Um coração sem medo: Por que a compaixão é o segredo mais bem guardado da felicidade 9788543103785, 8543103789

A prática budista da atenção plena encontrou seu espaço no Ocidente quando as pessoas descobriram a importância dos bene

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Um coração sem medo: Por que a compaixão é o segredo mais bem guardado da felicidade
 9788543103785, 8543103789

Table of contents :
Créditos
Introdução
PARTE I: POR QUE A COMPAIXÃO IMPORTA
Capítulo 1 – O segredo mais bem guardado da felicidade: compaixão
Capítulo 2 – A chave para a aceitação de si: compaixão por si mesmo
Capítulo 3 – Do medo à coragem: rompendo a resistência
PARTE II: TREINANDO A MENTE E O CORAÇÃO
Capítulo 4 – Da compaixão à ação: transformando intenção em motivação
Capítulo 5 – Abrindo espaço para a compaixão: como o foco consciente nos mantém no caminho
Capítulo 6 – Saindo da inércia: escapando da prisão do egoísmo
Capítulo 7 – “Que eu seja feliz”: cuidando de si mesmo
Capítulo 8 – “Assim como eu”: expandindo o círculo de cuidado
PARTE III: UM NOVO MODO DE SER
Capítulo 9 – Maior bem-estar: como a compaixão nos torna saudáveis e fortes
Capítulo 10 – Mais coragem, menos estresse, maior liberdade: transformando a compaixão em nossa postura básica
Capítulo 11 – O poder do uno: o caminho para um mundo mais compassivo
Agradecimentos
Notas
Sobre o autor
Informações sobre a Sextante

Citation preview

“Eu amo a abordagem prática que Jinpa usa para tirar a compaixão do pedestal das ideias impossíveis e trazê-la para a realidade confusa que é o dia a dia da vida humana. Este é um dos livros mais importantes para esses tempos difíceis.” – Richard Gere, ator “Uma leitura inspiradora que não apenas demonstra o poder da compaixão, mas também revela como a bondade e a autocomiseração estão ao nosso alcance.” – Kelly McGonigal, autora de Os desafios à força de vontade “Abraçar a compaixão nos permite acessar nossa habilidade natural de criatividade e empatia. Recomendo fortemente este livro e este programa para quem busca relações mais significativas com as pessoas e o mundo à sua volta.” – David Kelley, coautor de Confiança criativa “Parte autobiografia, parte manual de treinamento para uma vida saudável, parte bela tapeçaria que entrelaça o antigo pensamento budista e a ciência moderna, este livro traz ensinamentos úteis para qualquer pessoa. Ele explica por que a compaixão é tão essencial para o mundo moderno e oferece conselhos práticos sobre como cultivá-la.” – Richard J. Davidson, ​autor de O estilo emocional do cérebro

Título original: A Fearless Heart Copyright © 2015 por Thupten Jinpa Langri Copyright da tradução © 2016 por GMT Editores Ltda. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores. Esta edição foi publicada mediante acordo com Hudson Street Press, membro do Penguin Group (USA) LLC, uma empresa Penguin Random House Company. tradução: José Eduardo Mendonça preparo de originais: Rafaella Lemos revisão: Luis Américo Costa e Tereza da Rocha diagramação: Valéria Teixeira capa: Mariana Newlands imagem de capa: Latinstock/© Paul Starosta/Corbis/Terra by Corbis adaptação para e-book: Marcelo Morais CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

J57c Jinpa, Thupten, 1958Um coração sem medo [recurso eletrônico] / Thupten Jinpa; tradução de José Eduardo Mendonça. 1. ed. - Rio de Janeiro: Sextante, 2016. recurso digital Tradução de: A Fearless Heart Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia ISBN 978-85-431-0378-5 (recurso eletrônico) 1. Compaixão – Aspectos religiosos – Budismo. 2. Meditação – Budismo. 3. Vida espiritual – Budismo. 4. Livros eletrônicos. I. Mendonça, José Eduardo. II. Título. CDD: 294.3 CDU: 24-7

16-32383 Todos os direitos reservados, no Brasil, por GMT Editores Ltda. Rua Voluntários da Pátria, 45 – Gr. 1.404 – Botafogo 22270-000 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2538-4100 – Fax: (21) 2286-9244 E-mail: [email protected] www.sextante.com.br

Para meus falecidos pais, que, apesar de todas as dificuldades como refugiados tibetanos na Índia, instilaram em mim a fé na bondade essencial da humanidade.

INTRODUÇÃO Nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou. – VICTOR HUGO

L

embro-me de caminhar entusiasmado ao lado de Sua Santidade, o Dalai Lama, segurando sua mão e tentando acompanhar seu passo. Eu devia ter uns 6 anos quando ele visitou o Lar do Castelo Istirling para Crianças Tibetanas em Shimla, no norte da Índia, onde eu vivia com mais de duzentas crianças refugiadas. O Lar fora criado pela instituição britânica Save the Children em 1962 e instalado em duas antigas casas coloniais situadas em uma pequena colina. Nós, crianças, nos ocupamos naquele dia de ensaiar canções enquanto os mais velhos limpavam as ruas e as decoravam com os símbolos tibetanos da boa sorte – o guarda-sol, os dois peixes dourados, a concha, a flor de lótus, o nó infinito, o vaso, a roda de oito raios dharma e a bandeira da vitória. Havia muitos policiais indianos em torno da escola. Lembro-me de jogar bola de gude com alguns deles enquanto esperava pelo grande momento. E, quando ele chegou, foi realmente mágico. Uma fumaça espessa erguia-se de uma fornalha de cal feita especialmente para a ocasião. Vestidos com nossas melhores roupas coloridas e segurando nas mãos o kata – tradicional lenço branco tibetano de saudação –, nos posicionamos dos dois lados do caminho que levava à escola e cantamos a plenos pulmões. Eu havia sido um dos escolhidos para acompanhar o Dalai Lama enquanto ele visitava a escola. Em certo momento, perguntei-lhe se eu poderia me tornar um monge. “Estude bastante e você poderá se tornar um monge no momento que desejar”, respondeu ele. Olhando para trás, acho que a única razão para eu desejar uma coisa dessas tão cedo era que havia na escola dois professores que eram monges – e eram os adultos mais gentis e eruditos de lá. Além disso, pareciam sempre felizes e tranquilos – até mesmo radiantes, às vezes. E o que era mais importante para nós, crianças: eram eles que contavam as melhores histórias. Assim, quando a primeira oportunidade surgiu, aos 11 anos de idade, ingressei em um mosteiro, apesar dos protestos de meu pai. Ele ficou chateado porque eu estava desperdiçando a chance de me tornar o provedor da família – os pais da geração dele queriam que os filhos estudassem e fossem trabalhar num escritório. No entanto, pelos dez anos seguintes eu vivi na pequena comunidade do mosteiro Dzongkar Choed. Foi lá, no verde permanente das calmas colinas de Dharamsala, no norte da Índia, que comecei a praticar o inglês ao lado de hippies que estavam em busca da iluminação. Fiz dois grandes amigos: John e Lars. John era um americano recluso que morava sozinho em um bangalô perto da cabana de meditação de um famoso mestre. Eu me encontrava com ele uma ou duas vezes por semana. Foi ele quem me apresentou a panquecas e presunto. Lars era um dinamarquês que morava perto do mosteiro. Eu o visitava com frequência para conversar e comer torradas com geleia.

Na primavera de 1972, o mosteiro foi transferido para o sul da Índia, onde havia começado um programa de reassentamento de tibetanos. Aos 13 anos, juntei-me aos outros monges desbravando florestas, cavando fossos e trabalhando nos milharais. Nos primeiros dois anos, enquanto preparávamos o local, recebíamos um salário diário de 0,75 rupias indianas, que equivalia a menos de 1 centavo de dólar. Havia pouca educação formal em Dzongkar Choede – não é costume jovens monges frequentarem escolas seculares regulares. Mas, quando a comunidade se mudou para o sul, eu já havia memorizado todos os textos litúrgicos de que precisava. O dia de trabalho terminava às quatro da tarde, portanto eu tinha algum tempo livre, e decidi melhorar meu inglês. No entanto, sem oportunidade de praticar conversação, tive que me virar lendo histórias em quadrinhos. Um dia, consegui um rádio transistor usado e passei a ouvir diariamente o BBC World Service e a Voice of America (VOA). Naquela época, a VOA tinha um programa “transmitido em inglês especial” no qual o apresentador falava devagar e repetia cada frase duas vezes. Isso foi imensamente útil, já que minha compreensão da língua era muito básica. Como eu era o único jovem do mosteiro que sabia ler e falar inglês – mesmo que de forma rudimentar –, isso me destacava dos outros meninos. Havia um mundo muito maior além da comunidade de refugiados e do mosteiro no qual apenas eu podia entrar. Através do inglês, os países de que eu ouvia falar nos noticiários ganhavam vida e começavam a fazer sentido para mim – Inglaterra, Estados Unidos, Rússia e meu amado Tibete, que tinha caído nas mãos da China comunista. Por volta de 1976, quando eu tinha 17 anos, conheci a Dra. Valentine Stache-Rosen, uma indologista alemã especializada em textos em sânscrito e chinês que manifestou grande interesse pelo meu progresso no inglês. Ela me apresentou à literatura ocidental e transformou meus conhecimentos da língua. Não consigo imaginar aonde a vida teria me levado se não fossem sua ajuda e sua generosidade. Nessa mesma época, conheci o professor que mais tarde se tornaria uma das mais importantes influências em minha formação budista. Famoso por sua erudição e sua poesia, Zemey Rinpoche era a pessoa mais delicada que eu já conhecera. Eu já havia lido diversos textos dele na escola, e encontrá-lo pessoalmente reacendeu meu entusiasmo pelo aprendizado que originalmente tinha me inspirado a me tornar um monge. Em nosso primeiro encontro, Rinpoche reconheceu minha mente irrequieta e me adotou como discípulo. Então, no verão de 1978, deixei minha pequena comunidade para ingressar em Ganden, um grande mosteiro acadêmico também no sul da Índia, a dez ou doze horas de ônibus dali. Em 1985, vinte anos depois de ter acompanhado Sua Santidade na visita à minha escola, tive a honra – ainda que acidental – de ser intérprete de um seminário ministrado por ele. O intérprete contratado não pôde comparecer ao primeiro dia do evento, então me perguntaram se eu poderia substituí-lo. Poucos dias depois, fui avisado de que o Dalai Lama desejava me ver. Quando cheguei ao seu escritório, ele me disse: “Conheço você. É um bom debatedor do mosteiro de Ganden. Mas não sabia que falava inglês.” Ele comentou que alguns ocidentais que compareceram ao seminário elogiaram a minha pronúncia. Por isso ele perguntou se eu estaria disponível para ser seu intérprete quando ele precisasse, especialmente durante suas viagens.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Nunca, nem em meus sonhos, eu imaginara que um dia eu o serviria tão de perto. Assim, comecei a acompanhar o Dalai Lama em suas viagens internacionais, ajudando-o nas palestras e nos projetos de seus livros. Nessas atividades, tenho sido seu principal intérprete desde 1985, servindo a essa notável voz de compaixão já há quase trinta anos. Desde o começo, Sua Santidade deixou claro que eu não pertenceria ao seu quadro permanente de auxiliares, pois seria um desperdício de minha educação monástica e de meu talento. Em vez disso, aconselhou-me a me concentrar nos estudos e a perseguir uma vida independente dedicada à erudição. Esse foi um gesto verdadeiramente compassivo de sua parte. Com o tempo, compreendi que meu destino era servir de intermediário entre a tradição budista tibetana clássica e o mundo contemporâneo. Talvez minha estranha experiência da juventude – tendo crescido em um mosteiro, mas fascinado pela cultura ocidental – tenha me preparado para esse papel. Não havia muitas pessoas com a minha formação que soubessem inglês. Quando meu domínio da língua cresceu, tomei consciência de que poderia me tornar a ponte entre as duas culturas que eu tanto amava. A motivação de cumprir esse destino da forma mais eficiente possível me levou à Universidade de Cambridge, na Inglaterra, onde dei início a uma nova fase da minha vida. E, felizmente, minhas experiências confirmaram que muitas coisas boas podiam sair do encontro da tradição budista clássica com o pensamento ocidental contemporâneo. Este livro é parte desse trabalho de interpretação intercultural. A compaixão sempre me interessou. Na infância, eu a recebia. Graças aos milhares de cidadãos ingleses que contribuíram com a organização Save the Children, mais de mil crianças tibetanas, como eu, encontraram um lar seguro para crescer enquanto nossos pais lutavam para se adaptar a uma terra cujos costumes e cuja língua não conheciam. Graças a pessoas como Valentina Stache-Rosen e Zemey Rinpoche, encontrei um propósito – apesar de minha educação pouco convencional. Em minha vida profissional, servindo ao Dalai Lama tão de perto, tive o privilégio de testemunhar em primeira mão o que significa viver com completa convicção nessa qualidade humana definidora que chamamos de compaixão. Hoje sou casado, pai de duas adolescentes, moro no Canadá e minha vida é muito diferente da que levava naquele mosteiro tibetano na Índia. Todos os dias, como a maioria das pessoas, enfrento os desafios típicos da vida moderna, tentando conciliar trabalho, família e relacionamentos, pagar as contas e, ao mesmo tempo, manter a sanidade e o otimismo. Mas é nos ensinamentos da tradição budista que encontro muitas das ferramentas que me ajudam a ultrapassar os obstáculos do dia a dia. Espero partilhar algumas delas com você.

O que é compaixão? A maioria de nós concorda que é algo importante tanto em nossa vida pessoal quanto para a sociedade em geral. Além disso, é indiscutivelmente parte de nossa experiência humana cotidiana. Amamos e cuidamos de nossos filhos; quando confrontados com alguém que esteja sentindo dor, instintivamente nos sentimos mal por aquela pessoa; ficamos

comovidos quando alguém recorre a nós num momento de aflição. A maioria de nós concordaria que a compaixão tem algo a ver com o real significado de uma vida boa. Por isso não é coincidência que ela acabe se revelando a base comum em que os ensinamentos éticos de todas as principais tradições – religiosas e humanistas – se encontram. Mesmo na acirrada arena política, trata-se de um valor que ambos os lados do espectro se mostram ansiosos por reivindicar para si. Apesar de nossas experiências e crenças sobre o assunto, a compaixão não desempenha um papel central em nossa vida nem na sociedade. Na cultura contemporânea, temos uma relação muito confusa com valores como bondade e compaixão. Para algumas pessoas, é uma questão religiosa ou moral, uma preocupação particular do indivíduo, com pouca ou nenhuma relevância social. Outras questionam a possibilidade de existência do altruísmo e suspeitam de sentimentos como compaixão, que colocam o bem-estar dos outros em primeiro lugar. No outro extremo, essas qualidades se elevam a ponto de ficarem fora de alcance para a maioria de nós, tornando-se exclusividade de indivíduos excepcionais, algo a ser admirado em pessoas como Madre Teresa, Nelson Mandela e o Dalai Lama, mas que não se mostra relevante para o nosso dia a dia. Em uma definição ampla, compaixão é uma preocupação que surge quando vemos o sofrimento do outro e desejamos que ele acabe. A palavra latina que lhe deu origem significa literalmente “sofrer junto de”. De acordo com a historiadora Karen Armstrong, a etimologia das palavras correspondentes em línguas semíticas – rahama-nut em hebraico, rahman em arábe – está ligada a um termo que significa útero, evocando o amor da mãe por seu filho como uma expressão arquetípica da nossa compaixão. Em essência, esse sentimento é nossa resposta à realidade inevitável da condição humana: nossas experiências de dor e sofrimento. A compaixão nos oferece a possibilidade de reagir ao sofrimento com compreensão, paciência e bondade em vez de – digamos – medo e repulsa. Ela faz com que estejamos abertos à realidade do sofrimento e em busca de seu alívio. A compaixão é o que conecta o sentimento de empatia a atos de bondade, generosidade e outras expressões de nossas tendências altruístas. Quando sentimos compaixão diante da necessidade ou do sofrimento de alguém, três coisas acontecem de forma quase instantânea: percebemos o sofrimento ou a necessidade do outro; construímos uma ligação emocional com aquela situação; e reagimos instintivamente, desejando que aquele sofrimento acabe. A compaixão pode levar à ação porque ficamos dispostos a fazer algo para melhorar a situação do outro. Hoje, os cientistas estão começando a mapear a base neurobiológica da compaixão e a explorar suas profundas raízes evolutivas. Em termos de sociedade, há muito ignoramos o papel fundamental de nosso instinto de compaixão na hora de determinar nossa natureza e nosso comportamento. E acreditamos sem pestanejar na narrativa popular que procura explicar todas as nossas ações pelo prisma da competição e do egoísmo. O problema com uma história como essa é que ela se realiza por si só. Quando sempre ouvimos que no fundo somos criaturas egoístas e agressivas, presumimos que o mundo é “cada um por si” – e nada mais lógico que enxergar os outros como fonte de rivalidade e antagonismo. Assim, em vez de criar vínculos, nos relacionamos com os outros cheios de apreensão, medo e suspeitas. Por outro lado, se nossa história disser que somos criaturas sociais, dotadas de

instintos de compaixão e bondade, e que, como seres profundamente interdependentes, nosso bem-estar está ligado ao dos demais, isso transforma nossa forma de ver e nos comportarmos no mundo. Por isso as histórias que contamos sobre nós mesmos são tão importantes.

Por que agora? Hoje diversos fatores parecem indicar que chegou a hora da compaixão. À medida que o mundo se torna cada vez menor – com a população crescendo rapidamente e os recursos naturais escasseando, sérias questões ambientais e a proximidade de povos, culturas e religiões proporcionada pela tecnologia, pelas mudanças demográficas e por uma economia global –, mais urgente se torna a necessidade de desenvolvermos o espírito de coexistência e cooperação. Estamos juntos nessa, e a compaixão tem muito a ver com a unidade da raça humana. Em uma série de tocantes diálogos com o Dalai Lama, o cientista Paul Ekman defendeu que o desafio mais importante de nosso tempo é alcançar aquilo que ele chama de “compaixão global”. Se pudermos acolher com seriedade a parte compassiva de nossa natureza – tanto em nível individual quanto social –, teremos uma chance real de criar um mundo mais humano. Descobertas de diversos campos do conhecimento vêm mostrando que não somos apenas criaturas egoístas e competitivas, mas também seres afetuosos e cooperativos. Isso nos enche de esperança. Além disso, graças às tecnologias de obtenção de imagens do cérebro, hoje sabemos que esse órgão se altera fisicamente em resposta ao ambiente e às experiências da vida. Agora os pesquisadores estão começando a entender como o treinamento mental consciente afeta nosso cérebro. Esses avanços levaram à criação de um campo inteiramente novo de estudos conhecido como ciência contemplativa, que investiga os efeitos de práticas contemplativas como a meditação na saúde, no desenvolvimento cognitivo, na regulação emocional, etc. Essa ciência nos diz que, quando treinamos a mente, literalmente transformamos nosso cérebro. Lembro que, anos atrás, durante a Conferência Mente e Vida, o ​Dalai Lama lançou um desafio aos cientistas presentes. “Vocês, cientistas, fizeram um trabalho notável mapeando as patologias da mente humana. Mas trabalharam pouco ou nada com qualidades positivas como a compaixão – sem falar de seu potencial de cultivo. As tradições contemplativas, por outro lado, desenvolveram técnicas para treinar a mente e fortalecer essas qualidades positivas. Então por que vocês não usam as poderosas ferramentas que têm para estudar os efeitos das práticas contemplativas? Quando a ciência compreender melhor os efeitos desse tipo de treinamento, aí então teremos a possibilidade de apresentá-lo a um público mais amplo, não como uma prática espiritual, mas como uma série de técnicas de bem-estar mental e emocional.” Foram palavras proféticas. No Ocidente, a prática de mindfulness, ou atenção plena, começou a se disseminar com meditações budistas que alguns americanos pioneiros, como Jack Kornfield e Joseph Goldstein, levaram para os Estados Unidos na década de 1970, depois de passarem anos em mosteiros do Sudeste Asiático. As influências do mestre birmanês-indiano S. N. Goenka e do mestre zen Thich Nhat Hanh também foram importantes para esse movimento. Em 1979, Jon Kabat-Zinn passou a usar práticas de atenção plena para tratar pacientes com dores crônicas

numa clínica da faculdade de medicina da Universidade de Massachusetts. Mais tarde, esse tratamento recebeu reconhecimento científico e passou a ser conhecido como MBSR (mindfulness-based stress reduction – redução de estresse baseada na atenção plena). A defesa explícita do Dalai Lama da adoção de práticas de treinamento mental também desempenhou um papel significativo no esforço de aumentar a consciência dos benefícios da atenção plena. Hoje esse termo aparece ligado a técnicas terapêuticas, estratégias de gerenciamento e esportes competitivos. Uma busca da palavra mindfulness no site Amazon resulta em mais de 3 mil títulos. O cenário está montado. Há um crescente movimento científico para redefinir o lugar da compaixão em nossa compreensão da natureza e do comportamento humanos, e agora ela pode ter um grande impacto no mundo. Terapias com base no treinamento da compaixão vêm se mostrando promissoras para o tratamento de problemas de saúde mental – de autocrítica negativa em excesso a casos de estresse pós-traumático e distúrbios alimentares. Já os educadores procuram cada vez mais levar a bondade e a compaixão para o ambiente escolar, como parte do desenvolvimento social, emocional e ético das crianças. Nesse contexto, surgiu a oportunidade de criar um programa padronizado conhecido hoje como treinamento de cultivo da compaixão (TCC).

Treinamento de cultivo da compaixão em Stanford A história do TCC começou em 2007, quando conheci o neurocirurgião Jim Doty. Ele queria criar um fórum de profissionais de todas as áreas para investigar cientificamente o comportamento altruísta e suas motivações, sobretudo a compaixão. É claro que eu estava interessado em participar. O resultado foi o CCARE, sigla em inglês para Centro de Pesquisa e Educação da Compaixão e do Altruísmo da Universidade Stanford, que ajudou a colocar pesquisas desse tipo no escopo da ciência. Eu me tornei professor visitante em Stanford e ajudei a desenvolver o treinamento de cultivo da compaixão. O programa tem duração de oito semanas, com um encontro semanal de duas horas para aulas sobre introdução à psicologia e práticas de meditação guiada para ajudar a desenvolver maior consciência e melhor compreensão da dinâmica de nossos pensamentos, comportamentos e emoções. Entre as aulas, os alunos fazem “deveres de casa”: meditações guiadas pré-gravadas que começam durando cerca de quinze minutos e chegam a meia hora. Além disso, têm práticas informais, aproveitando as oportunidades do cotidiano para trabalhar as lições da semana. Você pode se perguntar: será que práticas de meditação budista são eficazes mesmo que sejam despidas de seus elementos religiosos? Meu ponto de vista sobre a questão é objetivo. Como sou tradutor profissional, sempre admirei a passagem memorável de Sociedade e solidão em que Ralph Waldo Emerson escreveu: “O melhor de qualquer livro é traduzível – qualquer percepção ou sentimento humano real.” Acredito que esse princípio é verdadeiro não apenas para a tradução entre diferentes línguas, mas também para outras maneiras de transmitir percepções da condição humana. Se as práticas de compaixão do budismo nos tocam de um jeito decisivo e

ajudam a nutrir e desenvolver o que temos de melhor, então com certeza essas técnicas tradicionais podem ser traduzidas para todos, não importando a etnia, a religião ou a cultura. Em outras palavras: as verdades mais profundas são universais. Inicialmente, o TCC foi oferecido a estudantes de Stanford e ao público em geral. Essa primeira experiência foi muito útil para aprimorarmos o programa. Eu reconheci, por exemplo, que a primeira versão do curso se concentrava demais na prática da meditação, o que não funcionava muito bem para pessoas que não fossem inclinadas a essa abordagem silenciosa e reflexiva. Para estas, os exercícios mais ativos ou interativos provaram ser mais eficientes na hora de evocar os estados mentais e emocionais que pretendíamos cultivar. Assim, incorporei técnicas diferentes, sobretudo exercícios interativos e discussões em sala de aula. Para tornar o treinamento mais abrangente, busquei a ajuda de diversos colegas, especialmente três pessoas notáveis – Kelly McGonigal, professora de Stanford e conhecida instrutora de ioga e meditação; Margaret Cullen, terapeuta de família e treinadora certificada de atenção plena; e Erika Rosenberg, pesquisadora das emoções e professora de meditação. Essas três colegas se tornaram as primeiras professoras do TCC e, mais tarde, Monica Hanson e Leah Weiss se juntaram a elas. Kelly e Leah desenvolveram um amplo curso de treinamento de professores no TCC. Até hoje, mais de uma centena de instrutores já se formaram e o programa passou a ser oferecido a um público muito variado, de um grupo de engenheiros do Google a redes de apoio a pacientes de câncer. Neste livro conto algumas histórias do programa. Para os interessados, as fontes utilizadas e os estudos científicos citados estão indicados na seção Notas. O Dalai Lama certa vez disse que chegará o tempo em que o mundo irá reconhecer a importância dos cuidados com a mente – da mesma forma que hoje aceitamos que uma boa alimentação e exercícios físicos são o segredo para a saúde física.

Sobre este livro A compaixão é parte fundamental da natureza essencial do ser humano. A chave para a felicidade individual e o bem-estar da sociedade como um todo é entrar em contato com nossa parte compassiva e lidar com nós mesmos, com os outros e o mundo a partir dela. Cada um de nós pode adotar medidas práticas para colocar a compaixão no centro da sua vida e do mundo que compartilhamos. Na Parte II deste livro mostrarei quais são essas medidas. Portanto, o objetivo deste livro é simples e ambicioso ao mesmo tempo: redefinir a compaixão como algo que todos possam entender e transformá-la num desejo consciente, não apenas num ideal. Quero tirá-la de seu pedestal e torná-la uma força ativa no dia a dia. Ao apresentar um treinamento sistemático para a mente e o coração, este livro mapeia o caminho para tornarmos a compaixão nossa postura principal, a âncora de uma vida mais feliz, menos estressante e mais gratificante. O paradoxo da compaixão é que nós mesmos somos seus maiores beneficiários. Como veremos na Parte I, a compaixão nos torna pessoas mais felizes. Ela nos tira do nosso estado de espírito costumeiro, com a cabeça cheia de decepções, arrependimentos e preocupações, e nos

leva a concentrar a atenção em algo maior. Ao contrário do que poderíamos pensar, a compaixão nos deixa mais otimistas, porque, apesar de surgir a partir de uma situação difícil, seu maior desejo é o fim do sofrimento e a possibilidade de fazermos algo a respeito. A compaixão nos dá um sentido de propósito que vai além de nossas habituais preocupações mesquinhas. Nosso coração fica mais leve e nosso estresse diminui, o que nos torna mais pacientes e nos ajuda a compreender melhor a nós mesmos e os outros. Além disso, a compaixão nos leva a valorizar ainda mais a bondade dos outros em relação a nós. Uma médica de 32 anos que participou do TCC relata como a compaixão a ajudou: Às vezes atendo 35 pacientes num dia. Então parei de me sentir conectada com eles, que parecem ter se tornado apenas números. Eu estava me sentindo totalmente esgotada e cheguei a pensar em desistir da medicina. As coisas começaram a mudar quando entrei no TCC e comecei a prática da compaixão. Eu mudei. Comecei a usar as três respirações profundas antes de entrar na sala de atendimento e a não ficar com o paciente anterior na cabeça. De alguma forma, eu só conseguia prestar atenção na pessoa diante de mim. O sofrimento do paciente à minha frente começou a importar de novo e, o que é mais importante, percebi que podia oferecer às pessoas meus cuidados, não apenas uma receita. Meu dia de trabalho ainda é difícil, com todo tipo de cobranças, mas estou menos estressada. Sinto que o que faço tem um significado e estou mais equilibrada. Agora pretendo continuar praticando a medicina e a compaixão. Comemoro o fato de nunca estarmos totalmente livres dos ditames da compaixão. Nascemos à mercê dos cuidados de alguém. Crescemos e chegamos à idade adulta porque outras pessoas cuidaram de nós. Mesmo no auge da autonomia da maturidade, a presença ou a ausência da afeição dos outros é capaz de determinar nossa felicidade ou tristeza. Essa é a natureza humana. Somos vulneráveis, e isso é bom. Um coração sem medo abraça essa verdade fundamental da condição humana. Podemos desenvolver a coragem para ser mais compassivos com o mundo e viver com o coração aberto para a dor – e a delícia – do que significa ser humano. Como somos extremamente sociais e morais, cada um de nós anseia por ser reconhecido e valorizado. Queremos ter importância, sobretudo na vida das pessoas que amamos. Gostamos de acreditar que nossa existência serve a um propósito, e estamos sempre em busca de sentido. A conexão com os outros, a diferença real que podemos fazer na vida dos demais e a alegria trazem valor e propósito à nossa existência – esse é o poder da compaixão.

PARTE I

Por que a compaixão importa

1 O segredo mais bem guardado da felicidade COMPAIXÃO O que é aquilo que, quando você tem, faz com que possua também todas as outras virtudes? É a compaixão. – ATRIBUÍDO AO BUDA

Que sabedoria você pode encontrar que seja maior que a bondade? – JEAN-JACQUES ROUSSEAU (1712–1778)

M

inha mãe morreu quando eu tinha 9 anos. Na época eu estava num internato para refugiados tibetanos em Shimla. Meus pais eram parte de um grupo de mais de 80 mil refugiados que haviam deixado o Tibete depois da fuga do Dalai Lama para a Índia, em 1959. Muitos desses, inclusive meus pais, terminaram em acampamentos de construção de estradas no norte da Índia. Como o Tibete tinha sido anexado à República Popular da China, a Índia, país vizinho, de repente se viu precisando defender uma fronteira de mais de 3 mil quilômetros de extensão. Daí a urgente necessidade de novas estradas. Os tibetanos recém-chegados eram a mão de obra ideal para enfrentar o desafio de construir estradas em altitudes elevadas. Meus pais trabalhavam na estrada da pitoresca estação na colina de Shimla, uma cidade a quase 2 mil metros de altitude, na montanhosa fronteira com o Tibete. Mas, apesar das dificuldades físicas, das mudanças de acampamento a cada poucos meses e de estarem longe dos filhos na maior parte do tempo, eles conseguiram criar boas memórias de minha primeira infância. Eu ainda me sinto aquecido e grato ao lembrar aqueles anos. Mais tarde descobri que minha mãe morrera de uma causa totalmente evitável. Enquanto dava à luz minha irmã no acampamento, ela sofreu um sangramento complicado pela poeira da estrada e a falta de cuidados médicos. Pouco tempo depois, fez o trajeto de seis horas de ônibus de Shimla a Dharamsala para visitar meu pai, que estava muito doente em uma clínica tibetana. Ela morreu alguns dias após sua chegada. A essa altura, meu irmão mais novo já estava na vila de crianças tibetanas em Dharamsala e, como não havia ninguém para cuidar de minha irmã recém-nascida, ela também foi deixada aos cuidados da vila. Eu me lembro de quando visitei o “quarto dos bebês”, o bangalô de teto verde que tinha uma fileira de berços onde minha irmã vivia junto de outras crianças pequenas, muitas delas órfãs. Já meu pai, depois que se recuperou totalmente, tornou-se monge e foi morar num mosteiro. Para minha sorte, havia o tio Penpa. O irmão da minha mãe era um homem alto e magro, tinha maçãs do rosto proeminentes e mancava um pouco por causa de um problema no joelho.

Ao contrário do meu pai, que usava o cabelo no estilo tradicional tibetano, com duas longas tranças vermelhas enroladas na cabeça, tio Penpa mantinha os cabelos curtos e “modernos”, complementados por um fino bigode. Como tinha sido monge, ele sabia ler e conseguia até entender algumas placas de ônibus e trens em inglês. Numa época em que me sentia um órfão, tio Penpa me tratou como se eu fosse seu filho. Duas de suas filhas estavam no mesmo internato que eu e, toda vez que meu tio ia vê-las ou levá-las de férias para o acampamento de construção de estradas, eu ia junto. Ele dava a cada um de nós a mesma quantidade de trocados: duas rupias indianas – cerca de 5 centavos de dólar. Quando cresci e entendi melhor as dificuldades que meu tio e meus pais enfrentaram naqueles primeiros dias como refugiados na Índia, passei a apreciar ainda mais sua compaixão e sua bondade. Eram estranhos em um novo país, vivendo em tendas improvisadas à beira da estrada, sob a chuva impiedosa das monções. O dinheiro era escasso, mas meu tio partilhava o pouco que tinha. Tio Penpa se tornou uma das pessoas mais importantes da minha vida e continuamos próximos até sua morte, apesar de todas as mudanças que me levaram para longe de seu mundo familiar.

Nascidos para criar vínculos O educador americano Fred Rogers certa vez disse: “Quando eu era pequeno e via coisas assustadoras no noticiário, minha mãe dizia: ‘Procure os que estão ajudando. Você sempre vai ver alguém que está ajudando.’” Se olharmos bem, sempre podemos encontrar pessoas que estão ajudando – com gestos grandes ou pequenos –, porque isso é algo que nós, humanos, nascemos para fazer. Meu tio Penpa não era um santo. Mas ele, como todos nós, havia sido dotado da capacidade natural de sentir a dor do outro e se preocupar com seu bem-estar. Indivíduos extraordinariamente compassivos, como Madre Teresa e o Dalai Lama, podem até parecer pertencer a uma espécie diferente, mas também são humanos. No entanto, nosso instinto para a compaixão é mais como nossa capacidade de aprender uma língua do que uma característica inata como, digamos, a cor de nossos olhos. Nem todo mundo vai se tornar um Shakespeare, mas, através da exposição e da prática, podemos nos tornar especialistas numa língua à nossa própria maneira. A compaixão de Madre Teresa e do Dalai Lama se destaca porque eles trabalharam para desenvolvê-la. A semente da compaixão está presente em todos nós. Além disso, pequenos atos de compaixão podem ter um impacto maior do que se imagina.

Historicamente, no Ocidente, ao menos desde o Iluminismo – sobretudo desde a teoria da evolução de Darwin –, a visão dominante propaga a ideia de que somos uma espécie egoísta e que a competição é nossa maior força motivadora. Thomas Huxley, muitas vezes descrito como

o “cão de guarda” de Darwin por sua tenacidade em divulgar as ideias do cientista, via a existência humana como um espetáculo de gladiadores no qual “o mais forte, o mais rápido e o mais astuto sobrevivem para lutar no outro dia”. Tomando como base essa suposição de que nossa natureza é essencialmente egoísta, cientistas e filósofos passaram a se esforçar para encontrar no egoísmo a motivação por trás de todas as ações humanas. Se o interesse por trás de um comportamento particular ainda não tivesse sido revelado, a explicação estava incompleta, especialmente entre os pensadores que tinham formação científica. A ideia de que algum comportamento humano pudesse ser realmente desinteressado era descartada como simples ingenuidade. Na melhor das hipóteses, o altruísmo era tido como um comportamento irracional, possivelmente nocivo para a pessoa que o adotasse; na pior, os altruístas não passavam de hipócritas ou estavam enganando a si mesmos. Sempre achei esse ponto de vista pouco generoso. Em meus anos de formação, quando era um jovem monge, aprendi, segundo a tradição budista, que a compaixão (assim como outras características positivas) é uma qualidade inata e que sua expressão através da bondade é algo completamente natural. Tudo é uma questão de cultivar o que temos de melhor e conter nossas tendências destrutivas, como a raiva, a agressividade, a inveja e a cobiça. Eu tinha muitas discussões sobre o altruísmo com meus colegas em Cambridge. Citava exemplos de atos de bondade e compaixão, mas alguém sempre contrapunha: “Ele deve ter ganhado alguma coisa, senão não o faria.” Por isso, durante toda a minha carreira, venho buscando dissidentes do paradigma do egoísmo. Suas fileiras estão crescendo no Ocidente e você vai conhecer vários deles ao longo deste livro. O filósofo americano Thomas Nagel, por exemplo, defende que o altruísmo não é incoerente, pelo menos em princípio, e o psicólogo Daniel Batson passou grande parte de sua vida profissional demonstrando que o comportamento humano genuinamente desinteressado existe sim. Parece que não demos crédito suficiente a nós mesmos – e nos tornamos presas da profecia autorrealizável do egoísmo.

Eu sou o outro Hoje, mesmo no meio científico, há um crescente reconhecimento de que a visão egoísta da natureza humana é simplista demais. Além desse traço, os estudos também devem levar em conta o importante papel que o instinto de cuidado desempenha como motivador das ações humanas. Agora sabemos que a cooperação esteve lado a lado com a competição durante a evolução humana. Grande parte da força desse novo movimento científico vem do estudo da empatia. Novas pesquisas nas mais variadas disciplinas vêm demonstrando que somos motivados em grande parte pela empatia. A empatia é nossa capacidade natural de entender o sentimento do outro e partilhar sua experiência. Ela tem dois componentes: uma resposta emocional aos sentimentos de alguém e a compreensão cognitiva da situação. A resposta emocional pode tomar a forma de ressonância, na qual experimentamos uma emoção semelhante à da outra pessoa – uma espécie de sentir com o outro –, ou de lamento – sentir pelo outro –, sem chegarmos a sentir o que aquela pessoa está

sentindo. A palavra empatia foi usada pela primeira vez pelo psicólogo Edward B. Titchener em 1909 para traduzir a complicada palavra einfühlungsvermögen, surgida em algum ponto do século XIX. O sentido literal desse termo alemão é “ser capaz de sentir junto” e conota a sensibilidade aos sentimentos do outro. Apesar de ser uma palavra tão recente, as pessoas reconhecem esse fenômeno há muito tempo. Esse conceito está no coração da Regra de Ouro, que é a base ética de todas as principais tradições espirituais: “Não faça aos outros o que não quer que façam a você.” Numa das formulações budistas dessa regra – “Tome seu corpo como exemplo e não faça mal aos outros” –, a conexão com a empatia é ainda mais explícita. Também podemos encontrar essa ideia em fontes não religiosas. No romance filosófico Emílio, ou Da educação, Jean-Jacques Rousseau pergunta: “Como podemos nos deixar comover pela piedade a não ser nos transportando para fora de nós mesmos e nos identificando com o sofredor?” O filósofo escocês David Hume compara nosso sentimento natural em relação às outras pessoas – o modo como suas dores e seus prazeres ressoam em nós como se fossem nossos – à maneira como as cordas de um violino reverberam com os sons das outras cordas. O próprio Charles Darwin falou de nossos “bem-dotados instintos sociais” e sugeriu que eles “levam um animal a ter prazer na companhia de seus pares, a sentir certa simpatia por eles e lhes prestar vários serviços”. A tradição budista expressa ideias semelhantes a partir de uma perspectiva diferente. Lemos muito sobre a capacidade natural de empatia que surge de nosso sentimento de conexão ou identificação com o outro. Alguns dos primeiros textos budistas descrevem essa identificação como “uma apreciação clara” da natureza senciente do outro, enquanto outras fontes a caracterizam como “uma noção de consideração pelo outro” ou a “valorização do outro”. Desse modo, quando sentimos empatia, não estamos apenas reconhecendo os sentimentos do outro, mas também honrando-os. No cérebro, a empatia envolve diversos sistemas importantes. Primeiro, e antes de tudo, o sistema límbico, conhecido especialmente por seu papel no processamento de sinais emocionais. Depois, a empatia ativa redes neurais que fazem parte de um sistema de criação de vínculos, que tem papel crucial na interação entre uma criança e sua mãe, por exemplo. Por fim, quando surge como resposta ao sofrimento de alguém, a empatia está associada ao que cientistas chamam de matriz da dor, as regiões do cérebro associadas a nossa experiência pessoal de dor. Imagens do cérebro indicam que a empatia tem raízes profundas em partes evolutivamente antigas do cérebro, assim como em partes mais novas, como a região cortical, que nos permite assumir a perspectiva do outro. Descobertas da neurociência indicam também que, pelo menos na experiência humana da empatia, há uma conexão íntima entre nossas percepções e atitudes, de um lado, e as emoções e motivações, de outro. Assim, se mudamos nossa percepção e nossas atitudes em relação a alguém, podemos na verdade mudar o modo como nos sentimos em relação a essa pessoa.

Aonde a pesquisa está nos levando?

Na tenra infância, onde estão as raízes do afeto e da bondade? Dois psicólogos, Felix Warneken e Michael Tomasello, examinaram essa questão fazendo experimentos. Queriam saber se bebês (de 14 a 18 meses) demonstram uma vontade genuína de ajudar. Um dos experimentos envolveu alguém pendurando uma toalha num varal, acidentalmente deixando o pregador cair e fingindo não conseguir pegá-lo. Em outro cenário, o pesquisador tenta colocar uma pilha de revistas dentro de um armário, mas finge não ser capaz de abrir a porta porque suas mãos estão ocupadas. Em ambas as situações, quase todas as crianças tomaram uma atitude e ajudaram. Em estudos subsequentes, Warneken e Tomasello descobriram que as crianças estavam dispostas a ajudar mesmo quando isso envolvia alguma dificuldade ou interrompia a brincadeira. O curioso é que também descobriram que recompensar as crianças era contraproducente. As que foram recompensadas se tornaram menos propensas a ajudar no futuro do que as que nunca tinham sido recompensadas. Outros estudos também mostraram que crianças muito pequenas, de 6 meses, parecem preferir brinquedos que simulem um comportamento de ajuda àqueles que o impedem. Como eu gostaria que já tivesse conhecimento desse exemplo em minhas discussões sobre o egoísmo em Cambridge. Pessoalmente, fiz descobertas semelhantes com minhas filhas. Quando a mais velha, Khando, tinha cerca de 15 meses, meu sogro estava à espera de uma cirurgia de quadril e sentia muita dor. Precisava de uma bengala para andar e, com frequência, para reduzir a dor, deitava de barriga para baixo na cama. Sem que ninguém tivesse mandado, Khando começou a levar a bengala e a oferecê-la sempre que percebia que o avô precisava se levantar. O que todas essas descobertas sugerem é que nossa capacidade de realizar atos de generosidade, de demonstrar um comportamento altruísta e sentir empatia e compaixão é inata, não algo que aprendemos durante a socialização ou pela exposição cultural. Apenas mais tarde, com a socialização, começamos a diferenciar aqueles que merecem nossa bondade dos que não a merecem. Em certa medida, Rousseau estava certo ao falar da influência corruptora da sociedade sobre o puro instinto de bondade de um bebê. Como argumentou Richard Davidson, pioneiro no campo da ciência contemplativa, se nossa capacidade natural de sentir compaixão é parecida com nosso potencial linguístico, então alguém que não encontre a compaixão (ou a linguagem) em seus anos de formação pode deixar de desenvolver ou expressar essa capacidade.

Os benefícios da compaixão Empatia é sentir por (ou junto de) outra pessoa e entender seus sentimentos. Sobretudo quando testemunhamos alguém sofrendo, a compaixão surge a partir da empatia, acrescentando a ela a vontade de que o sofrimento acabe e o desejo de fazer algo a respeito. A compaixão é mais um estado de empoderamento do que apenas uma resposta empática à situação. A bondade é a expressão dessa compaixão por meio da ajuda prestada, uma forma básica de altruísmo. A compaixão é o que permite que nossa reação empática se manifeste na forma de bondade. Em algum ponto da vida, a maioria de nós experimentou o poder da bondade – a compaixão em ação. Já recebemos a generosidade de alguém, como meu tio Penpa fez comigo, e fomos uma

fonte de generosidade para alguém. Seja um simples sorriso ou um aceno de um colega quando ansiamos pelo reconhecimento de alguém, um amigo ouvindo com paciência quando reclamamos de alguma frustração, um conselho sábio de um professor que realmente se importa conosco num momento crítico, o abraço amoroso do cônjuge quando estamos abatidos ou a ajuda de alguém durante um momento muito difícil – quando os raios da bondade chegam até nós, nos sentimos relaxados, reconhecidos e valorizados, nos sentimos afirmados. No entanto, costumamos esquecer de realizar atos bondosos ou não os apreciamos o suficiente. Ajudar os outros é parte do cotidiano de pais, cuidadores de idosos, profissionais da área de saúde e professores – a bondade é tão onipresente que nos acostumamos com ela e deixamos de lhe dar o devido valor. Ou a consideramos um extra, algo que não é essencial, um luxo para quem se dê o trabalho de despender o tempo e a energia necessários. Mas, na verdade, o nosso mundo depende da oferta e da aceitação de atos de bondade. A maioria de nós dirá que costuma sentir compaixão. Como está lendo este livro, você provavelmente também diria que isso é parte importante de sua identidade. Mas, não raro, esses sentimentos param por aí. A menos que trabalhemos a compaixão, a pratiquemos e mudemos nossos hábitos, transformando-a numa força ativa em nossa vida, ela continuará sendo apenas algo que nos acontece – uma reação automática à dor e à necessidade de nossos entes queridos ou ao sofrimento agudo de um estranho. Se ficarmos por aí, não conseguiremos explorar o poder transformador da compaixão. Aceitando a bondade Você consegue pensar em alguém que na sua vida tenha sido uma figura de bondade – cuja mera lembrança o preenche de alegria e gratidão? Pode ser um professor que o tenha incentivado na escola, ajudando-o a reconhecer seus pontos fortes no início da vida. Pode ser uma amiga leal que o faz sempre lembrar que ela está ao seu lado. Ou podem ser seus pais, que lhe deram uma base poderosa enquanto você crescia. Se ninguém lhe vier à memória, deixe a questão em aberto e torne a pensar nela amanhã. Por que a bondade dos outros, sobretudo quando a aceitamos em algum ponto muito difícil da vida, deixa uma marca tão profunda em nossa mente? A resposta simples é que atos desse tipo nos tocam no nível mais profundo de nossa humanidade – onde somos mais humanos. Todo mundo sabe que a bondade que recebemos dos outros nos faz bem, mas nem todos se beneficiam da mesma forma. Essa variável parece ser influenciada pelo nível de compaixão de cada um. Uma equipe de cientistas estudou 59 mulheres em São Francisco. As participantes preencheram um questionário que media seu nível individual de compaixão. Então foram divididas aleatoriamente em dois grupos. Uma semana depois, foram a uma sessão num laboratório em que precisavam fazer três coisas: proferir um discurso na presença de dois pesquisadores, participar de uma entrevista e submeter-se a um teste de matemática. Cada uma teve cinco minutos para pensar num discurso, com eletrodos na cabeça para medir suas ondas cerebrais e certas funções corporais. Num dos grupos, um dos pesquisadores fazia comentários

positivos, como “Você está indo bem”, sorria e acenava em aprovação ou fazia outros gestos afirmativos enquanto as participantes estavam envolvidas em suas tarefas. Para o outro grupo, os pesquisadores não ofereceram qualquer incentivo positivo. As participantes que tiveram pontuação mais alta em seu nível de compaixão e receberam sinais de incentivo dos pesquisadores apresentaram pressão sanguínea mais baixa, menor presença de cortisol e maior variabilidade dos batimentos cardíacos – indícios associados à saúde física e ao bem-estar social, especialmente durante a tarefa mais estressante de todas: o discurso. Elas também relataram gostar mais dos pesquisadores. Esses efeitos não foram observados naquelas que tinham um baixo nível de compaixão e receberam gestos de incentivo nem naquelas que, apesar dos altos níveis de compaixão, não receberam encorajamento. Ao resumir suas descobertas, os pesquisadores notaram que “as pessoas mais compassivas podem ser mais beneficiadas pelo incentivo dos outros, particularmente em situações de estresse agudo”. Em outras palavras, para nos beneficiarmos mais da generosidade dos outros, temos que estar com nossa própria generosidade a postos. O prazer de ajudar Trata-se de uma via de mão dupla: quando fazemos algo bondoso a outra pessoa por compaixão, nos sentimos bem porque a bondade afirma um traço fundamental da condição humana – a necessidade e a gratidão pelos vínculos com outros seres humanos. A compaixão e a bondade também nos libertam do confinamento sufocante aos nossos próprios interesses e nos levam a sentir que fazemos parte de algo maior. Se em geral nos arrastamos pela existência diária, cegos pelo egoísmo e pela ruminação, a compaixão nos tira os antolhos e coloca nossa vida em perspectiva. Não é surpresa nenhuma, portanto, que os cientistas tenham identificado efeitos positivos da compaixão no cérebro. Quando ajudamos alguém devido a uma preocupação genuína por seu bem-estar, nossos níveis de endorfina – o hormônio associado à sensação de euforia – aumentam, causando o que conhecemos como “o prazer de ajudar”. Em estudos nos quais os participantes eram orientados a estender a compaixão aos outros de forma consciente, os centros de recompensa no cérebro foram ativados – a mesma área cerebral que se acende quando pensamos em chocolate ou outra guloseima. Assim, em certo sentido, meus colegas de Cambridge estavam certos: quem pratica compaixão recebe uma recompensa, embora não no sentido egoísta que eles supunham. A satisfação advinda de uma ação altruísta é efeito dela, não seu objetivo. Esta é a pegadinha – feliz – da compaixão: quanto mais ajudamos os outros, mais saímos ganhando. Outros estudos mostraram que crianças relataram um aumento em seu nível de felicidade quando foram encorajadas a agir com bondade e que se envolver em atos desse tipo aumenta sua aceitação entre seus pares – algo muito importante para os adolescentes. O fato de ficarmos mais felizes quando estamos menos preocupados com nossa própria felicidade é um paradoxo. Da sensação de inspiração à paixão, nossas experiências mais profundas de felicidade surgem quando transcendemos nossa estreita individualidade. O nascimento de minha primeira filha me vem à mente. Mesmo num nível mais prosaico, sabemos

que tendemos a nos esquecer de nós mesmos quando vivenciamos um bom momento. O contrário também é verdadeiro: a inibição que sentimos quando estamos muito preocupados com o que podem pensar de nós é uma forte barreira à felicidade. Às vezes as pessoas chegam a extremos destrutivos apenas para escapar dessa sensação – como, por exemplo, abusando do álcool e de outras drogas. Quando sentimos compaixão em relação a alguém, passamos a ver o mundo sob uma luz mais positiva. Na superfície, isso parece não fazer sentido. Um pouco de bom senso já é suficiente para sugerir que o foco da compaixão no sofrimento faria o mundo parecer sombrio e nos deixaria mais pessimistas. No entanto, um estudo do qual participei em Stanford sugere o oposto. Mostramos aos voluntários imagens de rostos de pessoas e pedimos que, de forma consciente, sentissem compaixão por algumas delas. Depois de uma pausa, os participantes viram imagens de obras de arte moderna e as avaliaram. Entretanto, antes de cada slide, uma das imagens de rostos anteriores piscava por uma fração de segundo, rápido demais para que isso fosse percebido conscientemente. Os voluntários deram notas mais altas às obras de arte que apareceram depois dos rostos para os quais tinham estendido sua compaixão antes. Essa ligação – entre sentir compaixão e perceber o mundo sob uma luz mais positiva – pode explicar por que indivíduos mais compassivos em geral tendem a ser mais otimistas também. Quanto mais compaixão, mais propósito Para mim, o que a compaixão e a bondade têm de melhor é o modo como dão propósito à vida. Não há nada como se sentir útil. Seja em casa ou no trabalho, quando conseguimos fazer alguma diferença ajudando os outros, nos sentimos cheios de energia e orientados, mais eficazes e controlados. Ter um propósito na vida é um dos fatores cruciais para a felicidade pessoal – e chega a afetar nossa longevidade. Um estudo amplo sobre o efeito de três meses de meditação com práticas de compaixão descobriu efeitos interessantes sobre a telomerase dos participantes, uma enzima que repara nossos telômeros. Essas estruturas ficam na ponta das moléculas de DNA e vão encolhendo à medida que envelhecemos. Os participantes cuja avaliação indicou que possuíam um claro sentido de propósito na vida tiveram um aumento na telomerase, sugerindo um retardamento do processo de envelhecimento. Diversos outros estudos de grande escala em populações de idosos também mostraram como o voluntariado desacelera o envelhecimento (mais uma vez, esse benefício foi observado apenas quando o trabalho foi feito com o desejo sincero de ajudar os outros). Quanto mais compaixão, menos estresse O Dalai Lama com frequência diz que ter mais compaixão pode fazer com que nos sintamos menos estressados. Isso também pode parecer sem sentido, já que a compaixão depende de reconhecermos os fatos desagradáveis da vulnerabilidade e do sofrimento – nossos e dos outros

