Termópilas 480 a.C. - A resistência dos 300
 9788447367962, 9788447368846

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Termópilas 480 a.€.

GRANDES

BATALHAS

Termópilas 480 a.C. A Resistência dos 300 Nic Fields Ilustrações de

Steve Noon

(OSPREY

PUBLISHING

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DPd

Inscrição de Dario de Persépolis (d)

aspis

DPe

Inscrição de Dario de Persépolis (e)

FGrHist

Jacoby, F. Die Fragmente der griechischen Historiker

Escudo argivo; escudo de forma côncava, com 80-100 em de diâmetro, que se segurava pelo antilabe e por um porpax.

capacete coríntio

Fornara

(Berlin & Leiden, 1923-1958) Fomara, C. W. Translated Documents of Greece and Rome |: Archaic Times to the End of the Peloponnesian War (Cambridge, 1983)

doru

Capacete formado por uma unica folha de bronze e revestido de pele; o padrão da época. «Lança dórica»; lança com 2-2,5 m de comprimento,

LACTOR

de Clássico de Londres - Documentos originais)

Nota

do

autor

Nos mapas e nos diagramas 3D que acompanham o texto, as forças persas aparecem em cor púrpura e as helénicas, a branco.

Nota

com uma ponta de bronze ou ferro e um sauroter.

London Association of Classical Teachers (Associação de Professores

do

epibates

(pl. epibatai)

numa trireme.

hilotas

servos que trabalhavam nas terras dos espartanos

hoplitas

e serviam como ajudantes e tropas ligeiras na guerra. Soldado de infantaria fortemente armado e acostumado

a lutas ombro a ombro na falange. knemides

Caneleiras: peças de bronze para proteger a parte inferior das pemas.

kopis

Espada pesada, com um único gume e em forma de machete, pensada para cortar. Arma secundária dos hoplitas.

linothorax

Corselete rígido de linho, mais leve e flexível

tradutor

Nalguns casos foi-nos impossível consultar a fonte original de referências ou citações dos autores clássicos. Por este motivo, algumas citações grafadas entre aspas são traduções dos livros originais.

(mas mais oneroso) que o thorax. mantis othismos panóplia

polis (pl. poleis)

porpax pteruges

08012 Barcelona (Espanha)

www.rbacoleccionables.com

Realização editorial: EDITEC Edição; Mónica Municio, João Piroto Revisão: Maria João Moreno Paginação: Alejandra Villanueva

Tradução: Beta Projectos Editoriais, Lda.

Titulo original: Thermopylae 480 BC: Last Stand of the 300 Primera edição na Grã-Bretanha, 2007. Osprey Publishing Ltd. O 2007 Osprey Publishing Ltd. www.ospreypublishing.com

ISBN Obra Completa: 978-84-473-6796-2 ISBN Volume 2: 978-84-473-6884-6 Depósito Legal: M-23.393-2010

Impressão e encadernação; Dédalo Ofiset, S.L. Impresso em Espanha, Printed in Spain

São rigorosamente proibidas, sem a autorização escrita dos titulares do copyright, sob as sanções estabelecidas nas leis, a reprodução parcial ou total desta obra por qualquer meio ou procedimento, compreendendo a reprografia e o tratamento informático, e a distr ibuição

de exemplares através de aluguer ou empréstimo público.

O editor fez todos os esforços possíveis para obter as autorizações pertinentes de todo o material reproduzido neste livro. Se se verificar

alguma omissão, pedimos que nos façam chegar por escrito a reclamação correspondente para corrigir o erro.

Adivinho que acompanhava a falange.

(pl. manteis)

perioikoi

O 2010 RBA Coleccionables, S.A. da tradução Pérez Galdós, 36 bis

«Soldados das cobertas», hoplita que servia na marinha

sagaris sauroter

strategos

(pl. strategoi) thorax

trirreme

Fase de «empurrão com o escudo» da falange hoplita.

«Armamento completo», panóplia de um hoplita.

Habitantes livres que viviam nos arredores de Esparta. Careciam de direitos políticos, mas podia contar-se com eles para o serviço militar. Traduzido tradicionalmente como «cidade-estado», o termo refere-se, na realidade, a uma comunidade política autónoma de helenos.

Braçadeira do aspis. «Plumas». Faixas sobrepostas do linothorax feitas

de couro ou de linho rígido. Machado de guerra dos citas que se usava com uma única mão, Utilizado nos exércitos persas.

Ponta de bronze colocada na extremidade inferior da lança. General ou comandante da falange.

Corselete de bronze campaniforme, confeccionado com placas à frente e atrás, Tinha uma peculiar forma

de sino à altura da cintura e do pescoço.

Embarcação com três filas de remos, com um homem

em cada um deles. Era o principal barco de guerra daquele periodo.

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Punho de um aspis.

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antilabe

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Inscrição de Dario de Nagsh-e Rustam (D)

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Glossário

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Abreviaturas

|

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

ORIGENS DA CAMPANHA COMANDANTES

CRONOLOGIA

12

EM CONFRONTO

13

Leónidas, rei de Esparta * Os reis de Esparta Xerxes, Grande

EXÉRCITOS

EM

Rei da Pérsia

CONFRONTO

21

CONFRONTO

41

DA CAMPANHA

Jo

Os gregos * Os persas

PLANOS

EM

O plano grego * O plano persa

INÍCIO

A batalha

A BATALHA

DAS

naval de Artemísio

TERMÓPILAS

Os dias prévios à batalha e Primeiro dia « Segundo dia

62

Terceiro dia e Entre a história e a lenda

O DIA SEGUINTE O CAMPO

DE

BATALHA,

90

HOJE

93

BIBLIOGRAFIA

94

INDICE

95

INTRODUÇÃO

té aos dias de hoje, a batalha com três dias de duração pelo controlo do estreito desfiladeiro das Termópilas continua a ser matéria len-

W dária, uma

luta heróica

em

que

Leónidas,

o rei dos espartanos

(e, como ele acreditava, descendente do próprio Héracles — Hércules para

os romanos —, o semideus que tinha matado um leão com as suas próprias

mãos), e 300 homens especialmente escolhidos morreram heroicamente na tentativa de atrasar o avanço dos persas. Uma geração depois deste confronto de vida ou de morte surgiu entre os gregos a crença de que os espartanos,

obedientes

às suas férreas leis, nunca

se retiraram,

uma

crença que surgiu da própria batalha. Portanto, não é surpreendente descobrir que de todas as batalhas a que os gregos chamavam «guerras médicas», as Iermópilas ocupem um lugar de honra e orgulho, um desses episódios nos quais, por citar as palavras de Michel de Montaigne, «as derrotas triunfantes rivalizam com

Busto de Heródoto (Atenas,

Museu Ágora, | 39/5270).

Cópia romana

do original grego. Heródoto foi o primeiro que transformou os acontecimentos do passado em tema de

investigação e verificação, definição esta da palavra historie. O seu trabalho, uma verdadeira obra-prima, é a principal fonte do desenvolvimento das guerras

médicas. (Colecção do autor)

NA PÁGINA ANTERIOR, Quando

Napoleão viu a pintura Leónidas nas Termópilas (Paris, Museu

do Louvre), perguntou a Jacques-Louis David por que razão se dera ao trabalho de pintar os vencidos. No entanto,

o artista considerava esta pintura

a sua obra-prima e, no final da sua vida, comentou:

«Suponho

que sabeis que ninguém, à excepção de David, poderia ter

pintado Leónidas». (Esther Carré)

vin E

d

à

| da

as vitórias»

(Dos Canibais,

1580). A morte

no

campo de batalha era entendida como a maior das virtudes espartanas e a imagem dos bravos espartanos enfrentando as hordas persas no rochoso desfiladeiro continua a inspirar os leitores modernos. Na Antiguidade, o desfiladeiro das Termópilas, situado cerca de 150 km a norte de Atenas e o último corredor defensível na Grécia sobre o istmo de Corinto, estava aprisionado entre as montanhas, por um lado, e o mar, por outro. O desfiladeiro em si mesmo estreitava em vários pontos, e foi na chamada «Porta Central», onde tempo atrás os focenses da zona tinham construído um muro defensivo que conduzia à costa, que os gregos decidiram organizar a sua resistência com os seus escudos de bronze e as suas barreiras de lanças. O que então aconteceu foi um reflexo da máxima de Arquíloco: «A raposa conhece muitos truques, o porco-espinho apenas um» (fr. 201 West), pois uma força de cerca de 7.000 hoplitas, com Leónidas na

qualidade de comandante-chefe, resistiu ao exército de Xerxes durante dois dias, até que um pastor indígena se ofereceu para guiar os persas até à retaguarda grega por um desfiladeiro de montanha, o «caminho de Anopeia». Quando os persas atacaram, no terceiro e último dia, os gregos começa"am a lutar com as suas lanças, e quando estas foram destruídas, empunha-

ram as suas espadas. Quando estas se partiram, atacaram os persas com unhas e dentes. Quando Leónidas caiu por fim, os gregos enfrentaram o inimigo quatro vezes antes de conseguirem recuperar o seu corpo. Antes de os gregos oporem resistência pela última vez numa pequena colina, mataram mui tos persas «muito distintos» (Heródoto 7, 224, 93, incluindo os meios-irmãos

de Xerxes. Os tebanos possivelmente renderam-se até ao último homem, mas as setas persas aniquilaram os restantes. Quando encontrou o corpo de Leónidas, Xerxes mandou decapitar o cadáver e espetar a cabeça num poste no campo de batalha. As Termópilas significaram um ponto de inflexão nesta parte das guerras entre os persas € os gregos, na medida em que constituíam a base de tudo o que iria suceder posteriormente.

ORIGENS DA CAMPANHA

Império Persa formou-se de forma repentina graças às vitórias de Ciro, o Grande (c. 550-530 a.€.), da mesma forma como seria

destruído pouco mais de dois séculos depois, graças às vitórias de Alexandre Magno. Como todos os impérios, foi fundado sobre as ruínas de outros, mas contrariamente aos que o precederam, em vez de permanecer confinado aos limites territoriais do Próximo Oriente, o Império

Persa expandiu-se para além destes. Como vassalos dos medos, um povo da sua própria raça, os persas ocuparam os profundos vales que se estendiam nas imediações da cidade de Anshan, a leste daquele que actualmente

continuamos

a apelidar de golfo Pérsico, que naquela altura se

encontrava muitos quilómetros para o interior da sua localização actual. Pársis (Fars), uma terra fechada ao mar, aprisionada entre a cordilheira

de Zagros, as montanhas que separam o Irão moderno e a fronteira iraquiana, era pobre e rochosa. Robustos montanheiros treinados no uso do

arco e da flecha, os persas eram excelentes soldados de infantaria, embora necessitassem de um líder capaz de se tornar algo mais que um mero cabecilha e explorar toda a sua força e vigor. Proveniente do seu montanhoso remo, Ciro começou por vencer os medos do norte para depois se voltar para oeste, para os domínios do lídio Creso (546 a.C.). Depois de se apo-

derar do trono mais rico do mundo, o infatigável Ciro regressou a leste para capturar a Babilónia (539 a.C.), antes de encontrar a morte numa estranha batalha entre os masságetas das fronteiras nordestinas do seu império (530 a.C.). «Sou Ciro, que deu aos persas um império e foi rei da Ásia», reza O críptico epitáfio escrito no seu modesto túmulo em degraus. Para os persas daquele tempo, era suficientemente explícito. O seu filho mais velho e sucessor, Cambises, concretizou os planos do pai e conquistou o Egipto. Com as gentes do seu império, que viviam junto do mar, os gregos da Asia Menor e os fenícios, criou uma armada para subirem

O Oriente encontra-se com o Ocidente neste kylix ático de figuras vermelhas (Edimburgo, Museu Real, 1887, 213). Nele aparece um soldado de infantaria persa enfrentando um hoplita grego fortemente protegido. No Oriente era costume usar armaduras forradas de linho ou de couro, que eram mais leves e confortáveis que os «homens de bronze» gregos.

Edri Ro Perito

À

trado o seu avanço, o exército, que Dario tinha deixado atrás de si no seu regresso à Ásia, conquistou a Trácia e chegou até ao Estrimão, e também a Macedónia parece ter oferecido ao Grande Rei os simbolos formais da

submissão, a «terra e a água» (512 a.C). Apesar deste revés nas grandes planícies da Cítia, Dario entrou com o pé direito na Europa e «empurrou» as fronteiras da Pérsia precisamente até às portas da Grécia continental.

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conquistou a maior parte do actual Paquistão, apoderou-se de todas as terras até ao Indo, e depois atravessou as estreitas águas do Bósforo e infiltrou-se na Europa (513 a.C.). Embora as tribos transdanubianas tenham frus-

ia

Após um breve interlúdio de desacatos e revoltas, Dario (c. 522-486 a.C.)

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Gaza e atravessou a faixa de deserto que se estende para lá desta. Uma duríssima batalha na fronteira egípcia, em Pelúsio, na qual os gregos da Ásia Menor lutaram de ambos os lados, decidiu o destino do país (525 a.C.). Na viagem de regresso, algures na Síria, Cambises morreu e entrou na história.

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o delta do Nilo. Reuniu então o veterano exército de Ciro, avançou sobre

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Um

persa e um ateniense

lutam

sobre o corpo sem

vida de um

persa, num

ladrilho

(Londres, Museu Britânico, GR 1816, 6, 10, 158) do templo de Atena Nike, em Atenas.

Realizado cerca de 425 a.C., foi sugerido que a cena

representa a batalha de Maratona,

uma vitória elevada

à categoria de mito, cuja

importância emula façanhas tais como a vitória sobre as amazonas. (Colecção do autor)

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Como resultado da conquista da Lídia por Ciro, os gregos entraram em conflito pela primeira vez com os medos «portadores de setas» na Anatólia

do Egeu. Depois de uma frustrada revolta na Lídia, na qual participaram

alguns deles, muitas das suas cidades foram tomadas de assalto e às restantes foi-lhes ordenado que se submetessem ao poder dos persas. Consta que os espartanos enviaram um embaixador a Ciro, que foi advertido de que se mantivesse afastado dos seus irmãos gregos da Asia Menor. «Quem são os espartanos?», foi a fria resposta de Ciro. Finalmente, os gregos da Ásia Menor

submeteram-se. Mais tarde, durante o reinado de Dario, ocorreu uma rebehão generalizada a partir de Bizâncio, no norte, até Chipre, no sudeste; foi

a chamada revolta jónica (499494 a.C.). Surpreendentemente, no início os gregos da Ásia Menor triunfaram. Em parte, isto parece ter-se devido à lentidao da mobilização dos persas. Os rebeldes pediram ajuda aos seus parentes da Grécia continental, mas apenas Atenas e Erétria responderam, embora tenham virado as costas quando a sorte da guerra ficou do lado persa. Nas remotas terras da Anatólia, com a vantagem das suas linhas de comu-

nicações internas e das suas forças superiores, Os persas foram capazes de

lutar em vários teatros de operações ao mesmo tempo e de utilizar os vales dos rios como meio de ataque; as comunicações eram muito mais difíceis para os gregos, que estavam isolados pelas montanhas que envolviam as suas resguardadas comunidades litorais. O Alto-Comando persa também tinha experiência na organização de expedições em grande escala e, portanto, estava em poder dos meios e dos conhecimentos logísticos necessários para manter os seus exércitos em campanha. Por outro lado, na Assíria os persas aprenderam as artes da guerra de cerco, por exemplo como formar montículos junto às muralhas das cidades para as ultrapassar em altura. É assim, um a um, os estados rebeldes foram neutralizados, muitas vezes

brutalmente, e cinco anos depois a revolta estava sufocada. Os persas completaram a conquista da Trácia, inclusive das colónias gregas que salpica-

vam a costa do Egeu, e submeteram a própria Macedónia. Já só faltava castigar Atenas e a Erétria pela sua intervenção ou, na opinião de Dario, pela sua descarada ousadia. Se é verdade que os objectivos imediatos de Dario eram Atenas e Erétria, Os seus planos a longo prazo incluíam a Grécia na sua totalidade. Depois de conquistar estes estados, o rei poderia colocar títeres na qua-

Schinias, na baía de Maratona,

está virada a leste, para Cinosura. Após 20 anos de exílio, Hípias deteve-se nesta praia juntando-se a Dátis, acreditando que seria instaurado de novo, com a ajuda dos persas, como tirano de Atenas. Heródoto conta-nos que perdeu

um dente na areia.

(Colecção do autor)

lidade de tiranos (já preparados no caso de Atenas) que fossem fiéis aos valores persas e mantidos pelas guarnições do Império. Depois de estabelecer a cabeça-de-ponte, já era apenas questão de aguardar a oportunidade adequada. Deste modo, em 491 a.C., o rei enviou uma embaixada à Grécia exigindo «terra e água» para todos, inclusive para os espartanos; caso contrário, teriam de sofrer as consequências. Resolvidos

a resistir, Os espartanos fizeram uma aliança com os atenienses, e ambos exe-

cutaram os enviados de Dario, criando um grave conflito diplomáti co. Consta que os espartanos atiraram os emissários para um poço enq uanto lhes ordenavam que tirassem dele a terra e a água para o seu rei. Seguidamente, Dario enviou à região central do Egeu uma incursão pun itiva formada por um exército transportado por mar. No ano seguinte, uma frota de cerca de 600 barcos que transport avam

aproximadamente 25.000 soldados, incluindo a cavalaria, submeteu as Cícla-

des para depois tomar Caristo e Erétria em Eubeia. Já restava ape nas um

breve trecho através do estreito até à Grécia continental e à Ática, onde a

força expedicionária tinha chegado em Maratona. Junto dos comandantes persas que chegaram a terra, ansioso por se transformar no tirano de

Atenas, encontrava-se o ancião, embora ainda enérgico, Hípias. Entretanto, o exército de cidadãos de Atenas, em vez de ficar imóvel, avançou para

enfrentar os persas no ponto de invasão. Após um tremendo atraso, os persas possivelmente começaram a avançar sobre Ate nas, e os atenienses, com

os seus aliados platenses (cerca de 10.000 no total), viramse obrigados a lutar. Foi um triunfo de David sobre Golias. No entanto, Maratona não foi

O fim da guerra na Grécia, mas apenas o prólogo de uma série de batalhas

maiores: Artemísio, Salamina e Plateias, e, obv iamente, as Termópilas.

Seguramente, Robert Graves tinha razão quando imaginou que o Alto“Comando persa pensava em Maratona — que para os atenienses assumiu imediatamente um carácter mítico — como um simples revés no grande esquema dos acontecimentos. Embora num tom subtil, o seu poema é, sem lugar para dúvidas, uma obra importante. Graves era um mestre quando queria reflectir o tom de voz exacto da figura que desejava satirizar. Aqui, as pala-

vras do porta-voz persa são um claro testemunho de que a arte das manobras

10

políticas estava bem viva há vários milhares de anos. No entanto, a pompa da sua justificação atraiçoa o seu propósito:

:

Amantes da verdade, os persas não concedem importância

à trivial escaramuça que disputaram perto de Maratona. Quanto à tradição teatral dos gregos, representa a expedição daquele Verão não como uma simples declaração de força de três brigadas a pé e uma a cavalo (o seu flanco esquerdo coberto por obsoletos navios da frota persa), mas como uma tentativa grandiosa e infeliz de conquistar a Grécia: tratam-no com desdém; e com desprezo recusam as principais exigências dos gregos, insistindo na fama que o monarca persa e a nação persa ganharam com tal demonstração: apesar da poderosa defesa e do clima adverso, todas as armas se integraram esplendidamente.

Robert Graves, A Versão Persa

A derrota da força expedicionária persa em 490 a.C. não resolveu de forma alguma o assunto. De facto, os recursos dos persas, notoriamente superiores aos de qualquer Estado grego, permaneciam intactos, pelo que Dario começou a planear a campanha continental.

