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Portuguese Pages 64 Year 2004
Heimito von Doderer
A FLAGELAÇÃO DAS BLSINHA D CMUR seguido de
UM OUTRO KRTKI-BACHIK
JsÉ A P CETN
SSÍRIO & LVM
ASSIRO & ALVM 24 RUA PASSOS MAUEL 67 B 115-258 LSBOA © VERLAG CH BECK OHG MUQUE 995 ©
EDÇÃO 786, ABRL 24 SB 972-37-8-8
N PÉ
José A Palma Caeano
O escrior ausríaco Heimio von Doerer aleceu em Viena a e Dezembro de Cerca de ano e meio anes, a e Junho de inhame ele con ceio uma enrevisa que i pubicaa no joal Letr e Artes, e Lisboa, n.º de e Novem bro e e fi mas are ambém incluía, na sua maior pare, numa pubicação e homenagem ao escrior após a sua more, consiuía por raba lhos de grane número dos seus amigos e organi zaa por Xaver Schagosch um livro jusamene iniao Ennerungen an Heimito von Doderer (e corões Heimito von Dor), publicao pela Ei ora Bieersein, e Munique, em ém isso, esa enrevisa fi aina gravaa em isco, nos Esaos Unios a mérica, pelo Pro Ivar Ivask, de quem se ala na enrevisa e para o qual Doerer leu ambém nesse serão alguns rechos a sua obra. Ivar vask, que era naural e Riga, na Leónia, e ive o prazer e conhecer pessomene em ena, fi urane muios anos irecor a revisa Books Abroad, a Universi ae e Olahoma, que pubicou no n.º vol. 7
Vero de , um conunto de trabhos dedicados ao escritor austríaco numa secço especial com o título «A Symposium on Heimito von Doderer», no qual também me fi dado colaborar com um peque no estudo intitulado «The Short Stores o Heimito von Doderer», em que, no entanto, considerei considerei apenas apenas o volume Die Peinigung r Lerbeutehen ( F/ge /ção /ção d Boinh Camurça), do qual fram ex traídos os dois contos que neste voume se publicam Gostaria de acrescentar ainda que o conhecimento que travei com Heimito von Doderer fi para mim de grande importânci, pois aumentou em arga me dda o interesse que á tinha pela sua obra e desper toume a idea de a estudar com mas prondidade e sobre ela escrver escrve r um tabao Esse projecto projecto demorou demorou aguns anos, m acabei por o levar a cabo e o estudo que reaize sobre o tea Humor e Grotesco na Obra de Reimito von Doderer constituiu a minha tese de doutoramento doutoramento na Universdade Universdade de Viena Espero que a pubcaço dos dos contos que guram neste volume possa ser um primeiro passo para a divugaço da obra de Hemito von Doderer em Portugal, em especi dos seus romances, que se contam, sem dúvida, entre os mais notáveis da litera tura austría nos meados do sécuo X 8
A FLAGELAÇÃO DAS BOLSINHAS DE CAMURÇA
Poucos dias depois do enterro de Coyle, o velho avarento, apareceu em minha casa Mr Crotter, em tempos o seu mgo mais íntimo e o únco hmem na nossa cidade, e de maneira geral em todo o distrito, de quem se podia dzer que era nda mas rco que o recémlecido; na verdde, os seus haveres eram mes mo consderados vária vezes superiores O relógio marcava exactamente nove hors quando r Crotter chegou Eu estava sentado unto do lume, onde aca bra de tomar o pequenoamoço, e tinha ainda na mo a chávena de cá Lá fra parava em ente das anelas uma bruma macenta de Inverno To cedo?! disse eu, vantandome e cum primentando o velho senhor Há aguma coisa de novo? Eu tencionava passar hoe por sua casa cerca do meiodia (eu era nessa atura ainda advogado de Crotter) e o senhor dáme logo de manh a honra da sua visia na minha modesta casa e dizendo isto oreclhe uma cadeira e um charuto Oiça, proeriu ee, após algumas maças eu ia a passar por aqu e veiome a idea de que
você é um jovem bastante sensato e por isso me de cidi a subir imediatamente e a ar consigo sobre um assunto que diz respeito ao ecido Coye ! disse eu Por causa do tesamen to? Este constituía agora um asunto equente de conversa na nossa cidade, o que, por muitas ra zões, parece absoutamente compreensível É que a princípio, ogo após o veho harpago ter soido mais uma vez, mas ento denitivamente, um ataque de apopexia, no fra possíve encontrar qualquer apontamento sobre a sua útima vontade; mas agora toda a gente parecia cheia de curiosidade de saber que disposições haveria nesse documento que namente, como desde a antevéspera constava, fra descoberto sobre o destino a dar a to grande frtuna e se peo menos a paróquia ou uma institui ço púbica de benecência teria recebido quaquer egado, etc O senhor é porventura citado no testamento perguntei eu ou terá mesmo parte na herança? Isso é que eu ainda no sei, disse Mr Crot ter porque o testamento está a ser aberto agora Encontrei por acaso o notário há meia hora na rua e, de quaquer modo, dissehe que estaria aqui em sua casa Ais, segundo ouvi dizer, apareceram pa rentes, uma ha natura ou coisa parecida E quero 2
