A flagelação das bolsinhas de camurça seguido de Um outro Kratki-Baschik
 972-37-0810-8

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Heimito von Doderer

 A FLAGELAÇÃO DAS BLSINHA D CMUR seguido de

UM OUTRO KRTKI-BACHIK



JsÉ A P CETN

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ASSIRO & ALVM 24 RUA PASSOS MAUEL 67 B 115-258 LSBOA ©  VERLAG CH BECK OHG MUQUE 995 ©

EDÇÃO 786, ABRL 24 SB 972-37-8-8

N PÉ

José A Palma Caeano

O escrior ausríaco Heimio von Doerer aleceu em Viena a  e Dezembro de  Cerca de ano e meio anes, a  e Junho de  inhame ele con ceio uma enrevisa que i pubicaa no joal  Letr e Artes, e Lisboa, n.º  de  e Novem bro e  e fi mas are ambém incluía, na sua maior pare, numa pubicação e homenagem ao escrior após a sua more, consiuía por raba lhos de grane número dos seus amigos e organi  zaa por Xaver Schagosch  um livro jusamene iniao Ennerungen an Heimito von Doderer (e corões  Heimito von Dor), publicao pela Ei ora Bieersein, e Munique, em  ém isso, esa enrevisa fi aina gravaa em isco, nos Esaos Unios a mérica, pelo Pro Ivar Ivask, de quem se ala na enrevisa e para o qual Doerer leu ambém nesse serão alguns rechos a sua obra. Ivar vask, que era naural e Riga, na Leónia, e ive o prazer e conhecer pessomene em ena, fi urane muios anos irecor a revisa Books Abroad, a Universi ae e Olahoma, que pubicou no n.º   vol.  7

Vero de , um conunto de trabhos dedicados ao escritor austríaco numa secço especial com o título «A Symposium on Heimito von Doderer», no qual também me fi dado colaborar com um peque no estudo intitulado «The Short Stores o Heimito  von Doderer», em que, no entanto, considerei considerei apenas apenas o volume Die Peinigung r Lerbeutehen ( F/ge /ção  /ção d Boinh  Camurça), do qual fram ex traídos os dois contos que neste voume se publicam Gostaria de acrescentar ainda que o conhecimento que travei com Heimito von Doderer fi para mim de grande importânci, pois aumentou em arga me dda o interesse que á tinha pela sua obra e desper toume a idea de a estudar com mas prondidade e sobre ela escrver escrve r um tabao Esse projecto projecto demorou demorou aguns anos, m acabei por o levar a cabo e o estudo que reaize sobre o tea Humor e Grotesco na Obra  de Reimito von Doderer constituiu a minha tese de doutoramento doutoramento na Universdade Universdade de Viena Espero que a pubcaço dos dos contos que guram neste volume possa ser um primeiro passo para a divugaço da obra de Hemito von Doderer em Portugal, em especi dos seus romances, que se contam, sem dúvida, entre os mais notáveis da litera tura austría nos meados do sécuo X 8

A FLAGELAÇÃO DAS BOLSINHAS DE CAMURÇA

Poucos dias depois do enterro de Coyle, o velho avarento, apareceu em minha casa Mr Crotter, em tempos o seu mgo mais íntimo e o únco hmem na nossa cidade, e de maneira geral em todo o distrito, de quem se podia dzer que era nda mas rco que o recémlecido; na verdde, os seus haveres eram mes mo consderados vária vezes superiores O relógio marcava exactamente nove hors quando r Crotter chegou Eu estava sentado unto do lume, onde aca bra de tomar o pequenoamoço, e tinha ainda na mo a chávena de cá Lá fra parava em ente das  anelas uma bruma macenta de Inverno  To cedo?!  disse eu, vantandome e cum primentando o velho senhor  Há aguma coisa de novo? Eu tencionava passar hoe por sua casa cerca do meiodia (eu era nessa atura ainda advogado de Crotter) e o senhor dáme logo de manh a honra da sua visia na minha modesta casa  e dizendo isto oreclhe uma cadeira e um charuto  Oiça,  proeriu ee, após algumas maças  eu ia a passar por aqu e veiome a idea de que 

 você é um jovem bastante sensato e por isso me de cidi a subir imediatamente e a ar consigo sobre um assunto que diz respeito ao ecido Coye !     disse eu  Por causa do tesamen to?  Este constituía agora um asunto equente de conversa na nossa cidade, o que, por muitas ra  zões, parece absoutamente compreensível É que a princípio, ogo após o veho harpago ter soido mais uma vez, mas ento denitivamente, um ataque de apopexia, no fra possíve encontrar qualquer apontamento sobre a sua útima vontade; mas agora toda a gente parecia cheia de curiosidade de saber que disposições haveria nesse documento  que  namente, como desde a antevéspera constava, fra descoberto  sobre o destino a dar a to grande frtuna e se peo menos a paróquia ou uma institui ço púbica de benecência teria recebido quaquer egado, etc  O senhor é porventura citado no testamento  perguntei eu ou terá mesmo parte na herança?  Isso é que eu ainda no sei,  disse Mr Crot ter  porque o testamento está a ser aberto agora Encontrei por acaso o notário há meia hora na rua e, de quaquer modo, dissehe que estaria aqui em sua casa Ais, segundo ouvi dizer, apareceram pa rentes, uma ha natura ou coisa parecida E quero 2

