A arte de viver a vida 9788532658722

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A arte de viver a vida
 9788532658722

Table of contents :
Folha de rosto
Créditos
Sumário
Pierre Weil: Samurai da Paz
O artesanato da arte de viver a vida
Introdução
Capítulo I Viver em paz
1. Introdução
2. As três ecologias e as três consciências
3. A arte de viver em paz consigo mesmo: uma questão de ecologia interna
4. A arte de viver em paz com os outros: uma questão de ecologia social
5. A arte de viver em paz com a natureza: uma questão de ecologia ambiental
6. Conclusão: seja um beija-flor da paz
Capítulo II Viver consciente
1. Autômato ou ser consciente?
2. O que é a consciência?
Capítulo III Viver em plenitude
1. O que signifca plenitude?
2. O nosso destino
3. A plena realização do nosso potencial energético
4. A presença nos atos do cotidiano
5. Os aspectos ativos e receptivos da energia universal em nós
6. O casamento interior: a união divina
Capítulo IV Viver em harmonia
1. A procura do parceiro perfeito
2. O que é um casal evolutivo
3. O que é uma relação amorosa?
4. O que significa evoluir
5. Existe mesmo a evolução?
6. O que se passa quando do encontro de um casal
7. Como estabelecer e manter uma relação evolutiva
8. O que fazer no caso de uma relação evolutiva unívoca
Capítulo V Viver o conflito
1. O que é um conflito
2. O conflito intrapessoal
3. O conflito interpessoal
4. Diálogo com empatia: responsabilidade sem julgamento
5. A verdade dita com amor e humildade
6. Expressar rancores, mágoas e ressentimentos
7. Abertura total ao outro, mesmo em caso de agressão
8. Dois planos diferentes
9. Como lidar com conflitos intergrupais
10. Mediação com empatia
Capítulo VI Viver a natureza
1. A natureza fora e dentro de nós
2. A destruição do meio ambiente
3. A fantasia da separatividade
4. Quem é você?
5. A relação entre sujeito e objeto
6. Procurando a natureza do objeto
7. Voltando à relação sujeito-objeto
8. A vivência direta
Capítulo VII Viver a passagem
1. O medo da morte
2. Aceitar a impermanência
3. Existe algo eterno?
4. O fenômeno “NDE”
5. Uma nova visão da vida
6. O interregno da existência
7. O interregno da passagem
8. O interregno da luminosidade
9. O interregno do vir-a-ser
10. Fundamentos científicos da existência dos bardos
11. Como escapar da compulsão ao eterno retorno e transcender de vez
12. O preparo dos outros para a passagem
Conclusão E a vida continua

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Weil, Pierre, 1924-2008 A arte de viver a vida / Pierre Weil. 2. ed. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2017. ISBN 978-85-326-5872-2 – Edição digital 1. Autoconsciência 2. Psicologia transpessoal I. Título. 17-00691

CDD-150.192 Índices para catálogo sistemático: 1. Arte de viver : Psicologia transpessoal 150.192

© 2017, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luís, 100 25689-900 Petrópolis, RJ www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora. CONSELHO EDITORIAL Diretor Gilberto Gonçalves Garcia Editores Aline dos Santos Carneiro Edrian Josué Pasini Marilac Loraine Oleniki Welder Lancieri Marchini Conselheiros Francisco Morás Ludovico Garmus Teobaldo Heidemann Volney J. Berkenbrock Secretário executivo João Batista Kreuch ___________________________ Diagramação: Sheilandre Desenv. Gráfico Revisão gráfica: Fernando Sergio Olivetti da Rocha Capa: Ygor Moretti Ilustração de capa: Shutterstock ISBN 978-85-326-5872-2 – Edição digital

Editado conforme o novo acordo ortográfico.

Sumário

Pierre Weil: Samurai da Paz O artesanato da arte de viver a vida Introdução Capítulo I Viver em paz 1. Introdução 2. As três ecologias e as três consciências 3. A arte de viver em paz consigo mesmo: uma questão de ecologia interna 4. A arte de viver em paz com os outros: uma questão de ecologia social 5. A arte de viver em paz com a natureza: uma questão de ecologia ambiental 6. Conclusão: seja um beija-flor da paz Capítulo II Viver consciente 1. Autômato ou ser consciente? 2. O que é a consciência? Capítulo III Viver em plenitude 1. O que signifca plenitude? 2. O nosso destino 3. A plena realização do nosso potencial energético 4. A presença nos atos do cotidiano 5. Os aspectos ativos e receptivos da energia universal em nós

6. O casamento interior: a união divina Capítulo IV Viver em harmonia 1. A procura do parceiro perfeito 2. O que é um casal evolutivo 3. O que é uma relação amorosa? 4. O que significa evoluir 5. Existe mesmo a evolução? 6. O que se passa quando do encontro de um casal 7. Como estabelecer e manter uma relação evolutiva 8. O que fazer no caso de uma relação evolutiva unívoca Capítulo V Viver o conflito 1. O que é um conflito 2. O conflito intrapessoal 3. O conflito interpessoal 4. Diálogo com empatia: responsabilidade sem julgamento 5. A verdade dita com amor e humildade 6. Expressar rancores, mágoas e ressentimentos 7. Abertura total ao outro, mesmo em caso de agressão 8. Dois planos diferentes 9. Como lidar com conflitos intergrupais 10. Mediação com empatia Capítulo VI Viver a natureza 1. A natureza fora e dentro de nós 2. A destruição do meio ambiente 3. A fantasia da separatividade 4. Quem é você? 5. A relação entre sujeito e objeto 6. Procurando a natureza do objeto

7. Voltando à relação sujeito-objeto 8. A vivência direta Capítulo VII Viver a passagem 1. O medo da morte 2. Aceitar a impermanência 3. Existe algo eterno? 4. O fenômeno “NDE” 5. Uma nova visão da vida 6. O interregno da existência 7. O interregno da passagem 8. O interregno da luminosidade 9. O interregno do vir-a-ser 10. Fundamentos científicos da existência dos bardos 11. Como escapar da compulsão ao eterno retorno e transcender de vez 12. O preparo dos outros para a passagem Conclusão E a vida continua

PIERRE WEIL: SAMURAI DA PAZ Roberto Crema

Nascemos para contar uma estória única, como o mistério de nossos semblantes. Ninguém poderá contá-la por nós. Caso a nossa estória não seja contada ela se perderá para sempre, condenando nossas existências ao anonimato do indiferenciado e da falta de sentido. Toda estória é numinosa, contendo luzes e sombras, maravilhas e terrores, delícias e dilaceramentos. E, na estória que inventamos na aventura de nossos passos, há momentos de mutação, de salto qualitativo, de alquimia pura, através do milagre do Encontro… Conheci Pierre Weil no início de 1981. O nosso encontro foi definitivo e redefinidor, iniciando-me na fase transpessoal do meu processo evolutivo. Nessa ocasião, encontrava-me no meio de uma crise existencial, embora tudo estivesse, aparentemente, correndo bem em todos os meus papéis, sociais e profissionais. Analista transacional didata, com várias formações em outras abordagens humanísticas, como a gestalt--terapia, bioenergética, biodança, terapia familiar, abordagem centrada na pessoa etc., completamente materialista, racionalista e agnóstico; recentemente tinha realizado uma mudança radical em minha existência. Um vazio angustiante, de origem desconhecida, cavava o meu peito e algo que eu ignorava me asfixiava… Foi quando olhei para um folder, em minha mão, que falava de um curso de Cosmodrama. Já tinha ouvido falar sobre o seu autor. Pensei: Está na hora de conhecer este tal de Pierre Weil!

Um olhar azul celestial Acompanhado de um amigo, também analista transacional didata, chegamos ao local do evento. Era um colégio de freiras e a sala exalava simplicidade. Vi um senhor sentado numa cadeira, com a coluna ereta e em silêncio. Ao olhar nos seus olhos azuis – que nem me olhavam – vivi uma profunda sensação de familiaridade e um paradoxal sentimento de

estranheza e de conforto invadiu minha alma. Imediatamente, entrei, de forma espontânea e inédita, num estado intensificado de consciência. Pierre Weil começou a falar. Acompanhava as suas palavras com total atenção e numa sintonia profunda. Num inusitado e inesquecível tempoespaço ou espaço-templo, este desconhecido e íntimo professor falou da fantasia da separatividade como a raiz do sofrimento humano, apontando para o apego como o fator básico gerador do medo, do estresse e enfermidades decorrentes. Ao escutar este princípio de sabedoria perene, um súbito satori, um clarão de Luz inundou a mente e o coração daquele jovem, alguns minutos antes, ainda angustiado e perdido. Uma cortina se abriu e ele compreendeu, instantaneamente, a causa de sua angústia, a fonte e o sentido de sua crise. Naquele momento, uma transformação aconteceu, radical e imediatamente, e a sua existência jamais retornou a ser o que era. Para o espanto de sua esposa, que viu um homem sair de casa no final da tarde e outro, muito distinto, retornar daquela noite de alquimia!… No final deste seminário iniciático, marco do início de uma metanoia, de um longo itinerário de realização, uma certeza ontológica sussurrava em meu coração: Há uma tarefa a ser realizada com este homem que, no momento justo, apontou-me o horizonte transpessoal e o Reino do Ser! Movido por esta intuição, algum tempo depois, procurei o Pierre Weil, que nessa época residia em Belo Horizonte. Soube, então, que ele tinha partido para realizar um retiro de três anos, três meses e três semanas, em um lamastério tibetano, no sul da França. Com um familiar sentimento de abandono e queimando no entusiasmo da busca, iniciei-me no ioga e em intensos estudos e vivências dos caminhos, sobretudo orientais, do despertar para o Ser: hinduísmo, budismo, zen, taoísmo, sufismo, xamanismo, teosofia, antroposofia, Gurdjieff, Yogananda, Ramana Mahashi, Gandhi, Tagore, Krishnamurti, juntamente com os textos contemporâneos da abordagem transpessoal da realidade.

Reencontro para a missão Quando o Pierre, finalmente, retornou ao Brasil, tivemos um encontro realmente memorável. Quando o convidei para ser o Presidente de Honra de um congresso humanístico e transpessoal, um projeto que havia nutrido

durante todo o tempo de sua ausência, ele desafiou-nos a ir além, com ousadia e lucidez profética: Realizemos um congresso holístico! Coordenar o I Congresso Holístico Internacional, I CHI, sustentado na recém-publicada Declaração de Veneza, que nos convocou para o desenvolvimento urgente da abordagem transdisciplinar, e na Carta Magna da Universidade Holística Internacional, escrita pelo Pierre Weil, MoniqueThoenig e Jean-Yves Leloup, documentos marcantes e seminais, engendrados no mesmo ano de 1986, foi outra experiência transformadora e definitiva em minha existência. Por incrível que possa parecer, a gestação e realização deste evento, de natureza iniciática – que nos iniciou no exercício do novo paradigma transdisciplinar holístico – deu-se no prazo de uma gestação, exatamente nove meses! Foi um autêntico encontro da ciência com a consciência, que reuniu dezenas de representantes notáveis da ciência moderna, da tradição espiritual, da filosofia e da arte, oriundos de diversos países do mundo, com um público fascinado de mais de mil pessoas, no Centro de Convenções de Brasília, em março de 1987. O então governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira, que participou da mesa inaugural, ao escutar vozes tão tocantes e expressivas, efetivamente participou do congresso. No simpósio do seu encerramento, o governador apresentou-se, assentou-se à mesa conosco e escutou, atentamente, todos os palestrantes. Quando, ao final, a palavra lhe foi concedida, para a perplexidade de todos que ali se encontravam, o visionário José Aparecido, afirmando que aquele congresso não poderia terminar, lançou as bases da Fundação Cidade da Paz, mantenedora da Universidade Internacional da Paz, com o Pierre como seu presidente e reitor! Desde então, tive o privilégio e alegria de conviver, no louvor e labor do cotidiano, na escola holística da existência e no jardim da utopia realizável de um paradigma transdisciplinar para a paz – até a sua passagem para além da existência – com este grande missionário e líder de uma conspiração irreversível pelo resgate da consciência da inteireza e pela reconstrução do projeto humano, Pierre Weil. Uma estória de amor Pierre Weil veio a este mundo em Estrasburgo, Alsácia. Distando apenas dois quilômetros da fronteira da França com a Alemanha, em 1924,

nasceu este notável ser humano, cuja missão foi a de lançar pontes sobre todas as fronteiras. Para a perplexidade do menino Pierre, a sua família congregava o judaísmo, o catolicismo e o protestantismo. Num ato humorístico e também vidente, que anteciparia a vertente integrativa de seus elevados ideais de amor e de fraternidade, Pierre decidiu criar, ludicamente, junto com um primo de infância, uma Associação Católica dos Judeus Protestantes a favor do Islamismo Budista! Um pouco mais tarde, jovem adolescente, não foi poupado da mais cruel atrocidade do século XX, os horrores da Segunda Guerra Mundial, que deixou marcas indeléveis em seu sensível coração. Aos dezoito anos, quando as tropas alemãs invadiram sua cidade natal, Pierre foi obrigado a se refugiar na França. Como voluntário do movimento da Resistência Francesa, iniciou a sua atividade de educador, cuidando de jovens refugiados da guerra. Foi naquela ocasião que vislumbrou, caminhando em direção a uma ponte que seria explodida pelo movimento de resistência, a sua responsabilidade por um combate totalmente outro, destinado à causa da educação para a paz. No paradoxo desta vivência de destruição de uma ponte, despontava, naquele jovem, o ideal do Pontifex, o construtor de pontes! Após a guerra, Pierre mudou-se para Paris, onde se iniciou nos rigores da ciência clássica. Formou-se em Psicologia e Educação, tendo tido grandes mestres, como Jean Piaget, André Rey, Henri Piéron, Anne Ancelin Schutzenberger, Igor Caruso, Jacob Lévy Moreno, entre outros. Também se formou em Psicopedagogia, na Universidade de Lion. Em Genebra, Suíça, estudou no Instituto das Ciências da Educação. Posteriormente, recebeu o título de Doutor em Psicologia, pela Universidade de Paris, recebendo uma Menção Honrosa, por sua original tese sobre a Esfinge.

Um lar chamado Brasil No início de sua carreira profissional, Pierre aceitou um convite do Senac para visitar o Brasil. Veio como assistente do Prof. Leon Walter, especialista em Psicologia Industrial, para ensinar métodos de diagnóstico da personalidade, por um período de três meses. Ao olhar para as nossas exuberantes paisagens e, sobretudo, ao sentir o calor afetivo do abraço

brasileiro, converteu-se à nossa terra, onde residiu até o seu último suspiro!… Depois de uma década no Senac e trabalhando na Sociedade Pestalozzi, junto com Helena Antipoff, foi contratado pelo antigo Banco da Lavoura, hoje Banco Santander, para organizar um moderno departamento de desenvolvimento, façanha que realizou com impecabilidade. Como brilhante professor universitário, Pierre Weil também contribuiu, de forma decisiva, para a criação da profissão de psicólogo no Brasil. Foi um dos redatores, juntamente com Eliezer Schneider e Raul Pontual, a pedido de Lourenço Filho e de Myra Lopes, na fase de anteprojeto, da lei que criou esta profissão que, inicialmente, foi denominada de Psicotécnico. Pierre Weil foi contra esta denominação, de forma enfática, solicitando sua modificação para a de Psicologia Aplicada. Eis um reconhecimento que as psicólogas e os psicólogos brasileiros devem à maestria de Pierre Weil!

Crise iniciática, portal para o Ser Tornou-se um profissional muito bem-sucedido e, com cerca de trinta anos de idade, já era autor de best-sellers como Relações humanas na família e no trabalho e O corpo fala, ambos publicados pela editora Vozes. Foi quando vivenciou uma profunda crise existencial, de tédio e de angustiante vazio, que culminou com um câncer. Era a crise iniciática: o Sagrado, Aquilo que É, batendo na porta da sua existência efêmera, aquilo que passa… Pierre escutou a mensagem, extraindo o néctar de significado da sua doença, curando-se e colocando-se na estreita senda do despertar para a plenitude do Ser. Bebeu da boa fonte de muitos mestres da terapia e sabedoria perene, como Krishnamurti e Gurdjieff. Viajou para a Califórnia, onde vivenciou o que Maslow denominava de experiências culminantes, no Esalen Institute. Percorreu caminhos estreitos na Índia e no Himalaia, conhecendo grandes mestres espirituais, como Swami Muktananda. Iniciouse no Yoga, na Cabala, estudou o Vedanta e vivenciou a tradição milenar do Kashmir Shivaism, experienciando o despertar da Kundalini, a energia ígnea da Grande Vida. E travou contato com Israel, onde se reconectou com o solo sagrado de seu pai e estabeleceu laços com seus primos, entre eles, com o eminente André Chouraqui, célebre tradutor do Antigo e Novo

Testamento e do Corão, considerado o Homem de Jerusalém, um dos conferencistas do já citado I Chi. Pierre conviveu, longamente, com os fundadores da Findhorn Foundation, na Escócia. Fez amizade com sacerdotes do deserto, de forma especial com o Padre Inácio Farah, estagiou e pesquisou em clínica de parapsicologia, entrou em contato com biofísicos russos e percorreu o Mind Control e a Psicossíntese, de Roberto Assagioli. Mentor maior do movimento transpessoal no Brasil, tendo sido um dos seus líderes na Europa, implantou a cadeira de Psicologia Transpessoal na Universidade Federal de Minas Gerais, onde recebeu o título de professor emérito. Na sua sólida e ampla caminhada, fez uma profunda e bela síntese das abordagens ocidentais com as vias orientais, da psicologia contemporânea com a milenar tradição sapiencial, no seu sistema denominado de Cosmodrama, posteriormente ampliado como uma Arte de viver a vida. Assim, Pierre Weil logrou uma efetiva e afetiva aliança entre a razão cartesiana e o coração peregrino, o cientista lúcido e o místico dos caminhos da Essência.

A obra-prima ofertada Nestas últimas duas décadas, em nosso canteiro de obras da Unipaz, dedicado à construção e irradiação da abordagem transdisciplinar holística, que engendrou o nascimento do Colégio Internacional dos Terapeutas (CIT) e, mais recentemente, do Festival Mundial da Paz (Festpaz), Pierre Weil consolidou a obra-prima de sua fecunda existência. Notável e fértil escritor, publicou aproximadamente cinquenta livros, dentre os quais, mais de duas dezenas sobre o novo paradigma. A arte de viver em paz, de sua autoria, um verdadeiro e consagrado manual de educação para a paz e não violência, que contém a essência da teoria fundamental da Unipaz, foi publicado pela Unesco e vertido para quase dez idiomas. Esta obra desdobrou-se nos seminários denominados A Arte de Viver a Vida, reeditados neste livro, vivenciados por milhares de pessoas em toda a Rede Unipaz e fora dela, nos últimos vinte e quatro anos. A partir da matriz histórica, de Brasília, surgiu uma Rede – e, ultimamente, um Colegiado – de Unidades da Unipaz, que se irradiou para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Florianópolis, Curitiba-Mata Atlântica, Vitória, Campinas, Fortaleza, São Paulo, Aracajú,

Maceió, Recife, Uberlândia, Porto Velho, Londrina, Lorena-Vale do Paraíba, Pelotas…, consagrando o Brasil como uma das pátrias mais fecundas da nova consciência, este Novo Mundo que abraça o devir e se destaca pelo desenvolvimento de uma cultura transdisciplinar holística de ponta. Ultrapassando as fronteiras nacionais, a Unipaz, em sinergia com o CIT, se propagou também para a Argentina, Equador, Portugal, França, Bélgica, Reino Unido e Canadá, divulgando parcialmente alguns de nossos programas, como o da Formação Holística de Base, a Arte de Viver em Paz, a Arte de Viver a Vida, a Arte de Cuidar, o Beija-Flor, a Casa do Sol – para crianças, o Projeto Taba – para adolescentes, a Formação Holística de Jovens e de Jovens Líderes, Cuidar do Ser, Formação na Abordagem Transpessoal, Síntese Transacional, Ecoformação… Em setembro de 2009, Goiânia foi palco do II Festival Mundial da Paz e do XI Congresso Internacional da Rede Unipaz. Por outro lado, Pierre estimulou e participou de uma marcante pesquisa parapsicológica, em torno do amigo e especial sensitivo, Amyr Amiden, conduzida pelo eminente parapsicólogo americano, Stanley Krippner, um dos diretores do Saybrook Institute e com a participação do Institute of Noetic Science, criado pelo astronauta Edgard Mitchell. O núcleo desta pesquisa transcorreu durante oito dias, em março de 1994, com uma equipe interdisciplinar, cuja fenomenologia e resultados encontram-se relatados no livro, de diversos autores, Transcomunicação – O fenômeno magenta (Pensamento). Após quase uma década transcorrida, no período de 2003 a 2008, ocorreu um especial desdobramento desta pesquisa, desta vez de natureza transcomunicacional instrumental, circunscrita ao Pierre Weil, Amyr Amiden, Roberto Crema e, quando do seu itinerário anual no Brasil, JeanYves Leloup. Mensagens da Luz – Os anjos falam (Diálogos do Ser) foi uma obra que brotou desta singular e tocante experimentação, cuja ressonância encontra-se muito presente nos derradeiros livros do Pierre, Lágrimas de compaixão (Pensamento), Os mutantes (Verus), Rumo ao infinito (Vozes) e A entrega (Vozes); este último, que encerrou a trilogia de sua autobiografia – junto com A revolução silenciosa (Pensamento) e o já citado Lágrimas de compaixão –, tendo sido publicado, numa tocante sincronicidade, no mesmo dia de sua passagem.

Justas homenagens Pierre Weil, incansável artesão da Paz, recebeu a condecoração da Ordem da Alvorada das mãos do Governador do Distrito Federal. Pela Câmara Legislativa, foi honrado com o título de cidadão honorário de Brasília e recebeu, em dezembro de 2000, o Prêmio Unesco de Educação para a Paz, por solicitação de Robert Muller. Apenas um mês antes de sua partida da existência, foi homenageado no III Congresso Internacional de Transdisciplinaridade, por iniciativa de sua Presidente, Maria Cândida Moraes, com uma emocionante fala de nosso amigo especial, Ubiratan D’Ambrosio, numa cerimônia inesquecível, quando todo o auditório levantou-se, vibrantemente o aplaudindo, durante mais de cinco minutos… Apenas quatro dias antes da sua passagem, na sua última aparição pública, Pierre foi também homenageado, no Salão Nobre do Senado Federal, através de uma entrevista, na qual tive o privilégio de participar, ao lado do Fernando Lemos. Com a voz cansada e o olhar já dirigido ao Infinito Eterno, Pierre falou daquele momento relatado, do seu sonho de paz durante a Segunda Guerra, de seu encantamento pelo Brasil e a sua natureza pacífica – apesar de tudo –, do mistério da morte e de sua fé na Vida!…

Três fascinações permanentes Na minha percepção, a existência e a obra do Pierre Weil transcorreram no marco de três grandes e duradouros fascínios. O primeiro é o mais conhecido por todos: o da Paz, à qual ele dedicou, totalmente, todos os seus dias, noites e madrugadas, suas reflexões e sonhos, seus passos, risos e lágrimas. O segundo é o do infinito. Com dezoito anos, Pierre criou uma teoria, por ele denominada de infinitismo. Num sábio e feliz insight, ele criou um novo verbo, infinir. De fato, a crise global que vivenciamos é de definição. Definir é delimitar, tornar tudo finito. Enquanto infinir é tudo remeter para o sem início e sem fim do Aberto. Analisar é definir; sintetizar é infinir: eis uma arte imprescindível e transdisciplinar de Aliança, entre a razão e o coração, a ciência moderna e a tradição sapiencial, entre o saber e o Ser. O terceiro é o da mulher, um tema que conecta, em Pierre, a criança e o ancião… Sua busca da alma gêmea foi intensa e permanente. A mulher foi a sua inspiração fundamental. De fato, é também o fator básico e essencial

para a paz e para o transtemporal, a eternidade. Não haverá paz genuína e nem a consciência libertadora do sem-limite, se não resgatarmos o princípio feminino, mistério insondável em todos os universos, feitiço e encantamento total, na epopeia que foi a existência do querido e perene Samurai da Paz, Pierre Weil.

A partida Pierre Weil assumiu a autoria da sua estória através dos seus livros, da sua obra e, sobretudo, do seu testemunho de autêntico Samurai, uma palavra que significa servidor da paz. E como todo herói das trilhas iniciáticas ao deixar a existência ele mitificou-se, transformando-se num ícone que jamais morrerá, um farol luminoso a nos indicar o norte do Ser. Alguns minutos antes de tombar de pé, em sua residência de Brasília, para não mais se levantar, na noite de 10 de outubro de 2008, Pierre sussurrou, para alguns ouvidos presentes e atentos: Eles estão aqui! Todos os seus amigos e amigas da Clara Luz, do universo vibrante do invisível – que ele tão bem conheceu –, assim como as suas filhas e, de certo modo, todos nós, os amigos e amigas de senda, que tanto o amamos, ali estávamos, para presenciar a ascensão de um autêntico Ser ao seu Lar de Paz, de Infinito e de Amor Eterno. Vivo, Pierre partiu! Onda que retornou ao mar, um olhar celeste e um riso maroto, que seguirá nos inspirando e abençoando, madrugadas adentro, entardeceres afora, nestas trilhas estreitas que nos conduzirão ao seu sonho maior, o alvorecer de um novo dia. Paris, 28 verão de 2009.

O ARTESANATO DA ARTE DE VIVER A VIDA Lydia Rebouças* A VIDA É DADA a nós, e nós a merecemos dando-a. (Rabindranath Tagore)

“A Arte de Viver a Vida” é uma confissão e uma oferenda da vida de Pierre Weil. Reflete seus passos, sua busca, a maneira como enraizou todo um precioso aprendizado em seu cotidiano e a brilhante forma que encontrou de compartilhar e multiplicar essa riqueza. Por ser tão pessoal, é tão universal. É uma metodologia possível, eficaz e profunda de educação para a vida de todos nós. Mostra um caminho que poderá nos levar a refletir e experienciar a unidade, a inteireza, a paz, os diferentes estados de consciência, a presença plena no cotidiano, a harmonia, os conflitos, a natureza e a passagem. Revela uma trilha amorosa para nossa peregrinação diária. Pierre, educador e doutor em psicologia, era francês. Veio de mala e cuia para o Brasil em 1948 e ficou encantado com nosso abraço espontâneo e afetuoso. Aqui, foi um dos pioneiros nos esforços pela regulamentação da profissão de psicólogo. Na Universidade Federal de Minas Gerais foi o primeiro a lecionar Psicologia Transpessoal. Iniciou a criação da metodologia que mais tarde seria denominada “A Arte de Viver a Vida”. Nas salas de aula da UFMG, costumava propor a seus alunos várias vivências do seminário “A arte de viver consciente”, o seu preferido, a menina dos seus olhos. Como psicólogo, Pierre sempre foi um psicodramatista. Daí veio o primeiro batismo desse trabalho como “Cosmodrama”, deixando clara a costura feita entre o Psicodrama e o universo cósmico da Psicologia Transpessoal. Foi através do Cosmodrama que nos conhecemos, no início da década de 1980, nos workshops que ele realizava em Brasília.

Depois disso, Pierre saiu de cena por três anos, três meses e três dias, quando participou de um retiro espiritual. Pouco tempo após seu retorno, em 14 de abril de 1987, deu início à Unipaz em Brasília, uma organização não governamental com a missão de desenvolver uma cultura de paz e não violência através de uma educação integral, transdisciplinar e holística. Essa realização foi a concretização do ideal de paz sempre presente em Pierre. Naquela ocasião, a vida voltou a nos re-unir, como amigos fraternos e parceiros no enraizamento dessa utopia. Poucos meses após a inauguração da Universidade da Paz, Pierre convocou um grupo de terapeutas, com os quais tinha um convívio mais próximo, para participar da primeira turma de formação de facilitadores dos seminários de Cosmodrama. Além de nos prepararmos para transmitir essa metodologia, tivemos como responsabilidade adaptar o modelo francês do curso de Formação Holística de Base, criado na década de 1970, à nossa realidade brasileira, com o objetivo de lançá-lo na Unipaz/DF. De início, não entendi o que uma coisa tinha a ver com a outra. Perguntei a Pierre que relação existia entre a formação e o trabalho de planejamento do curso de Formação Holística de Base. Ele me disse que ambos partiam da proposta teórico-vivencial que estabelece pontes entre: • as quatro funções psíquicas preconizadas por Carl Jung: pensamento, sentimento, sensação e intuição; • os diferentes estilos de conhecimento: ciência, arte, filosofia e tradições espirituais; • as três Ecologias, ou três consciências: Ecologia Interior/ Consciência Pessoal, Ecologia Social/Consciência Social e Ecologia da Natureza/Consciência Ambiental. Além disso, os cosmodramas, posteriormente denominados de “Arte de Viver a Vida”, constituiriam a espinha dorsal do curso de Formação Holística de Base. Do Planalto Central, convidou Roberto Crema e eu para participarmos desses trabalhos. Aceitei o convite, alegre e honrada. Indaguei onde iríamos nos encontrar, imaginando que, obviamente, seria na Unipaz em Brasília, já que estávamos inteiramente dedicados a implantá-la. Pierre, sorrindo, me disse: – “Vai ser em Betim”. E eu, pasma: – “Betim? Onde fica?”

– “É em Minas, perto de Belo Horizonte. Iremos nos encontrar no ‘Salão do Encontro’. Lá você imediatamente descobrirá o porquê.” E assim, apanhada de surpresa, segui viagem rumo a Betim. Conhecer o “Salão do Encontro” foi uma experiência que alegrou todo meu ser! Descobri um programa social que atende através da arte-educação pelo trabalho. Todo ele é uma bela obra de arte. Lá encontrei, de bebês aos mais vividos, todas as faixas etárias atuando conjuntamente. Velhinhas tecelãs peregrinando de sua oficina até a escola das crianças para ensinar sua arte. Artesãos da madeira, barro, fios e tramas criando com beleza comovente e aprendendo a arte de viver a vida. Pierre nos levou até lá para sempre lembrarmos de irradiar nosso trabalho às pessoas menos favorecidas economicamente. Recomendava que, a cada três seminários pagos, realizássemos um gratuito. Em Betim, reconheci nele um cuidadoso terapeuta social. No Colégio Internacional dos Terapeutas, do qual participo, entendemos que terapeuta é aquele que cuida. Os terapeutas são acolhidos em três categorias: clínicos, sociais e ambientais. Pierre se revelava como um terapeuta em todas essas formas de cuidar. A Formação Holística de Base foi lançada em Brasília em agosto de 1989. O sucesso foi surpreendente. A primeira turma contou com mais de cem aprendizes de todo o Brasil e encerrou sua jornada em 1992, com o Seminário sobre os Terapeutas de Alexandria, conduzido por Jean-Yves Leloup. A partir daí, várias unidades Unipaz foram nascendo em outras cidades. A Unipaz/DF concluiu, em 2010, a 18ª turma de Formação Holística de Base. Esse curso continua acontecendo na maioria das unidades Unipaz. Pierre gostava de relacionar a Unipaz à Escola de Sagres. Dizia que, no século XV, a Escola de Sagres preparava os navegadores que iriam descobrir novas terras. Hoje, a Unipaz contribuiria preparando novos navegadores, aos quais denominava PONTIFEX (termo latino que significa “construtores de pontes”) e SAMURAIS, isto é, os servidores da paz. Posso garantir a vocês que a Formação Holística de Base vem preparando, ao longo de todos esses anos e nas diferentes unidades Unipaz, muitos Pontifex e Samurais.

“A Arte de Viver a Vida” tem como síntese “A Arte de Viver em Paz”, um trabalho encantador, abrangente e atual. Tem se mostrado muito efetivo, como sensibilização, nos mais diferentes grupos onde vem acontecendo. Nele, Pierre elaborou uma teoria sobre a destruição da vida, explicitada na roda da destruição. Em seguida, propôs princípios e abordagens de educação para a paz, na roda da arte de viver em paz, onde podem ser experienciadas, com interdependência, a ecologia interior, social e ambiental. Dessa forma, tornou-se pioneiro no que hoje denominamos “ecoformação”. “A arte de viver em Paz” é uma metodologia reconhecida pela Unesco e publicada em português, francês, espanhol, inglês, alemão e catalão. No ano 2000, a 26ª Assembleia Geral da Unesco recomendou-a como um novo e eficaz método de educação para a paz. Neste livro iremos encontrar uma breve partilha sobre esse trabalho no 1º capítulo. Pierre foi e continua a ser um semeador com visão ampla, amorosa e generosa. Várias vezes o vi brincando de fazer uma progressão geométrica, imaginando que poderíamos formar tantos facilitadores da “Arte de Viver em Paz” que esse trabalho seria multiplicado em todos os cantos de nosso planeta. Ele cuidou disso com maestria, de forma que essa metodologia de educação para a paz pudesse ser aplicada a quaisquer pessoas: letradas e iletradas, de todas as religiões e visões do mundo. Convivendo com Pierre, pude ver o quanto tudo isso fazia parte de sua arte de viver o cotidiano. Nos dois primeiros anos da Unipaz/DF, partilhamos uma experiência comunitária muito intensa. Passamos a residir na Granja do Ipê, sede da Unipaz, na companhia de um grupo diversificado de pessoas. Ali, durante todo o tempo, reconheço que convivi com um Pierre aberto e cuidadoso. Sempre que estávamos com dificuldades para encarar nossos conflitos pessoais, interpessoais e intragrupais, ou quando estávamos idealizando a Unipaz, Pierre nos dizia que a Cidade da Paz é também a cidade do conflito. Lembrava-nos que o primeiro passo consiste em acolher e tomar consciência dos conflitos, para que fosse possível transformá-los. Pierre integrou, de fato, todas as artes de viver. A respeito da arte de viver o conflito, lembro que ele sempre cultivou o princípio de não passar 24 horas com uma mágoa ou um ressentimento guardado, sem compartilhar sobre isso com a(s) pessoa(s) envolvida(s). Foi um exemplo inspirador para todos nós, de uma humanidade plena.

Durante sua vida, foram realizados muitos cursos de formação da “Arte de Viver em Paz”, mas poucos sobre a “Arte de Viver a Vida”. A primeira turma da “Arte de Viver a Vida” foi formada, conforme compartilhei, em Betim-MG. A última aconteceu em Brasília, logo antes do fim de sua vida terrena, em 10 de outubro de 2008, tendo sido composta por dois grupos, totalizando 44 participantes. Pierre facilitou o 1º módulo e concluiu o mesmo apenas onze dias antes de sua passagem; a partir de então dei continuidade ao processo. Os participantes dessa turma são pessoas muito comprometidas com a missão da Unipaz, estando a maioria delas diretamente ligada às diferentes unidades Unipaz. Assim, Pierre continua bem vivo através do trabalho da “Arte de Viver a Vida”. Nutrimos por nosso Samurai e Pontifex primeiro um amor é-terno. Deixo você, querido leitor, com a certeza de que esse livro revela um legado precioso para todos que buscam viver plenamente, com leveza e alegria, a complexa e misteriosa existência! Bons passos! Brasília, início da primavera, 2010. * Lydia Rebouças é mãe do João e da Maria. Companheira do Luiz. Psicóloga e Educadora. Fundadora da Unipaz onde está Vice-reitora. Jardineira, artesã de patchwork, velejadora, peregrina, aprendiz da arte de viver a vida.

Introdução

Este livro se destina praticamente a todas as pessoas. Pois, salvo raras exceções, mulheres e homens contemporâneos perderam o sentido da existência e comunicaram esta falta de sentido para os jovens que se sentem ainda mais desarvorados. Eu passei por uma crise existencial que eu conto no meu livro A revolução silenciosa. Foi uma crise de perda de sentido. Eu tinha tudo para ser feliz, e eu estava mais infeliz do que nunca. Então eu tive que aprender a ser, pois eu era doutor em ter, mas eu desconhecia o sentido da existência. Comunicar o que descobri por mim mesmo, convidar os outros a fazer as mesmas descobertas e indicar como procurar, é o máximo que posso fazer, com a máxima alegria, de coração para coração. É o que faço sob forma de nove seminários, ao longo de um a dois anos, sob o título de A arte de viver a vida. À medida que os anos se passaram, resolvi deixar para cada participante, no fim de cada seminário, um texto básico que pudesse servir de reforço em relação ao tema que acabava de ser tratado. Foi assim que nasceu este livro. Pois este se destina também aos milhares de amigas e amigos que fiz durante estes seminários. Muitos são os que me falam a mesma coisa e expressam o mesmo sentimento de gratidão: “Muito obrigado! Os seus seminários mudaram a minha maneira de viver. É o que eu mais precisava!” Espero que o leitor também tire bastante proveito destes textos, o que irá encorajar muitos a participar dos seminários, que são oferecidos nos inúmeros campus da Unipaz, espalhados por este Brasil que tanto amo, e também nos campus Unipaz localizados em outros países. O primeiro capítulo dá uma visão geral do livro, ao mesmo tempo em que inicia o leitor e o estimula a praticar diariamente o que ele recomenda. Ele é um resumo do Seminário A arte de viver em paz, cujo livro foi publicado pela Unesco e que existe em seis línguas, com seus ensinamentos sendo ministrados por animadores na Europa e na América do Sul.

Nos capítulos seguintes, reencontramos o mesmo ritmo e a mesma praticidade e simplicidade de exposição. No fim de cada capítulo, o leitor, interessado em se aprofundar no assunto tratado, encontrará algumas sugestões de leituras. Os capítulos que seguem ao Viver em paz, tal como os seminários, foram agrupados em pares, seguindo nisto a estrutura dos principais cursos de formação de adultos, jovens e crianças da Unipaz. Assim, os dois primeiros, Viver consciente e Viver em plenitude, se referem à arte de viver consigo mesmo. Os dois seguintes, Viver em harmonia e Viver o conflito, são agrupados em torno do tema da arte de viver com os outros. Os dois últimos, Viver a natureza e Viver a passagem, referem-se à nossa relação e ao nosso lugar no universo. Segue então um capítulo final e conclusivo: E a vida continua… Ao mesmo tempo, o leitor será colocado diante de um convite, feito pela Unesco: precisamos, tanto os adultos como os jovens, além de aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Este livro responde, em grande parte, a estes aspectos de uma nova maneira de viver e de uma nova educação. Em suma, muitos encontrarão nestas linhas uma nova forma de ser, nesta nossa existência pós-moderna, adequada a todos os tempos e a todas as pessoas. É pelo menos este o nosso voto mais profundo. Pelo menos foi esta a nossa intenção última. Aproveitamos o ensejo desta introdução para agradecer penhoradamente a todos os que contribuíram direta ou indiretamente para a realização desta obra, desde os participantes dos meus seminários, que, mediante suas perguntas, enriqueceram este livro; à minha secretária Simone, que ajudou na datilografia [sic] de alguns textos; ao Banco do Brasil, que nos autorizou a republicar o primeiro capítulo, e ainda ao nosso precioso colaborador, Rubens Eurípedes de Oliveira, que muito contribuiu na montagem final do trabalho.

Capítulo I Viver em paz

1. Introdução Muitos são os que procuram a paz e a serenidade no companheiro, no marido ou na esposa, nas honrarias de um título de doutor ou de alto executivo, num partido político, numa ideologia, no Japão ou no Himalaia. Eles acabam não encontrando o que procuravam e continuam infelizes, brigando com todo mundo, procurando refúgio num excesso de atividade e trabalho febril, estressados e doentes. Hoje, graças ao encontro da medicina psicossomática moderna e das novas terapias, com a sabedoria vinda do Oriente e das grandes tradições espirituais, sabe-se quais as grandes áreas em que se pode atuar para encontrar esta paz que perdemos, pois poucos são os pais e educadores contemporâneos que ainda possuem estes conhecimentos e estão realmente em condições de transmiti-los aos seus filhos ou educandos. Onde podemos, pois, encontrar paz e serenidade? O que vem a seguir constitui para você, leitor, uma verdadeira dádiva, um precioso tesouro ao alcance de quem se dispõe a assumir entrar a fundo, seguindo as indicações e conclusões destas descobertas que estão ao alcance de qualquer um. Trata-se do que começa a ser conhecido como as TRÊS ECOLOGIAS ou ainda as TRÊS CONSCIÊNCIAS. No nosso seminário sobre a arte de viver em paz nós mostramos como se faz este processo de destruição, mostrando a roda da destruição e a roda da paz. Quem estiver interessado nesta parte poderá consultar o nosso livro A arte de viver em paz se não puder fazer o seminário. Por uma questão prática, vamos diretamente ao modelo final, que constitui o arcabouço de todo o nosso sistema de transmissão da arte de viver a vida.

2. As três ecologias e as três consciências Existem três direções nas quais podemos enxergar a paz. Cada uma delas necessita de uma forma de consciência e de um tipo de ecologia. Na realidade, estas consciências e ecologias são profundamente interligadas e inseparáveis. Elas dependem umas das outras e se influenciam reciprocamente. Nós as separamos apenas com finalidade didática, para clareza da explanação. A primeira é consigo mesmo, ou, melhor ainda, dentro de cada um de nós. Há momentos em que estamos em paz e há outros em que estamos tensos e agitados, nem sempre sabendo o porquê. Há, por conseguinte, necessidade da consciência individual para definir e localizar a paz dentro de nós mesmos para, em seguida, dizer como alcançá-la. É o que se chama de ecologia interior ou ecologia do ser, que se apoia na consciência individual. A ecologia individual é o estado de harmonia do ser pessoal. A segunda direção é a paz com os outros. Essa paz também é instável nas nossas relações com marido, mulher, amigos, colegas, pais e filhos etc. Como se caracteriza esta paz e como torná-la estável? Eis uma questão de ecologia social, isto é, de harmonia com a sociedade e dentro dela. A ecologia social pressupõe, exige e depende da consciência social de cada cidadão e de uma consciência social coletiva maior do que a soma das consciências individuais. Enfim, há uma questão bastante séria e vital para nós: é a paz com o meio ambiente, com a natureza em torno de nós. Poucas pessoas até hoje têm uma ideia clara de que jogar o nosso lixo num riacho ou usar um spray consiste numa violência com a natureza, e que é uma forma de contribuir para o nosso próprio suicídio, como membros da humanidade. A paz na ecologia ambiental, e como contribuir para ela, é a terceira questão essencial para vivermos com qualidade. A ecologia ambiental é um estado de equilíbrio dos ecossistemas. Este equilíbrio, tudo o indica, é uma expressão da consciência do universo. Com a intervenção destrutiva, pelo ser humano, do equilíbrio ecológico, foi e continua sendo indispensável o despertar da consciência ecológica individual em cada cidadão do planeta. Ao proceder assim, podemos

contribuir em dissolver a ilusão de que somos separados deste universo autoconsciente. A roda da arte de viver em paz nos mostra o quanto são interdependentes os diferentes tipos de consciência, de ecologia e de vivência da paz. No centro dela encontra-se a consciência do próprio universo, ou universo autoconsciente. Vamos então iniciar com a arte de viver em paz consigo mesmo.

Figura 1

3. A arte de viver em paz consigo mesmo: uma questão de ecologia interna

Como já o expressamos anteriormente, a maior parte das pessoas procura a paz fora de si. Quando foi fundada a Unesco, como organismo das Nações Unidas responsável pela educação, ciência e cultura no mundo, no seu preâmbulo se declarou que “Uma vez que as guerras iniciam na mente dos homens, é na mente dos homens que devem ser construídas as defesas da paz”. Na realidade, não há nada a “erguer”, pois a paz sempre está ali; mas deixamos de enxergá-la, pois ninguém nos mostrou onde ela está. Para descobri-la, precisamos saber que isto exige uma tomada de consciência de onde e como encontrá-la. Há três grandes espaços do nosso ser mais íntimo, onde podemos encontrar a paz: o nosso corpo físico, o nosso espaço emocional e a nossa mente. Vamos, para cada um destes níveis, mostrar como, de maneira bem concreta, podemos experienciar e vivenciar a paz.

