Teoria da História do Brasil. Introdução metodológica [5 ed.]

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Teoria da História do Brasil. Introdução metodológica [5 ed.]

Table of contents :
TEORIA DA HISTORIA DO BRASIL
SUMÁRIO
Os problemas da historia e as tarefas do historiador
Desenvolvimento da idéia de historia
Historia narrativa
História pragmática
Filosofia e história. O conhecimento histórico
Windelband
uo
Periodização
Capítulo 6 Diversos gêneros da historia
3. História constitucional
4. Historia do direito
6. História diplomática
11. História da história, história literária e história das idéias ou intelectual
14. Historia da imprensa
16. A biografia
17. Historia social
18. História da arte
Iconografia
Capítulo 7 A metodologia histórica
HISTÓRIA DA METODOLOGIA HISTÓRICA
Capítulo 9 Disciplinas auxiliares da historia
BIBLIOGRAFIA SOBRE AS INSCRIÇÕES LAPIDARES
3. Sigilografía
7. Cronologia
8. Bibliografia
BIBLIOGRAFIA DAS BIBLIOGRAFIAS
c) Bibliografias históricas portuguesas:
d) Bibliografia das bibliografias brasileiras:
e) Bibliografias históricas brasileiras:
f) Bibliografias históricas espanholas e hispano-americanas:
g) Bibliografia das bibliografías históricas estrangeiras:
h) Bibliografía das bibliografías especializadas:
i) Bibliografía das bibliografías literárias:
f) Bibliografias históricas relativas a um período:
I) Bibliografia das bibliografias correntes:
m) Bibliografia das bibliografias de livros raros:
Obras de consulta sobre o Brasil
o) Bibliografia de revistas históricas:
p) Bibliografia de catálogos comerciais:
9. Cartografia
Evolução da cartografia no Brasil
ISSE?!!
Cartografia de limites
Crítica histórica
Determinação das datas
Autenticidade e forjicação
Sc
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Citation preview

JOSÉ

HONÓRIO

RODRIGUES

TEORIA DA HISTORIA DO BRASIL Introdução

Me todológica

5.a edição Acrescida de ura Posfácio

CO M PA N H IA E D IT O R A NACIONAL

CIP-B rasil. C atalogação-na-Fonte C âm ara B rasileira do Livro, SP

R613t 5.ed.

R odrigues, José H onorio, 1913T eo ria da história do Brasil: in trodução m etodológica. 4. ed. atualizada. São Paulo, Ed. N acional, 1978. (Brasiliana. G rande form ato, v.11) 1. Brasil - H istória - M etodologia 2- H istória Filosofia I . T ítu lo . I I . Série. CDD-981.077 -901

77-1169

1. 2. 3. 4.

índices p a ra catálogo sistem ático: Brasil : M etodologia histórica 981.077 H istória : Filosofia e teoria 901 H istória : T e o ria 901 M etodologia : H istória do Brasil 981.0077

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jej l i ção reservados à

C O M PA N H IA E D IT O R A NA CIO N A L R u a dos Gusmões, 639 SÃo P a u l o - SP

1978 Im presso no Brasil

OBRAS

DO

AUTOR

Livros Civilização holandesa n o Brasil. l.° Prêm io de E rudição d a A cadem ia Brasileira de L e­ tras. São Paulo, C om panhia E ditora N acional, 1940. (Em colaboração com Joaquim R ibeiro.) Teoria da H istória do Brasil. São Paulo, In stitu to Progresso E ditorial, 1949; 2.a edição, São Paulo, C om panhia E ditora N acional, 1957, 2 vols. (Brasiliana G rande); 3.a e d i­ ção, São Paulo, C om panhia E ditora N acional, 1969. H istoriografia e bibliografia do dom inio holandês no Brasil. R io de Janeiro, In stitu to N acional do Livro, 1949. As fo n tes da H istória do Brasil na E uropa. R io de Janeiro, Im prensa X a d o n al, 1950. N oticia de vária história. R io de Janeiro, L ivraria São José, 1951. A pesquisa histórica no Brasil. Sua evolução e problem as atuais. R io de Jan eiro , In stitu to N acional do Livro, 1952; 2.a edição, São Paulo, C om panhia E d ito ra N acional, 1969. Brasil. Periodo colonial. M éxico, In stitu to P anam ericano de G eografia e H istória, 1953. O c o ntinente do R io Grande. R io de Janeiro, Edições São José, 1954. H istoriografia dei Brasil. Siglo X V I. México, In stitu to P anam ericano de G eografia e H istória, 1957. A situação do A rq u ivo N acional. R io de Jan eiro , M inistério da Justiça e Negócios Interriores, 1959. Brasil e Africa. O utro horizonte. R io de Janeiro, E ditora Civilização Brasileira, 1961; 2.a edição id., id., 1964, 2 vols. Aspirações nacionais. Interpretação histórico-politica, São Paulo, E ditora Fulgor, 1963; 2.a edição, id., id., 1965; 3.a edição, id., id., 1965; 4.a edição, R io de Janeiro, E ditora Civilização B rasileira, 1969. H istoriografia dei Brasil. Siglo X V II. M éxico. In stitu to Panam ericano de G eografia e H istória, 1963. Conciliação e reform a no Brasil. Interpretação histórico-politica. R io de Jan eiro , E ditora Civilização B rasileira, 1965. H istória e historiadores do Brasil. São Paulo, E ditora Fulgor, 1965. Interesse nacional e politica externa. R io d e Janeiro, E ditora Civilização B rasileira, 1966. Vida e H istória. R io de Jan eiro , E ditora Civilização B rasileira, 1966. H istória e H istoriografia. Petrópolis, E ditora Vozes, 1970. O Parlam ento e a evolução nacional. Introdução histórica, 1826-1840. Brasília, Senado Federal, 1972. 1.° vol. da série “O P arlam en to e a evolução nacional. Seleção de te x ­ tos p a rla m e n tare s”, 3 vols. em 6 tomos, e 1 vol. de “ín d ic e e Personalia”. (O rga­ nizados com a colaboração de L êda B oechat R odrigues e O ctáciano Nogueira.) A Assem bléia C onstituinte de 1823. Petrópolis, E ditora Vozes, 1974. Independência: revolução e contra-revolução. R io de Janeiro, L ivraria Francisco Alves E ditora, 1976, 5 vols. H istória, corpo do tem po. São Paulo, E ditora Perspectiva, 1976.

Livros traduzidos B razil and Africa. T rad u z id o p o r R ich ard A. Mazzara e Sam H ilem an. “In tro d u c tio n ” por A lan K. M anchester. Berkeley e Los Angeles, U niversity of C alifornia Press, 1965.

3

The

T h e ir character a n d aspiration. T rad u zid o p o r R a lp h E dw ard Dim m ick. *Fo»cirord~ e "A dditional N otes” p o r E. B radford B um es. A ustin e L ondres, U niTsrsírT o í T e s a s Press, 1967.

Opúsculos 'C a p ita lism o e protestantism o. Estado a tu al do p ro b lem a.” Sep. de Digesto Econôm ico, São Paulo, 1946. “ A lfredo do Vale C abral.” R io de Jan eiro , 1954. T rad u zid o p a ra o inglês. Sep. da R e ­ vista Interam ericana de B ibliografia, W ashington, 1958. "C apistrano de A breu, ein F reu n d D eutschlands.” Sep. d o Staden Jahrbuch, São Paulo, 1958. “A ntônio V ieira, d o u trin a d o r do im perialism o p ortuguês.” Sep. da Revista B erb u m , R io de Janeiro, 1958. "L a H istoriografia B rasileña y el actu al processo historico.” Sep. do A nuario de E studios A m ericanos, Sevilha, 1958, t. XIV. “A lgum as idéias políticas d e G ilberto A m ado.” Sep. da R evista Brasileira de E studos P o­ líticos, Belo H orizonte, 1959. “D. H e n riq u e e a a b ertu ra da fro n teira m u n d ia l.” Sep. d a R evista P ortuguesa de H istó ­ ria, C oim bra, 1961. “N ueva a ctitu d e xterior dei B rasil.” Sep. do Foro Internacional, Mcxico, janeiro e m arço de 1962. “T h e influence of A frica on Brazil a n d of B razil on A frica.” Sep. de Journal of African H istory, Londres, 1962, vol. 3. “T h e F oundations o f B razil’s Foreign Policy.” Sep. de In ternational A (¡aire, Londres, 1963, vol. 3. “A lfredo de Carvalho. Vida e obra.” Sep. dos A nais da Biblioteca Nacional, R io de J a ­ neiro, 1963, vol. 77. “Discurso de posse na A cadem ia B rasileira de L etras.” Sep. da R evista de H istória, São Paulo, 1970, n.° 81. “O livro e a civilização b rasileira.” Sep. da R evista de C ultura Vozes, Petrópolis, a b ril de 1971, vol. 67, n.° 3. “O liberalism o no B rasil”. Sep. dos Discursos Acadêmicos. R io de Janeiro, Academ ia B ra ­ sileira de Letras, 1972, vol. 20. ' “O clero e a Independência.” Sep. d a R evista Eclesiástica Brasileira, ju n h o d e 1972, vol. 32, fase. 126. “M attoso C âm ara.” Sep. da R evista de C ultura Vozes, Petrópolis, ju n h o /ju lh o de 1973, vol. I.XV11. “O sentido d a H istória do B rasil.” S e p .'d a R evista de H istória, São Paülo, 1974, n.° 100.

Colaboração em livros coletivos “W eb b ’s Great F rontier a n d the In te rp re ta tio n of M odem H istory.”In A. R. Lewis e T . F. M cG ann (eds.), T h e N ew W orld looks at its H istory. U niversity of Texas Press, 1963. “Brazil a n d C hina. T h e V arying F ortunes of In d e p en d e n t D iplom acy.” In A. M. H alpern (ed.), Policies toward China. Views from Six Continents. Nova Y o t Ic, C ouncil on Fo­ reign R elations, 1965. “B razilian H istoriography, Present T r e r d s and Research. R equirem ents.” In M anuel Diégues J ú n io r e Brycc W ood (eds.), Social Science in L a tin A m erica. Nova York e L o n ­ dres, C olum bia U niversity Press, 1967. “A.s tendências da historiografia brasileira e as necesidades da pesquisa.” In C entro L a ­ tino-am ericano de Pesquisas em Ciências Sociais, A s Ciências Sociais na Am érica Latina. São Paulo, Difusão E uropéia do Livro, 1967.

4

“Problem s in B razilian H istory” e “ C apistrano de A breu a n d B razilian H istoriography”. In Perspectives on B razilian H istory. (“In tro d u c tio n ” e “B ibliographical Essay” p o r E. B radford Burns.), Nova York e Londres, C olum bia U niversity Press, 1967. “H istory belongs to o u r ow n G eneration.” In Lewis H anke (ed.), H istory o f L a tin A m e ­ rican Civilization. L ittle Brown, 1967, vol. II (T h e M odern Age). “José B onifácio et la direction d u m ouvem ent d ’In dépendance.” In É tudes offertés à Jacques L am bert. Paris, É dition Cujas, 1975.

Indices anotados “Indice A notado” da R evista do In stitu to do Ceará. Fortaleza, Im prensa U niversitária do Ceará, 1959. “Indice A notado" da R evista do In stitu to Arqueológico, H istórico e Geográfico P ernam ­ bucano. Recife, 1961.

Edições críticas Jo h a n N ieuhof. M em orável viagem m arítim a e terrestre ao Brasil. Confronto com a edi­ ção holandesa de 1682. Intro d u ção e n ota, crítica bibliográfica e bibliografia. São Paulo, L ivraria M artins, 1942. C apistrano de A breu. C apítulos de H istoria Colonial. 4.a edição, Revisão, N otas e P re­ fácio. R io de Jan eiro , L ivraria B riguiet, 1954; 5.a edição, Brasília, E ditora da U niver­ sidade de Brasilia, 1963; 6.a edição, R io de Janeiro, E ditora Civilização Brasileira, 1976.

Direção e Prefácio de publicações oficiais Os holandeses no Brasil. Prefácio, notas e bibliografia. R io de Janeiro, In stitu to do A çú­ car e do Álcool, 1942. A nais da B iblioteca Nacional. R io de Janeiro, Im prensa N acional, 1948-1963, vols. 66 a 74. D ocum entos históricos da B iblioteca Nacional. R io de Janeiro, Im prensa N acional, 19461955, vols. 71 a 110. Catálogo da Coleção Visconde do R io Branco. R io de Jan eiro , In stitu to R io Branco, M i­ nistério das Relações E xteriores, 1953. José M aria da Silva Paranhos. Cartas ao am igo ausente. R io de Janeiro, In stitu to Rio Branco, M inistério das Relações E xteriores, 1953. Correspondência de Capistrano de A breu. R io de Janeiro, In stitu to N acional do Livro, 1954-1956, 3 vols. Publicações do A rq u ivo N acional. R io de Janeiro. Im prensa N acional, 1960-1962, vols. 43 a 50. O P arlam ento e a evolução nacional. Seleção de textos parlam entares, 1826-1840. Brasília, Senado Federal, 1972, 3 vols., 6 tomos, 1 vol. de índice. (Com a colaboração de Lêda Boechat R odrigues e O ctáciano Nogueira.) A las do Conselho de Estado. Brasília, Senado Federal, 1973, vols. I, 2 e 9.

Prefácios J. E. Pohl. Viagem ao interior do Brasil em preendida nos anos de 1S1T a 1821. R io d : Janeiro, In stitu to N acional do Livro, 1951. D aniel de Carvalho. E studos e depoim entos. l.a série. R io de Janeiro, L ivraria José O lym ­ pio E ditora, 1953. G uilherm e Piso. H istória natural e médica da ín d ia Ocidental. R io de Janeiro, In stitu to N acional do Livro, 1957 (Prefácio e bibliografia).

5

J . r y v n n a de A breu. C am inhos antigos e povoam ento do Brasil. 4.a edição. j a m o . E d ito ra Civilização Brasileira, 1975. J. Ca r ee r a n o de A breu. Ensaios e estudos. l .a série. 2.a edição. R io de Janeiro, G r ü ã a ç ã o Brasileira, 1976. | . G ip s rr a n o de A breu. Ensaios e estudos. 2.a série. 2.a edição. R io de Jan eiro , ClTÜização Brasileira, 1976. J C ip ístra n o de A breu. Ensaio e estudos. 2.a série. 2.a edição R io de Jan eiro , Civilização Brasileira, 1976. J. C apistrano de A breu. Ensaios e estudos. 4.a série. 2.a edição. R io d e Janeiro, Civilização B rasileira, 1976. J C apistrano de A breu. O descobrim ento do Brasil. S.a edição. R io de Janeiro, Civilização B rasileira, 1976.

Livro em preparo: H istória da H istória do Brasil.

6

R io de E ditora E ditora E ditora E ditora E ditora

SUMÁRIO

P refá cio da

1 .aedição ..............................................................................................................................

11

P refá cio da

2.aedição .......................................................................................................................

15

P refá cio da

3.aedição ..............................................................................................................................

21

Prefácio à

4.aedição

.......................................................................................................................

23

A b r e v ia tu r a s ...................................................................................................................................................

25

C apitulo 1. Os PR O BLEM A S DA H ISTÓ R IA E AS TA REFA S DO H ISTO RIAD OR. Os p ro b le ­ m as da história e da historiografia b ra sile ira ................................................................

27

C apitulo 2. D e s e n v o l v i m e n t o d a i d é i a d e h i s t ó r i a . A palavra história. H istó ria n arrativ a, pragm ática, genética ou científica...................................................................

43

C apitulo 3. F i l o s o f i a e h i s t ó r i a . O c o n h e c i m e n t o h i s t ó r i c o . I. H istó ria e ciência. A razão histórica; D ilthey. W in d elb an d . R ickert. C onceito de valor de R ickert. C rítica aó conceito de v alor de R ickert. X enopol. C rítica a Xenopol. N atu ralism o e historicism o. H istoricism o e historicism os. Ciências n a tu ra is e c ulturais. Características do fato histórico. D esenvolvim entos pos­ teriores. Positivism o lógico e a história. A linguagem h istórica............................ II. E xplicação causal. À lei da causalidade científica. O positivism o lógico e a causalidade científica. A história e a explicação causal. A com preensão. III. A natu reza da convicção histórica. O conhecim ento histórico e sua positividade. A convicção histó rica..............................................................................................

106

P e r i o d i z a ç ã o . Periodização na h istó ria universal. Periodizações p o ­ líticas, filosóficas, ideológicas e sociológico-institucionais. Os ciclos históricos. A teoria das gerações. O rigem de certas denom inações de períodos...................

112

P e r i o d i z a ç ã o n a h i s t ó r i a d o B r a s i l . J a n u á rio da C u n h a Barbosa. C unha M atos. A breu e Lim a. Visconde de C airu. D iretrizes m etodológicas de M artius. Francisco Adolfo de V arnhagen. Ju stin ian o José da R ocha. C a­ p istran o de A breu. Joaquim X abuco. João R ibeiro. O liveira L im a. P an d iá Calógeras. O liveira V iana. G ilberto Freyre. Sérgio B uarque de H olanda. . . .

12.">

63 95

C a p itu lo 4.

C a p itu lo 5 .

D iv írso s c .ím ro s da iiistó riv . Os géneros históricos na história do Brasil. 1. H istória geral e histó ria local. 2. H istó ria política. B ibliografia de história a d m in isira th a . ' H istó tia constitucional. B ibliografia de h istó ­ ria constitucional. 4. H istória do direito. B ibliografia de histó ria do direito. Bibliografia de história da legislação portuguesa. 5. H istória económica. B ibliografia de história económ ica, õ. H istó ria d iplom ática. 7. H istó ria do exército. 8. H istória n a \a l. 9. H iü ó ria da aviação. 10. H istó ria d a Igreja e da religião. 11. H istória c a história. H istó ria lite rá ria e h istó ria das idéias ou intelectual. 12 H istó ria da ciência. 13. H istória da educacão. 14. H istória da im prensa. B ibliografia de histó ria da im prensa. B ibliografia

C a p i t u l o 6.

7

óe H istó ria da tipografia. 15. H istória regional e da form ação territo rial. 16. A b io g ra fia . B ib lio g ra fia d a b io g ra fia . 17. H is tó r ia social. 18. H is tó ria d a a r t e .......................................................................................................................................................

145

C tp itu lo 7 - A m e t o d o l o g i a h i s t ó r i c a . A história d a m etodologia histórica. Necessi­ d ades dos cursos de m etodologia histórica. Evolução do ensino da m etodo­ logia histó rica.................................................................................................................................

222

C apitulo 8.

234

As

fon tes

h is t ó r ic a s

..................................................................................................

C apitulo 9. D i s c i p l i n a s a u x i l i a r e s d a h i s t ó r i a . 1. D iplom ática e paleografía. 2. E pigrafía. B ibliografia sobre as inscrições lapidares. 3. Sigilografía. 4. H e ­ ráldica. B ibliografia de heráldica e n o b iliarq u ia. 5. G enealogia. B ibliogra­ fia d e genealogia. 6. N um ism ática. B ibliografia de num ism ática. M edalhas. 7. Cronologia. B ibliografia de cronologia no Brasil. 8. B ibliografia. B iblio­ grafia das bibliografias. O bras de referência soore o Brasil. 9. C artografia. Evolução da cartografia no Brasil. C artografia de lim ites............................................

239

C apitulo 10. C r í t i c a h i s t ó r i c a . A posição de A lexandre H ercu la n o e Francisco A dolfo de V arnhagen. P rincipais etapas da crítica. D eterm inação das datas. . .

308

C apitulo 11. A u t e n t i c i d a d e e f o r j i c a ç ã o . T e o ria da falsidade. Exem plos de forjicação. C arta de T oscanelli. Exem plos brasileiros de forjicação. As “cartas falsas”. O p ian o Cohén. A perícia técnica. L ista selecionada de exem plos de aplicação dos prin cíp io s da crítica aos problem as de au te n tic id a d e especial­ m ente relacionados com forjicações reconhecidas ou alegadas................................

320

Capitulo 12. C r í t i c a d e a t r i b u i ç ã o . B ibliografia de pseudônim os portugueses e brasileiros. A crítica de a trib u içã o n a historiografia brasileira. Relação do p iloto anônim o. As obras de F ernão C ardim . A Prosopopéia. Diálogos das grandezas do Brasil. C ultura e opulência do Brasil. H istória do Brasil de J o h n A rm itage. E studos sobre Caxias. Casos de a u to ria ain d a discutidos. A A rte de furtar. Cartas chilenas. L ista de casos de crítica de atrib u ição ...........

349

C apitulo 13. C r í t i c a d e t e x t o s e a e d i ç ã o d e d o c u m e n t o s h i s t ó r i c o s . A edição de docum entos históricos. O p re p a ro de um a edição de docum entos históricos. A seleção. N orm as de transcrição. Os sinais de modificações no texto. O rd e­ nação. Colação. A notação. P rep aro do m anuscrito p a ra o im pressor. A edição crítica em geral e em P ortugal. O bras históricas. Edições críticas n o Brasil. D iário da navegação de P ero Lopes de Sousa. As obras de F ern ão C ardim . Diálogos das grandezas do Brasil. H istória do B rasil de frei V icente do Sal­ vador. H istoriografia das m inas. H istória geral do Brasil de F. A. de V ar­ nhagen. O T ác ito português. C ultura e opulência do Brasil. A nais do R io de Janeiro. R ecopilação de noticias soteropolitanas e brasilicas. D ocum en­ tos holandeses..................................................................................................................................

378

C apitulo 14. C r í t i c a i n t e r n a . O a u to r e o valor do testem unho. O testem unho único. T este m u n h o controlado e incontrolado. O a rg u m en tu m èx silentio. C redibilidade de fontes específicas. 1. A utobiografia. D iários. M em órias. 2. Cartas. 3. O jornal. 4.R elatos de v iajantes.................................. ...........................

405

C apitulo 15. A c o m p r e e n s ã o e a s í n t e s e h i s t ó r i c a s . In terp retação . T eo rias in te r ­ pretativas. A análise histórica. Crise do pensam ento histórico. T a re fa cien ­ tífica d a h istó ria.......................................................................................................; ...................

419

A P Ê N D I C E S I.

M étodo, teoria, historiografia epesquisa, disciplinas u n iv ersitá ria s..........................

Posfácio

..................................................................................................................................................

Índice remissivo

8

431 45'

LISTA DE ILUSTRAÇÕES JOH A N

M ax

HUIZINGA W eber

...............................................................................................................

61

.......................................................................................................................................

120

................................................................................

150

..............................................................................................

202

..........................................................................................................

237

F r a n c is c o A d o l f o d e V a r n h a c e n João

C a p is t r a n o

B. F. de

de

A breu

R a m iz G a l v á o

Guia de cam inhantes (São Paulo) ........................................................ 288 A lexa nd re

H erculano

..........................................................................................................

310

Carta falsa de Jacinto G uimarães ........................................................ 333

9

JOSÉ HONÓRIO RODRIGUES O Professor J o s f . H o n o r i o R o d r i g u e s nasceu no R io em 1913. Foi educado na Escola Deodoro, no E xternato Santo A ntonio M aría Zacarías, no Ginásio de São Bento, no Instituto Superior de Preparatórios, na Facul­ dade de D ireito da então Universidade do Brasil. Começou a escrever na Faculdade de Direito, na revista A Época, órgão estudantil, e ao term inar o curso, em 1937, recebeu o Prêm io de Erudição da Academia Brasileira de Letras. Com bolsa de estudos e pesquisa da Fundação Rockefeller, passou um ano nos Estados Unidos (1943-1944), onde freqüentou cursos na U ni­ versidade de Colúm bia e fez pesquisas históricas. Graduou-se na Escola Superior de G uerra em 1955. Foi sempre servidor público, jornalista e professor. Começou no Instituto Nacional do Livro, com Augusto Meyer, trabalhando na Seção de Publicações, dirigida, então, por Sérgio Buarque de H ollanda. Foi diretor interino da Biblioteca Nacional e diretor efetivo do Arquivo Nacional. Foi professor do Instituto R io Branco (História do Brasil e H istória D iplom ática do Brasil) e é professor do ensino superior do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense. Tem dado cursos na Universidade Católica e tem feito m uitas conferências para padres nacionais e estrangeiros em cursos de aperfeiçoam ento pro­ movidos por instituições religiosas (Centro Intercultural e Conferência dos Bispos). Foi conferencista da Escola Superior de G uerra de 1957 a 1964. T em ensinado em universidades norte-americanas. É membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de Institutos históricos estaduais, da Academia Portuguesa da História, da T h e Hispanic American Society (Estados Unidos), da Royal H istorical Society (Ingla­ terra) e da Sociedade Histórica de U trecht (Holanda). T em participado de várias conferências, congressos, seminários, nos Estados Unidos, Europa e América Latina, e tem feito pesquisas no estrangeiro. T em vários livros traduzidos para o inglês e para o espanhol, e sua obra tem m erecido m uitas notas e estudos críticos nos Estados Unidos e Europa, nas revistas especiali­ zadas. T em sido e é m em bro da direção de várias revistas internacionais de História, como a H ispanic American Historical Review (Estados U ni­ dos), a Revista de H istória (México), o Historical Abstracts (Alemanha e Estados Unidos), e os Cahiers d’Histoire Internationale (França). Tem colaborado também em várias revistas de política internacional, como International Affairs (Inglaterra), Forum Internacional (México) e Politice (Venezuela). Foi diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais e dirigiu a Revista Brasileira de Política Internacional (1963-1968). A bibliografia com pleta do A utor figura neste volume. E sua obra foi objeto de tese de doutoram ento na Universidade de São Paulo: R aquel Glezer, O jazer e o saber na obra de José H onório Rodrigues: um rr,lodelo de análise historiográfica, 1977.

PREFÁCIO DA 1.a EDIÇÃO

Quando, em 1943-44, foi o autor contem plado com um a bolsa de pesquisa da Fundação Rockefeller, para investigar documentos relativos aos holandeses na América e estudar crítica histórica, já pretendia, alar­ gando o segundo objetivo, exam inar e estudar a m etodologia da história. Verificou, então, que tal como na Europa ninguém podia, naquele país, especializar-se em história sem que, prim eiro, tivesse cursado a cadeira de Metodologia, denom inada diversamente na Europa e nos Estados U ni­ dos da América. Por nim ia gentileza da U niversidade de C olum bia teve o autor oportunidade de assistir, como “visiting scholar”, a algumas aulas do curso m inistrado pelo D epartam ento de H istória e dirigido pelo pro­ fessor Charles W. Cole. E foi com extrem o devotam ento que prosseguiu, nos Estados Unidos da América, e depois no Brasil, no estudo da m etodo­ logia, da pesquisa, da historiografia, da teoria e filosofia da história. Já vinha escrevendo esta obra, sempre em contacto com o que de mais recente se publicava nos Estados Unidos da América e na Europa quando, convidado pelo Sr. Em baixador H ildebrando Accioly, então di­ retor do Instituto R io Branco, para lecionar no curso de aperfeiçoam ento a cadeira de H istória do Brasil, viu o autor a oportunidade de planejar um curso superior em que, prelim inarm ente, seriam estudadas a m etodo­ logia da história e a nossa historiografia. Visava-se dar aos alunos uma idéia mais exata do que é a história, de seus métodos e de sua crítica, da bibliografia e historiografia brasileiras, de m odo a prepará-los para um conhecim ento crítico da história do Brasil. As lições dadas desde 1946 são aqui recolhidas, depois de corrigidas e am pliadas. Há, assim, um fim pedagógico como objetivo prim ordial deste trabalho. Procura-se oferecer aos estudantes de história geral e do Brasil, aos professores secundários, aos estudiosos ocupados com a história concreta, um a visão de conjunto dos principais problemas de metodologia da história. Da história do Brasil, tão-somente, já que os exemplos ilus­ trativos são puram ente brasileiros. T en to u o autor fugir a toda visão unilateral dos problem as e ser o mais seguro e exato que lhe foi possível. Cinco anos e meio de leituras e pesquisas consumiu este livro. Seu plano teórico inicial teve que sofrer, naturalm ente, o embate das dificuldades da prática e aqui e ali houve supressões, acréscimos ou cortes. A configuração da obra apresentava-se particularm ente difícil, em face da seriedade da m atéria, da vastidão da

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bibliografia, da variedade da doutrina. Seria um a estulticia pretender esgotar o assunto ou defini-lo precisamente. O trabalho devia ser, antes, um a simples introdução à história e à pesquisa histórica no Brasil, e, por isso mesmo, um guia, um roteiro de problemas, processos, crítica e teoria. Não é necessário m ostrar aqui a necessidade de p rep arar o encontro pessoal, quase sempre árduo, do estudante ou estudioso com o fato puro, n u e cru. Ensinar num plano universitário os fatos sem a teoria seria o mesmo que limitar-se, nos cursos jurídicos, a m inistrar a lei e os códigos sem a teoria e a interpretação. Portanto, o valor de um a exposição do m étodo histórico aplicado ao Brasil torna-se evidente, pelo simples fato de que nada existe sobre a m atéria n a historiografia de língua portuguesa. N a história, como em qualquer ciência, os progressos referentes ao esclarecimento conceituai, teórico e m etódico são tão necessários quanto os relativos ao conhecim ento mesmo dos fatos. Se, por outro lado, deve­ mos justam ente adm itir a pluralidade de métodos científicos, então é neces­ sário conhecer o método próprio, peculiar, específico da história. O método aqui exposto aplica-se especialmente à história concreta, mas, de um modo geral, adapta-se a todas as ciências que têm por ideal o conhecimento histórico, ou sejam, a economia, o direito, a geografia h u ­ m ana, a sociologia, a antropologia, a literatura, porque todas usam o m étodo histórico, ao contrário das ciências matemáticas, físico-naturais, outro grupo de conhecinlentos. Rarissimos serão os países mais cultos que não tenham várias obras dedicadas à m etodologia histórica, de tão necessária inclusão no currículo das universidades. Obras clássicas são as de Bernheim, n a Alem anha, a de Langlois e Seignobos, na França, a de Garcia Villada, n a Espanha, a de Lappo Danilevsky, na Rússia, a de Hockett, nos Estados Unidos da América. Na América, tam bém a A rgentina possui o curso de M etodologia em suas universidades, em bora não disponha de obras im portantes sobre o assunto. No Brasil, onde o apetite pela história é tão grande e tantos são os que a ela se dedicam, seria urgente e indispensável a inauguração de um curso universitário dessa natureza. O que já se fez em direito e em filosofia, com a cadeira de Introdução, dever-se-ia fazer com a história. Os livros clássicos citados obedecem de regra a planos inteiram ente diferentes. Se alguns, como Langlois e Seignobos, se lim itam exclusiva­ mente aos problem as de heurística e das ciências auxiliares e da crítica in terna e externa, outros, como Bernheim, dão aos problem as da teoria e da filosofia um lugar de destaque. A obra de Bernheim sofreu em suas várias edições um a constante renovação. A princípio, pouca atenção foi dada às questões filosóficas e teóricas, às relações da história com as outras disciplinas sociais. Só nas últim as edições, especialmente n a sexta, é que o autor lhes dedicou um a atenção mais sistemática e mais ampla, sendo, ainda assim, as relações da história com as ciências sociais m uito super­ ficialmente tratadas. O pequeno mas substancioso livro de H ockett obe­ dece ao sistema de ensino da m atéria nos Estados Unidos da América, ao tem po em que foi escrito: heurística, crítica e composição. Mas a

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parte heurística é prática, objetiva e assume aspecto puram ente bibliográ­ fico e do que eles chamam de “detective problem s”, ou sejam, verdadeiras charadas históricas. O livro de F. M. Fling, sobre o m odo de escrever a história, m uito usado nos Estados Unidos da América, é um a síntese inteiram ente obediente ao plano de Bernheim. O projeto que traçamos inicialm ente tinha por base estas obras clás­ sicas. N aturalm ente, novos estudos citados no correr destas páginas guia­ ram-nos no desenvolvimento da m atéria e obrigaram-nos a inumeráveis modificações. Reconhecemos a deficiência de alguns capítulos, e para isto pedimos desde já aos leitores as nossas desculpas. O capítulo sobre “Os vários tipos de história”, sugerido pelo curso do Prof. Charles Cole, da Universidade de Columbia, é quase que simplesmente bibliográfico, e, ainda assim, exemplificativo e não exaustivo. Ele poderia ou deveria constituir um a parte da historiografia que estamos preparando, mas era necessário metodológicamente, ainda assim, discutir alguns problem as re­ lativos à divisão da m atéria histórica, como seguimento lógico ao capítulo sobre a periodização. Ele é omisso e falho, ainda como tentativa e esboço. O mesmo se pode dizer da parte relativa ao “Desenvolvimento da idéia de história”, quadro sumaríssimo, que serve apenas para um contacto inicial e rápido com a idéia de história, m atéria considerada indispensável pelos tratadistas num a m etodologia da história. O pequeno trecho sobre os diplomatas-historiadores que aparece no capítulo sobre a “Significação dos estudos históricos” é simplesmente evocativo, num livro nascido, de certo modo, no Itam arati. N a historiografia que estamos escrevendo a m atéria será desenvolvida. Queremos tam bém acentuar que não desco­ nhecemos a im portância da iconografia como disciplina auxiliar da his­ tória, mas foi-nos impossível preparar, nesta oportunidade, um capítulo menos incompleto. Estudamos a possibilidade de incluir, na parte refe­ rente às Fontes, um exame crítico e bibliográfico das fontes da história do Brasil, tom ando como base a periodização feita por C apistrano de Abreu. Preferimos deixar essa tarefa para a obra sobre A Evolução da Pesquisa no Brasil, que também temos em preparo. Finalm ente, o capí­ tulo sobre “Crítica histórica” m ostra suas origens no Brasil, situa o feito de Varnhagen e Capistrano de Abreu, compila o que já se fez aqui e apresenta m atéria nova. O nosso plano prim itivo incluía ainda, por sugestão vinda da leitura da obra de E duard Meyer, Zur Theorie und M ethodik der Geschichte, e de E. M. Hulm e, H istory and its Neighbours, o estudo das relações da história com as ciências sociais e vizinhas, que auxiliam a interpretação. As lições dadas e os esboços escritos são ainda insatisfatórios e exigiam tempo para pesquisas e reflexão, retardando a publicação do livro. Um a verdadeira compreensão do ensino superior da história exige o contato do estudante com os grandes e pequenos mestres, ou seja, um curso de historiografia tal como existe na grande m aioria das universi­ dades européias, norte-americanas e argentinas. Foi sentindo esta necessi­ dade que esboçamos, no curso, a historiografia brasileira, que constituirá outro livro, pois seria impossível, pela extensão deste, incluí-la aqui.

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A grande tarefa do ensino universitário da história é m ostrar como se investiga, como se m anejam as fontes, como se aplicam os métodos e a crítica, como se doutrina e interpreta o m aterial colhido e criticado, na tentativa de recriar o passado num a composição ou síntese histórica. Esta Teoria representa um a prim eira tentativa do autor no sentido de atender a esses objetivos. C ertam ente não está isenta de falhas, mas ani­ ma-nos, sobretudo, ao publicá-la, a idéia de que ela possa ser, ainda sob form a im perfeita, de utilidade a professores e alunos. Não é por simples lem brança dos dias que juntos e unidos discutimos o plano deste livro, que era então simples ideal, nem em recordação dos anos de trabalho na pesquisa, n a criação e na revisão que quero agradecer a Lêda, m inha m ulher. Que se saiba que m uito lhe cabe, é o que desejo, como desejo agradecer ao m eu amigo Augusto Meyer as inúm eras suges­ tões feitas em conversas diárias e o estím ulo que dele sempre recebi. O nosso agradecim ento se estende a todos aqueles que colaboraram neste livro, indicando fontes, referindo ou fornecendo livros, corrigindo erros, apontando deficiências. Pedimos insistentem ente aos leitores que coope­ rem, relevando-nos os erros graves ou veniais que nos tenham escapado, por omissão ou ignorância. Saberemos aproveitar a lição. 1949.

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PREFÁCIO DA 2.a EDIÇÃO

Sai este livro em 2.a edição, quando se inaugura, nas quatro dezenas de faculdades de filosofia, dotadas de cursos de H istória, a disciplina de Introdução aos Estudos Históricos. O autor, desde 1945 em artigos e desde 1949 em livro, pleiteia sua criação. Ela resulta da regulam entação da lei 2.594, de 8 de setembro de 1955, que desdobrou os cursos de H istória e Geografia, dando-lhes autonom ia e exigindo o u tra seriação. A nova disciplina, que futuram ente deverá transformar-se em cadeira, foi u n á­ nim em ente incluída no novo currículo pela iniciativa e inteligência dos professores universitários de história, que h á m uito tem po am adureciam a idéia de sua indispensabilidade n a formação do licenciado. Esgotada há vários anos a prim eira edição desta obra e solicitado a reeditá-la, viu-se o A utor diante da necessidade de atender às críticas e observações dos estudiosos e de um público leitor m uito mais infor­ m ado e exigente, preparado pelas faculdades de filosofia. O prim eiro problem a era o do título. Já na prim eira edição hesitá­ ramos m uito em adotar o de Teoria da história do Brasil, tão censurado p or vários críticos. N inguém duvida do acerto de cham ar T eo ria a parte intro d u tó ria filosófica e vários autores, desde W. W achsmuths, em sua E ntw urf einer Theorie der Geschichte (2.a ed., 1711), até Xenopol, Croce, Meyer, Teggart, Vincent, Beard, R om ein e Gottschalk assim denom ina­ ram seus estudos ou capítulos de seus livros. O desacerto estaria em que a teoria é sempre geral e não da história do Brasil. Mas tam bém se o título fosse “Introdução à história do Brasil”, como na época se pensou e novam ente se voltou a cogitar, não atenderia ao objeto, pois toda a parte filosófica, metodológica e crítica seria geral, sendo relativos ao Brasil apenas os capítulos referentes à pesquisa, fontes egêneros histó­ ricos. A mesma crítica ficaria, assim, de pé. “Introdução à história” poderia, em parte, resolver o problem a, mas o autor não quis fazer um guia ao estudo da história em geral, porque seu campo de trabalho na história concreta é a do Brasil e o livro se baseia nesta e dela são extraídos os exemplos que o ilustram . É verdade que toda metodologia, desde Bernheim e Langlois e Seignobos, sempre se esclarece com exemplos da p rópria história nacional do autor. Mas nenhum historiador consideraria apropriado elucidar a história geral com exemplos da história do Brasil, país que é mais consum idor que produtor de história, no quadro inter­ nacional. O que se desejava, portanto, era escrever um a introdução teórica

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à história em geral e metodológica à história do Brasil, isto é, um a pro­ pedêutica circunstancial, que tratasse da situação da história concreta do Brasil. Em bora fossem vários os exemplos de m udança de título da prim eira para a segunda edição, como são os casos recentes dos livros de Américo de Castro e H. C. Hockett, não se viu vantagem em fazê-lo, quando não se encontrou denom inação inteiram ente satisfatória, única hipótese em que se justificaria a criação de um problem a bibliográfico, com a obri­ gação de se referir ao prim eiro título, já com entado e resenhado no Brasil e no estrangeiro. A ligação da teoria à prática, que se procura fazer no livro, obedece ao desejo de servir de introdução metodológica ao estudo da história do Brasil, expondo as teorias, os métodos e a crítica históricas.' Daí a necessidade de chamar de teoria aquilo que trata de princípios conceituais que precedem, guiam e acom panham a técnica da pesquisa e o processo crítico na história geral ou nacional. Por isso o Comitê de H istoriografia do Conselho de Pesquisas nas Ciências Sociais chamou o seu estudo metodológico de Theory and Practice in Historical Study. “Não há nada de mais prático que a teoria. A teoria existe para que as experiências práticas não se façam sem motivos e sim sejam feitas desde o início em condições que ofereçam possibilidades de êxito”, dizia P. K irn em sua E in fü hrung in die Geschichtswissenchaft. Já em 1828 K. F. Eichhorn (1781-1854) escrevia em sua História do direito e das instituições ale­ mães que se tivesse tido um guia aprenderia mais em um ano do que aprendera em dez. O plano do livro, como observou o professor Oliveira França, é clás­ sico e só deixaria de o ser se o tratam ento crítico e auxiliar fosse reduzido ou condensado em benefició da filosofia e da historiografia. Nesse caso seria preciso fazer um a total revisão do livro, o que não se tinha em vista, especialmente porque o autor escreve um a história da história do Brasil, que cobrirá a área historiográfica. A inda assim fez-se um a m elhor distribuição da m atéria e novos capítulos esclarecem aspectos não exam i­ nados anteriorm ente. O prim eiro capítulo, “Os problem as da história e as tarefas do historiador” substitui “A significação dos estudos históricos”. Dedica-se longo tratam ento à descoberta dos fatos e talvez se exagere a “toilette dos docum entos”, resultando não só num a centralização de um aspecto da metodologia, como num a desarm onia nos capítulos, espe­ cialm ente o cartográfico, como observou o professor Francisco Iglésias. Não se pretendeu destacar nem defender nenhum a etapa, pois a m etodo­ logia não as estabelece e reconhece que o processo é o único e a divisão m eram ente didática. Talvez a riqueza do m aterial das disciplinas auxi­ liares e da crítica histórica, as únicas mais exercitadas no Brasil, seja a responsável pelos excessos que se notaram . Nem desta vez foi possível harmonizá-las em capítulos mais condensados. É um a tarefa para outra edição. Mas desde já se esclarece, como aliás se fizera na prim eira edição, ao tratar da nova orientação metodológica nos Estados Unidos da Amé­ rica, que o autor, para usar da expressão de M arrou, não tem a tendência

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a representar o progresso do conhecim ento histórico como um a vitória contínua da crítica, que tem feito progressos helicoidais e não lineares^). Os erros da hipercrítica têm sua base na incompreensão e o A utor quis destacar, no últim o capítulo, o papel capital da compreensão na ciência histórica. Mas ninguém desconhecerá que certas descobertas factuais são decisivas. U m só exemplo ilustraria a tese: em 1952, Michael Ventris lançou um a grande luz no conhecim ento homérico, ao prom over a decifração do “B ” na grafia m inoana linear e ao estabelecer, em 1956, com John Chadwick, os métodos da decifração da escrita m icênica(2). Assim também as descobertas dos pergam inhos do M ar M orto do Antigo T es­ tam ento e seu estudo atual por vários críticos textuais podem conduzir a novas conquistas no conhecimento histórico e, a p artir destas, a nova compreensão do sentido dos atos e da vida hum ana. O historiador dá grande im portância ao fato de possuir um a metodologia própria e ao problem a da suficiência ou insuficiência d a compreensão. Esta existe com o quadro geral que dirige e acom panha a pesquisa, se esclarece ou se obscurece no desenvolvimento desta; m uitas vezes a compreensão será insuficiente pela simples deficiência do texto ou desconhecimento de fatos. O plano, o sentido, o fim, as forças e os poderes impulsionadores, suas possibilidades e pressupostos só se com preendem n a relação m útua, fun­ cional e dependente do fato ou texto com a teoria interpretativa. O historiador não se preocupa com a “etiq u eta” de ciência que seja ou não reconhecida à sua disciplina. A exposição que se fez não teve o sentido de provar a cientificidade da história, mas, apenas, de apre­ sentar o pensam ento de D ilthey e Rickert, cuja filosofia crítica da história foi um passo capital na elaboração de um a teoria da história. O capítulo sobre filosofia e história foi conservado m ais ou menos como estava, incluindo-se um a parte sobre o positivismo lógico e não se tratando, ainda, de Jaspers, Heidegger e Husserl. Não se pode deixar de acentuar a frivolidade do pensam ento positivista sobre história, que torna ínfimos seus problemas, porque começa destruindo o significado dos conceitos, desconhece que as entidades abstratas são instrum entos indispensáveis a qualquer língua civilizada, e ao generalizar as leis da significação se esquece da natureza e uso da linguagem comum ou científica, que é prim ariam ente um meio de comunicação das atividades hum anas. A parte, filosófica ficou reunida num mesmo capítulo, subdividida em várias partes, e escreveu-se o da “N atureza da explicação histórica: a convicção histórica”, em lugar da “Certeza histórica”. N a periodização acrescentou-se um trecho final, que exam ina os últimos trabalhos. O “Desenvolvimento da idéia de história” foi tam bém m udado e atualizado com os grandes nomes contemporâneos. Nos capítulos sobre pesquisa, fontes e instrum entos do trabalho histórico foram incorporadas novas informações; nas disciplinas auxiliares e n a crítica poucas modificações foram feitas, além da inclusão das notas, bibliografias e listas de casos (1) H. I. M a r r o u , “ De Ia logique de 1’histoire à une éthique de rh isto rie n ” , R evue de M étaphysique et de Morale, julho-out. 1949, p. 264. (2) Vide Docum ents in Mycenaean Greek, Cambridge, 1956.

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ao pé das páginas ou no próprio texto, quando antes estavam no fim do livro. M aior modificação sofreu todo o capitulo sobre os “Gêneros históricos”, não só no texto de certos gêneros, como na elaboração de outros que não figuravam na prim eira edição: a história econômica, do exército, naval, e a biografia foram m uito alteradas; a social, da aviação, das artes e iconografia, intelectual e das idéias e da educação foram in ­ troduzidas. Com a atenção voltada p ara essas tarefas não se pôde, ainda, reduzir as proporções das disciplinas auxiliares, especialmente da cartografia, nem se pôde, como era desejo do A utor desde a prim eira edição, trata r das relações da história com as ciências sociais, cujos originais a serem revistos agora destinam-se a um a publicação independente. Alguns problem as menores, como o ensino da história, as sociedades históricas, a novela e a resenha crítica históricas não puderam merecer nenhum tratam ento. Do prim eiro será possível cuidar na historiografia didática, sobre a qual reunim os m aterial para possível capítulo de nossa história da história ou para trabalho autônom o; sobre as sociedades históricas era nossa intenção, além das informações já dadas, tanto no capítulo sobre as fontes, como em A pesquisa histórica no Brasil, seguir o exemplo de Pierre Caron, no M anuel pratique pour 1’étude de la R évolution Française (Paris, 1947); sobre a resenha crítica de história, o A utor gostaria de acentuar as diferenças entre a resenha crítica, forma de apreciação bibliográfico-crítica, e a identificação e exame do valor dos testemunhos, ou seja, a constatação da autenticidade e fidedignidade dos textos históricos; sobre a novela histórica, outro gênero histórico-literário, sempre em voga, pretendia o A utor cham ar atenção sobre suas caracterís­ ticas, virtudes e defeitos capitais e, especialmente, sobre a necessidade de guias que, a exemplo de Jonathan Niel, em seu A Guide to T he Best Historical N ovéis and Tales (Londres, 1904), e Ernest A. Baker, em seu A G uide to Historical Fiction (Londres, 1914), ajudem a identificar os heróis e os temas da novelística histórica. Um crítico norte-am ericano censurou a tendência legal ou jurídica de certos trechos do livro. No capítulo sobre a certeza histórica, agora retirado, havia realm ente certa comparação excessiva entre o processo ju ­ rídico e o histórico, a que fora levado o A utor por influência da leitura de Jo h n W igmore (T he Principies of Judicial Proof, 3.a ed., Boston, 1937), que conhecera por indicação de Alian Nevins (T h e Gateway to History, Boston, 1938). Com a retirada do capítulo, sob inspiração- daquela crítica e do pensam ento de W ach: “die Geschichte ist kein K rim inalgericht”(3'i, o A utor escreveu, sob a orientação de G ardiner, um novo capítulo, com novo título. Mas ficam de pé em sua integridade as comparações jurídicas que fez em m atéria de espécie e colheita de fontes e sobre autenticidade, falsificação e fidedignidade. T an to no prim eiro capítulo como no relativo à história social, pro­ curou o A utor evidenciar a im portância da ficção como fonte na reconstru­ ção histórica. John dos Passos, na reunião anual dos historiadores ame­ (3)

Das Verstehen, T übingen, 1933, iii, 125.

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ricanos, realizada em W ashington, em 1955, destacou os valores hum anos dos documentos históricos e m ostrou a necessidade da imaginação e de psicologia hum anas para sua interpretação. Os historiadores podem aprender m uito com os romancistas, novelistas e contistas sóbre os métodos da descrição viva; poucos historiadores dão atenção aos momentos livres e quotidianos das grandes personagens históricas, quando estas revelam sua essência natural, e não estudam a arte literária da caracterização e narração, como o fazem os próprios romancistas, que substancialm ente fazem história ou “estórias”. A Teoria cresceu demasiado, m uito além de nossa expectativa, em par­ te devido à incorporação das notas, bibliografia e listas ao texto e também porque se reescreveram capítulos antigos ou se incluíram novos. Fica para outra oportunidade reduzir seus excessos. Aos meus amigos Américo Jacobina Lacombe, A rtu r César Ferreira Reis e José A ntônio Soares de Souza desejo agradecer a generosidade das notas e observações com que ajudaram a corrigir erros e omissões deste livro. Aos críticos estrangeiros e nacionais, alguns citados, que me guia­ ram no cam inho de alguns acertos teóricos ou concretos, deixo aqui con­ signado m eu agradecimento. Finalm ente, tenho a graça de contar com a colaboração constante e cuidadosa de Lêda, que me assistiu n a corre­ ção dos originais e provas e n a feitura do índice. 13 de fevereiro de 1957

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PREFACIO DA 3.a EDIÇÃO

Esta 3.a edição aparece com dois capítulos novos: o prim eiro aborda problem as do m étodo e da teoria his­ tórica, e o segundo versa sobre o ensino superior da historia e a reform a universitária. A fim de não per­ tu rbar a estrutura do livro, bem como não criar dificul­ dades gráficas, decidi colocá-los no final, como apéndices. Foram feitas umas poucas modificações no texto e novas informações foram acrescentadas nas notas e nas biblio­ grafias especiais, sem caráter exaustivo. R etirei quase inteiro o capítulo “As fontes históricas”, que passará a figurar, modificado e acrescido com novos elementos inform ativos e orientadores, na 2.a edição de A pesquisa histórica no Brasil, que logo será lançada também por esta Editora. Espero que estas novas edições venham atender à necessidade dos estudantes de ensino superior de livros deste gênero. Agradeço a m inha m ulher, Lêda Boechat Rodrigues, a colaboração que deu a esta reedição. J osé H

J u lh o de 1968

o n ó r io

R

o d r ig u e s

PREFÁCIO À 4.a EDIÇÃO

Esta 4.a edição aparece sem o Apêndice II, relativo a “O Ensino Superior da H istória e a Reform a U niver­ sitária”, por ter se tornado desatualizado. Em seu lugar inclui-se um posfácio, tentando apontar novas contribui­ ções à parte da “Filosofia e H istória”, e aos capítulos so­ bre “Periodização n a H istória do Brasil” e sobre os “Di­ versos Gêneros da H istória”, sentindo todas as reform u­ lações e renovações naturais destes últim os anos entre a 3.a e esta nova edição. Espero possa a Teoria da H istória do Brasil trazer aos professores e estudantes superiores de história em ge­ ral e de história do Brasil em particular a contribuição do exame, debate e crítica teórica e prática da nossa dis­ ciplina universitária, que é um dos fundam entos da cul­ tu ra brasileira. J Novem bro de 1977.

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H

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A B R E V IA T U R A S

ABN

A nais da B iblioteca N acional do R io de Janeiro.

AHR

A m erican H istorical R eview .

AM I

A nais do M u seu Im perial.

CEHB

“C atálogo d a Exposição de H istó ria do B rasil”, p ublicad o nos A nais da B iblioteca N acional do R io de Janeiro, vol. 9, 1881-1882, 2 vols. e u ra suple­ m ento (1883).

DHGEB

D icionário H istorico, Geographico e E thnographico do Brasil, R io de Ja n e iro , 1922, 2 vols.

HAHR HZ MBEB RAM SP RA PM RBEP RH R IA G P R IC R IH A R IH G B

H ispanic A m erican H istorical R eview . H istorische Z eitschrift (M unique) M anual bibliográfico de estudos brasileiros, R io de Jan eiro , G ráfica E d ito ra Souza, 1949. R evista do A rq u ivo M unicipal de São P aulo. R evista do A rq u ivo P úblico M ineiro. R evista Brasileira de E studos Pedagógicos. R evista de H istória (São Paulo). R evista do In stitu to A rqueológico e Geográfico de P ernam buco. R evista do In stitu to do Ceará. R evista do In stitu to H istórico de

Alagoas.

R evista do In s titu to H istórico e Geográfico Brasi­ leiro.

R IH G S P

R evista do In stitu to H istórico e Geográfico de São Paulo.

R SPH A N

R evista do Serviço do P atrim ônio H istórico e A r ­ tístico Nacional.

TLS

T h e T im e s L itterary S u p p lem en t

(Londres).

C a p ít u l o

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Os problemas da historia e as tarefas do historiador

É d o s m o r t o s . , mas dos vivos, porque, para ele, todos são vivos. A historia tam bém não é dos mortos, mas dos vivos, pois ela é a realidade presente, obrigatória para a c ência, frutífera para a experiência. A vida e a realidade são historia, ge­ rando passado e futuro. Assim, todo o m ovimento da consciência, toda a pulsação vital do espírito é história, no duplo sentido de res gestae e historia res gestae, segundo a lição de Croce. Por isso a historiografia está sempre na dependência da historia. É pela conexão íntim a entre o passado e o presente que a historia possui incessantemente o m undo e age sobre a vida, como a vida age sobre a historia. Assim para a historia todos são vivos, os que criaram a vida e persistem com sua influência, e os que estão criando a vida, gerando o futuro. O historiador, lem bra Oliveira França, lida com de­ funtos não para conhecer a morte, o passado, mas para conhecer a vida; é nela que ele pensa; é o m istério da vida que ele persegue (x). Este é o dinam ismo da vida e a oposição entre o instante e o eterno, o presente e a história, a unidade do passado e do presente. A realidade histórica que o historiador tem por missão com preender existe, disse W. von H um boldt, n a escala do seu presente. O historiador devè aprender a viver em diferentes mundos. As significações vitais pas­ sadas anunciam seus títulos; o presente coloca-se em posição de fazer valer os seus próprios valores, pois o que vive tem sempre razão. O historiador está essencialmente ligado ao ponto de vista contem porâneo (2). Daí a im portância da história p ara a vida e sua significação para o presente. O quadro da história será tanto mais vivo quanto mais próxi­ m a for a problem ática que dele derive. A história, diz R itter, não deve ser estranha à vida. Ela seria um a obra essencialmente factual, acumu­

D

eus n ão

(1) Eduardo de Oliveira França, “ Considerações sobre a função cultural da história” , R H , out.-dez. 1951, 256. (2) E. Spranger, “Aufgaben des Geschichtschreibers,” HZ, out. 1952, 251 e seguintes.

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lação m orta de matérias, despida de espírito, se permanecesse indiferente aos impulsos e estímulos da vida (s). Nem poderia ser de outro modo. A historiografia é verdadeiram ente um espelho onde se refletem os problem as da própria nação e da hum anidade. Neste sentido, as revisões históricas não nascem das noções históricas concretas, mas da análise e da crítica dos elementos ideológicos determ inativos. E ’ um realismo in­ gênuo acreditar que se possa conhecer o objeto histórico em si próprio, como num a fotografia. A realidade histórica é um a p in tu ra que depende da perspectiva do historiador. Mas “o historiador só pode ver o fato atra­ vés de si mesmo”, como homem do seu século, com parando com o tempo em que vive. Sem fatos não há história, mas sem historiador os fatos não têm sentido, e como o historiador é hom em de certa época, e muda, com ele m uda a história (4). Deste modo, um problem a histórico é sempre um a questão levantada pelo presente em relação ao passado. Conseqüentem ente, o interesse do interrogador, o princípio da seleção, a análise final, o sistema de valores e a ideologia são elementos decisivos na definição da pesquisa. Um a com­ preensão da história nunca é realizada sem suposições apriorísticas, sem hipóteses, sem um quadro geral composto pelos que nos precederam. O revisionismo histórico, porém, não quer atingir fatos mas as idéias e os ■valores, e, especialmente, as relações entre o presente e o passado que os exigem. Os fatos nus e crus são despidos de significação, e esta só o his­ toriador, prem ido pelo presente, lhe dá. Mas o acento da significação pode ser colocado de m aneira inteiram ente diferente. Por isso mesmo que a história se ocupa dos vivos e serve à vida é que se impõe, em certos momentos, um a revisão que restabeleça a conexão entre o passado e o presente. A grande crise do m undo contem porâneo gera um a crise no pensam ento histórico. A pesquisa histórica, porém, atin­ giu, desde o século xix, grande am plitude, plenitude e profundeza. Pode ser difícil digerir tanta sabedoria e conservar o dom ínio sobre o m aterial já am pliado. A nota de desencanto só nasce da insuficiência de forças capazes de controlar tanta descoberta factual. Todos os historiadores estão conscientes das dificuldades que se apresentam, de um lado devido ao ideal de fundar todo o trabalho em fontes originais de informações e, de outro, pela abertura de novos e imensos campos de investigação (5). A verdadeira crise existe e é tanto mais forte nos fundam entos filo­ sóficos, nos elementos do pensamento histórico, na concepção dos valores históricos com os quais temos de im aginar e construir o m undo histórico. O enorm e desejo por um a visão de co íjunto un itária da vida histórica filiou uns e outros às concepções filosóficas. De um lado, M arx, seguido daqueles que dele se aproxim am espiritualm ente, modificou todo o q u a­ dro tradicional da história e ensinou novos meios de explicação e novos (3)

G erhard R itter, “Leistungen, Problem e und Aufgaben der internationaler GeschichtsZlir neueren Geschichte” , Relazioni, vol. vi, x Congresso Internazionale di Scienze Storiche, Florença, Sansoni, 1955, 169-330. (4) Eduardo de Oliveira França, artigo citado, 258. (5) Arnold Toynbee, “T h e L im itation of Historical Knowledge” , T L S, 6 de janeiro de 1956.

s c h re ib u n g

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fins. De outro lado, Max W eber ensinou, em contrapartida, um a teoria funcional de interação pluralista. Novos caminhos ensinados por Benedetto Croce, por Toynbee, ou os descaminhos de Nietzsche e Spengler, sacudiram a consciência histórica. E então veio a prova terrível de todas as teorias históricas que se formam na época de paz. Guerras m undiais e revoluções são ensinam entos práticos históricos de força trem enda. Não teorizamos e construímos mais sob a proteção de um a ordem que tudo suporta e que torna as mais atrevidas teorias m era insignificância, mas no meio da tempestade da reform a do m undo, onde cada palavra velha deve ser exam inada pelos seus efeitos ou pela ausência de efeitos, onde inúm eras idéias se tornaram meras frases e papel. É nessa hora que um reexame se impõe. 19-13 é um a reviravolta na história, diz o Prof. Barraclough. “Foi a vitória russa de Estalingrado que tornou im perativa uma revisão total da história européia” (6). A Segun­ da G uerra M undial precipitou, ao menos para os historiadores, ensina o mestre inglês, a inversão total da antiquada teoria de que o valor do estudo da história estava em h abilitar os homens a conduzir m elhor seus problem as atuais pela lição dos erros do passado: muitos historiadores sentiram , ao contrário, entre 1939 e 1945, que o principal valor de sua participação no presente era o novo descortino que lhes dava n a com­ preensão dos erros do passado. E como resultado descobriram que Ale­ xandre, o Grande, e Júlio César eram m uito mais relevantes para o m undo m oderno que Luís xiv, N apoleão e Bismarck, e que não havia nada de con­ tem porâneo em Biilow ou T irpitz, Lloyd George ou Stanley Baldwin. O presente descobrindo o passado, m ostrando que só nos im porta e só queremos conhecer e conhecemos m elhor aquele passado que interessa ao presente. Só aquele para quem o presente é im portante escreve um a crô­ nica, disse Goethe (7). A verdadeira compreensão da periodização já de­ veria ter esclarecido Barraclough, hoje considerado um dos mais altos va­ lores da historiografia inglesa, que certos períodos e suas personalidades ou ações populares se tornam mais relevantes não pela contigüidade tem ­ poral, mas pela significação espiritual e m aterial. No Brasil, por exemplo, seria ingenuidade querer atrib u ir relevância para a compreensão da época atual, à história republicana mais remota. São dois mundos diferentes, que se separam definitivam ente por volta de 1930. A época da Indepen­ dência apresenta m uito m aior contem poraneidade. U m a nova época, como a inaugurada em 1945, exigia novos valores. O resultado da guerra representa um a m udança na perspectiva histórica. Reconhecem os historiadores essa m udança ? M uito antes da Segunda G uerra M undial o im pacto soviético sóbre o m undo ocidental e as conse­ qüências esmagadoras do colapso americano de 1929 estavam m ostrando que a história que ensinamos e aprendemos tinha pouca conexão com as forças em jógo no m undo atual. Mas os historiadores conservam-se ex­ trem am ente ligados à paixão da Europa histórica. Mesmo aqueles que (6) Geoffrey Barraclough, History in a Changing W orld, Oxford, 1956, 9 e 181. T radução brasileira: Europa, um a revisão histórica. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1964. (7) Cit. por Joachim Wach, Das Verstehen, vol. m , Das Verstehen in der H istorik von R anke bis zum Positivismus, T übingen, 1933, x.

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viam mais longe se contentavam em seguir a expansão da Europa no Novo M undo, no M undo O riental Próxim o e Extremo. Se a história não existe para a estultificação e fossilização e deve m anter um a conexão viva com o presente, é chegada a hora de enfrentar a nova situação. A U nião Soviética e os próprios e . u . a ., os dois gigantes do poder, os dois construtores maiores da história presente e da criação do futuro, não recebem nas histórias gerais o tratam ento equivalente. Estas não nos estão preparando para a emergência do m undo em que vivemos e não nos oferecem nada para a compreensão do presente. Novos aspectos do passado, em face daquela preem inência, devem ser esclarecidos para ilum inar nossa compreensão do presente. N ão significa isso que devemos descartar-nos da E uropa e libertar nosso pensam ento da concentração mío­ pe sobre o Ocidente. Essa história europeizante nos conduz a confundir perigosam ente a atual distribuição do poder e das forças que agem no m undo em que vivemos. Além disso, ela inocula um falso senso de con­ tinuidade, contra o qual a experiência se rebela, e obscurece o fato de que estamos vivendo num m undo inteiram ente diferente, em quase todas as suas condições básicas, daquele em que Bismarck, por exemplo, se locomoveu. As questões que devemos levantar hoje m udaram e o passado se apresenta em forma inteiram ente diferente daquela que víamos antes de 1939 (8). C ontinuar ignorando que a Rússia é hoje um sexto da superfície ter­ restre e que é incontestavelm ente um a das duas maiores forças políticas do m undo; ignorar o nascim ento da C hina Comunista, da liberdade e independência da índia, da libertação nacional de várias antigas colônias européias do O riente e da África para continuar focalizando especial­ m ente o poder da Europa, a europeização do m undo, significa desservir a história e o presente. As questões que perguntam os ao passado m udaram assim como m u­ daram as condições do m undo. T o d a época exige sua própria visão da história. Hoje, precisamos de um a nova visão do m undo, adaptada às novas perspectivas. Se devemos restaurar a conexão entre o passado e o presente e tornar a história um a força viva e não um peso m orto de conden­ sada erudição, a prim eira tarefa consiste num a nova visão interpretativa do escrito histórico, com todas as suas conseqüências pedagógicas. “É fácil para o historiador ser sábio depois do acontecimento; e terrivelm en­ te difícil sê-lo na sua própria época; nós podemos, porém, dizer, com toda a segurança, que quanto m ais universal for seu ponto de vista e quanto mais ele se liberte das preocupações nacionais e regionais mais próxim o estará de um a concepção do passado que seja válida para o presente” (9). O mesmo acento revisionista que se exprim e assim pela voz inglesa se encontra na palavra dos atuais historiadores alemães, que tentam re­ pensar sua história, em bora os velhos conceitos ainda estejam servindo. Trata-se nesse caso, especialmente, da revisão de um a própria história e da via dolorosa do espírito civil na Alem anha, de dim inuir a ênfase sobre o Estado e o poder e a influência do militarism o. Para W alther Hofer, o (8) (9)

Geoffrey Barraclough, “ T h e L arger View of H istory", T L S, 6 de janeiro de 1956. G. Barraclough, History in a Changing W orld, Oxford, 1956, 182.

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revisionismo alemão deve observar os seguintes pontos: 1) Análise crítica e revisão dos pressupostos ideológicos, isto é, metafísicos, éticos, históricos e filosófico-políticos. 2) C rítica e revisão de todo o quadro do próprio desenvolvim ento histórico. N ão se trata só de um a revisão de fatos e da incorporação de novos aspectos, mas de um a revisão geral, que atenda à nova relação entre o passado e o presente, isto é, à nova posição da Ale­ m anha no quadro europeu (10). Friedrich Meinecke, Ludw ig Dehio e G ehrard R itter, o prim eiro como um Mestre venerado, o segundo pela im­ portância de sua posição, como responsável pela Historische Zeitschrift, e o terceiro como Presidente d a Associação dos Historiadores Alemães, dedicaram-se aos trabalhos de religar a historia alemã à situação presente da Europa. Os historiadores soviéticos, convencidos tam bém da im portância da periodização (n ) — que levou B arraclough àquelas considerações sobre a revisão do quadro da historia universal —, afirmam recusar, resolutam ente, “a lenda reacionária dos povos ditos históricos e sem historia, lenda que foi e continua como um pára-vento ideológico de que se servem as forças agressivas para dissim ular sua política colonial e seus objetivos de con­ quista. A historiografía soviética se pronuncia contra as concepções eurocentristas, contra a oposição artificial do O riente e Ocidente, contra o colonialismo. N a nossa historia universal nós reservamos um lugar im­ portante à história dos povos eslavos, e dos países do Oriente, da China e da In d ia ” (12). Como se vê, um m ovim ento geral reivindica um a revisão geral que perm ita: 1) ligar o presente ao passado, estudando mais as origens e de­ senvolvimento das grandes forças do m undo atual; isso significa d ar mais ênfase à história dos e . u . a ., à história da U nião Soviética e à história do O riente e da América do que centralizar o m undo na Europa; 2) es­ tu d ar mais certos períodos que possam ilum inar o nosso presente, como lem brou Barraclough. A lexandre e César nos interessam mais do que, digamos, a história medieval. Duas forças histórico-culturais se impõem lioje: a americanização do Ocidente e a sovietização do Oriente. Como compreendê-las se a história que ensinamos e lemos é a história da europeização do m undo, quando a Europa não é mais o mesmo poder criador da história ? T o d a a realidade histórica, tal como existe hoje, “produz” um a di­ ferente consciência da realidade. Devemos voltar ao passado com novos (10) Vide especialmente a obra de F. Meinecke, T h e Germán Catastrophe, H arvard University Press, 1950; de G. R itter, Europa und die deutsche Vrage, M unique, 1947, e Ludwig D ehio, Gleichgewicht oder H egem onie, Krefeld, 1948. (11) T om ando por base a lu ta libertadora das massas e as revoluções sociais, os historia­ dores soviéticos adotam como lim ite entre a história antiga e a Idade Média a queda do Im ­ pério Rom ano provocada pelo movim ento popular antiescravagista e a pressão das tribos ger­ mânicas e eslavas. Os tempos modernos começam com as prim eiras revoluções burguesas na E uropa nos séculos xvn e xvm . Enfim , a história contem porânea se abre com a Revolução Socialista de O utubro de 1917, que provocou mudanças radicais não só na Rússia como no m undo inteiro. Vide A. L. Sidorov, Les problèmes fondam entaux de la science historique soviétique et certains résultats de son développem ent, Moscou, 1955, 79. (T ravaux des historiens soviétiques préparés po u r le xe Congrès In ternational des Sciences H istoriques à Rome.) (12) Sidorov, ob. cit., 79-80.

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problemas Impostos pelo presente. A consciência histórica, como disse Spranger, não- é m eram ente reprodutiva. “M uito mais do que isso, o gran­ de historiador constrói o m undo espiritual, que começa nele de m aneira indissolúvel. A vida de cuja compreensão ele se apropriou torna-se im e­ diatam ente um a força presente e form adora do fu tu ro ” (13).

OS PROBLEM AS DA H IS T Ó R IA E DA H IS T O R IO G R A FIA BRA SILEIRA Do mesmo modo, a historiografia brasileira é um espelho de sua pró­ pria história. A historiografia, como outros ramos do pensam ento e da atividade hum anos, está inegavelmente integrada na sociedade de que é parte. Há, assim, um a estreita conexão entre a historiografia de um período e as predileções e características de um a sociedade. O nexo é econômico e ideológico. A atividade erudita não é um luxo; depende do apoio com que um a sociedade a nutre. A historiografia brasileira, expressão de sua história, representava até há pouco, e ainda representa em significativa proporção, a sociedade velha e arcaica, a que se referiram Pierre Denis e Jacques Lam bert(14), e por isso se dedicava tão esm agadoram ente à história colonial, expressão do seu apego às tradições e à cultura luso-brasileiras, forma de concepção histórico-filosófica de sua personalidade básica e de seu caráter social. O Brasil arcaico é o Brasil rural, com 54,92% de sua total população, ao contrário de um a sociedade nova, m uito mais evoluída e com m uito m aior estabilidade que dom ina de m odo geral o Estado de São Paulo e o extre­ mo sul, mas que no resto do país é sobretudo um a sociedade urbana. O Brasil recebeu, de 1850 a 1950, apenas 4.800.000 imigrantes, dos quais somente 3.400.000 perm aneceram no país, sendo, ainda, a m aioria constituída de portugueses, cuja personalidade básica parece ter sido a pre­ dom inante no caráter brasileiro. Houve, assim, continuidade de popula­ ção, de personalidade e cultura e a classe ru ral dom inou até 1930. Em­ bora a personalidade básica luso-brasileira e ru ral fosse a dom inante, ela não determ ina todas as vicissitudes da cultura, mas supre a direção e defi­ ne a m aneira pela qual se m anejam essas vicissitudes de adaptação. T e­ mos, assim, dois elementos fundam entais para o conhecim ento da história do Brasil e as direções de sua historiografia: a personalidade básica por­ tuguesa e a sociedade rural. Além disso, um a sociedade com alto cresci­ m ento potencial demográfico, em constante ascensão, fabrica e modela um tipo de caráter social, a que Riesm an (15) chamou tradicional, no sentido de que o indivíduo aprende a tratar a vida com a adaptação e não com a inovação. No Brasil arcaico, com um a sociedade relativam ente (13) E. Spranger, “Aufgaben des Geschichtschreibers” , H Z , out. 1952, 268. (14) P ierre Denis, L e Brésil au x x e siècle, 6.a ed., Paris, 1921; Jacques L am bert, Le Brésil, Structure sociale et institutions politiques, Paris, 1953 (trad. bras. Os dois Brasis, iNEp, M inistério da Educação e C ultura, 1959). (15) David Riesm an, T h e Lonely Crowd, New H aven, Yale Univ. Press, 1950.

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estável e de grande tenacidade dos costumes, o caráter social, isto é, aquele que assegura os padrões de conform idade a certos elementos da produ­ tividade, da política, do lazer e da cultura, é tradicional; o ritual, a rotina e a etiqueta orientam todos e pouca energia é exigida para descobrir novas soluções para os velhos problemas. Assim a historiografia brasileira, expressão do Brasil arcaico, era p re dom inantem ente dedicada à fase colonial. A Revista do In stitu to Histó­ rico e Geográfico Brasileiro, por exemplo, contém mais de 60% de con­ tribuições, nos seus prim eiros cem anos, à história colonial. Seus volumes especiais tam bém apresentam o mesmo índice, 60% (16). É esta a p ri­ m eira verificação de fato. Mas se adotarm os o critério de problem ática historiográfica, vamos n otar tam bém que os grandes temas encarados e resolvidos pela pesquisa histórica são, em sua m aioria, de história colo­ nial. As histórias gerais ou não ultrapassaram a fase colonial ou se ex­ cedem desproporcionalm ente nesta em relação à nacional; nos vários gê­ neros históricos, n a história religiosa, diplom ática, econômica, política, etc., a predom inância colonial é indiscutível; nas grandes coleções de fon­ tes, a grande m aioria dos textos históricos é colonial (17). Deste modo, a história colonial foi, durante ainda os trin ta primeiros anos deste século, a eleita dos historiadores nacionais e dos responsáveis pelas edições de textos históricos. O excessivo apego ao passado português e europeu, quando o Brasil era apenas um fragm ento essencial da histó­ ria de Portugal ultram arino, ou um pouco mais adiante, quando passa a ser parte integrante do grande dram a m undial, sob a preponderância britânica, é bem expressão da sociedade arcaica, e da falta de am adure­ cim ento que provocava certos desajustamentos emocionais, levando-nos ao mazombismo, isto é, ao desapreço pelo Brasil e ao am or à Europa, ou nos conduzia à auto-exaltação ufanista, ou ainda a certa flagelação crítica a que se referiu Viana M oog(18). Mas não é somente esta a significação psicológica que revela a histó­ ria brasileira dom inada pela vida e especialmente pela vida da sociedade arcaica. U m dos traços do caráter luso-brasileiro está na ênfase que no m undo luso-brasileiro se coloca nas relações pessoais e simpáticas e não nas impessoais (19). Ora, esse personalismo de tão nefastas conseqüências políticas haveria de conduzir ao biografismo histórico, ao estudo das per­ sonalidades e dos heróis, tidos como os condutores e elaboradores da his­ tória, como mostraremos mais adiante, no nosso capítulo sóbre a biografia. A política im perial ou republicana — um a semilibertação do espírito colonial, era p or sua vez igual à biografia im perial ou republicana, for­ (16) Rollie E. Poppino, “A Century of the Revista do Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro”, separata da H A H R , vol. x x x i i i , n.° 2, maio 1953. (17) Das 36 publicações do Arquivo N acional, 17 são consagradas à época colonial; dos 108 volumes dos Documentos históricos da Biblioteca N acional, 100 são relativos à época colonial, e dos 75 vols. de Anais da mesma instituição, grande parte é sobre a Colônia; a série de documentos históricos paulistas e baianos são coloniais e assim ocorre com as demais re­ vistas dos Institutos Históricos estaduais. (18) Bandeirantes e pioneiros, E ditora Globo, 1954. (19) Em ílio W illems, “Luzo-Brazilian C haracter” , A tas do coloquio internacional de estudos luso-brasileiros, V anderbilt University, 1953, 77-78.

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ma personalista ligada ao caráter social do Brasil arcaico e tradicional. Os estudos sobre indígenas e negros e sobre a arte são tam bém predom i­ nantem ente dedicados à fase colonial, aos vários grupos que mais contri­ buíram para a formação do povo, desde o início da colonização, mas sem um estudo correspondente histórico-cultural da influência indígena e especi­ alm ente negra na sociedade m oderna contem porânea brasileira. Aos poucos, a historiografia do Brasil novo começa a se manifestar, especialmente n a história econômica e social. Basta acentuar que no pe­ ríodo de 1890 a 1914 a história social ocupa, nas venerandas páginas da Revista do Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro, 44% da m atéria publicada. E no período de 1915 a 1938, 55%, sendo que nos volumes especiais, entre 1889 e 1914, 95% (20). É especialmente com C apistrano de Abreu que se inicia a historio­ grafia nova, expressão do Brasil novo, pois ao escrever os Caminhos anti­ gos e o povoam ento do Brasil (1899), tema colonial ainda, êle rejeita a ênfase sobre as origens européias e as relações européias. Seu tema é intei­ ram ente nacional, pois convidava os historiadores brasileiros a não cen­ tralizar o seu interesse nas com unidades do litoral, mas no interior, no próprio Brasil arcaico, é verdade, mas nas origens autônom as do Brasil nóvo: as minas, as bandeiras, os caminhos. A rejeição colonial está im­ plícita no próprio tem a colonial. Além disso, desde 1875 C apistrano con­ siderava a Independência como a transform ação da emoção de inferiori­ dade a Portugal em consciência de nossa superioridade, em bora sem mo­ dificar a emoção de inferioridade à E uropa (21). Mas é sua orientação para a historiografia nova que nos interessa agora. Éle a enriqueceu, graças à sua formação, de novos conceitos: o de cultura substitui o de raça, seus estudos indígenas são atuais e renovam nossa etnografía; a im portância da história social e dos costumes aparece pela prim eira vez nos Capítulos; e o próprio sistema de casa-grande e de senzala e sua im portância no Nordeste viu-o pela prim eira vez em 1910. Éle sugeriu e indicou a seus amigos e discípulos novos problem as e teses, ainda não resolvidos, como a história do regime de terras, a história da legislação e do parlam ento, a dos partidos, um dicionário e um atlas de história do Brasil. Como bem disse Sérgio B uarque de H olanda(22), a “bibliografia his­ tórica do decênio de 30 é largam ente ocupada por escritos onde a interpretação elucidativa, e às vezes interessada e mesmo deform adora dos fa­ tos, visa explicar tais fatos ou a caracterizá-los em suas configurações es­ pecificamente nacionais”. Reconhece o mestre de São Paulo a im portância desses escritos, suscitados em parte pelas perplexidades de um a época de crise e transform ação e que contribuíram para dar novo rum o aos estudos históricos. Ora, já acentuamos que desde a segunda década deste século, devido às rápidas transformações econômicas e aos impulsos das mudanças cul(20) (21) l . a série, (22)

Vide Rollie E. Poppino, artigo citado. Capistrano de A breu, “A literatura brasileira contem porânea” , Ensaios e estudos, Rio de Janeiro, Sociedade Capistrano de A breu, 1931. “ O pensam ento histórico no Brasil” , Correio da M anhã, 15 de junho de 1951.

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r-irais e técnicas, a historiografia não quer só estudar o passado colonial, —ís quer aproximar-se do presente, da fase nacional, seja por interesse de usar o “passado utilizável”, seja pela superação catártica do colonial •xlo nacional. É evidente que atualidade e interesse vivo não são a mes—-• coisa e a expansão do horizonte espiritual através dos estudos históricos niD conhece limitações fundam entais. E ntre os exemplos daquela bibliografia histórica citava justam ente Sergio B uarque de H olanda o R etrato do Brasil (1928), onde o historia­ dor de Paulística (1934), intim am ente vinculado à escola de Capistrano de Abreu se propõe, apoiado em copiosa informação histórica, m ostrar que o país dorm ia “seu sono colonial” e, dois anos antes do movimento de 30, enum era a necessidade de se “fazer tábua rasa para depois cuidar da renovação total”. Desejava assim, Paulo Prado, discípulo de Capistrano, libertar o Brasil da pressão do passado que simplesmente pesa sobre ele, pela p rópria compreensão do mal de que padecíamos. N ão nos parece que a Política geral do Brasil (1930), sem favor a mais inteligente análise crítica do Segundo Im pério e da Prim eira República, adote atitude oposta, como quer Sérgio B uarque de H olanda. Não é pelo apelo aos remédios do passado recente contra os males do presente que se há de caraterizar a obra de José M aria dos Santos, mas como disse H enri H auser (23), pela “verdadeira e definitiva ru p tu ra com o passado colonial, até às vésperas do tem po atual; um a história que afasta todas as legendas piedosas e todas as ficções patrióticas para m ostrar a verdade crua. A na­ lisando os excessos da ideologia comtiana, pensando na corrução parla­ m entar, nas sedições m ilitares, na substituição da m onarquia não por um regime de livre discussão, mas por um presidencialismo cujo absolutismo e tem perado pelas revoluções quase periódicas, ele tem a tran q ü ila au­ dácia — e a falta de respeito, como dizia Michelet, é o prim eiro dever de um historiador — “de in titu la r um a parte de seu livro: a deformação re­ publicana, que levaria àquela que chamamos a Segunda R epública”. Se o excesso de apego ao passado colonial é um sinal de im aturidade, a rejeição total do passado tam bém o é. Em ambos os livros dom inam os excessos da prim eira entrevista analítica. Em ambos há a rejeição pa­ terna e o remorso há de surgir como conseqüência n atu ral da solução im atura. A verdadeira catarse consiste na libertação e assimilação do pas­ sado, sentim entos ambivalentes de toda consciência histórica. Inteiram ente correta parece-nos a lúcida idéia de Sérgio B uarque de H olanda de que “em numerosos estudos de formação publicados pela mesma época, encontra-se o apego àquilo que um ensaísta norte-america­ no denom ina o “passado utilizável”, para a composição de quadros em­ polgantes, que se apresentam para todas as nossas mazelas. Essas supostas reconstruções, que levadas à sua forma extrem a desembocariam em m ani­ festações totalitárias, especialmente n a doutrinação integralista, m al inte­ ressaria, em sua generalidade, à pesquisa histórica”. O pensam ento de C apistrano de Abreu, de P aulo Prado e de José M aria dos Santos reflete o próprio processo histórico da vida nacional. (23) H enri H auser, “ Notes et reflexions sur le travail historique au Brésil” , R evue Histu •zçue, jan .-março 1937, 93-94.

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Agora já não se trata só, usando a linguagem de Marc Bloch, de com­ preender o presente pelo passado, mas tam bém de com preender o passado pelo presente. A faculdade de apreensão do vivo, eis aí, com efeito, diz aquele mestre, a qualidade essencial do historiador. P ara com preender as características fundam entais de certos problem as históricos, é necessário observar e analisar a paisagem atual, porque só ela dá as perspectivas de conjunto, das quais deveríamos p a rtir para nosso estudo. As ligações pro­ fundas do passado e do presente exigem a eterna busca e compreensão da m udança, pois a história é a ciência da m udança. Evidentem ente, historiografia viva não é só aquela que trata de temas atuais. Isso seria um a incompreensão, igual à de que o historiador deve não só form ular suas questões como suas respostas de acordo com os con­ ceitos vivos do presente. As perguntas são feitas m uitas vezes de acordo com o presente, como já dissemos, mas as respostas dependem da pesquisa, pois de outro m odo o historiador se tornaria tendencioso e sem categoria científica. Quando, porém, o interesse pelo período nacional sobrepuja o inte­ resse pelo passado colonial, não h á dúvida que já conseguimos penetrar num a fase nova da nossa historiografia. Sem rejeitar a herança colonial e procurando assimilá-la num a contradição dialética, e num a catarse ana­ lítica, iniciamos, aos impulsos do Brasil novo, a nova historiografia. Se de 1900 a 1956 crescemos de 18 milhões de habitantes para 60 milhões, num a taxa demográfica de 2,5% ao ano, e num índice de 5% de aum ento da renda nacional, taxas altas e proporcionadas, que podem prom over a passagem de um país subdesenvolvido para um país desenvol­ vido, as tarefas e os problem as da historiografia hão de apresentar-se sob formas novas, pela com plexidade, variedade e grandeza, e novos campos de ação e pensam ento se oferecem aos historiadores nacionais. As taxas de crescimento demográfico e do produto nacional não são acompanhadas, infelizmente, pelo desenvolvimento da educação. C ontinuam os com 50% de analfabetismo, quando possuímos, em 1880, 80%; mas possuímos agora 37 faculdades de filosofia, com 1.693 alunos de história e geografia (24). O simples crescimento da população escolar e as maiores possibili­ dades de recursos econômicos exigem a formação e o aperfeiçoamento senão de historiadores, pelo menos de professores de história. Mas não é somente no campo da educação que se oferecem novas oportunidades de ação para os que se dedicam à história. Nos serviços da adm inistração pública ampliam-se as tarefas especializadas dos profissionais da história; nos arquivos, nas bibliotecas, nos museus, que controlam , preservam e adm inistram as principais fontes da história do Brasil. Pleiteia-se, por isso mesmo, que os atuais graduados em história das faculdades de filo­ sofia, juntam ente com os servidores já exercitados nas investigações his­ tóricas, possam ver reconhecidas pelo Governo a profissão de historio(24) Sinopse estatística do ensino superior, 1955, publicada pelo M . E. c. De 1960 para 1968 passamos de 69,720 milhões para 89,376 milhões; a taxa m édia anual de crescimento populacional foi de 3,1% na década de 1950 e de 3,4 na década de 1960. E ntre 1957-1961, o Brasil cresceu a um a taxa de 6% e já em 1964 estimava-se em 3% a queda da produção real. O crescimento foi de 4,5% em 1965, 5% em 1966 e 4,5% em 1967. A taxa de analfabetismo é, segundo o censo de 1960, de 40%.

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çrafo e de pesquisadores de historia, a exemplo do que se faz nos E. u . A. e do que já fez o M useu Paulista. São novos grupos ocupacionais, que executam serviços especializados de investigação histórica, que devem ser reconhecidos pelo Governo, na classificação dos cargos do serviço público em geral. Sabem todos os que se dedicam à historia que não é só ñas biblio­ tecas, arquivos e museus que se utilizam os serviços profissionais de his­ toriadores. Nos e . u. a . possuem as Secretarias do Exterior, da Defesa, da G uerra e da M arinha um corpo especial de historiadores que executam serviços de historia próxim a passada ou contem poránea. Samuel Elliot Morison, o grande professor de H arvard, escreve a crônica detalhada da ação naval am ericana na Segunda G uerra M undial, como G. B ernard N oble dirige a División of H istorical Policy Research da Secretaria de Estado e R udolph A. W innacker é o historiador da Secretaria de Defesa, todos com um corpo de auxiliares e im itados por vários serviços públicos, federais. O gosto pela historia, como já dizia H auser em 1937 (2B), permanece vivo no Brasil. O núm ero de pesquisadores cresce, o m étodo já não é mais privilégio de urna ínfim a m inoria e, aos poucos, os usos oratorios, as declamações congratulatorias e os trabalhos de segunda e terceira mão desaparecem. O apelo à historia é um dos meios mais populares e efetivos de reu n ir apoio ou oposição ao curso controvertido de um a ação pública. Ñas horas mais carregadas de futuro é comum a invocação aos exemplos ou à ana­ logia com as ações que a história conservou. Quem não procura, desejoso e ansioso, as páginas da história para reaver forças na força dos grandes homens e elevação de propósitos na lem brança das ações elevadas, assim como p ara encontrar virtude de resignação nas ásperas provas da vida m oral e política, para obter sugestões e conselhos, para repetir a si mesmo oportunas palavras viris ?(26). Tem os assistido recentem ente, nas horas difíceis da Nação, à invo­ cação não dos exemplos passados, mas ao julgam ento fu tu ro da história. Esse apelo é, dia a dia, mais comum nos homens públicos brasileiros. Seria interessante exam inar os problem as ligados a estas invocações n a sociedade atual. Que significam na consciência m oral dos homens p ri­ vados e públicos e como refletem o apreço ou desapreço à história, que escusa, resgata ou redim e procedim entos históricos ? Nem sempre esses pedidos refletem os mesmos sentimentos. H á gru­ pos políticos que apelam para a terrível “sentença na voz da história” e há grupos que pedem apenas que seus contemporâneos julguem seus atos, pois esses são os julgadores dos acontecimentos in statu nascendi. H á os, que sofrem um grande sentim ento de culpa diante dos acontecimentos, como responsáveis ou não; há os que refletem um sentim ento de vergonha e, finalm ente, os que revelam ansiedade. No notável estudo de Riesman, já por nós referido, cada sentim ento corresponde a um tipo de sociedade e (25) (26)

A rtigo citado, 93. B enedetto Croce, Orientações. Ensaios de filosofia politica, R io de Janeiro, s. d., 50.

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de caráter e reflete a sanção pela conduta social não aprovada. É evidente que a vergonha e a indignação m oral são sentim entos da classe média, aquela, segundo Toynbee, a que se devem os maiores benefícios da civi­ lização ocidental européia e norte-am ericana: a democracia e o industria­ lismo. “O apelo que a Nação dirige aos seus hom ens públicos”, dizia há alguns anos um publicista (27), “pode ser traduzido em termos familiares como um pedido, um a súplica de sinceridade, honestidade intelectual e vergonha — essa vergonha que infelizm ente não é comum nos meios polí­ ticos e cuja falta exasperava o mesmo R ui, que foi quem mais profligou e vergastou, em suas campanhas inesquecíveis, os caras de bronze de todos os feitios.” O utro cronista dos nossos dias escrevia estas palavras tão autênticas do seu sentim ento: “£ que sentia o cronista ? O h ! m eu Deus, como tudo isto m ata de vergonha ! Que seria do historiador do futuro se ele entender de dar ênfase cívica aos dias de hoje e procurar entre as personagens e os fatos um a palavra ou um episódio de grandeza ?” (28). A instabilidade social e política provocada pela lu ta entre as tradi­ ções da sociedade arcaica e os elementos culturais do Brasil novo e as rápidas m udanças tecnológicas e culturais podem, talvez, explicar os sen­ timentos de culpa, tão notórios no caráter nacional. Q uando as perso­ nalidades políticas das grandes massas rurais analfabetas e do proletariado urbano com níveis de cultura m uito baixos e modos de vida arcaicos, um a vez que vieram há pouco tem po do cam po retardado, vencem a lu ta con­ tra a classe média, podem sentir, m uitas vezes, um grande sentim ento de culpa, que lhes vem de impulsos interiores e de flutuantes vozes contem­ porâneas. Ai seu apelo à história revela a insegurança de confiar mesmo nos sinais de afirmação dos outros. Serão sinceros ? Perm anecerão no mes­ mo ponto de vista quando souberem de todos os fatos ? Em ambos os casos, a história é vista como um a espécie de justiça transcendental moralizadora. No terceiro tipo, que começa a aparecer na sociedade brasileira das grandes concentrações urbanas, não h á atitude ativa em face da história, nem se procura configurá-la de acordo com sua dinâm ica im ánente. Ele tem um a atitude passiva: é um consumidor, não um p rodutor de história, e sua tarefa é o presente, sem futuro, aprovado pelos seus contem porâ­ neos. Sabe que suas opiniões variam rapidam ente e im agina que as dos outros tam bém possam m udar. Não apela para a história como um a opinião que possa vir a ser contrária à dos seus contem porâneos; prefe­ rentem ente se associa a estes, procurando olhar-se a si mesmo e às suas ações, através dos olhos de um futuro m uito próxim o e da geração mais jovem. N ão fabrica a história, mas a consome e, como nas historietas de quadrinhos, o principal é vencer, é ter sucesso, é apostar no cavalo q ue vai ganhar, porque o julgam ento histórico não tem significação m o­ ral direta. A discussão do veredito da história não é mais confinada aos diários dos grandes homens, mas estende-se a toda a massa média. Atores (27) Pedro D antas (P rudente de M orais N>eto), artigo in Diário de Notícias, 26 de novem­ bro de 1955. (28) Joel da Silveira, artigo in Diário de Notícias, 24 de novembro de 1955.

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e públicos perguntam-se a si mesmos: como apareceremos aos outros ho­ mens atuais ? Éles aprovarão nossos atos ? Irão declarar que estávamos no caminho certo ? Daí o sentim ento de ansiedade, a sanção m oral não histórica, transcendental, mas contem porânea e im ediatista, e as moções oportunistas de solidariedade que vencem a ansiedade em relação à situ­ ação do momento. Esse novo tipo deseja ardentem ente ser julgado; teme o julgam ento alheio, mas, ao mesmo tempo, dele necessita como um artigo de consumo indispensável ao seu m odo de vida, em bora não lhe atribua significação m oral direta (29). Como o m edalhão de M achado de Assis, figura que só tem nascim ento na sociedade arcaica, dirigida pela tradição, quer o juízo im ediato dos contemporâneos, com a diferença que aquele sabia o logro que estava querendo passar na história. Procura fabricar a “boa von­ tade” ou a “opinião pública dos jornais” como um a projeção m uito vaga de um possível registo que possa influir num possível julgam ento. Para ele, é obsoleta a prática do apelo escatológico ao futuro e as próprias autoincriminações das entrevistas e do falatório excessivo revelam a instabi­ lidade psíquica e não visam a fazê-lo en trar na história. Considera que o julgam ento m oral saiu de moda e que a invocação a um a fu tu ra consci­ ência da hum anidade é ligeiram ente ridícula, senão inteiram ente im pra­ ticável. Nem Deus nem os homens a ouvirão. Só a conversa com os vivos parece real; a conversa com o futuro é im aginária (30). O político moralizador, que pertence à classe média, diante de sua im potência de fabricar ele próprio a história, como um revolucionário criador da Revolução Americana, Francesa ou Russa, ou ainda como cal­ vinista crente na predestinação, se indigna e se envergonha, e apela para o julgam ento final da história. Seria um estudo com plem entar m uito valioso, pelo seu conteúdo his­ tórico e psicossocial e hoje m uito focalizado nos e . u . a ., o de tentar com preender os evidentes sinais de um generalizado conformismo popu­ lar e de elites. Q uatro ou mais pessoas decidem um caminho e a nação e o povo se conformam. Sabemos todos que o inconformismo tem sido o grande propulsor do progresso social e sabemos tam bém que o confor­ mismo é um dos baluartes d a estática social. O próprio caráter social se aquilata pelas formas com que se asseguram os padrões de conform idade da m aioria. No jogo m útuo de forças de conform idade e inconformismo realiza-se o progresso social. No Brasil verifica-se ultim am ente, ao lado daqueles aspectos negativos da personalidade básica brasileira (sentimentalismo, horror às soluções trágicas), um alarm ante e unânim e espírito de conformismo, num a socie­ dade com um contingente tão forte de jovens (em 1.000 pessoas economica­ mente ativas existem 779 pessoas economicamente passivas, contando de 0 a 14 anos, ou melhor, mais de 50% de jovens em idade escolar) (30a). (29) O A. seguiu e resum iu David Riesm an, ob. cit. na nota 14, 267 e seguintes. ^30) Ib id ., 260. (30a) Calcula-se em 42% a população em idade pré-produtiva, com menos de 15 anos. Sobre o conformismo e inconformismo, ver nossa Conciliação e reforma no Brasil, R io de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1965.

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Estes aspectos psicossociais, morais e culturais da sociedade contem porânea, com seus componentes residuais do passado, nos m ostram as vantagens do estudo da história presente. A m elhor lição sobre as vantagens da história contem porânea, de que tanto necessitamos, vem do grande historiador A rnold Toynbee, ao declarar que não lhe teria sido possível escrever o seu A Study of History (31) sem a experiência do Royal Institute of International Affairs, onde com punha o Survey of International Affairs. Ele acredita que só pôde fazer um porque fazia o outro. U m in q u érito sobre os negócios correntes do m undo só poderia ser feito sobre os fundam entos de um a história do m undo, e um estudo da história do m undo não teria vida se deixasse de lado a história da época do escritor, porque os contem porâneos são as únicas pessoas que podemos capturar vivas (32). Em qu alq u er hipótese, vê-se claram ente que para a história não ser estranha à vida deve ocupar-se das consideráveis modificações da vida es­ p iritu al, social e política que experim enta o m undo hodierno. A p rin ­ cipal questão consiste em como realizar esta tarefa de m aneira realm ente fértil, sem fazer da história m atéria publicitária diária e do historiador um escritor tendencioso, um publicitário sem categoria científica. A his­ tória, mesmo a contem porânea, é história compreensiva, que se esforça p or um a justiça mais forte e mais objetiva, dizia G erhard R itter no x Congresso Internacional de História. T u d o com preender não significa tudo louvar. H á um a forma de his­ toriografia que aprova tudo que aconteceu e teve conseqüência, sem re­ p arar no seu significado moral. Esta espécie m uito difundida de “positi­ vismo”, que torna o historiador um simples “claqueur” dos fatos e acon­ tecimentos, não pode ser considerada história de alto estilo e m uito me­ nos científica. A verdadeira história é um a ciência hum ana. N ão teme verdades incômodas, porque serve à Verdade e não aos sucessos políticos do dia. O exemplo do Royal Institute of In tern atio n al Affairs serve para to­ dos como um padrão de alta categoria científica e rigorosa objetividade. Não se trata, evidentemente, de um a história definitiva, mas de alguma coisa que é tentada como subsídio para um a interpretação, de preferência à simples enum eração factual. J á no Brasil, infelizmente, é grande a m aioria entre os que, exercendo a história, consideram-na im praticável. Já vimos a razão principal no excessivo am or ao passado colonial e vemos no citado estudo de Poppino que, só decorrido um qu arto de século do acontecim ento histórico, este recebe, no Brasil, tratam ento histórico. O estudo da historiografia contem porânea é, assim, um a das p rin ­ cipais tarefas da historiografia brasileira. Não podemos continuar a des­ conhecê-la, a evitá-la, deixando que só os historiadores norte-americanos dela tratem nos seus encontros anuais ou os soviéticos, nos Congressos (31) Londres, 1934-1961, 12 vols. (32) Arnold Toynbee, “A Study of History. A ffairs, xxxi, jan. 1955, n.° 1, 1-4.

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W hat I Am T ry in g to D o”, International

Internacionais, como tem acontecido ultim am ente. É necessário cuidar, para usar da expressão de Fidelino de Figueiredo, das zonas vivas, não de preferência, mas ao lado dos aspectos extintos (38). Um povo em fase de transição para o seu completo desenvolvimento econômico não pode continuar a dissipar toda a sua inteligência histórica na rememoração colonial, sem cuidar dos temas que nos auxiliam a enfrentar os problemas atuais. Há, naturalm ente, diz J. R. M. B u tle r(34), grandes e óbvias objeções à história contem porânea, como há grandes e óbvias atrações, e o m undo seria im ensuravelmente mais pobre se a história contem porânea nunca tivesse sido escrita. Não é necessário relem brar os exemplos de Tucídides, Políbio e T ácito, em que os segredos não puderam ser des­ vendados em livros e documentos, mas no coração dos homens que muitas vezes, na m aioria das vezes, querem conservar intactas as razões de suas atividades. A controvérsia contem porânea, vil ou nobre, apaixonada ou serena, não deve im pedir que se tragam à luz depoim entos indispensáveis. Diz C hurchill no seu livro sobre a Segunda G uerra M undial, que ele aderiu à sua regra de nunca criticar qualquer m edida de guerra ou política depois dos acontecimentos, a menos que ele a tenha exprim ido pública ou formalm ente. Foi-lhe desagradável registrar os desacordos com muitos hom ens que ele adm ira ou respeita; mas seria errado não e x tra ir as lições do passado, diante do futuro. Não esperava tam bém que todos concordassem com seu ponto de vista e ainda menos esperava escrever um livro popular. Deu seu testem unho tendo o máximo cuidado em verificar os fatos; mas é tão grande a revelação dos novos documentos que é pos­ sível se chegue a um novo aspecto das conclusões expostas no seu livro. Por isso é im portante confiar nos papéis contemporâneos autênticos e nas opiniões emitidas enquanto tudo era ainda obscuro (35). Churchill, historiador e estadista, resume na introdução ao prim eiro volume de seu livro, a idéia da história contemporânea. O desacordo não im pede a exposição, já que a própria história mais antiga não consegue m anter um a total concordância de interpretação. O que se deve desejar é que os depoim entos dos que participaram dos acontecimentos sejam re­ velados e os arquivos das personalidades sejam, pelo menos, resguardados e preservados para consulta futura. A massa de docum entação diplom ática publicada pelas grandes n a­ ções européias, sobre a Prim eira e a Segunda Guerras M undiais, mostram como é possível cuidar de selecionar e preservar os m ateriais da história presente, não só político-m ilitar, mas geral. É certo que a história contem porânea oferece m uitas dificuldades nem sempre superáveis. E ntre estas podemos destacar: 1) O lado derro­ tado sempre ou quase sempre reluta em contar a história que precedeu o desastre; 2) E nquanto as fontes do passado são acessíveis, nos grandes cen­ tros do m undo culto, praticam ente a todo estudioso sério, as fontes da (33) “ H istoriografia portuguesa do século xx ” , R H , n.° 20, out.-dez. 1954, 348. (34) T h e Present N eed fo r H istory, Cambridge, 1948, 19. (35) T h e Second W orld War, vol. i. T h e Gathering Storm , Londres, Cassei Sc Co., 1948, ix-x.

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história contem porânea tendem a ser reveladas somente aos favorecidos. O Estado e os M inistros tentam influir nos editores ou estudiosos destes papéis. Estes não são nem persona gratissima nem non grata, mas sim­ plesmente estudiosos interessados na apuração da verdade. 3) As perso­ nalidades envolvidas nos acontecimentos deste ou daquele lado não que­ rem prestar um serviço ao esclarecimento da verdade histórica, mas aos seus cortesãos ou às suas paixões. A história conquista dia a dia novos territórios e mais ainda se articula com novos problem as. De todos, o mais im portante, sem dúvida, é o da história econômica e seus novos ramos, história dos empresários, e dos ne­ gócios, da qual falamos nos gêneros históricos. A história social não constitui novidade: teve, desde 1920, grandes adeptos e produziu um a bibliografia realm ente valiosa. O Instituto de H istória Social de Am sterdã (36), o novo Instituto de H istória Social de Paris e a Hoover L ibrary on W ar, R evolution and Peace, da Universi­ dade de Stanford, dedicam-se especialmente à história dos movimentos sociais, objeto de um a dissertação no x Congresso Internacional de Ci­ ências Históricas, escrita pelo Prof. Carlos Ram a, de M ontevidéu. As histórias demográficas, imigratórias, urbana e ru ral crescem nos países mais desenvolvidos, mas merecem aqui pouca ou nenhum a conside­ ração. A história intelectual limita-se à literatura e m uito pouco, por um ou outro dedicado, à das idéias. Nossa história continua m uito narrativa, cronológica e biográfica. N um povo essencialmente sentim ental e em que predom inam as soluções personalistas, não é de surpreender que as bio­ grafias representem percentagem tão grande na produção histórica na­ cional. Tendências novas que não atraíram ainda a inteligência histórica b ra­ sileira são os estudos sobre a formação da consciência rural e burguesa no Brasil, esta últim a criada antes do aparecim ento de uma classe burguesa, e a rural, dom inante em toda a história brasileira, e ainda hoje consti­ tuindo 54,92% da nossa população. O papel da classe m édia urbana e das classes rurais das zonas pioneiras, tão decisivas na evolução histórica destes últimos trin ta anos, não foi ainda estudado. B ernard Groethuysen escreveu aquele magnífico ensaio sobre a for­ mação da consciência burguesa na França durante o século xvm (37), ba­ seado especialmente nos Sermões. As próprias fontes literárias, tão indis­ pensáveis pela sua força impressionista, para a descrição espiritual do am­ biente histórico, não foram ainda utilizadas. Os estudos sóbre a opinião pública e eleitoral e sobre a natureza da ação política não mereceram ainda, entre nós, nenhum cuidado. A his­ tória das relações internacionais não tem interessado aos historiadores e m uito menos o grande tema, hoje tão exam inado nos centros altam ente desenvolvidos da pesquisa histórica, das características nacionais de cada (36) Vide José H onório Rodrigues, A s fontes para a história do Brasil na Europa, Rio de Janeiro, 1950. (37) La formación de la conciencia burguesa en Francia durante el siglo xvm , México. 1943 (l.a ed., 1927).

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povo. Estes dois últimos são de extrem a im portância e m uito poderiam contribuir para o esclarecimento de atitudes e tensões atuais. Toynbee notava que na elaboração da paz, em 1919-1921, os Estados de poder médio tinham sido reintroduzidos no m apa político pela recons­ tituição da Polônia e pela aspiração do Brasil de ter ultrapassado a esta­ tu ra de pequeno Estado, mesmo que não pudesse ser julgado como já ten­ do atingido as dimensões de um G rande Poder. A Europa, acrescentava, ver-se-ia em breve cercada p o r um a dúzia de gigantes do Poder, quando o Canadá, a A rgentina, a A ustrália tivessem povoado seus espaços vazios e quando a Rússia, a India, a C hina e o Brasil tivessem adquirido o dom da eficiência. Que fazemos nós, historiadores, para esclarecer as ra­ zões do nosso caminho nacional e internacional em busca do poder e do respeito internacionais ? Que fazemos nós, historiadores, para reconhecer e esclarecer os climas especiais de opinião, as características de certas épocas e lugares, o caráter de nossa cultura, a personalidade básica de nosso povo, seus traços especificamente nacionais ? (38). Que fazemos para esclarecer, por exemplo, os aspectos capitais da vida brasileira atual ? Jacques Lam bert dizia que o Brasil era como uma m etrópole com suas próprias colônias, constituídas pelo N orte e o N or­ deste, as quais apresentam tais desequilíbrios econômicos que ameaçam ou podem ameaçar a unidade nacional. Os economistas da Comissão M ista Brasil-Estados Unidos acentuam as enormes disparidades das taxas de crescimento e da distribuição regional da renda entre o centro econô­ mico brasileiro e a zona N orte e Nordeste, que possui 40% da população nacional. O que se tem feito para esclarecer não as razões deste compor­ tam ento diferente — o que seria lógico num a nação tão extrem am ente variada no seu localismo e provincialism o — mas especialmente o porquê deste profundo desequilíbrio econômico e cultural, que prejudica a inte­ gração nacional ? T odos estes últim os problem as relacionam a economia com a histo­ riografia e é de esperar-se que tal como nos e . u . a . o fenômeno do crescimento econômico sugira ou im pulsione um grande desenvolvimento historiográfico. Haverá, naturalm ente, diferenças de opiniões sóbre os ca­ m inhos da reform a e os instrum entos particulares a serem empregados para promovê-la, mas a integração nacional será a suma política e seus enormes efeitos na história decidirão os novos rum os da historiografia, que deverá ser mais nacional que estadual ou local. Mas não é só na tem ática que surgem as questões fundam entais da m oderna historiografia. Q ue im portaria conhecer toda esta am pliação do campo da investigação, se não considerássemos alguns problem as funda­ m entais do pensam ento e da m etódica históricos? N a verdade, todos sabemos que a controvérsia filosófica pouco tem refletido sobre a pesquisa ou o escrito histórico. Nem gerou, tam pouco, novos métodos ou m odi­ (38) Vide José H onorio Rodrigues, Aspirações nacionais. Interpretação histórico-politica. São Paulo, Fulgor, l.a ed. 1963, 2.a e 3.a ed. 1965. A bibliografia norte-am ericana é imensa. A. Sidorov, na obra citada, refere-se várias vezes aos “ traços especificamene nacionais” dos diferentes países (81) e da antiga cultura russa (101). Assim tam bém os atuais historiadores poloneses. Cf. B. Lésnodorski, “ Les scienoes historiques en Pologne au cours des années 1945-1955” , Relazioni, vol. vi, obra citada na nota 3, 463 e 487.