–, mas a ciência concorda. O truque, como no caso da felicidade, parece ser ficarmos livres do estresse do julgamento e das preocupações em relação a nós mesmos. Ficamos mais leves quando tiramos o foco de nossos próprios interesses – e do peso que costuma vir com eles – e nos voltamos para os outros. Os causadores de estresse podem continuar existindo, mas deixarão de nos afetar tanto. Isso porque o que torna nossa resposta normal ao estresse tão intensa é a forma como ele pesa e parece prestes a nos engolir. A compaixão, por outro lado, nos deixa mais leves. Sentimos que nossa carga individual diminui um pouco, a colocamos em perspectiva e percebemos que não estamos sozinhos. Outro fator que faz a compaixão ter esse efeito benéfico sobre o estresse é a postura compreensiva e tolerante que tende a acompanhá-la. Ficamos menos incomodados e ofendidos pelos outros quando sentimos compaixão em relação a eles. Com maior compaixão – sobretudo por nós mesmos –, passamos a ser mais gentis e pacientes com nossas próprias falhas. Quando nos julgamos de forma muito severa, sentimos vergonha e tentamos esconder nossas imperfeições – e isso é muito estressante! Com a sinceridade, a aceitação e a transparência que vêm com a autocompaixão, não temos mais nada a esconder. E, com nada a esconder, temos menos coisas de que ter medo. Um estudo de graduandos de Harvard que estavam se preparando para o processo seletivo de programas de pós-graduação mostrou como uma simples intervenção usando “reavaliação” – encarando os sintomas relacionados ao estresse de forma positiva (por exemplo, constatando que a taquicardia previa um desempenho melhor, não pior) – mudou a forma como os estudantes reagiram ao estresse dos exames. Aqueles que reavaliaram a situação, além de conseguirem melhores notas nos testes, também conseguiram retornar a seu estado normal mais rápido depois do evento estressante. Na verdade, a falta de autocompaixão é tão estressante e endêmica no mundo moderno que o próximo capítulo trata apenas dessa questão. Finalmente, como já vimos, a compaixão, por nos trazer maior apoio social, tem efeito provado contra os impactos negativos do estresse a longo prazo. O conforto proveniente da autocompaixão ajuda a liberar o hormônio oxitocina – o mesmo liberado por mães enquanto amamentam seu bebê –, associado a níveis reduzidos de inflamação no sistema cardiovascular, um importante fator em doenças do coração. Como veremos adiante, estudos também mostraram como cultivar a preocupação pelo bem-estar dos outros fortalece o tônus do nervo vago, que regula nossa frequência cardíaca, modula os níveis de inflamação do corpo e é um importante marcador de nosso estado geral de saúde. A cura para a solidão A compaixão contribui para relacionamentos melhores. A bondade age como a cola que mantém os vínculos com nossos entes queridos intactos e nos protege contra rompimentos que as desavenças e o distanciamento emocional podem causar. Pesquisadores também descobriram que a conexão social fortalece o sistema imunológico. Assim, a bondade, como fator-chave para a criação e a manutenção de nossas relações sociais, ajuda a nos mantermos saudáveis. Em relacionamentos amorosos, ser bondoso e gentil nos torna mais atraentes. Olhando para trás, hoje

percebo que algumas das coisas que me atraíram em minha mulher foram sua gentileza, seu grande coração e o lindo sorriso que os acompanha. A compaixão, portanto, é uma grande ferramenta contra a solidão, que é uma das mais dolorosas formas de sofrimento. Ao nos ajudar a criar vínculos, esse sentimento dissolve as barreiras que fazem com que nos sintamos isolados. A importância desse efeito colateral não pode ser desprezada. Um estudo recente da Universidade de Chicago acompanhou mais de 2 mil pessoas acima de 50 anos pelo período de seis anos e descobriu que a solidão extrema tem o dobro de chance que a obesidade e a hipertensão têm de ser a causa da morte entre idosos. Aqueles que relataram ser solitários tinham um risco 14% mais alto de morrer. Alguns estudos sugerem que a solidão extrema é mais perigosa que o fumo. Trata-se de uma dor em nosso “corpo social” que precisa ser remediada se quisermos levar uma vida saudável. As pessoas solitárias são como peixes nadando longe de um cardume, expostos aos predadores. A vigilância constante que uma ameaça desse tipo exige está associada a níveis muito mais altos de cortisol pela manhã – é lutar ou fugir antes mesmo de o dia começar. Com o tempo, a solidão prolongada prejudica nosso equilíbrio hormonal e danifica o sistema nervoso. Infelizmente, a solidão está se tornando uma epidemia. Isso com certeza terá implicações mais sérias, tanto em termos de sofrimento individual quanto de custos públicos de saúde. Um estudo sociológico descobriu que cerca de 25% dos americanos não têm com quem se abrir. Uma pesquisa britânica similar, de 2012, revelou que mais de um quinto dos participantes se sentiam sozinhos a maior parte do tempo – e um quarto deles relataram que passaram a se sentir ainda mais sozinhos ao longo da pesquisa, que durou cinco anos. Não há dúvida de que existe uma ligação entre a solidão disseminada na atualidade e a ênfase da cultura contemporânea na autonomia e no estilo de vida individualista, que tendem a enfraquecer as conexões sociais. Será que a ascensão de redes sociais como o Facebook pode reverter essa tendência cultural? Até agora, as pesquisas foram inconclusivas. É cedo demais para dizer, mas eu duvido muito. Na verdade, com o declínio da interação ao vivo, temos grandes chances de que a geração mais jovem experimente a solidão de forma ainda mais aguda. Uma vez vi o Dalai Lama abraçar um completo estranho. Sua Santidade participava de um seminário sobre budismo e psicoterapia em Newport Beach, na Califórnia. Certa tarde, entre o pequeno grupo de pessoas que esperavam do lado de fora da casa onde o Dalai Lama estava hospedado, um homem visivelmente perturbado gritou para ele. Sua Santidade foi ao seu encontro e, com muita paciência, ouviu o homem desfiar suas reclamações sobre a falta de sentido da vida. O Dalai Lama pediu então que ele pensasse nas coisas boas da vida e na importância de sua presença na vida de seus entes queridos, assim como em tudo de bom que podia fazer na vida, ajudando os outros. Nada funcionou. Então, por fim, Sua Santidade parou de falar e lhe deu um abraço apertado. O homem soluçou alto e depois ficou calmo e relaxado. Numerosos estudos já mostraram que os vínculos sociais da vida real são a cura para a solidão – o que não é nenhuma surpresa. Abrir o coração aos outros, se preocupar com as pessoas e permitir que nosso coração seja tocado pela bondade dos demais – vivendo a vida de modo a expressar nossa compaixão essencial – são medidas capazes de criar fortes conexões sociais. Nascemos para estabelecer vínculos. Nossa ânsia por conexão – não apenas com nossos

irmãos humanos, mas também com os animais – é tão profunda que determina nossa experiência da felicidade. A bondade é contagiosa Uma das mais animadoras descobertas recentes da ciência sobre esse assunto, especialmente se levarmos em consideração a epidemia de solidão, é que a bondade é contagiosa. A gentileza dos outros nos torna mais gentis. Nós não apenas nos sentimos bem quando vemos alguém ajudar outra pessoa como também somos levados a ajudar. Alguns pesquisadores chamaram esse fenômeno de “elevação moral”, utilizando a observação de Thomas Jefferson sobre como ficamos inspirados quando vemos ou pensamos em atos de caridade. Imagine um efeito dominó da bondade. Partindo de cada um de nós, seus efeitos podem se espalhar, criando novas consequências, e assim por diante. Na próxima vez que alguém for bondoso – mostrando preocupação ou ajudando alguém em dificuldade –, veja se consegue perceber qual é sua reação instintiva. Antes de qualquer pensamento consciente, seus olhos se acendem? Seu coração se sente elevado? Sua boca forma um sorriso? Três cientistas – das universidades de Cambridge, Plymouth e Califórnia – demonstraram a natureza contagiosa da compaixão com um experimento engenhoso. Eles compararam estudantes universitários divididos aleatoriamente em dois grupos. Um grupo assistiu a trechos de programas de comédia ou história natural enquanto o outro foi exposto a cenas edificantes (do programa de Oprah Winfrey) que envolviam pessoas ajudando outras. Informados de que o experimento testaria sua memória, os participantes precisavam completar uma tarefa no computador relacionada ao que tinham assistido. Quando a tarefa supostamente deveria começar, o pesquisador fingia ter dificuldade para abrir o arquivo. Depois de fracassar em diversas tentativas, dizia ao participante que ele ou ela podia ir embora e receberia os créditos de participação do mesmo jeito. Quando o estudante se levantava para sair, o pesquisador perguntava, como se tivesse pensado nisso apenas naquele momento, se o voluntário estaria disposto a preencher outro questionário para ajudar em outra pesquisa. O questionário tinha sido projetado para ser tedioso e chato, e não haveria qualquer recompensa. Os resultados foram impressionantes. Os participantes que viram atos de bondade tiveram mais propensão a ajudar o pesquisador com o estudo não recompensado. Dos que concordaram em participar, os do grupo que assistira a Oprah gastaram duas vezes mais tempo na tarefa. Testemunhar atos de gentileza nos torna mais compassivos – e a compaixão é um grande indicador de comportamento altruísta. Por sorte, as oportunidades para sermos bondosos no cotidiano são abundantes. Podemos dar beijos de bom-dia em nossos entes queridos, ceder o assento no ônibus a uma mulher grávida, deixar um motorista apressado nos ultrapassar no trânsito ou oferecer um ombro a um colega. Podemos também fazer trabalhos voluntários ou doar parte de nossa renda para ajudar os outros. Se pensarmos bem, a maioria de nós tem muitas oportunidades de exercitar a gentileza todos os dias.

E, se não tivermos o hábito de pensar nisso, podemos aprender – a Parte II do livro vai lhe mostrar como. Em todo o mundo, cada vez mais pessoas têm se organizado para promover a bondade. No movimento “Passe adiante”, em vez de retribuir uma boa ação a quem a realizou, as pessoas espalham a bondade fazendo algo de bom para alguém diferente. Em muitas escolas essa ideia passou a fazer parte do currículo. No Reino Unido, foi lançada pela BBC, em 2008, uma campanha para promover 1 milhão de “atos aleatórios de bondade”. Imagine se a compaixão não fosse mais um segredo da felicidade e se tornasse um valor celebrado, um princípio organizador da sociedade, um motor da mudança?

Perseverando com paciência Geralmente nossos entes queridos são nossa grande fonte de felicidade e os maiores beneficiários de nossa generosidade. Pela mesma razão, eles também costumam ser a principal causa das nossas mágoas. De vez em quando é natural nutrir compaixão por uma pessoa próxima, mas transformá-la em uma base constante, sobretudo em face das adversidades, exige paciência e dedicação. Com frequência, os detalhes das interações do dia a dia na atmosfera carregada das relações familiares tornam difícil manter a compostura tão essencial para a compaixão se manifestar. No entanto, quando perdemos a paciência, precisamos ser bondosos com nós mesmos e nos perdoar. Também precisamos nos lembrar de uma verdade essencial sobre relacionamentos: atritos dolorosos ocorrem porque nos preocupamos com o outro e nos sentimos seguros o bastante para baixar a guarda. Enquanto todos os lados tiverem essa certeza em mente, a bondade vai permanecer no núcleo da relação. Um dos relacionamentos mais desafiadores da minha vida foi com meu pai. Dos 11 aos 20 anos, fui membro do mesmo mosteiro que ele: Dzongkar Choede, que tomava seu nome da cidade de Dzongkar, no oeste do Tibete, onde nasci. Meu pai tinha fortes laços emocionais com esse mosteiro e sua longa história. Os problemas começaram quando completei minha educação monástica – que consistiu principalmente na memorização dos textos litúrgicos e em seu canto – e comecei a me interessar por outros assuntos, como aprender inglês e ler textos laicos. Eu tinha o intelecto inquieto e ficava cada vez mais desconfortável com nossos rituais cotidianos, sobretudo com a parte de cantar textos sem saber seu significado. Quando aceitou minha decisão de ingressar no mosteiro, a aspiração de meu pai para o meu futuro era clara: ele me via como mestre do canto, mestre do ritual e abade do pequeno mosteiro. Eu tinha outras ideias – e ser um membro permanente daquela comunidade não era uma delas. Quase analfabeto, meu pai nunca entendeu minha curiosidade intelectual e a considerou uma rebeldia juvenil que logo iria passar. Acusou-me de ser egoísta e ingrato com as dificuldades que ele e minha mãe enfrentaram por nós. Afastar-me da comunidade, pensava ele, me levaria à perda de respeito e à infelicidade. De

minha parte também comecei a me afastar dele, tornando nossa relação ainda mais tensa e distante. Quando deixei Dzongkar Choede para ingressar em um mosteiro acadêmico em outra parte do sul da Índia, passamos a manter contato próximo, mas dava para notar que eu havia me tornado uma fonte de decepção e constrangimento para meu pai. Ele acreditava que eu tinha traído a comunidade – a lealdade é uma virtude muito valorizada pelos tibetanos, assim como por muitas culturas asiáticas. Tudo mudou em 1985, quando me tornei o tradutor para o inglês de Sua Santidade, o Dalai Lama. A partir daí, para meu pai, não havia nada que eu pudesse fazer de errado. Ele reconheceu que não conseguia me entender e que não imaginava que todas aquelas “coisas malucas” que eu tinha feito pudessem ter tamanha serventia. Na última década de vida, meu pai sofria do mal de Parkinson. A forte medicação que o ajudava com a mobilidade o deixava muito infeliz, exacerbando sua personalidade já ansiosa e causando episódios frequentes de paranoia e psicose – que de alguma forma intensificavam seu medo da morte. Tive a sorte de poder passar algum tempo com ele, ajudando-o a lidar com seus temores, principalmente através de ensinamentos espirituais e meditações budistas. Ele morreu em paz, feliz por saber que tivera uma boa vida e que todos os filhos – meu irmão, minha irmã e eu – eram felizes e tinham a própria família. Tenho que admitir que por vezes desejei desistir e mandar nossa relação para o inferno. Mas, graças à compaixão – por ele e por mim mesmo –, permaneci a seu lado.

O que nos leva a realizar atos de bondade para outras pessoas? O que motiva essas ações? O que as sustenta de modo a continuarmos achando que merecem nossa atenção e nosso esforço? Obviamente, essa força é a parte acolhedora e compassiva da nossa natureza. Ao mesmo tempo que nos torna vulneráveis porque precisamos do cuidado e da bondade alheios, também nos dota da capacidade de criar vínculos com as pessoas – com suas necessidades, suas dores e alegrias. É esse instinto de cuidado que faz com que nos identifiquemos com as dificuldades dos outros no nível mais básico. Na verdade, quando somos bondosos e compassivos em relação a alguém, quando estamos conectados com as dores e necessidades do outro, nos sentimos mais vivos. Mesmo nosso corpo reage de forma diferente, com o coração preparando-o para agir. Quando experimentamos a compaixão, nos despimos dos rótulos que construímos para nos destacarmos dos demais e nossa humanidade se revela. É nesse nível básico que podemos nos conectar com a pessoa que está diante de nós. Nesse momento, tudo o que importa é o fato de ela ser outro ser humano, como nós, que aspira à felicidade e instintivamente tenta evitar o sofrimento. Nada mais tem importância: nem etnia, nem identificação cultural, nem gênero. Agir a partir desse lugar em resposta à necessidade de outra pessoa é agir com genuína bondade.

2 A chave para a aceitação de si COMPAIXÃO POR SI MESMO O princípio mais profundo na natureza humana é o desejo de ser aceito. – WILLIAM JAMES (1842-1910)

A raiz da sabedoria reside na observação da mente. – GÖNPAWA (SÉCULO XI)

G

ravitamos em direção à bondade dos outros e, quando nos permitimos, somos capazes de responder às necessidades alheias instintivamente com compaixão. Essa ligação eu/outro está no cerne do que nos torna humanos. Assim, poderíamos presumir que a autocompaixão – o cuidado e a bondade que devotamos a nós mesmos – é tão natural quanto respirar, algo que fazemos sem aprender e mesmo sem pensar. Na verdade, a situação é mais complicada, sobretudo na sociedade de hoje, tão competitiva. A cultura contemporânea torna mais difícil desenvolver a autocompaixão. Ainda assim, há fortes evidências científicas de que muitas coisas parecem depender de nossa capacidade de nutrir a compaixão por nós mesmos. Dos transtornos de ansiedade ao esgotamento no trabalho, das questões de relacionamento à motivação, nossa autocompaixão – ou a falta dela – faz uma grande diferença. Quando não a desenvolvemos, é difícil nos aceitarmos, e somos menos tolerantes e bondosos com nós mesmos. Essa deficiência pode se manifestar de variadas formas desagradáveis em nossa vida e nas interações com os outros, especialmente com aqueles que amamos. A compaixão de si é tão central à nossa felicidade quanto a que nutrimos pelos outros – se não até mais –, e, mesmo assim, para muitas pessoas, parece tão estranha e desconfortável quanto andar por aí plantando bananeira. Se ainda não estamos acostumados com isso, será necessário praticar.

O que a autocompaixão não é Este capítulo é sobre a autocompaixão e seus benefícios. Mas há tantos equívocos sobre o assunto que eu gostaria primeiramente de esclarecer alguns pontos. Continua sendo verdade que, quanto menos autocentrados e mais voltados para o mundo, mais felizes somos, mas a autocompaixão é totalmente diferente do narcisismo. É possível cuidar de si ao mesmo tempo que se está atento aos sentimentos e às necessidades das pessoas a seu

redor. Os benefícios para a saúde mental e física que advêm da autocompaixão nos permitem inclusive cuidar melhor dos outros. Quando somos autocentrados, por outro lado, estamos tão envolvidos com nosso próprio umbigo que não sobra espaço para mais ninguém. A autocompaixão também não deve ser confundida com autopiedade. Na autopiedade, ficamos tão presos a nossos problemas e tristes com nós mesmos que nos abstraímos do mundo à nossa volta. Sentir pena de si mesmo é uma forma de pensar apenas no próprio umbigo, enquanto a autocompaixão permite que vejamos nossas dificuldades no contexto maior de nossa experiência humana compartilhada. Por sua visão distorcida dos fatos, a autopiedade tende a exagerar nossa situação, fazendo com que mesmo um pequeno problema pareça esmagador e insuportável. Já a autocompaixão, pelo contrário, oferece uma chance de relativizar as questões e nos ajuda a lidar com nosso sofrimento e nossos problemas de maneira mais construtiva. Autocompaixão também não é o mesmo que autogratificação. A coisa mais compassiva pode ser não comer todo o pacote de batata frita, ou não confundir querer com precisar e, assim, evitar comprar algo de que você não precisa. A autocompaixão não é um impulso de “se fazer um mimo”, embora às vezes, de forma consciente e refletida, possamos decidir que merecemos um agrado. Além disso – e igualmente importante –, autocompaixão não tem nada a ver com se martirizar por ter comido todo o pacote de batata frita, comprado o que não precisava ou caído em tentação e cedido a um agrado. E, por fim, autocompaixão não é o mesmo que autoestima. Por meio da autocompaixão, podemos nos relacionar conosco – sobretudo com nossas dificuldades e nossos fracassos – com compreensão, bondade e aceitação. Ela é uma disposição delicada, cuidadosa e clara, mas sem julgamentos, do coração e da mente, em relação ao sofrimento e a nossas necessidades. Já a autoestima, por outro lado, é o respeito a nós mesmos baseado em critérios de autoavaliação. A compaixão pode contribuir para aumentar a autoestima, mas não depende dela. Na cultura contemporânea, principalmente na América do Norte, a autoestima se tornou o Santo Graal do desenvolvimento infantil e da área de saúde mental. Nos Estados Unidos, algumas escolas têm programas para os alunos passarem a se valorizar mais, e os pais recebem a mensagem de que nunca é cedo demais para começar a se preocupar com a autoestima dos filhos. Com certeza, não há nada de errado com a autoestima em si, mas com frequência o conceito está ligado a algum critério – o que leva pessoas, inclusive crianças, a acreditarem que só são dignas de estima (de si mesmas e dos outros) se forem “bem-sucedidas”. Aliás, a autoestima acaba sendo distorcida de tal forma pela competitividade da nossa cultura que muitas pessoas só são capazes de entender o valor que têm em comparação com outras. Minha mulher e eu às vezes ficamos tentados a entrar nesse jogo e estimular a autoestima de nossas filhas através de suas conquistas acadêmicas, nos esportes ou na música. Mas, como cresci numa cultura muito diferente, fico preocupado com as consequências de uma definição tão condicionada do valor delas. Quando eu era pequeno, nunca acreditei que meu valor como pessoa estivesse ligado a meu desempenho nisso ou naquilo. Mesmo criança, já me sentia uma pessoa completa, reconhecida por meu próprio direito como indivíduo. Isso pode ter a ver com a ideia budista de que cada um de nós traz, para a rica rede de relações humanas, algo único que vem de nosso carma passado (tudo o que aconteceu antes e durante a nossa vida e foi

responsável por criar as circunstâncias em que nos encontramos hoje). Alguns cientistas revelaram preocupações semelhantes. Pesquisadores descobriram que a autoestima condicionada a conquistas nos torna vulneráveis a sentimentos de inadequação e fracasso quando as coisas não saem como esperávamos. Alguns estudiosos encontraram evidências de que a busca pela autoestima pode prejudicar o aprendizado – principalmente o aprendizado com nossos erros. Quando nosso propósito para fazer algo é a validação que esperamos obter pelos resultados positivos – correr para vencer e se sentir um vencedor, não porque faz bem, é bom para a depressão e o dia está lindo lá fora –, não sabemos como lidar com resultados negativos. E então, quando tivermos que nos confrontar com o fracasso e a decepção – o que costuma ser inevitável –, nos sentiremos pessoalmente ameaçados por eles. Os dois desfechos possíveis nesse caso são fingir que está tudo bem – a negação – ou o extremo oposto, o julgamento excessivamente severo de nós mesmos. Será possível alcançar os benefícios associados à autoestima – confiança e otimismo, por exemplo – sem estar à mercê dos efeitos colaterais negativos dessa busca? A autoestima e a autocompaixão são compatíveis? Sim, se a autoestima for uma consequência, não o objetivo em si. O ingrediente ativo que queremos aproveitar da autoestima é o amor-próprio – não o autoaperfeiçoamento, o autoengrandecimento ou a autopromoção. Cultivar o amor-próprio nos deixa em paz com nós mesmos de uma forma fácil e natural, sem, no entanto, nos tornar arrogantes. A autocompaixão combina o valor de cada um com uma genuína humildade. Os tibetanos definem os problemas da autoestima perfeccionista com um ditado memorável: “Inveja de quem está acima, competição com quem é igual e desprezo por quem está embaixo.” Essas três coisas, dizem eles, estão na raiz de toda insatisfação e infelicidade. Quando cultivamos a autocompaixão, não avaliamos a nós mesmos de acordo com as nossas conquistas nem nos comparamos aos outros. Em vez disso, aprendemos a reconhecer nossos defeitos e limitações com paciência, compreensão e bondade. Passamos a ver nossos problemas no contexto maior de nossa humanidade partilhada. Assim, a autocompaixão, ao contrário da autoestima, faz com que fiquemos mais conectados com os outros e mais acessíveis a eles. Além disso, ela nos permite ser honestos conosco e, por meio de uma postura de aceitação, promove uma compreensão mais realista de nossa situação. Aos olhos ingênuos de alguém que tenha crescido numa parte pobre do mundo, num primeiro momento, as pessoas no Ocidente podem parecer mais confiantes, eficientes e capazes de cuidar de si e de desfrutar a vida. Numa sociedade individualista como essa, muitas pessoas só precisam cuidar de si mesmas – ou, no máximo, de alguns familiares mais próximos. As famílias são pequenas e os idosos costumam envelhecer morando sozinhos ou em casas de repouso. Em culturas como essa, o lazer é altamente valorizado. As férias são um costume estabelecido, da mesma forma que em outros lugares e épocas as pessoas faziam peregrinações religiosas. Resumindo: parecemos dedicados ao cuidado de nós, ao contentamento e à celebração da vida. Mas nem tudo é o que parece. Para onde olharmos, podemos ver indícios da falta de autocompaixão. Algumas pessoas permanecem em relações desequilibradas ou abusivas porque culpam a si mesmas pelo que não está dando certo e não acreditam que merecem coisa melhor. Outras se sentem tão

desconfortáveis com o corpo e detestam tanto o que veem no espelho que passam fome, se entopem de comida ou se machucam para se distrair da dor real. Algumas não se preocupam consigo ou dizem a si mesmas que não se importam, porque, assim que começam a se importar, se sentem sobrecarregadas. Outras negligenciam as próprias necessidades básicas de sono, nutrição e exercícios e dão cada vez mais duro no trabalho porque não conhecem outra forma de obter validação como ser humano. E outras ainda reagem com irritação ou se fecham quando são criticadas porque estão completamente dispostas a acreditar em qualquer coisa ruim sobre elas – mas, ao mesmo tempo, não conseguem lidar com isso porque não têm um senso de valor próprio para se equilibrar. As pessoas estão certas de que são fraudes, sobretudo quando as coisas estão indo muito bem, e vivem com medo de um dia serem desmascaradas, porque realmente não acreditam que mereçam algo de bom. Sentem-se ansiosas, deprimidas e desesperadas, e não sabem o que fazer – e se culpam e se repreendem por isso também.

Fui educado acreditando que o cuidado de si – uma expressão da autocompaixão – é um instinto que não apenas humanos, mas todos os seres sencientes, compartilham. As meditações budistas sobre a compaixão, por exemplo, partem da premissa de que temos o instinto de ser bondosos conosco, e a técnica envolve estender esse sentimento aos outros em círculos de preocupação que se expandem: de nós mesmos para nossos entes queridos, estranhos e pessoas “difíceis” (políticos dos quais discordamos, adolescentes com os quais temos problemas de comunicação, e assim por diante), e, por fim, para todo e qualquer ser em qualquer lugar. Tradicionalmente, entendemos que a autocompaixão é a base sobre a qual aprendemos a nos tornar mais compassivos e cuidadosos com os outros. Eu vi a premissa budista da autocompaixão frente a frente com a experiência contemporânea na conferência de 1989 em Newport Beach sobre budismo e psicoterapia, quando o Dalai Lama foi exposto ao conceito de autoaversão pela primeira vez. Em um dos painéis de discussão, alguns terapeutas falaram sobre como a autoaversão internalizada estava no centro de muitos dos problemas de seus pacientes. Ele ficou perplexo quando lhe perguntaram como as técnicas budistas poderiam ajudar na terapia. De início, Sua Santidade questionou a própria coerência do conceito – se a autopreservação, o cuidado de si e o amor-próprio são traços instintivos e

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fundamentais de todas as criaturas sencientes, como defende a psicologia budista, como poderíamos odiar nosso próprio ser? Como poderíamos nos tornar tão desconectados e alienados de nossa própria natureza? A autoaversão não é uma simples questão de não gostar da própria aparência, não estar satisfeito com as conquistas da vida ou mesmo de falta de autoestima. Para o Dalai Lama, esse sentimento parecia sugerir algo muito mais problemático no centro de nossa relação conosco. Os terapeutas tiveram que se esforçar para convencer Sua Santidade de que não apenas o conceito era coerente como também era uma realidade psicológica e nada incomum no Ocidente. Não é que as premissas budistas estejam erradas. Na verdade, o Dalai Lama agora entende

que a autoaversão tem suas raízes no próprio instinto de cuidar de si. A aversão é apenas uma forma diferente de cuidado (não odiamos quando não nos importamos). A autoaversão nasce quando nos importamos muito, mas não somos capazes de aceitar nem perdoar nossa própria imperfeição. Para desenvolver a autocompaixão, temos que aprender a nos reconectar com aquela parte de nós que ainda se importa, de forma pura, terna e vulnerável. Ela nunca deixou de existir: apenas estava escondida atrás da armadura que vestimos quando nos sentimos atacados. Como já faz vinte anos que moro no Ocidente, vi de perto o problema da falta de compaixão em muitas formas. Mesmo assim, às vezes subestimo seu alcance no cotidiano das pessoas. Quando desenvolvi pela primeira vez o treinamento de cultivo da compaixão em Stanford, mantive a visão budista da passagem da autocompaixão à compaixão pelos outros, num círculo que vai se expandindo cada vez mais. Mas, quando testamos o programa com alunos universitários, tornou-se claro que a autocompaixão, destinada a ser o ponto de partida, era mais uma pedra na qual tropeçavam. Muitos disseram que se sentiam desconfortáveis quando pensavam nas próprias necessidades. Outros tinham reações de aversão a frases presentes na meditação sobre a autocompaixão, como “Que eu seja feliz, que encontre paz e alegria”. Percebi que precisávamos começar a partir de outro lugar ou ficaríamos encalhados ali, então reformulei partes do curso. Falei sobre a questão da autocompaixão no Ocidente com Kristin Neff, uma psicóloga que tem sido muito importante por trazer uma abordagem científica e sistemática a esse tópico. Como parte de seu trabalho seminal na psicologia da autocompaixão, Neff desenvolveu um questionário para avaliar o que ela considera os três componentes principais da autocompaixão: bondade em relação a si mesmo, humanidade partilhada e consciência. Ela explica a bondade em relação a nós mesmos como uma forma de lidar com nossas limitações e dificuldades com bondade, compreensão e aceitação, não com julgamentos negativos. A humanidade partilhada, em sua escala, é o modo como encaramos nossos problemas e o sofrimento dentro do contexto da experiência humana compartilhada. E a consciência é a capacidade de suportar experiências dolorosas de forma consciente em vez de nos identificarmos de maneira exagerada com elas através do pensamento obsessivo ou de tentativas desesperadas de consertá-las. O questionário de Kristin Neff está disponível na internet, em inglês, no site http://www.centerformsc.org. Segundo Kristin, a escassez de autocompaixão não tem relação direta com o Oriente ou o Ocidente. Sua escala de autocompaixão foi aplicada em muitos países ao redor do mundo, e o problema parece estar tão disseminado na Ásia quanto nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. Um estudo comparativo entre Estados Unidos, Taiwan e Tailândia revelou que a pontuação da Tailândia é a mais alta, os Estados Unidos vêm, de longe, em segundo lugar e Taiwan vem em último. Neff e seus colegas atribuem a nota da Tailândia a sua cultura budista. Eu suspeito que o alto nível de autocompaixão dos tailandeses também possa estar ligado à maior conexão com sua herança cultural partilhada. De qualquer forma, o problema parece ter mais a ver com a modernidade e a cultura contemporânea do que com a herança judaico-cristã do Ocidente versus a herança cultural asiática do Oriente.

O alto preço da falta de autocompaixão Não há dúvida de que a cultura contemporânea tende a promover a autonomia e o respeito pelos direitos básicos do indivíduo – por muitas boas e conhecidas razões. Mas isso tem um preço psicológico. Quando cortamos os laços de interdependência e nos afastamos da experiência comunal da vida, isso coloca sobre os ombros de cada um o peso de encontrar sozinho o sentido da existência. Assim, nos tornamos obcecados com o que conquistamos a ponto de definir nossa identidade individual e estabelecer nosso valor em termos das nossas obras – por isso usamos tanto a questão “O que você faz?”, que passou a significar muito mais do que “O que você faz para viver?”. Minha esposa vive brincando comigo dizendo que, em comparação com a maioria dos tibetanos, eu sou viciado em trabalho. Talvez algumas orientações sobre o desempenho sejam inevitáveis em qualquer ambiente competitivo, mas com muita frequência levamos isso a extremos deploráveis. Li com horror uma notícia sobre a existência, na Coreia do Sul, de centros de aulas particulares que ficavam abertos até muito depois da meia-noite. Preocupadas com a saúde psicológica desses estudantes, agências governamentais sentiram a necessidade de estabelecer um toque de recolher, proibindo que esses centros permanecessem abertos depois das dez da noite. A obsessão com o desempenho pode levar à falta de sensibilidade, à impaciência e mesmo à arrogância em relação aos outros, especialmente quando percebemos que não estão à altura de nosso padrão. A falta de autocompaixão se manifesta na forma de um relacionamento severo e muito crítico com nós mesmos. Muitas pessoas acreditam que, se não forem exigentes consigo mesmas, serão fracassadas, indignas de reconhecimento e de amor. Se prestarmos atenção, há uma voz em nossa cabeça constantemente duvidando: “Mereço mesmo ser feliz?”, “Por que coisas boas deveriam acontecer comigo?”, “Sou digno de amor?”. Ou talvez a voz não pergunte e apenas nos diga que não. Quando algo de bom acontece, ficamos logo preocupados, pensando se, de alguma forma, podemos ser forçados a pagar por isso no futuro. Soltar-se um pouco parece algo aterrorizante porque tememos perder o controle de nossa vida – algo ruim pode acontecer e vamos colocar a culpa em nós mesmos. Temos receio de que, se formos bondosos e amáveis conosco, se relaxarmos um pouco, podemos não conquistar nada. E, assim, ficamos estalando nosso chicote interior. É exaustivo lutar contra a voz de nosso eu cheio de críticas apenas para poder seguir em frente. Um estudo feito com estudantes das universidades Duke e Wake Forest descobriu uma ligação impressionante entre a autocompaixão de um indivíduo e o modo como ele responde a experiências adversas. Aqueles que obtiveram nota baixa em autocompaixão tinham uma probabilidade maior de chegar ao fim e ter pensamentos do tipo “Sou um perdedor” ou “Minha vida está realmente estragada”. Quando pediram que eles se lembrassem de fracassos acadêmicos, atléticos ou sociais, aqueles com autocompaixão baixa tenderam a pensar coisas como “Sou um grande fracasso” ou “Eu gostaria de morrer”. Também demonstraram maior probabilidade de ficar perturbados ou na defensiva quando recebiam feedbacks objetivos de seus pares.

Para piorar as coisas, quando os participantes foram solicitados a fazer um discurso curto (um teste de laboratório padrão para induzir estresse), a audiência reagiu de maneira menos positiva aos oradores que tinham autocompaixão mais baixa. É fácil perceber como isso pode se tornar um círculo vicioso: a audiência capta a energia de quem está falando e sua reação negativa torna o orador ainda mais desconfortável, e assim por diante. Minha esposa e eu nos mantemos vigilantes com nossas filhas para evitar que adotem duas formas comuns de autosseveridade. A primeira é uma tendência a generalização em face de experiências adversas: transformar o fracasso e a decepção com uma situação específica numa característica universal. Por exemplo, quando nossa relação com um amigo se rompe, nos apressamos a ter pensamentos como “Há algo de errado comigo” ou “Nunca vou arrumar outro amigo”. Quando vemos nossas filhas reagindo nessa linha, tentamos ajudá-las a não fugir da particularidade do incidente. Manter-se concentrado nos fatos concretos ajuda a tornar o problema mais administrável. Também tentamos perceber se elas personalizam as experiências adversas com julgamentos categóricos como “Sou uma idiota”, “Sou uma perdedora”, quando a verdade objetiva é algo mais próximo de “Tive problemas com aquela tarefa” ou “Fiquei envergonhada”. Nós as desencorajamos a usar – ainda que casualmente – frases severas e autopunitivas desse tipo. Mesmo depois de viver tanto tempo no Ocidente, eu ainda as acho muito chocantes. Tendo filhos ou não, uma boa forma de interpretar a autocompaixão é o intuito de ser um bom pai para você mesmo.

Alguns dizem que sem autocompaixão não podemos ser compassivos com os outros. Eu discordo. A compaixão pelos outros, sobretudo por quem está passando por necessidades, é um instinto humano natural. Não é difícil encontrar pessoas compassivas e altruístas que, ao mesmo tempo, são severas e intolerantes quando se trata de si mesmas ou pessoas que são boas amigas apenas para os outros – a quem nunca tratariam com a mesquinhez com que tratam a si mesmas. Também é muito possível que pessoas que cuidam dos outros, como pais, por exemplo, dediquem todo seu amor e sua preocupação aos filhos enquanto negligenciam sua necessidade de autocompaixão. Ou que alguém que trabalha pela justiça social seja um herói no trabalho, mas pessoalmente se mostre raivoso, amargo, impaciente – e insuportável para a família em casa. Esse comportamento pode ser uma forma de escapismo, pois entender os outros é mais fácil do que entender a nós mesmos. No longo prazo, no entanto, isso pode se mostrar pouco saudável ou mesmo patológico (psicólogos usam o termo “altruísmo patológico”) se o cuidador investe sua identidade e seu propósito no que a pessoa de quem cuida conquista na vida e, como resultado, a relação se torna sufocante. Negligenciar nossas necessidades pode levar com o tempo ao esgotamento emocional, deixando-nos esvaziados e exaustos. Esse é um problema comum para os profissionais na linha de frente dos cuidados com a saúde ou do serviço social e qualquer um com tendência à empatia e forte senso de justiça social. Se não for contido, esse esgotamento emocional pode levar as pessoas a se sentirem ressentidas e usadas, ou mesmo

abusadas, pelas pessoas com que se importam. É verdadeiramente triste quando isso acontece.

Os benefícios da autocompaixão Renovando as forças Gosto de pensar no cultivo da autocompaixão como o reabastecimento da fonte de bondade e compaixão que reside dentro de nós. Para usar uma metáfora mais contemporânea, é como recarregar nossa bateria interior para que tenhamos mais bondade e compaixão para oferecer aos outros. Com mais autocompaixão, nos protegemos do esgotamento, do pessimismo e do desespero que enfrentamos quando topamos com os desafios – às vezes enormes – da vida. Estabelecendo metas realistas Quando estamos mais preocupados com nosso bem-estar e nossas verdadeiras necessidades do que com o que a sociedade ou certas pessoas esperam de nós, podemos estabelecer metas que são mais significativas pessoalmente e mais viáveis. Além disso, quanto mais significado tem uma meta, mais comprometidos e motivados nos sentimos em relação a ela. Aprendendo com a experiência Com mais autocompaixão, corremos um risco menor de ficar presos na autocrítica e no derrotismo quando encontramos contratempos em nosso caminho. A autocompaixão determina o modo como nos relacionamos com decepções e fracassos inevitáveis, nos livrando da tarefa impossível de construir uma vida à prova de falhas. Ela é encorajadora – e, quando temos menos medo de nossos erros, podemos encará-los com maior disposição, aprender com eles e seguir em frente com nossas maiores metas em mente. A autocompaixão nos torna mais resilientes em face de desafios, além de nos dotar de compreensão, aceitação e senso de proporção – em si mesmos, uma espécie de sabedoria. Sentindo-se menos sozinho Como reflete a escala de Kristin Neff, parte da autocompaixão é entender nossos problemas e situações difíceis no contexto maior da condição humana. Em vez de perguntar “Por que eu?”, o que percebemos é que “Eu não estou sozinho”. “Seja bondoso, seja feliz” Em 1981, quando eu tinha 22 anos, uma abertura política chinesa tornou possível a viagem de

minha avó materna a Katmandu, no Nepal, com duas tias minhas e um tio. Na época, ela já estava com quase 90 anos. Sem saber que minha mãe tinha morrido havia muitos anos, vovó mandou uma mensagem para que ela e meu tio Penpa – seus dois filhos que conseguiram escapar para a Índia em 1959 – a encontrassem junto à família em Katmandu. Quando meu tio sugeriu que eu o acompanhasse, já que era o filho mais velho de minha mãe, eu disse não. A última coisa que queria era interromper meus estudos no mosteiro e me despencar do sul da Índia a Katmandu para encontrar alguém que nunca vira antes. Poucos dias depois que meu tio partiu, recebi um telegrama duro de meu professor no mosteiro, Zemey Rinpoche, que na época também estava visitando o Nepal. A mensagem dizia mais ou menos o seguinte: Venha imediatamente PONTO Não seja tolo PONTO Se não encontrar sua avó desta vez vai se arrepender por toda a vida PONTO Confirme partida PONTO. Acabei indo, a contragosto. O encontro com minha avó me fez entender de forma poderosa como minha recusa viera de uma parte menos generosa de mim, de um lugar de preocupação excessiva comigo mesmo, em que eu estava sendo guiado por uma obsessão de “eficiência” – no caso, por meus estudos no mosteiro – que me deixava fechado às outras possibilidades de bênçãos na vida. E havia arrogância nessa recusa. Sem dúvida, eu não tinha pensado no que aquela reunião poderia significar para minha avó, que ficaria sabendo da morte da própria filha, minha mãe. Terminou que essa viagem a Katmandu foi uma das experiências mais memoráveis da minha vida. A longa jornada do sul da Índia a Katmandu – três dias de trem até a maior cidade antes da fronteira com o Nepal e depois uma viagem de um dia inteiro de ônibus atravessando uma das mais impressionantes paisagens da região do Himalaia – me ofereceu um dos momentos de maior reflexão que experimentei quando jovem. Minha avó, Mo mo la, como dizemos em tibetano, tinha o rosto típico das mulheres nômades, com um sorriso natural que se acendia sem esforço. Ela podia muito bem ter qualquer idade entre 60 e 90 anos. As rugas de sua testa eram profundas e a pele do rosto era marcada pelos anos de exposição ao sol em elevada altitude. Ela usava o tradicional chupa tibetano, uma espécie de vestido com um avental multicolorido, e dois brincos de ouro cravejados de turquesas planas e polidas. Assim como minha mãe, repartia o cabelo em duas tranças que enrolava em torno da cabeça, com borlas vermelhas e azul-turquesa de cada lado. Tinha um emplastro quadrado em cada têmpora, supostamente para impedir enxaquecas. Mas o que mais chamava atenção eram seus olhos. Houve uma comoção quando entrei na sala onde minha avó e os familiares estavam reunidos. Todos, inclusive ela, correram para me abraçar praticamente aos prantos. Embora nunca os tivesse visto antes, também senti a dor coletiva da longa separação e do luto pela ausência de minha mãe. Lá, naquela sala, estavam todos os filhos de minha avó menos minha mãe. Assim que as coisas se acalmaram, houve uma longa pausa de silêncio, que foi estranhamente tranquila e reconfortante. Foi um privilégio passar uma semana na presença delicada e compassiva de minha avó, vendo-a interagir com meus tios e tias. Ela possuía um jeito natural de estar bem consigo mesma, criando uma atmosfera genuína e livre ao redor. Talvez fosse pela idade e a sabedoria, mas senti

que aquele grau de serenidade vinha de algo mais profundo, no contraste entre a vida dela e a que eu estava levando. Apesar de nós dois sermos tibetanos, nossas vidas eram totalmente diferentes. Ela era uma mulher sem estudo, analfabeta, enquanto eu era um estudante do pensamento budista, treinado na famosa tradição tibetana do debate, e, através de meu domínio do inglês, tinha acesso ao mundo exterior. Ainda assim, minha avó sentia pena de mim. Dava para ver em seus olhos. Na época, eu era um monge inquieto, ambicioso, raramente vivendo no presente, sempre vislumbrando o futuro. Quando percebi a compaixão de minha avó e a profunda beleza de alguém tão confortável na própria pele e aberta às pessoas ao redor, no momento presente, comecei a imaginar o que, ao me tornar educado e obcecado por desempenho, eficiência e progresso, eu perdera pelo caminho. Eu continuaria a pensar nisso. Quando nos despedimos, ela me abraçou e tocou minha testa com a dela, um tradicional gesto tibetano. Segurando meu rosto entre as mãos, olhou dentro de meus olhos e disse: “Seja bondoso, seja feliz.” Desde então, tento incorporar esse conselho à minha vida. Com o tempo, vim a perceber que a compaixão tem a ver com isto: não é que tenhamos que nos tornar bondosos e felizes de alguma forma porque sabemos que é como as coisas “deveriam” ser. É que, sendo bondosos, conosco e com os outros, nos tornamos felizes. Fui a Katmandu por obrigação com minha família e porque meu professor me mandou ir. Não reconheci a viagem como um ato de bondade para mim mesmo, mas passei a ver as coisas de maneira diferente quando encontrei minha avó. De certa forma, o treinamento de cultivo da compaixão é minha tentativa de codificar e “traduzir” para o resto de nós o que ocorria de forma tão natural para minha avó.

Tudo se resume aos vínculos Sem dúvida, existem diferenças individuais. Para alguns de nós, a autocompaixão surge naturalmente; para outros, não. Isso depende do tipo de educação que recebemos de nossos pais e de outros fatores, talvez até de certa predisposição genética. Os dois fatores principais, que vão na frente – as coisas que podemos, sim, mudar –, são o modo como nos definimos como indivíduos e o senso de conexão que temos em relação aos outros. É claro que quanto mais forte a impressão de separação, mais fraca é a sensação de estar vinculado. E, paradoxalmente, quanto menos conectados aos outros nos sentimos, mais desconectados de nós mesmos ficamos – e podemos acabar desconectados de nossos sentimentos, necessidades e alegrias. Lembro que li num estudo publicado depois da crise econômica de 2008 que homens que se identificavam muito ou exclusivamente com o emprego eram menos resilientes quando ficavam desempregados do que os que investiam seu sentido de identidade e valor em mais de uma área, como a paternidade (todos os participantes do estudo eram homens), o casamento, a amizade, a comunidade, e assim por diante. (Se colocarmos dessa maneira, não parece tão paradoxal.) Quando aqueles que tinham vínculos mais fortes sofriam uma pancada em uma área da vida, mesmo que fosse importante, eles dispunham de recursos para não perder seu senso de valor próprio por completo, e assim se saíam melhor. Isso, claro, lhes dava a vantagem adicional de

uma estrutura mental mais otimista e uma atitude construtiva, o que os ajudava a reagir de modo mais eficaz quando novas oportunidades apareciam. Em contraste, aqueles que tinham investido toda a identidade em seu trabalho experimentavam mais sentimentos de inadequação, amargura e baixa autoestima. E, embora possam ter se sentido solitários, não sofriam sozinhos: suas esposas, os filhos e outros entes queridos também sofriam vendo-os passar por tanta dor. Psicólogos culturais mostram como nossa cultura dá forma a quem somos – a nosso senso de individualidade – e como isso define nossa relação com o mundo ao redor. Embora todos nós tenhamos múltiplas dimensões do eu, podemos ver dois padrões básicos: individualidades independentes ou interdependentes. Alguns especialistas afirmam que o maior grau de bem-estar pode ser alcançado com uma combinação saudável dos dois. Outros estudos sugeriram que ter um senso de individualidade mais interdependente que dependente, mais complexo que simples e mais fluido que fixo leva a uma melhor saúde psicológica, uma vida com mais resiliência e felicidade. De qualquer forma, a conexão individual que sentimos em relação aos outros é essencial. Não surpreende que psicólogos categorizem os vínculos sociais – o senso subjetivo de conexões afetuosas e amorosas com os outros – como uma necessidade básica depois de atendermos às exigências fisiológicas e de segurança. Em certo sentido, o desafio da autocompaixão é bem objetivo. Ela nos convida a incorporar à nossa experiência um genuíno senso de cuidado e reagir a ele com compreensão, bondade e aceitação. É isso que acontece quando agimos com compaixão em relação às necessidades de alguém que amamos – nada de mais, nada misterioso. Se ela surge com mais naturalidade para os outros, então nosso treinamento de cultivo da compaixão pode começar por aí. Na Parte II do livro, apresento práticas específicas que usamos em nosso programa de Stanford, destinadas a treinar nosso coração e nossa mente a ter mais compaixão, tanto conosco quanto com os outros.

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Aquilo a que me refiro como “psicologia budista” inclui sobretudo a disciplina budista clássica chamada abhidharma (literalmente, “conhecimento manifesto”). Grosso modo, os textos do abhidharma tratam da compreensão da estrutura e do contexto da experiência humana, inclusive o papel de várias emoções em nossa experiência de felicidade e sofrimento. Há, no entanto, outra categoria do conhecimento budista clássico, conhecida como pramana, que grosseiramente poderia ser caracterizada como um equivalente budista da epistemologia. Os textos nesse gênero lidam tipicamente com questões que são o principal interesse da ciência cognitiva contemporânea.

3 Do medo à coragem ROMPENDO A RESISTÊNCIA Deixar-se ficar preso no passado traz sentimentos de remorso e de apego ao futuro, então livre-se disso. Apegar-se ao futuro aumenta nossas esperanças e nossos medos, então livre-se disso. – YANGÖNPA (1213–1258)

Aprendi que a coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. – NELSON MANDELA (1918–2013)

Q

uando nos sentimos vulneráveis é o momento em que mais precisamos da bondade dos outros, mas, para muitos de nós, essa também é a ocasião em que não sabemos bem como buscar ajuda e tirar proveito dela. Nesses momentos cruciais, muitas vezes somos dominados pelo medo, ficamos na defensiva e com o orgulho ferido. Ao agir assim, não apenas nos impedimos de nos beneficiar da ajuda dos outros como também bloqueamos expressões daquela parte mais amável, sábia e generosa de nós mesmos.

A coragem da compaixão Eu tinha 36 anos quando tomei a decisão de abandonar a vida monástica. Na época, tinha me tornado fonte de orgulho tanto para a elite monástica tibetana quanto para os membros de minha comunidade. Era o intérprete do Dalai Lama, um acadêmico do pensamento budista com muitos alunos, alguém que parecia ser a “prova” de que a vida monástica antiga e o conhecimento moderno podiam coexistir sem conflito. Havia sido monge por mais de duas décadas. Desde os 11 anos, o mosteiro era meu lar e os colegas monges eram minha família, meus amigos e minha comunidade. Eram minha âncora e minha vida. Sair era deixar para trás tudo o que tinha me dado força, alegria e sentido. Era a coisa mais assustadora que eu já havia feito na vida. Do que eu tinha tanto medo, e por quê? Havia, claro, o medo de deixar o familiar e me aventurar no desconhecido. O medo, percebi, era matizado com a curiosidade, à medida que eu imaginava o que o mundo poderia oferecer. Será que ele revelaria aspectos de minha personalidade que tinham ficado ocultos por causa da vida monástica? Havia também o medo do julgamento dos outros, especialmente de meus colegas de mosteiro e da comunidade tibetana como um todo. Veriam aquilo como uma traição? Será que ficariam desapontados comigo? Como meu pai receberia a notícia? Como a decisão afetaria meu relacionamento com Sua Santidade, o Dalai Lama? Esses eram os pensamentos que ocupavam minha mente.