• A paz do corpo Esta pode ser experienciada, isto é, vivenciada através do relaxamento. Vivemos constantemente numa agitação; às vezes, frenética. As nossas emoções destrutivas, como a raiva ou o ciúme, criam tensões no nosso corpo. A resposta a estas tensões é o relaxamento. Relaxamento se aprende; mas você pode fazer a experiência agora, durante esta leitura. Basta para isto fechar os olhos, ficar bem à vontade, dar umas três inspirações profundas, soltar os músculos, imaginar que você está num lugar ideal de descanso, como uma praia ou uma rede na montanha. Fique uns dez minutos neste estado relaxado. Tome então consciência do seu estado físico geral. “Bem-estar, descontração, paz, bem e estar à vontade, solto, repousado”, são, entre outras, as declarações dos que estão saindo de um estado de relaxamento. Para você realmente entender de que se trata é indicado fazer esta experiência agora. Caso você tenha gostado, convém a você fazer um curso de relaxamento ou mesmo de ioga. A sua vida cotidiana vai mudar se você resolver praticar relaxamento todos os dias, de manhã e de noite.

Esta melhora será muito maior ainda se você for tratar da fonte das tensões musculares, as emoções destrutivas. É disto que vamos tratar agora.

• A paz do coração Por que e como lidar com as emoções destrutivas? Se você quiser despertar a paz do seu coração, aprenda a lidar com as suas emoções destrutivas. O estudo das causas do estresse indica as emoções destrutivas como sendo as suas grandes causadoras. Que emoções são estas? Podemos defini-las como as que causam conflitos com os outros e para si mesmos. São as expressões internas e externas das nossas neuroses. Uma boa definição do neurótico é a que o descreve como uma pessoa que sofre e faz sofrer os outros. E o que faz sofrer os outros, senão o ciúme, o apego exagerado a coisas, pessoas ou mesmo ideias, a rejeição e a raiva, o orgulho e a indiferença? Nas próximas semanas observe bem você mesmo e os outros ao redor de si, e veja se o que está sendo questionado aqui não corresponde a uma grande verdade! Como então lidar com estas emoções, já que elas são tão destrutivas? Grande parte da humanidade costuma se deixar levar por elas, perdendo o autocontrole. Tomemos, como exemplo, a raiva. Nesse estado, as pessoas gritam, ofendem, magoam, muitas vezes, a quem amam e depois se sentem culpadas e sofrem. Podemos afirmar que isto não é uma boa solução. Outras pessoas assumem um comportamento oposto. Acham que a raiva é uma emoção feia e repreensível, rechaçam e recalcam o seu sentimento de rejeição. Continuam cheias de mágoas e de ressentimentos não expressos. Repetindo esta maneira de ser durante meses ou mesmo anos, acabam estressadas, somatizando a sua raiva contida sob forma de úlcera duodenal ou de enfarto do miocárdio. Então, essa também não é uma solução. O que fazer, então, se agredir ao outro ou agredir a si mesmo resultar em sofrimento? Existe uma terceira alternativa, uma espécie de caminho do meio. Em vez de soltar a raiva ou de dominá-la, existe uma solução bastante esperta:

simplesmente tomar consciência dela e deixá-la passar, como uma nuvem de tempestade passa e deixa o sol brilhar de novo e o céu ficar azul. É claro que você precisará de certo tempo, algumas semanas ou meses para conseguir bom resultado. Quanto mais cedo você começar, mais cedo você se tornará um ser livre das suas emoções pesadas. A verdadeira liberdade é esta. No início, a gente se esquece; mas, aos poucos, você acaba constatando que você chegou ao ponto de ver a emoção chegar. Você poderá dizer, com certo senso de humor: “lá vem ela de novo”. Esse será um excelente sinal de sucesso. Você não pode se livrar de todo da raiva, mas pode fazer com que ela se transforme em sentimentos de amizade ou mesmo de amor. E, aos poucos, isto se transformará numa segunda natureza. Você começará a irradiar paz e serenidade em torno de você, sobretudo se, paralelamente, você praticar diariamente o relaxamento do corpo. Você obterá ainda mais alegria e harmonia na sua existência se, além de lidar com estas emoções, você cultivar altos sentimentos humanos, tais como a alegria, o amor, a compaixão e a equidade. A alegria de compartilhar felicidade com as pessoas; o amor no sentido de querer a felicidade das pessoas ao seu redor; a compaixão, significando o sentimento de compreender o outro e o ato de ajudá-lo a aliviar o seu sofrimento. E a equidade significa o tratamento igual de todos os seres deste universo, sem nenhuma preferência por um ou outro. Assim, você terá adquirido a paz do coração, além de a paz do corpo.

• A paz na mente e no espírito Mas, mesmo tendo adquirido a paz do corpo e a paz no nível das emoções, isto é, a paz de coração, a sua mente continua agitada, gerando uma hiperatividade no mundo externo e uma invasão, para não dizer uma inflação, de pensamentos: ideias, imagens, formas, símbolos, memórias desfilam, numa dança incessante. No fim do dia você só tem uma vontade: ir para cama e dormir! Esta é a atividade típica da sua mente com as suas infinitas produções e funções bastante úteis para o nosso cotidiano. A mente nos permite raciocinar, lembrar, apreciar, comparar, julgar, decidir, avaliar, nos defender. A mente existe para, entre outras funções, defender a nossa existência. Só

que, de vez em quando, ela nos atrapalha bastante, por funcionar demasiadamente, sobretudo se fomos educados para ser um intelectual e hipertrofiamos esta função. Embora seja uma atividade normal do espírito, em certas ocasiões, ela gera emoções destrutivas. Basta, por exemplo, se lembrar de um inimigo seu, e você fica com raiva! E, com tudo isto, nós perdemos a paz de espírito. A mente, gerada pelo espírito, acaba obstruindo a nossa via de acesso à paz natural, característica do próprio espírito. E, assim, perdemos o controle de nós mesmos. Mais ainda, existe um aspecto muito sutil do pensamento: é que a sua natureza própria é de tudo dividir. Mais particularmente, o conceito do eu divide a nossa percepção em duas partes: eu e o mundo, o espaço interior e o espaço exterior, você e os objetos, e assim por diante. Na realidade, esta divisão é ilusória, pois a ciência nos ensina que tanto o ser humano como todos os objetos e mundo ao seu redor são constituídos de energia, e da mesma energia. Assim, nada é separado, neste nível de compreensão, da verdadeira natureza das coisas. Esta ilusão ou fantasia é que constitui a causa primordial de todos os nossos problemas, pois, por causa dessa miragem da separação, nos apegamos a tudo o que nos dá prazer, evitamos ou rejeitamos tudo o que nos causa dor e ficamos indiferentes ao que não nos causa dor. Isso se refere a coisas, pessoas ou mesmo ideias. Na Unipaz fizemos um longo estudo desta questão e conseguimos reconstituir a gênese da destruição da vida no planeta. Ela começa justamente do modo que estamos descrevendo aqui, isto é, por esta fantasia da separatividade, por esta miragem. Essa é a raiz da raiva, da possessividade e da indiferença. Por exemplo: porque estamos percebendo o mundo como exterior a nós, exploramos a natureza do nosso planeta até não sobrar mais nada. A possessividade dos madeireiros e o seu apego ao lucro sem fim causam a devastação das florestas tropicais. Mas se pode observar o mesmo apego e suas consequências nefastas bem juntinho de nós mesmos, dentro de cada um. O exemplo mais clássico é o que acontece no início de um namoro. Ele e ela se encontram pela primeira vez, trocam carinho, acham gostoso e, na hora de se despedir, um

pede ao outro o seu número de telefone ou ainda marcam encontro para o dia seguinte. Este momento é o sinal de que já se apegaram um ao outro. Querem a continuidade do prazer. Se um descobre, então, que o outro o engana, pode surgir o medo da perda, que leva ao estresse, que gera doença e sofrimento, e o sofrimento reforça a fantasia da separatividade. Está assim fechado o círculo vicioso da compulsão repetitiva da qual todos nós somos vítimas. A figura 2 nos dá um excelente resumo desse círculo vicioso. Eis um convite para você verificar facilmente o que eu estou lhe mostrando, a partir do seu cotidiano. Cada vez que você sofre, principalmente no plano psicológico, procure o apego. Ele está sempre aí. Tome consciência dele e ele se afastará. No nosso exemplo, o apego irá se manifestar sob várias formas. O casal vai ficar ansioso e com medo de não se encontrar, ou com ciúmes por ignorar se existe uma outra pessoa. Se um chegar muito atrasado ao encontro, o outro ficará com raiva ou, no mínimo, ressentido. Se soubessem que não estão separados, mas originados e constituídos da mesma essência, o próprio apego cairia por si só, pois é a energia se apegando a ela mesma! Na espera do novo encontro, cada um cuidaria das suas coisas e dos seus afazeres, sem expectativa nem medo, com abertura total a tudo que vier acontecer. Se cada um vier ao encontro, será uma nova alegria; se um falhar, não vai haver decepção, pois não se esperou nada, já que havia total desapego.

Figura 2 Como então dissolver esta ilusão de separatividade, já que ela é a fonte última de todo sofrimento? As tradições multimilenares, tanto do Oriente como do Ocidente, nos dão uma resposta bastante clara a respeito. Elas aconselham o recolhimento no silêncio. Isto pode ser entendido como o silêncio de um mosteiro. Realmente, para alguns mais engajados, isto é uma solução que leva mais

rapidamente ao silêncio interior, desde que acompanhada de meditação, precedida e/ou ajudada pela oração, conforme a orientação dada pela tradição espiritual de cada mosteiro. Mas não há necessidade de se refugiar num mosteiro ou numa gruta do Himalaia para sair da ilusão da dualidade. Isto pode ser feito através da meditação diária, uma ou duas vezes por dia, de manhã e/ou de noite. Meditar consiste em ficar quieto, se recolher, se adentrar, e deixar passar os pensamentos e as emoções que aparecem na mente. Neste ato de tranquilizar a mente aparece a verdadeira natureza do Espírito, no qual inexiste separação, pois se vivencia a indivisibilidade do espírito pessoal e do espírito do universo. O universo é autoconsciente. A nossa consciência percebida pela mente como individual é, na realidade, a autoconsciência do universo. Ela é representada no meio do círculo da arte de viver em paz. Inexiste separação entre as duas consciências. Elas são uma só. Elas são indivisíveis. Existem muitos cursos de meditação à sua disposição. Faça uma escolha prudente e lúcida. Informe-se antes de tomar uma decisão, com amigos ou conhecidos competentes, sobre a idoneidade e competência do professor ou da instituição. Mas se você tiver a felicidade de encontrar um verdadeiro mestre realizado e plenamente desperto, será a melhor solução. Enquanto isto não acontecer, siga uma formação de ioga, ou de tai chi, ou ainda de meditação transcendental, além de tudo que já foi recomendado acima. A verdadeira paz de espírito se encontra no espaço entre dois pensamentos, lá de onde saem e para onde voltam os pensamentos. É este espaço que a prática da Meditação lhe ajudará a descobrir de modo vivenciado. Para você ficar mais consciente ainda do que é a paz consigo mesmo, e de como você se situa em relação a ela, preencha agora a Escala de Autoavaliação.

Escala de autoavaliação

No quadradinho, ao fim de cada pergunta, coloque o número correspondente à categoria da escala que corresponde ao que você acha de você mesmo. Perguntas 1. Você se acha relaxado e sente bem-estar no seu corpo? 2. Seu coração está transbordando de amor? 3. Alegria e bom humor fazem parte da sua existência? 4. Dentro de você, você se sente harmoniosamente equilibrado? 5. Você decide e age de modo plenamente lúcido e consciente? 6. Se alguém “pisar no seu calo”, você conserva serenidade e paciência? 7. Pratica compaixão, amparando outrem? 8. Diante de bonitas paisagens, você entra em contemplação? 9. Você se sente em comunhão com a natureza ou com Deus? 10. Você cuida da sua saúde física, emocional, mental e espiritual?

Avaliação Verifique agora quais as perguntas às quais você respondeu nas categorias 1 e 2. Estas categorias indicam que você precisa examinar a sua postura, refletir, reler o texto sobre a paz consigo mesmo e começar ou aprofundar as práticas indicadas. É uma rara oportunidade que a existência lhe oferece de fazer uma revisão de vida e ter acesso à paz e serenidade constantes. Está em suas mãos.

4. A arte de viver em paz com os outros: uma questão de ecologia social

Se despertarmos a paz dentro de nós, conforme as recomendações da primeira parte desta explanação, estaremos aptos a viver em paz com os outros, isto é, com os familiares, os amigos e assim por diante. Mas a ecologia social exige de nós consciência e vigilância constantes, se quisermos ser verdadeiros cidadãos do mundo em que vivemos. Assim, precisamos levar em consideração a cultura que nos influencia o tempo todo, a vida social e política e, além disso, aspectos econômicos, como, por exemplo, a nossa relação com o dinheiro.

• A paz na cultura A Unesco está executando uma decisão das Nações Unidas de transformar a cultura de guerra e violência em cultura de paz e não violência. Tudo que falamos até agora, no que se refere à paz consigo mesmo, já é uma contribuição importante para atingir esse objetivo. Mas a nossa contribuição não para aí. Podemos também agir na sociedade, cuidando da nossa paz com os outros. Precisamos, em primeiro lugar, definir o que entendemos por cultura de uma determinada sociedade. A cultura é um conjunto de normas, de leis jurídicas, de costumes, de produções literárias e artísticas, de hábitos que caracterizam a sociedade, a diferenciam de ou assemelham a uma outra sociedade, e ditam a maneira de ser de cada um dos seus cidadãos. Por exemplo, enquanto o inglês, para cumprimentar um amigo, acena com a cabeça, o indiano se curva e junta as mãos, o francês dá as mãos, e o brasileiro dá um abraço com o seu corpo inteiro. A cultura, por conseguinte, dita o que é que deve ser considerado como normal. Ora, nem tudo que é visto como sendo normal é sadio e construtivo. Por exemplo: fumar era ainda há pouco tempo considerado como normal, inclusive o fato de aspirar a fumaça dos outros. Hoje, o ato de fumar é considerado como anormal e nocivo. E, assim como o mostra esse exemplo, há muitos hábitos ou mesmo leis que ditam normas, mas são, na realidade, nocivos à saúde, à harmonia e à paz. É por isso que cuidar da paz na cultura exige do cidadão uma vigilância constante e permanente em duas direções simultâneas.

De um lado, ele precisa constantemente estar consciente dos aspectos em que ele mesmo se deixa levar pela cultura em que vive, decidindo se isso lhe convém do ponto de vista ético. De outro lado, naquilo que não convém seguir do ponto de vista da ética, ele poderá, se assim o quiser ou puder, atuar para modificar os aspectos nocivos da cultura. Por exemplo, é normal comer açúcar refinado, pois todo mundo o faz. Mas se você descobrir que isto afeta os seus dentes e seus ossos, e que o açúcar mascavo é mais saudável e nutritivo, será um ato consciente e bastante razoável limitar-se a consumir açúcar mascavo. Outro exemplo: atualmente é normal assistir os programas violentos na TV. Mas se você descobrir que isto lhe torna pessoalmente tenso e lhe tira a paz interior, você pode decidir parar de assistir aos filmes de terror. Se, além disso, você tomar conhecimento das pesquisas da Unesco sobre a influência destrutiva dos programas violentos na TV sobre as crianças, você pode decidir aderir a um movimento para reduzir estes programas ou mesmo procurar o deputado da sua região, pedindo para apresentar um projeto de lei neste sentido. Tudo isto poderá ser feito de modo calmo e harmonioso, isto é, sem perder a paz pessoal.

• A paz na vida social e política Desde muito cedo, na nossa infância, estamos estimulados a disputar vagas, prêmios, medalhas, lugares com os irmãos, os colegas de escola e, depois, de trabalho. Vivemos num mundo de competição que leva aos conflitos, violências e guerras. Se você quer contribuir para um mundo de paz, comece por examinar o quanto você mesmo se deixa levar por esta competição desenfreada, muitas vezes sem necessidade. Diminuindo a sua luta permanente pelo poder na família, no trabalho e até nos jogos esportivos ou não, você viverá mais em paz com os outros e poderá dar a sua contribuição para a paz social. E, se for pai, mãe ou educador, introduza jogos cooperativos na sua coleção de brinquedos, e tire os brinquedos de violência e guerra, que levam a criança a considerar o ato de matar e a guerra como algo normal.

E se você se considerar como sendo um cidadão livre e consciente, você tomará bastante cuidado para evitar se deixar embarcar em movimentos ideológicos que criam hostilidade e conflitos violentos com tudo que não adere e não comunga com eles. Pois uma das causas de brigas entre pessoas ou grupos, e de guerras civis ou internacionais, costuma ser a intolerância ideológica, seja ela de ordem política, religiosa ou filosófica. Se você quiser ficar em paz com os outros, seja tolerante com quem tiver opiniões diferentes das suas, quer sejam elas filosóficas, políticas, religiosas ou outras quaisquer.

• A paz na economia Uma das maiores fontes de conflito e de violência é a disputa da posse de bens materiais, mais particularmente do dinheiro. Também podemos considerar como motivo de perda da paz interior toda preocupação exagerada pelo dinheiro, resultado das emoções destrutivas já citadas: o apego e a possessividade. Quem passa fome por não ter emprego ou por ter perdido o seu tem um motivo bastante justificado de se preocupar em ganhar dinheiro. Para os excluídos, a necessidade de ganhar dinheiro é uma necessidade vital e fora de qualquer espécie de contestação. O que estamos procurando apontar aqui são os cidadãos que procuram desesperadamente, sem nenhuma razão objetiva, alcançar uma meta indefinida e vaga: tornarem-se ricos e poderosos. Apontamos também os que já se encontram nesta situação e querem mais e cada vez mais, numa busca infinita. O que eles têm em comum é a perda da paz por causa de uma vida agitada que só pode levá-los ao estresse e à doença. Eles fazem parte de um sistema econômico que os leva a consumir cada vez mais. Se você sentir que está preso nesta engrenagem, qualquer que seja o seu nível econômico, dê uma paradinha para examinar a situação. Procure, então, ficar plenamente consciente de quais são as suas verdadeiras necessidades e qual o conforto essencial para você.

Durante esse exame você talvez vá descobrir que suas metas são exageradas e que, na realidade, você não precisa de tantos bens para viver feliz e em paz. Você talvez chegue à conclusão de que está se acabando nessa busca insana, ou que você poderia gastar o seu tempo com aqueles a quem ama, ou ainda consagrá-lo para fazer o que você sempre sonhou, como, por exemplo, viajar, ou, mais simplesmente ainda, contemplar o pôr de sol… O cidadão dentro de você talvez descubra também que milhões de pessoas do Terceiro Mundo resolveram, depois de um exame de consciência, entrar num movimento de simplicidade voluntária. Ao reduzir o seu consumo ao mínimo necessário, eles estão contribuindo para diminuir o consumo e através desta diminuição reduzir os estragos causados pela destruição sistemática da vida no planeta. Isto será uma grande contribuição para a ecologia da natureza, da qual iremos tratar a seguir. Mas, antes, uma pausa para uma autoavaliação da sua paz com a sociedade.

Escala de autoavaliação

Coloque, no quadradinho correspondente a cada pergunta, o número da categoria que você sente coincidir com o seu caso.

Perguntas 1. Você respeita a liberdade dos seus familiares e amigos? 2. Como pedestre ou motorista, você respeita as leis do trânsito? 3. Você pensa antes de seguir as recomendações de propagandas? 4. Você gosta de pessoas com opinião política oposta? 5. Você aceita amizade de quem tem postura religiosa oposta?

6. Expressa as suas opiniões com moderação e sem fanatismo? 7. É prestativo e solidário, ajudando pessoas em dificuldade? 8. Você demonstra desapego em relação ao dinheiro? 9. Participa de mutirões, subscrições ou abaixo-assinados? 10. Você pratica o dízimo ou dá dinheiro para os necessitados?

Avaliação Nas situações em que você tiver respondido com as categorias 1 ou 2, procure refletir quanto à eventualidade de rever a sua postura, e tome as resoluções adequadas. É uma rara oportunidade de aumentar a sua paz com os outros.

5. A arte de viver em paz com a natureza: uma questão de ecologia ambiental Viver em paz com a natureza é fundamental para a nossa própria sobrevivência, pois o ser humano está cometendo um suicídio coletivo, levando consigo a vida do Planeta Terra. Pensava-se antigamente que os recursos da Terra eram inesgotáveis. Hoje se sabe que eles têm fim e estão se esgotando rapidamente. Já falamos das medidas econômicas que cada um de nós pode tomar para dar a sua contribuição pessoal. Essa contribuição pode ser estendida a ações práticas que dependem de sentimentos de solidariedade próprios à cidadania planetária. É isto que vamos abordar a seguir. Com esta finalidade, vamos considerar a natureza sob três aspectos principais que encontramos em todos os sistemas do universo: a matéria, a vida e a informação ou programática.

• A paz com a matéria Viver em paz com a matéria consiste essencialmente em viver em harmonia com os seus elementos: a terra, a água, o fogo, o ar e o espaço.

Esta harmonia é muito mais essencial do que estamos pensando, pois nós também somos feitos desses elementos. Então, se poluímos a terra com agrotóxicos, em pouco tempo os nossos ossos serão poluídos, pois os nossos ossos são feitos de terra que o nosso corpo absorve através do cálcio dos alimentos. Do mesmo modo, se poluímos o ar que respiramos, vamos afetar a nossa saúde. Isso também se dá em relação à água. O uso indevido do fogo, como a queima das nossas florestas, aumenta o gás carbônico do ar, provocando o efeito estufa, que, aumentando o calor, derrete a calota polar, fazendo subir o nível dos mares. Até o espaço está sendo poluído com irradiações atômicas e outras agressões. Por todas essas razões, viver em paz com a matéria consiste em cada um de nós evitar poluir os seus elementos. Se, além destas razões intelectuais, você amar profundamente a Terra, como a Mãe que nos nutre e nos hospeda, então você terá conseguido a atitude mais adequada para você ser um protetor da natureza.

• A paz com a vida O mesmo nós podemos dizer da vida. Você, amando a vida sob todas as suas formas, terá consequentemente o respeito por ela. Respeitar a vida consiste em tentar não arrancar flores ou pisar em insetos, evitando matar animais inutilmente. Existem pessoas que deixaram de comer carne para não fazer sofrer os animais. Elas se tornaram vegetarianas. As Nações Unidas recomendam o regime vegetariano por uma outra razão ainda: a proteção das matas virgens, devastadas para pôr pastos para o gado candidato a hamburgers. Segundo os cálculos feitos, diminuindo o consumo da carne em 10%, só nos Estados Unidos, daria para alimentar, em grãos, toda a população faminta do mundo! As razões aventadas para harmonizar com a matéria valem também para a vida, pois temos vida dentro de nós, e se trata da mesma vida que existe fora. O mesmo se dá com a informação e a programação do universo. É o que vamos examinar a seguir.

• A paz com a programação da natureza

A tese – segundo a qual o universo é autoconsciente, o Planeta Gaia é um ser vivo e os programas e a informação genética, assim como a nossa própria inteligência, são a expressão desta consciência e espírito do universo – está caminhando, nos meios de ciências de ponta, a passos largos. Aceitando esta tese, podemos aplicar o mesmo princípio que usamos para a matéria e a vida. Do mesmo modo que há a mesma matéria e a mesma vida dentro e fora de nós, da mesma maneira existe inteligência e plano dentro e fora de nós. Trata-se da mesma inteligência. Por isso, podemos nos perguntar se não será perigoso intervir na programação atômica da matéria e genética da vida, pois esta intervenção está desorganizando a programação e interferindo na inteligência do próprio universo, com consequências imprevisíveis para a própria humanidade. O que está acontecendo com a intervenção na programação atômica já fala por si só. O que dizer então da clonagem e do programa genoma no nível genético? Será que os indiscutíveis benefícios compensam os riscos destrutivos ainda pouco conhecidos? Temos direito de esperar o futuro para poder julgar, sabendo que estamos pondo em risco a vida dos nossos filhos e netos? O que iremos responder a eles se nos perguntarem por que não fizemos nada, apesar de termos sérias dúvidas quanto aos riscos? Deixamos estas perguntas para cada um de vocês poder se situar em relação ao assunto e apoiar os líderes políticos que levantam estas questões e propõem soluções legais fundamentadas em estudos e pesquisas sérias ou opiniões abalizadas de autoridades competentes. Antes de terminar, convém chamar a atenção do leitor sobre uma consequência fundamental da indissolubilidade do ser humano e do universo, da consciência individual e da consciência do universo, do sujeito e do objeto. É que aquele senhor que percebeu uma cobra no lugar de uma corda teve toda razão de descobrir esta ilusão, no plano da existência relativa de um sujeito separado de um objeto, ou do ser humano separado do universo. Mas no plano absoluto que acabamos de descobrir, um ser humano e uma corda são a expressão da mesma consciência, e aquele

senhor estava também iludido ao acreditar na existência de uma corda. Afinal de contas, uma corda, pela relatividade de Einstein, é energia, e o ser humano olhando para ela também o é. A energia olhando para ela mesma…! E agora, mais uma vez, vamos dar ao leitor uma oportunidade de autoavaliar a sua disposição em contribuir para a ecologia ambiental.

Escala de autoavaliação

Coloque, no quadradinho correspondente a cada pergunta, o número da categoria que você sente coincidir com o seu caso.

Perguntas 1. Você compra produtos biodegradáveis? 2. Fecha as torneiras ou apaga a luz por causa da ecologia? 3. Ao caminhar no mato, você evita pisar em formigas e insetos? 4. Surgindo a oportunidade, você protege a vida de animais? 5. Você evita jogar lixo e plástico em qualquer lugar? 6. Usa papel reciclado para diminuir o desmatamento? 7. Evita arrancar flores e plantas inutilmente? 8. Compra frutas e verduras orgânicas sem agrotóxicos? 9. Apoia movimentos em defesa do meio ambiente? 10. Quando um inseto ou um passarinho cai, você o liberta?

Avaliação Analise e faça um exame de consciência em relação às perguntas nas quais você escolheu as categorias 1 e 2 para responder.

É uma rara oportunidade de fazer uma revisão da sua maneira de se comportar com a natureza e de contribuir para a paz, sua e dela.

6. Conclusão: seja um beija-flor da paz Diante da magnitude e complexidade dos problemas da nossa época e civilização, muitas são as pessoas desanimadas, achando que não têm nem competência nem poder para resolvê-los; elas acham que isto é atribuição dos governos ou dos organismos das Nações Unidas. Isto é apenas um aspecto da questão. O outro está ilustrado por uma bonita história indiana. É a história de um beija-flor que estava no meio de um incêndio da floresta em que vivia. Todos os animais estavam fugindo, apavorados, menos ele. O passarinho tirava gotinhas de água de um lago e as jogava no fogo. Repetia este comportamento sem cessar, até que uma coruja intrigada perguntou: “Oi, beija-flor, você enlouqueceu? Você está pensando que vai apagar o incêndio, jogando gotinhas de água no fogo?” Respondeu o beija-flor com a maior calma do mundo: “Eu não vou apagar o incêndio. Mas eu faço a minha parte”. Se você quiser realmente viver em paz, pratique a ecologia interior, social e ambiental. A sua existência irá melhorar de uma maneira que você nunca sonhou. Para obter tal resultado, aplique, com assiduidade, as preciosas recomendações desta explanação. Faça a sua parte!

Seja um beija-flor da paz! Nota: grande parte do presente texto é uma contribuição da Universidade Holística Internacional de Brasília (Unipaz) e da Fundação Cidade da Paz, para a direção, os funcionários e os clientes do Banco do Brasil. Ele foi também publicado na revista META, n. 2, órgão da rede da Paz, da Unipaz.

Informação bibliográfica

WEIL, Pierre. A arte de viver em paz. 5. ed. Prefácio de Robert Muller. São Paulo: Gente, 1998. (Este livro interessará especialmente aos que querem se aprofundar nas questões de Educação para a Paz). ——. Sementes para uma nova era. Petrópolis: Vozes, 1999.

Capítulo II Viver consciente

1. Autômato ou ser consciente? Nasrudin é um personagem muito conhecido no Oriente como sábio, ao mesmo tempo em que cômico. Contam muitas piadas sobre ele, todas elas muito engraçadas, porém cheias de ensinamentos. Certo dia, ele estava andando a cavalo. O cavalo, com fome, se sentiu atraído pelas verduras expostas na frente de um armazém; não teve dúvidas, foi comer as verduras. O dono do armazém, enfurecido, deu um violento golpe na traseira do animal. Este saiu em disparada com tal velocidade que Nasrudin perdeu o controle das rédeas. Um amigo, ao vê-lo passar tão depressa, gritou: “Onde é que você vai assim?” “Eu não sei!… Ele é que sabe!…”, mostrando o cavalo. Assim somos nós. Temos muito pouca consciência de onde nós estamos e para onde vamos. Consequentemente, o nosso controle sobre nós mesmos é quase nulo. Nem temos consciência de que passamos por vários estados de consciência, e de que a paz interior, da qual acabamos de falar, depende em grande parte deste controle, assim como do estado de consciência em que estamos. Assim, a todo instante da nossa existência, temos a escolha entre sermos um autômato ou um ser consciente. Já que é tão importante a consciência, vamos estudá-la mais a fundo.

2. O que é a consciência? Todos os dias estamos andando, trabalhando, convivendo, comendo e bebendo, nos divertindo, sujeitos a pensamentos, sentimentos, emoções e

pulsões diversas, assistindo a diversas cenas da natureza, vendo o céu, as árvores, ouvindo passarinhos ou o motor de aviões, e assim por diante. De vez em quando, algo em nós faz com que nos demos conta do que está ocorrendo. Outras vezes, estamos agindo ou sentindo sem o reparar. No primeiro caso, dizemos que temos consciência do que está ocorrendo. No segundo caso, somos inconscientes, vivendo como autômatos. Assim sendo, o observador, que está por detrás de tudo, dentro de nós, é o que chamamos de consciência. O espírito que se dá conta do que se passa é a consciência. A consciência é o que temos de mais importante dentro de nós, pois é ela que nos permite e favorece o nosso contato com a realidade. Acontece que ela tem um poder extraordinário: o de nos ligar com verdades muito diferentes das percebidas quando estamos em atividades corriqueiras como as de trabalhar ou passear. O seu estudo nos reserva surpresas. É disso que vamos tratar agora. No início, quando lidamos com a consciência, pensamos num aspecto puramente pessoal, individual; percebemo-la como sendo nossa. Falamos da “minha consciência”. Mas, à medida que entramos em contato com os estados desta consciência em aparência individual, ela vai se ampliar até surgir algo surpreendente…

• Consciência e realidade A consciência, ainda vista como pessoal e individual, passa por vários estados, como, por exemplo, o de vigília e o de sonho. Em cada um destes estados, a consciência, que é sempre a mesma, cujo espírito nunca muda, toma contato com várias realidades diferentes. Podemos afirmar que a realidade que vivenciamos é diferente em cada estado de consciência no qual nos encontramos. É uma lei. Com o fim de fixá-la bem na nossa memória, colocamos esta lei sob a forma da seguinte fórmula, extremamente simples, tão simples que você não precisa se assustar:

VR = f (EC)

Esta fórmula resume o que acabamos de afirmar. Em outras palavras, a Vivência (V) da Realidade (R) – isto é, VR – é função (f ) do Estado de Consciência (EC) em que nos encontramos. Conhecendo os estados de consciência, podemos definir a realidade neles vivida.

• Os estados de consciência Quais, então, os estados de consciência existentes? Na tradição do Yoga se conhecem quatro estados pelos quais passa o espírito. Vamos definir cada um. Para isso, levaremos em consideração experiências de medidas do nosso organismo, assim como milênios de observação feita pelos sábios de todos os tempos, reforçada pela experiência da psicologia moderna, nela incluindo a parapsicologia e a psicologia transpessoal, cuja função é, justamente, estudar a consciência e suas manifestações. Depois de dar uma breve visão de cada estado, iremos retomar cada um para mostrar as principais características da realidade que podemos vivenciar em cada um deles, indicando, quando for o caso, as práticas que permitem lidar com certas realidades, normalmente fora do nosso alcance. Veremos também a relação de cada uma delas com a paz e começaremos a tocar no assunto da vida depois da passagem, pois esta última relação é bastante estreita. Vamos então a uma breve descrição dos estados de consciência. Os quatro estados são os de vigília, de sonho, de sono profundo sem sonho e o estado de superconsciência ou estado transpessoal. Vamos começar pelo estado de vigília que conhecemos melhor. O estado de consciência de vigília. É o estado no qual se encontra você, ao ler o presente texto. Nele, nos movimentamos, andamos, conversamos, agimos, trabalhamos, pensamos, sentimos, e assim por diante. Ele começa quando, de manhã na cama, nós afirmamos que acordamos. Ele termina quando caímos no sono. Nele emitimos ondas eletroencefalográficas beta que são as mais rápidas. É um estado agitado, durante o qual dificilmente temos paz. O estado de consciência de sonho, durante o qual estamos dormindo e ao mesmo tempo vivendo, observando cenas ou participando delas, predominando imagens mentais. O cérebro emite ondas

eletroencefalográficas alfa ou teta, mais lentas, e pode se registrar também o movimento constante dos olhos. Quem dorme e está mexendo os seus olhos, está sonhando. Também no estado de sonho temos poucos momentos de paz. O estado de consciência de sono profundo sem sonho, do qual não temos, fora de certas condições especiais que iremos descrever mais adiante, nenhuma lembrança, ao contrário do estado de sonho, do qual sobra, por vezes, alguma memória. Neste estado, o nosso cérebro emite ondas eletroencefalográficas extremamente lentas, chamadas ondas delta. Os olhos são fixos, o que permite a um observador externo distinguir esse estado do de sonho. A partir do estado de sono profundo encontramos verdadeira paz. O estado de superconsciência ou transpessoal caracteriza-se, entre outros, por uma profunda paz. É o estado vivenciado por místicos e santos de todas as épocas e de todas as culturas, mas emerge também em pessoas sem nenhuma vinculação religiosa. Quem por ele passa muda completamente a sua visão da realidade e adquire por experiência direta a verdade da não separatividade do Eu-individual e de um Eu-Maior. Quem está neste estado emite ondas delta, extremamente lentas, as mesmas do sono profundo, mas completamente desperto e consciente, o que pode parecer surpreendente. Vamos agora aprofundar o nosso conhecimento de cada estado de consciência para saber quando estamos realmente despertos, e como chegar ao estado transpessoal, já que é nesse estado que reside a verdadeira paz. Vamos começar pelo estado de vigília.

• Estamos realmente despertos no estado de vigília? O que significa estar acordado? Tem certeza que, enquanto está cuidando dos seus afazeres diários, você está completamente desperto? Ou será que você está numa espécie de permanente devaneio, como se estivesse sonhando? Para começar a responder a esta importante pergunta, vou lhe propor um experimento muito simples. Dê-me apenas dois minutos da sua atenção. Logo que tiver lido as instruções, pare de fazer qualquer coisa e procure aplicar a minha recomendação, que é a seguinte: escolha um objeto no

espaço em que você está agora; pode ser uma flor, um retrato, um quadro, sua TV, uma chave… Uma vez escolhido o objeto, vire o seu corpo inteiramente na direção do objeto que você escolheu. Agora fixe o seu olhar, sua atenção e sua mente exclusivamente nesse objeto. Permaneça assim durante uns dois minutos. Passados os dois minutos pare, e volte à leitura da continuação deste parágrafo do livro. O que é que observou dentro de você? Você conseguiu permanecer plenamente consciente, com a atenção fixa no objeto, sem pensar em outra coisa? Ou se deixou distrair por algum ruído ou outro evento no seu campo perceptivo? Se você não conseguiu, não se preocupe. Você não é nenhum anormal. De fato, a maioria esmagadora das pessoas acaba pensando em outra coisa em poucos instantes depois do início do experimento. Isto é normal. A experiência visa justamente mostrar que, de fato, temos pouca capacidade de manter a consciência de modo permanente durante o estado de vigília. Vou lhe propor fazer uma outra experiência. Continue as suas atividades costumeiras, com apenas uma diferença: de vez em quando, digamos a cada meia hora, procure parar o que você está fazendo, durante alguns segundos. Neste momento singelo, tome consciência do que estava se passando dentro de você. Você estava realmente presente ao que estava fazendo, ou estava como adormecido, entregue aos seus pensamentos, sentimentos e emoções? Tome consciência do lugar onde você está, da sua postura, da direção do seu olhar, dos ruídos ao seu redor, do contato da sua roupa com o corpo, dos odores, dos sabores na sua boca. Então, depois de algum tempo desta experiência, você estará em condições de tirar as suas conclusões sobre a natureza do nosso estado de vigília. Um mestre espiritual bastante conhecido no início deste século na Europa afirmava, sem dúvida nenhuma, que, durante o nosso estado de vigília, estamos na realidade adormecidos. Precisamos despertar deste estado letárgico. Ele usava exercícios como esse, com os seus discípulos, para despertá-los. Ele usava até um apito para despertá-los na hora de qualquer atividade, no momento em que menos esperavam. É o que precisamos fazer o tempo todo, se queremos despertar a plena consciência e nos tornarmos seres lúcidos, alertas e tranquilos a toda hora.

E, para terminar esta parte e ilustrá-la de modo alegre, eis mais uma história de Nasrudin. Dizem que ele teve um período em que era contrabandista: atravessava periodicamente a fronteira entre a Pérsia e o Egito. A cada vez passava na frente dos agentes da alfândega com uma mula carregando uma cesta cheia de palha. Quando voltava, a cada vez, a mula estava mancando e a cesta estava vazia. E, a cada vez, os agentes procuravam na cesta alguma muamba e nunca encontraram nada. “Você tem alguma coisa a declarar?” “Não, sou contrabandista!”, era a resposta constante e habitual de Nasrudin. Os anos passaram assim, e Nasrudin se tornou um homem tão bem de vida, que resolveu se mudar para o Egito. Ali, certo dia, encontrou um dos agentes da alfândega que lhe perguntou o que era o objeto do contrabando. “Mulas!”, respondeu Nasrudin.

• O sonho como expansão da consciência Muitos pensam que o ato de sonhar é algo completamente inconsciente. Isto não é verdade. Em primeiro lugar, existem vários tipos de sonhos. Em cada um deles recebemos informações preciosas que não podemos conseguir no estado de vigília. Vamos descrever as diferentes modalidades de sonhos e que tipo de informação que eles nos transmitem ou deles emanam. Deformação de sons – Na hora de adormecer, num interregno em que ainda estamos em contato com o mundo exterior, certos sons se deformam. Por exemplo, em vez do som de um cachorro se sonha com a sirena de uma ambulância ou o grito de uma pessoa. Associações livres – O sonho nos coloca em contato direto com um banco de dados, um campo que contém toda a nossa memória individual. No início, esses dados circulam e aparecem deformados, de forma desordenada, como folhas voando ao vento. Ideias, palavras, imagens, sons, odores, sentimentos e emoções desfilam e se misturam sem nenhuma conexão. Sonhos simbólicos individuais – Em muitos casos, esta desordem é apenas aparente. Freud fez uma grande descoberta quando colocou em evidência que o que ele chamava de inconsciente individual costuma mandar mensagens codificadas sob forma simbólica. Se, com ou sem ajuda

de um terapeuta versado em psicanálise, nós procuramos decodificar o conteúdo do sonho, podemos ter revelações importantíssimas para a nossa cura e saúde mental e emocional. Essa simbologia aparece, sobretudo, como consequência de recalque de pulsões sexuais ou agressivas. No primeiro caso, aparece, por exemplo, uma chave penetrando numa fechadura, significando o ato sexual ou um charuto simbolizando um pênis. Conta-se a história de estudantes, que observam rindo e caçoando do Pai da Psicanálise, Freud, que, na saída da universidade, fumava um charuto. Freud, se dirigindo para eles, furioso, declarou que há vezes em que um charuto é, simplesmente, um charuto. Embora piada, esta história aponta para certos excessos que se pode cometer ao manejar os símbolos. Sonhos simbólicos do inconsciente coletivo – Segundo certas tradições espirituais, como a Ioga, além do arquivo de memórias individual, temos acesso, em certas condições, tais como sonho, a um registro universal onde estão contidas todas as memórias do universo. Jung, nas suas pesquisas, também encontrou algo semelhante ou igual, que ele chamou de inconsciente coletivo. Este inconsciente nos manda mensagens simbólicas cujo conteúdo é universal, transcultural, isto é, próprio a todas as culturas. Alguém que recebe conselhos de um velho sábio ou um aviso da Grande Mãe está conectado com o que Jung chama de arquétipos, que são as energias fundamentais destes símbolos. Se você tiver um sonho deste teor, será sinal de que você foi conectado com uma das partes mais profundas e verdadeiras do seu ser; de que você pode confiar e seguir as indicações e mensagens que lhe foram reveladas desta forma. Mas o arquivo do universo é muito mais amplo e pode nos dar acesso a qualquer informação do passado, do presente ou do futuro, e de qualquer ponto do cosmos ou do nosso planeta. Estamos entrando aqui no assunto dos sonhos parapsicológicos ou paranormais. Sonhos parapsicológicos ou paranormais – Freud já afirmava que existem sonhos que não são sonhos, e escreveu três artigos, sobre sonhos telepáticos, embora sem tomar partido a favor deles. Jung deu um passo à frente, pois teve inúmeras ocasiões de constatar a existência e a veracidade dos fenômenos paranormais. Mais particularmente com o físico Paoli, ele estudou os fenômenos de acasos significativos que ele batizou de Sincronicidade. Trata-se de acasos que não são acasos, pois apresentam as características de um sinal ou mensagem provindos de outra dimensão.

Você pensa numa pessoa e ela aparece ou telefona, você está com um problema teórico e ao abrir um livro por acaso, aparece a solução exatamente na página que você abriu também por acaso. Nos meus livros A revolução silenciosa e Lágrimas de compaixão, conto muitas sincronicidades que me aconteceram ao longo da minha existência. Tudo indica que este tipo de coincidências significativas esteja aumentando nesta nossa época. Os sonhos paranormais podem ser divididos em várias categorias: todas elas fazem parte de um fator PSI, isolado por processos estatísticos pelo casal Rhine, da Universidade de Duke, já há várias décadas. Este fator PSI compreende um subfator PES ou Percepção Extrassensorial, que abrange a visão a distância ou clarividência, a precognição ou premonição, isto é, a percepção ou previsão de eventos futuros, e a retrocognição ou a percepção de eventos do passado. Estas manifestações já são conhecidas desde a Antiguidade. A própria Bíblia, no Antigo Testamento, já afirmava que Deus se comunica com os seres humanos através dos sonhos. Em todas as famílias de todas as épocas e culturas, há histórias de premonições ou de visão a distância em sonhos. Em estado de relaxamento profundo, pode-se provocar experimentalmente estes fenômenos, que cada um de vocês pode experimentar dentro de um curso chamado Silva Mind Control. É que o relaxamento profundo nos leva perto do estado de consciência de sonho. Com mais um passo, entramos numa outra categoria de sonhos que não são mais sonhos. A saída do corpo físico – Certas pessoas relatam experiências durante o sonho, em que estão voando em cima da sua casa, passeando nas ruas ou visitando familiares ou amigos, percorrendo o espaço acima da cidade, do país ou do Planeta Terra. Sabe-se hoje, graças a inúmeras observações e experimentos, que não se trata de um sonho, mas sim de uma verdadeira saída do corpo físico pelo espírito. Tais experiências são relatadas no estado de NDE (Near Death Experience), em que uns 20% de pessoas que tiveram uma morte clínica e foram reanimadas se lembram de ter saído do corpo físico e visto o seu corpo de longe, assistindo e dando detalhes da sua própria operação ou transporte em acidente. Existem hoje métodos para obter este tipo de experiência, no Brasil e nos Estados Unidos. Os lamas tibetanos ensinam esta arte sob o nome de POWA. Quem passa por esta experiência, muda a sua visão da vida e perde o medo da morte, pois aprende que a vida é eterna. Por esta razão se considera importante praticar a meditação e o ioga do sonho lúcido, pois esses métodos de

conscientização constituem maneiras suaves e bastante eficazes de não somente saber como é a vida depois da morte, mas também de como nos conduzirmos nessa nova situação. O mesmo se dá para o próximo estado de consciência, o de sono profundo sem sonho.