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ficou grandem ente os já usados. Já notava H enri Hauser, no estudo ci­ tado, como um dos nossos defeitos a falta de preparo metodológico e o conseqüente autodidatism o. A inda assim é indispensável relem brar e re­ petir sempre e sempre a ladainha de que não podemos fazer crescer nossa historiografia, se não cuidarmos de introduzir nos departam entos de his­ tória as disciplinas de M etodologia e Historiografia. Estes são, na realidade, os pecados capitais da historiografia brasileira. Pecados venais, que há pouco o Prof. Charles Boxer considerava como mor­ tais na historiografia portuguesa (39), podem ser culpados tam bém por algumas deficiências de nossa historiografia. E entre estes: a prolixidade, a atração pelos discursos e conferências, a falta de consulta das obras es­ trangeiras, a falta de bons índices. É curiosa a coincidência destas obser­ vações do Prof. Boxer sobre os defeitos da historiografia portuguesa com as do Prof. H auser sobre a historiografia brasileira, a que já nos referi­ mos: os métodos oratórios, a rotina e inércia de certas instituições, o ex­ cesso de biografia e os elogios acadêmicos, as comemorações e homenagens dos nossos grandes mortos em tom discursivo. A situação atual da historiografia no Brasil oferece ainda vários ou­ tros aspectos das suas fraquezas e forças. Um estado de anim ação e os resultados conseguidos ultim am ente fazem-nos acreditar que brevemente poderemos superar algumas das deficiências que perturbam o seu livre caminho. A liberação do currículo acadêmico, tão antiquado com suas cinco cadeiras, sem as disciplinas preferenciais ou optativas, o excesso de ênfase dada a certos períodos e a deficiência de estudo de áreas mais im portantes atualm ente, como os e . u . a . , a Rússia e o O riente, o esta­ belecimento de padrões profissionais, o reconhecimento da profissão e o am paro do Estado podem prom over o crescimento e aperfeiçoam ento da historiografia brasileira. Jacob B urckhardt disse, certa vez, que não queria construir para hoje ou para am anhã, mas para todo o sempre. Ao recordar suas palavras de­ clarou o grande mestre alemão de hoje, o Prof. R itter, no seu discurso de encerram ento do x Congresso Internacional de História, aos 11 de se­ tem bro de 1955, que só pode com preender quem trabalha tam bém com o coração. Quem realm ente conhecer a história estará protegido do entu­ siasmo barato, mas não poderá encarar o jogo histórico sem profunda emoção, pelo menos quando se trata do futuro de sua própria terra e de seu próprio povo.

(39) “Some Notes on Portuguese Historiographv, 1930-1950” , separata de History, fevereiro e junho 1954, 10.

C a p ít u l o 2

Desenvolvimento da idéia de historia

A PALAVRA H IS T Ó R IA

h i s t o r i a origina-se do grego (istoria), de onde passou para a m aioria dos idiomas modernos, com exce­ ção das línguas germânicas (Geschichte, em alemão, Geschie den holandês). A origem exata da palavra grega é incerta, mas tal como acon­ tece com a alemã, que é, às vezes, considerada objetivam ente como o que sucede ou o que sucedeu, e outras vezes subjetivam ente, como o conhe­ cimento do sucedido, ela tem duplo sentido. Exprim iria, assim, portanto, não só o sucesso como o inquérito ou investigação sobre o sucesso. P ara tornar mais clara a distinção entre os sentidos objetivo e subjeti­ vo da palavra história, basta cham ar a atenção, por exemplo, para o fato de que o nosso conhecim ento da era prim itiva dos russos, húngaros, sérvios, croatas e búlgaros seria um a página em branco se os escritores do Im pério R om ano do O cidente não tivessem tido um interesse tão vivo pelos seus vizinhos. Ora, não deixou de haver sucessos históricos; o que teria deixado de haver era o conhecim ento histórico. É preciso frisar, porém, que se ambas as palavras, tanto a grega, como a alemã, têm dupla significação, não sofreram, entretanto, a mesma evo­ lução. No grego, istoria significava, a princípio, o investigador, o infor­ m ante. Partiu-se da qualificação subjetiva para depois exprim ir o objeto da investigação ou suceder; portanto, o sentido objetivo. No alemão, Geschichte veio de geschehen, suceder, e passou da significação objetiva do sucedido para a subjetiva da narração ou conhecim ento do sucedido. Alguns acrescentam ainda a essas duas acepções — o que sucedeu e a compreensão literária do sucedido — um a mais m oderna, de formação m uito mais recente, o conhecim ento da história ou ciência histórica. A m elhor m aneira, porém, de se conhecer a exata significação da palavra está no estudo da evolução da idéia de história.

A

p a la v ra

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DESEN V O LV IM EN TO DA IDÉIA DE H IS T Ó R IA (i) Costuma-se distinguir no desenvolvimento da idéia de história três modos de exposição: o narrativo, o pragmático, o genético. Esta a divisão apresentada por Bernheim e seguida por Bauer. Ela se origina de Leibniz, que reconhecia esta tríplice apresentação da historiografia. “T ria sunt quae expetim us in H istoria, prim um voluptatem noscendi res singulares, deinde u tilia im prim is vitae praecepta, at denique origines praesentium a praeteritis, repetitas, cum om nia optim e ex causis noscantur”(2). H uizinga considera essa classificação ilógica, fonte de erros e p rati­ camente inoperante. Esses três aspectos não se sucedem no tem po nem se superam uns aos outros qu an to ao valor (3). Sem elhante a esta classificação é a que apresenta Hegel de um a his­ tória im ediata, reflexiva e filosófica(4). A prim eira é especialmente repre­ sentada por H eródoto e Tucídides, que viveram no espírito dos aconteci­ mentos por eles descritos. R egistraram os sucessos da sua atualidade ime­ diata. O principal caráter da segunda m aneira consiste em transcender o presente. Neste gênero convém distinguir diferentes espécies: prim eiro, a história geral, que se relaciona intim am ente com o gênero anterior, quan­ do se propõe expor o conjunto total da história de um país. Hegel lem­ bra, como exemplos, T ito Livio e Diodoro de Sicilia. A segunda espécie da história reflexiva é a pragm ática. Os historiadores têm um propósito m oral: procuram extrair da história lições práticas. As reflexões morais são, então, os fins essenciais da história. Hegel criticou com extrem a severidade o pragmatism o histórico, di­ zendo que as abstrações morais dos historiadores de nada servem e que a experiência e a história nos ensinam que nenhum povo ou governo apren­ deu q ualquer lição da história ou atuou segundo doutrinas dela extraídas. A negação do pragm atism o estava realm ente na negação da reversibilidade (1 ) Este capítulo é um brevíssimo resumo sem pretensões e inteiram ente baseado nas me­ lhores historiografías. Scrvimo-nos especialmente das seguintes obras: Ed. Fueter, Histoire de V historio graphie moderne. T ra d u it de 1’Allem and p a r Émile Jeanm aire, Paris, Félix Alean, 1914; G. P. Gooch, Historia e historiadores en el siglo xix. Versión española de Ernestina de C ham pourein y Ram ón Iglesia, México, Fondo de C ultura Económica, 1942; Histoire et historiens depuis cinquante ans. M éthodes, organisations et résultats dn travail historique de 1876 à 1926, Paris, Félix Alean, 1927; Louis H alphcn, L ’histoire en France depuis cent ans, Paris, Arm and Colin, 1914; Picrre M orcan, U histoire en France au xrxc siécle, París, Les Belles Lettres, s. d.; Jam es T . Shotwell, T h e H istory of H istory, Nova York, Colum bia University Press, 1939; B ernadotte E. Schmitt, Some Historians of M odern Europe, Chicago, T h e U ni­ versity of Chicago Press, 1942; Jam es W estfall T hom pson, A History of Historical IVriling, Nova York, T h e M acmillan Co., 1942, 2 vols.; B. Sánchez Alonso, Historia de la historiografia española, M adri, Consejo Superior de Investigaciones, 1.° vol. 1947, 2.a ed., 2.° 1944, 3.° 1950; a prim eira edição é de M adri, 1944; B enedetto Croce, Storia della sloriografia italiana nel secolo decimonono, Bari, Laterza & Figli, 1947, 2 vols.; M. L. VV. Laistner, The Greater R om án H isto­ rians, Berkeley e Los Angeles, University of California Press, 1947; Georges Lefébure, Notions d ’historiographie m oderne, Paris, Centre de D ocum entaron Universítaire, curso dado na Sor­ bonne e mimeografado, 1946. (2) G. W. Leibniz, “ Accessiones historicae” , R evue de Synthése H istorique, t. 23, 1911, 266. (3 ) J. H uizinga, El concepto de la historia y otros ensayos, México, Fondo de Cultura Económica, 1946, 29. (4) F. Hegel, Lecciones sobre la filosofia de la historia universal, Buenos Aires, Revista de Occidente A rgentina, 1946, 151-160.

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da historia. “Não h á um caso que seja com pletam ente igual a outro”, afirmava Hegel. Convém lem brar aqui que se o pragmatism o prevaleceu em todo o século xvin, na época de Hegel já estava com pletam ente destruído e, mais do que isto, para negá-lo ele não precisava renegar a história como mais tarde veio tam bém a fazer Nietzsche. Era um exagero, talvez, pelos erros do pragmatism o (5). O terceiro modo da historia reflexiva é o crítico, que consiste na his­ toria da historia, no juízo sobre as narrações e na investigação sobre sua verdade e crédito. Já aqui estamos realm ente em face do que Bernheim chama de historia genética. A últim a esfera da historia reflexiva é a es­ pecial, parcial ou particular. É, por exemplo, a historia da arte, do di­ reito, da religião, da ciência. A historia filosófica é universal e procura a alma que dirige os acontecimentos.

H istoria narrativa A historia puram ente narrativa, de tradição escrita m ais antiga, buscava registrar fatos ou acontecim entos que pareciam extraordinários. Exis­ tem pequenos fragmentos referentes aos fenicios, caldeus, egípcios, assí­ rios, babilônios, hindus e persas descobertos e coligidos no século xix por estudiosos de arqueologia. Até então considerava-se o Velho T esta­ m ento como a mais antiga história. Para a história do Egito, Babilônia, Assíria, Pérsia e Fenicia, só possuímos, afora as pequenas referências do Velho Testam ento, os fragmentos que foram reproduzidos pelos escrito­ res gregos. N aturalm ente, toda essa história é ligeira e lendária, como o é também, em parte, a história inicial judaica, que se encontra regis­ trada na Bíblia, especialmente no Pentateuco, ou seja nos cinco livros de Moisés, cujo valor histórico tem sido estudado por alguns historiadores. Neles se assinalam as migrações, glórias e sofrimentos do povo de Israel. N a Grécia, antes de H eródoto (480-425 a. C.), os escritores que registra­ vam fatos históricos, entrelaçados em grande parte com legendas e mitos, são chamados logógrafos ou prosadores, em oposição aos poetas. É com Heródoto, apelidado o Pai da H istória por Cícero, que se caracteriza nitidam ente o período da história narrativa. Foi ele de fato, o prim eiro a fazer do passado objeto de pesquisa e de verificação, m ostran­ do um grande avanço sobre os logógrafos. É nele que se nota, pela pri­ m eira vez, a persistência ao princípio de fidelidade que começa a dignifi­ car a história grega. Em bora seu m étodo já revele caráter crítico, seu cri(5) Segundo W ilhelm Dilthey, só a história nos diz o que o homem é, e é inútil, como fazem alguns, desprender-se de todo o passado para começar de novo a vida sem preconceito algum. N ão è possível desvencilhar-se do que foi; os deuses do passado se convertem em fantasmas. A m elodia de nossa vida traz o acom panham ento do passado. O homem se liberta da agonia do m om ento e da fugacidade de toda a alegria entregando-se aos grandes poderes que a história engendra. Cf. Introducción a las ciencias del espíritu, xxix.

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ticismo está lim itado pelas condições da idade, que era prim itiva nas suas crenças religiosas e restrita no seu conhecim ento geral. H eródoto é o m aior exemplo da história puram ente narrativa.

H istória pragmática A segunda fase da história é a cham ada pragm ática. O m étodo p u ­ ram ente narrativo é abandonado e já se faz a investigação daquelas forças que operam no suceder histórico. T ucídides (460-400 a. C.), justam ente considerado o m aior historiador da A ntiguidade, é o iniciador do novo período. Sua Guerra do Peloponeso é um trabalho m onum ental, notá­ vel pelo estilo condensado e direto, pela fidelidade do m étodo e pela pes­ quisa dos motivos que o autor já observa entre os acontecimentos, assim como pelo raciocínio severo e im parcial das questões políticas. Ao iniciálo, declara que talvez o livro apresente poucos atrativos para os que o lêem, pelo fato de nada conter de lendário; mas que lhe basta seja ele reconhe­ cido como ú til por aqueles que desejam conseguir um claro conhecimento dos sucessos passados e, graças a ele, com preender bem aqueles processos que, segundo o curso das coisas hum anas, possam repetir-se no futuro do mesmo modo ou de modo semelhante. Vê-se aqui expressamente afirma­ do o conceito da reversibilidade dos fatos históricos. No capítulo 22 de sua grande obra, Tucídides traça o plano a que obedeceu e que alguns consideram como a prim eira tentativa de trata­ m ento científico da história. No final do plano encontra-se a famosa frase do historiador grego de que ele não escrevia um ensaio para ser lido no momento, mas um a obra de efeito sólido e duradouro. Não se pode dizer, contudo, que ele já seja um historiador científico. Apesar de sua obra de gênio ser universal e de todos os tempos, traz na sua elaboração as m ar­ cas do lugar e do tempo. T ucídides foi o prim eiro a ressaltar a estratégia da guerra como um fenômeno da história e a valorizar os aspetos sociais e econômicos. E é, sem dúvida, o exemplo mais típico da história pragmática, que centraliza sua atenção sobre os motivos, os pensamentos e os fins dos acontecimen­ tos, pretendendo tirar do conhecimento do passado ensinam entos práticos para ocasiões políticas semelhantes. A fase da história pragm ática ou didática ocupa a m aior parte da his­ tória da história e estende-se até meados do século xix. Começa, como dissemos, com Tucídides, relem bra Políbio e os maiores historiadores ro­ manos, como T ito Livio e T ácito. Para todos eles o caráter pragmático da história é decisivo. Ela devia ensinar e edificar e não apenas contar ou n arrar a verdade. T ito Lívio (59 a.C. — 17 a.D.) foi o historiador nacional de Roma, o único que, com sucesso, escreveu a longa e intrincada história da guerra e da política romanas, desde a formação da cidade até o estabelecimento do Im pério. Sua obra é até hoje considerada um m onum ento.

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Mas o m aior dos historiadores rom anos é T ácito (55-117), comparável a Tucídides na historiografia grega. E pode-se dizer, com Shotwell (6), que T ito Lívio é para T ácito o que H eródoto é para Tucídides. Seu estilo é o resultado da m aturidade do espírito rom ano e o seu apelo, como o de Tucídides, dirige-se à inteligência do leitor. Como seus predecessores, T ácito desejava pesquisar a verdade que fosse ú til ao m undo. Seu m étodo de exposição é puram ente o do orador; não om ite a oportu­ nidade de ressaltar os acontecimentos, de filiar as causas, de in terp retar os movimentos e dp utilizar-se do discurso. Os Anais registram a história dos im peradores da Casa Juliana, desde T ib ério até Nero. Pelo poder de análise e p lano literário, T ácito é o sím bolo do am adurecim ento rom ano. Mas é preciso lê-lo com infinito cuidado, devido à sua parcialidade (7). É fácil observar que todos esses grandes historiadores da A ntiguida­ de estavam sempre interessados no que aconteceu em razão do que estava acontecendo. A história, então, é sempre história da atualidade. P or isso é de.surpreender que escritores m odernos digam que a A ntiguidade clás­ sica parece ter guardado o segredo de descrever os fatos como se eles se tivessem passado sob os nossos olhos, com as personagens movendo-se, fa­ lando e vivendo ao nosso lado. Esta arte de descrever, que alguns consi­ deram qualidade essencial do historiador clássico, resultava apenas de que, em geral, ele escrevia os fatos que se haviam passado ou que se pas­ savam sob os seus olhos. Se a história atualm ente é a descrição do pas­ sado, ela nasceu como narração do presente. Ao invés de esperar a m orte do acontecimento p ara descrevê-lo e analisá-lo, a história clássica descrevia os acontecimentos que nasciam e se desenrolavam à sua vista. Com a vitória do cristianismo, a história continua pragm ática. Ape­ nas um novo elemento se juntava à concepção da idéia histórica. Depois das tentativas de Santo Eusébio (ca. 260-340), ao escrever a História ecle­ siástica, segundo o plano idealizado por Santo Agostinho (354-430) na Cidade de Deus, e da obra de Paulo Orósio, inicia-se a idéia da história universal. A universalização da história é um a idéia cristã. Mas a verdade é que durante toda essa fase de dom ínio incontestado e incontestável da Igreja a história não progride: limita-se apenas a preservar os antigos tex­ tos clássicos gregos e latinos. A época medieval é um a fase de transmissão dos textos clássicos para a Renascença. Do século vil ao xiv, os escritores clássicos sobrevivem par­ cialmente porque form am a base necessária da educação monástica e par­ cialmente porque uns poucos homens excepcionais defendem a preserva­ ção das cópias clássicas. De fato, o entusiasmo pelos clássicos encontra sem­ pre, então, um a reação zelosa que visa resguardá-los do conhecim ento geral. Entre as sete artes dos estudos escolásticos não estava incluída a história. Foi somente nos séculos ix e x que se teve m aior cuidado com cópias mais exatas e seguras. O espírito de crítica, que foi o fruto do Renasci(6) James 1939, I.® vol., (7) Sobre riaras, Berkeley

T . Shotwell, T h e History of H istory, Nova York, Colum bia University Press, 301. a parcialidade de T ácito, vide M. L. W . Laistner, T h e Greater R om án H isto­ e Los Angeles, University of C alifornia Press, 1947, 123.

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m ento italiano, vai estim ular um novo interesse pelos clássicos e perm itir um verdadeiro florescimento da erudição. D urante toda a Idade M édia o clamor pela autenticidade dos docum entos não dera nenhum resultado e o im pulso para se chegar a um a certeza sobre a autenticidade ou não dos documentos proveio dos ataques feitos a inúm eras forjicações que tinham sido aceitas pela Igreja medieval. Mas antes que o Renascim ento despontasse, em plena Idade M édia, o “m aior cronista de todas as épocas e nações”, Fernão Lopes (1380-1460), no cargo de ordenar “estórias”, recontava os feitos dos reis de Portugal, convencido de que a história era a clara certidão da verdade(8). É no século xvi, com João de Barros (1496 P-1570) e suas Décadas da Asia (1552, 1553, 1563), que se atende àquele prim eiro apelo e se concre­ tiza a idéia cristã da universalização da história. G rande historiador não só pelo estilo e pujança da língua, mas pelo m odelo que seguiu, T ito Lívio. João de Barros revelou ao O cidente o m undo desconhecido do O ri­ ente, que seu povo pouco antes descobrira. Suas digressões sobre o co­ mércio, a geografia, as cidades e costumes orientais e sobre a religião de M afoma universalizam a história até então só ocidental e ligam o Ocidente ao O riente. Esta a contribuição de João de Barros que, esquecida pela história da história, deve ser assinalada. Outras manifestações desse novo espírito erudito são encontradas no século xvii, com a edição, em 1643, das Acta sanctorum , feita pelo jesuíta Jean Bolland (1596-1665). A rejeição p o r B olland da autenticidade dos documentos merovíngios que comproyavam a propriedade de mosteiros beneditinos prom oveu a formação da paleografía. Jean M abillon (16321707) foi o fundador da diplom ática ou estudo da autenticidade dos di­ plomas, com o seu livro aparecido em 1681, De re diplomática libri VI. J. J. Scaliger (1540-1609) um século antes, em 1583, havia fundado a cro­ nologia em base científica e Jean Bodin escrevera, já em 1566, o prim eiro tratado metodológico da história. A bibliografia histórica iniciava-se com a Bibliotheca hispana vetus e a Bibliotheca hispana nova de Nicolau A ntônio (1617-1684). As principais ciências auxiliares da história estavam assim fundadas no século xvn. Duas grandes figuras desta época são G. W. Leibniz (1646-1716), que in fluiu consideravelm ente n a história com suas idéias de continuidade e do processo genético n a sociedade hum ana, e G iam battista Vico (16681744) que, pela prim eira vez, im pugna a teoria do conhecim ento de Des­ cartes, no qual a história não era um ram o do saber. Vico mostrou que o pensam ento histórico era construtivo e crítico e desenvolveu princípios filosóficos implícitos no seu trabalho histórico, censurando a estreiteza do credo filosófico dom inante (9). N a Época das Luzes e do racionalismo, a história continuava com seu caráter pragm atista e generalizador. A filosofia da história para V oltaire (8) V. Aubrey F. G. Bell, Fernão Lopes, trad. de A. A. D ória, Lisboa, 2.a ed., 1943; P. E. Russell, As fontes de Fernão Lopes, trad. de A. G. Rodrigues, Coim bra, s. d. Aubrey Bell adota o juízo de R. Southey, de que Fernão Lopes foi m aior que Froissart e López de Ayala. (9) R. G. Collingwood, T h e Idea of H istory, Oxford, Clarendon Press, 1946, 64 e 71.

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• 1694-1778) nada mais é que a tentativa de extrair da historia as verdades uicií. O hom em era considerado com suas razões, suas paixões, seus vícios ; suas virtudes como o mesmo, fundam entalm ente, e a concepção jus-naturalista que então im perou, inculcando a fé na estabilidade da natureza hum ana, só podia originar um método histórico pragmático. M ontesquieu (1689-1755), nas suas Considérations sur les causes de li. p-andeur des R om ains et de leur décadence (1734), requer da historio­ grafia pragm ática que responda às perguntas sobre as causas do suceder, ¿juntando ao prático e m oralizador a crítica racionalista e preparando, issim. caminho para a história científica. L ’esprit des lois (1748) é a principal obra política do século xvm. Com ela inaugura-se um a nova epoca no pensam ento político e histórico. É nessa fase que devemos tam bém a Edw ard G ibbon (1737-94), o m aior historiador de fala inglesa e um dos maiores do século x v i i i , a idéia de continuidade da história. É verdade que o próprio conceito de evolu­ ção durante essa fase se distingue nítidam ente do que vai, mais tarde, ser exposto pelos grandes filósofos alemães, que fundam entam o conceito mo­ derno da história. Mas todas essas contribuições iam tornar possível um a :déia mais positiva da história. Dois im portantes subsídios à noção da história datam dessa época. O prim eiro é a secularização da história e o segundo é o conceito de profresso ou de evolução, que abre caminhos novos para a interpretação his­ tórica, acentuando o desenvolvimento da arte, dos costumes e da ciência. Eisas duas idéias derivam do pensam ento de Voltaire, que liquidou a his­ toriografia teológica de B ossuet(10). A opinião corrente de que o século rv m é um século especificamente a-histórico não é um a concepção histo­ ricam ente fundada ou fundam entável; é mais um lem a levantado pelo Rotnantismo em sua luta contra a Filosofia das Luzes (n ). P ara Cassirer, se chamarmos a K ant de Copérnico da filosofia, bem *e pode cham ar a J. G. H erder (1744-1803) o C opérnico da história. H erder substitui a historiografia pragm ática de sua época p o r um a nova história que já não era “uma simples coleção de sucessos, mas um dram a interior da hum anidade”. E ra preciso ver n o hom em não a soma dos seus aros, mas a dinâm ica do seu sentir. Era preciso ver não sua fachada, mas seu íntim o (12). H erder, para Cassirer, é o marco que separa duas épocas; com seus livros Auch eine Philosophie der Geschichte zur B ildung der M enschheit (1774) e Ideen zur Philosophie der Geschichte der M enschheit 1784-1791) começam o historicismo e o relativism o históricos (13). A m pliando e refinando o campo da história, os racionalistas obtive­ ram enorme sucesso popular. O grande interesse pela literatu ra histórica 5se

(10)

W ilhelm Dilthey, E l m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944,

(11) E rnst Cassirer, La filosofía de la ilustración, México, Fondo de C ultura Económica, LM3, 191. M ostra Cassirer (194) que o prim eiro passo para se converter a história num moàtjo metódico consistiria em emancipá-la da tutela da teologia. (12) Ernst Cassirer, El problema del conocimiento, México e Buenos Aires, Fondo de C slrnra Económica, 1948, 315. (13) E rnst Cassirer, E l problema del conocimiento, 312-318, e Friedrich Meinecke, El x^szoricismo y su génesis, México, Fondo de C ultura Económica, 1943, 305-378.

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no século xvm explica-se talvez pelo fato de que ela não só era considerada como um ram o da literatu ra como porque, para os pensadores da época, continuava sendo a grande m estra d a vida. Chegou-se a dizer que a his­ tória era a filosofia ensinada por exemplos. Ao elevar-se a historiografia pragm ática ao ponto de vista histórico universal do século xvm, conver­ te-se a história num a potência, pois é ela que, dando consciência à idéia da solidariedade, de progresso e de cultura, a transform a num a força que atu a em toda parte e penetra n o m undo culto. Ela se faz popular para produzir este efeito e converte-se num a obra de a r te (14). Sob o estím ulo do pensam ento desses precursores, inicia-se, n a Alema­ nha, no século xix, um grande m ovim ento de estudos históricos. A nova história que ali começa a ser escrita já não se contenta mais com a sim­ ples erudição. Procura salientar a significação, a continuidade dos acon­ tecimentos, observar e entender o desenvolvim ento da história. Vai-se in au g u rar a fase da história científica.

H istória genética ou científica O início do século xix é a grande época em que a história conquista seu lugar ju n to às ciências naturais. O cenário é a Alem anha, onde se conservavam, a p a rtir da Reform a, como lem bra Dilthey, as forças do pas­ sado europeu, a cultura grega, a jurisprudência rom ana, o cristianismo prim itivo (15). O mais forte espírito crítico e a mais viva e inteligente consciência histórica crescem nesse solo. E é por tudo isso que nasce nele a M onu­ m enta Germaniae H istorica, a mais autorizada coleção de fontes docu­ mentais. Dois grandes historiadores dom inam esta fase. O prim eiro é B. G. N iebuhr (1776-1831) e o segundo Leopoldo R anke (1795-1885). A ambos deve a ciência histórica um a contribuição de im portância decisiva. Pode-se dizer que é então, com o ap u ro do exame crítico das fontes e a grande e minuciosa colheita de documentos, que a história se torna, definitivam ente, no campo de seu m étodo de trabalho e de investigação, um a ciência de indiscutível aceitação. N iebuhr foi o prim eiro, acentua Cassirer, a perceber a diferença fun­ dam ental que distingue as fontes do saber histórico e a observar que é necessário ter-se sempre em vista tal diferença, se se quiser chegar a um a com preensão realm ente segura do suceder histórico. Precisamente por com preender bem o que era o m ito podia distingui-lo clara e segura­ m ente da realidade histórica. O novo ideal de conhecim ento histórico é bem caracterizado por N iebuhr, ao com parar o historiador a um a pessoa encerrada num quarto escuro e cujos olhos vão pouco a pouco se acos­ tu m ando à obscuridade, até poder distinguir nela os objetos que não via e q u e reputava invisíveis. O trabalho do historiador é, assim, um trabalho subterrâneo (16). (14) W ilhelm Dilthey, E l m undo histórico, 405. .(15i) W ilhelm D ilihey, E l m undo histórico, 116. (1.6) E rnst Cassirer, El problema del conocimiento, 327-328.

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A figura dom inante e mais alta personalidade do movimento alemão de renascim ento dos estudos históricos é R anke, cuja compreensão do m un­ do histórico o torna o m aior historiador do m undo m oderno, tão clássico quanto Tucídides. R anke afirm ou, na Europa, a suprem acia da erudição alemã e jam ais alguém se aproxim ou tan to q u an to ele do verdadeiro his­ toriador. Os serviços que prestou à história podem ser assim resumidos: dissociou o estudo do passado das paixões do presente e pretendeu n arrar a história como n a realidade foi. Estabeleceu a necessidade de basear-se a construção histórica em fontes estritam ente contemporâneas. Fundou a ciência da prova, m ediante a análise das autoridades contem porâneas(17). Lançou os fundam entos da crítica histórica no seu prim eiro livro, a História dos povos románicos e teutónicos (1824), que lhe deu reputação internacional. No apêndice que acom panhou essa obra, sob o título “Para a crítica dos mais novos historiadores” (18), R anke não só discutia com com pro­ vada erudição as fontes históricas como estabelecia princípios críticos so­ bre o valor adequado do exam e e interpretação das fontes. T odos os estudos modernos sobre o valor das fontes contem porâneas têm como fun­ dam ento esse apêndice crítico. Com isso R anke tam bém provava a in u tilid ad e das histórias gerais como fontes principais e a necessidade de o historiador usar arquivos e documentos. Esse pequeno apêndice representou um passo decisivo na evolução da idéia de história. Ele tornou o método, a pesquisa e a investi­ gação das fontes um processo científico. Pelo menos, a história já podia dizer com certo orgulho que n a investigação e valorização dos documentos os seus processos críticos eram de tal m odo apurados que ela podia-se afirm ar como um a ciência. Foi graças a este m étodo que R anke pôde ser o historiador da R efor­ ma e dos Papas. O que lhe dá autoridade incondicional é o fato de n ão se lim itar a form ular um program a, mas executá-lo. Cassirer considera-o como um a das maiores figuras de todas as manisfestações do espírito e não só da historiografia (19). Os historiadores dos inícios do século xix com o m étodo filológico da crítica das fontes e a am pla utilização das disciplinas auxiliares sa­ biam como fazer seu trabalho, segundo seus próprios meios, e não corriam mais o risco de pretender assim ilar o m étodo histórico ao natural. As seduções e imposições vindas pouco depois de A ugusto Comte e do evo­ lucionismo encontrariam a indiferença dos historiadores competentes, de ^osse de um m étodo seguro e apurado. Da Alem anha, o m étodo espalhouie pela França, Inglaterra e Bélgica, como veremos a seguir. R anke e X iebuhr enriqueceram a consciência histórica, elevando-a a um a etapa mais alta do que as conhecidas até então. (17) G. P. Gooch, Historia e historiadores en el siglo xix, México, Fondo de C ultura Económica, 1942, 108-109. '18) O estudo de R anke in titu la d o “ P ara a crítica dos m ais novos historiadores” , p u b li­ cado pela prim eira vez como apêndice à H istória dos povos románicos e teutónicos (1824), a i u tam bém em separado, Z ur K ritik neurer Geschichtsschreiber, Leipzig e Berlim, 1824, e yiK reimpresso em suas Obras Completas, Sam tliche W erke, 2-a ed., 1874, xxxm -xxxiv. 19) Ernst Cassirer, E l problem a del conocimiento, 333-334, 337, 338.

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A influência do positivismo de Com te rom pia toda a evolução do pensam ento histórico, reduzido à descoberta e colheita dos fatos, sobre os quais o sociólogo, como um super-historiador, cientificam ente estabelecia as relações de causa e efeito e form ulava as leis gerais do desenvolvimento hum ano. O m undo histórico era esquematizado com idéias gerais empiricam ente fundam entadas e só causal e geneticam ente podia ser compreen­ dido. Um a das leis fundam entais é a dos três estados. N a Inglaterra, H. Thom as Buckle (1821-1862), e na França H ippolyte A. T aine (1828-1892), foram os grandes entusiastas e aplicadores da dou­ trin a positivista ao m undo da história. T aine, cuja significação e im por­ tância sobrepassam a de Buckle, foi o ídolo da França radical e do m a­ terialismo, e um dos três grandes historiadores franceses, com R enan e Fustel de Coulanges, a p a rtir de 1850(20). Suas principais idéias se en­ contram na introdução à Histoire de la littérature anglaise (1863;, onde a história é considerada sim ilar não à geometria, mas à fisiología e geo­ logia. A grupa as ciências exatas em torno da m atem ática e as inexatas em torno da história, ambas operando sobre quantidades mensuráveis ou imensuráveis. Procura as leis históricas, a conexão geral dos grandes acon­ tecimentos, a causa das conexões, em resumo, as condições da transfor­ mação e do desenvolvimento hum ano. A história deve reduzir-se a uma série de definições que se desenvolvem, a um problem a de mecânica, isto é, ao jogo das três forças: a raça, o meio e o momento. A obra histórica que construiu mostrou como ele violentou, com suas idéias teóricas pre­ concebidas, a própria história. Sua filosofia foi repudiada e sua erudição criticada. Nessa mesma época, outro historiador francês, Fustel de Coulanges (1830-1889), especialmente com La Cité antique (1864), mostrava seu h o rror à filosofia e às generalizações, e estabelecia um princípio a que fi­ caram fiéis os historiadores franceses durante m uito tempo: “O m elhor historiador é aquele que se prende aos textos, que os interpreta com a m aior justeza, que não pensa senão de acordo com eles” (21). O dever do historiador era, assim, estabelecer os fatos e ordená-los de modo efetivo. Os homens que se form aram depois de 1870 curvaram-se sobre os documentos diplomáticos para pesquisar as razões da derrota e muitos ainda o fizeram depois de 1940. H enri Berr e Lucien Febvre in­ surgiram-se contra essa história-historizante, que se basta a si mesma e que pretende ser suficiente para a compreensão histórica. Na Alem anha, a consciência e a pesquisa históricas encontraram em T heodor Mommsen (1817-1903) um a das m aravilhas da erudição ociden­ tal. Mommsen é o próprio gênero histórico e, com R anke e Burckhardt, forma a mais com pleta trinca de historiadores do século xix. Roma, antes de Mommsen, era como a E uropa m oderna antes de Ranke, disse Gooch (22). (20) Louis H alphen, L ’histoire en France depuis cent ans, Paris, 1914, 96. (21) H istoire des institutions politiques de Vancienne France, 1888, 33, cit. por Louis H alphen, ob. cit., 107. (22) Historia e historiadores en el siglo xix, México, Fondo de C ultura Económica, 1942, 464.

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A H istoria de R om a (3 vols. 1854-1856), o Corpus incriptionum latinarum (15 vols., como organizador geral), e o Direito público romano (1871-1875), tornaram famoso Mommsen. Ao contrário de Ranke, ele não conhecia a quietude contem plativa; procurava captar os acontecimentos revivendo-os, pensando neles, submergindo-se neles(23). Senhor de vá­ rios campos de estudos, num ismática, epigrafía, arqueologia, historia, di­ reito e filologia rom ana, Mommsen conquistou fama não só como mestre da narração, mas como intérprete das instituições e editor de inscrições e textos (24). D urante sessenta anos publicou milhares de páginas (25), que se distinguem pela originalidade da contribuição, na qual não se nota, segundo observou Gooch, nem falta de m aturidade nas primeiras, nem decadência nas últim as. Mommsen reafirm ou a superioridade do gênio e da erudição histórica germânicas. Jacob B urckhardt (1818-1897) está hoje mais vivo que nunca pela força de suas idéias e pela compreensão da arte e do pensamento na his­ tória. N ão professava as idéias de R anke sobre o poder e considerava a cultura um a das forças da história universal. Sua grande obra, A cultura do Renascim ento na Itália (1860), o mais penetrante e sutil tratado de história da civilização que existe na literatura, segundo Lord Acton, ocu­ pou im ediatam ente um lugar entre as grandes obras históricas clássicas. Seu grande equívoco foi o de crer na reversibilidade e procurar, na his­ tória, o típico e constante. Talvez a nenhum historiador do século xix, diz Cassirer (26), se aplique mais que a B urckhardt a frase de Mommsen, de que o historiador tem mais de artista do que de erudito. B urckhardt quis, ao estudar a época de Constantino, o G rande (1853), ad q u irir um a m edida para o julgam ento dos fatos de sua época. Aquilo que havia acon­ tecido nos séculos m e iv, quando o m undo antigo se desmoronou, podia acontecer de novo. B urckhardt evadiu-se para a Itália, num a solidão estóico-epicurista, p ara m elhor perceber e contar, em sua obra Época de Constantino, os perigos que ameaçavam o m undo do século xix (27). A historiografia norte-am ericana aparece realm ente na cena da grande historiografia universal com um a contribuição nova e original na obra de F. J. T u rn e r (1861-1932). Até então, H. B. Adams, introduzindo os métodos de sem inário e a m etodologia germânica, prom overa a iniciação científica da historiografia americana. Coube a T u rn e r fazer a declaração de independência da historiografia americana, com seu ensaio T h e Significance of the Frontier in American H istory (1893). Demasiada atenção, escrevia ele, “tem sido dada às origens germânicas e m uito pouca aos fa­ tores americanos. Cada fronteira sucessiva deixou sua influência caracte­ rística. O avanço da fronteira significou um constante movimento de iso­ lam ento da influência da Europa, um invariável crescimento da indepen­ (23) E. Cassirer, E l problema del conocimiento, 371. (24) G. P. Gooch, ob. cit., 464. (25) Cerca de 1.510 títulos, dos quais 1.000 independentes, tudo a mão, havendo quem calculasse que seriam necessários 400 anos de vida para copiar a mão o que Mommsen editou. (26) E. Cassirer, ob. cit., 391. (27) José H onório Rodrigues, “B urckhardt”, Vida e história. R io de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, 214-217; e W erner Kaegi, Jacob B urckhardt. E ine Biographie. B asiléia/Stuttgart, Besino Schwabe, 1956.

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dência em linhas americanas. E estudar este avanço . .. é estudar a parte realm ente am ericana de nossa história”. Seus estudos dem onstraram que o verdadeiro ponto de vista para com preender a história norte-am ericana era o m ovim ento da fronteira para o ocidente; que tudo que era caracte­ rísticam ente norte-am ericano deriva com pletam ente de um a psicologia da fronteira e das peculiaridades das instituições desta, que são produtos das condições ambientes. O im portante é que o centro de interesse se deslocava da política federal para a história dos Estados e das localidades menores; das origens européias para o am biente e a experiência norte-americanas(28). Poucos historiadores no começo do século xx terão influenciado o estudo da história como H enri Pirenne (1869-1935), considerado como um dos maiores mestres que a historiografia possuiu. Pirenne foi o m aior historiador de língua francesa e o mais com pleto pelo exercício continuado de todas as atividades eruditas. Editou a Bibliografia da história da Bélgica (1895) e, preocupado com as vidas das cidades na Idade Média, escreveu Les anciennes démocraties des Pays Bas (1910) e Les villes du M oyen Age (1927). Foi dos prim eiros a investigar, na prática do trabalho histórico, a influência do fator econômico, do comércio e da indústria. Deu-nos a representação esquemática do feudalismo ao capitalismo e recuou a fase inicial do capitalism o p ara o século x n (T he Stage of Social H istory of Capitalism, 1924). Espírito extraordinariam ente aberto e amplo, q ue se dirigia para o real e o concreto, pouco dado à especulação filosófica, P irenne tornou-se o mais claro e mais vigoroso dos intérpretes históricos econômicos, sem cair no unilateralism o e no esquematism o do m aterialis­ mo histórico. Esse realismo não o im pediu de chegar ao historicismo relativista, áo afirm ar que “il y a en somme plusieurs vérités p o u r une même chose”. T odo seu pensam ento era histórico, mas o essencial foi seu grande talento para a composição, dando-nós um quadro vivo e colo­ rido, vigoroso e convincente, como só nos poderia transm itir um a p intura bem realizada, na sua H istoire de la Belgique (1894-1932). Não existe, provavelmente, nenhum país que tenha recebido das mãos de um só hom em um a tão com pleta representação de sua história. Pode-se dizer, sem exagero, que a Bélgica, sem a história escrita por Pirenne, seria hoje, do ponto de vista político e nacional, menos do que é ( 29). F riedrich Meinecke (1862-1954) foi um dos maiores historiadores ale­ mães n a longa série dos pesquisadores históricos germânicos. C ontribuiu decisivamente para o desenvolvimento da história das idéias n a Alemanha. Sua visão filosófica logo o colocou entre os prim eiros historiadores euro­ peus. Seus grandes livros são: Das Zeitalter der Deutschen Erhebung, 1795-1815 (1906), W eltbuergertum u n d Nationalstaat (1908), Vom Stein zu Bismarck (1908), Preussen u n d D eutschland im 19. und 20. Jahrhim dert (1919), D ie Idee der Staatsrãson in der neuerem Geschichte (1924, trad. italiana, 2 vols., 1942), D ie E ntstehung des Historvsmus (2 vols., 1936, trad. esp., 1946), D ie Deutsche Katastrophe (1946, trad. ingl., 1950). Meinecke, ao assumir a direção da Historische Zeitschrift em 1896, a mais im portan­ (28) H. H ale Bellot, American History and American H istorians, Londres, Athlone Press, 1952, 22-23. (29) José H onório R odrigues, “ H enri P irenne” , Vida e história, 218-222.

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te revista histórica alemã, e mais tarde (1914) a cadeira de Ranke, n a U ni­ versidade de Berlim adquiriria, com seus trabalhos e seu seminário, cuja reputação ultrapassaria a Alemanha, a liderança dos historiadores ale­ mães, da linha que vinha desde Rarlke e se tornara universalm ente res­ peitada e adm irada. Sua W eltbuergcrtum u n d N ationalstaad abria nova visão da história germânica, com a combinação entre a história política e intelectual. Nela revela Meinecke sua mais profunda preocupação a res­ peito do conflito entre o poder e as idéias na história. Sua Idee der Staatsrãson é um a história m agistral da antinom ia entre a ética política e privada (30). Sua m aior contribuição é Die E ntstehung des Historismus (1936), na qual descreve a origem do historicismo desde os precursores até Goethe. De formação prussiana estritam ente conservadora, louvou na sua juventude a evolução germ ânica do cosmopolitismo de K ant e Goethe à Nação-Estado de R anke e Bismarck. Mais tarde começou a se interrogar até onde R anke não deturpara a historiografia alemã e o desen­ volvim ento intelectual alemão com a sua glorificação do Estado. N um estudo com parativo entre R anke e B urckhardt, o prim eiro vendo no Es­ tado a mais alta m anifestação de civilização, e o segundo colocando esta acima do Estado, Meinecke considera indispensável u n ir em síntese Os dois espíritos e revalorizar a obra de B urckhardt n a historiografia alemã. Meinecke foi um dos mais altos pensadores históricos e sua contribuição um a das mais im portantes para a história das idéias no m undo ocidental. B enedetto 'Croce (1866-1952), historiador e filósofo da história, foi um a das figuras mais controvertidas do pensam ento histórico deste século. Como historiador prático, sua obra teve interesse local (31) e pouco de­ pois projetou-se, num campo mais amplo, como estudioso da cultura ita­ liana do Renascim ento aos tempos modernos, da Itália de 1871 a 1915 e da história da E uropa no século xix (32). Suas críticas ao marxismo e ao he­ gelianismo revelaram a força de seu pensam ento filosófico. Suas idéias sobre Lógica e Estética deram-lhe renom e universal, sendo mesmo o mais universal dos italianos. Para o historiador interessa sobretudo o M ate­ rialismo storico e economia marxista (Bari, 1900, trad. esp. 1942); Ciò che è vivo e ciò che è m orto delia filosofia di H egel (Bari, 1907, trad. esp., 1943), e La filosofia di Giambattista Vico (Bari, 1911), obras de crítica e de avaliação de três grandes pensadores da filosofia da história, especi­ almente a do últim o, que ele considerava um dos maiores pensadores da história da filosofia. A concepção da história de Croce se desenvolve aos poucos, em al­ guns de seus mais im portantes livros, como Teoria e storia delia storiografia (Bari, 1917) e La storia come pensiero e como azione (Bari, 1938), nas quais reivindica a autonom ia da história e dissolve a filosofia na his­ tória. T o d a a história é história contem porânea, no sentido de que re­ vive na p rópria consciência a atividade passada. O que constitui a história (30) José H onório Rodrigues, “Meinecke e a razão de Estado” , Vida e história, 229-232. (31) La rivoluzione napoletana dei 1790, Bari, 1912; I teatri di N apoli dal Rinascim ento tlls. fine dei secolo decimottavo, Bari, 1916; Storie e leggende napoletane, Bari, 1918. (32) La Spagna nella vita italiana durante la Rinascenza, Bari, 1914; Storia d’Italia dal 1*71 al 1915, Bari, 1928; Storia delia Europa nel secolo decimonono, Bari, 1932.

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é o ato de com preender e entender, induzido pelas exigencias da vida prática. As obras históricas de todos os tem pos e de todos os povos nas­ ceram destas exigências e das perplexidades que implicam. A ciência e a cultura histórica existem com o propósito de m anter e desenvolver a vida ativa e civilizada da sociedade hum ana. A teoria da historia contem porânea apresenta duplo aspecto: o p ri­ meiro, restrito, consistindo n a concepção da historia como aquilo que se recría e se revive para fazer servir a qu an to serve aos nossos interesses particulares; o outro, mais largo, no sentido de que a historia do passado se ilum ina com as luzes de nossa própria historia. A história não consiste na descrição das personagens, dos acontecimentos, catástrofes, horrores do m undo, mas na indagação de quais foram as necessidades efetivas dos povos e de que modo as superaram . A historia é, assim, obra do historia­ dor, clara afirmação subjetivista. A historia é o conhecim ento do eterno presente. Para reviver o passado devemos aproxim ar-nos de nós mesmos; a historia é a historia do espirito; finalm ente, a historia é filosofía, que não é senão m etodologia da historia (33). N a linha que vem de Ranke, passa por Mommsen e B urckhardt, colocam-se M ax W eber (1864-1920) e Ernst T roeltsch (1865-1923), pelas pro­ fundas e frutíferas idéias com que im pulsionaram a interpretação histó­ rica. W eber, que foi o m aior sociólogo do m undo m oderno e historiador da economia e da cultura, pode servir de exemplo, justam ente, dessa idéia de estudar a historia concreta, próxim a dos acontecimentos particulares de cada momento^ cheio de reservas nas generalizações, porque nunca se esquece da m ultiplicidade dos fatores reais. A teoria da m ultiplicidade das conexões causais, da im portância dos fatores ideais, as idéias sobre a periodização da historia universal receberam de W eber e de T roeltsch as mais decisivas contribuições concretas. Die Protestantische Et.hik und der Geist des K apitalism us (1904-1905, trad. ingl., 1930), a Wirtschaftsgeschichte (M unique, 1923, trad. ingl., 1927 e esp., 1942), a W irtschaft und Gesellschaft (1922, 2.a ed., 2 vols., 1925), seus vários estudos históricos e sociológicos (34) (Gesammelte Aufsaetze zur Sozial und Wirtschaftsgeschichte, 1924) representam um corpo sistemático novo e original de inter­ pretação histórica, que nenhum historiador pode desconhecer. M ax W eber foi, na verdade, um dos alemães mais vigorosos e um dos sábios mais universais e mais severamente metódicos da nossa época (35). E rnst Troeltsch, com seu Die Soziallehren der christlichen Kirchen un d G ruppen (1912, trad. ingl., 1931), suplem enta e enriquece as pes­ quisas originais de W eber, reforçando a teoría da interação pluralística dos fatores que influem na historia (36): Seu Der Historism us u n d seine (33) Sobre o historicism o de Croce, vide o capítulo seguinte. (34) Vide From M ax W eber: Essays in Sociology, translated and edited by H. H . Gerth and S. W right Mills, Londres, 1947; e M ax W eber, Essais sur la théorie de la Science, Paris, Lib. Plon, 1965, trad. de Ju lien Freund. (35) José H onorio R odrigues, “ Capitalism o e Protestantism o”, Notícia de varia historia, Rio de Janeiro, 1951, 37. (36) jDie B edeutung des Protestantism us fu er die E ntstehung der modernen W elt (1911, trad. ingl. Protestantism and Progress, 1912) estuda as relações do protestantism o com o m undo moderno.

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Probleme (1922) é um dos mais completos e ricos exames do historicismo e dos fundam entos lógicos da filosofia da história. Ele analisa as grandes correntes de idéias na história da história e especialmente o historicis­ mo, que procura superar no seu Der Historism us u n d seine Ueberwindung (Berlim, 1924). Seu estudo sobre a periodização no H istorism us und seine Probleme é o mais completo exame do problem a, tão fundam ental para uma verdadeira concepção histórica (37). Não são só os pensadores da história e suas teorias que devem inte­ ressar à história da história. Osvaldo Spengler (1880-1936), com sua m or­ fología da cultura, originada da teoria de Danilevsky (38), e o determ i­ nismo ou fatalidade dos ciclos de civilização, representa um a naturalização do pensam ento histórico. As inter-relações morfológicas, que consistem de sim ilaridades de estrutura, são inteiram ente naturalistas, pois a concep­ ção da sucessão das fases dentro de um a cultura se assemelha à vida n a­ tural: nascimento, crescimento e morte. Spengler é um a figura de menor categoria no pensam ento histórico (39). Charles Seignobos (1854-1942) foi um dos historiadores franceses de m aior reputação internacional e se a sua obra hoje está em grande parte superada pela investigação moderna, coube-lhe escrever, juntam ente com Charles V. Langlois o m elhor sum ário do m étodo histórico, exercendo, deste modo, uma influência didática decisiva na m oderna formação dos historiadores. Alguns trabalhos de Sir W illiam Ashley (1860-1927) representam o re­ sultado de pesquisa original, mas grande parte de sua obra se baseia em fontes reconhecidam ente secundárias ou é apenas a síntese de trabalhos de outros autores. Ele nunca com pletou sua im portante Introduction to English Economic History and Theory (1892); sua significação na história 'e m não da originalidade do que escreveu, mas da originalidade do cam­ po a que se dedicou e do m étodo que empregou. Éle foi o mais persis­ tente advogado do estudo da história econômica e, por três vézes, criou, em T oronto, H arvard e Birm ingham , o departam ento de história eco­ nômica, encarregando-se da prim eira cadeira de H istória Econômica no m undo (40). Alfons Dopsch (1868-1953) começou seu trabalho histórico colaborando na M onum enta Germaniae historica e mais tarde desenvolveu-o no campo social, económico e constitucional da A ustria Medieval. Seu sem inário W irtschaft u n d K ulturgeschichte tornou-se famoso e nenhum trabalho austríaco rivaliza, nos anos de entre guerra, com Die wirtschaftliche und soziale Grundlagen der europáischen K ulturentw icklung ans der Zeit von Casar bis auf Karl den Grossen (2 vols., 1918-20). Sua obra anterior sobre o desenvolvimento econômico da época carolíngia especialmente n a Ale­ m anha (Die W irtschaftsentwicklung der Karolingerzeit vornehm lich in (37) No capítulo sobre a periodização resumimos suas idéias. (38) H. S tuart Hughes, Oswald Spengler, A Criticai E stím ate, Nova York, Scribner, 1952. \ jde capítulo sobre a periodização. (39) Collingwood, T h e Idea of History, ob. cit., 181-183, e Stuart Hughes, ob. cit., 152. (40) Ja n et L. Mac Donald, “Sir W illiam Ashley (1860-1927)” , in B ernadotte E*. Schmitt orç-i. Some Historians o f M odern Europe, Chicago, 1842, 20-42.

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D eutschland, 2 vols., 1912-1913) reconstruiu os fatores da civilização me­ dieval. Sustentou, ainda, a teoria da continuidade dos tempos antigos e da Idade M édia e rejeitou a tese de Karl Bücher da sucessão de distintos tipos econômicos n a história. Os germânicos assimilaram a herança ro­ m ana sem nenhum a quebra cultural. Suas interpretações provocaram amplas críticas, mas a obra de Dopsch é ainda de valor perm anente. A significação da obra de Johan H uizinga (1872-1945) é tão grande que éle dom ina um a época da historiografia como um a de suas figuras centrais. Se não é o maior, o mais perfeito, o mais completo, é certamente, o mais original, nos métodos, n o pensamento, nos caminhos escolhidos. A história das idéias e da cultura tem especialmente em H uizinga e Bern ard Groethuysen as mais autênticas expressões de seu cultivo, pelo are­ jam ento incomum, pela iniciativa, vigor e efeitos duradouros. É o encanto de sua obra, o forte sentim ento histórico, o gósto literário, aquela capa­ cidade de pôr-nos em contacto com as próprias coisas, dando-lhes vida, que o tornam um dos maiores historiadores déste meio século. Huizinga teve sua obra traduzida nas principais línguas e o reconhe­ cim ento universal da sua apurada contribuição à história. São qu atro as obras traduzidas em espanhol e mais conhecidas do público brasileiro: E ntre las sombras de la mañana (M adri, 1936); H om o ludens (México, 1943); E l otoño de la Edad M edia (M adri, 1946) e Sobre el estado actual de la ciencia histórica (M adri, 1934). O Concepto de la historia (Mé­ xico, 1946) é um a coletânea de ensaios, extraídos de livros e revistas, tal como Im Bann der Geschichte (Basiléia, 1943). Suas Obras completas estão sendo agora editadas ña Holanda. O Outono da Idade M édia, considerado justam ente como sua obraprim a, pela renovação dos métodos e conceitos, apareceu em 1919, depois de doze anos de trabalho e meditação, e provocou, em toda a Europa, uma acolhida extraordinária. Poucos livros terão modificado tão estrutural­ m ente o nosso conhecim ento da Idade M édia como este. N a sua autobiografia (41), escreve H uizinga: “Se devo me atrib u ir um merecimento para explicar o sucesso do m eu trabalho, eu o chamarei o resultado de um a busca feliz e de algum a observação. Recebi, para usar a expressão do nosso velho W indersheim er, apenas um a pequena centelha, que de vez em quandó quis arder.” A centelha se apagou na noite de 1.° de fevereiro de 1945 e, real­ m ente, quem ainda não o conhece não possui um a das melhores fontes de enriquecim ento intelectual (42). R itter von Srbik (1872-1951), o m aior dos historiadores austríacos no campo da história m oderna, produziu dois grandes trabalhos que nenhum estudioso da E uropa do século xix pode negligenciar. Escreveu a mais completa biografia de M etternich (2 vols., 1925) e a Deutsche E inheit (4 (41) M ein W eg zu r Geschichte, Basiléia, 1947; editado tam bém em holandês, M ijn W eg tot de Historie, 1947. (42) José H onorio Rodrigues, “H uizinga” , Vida e história, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966, 223*228.

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J o h a n H u i/in ^ a

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vols., 1935-1942), que traça a história da rivalidade austro-prussiana (43). Form ado no Instituto de Pesquisa Histórica da Áustria, seu prim eiro traba­ lho, W allenstein Ende (1920), foi um a obra-prim a de m etodologia his­ tórica. Legou ao m undo, ao falecer, em 1925, um a das obras mais im por­ tantes do após-guerra. Seu livro Espírito e história do hum anism o (Geist u nd Geschichte vom Deutschen H um anism us, M unique, 1950-51, 2 vols.), foi acolhido na Europa e nos e . u . a . como a mais lim pa e autêntica ex­ pressão do hum anism o europeu. Srbik era um a das mais renomadas figuras intelectuais da Á ustria e conhecido e considerado expositor no campo da ciência histórica. No úl­ tim o trabalho citado conta a história da historiografia alemã desde a Idade M édia e do hum anism o até o fim do m Reich. Mas ao mesmo tempo que conta o suceder da historiografia alemã, seus guias e principais obras, em consonância com os grandes períodos vitais do pensam ento ger­ mânico e europeu, estende-se sobre as questões fundam entais da vida eu­ ropéia, constituindo um a história do espírito do m undo ocidental (44). Nesse ligeiro sum ário destacaram-se, apenas, aqueles que, mortos, re­ velaram durante sua vida im portantes idéias no esclarecimento da his­ tória, quer pela sugestão teórica, quer pelas contribuições concretas. M uitos outros faltam, mesmo entre os nomes recentes, como Sir Charles F irth (1857-1936), D. Rafael de A ltam ira y Crevea (1866-1952), H enri H auser (1867-1946), Philippe Sagnac (1868-1954), A. F. Pollard (1869-1948), Louis H alphen (1881-1951), Jo h n H. C lapham (1873-1946), H arold Tem berley (1879-1939), Eileen Power (1889-1940), Carl Becker (1899-1945), cujos trabalhos eruditos ou de divulgação contribuíram para a história concreta, mas cuja exata avaliação e julgam ento exige m aior espera. O utros cOmo G. M. Trevelyan, G. N. Clark, F. M. Powicke, R. H. Taw ney, L. B. Namier, A rnold Toynbee (45), G. P. Gooch, W instoñ Churchill, Charles W ebster, George Barraclough, Lucien Febvre, Pierre R enouvin, Ludwig Dehio, G erhard R itter, A rnaldo M omigliano, os dois Potem kine (F. e V.), A. Sidorov, F. Vercauteren e muitos outros ainda estão contribuindo com novos estudos.

(43)Cf. G. P. Gooch, History and Historians in the N ineteenth Century, ob. cit., xrv-Xv. (44) José H onorio Rodrigues, “A historiografia alem ã”, e “A história e Srbik” , Vida e história, 201-204-205-208. (45) Vide José H onório R odrigues, “Toynbee e a filosofia da história na In glaterra” , O Jornal (R io de Janeiro), 6 e 13 de abril de 1947, e “ Um a conversa com Toynbee” , O Jornal, 7 de fevereiro de 1952.

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C a p ít u l o

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Filosofia e história. O conhecim ento histórico

H IS T Ó R IA E CIÊNCIA

oi s o m e n t e nos meados do século xix que a história atingiu não apenas um grande desenvolvimento mas aperfeiçoou seus métodos e definiu seus problemas e interesses, começa do alguns pensadores, filósofos e lógicos a estudar os aspectos teóricos do conhecimento histórico.

F

Seguia-se, até aí, a opinião sustentada por Descartes e mais tarde apoi­ ada p o r Kant, de que só poderia ser considerado científico o saber rigo­ rosamente demonstrável. No Discurso do m étodo, escrito em 1637, lançou Descartes os fundam entos do naturalism o que, por três séculos, iria do­ m inar o pensam ento europeu. Aí explicava porque as matemáticas, cheias de certeza e evidência, tanto agradavam, enquanto a história, as línguas, a eloqüência e a poesia, em bora estimadas, pertenciam a plano inferior (1). O conhecim ento científico deve ser certo e evidente e não dar lugar a opiniões prováveis. “Se o nosso raciocínio é justo”, dizia, “das ciências já conhecidas as únicas às quais nos conduz a observação destas regras para a direção do espírito são a aritm ética e a geom etria” (2). De acordo com esse critério, todo saber que não pudesse passar pelo crivo da dem onstração m atem ática e ser reduzido a axiomas evidentes devia ser posto de lado. O histórico ficava, portanto, excluído do ideal científico cartesiano. O naturalism o, como se convencionou cham ar a essa filosofia, foi pro­ vocado pelo grande desenvolvimento das ciências naturais. (1 ) R ené Descartes, Discours de la m éthode, edição da Bibliothèque de la Pléiade, Oeuvres et lettres, Paris, 1937, 95-96. (2) René Descartes, Règles pour la direction de Vesprit, ibid., 7-8. N a Recherche de la vérité par la lum ière naturelle {ibid., 672-673), Descartes m ostra o mesmo desprezo pela história, a geografia e as línguas.

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Ele é o fundam ento de um sistema de expressão possivelmente m a­ temático, de leis de relação quantitativa, por meio das quais se atinge a libertação do acaso, das impressões visuais, o dom ínio sobre o que se repete. C onstitui a m aravilhosa base de todas as técnicas que o homem já conheceu e a ele devem-se os magníficos progressos da matem ática, da astronomia, da física, da quím ica (3). Mas nada disso é realm ente algo de novo e a própria aplicação dessas idéias à m anufatura e à indústria modernas não deixou de estar im plícita n a física do século xvn, que desabrochou na filosofia naturalista de Descartes (4). Do mesmo modo, quando K ant vai construir o seu sistema filosófico é sobre as ciências naturais que m edita e se apóia. Q uando ele explica os rudim entos metafísicos das ciências naturais, chegara-se ao esplendor do naturalism o. Para ele só existe ciência quando, das observações que constituem o objeto do estudo, se podem extrair leis de caráter universal, não afetadas pelas circunstâncias de lugar e tempo, e passíveis de veri­ ficação todas as vezes que se repete o fenômeno. R episando o pensamento cartesiano, ele diria não ser possível caráter científico num a disciplina a não ser que nela entrasse a m atem ática (5). Não havia, assim, possibilidade de a história ser considerada um a dis­ ciplina científica. O desinteresse de K ant pela história explica-se por cir­ cunstâncias pessoais e pelo grande desenvolvimento das ciências naturais na sua época. Já houve quem dissesse que o filósofo de Conisberga não conhecia nem o alfabeto nem a tábua de m ultiplicar de toda a teoria da história (°). A isso redargüiram os kantianos e neokantianos que Hegel desconhecia inteiram ente os fundam entos das ciências naturais. Sob o poderoso influxo do pensam ento de que apenas a lei universal caracterizava a ciência, os homens dedicados à investigação da natureza pareciam ofendidos quando alguém lhes dizia não serem eles os únicos a trabalhar cientificamente, e muitos historiadores prosseguiram no afã de transpor para as ciências culturais ou históricas os conceitos das ciên­ cias físicas (7). Desde a Época das Luzes, em que ainda predom ina o pensamento naturalista, registram-se tentativas de aplicar os princípios metodológicos das ciências naturais à investigação dos sucessos históricos. A física e a m atem ática m ostrariam como se deve trabalhar no campo da história. O suceder histórico estaria determ inado por leis naturais, do mesmo modo (3) Ernst T roeltsch, D er Historismus and seine Probleme, T übingen, M ohr, 1922, 104. (4) R. G. Collingwood, T h e Idea of History, Oxford, Clarendon Press, 1946, 208-209. (5 ) Emmanu-el Kant, M etaphysische Anfangsgruende der Naturwissenschaft, Riga, 1784, cit. por E. Cassirer, K ant, México, 1948, 263. (6) G. G. Gervinus, Grundzuege der H istorik, 1837, 63. (7) Benedetto Croce (La historia como hazaña de la libertad, México, Fondo de C ultura Económica, 1942, 328) declara não caluniar as ciências naturais quando define seus métodos e propósitos como abstrações, produtos de um a operação prática, na qual as coisas são assinaladas e marcadas para poderem ser de novo encontradas e usadas quando necessário, e não para que possam ser compreendidas. Os próprios estudiosos dessas ciências não as definem de outra m aneira quando afirm am que se detêm nas aparências e fenômenos, deixando de lado as essências e noúm enos e declarando que além dos fenômenos estão o incognoscível e o mistério. Efetivam ente, além ou por baixo deles está a história.

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que o m ovim ento dos astros ou os processos físicos e químicos. Os repre­ sentantes desse pensam ento n aturalista aplicado às ciências sociais são, p o r exemplo, no campo da teoria concreta da história, Comte, Buckle, Lam precht e, de certo modo, Marx. O fato do conhecim ento histórico ter ficado, por assim dizer, relegado à obscuridade, em conseqüência da atenção geral estar voltada para as ciências naturais, fez com que os próprios historiadores erroneam ente che­ gassem a deform ar sua tarefa e, face aos progressos realizados n a física por um Newton, n a quím ica por um Lavoisier e na biologia por um Darwin, se mostrassem descontentes com a situação da história no m om ento. Esta deveria tam bém sofrer os impulsos naturalistas p ara chegar a igualar-se à física na “exatidão” e seguir os passos da biologia (8). Foi nesse sentido que trabalhou Karl Lam precht. Mas ele nada conse­ guiu trazer ao caráter lógico do m étodo histórico com toda a sua massa de conceitos biológicos, como o tipism o e a excitabilidade. Seus trabalhos históricos não coincidem com seu objetivo, pois ele continuou, como qual­ q u er outro historiador, a expor as evoluções históricas singulares na sua singularidade, sem proceder à m aneira das ciências naturais. Lam precht, tal como Buckle, seu antecessor, procurou aplicar no campo da história concreta as teorias evolucionistas e naturalistas. Ambos saíram-se m al da empresa. M uito parecido com Lam precht é K urt Breysig, iniciador da escola da “doutrina histórica” (Geschichtslehre), que se consagra à teoria da essência e formas do devenir histórico. Estabeleceu(9) vinte e quatro leis históricas sem nenhum a aplicação. A novidade dos processos de Lam precht e Breysig está hoje inteira­ m ente desfeita. Melhores pensadores, como Rickert, Croce e Spranger já julgaram severamente essa pseudo-história, que usou apenas de fórmulas tautológicas, como evolução, lu ta pela existência, sobrevivência do mais forte, tipismo, tropismos, destruindo todo o sentido histórico genuíno e todo pensam ento histórico poderoso (10). (8 ) L. M. H artm ann, Über historische E ntw icklung, 1905, 3, citado por W. Bauer, In tro ­ ducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 41. Um exemplo do entusiasmo com q u e se tentou, com extraordinária aceitação, aplicar às ciências sociais e históricas os processos naturalísticos, especialmente biológicos, está no livro, hoje inteiram ente ultrapassado e to tal­ m ente (e squecido de P aul Mougeolle, Les problèm es de Vhistoire (Paris, 2.a ed., 1902). O au to r procurava d a r à história um corpo científico-biológico, sob a base de que a história da hum anidade era apenas um capítulo da história dos seres vivos. Como éste, outros modelos podem ser apontados, inclusive no campo do direito, como é o caso de S. Stucker, Fisiología dei Derechoy trad . 1896. Eles nos m ostram não só a aplicação prática no campo da história concreta como no da teoria da história, onde, ao lado de Mougeolle, figura a Philosophie de Vhistoire de Charles R appoport (Paris, 2.a ed., 1925), m istura de evolucionismo e marxismo. A impropriedade da combinação originava-se da p rópria biologia filogenética, com método histórico e objeto naturalista. Os biólogos foram buscar na história o conceito de evolução. O extraordi­ nário sucesso da biologia, ciência histórica nos seus métodos, levou os historiadores, num a confusão infeliz, a aplicar à história métodos naturalistas. (9) K urt Breysig, D er Stufen Bau und die Gesetze der W eltgeschichte, 1905. Em il Ermatinger defende o estabelecimento de leis na própria ciência literária. Form ula apenas princípios lógicos e metodológicos e não leis, por evidente influência da metodologia histórica, em bora com­ b ata as diretrizes de D ilthey e Rickert. “ La ley en la ciencia litera ria” , Filosofia de la ciencia literaria, México, Fondo de C ultura Económica, 1946, 353-400. (tO) Cf. H . R ickert, Ciencia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, 1937, 28; Benedetto Croce, Teoria e storia della storiografia, Bari, Gius. Laterza 8c Figli, 1943, 272, 278, e La historia como hazaña de la libertad, México, Fondo de C ultura Económica, 1948, 330-331;

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Mesmo no Brasil, ao findar do século xix, quando o problem a do co­ nhecim ento histórico já se achava posto em outros termos, Pedro Lessa (u ) negava à história caráter científico porque, até então, não fora possível determ inar leis históricas. O m étodo descritivo aplicado pelo historiador perm itia apenas colecionar e dispor os m ateriais e fatos em cuja obser­ vação e comparações hauriam suas induções diversas ciências. Era a idéia, sempre de novo repetida, de que a existência de um a disciplina como ciência está condicionada à possibilidade ou não da formulação de leis. As ciências naturais gozavam de um a tradição firme, tinham um pro­ pósito comum, assentavam-se em bases filosóficas, apresentavam-se im pres­ sionantes pela solidez mesma de sua estrutura e haviam realizado pro­ gressos admiráveis, enquanto as ciências históricas ou culturais, m uito mais jovens, não realizavam nenhum a investigação positiva. Só no século xix é que atingiram a um a altura inesperada e im prim iram seu caráter à vida científica dessa época, em oposição ao século anterior, predom inante­ m ente naturalista. Mas nem por isso se devia confundir a ciência com o progresso científico, isto é, sua existência com sua m aturidade. Rickert disse com m uita agudeza que o fundam entalm ente novo nesse terreno das ciências particulares do século xix foi constituído, antes de tudo, pelos trabalhos dos grandes historiadores que investigaram a vida da cultura (12). Assim como o grande desenvolvimento das ciências naturais possibilitou sua conceituação filosófica, tam bém o grande desen­ volvimento das ciências históricas ou culturais possibilitou aos filósofos e lógicos contem porâneos a m editação sobre seu caráter científico. Ao invés de reduzir-se a reflexões filosóficas e lógicas sobre as ciências físicas, como fez Kant, buscou-se o contato com as ciências históricas. Desse contato nasceu um a nova conceituação lógica e filosófica do que seja ciência é a justificativa de que a história seria um a ciência.

A razão histórica; D ilthey Form ulou-a W ilhelm D ilthey (1833-1911), um dos maiores pensa­ dores dos últim os tempos, considerado o mais vivo e mais distinto repre­ sentante do historicismo — movimento hum anista e filosófico que, em oposição ao naturalism o, busca n a história o fundam ento de um a con­ cepção do m undo. Sua Introdução às ciências do espírito (1883) (13) é E duard Spranger, Die Grundlagen der Geistes W issenschaft, 1905, 43; Siegfrid-Erzberg Fránkel, M oderne Geschichtsauffasung, Czernowitzer U niversitãtscher, 1906, 39. A obra de E duard Meyer propõe-se refutar especialmente a “ nova teoria” de Karl Lam precht. Vide “Zur T heorie und M ethodik der Geschichte” , Kleine Schriften zur Geschichtstheorie und zur wirtschaftlichen und politischen Geschichte des A ltertum s, H alle, Verlag von Max Niemeyer, 1910. (11) Pedro Lessa, É a história um a ciência ?, São Paulo, 1900. (12) H. R ickert, Ciencia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1937, 120. (13) W ilhelm Dilthey, Introducción a las ciencias del espíritu, México, Fondo de C ultura Económica, 1944.

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a mais im portante obra filosófica dos fins do século xix e o m elhor con ju n to de idéias para os estudiosos das ciências históricas. Estamos, agora, em posição com pletam ente diferente. Com Dilthey inicia-se um m ovimento filosófico e lógico que tem por base não mais as ciências naturais e sim as ciências históricas. Desse movimento origina-se a autonom ia dos conceitos de natureza e história, os quais se distinguem pelo seu objeto e pelos seus métodos. Procurando investigar a natureza e a condição da consciência histórica e realizar um a crítica da razão his­ tórica, D ilthey estabeleceu, logo de início, a autonom ia da cultura e das ciências culturais em relação à natureza e às ciências naturais. D ilthey propôs-se naquela obra, como principal tarefa, fazer valer a independência das ciências do espírito dentro da formação do pensam ento filosófico, em face do predom ínio das ciências da natureza, e, ao mesmo tempo, pôr em relevo o alcance que para a filosofia podiam ter os co­ nhecim entos das ciências culturais. Para ele não eram somente as ciências que descobriam as leis causais que apresentavam garantia de conhecimento positivo. A crítica histórica, que substitui a conexão tradicional por outra determ inada intelectualm ente, pela crítica e interpretação das fontes, e que encontra em cada novo docum ento um a nova confirmação dessa conexão, logra tam bém um a garantia objetiva de certeza histórica (14). As ciências do espírito, entre as quais está a história, têm como fundam ento a per­ cepção interna e a compreensão. Como as ciências espirituais e históricas não explicam, mas com preendem e interpretam , a psicologia passa a ser o fundam ento das ciências do espírito e, portanto, do conhecim ento histó­ rico (15). Segundo Dilthey, nós explicamos a natureza e compreendemos a vida espiritual. Dilthey emprega a palavra espírito no mesmo sentido em que Montesquieu falou do “Espírito das Leis”, Hegel de “Espírito objetivo” e lh erin g de ‘E sp írito do D ireito R om ano”. Para ele todas as ciências do espírito descansam no estudo da história e a psicologia ■— não a experi­ m ental, mas um a nova que ele propõe seja criada — deve conhecer o ho­ mem na história, m ediante a introspecção histórica. Spranger, discípulo de Dilthey, veio posteriorm ente dar expressão a essa nova psicologia (16). Para Dilthey, as ciências espirituais são incapazes da mesma objetivi­ dade e precisão das ciências naturais, e o novato encontra-se, diante delas, num caos de relatividade. Isso não significa, no entanto, que elas não tenham padrões de precisão e objetividade. O cepticismo que tal afirmasse seria barato e ignorante. Por ser concreta e pela riqueza e colorido de sua experiência hum ana, paga a história alto preço: é menos objetiva. D ilthey dissentiu com pletam ente de Comte quanto à classificação das ciências. Para este, as ciências naturais eram um a pirâm ide tendo por base a mecânica. As ciências eram logicamente dependentes umas das ou(14) W ilhelm Dilthey, Teoria de la concepción dei m undo, México, Fondo de C ultura Económica, 1945, 119. (15) W ilhelm Dilthey, E l m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 340. (16) E duardo Spranger, Formas de vida. Psicologia y etica de la personalidad, Buenos Aires, Revista de Occidente A rgentina, 1946.

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tras, estando sempre as mais simples à frente das mais complexas. Os es­ tudos hum anos eram reduzidos à ciência da sociologia. Para Dilthey, os estudos hum anos não podem ser a continuação de um a hierarquia das ciências naturais, porque descansam sobre um fundam ento diferente. Não h á nèles a observação dos fatos físicos, mas a compreensão dos fatos h u ­ manos. As ciencias naturais e as ciências do espirito desenvolveram-se lado a lado e não h á o prim ado de urnas sobre outras (17).

W indelband W. W indelband (1848-1915), em 1894, num discurso como reitor da Universidade de Estrasburgo (18), foi o prim eiro a mostrar, do ponto de vista filosófico, a im possibilidade de identificação das conceituações ci­ entíficas da física e da historia. D istinguiu os conceitos ideográficos, que são os próprios da investigação histórica, dos conceitos nomotéticos, gerais ou de leis, que são exclusivos da ciência natural, e, em especial, da física. P artindo do principio de que, incontestavelm ente, o novo — no sentido form al e objetivo da palavra — do trabalho científico do século xix deve ser procurado no caráter do pensam ento histórico e de que só q u an ­ do a vida de um a ciência atinge seu apogeu, conquista seu sucesso e afirm a sua originalidade é que a reflexão filosófica entra em cena e se propõe conhecer as formas do pensam ento que tornaram possível aquele resul­ tado, W indelband dividiu as ciências, segundo os fins que elas visam, em ciências de leis e ciências de acontecimentos. Essa divisão foi proposta n a A lem anha por W indelband e por Simmel e foi apoiada, n a Suíça, por A drien Naville (19). Como o próprio W indelband reconhece, ela procede de Leibniz, quando se referiu às ver­ dades eternas e às verdades de fato. Os fatos reais não derivam de leis, mas supõem sempre outros fatos reais, dos quais decorrem, como um a necessi­ dade rigorosa. As leis naturais têm em todos os casos um a regularidade perm anente e da observação dos fatos e da obediência de um a lei pode originar-se um fato novo. T o d a aplicação da física e da m atem ática à indústria m anufatureira m oderna provém desse princípio, que não se apli­ ca às ciências dos acontecimentos, ou seja, às ciências históricas ou cul­ turais. (17) H. A. Hodges, Wilhelm, D ilthey, an Introduction, Nova York, Oxford University Press, 1944, 76-78. (18) W. W indelband, Geschichte und Natunvissenschaft, Estrasburgo, 1894; reimpresso in Praludien, v. n, T üb in g en , 1915. (19) A classificação de A drien N aville encontra-se em seu livro N ouvelle classification des sciences (Paris, 1901). Recentem ente, outros autores, seguindo a orientação de D ilthey e R ickert, ou a de Heidegger, propuseram classificações m uito parecidas. É assim a de Johannes Thyssen que, em bora proponha se abandone a divisão de ciências do espírito e ciências da natureza, liga-se a R ickert, ao sugerir que se proceda atendendo unicam ente ao ponto de vista lógico-formal, distinguindo as ciências em píricas das históricas. (Die E inm aligkeit der Geschichte. E ine geschichtslogistische Untersuchung, Bonn, Cohén, 1924, citado por Benedetto Croce, Teoria e storia delia storiografia, 5.a ed., Bari, Laterza 8c Figli, 1943, 308.) A classifi­ cação de Eric D ardel (L*histoire, science du concret, Paris, 1946, 15) divide as ciências em exatas e hum anas ou concretas, entre estas últim as incluindo a história. Ele obedece a uma orientação fenomenológica e liga-se, tam bém , a Dilthey.

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Exatam ente porque não é possível a form ulação de leis históricas, tam ­ bém não é possível que um fato novo se origine da observância de um a lei. Os caracteres distintivos dos fatos históricos são, segundo W indelband, os seguintes: serem únicos, individuais e não sujeitos à repetição (20).

R ickert O abismo aberto por D ilthey e W indelband entre as ciências n a ­ turais e as ciências do espírito foi levado a seus últim os extremos do ponto de vista metodológico e lógico p o r H . R ickert (1863-1936). R ickert tentou estudar a estrutura lógica da história e dem onstrar não só a opo­ sição capital entre as ciências culturais e naturais, como, ainda, que nas prim eiras é o caráter de individualidade, de particularidade, que condi­ ciona seu conceito e metodologia. T o d a tentativa, portanto, de trans­ ferir para a ciência histórica os conceitos das ciências naturais seria um erro de graves conseqüências. N um a conferência pronunciada em 1898, R ickert definiu os inte­ resses, problem as e métodos comuns às disciplinas culturais e traçou a divisória entre estas e as ciências naturais. Seu objetivo era exam inar os limites da ciência cultural e sua relação com a investigação da natureza. Nesse trabalho que, no ano seguinte, foi publicado em livro (21), Rickert diz que natureza e história são dois conceitos opostos, que se distinguem pelo seu objeto e pelos seus métodos. E nquanto n a natureza se considera um fato, um ser ou um fenômeno sem referência a valores, e buscam-se as relações universais a fim de procurar estabelecer leis que valham sempre para todos os fenômenos, a história estuda o fenômeno cultural na sua particularidade, na sua individualidade. A tarefa do historiador é a do particularizador e não a do generalizador, como a do físico, por exemplo. A natureza é um a realidade total, concebida de m odo generalizador e in­ diferente a valores. Nas ciências culturais ou históricas, o espírito e a cons­ ciência do hom em devem ser compreendidos. E ntre o objeto da história e o historiador h á um a relação de vida (22). O mesmo não acontece em relação às ciências naturais. Nelas o inves­ tigador se destaca de toda perspectiva histórico-social e por essa razão (20) W. W indelband, “La Science et 1'histoire devant la logique contem poraine” , R evu e de synthèse historique, ix, n.° 26, 1904, 125-140. Vide tam bém E inleitung in die P hilo­ sophie, T ü bingen, M ohr, 1923, onde sustenta que, assim como nos prim eiros estádios da filosofia da natureza ela foi orientada como um a filosofia das ciências naturais, ou seja, como teoria do conhecim ento da pesquisa naturalista, assim tam bém a filosofia da história pode ser orientada como filosofia das ciências históricas, ou seja, um a teoria do conhecimento da pesquisa cultural. (21) H. R ickert, Ciencia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, Espasa Calpe, 1937. R ickert tratou da filosofia da história em correspondência à sua introdução lógica à ciência histórica não só em D ie Grenzen der nati^rwissenschaftlichen Begriffsbildung (1896-1902), como em D ie Probleme der Geschichtsphilosophie (H eidelberg, 1924), onde expõe os problem as da filosofia da história, os “ princípios” da vida histórica, as possibilidades de um a história universal filosófica e a situação atual da filosofia da história. Nas Grenzen, como na Ciência cultural e ciência natural, lim ita-se à lógica da história, m ostrando nesta últim a que, em bora a lógica seja o fundam ento de qualquer filosofia da história científica, os problem as da filosofia não coincidem com os lógicos, nem se exaurem neles. (22) W. Dilthey, E l m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 140.

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foram consideradas o ideal de trabalho científico a que todas as outras ciências deviam aspirar. T odo conhecim ento que tivesse por fim a com­ preensão da qualidade era considerado de m enor valia. Procura-se hoje, é certo, resolver as antinom ias do conhecim ento cien­ tífico naturalista e histórico. Edgar W in d (23), por exemplo, afirm a a introm issão do observador no processo de conhecim ento da própria física e estabelece um a analogia em m atéria de evidência en tre o docum ento e o instrum ento físico, o qual, como aquele, participaria da estrutura do que pretende revelar. D eixou de lado, contudo, um fato fundam ental. A razão da im possibilidade de exatidão por parte da ciência histórica, tão denunciada p o r Dilthey, está em que na pesquisa da qualidade existem elementos mais ou menos inter-relacionados com a concepção do m undo do sujeito conhecedor. Assim, por exemplo, se n a teoria de Einstein existe um a relação entre o observador e o fato, de tal m odo que as figuras geométricas descritas por um corpo, ao ser lançado no ar, dependem dos sistemas de coordenadas do observador, coordenada da inércia ou do mo­ vimento, não existe n a relação: fato e observador, um a concepção do m un­ do que o impeça de estabelecer um a lei válida universalm ente p ara os observadores dos dois sistemas de coordenadas. A história tem como fito a particularização do único e do que não ocorre outra vez. Por isso ela nunca se repete. P or isso tam bém não é possível determ inar leis, tal como acontece nas ciências naturais, em que a repetição dos fenômenos obedece à mesma ordem de causalidade, dá lugar a leis generalizadoras para todos os fenômenos produzidos segundo as mesmas circunstâncias de causa e efeito. Temos, assim, segundo Rickert, um a m aneira clara de distinguir entre os dois objetos. A realidade é natureza quando a consideramos com re­ ferência ao universal; é história quando a consideramos com relação ao particular, ao individual. Daí se origina um a conseqüência metodoló- r gica: o processo generalizador da ciência natu ral e o processo individualizador da ciência histórica. Existem duas espécies de trabalho de caráter científico; de um lado o das ciências naturais, generalizadoras, e de outro o das ciências históricas, culturais ou sociais, particularizadoras. R ickert e Dilthey divergem em alguns pontos. A própria designação diltheyana de ciências do espírito é considerada por R ickert como deficientíssima para as ciências particulares não-naturalistas, desde que, para ele, a psicologia, sendo como reconhece o próprio Dilthey um a ciência n atural, não poderia servir de base para as ciências do espírito. Rickert propõe a designação de ciências culturais, tendo como fundam ento a his­ tória. A oposição ao conceito de natureza encontra-se no de história, como o de suceder singular, n a sua particularidade e individualidade.

(23) E dgar W ind, “Some Points of Contact between H istory and N atu ral Science” , in Philosophy ir History. Essays Presented to Ernst Cassirer, Oxford, Clarendon Press, 1936, 255-264.

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O conceito de valor de Rickert Para que se tenha um a compreensão m elhor da posição de Rickert é necessário falar-se do conceito de valor em sua teoria. O que torna o fato histórico um suceder singular n a sua particularidade, na sua indivi­ dualidade, na sua irreversibilidade é a relação de valor que dá ao acon­ tecim ento a im portância de fato histórico. Assim como o hom em indivi­ dual é incapaz de acum ular em sua m emoria toda a soma de detalhes de que foi testem unha, não conservando e não falando senão daqueles que lhe pareceram im portantes, ou que possuam a seus olhos certo valor, do mesmo modo o conjunto das recordações da hum anidade não é constituído senão pelos fatos e acontecimentos que apresentam um a relação qualquer com valores que determ inam a vida da espécie. Entre a enorm e m ultidão de objetos individuais, diferentes todos uns dos outros, fixa-se o historia­ dor somente naqueles que, pela sua peculiaridade individual, encarnem valores culturais ou estejam em relação com estes. O conceito de cultura proporciona, assim, o princípio de seleção do essencial para a conceituação histórica. Os valores que residem na cultura e as referências a eles constituem o conceito de individualidade histórica apta a ser exposta. A história como ciência, ou como ciência da cultura, não é possível senão quando existem valores que têm um alcance geral e que nos fornecem a razão da escolha e da síntese dos fatos. Essa posição de R ickert mereceu apoio do próprio W indelband, seu predecessor e seu mestre, que a aceitou integralm ente. Mas, ao mesmo tempo, é um dos pontos em que R ickert tem sofrido maiores críticas. É a noção de valor que ensina a distinguir, em história, o que é essencial do que não o é. Os fatos só se tornam históricos quando se referem a va­ lores de cultura ou valores de civilização. O conceito de valor é, por­ tanto, fundam ental no sistema de Rickert. H averá que distinguir quatro atitudes hum anas: a prim eira, cega para os valores, constitui a essência do pensam ento naturalista; a segunda, valorativa, constituiria a essência da lógica, da m oral e da estética. Ao lado dessas duas atitudes, a nãovalorativa e a valorativa, teríamos outras duas: a que refere realidades a valores e a que supera os valores. A prim eira é o m undo da cultura, onde se coloca a história; a segunda o da religião. Desde logo, cabe distinguir entre avaloração ou referência a valor e valoração ou valorização de natureza prática, que é elogio ou censura. Não se trata, por exemplo, de dizer se a Revolução Francesa foi benéfica ou nociva p ara a França ou a Europa, mas se foi im portante e significa­ tiva (24).

(24) H . R ickert, Ciencia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1937, 109. A h istória prova a verdade ou falsidade dos fatos e não das opiniões, diz G. M. Trevelyan, era T h e Recreations o f an Historian, Londres, T hom as Nelson and Sons, 1919, 54.

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Crítica ao conceito de valor de Rickert Para Rickert, os valores reconhecidos por todos os homens são, para a história, o que as leis são para as ciências naturais. Esta opinião foi aceita por W indelband e Dilthey, tornando-se o ponto crítico de todo o sistema rickertiano (25). Nesta parte R ickert foi censurado por grandes figuras, como por exemplo Ernst Troeltsch, M ax W eber, Ernst Cassirer, E duard Meyer e A. D. X en o p o l(26). O grande historiador E duard Meyer opôs à teoria do valor de R ickert a d a eficácia histórica. É histórico aquilo que é ou foi eficaz(27). Mas R ickert respondeu satisfatoriam ente a essa objeção, lem brando que a pro­ posição — a história expõe o que é historicam ente eficaz — não é outra coisa senão um a fórm ula diferente de dizer que a história trata dos efeitos essenciais para os valores culturais. Onde faltar o ponto de vista do valor, que é o que decide quais os efeitos historicam ente essenciais, tornar-se-á com pletam ente inaplicável, como princípio de seleção, o conceito da efi­ cácia histórica (28). Bauer, por exemplo, lem bra que a eficácia histórica, por meio da qual um fato passa o um bral da consciência histórica, ou se faz digno da história, está condicionado: 1) pelos sinais externos dos seus efeitos (juízos dos contem porâneos ou da posteridade); 2) pela influência que provadam ente exerceu sobre outros fenômenos (29). Ora, se a eficácia se resolve segundo os juízos dos contemporâneos, isto é, os valores dos contemporâneos, então a tese de R ickert é apenas um segundo passo da­ quela de Meyer. Um fato histórico é eficaz segundo os juízos de valor dos contem porâneos ou segundo o “interesse histórico” que o presente atribui a tal ou qual ordem de fatos. (25) A opinião de W. W indelband aparece registrada um pouco adiante. Dilthey trata do assunto no livro E l m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 317-318. (26) A m elhor revisão crítica encontra-se em Ernst Troeltsch, Der H istorism us und seine Probleme, T übingen, M ohr, 1922, 200-220. Troeltsch adm itiu que o homem ativo e a história que relata suas atividades não podem ser compreendidos sem a idéia da relatividade dos valores. É um a posição de acolhim ento m oderado, ou m elhor, relativista. Ernst Cassirer, ao assumir posição contrária à de R ickert, em sua Z u r L ogik der Kulturwissenschaften (G otem burgo, 1942), faz a este graves objeções. Achou mais n atu ral e plausível a atitu d e do grande historiador e teórico E duard Meyer. Cf. sua Antropologia filosófica, México, Fondo de C ultura Económica, 1945, 356. (27) E duard Meyer, “ Z ur T heorie und M ethodik der Geschichte’', K leine Schriften zur Geschichtstheorie un d zur wirtschaftlichen u n d politischen Geschichte des A ltertum s, H alle, Vcrlag von Max Niemeyer, 1910, 43-44. (28)

H . R ickert, Ciencia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1937, 115.

(29) W ilhelm Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 35, e E duard Meyer, “Z ur T heorie u n d M ethodik der Geschichte” , já citado, 44. Assim como Colombo ignorava haver descoberto o novo m undo, assim tam bém D arw in ignorou que sua tese biológica conduzia à admissão do histórico no biológico. “ O histórico, que era até então sim plesm ente tolerado, passou a ser cham ado a substituir o racional. N ão se adm ite outra explicação racional do m undo orgânico senão a que consiste em m ostrar sua gênese. As leis da natureza real passam a ser leis históricas; sua descoberta é a única coisa que nos perm ite fu g ir ao simples esquem atism o lógico e rem ontarm os às verdadeiras causas dos fenômenos” . Como explicar-se, pergunta Cassirer, que a teoria da evolução alcançasse tal im portância e vigor no pensam ento do século xix, se o seu m aterial probatório era tão deficiente e lacunoso ? É porque na atitu d e espiritual do século xix havia o prim ado da história e com aquela teoria esta m entalidade penetra no campo da biologia. E rnst Cassirer, E l problema del conocimiento, México e Buenos Aires, Fondo de C ultura Económico, 1948, 244-245.

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Aqui, ainda, pode-se recordar que Ernst Cassirer, ao declarar que o conhecim ento histórico é a resposta a perguntas levantadas e ditadas pelo presente, pelos nossos interesses intelectuais, morais e sociais presentes (30), não faz senão reconhecer, de certo modo, que a eficácia depende do juízo de valor dos contemporâneos. Apenas o presente, segundo Meyer, n ão é jam ais histórico, porque ainda não produziu efeitos. Crítica mais séria foi apresentada por Xenopol, ao dizer que para firm ar essa noção de valores culturais teríamos de submeter-nos ao critério do valor absoluto e que, dessa forma, a m oral passaria a ser o fundam ento de toda a ciência histórica. Aliás, W indelband, que precedeu R ickert na exposição do problem a, mas depois o seguiu nessa questão dos valores, afirm ou ser a m oral a ciência filosófica dos valores gerais que constituem a teoria do conhecim ento geral da história (31). Ela se incum biria da análise dos princípios sem os quais a pesquisa histórica não poderia fazer um só passo para se orientar n a escolha da quantidade inum erável dos fatos que encontra. Para Xenopol, essa noção de valor que escolhe os fatos, que designa os que im porta conhecer e os que se devem afastar, não pode ser exclusiva da história e não pode servir para a constituição cien­ tífica desta pelos seguintes motivos: prim eiro, porque é estranha ao do­ m ínio da lógica, por ser de natureza moral; segundo, porque não pode ser absoluta, e a ciência não pode basear-se no relativo; terceiro, porque se se lhe dá a acepção de síntese científica, ela pertence à esfera de todo o conhecim ento e não pode constituir traço distintivo da história; quarto, porque se for entendida como valor cultural aplica-se a todo o dom ínio das ciências do espírito; e, finalm ente, porque ela se induz somente da evo­ lução do espírito e não pode ser aplicada à evolução inteira. Apesar dessa divergência, que parece separar tão frontalm ente Xe­ nopol de Rickert, a verdade é, como diz Troeltsch, que ambos são, no fundo, m uito aparentados (32).

X enopol Foi em 1899, nos seus Princípios fundam entais da história, que Xe­ nopol pela prim eira vez estudou a diferença entre a história e as outras ciências. Mais tarde, na sua Teoria da história, publicada em 1908, de­ senvolveu as idéias que havia abordado em seu prim eiro livro. Para Xe­ nopol, o fundam ento lógico que há de ditar um a classificação racional das ciências consiste em distinguir os fatos de repetição dos fatos de suces­ são. A ciência se dividiria, assim, em dois ramos. O prim eiro compreen­ deria os fenômenos em que em nada influi o tempo, a saber, os de repe(30) E rnst Cassirer, Antropologia filosófica, México, Fondo de C ultura Económica, 1945, 326. (31) W. W indelband, “ La science et 1’histoire devant la logique contem poraine” , R evue de synthèse historique, t. ix, n.° 26, 1904, 136-137, e L ehrbuch der Geschichte der Philosophie, 3.a ed., T ü b ingen, 1903, 542-552. (32) E rnst Troeltsch, D er H istorism us un d seine Probleme, T übingen, M ohr, 1922, 110-111, nota 48.

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tiçâo. O segundo com preenderia as ciências que tenham por objeto os fenômenos submetidos ao influxo transform ador das forças que atuam no tempo, a saber, os sucessivos. X enopol designou as ciências da prim eira categoria de teóricas, ou, segundo H erm ann Paul, ciências de leis, reser­ vando para as segundas o nom e de ciências históricas. Ao passo que as outras ciências estudam os fenômenos que se repetem mercê da perm a­ nência e da força que os produz e que, assim, incidem constantem ente em condições essencialmente idênticas no tempo e no espaço, os fenômenos históricos nunca se repetem , não fazendo mais que suceder-se, pois ainda que as mesmas forças os produzissem, as circunstâncias já se teriam de tal modo modificado, seriam tão diferentes que os efeitos não poderiam ja­ mais ser idênticos. Daí conclui Xenopol que as ciências dos fenômenos de repetição são as únicas que podem form ular leis. As séries são os quadros gerais de sucessão em que se enfileiram os fatos individuais evolutivos, isto é, his­ tóricos. Ao passo que as ciências dos fenômenos de repetição têm por fim descobrir leis, a história tem por objeto estabelecer a série dos acon­ tecimentos, isto é, ligá-los entre si e relacioná-los com a sua causa. O ele­ m ento da série evolutiva ocupa todo o campo da sucessão. Do ponto de vista lógico, acrescenta Xenopol, essa circunstância torna a série apta para constituir o elemento distintivo da sucessão, porque, como diz R i­ ckert, a realidade não pode ser observada senão de duas maneiras: nas ciências de repetição por meio das noções gerais e nas ciências históricas por meio dos fatos individuais. As ciências de repetição encontram um elem ento universal que as caracteriza, a lei; as ciências de sucessão neces­ sitam tam bém de um elem ento que seja aplicável a todas elas, e esse ele­ m ento é a série. A série histórica é sempre única e particular em relação, ao tem po no qual se realiza e ao qual vai encadeada de m odo indissolú­ vel. A série difere da lei quanto à relação em que se acha com o elemento tempo. E nquanto a lei independe dele, a série só no seu transcurso' existe (33). X enopol cita, então, vários exemplos de série. T o d a série de desen­ volvimento enquadra um a sucessão de fatos que parte de um núcleo, sobe ou baixa p ara chegar a um resultado que dê nome à série. É típico o caso da evolução das liberdades inglesas que tiveram sua origem na con­ quista norm anda e que se desenvolveram através de grande núm ero de fatos e sucessos até a C onstituição de 1628, que fixou de m aneira defini­ tiva o triu n fo do constitucionalismo. O utro exem plo é o da afirmação do poder real na França, que começa com Luís vi e chega, através dos (33) Depois da teoria da relatividade de Einstein é impossível sustentar que a lei inde­ pende do tempo. É sintom ática como exemplo, apesar do evidente exagero, decorrente da falta de contato teórico com a história, a afirm ação de E instein e Infeld de que na “ física, m uito mais do que na história, a exata caracterização de onde e quando um acontecimento se verificou é de grande im portância, porque esses dados form am a base de um a descrição q u an titativ a” . A lbert Einstein e Leopold Infeld, T h e Evolution of Physics, Nova York, Simon e Schuster, 1938, 210. Ela mostra, talvez, a influência do pensam ento histórico no campo das ciências físicas. A ntigam ente não se levavam em conta fatores essenciais de toda investigação histórica, como datas, e hoje se acredita que a descrição histórica presta todos os serviços próprios da explicação. Vide E rnst Cassirer, El problema del conocimiento, México e Buenos Aires, Fondo de C ultura Económica, 1948, 134, 246-247.

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fatos mais diversos, ao apogeu de seu desenvolvimento com Luís xiv, fazendo triu n far por completo o poder absoluto. O renascim ento artís­ tico nasce na Itália com Nicolás Pisano e penetrando cada vez mais fundo nos espíritos faz triu n far definitivam ente o retorno da p in tu ra e da escul­ tura às velhas formas da Antiguidade. C oncluindo, Xenopol afirm a três principios: que a historia é em si um a ciência; que a noção de valor é inteiram ente estranha à historia e que ela não tem necessidade de apoiar-se em tal noção para constituir-se em ciência; que o verdadeiro elemento organizador da ciência histórica é a série.

Crítica a X enopol A teoria de X enopol tem sido bastante discutida e m uito poucos a aceitam. A verdade é que ele, ao apresentar suas novidades, limita-se a períodos m uito curtos, a exposições m uito breves e é m uito pobre em suas exemplificações. A oposição que estabelece entre os fatos de coexistência e repetição ou os de sucessão não poderia satisfazer-nos porque nos obri­ garia a aproxim ar estudos tão diversos como a história dos astros ou a das espécies ao estudo das sociedades. Isso se nota na sua classificação das ciências e especialmente na parte referente aos fenômenos de sucessão, pois ao lado das ciências da m atéria, que seriam a geologia, a paleontologia e a teoria da hereditariedade, Xenopol coloca as ciências do espírito, a história em todos os seus ramos. De m odo que a geologia, expondo a história da terra, e a paleontologia, expondo a sucessão dos seres na superfície do globo, se aproxim ariam ou estariam classificadas dentro do mesmo grupo de sucessão com a história política ou a história das insti­ tuições econômicas. Esse grupo de conhecimentos sucessivos seria, para X enopol, a classe das ciências históricas reais (34). D ificilm ente se poderia concordar em que a paleontologia ou a geo­ logia pudessem se aproxim ar da história civil, social ou econômica pelos seus objetivos e pelos seus métodos. Além disso, como bem observou Troeltsch, aqueles que, como Xenopol, adm item duas espécies de causa­ lidade, a das ciências naturais e a das ciências do desenvolvimento his­ tórico ou tam bém psicológicas, chegam a esse resultado através da analogia que estabelecem com as ciências naturais e, portanto, através de forte inconseqüência (S5). Realm ente, X enopol estabelece um a dupla forma de causalidade: a dos fatos que se repetem e a dos fatos que se seguem, e depois estabelece como princípio que a causalidade nos fatos de repetição, ou seja, nas ci­ ências naturais, tem m uito menos im portância do que a causalidade nos fatos de sucessão ou nas ciências históricas, para chegar à aplicação, num a (34) Sobre a classificação das ciências de Xenopol, vide sua Teoria de la historia, M adri, 1911, 27-28, e especialmente seu artigo “ Les classificaiions des sciences et 1’histoire” , R evue de Synthèse H istorique, t. II, 1901, 264-276. (35) E rnst T roeltsch, Der Historismus und seine Probleme, 659-660.

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analogia inconseqüente, da causalidade n atu ral às ciências de sucessão ou históricas. Tratarem os da causalidade na história em capítulo especial. Como vimos dessa exposição, um a nova classificação das ciências apa­ rece, rom pendo com pletam ente com o critério das anteriores. As de Bacon, d ’Alembert, Comte são todas inspiradas no naturalism o. O que caracte­ rizava a ciência em geral era a existência de leis naturais. A contribuição de D ilthey e R ickert está em que, pela prim eira vez, se vê aparecer, ao lado do m undo da natureza, o m undo da história e, ao lado da ciência na­ tural, um a ciência histórica, social ou cultural, filosoficamente justifica­ da (36). A novidade dessa classificação está em que ela quebra com toda a tradição da lógica aristotélica. Desde Aristóteles era aceito unanim e­ mente, inclusive pelos historiadores, que um a disciplina científica não adm itia o particular, o individual. A idéia de universalidade, como pres­ suposto da ciência, ficou definida por Descartes e por K ant, como vimos. Das investigações de D ilthey e de R ickert percebe-se, antes de tudo, o fato de que existe outro proceder científico distinto form alm ente da ciência natural. Não se coaduna bem esse fato com a lógica tradicional ? pergunta Rickert. Pois tanto pior para ela, responde. H á tam bém ciências que não se propõem estabelecer leis naturais e que não se preocupam de modo absoluto em form ular conceitos universais. São elas as ciências históricas, no sentido mais amplo da palavra. N ada há a objetar aos que quiserem reservar o nome de ciência para os produtos da concepção generalizadora, diz Rickert, e nem se poderia cham ar sem elhante determ inação terminológica de verdadeira ou falsa; mas ninguém sustentará que seja particularm ente feliz um a term inologia que não adm ite o nom e de ciência para as obras de R anke e de outros grandes historiadores. M elhor será, ao contrário, esforçar-se por elaborar um conceito de ciência que com preenda de fato tudo que geralm ente se tem como ciência. Para tal fim, porém, é preciso ter em conta, antes de tudo, que as ciências não apresentam sempre a mesma form a do m étodo naturalista ou generalizador. Este é, portanto, o ponto decisivo. N aturalism o e historicismo Desde que a história lida com fatos individuais, seu conteúdo e seus métodos hão de, por força, ser diferentes dos das ciências naturais. A con­ tribuição essencial dos grandes pensadores alemães que citamos é ter mos(36) A classificação das ciências da hum anidade ou ciências morais, em oposição às ciências da natureza, é do século xvm , embora sem nenhum a fundam entação lógica e filosófica. Cf. W. Dilthey, El m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 106; Ernest R enán, U avenir de la Science, pensées de 1848, Paris, s. d.., 211.. No volume especial da R evu e de Synthèse H istorique (t. 62, 1931), dedicado às ciências da natureza e à síntese geral, P aul Valéry (9-11) considerou aquelas essencialmente diferentes das ciências do espírito. “J ’appelle Science, au sens m oderne, l ’ensemble des recettes q ui reussissent toujours. H istoire, psychologie, m orale, sociologie appartiennent entièrem ent à la catégorie du savoir non vérifiable. L eu r a ttrait et leur intérêt est essentiellem ent de produire des excitations de l ’esprit” . O q u e não for receita é literatura. A dicotomía lettres et sciences, tradicional na França, está aqui bem caracterizada. T am bém quando Valéry fala de excitations lem bra a exterioridade dos êxtases na linguagem de Heidegger.

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trado a diferença entre naturalism o e historicismo, as duas grandes con­ cepções científicas do m undo m oderno, desconhecidas nesse sentido pela A ntiguidade e pela Idade Média. Exatidão, clareza, lógica e calculabilidade são propriedades do conhecim ento natural, como acentua Troeltsch. M utabilidade, criação, plenitude e responsabilidade, dram atism o e perso­ nalidade pertencem à história. A essa teoria da vida histórica, entretanto, não pode estar ligado ne­ n h u m desprezo pelas ciências naturais. É justam ente p o r meio dela que podem ser destacadas a grandeza da oposição e a im portância das ciências naturais. Com a delim itação puram ente lógica entre os dois métodos possibilita-se o m elhor exam e de um a realidade que se apresenta universal ou p articular aos olhos do observador. O historicismo, como um movi­ m ento hum anista e filosófico que, em oposição ao naturalism o, busca na história o fundam ento de um a concepção do m undo, continua a ser um a das bases das mais recentes atividades que se desenvolvem no campo da teoria das ciências. Pelo menos assim é na Alem anha, onde mais a fundo se penetrou neste problem a e onde se afirm a hoje com m aior força de con­ vicção, e em sentido m uito mais am plo do que aquele da época em que R ickert escrevia, o ponto de vista de um a ciência'do espírito com exis­ tência p rópria (37). O historicismo significou, assim, um a separação do naturalism o, fun­ dam entando pela prim eira vez um a teoria do conhecim ento das ciências do espírito sob bases próprias, emancipando-as da tutela das ciências na­ turais. Ele revelou que a ciência e a gênese do conhecim ento histórico diferiam fundam entalm ente da investigação própria das ciências naturais, que a história que não buscasse a meta de seus conhecimentos no p arti­ cular dos acontecimentos mesmos se condenava a uma’ atrofia geral. O m ovimento historicista teve um a im portância tão fundam ental, que hoje se diz que o que h á de novo nas ciências naturais deriva do que a his­ tória lhes forneceu. H á para o naturalista, diz Mach, um a especial cultura clássica, que consiste no conhecim ento das leis que presidem a evolução de sua ciência. Não abandonem os a m ão guiadora da história. A história fez tudo e pode m udar tú d o (38). Deste modo, o século xix assiste ao prim eiro deslinde substancial de campos entre dois grandes ideais. O ideal das ciências m atemáticas da n a­ tureza, que havia dom inado o século x v i i i , j á não está isolado. Desde H erder e o Rom antism o, enfrenta-o, de modo cada vez mais enérgico e consciente, o utra direção espiritual e outra potência do espírito. Pela prim eira vez, no campo da filosofia e da ciência se vê colocado no centro da atenção o conhecim ento histórico (39). (37) J. H uizinga, E l concepto de la historia y otros ensayos, México, Fondo de Cultura Económica, 1946, 25. Cita, a propósito, na nota 3, trabalhos de E. R othacker, T heodor L itt e H ans Freyer. (38) E. Mach, D ie Geschichte und die W urzel des Satzes von der E rhaltung der A rbeit, Praga, 1872, citado po r Cassirer, El problema del conocimiento, 134. (39) E rnst Cassirer, E l problema del conocimiento, 244-246.