Inevitavelmente, quando fazemos parte de uma comunidade muito unida, seja um mosteiro com quatrocentas pessoas ou uma casa com duas, os outros são afetados por qualquer grande mudança que fazemos. É natural que membros da família invistam sua identidade e seus sentimentos nas conquistas e nos fracassos uns dos outros, e não posso culpar as pessoas por fazerem o mesmo comigo. Reconheci que minha decisão afetaria minha vida e que eu era o único responsável por minhas ações. Ainda havia a questão moral de minha responsabilidade para com a comunidade. Será que partir era um gesto egoísta? E a dor que eu causaria a tantas pessoas que eu respeitava e pelas quais tinha um carinho tão profundo (que até hoje tenho)? Percebi que antes de tudo precisava ter certeza absoluta de minha decisão. Eu precisava ir embora porque ansiava por ter minha própria família. Isso podia ter a ver com a separação precoce de minha família e a morte de minha mãe quando eu era criança. Seja lá o que estivesse por trás disso, o sentimento estava lá havia tempo – e nunca tinha desaparecido. Na verdade, foi crescendo com o passar dos anos. E não importava quanto eu tentasse, não conseguia me ver como um monge de cabelos brancos em uma túnica castanho-avermelhada. Assim, por meio de profunda reflexão, percebi que não se tratava mais de se, mas quando e como. Também percebi que quanto mais cedo partisse, menos estragos causaria. Embora fosse um membro sênior do mosteiro, ainda não tinha ocupado nenhum posto importante, como o de abade, por exemplo. Se decidisse ir, tinha que ser logo. Notei então que a última coisa com que devia me preocupar era o julgamento dos outros. De qualquer forma, não havia muito que pudesse fazer a respeito. Em vez disso, poderia descobrir como minimizar o dano que minha saída poderia causar. Queria que as pessoas entendessem que minha escolha não tinha nada a ver com desilusão com a tradição, mas apenas com minha vida pessoal. Eu admiro profundamente o ideal por trás da vida monástica – dedicar a vida ao treinamento meditativo, ao conhecimento e ao serviço ao próximo é algo verdadeiramente nobre. Eu precisava comunicar isso a meus colegas de alguma forma. Então voltei a Cambridge, dessa vez para obter um Ph.D. em estudos religiosos. Queria dar a mim e à comunidade tempo e espaço para tornar aquele rompimento mais fácil para ambos os lados, e também tinha que me tornar mais empregável, já que teria que trabalhar para me sustentar, como todo mundo. Meus colegas do mosteiro foram compreensivos quando ficaram sabendo por que eu queria partir. Também tive a grande sorte de conhecer minha futura mulher, Sophie, pouco tempo depois. As coisas se encaixaram, tornando a transição relativamente suave. Meus generosos colegas e amigos no mosteiro ficaram aliviados ao saberem que a ruptura não tinha sido tão traumática para mim. A parte dolorosa veio quando visitei a comunidade pela primeira vez vestido com roupas comuns. Muitos de meus ex-alunos choraram quando me viram. Isso foi muito difícil, mas lhes assegurei que minha dedicação a servir à cultura clássica tibetana permanecia forte como sempre. Meu pai recebeu a notícia muito bem, o que foi impressionante. Fiquei surpreso, já que ele costumava se preocupar muito com o que os outros podiam pensar. A reação de meus dois irmãos não poderia ter sido mais diversa. Quando os chamei para dar a notícia, um deles disse: “Isso é tão vergonhoso! Como vou mostrar meu rosto na rua daqui por diante?” O outro falou: “Por que você esperou tanto? Se tivesse ido mais cedo, teria sido mais fácil se adaptar à nova

vida.” Eu sabia que a reação de cada um tinha a ver com eles, não comigo. A resposta do Dalai Lama foi outra história. Poucos meses depois de ter anunciado minha saída, seu escritório me chamou para dizer que minha presença seria necessária durante uma visita à Suíça. Respondi ao secretário que, como não era mais monge, não podíamos presumir que as coisas continuariam como antes. Ele me assegurou que a sugestão viera do próprio Dalai Lama. Devo admitir que estava nervoso com a ideia de aparecer para sua Santidade à paisana, com meu cabelo “comprido”, ou seja, não raspado por completo. Até então, eu o tinha encontrado sempre como um colega monge, vestido do mesmo jeito, com a túnica castanho-avermelhada típica. Ele estava hospedado em um mosteiro tibetano perto de Zurique. Quando entrei em seu quarto, Sua Santidade riu e brincou, dizendo que eu parecia muito inteligente vestindo calças. Aquilo quebrou o gelo. Ele também me disse: “Você sempre teve a cabeça um pouco grande. Agora, com cabelo, ela está ainda mais impressionante.” Sentindo-me muito mais relaxado, pedi desculpa por não poder continuar servindo a ele e ao mundo como monge. O Dalai Lama respondeu: “Estaria mentindo se dissesse, como monge, que não estou triste por perder um colega. No entanto, eu o conheço bem e sei que você não tomou essa decisão de forma leviana. Confio em seu julgamento.” Sua Santidade também me deu alguns conselhos pessoais. Disse que, embora não fosse especialista no assunto, já tinha visto muitas pessoas enredadas em relacionamentos complicados e que isso era suficiente para se tornar fonte de dor e desgosto – deixando pouco espaço emocional e atenção para fazerem o bem a si mesmas e aos outros. Ele me aconselhou a não ter filhos antes de estar certo de ter encontrado a parceira certa, porque a separação e o divórcio causam muita dor e confusão às crianças. Fiquei tocado ao ouvir esse conselho sobre vida familiar vindo de um monge – e mais ainda do próprio Dalai Lama. Nós dois sabíamos que não tínhamos qualquer experiência em cortejar, casar e ter filhos, mas ele se esforçou para me oferecer essas observações atenciosas a partir de sua convivência com muitas pessoas no decorrer dos anos. Tudo isso reforçou em mim alguns dos preceitos budistas sobre compaixão. Em primeiro lugar, quando enfrentamos um desafio, se ficamos presos ao estreito confinamento dos interesses próprios, então o medo se torna a emoção dominante. Medo de sermos julgados, de deixarem de gostar de nós, da rejeição – ele toma conta de nossos pensamentos e sentimentos. Embora seja humano reagir assim, em geral o medo apenas complica as coisas quando se torna nosso motivo principal para agir. Ele nos desconecta de nossa capacidade natural de ter empatia e nos torna indisponíveis para os outros. E, se as pessoas podem nos julgar, o que podemos fazer, afinal de contas? Geralmente é bom se importar com o que os outros pensam. Isso é parte do que nos torna criaturas morais. No entanto, preocupar-se demais é contraproducente. Se deixarmos o medo governar nossas vidas, ficamos paralisados. No fim, trata-se mais de uma questão de equilíbrio: autocompaixão para cuidar das nossas necessidades e compaixão pelos outros para evitar pisar sobre as deles. Ao concentrarmos nossas preocupações no bem-estar dos outros, passamos a nos perguntar: “Como essa ação pode afetar aqueles que se preocupam comigo?”, “Como posso minimizar a

mágoa que ela pode causar?”, “Há algo que eu possa fazer para tranquilizar meus entes queridos?”. Não apenas haverá menos sentimentos negativos como também menos peso e menos estresse pela ausência de uma agenda egoísta. Isso nos leva a ser mais proativos, redirecionando nossa energia para a comunicação com as pessoas que amamos, de forma a tranquilizá-las. Por fim, quando elas entendem as razões por trás de alguma decisão nossa e recebem a mensagem de que não pretendemos magoá-las, tendem a aceitar mais nossas escolhas e a ser compassivas conosco. A reação do Dalai Lama à mudança em minha vida também me lembrou de ser sensível às necessidades específicas de cada situação. Sobretudo em relacionamentos íntimos, existem momentos em que um lado se sente mais vulnerável que o outro, que pode lhe oferecer bondade e compreensão, não julgamento e recriminação. Quando alguém já está inseguro e com medo, “Onde você estava com a cabeça? Eu falei!” é a última coisa que se deve dizer. Mesmo que você esteja certo, às vezes não é a hora de estar certo. Não se deve penalizar alguém que já tenha sido punido. “Não se deve chutar cachorro morto.” A compaixão – em relação a nós mesmos e aos outros – exige coragem. É necessário ter coragem para cuidar de nós mesmos, tomar decisões para o nosso bem e não deixar que o medo do que os outros possam pensar nos desvie do caminho. Também é preciso coragem para se importar com o que outros pensam, para ter compaixão pelos resultados de nossas ações sobre eles. A compaixão exige que tenhamos atenção e nos deixemos envolver pelos problemas e o sofrimento das pessoas – quando pode ser mais fácil ignorá-los ou deixar as coisas como estão. É preciso coragem para ter confiança suficiente e nos abrirmos aos outros – pedindo ou oferecendo ajuda. Pessoas que estão passando por períodos de sofrimento nem sempre se comportam muito bem! Precisamos de coragem para baixar nossas defesas e tentar ajudá-las. No entanto, a compaixão também cria coragem. Quando agimos com compaixão por nós mesmos, podemos ficar mais confiantes de estar fazendo a coisa certa. Ao mesmo tempo, a compaixão pelos outros nos liberta de temer por nós mesmos. Ela dirige nossa atenção para fora, expandindo nossa perspectiva, fazendo com que nossos problemas pareçam menores no quadro mais amplo das coisas ou os vejamos como se não fossem nossos, mas parte de algo maior, como se pensássemos “Estamos juntos nessa”. Quando percebemos que os “outros” que vínhamos temendo na verdade estão conosco no mesmo time, nos sentimos mais fortes. É preciso coragem para abrir nosso coração aos outros e expor nossa vulnerabilidade, e, como o Dalai Lama costuma observar, quando o fazemos, nos sentimos transparentes e livres. Podemos parar de nos esconder e de temer que alguém possa ver quem realmente somos, porque estaremos escolhendo ser vistos.

O medo da compaixão Quando falamos em compaixão, costumamos pensar em algo agradável. Então, de que temos medo? Nossos medos, que vêm em formas diferentes, estão entre as descobertas mais intrigantes que emergiram com a nova ciência da compaixão. Paul Gilbert, psiquiatra britânico e pioneiro da

terapia baseada na compaixão, foi quem primeiro esquematizou o medo da compaixão num cenário clínico. Ele descobriu que muitos de seus pacientes que sofrem com vergonha exagerada e autocrítica patológica possuem uma resistência visceral à compaixão. A exposição direta a terapias que explicitamente induzem a compaixão pode não ser útil, a menos que o medo seja tratado primeiro. Ele identificou três tipos de medo da compaixão: pelos outros, dos outros e por si mesmo. Depois, ajudou a desenvolver estas formas de avaliar cada um desses medos. Com relação à compaixão pelos outros, verificamos quanto nos identificamos com as seguintes afirmações: As pessoas vão se aproveitar de mim se eu for muito compassivo e complacente. Se eu for muito compassivo, as pessoas se tornarão dependentes de mim. Não consigo tolerar os problemas dos outros. As pessoas deveriam ajudar a si mesmas em vez de esperar pela ajuda dos outros. Há algumas pessoas que não merecem compaixão. Com relação à compaixão dos outros: Tenho medo de que, se precisar que as outras pessoas sejam generosas, elas não serão. Fico achando que as pessoas são generosas e compassivas apenas quando querem algo de mim. Se acho que alguém está sendo bondoso e cuidadoso comigo, logo ergo uma barreira. Com relação à compaixão por si mesmo: Tenho medo de que, se desenvolver a compaixão por mim mesmo, eu vá me tornar alguém que não quero ser. Sinto que, se tiver mais autocompaixão, vou me tornar fraco. Tenho medo de, se começar a sentir compaixão por mim mesmo, ficar tomado de tristeza e pesar. Cada um de nós pode se reconhecer em um, alguns ou todos esses medos. Isso sugere que algum grau de resistência é tão natural quanto o próprio surgimento da compaixão. Em grande medida, esses temores aparecem quando confundimos compaixão com submissão, fraqueza ou sentimentalismo. Mas eles são infundados. A compaixão não nos impede de nos defendermos quando somos tratados de maneira injusta. Se um colega no trabalho tenta nos desacreditar para conseguir uma promoção, podemos retaliar – espalhar rumores sobre ele, gritar com ele ou coisas assim. Mas, em vez disso, podemos tentar reconhecer de onde vem esse comportamento. Com frequência, é a insegurança enraizada na inveja que motiva comportamentos canhestros e injustos desse tipo. É claro que, nesse caso, há um interesse equivocado e certa falta de visão também. Quando tivermos o impulso de fazer essa pessoa sofrer, podemos nos lembrar de que ela já está sofrendo. No momento em que você tiver empatia por esse colega, vai estar em uma posição melhor para manter a compostura e responder à

situação com calma e clareza. É possível abordá-lo e tentar falar com ele, dizer-lhe que acha que entende e que ele também pode entender seu pedido de que aja de outra forma. Ele pode realmente compreender e surpreender você. Ter compaixão não significa que as pessoas não sejam responsáveis por seus atos, e podemos até pensar que algumas delas simplesmente não a merecem. A questão maior do modo como a compaixão se relaciona com a justiça está além do escopo deste livro, no entanto, grande parte dessa tensão deriva de uma interpretação equivocada da compaixão e do perdão. A compaixão que sentimos por pessoas que tenham cometido injustiças não significa que endossamos suas ações nem nos impede de confrontá-las. Na verdade, apenas nos permite tratar a situação de forma mais eficiente, sem o ônus da raiva e da hostilidade. Assim nunca perdemos de vista o fato de que esses indivíduos também são humanos e, como nós, estão tentando evitar o sofrimento e encontrar a felicidade. Mesmo quando responsabilizamos as pessoas e fazemos o possível para deter alguma injustiça, devemos nos lembrar de sua humanidade e levar em conta suas perspectivas e necessidades. Como diz o Dalai Lama, perdoar não significa esquecer o que nos fizeram. Se esquecemos, não há o que perdoar. O perdão se dirige à pessoa, não a suas ações. Essa ideia é bem sintetizada pelo preceito cristão que defende que devemos amar o pecador, mas odiar o pecado. Outro temor comum é a possibilidade de alguém se tornar muito dependente de nós. Por trás desse medo, em geral encontramos a falsa crença de que a compaixão significa fazer tudo por aquela pessoa. Na verdade, a coisa mais compassiva que podemos fazer é ajudar a capacitar outros a usar seus próprios recursos interiores – ensinar a pescar em vez de lhes dar o peixe, como diz o ditado. Ajudar os outros a se ajudarem é uma das maiores formas de compaixão. Como a compaixão envolve estarmos abertos para o sofrimento dos demais, podemos também resistir a ela por medo de não sermos capazes de lidar com os problemas de outra pessoa (e já estamos estressados demais, não é?). Essa questão pode vir de não sabermos o que fazer quando somos confrontados com um problema sem solução. Muitos de nós, principalmente os homens, se sentem desconfortáveis em situações em que a resolução não está clara. A compaixão reconhece a verdade fundamental de nossa condição humana: nem toda dor pode ser resolvida e há um limite para o que cada um de nós pode fazer em face do sofrimento. Isso exige uma atitude de humildade. Em muitas situações, o que é necessário não é a solução, mas nossa reação empática, com aceitação, compreensão e solidariedade. Às vezes, basta um “É mesmo, isso é mesmo uma droga” – ou apenas um abraço. De qualquer forma, é sempre útil lembrar que a dor e o sofrimento são inevitáveis, são parte do que significa ser humano. Não cabe a nós escolher se vamos sofrer ou não, mas podemos determinar nossa reação. Será que estamos resistindo à realidade do sofrimento com raiva, negação ou distanciamento? Será que nos deixamos ficar presos a pensamentos do tipo “Por que eu?”, “Isso não é justo!” ou “Não consigo lidar com isso” – o que apenas acrescenta mais sofrimento à situação? Ou respondemos com compreensão, compaixão e coragem? Essa é nossa escolha. Um homem de 67 anos de nosso programa de treinamento de cultivo da compaixão nos contou a seguinte história sobre a coragem que ele descobriu na compaixão:

Costumo ir sempre almoçar na mesma lanchonete, e se tornou hábito evitar um jovem maltrapilho na porta, pedindo dinheiro. Ignorar essas pessoas nas esquinas e do lado de fora do mercado parecia ser a melhor maneira de lidar com gente pedindo esmola. Quando estava na quarta semana do treinamento, me surpreendi olhando diretamente para ele: “Não dou dinheiro, mas ficarei satisfeito de lhe comprar um sanduíche.” Esperamos na fila, ele pegou seu sanduíche e me agradeceu ao sair. Ao voltar a encontrá-lo, ofereci pagar seu sanduíche e o convidei a comer comigo. “Claro, cara.” Então fiquei conhecendo a história desse menino de 19 anos, sem-teto, sua coragem de estar na rua, sua gratidão por um momento de bondade. Ainda assim, sinto que ele me deu um presente. Algo aconteceu quando coloquei o treinamento da compaixão em prática. Meu coração está se abrindo aos poucos, e minha coragem, crescendo. Seja onde for, as pessoas, que antes não passavam de estranhas, se tornaram reais para mim. Agora estou trabalhando para entender melhor o que o Dalai Lama quer dizer quando afirma: “Nunca encontrei alguém que fosse um estranho.”

Orgulho: a falsa proteção O orgulho é outro inibidor comum da compaixão. Ele se disfarça de força, mas na verdade é apenas outro tipo de medo. Como vimos no capítulo anterior, muitos de nós investimos pesado nossa identidade no desempenho e no sucesso. Vivemos sob grande pressão para provar algo. Assim, quando as coisas não saem do jeito que planejamos ou esperamos, ficamos relutantes em procurar ajuda, sobretudo das pessoas cuja opinião mais importa. O orgulho fica no caminho, seguido de sentimentos como vergonha, culpa e amargura. Em vez de admitir nossa necessidade e buscar ajuda, colocamos uma máscara, nos fingimos de fortes e sofremos sozinhos. O orgulho pode ser particularmente nocivo quando se torna uma barreira após um conflito em relacionamentos íntimos – entre um casal, pai e filho, amigos. Ao bloquear o caminho para a compaixão e a reconciliação, o orgulho permite que a experiência negativa do conflito se transforme em ressentimento. Isso cria um círculo vicioso: os dois lados ficam na defensiva, esperando que o outro tome a iniciativa. Nessa dinâmica, afirmações como “Me desculpe” ou “Eu te amo”, que expressam nossos sentimentos mais profundos, não surgem com facilidade, mas são justamente as palavras de que precisamos. Podemos aprender com as crianças. Depois de uma briga, elas não ficam estacionadas no conflito: seguem em frente. Não sofrem pelo orgulho ferido, como nós, adultos. O orgulho transforma pequenos machucados em feridas profundas e autoimpostas – e, portanto, é uma falsa proteção. No orgulho, confundimos arrogância com firmeza de princípios. Confundimos a iniciativa da reconciliação com submissão. Na verdade, é mais fácil estender a mão para o outro, mesmo que estejamos certos. Minha mulher e eu concordamos, no começo do relacionamento, que nunca iríamos para a cama brigados. Desse modo, não importa quão dura tenha sido a discussão, ela não pode durar mais que um dia. Essa prática se mostrou um poderoso antídoto contra o orgulho, impedindo-o de se instalar entre nós.

Uma cultura da bondade A cultura contemporânea também estimula algumas formas de resistir à compaixão. A autonomia individual é tão valorizada que podemos encarar a preocupação e a necessidade pelos outros como sinais de fraqueza. Para tentar nos proteger, internalizamos uma autoimagem de durões, estabelecendo crenças rigorosas como “Dependência é fraqueza”, “Eu não preciso dos outros” e “Não me envolvo com ninguém para não acabar magoado”. Não há nada de errado em se sentir independente. Os problemas surgem quando levamos as coisas ao extremo e acabamos alienados de nossa natureza essencial como seres sociais e interconectados cujas necessidades são universais à nossa condição. Na cultura tibetana tradicional, a bondade é altamente valorizada, e os tibetanos aprendem desde cedo a oferecê-la e recebê-la com facilidade. Como reconhecem que a interdependência é natural para os humanos, as pessoas são gratas pela generosidade dos outros em vez de temê-la. Os visitantes do Tibete muitas vezes fazem comentários sobre sua hospitalidade – a forma como os tibetanos costumam convidar abertamente estranhos a suas casas e lhes servem chá e comida. Talvez isso tenha a ver com a realidade da vida no planalto do Tibete, onde as pessoas viveram por muitos séculos em pequenas comunidades espalhadas por uma terra geograficamente vasta e desafiadora. Assim, quando notei pela primeira vez no Ocidente a relutância visceral – ou mesmo aversão – que algumas pessoas demonstram em relação à generosidade dos outros, fiquei um tanto chocado. Vi pessoas reagindo a ela como se fosse um insulto. Lembro-me de meu primeiro ano em Cambridge, quando ofereci ajuda a um idoso de bengala que atravessava a rua. Ele me olhou com irritação, como se estivesse ofendido. Talvez minha intrusão o tenha lembrado de sua velhice e ele não gostasse de pensar nisso. Mais tarde, percebi também que algumas pessoas não querem se sentir em dívida com os outros.

Abrindo mão da resistência De um modo ou de outro, os inibidores da compaixão são formas de resistência que costumamos trazer à nossa experiência diária, sobretudo quando temos que lidar com dificuldades, dor e sofrimento. Usamos o medo, o orgulho, olhamos para outro lado ou ficamos na defensiva – nos reprimimos – para nos proteger. A resistência pode nos fazer bem diante de ameaças físicas. Diante de um tigre ou um assaltante, ou lutamos para nos defender ou fugimos. Mas a reação de luta ou fuga não é útil quando as ameaças são mentais e emocionais. Na verdade, nossa resistência abre caminho para ainda mais sofrimento. A antiga compreensão budista de que a resistência torna as coisas piores representa uma poderosa percepção da natureza do sofrimento humano. Descobri uma analogia ocidental para esse ensinamento quando, já adulto, decidi aprender a esquiar. No começo, meu corpo estava rígido de medo. Apenas quando deixei de lado a rigidez e relaxei eu comecei a me senti bem. Também aprendi que, durante uma queda, deixar o corpo relaxado e acompanhar seu movimento minimiza os ferimentos. Essa ideia me pareceu paradoxal

de início. O instinto de resistir (às quedas ou ao sofrimento) vem de ímpetos humanos fundamentais. Todo mundo tem um desejo básico de segurança – uma base sólida sobre a qual nos mantermos com confiança. Buscamos instintivamente o controle, a previsibilidade e a resolução, e nos sentimos desconfortáveis com a incerteza e a mudança. Mas, não importa quanto tentemos, jamais poderemos eliminar a incerteza e a mudança de nossas vidas. Além disso, nosso descontentamento natural com a mudança é agravado pelas incertezas radicais da vida contemporânea. Mesmo antes da era digital, o poeta W. H. Auden descreveu o período pós-industrial como a “era da ansiedade”. Muitas das instituições que proporcionavam constância e sobre as quais as sociedades tradicionais se construíam – a Igreja, a monarquia e uma comunidade forte – não têm mais um papel tão crucial para as pessoas no mundo moderno. Em nossa era digital, tudo parece estar caótico. Há pouca ligação ao “lar” no sentido físico. Cada vez menos pessoas têm uma conexão emocional com o lugar de onde vieram. Há menos segurança e menos estabilidade nos empregos e a cultura corporativa é definida pelo lucro dos acionistas no ciclo mais curto de tempo. Uma das primeiras percepções espirituais que o Buda partilhou com seus discípulos foi a verdade da impermanência. Ele nos lembra de que a dor de perder o que temos, de não encontrar o que desejamos e de receber o que não queríamos são parte do que significa estar vivo. São aspectos de nossa experiência humana comum; não acontecem porque de alguma forma deixamos de fazer a coisa certa. E nossa felicidade reside não em evitar a dor e o sofrimento, mas em não deixar que perturbem nosso equilíbrio essencial – a calma de permitir, pelo menos naquele momento, que as coisas sejam como são. Quanto mais cedo fazemos as pazes com elas, mais cedo paramos de reagir e começamos a viver com compaixão por nós mesmos e pelos outros. Devo admitir que essa é uma verdade difícil de aceitar, não importa quão autêntica seja. Tomara que, ao conseguirmos enxergar como é mais difícil lutar contra ela, possamos concordar que desenvolver aceitação, compreensão, paciência e bondade – a compaixão – é algo que vale a pena. O treinamento de cultivo da compaixão, na Parte II deste livro, tem o intuito de ajudar nesse sentido. Poderíamos tentar nos proteger contra a incerteza e a mudança controlando o ambiente, o comportamento dos outros e o mundo todo. No entanto, essa não é uma estratégia realista. Em vez disso, podemos nos transformar e nos adaptar à realidade na qual nos encontramos inseridos. Shantideva, autor budista indiano do século VIII cujo texto seminal memorizei quando era monge, oferece uma analogia: se tentássemos cobrir toda a face da Terra com couro para proteger nossos pés, onde encontraríamos couro suficiente? Em vez disso, podemos cobrir a sola de nossos próprios pés com sapatos de couro e atingir o mesmo propósito. A melhor solução para um problema é aquela que você pode encontrar dentro de si.

Treinando o músculo da compaixão: o cultivo da compaixão na Universidade Stanford

A perspectiva por trás de nosso treinamento de cultivo da compaixão em Stanford é bastante ambiciosa. Nosso intuito não se limita a voltar nossa atenção para a compaixão como um valor humano central ou nos tornarmos mais empáticos com os outros. Em vez disso, o objetivo do programa é oferecer uma prática sistemática para transformar a compaixão no princípio fundamental que governa todos os aspectos da nossa vida – da forma como vemos a nós mesmos, educamos nossos filhos e interagimos com os outros ao modo como nos envolvemos com o mundo ao redor. Quando deixada sem treinamento, nossa experiência de compaixão tende a ser reativa: ela surge apenas como resposta ao sofrimento ou à necessidade de alguém que amamos. No caso de um estranho ou de um animal, é preciso muito mais para provocar compaixão em nós. No entanto, por meio desse treinamento podemos tornar a compaixão nossa postura básica, a perspectiva através da qual percebemos nós mesmos e o ambiente à nossa volta, e passar a nos relacionar com o mundo a partir dessa visão. Há uma ligação íntima e dinâmica entre a forma como percebemos o mundo ao redor, por um lado, e a forma como o experimentamos, de outro. Isso, por sua vez, influencia o modo como agimos. Em outras palavras, nossas emoções definem nosso comportamento, e nossos pensamentos e percepções – nossa atitude, nossa perspectiva e os valores que as acompanham – determinam nossa forma de experimentar o mundo. Se, por exemplo, vemos o mundo como um lugar perigoso e os outros como pessoas indiferentes e egoístas, vamos nos relacionar com eles, prioritariamente, através do medo, da suspeita, da rivalidade e do antagonismo. Ao contrário, se vemos o mundo como um lugar em geral alegre e os outros como pessoas que se importam, então vamos experimentar o mundo ao redor com uma sensação de confiança, pertencimento e segurança. O mundo pode ser diametralmente diferente para dois indivíduos na mesma vizinhança, com o mesmo nível socioeconômico, se eles tiverem perspectivas opostas. Ao mudar a forma como percebemos nós mesmos e o mundo em que vivemos, podemos transformar nossa maneira de experimentar nossa individualidade e o mundo. Isso é o que o Buda quis dizer quando afirmou: “Nós criamos o mundo com nossos pensamentos.” E essa é a teoria da transformação por trás do treinamento de cultivo da compaixão em Stanford. No TCC, trabalhamos com quatro áreas de mudança: perspectiva, consciência, capacidade de empatia e comportamento. Mudamos nossa perspectiva principalmente trabalhando nossas intenções conscientes e as atitudes que trazemos à nossa experiência cotidiana do mundo. Fortalecemos nossa consciência trabalhando nossa capacidade de atenção e aprendendo a simplesmente estar presente à medida que nossas experiências se desenrolam. Cultivamos nossa empatia desejando bem aos outros, sobretudo aos entes queridos, de forma consciente e nos alegrando com sua felicidade. Aprendemos a expandir o alcance de nossa empatia reconhecendo aquilo que partilhamos com os outros, especialmente nossa humanidade. Através da mudança de nossa perspectiva e de nosso grau de consciência, do desenvolvimento da empatia e da nossa compaixão em ação, transformamos nosso comportamento. Através da mudança de nosso comportamento, mudamos o mundo. Pode-se depreender, do Capítulo 2, que um dos principais alvos da transformação pretendida por nosso treinamento é o relacionamento conosco. Uma relação saudável e compassiva conosco, na qual enxergamos nossa própria situação com bondade, compreensão e aceitação genuína, é a

base para a construção de nossa relação com os outros e o mundo. Portanto, o cultivo da autocompaixão é muito importante. Nos próximos cinco capítulos, apresento os elementos principais de nosso treinamento de cultivo da compaixão em Stanford, com as práticas específicas de meditação associadas a cada passo. Começando com o estabelecimento da atenção consciente, aprendemos a dirigir a atenção e trazer maior consciência a nossas experiências. Então aquecemos nossos corações para criar vínculos com os outros, especialmente com nossos entes queridos, de maneira mais fácil. Uma vez estabelecidas as bases do programa através do cultivo de nossa intenção, atenção e empatia, nos voltamos para o desafio de cultivar a autocompaixão. Por fim, com a compaixão e a bondade em relação a nós mesmos firmemente ancoradas, passamos a trabalhar a expansão de nosso círculo de cuidado para que, pelo menos idealmente, abrace toda a humanidade. Como passo importante para alargar esse círculo, cultivamos sentimentos genuínos de conexão com os outros por meio do reconhecimento de que todos nós compartilhamos o desejo de alcançar a felicidade. Se quisermos superar a resistência à compaixão, temos que lidar com nossos medos. A Parte II deste livro vai ajudá-lo a explorar as crenças pessoais que sustentam os seus. Você vai ver como a resistência à compaixão, inclusive em relação a si mesmo, se manifesta em nossos pensamentos, nossas atitudes e nossas reações emocionais, e vai aprender a lidar com eles através da conscientização e da compreensão. Por meio da prática, podemos aprender a estar confortáveis com nossa incerteza e a reagir com flexibilidade às nossas experiências de dor, sofrimento e medo – sem lutar contra elas ou impor resistência –, observando-as e respondendo com amável compreensão. Essa é uma abordagem completamente diferente da vida, que exige que coloquemos em questão nossos padrões habituais de autoproteção. É necessário um coração sem medo e que estejamos confortáveis em meio à incerteza e seguros mesmo quando o chão sob nossos pés parece ruir. Mas isso é algo que precisamos aprender. De nossa parte, exige uma nova perspectiva, um conjunto diferente de atitudes em relação às nossas experiências e um modo distinto de nos relacionarmos com nós mesmos e o mundo. Isso tudo é o que práticas como a atenção plena e a compaixão podem nos ensinar. Como vimos no Capítulo 1, a habilidade – e a coragem – para desenvolver a compaixão já estão em você. Agora trata-se apenas de limpar o caminho.

PARTE II

Treinando a mente e o coração

4 Da compaixão à ação TRANSFORMANDO INTENÇÃO EM MOTIVAÇÃO O bom e o mau carma são funções da mente... todas as nossas ações são definidas por nossa intenção. – TSONGKHAPA (1357-1419)

Qualquer um pode ver que pretender e não agir quando podemos não é realmente pretender, e amar e não fazer o bem quando podemos não é realmente amar. – EMANUEL SWEDENBORG (1688-1772), O CÉU, E AS SUAS MARAVILHAS, E O INFERNO, SEGUNDO O QUE FOI OUVIDO E DITO

Que todos os seres alcancem a felicidade e suas causas. Que todos os seres sejam livres do sofrimento e suas causas. Que todos os seres nunca sejam separados da alegria que é livre de tristeza. Que todos os seres permaneçam equânimes, livres das distorções do apego e da aversão.

L

embro-me com carinho de acordar quando criança em tendas enfumaçadas, em uma parte remota do norte da Índia, perto de Shimla, com o som de minha mãe cantando esses versos, entre outras preces, enquanto fazia chá de manteiga tibetano para o desjejum. O bater da manteiga dentro de um dongmo, um tubo vertical de madeira cercado por tiras de cobre, com o movimento para cima e para baixo de um longo bastão ligado a um disco de madeira, produz um ruído tranquilizante e repetitivo. As tendas onde meus pais moravam enquanto trabalhavam na construção de estradas mudavam de lugar, mas a vila de crianças onde eu ficava providenciava visitas aos nossos pais a cada uma ou duas semanas. Mais tarde, já mais crescido, passei a valorizar muito as memórias de minha mãe, e seu canto da prece das Quatro Qualidades Incomensuráveis tornava essas lembranças ainda mais significativas.

As quatro qualidades incomensuráveis A compaixão é uma das “quatro qualidades incomensuráveis”, como podemos ver na segunda linha dessa prece: Que todos os seres sejam livres do sofrimento e suas causas. As outras três são amor-bondade, alegria solidária e equanimidade. Explicando de maneira informal, essas são as qualidades que, de acordo com a psicologia budista, nunca se tem demais. Além da compaixão, todos nós possuímos essas qualidades, pois elas são parte – as melhores partes, inclusive – de

nossa humanidade. Então, apesar de esses termos não serem familiares, você deve saber o que significam. Amor-bondade é amor sem cobranças, apenas o puro desejo de que o outro seja feliz (e especialmente nós mesmos) – Que todos os seres alcancem a felicidade e suas causas. Alegria solidária é ficar feliz com a felicidade ou boa sorte do outro – Que todos os seres nunca sejam separados da alegria que é livre de tristeza. Equanimidade é manter-se calmo apesar de tudo que a vida lhe traz – prazer e dor, gostos e aversões, sucesso e fracasso, fama e descrédito. Isso permite que nos identifiquemos com todos os seres humanos para além das categorias de amigos, inimigos ou estranhos. Com a equanimidade, ficamos livres das forças habituais da expectativa e da apreensão que nos tornam tão vulneráveis ao excesso de agitação e às decepções. Quando se sentou sob a árvore e alcançou a iluminação, o Buda fez um mudra – um gesto significativo – tocando o chão com uma das mãos para indicar que, apesar das tempestades de problemas ao seu redor e das provocações que chegassem até ele, permaneceria firme em seu lugar. Este é o quadro da equanimidade: Que todos os seres permaneçam equânimes, livres das distorções do apego e da aversão. Cada uma dessas qualidades, conhecidas como as “sublimes permanências”, tem seu polo oposto, seu “inimigo distante”. O da compaixão é a crueldade. O do amor-bondade é a animosidade ou má intenção. O da alegria solidária, a inveja. O pior aspecto da inveja é nos levar a sentir alegria com o infortúnio de alguém de quem não gostamos. Lembro-me do conflito que senti quando, em 1976, a comunidade de refugiados tibetanos na Índia irrompeu em celebrações com a morte de Mao Tsé Tung. Se há alguém mais responsável pelo sofrimento do povo tibetano – a anexação do Tibete, a repressão de seu povo, a destruição de sua cultura e sua ecologia – e cujo legado permanece sem solução, é o grande comandante da China comunista. Como eu era um adolescente inquieto, teria gostado de me juntar à celebração, mas minha formação monástica me fez pensar duas vezes. No entanto, o feriado de nossa rotina de estudo e trabalho de campo no mosteiro foi muito bem-vindo. A equanimidade tem alguns opostos – cobiça, aversão e preconceito –, que, juntos, causam muita agitação em nossa mente e perturbam seu equilíbrio. Menos óbvios são os “inimigos próximos”, ou estados mentais semelhantes às qualidades incomensuráveis que podem facilmente se confundir com elas, mas também são causas de sofrimento desnecessário. Quando cultivamos as boas qualidades, devemos estar atentos a esses impostores. O inimigo próximo do amor-bondade é a afeição egoísta, ou apego, que aparece quando amamos alguém pelo que pensamos que essa pessoa pode nos oferecer. O da alegria solidária é a alegria frívola, que costuma surgir de experiências agradáveis mas sem sentido. O inimigo próximo da equanimidade é a indiferença, ou apatia, pois a equanimidade é engajada – não deixamos de nos importar, apenas ficamos calmos. O inimigo próximo da compaixão é a pena. Ao contrário da compaixão genuína, a pena implica uma sensação de superioridade. Assim, ao invés de nos conectar com o objeto de nossa preocupação porque nos identificamos com ele, a pena nos distancia dos outros. O respeito faz parte da compaixão, pois honramos a dignidade do outro como um ser humano e nossas preocupações se baseiam no reconhecimento de que, assim como nós, ele quer se ver livre do sofrimento.

Nas meditações budistas tradicionais sobre os temas do amor-bondade e da compaixão – que com frequência estão relacionados –, em geral começamos por estabelecer uma conexão compassiva com nossa própria experiência, especialmente a do sofrimento, e com nossas aspirações naturais por felicidade. Então, concentrando-nos em um ente querido, desejamos a ele alegria, felicidade e paz, repetindo em silêncio frases como “Que você seja feliz, que encontre paz e alegria”. A partir daí, em círculos concêntricos que se expandem, desejamos alegria, felicidade e paz para uma pessoa neutra, e então para uma pessoa difícil. Finalmente, com o círculo maior, desejamos alegria, felicidade e paz para todos os seres. Na meditação sobre o amor-bondade, desejamos aos outros felicidade, enquanto na meditação sobre a compaixão desejamos aos outros que sejam livres do sofrimento. Assim, para fazer oposição às nossas tendências à inveja e ao incômodo com a boa sorte de outros, cultivamos a alegria solidária. Por fim, para nos elevarmos acima de nosso viés enraizado no apego e na hostilidade (“Eu gosto disso”, “Eu não gosto daquilo”, “Eu gosto dela”, “Eu não gosto dela”), cultivamos a equanimidade. Na tradição tibetana, reconhecemos a compaixão como o mais alto ideal espiritual e a mais alta expressão de nossa humanidade. Mesmo a palavra em tibetano para compaixão, nyingjé, que literalmente significa o “rei do coração”, demonstra que a compaixão é uma prioridade. A cultura tibetana é o principal recurso que tenho usado para desenvolver a estrutura básica e as meditações guiadas do treinamento de cultivo da compaixão em Stanford.

Estabelecendo a intenção consciente Em nosso treinamento, começamos cada sessão com uma prática chamada estabelecendo a intenção, uma espécie de checagem na qual nos conectamos com nossas aspirações mais profundas para que elas deem forma a nossas intenções e motivações. Depois de conectados, compomos um conjunto de pensamentos para formar um pano de fundo a partir do qual nossos pensamentos e emoções subsequentes possam emergir. Com frequência consideramos que estas duas palavras, intenção e motivação, são sinônimos, significam a mesma coisa, mas há uma diferença importante entra elas: deliberação. Nossa motivação para fazer algo é a razão (ou são as razões) por trás daquele comportamento, a fonte de nosso desejo e o ímpeto de realizá-lo. Podemos estar mais ou menos conscientes de nossas motivações. Os psicólogos definem motivação como o processo que “desperta, mantém e regula o comportamento humano e animal”. Falando de forma simples, motivação é tudo que nos anima. Para alguns, pode ser a fama, para outros, o dinheiro, excitação ou emoção, sexo, reconhecimento, lealdade, justiça, senso de pertencimento, segurança, justiça, e assim por diante. A força da motivação aumenta devido a um ciclo de desejo e recompensa – quando algo que fazemos é recompensador, queremos fazer de novo. Quando fazemos de novo, somos recompensados mais uma vez e nos sentimos motivados a repetir a ação. A intenção, por outro lado, é sempre deliberada, é a articulação de uma meta consciente. A motivação, como notou Freud, não precisa ser consciente nem para a própria pessoa. Mas, para o

longo prazo, precisamos da intenção. Estabelecemos e reafirmamos nossas melhores intenções para continuar inclinados na direção que realmente pretendemos seguir. No entanto, a motivação é necessária para nos mantermos no caminho ao longo do tempo. Se nossa intenção for correr uma maratona, haverá momentos nos quais, quando o despertador tocar para uma corrida de 16 quilômetros antes do trabalho, nos perguntaremos, com muita razão: “Por que estou fazendo isso?” Precisamos de respostas boas e inspiradas para superar essas dificuldades. Consciente ou inconsciente, a motivação é a razão de ser e a centelha por trás da intenção. Você pode fazer este exercício assim que acordar, se for conveniente. Também pode realizálo no ônibus ou no metrô, a caminho do trabalho. Se trabalha num escritório, pode fazê-lo em sua mesa, antes de começar o dia. Você precisa apenas de dois a cinco minutos sem interrupção. A tradição tibetana recomenda estabelecer a intenção no começo do dia, quando nos sentamos para começar a meditar ou antes de qualquer atividade importante. Nossas intenções determinam o tom para o que quer que estejamos prestes a fazer. Como a música, a intenção pode influenciar nosso humor, nossos pensamentos e sentimentos – estabelecendo uma intenção pela manhã, criamos o tom do dia.

Exercício: Estabelecendo uma intenção Primeiro, encontre uma postura confortável para se sentar. Se puder, sente-se em uma almofada no chão ou numa cadeira, com as solas dos pés tocando o chão – o que traz a sensação de uma base sólida. Se preferir, pode deitar de barriga para cima, de preferência numa superfície não muito macia. Quando encontrar sua postura, relaxe quanto puder, se necessário fazendo alguns alongamentos, sobretudo nos ombros e nas costas. Então, com os olhos fechados, se isso o ajudar a se concentrar, inspire fundo de três a cinco vezes, com o diafragma ou o abdômen, enchendo a barriga, depois a área das costelas e a parte alta do tronco, como se estivesse enchendo uma jarra com água. A seguir, com uma exalação longa e lenta, expulse todo o ar. Se isso ajudar, você pode exalar pela boca. Inspire... e expire... Quando se sentir mais calmo, contemple as seguintes perguntas: “O que eu valorizo profundamente? O que, no fundo do meu coração, desejo para mim mesmo, meus entes queridos e o mundo?” Concentre-se um pouco nessas questões e veja se surge alguma resposta. Se não houver uma resposta específica, não se preocupe, apenas fique com as perguntas em aberto. Pode ser difícil se acostumar com isso, uma vez que, no Ocidente, em geral esperamos responder às perguntas que fazemos. Acredite que as próprias perguntas estão funcionando, mesmo – e especialmente – se não encontrar respostas prontas. Se e quando as respostas surgirem, reconheça-as e preste atenção a quaisquer pensamentos e sentimentos que elas possam trazer. Por último, desenvolva um conjunto de pensamentos como sua intenção consciente – para o dia de hoje, por exemplo. Você pode pensar: “Hoje, que eu esteja mais consciente do meu corpo, da minha mente e das minhas palavras quando interagir com os outros. Que eu evite ao máximo ferir os outros deliberadamente. Que eu me relacione comigo mesmo, com os outros e com os acontecimentos ao meu redor com generosidade, compreensão e menos julgamentos. Que meu dia transcorra de modo a estar afinado com meus valores mais profundos.” Assim, crie o tom do dia.

Depois de familiarizados com o estabelecimento da intenção, poderemos realizar essa prática em um minuto ou menos – isso significa que poderemos encontrar oportunidades durante o dia para checar nossas intenções. Médicos que fizeram o treinamento da compaixão, por exemplo, passaram a usar o tempo de lavar as mãos entre as consultas para retornar às suas intenções e

relatam como isso faz com que se sintam mais centrados e presentes para o próximo paciente. Podemos até pular essa prática formal de três fases e ler ou entoar algumas linhas significativas. Você pode usar a prece das Quatro Qualidades Incomensuráveis: Que todos os seres alcancem a felicidade e suas causas. Que todos os seres sejam livres do sofrimento e suas causas. Que todos os seres nunca sejam separados da alegria que é livre de tristeza. Que todos os seres permaneçam equânimes, livres das distorções do apego e da aversão.

Dedicando nossa experiência Na tradição tibetana, a prática de estabelecimento de intenção se combina com outro exercício contemplativo chamado dedicação. O intuito deste exercício é completar o ciclo iniciado para intenção. Ao fim do dia, de uma meditação ou de qualquer esforço que pudermos ter feito, nos reconectamos com o que estabelecemos no começo, refletindo sobre nossa experiência à luz de nossas intenções e nos alegrando com o que conquistamos. Isso nos oferece mais uma oportunidade de conexão com nossas aspirações mais profundas.

Exercício: Dedicação No fim do dia – por exemplo, antes de ir para a cama ou ao se deitar –, reflita sobre ele. Passe em revista os acontecimentos do dia (inclua conversas significativas, humores e outras atividades mentais) e volte a entrar em contato com a intenção estabelecida mais cedo. Veja se eles estão alinhados. É importante não se prender aos detalhes do que você fez ou deixou de fazer. A ideia não é fazer um balanço exaustivo, mas realizar uma avaliação ampla para ver se houve sinergia entre suas intenções e sua vida naquele dia. Apenas aceite quaisquer pensamentos e sentimentos que essa avaliação possa trazer. Não há necessidade de se livrar deles se forem negativos nem de se agarrar aos que parecerem positivos. Simplesmente aceite e fique em silêncio por um tempo. Finalmente, pense no que o fez se sentir bem – uma ajuda que deu a um vizinho, um ombro amigo a um colega em dificuldade, não ter perdido o controle naquela loja quando alguém furou a fila... – e então alegre-se com a lembrança de cada uma dessas ações. Se nada aconteceu, alegre-se com o fato de ter começado o dia estabelecendo uma intenção consciente.

Esse é um exercício curto. De três a cinco minutos é o ideal. Se você costuma ler antes de dormir, separe de três a cinco minutos ao final para a dedicação. Se seu hábito é ver televisão, dá para parar de assistir três a cinco minutos antes? Ou ir a algum lugar tranquilo durante os comerciais? É importante alegrar-se com o dia quando ele chega ao fim, mesmo que seja pelo simples fato de ter se esforçado. Isso nos dá algo positivo para levar conosco para o dia seguinte e nos ajuda a cultivar a motivação a serviço de nossas intenções. Como veremos adiante, a

alegria tem um papel crucial em nossa motivação, sobretudo para mantê-la por um período prolongado de tempo. Às vezes, porém, pode ser bom fazer um exame mais focado. Isso é especialmente verdadeiro se você estiver passando por dificuldades com uma questão particular ou engajado em algum esforço. No TCC, trabalhamos certas qualidades e atitudes que queremos incentivar naquela semana. Digamos, por exemplo, que a desta semana seja a autocompaixão. Durante este período, estabelecemos a intenção de sermos mais bondosos conosco. Ao fim do dia, nossa dedicação pode prestar atenção aos atos de autocompaixão que conseguimos praticar. Quando fazemos uma avaliação focada, a maioria de nós sente que não alcançou a meta. Veremos as lacunas entre nossas intenções e nosso comportamento, entre nossas aspirações e nossa vida real. Quando isso acontece, é importante não nos fustigarmos com julgamentos negativos ou autocrítica. Simplesmente reconhecemos essa diferença e decidimos tentar de novo no dia seguinte. Essa consciência nos ajudará a estar mais atentos então, criando novas oportunidades para deixar nossos pensamentos e nossas ações cotidianas mais próximos de nossas metas.

Os benefícios da intenção e da dedicação Estruturar nossos dias começando pelo estabelecimento da intenção e terminando com a dedicação, mesmo que apenas uma vez por semana, pode mudar a maneira como vivemos. Tratase de uma abordagem resoluta da autoconsciência, da intenção consciente e do esforço concentrado – três dádivas preciosas das práticas contemplativas, por meio das quais assumimos responsabilidade por nossos pensamentos e ações: e o controle de nós mesmos e da nossa vida. Como disse o Buda: “Você é seu próprio inimigo e seu próprio salvador.” Ele percebeu que nossos pensamentos, nossas emoções e nossas ações são as principais fontes de sofrimento. Da mesma forma, nossos pensamentos, nossas emoções e nossas ações podem ser a fonte de nossa alegria e nossa liberdade. Viver o máximo possível com uma intenção consciente é o primeiro passo para essa transformação. Assim, esses dois exercícios que acabamos de ver são o primeiro passo para alcançar maior clareza e coesão em nossa vida, nosso trabalho e nossos relacionamentos com os outros. E não apenas isso. Quando nossas aspirações incluem o bem-estar e a felicidade de outros, nossas ações e nossa vida como um todo adquirem um propósito maior que nossa existência individual. No palco global, talvez o exemplo mais admirável do poder da intenção consciente de um indivíduo seja a impressionante história da transição do apartheid para a liberdade na África do Sul. O compromisso de Nelson Mandela com a não violência, a harmonia racial e a justiça deu forma à sua intenção de criar um país diferente. Era uma intenção muito inconveniente, que enfrentou oposição, de uma forma ou de outra, durante todos os dias de sua longa vida. Para viver essa intenção de forma verdadeira, é necessário estabelecê-la e restabelecê-la, encontrando forças na reflexão dedicada. A intenção de Mandela ajudou a estabelecer o clima da nova nação. O resultado foi uma transição suave e pacífica. Um texto clássico budista oferece uma metáfora

que se encaixa nessa situação: “Se acontece de uma gota de água cair no oceano, alguma parte dessa água permanecerá enquanto o oceano permanecer. Deixada à própria sorte, a mesma gota de água irá apenas evaporar.” Uma senhora na casa dos 60 anos que fez o treinamento de cultivo da compaixão em Stanford continuava a trabalhar em tempo integral, apesar de querer estar mais próxima dos netos. Ela achava que iria deixar seu chefe na mão se reduzisse a carga horária de trabalho, ainda que estivesse muito incomodada com o fato de seus netos estarem crescendo e ela não poder passar muito tempo com eles. Começando com intenções de compaixão e bondade em relação a si mesma, ela se conectou com sua motivação para dizer ao chefe que queria reduzir suas horas de trabalho. Ela conta que agora ele está feliz, ela está feliz e seus netos estão felizes. Como disse a seu instrutor no TCC, ela sempre se sacrificava pelos outros sem se manter fiel a seus valores mais profundos. Ela mudou não apenas a quantidade de tempo que passava com os netos, mas o modo como levava a vida. O estabelecimento de intenções foi útil em muitas áreas da minha vida. Desde o nascimento de nossa primeira filha, eu e minha mulher adotamos uma abordagem consciente da criação que nos permitiu dar às nossas interações com as crianças a forma dos valores que mais estimamos. O que mais importava para nós era oferecer amor, confiança, respeito e atenção para nossas filhas em uma atmosfera aconchegante de intimidade. Todo o resto eram detalhes. À medida que elas cresciam e desenvolviam a própria personalidade, trouxemos para nossa intenção pensamentos específicos sobre o estilo e a qualidade da criação que queríamos construir. Por exemplo: Que eu respeite minhas filhas como indivíduos em vez de vê-las como uma extensão de meu ego. Também queríamos ser claros sobre limites. Reconhecemos que a rotina é algo particularmente importante para crianças pequenas e que, quando se tratava da escola, por exemplo, não haveria negociação. A menos que estivessem doentes, as meninas não poderiam faltar à escola apenas porque não estavam com vontade de ir. Mas também não queríamos nos tornar ranzinzas. Assim, usávamos outro exemplo de intenção: Que eu escolha minhas lutas com sabedoria. É claro que ocasionalmente não alcançávamos e ainda hoje não alcançamos as intenções que estabelecemos para nós mesmos. Uma das coisas que descobri a respeito de mim ao me tornar pai – com algum horror, devo admitir – é quão irritado eu consigo ficar. Raras vezes experimentei a frustração de forma tão intensa quanto com minha filha mais nova, Tara, quando ela estava com 3 anos. Graças a meu hábito de estabelecer intenções e ao poder de assim me tornar mais consciente e influenciar meu comportamento, passei a me pegar no flagra antes de transformar minhas emoções em atitudes desastrosas. Descobri que frequentemente minhas próprias questões eram os reais gatilhos. As crianças pequenas costumam nos oferecer lições preciosas sobre nós mesmos. (Obrigado, Tara!) As intenções também podem nos ajudar a ter mais autocontrole, o que pode fazer com que toda a nossa vida pareça muito menos fora de controle. Lembro que, em 1989, na Universidade de Cambridge, eu tive um laptop com um HD de 10 megabytes (era uma coisa e tanto na época) que vinha com alguns jogos, inclusive xadrez, e me permitia refazer o último lance quando jogava contra ele, o que significava que eu podia ter uma prévia de como o computador

responderia a cada movimento. Muitas vezes, à noite, eu me pegava jogando xadrez sem perceber quantas horas tinham se passado, trapaceando, refazendo o último movimento! Quando reconheci quão viciante esse comportamento era, deletei os jogos do computador, um procedimento que também adotei em meu laptop seguinte. Do meu terceiro computador já não precisei deletar os jogos. A relação que tenho hoje com a internet e o e-mail foi construída pela prática da intenção. À medida que foram se tornando onipresentes, tomei uma postura proativa e limitei sua presença em minha vida. Com e-mails, em particular, tenho mantido uma disciplina bastante austera por quase duas décadas. Começo o dia não abrindo minha caixa de entrada, mas com uma ou duas horas de trabalho de verdade. Quando abro o e-mail, respondo imediatamente ou deixo para mais tarde as mensagens que posso responder em menos de um ou dois minutos. Daquelas que exigem mais reflexão adio a resposta por pelo menos um dia ou dois. E, se recebo um e-mail na sextafeira que não exija urgência, espero até segunda para responder. Evito tocar no e-mail após o trabalho, exceto quando estou viajando. Para mim, os benefícios são óbvios: espaço e tempo para estar mais presente com minha família ou comigo mesmo. É a intenção consciente de estar presente o máximo possível que me ajuda a manter essa disciplina. Para a maioria dos jovens que usam o espaço virtual em seu cotidiano, minha relação parecerá antiquada, para dizer o mínimo. Ainda assim, não importa de que forma, permanece o fato de que todos podemos nos beneficiar de uma abordagem consciente e proativa a essa dimensão da vida de hoje. Tenho certeza de que existe uma relação entre o grande volume de mensagens eletrônicas e sentimentos difusos de estarmos sobrecarregados e estressados. A intenção consciente, aplicada a esse ou qualquer outro agente estressor, funciona como um filtro contra esses sentimentos negativos que nascem do estresse. Uma razão é que – tanto com o xadrez quanto com a educação dos filhos – esse é um modo de exercer controle onde ele é possível, e grande parte do estresse vem da sensação de que nossas vidas estão fora de controle. Quando estabelecemos uma intenção pela manhã, estamos fazendo uma escolha do tipo de dia que queremos ter. Estamos tomando a vida em nossas mãos em vez de esperar que ela apenas aconteça. Podemos vacilar ou esquecer nossa intenção completamente por alguns períodos do dia, mas o próprio ato de estabelecer – e restabelecer e rerrestabelecer – uma intenção nos mostra que temos uma escolha que, por si só, pode nos dar uma sensação mais intensa de controle. Outra razão é que estabelecer uma intenção é uma forma de preparação. Estudamos para provas ou ensaiamos para fazer apresentações, por exemplo, porque a maioria de nós acharia insuportavelmente estressante aparecer despreparado. No processo de preparação, consideramos vários cenários possíveis, o que nos protege até certo ponto de sermos pegos de surpresa. Isso é muito útil na hora de nos prepararmos para o dia e para qualquer outra atividade com que nos importamos. Que todos os seres alcancem a felicidade e suas causas. Que todos os seres sejam livres do sofrimento e suas causas. Que todos os seres nunca sejam separados da alegria que é livre de tristeza. Que todos os seres permaneçam equânimes, livres das distorções do apego e da

aversão.

