarem de faixa et6ria;

At6 a coincidencia da instabilidade dos mais jovens, sejam homens ou mulheres, C diferente, pois, na passagem da primeira para a segunda faixa etiiria hi a) b)

increment0 na substituiq50 de nds por a gente entre os homens; retraqgo na substituiq50 de nds por a gente entre as mulheres.

A anhlise do comportamento da comunidade (estudo de tendencias) evidenciou o mesmo padr50 curvilineo na dCcada de 70 e de 90, mas com uma distribuiq5o distinta entre homens e mulheres.

a)

b)

A sobreposiq50 das curvas relativas ao comportamento de mulheres, distintas nas duas dCcadas, mostra que a comunidade apresenta o mesmo comportamento 20 anos depois (estabilidade), embora, em termos ethios, haja diferenqas significativas: geraq6es mais velhas (segunda e terceira faixas) estiveis e com retraq50, geraq6es mais jovens implementando a substituiq50 de nds por a gente de forma acelerada (100% na dCcada de 90). As curvas relativas aos homens nas duas dCcadas delineiam-se em um mesmo padr50, mas sem superposiq50 completa do traqado. No confront0 do comportamento de homens distintos, percebe-se que a substituiq50 de nds por a gente C gradativa em todas as geraq8es. A geraqgo mais velha mantCm-se praticamente estiivel, enquanto a mais jovem apresenta um crescimento significativo de uma dCcada para outra. Diferente do comportamento esthvel das mulheres da segunda faixa ethria, a faixa mediana aqui parece estar gradualmente adquirindo a nonna dos falantes jovens.

A inserq8o de a gente no quadro pronominal do portuguCs

156

c)

A estabilidade no comportamento de homens e mulheres da terceira faixa etiiria evidencia que, como esclarece Labov (1994: 112), os falantes mais velhos atuam de forma limitada na mudanqa da comunidade, "participating to a small extent in the changes taking place around them".

ConsideraqBes finais

6. CONSIDERAC~ESFINAIS 0 percurso foi traqado, mas o trabalho est6 apenas comeqando. A vis5o panors-

mica se sobrepas ao estudo verticalizado de urna sincronia, de urna teoria, de um manuscrito inCdito ou de urna raz5o s6cio-hist6rica determinante. HA v6rios pontos discutidos que poderiam, se recortados, gerar proficuas investigaqties. Seria possivel investigar, B luz do gerativismo, essa tendencia de pronominalizaq5o de nominais nas linguas do mundo, tentando olhar o man do alem5o e o on do fiances atual. Ou ainda limitar o estudo As linguas romhicas e olhar apenas o que aconteceu com o homine, que j i veio indefinido do latim vulgar e tomou rumos diferentes nas filhas neo-latinas. No frances, a gramaticalizaq50 se efetivou por completo, mas no portugues, como se viu, o processo foi interrompido no sCculo XVI, e a lacuna no sistema 'ficou B espera' de urna nova forma. CoincidCncia ou n50, C por essa Cpoca que certas propriedades tipicamente nominais, como o trago de nfimero, comeqam gradativamente a 1-150 ocorrer com o substantivo (a) gente, o que pode ter interferido no processo de pronominalizaq50 desta forma, que se tornou forte candidata a ocupar a vaga deixada pel0 homem indefinido. Nessa correlaq50 entre a forma a gente e o emprego de homem como pronome indefinido, discutiram-se outros pontos que ainda podem render novas investidas. 0 primeiro deles refere-se aos contextos em que o voc6bulo homem poderia ter urna leitura pronominal no portugues arcaico. Embora os grupos de fatores propostos n5o tenham sido sempre os mesmos nas diversas anilises, alguns como tipologia semintica do sujeito, tempo verbal, posiqiio do item no SN, graus de referenciabilidade, enbe outros, foram testados na longa e na curta duraqso. Dois deles - a tipologia semcintica e aposi~a"ono SN - foram sistematicamente selecionados e apresentaram resultados similares. 0 homem como indefinido no portugues arcaico apresenta urn peso relativo de .87 para urna leitura impessoallindeterminada e ocorria mais freqiientemente isolado no sintagma nominal (.90). A forma a gente tambCm apresenta altos indices nesses contextos, tanto na anilise de longa duraq5o quanto na de curta duraqso. Tais observaq6es, alCm de confirmarem a "hip6tese da taxa constante" de Kroch (1989, 1994), sugerem que, na pronominalizaq50 de nominais, o item lexical passa a ocupar posig6es gramaticais mais fixas, tipicamente pronominais segundo Perini (1995:3 14), e assume um carhter mais genkrico e indeterminado.