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Foi à história que a ciência n atu ral pediu em prestado o conceito de evolução. Cassirer m ostra como nada h á de novo, de essencialmente novo no campo da natureza que já não estivesse im plícito na física do século xvii. E duard Meyer, tão insuspeito quanto a um a afirmação dessa n atu­ reza, porque não se filiou ao m ovimento de Rickert, sustenta que todas as disciplinas descritivas naturais e a geologia tom am cada vez mais um ca­ ráter histórico. E segundo W indelband, a única direção em que se ultra­ passou os princípios encontrados, estabelecidos e elaborados no século xvn, foi determ inada pelo fato de haver-se pedido em prestado ao pensa­ m ento histórico o princípio da evolução. Deste modo, nas próprias ciên­ cias naturais o princípio novo foi de natureza histórica (40).

Historicismo e historicismos A palavra historicismo (41) foi, provavelm ente, usada pela prim eira vez por Karl W erner, ao falar do historicismo filosófico de Vico (42), num dos melhores estudos sobre o grande autor da Scienza nuova. Vico foi o único, em sua época, a lu tar contra o naturalism o cartesiano e o me­ canicismo das ciências naturais. A palavra teve, assim, nascim ento le­ gítimo, significando aquela concepção da realidade como história e que só historicam ente pode ser conhecida. Mas o conceito não teve aceitação e a palavra foi utilizada inadequadam ente por Carlos Menger, em seu livro de crítica à escola histórica da economia de Gustavo Schmoeller (43), e p o r Adolf W agner, em 1892, no mesmo sentido de valorização excessiva da história ou das origens dos erros econômicos presentes. É em 1905 que Karl Lam precht se refere ao “im potente espírito de epígono da arte e da poesia, como ao infrutífero historicismo das ciências do espírito dos anos 50 a 70 do século xix ” (44). Não é preciso lem brar que Lam precht foi o historiador que mais procurou sujeitar as ciências histó­ ricas ao dom ínio das ciências naturais. A história da hum anidade era apenas um a continuação da história da natureza. Estávamos, então, em pleno dom ínio da biologia e da teoria evolucionista. A plicar seus p rin ­ cípios às ciências históricas parecia ser a últim a palavra. Lam precht não percebia que o grande m ovim ento historiográfico do século xix iria con­ duzir à elaboração da razão histórica e à sua total emancipação do n atu ra­ lismo. O uso inadequado continuava. George Simmel, tratando da teoria do conhecim ento histórico, assinala como historicismo o simples conhe­ (40) E d u ard Meyer, “ Z ur T heorie und M ethodik der Geschichte” , K leine Schrifíen zur Geschichtstheorie u n d zur wirtschaftlichen und politischen Geschichte des A ltertum s, Halle, Verlag von M ax Niemeyer, 1910, 127. O mesmo em R. G. Collingwood, T h e Idea o f History, O xford, Clarendon Press, 1946, 208-209. (41) Boa exposição, que seguimos em parte, é a de K arl Heussi, Die Krisis des Historismus, T ü bingen, 1932. Vide tam bém Frederich Engel-Janosi, T h e Growth o f Germán Historicism, Baltim ore, 1944. (42) Giambattista Vico ais Philosoph un d gelehrter Forscher, Viena, 1881. (43) Die Irrtüm er des H istorism us in der Deutschen Nationalôkonom ie, Viena, 1884, apud E. Meinecke, E l historicismo y su génesis, México, 1943, 11. (44) M oderne Geschichtswissenschaft, F riburgo, 1905, 12.

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cimento da produtividade form adora do nosso espírito (45). Era já um passo para o seu exato sentido. É somente em 1922, quando aparece o livro de Troeltsch (46), que se passa a definir o historicismo como um dos traços fundam entais do século. “O naturalism o e o historicismo são as duas grandes criações cientí­ ficas do m undo m oderno, desconhecidas nesse sentido pela A ntiguidade e pela Idade Média, enquanto, ao inverso, a metafísica, a ética e a lógica nele decaíram .” “Este historicismo se opõe principal e geralm ente ao na­ turalism o e é preciso afastar os falsos subentendidos dessa palavra, que deve ser com preendida como toda realidade de um a vasta conexão que abstrai de toda experiência im ediata e de todo qualitativo, abrangendo tudo o que existe. O naturalism o é o fundam ento de um sistema de expressão possivelmente matem ática, de leis de relação quantitativa, de onde se liberta do acaso e das impressões visuais, atingindo ao m aior grau de ex­ tensão e clareza, de dom ínio do que m uda e do que é sempre o mesmo e constitui a m aravilhosa base de todas as técnicas que o hom em já conhe­ ceu. A ele são devidos os progressos da matem ática, astronom ia, física, quím ica, biologia, etc.” J á o historicism o é a própria compreensão do espírito enquanto se trata de sua produção na história, como se verá adiante. N ão nos parece que possa haver m elhor definição e o tratam ento de T roeltsch não teve ainda quem o superasse. Mas a conceituação de T roeltsch não é a única e deve-se distinguir, pelo menos, três grupos distintos, de raízes comuns. Se para T roeltsch o historicismo é um a con­ cepção do m undo, um a interpretação filosófica que se opõe ao naturalism o cartesiano, para Meinecke, que escreveu a história dos precursores do historicismo (47), ele é um a das maiores revoluções espirituais surgida no pensam ento dos povos do Ocidente. Sua substância está na substituição de um a consideração generalizadora das forças hum anas históricas por uma consideração individualizadora. O historicismo, para Meinecke, é mais que um m étodo das ciências do espírito, pois não julga, ao contrário da dou­ trin a jusnaturalista, que o homem, com sua razão e suas paixões, com seus vícios e virtudes, haja sido sempre o mesmo, fundam entalm ente, em todos os tempos. A doutrina jusnaturalista contém um fundo de verdade, mas desconhece as profundas transformações e a diversidade das formas que experim entam a vida aním ica e espiritual do indivíduo e das comu­ nidades, não obstante a perm anência das qualidades fundam entais hum a­ nas. Ele é, assim, o mais alto grau atingido até agora para a compreensão das coisas hum anas no campo da filosofia e da historiografia. O histo­ ricismo que, em geral, não era só um a nova m aneira de ver do historia­ dor, senão de toda a vida hum ana, levou o processo de individualização à sua p rópria consciência, porque ensinou a com preender toda a vida (45) Die Probleme der Geschichtsphilosophie, Leipzig, 1907, ix, 28. (46) Der H istorism us un d seine Probleme, T übingen, M ohr, 1922, 104. seu D er Historismus und seine Ueberxvindung (Berlim , 1924), tentou superar como um a reivindicação da consciência m oral, pois para ele o historicismo levava absoluto. Vide sobre” a superação do historicismo, Karl Jaspers, Origen y meta M adri, 1949, 291-295. (47) El historicismo y su génesis, México, 1946.

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T roeltsch, em o historicismo ao relativismo de la historia,

histórica como evolução do individual, ainda que sempre encam inhada em cursos típicos e regulares. O terceiro grupo, o mais extrem ado, é representado por Croce. O historicismo é a afirmação de que a vida e a realidade são história e nada mais que história. O historicismo nasceu em oposição ao racionalismo abstrato e à Ilustração, e seu mais im portante precursor é J. B. Vico, que prim eiro refutou as extremas conseqüências do direito natu ral e do carte­ sianismo. Vico só foi com preendido quando as novas gerações se conver­ teram de “ilustradas, enciclopedistas e jacobinas, em românticas, historicistas e liberais”. Para chegar à concepção de que a vida é história e estabelecer o historicismo como um princípio lógico foi preciso um a re­ volução espiritual que contém em si a sucessão de vários pensadores e filó­ sofos. Para Croce, história e filosofia são idênticas, pois que um a e outra consistem na forma lógica do juízo, que é verdadeiro e genuíno. O ho­ mem conhece o que faz e assim verdade e fato se convertem um no outro. O meio de conhecim ento da filosofia é o conhecim ento histórico, de tal m odo que aquela é um a espécie de historiografia ideal. A distinção que se costuma fazer só tem valor didático, mas não rigor absoluto. Croce aproxim ou os conceitos hum anism o e historicismo p ara mos­ trar a identificação de ambos nesta fórm ula: o historicismo é o verdadei­ ro hum anism o. O princípio universal do hum anism o consiste na referên­ cia a um passado, para ex trair dele as luzes que esclareçam a obra e ação próprias. Mas o hum anism o, por amplas que fossem suas concessões, n u n ­ ca chegou à conclusão que ele mesmo enunciava, isto é, que o passado, graças ao qual se ilum ina nossa determ inação e ação, é a história inteira da hum anidade, que de vez em quando volta a fazer-se presente. A rea­ lidade é história e só historicam ente a conhecemos; as ciências podem me­ di-la e classificá-la, como é necessário, mas não a conhecem propriam ente, nem é seu ofício conhecê-la intrínsecam ente (48). Estas são as principais acepções. Outras foram dadas por Karl Mannheim e E. R othacker (49). O prim eiro definiu o historicismo como um poder espiritual de imprevisível alcance, “o verdadeiro suporte de nossa concepção do m undo, um princípio que não só organiza, com mão invi­ sível, todo o trabalho científico-espiritual, como condiciona a vida diária. O historicismo não é historiografia, mas concepção d o m undo, e seu eixo filosófico é o pensam ento da evolução”. Para Rothacker, o historicismo é um a direção das ciências do espírito; o que se nota é a historização das ciências espirituais, isto é, das ciências hum anas, em contraposição às físico-naturais. H á outras acepções, como, por exemplo, a de Karl Popper, segundo o qual historicismo é a “teoria ligada a todas as ciências sociais, que faz (48) Vide especialmente La historia como hazaña de la libertad, México, Fondo de C ultura Económica, 1942 ( “El historicismo y su historia” e “ Historicismo e hum anism o”); II carattere delia filosofia modern'a, 2.a ed., Bari, 1945 (onde discute o conceito de filosofia como histo­ ricismo absoluto); Filosofia e storiografia, Bari, 1949 (O historicism o e a idéia tradicional da filosofia). Vide ainda M anlio Ciardo, L e quatro epoche dello storicismo (Vico, Kant, Hegel, Croce), Bari, 1947. (49) Cf. “ Historism us” , A rchiv fu er Sozialwissenschaft un d Sozialpolitik, vol. 52, i, 1-60; E. R othacker, L ogik und Systematik der Geisteswissenschaft, Bonn, 1948.

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da predição histórica seu principal fim e ensina que o mesmo pode ser alcançado se se descobrem os ritm os ou padrões, as leis ou tendências gerais que dirigem os desenvolvimentos históricos” (B0). Popper faz vigo­ rosa crítica ao historicismo. Os conceitos ele Troeltsch, Meinecke e Croce apresentam traços co­ muns, que mostram sua raiz comum e unidade lógica, podendo ser assim caracterizados: 1) O historicismo é a conseqüente historização fundam ental de todo nosso pensamento sobre os homens para com preender sua cultura e seus valores. 2) É um a categoria do conhecim ento hum ano, não só his­ tórico, mas até poético, como pensa Croce. O fato é a verdade. 3) É um movimento espiritual, um a tendência que se opõe ao naturalism o e forma, com este, um a das duas principais tendências dom inantes. 4) T o d a a ló­ gica m oderna se centraliza ora no pensam ento matemático-físico (natu­ ral), ora no pensam ento histórico-genético. Os dois movimentos não estão apenas um ao lado do outro; procedem, apesar de todos os seus antago­ nismos, de raiz comum, da análise da consciência como fundam ento da filosofia. 5) Ambos vingam no presente e levam a ameaçadores desenvol­ vimentos. O naturalism o pode conduzir ilim itadam ente a um a temível na­ turalização, ao m aterialismo, à desolação da vida; o historicismo, ao ce­ ticismo relativista dos valores e a um a dúvida da cognoscibilidade. 6) Como disse Eugênio Imaz(51) trata-se, no historicismo, de um a consideração historicista da problem ática filosófica. N o lugar da metafísica coloca-se um a meta-história. No lugar da mathesis universalis de Descartes, a história universal. A filosofia não encontra a verdade refletindo sobre o m undo físico, que não é radicalm ente cognoscível, mas sobre o m undo hum ano, o m undo histórico, sobre o hom em concreto, não abstrato. Desde que não mais se reconhecem as norm as da formação da vida n o dogma eclesiástico ou no seu descendente, o dogma racionalista, só restam a his­ tória como fonte e a filosofia da história como solução (B2). Em conclusão, o historicismo não é só um a concepção do m undo, um a teoria do conhecim ento filosófico, um a historização da vida. Signi­ fica que a vida é história (não historiografia) e não natureza, e só conhe­ cemos através da história (passado e vida presente). Procura elaborar os fundam entos da razão histórica (como K ant elaborou os princípios da (50) Vicie Karl Popper, Misère de Vhistoricisme, trad. francesa, Paris, 1956, xv. Esta obra saiu prim eiro em francês; T h e Poverty of Historicism, Londres, 1957. T h e Open Society and its Enemies, Londres, 1945 (trad. brasileira, Belo Horizonte, 1959) é tam bém um a mordaz crítica ao historicismo. Vide também von Mises, Positivism. A Study in H um an Understanding. H arvard University Press, 1951, 224, que entende o term o como exagero ou superestim ativa do ponto de vista histórico. (51) El pensamiento de D ilthey, México, El Colegio de México, 1946, 13-29. Análise m uito valiosa das relações do historicism o e do existencialismo encontra-se em E. Nicol, Historicismo y existencialismo, México, 1950. (52) E. T roeltsch, D er Historismus, ob. cit., 109. A posição da Igreja em face da con­ cepção do historicismo, que desconhece “qualquer verdade ou lei absoluta” , está afirm ada na Carta Encíclica ' ‘H um ani Generis” de Pió xn. Vide Sobre algumas doutrinas errôneas. D o­ cum entos pontifícios, Editora Vozes, Petrópolis, 1950, e Discours de Sa Sainteté L e Pape P ie x i i au x em que se observou em outras situações, na organização da his­ tória o valor últim o do que se conhece sobre a Balaiada ou sobre a Re­ volução Praieira é condicionado não pelas relações com o que é conhe­ cido sobre as outras revoluções, porém em relação ao que é conhecido sobre as outras coisas que o povo fez na época da Balaiada ou da R evolu­ ção Praieira.

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Características do fato histórico A história é, assim, o suceder singular em sua particularidade, indi­ vidualidade e irreversibilidade. Essa diferença essencial entre ciência n atu ral e ciência cultural, jus­ tificada filosófica e logicamente por D ilthey e Rickert, não ganhou logo a unanim idade de historiadores e filósofos. Já acentuam os que m uito de­ pois da obra dos dois mestres, Lam precht fazia exatam ente o contrário: usava e abusava da biologia n a história. Em bora os historiadores esti­ vessem bem m unidos m etodológicam ente p ara resistir a esta tentativa de deturpação da história e a erudição alemã permanecesse cética em rela­ ção à falsa história científica de Lam precht, foi somente em 1903, na reu­ nião do Sétimo Congresso de Historiadores Alemães que Friedrich von G ottl-O ttilienfeld protestou contra essa historiografia naturalista, negando-se a adm itir que a história da hum anidade fosse apenas um a continua­ ção da história da natureza. E propôs, então, que se emancipasse o pen­ samento histórico do naturalism o (53). No campo da história concreta, atendia-se ao pensam ento de Dilthey e Rickert, mais tarde incorporado aos tratados de metodologia histórica. Assim, p or exemplo, o mais recente tratado alemão, o de W ilhelm Bauer, ao distinguir as duas espécies de ciência declara: a n atu ra l tende à sim­ plificação de sua conceituação, subordinando os fatos particulares a gran­ des conceitos gerais, ènquanto que a história se detém de preferência ante a m ultiplicidade dos fenômenos e considera especialmente sua individua­ lidade e irreversibilidade, o fato de que se deu um a vez e não voltará a se dar. A ciência natural atinge a sua mais alta finalidade quando consegue expressar em fórmulas gerais as relações fixas que existem entre os ele­ mentos da realidade. Ela atomiza, em prim eiro lugar, o m undo, e logo o reduz a um esquema (lei matemática), a um a receita, no dizer de Paul Valéry, dom inada pela necessidade. Por isso a sua finalidade é o conhe­ cim ento do geral, enquanto que a finalidade da história é a compreensão; um a compreensão que quer que reviva entre nós a vida em toda sua ple­ nitude de relações, tendendo a conhecer o que é especial n a generalidade do conceito. Vimos, com Dilthey, o papel que representa a compreensão nas ciên­ cias culturais e especialmente na história, considerada por Cassirer como um a ciência herm enêutica, ao contrário das ciências naturais que são ci­ ências de leis. Os conceitos de individualidade, singularidade, particula­ ridade e irreversibilidade que, segundo a m aioria dos autores dessa cor­ rente, constituem os característicos principais dos fatos históricos, devem ficar bem esclarecidos. É preciso exam inar porque o processo científico-histórico se orienta sempre para a particularidade, a individualidade da realidade que suce­ (53) Friedrich von G ottl-O ttilienfeld, W irtschaft ais Leben, eine Sam m lung erkenntniskritischer A rbeiten, Jena, Fischer, 1925, citado por Benedetto Croce, La historia como hazaña de la libertad, México, Fondo de C ultura Económica, 1942, 330-331.

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deu e não sucederá de novo. Os fatos singulares são aqueles que se consi­ deram em sua individualidade, distintos de quaisquer outros. Assim, por exemplo, a Restauração da Bahia, em 1625, é um fato singular. Ela se distingue de todos os outros fatos históricos. É o transcorrer individual e único que sempre interessa à história. O objeto científico da história é o único, o especial, não só no seu isolam ento, mas na dependência da evolução dentro da qual ele existe e é levado em consideração (54). A unicidade concreta do fato histórico ou sua singularidade, particularidade e individualidade im plica a sua irreversibilidade. Os fatos isolados, particulares, singulares ou individuais são os ocorridos um a só vez(55). Desde Hegel, que foi o prim eiro grande filósofo da história, sustenta se a irreversibilidade dos fatos históricos. A lição essencial que colhemos da história é a de que não há jamais um caso com pletam ente igual a outro e que, portanto, um fato nunca se repete; mesmo que um a causa igual ou sem elhante atue. “Os fatos históricos não aparecem senão um a vez no transcurso do tempo e não se reproduzem nunca de modo igual” (56). É a necessidade didática de classificação dos fatos históricos que con­ duz à falsa idéia da repetição na história. Mas não é possível que por sim­ ples exigência didática se deforme a essência da história, que é a eterna m udança, não de nomes e de colocação no espaço e no tempo, mas dos próprios atos e fatos. A própria variação de nomes não basta para mos­ tra r que. se m odificaram os conteúdos espirituais ? pergunta Croce. E já H uizinga denunciou os perigos da inflação de conceitos e do uso de p a­ drões fixos. É assim o caso do termo Renascimento, que se deve datar de época entre Donatello e Tiziano e que, no entanto, tem-se estendido de tal m odo que se chegou a falar de “renascim ento” carolíngio e “renasci­ m ento” geral. Com isso a palavra perde seu miolo e seu sabor, já que um term o histórico só conserva sua valia quando se liga a um passado his­ toricam ente determ inado. O mesmo ocorreu com as palavras gótico e barroco (67). O outro perigo está na tentação de aplicar um conceito ou esquema a fatos que exigem um a nova penetração, um a nova qualificação espe­ cial. São assim os termos capitalismo, feudalismo, reação, burguesia e democracia. O h isto riad o r que trata a sério de dar um a reprodução viva (54) Ernst Bernheim , L ehrbuch der historischen M ethode und der Geschichtsphilosophie, Leipzig, Verlag von D uncker & H um blot, 1908, 10. (55) Johannes Thyssen, Die E inm aligkeit der Geschichte. E ine Geschichtslogistiche Untersuchung, Bonn, Cohén, 1924. (56) Hegel, Lecciones sobre la filosofía de la historia universal, Buenos Aires, Revista de Occidente A rgentina, 1946, 157; Louis H alphen, Introduction à Vhistoire, Paris, Presses Universitaires de France, 1946, 73; W. Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 48; Xenopol, Teoría de la historia, M adri, 1911, 106. (57) Num estudo recente, Isaiah Berlín ( Historical Inevitability, Oxford Univ. Press, 1955, 37, 61, 72) fala de am bigüidade e confusão geradas por termos ou conceitos que têm significação fluida e m udam de significação ou aplicação. Tais, por exemplo, “ espírito clássico” , “renascim ento” (fala-se agora em renascim ento na China com unista), “ espírito m edieval” ou “capitalista” , “o século xx, a últim a etapa do capitalism o”, que, às vezes, parecem entidades supernaturais de grande poder, espíritos neoplatônicos ou gnósticos, anjos e demônios que brincam conosco e fa/em exigências que, não obedecidas, nos põem em' perigo.

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e digna de confiança do passado deve evitar cuidadosam ente o uso de termos carregados de sentim ento e ressentim ento (58). Ora, o uso de termos como rom antism o e classicismo na história da arte, de m aterialism o e espiritualism o na historia da filosofia, de liber­ dade e democracia, tiran ia e demagogia na historia política fez crer que a historia fosse, como lem bra Croce, um a alternativa m onótona dos mesmos fatos, que se repetiam sob formas sucessivas. Mas o ponto essencial, o pró­ p rio da historia, não está nos rótulos postos sobre os acontecimentos mas nos próprios acontecimentos, cada qual de per si, com sua fisionomia in­ confundível (59). Do mesmo modo que é sempre perigoso querer com parar figuras li­ terárias, mesmo levando em conta apenas sua obra, assim tam bém seria um a ilusão com parar personalidades políticas ou acontecimentos sempre essencialmente únicos e singulares. Eles filiam-se à história precedente, como as revoluções sucessivas da Regência e do Segundo Im pério, mas 1832 difere totalm ente de 1835-1845 ou de 1848. Cada revolução é um fato único que não se repete e nem seus produtos se transm item intactos, salvo quando são etapas de um mesmo processo. Cada líder, como um poeta, mesmo que venere seus antecessores, entoa um canto que este não entoou (60). A história é perpétua m udança, como um rio que corre num fluxo incessante. N unca pára e nunca retom a. Segue sempre para a frente, li­ gada ao que precede e ao que será (61). É lógico que ao conceituar o fato histórico como singular e individual não se elim inam da história as manifestações coletivas. A singularidade ou individualidade está n a eterna diferença de um para outro. A his­ tória considera tanto o indivíduo quanto a coletividade, que produziu o fato. Em face de fenômenos análogos, a Independência do Brasil ou a Independência americana, o historiador individualiza o que corresponde (58) J. H uizinga, Im Bann der Geschichte, B etrachtungen und Gestaltungen, Basiléia, Akademische Verlagsanstalt P antheon Schweizerische Lizenzausgabe, 1943, 55, 58, 59. (59) Benedetto Croce, La historia como hazaña de la libertad, México, Fondo de C ultura Económica, 1942, 299. (60) B enedetto Croce, ibid., 303. . (61) Sobre a irreversibilidade da história é quase unânim e a opinião dos teóricos e filósofos da história, constituindo exceção alguns historiadores remanescentes do pragmatismo. Coube a R anke afirm ar, pela prim eira vez, que o singular é o fundam ento do saber histórico. (W . Dilthey, E l m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 123.) E ntre os teóricos da história que participam desse ponto de vista, apontam -se todos os grandes autores de trabalhos metodológicos, como E rnst Bernheim ( Lehrbuch der historischen M ethode und der Geschichtsphilosophie, Leipzig, Verlag von D uncker & H um blot, 1908, 9-10), W ilhelm Bauer (Introduccón al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 36, 38, 39, 48), G. M. T revelyan ( T h e Recreations o f an Historian, Londres, 1919, 22), Fred M. Fling ( T h e W riting of H istory, New Haven, Yale U niversity Press, 1926, 24) e Charles Beard ( “ Ground. for a Reconsideration of H istoriography” , in T heory and Practice in Historical Study: a R eport o f the Com­ m itte on Historiography, Nova York, Social Science Research Council, B ulletin 54,. 1946, 6-7 e 137). E n tre os filósofos da história, vide: Hegel (Lecciones sobre la filosofia de la historia universal, Buenos Aires, Revista de Occidente A rgentina, 1946, 157), W ilhelm Dilthey (In tro ­ ducción a las ciencias del espíritu, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 39-41 e El m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 108, 123, 139), H einrich R ickert ( Ciencia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1937, 79, 103), Bene­ d etto Croce {La historia como hazaña de la libertad, México, Fondo de C ultura Económica, 1942, 297-304) e T heodor L itt ( “ T h e Universal in the S tructure of H istorical Knowledge” , in Philosophy & History. Essays Presented to E rnst Cassirer, Oxford, Clarendon Press, 1936, 131).

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a cada suceder, dirigindo-se ao especial de cada fato e não, como nas ci­ ências naturais, ao geral. O fato histórico é, então, precisam ente aquele que sempre se distingue pelas suas particularidades dos outros, que nada têm de comum com os outros fatos históricos. A tarefa prim ária da história é com unicar aos menos sensíveis ou menos eruditos um a consciência viva de outros tempos e outros lugares, como sempre distintos e peculiares. Mas de que modo existe o universal na história ? Este foi um dos problem as mais debatidos da lógica de Dilthey e R ickert (62). Dizer ape­ nas que as verdades universais do pensam ento abstrato não são o- funda­ m ento da ciência histórica, mas seu fim últim o, e que elas estão sempre em relação m útua com o conhecim ento histórico singular não parece re­ solver o problem a. Esta a palavra de Dilthey. Para Rickert, o universal entra na história não como nas ciências naturais, mas como um meio in­ dispensável. O fim não é o universal, mas o único e a história usa da significação universal das palavras como elem ento que representa a im a­ gem do particular. Para Rickert, o naturalm ente universal é a lei física, o teorem a m ate­ mático, e o historicam ente universal é o valor cultural. O prim eiro tem um a validez universal e é universalm ente aceito. Assim a teoria da rela­ tividade (63) ou o teorema de Pitágoras. O histórico só é universal pela sua im portância. A realidade histórica tem um valor universal quando, na sua individualidade, se tornou im portante, e não porque possa ser observada ou experim entada universalm ente. A Independência dos e . u . a . é um fato de im portância universal. O conhecim ento do fato histórico — Independência dos e . u . a . — é tam bém aceito universalm ente. A dife­ rença está em que um teorem a algébrico, um a fórm ula quím ica ou uma lei física têm existência universal, podendo ser observada ou experim en­ tada universalm ente, enquanto a Independência dos e . u . a ., em bora seja universalm ente conhecida, não sucedeu nem sucederá universalm ente. É um fato histórico particular dos e . u . a ., mas universal pela sua im por­ tância e significação social, política ou cultural. O universal histórico é o que ultrapassa os limites da existência m eram ente local e tem poral e possui significação válida para todos os homens e todos os tempos. Mas não é só pela consideração que todos os homens em todos os tem­ pos atribuem ao fato histórico que o universal entra n a história. O fato histórico individual exprime-se em formas universais de pensam ento e lin­ guagem. H á padrões de conduta, alguns comuns à natureza hum ana. O

(62) T heodor L itt, “T h e Universal in the S tructure of H istorical Knowledge” , in Philosophy & History. Essays Presented to Ernst Cassirer, Oxford, Clarendon Press, 1936, 125. (63) A teoria da relatividade form ula as leis físicas para todos os sistemas de coordenadas, ao contrário da lei de Newton, que em bora continue como a base de todos os cálculos astronô­ micos, em m atéria de gravidade só é válida no sistema de inércia, porque se baseia apenas n distância. N a teoria da relatividade, as leis físicas são as mesmas em todos os sistemas de coordenadas, movendo-se uniform em ente. Cf. A lbert E instein e Leopold Infeld, T h e Evolution of Physics, Nova York Simón and Schuster, 1938, 67, 225, 226, 249 e 259. N a história concreta, tan to R anke como W. von H um boldt afirm aram que o historiador só busca o particular. “ O form al é o universal, o real é o particular, o vivo” . L. R anke, Politisches Gesprãch, citado por Ernst Cassirer, El problema del conocimiento, México e Buenos Aires, Fondo de C ultura Económica, 1948, 343, 346, 359.

historiador não procura descrevê-los em sua generalidade, mas particularizá-los em sua individualidade. H á um a forma de conduta universal dos grupos sociais chamada re­ volução. Pois bem, o historiador não descreve a revolução em geral — o que não é problem a histórico, mas sociológico, mas esta forma universal de conduta, no caso particular da Revolução Francesa, Inglesa, Am eri­ cana, etc. H á tam bém padrões característicos de conduta econômica como, por exemplo, o laissez faire na Inglaterra na época vitoriana, ou o capita­ lismo, sistema econômico particular com características bem determ inadas. Tratam -se de generalizações empíricas indispensáveis, formas universais de expressão do particular. N a forma puram ente simbólica do universal contém-se apenas o particular, como no qualificativo da Revolução Fran­ cesa se exprim e o individual do conceito universal revolução. O que se q uer é qualificar a particularidade do fato histórico. É certo que o historiador pode fazer um a história das revoluções ou do capitalismo, mas, nesse caso, ele terá que destacar cada um a delas em sua particularidade. A inda assim não estaria fazendo essencialmente his­ tória, mas história social ou econômica, as quais, pela vizinhança com a sociologia e a economia, têm m aior possibilidade de generalização. H á ainda a considerar a significação universal das palavras. Quando, por exemplo, V arnhagen escreve que “pelo mesmo tem po que a Corte, em ju lh o de 1609, se ocupava com ternura e carinho de m andar declarar li­ vres todos os índios, os de Porto Seguro se m ostravam insolentes e alevantados, pondo em apertado cerco o engenho de Gomes de Aragão” (64). O caráter da particularidade dos “índios de Porto Seguro” não se confina ao sujeito gram atical indicado pelo nom e próprio, mas está no predicado “insolentes e alevantados”, independente da universalidade da significa­ ção daquelas palavras. A significação do predicado não exclui a particu­ laridade da insolência e do alevantam ento do sujeito definido. É pre­ cisamente a insolência destes definidos índios que ele quis significar e não a insolência como form a universal de atividade que éles exercem como inumeráveis outros índios. Aqui, naturalm ente, entra em jogo aquela forma de universal no desenvolvimento da qual a linguagem torna possível um processo classificador do pensam ento (65). Vemos assim, além da im portância histórica, as generalizações empí­ ricas, os conceitos fundam entais a priori e a significação universal das pa­ lavras, como form a do universal na estrutura do conhecimento histó­ rico (66). Exemplificados esses conceitos, podemos concluir cham ando de histó­ rico a essa plenitude de suceder na m ultiplicidade das suas relações e en­ laces externos e internos que constituem, por assim dizer, o m aterial em b ru to do qual o historiador extrai e forma a história no sentido subjetivo. (64) Francisco Adolfo de V arnhagen, H istória geral do Brasil, S. Paulo, E ditora M elho­ ram entos, s. d., vol. ii# 138. (65) As pesquisas sóbre o universal na linguagem devem-se a E rnst Cassirer, na sua Philosophie der symbolischer Formen, Berlim, 1923, vol. I, Die Sprache, 244. Cf. T heodor L itt, “T h e Universal in the Structure of Historical Knowledge", in ob. cit., 131. (66) T heodor L itt, ob. cit., 135-136, e H. R ickert, “Les quatre modes de 1’universel dans 1’histoire” , R evue de Synthèse H istorique, t. 2, 1901, 121-140.

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Vemos tam bém que, ao form ar a história, ele se utiliza d a seleção, que se acha condicionada, por sua vez, aos sinais externos dos fatos e de seus efei­ tos ou à influência que os mesmos tenham exercido sóbre outros fatos. É a questão da eficácia histórica, segundo a expressão de E duard Meyer, ou do valor cultural do fato, segundo Rickert, no fundo duas fórmulas m uito parecidas para exprim ir a mesma idéia, desde que a eficácia se comprova pelos juízos dos contemporâneos, ou seja pelos juízos de valor que os contem porâneos fazem dos fatos históricos. Para com preender a seleção é preciso não confundir a história com o escrito histórico. A continuidade do processo histórico só é datada por necessidade de compreensão e recriação, e, portanto, no escrito histórico, que trata do passado. É nesse sentido que se deve com preender a frase de Croce, de que a contem poraneidade é o caráter de toda a história (67). T am bém Heidegger acentuou que a equação entre o histórico e o passado não é mais que um a ilusão, devido a que, de ordinário, os acontecimentos a que se ajunta o epíteto histórico são de fato já passados; porém, pode­ mos perfeitam ente definir tal ação contem porânea como histórica, porque prevemos que determ inará “a história”, isto é, os sucessos que estão por v ir(68). E nquanto o passado é o m om ento fundam ental da historicidade, a fonte principal da historicidade está no presente, que é capaz de constituir um a história. Assim, não há, filosoficamente, distinção no processo histó­ rico entre as três etapas fundam entais da própria vida quotidiana, o on­ tem, o hoje e o am anhã. O escrito histórico só se ocupa do passado, em­ bora o presente, que logo se transform a em passado, seja criador da his­ tória. Por isso diz Jaspers que a história e o presente são inseparáveis, que a objetividade da história e a subjetividade do agora vivem em vir­ tude um do outro, e na visão do grande resplandece a história como presente eterno (69). Ora, se a história está tão entrelaçada com o presente é lógico que este representa um papel decisivo no escrito histórico. Éle é fonte da his­ tória futura pela criação dos fatos, e é árbitro da seleção dos fatos; ele é o historiador, não porque este possa antever a historicidade — e aí ele já faria seleção no próprio presente, mas porque “está sujeito à ressonância dos fatos no seu próprio tem po” (70). Não se trata só de apresentar o passado com vestuário do presente mas de recolher e recriar o im portante ou ínfimo, que para os homens presentes é essencial na sua existência, ou que pertence ao m undo atual de sua experiência (71). De modo que os fatos podem repousar durante m uito tempo, através dos séculos, para reaparecer devido ao interesse que alcançaram na atua­ (67) Vide Teoria e storia delia storiografia, 5.a ed., Bari, 1943, 5. P. G ardiner, por não com preender aquela distinção, considerou um a contradição em si mesmo o pensam ento croceano de que a história é conhecim ento do presente eterno. Vide T h e N ature of Historical Explanatiori, Oxford Univ. Press, 1952, 36, nota 1. (68) A. de W aelhens, La filosofia de M artin H eidegger, M adri, 1945, 234. (69) Karl Jaspers, Vom Ursprung u n d Ziel der Geschichte, M ünchen, 1949, 333 e esp., M adri, 1950, 289 e 294. A frase é quase igual à de Croce. (70) E duardo de Oliveira França, “A teoria geral da história” , R H , n.° 7, 1951, 122-123. (71) Cf. Oakeshott, Experience and its M odes, citado por P. G ardiner, T h e N ature of Historical Explanation, ob. cit., 35.

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lidade, no juízo dos contemporâneos. Como disse Cassirer, o conhecim ento histórico é a resposta a perguntas definidas. U m a resposta que deve ser proporcionada pelo passado. Porém, as próprias perguntas acham-se co­ locadas e ditadas pelo presente, pelos nossos interésses intelectuais pre­ sentes e pelas nossas necessidades morais e sociais presentes. É devido aos interesses diferentes de cada geração que a história é reescrita, bem como pelo encontro de novos materiais, que tom am possível um a visão clara dos fatos estudados. Isto n ão significa, no entanto, que o historiador se torne um simples “claqueur” dos fatos e acontecimentos e só form ule questões com suas res­ postas de acordo com as correntes vivas do presente, pois se assim fósse, se ele se pusesse a reforçar ou reprim ir tendências, opiniões e doutrinas atuais com explicações do passado, seria um escritor tendencioso, um p u ­ blicista sem categoria (72). A história serve à própria história, mas grande p arte da história é elaborada para atender às solicitações das gerações presentes.

Desenvolvimentos posteriores O m undo histórico recebeu de Dilthey e R ickert a mais autêntica compreensão filosófica. R ickert continuou suas investigações em sua obra O problem a da filosofia da história (73), onde, ao analisar as três épocas da filosofia da história, m ostra que na terceira é o sujeito e não a natureza o ponto central da teoria do conhecimento. A natureza, diz ele, não é a realidade absoluta, mas seu m odo geral, determ inado por formas compre­ ensivas subjetivas, e assim o infindável universo não é nada mais que um a idéia do sujeito. Através dessa idéia, os fundam entos do naturalis­ mo estão totalm ente m inados (74). O homem, agora como sujeito, não só está no centro da natureza cientificam ente concebida pela sua razão teórica, como a com preende com sua razão prática. A natureza já não é mais o m undo, mas um a representação do ser sensorial através do homem. Há, assim, um sentido em explicar a vida cultural historicam ente condi­ cionada em sua unicidade e individualidade de valores. Troeltsch, Croce, Collingwood, Ortega y Gasset e o próprio Jaspers (75) aceitam, em linhas gerais, as características do conhecim ento histórico, tais como foram aqui expostas nas linhas do pensam ento de Dilthey e R ickert. (72) G. R itter, “ Leistungen, Problem e und Aufgaben der internationalen Geschichtsschreibung zur neuren Geschichte” , R elazioni, vol. vi, x Congresso Intem azionale di Scienze Storiche, Florença, 1955, 322. (73) Die Problem e der Geschichtsphilosophie. E ine E infuehrung, 3.a ed., H eidelberg, 1924. (74) Ob. cit., 138-139. (75) As principais obras de E. Troeltsch, Der H istorism us u n d seine Probleme, 1922; de B. Croce, Teoria e storia delia storiografia, 1943; de R . G. Collingwood, T h e Idea of N ature, 1945 e T h e Idea of H istory, 1946; de O rtega y Gasset, Historia como sistema, 2.a ed., 1942, já foram aqui aproveitadas. Resta lem brar o continuador de Ortega, Ju liá n Marías, Introducción ala filosofía, e, aceitando tam bém a unidade, irreversibilidade, particularidade da historia, Karl Jaspers, Vom Ursprung und Ziel der Geschichte, 1949, trad. esp., Origen e meta de la historia, Revista de Occidente, 1950.

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O positivism o lógico e a historia Urna nova escola filosófica, o positivismo lógico do “círculo de V iena”, ou a cham ada filosofia científica, não aceita as teses de Dilthey e R ickert e seus sucessores e defende a unidade do conhecim ento científico. Segundo os positivistas lógicos, a prim eira dificuldade para o estabelecim ento de juízos positivos está na linguagem, que dividem em científica e do senso comum. A “lógica” acum ulada na linguagem comum representa um es­ tágio prim itivo da ciência; o positivista, como toda gente, usa a lingua­ gem coloquial de modo a se fazer com preendido, mas usa-a de modo crí­ tico. A filosofia científica procura, em prim eiro lugar, determ inar o que há de comum em todos os ramos da ciência. O principal problem a surge qu ando se estudam as relações m útuas dos dois grupos de ciências, que, de regra, têm sido consideradas como opostas ou mesmo incompatíveis: as ciências naturais e as hum anidades. O positivismo lógico pela prim eira vez desenvolveu a idéia de que a epistemología não' é senão o estudo ló­ gico da linguagem n a qual se expressam os resultados científicos (76). O “círculo de V iena” desenvolveu a teoria de que a linguagem cien­ tífica pode ser construída de m aneira coerente em simples elementos u n i­ formes. As sentenças são curtas e im ediatam ente compreensíveis. Para eles não existe diferença fundam ental entre a ciência natu ral e a historia, es­ pecialmente entre os dois casos extremos: a física teórica e a historia pu ra (?). Para sustentar isso afirm am que o historiador usando, p ara a descrição dos acontecimentos, das expressões que a linguagem coloquial lhe oferece (e só ocasionalmente a suplem entam ou alteram com suas próprias formulações), reduz (!) o "único” a um a combinação de elementos reversíveis ou capazes de repetição, e então procede analogam ente ao fí­ sico, que retira da corrente dos fenômenos naturais os aspectos que se repetem ou recorrentes. O trabalho científico do historiador consiste es­ sencialmente nesta redução e na concepção de juízos gerais sobre os quais repousa a redução. Pode-se dizer que o trabalho do historiador está mais próxim o da realidade do que o do físico, no sentido de que os processos de abstração e simplificação que aplica não se adiantam m uito ao usual na linguagem diária. O contraste entre os dois campos extremos pode, talvez, ser esquematizado dizendo-se que o físico faz especialmente afir­ mações gerais e deixa as inferências dos casos individuais ao leitor, ao passo que o historiador, ao contrário, usa seus julgam entos gerais antes de tudo para a seleção e formulação das sentenças que descrevem a ocor­ rência individual. Assim, não concordam os positivistas que seja um a caracterização ú til afirm ar que a física, no caso ideal, consista somente em sentenças que são tão gerais quanto possíveis, e que a história consista somente em afirmações puram ente individualizadas. Para eles, em todos os campos se enContra um a progressão da observação simples para a ge­ neralização compreensiva, que corresponde à essência do trabalho cientí­ fico, mesmo que a extensão da generalização que se almeja e se consegue seja m uito diferente nas várias disciplinas. (76) N ão aceitam o dualism o científico, mas defendem pluralidade lingüística.

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o dualism o e, até mesmo, a

Finalm ente, não se pode construir um contraste básico entre as ciên­ cias naturais e as hum anidades em relação à m atéria ou ao m étodo. Es­ tabelecidos esses princípios gerais sobre a alegada lim itação dos conceitos científicos e afirm ada a inexistência do dualism o científico, propõem-se os positivistas lógicos a tratar da conceituação histórica. Depois de fixar que a palavra história é em pregada no sentido de objeto do escrito histó­ rico e de escrito de um historiador, afirmam : 1) que não se pode distinguir entre ciência n atu ral e história, na base da unicidade, pois na evolução biológica do homem, na teoria da descendência e n a paleontologia ocorre o “único”, no mesmo sentido histórico; 2) que n a história científica, em princípio, tal como ocorre na física, se destacam do curso único dos acon­ tecimentos os fenômenos parciais que se repetem (reversibilidade); que a história trata dos eventos que aconteceram nos últim os 5 ou 6 m il anos, e que estão conotados uns com os outros pela tradição (!); num passo adiante, estão as ocorrências filogênicas, que influem umas sobre as outras, pela hereditariedade; um passo abaixo, os processos físicos, fisiológicos e psicológicos, cuja duração tem a mesma ordem de m agnitude da prolongação das reações hum anas individuais; que o problem a epistemológico de­ cisivo na ciência histórica é o da verdade histórica (Neste caso exem pli­ ficam deste modo: quando nós afirmamos “César cruzou o R ubicão”, a questão do critério de verdade aparece e o conceito aristotélico da ver­ dade, de acordo com o qual a sentença “A é B é verdadeira se A é real­ m ente B” não basta aqui, porque é exatam ente aquele è realmente já que se trata de passado, que precisa de explicação. N aturalm ente, racioci­ nam os lógicos positivistas, que concordam que a sentença em questão é conotada com as regras apropriadas da linguagem, isto é, César é o nome de um a pessoa e não de um rio, e R ubicão de um rio e não de um a pro­ priedade. Ora, como não é possível a verificação, afirm am que em relação ao passado só se pode dizer sobre aquilo que deixou traços); q u e o critério da verdade de um a afirm ação histórica repousa n a verificação possível dos efeitos posteriores observados dos fatos alegados e de suas conseqüências indiretas (fontes!), incluindo a aplicação de inferências derivadas de ex­ periências gerais. O texto de um a exposição histórica, como um todo, ou de um deta­ lhe, não é nunca determ inado pelos fatos, mas sempre se origina da teoria (todo registo histórico é um a teoria do acontecim ento em questão, como a aplicação das equações de N ewton é um a teoria de um simples fenômeno do m ovimento). A teoria está incluída nas convenções lingüís­ ticas geralm ente aceitas, por estipulações im plicitam ente adm itidas, por suposições hipotéticas sobre relações causais e, finalm ente, pelos fins m a­ nifestam ente estabelecidos e as tendências tácitas. Ás teorias históricas (Comte, M arx, Buckle, Spengler) consistem em princípios gerais fraca­ m ente fundam entados, que pretendem ser exclusivistas. T o rn a r precisas essas idéias, adaptá-las umas às outras, determ inar seus fundam entos em­ píricos e delinear os limites da validez, parecem ser os problem as cuja solução se encontra num futuro rem oto (77). (77) Seguimos e resum imos a exposição de R ichard von Mises, Positivism. H um an Understanding, H arvard Univ. Press, 1951, 2, 3, 9, 211, 212, 213, 219-223.

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A Study in

A chamada filosofia científica, que reduz o m étodo à linguagem, exprime-se com um a total incompreensão das características do trabalho histórico, falando de história pura, de redução, desconhecendo a unicidade, particularidade e individualidade do fato histórico, tal como foi exemplificado nessas páginas. Baseando-se no velho tratad o de J. G. Droysen, hoje tão ultrapassado; estabelecendo que o problem a decisivo é a verdade histórica, com o citado exemplo tão ingênuo; ensinando que na história só se pode afirm ar o que deixou conseqüências, e explicando d a­ quele modo cândido qual o critério da verdade histórica; não com preen­ dendo o papel dos conceitos gerais, como revolução, na individualidade histórica, o positivismo lógico não traz conseqüências para o conhecim ento histórico e em nada contribui para seu esclarecimento positivo. Dizer que todo acontecim ento físico é único, como o fez von Mises e reafirm a H ans R eichenbach (78), e, portanto, que a unicidade não é característica da his­ tória, é não com preender o conceito já explicado. Dizer que “duas situa­ ções políticas que conduzem à guerra podem ser m uito diferentes em m ui­ tos detalhes, mas que ambas exibem certas feições comuns, que as fazem conduzir à guerra” e que, portanto, a explicação histórica, como física, consiste em m ostrar que a ocorrência individual é o padrão para um a relação geral que pode ser estabelecida (79), não parece contribuir para o esclarecimento do problem a. Sustentar n a crítica ao conceito da irrever­ sibilidade histórica que o processo da combustão (80) é irreversível, pa­ rece aos historiadores e filósofos da história total incom preensão (81) da (78) “ Probability M ethods in Social Sciences” , Policy Sciences, Stanford U niv. Press, 1951, 121-128. (79) H ans Reichenbach, ibid. (80) H ans Reichenbach, La filosofía científica, México, Fondo de C ultura Económica, 1953, 138. (81) T otal incom preensão do conhecimento e pesquisa histórica e da historiografia se revela em artigo de E uríalo Canabrava, partid ário da filosofia científica no Brasil ( “ H istória e ciência” , Diário de Noticias (R io de Janeiro) 18 de dezembro de 1955.) Vejam-se por exemplo, as seguintes afirmações: “ O estudò histórico, ao contrário do q u e acontece no dom ínio cien­ tífico, desenvolve-se em plano puram ente discursivo, sem recorrer a equações funcionais, que captem os vínculos de proporcionalidade constante entre as variáveis”. Certas disciplinas (e a história seria um a delas) sofrem de infantilism o metodológico. Im aturidade m aior, porém, revela o próprio au to r ao escrever que o registo cronológico” baseado na observação dos períodos cíclicos que correspondem às inundações do N ilo seria trabalho de historiador. O registo cronológico, simples auxílio à história, não é trabalho de historiador e nem sequer de cronista. O A utor declara que “ a m anipulação ( ! ) direta das fontes e documentos req u er aptidão de especialista, que se m ostre capaz de discernir os dados autênticos por mais que eles se ocultem sob a cam ada espessa do trivial e aleatório” . Ao lado disso ohistoriador deve recorrer à “pesquisa das causas, porém suplem entada po r hipóteses sobre a influência no concreto de poder político e de liberdade social, que se projeta no plano da metodologia científica” . “Sua atividade se m ostra extrem am ente complexa, pois im plica um jogo duplo em que poucos se m ostram peritos, revelando quase todos m aior inclinação para a técnica historiográfica, desacom panhada de qualquer preocupação com a crítica das instituições e a análise de seu sentido político e social.” A historiografia não aguardou a lição dos positivistas e do filósofo brasileiro para recorrer à pesquisa das “ causas” e motivos e para exam inar e criticar as instituições, o poder político e a liberdade social. R anke, Dopsch, Mommsen, H uizinga, Meinecke e P irenne há m uito tem po deram à história o sentido crítico que dela exigem os positivistas que efetivam ente não a conhecem. O que eles não puderam fazer e nunca se fará em qualquer disciplina hum anística — foi elim inar o plano narrativo e recorrer “ a equações funcionais que captem os vínculos de proporcionalidade constante entre as variáveis”, pois, de outro modo, elim inar-se-iam a linguagem e a palavra com todas as suas inevitáveis am bigüidades. Não é possível converter a história num a fórm ula algébrica ou em figuras geométricas. Podemos identificar-nos com as personagens históricas e as obras

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impossibilidade de reproduzir um fato histórico, a menos que se esteja jogando com os conceitos gerais, indispensáveis n a narração histórica, como, por exemplo, o de revolução, já tratado, e esquecendo que só o fato histórico deve ser sempre qualificado: Revolução Francesa, Am eri­ cana, Russa, sem o que se trata de um a abstração a-histórica. A história não estuda revoluções em abstrato, mas revoluções específicas.

A linguagem histórica U m a crítica do positivismo deve ser mais cuidadosam ente observada: a linguagem histórica deve ser menos vaga e complexa, menos obscura e ornada, evitando-se o tom discursivo oratório, heróico e fútil para torná-la inconcussa. A variedade e riqueza da história não deve ser motivo para o uso de uma linguagem vaga e enfeitada. A precisão e definição de cer­ tos conceitos em termos exatos deve ser tentada, para que se evitem de­ sentendim entos. J á nos referimos aos conceitos como revolução, feudalismo, barroco, Renascimento, capitalismo, civilização (82), que são m uitas vezes empregados em sentidos diferentes. Sobre o conceito das palavras revolução, revolta, rebelião, Barbosa Lim a Sobrinho (83) m ostrou como “a divergência no seu emprego an u n ­ cia, antes de tudo, um a interpretação diferente dos fatos”, o que revela a im portância do esclarecimento conceituai destes termos na historiografia. Lem bra o autor que no tem po do Im pério todo m ovim ento arm ado era denom inado rebelião, mas isso “seria m esquinho para nós que desejamos en q u ad rar o m ovimento de 1848 na história do Brasil e não no Código Penal do Im pério. Do ponto de vista dos governos constituídos, tòda revolução não passa de uma rebelião. Mas que valeria um a história su­ jeita a critérios prim itivos, ou adstrita às classificações das leis penais ?” Além das revoluções que são qualificadas pelos adjetivos como Praieira, Farroupilha etc., ou pela época, Revolução de 1817, fala-se, m uitas vezes, de revolução social, industrial, significando movimentos sociais e econô­ micos. No prim eiro caso, como acentuou ainda Barbosa Lim a Sobrinho(84), todas as revoluções são movimentos sociais. “Para se dizer, porém, de um a determ inada revolução que fora um a revolução social, seria ne­ cessário exigir um pouco mais que a simples presença e atuação de fa­ tores econômicos. O que poderia justificar sem elhante classificação seria um conflito de classes, mas um conflito perfeitam ente definido e com as necessárias proporções, para decidir dos sucessos e p ara orientar os fatos.” E não só isto. Como a história não estuda em geral revoluções políticas ou sociais, mas tais e quais revoluções políticas e sociais, sempre se há de poéticas e com preendê-las, diz P. Kirn, mas não com as idéias ou o m undo dos sentimentos do quadrado da hipotenusa ou de um a nuvem carregada de eletricidade (E infuehrung in die Geschichtsxvissenschaft, Berlim, 1947, 64). (82) José H onório Rodrigues, “ Civilização. Palavra e conceito” , Vida e história, Rio de Janeiro, E ditora Civilização Brasileira, 1966, 258-262; Alfred Cobban, ‘T h e Vocabulary of Social H istory”, P olitical Science Quarterly, 1956, vol. 71, 1-17. (83) “Revolução, revolta, rebelião” , Jornal do Brasil, 10 de julho de 1949. (84) A Revolução Praieira, Recife, 1949, 53.

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ater o historiador a revoluções específicas no tempo e no espaço. Ele pode descrever a história das revoluções, mas sua narração se fará tendo em vista movimentos particulares. Da mesma forma se fará em relação a q u alq uer outro tipo qualificado de revolução, como a chamada Revolu­ ção Industrial, cujo conceito e conjunção de palavras se originou na França (85), em bora caracterizasse um fato econômico e social que ocorreu especialmente na Inglaterra, onde, aliás, a palavra mais se generalizou na linguagem comum (8e). Para Clark, a idéia expressa no tèrm o Revolução Industrial é inadequada, vaga e capaz de gerar confusão. Não é suscetível de prova estatística, não emerge de um exame compreensivo das fontes m anuscritas, não deve nada a nenhum a espécie de técnica científica. Mas como são as idéias que nos dão acesso ao concreto, que não se pode expri­ m ir em fórmulas, é através delas que chegamos à idéia da Revolução In ­ dustrial, frase composta de dois nomes abstratos, mas que adquiriu, com o uso, quase tanta natureza quanto um nome próprio (87). Há, como diz C ardiner, um a fundam ental distinção entre as lingua­ gens usadas pelo historiador e o cientista na descrição do m undo em que estão interessados respectivamente. A teoria das “construções lógicas” en­ sina que se deve evitar o uso de palavras de conceituação duvidosa, a que já nos referimos. O historiador não pode formalizar sua linguagem, como o cientista; a term inologia que usa reflete a variedade e riqueza de sua m a­ téria, e sua linguagem é aquela do senso comum, que por motivos de eco­ nom ia e força se enche de expressões elípticas e metafóricas. Não é tarefa do filósofo, dizem os positivistas, alterar os hábitos lingüísticos do povo ou reduzir a riqueza e variedade da língua coloquial e comum, mas é im portante im pedir a ocorrência de confusões filosóficas e para isso deve-se sublinhar as metáforas quando delas se utilizam e apontar os limites ló­ gicos das expressões figurativas (8S). Não quer isso significar o em pobre­ cimento da linguagem do historiador, que tem um a liberdade m aior de expressão pela força de seu estilo próprio, em bora a clareza e a concisão devam ser suas normas. Já ensinava Fernão Lopes que “escrevendo ho­ mem do que não é certo, ou contar mais curto do que foi, ou falar a mais largo do que devemos, m entirá, e este costume é m uito afastado de nossa vontade”. Seu objetivo era só escrever a verdade e desprezariam o seu livro os que “p o r ventura em esta crônica buscam fermosura e novidade de pa­ lavras e não a certidão das histórias. . . ” “Nem entendaes que certificamos cousa, salvo de muitos aprovada e por escrituras vestidas de fé. D outra guisa, ante nos calaríamos, que escrever cousas falsas; que logar nos ficaria para a ferm osura e afeitam ento das palavras pois todo nosso cuidado é isto, desprezo n ão abasta para ordenar a má verdade” (80). Como lem brou Dilthey, a história não é nem precisa nem exata como as ciências naturais, porque sendo mais concreta e aproximando-se m uito (85) Anna Bezanson, “ Early Use of the T erm Industrial R evolution” , Quarterly Journal of Economics, xxxvi (1922), 343. (86) George N orm an Clark, T h e Idea of the Industrial R evolution, Glasgow, 1953. (87) Ob. cit., 32-33. (88) Patrick G ardiner, T h e N ature of Historical E xplanation, Oxford Univ. Press. 1952, 51-64 e 120. (89) Crônica dei rei D om João, Lisboa, 1644, 2.

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mais da experiência hum ana tem de ser, por isso mesmo, algumas vezes imprecisa. Daí o dizer-se acertadam ente que o que distingue, n a verdade, o grande historiador é a riqueza, a profundidade e intensidade de sua ex­ periência pessoal. Sem ela o historiador não poderia penetrar nos fatos históricos, que são essencialmente fatos hum anos. P or isso que a ciência n atu ral é tão tipicam ente exata e as ciências históricas são tão tipicam ente inexatas é que alguns disseram, como Trevelyan, que a história seria científica, nos seus métodos, mas literária na exposição (90). Form a errônea de ver o problem a, pois, como escreveu Huizinga, seria deplorável para a nossa cultura se as obras da história destinadas a pessoas de cultura geral fossem entregues a historiadores mo­ vidos mais por um interesse estético, que escrevessem obedecendo a um im pulso literário, buscando, com meios literários, efeitos literários (01). Mas o fato de se desejar, como disse Huizinga, que o historiador não procure só efeitos literários ou não use só de meios estéticos não significa que ele não tenha como obrigação essencial utilizar-se de um a lingua­ gem correta, de vez que a forma da exposição desempenha na história um papel m uito mais im portante que em qualquer outra especialidade cien­ tífica.

EXPLICAÇÃO CAUSAL A lei da causalidade científica Q uando a ciência procura explicar os fenômenos, ela recorre ao p rin ­ cípio da causalidade, ou seja, à identificação do antecedente com o conse­ qüente. O princípio da causalidade não é outra coisa que a suposição de que todos os fenômenos da natureza estão subm etidos a leis. Deste modo, a causa de um fenômeno é a lei, a regra em pírica que governa toda a classe de fenômenos análogos. Houve assim, explica Meyerson, um a assimilação completa entre os dois conceitos de causa e lei, o segundo dom inando e absorvendo o prim eiro e transform ando o princípio da causalidade em princípio de legalidade, ou seja, a suposição da legalidade de todos os fe­ nômenos da natureza. A fé absoluta no valor das leis não podia, por si só, sustentar o pos­ tulado, pois é claro que a lei não exprim e diretam ente a realidade, já que (90) Q uanto à posição de George Macaulay T revelyan, já nos referimos, anteriorm ente, à sua reação ao chamado “cientificismo histórico” . Mas é preciso ressaltar que esse “ cientifi­ cismo” nada tem a ver com a fundam entação da história como ciência, de Dilthey e Rickert. Aquele era a transposição do naturalism o, especialmente biológico, para a história, enquanto que este era a afirm ação autônom a da ciência histórica. Trevelyan simplesmente desconheceu os pro ­ blemas levantados por esta últim a corrente e, por isso, sua crítica não se dirige a Dilthey e R ickert. Além disso, a afirm ação filosófica e lógica da história como ciência, feita princi­ palm ente pelos dois filósofos, não conduzia nem conduz à negação da qualidade artística da composição histórica. A força do grande historiador está tam bém na capacidade literária de sua narração. J á o cientificismo de L am precht, falso e superficial, im pedia, pelo uso e abuso de um a linguagem deform ada, a arte da composição histórica. (91) J. H uizinga, E l concepto de la história y otros ensayos, México, Fondo de C ultura Económica, 1946, 36.

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ela é um a construção ideal não do que se passa, mas do que Se passaria, caso certas condições se realizassem . A lei enuncia que se as condições se modificam de m aneira determ inada, as propriedades atuais dos corpos devem sofrer também um a modificação igualm ente determ inada, e nesse caso, pelo princípio causai, deve haver ali um a relação entre as causas e os efeitos, isto é, as propriedades prim itivas e mais a modificação das con­ dições devem igualar as propriedades modificadas. Meyerson, depois de assim expor a relação da lei com a causa, afirm a que de nenhum modo se pode dizer que esta últim a, que é um a das con­ dições determ inantes do fenômeno, seja única. Ela pode, apenas, ter aparecido como a mais notável (1). Hoje, nas próprias ciências exatas há menos confiança na universali­ dade e necessidade da explicação mecanicista. W hitehead, por exemplo, sustenta que o eléctron, dentro de um corpo vivo, difere de um eléctron fora deste. “O eléctron corre cegamente dentro ou fora do corpo, mas dentro do corpo ele corre de acordo com o caráter desse mesmo corpo, isto é, de acordo com o plano geral do corpo, e éste plano inclui o estado m ental” (2).

O positivism o lógico e a causalidade científica As proposições causais são insustentáveis, afirm am os lógicos. Para a filosofia científica, a relação de causa e efeito, entre outras tão usadas na linguagem comum, é das mais interessantes do ponto de vista epistem o­ lógico (3). O riginalm ente não há distinção entre a relação causal e a p u ra­ m ente tem poral. As explicações sempre procuram relacionar um aconte­ cimento com outro ou com um conjunto de acontecimentos que o oca­ sionam ou condicionam (4). A explicação causai procura, portanto, um a correlação de aconteci­ mentos, e a formulação' de leis ou generalização. Para Russell, é desejável a elim inação completa da palavra causa do vocabulário filosófico e a sim­ ples razão pela qual a física deixou de pesquisar as causas é porque, de fato, elas inexistem (5). Segundo os positivistas lógicos, H um e representa o ponto culm inante no tratam ento do problem a da causalidade: a sucessão causal e a tem poral não são equivalentes, e infere-se a impressão necessá­ ria de conexão simplesmente da conexão tem poral experim ental entre certos fenômenos (e). (1) Émile Meyerson, Id en tité et réalité, 4.a ed., Paris, Alean, 1932, xvni, 1-3, 9*10, 21-22, 35, 39. (2) A. N. W hitehead, Science and the M odern W orld, Londres, Penguin Books, L td., 1935, 96. Aí se mostra, ainda, que é com a M écanique analytique de Lagrange, publicada em 1787, que culm ina a idéia da explicação mecânica, 76. (3) Von Mises, Positivism. A Study in H um an Understanding, H arvard Univ. Press, 1951, 152. (4) P. G ardiner, T h e N ature of Historical E xplanation, O xford University Press, 1952, 1, a quem seguimos nesta exposição. (5) B ertrand Russell, M ysticism and Logic, Nova York, 1918, 180. (6) Von Mises, ob. cit., 156.

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A opinião clássica a respeito da causalidade era a de que a causa de um acontecim ento tinha um a certa duração definida, e que logo que esta se extinguía começava o efeito. Haveria, assim, um instante de cessação da causa e outro de inicio dos efeitos. Más se o tem po é considerado como um a série de instantes, é claro que não pode haver instantes contiguos, pois entre dois instantes, por mais próximos que se possa imaginá-los, é sempre possível in terpor outros. Por conseguinte, se dissermos que a causa é a parte que precede diretam ente o efeito, ou seja, o instante final antes de começar o efeito, logo surge um a dificuldade — a de que é possível intérpor um núm ero infinito de instantes entre os dois selecionados e nossa pes­ quisa p or urna causa correspondente aos últim os instantes de um processo redunda em um regresso infinito aos acontecimentos em questão. Seria, assim, impossível estabelecer a causa de um efeito. P ara os positivistas lógicos h á que distinguir entre a causalidade no conceito p opular e a causalidade no conceito científico. N a vida diária, a relação causa e efeito não possui a precisão da análise crítica preceden­ te, em termos de duração, contigüidade im ediata, etc. Para acender um fósforo basta que se saiba que riscando-o se obterá o efeito desejado (7). O senso comum é seletivo; seleciona como causa dos acontecimentos aque­ les aspectos que possam ser utilizados para sua produção ou prevenção. As generalizações do senso comum afirm am um a relação relevante entre os fenómenos que conotam: isto é tautología. Não vão álém, não fazem um a análise estrutural dos fenômenos que ligam: contentam-se em noticiar um a simples co-presença ou sucessão na experiência (8). A vida diária não exige precisão e os termos gerais servem adequadam ente aos propó­ sitos da comunicação. Preocupam-se com as regularidades de um a espécie relativam ente simples. Já a linguagem científica usa outra espécie de generalização na for­ m ulação de leis. A correlação completa entre hipóteses de níveis mais altos e mais baixos de generalidade e abstração é acom panhada do desen­ volvimento de correspondentes terminológicos (9). Um a lei física nunca se exprim e em form a de generalização simples; tódas as leis físicas têm a for­ ma de equações, em que um a variável é função de outra (10). Haveria, assim, segundo Mach, correlação funcional em termos de m edida e esta, ainda assim, seria feita m ediante padrões independentes dos sentimentos do observador. Mas os positivistas lógicos, tratando-se de fenômenos m en­ suráveis, consideram — u m pouco diferentem ente de M ach — que a ex­ pressão m atem ática da relação causai não é a relação funcional entre duas variáveis, mas um a equação diferencial, em que o tempo desempenha o papel de variável independente (11). A lei de causalidade é a generalização indutiva da experiência que, de regra, se pode achar para qualquer acon­ tecim ento B outro acontecim ento A, de tãl modo que B segue A e nunca ocorre sem A. Mas se se abandonar a idéia de atom izar o m undo em (7) (8) (9) (10) (11)

G ardiner, ob. cit., 9-10. G ardiner, ob. cit., 16. G ardiner, ob. cit., 17. G ardiner, ob. cit., 21. Von Mises, ob. cit., 158.

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acontecimentos isolados simples, que se repetem sob certas condições, então a lei de causalidade perde sua significação (12). A ciência prefere a noção de probabilidade (13), que gradua as in ­ fluências e procura não om itir nenhum a, nem aceitar um a só. Se não en­ contrarm os leis causais nas ciências mais avançadas como a física, se filóso­ fos como Russell a rejeitam , isso não significa, diz G ardiner, que ela seja inútil. Ela é indispensável em outros níveis, como o do senso comum. A explicação física e a comum dependem das correlações observadas na experiência (14). E entre as duas se interpõe um a outra: a das disciplinas históricas, que não podem atingir a precisão da física e da m atem ática e que ainda usam de formas causais de explicação, em bora suas teorias tentem tam bém eliminá-las do seu vocabulário.

A história e a explicação causal. A compreensão É lógico que tal reação haveria de fortalecer se nas ciências históricas, especialmente depois das contribuições filosóficas de D ilthey e Rickert. Em 1898, W u n d t dizia que toda tentativa de construir a história de cada povo e a da hum anidade segundo leis de causalidade seria em presa não só inexeqüível como falha (15). Q uer no campo da atividade histórica, q uer no da teoria, foi ganhando força a afirm ativa não só da im possibili­ dade de conhecer as ‘causas dos acontecimentos, mas tam bém da própria inutilidade do conceito, im portante na segunda m etade do século xix, mas hoje excluído da filosofia e da história, libertadas do naturalism o (16). Foi a falsa analogia estabelecida entre os processos do m undo n a tu ­ ral estudado pelos naturalistas e as vicissitudes dos negócios hum anos que provocou seu uso e abuso. “Se o princípio de causa fòsse introduzido no processo vivo da ação histórica, a história se reduziria a um m omento; introduzido n a historiografia, transforma-a logo em algo ininteligível; in­ troduzido na filosofia, torna inconcebível a vida espiritual” (17). N ão se pretende evitar o uso da palavra, mas o do conceito. O his­ toriador pode valer-se déle como de um a metáfora, mas não julgar que, com éle, descreve um processo efetivo do pensam ento histórico. O jogo das causas eficientes, sem alm a alguma, é substituído pelas representações, sentimentos e motivos. A torrente que se precipita compõe-se de gotas dágua homogêneas, que se entrechocam ; porém, um a só frase, que não é mais que o hálito de um a boca, comove toda a sociedade, m ediante um jogo de motivos de puras unidades individuais. É um a interação di­ ferente que consiste não só no fator externo mas na ação interna, pessoal, .(12) Von Mises, ob. cit., 152 e 161. (13) Von Mises, ob. cit., 163 e seguintes. (14) G ardiner, ob. cit., 24. (15) W undt, Vorlesungen über die Menschen und Tierseele, Leipzig, 1898, 3.a ed., 488. (16) Benedetto Croce, La historia como hazaña de la libertad, México, Fondo de C ultura Económica, 1942, 322. (17) Benedetto Croce, Teoria e storia delia storiografia} Bari, Laterza & Figli, 1943, 291.

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individual, singular. Existe um fim, e o historiador procura ver a ade­ quação do ato ao propósito. É um a tarefa psicológica, alheia às explica­ ções naturais. A intenção im pedida, a pressão do m undo, o im pulso e a resistência, tudo isso mostra a relação íntim a entre a ação e o fato. Um espírito se objetiva no fato. Êste não pode ser com preendido se nos lim i­ tarmos a um a relação mecânica de causa e efeito. Formam-se fins, reali­ zam-se valores, e é este algo espiritual que se incorpora ao fato, que im­ pede explicação e exige compreensão (ls). Os grandes historiadores, experim entados no exercício constante da atividade concreta, não hesitam em afirm ar com a mesma convicção a verdade enunciada por um Croce ou um Dilthey. É assim que Trevelyan, o grande historiador e professor inglês, escreve que “os sentimentos, es­ peculações e ações dos soldados do exército de Cromwell são interessantes em si mesmos e não m eram ente como parte de um processo de causa e efei­ to”. Seu prim eiro dever é contar a história, tecer a narrativa, compreender os acontecimentos. “Nós queremos saber, independentem ente de causa e efeito, os pensamentos e realizações da raça hum ana, um a coisa que n u n ­ ca se repetirá, que um a vez tom ou forma e existiu” (19). Neste mesmo sentido, diria Charles Beard, por exemplo, que os ter­ mos causa e causalidade deveriam ser elim inados da história, porque são ambos ambíguos. Q ualquer fato histórico, como a Revolução Americana, com plicado agregado de acontecimentos, condições e personalidades, é um a delim itação no espaço e no tempo e assim seria um a operação alta­ m ente duvidosa atrib u ir causa ou causas a fatos que não podem ser iso­ lados na sua ocorrência. H á apenas aspectos limitadores, determ inantes ou condicionadores (20). M ax W eber, teórico e prático da história econômica e da sociologia, campos onde mais faqilmente se generaliza, afirm a que as leis da causa­ lidade não dom inam as ciências históricas; no m undo das ciências cultu­ rais e históricas há relações compreensivas de meios e fins, isto é, de m oti­ vos e atos. A compreensão histórica é alguma coisa de inteiram ente diferente, sendo quase que exclusivamente um a questão psicológica. N a esfera his­ tórica, quase tudo passa pela consciência. Apenas em determ inadas épocas revolucionárias, de crise ou guerra, os fatores irracionais exercem um a influência mais acentuada^ Mas, na verdade, no campo histórico tudo se volta p ara a interação dos esforços conscientes, nos quais mesmo os ele­ mentos inconscientes tendem a se resolver (21). Devemos ter sempre em mente a infinita complexidade dos motivos que aparecem de todos os lados e agem uns sobre os outros, com plexidade (18) W ilhelm Dilthey, Introducción a las ciencias del espíritu, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 50. (19) George M acaulay Trevelyan, T he Recreations of an H istorian, Londres, T hom as Nelson and Sons, 1919, 21-22. (20) Charles Beard, “G round for a R econsideration on H istoriography”, in Theory and Practice in H istorical Study, A Report of the Com m ittee on Historiography, Nova York, Social Science Research Council, B ulletin 54, 1946, 136-137. (21) Baseamo-nos num excelente resum o feito por E rnst Troeltsch, na Encyclopaedia of Religión and Ethics, editada por Jam es Hastings, 1913, vol. vi, verbo “ H istoriography’'.

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que dá um caráter peculiar a todo caso individual e desafia todo cálculo e experim entação. Daí a im possibilidade de previsão ou prognose (22). Conseqüentem ente, todas as ocorrências da vida individual ou do grupo são tão afetadas pela condição psíquica do indivíduo e da massa que se introduz nas mesmas um elemento incalculável. No processo histórico sempre emerge o novo, que nunca é a mera transform ação das forças exis­ tentes, mas um elemento de sentido essencialmente original, devido à con­ vergência dos vários fatores históricos. O novo não é somente a síntese da tese e da antítese. É algo de inteiram ente incalculável e imprevisível. É evidente que há, assim, um a correlação entre a situação da vida e o processo de pensam ento que vai realizar e participar da nova situação. T o d a a dificuldade de aplicação da causalidade à vida histórica está exa­ tam ente no fato de. que este processo de pensam ento não pode ser previsto. Como ocorreu, só depois de ocorrido é que se apreende. E como nunca se repete, será impossível saber como ocorrerá n o u tra situação, em que a ana­ logia e semelhança pudessem fazer crer tratar-se de situação igual. Eis por que a motivação psicológica difere, a todos os respeitos, da causação natural. Sendo em bora a essência da causalidade histórica de natureza preponderantem ente psíquica, o historiador não precisa, como acentua Graebner, esperar até que um determ inado problem a seja resol­ vido pelos psicólogos, mesmo porque a pesquisa psicológica é sempre d iri­ gida ao geral, ao típico, e portanto não perm ite um a aplicação certa aos acontecimentos individuais da história. O que o historiador precisa, em p rim eiro lugar, é de um grande conhecim ento prático do espírito hum ano, um a compreensão da natureza hum ana. Essa qualidade não pode ser aprendida como o resultado de um a ciência, mas nasce do íntim o da pessoa e pode ser desenvolvida pela educação (23). Trata-se, assim, não da explicação d a vida aním ica em geral, da psi­ cologia experim ental, ciência natural, mas da inteligência de alguns hcv (22) São ilustrativos estes casos de previsão no Brasil, um acertado, outro errôneo. O p ri­ m eiro foi form ulado, em 1878, po r H enrique de B eaurepaire-Rohan, profundo conheoedor da geografia e da economia e história brasileira, nos seguintes termos: “N o lapso de dez anos estará ex tin ta ou quase extinta a escravidão no Brasil” . (O fu tu ro da grande lavoura e da grande pro­ priedade no Brasil, R io de Janeiro, T ipografia Nacional, 1878, 12.) O outrcf foi feito por J u s ti­ niano José da Rocha, jornalista de O Brasil, no núm ero de sábado, dois de ab ril de 1843, com data de 1943. Aí noticia a chegada de S. M. O Im perador de um a visita pelas 52 províncias do Brasil, diretam ente da capital de Minas, em viagem de trem com a rapidez surpreendente de 36 horas. Diz que S. M. fóra visitar a Província de M ato Grosso ipas, p ara poder exam iná-la mais d eti­ dam ente, preferiu viajar n ã o ‘ de trem ou fluvialm ente e sim pela estrada de coche. Registra depois o aparecim ento de um a história do Brasil que abrange nossa época. Sum aria os aconte­ cimentos de nossa evolução até o reinado de D. Ped.ro iii e João I, nos quais “ todas as in stitu i­ ções se desenvolveram, a prosperidade pública aum enta, a m arinha, o comércio e a indústria p ro ­ tegidos com habilidade m ultiplicam nossas relações e dão-nos desconhecida influência no exterior. As nossas hábeis negociações m ercantis com a Europa, nossas alianças com a Alem anha, nossas relações com os dois reinos da América do N orte e de Buenos Aires, com o grão-ducado de M on­ tevidéu e do Chile, hoje tão opulanto, mostram a influência do sistema brasileiro na sorte dessas o utrora m alfadadas repúblicas” . O utro caso de profecia acertada é o de D avid Caldas (1835-1879), que no O itenta e Nove, jornal de T eresina, afirm ou, em 1.° de janeiro de 1873, dezessete anos antes da proclamação da R epública, que a m udança de regime se daria em 1889. Vide Jussien Batista, “David Caldas, o profeta da R epública”, Diário de São Paulo, 1.° de janeiro de 1950. Apesar dos exemplos, a história não profetiza. Vide Ortega y Gasset, L a rebelión de las masas, M adri, 1948, 59. (23) F. G raebner, M ethode der Ethnologie, Heidelbôw? XTSrt W inter’s Universitátsbuchh andlung, 1911, 161-170.

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mens ou de certas massas determ inadas, em determ inada época. A psico­ logia naturalista quer afirm ar leis, a psicologia histórica n arra fatos e revive “a vida da alm a n a história”, no seu transcurso individual (24). É p or esta razão que se encontra entre os historiadores notáveis psicólogos, no tem po mesmo em que não havia nem sequer o conceito atual do psí­ quico. É, portanto, a psicologia descritiva, narrativa, compreensiva (Geiíteswissenschaft), em contraposição à psicologia naturalista, que explica e form ula leis (Naturwissenschaftliche Psy chologie), a auxiliar indispensá­ vel do historiador. Essa psicologia, criada por E. Spranger (25), estuda as diferentes for­ mas de vida necessárias para as diferentes realizações espirituais dos vários tipos. E ntre as formas de vida, Spranger descreve-nos como tipos ideais e fundam entais, o homem-teórico, o econômico, o esteta, o social, o polí­ tico e o religioso. B ernhard Groethuysen descreveu o tipo econômico b u r­ guês como um a forma de homem, de ser, pensar e agir como hom em (26). A diferença fundam ental entre esta psicologia e a explicativa está exa­ tam ente em que nesta se trabalha com a percepção, observam-se os fatos, generaliza-se, formulam-se leis sobre a associação de idéias, num homem geral e abstrato. A psicologia cultural descreve um hom em concreto, vi­ vido na história, e procura compreendê-lo. Todavia, isso não significa que a etiología histórica possa ser interpretada por meio da psicologia. E por q u ê1? Porque os estudos históricos não trabalham só com motivos psico­ lógicos, mas recorrem a vários motivos, entre os quais os fatores de ordem m aterial. Às vezes, causas puram ente naturais, tais como as limitações da região polar, as fomes, os invernos, as secas destrutivas, representam um grande papel na história, nem sempre pelos seus efeitos puram ente materiais. Como exem plo de um a influência m aterial que se exerce não direta mas indiretam ente, pela m otivação psicológica que produz, temos o referido p o r R odolfo Teófilo, a propósito das chamadas “experiências de Santa L uzia”, no dia 15 de dezembro, e que consistiam, não só na atenta obser­ vação do tem po nessa data, que corresponderia ao mês de janeiro, e os se­ guintes aos meses de fevereiro, março e assim por diante, como na colo­ cação de seis pedras de sal em um plano, ao relento, já na véspera. No prim eiro caso, se amanhecesse escuro e caíssem alguns chuviscos, ocorre­ riam chuvas regulares; do contrário, todo o mês correspondente àquele dia seria seco. No segundo caso, a pedra mais dissolvida pela m anhã re­ presentaria o mês mais chuvoso. A influência psicológica dessas experi­ ências sobre os m atutos era de tal sorte que, q uando os resultados eram negativos, logo havia alguns que abandonavam tudo e tratavam de emigrar (27). (24) H . R ickert, Ciencia cultural y ciencia natural, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1937, 82. (25) E duard Spranger, Formas de vida, psicologia y etica de la personalidad, Buenos Aires, Revista de Occidente A rgentina, 1946. (26) B ernhard Groethuysen, L a form ación de la conciencia burguesa en Francia durante el siglo xvm , México, Fondo de C ultura Económica, 1943. (27) Rodolfo T eófilo, História da seca do Ceará, 1877 a 1880, R io de Janeiro, Im prensa Inglésa, 1922, 74-75. Vide tam bém Josa Magalhães, “Previsões folclóricas das sècas e dos invernos n o Nordeste brasileiro” , R IC , t. l x v i , 1952, 252-268.

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Sobre a influência direta da ação de um fator climático no curso de um acontecim ento histórico temos, por exemplo, o papel im portante re­ presentado pelo inverno na destruição dos exércitos napoleónicos pelos exércitos russos. Os determ inistas geográficos e econômicos atribuem , apesar da nega­ tiva de alguns dos seus partidários, a causas puram enle m ateriais a eclosão dos fatos históricos. Se não se pode aceitar o exagéro de Simmel, de que as condições do solo e do clima são para o curso d;t história tão indiferen­ tes qu an to o clim a e o solo de Sírio, um a vez que não influenciem direta ou indiretam ente a constituição psicológica dos povos (28), ou o de Ratzel, da influência decisiva destas condições materiais, pode-se aceitar m ode­ radam ente que a natureza e a geografia são apenas-o substrato da história, como escreveu E duard Meyer. As condições geográficas não têm poder criador; sob idênticas condições do solo e clima houve a eclosão do gênio grego e sua miséria m oderna e atual; sob idênticas condições geográficas houve a cultura indígena pré-cabralina e a singular civilização tropical que o m undo conhece. N a pesquisa das causas m ateriais, de natureza econômica, não se pode deixar de ver tam bém a própria motivação psicológica e as reações ideo­ lógicas e superestruturais. A origem do capitalismo, por exemplo, ilustra bem a tese da íntim a relação entre as causas econômicas e éticas, e da insu­ bordinação às vezes decisiva destas às sugestões daquelas. M ax W eber m ostrou que, enquanto o calvinismo, provocando um a revolução m oral e espiritual, libertava a consciência protestante dos problem as surgidos com a formação do capitalismo e deste m odo facilitava a nova síntese capita­ lista, a superestrutura católica dos países que prim eiro contribuíram para a formação do capitalismo, pelas descobertas marítim as, pela abertura de novos mercados, pelo influxo de m etal precioso trazido à Europa, dificul­ tava, pela criação de conflitos m orais e religiosos, a definitiva constituição do capitalism o (29). A m elhor atitude interpretativa será sempre aquela que procurar ver o conjunto das condições materiais, relacionadas funcionalm ente, ou seja, na dinâm ica do fato que sucedeu, a função de cada parte no conjunto. Não há prioridade de um a causa, erigida em fundam ental pelos deter­ ministas. N isto assenta a principal divergência entre eles e entre eles e os historiadores. Não se pode adm itir hierarquia na m otivação histórica. Ao investigar um acontecimento, o historiador distingue entre o que se pode cham ar o lado externo e o lado interno do fato. O interno é o que só pode ser descrito em termos de pensam ento. O historiador nunca pode excluir qualquer déles. Ele investiga não meros acontecimentos, mas ações, e ação é a unidade do aspecto externo e interno de um acontecimento. Ele sempre se lem bra que sua tarefa consiste em pensar na ação, para discer­ n ir o pensamento, o motivo, o fim ou o propósito do agente. (28) Georg Simmel, Die Probleme der Geschichtsphilosophie, Leipzig, 1905, 1. (29) M ax W eber, T h e Protestant E th ik and the Spirit of Capitalism, Londres, 1930. Vide tam bém José H onorio R odrigues, “ Capitalism o e protestantism o”, N oticia de vária história, Livraria São José, 1951, 9-42. Sóbre o caso especial de Portugal, vide José H onório Rodrigues, “Expansão capitalista versus ideologia canônica em P ortugal” , N oticia de vária história, 43-66.

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Na natureza, essa distinção não aparece. Os acontecimentos da n atu ­ reza são meros acontecimentos e não atos de agentes, cujo pensam ento se procurasse descobrir. Collingwood escreve, a esse propósito, que o histo­ riador, investigando qualquer acontecim ento no passado, distingue entre o que pode ser chamado o exterior e o interior do acontecim ento. Por exterior significa qualquer coisa que possa ser descrita em termos de cor­ pos e movimentos e por interior o que somente pode ser descrito em ter­ mos de pensamento. O historiador nunca trata somente de um desses aspectos com exclusão do outro. Investiga não o simples acontecimento, mas ações e estas constituem a unidade do exterior e do interior (30). Isso significa que o historiador tenta com preender o fato e o espírito do fato. P ara o cientista, a natureza é sempre e apenas um fenômeno, um es­ petáculo apresentado à sua inteligência; os acontecimentos, da história, ao contrário, não são nunca meros fenômenos, meros espetáculos, mas coisas carregadas de pensamentos e fins. Ao penetrar no interior dos sucessos para descobrir o pensam ento que neles se exprime, o historiador faz o que nenhum cientista n atu ra l necessita ou pode fazer. Descobrir o pensam ento e com preender a ação é um a tarefa m uito mais complexa e, ao mesmo tempo, é mais simples, na pesquisa dos motivos dos acontecimentos. O que ele precisa é com preender o fato e quando o com preende sabe porque aconteceu. Q uando o historiador pergunta por que B rutus assassinou César, procura conhecer não a causa, mas o que B rutus pensava quando se decidiu a cometer aquele ato (31). A causalidade histórica entendida como um a relação entre causa e efeito escapa à história (32). O processo n atu ra l é processo de acontecimentos, a história é proces­ so de pensamentos e ações. A inda quando se tratam de ações irracionais ou puram ente naturais (comer, beber, amar), a consciência e o pensam en­ to se fazem sentir no resultado, como já observamos. (30) T h e Idea of H istory, Oxford, Clarendon Press, 1946, 2-3.. G ardiner {T h e N ature of . Historical Explanation, ob. cit., na nota 4), de cuja exposição sóbre a causalidade no sitania do Ceará”, RIC, t. 12, 1898, 13. (42) Paulino Nogueira Borges da Fonseca, “Presidentes do Ceará, 7.° Presidente, José Mar­ tiniano de Alencat", RIC, t. 13, 1899, 47-106.

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co u rt(43), tam bém preocupado em p u n ir o crime e defender a segurança individual. “O puxar da faca é o modo usual de liquidar desavenças nessa terra sem lei”, escreveu o viajante George G ardner. E era tão difícil apli­ car a lei que José M artiniano de Alencar escrevia que o interior do Brasil ainda não estava bem preparado para as instalações que garantissem o Código de Processo C rim inal de 1832. Seria influência indígena esse modo de liquidar desavenças fam ilia­ res ? É certam ente difícil responder-se, mas no estudo sobre o direito entre os povos indígenas, realizado por Max Schmidt, o mais exaustivo que até hoje se féz em relação aos índios brasileiros, vê-se que entre estes o ofendido e seus parentes procuravam, eles próprios, obter a satisfação das ofensas. É certo que o próprio Código F ilipino (V, 36, § 1) autorizava o pai a castigar e prender seus familiares. Essa lei coercitiva da família p o rtu ­ guesa, a que os colonos prim itivos deram extensão, foi transform ada no direito lato das sociedades prim ordiais em relação ao pater familias. Os filhos, genros, noras, netos, escravos, todos reconheciam a autoridade desse chefe, isto é, o poder parental, que não obstante as leis existiu de fato no Brasil. A permissão de castigar não significava a legalização do homicídio, nem tampouco o direito de se substituir à autoridade, solvendo obrigações civis, etc. Da enorme extensão que teve o pater familias no Brasil colonial nas­ ceram as lutas intestinas com que se celebrizou o interior da terra brasílica; as contendas dos Militões e Guerreiros no sertão da Bahia e dos Melos e Mourões no Ceará ainda hoje são lembradas. Verdadeiros barões feudais, os fazendeiros opulentos não prestavam obediência à autoridade pública. A opinião pública não reprovava a punição em praça pública da moça seduzida, para desagravo da família, e aceitava o direito de vida e m orte sobre a família e os escravos por parte do pai e senhor (44). Vê-se, assim, que a aplicação do direito sofria, no Brasil, várias res­ trições, cujo conhecimento é indispensável para m elhor se poder recons­ tru ir a vida da antiga sociedade brasileira. M uitos problem as históricojurídicos como estes estão a exigir estudo no Brasil. Q ual a extensão e o lim ite do sentim ento de justiça no hom em comum e no de elite ? Quais as influências político-sociais dos juizes na vida nacional (45) e quais as reações do povo às decisões judiciárias ?

(43) Paulino Nogueira Borges da Fonseca, "Presidentes do Ceará, 12.° Presidente, José Manoel da Silva B ittencourt” , R IC , vol. 21, 1907, 3-11. (44) T ristão de Alencar Araripe. “O pater fam ilias no Brasil dos tempos coloniais”, R IH G B , 2 - , 15. (45) Cf. Afonso Ruy, “Os Juizes do Povo e sua influência político-social no cenário baiano do século xvn” , Anais do Segundo Congresso de H istória da Bahia, 1952, Salvador, Bahia, 1955, 141-153; “Alguns documentos relativos à adm inistração da Justiça nos tempos coloniais” , R IH G SP , xix, 303.

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BIBLIOGRAFIA DE HISTÓRIA DO DIREITO B ib lio g r a fia geral: Cf. C E H B ; C ândido M endes de A lm eida, O rd en a çõ es F ilip in a s, ob. cit., x x x i x - l x i i ; E dw in M. B orchard, G u id e to th e L a w a n d L e g a l L ite r a tu r e o f A r g e n tin e , B ra zil a n d C hile, L ib rary of Congress, W ashington, 1917. H istó r ia d o d ire ito e m P o rtu g a l e no B ra sil: M. A. Coelho da R ocha, E n sa io sobre a h istó ria d o g o v e rn o e da legislação de P o rtu g a l p a ra se rv ir d e in tro d u ç ã o ao e s tu d o do d ire ito p á tr io (3.a ed., 1851); M artins Jú n io r, H is tó r ia do d ire ito n a c io n a l (l.a ed., 1895; 2.a, 1941); Clóvis B evilaqua, “O d ireito no B rasil”, A B N , vol. 38, 1916, 1-11;

V irgílio de Sá P ereira, “O código crim inal de processo e com ercial. Form ação do nosso d ir e ito civil”, A n a is do 1.° C ongresso de H is tó r ia N a c io n a l , t. esp. da R I H G B , 1916, vol. 4. 149 e segs.; A delino M arques e C onstantino Cardoso, E xp o siçã o s u c in ta da h istó ria do d ire ito , C oim bra, E ditora, 1923, e P au lo M erea, L iç õ e s d e h istó ria do d ir e ito p o r ­ tu g u é s. Coim bra, 1923; Pontes de M iranda, F o n te s e evo lu çã o do d ire ito c iv il brasileiro, R io de Jan eiro , 1928; Clóvis Bevilaqua, C ódigo c iv il , R io de Janeiro, L ivraria Francisco Alves. 4.a ed „ 1931, 6 vol.; J. X . C arvalho de M endonça, T r a ta d o de d ir e ito co m ercia l b ra sileiro , R io de Janeiro, 2.a ed., 1933, 10 vols.; P a u lo M erea, A p o n ta m e n to s p a ra a h is ­ tória d o d ire ito p r iv a d o , C oim bra E ditora, 1937, e N o v o s estu d o s de h istó ria do d ire ito , Barcelos, 1937; L. C abral M oneada, E stu d o s de h istó ria d o d ire ito , C oim bra, 1948-49, 2 vols.; G uilherm e B raga d a Cruz, F orm ação h istó rica do m o d e r n o d ir e ito p riv a d o p o r tu g u ê s e b rasileiro, Braga, 1954; José C âm ara, S u b sid io s p a ra a h istó ria do d ire ito p á trio , R io de Ja n e iro , Livr. São José, 1954, vols. 1 e 2, L iv raria B rasiliana E ditora, 19*54-1966, vols. 3 e 4; Oswaldo R. C abral, A organização das ju stiç a s na C olônia e no I m p é r io e a h istó ria da com arca d e L a g u n a , P o rto Alegre, 1955; W ald em ar M artins Ferreira, H istó r ia do d ire ito brasileiro, R io de Jan eiro , 1951-1955, 3 vols.; e H istó r ia d o d ire ito c o n s titu c io n a l b ra sileiro , São Paulo, M ax L im onad, 1955; A nyda M archant, "Politics, G overnm ent and L aw ” , in T . L ynn Sm ith e A lexander M a rch a n t (orgs.), B ra zil, P o r tr a it o f H a l f a C o n tin e n t, N ova York, 1951.

BIBLIOGRAFIA DE HISTÓRIA DA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA Sobre o Código Filipino, vide a edição de C ândido M endes de A lm eida, C ódigo F ilip in o o u O rdenações e leis do R e in o de P o rtu g a l reco p ila d a s p o r m a n d a d o d ’el rei D . F ilip e I. Décim a q u a rta edição, segundo a p rim e ira de 1603 e a nona de C oim bra de 1824. Com diversas notas p o r C ândido M endes de A lm eida, R io de Jan eiro , T ip . do In stitu to Filom ático, 1870; José A nastácio de Figueiredo, S in o p se cronológica de su b síd io s a in d a os m a is raros p a ra a h istó ria e e s tu d o critico da legislação p o rtu g u e sa ,

Academ ia R eal das Ciências, 1143-1603, L isboa, 2, tomos, 1790; João Pedro R ibeiro, “M em órias sobre as fontes do Código F ilip in o ”, M e m ó ria s de lite ra tu r a p o rtu g u é sa , Academ ia R eal das Ciências, 1792, t. 2. Fontes de legislação p o sterior ao C ódigo F ilipino:

C oelho de Sousa, S istem a ou d e re g im e n to s p e r te n c e n te s à a d m in istra ç ã o da F a zen d a R e a l, Lisboa, 1783, 6 vols.; A ntônio Delgado da Silva, Coleção de legislação p o r tu g u e sa desde a ú ltim a co m p ila çã o das O rdenações, 1750-1820, Lisboa, 1825-47, 9 vols. com preendidos os 3 de suplem ento; José Ju stin ian o de A ndrade e Silva, Coleção cronológica da legislação p o r ­ tu g u esa , com pilada e anotada desde 1603 até 1700, Lisboa, 1854, 10 vols. A prim eira iv le ç ã o

coleção dos regim entos reais contém m até ria da m aior im p o rtân cia p a ra o estudo da história econôm ica brasileira, pois nela se reproduzem vários regim entos referentes à adm inistração da Fazenda R eal. As ou tras duas coleções contêm a legislação esparsa referente à m até ria variada e q u e não estava o rd en ad a pelo Código F ilipino. Falta ordenação da legislação en tre 1700 e 1750, o que pode ser su p rid o pela C oleção c r o ­ noló g ica d e leis e x tra v a g a n te s, p o ste rio re s à n o v a co m p ila çã o das O rdenações do R e in o p u b lic a d a s e m 1603, d esd e esse an o a té o d e 1761, C oim bra, 1819, 6 vol.; B o le tim do C o n selh o U ltra m a r in o , Legislação A ntiga, vol. 1, Lisboa, 1867; João P edro R ibeiro,

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Ín d ic e cro n o ló g ico re m issiv o da legislação p o rtu g u e sa p o ste rio r à p u b lic a ç ã o d o C ódigo F ilip in o , co m u m a p ê n d ic e , L isb o a, 1805-1820, 6 vols.; D e s e m b a rg a d o r M a n u e l F e r n a n ­ d es T h o m a z , R e p e r tó r io g era l o u ín d ic e a lfa b é tic o das leis e x tra v a g a n te s do R e in o de P o rtu g a l, p u b lic a d o s d e p o is das O rd en a çõ es, c o m p r e e n d e n d o ta m b é m a lg u m a s a n te rio re s q u e se a ch a m e m obsenrância, C o im b ra , n a R e a l I m p r. d a U n iv e rsid a d e , 18-15, t. 2, L isb o a , Im p . R é g ia , 1825, 2 vols.; ín d ic e a lfa b é tic o das leis d o B ra sil e m c o n tin u a ç ã o d o re p e rtó r io g era l de M a n u e l F ern a n d e s T h o m a z , p o r A lb e rto A n tô n io d e M o ra is e C a rv a lh o , R io d e J a n e iro , 1831; R e p e r tó r io a lfa b é tic o das leis d o B ra sil p r o m u lg a d a s d e 1829 a té o f i m do a n o de 1840. E m c o n tin u a ç ã o ao R e p e r tó r io G eral d e M a n u e l F ern a n d e s T h o m a z e ao Í n d ic e a lfa b é tic o d e A lb e r to A n tô n io d e M o ra is e C arvalho, p o r. . a d v o g a d o b ra sile iro , R io d e J a n e iro , 1842. O D e s e m b a rg a d o r V ie ira F e r re ir a de m o d o s u m á rio c o m p ila a “L eg islação p o r tu g u e s a r e la tiv a a o B ra s il” , R I H G B , t. 105, v. 159, 199-229. D ic io n á rio m u ito ú til é o d e Jo sé C a e ta n o P e re ira e Sousa, E sboço d e u m d ic io ­ n á rio ju r íd ic o , teo rétic o e p rá tic o , re m issiv o às leis c o m p ila d a s e e x tra v a g a n te s, O b ra p ó s tu m a , 3 t., L isb o a , T ip . R o la n d ia n a , 1825-1827. B ib lio g r a fia d e legislação brasileira: A leg islaç ão b r a s ile ir a está p u b lic a d a n a C oleção d e leis do B ra sil, e d ita d a a p r in c íp io n a T ip o g r a f ia N a c io n a l e d e p o is n a I m p re n s a N a c io n a l. D u r a n te o I m p é rio ch am o u -se C oleção das leis d o I m p é r io do B ra sil. C o n té m , a in d a , as leis d e 1808 a 1822, q u a n d o o B rasil e ra sede d a M o n a rq u ia p o rtu g u e s a . V id e ta m b é m J . P. d e F ig u e ro a N a b u c o d e A ra ú jo , L egislação brasileira, o u coleção cronológica das leis, d ecreto s, resoluções de c o n s u lta , pro v isõ es etc. do I m ­ p é r io d o B ra sil, desde o a n o d e 1808 a té 1831 in c lu siv e , R io d e J a n e iro , J . V ille n e u v e e C o m p., 1836-1844, 7 vols. (m ais d e 2.000 p eças in é d ita s); R e p e r tó r io geral ou Ín d ic e a lfa b é tic o das leis d o I m p é r io do B ra sil p u b lic a d a s d esd e o co m eço do a n o de 1808 até o p r e se n te , e m se g u im e n to ao R e p e r tó r io g era l d o D e se m b a rg a d o r M a n u e l F ern a n d es T h o m a z , o r d e n a d o p o r F ra n cisco M a ria d e S ousa F u r ta d o d e M e n d o n ç a , R io de Ja n e iro , E. e H . L a e m m e rt, 1847-62, 5 vols.; C oleção das leis brasileiras, 1808-1840, O u ro P re to , n a T ip . d e Silva, 1834-41, 14 vols.; C ódigo b ra silien se o u C oleção das leis, alvarás, d ecreto s, cartas régias etc. p r o m u lg a d a s n o B ra sil desde a fe liz ch egada do P rin c ip e R e g e n te N . S. a estes E sta d o s. C o m u m ín d ic e c ro n o ló g ic o , to m o 1, d esd e 1808 a té o fim d e 1810, R io d e J a n e iro , N a Im p re ssã o R é g ia , 1811; C oleção das leis e d ecreto s do I m p é r io do B ra sil desde a fe liz época da su a In d e p e n d ê n c ia , o b r a d e d ic a d a à A ssem ­ b lé ia L e g isla tiv a , Sess. d e 1822 a 1826, R io d e J a n e iro , E. S eig n o t P la n c h e r. 1831-1844; C oleção de leis (1808-1821), R io d e J a n e iro , I m p re n s a N a c io n a l, 1889-1891; Coleção das leis do I m p é r io do B ra sil (1822-1825), R io d e J a n e iro , I m p re n s a N a c io n a l, 1887; C oleção das leis do I m p é r io do B ra sil (1826-1889), R io d e J a n e iro , T ip . N a c io n a l, 1850-1889; D ecreto s do G o vern o P ro visó rio da R e p ú b lic a dos E sta d o s U n id o s do B ra sil (1889-1891), R io d e J a n e iro , I m p re n s a N a c io n a l, 1890-1891; C oleção das leis da R e p ú b lic a dos E sta d o s U n id o s do B ra sil de 1891, R io d e Ja n e iro , I m p re n s a N a c io n a l, 1891. A leg islaç ão re fe re n te aos ín d io s foi s u m a ria d a p o r J o ã o F ra n c isc o L isb o a, O bras c o m p leta s, São L u ís, 1864-1865, vol. 1, 370 e segs.; R e g im e n to e leis so b re as m issões dos E sta d o s do M a ra n h ã o e P ará e so b re a lib e rd a d e dos ín d io s, 1724; C oleção de breves p o n tifíc io s e leis régias q u e fo r a m e x p e d id o s e p u b lic a d o s d e sd e o a n o de 1741 sòbre a lib e rd a d e das pessoas, bens e co m ércio dos ín d io s do B ra sil, L isb o a , 1759; e M a th ia s C. K ie m a n , T h e ln d ia n P o licy o f P o rtu g a l in A m e ric a , w ith Special R e fe r e n c e to t.he O ld S ta te o f M a ra n h ã o , 1500-1755, R e p r. fro m T h e A m é ric a s, vol. v, a b r il 1949, n .° 4. A leg islaç ão re fe re n te a n eg ro s foi s u m a ria d a p o r P e rd ig ã o M a lh e iro , A escravidão n o B ra sil, R io d e J a n e iro , 1867, 3 vols. A leg islaç ão eclesiástica, tã o i m p o r ta n te a té a se p a ra ç ã o d a I g re ja d o E sta d o , o b ra d a R e p ú b lic a , e n c o n tra -se n a C o n stitu iç ã o do a rceb isp a d o da B a h ia , l . a ed., L isb o a, 1719, 2.a ed., C o im b ra , 1720, 3.a ed., São P a u lo , 1853, e em C â n d id o M e n d e s d e A lm e id a , D ir e ito c iv il eclesiástico brasileiro a n tig o e m o d e r n o , R io d e J a n e iro , G a rn ie r, 1866-73, 2 t. e m 4 vols.

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5. História econômica A história econômica é hoje um dos gêneros mais cultivados. O fato de poder e dever basear-se em dados quantititivos e estatísticos torna-a, tal­ vez, o mais exato ramo da história. Os historiadores econômicos, com o desenvolvimento da estatística, deveriam adquirir o que C lapham (46) chamou o “senso estatístico”, isto é, o hábito de sempre indagar, em face de qualquer instituição ou qualquer política, grupo ou m ovimento: qual sua extensão ? qual sua duração ? qual sua freqüência ? qual sua signi­ ficação ? O desenvolvimento da história econômica se deve a m uitas razões, teó­ ricas e práticas. Q uanto às prim eiras, é de assinalar-se a im portância que lhe deu Karl M arx ao sustentar a influência dos fatores econômicos na totalidade da vida presente histórica. Q uanto às segundas, porque o ca­ m inho para a história dos negócios e das grandes empresas atraiu para as pesquisas os fundos de grandes firmas em penhadas em relatar a história de suas atividades. Karl Marx, na sua Crítica da economia política, form ulou a dialética histórica nestes termos: O modo de produção n a vida m aterial determ ina o caráter geral dos processos da vida social, política e espiritual. N ão é a consciência do hom em que determ ina sua existência, mas, ao con­ trário, sua existência social que determ ina sua consciência (47). E já an­ teriorm ente, em 1847, na Miséria da filosofia, M arx declara que o m oinho de mão dera como resultado um a sociedade de gênero feudal e o m oinho a vapor um a sociedade capitalista-industrial (48). Esta tese deve ser considerada como um a hipótese de interpretação teórica, um m étodo de trabalho, e assim inteiram ente afastada da pro­ fecia revolucionária, da teoria do fatalm ente necessário, que nos diz que o desenvolvimento econômico conduzirá, necessariamente, a um a orga­ nização econômica e jurídica socialista. Esta últim a se torna não um a fundam entação de ordem optativa, mas de fatalidade histórica, de transição da fase utópica para a fase científica da sociedade. Pelo fato da hipótese de trabalho e do socialismo, como program a po­ lítico partidário, terem nascido da mesma cabeça, foi fácil ligar a hip ó ­ tese ao program a. Este é um ponto que se torna da m aior im portância prática e cujas trágicas dificuldades hoje verificamos. Seria precário acre­ d itar na inevitabilidade do program a socialista. Se o historiador pode aceitar a interpretação econômica como um a hipótese de trabalho — e no capítulo final tratarnos desse aspecto — não pode, pelo menos em sua atividade profissional, iludir-se quanto à segunda parte, que é prognose, verbo, profecia e program a (49). (46) J. H. Clapham , “Economic H istory as a Discipline” , Encyclopaedia of the Social Sciences, Nova York, M acmillan, 1942, vol. 5, 328. (47) K arl M arx, A Contribution to the Critique of Political Economy. Chicago, Charles A. Kerr and Co., s- d., 11-12. (48) K arl M arx, Misère de la philosophie, réponse à la philosophie de la misêre de M . Proudhon, Paris, M. Giard, 1922, 125. (49) G. R adbruch, Filosofia do direito, S. Paulo, 1934, 34.

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U m é um a teoria do que foi, outro do que deve ser; um é teleológico, o u tro descritivo, e como tal divergem. Sua estreita correlação é de grande im portância para o efeito prático agitador, como concepção do m undo de um p artido revolucionário, mas de m enor im portância para as simples tarefas e métodos históricos, que são os únicos que aqui nos interessam. P o r mais paradoxal que pareça, aplicando-se o marxismo ao marxismo, a concepção da história de M arx é, ela própria, um a superestrutura ideoló­ gica das condições de sua época (50). De qualquer forma, quer se aceite ou não esta interpretação, mesmo como m étodo de trabalho, deve-se reconhecer que ela estim ulou os estudos de história econômica, tão indispensáveis para a compreensão do desen­ volvimento das sociedades, obrigou os historiadores a se preocuparem com as lutas de classe e os fatos econômicos nas reconstruções da sociedade pas­ sada e fez surgir um a enorme literatu ra sobre as origens do capitalismo. Os historiadores soviéticos afirm am que, ao considerar as relações so­ ciais e econômicas como fator prim ordial da evolução histórica, não ten­ tam d im inuir o papel das instituições políticas do Estado, que em cada sociedade exprim e os interesses das classes no poder (51). Os historiadores dos negócios, treinados por N. S. B. Gras, da U niver­ sidade de H arvard, vêem sua especialidade como distinta da história eco­ nômica. A sutil linha de divisão está exem plificada nas 1.200 páginas do G uide to Business H istory, com pilado por H enrietta Larson(52). A business history é o estudo da adm inistração e operação dos ne­ gócios no passado. Origina-se da história econômica, mas é um campo novo e separado, que se preocupa com o hom em de negócio e as unidades de trabalho, mais do que com a descrição do desenvolvimento geral das in­ dústrias, as instituições e organizações econômicas ou com outros interesses de vários tipos da história econômica. A concepção da im portância do hom em de negócio e de sua unidade de trabalho foi o pensam ento guiador da business history, desenvolvido na Escola G raduada de Adm inistração de Negócios da Universidade de H arvard. O estudo de homens de ne­ gócios e de suas firmas é a prim eira tarefa daqueles que trabalham na business history. Seus adeptos acreditam que somente partin d o da com preen­ são de como os homens e firmas trabalharam e desenvolveram seus ne­ gócios podem ser escritos os grandes estudos históricos de certas indústrias, da adm inistração de negócios ou de certos sistemas econômicos. A business history estuda todas as espécies de negócios agrícolas indus­ triais, de mineração, petróleo, colonização, imóveis, transportes, financei­ ros, seguros, etc. A história dos empresários encontra, no Research Center in Entrepeneurial History (53), de H arvard, o seu foco de irradiação. O (50) Salo Barón, A Social and R eligious History of the Jews, Nova York Colum bia U ni­ versity Press, 1937, vol. 3, 129. (51) A. L. Sidorov, Les problèm es fondam entaux de la Science historique soviètique et certains résultats de son développem ent, Moscou. T ravaux des historiens soviétiques prèparès po u r le X e Congrès International des Sciences H istoriques à R om e, 1955, 109. (52) H arvard University Press, 1950. Gras é autor de Business and Capitalism. A n Introduction to Business H istory, Nova Yoork, 1939. (53) Research Center in E ntrepreneurial History, Change and the Entrepreneur, Cam­ bridge, H arvard University Press, 1950.