Como a intenção se transforma em motivação É importante estabelecer uma intenção, mas também é importante qual intenção estabelecemos. Como qualquer um que tenha tentado se manter fiel a uma resolução de ano-novo sabe, uma intenção, mesmo que seja realmente sincera e boa, está muito longe de ser um fato consumado. Podemos desejar ter mais compaixão e cuidado em relação aos outros e dizer isso a nós mesmos pela manhã, para nos descobrirmos naquela mesma tarde – ou muito antes – agindo de maneira egoísta e excessivamente crítica. A relação entre nossas intenções conscientes, por um lado, e as frequentes motivações não tão conscientes assim que impelem nossos pensamentos e ações, por outro, é confusa. Mas com consciência e reflexão persistentes podemos, com o tempo, tornar nossas motivações cada vez mais alinhadas com nossas intenções. O Dalai Lama uma vez sugeriu um modo simples de verificar nossas motivações, fazendo a nós mesmos as perguntas a seguir: Isso é só para mim ou para os outros? Pelo benefício de poucos ou de muitos? Para agora ou para o futuro? Essas questões nos ajudam a esclarecer nossas motivações porque trazem uma consciência crítica (no sentido de objetividade e critério, não de julgamento) para nossa relação com o que fazemos. Também são úteis para nos lembrar de colocar a compaixão em contato com nossos pensamentos e ações. Podemos fazer essas perguntas antes de realizar alguma ação, enquanto a estamos realizando ou no fim dela – pois sempre haverá a oportunidade de (r)estabelecer nossa intenção e mais uma chance de agir de acordo com ela. Jennifer Crocker e Amy Canevello são especialistas no comportamento de cuidadores. Elas distinguem entre o que chamam de motivações do egossistema e motivações do ecossistema. Para as primeiras, o cuidado é um modo de satisfazer as necessidades e os desejos de quem cuida. Em um egossistema, os cuidadores competem, digamos, por status e pelo reconhecimento de serem bons no que fazem. Em contraste, o cuidado num ecossistema é motivado por uma preocupação genuína com o bem-estar dos outros. Embora mesmo assim possa resultar em benefícios para o cuidador – por lhe oferecer um senso de propósito e satisfação, por exemplo –, essa não é a principal razão que levou essas pessoas a oferecerem cuidado. Trata-se, como vimos no Capítulo 1, dos benefícios não intencionais da bondade. O cuidado nesse contexto tende a ser mais cooperativo, porque cuidadores com metas compassivas definem o sucesso em termos do que é melhor para os outros. Também no nível emocional, cuidadores motivados pelo ecossistema se sentem mais tranquilos, lúcidos e amorosos. Apesar disso, Crocker e Canevello admitem que há uma interação complexa entre os dois sistemas. Nossas motivações com frequência são mistas, e nossas motivações e intenções podem

chegar a ser contraditórias. Se eu gritar com minha filha adolescente que chegou tarde em casa, minha intenção é ajudá-la a assumir responsabilidade por seus atos, lembrar-lhe que há pessoas que dependem dela e que há consequências para a quebra de confiança. A motivação, por outro lado, pode ser que eu tema por sua segurança e queira que ela sinta tanto medo quanto eu. Ou, o que seria egoísta, por me sentir desrespeitado pelo que percebi como um ato de rebeldia e querer reafirmar meu poder. Pode ser que eu estivesse com raiva e que, naquele momento, gritar tenha feito com que eu me sentisse bem. Além disso, motivações podem ser instáveis. O que a prática contemplativa da intenção sugere é isto: com ela, podemos aprender a acessar nossas motivações de ecossistema em vez de ficar presos em nosso egossistema. As recompensas de agir conforme nossas melhores intenções – quando as experimentamos, refletimos sobre elas e nos alegramos com elas – redirecionam nossas motivações de um sistema a outro. Com a prática, nossas intenções se tornarão força do hábito e mesmo nossas redes neurais se realinharão para estar mais de acordo com elas. Como desenvolver a motivação para ir atrás de nossas aspirações mais profundas tem sido uma das principais questões na longa história da psicologia budista. No pensamento budista, a motivação é uma questão de desejo – mais especificamente, o desejo de agir acompanhado de um senso de propósito. Digamos que, no caso da intenção de ser mais compassivo, é necessário despertar o desejo de agir de forma compassiva, estabelecendo uma conexão emocional com a compaixão e seus objetivos. E é através dos benefícios que isso traz que desenvolvemos o propósito de sermos ainda mais compassivos. Foi apenas recentemente que a psicologia passou a levar em conta o papel das emoções na motivação de nosso comportamento. Por longo tempo, a teoria ocidental da ação foi dominada pela teoria da escolha racional – e as emoções eram acusadas de nublar o processo em vez de serem consideradas parte integrante do sistema. Para articular a dimensão dual de nossa motivação – a consciência cognitiva de nossas metas e a conexão emocional com elas –, a psicologia budista utiliza um termo que é quase intraduzível. O termo sânscrito shraddha (depa, em tibetano) tem uma ampla gama de significados, os mais importantes sendo “fé”, “crença” e “confiança”, além de também conotar as ideias de apreciação e admiração. Shraddha é mais algo que se sente – como a confiança – do que um estado cognitivo – como a crença ou o conhecimento. Em termos de experiência, shraddha é algo como um apego ou atração por nossa meta, como ficar inspirado a tocar guitarra depois de ver uma estrela do rock, por exemplo. É esta qualidade, shraddha, que prepara nosso coração para se dispor a tocar. Como entrar em contato com nosso reservatório emocional? Para isso, a cognição desempenha um papel crucial, o que os textos budistas antigos caracterizam como ver o valor de realizar alguma coisa. De forma semelhante ao que as corporações atuais fazem quando anunciam seus produtos, com frequência os textos budistas começavam por exortar as virtudes de um ideal ou uma busca que o autor queria defender. Através do envolvimento cognitivo, como ao ver os benefícios do que pretendemos fazer, conectamos intenção e motivação. Assim, dentro desse nexo causal, a ligação crucial a ser observada é aquela entre nossa consciência da meta e a razão pela qual devemos persegui-la, nossos sentimentos sobre ela e nosso desejo ou vontade de ir atrás do que queremos.

Mais uma vez, a alegria que sentimos por causa de nossos esforços (a coragem de tentar, a dedicação a perseverar) e seus resultados (a camaradagem de tocar com alguém, por exemplo, a mágica de fazer música) é que nos ajudam a manter nossa motivação no longo prazo. Ou, em outras palavras, nos fazem querer continuar tentando. Pais cujos filhos começam a tocar um instrumento irão reconhecer que tudo muda no momento em que a criança começa a gostar do que está fazendo. Isso é chamado de motivação intrínseca, em oposição à motivação extrínseca, que ocorre quando, por exemplo, o pai ou a mãe deixa que a criança assista à TV por mais tempo como recompensa por ter praticado o instrumento. Depois de décadas de pesquisas sobre o assunto, hoje sabemos que a motivação intrínseca é muito mais estável e duradoura. O processo de estabelecer intenções e refletir sobre elas com alegria durante a dedicação é a melhor maneira de, com o tempo, transformar a motivação extrínseca em intrínseca – e, portanto, de manter a energia e o propósito de viver realmente de acordo com nossas melhores aspirações. Que todos os seres alcancem a felicidade e suas causas. Que todos os seres sejam livres do sofrimento e suas causas. Que todos os seres nunca sejam separados da alegria que é livre de tristeza. Que todos os seres permaneçam equânimes, livres das distorções do apego e da aversão.

5 Abrindo espaço para a compaixão COMO O FOCO CONSCIENTE NOS MANTÉM NO CAMINHO Ficamos à mercê de nossos pensamentos e nossos pensamentos ficam à mercê de nossas emoções negativas, e dessa maneira nos sabotamos. – PROVÉRBIO TIBETANO

A escolha da atenção – prestar atenção nisso ou ignorar aquilo – é, para a vida interior, o que a escolha é para a vida exterior. – W. H. AUDEN (1907-1973)

O

próximo passo em nosso treinamento é cultivar três habilidades que usamos para predispor nossa mente à compaixão. Primeiro, vamos aprender a acalmar a mente. Depois, vamos desenvolver a concentração através da atenção focada. E, por último, vamos fortalecer a consciência, um estado relaxado e receptivo no qual podemos observar nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos à medida que surgem, sem nos deixar dominar por eles. (A consciência é, na verdade, o mais importante “ingrediente ativo” da prática moderna da atenção plena.) Costumamos nos referir coletivamente a essas três habilidades como o processo de Aquietar a mente. Com ele, desenvolvemos a equanimidade – uma mente calma, equilibrada e receptiva que tem espaço para acomodar todas as nossas experiências, inclusive as necessidades e dores (tanto as nossas quanto as dos outros). Não é necessário desenvolver essas habilidades para sentir compaixão por alguém. Como já vimos, isso pode acontecer de forma muito natural e espontânea. Mas precisamos dessas habilidades, sim, se não quisermos deixar as coisas por conta do acaso. Em alguns casos, sobretudo quando se trata de nós mesmos, descobrimos que não somos capazes de reagir com compaixão e bondade, apesar de desejarmos. No Capítulo 3, consideramos várias razões pelas quais a resistência pode ficar em nosso caminho. A resistência, os julgamentos negativos e o egocentrismo podem sequestrar nossa atenção e determinar reações. As habilidades de calma, concentração e consciência nos ajudam a guiar nossa mente para onde gostaríamos de ir.

A mente divagando: um estado natural do cérebro? Um estudo recente de Matthew Killingsworth e Daniel T. Gilbert, dois psicólogos da Universidade Harvard, demonstrou dois fatos básicos sobre a nossa mente que também são

reconhecidos pela tradição budista: divagar é um estado natural da mente, e esse devaneio é uma fonte de infelicidade. Para obter dados da vida real, os pesquisadores usaram o método conhecido como experience sampling, nesse caso através de um aplicativo para smartphone chamado “Siga sua felicidade” (Track Your Hapiness). Em um estudo inicial com 2.250 voluntários, o aplicativo mandava notificações aos participantes de forma aleatória, perguntando o que estavam fazendo no momento, quão felizes estavam, se nesse instante estavam pensando em sua atividade ou em outra coisa e – caso estivessem pensando em outra coisa – se era algo agradável, desagradável ou neutro. Os participantes dispunham de uma lista de 22 atividades possíveis, que incluíam “trabalhando”, “comendo”, “descansando ou dormindo”, “fazendo compras”, “a caminho do trabalho”, “vendo televisão” e “nada especial”. As pessoas responderam que, durante quase metade do tempo, sua mente estava divagando, e isso se aplicava a pelo menos 30 por cento do tempo em todas as atividades da lista, exceto “fazendo amor”. Os pesquisadores descobriram que, quando a mente das pessoas vagava, elas relataram estar felizes apenas em 56 por cento do tempo, em contraste com 66 por cento quando estavam prestando atenção na atividade que realizavam no momento. (As descobertas não disseram nada sobre a ligação causal entre os dados: as pessoas estavam felizes porque estavam concentradas ou estavam concentradas porque estavam felizes?) Nos resultados publicados, os pesquisadores sugerem que a divagação parece ser o estado natural da mente e concluem: “A mente humana divaga, e uma mente que divaga é uma mente infeliz... A capacidade de pensar sobre o que não está acontecendo é uma conquista cognitiva que tem um custo emocional.” Mas o devaneio não é de todo mau – o que não chega a nos surpreender. O estudo de Killingsworth e Gilbert revelou que, em 44 por cento do tempo, o divagar da mente não está associado à infelicidade. Estudos subsequentes mostraram que esse estado tem um papel importante em nossa vida mental. Para começo de conversa, nossa capacidade mental de divagar é o que nos permite pensar em mais de uma coisa de cada vez, uma facilidade que parece estar associada à memória de curto prazo. Pessoas com melhor memória de curto prazo conseguem reter mais informações, uma habilidade que tem sido ligada à inteligência. Em segundo lugar, um estudo do devaneio que usou técnicas de imagens do cérebro descobriu que esse estado está envolvido na formação e na consolidação da memória. Por fim, trata-se também de uma condição importante para a criatividade, algo que a maioria dos artistas sabe por experiência própria. A sabedoria popular, pelo menos no Ocidente, reconhece que os insights criativos aparecem quando menos se espera – quando não estamos tentando forçá-los e nossa mente está livre e receptiva. A ciência parece concordar que nossas melhores ideias nascem no chuveiro. A parte tóxica do devaneio tem mais a ver com seu caráter autorreferente do que, como muitos já sugeriram, com não estar no momento presente. Um número desproporcional dos pensamentos que temos quando nossa mente vagueia parece ser sobre “eu”, “mim” e “meu”. Regiões do cérebro especializadas no pensamento autorreferencial também parecem estar envolvidas nesse processo. E, quando o senso de individualidade está envolvido na situação, tendemos a nos relacionar com os outros e o mundo com maior viés emocional e pessoal. Em linguagem direta: quando estamos pensando sobre nós mesmos, tendemos a pensar que somos

mais importantes do que realmente somos e sentimos que há mais coisas em jogo do que realmente há. Assim, grande parte da infelicidade associada à divagação pode ter a ver com dois fatores: o lugar para onde nossa mente vai e o conflito entre o modo como as coisas na verdade são (o mundo não gira ao redor do nosso umbigo, não podemos estar confortáveis o tempo todo, não viveremos para sempre, etc.) e a maneira como achamos que deveriam ser (“E eu?”, “Olhe para mim!”, “Por que eu?”). É aqui que entra o processo de aquietar a mente: precisamos daquelas três habilidades para não sermos vítimas involuntárias da nossa mente que divaga. Precisamos de calma e tranquilidade – não necessariamente de um fim de semana no campo, mas da capacidade cotidiana de acalmar e sossegar a mente para podermos estar livres, pelo menos por um período de tempo, da energia inquietante dos pensamentos e das emoções que costumam invadi-la. Também temos que desenvolver a habilidade cognitiva de mudar o foco de nossa atenção de nós mesmos para os outros e para o mundo. E precisamos também aprender a prestar atenção no que a mente está fazendo, para não ficarmos sempre à mercê de seus hábitos automáticos. Essas habilidades podem ser cultivadas através de práticas contemplativas.

Aquietando a mente Quando estamos doentes e o médico diz que precisamos de repouso, sabemos muito bem o que fazer. Desaceleramos, realizamos menos tarefas e, se necessário, até ficamos um tempo deitados. Mas o repouso da mente não é tão fácil para a maioria de nós. Em geral, dependemos de alguma distração ou de alguma atividade diferente para desviar a mente de questões estressantes e cansativas, sobretudo do trabalho. Assistimos à TV, lemos um livro, saímos de férias ou tomamos um drinque – qualquer coisa para fugir por um tempo da rotina. Mas isso tudo ainda é fazer alguma coisa, e nos deixa dependentes desses recursos. (O que acontece se falta luz? Se alguém interrompe nossa leitura? Se não estivermos de férias? Acho que já deu para entender.) A prática contemplativa usa uma abordagem diferente, nos oferecendo um meio de aquietar a mente a partir de dentro – não fugindo dela, mas nos aproximando; não nos distraindo, mas colocando-a para funcionar; não alimentando o fogo com ainda mais estímulos externos, mas dissipando sua energia inquietante e deixando o fogo se apagar. Isso, porém, não é algo fácil. Um estudo recente envolvendo setecentas pessoas em onze experimentos diferentes demonstrou que muitos de nós faríamos qualquer coisa para evitar ficar sozinhos com nossos pensamentos. A maioria dos participantes sentiu desconforto ao ficar sozinho sem nada para fazer – mesmo que por menos de quinze minutos. Alguns preferiram aplicar choques elétricos em si mesmos a se entregar à introspecção. Uma explicação possível seria que, quando estamos sozinhos, temos tendência a pensar no que há de errado em nossa vida, e isso naturalmente nos deixa infelizes. A prática contemplativa nos ensina a lidar com nossos pensamentos com coragem e atenção, mas ao mesmo tempo nos livra de seus efeitos colaterais negativos. Para acalmar a mente, aprendemos a desacelerá-la até chegar à quietude. Os textos budistas

clássicos usam a analogia da água agitada e turva para ilustrar a inquietude da mente. Deixe-a parada e aos poucos os sedimentos e as outras impurezas vão se acomodar no fundo, revelando que a água, na verdade, é cristalina. Da mesma forma, se pudermos aquietar a mente e não perturbá-la com nossas rajadas costumeiras de pensamentos – expectativa, apreensão e julgamento –, poderemos enxergar a verdade das coisas com maior clareza, descobrir o que realmente importa, o que serve a nosso propósito e o que precisamos fazer. A seguir apresento dois exercícios contemplativos para ajudar a aquietar sua mente. O primeiro é de respiração profunda, e o segundo, de expansão da mente – porque assim haverá mais espaço para todas as nossas experiências e para nos mantermos afastados do que acontece por lá, para não nos deixarmos dominar. A questão não é impedir o surgimento de nossos pensamentos e emoções – isso seria impossível. Trata-se de aprender a lidar com eles com consciência suficiente para sermos capazes de observá-los enquanto passam. Com mais espaço, ganhamos mais perspectiva: em vez de ser nossos pensamentos, podemos apenas tê-los e vê-los pelo que realmente são. Se esta é a primeira vez que você faz exercícios desse tipo, gaste cerca de cinco minutos nos dois juntos, em uma única assentada. Comece pela prática da respiração e use dois terços do tempo. Conclua com o exercício da expansão da mente. Se possível, repita diversas vezes ao dia.

Exercício: Respiração profunda Escolha um momento conveniente do dia, quando não será perturbado por pelo menos alguns minutos. Se a meditação é algo novo para você, é bom encontrar um lugar – um quarto silencioso, um canto, uma almofada especial – que possa ser associado à sua prática. Desse modo, quando se sentar, o próprio ambiente já vai deixá-lo disposto e o ajudará a criar o clima certo. Adote uma postura confortável. Você pode se sentar em uma cadeira, em uma almofada no chão, com as pernas cruzadas, ou, se preferir, deitar de barriga para cima (embora isso possa tornar as coisas mais difíceis para pessoas que sentem muito sono). Se estiver em uma almofada ou uma cadeira, procure manter a coluna ereta, livre do encosto ou da parede atrás de você. Deixe os olhos relaxarem. Você pode mantê-los suavemente fechados ou fixos à sua frente, na altura da ponta do nariz. Você pode apoiar as mãos em suas coxas, com as pontas dos dedos descansando em seus joelhos, ou descansar as mãos sobre o colo, com a mão direita repousada sobre a palma esquerda e os dois dedões ligeiramente se tocando e formando uma espécie de triângulo. A questão é escolher uma posição das mãos que seja relaxada e não cause qualquer incômodo. Agora comece a expandir o peito de forma que seus pulmões se abram. Respire profundamente pelo diafragma, enchendo primeiro a barriga e preenchendo o tronco de baixo para cima, como se estivesse despejando água numa jarra para enchê-la. Respire profundamente desse jeito e sinta sua barriga se erguendo a cada inspiração. Quando expirar, deixe o ar sair devagar, em ritmo lento. Se achar mais relaxante, pode expirar pela boca. Inspire lenta e profundamente, prestando atenção, de forma a escutar o som do ar passando por suas narinas. Então segure o ar com os pulmões cheios por dois ou três segundos e deixe-o sair de novo numa exalação longa. Inspire... Segure... Expire... “Haaaaa”. Faça isso de novo. Repita de cinco a dez vezes. Na maioria dos casos, respirar de maneira deliberada e controlada já é suficiente para trazer a mente de volta de seu devaneio, de volta ao corpo e à experiência imediata da respiração. Apesar disso, se você precisa de mais ajuda, à medida que inspira, pode observar mentalmente “para dentro” e, depois da pausa, ao expirar, “para fora”. Também pode, durante a inspiração e a expiração, prestar atenção no peito ou na barriga subindo e descendo.

Outra variação que você pode usar, sobretudo quando estiver particularmente estressado ou agitado, é imaginar, enquanto inspira profundamente, o ar frio entrando nos pulmões e se espalhando para as áreas tensas do corpo, relaxando-as à medida que o ar vai se propagando por elas. Pescoço, ombros, a parte de cima ou de baixo das costas e o abdômen são pontos comuns de tensão. E, quando expirar, imagine que está liberando a tensão, a rigidez e o estresse junto do ar morno que sai. Imagine que, como resultado, você se sente leve, flexível e livre em seu corpo.

Depois de se acostumar com esse exercício simples de respiração profunda, você pode começar a usá-lo para invocar a calma onde e quando precisar. Pode ser no começo do dia, em sua mesa de trabalho. Pode ser no avião, se estiver com medo – quando há turbulência, por exemplo. Eu não tinha medo de voar, mas há alguns anos, num voo de Edmonton para Montreal, o avião atingiu um bolsão de ar e de repente despencou alguns metros, sem qualquer aviso do piloto. Depois disso, toda vez que eu voava e havia mais que uma simples turbulência, meu corpo ficava tenso de medo, mesmo que minha mente consciente dissesse que estava tudo bem. Levou pelo menos um ano para eu superar aquele medo por completo, e a respiração profunda ajudou muito. Também uso esse exercício para me acalmar a qualquer momento em que me sinta agitado. Assim, embora essa seja considerada uma prática preliminar na tradição contemplativa budista – para ajudar a aquietar a mente antes de empregá-la em objetivos mais específicos –, os efeitos vão além de seu papel tradicional.

Exercício: A mente espaçosa Este pequeno exercício complementa bem o anterior. Aqui evocamos uma sensação de espaço e expansividade que ajuda a mente a se acalmar, já que grande parte da tensão e da inquietação que sentimos vem de sentimentos de constrição, rigidez e peso. A mente espaçosa se parece com a vista do topo de uma montanha. Em Shimla, no norte da Índia, onde cresci, havia pontos de descanso cobertos, chamados hava khana (que literalmente significa “casa de ar”), em mirantes ao longo da estrada. Eu adorava me sentar quieto no banco dessas casas de ar. Olhar a fotografia de uma paisagem pode lhe dar a mesma sensação. Ou você pode se deitar de barriga para cima em um dia claro e contemplar o céu azul profundo acima, sentindo sua amplidão. Se você já experimentou essa sensação, torna-se mais fácil evocar estados semelhantes enquanto está sentado praticando. Depois de fazer um pouco da respiração profunda do exercício anterior, adote um ritmo respiratório confortável, que não exija esforço – o ritmo que sua respiração encontraria naturalmente durante um estado de relaxamento. Uma vez estabelecida sua respiração, imagine que sua mente é um espaço aberto, vasto, expansivo e sem fronteiras. Pense em seus pensamentos, sentimentos, expectativas e medos como nuvens que se formam e depois desaparecem nesse vasto espaço aberto. Perceba que todos os pensamentos (“Eu queria estar mais calmo”, “Ele disse isso e aquilo”, “Não posso esquecer de fazer x, y e z”) e todas as emoções (“Me sinto inquieto... magoado... confuso”) são insubstanciais como as nuvens. Imagine que eles vão surgindo, um por um, e desaparecendo na amplidão ilimitada de sua mente. Depois descanse um pouco, mantendo-se nesse espaço, sentindo-se calmo e relaxado – ou, pelo menos, imaginando se sentir assim. Fique em silêncio desse jeito de um a dois minutos.

Para algumas pessoas, entoar cânticos ou ouvi-los ajuda a aquietar a mente. Cantar com meus colegas monges foi parte de minha vida por um bom tempo, e algumas dessas situações estiveram entre os momentos de maior e mais profunda calma mental que já experimentei.

Nessas ocasiões, eu sentia que o próprio tempo – e o mundo também – tinha parado e apenas existiam o som e a cadência do canto. Mas os cânticos não são para qualquer um. A respiração, por outro lado, é.

Focando a mente Além de uma relativa calma mental, o treinamento de cultivo da compaixão também exige a capacidade de empregar a mente de forma focada – em outras palavras, de desenvolver a concentração: prestar atenção em alguma coisa de forma consciente e manter esse foco por pelo menos algum tempo. Qualquer um que tenha visto um gato espiando um pombo no parque ou programas com cenas da natureza na televisão saberá o que significa atenção focada em um só lugar. A maioria de nós também sabe, por experiência própria, como é estar concentrado por completo num filme poderoso, mergulhado num livro ou imerso numa conversa com um amigo. Apesar de ser muito comprometido com práticas formais, experimentei alguns dos mais profundos estados de concentração em meio a multidões e muita atividade. Quando eu era um jovem monge no sul da Índia, adorava ler grossos romances. Esperando o ônibus, eu podia passar horas sentado, muito satisfeito, lendo enquanto uma cena caótica se desenrolava a meu redor, com pessoas apressadas, vendedores ambulantes gritando e o barulho e a fumaça típicos dos terminais de ônibus da Índia. Em cenários cotidianos como esse, podemos chegar a experimentar momentos de grande concentração em resposta a fatores que estão fora de nosso controle consciente – como ambiente e tempo, e também o estado de humor em que nos encontramos. No entanto, através do treinamento contemplativo, podemos aprender a explorar nossa capacidade natural de empregar a mente, escolhendo quando e em que nos concentrarmos. A seguir, descrevo dois exercícios de atenção. Para ambos, é importante aquietar a mente antes, através da prática da respiração profunda. O objetivo deste treinamento não é desenvolver um tipo de concentração super-humana e mantê-la durante horas a fio. Em vez disso, o intuito é nos ajudar a desenvolver a capacidade de focar a atenção, empregar a mente e manter a atenção por uns poucos minutos de cada vez.

Exercício: Atenção focada através da respiração consciente Depois de fazer de três a cinco ciclos de respiração abdominal, como os do exercício de respiração profunda que você já aprendeu, e liberar qualquer tensão do corpo, estabeleça um ritmo respiratório que não seja superficial, mas também não exija esforço. Para ajudar a ancorar a consciência na respiração, escolha um ponto focal – como as saídas de suas narinas, onde você experimenta sensações sutis à medida que o ar entra e sai, ou a sua barriga, que sobe e desce conforme você respira. Desse modo, sempre que sentir que sua mente está divagando, você pode trazer a atenção de volta, retornando ao ponto focal. Depois de encontrar um ritmo respiratório confortável, comece a contar mentalmente cada rodada de inspiração e expiração como um ciclo. Inspire... e, quando expirar, diga mentalmente “um”. Inspire... e expire, “dois”, e assim por diante. Você pode começar contando até cinco ou dez e reiniciar a contagem, repetindo o processo diversas vezes, durante cinco

a dez minutos. Se perder a conta, não se repreenda. Apenas tome consciência disso, traga a atenção de volta para a respiração e recomece. Ao se acostumar com esta prática, digamos que depois de algumas semanas de treino, você pode aumentar a contagem para vinte ou trinta. Talvez possa também aumentar o tempo do exercício para dez a quinze minutos. Quando estiver fácil demais – ou seja, quando não houver mais lapsos de atenção –, você pode complicar um pouco o exercício e contar em ambas as direções. Comece a contar, digamos, de um a dez e, depois, de trás para a frente; repita essa contagem, como antes, por até cinco minutos durante sua sessão.

Contar a respiração como meio de concentrar a mente é uma técnica eficiente, sobretudo para iniciantes. Porque assim oferecemos à mente algo que fazer em vez de simplesmente voltá-la para dentro. Contar os ciclos respiratórios torna mais fácil manter nossa atenção. Como alternativa, você pode experimentar esta variação. Aqui, no lugar de contar os ciclos respiratórios, apenas perceba mentalmente cada inspiração e expiração. Comece com um pouco de respiração profunda para acalmar a mente. Depois estabeleça um ritmo de respiração confortável e perceba mentalmente cada inspiração e expiração. Quando inspirar, pense “para dentro”. Quando expirar, pense “para fora”. Faça isso por cinco a dez minutos.

Depois de ganhar confiança na contagem (ou percepção de cada inspiração e expiração), você será capaz de contar de vinte a trinta ciclos sem perder a atenção – ou de se manter concentrado nas inspirações e expirações por trinta segundos de cada vez. Então será possível passar para o próximo passo da prática da respiração consciente: Concentre a atenção no ponto focal que você escolheu – as saídas das narinas ou a barriga – e apenas observe. Abstenha-se de contar ou mentalmente rotular cada inspiração e expiração. Deixe sua mente repousar na respiração e observe. Esteja consciente das sensações. Não faça nada; apenas siga sua respiração. Sempre que perder o foco e sentir que sua mente se distraiu, traga-a suavemente de volta para o ponto focal e deixe-a repousar na respiração outra vez.

Com certeza sua mente vai vagar durante o exercício, se distanciando do foco escolhido. No início, você pode nem notar que se distraiu. Se isso acontecer, não desanime. Trata-se de algo normal. Lembre-se: “A mente humana divaga.” Pode ser difícil manter a concentração por mais de poucos segundos de cada vez. Na verdade, parte da curva de aprendizado é ver com que rapidez você percebe que se distraiu do objeto escolhido e quão suavemente consegue trazer a mente de volta. No começo, mantenha as sessões curtas. Mesmo num exercício de cinco minutos é importante fazer curtos intervalos entre os estados de maior concentração. É muito comum que, em seu entusiasmo inicial, as pessoas insistam em fazer sessões longas. Presumem que as curtas não têm um impacto real, mas isso não é verdade. Para o treinamento mental, a regularidade é o mais importante de tudo, sobretudo para os iniciantes. Além disso, as sessões curtas também aumentam suas chances de desfrutar do exercício. Os mestres tibetanos com frequência

enfatizam os benefícios de terminar a meditação num humor positivo, com a sensação de satisfação, não de frustração ou fadiga. Depois de poucos meses de prática regular, no entanto, pense na possibilidade de fazer um retiro intensivo, em que possa passar alguns dias sem fazer nada além de meditar. O isolamento do retiro, o silêncio, o regime de sessões regulares e longas, tudo isso contribui para um ambiente propício à desaceleração e ao contato com a mente. Uma experiência desse tipo pode ajudá-lo a aprofundar a prática e deixá-lo mais confortável com sua mente. Note que descrevi três variações de exercícios de respiração consciente em ordem de dificuldade: a primeira é mais fácil para a maioria das pessoas; a segunda, um pouco mais difícil; e a terceira, a mais difícil de todas. Nos primeiros dois exercícios, damos à mente algo que fazer – contar a respiração ou perceber mentalmente as inspirações e expirações. Esse envolvimento ativo nos ajuda a organizar a mente, dirigir nossa consciência para a respiração e manter essa atenção. É por isso que o terceiro exercício, no qual apenas repousamos a consciência na respiração, é o mais desafiador dos três, porque não oferecemos à mente nenhuma tarefa além de estar presente. Nos manuais tradicionais de meditação, às vezes esses três exercícios de respiração são apresentados como práticas distintas, apropriadas para indivíduos diferentes. No entanto, pessoalmente acho mais útil encarar os dois primeiros como exercícios alternativos e o terceiro como um estágio mais avançado da respiração consciente. Em minha prática diária, ainda hoje faço algumas rodadas de contagem da respiração, pulo o exercício da percepção mental e então me concentro principalmente no terceiro. É uma maneira suave de canalizar a atenção para dentro aos poucos, ficando menos dependente de alguma tarefa ativa para a mente. No fim, é importante que cada um descubra o que funciona melhor para si – uma combinação de dois, de todos os três ou mesmo a escolha de apenas um desses exercícios. Seja lá qual for a sua opção, o segredo é manter a regularidade da prática.

Exercício: Atenção focada através de uma imagem Você também pode focar a atenção com o auxílio de uma imagem. Isso é particularmente apropriado se você vem de alguma tradição religiosa que inclua objetos com significado especial. Para um budista, por exemplo, pode ser uma imagem do Buda sereno; para um cristão, uma cruz, e assim por diante. No contexto secular, você pode escolher qualquer objeto que tenha um significado especial para você: uma obra de arte pela qual se sente atraído, um artefato muito bonito, uma vela à sua frente. Não precisa ser nada extravagante. Os manuais tradicionais de meditação sugerem também objetos neutros – pode ser uma pedrinha. Também é possível usar uma imagem interior, como uma esfera de luz em seu coração ou em sua testa. Digamos que você tenha escolhido uma vela. Acenda-a e a coloque cerca de um metro à sua frente, de preferência na altura do olhar. Como nos outros exercícios, comece com três a cinco respirações abdominais, incluindo, se necessário, a liberação de qualquer tensão ou rigidez que possa estar sentindo no corpo. Depois de trazer a mente um pouco para dentro e acomodá-la desse jeito, comece o treinamento de atenção focada. Olhe fixamente para a vela, o mais firme que puder, tentando não ceder a qualquer estímulo para conceitualizar o que vê: “Brilha muito”, “Não tremula”, “É linda”, etc. Apenas repouse a consciência na percepção nua da chama da vela. Abandone-se a essa sensação. Mantenha o olhar suave, não force os olhos. À medida que simplesmente observar, aos poucos você vai começar a ter uma percepção da vela no olho de sua mente.

Como num retrato tirado com uma câmera muito boa, a imagem fica à sua frente, em primeiro plano, e o fundo, borrado. Quando sua atenção se fixa no objeto-alvo, a imagem da vela é tudo o que resta à sua frente. A essa altura, parece que o resto do mundo deixou de existir. Ele se torna apenas um borrão. Permaneça nesse estado por um momento, mantendo apenas a vela em foco. Quando a energia da experiência se dissipar e sua mente começar a afrouxar, faça um intervalo, abrindo bem os olhos e olhando ao redor. Depois volte a fixar o olhar na vela e repita o processo desde o início.

Se você gostou dessa prática e quer usá-la como sua abordagem principal, comece a sessão com três a cinco respirações profundas para aquietar e relaxar a mente. Em seguida, faça dois minutos de contagem ou percepção da respiração. No resto da sessão, pratique o foco em sua imagem escolhida.

Quando eu era um jovem monge, comecei o treinamento de atenção não com exercícios contemplativos como os que acabei de descrever, mas através da memorização diária que era parte de minha educação monástica. A maioria dos textos que precisava memorizar estava além da compreensão de um adolescente, então eu os achava tediosos, para dizer o mínimo. Mas memorizei-os mesmo assim. Por sorte, a maioria dos textos estava em versos, e a métrica tornava a memorização e os cânticos um pouco mais fáceis. O melhor momento para a memorização era de manhã cedinho, e durante o dia eu ensaiava diversas vezes o que tinha decorado mais cedo para manter o texto fresco na cabeça. À noite, tinha que recitá-lo para um monge mais velho. E depois, antes de ir para a cama, recitava para mim mesmo todo o trecho que havia memorizado até então, do começo ao ponto onde tinha parado, entoando-o do lado de fora, no escuro. Cada vez que completava um texto, entoava-o todas as noites por pelo menos um mês. Dessa forma, eu progressivamente consolidava a memória de longo prazo. Esse é um método impressionante. Hoje, mais de trinta anos depois, ainda consigo cantar muitos desses versos de cor, desde que os releia apenas uma ou duas vezes para refrescar a memória! Estou ciente de que a memorização tem má reputação na educação moderna, especialmente no Ocidente, como uma espécie de aprendizado pela repetição. No entanto, ela pode ser uma abordagem poderosa para o treinamento da atenção, sobretudo para crianças pequenas.

Fortalecendo a metaconsciência O terceiro componente do processo de aquietar a mente, depois de aprendermos a acalmá-la e concentrá-la, é a capacidade de desenvolver um maior grau de consciência, seja em relação a nossos pensamentos, sentimentos e ações ou ao que acontece ao redor. Tanto o budismo quanto a psicologia contemporânea se referem a esse tipo de consciência como “consciência metacognitiva” ou “metaconsciência”. Meta é um prefixo de origem grega que significa “para

além de”, como na palavra metafísica – literalmente, “para além da física”. No entanto, costumamos usar esse prefixo para nos referir a um quadro maior, dentro do qual podemos falar sobre um fenômeno particular. Por exemplo, metadados são dados sobre dados, e metacognição é a cognição da cognição, ou o pensamento sobre o pensamento. Aqui estamos interessados no processo pelo qual trazemos consciência à dinâmica de nossos pensamentos, emoções e comportamentos. Em vez de nos deixar dominar constantemente por tudo que está acontecendo em nossa vida, vamos aprender a manter distância e observar o teatro da mente como se fôssemos não participantes, mas espectadores objetivos. É essa dimensão de perspectiva, a observação a partir de um ponto de vista um pouco distanciado, que torna esse tipo particular de consciência muito diferente daquela que conhecemos no dia a dia. A capacidade de simplesmente estarmos presentes, observando o corpo, os sentimentos e seus conteúdos sem julgamento, é o centro da prática moderna da atenção plena. Este exercício foi adaptado da tradição budista e envolve o treinamento da atenção sem o auxílio de um ponto focal.

Exercício: Metaconsciência Aqui, mais uma vez, comece a sessão com três a cinco respirações abdominais profundas, dissipando qualquer tensão ou rigidez do corpo. Para aquietar a mente ainda mais, você pode contar a respiração e depois exercitar a consciência da respiração durante um ou dois minutos. Depois de se acomodar, liberte a mente do foco na respiração e deixe-a repousar com consciência. Se estiver de olhos fechados, terá uma modalidade sensorial a menos com que se preocupar. No entanto, se quiser mantê-los abertos, é bom ficar de frente para uma parede branca (sem cores, padrões ou imagens para distraí-lo). Agora, enquanto permanece com a consciência do momento presente, perceba qualquer coisa que venha a entrar, sair ou passar por ela – o som de um carro passando na rua, pássaros ou grilos cantando em algum lugar, o começo de uma dor no joelho, um pensamento ou memória... Fique alerta em sua consciência, apenas contemplando o que aparecer, sem tentar reprimir ou estimular o pensamento sobre o que vier a surgir. Apenas observe, reconheça e deixe passar... Observe, reconheça e deixe passar... Você pode realizar esta prática simples de tomada de consciência por até dez minutos. Especialmente no estágio inicial, é importante dividir a atividade em blocos sucessivos de consciência, com intervalos de quinze a vinte segundos entre eles.

A meditação que se realiza andando, muito popular hoje em dia, é outra técnica para o treinamento da consciência. Você pode fazê-la caminhando bem lentamente, de forma medida, em estágios. Encontre um lugar tranquilo, fora ou dentro de casa, onde haja espaço suficiente para dar pelo menos cinco a dez passos sem esbarrar em nada. Fique de pé e mantenha o corpo relaxado, com as duas mãos à sua frente ou nas costas, as duas palmas juntas ou as mãos soltas, os braços estendidos ao longo do corpo. Mantenha os olhos abertos, olhando firme e suavemente para a frente. Se possível, fique descalço para sentir o contato do solo quando seus pés tocarem o chão. Depois de encontrar uma postura confortável para o corpo, comece a caminhar. Levantando o pé direito com consciência, lentamente, pense: “Agora estou levantando o pé direito.” Quando colocar o pé direito no chão, pense: “Agora estou colocando o pé direito no chão.” E então, quando se inclinar para a frente e lentamente erguer o pé esquerdo, pense:

“Agora estou levantando o pé esquerdo.” E, por fim, quando colocá-lo no chão, pense: “Agora estou colocando o pé esquerdo no chão.” Repita o processo e pratique esta meditação por até dez minutos.

Você também pode fazer essa meditação andando numa velocidade normal. Num ritmo mais rápido, obviamente não vai ter tempo de dividir o ato de caminhar nesses quatro estágios, descrevendo mentalmente cada um deles. No entanto, você pode estar alerta ao ato de levantar o pé direito, colocá-lo no chão, levantar o esquerdo, colocá-lo no chão, e assim por diante. Dessa forma, você mantém a consciência no simples fato de estar andando. Na verdade, nos contextos budistas tradicionais, essa é parte das “práticas pós-meditação”, e os monges a realizam para desenvolver a plena consciência de todas as suas atividades diárias, não apenas quando estão sentados meditando. Se você puder usar seu caminhar normal como uma forma de meditação, é mais provável que isso se torne parte de sua atividade cotidiana. Levo meu cachorro, Tsomo, um terrier tibetano, para passear todos os dias depois do almoço por cerca de meia hora, e utilizo parte dessa caminhada para meditar. Assim, se estiver caminhando no parque, por exemplo, você pode começar contando alguns ciclos respiratórios (para isso, pode ser bom desacelerar ou mesmo parar por um momento e se sentar num banco). Inicie a prática tomando consciência do ato de caminhar – agora levantando o pé direito e colocando-o no chão, agora levantando o pé esquerdo... Depois de alguns minutos, tire o foco de atenção da caminhada e mantenha-se consciente, sem um alvo específico. Seja lá o que passe por sua consciência, estímulos externos (sons do trânsito fora do parque, pessoas passando) ou internos (pensamentos sobre pessoas, sentimentos de aversão pelo som do tráfego, a lembrança de algo que aconteceu dois dias antes), simplesmente observe e deixe passar. Depois de um tempo, leve a atenção de volta ao ato de caminhar e repita. Fique alternando entre essas duas fases de consciência.

Acalmar a mente é uma forma de torná-la relaxada. Aprendemos a desvencilhar a consciência da atividade inquieta e cansativa dos padrões habituais do pensamento e de nossas reações instintivas e automáticas a eles. Aprendemos a cessar o falatório interior, cheio de “e se...”, e a deixar de interpretar em excesso, ruminar e nos apegar às nossas experiências, o que tendemos a fazer mesmo quando essas experiências já passaram há muito tempo. Uma mente (mais) quieta é um lugar onde podemos estar mais prontamente presentes, o que nos deixa mais disponíveis para cuidar de nós mesmos e dos outros. Quando concentramos a mente, controlamos sua tendência natural à divagação e, assim, liberamos recursos mentais que de outro modo se dispersariam de forma aleatória. O mais importante é que aprendemos a trazer a atenção ao que valorizamos de verdade. Maior atenção leva a maior consciência e melhor compreensão da nossa experiência e da dos outros – o que é crucial para despertar nossa capacidade natural de sentir empatia. Na verdade, sem atenção não há empatia nem compreensão, e sem elas não há compaixão. É simples assim.

Por fim, ao fortalecer nossa metaconsciência, nos tornamos mais conscientes de nós mesmos e dos outros. Assim nos colocamos na posição corajosa de aceitar as coisas como elas realmente são, já que sabemos que dentro de nós existe um lugar tranquilo a que podemos recorrer. Passamos a reconhecer nossos pensamentos e sentimentos, inclusive os mais adversos e dolorosos. Como vimos no Capítulo 3, com frequência assumimos uma postura de negação e resistência diante do sofrimento por causa de nossa aversão natural a ele. Mas isso não apenas nos causa ainda mais sofrimento como também nos impede de estabelecer uma conexão com o sofrimento dos outros. A metaconsciência permite que lidemos com o sofrimento – o nosso e o dos outros – sem nos sentirmos ameaçados por ele, porque podemos dar um passo atrás e encontrar um espaço para ele em vez de acabarmos apanhados de surpresa e confusos. Isso, por sua vez, permite que nosso instinto compassivo se expresse – como naturalmente ocorre quando ele não é contido pelo medo – em face do sofrimento e da necessidade.

6 Saindo da inércia ESCAPANDO DA PRISÃO DO EGOÍSMO Não há nenhum encanto igual à ternura do coração. – JANE AUSTEN (1775-1817)

Se você temperar o coração com amor-bondade e prepará-lo como um solo fértil e então plantar a semente da compaixão, ela florescerá grandemente. – KAMALASHILA (SÉCULO VIII)

N

osso coração funciona segundo uma lógica importante: se atribuímos importância a alguém, passamos a nos preocupar mais com essa pessoa e, como resultado, também demonstramos um interesse maior por seu bem-estar. É por isso que a atenção, como vimos no capítulo anterior, é um elo indispensável na experiência – e, em última instância, na ação – de se importar com alguém. Até agora, a história parece estar assim: intenção → motivação → atenção → amor-bondade e compaixão → atos de bondade. Este capítulo trata da ligação entre o amor-bondade e a compaixão. Na meditação budista da compaixão, praticamos o despertar de sentimentos de afeição e preocupação por alguém com quem nos importamos. Começamos por aquelas pessoas de quem já gostamos e depois praticamos com mais e mais pessoas, até estendê-lo a todos os seres vivos e o amor e a compaixão se tornarem nossa orientação básica em direção às pessoas. Um benefício palpável dessa prática é que nosso coração se abre, nós nos voltamos para fora de nós mesmos e a vida pode se voltar para nós e nos tocar – e é isso que significa ser humano. Textos budistas antigos falam de algo chamado anukampa, que significa o sentimento de “importar-se” e “cuidar de”, um termo que já foi traduzido como um “tremor do coração”, evocando a imagem do coração que vibra com sensibilidade e vivacidade – um coração literalmente comovido pelo cuidado. Atender as necessidades das pessoas – inclusive as nossas – é o que move nossos corações e faz com que nos sintamos vivos no sentido mais pleno da palavra. Quanto mais nos importarmos, mais seremos capazes de levar essa energia do coração à situação em que nos encontramos.

Abrindo o coração no dia a dia No Ocidente, pelo menos desde Aristóteles, definimos a humanidade principalmente em termos racionais. Apenas recentemente viemos a reconhecer que também somos seres emocionais,

dotados de sensibilidade estética e espiritual. Para mim, viver sem se sentir tocado, inspirado ou comovido pelo cuidado seria como a sombra de uma vida. Nós nos sentimos mais vivos quando somos tocados e comovidos pelas outras pessoas e pelo mundo ao redor, quando nos sentimos conectados aos outros, quando encontramos significado e propósito – em outras palavras, quando nos importamos com algo além de e maior que nós mesmos. Isso nos torna humanos e nos faz seguir em frente. Nós fomos criados para estabelecer vínculos. No entanto, o cuidado pressupõe receptividade, uma abertura de nossa parte. Precisamos ser receptivos até para nos apaixonar e temos que ser suscetíveis a nos deixar afetar por outra pessoa. Ninguém pode se apaixonar “de propósito”, mas todo mundo pode estar disposto a isso, com um coração aberto, suave e pronto. Um coração endurecido não pode ser tocado, não pode receber as bênçãos que chegam até ele. Se nosso coração não estiver aberto, mesmo quando acreditamos estar apaixonados, é provável que seja apenas outra coisa (uma paixonite motivada pelo desejo de possuir o outro, por exemplo). Às vezes o coração se fecha porque fomos feridos e temos medo de que isso volte a acontecer. Acreditamos que alguém nos decepcionou ou se aproveitou de nós, então nos colocamos em guarda. Pensamos que apenas os estúpidos têm o coração aberto. Podemos ter sido magoados por um amigo ou familiar, ou por alguém do trabalho – ou talvez todo o sistema seja opressivo e explorador. De uma forma ou de outra, todo mundo sente mágoas. Uma das razões pelas quais minha avó era tão inspiradora é que, apesar de todas as dificuldades que teve que enfrentar sob o domínio da China comunista, ela manteve o coração aberto e nunca desistiu de sua humanidade. Às vezes, durante nossa “formação”, caímos no cinismo e perdemos o contato com nosso coração afetuoso. Quando eu estava em Cambridge, ficava surpreso com a frequência com que o cinismo era equiparado a inteligência e sofisticação. Se você não fosse cínico, era ingênuo, mas não devemos confundir cinismo com ceticismo. O cético está aberto a ser convencido. O cínico, por outro lado, é desinteressado e indiferente – fechado, porque é mais seguro assim, porque o cínico tem medo de que as pessoas vejam quanta coisa ele não sabe. O problema em vestir a máscara do cinismo é que podemos esquecer como tirá-la, deixando-a grudada em nós. O cinismo gera desconfiança, e desconfiança gera solidão – e mesmo amargura –, conhecidas fontes de tristeza. Aprender – e se atrever – a se importar é o modo de nos livrarmos do cinismo. Como vimos no Capítulo 3, é necessário ter coragem para se abrir e sair da concha, porque assim ficamos vulneráveis a decepções, julgamentos e mágoas. E é verdade que pessoas muito abertas e receptivas são as que mais se magoam. O pior é que às vezes a pessoa que nos magoou nem se importa. Enquanto isso, ficamos magoados porque nos importamos com ela. (Quando um estranho nos magoa, não machuca tanto.) Mas a autoproteção pode se tornar um hábito, nos alienando dos outros e de nós mesmos. Os perigos de dar a cara a tapa podem ser assustadores, mas a alternativa é não viver de verdade. Não há como excluir a possibilidade de sermos magoados outra vez. Apenas podemos aprender a nos importar, a ficar magoados (ou decepcionados) e saber que, de qualquer modo, vai ficar tudo bem, que viveremos mais um dia para nos importar. E podemos aprender a não piorar as coisas, aconteça o que acontecer. Essa é a segurança engajada, aberta, infinita e incondicional da metaconsciência versus a segurança

profundamente limitada de permanecermos fechados. Quando me sinto magoado, primeiro tento entender de onde vem esse sentimento. Em vez de reagir, eu desacelero (aquieto a mente) e me distancio (metaconsciência). Isso me ajuda a não fazer julgamentos apressados – sobre mim mesmo ou os outros. Às vezes descubro que as raízes da mágoa não têm nada a ver com a outra pessoa. A dor emocional quase sempre possui um elemento de decepção, o que tem a ver com o não cumprimento de certas expectativas. Ao desacelerar para examinar quais são essas expectativas, podemos ver que, com frequência, se não refletirmos a respeito, elas divergirão radicalmente da realidade sem que possamos nos dar conta disso. Assim, a mágoa, embora dolorosa (por definição), também pode ser uma oportunidade para a autodescoberta – algo difícil para um cínico, mas qualquer um de nós pode se abrir por meio da prática, se nos importarmos. Como abrir o coração? Além da meditação que veremos adiante neste capítulo, usamos a vida cotidiana para praticar. Cada oportunidade de sermos bondosos – e de nos sentirmos elevados pela bondade dos outros – é uma chance para abrir e aquecer o coração. Tudo o que temos que fazer quando essas bênçãos surgem em nosso caminho é tomar consciência delas e estar presentes à experiência – em vez de apenas passar à próxima ação. Podemos usar a arte também. Lembro que, quando assisti a Gandhi, de Richard Attenborough, pela primeira vez, na cidade de Bangalore, no sul da Índia, a sensação de ter sido elevado a outro plano da existência permaneceu comigo por dias a fio, durante os quais minha experiência do mundo adquiriu uma textura qualitativamente diferente. Era como se todos os dados sensoriais estivessem chegando a mim não através dos órgãos sensoriais normais, mas direto do meu coração aberto. A literatura faz o mesmo com algumas pessoas. Em uma cena memorável do filme Sociedade dos poetas mortos (um de meus favoritos de todos os tempos), um dos personagens centrais, um professor inspirador vivido por Robin Williams, partilha seu ponto de vista num rompante apaixonado: “Não lemos e escrevemos poesia porque é bonitinho. Lemos e escrevemos poesia porque somos membros da raça humana... Poesia, beleza, romance, amor, é para isso que permanecemos vivos.” Ou pode ser que a escrita religiosa, a música ou as artes visuais tenham esse efeito, dependendo do passado cultural e do gosto de cada um. Para mim, quando se trata de música, não há nada como o canto monástico tibetano ou a música de Bollywood dos anos 1970 e 1980 – sobretudo as canções de Mohammed Rafi e Kishore Kumar. Essas são as duas tradições musicais a que fui apresentado quando criança. Alguns anos atrás, no entanto, conheci uma peça chamada “Spiegel im Spiegel” (Espelho no espelho), do compositor estoniano Arvo Pärt, que havia sido usada recentemente no trailer de Gravidade, um grande sucesso de Holywood. Algumas poucas notas se repetem sem cessar em pequenas variações, como se a imagem de um espelho estivesse se refletindo em outro espelho, e assim por diante, evocando uma sensação de infinitude. Nunca tinha ouvido nada como aquilo, mas essa música me leva a um lugar de ternura e me dá a sensação de estar em casa no mundo. É claro que é possível usar livros e filmes para se recolher do mundo. As práticas de intenção e dedicação (Capítulo 4) nos ajudam a perceber se estamos ou não fruindo a arte de modo que isso sirva a nosso propósito verdadeiro.

Uma mulher de 30 e poucos anos que fez o treinamento de cultivo da compaixão em Stanford deu um exemplo de como tinha reunido coragem para se aventurar fora de si mesma e como isso era bom: Sempre fui uma pessoa muito tímida. Acho que o TCC me ajudou a sair da concha. Estava com amigos num festival, assistindo ao show de uma banda, quando percebi outro grupo tocando no palco ao lado, sem ninguém assistindo. Fiquei preocupada por eles. Pareciam solitários. Antes que me desse conta, eu já tinha corrido até eles e começado a dançar! Nunca tinha feito aquilo antes. Uma por uma, as pessoas começaram a chegar e logo havia uma multidão. Parece que quanto mais pratico, mais consigo tocar as pessoas. Acho que minha concha me protegia das pessoas, mas agora às vezes penso que não preciso mais dela.

Abrindo o coração através do amor-bondade e da meditação da compaixão A prática formal usada em nosso treinamento para nos ajudar a nos conectar com nosso coração foi adaptada da tradição budista e consiste em meditações sobre o amor-bondade e a compaixão. Na psicologia budista, o amor-bondade e a compaixão são duas expressões de um mesmo coração, variações do mesmo tema, da essência humana: o fato de nos importarmos com os outros. O amor-bondade é o desejo de que alguém seja feliz; a compaixão é o desejo de que alguém fique livre do sofrimento. São conceitos intimamente relacionados, mas a ênfase é diferente. Podemos considerá-los dois lados da mesma moeda. Podemos considerar a compaixão uma versão específica do amor-bondade que se concentra no sofrimento. São duas das qualidades incomensuráveis (Capítulo 4) e dois modos diferentes de abordar o bem-estar de alguém. As raízes dessas práticas remontam ao próprio Buda, mais de 2.500 mil anos atrás. O famoso “Metta Sutta” (discurso sobre o amor-bondade) inclui instruções na forma de uma série de aspirações para o coração. Desse modo inclinamos nosso coração (e mente – já que em pali, a língua dos primeiros textos budistas, a mesma palavra tem esses dois significados) para que ele tenda em direção ao desejo de felicidade para os outros. As instruções são assim: Desejando em alegria e segurança, Que todos os seres sejam felizes. Todos os seres vivos, Sejam eles fracos ou fortes, sem exceção, Grandes ou poderosos, altos, baixos ou medianos, Visíveis e invisíveis, Aqueles que vivem perto e muito longe, Aqueles nascidos e por nascer,

Que todos os seres sejam felizes! Partindo desse discurso seminal, as tradições budistas desenvolveram práticas sistemáticas de meditação para cultivar amor-bondade e compaixão por todos os seres. Essas práticas tradicionais costumam começar por nós mesmos: ou seja, nossas aspirações naturais à felicidade e nosso desejo de estar livres do sofrimento. Depois, concentrando-se em alguém que amamos, desejamos a essa pessoa alegria, felicidade e paz (amor-bondade) e o livramento do sofrimento (compaixão). A partir daí, em círculos de atenção sempre em expansão, desejamos alegria, felicidade e paz para uma pessoa “neutra” (alguém por quem não nutrimos sentimentos fortes) e então para uma pessoa “difícil” (alguém que nos irrita). Por fim, partindo desse ponto, o círculo se torna mais amplo e desejamos alegria, felicidade e paz para todos os seres. Mas, como vimos no Capítulo 2, no Ocidente, começar por nós mesmos tende a levar o processo a uma súbita parada. Então podemos começar por um ente querido, um “alvo fácil”. Alguém por quem sentimos um calorzinho suave à sua simples lembrança. Nossa relação com essa pessoa (ou animal) é tão descomplicada que trazê-la à mente evoca sentimentos predominantes de ternura, afeição e bondade. Um pai de primeira viagem pode escolher seu bebê. A mãe de uma criança de 6 anos e outra de 14 que ama as duas com a mesma intensidade pode começar pela caçula se a mais velha estiver passando por uma fase de muito mau humor. Você pode escolher um avô amado, um amigo próximo ou um bicho de estimação.

