Teologia da revelação a partir da modernidade
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Table of contents :
ÍNDICE
PLANO DA OBRA
INTRODUÇÃO
ORIENTAÇÕES
1. Didática
2. Bibliografia sobre a temática da revelação
a. Artigo introdutório
b. Livro fundamental
3. Dinâmica introdutória
I. Revelação como destino
Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
II. Primeira tentativa de resposta: a apologética
1. Introdução
2. Consideração histórica
3. Estrutura do método da apologética tradicional
4. Desenvolvimento do tratado da teologia fundamental tradicional
5. Observações críticas a tal apologética
6. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
III. Diferentes modelos de teologia fundamental
1. Novo contexto da apologética
2. A fase intermédia da apologética da imanência
3. Passagem da apologética clássica para a teologia fundamental
4. Balanço crítico
5. Conclusão sobre o específico da teologia fundamental
6. Modelos de teologia fundamental
a. Modelo apologético:
b. Modelo dogmático
c. Modelo formal
d. Modelo político
e. Modelo semeiológico
f. Modelo ecumênico
g. Modelo do diálogo com o mundo contemporâneo
7. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
IV. Ponto de partida da teologia fundamental
1. Introdução
2. Da eloqüente presença ao silêncio de Deus
3. Do silêncio ao reencontro
4. Conceito-base de revelação
a. Trajetória de Israel: da libertação à criação
b. Trajetória do cristão: Deus manifestando-se desde a esfera religiosa até as ações públicas
c. Trajetória do homem religioso: da religião à revelaçãohistórica
d. Trajetória da inteligência que busca: da criação à revelação histórica
5. Resumo a modo de conclusão
a. "Ante legem ", "in natura" a que corresponde aatitude de ver
b. "Sub lege", "in prophetis" a que corresponde o ouvir
c. "Logos", "in Filio", "sub gratia" a que correspondem o ver e o ouvir
d. "ln gloria", "in patria" a que corresponde a plenitudedo viver
Para uma revisão pessoal/grupal
V. Compreensão da revelação dentro da modernidade
1. Introdução
I. OS DISCURSOS DA MODERNIDADE
1. O império da razão
2. O discurso da liberdade
3. A busca da felicidade e o individualismo
4. A autonomia da esfera cultural e social
II. REFLEXOS DA MODERNIDADENO TERCEIBO MUNDO
1. A face escura da modernidade
2. Lampejos de esperança
IlI. CONSEQÜÊNCIAS PARA A CONCEPÇÃO DE REVELAÇÃO
1. Revelação como todo: fato e conteúdo
2. Revelação como relação
3. Aspecto noético e dinâmico da revelação
4. Revelação temática/atemática
Para uma revisão pessoal/grupal
VI. Revelação a partir da subjetividade
1. Introdução
2. Abertura do homem moderno em face da revelação
3. Reflexão transcendental
4. Horizonte geral da reflexão
5. Caráter existencial-empenhativo do método
6. Caráter fenomenológico-existencial do método
7. Desenvolvimento do método
a. Ponto de partida da fé
b. Objetivo da reflexão
c. Resposta global
d. Antropologia subjacente
e. Homem: ouvinte da palavra
1o passo: o homem é um ser que pergunta
2o passo: o homem tem uma compreensão prévia do ser
3o passo: esse ser não pode ser nem o nada, nem o absurdo, nemo totalmente incognoscível
4o passo: a essência concreta do homem é a abertura absolutapara o ser enquanto tal: o homem é essencialmente espírito
5o passo: o fenômeno da pergunta e resposta é processual
6o passo: o homem diante da revelação percebe-a como pergunta-resposta-pergunta no horizonte do dom
7o passo: a pergunta do homem é, em última análise, em buscade comunhão
8o passo: o processo da pergunta e busca de comunhão é comunitário,social e escatológico
8. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
VII. Revelação e experiência
1. Introdução
2. Conceito de experiência
3. Experiência: características atuais
4. Relação entre essa experiência atual e revelação
a. Introdução
b. Desenvolvimento: a experiência da comunidadeprimitiva
c. Esta experiência de Jesus no interior de nossaexperiência
5. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
VIII. Revelação e experiência: a experiência do encontro
1. Introdução
2. Observações metodológicas
3. Fenomenologia da experiência do encontro entre pessoas
a. A pessoa como mistério
b. A pessoa se manifesta pela comunicação, pelossímbolos
c. O homem: ser que interpreta
d. O homem deve tomar atitude diante de um símbolopessoal, interpretando-o
e. Nível de interpretação
f. Conflito de interpretações