que você que também a saber que, verdadeiramente, no tenho quaquer ro para cobiçar uma herança e, se o velho Coyle me tiver deixado qualquer coisa de vaor, eu entregoa imediatamente ao pároco, pois no deseo de maneira nenuma os tesouros acumu lados por esse asqueroso veho avarento  Desculpe, disse eu com uma lve admiraço  mas o senhor era o seu único amigo, era mesmo a nica pessoa com quem ele tinha relações Era voz corrente que ee nem sequer tinha criados  Absolutamente ninguém Havia uma velha qualquer que vinha durante o dia, cozinhava e tra tava do mais necessário Ele costumava pôrse atrás dela na cozinha, para tomar conta, no fsse ela dei tar gordura de mais na igideira Eu mesmo presen ciei isso Daqui da cidade até ao velho pardieiro a que ele chamava a sua casa tinha de andar uns bons três quartos de hora e, apesar da idade avançada,   ziao sempre a pé, quando chegava a sair alguma vez do covil Ao passar em ente da praça dos trens, com um ar bamboleante, os cocheiros costumavam griarlhe insolências Realmente você tem razo, doutor, ele vivia completamente só No meu enten der, também no merecia outra coisa Quando eu ia lá a casa  e passei a azêlo sempre no novo carro de caça com os dois alazões, por assim dizer para o 3

arreliar , quando ia, portanto, lá a casa, o criado tinha de arranjar a comida para levar; e nem só isso, pois até quando queria á tomar uma chávena de chá, mandava ogo levar tudo, serviço, chá, açúcar, mesmo o álcool para a máquina e chá Uma vez no evei nada Ele comeu tranquilamente com a colher, como costumava azer à noite, as suas sopinhas de leite com po já de muitos dias e eu quei a  vêlo comer Ele nunca me oereceu fsse o que fsse, em sequer tabaco para encher um cachimbo  Bem, podese dizer realmente  disse eu, rindo  que  suas relções com o alecido Coyle pelo menos no tiveram quaisquer motivos interesseiros! No entanto  perdo, Sir, é evidente que eu nada tenho com isso , mas poderseia perguntar o que é que terá atraído um pessoa to jovial e to generosa como o senhor, justamente no que se reere à coisas materiais da vid, para esse velho    harpago Quer dizer: quase se poderia acreditar que o senhor precisava de Coye simpesmente para o detestar    se de outro modo me é permitida uma pequena incurso na psicoogia     De meira neuma!  disse ee vivamente, e o seu rosto um tanto grande aongouse ainda mais, de modo que as sobrance, dobradas em frma de um telhado e ainda de um negro prondo, se trans 4

rmaram por assim dizer em chapelinhos pontiagu dos  De maneira nenhuma!  gitou ele de novo  Nem pensar nisso! Nunca senti averso por Coyle nem o odiei O que é que você pensa? No  no ndo ele era um homem nteessante e muito inte ligente Coyle viu todo o mundo na juventude Eu era capaz de o ouvir horas e horas Claro que no se podia olhar para ele, pois paecia uma planta bubosa ou um cepo ambulante e cómico ém disso, uma pee como a do pipa, o sapoaru Enm, Deus tenha a sua alma em desso No entanto,  e agora oiça bem, meu jovem amigo, pois é este o assunto de que eu vedadeiramente lhe queia alar  no entanto, em relaço a Coyle, eu odiei de cto nos últimos meses, e mesmo da frma mais violenta, no o ale cido, nem quque pessoa, mas uma coisa morta ou, mais exactamente, uma série de coisas mortas Eu vim aqui de certo modo paa desabaar consigo, ou mesmo, se assim quise, para me conssar  coisa estranha, eu, um veho, a conssarme a um vem  A sua conança é uma honra para mim  disse eu, pois de momento no me ocorreu nada me lhor Eu estava desarmado e natuamente sem saber do que se tratava  Permitame apenas  continuei, talvez no desejo de ganha tempo e, portanto, de me 5

recompor , permitame apenas que telefne ao meu colega que o senhor encontrou hoe de manh, antes de aqui chegar. Talvez ele á me possa dizer como está a questo do testamento, principalmente no que lhe diz respeito, Mr. Crotter. E, logo a seguir, peguei no auscultador do telef ne. O notário disseme: «Nem com uma palavrinha que fss ele reriu no testamento o velho Crotter, uma coisa no ndo aominável, á que este fi ainda assim o único a ocuparse dele nos últimos tempos  ms s pessos deste género so ssim, mesquinh até para lém da sepultura e ainda por cima ingrats  sim, a pobre lha vai naturalmente receber tudo, que também no há ninguém que o conteste te nho aqui uma carta chada, dirigida "a Mr. Crotter, para ser entregue depois da minha morte  o velho está ainda  consigo, doutor? Sim? ai r tvez muito desiludido?! No? Ento tto melhor. Eu ma dolhe  a carta pelo meu empregado dentro de meia hora. Mr. Crotter que ssine o aviso de recepço e o assunto ca arrumado.» Coiss dests emse, sem grandes frmalidades, nas pequenas cidades da província, onde s pessos se conhecem ums à outras, e mais ainda entre colegs. Participei ao meu visitante o que tinha acaado de saber, naturalmente sem mencionar as observações 6