Exercício: Meditação do amor-bondade Em nosso treinamento de cultivo da compaixão, fazemos esta prática na forma de meditação guiada. Você pode gravar a si mesmo lendo estas instruções se preferir manter os olhos fechados. Sente-se numa posição confortável, que o deixe relaxado mas alerta. Para se preparar, faça de três a cinco respirações profundas, começando pela parte baixa do abdômen e então soltando o ar suavemente. Siga por um a dois minutos contando a respiração ou fazendo uma simples meditação com consciência no processo de inspirar e expirar. Agora pense em alguém por quem você sente muita afeição sem complicações. Se ajudar, pode usar uma fotografia dessa pessoa (ou animal) para trazê-la à mente, mas não é necessário ter uma imagem visual; apenas pense ou sinta sua presença. Se for capaz de visualizar, tente imaginar essa pessoa de quem você gosta e com a qual se importa profundamente da forma mais vívida que conseguir. Preste atenção às sensações no seu coração à medida que faz isso. (Coração, aqui, refere-se mais à área em torno de seu coração do que propriamente ao órgão físico.) Se surgirem sentimentos de ternura, calor e afeição, apenas sinta-os. Se não surgirem, não se preocupe. Apenas mantenha o pensamento na pessoa amada. Repita em silêncio as seguintes frases, de forma pausada: Que você seja feliz. Que você seja livre do sofrimento. Que você tenha saúde. Que você encontre paz e alegria. Que você seja feliz. Que você seja livre do sofrimento. Que você tenha saúde.

Que você encontre paz e alegria. Agora reavive o pensamento de seu ente querido, produzindo sentimentos de calor, ternura e afeição se puder, e mais uma vez diga as frases em silêncio. Você pode repetir os passos desta prática por um tempo – digamos, de três a cinco minutos. Depois, à medida que expirar, imagine que uma luz calorosa surge no centro do seu peito, carregando todos os seus sentimentos de amor e conexão. Essa luz vai tocar a pessoa amada, levando-lhe paz e felicidade. Então, mais uma vez, repita as frases de maneira silenciosa. Agora, desejando de todo o seu coração que seu ente querido alcance a felicidade, regozije-se nesse pensamento. Fique nesse estado de júbilo por um minuto.

Você pode fazer a mesma meditação passando a desejar a alguém não a felicidade, mas sua perspectiva complementar da libertação do sofrimento. Esse é o centro da meditação da compaixão. Basicamente, você deseja a todos os seres a libertação do sofrimento, mas o “alvo fácil” para a compaixão, para ajudá-lo a entrar em contato com essa qualidade especial do coração, será alguém (ou algum ser) que você saiba estar sofrendo e – como no caso da meditação do amor bondade – com quem você tenha uma relação razoavelmente descomplicada (ou seja, a quem não deseje qualquer mal). Não é necessário conhecer essa pessoa – você pode utilizar a imagem de uma criança que viu no noticiário, por exemplo, ou um sem-teto pelo qual costuma passar a caminho do trabalho. Pode pensar em uma família lutando para sobreviver todo dia em meio à violência – infelizmente, não faltam exemplos trágicos. Ou pode contemplar o sofrimento de um amigo ou familiar que esteja passando por um momento difícil. A primeira (“nobre”) verdade do budismo afirma que existe sofrimento na vida e que isso é real. Você conhece alguém que esteja sofrendo por causa de uma doença, de ferimentos dolorosos, ansiedade, depressão ou outros problemas mentais, vício em drogas, solidão, luto...? Pode ser a mesma pessoa que visualizou em sua meditação do amor-bondade. A chave é tornar seu objeto o mais concreto possível e focar sua atenção no sofrimento dele.

Exercício: Meditação da compaixão Depois de realizar o exercício preliminar de respiração profunda, seguido por um tempo de contagem da respiração ou um simples exercício de consciência da respiração, prossiga da seguinte forma: Pense numa época em que a pessoa que você tem em mente estava passando por uma experiência difícil. Talvez ainda esteja. Tente imaginar como ela se sente. Perceba quais sentimentos surgem enquanto você pensa em seu sofrimento. Você pode sentir uma dor no coração, um desconforto no estômago ou a necessidade de fazer algo para ajudar. Se não surgirem sentimentos ou sensações específicos, fique com o pensamento. Sejam quais forem os sentimentos e pensamentos que surgirem, fique com eles. Então, imaginando o sofrimento dessa pessoa, ofereça silenciosamente as seguintes frases: Que você seja livre do sofrimento. Que você seja livre do medo e da ansiedade. Que você encontre segurança e paz.

Repita esta prática por um tempo, continuando a prestar atenção em sua respiração e mantendo a pessoa em mente. De vez em quando, reavive o pensamento sobre ela e contemple seu sofrimento e suas necessidades. Depois, mais uma vez, ofereça as frases silenciosamente. Repita a prática por cerca de três a cinco minutos. Então, quando quiser terminar a meditação, imagine, à medida que expirar, que uma luz calorosa surge no centro de seu peito e toca a pessoa que você tem em mente. Ao fazê-lo, imagine que isso alivia seu sofrimento, trazendo-lhe paz e tranquilidade. Depois, com um desejo sincero de que ela seja livre do sofrimento, repita as frases mais uma vez: Que você seja livre do sofrimento. Que você seja livre do medo e da ansiedade. Que você encontre segurança e paz.

Uma prática silenciosa com resultados poderosos A meditação do amor-bondade que encontramos hoje, sobretudo no Ocidente, foi originalmente adaptada da prática de metta da tradição budista Theravada. A palavra metta é o equivalente em pali da palavra sânscrita maitri – um termo que deriva etimologicamente da palavra mitra, que significa “amigo” ou “amizade”. Uma das pessoas responsáveis por popularizar esse tipo de meditação para o uso secular é o professor de meditação Sharon Salzberg. Além de ensinar a prática, Salzberg colaborou com pesquisadores, sobretudo a psicóloga americana Barbara Fredrickson, que estava interessada em estudar as aplicações clínicas da meditação. Fredrickson e sua equipe conduziram um dos primeiros experimentos sobre a meditação do amor-bondade com empregados de uma grande empresa de software e tecnologia da informação em Detroit. Mais de duzentos funcionários se ofereceram como voluntários para o estudo. Metade deles ficou no grupo que realizaria a meditação, e o restante, num grupo de controle. O curso consistiu em seis sessões de uma hora de meditação ministradas por um especialista a partir das instruções de Salzberg. Os autores do estudo relataram: “As descobertas são claras: a prática [da meditação do amor-bondade] levou os voluntários a mudanças em suas experiências diárias de uma ampla gama de emoções positivas – inclusive amor, alegria, gratidão, contentamento, esperança, orgulho, interesse, divertimento e admiração.” Os autores argumentam que as emoções positivas diretamente estimuladas pela meditação do amor-bondade podem ser o “mecanismo através do qual as pessoas constroem os recursos que tornam sua vida mais gratificante e ajudam a manter seus sintomas depressivos a distância”. O estudo também descobriu uma correlação significativa entre emoções positivas e outros benefícios, como autoaceitação, relações construtivas com outros, satisfação com a vida e senso de propósito. Eles concluem: “Colocando de maneira simples, ao elevar as experiências diárias de emoções positivas, a prática da meditação do amor-bondade leva a benefícios de longo prazo que fizeram uma diferença genuína na vida das pessoas.” Em um estudo posterior, que recrutou 65 professores e funcionários da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, Fredrickson e sua equipe examinaram a relação entre a meditação do amor-bondade e o estresse. Os participantes foram colocados aleatoriamente em

dois grupos: um ficou na lista de espera e outro passou por seis aulas semanais de meditação oferecidas por um especialista. Uma das medidas importantes nesse estudo foi a variabilidade dos batimentos cardíacos, ou seja, quão tonificado ou responsivo estava o nervo vago de cada indivíduo. O nervo vago regula as flutuações da frequência cardíaca em conexão com a respiração. Fredrickson escolheu esse nervo em parte porque ele parece ter um papel relevante no modo como estabelecemos vínculos uns com os outros. Em termos anatômicos, ele está ligado a outros nervos cruciais para a interação social, como os responsáveis pelo contato visual, por apurar o ouvido para a fala do outro e pela regulação das expressões emocionais. Estudos do passado mostraram que um tônus vagal mais alto está associado a sentimentos de proximidade em relação aos outros e um comportamento altruísta. (Um tônus vagal mais alto – do qual a maior variabilidade da frequência cardíaca é um indicador – também está associado a um menor risco de doenças coronárias. Além disso, o nervo vago desempenha um papel importante na regulação dos níveis de glicose e nas respostas naturais do sistema imunológico. Portanto, ele nos ajuda a entender as conexões entre todos esses fatores: interação social, altruísmo, coração saudável e sistema imunológico.) Em comparação com as pessoas que ficaram na lista de espera, as que participaram das aulas de meditação mostraram um aumento na sensação de conexão com os outros, em suas emoções positivas e na função vagal. Refletindo sobre os resultados do estudo, Fredrickson observou: “Cada interação interpessoal causa uma melhoria minúscula na saúde.” Os efeitos do treinamento de cultivo da compaixão em Stanford já foram comprovados por uma ampla gama de resultados, da regulação emocional à resposta ao estresse, da melhora da fobia social à redução do estresse pós-traumático. Mais adiante vamos falar sobre essas descobertas. Um dos meus benefícios favoritos da prática do amor-bondade e da compaixão é que ela nos ajuda a enfrentar a inveja e o ressentimento. Poucos de nós sequer admitimos – até para nós mesmos – que sentimos inveja, mas na cultura competitiva da atualidade, esse é um sentimento comum e silencioso. Mesmo no lar, às vezes um cônjuge sente inveja do sucesso do outro. A prática do amor-bondade e da compaixão, por se basear essencialmente em desejar bem aos outros, nos condiciona a nos alegrar com a boa sorte alheia. Esse é o antídoto mais poderoso contra o problema da inveja e do ressentimento. Se deixada sem tratamento, a inveja pode se transformar em ressentimento – que, por sua vez, fecha nossos corações. Assim, é importante não deixar esses sentimentos sem controle. O primeiro passo é reconhecê-los, nomeá-los e então descobrir de onde estão vindo. Se precisarmos ter uma conversa franca com a pessoa que nos causa inveja, devemos fazer isso, pelo bem de ambas as partes. As verdadeiras vítimas da inveja, no entanto, somos nós mesmos. No instante em que ela surge, perdemos o equilíbrio e a tranquilidade. De alguma forma, algo parece não estar bem. Há uma energia de inquietação e desejamos que ela vá embora. Mas tentar negar nossos sentimentos de inveja é como tentar não ver um elefante – não podemos evitar. Se ficarmos nessa, podemos nos tornar amargos e espalhar a amargura como fumaça tóxica. Passamos a falar mal dos outros

e chegamos a ter prazer com seu infortúnio. Isso é o oposto do amor-bondade e da compaixão – que são a cura da inveja. Há um texto do primeiro Panchen Lama de que gosto muito que tem a seguinte passagem: Quanto ao sofrimento, não desejo nem o mais leve; Quanto à felicidade, nunca estou satisfeito. Nisto não há diferença entre os outros e eu. Abençoa-me para que eu possa me alegrar com a felicidade dos outros.

Há mais no amor-bondade e na compaixão do que desejá-los aos outros Na prática tradicional tibetana, a meditação do amor-bondade e a da compaixão incluem, além de desejar aos outros felicidade e libertação do sofrimento, uma reflexão profunda sobre a bondade dos demais. Em essência, essa é uma forma de prática de gratidão, de cultivá-la em relação àqueles que foram bons para nós, sobretudo nossos entes queridos. Hoje, graças a uma quantidade crescente de estudos científicos, as pessoas no Ocidente têm maior consciência dos benefícios da gratidão. O cultivo desse sentimento foi ligado tanto a uma maior sensação de bem-estar quanto a um comportamento mais social. O que eu admiro na gratidão é o modo como ela nos faz ver as coisas sob uma perspectiva mais positiva. Quando nosso ponto de vista está temperado por ela, apreciamos nossa boa sorte e damos valor ao que temos, ao invés de lamentar o que não temos – e isso também tende a nos tornar mais otimistas em relação ao futuro. Dado o valor tradicional asiático de honrar os mais velhos – e nossos pais em particular –, a prática tibetana da reflexão sobre a bondade costuma tomar nossa mãe como foco central. Se somos capazes de desenvolver um profundo senso de gratidão em relação à nossa mãe por sua generosidade, podemos também estender esse sentimento aos outros, reconhecendo que, através de sucessivos renascimentos, incontáveis pessoas já teriam sido, em algum ponto do tempo, nossa mãe. Para dar um exemplo dessa reflexão tradicional sobre a generosidade dos outros, permita-me citar um texto tibetano muito conhecido do século XIV: Seja em seu útero, ao nascer ou enquanto crescia, ela me alimentou e me vestiu. Ela deu a mim seus pertences mais preciosos. Agiu como se o status de monarca universal não chegasse aos meus pés... Da melhor maneira que pôde, me protegeu dos perigos e me conduziu à felicidade. Ela é, portanto, uma fonte de grande generosidade. Assim, de minha parte, para retribuir sua bondade, devo protegê-la do sofrimento e conduzi-la à felicidade. Certa vez ouvi Robert Thurman, um estudioso budista americano, dizer que sempre ficava irritado quando via o presidente George W. Bush na TV (uma pessoa “difícil” para ele, especialmente durante o auge da crise iraquiana depois da invasão pelos Estados Unidos).

Quando isso acontecia, ele tentava ver o rosto de sua mãe no presidente. Ele contou que isso realmente o ajudava a se acalmar. Até hoje, não existe uma versão secularizada dessa prática tibetana. Mas podemos adotar o objetivo geral de contar com a bondade dos outros e prestar atenção quando isso acontece. Um possível recurso é fazer uma lista dos atos de generosidade dos outros em relação a nós. No entanto, existe uma prática formal japonesa conhecida como Naikan que é muito semelhante. Seu nome significa literalmente “olhar para dentro”. A técnica é uma forma altamente estruturada de autorreflexão elaborada por um empresário chamado Yoshimoto Ishin no Japão do pós-guerra. Os defensores dessa prática acreditam que a Naikan nos ajuda a entender a nós mesmos como indivíduos, assim como as relações significativas em nossa vida. Na superfície, trata-se de uma prática simples e estruturada – rígida até – que gira em torno de três questões: “O que recebi dessa pessoa?” “O que ofereci a essa pessoa?” “Que problemas e dificuldades causei a essa pessoa?” No formato tradicional, suas raízes asiáticas determinam que a prática se concentre na mãe de quem a está realizando. Mas em outro cenário cultural, como no Ocidente, ela pode ser voltada a qualquer um. Embora nunca a tenha praticado, tive a sorte de conhecer uma das principais pesquisadoras do assunto, a antropóloga Chikako Ozawa-de Silva, da Universidade Emory. Chikako entende a Naikan principalmente como uma forma de “atenção plena da bondade do outro”. Além de ser uma estudiosa, ela já participou de diversos retiros e atesta o efeito poderoso da técnica. Nesses eventos, contou, as pessoas irrompem em lágrimas com sentimentos de profundo remorso, mas, ao final, alcançam uma sensação de liberdade e de compromisso mais profundo com os relacionamentos mais significativos em sua vida.

Tudo se resume aos vínculos outra vez A dor da separação, a decepção por não conseguirmos o que queríamos, a insatisfação com a vida e a constante esperança de que algo melhor esteja por vir estão entre as condições fundamentais que definem cada um de nós como ser humano. Mas essa vulnerabilidade também é nossa maior dádiva, pois nos permite entender os outros, sair de nós mesmos e nos colocar no lugar deles, por assim dizer. Quanto mais aprendemos com nosso próprio sofrimento, mais capazes de nos conectar com as outras pessoas nos tornamos. (“Nisso não há diferença entre os outros e eu.”) De modo inverso, quando não temos consciência de nosso sofrimento e resistimos a ele, perdemos esse território comum que nos liga aos outros e faz com que nos importemos com eles. Assim sofremos mais. Num retiro de treinamento de professores do curso de cultivo da compaixão de Stanford, um dos participantes perguntou: “Já que nossa experiência do sofrimento é tão central para a nossa capacidade de sentir compaixão, não seria uma contradição desejarmos que os outros sejam

livres do sofrimento?” É um questionamento profundo. Respondi que, ao desejar isso aos outros, estamos nos conectando com sua aspiração natural à felicidade e à libertação do sofrimento. Na realidade, os seres humanos nunca estão completamente livres do sofrimento e, nesse sentido, a questão é teórica. Poderiam dizer que lidaremos com o “problema” da libertação do sofrimento se e quando ele acontecer! De qualquer modo, a compaixão tem a ver com nossa maneira de lidar com o sofrimento – nosso e dos outros; que já experimentamos no passado, que estamos enfrentando agora e que vamos encontrar no futuro –, assim como com a realidade do sofrimento. Poderíamos estar livres do sofrimento por enquanto e mesmo assim temer o fato de que ele voltará (nesse caso, não estaríamos realmente livres do sofrimento e a compaixão ainda seria relevante). Essa é a dimensão de sofrimento extra que trazemos à nossa experiência – e é esse que poderíamos dispensar. É com isso que estamos preocupados. Shantideva, um autor budista do século VIII, identifica um benefício importante do sofrimento. Ele afirma que nossa experiência de sofrimento nos ensina a humildade e nos torna mais empáticos em relação a quem está sofrendo. O vencedor do Prêmio Nobel arcebispo Desmond Tutu capta belamente essa ideia quando escreve: “É através da fraqueza e da vulnerabilidade que a maioria de nós aprende a ter empatia e compaixão e descobre a própria alma.” Embora seja provável que nunca estejamos livres da dor e do sofrimento, a forma como reagimos a eles tem um impacto enorme – tanto para nós quanto para as pessoas ao nosso redor. Em face do sofrimento, podemos desistir e chafurdar na (auto) piedade e no desespero ou nos fechar e endurecer o coração. Alternativamente, podemos escolher reconhecer nossas dificuldades e sair de uma experiência de sofrimento um pouco mais sábios, um pouco mais pacientes e um pouco mais bondosos. A prática da compaixão nos ajuda a escolher o caminho de maior sabedoria em nossa relação com a condição demasiado humana do sofrimento.

7 “Que eu seja feliz” CUIDANDO DE SI MESMO Se eu mesmo não tenho paz, como posso ajudar outros a encontrá-la? – TSONGKHAPA (1357-1419)

Dizemos de algumas coisas que elas não podem ser perdoadas, ou que nunca vamos nos perdoar. Mas perdoamos – o tempo todo. – ALICE MUNRO

C

om frequência somos nossa própria “pessoa difícil”. Se o Capítulo 2 – falando sobre como é complicado sermos generosos conosco nessa cultura tão competitiva, individualista e fragmentada – trazia a má notícia, este traz as boas – o que podemos fazer para aprender a ter compaixão e bondade por nós mesmos, ainda que, num primeiro momento, isso não seja fácil. Aqui vamos entrar em contato com a mesma fonte que abordamos no capítulo anterior – a abertura de nosso coração –, mas desta vez em relação a nós mesmos. Como referência, vamos usar o amor-bondade e a compaixão que surgem de forma natural pelas pessoas “mais fáceis” (segundo o que nos parece) e tentar recriá-los tendo nós mesmos em mente. Nosso coração aprendeu a se abrir aos outros e agora vamos aprender a fazer o mesmo conosco.

Autocompaixão e estilos de apego Todos nós temos capacidade de sentir compaixão por nós mesmos, mas nem todos nos relacionamos com ela da mesma maneira. De acordo com pesquisadores da área, nossas diferenças têm muito a ver com os mecanismos de proteção que criamos para lidar com desafios e decepções na vida. Estudos de desenvolvimento infantil e personalidade afirmam que a ativação e o estabelecimento do que os cientistas conhecem como sistema afiliativo durante os primeiros anos de vida da criança são muito importantes. Esse sistema afiliativo, ou de cuidado, como também pode ser chamado, é associado a sentimentos de segurança, proximidade e contentamento e está ligado à nossa produção natural de opiáceos e de hormônios como a oxitocina (às vezes referida como “hormônio do aconchego”). Idealmente, através dos cuidados que recebe, o bebê passa a reconhecer os pais como fonte de conforto, tranquilidade e segurança. A partir dessas primeiras experiências, o bebê cria memórias emocionais de segurança e tranquilidade e não as esquece mais. Nesse cenário feliz, o bebê seria abençoado com o que os psicólogos chamam de um estilo de apego seguro. Segundo o trabalho de John Bowlby e Mary

Ainsworth, estudiosos da teoria do apego, existem quatro estilos principais: seguro, preocupadoansioso, desapegado-evitativo e assustado-evitativo. No entanto, esses conceitos se aplicam não apenas aos primeiros anos, mas também à forma como afetam nossa personalidade, sobretudo nossa maneira de estabelecer relacionamentos ao longo da vida. À medida que vamos crescendo, segundo os pesquisadores, nossa capacidade de nos acalmar vai se desenvolvendo a partir de nossas primeiras experiências – um processo de lembrança emocional, por assim dizer. Lá no fundo, se temos um estilo de apego seguro, acreditamos que estamos seguros e bem – ou pelo menos acreditamos nessa possibilidade porque já a conhecemos. Idealmente, essas memórias permanecem como um cobertor de segurança para situações de estresse. Assim, nosso estilo de apego afeta nossos hábitos de regulação emocional, o que tem uma influência importante sobre nosso limiar de autocompaixão na idade adulta. Se nossas primeiras experiências não foram tão ideais assim, precisamos construir aquela sensação de calor e segurança a partir do zero durante a idade adulta. Isso não é fácil, mas é bem possível, por já termos a matéria-prima – nossa experiência do sofrimento e nossa capacidade humana natural de sentir compaixão. Não podemos mudar nossos pais nem nossas experiências da infância, mas, quando adultos, podemos aprender diferentes maneiras de regular nossas emoções e práticas para desenvolver a autocompaixão. Se não estamos entre os sortudos cujo estilo de apego é seguro, podemos aprender a sentir compaixão por nós mesmos justamente por causa disso! Ao mesmo tempo, nossa personalidade pode ser mais flexível e adaptável à mudança do que pensamos.

Aprendendo a estar com o sofrimento No treinamento de cultivo da compaixão, dividimos a prática da autocompaixão em duas partes. Na primeira, Cultivando a compaixão por si mesmo, aprendemos a nos relacionar de forma compassiva com nossos sofrimentos e necessidades. Na segunda, Cultivando o amor-bondade por si mesmo, tratamos do modo como lidamos com nossa felicidade e nossas aspirações. Os objetivos são, respectivamente, cultivar nossa capacidade de aceitar e cuidar de nós mesmos de forma genuína e estimular uma apreciação profunda por nossa aspiração natural e legítima à felicidade. Em nossas aulas sobre autocompaixão, fazemos perguntas do tipo “Como seria se nos relacionássemos com nosso sofrimento com mais abertura e aceitação em vez de negação e autopiedade?” e “Como seria se fôssemos afetuosos e carinhosos conosco em vez de nos ocuparmos de julgamentos e autorrepreensão?”. Os participantes então discutem como poderiam rever suas reações às dificuldades e ao sofrimento e torná-las mais compassivas. As respostas não importam tanto quanto a tomada de consciência que se desenrola durante essa reflexão – a consciência de que, com frequência, nossas reações são duras e repletas de julgamento, de ver que pode haver outras maneiras de nos relacionarmos com essas experiências e, na segurança da classe, testar como isso seria. Com frequência, quando estamos passando por uma situação difícil, nossa tendência é

ignorar os sentimentos que a acompanham. Isso é perfeitamente natural e compreensível. Queremos evitar a dor. Temos medo de acabar destruídos se não “segurarmos a onda”. Ou seja, reprimimos nossos sentimentos a qualquer custo. Mas essa abordagem não é saudável nem sustentável no longo prazo. O preço a pagar é alto demais. Nossas feridas emocionais são semelhantes às físicas. Se ignorarmos a dor emocional, ela vai infeccionar como um ferimento não cuidado e se transformar em algo muito pior que a lesão inicial – em amargura, por exemplo, ou irritabilidade e desconforto em relação aos outros, inclusive as pessoas de quem mais gostamos. Como disse um dos participantes do curso: Recentemente tive algumas dificuldades em relação aos meus sentimentos – de raiva, frustração, repulsa, indignação, irritabilidade –, todos ligados ao trabalho. Esses sentimentos não queriam ir embora – ou talvez eu não quisesse que fossem. Meu ego estava ferido. Eu estava prestes a explodir ou implodir, sem saber qual dessas duas coisas me traria maior alívio. Estava com vergonha e raiva de mim mesmo por ter tão pouco controle sobre meus sentimentos e os pensamentos que tinha. Eu rejeitava a compaixão. Estava cansado de ser legal com as pessoas (isso vinha da raiva) e me sentia em desequilíbrio com o universo. Estava tão perturbado que nem preciso dizer que não estava conseguindo meditar. Por isso decidi fazer o curso, para ver se essa confusão se acalmava. Não começou muito bem, porque eu não queria entrar em contato com a minha tristeza. Quem de nós não é capaz de se identificar com essas palavras? Será que alguma coisa que aconteça no trabalho poderia ser pior do que nos torturarmos por causa dela durante dias, semanas ou mesmo anos? O participante prosseguiu, descrevendo como seu coração se abrira durante uma meditação em classe e a raiva tinha se “derretido”. Refletindo sobre isso, ele disse: A melhor parte é que ainda tenho os mesmos problemas no trabalho, a mesma situação desagradável, o mesmo colega irritante, mas não há mais sentimentos atrelados a isso. Venho pensando nas mesmas coisas que desencadeiam minha raiva e frustração e... não consigo ficar com raiva. Como somos criaturas sencientes, o sofrimento é uma parte inescapável de nossa realidade, e quanto mais cedo desenvolvermos uma relação saudável com ele, melhor. O primeiro passo é aprender a aceitar a dor e o sofrimento sem resistência e sem cair na tentação de uma solução imediata. Para nos desfazermos de nossos velhos hábitos emocionais, precisamos também desenvolver a capacidade de simplesmente observar nossas experiências e apenas testemunhá-las à medida que se desenrolam – precisamos ter metaconsciência do nosso sofrimento. Outra técnica útil, especialmente para quem é menos inclinado à meditação tradicional, sentada e silenciosa, é aprender a distinguir entre a voz da “observação” e a do “julgamento” em nossos pensamentos. A voz da observação reconhece fatos, enquanto a do julgamento se limita a interpretá-los. Vejamos o exemplo da fila de inspeção de segurança num aeroporto. A que calhou

de você escolher de repente se torna lenta e você começa a ficar impaciente. Por causa disso, pode começar a pensar coisas como: “Eu sempre escolho a fila errada!”, “Por que os funcionários ficaram tão lentos desde que entrei na fila?”, “Eles não se importam nem um pouco se as pessoas perderem o voo”, “Nada nunca dá certo comigo”. Se examinarmos com cuidado, nenhuma dessas afirmações trata dos fatos. São ideias preconcebidas, suposições e generalizações cheias de carga emocional – nossas reações ao fato de que houve uma lentidão no processo de inspeção. Ponto. Precisamos colocar nossos julgamentos e outros padrões habituais de pensamento em questão, sobretudo nosso conceito sobre nós mesmos. (“Nada nunca dá certo comigo.”) Apesar de todas as evidências em contrário da psicologia, da neurociência e de nossa experiência pessoal, a maioria de nós continua a se apegar a essa representação estática de si. A partir de nossa experiência cultural, do nosso meio social e da nossa infância, cada um internalizou uma representação de si mesmo, um conceito que exerce uma influência poderosa em nosso cotidiano – porque afeta a forma de percebermos nós mesmos e o mundo. O problema é que a maioria de nós não consegue se dar conta de que é só isso mesmo – um conceito, uma construção da nossa mente a partir de nossas experiências. Acreditamos na história que nós mesmos inventamos e confundimos o conteúdo de nossos pensamentos com a realidade. É quando nos flagramos cedendo aos habituais julgamentos negativos sobre nós mesmos – “Não sou bom o bastante”, “Ninguém me ama”, “Não mereço ser feliz”– que mais precisamos ativar a voz questionadora que diz: “Espere um minuto! Esses são apenas meus pensamentos, não eu.” Em um livro notável, David Kelley, fundador da IDEO e do Instituto Hasso Ploattner de Design de Stanford, fala sobre como nosso próprio conceito rígido sobre nós mesmos (nesse caso, a ideia “Não sou criativo”) costuma ser o principal obstáculo quando precisamos expressar nossa criatividade natural. David e seu irmão e coautor, Tom Kelley, contam histórias inspiradoras sobre como as pessoas conseguem se livrar desse estado mental quando estão num ambiente que encoraja a expressão sem temor, e seu lado criativo e artístico emerge sem esforço. O segredo está no que David chama evocativamente de confiança criativa, um conceito que afirma a criatividade como uma habilidade inata em todos nós. Na compaixão também existe uma espécie de confiança destemida pelo fato de sabermos que a capacidade para senti-la já está dentro de nós. Isso pode ajudar a acabar com as dúvidas e os medos que muitas vezes bloqueiam a expressão da nossa parte mais generosa.

Cultivando o autoperdão Para sermos verdadeiramente compassivos em relação a nós mesmos, precisamos examinar se nos aceitamos e nos perdoamos. Quando nutrimos ressentimento e inimizade por alguém, não conseguimos sentir compaixão e preocupação genuínas por essa pessoa. O mesmo vale para nós mesmos. Assim como a compreensão nos leva a perdoar os outros, compreender nossos pensamentos e ações como parte da condição humana faz nascer o autoperdão. Somos apenas humanos. Precisamos dessa compreensão e do autoperdão que flui a partir dela. Marshall

Rosenberg, o criador do método da comunicação não violenta (CNV), fala, sobre essa ideia: “Um aspecto importante da autocompaixão é a capacidade de abraçar empaticamente as duas partes de nós mesmos: a que se arrepende de alguma ação passada e a que realizou aquela ação.” Quando nos julgamos de forma muito dura e recusamos nos perdoar por algo que fizemos, na verdade estamos atacando aquela parte de nós que realizou aquela ação – “parte” de nós no sentido de que houve razões para fazermos aquilo que, de maneira consciente ou inconsciente, significava algo para nós. Nossa mente avaliadora e cheia de julgamentos diria “más” razões, mas foram apenas razões humanas. Ou talvez a estratégia seja amputar essa parte de nós e aquelas razões, negando-lhes existência. (“Apenas não vou pensar sobre isso”, ou “Não sou o tipo de pessoa que faz esse tipo de coisa”.) De qualquer forma, estamos numa batalha contra uma parte de nós mesmos, desconectados dela, e não há esperança de compreensão e reconciliação enquanto estivermos em guerra. Sem entender nossa individualidade por completo, não seremos capazes de aceitá-la por completo – e, sem compreensão e aceitação, não podemos aprender com os erros. Pode ser útil pensar nisso como se fosse outra pessoa: no meio de uma briga com alguém ou se nos recusamos a sequer reconhecer sua existência, é seguro dizer que não estamos aprendendo nada com ela. E, quando não aprendemos com nossos erros, a tendência é repeti-los, e a guerra contra nós mesmos prossegue. Note que, quando falamos com os outros, a entonação é crucial. O mesmo vale quando falamos conosco. Podemos gritar “Como é que você pôde fazer isso?!”, quase completando com um “seu monstro”. Ou podemos perguntar a nós mesmos de forma delicada: “Hum, vamos ver, como foi que você fez isso?” O que pode muito bem significar: “Que confusão! Vamos ver como isso aconteceu para não deixar que aconteça novamente. Vou ajudá-lo a limpar a bagunça.” No TCC, usamos exercícios específicos destinados à autoaceitação e ao autoperdão. Eles nos ajudam a explorar as necessidades ou possíveis razões por trás daquilo que fizemos e usar essa compreensão para desarmar a reação de repreender a nós mesmos. Uma vez que tenhamos entrado em contato com nossa necessidade subjacente, podemos experimentar inúmeros sentimentos – tristeza, frustração, arrependimento, decepção, desesperança, e assim por diante. Trata-se de sentimentos inerentemente mais conciliadores – “É triste, mas aconteceu” – que nos mantêm afastados da culpa, da autorrecriminação e do julgamento negativo – que funcionam como obstáculos à autoaceitação. (“Como pude permitir que isso acontecesse?”, “Não consigo aceitar que deixei isso acontecer”, etc.) Através da compreensão e da aceitação, estabelecemos uma relação de empatia conosco, não apenas por aquilo que fizemos (“Ah, posso entender a razão para ter feito aquilo”), mas também pelo modo doloroso como reagimos. Na linguagem da comunicação não violenta, esse processo é conhecido como luto. Ele nos dá permissão para experimentar o arrependimento – o que, segundo Rosenberg, “nos ajuda a aprender alguma coisa com aquilo que fizemos, sem nos deixarmos dominar pela culpa e pelo ódio a nós mesmos”.

Exercício: Perdoando a si mesmo No TCC, utilizamos uma técnica de meditação guiada para ajudar a desenvolver o autoperdão: Para esta meditação guiada, sente-se numa posição confortável e relaxada. Faça de três a cinco respirações profundas,

enchendo o peito a partir do abdômen e soltando o ar depois. Permaneça vinte a trinta segundos em silêncio. Agora pense numa situação em que você fez algo que desejaria não ter feito e depois se censurou por isso. Talvez você tenha explodido com alguém que ama e ficou se sentindo mal em razão disso. Ou pode ser algo que só afetou você, como ter gastado demais numa compra, e o deixou se sentindo culpado e envergonhado depois. Não é importante lembrar os detalhes do incidente, a não ser que isso o ajude a evocar a reação emocional que experimentou naquele momento. O essencial é recordar como você se deixou cair em julgamentos negativos. Fique em silêncio com essa reflexão. Então se pergunte: “Por que será que reagi de modo tão ríspido?” “Qual era a necessidade não atendida que eu estava tentando suprir quando fiz aquilo?” Pode ser que, quando perdeu a paciência, você estivesse precisando de respeito e se sentiu desrespeitado pelo outro. Talvez precisasse ser ouvido, e não era isso que estava acontecendo. Fique um pouco com essas reflexões. Agora reconheça que, embora o que você fez (digamos que xingou alguém, por exemplo) tenha sido uma atitude inábil, a necessidade por trás da sua ação era legítima. No caso de ter gastado demais e se sentir envergonhado, talvez você estivesse desanimado e deprimido, precisando de um empurrãozinho emocional. Com consciência deles, permita-se experimentar sentimentos como tristeza, decepção e remorso em vez de culpa e vergonha. Faça uma pausa e fique com esses sentimentos. Ao entrar em contato com a necessidade subjacente que o levou a agir daquela maneira, fique com ela por um tempo. Agora, expirando lenta e completamente, libere qualquer tensão no corpo, deixe de lado qualquer rigidez da mente e, refletindo sobre seus pensamentos anteriores de autocensura, diga em silêncio para si mesmo: “Eu posso abrir mão disso. Eu vou fazer isso.” Por fim, imagine que você se sente livre e expansivo em seu peito, e então expire plenamente mais algumas vezes.

Autoaceitação Infelizmente, para a maioria das pessoas na cultura moderna, a sensação de ser aceito por completo, com todos os defeitos, é rara, se não inteiramente desconhecida. Se tivermos sorte, temos alguém na vida com quem nos sentimos totalmente à vontade. Um avô, um professor dos tempos de escola, um mentor espiritual, o pai ou a mãe (se tivermos sorte mesmo!), alguém que nos aceita de forma incondicional. Essa pessoa nos faz sentir que sua estima e sua afeição por nós não dependem do que conquistamos na vida ou de algo que precisamos fazer por ela. Na verdade, sentimos que ela entra em contato direto com nosso próprio ser. Uma tradição espiritual também pode lhe oferecer a sensação de aceitação incondicional. No meu caso, encontro uma poderosa fonte de conforto na visualização do Buda da compaixão, com seus milhares de braços e olhos para cuidar de incontáveis seres. O único critério que preciso satisfazer para ser digno de seu cuidado, sua preocupação e sua compaixão é ser uma criatura senciente, nada mais. Na verdade, no budismo um dos epítetos do Buda significa “um amigo amoroso mesmo para um estranho”, porque sua compaixão não depende de qualquer relação pessoal. O simples fato de existir é o bastante. Reconhecendo o poder dessa atitude, o psiquiatra britânico Paul Gilbert desenvolveu uma prática adaptada da meditação tibetana do Buda da compaixão chamada Desenvolvendo uma imagem compassiva. Gilbert, que trabalha com pessoas com excesso de vergonha e autocrítica, atribuiu esses problemas à formação de um sistema pouco construtivo de proteção para reagir a

ameaças, ou “mal-adaptativo,” em linguagem científica. De acordo com ele, essas pessoas de alguma forma adquiriram um estilo de regulação emocional que não passa pelo sistema de cuidado do cérebro. A meta de sua terapia é lhes ensinar a ativar esse sistema e a voltá-lo para si mesmas. No TCC também usamos uma espécie de prática da compaixão com imagem. O ponto central dessa técnica é cultivar uma imagem à qual possamos atribuir qualidades como amor, compaixão, sabedoria, determinação, confiabilidade e assim por diante. Deve ser uma imagem com a qual você sinta uma profunda conexão pessoal. Pode ser a de uma pessoa sábia a quem admira e respeita ou mesmo a de um animal de estimação que ama ou amou você incondicionalmente e que, na sua opinião, corporifica essas qualidades. Pode ser a imagem de uma luz em seu coração ou de um oceano vasto e de azul profundo, uma árvore firmemente enraizada com uma magnífica e densa folhagem ou, se você for uma pessoa religiosa, algum ícone significativo. Seja qual for a imagem escolhida, a evocamos sentados para meditar. Quanto mais rápido pudermos fazer isso, mais forte será nossa sensação de que ela está cuidando de nós, não apenas durante a meditação, mas na vida cotidiana também.

Exercício: Aceitando a si mesmo Mais uma vez, faça de três a cinco respirações profundas, enchendo o peito a partir do abdômen e soltando o ar suavemente. Permaneça vinte a trinta segundos em silêncio. Agora traga à mente uma imagem que represente para você amor, cuidado, sabedoria e força. Leve o tempo que for necessário para esse pensamento compassivo permear a sua mente. Não é necessário ter uma imagem realista; o essencial é sentir sua presença. Agora imagine que, na presença dessa imagem, você se sente completamente você mesmo – nada mais, nada menos. Não há necessidade de fingimento nem de tentar ser alguém que você não é. Não há julgamento nem voz crítica. Em vez disso, o que você encontra é a simples aceitação, calorosa e terna. Alimente-se dessa sensação de aceitação incondicional. Como se sente? Sente seu coração batendo mais devagar, uma liberação de tensão em algum lugar do corpo, uma sensação de desapego? Retenha essa imagem compassiva enquanto continua respirando. Ao inspirar, visualize raios de luz cálidos emergindo da imagem e tocando todas as partes do seu corpo. Conforme esses raios chegam até você, imagine que o acalmam, aliviam seu sofrimento e lhe dão força e sabedoria. Permaneça com esse pensamento por um tempo, em silêncio. Repita essa sequência de visualização de raios de luz inspirando em você sentimentos de segurança, serenidade e total tranquilidade.

Se achar que essa prática da imagem não funciona bem no seu caso, você pode tentar um método que John Makransky, um colega de estudos budistas, chama de momentos benfeitores. Os momentos benfeitores são as situações da vida em que nos sentimos vistos, ouvidos e reconhecidos por alguém que nos mostrou consideração e afeição genuínas. Pode ser a ocasião em que alguém demonstrou preocupação conosco num momento difícil da vida, uma sensação de que “tudo está em seu devido lugar” que surgiu na presença de um velho amigo ou simplesmente um abraço carinhoso. Também pode ser o tempo que passamos ao lado de alguém muito próximo quando éramos crianças. O que caracteriza esses momentos é o fato de eles nos levaram

a sentir que nós importamos. Eles nos elevam, e assim nos sentimos honrados e vivos. Makransky escreve: “Benfeitor aqui significa alguém que nos dirigiu o desejo de amor, o simples desejo de estarmos bem e felizes.” Ele enfatiza que os benfeitores não precisam ser infalíveis. Na meditação, trazemos à mente a imagem de nosso benfeitor e imaginamos que ele nos envia o desejo por nossos mais profundos bem-estar, felicidade e alegria. Quer usemos a técnica da imagem compassiva ou a dos momentos benfeitores, o segredo é evocar o sentimento de aceitação incondicional na presença de alguém ou algo que nos deixe tranquilos e seguros. Com a prática, vamos expandindo gradualmente nosso círculo de benfeitores.

Bondade em relação a si mesmo Muitas pessoas sentem que são menos pacientes consigo mesmas do que seriam com os outros, menos indulgentes com seus erros e menos capazes de se enxergarem sob uma luz positiva. Na prática da autocompaixão, aprendemos a mudar isso e a dirigir nossa bondade e nossa preocupação naturais a nós mesmos. Abrimos o círculo de compaixão que criamos e nos deixamos entrar. Uma prática de visualização que ajuda a evocar a preocupação e a ternura naturais em relação a nós mesmos é nos imaginar como uma criança e então devotar esses sentimentos naturais a ela. Podemos usar uma foto, se necessário. Nas classes do TCC, usamos a seguinte meditação:

Exercício: Bondade em relação a si mesmo Imagine que você é uma criança pequena, um bebê, talvez, livre mas ainda vulnerável, correndo para lá e para cá, derrubando algumas coisas pelo caminho. Ou, se for mais fácil, imagine uma época da infância da qual consiga se lembrar. Você sentiria um impulso instintivo de proteger essa criança? Em vez de julgamentos negativos, críticas e reprimendas, não sentiria ternura e carinho? Deixe que esses sentimentos de ternura e carinho por seu eu criança preencham seu coração e então repita silenciosamente as seguintes frases: Que você seja livre da dor e do sofrimento. Que você seja livre do medo e da ansiedade. Que você experimente paz e alegria. Que você seja livre da dor e do sofrimento. Que você seja livre do medo e da ansiedade. Que você experimente paz e alegria.

Margaret Cullen, uma colega que é instrutora do treinamento de cultivo da compaixão de Stanford, compartilhou comigo uma história comovente que ocorreu em uma de suas aulas. Num dos inúmeros cursos de Margaret, havia um grupo de apoio a pacientes de câncer, e um homem tinha se matriculado com a mulher, que sofria da doença. No início do curso de oito semanas, ela usava uma placa de plástico ao redor do tronco – parecia que o câncer havia atingido seus ossos. O casal estava na casa dos 70 anos e os dois eram muito afetuosos um com o outro. Quando o

curso já se aproximava do fim, a esposa parou de ir porque estava doente demais para sair de casa. O marido, no entanto, continuou a participar porque achava que as aulas o ajudavam na tarefa cotidiana de cuidar da mulher doente. O grupo tinha acabado de passar pelos exercícios de autocompaixão na semana anterior, o que incluía essa meditação guiada sobre a imagem de nós mesmos quando criança. Durante o momento em que os participantes partilham a experiência da semana, o homem disse que tinha reencontrado a noção de si mesmo quando criança e recuperado a percepção de que era digno de amor. Ele tinha uma foto em que estava nos braços dos pais e se sentia feliz e de coração aberto olhando sua versão bebê. Depois ele avançou alguns anos, para a lembrança de um Natal feliz. A família morava em Minnesota, onde havia muita neve, e ele contou diversos detalhes das lembranças que o levavam a se sentir bem. A partir daí, reconheceu as coisas difíceis que tinham acontecido em sua vida e o tornaram a pessoa que era agora. Sentiu toda a dor e viu como tinha se fechado, e então sentiu compaixão por aquele homem e entendeu por que estava se protegendo. Decidiu que não precisava mais viver daquela maneira, fechado, na defensiva. Pensou: “Qual a pior coisa que pode acontecer?” Depois desse insight, esse homem idoso e austero passou a ver o mundo de outra forma, determinado a compartilhar seu coração com quem encontrasse. Falando sobre o câncer da mulher, ele disse: “Nunca tive qualquer problema para sentir compaixão pelos outros, mas por mim já é outra história.” O convite a se ver como um menino deu início a uma avalanche de compaixão e ele sentiu que um peso tinha sido retirado de seus ombros. Passou a sentir-se energizado e livre. Já que nosso objetivo é mudar a forma como nos relacionamos conosco – o modo como nos percebemos, nossa atitude em relação a nós mesmos, nossa maneira de lidar com as necessidades e dificuldades, e como nos sentimos a respeito de nós –, curtas práticas de meditação não serão suficientes. Como no cultivo da intenção, da atenção e do amor-bondade, precisamos trazer essas práticas para o dia a dia. No TCC, falamos de “práticas informais”, as situações do cotidiano que aproveitamos como ocasiões para aplicar nossas práticas. Recomendamos três práticas informais de autocompaixão: 1. Tentar tomar consciência de quaisquer pensamentos ou diálogos interiores negativos e críticos em relação a nós mesmos. 2. Perceber que são apenas pensamentos, construções e interpretações – representações, não fatos propriamente ditos. 3. Explorar maneiras de reformular julgamentos negativos sob uma perspectiva mais compassiva. Digamos que você tenha feito algo de que se arrepende e embarque num diálogo interior inútil (“Idiota!”, “Como fui fazer isso de novo?”, “Sou um fracassado”). Quando isso acontece, o primeiro passo é perceber do que se tratava – você caiu na armadilha do autojulgamento. A prática da metaconsciência ajuda nisso. Será que você é capaz de ver que esses rótulos que está atribuindo a si mesmo são apenas pensamentos construídos a partir da frustração e da decepção consigo? É possível reformular esses pensamentos de uma forma mais construtiva? Em vez de se autoflagelar pensando coisas como “Sou um desastre”, “Sou um idiota”, “Como alguém pode me

amar?”, você pode dedicar a si mesmo palavras mais carinhosas: “Vá com calma”, “Estou sofrendo”, “Preciso de apoio”, e assim por diante. Quando você fala a sua verdade desse jeito, seu coração sabe. Ao substituir a linguagem do autojulgamento pela bondade, sobretudo se o fizer com frequência, você verá que essa é uma poderosa fonte de transformação pessoal. A partir desses exercícios e reflexões, podemos começar a aprender a nos aceitar, perdoar e ser mais cuidadosos conosco – e menos negativos e críticos com o que percebemos como falhas –, ou seja, a ter mais autocompaixão. Para isso, no entanto, temos que estabelecer uma relação saudável com nossas necessidades legítimas e nossas aspirações humanas mais básicas. Precisamos desenvolver uma apreciação visceral por nossa humanidade, por nossa necessidade essencial de amor e felicidade.

Amor-bondade por si mesmo Como você deve se lembrar, o amor-bondade é a faceta do cuidado que se manifesta como desejo de que o outro alcance a felicidade. É caloroso, cuidadoso, terno, conectado, uma esperança de sucesso e alegria. Além disso, também é incondicional, receptivo e não faz julgamentos. Nutrir amor-bondade por si mesmo deveria ser a coisa mais natural de todas, uma expressão de nossa disposição fundamental – o desejo de alcançar a felicidade e evitar o sofrimento. Apesar disso, muitas pessoas acreditam que se concentrar em si mesmo é algo inerentemente egoísta e narcisista. A verdade é que o amor-bondade por nós mesmos nos torna mais conscientes e empáticos em relação aos sentimentos e às necessidades dos outros. Nutrir e tranquilizar a si mesmo é rejuvenescedor, e assim passamos a ter mais energia para lidar com os outros e o mundo. Quando nos sentimos plenos de coração, também tendemos a ser mais generosos no trato com as outras pessoas. Quando oferecemos a nós mesmos o amor-bondade de que precisamos, ficamos com a sensação de que há amor suficiente e temos muito mais a dar. Um bom ponto de partida é tornar mais claras nossas aspirações mais profundas. Podemos fazer isso meditando sentados, escrevendo um diário, conversando com alguém – ou qualquer combinação disso. Num momento calmo do dia, podemos nos perguntar, como quando estabelecemos nossas intenções: “No fundo do meu coração, o que realmente quero na vida?” Se continuarmos nesse processo por um tempo, vamos descobrir que, na verdade, os valores mais importantes para nós podem se tornar a meta de nossas aspirações. Reconhecemos que, bem no fundo, aspiramos à felicidade genuína – ao significado, à plenitude, à paz interior, à realização – e que essa aspiração é um aspecto fundamental de nosso ser. Quando honramos nosso desejo de felicidade, ele se torna um imenso recurso interior. E, como vem do âmago de nossa humanidade, ao abraçá-lo abraçamos qualquer um que o partilhe conosco – todo mundo. Outro modo de voltar o amor-bondade para si mesmo é prestar atenção nas coisas boas da vida e se rejubilar com elas. Pode ser algo que fizemos ou algo de que gostamos em nós mesmos. Pode ser a sorte de ter um parceiro amoroso, uma família ou uma comunidade. Ou simplesmente nosso gosto pela vida. Se nada específico vier à mente, podemos nos rejubilar com a capacidade

natural de empatia e bondade que possuímos como seres humanos. Certa vez ouvi o Dalai Lama observar: “Celebro minha vida como humano, se não por outra coisa, pela simples capacidade que me oferece de entoar preces de altruísmo.” Já foi cientificamente provado que essa prática de enumerar nossas bênçãos traz importantes benefícios à saúde. O desafio é não nos deixarmos deslizar para a vaidade – o que apenas infla nosso ego –, mas ficar com nosso júbilo genuíno, que é uma expressão de verdadeira gratidão.

Reabastecendo nossa fonte interior Entre os veteranos do centro residencial para tratamento de estresse pós-traumático de Palo Alto, onde o TCC é oferecido há dois anos, há um que lutou no Vietnã. Ele achou o componente de autocompaixão do curso tão significativo que, além de acompanhar as meditações nas aulas, passou a aproveitar oportunidades durante o dia para realizá-las, sobretudo quando participava de outro grupo de apoio. Já que de qualquer maneira sofria de insônia severa por causa de sua condição, começou a usar também as madrugadas para meditações de autocompaixão. O homem contou que as décadas de abuso de entorpecentes começaram porque ele não sabia como entrar em contato com esse sentimento que lhe permitia lidar consigo mesmo e com suas dolorosas experiências de guerra de forma compassiva. Fiquei comovido de verdade vendo-o falar sobre o que a autocompaixão o levava a sentir e o estado de vulnerabilidade por trás do abuso de entorpecentes. Uma mãe, no TCC, contou que não tinha uma relação consigo mesma havia muito tempo. Havia passado tanto tempo cuidando dos outros que, nesse processo, esqueceu de seus próprios sentimentos e necessidades. Paradoxalmente, acabou percebendo que negligenciar a si mesma a tornava menos disponível para sua família em termos emocionais. A prática da autocompaixão a ajudou a se reconectar consigo mesma. Agora ela quer encontrar um modo de compartilhar essa percepção com os filhos, para que eles também possam aprender a ter autocompaixão. Priorizar a autocompaixão é como a orientação de segurança no avião: “Se estiver viajando com crianças, certifique-se de posicionar sua máscara antes de ajudá-las com as delas.” A força de caráter, a coragem de coração e a profundidade de sabedoria para estarmos disponíveis para as pessoas dependem de nossa compaixão por nós mesmos.