• Qual a natureza do estado de sono profundo? A maioria das pessoas se lembra de alguns dos seus sonhos. Logo, não é muito difícil para cada um de nós compreender e saber o que é um sonho. O mesmo não se dá com o estado de consciência de sono profundo sem sonho. Para praticamente todos nós, o sono profundo é um mistério insondável, tanto quanto a morte. Inclusive o termo “estado de consciência” parece inadequado. Sono profundo nos lembra uma noite escura em que não se enxerga nada. Pois, segundo a experiência dos grandes praticantes do ioga do sono lúcido, que conseguiram alcançar o estado de sono completamente conscientes, o sono sem sonho é um estado em que aparece a luz do Espírito, uma luz incrivelmente forte. Esta luz aparece também no processo da passagem. Por isso é que há uma relação muito importante entre a morte e o sono profundo. Se conseguirmos alcançar a Clara Luz através da meditação ou do ioga do sono lúcido, tornamo-nos capazes de passar em paz para o outro lado da vida. A Clara Luz, como a chamam os tibetanos, é a fonte da nossa paz interior. Por isso mesmo, quando acordamos de um sono profundo, temos a sensação de estar completamente em paz e declaramos que dormimos bem. Na realidade, todas as noites nós vamos reabastecer o nosso ser em energia vital e paz. Um estágio adiante é quando você se vivencia como sendo a própria luz, e não a percebendo como sendo exterior a você. Neste caso, você alcançou o último estágio, o da consciência transpessoal.

• A porta de entrada para a natureza do espírito Contam que Nasrudin tinha perdido a sua chave e não conseguia entrar na sua casa. Era de noite, o céu estrelado, sem nuvens, favorecia a claridade

de um luar bastante forte. Nasrudin estava no meio da rua, à procura da sua chave. No meio da procura vem um amigo de Nasrudin e lhe pergunta o que ele estava fazendo ali no meio da noite. “Estou à procura da minha chave”, respondeu Nasrudin. “E onde foi que você perdeu a chave?”, perguntou o amigo. “No corredor da casa!” “Mas, então, por que a procura na rua, se você a perdeu no corredor?” “Porque lá está muito escuro, e na rua tem a luz do luar…!” Tal foi a explicação de Nasrudin. A maioria das pessoas se conduzem como Nasrudin, ao procurar a chave da paz e da felicidade; procuram o estado de felicidade completa, o de bem-aventurança onde não se encontra, porque é mais fácil, isto é, fora deles, num casamento, numa religião, num partido político, num guru do Himalaia, da China ou do Japão. Se forem procurar um verdadeiro mestre, este exercerá o papel do amigo de Nasrudin, e declarará, sem dúvida nenhuma, que a felicidade que você procura fora de você se encontra na realidade dentro de você. O Espírito, o Divino, o Sagrado ou qual seja o nome que você der ao Essencial da nossa existência é, na realidade, um estado de consciência, o estado transpessoal. Até alcançar este estado, as pessoas costumam expressar crenças ou falam que tem fé em Deus ou no Espírito Santo. Quem passou pelo transpessoal não precisa mais dizer: “Eu acredito, ou eu creio”. Ele poderá afirmar com plena convicção da experiência vivida: “Eu sei!” Substituir a crença pelo verdadeiro saber, eis o efeito do estado transpessoal. No início de uma formação transpessoal é muito difícil aceitar esta evidência, pois estamos muito acostumados com a ideia de que a revelação do divino acontecerá num futuro mais ou menos remoto da humanidade, ou ainda no fim dos tempos, fora do nosso alcance. Ou ainda acreditamos que o “Reino do Pai” se encontra no Céu, neste mesmo céu azul sem nuvens que presenciamos todos os dias ou de noite, no céu estrelado, além das estrelas. Por isso, quando as pessoas rezam, a tendência é olhar para o céu. Olham para o infinito, o que talvez seja uma forma de contatar o Eterno. Tudo indica que os termos Céu, Reino do Pai, fim dos tempos, emprestados às escrituras sagradas de várias religiões, são termos simbólicos do estado transpessoal, pois encontramos nas mesmas escrituras afirmações de que o Reino do Pai se encontra dentro de nós. Assim sendo, aquela chave ou aquela porta que achamos se encontrar no fim dos tempos ou num céu inacessível, dentro da ótica dos estados de

consciência, é o estado transpessoal. A porta do Céu se encontra dentro de nós, dentro de cada um de vocês. Este é o Nirvana de Budha, ou o Reino do Pai de Jesus Cristo. Ambos, ao serem perguntados onde se encontra, deram a mesma resposta: “Dentro de você”. Todas as tradições religiosas foram fundadas por mestres que tiveram acesso e estavam neste estado de consciência transpessoal. As tradições espirituais e religiosas são organizadas para transmitir as suas descobertas e os métodos de despertar o transpessoal. Umas conseguiram preservar as mensagens originais. Outras a perderam por deformações, em geral devido à vaidade e gosto pelo poder de alguns dos seus líderes posteriores. Esta é a Boa-Nova de Jesus. Moisés também declarou que ele desejava que todos os judeus se transformassem em inspirados (Profetas). Devekut em hebraico, Samadhi em sânscrito, Fana em árabe no Islão e, mais recentemente, Superconsciência, Consciência Cósmica, Consciência Universal, Universo Autoconsciente são, entre outros, termos significando o mesmo estado. A psicologia transpessoal talvez seja, para a psicologia, o que a física quântica é para a física: uma ciência de ponta, cujas investigações e evidências mudam a nossa maneira de encarar a realidade. Aliás, a realidade descrita pelas investigações da primeira muito lembra as evidências da segunda. A compreensão do que se trata, pela maioria das pessoas que não tiveram um antegosto deste estado, é muito difícil. Quando dou explicações para o público ou, ao escrever estas linhas, me encontro na situação de Nasrudin quando foi chamado para fazer uma palestra para transmitir a sua sabedoria. Veio uma comissão para convidá-lo. Depois de muita relutância, ele aceitou. Quando chegou à frente do público, ele perguntou: “Quem é que já sabe algo sobre o que eu vou falar, por favor, levante o braço”. Ninguém levantou o braço. “Então, se ninguém sabe, o que é que eu estou fazendo aqui?” E Nasrudin foi embora. Um mês depois, a mesma comissão voltou e, diante da insistência da comitiva que lhe implorava para voltar, Nasrudin aceitou falar para o mesmo público. Depois de sentar, Nasrudin fez a mesma pergunta: “Quem é que sabe algo sobre o que eu vou falar?” Todo mundo levantou o braço. “Então, se todo mundo sabe, o que é que eu estou fazendo aqui?” E foi embora.

Depois de mais um mês, a comitiva voltou implorando novamente para que o mestre voltasse e ensinasse sabedoria para o mesmo público. Movido por uma infinita compaixão, Nasrudin condescendeu em aceitar mais uma vez o convite. E lá se foi ele no dia marcado, sentando na frente do mesmo público ávido de receber os seus ensinamentos. E mais uma vez fez a mesmíssima pergunta: “Quem é que sabe algo a respeito do que eu vou falar, levante o braço!” Desta vez, a metade da turma levantou o braço, e a outra metade não. “Então, já que é assim, o que eu estou fazendo aqui? Basta que a metade de vocês, que levantou o braço porque sabe, ensine o que sabe à outra metade que não sabe!” E Nasrudin foi embora definitivamente. É este o grande paradoxo diante do qual eu me encontro, assim como todos os que pretendem ensinar psicologia transpessoal, ou simplesmente, como é o caso aqui, transmitir algumas noções para mostrar a existência deste estado de consciência. Quem nunca teve nem sequer um antegosto experiencial, e nunca vivenciou esta outra dimensão, só poderá ter um entendimento intelectual completamente deformado. É esta dificuldade que Nasrudin tenta nos fazer entender de maneira humorística. Se as pessoas sabem como é, não há mais nada a ensinar; e se não sabem, não há possibilidade nenhuma de explicar. Para contornar esta dificuldade, Abraham Maslow costumava mostrar aos seus estudantes que eles já passaram por uma experiência fronteiriça, limítrofe do transpessoal, que ele batizou de “Peak Experience”, ou experiência culminante. Vou propor isso para você fazer agora. Você pode ler todo o texto antes de começar. Melhor seria gravar ou pedir a uma pessoa amiga para ler para você. “Feche os seus olhos. Respire fundo e relaxe o seu corpo, sentado ou deitado… Quando você se sentir bem relaxado, entre no seu passado e procure se lembrar, ou evocar, a experiência mais bonita da sua existência. Vou dar alguns exemplos: pode ter acontecido num pôr de sol, numa praia, na montanha, perante um espetáculo particularmente bonito da natureza, durante a gravidez, ao tomar uma criança no seu colo, no nascimento de um filho, ao entrar num lugar sagrado, como numa igreja ou num templo, ao tomar contato com uma pessoa particularmente carismática, que lhe inspira pela sua pureza de alma, num encontro de almas através do olhar, numa relação amorosa profunda com ou sem sexo, durante uma

sinfonia, diante de um quadro ou escultura, ou uma peça de teatro, ou pode ter acontecido também de repente, sem nenhuma causa aparente. Reviva esta experiência como se fosse agora. Deixe-se compenetrar pelos sentimentos que ela provoca. Veja os valores que se escondem por detrás dela. Veja se não é isto que você almeja para toda a sua existência. ‘Ah! Se a minha vida fosse assim todo tempo!’ Veja se não é por aí que se encontra o verdadeiro sentido da sua existência. E agora tome consciência de como você está se sentindo neste momento. Respire fundo novamente, espreguiçe, boceje, abra os olhos e tome contato com os objetos do seu ambiente.” Maslow observou que as pessoas que cultivam este tipo de experiência vivem com mais saúde, se relacionam melhor na vida amorosa, são executivos mais bem-sucedidos. As peças de teatro e os filmes que fazem bilheteria são justamente os que estimulam estes valores que Maslow chamou de “metamotivos”, essa vivência maravilhosa, ao assistir a um filme ou uma peça de teatro. Agora que você sentiu por você mesmo e teve uma pálida ideia do que se trata quando se fala em estado transpessoal da consciência, vamos descrever uma outra abordagem deste novo ramo da psicologia que é a psicologia transpessoal. Usando um método padronizado de entrevistas ou, mais simplesmente, ouvindo os depoimentos dessas pessoas, constata-se com surpresa que elas relatam a mesma coisa. Pois é mais ou menos assim que a questão foi tratada por vários autores, inclusive o que escreve estas linhas. Colecionando depoimentos de místicos, sábios e personalidades de várias correntes espirituais e de várias culturas e épocas, foi analisado o conteúdo dos depoimentos e estudos estatísticos da frequência de cada tipo de resposta. Encontrou-se assim uma descrição global das principais características comuns destas descrições. Eis um resumo das descrições da realidade pelas investigações interculturais e inter-religiosas feitas por inúmeros autores da psicologia transpessoal:

A não dualidade – As pessoas afirmam que o seu ego era visto como uma ilusão e que só existia uma realidade indivisível. Que elas se vivenciaram como sendo o próprio Todo. “Eu era o Todo, estava dentro do Todo e tinha o Todo dentro de mim.” A luz noumenal – Este Todo é descrito como uma Luz infinita e eterna, onisciente, onipresente e onipotente. De onde o termo iluminado dado às pessoas que passaram por este estado. Inexistência do tempo – Desaparecem as três dimensões do tempo, passado, presente e futuro. Elas são substituídas por um caráter transtemporal eterno. A inefabilidade – As pessoas afirmam não ter palavras suficientemente significativas para descrever o que se passou. O caráter noético – A experiência é vivenciada como sendo real, muito mais real do que a do cotidiano, em estado de vigília. Aquisição rápida de novos conhecimentos – Há um acesso direto a um campo informacional infinito onde são adquiridos novos conhecimentos essenciais à compreensão da realidade, numa rapidez tal que serão necessários vários meses para assimilá-los completamente. Contato com seres em outra dimensão – Estes conhecimentos podem ser também adquiridos no contato com seres de outras dimensões, que frequentemente acompanham a pessoa. O caráter sagrado e divino – As pessoas declaram que aquilo é sagrado e divino. Estado de graça e de êxtase – Um verdadeiro arrebatamento acompanha a experiência, com sentimentos de êxtase e de gratidão. Amor e compaixão infinitos – As pessoas querem ajudar a humanidade a sair da ignorância e aliviar o sofrimento de todos os seres. Acompanhamento de carismas – Muitas são as manifestações paranormais que acompanham e, sobretudo, precedem a experiência. A sua presença não é considerada importante e os mestres recomendam não se deixar levar por ou se apegar a elas. Caráter transformante – Há efeitos posteriores à experiência transpessoal, no sentido do abandono do apego a valores materiais e o cultivo dos valores espirituais, tais como o amor, a beleza e a verdade.

Perda do medo da morte – Um dos efeitos posteriores é a perda do medo da morte, pois dizem as pessoas que o que elas vivenciaram é o que se passa depois da morte. O que predomina nesta experiência é a descoberta do caráter único da consciência vista como o próprio universo autoconsciente ou a própria realidade. Assim sendo, a fórmula inicial, expressando a relação existente entre a vivência da realidade e os estados de consciência, se torna bastante simplificada, da seguinte forma:

R=C Isto é, a realidade é a própria consciência. É um tanto difícil, para quem não passou pela experiência, imaginar uma consciência que é do próprio Universo e não a nossa pequena consciência limitada, a qual, no entanto, faz parte da maior. Esta pequena consciência individual, percebida como pessoal, foi o nosso ponto de partida neste nosso relato. No estágio transpessoal, esta consciência limitada por um ego é vista como ilusória. Quando se fala em universo autoconsciente, pensamos imediatamente na nossa pequena consciência; e isto é um obstáculo muito grande. Como veremos mais adiante, mesmo a experiência transpessoal não é o último estágio da evolução, embora ela seja o último estado de consciência. Além de se estabilizar, ela precisa se adequar com os outros estados de consciência; mais particularmente, há toda uma arte de viver nos dois planos, aceitando e respeitando as leis próprias ao estado de vigília. Por isso é necessária uma visão holística que abrange o pessoal e o transpessoal, o absoluto e o relativo, o céu e a terra, dentro de uma só realidade de consciência. Viver consciente implica também em conhecer o mapa da evolução do ser humano. Um dos mais antigos conhecido é o da esfinge. É disto que vamos tratar agora.

• A esfinge como modelo evolutivo da consciência

A primeira história de Nasrudin nos mostrou o quanto somos ainda autômatos, precisando despertar a plena consciência. Vimos que uma das maneiras de fazê-lo é mudar de estado de consciência para chegar ao nível transpessoal, o que se consegue progressivamente através da meditação. Ao proceder assim, o nosso ser passa por vários estágios até o total despertar. A própria estrutura do ser humano pode ser considerada como uma escada de ascensão: • os instintos, ligados ao corpo físico e suas sensações; • as emoções, ligadas ao nosso sistema afetivo e aos sentimentos; • a mente ligada ao nosso sistema intelectual, aos pensamentos e à imaginação; • a consciência, como expressão do Espírito. Cada uma destas funções pode ser considerada como um estágio de evolução e também um tipo de ser humano. Quem está no primeiro estágio é um tipo instintivo e é dominado pelas pulsões fisiológicas. Quem está dominado pelas emoções é um tipo emocional e expressa muito os seus afetos. O terceiro tipo é o tipo mental, mais conhecido como intelectual, e é dominado pelos pensamentos. Nenhum destes três tipos humanos é livre. Eles são escravos, respectivamente, dos instintos, das emoções e da mente. Mesmo o intelectual, do qual se pensa que ele tem liberdade de pensamento, na realidade, não tem liberdade nenhuma: ele é dominado pela própria mente. Só quando, através da observação interna ou meditação, ele descobre que os pensamentos o dominam, é que ele começa a entrar no quarto estágio, o da plena consciência. Só neste estágio que ele pode ser considerado como desfrutando da plena liberdade; mas, neste estágio, ele não existe mais como ser individual. Em outras palavras, é a consciência que desfruta da sua própria liberdade. Esta visão foi divulgada no Ocidente por um mestre sufi chamado Gurdjieff e um dos seus discípulos, o matemático Ouspanski.

Ela coincide com uma interpretação muito antiga do símbolo mais arcaico da história conhecida da humanidade, o da Esfinge. Segundo essa tradição, a Esfinge seria um modelo da estrutura do ser humano e das ciências humanas, enquanto a Pirâmide representaria a grande síntese da ciência, da arte, da filosofia e da religião, divididas na sua base e unidas no seu topo. A Esfinge clássica é composta de quatro partes: o boi, o leão, a águia e o homem. Elas representam cada uma das funções acima referidas com uma localização no corpo, da seguinte forma: A cabeça humana: a consciência, situada no topo da cabeça. A águia: a mente, localizada no cérebro, na testa. O leão: a emoção, localizada no nível do coração no tórax com os braços e as mãos. O boi: o instinto, localizado no abdômen com as pernas e os pés. Existem populações inteiras que ainda estão no nível do boi, outras são mais emocionais. A nossa civilização está dominada pela águia e estamos caminhando lentamente para alcançar o nível da cabeça humana. Na realidade, há um quinto animal que passa despercebido ou mesmo é ignorado em muitas esfinges, e, no entanto, tem muita importância, pois imprime a dinâmica da vida na esfinge: é a serpente. A serpente: ela se apresenta no nível da testa e simboliza a energia, a vida que circula nas diferentes partes da esfinge. Ela está no nível da testa, pois ela pode ser sublimada ou mesmo transmutada dos níveis mais densos do boi, do leão ou da águia para o nível transpessoal. Uma vez no nível transpessoal, a energia desperta a plena consciência, que, por sua vez, dirige, com plena liberdade, a energia nos três níveis do ser: o instinto, a emoção e a mente. Eis como o nosso amigo Roland Tompakow representou, no nosso livro O corpo fala, esta relação dinâmica entre a cabeça humana, o boi, o leão, a águia, pelo intermediário da serpente.

Figura 3 E agora vamos fazer uma avaliação bastante prática para colocar você diretamente em relação com o assunto. Onde é que você se situa? Qual o nível que você alcançou na sua evolução? Eis uma pequena escala de avaliação que lhe permitirá satisfazer a sua curiosidade de modo aproximado. Basta você colocar um X na categoria correspondente ao que você sabe, observa ou sente em você. Olhe agora para a escala numérica e qualitativa. O número 1 corresponde à ausência completa do elemento em foco, 5 corresponde à presença permanente dele, e 3 corresponde a uma situação mediana em que, às vezes, acontece você se sentir ou agir deste modo. Os dois outros números, 2 e 4, correspondem a situações intermediárias.

E ATENÇÃO ! Cuidado em ser sincero consigo mesmo; cuidado com a tendência de se sobrevalorizar por orgulho, ou de ser severo demais por sentimento de inferioridade. Dê uma avaliação global, levando em consideração a maioria dos itens, mesmo se alguns detalhes não corresponderem a você. Passe por cima deles e desconsidere-os em proveito da impressão geral. Utilize a escala abaixo para responder as afirmações:

Escala de autoavaliação

Coloque um “X” no quadradinho correspondente a cada afirmação que você sente coincidir com o seu caso.

Afirmações Boi (instinto)

Leão (afeto)

Águia (mente)

Cabeça humana (consciência)

Agora junte os “X” por um traço e você terá uma visão global de que parte predomina em você. Cada uma das três partes é dividida em três áreas

principais: a primeira lida com os seus gostos e preferências na vida; a segunda se relaciona com os seus divertimentos e feriados; a terceira lida com o seu trabalho. Agora que você tem uma noção aproximada de onde você se situa e qual o caminho a percorrer, iremos, na próxima parte, cuidar de aprofundar e detalhar mais esta nova visão energética do ser humano e do universo, visando desenvolver a arte de viver em plenitude.

Informação bibliográfica OUSPANSKI. A possível evolução do homem. São Paulo: Pensamento, [s.d.]. WEIL, Pierre. A mudança de sentido e o sentido da mudança. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos/Record, 2000. ——. Lágrimas de compaixão. São Paulo: Pensamento, 2000. ——. A revolução silenciosa. São Paulo: Pensamento, 1983. ——. O corpo fala. Petrópolis: Vozes, 1980. ——. Esfinge: estrutura e mistério do homem. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. ——. A consciência cósmica – Introdução à psicologia transpessoal. Petrópolis: Vozes, 1972.

Capítulo III Viver em plenitude

Já vimos que o ser humano, a todo o momento da sua existência, tem constantemente a escolha entre ser um autômato, escravo dos seus instintos, emoções destrutivas, pensamentos e dos seus condicionamentos, ou um ser plenamente consciente de todos os atos da sua vida. Ser consciente a toda hora implica em viver de modo pleno, isto é, viver em plenitude.

1. O que significa plenitude? Plenitude é um estado de alma em que o ser humano se sente completamente realizado, em que ele se sente completo, em que ele se sente pleno. É um estado de plena realização de todo o nosso potencial. Podemos ver este potencial sob vários ângulos, mais particularmente: • do ponto de vista do nosso destino; • do ângulo da nossa idade e das fases da nossa existência; • do ponto de vista dos diferentes níveis energéticos do nosso ser; • da plena realização do que significa ser homem ou mulher, isto é, dos aspectos ativos masculinos e receptivos femininos da energia universal em nós mesmos. Vamos examinar um a um estes diferentes aspectos ou domínios da plenitude. Vamos, em primeiro lugar, definir o que significa o nosso destino e como realizá-lo plenamente.

2. O nosso destino

Há em muitas pessoas um mais ou menos preciso sentimento de ter um papel para preencher neste mundo, nesta existência; o sentimento de que não nascemos por acaso, neste planeta, e que cada um de nós tem uma certa missão para cumprir. Há um fato que muito contribui para esta convicção: é que cada um de nós tem capacidades, aptidões e interesses mais ou menos bem determinados que ditam a nossa vocação social ou profissional.

• A missão de cada um Os que conhecem astrologia sabem que esta disciplina cuida especialmente do destino das pessoas. Eis um texto muito bonito que bem ilustra esta ideia de que cada um de nós tem uma missão confiada a nós pelo Divino, missão esta bastante clara e específica. O texto é do astrólogo humanista Dane Rudhyar.

A lenda dos signos Era manhã quando Deus parou diante de suas 12 crianças e, em cada uma delas, plantou a semente da vida humana. Uma por uma elas dirigiramse a Ele para receber seu dom e conhecer sua missão. Para você, ÁRIES, dou a primeira semente, a qual você terá a honra de plantar. E, para cada semente plantada, um milhão de novas sementes se multiplicarão em suas mãos. Você não terá tempo para vê-las crescer, pois tudo que plantar criará mais sementes para serem plantadas. Você será o primeiro a penetrar no solo da mente dos homens com a minha ideia. Mas não é seu trabalho alimentar a ideia, nem questioná-la. Sua vida é ação, e a única ação que atribuo a você é começar a tornar os homens cientes de minha criação. Para que seja um bom trabalho, dou-lhe a virtude do autorrespeito. E ÁRIES voltou ao seu lugar… Para você, TOURO, eu dou o poder de fazer da semente substância. Seu trabalho é grande e exige paciência, pois você precisa terminar tudo o que foi começado, ou as sementes se perderão ao vento. Você não questionará ou mudará a ideia no meio do caminho, nem dependerá de outros para fazer o que pedi. Por isso, dou-lhe o dom da força. Use-o com sabedoria.

E TOURO voltou ao seu lugar… Para você, GÊMEOS, dou as perguntas sem respostas para que você possa trazer a todos a compreensão do que o homem vê ao seu redor. Você nunca saberá por que os homens falam ou ouvem, mas em sua procura pela resposta encontrará meu dom do conhecimento. E GÊMEOS voltou ao seu lugar… Para você, CÂNCER, atribuo a tarefa de ensinar aos homens sobre emoção. Minha ideia é você causar-lhes risos e lágrimas para que tudo que vejam e pensem se desenvolva com plenitude interior. Para isso, dou-lhe o dom da família, para que sua plenitude possa se multiplicar. E CÂNCER voltou ao seu lugar… Para você, LEÃO, dou o trabalho de mostrar minha criação para o mundo em todo o seu esplendor. Mas você precisa tomar cuidado com o orgulho e sempre se lembrar que a criação é minha e não sua. Pois se você esquecer disso, os homens irão desprezá-lo. Há muita alegria no trabalho, se ele for bem-feito. Para isso, você tem o dom da honra. E LEÃO voltou ao seu lugar… Para você, VIRGEM, peço uma análise de tudo que o homem tem feito com minha criação. Você examinará seus caminhos minuciosamente e o lembrará de seus erros para que, por seu intermédio, minha criação possa ser aperfeiçoada. Para isso, dou-lhe o dom da pureza de pensamento. E VIRGEM voltou ao seu lugar… Para você, LIBRA, dou a missão de servir, pois o homem deve estar ciente do seu serviço em favor dos outros. E que ele possa aprender a cooperar, bem como ter a habilidade de enxergar todo lugar onde haja discórdia e, pelos seus esforços, lhe darei o dom do amor. E LIBRA voltou ao seu lugar… Para você, ESCORPIÃO, dou uma tarefa muito difícil. Você terá a habilidade de conhecer a mente dos homens, mas não permito a você falar sobre o que aprender. Muitas vezes, você será magoado pelo que vê e, por causa da dor, se afastará de mim e se esquecerá de que não sou eu, e sim a perversão de minha ideia que está causando a dor. Você terá tanto do homem que chegará a conhecê-lo como animal, e lutará tanto com seus próprios instintos que perderá seu caminho. Mas quando você finalmente

voltar a mim, ESCORPIÃO, eu terei para você o supremo dom do propósito. E ESCORPIÃO voltou ao seu lugar… SAGITÁRIO, eu peço a você para fazer rir os homens, pois, por causa das incompreensões de minha ideia eles se tornarão amargos. Ao provocar risos, você dará esperança ao homem e, com esperança, voltará seus olhos para mim. Você tocará muitas vidas, mesmo que só por um momento, e conhecerá a impaciência em cada vida que tocar. Para você, SAGITÁRIO, eu dou o dom da abundância infinita, pois você deve espalhar generosidade suficiente para poder penetrar em cada canto de escuridão e torná-lo iluminado. E SAGITÁRIO voltou ao seu lugar… De você, CAPRICÓRNIO, peço o suor do seu rosto para que você possa ensinar o homem a trabalhar. Sua tarefa não é fácil, pois você sentirá o trabalho de todos os homens sobre seus ombros. Mas, para que possa vencer seu desafio, dou-lhe o dom da responsabilidade… E CAPRICÓRNIO voltou ao seu lugar… Para você, AQUÁRIO, dou o conceito do futuro para que o homem possa ver outras possibilidades. Você terá a dor da solidão, pois eu não permito personalizar meu amor. Mas, para os olhos dos homens, para novas possibilidades, eu lhe dou o dom da liberdade, para que, com liberdade, possa continuar a servir a humanidade sempre que necessário. E AQUÁRIO voltou ao seu lugar… Para você, PEIXES, eu dou a tarefa mais difícil de todas. Peço-lhe para reunir todas as tristezas do homem e enviá-las para mim. Suas lágrimas serão minhas lágrimas. A tristeza que você incorporará é o efeito da incompreensão de minha ideia pelo homem. Mas você lhe dará compaixão para que ele possa tentar novamente. Para esta tarefa, a mais difícil de todas, eu dou o meu maior dom. Você será a única das minhas 12 crianças com o poder de me compreender. Mas este dom de compreensão é só para você, PEIXES, pois, quando você tentar transmiti-lo ao homem, ele não ouvirá. E PEIXES voltou ao seu lugar…

Então Deus disse: Cada um de vocês é perfeito, mas vocês não saberão disso antes de cumprirem sua missão. E as crianças saíram, cada uma determinada a fazer seu trabalho o melhor possível, para que pudessem receber o seu dom. Mas Deus sorriu quando disse: “Vocês voltarão a mim muitas vezes, pedindo para serem dispensados de sua missão, e cada vez eu concederei a vocês seus desejos. Vocês irão por incontáveis encarnações antes de completarem a missão original que lhes determinei. Eu lhes dou tempo incontável para fazê-lo, mas somente quando ela estiver feita vocês poderão estar comigo…” Plenitude, neste sentido, consiste em cada um cumprir a sua missão e descobrir a perfeição.

• A plenitude da vocação Conforme já afirmamos, todos nós temos certas capacidades e aptidões em potencial: uns para matemática, outros para línguas, outros ainda para atividades artísticas ou espirituais. Plenitude também abrange a realização vocacional e vital. Existem hoje meios científicos para alcançar esta espécie de plenitude. A psicologia aplicada à orientação profissional ajuda muito para fazer o diagnóstico da vocação de cada um, mais especialmente na adolescência. O seu ponto de vista é de que uma pessoa que escolhe a sua profissão de acordo com as suas aptidões, capacidades, interesses, caráter e temperamento, vive mais feliz e com maior saúde do que os que deixam esta escolha ao sabor do acaso e das circunstâncias. Mesmo como adulto, se você se achar profissional e vocacionalmente deslocado, ainda está em tempo para procurar um orientador vocacional ou um serviço de orientação profissional para cuidar da sua reorientação vital. Isto se faz por meio de testes, inventários e entrevistas. A minha experiência pessoal me mostra o quanto o que afirmo aqui é verdadeiro. Há uns quarenta anos atrás, eu estava exercendo a profissão de orientador vocacional de jovens. Até hoje encontro, de vez em quando, pessoas me agradecendo e me felicitando pelo acerto da orientação dada.

• Os períodos da existência

Outro aspecto da plenitude leva em consideração a idade e o período em que está a pessoa. É óbvio para todo mundo que, desde o nascimento e mesmo antes dele, passamos por grandes fases, cada uma com características próprias. Realizar plenamente estas características é um aspecto importante da plenitude. Eis algumas das principais fases, com a enumeração de aspectos a serem plenamente realizados para a pessoa chegar à plenitude. Todos nós sabemos que as grandes fases da existência são a infância, a adolescência, a juventude, a idade madura e a terceira idade. Em cada uma destas faixas etárias existem características próprias que, uma vez preenchidas as suas condições, nos levam à plenitude. Por exemplo, brincar e estudar na infância, namorar e aprender uma profissão na juventude, ter uma vida familiar e profissional bem equilibradas na maturidade, e ter despertado a sabedoria indissociável do amor altruísta para, na terceira idade, orientar e aconselhar os mais jovens ou assessorar as instituições culturais e comunitárias, conforme o caso, são alguns aspectos essenciais de cada faixa de idade. No ioga considera-se este último aspecto, o da sabedoria, como o objetivo essencial desta nossa existência. A verdadeira plenitude se situa neste último nível, que corresponde ao quarto estado de consciência do qual falamos anteriormente, a superconsciência ou estado transpessoal. Antigamente, na idade de sete anos, as crianças eram recolhidas num mosteiro onde eram confiadas a um mestre que cuidava da sua educação, permanecendo num estado de celibato. Com dez anos, começavam a estudar as escrituras sagradas e eram submetidas a um processo de purificação, e também de treinamento prático, para atender às diferentes exigências da vida de adulto. Aos vinte anos começavam o segundo estágio da existência: voltavam para a sua família de origem onde se preparavam para criar a sua própria família, casando-se e procriando. Num terceiro estágio, aos cinquenta anos, juntamente com a esposa, recolhiam-se num monastério, para meditar e se preparar para alcançar a superconsciência. No quarto estágio final havia um retiro completo da vida mundana; o casal se transformava em andarilho, percorrendo a Índia toda e recebendo ajuda e hospedagem de toda a população que os venerava como ascetas. Nos nossos dias, a grande maioria dos mestres de ioga, considera esses estágios ultrapassados. Quem quer alcançar a superconsciência se

retira o mais cedo possível num mosteiro, para toda vida. Pelo menos é essa a postura dos mestres mais rigorosos. Para o ioga budista tibetano, o monastério é uma das opções possíveis. Outra opção é ter uma vida de cidadão comum, com práticas de meditação e de plena atenção na vida cotidiana. Neste sentido, a participação no trabalho coletivo de uma organização pode ser um caminho adicional bastante poderoso. Daremos um destaque especial a este assunto na oportunidade da descrição do método da presença na vida cotidiana. É disto que vamos tratar agora. Os astrólogos Rudhyar e Rupert nos propõem dez ciclos de sete anos. Em cada um se efetua uma fase da evolução humana. Eis um quadro sinóptico de dez ciclos. Os que quiserem mais detalhes sobre este maravilhoso sistema, fruto de observações milenares, podem consultar a bibliografia.

Aspectos essenciais de cada faixa de idade Quadro sinóptico

Para os que têm mais de setenta anos, como é o meu caso, há ainda outros ciclos de sete anos, em que, caso não se caia na senilidade, há uma verdadeira oportunidade de renascimento aos 77 anos, com uma entrada na esfera espiritual da imortalidade, o que quer dizer o pleno acesso ao transpessoal. No ioga, considera-se este último aspecto, o da sabedoria, como objetivo essencial desta nossa existência.

3. A plena realização do nosso potencial energético A plenitude no cotidiano consiste em viver intensamente e realizar o pleno potencial energético cultivando a presença. O que significa esta presença e o que significa o cotidiano? Vamos começar a definir o que

entendemos por cotidiano. Depois daremos explicações a respeito do potencial energético no ser humano, isto é, em cada um de nós. Vou convidá-lo agora a fechar os olhos depois de ler a presente recomendação, e se lembrar dos diferentes atos da sua vida cotidiana, isto é, o que você faz cada dia da semana, de modo sistemático, como se fosse um ritual. Quando terminar, abra os olhos e continue a leitura. Pode começar. Agora compare as suas conclusões com a lista a seguir obtida a partir de descrições de milhares de pessoas que passaram pelo nosso seminário A arte de viver em plenitude.

• Atividades cotidianas • Acordar. • Levantar. • Banheiro (necessidades fisiológicas, lavar, secar, escovar os dentes, pentear). • Escolher e vestir roupas. • Tomar refeições (desjejum, almoço, lanche, jantar). • Uso do nome e sobrenome. • Condução (para os que trabalham fora: carro, bicicleta, ônibus, ou ir a pé). • Trabalho (fora ou dentro de casa). • Dinheiro (receber e gastar em compras e pagamentos diversos). • Lazer (ócio, divertimentos durante o dia e/ou fins de semana, feriados e férias). • Relações amorosas (casais, namorados). • Amizade. Despertar a presença em cada um destes atos do cotidiano, incluindo nisto ações não previstas nesta lista, é o que vamos descrever agora. Com este objetivo, vou convidá-lo a fazer mais uma pequena experiência, rápida, porém significativa. Procure fazer uma mímica com o seu corpo. Imite a expressão corporal de uma pessoa ausente. Faça a mímica de uma pessoa completamente

ausente de tudo que se passa ao redor dela. Pronto? E agora represente espontaneamente o comportamento oposto: o de uma pessoa plenamente presente. O que aconteceu com o seu corpo? Na primeira parte da experiência, provavelmente, o seu corpo ficou curvado, com um olho de peixe morto ou com o olhar dirigido em qualquer sentido. Na segunda parte, você, com toda probabilidade, sentou como se fosse adotar uma postura militar de sentido. O que foi que mudou? Qual o órgão do corpo que modificou a sua postura? Foi a coluna vertebral, não é? Pois é, justamente, na coluna vertebral que, ou melhor, ao longo dela que circula a energia, segundo todas as tradições orientais. Trata-se justamente da mesma energia simbolizada pela serpente na esfinge, do capítulo precedente. Uma coluna curvada ou distorcida não deixa passar a energia, que fica presa. Uma coluna reta, ao contrário, deixa passar este fluxo vital, chamado de vários nomes como prana em sânscrito, ki em chinês, rlung em tibetano, espírito em português.

• Anatomofisiologia da circulação da energia A energia sutil, que não deve ser confundida com o influxo nervoso que circula no sistema nervoso, passa por canais também constituídos da mesma energia. Como é que a energia pode circular por canais energéticos? Podemos comparar o sistema a tubos de gelo nos quais circula água. Gelo também é água no estado sólido. Os canais de energia são um pouco mais densos. Esta energia, por sua vez, carrega a informação e os programas psíquicos e mentais contidos em partículas luminosas chamadas em sânscrito de hindú e em tibetano de tiglé. Este conjunto forma um sistema paralelo ao corpo físico, antigamente chamado de corpo astral. Este sistema sai do corpo físico todas as noites e vai passear pelo universo. É ele que aparece a familiares ou amigos, como fantasma, na hora do desenlace. Falaremos deste assunto no capítulo da passagem. Este subsistema sutil tem uma espécie de anatomofisiologia que vamos descrever agora.

Dois canais principais laterais a um canal central distribuem a energia através de milhares de canais menores bastante conhecidos em acupuntura chinesa. Esta distribuição se faz através de entroncamentos de canais, chamados em sânscrito de chakra, que significa roda e é simbolizado por uma flor de lótus por causa da sua semelhança com essa planta. Existem inúmeros centros energéticos, os mais conhecidos são sete. Levei muito tempo para compreender o significado e as funções destes centros, pois a sua descrição nos tratados de ioga é em geral complexa e confusa. Foi um mestre hindu, Swami Rama, que, juntamente com um psicanalista e um psiquiatra, resolveu interpretar os chakras em linguagem acessível ao Ocidente. Vamos agora mostrar que os chakras correspondem a grandes funções psicológicas relativamente bem conhecidas. Num indivíduo sadio, a energia circula livremente. Numa pessoa com saúde precária ou doente, a energia se encontra bloqueada num ou vários destes centros, gerando tensões e disfuncionamento dos diferentes plexos nervosos com os quais os chakras se relacionam, de modo semelhante a um canal de televisão. O programa aparece dentro do aparelho de TV, mas na realidade ele se encontra fora. Se o aparelho se deteriora, o programa continua fora, mas não é mais transmitido através do canal correspondente. Vamos agora descrever as funções principais dos chakras.

• Os sete centros energéticos do ser humano Vamos descrever esses centros numa subida numérica de 1 a 7. É, por conseguinte, uma espécie de escala em escada que deve ser lida de baixo para cima. Para cada um indicaremos a sua localização, a sua função principal e a escola psicológica ligada a sua função, pois cada um corresponde a uma das escolas de psicologia e corrente de psicoterapia que muito bem se desentendem nas faculdades de psicologia. Ao contrário de ser fragmentado, trata-se de uma espécie de sistema holográfico, pois cada um contém os seis outros.

Chakra 7. Transpessoal Este é o último chakra, localizado em cima da cabeça, no lugar da coroa dos reis e de Cristo, e da coroa de mil pétalas. Trata-se realmente do coroamento da evolução humana, do alcance do nível da superconsciência

já descrito anteriormente. A psicologia transpessoal é a escola de psicologia correspondente a este nível, alcançado por místicos e sábios de todas as culturas e de todos os tempos. É neste nível que termina a dualidade sujeitoobjeto e que se dissolve a ilusão da existência de um ego.

Chakra 6. Conhecimento Este nível corresponde ao cérebro. Três funções lhe correspondem: do lado direito do cérebro encontramos as funções da intuição e o lado feminino do ser. À esquerda se encontra a razão tipicamente masculina. E no centro as funções PSI, também chamadas de paranormais. À esquerda temos a escola da epistemologia genética de Piaget; à direita, a escola intuicionista de Bergson; e, no meio, a escola de parapsicologia de Rhine.

Chakra 5. Inspiração Situada no nível da garganta, onde existe a função do verbo, do símbolo, é o centro da criatividade, da poesia, onde aparecem também acasos significativos chamados de sincronicidades. Quando você está inspirado pelo amor, surgem muitos fenômenos de telepatia entre você e a pessoa que ama. A escola de psicologia é de Jung.

Chakra 4. Amor Situado no nível do coração, este centro energético é o de onde se irradia o verdadeiro amor altruísta e a compaixão. Confunde-se muito este amor com a sensualidade do segundo chakra. Amar é visto no sentido de dar felicidade aos outros. As escolas de psicologia são as do psicodrama, de Moreno; da terapia centrada, de Carl Rogers; e da arte de amar, de Erich Fromm.

Chakra 3. Poder Na boca do estômago, no nível do plexo solar, se encontra um chakra cuja função essencial é de conservação do lugar do indivíduo na sociedade, de ser reconhecido e integrado no seu grupo social. A escola de psicologia é a de Adler, que estudou os sentimentos de superioridade e de inferioridade.

Por isso mesmo que a emoção destrutiva ligada a este chakra é o orgulho aliado ao desconhecimento da não separatividade e do princípio de equanimidade.

Chakra 2. Prazer Na altura do útero e da próstata se situa o centro da sensualidade e dos prazeres sensuais da existência, tais como a atividade sexual e o ato de comer. A sua função essencial é a preservação e continuidade da espécie humana, pois sem o prazer sexual, até pouco tempo, não se podia gerar filhos. A escola de psicologia correspondente é a da psicanálise de Freud que chamava a energia deste nível de libido. A principal emoção destrutiva é o apego ao prazer, o apego leva à possessividade, à inveja e ao ciúme.

Chakra 1. Segurança Entre o ânus e os órgãos genitais se encontra a força de equilibração da postura ereta do nosso corpo e que nos dá o sentimento de segurança ou de insegurança conforme a nossa postura física. A função deste centro é a preservação do indivíduo, mais especialmente do seu corpo, através da defesa e do ataque, dos diferentes reflexos, da alimentação do abrigo e da roupa. A escola de psicologia correspondente é a de reflexologia e de condicionamento, chamada ainda de comportamentalista, de Pavlov e de Skinner. As emoções destrutivas ligadas a este centro são o medo e a raiva.

4. A presença nos atos do cotidiano Vamos agora mostrar como se apresenta a presença dos chakras na vida cotidiana, conforme o anunciamos no início deste capítulo. Para isso, vamos convidar você a observar o que se passa nas principais atividades do seu dia, isto é, no acordar, no levantar, ao tomar banho, assim como durante as refeições e no transporte ou na condução. Quanto ao princípio, sendo o mesmo, basta dar um exemplo para entender que ele se aplica a todas as outras atividades.

Na próxima vez que você exercer uma das suas atividades, desperte e observe o que está se passando com você e seus chakras. Por exemplo, há diversas maneiras que observo nos participantes dos meus seminários de eles escovarem os seus dentes. Veja com qual destas maneiras você se identifica mais, isto é, quais são as que mais correspondem ao seu modo de ser na hora de escovar os seus dentes: • você escova mecanicamente os seus dentes, pensando no que você vai fazer durante o dia? Ou • você está com plena atenção observando os detalhes do ato de escovar, se olhando no espelho e prestando atenção para que todos os seus dentes sejam limpos, visando a preservação da sua saúde? Ou • você está desfrutando do sabor da pasta dental, cheirando o seu perfume e vivenciando a gostosa sensação que a espuma causa na sua boca? Se você se inscrever no primeiro caso, não há presença e você está inteiramente dominado pelo sexto chakra. Você se comporta como um autômato. Nos dois casos seguintes, há plena presença e você pode tomar consciência de que, no segundo caso, está em atividade o seu primeiro chakra, o da segurança; e, no último caso, o segundo chakra, o do prazer. Em cada um dos momentos da sua vida, você terá sempre a escolha entre ser um autômato ausente ou um ser plenamente presente e consciente. Neste segundo caso, você poderá constatar que sempre há um ou vários chakras em funcionamento. Isto se dá também com o uso da sua roupa. É o que vamos descrever agora.