A morte de Dario e a subida ao trono de Xerxes (486 a.C.), seguida por uma revolta no Egipto (485 a.€.), atrasou os acontecimentos, mas em 481 a.C. já estava em andamento todo o tipo de preparativos, inclusive a construção de barcos e a preparação de mantimentos. Do mesmo modo,

posicionou-se uma ponte dupla de navios através do Helesponto para evitar perder tempo com a mudança do exército de Xerxes, colocou-se

outro pontão através do Estrimão em Nove Caminhos, na Trácia, e cons-

trulu-se um canal através do istmo que ligava a península do monte Athos com a Calcídica para evitar o perigo das violentas tempestades nas imediações do monte Athos, pois uma frota persa tinha naufragado junto do promontório em 492 a.C. Arranjaram-se depósitos para armazenar alimentos, forragem e equipamento militar ao longo da costa do Egeu, na Trácia e na Macedónia. Estes preparativos foram realizados abertamente, como que anunciando ao mundo grego que o objectivo dos persas era, custasse o que custasse, subjugar a Grécia, e que tanto melhor se esta se submetesse sem oposição. O futuro dos helenos parecia sombrio. Pelas inexoráveis leis do Império, o colosso persa tinha de se expandir ou contrair. À maior parte dos homens ama o poder em si mesmo, e em qualquer homem que tem nas suas mãos um poder absoluto deve considerar-se implícito o desejo de expandir esse poder. Como comentou Henry Kissinger numa ocasião, este é um afrodisíaco para algumas pessoas. Deste modo, uma década depois do seu revés em Maratona, no ano 480 a.C., os persas regressaram, desta vez pelo continente, pela Trácia e Macedónia, e conduzidos pelo Grande Rei em pessoa. Deste modo, considerando tudo isto, O famoso oráculo de Delfos, embora muitas vezes equivocado e con-

fuso, teve muita razão ao recomendar aos atenienses que «voassem para o extremo do mundo» (Heródoto 7, 140, 2) em vez de tentarem resistir à pressão persa.

11

CRONOLOGIA 559 a.C. 556 a.C. 550 a.C. 546 a.C. 539 a.C. 530 a.C. 527 a.C.

525 a.C. 524 a.C.

522 a.C.

518 513 512 510

a.C. a.C. a.C. a.C.

499 a.C. 498 a.C.

497 a.C. 494 a.C.

Ciro torna-se rei de Anshan. Nascimento de Simónides em Ceos. Ciro conquista a Média. Ciro conquista a Lídia e submete os gregos da Ásia Menor. Ciro toma a Babilónia após a sua vitória

486 a.C. 485 a.C. 484 a.C. 483 a.C.

12

Princípios de Junho: Xerxes atravessa o

Ciro morre na luta contra os masságetas.

Helesponto.

Cambises sobe ao trono.

Finais de Junho: Xerxes passa revista em

Morte de Pisístrato. Hípias, tirano

Dorisco.

de Atenas.

Artemísio e nas Termópilas.

Nasce Esquilo em Atenas.

Princípios de Setembro: Xerxes entra em

Cambises tenta conquistar Cush.

Os persas neutralizam a revolta no Chipre.

A frota jónica é vencida em Lade., Os persas destroem Mileto:

terminam em fracasso. Dario exige que os estados gregos se submetam ao seu governo. Os persas saqueiam a Erétria (Eubeia).

Batalha de Maratona. Xerxes torna-se o Grande Rei. Revolta do Egipto.

Revolta da Babilónia. Nascimento de Heródoto em Halicarnasso (Cária). Os persas começam a construir um canal através do estreito da península do monte Athos.

|

Atenas.

Polícrates de Samos é vencido pelos

persas. Morte de Cambises. Dario toma o poder na Pérsia. Nasce Pindaro em Tebas. Dario tenta subjugar os citas. Dario conquista a Trácia. Hípias de Atenas é expulso com a ajuda de Esparta. Início da revolta jónica. Os atenienses e os erétrios queimam sardes (Lídia).

|

Finais de Agosto: batalhas gémeas em

Cambises conquista o Egipto.

493 a.C. 493/492 a.C. Temístocles, arconte de Atenas. 492 a.C. As operações de Mardónio na Trácia

490 a.C.

Tempe.

em Ópis.

fim da revolta jónica. Os espartanos derrotam os argivos em Sepíade: supremacia de Esparta no Peloponeso. Vitória persa em Malene.

491 a.C.

483/482 a.C. É encontrada uma rica jazida de prata em Laurion (Atica); nascimento da frota ateniense. 480 a.C. Meados de Abril: Xerxes abandona Sardes. Finais de Maio: os gregos no vale do

Finais de Setembro: batalha de Salamina.,

Princípios de Outubro: Xerxes regressa a Susa. 479 a.C.

478 a.C. 476 a.C.

472 a.C.

466 465 456 454

a.C. a.C. a.C. a.C.

449 a.C. 431 a.C.

Princípios de Junho: Mardónio recupera Atenas. Meados de Julho: mobilização de Esparta. Meados de Agosto: batalhas de Plateias (morte de Mardónio) e Mícala. Os persas são expulsos de Sesto e Bizâncio (Quersoneso). Os persas são expulsos de Eion (T rácia).

Esquilo ganha o primeiro prémio nas festas

de Dionísio com o seu Persai (Os Persas). Batalha do Eurimedonte (Panfília).

Assassinato de Xerxes. Morte de Ésquilo em Gela (Sicília). Os persas destroem a força expedicionária ateniense no delta do Nilo. O ateniense Cálias negoceia a paz com a Pérsia, Heródoto regressa a Atenas e morre pouco depois.

|

1 ||

COMANDANTES EM CONFRONTO

4B

Estátua moderna

de Leónidas erigida em 1968 pelos gregos estado-unidenses de origem espartana. Baseia-se no «Leónidas» encontrado na acrópole espartana, que se ergue

precisamente

por detrás.

No pedestal estão inscritas as duas palavras que o rei deu como resposta a Xerxes quando este convidou os gregos a depor

as armas. (Colecção do autor)

egundo

Xenofonte,

caçador

experimentado,

a arte

da

guerra

“SB, era uma extensão das técnicas de caça das sociedades guerreiras “as” anteriores aos estados. Deste modo, o antigo capitão mercenário ateniense tornou-se um lavrador do Peloponeso e interrogou-se se, num mundo mais sofisticado, continuava a ser necessário que o general (strategos) fosse o grande exemplo de coragem do seu exército ou se não era preferível que se afastasse do perigo para que, através da observação e do sangue-frio, pudesse dirigir a actuação do seu exército, com o obJectivo de obter um melhor resultado. Depois de algumas discussões, Xenotonte

(Oikonomikos 21, 4-9) chega à conclusão de que continua a ser

preferível que o general mostre uma valentia homérica em virtude da ascendência que tal atitude exerce sobre os seus homens. Existe um antigo provérbio chinês que afirma: «Um general corajoso mas estúpido é uma calamidade.» Por outras palavras, os soldados esperam algo mais de um comandante que a simples coragem. Pelo contrário,

Xenofonte, tendo considerado o tema da liderança, decidiu que a acção

era mais importante que o pensamento. Keegan (1987: 315-338) indica o que ele considera as cinco categorias básicas do comando: em primeiro

lugar, a aproximação, ou seja, a criação de um vínculo entre o comandante

e os seus subordinados; em segundo lugar, a ordem, ou seja, o contacto

verbal directo entre o comandante e os seus homens; em terceiro, a sanção,

o sistema de recompensa e castigo; em quarto, o imperativo da acção, pre-

paração táctica/estratégica e inteligência; e em quinto, o imperativo do

exemplo, a presença física do comandante na batalha e o facto de partilhar o risco. Esta última categoria, que devemos considerar sempre ao analisar a batalha das Termópilas, pode dividir-se em três estilos de comando: os comandantes que participam sempre na batalha, os que o fazem algumas vezes e os que nunca o fazem. Nos dois extremos do espectro da «más-

cara do comando» temos o chefe guerreiro dos tempos anteriores aos estados de que fala Homero, o líder no seu sentido mais estrito, e o director de batalha que dirige o combate em vez de participar nele. y

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Leónidas, rei de Esparta, filho de Anaxândridas,

nasceu provavelmente

no início da década de 540 a.C. A sua mãe era a primeira mulher do pai (desconhece-se o seu nome),

mas nasceu quando este já tinha um filho

legítimo, Cleómenes, nascido da sua segunda esposa — aparentemente o rei era bígamo —, cujo nome também se desconhece. Heródoto escreveu que a bigamia de Anaxândridas era uma «condição nunca ouvida em Esparta» (5, 37), mas isso não impediu que Cleómenes assumisse o trono

após a morte da sua mãe, Depois do nascimento de Cleómenes, à primeira

13

O fértil vale do Eurotas, virado a noroeste desde o Menaleion, o mausoléu de Menelau e Helena. Às origens de Esparta

situam-se num grupo de aldeias

margens do rio a dA Eurotas, no sul do Peloponeso. i

Esparta cresceu subjugando ou escravizando os seus vizinhos

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da Lacónia e da Messénia,

que, assim,

se transformaram

em hilotas. (Colecção do autor)

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mulher de Anaxândridas conseguiu finalmente conceber, e desta união nasceu em primeiro lugar Dorieus e depois mais dois filhos varões: Leónidas e Cleômbroto. Deste modo, Leónidas foi um dos quatro filhos de Anaxândridas, o segundo descendente da sua primeira mulher, e o terceiro por ordem de nascimento. Assim, Leónidas subiu ao trono de forma inesperada, como o rei dos

ágidas de Esparta após a morte sinistra do seu meio-irmão Cleómenes, com cuja filha e herdeira, Gorgo, se tinha casado. A versão oficial era que Cleómenes se tinha suicidado num momento de loucura. Aparentemente, tinha-se cortado em pedaços pela parte superior dos pés, um final trágico para alguém que se tinha transformado num louco alcoólico depois de um emissário cita o ter ensinado a beber vinho puro. Os gregos quase nunca bebiam vinho deste modo, pois, regra geral, misturavam-no com água, Alguns autores da Antiguidade assinalam que a proporção vinho /água era de 3:1, 5:3 ou, no máximo, 3:2. Deste modo, se Cleómenes bebia vinho

«à moda cita», se foi isto o que efectivamente aconteceu, sem dúvida que não era melhor que o mais bárbaro dos bárbaros. Os espartanos eram abstémios, controlavam os bebedores de vinho e não eram partidários do culto a Dionísio. O deus do vinho e do comportamento descontrolado, exactamente o contrário do masculino controlo espartano. Caiu Cleómenes por si mesmo ou foi empurrado por outros? O mais provável é que o reino de Cleómenes fosse encurtado atra-

vés de um assassinato organizado e silenciado, que foi executado seguindo

as ordens do homem que o sucedeu no trono dos ágidas. É possível que, quando Leónidas levou o seu pequeno exército para as Termópilas, tivesse

algo que expiar na sua consciência. Assim, enquanto as suas obrigações impediam o resto dos espartanos

de celebrar a sua festa anual mais importante, as Carneias, em honra de

Apolo, Leónidas avançou para norte com um grupo escolhido de 300 soldados espartanos, todos eles «homens co m filhos» (Heródoto 7, 205, 2). Nada sabemos da trajectória militar de Leónidas a ntes desse momento. so Como já tinha ultrapassado a idade militar (o limi te estava estabelecido

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nos 60 anos), poderia ter adquirido experiência em co mbate na década de 320 a.6., mas fora apenas em guerras menore S, OU seja, nas tra vadas contra os atenienses e os argivos. Enquanto Leónidas preparava a sua resistência, chegou um emissário persa que explicou ao rei a inutilidade de tentar resistir ao avan ço do exército do Grande Rei e exigiu que os gregos depusessem as suas armas é

se submetessem ao poder da Pérsia. Leónidas, lacónico, respondeu assim

a Xerxes: «Vem e recolhe-as» (molon labe. Plutarco, Obras Morais e de Costumes 225D). Embora Leónidas tenha conseguido repelir os assaltos dos persas durante dois dias, não pôde impedir que o seu flanco sul fosse surpreendido pelo caminho de Anopeia. Depois de fazer partir o grosso principal das suas forças, o rei permaneceu com 700 téspios, 400 tebanos e os Trezentos. Os espartanos e os téspios lutaram até ao último homem, e o rei de Esparta caiu com o corpo trespassado pelas lanças persas enquanto encabeçava valentemente um contra-ataque que fracassou. Cerca de 40 anos mais tarde, o que se julga que eram os restos do rei foram levados para Esparta para serem enterrados de novo segundo os

rituais e, mais tarde, construiu-se em sua honra um mausoléu digno de um herói. Quanto aos Irezentos, no seu epitáfio em verso, escrito pelo poeta mais admirado da época, Simónides de Ceos (n. c. 556 a.C.), e gravado numa pedra no lugar onde morreram, é, talvez, a mais famosa de todas

as Inscrições deste tipo: «Estrangeiro, diz aos espartanos que aqui jazemos, obedecendo aos seus preceitos» (Heródoto 7, 228, 2). Esta lacónica e muito apropriada frase recordou a gerações de helenos a dívida contraída com os espartanos. À mesma mensagem de orgulho e desafio é citada num leão de pedra erigido no local, pois o rei do reino animal simbolizava as gestas militares. Este documento também faz eco do próprio nome de Leónidas, que significa «descendente de leão».

OS

REIS

DE

Pithos do século vi (Esparta, Museu com um

de Arqueologia), guerreiro espartano.

O capacete especial

coríntio, em

quando

estava

polido,

era uma visão aterradora para o inimigo. Para potenciar o efeito, os espartanos

deixavam

ver os

cabelos debaixo do capacete. Noutros tempos

moda

universal,

o cabelo comprido era, naquela

época, exclusivo de Esparta. (Colecção do autor)

ESPARTA

Esparta era um aglomerado de quatro assentamentos (obai), ao qual se acrescentou um quinto em data mais tardia, cujos cidadãos gostavam de proclamar que não precisavam de muralhas. O facto mais peculiar sobre o Estado espartano era a sua monarquia dual (diarquia), um fenómeno que nunca foi explicado satisfatoriamente. Heródoto (6, 52, 1) afirma que as duas famílias reais, os ági-

das e os euripôntidas, partilhavam um antepassado comum e ambos traçavam a sua linhagem até aos próprios filhos do semideus Héracles, e por isso eram igualmente dignificados. Outra sugestão é que os dois reis procediam de uma época em que havia duas tribos, cada uma delas encabeçada por um chefe. Pouco a pouco, ambas as tribos

se uniram e os seus chefes partilharam a liderança. Heró-

doto (5, 56-60) assegura-nos que ambos os reis partilhavam idênticos poderes, privilégios e obrigações, ou eram os comandantes-chefes do exército durante toda a vida.

Por outras palavras, a monarquia dual de Esparta era uma

forma

de

liderança

hereditária,

mas

não

monárquica,

aquilo que Aristóteles descreve como «um tipo de geneo.

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15

ralato (strategia) irresponsável e vitalício» (Política 1285A 4). Do mesmo modo, a constituição política espartana

tinha uma base de tipo tribal, com

uma assembleia de guerreiros (apella) e um conselho de anciãos (gerousia).

Este último era formado pelos dois reis e por mais 28 membros, que eram

escolhidos para sempre de entre os espartanos com 60 anos de idade ou

mais velhos. Pouco se sabe sobre quais eram as atribuições do conselho, embora Heródoto (5, 40) deduza que podia desempenhar as funções de um tribunal para decidir os casos mais importantes. A apella, por outro lado, era formada pelos guerreiros espartanos que tivessem alcançado os 30 anos de idade. As suas funções incluíam a escolha de membros pa-

ra a gerousia e de outro corpo político formado pelos éforos («os que supervisionam»). A apella também tinha a última palavra em matéria de

leis e política. O modo de votação habitual era por aclamação, o que até

Aristóteles considera um espectáculo de jogos infantis, embora Tucídi-

des (1, 87, 2) indique que nem sempre era este o caso. Os éforos, cinco no total, eram eleitos livremente uma vez por ano e encarregavam-se da maior parte das questões diárias do Estado. Presidiam as reuniões da apella, recebiam os embaixadores estrangeiros e transmi-

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tiam ordens aos comandantes no campo. No entanto, a sua origem é obs.

cura. Xenofonte (A República dos Lacedemónios 15, 7) indica que, todos os meses, os éforos e os reis trocavam juramentos, cada um para apoiar a

|

posição do outro, o que sugere que, num remoto passado tribal, os éfo-

ros funcionavam como figuras de tipo xamânico. Tucídides (1, 131, 2) afirma que os éforos tinham poder para prender os reis, mas não para julgar ou condenar, e Heródoto (5, 39-40) demonstra até que ponto estes podiam persuadir os reis. Tendo tudo isto em consideração, aparentemente os reis obedeciam à vontade dos éforos e à gerousia. Talvez quando surgiam queixas sobre os reis, os éforos desempenhassem as funções de fiscais e os anciãos, de juízes.

Filho de Dario e de Atossa, filha de Ciro, Xerxes (c. 486465 a.C.) foi designado herdeiro pelo seu pai, passando aparentemente à frente do seu meioIrmão mais velho Artabazanes. Xerxes foi o primeiro filho varão de Dario após a sua ascensão ao trono (Heródoto 7, 2, 2). Xerxes é a transliteração grega do persa antigo Xshayarsha, o nome do trono do rei, que se compõe das palavras xshaya (rei; cf. persa moderno, shah) e arshan (homem, masculino), o que significa «o rei que é um verdadeiro homem», «herói entre reis». Com os seus 32 anos de idade, ao alto e bem-apessoado Xerxes assen-

tava-lhe muito bem o papel. Xerxes seguiu os passos de Ciro, o seu avô materno e fundador da dinastia dos aqueménidas, assim chamada por Aquémenes, o fundador semimítico do clã de Ciro. Todos os reis desde Ciro tinham encabeçado uma invasão e todos eles tinham conquistado novos territórios. , Xerxes é o bíblico rei Assuero, «que governou 127 províncias desde a India até Cush» (Ester 1, 1), sem dúvida o maior império da história até aquele momento. Xerxes também herdou do seu pai os planos para uma nam de

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depois de travar uma sangrenta batalha contra um indivíduo que afirmou ser o magus Gaumata, mas que provavelmente era Bardiya («Esmerdis» em Heródoto 3, 61), irmão de Cambises; Dario, que procedia de um ramo

colateral dos aqueménidas, reorganizou e consolidou o império — tal como se indica na inscrição de Behistun — e estabeleceu um despotismo

benéfico sobre as suas províncias, Obviamente que havia poucas coisas que pudessem granjear ao novo «Rei dos reis» mais respeito dos seus que vingar o seu real pai perante os gregos. Mas isso teria de esperar. Nos inícios do seu reinado, Xerxes teve de enfrentar uma revolta no Egipto (486 a.C.) e, possivelmente, outra na

Babilónia (485 a.C.). Embora tenha lutado com êxito em África e na Ásia,

Xerxes é famoso pelo seu fracasso na conquista da Grécia e na perda da

Macedónia, Trácia e Anatólia do Egeu (480-476 a.C.), além da esmagadora derrota no rio Eurimedonte, na Anatólia meridional (466 a.C.). Mesmo

assim, merece uma consideração mais genuína. A sua expedição contra os gregos, cujo objectivo era vingar-se da derrota em Maratona, também reflectia um imperativo expansionista: preparou-se de forma elaborada (melhoraram-se as estradas, construiu-se um canal atrás do monte Athos,

ergueu-se uma ponte sobre o Helesponto e abriram-se depósitos de alimentos) e em grande escala. Naturalmente, os gregos pensavam que os elaborados preparativos de Xerxes mais não eram que hubris— arrogância perante os deuses —, que eles associavam com todos os déspotas e monarcas orientais. Não há nada que contradiga a ideia de que Xerxes e o seu Alto-Comando foram magníficos organizadores a uma escala nunca sonhada naquele período da história da humanidade. O quadro que Heródoto apresenta de um enorme exército que incorporava todos os grupos étnicos do Império é um pouco absurdo, apesar de não subsistir nenhum documento da zona do Próximo Oriente que possa dar algum esclarecimento sobre o recrutamento, treino e equipa-