8 “Assim como eu” EXPANDINDO O CÍRCULO DE CUIDADO Esta virtude, uma das mais nobres de que o homem foi dotado, parece surgir incidentalmente de nossos compadecimentos e se torna mais terna e difundida até se estender a todos os seres sencientes. – CHARLES DARWIN (1809-1882)

Quanto ao sofrimento, não desejo nem o mais leve. Quanto à felicidade, nunca estou satisfeito. Nisso não há diferença entre os outros e eu. Abençoa-me para que eu possa me alegrar com a felicidade dos outros. – PRIMEIRO PANCHEN LAMA (1570-1662)

E

m The Heart of Altruism (O coração do altruísmo), a cientista social Kristen Renwick Monroe relata uma série de entrevistas feitas com salvadores de judeus durante a ocupação da Europa pelos nazistas, especialmente na Holanda e Dinamarca, no começo dos anos 1940. A história de dois deles, que eram holandeses e aos quais Monroe se refere apenas pelo primeiro nome – Tony e Bert –, mostra como seus atos de coragem não foram determinados por sua classe social nem por seus antecedentes. Tony era filho de um médico e sua mãe era bem culta. Cresceu na afluência em Amsterdã, com visitas frequentes à casa de campo da família. Bert, por outro lado, tinha sido criado numa grande família, numa cidade pequena, e levou uma típica “vida de trabalhadores holandeses do campo retratados em quadros de Van Gogh”. A incrível jornada de Tony para salvar judeus começou meio por acaso, quando ele deu ao pai de seu amigo judeu a simples sugestão de que eles ficassem um tempo na casa de campo da família. Bert começou por esconder um casal holandês que enviava judeus para a Espanha. A primeira pessoa judia que Bert escondeu foi uma amiga de sua mulher, Annie. Ele e a família tinham uma farmácia num grande edifício. Ali construíram um quarto secreto para esconder as pessoas que estavam tentando salvar dos nazistas. Tanto Tony quanto Bert continuaram com seu corajoso empreendimento por um longo tempo, com plena consciência dos graves riscos que estavam assumindo – para si mesmos e suas famílias. Bert de fato foi traído por um compatriota, o que resultou numa extensiva busca em sua casa realizada por soldados alemães. Depois de uma longa análise dessas entrevistas, Monroe chegou à conclusão de que o que unia todos aqueles salvadores não eram a crença religiosa nem fortes padrões éticos, mas o que chamou de suas “percepções da humanidade compartilhada”. Ela entende isso como algo que reflete “um modo diferente de ver o mundo e nós mesmos em relação aos outros” no qual todos nós estamos conectados por uma humanidade em comum – uma atitude que o Dalai Lama caracteriza como o reconhecimento da “unidade da humanidade”. As histórias de muitos salvadores registradas por Monroe em seu tocante livro captam bem o sentido desse conceito.

Quando perguntado se havia algo em comum entre as pessoas que haviam ajudado, um deles respondeu: “Não. Eram apenas pessoas.” Outro disse, com naturalidade: “Se há um ser humano deitado no chão sangrando, você vai lá e faz alguma coisa.” Bert defendeu a ação de modo ainda mais penetrante: “Você ajuda as pessoas porque sabe que é humano e vê que ali existe uma necessidade. Há coisas na vida que, quando temos que fazer, vamos lá e fazemos.” O tema do trabalho de Monroe – de que no coração do altruísmo reside a percepção de nossa humanidade compartilhada – ecoa belamente uma revelação importante do pensamento budista: O que facilita o surgimento de uma preocupação empática pelo outro é um senso de conexão – na verdade, uma espécie de identificação – que temos com o outro. A dor é um poderoso criador de conexões. Quando vemos alguém sangrando na rua, reagimos de forma instintiva e não paramos para pensar em como deveríamos nos sentir com a situação. Apenas agimos. A consequência disso é radical: se aprendermos a nos relacionar com os outros a partir da perspectiva da humanidade compartilhada, poderemos estender nossa preocupação empática a estranhos e mesmo àqueles com os quais temos dificuldade de nos identificar. As meditações de compaixão do budismo usam constantemente frases como “Assim como eu, os outros também desejam alcançar a felicidade e superar o sofrimento” quase como um mantra: “Assim como eu... Assim como eu... Assim como eu.” Além disso, como decorrência de estabelecermos um relacionamento com os outros através de nossa humanidade em comum, somos agraciados com inúmeras oportunidades de sair de nós mesmos – um meio tanto para desenvolver a compaixão quanto para alcançar a felicidade pessoal. Uma mulher que estava em treinamento para se tornar professora no TCC passou a realizar as meditações com gosto, diariamente, por pelo menos meia hora. Como parte de “abraçar a humanidade em comum”, ela precisava imaginar que estendia a compaixão a uma pessoa difícil. Escolheu o ex-marido e a namorada dele. Todo dia alternava entre eles e descobriu que sempre era um desafio. Mas sabia que se tratava de uma prática que, com o tempo, poderia ajudar. Depois de nove meses de meditação diária, ela foi instruída a visualizar as pessoas que ama diante de si. Para sua surpresa, seu ex-marido e a namorada dele apareceram! Ela não conseguia acreditar em seus olhos, ou melhor, em sua mente: eles haviam se tornado “entes queridos”. Aquela aparição de surpresa deu início a uma mudança em sua atitude geral em relação a eles. Ela declarou: “Assim como eu, eles também sofrem e querem ser felizes.” Como explicou: “Não estou dizendo que tudo em minha relação com eles são flores. No entanto, sei que a meditação criou dentro de mim uma paz que posso estender a eles. Essa mudança afetou minha maneira de interagir com eles, o que certamente é ótimo para nossa filha de 7 anos, que, por causa do acordo de guarda compartilhada, vive nas duas casas.” Agora, se nossos sentimentos pelos outros levarão a algum benefício concreto, vai depender de muitos outros fatores. Às vezes as pessoas podem simplesmente não estar dispostas a receber nossa ajuda. Mas o que não pode ser questionado é o benefício para nós mesmos. Sentimo-nos menos sozinhos. E reconhecer o papel dos outros em nosso bem-estar nos faz vê-los não como fonte de antagonismo, mas de benefício e alegria.

O poder da semelhança percebida Dois psicólogos americanos, Piercarlo Valdesolo e David DeSteno, demonstraram com um experimento criativo como a semelhança percebida entre nós e outra pessoa – mesmo a mais trivial – influencia nossa preocupação e nossa compaixão por ela. O estudo juntava os participantes em pares – um voluntário real e outro contratado pela equipe da pesquisa. Na primeira fase, os participantes, sentados um de frente para o outro, cada um com um monitor de computador diante de si, batucavam em sensores, marcando o tempo enquanto ouviam música nos fones de ouvido. Os participantes tinham sido alocados aleatoriamente em dois grupos, um no qual os pares batucavam em sincronia e outro em que as batidas não se conciliavam. Os participantes então viam que o outro (o contratado) recebia ordens de realizar uma série de tarefas entediantes e tinham a oportunidade de ajudar. O que os pesquisadores descobriram foi que o simples ato de batucar em sincronia, ainda que por apenas três minutos, influenciou dramaticamente o modo como os participantes enxergavam o parceiro. Aqueles que batucaram em sincronia relataram perceber maiores semelhanças com os parceiros. Além disso, também demonstraram mais compaixão quando o outro era penalizado injustamente. É impressionante a diferença entre os participantes sincronizados que ajudaram os parceiros em relação ao outro grupo: 31 por cento a mais, e passaram em média sete vezes mais tempo ajudando. Como escreveu DeSteno: “Não há nada especial em batucar em sincronia. Qualquer coisa em comum serve.” Com frequência, diz ele, temos uma escolha: vamos olhar nosso vizinho como alguém de uma etnia diferente ou como o frequentador do mesmo restaurante local que nós frequentamos. A última alternativa vai aumentar nossa compaixão. Esse estudo reforçou minha convicção sobre a percepção budista de que a compaixão depende de nossa identificação com o objeto de nossa preocupação. Uma área na qual a relação íntima entre nossa preocupação compassiva e nosso senso de identificação com o outro já é conhecida há algum tempo é o comportamento da doação caridosa. O “efeito da vítima identificável” se refere a nossa preferência por fazer doações a vítimas individualizadas em vez de anônimas. Isso sugere que nossa identificação com a vítima tem influência direta sobre nossa compaixão por sua condição. Na verdade, esse fenômeno parece ser parte de uma psicologia mais ampla da compaixão. Tendemos a sentir compaixão mais facilmente por pessoas reais do que por uma ideia abstrata de humanidade; por um indivíduo concreto do que por um grupo de pessoas; por alguém que seja identificável do que por alguém que permaneça anônimo; por alguém que esteja sofrendo do que por alguém que possa vir a sofrer. Essa é a razão pela qual reagimos de forma tão mais dramática a uma foto de um indivíduo em dificuldade do que a estatísticas que citam milhares de pessoas precisando da nossa ajuda. O psicólogo Brian Knutson e um grupo de pesquisadores descobriram recentemente as bases neurais do efeito da vítima identificável. Eles conduziram um experimento com estudantes de Stanford usando conjuntos diferentes de imagens. Um deles incluía uma foto de uma criança com nome, uma foto sem nome, uma silhueta com nome e uma silhueta sem nome. O outro conjunto continha apenas duas imagens: uma foto com nome e uma silhueta com nome. Os

participantes recebiam quinze dólares por hora, e quinze dólares adiantados, para que estivessem realmente com o dinheiro no bolso. Foram informados de que os pesquisadores tinham feito uma parceria com um orfanato de crianças refugiadas em Darfur, na parte do Sudão, para o qual cada um deles seria solicitado a fazer uma doação do dinheiro que recebera adiantado. No experimento, as imagens eram seguidas por uma tela com a quantidade pedida, outra com uma opção de sim ou não, terminando com uma tela neutra. Como era de esperar, os participantes fizeram uma doação maior quando a vítima era mais identificável – ou seja, quando viam uma foto, não uma silhueta. Além disso, a foto superava o nome, já que fizeram doações maiores a uma foto sem nome do que a uma silhueta com nome. No caso da compaixão, nossos sentimentos seguem de perto nossas percepções. Portanto, a semelhança percebida evoca nossa capacidade natural de sentir preocupação de forma empática. Ao contrário, quando não conseguimos reconhecer semelhanças entre nós e os outros – ou pior, quando deliberadamente nos recusamos a isso –, criamos situações completamente contrárias à nossa natureza empática. Desde uma atitude de indiferença que parece inofensiva até a mais explícita desumanização do outro, a História atesta as consequências de não conseguirmos reconhecer nossas semelhanças. Da escravidão ao genocídio judeu, da limpeza ética nos Bálcãs ao genocídio em Ruanda – na raiz de todos esses horrores está a falta de percepção da nossa humanidade compartilhada. Em vez disso, as vítimas foram sujeitas a estágios progressivos de desumanização, começando pela diferenciação entre “nós” e “eles”, passando pela objetificação e generalização do outro através de estereótipos, pela desumanização e, em alguns casos, chegando à demonização.

Abraçando nossa humanidade em comum Em nosso treinamento de cultivo da compaixão em Stanford, um dos passos se chama “Abraçando a humanidade em comum”. Nele exploramos a verdade fundamental de que, assim como eu, outras pessoas buscam a felicidade e não desejam o sofrimento. E, assim como eu, os outros têm o direito de ir atrás dessa aspiração fundamental. O objetivo do treinamento não é o convencimento intelectual, mas que cada um abrace essa verdade e passe a senti-la de modo visceral. No TCC, o cultivo do sentido de humanidade em comum é, na verdade, o primeiro dos três passos que precisamos tomar para estender nossa compaixão a outros em círculos concêntricos de preocupação – aos amados (Capítulo 6), a nós mesmos (Capítulo 7) e, neste capítulo, a estranhos, pessoas difíceis e, finalmente, toda a humanidade. No primeiro passo, cultivamos a compreensão da semelhança básica entre os outros e eu através de um profundo reconhecimento da aspiração à felicidade e à libertação do sofrimento que todos partilhamos. No segundo, cultivamos um sentido de apreciação do outro através do reconhecimento de quanto nossas vidas e nosso bem-estar estão interconectados. O terceiro passo é a prática propriamente dita de expansão dos círculos de compaixão. O desafio nesse processo é conseguirmos nos identificar com aqueles que não são próximos de nós.

Um foco importante para a prática é a aspiração à felicidade que todos partilhamos. Do mesmo modo que desejamos felicidade, todos os outros também a desejam. Como parte de nosso treinamento, usamos meditações e visualizações.

Exercício: Abraçando a humanidade em comum Imagine alguém a quem você quer bem, que é fácil de amar e com quem é fácil se preocupar. Pode ser um familiar, como um de seus filhos, um parente que está envelhecendo, um avô ou amigo íntimo. Para alguns, pode até ser um animal de estimação querido. Não pense em seu objeto de afeição apenas de forma abstrata; tente sentir sua presença. Preste atenção em quaisquer sentimentos agradáveis que se formam dentro de você enquanto pensa nesse ente querido. Então imagine que você é essa pessoa e veja como é fácil reconhecer que ela tem a mesma aspiração à felicidade genuína que você tem. Agora traga à mente outra pessoa – alguém que você conhece mas com quem não teve contato significativo, com quem não tem qualquer sensação especial de proximidade. Pense em alguém que vê com muita frequência, um colega do trabalho ou de sua classe, talvez um motorista de ônibus ou alguém que trabalhe no café ou na biblioteca. Ao prestar atenção nos sentimentos que surgem em você enquanto visualiza essa pessoa, veja como eles podem ser muito diferentes daqueles que sentimos por alguém que amamos. Em geral, não nos damos ao trabalho de pensar se aquela pessoa está feliz ou não. Mesmo quando interagimos com ela, não pensamos muito em sua situação. Conseguimos o que estávamos querendo e seguimos adiante. Mas agora tente imaginar que você é aquela pessoa. Imagine sua vida, suas esperanças e seus medos, que são tão reais, multifacetados e diversos quanto os seus. Reconheça a semelhança profunda entre você e essa pessoa no nível humano mais fundamental e reflita: “Assim como eu, ela deseja alcançar a felicidade e evitar até mesmo o mais leve sofrimento.” Depois traga à mente uma pessoa com a qual possa ter tido algum problema, alguém que o irrita ou perturba, que lhe tenha feito mal ou que se satisfaz com o seu infortúnio. Visualize essa pessoa diante de você. Se experimentar sentimentos desconfortáveis, apenas preste atenção neles. Você pode se lembrar de interações dolorosas com essa pessoa, de como se sentiu com os sentimentos ruins que brotaram nessa ocasião. Não reprima os sentimentos nem os reforce tentando lembrar detalhes dessas trocas (“Então ela disse... mas eu disse...”). Agora coloque-se por um momento no lugar dessa pessoa, reconhecendo que ela é objeto de profunda preocupação para alguém, é um pai ou um marido, um filho ou um amigo querido. Reconheça que essa pessoa tem a mesma aspiração fundamental à felicidade que você tem. Deixe que sua mente permaneça um pouco nessa consciência – digamos que de vinte a trinta segundos. Por fim, visualize essas três pessoas juntas, diante de você, e reflita sobre o fato de elas igualmente partilharem o desejo de alcançar a felicidade e de se libertar do sofrimento. Nesse nível, não há diferença entre elas: nesse ponto fundamental, são todas exatamente iguais. Veja se consegue se identificar com cada uma delas a partir dessa perspectiva, dessa base de aspiração à felicidade que todos partilhamos. Essa aspiração à felicidade e o desejo de superar o sofrimento são um elo em comum que nos une a todos os outros seres. Deixe sua mente permanecer nessa consciência por um tempo. Com esse reconhecimento profundo de que o desejo de felicidade e de superação do sofrimento é comum a todos nós, repita em silêncio esta frase: “Assim como eu, todos os outros aspiram à felicidade e desejam superar o sofrimento.”

Essa prática abre caminho para formas mais construtivas de relacionamentos com os outros. Foi por essa razão que tantas pessoas amaram o filme E.T. Os traços humanoides do alienígena, sua situação trágica de estar perdido na Terra, seu medo do que poderia lhe acontecer e sua vontade de voltar para casa, cristalizada na frase “E.T., telefone, minha casa”, tudo isso dentro do

contexto de uma amizade cada vez mais profunda por um garoto solitário, tornaram o filme uma história universal de empatia e compaixão. Gostei tanto dele que, quando minhas filhas estavam crescidas o bastante para fazer a transição dos desenhos animados para filmes com atores de verdade, o escolhi como seu “rito de passagem”. Às vezes, a prática do “Assim como eu...” pode funcionar das maneiras mais inesperadas. Ouvi uma história comovente de minha colega Leah Weiss, que era professora no centro de tratamento para veteranos em Palo Alto. Um dos participantes, na casa dos 40 anos, disse que, de todas as coisas que havia aprendido no curso de treinamento de compaixão oferecido no centro, a contemplação de nossa aspiração comum à felicidade foi a mais útil de imediato. Ele contou que vinha lutando com sentimentos de raiva havia longo tempo e passara por todo tipo de terapia e tratamento, mas o curso lhe dera uma ferramenta valiosa que o ajudou em seu processo de cura. Sua raiva surgia sobretudo quando ele percebia alguma injustiça, como alguém furando a fila no supermercado ou roubando uma vaga no estacionamento. Quando isso acontecia, ele tinha acessos de fúria. Chegou mesmo a agredir pessoas em algumas ocasiões. Graças ao treinamento de compaixão, disse, agora usa a contemplação “Assim como eu, ele também deseja ser feliz e evitar o sofrimento” como um mantra para se acalmar e, quando se irrita por causa de algo que alguém fez, repete para si mesmo “Assim como eu... assim como eu...”; isso o ajuda a se acalmar. Uma professora do ensino médio e instrutora certificada de TCC descreveu uma revelação que teve sobre uma pessoa difícil no trabalho (os grifos são meus): Na mesma época em que eu dava aula no TCC, estava passando por uma situação muito desafiadora e desmoralizante no trabalho. Nos últimos quatro anos, eu vinha usando com sucesso a atenção plena diariamente, tanto sozinha quanto com meus alunos. No entanto, essa prática diária não foi suficiente para me ajudar a lidar com um processo de avaliação muito antagonista e agressivo realizado pela minha diretora. Acredito de verdade que, se não estivesse envolvida com o TCC na época, é provável que tivesse me transferido para outra escola ou abandonado a profissão de vez. As observações semanais feitas por essa diretora resultaram em críticas injustificáveis às minhas práticas em sala de aula. Nossas reuniões pós-avaliação sempre pareciam cair no dia de minhas aulas de TCC. Sou eternamente grata por isso. Não apenas recebi um precioso apoio e a compaixão de meus colegas e alunos como também entendi rapidamente que o comportamento da diretora era apenas uma expressão trágica de uma necessidade não atendida. Assim, em vez de me colocar no papel de vítima, aprendi a sentir compaixão por aquela mulher todos os dias. Ela era minha “pessoa difícil” e eu sabia que no fundo ela estava simplesmente tentando ser feliz e amada. Isso transformou minha experiência geral com ela. Pude passar a aproveitar suas sugestões razoáveis para melhorar minha prática de ensino e ignorar todas as críticas amargas.

Cultivando a apreciação pelos outros

Depois de abraçar nossa humanidade partilhada no TCC, passamos a contemplar como estamos profundamente interconectados. Os participantes então refletem sobre como nossas vidas e as de incontáveis outras pessoas estão entrelaçadas numa rede de relações que sustenta e promove o bem-estar de seus membros. Embora a cultura contemporânea promova o individualismo, a independência e a autoconfiança, a realidade de nossa vida hoje é tal que somos seres completamente sociais, interdependentes e contamos com os outros. Tomemos, por exemplo, as várias necessidades da vida – as coisas de que precisamos para manter nossa vida e nossa saúde e florescer. Desde o alimento que comemos, das roupas que vestimos, da casa em que moramos, dos livros que gostamos de ler, das ideias que nos inspiram até os mais variados serviços que utilizamos todos os dias, dependemos das outras pessoas – para desfrutar de cada um desses confortos e da alegria que proporcionam... e para a própria sobrevivência. Como nos lembram os mestres tibetanos, mesmo para desfrutar da fama precisamos que os outros falem de nós. Tente traçar a rede das pessoas envolvidas em fazer com que uma camiseta chegue à sua loja local; não será capaz de contar todas. Os agricultores que produziram o algodão, os animais que podem ter ajudado a semear o campo, os trabalhadores da indústria têxtil, as pessoas que ajudaram a vender o produto e, finalmente, os vendedores da loja onde a compramos. Teríamos que incluir também os agricultores que plantaram o alimento que serviu de almoço para os produtores de algodão, as pessoas que perfuraram o poço de petróleo que fornece o combustível para o maquinário da fazenda, as pessoas no navio que trouxeram a camiseta de onde ela foi feita, as que a tiraram do navio e a colocaram no depósito, os entregadores que levaram a camiseta à loja, e assim por diante. Ou pense nas pessoas que podem ter estado envolvidas em proporcionar o arroz que chega à nossa mesa. Depois de trabalhar nos campos do sul da Índia no começo da adolescência, sempre tento avaliar as dificuldades que lavradores passaram para produzir os alimentos e torná-los disponíveis para os outros. Ensino minhas filhas a terem consciência disso também. Arar, semear, cuidar e colher; o clima, pestes, etc. – o trabalho deles é tremendamente paciente, carregado de preocupações por todas as coisas que podem dar errado. Hoje, existe a maravilhosa técnica de análise do ciclo de vida, que avalia o impacto ambiental de um único produto – como o livro ou o leitor eletrônico que você tem nas mãos. A análise leva em conta as fases da produção do produto, da extração da matéria-prima à fabricação das peças, da mão de obra envolvida em partes diferentes do mundo ao transporte. É uma ferramenta poderosa para nos ajudar a apreciar a natureza interconectada dos objetos do cotidiano, de smartphones a nossos jeans favoritos, e podemos usá-la para contemplar nossa dependência em relação aos outros. Quando investigamos essa realidade totalmente interconectada que é nossa existência, percebemos que não há nada que seja parte de nossa vida, de nossa existência, de nosso bem-estar e mesmo de nossa identidade que não dependa de outros. Essa interconectividade entre os outros e eu se estende à nossa própria identidade. Mesmo o mais estimado objeto de nossos pensamentos – o senso de “eu” – depende da presença de outros. “Eu” só pode ser definido em relação a “você” e “eles”. Sem os outros, o pensamento de “eu” simplesmente não surgiria. Na verdade, notei que leva um bom tempo para um bebê aprender a

usar pronomes na primeira pessoa, como “eu”, “mim” e “meu”. Quando temos filhos, sabemos disso de forma intuitiva e dizemos coisas como “Dá para o papai?”, “A mamãe vai fazer isso”, “Mamãe está triste”, e assim por diante, usando a terceira pessoa para nos referir a nós mesmos. A criança faz a mesma coisa. Quando minhas filhas estavam aprendendo a falar, referiam-se a si mesmas na terceira pessoa ou tiravam o sujeito da frase (“Dá isso!”). Cientistas que estudam o desenvolvimento infantil explicam que a identidade dos bebês está fundida com a de sua mãe, e apenas com o tempo eles adquirem uma identidade autônoma, como indivíduos separados. Nas classes do TCC, conduzimos os participantes através de uma meditação guiada focada em apreciar os outros dessa forma.

Exercício: Apreciando os outros Ao contemplar as várias maneiras pelas quais você se beneficia das contribuições de inúmeras pessoas, inclusive de estranhos, reconheça que é a presença dos outros que torna sua vida possível. É a presença deles que dá significado à sua existência, e são as realizações deles que contribuem para o seu bem-estar. Agora permita que seu coração se abra para que uma sensação de apreciação e gratidão possa começar a surgir em você. Permaneça nesse estado e deixe que ele permeie todo o seu ser. Depois contemple este pensamento: “Assim como me sinto feliz quando outros me desejam o bem e me sinto tocado quando demonstram preocupação por minha dor e meu sofrimento, todos eles sentem a mesma coisa. Portanto, devo me rejubilar com a felicidade dos outros e me preocupar com sua dor e seu sofrimento.” Mais uma vez, lembrando o profundo reconhecimento de que os outros aspiram à felicidade e procuram evitar o sofrimento do mesmo jeito que você, abra seu coração para desfrutar da felicidade dos outros e se conectar com a dor deles. Agora, depois de ter trazido à mente o reconhecimento fundamental de que, como você, todos aspiram à felicidade e desejam evitar o sofrimento, e de ter refletido sobre a natureza profundamente interconectada da relação entre você e os outros, deixe seu coração ser permeado por esse sentimento de conexão com os outros.

Expandindo nosso círculo de preocupação Agora vamos expandir nosso círculo de preocupação para incluir não apenas nós mesmos e nossos entes queridos imediatos, mas também um grupo muito maior de pessoas. Ao fazermos isso, nos livramos do que Albert Einstein chamou de “ilusão de ótica da consciência” – a sensação de estarmos separados dos outros e do universo. Aprendemos a transcender nossa tendência tribal de nos relacionar com os outros em termos de “nós” e “eles”, quem faz parte do grupo e quem não faz. Einstein, por exemplo, comparava essa sensação de separação a uma prisão que nos restringe a “nossos desejos pessoais e à afeição a poucas pessoas próximas”. E nossa tarefa, dizia ele, “deve ser nos libertarmos dessa prisão, ampliando nosso círculo de compaixão para acolher todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua beleza”. A seguir apresento uma meditação para nos guiar na expansão do nosso círculo de compaixão.

Exercício: Expandindo nosso círculo de preocupação

Depois de atingir um estado de relaxamento físico e mental, traga sua atenção ao momento presente observando sua respiração. Repouse na única realidade que existe neste momento, o presente. Deixe sua mente repousar simplesmente na consciência do ritmo suave da respiração. Agora pense numa época em que você experimentou grandes dificuldades e sofrimentos. Perceba como se sente ao pensar nessa experiência... E então, com sentimentos de ternura, calor e cuidado em relação a você mesmo, repita silenciosamente estas frases: Que eu seja livre do sofrimento. Que eu experimente paz e alegria. Depois, com um sólido reconhecimento de que a aspiração à felicidade genuína é parte essencial de seu ser, repita em silêncio as seguintes frases: Que eu seja feliz. Que eu seja livre do sofrimento. Que eu encontre paz e alegria. Com todo o seu coração, permaneça com essas aspirações por um tempo, de vinte a trinta segundos. Agora visualize alguém por quem você tem grande afeição. Perceba a ternura e o calor que isso deve trazer a seu coração e como você se sente. Então pense numa época em que essa pessoa estava passando por dificuldades e perceba como experimenta uma sensação de preocupação com base num sentimento de ternura por esse ente querido. Perceba como se sente em relação à dor dele. Você pode chegar a ter um impulso de procurá-lo e ajudá-lo. Com esses sentimentos, recite estas frases em silêncio: Que você seja feliz. Que você seja livre do sofrimento. Que você encontre paz e alegria. Repetindo-as silenciosamente, permaneça com os sentimentos trazidos por essas frases. Agora pense em alguém de quem não gosta nem desgosta, alguém que você encontra com frequência, mas com quem não tem nenhum contato específico – alguém do trabalho, da academia ou do supermercado. Reflita sobre como essa pessoa, da mesma forma que você, é importante na vida de alguém. Assim como você, está em busca de amor e felicidade. Assim como você, tem sonhos, aspirações, esperanças e medos. Então reflita: “Assim como eu, ela aspira à felicidade e deseja superar o sofrimento.” Agora visualize essa pessoa enfrentando o sofrimento, enredada num conflito com um ente querido, lutando contra um vício ou passando por profunda tristeza ou depressão. Permita que seu coração sinta ternura e preocupação por essa pessoa... Se possível, permita que seu coração chegue a sentir o impulso de fazer algo a respeito. Com esses sentimentos, repita em silêncio: Que você fique livre desse sofrimento. Que você experimente paz e alegria. Que você fique livre desse sofrimento. Que você experimente paz e alegria. Agora contemple este pensamento: “Na verdade, todos neste planeta, não apenas eu e aqueles com quem me preocupo, partilham a mesma aspiração fundamental à felicidade e o mesmo desejo de superar o sofrimento. Assim como eu, todo mundo deseja estar livre da dor, do medo e do pesar. Assim como eu, todos buscam satisfazer essa aspiração básica à

felicidade e à libertação do sofrimento.” Permaneça um tempo com esse pensamento. Agora, enchendo o coração com o desejo de que todos os seres sejam livres do sofrimento, repita estas frases em silêncio: Que todos os seres sejam livres do sofrimento. Que todos os seres sejam livres da dor e do pesar. Que todos os seres sejam livres do medo e da ansiedade. Que todos os seres experimentem paz e alegria. Você pode até mesmo incluir em sua compaixão aquelas pessoas que considera difíceis. Pense em como todos os seres, cada um deles, continuam a ser afligidos pela dor, pelo pesar e pelo medo, apesar de aspirarem à paz e à felicidade. Deixe seu coração sentir: Como eu desejo que todos sejam livres do medo e do pesar! Infundindo em sua mente esse sentimento de compaixão, permita que ele preencha seu coração. Fique nesse estado por um tempo, ouvindo o belo silêncio interior.

Essa contemplação pode se tornar uma prática diária de meditação. Você pode gravar a si mesmo lendo o texto ou encontrar uma versão já gravada na voz de alguém que considere calmante. Recomendo fazer isso de manhã cedo ou em qualquer hora calma. Dependendo de como gravar o texto – com pausas maiores ou menores –, essa meditação diária tanto pode durar de 10 a 15 minutos como de 30 a 45.

Preparando o coração para uma compaixão mais ativa Uma das práticas finais de nosso curso é o que chamamos de meditação ativa da compaixão. Trata-se de uma adaptação da conhecida prática tibetana chamada de tonglen, que literalmente quer dizer “dar e receber” e envolve retirar mentalmente os sofrimentos, infortúnios e outros estados mentais destrutivos dos outros, ao mesmo tempo oferecendo-lhes nossa própria felicidade, nossa boa sorte e nossas qualidades mentais positivas. Chamamos isso de meditação ativa da compaixão no TCC porque, nessa prática, nos preparamos para efetivamente agir a partir de nossa preocupação compassiva pelos outros. Na prática tradicional tibetana, ela é com frequência sincronizada com a respiração. Ao inspirar, nos visualizamos retirando dos outros sua dor, seu sofrimento e suas causas, muitas vezes imaginando-os como correntes de nuvens escuras ou fumaça entrando em nosso corpo para se dissolver na luz. Ao expirar, nos visualizamos enviando nossa felicidade e nossa boa sorte aos outros. Tonglen é uma prática que podemos aplicar tanto a uma situação própria como a uma situação alheia. Quando ficamos doentes ou sofremos infortúnios, como problemas financeiros, podemos usar essa meditação. Utilizando frases como “Que meu sofrimento sirva para poupar outros de passar por problemas semelhantes”, imaginamos que estamos tomando para nós a mesma doença ou infortúnio que aflige muitas outras pessoas naquele exato momento. A ideia é usar a oportunidade apresentada pela universalidade do sofrimento para nos conectarmos com outros. O flautista tibetano Nawang Khechog certa vez sofreu um terrível acidente de carro

quando ia visitar seu pai no Assentamento Tibetano Orissa, no leste da Índia. Era véspera do ano-novo tibetano, e Nawang viajava com um motorista, seu filho e sua sobrinha. O carro foi atingido por um caminhão, matando o motorista na hora e ferindo gravemente a sobrinha, que morreu mais tarde no hospital. Embora seu filho tenha sofrido ferimentos leves, Nawang teve ferimentos graves e precisou passar muitos meses no hospital, enfrentando múltiplas cirurgias. Ele me disse que foi sua prática tonglen que o manteve firme nas primeiras semanas, quando estava com muita dor e sentia medo por não saber se sobreviveria. Na cama, passava horas pensando em outras pessoas que também estavam sofrendo devido a ferimentos físicos, traumas emocionais ou medo. Ele respirava. Ao inspirar, trazia para si o sofrimento deles e, ao expirar, dirigia a eles sua compaixão e a preocupação por seu bem-estar. (Nawang se recuperou completamente do acidente e conseguiu retomar a carreira como flautista.) Podemos também usar essa prática quando alguém que amamos está sofrendo. Visualizamos que estamos levando embora sua doença ou seu infortúnio e lhe enviando nosso amor e nossa compaixão, desejando-lhe que encontre alívio. Se, por exemplo, estiver ao lado da cama de um ente querido seu que está à beira da morte, você pode silenciosamente imaginar que retira sua dor e lhe envia ondas de luz que o envolvem em afeição e bondade, trazendo-lhe coragem e paz. Fazer tonglen dessa maneira permite que você esteja plenamente presente para a pessoa que ama, mantendo o foco de seus pensamentos e emoções na melhor forma de ajudá-la em vez de se ocupar com seu próprio medo do que a morte dela pode significar para você. Trata-se de um poderoso método para nos conectarmos com o sofrimento e sermos corajosos para enfrentá-lo. Um dos participantes do TCC, um capelão de hospital de 64 anos, contou a seguinte história sobre a prática de tonglen: Era um pedido do pronto-socorro. Precisavam de um capelão porque os paramédicos estavam trazendo uma criança de 2 anos que tinha sofrido um afogamento. Senti meu peito apertar por já conhecer a magnitude desse tipo de situação – a tarefa é mais difícil para todos os envolvidos quando se trata de uma criança. Orei enquanto me apressava. Fui informado de que na verdade eram duas crianças, irmãos, que os médicos estavam tentando reanimar, mas as coisas não pareciam nada boas. E de que a mãe estava lá... Senti todo o meu corpo se enrijecer quando vi a jovem mãe curvada, soluçando do fundo do coração. Assim começou uma série de encontros que personificavam o sofrimento humano: dos médicos que não conseguiram ressuscitar as crianças aos muitos familiares que chegavam a diferentes intervalos para ouvir a notícia inimaginável. Todos estavam cientes da tragédia e seus efeitos eram palpáveis: permeavam a atmosfera como uma nuvem escura. Senti-me oprimido, como se fosse desmoronar sob o peso do sofrimento e de minha tarefa. O que eu podia oferecer? Era como se eu não pudesse achar uma direção para o sofrimento e estivesse ficando entorpecido. Então me lembrei da técnica de “dar e receber” (tonglen) que aprendera em minha aula no TCC. Meu primeiro pensamento foi: “Agora não é hora disso! Há muita coisa acontecendo!” Mas estava desesperado à procura de uma saída. Então inspirei o sofrimento como se

fosse uma nuvem escura e expirei uma luz dourada de meu coração para o quarto e todos que encontrava. Todo um novo nível de integração surgiu. Eu podia me abrir para a experiência do sofrimento e encontrei algo necessário e precioso para me manter firme. O sofrimento tornava-se mais fluido a cada respiração e me inundava, e assim comecei a me soltar. Passei a sentir que tinha me impedido de cair na armadilha do sofrimento experimentando a liberdade de me envolver ativamente nele. Foi uma bênção, e me sinto profundamente grato por ela. Para algumas pessoas, a ideia de conscientemente tomar para si o sofrimento dos outros – mesmo que só na imaginação – pode parecer excessiva. Shantideva, autor budista do século VIII, fez a mesma pergunta: “Já que a compaixão traz ainda mais sofrimento, por que procurar produzi-la deliberadamente?” Em resposta a isso, ele chama nossa atenção para a diferença psicológica entre a experiência de nosso sofrimento e a aflição da compaixão por alguém. Ao contrário de nosso sofrimento, a dor ocasionada pela compaixão é voluntária. Temos uma escolha, e escolhemos não nos desconectar da dor do outro. Shantideva compara isso a situações de doença nas quais, para prevenir problemas mais sérios, nos dispomos a suportar dificuldades. Nós vamos ao dentista. Escolhemos passar por uma cirurgia eletiva... Além disso, a preocupação compassiva pela situação de alguém é um estado mental fundamentalmente empoderado, que nos inclina a estender a mão ao outro. E sempre vale a pena repetir: ao sentir a dor do outro, nós saímos de nós mesmos. Isso já é um alívio de nosso próprio sofrimento. Apesar disso, até mesmo a tradição tibetana reconhece que fazer a prática tonglen de forma correta desde o início pode ser um desafio. Por isso podemos desenvolvê-la de modo gradual. Começamos dirigindo a prática a nosso próprio eu futuro, tomando para nós a dor, o medo e o pesar e enviando amor-bondade, compaixão e qualquer sentimento positivo que estejamos experimentando no momento. Podemos imaginar, por exemplo, que dirigimos a prática a nosso eu de amanhã, do mês que vem, do ano que vem, da próxima década, e assim por diante. Depois de nos acostumarmos com a técnica, mudamos o foco e fazemos a prática pensando em alguém com quem nos preocupamos. E, quando já estivermos confortáveis com isso, gradualmente expandimos o foco para incluir nosso círculo familiar, nossos amigos e assim por diante. A seguir está um exemplo de uma meditação tonglen guiada – mas é possível adaptá-la para si mesmo.

Exercício: Preparando o coração (tonglen) Primeiro, aquiete a mente com três a cinco respirações profundas. Então escolha um foco para esta meditação. Pode ser um ente querido, sobretudo alguém que esteja atravessando um momento difícil, ou, por exemplo, um grupo de pessoas desalojadas de seus lares pela guerra, lutando para sobreviver num campo de refugiados. Agora contemple: “Assim como eu, eles também desejam superar o sofrimento.” Com base nesse reconhecimento, faça surgir uma sensação de preocupação pelo bem-estar deles e deseje que fiquem livres da dor, do medo e do pesar. Com esse desejo compassivo, imagine a dor, o medo e o pesar deles saindo de seus corpos na forma de nuvens escuras que chegam até você... Ao inspirar, elas se dissipam num círculo radiante de luz em seu coração, onde são completamente extintas. Imagine que, ao retirar deles o sofrimento, eles se tornam livres da dor, do medo e do pesar.

À medida que foca neles, reforce o pensamento: “Assim como eu, eles também aspiram à felicidade.” Com base nesse reconhecimento, faça surgir o desejo de que encontrem paz e alegria. Enquanto cultiva esses pensamentos delicados em relação a eles, expire e imagine que está enviando nuvens brancas e raios de luz de seu coração, tocando-os, levando-lhes sua compaixão, suas alegrias, sua boa sorte e tudo que há de bom em você. Imagine que eles encontram paz, força e felicidade. Repita essa prática, absorvendo dor, medo e pesar e enviando paz, alegria e segurança. Agora veja se consegue fazer isso numa escala maior. Se você acabou de fazer tonglen por um ente querido que está atravessando um momento difícil, estenda-o a muitos outros que possam estar em situação semelhante. Absorva... e envie. Você pode até direcionar a prática a indivíduos que considera difíceis, aqueles que lhe desejam mal e o trataram de forma injusta. Contemple que eles também, assim como você, não desejam sofrer – querem apenas paz e felicidade. Por fim, se seu coração se sentir grande o suficiente, estenda a meditação a todos os seres. Imagine tirar a dor, o medo e o pesar de todos eles e lhes enviar amor-bondade e compaixão. Permaneça em silêncio com esse pensamento por um momento.

Essa é uma bela prática espiritual – na minha opinião, uma das bênçãos mais preciosas da tradição tibetana. É também uma prática que pode ser adotada por todos – tanto aqueles de crenças diferentes quanto ateus – e realizável em qualquer lugar e a qualquer hora. A única coisa de que você precisa é sua presença plena – para fazer isso, você precisa estar presente. Cuide da situação à mão, esteja ao lado de quem sofre e inspire; quando expirar, envie amor-bondade e compaixão. Inspire, expire. Isso é tudo.

PARTE III

Um novo modo de ser

9 Maior bem-estar COMO A COMPAIXÃO NOS TORNA SAUDÁVEIS E FORTES Se acreditarmos que a natureza humana é predominantemente orientada para a bondade, podemos considerar a ética um meio inteiramente natural e racional para alcançar nossos potenciais inatos. – O DALAI LAMA

Até que estenda seu círculo de compaixão a todas as coisas vivas, o homem não vai encontrar a paz. – ALBERT SCHWEITZER (1875-1965)

C

omo nossa prática da compaixão se relaciona com a nova ciência do bem-estar? Será que o treinamento de cultivo da compaixão ajuda a promover o que os pesquisadores hoje reconhecem como as dimensões centrais de nosso funcionamento psicológico? Em uma série de estudos, a psicóloga americana Carol Ryff propôs um novo modo de encarar o conceito de bem-estar. Antigamente, os pesquisadores se concentravam principalmente em fazer distinções entre emoções positivas e negativas e avaliar a satisfação geral com a vida. A premissa era que emoções positivas somadas à satisfação com a vida resultam em felicidade – inclusive em bem-estar psicológico. Ryff, porém, comparou essa visão dominante com algumas perspectivas alternativas e desenvolveu um modelo integrado baseado em seis “características essenciais do funcionamento psicológico positivo”: autoaceitação, relacionamento positivo com as outras pessoas, autonomia, domínio do ambiente, propósito de vida e crescimento pessoal. Em seguida, ela criou uma escala abrangente para avaliar cada uma dessas dimensões. Hoje a nova ciência do bem-estar adota o modelo de Ryff. Autoaceitação significa ter uma atitude positiva em relação a nós mesmos, algo que cada vez mais é reconhecido como um importante fator de saúde mental. Aqueles que têm pontuação alta nesse quesito são capazes de aceitar os diversos aspectos bons e ruins de sua individualidade e no geral têm sentimentos positivos a respeito do passado. O relacionamento positivo com as outras pessoas pertence à categoria das conexões sociais – ter relações interpessoais calorosas e confiáveis em nossa vida. Aqueles com pontuação alta nesse item são capazes de estabelecer forte ligação empática com os outros, inclusive sentimentos de afeição e intimidade, e se preocupam com o bem-estar dos outros. Autonomia envolve qualidades como autodeterminação, independência e a regulação de nosso comportamento a partir de dentro e não por meio de limitações externas. Pessoas autônomas resistem às pressões sociais para pensar ou agir de certa maneira e avaliam a si mesmas segundo padrões pessoais em vez de buscar a aprovação dos outros. O domínio do ambiente é um tipo de competência, a capacidade de “controlar uma gama

complexa de atividades, fazendo uso eficaz das oportunidades... e escolher ou criar contextos apropriados a necessidades e valores pessoais”. Maior propósito de vida significa ter metas, um senso de direção e crenças que dão sentido à vida. Por fim, a dimensão do crescimento pessoal é o fato de percebermos se estamos sempre crescendo em termos psicológicos e emocionais ou não. Pessoas com alta pontuação em crescimento pessoal são abertas a novas experiências, se comprometem com a realização de seu pleno potencial e notam o aperfeiçoamento de si mesmas com o passar do tempo.

Treinamento da compaixão para o bem-estar psicológico Como já vimos, não há autoaceitação sem autocompaixão (e vice-versa). Em nosso treinamento de cultivo da compaixão, consideramos a autoaceitação, junto da bondade em relação a nós mesmos, uma dimensão da autocompaixão. Através do treinamento aprendemos a aceitar – sem julgamentos – todo o pacote de nossa realidade – nossas vulnerabilidades e fraquezas, assim como nossos pontos fortes, nossa boa sorte ou azar – e a nos perdoar por nossos erros e falhas. A vasta maioria dos participantes do TCC descobre que estabelecer um relacionamento desse tipo consigo e com a vida traz um alívio profundo. Dá uma sensação de tranquilidade, de conforto com a pessoa que somos, o que é uma tremenda libertação dos modos odiosos e punitivos como tratamos a nós mesmos. Não é incomum as pessoas irem às lágrimas nessa aula. E esse sentimento em relação a nós mesmos também tende a melhorar nossas interações com os outros. Na verdade, o treinamento de compaixão contribui para um relacionamento mais positivo com outras pessoas, pois nos tornamos gratos pelas pessoas mais importantes em nossa vida ao lhes desejarmos felicidade e libertação do sofrimento. Familiares de veteranos de guerra que participaram de um curso intensivo de seis semanas como parte de seu tratamento de transtorno de estresse pós-traumático sentiram os efeitos. As esposas, em particular, nos disseram como o treinamento de compaixão melhorou sua qualidade de vida doméstica. Os veteranos passaram a voltar do curso com maior sensibilidade aos sentimentos e às necessidades de suas companheiras e com uma capacidade renovada de se relacionar com os entes queridos. E expandir nosso círculo de preocupação também leva a um relacionamento mais positivo com os outros. Um médico de meia-idade decidiu fazer o curso porque havia perdido a paixão pelo trabalho. Como resultado do curso, contou ele, a forma como recebia, ouvia e interagia com seus pacientes mudou. Certa vez, uma senhora idosa lhe perguntou se estava “apaixonado ou algo parecido”, porque estava “tão diferente, tão feliz”. O “ou algo parecido”, disse ele na classe, era uma conexão muito mais forte com os pacientes e o fato de voltar a estar feliz com seu trabalho. Ele também falou com seus instrutores no TCC sobre oferecer um curso para os funcionários do seu hospital, já que o efeito tinha sido tão poderoso. A influência do treinamento de cultivo da compaixão na autonomia, a terceira dimensão do bem-estar psicológico, pode ser menos direta. Ainda assim, tornar a autocompaixão parte de nossa intenção consciente e de nosso sistema básico de motivação nos proporciona uma bússola interior na qual podemos confiar – princípios para embasar nossas atitudes e guiar nossos

pensamentos, sentimentos e comportamentos, em vez de sermos levados pelos caprichos dos outros e normas sociais. O domínio do ambiente se relaciona essencialmente com nossa sensação de controle. Claro que ficar obcecado demais com controlar tudo mais atrapalha do que contribui para nosso bemestar, pois muitos aspectos da vida estão fora de nossa esfera de controle pessoal. No entanto, pesquisas demonstram cada vez mais que algum grau de controle é essencial para nossa saúde psicológica. Um experimento simples conduzido com idosos de uma casa de repouso encontrou uma correlação impressionante entre longevidade e controle. Pesquisadores deram a cada um dos residentes uma planta doméstica. Um grupo tinha a responsabilidade pelo cuidado das plantas e outro foi informado de que os funcionários cuidariam das plantas para eles. Os pesquisadores descobriram que, cerca de seis meses depois, o dobro de idosos no grupo de baixa responsabilidade havia falecido – 30 por cento, em comparação com 15 por cento do grupo que tinha responsabilidade. Pode-se considerar esse experimento uma metáfora da prática da compaixão: precisamos assumir a responsabilidade de tomar conta de nós mesmos, dos outros e do mundo no qual vivemos. Como vimos no Capítulo 1, a compaixão fortalece nosso senso de propósito de vida, e há evidências sugerindo que um maior propósito está correlacionado com saúde física e longevidade. Em primeiro lugar, matricular-se em nosso curso já é um propósito em si mesmo. E então, à medida que nossa prática e nossa sensação de conexão vão se aprofundando, aprendemos a sentir alegria ao levar benefícios aos outros. Vemos que nossa existência importa, e isso nos inspira a fazer de tudo para tornar nossa existência o mais significativa possível. Por fim, o treinamento da compaixão tem tudo a ver com crescimento pessoal, a sexta dimensão do bem-estar psicológico. Um esforço consciente para transformar nossa perspectiva de vida e mudar o modo como nos relacionamos com nós mesmos e com os outros seres humanos – ou seja, estarmos envolvidos num processo consciente e comprometido de crescimento – necessariamente é algo que faz com que nos vejamos como seres em constante aperfeiçoamento. Não há dúvida de que se as seis dimensões de Ryff capturam as características essenciais de nosso bem-estar psicológico, o cultivo da compaixão pode ser um método poderoso para promovê-lo em toda a sua multifacetada complexidade.

Uma mente compassiva é uma mente resiliente Talvez o maior benefício do treinamento de compaixão para a saúde mental seja o fato de nos tornarmos mais resilientes. Pesquisadores da resiliência, tanto no campo do desenvolvimento infantil quanto no de estudos sobre viúvos lidando com a perda do cônjuge, identificaram dois aspectos críticos. O primeiro é a chamada ego-resiliência, definida como “a capacidade de superar, atravessar e se recuperar das adversidades”, e o segundo é a resistência, ou a capacidade de ver as dificuldades como desafios, não ameaças, de se comprometer em vez de se sentir alienado por elas, de ter uma sensação de controle, não de impotência.

Estudos longitudinais demonstraram que crianças que têm alta pontuação em resiliência são “confiantes, perceptivas, perspicazes e capazes de estabelecer relacionamentos calorosos e abertos com os outros”. Em contraste, crianças com “ego frágil exibem problemas comportamentais, sintomas depressivos e altos níveis de uso de drogas na adolescência”. Estudos também mostraram que uma maior ego-resiliência está associada a uma recuperação cardiovascular mais rápida em adultos que passaram por um teste de estresse induzido em laboratório. O Dalai Lama costuma contar a história marcante de um monge tibetano que era membro do mosteiro pessoal de Sua Santidade. Como não conseguiu fugir para a Índia em 1959 com o Dalai Lama, Lopon-la ficou para trás em Lhasa. No entanto, veio a Revolução Cultural Chinesa e ele foi enviado para um campo de trabalhos forçados no Tibete, onde permaneceu por 18 anos. No começo dos anos 1980, durante um período de relaxamento político no Tibete, Lopon-la conseguiu ser libertado e seguir para a Índia, onde se reintegrou ao mosteiro Namgyal. Como era um dos membros mais velhos do mosteiro, ele ocasionalmente passava algum tempo com o Dalai Lama. Durante uma conversa casual, conta o Dalai Lama, Lopon-la observou que enfrentou graves perigos em uma ou duas ocasiões durante o período em que esteve na prisão. Achando que o outro falava sobre algum tipo de ameaça à sua vida, o Dalai Lama perguntou que tipo de perigo ele havia enfrentado. A isso o monge respondeu: “O perigo de perder a compaixão pelos chineses.” Esse é o maior exemplo de resiliência. Lopon-la sabia que fisicamente não havia muito a fazer para mudar sua situação. Sua rotina diária estava nas mãos de outros. Mas ele sabia que tinha o controle de sua mente. Apesar de todos os percalços da prisão, Lopon-la se manteve firme em suas práticas espirituais, inclusive a geração de compaixão por todos os seres, até mesmo aqueles que lhe faziam mal. Ele experimentou sentimentos de preocupação pelo modo como a ignorância e as circunstâncias haviam levado os chineses a fazer coisas que, no fim das contas, eram nocivas até a eles mesmos. De um ponto de vista convencional, as preocupações de Lopon-la com a perda da compaixão pelos chineses podem parecer tolas ou mesmo autodestrutivas. Mas seu compromisso com esse sentimento o ajudou a manter a sanidade e não ceder à amargura nem ao desespero. Encontrei Lopon-la em diversas ocasiões. É um monge alto e magro, de porte delicado. Exceto por uma ligeira corcunda, possível consequência de ter carregado tantos sacos de terra nas costas, ele parece ter saído de sua experiência são e salvo. Em minha vida, costumo usar as palavras um tanto estoicas de Shantideva: Se algo pode ser feito a respeito, qual é a necessidade de abatimento? E, se nada pode ser feito, para que se abater? Passei a me referir a esse trecho como o “princípio da falta de necessidade e de utilidade” de Shantideva. Tenho consciência de que muitos dos problemas que enfrentamos durante a vida são complexos demais para serem divididos entre “solúveis” e “insolúveis”. Com frequência, a

resolução de nossos problemas depende da cooperação e da boa vontade de outras pessoas. Mesmo assim, podemos fazer muitas coisas para atrair a ajuda de que precisamos. De qualquer maneira, tento fazer o melhor que posso e sigo em frente. A preocupação constante e o fato de carregarmos o problema nas costas – na verdade, na cabeça – é que tornam as coisas tão estressantes. É isso que nos derruba. Quando é óbvio que não há nada que possamos fazer numa dada situação, precisamos ter a sabedoria de aceitar essa realidade e nos desapegar. A mesma sabedoria é ecoada pela conhecida prece de serenidade da tradição cristã: Deus, dê-me a graça de aceitar com serenidade as coisas que não posso mudar, a coragem para mudar aquelas que devem ser mudadas e a sabedoria para distinguir umas das outras. Sou sensível às palavras de Shantideva porque, em meus primeiros anos monásticos, tive a oportunidade de memorizar seu famoso O Caminho do Bodhisattva. Esse clássico espiritual em verso é a visão do autor de toda a jornada de alguém que, de acordo com os ditames do altruísmo, leva uma vida dedicada ao bem-estar de todos os seres. Parte de meu afeto nasceu pela forma como memorizei o texto. Foi em 1973, no sul da Índia, onde o pequeno mosteiro do qual eu era membro se mudou para um assentamento agrícola tibetano perto da cidade de Hunsur. Como parte de um experimento de agricultura cooperativa, semeamos os campos. Quando a safra começou a maturar, no final do verão, tivemos que protegê-los contra os pássaros, e o mosteiro delegou essa tarefa a nós, os monges jovens. Foi assim, andando para lá e para cá pelos campos de sorgo, de vez em quando fazendo ruídos para afastar os pássaros, que memorizei o texto de Shantideva. Até hoje encontro conforto espiritual nesse livro e ainda recito com felicidade alguns versos importantes de cor. Uma das razões pelas quais a compaixão contribui para aumentar nossa resiliência é o fato de nos ensinar a ver a nós mesmos no contexto dos relacionamentos com os outros, não em isolamento. Quando desenvolvemos um conceito de nós mesmos apenas segundo os nossos interesses, ficamos presos à visão estreita de nossas preocupações pessoais, à mercê de ciclos de esperança e medo. A preocupação excessiva conosco torna nossas mentes frágeis e hipersensíveis à menor coisa que possa ser percebida como uma ameaça. Os treinadores tibetanos da mente sugerem que isso equivale a carregar um grande alvo nas costas. Quanto mais excessiva a preocupação conosco, maior nossa vulnerabilidade a sentimentos de fraqueza e mágoa. Por outro lado, um estado de mente compassivo é necessariamente menos preocupado consigo, mais relaxado, menos inibido. Não é exagero dizer que é nossa conexão com os outros o que nos torna livres. Quando o ego é resiliente, não há necessidade de erguer muros e colocar máscaras para nos proteger. Podemos parar de nos esconder e apenas ser. É verdade que às vezes pessoas muito bondosas se magoam e não se recuperam com facilidade. Talvez sejam mais

sensíveis ao sofrimento dos outros e focadas em excesso no bem-estar alheio. É útil lembrar a distinção entre empatia e compaixão. A empatia é muito importante para dar origem à compaixão, mas ficar encalhado na zona de empatia (ou de ressonância emocional) pode ser exaustivo e levar a sentimentos de impotência e esgotamento. A compaixão, ao contrário, é um estado mais poderoso, no qual empenhamos nossa energia em desejar aos outros que se livrem do sofrimento e procuramos fazer algo a respeito. O que precisamos, ao menos para nós, almas comuns, é de um equilíbrio saudável entre nossa preocupação conosco e com os outros. Assim não caímos em nenhum dos extremos.