• O uso da roupa Foi uma grande descoberta, quando pedi aos participantes dos meus seminários para descrever o chakra, ou os chakras, movidos pelas características da roupa que vestiam, incluindo nisto o momento da escolha na hora de se vestir. Vou agora convidar você para fazer a mesma experiência. Pegue uma folha de papel e divida-a em duas colunas. Na primeira, você escreve a lista das roupas. Na segunda, você escreve os chakras correspondentes.

Agora, na primeira coluna você faz uma lista detalhada da roupa que você está vestindo agora, assim como adornos e acessórios. Precisando melhor, entendo como roupa: camisa, blusa, teeshirt, saia, calça, calcinha ou cueca, sutiã, meias, sapatos, bijuteria, anéis, colares, argolas, penteado, bigode, barba, óculos, maquilagem, esmalte, bolsas e bolsos e seu conteúdo. Depois da lista, para cada um dos elementos, coloque os chakras que lhe moveram na sua escolha e que lhe movem no seu uso ou escolha na hora de se vestir. Para isso, leve em consideração a cor, a textura, a simbologia das figuras impressas no shirt. Por exemplo, além de protegê-lo (segurança), a cor vermelha de um teeshirt pode evocar o amor; a sua textura suave, a sensualidade; e o impresso da figura de Francisco de Assis, o caráter transpessoal. Uma vez completa a lista, você tem a oportunidade de verificar os chakras que predominam no uso da sua vestimenta. Depois, pode confrontar com outras listas de outras atividades. O que constatei é que, para todos, se trata de uma verdadeira descoberta de algo completamente inconsciente e bastante revelador de nós mesmos e do nosso estágio evolutivo.

• O nome e o sobrenome O mesmo se dá com o uso do nosso nome. A todo instante, usam o nosso nome ou sobrenome para nos chamar, ou nos pedem para assinar recibos ou cheques. Por detrás deste uso se escondem também os chakras. Por exemplo, se você tiver o sobrenome de um presidente da república ou de um avô que foi escritor famoso, isto pode estimular o orgulho ligado ao chakra do poder. Pode acontecer também que você tenha um nome de um apóstolo como Pedro ou Paulo ou de uma santa como Teresa ou Maria, o que pode inconscientemente lhe dar inspirações transpessoais. O apego ligado ao prazer de usar o nome pode nos ligar ao segundo chakra e a vaidade do terceiro chakra pode ser ferida se alguém esqueceu o nosso nome ou o escreve de modo errado. Além do nome, a nossa profissão está carregada de significados energéticos.

• A respiração, um grande mestre da vida Entre os atos do cotidiano, o mais inconsciente, o mais esquecido e, no entanto, o mais importante é a respiração. A respiração é usada em todas as tradições que preconizam a meditação como o meio mais eficaz de concentração, pois ela está sempre aí presente para nos lembrar da Presença. Além disso, ela nos ensina muitos princípios da vida, entre outros.

A existência como obrigação Querendo ou não, somos obrigados a respirar, senão morremos por resistir a ela.

A entrega Por isso, querendo ou não, temos de nos entregar a essa vontade superior, à lei de dar e receber. Ao inspirar, recebemos o oxigênio; ao expirar, damos gás carbônico para as plantas respirarem. Se nos recusamos a receber ou dar, morremos. Um ritmo cósmico age dentro de nós. A lei universal de expansão e manifestação do universo, e de retração e reabsorção, funcionam permanentemente sob a forma de inspiração expansão e expiração retração. O eu individual e o EU universal. Quem é que respira? Você pode afirmar que é você, quando respira voluntariamente. Mas na maioria das vezes pode-se dizer que o seu corpo é “respirado”. É como se um EU universal respirasse dentro de você. Aliás, são dois centros nervosos cerebrais diferentes, justificando a distinção entre respiração automática e voluntária.

Confiança Ao nos entregarmos ao ritmo cósmico, fazemos a todo instante um gesto de confiança no SER que cuida de nós.

Ser autômato ou ser consciente? Consciência-inconsciência Mesmo involuntária e automaticamente, você é capaz de se transformar em observador da sua própria respiração. Você então se torna consciente e sai do estado de autômato inconsciente. Em todas as situações da existência, temos a escolha entre ser autômato ou ser consciente.

A bipolaridade masculino/feminino O ato de inspirar é um ato ativo, masculino. O ato de expirar é um gesto passivo, receptivo, de abandono, feminino. A lei desta bipolaridade em nós está muito presente.

Equilíbrio energético A respiração contribui para aumentar o consumo de oxigênio, em caso de gasto de energia. Se corremos demais; se somos dominados por uma emoção violenta, o ritmo respiratório aumenta e nos avisa para tomarmos cuidado.

A lei da impermanência Nada dura no mundo, e a respiração é um exemplo típico dessa lei. Nem a respiração, nem a expiração, nem o repouso permanecem por muito tempo. Estão em perpétua mudança e transformação. E cada expiração pode ser o último suspiro! Nunca sabemos; mas está inscrita aqui a lei inexorável: um dia, o nosso corpo irá cessar de viver. Também ele é impermanente!

• A presença nas refeições Certo dia, um grande mestre Zen do Japão declarou: “Quando eu como, eu como! Quando eu bebo, eu bebo!” Ele atraiu, com isso, a nossa atenção sobre a necessidade da Presença nos nossos atos cotidianos, o que é o tema deste tópico. Podemos passear num lindo bosque sem nada desfrutar, pois estamos pensando. O pensamento nos leva para o passado e o futuro, nunca para o presente. Isto é também verdade para as refeições. Podemos comer

os melhores pratos, os mais saborosos, e tudo isto passar despercebido, pois estamos pensando nos compromissos que temos para depois. Resultam disto má digestão, comer demasiadamente e, eventualmente, obesidade. A fim de contribuir para uma saúde melhor, o hábito de comer menos e de modo equilibrado e, eventualmente, a perda de alguns quilos, sugiro-lhe, caso você queira sair desse impasse, usar os procedimentos a seguir. A partir da próxima refeição, a cada garfada, depois do bolo alimentar estar em sua boca, coloque o garfo ou a colher na mesa e desfrute a presença da comida em sua boca. Depois, ao engolir, acompanhe a gostosa sensação da comida descendo dentro de você, até chegar ao estômago. Então, e só então, apanhe o seu garfo ou a colher ou use a mão para introduzir a porção seguinte. É uma verdadeira meditação complementar que contribuirá para lhe dar mais saúde e paz cotidiana.

• Profissão e emprego A maioria, senão praticamente todos os adultos, exerce algum ofício, alguma profissão, e muitos são funcionários contratados em empresas. Já mostramos, a respeito da esfinge, que existem profissões de boi, de leão, de águia e de homem. De fato, os animais da esfinge estão ligados aos chakras. É diferente ser carregador de porto (segurança, boi), de assistente social ou mãe de família (amor, leão), de bibliotecário (conhecimento, águia) ou de mestre espiritual (transpessoal, homem). Porém, cada profissão ou ofício pode ser escolhido ou exercido com duas atitudes bem diferentes. Para mostrar isso vou contar a história dos dois pedreiros. Ela nos aponta para uma nova maneira de encarar o nosso trabalho, para uma nova motivação profissional. Uma interpretação do texto bíblico está ainda dominando o cenário do trabalho humano. Segundo ela, depois da expulsão do paraíso, Adão foi condenado a trabalhar ao suor da sua testa. Se interpretarmos a expulsão do paraíso perdido, como o fizemos no primeiro capítulo deste livro, como a caída na dualidade sujeito-objeto e nas consequências emocionais destrutivas, o trabalho pelo contrário pode ser uma excelente oportunidade de nos religar com o resto do universo. É isto que nos mostra a história dos dois pedreiros.

• Desenvolvimento de uma nova motivação profissional: a história dos dois pedreiros Esta história eu a contava há quarenta anos nos meios empresariais de recursos humanos do mundo capitalista onde era bastante conhecida, e era usada para ajudar a resolver o problema da falta de motivação para o trabalho que os marxistas atribuíam ao sistema capitalista. Um dia, para minha surpresa, encontro a mesma história no livro de Gorbachev, Perestrójka, para mostrar que o regime marxista soviético estava desmoronando por falta de valores espirituais nos trabalhadores da União Soviética. O livro tinha sido escrito antes da queda do muro de Berlim que ele mesmo provocou. Eis a história: Era uma vez um muro em construção por dois pedreiros. Os dois operários tinham começado a construção do muro na mesma hora do mesmo dia. Só que o muro de um deles estava ainda baixinho, enquanto que o muro do outro já estava tão alto que o pedreiro estava no último degrau de uma escada. O primeiro pedreiro, o do muro incipiente, estava com ar desanimado, com evidente má vontade e olho de peixe morto, igual a este funcionário público que estava sentado numa cadeira sem fazer nada. Um amigo dele, cheio de energia, perguntou: “Você não está fazendo nada?” “Não!”, respondeu o funcionário. “E você está assim o dia inteiro?” “Estou sim…!” “Mas você não está, às vezes, sentindo uma vontade de fazer alguma coisa?”, perguntou o amigo. O funcionário pensou profundamente e respondeu: “É mesmo, às vezes eu sinto uma vontade assim… Mas eu reajo!” Voltando à nossa história, o outro pedreiro estava com ar feliz e cantando quase sem parar. Um psicólogo que estava passando por aí ficou intrigado pela diferença entre os dois muros e o comportamento dos dois pedreiros, e com a mania de entrevistar as pessoas, característica de muitos psicólogos, perguntou ao primeiro: “O que você está fazendo aqui?” “Uai, não está vendo? Estou construindo um muro, colocando um tijolo em cima do outro!” “E por que está fazendo isso?” O pedreiro respondeu: “Para ganhar o meu dinheiro, uai..!” Provavelmente, era mineiro, por causa da exclamação… O psicólogo então se dirigiu para o outro pedreiro: “E você, o que está fazendo?” O pedreiro parou de cantar, abriu um enorme sorriso, e com um ar de felicidade máxima exclamou: “Eu estou construindo uma catedral!…”

E você, de que lado você se sente? Do primeiro ou do segundo pedreiro? Para responder de modo mais preciso a esta pergunta é necessário que você conheça melhor as necessidades humanas para poder identificar quais são as que lhe motivam para o seu trabalho e em que degrau. Inspirado nos chakras, ofereço a você, para identificar onde você se situa, uma classificação das principais necessidades humanas.

Lista classificada das necessidades humanas 1. SEGURANÇA. Alimentação, abrigo, defesa ou proteção contra agressões e violência, proteção contra intempéries da natureza externa. 2. PRAZER. Sensualidade, prazer sexual, prazer de comer e beber, prazeres e alegrias da vida em geral. Gosto pelo conforto. 3. PODER. Ser admirado, se sentir importante, se sentir aceito e respeitado pelos outros. 4. AMOR. Servir aos outros. Sentir-se útil. Altruísmo. Gostar de ajudar, compartilhar. Ternura. Querer bem. Viver em harmonia. Empatia. Ouvir os outros. Aliviar o sofrimento dos outros. Tratar da saúde dos outros. Curar os outros. 5. INSPIRAÇÃO. Criar, escrever poemas, inventar, fazer planos e projetos, pintar, decorar, modelar, esculpir, estética, arte, beleza. 6. CONHECIMENTO. Procura da verdade. Aprender. Estudar. Pensar. Raciocinar. Descobrir. Analisar. Sintetizar. Intuir. 7. TRANSCENDÊNCIA ou TRANSPESSOAL. Procura da perfeição. Religiosidade. Santidade. Espiritualidade. Vida mística. Evolução. Abertura. Entrega. Divino. Sagrado. Agora você está em condições de descobrir quais as necessidades mais importantes na sua vida atual, e quais as que são atendidas através do seu trabalho. Vamos começar por você mesmo.

Primeira parte Pegue um lápis para não estragar o livro. Olhe para as três colunas na tabela ao lado. Na primeira coluna, classifique as suas necessidades por ordem de importância. O número 1 para a mais importante, o número 7 para a menos importante.

Segunda parte Agora coloque um “X” na segunda coluna, em frente a cada necessidade que você está preenchendo para você mesmo, através do exercício do seu trabalho.

Terceira parte Agora, na terceira coluna, coloque um “X” na ou nas necessidades das pessoas atendidas direta e pessoalmente por você, se você trabalhar só, como, por exemplo, médico, advogado, vendedor ou eletrotécnico.

Se, pelo contrário, você trabalhar numa empresa, coloque um “X” na ou nas necessidades das pessoas atendidas diretamente por você, se você for, por exemplo, gerente ou vendedor, ou indiretamente pela empresa em que você trabalha, como digitador ou contador, por exemplo. Em outras palavras, ao fazer esta listagem, você terá a oportunidade de fazer a avaliação da utilidade do seu trabalho direto como autônomo ou pessoalmente ou indiretamente através da sua empresa. Por exemplo, um eletrotécnico, ao consertar uma TV, atende das pessoas as necessidades de conhecimento (notícias, palestras), transcendência (programas espirituais), inspiração (programas estéticos), amor (romances, apelos à colaboração), poder (programas pedindo opinião do telespectador), prazer e alegria (programas eróticos ou cômicos) e segurança (programas de saúde ou avisos de precaução). Uma empresa telefônica, por exemplo, atende a todo um leque de necessidades, desde o pedido de socorro de alguém assaltado (segurança) até o pedido de conselho espiritual de um amigo ou sacerdote (transcendência). Assim, uma pessoa que trabalha numa companhia telefônica, direta ou indiretamente, tem uma grande utilidade para cada pessoa atendida. Agora que você avaliou o maior ou menor grau de utilidade do seu trabalho para as necessidades das pessoas atendidas diretamente por você ou através da sua empresa, como você se sente diante desta eventual descoberta? Eis uma lista das respostas típicas dos que pertencem à grande família dos que sabem que constroem catedrais e sentem felicidade por causa disso: • na primeira coluna, nos primeiros lugares de preferências, figuram em maioria os chakras de quatro para cima, isto é, o amor, a inspiração, o conhecimento e o transpessoal ou transcendência. Eventualmente, podem figurar um ou outro dos chakras abaixo dos que acabamos de relatar; • na segunda coluna, grande é o número de chakras presentes na lista, mais particularmente alguns dos chakras de número 4 para cima; • na terceira coluna, grande número de chakras atendidos nos clientes. Mesmo se tiver um só chakra inferior ao do coração, como, por exemplo, o primeiro da segurança, pode, por exemplo, provocar o entusiasmo de um

policial ou dos funcionários e dirigentes de uma companhia de seguros por eles atenderem a este chakra em todos os clientes. O leitor já deve ter notado que continuamos a tratar da arte de viver em plenitude; desta vez, no que se refere ao trabalho, seja ele emprego ou profissão independente. Isto nos leva a apontar para um outro aspecto importante, desta vez do ponto de vista das organizações e empresas. Trata-se dos três P’s que definem uma gestão e um desenvolvimento de uma cultura organizacional holística. A maioria das organizações até hoje olham apenas para o aspecto da produção em qualidade e quantidade, o que define o primeiro estilo gerencial através do primeiro P. Certas organizações passam para o outro extremo, pensando que tratando bem as pessoas, isto é, cuidando do segundo P, irão obter uma ótima produção. Diante da decepção do estilo e da cultura paternalista, elas procuram obter o máximo de produção, primeiro P, através da cooperação das pessoas, segundo P, gerando um estilo e uma cultura altamente participativa, geralmente muito bemsucedida, embora muito mais trabalhosa. Estas culturas arriscam e, às vezes, são colocadas a serviço de valores destrutivos, como o fumo ou a produção de armas. Por isto é preciso considerar o terceiro P, a plenitude, cujas condições acabamos de definir. Só as empresas verdadeiramente “catedrais” poderão estimular o entusiasmo de ser útil na sua direção e na dos seus funcionários. Não nos cabe aqui nos estender neste assunto. Os interessados poderão encontrar subsídios no nosso livro Tecnologia e organizações para o terceiro milênio – A nova cultura organizacional holística. Assim, a plenitude numa empresa é, em grande parte, a plena realização das necessidades dos clientes pela empresa e o consequente entusiasmo dos seus dirigentes e funcionários de se sentirem tão úteis dentro de uma “catedral”. Trabalhar implica ganhar dinheiro, e dinheiro é um assunto muito importante na nossa existência. Vamos ver agora o que a plenitude tem a ver com o vil metal…

• Dinheiro e plenitude

Há quem afirme que dinheiro é uma energia. A nosso ver, dinheiro é apenas o resultado de uma convenção social, um instrumento criado pela mente humana e cujo valor é resultado de um consenso, de uma crença generalizada. A melhor prova é que se oferecesse um milhão de dólares a uma tribo indígena sem nenhum contato com a civilização. O seu cacique mandaria fazer talvez uma linda fogueira, pois na mente desses índios não figura o conhecimento do dinheiro. As bolsas de valores oscilam conforme a confiança dos acionistas nas ações. Se ninguém mais acreditasse no valor do dinheiro, ele não teria mais curso. Por esta razão, se queremos preservar a nossa saúde mental e a nossa paz de espírito, precisamos evitar nos apegarmos demais a esta ilusão. Convém evitar imitar o comportamento absurdo dos que se suicidaram na grande crise da bolsa dos anos de 1920 nos Estados Unidos, porque estavam se identificando completamente com o papel de acionista. Mas, ao mesmo tempo, temos que reconhecer que dependemos deste sistema para sobreviver na nossa civilização, a não ser que queiramos voltar para a tribo indígena. Por isso mesmo, precisamos cultivar a presença em relação ao dinheiro e ficarmos lúcidos em relação ao que ele representa na nossa existência e do que podemos, ou do que nos convém fazer com ele. Apesar das restrições que fizemos, enquanto ele existir no nosso sistema econômico e no nosso bolso, o dinheiro pode ajudar muito a cultivar a plenitude. Para você poder se convencer disto, vou convidá-lo a fazer uma experiência: vamos observar a relação existente entre o dinheiro e os chakras. Procure uma folha de papel e divida-a em duas colunas. Na primeira, você escreve “Gastos”; na segunda, escreve “Chakras”. Agora, na primeira coluna, enumere todas as suas despesas diárias, semanais, mensais e ocasionais. Paralelamente, ou depois, procure traduzir em chakras, na segunda coluna, cada uma das despesas. Ao listar as despesas evite entrar em muitos detalhes; por exemplo, no item comida basta escrever a rubrica “alimentação”, e não cada alimento, o que seria enfadonho.

Agora, examine a lista dos chakras e tome consciência de quais os chakras que você atende mais, e quais os chakras que você simplesmente abandonou. Talvez seja o momento de decidir, por exemplo, gastar menos em certos divertimentos que estimulem o segundo chakra, e gastar mais em conhecimento ou em seminários de transpessoal; ou, ao contrário, você constata que sua vida é séria demais e que você precisa gastar mais em lazeres. E neste último caso examine o que se passa com os seus lazeres.

• O lazer: weekend, feriados e férias No fim do segundo milênio, ocorreu na nossa civilização ocidental um movimento progressivo de diminuição do tempo de trabalho e de aumento do tempo de lazer. Esta tendência parece estar se firmando. De outro lado, sob influência da automação, da informática, da racionalização do trabalho em organizações e métodos, as operações de enxugamento jogam milhões de pessoas para o desemprego. Às vezes me pergunto se isto não vai nos levar a uma situação em que a maioria da população ativa do mundo vai parar de trabalhar. Possivelmente, receberão uma remuneração que lhes permita sobreviver e consumir a produção das empresas sem trabalhadores. Estaremos caminhando para uma civilização do lazer? De qualquer forma, o lazer entrou na sua vida e você tem a oportunidade e liberdade de utilizá-lo da melhor maneira que lhe convier. Então, nada como um exame do seu lazer. Para isto, você pode repetir a experiência do dinheiro mudando apenas o título da primeira coluna para “Lazer”. Faça uma lista das atividades dos seus feriados e férias e depois examine se é isto que você quer em função da constatação de certas lacunas. Muitos são os participantes dos meus seminários de Arte de viver em plenitude que despertam para o fato de que precisam usar mais os seus lazeres para cuidar da sua evolução em direção à plena consciência, aumentando o seu tempo de meditação, suas leituras e cursos de férias. De fato, o lazer é uma grande ocasião de autotransformação, reforçando a presença na vida cotidiana. Neste assunto da plena realização energética nossa, resta descrever o que se passa com as relações amorosas e a amizade.

• Relações amorosas e amizades Quando duas pessoas se encontram, há um encontro ou desencontro dos chakras de cada uma. Por exemplo, se duas pessoas estão trocando ideias sobre um livro que ambas leram, há um encontro dos chakras do conhecimento. Quando ambas estão trocando carícias, os seus chakras da sensualidade estão vibrando juntos. Quando sentem o mesmo amor altruísta juntos, estão vibrando em uníssono no chakra do coração. É claro, pois, que maior o número de chakras vivenciados juntos no mesmo momento, maior será a plenitude da vida a dois. O mesmo se pode dizer de amigos, só que o segundo chakra fica excluído e predomina o quarto, junto com outros. Observamos, nos nossos seminários da Arte de viver em plenitude, algo muito significativo: na hora do primeiro encontro de casais, no primeiro ou nos primeiros momentos deste primeiro encontro, se você conseguir se lembrar quais os chakras que cativaram cada um de vocês dois, você tem na sua mão o potencial da história posterior do casal, inclusive dos seus desentendimentos. Por exemplo, se um dos dois foi atraído pelo chakra dois e o outro sentiu uma vibração no do coração, a vida posterior se mostra ambígua e desequilibrada; enquanto um procura apenas prazer sexual e não se entrega em outros planos, o outro o ama incondicionalmente, mas ao mesmo tempo sentirá falta de sentimentos correspondentes. Muitas separações ocorrem por falta de reciprocidade no plano do quarto chakra. A minha experiência com casais velhos mostra que a maioria absoluta começou por uma união no nível do quarto chakra. O segundo chakra não garante nenhuma estabilidade conjugal. É deste tipo de relacionamento que se fala “que seja eterno enquanto dure”… E com isto acabamos de relatar como se pode despertar a presença no cotidiano e alcançar cada vez maior plenitude nas diferentes partes do dia. Resta agora tomarmos consciência de duas forças poderosas que influenciam todo o nosso comportamento e nossa maneira de ser. O masculino e o feminino em cada um de nós.

5. Os aspectos ativos e receptivos da energia universal em nós

• O princípio do tao Até agora falamos pouco de um dos aspectos fundamentais da energia, seja na sua forma universal, seja na sua forma pessoal. Esta característica é a sua permanente transformação. A lei de Lavoisier se aplica também neste caso: no universo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Na China esta lei era conhecida há milênios e se chama Tao, ou princípio fundamental, que se manifesta sob a forma do tai chi. Este é representado pela seguinte figura:

Figura 4 Como se pode depreender da figura 4, o Tao se manifesta sob forma de duas forças complementares, o Yin e o Yang. O Yin é a manifestação receptiva, feminina, terrena e doce da energia. A sua cor no círculo é preta. O Yang, representado pelo branco, é a manifestação ativa, criativa, masculina, celestial e forte. Como se pode observar, quando o Yin aumenta o Yang diminui e viceversa. Mas não existe nem Yin nem Yang absolutos, já que no Yin tem um ponto branco e no Yang um ponto preto. Isto significa que, no feminino extremo, há um pouco de masculino e no masculino há um pouco de feminino. Cada um de nós tem, a cada momento do cotidiano, uma das forças em atividade, passando do masculino ao feminino com a maior flexibilidade e facilidade. Porém, em cada um de nós, há a tendência a reagir de maneira Yin ou Yang. Vamos falar agora desta dosagem.

• A dosagem do masculino e do feminino em cada um de nós

Para ficar bem claro do que estamos falando é preciso separar a ideia de homem e de mulher da polaridade masculino-feminino. Já no seu corpo de mulher existe o clitóris, que é um órgão sexual masculino, um pênis em miniatura. E se você for homem, nunca poderá negar que tem seios femininos reduzidos ao mínimo. Do mesmo modo, temos traços psicológicos do sexo oposto ao nosso em cada um de nós. Porém, isto não quer dizer que, porque você é mulher, que a sua feminilidade seja sempre predominante; pode acontecer que você se mostre mais masculina nos seus gostos e maneira de ser, e vice-versa; mesmo se homem, você pode ser predominantemente feminino. Vamos também deixar claro que estas combinações de que acabamos de falar não significam que você seja homossexual. De fato, tanto em homens como em mulheres encontramos, grosso modo, as seguintes possibilidades: 1) ser mais masculino(a) do que feminino(a), ou ser quase exclusivamente masculino(a); 2) ser mais feminino(a) do que masculino(a), ou ser quase exclusivamente feminino(a); 3) ter uma dosagem mais ou menos equivalente de masculinidade e de feminilidade. Você já deve se perguntar onde é que você se situa, não é? A seguir, você vai encontrar maiores explicações.

• O que significa ser masculino ou feminino? A natureza nos dá uma pista bastante segura e significativa sobre em que consiste ser feminino ou masculino. Se nós partirmos das características ou funções fisiológicas masculinas e femininas temos que reconhecer como evidente que a mulher tem o poder de gerar filhos e de alimentá-los. Disto decorre uma série de funções tipicamente femininas, tais como: • receptividade (a começar pelo ato sexual, quando recebe o esperma); • gestação, transformação, partejar, pôr no mundo, dar a vida; • conservação da vida, amamentar, alimentar, cozinhar, semear, plantar, colher os frutos da terra, tratar e curar; • dar amor, atenção, carinho ao cuidar dos filhos, ninar e cantar;

• cuidar da casa, criando um ambiente de lar acolhedor, com música, flores, decoração; • proteger os filhos, o que implica uma intuição instintiva dos perigos que podem ocorrer; • educar os filhos. A vocação feminina se estende, como se fosse por tabela, ao marido, familiares e amigos. Trata-se de uma missão, de uma vocação profunda que faz o encantamento e a felicidade de milhões de mulheres. Assim, falamos em características femininas quando há presença de gosto, necessidade e comportamentos efetivos de receptividade, acolhimento, amor, carinho, ternura, doçura, proteção, intuição, instinto, sentimento e emoção, educação, transformação, dar a vida e preservá-la, tratando e curando. Assim, partindo das funções próprias à fêmea humana, extraímos, dessas funções mais primárias, as propriamente femininas. Milhões de mulheres, sob influência de necessidades econômicas e das pressões culturais do movimento feminista, estão recusando esta vocação feminina, preferindo entrar na atividade econômica externa ao lar. Ao fazêlo, elas estão desenvolvendo dentro delas o seu lado masculino. Isto nos leva a definir o que é ser masculino. Para isto, vamos proceder do mesmo modo como fizemos para com o feminino. Vamos procurar do lado instintivo e fisiológico o que é ser macho, para depois extrair disto as características masculinas. Se olharmos uma tribo indígena, podemos constatar facilmente uma divisão de trabalho nítida; os homens vão caçar e pescar e constroem as tabas. Eles têm um papel ativo. O ato sexual consiste em colocar esperma e espermatozoides na boca do útero. Aí também se trata de um papel ativo. A sua atividade também é de proteger o lugar contra as intempéries e eventuais invasões ou ataques de outras tribos; para esta finalidade última, ele se prepara constantemente treinando técnicas de luta. Como cacique, o homem dirige a organização da tribo. Os pajés têm um profundo conhecimento das ervas medicinais ou recebem informações extrassensoriais de outras dimensões e de espíritos. As características masculinas que podemos extrair desta breve descrição, são as seguintes: espírito de iniciativa, atividade reprodutiva e construtiva, luta pela vida e trabalho fora de casa, organização com uso da

razão, uso da força para fins de proteção, criação e uso de tecnologia, ataque e defesa físicos. Tudo indica que estas características femininas e masculinas têm se mantido durante milênios, dentro de uma estrutura familiar tradicional e sólida. É neste século, com a revolução tecnológica, que tem surgido o movimento feminista, visando conseguir empregos em igualdade com os homens. Tudo indica que foram mulheres, com alto grau de masculinidade, que entraram na batalha e foram vitoriosas, menos no que se refere à igualdade de salários. Hoje, grande parte destas mulheres está falando na necessidade de resgate do feminino, pois reconhecem que inúmeras mulheres, ao querer competir com os homens no mercado dos empregos, tiveram de imitá-los e desenvolveram com isto a masculinidade em detrimento da feminilidade. Gerações de nenéns e filhos foram abandonados aos cuidados de vizinhos ou de ninguém e cultivaram profundos ressentimentos e revolta, reprimidos dentro de um complexo de abandono. Esta revolta reprimida talvez esteja numa das raízes da violência e da procura de droga. Enquanto o desemprego continua aumentando sob efeito do enxugamento provocado pela automação, pela informática e pela racionalização do trabalho, aumenta cada vez mais o fluxo de candidatas mulheres. Mães de família, às vezes, têm que deixar os seus filhos para trabalhar fora porque o emprego do seu marido foi oferecido a uma mulher. Ouço semanalmente, depois das minhas palestras, mulheres se queixando e às vezes chorando por ter perdido a sua feminilidade, e expressando saudades dos tempos em que cuidavam só do lar. Estamos num período de transição no mundo externo, que se reflete no mundo interno. Qualquer que seja a proporção de masculinidade e de feminilidade em nós, precisamos primeiro conhecê-la, para depois tomar posição em relação ao que descobrirmos. No nosso seminário ajudamos a fazer este balanço com o psicodrama do Tao, em que usamos fantoches, o Zé e a Zeca. Também usamos um inventário de autoavaliação que você vai ter oportunidade de aplicar em você mesmo. Esse inventário permite situar a proporção masculina e feminina dentro de você, para cada chakra e no conjunto da sua pessoa. Vamos fazer esta avaliação?

• Inventário de avaliação MF Instruções: No seguinte questionário você vai encontrar escolhas entre grupos de dois itens, assim: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx yyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy Coloque um “X” no quadradinho correspondente à sua preferência, assim: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx yyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy Se as duas respostas valerem, conforme as circunstâncias, coloque “X” em cada um dos quadradinhos, assim: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx yyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy Caso nenhuma das afirmações corresponderem ao seu caso, não marcar nada, assim: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx yyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyyy

1. Segurança 1 – Em caso de ameaça: Você procura proteção. Enfrenta o problema sozinho(a). 2 – Se for atacado(a), a sua tendência seria: Procurar refúgio. Defender-se, atacando também. 3 – Em caso de incêndio na sua casa, a sua tendência será:

Aguardar os bombeiros e encorajar e aplaudir o esforço dos outros. Chamar os bombeiros e organizar ou participar de uma corrente de carregar água. 4 – Você prefere: Fazer a comida e cozinhar. Fazer as compras. 5 – Se estiver doente, você prefere: Sofrer sozinho e se tratar tomando remédios, fazendo automassagem etc. Botar a boca no mundo pedindo ajuda e compartilhando o sofrimento com outrem.

2. Sensualidade 1 – Você prefere: Receber carícias. Dar carícias. 2 – Você prefere: Ser procurado(a) para dar e receber carícias. Procurar o(a) outro(a) para receber carícias. 3 – Nas suas relações sexuais, você prefere: Ficar por baixo do outro, deixando-o(a) Ficar ativamente por cima do(a) outro(a). Gostosamente lhe dar prazer. 4 – Você prefere: Receber muitas carícias para ser preparado(a) para o orgasmo. Chegar rapidamente ao orgasmo 5 – Você prefere: Saborear a comida durante bastante tempo com o prazer de conversar. Comer rápido para ir trabalhar, mesmo com comida prazerosa.

3. Poder 1 – Você prefere: Ser liderado(a) por quem você confia. Liderar e inspirar confiança. 2 – Viajando de carro, você prefere: Que alguém dirija. Você mesmo dirigir. 3 – Você prefere: Receber conselhos e orientação. Dar conselhos e orientação. 4 – Se alguém quer passar à sua frente numa fila você tende a: Ceder o seu lugar para tudo ficar em paz. Reclamar para conservar o seu lugar. 5 – Num debate entre amigos ou colegas de trabalho, você prefere: Ouvir calado ou dando poucas opiniões. Dirigir o debate ou convencer os outros com muitas opiniões.

4. Amor 1 – Você se sente feliz em: Compartilhar a felicidade dos outros. Dar felicidade aos outros. 2 – Você prefere: Receber amor. Dar amor. 3 – Num relacionamento, você prefere: Se sentir acalentado(a). Se sentir útil. 4 – Prefere: Se entregar aos cuidados, tratamento e cura.

Cuidar, tratar, curar. 5 – A maioria dos meus amigos: São pessoas ligadas à família ou encontradas em vários lugares. São colegas de trabalho.

5. Inspiração 1 – Você se sente mais inspirado(a): Lendo ou declamando poemas. Redigindo poemas. 2 – Você prefere: Ver as flores prontas. Fazer arranjos florais ou plantar flores. 3 – As boas ideias lhe vêm: Simplesmente confiando e elas chegam. Quando você está trabalhando ou buscando. 4 – Boas ideias lhe vêm mais: Orando, pedindo a Deus, meditando. Buscando nos livros ou enciclopédias. 5 – Para resolver um problema ou fazer um plano, você: Cuida de outra coisa, confiando na vida e nos acasos que não são acasos. Senta ao computador ou na frente de um bloco e escreve as ideias que vêm.

6. Conhecimento 1 – Procura saber mais e conhecer: Através da espontaneidade e da intuição. Observando, memorizando e raciocinando. 2 – Quando tem um problema para resolver, você procura: Confiar na sua alma e esperar pela solução.

Analisar, avaliar, pensar, pesar os prós e os contras. 3 – Você prefere: Ser estudante e assistir às aulas. Ensinar e dar aulas. 4 – Você prefere aprender e conhecer: Deixando fluir a vida, passeando, trocando ideias com amigos(as). Organizando-se, tomando notas e registrando as suas observações. 5 – Você aprende mais: Ouvindo, olhando e sentindo. Lendo, ouvindo e anotando.

7. Transcendência 1 – Para evoluir espiritualmente, você prefere: Aguardar e confiar, pois tudo tem hora: “Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”. Viajar e procurar ensinamentos de um ou vários mestres. 2 – O melhor caminho para você poder se chegar ao divino é: Pelo sentimento e evidência da intuição. Pela razão e pela lógica. 3 – Você acha que Deus é: Puro amor e sabedoria eternos. A força suprema onisciente e onipotente. 4 – Qual destas afirmações você acha certa? Eu sei que algo superior existe que uns chamam de Deus. Não podemos achar que existe uma força que uns chamam de Deus. 5 – Qual o seu interesse: Sou muito atraído(a) por assuntos espirituais. Espiritualidade me interessa pouco.

• Avaliação do inventário MF Agora basta fazer o cálculo de dois totais. Você obterá o total das respostas masculinas somando os “X” de todos os quadradinhos da esquerda das perguntas. E você obterá o total das respostas femininas somando todos os “X” dos quadradinhos à direita das perguntas. A comparação dos dois algarismos lhe dará uma ideia da proporção de masculino e de feminino em você. Quando alcançamos a plenitude do masculino e do feminino dentro de nós? A primeira questão que se apresenta neste momento para a maioria dos leitores é a da normalidade. Em outras palavras, o que é normal para uma mulher e o que é normal para um homem? A resposta biológica ou simplesmente lógica é “dar a César o que pertence a César”. Isto é, o destino normal de uma mulher é de ter uma maioria de características femininas e, do homem, uma maioria de características masculinas e uma minoria de características femininas. Em palavras mais simples, cabe ao homem ser predominantemente masculino e à mulher ser predominantemente feminina. Exigir o contrário seria equivalente a, no plano fisiológico, pedir ao homem para desenvolver seios e reduzir o seu pênis ao tamanho de um clitóris e à mulher de transformar o seu clitóris em pênis, e reduzir os seus seios ao mínimo, o que é normalmente impossível. O máximo aconselhável nesta época pode ser uma proporção feminina um tanto maior que a masculina na mulher e vice-versa. A plenitude interior de ambos seria alcançada quando isto se desse. Mesmo no plano do trabalho e do emprego, a parte masculina das mulheres, exigindo uma atividade fora de casa, seria satisfeita pelo exercício de uma atividade profissional feminina como professora ou assistente social. No caso dos homens eles continuariam exercendo profissões tipicamente masculinas e sua parte feminina seria satisfeita ajudando a mulher nas artes domésticas e educacionais. Tudo indica que as coisas não são tão simples. Em primeiro lugar porque, como vimos acima, existem muitas mulheres com proporção masculina predominante e que procuram empregos tipicamente masculinos; e vice-versa, existem homens com predominância feminina que preferem cuidar do lar e dos filhos ou exercer atividade feminina de professor de jardim de infância ou de assistente social.

Em segundo lugar, porque, como o mostra a figura do Tao, quando o Yin aumenta, o Yang diminui, e vice-versa. Esta oscilação se dá, sobretudo, sob influência de fatores externos. Quando um homem percebe, por exemplo, que numa discussão com o seu chefe ele arrisca-se a perder o emprego, ele tem que acionar o Yin dele e se mostrar receptivo às ideias do outro. Uma mulher, ao pedir emprego, terá de usar, além do seu charme feminino, argumentos racionais e um currículo vital muito bem-estruturado à moda masculina. O mesmo se dá nas relações entre homem e mulher, relações das quais vamos tratar no próximo capítulo sobre viver em harmonia. Em quarto lugar, porque há uma evolução atual das proporções do masculino e feminino, no sentido do resgate do feminino, mudança considerada necessária também nas mulheres que, sob ação dos fatores econômicos, se masculinizaram, sobretudo porque os homens fracassaram na direção da sociedade humana, por excesso de racionalidade e falta de amor, generosidade e outros valores femininos. Tudo indica que chegou o momento da direção política do mundo ser confiada a equipes de homens e de mulheres, interiormente equilibrados e plenos. Enfim, em quinto lugar, porque há uma evolução natural dos dois fatores, “M” e “F”, indo em direção a um casamento interior que exige uma transformação profunda de cada um deles. É disto que vamos tratar agora.

6. O casamento interior: a união divina Tomamos como ponto de partida para a definição do que é masculino e feminino a descrição do comportamento do macho e da fêmea numa tribo chamada de primitiva. Mesmo dentro de cada tribo há diferença de nível entre um índio ou uma índia comum e um pajé, que atinge níveis transpessoais da consciência. De fato, podemos distinguir três níveis principais do masculino e do feminino. Cada um tem aspectos destrutivos, sombrios e aspectos construtivos ou luminosos. O ponto de partida da evolução do masculino é a figura do macho, instintivo e primário. A sombra dele assume aspectos de ditador, de absolutismo e de rigidez inflexível, de frieza calculista, de vingança

assassina, de banditismo com falcatruas e roubos, de Barba Azul, de jogos de cotovelo. Para evoluir, este macho terá de conduzir sua masculinidade com qualidades de coragem, de espírito de iniciativa, de franqueza generosa, de honestidade e fidelidade a toda prova, do cavalheirismo e proteção dos mais fracos e da companheira. Por seu lado, a fêmea tem suas sombras na forma de bruxa perversa e vingativa, de fofoqueira venenosa e destrutiva, de distorção mesquinha da realidade, de extrema suscetibilidade, de jogos satânicos mesquinhos, e de venenos secretos; poderá se transformar numa feminilidade artística, musical, numa musa inspiradora e inspirada, na doçura materna e na ternura da companheira, e na delicadeza mágica da fada. Neste estágio, a feminilidade é detentora da arte da transformação suave e pacífica, enquanto o masculino tende a fazer revoluções brutais e às vezes sangrentas. Para lidar com estas sombras em nós é preciso ter a coragem e humildade de reconhecer a sua presença. Em cada um de nós há potencial de ladrão, de assassino, ou de fofoqueiro maldoso. Em vez de reprimir estas tendências destrutivas, e projetá-las sobre os outros, é preferível olhar para elas, tomar consciência da sua existência, e elas desvanecem como que por encanto, dissolvem-se como uma nuvem de poeira no vento. É o mesmo processo que assinalamos no primeiro capítulo para as emoções destrutivas. Ao proceder assim estaremos chegando ao último estágio. No seu último estágio, a feminilidade se transformará em sabedoria, unindo nela a síntese entre a razão masculina e a intuição feminina. Enfim, a masculinidade assumirá as feições da compaixão, do amor universal e altruísta, superando a tendência fria e egoísta da masculinidade e incorporando os aspectos generosos e altruístas do amor feminino. Neste momento, desaparecem as diferenças entre o masculino e o feminino, e a união da sabedoria e da compaixão constituirá a experiência mais bela da existência, pois será a expressão da volta interior ao Tao, da indivisibilidade do todo e da saída da crise de fragmentação. Nesta altura, o ser humano descobre a sua natureza íntima como ser andrógino, no qual a distinção do masculino e do feminino é apenas

expressão parcial e aparente da sua inteireza, isto é, da sua plenitude. Neste nível transpessoal terão desaparecido todas as contradições. Quem atinge este nível, como já vimos, vive ao mesmo tempo no nível absoluto da realidade onde nunca existiram dualidades, e no nível relativo em que reina a fantasia da separatividade, a qual ele é obrigado a levar em conta para sobreviver nesta dimensão do relativo e, ao mesmo tempo, evitar se deixar levar pelas consequências desta fantasia, criando novos problemas para ele. O ser completamente desperto tem que lidar com as normoses geradas por consensos em torno da ilusão da existência de homens e de mulheres sofrendo de conflitos constantes no lar ou no emprego. Graças à sua lucidez, ele poderá ajudar os outros a saírem da sua problemática. Nesse nível é conveniente insistir no resgate do feminino em todos os homens e mulheres em que predomina a masculinidade; assim a humanidade poderá evoluir para o casamento interior. O casamento interior se realiza à medida que cada pessoa cultiva a presença na vida cotidiana, identificando a todo instante importante a ação do masculino e do feminino e corrigindo os excessos de um ou do outro. Basta você ter tido notícia da existência desta polaridade em você para que se estabeleça um processo interno de identificação da ação do masculino e do feminino nos mínimos atos do dia a dia. Esta constante tomada de consciência é muito facilitada pela convivência com outras pessoas no seu trabalho e com amigos, e, sobretudo, na relação evolutiva no amor; este último assunto será objeto do próximo capítulo. Quanto mais intensamente realizar este casamento interior, mais o ser humano está pronto para a união harmoniosa com um outro ser humano. Ele estará apto para a plenitude a dois. É disto que iremos tratar a seguir.

Informação bibliográfica RUDHYAR, Dane. Astrologia da personalidade. São Paulo: Pensamento, 1989. RUPERT, Alexander. Ciclos de evolução: modelos planetários de desenvolvimento. São Paulo: Pensamento, 1978.

WEIL, Pierre. As fronteiras da evolução e da morte. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. (Neste livro você vai achar um extenso capítulo sobre os chakras e seu significado.)