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C entro dedica-se especialmente ao papel do líder de negócios na m udança econômica e social. Parte do princípio de que na elaboração do- m undo ocidental o negócio foi um a força prodigiosa e por isso é indispensável à compreensão deste m undo estudar a história dos negócios e dos homens que os dirigiram . Quando, como agora, já não se desestimam os homens de negócios e as atividades prático-econômicas, como antigam ente, e jovens procuram nessas atividades o exercício de suas capacidades, antes inteiram ente vol­ tadas para as profissões liberais, m ilitares ou eclesiásticas, fontes únicas do prestígio social, não seria valioso que nossa historiografia se dedicasse tam bém a esse campo novo ? T endência mais antiga é a da história dos preços, que encontra em H arvard o seu grande centro de investigações, depois de ter tido grande florescimento na Universidade de Berlim. A história dos preços possui hoje bibliografia considerável e de alta categoria. A história econômica não deve limitar-se à conjuntura e aos fatos do momento, mas deve estudar os pro­ blemas de fundo, que determ inam o desenvolvimento social. A própria historiografia da história econômica revela sua inconstância intelectual. Nos meados do século passado, além das influências m arxis­ tas, as teorias liberais estavam especialmente interessadas nas diretrizes políticas do Estado e desejavam firm ar as razões intelectuais das campa­ nhas im perialistas e protecionistas. Gerações posteriores procuraram ex­ plicar, tam bém sob inspiração alemã, as relações da religião e do capita­ lismo. Assim foram W eber, Sombart e Tawney. Outros estabeleciam os vários ciclos do desenvolvimento econômico, inspirados inicialm ente em B runo H ildebrand e Karl Bücher e mais tarde sob influência m arxista devotaram-se ao estudo especialmente dos dois ciclos: feudalism o e capi­ talismo e socialismo (54). Aquele e este tornaram-se um dos temas de m aior interesse e que suscitaram a m aior bibliografia da história econô­ mica nestes últim os tempos (BB). Outros, ainda, marxistas ou antim arxistas, estudam a significação da etapa capitalista, o preconceito anticapitalista, os efeitos do capitalism o sobre as classes trabalhadoras (s6). Procuram alguns dem onstrar que a his­ tória real das conexões entre o capitalismo e o proletariado é quase o oposto do que sugeriam as teorias sobre a expropriação das massas. Deste modo, a história econômica deve ser m uito mais do que se pensou a p rin ­ cípio. Deve estudar a influência da teoria política, das idéias morais e da política-fiscal nas mudanças de produção e do consumo. A m oderna (54) Excelente iniciação à história econômica geral in Charles Veríinden, Introduction à Vhistoire économique générale, Coim bra, 1948. N o Décimo Congresso Internacional de Ciências H istóricas, reunido em Rom a, em setembro de 1955, o tem a principal das discussões foi o das tendências ou fases alternativas na ascendência econômica da E uropa O cidental. Cf. Relazioni, Florença, Sansoni, vol. 4, e os trabalhos soviéticos apresentados; E. A. Kosminsky, Basic Problems of W est-European Feudalism as Reflected in Soviet Historical Sciente, M oscou, 1955; N. M. D roujnine, La genèse du capitalisme en Russie, Moscou, 1955, e A. L. Sidrov, Les problèmes fondam entaux de la Science historique soviétique et certains resultáis de son développem ent, Moscou, 1955. (55) José H onório Rodrigues, “ Capitalism o e protestantism o” , Noticia de vária história, Rio de Janeiro, Livr. São José, 1951. (56) C. A. Hayek, editor, Capitalism and the Historians, Chicago, 1954.

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história econômica prefere estudar a contribuição dos índices de nasci­ m ento e m orte nas tendências da população, a validez da hipótese m ar­ xista da expropriação das terras dos lavradores como um requisito da Revolução Industrial, a influência da taxa de juros no suprim ento do capital, o procedim ento do hom em de negócios nas diferentes fases do desenvolvimento econômico, a capacidade de resposta do trabalhador ao estím ulo econômico do salário(57), os estímulos do desenvolvimento eco­ nômico dos países subdesenvolvidos comparados aos desenvolvidos. A história geral, a caracterização dos ciclos econômicos, inspirados no desenvolvimento da história européia, os temas gerais dom inam a história econômica brasileira. U m desses é o da lu ta de classes no Brasil, sobre a qual foi o prim eiro a cham ar atenção A breu e Lima. Ao escrever sôbre a escravidão negra no Brasil e sua necessidade naquela fase de nossa evo­ lução, esclarece que quando em prega as denominações de “branco”, “m u­ lato ” ou “negro” estas devem ser entendidas apenas como acidentais, para denotar um a classe, “pois ninguém deverá persuadir-se que possamos usar de um a expressão com o desígnio de ofender a pessoa alguma, nem para menoscabar a dignidade de um a porção de homens que, em nosso con­ ceito, têm tanto direito à nossa benevolência como o utra qualquer classe ou indivíduo”. Diz Abreu e Lim a que logo à prim eira vista se nota que a população brasileira está dividida em duas partes iguais, isto é, pessoaslivres e pessoas escravas, que de certo m odo não apresentam grande afini­ dade, as quais por sua vez, se dividem em q u atro grandes famílias distin­ tas tão opostas e inimigas umas das outras como as duas grandes seções en tre si (58) . Em 1889 Nabuco adm itia que o partido republicano é um “partido de classe, como os dois partidos m onárquicos” (59). Oliveira Viana, em b o ra. reconhecendo que toda a evolução grega, rom ana, medieval e m oderna se fez sob a influência das lutas de classe, negou, em relação à história do Brasil, qualquer influência desse fator (60). Disse ele que sem quadros sociais completos, sem traços sociais definidos, sem h ierarquia social organizada, sem classe m édia industrial, comercial, e urb an a em geral, a nossa sociedade ru ral lem bra um vasto e im ponente edifício em arcabouço incom pleto, insólido, com os travejam entos malajustados e ainda sem ponto firme de apoio (61). Em nossa história, segundo Oliveira Viana, os conflitos de classe são rarissimos e, quando surgem, apresentam invariavelm ente um caráter efê­ mero, descontínuo, local (62). A strojildo Pereira critica tais afirmações, dizendo que nas próprias Populações meridionais do Brasil se encontram (57) M. Postan, “Economic Social H istory” , T L S, 6 de janeiro de 1956. (58) Abreu eLim a, Bosquejo de história do Brasil, N iterói, 1835, 55-56. (59) Joaquim Nabuco, Discuisos parlamentares, São Paulo, Ip ê, 1949, vol. 11, 373, discurso de 11 de junho de 1889. (60) Oliveira Viana, Populações meridionais do Brasil, São Paulo, C .ia EJditora Nacional, 1933, 229. (61) Oliveira Viana, ibid., 190-191. (62) Oliveira Viana, ibid., 229.

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vários exemplos de lutas de classe n a história brasileira, tais como a quilom bada dos Palmares, e atritos entre rurais e urbanos (63). Caio Prado Jú n io r procurou m ostrar que tam bém na nossa história os heróis e os grandes feitos não são heróis e grandes senão na m edida em que acordam com os interesses da classe vigente, em cujo benefício se faz a história oficial. Dá enorme im portância à Cabanagem do Pará (1833-36), à Balaiada do M aranhão (1838-1841) e à revolta P raieira de 1848, que são as principais revoluções populares ou de classe no Bra­ sil (64). É pela infância da historiografia econômica que se justifica sua po­ breza bibliográfica e sua improvisação. A obra dos prim itivos cronistas, como Gabriel Soares de Sousa, Ambrosio Fernandes Brandão, A ndré João Antonil, José M ariano da Conceição Veloso, Diogo Pereira R ibeiro de Vasconcelos e Luís Vilhena é descrição da atualidade econômica e não história econômica, assim como as de José da Silva Lisboa, Visconde de Cairu, as do desembargador João Rodrigues de B rito e as dos reform ado­ res da fabricação de açúcar, como João Manso Pereira, M anuel Ferreira d a Câmara, Morais Navarro, Caetano Gomes, M anuel Jacinto Sampaio e Melo e M iguel Calmon du Pin e Almeida, são obras de política econô­ mica (85). A historiografia econômica começa neste século, com a obra de Amaro Cavalcanti, Leopoldo Bulhões, João Pandiá Calógeras, A ntônio Carlos R ibeiro de A ndrada, F. T . de Sousa Reis, Afonso T aunay, R oberto Simonsen, Alfredo Filis Júnior, Caio Prado Júnior, Afonso Arinos de Melo Franco, Josias Leão, Marcos Carneiro de M endonça, José Jobim , Pires do Rio, Alice Canabrava, José J. F. N orm ano, W anderley Pinho e Francisco Iglésias. A historiografia portuguesa, fundam ento da nossa, é também extrem am ente pobre. Ela tem em João Lúcio de Azevedo e Francisco An­ tônio Correia (ee) seus principais historiadores gerais e em V irgínia R au (63) A strojildo Pereira, Interpretações, R io de Janeiro, 1944, 161-178. Sobre os motivos e a lu ta característica entre os senhores de engenho arruinados e os burgueses do Recife, vide especialmente José H onório Rodrigues e Joaquim R ibeiro, A civilização holandesa no Brasil, São Paulo, Com panhia E ditora Nacional, 1940, capítulo relativo à revolução. (64) Caio P rado Jú n io r, Evolução política do Brasil. Ensaio de interpretação materialista da história do Brasil, São Paulo, 1938. A prim eira interpretação m arxista foi a de E dgardo de Castro Rebelo, M auá, restaurando a verdade, R io de Janeiro, E ditora Universo, 1932. Os estudos sobre rebeliões negras (Clóvis de M oura, Rebeliões da senzala, R io de Janeiro, 1956), sobre revoltas sertanejas, cangaço e jagunços (R u i Facó, Cangaceiros e fanáticos, R io de Janeiro, 1963; W alfrido Moraes, Jagunços e heróis, Rio de Janeiro 1963), fanatismos (M aria Isaura Pereira de Queiroz, La guerre sainte au Brésil. L e m ouvem ent messianique do Contestado, São Paulo, 1957, e O messianismo no Brasil e no m undo, São Paulo, 1965; M aurício Vinhas de Queiroz, Messianismo e conflito social. A guerra sertaneja do Contestado, 1912-1917, R io de Janeiro, 1966), as lutas do operariado (Jover Telles, M ovim ento sindical no Brasil, Rio de Janeiro, 1962; Moisés Vinhas, Operários e camponeses na revolução brasileira, São Paulo, 1963; Assis Simão, Sindicato e Estado, São Paulo, 1966; Leoncio Rodrigues, C onflito industrial e sindicalismo no Brasil, São Paulo, 1966; M. Bandeira, Clóvis Melo e A. T . A ndrade, O ano verm elho, Rio de Janeiro, 1967) vêm tom ando grande im pulso na historiografia brasileira. T rab alh o de síntese, em bora ainda m uito falho, é o de Everardo Dias, H istórias das lutas sociais no Brasil, São Paulo, 1962. (65) José H onório Rodrigues, “ A literatu ra brasileira sobre açúcar nos séculos xvm e xix” , Brasil açucareiro, julho e m aio de 1942. (66) João Lúcio de Azevedo, O m arquês de Pombal e a sua época, R io de Janeiro, 1922; Épocas de Portugal econômico, Lisboa, 1929; Novas epanáforas, Lisboa, 1932. Francisco Antônio C orreia, História econômica de Portugal, Lisboa, 1929-31, 2 vols.

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e V itorino M agalhães G odinho seus grandes intérpretes modernos (67). O estudo da historiografia econômica, seu conceito e sua interpretação e a síntese da historiografia econômica brasileira foram feitos por Francis­ co Iglésias (68). A história econômica, porém, não é só a história da utilização pelo hom em do solo, para obtenção de sua subsistência, nem a história da transform ação da m atéria-prim a e de sua distribuição. N a m ultiplicidade dos seus aspectos, história do capital e dos bancos, história da indústria e dos processos de produção cabe, como já vimos, a história dos negócios e dos grandes empreendedores, como por exemplo, M auá e A ntônio Prado (68a). BIBLIOGRAFIA DE HISTÓRIA ECONÔMICA A b ibliografia de h istó ria econôm ica geral a té 1881 está registrada n o C E H B , 1115-1249, abrangendo in d ú stria , m a n u fa tu ra , comércio, finanças, estradas, navegação, telégrafo. U m a ten ta tiv a m ais m o d ern a é a T h e E conom ic L itera tu re of L a tin A m erica, C am bridge, H a rv ard U niversity Press, 1935-36, 2 vols. T ra b a lh o s de história econôm ica são os de C astro C arreira, H istória financeira e orçam entária do Im p é rio do B rasil desde sua fundação, R io de Ja n e iro , 1889; C apítulos de h istó ria econôm ica encontram -se em L e Brésil en 1889, Paris, 1889 (população, tra ­ b alho, zonas agrícolas, finanças, Bancos e instituições de crédito, cam inhos de ferro, com ércio e navegação, correios, etc.); A m aro C avalcânti, O m eio circulante nacional, R io de Ja n e iro , 1893, R esenha financeira do ex-Im pério do Brasil, R io d e Janeiro, 1890, “A vida econôm ica e financeira do B rasil”, A B N , 1916, vol. 38, 12-34; de A ntônio Carlos R ib eiro de A ndrada, O M inistro da Fazenda da Indep en d ên cia e da M aioridade, R io de Ja n e iro , 1918, Bancos de emissão no Brasil, R io de Ja n e iro , 1923; de L eopoldo B ulhões, “Os financistas do B rasil”, A B N , vol. 35, 1913, 191-210; de J. P a n d iá Calógeras, “O Brasil .e seu desenvolvim ento econôm ico” , A B N , vol. 35, 1913, 48-61, A s m inas do Brasil e sua legislação, R io de Jan eiro , Im p ren sa N acional, 1904-1905, 3 (67) V irgínia R au, Os holandeses e a exportação do sal de Setúbal nos fin s do século xvii, Coim bra, 1950; A exploração e o comércio do sal de Setúbal, E studo de história eco­ nômica, Lisboa, 1951; V irgínia R au e Bailey W . Diffie, “Alleged F ifteenth-C entury Portuguese Joint-stock Companies and th e Articles of Dr. Fitzler” , T h e B ulletin of the In stitu te of Historical Research, vol. 26, 1953. V itorino M agalhães Godinho, H istória econômica e social da expansão portuguesa, Lisboa, 1947, t. 1; Documentos sobre a expansão portuguesa, Lisboa, 1955, vol. III; P rix et monnaies au Portugal, Paris, 1955. Cf. tam bém H enrique Gomes de Amorim P arreira, “ H istória do açúcar em P ortugal” , Anais, Ju n ta das Investigações do U ltra­ m ar, vol. 7, t. 1, 1952, Lisboa; e Frédéric M auro, M onnaie et conjoncture à Lisbonne au x v n e siècle, Paris, 1951 (E xtrait de Hommage à L ucien Febvre); V irgínia R au, A casa dos contos, Coim bra, 1951; Vitorino de M agalhães G odinho, “ Portugal, as frotas de açúcar e as frotas de ouro (1670-1770)” , R evista de história, n.° 15, julho-set. 1953, 69*88; V irgínia R au, Subsidios para o estudo do m ovim ento dos portos de Faro e Lisboai durante o século xvn, Lisboa, 1954. (68) Introdução à historiografia econômica, Belo Horizonte, 1959. Tem os já preparada um a introdução m etodológica à história econômica (posição no quadro geral, evolução, tarefas, instrum entos de trabalho, periodização, ciclos e gêneros), resultado dos nossos cursos na Facul­ dade de Ciências Econômicas. (68a) Alberto de Faria, M auá, São P aulo, 2.a ed., 1933; Edgardo de Castro Rebelo, Mauá, restaurando a verdade, R io de Janeiro, 1932; L ídia Besouchet, M auá e seu tem po, São Paulo, 1942; Visconde de M auá, Autobiografia, Pref. e anotações de C láudio Ganns, R io de Janeiro, 2.a ed., 1943; Correspondência política de M auá no R io da Prata (1850-1885), São Paulo, 1943; sobre o conselheiro Antônio da Silva Prado, vide Nazareth Prado, A ntônio Prado no Im pério e na R epública, R io de Janeiro, 1929; 1.° Centenário do conselheiro A ntônio da Silva Prado, São Paulo, 1946, e José H onório Rodrigues, “A ntônio da Silva P rado” , Digesto Econômico, n.° 30, 1947; F ernando M onteiro, Figuras do Banco do Brasil, Cadernos AA BB, n:° 8, R io de Janeiro 1955.

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vols., L a p o litiq u e m o n é ta ir e d u B résil, R io de J a n e iro , Im p re n s a N a c io n a l, 1910; d e F. T . d e S ousa R e is, “ D ív id a do B ra sil, p ú b lic a e p r iv a d a ” , A n a is do 1.° C ongresso d e H istó ria N a c io n a l, vol. iv, 613-690, t. esp. d a R I H G B ; V íto r V ian a, O B a n c o do B rasil, su a fo rm a ç ã o , seu e n g r a n d e c im e n to , sua m issão n a cio n a l, R io d e J a n e iro , 1926; M arcos C. M e n d o n ç a , O in te n d e n te C âm ara, R io de J a n e iro , 1933; A fonso d ’E. T a u nay , H istó r ia do café n o B rasil', R io d e J a n e iro , 1939-41, 12 vols., P e q u e n a h istó ria do café n o B ra sil, R io de J a n e iro , 1945; A lfre d o E llis J ú n io r , A evo lu çã o eco n ô m ica p a u lista e suas causas, São P a u lo , 1937; de R o b e rto S irao n sen , H istó r ia eco n ô m ica do B ra sil, São P a u lo , C .la E d ito r a N a c io n a l, 1937, A evolução in d u s tr ia l do B ra sil, São P a u lo , 1939; de C aio P ra d o J ú n io r , F orm ação do B ra sil c o n te m p o r â n e o , São P a u lo , 1942, e H istó r ia eco n ô m ica do B ra sil, São P a u lo , 1945; d e A fonso A rin o s d e M elo F ra n co , S ín tese da h istó ria eco n ô m ica d o B ra sil, R io d e J a n e iro , 1938, D e s e n v o lv i­ m e n to da civilização m a te ria l do B ra sil, R io d e J a n e iro , 1944, H istó r ia do B anco do B ra sil, São P a u lo , 1947; L em o s B rito , P o n to s de p a r tid a p a ra a h istó ria econôm ica do B ra sil, R io d e J a n e iro , 1923, 2.a ed ., São P a u lo , 1939; J . F. N o rm a n o , E vo lu çã o eco n ó m ica d o B ra sil, São P a u lo , 1939; Jo s ia s L eão , M in e s a n d M in e ra is in B ra zil, R io d e J a n e iro , s. d .; Jo sé J o b im , H istó r ia das in d ú str ia s n o B ra sil, R io , 1941; A lice P . C anab ra v a , O co m ércio p o r tu g u ê s n o R io da P rata 1580-1640, São P a u lo , 1944;W a n d e rle y P in h o , H istó r ia d e u m e n g e n h o do R e c ô n c a v o , 1552-1944, R io , 1946; H . W . S piegeí, T h e B ra zilia n E c o n o m y . C h r o n ie I n fla tio n a n d S p o ra d ic I n d u s tr ia liz a tio n , F ila d é lfia , 1W9; F re d e ric o E delw eiss, O cacau na e c o n o m ia brasileira, p u b lic a ç ã o n .° 6 d o C e n tro de E stu d o s B aian o s, S alv ad o r, 1951; B ra zil, P o rtra it o f H a lf a C o n tin e n t, N o v a Y ork, 1951 p o p u la ç ã o , v id a r u ra l, im ig ra n te s , eco n o m ia, in d u stria liz a ç ã o , com ércio in te r n o , leg is­ lação social); J e ró n im o d e V iveiros, H is tó r ia do co m ércio do M a ra n h ã o , 1612-1895, São L u ís, M a ra n h ã o , 1954, 2 vols.; B asilio d e M a g alh ães, O açúcar n o s p r im o r d io s do B ra sil C o lo n ia l, R io d e J a n e iro , I n s titu to d o A çú ca r e d o Á lcool, 1953; Jo ã o B a tis ta M a g alh ães (oig .), “D o c u m e n ta ç ã o d o c o n se lh e iro Jo sé A n tô n io L isb o a, fin a n c ista d o B rasil R e in o e B rasil I m p é rio ”, R I H G B , vol. 213, 1953, 3-132; H e ito r F e r re ir a L im a , E v o lu ç ã o i n ­ d u str ia l d e São P a u lo , São P a u lo , 1954; D o c u m e n to s p a ra a h istó ria do açúcar, I n s ­ titu to d o A çú ca r e d o Á lcool, S erviço E sp ecial de D o c u m e n ta ç ã o H istó ric a , v o l. 1, L egislação, 1534-1596, vol. 2, E n g e n h o Serg ip e do C onde. L iv r o d e contas, 1622-1653, R io d e J a n e iro , 1954-1956; M iria m E llis. O m o n o p ó lio do sa l n o E sta d o do B ra sil, 1631-1801, São P a u lo , F a c u ld a d e d e F ilo so fia, C iên c ia s e L e tra s , 1956; Jo rg e B enci, E c o n o m ia cristã dos se n h o res n o g o vern o dos escravos, 1700, 2.a ed . p re p ., p re f. e a n o ta d a p o r S erafim L e ite , P o rto , 1954; S tan ley G . S tein , Vassouras. A B ra zilia n C o ffee C o u n try , 1850-1900, H a r v a r d U n iv . P ress, 1957, T h e B ra zilia n C o tto n M a n u fa c tu r e , T e x tile E n te rp r is e in a n U n d e r d e v e lo p e d A re a , 1850-1900, H a r v a r d U n iv . P ress, 1957; F ra n cisco Ig lésias, P o lític a eco n ô m ica do g o vern o p ro v in c ia l m in e ir o , 1835-1889, B e lo H o riz o n te , 1959; A ristó te le s M o u ra , C apitais estrangeiros n o B ra sil, São P a u lo , 1959; N íc ia V ilela L u z, A lu ta p e la in d u stria liza ç ã o do B ra sil, S ão P a u lo , 1961; e Jo ã o P a u lo d e A lm e id a M a g a lh ã e s ( c o o rd e n a d o r), 25 anos d e e c o n o m ia brasileira, R io d e J a n e iro , 1965.

6. H istória diplom ática A história diplom ática investiga e relata a defesa dos direitos nacio­ nais e as relações econômicas, sociais e políticas que se codificaram em tra­ tados e convenções (69). Com preende o exame das origens e dos resultados de nossas negociações diplomáticas, as reparações pacíficas de afrontas, as aquisições sem guerra de partes de nosso território, as incorporações defi­ nitivas â custa de argumentos históricos e geográficos de grandes trechos, objetos de litígios, como as questões das Missões e do Amapá. Exige gran­ (69) Temos preparada uma “Introdução à história diplomática”, semelhante à da história econômica mencionada na nota 68, e uma História diplomática do Brasil (esta escrita desde 1956), resultados de nosso curso no Instituto Rio Branco.

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des qualidades e virtudes de exposição, pois de outro modo pode tornar se, como acentuou Rowse, descolorida e m onótona (70), como um a historia sem fim de intrigas, de memorandos e conversas. É por isso que um dos grandes meios de dar-lhe vida é enchê-la do elem ento hum ano; a biografia é um dos melhores instrum entos de qualificação da historia diplom ática. Foi naturalm ente pensando nisso que Edgar Prestage, um a das melhores autoridades da historia diplom ática, ao escrever As relações diplomáticas de Portugal com a França, Inglaterra e Holanda de 1640 a 1668 (71), focalizou especialmente as várias embaixadas, missões e residências. Assim, anim a o seu quadro dos enredos políticos com as dificuldades, os serviços, as agruras e os frutos da vida diplom ática. É um a lição que deve ser guardada. É evidente tam bém que a historia diplom ática contém em si o estudo da evolução de nossa organização diplom ática, constituida desde nossa Independência para o fim exclusivo da defesa dos nossos direitos inter­ nacionais. Para nossa historia diplom ática anterior à Independência é necessário, então, conhecer o organismo diplom ático de Portugal e seus servidores, bem como seus atos e relações. Neste campo ninguém excedeu, até hoje, quer no plano, quer n a execução, M anuel Francisco de Barros, Visconde de Santarém. É certo que tanto o Quadro elem entar das rela­ ções políticas e diplomáticas de Portugal(J2Y como o Corpo diplomático português (73) são m uito mais fontes que obras de história diplom ática. Do mesmo modo se deve considerar a párte diplom ática que se contém nas coleções de tratados e convenções, como a coordenada por José Fer­ reira Borges de Castro e continuada por Jú lio Firm ino Judice B ik er(74). A historiografia diplom ática portuguesa é m uito pobre ou insatisfa­ tória. T rabalhos como os de Edgar Prestage são exceção. Ele se dedicou a historiar as relações de Portugal com a França, Inglaterra e H olanda de 1640 a 1668, e com a Suécia, de 1641 a 1670. Sua obra erudita, extraordinàriam ente bem feita, serve-nos de exemplo de história não só espe­ cializada n a m atéria como no período (75). (70) A. L. Rowse, T h e Use of H istory, Londres, H odder & Stoughton L td., 1946, 80. (71) Coim bra, Im prensa da Universidade, 1928. (72) Edição do Visconde de Santarém , L uís Augusto R ebelo da Silva e J. da Silva Mendes Leal, 19 vols., Paris, 1842-1860. (73) Edição de L. A. Rebelo da Silva, José da Silva M endes Leal e Jaim e Constantino de Freitas M uniz, Lisboa, 1862-1902, 12 vols. Estas duas obras são incompletas. A prim eira só abrange as relações diplom áticas com a Espanha, França, C úria Rom ana e In glaterra até 1815, deixando de lado as relações com a H olanda, D inam arca, Suécia, Prússia, Im pério da Alem anha, T u rq u ia, África e Potências Barbarescas, E. U. A. e Ásia. 9 segunda só abrange a Cúria Rom ana a p a rtir do século xvi. (74) Coleção dos tratados, convenções, contratos e atos publicados entre a Coroa de Portugal e as mais potências desde 1640 ao presente, Lisboa, Im prensa N acional, 1856-1858, 8 vols., Suplem ento, ibid., 1872-79, vols. 9 a 18, faltando o 17. (75) A bibliografia de Edgar Prestage é bem extensa. Abrange, afora as obras já citadas, M inistros portugueses nas côrtes estrangeiras no reinado de D. João iv e sua correspondência, Porto, 1915; Dr. A ntônio de Sousa Macedo, residente de Portugal em Londres ( 1642-1646), Coim bra, 1916; Frei D iniz de Lencastre, em baixador extraordinário na Holanda, P orto, 1917; A s duas embaixadas do prim eiro m arquês de Nisa à França (1642-1646 e 1647-1649), Coimbra, 1919; A embaixada de Tristão de M endonça Furtado à H olanda em 1641, Coim bra, 1920; “As missões de Francisco Rebelo, de R ui Teles de Menezes e do M arquês de Sande, 1663 a 1665”, Revista de História, vol. 10, 1921; Frei Dom ingos do Rosário, diplom ata e político (1591-

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Poucos trabalhos merecem, pela correção da pesquisa e pela contri­ buição original form ar ao lado dos de Prestage. Entre èstes figuram os de Aldo M arques Guedes, sobre a aliança inglesa, Carlos Herm enegildo de Sousa, sobre a aliança anglo-portuguesa, Damião Peres sobre a diplomacia portuguesa na sucessão de Espanha e especialmente a magnífica biografia feita por M aria Amália Vaz de Carvalho, do D uque de P alm ela(76). Os trabalhos de história diplom ática de E duardo Brasão são, de modo geral, valiosos pelos dados inform ativos (77). Vê-se, assim, que não há correspondência entre a riqueza das fontes e a historiografia diplom ática portuguesa. A situação brasileira é com pletam ente diferente. Não possuímos uma edição de fontes gerais, como os portugueses: apenas algumas fontes fun­ dam entais para um episódio e para a história geral diplom ática (7S). Graças ao nobre esforço de um grande historiador, possuímos um quadro geral da evolução de nossas relações internacionais, desde as ori­ gens coloniais até a queda de Rosas. E nquanto o Visconde de Santarém planejou e executou em grande parte um a das mais exaustivas pesquisas jamais realizadas no campo da política internacional, P andiá Calógeras analisava os principais documentos indispensáveis e aprofundava a leitura dos clássicos de história política brasileira, portuguesa e européia para oferecer-nos um admirável ensaio das vicissitudes e grandezas dos negó1662), Coim bra, 1926: Ralação do tratado de 1641 entre Portugal e H olanda pelo Dr. A ntônio de Sousa Tavares, Lisboa, 1917; Chapters in Anglo-Portuguese R elations, W atford, 1935. De cola­ boração com Pedro de A.evedo, editou Prestage a Correspondência diplomática de Francisco de Souza Coutinho até sua embaixada na Holanda, Coimbra, 1920-1926, 3 vols.; e com o general Carlos du Bocage, a Relação da embaixada à França em 1641 por João Franco Barreto, Coim bra, 1918. (76) Aldo M arques Guedes, A aliança inglesa. Notas de história diplomática, l.a ed-, 1938; 2.a ed., Lisboa, 1943; Carlos H erm enegildo de Sousa, Aliança anglo-portuguesa, Lisboa, 1939; Dam ião Peres, A diplomacia portuguesa na sucessão da Espanha, 1700-1714, Barcelos, 1943; M aria Amália Vaz de Carvalho, Vida do D uque de Palmela, Lisboa, 1898-1903, 3 vols. (77) E duard Brasão, Relance de história diplomática de Portugal, P órto, L ivraria Civi­ lização, 1940; Restauração, relações diplomáticas de Portugal de 1640 a 1668, Lisboa, Livraria B ertrand, s. d.; Relações externas de Portugal: reiando de D. João V, Porto, 1938, 2 vols. (78) Arquivo diplomático da Independência, R io de Janeiro, 1922-25, 6 vols.; Antônio Pereira Pinto, Apontam entos para o direito internacional ou Coleção completa dos tratados celebrados com diferentes nações estrangeiras, R io de Janeiro, F. L. P into & Cia., e T ip . Nacional 1864-69, 4 vols.; Feliciano José da Costa, “Sinopse dos tratados, convenções, protocolos e outros atos celebrados entre o Brasil e as demais nações, em vigor em 30 de abril de 1896” , anexo ao Relatório do M inistério das Relações Exteriores de 1896 e Código das relações exteriores do Brasil, Rio de Janeiro, 1900, 2 vols.; J. M. Cardoso de Oliveira, A tos diplomáticos do Brasil, R io de Janeiro, T ip. do Jornal do Comércio, 1912, 2 vols.; H ildebrando Accioly, A tos internacionais vigentes no Brasil, Rio de Janeiro, 1937, 2 a ed., 2 vols.; R aul A dalberto de Campos, R ela­ ções diplomáticas do Brasil, contendo os nomes dos representantes diplomáticos do Brasil nó' estrangeiro e os dos representantes diplomáticos dos diversos países no R io de Janeiro de 1808 a 1912; Rio de Janeiro, T ip . do Jornal do Comércio, 1913; e do mesmo, Legislação internacional do Brasil, 1808-1929, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1929, 2 vols.; M inistros e altos funcioná­ rios da antiga Repartição dos Negócios Estrangeiros, etc., R io de Janeiro, 1939; Jaim e Cortesão (org.), Alexandre de Gusmão e o Tratado de M adri (1750), Instituto R io Branco, M inistério das Relações Exteriores, 1950-1954, p arte i i , t. 1 (Obras várias, 1950), parte i i , t. 2 (Docu­ mentos Biográficos, 1950), p arte m , t. 1 (Antecedentes do T ratado, 1951), parte m , t. 2 (Antecedentes do T ratado, 1951), p arte i, t. 1 (Alexandre de Gusmão e o T ratad o de M adri, 1952), parte iv, t. 1 (Negociações, 1953); José H onório Rodrigues (org.) Catálogo da coleção Visconde do R io Branco, Instituto R io Branco, M inistério das Relações Exteriores, 1950, 2 vols.; José Maria da Silva Paranhos, Cartas ao amigo ausente, Instituto Rio Branco, M inistério das Relações Exteriores, 1953, edição preparada e prefaciada por José H onório Rodrigues; Tratado de M adri — Antecedentes Colônia do Sacramento, Biblioteca Nacional, 1954 (M anuscrito da Coleção de Angelis, preparado por Jaim e Cortesão).

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cios do Brasil em suas relações com o estrangeiro. Mas seria um a tem eri­ dade dizer que A política exterior do Im pério (79) é um a obra completa e definitiva. Antes de P andiá Calógeras já P into da Rocha professara no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro um curso de história diplom ática do Brasil. Não h á comparação possível entre os dois trabalhos, mas, ainda assim, à vista da pobreza bibliográfica do assunto, a obra de P into da Rocha, feita sem nenhum cuidado metodológico, mais compilação que pesquisa e interpretação, deve ser citada (80). A nossa força no campo da história diplom ática concentra-se espe­ cialm ente nas questões de limites ou em episódios especiais, como a Inde­ pendência. Aí produzimos trabalhos que nada deixam a desejar e podem ser justam ente apontados como modelos inexcedíveis, mesmo em face de historiografías mais am adurecidas. É o caso das obras de Joaquim Cae­ tano da Silva, R io Branco e Joaquim Nabuco, sobre as questões do Ama­ pá, Missões e G uiana Inglesa. Antes déles, Varnhagen, os Viscondes de São Leopoldo e do U ruguai, D uarte da Ponte R ibeiro, J. M. Nascentes de Azam buja e A. Pereira P into (81), haviam preparado memórias e m ate­ riais sobre problem as de limites. M odernam ente, H ildebrando Accioly, Souza Docca e A rtu r César Ferreira Reis escreveram monografias sobre problem as de limites (82). O único capítulo ou período da história diplom ática brasileira que se apresenta farta e poderosam ente estudado, seja pela riqueza das fontes, seja pela capacidade crítica, seja finalm ente pela lucidez da exposição, é o da Independência, a propósito do qual avultam Oliveira Lim a e H ilde­ brando Accioly (83). Possuímos tam bém algumas boas introduções ao pro(79) João Pandiá Calógeras, A política exterior do Im pério, Rio de Janeiro, Im prensa N a­ cional, 1927-28, 2 vols., tomos especiais da R IH G B . A obra é com pletada com o volum e Da Regência à Queda de Rosas, São Paulo, Com panhia E ditora Nacional, 1933. (80) A rtu r P into da Rocha, “H istória diplom ática do Brasil” , l.a série, R IH G B , t. 77, 2.a parte, 1916, 219-418; “ H istória diplom ática” , DHGEB, vol. 1, 926-939. O segundo trabalho é um resumo do prim eiro, nada lhe acrescentando. (81) Francisco Adolfo de Varnhagen, A s primeiras negociações diplomáticas respectivas ao Brasil, Rio de Janeiro, 1843; Visconde de São Leopoldo, “Q uais são os lim ites naturais, pactuados e necessários . do Im pério do B rasil", R IH G B , vol. 65, 341; D uarte da Ponte R ibeiro, M emória sobre a questão de lim ites entre o Im pério do Brasil e a República da Nova Granada, R íq de Janeiro, 1870; L im ites do Brasil com o Paraguai, R io de Janeiro, 1872; A pontam entos relativos à fronteira do Im pério do Brasil com a Guiana Francesa, R io de Janeiro, 1895; A pontam entos sobre o estado da fronteira do Brasil em 1844, R io de Janeiro, 1895; Comissões científicas nomeadas pelo govtrno imperial desde 1843, para exame de lim ites e demarcações de fro n ­ teiras do B r a s il..., coordenados pelo Barão da Ponte R ibeiro, Rio de Janeiro, Laemm ert, 1876; Joaquim M aria Nascentes de Azambuja, Questão territorial com a R epública Argentina, L im ites do Brasil com as Guianas Francesa e Inglesa, R io de Janeiro, 1891-92, 2 vols.; Antônio Pereira ¡Pinto, Questões internacionais, São Paulo, 1867. (82) A principal bibliografia se encontra no CEHB. Vide ainda: H ildebrando Accioly, L im ites do Brasil, a fronteira com o Paraguai, São Paulo, C .la E ditora N acional, 1938; Souza Docca, L im ites entre o Brasil e o Uruguai, R io de Janeiro, 1939; A rtur César Ferreira Reis, L im ites e demarcações na Amazônia brasileira, 1.° tomo, A fronteira colonial com a Guiana Francesa, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1947; 2.° tomo, A fronteira com as colônias espanholas, R io de Janeiro, 1948. Sòbre as fronteiras em geral, vide a obra de H élio Viana, História das fronteiras do Brasil, Rio de Janeiro, Biblioteca M ilitar, 1949. (83) .Oliveira Lim a, O reconhecimento do Im pério, R io de Janeiro, G arnier, s. d. (1901); 2.a ed., 1902; H ildebrando Accioly, O reconhecimento da Independência do Brasil, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1927, 2 a ed., Im prensa N acional, 1945; vide tam bém José de A l­ m eida Correia de Sá (M arquês de Lavradio), D. João vi e a Independência do Brasil, Ú lti­ mos anos do seu reinado, Lisboa, 1937.

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blem a da história diplomática, como são as de Menezes de Drum m ond, Oliveira Lim a e A raújo Jorge. Oliveira Lima, com as Coisas diplom á­ ticas e as conferências Vida diplomática e Nossos diplomatas sugeriu co­ mo e de que modo se poderia escrever um a história diplom ática do Brasil. A raújo Jorge, com sua Introdução às Obras de R io Branco, esboçou todo o quadro dos nossos problem as de limites na Colônia, no Im pério e na Re­ pública, tendo como centro a figura do barão (84). Com estes elementos bibliográficos e com novas e exaustivas pesquisas das fontes brasileiras e estrangeiras, poder-se-á tentar tanto monografias especiais, episódicas e periódicas, como obras gerais de história diplom á­ tica que venham corrigir as lacunas, falhas ou omissões de P andiá Caló­ geras. Já possuímos alguns ensaios especiais sobre episódios, afora os relativos à história da Independência, como, por exemplo, os de Hélio L obo sobre as relações diplomáticas da guerra do Paraguai ou sobre Rio Branco (85), os de H eitor Lyra sobre a política brasileira no P rata (8e), os de M ário de Vasconcelos sobre alguns motivos de história diplom á­ tica do Brasil (87), os de R enato de M endonça sobre o Barão de Penedo e sua época (88), os de Joaquim Nabuco relativos à intervenção estrangeira d urante a revolta de 1893 (89), os de H ildebrando Accioly e M anuel Cardozo (90) sobre os núncios apostólicos, a delegação apostólica e a questão (84) A ntônio Vasconcelos Menezes de D rum m ond, Preleções de diplomacia, com referência e aplicação de seus princípios às leis particulares do Brasil até 1867, Pernam buco, T ip . do Correio do Recife, 1876; Oliveira Lim a, Coisas diplomáticas, Lisboa, Com panhia Editora, 1908; Vida diplomática, Conferência no Instituto Arqueológico e Geográficò Pernam bucano, Edição do Jo rn al do Recife, 1904; “ Nossos diplom atas” , A B N , vol. 35, 1913, 77-88; A nossa diplomacia, Conferência na Sociedade de C ultura Artística, São Paulo, 1914; Na Argentina, Impressões, 1918-19, São Paulo, Weiszflog Irmãos, 1920. A. G. de A raújo Jorge, Introdução às obras de R io Branco, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1945; ‘‘H istória do Brasil holandês” , Revista americana, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, junho-novem bro de 1918 e agôstosetembro de 1919; A Restauração e a história diplomática do Brasil holandês ( 1640-1661), separata dos Anais da Academia Portuguesa de H istória, vol. vn, Lisboa, 1942; Ensaios de história diplomática do Brasil no regime republicano, R io de Janeiro, 1912. Sòbre o Barão do R io Branco, cf.: R a u l Fernandes, R io Branco, R ió de Janeiro, M inis­ tério das Relações Exteriores, s. d.; G ilberto Amado, R io Branco, R io < de Janeiro, M inistério das Relações Exteriores, 1947; H ildebrando Accioly, O Barão do R io Branco e a segunda con­ ferência da Haia, R io de Janeiro, M inistério das Relações Exteriores, 1945; R aul do Rio Branco, Reminiscências do Barão do R io Branco, R io de Janeiro, José Olympio, 1942; Álvaro Lins, R io Branco, R io de Janeiro, José Olympio, 1945, 2. vols.; 2.a ed., revista, São Paulo, C.la E ditora Nacional, 1965; Dunshee de Abranches, R io Branco e a política exterior do Brasil (1902-1912), R io de Janeiro, 1945, 2 vols.; Francisco Venâncio Filho, R io Branco e Euclides da Cunha, Rio de Janeiro, M inistério das Relações Exteriores, 1946; Américo Jacobina Lacombe, R io Branco e R u i Barbosa, Rio de Janeiro, M inistério das Relações Exteriores, 1948; Aluísio N apoleão, R io Branco e as relações entre o Brasil e os E. U. A ., Rio de Janeiro, M inistério das Relações Exteriores, 1947. (85) H élio Lobo, A ntes da guerra. A missão Saraiva ou os preliminares do conflito com o Paraguai, R io de Janeiro, 1914; História diplomática do Brasil. Às portas da guerra (Do ultimátum, Saraiva, 10 de agòsto de 1864 à convenção de 1865), R io de Janeiro, 1916; R io Branco e o arbitramento com a Argentina, Rio, J. Olympio, 1952. (86) H eitor Lyra, Ensaios diplomáticos, São Paulo, 1922. (87) M ário Vasconcelos, M otivos de história diplomática do Brasil, l .a série, R io de Janeiro, Im prensa N acional, 1930. (88) R enato de M endonça, Um diplomata na corte de Inglaterra, São P aulo, C .Ia E di­ tora N acional, 1942. . (89) Joaquim N abuco, A intervenção estrangeira durante a revolta de 1893, R io de Janeiro, 1896; 2.a ed., São Paulo, C .ia E ditora N acional, 1939. Este assunto foi novamente exam inado por Sérgio Correia da Costa, A diplomacia do Marechal, R io de Janeiro, Zéüo Valverde, 1945. (90) H ildebrando Accioly, Os prim eiros núncios no Brasil, São Paulo, Ipê, 1949; Manuel Cardozo, T h e First Apostolic Delegation in R io de Janeiro and its Influence in Spanish America.

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dos bispos, e, finalm ente, os de José A ntonio Soares de Souza sobre o Visconde do U ruguai e o Barão da Ponte R ibeiro(81), todos resultados de excelentes pesquisas de arquivo e de boa e lúcida interpretação e exposição. Mas se as relações diplom áticas não se esgotam no m anejo das coisas políticas, e envolvem, sobretudo hoje, os negocios econômicos, então, capí­ tulo dos mais im portantes da historia diplom ática seria o que narrasse as missões comerciais e o intercurso m ercantil. As relações comerciais da Inglaterra e de Portugal estão descritas no trabalho de Shillington e Chapm an, as de Portugal e Suécia esboçadas na obra de Prestage e M ellander, as antigas relações comerciais do Brasil com a França, nos inicios do século xix, tam bém foram descritas por Horace Say (92). Não será com a condensação da m atéria conhecida, mesmo em forma sintética e agradável, que se poderá contribuir para o conhecim ento da h istoria diplom ática do Brasil. T rabalhos gerais como os de P into da Rocha, já citados, e R enato de M endonça (93), um anterior e outro pos­ terior a P andiá Calógeras, servem mais a fins didáticos que científicos.

7. H istoria do exército A historiografia do exército e a naval, m uito especialmente a p ri­ meira, têm devorado grande parte de historia política (94). Desde os clássi­ cos até m uito recentem ente, são as façanhas e os sucessos guerreiros que têm constituído a m atéria selecionada da história política. As origens e o desenvolvimento das instituições políticas, constitucionais, legais e adm inistrativas foram abandonadas a favor das audácias ou fraquezas da força m ilitar. É talvez por essa razão que até hoje não se constituiu a his­ tória m ilitar num a verdadeira especialidade. A falsa história política tem-lhe roubado a m atéria e a m ilitar tem-se lim itadò a esm iuçar os fastos guerreiros tratados naquela. De regra ela se enquadra n a historiografia pragm ática, pois deve vir em auxílio dos oficiais para sua futura atuação no campo de batalha (95). A Study in Papal Policy, 1830-1840, W ashington T h e Catholic University, 1950; e T h e H oly See and the Question of the Bishop-Elect o f R io, 1833-1839, R epr. from T h e Américas, vol. 10, julho 1953, n.° 1. (91) A vida do Visconde de Uruguai, Brasiliana, vol., 243, São Paulo, 1944; e Um diplom ata do Im pério (Barão da Ponte Ribeiro), Brasiliana, vol. 273, São Paulo, 1952. (92) V. M. Shillington e A. B. W. Chapm an, T h e Commercial R elations of England and Portugal, Londres, 1907; E dgar Prestage e K arl M ellander, Relações diplomáticas e comerciais entre a Suécia e P ortugal de 1641 a 1670, P orto, Edições Gama, 1943; H orace Say, Histoire des relations commerciales entre la France et le Brésil et considérations générales sur les monnaies, les changes, les banques et le commerce extérieur, Paris, 1839. (93) R enato de M endonça, H istoria de la política exterior dei Brasil, In stitu to Pan-am e­ ricano de Geografia e H istória, 1945. (94) O autor tem reunido m uito m aterial para um guia bibliográfico de história m ilitar. (95) W ilhelm Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 177. Vide tam bém Varnhagen, História das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 a 1654, Lisboa, 1872, vi.

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Os chefes e historiadores m ilitares acreditam que ela seja essencial à corre­ ção de idéias e à habil condução de guerra. O grande alm irante e histo­ riador naval M ahan afirm a que é particularm ente no campo da estratégia naval que os ensinamentos do passado têm valor que não pode ser subesti­ mado. Eles são úteis não só como ilustração dos princípios, mas como pre­ cedentes, devido à perm anência com parativa das condições. A m udança de armas, da m aneira de lutar, não invalida o estudo das experiências pas­ sadas, com as quais se aprendem os princípios da guerra e o m odo de apli­ cá-los ao uso tático dos instrum entos modernos (96). O estudo da estratégia m ilitar do m undo m oderno e contem porâneo e do crescimento e decadência do espírito m ilitar entre os vários povos do m undo, os problem as e práticas de guerra m oderna, as várias idades he­ róicas da hum anidade mereceram de A rnold T oynbee páginas notáveis de estudo,, que m uito serviriam aos nossos historiadores militares, como me­ todologia e interpretação (97). A historiografia do exército, cuja finalidade principal está no estudo da estratégia, tática, armas, recrutam ento, transporte, abastecimento, sol­ do e desenvolvimento das forças adversárias, tem sido infelizmente trata­ da sem o cuidadoso exame das fontes e da bibliografia. A história das guerras, não só como luta armada, mas como crise so­ cial e política, tem im portância fundam ental para o conhecim ento do pas­ sado. Burckhardt, estudando o papel das guerras nas crises dos povos, mostrou a im portância e significação dos fatos bélicos para a compreensão da sociedade passada. Alguns acontecimentos decisivos da história foram o resultado de sucessos guerreiros e não poderiam ser compreendidos só com o estudo das tendências constitucionais, das condições econômicas ou das instituições sociais. N ão seria necessário ilustrar a afirm ativa com conhecidos fatos, como o da batalha de Salamina, cujo resultado decidiu, segundo E duard Meyer, os destinos da civilização grega e dos seus frutos. As campanhas coloniais contra franceses e ingleses, as memoráveis lu­ tas contra os holandeses, por exemplo, representaram acontecimentos negligenciáveis na vida e n o desenvolvimento social do Brasil ? A guerra pela Independência não forçou o governo português a desistir de suas teorias de adm inistração colonial e não afetou o governo e o crescimento do Im pério do Brasil ? As façanhas de Caxias não representaram um papel im portantíssim o na formação constitucional e legal do poder público no Brasil ? E os exemplos não teriam fim. Não se devem estudar tão-sómente as campanhas dos grandes gene-. rais, mas tam bém as felizes operações de comandantes e chefes menores, cujos resultados decidiram a vitória final. E não só as grandes lutas e seus grandes chefes, mas tam bém a descoberta ou inovação m ilitar em armamentos, tática e organização devem ser exam inadas e tratadas com todo o cuidado. A invenção de certas armas de combate é fator de tanta im portância como qualquer invenção mecânica na vida civil. (96) A. T . M ahan, T he Influence of Sea Power upon History, 1660-1783, 12.a ed., Boston, Little, Brown and Co., 1943, 9. (97) Arnold Toynbçe, A Study of H istory, Oxford, 1954, vol. viu, H eroic Ages, e vol. ix, Technology, W ar and Government, vol. x, 1.a partè.

Esta é a verdadeira apologia do estudo da historia m ilitar, no con­ ju n to de suas operações navais, aéreas e terrestres. Intensiva pesquisa das fontes manuscritas e impressas, dos mapas, das armas, dos sistemas de ata­ que e defesa, do abastecimento, exame cuidadoso da bibliografia (98), treino crítico, publicação docum ental erudita, divulgação de trabalhos de caráter popular, cursos e conferências em colégios e instituições militares superiores possibilitam um crescimento do saber e facilitam a obra de defesa nacional. Todos estão convencidos de que se não pode negligenciar a contem­ plação e o estudo das campanhas e batalhas dos predecessores, em bora a teoria, que se baseia na historia, não possa, portanto, form ular prescrições positivas. Lucas A lexandre Boiteux, estudando as quatro fontes para a compreensão da tática naval, escreve que a “principal é a historia”. “Do exame aprofundado, meticuloso da vida, ações e campanhas dos grandes capitães, dos lutadores mais notáveis de m ar e guerra, alcançaram os his­ toriadores analistas e críticos re u n ir farta messe de observações conceituosas que racionalm ente comparadas nas suas aplicações e resultados foram adotadas como verdadeiros preceitos fundam entais da arte da guerra” ( " ) . De regra, o m ilitar tem a experiencia necessária para o estudo técnico dos fatos, mas falha pela falta de métodos de pesquisa, por não saber va­ lorizar as fontes e pelo despreparo crítico. O historiador dispõe destes elementos essenciais, mas não possui a especialização própria do oficial, tam bém indispensável para a compreensão do fenômeno (10°). Assim, o problem a fundam ental de um historiador m ilitar — que é reconstruir o plano da cam panha e narrar a sua execução — deixa de ser plenam ente (98) Papel im portante no exame da bibliografia tem desem penhado últim am ente a R e ­ vista M ilitar Brasileira, editada pela Secretaria Geral do M inistério da G uerra e também a Revista do Instituto de Geografia e H istoria M ilitar do Brasil. Na prim eira distinguem-se, pela alta categoria de sua com petência crítica e m étodo os “Verbetes para um Dicionário biobibliográfico m ilitar brasileiro’', do general F. Paula Cidade (vol. 52, n.os 1-2, jan.-junho 1950; vol. 53, n.os 3-4, julho-dez. 1950; vol. 54, n .os 1 e 2, jan.-junho 1951 vol. 55, n.os 3-4, julho-dez. 1951; vol. 56, n.os 1-2, jan-junho 1952; vol. 57, n.os 3-4, julho-dez. 1952; vol. 58, n.os 1-2, jan.-junho 1953; vol. 59, n.os 3-4, julho-dez. 1953; vol. 60, n.os 1-2, jan.-junho 1954; vol. 61, n.os 3-4, julho-dez. 1954; a Sintese de três séculos de literatura militar brasileira (R io de Janeiro, 1959) do mesmo autor é um exame critico da bibliografia m ilitar brasileira, contendo p arte da m atéria discutida nos “Verbetes". (99) Lucas Alexandre Boiteux, A tática nas campanhas navais, São Paulo C .la M elhora-, m entos, s. d., 10-11. Nos e . u . a ., cada Arma possui seu corpo de historiadores e seus m anuais metodológicos, como, por exemplo: Guide to the W riting of American M ilitary History, Army Pam phlet, n.° 20-200, G. P. U., W ashington, 1951; M anual for A ir Force Historian, D epartm ent of A ir Force, W ashington, 1952. O bras de caráter geral preparam o historiador m ilitar: J. D. H ittle, T h e M ilitary Staff: its History and Developtnent, Pa., 1945; e P aul P. van Rifer, “Survey of M aterials for the Study of M ilitary M anagem ent” , T h e Am erican Political Science Review , 1955, 828-850; sobre a organização e trabalho do corpo de historiadores da P ri­ m eira G uerra M undial, cf. Elizabeth B. Drewry, Historical Units of Agencies o f the First World W ar, N ational Archives, 1942; sobre a Segunda G uerra M undial, ver Plans fo r the Historiography of the U nited States in W orld War, n (Separata da A H R , jan. 1944), e Kent Roberts Greenfeld, T h e Historian and the A rm y, R utgers University Press, 1954; sobre os arquivos públicos durante a ocupação m ilitar, cf. E rnst Posner, “ Public Records under M ilitary O ccupation” , T he American Historical Review, vol. 49, n.° 2, jan. 1944. Sobre o acesso aos arquivos do Exército, ver Kent R. Greenfeld, “ Accesibility of U. S. Army Records to H istorical Records” , in M ilitary A ffairs, Spring, 1951, 10-15. Existe nos Países Baixos um In stitu to especial sobre a documentação m ilitar, o R ijks In stitu t vorr Oorlogs D ocum entatie, Amsterdã (H erengracht, 474), que já tem publicado vários relatórios sobre suas atividades. (100) W ilhelm Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 173.

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realizado. O remédio simples seria a formação de historiadores militares, com p reparo metodológico e critico e noções de natureza m ilitar que fa­ cilitassem o julgam ento da cam panha, da técnica de guerra, da estratégia das batalhas. Além disso, poucos têm estudado os efeitos do poder m ilitar e naval no curso da nossa história. Colecionar os fatos que se encontram esparsos nas histórias políticas é um a m aneira vaga e imprecisa de reconhecer aquela influência. A crônica das ocorrências m ilitares e os anais das vicissitudes navais não relacionam esses fatos com os da história geral, pro­ curando m ostrar quando as influências destes foram decisivas no suceder. O estudo da história m ilitar oferece, no Brasil, estes defeitos funda­ mentais. N a realidade, sempre cultivamos m uito mais a história do exér­ cito que a naval, apesar da enorme influência do fator m arítim o n a nossa história. Mas todo esse cultivo tem sido insatisfátório em razão daqueles motivos. Como nos casos anteriores, temos de recorrer às histórias m ilitares 2>ortuguesas, encontrando aí as obras de Cristóvão Aires, Carlos Selvagem, Inácio da Costa Q uíntela, Toão M anuel Cordeiro, A. Tavares e T. A. da Silva (101). N ão possuímos até hoje um a história do exército. A de José de M í­ rales não passa de um arcabouço, digno pela documentação, mas falto de outros requisitos indispensáveis para que se lhe possa d ar o nom e de história (102). Os analistas ou memorialistas m ilitares anteriores a Mirales ocupam grande parte de nossa historiografia m ilitar. H ouve época em que esta era a única especialidade histórica acolhida com certa benevolência pela censura inquisitorial (103). Houve época, também, em que se unia a pena à espada e grandes m ilitares são historiadores ou grandes escritores são militares. É o caso de Francisco M anuel de Melo e do seu mestre M anuel de Meneses, restaurador d a Bahia. A história do exército brasileiro abrange especialmente as lutas com os holandeses, as lutas com os espanhóis sobre a Colônia do Sacramento (104), a invasão do R io G rande do Sul, as lutas com a G uiana Francesa (101) U ma das melhores críticas das fontes m ilitares se encontra in J. Leite de Vas­ concelos, Etnografía portuguesa, Lisboa, 1933, 98-108. Cristóvão Aires, História do exército, 4 vols., 1896-1908; Provas, 13 vols., 1902-1921; Carlos Selvagem, Portugal m ilitar, Lisboa, 1931; Inácio da Costa Q uintela, A nais da m arinha portuguesa, Lisboa, 1839-1840, 2 tomos; João» M anuel Cordeiro, A pontam entos para a história da artilharia portuguesa, Lisboa, 1895; A. Tavares e J. A. da Silva, N oticia histórica das ordens militares e civis, 2.a ed., 1881; F ran­ cisco Augusto M artins de Carvalho, Dicionário bibliográfico m ilitar-português, Lisboa, 1891. (102) A principal bibliografia se encontra no CEHB. José de Mirales, “H istória m ilitar Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1940, 208. (40) Vide interessante estudo sobre o desenvolvimento da instituição do sem inário in F rank T an n en b au n , T h e University Seminary M ovem ent at Columbia University, repr. de Political Science Quarterty, vol. 68, junho 1953. O au to r m ostra o sem inário atu al não como um a instituição dirigida por um professor, com estudantes graduados, que discutem e criticam m u tu am en te. um tem a, mas como um a instituição perm anente, de variada composição e dedicada •exclusivamente a um tema, que é discutido e criticado por estudantes, professores e convidados especiais. Funciona não só interdepartam entalm ente como “interfaculdades” . Esses seminários são perm anentes e orgânicos, possuem estudantes registados e trazidos por professores para fins especiais; são adm inistrados não pelo departam ento ou faculdade, m as pelos membros desta que fazem p arte do seminário. O tem a é tratad o de modo completo e profundo por estudiosos de todas as disciplinas. Desde 1947 funciona um sem inário para o estudo do “conteúdo e métodos das ciências sociais” . (41) H om er C. Hockett, Introduction to Research in Am erican H istory, Nova York, Macm illan, 1931; 2.a ed., refundida, M acm illan, 1956, sob o títu lo Criticai M ethod in Historical Research and W riting. (42) A. Lappo Danilevskij é autor de um a M etodologia da história e V. Khvostov de um a Teoria do processo histórico, 1911. Vide N. Kareev, “Russie” , H istoire et historiens depuis ■cinquante ans, Paris, Alean, 1.° vol., 369.

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fim da vida. Mas aí mesmo a reação se fez sentir. Em 1943, quando fre­ qüentam os algumas aulas do curso de M etodologia histórica da Universi­ dade de Colum bia, dirigido pelo Prof. Charles W . Colé, notam os que já se dava m uito m aior im portancia à filosofía da historia, às teorias históricas, à história da historia (para contato com os grandes m estres), e que se cha­ m ava atenção para os vários gêneros de história — intelectual, econômica, política, social, literária, científica, m ilitar, biográfica, etc. — em lugar de ficar nos problem as de bibliografía e de descoberta e crítica dos do­ cumentos. Em resposta a um inquérito que fizemos sobre o ensino da m etodo­ logia histórica nos e . u . a ., o Prof. Crane B rinton, da Universidade de H arvard, nos dizia que em 1938 ele e seu colega Prof. M ichael Karpovich haviam decidido dedicar m uito menos tem po do que fazia o anterior pro­ fessor a problem as de bibliografía e pesquisa de caráter “detetivesco”. Preferiam que os estudantes travassem conhecimento com os grandes his­ toriadores e lessem pelo menos um ou dois volumes dessas “oeuvres de longue haleine” Finalm ente, dizia o Prof. B rinton em sua carta: “Kar­ povich e eu sentimos que devíamos reconhecer que os historiadores hoje em dia se defrontam com a necessidade de ad q u irir algum a filosofía da história e de m anter relações íntim as com os economistas, sociólogos, an­ tropólogos e outros trabalhadores nas chamadas ciências sociais”. Acrescen­ tava ainda que com o aparecim ento do que é algumas vezes chamado “the New H istory” em- seu país, com a conversão de hom ens como Charles Beard à interpretação filosófica da história, com a crescente exigência de um a ciência social suprema, que seria um a espécie de pedra filosofal nos negócios hum anos, com o “reconhecim ento de figuras como M arx e Pareto nos e . u. a ., a ortodoxia histórica, profissional e acadêmica, tendeu a desa­ parecer”. É lógico concluir deste esboço de evolução m oderna do ensino da me­ todologia histórica que, no Brasil, não podemos prescindir daquela parte da m etodologia que se refere às ciências auxiliares e à crítica histórica. N ão podemos prescindir porque nunca a ensinamos, em bora os nossos grandes mestres tivessem recolhido e praticado as lições européias. Seria, contudo, um a perda irreparável de tem po se cada geração tivesse de apren­ der p or si mesma, autodidaticam ente, os processos e regras do m étodo his­ tórico, da crítica histórica, da aplicação das disciplinas auxiliares n a pes­ quisa e no exame dos documentos. Além disso, nenhum dos países citados abandonou tais capítulos da m etodologia. Apenas não continuaram a considerar a metodologia his­ tórica lim itada às ciências auxiliares e à crítica histórica. Estas últim as são o adjetivo e o advérbio da linguagem histórica. O substantivo é a teoria e a filosofia da história. A prim eira nasce dos contatos de vizi­ nhança da história com a economia, a antropologia, a geografia, etc. A segunda depende da concepção do m undo e do homem. As concepções históricas que se encontram em luta, como afirm ou Scheler, fundam-se em idéias distintas sobre a essência, e estrutura e a origem do hom em (43). (43) M ax Scheler, E l porvenir del hom bre. L a idea del hom bre y la historia. E l puesto del hom bre e n el Cosmos, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1942, 59.

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C a p ít u l o 8

As fontes históricas

v i m o s , no capítulo sobre a certeza, que o trabalho histó­ rico se inicia com a pesquisa dos meios de conhecimento, que são as fontes, ou os documentos públicos e privados. Esta prim e tarefa tem o nom e de heurística. Ela nos diz o que deve ser considerado fonte histórica, suas várias espécies, e nos inform a quais são as coleções e a bibliografía de fontes. É, assim, apenas um a parte da pesquisa histórica que com ela se inicia e term ina com o exame crítico >das fontes. Seguem-se, então, os trabalhos de interpretação e de composição. Deste modo, o objeto da historia não só é a caça e a descoberta do docum ento, que é unica­ m ente um meio de conhecim ento (1), mas a reconstituição histórica basea­ da em docum entos auténticos e fidedignos. Com o ensina Bauer, poder ser fonte da historia no sentido mais am­ pio da palavra, tudo que nos proporciona m aterial p ara a reconstrução da vida histórica. Fonte, no sentido de fonte histórica, é um a expressão que, n a época m oderna, aparece repetida em quase todas as línguas cultas européias. Provavelmente, vem da orientação hum anista que, de acordo com suas tendências históricas e políticas, quis investigar o antigo em sua origem, ir búscá-lo onde ele se conservasse em sua absoluta pureza. De fons, origem, a fcms, meio de conhecimento, não havia mais que um passo e, às vezes, nos clássicos latinos, se encontram insinuadas tais transposições. Com a imagem da fonte se exprim e, além disso, m uito acer­ tadam ente, que ela não é objeto, mas meio de conhecim ento (2). A im portância ou essencialidade da fonte depende do objeto e tem a d a pesquisa. É por isso que Bernheim afirm a que a nossa atenção deve ser dirigida desde o início de modo a não prejudicar o trabalho pela falsa Ou pouco clara colocação dos problemas, pela pesquisa realizada sem de­ term inados fins em vista, ou pela consideração parcial do tema. A clara determ inação do assunto im plica o claro conhecim ento das fontes. O presente está sempre sugerindo novas m atérias, novos exames,

J

Á

(1) Ernst Bernheim , L ehrbuch der historischen M ethode und der Geschichtsphilosophie, Leipzig, Verlag von P u n ck er & H um blot, 252. (2) W ilhelm Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 219-220.

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novas pesquisas. Sob esta inspiração e com esta finalidade velhos docum en­ tos conhecidos, usados e abusados, podem parecer novos porque novas perguntas lhes foram feitas. T o d a pesquisa implica, portanto, o realce de alguns documentos e o silêncio de outros, segundo se ache que uns são eficientes e outros inertes para a exata compreensão e resposta ao debate sugerido. A evocação desejada p o r um a nova curiosidade, por novos cen­ tros de interesse pode revalorizar fontes consideradas com pletam ente es­ gotadas ou pode fazer surgir novas fontes. É assim, por exemplo, o caso de B ernhard Groethuysen, cuja obra sobre a formação da consciência burguesa na França (3) sugeriu o exame dos sermões como um a das p rin ­ cipais fontes para a criação do seu tema. A utilização de fontes começou modestam ente. Os historiadores clás­ sicos colhiam os fatos, p o r meio de viagens e conversação, que eram suas fontes, mais que os documentos, raros naquela época (4). N ão é tam bém a massa dos documentos que decide a certeza da narração. A prova his­ tórica não é a soma aritm ética das fontes, que non sunt num erandi, sed ponderandi. Por isto dizia com razão A lexandre H erculano, citando um a regra de crítica de Gmeiner, que “a verdade dos conhecimentos históricos não depende de modo nenhum da abundância dos historiadores, visto que não provém m aior certeza a um fato histórico de ser relatado em livros de muitos autores mais 'm odernos, cada um dos quais foi copiando o que outro tinha dito. Todos eles juntos não valem mais do que o prim eiro que o referiu” (5). O texto é a m atéria-prim a essencial, é o núcleo a priori e o m elhor historiador, segundo Fustel de Coulanges, é o que escreve e pensa segundo eles. Smedt no seu livro, que até hoje é um m odelo de crítica histórica, dá aos estudantes os seguintes conselhos, úteis e orientadores: não se deve começar consultando manuscritos; o novato deve iniciar com um bom m anual que lhe dê um a noção geral da época. Trata-se de um contato provisório que não retira a liberdade de rever o livro como guia. A seguir deve consultar as obras especiais escritas por sábios, eruditos e autoridades, que não em item um a opinião sem citar as fontes em que se apóiam, e pro­ curar conhecer as monografias e dissertações, para atualizar o problem a; só daí em diante é que se pode percorrer com frutos os docum entos origi­ nais (6). Os amadores da história que têm ardor e boa vontade, mas são faltos de conhecimentos e experiência, deviam fazer o mesmo. Os estu­ dantes superiores de história — de que no caso se trata — deviam estagiar no A rquivo N acional ou n a Seção de M anuscritos da Biblioteca N a­ cional. Para saber o estado atual do problem a escolhido deve-se acom panhar as revistas especializadas, os artigos e estudos sobre o assunto, freqüentar (3) B ernhard Groethuysen, L a formación de la conciencia burguesa en Francia durante el siglo xviii, México, Fondo de C ultura Económica, 1943. (4) Georg Macaulay Trevelyan, History and the Reader, Londres, Cam bridge Univ. Press, 1945, 8. (5) A lexandre H erculano, Solemnia verba, Lisboa, Im prensa Nacional, 1850, 22. (6) Charles Smedt, Príncipes de la critique historique, Liège, 1883, 72-82.

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os mestres, consultar a bibliografia, os catálogos e inventários de m anus­ critos. E tam bém nunca se esquecer de que transcrever documentos não é fazer historia, mas apenas tornar enfadonha e insípida a narrativa, que é a essência da historia. “D ar traslado de papeis”, dizia frei Luís de Sou­ sa, “he modo de encurtar trabalho, encher muyto, e cançar leitores.” É preciso advertir ainda que não é só a pura descoberta de novos documentos que define a contribuição de um livro de história. Bem se pode dizer que os autores mais originais não são só os que encontram algo de novo, mas os que são capazes de interpretar de tal modo que os assuntos nos pareçam como jamais nos pareceram. Aquele que é capaz de, sob a base das fontes já conhecidas, interpretar originalm ente, traz à história contribuição talvez tão im portante quanto a do pesquisador de novos documentos. O utro engano m uito comum é o de pensar que as fontes contem po­ râneas m anuscritas têm mais valor do que as impressas, só porque são m anuscritas. Ambas gozam da mesma autoridade, exceto quando o exame crítico m ostra que se trata de fonte suspeita. Os m anuscritos não são mais im portantes que os livros coevos; ambos podem ser fontes prim or­ diais ou secundárias, se se basearem num conhecim ento direto ou indi­ reto. Se o autor do livro foi um a testem unha direta dos acontecimentos, e se, de acordo com o exame crítico interno chegamos à convicção de que deve merecer fé, então sua inform ação vale mais do que a do autor do m anuscrito, baseada em declarações de terceiros, indignos de reputação ou desconhecidos quanto ao m érito. Vê-se, assim, que o problem a da autoria assume grande im portância no problem a da fonte. Não é um a fri­ volidade a pesquisa tendente à atribuição de autoria. Ela pode ajudarnos a avaliar a fidedignidade de um escrito, seja impresso, seja m anus­ crito. U m impresso de autor coevo, reputado, que o exame crítico mostre ser digno de crédito, deve ser considerado mais fidedigno do que um m a­ nuscrito sem autor declarado e sobre o qual não podemos concluir após o exame crítico. Às vezes, ao contrário, o exame crítico de um m anuscrito anônim o, ajudado pelas evidências circunstanciais dos restos mudos, pode levar-nos à certeza de sua fidedignidade. As variações são, portanto, enormes. É costume, especialmente nos trabalhos históricos americanos, deno­ m inar a um a obra, mesmo principal, de fonte secundária, porque derivada de conhecim ento indireto e não porque seja inferior. Ora, já vimos que um livro pode tam bém ser fonte prim ordial, quando coevo e não deri­ vado, e além disso um a fonte m anuscrita pode ser tão secundária quanto um livro, desde que ambos se baseiem em terceiros. Assim, pondo de lado o livro fonte, contem porâneo e de conhecim ento direto, fonte prim ordial ou prim ária, temos a obra principal não-contem porânea, que in terp reta e n arra sob base das testem unhas diretas conhecidas, e a com plem entar, ou subsidiária, aquela que se baseou em algumas fontes indiretas ou ape­ nas in terpretou sob base de compilação. Deste modo, assim como pos­ suímos a fonte prim ordial ou prim ária e secundária, possuímos o livro principal e o com plem entar ou subsidiário.

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Benjamín Franklin de Ramiz Galvão

Lem braríam os os casos das descrições da sua atualidade feitas por Gandavo, C ardim e G abriel Soares e que têm m aior valor do que alguns documentos inéditos e m anuscritos. Só a prática e a iniciativa do histo­ riador podem levá-lo livrem ente à convicção sobre o valor do testem unho utilizado. A significação fundam ental do questionário, diz Bernheim , difícil­ m ente poderá ser apreciada, pois as perguntas feitas condicionam anteci­ padam ente a orientação, o âm bito e o resultado da pesquisa. Melo Morais, que tan to usou do inquérito, e tanto consultou testem unhas visuais, não soube, de regra, p rep arar form ulários inteiram ente adequados ao seu tema.

É assim que ao interrogar M anuel Marcondes de Oliveira Melo, Barão de Pindam onhangaba, com panheiro de viagem de D. Pedro i a São Paulo, e, portanto, testem unha ocular dos acontecimentos da proclam ação da Inde­ pendência, perguntou no nono quesito como ia. vestido o príncipe e em que cavalo cavalgava. Ora, para a história da Independência, para a his­ tória política, era inessencial o traje do Príncipe ou historicam ente indi­ ferente o nom e do alfaiate que lho fizera (7). A pergunta seria essencial p ara a história da m oda e para a história dos preços (8). O outro exem plo de questionário m etodicam ente form ulado e de gran­ de im portância hoje para a história e a geografia do Brasil é o realizado em 1881, por iniciativa de Ramiz Galvão. As respostas, descrevendo vários m unicípios do Pará, M aranhão, Pernam buco, Bahia, R io de Janeiro e M inas Gerais, em atenção à circular de 2 de fevereiro de 1881, do diretor da Biblioteca Nacional, acham-se registradas no Catálogo da Exposição de H istória do Brasil (9). O m elhor exemplo de questionário histórico foi form ulado para co­ nhecim ento da revolução de 1824. Oferecera o C.el José M aria Ildefonso Jácome da Veiga Pessoa e Melo (nasc. em 1791), capitão e com andante da Fortaleza do Brum, um a descrição dos acontecimentos de 1824 ao Insti­ tu to Arqueológico. A ntonio Joaquim de Melo form ulou o questionário, que foi respondido pelo participante da revolução (10). Informações mais desenvolvidas e particularizadas sobre esta m atéria encontram-se no capítulo “Os instrum entos do trabalho histórico”, incluí­ do n a 2.a edição de A pesquisa histórica no Brasil, publicada tam bém nesta coleção.

(7) Cf. M elo Morais, A Independência e o Im pério do Brasil, R io de Janeiro, 1877, 73-75. O u tro exemplo de inq u érito é o testem unho de Zeferino Pim entel Freire, a pedido de Melo Morais, dado em carta datada do R io de Janeiro, 1 de setem bro de 1861, sobre as bastonadas que levou o farm acêutico Pam plona, início da agitação que deu à dissolução da Consti­ tuinte. Como m odelo de questionário, cf. Mss. da Biblioteca Nacional do R io de Janeiro, II 32, 20, 14, 11-32, 30, 16 e 11-32, 20, 21. (8) O exem plo relem bra a polêmica entre R ickert e Meyer, quando aquele, paxa m ostrar como o valor condiciona a seleção do essencial na história, citoii como exem plo de fato histo­ ricam ente essencial a negativa de Frederico G uilherm e iv de coroar-se e, como fato histori­ camente inerte, o alfaiate que lh e fez a vestimenta. Cf. Die Grenzen der Natufw issenschaftliche B egriffsbildung, 1896, 325, 1902, 290. M eyer replicou que o exem plo era drástico, mas que não era certo. P ara a história política era indiferente qual teria sido o alfaiate, mas nâo para a h istória da m oda e dos preços. Cf. “ Z ur T heorie un d M ethodik der Geschichte” , Kleine Schriften zu r Geschichtstheorie u n d zu r zuirtschaftlichen und politischen Geschichte des A ltertum s, H alle, Verlag von Max Niemeyer, 1910-44. (9) Vide CEHB, cap. 4, “ Geografia das províncias” . (10) R I AG P, vol. 8, n.° 47, 289-295.

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Disciplinas auxiliares da historia

t r a t a m o s da evolução da idéia de historia, vimos que duas das principais disciplinas auxiliares, a paleogra­ fía e a diplom ática, surgiram no século xvu, como resultado do espirito de □ritica que foi o fruto do Renascim ento e da Reforma. O clamor pela autenticidade dos docum entos não fora ouvido durante a Idade Média. Interesses im portantes se baseavam em documentos, e a Igreja, mosteiros, conventos e cidades forjavam grande núm ero de diplomas, ansiosos por confirm ar privilégios que possuíam p o r direito ou usurpação (1). A ausência de conhecimentos paleográficos e diplom áticos im pedia a verificação da autenticidade ou forjicação dos docum entos e tornava difícil a solução das disputas sobre títulos de propriedade. As corrupções e forjicações durante a id ad e M édia são enormes e conhecidas por vários estudiosos da m atéria; só num a lista mostram-se mais de quatrocentas, o que evidencia como um público despreparado criticamente podia aceitá-las e não ouvir o protesto dos poucos eruditos que as denunciavam (2). Os ataques feitos a essas várias forjicações aceitas pela Igreja durante a Idade M édia prom overam o tratam ento crítico dos documentos. Mais adiante, q u ando tratarm os das forjicações, apontarem os algumas das mais famosas. O prim eiro efeito da aplicação do espírito de crítica ao problem a da autenticidade dos docum entos manisfestou-se no dom ínio da teologia, por ocasião da Reforma. P or trás de L utero e de outros chefes da Reform a estavam estudiosos da história eclesiástica, tais como M athias Flacius (1520-1575) (3) e seus sucessores, os centuriões de M agdeburgo, que anali­ saram a grande qu antidade de lendas e forjicações que tinham inundado a história da Igreja medieval (4). A reação foi benéfica. Forçou os eru­

O

uando

(1) F. W . H all, A Companion to Classical T exts, Oxford, Clarendon Press, 1913, 108*109. (2) F. W. H all, Ib id ., 102. (3) As várias obras de M athias Flacius, vulgo Francowitz, estão relacionadas em J. G. Theodor Graesse, Trésor de livres rares e t précieux, Dresden, 1859-1869, 8 vols. (4) Os centuriões de M agdeburgo são assim chamados porque escreviam por centúrias a tiistória eclesiástica impressa em M agdeburgo, sob o título: Ecclesiastica h is to r ia ..., Basilae, Oporinus, 1559-74, 8 vols. Vide a descrição em J. G. T heodor Graesse, ob. cit., onde constam 2ls traduções feitas.

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ditos católicos a exam inar seus docum entos e a tornar acessível grande massa de m aterial que havia sido, até então, escondido nos arquivos indi­ viduais ou de corporações. É nessa época que os historiadores iniciam o exame sistemático dos docum entos a fim de ap u rar sua autenticidade ou falsidade. E para res­ p onder às perguntas que então se form ularam surgiu a diplom ática.

1. D iplom ática e paleografía O prim eiro passo n a formação da diplom ática foi dado por um gru­ po de jesuítas, autores da série hagiográfica conhecida sob o nom e de A cta sanctorum (5), aparecida pela prim eira vez em 1643, sob a direção do eru d ito jesuíta Jean Bolland (1596-1655), de A ntuérpia. Não se tratava de novas vidas de santos, mas de um a edição de vidas dos santos com todo o aparato reconhecido de crítica de textos e com sábias discussões sobre a autenticidade, integridade, credibilidade e problem as similares. Numerosas discussões sobre diplom as travaram-se na A lem anha, logo depois da G uerra dos T rin ta Anos e da paz de Vestfália. A autenticida­ de dos documentos apresentados era contestada pelos adversários, e num e­ rosas memorias divulgavam os debates dos tribunais. Essas contestações sobre a genuinidade de documentos mereceu de Ludwig, que prim eiro as descreveu, o nom e de “guerras diplom áticas” (6). Pouco depois da publicação das Acta sanctorum iniciou-se a luta di­ plom ática, principalm ente entre jesuítas e beneditinos. A mais im por­ tante dessas controvérsias acadêmicas sobre a autenticidade de diplomas surgiu entre D aniel Papebroch (1628-1714), jesuíta, e Jean M abillon, m em bro da congregação beneditina de São M auro, em Paris. Em 1675, D aniel Papebroch, em seu prefácio ao novo volum e das Acta sanctorum (7), provocou a hostilidade de duas ordens poderosas, a dos carmelitanos, por rejeitar a lenda de que o profeta Elias havia fun­ dado aquela ordem no M onte Carmelo, e a dos beneditinos, por negar a autenticidade dos docum entos merovíngios, que constituíam os principais títulos de dom ínio de muitos dos mosteiros beneditinos na França. As réplicas das duas ordens foram com pletam ente diferentes. Os carm elita­ nos apelaram para a Inquisição, que suprim iu o trabalho de Papebroch em 1695. Os beneditinos reagiram fundando a diplom ática e a paleo­ grafía (8). A Congregação de São M aurp, a que tanto deve a história, era o novo títu lo com que havia revivido em França, em 1618, a ordem beneditina. Jea n M abillon, seu m aior erudito, publicou em 1681 um livro que ficaria (5) Acta sanctorum coll. dig. not. ill. J. Bollandus, op. et st. cont. Gf. H enschenius, etc. Antv., 1643-1794. Bruxelas, 1845 e seguintes. 55 tomos. Descrição em J. G. Theodor Graesse, ob. cit., 1.° volume. (6) A. Giry, M anuel de diplom atique, Paris, Félix Alean, 1925, 59. (7) Propylaeum antiquarium circa veri ac falsi discrimen in vetustis membranis, abril de 1675, 3 vols., do 9.° ao 11.°. (8)

F. W. H ali, ob. cit., 111.

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como o fundam ento das duas disciplinas, a De re diplomática L ib ri vi (9) T ra ta a obra principalm ente da paleografía dos docum entos oficiais ou diplom as e discute especialm ente os problem as da integridade e da au­ tenticidade docum ental, provando que os títulos da ordem beneditina eram autênticos. Aí se estuda, pela prim eira vez, a evolução da escrita, desde as capitais rom anas até a escrita merovíngia. Vê-se, assim, que a diplom ática e a paleografía nasceram n a mesma ¿poca e tiveram a mesma origem. Esta limita-se ao estudo das escritas antigas, investiga os caracteres externos dos documentos, as letras em que eram escritos, enquanto aquela exam ina os caracteres intrínsecos, idioma, estilo, autenticidade e integridade dos documentos. Desde o inicio se disdnguiram nitidam ente e se auxiliaram m utuam ente. Elas são o funda­ m ento da crítica histórica. A diplom ática tem, assím, por objeto a aplicação da crítica a um a categoria im portante de fontes históricas, os diplomas e docum entos ofi­ ciais, as bulas pontificias, os diplomas imperiais, os documentos de notários, de príncipes e reis. Estes constituem, p o r sua vez, as fontes diplo­ máticas d a história. Etimológicamente, diplom ática é o estudo dos diplomas. O em prego d a palavra diplom a não rem onta a um a época recuada. T in h a aplicação restrita em R om a — onde significava um a espécie de passaporte — e na Idade M édia. Foram os eruditos da Renascença que a exum aram e aplica­ ram aos atos mais solenes e antigos, aos que em anavam da autoridade sobe­ rana, aos privilégios dos reis ou de grandes personagens (10). D iplom a seria, pois, aquele docum ento público assistido p o r pessoa pública. A diplo­ m ática teria p or fim avaliar os documentos públicos antigos, definindo o grau de probabilidade que os fazia acreditar genuínos ou suspeitos, segundo a definição do m aior paleógrafo português, João Pedro R ibeiro. Os estudos paleográficos foram cedo inaugurados e incentivados em Portugal. Desde 1775 promoveu-se o estudo da diplom ática, estabelecen­ do-se no R eal A rquivo um a cadeira de paleografía (n ). Mas o grande de­ senvolvimento da diplom ática portuguesa tem suas origens no alvará de 21 de fevereiro de 1801, que anexava a cadeira de D iplom ática ao A rqui­ vo da T o rre do Tomb®, e dispunha que “serão reputados ouvintes obri­ gatórios da m esma aula todos aqueles que aspiram a ser ocupados nos empregos e escrituração do m eu R eal Arquivo da T o rre do T om bo e nos ofícios de tabelião de notas da cidade de Lisboa; e não podendo ser pro­ vido ou em pregado nos mesmos Ofícios e m inistérios pessoa algum a de: (9) Paris, Billaine, 1681-1709. O suplemento, de 1704, é de RobusteL M abillon editou tami>ém as Acta sanctorum ord. S. Benedicti in saeculorum classes distrib., etc. Paris, Billaine, 1668-1702, 9 vols. H á um a reimpressão de Veneza, Coleti, 1733-40, 9 vols, O décimo volume 5cou em m anuscrito na abadia de St. O erm árn. (10) A. Grry, ob. ôit. (11) João Pedro R ibeiro, Dissertações cronológicas e criticas sobre a história e jurispruiéncia civil de Portugal, Lisboa, 1810-1836, t. 4, 1819, p arte l .a, 12. Encontram -se excelentes stu d o s sobre as disciplinas aiixiliares em O arqueólogo português, Lisboa, 1895-1921, e tam bém ao artigo de A rlindo de Sousa, defendendo a criação da cadeira de Ciências Auxiliares da História nos cursos superiores de L iteratu ra P ortuguesa e Filologia P ortuguesa. Vide “C ultura Portuguesa e C ultura Borasileirá” , Jornal do Comércio, 27 de maio de 1951,

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pois de seis anos de exercício desta cadeira sem que prim eiro mostre com­ petentem ente ter freqüentado com aproveitam ento a mesma aula ao me­ nos p o r tem po de um ano”. Além disso, os tabeliães e escrivães não poderiam passar certidão de docum ento algum anterior ao século xvn, sem assistência de um peritopaleógrafo, que tivesse freqüência da aula e patente do Desembargo, per­ cebendo peio trabalho de conferência o doDro do salário que ao tabelião competisse, e que este igualm ente receberia a dobrar sendo ele perito. O curso era tam bém condição de preferência para os bacharéis que reque­ ressem tabelionato n o R eino e o alvará aconselhava as ordens religiosas a que mandassem nele preparar os seus cartorários e cronistas (12). Os maiores historiadores luso-brasileiros, como H erculano e V arnha­ gen, cursaram a aula de diplom ática e dela saíram preparados para as di­ ficuldades da pesquisa. Até hoje a obra clássica de diplom ática portu­ guesa é a escrita por João Pedro R ibeiro(13). H erculano, que o conheceu pessoalmente e que aprendeu a admirá-lo nos tempos da aula, em 18301831, o citará freqüentem ente e escreverá que R ibeiro “é o hom em a quem P ortugal deve os progressos principais da ciência histórica”, é o chefe, o guia da escola diplom ática (14). A 'o b ra de M abillon inspirou vários estudos afins. A classificação das escritas, o estudo de suas origens, afinidades e desenvolvimento têm sido levados a efeito por um a longa série de investigadores (15). O fato de não se poder decifrar um a escrita é considerado m uito mais fastidioso Ou pelo menos tanto quanto o desconhecimento de um a linguagem. Portanto, quem aspira ao título de investigador e visa contribuir para o conheci­ m ento mais perfeito da história não pode desconhecer a paleografia. É lógico que a determ inação da antiguidade ou da origem nacional ou geo­ gráfica de um a escrita ou de um escritor é da m aior im portância para a valorização crítica do m anuscrito. No século xix, com a fundação da École des Chartes em Paris (1821) e com o início da publicação dos M onum enta Germaniae historica (1819), ficou estabelecido um corpo de regras e princípios que facilitam o reco­ nhecim ento das escritas e perm item sua leitura ou decifração, assim como a atribuição de' datas mais prováveis a docum entos não-datados. N ão se pode, porém, exigir, como acentua Bauer, que um historiador examine por si próprio toda inscrição, todo m anuscrito, todo velho impresso, de que (12) V itorino Nemésio, A mocidade de Herculano, Lisboa, 1934, 1.° vol., 364-365. (13) João Pedro R ibeiro, “ Prolegómenos das instituições de diplom ática portuguesa” , Disser• tações acima citadas, t. 4.°, p arte prim eira, 1-34. Pedro de Azevedo escreveu ainda “ Linhas gerais de história da diplom ática em P ortugal” , O Instituto, vol. 74, 1927-28. Os prim eiros com pêndios foram : José Anastácio da Costa e Sá, Princípios elementares da arte diplomática, Lisboa, 1797; frei José Pedro da Transfiguração, Dissertação ou breve tratado sobre algumas regras mais necessárias de herm enêutica e diplomática para o estudo da história eclesiástica, Porto, 1792, afora, naturalm ente, M abillon e D. Ch. Fr. T oustain e D. Tassin, N ouveau traité de d iplom atique, Paris, 1750-65, 6 vols. Vide tam bém P edro de Azevedo, “ A paleografia em P o r­ tu g al” , A nais das Bibliotecas e Arquivos, 1920, I, 139-147. . (14) Vitorino Nemésio, A mocidade de Herculano, Lisboa, 1934, 1.° vol., 367. (15) B ernard de M ontfaucon, tam bém m aurino, em sua Paleographia graeca s. de ortu et progressu litterarum graecarum, etc. (Paris, G uerin, 1708), m ostrava, pela prim eira vez, o desenvolvimento da escrita grega.

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se utiliza, mas sim que se encontre em situação de 1er e valorizar paleograficamente cada m onum ento, cada fonte, e pronunciar-se sobre a fidelidade e qualidade das transcrições e edições. U m a grande prática e boa vista po­ dem fazer de um leitor de m anuscritos um perito, capaz de distinguir im ediatam ente um escrito do século xvi de outro do século x v i i ( 16) . Um passo inicial indispensável é o conhecimento das abreviaturas (17). Para 1er e decifrar as escritas, a paleografía estende seu estudo aos ins­ trum entos dos copistas, à tin ta (18), ao m aterial próprio da escrita, como por exem plo o papel, forma usada nos documentos de interesse para o Brasil (19). No estudo da evolução da escrita interessa-nos especialmente a da Península Ibérica, a letra espanhola e portuguesa a p artir do século xv (20). Nesse século existem cinco tipos de escrita: a itálica ou bastarda, que teve sua origem nas imitações dos breves pontifícios e nos documentos de origem italiana, usada pelas pessoas que se dedicavam às ciências; a redonda, regular, com poucas abreviaturas e já sem elhante à letra de im­ prensa; a alemã, letra gótica sem ligações, e usada especialmente nas ins­ crições; a cortesã, apertada, redonda, m iúda, em aranhada, com rasgos e ligações de urna letra às outras, e que se derivou da escrita dos alvarás; e finalm ente a processual corrupção da cortesã, mais extensa, mais incor­ reta, com letras de m aior tam anho, com grande núm ero de ligações e bastante irregular quanto à separação das palavras. Este últim o tipo de escrita teve seu uso generalizado desde a terceira parte do século xv nos instrum entos públicos e atos judiciários, donde lhe adveio o nome. No século xvi continuaram em uso as três escritas cortesã, itálica e prócessual, dom inando a últim a, que se deformou aos poucos. Já no sé­ culo x v i i haviam desaparecido totalm ente a cortesã e a redonda, ficando só a bastarda e a processual, a prim eira em cartas, livros e documentos de chancelaria, a segunda em escrituras públicas, passando a denominar-se, devido à ligação cada vez m aior de suas letras, processual encadeada. No (16) W ilhelm Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 246-247. (17) Vide exemplos de abreviaturas de escrita processual e tipos de assinaturas nas “Artes da Câm ara da Vila de São Paulo, 1562-1596” , R AM SP, vol. 1. Vide tam bém Carlos de Passos, “N om enclatura diplom ática” , A nais das Bibliotecas e Arquivos, m , 277. (18) Charles Sanniê e B. Am;., Recherche sur Vanalyse de Venere des documents manuscrits, separata dos Arquivos de Medicina Legal e Identificação, vol. 16, junho de 1938 (R io de Janeiro). (19) Arnaldo Faria de Ataíde e Melo, O papel como elemento de identificação, Lisboa, Of. Graf. da Bib. Nac., 1926. Vide R aul Proença e Antônio Anselmo, “ A m atéria em que íc regista o passado e em que se prepara o futuro. Breve notícia sobre a indústria do papel” , Anais das Bibliotecas e Arquivos, n , 94 e 278; i i i , 82-83; Ataíde e Melo, “ M ateriais para a identificação dos documentos m anuscritos e impressos em papel, até o final do século x ix em Portugal” , Anais, ob. cit., vol. 6 e 150; vi, 43-51 e 126-134. (20) A paleografía ainda não achou meios para distinguir com certeza pela form a dos caracteres nos códices portugueses, os que são do século xiv ou do xv. T anto em letra assentada, como em cursivo, não há neles senão a alemã p u ra ou a francesa, com m aior ou m enor ressaibo de monacal ou alemã. Isto é comum a ambos os séculos. A mais im portante obra publicada sobre paleografía é de Agustín M illares Cario e José Ignacio M anticón, Á lb u m de paleografía hispanoamericana de los siglos xvi y xvii, México, Instituto Pan-am ericano de Geografia e H istória, 1955, 1.° vol. Introdução, 2.° vol. Reproduções e 3.° vol. Transcrições. Os autores, na Introdução, estudam os prelim inares, a evolução da escrita latina e espanhola, anterior ao século xv, a escrita espanhola a p artir do século xv e a escrita colonial hispano­ americana.

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fim .do século xvn, ela desaparece e a bastarda se assenhoreia dos atos notariais. Com as reformas caligráficas term inam nesse século as escritas paleográficas. É evidente que para os estudos históricos no Brasil só interessam as escritas portuguesa e espanhola dos séculos xv, xvi e x v i i , naturalm ente com um a boa base das origens e evolução da escrita latina. Os prim eiros documentos foram redigidos em letra processual, como as instruções a Pedro Álvares Cabral, a carta de Pero Vaz de C am inha e o regim ento do 1.° G overnador do Brasil. A carta de M estre João, o físico da Armada, foi escrita em letra cortesã; a letra do texto da Navegaçam de Pero López é rom ano-restaurada, como gótico cursiva é a letra de Pero López, ambas do século XVI. O estudo paleográfico faz-se não teoricam ente, mas com o persistente esforço e a leitura constante de documentos antigos, que se encontram algumas vezes reproduzidos em fac-símiles (21). A m aior dificuldade con­ siste na destruição dessas velhas peças, causada pelo tempo, pelas tintas ácidas e pelos vermes. A im portância do conhecim ento paleográfico é indiscutível para os historiadores, que sem ele não podem recorrer aos textos mais antigos. No Brasil, não se cultivou a paleografia senão a p artir de Varnhagen. Cândido Mendes lam entou esse descuido, que poderia talvez ter evitado que a imaginação dos escritores, até o século xvm , trabalhasse tanto em organizar crônicas e cenas dramáticas, no intuito de explicar as origens e o começo m aravilhoso de sua pátria. O trabalho paleográfico, dizia, é enfadonho; nem todos podem com ele arcar. Pedro T aques já o reco­ nhecia, quando teve de organizar, em 1772, a sua História da capitania de São Vicente, e frei G aspar da M adre de Deus não se decidiu a destrinçar segredos paleográficos à bem da verdadeira história em m onu­ m entos carcomidos pela traça e devastados pelo tem po e incúria dos inte­ ressados (22). A inda n a época de Varnhagen, historiadores que se orgulhavam de escrever a história segundo documentos, como Melo Morais, confessavam sua incúria paleográfica ao recorrer ao m estre que renovou tudo n a his­ toriografia brasileira, para a interpretação de certos docum entos mais antigos. É assim que ao escrever sobre o patrim ônio territorial da Câ­ m ara M unicipal do R io de Janeiro (23), não conseguiu Melo Morais' ler (21) Encontram-se fac-símiles de documentos antigos, entre outros, na H istória da coloni­ zação portuguesa do Brasil, P orto, 1921-23» 3 vols., e nos Sete únicos documentos de 1500, con­ servados em Lisboa, referentes à viagem de Pedro Álvares Cabral, Lisboa, Agência G eral das Colônias, 1940. (22) Cândido Mendes de Almeida, “ Quem era o bacharel de Canánéia” , R IH G B , t. 40, 2.a partem 238-239. A necessidade do estudo da paleografia no Brasil foi defendida po r Silva Pontes em 1841 (vide R IH G B , t. 3, 1841, 157) e pleiteada a vinda de um paleógrafo p o rtu ­ guês pelo Instituto Histórico de São Paulo desde 4 de março de 1899 (R IH G SP , IV , .494). Sobre o estudo dos m anuscritos em Minas, vide José A ntero Pereira J r., R A P M , 76 (1941), 135-140 e 77 (1941), 103-104; sobre paleografia e história, cf. B oletim do Departamento do A r ­ quivo do Estado de São Paulo, vol. 11, 1953. Vide tam bém sobre a form ação de arquivistas e paleógrafos, José H onório Rodrigues, A pesquisa histórica no Brasil, R io de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1952, 239 e seguintes. (23) Melo Morais, O patrim ônio territorial da Câmara M unicipal do R io de Janeiro, R io de Janeiro, T ip. Camões, 1881, 26.

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as escrituras mais antigas, solicitando a Varnhagen, em Lisboa, a tradução paleográfica. No Brasil, um dos maiores defeitos da organização universitária e bibliotecária, de conseqüências funestas para o futuro da pesquisa histó­ rica, é a falta de um curso de paleografía e diplom ática, seja incluido no program a das faculdades de letras, juntam ente com a M etodologia His­ tórica, seja independente, no curso da Biblioteca ou do Arquivo Nacional. Até 1944, ensinava-se paleografía e diplom ática no curso de Biblioteco­ nom ia; e do mesmo curso já fizeram parte as cadeiras de Numismática, Iconografia e B ibliografia (24). Da boa leitura paleográfica depende a correta interpretação dos fatos. Pequenos erros de decifração provocam desacertadas doutrinas, como aquela do próprio Varnhagen, que leu no alvará m anuscrito de 16 de maio de 1621 “terça” em lugar de “tença”, condenando a injustiça do privilégio concedido aos jesuítas de receberem sua “terça em açúcar” (25). É assim o caso da inscrição “Pinachullo detetio”, que se encontra no Planisfério de Ptolom eu, editado em Estrasburgo, em 1513. A legenda indecifrável, copiada por outras cartas contemporâneas, como o globo terrestre de J. Schõner (1520) e os mapas u e v da Coleção Kunstm ann, foi lida por Joaquim Caetano da Silva como “Gonç. Choelho detetio”, ou seja, ponto da dem ora de Gonçalo Coelho. Daí se podia concluir, logica­ mente, que Gonçalo Coelho, que com andara a prim itiva expedição de 1503, chegara ao p o rto do R io de Janeiro onde assentara um arraial. A tese de C aetano da Silva, inteiram ente adotada e exposta por Varnhagen, foi geralm ente aceita no Brasil. Foi Franz W ieser quem pela prim eira vez declarou ser extrem am ente ousado, do ponto de vista paleográfico, ler na inscrição “Gonç. Choelho detetio”, como corrutela de “Pinachullo detetio”. Capistrano de A breu seguiu-o, e R io Branco opôs à hipótese várias conside­ rações propondo um a nova leitura. Diz ele que em face dos dois exem­ plares de Ptolom eu de 1513 que exam inou, lê-se claram ente: “portogallo detetio” . A prim eira palavra se explica por si mesmo, e a segunda é eviden­ tem ente detectio, descoberta, m uito em uso nos portulanos e nas geogra­ fías da época (terra detecta). A inscrição devia ser lida como “descoberta de P ortugal”. D uarte Leite leu a inscrição como “Pináculo da tentação”, no m apa anônim o de T urim , de 1523, escrevendo que a abstrusa inter­ pretação de Caetano da Silva e V arnhagen só mereceu as honras de gra­ ves refutações por dim anar de tais autoridades. Explicou a designação dizendo que avistando da costa um píncaro singularm ente elevado, algum dos expedicionários, talvez um clérigo, mais versado no Novo Testam ento, onde se n arra que o diabo arrastou Cristo até o cume de um m onte altíssi­ mo com o intuito de o tentar, lembrou-se da passagem, especialmente considerando-se ser possível que o fato se desse no prim eiro domingo da (24) Com a transferência da coleção de num ism ática para o Museu Histórico transferiu-se tam bém o curso da Biblioteca N acional para aquela instituição. O decreto que extinguiu o ensino da paleografía e diplom ática, em bora conservando o de iconografia, é o de n.° 15.395, de 27 de ab ril de 1944¿ O antigo ciirso era m inistrado sem grande interesse para o historiador do Brasil. Urge restaurá-lo, convocando, por exemplo, um especialista português. (25) Francisco Adolfo de V arnhagen, História geral do Brasil, 1.° tomo, 2.a ed,, 426 e nota de Rodolfo Garcia, no 2.° t. da 3.a ed., 135.

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quaresm a do ano, em cuja missa a Igreja m anda 1er a perícope do capítulo iv do Evangelho de São Mateus, em que se descreve o jeju m quadragesimal de Cristo e as tentações então sofridas. É um a interpretação que não convence, pelo excesso de conjeturas, originada da ilim itada confiança na inscrição, diferente das outras, de um m apa anônim o. Se a interpreta­ ção de Joaquim C aetano da Silva e V arnhagen peca paleograficam ente, estoutra excede-se na suposição. A de R io Branco parece ser a mais acei­ tável (26). Um exem plo típico de aplicação dos estudos diplomáticos e paleográficos de resultado inestimável para os estudos históricos brasileiros é o da carta de Pero Vaz de Cam inha. Desde a prim eira edição de 1817, pelo padre M anuel Aires de Casal, na sua Corografía bmsilica, e as vá­ rias interpretações de João Francisco Lisboa, Varnhagen, Capistrano de A breu e Carolina Michaelis, até a m onum ental edição feita por Jaim e Cortesão (27), esta prim eira carta do acham ento do Brasil tem sido objeto, especialmente neste últim o e magnífico trabalho, de longos e exaustivos estudos paleográficos e diplomáticos. U m a especialidade da paleografia, de época m oderna, é o estudo das escritas secretas. O costume de subtrair ao conhecim ento geral, m ediante o emprego de determ inados sinais, as comunicações escritas de conteúdo confidencial, rem onta à mais alta antiguidade e sua decifração se deno­ m ina criptografia (28). Hoje ela ainda tem grande uso em documentos m ilitares e diplomáticos (29). Os documentos escritos não são as únicas fontes históricas, como já temos acentuado. De m odo que assim como a paleografia estuda a escrita dos manuscritos era necessário que um a disciplina particular estudasse a escrita e a leitura das inscrições, por exemplo, e, em conseqüência surgiu a epigrafia. (26) O planisfério de W aldseem üller repete a nom enclatura do de Cavério. Cf. D uarte Leite, “A explicação do litoral do Brasil na prim eira década do século xvi” , H istória da co­ lonização portuguesa do Brasil, Porto, 1923, vol. 2, 434. Todos os autores afirm am que a in ter­ pretação vem de Joaquim Caetano da Silva, mas nenhum , nem mesmo V arnhagen, que é o prim eiro a declará-lo, diz onde foi feita essa afirmação. A interpretação “Detenção de Gonçalo Coelho” foi aceita por V arnhagen (cf. Nouvelles recherches, 1870, 11 e 49-50), e posta em dúvida por W ieser, Magalhães Strasse und Austral Continent auf den Globen des Johannes Schõner (Innsbruck, Verlag der W agner’schen U niversitát B uchhandlung, 1881, 37) por Capis­ trano de A breu, Prolegómenos à História do Brasil de frei Vicente do Salvador (R io de J a ­ neiro, Im prensa N acional, 1887, 53), por R io Branco, “Esquisse del l ’histoire du Brésil” , Le Brésil en 1889, editado por M. F. — J. de Santa-Anna N ery (Paris, L ibrairie Charles Delagrave, 1889, 107), e, finalm ente, por D uarte Leite, no estudo acima citado. (27) Jaim e Cortesão, A carta de Pero Vaz de Caminha, R io de Janeiro, Livros de P o r­ tugal, 1943. O utro exem plo clássico é o da correção feita à carta do Mestre João, um dos sete documentos da viagem de Cabral. A carta foi publicada po r V arnhagen, em 1843, na R IH G B (t. 5, 342) e várias outras vezes, sendo que em A lguns documentos do A rquivo Nacional da Torre do Tom bo (Lisboa, 1892) se corrigiu a assinatura de Johanes Emenelaus para Johanes A rtium et medicine bachalarius. Exemplos especiais se encontram referidos em N uto Santanna, “E al não façais” , Correio Paulistano, 7 de fevereiro de 1953. (28) Frei Camilo de M onserrate (1818-1870), diretor da Biblioteca, N acional, im aginou um sistema criptográfico, em 1862, que se encontra nos A B N , vol. 12, no estudo que sobre ele escreveu Ramiz Galvão. (29) Remi Ceillier, La cryptographie, Paris, Presses Universitaires de France, 1945. Vide a bibliografia apresentada.