Um darico (Londres, Museu

Britânico), que mostra Xerxes a esgrimir um arco e uma

Armado

lança.

e perigoso, esta era

a imagem

do Grande Rei que

iria ser vista pelos milhões de pessoas

que nunca

veriam

de outro modo qual era o seu aspecto. Introduzida por Dario pela primeira vez, esta moeda

de ouro puro transformou-se

rapidamente no «dólar» do seu tempo. (Colecção do autor)

mento da infantaria ou da cavalaria persas, e as teorias modernas entram

em discrepância neste sentido. Sem dúvida que era muito grande e com-

plexo, e, seguramente, precisava de uma logística pouco adequada à topo-

grafia grega. Também existe a suspeita de que os persas confiaram demastado na presumida fragilidade da unidade grega. Embora Xerxes não fosse o déspota «húbrida» oriental que os autores gregos descreveram, a sua natureza era bastante arrogante para desejar travar uma grande batalha final que iludisse a campanha. Mas esta não iria ocorrer. A campanha foi levada a cabo na «divina Salamina»

(Heródoto 7, 141, 4), onde a frota

persa sucumbiu no campo grego, e na batalha de Plateias. Nesta, mais uma vez, e graças à colocação da contenda em campo aberto, os hoplitas helenos impuseram-se à infantaria persa. Neste cenário, entre os persas, que viam o bom

governo

de um

rei

expresso nas suas construções, Xerxes foi recordado como um grande

homem. As construções mais importantes sobre os terraços de Persépolis,

a espiritual e cerimoniosa capital, completaram-se

de Xerxes,

incluindo a Sala de Audiências

durante o reinado

(apadana),

com

os seus im-

pressionantes relevos em pedra calcária, que ilustravam a estrutura e o alcance do Império: rei, corte e centenas de milhares de súbditos com diferentes características etnográficas. A reputação de Xerxes como um homem frágil e mulherengo deve-se a certas passagens de evidente estilo novelístico de Heródoto (7, 2-3, 9, 108-113), que nutria pouca simpatia por Xerxes, O guerreiro que neutralizou as revoltas no Egipto e na Babilónia,

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assim como a leitura de certas inscrições reais como mensagens pessoais

do Grande Rei mais que em fórmulas reais. Visto do coração do terr itó-

rio, O seu reinado forma um período de consolidação, e não de incipiente decomposição nem de decadência endogâmica. Todos os escritores gregos estavam fascinados pelas riquezas e pelo poder dos governantes persas, pelo que muitas vezes contavam, com grande regozijo, todo o tipo de histórias sobre as intrigas da corte e a decadência moral que surge da comodidade excessiva do luxo ilimitado. Nestes episódios, o Grande Rei aparece como uma figura essencialmente frágil, presa das maquinações de mulheres poderosas e sinistros eunucos. Esta é uma inversão das normas sociais e políticas dos gregos com que nós, ocidentais, nos identificamos normalmente e continuamos a fazê-lo nos dias de hoje: a oposição binária de um «nós» e um «eles» tão notória durante os recentes conflitos do Afeganistão e do Iraque. A imagem de um monarca persa cobarde e efeminado exerceu uma enorme influência através dos séculos, transformando o Império persa num poderoso «outro» no orientalismo ocidental, em contraste com o valor e a mascu-

linidade «ocidentais». Devemos recordar este dado ao estudar o Império Persa: a visão do seu sistema político está cheia de fissuras. O Grande Rei era um guerreiro escolhido por outros guerreiros persas, do clã dos aqueménidas e, em teoria, a sucessão passava de pai para filho. No entanto, havia um factor que o complicava: os numerosos filhos potencialmente disponíveis, graças ao subtema de harém criado por Xerxes. Esta era uma vasta organização supervisionada pelos eunucos da corte, que incluía esposas persas e não persas. A Ester bíblica era uma delas. Pela manhã, uma jovem apresentava-se a Xerxes para, «pela manhã seguinte, regressar a outra parte do harém ao cuidado de Shaashgaz, o eunuco do rei, que estava a cargo das concubinas. Não cairia de novo nos braços do rei, a menos que este estivesse comprazido com

ela e a chamasse pelo seu nome»

(Ester 2, 14).

A intriga seguida do magnicídio torna-se um mal endémico. Xerxes e o seu filho mais velho seriam assassinados durante um golpe de Estado

palaciano em 465 a.C. (Ctesias FGrHist 688 F13, Aristóteles, Política 1311b

37-40). No entanto, apesar do fracasso da sua invasão, a Pérsia não deixou de desempenhar um importante papel nos assuntos gregos. Durante o

século e meio seguinte, a maior parte dos estados helénicos da Ásia Menor

permaneceram sob o firme controlo dos persas, enquanto a diplomacia e o ouro da Pérsia influenciavam o curso de muitos conflitos políticos e militares na Grécia. À inscrição de Behistun

Este excepcional Pérsia e é a única res. Está gravada encosta no monte rota de caravanas

documento é um extenso texto sobre a história da inscrição da realeza que recolhe factos, datas é luganuma suave secção rectangular do anverso de uma Behistun, a cerca de 66 m de altitude, situado na antiga e caminho estratégico entre a moderna Hamadan

(Irão) e Bagdade (Iraque). Behistun, ou Bisitun, deriva de uma palavra

do persa antigo, Bagastana, que significa «o lugar onde moram os deu-

ses», pois para os persas —

e antes deles para os elamitas —, as mon-

tanhas e os rios eram sagrados. A inscrição é ilegível vista do solo. Naquele tempo, esta estrada ligava as capitais da Babilónia e da Média,

Babilónia e Ecbátana (Hamadan).

19

O mais famoso dos grandes reis é Dario, e tal como muitos homens famosos, não era muito modesto. Nesta inscrição, Dario comemora as suas vitórias militares. Conta-nos que o deus Ahura Mazda (em persa antigo, Auramazdaha) o escolheu para expulsar do trono um usurpador chamado Gaumata e salvar a Pérsia, que teve de sufocar várias revoltas e vencer

alguns inimigos estrangeiros. O monumento tem quatro partes. Em primeiro lugar, num grande papel, aparece um Dario de tamanho real, coberto com uma túnica e levando um arco, acompanhado pelo portador

do seu arco, Intrafrenes, e pelo portador da sua lança, Gobrias, que pode identificar-se como o pai de Mardónio. Dario contempla do alto nove representantes de povoações conquistadas, cujos pescoços estão envolvidos por uma longa corda e as mãos atadas às costas. Debaixo dos pés de Dario encontra-se outra figura, muito estragada: Gaumata. Sobre estas 13 pessoas aparece uma representação do deus supremo e divindade principal do zoroastrismo, Ahura Mazda. Debaixo há um painel com um texto cunei-

forme em persa antigo, uma «escrita real» inventada por Dario para transcrever o seu próprio idioma, que conta a história das conquistas do rei. Este texto tem cerca de 515 linhas. Outro painel conta mais ou menos a mesma história em acádio, o idioma antigamente falado na Babilónia e que ainda se utilizava em ocasiões oficiais e para propósitos científicos. Há ainda outro painel com o mesmo texto escrito em elamita, a língua da administração do Império aqueménida. Esta tradução do texto persa consta de 650 linhas. Depois de destronar Gaumata (522 a.€C.), Dario decidiu sufocar algu-

mas rebeliões por todo o Império, que foram neutralizadas em 19 batalhas por um corpo de tropas leais: o forte exército que Cambises conduziu para o Egipto. Os rebeldes foram vencidos e os seus capitães, como era habitual, mutilados e empalados. Isto também aparece no texto, onde vemos o deus e o rei, o usurpador morto e sete homens que representam sete povoações rebeldes. Enquanto os artistas davam forma a este monu-

mento, Dario venceu vários inimigos estrangeiros (520-519 a.C.); estas vitórias foram celebradas através de uma alteração no desenho inicial, acres-

centando duas novas figuras que incluíam o rei cita (saca) Skunkha, que aparece com uma barba comprida e um chapéu pontiagudo. Quando se finalizaram as gravuras, eliminou-se a cornija que se encontrava por debaixo da inscrição, para que ninguém pudesse sabotar as inscrições. Fonte primordial da história da Pérsia aqueménida, a inscrição de Behistun é também uma hábil manobra de propaganda política que serviu para legitimar o reino de Dario.

20.

EXÉRCITOS EM CONFRONTO

uando Aristágoras, O tirano de Mileto patrocinado pelos persas, bateu à porta de Cleómenes, rei de Esparta, levava consigo um mapa do mundo, tal como ele o conhecia, gravado em bronze. Armado deste modo, deu um eloquente discurso que esboçava um vívido quadro sobre as enormes riquezas materiais do Grande Rei e a falta de coragem que os seus súbditos demonstravam. Claro que o astuto Aristágoras tinha boas razões politicas para isso: queria que Cleómenes apoiasse uma revolta dos gregos da Ásia Menor do seu senhor, Dario. Mas Cleómenes recusou-se a enviar tropas espartanas para uma campanha contra o Império persa que os obrigaria a uma marcha de três meses pela terra adentro, longe do seu familiar mar Egeu, e ordenou a expulsão de Esparta do tirano de Mileto antes do pôr do Sol. Aristágoras foi então para Atenas, onde teve mais sorte. Apesar dos seus veementes dois discursos, Aristágoras mencionou dois factos importantes acerca do equipamento militar dos persas quando falou dele em termos de «arcos, lanças curtas, calças e turbantes», e insistiu em que careciam tanto de «escudos hoplitas» como de «lanças hoplitas» (Heródoto 5, 49, 3: 97, 1). Apesar disso, quase todo o mundo considerava que os persas eram invencíveis no campo de batalha e, segundo Heródoto, os gregos nunca tinham conseguido detê-los. Durante a revolta da Jónia, que se saiba, os persas lutaram em cinco batalhas terrestres, e saíram vencedores em quatro delas. Infelizmente, Heródoto não nos oferece muitos pormenores. De três delas (Éfeso,

Colunas Brancas, Labraunda), o historiador não indica qualquer informação

táctica; uma delas, na qual os persas «foram cortados em pedaços» (Heró-

doto 5, 118), foi uma emboscada nocturna numa via perto da cidade de

Pedaso, em Caria, e a batalha final foi o confronto em Malene, perto de Atar-

neu, na Grécia continental, a leste de Lesbos. É surpreendente o pouco que

Heródoto conta sobre esta batalha, pois enquanto a infantaria persa estava bloqueada na batalha, a chegada tardia da cavalaria desequilibrou o conflito

e «os gregos fugiram»

(6, 29, 1). De facto, mais tarde, Heródoto insiste na

confiança dos persas em Maratona quando comenta que pensavam que os atenienses estavam loucos por se arriscar a um ataque «sem apoio da cavalaria nem dos arqueiros» (6, 112,9), Quando a arte da guerra clássica se reduz aos seus elementos mais simples, concluímos que apenas existem dois métodos para derrotar o inimigo no campo de batalha: o choque ou os projécteis. No primeiro, a vitória é assegurada com a luta corpo a corpo; no segundo, através de uma chuva mortal de projécteis que destruam ou façam fugir o inimigo antes que se poss a aproximar. Deste modo, as armas de batalha assumem as características que as definem: armas de choque, tais como a adaga, a espada ou o machado,

e de projéctil, como as pedras, O arco e as setas ou à lança de arremesso.

As Termópilas seriam um confronto entre ambos os sistemas militares: os lutadores corpo a corpo (hoplitas gregos) contra os lutadores de longo alcance (arqueiros persas).

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A polis (pl. poleis), ou «cidade-estado», era a forma característica da vida urba na grega.

Caracterizava-se, principalmente, pelo se u pequeno taman ho, a sua autonomia

política, a sua homogeneidade social e o seu forte sentido da comunidade e respeito pela lei. No enta nto, a polis nem era uma verdadei-

ra cidade nem sequer apenas uma cidade, po is a sua população estava distribuída por um território urbano que po dia incluir numerosas aldeias. O elemento principal das poleis eram as pess oas, os cidadãos, mais que o terri-

tório. Portanto, o seu verdadeiro sentido, e aq uele que as tornava algo único era o de «estado de cidadãos» mais do que o de «cidade-estado». Como a polis era sempre definida pelos seus membros (por exemplo, Os atenienses, e não Atenas; os espartanos, e nã o Esparta), mais que geo-

graficamente, era, no essencial, uma comunidade de lavradores guerrei-

ros, varões em idade militar que, se fosse ne cessário, lutariam por ela e na qual o poder militar da comunidade controla va à vida política e institucional (m

Capacete

coríntio (Londres,

Museu Britânico GR 1 873, 9-10) da elegante «forma final» (C. 500 a.C.). Este capacete foi, sem dúvida, o que mais êxito teve entre os gregos. Fabricado com uma única folha de bronze, ajustava-se bem à forma do crânio e apresentava orifícios apenas para os olhos, fossas nasais e boca. (Colecção do autor)

agistraturas, conselho, assembleia). Uma ve z que era uma sociedade basica

mente agrária, a polis em si mesma controlava e explorava um território (cho

ra), que os cidadãos e os seus grupos familiar es cultivavam. Como a chora se encontrava delimitada geograficamente

pelas montanhas ou pelo mar. ou então pela sua proximidade com outra polis, as guerras entre as comunidades fronteiriças eram bastante habituais. A au tonomia de cada polis era

zelosamente guardada, mas a necessidad e de colaboração derivou numa

série de alianças, ligas e hegemonias.

O soldado-cidadão Os exércitos das poleis gregas eram formados por grupos de cidadãos (polites) suficientemente prósperos para disporem de um equipa mento de hoplita, infantaria blindada que lutava lado a lado numa grande formaç ão conhecida como «falange», palavra que significa «filas de homens». À excepção dos espartanos, que dedicavam toda a vida ao treino militar, e de algu mas escassas unidades patrocinadas pelo Estado, como o famoso Batalhão Sagr ado de Tebas (que compreendia 300 homens distribuídos em pares de ho mossexuais), as levas cidadãs eram soldados a tempo parcial sem treino específic o. Lutar pelo seu Estado em tempos de guerra era o dever moral social e, sobretudo, político do cidadão de uma polis. Os cidadãos, que estavam dispon íveis

para o serviço militar em qualquer idade, em geral a partir dos 20 anos, permaneciam neste papel durante pelo menos 40, pois a deserção ou a cobardia podiam implicar a perda da cidadania. Inclusive os poetas, como o ateniense Ésquilo, lutavam na falange e, de facto, no seu túmulo é recordado como guerreiro, e não como poeta, À panóplia hoplita constava de um escudo grande e redondo, de forma côncava (aspis), com aproximadamente um metro de diâmetro, um capacete de bronze, uma couraça de bronze ou de linho rígido e caneleiras de bronze. A armadura chegava a pesar mais de 30 kg; o aspis, com aproximadamente 7 kg, era o elemento mais pesado. Tratava-se de um escudo de madeira forrado com uma camada muito fina de bronze e o interior forrado de couro de linho. À estrutura do escudo, de uma maneira geral, era construída com madeiras flexíveis como o salgueiro ou o choupo. Devido ao seu enorme peso, os soldados seguravam no escudo com duas pegas: uma bracelete (porpax), no centro, por onde passavam o antebraço, e a pega (antilabe), fixa perto da borda. O aspis segurava-se perto do peito e cobria o corpo do soldado

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panóplia hoplita de meados do século vi (Olímpia,

Museu

de Arqueologia,

B 5101,

B 4985) era formada por um corselete campaniforme (esquerda) e um aspis (direita). Este tipo de corselete deve o

seu nome

à aleta que assoma

para fora debaixo da cintura, como a boca de um sino. Estas aletas serviam para desviar os golpes.

(Colecção do autor)

hoplita desde o queixo até aos joelhos. No entanto, como se fixava no braço esquerdo, só oferecia protecção nesse lado. Sobressaindo da borda plana e larga do escudo, a cabeça do hoplita estava protegida por um capacete, forjado com uma única folha de bronze ao estilo coríntio. Muito duradouros, estes capacetes cobriam o rosto, de ixando ape-

nas pequenas aberturas para os olhos, os orifícios nasais e da boca, e resis-

tiam aos impactos sem rachar. O interior era forrado com uma camada de couro de linho, que se fixava no metal através de uns orifícios. Deb aixo do

capacete, muitos homens usavam uma fita na testa, que não só lhes prendia o cabelo, mas que também proporcionava um certo apolo a esta pesada peça blindada. No entanto, todos os

O friso norte do Tesouro de Sifnos, em Delfos (c. 525 a.C.), mostra

a batalha

entre os

gigantes, equipados como hoplitas, e os deuses do Olimpo. Observe-se o pormenor da dupla

aleta do aspis, uma braçadeira no centro (porpax) e uma correia de couro (antilabe) perto da borda. (Colecção do autor)

hoplitas que usavam capacetes cobertos de bronze num clima quente estavam bem preparados para enfrentar certos mcómodos. Quando não lutavam, o capacete podia ser colocado na parte posterior da cabeça e deixavam o rosto a descoberto. É esta a posição em que aparece com maior frequência em esculturas, jarrões e moedas. O corselete, que podia ser de bronze ou de linho, cobria

totalmente o tronco do hoplita. Os deste último tipo eram fabricados com numerosas camadas de linho coladas com resina, formando-se deste modo uma peça rígida com meio centímetro de espessura. Abaixo da cintura era cortado em faixas (pteruges) para facilitar os movimentos, e colocava-se uma segunda camada de pteruges atrás da primeira, co-

brindo os espaços que ficavam abertos e formando uma

espécie de saia que protegia as virilhas. A principal vanta-

gem do corselete de linho (lnothorax), que apareceu por

volta de 525 a.C., era a sua comodidade e, para os soldados

que lutavam sob o sol do Mediterrâneo, tornava-se mais flexível e fresco que as peças deste tipo de bronze. Quanto à

protecção, a principal vantagem do bronze era o facto de poder desviar os golpes oblíquos. Um golpe directo podia

trespassar o metal, mas ainda podia ser detido pelos reforços

que os soldados levavam debaixo da armadura. Os corseletes de linho não desviavam os golpes oblíquos, mas podiam ser

23

tão eficazes como os de bronze pa ra as acometidas. Nestes casos of ereciam um

a menor protecção que o bronze, mas a sua maior comodidade e leveza compensavam esta circunstância. Finalmen te, as canelas do hoplita estavam protegidas por umas caneleiras de bron ze (knemides), às quais se dava a forma do

s músculos da perna para que se ajustass em perfeitamente a ela, Deste modo, o hoplita estava perfeitamente protegid o da cabeça aos pés,

À arma por excelência do hoplita era a lanç a com prida (doru), que podia ser atirada como um dardo. Fabricad a em madeira de cornizo, media entr e 2e2,;5mde comprimento, e estava equipa da com uma ponta de bronze ou