Treinamento de compaixão e regulação emocional Um estudo sobre os efeitos do TCC descobriu um forte impacto na regulação emocional, tema que vem sendo objeto de várias pesquisas científicas. Trata-se de um fator importante para a saúde física e mental, o funcionamento social e o desempenho no trabalho. Problemas nessa área foram associados a infelicidade, preocupação excessiva e aumento do estresse. Na verdade, a regulação emocional é algo que fazemos de forma natural. Emoções positivas e negativas surgem em nossas vidas, e temos que descobrir como lidar com elas. Pioneiro nesse campo, James Gross define a regulação emocional como um “processo pelo qual indivíduos influenciam quais emoções irão ter, quando e como vão experimentar ou expressar essas emoções”. As estratégias típicas incluem a supressão da expressão de nossas emoções – por exemplo, manter a face impassível e não demonstrar quando ficamos magoados –, a reavaliação da situação emocional para dar-lhe um significado mais positivo, a distração com atividades positivas ou neutras – como no proverbial “esfriar a cabeça” – e o distanciamento, uma forma de supressão emocional que nos distancia de nossos sentimentos. (Suprimir deliberadamente nossas emoções é uma forma de negação. É algo bem diferente do distanciamento com aceitação e metaconsciência em atenção plena.) Dessas estratégias, a supressão foi “associada ao aumento de sintomas relacionados ao estresse, de emoções negativas, da depressão e da ansiedade, assim como à diminuição dos afetos positivos e da satisfação geral com a vida”. É claro que nem todas as expressões de emoção são saudáveis ou úteis. Lembre-se do veterano que expressava emoção através da raiva, atacando pessoas verbal e até fisicamente. Em vez de suprimir a emoção ou deixá-la tomar o controle, o segredo é a regulação. Para avaliar o efeito do treinamento de cultivo da compaixão na regulação emocional, pesquisadores de Stanford usaram o Questionário de Regulação Emocional, destinado a avaliar com que frequência as pessoas usam as duas principais estratégias para a regulação emocional: a reavaliação cognitiva e a supressão expressiva. Eles descobriram que a diminuição no hábito de suprimir as emoções estava significativamente correlacionada com a intensidade das práticas de compaixão que os participantes realizavam como parte de sua lição de casa. Isso não é surpresa, uma vez que o TCC nos encoraja a vivenciar o sofrimento de forma consciente, a desenvolver expressões abertas de preocupação e a cultivar o amor-bondade – o oposto da supressão emocional.

A regulação emocional, com certeza, tem um lado interativo – e não apenas na forma como nossa expressão ou supressão de sentimentos afeta os outros. Como somos criaturas sociais, naturalmente nos voltamos para os demais em busca de ajuda na regulação das nossas emoções. Quando estamos passando por dificuldades, buscamos por instinto o conforto dos outros, sobretudo das pessoas que amamos. Não há nada como um abraço para nos acalmar, um ouvido atento para desabafarmos nossas frustrações, um sorriso para nos tranquilizar quando estamos ansiosos. Ao aprofundar nossa relação com os outros e criar ligações cada vez mais seguras, especialmente através da prática da autocompaixão, o TCC tem o potencial de mudar nosso método habitual de regulação emocional. Devo admitir que o abraço é uma área na qual eu, como ex-monge tibetano casado com uma franco-canadense, tive que passar por um treinamento básico. Segundo a tradição do Tibete, os pais são fisicamente próximos e muito afetuosos com os filhos, que dormem com eles à noite e com frequência são carregados nas costas da mãe durante o dia. No entanto, depois de uma certa idade – geralmente, na pré-adolescência –, o abraço deixa de ser um costume. As pessoas se abraçam apenas em ocasiões especiais – quando alguém está muito triste, indo embora ou retornando de uma longa separação, por exemplo. Como fui monge durante muito tempo no começo da vida, o contato físico era particularmente limitado, então desenvolvi uma reticência instintiva quando se tratava de abraçar alguém. Não tive problemas com isso quando era solteiro e morava em Cambridge. Os ingleses, em geral, são muito desajeitados quando se trata de abraçar, como pude notar. No entanto, quando minha futura mulher Sophie entrou em minha vida, as coisas tiveram que mudar. Ela uma vez comprou um livro chamado O pequeno livro dos abraços e o deixou no banheiro. Até que foi muito útil.

Estabelecendo as fundações da ética pessoal Quando incluímos a compaixão em nosso sistema básico de motivação, estabelecemos fundações sólidas para sustentar nossos valores e nossa ética pessoal. A maioria dos cientistas do comportamento humano concorda num ponto: gostemos disso ou não, nós somos criaturas morais. Não surpreende que, como seres racionais e emocionais, sejamos também morais, constantemente avaliando o mundo à nossa volta e ajustando nossas reações de acordo com nossos valores, atitudes e metas. A forma como fazemos essas avaliações e as considerações que julgamos relevantes para determiná-las é o que chamo aqui de ética. Como somos animais sociais, nosso bem-estar está ligado ao dos outros. Sem eles não chegamos muito longe em nosso impulso fundamental de buscar a felicidade e aliviar o sofrimento. Nossa ética nos guia a manter um equilíbrio entre nossa busca do bem-estar e nossa responsabilidade com o bem-estar dos outros – nossos irmãos que partilham conosco a aspiração básica à felicidade e têm o mesmo direito de procurar sua realização. A ética é o que nos ajuda a negociar o universo moral que compartilhamos. Não surpreende, portanto, que alguma forma da Regra de Ouro (“Não faça aos outros o que não quer que façam a você”) esteja no cerne de todos os sistemas éticos importantes – religiosos ou seculares. No pensamento budista, por exemplo,

um ato ético é definido como aquele que envolve a abstenção de causar algum mal aos outros ou se distanciar das fontes desse mal. E a gravidade do comportamento antiético é determinada de acordo com o grau do dano causado – sendo o mais grave tirar a vida de alguém. No lado oposto, tomar a iniciativa de fazer o bem tem um valor ético maior do que simplesmente evitar o mal, e as ações altruístas são mais valorizadas. No pensamento budista falamos da ética da contenção, da ética da virtude e da ética do altruísmo. As pesquisas científicas atuais sobre a evolução da moralidade sugerem que culturas, línguas e etnias diferentes partilham as mesmas bases morais. Alguns argumentam que isso se estende a nossos primos primatas não humanos. O próprio Darwin parece ter defendido uma versão desse ponto de vista. Alguns pensadores que adotam a ideia da moralidade humana como algo natural sugerem que os seres humanos possuem uma espécie de “gramática moral” inata, similar à teoria da gramática universal proposta pelo renomado linguista Noam Chomsky. Assim como essa “gramática inata” – nossa capacidade congênita de aprender uma língua, que se expressa de modo diferente segundo a exposição a comunidades linguísticas específicas –, nossa “gramática moral” natural se manifesta de acordo com as comunidades sociais e culturais nas quais fomos criados. Assim, cada um de nós adquire um conjunto de valores, perspectivas e atitudes da sociedade onde cresceu. Essa é nossa ética pessoal. No passado, muitas sociedades eram mais homogêneas do que hoje, sobretudo em relação a etnia, religião e linguagem. Como resultado disso, mais pessoas partilhavam os mesmos valores dentro de uma dada sociedade. Com a secularização e a exposição à pluralidade de sistemas de valores – duas consequências importantes da modernidade –, há pouco para sustentar os costumes numa dada sociedade, a não ser a adesão às leis da terra. Quando se trata de moralidade, somos deixados por nossa própria conta para descobrir como nos relacionar com os outros e o mundo. A questão para nosso contexto secular e pluralista é: onde estabelecer as fundações de nossa ética? No meu caso, minha mulher e eu concordamos que criaríamos nossas filhas segundo o sistema de valores budista. Nosso ponto de vista sobre isso era bastante simples. Crianças absorvem todos os tipos de atitudes e valores através de uma gama de influências – pais, escola, colegas e a sociedade como um todo, sobretudo a mídia –, e cada uma delas exerce algum impacto sobre seu caráter moral. Dada essa complexa realidade contemporânea, é importante que pais eduquem bem os filhos, tentando transmitir a eles seus valores espirituais e éticos mais caros. Isso é especialmente importante durante os primeiros anos, quando os pais são a principal fonte de referência para os filhos. A compaixão pode tanto ser a fundação quanto o princípio organizador de nosso lar moral, trazendo clareza à nossa perspectiva. Ela nos ajuda a estabelecer prioridades e decidir entre valores conflitantes, fornecendo um critério simples para determinar o que realmente importa quando somos confrontados com um desafio ético. Quando a compaixão é nosso valor fundamental, é a preocupação com o bem-estar dos outros que nos motiva: nossas ações são guiadas pela intenção de ajudar os outros e a visão da felicidade alheia é suficiente para nos trazer alegria. A compaixão é parte da disposição inata que os humanos compartilham. Se nós a abraçarmos

e a alimentarmos, ela pode oferecer uma base universal para a ética que nos define a todos como seres morais. O Dalai Lama, por exemplo, tem dedicado uma grande parte de seus esforços a promover exatamente a mensagem de que a compaixão pode ser a fundação de uma “ética secular universal”. Sua Santidade faz uma defesa poderosa dessa perspectiva, sobretudo em seu livro Uma ética para o novo milênio e em sua sequência, Além da religião. A premissa central do argumento do Dalai Lama é que, embora valores humanos essenciais como compaixão, amorbondade, perdão e senso de responsabilidade possam ser promovidos pela religião, em si mesmos eles são independentes de qualquer fé religiosa. Trata-se de valores universais fundamentalmente enraizados em nossa condição humana: nossa necessidade de conexão com os outros, nossa aspiração à felicidade e nosso desejo instintivo de evitar o sofrimento. Esses valores são expressões de nossa natureza empática essencial. Por isso a compaixão – definida como uma preocupação com o bem-estar dos outros – mantém a promessa de servir como fundação de nossa ética partilhada, sem necessidade de recorrermos a qualquer credo religioso ou metafísico. O cultivo da compaixão, portanto, também pode ter enormes implicações sociais e mundiais. Imagine como seria o mundo se cada um de nós assumisse a compaixão como o princípio organizador da vida...

10 Mais coragem, menos estresse, maior liberdade TRANSFORMANDO A COMPAIXÃO EM NOSSA POSTURA BÁSICA A excelência moral é resultante do hábito... Nós nos tornamos justos realizando ações justas, moderados realizando ações moderadas e corajosos realizando ações corajosas. – ARISTÓTELES (ÉTICA A NICÔMACO, LIVRO 2)

Mantenha suas ações positivas, porque suas ações se tornam seus hábitos. Mantenha seus hábitos positivos, porque seus hábitos se tornam seus valores. Mantenha seus valores positivos, porque seus valores se tornam seu destino. – GANDHI (1869-1948)

S

erá que podemos fazer da compaixão e do altruísmo um hábito ao estabelecer (e restabelecer e tornar a restabelecer) nossa intenção de fazê-lo e praticar (e praticar e praticar)? Será que treinar nosso coração e nossa mente é suficiente para transformar a compaixão num processo inconsciente e automático – um “pensamento rápido”, como se costuma dizer – e para que passemos a reagir à vida dessa maneira? Será que a compaixão pode se tornar algo mais do que sensações fugazes – uma maneira de ser e estar no mundo? Em seu influente livro Rápido e devagar: duas formas de pensar, o economista e psicólogo Daniel Kahneman tornou famosos dois sistemas diferentes de formação de pensamentos em nosso cérebro. O que ele chama de sistema rápido está associado principalmente a nossas emoções e tende a ser automático, operando abaixo da superfície da consciência. O sistema lento, por outro lado, envolve uma atitude consciente e racional, fruto de algum esforço. Tendemos a deixar as decisões cotidianas a cargo do sistema rápido. Do ponto de vista evolutivo, isso faz todo o sentido. O pensamento automático nos permite processar informações com maior rapidez, facilitando uma reação mais eficiente às situações que surgem. Esse sistema consegue ser tão rápido porque associa as informações novas a padrões preexistentes de pensamento, sentimento e comportamento, em vez de precisar criar respostas novas para cada nova situação. Em outras palavras, o pensamento rápido reutiliza padrões internalizados que já provaram ser úteis no passado. Assim, não temos que reinventar a roda. Aplicando essa teoria, Kahneman revolucionou nossa compreensão de como fazemos julgamentos e tomamos decisões, oferecendo nesse processo um relato admirável de nossos maiores preconceitos. Nas pegadas do livro de Kahneman, O poder do hábito, do jornalista Charles Duhigg, trouxe ao conhecimento popular descobertas importantes da ciência sobre como nossos hábitos se

formam e motivam o comportamento humano. Duhigg relata como funciona o chamado pensamento rápido de Kahneman. Trata-se do processo pelo qual nosso “cérebro converte uma sequência de ações numa rotina automática”. Acredita-se que essa seja a raiz dos hábitos. Esse fenômeno neurológico tem uma função evolutiva crucial, já que nosso cérebro está constantemente buscando meios de economizar energia. Quando um hábito surge, o cérebro para de se preocupar com aquela tarefa em particular e conserva energia para outros assuntos. Duhigg resume assim a mensagem central de seu livro: “Em algum ponto, todos decidimos de forma consciente quanto comer, em que empregar a concentração quando chegamos ao trabalho, com que frequência tomar um drinque ou sair para correr. Depois paramos de escolher e o comportamento se torna automático. É uma consequência natural da neurobiologia. E, ao entender como isso acontece, podemos reconstruir esses padrões da forma que quisermos.” À luz dos conhecimentos de psicologia e neurociência disponíveis hoje, a resposta às perguntas no começo do capítulo devem ser “sim”. A tradição budista, particularmente, sempre defendeu o valor transformador das práticas destinadas ao cultivo da compaixão. Se aprendemos algo com a neurociência contemporânea é que nosso cérebro é altamente maleável à mudança em resposta a novas experiências. Não apenas novas conexões sinápticas se formam, mas novos neurônios são criados através de nossa interação com o ambiente. Esse processo é chamado de neurogênese, e a capacidade de nosso cérebro de se adaptar durante a vida é conhecida como neuroplasticidade. Novas descobertas sugerem inclusive efeitos epigenéticos no cérebro – ou seja, mudanças genéticas resultantes da influência ambiental, como resultado das experiências –, que se tornam duradouros e, em alguns casos, podem ser transmitidos a nossos descendentes.

A compaixão no cotidiano Quando fazemos da compaixão um hábito cotidiano através de sua prática regular, vivemos com mais coragem, menos estresse e maior liberdade. Com o tempo, automaticamente passamos a ver nós mesmos e o mundo como elementos interconectados. Nossa reação básica em relação aos outros será considerá-los companheiros humanos, não fontes de antagonismo e ameaça. Nossos novos hábitos vão nos libertar dos antigos, do autojulgamento, da preocupação em relação a nós mesmos e da autoproteção. Nossas relações, desde as interações casuais com estranhos até os vínculos íntimos com familiares e amigos, serão permeadas por uma sensação de abertura e bondade enraizada na compreensão de nossa condição humana fundamental – na forma das necessidades, vulnerabilidades e da aspiração básica à felicidade que todos partilhamos. Reagiremos habitualmente com compaixão ao sofrimento e à necessidade de todas as pessoas, sem preconceitos. Mesmo quando se tratar de alguém difícil, que nos causa problemas, não perderemos de vista o básico: assim como eu, ele é um ser humano que aspira à felicidade e não deseja sofrer. Esses pensamentos terão entrado em nosso sistema rápido. Nossas ações vão refletir nosso conhecimento profundo, em nível celular, do impacto que temos nos outros. Nosso hábito de bondade será reforçado sempre pela alegria que ver os outros felizes nos traz. Nossa nova normalidade será a vontade de ajudar. Vamos personificar a compaixão em vez de só a

admirarmos como um ideal. Aprenderemos a vivê-la em nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Tornar a compaixão um hábito vai transformar nossa vida. Ser compassivo não nos torna tímidos nem tolerantes com a injustiça. Na verdade, em nível social, uma resposta verdadeiramente compassiva à injustiça deriva de um sentido de profunda indignação moral – uma forma construtiva de raiva. Foi a indignação moral que estimulou Mahatma Gandhi a liderar o povo indiano para a liberdade do jugo colonial britânico, levou Abraham Lincoln à sua campanha contra a escravidão, fez Rosa Parks desafiar corajosamente a segregação nos ônibus em uma fria manhã de inverno em Montgomery, Alabama, e moveu Nelson Mandela a liderar uma campanha de uma vida inteira contra o apartheid. Graças ao sentimento de indignação moral e à coragem deles, nosso mundo é hoje um lugar melhor. O que mantém a coragem impressionante da jovem ativista paquistanesa Malala Yousafzai é sua indignação moral contra a proibição do Talibã de oferecer educação às meninas. E na raiz de toda indignação moral está uma preocupação profunda com o bem-estar dos outros, sobretudo os fracos e oprimidos.

Uma teoria de transformação pessoal A psicologia budista clássica reconhece o papel fundamental do hábito na transformação pessoal, e a prática tradicional da compaixão reflete essa compreensão. A palavra em sânscrito para meditação, bhavana, conota “cultivo”, enquanto sua equivalente tibetana, gom, carrega a noção de desenvolvimento da “familiaridade”. Através da repetição ao longo do tempo, internalizamos e incorporamos uma certa maneira de ver, sentir e estar no mundo. Mesmo tarefas que de início exigem um deliberado esforço consciente, mais cedo ou mais tarde, se tornam fáceis, espontâneas e familiares. Em essência, é isso que acontece quando nos tornamos especialistas em algo. Sabemos por experiência pessoal que, com a prática, coisas que de início pareciam difíceis podem se tornar fáceis. Quando aprendemos a andar de bicicleta, é muito difícil manter o equilíbrio e pedalar sobre duas rodas estreitas em movimento! Eu tive dificuldade ainda maior para aprender a dirigir. Na época, já tinha 30 e poucos anos. Como morava em uma pequena cidade fora de Cambridge, precisava desesperadamente saber dirigir para me locomover. Quando era monge, na Índia, não tinha aprendido a guiar nada mais desafiador que uma bicicleta, e a sensação de estar no comando de algo movido por um motor era completamente nova e muito assustadora. Aprendi a dirigir com câmbio manual, e o instrutor martelava seu mantra – retrovisor, seta e manobra – literalmente a cada curva. A atenção consciente necessária para cada detalhe – checar os retrovisores, não esquecer de dar seta, passar a marcha apertando a embreagem no momento certo – exigia esforço constante. Eu sabia que, a certa altura, dirigir se tornaria algo fácil, mas na época era impossível imaginar como isso poderia acontecer. Não passei em meu primeiro exame, o que me deixou um pouco abalado, porque eu realmente queria aprender a dirigir. Hoje em dia é difícil imaginar que dirigir fosse tão difícil assim! A psicologia cognitiva moderna distingue entre conhecimento declarativo e processual. O

primeiro tem a ver com saber algo sobre algum assunto, enquanto o segundo tem a ver com saber como fazer alguma coisa – o que só se desenvolve através da prática real da tarefa. Em termos amplos, poderíamos dizer que o conhecimento declarativo é cognitivo e tem a ver com fatos, enquanto o processual é o conhecimento personificado. Saber dirigir é um conhecimento processual, enquanto a consciência de que um motor turbo dá mais aceleração é declarativo. No treinamento da compaixão, não visamos apenas a aprender sobre esses assuntos, mas – o mais importante – que a compaixão e o altruísmo se tornem um conhecimento personificado e parte de nosso caráter. A psicologia budista tem uma teoria sobre como isso acontece em três níveis de compreensão. O primeiro é entendimento derivado de ouvir, em cujo estado nossa compreensão permanece primariamente verbal, ligada a palavras e carregada de suposições. Nesse estágio, nosso conhecimento não é nada mais que uma presunção não informada. No entanto, quando continuamos a contemplar esse nível, chegamos ao segundo, chamado conhecimento derivado da reflexão crítica. Nesse estágio, nosso conhecimento se torna intelectualmente rigoroso, integrado a nosso corpo maior de conhecimento e apoiado pela convicção. Finalmente, chegamos ao nível do conhecimento derivado da experiência meditativa, que resulta de um longo processo de internalização de nosso conhecimento a ponto de ele se tornar parte de nossa paisagem mental básica. É nesse estágio final que nosso conhecimento se torna fácil, integrado e experiencial. O que era anteriormente conhecimento cognitivo deliberado se transforma em conhecimento espontâneo corporificado. Podemos estudar, digamos, a natureza interdependente das coisas, um conceito-chave do budismo: a ideia de que tudo passa à existência como consequência de causas e condições múltiplas, e que toda ação ou acontecimento tem efeitos ao longo do tempo e do espaço. De início, nossa compreensão nasce de leituras e ensinamentos. Será necessariamente superficial. No entanto, ao refletir sobre esse conceito, analisá-lo e relacioná-lo à nossa própria experiência, mais cedo ou mais tarde, surge em nós uma convicção mais profunda. Passamos a aplicar essa nova consciência ao cotidiano e assim nos tornamos menos rígidos e categóricos em nossos julgamentos. Aprendemos a lidar com situações adversas com um maior grau de tolerância e compostura e percebemos seus efeitos. Agora, para causar um impacto radical em nossa psique e em nosso comportamento, devemos integrar esse conhecimento no próprio tecido de nossa disposição mental. Acredita-se que chegar a esse terceiro nível de conhecimento só é possível com a internalização dessa percepção através de um processo repetitivo e disciplinado de reflexão interna – em outras palavras, meditação. Podemos aplicar o mesmo modelo à compaixão. Um texto budista antigo compara os primeiros estágios de aprendizado da compaixão global a provar a casca da cana-de-açúcar, enquanto a compaixão avançada, assimilada à experiência, seria como comer a coisa real, o açúcar da cana. No primeiro estágio, nossa compaixão por todas as coisas ainda demanda esforço, é mais imaginada e imitada. Com a contemplação e a prática, ela fica mais fácil, surgindo de forma espontânea em resposta às necessidades dos outros, sem qualquer pensamento deliberado de nossa parte.

Ver, sentir e agir Como vimos, a relação entre percepção, experiência e ação é complexa, cíclica e bidirecional. Ou seja, nossas emoções dão forma aos nossos pensamentos e ao nosso comportamento, enquanto nosso comportamento remodela nossa vida emocional e ao mesmo tempo dá forma às nossas percepções e atitudes. Essas dinâmicas ficam particularmente evidentes na psicologia do desejo, dos anseios e do comportamento compulsivo. No pensamento budista, o primeiro elo na cadeia é descrito como contato – ou seja, entrar em contato com a coisa, o que dá existência a uma experiência que se manifesta de modo prazeroso ou não. Essa resposta afetiva ou emocional passa então a definir nossa memória da coisa. Assim, na próxima vez que entramos em contato com ela, mesmo antes de experimentá-la, já começamos a fantasiar, fazendo a coisa parecer muito mais importante e atraente para nós do que antes. Esse tipo de envolvimento com o objeto leva ao anseio, ao desejo de possuir aquilo que não temos, a acreditar que, de alguma forma, isso vai nos trazer alívio ou felicidade. Deixado sem controle, o anseio assume vida própria, e automática e repetidamente recorremos ao objeto de nosso desejo, o que leva a mais anseios. Para o bem ou para o mal, muitas de nossas perspectivas do mundo – percepções, pensamentos, atitudes e valores – são moldadas por nosso ambiente, sobretudo a família e a cultura em que crescemos. A ciência cognitiva diz que mesmo nosso aparato perceptivo básico, que consideramos tão fundamental e neutro, é influenciado por nossa criação. A história humana é repleta de exemplos de como atitudes sociais distorcem a percepção das pessoas – que é considerada universal e verdadeira. Muitas pessoas no Ocidente pré-moderno, por exemplo – inclusive cristãos devotos – não viam nada de mais na escravidão. Dessa forma, preconceitos sociais criam pontos cegos que precisamos estar fora da caixinha para reconhecer. Na Índia, alguns hindus ortodoxos ainda enxergam os dalits, os chamados intocáveis, como intrinsecamente inferiores e evitam qualquer contato direto com eles. Muitos fundamentalistas islâmicos veem os não fiéis, ou kafirs, como impuros e indignos de respeito e preocupação. Na cultura tibetana, fiquei surpreso ao descobrir o preconceito que há em certas regiões do centro do Tibete contra aqueles que vêm de famílias de açougueiros e ferreiros. Vi com meus olhos como isso se manifesta na prática. O pequeno mosteiro do qual eu era membro na adolescência fazia parte de um assentamento tibetano no sul da Índia, cerca de 45 quilômetros a oeste de Mysore. Durante uma festa da colheita, uma tenda foi levantada no cruzamento entre as ruas que ficava no centro do campo. Lá dentro, numa mesa, havia dois potes, um grande e outro pequeno, cheios de milhete fermentado embebido em água. Tratava-se da cerveja caseira chamada chang, que se bebia com canudinhos. Depois vim a descobrir que o pote pequeno era destinado àqueles poucos que eram considerados de classe “inferior” – os parentes de açougueiros e ferreiros. A boa notícia é que, não importa quão profundamente enraizados esses preconceitos possam estar, sempre podemos mudá-los. O Dalai Lama cita com frequência seu falecido amigo Carl von Weizsäcker, um conhecido físico quântico alemão, que disse que, quando era jovem, os franceses eram o inimigo aos olhos de todos os alemães e vice-versa. Mas no final do século XX isso já tinha mudado completamente, e Alemanha e França se tornaram os dois maiores aliados

na União Europeia. A ciência contemporânea também nos diz que podemos substituir uma velha visão de mundo por novos modos de enxergá-lo, e velhos hábitos por novos. É disso, em essência, que trata a educação – e o treinamento da compaixão: aprender a ver, sentir e ser de uma maneira nova, mais próxima do melhor que podemos ser. Uma parte importante desse processo de transformação, na verdade, é, de certa forma, desaprender padrões habituais que não são construtivos para o nosso bem-estar ou o dos outros. Alguns desses padrões podem ter raízes no começo da infância, o que os torna menos flexíveis. Mas, mesmo assim, acredito que práticas duradouras de compaixão podem criar uma mudança real. Acredito porque vi. Um instrutor veterano do TCC me contou uma história comovente de transformação pessoal. Aos 69 anos, Susan passara a maior parte da vida adulta deprimida. Sua mãe estava clinicamente deprimida quando ela nasceu e raramente a pegava no colo quando era bebê. Durante a infância, sua vida foi moldada pela depressão da mãe. Com o tempo, ela aprendeu a colocar um muro separando-a do trauma da juventude. Mas tudo isso mudou quando ela participou de um treinamento de cultivo da compaixão de oito semanas. A partir do meio do curso, ela dizia se sentir mais feliz do que nunca e que seus amigos achavam que ela parecia uma pessoa diferente. Aparentemente, essa mudança continuou à medida que Susan encarava o sofrimento – dela e de sua mãe – e compreendia como isso a conectava com toda a humanidade. Ela sempre amara a música, mas não achava que merecesse essa alegria. Por causa de sua experiência no curso, não apenas a retomou como participou de um concurso e ganhou uma bolsa para estudar música no verão. Estava surpresa e vibrante e queria que seu instrutor de compaixão soubesse. Mesmo sulcos psicológicos profundamente arraigados podem ser desfeitos e substituídos por hábitos mais construtivos. É interessante – muitas histórias de transformação pessoal, como a de Susan, mostram como uma mudança que parece pequena em uma área dá início a uma cascata de outras mudanças.

Uma mudança de ponto de vista pode transformar nossa forma de sentir Como já vimos, existe uma percepção clara tanto da psicologia budista quanto da ciência cognitiva contemporânea: há uma conexão íntima entre nossas percepções e emoções. Do ponto de vista budista, os sentimentos permeiam todos os acontecimentos cognitivos, mesmo aqueles aparentemente neutros, como resolver palavras cruzadas. A ciência cognitiva contemporânea também sugere que, ao dar forma à nossa maneira de enxergar nós mesmos e o mundo, remodelamos o modo como experimentamos nós mesmos e o mundo. Igualmente, ao mudar a forma como nos sentimos em relação a nós mesmos, aos outros e ao mundo, remodelamos a percepção de nós mesmos, dos outros e do mundo em que vivemos. Às vezes, o impacto de uma percepção sobre nossos sentimentos pode ser instantâneo. Experimentei isso de forma poderosa quando tinha 15 anos. Dos 8 aos 11 anos, eu vivi no internato de refugiados em Shimla. Uma cuidadora de lá, por alguma razão, me maltratava. Ela e o marido tomavam conta de trinta crianças num dos dormitórios dos meninos da escola. Admito

que eu era muito precoce e um tanto arrogante, mas nada podia justificar o jeito como ela tratava alguns de nós. Quando tomávamos banho aos domingos no banheiro comunal, ela escolhia uns poucos de nós para ensaboar primeiro, nos esfregava de modo grosseiro com casca de coco seco e nos fazia esperar no fim da fila para nos enxaguar. Não era permitido tirar o sabão antes, e tínhamos que esperar, com os olhos ardendo. Num inverno, durante as férias, quando minha mãe já tinha morrido e meu pai estava muito doente, tive que ficar na escola com as crianças que eram órfãs ou cujos pais eram pobres demais para pagar os custos da viagem. Passei o inverno inteiro em Shimla usando apenas sandálias. Ela me disse que eu já havia usado o par de sapatos destinados para mim naquele ano. Foi quando aprendi que quando os pés estão frios é extremamente difícil manter o corpo aquecido. Depois que deixei a escola, aos 11 anos, para entrar no mosteiro, costumava imaginar como reagiria se algum dia me encontrasse de novo cara a cara com aquela mulher. Então aconteceu. Eu tinha 15 anos e já ouvira muitas histórias sobre as dificuldades enfrentadas pelos refugiados tibetanos durante sua fuga para a Índia. Eu a vi carregando um feixe de lenha nas costas, com uma pá em cima, descendo a rua no calor escaldante de um verão no sul da Índia. Ela e sua família moravam no mesmo assentamento para onde meu mosteiro tinha se mudado. Ela parecia pequena, suada, as dificuldades marcadas em sua testa pelas rugas profundas. Quando a avistei, em vez de ressentimento, senti pena por sua dor. Percebi que, apesar de ter sido maltratado por ela, minha pouca idade havia me poupado das memórias dolorosas que essa mulher carregava, de ter deixado tudo para trás: a pátria, o lar e o mundo como o conhecia. Lá estava ela, no norte da Índia, tomando conta de mais de trinta meninos, nenhum das quais era filho dela. Ao ser confrontada com tanto trabalho, era inteiramente humano reagir com aspereza às crianças que eram desafiadoras ou arrogantes. Talvez não houvesse nada de pessoal no jeito como me tratava e só calhou de eu ser o gatilho que infelizmente trouxe à tona seu lado mais desagradável. Quando voltei a encontrá-la, cerca de um mês depois, fui até ela e me apresentei. De início ela não me reconheceu, mas quando o fez disse: “Sim, você era muito amigo de minha filha na escola.” O simples reconhecimento de sua vulnerabilidade como um semelhante humano mudou por completo o modo como me sentia em relação a ela. A meta do treinamento da compaixão é simplesmente esta: temperar o coração e a mente de tal forma que instintivamente passemos a nos relacionar com nós mesmos e os outros mantendo a consciência de nossas necessidades e da vulnerabilidade essencial que une todos os seres humanos.

Um jeito de estar no mundo No budismo, existe o ideal do bodhisattva, uma pessoa que escolheu viver de acordo com o princípio da compaixão universal – uma preocupação indiferenciada pelo bem-estar de todos os seres. Isso é algo que sempre me inspirou. Como o bodhisattva vive esse ideal na prática? Ele faz um voto de viver dentro da estrutura das seis perfeições: generosidade, virtude ética, domínio de si, perseverança alegre, concentração e sabedoria. Embora o contexto deste livro seja secular, portanto, muito diferente, esses valores podem ser um guia útil para alguém que aspira a viver de

acordo com o princípio da compaixão, mesmo fora de qualquer religião. Não é nenhuma surpresa que o budismo clássico tenha escolhido a generosidade como a primeira tradução prática do princípio da compaixão. Também em outras grandes tradições espirituais do mundo, a virtude da generosidade, ou caridade (na cristandade), ou zakat (no Islã), é muito enaltecida como um meio de honrar a divindade. Hoje os pesquisadores do comportamento humano usam a doação como medida do altruísmo. O significado da generosidade, porém, não deve ficar confinado à doação caridosa de bens materiais. Oferecer atenção, tempo e suas habilidades como forma de contribuir para o bem-estar do outro também é um ato de generosidade, assim como oferecer aconselhamento espiritual, conforto psicológico, paz e uma sensação de segurança em geral. Os afortunados que possuem recursos materiais podem usar a doação como meio de expressar compaixão. O ponto é ser generoso não apenas na ação, mas também em espírito e coração. Textos budistas clássicos falam de três elementos que podemos doar: necessidades materiais, liberdade do medo – fazendo com que as pessoas se sintam seguras, por exemplo – e aconselhamento espiritual. Em termos contemporâneos, o primeiro se relaciona com a caridade convencional, enquanto o segundo incluiria grande parte do trabalho dos profissionais de saúde e dos bombeiros. Na terceira categoria estão o magistério e vários tipos de aconselhamento. A segunda das seis perfeições, a virtude ética, pode ser resumida neste princípio simples: Ajude outros se puder, e, se não, ao menos evite lhes fazer mal. Se levarmos isso a sério, precisamos ter consciência das consequências de nossas ações não só sobre os outros, mas sobre o meio ambiente. A ética não apenas está relacionada a atos de contenção como também inclui a virtude – o envolvimento consciente em ações boas e altruístas. A terceira, domínio de si, se refere a um modo particular de lidar com os acontecimentos, sobretudo aqueles que nos desafiam. Em vez de ceder à raiva, à hostilidade e à impaciência, escolhemos compreensão, bondade e paciência como a base de nossas reações. Segundo os textos budistas, existem três tipos de domínio de si: o primeiro, na forma de equanimidade em relação àqueles que nos fazem mal; o segundo, como a aceitação voluntária das dificuldades na busca de um propósito maior; e o terceiro, o que nasce de nossa compreensão da natureza mais profunda da realidade. Sabemos por experiência própria que quanto mais nos importamos com alguém, mais somos capazes de ter paciência com essa pessoa – que inclusive pode ser você mesmo. Todas as qualidades mentais relacionadas ao domínio de si – paciência, compreensão e perdão – são expressões de bondade e compaixão. A quarta perfeição é a perseverança alegre, que vai além do esforço inicial para manter a alegria e o entusiasmo em nossa busca do altruísmo. Essa virtude depende da persistência da motivação – em outras palavras, da determinação. Aqui diversos fatores são importantes. Um é estar convencido da nobreza da busca. Outro é estar preparado, reconhecendo que haverá desafios a serem enfrentados. Nos textos budistas, adotar uma atitude de perseverança alegre é algo comparado a vestir uma armadura para que nossa motivação e nossa determinação não sejam facilmente minadas por adversidades e obstáculos. De acordo com eles, quatro forças promovem esse valor na prática: profunda convicção da importância de nossa tarefa, firmeza na busca, alegria ou entusiasmo e capacidade de desapego – saber quando reduzir os esforços para

não ficarmos esgotados. A quinta dessas perfeições, a concentração, relaciona-se principalmente com a qualidade do foco e da atenção que dedicamos à tarefa que estamos desempenhando. Quanto mais atenção dirigimos à compaixão e ao altruísmo, menos vulneráveis às distrações nos tornamos – por exemplo, à ruminação autocentrada. Com a virtude da concentração, alcançamos um grau de controle sobre a mente que nos possibilita direcioná-la para as metas e buscas que valorizamos de verdade. Por fim, há a sabedoria, que nos permite aprofundar a compaixão e – o que é mais importante – nos ajuda a traduzi-la em ações que estão em sintonia com a realidade. Esse fator final, a sabedoria, é considerado tão crucial que é como o olho que nos permite enxergar os outros cinco. De fato, a união perfeita de sabedoria e compaixão é vista como o verdadeiro despertar do Buda. Independentemente de suas raízes tradicionais, o cultivo e a busca dessas seis virtudes oferece um quadro útil àqueles que levam a sério a compaixão como um modo de guiar nossa vida. Eu, por exemplo, lutando para viver de acordo com o ideal da compaixão em nosso mundo cada vez mais globalizado, competitivo e apressado, as considero muito úteis.

Do sentimento ao nosso modo de ser Ao longo destas páginas, repetidamente reconhecemos que somos criaturas empáticas por natureza e que temos a impressionante capacidade de nos conectarmos aos outros, de nos colocarmos em seu lugar e tentar penetrar sua mente. Diante das necessidades e do sofrimento, respondemos instintivamente com bondade, compreensão e cuidado. Não precisamos de religião nem de escola para nos ensinar isso. Cada um de nós, no fundo, anseia pela conexão com o outro. Ansiamos por sua afeição, sua validação e seu conforto. Mesmo nossa experiência de felicidade e sofrimento, que nos define como seres sencientes, é profundamente moldada por nossa relação com os outros. Esses são os fatos fundamentais de nossa condição humana. Dito isso, transformar a empatia e a compaixão nas forças que guiam nossa vida é claramente uma questão de escolha individual e também cultural. O modo como vemos nós mesmos e o mundo, nossas atitudes, os valores que estimamos e as ações que realizamos determinam se a compaixão está desempenhando um papel definidor em nossa vida. O treinamento da compaixão nos conecta com a parte mais bondosa de nossa natureza, mas, se ainda não desenvolvemos esse hábito, precisaremos de intenção, determinação e prática para torná-lo nossa postura básica e o princípio organizador da vida. Assim, a meta de cultivar a compaixão é tanto ambiciosa quanto radical. Trata-se de transformar nosso próprio ser e alterar profundamente o modo como nos comportamos no mundo. Essa é a verdadeira transformação espiritual.

11 O poder do uno O CAMINHO PARA UM MUNDO MAIS COMPASSIVO Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. – DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (ARTIGO 1)

Enquanto o espaço permanecer Enquanto os seres sencientes permanecerem Até lá, que eu também possa permanecer E ajudar a afastar as misérias do mundo. – SHANTIDEVA (SÉCULO VIII)

A

té aqui, examinamos a compaixão principalmente do ponto de vista individual. No entanto, “nenhum homem é uma ilha” e, como já vimos, o destino de cada um de nós está entrelaçado com o de todas as outras pessoas. Os sistemas social, político e econômico que mantêm a sociedade têm um impacto sobre nosso bem-estar e nossa vida cotidiana. Muitos de nós nos sentimos impotentes quando pensamos nos grandes problemas do mundo. Guerra, terrorismo, mudanças climáticas, destruição ambiental, pobreza e uma distância cada vez maior entre ricos e pobres – nossos problemas parecem tão enormes e complicados que mal conseguimos entendê-los, quanto mais resolvê-los. Mesmo se tivermos a intuição de que a compaixão poderia ajudar, ainda não temos ideia de como fazer isso funcionar. Sabemos, por exemplo, que cultivar a compaixão em relação à nossa família é algo que podemos fazer, mas não temos ideia de qual parte de nós pode criar, digamos, uma corporação mais compassiva. Neste capítulo final, vamos considerar como podemos desmembrar esses problemas de modo que se torne mais fácil lidar com eles e identificar, sempre que possível, o papel crucial que os indivíduos podem desempenhar para tornar o mundo um lugar mais compassivo. No final, não importa quão complexa, superpovoada ou confusa nossa sociedade possa parecer, ela ainda é formada por indivíduos como eu e você. Assim, a questão essencial para cada um de nós é: o que significa praticar a compaixão, não apenas em termos pessoais, mas também publicamente?

A compaixão no sistema de saúde É óbvio que o cuidado com a saúde é uma área em que a compaixão precisa se tornar uma

prioridade, particularmente na formação dos profissionais de atenção primária à saúde. Desde a comunicação com pacientes e suas famílias, sobretudo quando as notícias não são boas, à presença plena com cada um deles, incorporar o treinamento da compaixão na formação pode transformar a cultura dos hospitais. Essa medida também dotaria os profissionais de saúde das habilidades necessárias para lidar com o considerável impacto emocional que faz parte de seu trabalho diário. Muitos usam a supressão como uma estratégia para lidar com os sentimentos, mantendo-se “profissionalmente” distanciados. No entanto, como já vimos, reprimir as emoções não é bom para nós no longo prazo. Por outro lado, se ficarmos abertos e empáticos o tempo todo, isso pode nos deixar com a sensação de sobrecarga e esgotamento. Não importa quão mentalmente fortes possamos ser, há um limite para o que uma pessoa pode assimilar. Uma reação impensada também pode ser difícil da perspectiva do paciente, e eles e suas famílias precisam de profissionais de saúde que mantenham o autocontrole e lhes passem segurança, não alguém que pareça emocionalmente instável. Além disso, é preciso que médicos e enfermeiros se importem. Existe um equilíbrio ideal entre profissionalismo e cuidado? Sim! Por meio da compaixão, todo mundo pode aprender a estar plenamente envolvido com o sofrimento dos demais e mesmo assim não se deixar ficar emocionalmente exaurido. Com a compaixão, nossa reação empática é temperada pelo desejo de que o outro fique livre do sofrimento e nos sentimos energizados pelo impulso de fazer algo para melhorar a situação. Trata-se mesmo, como espero que já tenha ficado claro, de uma disposição mental de empoderamento. Para compreender as áreas do cérebro envolvidas na empatia e na compaixão, a pesquisadora Tania Singer buscou a ajuda do monge budista francês e escritor Matthieu Ricard, que se submeteu a uma série de sessões de ressonância magnética. Nessas sessões, pediram a ele que ficasse deliberadamente num estado de empatia induzida através da exposição a imagens de sofrimento e não passasse para a compaixão. Depois de um tempo, ele pôde seguir em frente e transformar esse sentimento em compaixão, desejando alívio para o objeto de sua preocupação. Matthieu-la, como costumam chamá-lo afetuosamente, relatou que passar da empatia à compaixão lhe pareceu libertador, uma espécie de alívio feliz. Por outro lado, disse ele, permanecer na empatia foi exaustivo. Desde então, Matthieu-la passou a defender com maior entusiasmo a ideia de que o que chamamos “fadiga da compaixão” deveria ser chamado na verdade de “fadiga da empatia”, pois a compaixão oferece uma saída. Já existem centros de cuidados à saúde que reconhecem o treinamento da compaixão como um componente essencial para a formação profissional e o autocuidado. Em San Diego, a Sharp HealthCare, uma grande empresa privada de saúde com aproximadamente 20 mil funcionários, oferece à equipe o TCC de Stanford desde 2011. Entre as pessoas que participaram do curso, os resultados preliminares mostram efeitos positivos significativos na satisfação com o trabalho, nas relações interpessoais e na autocompaixão. Na própria Universidade Stanford, a faculdade de medicina recentemente introduziu classes de TCC para alunos interessados. Da mesma forma, a professora zen Roshi Joan Halifax desenvolveu um curso sobre compaixão para médicos. Conhecido por seu acrônimo em inglês GRACE (gratidão, respeito, atenção, compaixão e inclusão), o programa é especialmente útil para médicos envolvidos no cuidado de pacientes

terminais. Quando se trata de terapias propriamente ditas, sem dúvida, encontraremos adaptações do treinamento de cultivo da compaixão para tratar outros transtornos, da prevenção às recidivas de depressão a abuso de drogas, estresse pós-traumático e fobia social. Como exemplos, podemos citar a terapia de compaixão criada por Paul Gilbert, que é voltada para pacientes que sofrem com vergonha excessiva e autocrítica negativa patológica. A terapia de aceitação e compromisso desenvolvida por Steven Hayes e colegas é outro exemplo, nesse caso incorporando aspectos da autocompaixão – como a aceitação sem julgamentos e uma atitude mais bondosa em relação a nós mesmos. Imagino que haverá outros métodos integrados em terapias cognitivas. Há ainda grande potencial para o treinamento de compaixão na área de aconselhamento familiar e no local de trabalho, no qual o envolvimento positivo com os outros depende de uma relação saudável com nós mesmos. Ao fim e ao cabo, o próprio éthos de nossos sistemas de cuidados à saúde precisa ter origem na compaixão. Independentemente de ser público, como no Canadá, ou privado, como nos Estados Unidos, o principal objetivo do sistema de saúde deve ser servir aos pacientes baseando-se na premissa de que as pessoas buscam esse serviço como uma necessidade básica e que, quando o fazem, na maioria dos casos estão também muito vulneráveis. Mesmo para as clínicas privadas, a compaixão é de interesse a longo prazo, pois promove um relacionamento mais positivo entre pacientes, médicos e enfermeiros. Trata-se de algo benéfico para a reputação das próprias instituições. No cuidado à saúde, a compaixão é boa para todos os investidores.

Revendo a educação dos filhos A educação também precisa de mais foco na compaixão. Neste mundo cada vez mais interconectado, a geração mais jovem precisa urgentemente aprender a se relacionar com os outros da perspectiva de nossa humanidade compartilhada. Se esperamos que nossos filhos mantenham a sanidade mental, a saúde e sejam felizes apesar do estresse da vida moderna, devemos dotá-los da capacidade de regulação cognitiva e emocional. Devemos ensiná-los a administrar a própria mente e cuidar do coração – deles e dos outros. É isso que o treinamento da compaixão promove. É encorajador saber que, graças a um maior respeito pela inteligência emocional disseminado depois da publicação do influente livro de Daniel Goleman Inteligência Emocional, muitas escolas nos Estados Unidos e na Europa já incluem o aprendizado social e emocional em seus currículos. Estudos têm demonstrado que ensinar as crianças a desenvolver uma regulação saudável das emoções as ajuda a aprender. Um experimento recente, com um programa de doze semanas de aplicação das técnicas da atenção plena numa escola pública para crianças em idade pré-escolar, encontrou efeitos significativos na função executiva, no autocontrole e no comportamento pró-social. Em Montreal, onde moro, há uma escola privada chamada École Buissonnière, onde minhas filhas cursaram a pré-escola e o início do ensino fundamental. Em 2008, essa escola iniciou um experimento ousado para testar se, em vez de esperar que o problema do bullying surja para só

depois reagir, uma abordagem proativa para ensinar às crianças certas habilidades ligadas ao autocontrole, à empatia e à resolução pacífica de conflitos poderia melhorar a cultura da escola. O programa, conhecido como Ma Classe, Zone de Paix (Minha classe, uma zona de paz), é criação de minha esposa, Sophie, que o desenvolveu, em parte, baseando-se nos princípios da comunicação não violenta. Crianças a partir de 5 anos são ensinadas a checar sua “temperatura emocional” em um “termômetro” – um quadro laminado com a imagem de um vulcão em erupção no topo, uma zona verde tranquilizadora de “calma alerta” no meio e uma zona gelada, “fria”, embaixo. Se, por exemplo, Thomas, de 6 anos, está com raiva e agitado, ele pode se identificar com o vulcão. Se estiver desinteressado e distante, está na zona fria. Se ficar preso a qualquer um desses extremos, não será capaz de se comunicar com seus colegas de forma construtiva, o que tornará difícil brincar com eles. Assim, Thomas e seus amigos aprendem exercícios para se acalmar, como respirar fundo e batucar suave e ritmicamente nos joelhos para apaziguar seus “sentimentos de vulcão”. Um dos exercícios favoritos é o “jardim secreto”. Cada criança traz uma imagem de um jardim calmo e seguro, onde podem se sentir protegidas, em paz e relaxadas. Thomas e seus amigos realizavam esse exercício fechando os olhos e fazendo algumas respirações profundas para sossegar. Então imaginavam a si mesmos nesse jardim, sentindo como seria estar lá. É tocante ouvir de alguns amigos de nossas filhas como, anos depois, já adolescentes, eles ainda vão para o jardim secreto quando precisam se acalmar. À medida que progride, Thomas vai expandindo seu repertório de palavras que se referem a emoções para lidar com um espectro mais amplo de sentimentos importantes – feliz, triste, com raiva, com medo, seguro, e assim por diante. Na pré-escola, as crianças combinam imagens de expressões faciais com o que estão sentindo. No segundo e no terceiro ano, a alfabetização emocional de Thomas já terá crescido, passando a incluir a capacidade de se dizer alegre, curioso, frustrado, com raiva, solitário, decepcionado, contente, preocupado, cauteloso, entusiasmado, surpreso, aliviado ou grato. Uma das funções mais poderosas do programa Zone de Paix envolve a conexão dos sentimentos pessoais com as necessidades universais básicas. Se Thomas estiver sentindo raiva e descontar em um colega, pode ser porque se sente excluído, o que viola sua necessidade de inclusão. Toda criança precisa de segurança, respeito, amizade, paz, escolha, espaço pessoal, descanso, brincadeiras e inclusão numa comunidade, ou sensação de pertencimento. Quando essas necessidades não são atendidas, as crianças se sentem ameaçadas, o que expressam através de emoções como raiva, frustração, tristeza ou medo. Como disse Marshall Rosenberg, fundador da comunicação não violenta: “Julgamento, crítica, diagnósticos e interpretações que fazemos dos outros são expressões alienadas de nossas necessidades.” Thomas e seus amigos aprendem sobre suas necessidades básicas e praticam essa consciência em tempo real. Você ficaria surpreso se visse como aprendem rápido! Eles se revezam dizendo “Preciso de X”, e fazem uma checagem se perguntando: “Todas as crianças precisam disso?” Se a resposta for não, então não se trata de uma necessidade real. Assim, coisas como iPads podem ser excluídas da lista com muita facilidade. Depois de aprenderem as sensações da raiva, da tristeza e do medo e conectarem esses sentimentos com necessidades fundamentais, comuns a todos, Thomas e seus

amigos estendem sua compreensão aos outros. Essa abordagem consciente da conexão com os sentimentos e as necessidades dos outros tendo por base seus próprios sentimentos e necessidades ajuda o pequeno Thomas a usar sua capacidade natural de empatia de forma construtiva. Um dos melhores resultados do programa, da perspectiva da escola, é a criação de um sistema mais eficiente de resolução de conflitos, no qual as próprias crianças se tornam os agentes e os adultos simplesmente facilitam o processo de troca. Cada criança explica o que a outra pode ter sentido e qual das suas necessidades básicas pode ter sido violada. Com frequência as crianças demoram apenas de um a três minutos para resolver os conflitos e fazer as pazes. Ao final do primeiro ano do experimento, falei com a diretora da escola em uma festa e agradeci-lhe por oferecer a minha mulher essa oportunidade. Ela disse: “Eu é que devo agradecer a você por compartilhar o tempo dela conosco. O impacto do programa tem sido palpável. Só este ano houve uma redução de cerca de cinquenta por cento nos problemas de disciplina que chegam à minha sala.” Agora, no sexto ano do programa, os professores relatam uma sensação muito maior de conexão e de comunidade entre eles. Quando eles se sentem ouvidos e valorizados por pares, estudantes, autoridades da escola e pais, isso afeta toda a cultura da escola, e os alunos só têm a ganhar. O Dalai Lama vem insistindo há mais de três décadas em que precisamos repensar o sistema educacional. Como ele nos lembra, a educação moderna tem raízes na Europa medieval, quando as instituições religiosas eram as maiores responsáveis pelo desenvolvimento moral. Hoje, em nossa sociedade secular, onde o papel público da igreja diminuiu muito, chegou a hora de nossas instituições de educação repensarem sua função. Devemos continuar a confinar a educação infantil ao desenvolvimento acadêmico? Ou devemos visar ao desenvolvimento pleno da criança – cérebro e coração? Devemos ensinar às nossas crianças as habilidades essenciais para florescerem num novo mundo caracterizado pela crescente proximidade de pessoas, culturas e religiões obtida graças à economia global e às tecnologias da informação? Devemos ensinar valores humanos fundamentais – a ética universal secular da qual já falamos, que reside no centro de todas as tradições espirituais e éticas mais importantes e nos define como membros da mesma família humana – como parte da educação formal de nossos filhos? Em 2013, o Mind and Life Institute, uma organização da qual o Dalai Lama é cofundador, assumiu esse desafio, reunindo especialistas em neurociência, psicologia e educação para estudar o que essa ética secular pode ocasionar. No centro de sua resposta até o momento, há o reconhecimento de que nosso instinto de cuidado é a base do sentimento moral e de que nosso desenvolvimento social e moral é definido por três categorias principais de cuidado: o que recebemos dos outros, o que estendemos aos demais e o cuidado de si. A vitória das próximas gerações diante dos complexos desafios de nosso mundo interconectado depende da maneira como educamos nossas crianças. Se elas vão crescer com sentimentos de camaradagem, um senso coletivo de responsabilidade e corações que se importam com o destino de nosso mundo ou não, é algo que depende de nós.