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2. Epigrafía A epigrafía começou cómo ram o da paleografía. Todos sabem o valor das inscrições como registro de interesse político, económico e social e como um a manifestação artística de povos primitivos. H á várias cole­ ções de inscrições gregas e latinas, cuja indicação não vem ao propósito. A epígrafia é tam bém um a parte da arqueologia, visto como esta últim a investiga todos os restos deixados pela A ntiguidade ou pelos povos mais primitivos, e de regra tem sido estudada pelos arqueólogos. N o Brasil, pensou-se a princípio que a epigrafía servisse para o estudo da pré-história cabralina e que ela aum entaria o nosso conhecim ento de antes do descobrimento, trazendo-nos novas luzes sobre as antiguidades brasileiras. Essas inscrições, feitas geralm ente em pedras ou penedos, e por isso chamadas de inscrições rupestres, têm sido m uito estudadas, in­ clusive por inúm eros autores estrangeiros, viajantes e arqueólogos. Para alguns, elas são vestígios de antigas civilizações. Para outros, têm um sentido cultural e, para outros ainda, deve-se sempre procurar-lhe a inten­ ção ideográfica, ou seja, a representação de um a idéia. Como acentua Koch Grunberg, nenhum outro resto de época prim itiva da América do Sul provocou da parte dos eruditos tantas opiniões diferentes e contraditó­ rias como os sinais e figuras de mão hum ana, gravadas ou pintadas nas pedras e rochedos (30). Pensou-se que elas perm itiriam devassar a préhistória sul-americana, caso fossem decifradas. Foram consideradas como sendo a escrita ideográfica de um a população extinta, descobertas e exa­ m inadas desde o R io G rande do Sul ao Amazonas. A menção mais antiga é a dos Diálogos das grandezas do Brasil, onde se lê que já em 1618 se copiavam e se descreviam os litógrifos encontrados em 1598 pelo capitão-mor Feliciano Coelho de Carvalho. Q uando Var­ nhagen, em pesquisa em Portugal, conseguiu ver, pela prim eira vez, os Diálogos, inform ou ao Institu to Histórico, em carta de 23 de setem bro de 1874, que realm ente eles vinham confirm ar as informações que havia re­ gistrado Elias Herckm ans sobre certas pedras lavradas da serra da Capaoba, na P araíba (31). M odernam ente, raro foi o viajante que as não consignou. Quem pri­ m eiro considerou atentam ente as inscrições lapidares do Brasil foi Ale­ xandre von H um boldt, que se utilizou do diário de Nicolás Horstm an, cirurgião que em 1749 andou viajando pelo Amazonas e encontrou roche­ dos cobertos de figuras (32). As pedras de letreiro e as cidades abandonadas ou petrificadas, como são vulgarm ente chamadas, foram estudadas por M artius, Wallace, Ladis(30) T heodor Koch G runberg, Südamerikanische Felszeichnungen, Berlim, verlegt bei Ernst W asm uth, 1907. (31) Vide carta de V arnhagen de 23 de setembro de 1874 ao Instituto H istórico (R IH G B , t. 37, 2.a parte, 439-40). Vide tam bém os Diálogos das grandezas do Brasil, edição da Academia Brasileira de Letras, com introdução de Capistrano de Abreu e notas de Rodolfo Garcia, 1930, 46 e 71-72. A informação de Elias Herckmans encontra-se na “Descrição geral da capitania da P araíb a", R I A G P, n.° 31, 265-266. (32) Alexandre von H um boldt. Reise in die A equinoktial gegenden des neuen Continents, citado por Alfredo de Carvalho, Pré-história sul-americana, Recife, 1910, 26-27.

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lau Neto, Barbosa Rodrigues, H artt, B ranner e von den Steinen. Em 1893, o etnólogo americano G arrick M allery assinalou a ausência de sig­ nificação simbólica e o nenhum valor docum ental dessas inscrições lapi­ dares (33). A resultado idêntico chegou Koch Grunberg, que perm aneceu de 1903 a 1905 entre os indígenas do rio Negro e do Japurá. Alfredo de Carvalho, com entando o im portante livro do etnólogo alem ão sobre as inscrições lapidares sul-americanas, considerou as conclusões aí expostas como encerrando os debates e cortando asas às fantasias dos adeptos de um a civilização antiga no Brasil (84). Koch G runberg, G arrick M allery e R ichard A ndree (35) formam a corrente que afirm a a ausência de significação simbólica e o nenhum v a lo r' docum ental daquela pretensa escrita ideográfica. N ão h á significa­ ção superior nos litógrifos brasileiros. Eles representam apenas um passa­ tem po pueril de gente tão prim itiva quanto prim itivo é o processo de sua execução. Os resultados do trabalho de Koch G runberg foram obtidos do exam e direto de centenas de litógrifos durante dem orada perm anência entre osaborígines e seus vizinhos e de judicioso inquérito quanto aos processos norm ais de sua execução; não derivam de mera contem plação de cópias fatalm ente aprim oradas dos desenhos originais ou de informações de des­ crições mais ou menos imaginosas de sua perfeição artística. As duas principais conclusões a que chegou foram as seguintes: nenhum dos povos prim itivos da América do Sul possuiu processo gráfico para a transmissão do pensam ento, é insustentável a hipótese de sem elhante processo em época anterior à chegada dos europeus. De qualquer forma, convém que se faça a distinção entre litógrifos, que correspondem às inscrições lapidares, e petrografías, que correspondem às pinturas em rochedos. Esses curiosos sinais são de três espécies: grava­ dos, pintados e um a combinação de gravura e pintura, na superfície m ais ou menos plana de rochedos horizontais, verticais, inclinados, e repre­ sentam figuras diversas, más geralm ente similares. Existem espalhados p or todo o continente. O trabalho mais im portante sobre as inscrições lapidares na América do Sul é o de Koch G runberg. O de Alfredo de Carvalho, intitulado Préhistória sul-americanà, é o mais im portante publicado por autor bra­ sileiro, em língua portuguesa, nele encontrando-se registrada, além disso, a p rin c ip a r bibliografia nacional e estrangeira sobre o assunto. A questão da forjicação de inscrições lapidares será tratada quando discutirm os a da autenticidade das fontes, n a parte de crítica histórica. Forjicação de fontes escritas, de um m onum ento, m oeda ou inscrição é, (33) G arrick M allery, “ P icture W riting of Am erican Indians” , A n n u a l R eport of th e B u ­ rean of Ethonology to the Secretary of the Sm ithsonian In stitu te, W ashington, 1893. (34) Alfredo de Carvalho, notícia do livro de K och-G runberg, R I A G P, xvm , n.° 74, 644-646-. Sobre Koch G runberg (1872-1924), vide tam bém R evista Brasileira de Geografia, n.° 3, julho-set. 1943, 447-448. (35) R ichard Andree, Ethnographische Parallelen u n d vergleiche P etroglyphen, Stuttgart,. 1878, e “ U eber den U rsprung der sogenannten hieroglyphischen Steinschriften” , Globus, vol. 39, Braunschweig, 1881. Cf. crítica de R. von Ihering a T h . Koch G runberg, R IH G SP , xii, 663.

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n o fundo, a mesma coisá e deve, portanto, ser tratada juntam ente com a questão dos documentos genuínos ou falsos. Verificado o nenhum valor ideográfica das inscrições lapidares, as pes­ quisas de epigrafía1no Brasil tom aram novo rum o com Vale Cabral, que procurou recolher e estudar inscrições sepulcrais, de fortes, de velhas igre­ jas, casas, conventos, m onum entos, feitas a p artir da colonização por­ tuguesa. Já em 1855, frei Cam ilo de M onserrate tentara, sém êxito, re u n ir a epigrafía brasileira na Biblioteca Nacional, que então dirigia. Para isso oficiou ao M inistro do Im pério Luís Pedreira do C outo Ferraz, depois Visconde do Bom R etiro, que, apoiando a idéia do sábio bibliotecário, expediu ordens aos presidentes das províncias, para que obtivessem cole­ ções epigráficas para a Biblioteca Nacional, e ao D iretor das Obras Públicás da Corte para que tivesse o m aior cuidado na preservação dos mo­ num entos, a fim de se não destruírem as inscrições que, porventura, neles estivessem gravadas (36). Poucas inscrições, todavia, vieram ter à Biblio­ teca Nacional, e, essas mesmas, incompletas. Apesar de apaixbnado pela epigrafía, frei Camilo não deixou traba­ lho que o recomendasse. Como disse Ramiz Galvão, ouvi-lo sobre essà m atéria era um a delícia e ninguém havia que lhe recusasse decidida com­ petência em tais assuntos; e enum era, em ordem cronológica, as várias ins­ crições que compôs para m onum entos nacionais e para lápides sepulcrais de amigos (37). Assim, se frei Cam ilo de M onserrate é o pioneiro das in­ vestigações e estudos das inscrições tum ulares e de m onum entos, Alfredo Vale Cabral é o prim eiro q u e consegue realizar essa colheita, na viagem de pesquisa que em preende pelas províncias do Nordeste, e é o prim eiro a incentivar um verdadeiro m ovim ento de opinião oficial de trabalhos dessa natureza (ss). Em fevereiro de 1887, Vale Cabral, então chefe da Seção de M anuscri­ tos da Biblioteca Nacional, pleiteava ju n to ao diretor dessa instituição, João Saldanha da Gama, um a comissão para investigar a epigrafía brasi­ leira. Escrevia, então, justificando a sua iniciativa: “A epigrafía é de grande im portância para a história e, como se tem visto nos últim os tem­ pos, ela tem dado tento a inesperados resultados. Infelizmente, a nossa é quase totalm ente desconhecida, e o que é ainda mais triste, os m onum en­ (36) Aviso de 31 de dezembro de 1855, in m inuta de carta de Vale Cabral, de 8 de fevereiro de 1887, dirigida a João Saldanha da Gama, que se encontra inédita na Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, ii , 31-26, 11. (37) Frei Camilo de M onserrate compôs 18 inscrições tum ulares. Cf. Ram iz Galvão, estudo biográfico, A B Ñ , vol. 12, 1887. (38) É necessário lem brar que Melo Morais, sem nenhum a preocupação epigráfica, e sim biográfica, colheu algum as inscrições. Cf. “ Relação de pessoas notáveis sepultadas nos jazigos d a igreja S. Francisco de Paula e no cem itério da Ordem , em C atum bi” , O médico do povo, 1864, n.° 15, 4; “ Relação das pessoas que faleceram em diversas épocas e que foram sepultadas nas catacum bas antigas da Venerável O rdem dos M inistros de S. Francisco de P au la”, Brasil histórico, 2.° semestre, 2.° tomo, 1867, 140, 155, 177-180, 202-203; “ N ecrografia. Das pessoas notáveis que se sepultaram nos conventos e cemitérios do R io de Janeiro” , Brasil histórico, 2.° semestre, 2.° tomo, 1867, 142, 165-168; Í89-192, 212-16, 235, 238, 261; “ Necrografia” Brasil histórico, 3.® tomo, 2.° semestre, 1868, 23-24, 77-79, 107-126, 149; “ Resum o histórico sôbre a fundação de São Francisco de Paula da cidade do R io de Janeiro” ' a p a rtir da pág. 74 encontram -se várias informações epigráficas.

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tos vão pouco a pouco desaparecendo e com eles as inscrições que os comentavam. M uitas delas são destruídas porque se lhes desconhece o valor. É, pois, chegada^ a ocasião de irmos recolhendo o que temos em m atéria de epigrafía, começando pelas províncias da Bahia e Pernam buco que, como se sabe, são as mais antigas províncias e as que devem possuir, portanto, m aior riqueza” (39). É preciso frisar, também, que tanto na tentativa de frei Cam ilo como na de Vale Cabral, está á origem de um prim eiro serviço de tom bam ento e de defesa dos m onum entos nacionais. Idéia que veio a ser m uito mais tarde realizada, com a criação do Serviço do Patrim ônio Histórico e Artís­ tico Nacional. Não é, assim, exato que antes de 1930 ou 1927 não se encontrasse texto legal algum sobre o patrim ônio histórico e artístico nacional, como afir­ m aram Guy de H olanda e A dalberto M ário R ibeiro (40). O aviso de 31 de dezembro de 1855, do Visconde de Bom R etiro, e a circular de 18 de fevereiro de 1886 (41) são os prim eiros textos de proteção legal ao p atri­ m ônio histórico brasileiro. A circular do Barão de M am oré foi feita segundo a inspiração de Vale Cabral, através do D iretor da Biblioteca Nacional-, J. Saldanha da Gama (42). O caráter am plo dessa iniciativa pode ser atestado pela remessa de inscrições vindas, por exemplo, de Santa M a­ ria, no Rio G rande do Sul (43). Comissionado pela Biblioteca Nacional, Vale C abral p artiu em 1.° de março 1887 para o N orte. Já em 23 do mesmo mês comunicava a Sal­ dan h a da G am a que na cidade de V itória recolhera seis inscrições sepul­ crais, bem como inscrições de fortes e m onum entos antigos. Em Pernambuco, Vale Cabral esteve em todo os lugares onde poderia d eparar inscrições e colheu m uito e precioso m aterial. Além do Recife e de seus arredores, inclusive O linda, esteve em Prazeres, Boa Viagem, cabo de Santo Agostinho, Escada, Colônia, G aranhuns, T am andaré, Serinhaém, Ipojuca, Nazaré do Cabo, Jaboatão, Vitória, Goiana, M aranguape, Igaraçu e Itam aracá. Foi à P araíba e lá, como no convento de São Francisco (39) Vale Cabral, carta de 8 de fevereiro de 1887, inédita na Seção de Manuscritos da Biblioteca N acional, 11, 31-26, 11. (40) Guy de H olanda, “O Patrim ônio Histórico e A rtístico Nacional e sua proteção” , B o letim do Centro de Estudos Históricos, out.-dez. 1938, 13; A dalberto M ário R ibeiro, O Serviço do Patrim ônio H istórico e A rtístico Nacional, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1945, 7. (41) Sobre a circular, vide o Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa, pelo Barão de M amoré, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1887, 73. R odrigo de Melo Franco de A ndrade considera como prim eira iniciativa a do vice-rei Conde das Galveias, de 5 de abril de 1742 (vide Brasil: M onum entos históricos e arqueológicos, México, Instituto Pan-am ericano de Geografia e H istória, 1952, 13-14). Sendo um ato da época colonial, permanece a nossa afirm ativa de d atar a prim eira iniciativa de 1855. Essa nossa informação, encontrada em 1948, foi divulgada na l .a edição dêste livro. (42) Cf. relatório geral de 21 de janeiro de 1887, apresentado por S aldanha da Gama ao Sr. Conselheiro Barão de M amoré, in “ Relatórios dos D iretores da Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional’'. (43) Cf. relatório de Antônio Jansen do Paço a J. Saldanha da Gam a, “ Relatórios dos Chefes de Seção de M anuscritos da Biblioteca N acional’ — Em Portugal, a proteção legal a monum entos históricos e artísticos tem sua origem no decreto d-e 14 de agosto de 1721. Cf. M anuel Teles da Silva, M arquês de Alegrete, História da Academia R eal da História Portuguesa, Lisboa, J. Ant. da Silva, 1727, 311 e 320.

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de Serinhaém, obteve fragmentos de pedras sepulcrais e recolheu ins­ crições sepulcrais. Em carta de 13 de junho de 1887 (44) Vale Cabral in­ formava Saldanha da Gam a que a epigrafía da Bahia devia ser estudada de acordo com o livro do tom bo dos edifícios públicos e fortalezas, orga­ nizado em 1772, e do qual a Biblioteca N acional possui cópia (45). Em 31 de outubro, reassumia seu cargo na Biblioteca Nacional, para p artir de novo, poucos dias depois, em 14 de novembro, para a Bahia, a fim de com­ pletar suas investigações, cujos resultados podem bem ser evidenciados pelo núm ero total de inscrições recolhidas: Paraíba, 39 inscrições; Pernam ­ buco, 479; Alagoas, 36; Sergipe, 27; Bahia, 343; Espírito Santo, 12; total, 936. Não estão aí com putadas as investigações realizadas n a própria cida­ de do R io de Janeiro (48). Infelizm ente, abalado em sua saúde por essa pesquisa e pela m alária adquirida em Feira de Santana, não pôde estudar e organizar o m aterial colhido, encontrando-se suas notas tais como ele originalm ente as escre­ veu na Biblioteca N acional (47). A obra de Vale C abral em prol da epigrafía brasileira não se lim itou ao puro trabalho pessoal. Cabe-lhe, também, sem dúvida, o m érito de ter criado um m ovimento oficial de investigação epigráfica dos m onum entos históricos. Porque o M inistério do Im pério, ao conceder-lhe a comissão, influenciado naturalm ente pela sua justificativa, mandava, em circular datada de 18 de fevereiro de 1886, que as províncias procurassem coligir cópias das inscrições de túm ulos de pessoas notáveis e dos m onum entos nelas existentes (4S). O presidente da província da Bahia im ediatam ente incum biu a Biblioteca Pública, n a pessoa de seu diretor João de Brito, de iniciar o trabalho de investigação e colheita das inscrições tum ulares e de m onum entos. Encontram-se na Biblioteca N acional os vários ofícios então trocados, acom panhados das cópias feitas pela Biblioteca Pública da Bahia. Custava a crer, dizia João de Brito, que dos m onum entos da província, m ilitares, religiosos e civis, só um ou outro tivesse inscrições; (44) Encontra-se no relatório do 1.° trim estre de 1887, no volume de relatórios da Seção de M anuscritos da Biblioteca Nacional. (45) Aí se encontra a indicação de todas as inscrições antigas; 56 documentos, cópias, 99 folhas inum eradas, n-33, 26, 12. ( 4 6 ) Seção de Manuscritos da Biblioteca N acional, i i -3 1 , 2 6 , n.° 11. (47) Existem na Seção de Manuscritos da Biblioteca N acional ao lado de um a gaveta inteira de m aterial colhido por Vale Cabral, nove cadernos sobre epigrafía na Bahia, quatro relativos a Pernam buco, um relativo à cidade do R io de Janeiro e um de fragm entos folclóricos. É preciso frisar, contudo, que o prim eiro volume relativo à Bahia é quase que inteiram ente com­ posto de ditos e refrões populares. N a gaveta acima mencionada encontram -se maços com magníficos desenhos e heliogravuras de inscrições de monum entos, de túm ulos, etc., e os vários ofícios d e João de' Brito e João Batista de Castro Rebelo Jr., da Biblioteca da Bahia, datados de 1887. Os cadernos não contêm somente desenhos e notas de inscrições, mas tam bém notas folclóricas. No relatório geral do diretor João Saldanha da Gam a ao Sr. Conselheiro Barão de M amoré, de 29 de janeiro de 1887 (Seção de M anuscritos da Biblioteca Nacional), encontra-se a seguinte passagem: ‘‘O Sr. C abral está escrevendo um a M emória circunstanciada de seus trabalhos, a qu al logo q u e esteja concluída terei a honra de passar às mãos de V. E x.a” Vide José H o nório R odrigues, A lfredo do Vale Cabral, separata do vol. 73 dos A B N , R io de Janeiro, 1954. (48) O ofício de Brito, diretor da Biblioteca Pública da Bahia, a João Capistrano B an­ deira de Melo, presidente da província, datada d e 22 de março de 1887, refere-se ao aviso de 18 de fevereiro de 1886 (Seção de M anuscritos da Biblioteca N acional, n , 31, 26, 10).

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quanto aos túm ulos de pessoas notáve:s de que havia grande núm ero na Bahia, poucas eram encontradas, havendo lápides sido arrancadas para fins diversos e jazendo outras por lá enterradas e perdidas. E inform ava que a inscrição tum ular de Francisco M artins, na igreja m atriz de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, datada de 1579, constando ser a prim eira do Brasil, achava-se em estado deplorável (49). A tualm ente esse trabalho de colheita da epigrafía' de monumentos, capelas, fortes, igrejas, conventos, antigas casas vem sendo feito pelo Ser­ viço do Patrim ônio Histórico e Artístico Nacional. Os trabalhos mais recentes de colheita e interpretação de letreiros por­ tugueses e latinos do Brasil são os de J. A. Padberg Drenkpol, Sílio Boccanera Jú n io r e B ernardo de Azevedo Silva Ramos (50). Exem plo m agnífi­ co na historiografia brasileira de utilização de documentos epigráficos, severamente criticados, no estabelecimento da verdade histórica, é a tese do Prof. Edgardo de Castro Rebelo, “As inscrições lapidares da Igreja da V itória e o local de Vila V elha”, apresentada ao Congresso de H istória N acional de 1949 (31) Aí sob base das inscrições lapidares da igreja da Vitória, estabelece-se o local de Vila Velha, prim itivo povoado, a antigui­ dade da igreja, e restaura-se a verdade histórica deform ada por T eodoro Sampaio, que dirigiu os serviços de remodelação da igreja em 1910, des­ respeitando as inscrições (52). A severidade da crítica, a novidade docum en­ tal, epigráfica e impressa, a capacidade de conjetura aliaram-se num a m onografia de im portância para a história local da Bahia.

BIBLIOGRAFIA SOBRE AS INSCRIÇÕES LAPIDARES As inscrições lap id ares brasileiras foram estudadas p o r K. F. P hil. von M artius, R eise in B rasilienf 1823-1831, trad . brasileira, Viagem pelo Brasil, R io de Jan eiro , I m ­ prensa N acional, 1938, 3 vols.; A lfred Russei W allace, A N arrative o f Traveis on the A m azonas and R io N egro, L ondres, 1853; L adislau N eto, “Investigações sobre arqueo(49) No seu segundo ofício, de 30 de março de 1887, João de B rito assegurava a Saldanha da Gama que adotava na cópia das inscrições a fidelidade mais rigorosa. A inform ação sobre a inscrição tu m u lar de Francisco M artins encontra-se no sexto ofício, datado de 30 de março de 1887 (Seção de M anuscritos da Biblioteca Nacional, ir-31, 26, n.° 11). Ao todo, recolheu a Biblioteca Pública da Bahia 79 inscrições. Em vários relatórios de 1887, dos chefes da Seção de M anuscritos da Biblioteca N acional, encontram-se excelentes informações sobre a che­ gada de inscrições de várias partes, especialmente da Bahia, enviadas por João de Brito. Vide relatório de Antonio Jansen do Paço a J. Saldanha da Gam a, de 30 de ju n h o de 1887. É verdade que não se satisfez com as cópias de João de Brito, extratando novas. O pró p rio Vale C abral faz esta declaração, ao escrever que quando se apresentou ao presidente da província da B ahia este lhe declarou que o Sr. João de B rito recolhera 61 inscrições, “ incrições que por m inha vez terei d e copiá-las como devo, apesar das cópias extratadas pelo referido Sr. João de B rito". Cf. C arta de Alfredo Vale C abral a J. Saldanha da Gama, de 13 de julho de 1887. (Relatórios dos chefes d a Seção de Manuscritos.) (50) J. A. Padberg D renkpol, “Recordações históricas do R io através de velhas inscrições latinas” , B oletim do Centro de Estudos Históricos, t. 1, fase. 2, 1936, 1-8, e t. 2, fase. 1, 1937, 17-21. Sílio Boccanera Jú n io r, Bahia epigráfica e iconográfica, Bahia, 1928. Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, Inscrições e tradições da América pré-histórica, especialmente do Brasil, Rio de Janeiro, Im prensa N acional, 1930. (51) Anais do iv Congresso de H istória Nacional, vol. 4, 217-242. (52) Cf. Teodoro Sampaio, “As inscrições lapidares da igreja de N. S. da V itória, na cidade da B ahia” , R IH G B , n.° 63, 1937, 147-210.

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logia b ra sile ira ”, A rquivos do M useu N acional do R io de Janeiro, vol. 6, 1885; João Barbosa R odrigues, O rio Tapajós, R io de Janeiro, 1857; C h. Fred. H a rtt, “B razilian Rock Inscriptions", A m erican N aturalist, vol. 18, Filadélfia, 1884, trad . port. de João B atista R egueira Costa, R IA G P , 11, 1904; K arl von den Steinen, O B rasil C entral, São P aulo, C.ía E d ito ra N acional, 1942; A lfredo de Carvalho, P ré-história sul-am eri­ cana, Recife, T ip . do Jo rn a l do Recife, 1910. Aí ele divide geograficam ente os litógrifos e petrógrifos em grupos da m argem esquerda do Amazonas, m argem d ire ita do Am azonas, do P iau í, Ceará, R io G rande do N o rte e P araíb a, Pernam buco, Sergipe e B ahia, R io de Jan eiro , São Paulo, Goiás, R io G rande do Sul, M ato Grosso. Devem ser consultados: T fieo d o r K och G runberg, Zwei Jahre u n te r den In d ia n ern , R eisen in Nordw est-B rasilien, 1903-1905, B erlim , verlegt bei E rn st W eism uth, 1909-1910, 2 vols.; “Inscrições lap id ares do sertão da P a ra íb a ”, Visconde de P orto Seguro, c arta d irig id a ao D r. J. C aetano F ernandes P inheiro, R IH G B , t. 40, p a rte 1, 1892, 202-205, d atad a de V iena, 23 de setem bro de 1874; Ja im e Reis, “N otícia das antiguidades existentes em M inas”, R IH G B , 1893, t. 56, p a rte 1, 409-412; Jo ã o F ra n k lin de A lencar, “L etreiros antigos: N otícia sobre os caracteres d o Serrote d a R o la ”, R IH G B , t. 56, p a rte 1, 407408; T eo d o ro Sam paio, artigo no D H G E B , i, 847-856; T ris tã o d e A lencar A raripe, "Cidades petrificadas e inscrições lap id ares n o B rasil”, R IH G B , t. 50, p a rte 1, 213294; V ieira F erreira, “A ntigas inscrições do R io e N iteró i”, R IH G B , t. 106, 1929, 33-37, 122; T . A lencar A raripe, “L etreiros lap id a re s”, R IC , t. 23, 1909, 359-377; J. T eix eira de Barros, “E pigrafía d a cidade do Salvador”, R IH G B , n .° 51, 1927, 55-80; T . Sam paio, “N ota a pro p ó sito da in te rp reta çã o dos litógrifos do O u te iro do C an ta G alo”, R IH G B , vol. 59, 1933, 45-55; José A n tero P e re ira Jr., R A M S P , vols. 77 e 78, 1941. Em P o rtu g al m erece d estaque o tra b a lh o de A. B raancam p Freire, A s sepulturas do E spinheiro, Lisboa, Im p ren sa N acional, 1901, onde aparecem , e n tre outras, as in s­ crições dos túm ulos de D u a rte de A lb u q u e rq u e Coelho, D am ião de Góis, A lexandre H erculano, Francisco M anuel de Melo.

3. Sigilografía A sigilografía é o estudo dos selos ou dos sinais colocados nos docu­ mentos oficiais, a fim de autenticá-los. Ela é, assim, um a poderosa auxi­ liar da diplom ática, podendo prestar grandes serviços à história. Os selos, além disso, são um a das provas em que se funda a história da genealogia. Patenteia-se sua legalidade não pela m atéria em que são gravados, cera ou chumbo, mas pelo escudo que representam. Em todos os documentos públicos era indispensável o selo real, porque este era a firma, o com­ plem ento da verdade. Um a das melhores notícias sobre os selos reais de P ortugal nos é dada por A ntônio Caetano de Sousa, seguindo-se-lhe João Pedro R ibeiro (53). O prim eiro estam pa em seu livro mais de cem selos, estabelecendo a cro­ nologia sucessiva dos escudos reais, usados desde o século xn. O segundo justifica-se das poucas espécies apresentadas alegando o descuido na con­ servação dos selos que aparecem na m aior parte dos documentos que deles foram m unidos, sendo que em alguns documentos foram arranca­ dos, só restando a marca do lugar em que foram aplicados. Estuda a (53) Antônio Caetano de Sousa, H istória genealógica da casa real portuguesa, Lisboa, na Of. de José A ntônio da Silva, 1735-48, 13 vols.; João Pedro R ibeiro, Dissertações cronológicas e criticas sobre a história e jurisprudência eclesiástica e civil de Portugal, Lisboa. Academia Real das Ciências, 1810-36, 5 vols. A terceira dissertação, 82-146, é intitulada “Esfragística portuguesa ou T ratad o sobre o uso do selo no nosso R eino” ; Carlos Passos, “ Os selos na diplom ática” , Anais das Bibliotecas e Arquivos, iv, 1923, 114.

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nom enclatura e divisão dos selos em anéis rodados, pendentes, chapas e sinetes, e as diversas espécies em geral de selos de M ajestade, de autori­ dade, contra-selos, públicos ou autênticos, e, em Portugal, dos selos da Corte, de puridadé, e outros (n4). Os sinetes eram os selos usados em documentos particulares. De regra não tinham legenda, mas só as armas de seu proprietário, que ficavam impressas no mesmo papel do docum ento, distinguindo-se, nisso, dos selos de chapa, que são os mais vulgares e os dos tempos mais próximos. Os selos foram feitos das m atérias mais variadas: de chumbo, ouro, prata, bronze, cera, lacre, papel. Os selos de chum bo só foram usados pe­ los soberanos. Os de lacre, feitos de um a composição asiática, começaram a ser usados na Europa por volta do século xvn. Selos foram usados não só individualm ente, por imperadores, reis, papas, nobres, magistrados, co­ mo p or comunidades, corporações, academias e igrejas, etc. A p artir do século xix aparecem os selos impressos, que se colam aos papéis destinados aos atos civis e judiciários, revestindo-os de certa auten­ ticidade. Especialmente depois da introdução das estampilhas, o caráter de autenticidade perde em grande parte seu valor, duplicando de im por­ tância o aspecto de meio de contribuição de fonte de renda (55). Os prim eiros selos postais foram usados pela Inglaterra, em 1840. O Brasil foi o segundo país no m undo a adotá-los, pelo decreto n.° 296, de 19 de maio de 1843. Os prim eiros selos postais brasileiros foram emitidos em 1.° de agosto de 1843 (56). A questão da adulteração dos selos será referida quando tratarm os da forjicação, na parte da crítica histórica.

4. H eráldica A heráldica estuda os brasões e os elementos que os compõem. Sabe-se que os brasões e armarías são devidos aos torneios do século x, propagan­ do-se seu uso por ocasião das Cruzadas. Somente no século xi começam a aparecer nos selos as armas dos soberanos e das famílias nobres (5T). (54) Nos antigos documentos da Biblioteca Nacional também aparecem raram ente os selos; nota-se apenas a marca do lugar donde foram arrancados. (55) Sobre o selo como fonte de renda, as prim eiras leis do imposto de selo, aplicado às letras, a princípio, e depois dividido em proporcional e fixo, datam de 1841 (decreto n.° 24S, de 30 de novem bro de 1841) e 1843 (decreto n.° 317, de 21 de outubro). Ambos fixam a receita e a despesa. (56) Os prim eiros selos postais brasileiros (emissão de 1.° de agosto de 1843) foram cham a­ dos “olhos de boi” , e os segundos, emitidos, entre 1844 e 1846, “olhos de cabra” .; O histórico dos nossos selos postais encontra-se em: C. O ttoni V ieira, Catalogue historique des timbresposte e t entiers d u Brésil, Paris, G arnier Frères, s. d.; Leon F. Clerot, Catálogo histórico dos selos postais do Brasil, Rio de Janeiro, 1926; J. H . van Peursen, “De geschiedenis van Braziliê op de postzgels” , P hilateliè en Geschiedenis, H aia, 1930; Dorvelino Guatemosin, Catálogo Brasil de selos nacionais, postais e telegráficos oficialm ente em itidos, R io de Janeiro, 1933. Sobre a história geral dos selos, cf. Enr. Conr. E berhardt, Historia de la filatelia o sea la cien­ cia de filatelia o sea la ciencia de collecionar selos de correo, Sanrfiãgo, 1890; Desembargador Vieira Ferreira, “Vários escritos. m< Série epigráfica” , R IH G B , vol. 208, 1952, 10-36- Sobre filatelia e história, cf. “ Philately and the T eaching of M odern H istory” , Rev. B. D. Reed» in H istory, n.° 28, vol. 7, 266-273. (57) João Pedro R ibeiro, Dissertações cronológicas, Lisboa, 1810, i, 121.

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A mais famosa sala-de-armas de Portugal é a Sala de Sintra, m andada construir p or D. M anuel, no prim eiro quartel do século xvi. Foi ele quem cuidou de estabelecer certas regras e acabar com o arbítrio no uso das armas e na concessão dos brasões. Para esse fim, esclarece Braancam p Freire, m andou el-rei por todo o reino ver e tom ar nota dos escudos, in­ signias e letreiros que espalhados por ele havia, para do resultado fazer-se um liv ro e m que os brasões fossem pintados. Houve três velhos livros de brasões, ordenados por D. M anuel, dos quais dois ainda existem, in titu ­ lados do “Arm eiro M or” e da “T o rre do T om bo”. O terceiro, desapare­ cido por ocasião do terrem oto de Lisboa, chamava-se “Livro antigo dos reis de armas” (58). Essa sala contém setenta e dois brasões e quem me­ lhor os descreveu, alinhando dados curiosos sobre as famílias nobres, foi Braancam p Freire. O prim eiro brasão da nobreza de Portugal foi a cru z(59). Em 17 de setembro de 1816 foi instituído, no R io de Janeiro, o cartó­ rio da nobreza. Desde a chegada de D. João foram passadas cartas de bra­ são no Brasil, sendo que o prim eiro escrivão da nobreza foi A ntônio B ernardo Cardoso Pessanha de Castelo Branco, nom eado a 6 de novem bro de 1811; o prim eiro rei de armas, Isidoro da Costa e Oliveira, nom eado em 8 de maio de 1810; o prim eiro passavento, João Vicente, nom eado em 18 de novem bro de 1814; e o prim eiro arauto, A ntônio Gomes da Silva, nom eado em 17 de agosto de 1814. Entre 1822 e 1831, não ultrapassaram de trin ta as expedidas com direitos de sucessão. No reinado de D. Pedro ii , as mercês novas (1840-1889) não excederam de 160 cartas (60). Houve nesta época 4 duques, 45 marqueses, 38 condes, 176 viscondes, 130 ba­ rões (61). O prim eiro brasão de armas da colônia data de 1675, e o do reino, de 13 de maio de 1816. A decadência desses estudos vem de longe. Já Alexandre H erculano escrevia: “H oje a heráldica e os brasões são dixes com que se entretêm as crianças barbadas: o jogo de xadrez é coisa incom paravelm ente mais grave” (02). A heráldica estuda tam bém os escudos de armas e as bandeiras n a­ cionais. A nossa prim eira bandeira foi criada pelo decreto de 13 de maio de 1816, reform ado pelo decreto de 18 de setembro de 1822 e pelo de 1.° de dezembro do mesmo ano. A bandeira republicana foi criada pelo decreto de 19 de novem bro de 1889. Boas informações sobre heráldica em Portugal e no Brasil encontram-se em Diogo Barbosa M achado, Braancam p Freire, Sanches de Baena e outros. (58) Cf. Anselmo Braancam p Freire, Brasões da Sala de Sintra, Coim bra, Im prensa da U niversidade, 1921, iii, 7. (59) Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Elucidario das palavras, termos e frases que em Portugal antigam ente se usaram, e que hoje regularmente se ignoram, Lisboa, 1798-1799, 2 vols. (60) Jo h n Arm itage, H istória do Brasil, 3.a ed., R io de Janeiro, Zélio Valverde, 1943, 273, nota de Garcia Júnior. (61) R icardo M artins [G uilherm e Auler], “ Um mestre da genealogia brasileira” , Tribuna de Petrópolis, 18 de m aio de 1952. (62)

A lexandre H erculano, Solemnia verba, Lisboa, Im prensa Nacional, 1850, 61.

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BIBLIOGRAFIA DE HERÁLDICA E NOBILIARQUIA D iogo B arbosa M achado, B iblioteca lusitana, Lisboa, 1751-1759, 4 tomos; encon-. tra-se boa b ibliografia antiga p ortuguesa no t. 4, sob o títu lo “A rte do B rasão” ; Anselm o B raancam p Freire, Brasões da Sala de Sintra, C oim bra, Im prensa da U niversidade, 192130, 3 vols.; visconde S anches d e Baeraa, A rq u ivo heráldico-genealógico, L isboa, 1872; A lbano da Silva P in to e visconde Sanches de Baena, R esenha das fam ilias titulares e grandes de Portugal, Lisboa, 1890, 2 vols.; G. Santos. F erreira, A rm orial português, Lisboa,, 1920-23, 3 partes, em 2 vols.; Afonso de D óm elas, “H eráld ica po rtu g u esa e b ra sile ira ”, Brasilia, i (1942), 277-280. Brasil: Sobre os titu lare s nom eados £m 1826, vide “R elação dos D espachos p u b li­ cados n a C orte pela Secretaria de Estados dos Negocios d o Im p ério , n o d ia 12 de o u tu b ro de 1826”, D iario F lum inense, n .° 88, sábado, 14 de o u tu b ro d e 1826; “T i ­ tu lares rio-grandenses que residem n a provincia e to ra d a provincia”, A nuario de G raciano A zam buja, 1890, 220-222; 1'848-1865, id., 1896, 99-109; 1866-1875, id., 1897, 235-241; Francisco d a Silva, A rm orial da igreja m aranhense, Petrópolis, 1917; B arão de Vasconcelos e B arão Sm ith d e Vasconcelos, A rq u iv o nobiliárquico brasileiro, Lausanne, 1918; Jó n a tas Serrano, “L ista dos titu lare s do Im p é rio ”, H istoria do Brasil, eurso superior, R io d e Ja n e iro , B riguiet, 1:931, 543-569 (com m uitos erros); Clóvis R ib eiro , Brasões e bandeiras do Brasil, São Paulo, 1933; A rm ando de M atos, Brasonário de P ortugal, L isboa, 1940, 2 vols.; A rm ando de M atos, H eráldica, P orto, Portucalense E ditora, 1941; José H eitgen, “Achegas ao a rm o rial b rasileiro ”, A M I, iv, 1943, 155-173; Escragnolle D ória, “R elação dos baronatos (1808-1886)” , A M I, vi, 1945, 7-85; A rm ando M atos, “C om entários à m axgem da h e ráld ic a b ra sile ira ”, Brasilia, h i (1946), 469-478; E gon F rates P in to , A rm orial brasileiro- Época: B rasil Colonia. Ilu m in u ra s de L. G. L oureiro, Ed. R evista da Sem ana, R io d e Jan eiro , s. d.; L aurenio Lago, N obiliarquia brasiheira. T itu la re s d o sexo fem in in o , R io de Ja n e iro , Im p ren sa M ilitar, 1949; Carlos G. R heingantz, T itu la res do Im p ério , R io de Jan eiro , A rquivo N acional, 1960; periódicos: R evista do In stitu to Genealógico Brasileiro (São P a u lo ); R evista do In stitu to H eráldico, Genealógico (São P a u lo ); R evista do In stitu to Genealógico da B ahia. B andeira N acional. B andeiras e brasões de cidades: R . T e ix e ira M endes, “A p re­ ciação filosófica sobre a b a n d eira nacio n al” , D iário O ficial de 24 de novem bro de 1889; R. T eix eira M endes, A bandeira nacional, R io de Jan eiro , 1890; Jo a q u im N o rb erto de Sousa e Silva, “A b a n d eira n a cio n al”, R IH G B , l i i i (1889), 243; José Feliciano, “A b a n d eira nacional", R IH G S P , xi, 390; M iguel Jo a q u im R ib eiro de Carvalho, “C en­ ten ário da criação d a b a n d eira do Brasil, 18 de setem bro de 1922”, R IH G B , t. esp., A nais da Independencia, T922, 325-337; M ansueto B ernardi, “B andeira n acional e b a n ­ deiras estaduais”, R IH G R G S , 1923, ni, 159; A lfredo de Carvalho, “A b a n d eira d a R e ­ p ú b lic a de 1817”, R IA G P , x n , n.° 69, 559-565; ibid., ix, n.os 95-98, 168-171; t. 24, n.»’ 116-118, 621-624; A níbal G am a, “As b andeiras d a R egencia e do Im p ério ”, Correio da M anhã, 5 de setem bro de 1948; B andeira d a C onfederação do E quador, R IA G P , t. 10, n.° 58, 403-407, t. 26, n.os 123-128, 214; W alter Spalding, “B andeira e brasão fa rro u p ilh a s”, R IH G R G S , vol. 16, 1936, 19; A lfredo de C arvalho, “Brasões de arm as do Brasil H o lan d és”, R IA G P , xi, n .° 63, 574-589; M ário M elo, ‘ Brasão do R ecife”, R IA G P , vol. 48, 1927, 271276; H élio V iana, “O p rim e iro brasão de arm as do B rasil”, A M I, x, 1949, 159; A lberto Lam ego, “Brasões da aristocracia goitacá”, A M I, x , 1949, 39-56; H e rm án Neeser, ‘ O selo, o brasão e b a n d eira da cidade do Salvador”, A nais do 1.° Congresso de H istoria da B ahia, vol. 4, 1950, e “As arm as do E stado d a B ah ia", id ., 29-39; general Silveira de M eló, “A uto da fundação d e V ila Bela de M ato Grosso e seus brasões”, R IH G B , vol. 216, 1953, 190-197.

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5. Genealogia A genealogia começou como gênero e é hoje a mais antiga disciplina aux iliar da história. Pode-se mesmo dizer que ela nasceu um pouco antes d a história narrativa, nas prim eiras listas de reis e altos dignitários e das ' —árvores genealógicas da alta Antiguidade. O prim eiro livro da Bíblia, o Gênesis, é o prim eiro tratado genealógico. A tarefa mais im portante da genealogia, como escreve Bauer, é a fili­ ação e determ inação dos caracteres histórico-pessoais dos indivíduos, que só pode ser resolvida por meio da história, apesar das tentativas de Ottokar Lorenz, de converter a genealogia em ciência e a história em sua dis­ ciplina auxiliar(62a). Para isso, Lorenz reform ulou, como já dissemos n a p arte relativa à periodização, a teoria da geração, prim eiro pensada pelo italiano Giuseppe Ferrari. Lorenz p artiu da observação de que três gerações, de pai a neto, estão sem pre num a relação de influência im ediata, de modo que à do meio cabe, às vezes, a tarefa de transm itir a seus filhos o que recebeu de seus pais, ou então m anter distanciados daqueles o q u e achou de repulsivo nestes. A duração de três gerações no sentido, histórico perfaz cem anos e en co n tra sua significação no século, que representa um a certa unidade histórico-espiritual. N a história das famílias influentes, como das casas regentes, segundo Lorenz, essa lei é claram ente perceptível, bem como na disseminação ou regresso de idéias e opiniões gerais. A genealogia dirigida nesse sentido poder-se-ia tornar a teoria das qualidades físicas e espiri­ tuais, ou a teoria do futuro da ciência histórica. Se essa tese é inaplicável pelas suas características naturalistas à his­ tória, como o dem onstrou Bauer, é talvez estim ulante para a genealogia, disciplina auxiliar, intim am ente relacionada à biologia. A genealogia aplicar-se-ia ao estudo das gerações, ou seja, daquelas pessoas que cresce­ ram juntas, participaram da mesma juventude e juntas atuaram n a m a­ turidade. A. atuação, ou seja, a preponderância histórica, política, social, econômica ou intelectual, seria o critério decisivo. A tarefa-da genealogia não seria mais o estudo da família, especialmente da nobre e sim o da gera­ ção. Q uando num a geração não mais se houvesse distinguido um mem­ bro da fam ília estudada n a geração anterior, então ela seria posta de lado ou desprezada na sua significação histórica. Ver-se-ia a distância que separa um hom em aos cinqüenta anos de um jovem; ver-se-ia o avô en­ carnado n o neto, e conhecer-se-ia, como diz Dilthey, a distância espiritual que separa nossos pais de nossos próprios sentim entos e idéias, e experimentar-se-ia em que m edida nossos filhos com preendem e participam das nossas crenças e opiniões. Esse critério iria talvez sim plificar por demais o estudo da história do Brasil, criação de treze gerações. As mesmas grandes realidades condicio­ naram sua formação e como homens de seu tem po todos se parecem, mesmo quando se diferenciam extrem am ente. N ada mais parecido com um ultram ontano que um anticlerical do século xix. A geração de 1800 (62a)

W ilhelm Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 184.

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a 1833, que se compõe de um Itaboraí, de u m Paraná, de um U ruguai, de um Nabuco, de Saraiva, Zacarias, Cotegipe, R io Branco, Gonçalves de M a­ galhães, Gonçalves Dias, José de Alencar, Joaquim C aetano da Silva, Francisco Adolfo de Varnhagen, João Francisco Lisboa, V ítor Meireles, nasce com disposições de ânim o fundam entais, com sentim entos próprios que se m anifestam unitariam ente, apesar dos extremos que possam dis­ tanciá-los aparentem ente uns dos outros, mas que mais se dem onstra com a distância da geração jovem que dela se aproxim a, com um Lafayette R o­ drigues Pereira, um R ui Barbosa, um R io Branco, filho, Q u in tin o Bocaiú­ va, Benjam ín Constant, Campos Sales, Rodrigues Alves, M achado de Assis, Tobias Barreto, Castro Alves, C apistrano de Abreu. Sustentam W ilhelm Dilthey, Ortega y Gasset, Pinder e outros que quando se tem idéia dessa convivência obtém-se um quadro vivo e vigo­ roso de um a época (83). As gerações conviventes form am um grupo inte­ lectual e dirigente; mas, na verdade, em cada período atuam m uitas delas, sendo arbitrário considerar um a superior ou principal. Não atinam os com a vantagem deste critério, como já fizemos ver na parte relativa à periodização. T roeltsch considera esta suposta teoria cabalística, sem sentido e significação (B4). Os estudos genealógicos em Portugal, como em Espanha, sempre foram cultivados com desvelo e interesse. Os quatro mais antigos livros de li­ nhagens anteriores ao século xvi, como o cham ado Livro velho, um frag­ m ento de nobiliário que anda ju n to ao m anuscrito do Cancioneiro deno­ m inado do Colégio dos Nobres, na antiga Biblioteca Real, e o L ivro de linhagens, atribuído ao Conde D. Pedro, que se conservava no Arquivo N acional da T o rre do Tom bo, foram estudados e publicados criticamente por A lexandre H erculano (65). Do segundo disse H erculano que não é o livro de um homem, mas de um povo e de um a época. A natureza da an­ tiga organização e dos antigos costumes portugueses tornava um a neces­ sidade, para regular direitos, a composição dessas espécies de cadastro da fidalguia. Os vários problemas de natureza fam iliar (casamento), de ca­ ráter econômico (direito de padroado e lei da avoenga) e a im portância que a fidalguia dava ao grande núm ero de antepassados, os direitos sobre honras e coutos, o espírito de família, mostram como as averiguações genea­ lógicas cedo começaram e persistiram (6B) (63) W ilhelm Dilthey, Teoria de la concepción dei m undo, México, Fondo de C ultura Económica, 1945, 445-446; J. O rtega y Gasset, El tema de nuestro tiem po, Buenos Aires, Collec* ción Austral, 1947; W. Pinder, E l problema de las generaciones en la historia del arte de Europa, Buenos Aires, Lozada, 1946; Julio Petersen, “ Las generaciones literarias” , Filosofía de lã ciencia literaria, México, Fondo de C ultura Económica, 1946, 137-193. (64) Ernst Troeltsch, Der H istorism us un d seine Probleme, T übingen, M ohr, 1922, '737, nota 394. (65) O Livro de linhagens e o Livro velho for^m publicados nas Provas de história genealógica da casa real portuguesa, Lisboa, 1739-1748. t. 1, 145-220. O fragm ento de nobi­ liário anda junto ao m anuscrito do Cancioneiro denom inado do Colegio dos Nobres, na antiga Biblioteca Real. O Livro de linhagens foi editado por J. Batista Lavanha, Rom a, 1640, e vertido para o espanhol por M. Faria e Sousa, Alonso de Paredes, M adri, 1646. Alexandre H erculano editou-os críticam ente na Portugaliae m onum enta historica, 1860, t. 1. (66) Alexandre H erculano, “ Memória sobre a origem provável dos livros de linhagens’', M emórias da Academia R eal das Ciências de Lisboa, nova série, t. 1, p arte 1, Lisboa, 1854, 35-47.

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í

É lógico o pouco interesse desses livros antigos de linhagens para o Brasil. Mais im portantes são os estudos de A ntônio Caetano de Sousa e 0 de Cristóvão Alão de Morais, escrito no século x v i i ( 67) Mas mesiHO em Portugal, já se m anifesta por parte de homens como Braancamp Freire a crítica severa aos abusos das genealogias e especial­ m ente às preocupações nobiliárquicas. “Genealogista é sinônim o de men­ tiroso e parvo” (88). "A nobreza de Portugal morreu. Não foram os de­ cretos de 34, não foi a abolição dos vínculos em 60, que a m ataram . Não houve assassínio, houve suicídio. Um a educação piegas, uma perfeita in­ capacidade adm inistrativa, um a degeneração, resultante dos sucessivos cru­ zamentos do mesmo sangue, um a sorte de fatalismo ainda m uçulm ano, foram as causas principais que deram cabo da fidalguia portuguesa” (69). No Brasil, o mesmo espírito crítico se nota em historiadores de varia­ da doutrina. N um redator da Aurora Fluminense, num C ândido M en­ des, num Capistrano de Abreu, num G ilberto Freyre. John Armitage transcreve em sua História do Brasil a nota satírica em que o redator da Aurora recrim inava a prodigalidade com que D. Pedro criou a nobreza brasileira (70). Os títulos joaninos com nomes brasileiros não continuaram no Brasil por serem seus portadores portugueses. E dos dois partidos políticos da época, o liberal era o que menos agraciados apresentava; suas figuras mais representativas, como Zacarias, Dantas, M artinho de Campos, Lafaiete Rodrigues Pereira, N abuco de Araújo, Silveira M artins e Saraiva, pondo de lado O linda, Paranaguá, O uro Preto, Sinimbu, Abaeté e Osório, não solicitaram ou aceitaram a nobreza. Cândido Mendes, além de estranhar os meios pouco regulares m uitas vezes empregados para alcançar certas distinções ou para coonestar o uso e confirm ar a ancianidade do título, e de criticar os cronistas da Bahia e de São Paulo, que nos séculos xvm e xix padeceram da m ania de nobiliar(67) A ntônio Caetano de Sousa, estudos genealógicos in H istória genealógica da casa real portuguesa desde a sua origem até o presente, Lisboa, 1735-48, 13 vols., 6 vols. de Provas, 1739-40, 1 vol. de índice dos 13 vols., 1749; e nas M emórias históricas e genelógicas sobre os grandes de Portugal, Lisboa, Ant. Isidro da Fonseca, 1742; Cristovão Alão de Morais, Pedatura lusitana. S obiliário de fam ílias de Portugal, escrito no século xvii e publicado por A lexandre Antônio Pereira de M iranda Vasconcelos, Antônio Augusto Ferreira da Cruz, Eugênio Eduardo Andréia da Cunha Freitas, Porto, Livr. F. do Machado, 1943-47, 11 vols. (68) Anselmo Braancam p Freire, Brasões da Sala de Sintra, Coim bra, Im prensa da U n i­ versidade, 1921-30, 2.° vol., vii e viu. (69) Ib id ., vol. 1, 6. (70) Jo h n Arm itage, H istória do Brasil, 3.a edição brasileira, R io de Janeiro, 1943, 272: “A M onarquia Portuguesa, fundada há 736 anos, tin h a em 1808, época em que se haviam renovado títulos e criado outros recentemente, 16 marqueses, 26 condes, 8 viscondes, 4 barões. O Brasil, com oito anos de idade, como potência, encerra já no seu seio 28 marqueses, 8 condes, 16 viscondes, 21 barões. Progredindo as coisas do mesmo modo, teremos em 2551, que é quando nossa nobreza titu lar deve contar a mesma antiguidade que a de Portugal tinha, em 1808, nada menos de 2.385 marqueses, 710 condes. 1.420 viscondes, 1.863 barões” . T rata-se de trans­ crição, feita por A rm itage, da nota satírica publicada na Aurora Fluminense. O anotador de Arm itage afirm a que havia nisso m uito exagero da parte do articulista da Aurora. D. Pedro galardoou com títulos de nobreza 43 barões, 21 barões com grandeza, 14 viscondes, 42 viscondes com grandeza, 9 condes, 27 marqueses, 3 duques e duquesas; D. Pedro II, 768 barões, 118 barões com grandeza, 72 viscondes, 122 viscondes com grandeza, 41 condes, 19 marqueses e um duque. T o ta l dos dois reinados: 1.300 titulares, sendo 950 barões, 250 viscondes, 50 condes, 46 marqueses e qu atro duques.

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quia, lastimava que se procurassem “esses títulos de nobreza m uito dis­ cutíveis fora da pátria, quando podiam simplesmente firmá-los em servi­ ços prestados no interesse do torrão n atal” (71). Os paulistas especialmente sempre tiveram essa preocupação, notada por frei G aspar da M adre de Deus, quando escreveu que “não havia povo de tão m á fama, nem por­ ventura tão enfatuado de nobreza; por vezes suplicaram a S. Majestade que não lhes mandasse generais e governadores, senão da prim eira gran­ deza do R eino” (72). Essa observação foi repetida por Aires de Casal, dizen­ do provir-lhe a altivez de sua opulência, de ordinário pouco honestam ente ad quirida (73). T am bém C apistrano de A breu referiu-se a certas m ani­ pulações nobiliárquicas, em cujos processos foram useiros Jaboatão e Lo­ reto C outo C74). Nabuco, em discurso na Câmara, a 10 de agosto de 1880, propunha que se acabasse com a nobreza inclassificável que possuímos no Brasil e escreveu tam bém que o pai nunca aceitara título para si “por ver a fan­ tasmagoría de um a nobreza sem transmissão e sem fortuna e tam bém por afeição ao nome que sempre usara” (75). Os estudos genealógicos no Brasil, como acentuou G ilberto Freyre, em geral foram realizados superficialm ente para atender à vaidade de barões do Im pério e de snobs da República, carecendo de realismo e de profundidade que correspondam às necessidades puram ente científicas. E m anifesta o desejo de que tais estudos tomassem um cunho mais social e pudessem verificar, por exemplo, até que ponto são verdadeiras certas irre­ gularidades celebradas pelo folclore brasileiro, entre as quais cita aquela que diz; “Não há W anderley que não beba, A lbuquerque que não minta, Cavalcanti que não deva, nem Sousa Leão ou C arneiro da C unha que não goste de negra” (76). O grande modelo que pode servir de guia, de método, é o de Braan­ camp Freire, que faz preceder cada artigo genealógico de um pequeno quadro da história p átria ligado à origem da geração de que vai tra­ tar (77). As principais fontes que fornecem os elementos indispensáveis são: a) livros paroquiais, batismo, casamento e óbito; b) processos de h abili­ tação para fam iliar do Santo Ofício; c) livros de confissões e denunciações do Santo Ofício (78); d) processos de habilitação de nobreza; e) processos (71) Cândido Mendes de Almeida, “Quem era o bacharel de Cananéia” , R IH G B , t. 40, 2.a parte, 227-229. (72) Frei G aspar da M adre de Deus, M emórias para a história da capitania de São Vicente, 3.a ed., dirigida por Afonso d ’E. T aunay, São Paulo, 1920, 168. (73) Aires de Casal, Corografía brasíhca, R io de Janeiro, 1833, 186. (74) Capistrano de A breu, Prolegómenos à História do Brasil de frei Vicente do Sal­ vador, 266. (75) Cf. Carolina N abuco, A vida de Joaquim Nabuco, São Paulo, C .la E ditora Nacional, 1928, 247. (76) Gilberto Freyre, Casa-erande e senzala, R io de Taneiro, l . a ed., 1934, 292; 5.a ed., 1946, 446. (77) Anselmo Braancamp Freire, ob. c i t, 1.° vol., 4. (78) E n tre os livros de confissões e denunciações do Santo Ofício, estão publicados os se­ guintes: Confissões da B ahia (1591-92), São Paulo, 1922, 2.a ed.., 1935; Denunciações da Bahia (1591-93), São Paulo, 1925; Denunciações de Pernambuco (1593-95), São Paulo, 1929; D enuncia­ ções da Bahia, 1618, A B N , vol. 49, 1936.

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de habilitação para entrar nas-ordens militares; ■/) livros de m atrícula na Universidade; g) folhas de serviço dos oficiais do Exército e M arinha; h) livros de m oradias no Paço; i) livros de prazos; j) livros de registro civil; k ) arquivos municipais, estaduais e nacionais. A genealogia deve estudar, então, não mais as casas reinantes ou eno­ brecidas, mas especialmente as famílias (79) daqueles que se destacaram no passado, em suas relações íntim as dentro de um a geração. A verdade é que as próprias transformações da história e da vida política m arca­ ram, se não o desaparecimento dessa disciplina auxiliar da história, alta­ m ente tida pelos antigos autores, pelo menos sua gradual renovação. A identificação da história com a vida dos reis, dos príncipes e de suas casas é que havia transform ado a genealogia na mais im portante disciplina auxiliar da história. O fato de os historiadores terem passado a se preocu­ par mais com a história social e o povo fez com que os estudos demográ­ ficos e estatísticos (80) avultassem e os estudos genealógicos passassem a ser a exposição das famílias burguesas. Exem plo característico dessa transformação pode ser visto não só na obra do historiador neerlandés Elias, que traça a história das famí­ lias burguesas elegíveis para o conselho da cidade de Amsterdã, como no estudo de Strieder sobre os Fugger, e os de Myers sobre os m ilionários americanos (81). São ensaios que ultrapassam os limites da biografia, por­ que estabelecem as origens e perpetuações do poder econômico de uma família. Desde a vitória do capitalismo, os senhores do poder econômico são mais escolhidos que reis ou nobres a eles sujeitos. A história das famílias, sejam as nobres, sejam as burguesas, com a democratização do pensam ento e o capitalismo, está assim inteiram ente ligada à genealo­ gia (82). A bibliografia genealógica e nobiliárquica é extensa, variada, escura ou escusa, raras vezes inteligente e útil, como poderia sê-lo. (79) Estudos sobre as fam ílias e especialmente as lutas de fam ílias, a que nos referimos no capítulo da historiografia jurídica, foram feitos recentem ente por L. A. Costa Pinto, Lutas de fam ílias no Brasil, São Paulo, Com panhia E ditora N acional, 1949. (80) Sobre as relações da história com a estatística, é preciso não cair no exagero e inge­ nuidade de H arold U. Faulkner, que chega a afirm ar que a utilização dos dados estatísticos na história significa um a mudança no método histórico e um a revolução na filosofia da história; e mais, que o estudo do homem como um anim al social e econômico é a principal função da estatística e está-se tornando rapidam ente a da história. Cf. “ History and Statistics” , T h e Social Sciences and their Interrelations, 1927, 235-241. — O prim eiro projeto de organização estatística em P ortugal data de 1853 e é devido a A lexandre H erculano. Cf. M emórias da Academia R ea l das Ciências de Lisboa, nova série, t. X, p arte 1, Lisboa, 1854, 1-108. N o Brasil, o pioneiro desses trabalhos foi Sebastião Ferreira Soares. Cf. seus. trabalhos no CEHB, n .os 13.225, 13.236 e 13.262, especialmente o segundo, que é um sistema teórico e prático para se organizar a estatística, datado de 1873. Os trabalhos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística são preciosos elementos de inform ação para o historiador. (81) Johan Engelbert Elias, De Vroedschap van A m sterdam , 1578-1795, H aarlem , V. Loosjes, 1903-1905, 2 vols., Jacob Strieder, Jacob Fugger, the R ich, M erchant and Banker of Augsburg, 1459-1525, Nova York, T h e Adelphi Comp., 1931; Gustave Myers, History of the Great American Fortunes, Nova York, T h e M odern Library, 1937. Sóbre as fam ílias m ineiras e o poder político, vide Cid R ebelo H orta, Famílias governamentais de M inas Gerais [Belo Horizonte] separata do ii Sem inário de Estudos M ineiros, 1957. (82) Cf. W. P. W. Phillim ore, Hoiv to W rite the History of a Family, 2.a ed., 1888.

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BIBLIOGRAFIA DE GENEALOGIA P a r a a g e n e a lo g ia p o r tu g u e s a co n su lte m -se, além d a s o b ra s re fe rid a s n a b ib lio g ra fia d e h e rá ld ic a e n o b ilia rq u ia , q u e são as p rin c ip a is: D iogo B a rb o sa M a c h a d o , Biblioteca lusitana, L isb o a, 1751-1759, t. 4, 577-684; M a n u e l d e F a ria y Souza, N obiliario dei Conde de Barcelos D on Pedro H ijo del R ey D on D ionis de P ortugal. M a d ri, A lonso d e P ared es, 1646, 1.a tr a d . e s p a n h o la d a g en e a lo g ia d a n o b re z a p o rtu g u e s a e e s p a n h o la . É a tr ib u id a a D. P e d ro de P o rtu g a l, C o n d e de B arcelos, fd h o n a tu r a l do rei D. D in is d e P o rtu g a l (c. 1284-1354). F o i tr a d u z id a p o r M a n u e l de F a ria e Sousa (1590-1649), q u e a ju n to u co rreçõ es e c o m e n ta rio s de g en ealo g istas p o ste rio re s e d e le p r ó p rio . A n to n io d e V illas B oas y S am p aio , N obiliarquia portuguesa. Tratado da nobreza hereditária e política, L isb o a, O fic in a de F ra n cisco V ilela, 1676; 3.a ed ., L isb o a, 1728; Jo sé B a rb o sa C a n ais d e F ig u e ire d o C astelo B ran co , Costados das fam ilias ilustres de P ortugal, Algarves, Ilhas e Indias, L isb o a, Im p re s sã o R é g ia , 1829-31, 2 t. em 1 vol.; J o ã o C a rlo s F ran cisco d e C astelo B ra n c o T o rre s , Dicionário aristocrático, contendo os alvarás dos foros de

fidalgo da Casa R ea l que se acham registrados nos livros das mercês, hoje pertencentes ao A rq u ivo da T orre do T o m b o , L isb o a, 1840; A rm a n d o d e M ato s, M anual de genea­ logia portuguesa. P o rto , 1943; E d u a rd o d e C a stro d e A zevedo Soares, N obiliario da Ilha Terceira, P o rto , E d it. F e r n a n d o M a ch ad o , 1944-45, 3 vols.; H e n r iq u e H ,en riq u es d e N o ro n h a , N obiliario genealógico das fam ilias que passaram a viver a esta ilha da M adeira depois do seu descobrim ento, que fo i no ano de 1420, s. 1., s. d ., 2 vols. A p r in c ip a l b ib lio g ra fia b ra s ile ira é co m p o sta d as se g u in te s o b ra s: fre i A n tô n io M a ria J a b o a tã o , “C a tá lo g o g en ealó g ico ” , R IH G B , t. 52; P e d r o T a q u e s d e A lm e id a P a is L em e, “N o b ilia r q u ia p a u lis ta n a . G e n e a lo g ia d as p r in c ip a is fa m ília s d e São P a u lo ” , R IH G B , vols. 32 e 35; Silva L em e, Genealogia paulistana, São P a u lo , 1903-1905, 9 vols.; B orges d a F onseca, “ N o b ilia r q u ia p e r n a m b u c a n a ”, A B N , vol. 47-48, 1925-26; A r tu r V ie ira d e R e sen d e, Genealogia m ineira, B elo H o riz o n te e R io de J a n e iro , 1937-39, 4 vols.; F ra n cisco N e g rã o , Genealogia paranaense, C u r itib a , 1926-28, 5 vols.; M á rio T e ix e ir a de C a rv a lh o , N obiliário sul-rio-grandense, P o rto A legre, L iv r a r ia d o G lo b o , 1937; C a rv a lh o F ra n co , N obiliário colonial, São P a u lo , p u b lic a ç ã o d o I n s titu to G en ea ló g ico B rasile iro , s. d .; A fo n so C osta, “ G e n e a lo g ia b a ia n a o u C a tá lo g o g en ealó g ico d e F r. A n tô n io d e S. M a ria J a b o a tã o , a d a p ta d o e d esen v o lv id o ", R IH G B , vol. 191, 1947, 1-279; J ô n a ta s S e rra ­ n o , “G e n e a lo g ia d a C asa I m p e ria l B ra s ile ira ”, H istória do Brasil, curso superior, R io d e J a n e iro , B rig u ie t, 1931, 514-518. A p r in c ip a l b ib lio g ra fia g en ealó g ica, in c lu siv e m a ­ n u sc rita , e n c o n tra -se re g istra d a n o C EH B e n o Catálogo de autores genealógicos, d e S alv ad o r de M ova, São P a u lo , 1937. O I n s titu to d e E stu d o s G en ea ló g ico s tem u ltim a ­ m e n te p u b lic a d o v á rio s ín d ic e s de g en ealo g ias, com o as d e B orges d a F onseca, etc., e p u b lic a o A nuário Genealógico e a R evista Genealógica Brasileira, a p a r t i r d e 1946, com 13 n ú m e ro s. A R evista do In stitu to Genealógico da B ahia, p u b lic a d a a p a r t i r d e 1946, e as rev istas dos I n s titu to s H istó ric o s c o n tê m m a té r ia g en ealó g ica e n o b iliá rq u ic a . T itu la r e s q u e e x e rc e ra m a lta s fu n ç õ e s p ú b lic a s n o s M in is té rio s , S ecretaria s e C â ­ m a r a d o s D e p u ta d o s e S en ad o ' e n c o n tra m -s e re g istra d o s n a s se g u in te s pu b licaçõ es:

N oticia dos senadores do im pério do Brasil desde 1826; de ocorrências concernentes às respectivas eleições, e dos P residentes e V ice-P residentes' do Senado desde 1826, das R egências e dos R egentes do Im pério, dos M inistros e Secretários de Estado desde 1822, dos Conselheiros de Estado desde 1823 a 1834, e de 1841 em diante. Trabalho organizado no A rq u ivo do Senado, R io d e J a n e iro , I m p re n s a N a c io n a l, 1886. T o d o s os titu la re s vêm com os resp ec tiv o s títu lo s ; O rg an izaçõ es e p ro g ra m a s m in is te ria is d esd e 1822 a 1889. R io d e J a n e iro , 1889, 2.a ed., id., 1962; L ivro do Centenário da Câmara dos D eputados (1826-1926), R io de J a n e iro , E m p re sa B rasil E d ito ra , 1926, 3 vols. N o se ­ g u n d o v o lu m e e n c o n tra -se a n o m in a ta d o s d e p u ta d o s b ra sile iro s d esd e as C o rtes P o r ­ tu g u esas d e L isb o a, d e 1821 a té a v igésim a le g is la tu ra do S eg u n d o I m p é rio (1886-1889), 587-590, com os títu lo s; m inistros e altos funcionários da antiga R epartição dos Negócios

Estrangeiros, depois M inistério das Relações E xteriores, e m em bros do e xtin to Conselho de Estado, R io d e J a n e iro , Im p re n s a N a c io n a l, 1939. So b re a m a g is tr a tu r a , v id e “R e la ç ã o dos d esp ach o s p u b lic a d o s n a C o rte p e ja Se­ c re ta ria d e E stad o d o s N egócios do I m p é r io ” , 12 d e o u tu b r o de 1826, Diário F lum inense, n .° 88, sáb ad o , 14 de o u tu b r o de 1826. S o b re a n u n c ia tu r a a p o stó lic a n o B rasil e a lista d e in te r n ú n c io s e n ú n c io s , d e 1808 a 1914, a c o m p a n h a d a d a lis ta d e c a p itu la re s

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de 1686 a 1914, v id e A. A lves F e r re ir a d o s S antos, A rquidiocese de São Sebastião do R io de Janeiro, R io de J a n e iro , L e u z in g e r, 1914, 454 e 65 e se g u in te s, re sp e c tiv a m e n te . R . T o rc a p io , “A lg u m a s lin h a g e n s d e fa m ília s d o su l d o C e a rá ” , R IC , t. 58, 1924, 237-341; F ra n c isc o N eg rão , Genealogia paranaense, C u r itib a , 1926-27, 2 vols.; J a s é d e M e sq u ita, “G en e lo g ia c u ia b a n a ”, R e v . do Inst. H ist. de M ato Grosso, 1929, 123-167, e 1930, 131-132; J o ã o P in to d a F onseca G u im a rã e s e Jo rg e G o d o fre d o F elizard o , G e­ nealogia rio-gr ándense, L iv r. d o G lo b o , P o rto A legre, 1937; A. V. d e R e se n d e e Silva, "G en e alo g ia m in e ir a ”, R A P M , 25, 1938; G u ilh e rm e A u le r, “ F a m ília s p e r n a m b u c a n a s ”, A M I, iv, 1943, 97-131; id., “T itu la r e s p e rn a m b u c a n o s " , v i i i , 1947, 39-55; “T itu la r e s p e rn a m b u c a n o s ” , A M I, x i, 1950, 73-95; A n tô n io J o a q u im d e M a ced o S oares, N obiliarquia flu m in e n se ou genealogia das principais e mais antigas fam ilias da Corte e p ro ­ vincia do R io de Janeiro, N ite ró i, 1948; cônego R a im u n d o T r in d a d e , Velhos troncos ouropretanos, São P a u lo , 1951; F re d e ric o d e B a rro s B ro te ro , A fam ilia M onteiro de Barros, São P a u lo , 1951; A fonso C osta, “M onizes d a B a h ia ” , R IH G B , v o l. 210 (1951), 1953, 114-156.

6. Numismática A num ismática, palavra derivada do latim num ism a, é o estudo das moedas e medalhas. Estas podem ser consideradas sob duplo aspecto: prim eiro, como produtos artísticos, pelas suas inscrições, imagens e de­ senhos, e segundo como valor econômico, dinheiro ou metal. As moedas, como dizia A ntônio Caetano de Sousa, “são tam bém documentos com que se autoriza a história, porque, por elas, entra-se no conhecimento da grandeza e do poder dos soberanos, pela riqueza dos metais e diversidade dos cunhos”. E ntre os subsídios históricos — escrevia H erculano em de­ zembro de 1875 a T eixeira de Aragão — a num ária e a num ism ática ofe­ recem aos estudiosos tantas ou talvez mais dificuldades do que a epigra­ fía (83). É necessário estabelecer-se, desde o princípio, a diferença entre n u ­ mismática e história m onetária, ou estudo da moeda do ponto de vista econômico-financeiro. A num ismática, segundo Leite de Vasconcelos, é o estudo morfológico e interpretativo das moedas. Morfológico porque as moedas hão de apreciar-se quanto ao seu metal, o seu aspecto, as suas figuras, sinais e leituras, e interpretativo porque tem-se de dar a razão de tudo que o estudo morfológico revelou nas moedas (84). É preciso frisar, também, que o fato de a economia brasileira ter sido durante longo tempo um a economia de troca fez com que fossem pouco correntes e de pouco uso as moedas na época colonial. Vale a pena lem­ brar, ainda, que a vida econômica colonial tinha duas faces: “nas tran ­ sações internacionais, ou m elhor interoceánicas, era a moeda o tipo a que tudo se referia; nas transações internas dom inava o naturalism o eco­ nômico, a perm uta de gêneros contra gêneros ou empréstimos de gêne­ ros’^85). Ainda quase no fim da época colonial, moeda só havia nas capitais (83) V itorino Nemésio, A (84) Leite de Vasconcelos, (85) Capistrano de Abreu, m ia Brasileira de Letras, Rio

mocidade de Herculano, Lisboa, 1934, i, 367. Da numism ática em Portugal, Lisboa, 1923. Introdução aos Diálogos das grandezas do Brasil, ed. da Acade­ de Janeiro, 1930, 15.

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e ainda assim nas mãos dos ricos e dos grandes traficantes. No interior não se conhecia a moeda. As prim eiras moedas cunhadas no Brasil datam do século xvu e fo­ ram feitas pelos holandeses. Q uando, em 1645, um a terrível fome lavrara no Recife, dois navios holandeses, o “Falcão” e o “Elisabete”, chegaram trazendo numerosas provisões. P ara comemorar sua chegada foram la­ vradas m edalhas de ouro com a inscrição “O Falcão e o Elisabete sal­ varam o Recife”. Mais tarde, em 1646 e em 1654 foram lavradas novas m edalhas de ouro e prata. C ircularam no Brasil, cunhadas em Portugal, moedas de ouro, prata, cobre e bronze, com os nomes de escudo, cruzado, vintém , tostão, dez réis, cinco réis, três réis e pataco. Foram depois cunhadas nas Casas da Moeda do Rio, Bahia, M inas Gerais, M ato Grosso, Goiás e São Paulo, moedas de ouro, p rata e cobre (86). A principal coleção num ism ática brasileira foi organizada pela B iblio­ teca Nacional, quando a dirigia Ramiz Galvão. Em 1881, ele pleiteava a criação da Seção de Num ism ática, tendo como base a coleção existente no M useu Nacional. É incontestável, dizia ele, que moedas e medalhas são antes de tudo documentos subsidiários da história, por conseqüência o seu lugar próprio não é ao lado das coleções de história natural, que p o r si sós dariam assunto sobejo para a aplicação dos ilustres trabalha­ dores do M useu; lugar da num ism ática é ao lado da história, e o da his­ tória é na Biblioteca N acional (87). Com a fundação do Museu Histórico Nacional, em 1922, transferiu-se a coleção para aquela instituição, que hoje possui cerca de 80.000 signos m onetários. O principal centro de estudos numismáticos no Brasil, afora o M useu H istórico Nacional, é a Sociedade Brasileira de Num ism ática de São Paulo', fundada em 1922 e que desde 1933 m antém um a revista, tendo prom ovido, em 1936, o Prim eiro Congresso de Num ism ática Brasileira. A tualm ente já se separou da Num ism ática a M edalhística, que se dedica ao estudo das m edalhas e ordens honoríficas. A bibliografia num ism ática em Portugal e n o Brasil é bem variada, abrangendo o estudo geral das moedas, medalhas, Casas da M oeda e or­ dens honoríficas.

B IB L IO G R A F IA D E N U M ISM Á T IC A

Numismática po rtu g u esa: A ntônio C aetano de Sousa, H istória geneológica da casa real portuguesa, Lisboa, 1735-48, 13 vols.; M anuel Severim de F aria, N otícias de P o r­ tug al, Lisboa, Ofic. C raesbeckiana, 1655; M anuel B ernardes L opes Fernandes, “M em ória d as m oedas correntes em P o rtu g a l desde os tem pos rom anos até 1865”, M em órias da (86) Antônio Caetano de Sousa, H istória genealógica da casa real portuguesa (Lisboa, 1735-48, t. 4, 390-97, 403-405, 410-14), registra várias providências relativas ao estabelecimento das casas de m oeda no Brasil. (87) Catálogo da Exposição Permanente de Cimélios da Biblioteca Nacional, A B N vol. 11, 1885, 932.

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\ A cadem ia das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1853-57; F e rreira d e A ragão, Descrição geral e histórico das moedas cunhadas em nom e dos reis, regentes e governadores de P ortugal, Lisboa, 1875-1880, 3 vols.; J. L eite de Vasconcelos, “A ula de num ism ática d a Biblioteca N acional d e Lisboa (curso de 1899 a 1910)”, in O A rqueólogo P ortuguês, vol. 15, 19101911, 333, vol. 17, 1912, 62-71; E rnesto Ennes, "O G abinete N um ism ático d a B iblioteca N acional”, A nais das Bibliotecas e A rq u ivo s, vol. 8, 1927, 571; B aptista Q ueiroz, “Subsí­ dios p a ra a h istó ria d a num ism ática p o rtu g u esa ”, in O A rqueólogo P ortuguês, vols. xiv (1909), 28-35; xv (1910), 97-110; xvi (1911), 177-194. N u m ism ática b ra sile ira : o c ap ítu lo sobre num ism ática do CE H B , 1351-1400; C ân ­ dido de Azeredo C outin h o , N oticia sobre as moedas do B rasil e seu valor intrínseco, R io de Ja n e iro , 1867.; Jo ã o X avier de M ota, M oedas do B rasil (1645-1888), V itória, 1889; Ju liu s M eili, Das Brasilianische Geldwesen, I. T h e il, D ie M unzen d e r C olonie B rasilien, 1645 bis 1822, Z urique, 1897. (Sobre esse livro, veja-se a crítica de A lfredo de C a n alho n a R IA G P , vol. 9, 1898, 125-133, rep ro d u zid a n o Jornal do R ec ife , d e 30 de jau. e 6 de fev. de 1898; e o necrológio in O A rq ueólogo P ortuguês, vol. 12, 1907, 362363; Ju liu s M eili, N um ism a tisch e Sam m lung. D ie M u n ze n des Kaiserreichs B rasilien 1822 bis 1889, s. I., 1870; J. F. dos Santos, M oeda do Brasil, 1645-1888, a p ontam entos e catálogo, Porto, 1890; “M oedas brasileiras e estrangeiras”, A n u á rio d e G raciano Azamb uja, 1891, 183-186; M iguel A rcanjo GalvSo, "A m oeda n o Brasil. H istórico e catálogo de um a coleção de m oedas e m edalhas do Brasil desde os tem pos coloniais a té hoje (14 de novem bro de 1889)”, R IH G B , t. 66, vol. 108, p a rte 2, 5-68; M iguel A rcanjo Galvão publico u o m esm o trab a lh o a n te rio r em separata, R io d e Ja n e iro , 1905; Giov anni Eboli, A n um ism ática brasileira, São P aulo, 1907; A. de B. R a m a lh o O rtigão, “A circulação. Crise do xém -xém . Evolução das leis m o n etá ria s”, R IH G B , t. esp., 1904, vol. 4, 466; Catálogo da coleção num ism ática brasileira de A u g u sto de Sousa Lobo. Ilu s­ trado segundo o sistem a do insigne num ism atógrafo Sr. Ju liu s M eili. l . a p arte. Ca­ rim bos e m oedas coloniais desde 1643 a 1822, 2.a p a rte . M oedas do Im p ério , m oedas e carim bos falsos, carim bos e m oedas particulares, desde 1822 a 1889. 3.a p a rte . M oedas da R epública, m oedas falsas, m oedas fiduciárias e emissões abusivas, R io de Ja n e iro , 1908; E usébio de Sousa, “ C arim bos do C eará” e "Icó ”, R IA G P , xvm , 1916, 419-426; C apistrano de A breu, “A p re te x to de u m a m oeda de o u ro ”, R evista do Brasil, a b ril de 1917, reproduzido in Ensaios e estudos, 2.a série, R io de Ja n e iro , 1932, 131-152; S aturnino de P ád u a, A s m oedas brasileiras, R io de Ja n e iro , l.a ed., 1928, 2.a ed., 1941; E usébio d e Sousa, N um ism ática cearense, Fortaleza, 1933. A n a is do 1.° Congresso de N um ism ática Brasileira, São Paulo, 1937-40; E dgard de A raú jo R om eiro, “ N um ism ática b rasileira”, A M I, iv, 1943, 99-131; K. P rober, M a n u a l de num ism ática, 2.a ed., R io de Janeiro, 1945. M edalhas — C ândido de Azeredo C outin h o , Apreciação do m edalheiro da Casa da M oeda apresentada na E xposição de 1861, R io de Jan eiro , T ip . N acional, 1862; Vis­ condessa de C avalcânti, Catálogo das m edalhas brasileiras e das estrangeiras referentes ao B rasil da coleção num ism ática p ertencente à Viscondessa de Cavalcanti, Paris, 1910, 2.a ed., aum ., ilust., 2 vols.; L au rên io Lago, M edalhas e condecorações brasileiras, co­ letânea de atos oficiais, R io de Ja n e iro , Im p ren sa N acional, 1935; Francisco M arques dos Santos, A guerra do Paraguai na m edalhistica brasileira, São P aulo, T ip . S iqueira, 137; id., M edalhas m ilitares brasileiras (Da época colonial ao fim do P rim eiro Reinado), R io de Ja n e iro , Of. Gráf. de A N oite, 1937; P e d ro P a u lo Sam paio L acerda, Catálogo das m oedas de ouro de todos os países, de 1684 a 1862, R io de Ja n e iro , E d ito ra C ientífica, 1941; Francisco M arques dos Santos, “ Prim eiras m edalhas conferidas p o r D. Pedro li”, A M I, v, 1944, 45-65; “C atálogo d a coleção de m edalhas do In stitu to A rqueológico e Geográfico de P e rn am b u co ”, R IA G P , xx x i, 147-150, 275-350; E ugênio H ollender, "C atálogo da coleção de m oedas e m edalhas pertencentes ao M useu do In stitu to ”, R IH G S P , n, 383; adenda, iv, 546; e suplem ento, m , 577; id., “ M oedas de o u ro c u n h ad as em T a u b a te ”, R IH G S P , iv, id., 499; ‘ M oedas obsidionais do B rasil”, R IH G SP , ii, 396; L u ís M arques P oliano, O rdens honoríficas n o Brasil, história, orga­ nização, padrões e legislação, R io de Ja n e iro , Im p ren sa N acional, 1943. N os A nais do P rim eiro Congresso de N um ism ática, acim a citados, encontram -se tam bém trab alh o s de m edalhistica.

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7. Cronologia A palavra cronologia vem do grego cronos, tempo, e logos, discurso. Significa, assim, o estudo da m edida e divisão do tempo e dos critérios de sua aferição empregados pelos diversos povos. Costuma-se dividir a cronologia em teórica, astronôm ica e matem ática, que estuda a divisão e o cóm puto do tempo, e prática, que se ocupa das várias formas de con­ tar o tempo empregadas pelos povos no decurso da história. A crono­ logia serve à história porque possibilita ao historiador assinalar, aos documentos (88) e aos fatos, datas prováveis e exatas, harm onizando a ma­ neira de exprim ir o tem po das obras e autores antigos com o nosso sis­ tema atual. A cronologia nos ensina, por exemplo, como lem brou Paul Kirn, que: 1) a semana de sete dias só começou a ser usada no prim eiro século da èra de Cristo; 2) o N atal só começou a ser celebrado no dia 25 de dezem­ bro há pouco mais de 350 anos; 3) antes de 1680 ninguém contava os anos a p artir do nascim ento de Cristo; 4) na Inglaterra o dia 25 de março continuou a ser o prim eiro do ano até 1751. Deve-se por isso, até esse ano, com pletar as datas de 1.° de janeiro até 24 de março com o n ú ­ mero do ano seguinte para com binar com o nosso calendário(8Sa). A crítica das datas pode conduzir-nos à suspeita da falsidade do do­ cumento. Este aspecto será apontado q uando tratarm os da autenticidade das fontes. J á nos referimos, na parte relativa ao desenvolvimento da idéia de história, a J. J. Scaliger, que no século xvn lançava as bases da cronologia científica, aplicada à história. Seguiram-se-lhe Dionysius Petavius e os m aurinos franceses (89). São vários os calendários conhecidos na história e várias as maneiras de com putar o tempo, tendo em vista o sol e a lu a ( 90). Para a história do Brasil, só nos interessa saber da existência do calendário juliano, (88) Em relação às fontes docum entais, convém lem brar que desde o Código Afonsino (livro I, tit. 47, parág. 4), o M anuelino (livro i, tit* 53, parág. 3) e Filipino (livro i, tit. 80, parág. 7 e livro i, tit. 24, parág. 16), até o atual Código de Processo Civil e Comercial (art. 15), requer-se para a validade dos docum entos a especificação de dia, mês e ano. (88a) E inführung in die Geschichtswissenschaft, Berlim, 1947, 41. *.:(89) J. J. Scaliger, Opus de emendatione tem porum , hac postrema editione ex auctoris ipsius manuscr. em endatius magnaque accesione auctius, Genevae, typis Roverianis, 1629. É a m elhor edição, sendo a prim eira de Paris, Patisson, 1583. — Dionysius Petavius, Opus de doctrina tem porum , París, Cramoisy, 1627. A m elhor edição é a de Am sterdã, Gallet, 1705, 3 vols. — Dionysius Petavius, R ationarium tem porum , Paris, Cramoisy, 1636. A m elhor edição é a de L ugduni Batavorum (Leide), H aak, 1724-25, 3 tomos em 2 volumes. Existe urna tradução francesa, Abrégé chronologique de Vhistoire universelle, París, Ant. Collin, 1682, 3 tomos e um a tradução inglesa, History of W orld, Londres, 1659. — U a r t de vérifier les dates des faits historiques, des charles, etc. París, 1750. A m elhor edição é talvez a de París, 1783-87, 3 vols. A obra foi começada por D. M aur-François d ’A ntine, D. Clém ent e D. D urand e conti­ nuada e publicada po r D. F. Clément. (90) Os indígenas brasileiros contavam a idade pelo caju, que frutificava apenas urna vez por ano. Cf. Jo h a n N ieuhof, M emorável viagem m aritim a e terrestre ao Brasil, ed. brasileira preparada por José H onório Rodrigues, São Paulo, Livraria M artins, 1942, 300; Georg Marcgrave, Historia natural do Brasil, São Paulo, 1942, 95; G uilherm e Piso, H istoria natural do Brasil, São Paulo, C .la E ditora N acional, 1948, 66. Sobre os dias da semana em portugués, cf. Paiva Boléo, Biblos, vol. 15, p. 579, e vol. 16, 655. Aí se m ostra po r que a designação

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adotado até o ano de 1582, quando, em data de 4 de outubro, foi subs­ tituído pelo calendário gregoriano, ou seja, o que nos rege atualm ente. O ano dos romanos principou com 304 dias somente, composto de 10 meses, q u atro de 31 dias e seis de 30 dias; passou para 365 dias com N um a Pom pilio, que lhe acrescentou os meses de janeiro e feve­ reiro. Jú lio César, ajudado pelo m atem ático Sosígenes (46 a. C.), deci­ diu regular o ano pelo curso do sol e, estabelecendo que ele teria 365 dias e 6 horas, e seria constituido de 366 dias, de q u atro em quatro anos, pela intercalação de um dia entre 23 e 24 de fevereiro (01). Como, porém, não se conformava o ano solar exatam ente com essa determinação, pois que ele era de 365 dias, 5 horas e 12 segundos, essa diferença produziu, até o século xvi, um a notável alteração. Daí o ter resolvido o papa Gregorio x i i i corrigir o calendário j u ­ liano em 1582, m andando avançar 10 dias depois de 4 de outubro, que passou a ser, então, 15 de outubro. Q uanto aos anos de 366 dias ou bissextos, só o seriam aqueles cujos dois prim eiros algarismos fossem di­ visíveis por quatro, como 1600 e 2000, ao contrário de 1700, 1800 e 1900. Essa correção não foi logo geralm ente aceita, de m odo que se torna conveniente conhecer as épocas de sua aceitação pelas diversas nações mais im portantes. Em Portugal, n a Itália e na Espanha, fez-se a alteraração tal como fora prescrita, passando o dia 4 de outubro de 1582 a ser 15 de outubro. A .lei portuguesa que tal determ inou leva a data de 20 de setembro de 1582 (92). A Dinam arca aceitou-a no mesmo ano, mas não exatam ente como fora prescrita. T am bém na França a m udança só feita em 9 de dezembro desse ano, que passou a ser 20 de dezembro. A Ingla­ terra só adotou a reform a gregoriana em 1752, passando o dia 2 de retem bro desse ano a ser 14 de setembro. A H olanda adotou-a em 1700, a Alem anha em 1775 e a Rússia só depois da revolução comunista de o u tubro de 1917. N o R io de Janeiro, foi somente a 5 de novem bro de 1583 que chegou a provisão real que m andava que em todas as justiças, nos cartórios, ju ­ diciais, de notas e órfãos, nas cartas, alvarás, provisões, contratos, termos, autos judiciais, e em quaisquer escrituras, nas promessas e obrigações se concedessem mais dez dias em lugar dos que foram dim inuídos (83). Para transform ar um a data do antigo calendário juliano para o ca­ lendário gregoriano é necessário entre 1582 e 28 de fevereiro de 1700, portuguesa dos dias da semana é enum erativa e não igual à das outras línguas cultas. A razão se deve buscar não na influência m oura, como afirm ou o Prof. W ilhelm Giese, mas na in flu ­ ência da Igreja e da linhagem eclesiástica no território lusitano. Sobre os dias da semana no folclore, vide Antônio Osmar Gomes, “Dias da semana” , O jornal (R io de Janeiro), 27 de fev. de 1955. (91) Sobre o calendário rom ano e a reform a juliana, cf. J. S. R eid, “ Chronology” , A Companion to L atin Studies, editado por Sir John Ed. Sandys, 3.a ed., Cam bridge, 1943, 90-148. (92) Portugal não poderia deixar de ser dos prim eiros a adotar a reform a gregoriana, de vez que desde 1516 o papa havia pedido a D. M anuel que remetesse os pareceres dos homens mais doutos do reino. Cf. breve Desiderabamus jam du d u m , in Corpo diplomático português, Lisboa, 1862-1902, vol. 1, 397-398. (93) Cf. “ T raslado de um a provisão de S. M. de lei que o Sumo Pontífice lhe mandou, sobre o calendário novo quê fez” . — A provisão íeal é de 20 de setem bro de 1582 e a trasladação oficial pelo escrivão da Câm ara do Rio de Janeiro foi feita em 5 de novembro de 1583. Arquivo do D istrito Federal, 1894, t. 1, 446-448.

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aju n tar 10 dias; de 1.° de março de 1700 a 28 de fevereiro de 1800, ajuntar 11 dias; de 1.° de março de 1800 a 28 de fevereiro de 1900, 12 dias; e, finalm ente, 13 dias depois de 1.° de m arço de 1900 (94). Para m ostrar um exemplo da necessidade de se conhecerem as épocas da aceitação do calendário gregoriano pelas outras nações, basta lem brar que a data de 30 de novem bro de 1594, que é a geralm ente indicada pelos nossos cronistas como a da partid a da esquadrilha de James Lancaster da Inglaterra deve ser corrigida para 10 de dezembro, de vez que ainda estava em vigor entre os ingleses o calendário juliano (95). Assim tam ­ bém a data de 30 de março de 1595, atribuida por V arnhagen ao dia em que teve lugar o saque de Lancaster a Recife, deve ser corrigida para 9 de abril (9e). O ataque de W ithrington e Lister à B ahia se deu a 11 de abril de 1587, segundo o estilo juliano, ou seja, a 21 de abril, segundo a reform a gregoriana (97). O utro exemplo curioso é o relativo à data da descoberta do Brasil. Autores da im portância de V arnhagen afirm am que se deve celebrar tal data em 3 de maio, devido à reform a do calendário ju lia n o para o gre­ goriano (98). Ora, isso não é exato, em prim eiro lugar, porque a refor­ m a foi feita 82 anos depois da descoberta e ela, como se sabe, não teve efeito retroativo; em segundo lugar, se a aplicássemos, ainda assim a data do descobrimento não seria 3 e sim 2 de m aio. Provavelm ente, a circuns­ tância de a Igreja festejar, no dia 3 de maio, a Invenção da Santa Cruz, foi que levou alguns cronistas, especialmente G aspar Correia (14951565) ( " ) a aliar essa data à descoberta de Vera Cruz de Cabral. T a l não se tin h a verificado porque o nom e de Vera Cruz fora dado à terra na quarta-feira, 22 de abril, e a própria cruz fora plantada em 1.° de maio. A Invenção da Cruz não influiu, assim, no nome, nem a ereção, mas sim a Cruz da O rdem de Cristo, com que todas velas das naus vinham assina­ ladas (10°). (94) A. Giry, M anuel de diplom ati quef París, 1925, 165-168. (95) Barão do R io Branco, E fem érides brasileiras, R io de Janeiro, Im prensa Nacional» 1946, ed. do M inistério das Relações Exteriores, 559. (96) Francisco Adolfo de V arnhagen, H istoria geral do B r a s i l 3.a ed., São P aulo, C .u M elhoram entos, s. d., t. 2, 50, nota 37 de Rodolfo Garcia. R io Branco, Efem érides bra­ sileiras, ed. de 1948 do M inistério das Relações Exteriores, dá a data de 24 de m arço para o saque de Lancaster a Recife e a corrige para 9 de abril, com evidente equívoco. A data ju lian a de 30 de março vem em R . H akluyt, T h e P rincipal Navigations, Voy ages, T rafiques and Disccryeries of the English N ation, etc., Londres, 1600, 3.° vol., 708. (97) Cf. Capistrano de A breu, Prolegómenos à H istoria do Brasil de frei Vicente do Sal­ vador, São Paulo, C .ia M elhoram entos, s. d., 5.° ed., 246-247. A viagem vem transcrita em R. H akluyt, obra citada na nota anterior, 762. N aturalm ente, todas as datas relativas aos sucessos dos corsários ingleses do século xvu têm de ser convertidas p ara o calendário gregoriano até 2 de setembro de 1752, quando a Inglaterra aceitou a reforma. (98) Francisco Adolfo de V arnhagen, H istoria geral do Brasil, 3.a ed., 1.° vol., 73. D a mesma opinião participou B eaurepaire-R ohan, que teve a pachorra de pôr em paralelo os dois calendários, reduzindo as datas. Cf. “ Breve discussão cronológica acêrca da descoberta do Brasil” , Brasil histórico de Melo Morais, 2.° sem., t. 1, 1866, 146-147 e R IH G B , t. 32, 2.a parte, 231-232. Em 1880, Beaurepaire-R ohan retificou sua opinião, dizendo que a carta de Cam inha era um docum ento insofismável sobre a data de 22 de abril. Cf. “ O prim itivo e o atual P orto Seguro” , R IH G B , t. 43, p arte 2.a, 17-18. (99) G aspar Corréia, Lendas da India, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1858-63. (100) Capistrano de A breu, livros i e n da H istória do Brasil de frei Vicente do Sal* vador, Rio de Janeiro, Im prensa N acional, 1877, 7, n.° 8; id., “ T rê s de M aio” , Kosmos, m aio de 1905; e J. Carlos Rodrigues, in Jornal do Comércio, 3 de m aio de 1905.

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Em 1822, A ntônio Gonçalves Gomide, por insinuação de Diogo de T o led o L ara y Ordonhes, propôs que, sendo o dia 3 de maio o do desco­ brim ento, fosse este destinado para a abertura do parlam ento brasi­ leiro (101). Existe, deste modo, um a data convencional da descoberta do Brasil, 3' de maio, e a verdadeira data, que é 22 de abril. Não h á dúvida possível quanto a isso, pois a carta de Pero Vaz de C am inha é um docum ento in­ contestável para esse fato. Assim como houve várias tentativas na história universal de refor­ mas da era cristã por novas eras, como é o caso do calendário republi­ cano, adotado por ocasião da Revolução Francesa (102), assim' também, no Brasil, o decreto de 10 de dezembro de 1822 declarava que sendo con­ veniente memorizar a gloriosa época da Independência do Brasil e sua elevação à categoria de Im pério, os diplomas daí em diante publicados, rubricados e assinados pelo Im perador deviam levar sempre de sua data o núm ero de anos decorridos depois da Independência, que se deveria contar desde o memorável dia 12 de outubro daquele ano. Assim, a p artir de 12 de outubro de 1822, iniciou-se um a nova era no Brasil (103). Desse decreto tam bém se conclui um fato curioso do ponto de vista cronológico. Sete de setem bro não foi a princípio comemorado como o dia em que se celebrava o ato da nossa Independência. Legalmente, a data da celebração foi, de início, 12 de outubro. E na proclam ação de 21 de outubro de 1822 se dizia pela prim eira vez num docum ento p úbli­ co: “T a l é o estado do Brasil desde o dia 12 de outubro. Desde o dia 12 de outubro ele não é mais parte integrante da M onarquia Portuguesa”. Foi somente com a publicação, em 1826, da H istória dos principais sucessos do Brasil, do Visconde de Cairu, que se passou a considerar o dia 7 de setembro de 1822 como a “prim eira m áxim a época dos Anais do (101) A ntônio Gonçalves Gomide, c‘Dia 3 de m aio e abertura do P arlam ento N acional” R IH G B , t. 48, 1855, p arte 1, 593-94. Cf. tam bém José Antônio Pim enta Bueno, Direito público brasileiro e análise da Constituição, R io de Janeiro, 1957, 125-126. (102) Sobre o calendário republicano vide A. Girv, M anuel de diplom atique, Paris, Félix Alean, 1925, 169-174. (103) Visconde de Cairu, História dos principais sucessos políticos do Im pério do Brasil, R io de Janeiro, na T ip . Im perial e N acional, 1826-1830, 1.° vol., 59. N ão consta da Coleção de leis do Brasil de 1822, da Impressão Régia, qualquer decreto no sentido de considerar o dia 12 de o u tu b ro desse ano o início de um a nova era. Nesta data encontramos decreto perdoando deserções de m ilitares. D atado de 13 de outubro é o decreto ordenando que a p a rtir de então se usasse nos tribunais e mais repartições públicas o títu lo de M ajestade Independente, quando houvesse referência ao Monarca; q u e nas provisões se principiasse pela fórm ula “D. Pedro, pela graça de Deus e unânim e aclamação dos povos, Im perador Constitucional e Defensor Perpétuo do Im pério do Brasil” e, finalm ente, que nos alvarás se usasse: “Eu, o Im perador C onstitu­ cional e Defensor P erpétuo do Brasil” . N ão só falta nas coleções qualquer decreto do dia 12 de o u tubro que declarasse esse mesmo dia como o da aclamação, como erroneam ente se tem suposto, como tam bém nenhum a menção se faz a tal fato nos índices cronológicos da legislação. Cf. Antônio M anuel Fernandes Jú n io r, Indice cronológico, explicativo e remissivo da legislação brasileira desde 1822 até 1848. N iterói, 1849, 4; José P aulo de Figueroa N abuco Araújo, Legislação brasileira ou coleção cronológica das leis, decretos, etc., R io de Janeiro, 1837, 3 vols.; 336; Coleção das leis e decretos do Im pério do Brasil, R io de Janeiro, T ip . de F. Seignol-Plancher, 1831, 1.° vol. 1. Os jornais da época, como a Gazeta do R io de Janeiro (n.° 124, 3.a parte, 15 de o u tu b ro de 1822, e n.° 123, de sábado, 12 de outubro de 1822), o Espelho (n.° 95, de 15 de o u tu b ro de 1822) e o Correio extraordinário do R io de Janeiro1 (sábado, 12 de outubro de 1822) relatam o acontecim ento da aclamação e Independência, sem referência a qualquer decreto.

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Brasil e fastos da sociedade, pelo ato do Príncipe Regente realizado ñas margens do Ipiranga, ao dar o famoso grito de Independência e ao tirar o laço nacional das Cortes portuguesas (104). Mas ainda assim o Visconde de Cairu considerava o dia 12 de outubro, dia da aclamação do Príncipe Regente, Im perador C onstitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, como com pletando definitivam ente o destino do Brasil. Pelo decreto de 18 de setembro D. Pedro estabelecia um escudo de armas e um novo tope nacional. Mas os periódicos da época, como o Espelho, o Correio do R io de Janeiro, o Diário do R io de Janeiro, não comemoram o dia 7 de se­ tembro. Foi C apistrano de A breu quem retificou inteiram ente a cronologia da conquista do M aranhão, que na Historia geral de V arnhagen se acha­ va de tal modo em baralhada que constituía um verdadeiro quebra-ca­ beça (105). O estabelecimento da data precisa da proclam ação da Confederação do E quador prom oveu um a das mais curiosas polêmicas jam ais havidas no Brasil, pela força dos que se agruparam em torno do dia 2 de julho, e a fraqueza histórica nata do opositor, que apenas se utilizou de proces­ sos de advogado e jornalista. Em 1908, Pereira da Costa publicava uma erudita investigação sobre o dia preciso em que se iniciou a Confedera­ ção do E quador (106). Sustentava que esta fora proclam ada a 2 de julho e não a 24, conforme sempre se comemorara. Seus argumentos eram de­ cisivos. Conheciam-se dois documentos da época, a proclam ação datada de 2 de ju lho e o m anifesto sem data, por A breu e Lim a datado de 24, apesar dele mesmo declarar o dia 2 como o da proclamação. Ora, não seria possível o dia 24, porque, em prim eiro lugar, no dia 26, no R io de Janeiro, tomava o govérno im perial várias providências adm inistrativas e m ilitares suspendendo as liberdades constitucionais em Pernam buco; e segundo, porque a 30 era publicado, no Diário Oficial, o citado manifesto partin d o Lorde Cochrane, a 2 de agosto, do R io de Janeiro, para dom i­ n ar a revolta. Como seria possível conhecer-se a revolução dois dias de­ pois, publicar-se o m anifesto seis dias depois e organizar-se um a esqua­ drilha, quando não havia telégrafo e comunicações fáceis ? Além do do­ cum ento datado e do não-datado, lem brava Pereira da Costa os atos do governo revolucionário entre 2 e 24 de julho, registrados nos Livros de Portarias e o do R egistro de Ofícios, de 1824, que se conservaram na Secretaria do Governo. Essa docum entação inédita revelava várias pro­ vidências adm inistrativas, m ilitares e de adesão de outras províncias, to­ (104) Realm ente, no Diário flum inense de 9 de setem bro de 1826 comemora-se a data com um a notícia especial e com a assinatura da lei que declarava os dias de festividade n a ­ cional, entre os quais se incluía o 7 de setembro. Cf. Diário flum inense, n.° 58, de sábado, 9 de setem bro de 1826 e n.° 91, de 18 de outubro de 1826, quando foi publicada a C arta de Lei. Visconde de Cairu, História dos principais sucessos políticos do Im pério do Brasil, R io de Janeiro, na T ip . Im perial e N acional, 1826-1830, 52. A proclam ação de 21 de outubro de 1822 encontra-se nas coleções acima mencionadas, e na de Nabuco, 338. (105) Francisco Adolfo de Varnhagen, H istória geral do Brasil, 3.a ed., 2.° vol., 178, e Capistrano de A breu, Prolegómenos à História do Brasil de frei Vicente do Salvador, São Paulo, C .la M elhoram entos, s. d., 432 e 433-36. (106) Pereira da Costa, artigo sobre a data da Confederação do E quador, R IA G P , vol. 13, 1908, 272-342.

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madas entre aquelas datas, impossíveis, caso a Confederação se tivesse verificado a 24. Era, como se vê, um a im pressionante argumentação, ins­ p irad a nas mais autênticas fontes, que nada deixava a suspeitar. Em 1917, Oliveira Lim a publicava no Diário de Pernambuco um artigo plei­ teando a modificação oficial da comemoração, baseado, naturalm ente, no estudo de Pereira da Costa (107). M ário Melo decide, a 21 de junho, apre­ sentar a proposta da m udança ao Institu to Arqueológico (108). Inicia-se então a polêmica, com a objeção de Gonçalves M aia à referida mudança. H ouve réplicas e tréplicas, outros intervieram , e afinal a questão, subme­ tida ao In stitu to H istórico e Geográfico Brasileiro, teve seu ponto final no laudo de Pedro Lessa a favor do dia 2 de julho (109). Edgar de C erqueira Falcão sustentou, na tese “O estabelecimento da Fortaleza — Cidade do Salvador n a Bahia de Todos os Santos, em 1549. O Predicam ento de C idade”, apresentada ao Prim eiro Congresso de H istória da Bahia (Salvador, 19 a 29 de março de 1949), que se devia considerar 1.° de maio de 1549 a data simbólica do estabelecim ento ofir ciai da Cidade do Salvador, dia em que se deu posse a dois funcionários privativos da Cidade, e quando se iniciou a rem uneração de carpinteiros e pedreiros. R ejeitou, assim, a data de 29 de março, dia da chegada de T om é de Sousa à Bahia. A tese recebeu m uita contestação e foi publica­ da com nota suplem entar e docum entação (110), revelando exame crítico e inteligente das fontes e argum entação m uito sólida. As discussões sôbre datas, com fins comemorativos, representam pouco para o conheci­ m ento histórico e suscitam debates apaixonados, em que desaparece a crítica histórica. Seria tam bém conveniente apontar que no Brasil tanto o calendário m açônico como o positivista tiveram a sua influência bem acentuada. Foi tal a im portância da m açonaria no Brasil que é m uito comum encon­ (107) Oliveira Lim a, artigo sobre a Confederação do E quador, Diário de Pernambuco, 17 de junho de 1917, transcrito na R IA G P , vol. 20, 1918, 1-6. (108) M ário Melo, artigo sobre a Confederação do E quador, R IA G P , vol. 20, 1918, 6-8. (109) Gonçalves M aia, sobre a Confederação do E quador, A \Provincia, 29 de ju n h o de 1917. Ao artigo de Gonçalves M aia replicou M ário Melo, R IA G P , vol. 20, 36-37, e Gon* çalves M aia, treplicando, escreveu nove artigos, aos quais respondeu Oliveira Lim a em seu artigo “ H istória e histórias”' (R IA G P , vol. 20, 36-60). Oliveira Lim a decide apresenta^ a questão ao In stitu to H istórico e Geográfico Brasileiro, que incum biu Basilio de Magalhães de d ar parecer, o que foi feito, a 16 de outubro de -1917: “A verdadeira data da Confede­ ração do E quador” , Diário Oficial de 20 de ou tu b ro de 1917, transcrição na R IA G P , vol. 20, 6077. Mas Gonçalves M aia, teimoso, e não se deixando intim idar pelas autoridades que se lhe opunham , escreveu um a Carta aberta ao In stitu to Histórico e Geográfico Brasileiro (R IA G P , vol. 20, 77-86), à qual respondeu surpreendido Basilio de M agalhães ( “ Réplica” , R IA G P , vol. 20, 86-91). A argum entação de Gonçalves M aia era fraquíssim a e se m antinha à custa de sua teimosa ignorância histórica, especialmente em questão de fontes, e de sfeus sofismas e ardis, mais de rábula que de historiador. Ele escrevia e reescrevia que, não existindo um documento cabal, irrecusável, que determ inasse a data exata, não havia razão para alterar a que era oficialmente considerada. A proclamação de 2 de julho não era tida como docum ento irrecusável, apenas porque se não referia à Confederação, embora se apelasse para a união das seis Provín­ cias, que foram as que desejaram reunir-se na Confederação. Esta foi exatam ente a base do laudo de P edro Lessa, cham ado, po r fim, a d irim ir a questão (R IA G P , vol. 20, 91-95). Dizia o grande ju rista e historiador que com a data de 24 não se conhecia nenhum docum ento, de vez que a mes­ m a fora fixada posteriorm ente por A breu e Lim a, e com a data de 2 de ju lh o se conhecia a proclamação, que embora não fale em Confederação do E quador “ é um ato form al de rebelião, é o início de um a perfeita revolução, e o fim dessa revolução só podia ser (e sobre isto não é perm itida nenhum a dúvida) a Confederação do E quador” . (110) São Paulo, 1949, 102.