Estátua

de bronze dedicada aos 700 téspios que morreram nas Termópilas. Este contingente, que permaneceu por vontade

própria junto dos Trezentos, provavelmente era formado

por todos

os varões

adultos da

pequena polis da Beócia que estavam suficientemente preparados para ingressar no serviço militar na qualidade

de hoplitas. Em

poucas

horas,

uma geração inteira de cidadãos agricultores foi massacrada. (Colecção do autor)

de ferro na extremidade superior, Na inferior colo cava-se outra ponta, também de bronze, que, além de funcionar co mo contrapeso, permitia cravála no solo quando se ordenava que o hoplita en terrasse as armas (sendo de bronze não oxidava) e também podia ser utilizada como «mêlée». Essa peça inferior era conhecida pelo nome de «assassina de lagartos» (sauroter). A lança costumava ser levada sobre o ombro, com a po nta dirigida para o rosto do inimigo, embora, quando os hoplitas as carreg avam, muitas vezes preferissem colocá-las abaixo do ombro. A parte central da la nça estava coberta com corda para que o soldado pudesse agarrá-la com fo rça. O hoplita também usava uma espada (kopis), pesada e com um único gume , concebida para seccionar o inimigo atacando com uma potente estoca da. Tanto o gume cortante como a parte posterior eram convexos, com o peso carregado sobre a ponta. No entanto, esta era uma arma secundária. Táctica O escudo hoplita era o elemento que tornava viável a rígida formação em falange. Metade do escudo sobressaía pelo lado esquerdo do ho plita. Quando o homem que tinha à sua esquerda se aproximava, o escudo dest e último protegia o lado descoberto do primeiro. Por esta razão, os hoplitas co locavam-se lado a lado com os escudos unidos. Porém, quando esta form ação se desfazia, perdia-se a vantagem do escudo. Como comenta Plutarco (Obr as Morais e de Costumes 241), a couraça do hoplita era para sua protecção in dividual, mas o seu escudo protegia toda a falange. Em si mesma, a falang e era uma formação em profundidade, normalmente composta por hoplitas disp ostos em filas de 8 a 12 escudos. Nesta densa massa, apenas as duas filas da fren te podiam utilizar as suas lanças nos confrontos corpo a corpo, enquan to os homens a partir da fila três imprimiam peso ao ataque empurrando pa ra a frente. Isto conseguia-se, provavelmente, empurrando com o escudo o homem que cada um tinha à sua frente. Tanto Tucídides (4, 45, 3; 06, 2; cl, 6, 70, 2) como Xenofonte (Helénicas 4, 3, 19; 6, 4, 14) menciona ram em mui-

tas ocasiões o «empurrão com o escudo» (othismos) de uma carga hopl ita, Deste modo, na arte da guerra dos hoplitas, a falange em si mesma era a táctica. Quando uma polis enfrentava outra, a batalha crucial disput ava“se, regra geral, num terreno plano que permitisse ver claramente amba s

as frentes; estas não costumavam ter mais de um quilómetro de extensão e

entre elas havia um espaço de cerca de poucas centenas de metros de dist ância. Normalmente, depois de um sacrifício de sangue (sphagia), as duas fala nges em confronto limitavam-se a avançar uma para a outra em linha recta, percorriam a correr os últimos metros e colidiam; então, cegados pelo pó e pelos seus próprios capacetes, empurravam e apunhalava até m que um dos lados capitulava. Os habilidosos espartanos, segundo o impressionado Tucídide s, eram

famosos pelo seu avanço lento e ordenado, pois marchava m ao ritmo de

? ;

Mautas ca entoar canções de guerra, qu e contrastavam com o do inimigo «cheio de ruído e de fúria» (5, 70). Só antes do contacto, os soldados pro-

TROPAS COM ARMAS LIGEIRAS

feriam um Guto de guerra colectivo em uníssono (paean). O paean era um costume peculiar dos

Na cerâmica, em especial

gregos; de origem dórica, acabou po r ser adoptado por outros povos helénicos. Esquilo descreve-o como um «gri to sagrado emitido com voz potente [...], um grito que se oferecia em sacrifício, que fortalecia

nas peças áticas de figuras

vermelhas, os escaramuçadores

costumam aparecer com as roupas diárias dos pastores gregos, ou seja, uma grossa túnica de lã e um andrajoso

os camaradas e diluía o medo face ao inimigo» (Os Sete contra Te bas 268-9270).

e deliberadamente à vista do inimigo — o seu sacrif ício de sangue propi-

ciatório (Xenofonte, A República dos Lacedemónios 13, 8; Helênica 4, s 2, 18: Plu-

tarco, Licurgo 22, 4). A marcha lenta, as canções de guerra, as estriden tes flau-

tas de cana e as grinaldas frescas deviam oferecer um a vista inquietante aos que assistiam ao espectáculo do outro lado do camp o de batalha. Naquele

momento acontecia com frequência que os rivais rompliam fileiras e fugiam antes de cair sob a avalancha das lanças (eis dorus) dos espartanos.

Tucídides (5, 71, 1) também nos relata que, ao marchar, a falang e hoplita se desviava ligeiramente para a direita. Os homens situ ados à direita des-

locavam-se com medo de serem atacados pelo seu lado desprotegi do. Isso

arrastava o resto da falange, pois todos os soldados tentavam si tuar-se sob a

protecção do escudo as alas direitas podiam Tucídides assinala que (stralegor), inclusive no

do homem que tinham à sua direita. Deste modo, sobrepor-se com o lado esquerdo do rival e atacá-lo. aquela era uma tendência sobre a qual os generais exército espartano, tinham pouco controlo, ou abso-

lutamente nenhum. Nas Termópilas, como poderá comprovar-se, aquilo não aconteceu porque o lado direito da falange de Leónidas estava a descober to, dado que estava bem protegido pelo mar. Os gregos chamavam ao combate corpo a corpo, em que costumava haver golpes e presas, «a lei das mãos» (Heródoto 8, 89, 1). Na liça propriamen te dita, as duas primeiras fileiras das falanges opostas tentavam cravar as lanças nas partes expostas e desprotegidas do inimigo, ou seja, na garganta ou na virilha. Entretanto, as fileiras posteriores empurravam. Como pode imagin ar-se, quando um hoplita caía, ferido ou não, era difícil que conseguisse voltar a levantar-se. Esta «mêlée», breve mas perigosa, resolvia-se quando um dos lados entrava praticamente em colapso. Os vencedores não perseguiam os vencidos, que sempre que podiam abandonavam o campo de batalha. Como comentavam os filósofos, bastava matar uma pequena proporção das fileir as do inimigo num confronto, destruir o seu moral é obrigá-lo a fugir, vencid o

€ envergonhado, para donde tinha vindo.

chapéu de feltro. Não usavam

armas e 0 seu único meio de | defesa eram os improvisados

escudos de pêlo de animal, com os quais envolviam o antebraço | esquerdo e que seguravam

| ajustando-o ao pescoço.

Dado que careciam do treino

especializado no arco e nas setas, as suas armas limitavam-se às pedras ou aos dardos,

E

Os espartanos também usavam coroas de ramos, pelo menos até ao momento em que se detinham para realizar — tarde no decu rso da batalha

e só em algumas ocasiões

encontramos a estranha

representação de uma figura | armada com uma espada, talvez

recuperada do campo de batalha.

Os dardos gregos dispunham muitas vezes de uma correia

(ankyle) que se colocava a meio

da vara. Esta correia estava fixa

com um nó temporário, que se

fxava à volta dos dedos indicador

e médio do escaramuçador,

enquanto os outros dois dedos

e o polegar agarravam na vara.

Quando se lançava a arma, O laço desfazia-se e,

consequentemente, ficava na mão. A correia de lançamento transmitia uma velocidade extra ao dardo e proporcionava-lhe

uma certa rotação para que

tivesse mais estabilidade durante

o voo. Na iconografia grega

aparece muitas vezes o esticão do típico lançador de dardo

com os dedos indicador e médio juntos e direitos.

O ritual

As batalhas hoplitas apresentavam um forte carácter ritual. Mais que aniq uilar,

a ideia era vencer, pelo que se deve deixar um tanto de lado as ideias de táctica e à estratégia, Ao disputar as batalhas por partes em terr enos o mais

planos possível, os hoplitas empurravam fisicamente o inimig o, um facto

claramente descrito por Mardónio

(em persa antigo, Marduniya), filho de

Gobrias e da filha de Dario, num discurso dirigido ao seu primo Xerxes :

Os gregos são bastante beligerantes e iniciam a batalha no calor do momento,

sem que haja nada que o justifique.

Quando declaram guerra, reúnem-se

e dirigem-se para o terreno mais plano que encontram, e é ali que lutam.

(Heródoto 7, 9, B.1)

25

à medida que o tempo

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avançava, o sistema ia-se

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hoplitas, mas também,

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| Embora Mardónio pensasse que o estilo de guerra dos gregos nascia da Ignorância e da estupidez, o que afirma é inquestionável. Hnalmente, o persa acabaria por perder a vida e todo o seu exército. Mas porque perdurou tanto tempo a luta hoplita, cabeça com cabeça e em terreno aberto? Para começar, a batalha travava-s e nas terras dos

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partilhados. Para os hoplitas, a guerra era uma questão de pre stígio mais que de sobrevivência da polis. Esparta, cujos guerreiros er am famosos como

E

mantendo graças à tradição e a uma série de valores € pr econceitos sociais Os mestres do passado nesse tipo de luta, era uma excepção a esta regra,

pois os seus hoplitas eram mais permanentes e essenciais do que ocasionais e rituais. Por outro lado, havia implícitas uma série de regras de compromisso, os «costumes comuns», para a luta entre gregos. Entre outras regras, estava disposto que devia realizar-se uma declaração de guerra antes

de se iniciarem as hostilidades, que havia momentos em que não se podia

lutar (por exemplo, durante os festivais religiosos), que alg uns lugares estavam protegidos, tal como algumas pessoas (p. ex., os cen tros sagrados ou os mensageiros), que havia que respeitar os troféus, que os mortos deviam ser devolvidos aos seus lares, que nem todos os combatentes er am bran-

cos legítimos, que a guerra devia ter lugar numa estação adequada, e que só se perseguiria de forma limitada os vencidos e os inimigos em retirada. EO de

er

Manequim (Paris, Museu do Exército, 42) de um hoplita grego. O escudo do hoplita (aspis) protegia o soldado desde o ombro até ao joelho e era o elemento que tornava possível a falange. Observe-se a típica forma convexa do aspis, com a borda plana, que proporcionava rigidez à concavidade formada (Esther Carré)

pelo escudo.

Friso oriental do Tesouro

de

Sifnos,

a.C.),

em

Delfos (c. 525

que mostra

os heróis de

Tróia, Eneias e Mémnon, ambos representados como hoplitas. Os pormenores

do equipamento são autênticos, e Eneias

(à esquerda) usa um corselete rígido de linho, ao passo que Mémnon (à direita) conserva a antiga couraça de bronze, mais pesada e campaniforme., PP

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o friso norte do Tesouro de sifnos, em Delfos (c. 525 a.C.) mostra gigantes equipados como

hoplitas, lançando

uma

doru sobre o ombro. A vara era feita de madeira e o peso da ponta da lança (de bronze ou de ferro) era compensado com

uma

espiga de bronze

na

extremidade inferior da vara.

O peso de uma doru com 2,5 m

era, aproximadamente,

de 1 kg.

(Colecção do autor)

Estas regras não eram tidas em conta quando se lutava contra os «bárbaros», falantes de línguas distintas da grega, e foram anuladas durante a guerra do Peloponeso (Krentz 2002). Os gregos desenvolveram aquilo a que Hanson chamou a «forma ocidental da guerra», uma colisão cabeça com cabeça de soldados numa pla-

nície aberta, numa magnífica revelação de coragem, compleição física, honra

e Jogo justo. Consequentemente, sentiam repugnância pelas emboscadas, pelas esparrelas, pelos ataques enganosos e pela participação dos não com-

batentes. Para os helenos também não era uma honra lutar à distância, e

não se tinham em grande estima os arqueiros nem que atiravam as suas armas de uma grande distância, com pouco risco para a sua própria integridade. frontavam com lança e escudo, desafiando a morte e rada, eram considerados honráveis.

os lançadores de dardo dado que podiam matar Só aqueles que se conque desdenhavam a reti-

Os hoplitas não iam à guerra por medo do castigo ou com a esperança de saquear e obter uma pilhagem. Eram cidadãos das poleis, com propriedades — normalmente quintas — e detentores de certos direitos políticos. Lutavam para defender as suas liberdades e os seus lares, e faziam-no lado a lado com vizinhos, pais, filhos, tios e primos. Consequentemente, empenhavam-

-se a fundo para demonstrar a sua coragem perante os seus camaradas e

tinham um grande interesse no resultado da luta, pois davam tudo por tudo. As lutas entre hoplitas tinham um carácter tão brutal como pessoal. Os sol-

dados, armados e protegidos, avançavam na falange e lutavam até à morte.

27

8 |

Os seus campos de batalha eram cenas de lutas ferozes e carnificinas que normalmente não duravam mais de uma hora ou duas, durante as quais cada homem

era posto à prova até aos limites da sua resistência Íísica

e psicológica; então, a luta terminava e não voltava a produzir-se até passado um ano ou mais. À agoge espartana

Quando nascia um espartano, os anciãos da tribo (gerontes), con-

soante a saúde do recém-nascido, decidiam se devia ser criado Ou, como triste alternativa, ser abandonado na encosta da montanha.

Desde muito tenra idade, os varões que passavam na inspecção eram submetidos a práticas para os endurecer; por exemplo, eram banha-

dos em vinho, alimentados com

forragem e acostumados às condições

mais penosas. Depois, com sete anos de idade (Plutarco) ou 14 anos Kylix ático de figuras vermelhas (Atenas, Museu Ágora, P 42), atribuido do pintor Gérias e atado entre 510 e 500 a.C. dat a Esta cen a que decora o vaso

fragmentado mostra um jovem

hoplita que derrama uma libação em frente de um altar.

Quando os exércitos gregos

marchavam,

acompanhava-os

sempre a certeza dos seus

deuses como protectores e guias. (Colecção do autor)

(Xenofonte), iniciava-se uma educação orientada para o Estado, a agoge

(criação), cujo objectivo era prepará-los para o seu futuro papel como guerreiros. As crianças eram organizadas em «grupos» (agela:), lideradas por cabecilhas que, por sua vez, supervisionavam de perto os magistrass dos. Os rapazes eram iniciados de forma brutal na vida em comum; por

exemplo, eram obrigados a dormir em leitos construídos com jun cos cor-

tados à mão nas margens do arenoso Eurotas. Também não lhes eram permitidos luxos quotidianos, tais como o cal çado, dispunham de um

único manto para todo o ano e sobreviviam à base de uma dieta deliberadamente inadequada. o.

.

. Esta última circunstância obrigava os Jovens a roubar alimentos, o que, por sua vez, era punido com uma sova se fo ssem apanhados em flagrante.

A educação formal era mínima, mas incluía músi ca, ginástica e jogos relacionados com os princípios da arte da guerra (X enofonte, A República dos Lacedemónios 2-4),

Relevo em

rocha calcária

(Cálcis, Museu de Arqueologia, 7), de Larymna (Eubeia), que mostra

o sacrifício de um cordeiro antes da batalha. O único corte da espada (normalmente uma mantis)

de quem realiza o sacrifício

antecipa o derramamento de

sangue da batalha e marca o seu início ritual: o sacrifício do animal

precede imediatamente a matança de homens. (Colecção do autor)

So:

Porpax de bronze do século v (Olímpia, Museu

de Arqueologia). O braço esquerdo passava-se pela faixa, segurando assim o aspis no antebraço

do hoplita. O antilabe,

situado na borda, agarrava-se

com a mão esquerda e ajudava a manejar o escudo, muito pesado, ao mesmo tempo que

impedia

que

lhe

escorregasse pelo antebraço. (Colecção do autor)

Pontas de lança de bronze com forma de folha datadas do século x (Londres, Museu

Britânico, GR 1865, 7, 53-54). A extremidade mais estreita da vara da doru inseria-se na ponta de lança e aguentava-se

principalmente com pressão. Algumas pontas de lança, como a que se encontra

na parte

inferior da imagem, também tinham pequenos orifícios que serviam para as fixar na vara. (Colecção do autor)

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Pontas de bronze que se colocavam na extremidade inferior da lança (Delfos, Museu

de Arqueologia,

10871-10872);

10854,

duas delas

terminam em tubos cilíndricos, e a terceira, com

rectangular.

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uma aleta

Estas pontas

inferiores não só permitiam

espetar a doru no solo quando o hoplita não a utilizava, como também permitiam usá-la como arma ofensiva no caso

de perder a ponta da lança. (Colecção do autor)

29

de 20 anos e depois de sobreviverem à agoge, eram incluídos num dos ASTU-

pamentos militares, designados com diversos nomes — sussitia, andreia, phidition — e também conhecidos como «tendas comuns» ou suskania, Mas era apenas quando atingiam a idade de 350 anos que adquiriam todos

DO DO A os oa

Os espartiatas (spartratar) eram os guerreiros espartanos que, com a idade

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Os espartiatas

os direitos de um cidadão como um dos «iguais» (homoio?), recebendo nessa altura uma quinta ou um terreno (kleros) com o qual poderiam manter as suas

famílias através do trabalho dos hilotas (cativos). Embora, teoricamente, os espartanos fossem considerados iguais, na prática havia diferenças por nascimento e riquezas. Aristóteles (Política 1270b 6-7) afirma que apenas certas famílias podiam ser eleitas para se tornarem membros da gerousia. Do mesmo

modo, a propriedade da terra não tinha uma classe igualitária, apesar das

|

afirmações de Plutarco (Licurgo 8, 2) de que Licurgo dividiu a terra em lotes

iguais (hleroi). É preciso ser prudente com alguns dos pormenores indica-

dos por Plutarco, pois a vida para os espartanos era, certamente, dura. Tucí-

dides, que não é famoso pelas suas extravagâncias, faz com que Péricles compare o «exigente treino» (2, 39, 1) de um espartano com a vida mais simples de um ateniense. É evidente que os próprios gregos conheciam muito bem o motivo principal da superioridade dos hoplitas espartanos., Por exemplo, Heródoto descreve-os como «mestres do passado» (7, 211, 3) na arte da guerra, aquilo a que Tucídides chama «habilidade» ou «experência» (4, 33, 2). Contrariamente a muitos atenienses, que pensavam que Os espartanos eram pessoas temíveis, Xenofonte, que falava na qualidade de testemunha, admirava-os como os «únicos e verdadeiros artistas em matéria de guerra» (A República dos Lacedemónios 13, 5). É este o diagnóstico de Xenofonte sobre o ponto-chave do profissionalismo dos militares espartanos, embora ele fosse inimigo da luxúria e admirasse a coragem e a força militar. É o muito racionalista Aristóteles que chama

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fio.

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Escultura de terracota de princípios do século vi (Esparta, Museu

de Arqueologia),

na qual

aparecem Um

30

guerreiros hoplitas. espartiata armado por

completo avança lentamente com disciplina e obediência.

(Colecção do autor)

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locus classicus da disciplina

férrea e da coragem até à bem

como da completa indiferença que executavam

as suas

tarefas quotidianas apesar dos perigos

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A história das Termópilas é o

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Pormenor do friso esquerdo do monumento às Termópilas.

morte dos espartanos,

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que os espreitavam.

Mais ainda, a sua morte criou

o mito do exército condenado, que prefere a morte à rendição. (Colecção do autor)

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a atenção para esta questão. Explica o filósofo (Política 1338b 27-30) que não

eram tanto os métodos que os espartanos utilizavam para treinar os seus Jovens que os tornavam superiores, mas o facto de estarem treinados. Que aquilo também se aplicava aos adultos é o quid de um interessante episódio contado por Plutarco (Agesilau 6, 4, Obras Morais e de Costumes 2144), também referido por Polaino (2, 17). Numa ocasião, depois de receber amargas queixas dos aliados peloponésios de Esparta sobre a relativa falta de tropas que havia no campo de batalha, Agesilau ordenou que todo o exército fosse mobilizado. Então, o rei espartano pediu primeiro aos oleiros, depois aos ferreiros, aos carpinteiros, aos construtores, e assim sucessiva-

mente, que se pusessem em pé, até que quase todos os hoplitas aliados estivessem em pé, mas entre eles não havia nem um único espartano. Obviamente que a questão era que o contingente de aliados era composto essencialmente por soldados a tempo parcial, enquanto os profissionais espartanos não exerciam nenhum outro ofício. Esparta era uma comuni

dade estranha, isolada das modas das comunidades vizinhas, mas ali a vida

não era tão triste como a descreve Plutarco, e para os espartanos nem tudo era violência. Píndaro, o poeta lírico tebano, escreveu sobre Esparta dizendo que a «dança, a música e uma alegria exuberante floresciam entre os conselhos dos anciãos e as lanças dos jovens» (fr. 199 Snell). Vínculos

entre varões

No mundo da Grécia antiga, o treino militar especializado e continuado era a sobrevivência de Esparta e, em alguns casos, dos estados que con-

servavam pequenos corpos de tropas de elite. No entanto, deve insistir-se no facto de a habilidade com as armas do indivíduo não ser a parte mais

importante do seu treino, mas antes o facto de fazer parte de uma unidade coerente. À simplicidade da guerra hoplita deixava pouco espaço para a demonstração de habilidades pessoais. Quando, por exemplo, Xerxes interroga Demarato acerca da natureza marcial dos seus compatriotas espartanos, este admite que, lutando como indivíduos, eram tão hábeis como qualquer outro homem, mas que juntos eram «os melhores de todos eles» (Heródoto 7, 104, 4). Deste modo,

nas Termópilas, apenas

31

as tropas treinadas para actuarem como um único homem e executarem instantaneamente as ordens podiam ter levado a cabo aquelas séries de retiradas simuladas descritas por Heródoto (7, 211, 3).