Ambiente de trabalho compassivo, economia compassiva De muitas formas, o local de trabalho é para nós o que a escola é para as crianças. A cultura que ele incorpora e a maneira como somos tratados têm um impacto profundo em nosso bem-estar. As organizações poderiam tornar a compaixão um princípio central de sua filosofia de recursos humanos. Quando a insatisfação e os conflitos dos empregados são tratados com empatia, preocupação e compreensão, não vistos como queixas irritantes, os funcionários tendem a se sentir mais leais e comprometidos. Assim, levar compaixão ao local de trabalho não apenas alivia o sofrimento humano como também é bom para os negócios. Por mais de uma década, a Universidade do Michigan vem desenvolvendo uma interessante iniciativa chamada CompassionLab para descobrir mais sobre a compaixão no contexto empresarial. Esse estudo colaborativo parte da premissa de que as organizações são “locais de cura e dor cotidianas” e visa a criar um arcabouço teórico para explicar como a compaixão pode se tornar organizada e disseminada em uma empresa. Ou, em termos práticos: “Quais são os fatores que amplificam ou inibem a compaixão em uma organização?” Pesquisadores do CompassionLab identificaram três fatores que ajudam a organizar uma reação coletiva compassiva: a presença de redes de pessoas que se conhecem bem o bastante para compartilhar sua dor, rotinas de serviço que incentivem a regularidade dos contatos humanos e valores como a humanidade partilhada. Seus estudos também sublinham o papel do líder da organização nesse processo. Ele deve liderar pelo exemplo compassivo – agir segundo o que professa – para surtir efeito na cultura da empresa. Compaixão, integridade pessoal, humildade, receptividade às perspectivas dos outros e responsabilidade na liderança são fatores enraizados na coragem e na confiança tranquila – essas são as marcas dos verdadeiros grandes líderes. Uma coisa é pedir que haja compaixão no ambiente de trabalho. Mas existe lugar para ela em nossos sistemas econômicos? No melhor dos casos, a compaixão é irrelevante? Ou será apenas incompatível com nosso comportamento econômico? Essa é uma questão difícil. No entanto, acredito mesmo que a nova onda da psicologia – o reconhecimento de que nosso lado compassivo e afetuoso desempenha um importante papel na motivação do comportamento humano – coloca em questão algumas das premissas por trás dos nossos modelos econômicos padrão. Não somos apenas egoístas maximizadores de lucro de curto prazo. É essa visão da natureza humana egoísta que justifica a competitividade agressiva, o consumo sem controle de recursos e a busca do crescimento ilimitado. Para os indivíduos, assim como para as corporações, o ganho monetário não deveria ser nossa única motivação. Ao definir o sucesso em termos puramente monetários, as pessoas condicionam sua dignidade e seu senso de respeito próprio a quanto ganham ou às coisas que conseguem comprar. Durante a crise econômica de 2008, todos ficaram indignados com a cultura de ganância de Wall Street, que causou muito sofrimento a milhões de pessoas em todo o mundo. Sim, a ganância foi um fator importante, mas ela é apenas um sintoma de um problema mais profundo e sistemático: o nosso éthos materialista. A agressividade da cultura corporativa de hoje – que começou a ganhar força nos anos 1980, quando a falta de escrúpulos de fusões e incorporações passou a ser glamourizada pela mídia – é, sem dúvida, insustentável. Enquanto o

salário médio dos trabalhadores mal acompanha a inflação, a remuneração de altos executivos aumentou exponencialmente, chegando a ser mais de trezentas vezes maior que a do funcionário médio na mesma empresa. De acordo com estudos de 1978 a 2013, a remuneração dos CEOs nos Estados Unidos aumentou 937 por cento, enquanto a do trabalhador comum cresceu pouco mais de 10 por cento. Essa é uma tendência perigosa. Hoje, mesmo alguns economistas já advertem que, a menos que alguma coisa mude, o mundo desenvolvido está prestes a retornar à extrema desigualdade de renda do século XIX, quando a maior parte da riqueza das nações estava nas mãos do 1 por cento mais rico da população. Um mundo tão desigual assim não é bom para ninguém, nem mesmo para esse 1 por cento. Alguns questionam se nosso modelo econômico clássico é fundamentalmente falho, argumentando que a teoria do capital de mercado não leva em conta um mundo de recursos naturais limitados, não renováveis (ou não substituíveis), no qual não podemos deixar nas mãos das gerações atuais o gerenciamento justo de recursos ou o interesse das gerações futuras. Para mim, trata-se de uma questão de justiça, seja entre investidores, seja entre gerações. Para assegurar maior justiça no sistema, precisamos de economistas profissionais que desafiem a ortodoxia do mercado de maximização de lucros a curto prazo, temos que dispor de políticas econômicas inteligentes da parte dos líderes das nações e dos funcionários públicos e devemos colocar em questão os valores que fundamentam a injustiça na prática. Graças às pressões públicas, algumas empresas já estão começando a usar medidas ambientais e de “responsabilidade social” como parte dos indicadores de desempenho apresentados em seus relatórios. Hoje existem companhias nos Estados Unidos e em outros países chamadas corporações B (corporações de benefícios), que buscam beneficiar a sociedade e o meio ambiente e, ao mesmo tempo, gerar lucros. Metas sociais (contribuições construtivas para a sociedade e o planeta) são elementos críticos em seus processos de decisão. Não seria a primeira vitória da compaixão sobre as políticas econômicas. À medida que as normas sociais mudam, nossos padrões do que seria um comportamento econômico aceitável também mudam. Hoje, com padrões internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os direitos dos trabalhadores, assim como as crescentes preocupações ambientais, não podemos mais tolerar as práticas exploradoras do começo da Revolução Industrial. Infelizmente, há ainda partes do mundo onde fábricas com mão de obra barata e condições de trabalho perigosas existem para produzir produtos baratos com grandes lucros. No entanto, mesmo nesses lugares as leis consideram essas práticas inaceitáveis. (Elas só continuam a existir por falta de vontade política ou de cumprimento das leis.) No mundo de hoje, de comunicação instantânea e plataformas democráticas on-line, como microblogs e redes sociais, as empresas que buscam a confiança do consumidor devem trabalhar mais para demonstrar sua confiabilidade. A integridade da organização a ajudará a se manter fora dos tribunais e de manchetes escandalosas, oferecendo aos funcionários mais uma razão para serem dedicados e orgulhosos. A compaixão pode fazer muito para manter um alto grau de integridade. Uma empresa muito diferente

Uma história impressionante sobre um negócio global ilustra como a visão da compaixão pode ser colocada em prática em nível organizacional. O grupo empresarial Camellia foi criado por Gordon Fox, alguém que conheci e admiro há muito tempo. Gordon é um homem de fala mansa que combina mente e coração, rigor e sensibilidade, de um modo que parece natural. Grande estudioso do Zen e da cerimônia japonesa do chá, viajou pela primeira vez à Índia em 1956. Nessa ocasião, se apaixonou pela região de Darjeeling, no sopé do Himalaia. A visão dos picos do Kanchenjunga cobertos de neve, do ponto privilegiado da Fazenda de Chá Badamtam, perto de Darjeeling, deixou nele uma impressão duradoura, com consequências para milhares de pessoas desde então. Naqueles jardins de chá havia uma tradição passada de geração em geração segundo a qual os proprietários cuidavam do bem-estar dos agricultores acima e além de seu papel profissional, o que incluía saúde, educação, harmonia familiar e empregos de longo prazo. Calhou de Gordon visitar Badamtam durante um período de grande incerteza e insegurança. Os proprietários ingleses de muitas das plantações estavam cada vez mais inquietos com a situação pósindependência da Índia e pensavam em voltar a seu país. Foram muitos anos de trabalho diligente, mas Gordon conseguiu fundar uma série de empresas, inclusive várias plantações de chá na área de Darjeeling (Badamtam, Thurbo, a famosa Margaret’s Hope e Castleton) e muitas outras plantações na região dos Dooars e ao longo da fronteira, em Bangladesh. Embora baseado em Londres, o grupo Camellia deixou a administração das plantações nas mãos dos moradores locais. Hoje ele é um dos maiores plantadores de chá do mundo, com terras na Índia, em Bangladesh, no Quênia e no Malaui, na África. A experiência de passar uns dias nessas fazendas é transformadora. Badamtam, por exemplo, é um lugar raro, com escolas para os filhos dos trabalhadores, um hospital e clínicas de saúde, assim como templos em cada um dos setores importantes da fazenda onde haja uma comunidade vivendo. Há uma sensação palpável de pertencimento. Hoje, essas plantações não apenas sobreviveram como prosperaram, com a garantia de emprego para milhares de trabalhadores e suas famílias. O que Gordon escreveu há anos como presidente do grupo capta bem a essência da filosofia do negócio: “Acima de tudo, buscamos ser uma companhia com integridade moral genuína e profissionalismo, com uma preocupação real pelos interesses e pelo bem-estar dos funcionários. Por mais inconveniente e custoso que isso possa ser, a adesão a esses princípios onde quer que operemos é fundamental para nosso respeito próprio, nossa força interior e as conquistas a longo prazo.” Nesse mesmo relatório, ele também escreveu: “Nada do que vi ou experimentei em mais de quarenta anos de vida profissional me levou a alterar minha opinião de que um negócio pode ter uma ‘face humana’ não apenas para o benefício dos acionistas, mas igualmente dos seus funcionários, assim como da sociedade em geral e do meio ambiente.” O Grupo Camellia existe não somente para gerar dividendos aos acionistas. Uma de suas maiores preocupações é assegurar o emprego continuado de pessoas cujo bem-estar está inextricavelmente ligado ao destino das plantações. Para isso, Gordon tem uma visão de longo prazo dos lucros, com uma atitude mais de custódia que de propriedade. Em um livro recente, o

guru da administração Charles Handy fala sobre a abordagem de Gordon: Como empreendimento comercial, os lucros têm grande prioridade para o Camellia, mas não são o fator mais importante. Em muitas ocasiões, os lucros foram o subproduto de um cuidadoso planejamento e da execução a longo prazo, não um objetivo específico por si só. Da mesma forma, seu crescimento estável não foi o resultado de qualquer necessidade obsessiva de ser o maior ou o melhor, mas sim da maneira como o negócio é administrado. Essa abordagem é fortemente influenciada pelo modo como o Camellia vê o conceito de tempo e a natureza da propriedade. Com o tempo, Gordon foi transferindo a maioria de suas ações para uma instituição de caridade, uma fundação cujas responsabilidades incluem, além de manter iniciativas de apoio nas regiões de plantação de chá, a proteção do éthos, da cultura e da filosofia administrativa do Camellia. Ter um assento no conselho dessa fundação foi uma das maiores honras da minha vida. Hoje, se há partes do mundo onde milhares de plantadores de chá podem ir para a cama com a rara sensação de segurança, de que sua casa, sua sobrevivência e a comunidade continuarão lá por muito tempo, isso se deve principalmente ao fato de que, mais de meio século atrás, alguém com um coração corajoso trouxe a intenção consciente de administrar esses ativos importantes com compaixão. Tive a boa sorte de acompanhar Gordon a Badamtam em 2013 e fiquei comovido ao ver a profunda afeição que toda a comunidade sente por ele. O Camellia tem hoje mais de 73 mil funcionários ao redor do mundo e, mesmo no auge da crise financeira global, trouxe dividendos saudáveis a seus acionistas.

No caminho de uma sociedade mais justa e compassiva Uma percepção fundamental que a ciência social nos ensinou é: A menos que as estruturas e instituições sociais sejam transformadas, não podemos esperar uma mudança fundamental e duradoura da sociedade. Grande parte do sofrimento e da injustiça é causada por condições estruturais de nossa sociedade – como, por exemplo, a discriminação de raça, religião, gênero e orientação sexual. Não surpreende, portanto, que as sociedades que passaram por mudanças estruturais fundamentais desde a Segunda Guerra Mundial sejam aquelas nas quais os cidadãos hoje desfrutam do maior grau de liberdade, respeito aos direitos individuais e à dignidade. Nada demonstra melhor o espírito do éthos do pós-guerra do que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que representa a primeira expressão global e sistemática dos padrões básicos de tratamento de uma sociedade em relação a seus cidadãos. Embora essa carta tenha surgido diretamente da experiência da guerra, eu a vejo como a culminação de um período mais longo da História, que talvez tenha tido início no Iluminismo europeu. Junto da democracia, o imperativo de estruturar a sociedade com base no respeito aos direitos humanos fundamentais é o maior presente da civilização ocidental para a humanidade. A carta da ONU também representa uma resposta histórica à eterna questão: qual é o ponto

de equilíbrio entre o bem-estar do indivíduo e o coletivo? Ao articular os direitos básicos que o indivíduo desfruta por virtude de simplesmente ser humano, os direitos humanos universais estabelecem fronteiras que mesmo o Estado – o coletivo – não pode ultrapassar, exceto sob circunstâncias muito bem definidas. A carta declara que nossa postura básica como sociedade será a de confiar no indivíduo, uma escolha que se provou profética. Hoje as sociedades que mais prosperam são aquelas em que os direitos humanos são respeitados e os cidadãos se sentem mais seguros, livres e valorizados. Se olharmos para a antiga União Soviética ou a China comunista de hoje, onde não havia/há compromisso com esses direitos fundamentais, o Estado trata os cidadãos com medo, suspeição e opressão. Isso cria um sistema inerentemente instável, em que a expressão crítica dos cidadãos é percebida pelo Estado como uma ameaça. Quando a compaixão surge naturalmente em resposta ao sofrimento humano, é a individualidade concreta da situação difícil que evoca nossa compaixão – não alguma ideia abstrata de humanidade, mas a realidade específica do sofrimento diante de nós. No entanto, quando tornamos a compaixão a base de nossa intenção consciente para estruturar a sociedade, passamos a nos preocupar com o conceito de humanidade e o alívio do sofrimento. Em outras palavras, a compaixão, como resposta emocional, é personalizada e focada no específico, enquanto a compaixão, como perspectiva geral, é desapaixonada, despersonalizada e se concentra no abstrato – não muito diferente da imagem da Justiça de olhos vendados. Qualquer um pode ser beneficiado pela justiça – você, eu, uma pessoa negra, asiática, religiosa, não religiosa, rica, pobre... O que importa é que esse indivíduo é um cidadão com direitos essenciais e dignidade. Nesse nível, a justiça e a compaixão – dois componentes de nossa ética – andam juntas. O pensamento budista também reconhece que a compaixão, em sua forma mais desenvolvida, não é dependente das questões particulares do sofrimento individual. A compaixão surge como reação ao sofrimento. Ponto – não importa quem está sofrendo. Shantideva coloca a questão da seguinte forma: Simplesmente por ser sofrimento, ele deve ser evitado. Por que colocar nisso qualquer limitação? Ninguém contesta nem questiona por que o sofrimento deve ser evitado. Se tem de ser assim, tem de ser todo ele. Se não, isto vale para um, não para todos. A beleza da mudança estrutural e institucional é que os benefícios são partilhados por todos. Alguém que se dedique à compaixão também estará comprometido com a mudança social – não apenas com a transformação pessoal. Pessoas que trabalham para promover a justiça social, o respeito aos direitos humanos e mais democracia no mundo são defensoras da compaixão em ação. Isso não tem nada a ver com levar valores ocidentais “inapropriados” a partes não ocidentais do mundo. Na minha opinião, a mera sugestão de que valores como o respeito aos

direitos humanos fundamentais possam ser de alguma forma inapropriados para as pessoas de outras partes do mundo é um insulto a elas e a sua cultura. Também no mundo desenvolvido, inclusive no Ocidente (onde moro agora), algumas transformações estruturais ainda são claramente necessárias para criar uma sociedade com mais equidade e compaixão. A luta está longe de terminar. No entanto, quando dispomos de democracia, respeito aos direitos humanos e um judiciário e uma mídia independentes, torna-se possível mudar a sociedade para torná-la mais cuidadosa, compassiva e justa. Não podemos esperar que a sociedade mude. Temos que tomar a iniciativa para que isso aconteça. Um mundo mais compassivo começa pelos indivíduos, por pessoas como você e eu. Espero que este livro tenha ajudado você a perceber que a compaixão não é algo heroico – ela é humana. Sempre podemos achar oportunidades no cotidiano de expressar nosso lado compassivo através da bondade. A questão não é se tenho compaixão, mas se farei a escolha de expressar a parte mais compassiva de mim. Depende de nós viver a vida com compaixão: só precisamos estabelecer um relacionamento conosco, com os outros e o mundo a partir de um ponto de vista de compaixão, compreensão e bondade. Para mim, essa é a questão espiritual mais importante da existência humana. Há um ditado na tradição tibetana segundo o qual a melhor medida do desenvolvimento espiritual é a forma como vamos encarar a morte quando o dia final chegar. Somos aconselhados a ir, se não com alegria, pelo menos sem remorsos. Além disso, nos dizem, a consciência nua de nossa mortalidade pode nos ajudar a alinhar nossas mais profundas aspirações com as ações do cotidiano. Isso também pode trazer à nossa vida coragem e uma espécie de sinceridade brutal. Sobra pouco espaço para fingimento ou para manter uma fachada, além de se revelar a esterilidade de gastar energia em excesso cuidando de nosso ego. É um conselho duro, mas útil. Quando nossa hora finalmente chegar, cada um de nós vai deixar o mundo sozinho. Não podemos levar conosco riqueza nem fama – ou mesmo nossa educação. O que podemos levar são os pensamentos e sentimentos de nossos últimos dias. Encontrei um propósito para a minha vida? Fui amado? Amei e me preocupei com os outros? Toquei a vida de outros de maneira significativa? Trouxe alegria para a vida de outros? Minha existência fez alguma diferença para o bem-estar das pessoas? Essas são as questões que vão ocupar nossa mente quando nos aproximarmos do final. De qualquer modo, essas são as questões que mais deveriam importar para nós, pois nossa felicidade e nosso sofrimento são definidos pelas relações que estabelecemos com os outros. Então por que não começarmos a viver a vida dessa forma a partir de agora? Por que esperar? Não há melhor momento para começar. O Dalai Lama nos lembra com frequência que nenhuma força pode deter o tempo, mas que depende de nós como o utilizamos: com sabedoria e significado ou não. Para mim, a compaixão é a chave para uma vida repleta de significado. Espero sinceramente que algumas das reflexões e sugestões oferecidas neste livro possam ajudar você e outros como você – assim como você – a colocar a compaixão no centro de sua vida e testemunhar sua capacidade de mudar o mundo.

AGRADECIMENTOS

A

filosofia budista reconhece que há causas e condições múltiplas por trás de um único acontecimento e que não podemos conhecê-las todas. Assim, quando me sento para escrever estas linhas e dizer “obrigado” àqueles que me ajudaram, estou totalmente certo de que esquecerei alguns nomes. Em primeiro lugar, e acima de tudo, gostaria de agradecer a Sua Santidade o Dalai Lama por sua liderança magistral em promover a compaixão no mundo e sempre nos mostrar o que significa vivê-la tanto em pensamento quanto em ação. E a meu falecido professor monástico Kyabje Zemé Rinpoche, que foi meu tutor nas ricas tradições filosóficas, psicológicas e meditativas budistas. Sem a presença desses dois professores em minha vida não posso imaginar como teria sido capaz de escrever este livro. O Centro de Pesquisa e Educação da Compaixão e Altruísmo (CCARE, na sigla em inglês), da Universidade Stanford, também teve um papel significativo neste livro. Aqui, expresso minha estima por James R. Doty, diretor do CCARE, por me convidar a ser um membro fundador do centro e me oferecer a oportunidade de desenvolver o que se tornou o treinamento de cultivo da compaixão, o TCC. Margaret Cullen, Erika Rosenberg e Kelly McGonigal – três notáveis professoras de psicologia e meditação – deram contribuições inestimáveis para o desenvolvimento posterior do programa como primeiras instrutoras. Mais tarde elas foram acompanhadas por Monica Hanson e Leah Weiss. A Rede Omidyar, através do HopeLab, apoiou generosamente o treinamento de dois grupos de instrutores de TCC. Edward Harpin e Robert McClure estabeleceram uma firme presença no curso do Sharp HealthCare em San Diego. Jeanne L. Tsai, Birgit Koopmann, Philippe R. Goldin e Hooria Jazaieri, em Stanford, fizeram estudos científicos sobre os efeitos do TCC. Ofereço minha mais profunda gratidão a todos vocês. Sem o papel ativo de cada um o treinamento da compaixão não estaria onde se encontra hoje. Gostaria de agradecer a minha agente, Stephanie Tade, por sua crença apaixonada neste livro e por me dar a coragem necessária para escrevê-lo. Agradeço a minha editora Caroline Sutton, da Hudson Street Press, que foi muito generosa com seu tempo, sua atenção e suas percepções. Seus comentários críticos a meus dois manuscritos me mantiveram numa busca constante de mais clareza e coesão. Agradeço a dois outros indivíduos que também foram cruciais na escrita deste livro. Leah Weiss ajudou com a pesquisa e a coleta das histórias dos instutores do TCC e leu meus rascunhos em vários estágios. E tive a sorte de receber a ajuda de Stephanie Higgs no momento final. Ao amarrar o texto e ainda assim relaxar seu tom, afiar as narrativas e me fazer preencher lacunas, Stephanie ajudou a trazer algo verdadeiramente impressionante a meu manuscrito final. Sou grato a dois amigos próximos que leram rascunhos em diversos estágios e ofereceram

um retorno valioso: K. C. Branscomb Kelley e Jas Elsner. Foi na verdade K. C. quem, por diversos anos, me encorajou a escrever um livro para o público em geral. Agradeço a Gordon Fox e Simon Turner pela contribuição sobre o grupo empresarial Camellia, a Zara Houshmand por sua ajuda na edição de parte do livro, e aos participantes do curso de TCC que compartilharam as histórias inspiradoras citadas no livro. Dois colegas, Richard Davidson, membro da diretoria do Mind and Life Institute, e Brian Knutson, da Universidade Stanford, leram o manuscrito final e ofereceram conselhos que ajudaram a apurar minhas apresentações de estudos científicos. Reconheço seus conselhos, mas assumo inteira responsabilidade por qualquer falha em meu entendimento dos dados científicos. Gostaria também de agradecer a Nita Ing e à Ing Foundation por seu generoso patrocínio do Instituto de Clássicos Tibetanos, que me ofereceu apoio durante parte do tempo em que escrevia. Por último, mas não menos importante, agradeço a minha família. Minhas filhas, Khando e Tara, me desafiaram a partilhar mais aspectos de minha vida pessoal com os leitores. Minha mulher, Sophie, ouviu com paciência cada capítulo enquanto eu escrevia e suas observações me ajudaram a me manter no caminho. Seu amor constante e sua presença estabilizadora são parte de meu melhor carma. Seja lá qual for o bem provocado por este livro, que cada um de nós experimente o calor, a coragem e a alegria duradoura da genuína compaixão.

NOTAS

Introdução Frans de Waal, Primates and Philosophers: How Morality Evolved, editado por Stephen Macedo. Boston: Harvard University Press, 1998, p. 10. Karen Armstrong, Twelve Steps to a Compassionate Life. Nova York: Alfred A. Knopf, 2010, p. 19. Para uma resenha de estudos científicos sobre compaixão, que inclui suas raízes evolutivas, ver Jennifer L. Goetz, Dacher Keltner e Emilia Simon-Thomas, “Compassion: An Evolutionary Analysis and Empirical Review”, Psychological Bulletin 136, no 3 (2010): 351-74. Paul Ekman, Moving Toward Global Compassion. San Francisco: Paul Ekman Group, 2014. Algumas das mais importantes descobertas sobre meditadores a longo prazo realizadas nos laboratórios de Richard Davidson estão relatadas nos seguintes estudos: Antoine Lutz, Laurence L. Greischar, Nancy B. Rawlings, Matthieu Ricard e Richard J. Davidson, “Long-term Meditators Self-Induce High-Amplitude Gamma Synchrony During Mental Practice”, Proceedings of the National Academy of Sciences 101, no 46 (2004): 16369-73; J. A. Brefczynski-Lewis, A. Lutz, H. S. Schaefer, D. B. Levison e R. J. Davidson,“Neural Correlates of Attentional Expertise in Long-term Meditation Practitioners”, PNAS 104, no 27 (2007): 1148388; e Antoine Lutz, Julie Brefczynski-Lewis, Tom Johnstone e Richard J. Davidson, “Regulation of the Neural Circuitry of Emotion by Compassion Meditation: Effects of Meditative Expertise”, PLoS One 3, no 3 (2008): e1897. Para uma apresentação lúcida da atenção plena e de suas práticas centrais, do criador da redução de estresse baseada em mindfulness, ver Jon Kabat-Zinn, Wherever You Go, There You Are: Mindfulness Meditation in Everyday Life. Nova York: Hyperion, 1994.

Capítulo 1 – O segredo mais bem guardado da felicidade: compaixão Alfred Lord Tennyson, In Memoriam A. H. H. Canto 56. Boston: Houghton Mifflin, 1895, p. 62. Thomas Huxley, Evolution and Ethics and Other Essays. Londres: McMillan & Co, 1895, p. 199. Thomas Nagel, The Possibility of Altruism. Princeton: NJ: Princeton University Press, 1970, p. 19. Daniel C. Batson, “Prosocial Motivation: Is It Ever Truly Altruistic?”, Advances in Experimental Social Psychology 20 (1987): 65-122; The Altruism Question: Toward a Social-Psychological Answer. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1997; e Altruism in Humans. Oxford: Oxford University Press, 2011. Elliott Sober e David Sloan Wilson, Unto Others: The Evolution and Psychology of Unselfish Behavior. Boston: Harvard University Press, 1998; e Frans de Waal, The Age of Empathy: Nature’s Lessons for a Kinder Society. Nova York: Broadway Books, 2010. Greater Good, “What Is Compassion?” http://greatergood.berkeley.edu/topic/compassion/definition. Adam Smith, The Theory of Moral Sentiments. Nova York: Dover Philosophical Classics, 2006, p. 4. Charles Darwin, “Moral Sense”, em The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, vol.1, Princeton: NJ: Princeton University Press, 1982 [1871], p. 69. S. D. Preston e F. B. de Waal, “Empathy: Its Ultimate and Proximate Bases”, Behavioral and Brain Sciences 25 (2002): 1-72. Para uma resenha de estudos atuais, assim como uma apresentação sucinta de questões relacionadas ao mapeamento da empatia no cérebro, ver Boris C. Bernhardt e Tania Singer, “The Neural Basis of Empathy”, Annual Review of Neuroscience 35 (2012): 123.

Felix Warneken Michael Tomasello, “The Roots of Human Altruism”, British Journal of Psychology 100, no 3 (2009): 455-71. J. Kiley Hamlin, Karen Wynn e Paul Bloom, “Social Evaluations by Preverbal Infants”, Nature 450 (2007): 557-60. Brandon J. Cosley, Shannon K. McCoy, Laura R. Saslow e Elissa S. Epel, “Is Compassion for Others Stress Buffering? Consequences of Compassion and Social Support for Physiological Reactivity to Stress”, Journal of Experimental Social Psychology 46, no 5 (2010): 816-23. Kristin Layous, S. Katherine Nelson, Eva Oberle, Kimberly A. Schonert-Reichl e Sonja Lyubomirsky, “Kindness Counts: Prompting Prosocial Behavior in Preadolescents Boosts Peer Acceptance and Well-being”, PLoS One 7, no 12 (2012): e51380. T. L. Jacobs, E. S. Epel, J. Lin, E. H. Blackburn, O. M. Wolkowitz, D. A. Bridwell, A. P. Zanesco et al., “Intensive Meditation Training, Immune Cell Telomerase Activity, and Psychological Mediators”, Psychoneuroendocrinology 36, no 5 (2011): 664-81. Jeremy P. Jamieson, Wendy Berry Mendes e Matthew K. Nock, “Improving Acute Stress Responses: The Power of Reappraisal”, Current Directions in Psychological Science 22, no 1 (2013); 51-62. http://news.uchicago.edu/article/2014/02/02/16/aaas-2014-loneliness-major-health-risk-older-adults. Ver também Ian Sample, “Loneliness Twice as Unhealthy as Obesity for Older People, Study Finds”, Guardian, 16 de fevereiro de 2014. Miller McPherson, Lynn Smith-Lovin e Matthew E. Brashears, “Social Isolation in America: Changes in Core Discussion Networks over Two Decades”, American Sociological Review 71, no 3 (2006): 353-75. Christina R. Victor e A. Bowling, “A Longitudinal Analysis of Loneliness Among Older People in Great Britain”, Journal of Psychology 146, no 3 (2012): 313-31. Jonathan Haidt, “Elevation and the Positive Psychology of Morality”, em Flourishing: Positive Psychology and the Life WellLived, ed. C. L. M. Keyes e Jonathan Haidt. Washington, DC: American Psychological Association, 2003, p. 275-89. Simone Schnall, Jean Roper e Daniel M. T. Fessler, “Elevation Leads to Altruistic Behavior”, Psychological Science 21, no 3 (2010): 315-20.

Capítulo 2 – A chave para a aceitação de si: compaixão por si mesmo Jennifer Crocker e Laura E. Park, “The Costly Pursuit of Self-Esteem”, Psychological Bulletin 130, no 3 (2004): 392-414. Dalai Lama. Worlds in Harmony: Dialogues on Compassionate Action. Berkeley, CA: Parallax Press, 1992. Kristin Neff, “Self-Compassion: An Alternative Conceptualization of a Healthy Attitude Toward Oneself”, Self and Identity 2 (2003): 85-101. Para uma versão mais longa da apresentação da compreensão de Neff da autocompaixão e de como cultivá-la e fortalecê-la, ver Self-Compassion: Stop Beating Yourself Up and Leave Insecurity Behind. Nova York: HarperCollins, 2011. Kristin Neff, Kullaya Pisitsungkagarn, e Ya-Ping Hsieh, “Self-Compassion and Self-Construal in the United States, Thailand, and Taiwan”, Journal of Cross-Cultural Psychology 39, no 3 (2008): 267-85. Amanda Ripley, “Teacher, Leave Those Kids Alone”, Time, 25 de setembro de 2011. M. R. Leary, E. B. Tate, C. E. Adams, A. B. Allen e J. Hancock, “Self-Compassion and Reactions to Unpleasant Self-Relevant Events: The Implications of Treating Oneself Kindly”, Journal of Personality and Social Psychology 92, no 5 (2007): 887-904. Barbara Oakley, Ariel Knafo, Guruprasad Madhavan e David Sloan Wilson, eds., Pathological Altruism. Oxford, UK: Oxford University Press, 2011. Hazel Rose Markus e Alana Conner, Clash! 8 Cultural Conflicts That Make Us Who We Are. Nova York: Hudson Street Press, 2013.

Capítulo 3 – Do medo à coragem: rompendo a resistência Paul Gilbert, Kristin McEwan, Marcela Matos e Amanda Rivis, “Fears of Compassion: Development of Three Self-report Measures”, Psychology and Psychotherapy 84, no 3 (2011): 239-55.

Paul Gilbert, “Self-Criticism and Self-Warmth: An Imagery Study Exploring Their Relation to Depression”, Journal of Cognitive Psychotherapy 20, no 2 (2006): 183. Dalai Lama, Beyond Religion: Ethics for a Whole World. Nova York: Houghton Mifflin Harcourt, 2011, p. 68. Thomas Byrom, trad., The Dhammapada: The Sayings of the Buddha. Nova York: Vintage, 2012.

Capítulo 4 – Da compaixão à ação: transformando intenção em motivação Daniel Goleman, Foco: a atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. Jennifer Crocker e Amy Canevello, “Egosystem and Ecosystem: Motivational Perspectives on Caregiving”, em Moving Beyond Self-Interest: Perspectives from Evolutionary Biology, Neuroscience, and the Social Sciences, eds. Stephanie L. Brown, R. Michael Brown e Louis Penner. Nova York: Oxford University Press, 2012, p. 211-23. Reed W. Larson e Natalie Rusk, “Intrinsic Motivation and Positive Development”, Advances in Child Development and Behavior 41 (2011): 89-130.

Capítulo 5 – Abrindo espaço para a compaixão: como o foco consciente nos mantém no caminho Matthew A. Killingsworth e Daniel T. Gilbert, “A Wandering Mind Is an Unhappy Mind”, Science 330, no 6006 (2010): 932. Universidade Harvard, “Mind Is a Frequent, but Not Happy, Wanderer: People Spend Nearly Half Their Waking Hours Thinking About What Isn’t Going On Around Them”, ScienceDaily, 12 de novembro de 2010, http://www.sciencedaily.com/releases/2010/11/101111141759.htm. Daniel B. Levinson, Jonathan Smallwood e Richard J. Davidson, “The Persistence of Thought: Evidence for a Role of Working Memory in the Maintenance of Task-Unrelated Thinking”, Psychological Science 23, no 4 (2012): 375-80. John Tierney, “Discovering the Virtues of a Wandering Mind”, New York Times, 28 de junho de 2010, http://www.nytimes.com/2010/06/29/science/29tier.html. George Northoff, Alexander Heinzel, Moritz de Greck, Felix Bermpohl, Henrik Dobrowolny e Jak Panksepp, “Self-Referential Processing in Our Brain – A Meta-analysis of Imaging Studies on the Self”, NeuroImage 31, no 1 (2006): 441. Ver também Seth J. Gillihan e Martha J. Farah, “Is Self Special? A Critical Review of Evidence from Experimental Psychology and Cognitive Neuroscience”, Psychological Bulletin 131, no 1 (2005): 76-97. T. D. Wilson, D. A. Reinhard, E. C. Westgate, D. T. Gilbert, N. Ellerbeck, C. Hahn, C. L. Brown e A. Shaked, “Social Psychology. Just Think: The Challenges of a Disengaged Mind”, Science 345, no 6192 (2014): 75-77. Para uma resenha desse estudo e sua relação com nosso estilo de vida contemporâneo, digitalmente invasivo, ver Kate Murphy, “No Time to Think”, New York Times, 25 de julho de 2014.

Capítulo 6 – Saindo da inércia: escapando da prisão do egoísmo Amaravati Sangha, “Karaniya Metta Sutta: The Buddha’s Words on Loving-Kindness”, Access to Insight (Legacy Edition), 2 http://www.accesstoinsight.org/tipitaka/kn/snp/snp.1.08.amar.html. Sharon Salzberg, Loving-Kindness: The Revolutionary Art of Happiness. Boston: Shambhala, 2002. Barbara L. Fredrickson, Michael A. Cohn, Kimberly A. Coffey, Jolyn Pek e Sandra M. Finkel, “Open Hearts Build Lives: Positive Emotions, Induced Through Loving-Kindness Meditation, Build Consequential Personal Resources”, Journal of Personality and Social Psychology 95, no 5 (2008): 1045-62. B. E. Kok, K. A. Coffey, M. A. Cohn, L. I. Catalino, T. Vacharkulksemsuk, S. B. Algoe, M. Brantley e B. L. Fredrickson, “How Positive Emotions Build Physical Health: Perceived Positive Social Connections Account for the Upward Spiral Between Positive Emotions and Vagal Tone”, Psychological Science 24, no 7 (2013): 1123-32. Panchen Lobsang Chögyen, Lama Chöpa (Celebrando o guru), um conhecido texto tibetano em verso.

R. A. Emmons e M. E. McCullough, “Counting Blessings Versus Burdens: An Experimental Investigation of Gratitude and Subjective Well-being in Daily Life”, Journal of Personality and Social Psychology 84, no 2 (2010): 377-89; e R. A. Sansone e L. A. Sansone, “Gratitude and Well Being: The Benefits of Appreciation”, Psychiatry 7, no 11 (2010): 18-22. Para uma resenha da pesquisa científica sobre a gratidão e seus efeitos terapêuticos, ver R. A. Emmons e R. Stern, “Gratitude as a Psychotherapeutic Intervention”, Journal of Clinical Psychology 69, no 8 (2013): 846-55. Thupten Jinpa, trad., Mind Training: The Great Collection. Boston: Wisdom Publications, 2006, p. 301. Naikan: Gratitude, Grace, and the Japanese Art of Self-Reflection. Berkeley, CA: Stone Bridge Press, 2001. Desmond Tutu, God Has a Dream: A Vision of Hope for Our Time. Nova York: Doubleday, 2004, p. 37.

Capítulo 7 – “Que eu seja feliz”: cuidando de si mesmo M. Mikulincer e P. R. Shaver, Attachment in Adulthood: Structure, Dynamics, and Change. Nova York: Guilford Press, 2007. Paul Gilbert e Sue Procter, “Compassionate Mind Training for People with High Shame and Self-Criticism: Overview and Pilot Study of a Group Therapy Approach”, Clinical Psychology & Psychotherapy 13, no 6 (2006): 353-79. Marshall B. Rosenberg, Nonviolent Communication: A Language of Life. Encinitas, CA: PuddleDancer Press, 2004. Tom Kelley e David Kelley, Creative Confidence: Unleashing the Creative Potential Within Us All. Nova York: Crown Business, 2014. Kelly McGonigal, The Willpower Instinct. Nova York: Avery, 2012. John Makransky, Awakening Through Love: Unveiling Your Deepest Goodness. Boston: Wisdom Publications, 2007, p. 22.

Capítulo 8 – “Assim como eu”: expandindo o círculo de cuidado Kristen Renwick Monroe, The Heart of Altruism: Perceptions of a Common Humanity. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1996. Piercarlo Valdesolo e David DeSteno, “Synchrony and the Social Tuning of Compassion”, Emotion 11, no 2 (2011): 262-66. David DeSteno, “Compassion Made Easy”, New York Times, 14 de julho de 2012. Alexander Genevsky, Daniel Västfjäll, Paul Slovic e Brian Knutson, “Neural Underpinnings of the Identifiable Victim Effect: Affect Shifts Preferences for Giving”, Journal of Neuroscience 33, no 43 (2013): 17188-96. Pema Chödrön, The Places That Scare You: A Guide to Fearlessness in Difficult Times. Boston: Shambhala, 2001, p. 70-78.

Capítulo 9 – Maior bem-estar: como a compaixão nos torna saudáveis e fortes Carol D. Ryff, “Happiness Is Everything, or Is It? Explorations on the Meaning of Psychological Well-being”, Journal of Personality and Social Psychology 57, no 6 (1989): 1069-81; e Carol D. Ryff e Burton Singer, “The Contours of Positive Human Health”, Psychological Inquiry 9, no 1 (1998): 1-28. Daniel Gilbert, Stumbling on Happiness. Nova York: Alfred A. Knopf, 2006. E. Langer e J. Rodin, “The Effect of Choice and Enhanced Personal Responsibility for the Aged: A Field Experiment in an Institutional Setting”, Journal of Personality and Social Psychology 34, no 2 (1976): 191-8. Anthony D. Ong, C. S. Bergeman e Steven M. Boker, “Resilience Comes of Age: Defining Features in Later Adulthood”, Journal of Personality 77, no 6 (2009): 1782. B. L. Fredrickson, M. M. Tugade, C. E. Waugh e G. R. Larkin, “What Good Are Positive Emotions in Crises? A Prospective Study of Resilience and Emotions Following Terrorist Attacks on the United States on September 11th, 2001”, Journal of

Personality and Social Psychology 84, no 2 (2003): 365-76. Hooria Jazaieri, Kelly McGonigal, Thupten Jinpa, James R. Doty, James J. Gross e Philippe R. Goldin, “A Randomized Controlled Trial of Compassion Cultivation Training: Effects on Mindfulness, Affect, and Emotion Regulation”, Motivation and Emotion 38, no 1 (2014): 23-35. Thaddeus W. W. Pace, Lobsang Tenzin Negi, Charles, L. Raison, Daniel D. Adame, Steven P. Cole, Teresa I. Sivilli, Timothy D. Brown e Michael J. Issa, “Effect of Compassion Meditation on Neuroendocrine, Innate Immune and Behavioral Responses to Psychosocial Stress”, Psychoneuroendocrinology 34, no 1 (2009): 87-98. James J. Gross, “The Emerging Field of Emotion Regulation: An Integrative Review”, Review of General Psychology 2, no 3 (1998): 275. Marc Hauser, Moral Minds: How Nature Designed Our Universal Sense of Right and Wrong. Nova York: Ecco Press, 2006. Dalai Lama, Ethics for the New Millennium. Nova York: Riverhead Books, 1999.

Capítulo 10 – Mais coragem, menos estresse, maior liberdade: transformando a compaixão em nossa postura básica Daniel Kahneman, Thinking, Fast and Slow. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2011. Charles H. Duhigg, The Power of Habit: Why We Do What We Do in Life and Business. Nova York: Random House, 2012, p. 12. Norman Doidge, The Brain That Changes Itself: Stories of Personal Triumph from the Frontiers of Brain Science. Nova York: Penguin Books, 2007. Richard J. Davidson e Sharon Begley, The Emotional Life of Your Brain: How Its Unique Patterns Affect How You Think, Feel, and Live – And How You Can Change Them. Nova York: Hudson Street Press, 2012. Dalai Lama, Healing Anger: The Power of Patience from a Buddhist Perspective, trad. Thupten Jinpa. Ithaca, NY: Snow Lion, 1997.

Capítulo 11 – O poder do uno: o caminho para um mundo mais compassivo Para mais informações sobre aprendizado socioemocional (ASE) e seus principais componentes, ver http://www.casel.org/socialand-emotional-learning. Para uma resenha recente do impacto dos programas ASE, ver J. A. Durlak, R. P. Weissberg, A. B. Dymnicki, R. D. Taylor e K. B. Schellinger, “The Impact of Enhancing Students’ Social and Emotional Learning: A Metaanalysis of School-Based Universal Interventions”, Child Development 82, no 1 (2011): 405-32. L. Fook, S. B. Goldberg, L. Pinger e R. J. Davidson, “Promoting Prosocial Behavior and Self-Regulatory Skills in Preschool Children Through a Mindfulness-Based Kindness Curriculum”, Development Psychology, 10 de novembro de 2014. Sura Hart e Victoria Kindle Hodson, The No-Fault Classroom: Tools to Resolve Conflict & Foster Relationship Intelligence. Encinitas, CA: PuddleDancer Press, 2008. www.thecompassionlab.com Lawrence Mishel e Alyssa Davis, “CEO Pay Continues to Rise as Typical Workers Are Paid Less”, Economic Policy Institute, Issue Brief #380, 12 de junho de 2014. Thomas Piketty, Capital in the Twenty-first Century. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2014. Paul Krugman, “The Piketty Panic”, New York Times, 25 de abril de 2014, e “Is Piketty All Wrong?”, New York Times, 24 de maio de 2014. Michael Manton, Camellia: The Lawrie Inheritance. Kent, Inglaterra: Camellia plc, 2000. Charles Handy, Camellia: A Very Different Company. Pubicação interna da Camellia Foundation, 2013.

SOBRE O AUTOR

G

ESHE THUPTEN JINPA nasceu no Tibete em 1958. Ex-monge tibetano, possui um Ph.D. na Universi​dade de Cambridge, além de ser titular da cadeira de Estudos Religiosos na Universidade McGill e presidente do Mind and Life Institute, dedicado a promover diálogos entre a ciência e o conhecimento contemplativo. Desde 1987 é tradutor e intérprete do Dalai Lama, já tendo traduzido e editado mais de dez livros do líder espiritual. Jinpa mora em Montreal, no Canadá, com a esposa e as filhas.

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Sumário Créditos Introdução PARTE I: POR QUE A COMPAIXÃO IMPORTA Capítulo 1 – O segredo mais bem guardado da felicidade: compaixão Capítulo 2 – A chave para a aceitação de si: compaixão por si mesmo Capítulo 3 – Do medo à coragem: rompendo a resistência PARTE II: TREINANDO A MENTE E O CORAÇÃO Capítulo 4 – Da compaixão à ação: transformando intenção em motivação Capítulo 5 – Abrindo espaço para a compaixão: como o foco consciente nos mantém no caminho Capítulo 6 – Saindo da inércia: escapando da prisão do egoísmo Capítulo 7 – “Que eu seja feliz”: cuidando de si mesmo Capítulo 8 – “Assim como eu”: expandindo o círculo de cuidado PARTE III: UM NOVO MODO DE SER Capítulo 9 – Maior bem-estar: como a compaixão nos torna saudáveis e fortes Capítulo 10 – Mais coragem, menos estresse, maior liberdade: transformando a compaixão em nossa postura básica Capítulo 11 – O poder do uno: o caminho para um mundo mais compassivo Agradecimentos Notas Sobre o autor Informações sobre a Sextante

Por que o budismo funciona Wright, Robert 9788543106373 304 páginas

Compre agora e leia Um dos mais brilhantes escritores americanos, Robert Wright apresenta uma jornada pela psicologia, a filosofia e a meditação para nos mostrar que o budismo detém o segredo para a felicidade duradoura.A filosofia budista se baseia na afirmação de que nós sofremos – e causamos sofrimento aos outros – porque não vemos o mundo como ele é. E a prática da meditação traz uma promessa radical: é possível aprender a ver o mundo e a nós mesmos com maior clareza e, assim, alcançar uma profunda satisfação.Nesse livro pioneiro, definido como "sublime" pela revista The New Yorker, Wright afirma que levar essa promessa a sério pode mudar a sua vida, pois diminui o poder que a ansiedade, a culpa e o ódio têm sobre você, além de aumentar sua capacidade de apreciar as outras pessoas e a beleza do mundo.Com uma aguçada compreensão da evolução humana, ele recorre às últimas descobertas da neurociência e da psicologia para explicar como essa transformação acontece.Escrito com a sagacidade e a elegância características do autor, este livro estabelece os alicerces para uma vida espiritual num mundo secular e ensina como, numa época de distrações tecnológicas e conflitos sociais, podemos nos salvar de nós mesmos – como indivíduos e como espécie."Esperei a vida inteira por uma explicação lúcida e fácil de ler sobre o budismo feita por uma mente cética e rigorosa. Aqui está. Esta é uma viagem científica e espiritual diferente de qualquer outra que já fiz." – Martin Seligman, autor de Felicidade autêntica"Uma fantástica introdução racional à meditação. Um livro que me fez sorrir um pouco e dar algumas risadas. Um guia irônico, autocrítico e brutalmente empírico sobre como evitar o sofrimento." – New York Magazine"O que acontece quando alguém mergulhado na psicologia evolucionista olha o budismo com objetividade? Se essa pessoa é, como Robert Wright, um talentoso escritor, a resposta é este livro surpreendente, agradável, desafiador e potencialmente transformador." – Peter Singer, autor de Ética prática

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Falando com estranhos Gladwell, Malcolm 9788543108964 320 páginas

Compre agora e leia O QUE DEVERÍAMOS SABER SOBRE AS PESSOAS QUE NÃO CONHECEMOS.Ao apontar como nossas ideias preconcebidas afetam nossas interações com os outros, Malcolm Gladwell, autor dos best-sellers Fora de série e O ponto da virada, escreveu um guia valioso para tempos de intolerância e crise."Gladwell é um brilhante explicador do comportamento humano." – The WeekComo Fidel Castro conseguiu enganar a CIA durante décadas? Por que Neville Chamberlain pensou que podia confiar em Hitler? Por que os casos de ataques sexuais nas universidades estão crescendo?Neste livro, Malcolm Gladwell apresenta uma análise surpreendente da maneira como interagimos com as pessoas que não conhecemos – e questiona por que tantas vezes fazemos julgamentos equivocados em relação a elas.Existe algo muito errado com as estratégias que usamos para interpretar os outros. Por não sabermos falar com estranhos, abrimos a porta para conflitos e mal-entendidos, às vezes com consequências catastróficas.Em Falando com estranhos , você lerá sobre uma espiã que passou anos nos mais altos níveis do Pentágono sem ser detectada, sobre o homem que derrubou o gestor de fundos Bernie Madoff, sobre o suicídio da poeta Sylvia Plath e várias outras histórias intrigantes.

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Me Poupe! Arcuri, Nathalia 9788543105826 176 páginas

Compre agora e leia Como economizar no dia a dia? Como poupar mesmo ganhando pouco? Quais são os melhores (e os piores) investimentos? Como poupar para o futuro sem abrir mão dos desejos e necessidades do presente?Sei que você tem muitas dúvidas sobre o que fazer com o seu dinheiro. Sei também que muita gente simplesmente não faz nada com ele – a não ser pagar contas e juntar moedinhas para chegar até o fim do mês.É por isso que estou aqui.Sempre fui uma poupadora compulsiva. Desde cedo compreendi que precisaria juntar dinheiro para realizar meus sonhos. Aos 7 anos comecei a poupar para comprar um carro quando fizesse 18. Com 23 comprei meu primeiro apartamento à vista. Aos 30 pedi demissão do meu emprego de repórter de TV e montei o canal Me Poupe!, no YouTube. Aos 32 me tornei milionária.Hoje o Me Poupe! tem mais de 2 milhões de inscritos e é visto por mais de 8 milhões de pessoas por mês, sendo pioneiro na criação do conceito de entretenimento financeiro ao falar de dinheiro com leveza e bom humor. Tenho orgulho de dizer que, aos 35 anos, estou perto de conquistar minha independência financeira.Vou contar para você como cheguei até aqui, as roubadas em que me meti, as dúvidas que tive e tudo o que aprendi ao longo desses anos. Mas este livro não é sobre mim. É sobre você, o seu dinheiro e a maneira como vem lidando com ele até agora.Eu resolvi escrevê-lo para passar uma mensagem curta e grossa: você pode sair do buraco, não importa qual o tamanho dele.Para ajudar nesse processo, reuni exemplos práticos, situações reais, planilhas e exercícios, e organizei tudo isso em 10 passos simples para nunca mais faltar dinheiro no seu bolso.A partir dessas dicas, você vai aprender a dar um basta nos hábitos que sabotam sua saúde financeira, a identificar as crenças que impedem seu enriquecimento e a encontrar modalidades de investimento que caibam na sua realidade. E o melhor: vai descobrir um mundo maravilhoso em que o dinheiro trabalha para você, e não você para ele.Mas talvez a minha dica mais importante seja: poupar não é só acumular um monte de dinheiro. Poupar tem a ver com realizar sonhos. É necessário ter foco, estabelecer prioridades e até abrir mão de uma ou outra coisa em nome de um objetivo maior.Eu poupo desde criança porque tenho metas e propósitos. E essas metas e propósitos têm a ver com pessoas e com experiências, porque, afinal, viver não é correr atrás de grana. A vida vale pelas experiências que o dinheiro nos proporciona, pelos encontros que temos pelo caminho e pela alegria de estarmos vivos todos os dias.Nathalia Arcuri "Os fãs do canal Me

Poupe! não vão se decepcionar. Nathalia Arcuri venceu o desafio de levar para o papel a linguagem que se tornou sua marca registrada, o que deve fidelizar multidões e reforçar o propósito de seu trabalho. Você tem em mãos um instrumento de transformação. Leia-o com sabedoria e coloque em prática o que encontrar aqui. Sua vida será outra, certamente mais rica, depois desta leitura." – Gustavo Cerbasi

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A história de Greta Camerini, Valentina 9788543109077 128 páginas

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Os segredos da mente milionária Harv Eker, T. 9788575425763 152 páginas

Compre agora e leia Aprenda a enriquecer mudando seus conceitos sobre o dinheiro e adotando os hábitos das pessoas bem-sucedidas"T. Harv Eker desmistifica o motivo pelo qual algumas pessoas estão destinadas à riqueza e outras a uma vida de dureza. Se você quer conhecer as causas fundamentais do sucesso, leia este livro." – Robert G. Allen, autor de O milionário em um minutoSe as suas finanças andam na corda bamba, talvez esteja na hora de você refletir sobre o que T. Harv Eker chama de "o seu modelo de dinheiro" – um conjunto de crenças que cada um de nós alimenta desde a infância e que molda o nosso destino financeiro, quase sempre nos levando para uma situação difícil.Nesse livro, Eker mostra como substituir uma mentalidade destrutiva – que você talvez nem perceba que tem – pelos "arquivos de riqueza", 17 modos de pensar e agir que distinguem s ricos das demais pessoas. Alguns desses princípios fundamentais são:• Ou você controla o seu dinheiro ou ele controlará você.• O hábito de administrar as finanças é mais importante do que a quantidade de dinheiro que você tem.• A sua motivação para enriquecer é crucial: se ela possui uma raiz negativa, como o medo, a raiva ou a necessidade de provar algo a si mesmo, o dinheiro nunca lhe trará felicidade.• O segredo do sucesso não é tentar evitar os problemas nem se livrar deles, mas crescer pessoalmente para se tornar maior do que qualquer adversidade.• Os gastos excessivos têm pouco a ver com o que você está comprando e tudo a ver com a falta de satisfação na sua vida.O autor também ensina um método eficiente de administrar o dinheiro. Você aprenderá a estabelecer sua remuneração pelos resultados que apresenta e não pelas horas que trabalha. Além disso, saberá como aumentar o seu patrimônio líquido – a verdadeira medida da riqueza.A ideia é fazer o seu dinheiro trabalhar para você tanto quanto você trabalha para ele. Para isso, é necessário poupar e investir em vez de gastar. "Enriquecer não diz respeito somente a ficar rico em termos financeiros", diz Eker. "É mais do que isso: trata-se da pessoa que você se torna para alcançar esse objetivo."

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