Capítulo IV Viver em harmonia

Com o presente capítulo, entramos no aspecto social e interpessoal da vida, do viver a dois, como casais ou amigos, ou ainda colegas de trabalho, do viver alegrias, ternura, companheirismo, ou atritos e desentendimentos; do conviver com a luz ou com a sombra do outro; do saber viver em harmonia ou em conflito. Neste capítulo vamos focalizar essencialmente a harmonia e como obtê-la. Vamos focalizar mais o que interessa a todos: a vida a dois. Mas o que será dito abaixo serve também para pares de amigos ou colegas. Vimos que viver em plenitude consiste em tornar reais todas as nossas virtualidades, sermos plenamente e a todo instante o que podemos realmente ser. À medida que nos tornarmos plenos, estamos também aptos a viver em harmonia, sobretudo com pessoas que também vivem a presença plenamente no seu cotidiano. Mas, em geral, as coisas não se passam assim. Em vez de cuidar da nossa própria evolução em direção à plenitude, vamos à procura do parceiro pleno e perfeito.

1. A procura do parceiro perfeito A maioria das pessoas procura, como companheiro(a) para casar, um indivíduo perfeito. Se a relação fracassar será devido às imperfeições do outro, jamais da gente… Já vimos, no capítulo II, a tendência a procurar a felicidade e a paz onde nunca iremos encontrá-las, fora de nós, e contamos a história de Mulla Nasrudin à procura da sua chave. Vamos agora contar outra história de Mulla. Certo dia, Nasrudin anunciou ao seu amigo, sob o selo do segredo, que enfim encontrou a mulher perfeita. “Imagine que faz já dez anos que corro

pelo mundo afora, pois eu queria achar uma companheira para casar. Eu não queria cair nos erros de muitos amigos meus infelizes porque escolheram a mulher errada, cheia de imperfeições. Ouvi a voz da sabedoria e preferi sacrificar e consagrar bastante tempo para encontrar a mulher perfeita. Percorri vários continentes, muitos países, e posso agora lhe afirmar que existem poucas mulheres perfeitas; e as que encontrei já eram casadas. Eu já ia desistir, quando, de volta à Pérsia, enfim, a encontrei na minha própria cidade natal! Linda de morrer, por dentro e por fora. Passei vários meses namorando e observando. Realmente, ela só tinha qualidades e nenhum defeito! Fiquei deslumbrado e apaixonado e pedi-a em casamento…” Após um longo silêncio, o amigo, intrigado pela expressão triste de Nasrudin, perguntou: “E você casou com ela?” “Não”, respondeu Mulla. “Mas por que não?”, perguntou o amigo surpreso. “Porque ela me declarou que estava à procura do homem perfeito!” Como todas as histórias de Mulla, esta contém muitos ensinamentos. Além de procurarmos a felicidade onde ela não está, fora de nós, atribuímos o sucesso e a harmonia de uma relação às qualidades que o outro deve possuir. Com isto, deixamos de pensar nas nossas próprias virtudes. De fato, como acabamos de ver, o êxito de uma relação amorosa depende de muitos fatores individuais, mais particularmente a proporção de masculinidade e feminilidade de cada parceiro, sem contar o nível evolutivo em que se encontra. Descobri sozinho e as duras penas estes dois aspectos. Mais particularmente em relação ao último, fiz a sua descoberta na minha própria psicoterapia. Eu estava casado, e em terapia havia já algum tempo. Um dia, voltei de um grupo transtornado e profundamente tocado por uma vivência de encontro existencial em grupo; uma experiência privilegiada de comunhão de almas. Dei-me conta que eu nunca tivera este tipo de relacionamento com a minha mulher. Desejoso de estabelecer um relacionamento mais profundo com ela, e provocar uma experiência culminante a dois, comprei uns discos de Bach e de Beethoven e os coloquei no toca-discos, várias vezes por dia, esperando uma reação de sua parte. De fato, até então, eu e ela estávamos gostando de samba e música popular. Após alguns dias, ela me pergunta: “Pierre, o que houve com você? Você está tão diferente! Eu não te entendo mais!” Eu não estava preparado para aquela situação e respondi: “Nada! Não se passou nada!” Após

algumas outras tentativas, todas rejeitadas, abandonei a luta; pouco tempo depois, nos separamos e eu entrei na maior crise existencial da minha vida, que eu contei no meu livro A revolução silenciosa. Mais tarde, entrei em terapia de grupo. Depois de uns dois anos, o nosso terapeuta, assustado, observa que mais da metade dos membros do nosso grupo se tinha separado do seu cônjuge. “Me pergunto o que está se passando”. E tudo ficou nesta intervenção, sem resposta… Para mim, a resposta estava cada vez mais clara; quando me lembrei de um conceito emitido pelo meu amigo, o Professor Lourenço Filho, veio-me a luz! Ele chamava de descompasso evolutivo a situação criada entre duas pessoas, quando uma faz uma aprendizagem e por isso mesmo evolui mais do que a outra. É disso mesmo que se tratava. Ninguém atinou para isso nos meios terapêuticos e mesmo educacionais. Mais tarde, quando observei o mesmo fenômeno nos meios que cuidam de evolução espiritual, exatamente onde isto deveria ainda menos acontecer do que nos meios terapêuticos, comecei a pensar seriamente em montar algum método educacional que permitisse preparar as pessoas para enfrentar o tal descompasso ou mesmo o prevenir, evoluindo juntas. Foi desse conjunto de vivências pessoais que nasceu a ideia de relação evolutiva. Para definir o que é uma relação evolutiva temos de deixar bem claro do que se trata. Vamos começar por definir o que é um casal evolutivo.

2. O que é um casal evolutivo Existem, na prática, diferentes tipos de par, diferentes tipos de relacionamento. Vamos dar uma descrição sumária que nos permitirá discriminar entre eles o que é o par evolutivo. 1. Par ocasional – Quando duas pessoas se encontram, em geral no acaso do encontro numa lanchonete, ou num shopping ou ainda numa discoteca, pode se estabelecer um tipo de relacionamento sem compromisso, em que há uma espécie de acordo tácito, segundo o qual estão juntos para satisfazer uma necessidade. Essa necessidade pode ser a de conversar sobre a vida, a de trocar carícias ou de aliviar a tensão sexual, ou a de fugir da solidão. Uma vez satisfeita a necessidade, o par se desfaz

para nunca mais se encontrar. Se continuar a se encontrar, pode acontecer que, de par ocasional, se transforme em casal tradicional. 2. Par tradicional – Depois de vários encontros, o par entra na trajetória corriqueira, incentivado pela cultura, a do namoro, do noivado e do casamento. Implícita ou explicitamente, eles estão de acordo em torno de certos objetivos bem conhecidos: casar, ter filhos, conviver harmoniosamente, compartilhando interesses e necessidades comuns, tais como se divertir nos domingos e feriados, ir ao cinema, assistir a programas de TV, ler os mesmos livros e compartilhar opiniões; eventualmente, trabalhar juntos durante a semana. Depois de anos de convivência, às vezes movidos por crises e conflitos, certos casais descobrem outros objetivos. Eles chegam à conclusão de que o sentido da existência e, no caso específico, do casamento, não se limita a esses objetivos e os ultrapassa. Às vezes, isso acontece em contato com um mestre espiritual ou depois de um seminário de autotransformação. Pode ser também que esta finalidade já esteja claramente estabelecida como sendo a do próprio casamento. Estamos falando aqui do casal evolutivo. 3. O casal evolutivo – Evoluir transcendendo a dois os limites do ego, visando atingir o nível transpessoal da consciência – é este o objetivo principal de um casal evolutivo. Isto não quer dizer que um casal assim não vá de vez em quando num cinema no domingo acompanhado de um saquinho de pipocas e seguido de uma boa pizza. Mas o filme que escolheram é relacionado de preferência com a espiritualidade, com os valores construtivos da humanidade. Também a qualidade da vida a dois, e mais especialmente do relacionamento, é muito mais profunda e intensa que a do casal tradicional. Para desenvolver esta maneira de ser, o casal evolutivo segue uma série de princípios e aprofunda a comunicação e a comunhão de sentimentos graças a práticas próprias à relação evolutiva, práticas estas que iremos descrever depois de falarmos um pouco do quarto tipo de casal, o casal iluminado. 4. O casal iluminado – Esse tipo de casal é bastante raro. Trata-se de duas pessoas completamente realizadas e que alcançaram o nível de consciência transpessoal e vivem este estado de modo permanente. O meu mestre Kanjur Rimpoché com a sua esposa constituíam um casal assim. Eu pude testemunhar a sua dedicação integral a serviço do alívio do sofrimento e da evolução de todos os que os procuravam, sem exceção, dia e noite. É

algo maravilhoso poder contar que isto é possível, e que está ao alcance de todos nós. Eles constituem um exemplo para todos os que resolveram entrar numa relação evolutiva. Vamos agora nos ocupar dos princípios e métodos que presidem a uma relação evolutiva. Porém, antes temos que definir o que é relação, no nosso caso, e o que é evolução.

3. O que é uma relação amorosa? Eva Pierrakos, no seu livro sobre o caminho da autotransformação, tem definido a relação amorosa de um casal como integrando três forças indispensáveis: Sexo, Eros e o Amor. Sexo é a força criativa que se manifesta de duas maneiras: uma primária, na atração e relação sexual propriamente dita; a outra mais evoluída integra todo ato criativo propriamente dito. Eros é caracterizado pela constante descoberta mútua de novos aspectos e características em cada um dos parceiros. Eros tem todas as particularidades do amor, menos uma: ele não dura, é inconstante. O Amor propriamente dito, que os mestres tibetanos descrevem como sendo o querer e o obrar para a felicidade de todos os seres. Sexo sem Amor nem Eros só leva à insaciabilidade de orgasmos primários e meramente instintivos. Eros e Sexo sem Amor caracterizam muitas uniões instáveis, com parceiros que mudam a todo instante, para recomeçar tudo de novo com outrem. Pensam que a descoberta de Eros acabou, o que é uma ilusão, pois infinitos são os diferentes aspectos de um ser humano, ainda mais quando muda e evolui. Amor e Eros sem Sexo ou Amor sem Eros e Sexo produzem o que chamamos de amizade. Amizade pode também ser objeto de relação evolutiva. Falaremos, neste caso, de amigos evolutivos que podem seguir os mesmos princípios e métodos, com os mesmos resultados esperados. Vamos, ainda, atrair a atenção dos casais sobre o papel do sexo e a importância de bem conhecer essa função. Em todo ato sexual se gasta energia vital contida no esperma e no óvulo. Muito mais que vital, trata-se de energia espiritual. A maior parte dos casais desconhece esta parte; como consequência, perdem energia em excesso de

orgasmos. A ternura desvanece e o casal perde a afeição mútua. Freud já dizia que o casal que quer manter a ternura deve limitar a frequência de suas relações sexuais. Outro dia, vi escrita na traseira de um caminhão a seguinte observação: “Excesso de fogo queimou o nosso amor”. Todas as grandes tradições possuem uma parte reservada, chamada tantrismo ou alquimia, cuja metodologia consiste em sublimar a libido em níveis transcendentais. Se você tiver relações sexuais, observe o que acontece nos períodos em que você tem intensa atividade sexual e nos períodos de baixa frequência desta atividade. Procure prolongar o período de carícias e de preliminares durante muito tempo, e não se preocupe em ter orgasmo; deixe este vir naturalmente. Observe o estado dos seus sentimentos, a sua ternura e amor. Se você perceber resultados que lhe convêm, continue esta prática, complementando-a com meditação a dois, sem movimentação, mantendo a união contemplativa. Vamos agora definir o que entendemos por evolução.

4. O que significa evoluir Existem várias maneiras de encarar a evolução. O que há de comum entre elas é o objetivo final, ou estágio final que é a superconsciência, ou o estado transpessoal da consciência. Em outras palavras, evoluir consiste em partir do estado psicológico em que você se encontra atualmente, para chegar ao transpessoal, tal como já o definimos no segundo capítulo. Uma das formas de conceber a evolução é a que acabamos de mostrar no capítulo precedente sobre a plenitude, a dos chakras e a do casamento interior. Cada um dos chakras representa também um estágio evolutivo. Uma vez conseguida a segurança, procura-se o prazer. Com a idade, o prazer sexual diminui e procura-se os prazeres do poder, o de se sentir importante e ver a sua fotografia no jornal. Estes três primeiros centros energéticos são os que caracterizam o Ego. Normais quando asseguram a sobrevivência do indivíduo, eles são estimulados ao extremo na nossa sociedade consumista. Passar do chakra do poder ao chakra do amor é extremamente difícil, pois consiste em passar do amor ao poder, ao poder do amor, isto é, a abandonar

toda espécie de veleidade de poder. Uma vez chegado ao quarto chakra, uma felicidade imensa se apodera de quem entra na ação inegoísta, altruísta e desinteressada. E quem ama muito passa facilmente ao quinto chakra, o da inspiração. É bastante conhecido o fato de que quem está em estado de amor escreve versos para a bem-amada ou para o bem-amado. A poesia é uma forma de inspiração. Esta inspiração é, muitas vezes, acompanhada de fenômenos paranormais, de sincronicidades como os chama Jung, tais como a percepção extrassensorial, a precognição ou a telepatia. Por exemplo, você pensa no bem-amado ou na bem-amada e recebe um telefonema dele ou dela. Estas sincronicidades, por sua vez, nos levam ao sexto chakra, o do verdadeiro conhecimento, pois constatamos que não estamos sós neste universo e que existe uma força que nos guia ao se comunicar conosco através das sincronicidades. Até aqui estamos ainda no plano pessoal, no plano da persona, da máscara, da separatividade, pois se trata da minha segurança, do meu prazer, do meu poder, do meu amor, da minha inspiração e do meu conhecimento. É o reino da dualidade sujeito-objeto: eu amo alguém, eu conheço algo ou alguém. Só no último chakra, o transpessoal, toda espécie de dualidade desaparece. Estamos no fim da evolução. Também mostramos como o casamento interior entre o masculino e o feminino, que começa com a equilibração das duas forças, chega também ao nível transpessoal. O modelo de Eva Pierrakos permite também ter uma boa compreensão do que vem a ser uma evolução. Segundo ela, todos nós somos dotados de um espaço ou núcleo central onde reside a nossa verdadeira natureza, um espaço de amor, de paz, de sabedoria. Este espaço nos é velado por dois grandes obstáculos. O primeiro é constituído pelo nosso eu imaturo, infantil, que ainda bate os pés quando está contrariado e se encontra dominado pelas emoções destrutivas já assinaladas várias vezes nos capítulos precedentes, como o apego e a possessividade, a raiva, o ciúme e o orgulho. A nossa educação tende a reprimir estas emoções, a achar que elas são más ou feias. Esta repressão provoca a formação de uma segunda camada chamada de ego idealizado ou máscara. Como somos, por exemplo, raivosos, e que não podemos nem aceitar a ideia de que somos dominados por esta emoção, passamos a nos apresentar para os outros, e até para nós mesmos, como gentis, amáveis e “bonzinhos”. Colocamos uma máscara que representa o contrário da nossa tendência destrutiva (cf. figura 5).

Figura 5 Eva Pierrakos desenvolveu um método chamado Pathwork, que desencadeia uma grande transformação. Evoluir consiste em desfazer primeiro a máscara, depois o ego infantil para desbloquear o núcleo central que representa a nossa verdadeira natureza. Podemos também definir a evolução pela descrição das fases pelas quais passam as pessoas partindo de um desconhecimento total e indo para o pleno conhecimento e a verdadeira liberdade. Começando pelo desconhecimento da verdadeira natureza do espírito, que é o primeiro estágio, as pessoas passam por uma crise existencial de insatisfação permanente provocada pela fantasia da separatividade e as consequentes emoções destrutivas. O sofrimento e a tristeza próprios a este segundo estágio fazem com que as pessoas procurem um caminho de saída deste segundo estágio. A procura de saída é o que constitui o terceiro estágio. Tendo achado uma via espiritual, tal como o ioga, o tai chi ou um mentor na religião de origem, o quarto estágio consiste em praticar as recomendações próprias ao caminho escolhido. No quinto estágio começam a aparecer experiências espirituais e uma dissolução progressiva do ego, do que resulta aumento dos momentos de plenitude, de paz e felicidade. Você começa a ter

experiência prática e concreta do alvo da evolução. Num sexto estágio, a pessoa realiza a verdadeira natureza do espírito. Ela passa a saber quem ela é verdadeiramente. Ela está desfrutando do pleno conhecimento. No sétimo e último estágio, o da libertação, ela definitivamente não se deixa mais escravizar pelo pensamento e pelas emoções destrutivas. São estes os principais modelos que permitem definir melhor o que é a evolução.

5. Existe mesmo a evolução? Antes de terminar esta parte, convém fazer uma importante ressalva quanto à natureza e à existência real desta evolução. O filósofo indiano Krishnamurti afirma peremptoriamente que, de fato, não há nenhuma evolução, em que progressivamente a verdadeira natureza do que somos e do que é a realidade apareceria progressivamente, num desvelar como se fosse em câmera lenta. Segundo ele, ou você sabe ou você não sabe. A passagem do desconhecimento ao pleno conhecimento e à libertação completa é instantânea. Tudo se passa como se se tirasse repentinamente o lenço dos olhos vendados. Sem dúvida, para mim, Krishnamurti está colocando em relevo uma verdade fundamental. Mas, neste caso, o que significam todos os estágios que acabamos de descrever? Krishnamurti se refere à passagem do desconhecimento ao pleno conhecimento, ao processo da iluminação, do despertar propriamente dito. As descrições que acabamos de fazer sob o título de evolução se referem ou a fases que levam uma pessoa dita normal a chegar no limiar desta mutação repentina ou aos obstáculos que impedem o despertar imediato, como é o caso da descrição das camadas que impedem o acesso ao núcleo central de Eva Pierrakos. Isto nos permite precisar melhor o que entendemos por evolução: são as fases que precedem o acesso ao ponto de mutação, isto é, ao processo do pleno despertar. Estas fases são galgadas graças a métodos de transformação. Alguns deles já descrevemos anteriormente e, assim o espero, alguns leitores já os estão aplicando. Embora Krishnamurti negasse ter um papel de mestre ensinando métodos, ele próprio estava comunicando uma maneira de ser desperto, por exemplo, na frente de uma flor.

O que estamos focalizando aqui é um método que consiste em aproveitar a grande oportunidade da vida em comum de um casal, para que passem a se apoiar mutuamente numa relação evolutiva. Vamos agora descrever o que se passa numa relação a dois. Quem é que encontra quem, ou o que é que se encontra realmente numa relação de casal. Para isso, vamos utilizar os modelos que acabamos de descrever.

6. O que se passa quando do encontro de um casal Já mostramos no capítulo anterior que no primeiro segundo do primeiro encontro se estabelece uma relação entre certos chakras e que neste encontro se pode prever os aspectos principais da vida de um casal. Existe harmonia quando os dois parceiros vivem na maioria do tempo em que estão juntos no plano do mesmo chakra, como, por exemplo, se desfrutam do prazer de comer juntos saboreando os mesmos pratos (chakra 2), vivem a alegria de receber amigos e compartilhar a convivência (chakra 4), trocam ideias e sentimentos sobre o filme que acabaram de assistir (chakra 5), vivem intensamente a beleza de uma orquestra sinfônica (chakra 4 e, eventualmente, 7), ou vibram torcendo pelo mesmo time de futebol (chakra 3). Existe desarmonia quando, em caráter quase permanente, há desencontro entre os chakras. Por exemplo, no domingo, um quer assistir ao jogo de futebol (chakra 3) e o outro quer visitar os amigos (chakra 4). O descompasso evolutivo se dá com a mudança dos níveis de chakras de um dos parceiros, desacompanhado pelo outro. Por exemplo, os dois iam todos os domingos no jogo de futebol de dia e de noite na discoteca. Sob efeito de um longo trabalho espiritual, um dos parceiros prefere participar de retiros espirituais periódicos ou de seminários de autotransformação. Isto pode levar a uma ruptura por quem se sente abandonado. Do mesmo jeito que de cada lado existem os chakras, assim também se encontram dois modelos descritos por Eva Pierrakos.

Figura 6 O modelo permite compreender muito bem o amor à primeira vista e por que é, muitas vezes, seguido por decepções. Na figura acima, as setas recíprocas unindo os dois núcleos do amor e da sabedoria indicam como, no início, há um encontro direto entre os parceiros, por cima, apesar dos egos imaturos e das máscaras de cada um. Temos aqui as condições de um idílio perfeito, tal como o mostra a figura 6. Basta, no entanto, uma pequena frustração ou um atrito para aparecerem uma ou as duas camadas de obstáculos. Então, os pontilhados da figura 6 se fecham. E o que era idílio se transforma no inferno dos atritos e incompreensões. Estas incompreensões e atritos podem também ser provocados pelo desacerto de dosagem de masculinidade e de feminilidade.

Figura 7 Pois quando dois seres se encontram, como o mostra a figura acima, são dois modelos do Tao que se encontram, o feminino e o masculino de um e o feminino e o masculino do outro.

Aliás, já tivemos uma antevisão deste fato quando mostramos, no capítulo precedente, que o casamento interior prepara a harmonia do casamento exterior, já que cada um dos parceiros está preparado para harmonizar com a dosagem do outro, qualquer que seja. Infelizmente, a maioria das pessoas não apresenta estas condições do casamento interior, nem sabe da existência destes dois fatores e da sua dosagem. De fato, temos as seguintes possibilidades, com a sua probabilidade de acerto ou dificuldades: 1. Homem predominantemente masculino e mulher predominantemente feminina – Este tipo de par tem grandes possibilidades de harmonizar. Por exemplo, o homem trabalha fora e a mulher cuida do lar, feliz de estar educando o bebê. 2. Mulher predominantemente masculina e homem predominantemente feminino – A experiência mostra que este tipo de casal harmoniza com bastante jogo de cintura. O homem cuida da cozinha e a mulher ganha a vida do casal, por exemplo. 3. Mulher e homem predominantemente masculinos – Podem ser bons amigos para se divertirem ou formar uma equipe de trabalho numa empresa, mas a probabilidade de atritos é muito grande por causa do aspecto competitivo e independente do masculino; em geral, comem no restaurante, pois ninguém quer arrumar a cozinha, e, se tiverem filhos, estes irão muito cedo para o colégio interno. 4. Homem e mulher com percentagem feminina predominante – Tudo indica que o resultado desta combinação seja um casal com gosto de ficar no lar, unidos em educar os filhos, e que se contentem de um mínimo de esforço de trabalho para renda, ou que trabalham juntos em profissões tipicamente femininas tais como educação, assistência social ou terapia. 5. Homem e mulher com percentagem mais ou menos equilibrada – Embora seja este o preconizado atualmente para a Pós-modernidade, creio que seja conveniente uma percentagem de masculinidade um tanto menor na mulher que de feminilidade e no homem uma percentagem de feminilidade um pouco menor que de masculinidade. Mesmo assim esta fórmula requer muita lucidez, flexibilidade e jogo de cintura, sobretudo se não tiver ainda casamento interno. Ela é uma grande oportunidade para os parceiros aprenderem a arte de conviver em harmonia. Os maiores atritos acontecem entre os fatores masculinos dos dois parceiros, pois nenhum

aceita receber instruções ou conselhos do outro. Mais do que os outros, este tipo de casal se beneficiará bastante da relação evolutiva, aplicando os princípios e métodos que vamos expor a seguir. Para saber qual a proporção de feminino e de masculino em cada um dos parceiros, é aconselhável completar a escala de avaliação do capítulo precedente e, conjuntamente com outras observações, procurar situar o casal em relação às categorias acima descritas. O questionário, estando ainda numa forma experimental, não deve ser tomado ao pé da letra. Ele tem apenas valor indicativo.

7. Como estabelecer e manter uma relação evolutiva Cultivar a arte de viver em harmonia é o âmago da questão. Assim, tudo que constar no presente capítulo vale também para a relação evolutiva. Em primeiro lugar, tem que haver uma vontade de estabelecer esta relação por parte dos dois parceiros. Deve ficar claro para eles o que é uma relação evolutiva e o que se entende por evolução, o que acabamos de definir anteriormente. Uma vez conscientes desta vontade comum, é preciso estabelecer um contrato, uma espécie de convênio ou de convenção em que os dois se comprometem a se inspirar de certos princípios de base e também de usar certos métodos específicos. Os princípios que nos parecem essenciais são os seguintes: 1. A verdade expressa com Amor – Uma relação humana só pode ser verdadeira se os seus componentes cultivam a verdade em todas as situações. Mesmo com o risco de doer, de magoar ou mesmo de perder o companheiro, é preferível dizer a verdade do que passar uma vida debaixo de mentira. Mas isto precisa ser acompanhado de sentimentos amorosos verdadeiros. Verdade sem amor é fria, distante e fere. Amor sem verdade pode se tornar um ato de manipulação de consciência. 2. Não julgar o outro – O ato de julgar implica numa postura de superioridade, além de ferir fundo o orgulho ou vaidade de quem é objeto da apreciação. “Não julgueis para não serdes julgado” é uma recomendação bastante prudente. Esta máxima lembra mais uma história de Mulla Nasrudin. Entre as muitas profissões que exerceu, figura a de barqueiro. Ele

levava passageiros de um lado para o outro de um rio. Certo dia, veio um arrogante professor e lhe perguntou se ele sabia escrever. Diante da negativa de Nasrudin, o professor, com ar orgulhoso, falou que Nasrudin tinha perdido a metade de sua vida. Nasrudin não falou nada. Mas uns minutos depois caiu uma tempestade e o barco rachando se encheu de água. “O senhor sabe nadar?”, perguntou Nasrudin. “Não! Nunca aprendi!”, foi a resposta do professor. “Então, o senhor vai perder toda a sua vida, pois estamos afundando”. 3. Não deixar passar vinte e quatro horas com uma mágoa ou um ressentimento guardado sem expressá-lo a quem o provocou – Há pessoas que colecionam mágoas, deixam acumular o veneno que acaba as corroendo ou explodindo no momento que menos esperam, enquanto que as que seguem esta recomendação, na maioria das vezes, têm de chegar à conclusão de que houve mal-entendido. Eu constatei na minha existência de que são muito raras as pessoas que magoam outras pessoas intencionalmente. É quase sempre sem querer. 4. Cultivar a empatia – Empatia significa a capacidade de se colocar no lugar do outro, de viver o seu sofrimento ou a sua alegria. Significa ouvir o outro e mostrar para ele que a gente entendeu o que ele expressou, os seus sentimentos, as suas percepções, antes de nós darmos a nossa opinião. “Se eu entendi bem, o que você quis dizer é…”, assim é a fórmula ideal para ilustrar a postura, a atitude, a maneira de ser e o espírito deste tipo de relacionamento. Nós temos uma tendência a querer ser ouvido e compreendido, e muito pouco de ouvir e compreender. Neste caso, trata-se do contrário. No seminário sobre viver em harmonia oferecemos experiências e exercícios para treinar esta nova maneira de ser. 5. Meditar e/ou orar juntos – Esta recomendação vale, sobretudo, para os que já estão num caminho evolutivo. Mesmo no caso de caminhos diferentes para os dois, como, por exemplo, um pratica ioga e o outro tai chi, ou um é católico e segue a orientação espiritual de um diretor de consciência e o outro pratica o sufismo, será um grande fator de harmonia os dois se recolherem juntos em silêncio, cada um usando a sua oração ou técnica de meditação durante este silêncio. É o que fazemos na Unipaz, no nosso espaço de silêncio especialmente reservado para este fim. Isto não impede que cada um faça as suas práticas em separado.

6. Agradecer pelo que o outro fez para nos alegrar e agradar – É muito importante mostrar que apreciamos a flor que ela colocou no vaso para você ou o carinho todo especial com o qual ele lhe cercou. 7. Marcar encontros periódicos para conscientização da qualidade da relação de casal – Estes encontros periódicos obedecem a certas recomendações que permitem que o encontro se realize cercado de todas as possíveis garantias de êxito. Em primeiro lugar, a frequência dos encontros depende da quantidade de problemas e tensões existentes. Havendo poucos problemas, pode-se pensar num encontro mensal. Caso contrário, pode-se pensar em encontro quinzenal ou mesmo semanal. Na véspera do encontro, cada parceiro redige uma carta para o outro, em que se expressa segundo o seguinte plano e conteúdo: • o que eu imagino ou sei de que você apreciou e gostou do que eu fiz ou da maneira com a qual eu me comportei com você ou com outras pessoas neste período (ou até agora, caso seja esta a primeira carta do primeiro encontro do casal); • o que eu imagino ou sei de que você não apreciou, ou mesmo não gostou, em relação ao que eu fiz ou à maneira com a qual eu me comportei com você ou com outras pessoas neste período (mesma observação do que a de cima entre parênteses); • o que pretendo fazer para melhorar ainda mais a minha relação com você de agora em diante. Como se vê, os dois primeiros itens exigem um esforço de empatia por parte dos dois membros do par. Eles evitam todo e qualquer julgamento e estimulam a curiosidade e o consequente compartilhar posterior. Cada um lê a carta do outro na véspera. Para permitir o tempo necessário e suficiente para pensar na carta, tomar consciência do significado do seu conteúdo e descobrir o que eventualmente falta, recomenda-se evitar qualquer comentário até o momento do encontro propriamente dito. Na hora do encontro, todos os princípios recomendados acima continuam válidos. Mais particularmente, se um dos parceiros começa a emitir julgamentos do outro e se este se sente incomodado ou magoado com

isso, tem o direito de interromper e adiar o encontro até nova ordem e decisão dos dois. Como já dissemos acima, o mesmo processo vale para amigos evolutivos. Vem então uma pergunta: O que fazer no caso de só um estar querendo estabelecer uma relação evolutiva e o outro resistir ou mesmo francamente não querer por não estar interessado e ou maduro e pronto para isto? É disto que vamos tratar antes de terminar este capítulo.

8. O que fazer no caso de uma relação evolutiva unívoca Ninguém pode forçar alguém a adotar uma nova postura se esta pessoa não quer. Como diz um velho ditado mineiro: você pode levar o cavalo até o bebedouro, mas não pode forçá-lo a beber a água. Nesta nossa época de mudança e transição, muitas pessoas começam também a se transformar, de tal modo que a proporção de descompassos evolutivos me parece aumentar bastante. O que fazer? Há um princípio fundamental que pode nortear a nossa ação: o mais evoluído compreende o menos evoluído, pois já passou pelo estágio em que se encontra este último. Logo, cabe ao mais evoluído se adaptar ao menos evoluído. Esta adaptação pode consistir simplesmente em aceitar e amar o parceiro considerado menos evoluído, tal como ele é, sem se fazer muitas perguntas, e confiando na força transformadora que existe em cada um de nós. Se ficar sonhando com a evolução do outro, então convém cuidar da sua própria evolução, esperando que um dia ele aceite a ideia de uma relação evolutiva. Em todos os casos, não considero demasiado desconfiar desta nossa postura de mais evoluído. Isto me lembra que, num dos meus seminários sobre viver em harmonia, uma das participantes me pediu para fazer o psicodrama da sua relação com o marido que ela considerava como menos evoluído que ela. No momento em que comecei o diálogo da protagonista com um ego auxiliar representando o marido, abre a porta e aparece o verdadeiro marido querendo dar um recado urgente para a sua esposa. Aproveitamos a oportunidade para ele participar do psicodrama, o que ele aceitou de bom grado. No meio do psicodrama, descobrimos que o marido praticava o zen-budismo já havia longos anos, o que a protagonista ignorava completamente. Faltou comunicação através de bons diálogos.

Esta história mostra até que ponto devemos desconfiar da nossa postura de superioridade. Afinal de contas, o encontro de casais que preconizamos existe especialmente para casais que assim querem. Enquanto isto não se efetivar, convém considerar a situação como uma crise, um conflito latente e não resolvido. Será uma oportunidade para crescer através da resolução desta crise, usando a fórmula que iremos recomendar em caso de conflito, no próximo capítulo, isto é, o diálogo com empatia. E, para isto, convém treinar a empatia e o diálogo. É disto, entre outros, que iremos tratar a seguir.

Informação bibliográfica KRISHNAMURTI, Jiddu. O futuro é agora. São Paulo: Cultrix, 1995. PIERRAKOS, Eva. O caminho da autotransformação. São Paulo: Cultrix, 1990. WEIL, Pierre. Lágrimas da compaixão. São Paulo: Pensamento, 2000. ——. Amar e ser amado. A comunicação no amor. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. (Este livro contém experiências complementares muito úteis para os encontros periódicos dos casais). ——. Mística do sexo. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976.

Capítulo V Viver o conflito

Conflitos e crises fazem parte da vida, mesmo para os que estão aplicando profundamente as recomendações do capítulo precedente sobre harmonia. Muitos pensam que conflito é algo essencialmente danoso e prejudicial. A vida me ensinou que conflito e crises podem ser grandes oportunidades de aprender e crescer. Relato, em meu livro A revolução silenciosa, que a maior crise da minha existência foi o ponto de partida, a desencadeadora de uma grande transformação, que continua até hoje. Vamos, em primeiro lugar, definir o que é conflito.

1. O que é um conflito Conflito é uma situação de tensão, resultado do atrito entre forças aparentemente opostas ou incompatíveis, tais como opiniões, atitudes, hábitos, necessidades e desejos. Existem conflitos intrapessoais, interpessoais, intragrupais, intergrupais e internacionais. A seguir apresentamos um modelo demonstrativo das diferentes maneiras de lidar com um conflito.

Figura 8 Seguindo o esquema precedente, da figura 8, há, em geral, três saídas para um conflito: • a procura de solução violenta que gera reações violentas: rompimento, despejo, dispensa, raiva quente ou fria, rejeições, agressões verbais ou físicas, guerras; • a procura de soluções pacíficas e não violentas, através do diálogo direto com empatia, da negociação, da mediação ou da arbitragem;

• a passividade completa sem nenhuma procura de saída. Este laissezfaire leva à situação de crise permanente ou prolongada, mágoas, ressentimentos, relações interrompidas e congeladas. Muitos são os que, por medo de magoar ou de assumir os riscos de um diálogo franco e generoso, preferem ficar calados, dar o tempo para resolver a questão. Na realidade, é difícil as mágoas se dissolverem sozinhas. As mágoas se acumulam e a tensão/crise aumenta. O modelo que acabamos de apresentar se aplica a todos os conflitos, mesmo os intrapessoais. É por estes que iremos começar, isto é, pelo conflito dentro de nós mesmos.

2. O conflito intrapessoal Na época da literatura clássica, o conflito dentro de si mesmo estava na moda, por exemplo, entre o amor e o dever, como foi o de Rodrigues e de Chimene no Cid, de Corneille, que se amavam perdidamente, mas cujas famílias se odiavam. Desde Freud, o conflito interior é objeto de terapia. O mais clássico é o que existe com bastante frequência entre o id e o superego, isto é, entre o nosso instinto e a educação. Por exemplo, o instinto nos impele para namorar um rapaz ou uma moça, mas a educação nos impede, pois ele ou ela é casado. Um modo bastante eficaz de resolver conflitos internos desta ou de outra natureza é o diálogo interior entre partes suas em conflito ou entre você mesmo e uma parte sua. Muitos são os que se livraram de muitos conflitos desta maneira que vou lhes comunicar agora. A ideia vem de um terapeuta norte-americano, Ira Progroff. Ele nos convida a organizar um jornal íntimo, daquele tipo que muitos adolescentes usam, mas mais sofisticados. Trata-se de um jornal com muitas subdivisões, entre elas, uma de diálogos consigo mesmo. Mesmo sem jornal, é bastante benéfico usar o diálogo. Vou lhe passar a instrução para todos os tipos de diálogos. Vamos tomar, como exemplo, o diálogo com o seu corpo, o que costuma ser muito produtivo.

• Método do diálogo interior Primeira fase – Relaxamento: um dos fatores de êxito do método é que a expressão do diálogo se faz em estado de relaxamento profundo, quer

dizer, em outro estado de consciência próprio à criatividade. Para relaxar, use o método da sua preferência ou o que ensinamos no primeiro capítulo sobre viver em paz. Segunda fase – Início imaginário do diálogo: Você começa o diálogo, no caso presente, com o seu corpo, tratando este como se fosse uma pessoa. Por exemplo: Eu: – Oi, como vai, meu querido corpo? O corpo: – Querido, uma ova! Você se esqueceu de mim! Eu: – Como? O corpo: – Você nunca me leva para passear no sol, nadar, você me alimenta com fritas e sanduíches numa pressa danada etc. etc. Terceira fase – Diálogo escrito: quando você chegou a ter enunciado umas duas ou três frases assim, você as coloca por escrito e continua o diálogo até o ponto que você sente como sendo o fim natural. Quarta fase – Decisões importantes: releia o diálogo e veja que conclusões você tira quanto às providências importantes para serem tomadas, visando a acabar com o conflito com o seu corpo. Pode fixar datas e, ainda em estado de relaxamento, imaginar você mesmo começando a executar as suas decisões. Esta última medida será uma garantia a mais de que você irá realmente concretizar o seu compromisso com você mesmo. Só com este diálogo você pode tomar medidas que, de certo, irão transformar a sua existência para muito melhor. Se você estender este método a outras esferas de conflito, você terá, nas suas mãos, a possibilidade de realizar imensos progressos na sua evolução em direção a mais paz e maior consciência. Eis alguns tipos de conflitos que você pode tratar com o diálogo interno escrito: todas as emoções destrutivas como a raiva ou o apego, os seus pensamentos, o amor e o dever, o instinto e a razão, são alguns exemplos. Em caso de crise ou de conflito extremamente complicado ou doloroso, você pode pedir ajuda direta da sua sabedoria, dialogando com o sábio dentro de você.

• Diálogo com o sábio

Primeira fase – Use o relaxamento para entrar em estado criativo da consciência. Espere estar em estado de relaxamento bastante profundo. Segunda fase – Imagine agora que você está subindo uma montanha. Você passa perto de animais, de uma cachoeira, o sol brilha entre as folhas das árvores. Imagine agora que você está chegando ao topo da montanha. O céu está azul, o sol lhe ilumina e aquece o seu corpo. Em cima de uma colina você vê um templo. Você se dirige para esse templo e dá uma volta em torno dele. Agora, você entra no templo. Está escuro, mas lá no fundo está uma luz maravilhosa iluminando dois seres, um sábio e uma sábia. Você vai na direção deles e, quando chega até eles, você os cumprimenta de modo bastante respeitoso. As feições lhe são provavelmente bastante familiares. Terceira fase – Você pede agora conselho aos sábios para resolver o seu conflito ou sair da sua crise. Imagine o diálogo que se estabelece e, se o quiser, anote esta conversa durante, ou melhor, depois da experiência. Antes de se despedir, peça aos sábios que lhe permitam voltar quando você quiser, mesmo sem problema, simplesmente para sentar e meditar junto com eles. Eles concordam e você pode agora se despedir deles. Quarta fase – Agora você volta pelo caminho por onde veio e abre os olhos. Você pode tomar as decisões decorrentes dos conselhos dos sábios e imaginar que você os executa. Além de ter assimilado uma maneira de entrar em contato com a sua sabedoria, você acaba de aprender um novo método de meditação. Você pode voltar todos os dias perto dos seus sábios. Eles fazem parte de você e podem ser de grande auxílio se você estiver em dificuldade. Vamos agora cuidar de um conflito interno muito pouco conhecido, o do masculino e do feminino, fatores dos quais nós já falamos nos últimos capítulos.

• Diálogo interno entre masculino e feminino Houve uma época da minha vida em que, por oportunidade de uma terapia, eu decidi incrementar a parte feminina na minha pessoa. Eu me considerava demasiado racional, quadrado e sistemático. Uma voz feminina dentro de mim me soprou de comprar flores e um vaso para elas. Mais tarde

eu recomecei a tocar flauta, o que eu tinha abandonado há muitos anos. Hoje, o meu jardim está cheio de lindas rosas. Até gerânio tem, planta que detestava, pois a minha mãe as adorava. A minha terapia me reconciliou com ela e, por tabela, com os gerânios. Quando você tem algum conflito interno como, por exemplo, entre o amor e o dever, é frequente que as tendências em conflito sejam atributos do masculino e feminino. Neste caso, basta você usar a técnica de diálogo que descrevi mais acima. Eis, a título de exemplo, um diálogo que se dava cada vez que eu passava na portaria da Unipaz em Brasília. Havia um novo porteiro, um jovem rapaz (filho do nosso marceneiro) que eu vi crescer ali e, por isso mesmo, eu gostava bastante dele. O feminino lhe diz: “Saia do carro e dê um abraço nele. Ele vai adorar você felicitá-lo pelo seu primeiro emprego”. Mas o masculino retruca: “Não há tempo a perder. Você tem coisas muito mais importantes a fazer no escritório. Deixe para amanhã!” De tanto deixar para amanhã, semanas se passaram, até que um dia resolvi atender a voz feminina, e recebi um grande sorriso de gratidão. E, com isto, resolvi harmoniosamente o conflito interno entre o masculino e o feminino. O conflito entre o masculino e o feminino também envenena as relações entre as pessoas. É o que vamos examinar agora.

3. O conflito interpessoal O conflito interpessoal é frequente entre amigos, colegas de trabalho, dirigentes e dirigidos, casais, pais e filhos, irmãos, entre outros. Temos dois seminários de doze horas para os interessados em ampliar a sua prática: Arte de viver em harmonia e Arte de viver o conflito. Como o anunciamos antes, vamos começar pelo conflito interpessoal entre o masculino e o feminino.

• Conflito interpessoal entre o masculino e o feminino Se nos colocarmos do ponto de vista do masculino e do feminino, quando duas pessoas se encontram, temos na realidade quatro encontros, como o mostra a figura do capítulo precedente.

Vimos que, das diversas combinações possíveis, as mais suscetíveis de conflito dão-se quando homem e mulher têm uma masculinidade pronunciada ou quando os dois têm um equilíbrio entre o masculino e o feminino. O diálogo, com ajuda do psicodrama do Tao, permite conscientizar sobre a origem do conflito e a tomar resoluções para saná-lo. Mesmo sem o psicodrama, observei casais ou parentes que, por meio de diálogo, resolveram a sua dissidência desde que já estivessem conscientes da sua dosagem de MF. Uma vez que o casal passa a descobrir que ninguém tem culpa do conflito, mas que são os fatores MF os responsáveis pelos atritos, é possível um rápido entendimento entre as partes. Por exemplo, num dos meus seminários, um casal veio me procurar porque descobriram que eles brigavam há anos, sem saber que era o masculino do homem que não aceitava o masculino da mulher – dar ordens, instruções e mandar nele. Resolveram examinar a questão com o carinho que o caso merecia. Em outro seminário, uma moça de uns vinte e cinco anos representou o diálogo com o seu irmão que a chamava periodicamente para intervir nas brigas do seu pai bêbedo com a sua mãe. Tomou consciência de que ela sempre cedia, a contragosto, pois não tinha nenhuma possibilidade de resolver o caso, e que era a sua parte feminina que concordava com o irmão que usava seu masculino autoritário para se livrar da responsabilidade. Diante desta tomada de consciência, ela resolveu enfrentar a pressão do seu irmão, desenvolvendo o seu lado masculino. “Eu sei que vai criar algum atrito, mas mais adiante tenho certeza de que vai resolver este conflito entre nós dois!” Mas conflitos interpessoais não são apenas devidos aos fatores MF.

• Os conflitos interpessoais começam na mente A maioria dos conflitos interpessoais nasce na mente das pessoas. Aliás, a mente nossa é uma fonte inesgotável de pequenos e grandes conflitos; muitas vezes, completamente imaginários. E aí vai mais uma história de Mulla Nasrudin. Um dia, Mulla estava colocando miolos de pão em torno da casa dele. Um amigo se aproximou e perguntou: “Oh! Nasrudin, o que é que você está fazendo aqui?” E

Nasrudin respondeu: “Eu estou fazendo um círculo mágico!” “E para que você está fazendo esse círculo mágico, Nasrudin?” “Para afastar as onças desta região!”, respondeu o Mulla. “Mas não há onças aqui nesta região!”, observou o amigo. “Está aí a prova insofismável de que o meu círculo é eficiente!” Assim, inventamos na nossa mente inimigos ilusórios, contra os quais temos então de montar sistemas de defesa. Assim sendo, muitos de nossos conflitos são frutos de percepções distorcidas pela imaginação, o que leva a sentimentos destrutivos provocados por necessidades contrariadas que desencadeiam ações mais ou menos violentas. Cada uma destas ações provoca uma reação também violenta por parte de quem foi atingido. Entramos num círculo vicioso do qual é difícil sair, para a maioria das pessoas desavisadas. Vamos agora mostrar como desfazer ilusões perceptivas que levam a conflitos.