g. Homem: intérprete da linguagem
h. Dimensão teologal do encontro e sua relação com arevelação cristã
i. Aspecto processual do encontro e da revelação
j. Ulteriores reflexões sobre a revelação como encontro
4. Conclusão
5. Dinâmica
6. Exemplo da análise do humor e sua relação com arevelação
a. Análise fenomenológica do humor
b. Articulação com a revelação
Para uma revisão pessoal/grupal
IX. A revelação na criação e nas religiões
1. Deus na criação
2. Deus nas religiões
3. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
X. Revelação e história: reflexão introdutória
1. Contexto cultural
2. Círculo hermenêutico: história e revelação
3. Condições de possibilidade de uma revelação histórica
a. A criação não esgota o Ser de Deus
b. O homem é um ser histórico
c. A história é o lugar da liberdade e do diálogo
4. A revelação de Deus se faz na história
a. Natureza da revelação
b. Aspecto de progresso
c. Particularidade e universalidade da revelação
d. Dimensão de práxis da revelação
e. A dimensão de transcendência na revelação
5. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
XI. Revelação bíblica
1. Introdução
2. Considerações epistemológicas
a. Ordem genética
b. Ordem de acesso cognoscitivo
3. As grandes etapas da história da salvação
4. A história dos livros bíblicos
a. Livros do Antigo Testamento
b. Livros do Novo Testamento
c. Conclusão
5. Inspiração
a. O fato
b. Explicações sobre a inspiração
6. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
Dinâmica: estudo das etapas da história da Salvação
Bibliografia
XII. Verdade na Bíblia
1. Introdução
2. Atual posição da Igreja
3. Ulteriores reflexões
a. A verdade da Escritura e da revelação são damesma ordem, natureza: verdades por causa denossa salvação
b. O caráter progressivo da revelação e de totalidade
c. A perspectiva do autor é fundamental paraentender a verdade
d. Inerrância do autor ou da obra
e. Graus de historicidade
f. Característica da historicidade bíblica
g. Sentido pleno (sensus plenior) e sentido literal
4. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
XIII. Revelação e canonicidade dos livros sagrados
1. Introdução
2. Posição tradicional
3. Nova visão do cânon
4. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
XIV. A tradição cristã
I. REVELAÇÃO NOS CONCÍLIOS
1. Concílio de Latrão IV (1215)
2. Concílio de Trento (1545-1563)
3. Concílio Vaticano I (1869-1870)
4. Concílio Vaticano II (1962-1965)
II. A PROBLEMÁTICA DA TRADIÇÃO
1. Introdução
2. Horizonte global da problemática
3. Posições interpretativas
a. Horizonte fi:r:ista
b. Virada hermenêutica
c. Historicismo
d. Posição dialética
4. Tradição e comunidade
5. Critérios para interpretar a tradição
a. Critério trinitário
b. Critério da pedagogia reveladora de Deus
c. Critério cristológico
d. Princípio fundamental da unidade no pluralismo: acaridade
e. "ln necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibuscaritas" - nas coisas necessárias, a unidade; nasdúvidas, a liberdade; em tudo, a caridade
f. Maior clareza entre o teológico e o ideológico
f. Maior clareza entre o teológico e o ideológico
g. Procedimento da Igreja primitiva (Mt 18,15-17)
h. O pressuposto da verdade e do bem do outro
i. Natureza da verdade teológica
j. "Sensus fidelium"
k. A libertação dos pobres
6. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
XV. Revelação na perspectiva latino-americana
1. Introdução
2. Características marcantes da situação social eeclesial da América Latina
a. Situação de dominação e opressão
b. Movimentos de libertação
c. Clima de abertura no seio da Igreja
3. Algumas coordenadas da teologia da revelação na perspectiva latino-americana
a. Ponto de partida
b. Unidade da história
c. Revelação e opção pelos pobres
d. Revelação e libertação
e. Revelação a partir das CEBs
f. Leitura da Palavra de Deus na vi
4. Conclusão
Para uma revisão pessoal/grupal
Dinâmica sobre Puebl
Dinâmica. A revelação a partir da teologia da América Latina
CONCLUSÃO
1. Ponto de partida: quem estuda o quê?
2. Contexto do nascimento da teologia fundamental eda teologia da revelação
3. Primeira tentativa de resposta: a teologia tradicional
4. Avanço da modernidade nos países centrais
5. A evolução dentro de contextos diversos
6. Tentativas de resposta
a. Em relação à subjetividade
b. Em relação à historicidade
7. Avaliação final do curso sobre a divina revelação