que você que também a saber que, verdadeiramente, no tenho quaquer ro para cobiçar uma herança e, se o velho Coyle me tiver deixado qualquer coisa de vaor, eu entregoa imediatamente ao pároco, pois no deseo de maneira nenuma os tesouros acumu lados por esse asqueroso veho avarento Desculpe, disse eu com uma lve admiraço mas o senhor era o seu único amigo, era mesmo a nica pessoa com quem ele tinha relações Era voz corrente que ee nem sequer tinha criados Absolutamente ninguém Havia uma velha qualquer que vinha durante o dia, cozinhava e tra tava do mais necessário Ele costumava pôrse atrás dela na cozinha, para tomar conta, no fsse ela dei tar gordura de mais na igideira Eu mesmo presen ciei isso Daqui da cidade até ao velho pardieiro a que ele chamava a sua casa tinha de andar uns bons três quartos de hora e, apesar da idade avançada, ziao sempre a pé, quando chegava a sair alguma vez do covil Ao passar em ente da praça dos trens, com um ar bamboleante, os cocheiros costumavam griarlhe insolências Realmente você tem razo, doutor, ele vivia completamente só No meu enten der, também no merecia outra coisa Quando eu ia lá a casa e passei a azêlo sempre no novo carro de caça com os dois alazões, por assim dizer para o 3
arreliar , quando ia, portanto, lá a casa, o criado tinha de arranjar a comida para levar; e nem só isso, pois até quando queria á tomar uma chávena de chá, mandava ogo levar tudo, serviço, chá, açúcar, mesmo o álcool para a máquina e chá Uma vez no evei nada Ele comeu tranquilamente com a colher, como costumava azer à noite, as suas sopinhas de leite com po já de muitos dias e eu quei a vêlo comer Ele nunca me oereceu fsse o que fsse, em sequer tabaco para encher um cachimbo Bem, podese dizer realmente disse eu, rindo que suas relções com o alecido Coyle pelo menos no tiveram quaisquer motivos interesseiros! No entanto perdo, Sir, é evidente que eu nada tenho com isso , mas poderseia perguntar o que é que terá atraído um pessoa to jovial e to generosa como o senhor, justamente no que se reere à coisas materiais da vid, para esse velho harpago Quer dizer: quase se poderia acreditar que o senhor precisava de Coye simpesmente para o detestar se de outro modo me é permitida uma pequena incurso na psicoogia De meira neuma! disse ee vivamente, e o seu rosto um tanto grande aongouse ainda mais, de modo que as sobrance, dobradas em frma de um telhado e ainda de um negro prondo, se trans 4
rmaram por assim dizer em chapelinhos pontiagu dos De maneira nenhuma! gitou ele de novo Nem pensar nisso! Nunca senti averso por Coyle nem o odiei O que é que você pensa? No no ndo ele era um homem nteessante e muito inte ligente Coyle viu todo o mundo na juventude Eu era capaz de o ouvir horas e horas Claro que no se podia olhar para ele, pois paecia uma planta bubosa ou um cepo ambulante e cómico ém disso, uma pee como a do pipa, o sapoaru Enm, Deus tenha a sua alma em desso No entanto, e agora oiça bem, meu jovem amigo, pois é este o assunto de que eu vedadeiramente lhe queia alar no entanto, em relaço a Coyle, eu odiei de cto nos últimos meses, e mesmo da frma mais violenta, no o ale cido, nem quque pessoa, mas uma coisa morta ou, mais exactamente, uma série de coisas mortas Eu vim aqui de certo modo paa desabaar consigo, ou mesmo, se assim quise, para me conssar coisa estranha, eu, um veho, a conssarme a um vem A sua conança é uma honra para mim disse eu, pois de momento no me ocorreu nada me lhor Eu estava desarmado e natuamente sem saber do que se tratava Permitame apenas continuei, talvez no desejo de ganha tempo e, portanto, de me 5
recompor , permitame apenas que telefne ao meu colega que o senhor encontrou hoe de manh, antes de aqui chegar. Talvez ele á me possa dizer como está a questo do testamento, principalmente no que lhe diz respeito, Mr. Crotter. E, logo a seguir, peguei no auscultador do telef ne. O notário disseme: «Nem com uma palavrinha que fss ele reriu no testamento o velho Crotter, uma coisa no ndo aominável, á que este fi ainda assim o único a ocuparse dele nos últimos tempos ms s pessos deste género so ssim, mesquinh até para lém da sepultura e ainda por cima ingrats sim, a pobre lha vai naturalmente receber tudo, que também no há ninguém que o conteste te nho aqui uma carta chada, dirigida "a Mr. Crotter, para ser entregue depois da minha morte o velho está ainda consigo, doutor? Sim? ai r tvez muito desiludido?! No? Ento tto melhor. Eu ma dolhe a carta pelo meu empregado dentro de meia hora. Mr. Crotter que ssine o aviso de recepço e o assunto ca arrumado.» Coiss dests emse, sem grandes frmalidades, nas pequenas cidades da província, onde s pessos se conhecem ums à outras, e mais ainda entre colegs. Participei ao meu visitante o que tinha acaado de saber, naturalmente sem mencionar as observações 6