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trar, n a época de seu predom ínio mais acentuado, da Independência até a Questão Religiosa, docum entos com datas maçônicas. O calendário se­ guido pelos mações brasileiros foi o dos mações escoceses (n i ). Exem plo característico de fato conhecido com data maçônica con­ vertida erroneam ente ao estilo vulgar é o da Sessão do G rande O riente em que Gonçalves Lèdo pronunciou um discurso declarando ser chegada a ocasião de proclamar-se a Independência e a realeza constitucional. Esse ato deveria efetuar-se a 12 de outubro, aniversário do Príncipe D. Pedro i. A sessão realizara-se a 20 do sexto mês maçônico, que M anuel Joaquim Meneses convertera em 20 de agosto, sendo nisso seguido por Luís F. da Veiga e mais tarde por R io Branco. Melo Morais e V arnhagen fizeram corretam ente a m udança (112). Em 1922, o Instituto H istórico comemorava solenemente, e quase diríam os oficialmente, a efeméride a 20 de agósto (11S), louvado, naturalm ente, no descrédito de Melo Morais e na autoridade de R io Branco, que corrigira V arnhagen de seu suposto erro. Mas o desacerto de Meneses provinha do seu desconhecimento do calendário maçonico, e o acerto de Melo Morais de sua relação com esses problemas sobre os quais escrevera um Guia, sendo tam bém a data correta facil­ m ente verificável no alm anaque maçônico Astrea (114). O ano maçônico começa a 21 de março, segundo o rito escocês, adotado pelos mações b ra­ sileiros. Assim, o sexto mês maçônico, Elul, começa a 21 de agosto é ter­ m ina a 20 de setembro, e o dia 20 de Elul não corresponde a 20 de agosto, como se converteu erroneam ente, e sim a 9 de setembro. Os melhores trabalhos nacionais de consulta (115) são as Efemérides do Barão do R io Branco e os A uxilios cronológicos de Varnhagen, e de referência estadual os de Xavier da Veiga e M anuel Barata.

BIBLIOGRAFIA DE CRONOLOGIA NO BRASIL Jorge A. Padberg Drenkpol, “Calendário invariável e m étodo prático e fácil de achar o dia da semana para uma data qualquer", B o le tim d o M u s e u N a c io n a l (Rio de Janeiro), ju n h o de 1928, n.° 2, 31-47; General Inácio de Abreu e Lima, S in o p se o u d e d u ç ã o cro n o ló g ica dos fa to s tnais n o tá v e is da h istó r ia d o B ra sil, Pernambuco, M. F. (111) Sobre o calendário dos mações brasileiros, vide o m anuscrito da Biblioteca Nacional “ Guia dos Mações Escoceses ou R egulador dos trabalhos das Oficinas do R ito Escocês antigo e aceito do círculo do Sap.: Gr.: O ri.: do Brasil Prim eiro Grau. Coordenado po r ordem superior pelo D r. Melo Morais. Gr.: 33 e m em bro ativo do M.: P.: S.: Conselho” , l, 32, 23, 12. (112) M anuel Joaquim Meneses, Exposição histórica da maçonaria no Brasil, particular­ m ente na provincia do R io de Janeiro, 1857, 39; Luís F. da Veiga, O Primeiro R einado, R io de Janeiro, 1877, 34. Melo Morais, Brasil histórico, ano 1, 1864, n.® 46; V arnhagen, História da Independência, l.a ed., t. 79 da R IH G B , 1916; 2.a ed., vol. 175 da R IH G B , 1938, 204; Barão do Rio-Branco, E femérides brasileiras, R io de Janeiro, 1946, 388. (113) Cf. M ax Fleiuss, “C entenário da Sessão do G rande O riente de 20 de agosto de 1822” , R IH G B , t. esp., Ano da Independência, 299-314. (114) Astrea, A lm anaquâ Maçônico para 5847, R io de Janeiro, T ip. Univ. de Laem mert, 1847; A níbal Gama, “ O calendário maçonico e um erro de Rio Branco” , Correio dá M anhã, 14 de novem bro de 1947. (115) P ara a cronologia geral, cf. A Giry, M anuel de diplom atique, Paris, 1925, onde se encontram tábuas comparativas das várias • cronologias; E. Cavaignac, Chronologie de Vhistoire mondiale, P aris, Payot, 1946; Jean Delorm e, Chronologie des civilisations, Presses Universitaires de France, 1949.

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de Faria, 1845; Agostinho M arques Perdigão Malheiro, Í n d ic e cro n o ló g ico dos fa to s m a is n o tá v e is da h istó r ia d o B ra sil desde se u d e sc o b rim e n to e m 1500 a té 1849, Rio de Janeiro, T ip . de F. de Paula Brito, 1850; Francisco Adolfo de Varnhagen, H istó r ia g e r a l d o B ra sil, 3.a ed., São Paulo, C.ia Melhoramentos, s. d.; cf. os A u x ílio s cro ­ n o ló g ico s, 5.° vol., para verificar as datas e fatos; Caetano Lopes de Moura, E p íto m e c ro n o ló g ic o da h istó ria d o B ra sil, Paris, Aillaud, M onlon & C., 1860; Luís Francisco da Veiga, E s tu d o s h istó rico s. S in o p se cro n o ló g ica das re vo lu çõ es, m o tin s , sedições m i­ lita re s e g ra n d e crise c o n s titu c io n a l h a v id o s n o B ra sil de 1554 a 1848, R io de Janeiro, s. d.; [J. N orberto de S. e Silva], “Efemérides Nacionais”, por Fluviano, R e v is ta P o p u la r , xm-xvi, 1862; H enrique de Beaurepaire-Rohan, S in o p se g en ea ló g ica , cronológica e h is tó r ic a , dos reis d e P o r tu g a l e d o s im p e r a d o re s do B ra sil, Rio de Janeiro, T ip . Paula Brito, 1864; José de Vasconcelos, D atas célebres e fa to s n o tá v e is da h istó ria d o B ra sil d e s d e a su a desco b erta a té 1870, 1.° vol. 1500 a 1699, Pernambuco, T ip . do Jornal do Recife, 1872; J.. A. Teixeira de Melo, E fe m é rid e s n a cio n a is, Campos, 1878; J. M. de Macedo, E fe m é r id a h istó rica d o B ra sil, Rio de Janeiro, T ip . do Globo, 1877; Guilherme Studart, D a ta s e fa to s p a ra a h istó r ia do C eará, Fortaleza, 1896-1924, 3 vols.; A. A. P. C., “Efemérides rio-grandenses”, A n u á r io de Graciano Azambuja, 1888, 156-177; José Pedro Xavier da Veiga, E fe m é rid e s m in e ir a s (1664-1897), O uro Preto, Im pr. Of. do Estado de Minas Gerais, 1897, 4 vols.; Barâo do R io Branco, E fe m é rid e s brasileiras, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1946, ed. do Ministério das Relações Exteriores; José Jacinto Ribeiro, C ro n o lo g ia p a u lis ta o u relação h istó ric a dos fa to s o co rrid o s e m São P a u lo d esd e a ch eg a d a de M a r tim A fo n s o de Sousa a S. V ic e n te a té 1898, São Paulo, 1889, 3 vols.; M. de M. Cardoso Barata, “Efemérides paranaenses”, R I H G B , t. 90, 1922, 144; Souza Docca, “Efemérides”, R I H G R G S , 1924, iv, 133; M ário Melo, S ín te se c ro n o ­ ló g ica d e P e r n a m b u c o , Recife, Im prensa Oficial, 1943; João Dornas Filho, E fe m é rid e s Ita u e n se s , Belo Horizonte, 1951.

8. Bibliografia A bibliografia é a mais im portante das disciplinas auxiliares da his­ tória. A palavra bibliografia significa originalm ente a escrita de livros e não um a lista de livros já escritos, que é o seu sentido atual. Ela é, na verdade, um a disciplina auxiliar de todas as ciências. P ara a história, que depende, como ciência do passado, do conhe­ cim ento das fontes de cada época, ela é de capital im portância. É espe­ cialm ente p ara atender aos apelos da história e para satisfazer as tarefas desta que a bibliografia trabalha; a própria bibliografia corrente não é senão registro da história e da historiografia atuais. M anter informados os pesquisadores, os eruditos, os servidores públicos., os dirigentes do poder executivo, do Congresso, e do judiciário é um a parte vital do trabalho de educação política. Em princípio, a Biblioteca Nacional, que é o m aior centro biblio­ gráfico brasileiro — reconhece que suas atividades bibliográficas depen­ dem da mais íntim a cooperação de eruditos, editores e especialistas de todos os campos de atividade intelectual que queiram fornecer inform a­ ções. Só assim ela poderá realizar a sua im portante tarefa de coordena­ ção nacional através do livro brasileiro, que é expressão de sua história, sua economia, sua terra, sua gente e sua aspiração. A bibliografia nasce com as obras de N icolau Antônio, Bibliotheca hispana vetus (1696) e Bibliotheca hispana nova (1572), que são não só as prim eiras bibliografias históricas como até hoje indispensáveis para o

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estudo da história da Península Ibérica. A Nicolau A ntônio segue-se Diogo Barbosa M achado, abade de Sever, que escreveu a Biblioteca Lusitana. Barbosa M achado havia reunido um a preciosa biblioteca que continha mais de cinco m il volumes. Essas obras foram oferecidas a D. José i e form aram a Biblioteca Real. Q uando o Príncipe Regente, em 1808, veio para o Brasil, trouxe com ele esse precioso acervo, que ficou constituindo o fundo inicial da Biblioteca N acional do R io de Janeiro. A coleção Barbosa M achado foi m inuciosam ente estudada pelo Barão de Ramiz Galvão, que publicou nos Anais da Biblioteca N acional um excelente estudo biobibliográfico sobre o abade de S-ever e seus livros. O mais am adurecido exem plo de bibliografia histórica no Brasil é o Catálogo da Exposição de História do Brasil, dirigido por Ramiz Gal­ vão e publicado em 1881. U m a das prim eiras tentativas de organização de um a bibliografia histórica regional foi feita por Alfredo de Carva­ lho, em 1898 (116). Vários outros em preendim entos individuais e oficiais revelam o grau de desenvolvimento da bibliografia geral no Brasil, como se verifica pela lista que se segue. Parece-nos que se pode afirm ar que no campo da bibliografia retrospectiva as maiores realizações, pela am­ plitude da pesquisa, pela riqueza da inform ação e pelo cuidado dos pro­ cessos técnicos são, na história, a Bibliotheca exótica, de Alfredo de Car­ valho, que com pilou toda a vasta literatu ra estrangeira sobre o Brasil (m ) e o M anual bibliográfico de estudos brasileiros (parte histórica), embora este não seja mais completo, até 1881, que o CEHB, e não cubra bem o período posterior (1881-1949) em vários capítulos. A Historiografia e bibliografia do dom inio holandês, de José H onório Rodrigues, é a mais extensa bibliografia de um capítulo da nossa história geral. N a parte literária a prim azia geral cabe à Pequena bibliografia critica da litera­ tura brasileira, de O tto M aria Carpeaux, bem como, no setor especial, à B i­ bliografia da H istória da literatura brasileira de Sílvio Rom ero, feita por A ntônio Simões dos Reis, pois nesta se lim ita às obras citadas no livro de Sílvio Romero. Simões dos Reis, que é hoje, sem dúvida, o m aior biblió­ grafo brasileiro, pela infatigável pesquisa a que se dedica e pela vasta inform ação que coligiu, é o autor da m elhor Bibliografia das bibliografias brasileiras e de várias contribuições bibliográficas. N o campo retrospectivo especializado, cabe ainda destacar a m onu­ m ental e exaustiva Bibliografia de Machado de Assis, de G alante de Sousa, a Bibliografia de Gonçalves Dias, de M. N ogueira da Silva, a de Joaquim Nabuco, de Osvaldo Melo Braga, e a Bibliografia musical brasileira, de Luís H eitor Correia de Azevedo, bem como a Bibliografia de etnologia,d e H e r b e r t B a ld u s .

N a bibliografia corrente, o Boletim bibliográfico da Biblioteca N a­ cional, o B oletim bibliográfico brasileiro, .do Sindicato N acional das Em­ presas Editoras de Livros, e o Registro bibliográfico, da Biblioteca M uni­ (116) “ Bibliografia histórica de Pernam buco” , R IA G P , n.° 52, 1898, 346-348. Sobre o plano, vide José H onório R odrigues, “Alfredo de Carvalho” , in A B N , vol. 77, 13-15. . A p arte final da Bibliotheca exótica e mais a Biblioteca exótica geográfica e a Biblioteca exótica permambucana foram publicadas nos A B N , vol. 77.

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cipal de São Paulo alistam, do ponto de vista geral, grande parte ou quase tôda a produção bibliográfica nacional. N a bibliografia corrente especializada, a Bibliografia de história do Brasil, do M inistério das Relações Exteriores, a Bibliografia brasileira mensal do In stituto N acional do Livro, o B oletim bibliográfico pernam ­ bucano, são os únicos em preendim entos. O Instituto N acional do Livro e a Biblioteca N acional são as duas instituições que mais têm im pulsio­ nado esses estudos. Afora as obras publicadas, ambas têm em plano e pre­ paro várias bibliografias especializadas(118). O problem a da descrição bibliográfica e sua uniform idade técnica, o processo de planejar, preparar e arrum ar um a bibliografia, as soluções p ara o problem a do cabeçalho da ficha principal, um autor, ou vários, coleções, edições anotadas, traduções etc., podem ser solucionados com a ajuda do Bibliographical Procedures fc Style. A M anual for Bibliographers in the Library of Congress (110), m uito mais prático e eficiente que os tra­ balhos de Fredson Bowers (120) e C urt E. Bühler, James G. MacManaway e Lawrence C. W ro th (121). Damos, a seguir, um a indicação bibliográfica simplesmente exemplificativa, e não exaustiva, incluindo apenas os trabalhos mais im portantes.

BIBLIOGRAFIA DAS BIBLIOGRAFIAS a ) Bibliografia das bibliografias históricas:

Charles Langlois, M a n u e l d e b ib lio g ra p h ie h isto r iq u e , Paris, 1901-1904, 2 vols.; P. Caron, B ib lio g r a p h ie c r itiq u e des p r in c ip a u x tra v a u x p a ru s su r l’h isto ire d e 1600 à 1914, Paris, Maison du Livre Franeais, 1935; E dith M. Coulter, G u id e to H isto ric a l B ib lio g r a p h ie s, a C ritica i a n d S y s te m a tic B ib lio g r a p h y fo r A d v a n c e d S tu d e n ts , Berkeley, 1927; A G u id e to H isto r ic a l L ite r a tu r e , Nova York, Macmillan, 1937, 2.a ed., 1963; G unther Franz, B u e c h e r k u n d z u r W e ltg e sc h ic h te , M unique, 1956; “L iteraturberichte ueber Neuerscheinungen zur ausserdeutschen Geschichte”, herausgegeben von W alter Kienast, H Z , Sonderheft 1, 1962. A principal bibliografia histórica corrente é a I n t e r ­ n a tio n a l B ib lio g r a p h y o f H isto r ic a l Sciences, editada pelo International Gommittee of Historical Sciences, a p a rtir de 1931. b) Bibliografia das bibliografias portuguesas:

A principal bibliografia das bibliografias portuguesas é de Antônio Joaquim Ansel­ mo, B ib lio g r a fia das b ib lio g ra fia s p o rtu g u e sa s, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1923; Aca­ demia Portuguesa da História, G u ia da b ib lio g ra fia h istó rica p o r tu g u e sa , vol. i, Lisboa, 1959. (118) A Biblioteca N acional, afora a Bibliotheca exótica, de Alfredo de Carvalho já p u ­ blicada (vol. 77), preparava em 1957 o 2.° vol. da Biblioteca brasileira, de José Carlos R o ­ drigues, e a bibliografia de Joaquim M anuel de Macedo, até hoje não publicados. (119) W ashington, 1954, po r Blanche P. M cCrum e H elen D. Jones, A s normas para a catalogação de impressos da Biblioteca Apostólica Vaticana, São Paulo, Ipê, 1949, apesar de dedicada à catalogação, ajudam o bibliógrafo. (120) Principies o f Bibliographical Description, P rinceton Univ. Press, 1950. (121) Standards of Bibliographical Description, Univer. of Penn. Press, 1950.

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c) Bibliografias históricas portuguesas: Diogo Barbosa Machado, B ib lio te c a lu sita n a , h istó rica , critica e cro nológica, Lisboa, 1741-59, 4 vols., e Inocêncio Francisco da Silva, D ic io n á rio b ib lio g rá fico p o rtu g u ê s, Lisboa, 1858-1923, 22 vols.; Ramiz Galvão, “Diogo Barbosa Machado”, A B N , vols. 1, 3 e 8; Ramiz Galvão, “Notas bibliográficas. Adição a Barbosa Machado e Inocêncio da Silva”, A B N , vols. 1 e 3; João M aria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael, B ib lio te c a h istó rica d e P o r tu g a l e seu s d o m ín io s u ltr a m a r in o s , Lisboa, T ip. do Arco do Cego, 1801; José César de Figanière, B ib lio g r a fia h istó rica p o rtu g u e sa , Lisboa, T ip. do Panorama, 1850; Edgar Prestage, “Sumário dum a bibliografia histórica portuguesa”, R e v is ta de H is tó r ia , n.° 2, out.-dez. 1914, 350-353; Aubrey Bell, P o rtu g u ese B ib lio g r a p h y , Oxford Univ. Press, 1922. d ) B ibliografia das bibliografias brasileiras:

A principal bibliografia das bibliografias é de Antônio Simões dos Reis, B ib lio g r a fia d a s b ib lio g ra fia s brasileiras, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1942. e) Bibliografias históricas brasileiras: C a tálogo da E x p o siç ã o de H is tó r ia do B ra sil, A B N , vol. 9, 1881-1882, suple­ mento, 1883; C atálogo da E x p o siç ã o P e r m a n e n te de C im é lio s, A B N , vol. 11, 1883; Alfredo do Vale Cabral, “Bibliografia brasileira. Estudos”, A B N , vol. 1, 1876; C atálogo d os livro s da B ib lio te c a do I n s t it u t o H istó r ic o e G eográfico B ra sileiro , R io de Janeiro, 1893; A. L. Garraux, B ib lio g r a p h ie b ré silie n n e , Paris, 1898; Orear Canstatt, K ritisc h e s R e p e r to r iu m d e r D e u ts c h -B ra s ilia n is c h e n L ite r a tu r , Berlim, Dietrich Reimer, s. d.; Oscar Canstatt, N a c h tr a g z u m k r itis c h e n R e p e r to r iu m d e r D e u tsc h -B ra s ilia n is c h e n L i ­ te r a tu r , Berlim, Dietrich Reimer, 1906; C atálogo da C oleção S a lva d o r de M e n d o n ç a , Rio de Janeiro, Ofic. T ip. da Biblioteca Nacional, 1906, separata do vol. 27 dos A B N ; José Carlos Rodrigues, B ib lio te c a b rasiliense, catálogo a n o ta d o dos livro s sobre o B rasil, etc., Rio de Janeiro, T ip. do Jornal do Comércio, 1907; Alfredo de Carvalho, B ib lio th e c a e x ó tic a brasileira, p u b lic a d a ... sob a direção de Eduardo Tavares, R io de Janeiro, Pongetti & C.la, 1929-30, 3 vols.; Alan K. Manchester, D e s c rip tiv e B ib lio g r a p h y o f th e B r a zilia n S e ctio n o f th e D u k e U n iv e rsity L ib ra r y . R eprinted from the H ispanic Ame­ rican Historical Review, vol. 13, n os 2 e 4, 1933; Rubens Borba de Morais e W illiam Berrien, M a n u a l b ib lio g rá fic o de e stu d o s brasileiros, Gráfica Editora Sousa, R io de Janeiro, 1949; E. Bradford Burns, A W o r k in g b ib lio g ra p h y fo r th e S tu d y o f B ra zilia n H is to r y , sep. de T h e A m é ric a s , julho 1965. f) Bibliografias históricas espanholas e hispano-americanas:

Antonio de León Pinelo, E p ito m e d e la b ib lio th e c a o r ie n ta l y o c c id e n ta l, n á u tic a y g eo g ráfica, Madri, 1629; Nicolau Antônio, B ib lio th e c a h isp a n a v e tu s , Madri, 1788; B ib lio th e c a h isp a n a n o v a , Madri, 1783-1788, 2 vols.; Dionisio Hidalgo, D iccio n a rio g e n e ra l de b ib lio g ra fia esp a ñ o la , M adri, 1862-1881, 7 vols.; Rafael Ballester y Castell, B ib lio g r a fia de la h isto ria d e E sp a ñ a , Barcelona, Sociedad General de Publicaciones, .1921; B. Sánchez Alonso, F u e n te s d e la h isto ria esp a ñ o la e h isp a n o a m e ric a n a , 2.a ed. rev. e aum., Madri, Im pr. Clásica Española, 1927, 2.a ed., 1946, 2 vols.; Francisco Vindel, M a n u a l g rá fic o -d e sc rip tiv o d e l b ib lió filo h isp a n o a m e ric a n o (1475-1850 ), Madri, 19301931, 12 vols.; M. T. Medina, B ib lio te c a h isp a n o a m e ric a n a (1493-1810), Santiago de Ghi\e, 1898-1907, 7 \o\s.', Cecil K túght Jones, HtsJjanic A m e ric a n B ib lio g r a p h ie s , In c lu d in g C o llective B io g r a p h ie s, H isto r ie s o f L ite r a tu r e a n d S elected G e n e ra l W o r k s . ', w ith C ritica i N o te s o n Sources by José T oríbio Medina, Baltimore, 1922; H a n d b o o k o f L a tin A m e r ic á n S tu d ie s, Gainsville, University of Florida Press, 1935; R ubén Vargas Ugarte, H is to r ia d e l P e rú , F u e n te s, Lima, 1945; Alberto T auro, B ib lio g r a fia p e r u a n a d e h is ­ to ria , 1940-1953, Lima, 1953; R onald H ilton, H a n d b o o k o f H is p a n ic S o u rce M a te ria ls a n d R e se a rc h , Organization in the U. S. (1.a ed., 1942), 2.a ed., Stanford Univ. Press, 1956; B ib lio g r a fía h istó ric a de E sp a ñ a y h isp a n o a m e ric a , vol. 1, 1953-1954, Barcelona, 1955.

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g) Bibliografia das bibliografías históricas estrangeiras: H enri Pirenne, B ib lio g r a p h ie d e l’h isto ire d e B e lg iq u e , Bruxelas, M aurice Lam ertin, 1931; B ib lio g r a p h ie g én éra le des P ays-B as, fondée p a r Ferd. van d er H aerghen et publié sous sa direction, La Haye, Nijhoff, 1880-1934, 54 vols.; Gabriel Jacques Jean Monod, B ib lio g r a p h ie de l ’h isto ir e d e F rance, París, Hachette, 1888; L e s sources d e l ’h isto ir e d e F rance d e p u is les o rig in es j u s q u ’e n 1815, p ar A. Molinier, H. Hauser, E. Bourgeois, L. André, P. Carón, París, Picard, 1901-1934, 17 vols.; P. Carón, B ib lio ­ g ra p h ie des tra v a u x p u b lié s d e 1866 à 1897 su r l ’h isto ir e d e F ra n ce d e p u is 1789, París, 1912; G. Brière e P. Carón, R é p e r to ir e m é th o d iq u e d e l’h is to ir e m o d e r n e e t c o n te m p o r a in e d e la F rance, 1898-1913, reiniciado em 1920 sob o título R e p e r to ir e b ib lio g ra p h iq u e d e l’h isto ire d e F rance, 1920-1939; Goedfrey Davies, B ib lio g r a p h y o f B r itis h H is ­ to ry , S tu a r t P e rio d , 1603-1714, Londres, 1928; W illem Pieter Cornelis K nuttel, C ata­ lo g u e v a n d e p a m fle tte n - v e r z a m e lin g b e r u ste n d e in d e K o n in k lijk e B ib lio te e k , 1486-1853, Gravenhage, Gedruckt ter Algemeene Landsdrukkerij, 1889-1920, 9 tomos em 11 vols.; B ib lio th e c a h isto ric o -n e e rla n d ic a , H is to ir e des P ays-B as, C a ta lo g u e, La Haye, M artinus Nijhoff, 1899; Pieter A ntón Tíele, B ib lio th e e k v a n N e d e rla n d s c h e P a m fle tte n , Eerste Afdeeling verzameling van Frederik Muller, T e Amsterdam, 1858-1861, 3 vols.; S. de W ind, B ib lio te e k d e r N e d e r la n d s c h e G e s c h ie d sc h rijv e rs. . . to t o p 1815, Midelburg, 1836; W r itin g s o n B r itis h H is to r y , R o y a l H isto r ic a l S o ciety, 1934; P. Zorzanello e outros, N o tiz ie I n tr o d u tiv e e su ssid i b ib lio g ra fic i, Marzoranti, Milão, 1948; W erner Trillm ich, K le in e B ü c h e r k u n d z u r G e s c h ich tsw issen n sch a ft, Hamburgo, Hoffmann u n d Campe Verlag, 1949; Oscar H andlin e outros, H a r v a rd G u id e to A m e r ic a n H is to r y , H arvard U ni­ versity Press, 1954. h ) B ibliografía das bibliografías especializadas: E x p o siç ã o b ib lio g rá fica n o b ic e n te n á rio do p a d re A n to n io V ieira e m 1897, Biblio­ teca Nacional de Lisboa, 1897; Zophimo Consiglieri Pedroso, C atálogo b ib lio g rá fic o das p u b lic a ç õ e s re la tiv a s aos d e s c o b rim e n to s p o rtu g u e se s , Lisboa, Im prensa Nacional, 1912; José dos Santos, B ib lio g r a fia da lite ra tu r a clássica luso-brasílica, Lisboa, 1916-17; Antônio Joaquim Anselmo, B ib lio g r a fia das obras im pressas e m P o rtu g a l n o século xvi, Lisboa, 1926; H. Thom as, S h o r t- title C a ta lo g u es o f P o rtu g u e s e B o o k s a n d o f S p a n ish A m e r ic a n B o o k s P r in te d b efa re 1601, n o w in th e B r itis h M u s e u m , Londres, Quaritch, 1926; M. Fonseca, E le m e n to s b ib lio g rá fico s p a ra a h isto ria das guerras ch a m a d a s da R e sta u ra ç ã o , 1640-1668, Coimbra, 1927; Edgar Prestage, P o r tu g a l a n d th e W a r o f th e S p a n ish Succesio n, a B ib lio g r a p h y , Cambridge University, 1938; E xp o siçã o b ib lio g rá fica da R e sta u ra çã o . C atálogo, Lisboa, 1940; Carlos Borromeu, “Bibliografia das. obras e coisas da Amazônia”, R I H G B , vol. 212 (1951), 13-55. A Biblioteca Nacional publicou algumas bibliografías especializadas como sejam: J. de Saldanha da Gama, “A Coleção Camoneana da Biblioteca Nacional”, A B N , vol. 1 (1876-77), vol. 2 (1876-1877) e vol. 3 (1877-78); "G arretiana da Biblioteca Nacional”, A B N , vol. 21, 1900; “Catálogo da Coleção C ervantina”, A B N , vol. 29, 1909; “Gonzagueana da Biblioteca Nacional”, A B N , vol. 49, 1927. O Instituto Nacional do Livro editou: M. Nogueira da Silva, B ib lio g r a fia de G o n ça lves D ia s, R io de Janeiro, 1942; Marques Rebelo, B ib lio g r a fia de M a n u e l A n tô n io d e A lm e id a ,. Rio de Janeiro, 1952; Luís Heitor, B ib lio g r a fia m u sic a l b ra sileira , R io de Janeiro, 1952; J. G alante de Sousa, B ib lio g r a fia d e M a c h a d o de A ssis, R io de Janeiro, 1955; Antonio Simões dos Reis, P o eta s do B ra sil, R io de Janeiro, 1941-1951, 2 vols.; N arcisa A m a lia , Rio de Janeiro, 1949.

i) B ibliografía das bibliografías literárias: Antonio Simões dos Reis, B ib lio g r a fia da H istória da literatura brasileira d e S ilvio R o m e r o , R io de Janeiro, 1944; O tto M aria Carpeaux, P e q u e n a b ib lio g ra fia critica d a lite r a tu r a b ra sileira , Rio de Janeiro, Ministério da Educação e C ultura, 1.a ed., 1952; 2 a ed., 1955. Bibliografías sobre historiadores brasileiros são, por exemplo, as seguintes: Alfredo do Vale Cabral, V id a e escritos d e Jo sé d a S ilva L isb o a , V isco n d e d e C a iru , Rio de Janeiro, Tipografía Nacional, 1881; Rodolfo Garcia, Ensaio biobibliográfico sobre Fran-

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cisco de Varnhagen, in H is tó r ia g e r a l do B ra sil de Varnhagen, 3.a ed., São Paulo, C.“ Melhoramentos s. d., 2.° vol., 436-452; Basilio de Magalhães, F rancisco A d o lfo de V ar­ n h a g e n , R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1928; Armando Ortega Fontes, B ib lio g r a fia d e V a rn h a g en , Rio de Janeiro, M inistério das Rèlações Exteriores, 1945; Tancredo de Barros Paiva, B ib lio g r a fia ca p istra n ea n a , São Paulo, 1931; J. A. Pinto do Carmo, B ib lio g r a fia d e C a p istra n o d e A b r e u , Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1943; Osvaldo de Melo Braga, B ib lio g r a fia de J o a q u im N a b u c o , Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1952. f)

Bibliografias históricas relativas a um período:

Alcides Bezerra, B ib lio g r a fia h istó rica d o P r im e ir o R e in a d o , 1822-1840, Rio de Janeiro, 1936; Hélio Viana, D a M a io rid a d e à C onciliação, 1840-1857, R io de Janeiro, 1945; C a talogo da E xp o siçã o N a sso via n a , A B N , vol. 51, e separada, R io de Janeiro, 1938; G. M. Asher, A B ib lio g r a p h ic a l a n d H isto r ic a l Essay on th e D u tc h B o o k s U nd P a m p h le ts R e la tin g to N e u ’ N e th e r la n d a n d to th e D u tç h W e s t-ín d ia C o m p a n y C o m p a n y a n d to its P ossessions in B ra zil, A n g o la , etc. Amsterdã, Frederick M uller, 1854-67; José Honório Rodrigues, H isto r io g ra fia e b ib lio g ra fia do d o m ín io h o la n d ê s n o B rasil, Rio

de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1949. Os estudos judaicos têm sido registrados em várias bibliografias, como, entre outras, as seguintes: Álvaro Neves, B ib lio g r a fia lu so -ju d a ica , Coimbra, 1913, Meyer Kayserling, B ib lio th e c a esp a ñ o la -p o rtu g u e sa -ju d a ic a , Estrasburgo, C. J. T rubner, 1890; Antônio Ribeiro dos Santos, “Ensaio de uma biblioteca lusitana-anti-rabínica”, M e ­ m ó ria s d a lite ra tu r a p o r tu g u e sa , publicadas pela Academia Real das Ciências de Lisboa, 1866, vol. 7, 308-377; Alberto Carlos da Silva,B ib lio g ra fia -lu so -ju d a ic a , Coimbra, 1913; Scholmo Schunami, B ib lio g r a p h y o f J ew ish B ib lio g r a p h ie s, Jerusalém, at the University Press, 1936; Bruno Basseches, B ib lio g r a fia das fo n te s de h istó ria dos ju d e u s n o B ra sil, in c lu in d o obras' sobre ju d a ís m o publicadas, no B ra sil, R io de Janeiro, 1961 (ed. mimeografada). I)

Bibliografia das bibliografias correntes:

Publicações bibliográficas em curso são entre outras, o B o le tim b ib lio g rá fic o da B ib lio te c a N a c io n a l do R io d e Janei.ro., publicado desde 1919, e a B ib lio g r a fia d e h is tó ­ ria d o B ra sil, editada pela Comissão de Textos de H istória do Brasil, do M inistério das Relações Exteriores, a p artir de 1943; B ib lio g r a fia brasileira, publicada pelo Ins­ tituto Nacional do Livro a p artir de 1938; B o le tim b ib lio g rá fic o b ra sileiro , publicado bim estralm ente sob os auspícios do Sindicato Nacional das Empresas Editoras de Livros e Publicações Culturais, a p a rtir de 1953; B o le tim b ib lio g rá fic o , São Paulo, a p artir de 1943; Helen F. Conover, C u r re n t N a tio n a l B ib lio g r a p h ie s, T h e Library of C on­ gress, Washington, 1955. m ) Bibliografia das bibliografias de livros raros: B ib lio te c a a m erica n a , Catalogue of the John Cárter Brown Library, Providence, R. I., 1919-1931, 3 vols. em 5; J. G. T. Graesse, T ré s o r de livre s rares e t p r é c ie u x , Dresden, 1859-1869, 8 vols. Bartolomé José Gallardo, E n sa yo d e u n a b ib lio te c a esp a ñ o la d e lib ro s raros y curiosos, Madri, M. Rivadeneyra, 1863-89, 4 vols.; Henry Harrisse, B ib lio th e c a a m erica n a v e tu stissim a . A D e s c rip tio n o f W o rk s R e la tiv e to A m e ric a , published between 1492-1551, Nova York, 1866; Joseph Sabin, A D ic tio n a ry o f B o o k s R e ­ la tin g to A m e ric a fr o m D iscovery to th e P re se n t T im e , Nova York, J. Sabin, 1868-1936, 29 vols.; Nicola Francesco Havn, B ib lio te c a ita lia n a ossia n o tizia de lib r i ra ri ita lia n i, Pressa Giovanni Silvestri, 1803; Pietro Amat di San Filippo, B ib lio g r a fia d e i viaggiato ri ita lia n i, Roma, 1874-82; B ib lio g r a p h ic a l S o ciety o f A m e ric a , 1928-36, 29 vols.; Jacques Charles Brunet, M a n u e l d u lib ra ire e t de l’am at.eur d e livres, Paris, Didot, 1860-80, 9 vols.; D. Manuel ii, Rei de Portugal, L iv ro s a n tig o s p o rtu g u e se s , 1489-1600, da b ib lio te c a de S.' M . F id e lissim a , descritos por S. M. el-rei D. M anuel, Canterbury University Press, 1929-1932, organizado por Maggs Bros, 2 vols.; Antonio Palau y Dulcet, M a n u a l d e l lib rero h isp a n o a m e ric a n o , Barcelona, Librería Anticuaría, 1923-27, 7 vols.

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n) Bibliografia das histórias gerais: Louis H alphen et Ph. Sagnac, Coleção ‘‘Peuples et Civilisations, Histoire Genérale”, Paris, Alean, 21 vols.; P ro p y lã e n W e ltg e sc h ic h te , Berlim, Propylãen Verlag, 1931-33, 10 vols.; Coleção “Cambridge Modern History”, Cambridge Univ. Press, 1934, 14 vols.; Coleção C lio, Introduction aux études historiques, Presses Universitaires de France, 1938-1953, 15 vols., 2 de Atlas; bibliografias e referências históricas in Camile Bloch e Pierre Renouvin, G u id e de l’é tu d ia n t e n h isto ir e m o d e r n e e t c o n te m p o r a in e , Paris, Presses Universitaires, 1949, e W. Trillm ich, K le in e B ü c h e r k u n d e z u r G eschichtsw issensc h a ft, Hamburgo, 1949.

Obras de consulta sobre o Brasil Mapa dos Senadores, por T . P. de Sousa Brasil, Mss. no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1. 92, ms. 1569; “Catálogo dos administradores da Província das Alagoas, ass. por Rodrigo de Souza da .Silva Pontes”, R I H G B , t. 3, vol. 3, 1841, 515; L. da Silva Araújo e Amazonas, D icio n á rio to p o g rá fico , h istó rico , d escritivo da co­ m a rca do A lto A m a z o n a s , Recife, 1952; Gonçalves Dias, “Catálogo dos capitães-mores e governadores da capitania do R io Grande do N orte”, R I H G B , t. 17, 1854, 22-55; “D eputados da província da Bahia às cortes portuguesas em 1821”, R I H G B , 19 (1856), 85; “Cronologia do pessoal que nos diversos tempos compôs o T rib u n al do Conselho da Fazenda (1808-1832)”, R I H G B , xxi, 1858, 177; ten.-c.ei José dos Santos Viegas, “Governo da Província do Rio Grande do 'S u l (1737-1859), extraído do 1.° número da Rev. T rim . do Inst. Hist. e Geog. da Província de São Pedro, e acompanhado de notas por A. A. P. C oruja”, R I H G R G S , vol. 23, 6-23, 1860, 585-602; José dos Santos Viegas, “Governos do Rio G rande do Sul”, R I H G R G S , 1860, 19; César Augusto Marques, “Catálogo dos governos que tem tido a província do M aranhão”, R I H G B , t. 36, 2.a parte, 178-184; “Representação nacional em 1885”, A n u á r io de Graciano Azambuja, 1886, 181-189; “Senadores e deputados da província do Rio Grande do Sul”, A n u á r io de Graciano Azambuja, 1886, 140-146, assinado por A. A. P. C. (Coruja); João Alves Loureiro, Barão de J a v a ri, C âm ara dos D e p u ta d o s , organização e p ro g ra m a s m in is ­ teria is d esd e 1822 a 1899, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1889; “História da Província, comandantes, governadores, capitães-generais e presidentes da província do Rio G rande do Sul”, A n u á r io de Graciano Azambuja, 1890, 92-98; publicado na R I H G B até o 28° presidente, incluindo correções e anotações do comendador A. A. P. Coruja. De 1860 em diante foi completado com informações obtidas na Secretaria do Governo da Província; “Crônica rio-grandense, 1737 a 1823. Período administrativo dos comandantes militares, governadores e capitães-generais”, A n u á r io de Graciano Azambuja, 1894, 89-97; 1895, 91-103; Pereira da Costa, “Donatários de Pernambuco e governadores seus loco-tenentes”, R I A G P , n.° 48, 1896, 3-28; id. “Capitães-mores governadores loco-tenentes dos donatários de Pernam buco”, R I A G P , n.° 50, 1897, 59-91; id . id ., n.° 55, 1901, 153-200; vol. 10, 1902, 97-123; n.° 59, 1903, 446-459; “Deputados que tem tido Alagoas desde 1822 até 1900”, R I H G A , m, 1901, 89; “Pre­ sidentes e vice-presidentes que tem tido Alagoas desde seu prim eiro governo até 1818”, R I H G A , ni, 1901, 113; “Senadores que tem tido Alagoas desde 1826 até 1900” R I H G A , in, 1903, 85; Pereira da Costa, "Governo de Pernambuco. Juntas de governos p ro­ visórios (1821-1889)” R I A G P , vol. 44, 1909, 35-71; R aul Adalberto Campos, R elações d ip lo m á tic a s d o B ra sil, c o n te n d o os n o m e s dos re p re se n ta n te s d ip lo m á tic o s do B rasil n o estra n g eiro e os dos re p re s e n ta n te s d ip lo m á tic o s d o s d iversos p aíses n o R io de J a n e iro d e 1808 a 1912, Rio de Janeiro, T ip . do Jornal do Comércio, 1913; Nomen­

clatura dos logradouros públicos da cidade do R io de Janeiro, Dec. 1.165, de 31 de outubro de 1917, in Coleção d e leis m u n ic ip a is e v e to s , 1917, Rio de Janeiro, 1918; Dunshee de Abranches, G o vern o s e congressos da R e p ú b lic a dos E sta d o s U n id o s do B ra sil, 1889-1917, São Paulo, 1918, 2 vols.; Luís dos Santos Vilhena, “Regedores, Chan­ celeres, Ministros, Juizes, Ouvidores, Governadores Gerais (1549-1788), Bispos e Arce­ bispos (1549-1802)” in R e c o p ila ç ã o d e n o tíc ia s so te ro p o lita n a s e brasilicas, Bahia, t. 2, 307-348, 383-486; “Relação dos ministros e secretários de Estado mineiros ou re­ presentantes de Minas de 1822 a 1921”, R A P M , 1921, xix, 77; “Apontamentos biográ­ ficos de algumas personagens que figuraram no período histórico de 1821 a 1823”

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por João de Palm a Muniz, R I H G P , 1922, 545-572; 1926, 141; “Lista de deputados”, R I H G A , vol. 12, 1927, 114-124; “Relação dos ministros dos dois primeiros Conselhos Gerais da província de Alagoas (1827-1833); dos deputados às Assembléias Provinciais de 1835 a 1889, dos ministros do Congresso Constituinte de 1891 e dos membros do Legislativo O rdinário até 1922”, R I H G A , vol. 12, 1927, 80-224; “D eputados alagoanos às cortes portuguesas", R I H G A , vols. 12 e 14, 1927, 1930; B ra sil, relação das co n d içõ es g e o ­ g ráficas, eco n ô m ica s e sociais d o B ra sil. Organizada pela Divisão Cultural, R io de Janeiro, Ministério das Relações Exteriores, 1929; “Deputados alagoanos nas cortes portuguesas”, por Craveiro da Costa, R I H G A , 1929, 14, 77-89; Boiteux, Lucas Alexandre, M in is tro s da M a r in h a . N o ta s biográficas, 1808-1840, 1840-1865, Rio de Janeiro, 1933-38, 2 vols.; Joaquim Nabuco, Relação dos gabinetes, in U m esta d ista do Im p é r io , 2.a ed., 1936, t. 2, 457-471; Laurênio Lago, R e la çã o n o m in a l dos g en era is e fe tiv o s d o E x é rc ito b ra sileiro , R io de Janeiro, 1938; id., B rig a d e iro s e g en e ra is d e D . J o ã o VI e D . P e d ro i n o B ra sil (1808-1831), R io de Janeiro, Imprensa M ilitar, 1938; A n u á r io e sta tístico d o B ra sil, IBGE, Conselho Nacional de Geografia, 1939; M in is tro s e a lto s fu n c io n á rio s da a n tig a R e p a rtiç ã o dos N e g ó cio s E stra n g e iro s — d e p o is M in is té r io das R ela çõ es E x te rio r e s e m e m b r o s do e x tin to C o n selh o d e E sta d o (1808-1939), R io de Janeiro, 1939; Álvaro Gurgel de Alencar, D ic io n á rio g eo g rá fico , h istó rico e d escritivo d o E sta d o d o C eará, 1939; Conde de Campo Bello, G o vern a d o res-g era is e vice-re is d o B ra sil, Porto, 1940; Alfredo P. Maciel da Silva. Os g enerais do E x é rc ito brasileiro de 1822 a 1889, Rio de Janeiro, 1940, 2.a ed.; Laurênio Lago, S u p r e m o T r ib u n a l de J u s ­ tiça e S u p re m o T r ib u n a l F ed era l (1828-1939), R io de Janeiro, Im prensa M ilitar, 1940; Afonso d ’E. T aunay, O S e n a d o do I m p é r io , São Paulo, Livraria M artins, 1941; A. T a ­ vares de Lyra, O rganização p o litic a e a d m in is tr a tiv a d o B ra sil (C o lô n ia , I m p é r io e R e ­ p ú b lic a ), São Paulo, 1941, Brasiliana, vol. 202; “Cronologia dos presidentes, governadores e interventores de São Paulo”, R A M S P , 74, 1941, 237-258; Marcelo Caetano, D o C o n selh o U ltra m a r in o ao C o n selh o d e I m p é r io , Lisboa, 1943 (Lista de presidentes, conselheiros e

pessoal ultram arino); A rtur César Ferreira Reis, “Guia histórico dos municípios do Pará”, R S P H A N , vol. 11, 1947, 233-322; A. Tavares de Lyra, “Os Ministros de Estado da Independência à R epública”, R I H G B , vol. 193, 3-104; J. A. P into do Carmo, M in is tr o s da F a zen d a , ed. especial, R io de Janeiro, 1944; Afonso d ’E. Taunay, A C âm ara dos D e p u ­ ta d o s sob o I m p é r io , São Paulo, 1950; Coriolano de Medeiros, D ic io n á rio corográfic o d o E sta d o da P a ra íb a , R io de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 2.a ed., 1950; T h. L. Gentil Torres, M in is tr o s d a G u erra do B ra sil, 1808-1950, 4.a ed., R io de Janeiro, 1950; Marcos Romeiro, H istó r ia da organização a d m in is tr a tiv a da Secretaria de E sta d o d os N e g ó cio s E stra n g e iro s e das R ela çõ es E x te rio r e s (1808-1905), R io de Janeiro, M inis­ tério das Relações Exteriores, 1951; F. A. de Varnhagen, “Auxílios cronológicos” in H istó r ia G eral do B ra sil, 4.a ed., 1953, t. 5, 247-312; A. Tavares de Lyra, “O Senado da República, de 1890 a 1930”, R I H G B , vol. 210, 1953, 3-102; “Governos de Minas Gerais. Im pério. (Presidentes da província) 1824-1889”, C orreio do D ia , Belo Horizonte, 2-8-53; “Governos de Minas Gerais, República, 1889-1951”, id . id ., 9-8-53; Luís Sousa Gomes, “Alguns Ministros da Fazenda”, J o r n a l do C om ércio, 22-11-1953; Luís Correia de Melo, D ic io n á rio d e a u to re s p a u lista s, São Paulo, 1954; M aria Nicolás, C em anos d e v id a p a r la m e n ta r . . . D e p u ta d o s p ro v in c ia is e esta d u a is d o P araná. A sse m b léia s L e g isla tiv a s e C o n s titu in te s . 1854-1954, C uritiba, Paraná, 1954 (Impressora Para­

naense). o)

Bibliografia de revistas históricas:

R e v u e h isto r iq u e , R e v u e de sy n th è se h isto r iq u e , R e v u e d ’h isto ire m o d e r n e , H isto risch e Z e its c h r ift, E n g lish H isto r ic a l R e v ie w , H is p a n ic A m e r ic a n H isto r ic a l R e v ie w , R e v is ta sto rica , R e v is ta d e h istó ria d e A m é r ic a (México), R e v is ta d e H istó r ia (São

Paulo), e as revistas brasileiras citadas no capítulo sobre as fontes. p ) Bibliografia de catálogos comerciais:

Indicamos, como exemplos: B ib lio th e c a b rasiliensis, publicada por Maggs Bros., Catálogo n.° 546, Londres. B ib lio th è q u e a m é ric a in e , por Paul Trõm el, Leipzig, Brockaus, 1861; B o o k s a b o u t B o o k s, List n.° 181, H. P. Kraus, Nova York, 1956.

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9. Cartografia Princípios gerais — A palavra cartografia foi criada pelo Visconde de Santarém (122). Como técnica de representação da superfície terrestre, ela é um com plem ento da geografia; como exposição gráfica das modifica­ ções surgidas nas regiões naturais, como auxiliar na determ inação das fronteiras de um Estado, m ostrando as alterações sofridas no curso da his­ tória, ela é um a fonte prim ordial já apontada entre as fontes transm itidas po r representação desenhada, gravada, estam pada ou impressa. Como as outrâs fontes escritas, os m apas de que a cartografia se ocupa podem ser originais e secundários, conforme com uniquem direta ou derivadam ente um a informação. Mesmo os mais antigos mapas conhecidos, mais aproxi­ mados d a época da descoberta e quase contemporâneos às prim eiras explo­ rações, dependeram de m apa ou esboço de m apa original e autêntico que servia de protótipo para a aluvião de mapas copiados, emendados, aum en­ tados ou simplificados. É sempre extrem am ente difícil e raram ente possível encontrar o pro­ tótipo que serviu de modelo aos mapas mais antigos atualm ente conhe­ cidos. N a m aioria dos casos, a base não é somente um original, mas diver­ sos, e a carta resultante da combinação de fontes representa freqüente­ m ente um a seleção arb itrária de dados de im portância e segurança desi­ guais (12s). Deste modo, no estudo da cartografia histórica — que é uma das disciplinas auxiliares da história — h á que aplicar os mesmos princí­ pios críticos com que se discutem a autenticidade, integridade e veracidade das fontes escritas. A verdade é que para cada página de texto, para cada m apa e carta com pilada pelos pioneiros, escrevem-se m ilhares de páginas de crítica, se­ gundo disse Lloyd A. Brown (124), ao concentrar em um volume, pela p ri­ m eira vez, os três m il anos de história da cartografia. P or isso, mesmo os que se lim itam a um a simples exposição do desenvolvimento da cartografia e sua utilização pelos historiadores, como documento', se expõem à censura, pelas falhas, omissões ou -má interpretação. Não se deseja nesse apanhado resum ir as principais investigações, nem sum ariar as descobertas que p ro ­ duziram variedade no m eridiano, na escala, na ortografia, nos sinais e sím­ bolos convencionais. Nessa evolução, a cartografia am adureceu no seu equipam ento internacional e no em prego que dela fazem os historiadores; sua im aturidade, como lem bra Brown, está n a sua utilização internacional, como, p o r exemplo, no malogro de com pletar o m apa do m undo n a es­ cala de 1: 1 m ilhão, um projeto apresentado por A lberto Penck ao Con­ gresso Internacional de Geografia de 1890. O m apa que para nós é um docum ento histórico e civil, é tam bém um docum ento m ilitar, para uso e fins dos Estados-Maiores. (122) Armando Cortesão, Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos xv e xvi, Lisboà, 1935, 2 vols., 364. (123) Cf. Serttence d u Conseil Fédéral Suisse dans la question de frontières de la Guyanne Française et du Brésil du 1er Décembre 1900, Berna, Imprimerie Stampfli 8c Cié. 1900, 485. (124) T he Story o f M aps, Gresset Press, 1952.

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A cartografia é um método de pesquisa, equivalente, n a força de argu­ m entação, ao m étodo crítico, com parativo e estatístico, já empregado pelo historiador, como tão bem expôs Ch. H igounet, na sua comunicação ao x Congresso Internacional de Ciências Históricas (12S). Ele nos serve para esclarecer os fenómenos históricos por meio de sua inscrição n a carta: os problemas técnicos da cartografia podem ser postos de lado. O que se deseja é considerá-la como um documento, não só porque todo aconteci­ m ento histórico se desenrola num espaço e, por isso, pode ser ou estar consignado num a carta, como tam bém porque é a acumulação histórica que forma, em grande parte, a sua paisagem atual. As cartas e atlas his­ tóricos são um a prova de suas possibilidades de execução e com preen­ são (12(i): eles registam os fatos políticos, religiosos, econômicos, sociais, etc. (127). A elaboração de um atlas histórico no Brasil é um a das tarefas mais urgentes de nossa historiografia e desde 1920 C apistrano de Abreu preparava o prim eiro, que infelizmente não foi term inado (128). O único trabalho desse gênero é o Ensaio de carta geral das ban­ deiras paulistas, de Afonso d ’E. T a u n a y (129). A cartografia histórica (13°) constitui uma das principais bases para o estudo da história, sobretudo quando se trata de acontecimentos ligados à expansão geográfica, tais como o descobrimento, conquista do litoral, bandeiras, ou a questões de fronteira. Ela regista, como lem bra Arm ando Cortesão, em cartas planas ou esféricas, o conhecim ento que o hom em tem da superfície terrestre. Os grandes estudos históricos sobre aqueles sucessos baseiam-se na análise crítica das cartas, às vezes reunidas em atlas. Foi pelo estudo da cartografia, por exemplo, que o Visconde de Santarém de­ m onstrou que é somente em 1548 que as cartas apresentam a América Me­ ridional como um continente, ou seja, 48 anos depois da descoberta é que abandonam os cosmógrafos as teorias de Estrabão e Macrobio. Com a representação cartográfica abre-se um a nova fonte de recursos. Com ela se pode reconhecer até que época as diferentes cidades e locali­ dades se m antêm num lugar erroneam ente e em que época, depois das viagens e das observações astronômicas das latitudes e longitudes, elas foram colocadas corretam ente nas car tas. modernas. Pode-se, então, assina­ (125) ¿‘La m éth o d e . cartographique en histoire” , R iassunti delle communicàzioni, vol. 7, x Cong. In t. di Scienze Storiche, Florença, 1955, 104-106. (126) P ara interpretação dos mapas, especialmente do ponto de vista da ocupação do solo, etc., cf. G.- H. Dury, M ap Interpretation, Londres, 1952, 97-163. (127) Inform ações sobre atlas históricos encontram -se in G. M. D utcher e outros, A Guide to Historical Literature, Nova York, M acm illan, 1937, 11; Oscar H andlin e outros, H arvard Guide to American H istory, H arvard Univ. Press, 1954, 68; W erner T rillm ich, Kleine B ücherkunde zur Geschichtswissenschaft, H am burgo, 1949, 27-28; Camille Bloch e P ierre Renouvin, G uide de V étudiant en histoire m oderne et contemporaine, Presses Universitaires, Paris, 1949, 47. Vide W illiam R. Shepherd, H istorical Atlas, Nova York, H olt, 1926, 5.a ed.; Presses U niversitaires da França editaram os A tlas historiques (1 A ntiquité, 1937; Le Moyen Âge, 1941); Historical Atlas, C. S. H am m ond & Co., 1954; A tlas histórico escolar, Ministério) da Educação e C ul­ tu ra, Cam panha nacional de m aterial de ensino [1960]; Atlas de relações internacionais* o r­ ganizado por Delgado de Carvalho e T herezinha de Castro, R io de Janeiro, IBGE, 1960. (128) Vide Correspondência de Capistrano de A breu, preparada por José H onório R o ­ drigues, R io de Janefro, In stitu to Nacional do Livro, 1954-56, 3 vols., vol. 1, p. 253; vol. 2, 143, 148, 389 e 491. (129) Edições M elhoramentos, 3.a ed., 1952. (130) Como exemplo, vide J. M. B. Castelo Branco, “ O R io G rande do N orte na carto­ grafia do século x v u ”, R IH G B , vol. 214 (1952), 3-56.

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lar seja a existência de cidades que desapareceram das cartas modernas, seja a de novas cidades fundadas, seja de outras mencionadas como cidades de prim eira ordem e que ou desaparecem ou são hoje apenas pequenas vilas de nenhum a im portância. No estudo da conquista do litoral, por exemplo, a nom enclatura de um m apa m uitas vezes só é explicada pela suposição de outras frotas que mais tarde podem ser confirmadas. Assim, a cartografia, quando não é um a prova irrecusável, pode ser um estím ulo ao argum ento que leva à certeza histórica. Pista e prova para pesquisas renovadas, ela não se es­ gota no estudo dos problem as da pura reconstituição histórica desinteres­ sada. Trata-se de um corpo precioso para o estudo do descobrimento dos litorais, quer como peças decisivas quer acessórias. Jaim e Cortesão, uma das maiores autoridades n a cartografia histórica brasileira, acentuou que a análise das cartas de Lopo Homem, por exem­ plo, revela explorações desconhecidas no delta amazônico e ignoradas ten­ tativas de colonização na região do R io de Janeiro. A cartografia do século xvi é obra quase que exclusiva dos portugue­ ses e tem por objeto os litorais. Ela é feita pelos próprios pilotos e revista por geógrafos e cartógrafos e se corporifica nos protótipos. Xem sempre é um docum ento estritam ente científico e digno de fé, já que obedece m uitas vezes a propósitos políticos, “quer escondendo o conhecimento de terri­ tórios cuja soberania era disputada, quer viciando as respectivas coorde­ nadas para alargam ento desta soberania” (131). São os sofismas dos mapas, os idola chartae a que se referia o Rev. H. B. George ao escrever: “Q uando um político deseja um argum ento em apoio de algum a aspiração, elabora um m apa colorido que corresponda à sua proposta. Os lugares onde um a determ inada língua é falada são tin­ gidos igualm ente, sem observar que, em alguns deles, outra língua é tam ­ bém igualm ente falada. O utras vezes, um m apa é usado para m ostrar como seria extrem am ente conveniente que certas fronteiras pertencessem a um a nação” (132). O uso político dos mapas foi feito pelos pilotos, cartógrafos e geógra­ fos do século xvi quando se disputava a soberania de Espanha e Portugal na América M eridional, e m uito recentemente, no século xix, na Europa em face das disputas territoriais de várias nacionalidades. A análise crítica revela m uitas vezes o grau de fidedignidade que se lhes deve atribuir.

E volução da cartografia n o Brasil

Os mais antigos mapas relativos ao Brasil têm sido m inuciosamente estudados nos trabalhos de Harrisse, Stevenson, Hamy, R io Branco, J. B. Hafkemeyer, Orville Derby, Rodolfo Garcia, D uarte Leite, A rm ando e (131) Jaime Cortesão, H istória da cartografia política do Brasil, curso mimeografado do Instituto Rio Branco, 1945. (132) T h e Relations o f Geography & H istory, Oxford, 1903, 2.a ed., 62 e segs.

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Jaim e Cortesão. Se o mais antigo de todos, o de Ju an de la Cosa, de 1500, se ressente do pouco conhecim ento da viagem de Vasco da Gama e do desconhecimento da de Pedro Álvares Cabral, os de Cantino, Canério, os n e in do atlas de K unstm ann, Lopo Homem, Jerónim o M arini, Diogo R ibeiro, G aspar Viegas, Bartolom eu Velho, F em ão Vaz Dourado, o maior dêsse século, Luís T eixeira e Girolam o Verrazzano que constituem, de mo­ do geral, o espólio das cartas geográficas do século xvi, revelam como o litoral do Brasil foi sendo conhecido. O exam e da prim eira década do século xvi, de C antino ao atlas de K unstm ann, alterou sensivelmente, con­ forme m ostrou D uarte Leite, a lição dos vários mestres acatados, como H um boldt, Harrisse, Varnhagen, Caetano da Silva, V ignaud e Stevenson (13S). Para Jaim e Cortesão, os principais protótipos são os de H am y-Cantino (1501-1502), a carta de L opo Homem, de 1519, a de Diogo R ibeiro, de 1525-1529, a de Gaspar Viegas de 1534, o-planisfério de Lopo Homem, de 1554, o de B artolom eu Velho de 1562, as cartas de Vaz Dourado, de 1568-81 e o atlas de Luís T eixeira de 1574-1591. Estes são os m onum entos cartográficos mais representativos do século xvi, se a ele acrescentarmos o m apa de Jerónim o M arini, prim eiro em que aparece o nome do Brasil para designar no continente austral americano a terra antes chamada de Vera Cruz, Santa Cruz e dos Papagaios. N ão se poderia desmerecer a grande significação das cartas de m arear, magníficos instrum entos dos prim itivos navegadores, tão im portante qu an ­ to o astrolábio esférico, o náutico, o quadrante e balestilha. A carta por­ tuguesa de m arear, inventada n a época de D. M anuel, “não é outra coisa senão um a p in tu ra ao n atu ra l do sítio, feição da terra e água”. Por ela se conheciam quatro coisas: 1) arrum ação da costa ou de um a terra com outra; 2) distância de léguas que h á de um a a outra parte; 3) os graus de altura do Pólo, ou apartam ento da linha em que está cada terra, ilha, cabo ou baixio; 4) o ponto ou lugar em que a nau se acha depois de haver navegado algum tem po (134). Problemas complexos com que se defrontaram os prim eiros navega­ dores e exploradores da costa do Brasil, como aquele suscitado por M artim Afonso dé Sousa, em 1533, são resolvidos pela cabeça do m aior m atem á­ tico da península, Pero Nunes. De sua solução resulta o Tratado da defensam da carta de marear publicado com seu Tratado da esfera (135). As cartas de m arear são graduadas, isto é, são providas de coorde­ nadas geográficas. O princípio m atem ático da representação cartográfica aparece então nitidam ente. (133) D uarte Leite, “A exploração do litoraJ do Brasil na cartografia da prim eira década do século xvi”, H istória da colonização portuguesa do Brasil, vol. 2, 446. (134) M anuel Pim entel, A rte prática de navegar* e roteiro das vitygens e costas m aritim as do Brasil, G uiné, Angola, índias, Ilhas Orientais e Ocidentais, Lisboa, 1699. Aí se encontram as várias derrotas de Portugal p ara o Brasil, nos seus diferentes portos e d urante a monção de março ou setembro. (135) P ero N unes, Tratado da esfera com a teoria do sol e da lua. E o prim eiro livro da geografia de Cláudio Ptolom eu, A lexandrino, Lisboa, 1537; Arm ando Cortesão, Cartografia e cartógrafos portugueses dos século i xv e xvi, Lisboa, 1935, 87, relaciona onze exem plares do Tratado da esfera, sem se referir aos dois exem plares da Biblioteca N acional do R io de Janeiro.

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As cartas de m arear e de litoral têm por fim últim o determ inar o ponto ou lugar em que se acha o navio. Elas com binam os itinerários de diferentes expedições e tom am em consideração todos os elementos im portantes p ara a condução do mesmo. O fim principal de um levanta­ m ento de litoral consiste em fornecer um a carta clara, utilizável pelo m arinheiro em todas as circunstâncias, um a carta satisfatória para a con­ d u ta da ñau, mesmo com céu coberto. A análise crítica m ostra que a nom enclatura das antigas cartas está freqüentem ente relacionada com a navegação. D urante o século xvii, urna nova fase se inaugura, caracterizada pelo fato de que as denominações indígenas são utilizadas como nomes geo­ gráficos, quando anteriorm ente se usara a onomástica religiosa (130). Já não dom inam mais as cartas de m arear e as de litoral, mas começam a apa­ recer as cartas fluviais, de caráter modesto nos intuitos, porém mais obje­ tivas nos dados, conforme observação de Jaim e Cortesão (137). A cartografia do século xvii especializa-se n a representação do Amazonas(137a), da Colonia do Sacramento, da rede hidrográfica, das forta­ lezas, das baías e barras. Ela encontra sua mais alta expressão nos atlas (1612-1676) de João T eixeira (188). Em face deles não sustentaría A rm an­ do Cortesão que depois do século xvi a cartografia portuguesa entrara em decadência e que Vaz D ourado seria o prim eiro dos cartógrafos p o rtu ­ gueses de todos os tempos (139). Mas é com a cartografia do século xvin que se inaugura um a nova fase. Ela deixa totalm ente de ser obra de pilotos e descobridores, para tornar-se obra científica de exploradores. As figuras centrais desta refor­ m a são o padre Diogo Soares e o padre Domingos Capassi, que conse(136) A predom inância do tu p i nas denominações geográficas brasileiras é incontestável e tem sido estudada em vasta bibliografia: Teodoro Sampaio, O tupi na geografia nacional, 3.a ed., Bahia, 1928; A lfredo de Carvalho, O tu p i na corografía de Pernambuco, Recife, 1907; M ário Melo, T oponim ia pernam bucana, Recife, Im prensa Oficial, 1931; B ernardino José de Sousa, Dicionário da terra e da gente do Brasil, São Paulo, C .la E ditora N acional, 1939, 4.a ed. (137) Jaim e Cortesão, Curso de cartografia, geografia e mapoteconomia, lições mimeografadas do In stituto R io Branco. Sobre os holandeses, vide José H onório Rodrigues, “A geo­ grafia e a cartografia dos holandeses no século x v i i i ” , Terceiro Congresso de H istória Nacional, 1942, 7.° vol., 283-332, t. esp. da R IH G B . (137a ) Isa Adonias, A cartografia da região amazônica, Rio de Janeiro, 1963, 2 vols., In sti­ tu to Nacional de Pesquisas da Amazônia. (138) Existem no Brasil cinco atlas de João T eixeira. T rês deles, pertencentes ao In sti­ tu to H istórico e Geográfico Brasileiro, Biblioteca N acional e Biblioteca da M arinha, estão des­ critos no C E tíB , n.os 1393, 1398 e 1397 e o quinto foi adquirido pelo Itam arati em 1943. O exem plar d o In stitu to H istórico “Atlas d a rezão do Estado do B rasil” é de cerca de 1626. H á outro códice de 1613 na Biblioteca M unicipal do Porto e outro na Aguda, bem como os de Paris, Lisboa, Londres e W ashington. Cândido Mendes, em 1877, pleiteava no In stitu to H istó ­ rico a publicação do “Atlas da rezão do Estado do Brasil” existente no In stitu to H istórico e Geográfico Brasileiro. Esta aspiração do grande m estre continua a ser um dos maiores em preen­ dim entos cartográficos a se realizar no Brasil. Cf. R IH G B , t. 40, 2.a parte, 1877. Nesta ocasião, discutiu-se a proposta, feita por M axim iliano M arques de Carvalho, da criação de um gabinete cartográfico no Instituto H istórico e Geográfico Brasileiro. (.139) Jaim e Cortesão, Curso de cartografia, geografia e mapoteconomia, lições mimeografadas do In titu to R io Branco; Arm ando Cortesão, Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos xv e xvi, Lisboa, 1935, 2.° vol., 1. Recentem ente se divulgou o “ M apa da m aior p arte da costa e do sertão do Brasil” , de 1700, de autoria do padre Jacques Cocle (1629-1710). V ide Afonso d.’E. T aunay, “ O m apa do padre Cocle” , Jornal do Comércio, 30 de abril de 1949.

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guem, pela prim eira vez, m arcar longitudes e, conseqüentemente, fixar com certa precisão o m eridiano de Tordesilhas (140). A obra científica ini­ ciada pelos dois sábios jesuítas vai ser continuada pelos exploradores e demarcadores de limites, de regra engenheiros, matemáticos, geógrafos e astrônomos. A cartografia dos limites de 1750 e 1777, quer nas suas p ar­ tidas do Sul, quer nas do Norte, delineou com extraordinários resulta­ dos o corpo físico do Brasil. São verdadeiros m onum entos cartográficos que elucidam complicadas questões de limites. As peças de M iguel Ciera e José Custódio de Sá e Faria prom oviam um radical conhecim ento da América Austral, na parte que vai do estuário do Prata até o 14.° grau de longitude (141). Era um resultado m uito m aior do que o obtido pela p artid a do Norte, dirigido por Francisco Xavier de M endonça Furtado, assistido pelos cartógrafos H enrique A ntonio Galluzi, Felipe Sturn e Gas­ p ar João G eraldo Gronfeld. As comissões mistas dem arcadoras do T ra ta ­ do de Santo Ildefonso, de 1777, contavam entre os cartógrafos portuguêses da partida do Sul Francisco João Róscio, José de Saldanha e Sebastião Xavier da'V eiga C abral Câmara, e entre os da partida do Norte, José Joa­ quim Vitório da Costa, M anuel da Gam a Lobo D A lm ada, A ntônio Pires da Silva Pontes Leme, Francisco José de Lacerda e Almeida, R icardo Franco Serra. A obra deixada por estes grandes sábios brasileiros foi m uito supe­ rior às da partida do Sul e nelas se baseou Joaquim N abuco para defender os direitos do Brasil na questão dos limites com a G uiana Inglesa. É desta época tam bém a exploração científica de A lexandre Rodrigues Fer­ reira, grande sábio brasileiro, cuja obra é um dos mais altos m onum entos da cultura luso-brasileira e um a das melhores expressões do esforço por­ tuguês no devassamento do interior brasileiro. A cartografia do século xvm encontra no m apa chamado da N ova Lusitânia, composto por Silva Pontes, a m aior figura daquele século, sua expressão mais legítim a e perfeita (142). A cham ada cartografia monçoeira, que regista as regiões trafegadas pelos bandeirantes e cam inhantes é extrem am ente rica e valiosa para o estudo daquele tão im portante capítulo de nossa história (143). Ao lado da cartografia de limites, que fora a grande obra do século xvm, como conseqüência da assinatura dos tratados de 1750 e 1770, ad­ q u iriram expressão cartográfica os planos de fortalezas e as cartas de ca­ minhos e estradas, entre as quais merece referência especial o Guia dos caminhantes, delineado e ilum inado por Anastácio de Santana, o Pardo Velho, pintor, feito na Bahia em 1817 e composto de 12 mapas (144), e a (140) O Barão Hom em de Melo transcreve no seu A tlas do Brasil (R io de Janeiro, 1909), o alvará de 18 de novem bro de 1729, por ele encontrado no Arquivo do Governo do Rio G rande do Sul, que ordenou os trabalhos sistemáticos de operações de geografia m atem ática no Brasil, dos padres Diogo Soares e Domingos Capassi. Sobre o padre Diogo, vide comunicação feita ao In stitu to H istórico por Serafim Leite, Jornal do Comércio, 9 de janeiro de 1949. (141) Jaim e Cortesão, Curso de cartografia, etc., já citado. (142) Encontra-se hoje no gabinete do chefe do Estado-M aior do Exército, no M inistério da Guerra. (143) Afonso d ’E. T aunay, “ C artografia m onçoeira” , Jornal do Comércio, 30 de outubro de 1949. (144) Foi em 1946 adquirido pela Biblioteca Nacional do R io de Janeiro, na Coleção M oreira da Fonseca.

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Descrição hidrográfica e roteiro de cabotagem da costa do Brasil desde o Cabo de Santo Agostinho até a Baia da Traição, levantada pelo sargento-mor José Fernandes de Portugal, n atu ra l do R io de Janeiro (17551817), um dos grandes idealistas da Revolução, de 1817, falecido no pre­ sídio por inanição (145). Cartas hidrográficas ou roteiros de costa im por­ tantes elaboraram o Barão de Roussin, M anuel A ntônio Vital de Oli­ veira, E. Mouchez e o Barão de T efé (148). A p artir de então, com os mapas de capitais e cidades, fluviais e de caminho, com os planos de fortalezas e as cartas de limites, obra que se am­ plia extraordinariam ente, pode-se cogitar de atlas e cartas gerais. Em 1868 C ândido Mendes publica o Atlas do Im pério do Brasil, que representa um a excelente contribuição cartográfica. Para sua confecção recorreu o autor, que fora du ran te 14 anos professor de geografia, e era então um dos mais venerados geógrafos, pelo gênio investigador, pela miudeza, pela ciência, pela exatidão, a todas as cartas, mapas e plantas antigas e m odernas que foi possível obter, seja em arquivos públicos, seja em mãos de par­ ticulares. C ândido Mendes m enciona as fontes prim ordiais e as obras subsidiárias que lhe serviram para a feitura de cada mapa. O valor do atlas de C ândido Mendes até hoje reconhecido foi exage­ rado p o r R u i Barbosa, ao dizer que a prim azia dessa obra clássica não fôra destruída até 1910 (147). Não há dúvida que ele era m uito superior, apesar de suas deficiências, à Carta corográfica do Im pério do Brasil, organizada pelo coronel C onrado Jacob de Niemeyer em 1846, e à Nova carta, confeccionada pelo mesmo autor, de ordem do M arquês de Caxias, 1857. Esta últim a, construida para m ostrar a fronteira do Im pério com a R epública do Paraguai, estava longe, no dizer de D uarte da Ponte R i­ beiro, de haver conseguido seu fim e não em endou os erros que se no­ taram na de 1846 (148). O Atlas era tam bém superior à Carta do Im pério do Brasil, de 1873, feita pelo próprio D uarte da Ponte R ibeiro, e que fôra confeccionada aproveitando-se a redução que o tenente-coronel Pe­ dro T o rq u ato Xavier de B rito tinha feito da carta elaborada por Conrado Jacob de Niemeyer em 1846, com pequenas correções, especialmente no ter­ ritório das fronteiras (149). Mas, por outro lado, continha erros de transcendência, denunciados m inuciosam ente por D uarte da Ponte R ibeiro, a pedido do Visconde de (145) Cf. R IH G B , vol. 30, 1867, 357-63. Logo nos inícios do século xix im prim ia.se a Planta da cidade de S. Sebastião, dirigida por I. C. R ivara, gravada por P. F. Souto, desenhada no A rquivo M ilitar por J. A. dos Reis e impressa na Im prensa Régia em 1812. Vide Alfredo Vale C abral, Anais da Im prensa Nacional, R io de Janeiro, 1881, 89, n .° 295. V ide tam bém os n.os 168 e 240, que registam roteiros impressos no Rio de Janeiro. Sobre o R io de Janeiro, vide Catálogo de plantas e mapas da cidade do R io de Janeiro, 1750-1962, Arquivo Nacional, 1962; e Catálogo de plantas e mapas da cidade do R io de Janeiro, R io de Janeiro, M inis­ tério das Relações Exteriores, 1966. (146) Os principais trabalhos cartográficos do B arão de Roussin, de M anuel Antônio Vital ; b ) as palavras que foram transm itidas pelo m anuscrito e que o editor suprime colocam-se entre colchetes [ ]; c) os paréntesis do próprio autor são os cor­ rentes (); d) as lacunas que o texto apresenta são indicadas por meio de asteriscos no começo e no final da passagem que se completa * * *; e) as passagens deterioradas e não-sanadas levam um a f ( 25a).

Ordenação A regra geral do arranjo cronológico é básica para qualquer coleção de documentos, em bora nenhum responsável faça disto um “fetiche”, pois há exceções que bem se justificam. Os documentos não-datados, que cons­ tituem sempre um problem a, podem ser dispostos juntos aos outros que tratam do mesmo assunto. Devem ser num erados em ordem, acom panha­ dos de um a em enta ou resumo inicial do seu conteúdo, com indicação do nom e do rem etente ou destinatário, do lugar, dia, mês e ano em que foram escritos, suprindo-se esses dados quanto possível.

Colação Da versão do copista deve o responsável preparar finalm ente sua edição e, para isso, a colação desta com o original é um trabalho indis­ pensável.

Anotação Os documentos podem ser anotados com brevidade ou abundância ou publicados sem anotações. É evidente que as notas são, de regra, essen­ ciais a um a boa edição de documentos históricos; mas, às vezes, circunstân­ existe hoje uma técnica especial, aplicada por Ludwig Bittner. Cf. Die Lehre von vôlkerrechtlichert Vertragsurkunden, Stuttgart, 1924, e especialmente a Oesterreich-Ungams Aussenpolitik, edit. por Ludwig Bittner, Alfred Francis Pribram, Heinricb Srbik und Hans Ueberberger, Viena e Leipzig, 1930. No primeiro volume desta obra, os editores explicam os princípios adotados na edição (xxn-xxiv). (25a) A p u d W. Bauer, Introducción al estudio de la historia , Barcelona, Bosch, 1944, 303. O Consejo Superior de Investigaciones Científicas, nas Normas de transcripción y edición de textos y documentos (Madri, 1944), fixou também diversos sinais a serem obedecidos nas trans­ crições e edições feitas pela Escuela de Estudos Medievales (cf. 16-18).

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cias especiais (26) podem sugerir a apresentação do docum entário sem os esclarecimentos biográficos e históricos que esclarecem o texto e ajudam o leitor a dele se utilizar mais am plam ente. H á textos tão claros no seu conteúdo que dispensam esclarecimentos. H á tam bém o caso das notas excessivamente abundantes, simples luxo de erudição, ou de compilação secundária (27). Que espécie de inform ação deve o responsável dar ao leitor ? R e­ ferências cruzadas (cross-references) que liguem um a inform ação a outras do p róprio volume, ou já publicadas em outras coleções; citações de ou­ tros m anuscritos e fontes impressas; os fundam entos históricos das peças e dos fatos tratados; a identificação de pessoas e lugares. Além disso, no prefácio ou introdução é necessário estudar as edições anteriores, para que a nova anule as outras, e dar um a descrição do m anuscrito, um a notícia das edições anteriores, do exemplar, original ou cópia que serviu de base, da procedência do documento, e citar as fontes diretas e indire­ tas e bibliografia (28) utilizadas pelo responsável. É indispensável expli­ car o desdobram ento das abreviautras, a adoção de determ inado sistema ortográfico e a modificação da pontuação, respeitada a etim ologia (29). É admissível acrescentar vocábulos indispensáveis à compreensão do texto e adotar outras alterações, desde que precisam ente indicadas, através de sinais convencionados. O nde devem ser colocadas as notas: no fim do volume, no fim de cada docum ento, ou ao pé da página ? H á um a séria e positiva objeção contra o uso pouco freqüente de relegar as notas para o fim. O esforço e o tem po consumidos em observar o núm ero da nota no texto e ir procurá-lo m uitas páginas adiante mostra como não é prática essa dispo­ sição, especialmente para o estudioso que precisa justapor im ediatam ente o texto e a nota. A objeção contra o uso de colocar as notas no fim dos documentos quando estes são longos é o de se exigir um esforço de pro­ cura quase tão grande como quando vão p ara o fim do volume. É, no entanto, um a prática estabelecida e válida. O costume tradicional de co­ locar notas em cada página é o mais prático e eficiente.

(26) Na edição da Correspondência de Capistrano de Abreu, o responsável se viu diante da alternativa de atrasar a publicação para redigir as notas ou publicá-la sem notas, em vista da oportunidade do centenário que então se comemorava. Era muito forte a pressão exercida na imprensa sobre a necessidade urgente da publicação. Escolheu, então, a segunda hipótese. (27) É o caso das anotações do Prof. Brás do Amaral às Noticias soteropolitanas e brasilicas, de Luís dos Santos Vilhena. (28) Um exemplo magnífico do papel que o método bibliográfico pode exercer no esta­ belecimento de um texto se encontra m Fredson Bowers (org.), Studies in Bibliography , vol. 6 (Bibliographical Society of the University of Virginia), 1954. (29) A propósito do respeito à etimologia nas edições críticas, é conveniente consultar-se a monumental edição de Carolina Michaelis de Vasconcelos, das Poesias de Francisco Sá de Miranda, feita subre cinco manuscritos inéditos e todas as edições impressas (Halle, Max Niemeyer, 1855), especialmente as páginas civ-cvi, onde, ao estudar os problemas relativos à modernização ou uniformização da ortografia de textos para edições críticas, cita alguns exem­ plos do respeito às regras etimológicas. O princípio geral é que se deve sempre conservar escrupulosamente a escrita através da qual transluz a verdadeira pronuncia nacional e antiga.

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Preparo do manuscrito para o impressor Devemos distinguir entre as regras de transcrição e as de publicação de textos e documentos. Infelizm ente, n o Brasil não temos regras esta­ belecidas, quer em m atéria de transcrição, quer de publicação, usando cada editor dos critérios que lhe aprazam. Recentem ente, A ntônio Houaiss (Elementos de bibliología, R io de Janeiro, In stitu to N acional do Livro, 1967, 2 vols.) estudou m inuciosam ente toda a m atéria, tentando estabelecer a norm alização editorial. Nos Estados Unidos da América, h á vários m anuais tipográficos ado­ tados oficialmente, que evitam as irregularidades e deform idades das edi­ ções. Neles adotam-se princípios de composição, estabelecem-se normas p ara uso de citação, de maiúsculas, itálicos, etc. Cf. A M anual of Style C ontaining Typographical R ules G overning the Publication of the Univer­ sity of Chicago Press, Chigago, T h e Univ. of Chicago Press, 6.a ed., 1942, e Style M anual, U nited States G overnm ent P rinting Office, W ashington, 1939. Q uanto à apresentação dos originais a serem impressos, existe no Brasil apenas o pequeno folheto de Francisco W lasek Filho, Os originais e a composição tipográfica, R io de Janeiro, Im prensa Nacional, 1949, separata da Revista do Serviço Público, ano xn, vol. 1, n.° 2, fevereiro de 1949. Os estilos e processos de citação bibliográfica encontram-se tam bém descritos no Bibliographical Procedures ér Style. A M anual for Bibliographers in the Library of Congress, W ashington, L ibrary of Congress, 1954. A revisão geral ou de textos, como hoje a denom ina o In stitu to N a­ cional do Livro, e a revisão tipográfica são dois processos diferentes, no tem po e n a qualidade. A prim eira deve preceder a entrega do m anus­ crito ao impressor e se exige do revisor um a qualificação especial de cará­ ter filológico, noções gerais de literatura e prática na colação de textos. Deve-se proceder à comparação cuidadosa do texto original, m anuscrito ou impresso, com a cópia datilográfica, exam inar os erros e incongruên­ cias de estilo e de assuntos, verificar as citações, nomes e lugares. Só re­ centem ente possuímos revisores desta categoria, treinados especialmente em instituições públicas e editoras. Até h á pouco só havia, praticam ente, a revisão tipográfica, que procura, sobretudo, os erros surgidos da transcri­ ção tipográfica, limitando-se p o r isso mesmo, ao texto tipográfico, e só recorrendo à comparação com o texto dactilográfico em caso de dúvida. O índice é um instrum ento essencial n o uso do conteúdo de um vo­ lum e de documentos. No Brasil, até hoje são raros os livros com índice. U m plano instrutivo para com pilar o índice de um livro histórico encon­ tra-se no estudo de Clarence E. Cárter, que seguimos neste capítulo do preparo da edição de docum entos históricos (30) ou n o artigo de Stella Duff N eim an e Lester J. Cappon (31). (30) Historical E diting, ob. cit., na nota 11, 44-45. (31) “Comprehensive Historical Indexing: The Virginia Gazette Index”, T h e American A rchivi st, 14, 291-304 (out. 1951).

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Algumas instituições norte-americanas, especialmente o Arquivo Na­ cional de W ashington, executam um program a de publicações em micro­ filmes de docum entos históricos (32). O program a serve a três fins im por­ tantes: a) produzir cópias de documentos para serem usadas por pessoas que não possam ir a W ashington exam inar os originais; b) proteger peças frágeis ameaçadas de danos, como conseqüência da repetida consulta; c) assegurar a inform ação valiosa contra a possível perda de arquivos. O propósito da direção do Arquivo é conseguir m etodicam ente m icrofilm ar toda a coleção e não fazer do program a apenas um serviço de referência. T a l program a poderia ser adotado no Brasil, pelo Arquivo Nacional, Bi­ blioteca N acional e outras instituições ricas em acervo docum ental caso possuíssemos verbas especiais. Os princípios da seleção, a delim itação m om entânea dos projetos de publicação de microfilmes, a classificação dos acervos antes da microfilmagem, a preparação das páginas iniciais in­ seridas para identificação, e as anotações, bem como m uitas outras infor­ mações e princípios encontram-se no opúsculo dos Arquivos Nacionais de W ashington, que têm publicado várias listas dos acervos m icrofil­ mados (33).

A edição crítica em geral e em Portugal A edição crítica tem o seu aparecim ento com a publicação da M o­ n um enta Germaniae historica, que marca época na historia da crítica histórica e afirma, então, a supremacia da erudição alemã (34). A obra iniciada pelos autores da M onum enta foi im ediatam ente seguida em qua­ se todos os países europeus. N a literatu ra de língua portuguesa não faltariam grandes exemplos de edição crítica p ara ilustrar este capítulo. Antes de en tra r n a parte propriam ente historiográfica, seria talvez interessante apontar os exem­ plos de duas grandes edições críticas da literatu ra portuguesa. M onum en­ tal, pode-se dizer, é a edição crítica de Os Lusíadas de Luís de Camões, feita p or Epifânio Dias (3B). No preparo de edição crítica baseada não em m anuscrito, mas nas prim eiras edições, este é, talvez, um dos melhores exemplos. Existem, como se sabe, duas edições de Os Lusíadas datadas de 1572, com os mesmos dizeres na folha de rosto, sem que nenhum a declare ser nova edição. Para estabelecer a precedência entre as duas, teve Epifânio Dias de fazer um minucioso estudo dos dois textos, designando com a letra A aquela em que no desenho do frontispicio o pelicano tem o bico vol(32) “The Preparation' or Recordes for Publication on Microfilm”, National Staff Infor­ mation Paper No. 19 (Julho, 1951). (33) L ist o f File Microcopies o f the N ational Archives, Washington, 1950; L ist o f N ational Archives M icrofilm Publications , Washington, 1966; John P. Harrison, T h e Archives of the United States D iplom atic and Consular Post in L a tin America , Washington, 1953. (34) Uma descrição detalhada da M onum enta Germaniae historica encontra-se em Bauer, ob. cit., 312-313, e estudo muito valioso sobre sua importância é o de G. P. Gooch, Historia y historiadores en el siglo xnc, México, Fondo de Cultura Económica, 1942, 71 e segs. Vide também José Honório Rodrigues, A pesquisa histórica no Brasil, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1952, 183-188. (35) Porto, 1910, 2 tomos.

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tado para a esquerda, e pela letra B aquela em que o pelicano tem o bico voltado para a direita, e chegou à conclusão final de que a prim eira edi­ ção era a designada pela letra A. Um dos principais argumentos de Epifânio Dias é o de que no canto 8.°, estrofe 32, a edição A contém, “Português Scipião chamar-me deve” ; e a edição B, “Português capitão chamar-me deve”. Diz ele que um com­ positor que tivesse diante dos olhos a palavra “C apitão” dificilm ente leria “Scipião”, porque a prim eira é vocábulo corrente, o que não ocorre com a segunda, sendo sabido que a gente inculta, quando interpreta o que lhe fere os olhos e os ouvidos, substitui o desconhecido pelo conhecido e não ao revés. Por conseguinte, a edição A , em que se }ê “Scipião”, é a original, tan to mais porque à pergunta “Como se chama o herói de A ljubarrota” h á de responder-se com “Scipião Português” e não com “capitão” por­ tuguês. A resposta dada pelo Gam a é a mais possível ajustada, pois P úblio Cornélio Scipião e N uno Álvares Pereira livraram sua p átria de seus numerosos inimigos. Os exemplos seriam sem fim e não nos cabe, num a m etodologia his­ tórica, relem brar os caminhos da edição crítica no campo literário e a contribuição da filologia para seu completo desbravam ento. Este estudo está sum ariado pela competência exem plar de um jovem mestre da filo­ logia portuguesa no Brasil, o Prof. Serafim Silva N e to (36). O trabalho pioneiro (37) das eclições críticas modelares de autores brasileiros e p o rtu ­ gueses foi feito pelo Prof. Sousa da Silveira nos T extos quinhentistas (3S) e na edição das Obras completas de Casimiro de Abreu (39).

Obras históricas O utro magnífico exemplo de edição crítica, já aí de interesse his­ tórico, é o do Esmeraldo de situ orbis, de D uarte Pacheco Pereira^ feita tam bém por Epifânio Dias (40). O m anuscrito original da obra de D uar­ te Pacheco Pereira existia, nos meados do século xvm , n a livraria do M arquês de Abrantes, segundo inform ação de Barbosa M achado. O ori­ ginal encontra-se presentem ente perdido. Conhecem-se dois apógrafos: um n a Biblioteca Pública de Évora e outro na Biblioteca Pública de Lisboa. Para se avaliar bem a vantagem de um a edição critica, nada m elhor que o próprio Esmeraldo, porque afora a edição de Epifânio Dias, feita segundo todas as regras críticas, existe a realizada por Rafael E duardo de Azevedo Bastos (41), que o prim eiro dem onstrou conter érros graves. Epifânio, estudando as duas cópias existentes, diz que a de Évora é da prim eira m etade do século xvm e a segunda, atenta a letra, da segunda (36) M anual de filologia portuguesa. História. Problemas. Métodos, Rio de Janeiro, Livraria Acadêmica, 1952, cap. Publicações de Textos, 241-309; T extos medievais portugueses e seus problemas, Casa de Rui Barbosa, 1956. (37) Celso Cunha, Defesa da filologia, Coimbra, 1954, 15¿ 23. (38) Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Filosofia, 1945. (39) São Paulo, C.la Editora Nacional, 1940. (40) Lisboa, Tip. Universal, 1905. (41) Lisboa, Imprensa Nacional, 1892.

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m etade do mesmo século. Os mesmos defeitos, ainda os mais graves, ocor­ rem, na quase totalidade, sim ultaneam ente nas duas cópias, donde se con­ clui ou que a mais antiga serviu de original à mais m oderna, ou que elas reproduzem, independentem ente um a da outra, um mesmo apógrafo em que tais defeitos já existiam. Exclui a prim eira hipótese porque existem variantes e diferenças que mostram não ser a prim eira cópia da outja. Acha mais provável a segunda hipótese, da existência de um arquétipo que teria servido originalm ente às duas citadas cópias. Já tivemos ocasião de nos referir à m agnífica edição crítica das Poesias de Sá de M iranda, feita pela grande erudita Carolina Michaêlis de Vasconcelos, e que representa, talvez, um dos mais altos exemplos em to­ da a literatu ra portuguesa. Para o preparo dessa edição, a organizadora estudou m inuciosam ente todos os manuscritos, que eram cinco ou seis, uns completos e outros em fragmentos, que foram marcados com as iniciais DPEFG (e m aiúscula /), sendo as edições impressas marcadas com a le­ tras ABCS. Fez um a descrição m inuciosa de cada um a dessas fontes, de­ term inando seu valor pela sua procedência e pela análise das peças que en­ cerram. Somente depois desse estudo estabelece o m anuscrito D como a fonte mais im portante, tanto dos m anuscritos como dos impressos por ela consultados. Estabelece as regras críticas que seguiu para a integra­ ção do texto, para a determ inação das variantes, os princípios adotados no estabelecimento da ortografia, etc.

Edições críticas no Brasil A edição crítica no Brasil tem sua origem nas já referidas Reflexões criticas de Francisco Adolfo de Varnhagen (42). Foi aí que, pela prim eira vez, se procurou estudar o m elhor texto, baseando-se nas várias cópias existentes em diversas bibliotecas européias. V arnhagen mostrava-se, já então, inteiram ente a p ar do desenvolvimento da crítica histórica no mundo. Depois de apontar os principais erros e adulterações de que estava inçado o exem plar impresso e as m aneiras de corrigi-lo e m elhor conjeturá-Io, dizia: “que esse modo de restaurar a genuinidade de um escrito antigo, idêntico ao que célebres críticos têm posto em prática, co­ m entando os clássicos gregos e latinos, e em pregado com tento, não dei­ xará porventura de ser aprovado e sancionado por um juiz são e livre de preocupações atrasadoras” (43). Estabelecia Varnhagen, antes mesmo de publicar a sua edição casti­ gada do texto verdadeiro de G abriel Soares de Sousa, as várias cópias existentes no m undo. Conta que em 1 de março de 1587 ofereceu Ga­ briel Soares sua obra a D. Cristóvão de M oura e que antes de se terem passado dez anos Pedro de Mariz copiou-a para os seus Diálogos de vá­ (42) V arnhagen, Reflexões criticas sobre o escrito do século xiv (sic) impresso com o titulo de Notícias do Brasil no tomo 3.° da Col. de not. u ltr., acompanhada de interessantes noticias bibliográficas e im portantes inz>estigações históricas, Lisboa, na T ip . da mesma Academia, 1839. (43) Varnhagen, ibid., 10.

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ria história. Desse m anuscrito original ou arquétipo tiraram-se tantas cópias que em 1839 V arnhagen registrava a existência de dezessete. Um a n a Biblioteca R eal de Paris, duas n a Biblioteca R eal de M adri, três n a Biblioteca Pública de Évora, três na Biblioteca Pública do Porto; três n a Biblioteca do extinto Convento das Necessidades, duas que viu o au to r da Corografía brasíEca e de que faz menção em sua introdução(44), o exem plar que serviu à edição da Academia, a compilação da Biblioteca do extinto Convento de Jesus e, finalm ente, a cópia que viu Southey. E studando no seu A ditam ento (45) as várias cópias, dava V arnhagen notícias de cada um a delas: três da Biblioteca Pública do Porto, códices 119, 601 e 1.041, dos quais o m elhor era o prim eiro e o últim o m uito des­ leixado; o códice 103 da estante 9 da ex tin ta L ivraria de Jesus; três có­ pias da Biblioteca das Necessidades, a prim eira, códice 10.019/2, exem­ p lar com a dedicatória de I de m arço de 1587 e com letra m uito diferente assinado Francisco da C unha, a segunda, 10.019/4, m uito idêntica à que serviu à Academia e que, m uito sem elhante tam bém ao terceiro m anus­ crito de Évora, serviu para a tiragem impressa, não só pelo título e orto­ grafia, como por conter os mesmos erros, e a terceira, 10.019/6, que pa­ rece do m eado do século xvu, apresenta m uitas alterações, mas em outros pontos está m uito correta e aproxima-se da lição do prim eiro m anuscrito de Évora; três cópias da Biblioteca Pública de Évora, sendo a prim eira a mais perfeita de todas, em bora não isenta de defeitos, a segunda menos correta, aproxim ando-se tam bém do impresso da Academia, e a terceira, escrita de várias letras, todas do século xvm , atrib u íd a a Francisco da C unha, é de todas a mais conforme ao impresso da Academia. E então concluía Varnhagen, como que prevendo os esforços que seriam necessários para a futura edição de Gabriel Soares, que eram tais os erros e adulterações q u e se haviam introduzido nas cópias subseqüen­ tes, que só à força de m uito trabalho e m uita crítica seria possível arranjar-se um texto íntegro. Quando, porém , em 1851 oferecia V arnhagen ao público o Tratado descritivo do Brasil em 1587 de G abriel Soares de Sousa, num a edição castigada pelo exame e estudo de m uitos códices ma­ nuscritos, existentes no Brasil, em Portugal, Espanha e França, tom ou como base um a das cópias de Évora. Depois de buscas infrutíferas para descobrir o original, segundo as indicações de N icolau A ntônio, Bar­ bosa Machado, León Pinelo e seu anotador Barcia, sem q u alq u er êxito, V arnhagen acreditou que, baseando-se n a cópia escolhida de Évora, po­ deria oferecer o texto de G abriel Soares tão correto qu an to se podia esperar sem o original* “enquanto o trabalho de outros e a discussão ainda não o aperfeiçoam mais, como terá de suceder” (46). A prim eira edição da Descrição geográfica da América Portuguesa, de G abriel Soares de Sousa, foi feita por frei J. M ariano da Conceição Veloso, em princípios do século xix. A publicação não foi com pleta e (44) Aires de Casal* Corografía brasilica, Rio de Janeiro, Gueffíer e C.Ia, 1933, 2.a ed., I.0 t., 35. (45) Varnhagen, ob. cit., 103-115. (46) Gabriel Soares de Sousa, Tratado descritivo do Brasil em 1587, Rio de Janeiro, Laem­ mert, 1851, viu e R IH G B , vol. 14, t. 14.

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hoje se conhecem apenas dois exemplares desta edição, um a na Biblioteca N acional de Lisboa e outra no Institu to H istórico e Geográfico Brasileiro. A segunda edição, sob o título Notícias do Brasil, saiu n a Coleção de no­ ticias para a história e a geografia das nações ultramarinas, que vivem nos D om ínios Portugueses ou lhe são vizinhas, Academia R eal das Ciên­ cias, t. 3, p arte 1, Lisboa, 1825. Foi esta edição que mereceu os reparos e censuras de Varnhagen, feitos nas Reflexões criticas. Dos estudos e exames dos 17 códices exis­ tentes, produziu V arnhagen a magnífica edição de 1851 (46a). Em 1879, foi reeditado no R io de Janeiro, na T ip . de João Inácio da Silva, e em 1886 servia-se o In stitu to H istórico desta mesma impressão, que chamou de 2.a edição do vol. 14, ou seja, da edição de 1851. Não existe realm ente 2a. edição do tomo 14 ou da edição de 1851, já que a de 1886 é a mesma de 1879 e esta é a fonte de todos os erros de texto que desde então corrom­ pem a obra de G abriel Soares. T odas as edições posteriores, como a de 1939 e a de 1945, utilizaram-se do texto corrupto de 1879, impresso sem as notas de Varnhagen. Q ualquer nova edição tem que tom ar como base o texto de 1851. Exemplos característicos são, por exemplo, os seguintes: 1) no capí­ tulo v, que declara a costa da ponta do rio das Amazonas até o do M a­ ranhão, se diz: “por este rio entrou um varão m eirinho, piloto da costa, com um caravelão” (ed. de 1851, 20), e na edição de 1879, está escrito: “Por este rio entrou um Bastião M eirinho, piloto da Costa, com um caravelhão” (ed. de 1879, 9). 2) O capítulo vm, intitu lad o “Em que se declara a costa do rio Jagoarive até o cabo de São R oque”, contém supressões de textó a p a rtir da ed. de 1879. Cf. ed. de 1851, 25, ed. de 1879, 12-13, ed. de 1939, 15, ed. de 1945, 1.° vol., 89. Ora, a edição de 1851 fora cuidadosam ente corrigida por quem m elhor estudara nos próprios códices o texto, que aparecia como o mais genuíno e correto. Estes truncam entos ou acréscimos de textos são, às vezes, de extrem a gravidade. Foi, por exemplo, baseado no texto impresso em 1825 que o ilustre geógrafo D ’Avezac foi buscar um argum ento im portante para a tese francesa n a questão de limites do Brasil com a G uiana Francesa. N a edição de 1825, baseada no texto im perfeito da Biblioteca de Paris, havia, no capítulo m , em que se declara o princípio donde começa a cor­ rer a costa do Estado do Brasil, o acréscimo “que dem ora de baixo da lin h a” em seguida ao rio Vicente Pinzón. D ’Avezac aproveitou-se deste texto corruto para reivindicar os supostos direitos franceses (74). Mas Var­ nhagen, na sua réplica às considerações críticas de D ’Avezac à sua História geral do Brasil, não deixou passar este argum ento, m ostrando que já na prim eira edição daquela obra se m ostrara a apocrifia das palavras (4S). Felizmente, neste ponto os textos posteriores de 1879, como os de 1886, 1939 e 1945, não foram viciados. O p róprio A ditam ento que aparece na (46a) T ratado descritivo do Brasil, R IH G B , t. de Janeiro, 1851. (47) Considérations géographiques sur Vhistoire (48) Exam en de quelques points de Vhistoire n.° 81, e H istória geral do Brasil, l .a ed., 1857, 2.°

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14, vol. 14, 1851, e T ip . L aem m ert, Rio du Brésil, Paris, 1857, 111 e segs. géographique du Brésil, Paris, 1858, 45, vol., 468, nota 10.

edição de 1879 é formado de extratos salteados da segunda edição da H istória geral do Brasil (cf. 380-389 e 357-359). Entre a prim eira edição de 1825, publicada pela Academia das Ciên­ cias de Lisboa, tão rudem ente tratada nas Reflexões criticas por V arnha­ gen e a edição por ele feita, não m edeia apenas o pequeno espaço de vin­ te e seis anos: distinguem-se duas épocas. Um a de publicação de textos e documentos sem qualquer aparato crítico; outra de edição crítica de tex­ tos e documentos. A fase crítica inicia-se com Varnhagen, que se mostrou perfeitam ente capaz de um a realização dessa natureza porque estava abso­ lutam ente identificado com os novos processos que apareciam, com a pu­ blicação dos M onum enta Germaniae historica e a fundação da École des Chartes e sabia o que tudo isso significava p ara a história.

Diário da navegação de Pero Lopes de Sousa O Diário da navegação de Pero Lopes de Sousa foi inicialm ente edi­ tado por Francisco Adolfo de Varnhagen, que na advertência prelim inar explicou como preparou o texto de sua edição (48). Ele exam inou três có­ pias, as únicas que conhecia até então. A prim eira, sobre cuja genuinidade nunca hesitou, era escrita em letra do princípio do século xvm , papel sem m arca d ’água, form ato de fólio pequeno, num erado com 72 páginas. O utra cópia pertencente ao bispo Conde D. Francisco de S. Luís, em letra m o­ derna, pouco lhe serviu. Realizou V arnhagen pesquisas nas bibliotecas públicas e particulares de Lisboa, Porto, Coimbra, Paris, M adri e só na Biblioteca da A juda teve a satisfação de encontrar “um códice de letra quase contem porânea, sendo como o de rom ano restaurada de J. P. R i­ beiro, e portanto certo que anterior ao tem po do dom ínio castelhano”. Entusiasm ado com este códice, V arnhagen descreve-o minuciosamente, p ara autenticar sua antiguidade. Demonstra, então, grande hesitação. A princípio, diz ele, projetava im prim ir o prim eiro manuscrito, que lhe pertencia, mas em face deste terceiro, da Biblioteca da Ajuda, decidiu segui-lo, por ser mais antigo e completo; depois, devido a questões orto­ gráficas — pois lhe haviam sugerido não ser rigoroso q u an to à pontua­ ção e à ortografia —, verificou que com as modificações feitas este m uito se assemelhava àquele. Decidiu então seguir a cópia que lhe pertencia. Vê-se, deste modo, que V arnhagen não chegou a exam inar cuidado­ samente as várias cópias, de modo a convencer-se de qual a m elhor a seguir. Por isso ele mereceu as censuras de Jordão de Freitas (50), quando, no (49) Diário da navegação da A rm ada que foi à terra do Brasil em 1530 sob a capitaniam or de M artim Afonso de Sousa, escrita por seu irmão Péro Lopes de Sousa, publiqado por Francisco Adolfo de Varnhagen, Lisboa, 1839, ed. de Varnhagen, 2a. ed., S. Paulo, 1847; 3.a ed., R IH G B , t. 24, 1861, 9-103; 4.a ed., Rio de Janeiro, Tip. D. L. dos Santos, 1867; 5 a ed., 1927, Rio de Janeiro, comentada por Eugênio de Castro, série Eduardo Prado; 6.a ed., Rio de Janeiro, 1940, com comentários de Eugênio de Castro. (50) Jordão de Freitas, “A expedição de Martim Afonso, de Sousa”, História da colo­ nização portuguesa do Brasil, Porto, 1924, 97-164. É de notar-se que tanto Jordão de Freitas, no trabalho acima, como Eugênio de Castro na 5.a e 6.a edições do Diário, equivocaram-se quando afirmaram que Varnhagen publicou seu texto na primeira edição segundo o códice da

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seu magnífico trabalho sobre a expedição de M artim Afonso de Sousa, ao descrever o códice do século xvi N avegaçam ' que fez Pero Lopes de Sousa no descobrimento da costa do Brasil m ilitando na capitania de M artim de Sousa seu irmão na era da encarnaçam de 1530, existente na Biblioteca da A juda, m ostra que Varnhagem considerou-o, ao conhecê-lo, simples cópia (51), de letra quase contem porânea, rom ano-restaurada, ju l­ gando-o, pouco depois, original (52). Além disso, V arnhagen atribuíra o códice à pena de Pero Lopes e ao punho de Pero de Góis (S3); em 1839, achara o títu lo redigido por “b árbara pena” e sua letra mais m oderna que o título, e ao reeditá-lo, em 1861, m anifestara a convicção de que esta letra era do próprio p unho de M artim Afonso de Sousa (54). Assim, segundo Jo rdão de Freitas, V arnhagen não foi feliz nas apreciações ou análises críticas que fez ao códice da Biblioteca da A juda posteriorm ente a 1839, isto é, desde que deixou de considerá-lo um apógrafo para classificá-lo como m anuscrito original. Jordão de Freitas m ostra ainda que o exame paleográfico e diplom á­ tico do códice fora feito por Pedro de Azevedo, que declarou ser a letra do texto rom ano-restaurada, ao contrário da que usava Pero de Góis, que era gótico cursiva, e pertencia ao terceiro ou quarto quartel do século xvi; a letra do título era do princípio do século xvu e não gótico cursiva, que era tam bém a usada por M artim Afonso de Sousa (5B). Em face deste exame realizado por um a das maiores autoridades paleográficas da Península, Jordão de Freitas concluía que o códice não era original e sim cópia bastante incom pleta, além de pouco cuidada. É um apógrafo e não um autógrafo. O m anuscrito da Biblioteca da A juda é um a relação tru n ­ cada do itinerário e viagem de Pero Lopes de Sousa e não um diário; é um a relação ou crônica (baseada, m uito em bora, num diário de bordo que chegou até nós (56). Foi somente na terceira edição que V arnhagen decidiu cingir-se à li­ ção do texto da Ajuda, por ele considerado, erroneam ente, como veio a m ostrar Pedro de Azevedo, como original. “Sou de voto que longe de re­ petirm os hoje o que se fez na prim eira edição (reproduzida servilmente na segunda, feita sem sua assistência), nos cumpre: 1) cingir-nos mais no texto ao do códice original da Biblioteca de S. M. I. em Lisboa; 2) eli­ m inar não só muitas notas e confrontações preteridas por estudos poste­ riores, como as biografias dos dois exploradores irmãos já transcritas na Revista, suprim indo tudo por documentos e observações de mais im por­ Biblioteca da Ajuda. O próprio Varnhagen afirmou textualmente que seguiu o manuscrito que possuía e não o da Ajuda, pois, ao ser aconselhado a regularizar a pontuação e a ortografia, verificou que este, com as modificações feitas, era quase idêntico àquele quepossuía eassim decidiu seguir êste último. Varnhagen esclarece ainda em nota que teria adotado otítulo de Navegação, “se o exemplar que o contém (o da Ajuda) fosse aquele que nos guiasse”. (D iário, primeira ed., 1839, x x x i i i e 61). (51) Jordão de Freitas cita o Diário, l . a ed., x x - x x i e 61. (52) Jordão de Freitas cita a História geral do Brasil, l.a ed., 1854, 65. (53) Varnhagen, H istória geral do Brasil, l.a ed., 45 e 65. (54) Varnhagen, l . a e d . do Diário, x x i i , e d . d a R IH G B , t . 24, 1, 3.a e d . , R IH G B , (55) Jordão de Freitas, ob. cit., 129. (56) Jordão de Freitas, id. id., 132.

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t.