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Coleção Fé e Realidade - 31

COLEÇÃO "FÉ E REALIDADE" 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.

O mistério de Deus em nossa vida, Mário de F. Miranda Argumento moral e aborto, Márcio F. dos Anjos Teologia da libertação: política ou profetismo?, A. G. Rubio Conhecimento de Deus e evangelização, J. A. R. de Gopegui Sinais dos tempos, C. Boff Jesus Cristo: história e interpretação, Carlos Palácio O leigo cristão no mundo e na Igreja, Ênio J. C. Brito Libertados para a práxis da justiça, Mário de F. Miranda O reino e a história, Félix A. Pastor Cristianismo e história, Carlos Palácio (org.) Semântica do mistério, Félix A. Pastor Umbanda I, Valdeli C. da Costa Umbanda II, Valdeli C. da Costa Os pobres e o Reino, Álvado Barreiro A idéia de Estado na doutrina ético-política de Sto. Agostinho,

16. 17. 18. 19.

Cristianismo e ideologia. Ensaios teológicos, F. Taborda Fé e política, J. B. Libanio Candomblé e salvação, Franziska C. Rehbein Comunidades Eclesiais de Base e inculturação da fé, Marcello

Francisco M. T. Ramos

Azevedo

20. O Reino de Deus e os pobres, Inácio Neutzling 21. O Mistério Santo, Luciano T. Lavall 22. Teologia da Libertação. Roteiro didático para um estudo, J. B. Libanio

23. A fé na vida, Faustino L. C. Teixeira 24. O Deus da Revelação, Vitor G. Feller 25. Teologia dos ministérios não-ordenados na América Latina, 26. 27. 28. 29. 30.

Antônio J. de Almeida

Utopia e esperança cristã, J. B. Libanio A lógica do inefável, Félix A. Pastor Em tudo amar e servir, Maria Clara L. Bingemer Fé e eficácia, Paulo Fernando Carneiro de Andrade "Só Deus é grande". A mensagem religiosa de Antônio Conse­ lheiro, Alexandre H. Otten 31. Teologia da Revelação a partir da modernidade, J. B. Libanio

JOÃO BATISTA LIBANIO, SJ

Teologia da Revelação a partir da modernidade

COLEÇÃO FÉ E REALIDADE

Sob a responsabilidade da Faculdade de Teologia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus Belo Horizonte - MG

Edições Loyola Rua 1822 n• 347 - Ipiranga 04216 São Paulo - SP Caixa Postal 42.335 04299 São Paulo - SP Tel.: (011) 914-1922 ISBN: 85-15-00578-8 Reservam-se todos os direitos de tradução, de reprodução ou de adaptação em todas as línguas e por todos os meios para todos os países.

C EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 1992

A D. João Resende Costa, arcebispo emérito de Belo Horizonte, que nos acolheu com tanta bondade, e a D. Serafim Fernandes de Araújo, arce­ bispo de Belo Horizonte, por cuja confiança somos imensamente gratos.

PLANO DA OBRA CAPÍTULO PRIMEIRO

Revelação como desafio............

15

CAPÍTULO SEGUNDO:

Primeira tentativa de resposta: A Apologética . .. ..................... .........

29

CAPÍTULO TERCEIRO:

Diferentes modelos de teologia fundamental...............................

51

CAPÍTULO QUARTO:

Ponto de partida da teologia fundamental .. ............................

77

CAPÍTULO QUINTO:

Compreensão da revelação dentro da modernidade ............ ...... 111

CAPÍTULO SEXTO:

Revelação a partir da subjetividade............................................ 163

CAPÍTULO SÉTIMO:

Revelação e experiência ........... 195

CAPÍTULO OITAVO:

Revelação e experiência ...........

CAPITULO NONO:

A revelação na criação e nas religiões...................................... 249

CAPITULO DÉCIMO:

Revelação e história.................

283

CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO:

Revelação bíblica ......................

309

CAPÍTULO DÉCIMO SEGUNDO:

Verdade na bíblia......................

343

CAPÍTULO DÉCIMO TERCEIRO:

Revelação e canonicidade dos livros sagrados ........................ ..

365

CAPÍTULO DÉCIMO QUARTO:

A tradição cristã .......................

379

CAPÍTULO DÉCIMO QUINTO:

Revelação na perspectiva latino­ -americana................................. 431

229

INTRODUÇÃO Aproximar-se hoje do tratado da Revelação difere muito dos tem­ pos anteriores ao Concílio Vaticano II. A nova geração vem sendo embalada numa visão mais bíblica e histórica da revelação. Já nos círculos bíblicos populares, os fiéis são acostumados a defrontar-se com um Deus que intervém na história, que estabelece uma aliança com os homens através do seu Filho e a vivifica pela força do Espí­ rito Santo. Uma larga bibliografia bíblica sobre a história da salvação, Rei­ no de Deus, Desígnio de Deus vem formando a consciência do fiel nessa perspectiva ativa e histórica da revelação. Entretanto, não se pode exagerar otimisticamente. Pois em 1990 e 1991 foram feitas pesquisas sobre a Religião na Grande Belo Horizonte, e ai fomos surpreendidos com uma visão ainda muito essencialista de Deus e de sua revelação. Deus é, antes de tudo, o "Tudo, o Todo, o Todo-Pode­ roso" para 49,3% dos entrevistados, sendo a resposta de maior inci­ dência. E, por sua vez, a dimensão trinitária aparece somente em 1,5% das respostas 1 • Isso aponta, portanto, para a necessidade de prosseguir numa catequese trinitária, rompendo uma imagem por demais genérica e essencialista de Deus. Ao iniciar um curso sobre a Revelação, deve-se levar em consi­ deração essa dupla realidade: de um lado, a crescente e renovada visão bíblica da revelação e, de outro, a resistência de uma compre­ ensão tradicional essencialista de Deus nos alunos que se aproximam da teologia. Pode ajudar iniciar o curso com um levantamento da concepção dominante entre os alunos. Para isso se propõe uma dinâmica introdutória, após as orientações. 1. Arquidiocese de Belo Horizonte, Religião na Grande B. H. Primeiro rela­ tório das pesquisas promovidas pela arquidiocese de Belo Horizonte, Belo Hori­ zonte, 1991, p. 10. 9

ORIENTAÇÕES 1. Didática Aproveita ao aluno, logo no início do curso, ler a conclusão do livro, na qual se resume todo o tratado. Segundo um clássico método didático, antes de entregar-se à análise, cabe fazer-se uma idéia ge­ nérica e sintética. Esta aparece precisamente na conclusão.