• Um método de dissolver conflitos Para nos compenetrar eficientemente deste processo e aprender a desfazê-lo, usamos um acróstico, uma palavra que resume as fases do processo conflitivo: a palavra PISAR, que sintetiza as seguintes fases: • Percepção; • Imaginação; • Sentimento; • Ação; • Reação. A título de exemplo, utilizaremos uma história bem conhecida no Oriente. Um senhor passou numa rua sombria e avistou uma forma alongada e meio-enrolada. Pensando que era uma cobra, ficou apavorado e fugiu. Na realidade era uma corda. Vamos agora desenvolver esta história e usar o PISAR para mostrar como aplicar o nosso modelo: Percepção: o senhor vê uma forma cumprida meio-enrolada, numa rua sombria. Imaginação: ele imagina que se trata de uma cobra.

Sentimento: ele sente medo por ter necessidade de segurança. Ação: ele volta para casa deixando de visitar os amigos que moravam nessa rua e que o estavam esperando. Reação: os amigos, percebendo a sua ausência, imaginam que ele fez pouco caso do convite que lhe fizeram, sentem ressentimento e agem em consequência deixando de o convidar nas próximas festas. O senhor reage etc., e a cadeia de ações e reações pode continuar sem fim. Este exemplo fictício, dado com objetivo de um treino inicial, mostra como a reação dos amigos provocou também um ciclo completo de PISAR. Como poderia ter sido evitado este conflito? Em que nível do PISAR precisaríamos intervir? Evidentemente, no da imaginação, substituindo a interpretação errônea por uma estimativa da observação feita no nível da percepção. Antes de concluir que se tratava de uma cobra, aquele senhor deveria ter verificado se se tratava mesmo de uma cobra. Isto o teria levado a constatar que o que havia ali era uma simples corda. Ele terá substituído o PISAR pelo PESAR.

• O que é o PESAR? O PESAR compõe-se da mesma sucessão de fases do que o PISAR, mas com a substituição da imaginação pela estimativa, da seguinte forma: Percepção: o senhor vê uma forma comprida, meio-enrolada, numa rua sombria. Estimativa: imaginando que é uma cobra, faz uma estimativa da sua percepção, se aproxima do objeto e constata que se enganou e que é, na realidade, uma corda. Sentimento: ele fica aliviado e feliz de poder visitar os amigos. Ação: ele continua a caminhada, visita os amigos e participa da alegria da festa. Reação: a amizade continua e os amigos o convidam para a próxima festa. Como se pode constatar com este exemplo, corrigindo o erro de imaginação com uma melhor estimativa da percepção, mudou-se de modo

harmonioso todo o decurso da estória, graças ao PESAR. Muitos conflitos, mágoas e ressentimentos são provocados pelo processo do PISAR. Por exemplo: • percebemos que um amigo nos cruza sem nos cumprimentar e logo imaginamos que ele está nos ignorando e nos desprezando; • sentimo-nos magoados por ter sido frustrada a nossa necessidade de amizade e carinho, e nossa ação será de o evitar no próximo encontro. Isto provocará uma reação de desconfiança e mágoa por parte do amigo que vai entrar no processo do PISAR. Se, pelo contrário, o procuramos e informamos a ele o que ocorreu, em vez de o julgar, o amigo nos informará que simplesmente estava distraído e não nos viu. Transformamos o PISAR no PESAR. Observe na sua vida cotidiana ou lembre-se de seus conflitos, e você verá o quanto é importante o conhecimento de como surgem conflitos interpessoais através do PISAR, e de como estes podem ser evitados através do PESAR. Mas as coisas não são tão simples, porque confundimos o que percebemos com o que sentimos e com isto esquecemos que foi uma imaginação, uma ideia, um pensamento que provocou o sentimento. Além disso, desconhecemos as nossas necessidades básicas, aquelas com as quais acabamos de fazer um treinamento, e por isto a nossa ação se torna violenta. Para evitar cair mais vezes em confusão, vamos fazer mais uma experiência. Convide uma pessoa amiga para vocês sentarem um em frente ao outro. Cada um se dá uma letra: A e B. Muitas pessoas dizem: “Eu sinto que você…” A não ser que você seja paranormal, isto não é possível. Antes do sentimento, houve uma percepção que lhe fez imaginar algo que lhe fez se sentir de certa maneira. Do mesmo modo, muitas pessoas afirmam: “Você me faz medo”. Quem fala assim foge da responsabilidade de assumir seu próprio sentimento, gerado pela imaginação, ela mesma provocada por uma percepção. O certo seria reconstituir o PISAR e distinguir a percepção da imaginação e do sentimento. É o que vamos treinar agora. Primeira parte: Eu percebo.

A começa. Expressa tudo que percebe em torno dele e também no comportamento ou na vestimenta de B. Por exemplo: “Eu vejo que você veste uma blusa vermelha, que você sorri para mim, que as suas mãos são cruzadas em cima da sua perna esquerda etc. etc.” Se A disser “eu vejo que você está alegre”, isto é o que A imagina, porque B está rindo. É um julgamento e não a descrição de um fato. Depois B faz a mesma coisa que A, invertendo os papéis. Dois minutos para cada um. Segunda parte: Eu percebo e com isto eu imagino. A fala para B: “Eu percebo que… e com isto eu imagino que…” Por exemplo: “Eu percebo que você não está mais olhando para mim, e com isto eu imagino que você está perdendo interesse por mim. Eu vejo que você olhou de novo para mim e imagino que você está surpreso com a minha interpretação etc.” Depois de dois minutos, inversão de papéis. Terceira parte: Eu percebo, eu imagino, e com isto eu me sinto… porque eu tenho necessidade de…. A mesma condição de antes, apenas com um acréscimo: Como eu me sinto. Exemplo: “Eu vejo que você está rindo, e com isto eu imagino que você está caçoando de mim, e com isto eu me sinto magoado, porque eu tenho necessidade de ser respeitado”. Três minutos para cada um. Como podemos constatar, estamos aqui frente a uma cadeia de causa e efeito, cada efeito se transformando numa causa. Muitos julgamentos precipitados ou emoções impulsivas que levam a conflitos resultam de uma confusão entre estas fases ou de um disfuncionamento de uma delas. Por exemplo, a corda vista como cobra foi o resultado de uma imaginação em contradição com a percepção. Para fixar melhor ainda em que consiste cada uma das fases do PISAR e do PESAR, vamos agora definir cada um com mais precisão.

O PISAR Definição: PISAR é uma cadeia de concatenação sucessiva de eventos psicológicos, que podem levar a ações e reações construtivas ou destrutivas de uma relação humana determinada.

Eis a descrição desta sucessão de eventos. Percepção – É o que você vê, ouve, fareja, isto é, tudo que passa pelos seus cinco sentidos em relação com sons, formas, odores etc. A percepção já inclui nomes dados às formas, sons etc. desde que se refiram ao que está aí. Nota: Às vezes, a percepção é substituída por um pensamento provocado por percepções de eventos e situações do passado. Mesmo assim, a percepção, embora remota, ainda se encontra na raiz do PISAR. Imaginação – Ideias, imagens, conceitos, pensamentos, suposições, julgamentos, acusações, interpretações corretas ou não. Nota: Pode parecer, em certos casos, que o PISAR se inicia com a imaginação. Neste caso, convém procurar a percepção desencadeadora no passado. Ver nota precedente. Sentimento – Agradável, desagradável ou neutro. Quando agradável, é o resultado da perspectiva da satisfação de uma das necessidades básicas cuja lista já está em seu poder. Daí resultam sentimentos de alegria, de amor, de entusiasmo, que levam a ações positivas. Quando desagradável, é sinal de ameaça a uma das necessidades básicas. Isto gera emoções destrutivas como a mágoa, o ressentimento, a raiva, o ódio, o ciúme, o medo, a tristeza, que conduzem a ações mais ou menos hostis e violentas. É importante identificar as necessidades que geram os diferentes sentimentos, para poder expressá-las para o outro no momento da ação de dialogar ou fazer com que o outro a reconheça dentro dele e a possa expressar. Ação – Comunicar falando ou escrevendo, ou ainda, sob forma de expressão corporal ou vocal, incentivar outrem, abraçar, acariciar, agredir fisicamente, fazer algo, montar, desmontar, construir, destruir etc. Ação costuma ser construtiva, quando gerada por sentimentos positivos, ou destrutiva, quando provocada por sentimentos negativos. É, sobretudo, no último caso que, antes da ação, procura-se mudar para o esquema do PESAR, pois toda ação violenta provoca, mais cedo ou mais tarde, uma reação violenta. Reação – Enquanto a ação é da própria pessoa, a reação é sempre do outro ou de um grupo de outras pessoas. Estas reagem positivamente em caso de uma ação positiva, ou destrutivamente, em caso de uma ação destrutiva da relação.

Do ponto de vista de quem reage, a reação é produzida por um processo completo de PISAR por parte de quem reage. Isto leva a um círculo vicioso repetitivo. Esse círculo (figura 9) pode ser benéfico para a relação, como, por exemplo, pessoas que sistematicamente agem dando um presente de aniversário a cada ano e provocam uma reação anual de receber um presente de aniversário. O mesmo se passa com cartões de Natal. O círculo pode ser maléfico para a relação gerando rancor, ódio e violência. A espiral da amplificação da ação/reação. Aqui cabe mais uma história de Nasrudin. Um dia, o Mulla estava passeando, tranquilo e em paz. De repente, na sua direção, vinham alguns homens a cavalo. Apavorado por pensar que esses homens corriam na sua direção para matá-lo, começou a fugir correndo em direção a um cemitério, onde foi se refugiar numa cova. O pessoal correu atrás. Pensando que ele estivesse passando mal, quiseram ajudá-lo. Chegando à cova, encontraram Nasrudin tremendo de medo. “Oh, Mulla, você está tremendo de febre! Podemos ajudá-lo em alguma coisa?” Aí, Nasrudin percebeu que tinha cometido um lamentável engano. Mas não quis dar o braço a torcer e reconhecer o erro. Ele pensou, pensou e achou uma saída honrosa: “Pensando bem, eu estou aqui por causa de vocês, e vocês estão aqui por causa de mim!” Que bonito exemplo de ação/reação fundamentadas inteiramente em imaginações recíprocas completamente falsas. É o que no Oriente chamam de Karma.

Figura 9 A figura 9, quando maléfica, nos mostra a anatomia da gênese de um conflito interpessoal que, por falta de intervenção, se transforma numa crise permanente, ou numa repetição de crimes. É o caso de guerras entre famílias no interior, em que a ação de matar um dos membros provoca a reação de matar um da outra família. Há casos em que isto se prolonga durante séculos. Mas não é preciso citar casos tão trágicos. Há conflitos entre esposos, irmãos, pais e filhos, colegas de trabalho, chefes e subordinados que se repetem sem cessar. Mágoas, ressentimentos e mesmo rancores são guardados na mente e no coração de cada uma das partes em conflito durante anos a fio. Para resolver esses conflitos é preciso que uma das partes entre com o PESAR. O que é o PESAR?

O PESAR

O PESAR segue a mesma sucessão de eventos psicológicos do PISAR, mas com uma finalidade específica: intervir num PISAR conflitivo, a fim de transformar o conflito numa relação humana harmoniosa. A intervenção se faz no nível da imaginação por uma estimativa. Vamos definir o que é isto.

• O PESAR e o PISAR: definições Estimativa: consiste em uma revisão, uma reavaliação da imaginação por meio de, e incluindo, se necessário, uma revisão simultânea da percepção inicial (a cobra é uma corda). Esta reavaliação se faz com um sentimento de ESTIMA entre as partes ou por uma das partes, que procurará por esta atitude de amizade e verdade com amor, comunicar esta ESTIMA, para a outra parte. A seguir, vem um quadro demonstrativo das diferenças entre PISAR e PESAR:

PISAR OU PESAR – DEFINIÇÕES PISAR

PESAR

PERCEPÇÃO É o que você vê, ouve, fareja, isto é, tudo que passa pelos seus cinco sentidos em relação a sons, formas, odores etc. A percepção já inclui nomes dados às formas, sons etc., desde que se refiram ao que está aí.

PERCEPÇÃO IDEM

IMAGINAÇÃO Ideias, imagens, conceitos, pensamentos, suposições, julgamentos, acusações, interpretações corretas ou não. Pode parecer, em certos casos, que o PISAR inicia com a imaginação. Neste caso, convém procurar a percepção desencadeadora no passado.

ESTIMATIVA Consiste em uma revisão, uma reavaliação da imaginação através, e incluindo, se necessário, uma revisão simultânea da percepção inicial (a cobra é uma corda). Esta reavaliação se faz com um sentimento de

ESTIMA entre as partes ou por uma das partes, que procurará, por esta atitude de amizade e verdade com amor, comunicar esta ESTIMA para a outra parte. SENTIMENTO Agradável, desagradável ou neutro. Quando agradável, é o resultado da perspectiva da satisfação de uma das necessidades básicas cuja lista já está em seu poder. Daí resultam sentimentos de alegria, de amor, de entusiasmo, que levam a ações positivas. Quando desagradável, é sinal de ameaça a uma das necessidades básicas. Isto gera emoções destrutivas como a mágoa, o ressentimento, a raiva, o ódio, o ciúme, o medo, a tristeza, que conduzem a ações mais ou menos hostis e violentas. É importante identificar as necessidades que geram os diferentes sentimentos para poder expressá-las para o outro no momento da ação de dialogar ou fazer com que o outro a reconheça dentro dele e possa expressá-la.

SENTIMENTO Agradável. Alegria, amor, entusiasmo, abertura e disponibilidade.

PISAR

PESAR

AÇÃO Comunicar, falando ou escrevendo, ou ainda sob forma de expressão corporal ou vocal, incentivar outrem, abraçar, acariciar, agredir fisicamente, fazer algo, montar, desmontar, construir, destruir etc. Ação costuma ser construtiva quando gerada por sentimentos positivos, ou destrutiva, quando provocada por sentimentos negativos.

AÇÃO Comunicação falada ou escrita afetuosa ou ação de abraçar, dar carícias, construir etc.

REAÇÃO Enquanto a ação é da própria pessoa, a reação é sempre do outro ou de um grupo de outras pessoas. Estas reagem positivamente, em caso de uma ação positiva, ou destrutivamente, em caso de uma ação destrutiva da relação.

REAÇÃO Reação positiva e construtiva, aberta para o diálogo, visando a soluções pacíficas.

Além da estimativa, o processo pode ser interrompido no nível da imaginação ou do sentimento, mediante tomada de consciência na meditação ou no momento de aparecer um pensamento seguido de emoção destrutiva. Temos ensinado que a tomada de consciência da emoção nos permite deixar passar como uma nuvem o destrutivo. Neste caso, o processo para aí. Se isto não foi possível, ou se isto foi feito, mas se a outra parte já entrou uma ou várias vezes na fase de reação, então só há um modo de proceder. Uma das partes (em geral quem fez esta formação, ou quem tem uma experiência fora do comum de relações interpessoais e de comunicação) procura convidar a outra parte para um diálogo. Um diálogo com empatia. Vamos agora descrever como se pode realizar um diálogo deste com sucesso ou probabilidade grande de restabelecer boas relações entre as partes.

4. Diálogo com empatia: responsabilidade sem julgamento Para resolver qualquer conflito é preciso que as partes em jogo estejam dispostas e motivadas para expressar mutuamente os seus sentimentos. Isto tem que se fazer com empatia.

• O que é empatia? É um esforço de cada um para se colocar no lugar do outro, mostrando que compreendeu as posições e sentimentos deste. Empatia é a capacidade de alguém se colocar no lugar do outro e de compreendê-lo. Há pessoas que têm bastante facilidade em compreender os outros. Muitos são os que têm

certa dificuldade em viver o que o outro vive e sente. É preciso adquirir esta capacidade por meio de um treino sistemático.

• Como treinar a empatia? Primeiro treino – Para treinar um diálogo com empatia, você pode escolher uma pessoa com a qual tem alguma dificuldade conflitiva, tal como um parente, amigo ou colega de trabalho. Coloque então uma cadeira vazia na sua frente e imagine que a pessoa com a qual você tem um conflito está sentada ali, na sua frente. Agora inicie um diálogo com essa pessoa. Cada vez que você imagina a resposta, você se senta no lugar da pessoa. Primeira fase: Pegue uma folha de papel e uma caneta e escreva como título: Diálogo com fulano (coloque o nome da pessoa). Agora, relaxe, usando a técnica ensinada mais acima. Feche os olhos e imagine o início do diálogo. Você, perguntando sobre os sentimentos dela(e), e ela(e), respondendo. Quando o diálogo se estabelecer, coloque-o por escrito e continue até terminá-lo. Muitas pessoas que usaram este processo mudaram completamente de atitude e, posteriormente, resolveram a sua desavença com o outro, mediante um diálogo direto. Segunda fase: no diálogo direto você pode usar o PISAR, seja para mostrar ao outro como você errou na sua própria imaginação, ou descobrindo o seu erro por meio do PESAR, durante o próprio diálogo. Com isto você desenvolverá uma qualidade importante: a de assumir a responsabilidade dos seus próprios pensamentos e sentimentos evitando julgar o outro. Como o outro está ausente, você só pode reconstituir o seu próprio PISAR. Faça isto agora na sua folha de papel; depois do diálogo, escreva: o meu PISAR. Se você estiver convencido que é o outro que começou o conflito pelo PISAR dele, imagine esse PISAR e o escreva, incluindo nisto o PISAR da REAÇÃO que você teve e que o levou a continuar o conflito. Imagine então como você poderia ter evitado o conflito por meio do seu PESAR. Escreva este seu PESAR. Para facilitar a redação, eis um exemplo de um diálogo que realmente se deu entre uma secretária de direção e o presidente de uma companhia.

A secretária costumava errar na pontuação e nas concordâncias gramaticais. Já havia três meses que o presidente tinha pedido para ela fazer um treinamento nestes assuntos. A cada erro cometido por ela, ele interiormente se aborrecia, até que apenas alguns dias depois deste compromisso de esperar o treinamento da secretária, ao receber uma carta para assinar, ele explodiu dizendo: “Lá vem você com os mesmos erros”, com um tom rude e irritado. A secretária saiu chorando e foi se refugiar no banheiro. O presidente, então, lembrou-se do PISAR e rapidamente compreendeu o processo que o levou a uma ação violenta. Eis o detalhamento do PISAR (o presidente tem a palavra…): Percepção – A minha secretária apresenta uma carta cheia de erros. Imaginação – Ela é displicente e não respeita as minhas recomendações de cuidados gramaticais. Sentimento – Eu fico irritado e com raiva, porque eu necessito ser respeitado e obedecido. Ação – Eu trato a minha secretária de modo ríspido e agressivo. Reação – A minha secretária sai chorando e vai para o banheiro. O presidente procura então praticar a empatia, e tenta reconstituir o PISAR da secretária. A reação da secretária foi a ação resultante de um PISAR completo: Percepção – O meu presidente grita comigo, mostrando-me os erros da carta que digitei. Imaginação – Ele não gosta mais de mim e vai me mandar embora. Ele passou por cima do nosso trato de eu fazer um treinamento gramatical. Sentimento – Estou com medo porque necessito do emprego, estou magoada e triste porque necessito ser tratada com respeito e compreensão, e que respeitem os compromissos assumidos. Ação – Choro e me refugio no banheiro. Reação (do presidente). Ver adiante. A ação da secretária provoca uma reação do presidente que resolve interromper o círculo vicioso de ação/reação, tomando consciência do seu PISAR, assumindo a responsabilidade dele e entrando com uma revisão do conflito incipiente por meio do PESAR, da seguinte forma:

Percepção (da reação da secretária) – Saiu chorando e foi para o banheiro. Estimativa – O que imaginei estava errado. Esqueci-me do nosso compromisso, de eu ter paciência até ela terminar o seu treino e melhorar a sua gramática. Eu fui injusto e a magoei. Sentimento – Estou triste e preocupado com a minha agressão e injustiça, porque tenho uma profunda necessidade de dar amor e de ser justo. Ação – Chamei-a e falei o seguinte, descrevendo o meu PISAR: “Eu vi você chorando e indo para o banheiro. Aí eu me dei conta de que eu tinha cometido uma injustiça e fiquei triste e preocupado, pois, quando eu vi os erros gramaticais da sua carta, eu esqueci do nosso compromisso e de que você só começou o treinamento gramatical na semana passada. Por isso, eu fiquei irritado e reconheço que eu fui injusto com você. Eu necessito conservar a nossa boa relação e o nosso entendimento amistoso e preciso reparar a injustiça que cometi. Por isso, eu lhe peço a sua compreensão”. Reação (da secretária) – “Quando eu percebi a sua reação irritada por causa da minha carta, eu realmente imaginei que o senhor estava com raiva de mim e ia me despedir. Percebi também que o senhor se esqueceu de que eu estava iniciando o meu treinamento. Agradeço-lhe do fundo do coração por tudo que o senhor acabou de fazer. Eu gostei do que o senhor acaba de me dizer. Não precisa mais se preocupar. Estou bem e tranquila. Isto confirma a minha admiração e respeito por estas grandes qualidades que o senhor sempre mostrou, além da sua amizade por mim, que é recíproca. Quanto à carta, eu vou corrigi-la, pode ficar tranquilo.” O presidente teve a humildade de explicar o seu PISAR para a sua secretária e assumiu a plena responsabilidade deste PISAR conflitivo. Um dos fatores de êxito desta comunicação é que ele, por meio do PESAR, suprimiu toda espécie de julgamento, e procurou se colocar no lugar da secretária, praticando empatia. Assim procedendo, estabeleceu-se um diálogo dentro da verdade dita com amor, e com humildade. E agora vamos praticar um diálogo com empatia.

Relaxe e imagine o início do diálogo com a pessoa que você escolheu. Depois de algumas frases, abra os olhos e coloque-o por escrito. Segundo treino – Agora, procure uma pessoa, e sentem-se um em frente ao outro. Vocês se dão uma letra, A e B. A escolhe um caso de conflito que lhe aconteceu e B procura ajudar A a clarear o que aconteceu realmente, usando o PISAR e o PESAR como referência interna. B se limita a mostrar para A que ele entendeu o que ele disse, sendo um verdadeiro espelho. A cada parada de A, B fala: “Se entendi bem…”; B procura espelhar, refletir, resumir os sentimentos e as percepções expressas, assim como a imaginação intermediária. B pode fazer perguntas para evidenciar as verdadeiras percepções e imaginações decorrentes. Consiste, antes de tudo, em mostrar que você compreende o outro, sem emitir julgamentos ou objeções. Você se mostra totalmente aberto e receptivo.

5. A verdade dita com amor e humildade Para um diálogo ter êxito é importantíssimo que ele seja absolutamente sincero e expresso com amor. Se, além disso, você tiver a humildade de mostrar que você se enganou e se mostrar totalmente disposto a se abrir completamente para uma mudança de posição e mostrar que entendeu profundamente o ponto de vista, a percepção e os sentimentos do outro, você poderá transformar o conflito em amizade, pois esta sua postura se revelará contagiosa.

6. Expressar rancores, mágoas e ressentimentos Você conseguirá aliviar muitas tensões, evitando que se transformem em conflitos e crises, se você mantiver uma norma para você mesmo; ou, se você for um dirigente, conseguir que todo mundo siga a norma: não deixe que se passem 40 horas com uma mágoa guardada. Expresse-a com sinceridade e amor, usando o plano do PISAR e/ou PESAR para a sua elaboração. A explanação do PISAR, dentro das recomendações expostas acima, muito facilitará uma comunicação terna e amistosa, pois é você que assumirá a responsabilidade eventual do mal-entendido.

Caso a outra pessoa não souber deste seu princípio, pergunte a ela: “Eu gostaria de falar com você. Eu tenho como princípio, quando estou magoado com alguém, de procurar conversar, dialogar, para resolver a questão e manter ou mesmo desenvolver boas relações. Você concordaria em nós marcarmos um tempo para isto? Eu precisaria de mais ou menos uma hora, mas pode ser que seja menos, ou talvez mais”. É raro alguém recusar uma proposta desta natureza, feita com gentileza.

7. Abertura total ao outro, mesmo em caso de agressão Se você quiser estabelecer ou restabelecer uma relação afetuosa e amistosa com alguém que está furioso com você e o está agredindo, o melhor caminho para manter a atitude aberta é a empatia. A experiência mostra que, se você seguir todas as recomendações que fizemos até agora, o agressor se acalma, pois percebe que você o está compreendendo. Comece por refletir o sentimento de raiva ou de ódio. “Se eu entendi bem, você está com muita raiva de mim.” Espere a resposta e continue a refletir a fase do PISAR que está sendo expressa, sobretudo quanto aos sentimentos e às percepções. Quando acalmar, incentive, com perguntas, a expressão da percepção, para evidenciar qual o pensamento, a imaginação que motivou tanta raiva. Se a percepção da sua ação for errada, e se ele estiver mais calmo, você poderá mostrar que as coisas não foram bem assim. Mas se a raiva for justificada por uma interpretação correta da sua ação, então você precisará de muita humildade para reconhecer que você errou e pedir compreensão, pois a sua intenção não era aquela. Será uma oportunidade de mudar o seu PISAR com o PESAR. Ao proceder assim, você desenvolverá a verdadeira compaixão e obterá mudanças de sentimentos muito bonitas. Uma nova forma de ser irá se desenvolver em você.

8. Dois planos diferentes Do mesmo modo que quando uma onda olha para outra onda, é o mar que se olha para ele mesmo; da mesma maneira, quando aquele senhor olhou para a corda, ele e a corda, num plano relativo, são diferentes, mas,

no plano absoluto do mar, eles são constituídos do mesmo espaço luminoso. Por isto mesmo, um homem que olha para uma corda está, do ponto de vista do absoluto, numa fantasia, a fantasia da separatividade, geradora do círculo vicioso da compulsão/repetição. Viver em paz consiste, em última instância, em conduzir-se dentro do PISAR e do PESAR, sabendo que a percepção da separação sujeito-objeto é uma fantasia. Aceitar a fantasia como tal, mas conduzir-se como se houvesse separatividade, este é o comportamento de um sábio. No próximo capítulo vai ficar mais clara ainda esta relação do sujeito com o objeto e seu valor relativo. Antes, porém, vamos tratar dos conflitos intergrupais e internacionais.

9. Como lidar com conflitos intergrupais Conflitos entre grupos acontecem com mais frequência nas empresas e nos organismos, ou entre empresas, sindicatos patronais e de trabalhadores, por melhores salários, mas surgem também entre famílias, como uma disputa por herança, por exemplo. A competição está muito presente e precisa ser transformada em cooperação (cf. figura 10). Também, neste caso, há necessidade de diálogo com empatia. Quando os grupos são pequenos, os próprios membros podem se reunir para resolver as questões. No caso de grandes grupos, se combina mandar um representante de cada grupo para negociar uma solução. Caso o assunto seja complexo demais e/ou a resistência de um ou dos dois grupos for demasiado forte, pode se pedir um mediador.

Figura 10

10. Mediação com empatia Na abordagem corriqueira, o mediador fica ouvindo cada parte e propõe soluções para cada uma delas ou passa as propostas de acordo de uma parte para a outra, efetuando modificações que provêm de ambas as partes, até se chegar a um acordo. Caso este se revelar impossível, recorre-se à

arbitragem de uma corte de justiça. A Corte de Haia, por exemplo, cuida, entre outros assuntos, de arbitrar litígios entre países. Pode se propor, para facilitar o entendimento entre as partes e dar fundamentos mais sólidos para a mediação, que ambas as partes façam o que psicossociólogos chamavam antigamente de “laboratório intergrupal”. Trata-se de um sistema muito engenhoso, bastante parecido com a troca de cartas na véspera de um encontro de casais na relação evolutiva. Pede-se a cada grupo que faça uma lista dos argumentos a favor do ponto de vista do outro grupo. Esta lista de cada um é apresentada ao outro para eventuais correções. Depois, pede-se a cada grupo que examine a lista dos argumentos do outro, já aprovada, revista e completada, e de checar os argumentos com os quais concorda. A lista destes argumentos servirá de fundamento para o eventual acordo ou aprofundamento da mediação. As pessoas que participaram de tal processo costumam ser unânimes em afirmar que o fato de praticar a empatia e se colocar no lugar do outro grupo muito as ajudou para compreender o outro grupo. As negociações entre Israel e os palestinos mostraram claramente um entendimento empático. Israel reconheceu que a Palestina precisava de terras e a Palestina reconheceu que Israel precisava de segurança. Daí ter nascido o slogan: “Terras contra segurança”. Este lema, do qual ambas as partes estavam imbuídas, muito facilitou as negociações entre os dois lados, que estão infelizmente ocorrendo com grandes dificuldades no momento em que escrevo estas linhas. Muitos esforços estão sendo desenvolvidos atualmente no mundo inteiro, especialmente nas zonas de conflito, por equipes especializadas das Nações Unidas e da Unesco. Em Israel, por exemplo, a Unesco, junto com a Unipaz, patrocina o Seminário Arte de Viver em Paz para Educadores Árabes e Judeus juntos. O entusiasmo desperto por esta iniciativa une os corações dos que dele participam por cima das rivalidades e conflitos. É bastante encorajador tomar parte de iniciativas nesse sentido e desenvolvêlas. Agora chegou o momento de cuidarmos de um outro aspecto de nosso livro, o viver a natureza fora e dentro de nós.

Informação bibliográfica ORTEGA, Pinto H.D. La teoria del conflicto y la resolucion de conflictos. Ciudad Colon, Costa Rica: Universidad para la Paz, 1996. ROZENBERG, Marshall B. Non violent communication: a language of compassion. Puddle Dancer Press, 1999. WEIL, Pierre. Relações humanas na família e no trabalho. 54. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

Capítulo VI Viver a natureza

1. A natureza fora e dentro de nós No primeiro capítulo deste livro, quando tratamos de viver em paz, e no segundo também, sobre viver consciente, insistimos acerca de uma ilusão – a fantasia da separatividade –, responsável pelo suicídio do ser humano em virtude da destruição da natureza e da vida no nosso planeta. Vamos, em primeiro lugar, focalizar a destruição da natureza pelo ser humano, natureza num sentido mais superficial e localizado, do meio ambiente que nos cerca. Depois, iremos nos aprofundar cuidando da natureza desta fantasia da separatividade sujeito-objeto. Isso nos levará a cuidar de tratar a fundo da natureza do sujeito, isto é, de você, leitor, da natureza do objeto e, depois, da natureza da relação entre sujeito e objeto, o que nos levará ao âmago da questão da natureza.

2. A destruição do meio ambiente No que se refere ao meio ambiente e à sua destruição progressiva e sistemática, temos todos certa resistência e dificuldade em acreditar na veracidade do que jornais e TV nos alertam a toda hora. De fato, já estamos no Apocalipse, porém não o estamos percebendo, pois o processo de destruição é lento e invisível. A perda do número de espermatozoides no homem, o aumento da câmara de ozônio, a subida do nível do mar, o degelo da calota polar, a destruição das espécies vivas, e assim por diante, estão fora do alcance das nossas vistas. Um outro aspecto que aumenta ainda mais a nossa indiferença é que o meio ambiente imediato à nossa casa ou apartamento está tão próximo que

não percebemos mais os estragos, por estarmos demasiado acostumados a presenciá-los. Se você der um passeio na rua do seu edifício ou da sua casa, e prestar atenção ao que o ser humano fez no que hoje é o seu bairro, você só pode ficar estarrecido com o que você vai descobrir: a terra original não existe mais e está coberta pelas casas ou prédios, por calçamentos ou asfalto. Mesmo encanada, a água está cada vez mais poluída, a tal ponto que imperceptivelmente passamos a desconfiar das torneiras e comprar água mineral para o nosso consumo. O ar que respiramos está cada vez mais se tornando um gás venenoso, responsável por doenças respiratórias. Em certas cidades, temos até de andar com máscara. Em período de seca, o fogo acaba com o que nos resta de matas virgens. As árvores originais já não existem mais e a vida animal, anteriormente existente, foi substituída por gatos e cachorros, ratos, camundongos e baratas. Até o espaço está nos bombardeando de irradiações nocivas do campo eletromagnético dos fios de alta tensão dos postes na rua. E se entrarmos em casa e observarmos todas as coisas e objetos que usamos, todos eles provêm de materiais da natureza, muitas vezes vindos de lugares distantes. Mediante a aquisição de objetos, muitas vezes inúteis, estamos consumindo vorazmente materiais do Planeta Terra. Estamos cegos a tudo isto. Isto não quer dizer que devemos abandonar todos os nossos bens e voltar para o mato, feito um índio. Mas com isso levantamos a questão posta em relevo pela ONU, que chamou a questão com o termo hoje consagrado de “desenvolvimento sustentável” ou, em bom português, “desenvolvimento viável”. A questão essencial é a seguinte: se quisermos dar uma casa e um carro a cada um dos seis bilhões de habitantes da Terra, o planeta aguentaria? Em outras palavras, até onde podemos nos desenvolver economicamente sem arrasar a vida na nossa querida Gaia? Por enquanto, até se resolver esta questão crucial, só nos resta aderir a programas de simplicidade voluntária, evitando gastos inúteis, e procurar eliminar em nós mesmos as causas últimas desta situação. Como é que chegamos a este ponto crucial? Já vimos, ao longo deste livro, o papel que preenche a fantasia da separatividade. Sabemos, no entanto, a dificuldade que muitos encontram em compreender esta fantasia. Eis por que resolvemos consagrar este capítulo à relação sujeito-objeto.

3. A fantasia da separatividade Lembremos que cada vez que apontamos com o dedo a natureza ou o céu como representando o universo, criamos uma dualidade eu e a natureza, eu e o universo, eu como sujeito, o objeto externo como sujeito e assim por diante. E, como criamos esta fantasia da separatividade sujeito-objeto, também criamos automaticamente uma relação entre os dois. Assim sendo, quando eu vejo uma árvore, crio três aspectos distintos: eu como sujeito, a árvore como objeto e a relação entre eu e a árvore. Vamos examinar sucessivamente, e de muito perto, a verdadeira natureza destas três particularidades, a começar pelo sujeito, isto é, por você.

4. Quem é você? Quem sou eu? Eis uma pergunta essencial já incentivada desde o tempo do templo de Delfos, já que no seu frontispício estava escrito este conselho fundamental: “Conhece-te a ti mesmo”. Este apelo ao ser humano significava que, se nós descobrirmos quem somos, realmente desvendaremos a natureza do universo e de tudo que existe; conheceremos o âmago da realidade. Vamos a sua verdadeira natureza do ser. É fácil fazer a pergunta, mas a resposta é extremamente difícil de obter. Os filósofos procuram-na há séculos, ou mesmo milênios, e a resposta escorrega tal qual um sabonete entre os dedos! Nos tempos modernos, a fisiologia e, mais particularmente, a neurologia foram atrás do ego ou da consciência. Nenhum neurologista encontrou tal entidade debaixo do seu escalpo. A biotipologia procurou definir o eu e foi forçada a dividir a personalidade em três partes fundamentais em função do endodermo, do mesodermo e do escodermo. No início da sua pesquisa sobre a natureza do ego, Freud o procurou também em primeiro lugar no sistema nervoso, e foi obrigado, não somente a abandonar esta análise, mas ainda chegou a criar o que ele chamou de metapsicologia. Acabou dividindo esse ego em três partes: o id de natureza pulsional ou instintivo; o superego, ou as pressões da educação dentro de nós; e, enfim, o ego propriamente dito que seria uma entidade equilibrante

entre as duas outras instâncias psíquicas. Além disso, ele ainda fez a distinção entre o ego consciente e o ego inconsciente. A este inconsciente individual Jung acrescentou um inconsciente coletivo. Para Jung, o que chamamos de eu está ainda em formação para se tornar indivisível dentro dele e com o self universal. É o que ele chamou de processo de individuação. Eric Berne, que criou um método de terapia, a análise transacional, também, ao procurar definir o eu, acabou encontrando três partes distintas que ele chamou de pai, de criança e de adulto. A criança quer brincar, o pai fala o que deve ser feito e emite julgamentos e o adulto analisa cada situação e decide o que fazer. Lembremos aqui a descrição que fizemos do sistema de explicação de Eva Pierrakos que distingue o eu superior, o eu infantil e o eu idealizado ou máscara. Foram realizados muitos estudos por meio de inventários e testes de personalidade. Todos os autores acabaram por evidenciar a presença de uma ou várias dezenas de fatores da personalidade, porém nenhum deles encontrou o eu como entidade sólida e separada. Segundo uma experiência da psicossíntese de Assagioli, nós temos sete eus! Você mesmo pode identificá-los em você pela sua simples enumeração e definição.

• Os sete eus 1. EU como eu quero ser. 2. EU como eu não quero ser. 3. EU como eu acho que eu sou. 4. EU como os outros querem que eu seja. 5. EU como os outros não querem que eu seja. 6. EU como os outros me veem. Examine agora como cada um destes eus influencia a sua vida através do seu modo de se comportar. Por exemplo, como o que seus amigos esperam de você lhe força a ser artificial, sorrindo quando na realidade você

está triste e com vontade de chorar, ou como você bloqueia toda espécie de expressão da sua franqueza e espontaneidade por medo de ser malvisto pelos que não aceitam você falar a sua verdade para eles. Veja, então, o quanto você tem interesse em se livrar de todos estes eus artificialmente criados e que lhe fizeram perder a simplicidade. Veja o que você pode fazer progressivamente a esse respeito. 7. EU como eu realmente posso ser, uma vez que me livrei destes seis eus. Procure tomar consciência de como você se sente diante desta nova perspectiva. Tome consciência também de que você tem, em suas mãos, dados preciosíssimos para uma autotransformação. Você ficará mais solto, mais livre, mais feliz e em paz, tirando todas estas máscaras que só lhe causam tensões. Se olharmos o que nos dizem as tradições orientais, vamos encontrar algo semelhante. No ioga hinduísta existe o Atman ou self individual que não pode ser separado do self universal ou Brahman, que corresponde ao Deus judaico-cristão. Atman é Brahman e Brahman é Atman. Segundo o ioga budista tibetano, nem Atman é real; ele é Anatman, isto é, não Atman. Segundo essa escola, o que chamamos de eu é apenas um agregado provisório composto de cinco partes. Só existe um Espírito do qual o individual constitui algo inseparável. No taoismo, o indivíduo, como Tao ou Todo, se manifesta sob forma de duas forças, uma feminina Yin e outra masculina Yang, conforme já o mostramos mais acima. Como podemos constatar, ninguém ainda encontrou algo palpável, um eu sólido e localizável. E você, como é que você se situa em relação a esta questão? Há uma maneira de você experimentar diretamente este assunto.

• A procura de mim mesmo Sente-se simplesmente numa cadeira e percorra todas as partes do seu ser: o corpo e suas partes, os seus sentimentos e emoções, os seus pensamentos, e pergunte a cada exame de uma parte: “Isto sou eu?” Verifique também a origem e natureza do seu sobrenome e nome e faça também a mesma pergunta: “Eu sou o meu nome?”

Examine depois como você está se sentindo e o que você conclui. Apesar de tudo o que examinamos e que nos levou à evidência da impossibilidade de definir e localizar o Eu, há uma voz interna que protesta e que afirma: “Mas algo existe quando eu falo: EU. Afinal de contas quem é que fala EU?” O que nos parece evidente até agora pode ser formulado da seguinte forma: • quando procuramos o EU, ele não é encontrado; • as partes que foram descritas por vários autores ou escolas não são ele; • tudo indica que não o encontramos por ele não ser material, por não ser coisa concreta tangível e visível; • ao mesmo tempo, não podemos afirmar que ele não existe, pois permanece, apesar de tudo, um sentimento em cada um de nós da sua existência; • entre afirmar que ele é alguma coisa, o que nos leva ao apego próprio da visão materialista, e dizer que não existe nada, o que nos leva ao desespero do niilismo, há a possibilidade de ele ser “Algo”, que não seria nem nada nem alguma coisa, mas algo diferente do nada e de alguma coisa; • este “Algo” seria parte integrante e indissolúvel de um “Algo” maior, tão inseparável quanto as ondas do mar; • não seria, este “Algo”, a própria natureza do Espírito, o espírito inseparável do Espírito? Deixemos em suspenso estas reflexões sobre a primeira parte deste capítulo para olharmos o que se passa no nível da relação entre o sujeito e o objeto.

5. A relação entre sujeito e objeto Ao estabelecer uma relação com o objeto, nós criamos uma série de abstrações e transformamos o objeto em algo muito remoto do que ele é percebido inicialmente. Podemos distinguir diferentes níveis no processo de percepção de um objeto. Vejamos a seguir.

• A sensação global

No início há um registro genérico, global de um enorme campo no qual se situa o objeto; digamos, uma flor. A flor está inserida no campo de flores, de árvores, de riachos, de borboletas e tudo mais que constitui a natureza da qual a flor faz parte inseparável.

• A projeção Então, inicia-se um processo bastante complexo, com várias manifestações, cujo conjunto podemos chamar globalmente de projeção. Nós projetamos sobre o objeto todas as memórias de experiências passadas com este ou outros objetos semelhantes: sensações, percepções, sentimentos, nomes, conceitos, opiniões, atitudes e assim por diante. Isto faz com que finalmente o objeto que percebemos seja completamente diferente daquele que efetivamente está na nossa frente. Quando falamos em objeto, lembremos que nos referimos a coisas, pessoas e mesmo ideias. Assim sendo, o vaso ou uma pessoa da sua família não é aquilo que está aí na sua frente, mas a representação que você construiu através dos tempos passados, que você projeta no objeto real. Em outras palavras, aquilo que está na sua frente não é aquilo que você está pensando que é. Tudo é projeção. Os psicanalistas falaram em projeção para significar também os sentimentos positivos e as nossas boas intenções. Atribuir a alguém uma boa intenção é uma tendência que temos de emprestar aos outros sentimentos ou intenções que na realidade são nossos. Quando atribuímos a alguém um aspecto sombrio como, por exemplo, a agressão ou a desonestidade, podemos ter a certeza de que aquela sombra que nós não gostamos no outro é antes de tudo aquilo que nós não gostamos em nós mesmos! Mas a projeção é muito mais do que isto. Ela abrange também as nossas qualidades. Nem sempre, se você percebe uma pessoa como bem-intencionada, quer dizer que ela seja assim. Ela pode ser malintencionada e você projetar nela a sua honestidade de propósitos. É o que aconteceu comigo. Certo dia, tocou a campainha da minha casa. Era um senhor de boa aparência, dizendo que estava chegando da exposição de tapetes portugueses e que ele tinha alguns sobrando no seu carro. O convidei para entrar na minha casa. Achei os tapetes lindos, feitos a mão, e resolvi ficar com dois deles. Depois de pagar e da partida do vendedor, deparei com um resto de etiqueta. Era a marca de tapete brasileiro, de

fabricação industrial. Como eu seria incapaz de fazer uma trapaça assim, eu era incapaz de imaginar tal desonestidade. Vamos descrever alguns dos principais aspectos do processo da projeção.

• A percepção da forma A nossa mente, depois da sensação global acima descrita, isola o objeto do campo visual, movida pela memória da forma das flores do passado; só existe a flor para você e nada mais. Este é o primeiro grau de abstração.