O próprio fundamento do espírito de corpo, a camaradagem do exeército espartano, era muito sólido. Segundo a tradição espartana, as reformas de Licurgo, o legislador que introduziu a «boa ordem» (eunomia) em Esparta (A eródoto 1, 65), tinha tido especial cuidado em preservá-la. Ini-

cialmente, considerava-se que os pilares da agoge eram a camaradagem

e

o sentimento de pertença ao grupo. Os jovens eram treinados em grupos. Depois de sobreviver à agoge, o jovem espartiata tentava fazer parte de um

dos agrupamentos militares. O sisitton, como se chamava muitas vezes, era

formado por 15 membros que passavam juntos um tempo considerável, mesmo quando não estavam a treinar. Obviamente que era ali que comiam em comunidade e tomavam alimentos simples, incluindo o famoso caldo preto (Plutarco, Licurgo 12, 7). O fictício Ciro, o Grande, de Xenofonte,

sem qualquer dúvida pen-

sando nos espartanos, considerava que era menos provável que aqueles que conviviam em comunidade caíssem na traição ou no abandono, e não podia haver uma falange mais forte que a formada por camaradas (Ciropedia 2, 1, 28. 7, 1, 30). Ateneu, apesar de, contrariamente a Xeno-

fonte, utilizar argumentos triviais, chega inclusive a afirmar que os espartanos faziam sacrifícios preliminares a Eros frente às linhas de batalha «na crença de que a segurança e a vitória se alicerçam no amor daqueles que estão formados um junto do outro» (13, 561e). Estejamos ou não preparados para aceitar a possibilidade, autêntica, de que, por vezes, os espartanos experimentaram sentimentos homossexuais pelos seus camaradas — apesar de entre gregos não existir a noção de «natureza homossexual» —, o facto é que o vínculo básico entre os varões se alicerçava

no respeito mútuo e numa espécie de amor que nada tem a ver com

o sexo

(como

dizia Kipling,

«mais além

do amor

das mulheres»!

nem

sequer com o idealismo. Por outro lado, contrariamente ao Batalhão Sagrado de Tebas, os pares homossexuais não se posicionavam juntos na falange de forma sistemática. Quando estavam em campanha, o sisition era «o manto e o leito de campanha do espartiata», sendo, sem dúvida, o fundamento da formação da enomotia, a unidade mínima do exército espartano, que contava com uma

força nominal de 40 homens. Compare-se com o exército ateniense, por exemplo, em que o taxis, o contingente tribal com cerca de 1.000 homens, se dividia por um número de unidades tribais, as lochoi, cada uma das quais quase sempre contendo várias centenas de homens. Por outras palavras, cada

espartiata comia, dormia e lutava lado a lado com camaradas que provavelmente conhecia desde a infância, e a boa opinião que dele tinham estes camaradas era mais importante que o terror face ao inimigo. À «coesão dos

grupos pequenos» é uma complexa química entre as necessidades indivi-

duais e as colectivas, as lealdades e as pressões que podem fazer com que

os homens sigam em frente ou se mantenham firmes inclusive perante a presença de uma morte certeira. À honra pessoal é algo que os guerreiros tribais valorizam mais que a própria vida. O mesmo pode ser afirma do rela-

tivamente aos téspios nas Termópilas.

32

!N. do T.: Esta frase refere-se à cumplicidade que se cria entre homens quando, longe das suas mul heres, têm de enfrentar uma morte iminente.

Torso de mármore

de tamanho

real de um hoplita (Esparta, Museu de Arqueologia, 440) que usa um capacete coríntio com reforços sobre as maçãs do rosto em forma de cabeças de carneiro. Muitos estudiosos consideram que outrora fez parte do monumento

erguido

na acrópole de Esparta em honra de Leónidas, por ocasião do seu enterro. (Colecção do autor)

OS

PERSAS

Os persas ( persa antigo, parsa), que Ciro unificou, eram rudes montanhei-

ros que habitavam numa região empobrecid a e careciam de exército profissional. Como antigamente, as «gentes» de um a região em particular eram representadas pela sua espinha dorsal, as «forças militares», pelo que ambas as palavras se utilizavam como sinónimos de um ún ico termo em persa, kara, um sentido que ainda se conserva na palavra em persa moderno kas-o kar («familiares e partidários»). No início, o exérci to aqueménida era formado

exclusivamente por guerreiros iranianos, e mesmo quando se subjugavam outras regiões, eram eles que formavam o núcleo do exér cito imperial. Dario,

o terceiro Grande Rei, aconselhou assim o seu suce ssor:

Se pensares «que não tenha medo de ninguém», protege o kara persa. Seo kara persa for protegido, esta casa ver-se-á cheia de felicidade durante longo tempo.

DPe 3

Dario era um homem que se fez a si próprio, que tomou o poder com um golpe de Estado. Construtor mais que destruidor, tornou-se um poderoso conquistador, um brilhante administrador, um visionário religioso, um génio arquitectónico e o criador da primeira moeda cunhada em grande escala no mundo. Ao contemplar o seu mundo, Dario, com a sua personalidade fria e resoluta, podia afirmar: Esta terra, Pérsia, que Ahura Mazda me confiou, é boa e possui bons cavalos e bons soldados. Com permissão de Ahura Mazda e de mim próprio, Dario, o rei, não teme nenhuma outra.

DPd 2

Era, obviamente, uma visão parcial, mas o Rei dos reis podia permitir-se O luxo de ser parcial. Dono absoluto, única fonte de autoridade do seu povo, a sua palavra era lei em todos os seus domínios, tão vastos que diminuíam a Grécia e faziam dela um território insignificante. Com a expansão do pequeno reino de Pársis, num império que abarcava todos os grupos ira-

nianos desde a Ásia Central até ao Danúbio, formou-se um exér cito regular

constituído por persas, medos e povos de origens similares, e outro exér cito imperial composto por guerreiros de todas as nações súbditas. As representações que se encontraram na apadana, em Persépol is, bem

como os documentos oficiais, tanto económicos com o militares, foram uti-

lizados por Heródoto para demonstrar que quanto mais próxim a estava uma nação dos persas, maior papel desempenhava no domíni o do Império, pagando menos tributos mas contribuindo com mais soldados. Deste modo, os guerreiros medos, que outrora tinham exasperad o os assírios, desfrutavam agora da segunda posição do Império, pois proporcionavam mais soldados que nenhum outro povo. De facto, muitos dos generais imperiais foram eleitos de entre os medos (Mazares, Harpag o, Taxmaspada e Dátis).

Depois vinham os citas (persa antigo saka, grego sakai), nómadas falantes de línguas iranianas, que eram magníficos arqueiros e arrancavam o couro cabeludo aos seus inimigos, e, em seguida, os bactrianos, os hircanos e outros gru-

pos iranianos orientais. Às inscrições em persa antigo distinguiam sempre entre dois povos

súbditos: os saka tigraxauda («os citas que usa m chapéus pontiagudos»)

e

Secção

do sarcófago

Alexandre

de

(istambul,

de Arqueologia,

Museu

370 T), na

Necrópole Real de Sídon, que mostra usando

uma

um

soldado

tiara, um

de tecido com

persa gorro

duas crelheiras

ajustadas debaixo do queixo

e uma terceira no pescoço. Os plebeus

usavam

a ponta

da tiara caída de um lado; o facto de levar esta peça erecta equivalia a reclamar

direitos sobre o trono. (Colecção do autor)

os saka haumavarga («os citas preparadores / bebedores / veneradores de

haoma»). Heródoto afirma que os citas «com chapéus altos e pon tiagudos firmemente assentes nas suas cabeças» (7, 64, 9) chegaram à Gré cia juntamente com Xerxes. Estes guerreiros costumam situar-se nas imediações do Cáspio e do mar Negro. Nas suas histórias, Heródoto descreveu com as suas

pitorescas formas os costumes e modo de vida destas pessoas, cujo traje chegou a ser o uniforme padrão dos arqueiros ocidentais e das amazonas na

arte grega. Um terceiro grupo, os saka paradraya («os citas de além-m ar»), erao que Dario encontrou para lá do Danúbio durante a sua camp anha na Cítia, e que não foi conquistado. O exército regular

O termo geral para definir um exército regular era spada. Esse exército era formado por uma arma de infantaria (em persa antigo, pasti), uma de cavalaria (asabam ginetes) e, em algumas ocasiões , também de canqelos (usaban, ginetes de camelos) e carros (embora apenas os guerreiros nobres conduzissem o já obsoleto, mas ainda simbólico, carro). Todos eles iam acompanhados por um grande número de seguidores de campanha. Desde o primeiro momento em que se depa raram com os gregos (persa antigo ,

Fauna, jonios; cf. os filhos de Javã mencionados pelo Génesis 10, 1), os perSds INCOTpOraram no seu decorrer

também

exército sTegos mercenários ou súbditos. Com

o

do tempo, não só os Sátrapas pers as da Anatólia e do Levante, mas o Gran

de Rei em pessoa, utilizaram mercen ários gregos como

guarda-cos tas (em grego doruphoroi , os portadores de lanças), cada um dos quais, em

teoria, recebia um pagamento mensal. Segu ndo Xenofonte (Anábase 1, 3, 21), um darico de ouro mensal em 401 a.C. Nos tempos de Alexandre Magno, estes mercenários transt ormar-se-iam na parte regular da spada, e os seus líderes, homens como Mémn on ou Rodio, foram ncorporados na aristocracia persa. Desempenha ram um papel importante nas relações entre persas e sTegos, e contribuíram para expandir a cultura helénica até ao Oriente. A organização da spada baseava-se num sistema decima l, muito superior a tudo no mundo grego, que não foi utilizado em nen hum exército asiático até à chegada dos mongóis e das «temíveis hordas» cond uzidas por Gen-

giscão. Dez homens formavam a unidade táctica básica, a da thabam (unidade

de dez), comandada pelo dathapatish, o comandan te da dezena; dez dessas unidades formavam um satabam (unidade de cem) coma ndado por um sata-

patish, comandante da unidade de cem; dez destas unidades form avam um hazarabam (unidade de mil), sob o comando do hazarapatish, coma ndante de um milhar; e dez destas últimas unidades formavam um ba ivarabam, uma

unidade de dez mil sob o comando do baivarapatish, o comandan te de dez mil. Mas é preciso ser prudente neste ponto. Este último termo é merame nte especulativo e só subsiste em avesta, uma língua muito parecida com o persa antigo. Sabemos pela miríade persa (em grego, munas), que a palavra significava «um número incontável» nas fontes gregas, e utilizava-se mais ou menos do mesmo modo que nós, os ocidentais, utilizamos as palavr as «milhão» ou «bilião» de forma informal. Em suma: Número de soldados

Nome da unidade

10.000 1.000 100 10

Baivarabam Hazarabam Satabam Dathabam

Título do comandante Baivaravatish Hazarapatish Satapatish Dathapatish

A spada estava sob o comando de um comandante supremo. Provavelmente era apelidada de spadapatish, embora um generalíssimo com plena autoridade civil costumasse receber o nome de karana (em grego, kara nos).

Uma característica do período aqueménida era que tanto os comandantes como os dignitários participavam na luta, e muitos deles perderam a vida em

acção, como aconteceu a Ciro na Cítia e a Mardónio em Plateias. Os com andantes menores também eram um assunto de família. Onze dos filhos de Dario, por exemplo, participaram na invasão da Grécia, e três deles mor reram em combate: Abrocomas e Hiperantes, ambos oficiais, caíram nas Ter-

mópilas, e Ariabignes, almirante dos contingentes Jónico e cário, afundo u-

-se com o seu barco em Salamina, Servir para liderar

O treino dos nobres persas era exaustivo. Depois de passarem os primeiros cinco anos da sua vida afastados dos pais na companhia das mães e de outras mulheres da casa, aprendiam a ser soldados e lideres. Os jovens

Sarcófago de Alexandre (Istambul, Museu de Arqueologia, 370 7), na Necrópole Real de Sídon. O pilar dos exércitos persas

era o soldado de infantaria, equipado com uma lança curta, um arco composto

e um escudo

à À

AAA

À

ia Eai

me

CW,

Pontas de seta e de lança, juntamente com um akinake (Londres, Museu Britânico, 108723, 108772-108774, 108766) provenientes de Deve Húyiuk (Síria). O akinake era uma adaga longa de gume duplo que, segundo Heródoto, se usava pendurada num cinto e se prendia na coxa direita com uma correia. O gorytos também se colocava à cintura, mas no lado esquerdo. (Colecção do autor)

= =!

leve de vime. Estes exércitos podiam disparar aparatosas cortinas de projécteis, pelo que se procurava deixar que os homens disparassem durante o maior tempo possível. (Esther Carré)

À

DANA

persas aprendiam a correr, a nadar, a cuidar dos seus cavalos, a cultivar a terra, a tratar do gado, a fabricar diversas peças de artesanato, e acostu-

mavam-se a agir como líderes. Treinavam-se na arte da caça, tanto a pé como

a cavalo, no manejo do arco, no lançamento da lança e do dardo, e a reali-

zar marchas forçadas em condições adversas. Aqui importa mencionar o famoso comentário de Heródoto, que afirma que os descendentes da nobreza persa recebem uma esmerada instrução do seu quinto ao seu vigésimo ano apenas em três aspectos: «montar a cavalo, manejar o arco e dizer a verdade.» (1, 136) Xenofonte (Ciropedia 1, 2, 10) faz eco destes valores na educação dos

persas quando observa que a caça também preparava os jovens nobres para as agruras da vida do soldado: proporcionava-lhes coragem para enfrentar

os perigos do campo de batalha e experiência no manejo das armas necessárias — ou seja, a lança € o arco —, da mesma forma que lhes mostrava a dureza da marcha e da corrida. Tudo isto implicava que O Jovem nobre era

capaz de resistir aos elementos.

4

& É 5

Por volta dos 20 anos de Idade, o jovem persa iniciava a sua carreira militar, que se prolongava até aos 50, quer co )

;

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mo soldado de infantaria quer como ginete. À elite, desde o rei até ao nobre da mais baixa estirpe, estava treinada para ambas as tarefas: é por este motivo que Da rio fala com orgulho sobre a educação dos seus jovens: Recebi instrução com as mãos e 0s pés; como ginete, sou um bom ginete; como

arqueiro, sou um bom arqueiro, tanto a pé como a cavalo; como lancei ro, sou um bom lanceiro, tanto a pé como a cavalo.

DNb 9

Estas palavras salientam as capacidades físicas do Grande Rei: é um gimete

muito capaz, e sabe usar a lança e o arco tanto a pé como a cavalo com verdadeira habilidade. Dario queria ser conhecido como o primeiro homem

do reino, pelo que devia ser melhor que ninguém nestas capacidades tão

valorizadas no Império. A luta e a caça eram um estilo de vida, e Xenofonte (Anábase 1, 9, 5) atribui as mesmas qualidades marciais a Ciro, o Jovem, o príncipe rebelde que uma vez serviu. A infantaria persa

A base dos exércitos persas do século v eram os soldados de infantaria. Usavam uma adaga longa e direita, de gume duplo, a akinakes da qual falam Heró-

doto (3, 118, 2; 128, 4; 7, 61, 1;9, 107,2) e Xenofonte (1,2,97:8, 29), uma

lança curta com pega de madeira e contrapeso esférico com cabeça de metal,

uma aljava cheia de setas de cana com pontas de bronze ou de ferro e um arco composto. As setas eram colocadas naquilo a que os gregos chamavam gorytos, uma inteligente mistura de aljava e bainha para arco inventada pelos citas. O gorytos usava-se à altura da cintura e apresentava dois compartimentos separados: num deles colocava-se o arco e no outro as setas, que se atavam firmemente com uma correia de couro. Os persas também carregavam machados de guerra (em grego, sagaris) «como aqueles que as amazonas usavam»

(Xenofonte, Anábase 4, 4, 16),

aquele povo de mulheres guerreiras que se negavam a coabitar com homens. Também de origem cita, o sagaris tinha um cabo comprido e estilizado, e uma folha ou ponta pesada e cortante. Havia-os de diferentes tipos, mas o mais habitual era o leve, que podia ser utilizado tanto pelos soldados a pé como pelos ginetes. Era uma arma muito útil e suficientemente leve para ser usada de modo eficaz com uma única mão, mas conseguia penetrar num

elmo de metal ou numa couraça.

O arco composto, a arma persa por excelência, era bastante comprido para os padrões da época (cerca de 1,2 m de comprimento). O próprio Xenofonte (Anábase 3, 3, 7; 15, 4, 177) foi testemunha de que os arqueiros persas podiam vencer facilmente os cretenses, os arqueiros mais famosos da Antiguidade, mas também anotou que os cretenses praticavam disparos de longo alcance com trajectória alta e com setas capturadas aos persas. Isto sugere que o maior alcance das setas persas se explicava porque eram mais leves e pelo treino especializado dos arqueiros, mais que por uma diferença da tecnologia na construção de arcos. Os arqueiros cretenses utilizavam pontas de setas compridas com puas, enquanto as setas persas cos-

tumavam

ter três gumes,

alguns

com

três ou quatro centímetros

de

comprimento, e eram ocas. As pontas ocas colocavam-se numa vara de

madeira que, por sua vez, se inseria na vara principal, feita de cânhamo,

37

sarcófago

de Alexandre

(Istambul,

Museu

Arqueologia,

Necrópole

de

370 T), na

Real de Sidon.