2. Bibliografia sobre a temática da revelação a. Artigo introdutório 1. J. R. Geiselrnann, Revelação, in: Dicionário de Teologia, trad. bras. - São Paulo, Loyola, 1971, V/ 88-97.: artigo um pouco antigo. 2. M. Vereno - R. Schnackenburg - H. Fries, Offenbarung, in: Lexikon für Theologie und Kirche, Freiburg, Herder, 1962, VII 1104-1115. Escrito antes do Concilio, já antecipa algumas de suas posições. 3. G. Ruggieri, Rivelazione, in: Nuovo Dizionario di Teologia, Roma, Paoline, 1979, 1332-1352. Excelente artigo: completo, atualizado, denso. 4. G. Ruggieri, Rivelazione, in: Dizionario Teologico lnterdisciplinare, Torino, Marietti, 1977, III, 148-166. 5. N. Schiffers - K. Rahner, Offenbarung, in: Sacramentum Mundi (Freiburg, Herder, 1969) III 810-843; trad. espanhola: Revelación (Barcelona, Herder, 1974) V/78-103. Na parte especulativa é den­ so e mais difícil de intelecção. 11

b. Livro fundamental 1. R. Latourelle, Teologia da Revelacão, trad. bras., São Paulo, Paulinas, 1972: obra complexiva e ampla que oferece uma visão completa da Revelação, antigo professor da PUG-Roma. 2. A. Dulles, Revelation Theology: A History, New York, Herder, 1969: boa obra informativa, mais reduzida que a anterior. 3. A. Dulles, Models o/ Revelation, New York, Doubleday, 1983: obra mais recente, na qual o autor estuda a Revelação a partir de 5 modelos numa primeira parte e alguns temas monográficos na segunda parte. 4. G. O'Collins, Teologia Fundamental, São Paulo, Loyola, 1991: obra básica do atual prof. de teologia fundamental da PUG-Roma. 5. H. Fries, Fundamentaltheologie, Graz-Wien-Kõln, Styria, 1985, trad. esp. Barcelona, Herder, 1987.: obra gigantesca que trata tanto da Revelação, da Fé, como de outros temas básicos como Igreja no horizonte da Revelação. Sobre a revelação mais direta­ mente: pp. 153-317. 6. G.-Moran, Teologia da Revelação, trad. bras., São Paulo, Herdc-r, 1969: obra mais existencial e questionadora. 7. H. Fries, Ação e Palavra de Deus na História da Salvação, in: J. Feiner - M. Loehrer, Mysterium Salutis, trad. bras., Petrópolis, Vozes, 1971, I/1 171-239: obra de fácil leitura, considera a Reve­ lação à luz da categoria de história da salvação. 8. A. Bentué, La Opción. Introducción a la Teología Fundamental, Santiago, Mundo, 1981: teólogo leigo chileno que apresenta um bom manual de teologia fundamental. 9. Handbuch der Fundamentaltheologie. II. Traktat Offenbarung, Hgg. von: W. Kern, H. J. Pottmeyer, M. Seckler,, Freiburg-Basel­ Wien, Herder, 1985: com a colaboração de uma série de autores, trata o tema da revelação sob diferentes aspectos. 10. R. Fisichella, Corso di Teologia Sistematica: La Rivelazione: evento e credibilità, Saggio di Teologia Fondamentale, II, Bologna, EDB, 1985: professor da PUG-Roma que completa os temas sobre a teologia fundamental abordados por G. O'Collins. 11. A. Torres Queiruga, La revelación de Dios en la realización del hombre, Madrid, Cristiandad, 1987. Excelente obra, muito com­ pleta e atualizada. 12

12. O. Ruiz Arenas, Jesús, Epifanía del amor del Padre. Teología de la Revelación, Mexico, CELAM, 1988: livro pertencente à coleção preparada pelo CELAM para ser manual nos seminários da Amé­ rica Latina. 13. E. Brito, La révélation, Instituto d'Etudes Theologiques, Bruxelles, 1980/1: livro de texto em forma de apostila para o Instituto de Teologia da Bélgica feita por um téologo da República Dominicana. Livro muito proveitoso. 14. J. Schmitz, La revelación, Barcelona, Herder, 1990. Livro bem atual e condensado da principal temática referente ao tema.