24,6 .

tância” (3T). E acrescentava que quando se tratava da prim eira edição, feita por um observador estudante, tido p o r leigo em tais matérias, essen­ cial era entrar nessas particularidades, para satisfazer aos críticos escru­ pulosos. “H oje, porém, que o nosso inédito se acha universalm ente acei­ to e conhecido no m ündo literário ( . . . ) só nos cum pre acrescentar que temos por averiguado que o códice supram encionado era o próprio ori­ ginal que Pero Lopes levava a bordo” (58). Os equívocos de V arnhagen já assinalados por Pedro de Azevedo ti­ veram o feliz resultado de fazer que ele reproduzisse o m elhor texto, ou seja o da Ajuda. A q u arta edição, tam bém feita por V arnhagen, a q u in ta e a sexta reproduzem o texto da Ajuda, trazendo as duas últim as um a excelente e eru d ita introdução e magníficas notas, além de um volume de docum en­ tos e mapas, preparados por Eugênio de Castro. A q u in ta e a sexta edição constituem um dos mais altos m onum entos da crítica histórica brasileira (59). A s obras de Fernão C ardim Os processos inaugurados por V arnhagen na historiografia brasileira, ao estabelecer os princípios críticos, vão ser seguidos e desenvolvidos por C apistrano de Abreu. Já nos referimos aqui, várias vezes, a esta identidade entre os dois grandes historiadores. C apistrano de A breu não só estabeleceu a autoria dos dois trabalhos de Fernão Cardim , de que já nos ocupamos, D o prin­ cíp io e origem dos indios e D o clima e terra ão Brasil, com o tam ­ bém foi o prim eiro a estabelecer o texto integral das duas obras. A p ri­ m eira foi publicada segundo um a cópia existente n o Institu to H istórico e Geográfico Brasileiro (60) e a segunda foi editada segundo a cópia feita p o r C ândido M endes de Alm eida da cópia existente no mesmo In stitu to segundo o original eborense. Começou a publicação desse texto em 1881, sendo interrom pida a fim de que C apistrano estudasse o texto que pos­ suía F ernando Mendes (61). Feito o exam e indispensável, conjeturou èle que Gonçalves Dias ou João Francisco Lisboa, d u ran te a missão à Europa, deveriam ter m andado copiar o docum ento e enviado ao In stitu to a cópia de que se teria servido C ândido Mendes. A Narrativa epistolar foi editada em Lisboa em 1847, por Varnhagen, sem nenhum a explicação sobre a procedência do texto julgado mais tar(57) Varnhagen, carta à redação acerca da reimpressão do Diário de Pero Lopes, R IH G B , t. 24, 1861, 5. (58) Varnhagen, 3.a ed. do D iário de Pero Lopes, R IH G B , t. 24, 5. (59) Diário da navegação de Pero Lopes, Rio de Janeiro, 1940, Edição da Comissão Bra­ sileira dos Centenários Portugueses. É a segunda edição de Eugênio de Castro e a sexta do texto. (60) Fernão Cardim, Do principio e origem dos indios, Rio de Janeiro, Tip. da Gazeta de Notícias, 1881. Estudado o texto por Capistrano de Abreu, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro reeditou-o em 1895, R IH G B , t. 57, parte 1, 185-212. (61) Fernão Cardim, Do clima e terra do Brasil, R evista M ensal da Sociedade de Geo­ grafia de Lisboa no Brasil, Rio de Janeiro, 1881, t. 1, 20-21, 45-58 e 153-154. Nas últimas páginas citadas Capistrano estabelecia também a autoria de Cardim.

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de como incorreto. Foi varias vezes reproduzida, segundo esse mesmo texto (®2), até que um a colação com o apógrafo eborense prom ovida por C apistrano de A breu no exem plar de Paulo Prado, revelou numerosos erros e m uitas omissões (63). Deste modo, é somente com a edição de 1925 que os três trabalhos da pena de Fernão Cardim saem com o texto corri­ gido por C apistrano de Abreu e R odolfo Garcia (64).

Diálogos das grandezas do Brasil O utro texto m uito ilustrativo é o dos Diálogos das grandezas do Brasil, pela prim eira vez encontrado n a Biblioteca N acional de Lisboa, logo desaparecido e extraviado. Não h á dúvida de que V arnhagen co­ nheceu o texto que existia naquela biblioteca, de vez que n a carta que lhe escreveu João Francisco Lisboa, em 3 de outubro de 1856, pedindo orientação para as pesquisas que então realizava a m ando do governo im ­ perial, receando cair em duplicatas e tirar copias de documentos já impres­ sos na Revista do In stitu to H istórico, segundo suas próprias palavras, este dizia que ainda não tin h a tido tem po de ir à Biblioteca Pública de São Francisco, acrescentando: “onde certam ente farei copiar os Diálogos das grandezas do Brasil, que V. Ex.a me indicou. Desejava, porém , que me desse as notícias que tem sobre esse m anuscrito” (65). Em carta de 18 de ou tu b ro do mesmo ano, inform ava mais que já havia ido àquela biblio­ teca, más que o Sr. José Feliciano de Castilho, que fora bibliotecário-m or, q u an d o em barcara p ara o Brasil carregara com certos m anuscritos im ­ portantes, com o intento de os publicar a li. . . E, com efeito, publicou e começou a publicar Castilho alguns documentos na íris. E ntre os que levou e não restituiu estavam justam ente os Diálogos (66). A publicação no Íris não foi integral. E stando extraviada aquela cópia, de vez que se achava em mãos par­ ticulares, V arnhagen teve a sorte de encontrar, em 1874, ou tro apógrafo n a Biblioteca de Leyde, n a H olanda, de onde estabeleceu o texto que serviu à prim eira publicação integral dos Diálogos e às edições posterio­ res que deles se fizeram (87). (62) Melo Morais, Corografía histórica, Rio de Janeiro, 1860, t. 4, 417-457; nas partes referentes ao Rio de Janeiro, revista Guanabara, 1851, vol. 2, 112-115; a Pernambuco, R IA G P , 1893, n.° 43, 189-206; e à Bahia, notas de Brás do Amaral às M emórias políticas de Inácio Acioli de Cerqueira e Silva, Bahia, 1919, vol. 1, 465-472. (63) A reprodução feita pelo Instituto Histórico da Narrativa) epistolar de Cardim (t. 65, parte 1, 1902, 1-69 da R IH G B ) foi realizada segundo o seu exemplar de 1847 e, assim, sem as correções. (64) Fernão Cardim, N arrativa epistolar, Rio de Janeiro, J. Leite, 1925, ed. de Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia, Tratados da terra e gente do Brasil, São Paulo, C.ia Editora Nacional, 1939. (65) F. A. Vanhagen, Os índios bravos e o Sr. Lisboa, T im on 3.°, pelo autor da História geral do Brasil, Lima, na Imprensa Liberal, 1867, 73-74. (66) F. A. Varnhagen, id. id., 78. (67) Diálogos das grandezas do Brasil, R IA G P , n.os 28, 31, 32 e 33; ed. da Academia Brarsileira de Letras, introdução de Capistrano de Abreu e notas de Rodolfo Garcia, Rio de Janeiro, 1930; ed. Dois Mundos, Rio de Janeiro, 1943, segundo a edição da Academia Brasileira de Letras, notas de Rodolfo Garcia e introdução de Jaime Cortesão.

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História do Brasil de frei Vicente do Salvador O exemplo mais alto da edição crítica no Brasil, dificilm ente superável, é a feita por C apistrano de A breu da História do Brasil de frei Vicente do Salvador. No prefácio que precede a obra, conta C apistrano m inuciosam ente como se deu o inesperado encontro do texto m anuscrito, que serviu de base para a edição definitiva feita em 1918. O texto de frei Vicente do Salvador foi pela prim eira vez visto por Varnhagen, em suas pesquisas em Portugal, na Biblioteca das Necessidades, texto esse que depois desapareceu e se extraviou. Mais tarde, em 1857, João Francisco Lisboa encontrou-o novam ente, e não sabendo quem seria seu autor, es­ creveu a Varnhagen, que lhe respondeu já o haver consultado e ser ele de autoria de frei Vicente do Salvador (6S). D urante m uitos anos, depois do prim eiro encontro feito por V arnha­ gen e do segundo por João Francisco Lisboa, respectivam ente n a Biblio­ teca das Necessidades e n a T o rre do Tom bo, perm aneceu o m anuscrito esquivo à im prensa. Em 1881, por ocasião da Exposição de H istória do Brasil, deu entrada na Biblioteca Nacional, em condições inesperadas, como escreveu Capistrano, um a cópia m anuscrita do livro de frei Vicen­ te, ofertado pelo livreiro João M artins Ribeiro, como um a contribuição ao certame que então se inaugurava. C apistrano, na nota prelim inar que precede a edição de 1918, num a página sentida, n arra como foi recebida a oferta feita pelo livreiro. O mais ligeiro exame do códice revelava o seu passado: “a encadernação de couro à portuguesa, o aspecto do papel, a letra do copista denunciavam -no como um dos numerosos volumes co­ piados dos arquivos e bibliotecas lusitanas na era de 50, por comissão do Governo Im perial, conferida prim eiro a Gonçalves Dias e por fim a João Francisco Lisboa” (69). É evidente, no entanto, pela carta de João Francisco Lisboa a Var­ nhagen, a que já nos referimos, que essa cópia, se foi trasladada, como supôs Capistrano, por um dos dois membros da comissão im perial que andou pesquisando em Portugal documentos relativos ao Brasil, deve ser atrib u íd a a João Francisco Lisboa, de vez que o m anuscrito da Biblioteca das Necessidades se havia extraviado, conforme nota de Varnhagen, e a o utra cópia, a da T o rre do Tom bo, fora por ele encontrada. Fizeram-se várias tentativas de publicação (70). A prim eira edição integral de C apistrano de Abreu, em 1918, tom ou por base o texto da (68) Varnhagen, Os indios bravos e o Sr. Lisboa, 93, e H istória geral do Brasil, l.a ed., 2.° vol.., 52, e 2.a ed., 2.° vol., 687. (69) Frei Vicente do Salvador, H istória do Brasil, S. Paulo, C.ia Melhoramentos, s. d., 3.a ed., vi. (70) Frei Vicente do Salvador, H istória do Brasil. Os dois primeiros livros foram im­ pressos no vol. 5 dos M ateriais e achegas para a história e geografia do Brasil, sob o título História do Brasil. Livros i e i i , Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1887. A primeira edição integral ocorreu, nos A B N , vol. 13, 1888. Anota Capistrano que do cotejo da H istória com o Sumário das armadas foi possível descobrir um erro grave no texto dos A B N , que serviu para as edições de 1918 e 1931: no capítulo 12 do livro 4.° inseriu-se, onde não faz sentido, um trecho do capítulo anterior, no qual foi reposto nas edições de 1918 e 1931 (cf. nota de Capistrano de Abreu, in H istória do Brasil, ed. de 1931, 246). Comparar os trechos in A B N , vol. 13, 128. (Passados assim da banda dalém ... até França) e H istória do Brasil, ed. de 1931 (mesmo trecho, no cap. 11, 308) e o 12 restaurado (310-311).

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Biblioteca Nacional, comparando-o com um a nova cópia extraída do apó­ grafo da T o rre do Tom bo. Em 1931 foi feita nova edição, revista por C apistrano de A breu e R odolfo Garcia. Do ponto de vista crítico, convém acentuar que o códice da T o rre do Tom bo, conforme escreveu C apistrano de Abreu, não é original nem talvez fósse cópia do original. Mas o que torna essa edição um modelo de edição crítica são não só a excelente introdução como os magníficos estudos prelim inares sobre as fontes de cada um dos livros ou capítulos de que se compõe a História. C apistrano estudou m inuciosam ente as principais fontes de cada período e indicou tam bém as fontes principais de que se teria servido frei Vicente do Salvador.

Historiografia' das minas N a historiografia relativa às descobertas das Gerais, poucos textos se salvam. O texto da M em ória histórica e geográfica das descobertas das minas, de C láudio M anuel da Costa, merece atenção especial. Publicada no Patriota sob este título e em 1839 sob o de Fundam ento histórico, pre­ cede o poem a Vila Rica (71). Como acentuou T eixeira de Melo, que fez um minucioso exame do texto, acrescentou M anuel T eixeira de Araújo Guimarães, que então dirigia o Patriota, algumas particularidades histó­ ricas e m odificou para m elhor a redação e a forma (72). Em bora a M e­ mória seja constituída do F undam ento, a verdade é que apresenta enormes diferenças que estão a exigir um a edição crítica que compare os dois textos. A edição das Obras poéticas de C láudio M anuel da Costa por João R ibeiro (73) não cuidou do assunto, mas qualquer observador cuida­ doso verificará várias diferenças e omissões. E ntre outras diferenças que ocorrem entre a M em ória histórica e geográfica do descobrimento das minas e o Fundam ento histórico, anotaremos as seguintes: 1) A M em ória não contém a carta dedicatória, o prólogo e os quatro prim eiros parágrafos, começando pela frase “Os naturais da cidade de São P aulo” (M em ória, in o Patriota, n. cit., 40, e Fundam ento histórico, ed. de O uro Preto, i-ii); 2) O parágrafo que se inicia “Quis M iguel de A lm eida. . . até. . . A urora” é todo modificado, com pequenos cortes n a M emória (M em ória, loc. cit., 45; Fundam ento histórico, loc. cit., iv); 3) N a M emória (45-56) está modificado o parágrafo que começa pela palavra “conseguintem ente” (Fundam ento his­ tórico, v); 4) N a M emória, a ordem das cidades descritas é Vila do Carmo, O uro Preto, Sabará, Caeté, Serro Frio, R io das Mortes, enquanto (71) M em ória histórica e geográfica das descobertas das minas, de Cláudio Manuel da Costa, primeiro publicada no Patriota, jornal literário, político, mercantil do Rio de Janeiro, n.° 4, abril de 1813, 40-68. Foi reproduzida depois no Correio Brasiliense, vol. 22, 1819, 302-312 e 417-427. Em 1839, sob o título de F undam ento Histórico, precede o poema Vila Rica, Tip. do Universal, 1839-41. (72) Teixeira de Melo, “Cláudio Manuel da Costa”, A B N , vol. 2, 230. (73) Rio de Janeiro, Garnier, 1903.

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que no Fundam ento histórico R io das Mortes vem antes de Serró Frió [Memória, 51, e Fundam ento histórico, vm); 5) N a M emoria o trecho referente ao achado das esmeraldas segue a parte relativa ao R io das Mortes, sem intitulação própria, enquanto que no Fundam ento his­ tórico segue a parte relativa ao Serro Frio, que vem depois do R io das Mortes. N o Fundam ento histórico ainda existe outro título diferente: “Prim eira divisão das comarcas”, antes da “Série dos governadores” (ob. cit., ix); 6) H á inúm eras variantes, supressões e erros n a M em ória e aí faltam tam bém todas as citações latinas e poéticas. Em conclusão, tudo faz crer que o F undam ento histórico está mais de acordo com o ori­ ginal do que a Memória. É evidente equívoco atribuir-se a C láudio M anuel da Costa a autoria da Geografia histórica da capitania de M inas Gerais (74), obra de José Joaquim da Rocha. O confronto dos dois textos não revela senão os plá­ gios feitos por este últim o ao F undam ento histórico, de C láudio M anuel da Costa. É bem possível que o prim eiro se tivesse aproveitado do ma­ nuscrito do segundo, então inédito, copiando alguns trechos. Mas vale n o tar que a Geografia histórica é m uito mais fundada e longa que o F undam ento histórico (7B). Aliás, a obra de José Joaquim da R ocha foi várias vezes impressa sob base de textos diferentes. É assim que a prim eira publicação, feita em 1897, pela R evista do A rquivo Público M ineiro, teve por base o texto da Biblioteca Nacional. A edição fac-similar, feita pelo M inistério das R e­ lações Exteriores e lim itada a cinco ou seis exemplares, foi realizada sob a base do códice existente naquela Secretaria de Estado. A edição do Ins­ titu to H istórico e Geográfico Brasileiro, de 1908, foi feita segundo códice da Biblioteca da Ajuda, trazido de Portugal em conseqüência das pes­ quisas aí realizadas por N orival de Freitas. Finalm ente, a do Arquivo Nacional, segundo códice ali existente, é de 1909. N a prim eira publica­ ção, o título é M em ória histórica da capitania de M inas Gerais, n a segunda e n a quarta, Geografia histórica da capitania de M inas Gerais, e na do Institu to Histórico, Descrição geográfica e- política da capitania de M inas Gerais (76). Que se trata de um a mesma obra e que seu autor tenha sido José Jo aq u im da R ocha não padece dúvida. O m elhor estudo sobre os vários textos é o de Francisco Lobo Leite Pereira, n a introdução que escreveu para a edição do Arquivo Nacional. Salvo pequenas diferenças, diz ele, tra­ (74) Cf. José Afonso M endonça de Azevedo, “ O cimélio de Félix Pacheco” , Jornal do Comércio, 1.® de setembro de 1946. (75) O confronto do m elhor texto da “Geografia histórica da capitania de M inas Gerais” de José Joaquim da Rocha com o F undam ento histórico, de C láudio M anuel da Costa, revela alguns trechos copiados pelo prim eiro do segundo. É assim, por exemplo, o trecho que começa por “E ra Bartolom eu B u e n o ...” a t é . . . “ que os dos Rios, e seus tabuleiros, que são as m argens planas que o cercam dos lados” ( “Geografia histórica” , in Publicações do A rquivo Público Nacional, vol. 9, R io de Janeiro, 1909, 14-15), que não é senão um plágio do Fundam ento histórico. (76) A obra de José Joaquim da Rocha foi publicada não só com base em códices d i­ ferentes, mas com vários títulos. A edição do M inistério das Relações Exteriores não é datada (1 9 3 3 ?), a publicação da R IH G B ocorre no t. 71, pte. 1, 116-194, e a do Arquivo Nacional nas P A N , vol. 9, 13-100.

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ta-se da mesma obra n a form a e no fundo; as mesmas matérias, quase na mesma soma, os mesmos documentos expostos do mesmo modo, o mesmo singular plano de coordenação, as mesmas idéias com a mesma concatenação, os mesmos modos de enunciá-las, em geral as mesmas palavras. Esta edição parece ser aquela em que o texto foi mais cuidadosam ente exa­ m inado e editado. N a introdução que escreveu para a publicação do texto de José Joa­ quim da R ocha pelo Arquivo N acional (vol. 9), Francisco Lobo Leite Pereira diz que o autor, depois de com por a Geografia histórica da capitania de M inas Gerais, ao pretender dedicá-la ao governador, a refez, m elhorando-a e abreviando-a, transpondo algumas vezes a m atéria, suprim indo algumas partes, acrescentando um a extensa narração rela­ tiva ao governo de D. R odrigo José de Meneses e Castro, até 1783. M u­ dou, então, o título para H istória corográfica. O utra cópia, com pe­ quenas diferenças, omissão do nom e do autor e dedicatória, com o título m udado para M em ória histórica foi o trazido p o r N orival de Freitas, de Portugal. O m anuscrito em cópia antiga do Arquivo N acional não é íntegro. Afirm a Lobo Pereira que a Descrição geográfica é a segunda forma da Geografia histórica, m odificada em vários pontos e dim inuí­ da em algumas partes. C onclui que a Descrição, salvo diferenças de redação e substituição de palavras, é a História corográfica referida por Pizarro. A Geografia histórica é a form a anterior da História corográfica. A M em ória histórica é outra forma, contendo apenas transposições de períodos, intercalações de tábulas, abreviações de n arra­ tivas. Do confronto destes textos, diz ele, parece que a M em ória histó­ rica, a Geografia histórica e a Descrição geográfica são a mesma obra, na forma e no fundo, salvo pequenas diferenças. O utro texto profundam ente viciado nas várias publicações que têm sido feitas é a Breve descrição geográfica, física e política da capitania de M inas Gerais, de Diogo Pereira R ibeiro de Vasconcelos. A obra foi a princípio publicada n a Revista do In stitu to Histórico e Geográfico Brasileiro, sob o título de Descobrimento das M inas Gerais, e posterior­ mente na Revista do A rquivo Público M ineiro (77). O texto que serviu à edição do In stituto H istórico não é completo, pois não contém o elogio p relim inar e os artigos correspondentes à descrição da capitania e seus rios, clima, natureza vegetal e anim al. Começa com o capítulo sobre a natureza m ineral, depois de saltar grande parte inicial, e term ina no capí­ tulo 11, sem incluir o conhecido capítulo 12, relativo às pessoas célebres de Minas. O texto da segunda publicação merece tam bém severas cen­ suras, pois, possuindo o próprio A rquivo Público M ineiro um original, limitaram-se os editores a reproduzir o texto estam pado na Revista do In stitu to Histórico, acrescentando apenas os trechos omissos, segundo o original que possuíam. O próprio capítulo 12, pelo fato de já haver sido impresso em 1896 (78), não foi reunido ao conjunto da obra que, assim, aparece desfigurada, com pequenos trechos de um códice, grande parte reproduzida de um a edição anterior e um capítulo omitido. (77) (78)

R IH G B , vol. 29, p arte 1, 1866, 5-114, e R A P M , vol. 6, 1901, 761-853. R A P M , vol. 1, 443-452.

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Mas, independentem ente destas graves falhas em m atéria de edição, o texto da Revista do Institu to Histórico não é fiel nem íntegro. O exa­ me e confronto dos vários códices existentes na Biblioteca N acional per­ m ite tal afirmação. Até 1881, época da Exposição de H istoria do Brasil, possuía a Biblioteca três códices, que foram descritos no respectivo Ca­ tálogo (70) e dos quais apenas o terceiro é completo. Até 1894 não havia entrado ali o m elhor de todos (1-1, 1, n.° 4), que pertencera ao Sr. Bispo A uxiliar de M ariana D. Silvério Gomes Pim enta, pois em agosto desse ano assinava Ramiz Galvão a pequena nota com que explicava a copia do capítulo 12, da dedicatoria e do índice por ele mesmo feito do códice pertencente a D. Silvério (Mss. 1-32, 6, 21). Verifica-se, deste modo, que, em bora se diga no Catálogo da Exposição de H istoria do Brasil, em nota ao terceiro dos códices ali registrados, que ele completava os outros, considerou Ramiz Galvão ainda insatisfatório o texto, talvez porque não observara que os ofícios pertencentes ao A ditam ento estavam no principio do códice e, deste modo, julgasse faltar o mesmo A ditam ento a que não se seguia página nenhum a depois da folha de rosto. Verifica-se, também, que é posterior a 1894 a entrada do códice I-I, 1, n.° 4, pertencente a D. Silvério, sem contestação o m elhor dos existentes na Biblioteca Na­ cional. O texto da Revista do In stitu to Histórico e conseqüentem ente o da Revista do A rquivo Público M ineiro não devem ter sido baseados em qualquer dos códices da Biblioteca Nacional, porque ou term inam com a frase final do capítulo 11 “O medico he hum hom em necessario” (como nos códices 1-3, 1, n.° 3 e 1-2, 1, 28, o que não se dá na transcrição da Revista), ou contém o capítulo 12 e a “Relação” e “A ditam ento”, como nos códices 1-1,1,8 e I-l,l,4, trechos que não foram transcritos na Revista do In stitu to Histórico. Àquela frase final segue-se um enorm e trecho que di­ ficilmente se descobre donde foi extraído. Trata-se de um a interpolação(80). O trecho final no últim o ofício do “A ditam ento” foi reunido ao fim do capítulo 11. Sabemos que em dois códices não ocorria o “A dita­ m ento”, que num ele aparecia às prim eiras folhas, o que dificultaria a interpolação — e que o outro só deu entrada na Biblioteca em 1894, quan­ do a publicação da Revista é de 1866. Assim, não parece ter sido de qual­ q uer destes textos que se serviu o Instituto Histórico para im prim ir a Breve descrição em. sua Revista. De tudo isto, conclui-se a extrem a necessidade de oferecer aos estudiosos üm texto lim po do cronista.

Outros exemplos O utro grande exemplo que deve ainda ser m encionado é o da H is­ tória geral do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen, que mereceu de C apistrano de A breu e especialmente de R odolfo Garcia um a edição (79) Cf. CEHB, n.°» 611, 612 e 19.S64. O n.° 611 do Catálogo (1-2, 1, n.° 28) não contém o capítulo 12 nem a “ Relação dos diam antes” , nem o “Aditam ento, com preendendo vários o f íc io s ...”; o n.° 612 (1*3, 1, n.° 3) é o que se encontra em pio r estado e, como o anterior, não possui as partes referidas; o n.° 19.364 (1-1, 1, n.° 8) contém a “Relação” , e o “A ditam ento” , cuja folha de rosto segue a “ Relação” mas cujo conteúdo vem no princípio do códice. É assim, completo. (80) Cf. no Códice 1-1, 1, n.° 4, as d.yás últim as folhas, e no códice 1-1, 1, n.° 8, as duas folhas do “A ditam ento” , no princípio do códice.

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crítica definitiva e realm ente valiosa. As eruditas notas que esclarecem o texto, restauram as indicações bibliográficas e fornecem novas indica­ ções, de acordo com as mais recentes pesquisas, são um verdadeiro mo­ delo (81). Assim como temos procurado indicar aqui as principais edições crí­ ticas da historiografia brasileira, queremos tam bém registrar alguns exemplos de edições que não de^em merecer dos estudiosos, apesar de dirigidas por grandes nomes, boa acolhida. Começaremos pela edição da obra de D. Francisco M anuel de Melo, o T ácito português, sob o título Vida e m orte, ditos e feitos de el-rei Dom João VI, feita segundo um apógrafo da Biblioteca N acional (Rio de Janeiro, 1940). Conservada inédita durante séculos, pois foi escrita em 1650, contém valiosas infor­ mações sobre P ortugal da Restauração, sobre as lutas com os holande­ ses e sobre negociações diplomáticas. Existiam 10 cópias espalhadas, 9 nas bibliotecas portuguesas e uma, que serviu de m odelo a essa edição, na Biblioteca Nacional. Os editores, Afrânio Peixoto, Rodolfo Garcia e Pedro Calmon, deixaram de proceder à indispensável colação da cópia da Biblioteca N acional com as nove cópias existentes em Portugal, con­ sideradas por Edgar Prestage, o m elhor e mais autorizado conhecedor de D. Francisco M anuel de Melo, como incompletas. H á mesmo quem con­ sidere os vários autógrafos claram ente deturpados nos prim eiros livros. Seria interessante, escreve M ário de Sampaio Ribeiro, que se em preen­ desse o estudo crítico de tal obra suspeita, quiçá “fabricada, na Oficina N o­ va M anuscritense, estranha designação de um a oficina m uito ativa no fornecim ento de livros que circulavam clandestinam ente” (82). A Cultura e opulência do Brasil de André João A ntonil só deve ser consultada na prim eira edição (1711), de vez que nem a edição de 1837, nem a de 1923 respeitaram o texto. Esta últim a, eivada de erros e omis­ sões, seguiu a de 1837 e não a de 1711, de que então não existia na Bi­ blioteca N acional nenhum exemplar. A colação do texto de 1711 com o de 1923 revela as numerosas faltas desta últim a (83). Entre outros exemplares de edições indignas de apreço podem citar-se a dos Anais do R io de Janeiro, de B altasar da Silva Lisboa, feita pelo chefe do Serviço de M useu da Cidade, Ademar Barbosa Ferreira de As­ sunção, revista por Gastão Penalva, tendo, felizmente, saído apenas o prim eiro tom o (Rio de Janeiro, 1941); e a Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas, áe Luís dos Santos V ilhena (Bahia, Im pr. Ofi­ cial, 1921-35, 3 vols.), editada por Brás do Amaral, sem respeito ao texto original, que pertenceu à coleção José Carlos Rodrigues e hoje se encon­ (81) Francisco Adolfo de V arnhagen, História geral do Brasil, 3.a ed., feita por Capistrano de A breu e Rodolfo Garcia, S. Paulo, C .ia M elhoram entos, s. d., 5 vols. A p rim eira edição è de 1854-57 e a 2 a de 1877. ^(82) M ário de Sampaio R ibeiro, crítica a Jean Colomés, “ H ispanisants portugais du x vneme siècle” , Biblos, vol. 22, t. 1, 1947, Coim bra, 1947. Vide carta de M anuel Cícero a Edgar Prestage, de 2 de m aio de 1911, quando aquele se interessou pelo apógrafo da Biblio­ teca Nacional (Seção de Manuscritos da Biblioteca N acional, Livro -de Correspondência, de 14 de janeiro de 1911 a 3 janeiro de 1912). (83) Alice P. C anabrava publicou nova edição, Com panhia E ditora Nacional, 1967, e André Mansuy prepara o texto da edição de 1711 em tradução francesa e com entário crítico. Vide introdução já editada, In stitu í des H autes Études de TAmérique L atine, 1966.

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tra na Biblioteca Nacional. Brás do A m aral não reproduziu todos os de­ senhos do original e não teve nenhum a sobriedade nas notas e com entá­ rios, que deveriam apenas esclarecer, retificar ou atualizar o texto, como ensinou o mestre R odolfo Garcia. Em m atéria de edição de documentos, um m au m odelo são os Documentos holandeses, publicação de algumas das cópias trazidas da H o­ landa por Joaquim Caetano, acompanhadas de um a tradução francesa anô­ nim a. A tradução para o vernáculo foi feita diretam ente do francês, sem nenhum a colação com o texto holandês, por Abgar R enault (84).

(84) Sobre a edição dos Documentos holandeses, R io de Janeiro, Serviço de Documentação do M. E. S., 1.° vol., 1945, vide nota de José H onório Rodrigues, Bibliografia de história do Brasil, 2.° semestre de 1945, Comissão de Estudos dos T extos da H istória do Brasil, M inistério das Relações Exteriores, R io de Janeiro, 1946, 23-25. O utro exemplo é o da carta de A nchieta, de 9 de ju lho de 1565, extratada por Simão de Vasconcelos e publicada na íntegra po r Baltasar da Silva Lisboa. T rata-se de péssima transcrição. Vide nota de Capistrano de A breu in H istória geral do Brasil de V arnhagen, vol. 1, 427, onde aparece m elhor reproduzida (427-429); o utra transcrição em Cartas, ed. ^da Academia Brasileira de Letras, 1933, 244-254.

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C a p ít u l o 14

Crítica

interna

p r i n c i p a l d e v e r do historiador, no processo de pesquisa e estabelecimento dos fatos, é distinguir o verdadeiro do falso, o certo do incerto, o duvidoso do admissível (J). A crítica histórica tenta fixar, nas fontes, a realidade do sucedido, elim inando o docum ento espúrio, determ inando a época, descobrindo o autor, estabelecendo a integridade do texto e firm ando a credibilidade do docum ento e do fato. Esta últim a é o ponto mais alto de todo o pro­ cesso e por isso é denom inada por Bernheim de crítica superior ou interna. Trata-se de saber o grau de fé que podemos conceder a um a teste­ m unha, cujo depoim ento foi considerado autêntico e íntegro. Percebe-se logo a im portância, seriedade e responsabilidade da investigação, pois ela envolve o difícil e com plicado problem a do valor do testemunho. Realm ente, um a fonte histórica não é senão o testem unho escrito e espontâneo de um a testem unha já m orta, e é assim dependente, como q u alq u er testem unho em geral, do modo como esta percebeu o aconteci­ m ento, o conservou em sua memória, foi capaz de evocá-lo e como quis ou pôde exprimi-lo. As diferenças fundam entais que distinguem o teste­ m unho ju d iciário do histórico, tais como o ser escrito e não falado, es­ pontâneo e não interrogado, vivo e não m orto, não im pedem que n a crí­ tica do valor do testem unho se procure verificar em que m edida o teste­ m unho do indivíduo são e de inteira boa-fé pode ser considerado como a relação exata dos fatos sobre os quais ele depõe? Esta a questão fun­ dam ental que deve ser investigada. É certo que se não podem aplicar ao testem unho histórico as experiên­ cias e análises psicológicas e os exames clínicos, mas se o valor do teste­ m unho depende da crítica que se lhe faz, então o historiador conta tam ­ bém com certos princípios que lhe facilitam a apuração da verdade. F. Gorphe, em obra completa e m oderna (2), sustenta que se deve aos his­ toriadores, ao edificar as regras da crítica histórica, o ter sacudido a noção em pírica comum do testemunho.

O

(1) (2)

Goethe, Sãm tliche W erke, S tuttgart, J. J. Cotta’scher Verlag, 1860, 1.° vol., 237. F. Gorphe, La critique de témoignage, Paris, 1924, 12.

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A historia conta essencialmente com os relatos espontâneos e não os obtidos por interrogatorios (estes só nos casos revolucionários, processos e devassas). Ora, os psicólogos modernos reconhecem que, do ponto de vista da sinceridade, o espontâneo se m ostra vivo e mais puro (menos deformado) que o obtido por interrogatorio (3). Éste últim o representa o resultado do conflito entre o que o individuo sabe, de um lado, e o que as perguntas que lhe são dirigidas tendem a fazer-lhe saber. A crítica de que o relato espontâneo tem o defeito de ser incom pleto e irregular (não se estende uniform em ente), com interpolações que não são úteis e que não dizem tudo o que interessa e nada mais que isso, não prejudica a história, pois de regra todos os detalhes têm valor e são im portantes p ara a his­ tória, e quando não o são nessa época ou para este autor, poderão sê-lo mais tarde para aquele mesmo investigador ou outro qualquer. Além disso, pode-se suprir as insuficiências de um com outras fontes. A única dificuldade é quando só há um testem unho, já por esta própria particu­ laridade insuficiente. Como o historiador, de regra, se defronta com relatos espontâneos (como exceção do inquérito), ele não pode presum ir sinceridade e em todas as fontes exerce a mesma rigorosa crítica, investigando se a teste­ m unha conhecia bem o fato sobre o qual depôs, exam inando o grau de sua competência, de sua exatidão e sinceridade e apurando sua capaci­ dade de reprodução. Para responder à prim eira pergunta é necessário saber se o autor conheceu o fato direta ou indiretam ente, por observação pessoal ou por ouvir dizer, e, neste caso, quais os interm ediários do co­ nhecim ento indireto. Chegamos, assim, ao estudo das fontes do autor, ou das fontes da fonte, as quais, quando estabelecidas, decidem da fidelidade do documento. Foi o que fez C apistrano de Abreu com a H istória do Brasil de frei Vicente do Salvador, ao apontar, com m inúcia e segurança, as fontes de que se servira e as fontes gerais da época para controle daquelas. É evidente que se não pode dar à testem unha indireta, ex credulitate, que se afirm a com um vago ouvir dizer, ou um a frágil impressão, o mesmo crédito que se reconhece na testem unha direta, ex scientia. O critério re­ m ontará às origens do conhecimento, pela análise interna, verificando se a observação foi direta ou indireta. Os modernos estudos psicológicos sobre o testem unho, especialmente os de Stern, têm confirmado a velha afirm ativa de Loysel, de que um só olho vale mais que dois ouvidos. Assim como o conhecimento direto estabelece a favor do docum ento um a presunção de fidelidade, assim tam bém a competência do autor em bem conhecer e bem com preender o fato reforça nossa crença na sua exatidão. É o que lem bra H arsin, ao escrever que se pode ver um a coisa, mas vê-la mal, incom pletam ente, ou pior ainda, não compreendê-la (4). É preciso, então, ser capaz de com preender o fato que se descreve. Não basta, pois, ver; é preciso saber, pois o testem unho põe em jogo a m aior parte das funções intelectuais. A capacidade depende da idade, (3) (4)

E. M ira y López, M anual de psicologia jurídica, R io de Janeiro, Agir, 1947, 170. P aul H arsin, C om m ent on écrit l’histoire, Paris, 1933, 72-

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da cultura e da experiência do autor e, portanto, estas circunstâncias de­ vem ser apuradas com segurança. Como temos acentuado, a credibilida­ de não depende só do texto, do conteúdo da afirmativa, mas da perso­ nalidade da testem unha ou do objeto do testemunho. A. influência da cultura e da profissão sobre o testem unho tem sido ressaltada nos últimos trabalhos psicológicos. Cada um conhece m elhor sua especialidade e, con­ seqüentemente, deve fornecer m elhor testem unho sobre aquilo que não lhe é estranho. Mas nada disto im plica desconhecer as deformações e os erros dos profissionais e especialistas. Verificada a origem da observação e a capacidade do observador, ini­ cia-se o processo difícil e delicado de aferir-se a exatidão ou precisão com que consignou o fato. Problem a intim am ente ligado ao da sinceridade do autor. De principio, devemos distinguir entre a inexatidão involun­ tária de detalhes — que é m uito comum, da inexatidão deliberada. A crítica da sinceridade serve para determ inar no que acreditou o autor, e a da exatidão, os fatos exteriores que o autor observou (5). N a prática, elas não se distinguem, de vez que, seja por insinceridade ou p o r falta de exatidão, o que se quer é a realidade ou veracidade do fato. Não h á critério de sinceridade, pois o que se chama comumente de “ar de sinceridade” ou “impressão de verdade”, não é senão aparência, e não prova, não é senão habilidade de enganar. O meio de apuração con­ siste, especialmente, em conhecer o autor, seus hábitos, seu com porta­ mento individual e social. A análise exige explicação biográfica e que se situe a obra na época, entre os contemporâneos e as próprias vivências pessoais do autor. Equivale, portanto, a um esclarecimento racional dos elementos que compõem a obra, de sua peculiaridade e significação. A consideração sobre as condições de liberdade ou censura de pen­ samento im porta m uito em relação ao intuito do autor de falar a ver­ dade. Em alguns países, a liberdade de escrever é franca, noutros oprim i­ da e nuns h á prêmios para a lisonja, ódio e castigo para a verdade. A condição da pessoa, sua honradez, sua constância e coerência têm significação especial para o crítico. Mas é preciso não esquecer nunca de apurar, com extrem o rigor, se houve algum a intenção escondida que faça suspeitar do depoim ento. Interesses pessoais ou coletivos, precon­ ceitos, orgulho, ódio, ressentimento, simpatia, antipatia, vaidade, tem or de censura ou escândalo, tendências dramáticas, romanescas, líricas ou ora­ tórias, preguiça de investigação e conseqüente invenção alteram ou defor­ mam com pletam ente a verdade. É um a questão de extrem a im portância, pois é freqüente — e nós já citamos o caso das cartas falsas — que precon­ ceitos façam aceitar as piores acusações e cheguem mesmo a abolir todo o espírito crítico de homens de comprovada inteligência e honradez. A intenção de dizer a verdade, toda a verdade e só a verdade é sin­ gularm ente difícil de ser observada e de fazer observar (6). A análise da sinceridade depende, assim, da caracterização psicológicà, social e econô(5) Charles Seignobos, La m éthode historique appliquée aux sciences sociales, Paris, Alean, 1909, 61. (6) P aul H arsin, ob. cit., 86.

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mica do autor e, por isso, a crítica de atribuição é um passo indispensável ao estabelecim ento da credibilidade. Antigam ente, limitava-se o historiador, tal como o jurista, ao co­ nhecim ento do valor m oral da testem unha. U m a boa m oralidade era a m elhor garantia de sinceridade e fidedignidade; um a pessoa conscienciosa, que se não deixa corromper, que não vende seu testem unho, que não fala com ligeireza, era o tipo ideal do inform ante seguro. Sabemos que mesmo os mais corretos e honrados depõem influenciados pelas suas dis­ posições afetivas, ou deformados pelos seus interesses econômicos, sociais e políticos (N ullus in re sua testis intelligitur). É preciso, então, apurar se o autor não falseou a verdade, baseado em considerações. próprias, visando destacar os seus merecimentos ou prejudicar o adversário,, colocando na frente de tudo seus interesses, tidos como superiores e verdadeiros. Nesta etapa, a crítica histórica procura estudar as condições de co­ nhecim ento do autor. Foi ele ou não coagido, forçado, por motivos so­ ciais, políticos e econômicos, ao escrever suas informações ? É preciso, en­ tão, conhecer o autor e as condições de sua vida. M uitas vezes, ele podia qUerer apenas velar pela sua situação social e não contar a verdade. Na m aioria dos casos, pode não haver má fé, mas apenas ingenuidade, precon­ ceito ou leviandade. É necessário, pois, saber a filiação política, social e religiosa do autor. Se era rico e desejava ver assegurados seus privilégios, ou se era pobre e queria apenas alcançar situação m elhor. O conheci­ m ento da relação entre as condições econômicas de classe e profissão e os autores m uito auxilia a crítica interna. Devemos considerar a interferência da concepção de vida e do ho­ mem n a fonte ou, m elhor, do autor na fonte, tal como n a ínterpretaçãoL quando se realiza o verdadeiro trabalho do historiador, de construção dta narrativa. O historiador diante de fonte partid ária deve agir com extrem a cau­ tela e prudência, porque ela esclarece e deforma, ao mesmo tempo, a rea­ lidade dos fatos, e dificulta e favorece sua compreensão. U m “Saquaiem a” explica m elhor que ninguém a posição “Saquarem a”, mas tambéat deform a m elhor que ninguém a situação social e política que ele preten­ deu resolver. T o d a a sociologia do conhecimento, com os elementos qae fornece para a compreensão desse processo, torna-se então um p recio» auxiliar para a crítica in tern a (7). N ão se pode adotar a atitude sim plista de afastar ou abandonar a fonte partidária. É preciso ouvi-la criticam ente (8), confrontá-la com a t outros testem unhos e dar-lhe então o crédito que merecer. A fidedignidade pode e deve ser estabelecida pelo controle de outra» fontes. H arsin classifica de controle direto o caso em que um a delas o»(7) Consulte-se M ax Scheler, Sociologia dei saber, M adri, Revista de Occidente, 19EL e K arl M annheim , Ideology and Utopia, Nova York, H arcourt Brace & Co., 1940. (8) O aviso de 2 de setembro de 1834 declarava que, no processo crim inal, a testem^sàaL em bora fosse inim iga de um a das partes, não deixaria de ser inquirida, porquanto no ato a inquirição ela poderia ser contestada, e, provada a inimizade, dar-se-lhe-ia o crédito o k merecesse.

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nheceu a outra, confirmou-a, negou-a; indireta quando, sem conhecer os outros testemunhos, um a ou diversas fontes confirm am ou negam o con­ teúdo do testem unho em exame (9). Mas, como proceder quando em face de um único testem unho ? A declaração de um só testem unho não é suficiente desde a lei mosaica e da lei nova (Deuteronom io, 19, 15, S. Lucas, 16, 10, S. Mateus, 15, 19, S. P aulo a T im óteo, 5, 19). É um a regra de tradição a que estabelecia testis unus, testis nullus, ou, como dizia Loysel, voix d’un voix de nun. Esta continua sendo a po­ sição de Langlois e Seignobos, de Fling e de H alphen. De acordo com estes autores, por m elhor que seja um testem unho, por mais segura que seja sua informação, por mais perem ptórias que sejam as afirmações de um docum ento oficial, h á um a regra de que o historiador não deve se afastar nunca: não considerar um testem unho como decisivo, se não for confirmado p o r outro. Só a observação estrita desta regra perm ite evitar os erros que ameaçam levar a numerosas faltas de transcrição ou mesmo de redação, que se insinuam nos atos públicos; só ela perm ite descobrir as alterações que um texto ou um m onum ento sofrem freqüentem ente no curso do tempo; só ela perm ite rem ediar as debilidades de atenção ou memória, às quais nenhum a testem unha escapa. E quando o historiador se vê, em conseqüência da penúria de documentos, privado deste meio de controle, ele sabe e deve ter a honestidade elem entar de sublinhar o caráter incerto de suas conclusões (10). J á a posição de B ernheim não é tão negativa. Ele o aceita, depen­ dendo do valor da fidedignidade da própria testem unha. Não é exato, como diz Carraghan, que Smedt aceite como verdadeiro o testem unho único simplesmente acima de suspeita (n ). Smedt é m uito dubitativo e cheio de reservas. Se é exato que ele diz que o testem unho isolado não pro­ duzirá um a inteira certeza senão quando se constatar positivam ente que o caráter e a posição da testem unha não perm item nenhum a dúvida quanto à exatidão do seu depoim ento, não é menos certo afirm ar que a crença que ele gera em nós é mais ou menos vaga, e a fé que nós lhe em­ prestamos não tem a firmeza que resulta da presença de fundam entos sólidos. “N ão experim entarem os nenhum a surpresa ao ouvir em seguida este acontecim ento contado de outra m aneira, nem nenhum a repugnân­ cia em m udar nossa m aneira de ver, quando relações mais seguras nos tenham instruído melhor. Nós admitimos, então, de boa vontade este estado mais ou menos flutuante de adesão do espírito em relação a certo núm ero de fatos que nos são conhecidos por um a testem unha única da qual não podemos controlar suficientem ente o valor” (12). A aceitação do testem unho único significa, assim, a adesão mais ou menos flutjuante, até que novos dados o reforcem ou anulem . Esta é a ver­ (9) P au l H arsin, ob. cit., 87. (10) Louis H alphen, Introduction à Vhistoire, Paris, Presses U niversitaires de France, 1946, 42. (11) G ilbert J. Carraghan, A Guide to Historical M ethod, Nova York, Fordham University, 1946, 294. (12) Charles Smedt, Principes de la critique historique, Liège, 1883, 131-13/fc*

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dadeira posição a ser adotada e que, .no fundo, concorda com a reserva de H alphen. Bernheim lem bra p ara o acolhim ento do testem unho único o controle indireto, a prova segundo a probabilidade interior, isto é, se os fatos narrados se enquadram dentro do conjunto que já conhece­ mos (13). A nalisando os testemunhos, podemos dividi-los em controlados e in­ controlados (14). Os prim eiros seriam constituídos por toda fonte ou p ar­ te da mesma composta sob o peso de um a responsabilidade m oral supe­ rior, como as moedas, documentos e protocolos oficiais, investigações ci­ entíficas. Os segundos com preenderiam : em prim eiro lugar, as inform a­ ções orais ou escritas que estão mais ou menos expostas a influências psí­ quicas individuais ou coletivas, a saber, os rumores, lendas, anedotas, as exposições históricas nelas baseadas e, em grande parte, as memórias; em segundo lugar, todas as fontes de caráter publicitário, que podem tam ­ bém ser controladas, não porém sob o controle da verdade e sim da von­ tade de um p artid o determ inado, e que, de m odo geral, pretendem apre­ sentar-se como objetivos, mas nunca podem realm ente sê-lo. De modo que temos sempre que deduzir, nos testem unhos históricos, o elem ento subjetivo, que se coloca entre a realidade e sua reprodução. O controle direto se faz q uando existem duas ou mais testemunhas, com as mesmas garantias de credibilidade, conhecedoras umas das outras, e se confirmam, corrigem ou contradizem. N o prim eiro caso pode-se atingir e fidelidade perfeita, desde que não houve plágio ou não se trate de pura dependência de fontes. No segundo caso, ficamos conhecendo o fato na sua integridade. O terceiro caso em baraça o historiador, porque não existe meia verdade, nem meio de conciliação, quando se afirm am coisas que repugnam umas às outras. Q uando duas ou mais fontes, independentes entre si, inform am so­ bre um fato e concordam inclusive sobre os detalhes que estão apenas em relação acidental e não necessária e norm al com o mesmo fato, as infor­ mações, desde que não sejam baseadas em opiniões contem porâneas con­ tagiosas, em enganos, preconceitos, idéias de partido, e sejam realm ente independentes, devem ser tidas como verdadeiras. Se as fontes concordam q u an to aos fatos principais e discordam quanto aos detalhes acessórios, devem-se tam bém presum ir verdadeiros os fatos, pois, provavelm ente, as informações foram independentes. Se há dissensão quanto à substância do fato, é preciso verificar se ela não deriva da circunstância de os autores se referirem a momentos diferentes. Se a dissensão é absoluta, é preciso tom ar as fontes em sentido relativo e não absoluto, verificando, pelâ situação pessoal dos inform an­ tes, qual dos testemunhos tem maiores probabilidades de ser verdadeiro ou, então, pelo contraste estabelecido, verificar se é possível chegar à con­ clusão de como os fatos se teriam passado. U m a terceira fonte, por vezes, pode vir resolver a questão. O utras vezes, a dúvida persiste. Daí a neoes(13) Ernest Bernheim , Lehrbuch der historischen M ethode, Leipzig, V erlag von D uncker i: H um blot, 1908, 536. (14) W ilhelm Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 482-83.

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sidade da comparação das fontes, tal como se faz na crítica de textos, com a colação dos mesmos (15). É o caso de certos cronistas que devem ser confrontados com outros, a fim de que a substância do fato fique verdadeiram ente estabelecida. É o que acontece, por exemplo, com Diogo de Campos M oreno, cuja Jor­ nada do M aranhão foi, por largo tempo, a única fonte sobre a conquista do M aranhão realizada por Jerónim o de A lbuquerque. Com a publicação d a Historia do Brasil de frei Vicente do Salvador, teve-se um a versão independente dos acontecimentos e pôde-se ver o outro lado da questão. C apistrano de Abreu, ao preparar a edição da Historia mostrou que a Jornada em mais de um passo arranhava a verdade e devia ser cotejada com os testemunhos de M anuel de Sousa e frei Vicente do Salvador. Diogo de Campos M oreno foi malévolo e injusto para com Jerónimo de Albu­ querque, porque desejava ele próprio, como sargento-mor do Brasil, di­ rigir a expedição, que foi entregue a este(16). De m odo geral, pode-se dizer que a efetividade do fato fica garan­ tida quando está confirmada por informações contem porâneas indepen­ dentes entre si. N a prática, ainda, como lem bra m uito bem H alphen (17), a m aior parte dos fatos ressalta com toda clareza da simples aproxim ação dos testem unhos recolhidos, desde que a docum entação tenha sido esta­ belecida com todo o cuidado. É evidente que não im porta o núm ero de testem unhos em discordân­ cia. Deverá ser levado em consideração aquele que o exame crítico de­ clarar fidedigno, ou mais digno de confiança. A conciliação dos vários testemunhos discordantes independentes não deve ser feita por um ver­ dadeiro historiador — como já apontam os ao trata r da convicção histórica. O confronto dos testem unhos contraditórios, depois de pesados e exa­ minados em face de sua qualidade e caráter, impõe, então, as seguintes legras: 1) afastar a fonte julgada indigna; 2) acolher o testem unho mais digno de confiança; 3) verificar a relação de dependência de duas ou raais fontes de m enor crédito; 4) não há m eia verdade, mesmo quando se apura que as fontes são partidárias. Cabe ao crítico verificar onde está a verdade num a e noutra, e onde está a falsidade ou m entira num a e noutra; 5) contradições incidentais, que não afetam a substância aum en­ tam, às vezes, a compreensão do fato integral; 6) há casos de contradições aparentes e não reais. Então, é possível solver o conflito. O controle indireto é o caso mais freqüente e desde logo afasta qual­ q u er possibilidade de conluio entre os testemunhos. Se há acordo tanto m elhor para o historiador e para a verdade histórica; se há variantes, assinalem-se as contradições e reserve-se o juízo. (15) W ilhelm Bauer, ob. cit., 489; Ch. Smedt, ob. cit., 134-136. (16) Ernesto Ennes, no seu docum entado trabalho sobre As guerras nos Palmares, São Paulo, 1938 (126, 205 e 353), fornece informações completamente divergentes sobre o procedi, m ento de Domingos Jorge Velho, dadas pelo próprio e por frei Francisco de Lima. Exemplos m agníficos de crítica interna exerceu Jaim e Cortesão nos seus artigos de introdução à história das Bandeiras, especialmente os seguintes: “A veracidade no padre M ontoya” , A Manhã, 25-4-1948; “A lenda negra e a lenda branca” , id., 23-5-1948; “ Os caranguejos de frei Vicente”, id., 30-5-1948; “ Uma história que nunca se escreveu” , id., 18-7-1948. (17) Louis H alphen, Introduction à Vhistoire, Paris, Presses U niversitaires de France, 1946, 37-38.

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O utro m eio de controle negativo é o chamado argum entum ex silen­ tio, a prova da não-veracidade de um a testem unha pelo silêncio de todas as outras testemunhas diretas. De m odo geral, ele se form ula: se um fato testem unhado um a única vez fosse verdadeiro, teria sido confirmado tam ­ bém p o r outras fontes contem porâneas; desde que este não é o caso, o testem unho deve ser inverídico e o fato não deve ter ocorrido. A regra crítica estabelecida por Jean de Launoy ensina que, passados duzentos anos da época em que deveria ter acontecido o fato, devemos considerar como falsa a notícia do testem unho único, om itido nos outros. É fácil ver a precariedade da regra, logo denunciada por Bernheim, que diz só se dever usar o argum ento condicionalm ente, pois afirm ado de modo geral é absolutam ente errôneo (18). Se a conclusão hipotética negativa contida na fórm ula é errada, mais desacertada ainda é a regra crítica de Launoy. A prim eira significaria que o silêncio de todas as ou­ tras fontes só poderia ter um a razão: a de que o fato não ocorreu e por isso não foi observado por outros e com unicado por eles. Ora, sabemos que existem outras razões p ara o silêncio das fontes: o fato pode ter perm a­ necido ignorado dos outros; pode não ter sido considerado digno de re­ gistro, e por isso calado propositadam ente; nem todas as fontes podem estar conhecidas; o fato pode estar oculto num a expressão que, posterior­ m ente, veio a ter significação diferente. Por tudo isso, aconselha Bem heim que se use o argum entum ex silentio com restrição, pois todas essas razões explicativas do silêncio são excluídas. É preciso verificar se o silêncio não foi deliberado, tendencioso, se não foi devido a considera­ ções partidárias, nacionalistas ou causado por disposições afetivas. É preciso que se trate de fatos de certa notoriedade e im portância, para que se possa afirm ar que um contem porâneo não os teria om itido caso eles tivessem ocorrido realm ente. E vale lem brar, acrescenta Bernheim, que a im portância do fato não deve ser julgada do nosso ponto de vista, mas daquele em que se colocava o autor, a fim de avaliar o que parecia a este im portante ou sem im portância (19). Como já assinalamos anteriorm ente, m uitas vezes o juízo de valor dos contem porâneos realça ou dim inui o valor de um acontecim ento, ao considerá-lo inerte ou eficiente para a exata compreensão do presente. O argum entum ex silentio é, pois, com toda a certeza, como força p robante independente, raram ente utilizável; desde que aquelas razões não podem ser determ inadas com toda a certeza, esse argum ento não pode ser levantado contra um testem unho por si mesmo fidedigno (20). Emprego correto do argum entum ex silentio dentro das reservas aci­ ma referidas foi feito por A lexandre H erculano, n a famosa questão do aparecim ento de Cristo n a batalha de O urique. O grande mestre, de­ pois de toda a argumentação, a que nos referimos quando tratamos da forjicação, advertia, em últim o lugar, que em nenhum historiador, quer árabe, quer cristão, daqueles -tempos ou dos im ediatam ente próximos, se (18) (19) (20)

E. Bernheim , Lehrbuch der historischen M ethode, Leipzig, 1908, 536-538. E. Bernheim , ob. cit., 538. E. Bernheim , ob. cit., 538.

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acha m encionado o sucesso de O urique. “É um argum ento negativo, que n ada prova contra a realidade do acontecim ento atestado por escritores nacionais e coevos, mas que nos parece m ostrar qu an to ainda na prim eira m etade do século x m êle estava longe de fazer o ruído e de ter a im por­ tância que em épocas posteriores se lhe a trib u iu ” (21). N a historiografia brasileira, outro mestre aplicou-o com exata com­ preensão. Ao estudar C aram urü, V arnhagen discutiu, com base no argu­ m entum ex silentio, a suposta viagem a Paris, não afirm ada por uma única testem unha, màs pela tradição. Baseado n a falta total de algum a notícia, V arnhagen excluiu o fato, adm itindo apenas que existiu a via­ gem, mas que a tradição esquecera o indivíduo e a data do sucesso (22). Antes de tra ta r dos critérios de julgam ento de certas fontes especí­ ficas, convém lem brar finalm ente- que m uitas vezes o erro ou insuficiência n ão foram devidos à falta de observação direta, insinceridade, ou inca­ pacidade, mas tão-somente às deficiências de reprodução ou expressão escrita. Já dizia o grande discípulo de R anke e um dos principais pionei­ ros da m etodologia crítica que todo narrador nos relata não os próprios acontecimentos, mas a impressão que deles recebeu. Neste processo de re­ presentação h á sempre, unido à experiência, um elem ento subjetivo; reter o verdadeiro quadro dos acontecimentos elim inando este elem ento sub­ jetivo, eis a tarefa da crítica histórica (23). T odas estas investigações críticas procuram , assim, atender àquele objetivo ideal que Goethe atribuía ao verdadeiro historiador. Livrem en­ te ele considera a natureza do fato, a reputação das fontes, a verossimi­ lhança dos fatos alegados, afastando os inconvenientes dos m exeriqueiros e desassisados que difam am, maldizem, deform am e alteram a verdade ou as faltas provocadas por vícios de percepção do inform ante. Estabelecer a confiança no docum ento e a fé no testem unho é, assim, a tarefa m áxim a da crítica e com ela se encerra o período de investigação, para começar o da recriação do passado sob forma de narrativa. O docum ento, o testem unho não é prova, como já dissemos, mas ins­ trum ento de prova; ele contém erro e verdade. É um instrum ento inteli­ gente e autônom o, nem sempre seguro e preciso. Nem se tem o recurso de ajeitá-lo antes de servir-se dele. Daí a necessidade do controle crítico, que indica se recai sobre ele algum a exceção ou suspeita e dem onstra a validade ou nulidade da fonte.

Credibilidade de fontes específicas 1. A utobiografia. H á um a só diferença acidental entre a auto­ biografia e as memórias, que essencialmente são um mesmo gênero de fontes. A quela nunca perde de vista sua relação com o narrador, pois de (21) Alexandre H erculano, H istória de Portugal, Lisboa, 8.a ed., 2.° t., 285. (22) V arnhagen, “C aram uru na H istória” , R IH G B , t. 10, vol. 10, 1948, 129-53. (23) Von Sybel, “G edáchtnis R ede auf Leopold v. R anke” , Historische Zeitschrift, 1886, cit. p o r A. Johnson, T h e H isto ria n 'and Historical Evidence,* Nova York, Scribner’s, 1934, 100.

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regra abraça sua carreira completa, enquanto que estas podem ou não abranger toda sua carreira. A autobiografia, o gênero histórico da p ri­ m eira pessoa do singular, representa sempre para o historiador um au­ xílio na compreensão do papel do indivíduo no curso histórico. T eo ri­ camente, o ego revelado nas autobiografias nunca deixa de ser um pro­ duto do processo histórico-social que cria um espartano ou um rom ân­ tico, mas como as teorias são propostas pelo próprio homem e por ele utilizadas, a história da autobiografia mostra não só a conformidade, como a dissensão, o compromisso como a divergência (24). Como lem bra T re ­ velyan, as mais famosas autobiografias são as Confissões de Santo Agos­ tinho e de Rousseau. É um gênero altam ente difícil, pois é mais fácil pecar que confessar o pecado. A autobiografia tem como formas básicas o diário e as memórias. a) O diário caracteriza-se pelo fato de qüe suas anotações se escre­ veram ao tempo em que se produziu o acontecim ento. N aturalm ente, é preparado para uso próprio, registando o pessoalmente vivido, e as im ­ pressões de leituras, as advertências e^ os conselhos de outros. Mas, de regra, poucos foram escritos sem preocupação pela posteridade. Raros serão os que sentem prazer na m era expressão particular, ou que fazem do seu diário um confessionário. A contem poraneidade do registo é um a garantia de sua exatidão. Como é sempre subjetivo, e como “ninguém m ente mais descaradam ente do que a si próprio”, a crítica exige que se compare o que o autor diz de sua vida com as manifestações dos outros sobre a posição social, atividades e grau de educação do mesmo. A comparação com os documentos e cartas escritas pelo autor ou que a ele se refiram m uito esclarecem o problem a da fidelidade. Os me­ lhores diários são quase sempre os dos contem porâneos situados num segundo plano, que viveram os acontecimentos ou estão bem informados, mas não tiveram participação ativa neles (2B). Exam inados com rigor e prudência, os diários podem suprir o histo­ riador de abundantes detalhes de vida, que o capacitam a alum iar e colorir situações históricas. b) Memórias. A inerente falibilidade das memórias exige um exaus­ tivo exame crítico. Elas são, na opinião quase unânim e dos metodologistas, as mais indignas de fé de todas as fontes. O escritor de memórias raras vezes tem um propósito puram ente científico, e poucas vezes escreve como observador desapaixonado dos acontecimentos ou como crítico de sua época. De regra, ele pretende descobrir as causas dos seus próprios atos, situando-se no centro da narração. São peças de justificação, onde se exalta a própria vida e se acusam os adversários. É sempre ou quase sem­ pre um a relação mais longa e detalhada que o diário. (24) A m elhor história da autobiografia na antiguidade é a de Georg Misch, A History o f Autobiography in A n tiq u ity, 1951, 2 vols. Poder-se-ia citar como um exemplo de prática desse gênero, no Brasil, a A utobiografia do Visconde de M auá, 2.a ed., Zélio Valverde, Rio de Janeiro, 1943 (prefácio e anotações de Cláudio Ganns). (25) W. Bauer, ob. cit., 42. Bom exem plo constitui o Diário intim o do engenheiro Vauthier (1840-1846), prefácio e notas* de G ilberto Freyre, R S P H A N , 1940.

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Foi a vida social do século xvm , na França, que facilitou a expansão deste gênero, tão po p u lar ali como a biografia na Inglaterra, e que nos permite, ainda qu.ando parcial, em relação a sucessos e pessoas, form ar um a idéia sobre a psicologia e as correntes ideológicas dos círculos sociais dom inantes (2e). As memorias são de pouca fidedignidade, porque contêm notícias ten­ denciosas, m entiras e calúnias, especialmente quando são de estadistas, diplom atas e m ilitares, preocupados com os contem poráneos ou com a posteridade. Depois de derrotas, de quedas e insucessos, procuram alguns descarregar suas deficiências e culpas sobre outros. Como se trata de obras subjetivas, é preciso, então, resolver a complexa equação pessoal, antes de usá-las e lembrar-se que elas são, como diz Bauer, a expressão geral da superestrutura espiritual da classe dom inante. Inveja e vaidade, ressentimento e antipatia são de regra os impulsos psicológicos dos me­ morialistas (27). N o Brasil, é só no século xix que começam a aparecer as prim eiras memórias, especialmente no período agitado da Independência e da R e­ gência. O conhecim ento do autor é de extrem a im portância, pois não são raras as memórias escritas por outrem , como é o caso das de F ran­ cisco Gomes da Silva, o Chalaça, redigidas por R odrigo da Fonseca Ma­ galhães (28). Pode-se concluir, com Bauer, que de regra a valorização histórica das memórias é m uito baixa e é com extrem a cautela e prudência que os historiadores devem aproveitar-se de suas informações. É certo, também, (26) W. Bauer, ob. cit., 431-432, e José Honório Rodrigues, “ As memórias e os aconteci­ mentos históricos brasileiros” , Jornal do Brasil, 14 de março de 1958. (27) Um exem plo vivo e atu al destas descargas psicológicas se encontra nas declarações das personagens centrais dos acontecimentos brasileiros de 1930 a 1964. (28) M em órias oferecidas à nação brasileira, Londres, impresso por L. Thom pson, 1931. Publicadas sob o nom e de Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, foram redigidas por Rodrigo da Fonseca Magalhães. Sobre a autoria, vide capítulo especial sobre o assunto. A bibliografia de memórias é extrem am ente rica. Vide CEHB e depois, como exemplos, J. M. Pereira da Silva, M emórias do m eu tem po, R io de Janeiro, 1895-96, 2 vols.; A lberto de Oliveira, Memórias ¿a vida diplomática, Paris, 1926; A ureliano Leite, M emórias de um revolucionário de 1930, São Paulo, 1931; R odrigo Otávio, M inhas memórias dos outros, R io de Janeiro, 1934*36, 3 vols.; H um berto de Campos, M emórias, l .a parte, 1886-1900, R io de Janeiro, 1935; Oliveira Lima, Memórias (Estas m inhas reminiscências), R io de Janeiro, 1937; Manoel A. Velho da M otta, O Conde de M otta Maia. . . . Reminiscências do Segundo R einado, 1937; Júlio Belo, M emórias de um senhor de engenho, R io de Janeiro, 1938; M emórias de um Cavalcanti; Trechos de um litro de assentos de Félix Cavalcânti de A lbuquerque Melo (1821-1901), São Paulo, 1940; Albino José Barbosa de Oliveira, M emórias de u m magistrado do Im pério, São Paulo. 1943: M emórias do Visconde de Taunay, São Paulo, 1948; Augusto F. Schm idt, O galo branco, São Paulo, 1948; Augusto Meyer, Segredos da infância, Livr. Globo, 1948; F. Setem brino de C ar­ valho, M emórias, dados para a história do Brasil, R io de Janeiro, 1950; Graciliano Ramos, Memórias do cárcere, Rio de Janeiro, 1953; João Alberto, M emórias de um revolucionário, l.a parte, A m archa da coluna, 2.a ed., R io de Janeiro, 1954; M anuel Bandeira, Itinerário de Pasárgada, R io de Janeiro, 1954; G ilberto Amado, História da m inha infância, R io de Janeiro, José Olympio, 1954; id., M inha formação no Recife, 1955; id., M ocidade no R io e primeira zriagem à Europa, 1956; id., Presença na política, 1958; id., Depois da política, 1960; José Lins do Rêgo, M eus verdes anos, R io de Janeiro, José Olym pio, 1956; D aniel de Carvalho, Capítulos de memórias, l.a série, R io de Janeiro, José Olympio, 1957; J. de Castro Nunes, Alguns hom ens do m eu tempo ( memórias e impressões), R io de Janeiro, José Olvmpio, 1957; João Neves da Fontoura, M emórias, E ditora Globo, 1958-1963, 2 vols.; A ltino Arantes, Passos do meu caminho, R io de Janeiro, José Olympio, 1958; Afonso Arinos de Melo Franco, A alma do tempo, Rio de Janeiro, José Olympio, 1961; id., A escalada, 1965, e Planalto, 1968; José Américo de Alm eida, O ano do négo (M em órias), R io de Janeiro, Gráfica Record Editora. 196S.

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que algumas memórias, apesar das deficiências psicológicas que invali­ dam seu conteúdo, são úteis, tal como o diário, para a visão de certos detalhes, de costumes e da vida social. 2. C artas. A carta ou a correspondência pode ter caráter biográ­ fico ou publicitário, quando se dirige a grandes correntes da opinião p ú ­ blica. No prim eiro caso, como docum ento privado e confidencial, que esclarece aspectos pouco conhecidos ou inéditos, é um a preciosa fonte, especialmente se contém descrições, registo de costumes, hábitos e ten­ dências. No segundo caso, é intencional e por isso mesmo disfarça ou oculta aspectos pouco lisonjeiros e acusa ou divulga falsidades (29). Assim, deve-se acreditar, de regra, mais n a correspondência privada que n a pública. A correspondência oficial de governo a governo e a diplo­ m ática devem ser usadas com extrem a reserva. As cartas de diplom atas, em bora mais objetivas que as anteriorm ente referidas, estão sujeitas tam bém aos preconceitos e interesses pessoais do diplom ata. Q uando este escreve duas cartas, um a pública e outra confidencial, dirigida aos responsáveis, esta merece mais crédito que a prim eira (30). A mesma cautela deve ser usada em relação aos tratados, que, às vezes, contêm cláusulas intencionalm ente obscuras, a fim de evitar sua execução. 3. O jo rn al. Os metodologistas e críticos da história apontam o jornal, quase sempre, como exem plo de fonte suspeita. Pondo de lado o editorial, que é a parte menos digna de fé, a própria notícia e o anúncio devem ser usados com cautela. A notícia simples, a reportagem destituída de interesse pessoal contêm erros de fato, devidos à má observação, per­ cepção ou representação. Os anúncios, tão úteis à história social e econômica, pelos dados que fornecem sobre artigos e peças, devem ser aproveitados depois de certo exam e crítico. U m a regra ensinada por C arraghan é a de não levar m uito em conta as descrições dos artigos anunciados à venda (31). São tantas as cautelas exigidas, que um teórico aceita como fide­ dignos apenas os fatos desinteressados, de origem oficial, como notícias sobre o tempo, navegação, transferências de propriedade, mercado, esta­ tísticas, etc. (32). (29) W . Bauer, ob. cit., 440. O exem plo clássico são as Cartasdo solitário (publicadas inicialm ente no Correio M ercantil, 1862), 3.a ed., Brasiliana, voL 115, São Paulo, 1938; as Cartas ao amigo ausente, de José M aria da Silva Paranhos, publicadas pelo In stitu to R io Branco, edição organizada por José H onório Rodrigues, R io de Janeiro, 1953; "C artas de D. P edro n ao Visconde de Tauna.y” (A M I, vol. 9, 1948); “ Cartas do Visconde do R io Branco” (A M I, xii, 1951); de V arnhagen a D. Pedro n (A M I, 1948); de Gonçalves Dias a D. Pedro II (A M I, X I, 1950; de bispos a D. Pedro ii (x, 1949); a Correspondência de Machado de Assis a Joa­ qu im Nabuco, Sao Paulo, 1923; a Correspondência de M auá, Brasiliana, vol. 227, R io d.e Janeiro, 1943; A ntônio Torres e seus amigos, S. Paulo, 1950, ed. de Gastão Cruls; Correspondência de Capistrano de A breu , R io de Janeiro, In stitu to Nacional do Livro, 1954-56, 3 vols., ed. orga­ nizada e prefaciada por José H onório Rodrigues; as cartas de D. Pedro i i à Condessa de B arrai —■ Alcindo Sodré, A brindo um cofre, R io de Janeiro, Livros de Portugal, 1950; e R ai­ m undo M agalhães, D. Pedro n e a Condessa de Barrai, Ed. Civilização Brasileira, 1956. Sobre cartas anônim as, vide excelente estudo e exemplos de O távio Aires, “ Cartas anônim as à F a­ m ília Im perial” , A M I, ix, 1948, 93-103. (30) G. J . Carraghan, ob. cit., 252. (31) G. J. Carraghan, ob. cit., 256. (32) A. Johnson, T h e Historian and Historical Evidence, Nova York, Scribner’s, 1934, 96.

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N a verdade o problem a crucial não é mais saber quem escreveu, ou o que escreveu, mas a quem pertence o jornal. A questão decisiva para o historiador é “de quem é ?”. A p rópria entrevista, que é um a das m odernas contribuições do jor­ nalismo contem porâneo, está sujeita ao mais severo controle. O jo rn a­ lista procura ouvir e divulgar aquilo que faz aum entar a venda, e supre com dados inventados aquilo que não obtém. A entrevista coletiva é que se cerca de elementos mais dignos de confiança, a menos que não haja liberdade de interrogar ou sugerir questões e o repórter se veja obri­ gado a receber a entrevista redigida, que é então simples propaganda. A noticia redatorial, como fonte histórica, é sempre ou quase sempre suspeita. N unca se sabe quem escreveu, quase sempre há um a .colaboração ideológica dos vários redatores, que discutem antes o problem a. Além disso, sabemos que, a p a rtir do ano 80 do século xix, o jornal aparece industria­ lizado, a serviço da organização capitalista, das grandes forças plutocráticas (bancos, trustes, cartéis). A influência destes grupos não se lim ita às ques­ tões mercantis, mas se estende aos problem as políticos e até literários e científicos. A crítica precisa determ inar o partido político a que pertence o jornal, porque seus interesses econômicos não seguem caminhos m uito distintos dos políticos. Necessita, também, distinguir entre im prensa oficial e oficiosa e não deve identificar im prensa e opinião pública. A im prensa não exprim e a opinião pública, mas procura influenciá-la (33). Não pode tam bém o historiador deixar-se influenciar pela opinião expressa por um contem porâneo interessado sobre a credibilidade desta ou daquela folha. Melo Morais, profundam ente irritado com o gabinete de 3 de agosto de 1866 (liberal, dirigido por Zacarias Góis e Vasconcelos), pretendeu em itir um juízo definitivo ao escrever que o futuro historiador que desejasse escrever a história de 1866-67 só poderia recorrer ao Diário do R io de Janeiro, ao Jornal do Brasil e ao Correio M ercantil, pois os demais se haviam vendido ao gabinete (34). 4. R elatos de viajantes. A credibilidade dos livros de viajantes está sujeita, também, a um a apreciação crítica para cada caso. De modo geral, pode-se dizer que as notas de viagem de turistas que vêem apressa­ dam ente o país e sobre ele generalizam devem ser confrontadas com fontes mais seguras, de melhores conhecedores. Smedt exem plifica com o caso de um viajante que ouve dizer que aquele ano foi de grande abundân­ cia, tendo havido belas colheitas. Para verificar a certeza da informação, ele procura conhecer a pessoa que fala. Se é um velho proprietário, por exemplo, que vive nos arredores há longos anos, apaixonado pela esta­ tística e que, nesse particular, lhe fornece todos os meios para se esclarecer, não h á razão para duvidar de sua informação. Se, por acaso, é o filho desse velho proprietário, que vive m uito mais na cidade e só vem ao campo por motivo de prazer, e que soube por ouvir dizer, seu testem unho é pouco seguro (35). (33) (34) (35)

W ilhelm Bauer, ob. cit., 471, 474-477. Melo Morais, Brasil histórico, R io de Janeiro, 1866-68, 2.a série, 226. Charles de Smedt, ob. cit., 118.

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E ntre os que registaram suas impressões de viagens pelo Brasil, se há, p o r exemplo, viajantes como Saint-Hilaire, M artius e Spix, de grande prudência e capacidade crítica nas suas observações sobre costumes e nos­ so meio social, outros h á como Charles Expilly e F. Biard, cujas infor­ mações são frutos da precipitação e da ligeireza, devendo ser exam inadas com rigor. O exame da credibilidade se exerce tam bém nos casos de fontes im­ pessoais, como boatos, anedotas, lendas, provérbios, canções e tradição oral. Deve-se consagrar especial atenção a circunstâncias de que o n ar­ rador tenha sido testem unha ocular ou presencial do sucesso e fixar o pra­ zo transcorrido entre o relato e os acontecimentos. As variantes, os acrés­ cimos, a colaboração posterior devem ser estabelecidos. É regra comum a contradição destas fontes com a verdade histórica; ainda assim elas for­ necem curiosas informações de natureza social e psicológica.

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C a p ít u l o 15

A com preensão e a síntese históricas

não se esgota na procura, descoberta, exame e crítica do docum ento. A purada a autenticida­ de e veracidade deste, o historiador inicia um a tarefa m uito mais com­ plicada, mais difícil e mais refinada. Ele deve com preender a significa­ ção de todo aquele m aterial colhido e criticado, p ara elaborar a síntese e escrever a narração. Até então, sua tarefa se lim itara à p u ra pesquisa ou à construção do andaim e instrum ental do conhecim ento histórico. Para chegar à obra verdadeiram ente histórica é necessário não só fixar o fato e a exatidão objetiva do acontecim ento, como determ inar o sentido da ação do homem, superando a instância docum ental. tr a b a lh o h is tó ric o

O

O historiador não se pode lim itar à pesquisa e ao exame crítico das fontes. Deve interpretá-las; deve ex tra ir do texto histórico a plenitude da vida que foi e que permanece ñas formas presentes. Deve recom por o conjunto orgánico, pensando e sentindo, a fonte ou fontes que a crítica julgou limpas e certas. Se a história não quiser ser um jogo de títeres tem que com preender o acontecimento, sentir e pensar a grandeza e h u ­ m ildade das personagens, penetrando no seu íntim o, fixando as decisões, os impulsos, os atos de vontade libertados pelos sucessos. Deste modo, ele não se pode aprisionar ao sentido gram atical e literal dos textos, acei­ tando sem restrições a velha lição de que estes nada deixam ao arbitrio do historiador, pois a historia já está escrita em textos auténticos, nos quais não h á incerteza. O historiador tem o direito e o dever de interpretar o sentido e o pensamento, a ação e sentim ento que existem encarcerados nos textos. T an to assim que ele já utilizou a interpretação extraliteral na crítica interna. A diferença fundam ental está em que nesta se parte do texto p ara considerações e pesquisas externas, enquanto na interpretação geral existe m aior liberdade de ação, de tal m odo que tanto se procede de su­ gestões e hipóteses teóricas para o texto, como deste para considerações teóricas, n um jogo m útuo teórico e prático. Se é lógico que não se pode acrescentar ou m odificar nada, isto não significa que a ação do historiador se reduza a com pendiar textos e apresentar a recopilação.

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A verdadeira doutrina ainda é a da fidelidade docum ental, acresci­ d a de interpretação. O postulado de Fustel de Coulanges, de que o me­ lh o r historiador é aquele que se m antém mais próxim o dos textos e que só escreve e só pensa em face deles (*), continua vivo, desde que não se queira converter o m undo histórico ao texto, num a regra inverídica, de quod non est in textu , non est in m undo. De outro modo, os motivos psicológicos, todos os fins, todas as razões, toda a compreensão seriam violentam ente excluídos da historia; sem Compreensão, os textos não in­ form am o conteúdo espiritual do ato que se tornou histórico. Pelo do­ cumento, sim, mas tam bém além do docum ento, desde que se fundam en­ te no documento. De outro modo, bastaria alinhar textos, copiar docu­ mentos, para que alguém se convertesse em historiador. A estrita apli­ cação da regra, nada além do texto, ainda que baseada no documento, levaría os historiadores a declarar: “eu não conheço historia, conheço docum entos”, da mesma m aneira que Mr. Bugnet dizia: “não conheço di­ reito civil, conheço o Código N apoleónico”. É certo que m ilhares de arquivistas e pesquisadores, como milhares d e advogados só conhecem os textos históricos ou os códigos. Mas para ser historiador ou jurista exige-se algo mais, como se exige de qualquer cientista. Ortega y Gasset escreveu que a historia não é docum ento, como a física não é experiência. A inovação substancial consiste em aliar se ao pu ro docum ento um a disciplina m ental que com preenda o sucesso his­ tórico (2). A grande m aioria limita-se ao docum ento, evitando compreender, calando a voz, oprim indo a inteligência. Mas mesmo estes — a menos que sejam puros editores de textos —, na escolha, na apresentação, no desta­ que deixam escapar a consciência e penetrar o subjetivo às ocultas. Re­ jeitar todo o esforço de interpretação, pelo tem or ao erro, à im possibili­ dade e ao perigo não decide o problem a. Presta naturalm ente enormes serviços à historiografia o mais hum il­ de dos pesquisadores, descobridor voluntário de realidades. D urante todo o século xix, os progressos e a segurança dos conhecimentos histó­ ricos foram devidos às limitações e à estreiteza de vista que os próprios historiadores se impuseram, o que reduzia a história a um a simples caça docum ental e à crítica textual. Os discípulos de R anke tornaram a heurística e a crítica as duas peças fundam entais do processo histórico. O m elhor historiador seria aquele que soubesse procurar o docum ento, averiguar o fato e, no m á­ ximo, com parar as fontes e os fatos encontrados. O resultado foi a des­ coberta quantitativa de fontes desconhecidas, de fontes abandonadas por infiéis ou forjadas, num magnífico atestado da pujança do novo método. Mas um a funesta conseqüência desta nova direção metodológica foi, tam ­ bém , a òo histo riad o r de cola e tesoura, que perseguia o docum ento e o reproduzia como obra histórica. A produção de livros sem sentido, a es(1) Fustel de Coulanges, Histoire des institutions politiques de Vancienne France, 1888, 33 e 69. (2) O rtega y Gasset, “ H istoriología” , Goethe desde dentro, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1940, 198.

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crevinhação fraca nos fundam entos filosóficos, displicente ou desdenhosa nas teorias de interpretação, reles e pífia na temática, levou à descrença os que se deviam alim entar dessa incrível m istura. Já acentuamos, no capítulo sobre a m etodologia, a nova orientação que, sem desprezar o trabalho heurístico e crítico, acentua o teórico, de interpretação e compreensão. Mesmo porque os que fugiam à reflexão teórica não deixavam de m arcar subjetivam ente seu trabalho. A obje­ tividade histórica não consiste em contem plar a vida dos povos sem pes­ tanejar, de coração frio. A história é tam bém juízo, e tanto um a quanto outro, pela sua significação e pelo seu valor, são sempre e sempre insepará­ veis da verdade. Como acentuou Cassirer, não existe um a só afirmação de fato que não contenha, ao mesmo tempo, implicitam ente, um a afirmação de princípio. T odo juízo sobre um fato concreto se apresenta como um a tese, um sistema, um princípio (3). T o d o fato é já teoria, dizia Goethe. “Os fatos e a teoria não são dois pólos opostos, mas simplesmente duas expressões e dois aspectos de um a só relação indissolúvel” (4). É esta um a de suas máximas fundamentais. O historiador não pode, assim, assumir atitude passiva diante do docum ento. Cabe-lhe um a função, senão criadora, ao menos recriadora. Seria um terrorism o metodológico a eterna prisão ao documento, sem a compreensão dos fins da atividade hum ana, sempre nele implícitos. O reconhecim ento da necessidade de com preender os fatos alegados nos documentos autênticos e fidedignos explica o recurso às teorias in ­ terpretativas. Apelar, esgotada a pesquisa objetiva, para instâncias su­ periores, interpretando, com preendendo, parece ser o mais definitivo ato de criação histórica. N o principio, o fato apurado e criticado, no fim , a compreensão — eis a regra fundam ental. P ara este ato decisivo deve o historiador recorrer a vários dados prá­ ticos e teóricos, especialmente aos que lhe vêm das ciências vizinhas, de parentesco indiscutível, as chamadas ciências sociais. Estas desenvolveramse espontaneam ente por injunção das tarefas da vida e acham-se próxi­ mas da história por afinidade e fundam entos recíprocos. O parentesco entre elas reside na vivência e na sua compreensão. O fato singular, par­ ticular, indivisível e irreversível é a base de todas. A compreensão, que é seu m étodo interpretativo principal, descansa na relação entre a expressão e o expressado, contida em -toda vivência. T o d a vivência — estas ciências são expressões teóricas de vivências — só pode ser ultrapassada quando com preendida. A afinidade dos métodos está na relação das m anifesta­ ções da vida com algo interior, que se expressa nelas. O principal pro­ cesso para com preender é a indução, da qual não se infere um a lei geral, mas um sistema, um a estrutura, que agrupa os casos, como partes, num todo (6). (3) E rnst Cassirer, El problem a del conocim iento. De la m uerte de H egel a nuestros dias, México e Buenos Aires, Fondo de C ultura Económica, 1948, 161. “O que se acha presente no espírito quando se pensa não é nunca um a coisa, mas um estado de consciéñcia” , 147. V ide tam ­ bém , 161-162. (4 ) Goethe, Sãm tliche W erke, S tuttgart, J. J. C otta’scher Verlag, 1860, 1.° vol., 272. (5) W ilhelm D ilthey, El m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944, 91-92. Vide tam bém Introducción a las ciencias del espíritu, México, Fondo de C ultura Eco­ nóm ica, 1944, 5.

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As ciências sociais têm como tarefas gerais a apreciação das rela­ ções do hom em com a natureza e do hom em com o m undo social-econômico; relações, portanto, de estrutura e superestrutura. Pois bem, esgo­ tada a tarefa crítica, inicia-se a da compreensão, que é o processo pelo qual, partindo de fora, conhecemos a interioridade do passado. É preciso, contudo, não confundir a crítica interna, que é a técnica de interpreta­ ção do testem unho escrito, com a interpretação final, que é a compreensão das manifestações da vida. Esta compreensão exige um conhecim ento geo­ gráfico, econômico, jurídico, político, sociológico, antropológico, psico­ lógico, literário e artístico. Daí a necessidade de informar-se o historia­ d o r sempre da atualidade daquelas ciências e letras pajra que sua interpre­ tação seja integralm ente aproveitada e a realidade sucedida seja inte­ gralm ente reconstituída. Além disso, m uito acertadam ente, alguns autores consideram as ciên­ cias sociais como ciências históricas, desde que o seu fim consiste na aquisição de um saber histórico, e um a vez que todo conhecim ento cien­ tífico do social se dirige à determ inação do com portam ento hum ano no decurso de certo espaço de tempo, isto é, dirige-se p ara a determ inação do com portam ento histórico. T odo conhecim ento social científico é his­ tórico, porque é relativo à situação histórica do sujeito cognoscente. Não é possível um conhecim ento objetivam ente independente do sistema de referências de situações históricas concretas do historiador, conforme afir­ m a K aufm ann (8). N o campo espeíial da etnologia, não são poucos os que reconhecem a historicidade dessa ciência e a necessidade de utilização do m étodo his­ tórico na antropologia. G raebner, por exemplo, considerava a etnologia como ciência histórica metodológicam ente (7). H erb ert Baldus declara ca­ tegoricamente estar fora de dúvida que a etnologia pertence às ciências his­ tóricas porque os m ateriais que ela recolhe representam documentos his­ tóricos; em sentido m uito mais profundo a etnologia tam bém é ciência histórica, porque necessita de documentos históricos e deles se vale para poder realizar o seu trabalho (8). Aceita ou não a historicidade das ciências sociais (9), o fato é que para ■uma compreensão mais satisfatória da evolução e da história é necessária a cooperação destas várias ciências. Delas se originam as teorias históri(6) K aufm ann, M etodologia de las ciencias sociales, México, Fondo de C ultura Econó­ mica, 1946, 256. (7) F. Graebner, M ethode der Ethnologie, H eidelberg, 1911, 2 e 71. (8) fíe rb e rt Baldus, Ensaios de etnologia brasileira, São Paulo, C .ia E ditora Nacional, 1956, 19. Sobre a utilização do método histórico na etnologia, vide especialmente W ilhelm Schmidt, T h e Culture Historical M ethod of E thnology, Nova York, Fortune, 1939, 15-22. (9) Opina-se hoje que à geografia caberia superar a oposição e n tre história e ciência n a ­ tural. A geografia hum ana, tratando das relações recíprocas entre natureza e cultura, poderia ser o laço de união entre as ciências do homem e as ciências da natureza. Cf. O tto G raf, Vom B egriff der Geographie im Verhàltnis zur Geographie u n d Naturwissenschaft, 1925, citado por W. Bauer, Introducción al estudio de la historia, Barcelona, Bosch, 1944, 227. Desta opinião participa José Veríssimo da Costa Pereira, ao escrever que, “ estabelecendo a aproxim ação entre as ciências da natureza e as culturais, a geografia é bem um a ciência viva, sintética e original, que realiza ia vida do espírito uma açío equíffòracíora" (" A propósito da evolução, conceito e método da geografia” , R evista Brasileira de Geografia, jan . de 1945, n.° 22, 1477-1481, especialm ente esta última).

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cas, que nos facilitam a compreensão interior do m aterial, o conheci­ m ento dos problem as históricos e a descoberta de suas ligações. Estas te­ orias, contudo, não devem dirigir aprioristicam ente o trabalho histórico, sob pena de transformar-se este em tese. Ao contrário, elas são um a su­ gestão final, ou um roteiro, para que não se deixe o historiador, em face dos documentos, dom inar unicam ente pelo fato n u e cru, mas apreenda tam ­ bém sua significação e sentido. De regra, estas teorias devem prom over a compreensão, focalizando as ligações, os vínculos, as conexões dos fatos com as idéias. O utras ve­ zes, elas segredam ao historiador um conselho sábio: não deixe de ver o que h á en tre este fato e aquele, entre esta e aquela ideologia; espreite as relações do am biente geográfico com o homem, deste com a estrutura econômica e com o m undo espiritual. Elas fornecem, assim, sugestões de trabalho, métodos de compreensão da totalidade. É preciso não confundir o m étodo de pesquisa, que se lim ita a pro­ curar e lim par pela crítica o docum ento, com o m étodo sugerido pela teoria, que é apenas um a hipótese de trabalho, um a conjetura de inves­ tigação e compreensão. Porque, se de regra a teoria, ou m elhor, a con­ jetura, surge do m aterial selecionado, m uitas vezes o historiador neces­ sita voltar à pesquisa a fim de procurar conexões não-investigadas, por descuido m aterial ou despreparo teórico (10). N a verdade, o valor de um a teoria só tem um cam inho p ara acreditar-se: conduzir, em suas conseqüènciãs, a. resultados que se acAem de acorcfo com a experiência, ou seja, com os documentos colhidos, autênticos e fidedignos. Deste modo, bem se pode dizer que, assim como todo princípio físico deve seu nascim ento a um a hipótese, em píricamente comprovada, assim também, partindo-se das conjeturas surgidas da investigação docum ental, ou excepcionalm ente diretoras da reinvestigação, pode-se com preender m elhor a ocorrência dos fatos. Estabelecida pela objetividade docum en­ tal a exatidão fidedigna dos fatos, por meio de raciocínios dedutivos o historiador passa dos documentos à totalidade “factual” e espiritual, superando o puro fato, carregado de significação, e com prendendo seu sentido. D aí declarar Ortega y Gasset que a história — e não a historiografia — não é um simples factum , um participio, mas um gerundio, um facien­ dum. As teorias passam, assim, a ser métodos de compreensão, ao passo que o m étodo histórico é o processo da descoberta e crítica. Elas são e permanecem sempre como compreensão do conteúdo e do concreto. Nada valem se, diante da prática, isto é, da instância docum ental, não ofere­ cem um a adequada e correta compreensão (n ). N a relação de comércio e amizade mútuos, não se discutem compe­ tência e hierarquia. Cada vizinho possui autonom ia. Mas as teorias se baseiam n um a determ inada concepção do m undo, tenha ou não cons­ (10) É necessário não esquecer que a p rópria pesquisa científico-natural é sem pre dom i­ nada p o r idéias preconcebidas, hipóteses. E. Meyerson, Id e n tité et realité, Paris, F. Alean, 4.a

ed., 1932, xv. (11) O rtega y 1942, 48.

Gasset, Historia

como sistema, M adri, Revista de Occidente. 2.a ed.,

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ciência e conhecim ento dela o historiador. As concepções históricas fundam-se em idéias distintas sobre a essência, a estrutura e a origem do ho­ mem (12). Q uanto mais firme fòr a concepção do m undo do autor, mais u na e logicamente ele o descreverá, o que não quer dizer que o faça com m aior fidedignidade. D aí mesmo a unilateralidade das histórias escritas por historiadores sectários de ideologias, partidarism os políticos e concep­ ções religiosas. Ao auge do anti-espiritualism o e ao extrem o “factualismo apaixo­ nado da realidade”, que é o marxismo, opõem-se correntes idealistas, posi­ tivo-naturalistas, vagos romantismos, superespiritualização especulativa e quietism o político. Do prim eiro, ficou um a lição nova, que é o tratam en­ to das formas sociais individuais e das épocas como totalidades indivi­ dualm ente concretas, que cada vez possuem seu próprio valor e sentido. Seu método, o da ligação da estrutura e da superestrutura, visto como influência daquela sobre esta, caiu num determ inism o tão sujeito à crítica como o determ inism o geográfico, que se condensava na conhecida frase de Ratzel, de que era capaz de dizer o que seria o hom em de um país e sua história, caso lhe dessem o m apa desse país, com sua configuração, seu clima, seu regime de águas e ventos, sua produção natural, sua flora e fauna. Quem aceita hoje, cientificam ente, tais conjeturas ? O que se deve procurar, como sugestão teórica, a ser confirm ada pela prática histórica, são as relações das sociedades hum anas com o meio geográfico, da subestrutura com a estrutura, e as desta com a superestru­ tura. O grande feito de M arx foi a descoberta das duas faces da realidade histórica. Seu erro foi subordinar um a à outra. O nexo só podia existir funcional e relativam ente, conforme sugeriu M ax W eber, com a sua teo­ ria da interação pluralista, das ações e reações entre subestrutura (meio geográfico), estrutura (meio sócio-econômico) e superestrutura (meio ideo­ lógico e espiritual), num jogo m útuo cheio de possibilidade de resistên­ cias e submissões, ajustam entos e rom pim entos, tendo no hom em e n a sUa decisão consciente ou inconsciente, racional ou irracional, os elementos fundam entais da criação histórica. Para com preender os simples, hum ildes e puros fatos estabelecidos autêntica e fidedignam ente pelos documentos, é necessário possuir um conhecim ento profundo do meio geográfico, da vida econômica, social e cultural, estudar a geografia da região ou país, ou da época, inclusive pessoalmente, estabelecer os fatos econômicos, sociais e políticos, e ana­ lisar a literatura como expressão ideológica. Só assim pode o historiador perceber com nitidez as grandes conexões que ligam os fatos e formam a totalidade da vida que se quer recriar. A m oderna interpretação culturalista, vinda da antropologia, que vê na cultura um a relação funcional de fatos espirituais e m ateriais, m ui­ to se aproxim a desta tendência histórico-filosófica. É porque dom ina na história o hom em dotado de atividade própria, capaz de criar e de pro(12) Max Scheler, La idea del hom bre y la historia, publicado com E l porvenir del hom bre, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1942, 59.

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duzir efeitos, que se deve essencialmente estabelecer as relações de meios e fins, motivos e atos. A compreensão é a base da reconstituição. O hom em ativo e a história que relata suas atividades não podem ser com preendidos sem o exam e de suas necessidades e fins, que estão ligados ao fato de ter nascido em determ inado país, em determ inada época, e vinculado às m últiplas circunstâncias variantes (13). O sentido e o fim n ão podem ser desprezados. Um conjunto teórico apurado, que se origina de todos estes recantos, tendo p o r base a m utualidade dos efeitos, é a única interpretação que, de fato, corresponde à experiência real. Desde que se com preenda que a história não é só desenvolvimento, mas tam bém criação, e que nem sempre há um seguimento orgânico e ló­ gico mas ru pturas e recuos, então não h á como desconhecer as categorias de decisões, ímpetos, irrupções e responsabilidades. Se a história é m u­ dança decidida pelo homem, então não se pode considerar seus movi­ m entos como naturalm ente necessários ou fatalm ente indesviáveis, desva­ lorizar a verdadeira individualidade, nem desconhecer a produtividade histórica inesgotável e incalculável, que cria sempre novas individualida­ des. Se a história não é só um produto de determ inadas condições ou influências, mas um a ação, um a atividade consciente ou inconsciente, um a energia racional ou irracional, então não h á que form ular leis de existên­ cia geral, mas fazer esperar sempre por quadros de valor sempre novos e incalculáveis. Este é um ponto central, que expulsa o fantasm a das leis gerais, não sujeitas ao tempo, com as quais a história e a vida nada po­ dem fazer (14). O realismo histórico que assim se nutre, não se exaure na observa­ ção “factual”, nem na forte acolhida dos elementos econômicos e socioló­ gicos, mas aprecia tam bém a imprevisível criação e procriação de valores e sentidos históricos, a decisão e a irracionalidade da massa. Disto tudo pode-se concluir que a verdadeira análise histórica nunca decompõe meros processos isolados, para depois sintetizá-los de novo, se­ gundo leis ou regras gerais sempre idênticas. Ela pesquisa a estrutura e totalidade dos acontecimentos e encontra por toda parte grandes co­ nexões vitais, que dom inam períodos inteiros, e deve basear-se sempre na unidade económico-espiritual anterior, na necessidade da separação e con­ tradição espiritual-econôm ica atual, n a decisão da liderança e do povo, e nos tum ultos, irracionalidades e acasos. Foi sentindo as deficiências de um a historiografia que se desencam inha destes roteiros, que Ortega y Gasset escreveu seu ensaio crítico pleiteando a formulação da historiologia. É inaceitável na historiografia e filosofia atuais o desnível existente entre a precisão usada para obter ou m anejar documentos e a imprecisão, mais ainda, a miséria intelectual no uso das idéias construtivas. A história tem que ser um a construção e não um agregado de dados e fatos. Nem a simples construção hipotética mais ou menos filosófica, (13) (14)

E rnst Troeltsch, Der R istorism us und seine Probleme, T übingen, M ohr, 1922, 214. Ernst Troeltsch, ob. cit., 207.

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tão criticada na época de Hegel, nem a aglutinação de dados, a que con­ duziu a simples caça do docum ento, a laboriosa atitude de crítica. A história deve compor-se de um núcleo a priori, os documentos, que cum­ pre pesquisar; de um exam e crítico que ap u ra e depura este m aterial; de um a interpretação que inclui hipóteses e induções, destinadas à real reconstrução da vida passada; de um a síntese que recompõe, n arra, des­ creve e compreende. Assim, como diz Ortega y Gasset, a história é construção e não mera descrição, é descobrimento de realidades e não m anipulação. Ela parte sempre dos documentos e mantém-se em contato com eles, por meio de atos de compreensão (15). Este quadro parece refletir um a crise da ciência histórica, mas, na verdade, trata-se de crise do pensam ento histórico, e não da pesquisa his­ tórica dos eruditos e especialistas, pois h á m uito que ambos divergem bas­ tante. A ciência histórica adquiriu no século xix grande am plitude, ple­ n itude e grandeza, como acentuou T roeltsch (16). Do substrato ideológico e filosófico, d a história como gerúndio, em perpétuo faciendum , e não da atividade historiográfica propriam ente dita, é que nasceu a crise, que prosseguirá como contradição a um a etapa da existência real. Depois das guerras e das revoluções vem sempre a prova prática de todas as teorias. Não haverá um a ordem estável que suporte todas as teorias e torne as mais atrevidas m era insignificância; no meio da tempestade, da reform a do m undo, cada palavra velha tem que ser exam inada pelos seus efeitos práticos, ou pela ausência de efeitos. O solo treme, o céu se nu b la e o cataclismo leva m uitas teorias. Mas para a compreensão do problem a é preciso separar a pesquisa histórica e seus m agníficos‘resultados do próprio pensam ento histórico-filosófico. As teorias vão, os textos ficam. E é por isso que os historiadores, di­ ante de um a tarefa concreta e prática, tratam com extrem o cuidado os documentos e desprezam as teorias. Mas nesta atitude eles tam bém se equivocam, porque a verdadeira história é prática e teoria; a p u ra pes­ quisa é um a tarefa m utilada porque é só prática. As teorias são tam bém fatos históricos, são formas de compreensão concebidas pelo presente, e como tal representam as inquietações econômico-sociais, morais, intelec­ tuais e religiosas do presente. O texto é sempre exam inado de acordo com os interesses do presente e por isso a história é reescrita, e não só por causa da descoberta de novos documentos, como temos acentuado no decorrer deste livro. A história n ão pode ser só um p ar de documentos, como a felicidade não é um p ar de botas. As respostas às perguntas do presente, m otivo de eterna reelaboração da história, mostram-nos as ligações das tendências ideais passadas com as que vão ser criadas pelo presente. É um im pulso interior do presente, obrigatório para a consciência, frutífero p ara a ex­ periência. (15) O rtega y Gasset, “H istoriología” , Goethe desde dentro, Buenos Aires, Espasa-Calpe, 1940, 208. (16) E rnst T roeltsch, Der Historismus•, ob. cit., 2.

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D aí a im portância do texto, com todas as suas inimagináveis virtu­ alidades e potencialidades. O texto, a fonte, o docum ento pode m udar sua substância, pode dizer novas verdades, pode sugerir novas respostas, pode degradar-se, caso a pergunta form ulada por novos problem as valo­ rize este ou aquele aspecto, este ou aquele docum ento, em prejuízo deste outro. O historiador é, portanto, um interm ediário inteligente entre a fonte e o presente. É porque a história deve ser reescrita de novo, em face de cada mo­ m ento cultural, de cada novo ideal, de cada novo princípio, que se deve exaltar a excelência do texto sempre pronto a ser de novo interrogado, pesquisado e exam inado. A historiografia pode provar a falsidade ou verdade dos fatos, mas nunca das opiniões e teorias. É a própria histó­ ria atual, a prática contem porânea que as derruba ou eleva. É por isso tam bém que, tendo merecido tão amplo e cuidadoso tratam ento, se atin ­ giu o apuro do m étodo histórico nele concentrado para sua busca e crí­ tica. Deste modo, o quadro histórico é sempre resultado sintético do espírito presente. É inegável que na consciência das épocas existem mudanças de es­ quem as apriorísticos com os quais a história é reescrita. E daí, como con­ seqüência lógica, o conceito da relatividade histórica, da tem poralidade d o seu conhecimento e da formulação do historicismo, a que já nos re­ ferimos nu m dos capítulos. Dizia T roeltsch que a relatividade histórica tem certa analogia com a dou trin a d a relatividade física, que hoje preocupa todo m undo com seu problem atism o tão intricado. Não se trata de fato ocasional e sem fun­ dam ento, se bem que a prim eira se tenha form ado desde o rom antism o e desde o realismo histórico, sem relação algum a com a segunda. A razão íntim a deste encontro está em que a relatividade física é aquela forma de individualism o que é decisiva, no terreno das ciências físicas, a saber, a particularidade de observação de cada vez; daí a necessidade de construir-se e calcular-se sempre de novo o sistema das relações (17). Mas se as teorias interpretativas dependem da concepção do m undo e se esta é sempre historicam ente condicionada, isto é, lim itada e relativa, como esclareceu Dilthey, então cada um a delas expressa, nos limites do nosso pensamento, um aspecto, um lado do universo. Deste modo, cada um a é verdadeira e unilateral. Consoladoramente, podemos venerar em cada um a das concepções do m undo a parte de verdade que elas con­ têm (18). É por isso que as teorias são sempre insatisfatórias, servem sem­ pre parcialm ente e são sempre abandonadas. Daí a relatividade das teo­ rias, o relativism o histórico e, conseqüentem ente, a necessidade de rees­ crever a história. Daí tam bém a força quase absoluta do texto na elabo­ ração histórica e seu perm anente valor, apesar da degradação de alguns e da ascensão de outros, da variabilidade constante do sentido de suas m i­ núcias e im portâncias. (17) E rnst Troeltsch, ibid., 218. (18) W ilhelm Dilthey, Introducción a las ciencias del espíritu, México, Fondo de Cultura Económica, 1944, xxvn e xxvm.

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O texto permanece, a teoria passa; o texto é revisto e interrogado segundo os novos ideais. Daí o finca-pé que o historiador faz no respeito e tratam ento do texto, que é o único perm anente n a m udança contínua. A variabilidade das opiniões interpretativas e a firmeza do texto, eis os dois pólos do trabalho histórico. Mas, para distinguir as sombras e obs­ curidades as teorias são indispensáveis. U m a única exigência se faz, a de que se fique sempre na esfera da existência im ediata e do concreto. Só o concreto abre cam inho e justifica a teoria. A historia quer com preender o m undo espiritual e sócio-económico, a totalidade da relação subestrutura — estru tu ra — superestrutura, através da existência, do fato, do documento. Ela quer repensar o que se pensou, ressentir o que se sentiu, refazer o q u e se fez, rever o criador e o criado, o dirigente e o dirigido, a sociedade, a vida econômica, em suas formas históricas. Ela quer com preender a vida, em todas as suas m ani­ festações. A vida é historia, o resto é natureza. Ela é m inúscula e fugaz em face desta, mas só nela se criam e se concebem valores, só nela h á finsv e sentido. Com isto está exausta sua tarefa científica. N a m aré dos acontecim entos visíveis e criadores, a historia é um m étodo de saber e de educação, um a interpretação das origens, um a des­ carga e libertação, com todas as suas conseqüências e efeitos sobre o Es­ tado e a sociedade.

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APÊNDICE

I

M étodo, teoria, historiografia e pesquisa, disciplinas universitárias

A finalidade da história Ao subir as escadas do novo edifício do D epartam ento de H istória e Geografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, em maio de 1968, li dois cartazes estudantis m uito significa­ tivos. No prim eiro, colocado na entrada, no lado esquerdo, perguntava-se: “Q ual a finalidade da história ?”, e no segundo, do lado direito: “F uturo historiador, o que você procura aqui ?”. A prim eira questão, de caráter filosófico, revelava um a insatisfação p rofunda com todo o sistema do ensino da história. Lembrei-me de H erder, que escreveu, n a sua Uma outra filosofia da história (x): “N in­ guém poderá convencer me de que existe no R eino de Deus algo que seja somente meio; tudo é, ao mesmo tempo, meio e fim ”. E recordei-me tam bém das palavras introdutórias com que M arc Bloch, o grande his­ toriador fuzilado pelos nazistas, explica a um jovem, na sua Apologie pour Vhistoire ou M étier d’historien (2), para que serve a história. A história, ensinava Huizinga, é um a m aneira de pensar m arcada­ m ente finalista; a explicação finalista do processo histórico é a única que cabe no nosso pensam ento(3). E a vida, escrevia Dilthey, é plenitude, diversidade, interação no idêntico que os indivíduos vivem; pois é a mesma coisa com a história. N a história há vida, e a história se compõe da vida de todas as classes, nas relações mais variadas. A história não é mais que a vida captada do ponto de vista de toda a hum anidade, nas suas conexões. Os indivíduos que como valores autônom os form am a vida e a história, com seus fins, seus significados, são em prim eiro lugar forças atuantes e conscientes, im pregnadas de valores, forças que se relacionam (1) (2) (3)

A uch eine Philosophie der Geschichte, 1774. Paris, A rm and Colin, 1949. E l concepto de la historia y otros ensayos, México, Foodo de C ultura Económica, 1946,

32.

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com valores de utilidade, forças form adoras de fins. E por isso ò m undo histórico está cheio de valores. O que caracteriza as épocas, os períodos, as gerações, são os nexos efetivos singulares de toda a estrutura, que determ inam a linha do curso tem poral das comunidades e suas mudanças, ou seja, as tendências dom i­ nantes que as atravessam ou marcam. A concentração da cultura, a ado­ ção de fins, as regras de vida nos dão a norm a p ara ajuizar e apreciar valores, qualificar pessoas, fixar a direção, determ inar o caráter de um a época. A atividade do todo se acha determ inada pela adoção racional ou irracional de fins. Estes fins impregnam-se no processo e agem como for­ ças autônom as, num a ação e reação recíprocas. Daí a grande descoberta de M arx das relações funcionais de com por­ tam ento da estru tura da economia e da superestrutura ideológica. No m undo histórico atuam paixões, sentim entos e ressentimentos, vinculados aos indivíduos, à sociedade, à economia. O processo histórico adquire fins. E surge então o círculo vicioso, de um a sociedade que não tendo fins, não tendo autonom ia m oral e econômica, não produz história, con­ some a história produzida pelos outros. É um a história reflexa, que ao lado dos fins gerais, que todas possuem, não fabrica seus fins próprios, capazes de acionar um desenvolvimento próprio. Aí está o sentido da história, e captá-lo não é tarefa de cronistas ou antiquários, que reco­ lhem fatos, datam a época, corrigem nomes, sem perceber o hom em como ser histórico (a única espécie que possui historia, e não sociedade, que outras espécies tam bém possuem ). A compreensão deste todo significativo, valorativo do que se passou e se passa é o dever suprem o do historiador (4). Por isso mesmo, a plena consciência filosófica do presente só se obtém através das etapas da his­ tória. Somente no m undo histórico se com preende e se ganha consciência dos nexos efetivos entre a sociedade, o indivíduo, a economia, os fins e valores do todo. Daí possuir a história a propriedade capital do finalismo. N enhum a concepção do m undo foi feita sem consciência histórica. M arc Bloch, usando de um a linguagem simples dirigida a doutos e escolares, lem brava que a civilização ocidental, ao contrário de outros tipos de cultura, sem­ pre esperou m uito de sua memória. Os gregos e latinos, nossos prim eiros mestres, foram povos historiógrafos. O cristianism o foi .uma religião de historiadores. É na duração, partin d o da história, que se desenrola o grande dram a do Pecado e da Redenção, eixo central de toda a m editação cristã. A história è tentativa de compreensão dos fatos hum anos. Como escreveu Erich Rothacker, “onde nós nos vemos obrigados a procurar um indivíduo não com pletam ente decifrável e não com pletam ente interpre­ tado, aí cremos encontrar a tentativa da verdadeira com preensão” (5). (4) Vide W ilhelm Dilthey, E l m undo histórico, México, Fondo de C ultura Económica, 1944 (l.a ed. alemâ, 1923). (5) Logik u nd Systematik der Geisteswissenschaften, Bonn, 1948, 124.