Este sepulcro foi atribuído a Abdalómimo,

rei de Sidon,

mas outros estudiosos pensam

que é obra de uma

personalidade Mazaeus,

um

mais importante, nobre persa

Alexandre nomeou

que

governador

da Babilónia. Este pormenor mostra o pé de um

soldado

persa, (Colecção do autor)

leve e oca. Com as suas pequenas pontas, estas setas r lativamente leves eram mais eficazes contra objectivos desprotegidos que par a penetrar num escudo ou numa armadura. Apesar disso, como símbolo da realeza e arma nacional persa, o arco aparece nas mãos do Grande Rei nas esculturas e nas moedas. Podia assim gabar-se: «“Conquistarei a Grécia com os meus arqueiros.» Isto era uma espécie de jogo de palavras, intencional ou não, pois a moeda, o darico de ouro (em grego, dareikos), era popularm ente conhecido entre os gre805 com O nome de «o arqueiro». No rev e rso desta moeda de ouro aparecia o perfil de um «arqueiro à carre ta» com coroa, um homem vestido com a típica túnica persa, comprida até à barriga

da perna, que sustém

um arco € uma seta, preparado para disparar, com um joelho dobrado como se estivesse em acção: o Grande Rei em pessoa, armado e preparado. | Esquilo (Os Persas, 147-148) fala de que o arco era um dis tão mportante para a Pérsia como a lança com ponta de brúsizo ara OS recm no aee da tragédia, o severo € di gno Dario aoséii O senhor do arco» (Os Persas 55. a mesma, o petulante e inepto eres pe rdeu o ia ua c a

Estatueta de terracota

(Paestum, Museu Arqueológico), de uma

amazona

levando

um escudo de vime em

forma de meia-lua. Na arte, estas

mulheres

costumavam

querreiras

aparecer

com

roupas de hoplita, embora mais tarde aparecessem

como

arqueiros com trajes citas e, ainda mais tarde, como persas. Costumam estar armadas com lanças leves e arcos compostos e, em tempos mais tardios, também com machados de guerra. (Esther Carré)

vazia (Os Persas, 1018-1023). Devemos recordar, obviamente, que o arco não era uma arma habitual entre os gregos. Estes utilizavam um tipo de arco fabricado com uma única vara de madeira, mas os arqueiros cretenses, que muitas vezes eram contratados como mercenários, utilizavam o arco composto, como os arqueiros citas, que, quando não estavam ao serviço dos persas, também eram utilizados naquele tempo pelos estados gregos, em especial por Atenas. O arco composto consistia numa base de madeira, cuja parte frontal estava revestida com tendões laminados e a posterior com uma haste. Graças à elasticidade dos tendões, ao esticar a corda, a haste e o ventre com-

primem-se e os tendões esticam. Explorando as suas propriedades mecânicas, ambos os materiais reagiam para propulsionar a corda. Este tipo de arco era muito difícil de esticar e precisava da utilização de ambas as pernas e braços. As setas citas eram curtas, com pontas pequenas, parecidas com as dos persas, mas no seu capaz gorytos os arqueiros levavam tanto o arco como um grande número de diminutas setas. Heródoto (4, 64, 3) afirma que o gorytos era coberto por pele humana, arrancada dos membros amputados aos seus inimigos, devido à sua cor branca. Quando disparavam, os citas (e os persas) utilizavam o estilo mediterrânico, um sistema pelo qual apenas se estica a corda do arco. Com esta técnica de disparo, a corda estica-se até ao queixo ou ao peito do arqueiro com a ponta de três dedos, segurando a seta como se fosse um cigarro, entre os dedos indicador e médio. O mindinho e o polegar não interferem. A prática grega era um pouco diferente, pois a seta prendia-se entre o polegar e o indicador, um movimento fraco que impedia os gregos de disparar os poderosos arcos compostos dos persas ou dos citas. Isto pode explicar em parte a razão pela qual os gregos sô aprenderam a apreciar o valor dos arqueiros perto do final da guerra do Peloponeso. Na Ilíada de Homero, apenas alguns heróis de ambos os lados utilizam

arcos, e na literatura posterior existem indícios de que os arqueiros, de uma maneira geral, eram depreciados. Certamente, os espartanos cons i-

deravam as setas (atraktoi) como as armas dos fracos, contrari amente à lança

39

e ao escudo do guerreiro hoplita, que combate corpo a corpo. Havia algo injusto na ideia de que um homem podia matar ao longe sem risco para

si mesmo, um acto mais próprio dos bárbaros que dos próprios gregos. Para sua protecção, o soldado de infantaria persa confiava no seu leve escudo de vime. Normalmente, eram fabricados com canas entrançadas

através de uma lâmina húmida de couro; quando esta endurecia, as virtudes combinadas de ambos os materiais transformavam-no num escudo capaz de deter as setas inimigas. O escudo era pequeno e tinha forma de lua crescente, com as pontas dirigidas para cima (em grego, pelte) ou então era grande e rectangular (em persa antigo, spara). O primeiro podia cravar-se no solo, o que permitia ao arqueiro descarregar as suas setas das costas com relativa segurança. Alguns soldados levavam um escudo em forma de oito (em grego, gerrhon), ou seja, oval com segmentos circulares de ambos os lados, enquanto os gandaranos utilizavam escudos circulares (em

persa antigo, sas utilizavam potâmicos se uma couraça

taka) não muito diferentes do aspis dos hoplitas. Alguns percapacetes de metal, mas só os contingentes egípcios ou mesoprotegiam com armaduras, que podiam ser pouco mais que de couro. Por tudo isso, os persas disputaram muitas das suas

batalhas praticamente à distância. Os persas confiavam nas setas incendiárias para destroçar o inimigo, disparando maciçamente e com uma grande frequência, o que permitia pôr a aljava às costas, à altura da cintura. É o comentário do espartano Diéneces nas Lermópilas, tal como é transmitido por Heródoto, o que provavelmente nos fornece a descrição mais acertada dos arqueiros persas. Um dos traquínios, presumivelmente inimigo dos espartanos por escolher o seu país para lutar, disse-lhe:

Azulejos de cerâmica brilhante (Londres, Museu Britânico) provenientes do antigo palácio de Dario, em Susa (c. 500 a.C.). Este painel mostra um Imortal, um dos Dez Mil guardas de elite do Grande Rei. Este soldado profissional aparece aqui com os trajes que vestiam em tempos de paz, ou seja, com o traje cerimonial persa. (Colecção do autor)

«Era talo número de bárbaros, que quando disparavam as suas setas o sol escurecia.» Diéneces, absolutamente espantado com estas palavras e não dando importância ao número de inimigos, respondeu: «Os nossos amigos traquínios trazem-nos excelentes notícias. Se os medos escurecem 0 sol, luta-

remos na sombra. »

Heródoto 7, 226

Esta descrição («escurecer o sol») sugere que os persas disparavam ao longe com trajectória parabólica. Como veremos, mesmo apesar do vol ume

de setas, os espartanos protegidos com couraça eram capaze s de se resguardar da pior parte do ataque, e as setas leves dos persas não po diam penetrar nem nas suas armaduras nem nos seus escudos. Os Imortais

Um dos corpos da spada era um grupo de 10.000 soldados de infantaria

de elite, chamados «Os Imortais» (em grego, Athanatoi ; cf. persa antigo Amrataka, os seguidores), como lhes chamavam os gre gos, porque gostavam de acreditar, cnganosamente, que «nunca eram nem mais nem menos

que 10.000» (Heródoto 7, 83, 1). Esta unidade, muito bem treinada, era

formada na sua maior parte por soldados de etn ia persa, embora fossem parentes próximos dos medas do norte do Irã o, os elamitas do sul desse país, que também faziam parte dela. Estes últ imos usavam roupas adaptadas dos trajes da corte elamita: chapéu estria do, pequeno e redondo (embora variasse o adorno do tocado), túnica comprida até ao meio da perna sobre calças apertadas de combat e e calçado macio com cordões.

Além

de fazerem

parte da unidade dos Imortais, os elamitas também faziam as vezes de guarda do Grande Rei tanto em tempos de paz como durante a guerra. Por outro lado, pensa-se que o unif orme de campanha mais comum era o muito mais

prático traje de estilo meda, ou seja, tú nica solta até aos

joelhos, calças apertadas e botas macias de pele (um requinte que os hoplitas gregos não conheciam). Na cabeça levavam a tradicional tiara persa, um gorro de tecido com três orelheiras, uma das quais se pod ia colocar sobre o rosto para proteger o soldado do pó e do ven to. Nas palavras de

Heródoto (7, 41, 2), «destes, um milhar levava lanças, em cuja extremidade inferior havia adornos de ouro em forma de romas, em vez de pontas; esses rodeavam os outros 9.000, que levavam nas suas lanças granadas de metal». Nas Termópilas, estas tropas de elite eram conduz idas por

Hidarnes, filho de Hidarnes, um dos seis nobres persas que tinham ajudado a entronizar Dario. Por outro lado, existia uma elite dentro da elite: uma unidade de soldados de infantaria composta por «um milhar de lanceiros. os mais nobres e corajosos de entre os persas» (Heródoto 7, 41, 1). Estas tropas formavam uma guarda pessoal de guerreiros especialmente escolhidos que vigiava de perto o Grande Rei. Oficialmente conhecidos como «os lanceiros do rei» (em persa antigo, arstibara), as suas lanças curtas tinham um

peculiar adorno em forma de maçã de ouro; daí o nome de «portadores de maçãs» (em grego, melophoroi). Como príncipe dos aqueménidas, Dario serviu nesta ilustre guarda de lanceiros durante a campanha do Egipto de Cambises (Heródoto 3, 139, 2). Ao que parece, os lanceiros reais, com os seus famosos contrapesos em forma de maçã, faziam parte da nobreza persa, ao passo que os Imortais procediam das classes plebeias persas, medas e elamitas. O seu comandante era o hazarapatish do Império, que, tal como o oficial que estava junto do Grande Rei, possuía um vasto poder

Pormenor de um painel de azulejos (Paris, Museu

do Louvre), que mostra um Imortal adornado com um brinco de ouro. Os seus

cabelos, completamente frisados, estão adornados com um simples diadema de ouro. Apesar do seu aspecto, o Imortal não era nenhum dândi de palácio; pelo contrário,

era um soldado profissional, muito motivado e disciplinado.

(Esther Carré)

político. Também temos notícia da existência na spada de unidades de cavalaria do mesmo tipo e força (10.000 e 1.000) (Heródoto 7, 41).

A cavalaria persa

A cavalaria foi fundamental na conquista de novos territórios e conservou a sua importância até aos últimos dias do Império Aqueménida. Ciro organizou e financiou a primeira cavalaria persa, utilizando para isso o espó-

lio e as terras que tinha conquistado nas suas campanhas ocidentais. Para

estabelecer o poder a cavalo do reino, concedeu terras a persas conhecidos como os «iguais», aos quais pediu depois autorização para utilizar as suas

terras para manter a cavalaria. Por exemplo, entregou sete cidades na Anatólia do norte (FGrHist 472 F6) a um tal Pitarco, nome grego. Quinze mil nobres persas receberam o título honorário de Huvaka (parente) e Ciro chegou a exigir que este grupo de elite persa se dirigisse a todas as partes a cavalo, porque era uma vergonha para eles serem vistos a andar a pé. Os ginetes de elite, «um milhar de fortes» (Heródoto 8, 113, 9), procediam sem dúvida da Huvaka. Provavelmente, a primeira cavalaria persa foi criada a partir da excelente cavalaria dos seus vizinhos medos. A Média, com os seus céus amplos e as suas exuberantes planíc ies, era famosa por uma raça de cavalos pardos e cinzentos que nelas pastavam: eram os chamados cavalos nicenos, famosos pela sua vel ocidade e resistência. Diz-se que os persas introduziram na Grécia a «er va meda», que conhecemos como alfafa, em 490 a.C., com a força exp edicionária de

41

ae

Dátis (Plínio em História Natural 18, 144). Provavelmente, as sementes che.

garam com a forragem da cavalaria. À fina «erva azul» dos cavalos medos tornou-se o principal alimento dos cavalos no rico solo da Grécia,

Os ginetes persas iam equipados mais ou menos como

os soldados

a pé (Heródoto 7, 86, 1), embora também levassem dois dardos de madeira

de cornizo (em grego, palta, pl. palton), com 1,5-1,8 m de comprimento

e pontas de bronze ou de ferro. Os guerreiros podiam atirar um destes palton, enquanto com o outro faziam o mesmo ou o utilizavam para carregar. Xenofonte comenta explicitamente (Da Arte Equestre 12, 12) que era uma arma de carga mais eficaz que as frágeis lanças da cavalaria grega. Em vez da tradicional tiara, alguns ginetes levavam capacetes de metal,

regra geral de bronze e de forma arredondada. Podiam levar couraças de

linho reforçado, fabricadas com duas camadas de linho acolchoadas com

la de algodão. O linho acolchoado não era uma protecção tão eficaz como o bronze, mas era mais leve e cómodo.

Embora

as couraças de escamas

de metal (ferro ou bronze) ou de osso fossem as ideais, aparentemente as de linho eram as mais habituais. Num documento babilónico, escrito em acádio e datado no segundo

ano de reinado de Dario II (422 a.C.), aparece esta lista dos aparelhos de um ginete:

Um cavalo com o seu moço, o seu arnês e a sua couraça de ferro, e um capacete, um corselete de couro, um escudo, 120 setas, uma maça de ferro, dois

dardos com ponta de ferro e a sua quota de dinheiro. Arquivo Murasu BE 10, 61

Segundo estudos fidedignos, a cavalaria persa nunca utilizou o escudo de forma generalizada durante o período aqueménida. Os escudos leves de cana e vime apareceram pela primeira vez cerca de 450 a.C., e pensa-se que foram os citas, que usavam uma versão mais pequena e alongada da spara para uso da cavalaria e que os persas utilizavam como mercenáros, os que introduziram o seu uso. Esta afirmação deduz-se das figuras de

Pormenor do sarcófago de Alexandre (Istambul, Museu de Arqueologia, 370 7), Necrópole Real (Sídon), em que aparece um ginete persa sem escudo vestido à moda dos medas e com a tiara persa. Regra geral, as roupas

persas

eram

de

cores vivas e estavam

adornadas com bordados em forma de quadrados, obreias, circulos ou rosetas, embora os homens mais pobres usassem roupagens mais simples e menos vistosas. (Esther Carré)

cerâmica vermelha ática, nas quais aparecem cavalo levando escudos naquela época.

persas a

Os ginetes persas cavalgavam sem estribos nem selas rígidas — quanto muito, faziam-no sobre mantas acol-

choadas — e os cavalos nem sequer levavam ferradura s, embora o clima seco ajudasse a reforçar os cascos dos animais. Apesar de tudo, os persas eram muito hábeis tanto

na luta directa como nas escaramuças. Quando realizavam alguma escaramuça, grupos a cavalo independentes cav al-

cavam à frente do inimigo descarregando dardos ou setas,

para depois se retirarem e dispararem sobre o adversário quando este batia em retirada. Na luta corpo a corpo, os

ginetes não tentavam desmontar o adversário, atacavam antes os seus flancos vulneráveis e a sua retaguarda. À ca-

valaria da época —

de facto, foi assim até tempos rela-

tivamente modernos — não costumava carregar sobre for-

mações de infantaria não destroçada. As levas

continental, o Império persa estendia-se desde o Indo, a leste, até ao mar

Estátua fragmentada (Atenas, Museu da Acrópole, 602) de um arqueiro cita

catarata do Nilo, a sul. Deste modo, um grande exército reflectia o tamanho

(c. 520 a.C.). Os citas foram

Egeu, a oeste, e desde o rio Jaxartes (actual Sirdária), a norte da primeira do Império e a variedade da sua população. Heródoto proporciona-nos uma lista completa da composição de um exército com estas características (apesar de ignorarmos os números exactos), em concreto do que partiu com a expedição de Xerxes para a Grécia, Embora sejam as únicas notícias que nos chegaram acerca destes exóticos e variados contingentes, não existe nenhuma razão para duvidar da

exactidão da descrição do historiador do exército em Dorisco. Heródoto

preparou este catálogo (7, 61-87) com grande precisão e parece provável que tenha feito uso de um documento oficial persa promulgado pelo pró-

prio Xerxes. Na lista aparecem 45 povos, incluindo índios e árabes armados com os seus arcos nativos, organizados em seis corpos étnicos e sob 29 comandos diferentes. O Império estava dividido em satrapias, cada uma delas liderada por um governador ou sátrapa (persa antigo, xshacapavan, literalmente, «protector do reino»), eleito pelo Grande Rei e cujo número oscilava entre 90 e 49 nos diferentes períodos do reino de Dario. Heródoto (3, 89, 1), referindo-se provavelmente a uma época mais antiga, menciona uma vintena. Conserva-se uma inscrição (Fornara 34), escrita em persa antigo e que apa-

rece na parede sul do palácio real de Persépolis, que enumera 23 terras do Império, enquanto a inscrição em três idiomas do túmulo de Dario, escavada na rocha em Nagsh-e Rustam, a norte de Persépolis, sepulcro dos primeiros grandes reis, enumera 29. Como vice-rei e representante do Grande Rei, O sátrapa convocava recrutamentos e cobrava impostos (em dinheiro ou em espécies), administrava à Justiça do rei, construía estradas e mantinha-as em condições para a cavalaria, organizava e mantinha um sistema

de mensagens rápidas, proporcionava homens para os grandes exércitos

um

dos primeiros povos de

uma longa linha de populações nómadas que emigraram para oeste provenientes

da Ásia Central. Em Atenas, sob o governo dos tiranos da saga de Pisistrato, os citas

serviram como mercenários

e, mais tarde, já nos tempos da democracia, foram

utilizados como polícias. (Colecção do autor)

Tm

Além do exército regular, sempre que era necessário organizavam-se recrutamentos entre os povos súbditos, pelo que era necessário muito tempo, por vezes anos, para reunir um exército importante. Na época em que Xerxes tentou anexar a Grécia

Estatuetas de bronze

(Londres, Museu Britânico, WT 769, WT 800) de arqueiros citas de Santa

É

a;

e

Capua (c. 500 a.C.). Além dos soldados de infantaria,

o

E jo E

Maria de

os citas proporcionavam

aos

persas efectivos de cavalaria,

Os citas eram

hábeis

ginetes

e o cavalo era a própria base do ethos do guerreiro que tanto impressionava os estrangeiros.

(Colecção do autor) f

resca imagem oferecida por Heródoto (7, 21, 2: 187, 2: 196, 2) é que as hor-

das persas bebiam as torrentes e os rios da Grécia. Um minucioso exame da topografia, da logística (em especial, a fundamental questão do fornecimento de água), da organização da spada e das ordens de batalha oficiais, permite aos historiadores calcular números razoáveis para as forças persas. Desta forma, os 1.700.000 homens que, segundo Heródoto ('7, 60, 1), atravessaram

o Peloponeso, ficaram reduzidos a entre 60.000 e 70.000, incluindo cerca de

10.000 ginetes, aos quais podem acrescentar-se entre 10.000 e 20.000 trácios e aliados gregos que se incorporaram no caminho (Lazenby 1993: 92). Do mesmo modo, o exército real formado por 1.200.000 dos homens de Artaxerxes II Menon em Cunaxa (Xenofonte, Anábase 1, 7, 11) ficava reduzido, na realidade, a 60.000 (Anderson 1974: 100).