3. Dinâmica introdutória 1. Refletir pessoalmente anotando algumas idéias a serem livre e oralmente explanadas sobre: a. qual é o núcleo da revelação cristã para você? - formular numa frase só - explicar rapidamente a frase b. que perguntas/expectativas v. traz a respeito da revelação para este curso, surgidas de sua experiência pessoal e/ou pastoral? - formular em forma interrogativa (sem explicações) c. as folhas serão recolhidas (escrever legivelmente) 2.

Pôr em comum as reflexões pessoais!

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Capítulo Primeiro

-

REVELAÇAO COMO DESAFIO "A credibilidade do Evangelho passa hoje pela solidariedade com os perdidos. Sem os pobres a Igreja praticamente perde tudo."

D. Moacyr Grechi

O cristianismo é uma religião de revelação e do livro. Fundamentase na manifestação de Deus na história, através do povo de Israel e, de maneira Cristianismo � a reli­ última e definitiva, em Jesus Cristo. Este gião da revelação de um Deus dos homens dado revelado foi transmitido oralmente e consignado por escrito por uma comunida­ de que reconheceu nessa tradição e escritos uma comunicação única e original de Deus. O fato de um Deus se comunicar com os homens, um Deus dos homens, é central na visão cristã. Essa realidade foi sempre medita­ da, pregada através da história por uma comunidade, a Igreja. Ela lê e medita os livros sagrados, celebra a vida do Espírito em seu meio, organiza-se em instituições, desenvolve práticas de serviço e carida­ de em relação a toda humanidade. Nesse sentido, ela vive dentro de uma Tradição, alimentando-se dela, mas também enriquecendo-a pelo simples fato de ir vivendo-a em tempos e circunstâncias diferentes. A Igreja só pode ir transmitindo de maneira viva a Palavra de Deus se a interpetra na fé, na acolhida humilde, para si e para os outros em cada momento da história. Assim a Tradição da Igreja, pensada e pre­ gada, é, ao mesmo tempo, uma realidade já dada e sempre em devir. Enquanto se vive uma comunicação de Deus a um povo escolhido e a sua expressão de A Igreja reinterpreta modo pleno em Jesus Cristo, a revelação já ao longo da história está toda dada. Enquanto ela é vivida pela para novas situações uma re velação já Igreja ao longo de uma história, que caminha dada e em devir em direção a uma plenitude final marcada pela presença do Espírito, está sempre em construção. Uma Tradição viva só existe quando apropriada (algo dado) por novos sujeitos sob a presença iluminadora do Espírito (sempre em construção). Além disso, iluminada por essa revelação, a Igreja sabe que seu Deus está atuando reveladora e salvificamente para além dos seus limites, em todos os tempos e em toda a humanidade. Israel viveu interpretando em e para cada geração, de maneira viva, a história reveladora e salvadora de Deus. Jesus também releu 17

a tradição judaica, com a autoridade máxima de Filho, para a nova situação que vivia. Da mesma maneira continua fazendo a Igreja até hoje. Ela vive dentro da revelação viva e transmitida, nessa corren­ teza maravilhosa da Tradição. Aí dentro vai desenvolvendo os temas que os momentos históricos exigem. Nos primeiros séculos, debru­ çou-se sobre a dupla questão fundamental: como articular a unidade monoteísta de Deus com a pretensão divina de Jesus? Como entender essa mesma unidade com a promessa de um Espírito divino? Numa palavra, o dogma da Trindade ocupou os debates de séculos. E a outra questão candente foi o mistério de Jesus. Como aquele homem de Nazaré poderia ser o Filho de Deus? A cristologia e a trindade estavam intimamente ligadas. No fun­ do, era o problema de Jesus que obrigava aqueles que acreditavam nele e herdavam a grande tradição judaica a repensar o mistério de Deus, até chegar a entendê-lo como Trindade e Jesus como o Verbo feito homem. Esse evangelho de Jesus penetra o mundo pagão romano, exigin­ do-lhe profunda conversão. O conflito entre essa proposta de salva­ ção e a realidade de pecado em que viviam os pagãos leva também a teologia a pensar o problema da graça. No mundo oriental, traba­ lhou-se a vida da graça mais na linha da inabitação do Espírito Santo. No mundo ocidental, com a figura ímpar de Sto. Agostinho, a problemática da graça desenvolveu-se na linha de sua oposição ao pecado e em tensão com a liberdade humana. Em todas essas questões, tratava-se, no fundo, de ir repensando, interpretando a revelação para as novas situações. Vivia-se no inte­ rior dessa revelação. Entretanto, a revelação, como fato, não era ques­ tionada, nem se tornava problema. Nesse sentido, a teologia não se debruçava sobre o fato, o sentido, as dificuldades que uma manifes­ tação de Deus na história poderia levantar. Dava-se por evidente tal realidade. Era ela o húmus de que se alimentava a fé, o oxigênio que se respirava. Em termos técnicos, elaboravam-se os tratados da Trin­ dade, da Cristologia, da Graça, mas não o da Revelação. É verdade que os padres apologetas dos primeiros séculos tiveram um primeiro momento de justificativa da fé cristã. Mas a conversão do Império Romano, como totalidade, e a das hordas bárbaras para dentro do cristianismo, criaram o clima de homogeneidade da fé e a aceitação tranqüila da revelação. A teologia como "fides quaerens intellectum" - a fé que busca inteligência - é sempre uma "ciência segunda" em relação à fé. Só nasce quando a fé, de certo modo, questionada, depara com dificul18