• O nome Depois, a mente procura o nome ligado a este objeto e o identifica como sendo uma flor. É este o segundo grau de abstração. Depois, você corta a flor e a coloca na sua lapela ou atrás da sua orelha. A flor vira um objeto estético. A flor muda de nome e vira enfeite: terceiro grau de abstração. E, se você encontra uma pessoa muito querida, você a chama de “minha flor querida”. Neste quarto grau de abstração, a flor inicial já não existe mais. Budha já falava que o nome não é a coisa. Você o deve ter constatado ao examinar a relação sua com o seu próprio sobrenome e nome. São simples anotações no registro civil e na sua carteira de identidade, nada mais. E McLuhan falava que o mapa não é o território. Ao confundir o mapa com o território, criamos uma ilusão.

• Conceitos, preconceitos, sentimentos Em torno do nome de uma coisa ou de uma pessoa vai se associar uma série de conceitos e preconceitos. Se uma faca nos servir muito tempo para preparar a nossa comida, facas serão vistas como sendo úteis. Se o percipiente de uma faca tiver tido experiências de ameaça ou de morte em torno de facas, o seu conceito de faca será o de um objeto nocivo. E o próprio conceito será acompanhado de sentimentos positivos ou de emoções destrutivas, conforme a experiência passada tiver sido eufórica ou

disfórica. É por isso que várias pessoas, olhando para o mesmo objeto no mesmo momento, nunca vão ter a mesma visão, da mesma maneira. Mais impressionante ainda é o fato de que nunca estamos presentes diante de um objeto, pois tudo que descrevemos até agora é pensamento.

• O pensamento e o tempo Existe relação sujeito-objeto sem projeção? Então vem a pergunta: É possível enxergar um objeto tal como ele é? É possível a gente se relacionar sem nenhuma projeção? Podemos ver um objeto, seja coisa ou pessoa, sem emitir nenhum julgamento, sem lhe associar nenhum conceito ou preconceito? É o convite que nos faz o filósofo indiano Krishnamurti. Vamos convidar você para seguir esta prática de Krishnamurti. Experiência do contato direto com o objeto Saia da sua casa e procure uma simples flor no campo. Fique em silêncio absoluto, contemplando esta flor sem emitir nenhum julgamento, sem dar nome a nenhuma das suas partes, sem emitir nenhum conceito a seu respeito ou preconceito a respeito deste vegetal. Fique assim durante bastante tempo, digamos uns dez minutos. Depois, volte para casa, sente-se na sua cadeira ou poltrona e fique recolhido em silêncio durante alguns minutos. Krishnamurti escolheu uma flor por ser um alvo menos carregado de conceitos e de sentimentos do que uma pessoa. Certas pessoas conseguem realmente sair do pensamento, e de qualquer julgamento, e viver uma profunda identidade com a flor. Neste momento, o tempo esvanece. Só fica uma espécie de eterno presente. Resta-nos agora procurar a verdadeira natureza do objeto.

6. Procurando a natureza do objeto

A nossa primeira tentativa de definição do sujeito, daquele eu que observa o objeto, foi fadada ao fracasso. Procurando-o, deixamos de encontrá-lo. Procurando, então, definir a natureza da relação, também chegamos a um beco sem saída. Toda relação é projeção do nosso pensamento. Vamos agora à procura do objeto, seja este uma coisa ou uma pessoa.

• Definir um objeto Vamos fazer uma experiência bastante concreta e “objetiva”. Vamos procurar definir uma cadeira. Uma cadeira é realmente uma cadeira? Para responder a esta pergunta, apanhe uma cadeira e coloque-a na sua frente, para examiná-la detidamente. Agora faça as mesmas perguntas que você fez em relação a você mesmo. Pegue uma parte da cadeira depois da outra e pergunte: “Isto é a cadeira?” Por exemplo, o pé da cadeira é a cadeira? À medida que você avança na sua pesquisa, a cadeira some por completo, sobretudo quando você chega à madeira. Então uma cadeira é em última instância madeira. Mas é esta realmente a última instância? Daqui a dois mil anos ainda haverá madeira ali? Debaixo da chuva e do vento vai virar pó. E se a madeira é impermanente, madeira não é madeira, é outra coisa. O que será este objeto do qual não podemos dizer que é uma cadeira, nem madeira, por ser impermanente? Vamos procurar, em primeiro lugar, do lado da ciência, como o fizemos para o sujeito ou eu.

• A ciência à procura da natureza do objeto De rerum natura, ou, em português, “da natureza das coisas”, desde o tempo do livro de Lucrécio com este título, foi uma das questões essenciais feita pelos homens da Antiguidade. Já Demócrito afirmava que as coisas, em última instância, eram feitas de átomos. A microfísica e a física quântica derrubaram definitivamente esta teoria. Embora tenha sido efetivamente descoberto o átomo, confirmando assim a visão de Demócrito, verificou-se

que o átomo é divisível em partículas subatômicas. A partir daí entramos num mundo estranho que obrigou a filosofia e a epistemologia a encontrar uma nova lógica, pois os fatos levantados eram contrários a nossa lógica formal. Que evidências eram estas? Descobriu-se que uma partícula de matéria também é onda. A luz se manifesta sob forma de matéria que é, ao mesmo tempo, energia. Muito mais, a distinção entre partícula e onda depende do sujeito que observa. Em outras palavras, a ciência que tinha conseguido separar o sujeito do objeto, eliminar o sujeito criando a chamada “objetividade” científica, teve que reintroduzir o sujeito. No que nos interessa aqui, não há possibilidade de definir o objeto sem a participação do sujeito. Assim, existem, conforme a visão e instrumentação do sujeito e do seu estado de consciência, como vamos assinalar de novo mais adiante, dois níveis de realidade: o da macrofísica, ou da nossa visão concreta das coisas, e o da microfísica, em que tudo é luz e transparência. As figuras 11 e 12 ilustram da melhor maneira possível estes dois níveis de visão da mesma realidade. Na segunda figura, deixamos os contornos traçados apenas para lembrar onde se situavam os seus componentes.

Nível macrofísico

Figura 11

Nível microfísico

Figura 12 Já demonstrei que, paralelamente à física quântica, um novo ramo da psicologia, a psicologia transpessoal, tem evidenciado a existência de estados de consciência de um lado; e de outro lado, que a Vivência da Realidade (VR) pelo sujeito dependia, ou melhor, era função (f ) do Estado de Consciência (EC) em que este se encontrava. Coloquei essa lei sob forma de uma fórmula que repito a seguir:

VR = f (EC) Esta fórmula é muito importante e constitui um dos critérios de uma nova transdisciplinaridade na ciência. Há um paralelismo bastante evidente entre a visão atual da física quântica e da psicologia transpessoal. Esta última descreve pessoas de todas

as culturas e de todos os tempos, grandes místicos e sábios que de repente mudaram de estado de consciência, entraram no estado transpessoal e passaram a descrever um mundo de luz do qual eles mesmos faziam parte. No nosso livro Antologia do êxtase temos relatado umas oitenta vivências desta natureza, colhidas em várias culturas do planeta. Tanto a psicologia transpessoal como a física quântica apontam para a existência apenas relativa dos objetos. A visão do objeto depende do estado de consciência em que se encontra o sujeito. No estado transpessoal, sujeito e objeto são pura luz, a mesma luz.

• A visão das tradições culturais A descrição do estado transpessoal da consciência, por diversos autores da psicologia transpessoal, resulta, além de pesquisas experimentais propriamente ditas, de estudos transculturais e transreligiosos. Em outras palavras, as visões de Luz e da natureza luminosa do universo e da não separatividade entre sujeito e objeto, são relativamente idênticas entre místicos africanos, hinduístas, budistas, judeus, cristãos ou muçulmanos, entre outros. A esta altura da nossa análise, você talvez esteja pensando que o assunto é demais complexo e talvez sinta vontade de abandonar a partida. Não faça isso, pois estamos perto de uma verdadeira revolução na sua visão do mundo, da existência e do que chamamos de morte. Vou fazer um esforço para deixar as coisas mais claras para você.

7. Voltando à relação sujeito-objeto Para isso, vamos concluir este capítulo fazendo um resumo do que nos foi revelado como sendo comum entre ciência de um lado e tradições de outro lado, para depois nos situarmos em relação à vida prática do leitor ou, melhor ainda, a sua prática de vida. Para simplificar a visão geral do assunto, vamos voltar à figura acima dos dois níveis de realidade (figuras 11 e 12). Esta figura nos mostra que há pelo menos duas maneiras de ver a realidade. Como disse William James, há muitas verdades da mesma

realidade. Digamos que estamos diante de duas verdades da mesma realidade. Na primeira, a da macrofísica e do estado de consciência de vigília, o homem vê a pedra, a paisagem e ele mesmo, como algo sólido, concreto e tangível. Neste estado de consciência existe uma dualidade sujeito-objeto: o homem é um homem visto como separado da pedra, que é uma pedra. Na segunda imagem, o mundo mudou completamente. O homem, a pedra e o ar que os separava, agora, são espaço luminoso. Enquanto na primeira figura o homem, o ar e a pedra eram diferentes, eram não idênticos, no nível da microfísica e em estado de consciência são um só. Se você está tomado de surpresa e não aceita estas duas verdades da mesma realidade, é porque a sua formação lógica, como a minha, não aceita a contradição. A nossa antiga lógica nos convenceu de que uma pedra é uma pedra e um homem é um homem; ênticos, eles não podem ser idênticos. A nova lógica elaborada pelo físico, matemático e epistemólogo Stephan Lupasco, enuncia que, pelo contrário, a não identidade implica na identidade: se um homem e uma pedra são diferentes, isto implica que um homem e uma pedra são idênticos. Nada impede que uma pedra seja uma pedra num estado de consciência em que predominam os cinco sentidos, e que debaixo do microscópio eletrônico ou em estado transpessoal de consciência, uma pedra seja apenas luz. Tudo indica, pois, que há uma concordância entre a ciência e a mística de todas as tradições espirituais para afirmar que: • a vivência da realidade é função do estado de consciência em que se encontra a pessoa; • existem diferentes níveis de realidade ou diferentes verdades da mesma realidade em função de níveis de percepção ligados ao grau de precisão de instrumentos de registro; • a cada nível de realidade, de percepção ou de consciência, corresponde uma lógica própria; • podemos distinguir, grosso modo, dois grandes níveis de realidade. O primeiro correspondendo ao estado de vigília da consciência, ou de nível de percepção da macrofísica. O segundo está ligado ao estado transpessoal da consciência ou ao nível de percepção da microfísica;

• no primeiro nível, predomina uma lógica de dualidade entre sujeito e objeto, ambos sendo vistos como materiais, sólidos e concretos; • no segundo nível, desaparece a dualidade, pois sujeito e objeto são constituídos do mesmo espaço luminoso. Só existe luz; • visto do nível dois, a verdade do nível um é mera ilusão e miragem. Tanto o sujeito, o objeto e a relação entre os dois, são vistos como criação da mente baseada na memória e projeção desta no mundo visto como exterior; • visto do nível um, a verdade do nível dois é vista como ilógica e fantasiosa, embora a ciência criada e funcionando em nível um tenha demonstrado o valor relativo deste nível; • vista do nível um, quando por efeito da dualidade um sujeito observa um objeto, é o espaço luminoso que se observa a si mesmo. É uma autoscopia do todo, ou melhor ainda, uma holoscopia; • a figura 13 seguinte mostra uma tal concepção tirada da cosmologia: um olho olha o universo. O nível um corresponde à base da figura em que olho e universo são um só. A parte superior corresponde ao nível dois em que o olho do sujeito é separado do objeto;

Figura 13 • olhando a figura 13, fica óbvio que as duas verdades são inseparáveis e que desaparece assim a última dualidade relativo-absoluto ou existência e essência. A existência é a essência manifestada e a essência aparece sob a forma dos fenômenos da existência;

• a descrição da passagem do plano absoluto ao plano relativo e a consequente gênese da destruição da vida no planeta constituem o que chamamos de Teoria Fundamental da Unipaz e se encontra descrito no nosso livro A mudança de sentido e o sentido da mudança. E tudo o que acabo de descrever foi feito a partir da minha mente e da memória e experiência de vida. Quem escreve sobre estes níveis de conhecimento do real precisaria sempre lembrar que assim mesmo, apesar de todos os seus esforços, ainda estão falando de um plano intelectual para a mente dos seus leitores. E com isso vem uma pergunta: Será possível você descobrir estas verdades através da vivência direta, não intelectual, da realidade?

8. A vivência direta Estamos chegando agora no cerne deste livro, na procura de resposta a essa questão essencial que acabamos de fazer. É possível vivenciar a realidade como ela é, por cima de todas estas definições habilidosas que apenas convencem o nosso intelecto? Convencer a nossa razão da existência de uma realidade que ultrapassa a nossa lógica formal já é um desafio, que espero ter conseguido vencer, para muitos leitores e, sobretudo, para os participantes dos nossos seminários. Convencer o intelecto é uma fase preparatória indispensável para se obter a compreensão necessária à motivação, ao estar disponível e querer praticar os métodos que permitem realmente alcançar a verdadeira natureza da realidade. A resposta a nossa pergunta inicial é positiva desde que se ponha em prática os meios adequados. Estes meios têm sido expostos várias vezes no decurso deste livro. E fizemos deles um treino nos seminários da arte de viver a vida: relaxamento, diferentes formas de meditação e de visualização, ioga do sonho lúcido, cultivo dos quatro catalisadores do Ser, transformação das emoções destrutivas pela conscientização, são os principais métodos preconizados. É um longo trabalho sobre si mesmo.

Descobri, aos poucos, que o alcance deste trabalho ultrapassa de muito os limites desta existência: é a única maneira de nos prepararmos para a passagem e para os períodos depois do que chamamos inadequadamente de morte. Por isso, é importantíssimo termos acesso ao mais pleno conhecimento possível do que se passa durante a passagem e depois dela. Este conhecimento existe há milênios. Ele é transmitido até hoje por linhagens ininterruptas de sábios de várias tradições culturais. Muitos dos seus aspectos constituem descobertas, ou melhor, redescobertas por investigações clínicas e experimentais. Vou procurar transmitir ao leitor, de maneira clara, o que me foi legado por meus mestres e o que descobri nas minhas próprias pesquisas no Departamento de Psicologia da UFMG e na Unipaz, e também por intermédio dos outros autores. Refiro-me ao mapa desta incrível continuação da nossa viagem. Uma novíssima visão vai-se abrir para você, como se abriu para mim, uma visão em que a presente existência se inscreve numa perspectiva imensamente mais ampla do que aquela na qual você está acostumado, inesperada para o comum dos mortais. Ao virar esta página, o próximo capítulo vai lhe tirar definitivamente desta última categoria. Se você já não se inscreve na classe dos que encontraram o caminho da descoberta da nossa verdadeira natureza, o próximo capítulo tirará as suas últimas dúvidas sobre a necessidade imprescindível de começarmos ou recomeçarmos a caminhar já, aqui e agora!

Informação bibliográfica NICOLESCU, Basarab. Manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999. WEIL, Pierre. A arte de viver em paz. 6. ed. São Paulo: Gente, 2000. ——. A mudança de sentido e o sentido da mudança. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos/Record, 2000.

——. A neurose do paraíso perdido. Rio de Janeiro: Espaço Tempo/ Cepa, 1987.

Capítulo VII Viver a passagem

Certo dia, Budha perguntou aos seus discípulos: “Qual é o contrário da morte?” Todos eles responderam: “É a vida!” “Não, não é a vida; é o nascimento, pois a vida é eterna!” A resposta de Budha aos seus discípulos é a melhor introdução para este capítulo, pois ela aponta para o princípio geral que irá reger as nossas explanações. Quero dizer de antemão que não se trata de um dogma religioso, mas do resultado de milênios de experiência humana, e também, como iremos mostrar mais adiante, de experiências e observações clínicas e experimentais bem recentes. Mas, em primeiro lugar, temos que tratar do grande obstáculo na análise do tema, que é o medo da morte.

1. O medo da morte É um fato indiscutível que a maioria das pessoas até hoje tem medo da morte. A morte é um assunto tabu. Evita-se falar nela. Se alguém aborda o tema numa conversa, o assunto é habilmente desviado. Mesmo na medicina, cujo objetivo principal é evitá-la ou atrasá-la o mais possível, a matéria não faz parte de nenhum currículo universitário. Numa enciclopédia médica de dez mil páginas, só achei duas páginas tratando da morte, se limitando, aliás, ao diagnóstico clínico da morte. A maioria dos médicos passa o caso para as enfermeiras e a família logo que constatam que a morte se aproxima. Só voltam para dar o atestado de óbito. É que eles mesmos não têm resposta quanto à questão do após morte e não sabem como lidar com o assunto. Mesmo nos cemitérios, procura-se fazer tudo para camuflar a morte. Por exemplo, os lugares de velório parecem mais um apartamento de hotel de

três ou cinco estrelas. Como conto no meu livro sobre a morte da morte, até uns quarenta anos de idade, bastante tempo depois da minha crise existencial, eu sistematicamente evitava velórios e enterros, mesmo de amigos chegados. Com quatorze anos, recusei-me a ver o corpo de meu pai pela última vez. Arranjei uma desculpa bem razoável e racional: eu queria conservar a memória do meu pai vivo. Na realidade, eu estava com horror da morte. Hoje, converso normalmente com pacientes terminais e sei como conduzir o assunto. Isto foi o resultado de uma profunda mudança interior e de um longo aprendizado sobre a vida e suas manifestações. E você, como é que se situa em relação à morte? Este capítulo é uma grande oportunidade de tomadas de posição. Aproveite para fazer um balanço pessoal agora, antes de tomar conhecimento do que descrevo mais adiante. Assim, você terá um ponto de referência e de cotejo. Se você quiser, ponha por escrito qual a sua experiência e postura atual diante de tão relevante assunto. A partir de agora, vamos examinar detidamente o que existe em relação ao após morte, pois o medo da morte tem por causa essencial a ignorância em relação às evidências da continuidade da vida depois da passagem. Ao fazer esta explanação, irei me inspirar em fontes clínicas e de pesquisa experimental e as compararei com as tradições culturais e espirituais pelas quais passei durante a minha existência. Uma delas é a tradição tibetana do Livro dos mortos, que na realidade é um livro da vida e que nos oferece uma visão extraordinária em que cada um de nós pode reconhecer e situar a sua própria postura, experiência e crença religiosa. Esta tradição conquistou o meu respeito e admiração pela visão a mais abrangente e inclusiva possível. Para perder o medo da morte, este conhecimento é indispensável. Mas ele tem que ser precedido da aceitação deste fenômeno como sendo universal.

2. Aceitar a impermanência Para quem quer perder o medo da morte é muito importante se dar conta de que tudo é impermanente e que nada dura.

Foi o que fez Budha, quando uma mulher chegou com o seu filhinho morto nos seus braços e pediu que Budha o ressuscitasse. “Vai de casa em casa nesta aldeia e me traga um grão de trigo do dono da casa onde ninguém tenha morrido.” Ela voltou de mãos vazias, compreendeu o significado da mensagem e passou a aceitar a morte do seu filho. Nada como observar por si mesmo que tudo morre a cada instante, e que nada dura. A leitura destas linhas que precederam já morreu! Durante o meu retiro de três anos com os tibetanos, fez parte das minhas práticas diárias meditar durante três meses sobre a transitoriedade de tudo que existe, isto é, de todos os fenômenos. Vou convidar você agora para fazer o mesmo, pelo menos durante uns cinco minutos. Saia da sua casa e dê um passeio ao ar livre. Observe tudo que lhe cair debaixo dos seus olhos, como, por exemplo, as casas, a grama, as árvores, os pássaros, o sol ou as estrelas, e assim por diante. Tome o seu tempo e, para cada objeto, reflita sobre a sua impermanência. Depois volte para casa, sente e medite. Observe também como dentro de você os pensamentos e sentimentos mudam a todo instante. Tome consciência de como você está se sentindo aqui e agora. Saber profundamente de que tudo muda nos liberta do apego. Pois o apego é antes de tudo o resultado da não aceitação de que tudo muda. O desapego resulta também da descoberta de que se um objeto é transitório, ele é apenas uma aparência, um fenômeno, e o que está ali não é na realidade aquele objeto, tal como o mostramos no capítulo precedente. Não é que não haja nada ali, mas é algo diferente do que pensamos que seja. Mas será que não existe algo eterno? Eis a questão que deve estar aparecendo na sua tela mental, não é?

3. Existe algo eterno? A resposta mais frequente que encontro nos meus seminários é de que a única coisa permanente e eterna é a própria impermanência. Esta resposta me satisfez por muito tempo, mas não foi o bastante para me tranquilizar de

vez. Eu precisava de muito mais. Por isso, fomos mais a fundo no problema. É o que vamos fazer a partir de agora. Acabamos de ver no capítulo precedente que havia dois extremos a evitar por não corresponder à realidade das evidências da ciência nem das revelações das tradições espirituais. Além disso, elas levam a emoções destrutivas: a crença na existência de uma partícula sólida e eterna e a crença de que não existe nada. Materialismo e niilismo são posturas filosóficas ultrapassadas. E falamos que entre o nada e alguma coisa há “Algo”, que é diferente de nada e de alguma coisa. E mostramos que este algo era objeto de vivência na experiência transpessoal. Esse espaço infinito e atemporal é o que podemos chamar de Espírito ou de Consciência. Ele é vivenciado como eterno. Dele tudo provém. A ele tudo retorna. É o que é Eterno. É o que simplesmente é. Por isto mesmo, todo nome o limita. É a razão pela qual o nome divino não podia ser pronunciado pelo povo de Israel, e é pela mesma razão que Lao Tseu disse que o Tao que é nomeado não é Tao. É bastante alentador para todos nós sabermos disso. Mesmo se precisarmos chegar a esta vivência por nós mesmos para nos convencer definitivamente desta verdade, é muito reconfortante tomarmos conhecimento desta boa notícia, não como um dogma imposto por textos ou autoridades religiosas, mas por testemunhos e resultado de experiências. Como consequência desta constatação, proponho, a partir de agora, falarmos em “passagem”, em vez de morte, pois para nós a morte morreu! A demonstração desta verdade começa pelo estudo e pesquisa de um fenômeno que tende a se multiplicar ultimamente, que é a saída do corpo físico.

4. O fenômeno “NDE” Já há algumas décadas, Raymond Moody, médico e antropólogo, descobriu que alguns dos seus clientes, reanimados de uma morte clínica, se lembravam de ter saído do corpo físico, descrevendo ter visto o corpo de longe, dando detalhes impossíveis de terem sido percebidos pelos sujeitos deitados e de olhos fechados. O seu livro Vida depois da vida se tornou um

best-seller no mundo inteiro. Inúmeros pesquisadores verificaram a veracidade das evidências repetindo as observações com outros casos clínicos. Eu mesmo publiquei uma pesquisa que realizei com os meus estudantes sobre cinquenta casos desta natureza. No meu livro A morte da morte, descrevo o assunto em detalhes. Mostro mais particularmente que o fenômeno acontece também durante o sonho, o relaxamento, a meditação e, de repente, sem causa aparente. Ele é conhecido há milênios pelos que vão além do nível esotérico das religiões, sob o título de viagem astral. Esta viagem pode ser provocada por diversos processos redescobertos recentemente por vários autores como Raymond Moody, que, após ter codificado mais de seiscentas saídas do corpo espontâneas, resolveu montar um instituto com o seu nome com o fim de treinar os seus alunos a saírem do corpo físico. O mesmo fez o Dr. Valdo Vieira no Brasil, que criou a projeciologia (de Projeção Astral) e que chamou mais tarde de conscientologia. Podemos fazer uma lista, resumindo particularidades desse fenômeno chamado de NDE (Near Death Experience) nos casos de morte clínica ou que chamei de um nome mais abrangente de ESC (Experiência de Saída do Corpo): • ver o corpo físico de longe; • visões de luz; • passagem por um túnel escuro com luz no seu final; • contato com seres em outra dimensão também fora do corpo, ligados ao corpo físico por um cordão cor de prata ou, se desencarnados, sem este cordão; • sensação agradável e vontade de ficar. Visão de detalhes da operação ou dos socorros em caso de desastre, inclusive por cegos; • além de descrições do mundo físico, visita a outros planos, inclusive de universo paralelo; • volta ao corpo físico sentida como penosa, às vezes, aconselhada ou comandada por um ser protetor; • perda posterior do medo da morte, por saber da continuidade da vida depois da passagem.

O fato de que os que passaram por esta vivência perderam o medo da passagem é um índice sério de que se trata de uma experiência decisiva a favor da continuidade da vida depois da morte. Você pode ainda reforçar a sua própria confiança nestes dados. Procure indagar entre os seus amigos ou conhecidos se passaram por uma experiência desta. Em cada cem pessoas, nos auditórios das minhas conferências, há umas 10 a 15 que se lembram de ter tido uma ESC. Como vamos ver mais adiante, entre as práticas do ioga tibetano vajrayana figura a denominada “POWA”, que consiste em expelir a consciência do corpo físico. Esta prática precisa ser feita sob supervisão de um mestre competente. Devo dizer que a coragem de abordar e pesquisar este tema me veio porque eu mesmo tive várias experiências de saída do corpo, que me convenceram da autenticidade do fenômeno. Conto-as no meu livro A revolução silenciosa. A experiência de saída do corpo físico é, sem dúvida, uma das maiores evidências de vida depois da morte – hoje, objeto de estudos em nível de universidade ou em associações de NDE especialmente criadas para esse fim, em vários países do mundo. À medida que ocorrer o desenvolvimento deste capítulo final, iremos expor outras experiências tão conclusivas quanto o foram as ESC, algumas delas confirmando a sua autenticidade. Todas as tradições espirituais concordam ao afirmar que a vida continua depois da morte. É um dos temas em que a concordância é absoluta. Divergências aparentes se fazem em torno do destino do espírito após a passagem. Como já o afirmei, escolhi o Livro dos mortos do Tibet como quadro ou matriz que vai nos permitir comparar entre elas, situá-las e, quem sabe, explicar as posturas de outras tradições. Além do próprio texto do livro, muito me influenciaram os ensinamentos dos meus mestres tibetanos, como Dilgo Kyientse Rinpoche, Dudjom Rimpoche, Pemala Rimpoche, Trul Tsik Rimpoche. Recomendo, particularmente para os que querem se aprofundar neste assunto, a leitura

do livro ímpar de Sogyal Rimpoche, intitulado O livro tibetano da vida e da morte.

5. Uma nova visão da vida Vamos, pois, começar a explicar este extraordinário modelo da vida antes, durante e depois da passagem. Você o pode considerar como uma verdadeira dádiva, um tesouro, um diamante que você está recebendo, sendo que os capítulos anteriores foram uma espécie de rede de caminhos que o levaram a descobrir este tesouro.

A antiga visão Tudo se passa como se a maioria dos seres humanos estivesse olhando a vida pelo lado errado de uma luneta e ainda que o campo de visibilidade esteja reduzido a uma parte ínfima do que seria realmente possível. Depois, esta parte ínfima passa a ser considerada como se fosse o todo da vida. Confundimos o curtíssimo período desta nossa existência como se fosse a vida toda. A figura 14, a seguir, mostra como se apresenta esta deformação. O traço horizontal representa a nossa existência dentro do seu tempo, começando pelo nascimento e acabando com o que consideramos como o fim e que chamamos de morte. Entre estes dois extremos figuram a infância, a adolescência, a juventude, a maturidade e a velhice para quem chega lá; ou então as diferentes fases evolutivas a que nos referimos no capítulo sobre viver em harmonia. Neste estágio do nosso livro tivemos de nos limitar a esta estreita perspectiva, pois a maioria dos leitores não estava preparada. Pois quando você fala da “Minha Vida”, é a isto que você se refere; a não ser que você já esteja iniciado à nova perspectiva da realidade, você está confundindo a existência com a vida.

Existência

Figura 14 É uma perspectiva extremamente limitada, em relação à próxima visão que vamos descrever agora, em linhas gerais.

A nova perspectiva A visão tibetana do Bardo Thödol, O livro da vida e da morte, recoloca esta nossa existência no seu devido lugar e a integra num conjunto infinitamente maior, já que se trata da vida eterna do Espírito. Neste conjunto, ela divisa a vida em quatro grandes interregnos chamados de bardo, conforme a figura 15 ilustra a seguir.

Figura 15 Os quatro interregnos são os seguintes: 1) a existência atual, que se estende do nascimento ate o início da passagem; 2) a passagem, como processo de transformação do corpo físico e desligamento do espírito. Ele se estende do início da transformação física até e incluindo a visão da Clara Luz; 3) o mundo dos seres de luz ou Dharmata. Este Bardo se situa entre o fim da vivência da Clara Luz e a transformação em espírito do interregno seguinte, o do vir a ser;

4) o mundo do vir a ser, ou Sipa Bardo, que se estende do momento da aquisição de um corpo mental até o próximo nascimento ou transmigração num dos seis reinos do mundo do Samsára, entre os quais se situa a reencarnação como ser humano. Como você pode constatar, a sua existência, nesta nova perspectiva, é apenas uma parte, um intervalo provisório dentro da perspectiva de uma vida eterna. Só que a vida eterna não se encontra na continuação do traço, mas sim na direção do sinal do infinito na figura seguinte. E é esta visão que podemos considerar como revolucionária em relação à antiga visão. Nesta nova visão, em cada intervalo temos a oportunidade de alcançar diretamente a vida eterna da experiência transpessoal, representada pelo sinal do infinito iluminado. O objetivo não é, pois, reencarnar e nascer em outro corpo físico, mas evitar voltar, sair do círculo vicioso da nossa repetição compulsiva numa viagem entediante de existência em existência, e voltar à nossa origem, à verdadeira natureza do Espírito. Nesse retorno, o nosso espírito passa a ser de novo o que nunca deixou de ser: o Espírito com E maiúsculo. Talvez, nesta altura, você esteja se fazendo a pergunta do porquê desta ida e volta, o porquê desta repetição. Existem várias respostas a esta pergunta. A mais verdadeira, embora possa parecer uma evasiva, é que você o saberá quando alcançar o estado transpessoal ou por revelação direta em estado privilegiado de consciência. Outra resposta simbólica é a da metamorfose do girino em sapo ou da lagarta em crisálida e desta em borboleta. Existe até uma história bem ilustrativa das borboletas voando em cima de um enterro de uma lagarta. Todas as borboletas estavam rindo ao ver as lagartas chorando…! Outra resposta, ainda, é dizer que a coisa é assim e pronto, ou ainda perguntar por que você tem duas orelhas. Não será para ouvir os ensinamentos dos grandes mestres a respeito? As tradições que sabem e falam abertamente da reencarnação, ou melhor, da transmigração, dizem que se trata de uma purificação progressiva do espírito para que possa voltar a ser o Espírito. Às vezes, eu imagino que isto faz parte de um processo natural de renovação da pureza energética, da qualidade incondicionada do Espírito.

Para manter esta qualidade constante, haveria um processo permanente em que espíritos se destacam do Espírito, para se condicionar progressivamente em existências sucessivas, até chegar a um ponto de retorno onde se processaria o caminho contrário de descondicionamento. É o que no ioga chamam de involução do mundo absoluto no mundo relativo e de evolução do mundo relativo para o mundo absoluto do Espírito. E quando está pronto, em qualquer bardo que estiver, o espírito volta para o Espírito, o ser volta a integrar o Ser. É uma forma mecanicista que encontrei para explicar em termos da nossa lógica o que de certo pertence a uma outra lógica. No ioga hinduísta encontra-se uma explicação bem antropocêntrica: seria uma constante brincadeira ou jogo, um “Lilá” de Brahman. Um grande sábio indiano, Sri Aurobindo, desenvolveu uma outra versão. O ser humano ainda estaria num estágio intermediário de evolução em direção a uma superconsciência. Isto lembra a história do rabino, cujo discípulo perguntou por que é que Deus, quando criou o Céu e a Terra, as plantas, os animais, disse que achava bom; mas quando criou o homem não falou nada. O rabino respondeu: “É porque o homem ainda está em processo de criação!” Qualquer que seja a explicação do porquê, este novo e bem antigo modelo da vida é uma evidência que merece ser aprofundada. A primeira oportunidade que temos para sair do círculo vicioso chamado de Samsára se encontra nesta existência humana. É o que vamos descrever em seguida.

6. O interregno da existência A existência humana é extremamente preciosa, pois é difícil conseguir um corpo humano. Dizem os mestres tibetanos que é tão difícil quanto uma tartaruga cega do mar enfiar a sua cabeça numa boia de salvamento. Então convém aproveitar esta oportunidade para transcender e sair desta característica da existência que consiste em nascer, crescer, envelhecer, adoecer e morrer. Nos tempos modernos, procura-se produzir, consumir e morrer. É para isto que estamos neste mundo? A forma mais concisa e expressiva que encontrei de representar os principais aspectos do Samsára é a Roda da Vida do Tibet.

• A roda tibetana da vida Na figura 16, você tem a oportunidade de decifrar uma série de símbolos bastante eloquentes. Vamos decodificar as diferentes partes, a começar pelo centro.

• Os três venenos No centro figuram três animais em círculo que se mordem reciprocamente as caudas. Eles simbolizam os três venenos ou fatores principais de destruição da paz e harmonia dentro e entre os seres humanos. Eles se mordem a cauda, significando um círculo vicioso repetitivo de causa e efeito. Eles se reforçam reciprocamente. É o que se chamaria hoje, em sistêmica, de um sistema fechado. O porco simboliza a ignorância, a cegueira fundamental causada pela dualidade, pela fantasia da separatividade a qual descrevemos detidamente no capítulo precedente, inteiramente consagrado a ela. Em certas rodas inexiste o círculo e o porco é representado como causador das duas emoções destrutivas representadas pelos animais seguintes. O galo, por causa da sua alta função sexual, simboliza o apego e a possessividade. Porque o sujeito se vê separado do objeto, ele se apega a tudo que lhe dá prazer, e rejeita tudo que o ameaça de perder o objeto ao qual se apegou. Com isto, o galo alimenta a serpente.

Roda da Vida Tibetana

Figura 16 A serpente simboliza a rejeição, a raiva e o ódio, que se manifestam em relação a tudo o que, por causa da fantasia da separatividade, é visto como sendo exterior. Ela reforça esta separatividade, pois quanto maior o ódio, maior será o sentimento de separação. Já mostramos anteriormente como estes três venenos atuam no que chamamos de círculo vicioso da compulsão/repetição. O círculo seguinte, preto de um lado e branco do outro, aponta para o lado cíclico dos progressos evolutivos e das quedas regressivas

características da nossa existência e consequência dos três venenos. O conjunto circular seguinte constitui um retrato fiel dos diferentes reinos pelos quais podemos passar nesta existência.

• Os seis reinos do Samsára Segundo a tradição e experiência tibetana, existem seis domínios ou possibilidades de existência ilusórias. São os mundos dos infernos, com indescritíveis sofrimentos, dos seres famintos e insaciáveis, dos animais que se comem uns aos outros, dos seres humanos que passam pelo sofrimento do nascimento, das doenças físicas e morais e da morte, dos semideuses que sofrem de inveja e ciúme permanentes, e dos deuses que vivem num estado de prazer, mas sabem que isto vai acabar um dia e que podem passar para um plano bem inferior. Embora estes mundos sejam vividos como reais e sólidos, é bastante interessante e proveitoso verificar que eles se manifestam na nossa própria existência humana. Efetivamente, estes reinos podem ser interpretados como os seis diferentes tipos de percepção do mundo e os estados de humor e emoções que os acompanham durante a existência humana. É o que vamos mostrar a seguir. Começaremos pela parte de cima da figura, o reino dos deuses, e iremos percorrer o círculo no sentido do relógio. Vamos convidar você, posteriormente, para uma experiência a respeito desses seis reinos.

1. O reino dos deuses O reino dos deuses é representado por seres tocando música em torno de piscinas e se divertindo. Basta você entrar num clube campestre e você se encontrará neste reino. Mulheres e homens se tostando no sol, crianças nadando na piscina, música ambiente, garçons servindo bebidas e salgadinhos, e assim por diante. Perto do clube há uma favela onde moram os garçons que estão servindo. As mulheres e os homens conversam de tudo um pouco, conversas superficiais e prazerosas em que não há lugar para preocupações pela miséria dos outros. Há uma indiferença completa ao sofrimento alheio.

Este reino pode ser encontrado também entre praticantes espirituais que usam relaxamento, incenso, músicas suaves, mantras e meditação apenas para ficar “numa boa”. Eles são indiferentes e cegos ao sofrimento alheio. Embora desfrutem de uma situação material ímpar, os que vivem neste reino experimentam um fundo de insegurança, pois sabem que esta situação terá um fim, certo dia. Por detrás desta maneira de ser está o orgulho e o sentimento de superioridade. Por isso mesmo, eles provocam o ciúme e a inveja dos moradores do reino seguinte.

2. Os deuses ciumentos Chamados de “Asuras”, os deuses ciumentos são representados apontando flechas para o reino dos deuses. Enquanto os deuses desfrutam da árvore que exerce todos os desejos, os Asuras vivem na raiz dessa árvore e acham isto muito injusto. O ciúme e inveja são permanentes, são maledicentes. Você encontra muito este ambiente de inveja no meio de pessoas que passam o seu tempo fofocando a vida alheia, em geral dos que vivem em condições melhores. As organizações e empresas têm muitas pessoas competindo para ter o lugar do superior hierárquico e muitas o criticam por detrás das suas costas. Podemos também lembrar o ambiente de competições esportivas em que se procura derrubar o título de campeão do adversário.

3. O reino dos humanos Os humanos costumam trabalhar para ganhar a sua vida e procuram constantemente a felicidade para eles mesmos. Passam por altos e baixos. O desejo predomina neste reino e constitui o que domina a maioria dos seres humanos.

4. O reino dos animais Os animais são dominados pela ignorância. Dominados pelo seu instinto eles estão constantemente satisfazendo as suas necessidades. Num jogo de empurra, eles correm para o seu objetivo sem se preocupar com os seus

pares. São capazes de passar por cima do corpo dos outros para alcançar o que buscam.

5. O reino dos seres famintos Também chamados em sânscrito de Pretas, eles são representados na iconografia com uma barriga enorme e uma boca minúscula. A barriga deles está sempre vazia, pois a boca não dá para alimentá-los. Na hora de pegar o mel ele se transforma em fel, e um xarope vira urina. Eles vivem insatisfeitos. Nada do que eles compram os satisfaz por encontrarem constantes defeitos. Eles sempre querem mais e rejeitam o que eles conseguem. É o reino caracterizado pelo apego.

6. O reino dos infernos Na roda da vida há duas paisagens simbolizando este reino. A primeira está cheia de fogo, fogueiras e vulcões em erupção, com gente sofrendo torturas de queimaduras. A segunda é gelada com predomínio de geleiras. O inferno para a tradição tibetana é o reino da raiva. O cenário de fogo simboliza a raiva quente, que queima através da mágoa e do ressentimento. O cenário gelado simboliza a raiva fria, que consiste em colocar a pessoa na geladeira. “O que é que você tem?” “Nada!”, é a resposta típica da pessoa que parou de falar com você e lhe vira as costas quando você chega.

• Experiência sobre os seis reinos Cada um de nós, ao ler os seis reinos, costuma se reconhecer ou reconhecer outras pessoas das suas relações. Vamos parar agora para fazer uma pequena experiência. Leia de novo cada um dos seis reinos e procure se lembrar de uma cena concreta que aconteceu com você ou amigos seus. Veja todos os detalhes desta cena e procure identificar as emoções que você viveu ou cujas manifestações você presenciou.

Veja agora qual o reino em que você mais se enquadra. Qual a emoção que predomina. Os três primeiros reinos são considerados superiores e preferíveis aos três reinos inferiores, para um renascimento futuro. Porém, o fato de estarmos nesta existência, dominados por um destes estados de humor que lhes corresponde, não significa que devemos nos conformar permanecendo neles. Eles são considerados como ótimos pontos de partida para, através da transformação das emoções destrutivas, alcançar a verdadeira natureza do Espírito. E a transformação das emoções destrutivas evitará ao praticante de voltar depois da passagem, numa destas três existências ilusórias e cheias de sofrimento do Samsára. Elas existem e são tão reais ou ilusórias quanto a existência humana ou animal que conhecemos melhor.

• Outros aspectos da roda da vida O círculo mais externo aponta simbolicamente para os elos da cadeia do karma ou lei da ação/reação. Ela começa pelo cego simbolizando a ignorância e termina com a passagem. Por fora, há uma espécie de cara de espantalho cujas garras e dentes se agarram à roda. É Mara, o diabo da mitologia tibetana que não quer largar o Samsára, o que simboliza o nosso próprio apego. Um olho no meio da testa indica a possibilidade de descobrir a verdadeira natureza do Espírito, graças ao despertar das cinco sabedorias simbolizadas por uma coroa de cinco caveiras. Em cima, à direita, Budha aponta para a roda do Dharma, indicando a porta de saída do círculo vicioso do Samsára, dessa repetição compulsiva de vida em vida.

• Como sair do Samsára nesta existência? Direta ou indiretamente, praticamente todos os capítulos do presente livro têm tratado desta questão. Podemos dividir em dois períodos cada dia da nossa existência: o dia e a noite. De dia, podemos praticar o relaxamento, a meditação, a presença na vida cotidiana e a transformação das emoções junto com a prática dos

quatro catalisadores do Ser. De noite, temos acesso direto aos estados de consciência de sonho e de sono profundos em sonho, através do sonho lúcido. Todos estes métodos, combinados ou não entre si, podem nos levar ao estado transpessoal. Se isto não acontecer nesta existência, a nossa prática constante talvez nos permitirá esse resultado na hora da passagem. Uma das razões para praticar estes métodos nesta existência é justamente que temos duas certezas: a primeira é que vamos desencarnar um dia; a segunda certeza é que há três coisas que ignoramos: quando, onde e como se dará a nossa passagem. Então, mãos à obra, sem perder um segundo!

7. O interregno da passagem Em tibetano este interregno se chama de “Chikaí Bardo”. O Bardo Thödol distingue duas grandes fases na passagem: a primeira consiste no que chamam a dissolução dos elementos; a segunda, a dissolução do psiquismo.

• A dissolução dos elementos A descrição se refere a um processo normal, estando-se deitado na cama ou no chão. Em caso de acidente, o processo é quase instantâneo e, por conseguinte, imperceptível. A primeira parte descreve a dissolução progressiva dos elementos sucessivamente um no outro. Por elemento entende-se, simbolicamente, a qualidade ligada a cada um. Por exemplo, quando o texto diz que, na primeira etapa da dissolução dos elementos, o elemento terra se dissolve na água, isto quer dizer que a qualidade densa e pesada desaparece do corpo retirando-se no elemento água. Quando o elemento água se dissolve no fogo, saliva, lágrimas e urina saem do corpo. A boca e as narinas ficam secas. O corpo começa a ressecar.

O calor do elemento fogo se dissolve no elemento ar, isto é, o corpo esfria-se a partir das extremidades, só ficando ainda quente o coração. A respiração cessa com o último suspiro, o que é expresso simbolicamente pelo ar que se dissolve no espaço. A medicina ocidental considera esse momento como o sinal da morte definitiva.

• A dissolução do psiquismo Para os tibetanos, ainda resta juntarem-se no nível do coração ainda quente, uma partícula energética masculina partindo do topo da cabeça, com uma partícula feminina, partindo da parte debaixo do umbigo. Cada parte da dissolução é acompanhada de visões dramáticas descritas no texto com bastantes detalhes. Logo em seguida, aparece a Clara Luz.