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A essência desta atitude já está naqueles versos de Schiller: Q ueres conhecer-te a ti próprio, R e p ara com o os outros agem. Q ueres conhecer os outros, O lh a p a ra teu p ró p rio coração.

Da finalidade p ara a utilidade, o cam inho não é longo. M arc Bloch escrevia que ninguém mais ousaria dizer, como os positivistas de estrita prática, que o valor de um a pesquisa se mede em tudo e p o r tu d o pela sua aptidão de servir à vida. Esta tese é hoje inaceitável. H uizinga dis­ sera, antes de Bloch, que a história responde a um a necessidade da vida, e não só a um a necessidade de estudo. Como um saber potencial, a his­ tória não só é um a form a espiritual com que um a cultura presta contas do seu passado, mas um a forma de pregação legítim a para correção de erros passados. Não foi por outra razão que Dilthey, estudando a legitim idade crí­ tica dos suportes da pregação, disse que “a história, como m em ória da hum anidade, atua no sentido form ador da com unidade, e reciprocam ente a consciência da com unidade cria, com base no sentim ento d a unidade, os heróis epônimos, os fundadores de estados, de religiões, os m ártires e sacrificados, os derrotados que deram a vida pelos ideais da com unidade ou de grupos sociais da com unidade”. A história age, pois, fortem ente na consciência e atua na elaboração do futuro. E é nesta influência, nesta ação-reação, que está a sua u tili­ dade. Segundo Leibniz, “três são as coisas que esperamos da história: prim eiro, o desejo de conhecer as coisas singulares, a seguir, o de im pri­ m ir à vida ensinam entos úteis, e finalm ente a presença da espécie repe­ tida para o futuro, conhecendo otim am ente todas as causas” (6). A qui estavam os princípios que serviram a B ernheim para dividir a história em narrativa, pragm ática e genética. Ao lado delas, especial­ m ente da segunda e terceira, surgiria um a história combatente. Lem ­ bramos o episódio de M arta e M aria (Lucas, 10, 38): M arta andava distraída com m uitos serviços, e M aria, assentada aos pés de Jesus, ouvia suas palavras. R eclam ando aquela que esta a deixara servir só, disse-lhe Jesus: “M arta, M arta, estás ansiosa e afadigada com m uitas coisas. Mas um a só é necessária, e M aria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirad a”. O uvir a palavra transform adora e transform ar o m undo é a boa parte. A história pode ensinar a revolução que m udará o m undo e fabricará o futuro. É esta a história com batente, que a juventude atual espera faça parte tam bém da palavra do mestre. Esbocei-a na Vida e história, e recordo que N ehru, que tentou, sem êxito, m udar a face da índia, reco­ nheceu nos seus Glimpses of W orld H istory que os estudos históricos são um veículo ideal para inculcar idéias políticas, especialmente com o sabor nacionalista. N a historiografia esta corrente ora foi influente e decisiva, ora subm ergiu apagada, tornada vil e subversiva. (6)

Accessiones historicae, cit. por H uizinga, in E l concepto de la historia, ob. cit., 29.

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A formação do historiador O segundo cartaz dos estudantes paulistas indicava a incerteza, a inquietação, o reconhecim ento da im potência da faculdade na formação do historiador, fim superior do ensino universitário da historia. Lembrei-me, então, de Gibbon, de sua revolta contra o ensino em O xford na sua época, com seu caráter de infalibilidade, de perm anencia, de pre­ servação, e não de renovado inconformismo na descoberta da verdade. “Gastei", escreveu Gibbon, “quatorze meses no M agdalen College, os mais ociosos e sem proveito de m inha vida”. O fu tu ro grande historiador exilou-se, foi para Lausanne, e formou-se autodidaticam ente. A univer­ sidade fora imprestável, pois retinha o caráter do passado e permanecia como um a rocha do deserto, imóvel diante das areias movediças adradas pelo vento para a frente. O Brasil não está form ando jovens historiadores, em bora se tenha atendido, apesar dos catedráticos e dos currículos, à formação de profes­ sores de historia do ensino médio. Não é, assim, sem sentido a questão levantada pelo jovem estudante paulista, a que nos referimos no começo desta exposição. N a verdade, a tradição brasileña segue a portuguesa. Apesar das exceções, professor de historia e historiador são, no Brasil, duas pessoas diferentes, ao contrário do que acontece nos grandes centros culturais do m undo civilizado. É certo que é m uito discutível se a faculdade, organizada para pre­ p arar professores de historia, pode criar historiadores. R anke estudou filologia e Mommsen, que form a com R anke na prim eira linha dos gran­ des historiadores do século xix, não estudou historia, mas direito, e lecionou direito rom ano. Discursando como re ito r da Universidade de Berlim, em 1874, M ommsen disse não acreditar que um historiador pu­ desse ser preparado num a universidade. O treino prelim inar indispen­ sável aos historiadores não era a preparação direta n a historia, mas a indireta, através do estudo da língua e do direito de um período especí­ fico. Ele fora inicialm ente professor de direito e vira o pensam ento his­ tórico na A lem anha nascer de outras origens, teológicas ou jurídicas. M uitos anos depois, T roeltsch sustenta a mesma idéia no seu Der H istorism us u n d seine Probleme (7), ao tra ta r de D ilthey que começara, como Burckhardt, com estudos teológicos, e de M ax W eber, que tal como Mommsen, se iniciara no direito. Esquecia-se de H erder, o grande pen­ sador da historia, cujos estudos iniciais foram de teologia. Reconheço ser difícil sustentar tais teses hoje em dia, mas fica o princípio de que a vocação nasce fora da universidade, que pode apenas aju d ar a germinação do ideál. M ax W eber, mais considerado no meio dos economistas e sociólogos, que no dos historiadores, foi discípulo de Mommsen. N a defesa de sua tese sobre a história das sociedades co­ merciais na Idade M édia (Zur Geschichte der Handelgesellschaften im M ittela lter), Mommsen levantou-lhe algumas objeções e depois que W eber (7)

T übingen, M ohr, 1922, 509 e 565.

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respondeu, em bora sem o convencer, disse-lhe o mestre: “Q uando eu estiver para m orrer, não haverá ninguém m elhor a quem eu possa dizer: Filho, a lança é m uito pesada para m inha mão, carregue-a, m uito respei­ tável M ax W eber”. W eber estava lançado como scholar. Era ú til e honrável que um Mommsen abençoasse o começo de um a carreira acadêmica. A defesa de tese não era um a parlapatice; podia ser a consagração de um jovem pelo seu mestre. E mais, o episódio m ostra que em sua própria época um historiador da mais alta categoria, autor de A ética protestante e o espírito do capitalismo(8) e da História econômica geral (9) preparara-se n a faculdade de direito. Buckle foi autodidata e H uizinga veio dos estudos lingüísticos, do sánscrito. A tradição luso-brasileira mostra a mesma variedade de formação: Alexandre H erculano, Oliveira M artins, Gama Barros, Lúcio de Azevedo, Jaim e Cortesão vieram de campos diferentes para a história. A lexandre H erculano, convidado para reger a cadeira de H istória Medieval, respon­ deu que não podia, pois sabia apenas algumas coisas medievais. Aqui, o catedrático ensina toda a história medieval, e como é pouco, acrescen­ ta-lhe a história antiga. Como as faculdades de filosofia nasceram em 1939 e seus prim eiros professores não eram, de regra, historiadores, o exemplo brasileiro da influência universitária na formação do historiador não tem significação. Os professores que entraram inicialm ente fecharam a entrada. Os historiadores que citei provavelm ente não entrariam para as nossas faculdades de filosofia, da mesma m aneira que Charles R. Boxer, vindo do exército, segundo os critérios aqui vigentes não poderia ter entrado para o K ing’s College, da U niversidade de Londres. Não é necessário recorrer à historiografia para ver que vários historiadores de países altam ente civilizados foram convocados ao ensino pela obra que acabavam de publicar. Apesar destas ilustrações, creio que o desenvolvimento da historio­ grafia exige hoje que o historiador seja preparado n a universidade. Ne­ nhum ceticismo pode vencer a crença de que, se não podemos form ar um historiador, mas apenas um professor de história de nível secundário, ou um pesquisador de história, um currículo equilibrado, o ensino do método, o debate teórico, o exemplo historiográfico, se não criam, ofere­ cem pelo menos um guia seguro para gerar o historiador. É tão difícil ensinar a fazer um a obra histórica, disse E duard Meyer, como ensinar a compor um a poesia ou um a m elodia, ou a descobrir um a lei filosófica, ou um a lei natural, ou converter um bloco de m árm ore num a obra de arte. Porque nunca se ensinará a sensibilidade histórica, a capacidade de recom por a vivência do passado. R ickert escreveu que “o historiador se propõe a atualizar de novo diante de nós o passado, o que só pode fazer perm itindo-nos, de certo modo, voltar a viver o o passado, no seu processo individual”, e ele convidará sempre “o leitor ou o ouvinte a representar-se intuitivam ente, com a sua capacidade de (8) (9)

l .a ed. alemã, 1904-1905; trad. inglesa, 1930; trad. brasileira, 1967. l .a ed. alemã, 1923; trad. inglesa, 1927.

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imaginação, um fragm ento da realidade”. T am bém Carlyle acentuou que o talento histórico nasce conosco. Segundo Ranke, um verdadeiro historiador deve ter pelo menos duas qualidades: a prim eira, de sentir participação e prazer na reconstrução que elabora; e a segunda, de conservar na sua visão o aspecto universal das coisas. São essas qualidades e outras, como a sensibilidade, a com­ preensão do sentido do processo histórico, que não podem ser ensinadas e treinadas, como advertia Mommsen em 1874. A forma de captar e com preender o m undo histórico é um processo que se torna consciência em uns poucos. É a sensibilidade histórica que perm ite ver o sentido da história, aquela qualidade que T hierry dizia ser a alm a da história e que N am ier definiu como um a compreensão in tu itiv a de como as coisas não acontecem, pois como acontecem é ques­ tão de conhecim ento específico. A corrente alemã que batalhou pela compreensão como essência da história, a que dei tanto relevo na 2.a edição desta Teoria da história do Brasil, sustentou em princípio aquilo que Paul Kirn, em síntese admi­ rável, assim sum ariou: “Obras poéticas como o Fausto, personagens his­ tóricas como César ou Napoleão, e poéticas, como M edéia ou Tasso, fatos como a queim a da bula da excomunhão por Lutero, forças espirituais como o espírito da Reform a alemã, ou o espírito das Proclamações de Cromwell têm de ser interpretados e compreendidos. Podemos identificar­ nos com essas forças, ao passo que ninguém poderia identificar-se com o m undo dos sentimentos do quadrado da hipotenusa, ou com um a nuvem carregada de eletricidade”. No quadro histórico existem a estupidez e o pecado, os Estados e as Renascenças, mas não há coelhos e cobaias (10).

O sonho de ser professor de história Nestes trin ta anos impediram-me de ensinar história aos alunos de história dos cursos superiores. Conto m eu caso, porque acho que está na hora de divulgá-lo para conhecim ento dos jovens e dos que levam a sério a reform a universitária. N a faculdade de filosofia, em que predo­ m inou a nom eação oficial e o posterior concurso sui generis, lim itado ao próprio professor nomeado, não pude concorrer, porque não possuía força política para a prim eira, e conseqüentem ente estava elim inado para qualquer fu tu ra pretensão. Nas faculdades em que predom inou o pro­ fessor fundador, transform ado em catedrático, o critério inicial foi tam ­ bém quase sempre a força política ou o compadrio. A cidade do R io de Janeiro era então o D istrito Federal, e era m uito forte a predom inância das bancadas estaduais na seleção e nomeação para todos os cargos. Que restava ? A guardar a m orte de alguém ? Isso não (10)

E inführung in die Geschichtswissenschaft, Berlim, 1947, 63-64.

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e programa de vida. Como estudara m etodologia da história nos Estados Unidos da América e viera anim ado da idéia de escrever um a teoria, i— \ pesquisa e um a historiografía, alim entei a esperança da criação da ¿sc íp lin a de M etodologia ou Introdução à Historia. No R io de Janeiro, o baronato feudal que se apossara das quatro únicas cadeiras de H istoria opós, tanto n a Faculdade Federal como n a Estadual, todo seu esforço, toda sua repulsa à idéia renovadora. M eu prim eiro artigo sobre “A necessidade da m etodologia histórica” foi publicado em 18 de dezembro de 1946 em O Jornal, seguido de outro in titulado “Novos rumos da metodologia histórica” (n ). Estudos de historiografía, de periodização, de filosofía da historia, de crítica his­ tórica escritos no mesmo O Jornal em 1946 e 1947 não convenceram os senhores catedráticos, donos do ensino oficial da historia, um dos quais, diretor do D epartam ento de H istoria e D iretor da Faculdade, distinguiu-se nestes trin ta anos pela sua virgindade bibliográfica. P ubliquei a Teoria da historia do Brtosil(12), A pesquisa histórica no Brasil(13), preparei impressos sobre a disciplina para seu conhecim ento n o meio universitário, busquei o apoio de parlam entares, sem qualquer proveito próprio. Pelo projeto n.° 297-C, de 1950, fizera-se o desdobram ento do curso de Geografia e H istoria das faculdades de filosofia sem nenhum espírito renovador, m antido o lastimável currículo das q u atro disciplinas. Por sugestão m inha ao senador Juraci Magalhães, este propôs no Senado, em 1955, a criação da disciplina. Sustentada em parecer do senador A tílio V ivaqua a constitucionalidade do projeto n.° 22-55, foi a votação adiada, em face da oposição do senador L ineu Prestes, que argüiu a sua inconstitucionalidade. Em abril de 1963 — já inaugurada a disciplina em várias faculdades —, o projeto que se arrastava no Senado recebeu parecer do senador M ilton Campos n a Comissão de Constituição e Justiça; e ele afirm ou que tendo o projeto sido declarado inconstitucional, por im portar em criação de em prego — do que pessoalmente discordava —, propunha, em face do projeto de Lei de Diretrizes e Bases, em exame no Senado, que ele fosse encam inhado à Comissão de Educação e C ultura. Esta, no parecer n.° 127, da mesma data, relatado pelo senador W alfredo Gurgel, opinou pela rejeição do projeto, depois de várias considerações ingênuas, nas quais confundia m etodologia do ensino da história com metodologia da história. Inspirou-se especialmente no ofício do Presidente do Con­ selho Federal de Educação, professor D eolindo Couto, o qual afirmava que depois da lei n.° 4.024, de 1961, a sistemática da organização dos cursos superiores passara a obedecer aos preceitos da mesma lei, “não tendo cabim ento que diplomas legais isolados venham transferir de novo ao Congresso N acional a iniciativa da escolha de currículos e a solução de outros problem as”. Caberia, assim, aos Conselhos U niversitários a decisão sobre a inclusão de disciplinas complementares ou optativas. (11)

O Jornal, 22 de dezembro de 1946.

(12)

l .a ed., 1949; 2 a ed., 2 vols., 1957.

(13)

l . a ed., 1952; 2.a ed. em preparo.

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Apesar da velada oposição dos donos do ensino da história, a m atéria era indispensável e foi criada, com a submissão necessária, sem a liber­ dade e a autonom ia de que gozavam os quatro catedráticos. É verdade que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo iniciara o seu estudo. Em dezembro de 1957, o professor Oliveira França, chefe do D epartam ento de H istória, procurou-m e n a Biblioteca N acional e me convidou, mais ou menos nestes termos: “Nós, em São Paulo, desejávamos um professor francês, mas como não é possível, viemos convidá-lo, por considerá-lo o m elhor no B rasil”. O convite era desvanecedor — o único que recebera, pois no R io de Janeiro só encontrara oposição, mas não deixava de revelar o colonialismo cultural francês em São Paulo. O pro­ fessor ideal para um a m atéria basicamente nacional deveria ser um fran­ cês. Como não podia transferir-me para São Paulo, e considerava que didaticam ente seria um erro limitar-me exclusivamente aos horários de aula em São Paulo, renunciei ao convite, com grande pesar. Estava assim fechada esta oportunidade. N a Faculdade Federal no R io de Janeiro sugeriram-me mais tarde lecionar a m atéria dividindo-a com o sr. Jaim e Coelho, um velho professor do Instituto de Educação e do Colégio Pedro n, de cuja orientação cien­ tífica discordava inteiram ente. Como seu discípulo, o então D iretor da Faculdade, ele viveu e m orreu na virgindade bibliográfica. De 1939 até hoje não se abriu, em nenhum a das faculdades do R io de Janeiro, ainda que me quisesse sujeitar às regras desse jogo medieval e obsoleto, concurso para a cadeira de H istória do Brasil ou de M etodologia da História, disciplinas a que dediquei todo o m eu esforço de estudioso. T en h o recebido convites de universidades norte-americanas e inglesas, das prim eiras com oferta de estabilidade (tenure) e salário de 22.000 dólares anuais, mas não me interessa a perm anência definitiva nos Estados Unidos da América, que me roubaria a vivência indispensável ao estudioso de história do m eu país.

Metodologia histórica J. G. Droysen, em seu curso de 1858, já ensinava que nós devemos descobrir novos métodos. H á necessidade de métodos diferentes para pro­ blemas diferentes, e m uitas vezes a combinação de vários métodos é indispensável para a solução de um problem a. Uni-los num pensamento comum, desenvolver seu sistema e teoria, e estabelecer, assim, não as leis da história, mas as norm as da investigação e do conhecimento, esta era a tarefa da sua Historik. Não se deseja mais historiadores que escrevam com um m étodo ingê­ nuo, autoconfiantes, inconscientes do abismo teórico que os cerca. O problem a central da metodologia histórica depende do fato de que um conhecimento objetivo do passado só pode ser atingido através da expe­ riência subjetiva do historiador. O elem ento pessoal, afetivo, é n atu ra l­

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m ente um a condição do trabalho do historiador. Ele não pode extinguir o seu eu, como pretendeu Ranke. M ostrar o que realm ente aconteceu (wie es eigentlich gewesen), ou aceitar como lei suprem a a estrita apre­ sentação dos fatos, por mais contingentes e inatrativos que eles sejam, como sustentou R anke no prefácio da sua História dos povos románicos e germânicos(u ), ou, ainda, “apagar-se para só deixar as coisas falarem ”, como escreveu n a sua H istória inglesa (1S), repetindo Augustin T hierry nas suas Lettres sur l’histoire de France (1827) — “en m ’effaçant moimême e t en laissant parler les faits” —, não é senão um a caricatura de objetividade, que não podemos mais aceitar como um princípio. Charles Beard, no seu famoso estudo “T h a t Noble D ream ” (18), deba­ teu e criticou a introdução da dou trin a da im parcialidade de R anke na historiografia am ericana. M ostrou como o conservadorismo prussiano, que nada cedia às aspirações democráticas, nada tinha de im parcial. R anke rejubilara-se com os acontecimentos de 1870-1871, como um a vitória da E uropa conservadora contra a Revolução, m ostrando não poder separar sua concepção política da história. Persistentem ente negligenciara R anke os interesses econômicos e sociais n a história, evitando qualquer afirm a­ ção que ofendesse os interesses mais conservadores da E uropa de sua época. Por isso podia ser considerado como um dos historiadores mais parciais do século xix, concluía Beard, e sempre escrevera do ponto de vista da reação conservadora n a Europa. O que restou de fundam ental em R anke foi o m étodo da crítica histórica, que ele estabeleceu no apên­ dice à sua História dos povos románicos e germânicos, sob o títu lo de Zur K ritik neurer Geschichtschreiber. A história não possui a unidade de um sistema filosófico, mas contém um a conexão própria, que deve ser buscada. É aí que a teoria ilum ina o caminho. A crise contem porânea da história não é metodológica; é filosófica, é teórica. C ontra um a escola convencional, um academicismo ou universitarism o ossificado, um tradicionalism o esclerosado, obstáculos verdadeiros ao de­ senvolvimento da disciplina é que precisamos m obilizar a juventude, a opinião pública, a universidade, os institutos históricos. Não h á nada de mais prático que a teoria, já se disse. A teoria existe para que as expe­ riências práticas não se façam sem motivos, mas sejam feitas, desde o começo, em condições que ofereçam possibilidades de êxito. A m etodologia da história é um a disciplina nacional e não deve ser ensinada p or professores estrangeiros. Ela exige um profundo conheci­ m ento da história nacional, das fontes, dos recursos de investigação, dos arquivos e bibliotecas nacionais, das pesquisas nacionais no Brasil e nó estrangeiro. O exemplo da historiografia da m etodologia histórica com­ prova a nossa tese. Não h á um tratado metodológico, desde o de E. Bernheim, por mais universal que pretenda ser, que não se tenha ilus(14) (15) (16)

Geschichte der Romanische und Germanische Tõlker, 1494-1535, Leipzig, 1824. Englische Geschichte, 1859. A H R , x l i , out. 1935, 174-185.

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trado predom inantem ente nos exemplos da historia nacional do tratadista. E os publicados no Brasil que nela não se fundam entaram foram de proveito m uito reduzido. Creio, isso sim, que seria sempre ú til que todas as disciplinas dessem ou preparassem esboços de m etodologia aplicada aos cursos, com a exemplificação da história ensinada, e creio que as introduções especiais aos gêneros históricos tratados em curso podem ser extrem am ente úteis (17). Deve ainda a metodologia histórica estim ular o estudo da história e da pesquisa estadual e local, prom ovendo a defesa docum ental, conhe­ cendo e inventariando os recursos locais. Para isso seria aconselhável que ao lado das histórias estaduais e locais aplicassem os professores de me­ todologia seu ensino às tarefas da investigação regional e ilustrassem seu m étodo com exemplos extraídos da mesma. O desenvolvimento da formação do professor e do futuro historiador exige que o ensino do m étodo seja seguido pelo ensino da teoria, desdo­ bram ento que a Faculdade de Filosofia de São Paulo já tom ou a iniciativa de realizar.

Teoria da história Ao prep arar a l.a edição deste livro hesitei m uito quanto ao con­ teúdo e, conseqüentemente, quanto ao título que lhe devia dar. Não me satisfazia nem o curso semelhante dado nas faculdades de direito, de caráter enciclopédico, mas alheio à m etodologia jurídica (teoria do docum ento jurídico, problem as da prova, autenticidade e fidedignidade), nem o plano da obra de Langlois e Seignobos, concentrado na metodologia e indiferente à fundam entação filosófica. T en ta r abranger, em form a de divulgação, os dois aspectos, filosófico e metodológico, foi o meu objetivo. Decidi, então, pelo título que significava tam bém um program a de estudos. A Teoria da história do Brasil nasceu do desejo de colocar ao lado da problem ática metodológica a problem ática teórica, na convicção de que há sempre um a posição, consciente ou inconsciente, um a teoria, um a filosofia, assumida pelo historiador em face da história concreta. Por isso desde 1949 h á cinco capítulos iniciais e o últim o de caráter teórico, apli­ cáveis sempre ao conhecim ento histórico, mas nem sempre diretam ente ligados à história do Brasil. Senti a crítica de m uitos de que não havia um a teoria da história do Brasil, e reconheço que o título pode dar ensejo a confusões. Não quis expor um a teoria sistemática da história do Brasil, mas queria pôr toda um a sistemática teórica e m etodológica a serviço da história do Brasil, ilustrada por seus exemplos. (17) Como exemplos apontam os as introduções à história econômica, à história diplo­ m ática, à h istória social, etc., e sem inários como, po r exemplo,, de história britânica, de h is­ tó ria econômica do Brasil, dando ênfase a um tópico. Nos Estados Unido& d a A m érica dei um sem inário cujo tópico era história e historiadores do Brasil, e um sem inário de pesquisa sobre o papel do Brasil entre as potências m undiais.

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A expressão teoria da história, em bora sempre generalizada c não aplicada a um a história nacional, tem curiosa evolução. Foi prim eiro usada p or D ugald Stewart (1753-1828), professor de filosofia m oral em Edinburgo, para designar o que outros escritores denom inavam história hipotética, ideal, conjetural, n atu ral ou generalizadora. A riqueza dos sinônimos empregados para exprim ir esta idéia indicava que ela não se havia ainda cristalizado no pensam ento filosófico. T eoria da história não teve a fortuna da filosofia da história, criada p or Voltaire. Somente neste século é que ela voltou a exprim ir aquele gênero de cogitações de que trata também a filosofia da história. Seu uso generaliza-se: E duard Meyer escreve não apenas sobre o método, mas sobre a teoria da história (ls); Frederic J. T eggart publica sua Theory of History (19); Benedetto Croce contribui com vários estudos sobre a m atéria (2Ü); o Comitê de H istoriografia do Social Science Research Council edita a Theory and Practice in Historical Study (21), com vária colaboração, especialmente a de Charles A. Beard. Mais im portante que a aceitação do term o nos meios dos pensadores de história era definir seu conceito, determ inar os limites de seu campo em relação aos demais, e revelar os efeitos práticos de sua adoção como disciplina universitária. Foi o professor Ja n Rom ein, discípulo de Johann Huizinga, quem procurou definir o que se deveria entender por teoria da história, e quem a introduziu como disciplina universitária n a Univer­ sidade de Amsterdã, em 194 3 (22). N a sua exposição inicial sobre a Theoretische Geschiedenis (23), R om ein sustentava que a teoria da his­ tória baseava suas raízes no pensamento ilum inista do século xvm. Era difícil estabelecer a linha de separação entre a teoria da história e a filosofia da história, dizia Rom ein. Esta buscava um princípio unificador, que H enri d ’Arbois de Jubainville (1827-1910) (24) assim definiria m u ito mais tarde: a filosofia da história consiste em selecionar do pen­ samento corrente uma idéia e fazer com que esta idéia ou a sua negação se transform e no princípio-guia do escrito histórico. Assim considerada, escrevia Rom ein, a filosofia da história distinguia-se claram ente do seu (18) “ Z ur T h eo rie u n d M ethodik der Geschichte” , in Kleine Schriften zur Geschichtstheorie, H alle, 1902 e 1910; trad. espanhola, México, Fondo de C ultura Económica, 1955. (19) Yale University Press, 1925; 2.a ed., Theory and Processes of History, California University Press, 1941. (20) Z ur Theorie und G eschkhte der Historiographie, T übingen, 1915, e Teoria e storia delia storiografia, Nápoles, 1916. (21) Nova York, 1946. (22) Jan Rom ein — conheci-o em 1950 em Amsterdã — é autor de numerosa bibliografia. Destaco Geschiedenis van de Noord-Nederlandsche Geschiedschrijving in de M iddeleeuwen. Bijdragen tot de Beschaginsgeschiedenis (H istória da historiografía do norte dos Países Baixos na Idade Média. Contribuição para a história da civilização), 1932; D e Biographie. Een Inleiding (A biografia. Um a introdução), 1946; e é um dos autores da Geestelijk Nederland. 1920-1940 (Países Baixos espiritual), s. d.; T he Asian Century. A History of M odem Nationalism , Cali­ fornia University Press, 1962. (23) G roningen, 1946. Conferência lida no Congresso de Filólogos dos Países Baixos; em 20 de abril de 1946, em Am sterdã. Um a tradução em forma condensada apareceu no Journal of the History o f Ideas, jan. 1948. (24) H istoriador, filósofo, jurista. Vide especialm ente sua Recherche sur Vorigine de la proprieté foncière et les noms de lieux habites en Trance, Paris, 1890.

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conceito de teoria da história; a prim eira, tal como a teoría da historia do século xvm , paira além da história; a segunda paira dentro d a historia. A filosofia da historia, n a obra de R ickert e Dilthey, saiu de um campo especulativo e abstrato para um pensam ento mais acomodado à historia, mas ainda assim as duas disciplinas se distinguiam . Só desapa­ receria a diferença, acrescenta Rom ein, quando a filosofia da historia desse um passo à frente e, abandonando a p u ra especulação sobre a his­ tória, se voltasse para o estudo de fenômenos e processos bem definidos historicam ente. R om ein tenta en tão estabelecer as linhas de demarcação entre a teoria histórica e a técnica ou m étodo histórico: a prim eira ensina a natureza da verdade histórica, e a segunda os meios de descobri-la. A história prática está ligada a assuntos que têm seqüência e unidade geo­ gráfica, enquanto a teoria abraça m atéria cuja unidade é conceituai, e não tem poral ou espacial. Os problem as da objetividade, do julgam ento, da causalidade, dos padrões e ritm os (morfológicos e cíclicos), da periodização, dos fenômenos históricos e sua definição (Renascença, Barroco, Rom antism o, Feudalismo, Capitalismo, Im perialism o, Revolução, D itadura, Estado), comparativos ou não, dos agentes históricos constituem o território da história teórica, exemplificada com o H om o ludens (25) de Huizinga. Patrick G ardiner, cuja obra T h e N ature of Historical E xplanation(26) tanto me orientou nà segunda edição da Teoria da história do Brasil, publicou um a adm irável seleção in titu lad a Theories of H istory (2T), que reproduz textos classificados de filósofos e pensadores da história. N a sua excelente introdução, G ardiner m ostra que o desenvolvimento da especulação sobre a história, nos últim os 250 anos, deve ser entendido como a procura de um a teoria social que não seja somente exem plificativa e descritiva, mas prescritiva. A mais influente das teorias históricas apa­ recidas nos séculos xvm e xix foi a de que os fenômenos sociais e psico­ lógicos estavam sujeitos a leis verificáveis e, conseqüentem ente, abertos ao tratam ento sistemático desta espécie, exem plificado nas ciências naturais. A idéia de in terp retar a história hum ana deste ponto de vista tinha, naturalm ente, as mais profundas conseqüências. De um lado, não se podia aceitar a história apenas como um agregado de acontecimentos, ocorrendo em forma e ordem governadas simplesmente pela contingência e o acaso; de outro lado, parecia igualm ente censurável procurar um padrão ou propósito no processo histórico que exigisse a postulação de um agente transcendente. O im portante era apoderar-se dos fatores ope­ rativos na história com o mesmo espírito com que a ciência física tinha conseguido a explicação das leis causais que governavam os acontecimentos naturais. (25) (26) (27)

l .a ed., 1938; trad. espanhola, México, 1943. Oxford University Press, 1952. Glencoe, 111., T h e Free Press, 1959.

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As tentativas feitas durante o século xvm apresentavam ambivalência. Elas afirmavam que a verdadeira teoría devia ser em pírica; as leis só podiam ser estabelecidas pelo apelo aos fatos conhecidos da história h u ­ m ana, pelo cuidadoso exame de diferentes sociedades e pela comparação de diferentes estágios do desenvolvimento pelos quais haviam passado os homens. Bossuet, T u rg o t e Condorcet haviam em ancipado a história de um a concepção teológica, mas m antiveram a crença num propósito teleológico, e mesmo quando este era afastado, tentava-se afirm ar que a história está-se m ovendo num determ inado sentido, que exigia explicação e não podia ser visto como um fato bruto sem significação. As leis gerais, as uniform idades históricas eram o que buscavam os teóricos do século xvm e seus sucessores do século xix, como Saint-Simon, Comte e M arx; todos profundam ente envolvidos em questões de reform a social e política, viam refletir-se na história os seus ideais, e buscavam certos princípios básicos — clima, am biente geográfico, estrutura econô­ mica, grupo social ou classe — para explicar o curso da história hum ana. Mas é im portante observar que mesmo no século xvm hom ens como Vico e H erder, em bora tentando apresentar um quadro unitário do pro­ cesso histórico, perm aneceram fora do caminho dos iluministas. Vico rejeitou o critério cartesiano m atem aticam ente inspirado do verdadeiro conhecimento, e não aceitou um conceito abstrato do hom em que valesse para todos os homens em todos os tempos. As idéias de Vico e de H erder tiveram im portantes conseqüências teóricas e metodológicas, mas foi Hegel quem m ostrou que os estudos históricos podiam ser diferentes dos outros gêneros de investigação, mas nem por isso tinham um status inferior. Os conceitos-chave de Hegel — razão, desenvolvimento, processo e liberdade — representaram um papel central na compreensão histórica. Dando um a posição preem inente àqueles conceitos, estabelecendo os lim i­ tes da aplicabilidade das concepções m atemáticas e quantitativas à história, traçando um a nítida linha entre os fenômenos históricos e os naturais, Hegel fez pela história, diz G ardiner, o que os metafísicos do século xvn haviam feito pela ciência natural. As filosofias da história do fim do século xix e começo do xx, espe­ cialm ente D ilthey e R ickert, em anciparam o pensam ento histórico de qualquer preocupação de adaptar suas explicações aos métodos das ciên­ cias físicas, como procurei m ostrar no capítulo B.° deste livro. O termo filosofia da história tem sido desde então aplicado a todos os esquemas especulativos deste gênero, e todos têm em comum dar um a explicação compreensiva do processo histórico, de tal m odo que ele possa fazer sentido, isto é, que ele apresente no seu curso um a tendência em certa direção e com certa duração. Em face das ambigüidades, é difícil estabelecer limites entre o que é a filosofia da história e outros campos da especulação. Ja n R om ein tentou, como vimos, distingui-los, não sem prever sua fu tu ra fusão. A inda assim, revelar que a corrente da história segue um padrão coerente, mos­ trar a realização factual de certos ideais políticos, justificar e ilustrar

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métodos particulares de investigação do passado, são alguns dos fins que têm sido a força propulsora principal das teorias da história. Deste modo, os problem as da interpretação do processo histórico, da natureza do conhecimento histórico, das explicações, das leis, das relações da história e das ciências sociais, dos problem as da convicção histórica, do julgam ento histórico, da aceitação ou não da causalidade, entendida em termos físicos, das definições conceituais de fenômenos históricos gerais, constituem a tem ática da teoria da história como disciplina universitária. Restariam ainda, para bem defini-la, dois aspectos, que merecem aten­ ção especial, como revisão da m inha própria Teoria.

Periodização Primeiro, o problem a da periodização na história e na história do Brasil, mais tarde vulgarizado nas teorias literárias e na literatura b ra­ sileira. O Dr. J. H. van der Pot, na sua De Periodisering der Geschiedenis (28), fez estudo o mais completo sobre a teoria da periodização. Seus capítulos, depois de delim itarem o terreno, tratam da essência, do método, das diferentes espécies, ideográficas (não baseadas em leis históricas) e nomotéticas (baseadas em leis históricas) (28a), cíclicas e isócronas. No estudo do método, o que mais im porta ao nosso tema, van der Pot dá as seguintes regras: 1. Evite basear a periodização em um a lei histórica. 2. Prefira determ inar prim eiro as características dos períodos, para depois traçar os limites entre uns e outros. 3. Não é possível estabelecer a priori as diretrizes para a justa relação entre o tempo de duração dos períodos entre si e o núm ero de períodos. 4. Prefira estabelecer o início de um período não no m om ento em que surge algo de novo pelo qual o mesmo se caracterize, mas no m om ento em que este algo passe a predom inar. 5. Os limites dos períodos não devem ser traçados com demasiado rigor. 6. É preferível que o valor tipológico dos termos periódicos não contenha nem mais nem menos que um determ inado aspecto ape­ nas da cultura. (28) H aia, 1951. (28a) A denom inação e diferença entre ciências ideográficas e nom otéticas foi feita por W indelband, na sua Geschichte und Naturwissenschaft (1894), e desenvolvida por Rickert, A história, segundo este, é a ciência do acontecimento único e que não se repete (conheci­ m ento ideográfico), e as ciências naturais aquelas que buscam as leis gerais (conhecimento nomotético). Vide tam bém H einrich Schm idt, Philosophisches W õrterbuch, Nova York, 1945-.

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7. É igualm ente preferível que toda concepção de período se relacione com um mesmo aspecto cultural. 8. É preferível que a periodização se alicerce naquele aspecto cultural que, n a concepção do m undo do autor, lhe pareça o mais im por­ tante. 9. A influência de um a concepção pessoal do m undo sobre a perio­ dização pode estender-se somente à divisão da história segundo determ inado ponto de vista, mas não conduzir a um a construção apriorística do próprio curso da história.

Novas correntes teóricas O segundo aspecto diz respeito às novas correntes teóricas da filo­ sofia anglo-americana, todas girando em tom o da concepção de C ari G. H em pel (29), e representando um a reação às teorias de D ilthey e Rickert, especialmente contra a autonom ia da história e os conceitos diferenciadores de explicação e compreensão. É opinião generalizada, diz Hempel, que a história, em oposição às chamadas ciências físicas, ocupa-se cqm a descrição dos acontecimentos particulares do passado e não com as leis gerais que podem governar estes acontecimentos. T a l opinião provavelmente pode ser negada, se a caracte­ rizarmos como o tipo de problem a em que estão principalm ente interes­ sados os historiadores, mas é certam ente insustentável como um a afirmação da função teórica da lei geral da pesquisa histórica científica. Segundo Hem pel, as leis gerais têm função absolutam ente análoga tanto na história quanto nas ciências naturais, e formam um conhecim ento indispensável à pesquisa histórica; constituem, mesmo, a base comum de vários processos m uitas vezes considerados como característicos da ciência social, em contraste com as ciências naturais. Por lei geral ele com preende a afirmação de um a forma condicional universal capaz de ser confirmada ou negada por achados empíricos adequados. Depois de afirm ar que a principal função das leis gerais nas ciências naturais é relacionar os acontecimentos em padrões usualm ente referidos como explicação ou predição, H em pel sustenta que a explicação histórica visa tam bém m ostrar que o acontecim ento não foi um a questão de opor­ tunidade, mas devia ser esperado em face de certas condições antecedentes ou simultâneas. Afirm a que muitas explicações da história ou da socio­ logia deixam de incluir um a afirmação explícita das regularidades gerais; a imperfeição de um a dada explicação é, às vezes, inessencial, e outras vezes, apesar de im perfeita, não é inessencial. Term os como “por isso”, (29) Cari G. H em pel, alemão, estudou em G üttingen, Heidelberg, Berlim e Viena. Foi para os e . u . a . em 1934 e seus estudos têm apareddo em revistas americanas e inglesas. O artigo principal é “T h e Function of General Laws in History” , Journal of Philosophy ( e . u. a . ) , vol. 39, 1942, reproduzido in P. G ardiner (org.), Theories of History, ob. cit., 344-356. Resumimos sua exposição e as demais, segundo esta obra.

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“p o rtan to ”, “conseqüentem ente”, “porque”, “naturalm ente”, “obviam en­ te”, são m uitas vezes indicativos da pressuposição tácita de um a lei geral; são usados p ara ligar as condições iniciais com o acontecim ento explicado; mas que este deva ser esperado “naturalm ente” como um a “conseqüência” das condições estabelecidas só se segue se leis gerais adequadas são pressu­ postas. É ainda possível e justificável, segundo Hempel, in terpretar certas explicações oferecidas n a história como baseadas mais em hipóteses de probabilidade do que em leis gerais determ inistas, isto é, leis gerais na forma de condições universais. E não im porta que as explicações n a his­ tória sejam interpretadas como de caráter “casual” ou “probabilístico”; permanece verdadeiro que em geral as condições iniciais e especialmente as hipóteses universais envolvidas não estão claram ente indicadas e não podem ser suplem entadas de forma não-ambígua. N a m aioria dos casos o que as análises explicativas dos acontecimentos históricos oferecem, diz Hempel, é o que se pode chamar de um esboço de explicação (explanation sketch). T a l esboço consiste em indicações mais ou menos vagas das leis e condições iniciais consideradas relevantes e é necessário preenchê-los, de m odo a conseguir um a explicação am adu­ recida. Este processo de preenchim ento assumirá, em geral, a forma de um a precisão gradualm ente crescente das formulações envolvidas; e em qu alq u er estágio deste processo estas formulações terão significação em pí­ rica e será possível indicar, ao menos grosseiramente, que espécie de prova será relevante para testá-los, e que descobertas tendem a confirmá-los. Hem pel tenta m ostrar que na história, tan to quanto em qualquer ram o da investigação em pírica, a explicação científica só pode ser conse­ guida p or meio de hipóteses gerais adequadas, ou p o r teorias que são conjuntos de hipóteses sistematicamente relacionadas. Esta tese está cla­ ram ente em contraste com a opinião comum de que a genuína explicação em história se obtém por um m étodo que característicam ente distingue as ciências sociais das ciências naturais, especialmente o m étodo cham ado da compreensão em pática. O historiador imagina-se ele próprio no lugar das pessoas envolvidas, tenta com preender as circunstâncias em que elas agiram, e por um a identificação com as personagens chega a um a com­ preensão. Este método, escreve Hempel, em bora freqüentem ente empregado por leigos e peritos, não constitui um a explicação, não é um m étodo indis­ pensável, nem garante a profundidade d a explicação. A identificação é irrelevante e o apelo a este m étodo parece dever-se ao fáto de que ele tende a apresentar o fenômeno em questão como plausível ou natural. Esta espécie de compreensão deve ser separada da compreensão cien­ tífica. N a história, como em qualquer o utra ciência empírica, a expli­ cação de um fenômeno consiste n a subsunção dele às leis gerais empíricas, e o critério de sua profundidade não consiste em apelar para a nossa imaginação, mas exclusivamente em baseá-lo em afirmações em píricam ente bem confirmadas, relativas às condições e leis gerais. Intim am ente ligada à explicação e à compreensão h á a chamada interpretação dos fenômenos históricos em termos de algum a teoria par­

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ticular. As interpretações utilizadas na história, diz Hempel, consistem n a subsunção dos fenômenos a um a explicação científica ou a um esboço de explicação;. ou em um a tentativa de subordiná-las a um a idéia geral que não pode ser subm etida a qualquer teste em pírico. N o prim eiro caso, a interpretação é claram ente um a explicação p o r meio de um a hipótese universal; no segundo, ela significa um a pseudo-explicação, que pode ter apelo emotivo e evocar vividas associações pictóricas, mas que não favorece nossa compreensão teórica do fenômeno. Para Hempel, buscar a significação de determ inados acontecimentos históricos consiste em determ inar que outros acontecimentos estão em conexão relevante com os mesmos, seja como “causas” ou como “efeitos”; e então a afirmação das conexões relevantes assume novam ente a forma de explicação ou esboços de explicação que envolvem hipóteses universais. Do mesmo modo, as noções de determ inação e de dependências nas ciên­ cias empíricas, inclusive a história, envolvem referência a leis gerais. H em pel afirm a que suas considerações são inteiram ente neutras em relação ao problem a das leis especificamente históricas; nem pressupõem um meio p articular de distinguir as leis históricas das sociológicas, ou quaisquer outras; nem im plicam negar a afirm ação de que podem ser achadas leis empíricas históricas em algum sentido especifico, e que sejam bem confirmadas pela prova em pírica. Finalm ente, mesmo que um historiador se proponha a restringir sua pesquisa a um a p u ra descrição do passado, sem nenhum a tentativa de oferecer explicações, ele terá necessidade continuam ente de usar as leis gerais. M uito provavelm ente até os historiadores que tendessem a m ini­ mizar ou negar a im portância das leis gerais para a história seriam im pe­ lidos pelo sentim ento de que somente leis genuinam ente históricas seriam de interesse para a história. Desde que fosse com preendido que a descoberta das leis históricas n ão tornaria a história m etodológicam ente autônom a e independente de outros ramos da investigação científica, pare­ ceria que o problem a da existência das leis históricas perderia parte de seu peso. Hem pel sustenta ainda que suas observ ações se baseiam em dois gran­ des princípios da teoria da ciência: prim eiro, a separação da “descrição p u ra ” e da “generalização hipotética e construção teórica” na ciência em pírica não é verdadeira; n a construção do conhecim ento científico as duas estão ligadas de m aneira inseparável. E segundo, é igualm ente incerto e fú til ten tar a demarcação de linhas de limites nítidos entre os diferentes campos de pesquisa científica e estabelecer um desenvolvimento autônom o de cada campo. Conclui finalm ente H em pel dizendo que a necessidade, no inquérito histórico, de fazer extenso uso de hipóteses universais é justam ente um dos aspectos do que se pode chamar a unidade m etodológica das ciências empíricas. A reação de Hem pel à filosofia da história de W indelband e Rickert encontrou grande acolhida nos centros científicos anglo-americanos, que

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nunca aderiram aos princípios da escola germânica. M orton W hite, Ernest Nagel, W. B. Gallie, W illiam Dray, Charles Frankel, Alan Donagan e M ichael Scriven partem todos dos princípios de Cari G. Hempel, espe­ cialm ente da unidade científica, e tentam fazer um a análise lógica da história (30) M orton W hite afirm a que quando se distingue um a explicação física de um a biológica ou quím ica, dá-se um a mesma significação à palavra explicação; quando se compara a explicação histórica com estas outras explicações, a presunção é que a “explicação” não m udou de significado. T odas elas diferem somente no fato de serem diferentes espécies de expli­ cações causais. É certo, reconhece W hite, que h á ocasiões em que a pergunta “Por quê ?”, especialmente quando feita a um agente moral, receberá um a resposta que não é causai na sua natureza. Brutus, por exemplo, se lhe perguntassem por que apunhalou César, poderia replicar apresentando um julgam ento moral, pelo qual defendesse sua decisão de praticar aquele ato, e não apresentar a causa do mesmo. T a l explicação não seria a do historiador, mas a da própria personagem histórica. Q uando o historiador estuda o caso, e tenta responder à questão “Por que aconteceu o apunhalam ento de César ?”, ou “Por que César foi apunhalado ?”, faz algo dife­ rente do que Brutus fez em sua defesa. O argum ento m oral com o qual Brutus defendeu-se da decisão de m atar César deixa em aberto a questão do porque aconteceu o apunhalam ento. Sem en tra r no exame desta questão por ele próprio levantada, W hite expõe e aceita a tese de Hem pel e apresenta novos desenvolvimentos. A história, diz ele, pressupõe outras ciências; pressupõe as leis físicas, no que se refere ao tem po e ao espaço; pressupõe a quím ica e a biologia. É quase impossível pôr um lim ite ao núm ero de ciências que a história pressupõe e obviam ente ela pressupõe o estudo de ciências especificamente hum anas, daquelas que tratam da conduta hum ana. É, assim, difícil dizer onde começa e onde term ina a história. Por outro lado, obviam ente a história pressupõe todas as ciências sociais, e o difícil é dizer onde estas param e começa a história. Mas se se considerar a história como um a disciplina distinta das outras, então ela deve conter termos que não per­ tencem nem à economia, nem à sociologia, nem à antropologia, e será impossível ao historiador defender a unicidade de sua disciplina e definir a explicação histórica. P ara W hite, o estudo real dos predicados que se exigem do histo­ riad o r não perm ite nenhum a distinção entre ele e os exigidos dos soció­ logos. Se o propósito do historiador é oferecer um quadro da estrutura (30) Todos reproduzidos in P. G ardiner, Theories, ob. cit.; M orton W hite, “ Historical E xplanation”, 357-373 (M in d , 1943); Ernest Nagel, “Some Issues in the Logic of H istorical Analysis” , 373-385 ( Scientific M onthly, 1952); W. B. Gallie, “Explanations in H istory and the Genetic Sciences, 386-402 (M ind, 1955); W illiam Dray, “E xplaining w hat in H istory” , 403-408, e Laws and E xplanations in H istory, O xford, 1957; Charles Frankel, “E xplanation and Interpretation in H istory” , 409-427 (Philosophy of Science, 1957); Alan Donagan, “ Historical E xpla­ nation” , 428-443 (M in d , 1943); M ichael Scriven, “ T ruism s as the G rounds for Historical E xpla­ nations” , 443*475.

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social e do desenvolvimento de um a dada sociedade, não se deve distinguir as afirmações históricas das sociológicas, e o mesmo se pode dizer em relação às explicações históricas e sociológicas. Não há, do ponto de vista lógico, diferença entre as duas disciplinas. Ernest Nagel (31) dedicou-se especialm ente a refu tar R ickert e é, sem dúvida, com G ardiner e Dray, dos mais claros e lúcidos. É um erro gros­ seiro, diz ele, supor que as afirmações singulares não representam nenhum papel nas ciências teóricas e que a investigação histórica não usa leis universais. Nem as ciências naturais tomadas como um todo, ou suas subdivisões teóricas, podem ser olhadas como exclusivamente nomotéticas, isto é, procurando estabelecer leis abstratas p ara processos infinitam ente repetidos, nem a história pode dispensar ao menos a tácita aceitação das afirmações universais que ocorrem nas ciências naturais. Assim, em bora o historiador possa estar ocupado com o não-recorrente é único, isto é, o ideográfico, ele seleciona e abstrai de ocorrências concretas que estuda, e sua dissertação sobre o que é individual e único exige o uso de normas comuns e termos gerais descritivos. T ais caracterizações estão associadas com o reconhecim ento de várias espécies ou tipos de coisas e ocorrências, e, portanto, com o reconhecim ento im plícito de numerosas regularidades empíricas. Se ele não deseja apenas ser um cronista, mas ten tar explicar e com preender, em termos de causas e conseqüências, deve obviam ente aceitar leis bem estabelecidas de dependência causai. Há, não obstante, um a im portante assimetria entre as ciências teó­ ricas e históricas. U m a ciência teórica, como a física, procura estabelecer tanto afirmações gerais como singulares e, ao fazê-las, os físicos empregam afirmações previam ente estabelecidas de ambos os tipos. Os historiadores, de outro lado, visam fazer declarações singulares certas sobre ocorrências e inter-relações de ações específicas, e em bora esta tarefa possa ser realizada somente pela adoção e uso de leis gerais, eles não consideram como parte de sua tarefa o estabelecim ento de tais leis. A distinção entre a história e a ciência teórica é, então, de certo modo, análoga à diferença entre o diagnóstico médico e a fisiología, ou entre a geologia e a física. O geólogo procura averiguar, p o r exemplo, a ordem de seqüência das for­ mações geológicas, e é capaz de, ao fazê-lo, aplicar várias leis físicas aos m ateriais que encontra, mas não é tarefa do geólogo, como geólogo, esta­ belecer as leis da mecânica ou da desintegração radioativa que ele pode em pregar. O fato de que a pesquisa histórica se ocupe com o singular e procure averiguar a dependência causai entre as ocorrências específicas não con­ firm a a disputa generalizada de que há um a radical diferença entre a estrutura lógica das explicações nas ciências históricas e nas generalizadoras. Tem-se dito que h á um a diferença form al dem onstrável entre os “conceitos gerais” das ciências teóricas e os “conceitos individuais” das (31) Tcheco-eslovaco, ensina desde 1930 na Colum bia University, em Nova York, e já foi presidente da American Philosophical Association e da Assodation for Symbolic Logic.

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ciências históricas. As premissas explicativas na história, como nas ciên­ cias naturais, incluem numerosas leis im plicitam ente adotadas, assim como m uitas afirmações singulares das condições iniciais explicitam ente form u­ ladas. Elas podem ser declarações de regularidades bem confirmadas em outras ciências, ou afirmações não-codificadas tomadas da experiência comum; podem ser declarações universais, de concomitância invariável, ou assumir forma estatística; podem sustentar um a uniform idade n a seqüên­ cia tem poral, ou algum a relação de dependência coexistente. Nagel não aceita que na seletividade histórica o histórico seja so­ m ente o que é insubstituível, ou porque sua unicidade se corporifica nalgum valor cultural universalm ente aceito, ou porque é instrum ental à efetivação de tal valor. Carece de base a afirmação de que a história se dedica exclusivamente às ocorrências im pregnadas de valor, salvo se a palavra história for arbitrariam ente redefinida para conformar-se com tal pretensão. A obra de H. I. M arrou, De la connaissance historique (32), segue as linhas do pensam ento germânico de Dilthey e R ickert, pois procura estu­ dar todo o problem a do conhecim ento histórico. Não se trata somente das leis e da explicação histórica, a que se reduzira o estudo de H em pel e de seus seguidores. Os princípios de M arrou podem ser assim sum aria­ dos: Prim eiro, o ponto central no ato do conhecim ento histórico é o historiador; segundo, o conhecim ento histórico consiste nas relações entre a m atéria-prim a da hum anidade que lhe vem de fora e os conceitos de inteligibilidade que ele desenvolve dentro de si mesmo; esta relação aplica-se a todos os níveis do conhecim ento histórico, desde a leitura dos documentos até a interpretação de um a época; terceiro, o conhecimento do historiador é necessariamente lim itado, não só devido à pobreza ou plétora de docum entação, mas tam bém porque todo conhecim ento h u ­ mano, passado e presente, é necessariamente lim itado; quarto, a sanção últim a do conhecim ento histórico, como de todo conhecimento, é um ato de fé, mas a validade destas razões é aquela de toda a hum anidade. W illiam Dray, na obra Laws and Explanatioris in H istory (33), retom a o debate iniciado por H em pel e especialmente tratado por Patrick G ardi­ ner n a sua T h e N ature of H istorical E xplanation (34), a que nos referimos n a 2.a edição desta obra. R eplicando às teses de R arl R. Popper (35), H em pel e seus seguidores, de que a história, para ser satisfatoriam ente explicada, deve ser reduzida a um exemplo de lei ou hipótese geral, Dray diz que esta covering law m odel não satisfaz ao senso de explicação do historiador prático e que as leis gerais são m uito im precisamente ligadas com condições históricas específicas para serem logicamente exigidas. Este é um modelo perigoso para a filosofia da história e conduz a caminhos radicalm ente incorretos ou enganosos, declara Dray. E depois (32) Paris, É dition du Seuil, 1956. (33) Oxford University Press, 1957. (34) Oxford University Press, 1952. (35) T h e Open Society and its Enemies, Londres, 1945; trad. brasileira, A democrática e seus inimigos, Belo Horizonte, Itatiaia, 1957.

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de repelir vigorosamente todos os covering law theorists, inclusive G ardiner, inicia sua análise da estrutura lógica das explicações especificamente cau­ sais n a historia. Sua atenção é dirigida à lógica do pensam ento histórico, interpretando a lógica no ampio sentido tornado fam iliar pelos filósofos analíticos contemporáneos. Como o de G ardiner, o livro de Dray tenta criar um a teoria aceitável aos historiadores. Dray estuda a unicidade do fato histórico, o papel do julgam ento histórico, as explicações históricas e teóricas, as dúvidas sobre a linguagem causal n a historia, e constrói finalm ente sua teoria. Reconhece a m ulti­ plicidade das explicações históricas — baseadas n a observação, empatéticas, não-causais e causais (explicações do “como” e do “porquê” ), eventuais, racionais — e estuda a pluralidade dos processos lógicos de cada tipo. Os tipos variados são estudados separadam ente, mas um certo padrão de critério lógico parece repetir-se em cada caso; o historiador usa um ju l­ gam ento indutivo p ara estabelecer as condições necessárias à explicação, e usa a lógica pragm ática para selecionar as circunstâncias, as seqüências, os fundam entos racionais que constituem as condições suficientes da ex­ plicação. A ênfase que o historiador dá à particularidade do fato, à di­ ferenciação do propósito e à coerência da história produz um a versão lógica do m odelo de séries contínuas. N um estudo posterior (3B), Dray trata das explicações do “porquê” e do “como” na história, depois de afirm ar que é hoje comum ente aceito que as explicações em todos os campos de investigação, inclusive na his­ tória, têm um a estrutura lógica comum. D ebate as explicações por meio de conceitos, como Revolução, Renascença, Ilum inism o, o que adm itiria a sua possível regularidade, sem deixar de repelir a covering law. R e­ lem bra que W .. H. W alsh (37) atribuiu grande im portância ao uso de conceitos unificadores para dar inteligibilidade ao m aterial histórico, e denom inou ésse processo de “coligação de concepções adequadas” . Esse processo, segundo J. W. N. W atkins (3S), produz menos que um a explicação com pleta dos acontecimentos coligados, não é metodológica­ m ente poderoso, e é usado pelos historiadores literários. Para Dray, as explicações coligatórias, até onde forneçam conceitos unificadores satisfa­ tórios, podem ser explicações completas do tipo de resposta às questões “o quê ?”, mais do que às questões “por quê ?”. Charles Frankel (39) trouxe sua contribuição filosófica ao problem a da natureza e da lógica da interpretação n a história procurando sis­ tem atizar as correntes de interpretação histórica: 1) a que afirm a serem algumas variáveis ou grupo de variáveis — a economia, a geografia, a tecnologia — os agentes causais mais im portantes; 2) a que estabelece a significação ou sentido da história como um todo, m ostrando que todas (36) “E xplaining w hat in H istory” , in P. G ardiner (org.), Theories, ob. cit., 403-408. (37) Introduction to Philosophy of H istory, Londres, 1951. (38) “Ideal Types and H istorical E xplanation” , in Feigl e M. Brodbeck, Readings in the Philosophy o f Science, Nova York, 1953. (39) “ E xplanation and Interpretation in H istory” , Philosophy of Science, 1957, reproduzido in P. G ard in er (org.), Theories, ob. cit., 408-427.

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as ocorrências servem a um propósito ou ideal íinal; de regra, esta espécie de interpretação oferece tam bém um a interpretação da prim eira catego­ ria, indo além ao fornecer um a justificativa m oral do que aconteceu; 3) a que nos fala da significação ou função de um a dada seqüência histórica ou de um conjunto de instituições. T odas elas são tentativas de oferta de teorias compreensivas dos acon­ tecimentos hum anos. Elas abraçam considerações generalizadoras, reco­ nhecem a necessidade das relações causais específicas, propõem a visão da história ccmo um processo geral, em que nada se perde e tudo serve a um desígnio, reconhecem que a seqüência causai tem conseqüências de valor ou desvalor, e que o sentido consiste em estabelecer a conseqüência term inal de um processo. A seleção das conseqüências term inais é sempre orientada pelo ele­ m ento de valor ou interesse, deve ser prenhe de futuro, e servir como causa de outros acontecimentos, como começo de novas histórias. N a se­ leção das conseqüências, onde se capta o sentido e o futuro, podem pre­ d om inar chaves variáveis na formulação e im plem entação de efetivas políticas sociais, ou um a teoria do progresso hum ano. Fora dessas correntes, vindo do campo da economia, entusiasta do liberalismo, Ludw ig von Mises, na sua Theory and H istory (40), vê a história como a pedra de toque da filosofia social. Com batendo o posi­ tivismo e o historicismo, afirm ando que toda conduta hum ana é cheia de propósito, sua obra não ultrapassa os limites do senso comum e, com a sua conhecida posição de defensor do laissez faire, sustenta um verdadeiro indeterm inism o. A filosofia anglo-americana da história tem em Alan D onagan (41) um expositor crítico das teorias hem pelianas e anti-hempelianas. Seu estudo “E xplanation in H istory” (42) começa afirm ando que poucos filósofos acei­ taram a opinião de R. G. Collingwood de que “a principal tarefa da filosofia do século xx é levar em conta a história do século x x ”, e que é difícil, para quem tenha mesmo um interesse superficial no que escre­ vem os historiadores, rejeitar a razão de Collingwood de que “no fim do século xix algo da mesma espécie [que a revolução nas ciências n a tu ­ rais, no século xvn] estava acontecendo com a história, mais gradualm ente e menos espetacularm ente, talvez, mas não menos certam ente”. Mas sus­ tenta que ela deve ser rejeitada em conseqüência da teoria do pensamento histórico dom inante entre os filósofos contemporâneos. P ara m anter seu ponto de vista de que não houve tal revolução n a história, D onagan expõe criticam ente a teoria de Hem pel, cujo ensaio sobre a função das leis gerais n a história considera como clássico, e ao qual todas as variantes se acomodam como um verniz. À luz dessa exposição, m uito bem sintetizada, D onagan conclui que somente dois vereditos sobre a explicação histórica são compatíveis com (40) (41) (42)

Yale University Press, 1958. A ustraliano, atualm ente professor de filosofia em Minnesota. M in d , 1957; reproduzido in P. G ardiner (o rg .), Theories, ob. cit., 428-443.

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a teoria hem peliana: prim eiro — o que poucos engolem —, que a m aioria das explicações históricas são simplesmente falsas; segundo, o preferido pelo p róprio Hempel, que elas são imperfeitas, não têm o propósito de serem propriam ente explicações, mas apenas esboços de explicação. T ais esboços são vagas indicações de leis e condições iniciais consideradas como relevantes, e é necessário completá-los, para que se tornem explicações m aduras. Èsses complementos exigem pesquisas empíricas mais extensas, para as quais o esboço sugere a direção. Algumas pesquisas concretas tendem a confirm ar ou a negar estas indicações; os esboços explicativos têm al­ gum a significação em pírica e são, conseqüentem ente, verificáveis. A ma­ neira de com pletar o esboço consiste no uso de hipóteses universais menos vulneráveis, mas desde que na ciência social os fatores simples não podem ser facilmente isolados e independentem ente medidos, não pode haver nenhum a composição de forças, de m odo que o sistema complexo de leis fica de fora. P ara G ardiner, que desenvolveu, segundo Donagan, o pensam ento de Hempel, “o historiador, como o general ou o estadista, tende a avaliar e não concluir”. Os que aceitam a teoria de Hem pel, mas não estão dispostos a negar à história todo o valor científico, estão diante de um dilem a: ou as explicações históricas pressupõem falsas hipóteses univer­ sais, ou são simples esboços extrem am ente difíceis de serem substituídos por algo m elhor ou que degeneraram em avaliações subjetivas. Depois de trata r das explicações não-hem pelianas, como a de G ardiner, Donagan prossegue exam inando alguns exemplos de explicações históricas para invalidá-las como ininteligíveis, e aplica sua lógica às explicações sociológicas e econômicas, considerando ambas igualm ente sem fundam ento em nenhum a hipótese ou lei universal. Desde que é filosoficamente dem onstrável que todo acontecim ento é explicável em princípio de acordo com leis gerais, diz Donagan, e um a vez que as explicações históricas não são aceitáveis senão à falta de m elhor (faute de m ieu x ), não seria o caso de substituí-las por outras dó mesmo tipo da história n atu ral ? Esta pergunta, responde ele, pode sus­ citar mais de um conjunto de pressuposições. U m a delas é professada pelo chamado hum anism o científico. Seu credo é que toda ciência é una; que as explicações científicas pressupõem leis gerais; que todo aconteci­ m ento tem um a explicação científica, senão de fato, pelo menos de princípio. O hum anism o científico, sustenta Donagan, pode ser defendido sob diversos fundam entos: m ediante provas metafísicas, pois a menos que elas sejam aceitas, a explicação seria impossível; por argumentos sobre a dire­ ção do progresso da ciência; por considerações pragmáticas; por dedução de um a fé religiosa. Diz que este hum anism o pode ser tam bém atacado sob vários fundamentos, mas, como tais considerações fogem ao seu obje­ tivo naquele trabalho, limita-se a afirm ar: 1) que as explicações históricas são, no presente estado do conhecimento, independentes de leis gerais;

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2) que m uitas de tais explicações são verificáveis e verificadas; 3) que a subsunção, de acordo com as leis gerais, em bora possível a priori, é, no presente, puram ente visionária. Q uanto às ciências sociais, elas não esta­ beleceram nenhum a lei genuína e o m uito que realizaram é fruto do mé­ todo histórico. Estes fatos não refutam o hum anism o científico, mas podem desencorajar os seus adeptos de manterem-se filiados a ele. O ceticismo de todas estas teorias, a obtusidade da sua fundam enta­ ção, o desconhecimento da obra histórica, a péssima seleção dos exemplos e a pretensão científica não invalidam , a m eu ver, as teorias de Dilthey, Rickert, Collingwood e W eber. Estas percebiam que a realidade histó­ rica não podia esgotar-se nas leis, e que o historiador não pode libertar-se da valorização. Mesmo quando partem , como na m etodologia weberiana, de conceitos típico-ideais, estes, em bora vazios de conteúdo, não são p u ra­ m ente lógico-formais; têm um a intenção, um a significação, um valor, um ideal históricos que são investigados e procurados na concretitude histórica. N a consumação desta pesquisa real se descobrem os laços singulares que unem a realidade e lhe dão a individualidade histórica. Só aí aparece a dinâm ica in terna dos fatos, e a conexão, por exem plo entre capitalismo e calyinismo, construída como conceito típico-ideal, se realiza na vida reconstruída. Mesmo o marxismo, que parte tam bém de relações estru­ turadas, de conceitos gerais, não desconhece o modo particular da articula­ ção das partes ao todo, de que se origina a construção. E é éste tipo singular de articulação que estabelece a ordem n a história; sua própria validez é lim itada e relativa, e depende da durabilidade, transitoriedade ou periodicidade das forças que a construíram . A análise do m odo de relações dos componentes do todo revela as forças concretas que o m ovimentam , não como um princípio abstrato — um a lei geral —, mas como um a particularidade concreta das situações históricas. Todos estes caminhos e descaminhos exigem um a rigorosa e vigorosa reflexão, ainda quando não possamos resolver os impasses teó­ ricos e metodológicos sobre as possibilidades do conhecim ento histórico. A problem ática contem porânea impõe sempre novas questões, cuja solução depende do conjunto de técnicas de investigação e da possibi­ lidade de estabelecer um a correta comunicação entre a teoria e a prática. Sem querer discutir os problem as epistemológicos das teorias apre­ sentadas, o q ue ultrapassaria nosso objetivo e nossas possibilidades, é evidente que a reconstrução histórica é um a forma legítim a de conheci­ mento, com suportes empíricos e teóricos. A relação entre causa e efeito — expulse-se ou não o term o causa, substituído p o r motivo, fator cons­ ciente —, a ligação da estrutura-superestrutura, a preexistência de leis ou de padrões gerais não invalidam a tese de que a história busca a individualidade da reconstrução,- e destaca a determ inação, distingue a valorização, o sentido individual e social. Este é seu objetivo próprio, descubram ou não as leis de padrão geral ou as premissas culturais. O im portante não é renovar mas insistir num tipo de análise histórica que aproveite os cursos recentes da teoria, tanto n a pesquisa, quanto na crítica

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e n a interpretação, para que a historia não se desnude no factualismo antiquário, donde está expulso o m undo dos valores, das ideologias, dos fins, da vida vivida com responsabilidade. O conteúdo espiritual da historia se contrapõe ao m undo da natureza.

Historiografia O utra disciplina cuja autonom ia é absolutam ente indispensável, mas infelizm ente ainda continua relegada nos cursos universitários, é a histo­ riografía. Desde 1944, quando voltei dos Estados Unidos da América, acalentei a idéia de escrever um a historiografía brasileira que, reunida à Teoria e à Pesquisa, formasse um tríptico de estudos de caráter superior, ainda não realizado no Brasil. Dei sumários nos cursos do Instituto R io Branco, p ubliquei dois volumes no México, afora ensaios em livros vários, e no m om ento estou concluindo a obra para ser publicada nesta coleção. Não acredito que se possa oferecer cursos superiores de história sem o ensino da historiografia. A historiografia, a história do escrito histórico, a história da história, a história do pensam ento histórico, das principais tendências dos historia­ dores, é um a disciplina universitária adotada em toda parte. P ôr em contato os jovens estudantes com seus predecessores, revelar as direções principais, é um a forma prática de ensinar a história e de, tanto quanto possível, ensinar a escrever história.

Pesquisa histórica O u tra disciplina indispensável ao currículo universitário é a pesquisa histórica, que aprofunde o conhecim ento de todos os instrum entos do trabalho histórico, revelando suas conquistas e deficiências, prom ova exer­ cícios de investigação, examine a evolução da pesquisa nos arquivos n a­ cionais e estrangeiros, e conheça os guias bibliográficos e as referências gerais. Espero que a 2.a edição da Pesquisa histórica no Brasil concorra p ara sua autonom ia como disciplina universitária.

Conclusão O problem a da suficiência da compreensão histórica, tão dado p or Joaquim W ach (43), é o ponto central dos esforços teóricos de historiadores e pensadores da história. O historiador im portância ao fato de possuir um a metodologia própria, e o influi sobre a reflexão metodológica da sua ciência é a filosofia.

bem estu­ práticos e dá grande que mais O sentido

(43) Das Verstehen. Grundzüge einer Geschichte der hermeneutischen Theorie im 19. Jahrhundert, T ü bingen, M ohr, 1933.

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e fim do desenvolvimento histórico, a regularidade dos acontecimentos, as forças e poderes im pulsionadores do suceder histórico e suas inter-relações, e ao mesmo tem po seus pressupostos, suportes e ligações são sempre e de novo os temas próprios dos filósofos que refletem sobre a história e dos historiadores que filosofam. Ao mesmo tempo, o interesse filosófico e histórico dirige-se em direções diversas e suas questões não são idênticas. Neste grande terreno, apenas um a parte m uito determ inada nos atrai: a reflexão sobre a posição própria da história em relação ao seu objeto, ao seu método, às suas tentativas de compreensão, a um a teoria da história. T odas estas questões não libertam o historiador do chão da realidade presente, da sua situação social e política. Q uando a História de R om a de M ommsen foi duram ente criticada pelos seus contemporâneos, devido especialmente à sua compreensão do papel de César, ele escreveu: “Co­ meço a ver que a história nunca é escrita ou feita sem am or ou ódio”. Com isso Mommsen significava que a paixão é um a forma do conheci­ m ento histórico, singular, individual e valorativo.

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POSFÁCIO

N ão pretendo neste posfácio rever, corrigir ou refazer o que foi. feito. Não pude reparar deficiências ou falhas, apurar conceitos, métodos e exem­ plos no p róprio contexto do livro, já que para o editor essa ação encare­ ceria e atrasaria a nova edição. É certo que erros tipográficos ou erros de fato são corrigidos, mas nada se acrescenta ao texto, senão nesta parte final, o que não perturba a composição do livro. 1.

Filosofia e História

Ernst Troeltsch, no seu famoso estudo sobre o historicismo (1), escre­ veu que a ciência histórica foi trazida, com grande esforço dos m aurinos aos grandes historiadores dos séculos X IX e XX, a um a grande am plitude, plenitude e profundezas. Foi a aplicação das técnicas históricas aos espaços os mais variados — uns cada vez menores, outros cada vez maiores, m elhor observados — a repetição sempre da mesma tarefa, a m udança dos meios de solução, as tentativas de nova interpretação, ou somente a crítica da convicção do que aconteceu, que perm itiu a plenitude da pesquisa histó­ rica que, colecionada e elaborada de vez em quando em grandes compên­ dios, deve ser, por assim dizer, codificada nas grandes histórias gerais n a­ cionais ou universais, ou nas monografias exemplares que definem um problem a na sua totalidade. Acentuei, bem o creio, nas edições anteriores, todos os aspectos gerais apontados e comentados por T roeltsch n a sua famosa grande obra. Não era n a pesquisa que estava a crise, mas nos próprios fundam entos filosó­ ficos e nos elementos do pensam ento histórico. Se os regimes autoritários são a negativa da educação histórica e do próprio saber histórico, sua expansão e sucesso entre os vinte e quarenta anos deste século representa­ ram um regresso à barbaria. Por outro lado, houve sempre um enorme desejo por um a visão de conjunto u n itária da vida histórica. É aqui que se acham M arx e todos os seus seguidores ou os que dele se aproxim am espiritualm ente, m odificando o quadro tradicional da história e ensinando os novos meios de interpretação e os novos fins. M antendo a mesma linha da filosofia hum anista está a renovada concepção cristã da história, ao contrário das correntes regressistas do nazismo, do fascismo, do integralis(1)

D e r

H is to r is m u s

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P r o b le m e ,

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Tübingen, 1922.

mo, e seus neo-seguidores, que rom pem a tradição do hum anism o, do libe­ ralism o e do historicismo. Se na prática o marxismo-leninismo rom peu tam bém esta linha, com todas as suas conseqüências, na verdade o socialismo é o herdeiro legítimo da tradição hum anista e liberal. A terrível prova prática de todas as teorias q u e se geram na paz surge na guerra, e foi nela e durante ela que as democracias ocidentais cristãs, liberais e sociais-democratas, todas filhas do mesmo pai, preferiram unir-se à U nião Soviética que à A lem anha e à Itália nazi-fascista. E por quê? A opção se fazia sem hesitação porque a finalidade socialista se conforma aos ideais liberais e hum anistas, enquanto o objetivo nazi-fascista representava um a demolição de toda a tábua de seus valores, significando, assim, um a ameaça perigosa de regresso à barbaria. A decisão revelava a cam inhada do historicismo democrático-liberalsocial para o hum anism o m arxista não-soviético. Se um historiador de idéias tivesse que identificar o problem a central de sua época, que feição ideológica ele acentuaria? A relação da história com as ciências sociais? A necessidade de um a visão universalista que transcendesse as limitações de raça, as discriminações elitistas da m inoria contra a m aioria, o desres­ peito aos direitos hum anos, a opressão às m inorias étnicas, as distinções de sexo? De qualquer m aneira seria impossível que ele negligenciasse a repro­ vação do historicismo dos seus predecessores, quando, na m etade do século XIX , viu que por trás da nova consciência histórica se escondia um a visão relativista dos valores até então considerados como absolutos e imutáveis. Desde que a natureza m ostrou possuir um a história, não era mais sub­ versiva a noção, ocorrida aos antropólogos, sociólogos, cientistas políticos, críticos de religião, de que a natureza hum ana podia ou devia ter um a dim ensão histórica e que, deste modo, os homens não podiam conseqüen­ tem ente estar ligados todo o tem po a preceitos morais criados por teólogos e filósofos refletindo as circunstâncias da sua própria época e lugar. Parecia que este historicismo gerava um a anarquia de valores que alguns olharam aterrorizados e a m uitos converteu ao nazi-fascismo e suas formas posteriores nascidas no m undo político subdesenvolvido da Amé­ rica Latina, África e Ásia. O professor Karl Popper (2), com a ignorância da tradição filosófica que ele criticava, permitiu-se acusar Hegel de haver inaugurado o m odelo desastroso de fazer toda a teoria política depender da predição histórica. Q uaisquer que sejam os equívocos de Hegel, ele nunca supôs que o elem ento hum ano pudesse ser removido d a equação. Nem sua filosofia apoiou a noção de que a história estava sujeita a leis causais inexoráveis. O que tornou o historicismo um problem a para os pensadores que trabalhavam no clima m ental que o próprio historicismo ajudou a criar, foi a consciência desconfortável de que não se podia prever que rum o seguiria o processo histórico. A história tornou-se, então, um a ameaça às (2)

T h e

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e n e m ie s ,

Londres, 1952.'

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certezas intelectuais e morais criadas pelo racionalism o e o rom antism o. A dim ensão metafísica preservada na idéia da Geistgeschichte (História do espírito) tinha que ser abandonada, e já pelo fim do século X IX a retirada do Geist (espírito) da Geischichte (história) tinha sido realizada pela escola positivista. O prim eiro passo neste sentido fora dado por Ranke, na sua tentativa de procurar a “história tal como aconteceu” . J á escrevi n a parte inicial o papel que D ilthey representou, tentando resolver o problem a, e daí em diante a historiografia passou a ser um a atividade de profissionais que evitavam o que se denom inava os julgam entos de valor. Ao lado do crescimento imenso da especialização, persistiu a antiga pesquisa por um a história universal do espírito, apenas esvaziadas das certezas morais que habitavam o sistema hegeliano. A solução de Dilthey consistiu em adm itir que a reflexão podia produzir visões parciais e con­ traditórias dentro de um a realidade mais alta e profunda, cuja verdadeira natureza permanecia oculta. Deste modo, a W eltanschauung (concepção do m undo ou cosmovisão) podia ser boa ou má, cabendo a escolha ao arbítrio, mesmo para um racio­ nalista como W eber, que aceitou o que se chamou a pluralidade de valo­ res: “É necessário escolher que Deuses desejamos servir, mas independente­ m ente da escolha, sempre nos acharemos em conflito com um ou outro dos Deuses do M undo”. Nietzsche escolheu o super-homem, e Spengler, o filho pretensioso de Nietzsche, efetuou a transição da estética para a política, ao afirm ar que se somos livres n a escolha do “Deus”, pode-se m uito bem escolher o Deus da Guerra. O Instituto de Pesquisa Social de F rankfurt existente em 19S0 naquela cidade e que se transferiu para outros países europeus, depois para os Estados U nidos em 1933, voltando à A lem anha em 1950, dirigido por M ax H orkheim er e T heodor Adorno, sustentou que o marxism o — a fé esotérica do grupo — tinha se tornado inadequado, e que o proletariado industrial havia se integrado ou estava se integrando na ordem social, tanto no O cidente quanto no O riente (Japão, por exemplo). A Escola de F rankfurt (as obras de H orkheim er, Adorno e A. Schmidt sobretudo têm sido traduzidas em parte para o inglês e o francês) chegava à convicção de que a era da revolução proletária estava encerrada. A m ar­ cha para a burocracia totalitária era considerada como um a pseudo-revolução e a democracia liberal era reconsiderada, onde ainda existia, como um mal menor, e a escola caminhava para a democracia social, ou um socialismo liberal. O que se desvanecia desde então não era a fé pessoal na im portância d uradoura da razão e da liberdade, mas a chama fugidia de transcender o cham ado liberalismo econômico burguês para o socialismo autêntico (3). (3) Max Horkheimer, K r i t i s c h e T e o r i e , Frankfurt, 1969, 2 vols. Vide excelente ar­ tigo “Dialectical Methodology”, analisando obras da Escola de Frankfurt in T i m e s L i t e r a r y S u p p le m e n t, 12 de março de 1970, pp. 269-272.

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Denominou-se teoria crítica o que é mais conhecido como neo-marxismo hegeliano. A teoria crítica da Escola de Frankfurt, à qual pertenceu também H. Marcuse, estava plenam ente consciente, em 1930, da distância que a separava das verdades recebidas do escolasticismo soviético. A concepção revolucionária era abandonada em face das pressões dos acontecimentos m undiais. A Escola de F rankfurt estava ciente de que a interpretação m arxista — para não m encionar a popularização de Engels e outros — era perfeitam ente adequada à tarefa a que se propusera: a de transform ar um a interpretação filosófica num a prática revolucionária. T in h a se tornado claro, após dolorosas experiências, que a teoria crítica não produzira os resultados esperados pelos seus autores. O neom arxismo da Escola de F rankfurt e a contrapartida francesa de L. Althusser, Roger G araudy e os heréticos não partidários, como Sartre e H enri Léfèbvre, especialmente a teoria ortodoxa desenvolvida por Georg Lukács, tinham falhado ao estabelecer um a linha satisfatória entre a teoria e a prática. O historicismo como relativização dos conceitos e valores que o libe­ ralism o político tinha em comum com o socialismo oferecia outra opção em lugar do m arxism o ortodoxo. Com isto se evitava a capitulação do liberalism o diante da nova autocracia, a confissão de sua im potência, e a negação a qualquer ponto de vista autocrático. H orkheim er sustentava que a filosofia política se transform ava em um a crítica da política econômica, e, como sabemos, toda economia é política. O que realm ente im portava era que o Círculo de F rankfurt ou os membros da Zeitschrift fuer Sozialforschung (Revista de Pesquisa Social), com sua formação hegeliana, tinham se im unizado contra a noção positi­ vista de que os julgam entos de valor não têm lugar na análise séria do m undo real, Eles viam claram ente a dicotom ía fato-valor como parte do m undo histórico. T an to Hegel qu an to M arx percebiam a dimensão am eaçadora do historicismo, mas acreditavam que possuíam um a resposta para ele: o teórico que se com prom ete à árdua tarefa de m udar o m undo, que é um Verkehrte W elt (um m undo transtornado, errado), um m undo que não pode subsistir em pé, é capaz de universalizar os valores das classes opri­ m idas porque estas classes agüentam , em form a extrem a, a alienação im ­ posta pela história sobre toda a hum anidade. A dificuldade de transform ar o m undo, de lu tar para que um a préhistória subum ana se torne num a autêntica história, são aspectos im por­ tantes da Escola de Frankfurt. Daí o retorno desiludido de H orkheim er ao liberalismo, o renascim ento do idealismo metafísico de Adorno, e a tentativa de Marcuse de procurar com binar a política do anarquism o com a filosofia dos prim itivos rom ânticos germânicos — um curioso hibridism o, 460

mais notável pela sinceridade pessoal que pela ilum inação dos problem as da sociedade contem porânea (4). No livro La Fin de YUtopie (r>), Marcuse reconhece que a história se processou de forma diferente da prevista por Marx. “Foi a produtividade do capitalismo, largam ente subestim ado por Marx, que perm itiu, nas con­ dições privilegiadas dos monopólios e oligopólios, elevar efetivam ente o salário real e o nível de vida da classe operária no interior do próprio sistema.” Ele observou que o descompasso entre as idéias de M arx e o desenvol­ vim ento do socialismo e do comunismo devia ser explicado em termos concretos, históricos, materiais. Depois de declarar que tudo isto era co­ nhecido, Marcuse acentuava que por motivos históricos a revolução socia­ lista não se concretizara num país industrial avançado, mas num dos países atrasados da Europa. Daí o socialismo totalitário do Estado em perm anente lü ta contra o capitalismo do Ocidente, provocando tima evolução interior do próprio socialismo, visto claram ente nas democracias sociais-trabalhistas e no pró­ prio chamado eurocomunismo. A Escola de F rankfurt dividiu-se e praticam ente dissolveu-se. Marcuse fora discípulo de Heidegger, e seu prim eiro trabalho tentava in terpretar o legado hegeliano em termos derivados da “análise experim ental” de Heidegger (°). Sua obra e posição mereceram um a resposta devastadora num a coleção crítica dirigida por Jürgen H aberm as(7). A discussão do desvio filosófico de Marcuse tenta não deixar intacta um a pedra da T orre de Babel político-teórica que ele construiu nestas últim as décadas. Habermas revela-se m uito orgulhoso das raízes filosóficas e do encanto discursivo de Marcuse, mas não se enam ora pelos seus últim os escritos ou pela sya influência sobre a nova esquerda que com bina correntes divergentes. Q uando Marcuse gasta anos estabelecendo um a distinção m aniqueísta entre a revolução social (boa) e o reformismo social (mau), é inoportuno debater um ponto de vista que se classifica em categorias simplistas. A contribuição de C laude Offe nas A ntw orten citadas consiste em confrontar a tradição clássica m arxista com o modelo de Marcuse. U m modelo, diz ele, indistinguível das análises da m oderna sociedade desenvolvidas pelos teóricos da extrem a direita: H ans Freyer, H elm ut Schelsky e A rnold Gehlen. O fator com um é a convicção de que a m oderna ciência e tecnologia devem provocar fatalm ente o estabelecimento de um a ordem tecnocrática (4) A obra d e H e rb e rt M arcuse existe em várias traduções portuguesas e france­ sas: Ideologia da sociedade industrial, R io de Janeiro, Z ahar, 1967; Eros e civilização, R io de Jan eiro , Z ahar, 1968; R aison et R ev o lu tio n . H egel et la Naissance d e la Theórie Social, Paris, 1968; L a L ib e rte et l*Ordre Social, N euchatel, 1967. E ncontros In te rn a c io ­ nais em G enebra. O cap itu lo d e M arcuse se in titu la “La L iberté et les Im peratifs de 1’H isto ire”, com os debates; L a Fin de 1’U topie, Paris, 1968. (5) O b. cit., p. 89. (6) O ntologie u n d die G rundlegung einer T heorie der G eschinchtlichkeit (O ntolo­ gia e fundam entos de u m a teoria da historicidade), 1932. (7) A n tw o rte n a u f H erbert M arcuse, F ran k fu rt, 1969.

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que perpetue a alienação do homem, desintegre a substância da dem ocra­ cia política e lance o socialismo no porão da historia. É verdade que esta profecia, tal como a da inevitabilidade do socia­ lismo, não se realizou senão nos países mais atrasados da Europa, como Portugal, Espanha e Grécia, para falar no m undo euro-ocidental e nos seus descendentes da América Latina. Todos os conservadores autoritários, toda a nova direita busca suas raízes filosóficas e sociológicas na obra de M ax W eber, que trata a estru­ tu ra burocrática como inseparável do crescimento da racionalização. Habermas e seus colaboradores procuram m ostrar que o homem-filosófico, cujo dilem a existencial é o tem a dos ensaios críticos de Marcuse, não é o agente histórico socialmente condicionado que o m arxism o apresentou, mas um sujeito-objeto preexistente ao processo histórico: um ser cuja pro­ blem ática foi o tema principal daquilo que Heidegger cham ou “ontologia existencial” no seu Sein und Zeit (ser e tempo). A despeito dos constantes apelos de Marcuse à prova empírica, sua análise da situação corrente está subordinada e se fundam enta em desnu­ dar a natureza do hom em como tal, um ser, no m undo, cujos problemas espirituais refletem as tensões e os conflitos da historia empírica. O restabelecim ento da posição clássica socialista em contraste ao utopismo encontra-se na im portante coleção de ensaios de Jürgen Habermas, Theorie un d Praxis (1963), e concretizada na sua análise crítica da filosofia pós-kantiana, cham ada E rkenntnis u n d Interesse (8) (conhecimento e in ­ teresse). Tom ados em conjunto, estes estudos formam o mais im pressionante corpo n a filosofia e sociologia da E uropa durante os anos de 1960. H aber­ mas, professor de filosofia e sociologia em F rankfurt, é um herdeiro da­ quela tradição e, ao mesmo tempo, assimilou e transcendeu a herança do In stitu t fuer Sozialforschung (Instituto de Pesquisa Social). A conseqüência de seu em preendim ento teórico e prático é um a sínte­ se intelectual que conserva o propósito original de libertar a “teoria críti­ ca” de F rankfurt do peso m orto da tradição metafísica alemã, sem cair no cientificismo positivista, quer lingüístico, quer estruturalista. De fato, todo seu trabalho em filosofia tem sido devotado à demolição sistemática das pretensões da escola empiricista. Não é fácil avaliar o tra­ balho de um professor cuja competência se estende da lógica da ciência à sociologia do conhecim ento através de Hegel e M arx e das mais recôn­ ditas fontes da tradição metafísica européia. Ele dom ina todo o campo da fisolofia e da sociologia e se fez senhor do todo, em profundidade e am plitude. N a coleção de seus ensaios, T heorie u n d Praxis, ela própria um a seqüência ao breve estudo histórico da gênese da sociedade m oderna, ele começa com um a reconsideração da tradição do direito natural desde S. Tom ás de Aquino, de um lado, term ina com numerosas incursões críticas ao neom arxista Ernst Bloch e ao conservador Karl Lõwith, de outro lado. (8) Frankfurt, 1969.

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Haberm as submete toda a herança hegeliano-m arxista a um tratam en­ to analítico crítico, reunindo a lógica dialética à intuição histórica, que é um dos mais ilum inadores exames feitos por um filósofo. Erkenntnis und Interesse é um a análise profissionalm ente rigorosa do positivismo, do pragm atism o e de seus antecedentes kantianos. M ostra a m aneira pela qual a epistemología, em geral, e o idealismo kantiano, em particular, dissolveram-se em pontos de vista teóricos d o cientificismo positivista e do historicismo pós-hegeliano representado por Dilthey, e a m etacrítica de Hegel feita por M arx, n a tentativa de resolver o problem a de recon­ ciliar a percepção da realidade pelo pensam ento individual e o inevitável condicionam ento pelo contexto histórico-sociológico. Sua conclusão — principalm ente a de que a crítica radical da cognição (Erkenntnistheorie) deve assumir a form a de um a sociologia (Gessellschaftstheorie) — parece convincente. Haberm as declara que sua aceitação da interpretação m arxista deriva de um a dissecação cuidadosa de um a antro­ pologia inacabada, m odelada nas ciências naturais. Ele percebe o esforço positivista em M arx e trata-o como a fonte das incompreensões posteriores. M arx, pensa ele, podia ter feito mais para clarificar a relevância perm a­ nente da filosofia em face da ciência, “A filosofia é conservada dentro da ciência como um a crítica. A teoria da sociedade que pretende ser a autoconsciência histórica da espécie hum ana não pode negar a filosofia. Pelo contrário, a herança da filosofia transforma-se ela própria na crítica da ideologia, que, por sua vez, determ ina o m étodo da análise científica.” A mesma crítica faz aos estruturalistas, com sua ânsia por um a ciência em ancipada da história e da filosofia. O que H aberm as propõe não é o retorno à interpretação idealista que antecipou o colapso n a praticabilidade empírica. Ele não ignora o elemen­ to de verdade n a posição pragm atista, mas quer que seus defensores escla­ reçam a relação teoria-prática, tão indispensável à compreensão histórica. T raduz, em termos m arxista, a tradição idealista germânica, da qual M arx se afastara. Deste modo, a posição própria de Haberm as é o reverso do reducionismo pseudom aterialista, o que im porta em igualar o conceito da razão com o “desejo da razão”, ou o “interesse n a razão” explicitam ente discuti­ do como libertador (einem emanzipatorischen Erkenntnisinteresse). Não existe golfo insuperável separando o interesse m aterial da racionalidade; eles convergem n a atividade prática e na ação histórica. A especulação filosófica alemã, sobretudo com Schopenhauer e Nietzsche, tinha obscurecido sistematicamente o fato de que Hegel, com todo seu conservadorismo prático, corporificava aspectos da tradição ilum inista. A igualização da metafísica alemã com o irracionalism o tinha suas raízes na incompreensão do que significava, realm ente, o hegelianismo — e isto não somente para a esquerda hegeliana. Neste sentido, H aberm as é o perfeito antídoto contra Heidegger e seus discípulos. Ele se opõe às extra­ vagâncias e ao obscurantism o de Heidegger e à charlatanice de Spengler. Em Theorie und Praxis devota algumas páginas à transform ação da Ges463

chichtstheologie (teologia histórica) num a Geschichtsphilosophie (filosofia da histórica) (9). A extrema-esquerda alemã discorda com veemência de Haberm as. Este, num debate sobre reform a educacional e o papel da Universidade na sociedade m oderna, publicou T echnik und Wissenchaft ais Ideologie (A técnica e a ciência como ideologia) (lü). Aí mostra bem o que possui de comum com os hegelianos, como A dorno e o próprio Marcuse, e não com Max W eber e seus sucessores. A leitura cuidadosa deste pequeno volume explica porque os estu­ dantes radicais sentiram-se tão chocados com a crítica de Haberm as; eles o tinham como seu líder intelectual e foi um golpe para eles quando o mais jovem e famoso neom arxista no m undo acadêmico alemão voltou a ser dem ocrata e não adm itia ver as instituições educacionais da R epú­ blica Federal Alemã destruídas nas suas raízes em benefício de um a revo­ lução cultural cujos proponentes pareciam não ter a mais vaga noção sobre o que fazer no lugar delas (n ). Nele se lem bra que a emergência da consciência histórica se desenvolveu desde o fim do século X V II com a tradição da filosofia da história. T h eodor Adorno, outra grande figura da Escola de Frankurt, sempre insistiu na cu ltura dialética aplicada ao autoritarism o, e seu grande estudo sobre a personalidade autoritária deu-lhe preem inência na Escola e no pensamento neomarxista. A crise to talitária e o quietism o oportunista de Heidegger em face do nazismo acentuaram que o legado d a razão de Descartes, K ant e M arx era um a posição a ser defendida e afirm ada caso os valores hum anos devessem sobreviver. A dorno sempre esteve engajado n a batalha contra o obscurantism o e a ontologia irresponsáveis (12). A Escola de F rankfurt é a criadora do corpo filosófico e da teoria social que veio a chamar-se de teoria crítica. Com o declínio da noção liberal de progresso, a expansão das concepções positivistas e científicas, da significação do conhecim ento e do cinismo difuso sobre a perspectiva hum ana, a crença na conexão entre o ilum inism o e a libertação im igrou para o campo oculto do irracionalismo. A Escola acreditava que a única avenida através d a qual a idéia da unidade da teoria e d a prática cami­ nhava era o marxismo, cujo postulado central era esta mesma unidade. Mas o próprio m arxism o inconscientem ente se tornou um instrum ento para a liquidação da tradição filosófica. (9) A crítica a essas obras, cujo sum ário apresentam os, encontra-se no artigo “ From H istoricism to M arxist H u m a n ism ”, T im es L iterary Supplem ent, 5 de ju n h o d e 1969 pp. 597-600; e B ern ard W all, “Freedom and the Social O rd e r”, T im e s L iterary Supplem ent, 18 de setem bro de 1969, p. 1032. (10) F ran k fu rt, 1969. (11) D ie L in k e antw ortet Jürgen H aberm as (A E squerda responde a Jü rg e n H a ­ berm as), F ra n k fu rt, 1969; e Jü rg e n H aberm as, P rotestbew egung u n d H ochschulreform , F ran k fu rt, 1969 (M ovim ento pro testató rio e a reform a universitária); trad. p a ra o inglês com o títu lo Tow ard a R a tio n a l Society, L ondres, 1971. (12) Sua m orte, em 1969, e a publicação da sua O bra com pleta, G esam melte Schriften, 13 vols., F ra n k fu rt, in T im es Literary S u p p lem en t de 9 de m arço de 1969, pp. 253-255.

Porque o marxismo havia tom bado m uito aquém dos padrões do m oderno criticismo epistemológico e metodológico, desde que seus adep­ tos foram incapazes de conservar viva a concepção substantiva do iluminismo como um a força social e cultural viável, e enquanto a escola da teoria crítica permaneceu pouco conhecida, as correntes da fenomenología e do estruturalism o se desenvolveram e se espalharam , provocando inum e­ ráveis confusões. Alguns, como Jerem y Shapiro, sustentam que o marxism o podia ser visto como a culm inância do racionalism o ocidental, já que se identificava com o tema histórico da razão. Assim, podia escapar do dom ínio da préhistória irracional e incontrolada da hum anidade na base do m étodo dia­ lético que unificava a teoria e a prática. Deste modo a Escola de F rankfurt aparecia como a tentativa de desen­ volver a semente do racionalismo diante das condições peculiares da socie­ dade do século XX. De um lado, isto significou a identificação das forças que im pediram a libertação e reform ulação da naturezà e da direção da história; de outro lado, significou o refinam ento das bases da teoria relativam ente ao seu desenvolvimento na filosofia e na ciência social; de outro lado, ainda, representava um esforço para chegar a um a teoria compreensiva da socie­ dade, da cultura, da política, da filosofia, do destino histórico, num a perspectiva dialética e, por extensão, contribuía para o socialismo dem o­ crático (13). A inda outros, como M artin Jay (14), acham que o gênio peculiar do judaism o centro-europeu, do qual a Escola de F rankfurt é um produto ideológico e institucional, já estava extinto. A m istura peculiar do hege­ lianism o com o m arxismo é agora um episódio espectral n a história do radicalismo utópico e do m etacriticismo no meio acadêmico alemão. So­ m ente sobreviveu Ernst Bloch, mas é necessário reconhecer que a volta de H orkheim er e A dorno à Alem anha e a atividade de Jürgen Haberm as deram à Escola um a espécie de ressurreição (15). Ernst Bloch, que em 1975 comemorou seus 90 anos, com aplausos gerais n a Alem anha Federal, teve grande influência filosófica na in ter­ pretação histórica. Seu livro Das Prinzip H o ffn u n g (1959) foi a grande obra que revelou a profundeza de sua filosofia da história. Para ele, a existência hum ana neste breve período que chamamos H istória é o registro da opressão social e econômica, do desperdício, da destruição m útua e da injustiça. Nosso passado e presente são, na significação estrita da palavra, pré-humanos. Por que, então, as espécies hum anas não entraram em colap­ so ou reverteram a um a anim alidade com pleta sob a tensão do sofrim ento (13) Jerem y Shapiro, “T h e C riticai T h eo ry of F ra n k fu rt”, T im es Literary Supplem en t, 4 de o u tu b ro de 1974, p p . 1094-1095. (14) T h e Dialectical Im agination. A H istory of the F ra n kfu rt School and the In stitu te of Social Research 1923-50, L ondres, 1974. (15) “Polem icai G enius of th e F ra n k fu rt School”, T im es Literary Sup lem en t, 14 de dezem bro de 1973, pp. 1539-1540.

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e da autolaceração? A resposta está n a sua capacidade única de sonhar para a frente. É a esperança que sustenta a história hum ana, e a ela dedicou Bloch seu magnum opus. 2. O Estruturalismo

Os estruturalistas pensam que a tarefa do trabalhador das ciências sociais não é simplesmente estabelecer conexões causais diretas, mas apre­ ciar e explicar as unidades sociais completas. Para com preender a n a tu ­ reza da vida hum ana e social é essencial integrar todas as suas partes com ponentes num a totalidade. H á um a tal interdependência entre os vá­ rios elementos que compõem a totalidade, que a modificação num deles, ou das relações entre eles, provoca um a reação em cadeia. Como um a noção filosófica isto é bastante simples, mas como pro­ gram a de pesquisas apresenta enormes dificuldades. O estruturalism o tem dom inado a lingüística com N. Chomsky e a antropologia com C. LéviStrauss. Este últim o procura um super-racionalismo que aceita a existên­ cia do real, porém procura transcendê-lo, revelando suas significações ocultas. A publicação de três livros recentes sobre o estruturalism o perm ite seu exame ainda que sucinto. O prim eiro, de Jean-M arie Benoist (ie), é um a visão compreensiva da pesquisa estruturalista; o segundo, de P hilip P ettit (17), oferece um a análise filosófica da exeqüibilidade da realização estruturalista stricto sensu, enquanto o terceiro, de H ow ard G ardner (18), segue um cam inho médio, optando por um a descrição detalhada das dou­ trinas dos dois pensadores aos quais o autor atribui a paternidade da concepção estruturalista, ou sejam Lévi-Strauss e Jean Piaget, como um meio de com preender o que ele chama, certam ente com um tom pessi­ mista, “o últim o m ovimento de compreensão intelectual do nosso tem po”. Benoist, assistente do Collège de France, começa seu livro à m aneira de Lévi-Strauss, não com um a Introdução, mas com um a O uverture, um a abertura de hostilidades. A hostilidade se justifica porque o autor julga que o estruturalism o, em bora aceito em todas as ciências hum anas, está agora ameaçado. La R évolution Structurale não é um a exposição sobre o estruturalism o, mas sobre as partes que estão em debate. Seu fim é desen­ volver os jogos ideológicos das estruturas, mais que suas contribuições científicas. P ettit define sua obra dizendo que ele crê ser vazia a filosofia sem disciplinas empíricas, e cegas as disciplinas em píricas sem filosofia. N in­ guém jam ais negou que a pesquisa científica necessitasse da orientação teórica. La R évolution Structurale abre seu prim eiro capítulo fundando-se n a noção de épistémès (do grego, ciência), de Michel Foucault. Para ele, (16) L a R év o lu tio n Structurale, Paris, 1976. (17) T h e Concept o f Structuralism , L ondres, 1976. (18) T h e Q uest fo r M in d , L ondres, 1976.

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as ciências hum anas m udaram seu rum o, abandonando o hum anism o va­ zio a favor de novos objetivos: sinais, metáforas, estruturas. Desta m aneira, a pesquisa m oderna encontra seu estilo n a semiótica (teoria geral dos signos); a semiótica do inconsciente, a semiótica dos códigos de parentesco, e a dos mitos, de Lévi-Strauss; ou ainda das relações e contradições sociais de Althusser, da literatura dos novos romanceiros e dos novos críticos, da história de Foucault e outros historiadores, da biologia m olecular de Jac­ ques M onod, da m oderna matem ática, lógica, epistemología, e da própria lingüística. N ão é possível salada mais indigesta, que explique o porque do rigor com que a filosofia alemã trata o estruturalism o deste feitio. A “ciênciap iloto” é a lingüística, mas não se pode pôr de lado o signo, (assim m ere­ cendo o novo nom e de semanalysis, por analogia com psicanálise, que busca os motivos e revela os padrões. D om ina n o estruturalism o um a fé num a ciência-rainha, seja a lingüística, seja a antropologia. O próprio Lévi-Strauss quer estabelecer a noção de um a estrutura dotada de todas as salvaguardas kantianas, em bora sonhe dom inado pelo naturalism o de Spinoza. Já o livro de P hilip P ettit começa com um m odelo lingüístico e discute sua aplicação à literatura, à arte e à psicologia. Levanta um a questão im portante sobre o status destas áreas como infra ou superestruturas. Ele inventa nomes para as categorias com um certo gosto escolástico, e se alguns são questionáveis, outros poderiam ser adotados com bons resul­ tados para o esclarecimento temático. P ettit declara que, com exceção da lingüística, nenhum a das outras disciplinas mencionadas é científica. Ele segue o modelo lingüístico de Sausurre, cuja noção lingüística se estende em dois caminhos inter-relacionados: o pragmático (paradigma, exemplo), que leva à fonología estrutu­ ral de Jakobson, e o sintagmático (ordem, disposição), que conduz à sintaxe generativa de Chomsky. Sua obra é o estudo da aplicação do estruturalis­ mo à lingüística, em bora reconheça a im portância fundam ental das for­ mulações antropológicas de Lévi-Strauss. A conclusão de G ardner é que o progresso científico depende m uito dos exageros audaciosos das posições, e acha que em breve o estruturalis­ m o poderá aparecer como a corrente mais im aginativa e sugestiva de algum cientista cheio de reflexão e dotado de capacidade de síntese. H á quem classifique F. Braudel, o grande historiador do La Méditerranée et le M onde M éditarranéen à 1’époque de Philippe II, como um estruturalista, a exemplo de Lévi-Strauss, cuja posição na antropologia é tão significativa quanto a de Braudel na historiografia, ambos com um a formidável capacidade de fascínio intelectual. • 3. N ovos Estudos Filosóficos As últim as contribuições filosóficas trazem novos reforços à definição da H istória e de sua metodologia. Para A rth u r C. Danto, cuja obra Analy467

tical Philosophy of History é unia análise do pensam ento e da linguagem históiica, apresentada como um a rede sistemática de argumentos e escla­ recimentos, e cujas conclusões pretendem compor uma metafísica descri­ tiva da existência histórica, deve-se distinguir entre uma filosofia substan­ tiva da história e um a filosofia analítica da história. A prim eira diz respeito à pesquisa histórica comum, o que significa dizer que os filósofos substantivos da história, como os historiadores, dedicam-se a dar descri­ ções dos acontecimentos passados, em bora pretendam fazer algo mais do que isto. A filosofia analítica da história não está m eram ente relacionada com a filosofia: ela é filosofia, em bora filosofia aplicada aos problemas conceituais que surgem da prática da história, assim como da filosofia substantiva cia história. O livro de D anto é um exercício de filosofia analítica da história e, para tanto, ele tenta um a caracterização m ínim a da história, exam ina as objeções contra a possibilidade do conhecim ento histórico, a linguagem e o ceticismo temporais, o relativismo da prova e da história, história e crônica, as sentenças narrativas, as explicações históricas, o problem a das leis gerais, o papel da narrativa e, finalm ente, o individualism o m etodo­ lógico e o socialismo metodológico. De Patrick G ardiner tratei na 2.a edição desta Teoria (19), baseando-se no seu livro T h e N ature of Historical Explanatiori, e na 3.a edição, refe­ rindo-se à seleção Theories of History. Depois desses livros tão orientadores e originais, G ardiner publicou T h e Philosophy of History (20), um a nova seleção de ensaios filosóficos e teóricos sobre a história, mais conciso que os da Theories of History (21). M ax H orkheim er, da Escola de Frankfurt, publicou A nfànge der bürgerlichen Geschichtsphilosophie. H egel und das Problem der Metaphysik (22), traduzido para o francês com o título Les Débuts de la Philo­ sophie bourgeoise de VHistoire (23), um a seleção de estudos cuja unidade filosófica está na origem da mesma situação histórica que gerou os proble­ mas histórico-filosóficos: a sociedade burguesa a cam inho de libertar-se dos entraves do sistema feudal. Esta é o u tra coleção de ensaios que merece o exame e a reflexão dos teóricos da história, e dos que desejam guiar seus estudos históricos num a fundada teoria histórica.

4. Características do fa to histórico Nesta Teoria tentei dar as características do fato histórico, e depois, n ’A Pesquisa Histórica no Brasil (24), formulei novos conceitos, baseado em autores de peso, que merecem ser lidos com parativam ente nos dois livros, (19) V ide A pêndice I. (20) O x fo rd ,' 1974. (21) A Professora M aria B eatriz Nizza da Silva p u b lico u um a seleção sobre T eo rias da H istória q u e não p u d e conseguir p a ra ler. (22) F ran k fu rt, 1970. (23) Paris, 1974. (24) 2.a ed., 1969, p p . 24-34.

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pois uni completa o outro. Depois disso, relem bro o livro de E. H. Carr, What is H istory'? (25), traduzido para o português com o título Que é H is­ tória.? (2