dades e oposições. E a experiência humana nos mostra como as rea­ lidades mais próximas de nós, e que nos envolvem profundamente, são aquelas que mais tardiamente questiona­ mos. Com efeito, realidades fundamentais, A problemética so­ bre o fato da revela­ vividas intensamente no ímplicito da existên­ ção é tardia cia, tardam muito a serem assumidas numa reflexão explicita, científica, temática. De fato, as realidades da liberdade, da espiritualidade, da transcendência do homem são-lhe intimamente presentes em todos os atos, mas quantos, para não dizer a maioria dos homens, passam toda a sua vida sem nunca terem parado para refletir, meditar sobre elas? A Tradição da Igreja viveu sempre da revelação. Meditou-a, pre­ gou-a, nutriu-se dela. Somente nos últimos séculos a teologia come­ çou a trabalhar explicitamente sobre o fato, o sentido, as dificulda­ des da realidade da revelação. Só então nasce a teologia fundamental como temos Nascimento da teologia fundamental hoje e como será tratada nesse estudo. Em outros termos, a teologia tem procurado descobrir categorias que nos possam ajudar a penetrar essa realidade de um Deus que se comunica com os homens, que se lhes revela a si mesmo e seus desígnios salvíficos e de homens que respondem na fé a tal intervenção, não simplesmente como indivíduos, mas enquanto comunidade, enquanto igreja. A teologia fundamental é uma reflexão crítica, sistemática, cien­ tifica sobre esse diálogo do Deus que se revela e do homem que responde a tal revelação nos diferentes momentos da história. Tanto mais importante se tornou tal reflexão, quanto mais o mundo moder­ no, com a descoberta da autonomia da razão e a importância das experiências subjetivas, sente dificuldade Definição de teologia em receber autoritativamente uma revelafundamental ção. No fundo, está em questão uma das mais espinhosas questões da teologia, que aparece sob diversos nomes: "Relação entre graça e natureza, reve­ lação positiva e religiosidade humana natural, cristianismo histórico e a possibilidade universal de fé". Está-se frente ao dilema da reve­ lação divina como intervenção ou autocomunicação de Deus 1 • Por isso, esse tratado nasce com o surgir do mundo moderno. Todo tema permite abordagens diversas. Há sempre muitos caminhos para chegar ao lugar desejado. Um quadro se deixa ver por diversos 1. F. J. van Beeck, Divine revelation: intervention or self-communication, p. 199.

Theological Studies 52 (1991, 2)

in:

19

Pontos de partida: destinatúio não-crente ou fiel da Igreja

ângulos. Dois pontos de partida pa­ recem colocar-se-nos como viáveis à primeira vista.

De um lado, nossa intencionalidade poderia ser a do não-crente. Nesse caso, estaríamos diante da situação de alguém que ainda não se encontrou com o fato da revelação ou se posiciona arrediamente em face dele. Em esforço teórico, procuraríamos ir desvelando-lhe as razões de conveniência e mesmo de necessidade, conduzindo-o até os umbrais da fé ou desbaratando-lhe os argumentos contrários. Foi e é ainda o caminho de uma teologia fundamental sob a perspectiva estritamente apologética, quer em moldes tradicionais, quer em for­ ma atualizada e moderna. De outro lado, pode-se considerar a teologia fundamental já como um primeiro ato da "fides quaerens intellectum" - a fé que busca inteligência. Situa-se já no arcabouço da teologia "sensu pleno". Nessa segunda perspectiva, que adotaremos, parte-se da pessoa que crê no interior da Igreja. Quem vai refletir sobre a realidade da revelação, da fé, da Tradição somos nós, cristãos que vivemos na América La­ tina. Não nos preocupa, em primeira linha, justificar racionalmente tal fé. Não porque não existam dificuldades e sérios questionamentos que nos obriguem a aprofundá-la. Este estudo quer levar-nos a aprofundar o fato de Deus se nos revelar, o alcance dessa realidade, os critérios para discernir a sua presença reveladora até hoje, o acesso que temos a esta revelação. Em termos mais clássicos, vamos elaborar uma teologia fundamental em que se trate dos temas da revelação, inspiração e inerrância da Escritura, da sua canonicidade e da Tradição. A temática da revelação sempre foi objeto da teologia. Tudo o que se disse até hoje na teologia se relaciona, de certa maneira, à revelação. As teses na teologia tradicional Novidade do tratado escolástica recebiam uma qualificação teoló­ da Revelação gica segundo o grau de maior vinculação explícita com a revelação, consignada na Escritura e conservada viva na tradição eclesial. A novidade do tratado sobre a revelação vem do fato de conside­ rar a revelação como categoria teológica, como um dado fundamen­ tal a ser estudado e não tanto como conteúdo transmitido na e pela revelação. E tal empreendimento teológico é relativamente recente, sobretudo a partir da reforma, dos ataques do racionalismo e do ateísmo no início da modernidade.