Táctica

Antes da batalha, convocava-se um conselho de guerra e discutiam-se os planos de acção. A linha de batalha costumava estabelecer-se do seguin te modo: os soldados de infantaria colocavam-se no centro, flanqueados pela cavalaria e com o apoio das tropas com armas ligeiras. O comandan techefe,

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e, muitas vezes, colocava-se ele próprio ao comando destes. Como eleitos do rei, costumavam ser membros da dinastia reinante, tanto por nascimento como por matrimónio. Além dos recrutamentos em massa, também havia numerosas guarnições persas em importantes centros do Império e os sátrapas tinham a sua própria guarda pessoal ou arstibara, mas esta não podia ser incorporada no grande exército com pouca antecedência porque havia sempre o perigo de revoltas. As tribos das montanhas, nominalmente súbditas do Grande Rei mas independentes na prática, em especial das regiões orientais do Irão e mais além destas, estavam habitualmente disponíveis mais rapidamente e podiam ser contratadas para a luta. Os sátrapas e os mercenários das tribos recrutados reuniam-se num ponto de recrutamento (em persa antigo, handaisa), onde se lhes passava revista e recebiam formação. As estatísticas não são o ponto forte das fontes antigas e os exércitos dos «bárbaros» tinham uma certa tendência para crescer em número nas diferentes histórias das campanhas. Assim sendo, os grandes exércitos nunca eram tão imponentes como afirmavam, exageradamente, os gregos: a pito-

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dela:ju) o

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situado

numa

posição central e vava as linhas de batalha e dirigia mais segura c lógica, a partir da gregos, evidentemente, insistem

rodeado pelas a acção de um qual emitia as nas diferenças

tropas da sua casa, obserponto elevado, a posição ordens. Os historiadores evidentes entre os diver-

sos exércitos. Por exemplo, só se imagina Xerxes nas Termóp ilas sentado

no alto trono que os seus servidores carregavam às costas, co ntemplando o campo de batalha, enquanto Leónidas, qual caudilho de guer reiros dos tempos homéricos, lutava lado a lado com os seus sold ados. Quando a batalha se aproximava, os soldados vestiam Os seus trajes,

lançavam as suas primeiras setas e estudavam o adversário. No limite do

alcance de um arco, cerca dos 200 m, os soldados começavam a dobrar as suas armas. Antes que o espaço entre ambos os exércitos encurtasse, O

objectivo era provocar a confusão nas linhas inimigas com setas. O alcance

efectivo dos arcos persas era de cerca de 100 m. Então, os soldados empunhavam lanças e machados e avançavam com o apoio da cavalaria, que atacava os flancos. Os persas tendiam a ser cautelosos e metódicos, pelo

que o seu estilo de luta era, essencialmente, defensivo. A táctica-chave era

reunir a sua infantaria em formações fechadas, protegidas atrás dos seus escudos, e depois acossar o inimigo com uma tempestade de setas lançada à distância. À cavalaria carregava então com dados ou setas. Naquela altura, os possíveis sobreviventes já tinham fugido ou caído debaixo das lanças dos persas. Esta táctica funcionava bem nas amplas planícies da Ásia contra outros exércitos asiáticos, mas não servia contra os hoplitas gregos. A menos que se disparassem de perto, as couraças e os aspis dos hoplitas detinham as setas inimigas e, quando começava o combate corpo a corpo, nada

podia fazer a valentia perante a falta de couraças e as inferiores armas de choque dos persas. De facto, mesmo a elite imperial, os Imortais, iam armados com lanças mais curtas que as brandidas pelos hoplitas (Heródoto 7, 211, 2). Na batalha de Plateias, por exemplo, os soldados persas

e gregos confrontaram-se num feroz combate corpo a corpo. Nas palavras de Heródoto:

Ânfora ática com figuras

vermelhas (Paris, Museu do Louvre, G 106), atribuída ao artista Eufrónio (c. 510-500 a.C.). Este pormenor mostra um

guerreiro cita brandindo um sagaris, o estilizado martelo adoptado pelos persas, e

um gorytos, a combinação de aljava e bainha para o arco, característico das culturas

nómadas

das estepes. (Esther Carré)

E

Si

[Os persas] conseguiram deter as lanças dos gregos e parti-las em muitas ocas10es, pois em valentia e espírito guerreiro os persas não eram de forma aleuma inferiores aos gregos; mas não tinham couraças, estavam mal treinados e a sua habilidade com as armas era muito inferior à dos seus inimigos. Umas vezes um a um e outras em grupos de dez, ora menos numerosos, ora mais, carregavam contra os soldados espartanos e pereciam. Heródoto 9, 62, 3

O famoso historiador grego também insiste no facto de não usarem «roupas protectoras» (gymnetes, literalmente «despidos» 9, 63, 2), em comparação com os hoplitas gregos. Deste modo, para os persas era de vital importância prevenir a formação ordenada «mêlée» desejada pela falange hoplita, obrigando os helenos a deter-se sob uma chuva de setas. Enquanto aos gregos se fechavam, estes adquiriam vantagem, pois os persas estavam mal equipados e, mais importante ainda, careciam da coesão necessária para resistir aos hoplitas. Mesmo assim, OS gregos não eram mais inteligentes nem mais valentes que os

persas, € se estes conseguissem as condições tácticas que desejavam, como acontecera em Malene, a vitória estava assegurada. A falange hoplita era um me

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instrumento simples em comparação com o exército persa e, apesar de Mara-

tona, os helenos ainda tinham de medir as suas forças com

os persas.

Os medos e os persas Na imaginação da maior parte dos escritores gregos, os bárbaros por excelência, a quinta-essência de «o outro», eram os persas, Mesmo assim, costumavam confundilos com os seus parentes próximos, os medos, e utilizavam as palavras medo (medos) e persa (persa) como sINÓNnimos. Por exemplo, no epitáfio de Ésquilo, quando se faz referência às suas taçanhas na batalha de Maratona, diz-se que os «medos de cabelos compridos» foram testemunhas dessas proezas marciais. Os persas pertenciam à mesma ethnos que os medos, ou seja, à iraniana, tinham a mesma religião e as suas línguas eram aparentadas. O Império Persa era, de facto, um reino conjunto de medos e persas, mas as origens da instauração da dinastia aque-

ménida por parte de Ciro encontram-se numa interpretação inversa das

tradicionais relações políticas entre eles. A partir daquele momento, os per-

Ânfora com figuras vermelhas áticas (Paris, Museu do Louvre, G 46), atribuída ao artista Nikoxenos (c. 500 a.C.). Pormenor

que

mostra

um

hoplita dirigindo-se à batalha acompanhado por um cita. Com

o seu peculiar chapéu pontiagudo assente na cabeça,

o guerreiro usa um gorytos onde guarda o seu arco e as suas

setas, bem como um sagaris. (Esther Carré)

sas das regiões meridionais do Irão passariam para um segundo plano. Os medo-persas eram um produto pouco comum na Ásia. Como os gregos, Os asiáticos daqueles tempos tendiam para o politeísmo, mas o monoteísmo dos persas tornou-se o fundamento da religião da raça. Tinha uma origem lendária nos ensinamentos dualistas do profeta reformador Zaratustra (ou Zoroastro, como é conhecido na tradição latina), que afirmou

que Ahura Mazda era o único deus. Havia outros objectos de culto — as

estrelas, o Sol, a Lua e o fogo, maravilhosas e incompreensíveis criações de Ahura Mazda, o Sábio Senhor —, mas ele era o único deus. Como divindade

suprema da luz e da verdade, promoveu-se o seu culto como ferramenta política, em especial por Dario. O novo império com que os gregos tinham entrado em contacto não era um simples cúmulo de barbárie, mas uma

maquinaria muito bem organizada, controlada por povos tão sofisticados, ou talvez mais, que os próprios helenos.

A

Ss guerras médicas são o primeiro conflito da história euro peia que

é possível reconstruir, sobretudo graças aos esforços de Heródoto »— as outras fontes podem ser praticamente descartad as —, que

considerava o conflito entre Oriente e Ocidente a chave de toda a his tória. Mesmo assim, os seus relatos parecem bastante ingénuos e estão repletos de coloridos episódios e de longas dissertações, tanto pessoais como literárias. Mais ainda, poucas análises nos proporciona sobre os tipos de tropas, as armas, a logística ou as questoes de comando. Praticamente não

dispomos de dados, nem de estratégias, nem de tácticas, e o pouco que temos parece um tanto absurdo aos olhos de um historiador moderno. Por exemplo, tudo o que se menciona acerca de técnicas se encontra sob a forma de longos discursos da boca de generais e almirantes antes de um confronto. Estes discursos parecem simplistas em pormenores técnicos e, o que é ainda mais frustrante, não são autênticos porque estão reconstruídos de tradições gerais que consideram os factos mais que as razões. Para sermos mais compreensivos em relação a Heródoto, devemos recordar que o valor de um historiador depende das suas fontes, e a maior parte das notícias dos acontecimentos que ocorreram antes de 480 a.C. procede da tradição oral, enquanto os posteriores a essa data procedem de relatos de testemunhos presenciais. Obviamente que estes testemunhos, tanto gregos como persas, devem ser dos soldados que participaram nas batalhas, e não de generais ou almirantes, que tinham falecido há muito tempo. Por outro lado, sendo mais modestos, é evidente que estes homens não estariam familiarizados com questões militares, pelo que os seus relatos sobre as discussões nos conselhos de guerra, tanto persas como

gre-

gos, devem ser tratados com especial cautela. Alguns historiadores pensam, e inclusive acusam-no disso, que Heródoto era incompetente em questões militares. O argumento habitual é que

O Helesponto (Dardanelos) é uma estreita faixa de água com cerca de 55 km de extensão que separa a Anatólia da Europa. Xerxes quis construir uma

ponte sobre a sua extremidade sudoeste, entre Abidos (a parte de terra que se observa à direita

da imagem) e Sesto (à esquerda da mesma),

onde o Helesponto

tem apenas 1,5 km de largura.

(Colecção do autor)

47

não era um soldado e, portanto, não compreendia o que motivava os gene: rais e os almirantes. Mesmo assim, estes generais (strategor) e almiran tes (nauarchoi) não eram os mais capazes da sua época. Um sirategos ateniense, por exemplo, era eleito para o cargo e podia mandar — e muitas vezes era

assim — tanto no mar como em terra. De facto, decerto que não pode-

mos considerar Temístocles, que nunca estivera ao comando de uma frota

antes de Artemísio, como um perito na arte da guerra; embora fosse um homem alheio ao privilegiado círculo da nobreza ateniense, devia o seu lugar ao seu nascimento e riqueza. A arte da guerra na Antiguidade era muito diferente da dos tempos modernos. Além de alguns raros manuais militares (por exemplo, a Ciropedia de Xenofonte), não existia nenhum tipo de treino formal nem academias militares, e os dois maiores generais da Antiguidade, Alexandre e Aníbal, aprenderam o seu ofício sentados nos Joelhos dos seus pais. Deste modo, devemos acreditar nos factos que Heródoto narra, mas também questionar as explicações que ele adianta acerca dos porquês de certas coisas terem acontecido de determinado modo.

O PLANO GREGO A resistência na Grécia continental centrava-se em Esparta e nos seus aliados do Peloponeso, mas Atenas também se uniu à aliança contra a Pérsia — 9 que os comentadores modernos costumam designar com o Liga Helénica —, juntamente com uns tantos outros estados da Gré cia central e das ilhas vizinhas. No início, havia outros estados do Norte, como a Tes-

sália, que estavam dispostos a lutar, e, a pedido dos tessalianos, foi enviada uma expedição de 10.000 hoplitas para defender o vale do lempe

(Témbi),

perto do monte Olimpo. Este exército foi reforcado por gin etes tessalianos, que se retiraram rapidamente quando se inteiraram do tamanho do contingente de Xerxes e quando se aperceberam de que o Tempe podia cair e deixar os tessalianos sem outra alternativa que não fosse «medizar» (medizem), ou seja, submeter-se ao Grande Rei. Foi então que se decidiu defender as Termópilas, enquanto a frota da Liga Helénica se encontrava posicionada em frente de Artemísio, cerca de 40 mil has náuticas à leste, na costa

norte de Eubeia, a extensa ilha com forma de peixe que protege a costa da Ática. Neste local, os gregos defenderam-se dos persas durante três dias, apesar de as baixas que tinham sofrido na batalha das Termópilas terem acabado por obrigá-los a uma retirada. O tema, em geral, da estratégia dos gregos complicase pelo decreto de Irezena, um documento inscrito numa estela de mármore (pedra-monumento), com letras do século mn. Em 1959, Jameson redescobriu o decreto

na parte traseira de um café em Trezena, a cidade do Peloponeso famosa por ser o local do nascimento do lendário Teseu de Atenas. Para deleite do mundo académico, a inscrição foi publicada rap idamente (Jameson 1960). Eviden temente,

muitos

historiadores

questionam

a autenticidade

do decreto, e há mesmo alguns, como Lazenby (1993: 1092-104), que pensam tratar-se de uma elaboração com fins patrióticos do século Iv a.C. cuja forma acabou de se perfilar no século Im, mais que uma cópia autêntica do decreto oficial ateniense de 481-480 a.C.

À inscrição (Fornara 55), também con hecida como decreto de Temístocles pelo homem que, aparentemente, promov eu a sua proclamação pela assembleia ateniense, fala da precoce evacua ção da Ática e da mobilização

da frota com a intenção de deter os persas no istmo de Corinto, a porta de entrada no Peloponeso, e não nas ITermópilas e em Artemísio; original mente, os atenienses planeavam enviar apenas metade da sua armada para

norte de uma vez, mantendo a restante cent ena de trirremes em reserva na s imediações de Salamina e da Ática. Se tudo isto for verdadeiro, o que

poderia ter-se decidido antes da invasão persa, pode ríamos argumentar

que os gregos, efectivamente, estavam a pensar com an tecedência. Mas na versao dos acontecimentos que Heródoto nos tr ansmitiu, os helenos não

fazem isso. Pelo contrário, parece que improvisam em vez de seguirem um plano orientador,

Como assinala Burn (1984: 367-368), só a menção do número de dez

hoplitas de entre 20 e 30 anos de idade como infantes da marinha (epibatai) provoca uma grande incerteza. Este número corresponde ao que Heródoto (7, 185, 1,8, 17) parece ter pensado ser a dotação habitual dos baixéis de guerra gregos naquela época, mas tanto ele como o decreto provavelmente cometem um anacronismo. Sabemos que este era o número de pessoas que embarcavam nas trirremes atenienses da guerra do Peloponeso, que manobravam para atacar com o aríete (Tucídides 2, 23,2:9,

J4, 1; 95, 2), mas aparentemente sofreu uma redução desde os tempos anti-

gos. Na batalha naval entre Corinto e Córcira, na costa das Sibota (433 a.C.),

Tucídides menciona «muitos hoplitas, lançadores de dardos e arqueiros sobre a ponte» como exemplo do «tipo fora de moda»

(1, 49, 1).

Na realidade, recordam-nos as trirremes de Lada (494 a.C.), cada uma

das quais embarcava 40 hoplitas escolhidos que serviam como epibatai (Heró-

doto 6, 15, 2). Parece seguro que nos barcos desta armada produzida em

massa, com a qual estava tão ansioso por iniciar batalha em águas estreitas, Temiístocles devia ter planeado embarcar muitos mais hoplitas que dez por embarcação. Certamente, não havia hoplitas atenienses nas Termópilas, como tinha sucedido anteriormente em Tempe, e é inimaginável que os que tinham mais de 30 anos de idade se limitassem a ficar na Ática quando a frota se dirigiu para norte. O relato de Heródoto sobre as Termópilas provoca duas importantes perguntas: primeira, porque tinha Leónidas tão poucos homens sob o seu comando; e segunda, que aconteceu realmente naquele infeliz último dia? À questão da catástrofe final ver-se-á mais adiante. Quanto ao tamanho do

exército de Leónidas, Heródoto comenta em repetidas ocasiões (7, 203, 1;

206, 2; 208; 8, 40) que esta força só era uma avançada (frodromoi, literalmente

«corredores antecipados») de um exército muito maior. Por outras palavras, apesar de algumas modernas teorias que sustentam o contrário, os helenos pretendiam lutar nas Termópilas com o maior número de forças possível. Apesar disso, a queda das Iermópilas foi, pelo menos para os gregos, inesperadamente rápida (Heródoto 7, 206, 2), e os atenienses em Artemísio,

por exemplo, onde servia o grosso dos seus hoplitas como infantes de

marinha, pensavam que a principal força terrestre do Peloponeso acabaria por se concentrar na Grécia Central. Esparta, por exemplo, com apenas dez trirremes em Artemísio (Heródoto 8, 1, 2), poderia ter mandado muitos mais hoplitas para as Termópilas, independentemente do número de homens que tivesse podido transportar cada um dos seus barcos. Heródoto dizia que Esparta (7, 234, 2) tinha naquela época pelo menos 8.000 cidadãos guerreiros adultos. A desculpa que se alega para justificar o atraso do envio de reforços para norte foi a celebração das festas dóricas das Carneias, dedicadas a Apolo, e

a PE

O

=

=

A entrada norte pa ra O canal

persa, na peníns ula do Monte Athos, encontrava -se na

actual povoação de Nea Roda localizada na depressão q ue , pode observar-se no centro da imagem,

à esquerda.

Os persas ergueram

amontoamentos de Pr otecção em ambas as extremid ades, e os que havia nesta

extremidade

do canal podem

entrever-se precisame nte passada a aldeia. No horizonte vislumbra-se o cabo Ar ápis, (Colecção do autor)

dos Jogos Olímpicos Pan-Helénicos (Heródoto 7, 206, 1). As Carneias, que

se celebram na terceira lua depois do solstício de Verão, eram o capítulo mais sagrado de um mês sagrado, durante o qual nenhum dório podia ir à guerra, e ninguém na Antiguidade ousava vulnerar tais preceitos religiosos (Tucídides 5, 54; 76; Platão, Leis 698E: Xenofonte, Hellenika 4, 7, 2).

Por isso, os espartanos não estavam junto dos atenienses quando estes venceram na batalha de Maratona. Depois da lua cheia, 2.000 hoplitas espartanos dirigiram-se para a Ática e, embora levassem apenas três dias, tudo já terminara. Exigiram ver os persas mortos e, depois de estarem satisfeitos e de elogiarem o trabalho dos atenienses, partiram de regresso a casa (Her ódoto 6, 106, 3; 120). A razão que os espartanos invocaram para não se dirigirem às Termópilas com todas as suas forças, sobre a única base de Maratona, foi considerada perfeitamente legítima. O número limitado de peloponésios não dórios também se expli ca por questoes religiosas, embora, neste caso, tivesse sido o festiv al olímpico qua-

trienal em honra do deus Zeus que manteve tantos homens afastados. Cada quatro anos, três mensageiros sagrados partiam de Olímpia para visitar todos os cantos do mundo grego e proclamavam uma trégua sagra da, o que permitia que os viajantes se dirigissem ao festival ou regressassem do mesmo atravessando qualquer Estado sem temer pela sua segurança. Todos os helenos eram convidados a juntar-se ao acontecimento sagrado no santuário de Zeus, em Olímpia, cujo dia mais importante coincidia semp re com a segunda ou a terceira lua depois do solstício de Verão. Como os estados gregos tendiam a lutar entre si em vez de estabelecerem alianças, a trégua sagrada era

importante para reforçar a amizade entre eles. Estes encontros pan-helénicos

eram cruciais para os helenos. Em Olímpia, tanto os espectadores como os

participantes dos Estados gregos de todo o Mediterrâneo partilhavam uma cultura comum na qual a prática religiosa e o entusiasmo pelo desporto eram de crucial importância. Apenas os varões livres podiam competir no s jogos, e acreditava-se que uma

vitória atlética aproximava o vencedor dos deuses, pois a vitória era atribuída

à inspiração e ao favor do próprio Zeus. Diziase muitas vezes que o vencedor se parecia com um deus. Para situar isto no con texto daquele

outro acontecimento crucial no mundo grego de 48 0 a.C. a preparação dos Jogos Olímpicos estava nos últimos estádios inclusiv e qu ando Leónidas e a

Sua diminuta força se preparavam para entregar as suas vidas em sac rifício. Poucos dias depois, cAquan

to os persas incendiavam Atenas, os jogos cele-

bravam-se no santuário de Olímpia. Os atletas, co mo todos os assistentes em geral, procediam de todos os cantos da Grécia, embora se acredite que nem OS espartanos nem os atenienses competisse m

enquanto os seus concidadãos

morriam às mãos dos persas. Obviamente que os cépticos podem sugerir uma razão menos nobre: que

os estados peloponésios se negaram a enviar os seus homens para defend er

o centro da Grécia continental. No entanto, a estratégi a da Liga Helénica

estava articulada entre quanto fosse possível — Estados gregos se unisse próprio território. Deve cia havia

pouco

um compromisso para conter Xerxes tão a norte permitindo assim que o maior número possível de na resistência — e o natural desejo de defender o recordar-se que, neste período da história da Gré-

patriotismo

étnico,

ou

absolutamente

nenhum.