do notário Mr Crotter manestouse pouco interes sado e só ao ouvir alar na câ que devam trazer dentro de meia hora levantou de repente a cabeça, parecendo sr de uma metaço em que tnha mer gulhado durante o meu telefnema Oiçame lá bem,dsse ele logo a seguir, rea tando imediatamente a conversa anteror pos no lhe será muito ácil maniestarme a sua compreenso neste assunto e eu precso mesmo de mais do que isso, preciso ancamente de consolaço Este velho há pouco ecido tinha, no decurso da sua longa vida, colecconado as coisas mas varadas e, como pode cilmente imagnar no caso de Mr Coyle, no tero sido justamente cosas com um mero valor de estima ço Ora um dia levoume através de toda a casa até a um quarto aastado na ala esquerda era evidente que os aposentos através dos quas seguíamos estavam desabitados, obscurecidos por aduas chadas e ind zivelmente ios Coyle limtavase, é claro, a um úni co quarto Quando chegámos ao ndo, acendeu a l e abriu, no quarto completamente cheio de pó mas bastante espaçoso em que nos encontrávamos, um velho guardato, que a princípo no parecia conter mas que algumas gabardnas e sobretudos No en tanto, depois de Mr Coyle os ter aastado apareceu 7
uma caixa de erro, uma caixa sólida, embora, como veriquei à primeira vsta, de construço antiquíssima, por assim dizer da era dos aonsnos. Eu estou hoje absolutamente certo de que tudo o que ento acon eceu fi uma manestaço da maior, de uma ex traordinária conança da parte de Mr. Coyle. E isso justamente torna as cos ainda pores. Ele abriu o co pude ver logo como a chadura era primi tiva e deixou que eu olhasse para o seu interior. dentro reinava por assim zer uma ordem perita. À luz frte da âmpada eéctrca, que incda directa mente na parte interna, vi que aí se encontravam em prateleras cobertas d um estof espesso de veludo vermelho e dispost umas sobre as outras, em frma de degraus, à semelhança do que acontece nas vitri nas dos museus , sentadas em três las, pequenas bolsas de camurça. Repare bem que eu dgo que estavam sentas. Sim disse eu. Mas também se poderia dizer estavam em pé; ou estavam deitadas. No, de maneira nenhuma. Compreenda bem o sentado destas bolsas era de tal maneira evidente, para no dizer penerante, que para cada uma delas i frçado a imaginar imediatamente umas perni nhas, que se bamboleavam das prateleiras abaixo (eu 8
estava admirado com ideias to inntis num ho em já idoso) e, veja bem, doutor, fi isso que me irritou. Sim. Foi assim que começou. Como ... porque é que se irritou? Em rigor ... por causa do sentado. Como?! gritei eu, ligeiramente enrecido e, sentiao, por uma qualquer frma repugnante já contagiado por ele. Mas na realidade no havia perninhas nenhumas?! Claro que no. El também no so absoluta mente necessárias para est sentado. Este estar senta do era provocado antes ... Desculpe... interrompio eu. O senhor quer dizer: a impresso de estar sentado era provo cada ... Está bem, seja! disse ele, com uma ligeira impaciência. A impresso era, portanto, provo cada pelo cto de estes sujeitinhos terem verdadei amente a frma de cogumelos invertidos: amplos, graves. O que em seguida notei fi que cada um deles tinha à ente um grande número na barriga, estam pado a escuro na camurça cinzenta. Eram ao todo trinta e seis, os números um a doze na prateleira in rior, treze a vinte e quatro na do meio e vinte e cinco a trinta e seis na de cima, dispostos da esquerda para a direita. Coyle mostroume também um ndice que 9
estava axado interiormente na porta do coe e in dicava exactamente o conteúdo de cada uma destas criaturas Por exempo: número vinte e três, esme raldas, trinta e nove peças, lapidagem, peso, tudo anoado em pormenor . Estava ali acumulada uma frtuna O número trinta e dois continha os bri lhantes mais indescritíveis, como eu nunca tinha visto untos, nem de ta tamanho, nem em ta quan tidade Aém disso, cada pedra encontravase ainda num invólucro de camurça, que estava marcado com uma letra do abeto e na relaço do conteúdo de cada uma das diversas bolsinhas guravam todos os dados sobre cada pedra dos números dez a ca torze continham pérolas de um tamanho buloso Nas que estavam numeradas de dezoito a vinte e três estavam encerrados os chamados