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Há urna razão psicometafísica, que já indicamos acima. De fato, as realidades mais profundas e próximas a nós necessitam tempo de maturação para assomarem ao nível da consciência explícita e refle­ xa. Assim a ciência da psicologia só surgiu nos tempos modernos depois de longa trajetória de amadurecimento da descoberta da subjetividade. A filosofia Razões do surgimento tardio do tratado da precisou de tempo para trabalhar com pro­ Revelação fundidade realidades imediatas a nós, como a consciência, a liberdade. Do mesmo modo, a revelação é a realidade teológica que envolve toda a vida da Igreja, do cristão. E só tardiamente a inteligência cristã começou a pergun­ tar-se pelo fato, possibilidade, necessidade, discernibilidade dessa revelação, que até então a alimentara. A razão histórica desse questionar tem a ver com o abalo cultural do início da modernidade. Dentro do universo religioso tradicional em que se viveu até o final da Idade Média, a revelação cristã era dado possuído tranqüila e inconcussamente. Aqueles que a rejeita­ vam eram sem mais excluídos do mundo cultural ocidental cristão. Viviam à margem. Com o desmoronamento da imagem tradicional do mundo e com o emergir da razão autônoma, crítica da sua própria tradição, o universo religioso da revelação cristã sofre profundo tre­ mor sísmico2 • Perde-se a evidência da fé e sente-se a necessidade de ter de justificá-la, quer para os próprios crentes, quer para defender­ -se dos adversários. Surge então a teologia fundamental moderna. Novas incursões da modernidade através da entrada da história, como maneira de pensar a verdade, e do desejo de diálogo com pensamen­ tos diferentes, em espírito ecumênico, aumentam ainda mais as exi­ gências à teologia fundamental. O mesmo fenômeno da modernidade transformou-se em enormes dificuldades à compreensão e aceitação da revelação cristã. Acrescente-se ainda o recrudescimento desse pro­ cesso, que se costuma chamar de "pós­ Empecilhos à com­ preensão e aceitação -modernidade". A revelação cristã encon­ da Revelação tra-se diante de verdadeira muralha. Como é dentro deste mundo cultural que nos toca acolher tal revelação, vale a pena indicar alguns dos principais em­ pecilhos3 . 2. P. Valadier, Essais sur la modernité, Nietzsche et Marx, Paris, Cerf-Desclée, 1974. 3. M. de França Miranda, Um homem perplexo. O cristão na sociedade atual, São Paulo, I..oyola, 1989.

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A revelação cristã é atravessada por um paradoxo que se tornou para o homem moderno verdadeiro escândalo. É um fato particular, acontecido no seio dum povo (revelação veterotestamentária) e na pessoa de um judeu Fato particular com pretensão universal do século I (revelação cristã), mas que apre­ senta a pretensão de um significado universal salvífico, de ser a Palavra de Deus para toda a humanidade de todos os tempos. R. Bultmann, por mais que se empenhe em desmitologizar a pregação evangélica e assim torná-la menos escandalosa para a razão moderna, faz questão de não eludir esse paradoxo fundamen­ tal. Mais. Quer afastar os escândalos aparentes para que apareça ainda com maior clareza o real e autêntico escândalo, que consiste no fato de Deus ter agido salvífica e perdoantemente num acontecimen­ ·to particular da história: Jesus Cristo, a quem se deve aderir para salvar-se4 • A pretensão universal da experiência particular do cristia­ nismo significa que o homem Jesus é a última e definitiva palavra de Deus na história. É o próprio filho de Deus. De fato, é verdadeiro escândalo que o pequeno e frágil povo de Israel - tantas vezes derrotado, exilado, massacrado - e a pessoa de Jesus Cristo - pertencente a esse povo, vivendo na periferia pobre do Império Romano no maior escondimento - possam, na sua ine­ lutável particularidade e contingência histórica, pretender fazer de­ pender de sua mensagem e pessoa respectivamente a relação ao Absoluto, de maneira última e definitiva. Mais "normal" seria entrar em contato com o Absoluto no interior das grandes religiões ou atra­ vés da sabedoria de mentes eminentes, sem que ninguém tivesse o "privilégio" de ser normativo. A mentalidade moderna e pós-moderna prima por ser tolerante, relativista, pluralista, de um ecumenismo religioso espiritual amplo, e, por isso, refuga altamente as pretensões totalitárias da verdade por particulares, quaisquer que sejam eles: estado, partido, classe, raça, cultura ou religião. Nesse sentido, a revelação cristã conflita alta­ mente com essa mentalidade. Em termos estritamente filosóficos, Lessing sustentava que "ver­ dades históricas contingentes não podem nunca ser provas de verda­ des racionais necessárias" 5• Ora o fato da revelação é um aconteci4. H. Zahmt, Aux prises avec Dieu: La théologie protestante au XX- siecle, Paris, 1969, p. 282. 5. G. E. Lessing, Sobre la demonstracioón en espíritu y fuerza, p. 447, cit. por: A. Torres Queiruga, La revelación de Dios en la realización del hombre, Madrid, Cristiandad, 1987, p. 151.