Um

homem pertencia à sua polis muito antes que tivesse alguma ideia da Grécia ou de que todos os gregos continentais formassem uma nação coesa. As poleis funcionavam de forma independente umas das outras, e formavam alianças e comerciavam entre si como nações separadas. Este estado da situação implicava que as Termópilas estivesse condenadas a ser um clássico compromisso e, como costuma acontecer com todos os compromissos, estava destinada ao fracasso. Os gregos não sabiam conceber planos ou estratégias a longo prazo em

480 a.C., o que se explica quando se considera que, contrariamente aos per-

sas, nunca antes tinham lutado numa guerra em grande escala. Os 10.000 hoplitas que se dirigiram ao estreito ribeirinho do Tempe provavelmente representavam, na mente dos generais gregos, um grande exército. Do mesmo modo, a experiência militar destes estados estava habitualmente limitada a incursões entre fronteiras, não a invasões em grande escala, pois naquela época os gregos raramente se envolviam em batalhas fora do seu próprio território. Mesmo assim, os membros da Liga Helénica reuniram-se pela primeira vez no istmo de Corinto no Outono do 481 a.C. para limar arestas, enviar espias e estabelecer alianças. Na Primavera do ano seguinte celebrou-se uma segunda

conferência, quando uma delegação da Tessália solicitou ajuda militar; então,

os 10.000 hoplitas acorreram ao vale do Tempe. Se a Tessália não tivesse solicitado ajuda, os outros aliados gregos provavelmente teriam acorrido às Termópilas e, de facto, Heródoto observa este dado. Por outro lado, se estas eram defendidas por um número suficiente de tropas, era o lugar adequado para deter um invasor que pretendesse entrar na Grécia pelo norte (tal como sucedeu em 279 a.C, quando os gauleses, comandados por Breno, foram contidos pelos gregos); Antíoco, o Grande, também confrontou os romanos neste lugar (191 a.C.) e, mais recentemente, as forças neozelandesas defenderam o estreito numa

acção de retaguarda contra a Wehrmacht (1941) e foram desalojadas pelos

bombardeiros em picado Stuka. Leónidas foi lutar no pico do Verão de 480 a.C. com uma pequena força que representava um titubeante grupo de gregos antipersas —300 espartanos, 2.120 arcádios, 400 coríntios, 200 de Fliunte, 80 de Mecenas (todos

eles peloponésios), 700 téspios e 400 tebanos (em representação da Beó-

cia); por outro lado, em representação dos gregos da região, mais direc-

tamente afectados, acorreram 1.000 focenses e a força completa dos lócrios

opúncios (Heródoto 7, 202-203, 1), que Diodoro

(11, 4, 7) estimou em

1.000 homens. Cada contingente servia às ordens do seu próprio strategos.

51

E

|

e

nfrcrererete

O canal que os persas escavaram através do istmo na

península do monte Athos como passagem para a frota invasora precisou de três anos para ser

completado. Nesta fotograf ia aérea da península, orient ada a sudeste para o monte Atho s, pode ver-se a entrada norte à esquerda,

na metade

Superior

da imagem. (Colecção do auto r)

Na sua versão da batalha, Heródoto também assinala (7, 299, 1) que

havia um hilota de serviço para cada espartiata nas Termópilas. Teria sido igualmente surpreendente que não houvesse nenhum perioikoi (literalmente, «os que vivem nos arredores», ou seja, os habitantes das aldeias perto de Esparta); também pode argumentar-se que os perioikoi se fizeram representar com o mesmo número de homens que os espartanos, como fariam no ano seguinte em Plateias (Heródoto 9, 11, 3). Inclusivamente, embora não tivessem direitos de cidadania, esperava-se que os perioikoi lutassem no exército espartano. Mais tarde, o ateniense Isócrates (4, 90; 6, 99) fala de

1.000 lacedemónios marchando para as Termópilas, o que parece um número convenientemente redondo para englobar os espartanos, os perioihor e os hilotas que estavam com Leónidas. Este número de 3.100 peloponésios avançado por Heródoto estaria de acordo com a inscrição do monumento à memória da guerra que este menciona (7, 228, 1) e que afirma que 4.000 homens do Peloponeso lutaram nas Termópilas. Apesar de as Camneias proibirem os espartanos de ir à luta, é possível que Esparta reconhecesse a absoluta necessidade de mandar algumas tropas para norte para defender o estreito. O próprio Leónidas escolheu os Trezentos para que as possíveis perdas não extinguissem nenhuma das linha s de sangue espartanas. Lazenby (1985: 54-55) sugere que esta selecç ão foi feita ao

acaso, atribuindo assim aos deuses à responsabilidad e de quem havia de ir.

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O próprio Leónidas poderia ter ficado isento devido à pro ibição, porque, com mais de 60 anos, já não se encontrava em idade militar. E . ] AMA

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O PLANO PERSA Ignoramos praticamente tudo acerca da estratégia persa, à excepção do evi-

dente, ou seja, que Xerxes não tinha planeado a invasão simplesmente para castigar Atenas, sendo antes uma clara tentativa par a conquistar a totalidade da Grécia continental. Para Heródoto, tudo se reduz às debilidades pessoais

de um autocrata sacrílego, o próprio Xerxes. Em bora não deva rejeitar-se à partida esta opinião, também devem explorar-se outras razões mais racionais. A Pérsia era vasta e rica, mas a Grécia era pequena e pob re, e pouco tinha a oferecer ao Grande Rei, que, além do mais, era o home m mais rico da

terra. Mesmo assim, o imenso perímetro daquele reino poliglota era vulnerável. Uma das vantagens da conquista da rochosa Grécia. que poderia ter sido considerada pelo Alto-Comando persa, era a crença de que o seu Império nunca estaria realmente seguro enquanto existisse uma possibilidade de revolta, apoiada pelos gregos continentais, dos estados gregos da Anatólia do Egeu. Uma segunda possibilidade tem a ver com as circunstâncias que conduziram à entronização de Xerxes, que sugerem que ele e os seus partidários precisavam de reforçar a sua posição através das conquistas e, obviamente, da glória. Porém, além destas considerações, nada

mais há que possa dar-se por assente. Os persas não souberam aperceber-se até que ponto os gregos se iriam unir, pelo que o Alto-Comando poderia ter pensado que a invasão seria um simples passeio em que cada Estado heleno cairia à vez, mais ou menos como tinha acontecido nas operações que se seguiram ao colapso da revolta jónica. Deste modo, não planearam a invasão como um todo, à excepção da coo-

peração entre a frota e o exército. À armada tinha instruções precisas para cercar as posições gregas em terra, um facto que é mencionado numa conversação relatada por Heródoto, que ocorreu depois da batalha das Termópilas entre Xerxes e Demarato, ou assim o afirma o historiador. No entanto, certo ou falso, o antigo rei de Esparta pensou que a frota persa

poderia rodear o istmo de Corinto para cercar a Lacónia a partir do mar e

obrigar os espartanos a regressar às suas terras. Mas aparentemente o irmão do Grande Rei, Aquémenes, comandante da frota, rejeitou esta estratégia. Inclusivamente, se não se aceitar que Heródoto esteja a relatar um debate autêntico, pode comprovar-se que na frota persa se concebiam estratagemas deste tipo. Apesar de terem sido derrotados, a campanha de Maratona mostrou aos persas que transportar homens e cavalos por mar era possível. Porém, além deste papel ofensivo, a frota desempenhou um segundo papel de natureza

defensiva. Os persas não eram marinheiros, e a sua frota procedia da con-

quista de povos do mar como os egípcios, os fenícios e os gregos da Ásia Menor. No entanto, não tardaram a aperceber-se de que a nova armada de Atenas, que acabaria por lhes proporcionar o seu império, era muito capaz de ameaçar as suas linhas de comunicação pelo Egeu e inclusive de provocar uma revolta à sua revelia. Finalmente, muitos historiadores modernos propuseram que a armada

persa desempenhou um terceiro papel: o do transporte de abastecimentos.

Esta ideia é discutível, pois não existem provas que a sustentem. Heródoto só fala em dois parágrafos sobre a questão do transporte de abastecimentos por mar. No primeiro é mencionada a criação de armazéns de provisões em terra através da Trácia, mas que seriam transportadas por mar e não seriam destinadas ao exército. No segundo faz referência à grande tempestade de

Hoje, a entrada sul do

canal persa na península do monte Athos mais não é

que um marisma. O istmo foi

elevado cerca de 14 m desde

a conclusão deste canal, embora ainda subsista uma leve depressão. O canal tinha uma extensão de cerca de 2,2 km e era suficientemente largo para permitir a passagem de dois trirremes ao mesmo tempo. (Colecção do autor)

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o apoio de centenas de baixéis de guerra construídos pelos seus engenheiros.

Finais de Junho: Xerxes passa revista ao seu exercito e a sua frota em Donsco, 0 forte persa fundado | por Dario na foz do Ebro. da foz 6. Meados de Julho: os engenheiros de Xerxes construiram uma ponte sobre o Estrimão, perto

do rio em Nove Caminhos com vários pontões para se prepararem para o desfiladeiro.

Finais de Julho: a frota e o exército reúnem-se em Terme. Enquanto um terço do exercito desimpede

6.

o caminho seguinte, os restantes descansam durante uma semana, aproximadamente. Meados de Agosto: abandonando a rota costeira que passa por Tempe, Xerxes conduz o seu exército de Terme para a Tessália, a veste de Olimpo. Finais de Agosto: depois de atravessar a Tessália, Xerxes alcança o desfiladeiro das Termópilas, consciente de que as forças gregas ja estão ali posicionadas.

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Maio: Xerxes estaciona em Tróia, onde oferece um sacrifício à Atena troiana e os Magos Meados de libações || 2. derramam aos espíritos dos heróis de outrora. s, com

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entre os dois comandos helénicos. Deste modo, por que razão não colocaram os gregos a sua frota directamente nas costas das Termópilas? Sem dúvida que a logística necessária para apoiar tanto o exército como a frota naquela zona ia muito mais além das capacidades dos helenos. Efectivamente, estes poderiam ter colocado os seus baixéis em diversas posições mais exequíveis, mais perto das Termópilas, mas aparentemente o factor proximidade não era a única questão que deviam ter em consideração. Como também não o era o local do potencial confronto, pois os estreitos entre Artemísio e o continente têm cerca de 14 km de largura e os gregos, com a sua desvantagem numérica, teriam preferido lutar em águas mais estreitas. A verdade é que não sabemos realmente por que motivo os gregos escolheram a zona de Artemísio, mas podemos tentar arriscar algumas possibilidades. Colocando-se na ponta mais setentrional da Eubeia, a frota grega evita va que os a,

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NA COSTA DE ARTEMÍSIO, 480 A.C. 1. Uma tempestade que se prolonga durante três dias faz naufragar a frota persa nas costas da Magnésia. 2. Outra tempestade destrói o destacamento persa nas costas da «Depressão da Eubeia». 3. Os três dias de luta nas Termópilas ocorrem ao mesmo tempo que o confronto na costa de Artemísio.

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persas cercassem a ilha pelo norte e se dirigissem depois para a zona costeira

ocidental através do canal interior existente entre esta e o continente. A sombria zona costeira da Eubeia era, e ainda o é, uma hostil faixa marítima. Normalmente, é uma costa castigada pelo vento que carece de portos seguros, contrariamente à costa ocidental, mais suave, valendo a pena recordar as 400 trirremes persas que naufragaram em consequência de uma violenta tempestade na costa da Magnésia. Outra possibilidade é os gregos terem temido que, não se situando nas costas da Eubeia, a ilha fosse abandonada

aos persas — Erétria e Cálcis, os dois estados principais, eram membros da Liga Helénica —, que poderiam então desembarcar tropas de terra no extremo setentrional da ilha, marchar para sul e atravessar até à Ática. Heródoto não descreve por completo a batalha naval propriamente dita. À frota persa, agora reduzida pelas tempestades, atracou em Áfetas

59

O ancoradouro grego foi identificado como a extensa

praia de Pévki, 10 km a oeste

do cabo Artemísio. A oeste de Pévki, as praias estendem-se numa

cadeia quase contínua em direcção à costa norte de

Eubeia, e as trirremes gregas tinham de ter muito espaço para atracar numa única linha. (Colecção do autor)

(Platanias), precisamente do outro lado de Artemísio, cerca de 16 km para

nordeste. Ao aperceberem-se de que os gregos estavam perto, os persas enviaram uma força de 20 trirremes para sul, por uma rota que passava a leste de Eubeia, para cercar a ilha e cortar a rota de retirada do inimigo pelo canal interior. A sua intenção era iniciar a luta logo que soubessem que essa rota estava cortada. Porém, os gregos, «com a intenção de pôr à prova a destreza no mar e a táctica dos persas» (Heródoto 8, 9), chegaram mais tarde naquele primeiro dia, pelo que a acção não se prolongou por muito tempo. Sabiam que num confronto prolongado acabariam por sucumbir perante o número superior de embarcações persas. Como resposta, as tripulações persas, que mal podiam acreditar nos seus olhos, dirigiram os seus barcos com confiança; esperavam uma vitória fácil, pois «viam que os gregos tinham poucos barcos, enquanto os seus eram muito

superiores em número e contavam com mais marinheiros» (Heródoto 8, 10, 1); deste modo, os persas cercaram os barcos gregos.

Esta era a partir»). Esta barcos para a por trás até a

táctica naval conhecida como diekplous («remar através e perigosa manobra executava-se formando uma linha de frente e investindo com força contra a formação inimiga destroçar. Como resposta, os gregos abandonaram a for-

mação em linha, na qual poderiam ter sido cercados em águas abertas,

e «formaram um círculo fechado com as proas para fora e as popas para

o centro»

(Heródoto 8,11, 1), conseguindo

tomar 30 barcos. Normal-

mente, só as frotas frágeis e mais lentas utilizavam esta táctica defensiva, mas é difícil imaginar 271 trirremes, a força nominal da frota helénica nesse dia, formando um círculo que devia medir cerca de 5 km de

diâmetro. No entanto, no seu relato, Heródoto não utiliza exacta mente

a palavra «círculo» (kyklos), utilizando esta frase: «Aproximaram as popas

umas das outras para o centro»; por outras palavras, uma formação em

60

forma de arco. Deste modo, obrigavam o inimigo a investir proa com proa, o que acabaria por se transformar numa «mêlée» em que a velocidade e a manobrabilidade dos barcos inimigos não constituíam qualquer vantagem.

Na noite seguinte, uma segunda tempestade de Verão acompanhada de chuvas torrenciais arrastou a força de 200 barcos para as rochas da traiçoeira e ventosa costa oriental, para o que Heródoto apelida de «depressão de

rubeia» (8, 13), e destruiu-a completamente. Na manhã seguinte — como no segundo dia de luta nas Llermópilas —, a notícia da destruição da força de ataque persa chegou à frota grega e, pouco depois, chegaram 53 trirre-

mes de reforço provenientes de Atenas. Heródoto não faz praticamente qualquer menção sobre o segundo dia de luta nas costas de Artemísio. De novo

os gregos zarparam tarde naquele dia para enfrentarem alguns barcos cilícios e, «depois de os destruírem, quando a noite chegou, regressaram a Artemísio» (8, 14, 2). Finalmente, no terceiro dia, os frustrados almirantes persas, pensando

na ira desenfreada de Xerxes, sobretudo contra quem lhe falhava, zar-

param

em primeiro lugar, situaram os seus barcos numa formação em

forma de foice e saíram da costa da Magnésia. Inicialmente, os gregos não fizeram qualquer movimento, mas enquanto o inimigo se aproximava da

praia de Artemísio, saíram com todas as suas forças e tomaram a iniciativa do ataque. Aparentemente, os barcos persas viram-se envolvidos na

confusão, mas não romperam as suas linhas e as duas frotas separaram-se após um duro combate que provocou numerosas baixas de ambos os lados. Os guerreiros mais formidáveis naquele dia foram os marinheiros egípcios, fortemente armados. No relato que Heródoto proporciona sobre as forças persas, descreve-os luzindo «elmos reticulados e armados com

escudos côncavos de borda ampla, lanças de abordagem e machados pesados, e a maioria deles também usavam corseletes e facas compridas» (7, 89, 2), umas armas apropriadas para uma acção de abordagem. No final do dia, tinham abordado cinco trirremes e tinham-nas levado consigo, «com as suas tripulações incluídas» (Heródoto 8, 17).

Naquela tarde, os helenos inteiraram-se do destino de Leónidas nas Termópilas e decidiram retirar-se para sul naquela mesma noite, o que implicava entregar Eubeia (e a Ática) ao inimigo. Píndaro, o poeta tebano contemporâneo, seguramente tinha razão quando comentou que Artemísio estava «onde os filhos de Atenas colocaram a primeira pedra da liberdade» (ap. Plutarco, Temístocles 8.2), embora a principal inspiração para os gregos viesse a ser a heróica resistência final nas Termópilas.

Tal como

mostra este modelo

à escala (Edimburgo, Museu Real, T 1980, 31), a trirreme, o principal barco de guerra do período, era um

baixel

de madeira armado com um

ariete reforçado com uma protecção de bronze. Podia ser propulsionado tanto através de velas como

por remos,

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na batalha só se utilizavam os remos, pois a velocidade e

a manobrabilidade eram o mais importante. (Colecção do autor)

61

A BATALHA DAS TERMOPILAS

ara não ceder um único palmo nas Termópilas, Leónidas sacrificou

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a vida dos seus homens e a sua própria. Tirteu (fl. c. 650 a.C.), o poeta favorito de Esparta, resumiu o lacónico ethos dos espartanos na sua ode aos nobres falecidos em batalha: «Que cada um de vós permaneça no seu posto firmemente apoiado no solo com os dois pés, mordendo o lábio» (ir. 10 West). Apesar disso, a morte de Leónidas, que ele mesmo escolheu e que poderia ter sido evitada, marcou o final, não o princípio, da batalha. De facto, o rei espartano tinha escolhido este terreno sabiamente e a sua

táctica estava carregada de lógica, pois pensou que, no desfiladeiro das Termópilas, um número reduzido de homens decididos poderiam defender o terramoto persa. Não há nenhuma razão para acreditar que Leónidas e os seus homens pensaram que estavam condenados, excepto, talvez, Já na manha do último dia. Um contemporâneo de Tirteu, Arquíloco, oferece“nos uma analogia melhor e mais segura quando nos fala da sua preferência pelo realista strategos «que se mantinha firme sobre os seus pés e tinha muita valentia» (fr. 114 West). Quando Leónidas defendeu as lermópilas, só havia um estreito corredor entre as montanhas, situadas à sua esquerda, e o mar, à sua direita. Estas montanhas, os montes Calídromo, estendem-se na

direcção este-oeste, abraçando a costa do golfo Málico, e aproximam-se do mar em três pontos determinados. Dois destes três pontos tornavam-se

ainda mais estreitos que a posição que ele escolheu (a Porta Central, que

não chegaria aos 15 m de largura); um encontrava-se a leste (Porta Orien-

tal) e o outro, a oeste (Porta Ociden tal). Porém, Leónidas eliminou-os do

seu plano porque, em ambos os casos, as encostas orientadas para terra, embora a pique, não eram totalmente escarpadas. Assim sendo, optou por uma frente ligeiramente mais ampla, uma em que o seu vulnerável flanco esquerdo estivesse protegido por uma escarpada parede de rochas que se elevava quase 1.000 m sobre a Porta Central. E aquele lugar que Leónidas escolheu apresentava uma vantagem acrescida: em algum momento do passado, os focenses tinham construído um muro defensivo para se protegerem dos seus arqui-inimigos do norte, os tessálios.

OS DIAS PRÉVIOS

62

À BATALHA

O antigo muro focense estava em ruínas, pelo que os gr egos se dispuseram de imediato a reconstruílo. Mas a forca da posição das Termópilas ficou reduzida pela existência de uma série de carreiros que rodeavam os desfiladeiros para sul ou para leste. No mais perigoso desses carreiros, o caminho de Anopeia, Leónidas colocou 1.000 hoplitas focenses, homens das redondetas, que supostamente seriam a melhor força de guarda e vigilância numa situação na qual esse conhecimento era de importân cia vital. Também eram os que tinham mais a perder. Heródoto comenta es pecificamente (17,175, 2) A

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Imagem geral das Termópilas, numa fotografia orientada para sudeste vista de Lâmia. O famoso desfiladeiro pode

ver-se ao longe, abaixo do Calídromo e junto do golfo Málico. Actualmente, o lodo

arrastado pelo rio Esperqueu

avançou a linha da costa cerca de 5 km, embora a planície ainda seja uma marisma. (Colecção do autor)

. O DESFILADEIRO DAS TERMÓPILAS E O CAMINHO DOS IMORTAIS | “A

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