158

A inserg80 de a gente no quadro pronominal do portuguCs

Outro aspect0 refere-se i postulaq20 dos traqos lexicais de gCnero, ncmero e pessoa do substantivo gente e da forma pronominal a gente, dele originada. A mudanqa da constituiq20 morfo-semiintica dos dois elementos, que ainda coexistem em portuguCs, mostrou-se compativel com a atribuiq20 de valores especificos i natureza de cada classe. Em termos de traqos formais, o substantivo gente era, no portugu&s antigo, subespecificado quanto ao niimero, n2o apresentava traqo de pessoa [+eu] e apresentava o traqo [+fern] para o gCnero formal. Atualmente, a forma a gente, ao contririo, admite o traqo [+pl] para o niimero, mantCm o traqo [+eu] para pessoa formal e tem especificaqiio zero para o gCnero, como ocorre, em geral, com a classe dos pronomes pessoais "legitimos". Em termos semiinticos, o substantivo gente tinha, no portugues antigo, uma pluralidade intrinseca, que se tomou neutra na forma pronominal. A interpretaqgo de pessoa e gCnero semiinticos do substantivo eram neutras [$EU] e [+ FEM]. Atualmente, a forma a gente, ao contrario, toma-se subespecificada em termos de gCnero semhtico [aFEM] e apresenta a possibilidade [+EU] para a pessoa. Ao constatar que a pronominalizaqiio paulatina de a gente foi acionada, entre outras raz6es, por uma mudanqa ocorrida, por volta do s6culo XVI, nas propriedades de niimero do substantivo gente, ratifica-se a hip6tese de Martins (1997) sobre a reduqiio de traqos subespecificados (a++) e o seu cariter restritivo no processo de mudanqa lingiiistica. Embora a nota~goproposta para evidenciar uma mudanqa, no que se refere i s propriedades de genero, niimero e pessoa, tenha uma coerCncia intema, seria vilido testar exaustivamente sua eficacia com outras formas pronominais e nominais. Outras correspondencias tomaram-se evidentes. 0 mapeamento diacr8nico delineado na gramaticalizaqiio de a gente coincidiu com as observaq6e.s feitas por Cintra (1972) sobre as formas de tratamento no portugues. 0 s fenbmenos siio paralelos e est2o inter-relacionados. A propagaqZio ou emergencia, a partir do sCculo XV, das express6es nominais de tratamento, em substituiqiio ao tratamento vds, a degradaq20 semiintica e a sua consolidaqiio no sCculo XVIII correspondem ao que foi observado na pronominalizaqiio de a gente. A perda de certas propriedades formais caracteristicas do nome, como a subespecifica~20de niimero plural de gente, deu-se a partir do XVI. AlCm disso, o sCculo XVIII marca a fase embrion5ria do seu processo de gramaticalizaqiio. A pronominalizaqiio do substantivo gente n20 foi um processo isolado, mas uma conseqiiencia de uma mudanqa encaixada lingiiistica e socialmente. H i uma emergencia gradativa de formas nominais de tratamento que passam a

ConsideraqCies finais

159

substituir o tratamento cortCs universal vds, num primeiro momento pela ascensiio da nobreza e mais tarde da burguesia que exigia um tratamento diferenciado. Essa propagaqZo, que comeqa de cima para baixo, se dissemina pela comunidade como um todo, e as formas perdem sua concepqgo sem2ntica inicial, gramaticalizando-se - algumas de forma mais acelerada que outras, como C o caso de Vossa Merc2 + vosmec2 + voc2. Pelo fato de as formas nominais levarem o verbo para a terceira pessoa do singular, houve a redug30 do nosso paradigma flexional, que perdeu, como j6 apontou Duarte (1995), "a propriedade de licenciar e identificar sujeitos nulos". H i outras frentes de trabalho que foram iniciadas, mas carecem ainda de uma escavaq30 profunda e efetiva no que se refere aos aspectos hist6rico-sociais. A fase hist6rica que marca a gramaticalizag30 de a gente C a mesma nos dois espaqos intercontinentais (Brasil e Portugal), mas notam-se comportamentos lingiiisticos distintos em f i g g o dessa variivel: textos portugueses apresentando um comportamento mais conservador em termos da implementaq30 da mudanga, e textos brasileiros tendo um comportamento mais inovador no que se refere Z1 fieqiiencia de uso da nova forma pronominal. Esse suposto conse~adorismon3o ocorre apenas com a gente, pois, ainda hoje, existe uma diferenqa significativa quanto ao emprego de voc2 na interlocu@o. No portuguCs do Brasil, tal uso tem se generalizado em substituiq80 A forma tu, ao contr6rio da variante europkia, como forma de intimidade, como tratamento de igual para igual ou de superior para inferior. 0 arcaismo da tradicional metr6pole europCia em oposiq3o ao dinamismo de sua ex-col6nia miscigenada atuaria socialmente como urn dos fieios na implementagZo da mudanga? Referenda tal perspectiva o fato de em Mogambique - outro territ6rio para onde o portuguCs foi transplantado - tambCm haver comportamento inovador. No que tange ao estudo em tempo real de curta durag3o com base nos dados de fala, hi; nos liltimos 20 anos, uma aceleraqzo da substituiqgo de nds por a gente no portuguQ do Brasil. Permanecem, no entanto, outras vias a serem percomdas: um estudo de painel corn falantes n3o-escolarizados, o recontato com informantes de outras cidades estudadas pel0 Projeto NURC, como S3o Paulo, Salvador, Porto Alegre e Recife, ou ainda, um corpus mais amplo do portuguCs europeu e do portuguCs afiicano. Isso possibilitaria descrever o fenBmeno por outros prismas, fomecendo conclus6es mais confiiveis sobre a substituiq50 de nds por a gente na lingua portuguesa.

I.

Relativa aos corpora

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