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mento histórico contingente, por isso, não pode ser prova de uma revelação com verdades divinas, necessárias e obrigatórias. Essa pretensão da revelação cristã de significado universal implica, como víamos acima, um caráter de obrigatoriedade, assume uma di­ mensão autoritativa. Ora, tal característica da re­ velação é percebida como uma "imposição autori­ Caráter de obrigatoriedade tária" contra a qual a razão moderna reage viru­ lentamente, ao sentir-se ferida na sua autonomia. Toda mensagem, elaborada dentro de uma cultura, que pretende dirigir-se ao conjunto da humanidade, que toma partido pelo todo ou desconhece a diversidade dos povos, culturas e religiões, está fadada a ser rejeitada desde o início. Um conjunto de proposições pode estar pleno de sentido em dado quadro cultural ou religioso, mas, por sua vez, tomar-se objeto irrelevante ou mesmo sem sentido e inaceitável fora deste quadro. Como ser significativo fora do mundo ocidental? Eis um desafio à revelação crist㪠. O conceito de revelação pode, e de fato o fez, inibir o estudo científico literário dos textos bíblicos, envolvendo-os com o manto da sacralidade e intangibilidade. A razão crftico-li­ terária, por sua vez, volta-se contra a concepção Tensão com as ciências literárias de revelação, como inibidora de sua atividade científica. Pretende tratar os escritos da revela­ ção como obra humana, sujeita a todas as regras da escritura e não suporta que eles sejam considerados intocáveis, graças ao fundamentalismo da revelação. A entrada da razão moderna, sob múltiplas formas, desferiu golpe fatal contra a tranqüilidade com que se encarava o fato da revelação e provocou a necessidade de uma teologia fundamental que o justificasse de maneira racional, a saber, acessível a esta razão moderna. A revelação parece envolta no véu do mito e por isso contradiz esta razão desmitologizante. "O filósofo francês Henri Gouhier disse que a ciência moderna nasceu no dia em que os anjos foram expulsos do céu." Por isso, Pascal podia afirmar: "O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora " 7• Este silêncio do Deus da criação implica ainda maior silêncio do Deus da revelação. A razão científica escreve "o grande livro da natureza em carateres geométricos" (G. Galilei) e pretende submeter a seu tribunal toda 6. R. Panikkar, Métathéologie ou théologie diacritique comme théologie fondamentale, in: Concilium n. 46 (1969) pp. 42s. 7. G. Gusdorf, A agonia da nossa civilização, São Paulo, Convívio, 1978, p. 33. 23

verdade que se apresente em nome de alguma outra autoridade que não ela. Pode-se afirmar que o "protesto contra a intervenção divina é parte do método científico, como ele surgiu no século XVI"ª. Com efeito, tanto a patrística como a teologia medieval conseguiram uma compreensão harmoniosa da relação entre Deus e o mundo. Deus como criador está sempre em Mentalidade antiintervencionista casa no mundo, de modo que não necessita fazer nenhuma violência, nenhuma "intervenção" para comunicar-se. Só um Deus assim transcendente pode estar de modo fundamental imanente ao mundo, de modo que não precisa, "vir de fora". O caminhar do mundo na sua autonomia não se con­ trapõe à presença de Deus, já que ela permeia toda a criação9 • A dificuldade da mentalidade moderna surge quando o culto à objetividade e o primado da causa eficiente levam, com sucesso, a reduzir o real e o seu conhecimento ao paradigma da matemática e da mecânica, no qual os objetos são pensados isolada e separadamen­ te neles mesmos. Afetam-se entre si só de maneira extrínseca e pela causalidade eficiente. A ordem natural é vista como fechada, autôno­ ma. Com esta mentalidade, torna-se impossível entender a comuni­ cação de Deus a não ser como intromissão intervencionista. Portanto a ser rejeitada, por violentar a autonomia, a liberdade, a maturidade, a responsabilidade, a integridade, a autenticidade humanas 10 • Este impacto da razão moderna aconteceu fundamentalmente e, em primeiro lugar, no mundo centro-europeu. Em nossas terras, repercutiu tardia e reflexamente. Tende a tornar-se cada vez mais forte sobretudo nas áreas mais letradas. Estruturas sodais injustas

Entretanto, a credibilidade da revelação vem sendo ameaçada entre nós sobretudo por causa da sua escandalosa ineficácia para a transformação duma realidade social injusta. Mais. A fé cristã é acusada de conivente e justificadora dessa situação. Este libelo de acusação à fé cristã foi percebido pelos bispos latino-americanos em Puebla: 8. F. J. van Beeck, Divine revelation: intervention or self-communication, in: Theological Studies 52 (1991, 2) p. 206. 9. F. J. van Beeck cita nessa linha a lrineu, Orígenes, Gregório de Nissa, art. cit., pp. 203s. 10. Ver a elaboração dessa aporia e o caminho de solução pela via da intercomunicação p