• A Clara Luz O aparecimento repentino da Clara Luz surpreende a maioria das pessoas pela sua força infinita. Com efeito, a Clara Luz não é nada mais nada menos do que a revelação da verdadeira natureza do Espírito. As pessoas que não tiveram nenhum preparo ou tiveram preparo insuficiente não suportam o seu brilho e desmaiam. Os grandes praticantes, pelo contrário, mergulham na Clara Luz, identificam-se com ela e o seu ego desvanece como uma onda no mar. Neste nível, nunca houve separação nem dualidade. A sua caminhada terminou. Quanto aos outros, vão acordar no próximo bardo, o da Luminosidade ou Dharmadatu.

8. O interregno da luminosidade Este bardo é bastante curto para a maioria dos que por ele passam, pois não tem preparo para aguentar as luzes, os sons e as cores que dele irradiam, e logo desmaiam.

Neste interregno, os seres vivem num corpo de Luz. Eles têm acesso ao passado, presente e futuro, pois o tempo deles é diferente do nosso. Eles possuem uma visão irrestrita dos quatro bardos. É onde vivem os Budhas de todos os tempos, e as divindades pacíficas e iradas segundo a visão cultural tibetana. As prováveis correspondências da cultura ocidental judaico-cristã são os anjos, Moisés, Cristo, grandes místicos e santos. Em cada uma das três fases surgem dois conjuntos de luzes coloridas: o primeiro, brilhante e fulgurante; o segundo, fraco e fosco. Se a pessoa teve o preparo necessário para reconhecer o primeiro conjunto como uma projeção do seu próprio espírito, ela permanece no interregno da luminosidade. Os mestres tibetanos ainda possuem a metodologia que permite se preparar para este interregno. Caso ela se deixar atrair pelas luzes e cores mais fracas, ela desmaia até acordar no bardo seguinte.

9. O interregno do vir-a-ser Chamado Sipa Bardo, este interregno pode ser considerado como sendo próprio ao que, na linguagem comum, chamam-se espíritos. Enquanto no interregno precedente os seres vivem num corpo ou sistema luminoso, o corpo dos espíritos é um corpo mental. Os seres do bardo do vir a ser apresentam, segundo a tradição tibetana, as seguintes características: • eles se deslocam instantaneamente onde o seu desejo os chama. Este deslocamento não para nunca; • no início, eles ignoram que não estão mais num corpo físico. Eles têm que descobrir isto por si mesmos. Por exemplo, quando está na hora do jantar, querem se sentar à mesa e não encontram mais o seu prato. Ao andar no sol não veem a sua própria sombra. Ao se olharem num espelho, esse continua sem eles. Talvez seja por isto que os judeus cobrem os espelhos no dia do enterro; • também descobrem que enxergam as pessoas que ainda estão no plano físico, mas não são vistos por elas. Por exemplo, querem tocar os familiares, mas a sua mão imaginária passa através do corpo do parente;

• entretanto, os espíritos podem ser vistos pelas pessoas em estado de consciência de sonho ou de relaxamento profundo. Isto acontece com certa frequência depois da passagem. Em muitas famílias há histórias de parentes que aparecem para um ente querido, o qual imediatamente percebe por intuição que o parente se foi. É o caso também dos fantasmas de casas ou de famosos castelos. São espíritos tão apegados aos lugares onde viveram que não conseguem se desprender e ficam séculos do nosso tempo rodeando os lugares. Eles permanecem muito mais tempo que o normal neste interregno; • a sua comunicação é telepática com os outros espíritos. Eles podem também ler os pensamentos dos encarnados; • eles se percebem com a forma e as roupas que tiveram quando encarnados, mas mais moços e perfeitamente saudáveis; • eles projetam esta forma para fora deles, o que explica que sejam vistos pelos outros espíritos, e pelos encarnados como fantasmas; • em certas condições, eles podem agir sobre a matéria, e, se movidos pelo ódio, prejudicar pessoas ainda incorporadas. É o que, no espiritismo kardecista, chamam de obsessores, e, no cristianismo, de possessão por demônios que precisam ser exorcizados. Segundo a tradição tibetana, o tempo de permanência médio é de uns quarenta e nove dias, já que os contatos com a Clara Luz do segundo bardo e do interregno do Dharmata não passa de alguns minutos do nosso tempo. Em qualquer momento, se lembrarem de cantar um mantra ou uma oração, ou visualizar um mestre da sua tradição espiritual, eles podem iluminar e escapar da reencarnação ou da transmigração num dos outros cinco reinos do Samsára, isto é, dos infernos, dos seres famintos, dos animais, dos semideuses ciumentos e dos deuses propriamente ditos. E isso depende muito da sua prática espiritual anterior. Caso contrário, eles serão cada vez mais atraídos pela matriz da futura mãe. Esta atração é irresistível. De repente, o espírito se encontra pairando em cima dos seus futuros pais, na hora da sua concepção. Diz o texto do Bardo Thödol que, se se trata de um ser de sexo masculino, ele sentirá atração muito forte pela sua mãe e um violento ódio pelo seu pai. Se for de sexo feminino será o contrário: sentirá forte atração pelo pai e ódio pela

mãe. É interessante a presença do Édipo nesta fase da existência. Foi Carl Gustav Jung que descobriu esta particularidade. O ódio é tão forte que há um novo desmaio, e o espírito encarna de novo. Mesmo nesta fase, ainda é possível escapar de um novo nascimento. Basta visualizar os pais como sendo Budhas e o espírito voltará para a Clara Luz. Caso deixe de conseguir, começa uma nova existência humana. E assim fica clara a sentença de Brian Weiss quando ele afirma que não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual, mas espíritos, tendo uma experiência humana. E assim termina esta breve descrição dos interregnos segundo o Livro tibetano da vida e da morte.

10. Fundamentos científicos da existência dos bardos No início do presente capítulo tomamos o compromisso de citar evidências provenientes de pesquisas clínicas ou experimentais sobre o que o Livro do Bardo afirma. Chegou a hora de completar as primeiras referências que fizemos sobre as experiências de saída do corpo físico. Estes dados reforçam a convicção de todas as tradições sobre a continuação da vida. Elas contêm inúmeras descrições que encontramos também nos diferentes bardos descritos pela tradição tibetana. Entre outros, podemos citar a visão de seres em outra dimensão ligados ou desligados do corpo físico; o fato de ver sem ser visto pelos familiares ou outras pessoas incorporadas num corpo físico; a velocidade de deslocamento praticamente instantâneo; a comunicação telepática com outros seres, lembrando os do Sipa Bardo; a visita a mundos abjetos e outros celestiais; a ajuda e orientação de seres luminosos que lembram os do Bardo do Dharmata; a do túnel que leva a uma luz indescritível que lembra a Clara Luz do Bardo. Além disso, as NDE em cegos demonstram a existência de órgãos sensoriais no subsistema sutil saído do corpo físico, o que confirma as descrições pela tradição tibetana do Bardo Thödol dos mesmos órgãos sensoriais psíquicos desligados do corpo físico. Vamos, a seguir, dar um resumo sobre outros aspectos do que acabamos de descrever.

A primeira dúvida que surge no espírito de muitos ocidentais é sobre a veracidade do fenômeno da reencarnação. Temos tratado amplamente deste assunto no nosso livro A morte da morte. Dados mais recentes vêm reforçar os que citamos neste livro. As pesquisas sobre as lembranças de crianças têm se multiplicado. Além disso, a prática por eminentes psicoterapeutas e psiquiatras de várias linhas das chamadas terapias de vidas passadas tem aumentado bastante, sobretudo depois das publicações dos livros de Brian Weiss. Este psiquiatra usava hipnose para fazer regredir os seus pacientes e reviver traumatismos desta existência. Sem preparo nem conhecimento do fenômeno reencarnatório, ele foi surpreendido por uma paciente que reviveu detalhes de uma outra existência e curou-se de sintomas que resistiam a anos de terapia convencional. Hoje, Brian Weiss é um dos maiores praticantes desta nova terapia e a ensina pelo mundo afora. É o caso também do analista junguiano Wolger. Stanislav Grof, com uma técnica de hiperventilação acompanhada de efeitos sonoros especiais e confecção de mandalas, não somente tem obtido evidências inúmeras dos fenômenos reencarnatórios, mas ainda descrito todos os fenômenos do livro do Bardo Thödol. Se você quiser ter ainda mais provas da existência da reencarnação faça a seguinte experiência: procure conversar com os seus amigos sobre o assunto. Talvez você descubra um que já teve lembranças e revivências do seu passado. Peça então que ele lhe conte isto em detalhes. Estas pessoas são mais numerosas do que se pensa. Mas elas não gostam de conversar sobre isso por medo de serem tachadas de mentirosas ou fantasiosas. Se não o conseguir, procure ler livros citados na bibliografia deste capítulo. De qualquer forma, tanto os que afirmam a veracidade da reencarnação como os que estão convencidos do contrário têm razão, como, aliás, a respeito de qualquer fenômeno. Pois, do ponto de vista do absoluto, nunca houve reencarnação, pois nunca houve existência real de um sujeito, como o mostramos no capítulo anterior. Mas no plano relativo, em que existe a ilusão de um sujeito e de um objeto, a reencarnação existe. Aliás, o que reencarna é a ilusão da existência de um sujeito ou ego separado do resto do mundo. É por isto mesmo que, a qualquer momento de qualquer bardo, se dissolve esta ilusão, se restabelece instantaneamente a verdadeira natureza do Espírito ou do Ser.

Enfim, a parapsicologia e a psicologia transpessoal nos fornecem inúmeros dados experimentais sobre a percepção extrassensorial, a saída do espaço-tempo em outro estado de consciência. Temos aqui um verdadeiro corpo de doutrina que se formou ao longo dos anos. Ele nos dá a segurança indispensável para se lançar ou reforçar as práticas que, além de nos proporcionar paz interior e equilíbrio individual, nos preparam para os três outros bardos. É disso que vamos tratar agora.

11. Como escapar da compulsão ao eterno retorno e transcender de vez Ao longo desta descrição dos bardos, tivemos oportunidade de mostrar como as práticas espirituais anteriores à passagem têm favorecido o potencial de escapar de cada um dos interregnos e de atingir o nível transpessoal da consciência. Vamos, a seguir, dar mais algumas explicações a respeito deste incrível processo, pois agora o leitor, sobretudo o que tiver começado uma ou várias das práticas recomendadas neste livro ou sob outra influência, deve intuir o quanto estas práticas estão relacionadas com a passagem e o depois. Durante a meditação, temos oportunidade de ficar conscientes do desfile dos pensamentos e das emoções e de aprender a deixá-los passar e voltar de onde vieram sem se apegar nem rejeitar, vê-los como projeções da nossa mente. Também descobriremos a ilusão do nosso ego, o que nos levará ao verdadeiro conhecimento. De fato, a meditação nos prepara para efetuar a passagem sem nenhum apego ou com o mínimo dele, a ficar num estado de imparcialidade, evitando que uma das emoções destrutivas nos leve rapidamente a sermos atraídos por um dos seis reinos correspondentes, do qual faz parte o reino humano. A passagem ideal se faz em estado de meditação. A prática de POWA, sob orientação de um mestre competente e realizado, lhe permitirá, na hora do desenlace, transferir a consciência diretamente para o estado de luminosidade. Aproveitar as noites para conseguir plena lucidez durante o sonho, através da prática do ioga do sonho, também sob orientação de um mestre, lhe permitirá ficar lúcido em todos os bardos, mais especialmente o

interregno do vir a ser, que mais se assemelha a um sonho dominado pelos desejos. Quem conseguir ficar lúcido durante o sonho, terá muita chance de realizar esta proeza durante o Sipa Bardo e terá treino suficiente para sair dele. Se, além disto, conseguiu modificar o decurso do sonho durante o próprio sonho, você estará apto a fazer algo semelhante no Sipa Bardo. Quando pratiquei o ioga do sonho durante o meu retiro, a minha decisão de fazê-lo foi influenciada pelo seguinte pensamento: De qualquer forma, eu tenho que dormir, não é? Então por que não aproveitar a oportunidade para praticar o ioga durante o sonho? E é o que eu fiz durante três anos, e ultimamente tenho recomeçado para manter a forma… Quem estiver interessado no assunto pode ler o capítulo do meu livro A morte da morte sobre o ioga do sonho. E se você estender a sua presença constante e lúcida na vida cotidiana, como o recomendamos em outro capítulo sobre viver em plenitude, você irá se preparar para enfrentar qualquer eventualidade em qualquer um dos bardos, pois se deixará muito menos levar pelos seus diferentes obstáculos e ilusões. Isto é ainda mais verdadeiro se você ficar atento e constantemente vigilante, evitando se deixar dominar por uma emoção destrutiva e, paralelamente, cultivar os quatro catalisadores do ser, já descritos em capítulo anterior: a alegria, o amor, a compaixão e a imparcialidade ou equanimidade. Isto aumentará as suas chances para que a hora do seu último suspiro se passe em paz e estado de amor. Isto criará as condições favoráveis para transcender definitivamente na hora da Clara Luz. Se, pelo contrário, você se deixar constantemente levar pelas emoções destrutivas, aumentará a probabilidade para que, na hora da passagem, você o faça em estado de raiva ou de avidez. E, neste caso, você levará este estado consigo e será atraído pelo reino dos infernos ou dos seres insaciáveis. Esta atração é compreensível, se se consideram os diferentes reinos como um conjunto de seres que são atraídos uns pelos outros, criando um campo de afinidade. Isto já é o caso nesta existência onde os fofoqueiros que têm prazer em falar mal da vida alheia, e os raivosos, que odeiam mundos e fundos, gostam de se encontrar para compartilhar e descarregar os seus potenciais destrutivos. Do mesmo modo, os diferentes reinos são campos de afinidade de seres iludidos pelo seu estado, mas que sofrem terrivelmente as consequências da sua fantasia. Os mestres tibetanos

insistem em afirmar que a descrição destes reinos e a sua revelação não visam a fazer uma espécie de pressão ou de chantagem manipulatórias para impelir os discípulos a praticar, mas asseverar que eles existem realmente como o nosso reino humano existe, num plano relativo. E como a maioria de nós vive num plano relativo, só nos resta tomar os cuidados indispensáveis. Não se trata de castigos, mas da lei de causa e efeito. Compreendo a dificuldade para a maioria dos leitores de aceitar a ideia da existência dos infernos e outros reinos como localizados em lugares determinados. A sua descrição não saiu de alguma mente supersticiosa e dogmática, mas é o resultado de observações e visões por grandes lamas em estado transpessoal da consciência. Apoiando estas perspectivas, podemos citar, em outras culturas, o inferno de Dante e a insistência bíblica na existência do inferno. Há em tudo isto uma lógica que se torna cada vez mais implacável à medida que você se aprofunda no assunto. Creio que mostrei, em termos simples e acessíveis, a importância das práticas espirituais como preparo para a passagem e para o que se passa depois. Esse conhecimento é tanto mais importante se a gente considera que, do mesmo modo que em cada bardo há possibilidade de atingir o nível transpessoal, o mesmo se dá com cada uma das práticas acima descritas. Praticar tem, por conseguinte, duas perspectivas de transcender: nesta existência e depois da passagem, isto é, em qualquer um dos bardos. Até agora, cuidamos do nosso preparo para o desenlace. Falta tratarmos de como preparar e assistir uma outra pessoa para e durante a passagem.

12. O preparo dos outros para a passagem Quando menos se espera podemos nos deparar com a eventual passagem de um amigo ou de um parente. Como se conduzir em tal situação se realmente queremos prestar uma ajuda eficaz? É claro e evidente que estaremos pessoalmente mais preparados para o nosso próprio desenlace, e estaremos mais aptos a aconselhar os outros. Mesmo assim, precisaremos seguir alguns princípios comuns a quem não tem preparo nenhum.

Em primeiro lugar, quando estamos visitando uma pessoa perto de desencarnar, é importante manter uma atitude que se adapta ao que a pessoa está esperando de nós. Às vezes, é a nossa simples presença silenciosa e amorosa que basta. Às vezes, a pessoa quer se abrir sobre a sua situação, expor as suas dúvidas e aliviar-se dos seus medos e angústias. Cabe praticarmos a empatia sob todas as suas formas que transmitimos em capítulos anteriores. É o momento de nos colocarmos no seu lugar, respondendo o que sabemos a respeito da passagem e do depois, se formos solicitados. Às vezes, ela precisa resolver ainda problemas materiais, tais como testamento, distribuição de bens para os familiares ou obras sociais. É muito importante que ela deixe o seu corpo livre de toda espécie de preocupação desta ou de outra natureza, pois como o vimos a respeito do Sipa Bardo, ela arrisca ficar pairando como fantasma em torno dos lugares onde tem assuntos financeiros ou afetivos não resolvidos. No caso de mágoas, ressentimentos não expressos ou mesmo inimizades, é o momento de fazer as pazes. Você poderá ser de grande utilidade chamando essas pessoas, se assim for a vontade de quem vai fazer a passagem. Evite fazer proselitismo das suas crenças religiosas ou não, procurando conhecer a adesão espiritual e religiosa da pessoa que está sendo atendida. Conforme a postura dela, pergunte se ela quer que você chame o seu diretor de consciência, seja este um padre, um pastor, um rabino ou outro. Todas estas medidas implicam o pleno conhecimento, pela pessoa, que os seus dias ou horas estão contados. É bastante importante que haja abertura e franqueza de ambos os lados a esse respeito, e que se evite a situação bastante clássica em que todo mundo, inclusive o paciente terminal, sabem da situação, mas todo mundo finge não saber. Isto impede que a pessoa possa se preparar, conforme expliquei anteriormente. Essa preparação é também espiritual. A pessoa e os familiares, ou amigos que estarão presentes no momento do desenlace, precisam ter consciência da importância de um ambiente de paz, de silêncio e, por que não, de alegria. Uma música preferida e escolhida pela pessoa pode reforçar este ambiente propício. É também o momento de irradiar muito amor para a pessoa que se vai. A alma é muito sensível às vibrações de amor, antes, durante e todo o tempo depois da sua saída do corpo físico.

O resto depende muito do indivíduo com ele mesmo, e do seu desapego das coisas e das pessoas. Se tiver abertura por parte dele, fale da Clara Luz e convide-o a penetrar e se fundir com ela, em vez de ter medo. Caso você não tiver tido uma experiência de acompanhamento doce e amoroso de um desenlace, procure em torno de você, entre os seus amigos, alguém que possa lhe contar em detalhes como isso ocorreu com um deles. Há muitas pessoas que vão embora sorrindo, quando essas condições são preenchidas. A respeito desse fato, sugerimos a seguinte experiência: se você tiver tido uma vivência assim como descrita acima, em que você acompanhou uma pessoa com todo o carinho até o desenlace, procure se lembrar dos detalhes, a fim de estar melhor preparado ainda para a próxima situação, que sempre pode se apresentar. Caso contrário, procure os seus amigos para encontrar um que esteja em condições de lhe contar um caso assim. Se isto não for possível, leia o que Elisabeth Kübler Ross conta a respeito no seu livro em bibliografia deste capítulo. Nem sempre isto é possível de modo tão ideal. A dor pode ser insuportável. Felizmente, há poderosos analgésicos para aliviá-la. Às vezes, a pessoa está em coma, por acidente ou pela própria natureza do quadro clínico. No caso de coma, lembre-se que o espírito está fora do corpo físico, mas, na maioria das vezes, presente no quarto, vendo e ouvindo tudo que se passa. É indicado aproveitar este conhecimento da situação para conversar amorosamente com a pessoa e lhe comunicar o que for necessário, inclusive no que se refere à Clara Luz. Aliás, a situação depois da passagem se assemelha à do coma. É por saberem disso que os lamas tibetanos se dirigem diretamente ao espírito da pessoa desencarnada, diariamente, durante quarenta e nove dias. O livro do Bardo Thödol é lido a cada dia a fim de informar ao espírito sobre o seu estado e sobre o que ele precisa fazer para poder iluminar ainda no bardo em que se encontra. Mestres plenamente realizados têm o poder de ver o estado em que o espírito se encontra e o ajudar diretamente. Eles têm, inclusive, o poder de operar a transferência da consciência diretamente para fora do corpo físico, no caso do corpo ter que ser manipulado antes do prazo de quarenta e oito horas, necessário para o desprendimento completo

do espírito do corpo físico, pois, segundo a tradição tibetana, o corpo não deve ser tocado antes deste prazo, pois isto põe em risco a saída correta do espírito pela zona da fontanela. Mas se você não tiver nenhum lama perto de você, ainda assim saiba que você pode conversar com o espírito do desencarnado, lhe mandar palavras carinhosas e lhe aconselhar de se fundir com as luzes mais fortes quando aparecerem. Importante é deixá-lo bem à vontade para seguir o seu caminho e assegurar que os seus familiares estão todos bem; evita-se assim que ele se preocupe e não tome o seu rumo. Sabe-se que pessoas que choram retêm o espírito e impedem que ele se desprenda deste plano físico. E se a pessoa desencarnada tiver sido católica ainda há o recurso das missas de Sétimo Dia e seguintes, e na religião judaica existem rituais diários imediatamente depois do desenlace. Haveria ainda muito que dizer, mas creio que deixei aqui consignado o essencial do que eu mesmo aprendi sobre o assunto. A bibliografia em anexo lhe permitirá, se você quiser, aprofundar-se neste conhecimento.

Informação bibliográfica CHAGDU, Rimpoche. O livro tibetano dos mortos. HENNEZEL, Marie de & LELOUP, Jean-Yves. A arte de morrer: tradições religiosas e espiritualidade humanista diante da morte na atualidade. 10. ed. Tradução Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2009. KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MONROE, Robert Allan. Viagens fora do corpo. Rio de Janeiro: Record, 1981. MOODY, Raymond. Vida depois da vida. 16. ed. Tradução Rodolpho Addi. Rio de Janeiro: Nórdica, 1991. PIERRAKOS, Eva & THESENGA, Donovan. Entrega ao deus interior. São Paulo: Cultrix, 1997.

SOGYAL, Rimpoché. O livro tibetano da vida e da morte. São Paulo: Palas Atenas, 1999. VIEIRA, Waldo. Projectologia: panorama das experiências da consciência fora do corpo humano. Rio de Janeiro: Ed. do autor, 1986. WAMBACH, Helen. Recordando vidas passadas. Tradução Octávio Mendes Cajado. São Paulo: Pensamento, 1978. WEIL, Pierre. A morte da morte. 2. ed. São Paulo: Gente, 1999. ——. A revolução silenciosa. 5. ed. São Paulo: Pensamento, 1999. ——. Fronteiras da evolução e da morte. 4..ed. Petrópolis: Vozes, 1998. WEISS, Brian. Muitas vidas, muitos mestres. Tradução Talita M. Rodrigues. Rio de Janeiro: Salamandra, 1991.

Conclusão E a vida continua

No seminário final da Arte de Viver a Vida, intitulado E a vida continua, a palavra é dos participantes e o programa é elaborado em função de uma lista de perguntas e problemas individuais nascidos posteriormente aos sete seminários precedentes. Alguns assuntos são tratados sob forma de vivências psicodramáticas ou outras. Assim sendo, agora a palavra é do leitor. Sem contato direto com você, resolvi selecionar perguntas essenciais que costumam ser feitas nestes seminários. Creio que é uma forma prática de preencher esta lacuna, até o leitor fazer a formação inteira. A cada pergunta, daremos a resposta que considerarmos mais adequada.

Perguntas e respostas “Já estou meditando diariamente há bastante tempo. Isto me dá muita paz durante o dia. Mas ainda não consigo parar de pensar.” Parar de pensar não é o objetivo nem o processo da meditação, mas sim realizar a verdadeira natureza do Espírito. Se você reprimir o pensamento, ele voltará dobrado. Lembre-se da história do mestre cujo discípulo chegou se queixando de que não conseguia parar de pensar, pedindo uma técnica para alcançar esta finalidade. O mestre lhe respondeu que, de agora em diante, ele podia pensar em tudo que queria, menos num macaco. Feliz com a perspectiva de uma solução, o discípulo foi para a casa dele e durante um mês usou o processo com muito empenho. Voltou para o mestre, que lhe pediu relatar o resultado. “Agora só penso em macaco!” Observei que praticamente nunca você fala em Deus. Por que isto? Você, porventura, não acredita nele?

Ao longo do presente volume e em toda a segunda metade dos meus livros, direta ou indiretamente, só falo nele. Mas não pronuncio o seu nome por várias razões. A principal é que Deus é apenas um dos nomes que lhe foi dado. Vem de Zeus, a divindade da Luz, ou de Dia que também se relaciona à Luz. Assim sendo, Deus significa Luz, o que está muito perto do que os grandes místicos descrevem. Em segundo lugar, estou convencido de que todo nome deforma o que ele é realmente, e o limita. Por isto que na religião judaica é proibido de pronunciá-lo. E no taoismo o primeiro versículo do Tao Te King de Lao Tsé afirma que o Tao que é nomeado não é o Tao. Em terceiro lugar, porque toda representação mental tende a criar uma forma, uma solidez naquilo que está fora do tempo, pois é eterno. No Islã, é proibida qualquer representação de Allah. A figura de um rei barbado sentado num trono morreu, embora seja bastante útil como símbolo para as crianças. Em quarto lugar, estou me esforçando para usar uma linguagem que seja aceitável para pessoas acostumadas a abordagens científicas da realidade. Quanto à pergunta se acredito ou não acredito, ela não tem sentido para mim. Eu sei que existe uma dimensão maior e oculta para os nossos sentidos materiais. Não preciso acreditar. Há uma grande diferença entre crer e saber. Crer é ter fé ou confiar no que dizem os textos sagrados ou nas declarações de alguém. Saber é resultado da experiência própria, inefável e intransmissível. Quem quer saber mais sobre a minha postura, poderá ler o meu livrinho intitulado Meu Deus, quem é você? Aliás, nos dois livros que constituem a minha história, A revolução silenciosa e Lágrimas de compaixão, você encontrará como eu evoluí no meu conceito de Deus. “Sabe-se hoje, graças à psicologia transpessoal, que certas drogas nos propiciam a mudança de estado da consciência. Por que este silêncio nos seus livros, incluindo este?” Uma velha máxima aconselha: “Na dúvida, abstenha-se”. Tendo escrito livros e ocupado uma cátedra universitária de psicologia transpessoal, o que me levou a estudar este assunto com certa profundidade.

Não nego certas evidências a que a pergunta se refere. Tudo indica que o que as pessoas procuram através do consumo de certas drogas como o álcool, o fumo, a maconha etc., é entrar num estado superior e divino da consciência. As minhas dúvidas são as seguintes: 1) São os estados obtidos artificialmente idênticos aos conseguidos por processos naturais? 2) Não criariam os processos artificiais uma destruição progressiva da capacidade natural de mudar de estado da consciência? 3) Quais os efeitos das drogas sobre a saúde em longo prazo? Para o álcool e o fumo, a resposta das pesquisas é óbvia. Quanto às drogas pesadas, como a heroína e a cocaína e seus derivados, nem se fala! “Será possível apresentar um resumo em algumas frases das linhas gerais do sentido das oito partes da Arte de viver a vida?” É muito importante, ao terminar um livro, extrair dele o seu sentido, pois é algo que se pode perder no decurso da leitura. Isto me lembra a história daquele cidadão francês que se apaixonou, numa viagem ao Extremo Oriente, por uma linda moça chinesa. Mas surgiram muitas dificuldades de comunicação entre eles, pois nem ele falava chinês, nem ela francês. Ele estava tão encantado por ela, que resolveu voltar para o seu país e fez um curso audiovisual de chinês. Mas achou que isto não era suficiente e completou uma licenciatura que tinha de ser coroada por um doutoramento. Chegou a escrever vários tratados de chinês e se tornou o sinólogo mais famoso do mundo. Um dia, um amigo lhe perguntou o que o levou a aprender chinês. Após longa reflexão, botou a mão na cabeça e exclamou: “Ai, meu Deus, esqueci da minha namorada chinesa!” Para evitar que o mesmo aconteça com o leitor, vou procurar colocar em relevo o fio condutor desta obra. À primeira vista, é coisa fácil para mim. Mas creio que só o leitor que tiver assimilado o presente livro poderá entender do que se trata. Para quem se precipita na conclusão para ver de um relance do que se trata, vai provavelmente surgir um muro bastante denso por causa do inevitável estilo abstrato. Feitas estas ressalvas, vamos tentar responder a este pedido. O início focaliza o problema central da nossa época: a destruição da vida no planeta, a violência e a possibilidade de alcançar a paz consigo

mesmo, com os outros e com a natureza. Mostra-se, então, como o ser humano está destruindo a vida e se suicidando imperceptivelmente. A reconstituição da gênese desta destruição aponta para a fantasia da separatividade como causa primordial seguida pelo apego e pela raiva ou rejeição. A permanente conscientização dessas emoções reforça o relaxamento e a meditação recomendados, que devem ser diários, para poder realmente alcançar a paz tão almejada. Depois, mostra-se por que a paz se encontra dentro de nós, graças a uma compreensão da existência de estados de consciência, mais particularmente do estado transpessoal em que se dissolve esta ilusão de separatividade, isto é, da existência de uma superconsciência que dirige a nossa energia através e além da nossa vida instintiva, emocional e mental. Estes estados de consciência podem ser descobertos por experiência própria, por meio da meditação e da prática do sonho lúcido. A parte seguinte deixa bem claro que este estado só pode ser alcançado graças a uma permanente atenção em todos os momentos da nossa vida cotidiana, sobretudo no que se refere ao nível em que gastamos a nossa energia. Este despertar da consciência pode ser muito facilitado na vida a dois em harmonia, em que se cultiva uma relação evolutiva graças a um sistema de encontros periódicos de avaliação desta relação. Difícil é uma harmonia perfeita. Sempre surgem crises e conflitos. Em vez de desprezar estes e dar-lhes uma saída violenta, podemos aproveitá-los para crescer e transformar as nossas emoções destrutivas através do diálogo não violento com empatia, reencontrando a fonte geralmente imaginária do conflito. A fim de tornar mais clara ainda a relação entre a destruição da natureza e a natureza da ilusão da dualidade e da separatividade, as pessoas são levadas a reforçar a consciência desta destruição e a descobrir ao mesmo tempo o caráter fantasioso da existência de um ego como sujeito e de uma coisa como objeto. Além do mais, descobre-se também a projeção, impedindo um sujeito ver a si mesmo e aos outros como são realmente. Descobre-se que, entre os dois extremos do niilismo e do materialismo, há algo que não é nem matéria sólida nem vazio de inexistência, mas algo que só pode ser apreendido diretamente pela experiência transpessoal direta.

A passagem, vista como uma mudança de estado de consciência, abre uma nova visão e integra a nossa existência num conjunto muito maior de interregnos, antes, durante e depois da nossa passagem. Fica claro que, em cada um destes interregnos, podemos sair do círculo repetitivo e compulsivo do sofrimento, para alcançar o transpessoal, como vivência permanente que exclui e integra o mundo absoluto e relativo num todo inseparável. No fim, há um esclarecimento e um tratamento de algumas das dúvidas essenciais que surgem depois do término de todo o conjunto. “Você se considera um ser iluminado?” Quem acompanha os meus seminários sabe muito bem que não. Sou um ser desperto. Nos dois livros que acabei de citar e que relatam a minha própria história, o leitor verá que, embora eu tenha desvendado muitos dos mistérios do que chamo de outra dimensão, ainda subsiste um grande véu para desvendar. Os meus mestres plenamente despertos o sabem muito bem e não perdem uma oportunidade para me mostrar os meus passos falsos. “Quais as diferenças entre uma terapia clássica como a psicanálise e as terapias transpessoais e os caminhos orientais de sabedoria?” É um assunto vasto e complexo. Mas, em linhas gerais, a diferença está entre ações que reforçam o ego e as que o dissolvem como não tendo existência autônoma. As terapias do ego acreditam na sua existência como sólida e, seguindo o exemplo da psicanálise, procuram reforçar a chamada “relação objetal” entre sujeito e objeto. Como tratam de neuroses e psicoses, isto muitas vezes se revela necessário, embora haja sempre o risco de incentivar o egoísmo e o egocentrismo. As terapias transpessoais procuram, pelo contrário, dissolver o ego, pois o consideram como tendo apenas uma existência relativa e, tal como a física quântica, negam a possibilidade de objetividade numa relação sujeitoobjeto. Mas ao mesmo tempo reconhecem que o mesmo ego precisa ser suficientemente forte para que aceite e até deseje iluminar-se, sabendo que isto significa o desaparecimento da ilusão da sua existência. Ele chega ao

paradoxo de viver a paz absoluta, sabendo que irá desaparecer e, por conseguinte, não irá desfrutar dessa paz. “Para mim, não ficou muito clara a sua afirmação, segundo a qual os que afirmam a existência da reencarnação têm razão e os que a negam também estão cobertos de razão. Como pode ser isto possível?” Realmente, parece uma afirmação contraditória, mas não o é. Isto, por várias razões. As observações acumuladas pelas tradições espirituais através de milênios colocam em evidência ocorrências repetitivas e idênticas ao longo dos séculos e dentro das culturas, de pessoas adultas ou crianças que repentinamente se lembram, diretamente ou em sonho, de outra vida, às vezes comprovada em fatos ou arquivos, mas quase sempre acompanhados de certeza. Como o mostramos acima, pesquisas e experiências clínicas de terapeutas comprovam estas memórias nos seus clientes e fazem disto um precioso instrumento de cura. Não se pode, por conseguinte, negar a existência da reencarnação neste nível de compreensão, isto é, no nosso nível da fantasia da separatividade e da crença na existência de um ego separado do mundo exterior. Por outro lado, se observamos o que nos afirmam os mestres completamente despertos, o que reencarna é justamente este conjunto ilusório, movido pela lei de causa e efeito. No plano absoluto em que se encontram, inexiste ego, inexiste lei de causa e efeito, pois ambos, tanto a causa como o efeito, são idênticos. Neste plano vivencial não se pode afirmar que haja reencarnação. Mas os seres despertos levam em consideração o mundo relativo do qual não se pode dizer que não existe, mesmo se apenas na mente das pessoas comuns. “Há muita insistência em várias partes da Arte de viver a vida, na escolha de um mestre competente. Poderia dar mais informações sobre como reconhecer e escolher um mestre?” Em várias partes deste capítulo insistimos na importância de certas práticas serem acompanhadas por um mestre inteiramente realizado. Já descrevemos no livro sobre A revolução silenciosa quais critérios você precisa usar para esta procura. Se você errar, as consequências podem ser

danosas, pois estará nas condições de um cego que dirige outro cego. Por isso mesmo, vamos resumir os pontos essenciais. • Na maioria dos casos um verdadeiro mestre faz parte de uma linhagem ininterrupta de transmissão da respectiva tradição. • Disto decorre que um mestre verdadeiro foi preparado e reconhecido pelo seu próprio mestre. • Simplicidade e humildade é o que mais o caracteriza. • Ele não costuma exibir os poderes e carismas que possui, nem se vangloria disto. • Ele respeita a liberdade do discípulo. Se, durante um período mais ou menos longo, ele aproveita certa dependência do seu discípulo para transmitir os ensinamentos, ele faz tudo para dissolver todo ou qualquer apego. • Ele não corre atrás dos discípulos. São eles que vêm a ele. Ele sabe que, quando o discípulo está pronto, o mestre aparece. • Em matéria financeira, ele não depende do seu discípulo. Em caso de oferenda por este, o dinheiro se destina à organização ou manutenção da comunidade ou ainda às obras sociais. • Caso o mestre possua imóvel próprio, este se destina para o seu recolhimento e muitas vezes para receber os seus discípulos e lhes dar orientação. • O verdadeiro mestre está nas vinte e quatro horas servindo aos outros. Por todas estas razões, observe rigorosamente quem você pretende escolher como mestre, mesmo se você souber que foi ele quem o escolheu. Em certos casos é como se fosse um amor à primeira vista.

Fim de uma longa viagem Estamos no fim de uma longa viagem e, para muitos, de uma longa aprendizagem. Como disse o grande educador Edouard Claparède, a educação deve ser efetuada como quando um alfaiate corta um terno para o cliente, isto é, sob medida. É o que se passa com os que frequentaram todos os seminários que correspondem aos diferentes capítulos do presente livro. Creio que o mesmo irá acontecer com os nossos leitores que não tiveram a

chance de participar daqueles. Cada um retira exatamente o que ele necessita no momento. Na realidade, há a possibilidade de ensinar algo a alguém se esse alguém já sabe, no fundo, o que se vai lhe mostrar? É o caso da história de Nasrudin, que contamos anteriormente, quando um grupo de pessoas lhe pediu para dar uns ensinamentos de sabedoria a um auditório repleto de pessoas, e por três vezes ele foi embora, depois de perguntar quantos ali sabiam do que ele iria falar. Lembram? De fato, o que se passa quando uma pessoa se entusiasma por um livro? É que o autor lhe diz algo que ela já pensava. Ela fica então reforçada na sua convicção. E quando ela relê o livro, ela tem mais experiência e descobre novos aspectos que não tinha percebido. Por isso, se daqui a algum tempo tiver a curiosidade de reler estas páginas é provável que descubra aspectos diferentes que lhe passaram despercebidos na primeira leitura. O mesmo se dá com alguns frequentadores assíduos dos seminários que deles participaram várias vezes. Para eles, nunca é o mesmo seminário. Sempre há novas facetas para serem apreciadas. Pode ser que depois da leitura deste livro você se sinta um tanto estranho no meio em que vive e com pessoas que estão vivendo e agindo muito diferente do que está descrito aqui. Evite criticar os outros. Cuide da sua própria transformação. Você vai precisar de muita paciência e tolerância consigo mesmo; então, imagine com os outros! É você que, com a sua própria transformação, contribuirá para transformar os outros. Chegará o dia em que você se tornará um centro de irradiação de uma nova maneira de ser, de viver e de conviver. Muitos lhe perguntarão onde você encontrou tanta paz; então chegará a sua vez de transmitir o que você mesmo aprendeu, uma vez que você tiver encontrado um mestre competente. A função deste será de o levar ao mestre que representa as Escrituras, o que o levará ao mestre dos eventos, para então descobrir o seu mestre interior. Nem sempre é evidente estar em presença do mestre interior. Muitas vezes confundimos o seu chamado com a nossa própria voz. Há um verdadeiro aprendizado pela sua frente. Por isso, se você porventura achar que não precisa de mestre exterior, porque já achou o seu guia interior, tome cuidado para evitar cair em mais um jogo do seu ego, desse verdadeiro demônio interior, e tomar uma voz pela outra.

Enquanto você não encontrar o seu mestre, cultive a alegria com música, poesia e dança; desbloqueie o verdadeiro amor, profundamente mergulhado dentro da sua alma; relaxe, desapegue e medite todos os dias. Você encontrará progressivamente a verdadeira paz. Mas que isto não o torne mais egoísta e fechado, tal qual os que vivem no reino dos deuses. Como você pode viver em paz com tanta miséria ao seu redor? Coloque este equilíbrio e esta paz a serviço dos que dela precisam. É, sem dúvida, a mais bela tarefa a que você pode se dedicar de corpo e alma para o restante da sua existência. É dando que se recebe. Mas se você dá pensando em receber, nada feito! Como você provavelmente observou, o conteúdo do livro que você acaba de terminar foge do comum e dos chavões costumeiros, tais como “Aprenda a ganhar dinheiro e viva feliz”. Ele responde aos anseios dos que se perguntam se essa nossa existência apenas significa produzir, consumir, ganhar dinheiro e morrer…; ou ainda preencher o vazio do tempo que sobra em tal programa, para tomar algumas cervejas, tratando de frivolidades e falando mal da vida alheia. Sem dúvida, este livro preenche uma lacuna, pois trata de estimular e ajudar o leitor a encontrar o sentido verdadeiro do nosso existir. É o que mais precisam as antigas e, sobretudo, as novas gerações. Já alertei os meus leitores sobre a crise de sentido que assola o mundo da Pós-modernidade. O fiz no meu livro mais recente intitulado A mudança de sentido e o sentido da mudança. Esta obra pode ser considerada como uma preciosa continuação daquele livro, pois indica, de modo simples e concreto, como encontrar este sentido e o aplicar na vida cotidiana. E esse novo sentido aponta para uma mudança de nível de consciência e de compreensão da vida sob todas as suas formas. Sem esta mudança na maioria dos cidadãos deste nosso mundo atribulado e perturbado pela violência e pelas guerras, salvar a vida neste nosso planeta será apenas um devaneio. Não temos mais tempo de tampar o sol com a peneira. O tempo é de evoluir e mudar de rumo já. Como? É justamente o que este livro procura lhe mostrar de todas as maneiras possíveis, não somente nesta existência, mas ainda na outra. Mãos à obra e paz no seu coração.

Jogos de poder Fexeus, Henrik 9788532653574 280 páginas

Compre agora e leia Este livro inclinará a balança ao seu favor. Não importa se você for vendedor, advogado, garçom, professor, cuidador, gerente estratégico, estudante ou encantador de cães, a meta é ajudá-lo a dominar a arte de conseguir o que quer, e não o que os outros querem. Deixe-os envolvidos em aulas e pesquisas. Atividades assim podem ser interessantes e divertidas, mas não são realmente necessárias. Mais fácil é parar de ser um seguidor e tornar-se um líder. Compre agora e leia

A linguagem corporal dos lideres Kinsey Goman, Carol 9788532648686 304 páginas

Compre agora e leia A linguagem corporal é a administração do tempo, do espaço, da aparência, da postura, do gesto, da prosódia vocal, do toque, do cheiro, da expressão facial e do contato visual. A mais recente pesquisa na neurociência e psicologia provou que a linguagem corporal é crucial para a eficácia da liderança - e este livro vai mostrar a você, exatamente, como ela impacta a capacidade dos líderes em negociar, administrar a mudança, estabelecer a confiança, projetar o carisma e promover a colaboração. Compre agora e leia

Normose Weil, Pierre 9788532655356 240 páginas

Compre agora e leia Esta pesquisa de ponta alerta o grande público e os profissionais em geral sobre a urgente necessidade de superar as anomalias da normalidade: opiniões, atitudes, comportamentos e hábitos, dotados de consenso social e patogênicos, em diversos graus de intensidade. Este é um dos conceitos mais importantes do paradigma transdisciplinar emergente. Compre agora e leia

O Corpo Fala Weill, Pierre 9788532654595 288 páginas

Compre agora e leia O livro tenta desvendar a comunicação não-verbal do corpo humano, primeiramente analisando os princípios subterrâneos que regem e conduzem o corpo. A partir desses princípios aparecem as expressões, gestos e atos corporais que, de modos característicos estilizados ou inovadores, expressam sentimentos, concepções, ou posicionamentos internos. Acompanham 314 ilustrações. Compre agora e leia

Sociedade do cansaço Han, Byung-Chul 9788532650832 80 páginas

Compre agora e leia Os efeitos colaterais do discurso motivacional. O mercado de palestras e livros motivacionais está crescendo desde o início do século XXI e não mostra sinais de desaquecimento. Religiões tradicionais estão perdendo adeptos para novas igrejas que trocam o discurso do pecado pelo encorajamento e autoajuda. As instituições políticas e empresariais mudaram o sistema de punição, hierarquia e combate ao concorrente pelas positividades do estímulo, eficiência e reconhecimento social pela superação das próprias limitações. Byung-Chul Han mostra que a sociedade disciplinar e repressora do século XX descrita por Michel Foucault perde espaço para uma nova forma de organização coercitiva: a violência neuronal. As pessoas se cobram cada vez mais para apresentar resultados tornando elas mesmas vigilantes e carrascas de suas ações. Em uma época onde poderíamos trabalhar menos e ganhar mais, a ideologia da positividade opera uma inversão perversa: nos submetemos a trabalhar mais e a receber menos. Essa onda do "eu consigo" e do "yes, we can" tem gerado um aumento significativo de doenças como depressão, transtornos de personalidade, síndromes como hiperatividade e burnout. Este livro transcende o campo filosófico e pode ajudar educadores, psicólogos e gestores a entender os novos problemas do século XXI.

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