do notário Mr Crotter manestouse pouco interes sado e só ao ouvir alar na câ que devam trazer dentro de meia hora levantou de repente a cabeça, parecendo sr de uma metaço em que tnha mer gulhado durante o meu telefnema  Oiçame lá bem,dsse ele logo a seguir, rea tando imediatamente a conversa anteror pos no lhe será muito ácil maniestarme a sua compreenso neste assunto e eu precso mesmo de mais do que isso, preciso ancamente de    consolaço Este velho há pouco ecido tinha, no decurso da sua longa vida, colecconado as coisas mas varadas e, como pode  cilmente imagnar no caso de Mr Coyle, no tero sido justamente cosas com um mero valor de estima ço Ora um dia levoume através de toda a casa até a um quarto aastado na ala esquerda era evidente que os aposentos através dos quas seguíamos estavam desabitados, obscurecidos por aduas chadas e ind  zivelmente ios Coyle limtavase, é claro, a um úni co quarto Quando chegámos ao ndo, acendeu a l e abriu, no quarto completamente cheio de pó mas bastante espaçoso em que nos encontrávamos, um  velho guardato, que a princípo no parecia conter mas que algumas gabardnas e sobretudos No en tanto, depois de Mr Coyle os ter aastado apareceu 7

uma caixa de erro, uma caixa sólida, embora, como  veriquei à primeira vsta, de construço antiquíssima, por assim dizer da era dos aonsnos. Eu estou hoje absolutamente certo de que tudo o que ento acon eceu fi uma manestaço da maior, de uma ex traordinária conança da parte de Mr. Coyle. E isso justamente torna as cos ainda pores. Ele abriu o co  pude ver logo como a chadura era primi tiva  e deixou que eu olhasse para o seu interior.  dentro reinava por assim zer uma ordem perita. À luz frte da âmpada eéctrca, que incda directa mente na parte interna, vi que aí se encontravam em prateleras cobertas d um estof espesso de veludo  vermelho e dispost umas sobre as outras, em frma de degraus, à semelhança do que acontece nas vitri nas dos museus , sentadas em três las, pequenas bolsas de camurça. Repare bem que eu dgo que estavam sentas.  Sim  disse eu.  Mas também se poderia dizer estavam em pé; ou estavam deitadas. No, de maneira nenhuma. Compreenda bem o  sentado destas bolsas era de tal maneira evidente, para no dizer penerante, que para cada uma delas i frçado a imaginar imediatamente umas perni nhas, que se bamboleavam das prateleiras abaixo (eu 8

estava admirado com ideias to inntis num ho em já idoso) e, veja bem, doutor, fi isso que me irritou. Sim. Foi assim que começou.  Como ... porque é que se irritou?  Em rigor ... por causa do sentado.  Como?!  gritei eu, ligeiramente enrecido e, sentiao, por uma qualquer frma repugnante já contagiado por ele. Mas na realidade no havia perninhas nenhumas?! Claro que no. El também no so absoluta mente necessárias para est sentado. Este estar senta do era provocado antes ... Desculpe... interrompio eu. O senhor quer dizer: a impresso de estar sentado era provo cada ...  Está bem, seja!  disse ele, com uma ligeira impaciência. A impresso era, portanto, provo cada pelo cto de estes sujeitinhos terem verdadei amente a frma de cogumelos invertidos: amplos, graves. O que em seguida notei fi que cada um deles tinha à ente um grande número na barriga, estam pado a escuro na camurça cinzenta. Eram ao todo trinta e seis, os números um a doze na prateleira in rior, treze a vinte e quatro na do meio e vinte e cinco a trinta e seis na de cima, dispostos da esquerda para a direita. Coyle mostroume também um ndice que 9

estava axado interiormente na porta do coe e in dicava exactamente o conteúdo de cada uma destas criaturas Por exempo: número vinte e três, esme raldas, trinta e nove peças, lapidagem, peso, tudo anoado em pormenor  . Estava ali acumulada uma frtuna O número trinta e dois continha os bri lhantes mais indescritíveis, como eu nunca tinha  visto untos, nem de ta tamanho, nem em ta quan tidade Aém disso, cada pedra encontravase ainda num invólucro de camurça, que estava marcado com uma letra do abeto e na relaço do conteúdo de cada uma das diversas bolsinhas guravam todos os dados sobre cada pedra  dos números dez a ca torze continham pérolas de um tamanho buloso Nas que estavam numeradas de dezoito a vinte e três estavam encerrados os chamados